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Cursos Gerais ·
Psicologia Institucional
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Alfredo Simonetti MANUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR O MAPA DA DOENÇA Casa do Psicólogo Manual de Psicologia Hospitalar O Mapa da Doença Alfredo Simonetti Manual de Psicologia Hospitalar O Mapa da Doença Pearson Casa do Psicólogo 2016 Casapsi Livraria e Editora Ltda É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação para qualquer finalidade sem autorização por escrito dos editores 8ª Edição 2016 Diagramação Renata Vieira Nunes Revisão Gráfica Saulo Krieger Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Angélica Ilacqua CRB87057 Simonetti Alfredo Manual de psicologia hospitalar o mapa da doença Alfredo Simonetti 8 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2016 200 p ISBN 9788580407013 1 Doentes Psicologia 2 Diagnóstico 3 Hospitais Aspectos psicológicos 4 Medicamentos Administração 5 Pacientes hospitalizados Psicologia 6 Terapêutica I Título 160156 CDD 36211019 Índices para catálogo sistemático 1 Psicologia hospitalar Impresso no Brasil Printed in Brazil As opiniões expressas neste livro bem como seu conteúdo são de responsabilidade de seus autores não necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à Casapsi Livraria e Editora Ltda Av Francisco Matarazzo 1500 Cj 51 Ed New York Barra Funda São PauloSP CEP 05001100 Tel 11 36721240 wwwpearsonclinicalcombr Prefácio Introdução Sumário Primeira Parte Diagnóstico Diagnóstico Resumo Caso clínico Segunda Parte Terapêutica Terapêutica Estratégias básicas Associação livre Entrevista Fazer silêncio Mudança Negação Revolta 9 13 33 108 110 115 116 116 117 117 118 119 120 Sumário Prefácio 9 Introdução 13 PRIMEIRA PARTE DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO 33 Olhos para ver além do biológico 33 Eixo I Diagnóstico reacional 37 Eixo II Diagnóstico médico 70 Eixo III Diagnóstico situacional 74 Eixo IV Diagnóstico transferencial 93 Resumo 108 Caso Clínico 110 SEGUNDA PARTE TERAPÊUTICA TERAPÊUTICA 115 Estratégias básicas 116 Associação livre 116 Entrevista 117 Fazer silêncio 117 Mudança 118 Negação 119 Revolta 120 Para Lilia e Simonetti meus pais Depressão 121 Enfrentamento 123 Esperança 125 Bater papo 125 A palavra pertence a quem escuta 125 Transferência 126 Situação vital desencadeante 129 Ganho secundário 129 Situações clínicas 130 O paciente desenganado 130 Risco de suicídio 131 O paciente religioso 133 O paciente que não pediu para ser atendido 134 O paciente silencioso 135 Contar ou não contar 136 Assistência ao paciente terminal 138 O psicólogo no prontosocorro 144 O paciente histérico 147 O paciente na UTI 153 Sexo no hospital 155 Setting 156 O local de atendimento 156 O horário de atendimento 157 A duração do atendimento 158 Alta psicológica 158 No olho do furacão 159 APÊNDICE O MAPA DOS REMÉDIOS INTRODUÇÃO 163 Psicanálise do remédio 189 Analisando o paciente 190 Analisando o psicólogo 191 Analisando o médico 193 Analisando a cultura 194 Bibliografia 197 Prefácio Ao receber o convite de Alfredo Simonetti para prefaciar a presente obra sentime profundamente honrado tanto pelo respeito que tenho por seu trabalho quanto pelos laços de amizade e parceria que me ligam ao NEPPHO Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Hospitalar instituição em que Alfredo atua No entanto a satisfação cresceu intensamente ao entrar em contato direto com a obra pois pude encontrar uma excepcional contribuição à nossa especialidade a qual tenho certeza será de auxílio a muitos colegas e estudantes O livro que ora se apresenta trata a Psicologia Hospitalar e o papel do psicólogo no hospital de maneira direta numa agradável conversa do autor com os leitores aborda diferentes temas na área de atividade considerando como ponto de partida as duas principais tríades que permeiam o nosso trabalho no diaadia do hospital quais sejam a tríade de ação determinada pela dinâmica doençainternaçãotratamento e a tríade de relação composta por pacientefamíliaequipe de saúde Numa linguagem objetiva Simonetti facilita ao leitor a compreensão dos distintos espaços que compõem o processo pensarfazer Psicologia Hospitalar partindo de uma postura fenomenológica que possibilita uma interessante leitura psicanalítica como marco de suas reflexões e orientações ao psicólogo hospitalar A obra entrelaça de forma admirável a interação entre ciência e arte que caracteriza a especialidade No campo da arte relembra constantemente a importância do encontro terapêutico do saber ouvir do saber calar do saber como e porque falar e sobretudo da profunda dimensão humana que encerra esse encontro No campo da ciência organiza e esquematiza elementos que muito auxiliarão o desenvolvimento do raciocínio clínico a identificação clara do diagnóstico global da pessoa enferma e fornece com isso as luzes necessárias para o psicólogo seguir no caminho sempre desconhecido da evolução dinâmica do ser doente A utilização do conceito multiaxial para diagnóstico a exemplo do DSM IV além de facilitar a compreensão global dos processos biopsicossociais que acompanham o adoecimento aproxima o saber psicológico mais qualitativo e subjetivo do saber biomédico mais quantitativo e objetivo possibilitando assim a construção de uma ponte importante para a atividade interdisciplinar integrada nas ações de atenção à saúde das pessoas A partir do modelo de psicologia de ligação que considera a atividade do psicólogo hospitalar como um continuum dentro do hospital presente em cada momento em que se manifestam as demandas utiliza o referencial psicanalítico com muita propriedade e faz uma importante distinção extremamente necessária a meu ver sobre a diferença entre pensar psicanaliticamente e fazer psicanálise no hospital geral Muitas experiências que tentaram impor o modelo clínico tradicional e sua prática específica ao hospital geral se mostraram catastróficas pois essas se apresentaram descontextualizadas e descontextualizantes tanto para o paciente quanto para a família assistida gerando ainda um alheamento do Psicólogo em relação aos demais colegas da equipe de saúde Nesse sentido Simonetti resgata o pensar psicanalítico e com mestria o engaja a rotina do psicólogo hospitalar Ao final da obra traz para o leitor outra importante contribuição com o Apêndice que denominou Mapa dos Remédios onde apresenta uma visão introdutória à farmacologia e à psicofarmacologia tão presente na rotina hospitalar e mais uma vez de maneira clara e didática fornece informações e leituras significativas da importância dessas ferramentas terapêuticas do médico que não podem passar despercebidas pelo psicólogo seja pela influência direta que os fármacos exercem sobre os processos patológicos seja por toda a carga simbólica que estes carregam em nossa cultura Considero a presente obra uma importante contribuição para a Psicologia Hospitalar vindo somar significativos elementos à construção de nossa especialidade que ainda tem um longo caminho a trilhar São Paulo abril de 2004 Ricardo Werner Sebastiani Coordenador da Seccional Brasil da Associação Latinoamericana de Psicologia da Saúde Introdução Este livro é um mapa que visa orientar o psicólogo na cena hospitalar Foi escrito em forma de manual e nessa condição apresenta as noções fundamentais de psicologia hospitalar propõe um método de trabalho para o psicólogo e define seu objetivo que é nem mais nem menos o de ajudar o paciente a atravessar a experiência do adoecimento O Manual pretende ser útil tanto para o psicólogo que está iniciando sua caminhada neste novo campo profissional como para aquele que embora já trabalhe em hospital há algum tempo tenha o desejo de melhor sistematizar seus conhecimentos e sua experiência O livro se encontra dividido em duas partes o DIAGNÓSTICO que dá uma visão panorâmica do que esta acontecendo em torno da doença e da pessoa adoentada ensina a olhar por assim dizer e a TERAPÊUTICA que é a arte de fazer algo útil diante da pessoa adoentada ou seja o trabalho clínico propriamente dito com suas estratégias e técnicas ensinar a fazer se se pode dizer assim A primeira parte dedicada ao DIAGNÓSTICO apresenta uma breve discussão sobre a importância do diagnostico em medicina e em psicologia Longe de ser apenas um rótulo o diagnóstico é uma espécie de estreladonorte aquela que orientava os antigos navegantes quando ainda não existia a bússola sem o qual o psicólogo corre o risco de ficar perdido sem rumo na imensidão do hospital Em seguida vem uma abordagem dos quatro eixos que compõem o DIAGNÓSTICO diagnóstico reacional que estabelece o modo como a pessoa esta reagindo à doença diagnóstico médico um sumário de sua condição clínica diagnóstico situacional que é a análise das diversas áreas da vida do paciente e por fim o diagnóstico transferencial que estuda as relações que o sujeito estabelece a partir do adoecimento Esses eixos são maneiras diferentes e complementares de abordar a doença e possuem a vantagem de identificar situaçõesalvo para a terapêutica além de organizar o pensamento do psicólogo sobre o paciente De cada eixo apresentamos uma clara definição conceitual seus fundamentos teóricos e exemplos colhidos na prática clínica Não inventamos esses eixos que na verdade são criações de autores clássicos da psicologia e da psicanálise o mérito do Manual residindo em organizálos de forma que o psicólogo possa utilizálos com facilidade A segunda parte que trata da TERAPÊUTICA busca responder a seguinte questão o que faz um psicólogo no hospital Demonstra que o psicólogo efetivamente faz alguma coisa e que essa coisa é importante porque abre espaço para a subjetividade da pessoa adoentada porque influi no curso da doença porque modifica a vivência que o paciente os médicos e a família têm da próprio doença e mais este trabalho que o psicólogo realiza diante da doença lhe é especifico ou seja além dele nenhum outro profissional da área da saúde foi treinado para isso Essa tal coisa que o psicólogo faz chamase tratamento psicológico que segundo Freud é o cuidado que qualquer indivíduo presta a outro a partir de sua presença em pessoa Um apêndice ao final do livro trata da questão dos remédios em psicologia hospitalar o que o psicólogo hospitalar precisa conhecer sobre remédios em geral e o porquê O remédio é um mundo Saber caminhar nesse mundo deixar de sentirse um estranho no ninho aprender a perguntar e a ouvir sobre remédios ter noção de onde buscar as informações quando delas precisar poder acompanhar a fala do paciente quando ele se referir aos remédios conhecer sumariamente os principais tipos de remédios reconhecer a função dos remédios na subjetividade dos pacientes e desenvolver uma visão crítica do remédio como sintoma da modernidade são algumas competências de grande valia para o psicólogo no momento em que ele resolve praticar sua arte em um local em que o remédio é parte fundamental o hospital O livro apresenta ainda ao final de cada tópico um quadro com um resumo das principais informações Esse quadro permite que em uma segunda leitura o leitor possa consultar o tema que lhe interesse naquele momento de maneira mais rápida e objetiva O que é a Psicologia Hospitalar Psicologia hospitalar é o campo de entendimento tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento O adoecimento se dá quando o sujeito humano carregado de subjetividade esbarra em um real de natureza patológica denominado doença presente em seu próprio corpo produzindo uma infinidade de aspectos psicológicos que podem se evidenciar no paciente na família ou na equipe de profissionais Tratase de um conceito de psicologia hospitalar bastante amplo e que merece alguns comentários Ao apontar como objeto da psicologia hospitalar os aspectos psicológicos e não as causas psicológicas tal conceito se liberta da equivocada disputa sobre a causação psicogênica versus causação orgânica das doenças A psicologia hospitalar não trata apenas das doenças com causas psíquicas classicamente denominadas psicossomáticas mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer doença Enfatizemos toda doença apresenta aspectos psicológicos toda doença encontrase repleta de subjetividade e por isso pode se beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar Atualmente tanto a medicina como a psicologia aceitam que a doença é um fenômeno bastante complexo comportando várias dimensões biológica psicológica e cultural Porém quantificar e determinar exatamente qual a contribuição de cada uma destas dimen sões é outra questão que aliás não cabe à psicologia hospitalar responder até porque isso não é possível com os conhecimentos científicos atuais Além disso seria um erro estratégico grosseiro o psicólogo hospitalar perderse nessa disputa Situar as coisas em termos de causas psíquicas versus causas orgânicas é uma característica do pensamento médico verdadeira armadilha epistemológica para o psicólogo que não deve incorrer em tal erro pois o psíquico também é orgânico e viceversa Moretto 1983 A psicologia hospitalar enfatiza a parte psíquica mas não diz que a outra parte não é importante pelo contrário perguntará sempre qual a reação psíquica diante dessa realidade orgânica qual a posição do sujeito diante desse real da doença e disso fará seu material de trabalho Aspecto psicológico é o nome que damos para as manifestações da subjetividade humana diante da doença tais como sentimentos desejos a fala os pensamentos e comportamentos as fantasias e lembranças as crenças os sonhos os conflitos o estilo de vida e o estilo de adoecer Esses aspectos estão por toda a parte como uma atmosfera a envolver a doença transmutandoa em adoecimento e dependendo do caso podem aparecer como causa da doença como desencadeador do processo patogênico como agravante do quadro clínico como fator de manutenção do adoecimento ou ainda como consequência desse adoecimento conforme ilustrado na figura abaixo Figura 1 Aspectos psicológicos em torno da doença dinheiro e muitas outras coisas isso quando não se perde mesmo a própria vida Tantas perdas muitas delas reais e outras tantas imaginárias abrem uma espécie de caixa de Pandora de consequências subjetivas para a pessoa adoentada O ser humano comumente confere sentido a tudo o que ele vivencia e com o adoecimento não é diferente O conjunto de sentidos que o sujeito confere a sua doença constitui como consequência o campo dos aspectos psicológicos Entretanto um olhar mais atento mostra que a doença não é feita só de perdas também se ganha ganhase mais atenção e cuidados ganhase o direito de não trabalhar ganhase se for o caso autocomiseração e até uma desculpa genuína para explicar dificuldades existenciais profissionais ou amorosas Esses ganhos secundários da doença demonstram como aspectos psicológicos podem atuar como fatores de manutenção do adoecimento O foco da psicologia hospitalar é o aspecto psicológico em torno do adoecimento Mas aspectos psicológicos não existem soltos no ar e sim estão encarnados em pessoas na pessoa do paciente nas pessoas da família e nas pessoas da equipe de profissionais A psicologia hospitalar define como objeto de trabalho não só a dor do paciente mas também a angústia declarada da família a angústia disfarçada da equipe e a angústia geralmente negada dos médicos Além de considerar essas pessoas individualmente a psicologia hospitalar também se ocupa das relações entre elas constituindose em uma verdadeira psicologia de ligação com a função de facilitar os relacionamentos entre pacientes familiares e médicos Vejamos um exemplo dessa função de ligação imaginemos uma situação em que a doença se manifesta por meio de uma crise de dor muito intensa e o paciente é então levado ao hospital Nessa situação os interesses imediatos de médicos paciente e familiares não são os mesmos O paciente que sente a dor quer se livrar dela o mais rápido possível o seu interesse está no sintoma A família angustiada com o sofrimento do paciente quer se assegurar de que a doença não é tão grave e que ele vai ficar bom seu foco de interesse está no prognóstico Já o médico está muito interessado em descobrir qual a causa da dor do paciente ele quer descobrir o diagnóstico pois dele depende para instituir o melhor tratamento O paciente quer se livrar do sintoma a família quer saber do prognóstico e o médico quer fazer o diagnóstico Esse desencontro de objetivos geralmente precisa ser manejado e a psicologia hospitalar está implicada nessa tarefa Qual o objetivo da Psicologia Hospitalar O objetivo da psicologia hospitalar é a subjetividade A doença é um real do corpo no qual o homem esbarra e quando isso acontece toda a sua subjetividade é sacudida É então que entra em cena o psicólogo hospitalar que se oferece para escutar esse sujeito adoentado falar de si da doença da vida ou da morte do que pensa do que sente do que teme do que deseja do que quiser falar A psicologia está interessada mesmo em dar voz à subjetividade do paciente restituindolhe o lugar de sujeito que a medicina lhe afasta Moretto 2001 Uma característica importante da psicologia hospitalar é a de que ela não estabelece uma meta ideal para o paciente alcançar mas simplesmente aciona um processo de elaboração simbólica do adoecimento Ela se propõe a ajudar o paciente a fazer a travessia da experiência do adoecimento mas não diz onde vai dar essa travessia e não o diz porque não pode não o diz porque não sabe O des A idéia de um aspecto psicológico atuando como causa de uma doença orgânica é o próprio campo da psicossomática que tem demonstrado cabalmente a influência da mente sobre corpo o que implica as emoções os conflitos psíquicos e o estresse como responsáveis diretos pela etiopatogenia de diversas doenças como a úlcera duodenal a hipertensão a artrite a colite ulcerativa o hipertireoidismo a neurodermatite e a asma Se por um lado a influência do psiquismo no somático é indiscutível a ponto de existir atualmente a noção de que toda doença é psicossomática Botega 2001 por outro não é fácil demonstrar de maneira inequívoca que tal influência se dá precisamente como causa e não como outra forma de influência Cabe notar aqui que a psicologia hospitalar e a psicossomática são campos conceituais que não se recobrem de forma completa a primeira compartilha com a segunda o trabalho de identificar e tratar as causas psíquicas das doenças orgânicas mas não faz disso o seu cerne nem a tal coisa se limita aceitando como algo legítimo trabalhar com o aspecto psicológico em qualquer das formas que ele possa assumir causa consequência ou outra qualquer Ao que parece a psicologia hospitalar que nasceu da psicossomática e da psicanálise vem atualmente ampliando seu campo conceitual e sua prática clínica com isso criando uma identidade própria e diferente Esse ponto é corroborado pelas pesquisas de muitos autores Eksterman 1992 Moretto 1983 Angerami 2000 Sebastiani 1996 Chiattone 2000 Quando uma vivência psicológica consciente ou não reconhecida ou não pelo sujeito como ligada ao adoecimento vem precipitar o início do processo patogênico dizse então que essa vivência foi um fator psicológico desencadeante que agiu sobre uma vulnerabilidade física preexistente Muitas vezes porém a vivência psicológica nada tem que ver com o início da doença mas ajuda a piorar o quadro clínico já instalado ou influi negativamente no tratamento dificultandoo Nesses casos podese dizer que tal vivência teria sido um fator psicológico agravante Uma situação de perdas é como poderia ser definida a doença afinal perdese a saúde perdese a autonomia perdese tempo e tino do sintoma e do adoecimento depende de muitas variáveis do real biológico do inconsciente das circunstâncias etc O psicólogo hospitalar participa dessa travessia como ouvinte privilegiado não como guia O objetivo da psicologia hospitalar fundamentase em uma posição filosófica muito particular que pode ser melhor compreendida se colocada em perspectiva com a posição filosófica que fundamenta a medicina E quando se faz isso a primeira coisa que salta aos olhos é o fato de a psicologia não ser medicina É certo que na cena hospitalar medicina e psicologia se aproximam bastante articulamse coexistem tratam do mesmo paciente mas não se confundem já que possuem objetos métodos e propósitos bem distintos a filosofia da medicina é curar doenças e salvar vidas enquanto a filosofia da psicologia hospitalar é reposicionar o sujeito em relação a sua doença É muito importante notar então que a psicologia não está no hospital para melhorar o trabalho da medicina mas está lá para fazer outra coisa É certo que acaba mesmo ajudando o trabalho de cura da medicina mas esse não é seu principal valor sendo na verdade quase uma espécie de efeito colateral positivo Moretto 2001 O valor principal da psicologia hospitalar é a subjetividade A psicologia hospitalar jamais poderia funcionar a partir de uma filosofia de cura e isso em primeiro lugar porque se propõe a lidar com situações em que a cura já não é mais possível como doenças crônicas e doenças terminais e em segundo porque como tecnologia de cura no sentido médico de erradicação de doenças e eliminação de sintomas a psicologia é bem poco eficiente O psicólogo pode fazer muito pouco em relação a doença em si este é o trabalho do médico mas pode fazer muito no âmbito da relação do paciente com seu sintoma esse sim é um trabalho do psicólogo Quanto à cura o que se pode dizer da filosofia da psicologia hospitalar é que se ela não se dá pela cura também não se dá contra a cura É outra coisa uma filosofia do além da cura Mas o que existe para além da cura Suprimidos os sintomas e eliminadas as causas das doenças ainda permanecem a angústia os traumas as desilu sões os medos as consequências reais e imaginárias ou seja as marcas da doença Mesmo no trabalho bem sucedido de cura muitas coisas ficam resistem tanto no curador como no doente A psicologia hospitalar quer tratar dessas coisas dessas marcas Há um aforismo hipocrático que diz o seguinte curar sempre que possível aliviar quase sempre consolar sempre Se transmutarmos o consolar para escutar chegaremos a algo muito próximo da filosofia da psicologias hospitalar que então pode ser definida como filosofia da escuta em oposição à filosofia da cura da medicina Mas escutar o quê Não a doença da pessoa que disso já cuida e muito bem o faz a medicina mas escutar a pessoa que está enredada no meio dessa doença escutar a subjetividade porque no fim das contas a cura não elimina a subjetividade ou melhor a subjetividade não tem cura Nesse terreno da subjetividade a relação entre a psicologia e a medicina é de uma antinomia radical Moreto2001 Clavreul 1983 Enquanto a primeira faz da subjetividade o seu foco a segunda a medicina cientifica exclui a subjetividade de seu campo epistêmico de uma forma sistemática tendo mesmo como ideal uma suposta abordagem objetiva do adoecimento não enviesada por sentimentos e desejos Acaba por excluir a subjetividade tanto do paciente como do médico O problema dessa abordagem objetiva da medicina é que o excluído na teoria retorna com toda a força na prática da clínica médica onde assistimos na relação concreta médicopaciente uma verdadeira enxurrada de emoções sentimentos fantasias e desejos de ambos que por não terem amparo teórico são negados e escamoteadas mas nem por isso deixam de influir Moretto 2001 Quando o discurso médico fracassa em sua pretensão epistemológica de banir a subjetividade abremse então as portas do hospital para a psicologia entrar adentrar e cuidar dessas tais coisas que subvertem a ordem médica que criam confusão e perplexidade na cena hospitalar A medicina quer esvaziar o paciente de sua subjetividade e a psicologia se especializou em mergulhar nes sa mesma subjetividade acreditando que mais fácil do que secar o mar é aprender a navegar Que é exatamente isto ou seja reestabelecer as condições para a prática da medicina científica o que a medicina espera da psicologia hospitalar não resta dúvida A questão é saber se essa é mesmo a melhor função da psicologia nessa empreitada hospitalar Será o papel da psicologia hospitalar o de atuar como depositária de toda a subjetividade em torno do adoecimento permitindo com esse gesto que a medicina continue a ignorar a subjetividade e a trabalhar com um corpo como se nele não estivesse embutido um sujeito Ou caberia à psicologia hospitalar redirecionar de forma cuidadosa e não acusativa essa subjetividade de volta para a medicina forçandoa a incluíla em sua filosofia Poderia a medicina ser também subjetiva e continuar biologicamente tão eficaz São questões à espera de respostas Outro tópico interessante nessa comparação entre a medicina e a psicologia hospitalar é a questão do destino do sintoma ou seja o que cada uma faz com o sintoma do paciente A medicina não tem dúvidas quer eliminálo destruílo e tem mesmo de proceder assim ou alguém defenderia posição contrária Creio que não Esta é a natureza da medicina o tratamento e a cura Já com a psicologia hospitalar as coisas se passam de forma diferente ela não pode almejar a eliminação imediata do sintoma já que pretende escutar o que ele tem a dizer Sim para a psicologia todo sintoma além de doer e fazer sofrer carrega em si uma dimensão de mensagem comporta informações sobre a subjetividade do paciente havendo mesmo a noção de que o sujeito fala por meio de seus sintomas ou é falado por eles E a psicologia escuta Como funciona a Psicologia Hospitalar É pelas palavras que o psicólogo faz o seu trabalho de tratar os aspectos psicológicos em torno do adoecimento Para ilustrar essa estratégia consideremos a seguinte situação quando o psicólogo doente tem com o seu sintoma ou em outras palavras o que nos interessa primordialmente é o destino do sintoma o que o paciente faz com sua doença o significado que lhe confere e a isso só chegamos pela linguagem pela palavra O que diferencia o ser humano dos outros animais não é o biológico o corpo físico e sim a linguagem mais precisamente a palavra o corpo simbólico A biologia de um homem e a de um macaco ou mesmo a de um porco é essencialmente a mesma proteínas carboidratos gorduras células cromossomos DNA órgãos sangue sistema nervoso etc mas a linguagem não eles possuem linguagens radicalmente diferentes O que caracteriza o ser humano é a palavra Dessa maneira o psicólogo trabalha com o que é mais específico no ser humano ou seja a linguagem a palavra a conversa O psicólogo é o especialista nessa arte da conversa é esse o seu ofício para o qual foi treinado durante muitas e muitas horas de cursos análise pessoal e supervisão A conversa que o psicólogo proporciona ao paciente não é uma conversa comum Por exemplo ela é assimétrica um dos participantes fala mais do que o outro e é exatamente o silêncio desse outro que dá peso consequência e significado à palavra do primeiro E é bom que seja assim pois no hospital há muita gente querendo dizer para o paciente o que ele tem de fazer querendo dar conselhos estimulando mas não há ninguém além do psicólogo querendo escutar o que ele tem a dizer Ocorre que é mesmo muito angustiante ouvir o que uma pessoa doente tem a dizer são temores dores revoltas fantasias expectativas que mobilizam muitas emoções no ouvinte E é aí que entra a especificidade do psicólogo nenhum outro profissional foi treinado para escutar como ele Ao escutar o psicólogo sustenta a angústia do paciente o tempo suficiente para que ele o paciente possa submetêla ao trabalho de elaboração simbólica A maioria dos outros profissionais bem como a família e os amigos por não suportarem ver o paciente angustiado não conseguem lhe prestar esse serviço e querem logo apagar negar destruir ou mesmo encobrir a angústia Mas angústia não se resolve se dissolve em palavras O psicólogo mantém a angústia do paciente na sua frente para que ele possa falar dela simbolizála dissolvêla Para concretizar a sua estratégia de trabalhar o adoecimento no registro do simbólico a psicologia hospitalar se vale de duas técnicas escuta analítica e manejo situacional A primeira reúne as intervenções básicas da psicologia clínica tais como escuta associação livre interpretação análise da transferência etc Essas intervenções são familiares para o psicólogo a novidade é o setting inusitado em que elas se dão o hospital Já a segunda técnica que é o manejo situacional engloba intervenções direcionadas à situação concreta que se forma em torno do adoecimento Eis alguns exemplos dessas intervenções controle situacional gerenciamento de mudanças análise institucional mediação de conflitos psicologia de ligação etc Todas essas ações são específicas à psicologia hospitalar ou seja geralmente o psicólogo não faz nada disso em seu consultório mas no hospital é preciso sair um pouco da posição de neutralidade e passividade características da psicologia clínica Essa passagem do consultório para a realidade institucional do hospital é o grande desafio técnico da psicologia hospitalar As experiências malsucedidas em psicologia hospitalar parecem se caracterizar pela inadequação do psicólogo ao tentar transpor para o hospital o modelo clínico tradicional aprendido o que determina um desastroso exercício pelo distanciamento da realidade institucional e pela inadequação da assistência pelo exercício de poder mascarado quase sempre por um insistente falso saber Chiatone 2000 entra no quatro do paciente o que ele faz Nessa mesma situação os outros profissionais de saúde sabem muito bem o que têm a fazer O médico pergunta sobre os sintomas e examina o corpo do paciente a enfermeira cuida do corpo do paciente e lhe administra remédios Mas e o psicólogo o que faz exatamente Se o médico trabalha com o corpo físico do paciente o psicólogo trabalha com o corpo simbólico Muito bem mas onde está esse tal corpo simbólico Se o corpo físico está sobre a cama o corpo simbólico por acaso estaria embaixo dela É evidente que não mas então onde Simples está nas palavras e em nenhum outro lugar Essa noção é fundamental para o psicólogo ou seja seu campo de trabalho são as palavras Ele fala e escuta oxalá mais a segunda que a primeira Eis a estratégia da psicologia hospitalar tratar do adoecimento no registro do simbólico porque no registro do real já o trata a medicina Mas é só isso que o psicólogo faz só conversa Sim o psicólogo trabalha apenas com a palavra mas ocorre que a conversa oferecida pelo psicólogo não é um só isso pelo contrário é um muito mais que isso aponta para um além disso embutido nas palavras como ensina Freud quando afirma que a palavra é uma espécie de magia atenuada Assim o psicólogo não deve se constranger ante o comentário tão freqüente no hospital que é mais ou menos o seguinte ah mas o psicólogo só conversa Deve mesmo se orgulhar disso porque nenhum outro membro da equipe tem treinamento para trabalhar no campo das palavras que é exatamente onde o psicólogo é o especialista Mesmo naqueles casos em que o paciente encontrase impossibilitado de falar por razões orgânicas ou não tais como inconsciência sedação por medicação lesões na região oral ou pura resistência ainda assim essa orientação do trabalho pela palavra é válida já que existem muitos signos nãoverbais com valor de palavra como gestos olhares a escrita e mesmo o silêncio E quem não fala é falado Psicólogo e paciente conversam e essa tal conversa é a porta de entrada para um mundo de significados e sentidos O que interessa à psicologia hospitalar não é a doença em si mas a relação que o nhecimento A consequência clínica mais importante dessa visão é a de que em vez de doenças existem doentes Perestrello 1989 É claro que todo conhecimento é parcial e que jamais será possível se alcançar a verdade total de objeto algum havendo sempre um resto que não se deixa apreender Entretanto se não é possível conhecer o todo da doença ou do doente já será de grande utilidade conhecer muitas de suas dimensões se não o todo ao menos o plural Ninguém consegue entrar em um prédio por todas as portas ao mesmo tempo mas ao entrar por uma delas é perfeitamente exequível perceber ou imaginar a existência de muitas outras A ação haverá sempre de ser local enquanto a visão não esta sim pode ser global apontando para um todo que jamais será alcançado mas que pode servir de meta para um trabalho mais produtivo Mas será mesmo necessário olhar a doença com toda essa amplitude que o paradigma holístico propõe A julgar pela demanda que a nossa sociedade direciona à medicina podemos afirmar categoricamente que sim Hoje em dia o que mais se espera da medicina e da ciência não é o desenvolvimento tecnológico pois nesse campo felizmente já estamos bem avançados O que mais se quer é uma humanização da medicina e do que mais se fala é da relação médicopaciente da bioética do barateamento dos custos do acesso à saúde para todos etc E tudo isso só será possível se escaparmos do cientificismo duro e conseguirmos criar conexões produtivas entre a ciência e outros campos do saber como a psicologia a espiritualidade a política e a cultura em geral Evidentemente o aspecto psicológico não ocorre isoladamente mas se dá em uma determinada cultura e cada cultura tem seus determinantes sobre a doença tais como usos e costumes mitos folclores condições econômicas representações artísticas etc Convém que o psicólogo hospitalar tenha algum conhecimento desse material em sua cultura e em outras também pois isso enriquece seu arsenal terapêutico com analogias referências e idéias para conversar com o paciente sobre sua doença Além dessa dimensão cultural genérica é importante mencionar a dimensão espiritual A fé de uma pessoa tanto pode ser um recurso terapêutico como um empecilho para a vivência da doença A psicologia hospitalar também precisa levar em conta esse fator em sua equação do adoecimento As fontes O Manual sintetiza conhecimentos oriundos de três fontes principais a psiquiatria a psicanálise e a psicologia hospitalar A psiquiatria contribui com o modelo de diagnóstico multiaxial com as noções de psicopatologia e com o ideal de clareza e objetividade na linguagem Da psicanálise de longe nossa mais importante influência adotamos a filosofia a estratégia e a técnica Uma filosofia que transfere o foco da doença para o sujeito com suas formas conscientes e inconscientes de lidar com o adoecimento uma estratégia que orienta todo o trabalho para a palavra e uma técnica que embora modificada afinal divã e leito não são a mesma coisa mantêm o fundamental da psicanálise fazer falar e escutar Da psicologia hospitalar ou mais exatamente de nossa vivência no ambiente hospitalar tratando pacientes recolhemos os casos clínicos e as histórias que no Manual surgem como exemplos e como dicas práticas para as situações mais comumente vivenciadas pelo psicólogo na cena hospitalar Esses exemplos foram ligeiramente modificados para preservar a identidade dos pacientes Todo o material contido no Manual foi exaustivamente testado na condição de método de trabalho para o psicólogo hospitalar nos cursos de psicologia hospitalar que ministramos semestralmente no NEPPHO Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Hospitalar como coordenador e na PUCSP como professor convidado O valor do Manual reside no potencial de gerar estratégias terapêuticas úteis e jamais em uma presumível capacidade de alcançar a verdade da doença Acompanhando a ética da psicanálise acreditamos que a verdade última sobre as coisas não pode ser alcançada e que delas das coisas podemos ter apenas um saber O Manual almeja ser um saber sobre a doença e não uma verdade sobre a doença um saber que seja útil na clínica útil no contato com os pacientes e com suas angústias E por falar em clínica vejamos um pouco da sua história Na Grécia antiga havia dois tipos de médicos os que cuidavam dos cidadãos gregos e os que cuidavam dos escravos Como os escravos eram oriundos de outras nações e não falavam o idioma grego os médicos que deles cuidavam foram perdendo o hábito de conversar com esses pacientes Não adiantaria mesmo e não sendo possível a comunicação apenas os examinavam e medicavam Já os médicos que cuidavam de seus compatriotas gregos costumavam conversar muito com eles e como para conversar com pessoas doentes é preciso se inclinar um pouco sobre o leito eles começaram a ser conhecidos como os médicos que se inclinavam do grego inclinare e disso nasceu o termo atual clínica O psicólogo hospitalar é um clínico Definição A psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento Objetivos O objetivo da psicologia hospitalar é a subjetividade O objetivo da psicologia hospitalar é ajudar o sujeito a fazer a travessia da experiência do adoecimento Filosofia A filosofia da psicologia hospitalar é curar sempre que possível aliviar quase sempre escutar sempre A filosofia da medicina é a cura a da psicologia hospitalar alémdacura Estratégia A estratégia da psicologia hospitalar é tratar do adoecimento no registro do simbólico É pela palavra que o psicólogo realiza seu trabalho Técnica Escuta analítica e manejo situacional Paradigma O ser humano como um todo Se não o todo ao menos o plural Não existem doenças existem doentes Perestrello Quadro 1 Aspectos Conceituais da Psicologia Hospitalar PRIMEIRA PARTE DIAGNÓSTICO O diagnóstico Olhos para ver além do biológico Diagnosticar é o instante de ver seguido pelo tempo de entender que leva ao momento de intervir não necessariamente nessa ordem mas necessariamente interligados A principal razão pela qual os diagnósticos são feitos é eles facilitarem o tratamento de modo que diante de um diagnóstico bem feito a melhor estratégia terapêutica se evidencie naturalmente na mente do psicólogo bem treinado As outras razões são a pesquisa científica e a comunicação entre os profissionais Em medicina diagnóstico é o conhecimento da doença por meio de seus sintomas enquanto na psicologia hospitalar o diagnóstico é o conhecimento da situação existencial e subjetiva da pessoa adoentada em sua relação com a doença Sendo assim na psicologia hospitalar não diagnosticamos doenças mas o que acontece com as pessoas relativamente à doença e ele o nosso diagnóstico não é expresso em termos de nomes de doenças mas sim por uma descrição abrangente dos processos que influenciam e são influenciados pela doença Não oferecemos rótulos e sim uma visão panorâmica O paciente apresenta para o psicólogo um mundo de informações queixas relatos problemas sintomas emoções atuações defesas sua história de vida seus projetos desesperanças dores físicas e psíquicas etc Em meio a isso tudo o que deve ser trabalhado O diagnóstico é a maneira de organizar todo esse material o modo de construir um mapa para depois analisálo e decidir o melhor caminho a seguir É claro que sempre é possível seguir sem o mapa mas isso já é bem mais complicado O psicólogo não dirige a vida do paciente mas dirige o tratamento Lacan 1966 e com um mapa fica bem mais fácil direcionar as intervenções terapêuticas O diagnóstico é a modo que o psicólogo dispõe para melhor organizar o seu pensamento O diagnóstico é uma hipótese de trabalho não uma verdade absoluta Hipótese é uma teoria sobre alguma coisa que nos permite intervir sobre tal coisa e se a intervenção guiada por essa hipótese gerar a mudança esperada então ela é uma ótima hipótese caso contrário não o é Nóbrega 1996 Isso nada tem que ver com alguma verdade essencial da coisa e aliás a verdade não interessa ou melhor como não é possível alcançarmos a verdade absoluta sobre as coisas ela não deve ser o objetivo primário Não é preciso descobrir qual a verdade de uma doença para que possamos ajudar um paciente a enfrentála Basta descobrir a verdade do paciente sobre essa doença isso sim é essencial O psicólogo trabalha com o sentido das coisas não com a verdade das coisas A medicina também trabalha com essa filosofia pragmática pois são inúmeras as doenças de que não consegue descobrir a causa mas consegue curar Se uma hipótese não se mostra útil ela pode ser modificada já as verdades tendem a se transformar em rótulos definitivos Todo trabalho pode ser feito de duas maneiras diferentes intuitivamente ou de maneira metódica A intuição se dá quando fazemos uma coisa sem saber claramente como fizemos tal coisa Baseiase no talento numa disposição natural Já o método se refere a uma sequência de ações que conseguimos explicar racionalmente Para trabalhar em psicologia hospitalar é preciso um mínimo de talento de intuição de jeito mas isso não basta há que se buscar o entendimento racional do processo de adoecimento e o planejamento consciente das ações terapêuticas Aliás é exatamente isso o que diferencia o psicólogo hospitalar de outros profissionais que também cui dam psicologicamente de pessoas adoentadas como religiosos e voluntários Sim porque vontade de ajudar carinho pelos pacientes disposição para sentarse calmamente a seu lado e ouvilos bem isso é algo que todos esses profissionais têm de ter psicólogos e voluntários mas o psicólogo pode e deve ter um conhecimento mais metodológico dos processos psíquicos envolvidos no adoecer Os voluntários e os religiosos atuam a partir do amor e da fé e nisso são insuperáveis Já os psicólogos atuam a partir do amor e do saber e isso lhe é específico Na verdade se for para dar um força dar conselhos estimular a fé melhor é chamar algum dentre esses voluntários do que um psicólogo Essas pessoas em geral possuem mais experiência de vida e mais fé Se o psicólogo quer ter um lugar no hospital precisa acrescentar ao seu amor um método racional de trabalho Sem amor não há como trabalhar em psicologia hospitalar mas só com amor também não é possível O amor e a razão são como as duas asas de um pássaro necessárias O diagnóstico em psicologia hospitalar nada tem que ver com o psicodiagnóstico velho conhecido dos psicólogos que é um procedimento estruturado por meio de testes psicológicos que visam a determinar a posição do sujeito em determinadas escalas de inteligência ou em outra função psíquica Já o diagnóstico em psicologia hospitalar não se vale de testes Seu instrumento é o olho clínico do psicólogo e ademais não se estabelece uma escala quantitativa para comparações Atualmente o psicodiagnóstico não tem aplicação em psicologia hospitalar Na década de 1960 o diagnóstico como categoria científica foi bastante questionado na comunidade dos psicólogos Era tido apenas como rótulo e instrumento de discriminação dos pacientes em especial na área da saúde mental O uso perverso de diagnósticos psiquiátricos por regimes políticos totalitários como o da antiga União Soviética a ambiguidade dos diagnósticos da psiquiatria clássica com suas incontáveis e confusas classificações nosológicas além do costume popular de transformar diagnóstico em xingamento como por exemplo sua histérica justificavam essas críticas Entretanto nos últimos anos houve uma retomada na importância do diagnóstico motivada pela medicina baseada em evidências movimento científico que demanda uma linguagem objetiva para a comunicação entre os pesquisadores pela tentativa da psiquiatria em criar um sistema classificatório operacional de alta confiabilidade CID10 E DSM IV e pela insistência da psicanálise lacaniana em situar o diagnóstico estrutural como passo fundamental da clínica criando o conceito de direção de cura Leite 2000 É na esteira dessa revalorização clínica e científica do diagnóstico que a psicologia hospitalar quer se inserir A separação entre diagnóstico e terapêutica é meramente didática porque na prática o próprio ato de colher dados de um paciente visando à formulação de um diagnóstico jamais deixa de ser também uma intervenção com efeitos terapêuticos O diagnóstico já é um tratamento sempre Vejamos dois exemplos um na medicina e outro na psicologia hospitalar O médico quando se debruça sobre o paciente posicionando o estetoscópio sobre o seu peito em busca de informações sobre o funcionamento do coração já esta passando ao paciente a sensação de que é cuidado tratado mesmo e isso faz com que esse último se sinta melhor Há mesmo quem veja neste gesto a recriação simbólica de um cordão umbilical ligando médico e paciente com tudo de nutritivo que isso possa ter Quando um psicólogo entrevista um paciente pela primeira vez procurando diagnosticar sua forma de reação à doença ao mesmo tempo já está oferecendo ao paciente uma escuta que permite ao paciente elaborar sua doença por meio da fala o que por si só produz efeitos terapêuticos Não existe um ato que seja exclusivamente diagnóstico e todo encontro comporta possibilidades terapêuticas O Manual propõe um diagnóstico a partir de quatro eixos reacional o modo como a pessoa reage à doença médico a sua condição médica situacional análise das diversas áreas da vida do paciente e transferencial análise de suas relações Esses eixos encontramse esquematizados no quadro abaixo São maneiras dife rentes e complementares de abordar o adoecimento e possuem a vantagem de identificar as situaçõesalvo para a abordagem terapêutica além de organizar na mente do psicólogo o material clínico fornecido pelo paciente DIAGNÓSTICO Eixo I Reacional Eixo II Médico Eixo III Situacional Eixo IV Transferencial Quadro 2 Diagnóstico Multiaxial Eixo I Diagnóstico Reacional Adoecer é como entrar em órbita A doença é um evento que se instala de forma tão central na vida da pessoa que tudo o mais perde importância ou então passa a girar em torno dela numa espécie de órbita que apresenta quatro posições principais negação revolta depressão e enfrentamento figura 3 abaixo Habitualmente a pessoa entra na órbita da doença pela negação depois se revolta algum tempo depois entra em depressão e por último não sem algum esforço e trabalho pessoal alcança a possibilidade de enfrentamento real Essa ordem não é fixa e qualquer combinação é passível de ser encontrada na prática de modo que depois de entrar na órbita a pessoa pode mudar de posição vindo a ocupar qualquer uma delas Há ainda a possibilidade de o paciente se fixar em uma posição intermediária entre as quatro fundamentais e nesse caso ao fazer o diagnóstico marcamos algum ponto na órbita entre as duas posições principais Outro aspecto interessante está em perceber que a posição pode variar de um dia para o outro e por isso não convém aceitar como definitiva a posição identificada que é mutável Aliás órbita significa movimento em torno de Negaçao Doença Enfrentamento Revolta Depressão Figura 3 Órbita em torno da doença Essas posições não são específicas para a doença e constituemse isto sim nas maneiras que os humanos dispõe para enfrentar crises receber notícias ruins lidar com mudanças encarar a morte e também reagir a doenças Segundo Lacan acontecimentos como esses que desorganizam a vida do sujeito deveriam mesmo ser chamados de encontro com o real com o que não tem nome e portanto causa angústia com o que posiciona como um susto a questão o que é isto Moretto 2000 O diagnóstico reacional baseiase no trabalho da psiquiatra norteamericana Elisabeth KublerRoss 1989 que se dedicou ao estudo de pacientes terminais investigando o modo como eles lidavam com a proximidade da morte O resultado de suas pesquisas com mais de duas centenas de pacientes encontrase relatado em seu livro Sobre a morte e o morrer publicado em fins da década de 1960 Ela resume da seguinte forma os estágios pelos quais os pacientes passavam Todos os nossos pacientes reagiram quase do mesmo modo com relação às más notícias o que é típico não só em casos de doença fatal mas parece ser uma reação humana a pressões fortes e inesperadas isto é com choque e descrença Muitos de nossos pacientes fizeram uso da negação que podia durar de alguns segundos até muitos meses Essa negação nunca é uma negação total Depois dela predominava a raiva e a revolta manifestadas dos modos mais diversos como uma inveja dos que podiam viver e agir Quando os circuntantes conseguiam suportar essa raiva sem assumila pessoalmente ajudavam o paciente a alcançar o estágio temporário da barganha seguido pela depressão que era o trampolim para a aceitação final Posição negação Geralmente a primeira reação de uma pessoa diante da doença é de choque seguido de descrença manifestada em frases do tipo não é possível isso não está acontecendo comigo deve ser engano Na maioria das vezes o nosso encontro com a doença é mais parecido com um tropeço inesperado e que nos desconcerta do que com uma entrevista marcada com antecedência e para a qual podemos nos preparar com vagar Esse tropeço no real faz com que nos defrontemos com uma realidade cruel e absurda Absurda no sentido da impossibilidade de representação psíquica da própria morte Segundo Freud o inconsciente não é capaz de representar psiquicamente a morte própria a morte é sempre a morte de um outro Certa vez um paciente tentando me explicar porque não queria se submeter a uma cirurgia disse o seguinte O meu medo é acordar morto da anestesia Morre mas acorda coisa de vivo No inconsciente não existe a morte de si mesmo Para muitas pessoas a única possibilidade imediata diante da doença é a negação Quando alguém nega a doença não o está fazendo de caso pensado propositadamente e muito menos para irritar a equipe médica ou os familiares O paciente o faz porque naquele instante é o que ele pode fazer Talvez logo adiante possa assumir outra posição diante da doença mas por ora a negação é a arma que ele tem Com isso queremos dizer que a negação deve ser respeitada e não confrontada a qualquer custo nem a qualquer hora A negação pode assumir muitas formas e uma delas consiste em enxergar a doença no outro É interessante notar que a projeção não é exclusividade dos pacientes havendo mesmo quem defenda a idéia de que os profissionais de saúde escolhem essa profissão como forma de projeção Seria algo mais ou menos assim quem sabe se enfrentando a doença no outro posso evitar encontrála em mim mesmo Na posição de negação a pessoa pode agir como se a doença simplesmente não existisse ou então minimiza sua gravidade e adia as providências e cuidados necessários É o famoso empurrar com a barriga deixando para amanhã a consulta com o médico a realização de determinado exame o início de um tratamento etc O pensamento na negação é o do tipo onipotente sei o que estou fazendo sempre deu certo e por isso não é agora que vai dar errado no fim tudo dá certo O pensamento onipotente caracterizase pelo reconhecimento das capacidades e pela negação das incapacidades geralmente repetindo um padrão infantil em que a pessoa pensa que está acima das desgraças da vida aqui no caso das doenças Algumas pessoas pensam que não precisam se proteger já que nunca serão contagiadas mesmo As soluções tentadas na negação tem um quê de mágica A pessoa espera que algo divino que ela nem sabe o que é aconteça e resolva o problema como por exemplo curar um câncer sem fazer o tratamento médico ou então que uma nova descoberta científica traga a cura para a sua doença ou simplesmente que o fato de ela não pensar na doença possa fazer com que esta desapareça Apesar de todas as dificuldades originadas pela doença a pessoa na posição negação pode apresentar como emoção predominante uma certa alegria que para um observador geralmente parece falsa se é que existe tal coisa Tratase da alegria e entusiasmo que não contagiam quem está próximo e ao contrário podem até despertar uma reação de irritação Por trás dessa alegria é muito comum encontrarmos um medo da doença e da morte Kertész 1977 É interessante notar o que se passa no diaadia de uma pessoa que nega a sua doença Geralmente ela se sente irritada e angustiada A irritação é o resultado de uma raiva reprimida que se espalha difusamente sem alvo específico Analogamente a angústia é um medo sem objeto Quando temos medo temos medo de alguma coisa mas quando estamos angustiados não sabemos dizer o que nos Primeira Parte Diagnóstico angustia Na negação o medo da doença encontrase reprimido e o que surge é uma angústia vaga indefinida e flutuante No caso de alguma doença com muita visibilidade como doenças de pele ou doenças deformantes a única possibilidade de negação é o isolamento social e nesse caso a pessoa passa a ter dois problemas a doença e uma certa solidão Alguns pacientes recorrem ao sono como mecanismo de negação Em pacientes graves sob efeito de muitos remédios pode ser difícil distinguir esse sono de fuga do sono provocado pela sedação medicamentosa A negação não deixa de ter um certo componente de teimosia de insistência em manter inalterado o estado de coisas Nela a pessoa não consegue relaxar pois do contrário os sinais da doença se evidenciam e por isso há muita tensão acumulada na negação Muitos pacientes não negam a doença para si mas podem esconder sua existência das pessoas mais queridas e próximas numa tentativa de protegêlas Ela não vai agüentar saber que estou com câncer Outras vezes a negação da doença é por vergonha como no caso das doenças sexualmente transmissíveis ou outras doenças socialmente estigmatizadas Esses casos em que a pessoa reconhece sua doença mas não conta para os outros não são uma negação verdadeira mas podem roubar do paciente a chance de conversar sobre sua doença o que gera solidão e angústia A negação também pode ocorrer da parte dos familiares e médicos em relação ao paciente São as situações em que se questiona se é melhor contar ou não contar para o paciente sobre seu diagnóstico ou prognóstico Trataremos dessa questão mais adiante na segunda parte do livro mas podemos adiantar que a questão se encontra mal colocada já que o verdadeiro problema está em como contar e não em contar ou não contar Algumas palavras em medicina tornamse tão carregadas de significados negativos que são elas mesmas alvo de negação e não a doença Certa vez um paciente dizia para seu filho que era médico se for aquela doença eu não quero saber É uma dupla negação da doença e da palavra Nesse caso aquela doença era o câncer que para muita gente é uma palavra proibida e traz mau agouro Existem outras mas câncer é a campeã A psicologia hospitalar trabalha muito com as palavras e por isso é evidente a importância dessa questão das palavras proibidas para o psicólogo hospitalar Negação é diferente de desconhecimento Se um paciente não se dá conta da gravidade de seu estado devido por exemplo a um linguajar excessivamente técnico usado pela equipe médica isso não quer dizer que ele esteja na posição negação Simplesmente não conhece aqueles termos Certa vez um médico tendo a espinhosa tarefa de comunicar o falecimento de um paciente aos familiares disse que apesar de todos os esforços o paciente tinha ido a óbito ao que o familiar replicou Óbito Mas isso é grave doutor Nesses casos o médico pode estar se protegendo da angústia desses momentos por meio de um mecanismo linguageiro ou simplesmente não se deu conta do problema da linguagem numa sociedade com diferentes níveis culturais A negação não tem que ver com inteligência cultura nível intelectual ou social pois pessoas de todos os níveis sociais e econômicos podem vir a negar sua doença O que varia é a forma A negação não se dá por falta de informação e sim por falta de condições psicológicas falta essa que não deve ser entendida como defeito e sim como característica naquele dado momento A racionalização por exemplo é uma maneira culta e elaborada geralmente usada por pessoas informadas e inteligentes para negar a doença usando a informação para segurar a emoção diante da doença A medicina atual com sua ênfase na tecnologia em detrimento das relações humanas também não deixa de ser um viés de negação da angústia envolvida na doença Aos profissionais da área de saúde resta sempre a teoria a ciência e a técnica como formas privilegiadas e culturalmente reforçadas de se resguardar da avalanche de subjetividade que brota do adoecimento Primeira Parte Diagnóstico UMA HISTÓRIA DE NEGAÇÃO Havia na Índia há muitos séculos um homem muito rico e bondoso Quando nasceu seu primogênito ele decidiu que aquela criança tão desejada e tão amada não haveria de conhecer nem a dor nem a tristeza em sua vida Com esse intuito mandou construir um imenso palácio luxuoso e belo cercado de enormes muros que o isolavam do mundo lá fora e de todas as sua misérias tais como a fome a pobreza a doença a velhice e a morte Todos os empregados do palácio eram jovens bonitos e saudáveis E assim o menino foi criado poupado de todas as agruras do mundo e até mesmo as palavras que designavam tais desgraças eram proibidas no palácio O menino parecia feliz em seu paraíso terreno Ninguém sabe explicar a razão mas ao completar 19 anos o rapaz começou a sentir uma inquietação interior Parecia que faltava algo mas o quê Ele tinha tudo o que desejava De repente lhe ocorreu a fatídica curiosidade de conhecer o que havia para além dos muros Quando conseguiu fugir do palácio e saiu perambulando pelas ruas do mundo ficou chocado O que era aquilo tudo que via e que nem sabia o nome mas intuía a dor Era a doença a velhice a pobreza e a morte Veiolhe uma grande tristeza misturada à revolta contra a vida que permitia a existência de coisas tão feias Passada a fase da tristeza e da revolta comunicou ao pai que renunciaria a toda a sua riqueza e partiria para o mundo em busca de uma solução para o sofrimento humano mas uma solução que não fosse a de se esconder em seu lindo palácio E assim fez Essa é exatamente a história do príncipe Sidarta posteriormente conhecido como Buda Nascia aí o budismo Essa bela história sobre a origem de Buda ilustra a posição negação mas também aponta a passagem pelo processo de revolta depressão e enfrentamento Mostra que a negação jamais é total ou permanente Há sempre uma brecha pela qual se vislumbra o real insuportável e embora possa durar de alguns segundos até anos há sempre a possibilidade de uma reviravolta Foi o que se deu com Sidarta POSIÇÃO NEGAÇÃO Tipo de solução Mágica Emoção predominante Alegria Emoção evitada Medo Pensamento Onipotência Comportamento Adiar procrastinação Estado de ânimo Irritado e angustiado O sujeito Insiste Mecanismo Projeção Forma de passividade Não há o problema Esperança Exagerada Personagem Sidarta Frases Não é possivel No fim tudo dá certo Bobagem comigo isso nunca acontece Eu sei o que estou fazendo Não isso não pode estar acontecendo Quadro 3 Principais características da posição negação Posição revolta Aqui a pessoa cai na real enxerga a doença e enchese de uma revolta que pode ser dirigida para qualquer lado contra a doença contra o médico que a comunica contra a equipe de enfermagem contra si mesmo contra a família contra o mundo ou contra quem aparecer por perto Virtualmente qualquer um pode ser alvo da raiva que caracteriza a revolta Se na negação a frase característica era do tipo isso não acontece comigo na revolta o que se exclama é sim é comigo e não é justo A revolta geralmente se inicia como frustração e é fácil observar que uma pessoa frustrada primeiramente se irrita para depois se deprimir Parece quase uma sequência natural frustraçãoirritaçãodepressão A doença é um evento com alto poder de frustração Em primeiro lugar frustra o princípio do prazer pelo qual funciona nosso inconsciente ao introduzir a dor e o desprazer Frustra também nossa onipotência infantil na qual a vida acontece segundo nosso desejo Nesse sentido a doença é mais uma força de castração a que o ser humano é submetido em sua jornada Também no sentido prático a doença é muito frustrante Ela frustra nossa liberdade e nossa rotina Quando uma pessoa adoece ela perde a liberdade não pode mais fazer o que quer tem de fazer algo em relação à doença como por exemplo gastar seu tempo procurando tratamento ou então mudar hábitos de vida e todos sabemos como é irritante mudar nossos hábitos Conforme a gravidade da doença ela frustra também o nosso futuro e não só por meio da morte que põe fim a qualquer futuro mas também pelas limitações em vida que a doença acarreta Estamos falando dos sonhos profissionais e pessoais que uma doença pode comprometer seja por incapacidade física ou por consumir o tempo e o dinheiro que estavam destinados a coisas mais interessantes Outro aspecto particularmente irritante é a perda de autonomia provocada por algumas doenças A pessoa já não guia sua vida há muitas pessoas dizendo o que ela deve fazer isso quando não passa a depender concretamente de outras pessoas para coisas básicas como andar comer fazer sua higiene pessoal etc A nossa cultura valoriza muito o trabalho e as doenças costumam limitar a produtividade da pessoa temporária ou permanentemente Além disso o trabalho também exerce sua função de fuga dos problemas pessoais de modo que quando a doença limita o tra balho pode estar jogando a pessoa de cara com problemas que ela gostaria de evitar Isso pode levar tanto à negação quanto à revolta Contrastando com a passividade associada à posição negação a revolta caracterizase por uma intensa atividade Entretanto não devemos nos iludir com essa atividade pois nem toda atividade é produtiva pode ser mera agitação Qual é a diferença Agitação é atividade fora de foco não direcionada ao problema nada resolve é pura descarga energética sem objetivo a ser alcançado Essa é uma noção valiosa em psicologia atividade não é igual a produtividade Essa idéia foi sistematizada pela psicóloga norteamericana Jacquie Schiff Crema 1984 para quem existem quatro formas pelas quais uma pessoa pode ser passiva A primeira é a sobreadaptação que ocorre quando a pessoa age para agradar o outro e não para resolver o problema a segunda é o nada fazer em que não existe atividade a terceira é a agitação que se define como ação não focalizada no problema e a quarta forma é a violência que se caracteriza por autoagressividade e heteroagressividade que não resolvem o problema Fazendo uma correlação entre as quatro formas de passividade a as quatro formas de reagir à doença temos o seguinte é evidente a passividade nas posições de negação e depressão e embora possa parecer paradoxal a revolta com toda a sua agitação podendo chegar às raias da violência também é uma passividade enquanto não levar ao enfrentamento da doença esta sim a posição mais produtiva de todas entendendose como produtiva a possibilidade de atravessar o processo de adoecimento lutando contra a doença e não contra a frustração ou contra a angústia O que mais nos interessa mais neste momento pela sua estreita ligação com a revolta é a agitação Vejamos alguns exemplos uma pessoa que diante da doença se comporta de maneira nervosa gritando chorando quebrando coisas e agredindo pessoas é passiva embora esteja muito ativa Por outro lado esse mesmo comportamento em um momento agudo como no caso da notícia da morte de um ente querido não é comportamento passivo porque pode efetivamente ajudar como forma de catarse a enfrentar a angústia daquele instante Outro exemplo um cirurgião que durante um cirurgia deparase com uma imprevista artéria rompida a jorrar muito sangue nada ganha entregandose à agitação esbravejando contra a má sorte jogando instrumentos cirúrgicos na mesa agredindo verbalmente membros da equipe ou fazendo manobras cirúrgicas apressadas e nervosas Em um momento como esse ele só tem uma coisa a fazer manter a calma a fim de conseguir pinçar a artéria e estancar o sangramento Qualquer outra coisa seria passividade Cabe então não confundir nervosismo e agitação com eficiência Nos momentos mais difíceis é a focalização da ação que tem mais chances de resolver o problema e não um elevado grau de atividade O termo paciente difícil tão comum nas enfermarias dos hospitais não se refere a um paciente cuja doença exija muito da equipe médica quanto à técnica esse se denomina na verdade um caso grave mas designa o paciente que tem problemas de relacionamento seja porque está sempre de cara fechada não querendo conversar com ninguém seja porque é muito crítico ou sarcástico com os que cuidam de sua saúde como médicos enfermeiras ou familiares O paciente difícil é o protótipo da pessoa na posição de revolta embora alguns pacientes na posição depressão também possam receber esse rótulo Esses pacientes acabam sendo evitados pela equipe de uma forma consciente ah desse daí eu não cuido ou inconsciente por meio de pequenos esquecimentos dos horários de medicação cuidados muito apressados silêncio temeroso etc Na doença como na vida raivosos despertam medo e afastamento Tratar esses pacientes por esse caminho do isolamento só faz piorar a situação Quando eles podem ser escutados em sua revolta e mau humor quando podem ter seus sentimentos reconhecidos seus medos ventilados numa conversa desarmada geralmente melhoram muito em seus relacionamentos Ocorre que é mesmo muito mais difícil lidar com pacientes na revolta do que na negação em razão de seu comportamento querelante ruidoso disruptivo até A esses motivos devese somar o fato de que nunca é fácil para a equipe perceber que aquela agressividade que lhe está sendo dirigida nada tem de pessoal O psicólogo escorado em seus conhecimentos sobre transferência e acting out deve idealmente estar preparado tanto para lidar com um paciente assim bem como para orientar e dar suporte à equipe Estou aprendendo a fazer curativo em porcoespinho disseme certa vez uma enfermeira explicando porque achava que determinado paciente precisava de atendimento psicológico O pensamento na revolta gira em torno do tema da justiça ou melhor da injustiça de a doença acometer alguém que nunca fez mal a ninguém Muitas vezes ouvimos comentários do tipo fulano que é uma peste um crápula está tão bem e essa pessoa tão nobre passando por todo esse sofrimento O escritor J J Simmel pergunta no título de um de seus livros por que coisas ruins acontecem a pessoas boas Para além da angústia e revolta desses questionamentos encontrase um modelo moral de doença pelo qual a doença é entendida como um castigo divino por determinados pecados ou um castigo da vida em razão de hábitos pouco saudáveis Laplantine 1991 O problema é o seguinte a doença carrega em seu âmago o princípio da incerteza pessoas boas e más adoecem pessoas desleixadas e supercuidadosas adoecem não há uma garantia contra a doença e ausência de garantia gera angústia Como não se trata de um julgamento o trabalho do psicólogo hospitalar constituise em ouvir essas queixas sem reprimilas mas também sem estabelecer veredictos do tipo a vida não é justa os quais embora verdadeiros já estão por demais desgastados Cabe escutar muito mais no lugar de testemunha do que de juiz Se na negação as soluções tentadas são mágicas na revolta elas são do tipo impulsivo muito mais uma ação para descarregar tensão acumulada do que tentativas de solucionar qualquer problema É na qualidade de válvula de escape de diminuição da angústia que essas soluções devem ser sustentadas e apoiadas pelo psicólogo hospitalar na medida do possível Não são soluções verdadeiras mas ajudam a manter a angústia em um nível suportável e muitas vezes não há mesmo nada de efetivo que o paciente possa fazer naquele instante mas como fazer nada é quase insuportável para os seres humanos cabem soluções que distraiam a atenção As soluções do tipo impulsivo se enquadram no tipo de passividade denominado agitação que comentamos acima Nesse sentido cabe dizer que muitas vezes a ação é fora de foco porque não existe mesmo um foco não há um problema a ser resolvido e nesse caso o que fazer A raiva é positiva é um sinal de luta pela vida uma tentativa de afirmação subjetiva O problema da raiva na revolta é o seu exagero e sua constância que a denunciam como tentativa de evitar alguma outra coisa De modo geral as emoções humanas acontecem em uma curva do tipo pico isto é começam em baixa intensidade e vão crescendo até atingir um pico máximo depois do quê iniciam um declínio Quando qualquer emoção muda sua curva do tipo pico para o tipo platô que é a intensidade do pico mantida como podemos visualizar na figura abaixo devemos ficar atentos para seu caráter de disfarce de alguma outra emoção É natural uma pessoa sentir raiva diante da doença mas se ela passa o tempo todo sentindo raiva se essa raiva se torna uma condição quase permanente é hora de nos perguntarmos por quê Com muita frequência uma raiva desse tipo está a serviço de evitar a angústia e a tristeza De modo similar se a tristeza se torna permanente como veremos na depressão geralmente envolve uma dificuldade em lidar com a raiva Nesse campo emocional o trabalho do psicólogo hospitalar é facilitar e expressão das emoções evitadas mas de nada adianta acusar o paciente de estar reprimindo essa ou aquela emoção Não é pela via da denúncia que o paciente chega à emoção que evita O psicólogo pode apenas acompanhar o caminho que vai da raiva à tristeza ou viceversa mas não pode induzilo O melhor é ficar atento ao discurso do paciente e quando ele evidenciar a emoção evitada chamar a sua atenção para ela Se ele estiver pronto vai engatar e mudar de posição Caso contrário não Cabe esperar e acompanhar Conselhos do tipo soltese expresse suas emoções podem até ajudar mas um silêncio genuíno por parte do psicólogo é um convite muito mais poderoso tem quase a força de um vácuo que puxa sem forçar aquilo que está reprimido Esse é o segredo da psicanálise fazer silêncio um silêncio para ser preenchido pela fala do paciente e não pela do psicólogo Outra coisa depois que a emoção foi expressa não é preciso concluir nada já está feito o mais importante ele falou não cabe tirar nenhuma lição de moral disso tipo está vendo agora toda vez que sentir alguma coisa diga Outro exemplo diante de um paciente raivoso que ao falar titubeia engasga e começa a dar sinais de choro melhor do que lhe dizer vamos chore é fazer um silêncio expectante paciente sem ansiedade É da ordem do perfume o trabalho do psicólogo hospitalar há que ser sutil quase fugaz não pode ser muito direto ou intenso se não estraga É uma arte a ser cultivada esse negócio de atendimento psicológico Uma pessoa que permanece tempo demais na posição revolta acaba por desenvolver um padrão de estresse O estresse é um estado de prontidão para a luta Nele todo o organismo a mente e o corpo colocase em alerta os músculos se enrijecem a respiração fica mais rápida o coração dispara grande quantidade de adrenalina é despejada na corrente sanguínea os olhos se abrem mais para perceber o meio ambiente etc O estresse é positivo quando existe mesmo um desafio a ser enfrentado já que ele aumenta o desempenho do organismo no processo de luta ou fuga Entretanto quando é mantido cronicamente tanto o corpo como a mente começam a dar sinais de exaustão com queda do rendimento global e diminuição até mesmo das defesas imunológicas do corpo Sebastiani 1998 Na posição de revolta a pessoa resiste luta e isso é valioso mas é preciso caminhar em direção a um enfrentamento mais realista direcionando os esforços por exemplo para o tratamento do contrário o organismo entrará em colapso A irritabilidade crônica de uma pessoa em revolta além dos problemas de relacionamento que acarreta é também um sinal de que o colapso pode estar próximo A revolta pode assumir a forma de hostilidade contra a instituição Em tal situação a pessoa se volta contra o hospital contra o plano de saúde contra o sistema governamental de saúde contra a própria medicina contra a ideologia dominante e mesmo contra outras coisas Com muito frequência existe uma base de realidade nessas críticas como nos casos de reivindicações contra falta de vagas nos hospitais demora na marcação de consultas falta de remédios e outros insumos hospitalares Angerami 1996 Considerando que a maior parte dessas instituições possui para o paciente um caráter abstrato distante e impessoal é interessante perguntar contra quem concretamente falando o paciente vai brigar Contra as pessoas que se encontram na linha de frente do atendimento que são tomadas como representantes dessas instituições os médicos as enfermeiras e auxiliares administrativos São neles que os pacientes costumam descontar sua raiva contra o sistema Novamente será muito difícil para a equipe suportar esse ataque injusto e entender que ele não é pessoal O psicólogo com sua arte de escuta deve estar preparado para desempenhar um papel de mediação nesse campo conflituoso UMA HISTÓRIA DE REVOLTA Há muitos e muitos anos vivia na região da Mancha um nobre fidalgo descendente de uma família de honrados cavaleiros Mergulhado em seus livros e em suas reflexões filosóficas chegou um belo dia a uma constatação irritante havia muita injustiça no mundo a sua volta e como cavaleiro que era tendo jurado pela santa cruz defender os fracos doentes pobres e injustiçados preparou suas armas vestiu sua armadura convocou seu fiel escudeiro montou em seu cavalo e decidiu correr o mundo a defender quem dele precisasse Em suas andanças lutou contra enormes gigantes defendeu lindas e castas donzelas enfrentou gananciosos senhores bateuse contra cavaleiros do mal e assim seguiu sem nunca descansar ou se render por dias e dias sem conta até que um dia um cavaleiro vestido de negro o venceu Humilhado com a derrota retornou aos seus domínios e quedouse em profunda depressão que o levou à beira da morte Antes porém pôde ouvir de seus familiares que os gigantes com quem lutara eram na verdade moinhos de vento que a donzela por quem se batera era uma prostituta chamada Dulcineia que o cavaleiro negro era seu sobrinho que não encontrando outro meio de fazêlo recobrar a lucidez optou por enfrentálo em seu próprio delírio Estranhamente a verdade desses fatos não o decepcionaram Já estava em condições de enfrentálos O personagem Dom Quixote criado pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes ilustra bem a posição de revolta com suas lutas justas mas contra inimigos errados ou mesmo imaginários POSIÇÃO REVOLTA Solução tentada Impulsiva Emoção predominante Raiva Emoção evitada Tristeza Pensamento Injustiça Comportamento Fora de foco agitação Estado de ânimo Estressado e solitário O sujeito Resiste Mecanismo Luta Forma de passividade A luta não muda o problema Esperança Quererante Personagem Dom quixote Frases Isto não é justo Por que eu Odeio ficar doente Quadro 4 Principais características da posição revolta Posição Depressão Na posição depressão a pessoa se entrega passivamente a sua doença É como uma desistência nada espera do futuro e pode mesmo se negar a qualquer esforço quanto ao tratamento Não costuma ser uma fase de desespero é muito mais de desesperança onde a pessoa não acredita que possa ser curada ou então a cura possível não interessa em razão das perdas que acarreta podendo chegar a um ponto em que já não há nem mesmo o medo de um desfecho fatal Não tem medo da morte nem vontade de viver mas há tristeza É um equívoco pensar que a pessoa deprimida pela sua manifesta indiferença não sofre sofre sim e bastante O silêncio é a frase mais comum na posição depressão Entretanto muitos outros ditos se fazem ouvir para quê já sou muito velho não adianta não vai dar certo você é quem sabe Depressão é uma palavra plural embora não termine em s Em razão do fato de ela poder assumir muitas formas diferentes mais correto seria falar em depressões Convém distinguir os vários tipos para evitar tanto uma confusão teórica como uma psiquiatrização da vida Freud 1980 vol XIV distingue dois tipos principais de depressão o luto e a melancolia o primeiro uma reação no campo da normalidade o segundo adentrando já o psicopatológico Tanto o luto como a melancolia são maneiras de lidar com a perda do objeto objeto aqui tomado no sentido psicanalí tico significando objeto da pulsão objeto da libido objeto de amor Embora na maioria das vezes o objeto seja uma pessoa também pode ser uma coisa um ideal liberdade crença etc ou ainda um aspecto da pessoa o qual se transformou como por exemplo a juventude perdida o estado civil ou o que nos interessa mais aqui o estado de saúde Que objeto exatamente é esse que se perde na doença só o trabalho individual com o paciente é que pode determinar já que muitas vezes esse objeto perdido só existe no imaginário do paciente Nas palavras de Freud na depressão a perda é secreta e só desvendável no trabalho de análise Vejamos como Freud conceitua o luto em seu trabalho Luto e Melancolia Freud 1980 vol XIV o luto comporta um estado de alma doloroso a perda de interesse pelo mundo exterior a perda da capacidade de escolher um novo objeto de amor o que equivaleria a substituir aquele por quem se está enlutado e o abandono de qualquer atividade não relacionada à memória do defunto Concebemos facilmente que essa inibição e restrição do ego exprimem o fato de o indivíduo se entregar exclusivamente ao seu luto de sorte que nele nada resta para outros projetos e outros interesses Aqui vemos que o luto e portanto a depressão não é uma coisa meramente negativa não se resume a um desinteresse pelo mundo e pela vida Se a pessoa recolhe sua libido que estava direcionada ao objeto é para investila em outro lugar fazer outra coisa O psicólogo hospitalar deve se lembrar disso quando estiver atendendo um paciente na posição depressão Não cabem mais frases do tipo ele não está fazendo nada já que na verdade a pessoa está realmente fazendo alguma coisa Essa coisa que o deprimido faz é um trabalho psíquico uma elaboração da perda a qual leva tempo e nela o psicólogo pode ajudar muito mas não é o caso de apressála o trabalho psíquico tem seu próprio ritmo A melancolia para Freud é um quadro com características psicóticas e nisso ele concorda com a psiquiatria moderna que usa o termo para designar casos graves de depressão que incluem delírios e alucinações Clinicamente a melancolia se manifesta como um luto acrescido de mais algumas coisas a saber culpa e autoacusa ção ausência de cuidados elementares como alimentação e higiene desânimo intenso podendo chegar ao estupor perda de interesse pelo mundo beirando o egocentrismo total por isso a depressão é chamada neurose narcísica e uma perda da capacidade de amar sendo muito comum o próprio paciente se queixar de uma sensação de falta de afetividade Nas palavras de Freud a pessoa se descreve como sem valor incapaz do que quer que seja e moralmente condenável recriminase insultase espera repulsa e punição e compadecese de seus familiares por estarem ligados a uma pessoa tão indigna quanto ele e o que é notável evidencia um fracasso da pulsão que obriga todo ser vivo a apegarse à vida O paciente na posição depressão tipo melancolia encontrase em risco aumentado de suicídio Diagnosticando esse risco cabe ao psicólogo tomar as providências adequadas como veremos mais adiante Dessas considerações psicanalíticas extraímos as seguintes consequências para o nosso trabalho em psicologia hospitalar Diferentemente das outras três posições quando diagnosticamos que um paciente se encontra na posição depressão o trabalho ainda não está completo é preciso ir mais adiante e especificar o tipo se depressão reacional luto ou depressão melancólica Mas por quê Porque cada tipo exige uma conduta terapêutica diferente Se for reacional portanto uma depressão mais próxima do normal por assim dizer podemos esperar uma evolução favorável Já se o quadro for do tipo melancólico exige um atendimento mais frequente mais atenção a sinais de risco de suicídio maior entrosamento com a equipe médica e sugere uma evolução mais complicada bem como implica uma investigação mais detalhada da história psiquiátrica do paciente em busca de episódios anteriores de transtorno depressivo maior Outra consequência importante é a noção de que no adoecimento a depressão em seu sentido de luto e tristeza é uma etapa necessária ao enfrentamento da doença e se evitada como no caso da negação ou da revolta constituise em dificuldade mas que quando muito exagerada como na melancolia vai beirar o patológico Se a depressão é necessária ao trabalho psíquico de enfrentamento o psicólogo hospitalar deve estar preparado para aceitála no paciente em vez de querer tirálo a qualquer custo dessa posição É preciso aprender a suportar por algum tempo a tristeza e a angústia no outro A experiência mostra que tal só é possível quando o profissional já aprendeu a enfrentar e a sustentar a angústia e tristeza referentes à perda de seus objetos pulsionais Geralmente o psicólogo por já ter se submetido ou estar se submetendo a um processo de análise pessoal estaria em tese em melhores condições para fazer isso do que os outros profissionais da saúde os quais raramente se submetem a um processo de análise Cabe agora proceder a alguns esclarecimentos para evitar possíveis malentendidos referentes ao uso muito genérico da palavra depressão A posição depressão na órbita reacional não é a mesma coisa que a doença denominada depressão Naquela posição a pessoa apresenta uma série de sintomas que também estão presentes na doença depressão mas pelo seu caráter passageiro e reativo não preenchem os critérios diagnósticos para a depressão propriamente dita A primeira é uma reação com colorido depressivo e a segunda um transtorno mental bem especificado É evidente que em determinados casos as duas entidades podem estar presentes mas essa não é a regra Outra distinção necessária ocorre entre tristeza e depressão É certo que na doença mental depressão a tristeza é um elemento presente e fundamental mas nem toda tristeza é uma doença A tristeza é uma emoção humana bastante natural ante a situações de perda Essa questão tem crescido em importância nas últimas décadas em razão do advento dos medicamentos antidepressivos Há uma tendência da indústria farmacêutica e de alguns psiquiatras em abordar a tristeza independentemente da depressão com remédios No Brasil e nos EUA existe um estudo científico sobre o uso de antidepressivos em pessoas sem nenhuma sintomatologia psiquiátrica A tese desses trabalhos está em que os antidepressivos podem tornar as pessoas mais seguras e podem melhorar seu desempenho social de uma maneira global Algo como tornálos mais felizes ou transformalos nos supernormais Ipq 2003 Dois movimentos sustentam essas idéias o marketing da indústria farmacêutica e a tentativa de nossa cultura pósmoderna de evitar a angústia a qualquer preço esquecendose porém de que existe uma angústia que faz parte da vida a angústia dita existencial que é constituinte da própria condição humana Também trataremos dessa questão mais adiante no apêndice sobre os remédios Agora uma questão meramente terminológica a posição depressão na órbita da doença nada tem que ver com a posição depressiva postulada pela psicanalista Melanie Klein como uma das fases do desenvolvimento psicossexual do ser humano São conceitos diferentes que usam palavras semelhantes mas que não se implicam mutuamente Na posição depressão a tendência é para a inatividade quase não há ação A causa provável disso é o estreitamento do campo existencial e a lentificação dos processos psíquicos que caracterizam a depressão Somenreich 1994 Ao contrário da posição negação com seu pensamento onipotente a posição depressão evidencia um pensamento com conteúdo de impotência é o pólo oposto A pessoa não se acredita capaz de ficar curada nem capaz de enfrentar a situação provocada pela doença e geralmente percebe seu estado de saúde como sendo mais grave do que realmente é Outras vezes essa impotência se estende levando a uma descrença nos poderes terapêuticos da medicina e da psicologia É comum nas primeiras entrevistas escutarmos o paciente dizer coisas como de que adianta ficar aqui falando de minha doença com você isso não vai mudar nada É interessante notar como essa é uma das primeiras coisas a mudar no quadro psíquico daquele paciente em atendimento psicológico Ele começa a descobrir que a palavra pode sim mudar as coisas mas a sua própria palavra e não a palavra dos outros em forma de conselho ou orientação É a sua palavra plena carregada com a sua verdade pessoal que quando expressada e sustentada pelo psicólogo hospitalar ouvinte treinado para isso desencadeia um misterioso processo de mudança se não da doença da forma como ela é vivenciada É nesse instante que surge a nova frase do paciente para o psicólogo você pode vir novamente amanhã para continuarmos conversando Se as soluções tentadas pelo paciente são mágicas na negação e impulsivas na revolta aqui elas são do tipo narcísica Narcisismo significa o recolhimento da libido investida nos objetos para investimento no próprio ego A doença provoca mesmo essa regressão que é na verdade uma tentativa de cura tentativa de reconstituição da própria forma do ego Notese como na depressão a palavra eu é insistente eu não consigo eu não tenho mais jeito a vida continua igual eu que não encontro mais prazer em nada Quando a pessoa puder vai voltar sua atenção novamente para as coisas do mundo e da doença aí estará se iniciando o processo de enfrentamento é a volta do pêndulo A tristeza é emoção emblemática da posição depressão É natural sentir tristeza diante da doença considerandose que a tristeza é a emoção da perda e que a doença se faz acompanhar de muitas perdas algumas concretas outra imaginárias mas sempre perdas de objetos pulsionais Não ficar triste durante o processo de adoecimento é um estado a ser alcançado após algum trabalho de elaboração psíquica é um ponto de chegada e nunca um ponto de partida Entretanto quando a tristeza se cristaliza monopolizando todo o cenário emocional da vida da pessoa isso pode significar que existe uma exclusão das outras emoções e geralmente o problema é com a raiva A pessoa cronicamente entristecida pode ter dificuldades em expressar sua hostilidade O diaadia de uma pessoa na posição depressão é vivenciado como sem graça Ela faz as coisas por fazer sem prazer É como se a vida antes colorida transcorresse agora em preto e branco
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Alfredo Simonetti MANUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR O MAPA DA DOENÇA Casa do Psicólogo Manual de Psicologia Hospitalar O Mapa da Doença Alfredo Simonetti Manual de Psicologia Hospitalar O Mapa da Doença Pearson Casa do Psicólogo 2016 Casapsi Livraria e Editora Ltda É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação para qualquer finalidade sem autorização por escrito dos editores 8ª Edição 2016 Diagramação Renata Vieira Nunes Revisão Gráfica Saulo Krieger Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Angélica Ilacqua CRB87057 Simonetti Alfredo Manual de psicologia hospitalar o mapa da doença Alfredo Simonetti 8 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2016 200 p ISBN 9788580407013 1 Doentes Psicologia 2 Diagnóstico 3 Hospitais Aspectos psicológicos 4 Medicamentos Administração 5 Pacientes hospitalizados Psicologia 6 Terapêutica I Título 160156 CDD 36211019 Índices para catálogo sistemático 1 Psicologia hospitalar Impresso no Brasil Printed in Brazil As opiniões expressas neste livro bem como seu conteúdo são de responsabilidade de seus autores não necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à Casapsi Livraria e Editora Ltda Av Francisco Matarazzo 1500 Cj 51 Ed New York Barra Funda São PauloSP CEP 05001100 Tel 11 36721240 wwwpearsonclinicalcombr Prefácio Introdução Sumário Primeira Parte Diagnóstico Diagnóstico Resumo Caso clínico Segunda Parte Terapêutica Terapêutica Estratégias básicas Associação livre Entrevista Fazer silêncio Mudança Negação Revolta 9 13 33 108 110 115 116 116 117 117 118 119 120 Sumário Prefácio 9 Introdução 13 PRIMEIRA PARTE DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO 33 Olhos para ver além do biológico 33 Eixo I Diagnóstico reacional 37 Eixo II Diagnóstico médico 70 Eixo III Diagnóstico situacional 74 Eixo IV Diagnóstico transferencial 93 Resumo 108 Caso Clínico 110 SEGUNDA PARTE TERAPÊUTICA TERAPÊUTICA 115 Estratégias básicas 116 Associação livre 116 Entrevista 117 Fazer silêncio 117 Mudança 118 Negação 119 Revolta 120 Para Lilia e Simonetti meus pais Depressão 121 Enfrentamento 123 Esperança 125 Bater papo 125 A palavra pertence a quem escuta 125 Transferência 126 Situação vital desencadeante 129 Ganho secundário 129 Situações clínicas 130 O paciente desenganado 130 Risco de suicídio 131 O paciente religioso 133 O paciente que não pediu para ser atendido 134 O paciente silencioso 135 Contar ou não contar 136 Assistência ao paciente terminal 138 O psicólogo no prontosocorro 144 O paciente histérico 147 O paciente na UTI 153 Sexo no hospital 155 Setting 156 O local de atendimento 156 O horário de atendimento 157 A duração do atendimento 158 Alta psicológica 158 No olho do furacão 159 APÊNDICE O MAPA DOS REMÉDIOS INTRODUÇÃO 163 Psicanálise do remédio 189 Analisando o paciente 190 Analisando o psicólogo 191 Analisando o médico 193 Analisando a cultura 194 Bibliografia 197 Prefácio Ao receber o convite de Alfredo Simonetti para prefaciar a presente obra sentime profundamente honrado tanto pelo respeito que tenho por seu trabalho quanto pelos laços de amizade e parceria que me ligam ao NEPPHO Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Hospitalar instituição em que Alfredo atua No entanto a satisfação cresceu intensamente ao entrar em contato direto com a obra pois pude encontrar uma excepcional contribuição à nossa especialidade a qual tenho certeza será de auxílio a muitos colegas e estudantes O livro que ora se apresenta trata a Psicologia Hospitalar e o papel do psicólogo no hospital de maneira direta numa agradável conversa do autor com os leitores aborda diferentes temas na área de atividade considerando como ponto de partida as duas principais tríades que permeiam o nosso trabalho no diaadia do hospital quais sejam a tríade de ação determinada pela dinâmica doençainternaçãotratamento e a tríade de relação composta por pacientefamíliaequipe de saúde Numa linguagem objetiva Simonetti facilita ao leitor a compreensão dos distintos espaços que compõem o processo pensarfazer Psicologia Hospitalar partindo de uma postura fenomenológica que possibilita uma interessante leitura psicanalítica como marco de suas reflexões e orientações ao psicólogo hospitalar A obra entrelaça de forma admirável a interação entre ciência e arte que caracteriza a especialidade No campo da arte relembra constantemente a importância do encontro terapêutico do saber ouvir do saber calar do saber como e porque falar e sobretudo da profunda dimensão humana que encerra esse encontro No campo da ciência organiza e esquematiza elementos que muito auxiliarão o desenvolvimento do raciocínio clínico a identificação clara do diagnóstico global da pessoa enferma e fornece com isso as luzes necessárias para o psicólogo seguir no caminho sempre desconhecido da evolução dinâmica do ser doente A utilização do conceito multiaxial para diagnóstico a exemplo do DSM IV além de facilitar a compreensão global dos processos biopsicossociais que acompanham o adoecimento aproxima o saber psicológico mais qualitativo e subjetivo do saber biomédico mais quantitativo e objetivo possibilitando assim a construção de uma ponte importante para a atividade interdisciplinar integrada nas ações de atenção à saúde das pessoas A partir do modelo de psicologia de ligação que considera a atividade do psicólogo hospitalar como um continuum dentro do hospital presente em cada momento em que se manifestam as demandas utiliza o referencial psicanalítico com muita propriedade e faz uma importante distinção extremamente necessária a meu ver sobre a diferença entre pensar psicanaliticamente e fazer psicanálise no hospital geral Muitas experiências que tentaram impor o modelo clínico tradicional e sua prática específica ao hospital geral se mostraram catastróficas pois essas se apresentaram descontextualizadas e descontextualizantes tanto para o paciente quanto para a família assistida gerando ainda um alheamento do Psicólogo em relação aos demais colegas da equipe de saúde Nesse sentido Simonetti resgata o pensar psicanalítico e com mestria o engaja a rotina do psicólogo hospitalar Ao final da obra traz para o leitor outra importante contribuição com o Apêndice que denominou Mapa dos Remédios onde apresenta uma visão introdutória à farmacologia e à psicofarmacologia tão presente na rotina hospitalar e mais uma vez de maneira clara e didática fornece informações e leituras significativas da importância dessas ferramentas terapêuticas do médico que não podem passar despercebidas pelo psicólogo seja pela influência direta que os fármacos exercem sobre os processos patológicos seja por toda a carga simbólica que estes carregam em nossa cultura Considero a presente obra uma importante contribuição para a Psicologia Hospitalar vindo somar significativos elementos à construção de nossa especialidade que ainda tem um longo caminho a trilhar São Paulo abril de 2004 Ricardo Werner Sebastiani Coordenador da Seccional Brasil da Associação Latinoamericana de Psicologia da Saúde Introdução Este livro é um mapa que visa orientar o psicólogo na cena hospitalar Foi escrito em forma de manual e nessa condição apresenta as noções fundamentais de psicologia hospitalar propõe um método de trabalho para o psicólogo e define seu objetivo que é nem mais nem menos o de ajudar o paciente a atravessar a experiência do adoecimento O Manual pretende ser útil tanto para o psicólogo que está iniciando sua caminhada neste novo campo profissional como para aquele que embora já trabalhe em hospital há algum tempo tenha o desejo de melhor sistematizar seus conhecimentos e sua experiência O livro se encontra dividido em duas partes o DIAGNÓSTICO que dá uma visão panorâmica do que esta acontecendo em torno da doença e da pessoa adoentada ensina a olhar por assim dizer e a TERAPÊUTICA que é a arte de fazer algo útil diante da pessoa adoentada ou seja o trabalho clínico propriamente dito com suas estratégias e técnicas ensinar a fazer se se pode dizer assim A primeira parte dedicada ao DIAGNÓSTICO apresenta uma breve discussão sobre a importância do diagnostico em medicina e em psicologia Longe de ser apenas um rótulo o diagnóstico é uma espécie de estreladonorte aquela que orientava os antigos navegantes quando ainda não existia a bússola sem o qual o psicólogo corre o risco de ficar perdido sem rumo na imensidão do hospital Em seguida vem uma abordagem dos quatro eixos que compõem o DIAGNÓSTICO diagnóstico reacional que estabelece o modo como a pessoa esta reagindo à doença diagnóstico médico um sumário de sua condição clínica diagnóstico situacional que é a análise das diversas áreas da vida do paciente e por fim o diagnóstico transferencial que estuda as relações que o sujeito estabelece a partir do adoecimento Esses eixos são maneiras diferentes e complementares de abordar a doença e possuem a vantagem de identificar situaçõesalvo para a terapêutica além de organizar o pensamento do psicólogo sobre o paciente De cada eixo apresentamos uma clara definição conceitual seus fundamentos teóricos e exemplos colhidos na prática clínica Não inventamos esses eixos que na verdade são criações de autores clássicos da psicologia e da psicanálise o mérito do Manual residindo em organizálos de forma que o psicólogo possa utilizálos com facilidade A segunda parte que trata da TERAPÊUTICA busca responder a seguinte questão o que faz um psicólogo no hospital Demonstra que o psicólogo efetivamente faz alguma coisa e que essa coisa é importante porque abre espaço para a subjetividade da pessoa adoentada porque influi no curso da doença porque modifica a vivência que o paciente os médicos e a família têm da próprio doença e mais este trabalho que o psicólogo realiza diante da doença lhe é especifico ou seja além dele nenhum outro profissional da área da saúde foi treinado para isso Essa tal coisa que o psicólogo faz chamase tratamento psicológico que segundo Freud é o cuidado que qualquer indivíduo presta a outro a partir de sua presença em pessoa Um apêndice ao final do livro trata da questão dos remédios em psicologia hospitalar o que o psicólogo hospitalar precisa conhecer sobre remédios em geral e o porquê O remédio é um mundo Saber caminhar nesse mundo deixar de sentirse um estranho no ninho aprender a perguntar e a ouvir sobre remédios ter noção de onde buscar as informações quando delas precisar poder acompanhar a fala do paciente quando ele se referir aos remédios conhecer sumariamente os principais tipos de remédios reconhecer a função dos remédios na subjetividade dos pacientes e desenvolver uma visão crítica do remédio como sintoma da modernidade são algumas competências de grande valia para o psicólogo no momento em que ele resolve praticar sua arte em um local em que o remédio é parte fundamental o hospital O livro apresenta ainda ao final de cada tópico um quadro com um resumo das principais informações Esse quadro permite que em uma segunda leitura o leitor possa consultar o tema que lhe interesse naquele momento de maneira mais rápida e objetiva O que é a Psicologia Hospitalar Psicologia hospitalar é o campo de entendimento tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento O adoecimento se dá quando o sujeito humano carregado de subjetividade esbarra em um real de natureza patológica denominado doença presente em seu próprio corpo produzindo uma infinidade de aspectos psicológicos que podem se evidenciar no paciente na família ou na equipe de profissionais Tratase de um conceito de psicologia hospitalar bastante amplo e que merece alguns comentários Ao apontar como objeto da psicologia hospitalar os aspectos psicológicos e não as causas psicológicas tal conceito se liberta da equivocada disputa sobre a causação psicogênica versus causação orgânica das doenças A psicologia hospitalar não trata apenas das doenças com causas psíquicas classicamente denominadas psicossomáticas mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer doença Enfatizemos toda doença apresenta aspectos psicológicos toda doença encontrase repleta de subjetividade e por isso pode se beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar Atualmente tanto a medicina como a psicologia aceitam que a doença é um fenômeno bastante complexo comportando várias dimensões biológica psicológica e cultural Porém quantificar e determinar exatamente qual a contribuição de cada uma destas dimen sões é outra questão que aliás não cabe à psicologia hospitalar responder até porque isso não é possível com os conhecimentos científicos atuais Além disso seria um erro estratégico grosseiro o psicólogo hospitalar perderse nessa disputa Situar as coisas em termos de causas psíquicas versus causas orgânicas é uma característica do pensamento médico verdadeira armadilha epistemológica para o psicólogo que não deve incorrer em tal erro pois o psíquico também é orgânico e viceversa Moretto 1983 A psicologia hospitalar enfatiza a parte psíquica mas não diz que a outra parte não é importante pelo contrário perguntará sempre qual a reação psíquica diante dessa realidade orgânica qual a posição do sujeito diante desse real da doença e disso fará seu material de trabalho Aspecto psicológico é o nome que damos para as manifestações da subjetividade humana diante da doença tais como sentimentos desejos a fala os pensamentos e comportamentos as fantasias e lembranças as crenças os sonhos os conflitos o estilo de vida e o estilo de adoecer Esses aspectos estão por toda a parte como uma atmosfera a envolver a doença transmutandoa em adoecimento e dependendo do caso podem aparecer como causa da doença como desencadeador do processo patogênico como agravante do quadro clínico como fator de manutenção do adoecimento ou ainda como consequência desse adoecimento conforme ilustrado na figura abaixo Figura 1 Aspectos psicológicos em torno da doença dinheiro e muitas outras coisas isso quando não se perde mesmo a própria vida Tantas perdas muitas delas reais e outras tantas imaginárias abrem uma espécie de caixa de Pandora de consequências subjetivas para a pessoa adoentada O ser humano comumente confere sentido a tudo o que ele vivencia e com o adoecimento não é diferente O conjunto de sentidos que o sujeito confere a sua doença constitui como consequência o campo dos aspectos psicológicos Entretanto um olhar mais atento mostra que a doença não é feita só de perdas também se ganha ganhase mais atenção e cuidados ganhase o direito de não trabalhar ganhase se for o caso autocomiseração e até uma desculpa genuína para explicar dificuldades existenciais profissionais ou amorosas Esses ganhos secundários da doença demonstram como aspectos psicológicos podem atuar como fatores de manutenção do adoecimento O foco da psicologia hospitalar é o aspecto psicológico em torno do adoecimento Mas aspectos psicológicos não existem soltos no ar e sim estão encarnados em pessoas na pessoa do paciente nas pessoas da família e nas pessoas da equipe de profissionais A psicologia hospitalar define como objeto de trabalho não só a dor do paciente mas também a angústia declarada da família a angústia disfarçada da equipe e a angústia geralmente negada dos médicos Além de considerar essas pessoas individualmente a psicologia hospitalar também se ocupa das relações entre elas constituindose em uma verdadeira psicologia de ligação com a função de facilitar os relacionamentos entre pacientes familiares e médicos Vejamos um exemplo dessa função de ligação imaginemos uma situação em que a doença se manifesta por meio de uma crise de dor muito intensa e o paciente é então levado ao hospital Nessa situação os interesses imediatos de médicos paciente e familiares não são os mesmos O paciente que sente a dor quer se livrar dela o mais rápido possível o seu interesse está no sintoma A família angustiada com o sofrimento do paciente quer se assegurar de que a doença não é tão grave e que ele vai ficar bom seu foco de interesse está no prognóstico Já o médico está muito interessado em descobrir qual a causa da dor do paciente ele quer descobrir o diagnóstico pois dele depende para instituir o melhor tratamento O paciente quer se livrar do sintoma a família quer saber do prognóstico e o médico quer fazer o diagnóstico Esse desencontro de objetivos geralmente precisa ser manejado e a psicologia hospitalar está implicada nessa tarefa Qual o objetivo da Psicologia Hospitalar O objetivo da psicologia hospitalar é a subjetividade A doença é um real do corpo no qual o homem esbarra e quando isso acontece toda a sua subjetividade é sacudida É então que entra em cena o psicólogo hospitalar que se oferece para escutar esse sujeito adoentado falar de si da doença da vida ou da morte do que pensa do que sente do que teme do que deseja do que quiser falar A psicologia está interessada mesmo em dar voz à subjetividade do paciente restituindolhe o lugar de sujeito que a medicina lhe afasta Moretto 2001 Uma característica importante da psicologia hospitalar é a de que ela não estabelece uma meta ideal para o paciente alcançar mas simplesmente aciona um processo de elaboração simbólica do adoecimento Ela se propõe a ajudar o paciente a fazer a travessia da experiência do adoecimento mas não diz onde vai dar essa travessia e não o diz porque não pode não o diz porque não sabe O des A idéia de um aspecto psicológico atuando como causa de uma doença orgânica é o próprio campo da psicossomática que tem demonstrado cabalmente a influência da mente sobre corpo o que implica as emoções os conflitos psíquicos e o estresse como responsáveis diretos pela etiopatogenia de diversas doenças como a úlcera duodenal a hipertensão a artrite a colite ulcerativa o hipertireoidismo a neurodermatite e a asma Se por um lado a influência do psiquismo no somático é indiscutível a ponto de existir atualmente a noção de que toda doença é psicossomática Botega 2001 por outro não é fácil demonstrar de maneira inequívoca que tal influência se dá precisamente como causa e não como outra forma de influência Cabe notar aqui que a psicologia hospitalar e a psicossomática são campos conceituais que não se recobrem de forma completa a primeira compartilha com a segunda o trabalho de identificar e tratar as causas psíquicas das doenças orgânicas mas não faz disso o seu cerne nem a tal coisa se limita aceitando como algo legítimo trabalhar com o aspecto psicológico em qualquer das formas que ele possa assumir causa consequência ou outra qualquer Ao que parece a psicologia hospitalar que nasceu da psicossomática e da psicanálise vem atualmente ampliando seu campo conceitual e sua prática clínica com isso criando uma identidade própria e diferente Esse ponto é corroborado pelas pesquisas de muitos autores Eksterman 1992 Moretto 1983 Angerami 2000 Sebastiani 1996 Chiattone 2000 Quando uma vivência psicológica consciente ou não reconhecida ou não pelo sujeito como ligada ao adoecimento vem precipitar o início do processo patogênico dizse então que essa vivência foi um fator psicológico desencadeante que agiu sobre uma vulnerabilidade física preexistente Muitas vezes porém a vivência psicológica nada tem que ver com o início da doença mas ajuda a piorar o quadro clínico já instalado ou influi negativamente no tratamento dificultandoo Nesses casos podese dizer que tal vivência teria sido um fator psicológico agravante Uma situação de perdas é como poderia ser definida a doença afinal perdese a saúde perdese a autonomia perdese tempo e tino do sintoma e do adoecimento depende de muitas variáveis do real biológico do inconsciente das circunstâncias etc O psicólogo hospitalar participa dessa travessia como ouvinte privilegiado não como guia O objetivo da psicologia hospitalar fundamentase em uma posição filosófica muito particular que pode ser melhor compreendida se colocada em perspectiva com a posição filosófica que fundamenta a medicina E quando se faz isso a primeira coisa que salta aos olhos é o fato de a psicologia não ser medicina É certo que na cena hospitalar medicina e psicologia se aproximam bastante articulamse coexistem tratam do mesmo paciente mas não se confundem já que possuem objetos métodos e propósitos bem distintos a filosofia da medicina é curar doenças e salvar vidas enquanto a filosofia da psicologia hospitalar é reposicionar o sujeito em relação a sua doença É muito importante notar então que a psicologia não está no hospital para melhorar o trabalho da medicina mas está lá para fazer outra coisa É certo que acaba mesmo ajudando o trabalho de cura da medicina mas esse não é seu principal valor sendo na verdade quase uma espécie de efeito colateral positivo Moretto 2001 O valor principal da psicologia hospitalar é a subjetividade A psicologia hospitalar jamais poderia funcionar a partir de uma filosofia de cura e isso em primeiro lugar porque se propõe a lidar com situações em que a cura já não é mais possível como doenças crônicas e doenças terminais e em segundo porque como tecnologia de cura no sentido médico de erradicação de doenças e eliminação de sintomas a psicologia é bem poco eficiente O psicólogo pode fazer muito pouco em relação a doença em si este é o trabalho do médico mas pode fazer muito no âmbito da relação do paciente com seu sintoma esse sim é um trabalho do psicólogo Quanto à cura o que se pode dizer da filosofia da psicologia hospitalar é que se ela não se dá pela cura também não se dá contra a cura É outra coisa uma filosofia do além da cura Mas o que existe para além da cura Suprimidos os sintomas e eliminadas as causas das doenças ainda permanecem a angústia os traumas as desilu sões os medos as consequências reais e imaginárias ou seja as marcas da doença Mesmo no trabalho bem sucedido de cura muitas coisas ficam resistem tanto no curador como no doente A psicologia hospitalar quer tratar dessas coisas dessas marcas Há um aforismo hipocrático que diz o seguinte curar sempre que possível aliviar quase sempre consolar sempre Se transmutarmos o consolar para escutar chegaremos a algo muito próximo da filosofia da psicologias hospitalar que então pode ser definida como filosofia da escuta em oposição à filosofia da cura da medicina Mas escutar o quê Não a doença da pessoa que disso já cuida e muito bem o faz a medicina mas escutar a pessoa que está enredada no meio dessa doença escutar a subjetividade porque no fim das contas a cura não elimina a subjetividade ou melhor a subjetividade não tem cura Nesse terreno da subjetividade a relação entre a psicologia e a medicina é de uma antinomia radical Moreto2001 Clavreul 1983 Enquanto a primeira faz da subjetividade o seu foco a segunda a medicina cientifica exclui a subjetividade de seu campo epistêmico de uma forma sistemática tendo mesmo como ideal uma suposta abordagem objetiva do adoecimento não enviesada por sentimentos e desejos Acaba por excluir a subjetividade tanto do paciente como do médico O problema dessa abordagem objetiva da medicina é que o excluído na teoria retorna com toda a força na prática da clínica médica onde assistimos na relação concreta médicopaciente uma verdadeira enxurrada de emoções sentimentos fantasias e desejos de ambos que por não terem amparo teórico são negados e escamoteadas mas nem por isso deixam de influir Moretto 2001 Quando o discurso médico fracassa em sua pretensão epistemológica de banir a subjetividade abremse então as portas do hospital para a psicologia entrar adentrar e cuidar dessas tais coisas que subvertem a ordem médica que criam confusão e perplexidade na cena hospitalar A medicina quer esvaziar o paciente de sua subjetividade e a psicologia se especializou em mergulhar nes sa mesma subjetividade acreditando que mais fácil do que secar o mar é aprender a navegar Que é exatamente isto ou seja reestabelecer as condições para a prática da medicina científica o que a medicina espera da psicologia hospitalar não resta dúvida A questão é saber se essa é mesmo a melhor função da psicologia nessa empreitada hospitalar Será o papel da psicologia hospitalar o de atuar como depositária de toda a subjetividade em torno do adoecimento permitindo com esse gesto que a medicina continue a ignorar a subjetividade e a trabalhar com um corpo como se nele não estivesse embutido um sujeito Ou caberia à psicologia hospitalar redirecionar de forma cuidadosa e não acusativa essa subjetividade de volta para a medicina forçandoa a incluíla em sua filosofia Poderia a medicina ser também subjetiva e continuar biologicamente tão eficaz São questões à espera de respostas Outro tópico interessante nessa comparação entre a medicina e a psicologia hospitalar é a questão do destino do sintoma ou seja o que cada uma faz com o sintoma do paciente A medicina não tem dúvidas quer eliminálo destruílo e tem mesmo de proceder assim ou alguém defenderia posição contrária Creio que não Esta é a natureza da medicina o tratamento e a cura Já com a psicologia hospitalar as coisas se passam de forma diferente ela não pode almejar a eliminação imediata do sintoma já que pretende escutar o que ele tem a dizer Sim para a psicologia todo sintoma além de doer e fazer sofrer carrega em si uma dimensão de mensagem comporta informações sobre a subjetividade do paciente havendo mesmo a noção de que o sujeito fala por meio de seus sintomas ou é falado por eles E a psicologia escuta Como funciona a Psicologia Hospitalar É pelas palavras que o psicólogo faz o seu trabalho de tratar os aspectos psicológicos em torno do adoecimento Para ilustrar essa estratégia consideremos a seguinte situação quando o psicólogo doente tem com o seu sintoma ou em outras palavras o que nos interessa primordialmente é o destino do sintoma o que o paciente faz com sua doença o significado que lhe confere e a isso só chegamos pela linguagem pela palavra O que diferencia o ser humano dos outros animais não é o biológico o corpo físico e sim a linguagem mais precisamente a palavra o corpo simbólico A biologia de um homem e a de um macaco ou mesmo a de um porco é essencialmente a mesma proteínas carboidratos gorduras células cromossomos DNA órgãos sangue sistema nervoso etc mas a linguagem não eles possuem linguagens radicalmente diferentes O que caracteriza o ser humano é a palavra Dessa maneira o psicólogo trabalha com o que é mais específico no ser humano ou seja a linguagem a palavra a conversa O psicólogo é o especialista nessa arte da conversa é esse o seu ofício para o qual foi treinado durante muitas e muitas horas de cursos análise pessoal e supervisão A conversa que o psicólogo proporciona ao paciente não é uma conversa comum Por exemplo ela é assimétrica um dos participantes fala mais do que o outro e é exatamente o silêncio desse outro que dá peso consequência e significado à palavra do primeiro E é bom que seja assim pois no hospital há muita gente querendo dizer para o paciente o que ele tem de fazer querendo dar conselhos estimulando mas não há ninguém além do psicólogo querendo escutar o que ele tem a dizer Ocorre que é mesmo muito angustiante ouvir o que uma pessoa doente tem a dizer são temores dores revoltas fantasias expectativas que mobilizam muitas emoções no ouvinte E é aí que entra a especificidade do psicólogo nenhum outro profissional foi treinado para escutar como ele Ao escutar o psicólogo sustenta a angústia do paciente o tempo suficiente para que ele o paciente possa submetêla ao trabalho de elaboração simbólica A maioria dos outros profissionais bem como a família e os amigos por não suportarem ver o paciente angustiado não conseguem lhe prestar esse serviço e querem logo apagar negar destruir ou mesmo encobrir a angústia Mas angústia não se resolve se dissolve em palavras O psicólogo mantém a angústia do paciente na sua frente para que ele possa falar dela simbolizála dissolvêla Para concretizar a sua estratégia de trabalhar o adoecimento no registro do simbólico a psicologia hospitalar se vale de duas técnicas escuta analítica e manejo situacional A primeira reúne as intervenções básicas da psicologia clínica tais como escuta associação livre interpretação análise da transferência etc Essas intervenções são familiares para o psicólogo a novidade é o setting inusitado em que elas se dão o hospital Já a segunda técnica que é o manejo situacional engloba intervenções direcionadas à situação concreta que se forma em torno do adoecimento Eis alguns exemplos dessas intervenções controle situacional gerenciamento de mudanças análise institucional mediação de conflitos psicologia de ligação etc Todas essas ações são específicas à psicologia hospitalar ou seja geralmente o psicólogo não faz nada disso em seu consultório mas no hospital é preciso sair um pouco da posição de neutralidade e passividade características da psicologia clínica Essa passagem do consultório para a realidade institucional do hospital é o grande desafio técnico da psicologia hospitalar As experiências malsucedidas em psicologia hospitalar parecem se caracterizar pela inadequação do psicólogo ao tentar transpor para o hospital o modelo clínico tradicional aprendido o que determina um desastroso exercício pelo distanciamento da realidade institucional e pela inadequação da assistência pelo exercício de poder mascarado quase sempre por um insistente falso saber Chiatone 2000 entra no quatro do paciente o que ele faz Nessa mesma situação os outros profissionais de saúde sabem muito bem o que têm a fazer O médico pergunta sobre os sintomas e examina o corpo do paciente a enfermeira cuida do corpo do paciente e lhe administra remédios Mas e o psicólogo o que faz exatamente Se o médico trabalha com o corpo físico do paciente o psicólogo trabalha com o corpo simbólico Muito bem mas onde está esse tal corpo simbólico Se o corpo físico está sobre a cama o corpo simbólico por acaso estaria embaixo dela É evidente que não mas então onde Simples está nas palavras e em nenhum outro lugar Essa noção é fundamental para o psicólogo ou seja seu campo de trabalho são as palavras Ele fala e escuta oxalá mais a segunda que a primeira Eis a estratégia da psicologia hospitalar tratar do adoecimento no registro do simbólico porque no registro do real já o trata a medicina Mas é só isso que o psicólogo faz só conversa Sim o psicólogo trabalha apenas com a palavra mas ocorre que a conversa oferecida pelo psicólogo não é um só isso pelo contrário é um muito mais que isso aponta para um além disso embutido nas palavras como ensina Freud quando afirma que a palavra é uma espécie de magia atenuada Assim o psicólogo não deve se constranger ante o comentário tão freqüente no hospital que é mais ou menos o seguinte ah mas o psicólogo só conversa Deve mesmo se orgulhar disso porque nenhum outro membro da equipe tem treinamento para trabalhar no campo das palavras que é exatamente onde o psicólogo é o especialista Mesmo naqueles casos em que o paciente encontrase impossibilitado de falar por razões orgânicas ou não tais como inconsciência sedação por medicação lesões na região oral ou pura resistência ainda assim essa orientação do trabalho pela palavra é válida já que existem muitos signos nãoverbais com valor de palavra como gestos olhares a escrita e mesmo o silêncio E quem não fala é falado Psicólogo e paciente conversam e essa tal conversa é a porta de entrada para um mundo de significados e sentidos O que interessa à psicologia hospitalar não é a doença em si mas a relação que o nhecimento A consequência clínica mais importante dessa visão é a de que em vez de doenças existem doentes Perestrello 1989 É claro que todo conhecimento é parcial e que jamais será possível se alcançar a verdade total de objeto algum havendo sempre um resto que não se deixa apreender Entretanto se não é possível conhecer o todo da doença ou do doente já será de grande utilidade conhecer muitas de suas dimensões se não o todo ao menos o plural Ninguém consegue entrar em um prédio por todas as portas ao mesmo tempo mas ao entrar por uma delas é perfeitamente exequível perceber ou imaginar a existência de muitas outras A ação haverá sempre de ser local enquanto a visão não esta sim pode ser global apontando para um todo que jamais será alcançado mas que pode servir de meta para um trabalho mais produtivo Mas será mesmo necessário olhar a doença com toda essa amplitude que o paradigma holístico propõe A julgar pela demanda que a nossa sociedade direciona à medicina podemos afirmar categoricamente que sim Hoje em dia o que mais se espera da medicina e da ciência não é o desenvolvimento tecnológico pois nesse campo felizmente já estamos bem avançados O que mais se quer é uma humanização da medicina e do que mais se fala é da relação médicopaciente da bioética do barateamento dos custos do acesso à saúde para todos etc E tudo isso só será possível se escaparmos do cientificismo duro e conseguirmos criar conexões produtivas entre a ciência e outros campos do saber como a psicologia a espiritualidade a política e a cultura em geral Evidentemente o aspecto psicológico não ocorre isoladamente mas se dá em uma determinada cultura e cada cultura tem seus determinantes sobre a doença tais como usos e costumes mitos folclores condições econômicas representações artísticas etc Convém que o psicólogo hospitalar tenha algum conhecimento desse material em sua cultura e em outras também pois isso enriquece seu arsenal terapêutico com analogias referências e idéias para conversar com o paciente sobre sua doença Além dessa dimensão cultural genérica é importante mencionar a dimensão espiritual A fé de uma pessoa tanto pode ser um recurso terapêutico como um empecilho para a vivência da doença A psicologia hospitalar também precisa levar em conta esse fator em sua equação do adoecimento As fontes O Manual sintetiza conhecimentos oriundos de três fontes principais a psiquiatria a psicanálise e a psicologia hospitalar A psiquiatria contribui com o modelo de diagnóstico multiaxial com as noções de psicopatologia e com o ideal de clareza e objetividade na linguagem Da psicanálise de longe nossa mais importante influência adotamos a filosofia a estratégia e a técnica Uma filosofia que transfere o foco da doença para o sujeito com suas formas conscientes e inconscientes de lidar com o adoecimento uma estratégia que orienta todo o trabalho para a palavra e uma técnica que embora modificada afinal divã e leito não são a mesma coisa mantêm o fundamental da psicanálise fazer falar e escutar Da psicologia hospitalar ou mais exatamente de nossa vivência no ambiente hospitalar tratando pacientes recolhemos os casos clínicos e as histórias que no Manual surgem como exemplos e como dicas práticas para as situações mais comumente vivenciadas pelo psicólogo na cena hospitalar Esses exemplos foram ligeiramente modificados para preservar a identidade dos pacientes Todo o material contido no Manual foi exaustivamente testado na condição de método de trabalho para o psicólogo hospitalar nos cursos de psicologia hospitalar que ministramos semestralmente no NEPPHO Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Hospitalar como coordenador e na PUCSP como professor convidado O valor do Manual reside no potencial de gerar estratégias terapêuticas úteis e jamais em uma presumível capacidade de alcançar a verdade da doença Acompanhando a ética da psicanálise acreditamos que a verdade última sobre as coisas não pode ser alcançada e que delas das coisas podemos ter apenas um saber O Manual almeja ser um saber sobre a doença e não uma verdade sobre a doença um saber que seja útil na clínica útil no contato com os pacientes e com suas angústias E por falar em clínica vejamos um pouco da sua história Na Grécia antiga havia dois tipos de médicos os que cuidavam dos cidadãos gregos e os que cuidavam dos escravos Como os escravos eram oriundos de outras nações e não falavam o idioma grego os médicos que deles cuidavam foram perdendo o hábito de conversar com esses pacientes Não adiantaria mesmo e não sendo possível a comunicação apenas os examinavam e medicavam Já os médicos que cuidavam de seus compatriotas gregos costumavam conversar muito com eles e como para conversar com pessoas doentes é preciso se inclinar um pouco sobre o leito eles começaram a ser conhecidos como os médicos que se inclinavam do grego inclinare e disso nasceu o termo atual clínica O psicólogo hospitalar é um clínico Definição A psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento Objetivos O objetivo da psicologia hospitalar é a subjetividade O objetivo da psicologia hospitalar é ajudar o sujeito a fazer a travessia da experiência do adoecimento Filosofia A filosofia da psicologia hospitalar é curar sempre que possível aliviar quase sempre escutar sempre A filosofia da medicina é a cura a da psicologia hospitalar alémdacura Estratégia A estratégia da psicologia hospitalar é tratar do adoecimento no registro do simbólico É pela palavra que o psicólogo realiza seu trabalho Técnica Escuta analítica e manejo situacional Paradigma O ser humano como um todo Se não o todo ao menos o plural Não existem doenças existem doentes Perestrello Quadro 1 Aspectos Conceituais da Psicologia Hospitalar PRIMEIRA PARTE DIAGNÓSTICO O diagnóstico Olhos para ver além do biológico Diagnosticar é o instante de ver seguido pelo tempo de entender que leva ao momento de intervir não necessariamente nessa ordem mas necessariamente interligados A principal razão pela qual os diagnósticos são feitos é eles facilitarem o tratamento de modo que diante de um diagnóstico bem feito a melhor estratégia terapêutica se evidencie naturalmente na mente do psicólogo bem treinado As outras razões são a pesquisa científica e a comunicação entre os profissionais Em medicina diagnóstico é o conhecimento da doença por meio de seus sintomas enquanto na psicologia hospitalar o diagnóstico é o conhecimento da situação existencial e subjetiva da pessoa adoentada em sua relação com a doença Sendo assim na psicologia hospitalar não diagnosticamos doenças mas o que acontece com as pessoas relativamente à doença e ele o nosso diagnóstico não é expresso em termos de nomes de doenças mas sim por uma descrição abrangente dos processos que influenciam e são influenciados pela doença Não oferecemos rótulos e sim uma visão panorâmica O paciente apresenta para o psicólogo um mundo de informações queixas relatos problemas sintomas emoções atuações defesas sua história de vida seus projetos desesperanças dores físicas e psíquicas etc Em meio a isso tudo o que deve ser trabalhado O diagnóstico é a maneira de organizar todo esse material o modo de construir um mapa para depois analisálo e decidir o melhor caminho a seguir É claro que sempre é possível seguir sem o mapa mas isso já é bem mais complicado O psicólogo não dirige a vida do paciente mas dirige o tratamento Lacan 1966 e com um mapa fica bem mais fácil direcionar as intervenções terapêuticas O diagnóstico é a modo que o psicólogo dispõe para melhor organizar o seu pensamento O diagnóstico é uma hipótese de trabalho não uma verdade absoluta Hipótese é uma teoria sobre alguma coisa que nos permite intervir sobre tal coisa e se a intervenção guiada por essa hipótese gerar a mudança esperada então ela é uma ótima hipótese caso contrário não o é Nóbrega 1996 Isso nada tem que ver com alguma verdade essencial da coisa e aliás a verdade não interessa ou melhor como não é possível alcançarmos a verdade absoluta sobre as coisas ela não deve ser o objetivo primário Não é preciso descobrir qual a verdade de uma doença para que possamos ajudar um paciente a enfrentála Basta descobrir a verdade do paciente sobre essa doença isso sim é essencial O psicólogo trabalha com o sentido das coisas não com a verdade das coisas A medicina também trabalha com essa filosofia pragmática pois são inúmeras as doenças de que não consegue descobrir a causa mas consegue curar Se uma hipótese não se mostra útil ela pode ser modificada já as verdades tendem a se transformar em rótulos definitivos Todo trabalho pode ser feito de duas maneiras diferentes intuitivamente ou de maneira metódica A intuição se dá quando fazemos uma coisa sem saber claramente como fizemos tal coisa Baseiase no talento numa disposição natural Já o método se refere a uma sequência de ações que conseguimos explicar racionalmente Para trabalhar em psicologia hospitalar é preciso um mínimo de talento de intuição de jeito mas isso não basta há que se buscar o entendimento racional do processo de adoecimento e o planejamento consciente das ações terapêuticas Aliás é exatamente isso o que diferencia o psicólogo hospitalar de outros profissionais que também cui dam psicologicamente de pessoas adoentadas como religiosos e voluntários Sim porque vontade de ajudar carinho pelos pacientes disposição para sentarse calmamente a seu lado e ouvilos bem isso é algo que todos esses profissionais têm de ter psicólogos e voluntários mas o psicólogo pode e deve ter um conhecimento mais metodológico dos processos psíquicos envolvidos no adoecer Os voluntários e os religiosos atuam a partir do amor e da fé e nisso são insuperáveis Já os psicólogos atuam a partir do amor e do saber e isso lhe é específico Na verdade se for para dar um força dar conselhos estimular a fé melhor é chamar algum dentre esses voluntários do que um psicólogo Essas pessoas em geral possuem mais experiência de vida e mais fé Se o psicólogo quer ter um lugar no hospital precisa acrescentar ao seu amor um método racional de trabalho Sem amor não há como trabalhar em psicologia hospitalar mas só com amor também não é possível O amor e a razão são como as duas asas de um pássaro necessárias O diagnóstico em psicologia hospitalar nada tem que ver com o psicodiagnóstico velho conhecido dos psicólogos que é um procedimento estruturado por meio de testes psicológicos que visam a determinar a posição do sujeito em determinadas escalas de inteligência ou em outra função psíquica Já o diagnóstico em psicologia hospitalar não se vale de testes Seu instrumento é o olho clínico do psicólogo e ademais não se estabelece uma escala quantitativa para comparações Atualmente o psicodiagnóstico não tem aplicação em psicologia hospitalar Na década de 1960 o diagnóstico como categoria científica foi bastante questionado na comunidade dos psicólogos Era tido apenas como rótulo e instrumento de discriminação dos pacientes em especial na área da saúde mental O uso perverso de diagnósticos psiquiátricos por regimes políticos totalitários como o da antiga União Soviética a ambiguidade dos diagnósticos da psiquiatria clássica com suas incontáveis e confusas classificações nosológicas além do costume popular de transformar diagnóstico em xingamento como por exemplo sua histérica justificavam essas críticas Entretanto nos últimos anos houve uma retomada na importância do diagnóstico motivada pela medicina baseada em evidências movimento científico que demanda uma linguagem objetiva para a comunicação entre os pesquisadores pela tentativa da psiquiatria em criar um sistema classificatório operacional de alta confiabilidade CID10 E DSM IV e pela insistência da psicanálise lacaniana em situar o diagnóstico estrutural como passo fundamental da clínica criando o conceito de direção de cura Leite 2000 É na esteira dessa revalorização clínica e científica do diagnóstico que a psicologia hospitalar quer se inserir A separação entre diagnóstico e terapêutica é meramente didática porque na prática o próprio ato de colher dados de um paciente visando à formulação de um diagnóstico jamais deixa de ser também uma intervenção com efeitos terapêuticos O diagnóstico já é um tratamento sempre Vejamos dois exemplos um na medicina e outro na psicologia hospitalar O médico quando se debruça sobre o paciente posicionando o estetoscópio sobre o seu peito em busca de informações sobre o funcionamento do coração já esta passando ao paciente a sensação de que é cuidado tratado mesmo e isso faz com que esse último se sinta melhor Há mesmo quem veja neste gesto a recriação simbólica de um cordão umbilical ligando médico e paciente com tudo de nutritivo que isso possa ter Quando um psicólogo entrevista um paciente pela primeira vez procurando diagnosticar sua forma de reação à doença ao mesmo tempo já está oferecendo ao paciente uma escuta que permite ao paciente elaborar sua doença por meio da fala o que por si só produz efeitos terapêuticos Não existe um ato que seja exclusivamente diagnóstico e todo encontro comporta possibilidades terapêuticas O Manual propõe um diagnóstico a partir de quatro eixos reacional o modo como a pessoa reage à doença médico a sua condição médica situacional análise das diversas áreas da vida do paciente e transferencial análise de suas relações Esses eixos encontramse esquematizados no quadro abaixo São maneiras dife rentes e complementares de abordar o adoecimento e possuem a vantagem de identificar as situaçõesalvo para a abordagem terapêutica além de organizar na mente do psicólogo o material clínico fornecido pelo paciente DIAGNÓSTICO Eixo I Reacional Eixo II Médico Eixo III Situacional Eixo IV Transferencial Quadro 2 Diagnóstico Multiaxial Eixo I Diagnóstico Reacional Adoecer é como entrar em órbita A doença é um evento que se instala de forma tão central na vida da pessoa que tudo o mais perde importância ou então passa a girar em torno dela numa espécie de órbita que apresenta quatro posições principais negação revolta depressão e enfrentamento figura 3 abaixo Habitualmente a pessoa entra na órbita da doença pela negação depois se revolta algum tempo depois entra em depressão e por último não sem algum esforço e trabalho pessoal alcança a possibilidade de enfrentamento real Essa ordem não é fixa e qualquer combinação é passível de ser encontrada na prática de modo que depois de entrar na órbita a pessoa pode mudar de posição vindo a ocupar qualquer uma delas Há ainda a possibilidade de o paciente se fixar em uma posição intermediária entre as quatro fundamentais e nesse caso ao fazer o diagnóstico marcamos algum ponto na órbita entre as duas posições principais Outro aspecto interessante está em perceber que a posição pode variar de um dia para o outro e por isso não convém aceitar como definitiva a posição identificada que é mutável Aliás órbita significa movimento em torno de Negaçao Doença Enfrentamento Revolta Depressão Figura 3 Órbita em torno da doença Essas posições não são específicas para a doença e constituemse isto sim nas maneiras que os humanos dispõe para enfrentar crises receber notícias ruins lidar com mudanças encarar a morte e também reagir a doenças Segundo Lacan acontecimentos como esses que desorganizam a vida do sujeito deveriam mesmo ser chamados de encontro com o real com o que não tem nome e portanto causa angústia com o que posiciona como um susto a questão o que é isto Moretto 2000 O diagnóstico reacional baseiase no trabalho da psiquiatra norteamericana Elisabeth KublerRoss 1989 que se dedicou ao estudo de pacientes terminais investigando o modo como eles lidavam com a proximidade da morte O resultado de suas pesquisas com mais de duas centenas de pacientes encontrase relatado em seu livro Sobre a morte e o morrer publicado em fins da década de 1960 Ela resume da seguinte forma os estágios pelos quais os pacientes passavam Todos os nossos pacientes reagiram quase do mesmo modo com relação às más notícias o que é típico não só em casos de doença fatal mas parece ser uma reação humana a pressões fortes e inesperadas isto é com choque e descrença Muitos de nossos pacientes fizeram uso da negação que podia durar de alguns segundos até muitos meses Essa negação nunca é uma negação total Depois dela predominava a raiva e a revolta manifestadas dos modos mais diversos como uma inveja dos que podiam viver e agir Quando os circuntantes conseguiam suportar essa raiva sem assumila pessoalmente ajudavam o paciente a alcançar o estágio temporário da barganha seguido pela depressão que era o trampolim para a aceitação final Posição negação Geralmente a primeira reação de uma pessoa diante da doença é de choque seguido de descrença manifestada em frases do tipo não é possível isso não está acontecendo comigo deve ser engano Na maioria das vezes o nosso encontro com a doença é mais parecido com um tropeço inesperado e que nos desconcerta do que com uma entrevista marcada com antecedência e para a qual podemos nos preparar com vagar Esse tropeço no real faz com que nos defrontemos com uma realidade cruel e absurda Absurda no sentido da impossibilidade de representação psíquica da própria morte Segundo Freud o inconsciente não é capaz de representar psiquicamente a morte própria a morte é sempre a morte de um outro Certa vez um paciente tentando me explicar porque não queria se submeter a uma cirurgia disse o seguinte O meu medo é acordar morto da anestesia Morre mas acorda coisa de vivo No inconsciente não existe a morte de si mesmo Para muitas pessoas a única possibilidade imediata diante da doença é a negação Quando alguém nega a doença não o está fazendo de caso pensado propositadamente e muito menos para irritar a equipe médica ou os familiares O paciente o faz porque naquele instante é o que ele pode fazer Talvez logo adiante possa assumir outra posição diante da doença mas por ora a negação é a arma que ele tem Com isso queremos dizer que a negação deve ser respeitada e não confrontada a qualquer custo nem a qualquer hora A negação pode assumir muitas formas e uma delas consiste em enxergar a doença no outro É interessante notar que a projeção não é exclusividade dos pacientes havendo mesmo quem defenda a idéia de que os profissionais de saúde escolhem essa profissão como forma de projeção Seria algo mais ou menos assim quem sabe se enfrentando a doença no outro posso evitar encontrála em mim mesmo Na posição de negação a pessoa pode agir como se a doença simplesmente não existisse ou então minimiza sua gravidade e adia as providências e cuidados necessários É o famoso empurrar com a barriga deixando para amanhã a consulta com o médico a realização de determinado exame o início de um tratamento etc O pensamento na negação é o do tipo onipotente sei o que estou fazendo sempre deu certo e por isso não é agora que vai dar errado no fim tudo dá certo O pensamento onipotente caracterizase pelo reconhecimento das capacidades e pela negação das incapacidades geralmente repetindo um padrão infantil em que a pessoa pensa que está acima das desgraças da vida aqui no caso das doenças Algumas pessoas pensam que não precisam se proteger já que nunca serão contagiadas mesmo As soluções tentadas na negação tem um quê de mágica A pessoa espera que algo divino que ela nem sabe o que é aconteça e resolva o problema como por exemplo curar um câncer sem fazer o tratamento médico ou então que uma nova descoberta científica traga a cura para a sua doença ou simplesmente que o fato de ela não pensar na doença possa fazer com que esta desapareça Apesar de todas as dificuldades originadas pela doença a pessoa na posição negação pode apresentar como emoção predominante uma certa alegria que para um observador geralmente parece falsa se é que existe tal coisa Tratase da alegria e entusiasmo que não contagiam quem está próximo e ao contrário podem até despertar uma reação de irritação Por trás dessa alegria é muito comum encontrarmos um medo da doença e da morte Kertész 1977 É interessante notar o que se passa no diaadia de uma pessoa que nega a sua doença Geralmente ela se sente irritada e angustiada A irritação é o resultado de uma raiva reprimida que se espalha difusamente sem alvo específico Analogamente a angústia é um medo sem objeto Quando temos medo temos medo de alguma coisa mas quando estamos angustiados não sabemos dizer o que nos Primeira Parte Diagnóstico angustia Na negação o medo da doença encontrase reprimido e o que surge é uma angústia vaga indefinida e flutuante No caso de alguma doença com muita visibilidade como doenças de pele ou doenças deformantes a única possibilidade de negação é o isolamento social e nesse caso a pessoa passa a ter dois problemas a doença e uma certa solidão Alguns pacientes recorrem ao sono como mecanismo de negação Em pacientes graves sob efeito de muitos remédios pode ser difícil distinguir esse sono de fuga do sono provocado pela sedação medicamentosa A negação não deixa de ter um certo componente de teimosia de insistência em manter inalterado o estado de coisas Nela a pessoa não consegue relaxar pois do contrário os sinais da doença se evidenciam e por isso há muita tensão acumulada na negação Muitos pacientes não negam a doença para si mas podem esconder sua existência das pessoas mais queridas e próximas numa tentativa de protegêlas Ela não vai agüentar saber que estou com câncer Outras vezes a negação da doença é por vergonha como no caso das doenças sexualmente transmissíveis ou outras doenças socialmente estigmatizadas Esses casos em que a pessoa reconhece sua doença mas não conta para os outros não são uma negação verdadeira mas podem roubar do paciente a chance de conversar sobre sua doença o que gera solidão e angústia A negação também pode ocorrer da parte dos familiares e médicos em relação ao paciente São as situações em que se questiona se é melhor contar ou não contar para o paciente sobre seu diagnóstico ou prognóstico Trataremos dessa questão mais adiante na segunda parte do livro mas podemos adiantar que a questão se encontra mal colocada já que o verdadeiro problema está em como contar e não em contar ou não contar Algumas palavras em medicina tornamse tão carregadas de significados negativos que são elas mesmas alvo de negação e não a doença Certa vez um paciente dizia para seu filho que era médico se for aquela doença eu não quero saber É uma dupla negação da doença e da palavra Nesse caso aquela doença era o câncer que para muita gente é uma palavra proibida e traz mau agouro Existem outras mas câncer é a campeã A psicologia hospitalar trabalha muito com as palavras e por isso é evidente a importância dessa questão das palavras proibidas para o psicólogo hospitalar Negação é diferente de desconhecimento Se um paciente não se dá conta da gravidade de seu estado devido por exemplo a um linguajar excessivamente técnico usado pela equipe médica isso não quer dizer que ele esteja na posição negação Simplesmente não conhece aqueles termos Certa vez um médico tendo a espinhosa tarefa de comunicar o falecimento de um paciente aos familiares disse que apesar de todos os esforços o paciente tinha ido a óbito ao que o familiar replicou Óbito Mas isso é grave doutor Nesses casos o médico pode estar se protegendo da angústia desses momentos por meio de um mecanismo linguageiro ou simplesmente não se deu conta do problema da linguagem numa sociedade com diferentes níveis culturais A negação não tem que ver com inteligência cultura nível intelectual ou social pois pessoas de todos os níveis sociais e econômicos podem vir a negar sua doença O que varia é a forma A negação não se dá por falta de informação e sim por falta de condições psicológicas falta essa que não deve ser entendida como defeito e sim como característica naquele dado momento A racionalização por exemplo é uma maneira culta e elaborada geralmente usada por pessoas informadas e inteligentes para negar a doença usando a informação para segurar a emoção diante da doença A medicina atual com sua ênfase na tecnologia em detrimento das relações humanas também não deixa de ser um viés de negação da angústia envolvida na doença Aos profissionais da área de saúde resta sempre a teoria a ciência e a técnica como formas privilegiadas e culturalmente reforçadas de se resguardar da avalanche de subjetividade que brota do adoecimento Primeira Parte Diagnóstico UMA HISTÓRIA DE NEGAÇÃO Havia na Índia há muitos séculos um homem muito rico e bondoso Quando nasceu seu primogênito ele decidiu que aquela criança tão desejada e tão amada não haveria de conhecer nem a dor nem a tristeza em sua vida Com esse intuito mandou construir um imenso palácio luxuoso e belo cercado de enormes muros que o isolavam do mundo lá fora e de todas as sua misérias tais como a fome a pobreza a doença a velhice e a morte Todos os empregados do palácio eram jovens bonitos e saudáveis E assim o menino foi criado poupado de todas as agruras do mundo e até mesmo as palavras que designavam tais desgraças eram proibidas no palácio O menino parecia feliz em seu paraíso terreno Ninguém sabe explicar a razão mas ao completar 19 anos o rapaz começou a sentir uma inquietação interior Parecia que faltava algo mas o quê Ele tinha tudo o que desejava De repente lhe ocorreu a fatídica curiosidade de conhecer o que havia para além dos muros Quando conseguiu fugir do palácio e saiu perambulando pelas ruas do mundo ficou chocado O que era aquilo tudo que via e que nem sabia o nome mas intuía a dor Era a doença a velhice a pobreza e a morte Veiolhe uma grande tristeza misturada à revolta contra a vida que permitia a existência de coisas tão feias Passada a fase da tristeza e da revolta comunicou ao pai que renunciaria a toda a sua riqueza e partiria para o mundo em busca de uma solução para o sofrimento humano mas uma solução que não fosse a de se esconder em seu lindo palácio E assim fez Essa é exatamente a história do príncipe Sidarta posteriormente conhecido como Buda Nascia aí o budismo Essa bela história sobre a origem de Buda ilustra a posição negação mas também aponta a passagem pelo processo de revolta depressão e enfrentamento Mostra que a negação jamais é total ou permanente Há sempre uma brecha pela qual se vislumbra o real insuportável e embora possa durar de alguns segundos até anos há sempre a possibilidade de uma reviravolta Foi o que se deu com Sidarta POSIÇÃO NEGAÇÃO Tipo de solução Mágica Emoção predominante Alegria Emoção evitada Medo Pensamento Onipotência Comportamento Adiar procrastinação Estado de ânimo Irritado e angustiado O sujeito Insiste Mecanismo Projeção Forma de passividade Não há o problema Esperança Exagerada Personagem Sidarta Frases Não é possivel No fim tudo dá certo Bobagem comigo isso nunca acontece Eu sei o que estou fazendo Não isso não pode estar acontecendo Quadro 3 Principais características da posição negação Posição revolta Aqui a pessoa cai na real enxerga a doença e enchese de uma revolta que pode ser dirigida para qualquer lado contra a doença contra o médico que a comunica contra a equipe de enfermagem contra si mesmo contra a família contra o mundo ou contra quem aparecer por perto Virtualmente qualquer um pode ser alvo da raiva que caracteriza a revolta Se na negação a frase característica era do tipo isso não acontece comigo na revolta o que se exclama é sim é comigo e não é justo A revolta geralmente se inicia como frustração e é fácil observar que uma pessoa frustrada primeiramente se irrita para depois se deprimir Parece quase uma sequência natural frustraçãoirritaçãodepressão A doença é um evento com alto poder de frustração Em primeiro lugar frustra o princípio do prazer pelo qual funciona nosso inconsciente ao introduzir a dor e o desprazer Frustra também nossa onipotência infantil na qual a vida acontece segundo nosso desejo Nesse sentido a doença é mais uma força de castração a que o ser humano é submetido em sua jornada Também no sentido prático a doença é muito frustrante Ela frustra nossa liberdade e nossa rotina Quando uma pessoa adoece ela perde a liberdade não pode mais fazer o que quer tem de fazer algo em relação à doença como por exemplo gastar seu tempo procurando tratamento ou então mudar hábitos de vida e todos sabemos como é irritante mudar nossos hábitos Conforme a gravidade da doença ela frustra também o nosso futuro e não só por meio da morte que põe fim a qualquer futuro mas também pelas limitações em vida que a doença acarreta Estamos falando dos sonhos profissionais e pessoais que uma doença pode comprometer seja por incapacidade física ou por consumir o tempo e o dinheiro que estavam destinados a coisas mais interessantes Outro aspecto particularmente irritante é a perda de autonomia provocada por algumas doenças A pessoa já não guia sua vida há muitas pessoas dizendo o que ela deve fazer isso quando não passa a depender concretamente de outras pessoas para coisas básicas como andar comer fazer sua higiene pessoal etc A nossa cultura valoriza muito o trabalho e as doenças costumam limitar a produtividade da pessoa temporária ou permanentemente Além disso o trabalho também exerce sua função de fuga dos problemas pessoais de modo que quando a doença limita o tra balho pode estar jogando a pessoa de cara com problemas que ela gostaria de evitar Isso pode levar tanto à negação quanto à revolta Contrastando com a passividade associada à posição negação a revolta caracterizase por uma intensa atividade Entretanto não devemos nos iludir com essa atividade pois nem toda atividade é produtiva pode ser mera agitação Qual é a diferença Agitação é atividade fora de foco não direcionada ao problema nada resolve é pura descarga energética sem objetivo a ser alcançado Essa é uma noção valiosa em psicologia atividade não é igual a produtividade Essa idéia foi sistematizada pela psicóloga norteamericana Jacquie Schiff Crema 1984 para quem existem quatro formas pelas quais uma pessoa pode ser passiva A primeira é a sobreadaptação que ocorre quando a pessoa age para agradar o outro e não para resolver o problema a segunda é o nada fazer em que não existe atividade a terceira é a agitação que se define como ação não focalizada no problema e a quarta forma é a violência que se caracteriza por autoagressividade e heteroagressividade que não resolvem o problema Fazendo uma correlação entre as quatro formas de passividade a as quatro formas de reagir à doença temos o seguinte é evidente a passividade nas posições de negação e depressão e embora possa parecer paradoxal a revolta com toda a sua agitação podendo chegar às raias da violência também é uma passividade enquanto não levar ao enfrentamento da doença esta sim a posição mais produtiva de todas entendendose como produtiva a possibilidade de atravessar o processo de adoecimento lutando contra a doença e não contra a frustração ou contra a angústia O que mais nos interessa mais neste momento pela sua estreita ligação com a revolta é a agitação Vejamos alguns exemplos uma pessoa que diante da doença se comporta de maneira nervosa gritando chorando quebrando coisas e agredindo pessoas é passiva embora esteja muito ativa Por outro lado esse mesmo comportamento em um momento agudo como no caso da notícia da morte de um ente querido não é comportamento passivo porque pode efetivamente ajudar como forma de catarse a enfrentar a angústia daquele instante Outro exemplo um cirurgião que durante um cirurgia deparase com uma imprevista artéria rompida a jorrar muito sangue nada ganha entregandose à agitação esbravejando contra a má sorte jogando instrumentos cirúrgicos na mesa agredindo verbalmente membros da equipe ou fazendo manobras cirúrgicas apressadas e nervosas Em um momento como esse ele só tem uma coisa a fazer manter a calma a fim de conseguir pinçar a artéria e estancar o sangramento Qualquer outra coisa seria passividade Cabe então não confundir nervosismo e agitação com eficiência Nos momentos mais difíceis é a focalização da ação que tem mais chances de resolver o problema e não um elevado grau de atividade O termo paciente difícil tão comum nas enfermarias dos hospitais não se refere a um paciente cuja doença exija muito da equipe médica quanto à técnica esse se denomina na verdade um caso grave mas designa o paciente que tem problemas de relacionamento seja porque está sempre de cara fechada não querendo conversar com ninguém seja porque é muito crítico ou sarcástico com os que cuidam de sua saúde como médicos enfermeiras ou familiares O paciente difícil é o protótipo da pessoa na posição de revolta embora alguns pacientes na posição depressão também possam receber esse rótulo Esses pacientes acabam sendo evitados pela equipe de uma forma consciente ah desse daí eu não cuido ou inconsciente por meio de pequenos esquecimentos dos horários de medicação cuidados muito apressados silêncio temeroso etc Na doença como na vida raivosos despertam medo e afastamento Tratar esses pacientes por esse caminho do isolamento só faz piorar a situação Quando eles podem ser escutados em sua revolta e mau humor quando podem ter seus sentimentos reconhecidos seus medos ventilados numa conversa desarmada geralmente melhoram muito em seus relacionamentos Ocorre que é mesmo muito mais difícil lidar com pacientes na revolta do que na negação em razão de seu comportamento querelante ruidoso disruptivo até A esses motivos devese somar o fato de que nunca é fácil para a equipe perceber que aquela agressividade que lhe está sendo dirigida nada tem de pessoal O psicólogo escorado em seus conhecimentos sobre transferência e acting out deve idealmente estar preparado tanto para lidar com um paciente assim bem como para orientar e dar suporte à equipe Estou aprendendo a fazer curativo em porcoespinho disseme certa vez uma enfermeira explicando porque achava que determinado paciente precisava de atendimento psicológico O pensamento na revolta gira em torno do tema da justiça ou melhor da injustiça de a doença acometer alguém que nunca fez mal a ninguém Muitas vezes ouvimos comentários do tipo fulano que é uma peste um crápula está tão bem e essa pessoa tão nobre passando por todo esse sofrimento O escritor J J Simmel pergunta no título de um de seus livros por que coisas ruins acontecem a pessoas boas Para além da angústia e revolta desses questionamentos encontrase um modelo moral de doença pelo qual a doença é entendida como um castigo divino por determinados pecados ou um castigo da vida em razão de hábitos pouco saudáveis Laplantine 1991 O problema é o seguinte a doença carrega em seu âmago o princípio da incerteza pessoas boas e más adoecem pessoas desleixadas e supercuidadosas adoecem não há uma garantia contra a doença e ausência de garantia gera angústia Como não se trata de um julgamento o trabalho do psicólogo hospitalar constituise em ouvir essas queixas sem reprimilas mas também sem estabelecer veredictos do tipo a vida não é justa os quais embora verdadeiros já estão por demais desgastados Cabe escutar muito mais no lugar de testemunha do que de juiz Se na negação as soluções tentadas são mágicas na revolta elas são do tipo impulsivo muito mais uma ação para descarregar tensão acumulada do que tentativas de solucionar qualquer problema É na qualidade de válvula de escape de diminuição da angústia que essas soluções devem ser sustentadas e apoiadas pelo psicólogo hospitalar na medida do possível Não são soluções verdadeiras mas ajudam a manter a angústia em um nível suportável e muitas vezes não há mesmo nada de efetivo que o paciente possa fazer naquele instante mas como fazer nada é quase insuportável para os seres humanos cabem soluções que distraiam a atenção As soluções do tipo impulsivo se enquadram no tipo de passividade denominado agitação que comentamos acima Nesse sentido cabe dizer que muitas vezes a ação é fora de foco porque não existe mesmo um foco não há um problema a ser resolvido e nesse caso o que fazer A raiva é positiva é um sinal de luta pela vida uma tentativa de afirmação subjetiva O problema da raiva na revolta é o seu exagero e sua constância que a denunciam como tentativa de evitar alguma outra coisa De modo geral as emoções humanas acontecem em uma curva do tipo pico isto é começam em baixa intensidade e vão crescendo até atingir um pico máximo depois do quê iniciam um declínio Quando qualquer emoção muda sua curva do tipo pico para o tipo platô que é a intensidade do pico mantida como podemos visualizar na figura abaixo devemos ficar atentos para seu caráter de disfarce de alguma outra emoção É natural uma pessoa sentir raiva diante da doença mas se ela passa o tempo todo sentindo raiva se essa raiva se torna uma condição quase permanente é hora de nos perguntarmos por quê Com muita frequência uma raiva desse tipo está a serviço de evitar a angústia e a tristeza De modo similar se a tristeza se torna permanente como veremos na depressão geralmente envolve uma dificuldade em lidar com a raiva Nesse campo emocional o trabalho do psicólogo hospitalar é facilitar e expressão das emoções evitadas mas de nada adianta acusar o paciente de estar reprimindo essa ou aquela emoção Não é pela via da denúncia que o paciente chega à emoção que evita O psicólogo pode apenas acompanhar o caminho que vai da raiva à tristeza ou viceversa mas não pode induzilo O melhor é ficar atento ao discurso do paciente e quando ele evidenciar a emoção evitada chamar a sua atenção para ela Se ele estiver pronto vai engatar e mudar de posição Caso contrário não Cabe esperar e acompanhar Conselhos do tipo soltese expresse suas emoções podem até ajudar mas um silêncio genuíno por parte do psicólogo é um convite muito mais poderoso tem quase a força de um vácuo que puxa sem forçar aquilo que está reprimido Esse é o segredo da psicanálise fazer silêncio um silêncio para ser preenchido pela fala do paciente e não pela do psicólogo Outra coisa depois que a emoção foi expressa não é preciso concluir nada já está feito o mais importante ele falou não cabe tirar nenhuma lição de moral disso tipo está vendo agora toda vez que sentir alguma coisa diga Outro exemplo diante de um paciente raivoso que ao falar titubeia engasga e começa a dar sinais de choro melhor do que lhe dizer vamos chore é fazer um silêncio expectante paciente sem ansiedade É da ordem do perfume o trabalho do psicólogo hospitalar há que ser sutil quase fugaz não pode ser muito direto ou intenso se não estraga É uma arte a ser cultivada esse negócio de atendimento psicológico Uma pessoa que permanece tempo demais na posição revolta acaba por desenvolver um padrão de estresse O estresse é um estado de prontidão para a luta Nele todo o organismo a mente e o corpo colocase em alerta os músculos se enrijecem a respiração fica mais rápida o coração dispara grande quantidade de adrenalina é despejada na corrente sanguínea os olhos se abrem mais para perceber o meio ambiente etc O estresse é positivo quando existe mesmo um desafio a ser enfrentado já que ele aumenta o desempenho do organismo no processo de luta ou fuga Entretanto quando é mantido cronicamente tanto o corpo como a mente começam a dar sinais de exaustão com queda do rendimento global e diminuição até mesmo das defesas imunológicas do corpo Sebastiani 1998 Na posição de revolta a pessoa resiste luta e isso é valioso mas é preciso caminhar em direção a um enfrentamento mais realista direcionando os esforços por exemplo para o tratamento do contrário o organismo entrará em colapso A irritabilidade crônica de uma pessoa em revolta além dos problemas de relacionamento que acarreta é também um sinal de que o colapso pode estar próximo A revolta pode assumir a forma de hostilidade contra a instituição Em tal situação a pessoa se volta contra o hospital contra o plano de saúde contra o sistema governamental de saúde contra a própria medicina contra a ideologia dominante e mesmo contra outras coisas Com muito frequência existe uma base de realidade nessas críticas como nos casos de reivindicações contra falta de vagas nos hospitais demora na marcação de consultas falta de remédios e outros insumos hospitalares Angerami 1996 Considerando que a maior parte dessas instituições possui para o paciente um caráter abstrato distante e impessoal é interessante perguntar contra quem concretamente falando o paciente vai brigar Contra as pessoas que se encontram na linha de frente do atendimento que são tomadas como representantes dessas instituições os médicos as enfermeiras e auxiliares administrativos São neles que os pacientes costumam descontar sua raiva contra o sistema Novamente será muito difícil para a equipe suportar esse ataque injusto e entender que ele não é pessoal O psicólogo com sua arte de escuta deve estar preparado para desempenhar um papel de mediação nesse campo conflituoso UMA HISTÓRIA DE REVOLTA Há muitos e muitos anos vivia na região da Mancha um nobre fidalgo descendente de uma família de honrados cavaleiros Mergulhado em seus livros e em suas reflexões filosóficas chegou um belo dia a uma constatação irritante havia muita injustiça no mundo a sua volta e como cavaleiro que era tendo jurado pela santa cruz defender os fracos doentes pobres e injustiçados preparou suas armas vestiu sua armadura convocou seu fiel escudeiro montou em seu cavalo e decidiu correr o mundo a defender quem dele precisasse Em suas andanças lutou contra enormes gigantes defendeu lindas e castas donzelas enfrentou gananciosos senhores bateuse contra cavaleiros do mal e assim seguiu sem nunca descansar ou se render por dias e dias sem conta até que um dia um cavaleiro vestido de negro o venceu Humilhado com a derrota retornou aos seus domínios e quedouse em profunda depressão que o levou à beira da morte Antes porém pôde ouvir de seus familiares que os gigantes com quem lutara eram na verdade moinhos de vento que a donzela por quem se batera era uma prostituta chamada Dulcineia que o cavaleiro negro era seu sobrinho que não encontrando outro meio de fazêlo recobrar a lucidez optou por enfrentálo em seu próprio delírio Estranhamente a verdade desses fatos não o decepcionaram Já estava em condições de enfrentálos O personagem Dom Quixote criado pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes ilustra bem a posição de revolta com suas lutas justas mas contra inimigos errados ou mesmo imaginários POSIÇÃO REVOLTA Solução tentada Impulsiva Emoção predominante Raiva Emoção evitada Tristeza Pensamento Injustiça Comportamento Fora de foco agitação Estado de ânimo Estressado e solitário O sujeito Resiste Mecanismo Luta Forma de passividade A luta não muda o problema Esperança Quererante Personagem Dom quixote Frases Isto não é justo Por que eu Odeio ficar doente Quadro 4 Principais características da posição revolta Posição Depressão Na posição depressão a pessoa se entrega passivamente a sua doença É como uma desistência nada espera do futuro e pode mesmo se negar a qualquer esforço quanto ao tratamento Não costuma ser uma fase de desespero é muito mais de desesperança onde a pessoa não acredita que possa ser curada ou então a cura possível não interessa em razão das perdas que acarreta podendo chegar a um ponto em que já não há nem mesmo o medo de um desfecho fatal Não tem medo da morte nem vontade de viver mas há tristeza É um equívoco pensar que a pessoa deprimida pela sua manifesta indiferença não sofre sofre sim e bastante O silêncio é a frase mais comum na posição depressão Entretanto muitos outros ditos se fazem ouvir para quê já sou muito velho não adianta não vai dar certo você é quem sabe Depressão é uma palavra plural embora não termine em s Em razão do fato de ela poder assumir muitas formas diferentes mais correto seria falar em depressões Convém distinguir os vários tipos para evitar tanto uma confusão teórica como uma psiquiatrização da vida Freud 1980 vol XIV distingue dois tipos principais de depressão o luto e a melancolia o primeiro uma reação no campo da normalidade o segundo adentrando já o psicopatológico Tanto o luto como a melancolia são maneiras de lidar com a perda do objeto objeto aqui tomado no sentido psicanalí tico significando objeto da pulsão objeto da libido objeto de amor Embora na maioria das vezes o objeto seja uma pessoa também pode ser uma coisa um ideal liberdade crença etc ou ainda um aspecto da pessoa o qual se transformou como por exemplo a juventude perdida o estado civil ou o que nos interessa mais aqui o estado de saúde Que objeto exatamente é esse que se perde na doença só o trabalho individual com o paciente é que pode determinar já que muitas vezes esse objeto perdido só existe no imaginário do paciente Nas palavras de Freud na depressão a perda é secreta e só desvendável no trabalho de análise Vejamos como Freud conceitua o luto em seu trabalho Luto e Melancolia Freud 1980 vol XIV o luto comporta um estado de alma doloroso a perda de interesse pelo mundo exterior a perda da capacidade de escolher um novo objeto de amor o que equivaleria a substituir aquele por quem se está enlutado e o abandono de qualquer atividade não relacionada à memória do defunto Concebemos facilmente que essa inibição e restrição do ego exprimem o fato de o indivíduo se entregar exclusivamente ao seu luto de sorte que nele nada resta para outros projetos e outros interesses Aqui vemos que o luto e portanto a depressão não é uma coisa meramente negativa não se resume a um desinteresse pelo mundo e pela vida Se a pessoa recolhe sua libido que estava direcionada ao objeto é para investila em outro lugar fazer outra coisa O psicólogo hospitalar deve se lembrar disso quando estiver atendendo um paciente na posição depressão Não cabem mais frases do tipo ele não está fazendo nada já que na verdade a pessoa está realmente fazendo alguma coisa Essa coisa que o deprimido faz é um trabalho psíquico uma elaboração da perda a qual leva tempo e nela o psicólogo pode ajudar muito mas não é o caso de apressála o trabalho psíquico tem seu próprio ritmo A melancolia para Freud é um quadro com características psicóticas e nisso ele concorda com a psiquiatria moderna que usa o termo para designar casos graves de depressão que incluem delírios e alucinações Clinicamente a melancolia se manifesta como um luto acrescido de mais algumas coisas a saber culpa e autoacusa ção ausência de cuidados elementares como alimentação e higiene desânimo intenso podendo chegar ao estupor perda de interesse pelo mundo beirando o egocentrismo total por isso a depressão é chamada neurose narcísica e uma perda da capacidade de amar sendo muito comum o próprio paciente se queixar de uma sensação de falta de afetividade Nas palavras de Freud a pessoa se descreve como sem valor incapaz do que quer que seja e moralmente condenável recriminase insultase espera repulsa e punição e compadecese de seus familiares por estarem ligados a uma pessoa tão indigna quanto ele e o que é notável evidencia um fracasso da pulsão que obriga todo ser vivo a apegarse à vida O paciente na posição depressão tipo melancolia encontrase em risco aumentado de suicídio Diagnosticando esse risco cabe ao psicólogo tomar as providências adequadas como veremos mais adiante Dessas considerações psicanalíticas extraímos as seguintes consequências para o nosso trabalho em psicologia hospitalar Diferentemente das outras três posições quando diagnosticamos que um paciente se encontra na posição depressão o trabalho ainda não está completo é preciso ir mais adiante e especificar o tipo se depressão reacional luto ou depressão melancólica Mas por quê Porque cada tipo exige uma conduta terapêutica diferente Se for reacional portanto uma depressão mais próxima do normal por assim dizer podemos esperar uma evolução favorável Já se o quadro for do tipo melancólico exige um atendimento mais frequente mais atenção a sinais de risco de suicídio maior entrosamento com a equipe médica e sugere uma evolução mais complicada bem como implica uma investigação mais detalhada da história psiquiátrica do paciente em busca de episódios anteriores de transtorno depressivo maior Outra consequência importante é a noção de que no adoecimento a depressão em seu sentido de luto e tristeza é uma etapa necessária ao enfrentamento da doença e se evitada como no caso da negação ou da revolta constituise em dificuldade mas que quando muito exagerada como na melancolia vai beirar o patológico Se a depressão é necessária ao trabalho psíquico de enfrentamento o psicólogo hospitalar deve estar preparado para aceitála no paciente em vez de querer tirálo a qualquer custo dessa posição É preciso aprender a suportar por algum tempo a tristeza e a angústia no outro A experiência mostra que tal só é possível quando o profissional já aprendeu a enfrentar e a sustentar a angústia e tristeza referentes à perda de seus objetos pulsionais Geralmente o psicólogo por já ter se submetido ou estar se submetendo a um processo de análise pessoal estaria em tese em melhores condições para fazer isso do que os outros profissionais da saúde os quais raramente se submetem a um processo de análise Cabe agora proceder a alguns esclarecimentos para evitar possíveis malentendidos referentes ao uso muito genérico da palavra depressão A posição depressão na órbita reacional não é a mesma coisa que a doença denominada depressão Naquela posição a pessoa apresenta uma série de sintomas que também estão presentes na doença depressão mas pelo seu caráter passageiro e reativo não preenchem os critérios diagnósticos para a depressão propriamente dita A primeira é uma reação com colorido depressivo e a segunda um transtorno mental bem especificado É evidente que em determinados casos as duas entidades podem estar presentes mas essa não é a regra Outra distinção necessária ocorre entre tristeza e depressão É certo que na doença mental depressão a tristeza é um elemento presente e fundamental mas nem toda tristeza é uma doença A tristeza é uma emoção humana bastante natural ante a situações de perda Essa questão tem crescido em importância nas últimas décadas em razão do advento dos medicamentos antidepressivos Há uma tendência da indústria farmacêutica e de alguns psiquiatras em abordar a tristeza independentemente da depressão com remédios No Brasil e nos EUA existe um estudo científico sobre o uso de antidepressivos em pessoas sem nenhuma sintomatologia psiquiátrica A tese desses trabalhos está em que os antidepressivos podem tornar as pessoas mais seguras e podem melhorar seu desempenho social de uma maneira global Algo como tornálos mais felizes ou transformalos nos supernormais Ipq 2003 Dois movimentos sustentam essas idéias o marketing da indústria farmacêutica e a tentativa de nossa cultura pósmoderna de evitar a angústia a qualquer preço esquecendose porém de que existe uma angústia que faz parte da vida a angústia dita existencial que é constituinte da própria condição humana Também trataremos dessa questão mais adiante no apêndice sobre os remédios Agora uma questão meramente terminológica a posição depressão na órbita da doença nada tem que ver com a posição depressiva postulada pela psicanalista Melanie Klein como uma das fases do desenvolvimento psicossexual do ser humano São conceitos diferentes que usam palavras semelhantes mas que não se implicam mutuamente Na posição depressão a tendência é para a inatividade quase não há ação A causa provável disso é o estreitamento do campo existencial e a lentificação dos processos psíquicos que caracterizam a depressão Somenreich 1994 Ao contrário da posição negação com seu pensamento onipotente a posição depressão evidencia um pensamento com conteúdo de impotência é o pólo oposto A pessoa não se acredita capaz de ficar curada nem capaz de enfrentar a situação provocada pela doença e geralmente percebe seu estado de saúde como sendo mais grave do que realmente é Outras vezes essa impotência se estende levando a uma descrença nos poderes terapêuticos da medicina e da psicologia É comum nas primeiras entrevistas escutarmos o paciente dizer coisas como de que adianta ficar aqui falando de minha doença com você isso não vai mudar nada É interessante notar como essa é uma das primeiras coisas a mudar no quadro psíquico daquele paciente em atendimento psicológico Ele começa a descobrir que a palavra pode sim mudar as coisas mas a sua própria palavra e não a palavra dos outros em forma de conselho ou orientação É a sua palavra plena carregada com a sua verdade pessoal que quando expressada e sustentada pelo psicólogo hospitalar ouvinte treinado para isso desencadeia um misterioso processo de mudança se não da doença da forma como ela é vivenciada É nesse instante que surge a nova frase do paciente para o psicólogo você pode vir novamente amanhã para continuarmos conversando Se as soluções tentadas pelo paciente são mágicas na negação e impulsivas na revolta aqui elas são do tipo narcísica Narcisismo significa o recolhimento da libido investida nos objetos para investimento no próprio ego A doença provoca mesmo essa regressão que é na verdade uma tentativa de cura tentativa de reconstituição da própria forma do ego Notese como na depressão a palavra eu é insistente eu não consigo eu não tenho mais jeito a vida continua igual eu que não encontro mais prazer em nada Quando a pessoa puder vai voltar sua atenção novamente para as coisas do mundo e da doença aí estará se iniciando o processo de enfrentamento é a volta do pêndulo A tristeza é emoção emblemática da posição depressão É natural sentir tristeza diante da doença considerandose que a tristeza é a emoção da perda e que a doença se faz acompanhar de muitas perdas algumas concretas outra imaginárias mas sempre perdas de objetos pulsionais Não ficar triste durante o processo de adoecimento é um estado a ser alcançado após algum trabalho de elaboração psíquica é um ponto de chegada e nunca um ponto de partida Entretanto quando a tristeza se cristaliza monopolizando todo o cenário emocional da vida da pessoa isso pode significar que existe uma exclusão das outras emoções e geralmente o problema é com a raiva A pessoa cronicamente entristecida pode ter dificuldades em expressar sua hostilidade O diaadia de uma pessoa na posição depressão é vivenciado como sem graça Ela faz as coisas por fazer sem prazer É como se a vida antes colorida transcorresse agora em preto e branco