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Direito Processual Penal

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AURY LOPES JR DIREITO PROCESSUAL PENAL 2020 17ª EDIÇÃO De acordo com as Leis n 138692019 e n 139642019 saraiva jur Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal ISBN 9788553619030 Lopes Junior Aury Direito processual penal Aury Lopes Junior 17 ed São Paulo Saraiva Educação 2020 1232 p Bibliografia 1 Processo penal Brasil I Título 200117 CDD 340 Índices para catálogo sistemático 1 Brasil Processo penal Direito penal 343181 Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Gerência de produção e planejamento Ana Paula Santos Matos Gerência de projetos e serviços editoriais Fernando Penteado Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Novos projetos Melissa Rodriguez Arnal da Silva Leite Edição Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Luciana Cordeiro Shirakawa Arte e digital Mônica Landi coord Amanda Mota Loyola Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Fernanda Matajs Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Verônica Pivisan Reis Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Projetos e serviços editoriais Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Mônica Gonçalves Dias Diagramação Livro Físico Desígnios Editoriais Rafael Padovan Revisão Caio Cobucci Leite Silvana Cobucci Amélia Kassis Ward Capa Aero ComunicaçãoDanilo Zanott Livro digital Epub Produção do epub Guilherme Henrique Martins Salvador Data de fechamento da edição 1522020 Dúvidas Acesse sacsetssomoseducacaocombr SUMÁRIO NOTA DO AUTOR À 17ª EDIÇÃO Capítulo I UM PROCESSO PENAL PARA QUÊM ANÁLISE DO FUNDAMENTO NATUREZA JURÍDICA SISTEMAS PROCESSUAIS E OBJETO 1 Pena e Processo Penal Princípio da Necessidade 2 Natureza Jurídica do Processo Penal 21 Processo como Relação Jurídica Bülow 22 Processo como Situação Jurídica James Goldschmidt 23 Processo como Procedimento em Contraditório Elio Fazzalari 3 Sistemas Processuais Penais Inquisitório Acusatório e o Ilusório Misto 31 Sistema Processual Inquisitório 32 Sistema Processual Acusatório 33 Sistema Processual Misto e sua Insuficiência Conceitual 34 E o Sistema Processual Penal Brasileiro 4 Objeto do Processo Penal a Pretensão Acusatória SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo II INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL 1 Jurisdicionalidade Nulla Poena Nulla Culpa sine Iudicio 11 A Função do Juiz no Processo Penal 12 A Complexa Garantia da Imparcialidade Objetiva e Subjetiva do Julgador 121 RePensando os Poderes InvestigatóriosInstrutórios do Juiz 122 Contributo da Teoria da Dissonância Cognitiva para a Compreensão da Imparcialidade do Juiz 13 O Direito de Ser Julgado em um Prazo Razoável art 5º LXXVIII da CF o Tempo como Pena e a DeMora Jurisdicional 131 Introdução Necessária Recordando o Rompimento do Paradigma Newtoniano 132 Tempo e Penas Processuais 133 A DeMora Jurisdicional e o Direito a um Processo sem Dilações Indevidas73 134 A Recepção pelo Direito Brasileiro 135 A Problemática Definição dos Critérios a Doutrina do Não Prazo ou a Ineficácia de Prazos sem Sanção 136 Nulla Coactio sine Lege a Urgente Necessidade de Estabelecer Limites Normativos 137 A Condenação do Brasil no Caso Ximenes Lopes 138 Em Busca de Soluções Compensatórias Processuais e Sancionatórias 139 Concluindo o Difícil Equilíbrio entre a DeMora Jurisdicional e o Atropelo das Garantias Fundamentais 2 Princípio Acusatório Separação de Funções e Iniciativa Probatória das Partes A Imparcialidade do Julgador 3 Presunção de Inocência Norma de Tratamento Probatória e de Julgamento 4 Contraditório e Ampla Defesa 41 Direito ao Contraditório 42 Direito de Defesa Técnica e Pessoal 421 Defesa Técnica 422 A Defesa Pessoal Positiva e Negativa 4221 Defesa Pessoal Positiva 4222 Defesa Pessoal Negativa Nemo Tenetur se Detegere 5 Motivação das Decisões Judiciais Superando o Cartesianismo SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo III LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO 1 Lei Processual Penal no Tempo 11 A Leitura Tradicional Princípio da Imediatidade 12 Uma ReLeitura Constitucional Retroatividade da Lei Penal e Processual Penal Mais Benéfica 13 A Discussão Sobre a Aplicação no Tempo das Regras do Juiz das Garantias 2 Lei Processual Penal no Espaço SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo IV A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BRASILEIRAO INQUÉRITO POLICIAL 1 Considerações Prévias Fundamento da Existência e Natureza Jurídica 2 Órgão Encarregado Atuação Policial e do Ministério Público 3 A Posição do Juiz Frente ao Inquérito Policial O Juiz das Garantias 31 Por Que Precisamos do Juiz das Garantias Qual o Fundamento do Sistema Duplo Juiz 32 Atuação do Juiz das Garantias Análise do Art 3ºB e Seguintes do CPP 33 A Exclusão do Juiz das Garantias dos processos de competência originária dos tribunais do rito do tribunal do júri dos casos de violência doméstica e familiar e dos processos criminais de competência da justiça eleitoral 4 Objeto e sua Limitação 41 Limitação Qualitativa 42 Limitação Temporal Prazo Razoável Prazo Sanção Ineficácia 5 Análise da Forma dos Atos do Inquérito Policial 51 Atos de Iniciação Art 5º do CPP 511 De Ofício pela Própria Autoridade Policial 512 Requisição do Ministério Público ou Órgão Jurisdicional 513 Requerimento do Ofendido Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada 514 Comunicação Oral ou Escrita de Delito de Ação Penal de Iniciativa Pública 515 Representação do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionadax 516 Requerimento do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Privada 52 Atos de Desenvolvimento Arts 6º e 7º do CPP 53 As Medidas Previstas nos Arts 13A e 13B do CPP 6 Estrutura dos Atos do Inquérito Policial Lugar Tempo e Forma Segredo e Publicidade 7 Valor Probatório dos Atos do Inquérito Policial 71 A Equivocada Presunção de Veracidade 72 Distinção entre Atos de Prova e Atos de Investigação 73 O Valor Probatório do Inquérito Policial A Exclusão Física das Peças do Inquérito A Contaminação Consciente ou Inconsciente do Julgador 731 Provas Repetíveis Provas Irrepetíveis Classificando as Provas Irrepetíveis A Produção Antecipada de Provas 8 O Indiciado no Sistema Brasileiro 9 Direito de Defesa e Contraditório no Inquérito Policial 10 Garantias do Defensor O Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Contraditório Limitado O Problema do Sigilo Interno do Inquérito Policial 11 A Conclusão do Inquérito Policial Oferecimento da Denúncia ou Queixa Arquivamento pelo Ministério Público Procedimento A Problemática do Arquivamento Implícito ou Tácito 12 O Acordo de Não Persecução Penal SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo V AÇÃO PROCESSUAL PENAL REPENSANDO CONCEITOS E CONDIÇÕES DA AÇÃO 1 Síntese do Estado da Arte e Natureza Jurídica 2 Condições da Ação Penal Equívocos da Visão TradicionalCivilista 3 Condições da Ação Penal Segundo as Categorias Próprias do Processo Penal 31 Prática de Fato Aparentemente Criminoso Fumus Commissi Delicti 32 Punibilidade Concreta 33 Legitimidade de Parte 34 Justa Causa 341 Justa Causa Existência de Indícios Razoáveis de Autoria e Materialidade 342 Justa Causa Controle Processual do Caráter Fragmentário da Intervenção Penal 4 Outras Condições da Ação Processual Penal 5 Ação Penal de Iniciativa Pública 51 Regras da Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada ou Incondicionada 511 Oficialidade ou Investidura 512 Obrigatoriedade ou Legalidade 513 Indisponibilidade 514 Indivisibilidade 515 Intranscendência 52 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Pública 521 Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada 522 Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada 6 Ação Penal de Iniciativa Privada 61 Regras que Orientam a Ação Penal de Iniciativa Privada 62 Titularidade Querelante e o Prazo Decadencial 621 Procuração com Poderes Especiais a Menção ao Fato Criminoso 63 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Privada 64 Ação Penal nos Crimes Praticados contra a Honra de Servidor Público 65 Renúncia Perdão e Perempção 7 Aditamentos Próprios e Impróprios na Ação Penal de Iniciativa Pública ou Privada Interrupção da Prescrição Falhas e Omissões na QueixaCrime 71 Aditamentos da Ação Penal de Iniciativa Pública 72 Falhas e Omissões na QueixaCrime Existe Aditamento na Ação Penal de Iniciativa Privada 8 Fixação de Valor Indenizatório na Sentença Penal Condenatória e os Casos de Ação Civil Ex Delicti SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo VI JURISDIÇÃO PENAL E COMPETÊNCIA DE PODER DEVER A DIREITO FUNDAMENTAL 1 Princípios da Jurisdição Penal 11 Princípio da Inércia da Jurisdição 12 Princípio da Imparcialidade 13 Princípio do Juiz Natural 14 Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição 2 A Competência em Matéria Penal A Reforma de 20192020 e o Juiz das Garantias 21 Qual é a Justiça Competente Definição da Competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e Comuns Federal e Estadual Qual é o Órgão Competente Análise da Problemática acerca da Prerrogativa de Função 211 Justiça Especial Militar da União Federal 212 Justiça Especial Militar Estadual 213 Justiça Especial Eleitoral 214 Justiça Comum Federal 215 Justiça Comum Estadual 22 Qual o Órgão Competência em Razão da Pessoa a Prerrogativa de Função e a Mudança de Entendimento do STF 221 Algumas Prerrogativas Importantes 222 Alguns Problemas em Torno da Competência Constitucional do Tribunal do Júri 223 Prerrogativa de Função para Vítima do Crime 224 O Julgamento Colegiado para os Crimes Praticados por Organização Criminosa Lei n 126942012 23 Qual é o Foro Competente Local 24 Qual é a Vara o Juízo Competente 3 Causas Modificadoras da Competência Conexão e Continência 31 Conexão 32 Continência 33 Regras para Definição da Competência nos Casos de Conexão ou Continência 34 Cisão Processual Obrigatória e Facultativa 4 Por uma Leitura Constitucional do Art 567 do CPP SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo VII DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES 1 Das Questões Prejudiciais 2 Dos Processos Incidentes 21 Das Exceções Processuais 211 Exceção de Suspeição 212 Exceção de Incompetência 213 Exceção de Litispendência 214 Exceção de Ilegitimidade de Parte 215 Exceção de Coisa Julgada 22 Conflito de Jurisdição e de Competência SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo VIII TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO PENAL 1 Conceito e Função da Prova 11 O Ritual de Recognição 12 Função Persuasiva da Prova Crença Fé e Captura Psíquica 2 Epistemologia da Prova e o Lugar da Verdade no Processo Penal 21 Standard Probatório 22 In Dubio Pro Reo e Prova Além da Dúvida Razoável 23 Rebaixamento de Standard 3 Provas e Modos de Construção do Convencimento ReVisitando os Sistemas Processuais 4 Principiologia da Prova Distinção entre Meios de Prova e Meios de Obtenção de Provas 41 Garantia da Jurisdição Distinção entre Atos de Investigação e Atos de Prova 42 Presunção de Inocência 43 Carga da Prova e In Dubio Pro Reo Quando o Réu Alega uma Causa de Exclusão da Ilicitude Ele Deve Provar 44 In Dubio Pro Societate DesVelando um Ranço Inquisitório 45 Contraditório e Momentos da Prova 46 Provas e Direito de Defesa o Nemo Tenetur se Detegere 47 Valoração das Provas Sistema Legal de Provas Íntima Convicção e Livre Convencimento Motivado 48 O Princípio da Identidade Física do Juiz 5 Dos Limites à Atividade Probatória 51 Os Limites Extrapenais da Prova 52 Provas Nominadas e Inominadas 53 Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada e à Transferência de Provas 54 Encontro Fortuito e Princípio da Serendipidade O Problema do Desvio da Vinculação Causal da Prova Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada 55 Limites à Licitude da Prova Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima 56 Teorias sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas 561 Admissibilidade Processual da Prova Ilícita 562 Inadmissibilidade Absoluta 563 Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade404 564 Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo 57 Prova Ilícita por Derivação 571 O Princípio da Contaminação e sua Perigosa Relativização 572 Visão Crítica a Recusa ao Decisionismo e ao Reducionismo Cartesiano 58 A Importância da Cadeia de Custódia da Prova Penal 6 A Produção Antecipada de Provas no Processo Penal SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo IX DAS PROVAS EM ESPÉCIE 1 Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito 11 Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial 12 Perícia Particular Possibilidade de Contraprova Pericial Limitações da Fase PréProcessual 13 O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto 14 Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere A Extração Compulsória de Material Genético Alterações Introduzidas pela Lei n 126542012 15 Valor Probatório da Identificação do Perfil Genético É a Prova Técnica a Rainha das Provas 2 Interrogatório 21 A Defesa Pessoal Positiva 22 A Defesa Pessoal Negativa Direito de Silêncio O Nemo Tenetur se Detegere 23 Interrogatório do Corréu Separação Perguntas da Defesa do Corréu Repetição do Interrogatório Momento da Oitiva do Corréu Delator 24 O Interrogatório por Videoconferência 3 Da Confissão 4 Das Perguntas ao Ofendido A Palavra da Vítima 41 A Problemática Acerca da Valoração da Palavra da Vítima O Errôneo Rebaixamento de Standard Probatório nos Crimes Sexuais 42 Falsas Memórias e os Perigos da Palavra da Vítima e da Prova Testemunhal O Paradigmático Caso Escola Base 5 Da Prova Testemunhal 51 A Polêmica em Torno do Art 212 e a Resistência da Cultura Inquisitória A Expressa Adoção do Sistema Acusatório no CPP 52 Quem Pode Ser Testemunha Restrições Recusas Proibições e Compromisso Contraditando a Testemunha 53 Classificando as Testemunhas Caracteres do Testemunho 54 A Ilusão de Objetividade do Testemunho Art 213 do CPP 55 Momento de Arrolar as Testemunhas Limites Numéricos Substituição e Desistência Pode o Assistente da Acusação Arrolar Testemunhas Oitiva por Carta Precatória e Rogatória 6 Reconhecimento de Pessoas e Coisas 61 InObservância das Formalidades Legais Número de Pessoas e Semelhança Física 62 Reconhecimento por Fotografia ImPossibilidade de Alteração das Características Físicas do Imputado Novas Tecnologias 63 Breve Problematização do Reconhecimento desde a Psicologia Judiciária 64 RePensando o Reconhecimento Pessoal Necessidade de Redução de Danos Reconhecimento Sequencial 7 Reconstituição do Delito Reprodução Simulada 8 Acareação 9 Da Prova Documental 91 Conceito de Documento Abertura e Limites Conceituais 92 Momento da Juntada dos Documentos Exceções Cautelas ao Aplicar o Art 479 do CPP 93 Autenticações Documentos em Língua Estrangeira Recusa ao Ativismo Judicial O que São PúblicasFormas 10 Dos Indícios 11 Da Busca e da Apreensão 111 Distinção entre os Dois Institutos Finalidade Direitos Fundamentais Tensionados 112 Momentos da Busca e da Apreensão 113 Da Busca Domiciliar Conceito de Casa Finalidade da Busca 114 Busca Domiciliar Consentimento do Morador Invalidade do Consentimento Dado por Preso Cautelar Busca em Caso de Flagrante Delito 115 Requisitos do Mandado de Busca A Ilegalidade da Busca Genérica A Busca em Escritórios de Advocacia 116 Busca Domiciliar Requisitos para o Cumprimento da Medida Judicial Dia e Noite Realização Pessoal da Busca pelo Juiz Violação do Sistema Acusatório 117 Apreensão Formalização do Ato Distinção entre Apreensão e Medidas Assecuratórias Sequestro e Arresto 118 O Problemático Desvio da Vinculação Causal O Encontro Fortuito 119 Da Busca Pessoal Vagueza Conceitual da Fundada Suspeita Busca em Automóveis Prescindibilidade de Mandado Possibilidades e Limites Busca Pessoal Não se Confunde com Intervenção Corporal SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo X SUJEITOS E PARTES DO PROCESSO A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS AO ACUSADO INATIVIDADE PROCESSUAL DO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO 1 Sujeitos Processuais e a Problemática em Torno da InExistência de Partes no Processo Penal 2 Do Acusado Citação Notificação e Intimação como Manifestações do Direito Fundamental ao Contraditório e à Ampla Defesa Ausência Processual e Inadequação da Categoria Revelia 21 A Comunicação dos Atos Processuais como Manifestação do Contraditório e da Ampla Defesa 22 A Citação do Acusado Garantia do Prazo Razoável Requisitos e Espécies Citação por Carta Precatória e Rogatória Citação do Militar do Servidor Público e do Réu Preso 221 Concessão ao Acusado do Tempo e dos Meios Adequados para a Preparação de sua Defesa 23 Citação Real e Ficta Edital 24 Citação com Hora Certa 25 ReDefinindo Categorias Inatividade Processual Real e Ficta do Réu Ausência e Não Comparecimento Réu não Encontrado 26 Aplicação do Art 366 do CPP 261 Não Comparecimento Suspensão do Processo e da Prescrição Problemática 2611 Aplicação Literal do Art 366 Suspendendo o Processo e a Prescrição por Tempo Indeterminado Recurso Cabível 2612 Crítica à Suspensão Indefinida da Prescrição Da Inconstitucionalidade à Ineficácia da Pena A Súmula 415 do STJ 262 A Injustificável Exclusão de Incidência do Art 366 do CPP na Lei n 961398 Nova Redação Dada pela Lei n 126832012 263 Não Comparecimento Prisão Preventiva Produção Antecipada de Provas 27 Aplicação do Art 367 do CPP Ausência A Condução Coercitiva do Art 260 do CPP Inconstitucionalidade 28 Inadequação da Categoria Revelia no Processo Penal 29 Notificação e Intimação do Acusado Contagem de Prazos 3 Assistente da Acusação 31 Natureza Jurídica Legitimidade Capacidade e Interesse Processual Pode o Assistente Recorrer para Buscar Aumento de Pena Crítica à Figura do Assistente da Acusação 32 Corréu Não Pode Ser Assistente Risco de Tumulto e Manipulação Processual 33 Momento de Ingresso do Assistente Iniciativa Probatória Pode o Assistente Arrolar Testemunhas 34 Assistente Habilitado e Não Habilitado Recursos que Pode Interpor Prazo Recursal SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo XI PRISÕES CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA A INEFICÁCIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 1 Presunção de Inocência e Prisões Cautelares a Difícil Coexistência A Inconstitucionalidade da Execução Antecipada da Pena 2 Teoria das Prisões Cautelares 21 Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora A Impropriedade desses Termos Categorias do Processo Penal Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis 22 Medidas Cautelares e Não Processo Cautelar 23 Inexistência de um Poder Geral de Cautela Ilegalidade das Medidas Cautelares Atípicas 3 Principiologia das Prisões Cautelares 31 Jurisdicionalidade e Motivação 32 Contraditório 33 Provisionalidade e o Princípio da Atualidade do Perigo 34 Provisoriedade Falta de Fixação do Prazo Máximo de Duração e o Reexame Periódico Obrigatório 35 Excepcionalidade 36 Proporcionalidade 4 Da Prisão em Flagrante Medida de Natureza PréCautelar Análise das Espécies Requisitos e Defeitos Garantias Processuais e Constitucionais 41 Por que a Prisão em Flagrante Não Pode por Si Só Manter Alguém Preso Compreendendo sua PréCautelaridade 42 Espécies de Flagrante Análise do Art 302 do CPP 43 Flagrante em Crime Permanente A Problemática do Flagrante nos Crimes Habituais 44 ILegalidade dos Flagrantes Forjado Provocado Preparado Esperado e Protelado ou Diferido Conceitos e Distinções Prisão em Flagrante e Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada e Pública Condicionada à Representação 45 Síntese do Procedimento Atos que Compõem o Auto de Prisão em Flagrante 46 Garantias Constitucionais e Legalidade da Prisão em Flagrante Análise do Art 306 do CPP 47 A Decisão Judicial sobre o Auto de Prisão em Flagrante Aspectos Formais e Análise da Necessidade da Decretação da Prisão Preventiva Ilegalidade da Conversão de Ofício 48 A Audiência de Custódia 49 A Separação dos Presos Provisórios e a Prisão em Flagrante de Militar Art 300 Parágrafo Único 410 Refletindo sobre a Necessidade do Processo ainda que Exista Prisão em Flagrante Contaminação da Evidência Alucinação e Ilusão de Certeza 411 Relação de Prejudicialidade Prestação de Socorro Art 301 da Lei n 950397 e Prisão em Flagrante 5 Da Prisão Preventiva Do Senso Comum à Análise dos Defeitos Fisiológicos 51 Momentos da Prisão Preventiva Quem Pode Postular seu Decreto Ilegalidade da Prisão Preventiva Decretada de Ofício Violação do Sistema Acusatório e da Garantia da Imparcialidade do Julgador 52 Requisito da Prisão Preventiva Fumus Commissi Delicti Juízo de Probabilidade de Tipicidade Ilicitude e Culpabilidade 53 Fundamento da Prisão Preventiva Periculum Libertatis Análise a Partir do Senso Comum Doutrinário e Jurisprudencial 54 Análise dos Arts 313 314 e 315 do CPP Casos em que a Prisão Preventiva Pode ou Não ser Decretada A Necessidade de Fundamentação 55 Análise Crítica do Periculum Libertatis Resistindo à Banalização do Mal Controle Judicial da Substancial Inconstitucionalidade da Prisão para Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica Defeito Genético 56 Prisão para Garantia da Ordem Pública O Falacioso Argumento da Credibilidade ou Fragilidade das Instituições Risco de Reiteração Crítica Exercício de Vidência Contraponto Aceitação no Direito Comparado 57 Desconstruindo o Paradigma da Cruel Necessidade Forjado pelo Pensamento Liberal Clássico Alternativas à Prisão por Conveniência da Instrução Criminal e para o Risco para Aplicação da Lei Penal 58 Das Medidas Cautelares Diversas ou Medidas Alternativas à Prisão Preventiva 581 Requisito Fundamento e Limites de Incidência das Medidas Cautelares Diversas 582 Espécies de Medidas Cautelares Diversas 59 Da Prisão Cautelar Domiciliar 510 Decretação ou Manutenção da Prisão Preventiva quando da Sentença Penal Condenatória Recorrível ou da Decisão de Pronúncia 6 Da Prisão Temporária 61 Duração da Prisão Temporária Prazo com Sanção 62 Especificidade do Caráter Cautelar Análise do Fumus Commissi Delicti e do Periculum Libertatis Crítica à Imprescindibilidade para as Investigações Policiais 7 Prisão Especial Especificidades da Forma de Cumprimento da Prisão Preventiva Inexistência de Prisão Administrativa e Prisão Civil 8 Liberdade Provisória O Novo Regime Jurídico da Fiança 81 Definindo Categorias Relaxamento Revogação da Prisão Cautelar e Concessão da Liberdade Provisória 82 Regime Jurídico da Liberdade Provisória 83 Da Fiança 84 Valor Reforço Dispensa Destinação Cassação Quebramento e Perda da Fiança 85 Crimes Inafiançáveis e Situações de Inafiançabilidade Ausência de Prisão Cautelar Obrigatória Concessão de Liberdade Provisória sem Fiança e com Imposição de Medidas Cautelares Diversas 86 Ilegalidade da Vedação à Concessão de Liberdade Provisória Possibilidade em Crimes Hediondos e Equiparados Nova Lei de Tóxicos Estatuto do Desarmamento e Lei n 9613 Lavagem de Dinheiro Capítulo XII DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS OU DAS MEDIDAS CAUTELARES REAIS 1 Explicações Iniciais 2 Do Sequestro de Bens Imóveis e Móveis 21 Requisito Legitimidade Procedimento Embargos do Imputado e de Terceiro 22 Distinção entre Sequestro de Bens Móveis e a Busca e Apreensão A Confusa Redação do Art 132 do CPP 3 Hipoteca Legal e Arresto Prévio de Imóveis Bens de Origem Lícita 4 Arresto de Bens Móveis Origem Lícita Art 137 do CPP 5 Medidas Cautelares Reais Demonstração da Necessidade e da Proporcionalidade Problemática Não Enfrentada 6 Restituição dos bens apreendidos Perdimento e Confisco Alterações trazidas pela Lei n 139642019 SÍNTESE DOS CAPÍTULOS XI E XII Capítulo XIII MORFOLOGIA DOS PROCEDIMENTOS 1 Introdução Sumária ReCognição da Santa Trindade do Direito Processual Penal 2 Tentando Encontrar uma Ordem no Caos 3 Análise da Morfologia dos Principais Procedimentos 31 Rito Ordinário 311 Considerações Gerais Morfologia Quando Ocorre o Recebimento da Acusação ou a Mesóclise da Discórdia 312 Da Rejeição da Denúncia ou Queixa Análise do Art 395 do CPP Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP 3121 Rejeição Inépcia da Denúncia ou Queixa 3122 Rejeição Falta de Pressuposto Processual ou Condição da Ação 3123 Rejeição Falta de Justa Causa Condição da Ação 3124 Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP 313 A Audiência de Instrução e Julgamento 32 Rito Sumário 33 Rito Especial Crimes Praticados por Servidores Públicos contra a Administração em Geral 34 Rito Especial Crimes contra a Honra 35 Rito Especial da Lei de Tóxicos Lei n 113432006 36 Os Juizados Especiais Criminais JECrim e o Rito Sumaríssimo da Lei n 9099 361 Competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais 362 Limite de Pena e Competência do JECrim Causas de Aumento e de Diminuição de Pena Concurso de Crimes Material Formal e Continuado 363 Composição dos Danos Civis e suas Consequências 364 Transação Penal 3641 E se o Ministério Público Não Oferecer a Transação Penal 3642 Cabimento da Transação Penal em Ação Penal de Iniciativa Privada 3643 Descumprimento da Transação Penal 365 Suspensão Condicional do Processo 3651 Considerações Introdutórias sobre a Suspensão Condicional do Processo 3652 Alcance e Aplicação da Suspensão Condicional do Processo Cabimento em Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada Requisitos Momento de Oferecimento 3653 Suspensão Condicional do Processo e a Desclassificação do Delito Aplicando a Súmula 337 do STJ 3654 O Período de Provas e o Cumprimento das Condições Causas de Revogação da Suspensão Condicional do Processo 3655 Procedimento no Juizado Especial Criminal 36551 Fase Preliminar Alteração da Competência quando o Acusado Não É Encontrado Demais Atos 36552 Rito Sumaríssimo 36553 Recursos e Execução 37 Crítica ao Sistema de Justiça Negociada 38 Rito dos Crimes da Competência do Tribunal do Júri 381 Competência e Morfologia do Procedimento 382 O Procedimento Bifásico Análise dos Atos 3821 Primeira Fase Atos da Instrução Preliminar 38211 Decisão de Pronúncia Excesso de Linguagem O Problemático In Dubio Pro Societate Princípio da Correlação Crime Conexo Prisão Cautelar Intimação da Pronúncia 38212 Decisão de Impronúncia Problemática Situação de Incerteza 38213 Absolvição Sumária Própria e Imprópria 38214 Desclassificação na Primeira Fase Própria e Imprópria e em Plenário 3822 Segunda Fase Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Relatório Crítica a que Qualquer Juiz Presida o Feito Alistamento dos Jurados 38221 Do Desaforamento e Reaforamento Dilação Indevida e DeMora Jurisdicional Pedido de Imediata Realização do Julgamento 38222 Obrigatoriedade da Função de Jurado Isenção Alegação de Impedimento Recusa de Participar e Ausência na Sessão Serviço Alternativo Problemática 38223 A Sessão do Tribunal do Júri Constituição do Conselho de Sentença Direito de Não Comparecer Recusas e Cisão Instrução em Plenário Leitura de Peças e Proibições Uso de Algemas Debates 38224 Juntada de Documentos para Utilização em Plenário Antecedência Mínima O Problema das Manobras e Surpresas 38225 Considerações sobre os Quesitos Teses Defensivas Desclassificação Própria e Imprópria 38226 Da Sentença Condenatória e Absolutória Problemas em Torno dos Efeitos Civis A Prisão Preventiva A Inconstitucional Execução Antecipada da Pena Quando Igual ou Superior a 15 Anos 39 Crítica ao Tribunal do Júri da Falta de Fundamentação das Decisões à Negação da Jurisdição SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo XIV DECISÕES JUDICIAIS E SUA NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO SUPERANDO O PARADIGMA CARTESIANO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO CONGRUÊNCIA COISA JULGADA 1 Dikelogía La Ciencia de La Justicia 2 Controle da Racionalidade das Decisões e Legitimação do Poder 21 Invalidade Substancial da Norma e o Controle Judicial 22 A Superação do Dogma da Completude Jurídica Quem nos Protege da Bondade dos Bons277 23 À Guisa de Conclusões Provisórias Rompendo o Paradigma Cartesiano e Assumindo a Subjetividade no Ato de Julgar mas sem Cair no Decisionismo A Preocupação com a Qualidade da Fudamentação das Decisões 3 Decisão Penal Análise dos Aspectos Formais 4 Princípio da Congruência ou Correlação na Sentença Penal 41 A Imutabilidade da Pretensão Acusatória Recordando o Objeto do Processo Penal 42 Princípio da Correlação ou Congruência Princípios Informadores A Importância do Contraditório e do Sistema Acusatório 43 A Complexa Problemática da Emendatio Libelli Art 383 do CPP Para além do Insuportável Reducionismo do Axioma Narra Mihi Factum Dabo Tibi Ius Rompendo os Grilhões Axiomáticos 44 É Possível Aplicar o Art 383 quando do Recebimento da Denúncia 45 Mutatio Libelli Art 384 do CPP O Problema da Definição Jurídica mais Favorável ao Réu e a Ausência de Aditamento 46 Mutações de Crime Doloso para Culposo Consumado para Tentado Autor para Partícipe e ViceVersa Necessidade de Mutatio Libelli 47 As Sentenças Incongruentes As Classes de Incongruência Nulidade 48 Poderia o Juiz Condenar quando o Ministério Público Requerer a Absolvição O Eterno Retorno ao Estudo do Objeto do Processo Penal e a Necessária Conformidade Constitucional A Violação da Regra da Correlação 5 Coisa Julgada Formal e Material 51 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada 52 Algumas Questões em Torno da Abrangência dos Limites da Coisa Julgada Circunstâncias e Elementares Não Contidas na DenúnciaO Problema do Concurso de Crimes Concurso Formal Material e Crime Continuado Crime Habitual Consumação Posterior do Crime Tentado SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo XV ATOS PROCESSUAIS DEFEITUOSOS E A CRISE DA TEORIA DAS INVALIDADES NULIDADES A FORMA COMO GARANTIA 1 Introdução Meras Irregularidades e Atos Inexistentes 2 Nulidades Absolutas e Relativas Construção dos Conceitos a Partir do Senso Comum Teórico e Jurisprudencial 21 Nulidades Absolutas Definição 22 Nulidades Relativas Definição 23 A Superação da Estrutura Legal Vigente Nulidades Cominadas e Não Cominadas Arts 564 566 e 571 do CPP 24 Teoria do Prejuízo e Finalidade do Ato Cláusulas Genéricas Manipulação Discursiva Crítica 3 Análise a Partir das Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal e da Necessária Eficácia do Sistema de Garantias da Constituição 31 Crítica à Classificação em Nulidades Absolutas e Relativas 32 A Serviço de Quem Está o Sistema de Garantias da Constituição A Tipicidade do Ato Processual A Forma como Garantia Convalidação Nulidade Não É Sanção 33 RePensando Categorias a Partir dos Conceitos de Ato Defeituoso Sanável ou Insanável Sistema de Garantias Constitucionais Quando o Feito com Defeito Tem de Ser Refeito 34 Princípio da Contaminação Defeito por Derivação A Indevida Redução da Complexidade Arts 573 e 567 do CPP 35 Atos Defeituosos no Inquérito Policial Novamente a Excessiva Redução de Complexidade a Serviço da Cultura Inquisitória SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo XVI TEORIA DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL OU AS REGRAS PARA O JUÍZO SOBRE O JUÍZO 1 Introdução Fundamentos Conceitos e Natureza Jurídica 2 O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Direito Fundamental InAplicabilidade nos Casos de Competência Originária dos Tribunais 3 Classificando os Recursos Ordinários e Extraordinários Totais e Parciais Fundamentação Livre ou Vinculada Verticais e Horizontais Voluntários e Obrigatórios Crítica ao Recurso de Ofício 4 Efeitos Devolutivo e Suspensivo Conceitos e Crítica Inadequação de Categorias diante dos Valores em Jogo no Processo Penal 5 Regras Específicas do Sistema Recursal 51 Fungibilidade 52 Unirrecorribilidade 53 Motivação dos Recursos 54 Proibição da Reformatio in Pejus e a Permissão da Reformatio in Mellius Problemática em Relação aos Julgamentos Proferidos pelo Tribunal do Júri 55 Tantum Devolutum Quantum Appellatum 56 Irrecorribilidade dos Despachos de Mero Expediente e das Decisões Interlocutórias Simples 57 Complementaridade Recursal 58 InDisponibilidade dos Recursos 59 Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos 6 Interposição Tempestividade Preparo na Ação Penal de Iniciativa Privada Deserção 7 Requisitos Objetivos e Subjetivos dos Recursos Crítica à Transposição das Condições da Ação e Pressupostos Processuais 8 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo XVII DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL ESPÉCIES 1 Do Recurso em Sentido Estrito 11 Requisitos Objetivos e Subjetivos do Recurso em Sentido Estrito 111 Requisitos Objetivos Cabimento Adequação Tempestividade e Preparo 1111 Cabimento e Adequação 1112 Tempestividade e Preparo 112 Requisitos Subjetivos Legitimação e Gravame 12 Efeitos do Recurso em Sentido Estrito 13 Aspectos Relevantes do Procedimento Efeitos 2 Do Recurso de Apelação 21 Requisitos Objetivos e Subjetivos da Apelação 211 Requisitos Objetivos e Subjetivos 2111 Cabimento e Adequação 2112 Tempestividade Legitimidade Gravame Preparo Processamento da Apelação 22 Efeitos Devolutivo e Suspensivo O Direito de Apelar em Liberdade 3 Embargos Infringentes e Embargos de Nulidade 31 Requisitos Objetivos e Subjetivos 32 O Problema da Divergência Parcial Interposição Simultânea do Recurso Especial e Extraordinário 33 Efeitos Devolutivo e Suspensivo 4 Embargos Declaratórios 41 Requisitos Objetivos e Subjetivos 42 Efeitos Devolutivo Suspensivo e Modificativo Infringentes 5 Do Agravo em Execução Penal 51 Requisitos Objetivos e Subjetivos 52 Aspectos Procedimentais Formação do Instrumento e Efeito Regressivo 53 Efeito Devolutivo e Suspensivo 6 Da Carta Testemunhável 7 Dos Recursos Especial e Extraordinário 71 Requisitos Objetivos e Subjetivos 711 Cabimento e Adequação no Recurso Especial 712 Cabimento e Adequação no Recurso Extraordinário 713 Demais Requisitos Recursais Tempestividade Preparo Legitimidade e Interesse Recursal Gravame 72 A Exigência do Prequestionamento 73 A Demonstração da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Reprodução em Múltiplos Feitos 74 Efeito Devolutivo e Suspensivo 75 Do Agravo em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário SÍNTESE DO CAPÍTULO Capítulo XVIII AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO REVISÃO CRIMINAL HABEAS CORPUS MANDADO DE SEGURANÇA 1 Revisão Criminal 11 Cabimento Análise do Art 621 do CPP 12 Prazo Legitimidade Procedimento 13 Limites da Decisão Proferida na Revisão Criminal Da Indenização 2 Habeas Corpus 21 Antecedentes Históricos no Brasil e Considerações Iniciais 22 Natureza Jurídica e a Problemática em Torno da Limitação da Cognição 23 Objeto 24 Cabimento Análise dos Arts 647 e 648 do CPP Habeas Corpus Preventivo e Liberatório 241 O Habeas Corpus como Instrumento de Collateral Attack 242 O Habeas Corpus contra Ato de Particular 243 Habeas Corpus Preventivo 25 Competência Legitimidade Procedimento 26 Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus 3 Mandado de Segurança em Matéria Penal 31 Considerações Prévias 32 Natureza Jurídica 33 Objeto e Cabimento Direito Líquido e Certo 34 Legitimidade Ativa e Passiva Competência 35 Breves Considerações sobre o Procedimento SÍNTESE DO CAPÍTULO Aury Lopes Jr Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid Professor Titular de Direito Processual Penal da PUCRS Professor no Programa de PósGraduação Doutorado Mestrado e Especialização em Ciências Criminais da PUCRS Parecerista e conferencista Advogado criminalista Para o velho Aury pelo exemplo de vida e de superaçãoPara minha mãe simplesmente por tudo Faltam palavras que deem conta da complexidade dos sentimentos que me unem a vocês Agradeço a Deus Ele sabe por quê Para Thaisa Carmella Guilhermina e Vicenzo Por vocês conseguiria até ficar alegre Pintaria todo o céu de vermelho Eu teria mais herdeiros que um coelho Eu aceitaria a vida como ela é Viajaria a prazo pro inferno Eu tomaria banho gelado no inverno Eu mudaria até o meu nome Eu viveria em greve de fome Desejaria todo dia A mesma mulher Por VocêBarão Vermelho Maíra Cause all of me Loves all of you Love your curves and all your edges All your perfect imperfections Give your all to me Ill give my all to you Youre my end and my beginning Even when I lose Im winning Cause I give you all of me And you give me all of you All of meJohn Legend A presente obra é resultado parcial das investigações desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Processo Penal e Estado Democrático de Direito cadastrado no CNPq e vinculado ao Programa de PósGraduação em Ciências Criminais da PUCRS NOTA DO AUTOR À 17ª EDIÇÃO Tenho o prazer de trazer ao leitor mais uma edição da obra que foi inteiramente revisada e atualizada diante das imensas modificações introduzidas pela Lei 13964 de 24 de dezembro de 2019 que alterou significativamente o processo penal brasileiro o direito penal e a execução da pena O livro já estava pronto para ir para a gráfica quando foi aprovada a lei e anunciado os vetos Recordo que os capítulos iniciais sistemas processuais objeto e natureza jurídica foram sintetizados pois estavam muito volumosos Contudo preocupado com a seriedade e verticalidade do estudo de base acabei escrevendo um outro livro intitulado Fundamentos do Processo Penal também publicado pela Editora Saraiva para o qual remeto o leitor interessado em aprofundar esses temas Além das alterações mais comentadas como a instituição do juiz das garantias do acordo de não persecução penal a exclusão dos autos do inquérito a consagração expressa do sistema acusatório e as diversa mudanças nas prisões cautelares a lei trouxe diversas outras modificações pontuais e principalmente reflexas Isso demandou um trabalho hercúleo de reescrever diversos capítulos e principalmente revisar cada página Não adianta por exemplo explicar a nova redação do art 28 e a nova sistemática de arquivamento apenas no capítulo destinado à investigação preliminar é preciso revisar as inúmeras remissões que se faz ao artigo 28 em diversos outros institutos como transação penal suspensão condicional do processo mutatio libelli etc É sem dúvida a maior reforma pontual do CPP desde 2008 e talvez até mais relevante dado o avanço em pontos cruciais Mas é também uma reforma que me traz uma especial e gigantesca alegria pois consagra institutos que eu venho defendendo incansavelmente há mais de 20 anos arriscome a dizer até em algumas questões com ineditismo no Brasil e que também geraram ataques críticas e rótulos por parte de setores conservadores e alheios ao que já se praticava em outros sistemas jurídicos Estou me referindo especialmente ao juiz das garantias a prevenção como causa de exclusão e não fixação da competência ao estabelecimento de prazos com sanção caso da prorrogação do inquérito com imputado preso ao dever de revisão periódica da prisão preventiva a cada 90 dias e da exclusão do juiz que teve contato com a prova ilícita São institutos e medidas que eu sustento desde 1999 em minha tese doutoral posteriormente publicada no Brasil a partir de 2001 no livro Investigação preliminar Nunca parei de falar e escrever sobre a imprescindibilidade do sistema de duplo juiz do impedimento de que o mesmo juiz da investigação fosse aquele que depois no processo instruísse e julgasse puro golpe de cena Sempre fiz a distinção entre atos de investigação e atos de prova mostrando porque o inquérito deveria ser excluído fisicamente do processo E sempre fui criticado e atacado pelos setores mais conservadores incapazes de ver o atraso do processo penal brasileiro ou seletivamente coniventes com esse atraso pois só reforça a estrutura inquisitória Da mesma forma venho criticando há décadas a falta de definição da duração máxima do processo e da prisão cautelar falhas que permanecem e a necessidade de que exista um dever de revisar periodicamente a prisão preventiva finalmente consagrado no art 316 único Pois bem hoje eu posso olhar para os meus críticos e dizer com Victor Hugo Utopia ontem carne e osso amanhã Mas seguirei cobrando mudanças e avanços pois esse é o meu lugar esse é o lugar da doutrina Dias atrás respondendo a uma crítica no meu perfil do Facebook escrevi quando eu comecei a advogar réu citado por edital era condenado à revelia interrogatório era o primeiro ato do processo ninguém perguntava ou mesmo participava do interrogatório porque era ato pessoal do juiz silêncio era interpretado como prejudicial para o réu até poucos anos atrás acusado pronunciado era automaticamente preso pois só poderia aguardar o julgamento preso enfim Os julgamentos não eram legítimos Até eram Mas primitivos arcaicos sistemáticas ultrapassadas Lutamos por melhorias e éramos rotulados de utópicos de teóricos Bom tudo isso acabou não é verdade Sim porque gente como nós resistiu Hoje vocês acham tudo o que construímos em reformas assim normal Impensável um interrogatório sem advogado não é Pois foi assim por décadas Então meu lugar é esse de lutar incansavelmente pela reforma a evolução a melhoria de qualidade dos julgamentos como medida de redução de danos no e do processo penal E seguirei agora ainda mais preocupado com a contrarreforma ou com o que Alexandre Morais da Rosa denomina de Movimento da Sabotagem Inquisitória pois ele já começou De nada adianta mudar a lei se não mudarmos as cabeças a cultura É por isso que agora começamos uma nova luta pela efetivação das mudanças E a luta pela reforma já começa diante das decisões tomadas pelo STF A primeira foi a suspensão da implantação do juiz das garantias de forma correta até pela decisão proferida pelo Min Dias Toffoli na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 6298Distrito Federal no dia 1512020 que suspendia a implantação pelo prazo de 180 dias Uma medida coerente e razoável Mas o problema veio com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX no dia 2212020 nos seguintes termos Ex positis na condição de relator das ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 com as vênias de praxe e pelos motivos expostos a Revogo a decisão monocrática constante das ADIns n 6298 6299 6300 e suspendo sine die a eficácia ad referendum do Plenário a1 da implantação do juiz das garantias e seus consectários arts 3ºA 3ºB 3ºC 3ºD 3ªE 3ºF do Código de Processo Penal e a2 da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível art 157 5º do Código de Processo Penal b Concedo a medida cautelar requerida nos autos da ADIn n 6305 e suspendo sine die a eficácia ad referendum do Plenário b1 da alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial art 28 caput Código de Processo Penal b2 da liberalização da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas art 310 4º do Código de Processo Penal Em suma o Min FUX suspende sem prazo institutos e avanços importantíssimos para o processo penal a saber suspende a expressa recepção pelo CPP do sistema acusatório art 3º A suspende a criação do juiz das garantias e com isso mantém o sistema inquisitório antigo onde o mesmo juiz contaminado atua da investigação até a sentença suspende a exclusão fisica dos autos do inquérito outra grande evolução para assegurar que o juiz julgasse com base na prova e não nos atos inquisitórios da investigação meros atos informativos permite que o juiz que teve contato com a prova ilícita continue no processo e até repita seu julgamento art 157 5º mantendo a suspensão de vigência já determinada pelo Min Toffoli mantém o atual sistema de arquivamento do art 28 com aquela estrutura inquisitória que permitia o controle por parte do juiz suspendendo a implantação de um modelo mais dinâmico e de acordo com o sistema acusatório que é o arquivamento determinado e revisado no âmbito do MP especificamente na parte das prisões cautelares ele suspendeu apenas a determinação de soltura do preso caso a audiência de custódia não fosse realizada no prazo de 24h1 outro avanço importante pois consagrava finalmente o sistema de prazo com sanção O restante dos dispositivos da Lei n 139642019 entrarão em vigor e estão valendo Como se trata de medida liminar mantive a análise dos dispositivos legais que poderão ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o artigo e suas consequências estarão suspensas valendo o sistema anterior e a redação do CPP Expliquei isso em cada trecho do livro afetado pela reforma e pela decisão contrarreformista do Min Fux Sem dúvida essa liminar foi um golpe poderosíssimo na reforma que se pretendia levar a cabo Ao suspender o art 3ºA do CPP que finalmente consagraria o sistema acusatório ao suspender também a implantação do juiz das garantias o sistema de exclusão física dos autos do inquérito e a nova forma de arquivamento adequada ao sistema acusatório art 28 o Min Luiz Fux sepultou décadas de luta de pesquisa de milhares de debates e de páginas escritas para modernizar e democratizar o processo penal brasileiro Talvez o Ministro por ser um processualista civil não tenha tido a compreensão do que está em jogo para o processo penal e que foi suspenso com sua decisão liminar e monocrática Era Ministro o mais forte movimento reformista para livrar o processo penal do seu ranço autoritário e inquisitório para reduzir o imenso atraso civilizatório democrático e constitucional que temos no CPP Sua liminar não suspendeu apenas artigos suspendeu a evolução a democratização do processo penal Lamento profundamente a decisão do Ministro que espero seja urgentemente revista pelo plenário do STF para que finalmente o processo penal se liberte da matriz fascista e inquisitória do Código de Rocco Aos meus leitores só me resta pedir a compreensão para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade Recomendo especial atenção ao longo desse ano de 2020 sobre essas questões e sugiro que a leitora e o leitor me acompanhem nas redes sociais ao final indicadas na coluna semanal Limite Penal no CONJUR e no podcast Criminal Player que serão canais constantes de atualização e esclarecimento Mas além das inúmeras alterações decorrentes da Lei n 13964 que chamarei de Reforma de 20192020 também foram feitas outras como fiz uma importante inclusão temática na parte de teoria das provas epistemologia jurídica da prova e o estudo dos standards probatórios Uma parte totalmente nova e da maior relevância atualizei a discussão sobre a problemática do cabimento ou não do recurso de apelação da acusação com base no art 593 III d tribunal do júri quando o réu é absolvido no quesito genérico Sobreveio uma importantíssima decisão do Min Celso de Mello adotando e citando nosso entendimento no sentido do não cabimento melhorei a definição da presunção de inocência incluindo os argumentos que desenvolvi juntamente com o Prof Gustavo Badaró no bojo de um parecer jurídico anexado ao HC 126292 quando se discutia a execução antecipada da pena alterei a colocação do tema falsas memórias retirando da prova testemunhal e trazendo para o tópico sobre a palavra da vítima fiz acréscimos pontuais com o advento da Lei n 138692019 Abuso de Autoridade na medida em que reforçou o caráter cogente e imperativo de diversos institutos processuais como o dever de comunicação na prisão em flagrante a proibição de condução coercitiva etc com a mudança de entendimento do STF retornando à vedação da execução antecipada da pena e a declaração da constitucionalidade do art 283 do CPP atualizei o livro mas mantive a crítica à execução antecipada porque penso que ainda existe muita incompreensão sobre o tema Centralizei a análise no primeiro tópico do Capítulo XI quando trato da presunção de inocência e da difícil coexistência com as prisões cautelares incluí a questão suscitada no HC 157627 caso Bendine em que a 2ª Turma do STF acolheu a tese de que o corréu delatado deve apresentar alegações finais por último trazendo ainda mais complexidade à questão mas afinal quando deve ser ouvido o corréu delator Explico isso ao tratar do interrogatório Por fim agradeço a excelente receptividade que a obra tem no meio acadêmico e profissional Um carinhoso agradecimento aos professores que a indicam principalmente porque comprometidos com um processo penal democrático e constitucional e conscientes da importância da docência e da responsabilidade de abrir e formar cabeças pensantes Especialmente nesta edição dada a relevância e profundidade das mudanças faço uma solicitação mandem emails aurylopesterracombr com correções críticas e sugestões precisarei delas para melhorar ainda mais esse livro que está em constante construção Por fim convido você leitora a ser meuminha seguidora no Instagram aurylopesjr no Facebook httpwwwfacebookcomaurylopesjr na Coluna Limite Penal wwwconjurcombr e no podcast Criminal Player que mantenho junto com meu grande parceiro Alexandre Morais da Rosa São canais constantes de diálogo e também de atualização e debate Grande abraço e muito obrigado pela confiança Verão de 2020 Aury Lopes Jr Capítulo I UM PROCESSO PENAL PARA QUÊM ANÁLISE DO FUNDAMENTO NATUREZA JURÍDICA SISTEMAS PROCESSUAIS E OBJETO 1 Pena e Processo Penal Princípio da Necessidade Existe uma íntima relação e interação entre a história das penas e o nascimento do processo penal na medida em que o processo penal é um caminho necessário para alcançarse a pena e principalmente um caminho que condiciona o exercício do poder de penar essência do poder punitivo à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal ou se preferirem são as regras do jogo se pensarmos no célebre trabalho Il processo come giuoco de CALAMANDREI1 Esse é o núcleo conceitual do Princípio da Necessidade Como explica ARAGONESES ALONSO2 podese resumir a evolução da pena da seguinte forma inicialmente a reação era eminentemente coletiva e orientada contra o membro que havia transgredido a convivência social A reação social é na sua origem basicamente religiosa e só de modo paulatino se transforma em civil O principal é que nessa época existia uma vingança coletiva que não pode ser considerada como pena pois vingança e pena são dois fenômenos distintos A vingança implica liberdade força e disposições individuais a pena a existência de um poder organizado O processo penal atrelase à evolução da pena definindo claramente seus contornos quando a pena adquire seu caráter verdadeiro como pena pública quando o Estado vence a atuação familiar vingança do sangue e composição e impõe sua autoridade determinando que a pena seja pronunciada por um juiz imparcial cujos poderes são juridicamente limitados Assim a titularidade do direito de penar por parte do Estado surge no momento em que se suprime a vingança privada e se implantam os critérios de justiça A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a própria evolução da pena refletindo a estrutura do Estado em um determinado período ou como prefere J GOLDSCHMIDT3 los principios de la política procesal de una nación no son otra cosa que segmentos de su política estatal en general Se puede decir que la estructura del proceso penal de una nación no es sino el termómetro de los elementos corporativos o autoritarios de su Constitución Partiendo de esta experiencia la ciencia procesal ha desarrollado un número de principios opuestos constitutivos del proceso O Princípio da Necessidade também demarca o primeiro ponto de ruptura do processo penal com o processo civil evidenciando mais uma vez o equívoco da teoria geral do processo O Direito Penal contrariamente ao Direito Civil não permite em nenhum caso que a solução do conflito mediante a aplicação de uma pena se dê pela via extraprocessual O direito civil se realiza todos os dias a todo momento sem necessidade de processo Somente é chamado o processo civil quando existe uma lide carnelutianamente pensada como o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida E o direito penal Não é assim O direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal ou seja não se efetiva senão pela via processual Quando alguém é vítima de um crime a pena não se concretiza não se efetiva imediatamente Somente depois do processo penal teremos a possibilidade de aplicação da pena e realização plena do direito penal Existe uma íntima e imprescindível relação entre delito pena e processo de modo que são complementares Não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena Assim fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao Direito Penal e à pena pois o processo penal é o caminho necessário para a pena É o que GÓMEZ ORBANEJA4 denomina principio de la necesidad del proceso penal amparado no art 1º da LECrim5 pois não existe delito sem pena nem pena sem delito e processo nem processo penal senão para determinar o delito e atuar a pena O princípio apontado pelo autor resulta da efetiva aplicação no campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio expressando o monopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a instrumentalidade do processo penal Por fim o processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo Direito Penal senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade e jamais se defendeu isso O processo penal é um caminho necessário para chegarse legitimamente à pena Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas as regras do devido processo legal Assim existe uma necessária simultaneidade e coexistência entre repressão ao delito e respeito às garantias constitucionais sendo essa a difícil missão do processo penal como se verá ao longo da obra Mas é importante destacar o princípio da necessidade está hoje relativizado e caminha cada vez mais para uma mitigação da lógica do confronto e a ampliação da lógica negocial A ampliação dos espaços de consenso e da justiça negocial é um caminho sem volta Iniciou no Brasil com a Lei n 909995 ganhou maior amplitude com o instituto da delação premiada especialmente com a Lei n 128502013 e será substancialmente ampliado se passar a proposta contida no Projeto do CPP aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 anos Nessa nova lógica negocial ampliada admitese a aplicação de pena sem prévio processo ou ao menos sem integral processo na medida em que a negociação poderá ocorrer antes de iniciada a instrução e implicará aceleração procedimental pela imediata aplicação da pena proposta contida no projeto do CPP É preciso portanto estar tecnicamente preparado para a relativização do princípio da necessidade concepção tradicional e aprender a trabalhar na perspectiva negocial qualquer que seja o lugar que se ocupe na estrutura processual 2 Natureza Jurídica do Processo Penal Questão muito relevante é compreender a natureza jurídica do processo penal o que ele representa e constitui Tratase de abordar a determinação dos vínculos que unem os sujeitos juiz acusador e réu bem como a natureza jurídica de tais vínculos e da estrutura como um todo O tema é complexo e envolve o estudo de várias teorias que se foram sucedendo na tentativa de dar uma explicação a fenomenologia processual Analisaremos neste momento apenas as três principais teorias processo como relação jurídica Bülow processo como situação jurídica Goldschmidt e processo como procedimento em contraditório Fazzalari Para um estudo mais amplo e aprofundado remetemos o leitor para nossa obra Fundamentos do Processo Penal também publicado pela Editora Saraiva na qual tratamos de forma mais abrangente o tema Aqui faremos apenas uma análise superficial e introdutória coerente com a proposta da obra 21 Processo como Relação Jurídica Bülow A obra de BÜLOW La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales publicada em 18686 foi um marco definitivo para o processo pois estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a consequente independência das relações jurídicas que se estabelecem nessas duas dimensões É o definitivo sepultamento das explicações privativistas em torno do processo Com Bülow a concepção muda radicalmente sendo o processo visto uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais A natureza pública decorre do fato de que existe um vínculo entre as partes e um órgão público da administração da justiça numa atividade essencialmente pública Nessa linha o processo é concebido como uma relação jurídica de direito público autônoma e independente da relação jurídica de direito material O réu passa a ser visto como um sujeito de direitos e deveres processuais É uma relação jurídica triangular como explica WACH7 seguindo a BÜLOW e dada sua natureza complexa se estabelece entre as partes e entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações Pode ser assim representada Partindo dos fundamentos apontados por BÜLOW aperfeiçoados por WACH8 e posteriormente por CHIOVENDA podese afirmar que o processo penal é uma relação jurídica pública autônoma e complexa pois existem entre as três partes verdadeiros direitos e obrigações recíprocos Somente assim estaremos admitindo que o acusado não é um mero objeto do processo tampouco que o processo é um simples instrumento para a aplicação do jus puniendi estatal O acusado é parte integrante do processo em igualdade de armas com a acusação seja ela estatal ou não e como tal possuidor de um conjunto de direitos subjetivos dotados de eficácia em relação ao juiz e à acusação Teoriza ainda sobre a existência de pressupostos processuais que podem ser de existência ou de validade que seriam pressupostos para seu nascimento ou desenvolvimento válido A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas tanto na sua aplicação para o processo civil como também para o processo penal mas acabou sendo adotada pela maior parte da doutrina processualista A crítica mais contundente e profunda veio sem dúvida de GOLDSCHMIDT por meio de sua tese de que o processo é uma situação jurídica como se verá na continuação 22 Processo como Situação Jurídica James Goldschmidt Foi JAMES GOLDSCHMIDT e sua Teoria do Processo como Situação Jurídica tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage publicada em Berlim em 1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor9 quem melhor evidenciou as falhas da construção de BÜLOW mas principalmente quem formulou a melhor teoria para explicar e justificar a complexa fenomenologia do processo Para o autor o processo é visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam caminham em direção a uma sentença definitiva favorável Nega ele a existência de direitos e obrigações processuais e considera que os pressupostos processuais de BÜLOW são na verdade pressupostos de uma sentença de fundo Demonstra o erro da visão estática de Bülow ao evidenciar que o processo é dinâmico e pautado pelo risco e a incerteza O processo é uma complexa situação jurídica no qual a sucessão de atos vai gerando chances que bem aproveitadas permitem que a parte se libere das cargas por exemplo probatórias e caminhe em direção a uma sentença favorável expectativas O não aproveitamento de uma chance e a não liberação de uma carga gera uma situação processual desvantajosa conduzindo a uma perspectiva de sentença desfavorável Às partes não incumbem obrigações mas cargas processuais sendo que no processo penal não existe distribuição de cargas probatórias na medida em que toda a carga de provar o alegado está nas mãos do acusador Destaca se no pensamento do autor as noções de dinâmica movimento e fluidez do processo bem como o abandono da equivocada e sedutora ideia de segurança jurídica que brota da teoria de Bülow Ao assumir a epistemologia da incerteza e o risco inerente ao processo o pensamento do autor permite reforçar o valor e a eficácia das regras do devido processo penal É importante recordar que no processo penal a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Carga é um conceito vinculado à noção de unilateralidade logo não passível de distribuição mas sim de atribuição A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável A liberação de uma carga processual pode decorrer tanto de um agir positivo praticando um ato que lhe é possibilitado como também de um não atuar sempre que se encontre numa situação que le permite abstenerse de realizar algún acto procesal sin temor de que le sobrevenga el perjuicio que suele ser inherente a tal conducta10 Já a perspectiva de uma sentença desfavorável irá depender sempre da não realização de um ato processual em que a lei imponha um prejuízo pela inércia A justificativa encontrase no princípio dispositivo A não liberação de uma carga acusação leva à perspectiva de um prejuízo processual sobretudo de uma sentença desfavorável e depende sempre que o acusador não tenha se desincumbido de sua carga processual11 Essa rápida exposição12 do pensamento de GOLDSCHMIDT serve para mostrar que o processo assim como a guerra está envolto por uma nuvem de incerteza A expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença desfavorável está sempre pendente do aproveitamento das chances e liberação da carga Em nenhum momento temse a certeza de que a sentença será procedente A acusação e a defesa podem ser verdadeiras ou não uma testemunha pode ou não dizer a verdade assim como a decisão pode ser acertada ou não justa ou injusta o que evidencia sobremaneira o risco no processo 23 Processo como Procedimento em Contraditório Elio Fazzalari Estruturada pelo italiano Elio FAZZALARI 19242010 a teoria do processo como procedimento em contraditório pode ser considerada como uma continuidade dos estudos de James GOLDSCHMIDT processo como situação jurídica ainda que isso não seja assumido pelo autor nem pela maioria dos seus seguidores mas é notória a influência do professor alemão Basta atentar para as categorias de posições subjetivas direitos e obrigações probatórias que se desenvolvem em uma dinâmica por meio do conjunto de situações jurídicas nascidas do procedere e que geram uma posição de vantagem proeminência em relação ao objeto do processo etc para verificar que as categorias de situação jurídica chances aproveitamento de chances liberação de cargas processuais expectativas e perspectivas de GOLDCHMIDT foram internalizadas conceitualmente por FAZZALARI que também é um crítico da teoria de BÜLOW cuja teoria rotula de vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale13 ou seja um velho e inadequado clichê pandetístico Supera a visão formalistaburocrática da concepção de procedimento até então vigente resgatando a importância do contraditório que deve orientar todos os atos do procedimento até o provimento final sentença construído em contraditório núcleo imantador e legitimador do poder jurisdicional O contraditório é visto em duas dimensões informazione e reazione como direito a informação e reação igualdade de tratamento e oportunidades Todos os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final no qual são chamados a participar todos os interessados partes A essência do processo está na simétrica paridade da participação dos interessados reforçando o papel das partes e do contraditório Os atos do procedimento miram o provimento final e estão interrelacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente e da validade de todos eles depende a sentença Isso reforça a unidade do processo e exige repensar a teoria das nulidades Com FAZZALARI o conceito e a amplitude da teoria da contaminação adquire outra dimensão à luz da unidade processual por ele concebida e o atrelamento de todos os atos ao provimento final havendo uma relação de prejudicialidade na dimensão da validade entre eles Também existe uma revaloração da jurisdição na estrutura processual pois permite superar a concepção tradicional de poderdever jurisdicional para a dimensão de poder condicionado ao contraditório além de situar o juiz como garantidor do contraditório e não de contraditor fazendo uma recusa ao ativismo judicial característico do sistema inquisitório A teoria de FAZZALARI deve ser pensada em conjunto com o pensamento de GOLDSCHMIDT contribuindo decisivamente para a construção de um processo penal democrático e constitucional que preze pelo contraditório e as demais regras do jogo devido processo O maior inconveniente é que FAZZALARI é um processualista civil e como tal sua obra alinhase na Teoria Geral do Processo tão combatida por nós Daí por que podemos trabalhar com FAZZALARI no Processo Penal desde que respeitadas as categorias jurídicas próprias do processo penal e feitas as devidas correções com a concepção de GOLDSCHMIDT 3 Sistemas Processuais Penais Inquisitório Acusatório e o Ilusório Misto A estrutura do processo penal variou ao longo dos séculos conforme o predomínio da ideologia punitiva ou libertária Goldschmidt afirma que a estrutura do processo penal de um país funciona como um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários de sua Constituição Cronologicamente em linhas gerais14 o sistema acusatório predominou até meados do século XII sendo posteriormente substituído gradativamente pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final do século XVIII em alguns países até parte do século XIX momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos A doutrina brasileira majoritariamente aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto predomina o inquisitório na fase préprocessual e o acusatório na processual Ora afirmar que o sistema é misto é absolutamente insuficiente é um reducionismo ilusório até porque não existem mais sistemas puros são tipos históricos todos são mistos A questão é a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros identificar o princípio informador de cada sistema para então classificálo como inquisitório ou acusatório pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância O estudo dos sistemas processuais demandaria uma longa explanação que extrapolaria a proposta da presente obra Destarte havendo interesse por parte do leitor sugerimos como leitura complementar nossa obra Fundamentos do Processo Penal em que tratamos dos Sistemas Processuais Penais com mais profundidade e abrangência Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo vejamos sumariamente algumas das características dos sistemas acusatório e inquisitório 31 Sistema Processual Inquisitório O sistema inquisitório na sua pureza é um modelo histórico Até o século XII predominava o sistema acusatório não existindo processos sem acusador legítimo e idôneo As transformações ocorrem ao longo do século XII até o XIV quando o sistema acusatório vai sendo paulatinamente substituído pelo inquisitório Originariamente com relação à prova imperava o sistema legal de valoração a chamada tarifa probatória A sentença não produzia coisa julgada e o estado de prisão do acusado no transcurso do processo era uma regra geral15 No transcurso do século XIII foi instituído o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica Inicialmente eram recrutados os fiéis mais íntegros para que sob juramento se comprometessem a comunicar as desordens e manifestações contrárias aos ditames eclesiásticos que tivessem conhecimento Posteriormente foram estabelecidas as comissões mistas encarregadas de investigar e seguir o procedimento Na definição de JACINTO COUTINHO16 tratase sem dúvida do maior engenho jurídico que o mundo conheceu e conhece Sem embargo de sua fonte a Igreja é diabólico na sua estrutura o que demonstra estar ela por vezes e ironicamente povoada por agentes do inferno persistindo por mais de 700 anos Não seria assim em vão veio com uma finalidade específica e porque serve e continuará servindo se não acordarmos mantémse hígido É da essência do sistema inquisitório a aglutinação de funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutórios ao julgador senhor soberano do processo Portanto não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória Não existe imparcialidade pois uma mesma pessoa juiz ator busca a prova iniciativa e gestão e decide a partir da prova que ela mesma produziu O actus trium personarum já não se sustenta e como destaca JACINTO COUTINHO17 ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar transformandose o imputado em mero objeto de verificação razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido Com a Inquisição são abolidas a acusação e a publicidade O juizinquisidor atua de ofício e em segredo assentando por escrito as declarações das testemunhas cujos nomes são mantidos em sigilo para que o réu não os descubra O sistema inquisitório predominou até finais do século XVIII início do XIX momento em que a Revolução Francesa18 os novos postulados de valorização do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no processo penal removendo paulatinamente as notas características do modelo inquisitivo Coincide com a adoção dos Júris Populares e se inicia a lenta transição para o sistema misto que se estende até os dias de hoje Em definitivo o sistema inquisitório foi desacreditado principalmente por incidir em um erro psicológico19 crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar acusar defender e julgar As principais características do sistema inquisitório são gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz figura do juizator e do ativismo judicial princípio inquisitivo ausência de separação das funções de acusar e julgar aglutinação das funções nas mãos do juiz violação do princípio ne procedat iudex ex officio pois o juiz pode atuar de ofício sem prévia invocação juiz parcial inexistência de contraditório pleno desigualdade de armas e oportunidades 32 Sistema Processual Acusatório Na atualidade e a luz do sistema constitucional vigente podese afirmar que a forma acusatória se caracteriza por a clara distinção entre as atividades de acusar e julgar b a iniciativa probatória deve ser das partes decorrência lógica da distinção entre as atividades c mantémse o juiz como um terceiro imparcial alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova tanto de imputação como de descargo d tratamento igualitário das partes igualdade de oportunidades no processo e procedimento é em regra oral ou predominantemente f plena publicidade de todo o procedimento ou de sua maior parte g contraditório e possibilidade de resistência defesa h ausência de uma tarifa probatória sustentandose a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional i instituição atendendo a critérios de segurança jurídica e social da coisa julgada j possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição É importante destacar que a posição do juiz é fundante da estrutura processual Quando o sistema aplicado mantém o juiz afastado da iniciativa probatória da busca de ofício da prova fortalecese a estrutura dialética e acima de tudo assegurase a imparcialidade do julgador O estudo dos sistemas processuais penais na atualidade tem que ser visto com o olhar da complexidade e não mais com o olhar da Idade Média Significa dizer que a configuração do sistema processual deve atentar para a garantia da imparcialidade do julgador a eficácia do contraditório e das demais regras do devido processo penal tudo isso à luz da Constituição Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal Em última análise é a separação de funções e por decorrência a gestão da prova na mão das partes e não do juiz juizespectador que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive Somente no processo acusatóriodemocrático em que o juiz se mantém afastado da esfera de atividade das partes é que podemos ter a figura do juiz imparcial fundante da própria estrutura processual Não podemos esquecer ainda da importância do contraditório para o processo penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona Como sintetiza CUNHA MARTINS20 no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório somente possível no sistema acusatório O processo penal acusatório caracterizase portanto pela clara separação entre juiz e partes que assim deve se manter ao longo de todo o processo por isso de nada serve a separação inicial das funções se depois permitese que o juiz atue de ofício na gestão da prova determine a prisão de ofício etc para garantia da imparcialidade juiz que vai atrás da prova está contaminado prejuízo que decorre dos préjuízos como veremos no próximo capítulo e efetivação do contraditório A posição do julgador é fundada no ne procedat iudex ex officio cabendo às partes portanto a iniciativa não apenas inicial mas ao longo de toda a produção da prova É absolutamente incompatível com o sistema acusatório também violando o contraditório e fulminando com a imparcialidade a prática de atos de caráter probatório ou persecutório por parte do juiz ou como existia no sistema brasileiro até a reforma de 2019 em que se permitia que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício pudesse determinar de oficio a produção de provas ou ainda pudesse condenar o réu sem pedido do Ministério Público Portanto são absolutamente incompatíveis com o sistema acusatório e estão tacitamente revogados no todo ou em parte conforme o caso entre outros os arts 156 385 209 242 etc como se verá ao longo dessa obra Importante sublinhar que finalmente com a Lei n 139642019 o CPP consagrou expressamente que Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação ADVERTÊNCIA Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºA Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o artigo e suas consequências estarão suspensas valendo o sistema anterior e a redação do CPP que não possuía esse artigo Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade Comentaremos o alcance desse dispositivo a continuação mas é importante já deixar registrado sua existência e nova orientação que se deve ter a partir dele nos mais diversos institutos e dispositivos do CPP Ademais a Constituição demarca o modelo acusatório pois desenha claramente o núcleo desse sistema ao afirmar que a acusação incumbe ao Ministério Público art 129 exigindo a separação das funções de acusar e julgar e assim deve ser mantido ao longo de todo o processo e principalmente ao definir as regras do devido processo no art 5º especialmente na garantia do juiz natural e imparcial por elementar e também inciso LV ao fincar pé na exigência do contraditório De qualquer forma para aprofundar o estudo remetemos o leitor para nossa obra Fundamentos do Processo Penal 33 Sistema Processual Misto e sua Insuficiência Conceitual O chamado Sistema Misto nasce com o Código Napoleônico de 1808 e a divisão do processo em duas fases fase préprocessual e fase processual sendo a primeira de caráter inquisitório e a segunda acusatória É a definição geralmente feita do sistema brasileiro misto pois muitos entendem que o inquérito é inquisitório e a fase processual acusatória pois o MP acusa É lugarcomum na doutrina processual penal a classificação de sistema misto com a afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais Ademais a divisão do processo penal em duas fases préprocessual e processual propriamente dita possibilitaria o predomínio em geral da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual desenhando assim o caráter misto Ademais muitos ainda estão atrelados à reducionista concepção histórica de que bastaria a mera separação inicial das funções de acusar e julgar para caracterizar o processo acusatório Esse pensamento tradicional de sistema misto que é criticado por nós deve ser revisado porque é reducionista na medida em que atualmente todos os sistemas são mistos sendo os modelos puros apenas uma referência histórica por ser misto é crucial analisar qual o núcleo fundante para definir o predomínio da estrutura inquisitória ou acusatória ou seja se o princípio informador é o inquisitivo gestão da prova nas mãos do juiz ou acusatório gestão da prova nas mãos das partes a noção de que a mera separação das funções de acusar e julgar seria suficiente e fundante do sistema acusatório é uma concepção reducionista na medida em que de nada serve a separação inicial das funções se depois se permite que o juiz tenha iniciativa probatória determine de ofício a coleta de provas vg art 156 decrete de ofício a prisão preventiva ou mesmo condene diante do pedido de absolvição do Ministério Público problemática do art 385 a concepção de sistema processual não pode ser pensada de forma desconectada do princípio supremo do processo que é a imparcialidade pois existe um imenso prejuízo que decorre dos pré juízos conforme consolidada jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos21 isto é juiz que vai de ofício atrás da prova está contaminado como explicaremos no próximo capítulo e não pode julgar pois ele decide primeiro quebra da imparcialidade e depois vai atrás da prova necessária para justificar a decisão já tomada quebra da concepção de processo como procedimento em contraditório também é incompatível com a visão de Fazzalari na medida em que o ativismo judicial quebra o imprescindível contraditório e o provimento judicial deixa de ser construído em contraditório para ser um mero ato de poder decisionismo O processo tem por finalidade buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina JACINTO COUTINHO Princípio dispositivo ou acusatório22 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juiz ator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Daí estar com plena razão JACINTO COUTINHO23 quando explica que não há e nem pode haver um princípio misto o que por evidente desconfigura o dito sistema Para o autor os sistemas assim como os paradigmas e os tipos ideais não podem ser mistos eles são informados por um princípio unificador Logo na essência o sistema é sempre puro E explica na continuação que o fato de ser misto significa ser na essência inquisitório ou acusatório recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos todos secundários que de um sistema são emprestados ao outro Portanto é reducionismo pensar que basta ter uma acusação separação inicial das funções para constituirse um processo acusatório É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e portanto é decorrência lógica e inafastável que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes Somente isso permite a imparcialidade do juiz E por fim ninguém nega a imprescindibilidade do contraditório ainda mais em democracia e ele somente é possível numa estrutura acusatória na qual o juiz mantenhase em alheamento e como decorrência possa assegurar a igualdade de tratamento e oportunidade às partes Retomamos a lição de CUNHA MARTINS no processo inquisitório há um desamor pelo contraditório já o modelo acusatório constitui uma declaração de amor pelo contraditório 34 E o Sistema Processual Penal Brasileiro ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºA Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o artigo 3ºA está suspenso Assim o processo penal segue com a estrutura inquisitória do CPP em confronto direto com o modelo acusatório desenhado pela Constituição e também pelo art 3ªA suspenso Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade Até o advento da reforma trazida pela Lei n 13964 de 24 de dezembro de 2019 sempre afirmamos que o processo penal brasileiro era inquisitório ou neoinquisitório e que não concordávamos com grande parte da doutrina que classificava nosso sistema como misto ou seja inquisitório na primeira fase inquérito e acusatório na fase processual E não concordávamos e seguimos divergindo se insistirem com tal afirmação porque dizer que um sistema é misto é não dizer quase nada sobre ele pois misto todos são O ponto crucial é verificar o núcleo o princípio fundante e aqui está o problema Outros preferiam afirmar que o processo penal brasileiro é acusatório formal incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto BINDER24 corretamente afirma que o acusatório formal é o novo nome do sistema inquisitivo que chega até nossos dias Nesse cenário e até 2020 sempre dissemos categoricamente O processo penal brasileiro é essencialmente inquisitório ou neoinquisitório se preferirem para descolar do modelo histórico medieval Ainda que se diga que o sistema brasileiro é misto a fase processual não é acusatória mas inquisitória ou neoinquisitória na medida em que o princípio informador era inquisitivo pois a gestão da prova estava nas mãos do juiz Finalmente o cenário mudou e nossas críticas junto com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Geraldo Prado Alexandre Morais da Rosa e tantos outros excelentes processualistas que criticavam a estrutura inquisitória brasileira foram ouvidas Compreenderam que a Constituição de 1988 define um processo penal acusatório fundando no contraditório na ampla defesa na imparcialidade do juiz e nas demais regras do devido processo penal Diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro era necessário fazer uma filtragem constitucional dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório como os arts 156 385 etc pois são substancialmente inconstitucionais e agora estão tacitamente revogados pelo art 3ºA do CPP com a redação da Lei n 13964 Assumido o problema estrutural do CPP a luta passa a ser pela acoplagem constitucional e pela filtragem constitucional expurgando de eficácia todos aqueles dispositivos que alinhados ao núcleo inquisitório são incompatíveis com a matriz constitucional acusatória e principalmente pela mudança de cultura pelo abandono da cultura inquisitória e a assunção de uma postura acusatória por parte do juiz e de todos os atores judiciários Agora a estrutura acusatória está expressamente consagrada no CPP e não há mais espaço para o juizatorinquisidor que atue de oficio violando o ne procedat iudex ex officio ou que produza prova de ofício pilares do modelo acusatório Vejamos a redação do art 3ºA do CPP 25 Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação A redação mesmo que façamos algumas críticas pontuais representa uma evolução para o nosso atrasado processo penal inquisitório e repete aquela que estava no PLS 1562009 Projeto do CPP do Senado Naquela época foi foco de intensa discussão na Comissão chegandose nessa redação intermediária É preciso recordar que um processo penal verdadeiramente acusatório assegura a radical separação das funções de acusar e julgar mantendo a gestão e iniciativa probatória nas mãos das partes e não do juiz A observância do ne procedat iudex ex officio marca indelével de um processo acusatório que mantenha um Juizespectador e não juizator e que assim crie as condições de possibilidade para termos um juiz imparcial É preciso que cada um ocupe o seu lugar constitucionalmente demarcado clássica lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho com o MP acusando e provando a carga da prova é dele a defesa trazendo seus argumentos sem carga probatória e o juiz julgando Simples Nem tanto basta ver que a estrutura inquisitória e a cultura inquisitória fortíssima faz com que se resista a essa estrutura dialética por vários motivos históricos entre eles o mito da busca da verdade real e o anseio mítico pelo juiz justiceiro que faça justiça mesmo que o acusador não produza prova suficiente A redação artigo do artigo expressamente adota o sistema acusatório e prevê duas situações 1º veda a atuação do juiz na fase de investigação o que é um acerto proibindo portanto que o juiz atue de ofício para decretar prisões cautelares medidas cautelares reais busca e apreensão quebra de sigilo bancário etc 2º veda na fase processual a substituição pelo juiz da atuação probatória do órgão acusador No primeiro caso não há críticas a redação está coerente com o que se espera do agir de um juiz no marco do sistema acusatório Consagra o juiz das garantias e afasta o juiz inquisidor Nessa perspectiva só faltou o legislador revogar expressamente o art 156 do CPP pois não mais pode subsistir está tacitamente revogado até para evitar a resistência inquisitória E mantemos essa afirmação mesmo com a decisão do Min FUX de suspender a eficácia do art 3ºA na medida em que a Constituição estabelece uma estrutura acusatória Então o dispositivo é ainda substancialmente inconstitucional Diz o art 156 I Art 156 A prova da alegação incumbirá a quem a fizer sendo porém facultado ao juiz de ofício I ordenar mesmo antes de iniciada a ação penal a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes observando a necessidade adequação e proporcionalidade da medida II determinar no curso da instrução ou antes de proferir sentença a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante Dessarte não cabe mais esse agir de ofício na busca de provas por parte do juiz seja na investigação seja na fase processual de instrução e julgamento Obviamente que não basta mudar a lei é preciso mudar a cultura e esse sempre será o maior desafio Não tardarão em aparecer vozes no sentido de que o art 156 I deve permanecer cabendo o agir de ofício do juiz quando a prova for urgente e relevante Tal postura constitui uma burla à mudança mantendo hígida a estrutura inquisitória antiga Afinal basta questionar o que é uma prova urgente e relevante Aquela que o juiz quiser que seja E a necessidade adequação e proporcionalidade quem afere O mesmo juiz que determina sua produção Essa é a circularidade inquisitória clássica que se quer abandonar Fica a advertência para o movimento contrarreformista ou o movimento da sabotagem inquisitória como define Alexandre Morais da Rosa pois virá Mas o maior problema está na segunda parte do artigo e nas interpretações conservadoras e restritivas que dará margem afinal o que significa substituição da atuação probatória do órgão de acusação A nosso juízo toda e qualquer iniciativa probatória do juiz que determinar a produção de provas de ofício já representa uma substituição da atuação probatória do julgador Considerando que no processo penal a atribuição da carga probatória é inteiramente do acusador pois como já ensinava James Goldschmidt não existe distribuição de carga probatória mas sim a atribuição ao acusador pois a defesa não tem qualquer carga probatória pois marcada pela presunção de inocência qualquer invasão nesse terreno por parte do juiz representa uma substituição da atuação probatória do acusador Ademais esse raciocínio decorre do próprio conceito de sistema acusatório radical separação de funções e iniciativagestão da prova nas mãos das partes ainda que a defesa não tenha carga obviamente pode ter iniciativa probatória mantendo o juiz como espectador e não um juizator figura típica da estrutura inquisitória abandonada Nada impede por elementar que o juiz questione testemunhas após a inquirição das partes para esclarecer algum ponto relevante que não tenha ficado claro na linha do que preconiza o art 212 do CPP que se espera agora seja respeitado ou os peritos arrolados pelas partes Portanto o juiz pode esclarecer algo na mesma linha de indagação aberto pelas partes não podendo inovarampliar com novas perguntas nem muito menos indicar provas de ofício26 Por fim a interpretação prevalecente do artigo 212 do CPP também não poderá mais subsistir porque juiz não pergunta a quem pergunta são as partes b se o juiz pergunta substitui as partes e c o artigo 3ºA proíbe que o juiz substitua a atividade probatória das partes Como dito excepcionalmente poderá perguntar para esclarecer algo que não compreendeu Não mais do que isso Nessa perspectiva entre outros entendemos revogados tacitamente o art 209 que permite ao juiz ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes e o art 385 absolutamente incompatível com a matriz acusatória um juiz condenando sem pedido ou seja diante do pedido expresso de absolvição do MP como já explicamos a exaustão anteriormente ou seja muito antes dessa reforma de 2019 Mas é importante combater outra fraude juiz produzindo prova de ofício a título de ajudar a defesa Em um processo acusatório existe um preço a ser pago o juiz deve conformarse com a atividade probatória incompleta das partes Não se lhe autoriza a descer para a arena das partes e produzir de ofício provas nem para colaborar com a acusação e nem para auxiliar a defesa Ele não pode é descer na estrutura dialética nem para um lado e nem para o outro Mais grave ainda como adverte MORAIS DA ROSA é quando o juiz fingindo que age em prol da defesa passará a produzir provas para condenação Fique bem claro juiz com dúvida absolve CPP art 386 VIII porque não é preciso dúvida qualificada bastando dúvida razoável Temos visto magistrados em nome da defesa decretarem de ofício a quebra de sigilo telefônico dados de todos os acusados com smartfones apreendidos para o fim de ajudar a defesa É um sintoma da perversão acusatória27 Mas infelizmente existe o risco de a incompreensão do que seja um sistema acusatório ou sua reducionista compreensão somada a tal vagueza conceitual substituição da atuação probatória conduza ao esvaziamento desta cláusula até mesmo pela fraude da relativização das nulidades e seu princípio curinga prejuízo Isso já aconteceu por exemplo quando o STJ decretou a pena de morte do art 212 do CPP tomara que não se repita O correto e adequado é reconhecer a revogação tácita do art 156 e do art 385 e tantos outros na mesma linha e absoluta incompatibilidade com a matriz acusatória constitucional e a nova redação do art 3ºA É preciso compreender ainda a complexidade da discussão acerca dos sistemas pois todas essas questões giram em torno do tripé sistema acusatório contraditório e imparcialidade Porque a imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória Portanto pensar no sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave reducionismo Em suma respondendo a questão inicial agora podemos afirmar que o processo penal brasileiro é legal art 3ºA do CPP e constitucionalmente acusatório mas para efetivação dessa mudança é imprescindível afastar a vigência de vários artigos do CPP e mudar radicalmente as práticas judiciárias É preciso acima de tudo que os juízes e tribunais brasileiros interiorizem e efetivem tamanha mudança E esperamos que o art 3ºA finalmente tenha plena vigência quando do julgamento do mérito das ADIns já mencionadas e da relatoria do Min FUX 4 Objeto do Processo Penal a Pretensão Acusatória Novamente aqui faremos uma análise introdutória e superficial acerca do objeto do processo penal remetendo o leitor para nossa obra Fundamento do Processo Penal como leitura complementar nesse tema Partindo de GUASP28 entendemos que objeto do processo é a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que integram o processo e não se confunde com a causa ou princípio nem com o seu fim Por isso não é objeto do processo o fundamento a que deve sua existência instrumentalidade constitucional nem a função ou fim a que ainda que de forma imediata está chamado a realizar a satisfação jurídica da pretensão ou resistência Também não se confunde com sua natureza jurídica situação processual Como já explicamos anteriormente o processo penal é regido pelo Princípio da Necessidade ou seja é um caminho necessário para chegar a uma pena Irrelevante senão inadequada a discussão em torno da existência de uma lide no processo penal até porque ela é inexistente Isso porque não pode haver uma pena sem sentença pela simples e voluntária submissão do réu O conceito de lide deve ser afastado do processo penal pois o poder de apenar somente se realiza no processo penal por exigência do princípio da necessidade A discussão em torno do objeto do processo nos parece fundamental na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da concepção de KARL BINDING a ideia de pretensão punitiva e que continua sendo repetida sem uma séria reflexão O principal erro está em transportar as categorias do processo civil para o processo penal colocando o Ministério Público como verdadeiro credor de uma pena como se fosse um credor do processo civil postulando seu bem jurídico No processo penal o Ministério Público exerce uma pretensão acusatória ius ut procedatur ou seja o poder de proceder contra alguém quando exista a fumaça da prática de um crime fumus commissi delicti É uma pretensão processual que tem como elementos29 a elemento objetivo é o caso penal ou seja o fato aparentemente punível praticado b elemento subjetivo composto por aquele que exerce a pretensão acusador e contra quem se pretende fazer valer essa pretensão acusado c elemento de atividade ou declaração petitória não basta a existência de um fato aparentemente punível daí a insuficiência daqueles que sustentam ser o caso penal o objeto do processo penal é necessário que exista uma declaração de vontade que peça a satisfação da pretensão É por meio da ação penal como poder político constitucional de invocação do poder jurisdicional que será realizada a acusação que dará causa ao nascimento do processo No processo penal o Ministério Público ou querelante exerce uma pretensão acusatória isto é o poder de proceder contra alguém ius ut procedatur cabendo ao juiz acolhendo a acusação exercer o poder de punir São portanto dois poderes distintos o de acusar e o de punir Somente se criam as condições de possibilidade de punição por parte do juiz quando o acusador tiver êxito na prova da acusação O poder de punir é condicionado ao exercício da acusação até por imposição do sistema acusatório anteriormente analisado O erro da visão tradicional pretensão punitiva de Binding está em considerar que o objeto do processo é uma pretensão punitiva pois isso significaria dizer que o Ministério Público atuaria no processo penal da mesma forma que o credor no processo civil A premissa equivocada está em desconsiderar que o Ministério Público não exerce pretensão punitiva porque não detém o poder de punir tanto que não pode pedir uma determinada quantidade de pena senão apenas a condenação No processo penal quem detém o poder de punir é o juiz e não o Ministério Público Ao contrário do processo civil no penal o autor Ministério Público não pede a adjudicação de um direito de punir pois não lhe corresponde esse poder que está nas mãos do juiz Ao acusador não compete o poder de castigar mas apenas de promover o castigo Carnelutti Por isso no processo penal o acusador exerce uma pretensão acusatória ius ut procedatur o poder de proceder contra alguém que é uma condição indispensável para que ao final o juiz exerça o poder de punir Em síntese no processo penal existem duas categorias distintas o acusador exerce o ius ut procedatur o direito potestativo de acusar pretensão acusatória contra alguém desde que presentes os requisitos legais e de outro lado está o poder do juiz de punir Contudo o poder de punir é do juiz recordando Goldschmidt o símbolo da justiça é a balança mas também é a espada que está nas mãos do juiz e pende sobre a cabeça do réu e esse poder está condicionado pelo princípio da necessidade ao exercício integral e procedente da acusação Ao juiz somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido com integralidade e procedência o ius ut procedatur Concluindo o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz através de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO É imprescindível compreender a evolução da pena de prisão para chegarse ao nascimento e evolução do processo penal A relação entre o processo e a pena corresponde às categorias de meio e de fim O processo penal deve se constitucionalizar ser lido à luz da Constituição Logo ele funciona como um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição O processo deve se democratizar e ser constituído a partir da Constituição PRINCÍPIO DA NECESSIDADE o direito penal é despido de poder coercitivo direto somente se efetivando através do processo Por isso o processo penal é um caminho necessário para chegarse a uma pena Inexiste possibilidade de aplicação de pena sem prévio processo penal Nulla poena et nulla culpa sine iudicio Contudo tal princípio vem sendo gradativamente mitigado pela ampliação dos espaços de consenso e de negociação através da transação penal da delação premiada e da imediata aplicação de pena com abreviação do rito se vingar a proposta contida no Projeto do CPP NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO TEORIAS MAIS RELEVANTES A Teoria da relação jurídica estruturada por Bülow concepção de que existe uma relação jurídica de direito material e outra de direito processual autônomas e independentes O processo é visto como uma relação jurídica de natureza pública que se estabelece entre as partes e o juiz dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais É uma relação jurídica triangular como explica Wach Teoriza a existência de pressupostos processuais que podem ser de existência ou de validade que seriam pressupostos para seu nascimento ou desenvolvimento válido B Processo como situação jurídica estruturada por James Goldschmidt o processo passa a ser visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes atravessam em direção à sentença definitiva favorável Nega a existência de direitos e obrigações processuais e considera um erro a teoria dos pressupostos processuais de Bülow Evidencia que o processo é dinâmico e pautado pelo risco e a incerteza O processo é uma complexa situação jurídica cuja sucessão de atos vai gerando chances que bem aproveitadas permitem que parte se libere das cargas por exemplo probatórias e caminhe em direção a uma sentença favorável expectativas O não aproveitamento de uma chance e a não liberação de uma carga geram uma situação processual desvantajosa conduzindo a uma perspectiva de sentença desfavorável Às partes não incumbem obrigações mas cargas processuais sendo que no processo penal não existe distribuição de cargas probatórias na medida em que toda a carga de provar o alegado está nas mãos do acusador C Processo como procedimento em contraditório Elio Fazzalari sustenta que o processo é um procedimento em contraditório Situase numa linha de continuidade do pensamento de Goldschmidt superando a visão formalista burocrática da concepção de procedimento até então vigente resgatando a importância do contraditório que deve orientar todos os atos do procedimento até o provimento final sentença construído em contraditório núcleo imantador e legitimador do poder jurisdicional O contraditório é visto em duas dimensões informazione e reazione como direito à informação e reação igualdade de tratamento e oportunidades Todos os atos do procedimento são pressupostos para o provimento final ao qual são chamados a participar todos os interessados partes A essência do processo está na simétrica paridade da participação dos interessados reforçando o papel das partes e do contraditório Também existe uma revaloração da jurisdição na estrutura processual pois permite superar a concepção tradicional de poderdever jurisdicional para a dimensão de poder condicionado ao contraditório além de situar o juiz como garantidor do contraditório e não de contraditor fazendo uma recusa ao ativismo judicial característico do sistema inquisitório SISTEMAS PROCESSUAIS INQUISITÓRIO ACUSATÓRIO E MISTO Características do Sistema Inquisitório a gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz figura do juizator e do ativismo judicial princípio inquisitivo b ausência de separação das funções de acusar e julgar aglutinação das funções nas mãos do juiz c violação do princípio ne procedat iudex ex officio pois o juiz pode atuar de ofício sem prévia invocação d juiz parcial e inexistência de contraditório pleno f desigualdade de armas e oportunidades Características do Sistema Acusatório a gestãoiniciativa probatória nas mãos das partes juizespectador princípio acusatório ou dispositivo b radical separação das funções de acusar e julgar durante todo o processo c observância do princípio ne procedat iudex ex officio d juiz imparcial e pleno contraditório f igualdade de armas e oportunidades tratamento igualitário Definição do Sistema Misto nasce com o Código Napoleônico de 1808 e a divisão do processo em duas fases fase préprocessual e fase processual sendo a primeira de caráter inquisitório e a segunda acusatório É a definição geralmente feita do sistema brasileiro misto pois muitos entendem que o inquérito é inquisitório e a fase processual acusatória pois o MP acusa Para os que sustentam isso bastaria a mera separação inicial das funções de acusar e julgar para caracterizar o processo acusatório Esse pensamento tradicional de sistema misto que é criticado por nós deve ser revisado porque a é reducionista na medida em que atualmente todos os sistemas são mistos sendo os modelos puros apenas uma referência histórica b por ser misto é crucial analisar qual o núcleo fundante para definir o predomínio da estrutura inquisitória ou acusatória ou seja se o princípio informador é o inquisitivo ou o acusatório c a noção de que a mera separação das funções de acusar e julgar seria suficiente e fundante do sistema acusatório é uma concepção reducionista na medida em que de nada serve a separação inicial das funções se depois se permite que o juiz tenha iniciativa probatória determine de ofício a coleta de provas ver crítica ao art 156 decrete de ofício a prisão preventiva ou mesmo condene diante do pedido de absolvição do Ministério Público problemática do art 385 d a concepção de sistema processual não pode ser pensada de forma desconectada do princípio supremo do processo que é a imparcialidade pois existe um imenso prejuízo que decorre dos préjuízos conferir decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos mencionadas isto é juiz que vai de ofício atrás da prova está contaminado e não pode julgar pois ele decide primeiro quebra da imparcialidade e depois vai atrás da prova necessária para justificar a decisão já tomada quebra da concepção de processo como procedimento em contraditório A Lei n 139642019 veio para determinar que o processo penal seja orientado pelo sistema acusatório estabelecendo essa diretriz na nova redação do art 3ºA mas para isso é preciso reconhecer que o art 156 está tacitamente revogado bem como diversos outros artigos do CPP que ainda atribuem ao juiz a faculdade de agir de ofício na produção de provas OBJETO DO PROCESSO PENAL entendemos que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória pretensão acusatória ius ut procedatur o poder de proceder contra alguém que é uma condição indispensável para que ao final o juiz exerça o poder de punir São dois os poderes exercidos no processo penal a pretensão acusatória acusador e o poder de punir juiz O poder de punir é condicionado ao integral exercício do poder de acusar pois somente se criam as condições de possibilidade de punição por parte do juiz quando o acusador tiver êxito na prova da acusação É um equivoco falar em pretensão punitiva pois significaria pensar no processo penal que o Ministério Público atuaria como se fosse o credor do processo civil pedindo a adjudicação de um direito próprio Ao acusador não compete o poder de punir apenas de promover a punição através da acusação Estrutura da pretensão acusatória a elemento subjetivo composto por aquele que exerce a pretensão acusador e contra quem se pretende fazer valer essa pretensão acusado b elemento objetivo é o caso penal ou seja o fato aparentemente punível praticado c elemento de atividade é a existência da acusação ação processual penal do instrumento processual que portando a pretensão acusatória irá solicitar sua satisfação com a condenação Capítulo II INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL Como já foi exposto até aqui pensamos ser imprescindível que o processo penal passe por uma constitucionalização sofra uma profunda filtragem constitucional estabelecendose um inafastável sistema de garantias mínimas Como decorrência o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático é sua instrumentalidade constitucional ou seja o processo enquanto instrumento30 a serviço da máxima eficácia de um sistema de garantias mínimas Ou ainda pensamos o processo penal desde seu inegável sofrimento a partir de uma lógica de redução de danos Todo poder tende a ser autoritário e precisa de limites controle Então as garantias processuais constitucionais são verdadeiros escudos protetores31 contra o abuso do poder estatal Como consequência o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal Quando se lida com o processo penal devese ter bem claro que aqui forma é garantia Por se tratar de um ritual de exercício de poder e limitação da liberdade individual a estrita observância das regras do jogo32 devido processo penal é o fator legitimante da atuação estatal Nessa linha os princípios constitucionais devem efetivamente constituir o processo penal Esse sistema de garantias está sustentado a nosso juízo por cinco princípios básicos que configuram antes de mais nada um esquema epistemológico que conduz à identificação dos desvios e abusos de poder 1 Jurisdicionalidade Nulla Poena Nulla Culpa sine Iudicio A garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas ter um juiz exige ter um juiz imparcial natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição Não só como necessidade do processo penal mas também em sentido amplo como garantia orgânica da figura e do estatuto do juiz Também representa a exclusividade do poder jurisdicional direito ao juiz natural independência da magistratura e exclusiva submissão à lei Ainda que o princípio da jurisdicionalidade tenha um importante matiz interno exclusividade dos tribunais para impor a pena e o processo como caminho necessário ela não fica reclusa a esses limites Fazendo um questionamento mais profundo FERRAJOLI vai se debruçar nos diversos princípios que configuram um verdadeiro esquema epistemológico de modo que a categoria de garantia sai da tradicional concepção de confinamento para colocarse no espaço central do sistema penal Como aponta IBÁÑEZ33 não se trata de garantir unicamente as regras do jogo mas sim um respeito real e profundo aos valores em jogo com os que agora já não cabe jogar A garantia da jurisdicionalidade deve ser vista no contexto das garantias orgânicas da magistratura de modo a orientar a inserção do juiz no marco institucional da independência pressuposto da imparcialidade que deverá orientar sua relação com as partes no processo Ademais o acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais O juiz assume uma nova posição34 no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas plenas e legais abandono completo do mito da verdade real BUENO DE CARVALHO35 questionando para quem serve a lei aponta que a a lei é o limite ao poder desmesurado leiase limite à dominação Então a lei eticamente considerada é proteção ao débil Sempre e sempre é a lei do mais fraco aquele que sofre a dominação Nesse contexto insere se o juiz Em última análise cumpre ao juiz buscar a máxima eficácia da ley del más débil36 No momento do crime a vítima é o débil e por isso recebe a tutela penal Contudo no processo penal operase uma importante modificação o mais débil passa a ser o acusado que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e posteriormente da pena O sujeito passivo do processo aponta GUARNIERI37 passa a ser o protagonista porque ele é o eixo em torno do qual giram todos os atos do processo Esse princípio impõe ainda a inderrogabilidade do juízo no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição Ademais o acesso à jurisdição é premissa material e lógica para a efetividade dos direitos fundamentais 11 A Função do Juiz no Processo Penal Não basta apenas ter um juiz devemos perquirir quem é esse juiz que garantias ele deve possuir e a serviço de quem ele está Vamos nos concentrar agora em definir a função do juiz no processo a serviço de quem ele está Inicialmente cumpre recordar a garantia do juiz natural enquanto portadora de um tríplice significado38 a somente os órgãos instituídos pela Constituição podem exercer jurisdição b ninguém poderá ser processado e julgado por órgão instituído após o fato c há uma ordem taxativa de competência entre os juízes préconstituídos excluindose qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja Tratase de verdadeira exclusividade do juiz legalmente instituído para exercer a jurisdição naquele determinado processo sem que seja possível a criação de juízos ou tribunais de exceção art 5º XXXVII da CB Considerando que as normas processuais não podem retroagir para prejudicar o réu é fundamental vedarse a atribuição de competência post facto evitandose que a juízes ou tribunais sejam especialmente atribuídos poderes após o fato para julgar um determinado delito Por fim a ordem taxativa de competência é indisponível não havendo possibilidade de escolha O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência Nesse tema imprescindível a leitura de ADELINO MARCON39 que considera o Princípio do Juiz Natural como um princípio universal fundante do Estado Democrático de Direito Consiste na síntese do autor no direito que cada cidadão tem de saber de antemão a autoridade que irá processálo e qual o juiz ou tribunal que irá julgálo caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídicopenal Importante que MARCON sublinha o necessário deslocamento do nascimento da garantia para o momento da prática do delito e não para o do início do processo como o fazem outros Isso significa uma ampliação na esfera de proteção evitando manipulações nos critérios de competência bem como a definição posterior ao fato mas antes do processo do juiz da causa Elementar que essa definição posterior afetaria também a garantia da imparcialidade do julgador que será tratada no próximo tópico Quando se questiona a serviço de quem está o juiz transferimos a discussão para outra esfera a das garantias orgânicas da magistratura FERRAJOLI40 chama de garantias orgânicas aquelas relativas à formação do juiz e sua colocação funcional em relação aos demais poderes do Estado independência imparcialidade responsabilidade separação entre juiz e acusação juiz natural obrigatoriedade da ação penal etc Considera como garantias processuais aquelas relativas à formação do processo isto é à coleta da prova exercício do direito da defesa e à formação da convicção do julgador contraditório correlação carga da prova etc Dentro das garantias orgânicas nos centraremos agora na independência pois para termos um juiz natural imparcial e que verdadeiramente desempenhe sua função de garantidor no processo penal deve estar acima de quaisquer espécies de pressão ou manipulação política Não que com isso estejamos querendo o impossível um juiz neutro41 senão um juiz independente alguém que realmente possua condições de formar sua livre convicção Essa liberdade é em relação a fatores externos ou seja não está obrigado a decidir conforme queira a maioria ou tampouco deve ceder a pressões políticas A independência deve ser vista como a sua exterioridade ao sistema político e num sentido mais geral como a exterioridade a todo sistema de poderes42 O juiz não tem por que ser um sujeito representativo posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo nem sequer o interesse da maioria ou inclusive a totalidade dos lesados Ao contrário do Poder Executivo ou do Legislativo que são poderes de maioria o juiz julga em nome do povo mas não da maioria para a tutela da liberdade das minorias A legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição e não da vontade da maioria O juiz tem uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais É uma legitimidade democrática fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial Contudo a independência não significa uma liberdade plena arbitrária pois sua decisão está limitada pela prova produzida no processo com plena observância das garantias fundamentais entre elas a vedação da prova ilícita e devidamente fundamentada motivação enquanto fator legitimante do poder Não significa possibilidade de decisionismo Não está o juiz obrigado a decidir conforme deseja a maioria pois a legitimação de seu poder decorre do vínculo estabelecido pelo caráter cognoscitivo da atividade jurisdicional Então no Estado Democrático de Direito se o juiz não está obrigado a decidir conforme deseja a maioria qual é o fundamento da independência do Poder Judiciário O fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor da eficácia do sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado no processo penal 12 A Complexa Garantia da Imparcialidade Objetiva e Subjetiva do Julgador 121 RePensando os Poderes InvestigatóriosInstrutórios do Juiz Mas não basta a garantia da jurisdição não é suficiente ter um juiz é necessário que ele reúna algumas qualidades mínimas para estar apto a desempenhar seu papel de garantidor A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo do processo43 e como tal imprescindível para o seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto judicial justo Sobre a base da imparcialidade está estruturado o processo como tipo heterônomo de reparto Aponta CARNELUTTI44 que el juicio es un mecanismo delicado como un aparato de relojería basta cambiar la posición de una ruedecilla para que el mecanismo resulte desequilibrado e comprometido Seguindo WERNER GOLDSCHMIDT45 o termo partial expressa a condição de parte na relação jurídica processual e por isso a impartialidade do julgador constitui uma consequência lógica da adoção da heterocomposição por meio da qual um terceiro impartial substitui a autonomia das partes Já a parcialidade significa um estado subjetivo emocional um estado anímico do julgador A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà46 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO47 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas Por isso W GOLDSCHMIDT48 sintetiza que la imparcialidad del juez es la resultante de las parcialidades de los abogados ou das partes Mas tudo isso cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios ao juiz pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo que leva por consequência a fundar um sistema inquisitório49 A gestãoiniciativa probatória nas mãos do juiz conduz à figura do juizator e não espectador núcleo do sistema inquisitório Logo destróise a estrutura dialética do processo penal o contraditório a igualdade de tratamento e oportunidades e por derradeiro a imparcialidade o princípio supremo do processo Esse é um risco sempre presente no modelo brasileiro que carrega uma tradição inquisitória fortíssima e com ela uma cultura inquisitória ainda mais resistente pois somente com a Lei n 139642019 e a inserção do art 3ºA é que nosso CPP consagrou expressamente a adoção do sistema acusatório e portanto o afastamento do agir de ofício do juiz na busca de provas decretação de prisão etc É por conta disso que seguimos sublinhando a importância da correta compreensão dos sistemas processuais e por conseguinte do lugar do juiz no processo penal Recordemos que não se pode pensar sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório sob pena de incorrer em grave reducionismo A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir além da separação inicial das funções de acusar e julgar um afastamento do juiz da atividade investigatóriainstrutória É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente a separação entre acusaçãojulgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo É um erro separar em conceitos estanques a imensa complexidade do processo penal fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e principalmente da imparcialidade A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou quando lhe atribuímos poderes de gestãoiniciativa probatória É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia É por isso que os arts 156 127 242 209 385 e tantos outros que permitem que o juiz atue de ofício na busca de provas e adoção de medidas cautelares estão tacitamente revogados pelo art 3ºA além de serem substancialmente inconstitucionais ADVERTÊNCIA Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºA Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o artigo 3ªA está suspenso Assim o processo penal segue com a estrutura inquisitória do CPP em confronto direto com o modelo acusatório desenhado pela Constituição com gravíssimos sacrifícios para a garantia da imparcialidade Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade É insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal De nada basta uma separação inicial com o Ministério Público formulando a acusação se depois ao longo do procedimento permitirmos que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora Nesse contexto o art 156 do CPP funda um sistema inquisitório e não pode mais viger pois representa uma quebra da igualdade do contraditório da própria estrutura dialética do processo Como decorrência fulminam a principal garantia da jurisdição que é a imparcialidade do julgador Está desenhado um processo inquisitório O juiz deve manterse afastado da atividade probatória para ter o alheamento necessário para valorar essa prova A figura do juizespectador em oposição à figura inquisitória do juizator é o preço a ser pago para termos um sistema acusatório Mais do que isso é uma questão de respeito às esferas de exercício de poder São as limitações inerentes ao jogo democrático Enfrentando esses resquícios inquisitórios o Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH especialmente nos casos Piersack de 1º101982 e De Cubber de 26101984 consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador Ou seja se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase préprocessual não poderá na fase processual ser o julgador É uma violação do direito ao juiz imparcial consagrado no art 61 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 Segundo o TEDH a contaminação resultante dos préjuízos conduzem à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece de um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos Já a imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontrar em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade Em ambos os casos a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições Não basta estar subjetivamente protegido é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial é a visibilidade Seguindo essas decisões do TEDH aduziu o Tribunal Constitucional espanhol STC 14588 entre outros fundamentos que o juizinstrutor não poderia julgar pois violava a chamada imparcialidade objetiva aquela que deriva não da relação do juiz com as partes mas sim de sua relação com o objeto do processo Ainda que a investigação preliminar suponha uma investigação objetiva sobre o fato consignar e apreciar as circunstâncias tanto adversas como favoráveis ao sujeito passivo o contato direto com o sujeito passivo e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juizinstrutor uma série de pré juízos e impressões a favor ou contra o imputado influenciando no momento de sentenciar Destaca o Tribunal uma fundada preocupação com a aparência de imparcialidade que o julgador deve transmitir para os submetidos à Administração da Justiça pois ainda que não se produza o préjuízo é difícil evitar a impressão de que o juiz instrutor não julga com pleno alheamento Isso afeta negativamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos justiçáveis especialmente na esfera penal Dessa forma há uma presunção de parcialidade do juizinstrutor que lhe impede julgar o processo que tenha instruído50 Outra decisão sumamente relevante que vai marcar uma nova era no processo penal europeu foi proferida pelo TEDH no caso CastilloAlgar contra España STEDH de 28101998 na qual declarou vulnerado o direito a um juiz imparcial o fato de dois magistrados que haviam formado parte de uma Sala que denegou um recurso interposto na fase préprocessual também terem participado do julgamento Essa decisão do TEDH levará a outras de caráter interno nos respectivos tribunais constitucionais dos países europeus e sem dúvida acarretará uma nova alteração legislativa Frisese que esses dois magistrados não atuaram como juízes de instrução mas apenas haviam participado do julgamento de um recurso interposto contra uma decisão interlocutória tomada no curso da instrução preliminar pelo juizinstrutor Isso bastou para que o TEDH entendesse comprometida a imparcialidade deles para julgar em grau recursal a apelação contra a sentença Imaginem o que diria o TEDH diante do sistema brasileiro em que muitas vezes os integrantes de uma Câmara Criminal irão julgar do primeiro habeas corpus interposto contra a prisão preventiva passando pela apelação e chegando até a decisão sobre os agravos interpostos contra os incidentes da execução penal Mas não apenas os espanhóis enfrentaram esse problema Seguindo a normativa europeia ditada pelo TEDH o art 34 do Codice di Procedura Penale prevê entre outros casos a incompatibilidade do juiz que ditou a resolução de conclusão da audiência preliminar para atuar no processo e sentenciar Posteriormente a Corte Costituzionale através de diversas decisões51 declarou a inconstitucionalidade por omissão desse dispositivo legal por não haver previsto outros casos de incompatibilidade com relação a anterior atuação do juiz na indagine preliminare Em síntese consagrou o princípio anteriormente explicado de que o juiz que atua na investigação preliminar está prevento e não pode presidir o processo ainda que somente tenha decretado uma prisão cautelar Sentença da Corte Costituzionale n 432 de 15 de setembro de 1995 A jurisprudência brasileira engatinha neste terreno mas há decisões interessantes e que precisam ser estudadas Conforme o Informativo do STF n 528 de novembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal no HC 94641BA Rel orig Min Ellen Gracie Rel p o acórdão Min Joaquim Barbosa julgado em 11112008 a Turma por maioria concedeu de ofício habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento ao pudor contra a própria filha para anular em virtude de ofensa à garantia da imparcialidade da jurisdição o processo desde o recebimento da denúncia No caso no curso de procedimento oficioso de investigação de paternidade Lei n 856092 art 2º promovido pela filha do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa tivera surgiram indícios da prática delituosa supra sendo tais relatos enviados ao Ministério Público O parquet no intuito de ser instaurada a devida ação penal denunciara o paciente vindo a inicial acusatória a ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória de paternidade Entendeuse que o juiz sentenciante teria atuado como se autoridade policial fosse em virtude de no procedimento preliminar de investigação de paternidade em que apurados os fatos ter ouvido testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a propositura de ação penal grifo nosso Verificase que o ponto fundamental para a anulação foi viola a garantia da imparcialidade o fato de o juiz ter realizado atos de natureza instrutória de ofício apurando fatos e ouvindo testemunhas No mesmo processo o votovista do Min Cezar Peluso concluiu que pelo conteúdo da decisão do juiz restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar Dessa forma considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado cuja falta incapacitao de todo para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida Esclareceu que a imparcialidade denominase objetiva uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa sejam partes ou não imparcialidade dita subjetiva mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa no sentido de que não haja ainda de modo consciente ou inconsciente formado nenhuma convicção ou juízo prévio no mesmo ou em outro processo sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir Assim sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional Observou por último que mediante interpretação lata do art 252 III do CPP Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão mas conforme com o princípio do justo processo da lei CF art 5º LIV não pode sob pena de imparcialidade objetiva e por consequente impedimento exercer jurisdição em causa penal o juiz que em procedimento preliminar e oficioso de investigação de paternidade se tenha pronunciado de fato ou de direito sobre a questão grifo nosso Interessante ainda como o voto do Min Cezar Peluso menciona exatamente os mesmos fundamentos de imparcialidade objetiva e subjetiva empregados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos desde o Caso Piersack de 1982 e constantemente por nós referidos inclusive neste tópico Crer na imparcialidade de quem está totalmente absorvido pelo labor investigador é o que J GOLDSCHMIDT52 denomina erro psicológico Foi essa incompatibilidade psicológica que levou ao descrédito do modelo inquisitório Sem dúvida chegou o momento de repensar a prevenção e também a relação juizinquérito pois em vez de caminhar em direção à figura do juiz garante ou de garantias alheio à investigação e verdadeiro órgão suprapartes está sendo tomado o caminho errado do juizinstrutor JACINTO COUTINHO53 aponta o erro da visão tradicional que tem a larga desvantagem de desconectar a matéria referente à competência do princípio do juiz natural Devese descortinar essa cruel estrutura e assumir o problema Em definitivo pensamos que a prevenção deve ser uma causa de exclusão da competência O juizinstrutor é prevento e como tal não pode julgar Sua imparcialidade está comprometida não só pela atividade de reunir o material ou estar em contato com as fontes de investigação mas pelos diversos prejulgamentos que realiza no curso da investigação preliminar54 como na adoção de medidas cautelares busca e apreensão autorização para intervenção telefônica etc E foi exatamente nessa linha que a reforma de 2019 consagrou a figura do juiz das garantais infelizmente com sua implantação suspensa pela decisão do Min FUX que suspendeu a eficácia do art 3º a b c d e e f e vedação de que o mesmo juiz atuasse na fase de investigação e depois na fase processual Estabeleceu e recepcionou exatamente essa tese a prevenção é causa de exclusão de impedimento da competência como explicaremos ao tratar do juiz das garantias 122 Contributo da Teoria da Dissonância Cognitiva para a Compreensão da Imparcialidade do Juiz Na mesma linha de tudo o que acabamos de explicar mostrando a importância da preocupação com a imparcialidade e a necessidade do juiz das garantias mas com outra leitura do problema está o excelente trabalho do consagrado jurista alemão Bernd SCHÜNEMANN em obra organizada pelo Prof Luís Greco Estudos de Direito Penal e Processual Penal e Filosofia do Direito Org Luís Greco Ed Marcial Pons 2013 na qual ele dedica um interessante artigo sobre a teoria da Dissonância Cognitiva Em que pesem algumas divergências pontuais que temos em relação ao ilustre autor alemão e a estrutura do processo penal alemão especialmente no que tange à concepção de sistema acusatório e inquisitório a ambição de verdade a mitológica verdade real bem como ao papel do juiz sua análise sobre a dissonância cognitiva e os problemas acerca dos préjulgamentos é bastante enriquecedora Como explica SCHÜNEMANN grave problema existe no fato de o mesmo juiz receber a acusação realizar a audiência de instrução e julgamento e posteriormente decidir sobre o caso penal Existe não apenas uma cumulação de papéis mas um conflito de papéis não admitido como regra pelos juízes que se ancoram na formação profissional comprometida com a objetividade Tal argumento nos remete a uma ingênua crença na neutralidade e supervalorização de uma impossível objetividade na relação sujeitoobjeto já tão desvelada pela superação do paradigma cartesiano ainda não completamente compreendido Ademais desconsidera a influência do inconsciente que cruza e permeia toda a linguagem e a dita razão Em linhas introdutórias a teoria da dissonância cognitiva desenvolvida na psicologia social analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias crenças ou opiniões antagônicas incompatíveis geradoras de uma situação desconfortável bem como a forma de inserção de elementos de consonância mudar uma das crenças ou as duas para tornálas compatíveis desenvolver novas crenças ou pensamentos etc que reduzam a dissonância e por consequência a ansiedade e o estresse gerado Podese afirmar que o indivíduo busca como mecanismo de defesa do ego encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e a sua opinião É um anseio por eliminação das contradições cognitivas explica SCHÜNEMANN O autor traz a teoria da dissonância cognitiva para o campo do processo penal aplicandoa diretamente sobre o juiz e sua atuação até a formação da decisão na medida em que precisa lidar com duas opiniões antagônicas incompatíveis teses de acusação e defesa bem como com a sua opinião sobre o caso penal que sempre encontrará antagonismo frente a uma das outras duas acusação ou defesa Mais do que isso considerando que o juiz constrói uma imagem mental dos fatos a partir dos autos do inquérito e da denúncia para recebêla é inafastável o préjulgamento agravado quando ele decide anteriormente sobre prisão preventiva medidas cautelares etc É de se supor afirma SCHÜNEMANN que tendencialmente o juiz a ela se apegará a imagem já construída de modo que ele tentará confirmála na audiência instrução isto é tendencialmente deverá superestimar as informações consoantes e menosprezar as informações dissonantes Para diminuir a tensão psíquica gerada pela dissonância cognitiva haverá dois efeitos SCHÜNEMANN efeito inércia ou perseverança mecanismo de autoconfirmação de hipóteses superestimando as informações anteriormente consideradas corretas como as informações fornecidas pelo inquérito ou a denúncia tanto que ele as acolhe para aceitar a acusação pedido de medida cautelar etc busca seletiva de informações onde se procuram predominantemente informações que confirmam a hipótese que em algum momento prévio foi aceita acolhida pelo ego gerando o efeito confirmador tranquilizador A partir disso SCHÜNEMANN desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando várias hipóteses entre elas a já sabida ainda que empiricamente por todos quanto maior for o nível de conhecimentoenvolvimento do juiz com a investigação preliminar e o próprio recebimento da acusação menor é o interesse dele pelas perguntas que a defesa faz para a testemunha e muito mais provável é a frequência com que ele condenará Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo uma relação não contraditória A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais acusatórias e conduz à molesta dissonância cognitiva Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança de autoconfirmação das hipóteses por meio da busca seletiva de informações Demonstra SCHÜNEMANN que em grande parte dos casos analisados o juiz ao receber a denúncia e posteriormente instruir o feito passa a ocupar de fato a posição de parte contrária diante do acusado que nega os fatos e por isso está impedido de realizar uma avaliação imparcial processar as informações de forma adequada Grande parte desse problema vem do fato de o juiz ler e estudar os autos da investigação preliminar inquérito policial para decidir se recebe ou não a denúncia para decidir se decreta ou não a prisão preventiva formando uma imagem mental dos fatos para depois passar à busca por confirmação dessas hipóteses na instrução O quadro agravase se permitirmos que o juiz de ofício vá em busca dessa prova sequer produzida pelo acusador Enfim o risco de préjulgamento é real e tão expressivo que a tendência é separar o juiz que recebe a denúncia que atua na fase préprocessual daquele que vai instruir e julgar ao final Conforme as pesquisas empíricas do autor os juízes dotados de conhecimentos dos autos a investigação não apreenderam e não armazenaram corretamente o conteúdo defensivo presente na instrução porque eles só apreendiam e armazenavam as informações incriminadoras que confirmavam o que estava na investigação O juiz tendencialmente apegase à imagem do ato que lhe foi transmitida pelos autos da investigação preliminar informações dissonantes desta imagem inicial são não apenas menosprezadas como diria a teoria da dissonância mas frequentemente sequer percebidas O quadro mental é agravado pelo chamado efeito aliança onde o juiz tendencialmente se orienta pela avaliação realizada pelo promotor O juiz vê não no advogado criminalista mas apenas no promotor a pessoa relevante que lhe serve de padrão de orientação Inclusive aponta a pesquisa o efeito atenção diminui drasticamente tão logo o juiz termine sua inquirição e a defesa inicie suas perguntas a ponto de serem completamente desprezadas na sentença as respostas dadas pelas testemunhas às perguntas do advogado de defesa Tudo isso acaba por constituir um caldo cultural onde o princípio do in dubio pro reo acaba sendo virado de ponta cabeça na expressão de SCHÜNEMANN pois o advogado vêse incumbido de provar a incorreção da denúncia Entre as conclusões de SCHÜNEMANN encontrase a impactante constatação de que o juiz é um terceiro inconscientemente manipulado pelos autos da investigação preliminar Em suma a é uma ameaça real e grave para a imparcialidade a atuação de ofício do juiz especialmente em relação à gestão e iniciativa da prova ativismo probatório do juiz e à decretação de ofício de medidas restritivas de direitos fundamentais prisões cautelares busca e apreensão quebra de sigilo telefônico etc tanto na fase préprocessual como na processual referente à imparcialidade nenhuma diferença existe com relação a qual momento ocorra b é uma ameaça real e grave para a imparcialidade o fato de o mesmo juiz receber a acusação e depois instruir e julgar o feito c precisamos da figura do juiz das garantias que não se confunde com o juizado de instrução sendo responsável pelas decisões acerca de medidas restritivas de direitos fundamentais requeridas pelo investigador polícia ou MP e que ao final recebe ou rejeita a denúncia d é imprescindível a exclusão física dos autos do inquérito permanecendo apenas as provas cautelares ou técnicas irrepetíveis para evitar a contaminação e o efeito perseverança como finalmente consagrado no art 3ºC 3º do CPP infelizmente suspenso pela decisão do Min FUX anteriormente referida Considerando a complexidade do processo e de termos obviamente um juiznomundo devese buscar medidas de redução de danos que diminuam a permeabilidade inquisitória e os riscos para a imparcialidade e a estrutura acusatória constitucionalmente demarcada 13 O Direito de Ser Julgado em um Prazo Razoável art 5º LXXVIII da CF o Tempo como Pena e a DeMora Jurisdicional 131 Introdução Necessária Recordando o Rompimento do Paradigma Newtoniano O tempo mereceria ainda que a título de introdução uma obra que o tivesse como único objeto Nossa intenção nos estreitos limites do presente trabalho é fazer um pequeno recorte dessa ampla temática55 Num proposital salto histórico recordemos que para NEWTON o universo era previsível um autômato representado pela figura do relógio Era a ideia do tempo absoluto e universal independente do objeto e de seu observador eis que considerado igual para todos e em todos os lugares Existia um tempo cósmico em que Deus era o grande relojoeiro do universo Tratavase de uma visão determinista com a noção de um tempo linear pois para conhecermos o futuro bastava dominar o presente Com EINSTEIN e a Teoria da Relatividade56 operase uma ruptura completa dessa racionalidade com o tempo sendo visto como algo relativo variável conforme a posição e o deslocamento do observador pois ao lado do tempo objetivo está o tempo subjetivo Sepultouse de vez qualquer resquício dos juízos de certeza ou verdades absolutas pois tudo é relativo a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre outra coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador A percepção do tempo é completamente distinta para cada um de nós A verdade absoluta somente poderia ser determinada pela soma de todas as observações relativas57 HAWKING58 explica que EINSTEIN derrubou os paradigmas da época o repouso absoluto conforme as experiências com o éter e o tempo absoluto ou universal que todos os relógios mediriam Tudo era relativo não havendo portanto um padrão a ser seguido Outra demonstração importante é o chamado paradoxo dos gêmeos em que um dos gêmeos a parte em uma viagem espacial próximo à velocidade da luz enquanto seu irmão b permanece na Terra em virtude do movimento do gêmeo a o tempo flui mais devagar na espaçonave Assim ao retornar do espaço o viajante a descobrirá que seu irmão b envelheceu mais do que ele Como explica HAWKING59 embora isso pareça contrariar o senso comum várias experiências indicam que nesse cenário o gêmeo viajante realmente voltaria mais jovem O tempo é relativo à posição e velocidade do observador mas também a determinados estados mentais do sujeito como exterioriza EINSTEIN60 na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita durante uma hora tem a impressão de que passou apenas um minuto Deixeo sentarse sobre um fogão quente durante um minuto somente e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora Isso é relatividade Até EINSTEIN consideravamse apenas as três dimensões espaciais de altura largura e comprimento pois o tempo era imóvel Quando se verificou que o tempo se move no espaço surge a quarta dimensão o espaçotempo NORBERTO ELIAS61 considera como a dimensão social do tempo em que o relógio é uma construção do homem a partir de uma convenção de uma medida adotada Isso está tão arraigado que não imaginamos que o tempo exista independentemente do homem Sem embargo o paradoxo do tempo é o fato de o relógio marcar 2h ontem e hoje novamente quando na verdade as duas horas de ontem jamais se repetirão ou serão iguais às 2h de hoje Na perspectiva da relatividade podemos falar em tempo objetivo e subjetivo mas principalmente de uma percepção do tempo e de sua dinâmica de forma completamente diversa para cada observador Como dito anteriormente vivemos numa sociedade regida pelo tempo em que a velocidade é a alavanca do mundo contemporâneo VIRILIO Desnecessária maior explanação em torno da regência de nossas vidas pelo tempo principalmente nas sociedades contemporâneas dominadas pela aceleração e a lógica do tempo curto Vivemos a angústia do presenteísmo buscando expandir ao máximo esse fragmento de tempo que chamamos de presente espremido entre um passado que não existe uma vez que já não é um futuro contingente que ainda não é e que por isso também não existe Nessa incessante corrida o tempo rege nossa vida pessoal profissional e como não poderia deixar de ser o próprio direito No que se refere ao Direito Penal o tempo é fundante de sua estrutura na medida em que tanto cria como mata o direito prescrição podendo sintetizarse essa relação na constatação de que a pena é tempo e o tempo é pena62 Punese através da quantidade de tempo e permitese que o tempo substitua a pena No primeiro caso é o tempo do castigo no segundo o tempo do perdão e da prescrição Como identificou MESSUTI63 os muros da prisão não marcam apenas a ruptura no espaço senão também uma ruptura do tempo O tempo mais que o espaço é o verdadeiro significante da pena Sem embargo gravíssimo paradoxo surge quando nos deparamos com a inexistência de um tempo absoluto tanto sob o ponto de vista físico como também social ou subjetivo frente à concepção jurídica de tempo O Direito não reconhece a relatividade ou mesmo o tempo subjetivo e como define PASTOR64 o jurista parte do reconhecimento do tempo enquanto realidade que pode ser fracionado e medido com exatidão sendo absoluto e uniforme O Direito só reconhece o tempo do calendário e do relógio juridicamente objetivado e definitivo E mais para o Direito é possível acelerar e retroceder a flecha do tempo a partir de suas alquimias do estilo antecipação de tutela e reversão dos efeitos em manifesta oposição às mais elementares leis da física No Direito Penal em que pese as discussões em torno das teorias justificadoras da pena o certo é que a pena mantém o significado de tempo fixo de aflição de retribuição temporal pelo mal causado Sem dúvida que esse intercâmbio negativo na expressão de MOSCONI65 é fator legitimante e de aceitabilidade da pena ante a opinião pública O contraste é evidente a pena de prisão está fundada num tempo fixo66 de retribuição de duração da aflição ao passo que o tempo social é extremamente fluido podendo se contrair ou se fragmentar e está sempre fugindo de definições rígidas Interessanos agora abordar o choque entre o tempo absoluto do direito e o tempo subjetivo do réu especialmente no que se refere ao direito de ser julgado num prazo razoável e à demora judicial enquanto grave consequência da inobservância desse direito fundamental 132 Tempo e Penas Processuais A concepção de poder passa hoje pela temporalidade na medida em que o verdadeiro detentor do poder é aquele que está em condições de impor aos demais o seu ritmo a sua dinâmica a sua própria temporalidade Como já explicamos em outra oportunidade o Direito Penal e o processo penal são provas inequívocas de que o EstadoPenitência usando a expressão de LOÏC WACQUANT já tomou ao longo da história o corpo e a vida os bens e a dignidade do homem Agora não havendo mais nada a retirar apossase do tempo67 Como veremos quando a duração de um processo supera o limite da duração razoável novamente o Estado se apossa ilegalmente do tempo do particular de forma dolorosa e irreversível E esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão cautelar pois o processo em si mesmo é uma pena Já advertimos do grave problema que constitui o atropelo das garantias fundamentais pelas equivocadas políticas de aceleração do tempo do direito Agora interessanos o difícil equilíbrio entre os dois extremos de um lado o processo demasiadamente expedito em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais e de outro aquele que se arrasta equiparandose à negação da tutela da justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais ínsitas ao processo penal Mas a questão da dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o imputado está solto pois ele pode estar livre do cárcere mas não do estigma e da angústia É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma série de direitos fundamentais para além da liberdade de locomoção pois autoriza restrições sobre a livre disposição de bens a privacidade das comunicações a inviolabilidade do domicílio e a própria dignidade do réu O caráter punitivo está calcado no tempo de submissão ao constrangimento estatal e não apenas na questão espacial de estar intramuros Com razão MESSUTI68 quando afirma que não é apenas a separação física que define a prisão pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço senão também uma ruptura do tempo A marca essencial da pena em sentido amplo é por quanto tempo Isso porque o tempo mais que o espaço é o verdadeiro significante da pena O processo penal encerra em si uma pena la pena de banquillo69 ou conjunto de penas se preferirem que mesmo possuindo natureza diversa da prisão cautelar inegavelmente cobram seu preço e sofrem um sobrecusto inflacionário proporcional à duração do processo Em ambas as situações com prisão cautelar ou sem ela a dilação indevida deve ser reconhecida ainda que os critérios utilizados para aferila sejam diferentes na medida em que havendo prisão cautelar a urgência se impõe a partir da noção de tempo subjetivo A primeira garantia que cai por terra é a da Jurisdicionalidade insculpida na máxima latina do nulla poena nulla culpa sine iudicio Isso porque o processo se transforma em pena prévia à sentença através da estigmatização70 da angústia prolongada71 da restrição de bens e em muitos casos através de verdadeiras penas privativas de liberdade aplicadas antecipadamente prisões cautelares É o que CARNELUTTI72 define como a misure di sofferenza spirituale ou di umiliazione O mais grave é que o custo da penaprocesso não é meramente econômico mas social e psicológico Na continuação é fulminada a Presunção de Inocência pois a demora e o prolongamento excessivo do processo penal vão paulatinamente sepultando a credibilidade em torno da versão do acusado Existe uma relação inversa e proporcional entre a estigmatização e a presunção de inocência na medida em que o tempo implementa aquela e enfraquece esta O direito de defesa e o próprio contraditório também são afetados na medida em que a prolongação excessiva do processo gera graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual bem como implica um sobrecusto financeiro para o acusado não apenas com os gastos em honorários advocatícios mas também pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social Não há que olvidar a eventual indisponibilidade patrimonial do réu que por si só é gravíssima mas que se for conjugada com uma prisão cautelar conduz à inexorável bancarrota do imputado e de seus familiares A prisão mesmo cautelar não apenas gera pobreza senão que a exporta a ponto de a intranscendência da pena não passar de romantismo do Direito Penal A lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporção em que o processo penal se dilata indevidamente 133 A DeMora Jurisdicional e o Direito a um Processo sem Dilações Indevidas73 BECCARIA74 a seu tempo já afirmava com acerto que o processo deve ser conduzido sem protelações Demonstrava a preocupação com a demora judicial afirmando que quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito mais justa e útil ela será Mais justa porque poupará o acusado do cruel tormento da incerteza da própria demora do processo enquanto pena Explica que a rapidez do julgamento é justa ainda porque a perda da liberdade em sede de medida cautelar já é uma pena E enquanto pena sem sentença deve limitarse pela estrita medida que a necessidade o exigir75 pois segundo o autor76 um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo e os mais antigos detidos têm o direito de ser julgados em primeiro lugar Cunhamos a expressão demora jurisdicional porque ela nos remete ao próprio conceito em sentido amplo da mora na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional Daí por que nos parece adequada a construção demora judicial no sentido de não cumprimento de uma obrigação claramente definida que é a da própria prestação da tutela jurisdicional devida Cumpre agora analisar os contornos e os problemas que rodeiam o direito de ser julgado num prazo razoável ou a um processo sem dilações indevidas 134 A Recepção pelo Direito Brasileiro A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da Administração da Justiça Contudo como aponta PASTOR77 somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental foi objeto de uma preocupação mais intensa Isso coincidiu com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 10121948 especialmente no art 10 que foi fonte direta tanto do art 61 da Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais CEDH como também dos arts 75 e 81 da CADH Quanto à recepção pelo direito brasileiro cumpre sublinhar que esse direito fundamental já estava expressamente assegurado nos arts 75 e 81 da CADH78 recepcionados pelo art 5º 2º da Constituição A Emenda Constitucional n 45 de 8 de dezembro de 2004 não inovou em nada com a inclusão do inciso LXXVIII no art 5º da Constituição apenas seguiu a mesma diretriz protetora da CADH com a seguinte redação LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação 135 A Problemática Definição dos Critérios a Doutrina do Não Prazo ou a Ineficácia de Prazos sem Sanção Tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos como a Constituição não fixaram prazos máximos para a duração dos processos e tampouco delegaram para que lei ordinária regulamentasse a matéria Adotou o sistema brasileiro a chamada doutrina do não prazo persistindo numa sistemática ultrapassada e que a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem há décadas debatendo O fato de o Código de Processo Penal fazer referência a diversos limites de duração dos atos vg arts 400 412 531 etc não retira a crítica posto que são prazos despidos de sanção Ou seja aplicase aqui a equação prazosanção ineficácia Portanto quando falamos em não prazo significa dizer ausência de prazos processuais com uma sanção pelo descumprimento Dessa forma a indeterminação conceitual do art 5º LXXVIII da Constituição nos conduzirá pelo mesmo tortuoso caminho da jurisprudência do TEDH e da CIDH sendo importante explicar essa evolução para melhor compreensão da questão Foi no caso Wemhoff79 STEDH de 27061968 que se deu o primeiro passo na direção da definição de certos critérios para a valoração da duração indevida através do que se convencionou chamar de doutrina dos sete critérios Para valorar a situação a Comissão sugeriu que a razoabilidade da prisão cautelar e consequente dilação indevida do processo fosse aferida considerandose a a duração da prisão cautelar b a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação c os efeitos pessoais que o imputado sofreu tanto de ordem material como moral ou outros d a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo e as dificuldades para a investigação do caso complexidade dos fatos quantidade de testemunhas e réus dificuldades probatórias etc f a maneira como a investigação foi conduzida g a conduta das autoridades judiciais Mas a doutrina dos sete critérios não restou expressamente acolhida pelo TEDH como referencial decisivo mas tampouco foi completamente descartada tendo sido utilizada pela Corte em diversos casos posteriores e servido de inspiração para um referencial mais enxuto a teoria dos três critérios básicos a saber a a complexidade do caso b a atividade processual do interessado imputado c a conduta das autoridades judiciárias Esses três critérios têm sido sistematicamente invocados tanto pelo TEDH como também pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Ainda que mais delimitados não são menos discricionários O ideal seria a clara fixação da duração máxima do processo e da prisão cautelar impondo uma sanção em caso de descumprimento extinção do processo ou liberdade automática do imputado Para falarse em dilação indevida é necessário que o ordenamento jurídico interno defina limites ordinários para os processos um referencial do que seja a dilação devida ou o estándar medio admisible para proscribir dilaciones más allá de él80 Mas não foi essa a opção ao menos por ora do legislador brasileiro cabendo a análise da demora processual ser feita à luz dos critérios anteriormente analisados e acrescido do princípio da razoabilidade O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade81 é critério inafastável na ponderação dos bens jurídicos em questão A questão pode ser ainda abordada desde uma interpretação gramatical como o faz GIMENO SENDRA82 em que deverá haver em primeiro lugar uma dilação e em segundo lugar que essa dilação seja indevida Por dilação entendese a demora o adiamento a postergação em relação aos prazos e termos inicialfinal previamente estabelecidos em lei sempre recordando o dever de impulso oficial atribuído ao órgão jurisdicional o que não se confunde com poderes instrutóriosinquisitórios Incumbe às partes o interesse de impulsionar o feito enquanto carga no sentido empregado por James Goldschmidt e um dever jurisdicional em relação ao juiz Já o adjetivo indevida que acompanha o substantivo dilação constitui o ponto nevrálgico da questão pois a simples dilação não constitui o problema em si eis que pode estar legitimada Para ser indevida devese buscar o referencial devida enquanto marco de legitimação verdadeiro divisor de águas para isso é imprescindível um limite normativo conforme tratado na continuação GIMENO SENDRA83 aponta que a dilação indevida corresponde à mera inatividade dolosa negligente ou fortuita do órgão jurisdicional Não constitui causa de justificação a sobrecarga de trabalho do órgão jurisdicional pois é inadmissível transformar em devido o indevido funcionamento da Justiça Como afirma o autor lo que no puede suceder es que lo normal sea el funcionamiento anormal de la justicia pues los Estados han de procurar los medios necesarios a sus tribunales a fin de que los procesos transcurran en un plazo razonable SSTEDH Bucholz cit Eckle S 15 julio 1982 ZimmermanSteiner S 13 julio 1983 DCE 798477 11 julio SSTC 2231988 371991 Em síntese o art 5º LXXVIII da Constituição recepcionou o direito ao processo penal no prazo razoável mas infelizmente a legislação ordinária com meritórias exceções em geral não fixou prazos com sanção acolhendo assim a doutrina do não prazo fazendo com que exista uma indefinição de critérios e conceitos Nessa vagueza cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos tribunais brasileiros a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CIDH complexidade do caso atividade processual do interessado imputado que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria demora a conduta das autoridades judiciárias como um todo polícia Ministério Público juízes servidores etc princípio da razoabilidade Ainda não é o modelo mais adequado mas enquanto não se tem claros limites temporais por parte da legislação interna já representa uma grande evolução 136 Nulla Coactio sine Lege a Urgente Necessidade de Estabelecer Limites Normativos Assim como o Direito Penal está estritamente limitado pelo princípio da legalidade e o procedimento pelas diversas normas que o regulam também a duração dos processos deve ser objeto de regulamentação normativa clara e bem definida No Brasil a situação é gravíssima Não existe limite algum para a duração do processo penal não se confunda isso com prescrição84 e o que é mais grave nem sequer existe limite de duração das prisões cautelares especialmente a prisão preventiva mais abrangente de todas O CPP prevê vários prazos procedimentais mas sem sanção a no rito comum ordinário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 60 dias art 399 2º cc art 400 b no rito comum sumário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de 30 dias art 399 2º cc art 531 c no rito relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri a primeira fase do procedimento deve encerrarse no prazo máximo de 90 dias art 412 Contudo persistem duas graves lacunas não existe a definição do prazo máximo de duração do processo até a sentença de primeiro grau e depois até o trânsito em julgado não existe uma sanção processual pela violação do prazo fixado em lei Assim se a instrução não for realizada no prazo fixado qual é a sanção aplicável Nenhuma Portanto estamos diante de prazo sem sanção o que conduz a ineficácia do direito fundamental Noutra dimensão persiste a completa ausência de fixação do prazo máximo de duração da prisão cautelar especialmente a prisão preventiva pois a temporária está tem sua duração fixada na Lei n 796089 Essa é outra lacuna inadmissível Deveria o legislador estabelecer de forma clara os limites temporais das prisões cautelares e do processo penal como um todo a partir dos quais a segregação é ilegal Felizmente a Lei n 139642019 introduziu duas medidas da maior importância no que se refere ao prazo das medidas cautelares a determinou que o juiz da instrução em até 10 dias após o recebimento dos autos do juiz das garantias reexamine as medidas cautelares dispositivo infelizmente suspenso pela decisão do Min FUX já referida b consagrou o dever de revisar periodicamente a prisão preventiva a cada 90 dias art 316 único mediante decisão fundamentada de ofício sob pena de tornar a prisão ilegal eis um exemplo importante de prazo com sanção85 O dever de revisar periodicamente a medida é crucial para verificar se a prisão ainda é realmente necessária atualidade do periculum libertatis e também para evitar uma triste realidade a dos juízes que simplesmente esquecem do réu preso recordando o suplício narrado por BECCARIA86 Cuál contraste más cruel que la indolencia de un juez y las angustias de un reo Las comodidades y placeres de un magistrado insensible de una parte y de otra las lágrimas y la suciedad de un encarcelado Um bom exemplo de limite normativo interno encontramos no Código de Processo Penal do Paraguai Ley n 128698 que em sintonia com a CADH estabelece importantes instrumentos de controle para evitar a dilação indevida Segundo o art 136 do CPP paraguaio o prazo máximo de duração do processo penal será de 4 anos após o qual o juiz o declarará extinto adoção de uma solução processual extintiva Também fixa um limite para a fase pré processual art 139 a investigação preliminar que uma vez superado impedirá o futuro exercício da ação penal pela perda do poder de proceder contra alguém ius ut procedatur Por fim cumpre destacar a resolução ficta insculpida nos arts 141 e 142 do CPP paraguaio através da qual em síntese se um recurso contra uma prisão cautelar não for julgado no prazo fixado no Código o imputado poderá exigir que o despacho seja proferido em 24h Caso não o seja se entenderá que lhe foi concedida a liberdade Igual sistemática resolutiva operase quando a Corte Suprema não julgar um recurso interposto no prazo devido Se o recorrente for o imputado uma vez superado o prazo máximo previsto para tramitação do recurso sem que a Corte tenha proferido uma decisão entenderseá que o pedido foi provido Quando o postulado for desfavorável ao imputado recurso interposto pelo acusador superado o prazo sem julgamento o recurso será automaticamente rechaçado Definida assim a necessidade de um referencial normativo claro da duração máxima do processo penal e das prisões cautelares bem como das soluções adotadas em caso de violação desses limites 137 A Condenação do Brasil no Caso Ximenes Lopes Em 1º de outubro de 1999 o senhor DAMIÃO XIMENES LOPES que já apresentava um histórico de doença mental teve uma crise e foi internado na Casa de Repouso de Guararapes município de Sobral estado do Ceará que mantinha leitos para atender pelo SUS Em 3 de outubro em surto de agressividade teria entrado em um dos banheiros da clínica e de lá se recusado a sair tendo os funcionários da clínica o imobilizado e o retirado à força A vítima foi espancada e sedada com os medicamentos Haldol e Fenargan No dia seguinte 4 de outubro às 9h sua mãe foi visitálo e o encontrou sangrando com diversas lesões e hematomas a roupa rasgada sujo de fezes e com as mãos amarradas nas costas Segundo seu depoimento a vítima apresentava dificuldades para respirar e agonizava pedindo que chamasse a polícia Ela então saiu para buscar ajuda entre os enfermeiros e médicos da clínica Às 11h30min daquele mesmo dia Damião Ximenes Lopes estava morto Segundo narra a sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos os médicos da clínica atestaram que houve morte natural por parada cardiorrespiratória A necropsia foi extremamente falha tendo concluído que a causa da morte foi indeterminada Detalhe interessante como destaca a sentença é que o mesmo médico da clínica também atuava no IML Instituto Médico Legal onde foi feita a necropsia ainda que firmada por outro médico Muito tempo depois já no processo foi realizada a exumação do cadáver mas pouco foi apurado Nos dias posteriores ao ocorrido a família especialmente a irmã da vítima Irene Ximenes Lopes Miranda inconformada com o ocorrido fez notíciacrime junto à autoridade policial denúncia na Secretaria da Saúde e também na Comissão de Direitos Humanos do Ceará O inquérito policial foi instaurado e em 27 de março de 2000 oferecida denúncia pelo Ministério Público O processo foi extremamente tumultuado e censurada pela Corte Interamericana a forma como foi conduzido A denúncia foi incompleta obrigando a que houvesse posterior aditamento para inclusão de mais réus gerando inegável tumulto processual como apontou a Comissão Incrivelmente até o dia 4 de julho de 2006 quando o Brasil foi condenado na Corte Interamericana não havia sequer sentença de primeiro grau na esfera penal No cível a ação de indenização ajuizada pela família da vítima em 1999 também não havia sido sentenciada Logo após o fato a irmã da vítima percebendo a ineficácia da justiça brasileira apresentou uma petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos87 contra o Brasil através de uma ONG Centro por la Justicia Global O feito tramitou na Comissão etapa prévia ao processo na Corte e foi solicitado ao Estado brasileiro que informasse se foram esgotados os recursos e as vias judiciárias internas O Brasil ignorou o pedido Foram colocados instrumentos para solução amistosa e o Brasil não se manifestou Finalmente a Comissão entendeu a partir dos documentos juntados pela peticionária que haviam sido violados os arts 4º direito à vida 5º direito à integridade física 8º direito às garantias judiciais e 25 direito à proteção judicial da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica A Comissão recomendou ao Estado brasileiro uma série de medidas para sanar essas violações e fixou o prazo de 2 meses para que o país informasse as medidas tomadas Só então o país se manifestou postulando prorrogação desse prazo e após de forma absolutamente intempestiva contestou Diante das graves violações praticadas e a inércia do País em 30 de setembro de 2004 a Comissão decidiu submeter o caso à Corte Interamericana e no dia 4 de julho de 2006 o País foi condenado por violação do direito a vida integridade física e negação de jurisdição pela demora violação do direito de ser julgado no prazo razoável Interessanos neste tópico destacar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos também considerou que houve uma injustificada demora na prestação da tutela penal e cível Para tanto a Corte analisou três elementos em absoluta sintonia com os critérios por nós apontados complexidade do caso atuação do Estado atuação processual dos interessados Censurando a indevida dilação que o processo penal teve no caso em tela a Corte proferiu a primeira sentença condenatória por violação do disposto no art 81 da Convenção e também consagrado no art 5º LXXVIII da Constituição brasileira Em que pese não se tratar de uma demanda por violação exclusiva desse direito e tampouco ter como reclamante o réu mas sim a família da vítima a condenação é um marco histórico na matéria Sinaliza ainda os critérios para aferirse a violação do direito ao processo penal no prazo razoável Ao final o Brasil foi condenado a pagar88 a 125 mil dólares a título de compensação financeira à família b mais 10 mil dólares a título de ressarcimento das despesas processuais c o País deverá pagar esses valores no prazo máximo de 1 ano a contar da data da intimação da sentença d sobre esse valor não podem incidir impostos de qualquer natureza e em caso de atraso incidem juros moratórios bancários Em até 1 ano o Brasil deverá informar os pagamentos e cumprimento das demais determinações da sentença Ainda no prazo de 6 meses deverá publicar no Diário Oficial e em outro jornal de circulação nacional o capítulo VII da sentença relativo aos fatos provados da sentença e a parte dispositiva Mesmo que o valor da indenização seja baixo para quem recebe os familiares da vítima e irrisório para o país condenado a sentença é de um valor imensurável em termos de conquista de eficácia dos direitos humanos e fundamentais constitucionalmente previstos como o direito de ser julgado no prazo razoável 138 Em Busca de Soluções Compensatórias Processuais e Sancionatórias Reconhecida a violação do direito a um processo sem dilações indevidas devese buscar uma das seguintes soluções89 1 Soluções Compensatórias na esfera do Direito Internacional podese cogitar de uma responsabilidade por ilícito legislativo pela omissão em dispor da questão quando já reconhecida a necessária atividade legislativa na CADH que está incorporada ao sistema normativo interno Noutra dimensão a compensação poderá ser de natureza civil ou penal Na esfera civil resolvese com a indenização dos danos materiais eou morais produzidos devidos ainda que não tenha ocorrido prisão preventiva Existe uma imensa e injustificada resistência em reconhecer a ocorrência de danos e o dever de indenizar pela mera submissão a um processo penal sem prisão cautelar e que deve ser superada Já a compensação penal poderá ser através da atenuação da pena ao final aplicada aplicação da atenuante inominada art 66 do CP ou mesmo concessão de perdão judicial nos casos em que é possível vg art 121 5º art 129 8º do CP Nesse caso a dilação excessiva do processo penal uma consequência da infração atingiu o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária Havendo prisão cautelar a detração art 42 do CP é uma forma de compensação ainda que insuficiente 2 Soluções Processuais a melhor solução é a extinção do feito mas encontra ainda sérias resistências90 Ao lado dele alguns países preveem o arquivamento vedada nova acusação pelo mesmo fato ou a declaração de nulidade dos atos praticados após o marco de duração legítima91 Como afirmado no início a extinção do feito é a solução mais adequada em termos processuais na medida em que reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado o processo deve findar Sua continuação além do prazo razoável não é mais legítima e vulnera o Princípio da Legalidade fundante do Estado de Direito que exige limites precisos absolutos e categóricos incluindose o limite temporal ao exercício do poder penal estatal Também existe uma grande resistência em compreender que a instrumentalidade do processo é toda voltada para impedir uma pena sem o devido processo mas esse nível de exigência não existe quando se trata de não aplicar pena alguma Logo para não aplicar uma pena o Estado pode prescindir completamente do instrumento absolvendo desde logo o imputado sem que o processo tenha que tramitar integralmente Finalizando também são apontados como soluções processuais possibilidade de suspensão da execução ou dispensabilidade da pena indulto e comutação 3 Soluções Sancionatórias punição do servidor incluindo juízes promotores etc responsável pela dilação indevida Isso exige ainda uma incursão pelo Direito Administrativo Civil e Penal se constituir um delito A Emenda Constitucional n 45 além de recepcionar o direito de ser julgado em um prazo razoável também previu a possibilidade de uma sanção administrativa para o juiz que der causa à demora A nova redação do art 93 II e determina que e não será promovido o juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal não podendo devolvêlos ao cartório sem o devido despacho ou decisão Cumpre agora esperar para ver se a sanção ficará apenas nessa dimensão simbólica ou se os tribunais efetivamente aplicarão a sanção Na atual sistemática brasileira não vemos dificuldade na aplicação das soluções compensatórias de natureza cível devidas ainda que não exista prisão cautelar bem como das sancionatórias A valoração das consequências da dilação indevida pode ser considerada quando da quantificação da medida reparatória contudo é importante destacar que a responsabilidade estatal independe dos efeitos causados pela dilação Na esfera penal não compreendemos a timidez em aplicar a atenuante genérica do art 66 do CP Assumido o caráter punitivo do tempo não resta outra coisa ao juiz que além da elementar detração em caso de prisão cautelar compensar a demora reduzindo a pena aplicada pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo Para tanto formalmente deverá lançar mão da atenuante genérica do art 66 do Código Penal É assumir o tempo do processo enquanto pena e que portanto deverá ser compensado na pena de prisão ao final aplicada Ainda que o campo de incidência seja limitado não vislumbramos nenhum inconveniente na concessão do perdão judicial nos casos em que é possível vg art 121 5º art 129 8º do CP pois a dilação excessiva do processo penal é uma consequência da infração que atinge o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária As soluções compensatórias são meramente paliativas uma falsa compensação não só por sua pouca eficácia limites para atenuação mas também porque representam um retoque cosmético como define PASTOR92 sobre uma pena inválida e ilegítima eis que obtida através de um instrumento processo viciado Ademais a atenuação da pena é completamente ineficiente quando o réu for absolvido ou a pena processual exceder o suplício penal Nesse caso o máximo que se poderá obter é uma paliativa e quase sempre tímida indenização Em relação à indenização pela demora evidenciase o paradoxo de obrigar alguém a cumprir uma pena considerada legítima e conforme o Direito e ao mesmo tempo gerar uma indenização pela demora do processo que impôs essa pena processo esse em consequência ilegítimo e ilegal Quanto às soluções processuais o problema é ainda mais grave O sistema processual penal brasileiro está completamente engessado e inadequado para atender às diretrizes da CADH Não dispõe de instrumentos necessários para efetivar a garantia do direito a um processo sem dilações indevidas Sequer possui um prazo máximo de duração das prisões cautelares O ideal seria uma boa dose de coragem legislativa para prever claramente o prazo máximo de duração do processo e das prisões cautelares fixando condições resolutivas pelo descumprimento Na fase de investigação preliminar devese prever a impossibilidade de exercício da ação penal após superado o limite temporal ou no mínimo fixar a pena de inutilidade para os atos praticados após o prazo razoável Outra questão de suma relevância brota da análise do Caso Metzger da lúcida interpretação do TEDH no sentido de que o reconhecimento da culpabilidade do acusado através da sentença condenatória não justifica a duração excessiva do processo É um importante alerta frente à equivocada tendência de considerar que qualquer abuso ou excesso está justificado pela sentença condenatória ao final proferida como se o fim justificasse os arbitrários meios empregados Desnecessária qualquer argumentação em torno do grave erro desse tipo de premissa mas perigosamente difundida atualmente pelos movimentos repressivistas de lei e ordem tolerância zero etc 139 Concluindo o Difícil Equilíbrio entre a DeMora Jurisdicional e o Atropelo das Garantias Fundamentais Até aqui nos ocupamos do direito de ser julgado num prazo razoável seu fundamento recepção pelo sistema jurídico brasileiro dificuldade no seu reconhecimento e os graves problemas gerados pela demora jurisdicional Dessarte pensamos que a Deve haver um marco normativo interno de duração máxima do processo e da prisão cautelar construído a partir das especificidades do sistema processual de cada país mas tendo como norte um prazo fixado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Com isso os tribunais internacionais deveriam abandonar a doutrina do não prazo deixando de lado os axiomas abertos para buscar uma clara definição de prazo razoável ainda que admitisse certo grau de flexibilidade atendendo às peculiaridades do caso Inadmissível é a total abertura conceitual que permite ampla manipulação dos critérios b São insuficientes as soluções compensatórias reparação dos danos e atenuação da pena sequer aplicada pela imensa maioria de juízes e tribunais brasileiros pois produz pouco ou nenhum efeito inibitório da arbitrariedade estatal É necessário que o reconhecimento da dilação indevida também produza a extinção do feito enquanto inafastável consequência processual O poder estatal de perseguir e punir deve ser estritamente limitado pela Legalidade e isso também inclui o respeito a certas condições temporais máximas Entre as regras do jogo também se inclui a limitação temporal para exercício legítimo do poder de perseguir e punir Tão ilegítima como é a admissão de uma prova ilícita para fundamentar uma sentença condenatória é reconhecer que um processo viola o direito de ser julgado num prazo razoável e ainda assim permitir que ele prossiga e produza efeitos É como querer extrair efeitos legítimos de um instrumento ilegítimo voltando à absurda máxima de que os fins justificam os meios c O processo penal deve ser agilizado Insistimos na necessidade de acelerar o tempo do processo mas desde a perspectiva de quem o sofre enquanto forma de abreviar o tempo de duração da penaprocesso Não se trata da aceleração utilitarista como tem sido feito através da mera supressão de atos e atropelo de garantias processuais ou mesmo a completa supressão de uma jurisdição de qualidade como ocorre na justiça negociada senão de acelerar através da diminuição da demora judicial com caráter punitivo É diminuição de tempo burocrático verdadeiros tempos mortos através da inserção de tecnologia e otimização de atos cartorários e mesmo judiciais Uma reordenação racional do sistema recursal dos diversos procedimentos que o CPP e leis esparsas absurdamente contemplam e ainda na esfera material um repensar os limites e os fins do próprio Direito Penal absurdamente maximizado e inchado Tratase de reler a aceleração não mais pela perspectiva utilitarista mas sim pelo viés garantista o que não constitui nenhum paradoxo Em suma um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro é o direito de ser julgado num prazo razoável num processo sem dilações indevidas mas também sem atropelos Não estamos aqui buscando soluções ou definições cartesianas em torno de tão complexa temática senão dando um primeiro e importante passo em direção à solução de um grave problema e isso passa pelo necessário reconhecimento desse jovem direito fundamental 2 Princípio Acusatório Separação de Funções e Iniciativa Probatória das Partes A Imparcialidade do Julgador Para compreensão dessa garantia é imprescindível a leitura dos capítulos anteriores quando tratamos dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório e Acusatório Partindo dos conceitos lá definidos cumpre agora destacar alguns aspectos Inicialmente não prevê nossa Constituição expressamente a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório Contudo nenhuma dúvida temos da sua consagração que não decorre da lei mas da interpretação sistemática da Constituição Para tanto basta considerar que o projeto democrático constitucional impõe uma valorização do homem e do valor dignidade da pessoa humana pressupostos básicos do sistema acusatório Recordese que a transição do sistema inquisitório para o acusatório é antes de tudo uma transição de um sistema político autoritário para o modelo democrático Logo democracia e sistema acusatório compartilham uma mesma base epistemológica Para além disso possui ainda nossa Constituição uma série de regras que desenha um modelo acusatório como por exemplo titularidade exclusiva da ação penal pública por parte do Ministério Público art 129 I contraditório e ampla defesa art 5º LV devido processo legal art 5º LIV presunção de inocência art 5º LVII exigência de publicidade e fundamentação das decisões judiciais art 93 IX Essas são algumas regras inerentes ao sistema acusatório praticamente inconciliáveis com o inquisitório que dão os contornos do modelo acusatório constitucional Compreendese assim que o modelo constitucional é acusatório em contraste com o CPP que é nitidamente inquisitório O problema situase agora em verificar a falta de conformidade entre a sistemática prevista no Código de Processo Penal de 1941 e aquela da Constituição levando a que afirmemos desde já que todos os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e devem ser rechaçados ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºA Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o artigo 3ªA está suspenso Assim o processo penal segue com a estrutura inquisitória do CPP em confronto direto com o modelo acusatório desenhado pela Constituição Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade Crucial neste terreno foi a reforma de 2019 através da qual foi inserido no CPP o art 3ºA com a seguinte redação Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação Como já explicamos ao tratar dos sistemas processuais e a repetição parcial aqui é necessária a redação do artigo prevê duas situações 1º veda a atuação do juiz na fase de investigação o que é um acerto proibindo portanto que o juiz atue de ofício para decretar prisões cautelares medidas cautelares reais busca e apreensão quebra de sigilo bancário etc 2º veda na fase processual a substituição pelo juiz da atuação probatória do órgão acusador No primeiro caso não há críticas a redação está coerente com o que se espera do agir de um juiz no marco do sistema acusatório Consagra o juiz das garantias e afasta o juiz inquisidor Nessa perspectiva estão revogados tacitamente diversos artigos do CPP como os arts 156 209 385 etc pois não cabe mais esse agir de ofício na busca de provas por parte do juiz na fase de investigação Obviamente que não basta mudar a lei é preciso mudar a cultura e esse sempre será o maior desafio A segunda parte do artigo veda a substituição da atuação probatória do órgão de acusação Mas afinal o que isso significa A nosso juízo toda e qualquer iniciativa probatória do juiz que determinar a produção de provas de ofício já representa uma substituição da atuação probatória do julgador Considerando que no processo penal a atribuição da carga probatória é inteiramente do acusador pois como já ensinava James Goldschmidt não existe distribuição de carga probatória mas sim a atribuição ao acusador pois a defesa não tem qualquer carga probatória pois marcada pela presunção de inocência qualquer invasão nesse terreno por parte do juiz representa uma substituição da atuação probatória do acusador Ademais esse raciocínio decorre do próprio conceito de sistema acusatório radical separação de funções e iniciativagestão da prova nas mãos das partes ainda que a defesa não tenha carga obviamente pode ter iniciativa probatória mantendo o juiz como espectador e não um juizator figura típica da estrutura inquisitória abandonada Nada impede por elementar que o juiz questione testemunhas após a inquirição das partes para esclarecer algum ponto relevante que não tenha ficado claro na linha do que preconiza o art 212 do CPP que se espera agora seja respeitado ou os peritos arrolados pelas partes Portanto o juiz pode esclarecer algo na mesma linha de indagação aberto pelas partes não podendo inovarampliar com novas perguntas nem muito menos indicar provas de ofício93 Por fim a interpretação prevalecente do artigo 212 do CPP também não poderá mais subsistir porque juiz não pergunta a quem pergunta são as partes b se o juiz pergunta substitui as partes e c o artigo 3ºA proíbe que o juiz substitua a atividade probatória das partes Como dito excepcionalmente poderá perguntar para esclarecer algo que não compreendeu Não mais do que isso Também não se pode admitir o juiz produzindo prova de ofício a título de ajudar a defesa Em um processo acusatório existe um preço a ser pago o juiz deve conformarse com a atividade probatória incompleta das partes Não se lhe autoriza a descer para a arena das partes e produzir de ofício provas nem para colaborar com a acusação nem para auxiliar a defesa Ele não pode é descer na estrutura dialética nem para um lado nem para o outro Dessarte a gestão da prova deve estar nas mãos das partes mais especificamente a carga probatória está inteiramente nas mãos do acusador assegurandose que o juiz não terá iniciativa probatória mantendose assim suprapartes e preservando sua imparcialidade 3 Presunção de Inocência Norma de Tratamento Probatória e de Julgamento A presunção de inocência remonta ao Direito romano escritos de Trajano mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve Era na verdade uma presunção de culpabilidade No Directorium Inquisitorum EYMERICH orientava que o suspeito que tem uma testemunha contra ele é torturado Um boato e um depoimento constituem juntos uma semiprova e isso é suficiente para uma condenação A presunção de inocência e o princípio de jurisdicionalidade foram como explica FERRAJOLI94 finalmente consagrados na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 A despeito disso no fim do século XIX e início do século XX a presunção de inocência voltou a ser atacada pelo verbo totalitário e pelo fascismo a ponto de MANZINI chamála de estranho e absurdo extraído do empirismo francês Como já explicamos em outra oportunidade95 doutrinariamente pela mão de Vincenzo Manzini há um esvaziamento da tutela da inocência no processo penal justamente pela crítica que fora oposta à democracia francesa Como assevera Manzini la pseudo democracia de tipo francés superficial gárrula y confucionista en todo ha cometido también aquí el desacierto de enturbiar los conceptos afirmando que la finalidad del proceso penal es principalmente la de tutelar la inocencia o que ella se asocia a la de la represión de la delincuencia finalidades jurídicas agregando también la intención finalidad política de dar al pueblo la garantía de la exclusión del error y de la arbitrariedad96 E percebese uma inversão muito sutil nos argumentos trazidos a lume por Manzini até mesmo por se tratar de argumentos próprios da escolástica como a distinctio a divisio e a subdivisio Alude Manzini segundo o operar normal das coisas natureza das coisas é de se presumir o fundamento da imputação e a verdade da decisão e não o contrário taxando o processualista de irracional e paradoxal a defesa do princípio da presunção de inocência Manzini se apropria aqui da doutrina de Perego para quem a presunção de inocência surgiu como uma verdadeira atenuação da presunção de culpabilidade implícita na tautologia de que a ação penal nasce do delito97 No mesmo sentido é possível se acrescentar aqui as palavras de Ferrari98 e de Vitali99 Partindo de uma premissa absurda MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade O raciocínio era o seguinte como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência Com base na doutrina de Manzini o próprio Código de Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo Como explica Gustavo BADARÓ100 em parecer que elaboramos em coautoria a presunção de inocência é a primeira e talvez a mais importante forma de analisar este princípio é como garantia política do cidadão A presunção de inocência é antes de tudo um princípio político101 O processo e em particular o processo penal é um microcosmos no qual se refletem a cultura da sociedade e a organização do sistema político102 Não se pode imaginar um Estado de Direito que não adote um processo penal acusatório e como seu consectário necessário a presunção de inocência que é nas palavras de PISANI um presupposto implicito e peculiare del processo accusatorio penale103 O princípio da presunção de inocência é reconhecido atualmente como componente basilar de um modelo processual penal que queira ser respeitador da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana104 Há um valor eminentemente ideológico na presunção de inocência105 Ligase pois à própria finalidade do processo penal um processo necessário para a verificação jurisdicional da ocorrência de um delito e sua autoria106 No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia Define a Constituição Art 5 LVII ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Na Convenção Americana de Direitos Humanos Art 8 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas a direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal b comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa d direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor e direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei f direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos g direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada e h direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior Podemos extrair da presunção de inocência107 que a formação do conven cimento do juiz deve ser construído em contraditório Fazzalari orientando se o processo portanto pela estrutura acusatória que impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento rechaço à figura do juiz inquisidor com poderes investigatóriosinstrutórios e consagração do juiz de garantias ou garantidor A partir da análise constitucional e também do art 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão108 de 1789 VEGAS TORRES109 aponta para as três principais manifestações não excludentes mas sim integradoras da presunção de inocência a É um princípio fundante em torno do qual é construído todo o processo penal liberal estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal b É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal segundo o qual haveria de partirse da ideia de que ele é inocente e portanto deve reduzirse ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo incluindose é claro a fase préprocessual c Finalmente a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz É sua incidência no âmbito probatório vinculando à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação impondose a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada Mas será que podemos afirmar que a Constituição não recepcionou a presunção de inocência Em primeiro lugar afirmar que a Constituição recepcionou apenas a presunção de não culpabilidade é uma concepção reducionista pois seria alinharse ao estágio prépresunção de inocência não recepcionada pela Convenção Americana de Direitos Humanos e tampouco pela base democrática da Constituição A essa altura do estágio civilizatório Constitucional e Democrático como ensina Bueno de Carvalho110 o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum é pressuposto para seguir Eros neste momento histórico da condição humana Não se pode olvidar ainda a expressa recepção no art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos Dessarte o Brasil recepcionou sim a presunção de inocência e como presunção exige uma préocupação como adverte Rui Cunha Martins nesse sentido durante o processo penal um verdadeiro dever imposto ao julgador de preocupação com o imputado uma preocupação de tratálo como inocente Muito importante sublinhar que a presunção constitucional de inocência tem um marco claramente demarcado até o trânsito em julgado Neste ponto nosso texto constitucional supera os diplomas internacionais de direitos humanos e muitas constituições tidas como referência Há uma afirmação explícita e inafastável de que o acusado é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Mas também não é uma construção única basta ler as Constituições italiana e portuguesa que também asseguram até o trânsito em julgado111 E o conceito de trânsito em julgado tem fonte e história e não cabe que seja manejado irrefletidamente Geraldo Prado ou distorcido de forma autoritária e a golpes de decisão Não pode o STF como fez no HC 126292 autorizando a execução antecipada da pena com a devida vênia e máximo respeito reinventar conceitos processuais assentados em literalmente séculos de estudo e discussão bem como em milhares e milhares de páginas de doutrina O STF é o guardião da Constituição não seu dono e tampouco o criador do Direito Processual Penal ou de suas categorias jurídicas Há que se ter consciência disso principalmente em tempos de decisionismo e ampliação dos espaços impróprios da discricionariedade judicial Quando o Brasil foi descoberto em 1500 o mundo já sabia o que era trânsito em julgado É temerário admitir que o STF possa criar um novo conceito de trânsito em julgado numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação Tratase de conceito assentado com fonte e história Mas apenas para esclarecer o fato de a presunção de inocência perdurar até o trânsito em julgado não significa que ninguém possa ser preso antes disso É perfeitamente possível prender em qualquer fase da investigação ou processo e para isso existem as prisões cautelares com seus requisitos fundamentos e princípios que coexistem com a presunção de inocência Também não há que se pactuar com qualquer visão gradualista da presunção de inocência como bem explica Maurício Zanoide de Moraes Essa visão gradualista da presunção de inocência não deixa de esconder um ranço técnicopositivista da presunção de culpa pois sob seu argumento está uma certeza de que ao final a decisão de mérito será condenatória Desconsiderando a importância da cognição dos tribunais crê que a análise do juízo a quo pela condenação prevalecerá e portanto enquanto se espera por um desfecho já esperado mantémse uma pessoa presa provisoriamente112 Mas isso não se confunde com a redução de standard probatório que é admitida como explicamos no tópico específico do capítulo da teoria da prova para onde remetemos o leitor A presunção de inocência irradia sua eficácia em três dimensões constituindo as seguintes normas113 norma de tratamento a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente que atua em duas dimensões interna ao processo e exterior a ele Internamente é a imposição ao juiz de tratar o acusado efetivamente como inocente até que sobrevenha eventual sentença penal condenatória transitada em julgado Isso terá reflexos entre outros no uso excepcional das prisões cautelares como explicaremos no capítulo específico Na dimensão externa ao processo a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização precoce do réu Significa dizer que a presunção de inocência e também as garantias constitucionais da imagem dignidade e privacidade deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência Também na perspectiva de norma de tratamento a presunção de inocência repudia o uso desnecessário de algemas e todas as formas de tratamento análogo ao de culpado para alguém que ainda não foi condenado definitivamente norma probatória no processo penal não existe distribuição de cargas probatórias como no processo civil senão mera atribuição de carga ao acusador James Goldschmidt de modo que a carga da prova é inteiramente do acusador pois se o réu é inocente não precisa provar nada Como adverte ZANOIDE DE MORAES114 a presunção de inocência como norma probatória exige que o material probatório necessário para afastála seja produzido pelo órgão acusador de modo lícito e tenha conteúdo para incriminador No cumprimento de seu ônus probatório a acusação deverá utilizar apenas de provas lícitas e voltadas a demonstrar a culpa do imputado e a materialidade da infração em todos os seus aspectos Esse significado da presunção de inocência é objetivo e antecede por motivos lógicos o seu significado de norma de juízo Não se admite ainda nenhum tipo de inversão de carga probatória sendo censuráveis por violadores da presunção de inocência todos os dispositivos legais neste sentido Mas não basta qualquer prova é preciso que seja lícita buscada produzida e valorada dentro dos padrões constitucionais e legais115 Nessa perspectiva acrescentamos a garantia de ser julgado com base em prova e não meros atos de investigação ou elementos informativos do inquérito Explica ZANOIDE DE MORAES116 que as meras suspeitas opiniões ou convicções do julgador formadas fora do processo ou dos limites de legalidade probatória ou na fase de investigação não podem ser usadas pelo juiz na motivação da sentença sob pena de violação da presunção de inocência como norma probatória Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo em que estudamos o inquérito policial e seu valor probatório pois lá fazemos essa distinção norma de julgamento nessa perspectiva a presunção de inocência é uma norma para o juízo diretamente relacionada à definição e observância do standard probatório atuando no nível de exigência de suficiência probatória para um decreto condenatório Diferese da norma probatória na medida em que atua na perspectiva subjetiva ao passo que as regras probatórias têm natureza objetiva Tratase de uma regra que incide após a norma probatória pois somente poderá ocorrer sobre o material já produzido117 ZANOIDE DE MORAES explica que a presunção de inocência como norma de julgamento exige a concretização do in dubio pro reo e do favor rei enquanto preceitos tradicionais da cultura jurídica vinculados a valores humanitários de igualdade respeito à dignidade da pessoa humana e liberdade que devem ser os critérios axiológicos orientadores de toda e qualquer decisão judicial no âmbito criminal Isso se manifesta na interpretação e aplicação da norma mas também como critério pragmático de resolução da incerteza judicial na clássica expressão de Ferrajoli A presunção de inocência e sua dimensão de norma de julgamento incide não apenas no julgamento em sentido estrito mas ao longo de toda a persecução criminal da fase de inquérito até o trânsito em julgado e inclusive na fase de revisão criminal como explicamos no tópico a ela destinado porque lá também incidem os valores constitucionais que devem estar presentes em qualquer decisão judicial seja interlocutória ou mesmo no julgamento de uma revisão criminal Essencialmente a presunção de inocência enquanto norma de julgamento diz respeito à suficiência probatória e constitui assim o standard probatório Sobre o tema para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo Teoria Geral da Prova no Processo Penal onde tratamos do tema Por fim destacamos que também se reflete na garantia da motivação das decisões judiciais a seguir tratada pois somente através da fundamentação e motivação da decisão é que se pode avaliar se a presunção de inocência foi respeitada especialmente nas dimensões de norma probatória e de julgamento 4 Contraditório e Ampla Defesa 41 Direito ao Contraditório O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade fundandose não mais sobre um juízo potestativo mas sobre o conflito disciplinado e ritualizado entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo O ato de contradizer118 a suposta verdade afirmada na acusação enquanto declaração petitória é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética Por isso está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars pois obriga que a reconstrução da pequena história do delito seja feita com base na versão da acusação vítima mas também com base no alegado pelo sujeito passivo O adágio está atrelado ao direito de audiência no qual o juiz deve conferir a ambas as partes sobre pena de parcialidade Para W GOLDSCHMIDT119 também serve para justificar a face igualitária da justiça pois quien presta audiencia a una parte igual favor debe a la otra O juiz deve dar ouvida a ambas as partes sob pena de parcialidade na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido Con siderando o que dissemos acerca do processo como jogo das chances e estratégias que as partes podem lançar mão legitimamente no processo o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade de fala Ou seja o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte ainda que ela não queira utilizarse de tal faculdade A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional a própria discussão explica GUASP120 não só é um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo senão que se trata de verdadeira exigência de justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir É autêntica prescrição do direito natural dotada de inevitável conteúdo imperativo Talvez seja o princípio de direito natural mais característico entre todos os que fazem referência à Administração da Justiça Contudo contraditório e direito de defesa são distintos pelo menos no plano teórico PELLEGRINI GRINOVER121 explica que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório Por fim não se pode falar em contraditório sem mencionar o pensamento de FAZZALARI já abordado anteriormente no tópico natureza jurídica do processo para quem processo é procedimento em contraditório O núcleo fundante do pensamento de FAZZALARI está na ênfase que ele atribui ao contraditório com importante papel na democratização do processo penal na medida em que desloca o núcleo imantador não mais a jurisdição mas o efetivo contraditório entre as partes A sentença provimento final deve ser construída em contraditório e por ele legitimada Não mais concebida como simples ato de poder e dever a decisão deve brotar do contraditório real da efetiva e igualitária participação das partes no processo Isso fortalece a situação das partes especialmente do sujeito passivo no caso do processo penal O contraditório na concepção do autor deve ser visto em duas dimensões no primeiro momento é o direito à informação conhecimento no segundo é a efetiva e igualitária participação das partes É a igualdade de armas de oportunidades Tratase contraditório e direito de defesa de direitos constitucionalmente assegurados no art 5º LV da CB Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes A partir desse postulado vejamos agora algumas questões em torno do direito de defesa técnica e pessoal positiva e negativa e após a incidência juntamente com o contraditório nas fases préprocessual processual e de execução penal 42 Direito de Defesa Técnica e Pessoal 421 Defesa Técnica A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos122 teóricos do Direito um profissional que será tratado como advogado de defesa defensor ou simplesmente advogado Explica FENECH123 que a defesa técnica é levada a cabo por pessoas peritas em Direito que têm por profissão o exercício dessa função técnicojurídica de defesa das partes que atuam no processo penal para pôr de relevo seus direitos A justificação da defesa técnica decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale124 entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal em igualdade de condições técnicas com o acusador Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor policial ou mesmo juiz Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar gerando uma absoluta intranquilidade e descontrole Ademais havendo uma prisão cautelar existirá uma impossibilidade física de atuar de forma efetiva Para FOSCHINI125 a defesa técnica é uma exigência da sociedade porque o imputado pode a seu critério defenderse pouco ou mesmo não se defender mas isso não exclui o interesse da coletividade de uma verificação negativa no caso do delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal A estrutura dualística do processo expressase tanto na esfera individual como na social O direito de defesa está estruturado no binômio defesa privada ou autodefesa defesa pública ou técnica exercida pelo defensor Por esses motivos apontados por FOSCHINI a defesa técnica é considerada indisponível pois além de ser uma garantia do sujeito passivo existe um interesse coletivo na correta apuração do fato Tratase ainda de verdadeira condição de paridade de armas imprescindível para a concreta atuação do contraditório Inclusive fortalece a própria imparcialidade do juiz pois quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficará o julgador terzietà alheamento No mesmo sentido MORENO CATENA126 leciona que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes É na realidade uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo pois resulta de um imperativo de ordem pública contido no princípio do due process of law O Estado deve organizarse de modo a instituir um sistema de Serviço Público de Defesa tão bem estruturado como o Ministério Público com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor Assim como o Estado organiza um serviço de acusação tem esse dever de criar um serviço público de defesa porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual mas social127 Nesse sentido a Constituição garante no art 5º LXXIV que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos Para efetivar tal garantia o sistema brasileiro possui uma elogiável instituição a Defensoria Pública prevista no art 134 da CB como instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados A necessidade da defesa técnica está expressamente consagrada no art 261 do CPP onde se pode ler que nenhum acusado ainda que ausente ou foragido será processado ou julgado sem defensor 422 A Defesa Pessoal Positiva e Negativa 4221 Defesa Pessoal Positiva Junto à defesa técnica existem também atuações do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente à pretensão estatal Através dessas atuações o sujeito atua pessoalmente defendendo a si mesmo como indivíduo singular fazendo valer seu critério individual e seu interesse privado128 A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifestase de várias formas mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior como uma atividade positiva ou negativa O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva comissão expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria ou de materialidade do fato que se lhe imputa Ao lado deste atuar que supõe o interrogatório também é possível uma completa omissão um atuar negativo através do qual o imputado se nega a declarar Não só pode se negar a declarar como também pode se negar a dar a mínima contribuição para a atividade probatória realizada pelos órgãos estatais de investigação como ocorre nas intervenções corporais reconstituição do fato fornecer material escrito para a realização do exame grafotécnico etc Também a autodefesa negativa reflete a disponibilidade do próprio conteúdo da defesa pessoal na medida em que o sujeito passivo pode simplesmente se negar a declarar Se a defesa técnica deve ser indisponível a autodefesa é renunciável A autodefesa pode ser renunciada pelo sujeito passivo mas é indispensável para o juiz de modo que o órgão jurisdicional sempre deve conceder a oportunidade para que aquela seja exercida cabendo ao imputado decidir se aproveita a oportunidade para atuar seu direito de forma ativa ou omissiva A autodefesa positiva deve ser compreendida como o direito disponível do sujeito passivo de praticar atos declarar constituir defensor submeterse a intervenções corporais participar de acareações reconhecimentos etc Em suma praticar atos dirigidos a resistir ao poder de investigar do Estado fazendo valer seu direito de liberdade Mesmo no interrogatório policial o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações129 de estar acompanhado de advogado e ainda de reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao IP O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade O interrogatório deve ser um ato espontâneo livre de pressões ou torturas físicas ou mentais É necessário estabelecer um limite máximo para a busca da verdade e para isso estão os direitos fundamentais Por isso hoje em dia o dogma da verdade material cedeu espaço para a verdade juridicamente válida obtida com pleno respeito aos direitos e garantias fundamentais do sujeito passivo e conforme os requisitos estabelecidos na legislação Como consequência os métodos tocados por um certo charlatanismo como classifica GUARNIERI130 devem ser rejeitados no processo penal Assim não deve ser aceito o interrogatório mediante hipnose pois é um método tecnicamente inadequado e inclusive perigoso pois estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugestão direta ou indireta do hipnotizador não pode ser considerado digno de fé inclusive porque pode ser conduzido para qualquer sentido Também devem ser rechaçados por insuficientes e indignos de confiança os métodos químicos ou físicos No primeiro grupo encontramse os chamados soros da verdade que como explica GUARNIERI são barbitúricos injetados intravenosamente juntamente com outros estupefacientes anestésicos ou hipnóticos que provocam um estado de inibição no sujeito permitindo que o experto mediante a narcoanálise conheça o que nele existe de reprimido ou oculto Como método físico os detectores de mentira são aparelhos mecânicos que marcam o traçado do batimento cardíaco e da respiração e conforme o tempo de reação às perguntas dirigidas ao interrogando permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu Conforme o intervalo das reações o experto poderia definir em linhas gerais um padrão de comportamento para as afirmações verdadeiras e outro para as supostas mentiras Ambos os métodos não são dignos de confiança e de credibilidade de modo que não podem ser aceitos como meios de prova juridicamente válidos Ademais são atividades que violam a garantia de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante prevista no art 5º II da CB Concluindo e sempre buscando um modelo ideal melhor que o atual entendemos que o interrogatório deve ser encaminhado de modo a permitir a defesa do sujeito passivo e por isso submetido a toda uma série de regras de lealdade processual131 que pode ser assim resumida a deve ser realizado de forma imediata ou ao menos num prazo razoável após a prisão b presença de defensor sendolhe permitido entrevistarse prévia e reservadamente com o sujeito passivo c comunicação verbal não só das imputações mas também dos argumentos e resultados da investigação e que se oponham aos argumentos defensivos d proibição de qualquer promessa ou pressão direta ou indireta sobre o imputado para induzilo ao arrependimento ou a colaborar com a investigação e respeito ao direito de silêncio livre de pressões ou coações f tolerância com as interrupções que o sujeito passivo solicite fazer no curso do interrogatório especialmente para instruirse com o defensor g permitirlhe que indique elementos de prova que comprovem sua versão e diligenciar para sua apuração h negação de valor decisivo à confissão 4222 Defesa Pessoal Negativa Nemo Tenetur se Detegere O interrogatório deve ser tratado como um verdadeiro ato de defesa em que se dá oportunidade ao imputado para que exerça sua defesa pessoal Para isso deve ser considerado como um direito e não como dever assegurando se o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo sem que dessa inércia resulte para o sujeito passivo qualquer prejuízo jurídico Além disso entendemos que deve ser visto como um ato livre de qualquer pressão ou ameaça Quando o imputado submetese a algum ato destinado a constituir uma prova de cargo colaborando com a acusação essa atividade não deve ser considerada como autodefesa positiva mas sim como renúncia à autodefesa negativa pois nesse caso o imputado deixa de exercer seu direito de não colaborar com a atividade investigatória estatal e a própria acusação em última análise O direito de silêncio está expressamente previsto no art 5º LXIII da CB o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado Parecenos inequívoco que o direito de silêncio aplicase tanto ao sujeito passivo preso como também ao que está em liberdade Contribui para isso o art 82 g da CADH onde se pode ler que toda pessoa logo presa ou em liberdade tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a declararse culpada Encontra ainda previsão no art 186 do CPP O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório Sublinhese do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado Dessarte o imputado não pode ser compelido a participar de acareações reconstituições fornecer material para realização de exames periciais exame de sangue DNA escrita etc etc Por elementar sendo a recusa um direito obviamente não pode causar prejuízos ao imputado e muito menos ser considerado delito de desobediência Mas é importante sublinhar a Lei n 12654 de 28 de maio de 2012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal tendo gerado uma grande polêmica na medida em que parece querer fulminar o direito de não produzir provas contra si mesmo ao obrigar o investigado à extração compulsória em caso de recusa A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 721084 LEP que regula a Execução Penal A possibilidade ou não de extração compulsória de material genético divide a doutrina mas entendemos que é inconstitucional exatamente por violar o direito de não produzir prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere Voltaremos a tratar da problemática em torno das intervenções corporais quando formos tratar das provas no processo penal 5 Motivação das Decisões Judiciais Superando o Cartesianismo A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressamente prevista no art 93 IX da Constituição e é fundamental para a avaliação do raciocínio desenvolvido na valoração da prova Serve para o controle da eficácia do contraditório e de que existe prova suficiente para derrubar a presunção de inocência Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder principalmente se foram observadas as regras do devido processo penal Tratase de uma garantia fundamental e cuja eficácia e observância legitimam o poder contido no ato decisório Isso porque no sistema constitucionaldemocrático o poder não está autolegitimado não se basta por si próprio Sua legitimação se dá pela estrita observância das regras do devido processo penal entre elas o dever garantia da fundamentação dos atos decisórios O processo está destinado a comprovar se um determinado ato humano realmente ocorreu na realidade empírica Com isso o saber enquanto obtenção de conhecimento sobre o fato é o fim a que se destina o processo que deverá ser um instrumento eficaz para sua obtenção O juiz é um ser ontologicamente concebido para ser ignorante pois ele ignora o fato Por isso explica MIRANDA COUTINHO132 falar de processo todavia é antes de tudo falar de atividade recognitiva a um juiz com jurisdição que não sabe mas que precisa saber dáse a missão mais preciso seria dizer Poder com o peso que o substantivo tem de dizer o direito no caso concreto com o escopo da sua parte pacificador razão por que precisamos da coisa julgada A dimensão do poder considerado como coação que afeta o sujeito passivo da atuação processual necessário para atingir esse saber tem que ocupar um lugar secundário e permanecer sujeito a regras muito estritas presididas pelos princípios da necessidade e respeito aos direitos fundamentais e proporcionalidade racionalidade na relação meiofim FERRAJOLI defende não só a humanização do poder mas também uma importante inversão do paradigma clássico eis que agora o saber deve predominar O poder somente está legitimado quando calcado no saber judicial de modo que não mais se legitima por si mesmo Isso significa uma verdadeira revolução cultural como define IBÁÑEZ133 por parte dos operadores jurídicos e dos atores processuais Nesse contexto a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Mais a fundamentação não deve estar presente apenas na sentença mas também em todas as decisões interlocutórias tomadas no curso do procedimento especialmente aquelas que impliquem restrições de direitos e garantias fundamentais como os decretos de prisão preventiva interceptação das comunicações telefônicas busca e apreensão etc Como define IBÁÑEZ134 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por ser demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para a legitimidade do atuar jurisdicional Voltaremos à questão da Decisão Penal mais adiante no Capítulo XIV para onde remetemos o leitor Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Os Princípios Constitucionais do Processo Penal são constitutivos das chamadas regras do jogo ou do devido processo due process of law servindo ao mesmo tempo como mecanismos de limitação e legitimação do poder de punir Pensamos o processo penal a partir da instrumentalidade constitucional ou seja um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição e um caminho necessário para chegarse a uma pena ou não pena permeado por regras que limitam o exercício do poder punitivo Os princípios gozam de plena eficácia normativa pois são verdadeiras normas Bobbio 1 JURISDICIONALIDADE decorre da exclusividade do órgão jurisdicional para impor a pena através do devido processo penal Não basta ter um juiz é necessário que seja imparcial natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição 11 O subprincípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um pressuposto de sua existência É necessária a existência de um juiz com competência preestabelecida por lei sendo que o nascimento desta garantia se dá com a prática do delito e não com o início do processo 12 A imparcialidade é outro pressuposto de sua existência sendo uma construção teórica do processo para exigir o estranhamento o alheamento terzietà do julgador A imparcialidade somente existe em uma estrutura processual acusatória que mantenha o juiz afastado das atividades que são inerentes às partes Por isso não deve o juiz ter iniciativa probatória não deve determinar de ofício a produção de provas pois ao fazer isso ele quebra o equilíbrio entre as partes fere de morte o contraditório e fulmina a imparcialidade dado que é inafastável o imenso prejuízo que decorre dos préjuízos Quem procura procura algo Logo quando o juiz vai atrás da prova de ofício ele decide primeiro e sai em busca dos elementos que justificam a decisão já tomada Devem ser evitados os atos que impliquem préjulgamento Grave problema do processo penal brasileiro decorre dos inúmeros dispositivos que permitem o ativismo judicial com sacrifício da garantia da imparcialidade e do sistema acusatório exigindo portanto uma filtragem constitucional Outro grave equívoco é a figura da prevenção onde o juiz que primeiro examinou a questão fica prevento e irá julgar o caso Conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos juiz prevento é juiz contaminado que não pode julgar 13 O direito de ser julgado em um prazo razoável também se vincula à garantia da jurisdição Para seu estudo é necessário compreender o rompimento do paradigma newtoniano e o caráter punitivo do tempo Ser processado já é uma punição que vai agravada pela demora jurisdicional O ideal é a fixação do prazo máximo de duração do processo e também das prisões cautelares definindo assim claramente até que ponto a demora é legítima e quando passa a ser indevida No processo penal brasileiro existem muitos prazos mas sem sanção prazo sanção ineficácia por isso afirmamos que adotou a teoria do não prazo Na falta de um prazo máximo de duração do processo o TEDH e a CADH adotam a teoria dos três critérios ou seja analisando o caso concreto a complexidade do caso b atividade processual do interessado c conduta das autoridades judiciárias polícia Ministério Público juízes e tribunais Esses três elementos devem passar pelo filtro da Razoabilidade para afirmarse se houve uma dilação indevida ou não Foi analisando esses referenciais que a CADH no caso Ximenes Lopes condenou o Brasil entre outras pela violação do direito de ser julgado em um prazo razoável Reconhecida a demora jurisdicional devese aplicar uma solução que poderá ser a compensatória cível fixação de uma indenização b compensatória penal atenuação da pena perdão judicial etc c processual a melhor solução seria a extinção do feito mas não há previsão legal no CPP d sancionatória punição administrativa do servidor público responsável pela dilação indevida Devese buscar o difícil equilíbrio evitando a demora excessiva no processo mas também não admitindo o atropelo das garantias fundamentais em nome da pressa em punir A solução passa por a definição de um marco normativo interno que defina a duração máxima do processo e da prisão cautelar b as soluções compensatórias são insuficientes e produzem pouco efeito inibitório devendo se estabelecer uma solução processual extintiva c devese agilizar o processo penal com a diminuição dos tempos mortos de tempos burocráticos através da inserção de tecnologia e otimização dos atos cartorários 2 PRINCÍPIO ACUSATÓRIO para consagração do sistema processual acusatório na linha da Constituição e do art 3ºA do CPP devese manter a iniciativa e gestão da prova nas mãos das partes e evitando o ativismo judicial Postulase pela máxima eficácia do ne procedat iudex ex officio para garantia da imparcialidade do julgador e do contraditório Remetemos o leitor para o Capítulo anterior onde tratamos dos sistemas processuais 3 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA consagrada no art 5º LVII da Constituição é um princípio reitor do processo penal e seu nível de eficácia denota o grau de evolução civilizatória de um povo Do não tratar o réu como condenado antes do trânsito em julgado podemos extrair que a presunção de inocência é um dever de tratamento processual que estabelece regras de julgamento e de tratamento no processo e fora dele Manifestase numa dupla dimensão a interna estabelecendo que a carga da prova seja integralmente do acusador impondo a aplicação do in dubio pro reo limitando o campo de incidência das prisões cautelares b externa exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do acusado assegurando a imagem dignidade e privacidade do réu 4 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA previstos no art 5º LV da CB são princípios distintos mas dada a íntima relação e interação estudados juntos 41 O contraditório nos remete às lições de Fazzalari em suma de igualdade de tratamento e oportunidades no processo O contraditório tem dois momentos informação e reação É essencialmente o direito de ser informado e de participar do processo com igualdade de armas É possível o contraditório no inquérito policial mas restrito ao seu primeiro momento informação 42 O direito de defesa é concebido numa dupla dimensão a defesa técnica ninguém pode ser acusado ou julgado sem defensor constituído ou dativo exercida por advogado habilitado diante da presunção absoluta de hipossuficiência técnica do réu arts 261 do CPP 5º LXXIV e 134 da CB 82 da CADH b defesa pessoal ou autodefesa exercida pelo próprio acusado A defesa pessoal subdividese ainda em positiva quando o réu presta depoimento ou tem uma conduta ativa frente a determinada prova vg participando do reconhecimento acareação etc ou negativa utiliza o direito de silêncio ou se recusa a participar de determinada prova concretizando o princípio do nemo tenetur se detegere nada a temer por se deter do art 5º LXIII da CB art 186 do CPP e 82 g da CADH Importante destacar o disposto na Lei n 126542012 que estabelece a coleta compulsória de material genético do suspeito ou condenado excepcionando assim o direito de silêncio 5 MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS expressamente prevista no art 93 IX da CB essa garantia processual permite o controle da racionalidade e da legalidade das decisões sendo exigível inclusive nas decisões interlocutórias É necessário superar a visão cartesianista moderna juiz boca da lei e assumir a subjetividade no ato de decidir mas sem cair no outro extremo que é o decisionismo onde o juiz diz qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck Nesse ponto remetemos o leitor para Capítulo posterior onde tratamos da Decisão Penal Capítulo III LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO 1 Lei Processual Penal no Tempo 11 A Leitura Tradicional Princípio da Imediatidade Ensina a doutrina tradicional que o processo penal é guiado pelo Princípio da Imediatidade art 2º do CPP de modo que as normas processuais penais teriam aplicação imediata independente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu tão logo passasse a vacatio legis sem prejudicar contudo os atos já praticados eis que não retroagiria jamais Para tanto é recorrente a seguinte distinção135 leis penais puras leis processuais penais puras leis mistas A lei penal pura é aquela que disciplina o poder punitivo estatal Dispõe sobre o conteúdo material do processo ou seja o Direito Penal Diz respeito à tipificação de delitos pena máxima e mínima regime de cumprimento etc Para essas valem as regras do Direito Penal ou seja em linhas gerais retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa A lei processual penal pura regula o início desenvolvimento ou fim do processo e os diferentes institutos processuais Exemplo perícias rol de testemunhas forma de realizar atos processuais ritos etc Aqui vale o princípio da imediatidade onde a lei será aplicada a partir dali sem efeito retroativo e sem que se questione se mais gravosa136 ou não ao réu Assim se no curso do processo penal surgir uma nova lei exigindo que as perícias sejam feitas por três peritos oficiais quando a lei anterior exigia apenas dois devese questionar a perícia já foi realizada Se não foi quando for levada a cabo deverá sêlo segundo a regra nova Mas se já foi praticada vale a regra vigente no momento de sua realização A lei nova não retroage Por fim existem as leis mistas ou seja aquelas que possuem caracteres penais e processuais Nesse caso aplicase a regra do Direito Penal ou seja a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não Alguns autores chamam de normas mistas com prevalentes caracteres penais137 eis que disciplinam um ato realizado no processo mas que diz respeito ao poder punitivo e à extinção da punibilidade Exemplo as normas que regulam a representação ação penal queixacrime perdão renúncia perempção etc Seguindo essa doutrina se alguém comete um delito hoje em que a ação penal é pública incondicionada e posteriormente passa a ser condicionada à representação o juiz deverá abrir prazo para que a vítima querendo represente sob pena de extinção da punibilidade É retroativa porque mais benéfica para o réu Foi o que aconteceu com a Lei n 909995 e a representação nos delitos de lesões leves e culposas Os processos que não tinham transitado em julgado baixaram para a vítima representar e se não o fizesse extinguia a punibilidade Por outro lado se quando o crime é cometido existe uma lei que diga que a ação penal é privada e posteriormente vem outra dizendo que a ação penal é pública incondicionada a ação continuará sendo privada porque isso é melhor para o réu ultraatividade da lei mais benigna 12 Uma ReLeitura Constitucional Retroatividade da Lei Penal e Processual Penal Mais Benéfica Pensamos que o Princípio da Imediatidade contido no art 2º do CPP assim aplicado não resistiria a uma filtragem constitucional ou seja quando confrontado com o art 5º XL da Constituição A questão foi muito bem tratada por PAULO QUEIROZ e ANTONIO VIEIRA138 que lecionam que a irretroatividade da lei penal deve também compreender pelas mesmas razões a lei processual penal a despeito do que dispõe o art 2º do Código de Processo Penal que determina como regra geral a aplicação imediata da norma uma vez que deve ser reinterpretado à luz da Constituição Federal Isso porque não há como se pensar o Direito Penal completamente desvinculado do processo e viceversa Recordando o princípio da necessidade não poderá haver punição sem lei anterior que preveja o fato punível e um processo que o apure Tampouco pode haver um processo penal senão para apurar a prática de um fato aparentemente delituoso e aplicar a pena correspondente Assim essa íntima relação e interação dão o caráter de coesão do sistema penal não permitindo que se pense o Direito Penal e o processo penal como compartimentos estanques Logo as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem ser compreendidas dentro da lógica sistêmica ou seja retroatividade da lei penal ou processual penal mais benéfica e vedação de efeitos retroativos da lei penal ou processual penal mais gravosa ao réu Portanto impõese discutir se a nova lei processual penal é mais gravosa ou não ao réu como um todo Se prejudicial porque suprime ou relativiza garantias vg adota critérios menos rígidos para a decretação de prisões cautelares ou amplia os seus respectivos prazos de duração veda a liberdade provisória mediante fiança restringe a participação do advogado ou a utilização de algum recurso etc limitarseá a reger os processos relativos às infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor Afinal também aqui advertem os autores é dizer não apenas na incriminação de condutas mas também na forma e na organização do processo a lei deve cumprir sua função de garantia de sorte que por norma processual menos benéfica se há de entender toda disposição normativa que importe diminuição de garantias e por mais benéfica a que implique o contrário aumento de garantias processuais Então a lei processual penal mais gravosa não incide naquele processo mas somente naqueles cujos crimes tenham sido praticados após a vigência da lei Por outro lado a lei processual penal mais benéfica poderá perfeitamente retroagir para beneficiar o réu ao contrário do defendido pelo senso comum teórico Como explicam PAULO QUEIROZ e ANTONIO VIERA sempre que a lei processual dispuser de modo mais favorável ao réu vg passa a admitir a fiança reduz o prazo de duração de prisão provisória amplia a participação do advogado aumenta os prazos de defesa prevê novos recursos etc terá aplicação efetivamente retroativa E aqui se diz retroativa advertindose que nestes casos não deverá haver tão somente a sua aplicação imediata respeitandose os atos validamente praticados mas até mesmo a renovação de determinados atos processuais a depender da fase em que o processo se achar Por fim concluem os autores quando estivermos diante de normas meramente procedimentais que não impliquem aumento ou diminuição de garantias como sói ocorrer com regras que alteram tão só o processamento dos recursos a forma de expedição ou cumprimento de cartas precatóriasrogatórias etc terão aplicação imediata CPP art 2º incidindo a regra geral porquanto deverão alcançar o processo no estado em que se encontra e respeitar os atos validamente praticados Também tratando desse tema CIRINO DOS SANTOS139 explica que o princípio constitucional da lei penal mais favorável condiciona a legalidade processual penal sob dois aspectos primeiro o primado do direito penal substancial determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva segundo o gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual regidas pelo mesmo princípio fundamental Assim voltando aos exemplos anteriores em nada afetará os casos de leis mistas O reflexo mais efetivo ocorrerá nas leis processuais penais puras pois agora deveremos discutir se houve ampliação ou restrição da esfera de proteção O princípio da imediatidade segue tendo plena aplicação nos casos de leis meramente procedimentais de conteúdo neutro a ser aferido no caso concreto na medida em que não geram gravame para a defesa E nessa situação é necessário analisarse o caso em concreto não havendo possibilidade de criarse uma estrutura teórica que dê conta da diversidade e complexidade que a realidade processual pode produzir Assim por exemplo a indenização a ser fixada na sentença art 387 inovação introduzida pela reforma de 2008 somente pode ser aplicada pelo juiz em relação aos fatos ocorridos após 23082008 Tratase de lei processual penal mais gravosa e que não pode retroagir Ademais especificamente nesse caso há dois outros graves inconvenientes não ter havido pedido de indenização na denúncia e tampouco contraditório em relação a essa questão Quando o juiz fixa um valor indenizatório mínimo nos termos do art 387 IV em casos penais ocorridos antes da vigência da Lei n 117192008 o faz de forma ilegal na medida em que está dando um indevido efeito retroativo a uma lei processual penal mais gravosa Ademais devese atentar para o fato de certamente não ter havido pedido do Ministério Público até porque se a denúncia é anterior à lei nem cabia tal pedido violando assim o princípio da correlação Outro exemplo é a nova disciplina da ação penal no crime de estelionato art 171 5º do CP trazido pela Lei n 139642019 que passa a ser como regra mas há exceções um crime de ação penal pública condicionada a representação antes era de ação penal pública incondicionada Essa nova lei é mais benigna para o réu e deve retroagir cabendo aos juízes e tribunais pois ela se aplica em grau recursal suspender o feito e intimar a vítima para que se manifeste E qual o prazo A nova lei não menciona mas pensamos ser plenamente aplicável o prazo de 30 dias previsto na Lei n 9099 art 89 Se a vítima representar no prazo o feito prossegue Se não representar deixar passar o prazo ou se manifestar expressamente no sentido de renunciar ao direito de representar o feito será extinto diante da extinção da punibilidade do art 107 IV do CP É possível aplicar esse novo regime da ação penal após o trânsito em julgado Pensamos que não há obstáculos e o caminho é a revisão criminal será explicada ao final desse livro instruída com a manifestação da vítima de que não tem interesse em representar renúncia Poderá inclusive ser feita uma produção antecipada de provas para que em audiência a vítima renuncie Essa prova irá instruir a revisão criminal a ser ajuizada no tribunal competente 13 A Discussão Sobre a Aplicação no Tempo das Regras do Juiz das Garantias ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºA Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar a implantação do juiz das garantias está suspensa Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade Especial discussão trouxe e trará por algum tempo a aplicação no tempo da figura do juiz das garantias e do impedimento de que o mesmo juiz que participou da investigação atue no processo Vamos trazer para o leitor duas posições provisórias já que ainda não existe paz conceitual e jurisprudencial que virá com o tempo e distintas A primeira posição veio demarcada na Decisão proferida pelo Min Dias Toffoli na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 6298Distrito Federal no dia 1512020 onde em síntese decidiu liminarmente o Ministro que a no tocante às ações penais que já tiverem sido instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais lembrando que no momento desta decisão o Ministro suspendeu a implantação do juiz das garantias pelo prazo máximo de 180 dias a eficácia da lei não acarretará qualquer modificação do juízo competente O fato de o juiz da causa ter atuado na fase investigativa não implicará seu automático impedimento b quanto às investigações que estiverem em curso no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias o juiz da investigação tornarse á o juiz das garantias do caso específico Nessa hipótese cessada a competência do juiz das garantias com o recebimento da denúncia ou queixa o processo será enviado ao juiz competente para a instrução e o julgamento da causa Entendeu o Min Toffoli que ao instituir o juiz das garantias a Lei n 139642019 criou nova regra de competência funcional delimitando a atuação do juiz em função da fase da persecução criminal e criando a partir da rígida separação das fases de investigação e do processo uma regra de impedimento para a fase da ação penal ao magistrado que houver atuado como juiz das garantias na fase da investigação art 3ºD do Código de Processo Penal com a redação dada pela Lei n 139642019 Portanto como forma de preservar o Juiz Natural entendeu o Ministro que a incidência da nova lei processual é prospectiva e não retroativa não se aplicando portanto a atos já praticados Somese a isso o disposto no art 2º do Código de Processo Penal segundo o qual a lei processual penal aplicarseá desde logo sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior Por outro lado uma adequada regra de transição também deve assegurar na maior medida possível a segurança jurídica evitando o surgimento ou o prolongamento de discussões judiciais acerca do tema Afinal uma das funções precípuas do STF é promover a segurança jurídica possibilitando que as normas sejam interpretadas de maneira coerente e previsível Essa é a primeira posição provisoriamente adotada pelo STF pois no momento em que escrevemos essa obra ela tem caráter liminar podendo se alterar ao longo do ano de 2020 Mas é possível pensar noutra perspectiva trazendo uma segunda posição sobre o tema conforme fizemos em coautoria com Alexandre MORAIS DA ROSA140 em texto publicado na Coluna Limite Penal que transcrevo parcialmente agora A primeira premissa é a de que o Juiz das garantias é um avanço democrático uma ampliação do sistema de garantias da Constituição a serviço da garantia da imparcialidade e do devido processo penal Portanto é uma lei que amplia garantias e como explicamos anteriormente deve retroagir para beneficiar os réus É uma lei que cria uma nova hipótese de competência funcional regra inderrogável cuja inobservância é causa de nulidade absoluta Aqui começa a divergência em relação a decisão do Min Toffoli Como explica MORAIS DA ROSA é caso de aplicação analógica CPP art 2º com o Código de Processo Civil de 2015 arts 14 1046 1º e 5º 1047 1054 1056 e 1057 segundo a qual se adota desde longa tradição a lógica do isolamento dos atos processuais Traz Alexandre a clássica lição de GALENO LACERDA141 baseada em Paul Roubier no sentido de não se confundir aplicação imediata da lei com irretroatividade Como o processo compreende uma sequência complexa de atos que se projetam no tempo preordenados para um fim que é a sentença deve ele ser considerado em termos de direito transitório como um fato jurídico complexo e pendente sobre o qual a normatividade inovadora há de incidir O que importa é o momento da constituição do ato processual a saber a superação de momento processual Isso porque embora não tenha efeitos sobre atos processuais passados ou seja não se poderia exigir que uma parte tivesse que observar regra não vigente precisaria adivinhar o futuro no campo do Processo Penal foro de garantias não há direito processual adquirido do Estado em manter normas restritivas de Direitos Humanos e de Direitos Fundamentais como bem pontua Luis Lanfredi142 Assim conclui MORAIS DA ROSA a nova Lei n 139642019 somente vale para o futuro e no futuro quando da Audiência de Instrução e Julgamento há reconhecido o direito de não ser julgado pelo mesmo magistrado que atuou na nova fase das garantias O acusado adquiriu o direito subjetivo de ser julgado por um Juiz não contaminadopoluído pelos atos praticados durante a Investigação Preliminar sob pena de se dar ultratividade a regime de julgamento incompatível com a cisão funcional Por isso o equívoco da regra de transição iv item a contida na decisão do Min Toffoli E prossegue MORAIS DA ROSA explicando com acerto que assim é que a regra do art 3º do CPP princípio do tempus regit actum não pode invalidar etapa processual produzida em sua conformidade assim como não pode validar ato processual não realizadofinalizado no tempo de sua vigência como aponta a regra de transição da medida cautelar deferida item iv a Em resumo se pendente o ato de instrução e julgamento a aplicabilidade será imediata com a anulação dos atos realizados e a remessa ao Juiz de Julgamento sem contato com os atos anteriores O isolamento válido somente acontece nos casos de instruções finalizadas Dito de outra forma não se pode dar efeito retroativo para anular instruções finalizadas conforme a regra em vigor ao mesmo tempo em que não se pode validar instruções pendentes a saber não finalizadas porque o ato audiência de instrução e julgamento não se findou Negar eficácia imediata à Lei n 1396419 neste caso seria apagar a garantia do julgamento justo mesmo estando em vigência novo regramento Enfim não há um direito processual adquirido ao Juiz contaminado Dessarte nossa proposta diversa daquela adotada pelo Min Toffoli é a Investigações sem denúnciaqueixa Juiz de Garantias deve agir dentro dos limites definidos no art 3ºB e s do CPP b Ações Penais em Curso Juiz de Garantias deve i se ofertada denúncia sem absolvição sumária processar a acusação e rejeitada a absolvição sumária total ou parcialmente preparar os autos a serem remetidos ao Juiz de Julgamento acautelando os demais ficam à disposição das partesjulgadores ii se já iniciada a instrução e julgamento mas não finalizado o ato não se ouviram as testemunhas ou mesmo o interrogatório por exemplo diante da nova regulamentação desde que tenha atuado em alguma das atribuições do Juiz das Garantias anular todos os atos de instrução pós art 399 do CPP preparando os autos a se remeter ao Juiz de Julgamento acautelando os demais ficam à disposição das partesjulgadores iii se já finalizada a instrução e julgamento proferir decisão na forma do regime anterior promovendo novos autos para fins recursais porque mesmo sendo a decisão válida o recurso já se insere no regime de cisão Juiz das Garantias e Juiz de Julgamento restringindo o conteúdo a ser encaminhado à superior instância a questão da exclusão física dos autos do inquérito precisa ser assegurada Entendemos que a reforma processual ampliou garantias é uma nova lei mais benigna e que precisa ser efetivada especialmente na perspectiva de que o réu tem o direito de ser julgado por um Juiz imparcial objetiva subjetiva e cognitivamente Não há um direito processual adquirido ao Juiz contaminado Logo será preciso sanear todos os processos em tramitação Por isso a nossa objeção ao item iv a da decisão 2 Lei Processual Penal no Espaço Ao contrário do que ocorre no Direito Penal onde se trava longa e complexa discussão sobre a extraterritorialidade da lei penal no processo penal a situação é mais simples Aqui vige o princípio da territorialidade As normas processuais penais brasileiras só se aplicam no território nacional não tendo qualquer possibilidade de eficácia extraterritorial A questão da territorialidade está vinculada ao fato de a jurisdição constituir um exercício de poder Portanto poder condicionado aos limites impostos pela soberania ou como prefere SARA ARAGONESES143 el ejercicio de la Jurisdicción penal es una manifestación de la soberanía del Estado Assim o poder jurisdicional brasileiro somente pode ser exercido no território nacional Eventualmente no campo teórico especialmente nas pirotecnias surreais que costumam produzirse em alguns concursos públicos criamse complexas questões envolvendo a prática de atos processuais no exterior como por exemplo o cumprimento de uma carta rogatória Em síntese o questionamento é ainda que realizado no exterior o ato processual a oitiva de uma testemunha vítima etc deve observar a forma e o ritual exigido pelo nosso CPP Se for praticado de outra forma segundo as regras do sistema daquele país o ato é nulo A resposta é não O ato processual será realizado naquele país segundo as regras lá vigentes Não têm nossas leis processuais penais extraterritorialidade para regrar os atos praticados fora do território nacional144 Tampouco há que se falar de nulidade Ao necessitar da cooperação internacional deve o País conformarse com a forma como é exercido lá o poder jurisdicional Como explica ARAGONESES ALONSO145 as normas processuais de um país se aplicam sempre pelos tribunais de dito país e adverte mais do que no princípio de territorialidade devese falar no princípio da lex fori isto é a aplicação das normas processuais corresponde ao país a que esse tribunal serve Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO 1 Princípio da Imediatidade art 2º do CPP segundo o qual as normas processuais penais têm aplicação imediata independentemente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu sem efeito retroativo É a posição tradicional sendo que os doutrinadores recorrem à seguinte distinção 11 Leis Penais Puras disciplinam o poder punitivo estatal que diz respeito à tipificação de delitos penas regimes etc Aplicamse os princípios do direito penal retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa 12 Leis Processuais Penais Puras regulam o início o desenvolvimento e o fim do processo penal como perícias rol de testemunhas ritos etc Aplicase o princípio da imediatidade e não têm efeito retroativo 13 Leis Mistas possuem caracteres penais e processuais visto que disciplinam um ato do processo mas que diz respeito ao poder punitivo Exemplos normas que regulam ação penal representação perdão renúncia perempção causas de extinção da punibilidade etc Aplicase a regra do direito penal da retroatividade da lei mais benigna 2 ReLeitura Constitucional do Princípio da Imediatidade o art 2º do CPP deve ser lido à luz do art 5º XL da CB Não se pode pensar o direito penal desconectado do processo penal e viceversa devendo ser feita uma análise à luz do sistema penal O gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal processual regidas pelo mesmo princípio constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa e retroatividade da lei mais benigna O caráter mais benigno ou mais gravoso é feito a partir da ampliação ou compressão da esfera de proteção constitucional As normas meramente procedimentais que não impliquem aumento ou diminuição de garantias são consideradas de conteúdo neutro sendo regidas então pelo princípio da imediatidade LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO Vige o princípio da territorialidade do art 1º do CPP não havendo a mesma problemática do direito penal que admite a extraterritorialidade Assim a lei penal pode ser aplicada fora do território nacional nos casos do art 7º do CP mas as leis processuais penais não podem pois não possuem extraterritorialidade Capítulo IV A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR BRASILEIRAO INQUÉRITO POLICIAL O inquérito policial foi mantido no CPP de 1941 pois entendeu o legislador da época que o ponderado exame da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior desaconselha o repúdio ao sistema vigente Naquele momento histórico o sistema de juiz de instrução era amplamente adotado principalmente na Europa onde vivia momentos de glória em países como Espanha França Itália e Alemanha O Brasil ao contrário seguia com a superada investigação preliminar policial Abordaremos a continuação apenas do inquérito policial sob seus aspectos mais relevantes remetendo o leitor para nossa obra Investigação Preliminar no Processo Penal publicada pela Editora Saraiva como leitura complementar pois lá fazemos uma ampla e profunda análise de todos os sistemas de investigação preliminar modelos policial juiz de instrução e promotor investigador e também do próprio inquérito 1 Considerações Prévias Fundamento da Existência e Natureza Jurídica A investigação preliminar situase na fase préprocessual sendo o gênero do qual são espécies o inquérito policial as comissões parlamentares de inquérito sindicâncias etc Constitui o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado a partir de uma notíciacrime com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso com o fim de justificar o processo ou o não processo Questão relevante é qual é o fundamento da existência da investigação preliminar Por que precisamos ter um inquérito policial prévio ao processo a Busca do fato oculto o crime na maior parte dos casos é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado para atingirse elementos suficientes de autoria e materialidade fumus commissi delicti para oferecimento da acusação ou justificação do pedido de arquivamento b Função simbólica a visibilidade da atuação estatal investigatória contribui no plano simbólico para o restabelecimento da normalidade social abalada pelo crime afastando o sentimento de impunidade c Filtro processual a investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas seja porque despidas de lastro probatório suficiente seja porque a conduta não é aparentemente criminosa O processo penal é uma pena em si mesmo pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar pois é gerador de estigmatização social e jurídica etiquetamento e sofrimento psíquico Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti Quanto à natureza jurídica do inquérito policial vem determinada pelo sujeito e pela natureza dos atos realizados de modo que deve ser considerado como um procedimento administrativo préprocessual A atividade carece do mando de uma autoridade com potestade jurisdicional e por isso não pode ser considerada como atividade judicial e tampouco processual até porque não possui a estrutura dialética do processo Como explica MANZINI146 só pode haver uma relação de índole administrativa entre a polícia que é um órgão administrativo igual ao MP quando vinculado ao Poder Executivo e aquele sobre quem recaia a suspeita de haver cometido um delito 2 Órgão Encarregado Atuação Policial e do Ministério Público Como determina o art 4º do CPP e o próprio nome indica o inquérito é realizado pela polícia judiciária Essa foi desafortunadamente a opção mantida pelo legislador de 1941 justificada na Exposição de Motivos como o modelo mais adequado à realidade social e jurídica daquele momento Sua manutenção era segundo o pensamento da época necessária atendendo às grandes dimensões territoriais e às dificuldades de transporte Foi rechaçado o sistema de instrução preliminar judicial ante a impossibilidade de que o juiz instrutor pudesse atuar de forma rápida nos mais remotos povoados a grandes distâncias dos centros urbanos e que às vezes exigiam vários dias de viagem Mas o inquérito não é necessariamente policial Nesse sentido dispõe o parágrafo único do art 4º determinando que a competência da polícia não exclui a de outras autoridades administrativas que tenham competência legal para investigar Dessa forma é possível que outra autoridade administrativa vg nas sindicâncias e processos administrativos contra funcionários públicos realize a averiguação dos fatos e com base nesses dados seja oferecida a denúncia pelo Ministério Público Da mesma forma um delito praticado por um militar será objeto de um inquérito policial militar e ao final concluindo a autoridade militar que o fato não é crime militar mas sim comum ou ainda que foram praticados crimes militares e comuns147 deverá remeter os autos do IPM ao Ministério Público que poderá diretamente oferecer a denúncia Também pode a investigação ser realizada por membros do Poder Legislativo nas chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito Segundo o art 58 3º da CB as CPIs têm poderes de investigação e são criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em conjunto ou separadamente mediante requerimento de um terço de seus membros para a apuração de fato determinado e por prazo certo sendo que suas conclusões quando afirmarem a existência de um delito serão remetidas ao Ministério Público para que promova diretamente se entender viável a respectiva ação penal Não obstante nosso estudo está limitado ao inquérito policial realizado pela polícia judiciária e nele nos centraremos Tratase de um modelo de investigação preliminar policial de modo que a polícia judiciária leva a cabo o inquérito policial com autonomia e controle Contudo depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais A polícia brasileira desempenha dois papéis nem sempre distintos a polícia judiciária e a polícia preventiva A polícia judiciária está encarregada da investigação preliminar sendo desempenhada nos estados pela Polícia Civil e no âmbito federal pela Polícia Federal Em regra nenhum problema existe no fato de a polícia civil estadual investigar um delito de competência da Justiça Federal como o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e demais delitos previstos no art 109 da Constituição ou de a polícia federal realizar um inquérito para apuração de um delito de competência da Justiça Estadual Contudo em geral a atuação de cada polícia tende a limitarse ao âmbito de atuação da respectiva Justiça Federal ou Estadual Já o policiamento preventivo ou ostensivo é levado a cabo pelas Polícias Militares dos estados que não possuem atribuição como regra para realizar a investigação preliminar Em se tratando de inquérito policial está ele a cargo da polícia judiciária não cabendo à polícia militar realizálo salvo nos crimes militares definidos no Código Penal Militar Quanto à atuação do Ministério Público está o parquet legalmente autorizado a requerer abertura como também acompanhar a atividade policial no curso do inquérito Contudo por falta de uma norma que satisfatoriamente defina o chamado controle externo da atividade policial subordinação ou dependência funcional da polícia em relação ao MP não podemos afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial mas sim participar ativamente requerendo diligências e acompanhando a atividade policial Em definitivo não pairam dúvidas de que o Ministério Público poderá requisitar a instauração do inquérito eou acompanhar a sua realização Mas sua presença é secundária acessória e contingente pois o órgão encarregado de dirigir o inquérito policial é a polícia judiciária Quanto aos poderes investigatórios do Ministério Público considerando as manifestações favoráveis por parte do STF entendemos que o MP poderá instruir seus procedimentos investigatórios criminais devendo observar no mínimo o regramento do inquérito Deverá ainda observar o rol de direitos e garantias do investigado previstos no CPP em leis extravagantes como a Lei n 8906 e na Constituição além de submeterse ao rígido controle de legalidade por parte do Juiz das Garantias 3 A Posição do Juiz Frente ao Inquérito Policial O Juiz das Garantias A efetividade da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais Como consequência o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºA Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar a implantação do juiz das garantias está suspensa Seguirá sendo o mesmo juiz durante a fase investigatória e depois no processo com os imensos prejuízos que mostraremos a continuação Por isso manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade Nesse contexto a função do juiz é atuar como garantidor148 dos direitos do acusado no processo penal Esse é o lugar do juiz das garantias nos termos do art3ºC do CPP Sem dúvida uma das mais importantes inovações da Lei n 139642019 foi a recepção do instituto já consagrado há décadas em diversos países e por nós defendidos desde 1999 do juiz das garantias O nome dado não foi dos melhores principalmente porque no Brasil existe uma costumeira e errônea confusão entre garantias e impunidade Talvez tivesse andado melhor o legislador se tivesse seguido a sistemática italiana e denominado de juiz da investigação il giudice per le indagini preliminari talvez evitasse uma parcela da injustificada resistência Premissa básica é compreender que não estamos falando de juizado de instrução ou juiz instrutor pois essa é uma figura arcaica inquisitória e superada na qual o juiz tem uma postura ativa indo atrás da prova de ofício investigando e decidindo sobre medidas restritivas de direitos fundamentais que ele mesmo determina Essa é uma figura superada em que pese ainda vigente na Espanha e na França por exemplo Sobre o tema remetemos o leitor para um longo e profundo estudo que fazemos na obra Investigação Preliminar no Processo Penal Portanto o juiz das garantias nomenclatura utilizada também por exemplo pelo CPP do Chile mas igualmente consagrada ainda que com outro nome em Portugal Paraguai Uruguai e tantos outros países ou il giudice per le indagini dos italianos não tem uma postura inquisitória não investiga e não produz prova de ofício Também conhecido como sistema doble juez como define a doutrina chilena e uruguaia em representativa denominação na medida em que estabelece a necessidade de dois juízes diferentes ou seja modelo duplo juiz em que dois juízes distintos atuam no feito O primeiro intervém quando invocado na fase préprocessual até o recebimento da denúncia encaminhando os autos para outro juiz que irá instruir e julgar sem estar contaminado sem préjulgamentos e com a máxima originalidade cognitiva 149 Ele se posta como juiz inerte que atua mediante invocação observância do ne procedat iudex ex officio que funda a estrutura acusatória e cria as condições de possibilidade de ter um juiz imparcial permitindo que se estabeleça uma estrutura dialética onde o MP e a polícia investigam os fatos o imputado exerce sua defesa e ele decide quando chamado sobre medidas restritivas de direitos fundamentais submetidas a reserva de jurisdição como busca e apreensão quebras de sigilo prisões cautelares medidas assecuratórias etc e como guardião da legalidade e dos direitos e garantias do imputado Portanto atua como juiz e não como instrutorinquisidor Não se confunde assim de modo algum com o superado sistema de juizado de instrução 150 31 Por Que Precisamos do Juiz das Garantias Qual o Fundamento do Sistema Duplo Juiz E por que um mesmo juiz não pode fazer tudo Em síntese 151 porque 1 É da essência do sistema inquisitório a aglutinação de funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutórios ao julgador senhor soberano do processo Portanto não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória Não existe imparcialidade pois uma mesma pessoa juiz ator busca a prova iniciativa e gestão e decide a partir da prova que ela mesma produziu Portanto incompatível com a matriz acusatória constitucional 2 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH especialmente nos casos Piersack de 1º101982 e De Cubber de 26101984 consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador Ou seja se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase préprocessual não poderá na fase processual ser o julgador É uma violação do direito ao juiz imparcial consagrado no art 61 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 Segundo o TEDH a contaminação resultante dos préjuízos conduzem à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva Desde o caso Piersack de 1982 entendese que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto que conhece de um determinado assunto e desse modo a sua falta de préjuízos 3 A imparcialidade no decorrer do tempo desde pelo menos o julgamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH no caso Piersack vs Bélgica distinguiuse entre objetiva em relação ao caso penal e subjetiva no tocante aos envolvidos Também devese valorizar a estética de imparcialidade ou seja a aparência a percepção que as partes precisam ter de que o juiz é realmente um juiz imparcial ou seja que não tenha tido um envolvimento prévio com o caso penal por exemplo na fase préprocessual decretando prisões cautelares ou medidas cautelares reais que o contamine que fomente os préjuízos que geram um imenso prejuízo cognitivo É importante que o juiz mantenha um afastamento que lhe confira uma estética de julgador e não de acusador investigador ou inquisidor Isso é crucial para que se tenha a confiança do jurisdicionado na figura do julgador Mas todas essas questões perpassam por um núcleo imantador que é a originalidade cognitiva 4 A garantia da originalidade cognitiva exige que o juiz criminal para efetivamente ser juiz e portanto imparcial conheça do caso penal originariamente no processo na fase processual na instrução Deve formar sua convicção pela prova colhida originariamente no contraditório judicial sem préjuízos e précognições acerca do objeto do processo Do contrário o modelo brasileiro que se quer abandonar faz com que o juiz já entre na fase processual sabendo demais excessivamente contaminado já sabedor e portanto jamais haverá a mesma qualidade cognitiva com a versão antagônica da defesa por elementar Não existe igualdade de condições cognitivas não existe contraditório real pois impossível o mesmo tratamento e portanto jamais haverá um devido processo frente a um juiz verdadeiramente imparcial 5 Não podemos ter um juiz que já formou sua imagem mental sobre o caso e que entra na instrução apenas para confirmar as hipóteses previamente estabelecidas pela acusação e tomadas como verdadeiras por ele e estamos falando de inconsciente não controlável tanto que decretou a busca e apreensão a interceptação telefônica a prisão preventiva etc e ainda recebeu a denúncia É óbvio que outro juiz deve entrar para que exista um devido processo Do contrário a manter o mesmo juiz a instrução é apenas confirmatória e simbólica de uma decisão previamente tomada Para compreender isso recordemos o que diz a Teoria da Dissonância Cognitiva 6 O contributo da Teoria da Dissonância Cognitiva já tratada152 também é crucial para compreender o imenso prejuízo que decorre dos pré juízos expressão também utilizada pelo TEDH pois é absolutamente irrefutável que o juiz constrói uma imagem mental dos fatos inconscientemente e não dominável a partir do momento em que começa a decidir sobre as medidas incidentais da investigação como uma quebra de sigilo telefônico e suas sucessivas prorrogações depois sobre a quebra de sigilo bancário fiscal determina a busca e a apreensão e finalmente decreta uma prisão cautelar roteiro bastante comum na imensa maioria dos processos com pequenas variações é evidente que já préjulgou que já decidiu sobre as hipóteses que já tem suas convicções e obviamente irá receber a denúncia Uma vez iniciado o processo ele se transforma em mero golpe de cena destinado apenas a confirmar as hipóteses acusatórias já tomadas como verdadeiras tanto que decidiu sobre aquelas medidas todas A instrução para um juiz contaminado é marcada a pela autoconfirmação de hipóteses superestimando as informações anteriormente consideradas corretas como as informações fornecidas pelo inquérito ou a denúncia tanto que ele as acolhe para aceitar a acusação pedido de medida cautelar etc b busca seletiva de informações onde se procuram predominantemente informações que confirmam a hipótese que em algum momento prévio foi aceita acolhida pelo ego gerando o efeito confirmadortranquilizador 7 A partir disso SCHÜNEMANN desenvolve uma interessante pesquisa de campo que acaba confirmando várias hipóteses entre elas a já sabida ainda que empiricamente por todos quanto maior for o nível de conhecimentoenvolvimento do juiz com a investigação preliminar e o próprio recebimento da acusação menor é o interesse dele pelas perguntas que a defesa faz para a testemunha e muito mais provável é a frequência com que ele condenará Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo uma relação não contraditória A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais acusatórias e conduz à molesta dissonância cognitiva Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança de autoconfirmação das hipóteses por meio da busca seletiva de informações Portanto em apertada síntese fica evidente a incompatibilidade psíquica ou o erro psicológico nomenclatura utilizada por James Goldschmidt no clássico Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal de que uma mesma pessoa atue na fase de investigação e depois seja um julgador imparcial no processo Por fim chamamos a atenção para uma questão que não está expressa na Lei n 139642019 mas que exigirá ampla discussão como ficam os processos de competência originária dos tribunais Em que um desembargador ou ministro é chamado a atuar na investigação preliminar para autorizar medidas restritivas de direitos fundamentais submetidas à reserva de jurisdição e depois participa da instrução e julgamento do futuro processo penal Pensamos que a exigência de imparcialidade do julgador é a mesma ainda que se trate de órgão colegiado cada magistrado tem dever de imparcialidade e portanto aplicável todos os argumentos que justificam a figura do magistrado das garantias que não pode participar do julgamento Por coerência e óbvia necessidade de originalidade cognitiva e imparcialidade o desembargador ou ministro que atua na fase préprocessual desempenha o papel de juiz das garantias e não poderá participar da instrução e julgamento Neste caso como se tratam de órgãos colegiados não é preciso criar nada simplesmente aquele desembargador ou ministro que atuou na fase de investigação preliminar está impedido de participar da fase processual e portanto da instrução e julgamento Está prevento e portanto impedido de julgar Não vislumbramos qualquer argumento racional para impedir essa sistemática até porque desembargadores e ministros não possuem qualquer atributo psíquico que os diferencie dos demais magistrados ou seres humanos para lhes imunizar dos naturais préjulgamentos contaminações e efeitos decorrentes da dissonância cognitiva 32 Atuação do Juiz das Garantias Análise do Art 3ºB e Seguintes do CPP ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºB Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento e também porque reflete um avanço importante para o processo penal e serve como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade O juiz das garantias foi concebido para atuar na fase préprocessual contudo nossa reforma fez uma construção híbrida ao permitir que ele atue até o momento procedimental previsto no art 399 Com isso ele não apenas recebe ou rejeita a denúncia ou queixa como se receber cita o réu para apresentação da resposta preliminar Após decide se absolve sumariamente ou não sendo que neste último caso decidindo pela continuidade do processo irá marcar a audiência de instrução e julgamento Não vislumbramos qualquer problema em que essa última parte do dispositivo que é anterior a reforma de 2019 seja adequada a questões operacionais e de pauta permitindose que o juiz das garantias deixe de aprazar a audiência de instrução e julgamento que não será realizada por ele e remeta os autos para o juiz do processo que então designará a audiência prevista no art 400 e s O argumento positivo é que essa sistemática assegura ainda mais a originalidade cognitiva e a imparcialidade do julgador na medida em que se a decisão sobre a absolvição sumária estivesse nas mãos do juiz julgador ele teria no mais das vezes que conhecer dos atos de investigação do inquérito prejudicando inclusive a previsão do parágrafo 3º do art 3ºB não ingresso no processo dos atos do inquérito para não poluir a cognição do julgador com esses meros atos de investigação Por outro lado podese criticar tal sistemática na medida em que prolonga excessivamente a atuação do juiz das garantias que inclusive pode absolver sumariamente um acusado ingressando assim na fase processual o que é contrário a sua natureza Mas sopesando os argumentos a favor e contra preferimos a forma como posta pelo legislador pois representa um ganho maior em termos de preservação da cognição do juiz julgador melhorando a qualidade epistêmica da decisão Ainda que suspensos pela decisão do Min FUX como já explicado faremos a análise do disposto nos arts 3ºB C D E e F que disciplina a atuação do juiz das garantias pois podem entrar em vigor a qualquer momento Art 3ºB O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário competindolhe especialmente COMENTÁRIO O juiz das garantias é o controlador da legalidade da investigação realizada pelo MP eou Polícia na medida em que existem diversas medidas restritivas de direitos fundamentais que exigem uma decisão judicial fundamentada reserva de jurisdição Também é fundamental como garantidor da eficácia de direitos fundamentais exercíveis nesta fase como direito de acesso contraditório no seu primeiro momento defesa técnica e pessoal direito a que a defesa produza provas e requeira diligências do seu interesse enfim guardião da legalidade e da eficácia das garantias constitucionais que são exigíveis já na fase préprocessual I receber a comunicação imediata da prisão nos termos do inciso LXII do caput do art 5º da Constituição Federal COMENTÁRIO Determina a CF dispositivo mencionando que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada Esse dispositivo se refere especialmente a prisão em flagrante e o disposto no art 306 do CPP II receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão observado o disposto no art 310 deste Código COMENTÁRIO Muito importante é a aplicação do art 310 do CPP 153 que é objeto de comentário específico no capítulo destinado as prisões cautelares especialmente quando abordamos a prisão em flagrante para onde remetemos o leitor para evitar repetições Cumpre sublinhar ainda que o momento correto e adequado para esse controle é na audiência de custódia a ser presidida pelo juiz das garantias III zelar pela observância dos direitos do preso podendo determinar que este seja conduzido à sua presença a qualquer tempo COMENTÁRIO O preso possui diversos direitos estabelecidos no art 5º da CF especialmente nos incisos III LIV LV LVIILVIII LXI LXII LXIII LXIV LXV LXVI LXVII LXVIII entre outros Havendo dúvida sobre o respeito e observância dos direitos do preso poderá ou melhor deverá o juiz determinar a imediata apresentação do preso para certificarse de que seus direitos estão sendo respeitados IV ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal COMENTÁRIO A instauração de qualquer investigação preliminar seja pela polícia inquérito policial ou pelo Ministério Público procedimento investigatório criminal PIC deverá ser imediatamente informada ao respectivo juiz das garantias para que possa exercer sua função de controlador da legalidade Evitase com isso a abertura de investigações que ficam sem qualquer controle inclusive de tempo e requisitos formais Importante sublinhar que o juiz das garantias não investiga apenas controla a legalidade da investigação V decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar observado o disposto no 1º deste artigo COMENTÁRIO Importantíssima missão do juiz das garantias é a de efetivar a garantia da reserva de jurisdição especialmente em relação as medidas cautelares pessoais reais ou diversas art 319 Portanto cabe a ele diante do pedido do MP ou representação da autoridade policial decretar ou não uma prisão temporária ou preventiva por exemplo verificando se estão presentes os requisitos legais fumus commissi delicti e periculum libertatis e a efetiva necessidade cautelar além da observância da principiologia aplicável Tal decisão deverá ser especificamente fundamentada como explicaremos junto com as demais questões atinentes no Capítulo das Prisões Cautelares VI prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar bem como substituílas ou revogálas assegurado no primeiro caso o exercício do contraditório em audiência pública e oral na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente COMENTÁRIO A prorrogação a que se refere esse inciso é da prisão temporária que tem prazo máximo de duração previsto na Lei n 796089 já que a prisão preventiva infelizmente não tem prazo de duração estabelecido em lei Igualmente caberá ao juiz das garantias a decretação mediante pedido ou revogação mediante pedido ou mesmo de ofício de qualquer prisão cautelar ou outra medida cautelar sejam medidas cautelares patrimoniais art 125 e s ou medidas cautelares diversas art 319 Importante a menção ao contraditório para substituição diz o dispositivo mas entendemos que também para decretação e a necessidade de audiência pública e oral neste momento Tal exigência encontra ainda abrigo no art 282 3º que determina Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida o juiz ao receber o pedido de medida cautelar determinará a intimação da parte contrária acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias permanecendo os autos em juízo Vai reforçado portanto o direito ao contraditório e a cultura de audiência na medida em que deverá o juiz das garantias marcar uma audiência pública e oral para debate e decisão sobre a substituição ou mesmo decretação da medida cautelar não se admitindo as simples manifestações escritas VII decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral COMENTÁRIO Importante sublinhar que se trata de decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas Não se admite a produção de provas de ofício pelo juiz Assim revogado tacitamente o disposto no art 156 I do CPP Portanto havendo pedido de produção antecipada de provas deverá o juiz analisar a pertinência da postulação se realmente existe a urgência apontada e se é uma prova irrepetível Não comprovando o interessado esses elementos deverá o pedido ser denegado pois a prova deve como regra ser produzida na fase processual na audiência de instrução e julgamento art 400 e s Se presente a real necessidade da produção antecipada de provas poderá o juiz das garantias marcar audiência pública e oral novamente um reforço para a cultura de audiência e oralidade para sua produção assegurando o contraditório presença e participação de ambos os interessados futuras partes em tese e a ampla defesa pessoal e técnica Situação complexa é quando essa prova tiver que ser produzida antes que exista indiciamento ou seja antes que se defina formalmente quem é o imputado Nesse caso excepcional e que deve ser evitado ao máximo o juiz deverá intimar a defensoria pública ou nomear um defensor dativo para acompanhar a audiência Ainda assim inevitavelmente acarretará prejuízos para o contraditório e a ampla defesa pois o posterior imputado não terá participado Isso faz com que tal medida seja realmente excepcional e restrita Ademais como forma de redução de danos todo o ato deverá ser registrado da melhor maneira possível preferencialmente em vídeo e áudio para posterior controle da qualidade epistêmica por parte do interessado Por fim é aplicável aqui por analogia o disposto na Súmula 455 do STJ no sentido de que a decisão que determina a produção antecipada de provas deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo VIII prorrogar o prazo de duração do inquérito estando o investigado preso em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no 2º deste artigo COMENTÁRIO A prorrogação do inquérito estando o investigado em liberdade ou mesmo quando não definido ainda se dará de forma direta entre polícia e MP sem intervenção do juiz das garantias que somente será chamado para decidir quando o investigado estiver preso Neste caso o inquérito ou o PIC a cargo do MP poderá ser prorrogado por até 15 dias uma única vez como determina o 2º após o que se a investigação não for concluída a prisão será relaxada importantíssimo avanço pois o legislador adotou a sistemática de prazo com sanção um reclame antigo da doutrina O prazo de até 15 dias inova em relação ao disposto no art 10 do CPP que entendemos vai afetado pela nova regra Assim o inquérito em caso de imputado preso poderá durar até 10 dias regra do art 10 cabendo uma única prorrogação por até 15 dias nova disciplina contida no 2º deste artigo por meio de decisão fundamentada do juiz das garantias IX determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento COMENTÁRIO Interessante inovação foi a possibilidade de o juiz das garantias trancar o inquérito policial ou qualquer investigação preliminar por óbvia analogia quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento Sem dúvida é uma situação excepcional na medida em que a investigação serve exatamente para apuração de um fato aparentemente criminoso buscando fundamentos razoáveis para formulação da acusação portanto demonstrar que existem condições de admissibilidade da acusação ou seja aquilo que se convencionou chamar civilisticamente de condições da ação Portanto o trancamento aqui terá lugar quando por exemplo a conduta for manifestamente atípica faltar punibilidade concreta diante da ocorrência de uma causa de extinção da punibilidade vg prescrição decadência etc for manifesta a ilegitimidade do imputado não houver justa causa enfim quando não se vislumbrar as condições necessárias para o exercício do futuro poder de acusar Nesse caso a investigação será trancada pelo juiz das garantias inclusive de ofício na medida em que ele é o guardião da legalidade desta fase X requisitar documentos laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação COMENTÁRIO Mais uma situação de atuação no controle da legalidade da investigação que não se confunde com a antiga postura inquisitória de produção de provas de ofício Aqui ele requisita documentos laudos e informações ao delegado para controlar a legalidade do que está sendo feito para verificar se é caso ou não de trancar o inquérito ou mesmo para atender a um pedido de acesso feito pela defesa diante da recusa do órgão policial Não se confunde com determinar a realização de perícia ou requisitar documentos de outros órgãos para investigar pois isso está vedado ao juiz das garantias e também ao juiz do processo diante do disposto no art 3ºA XI decidir sobre os requerimentos de a interceptação telefônica do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação b afastamento dos sigilos fiscal bancário de dados e telefônico c busca e apreensão domiciliar d acesso a informações sigilosas e outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado COMENTÁRIO Função precípua do juiz das garantias é a tomada de decisão mediante requerimento jamais de ofício sobre a concessão ou não de medidas restritivas de direitos fundamentais submetidas a reserva de jurisdição como o são as enumeradas nas alíneas a a e do presente inciso Tais medidas dada a gravidade do direito fundamental limitado exigem uma fundamentação idônea e específica calcada em argumentos jurídicos e fáticos que a ampare e legitime XII julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia COMENTÁRIO Tratase de hipótese bastante restrita e limitada na medida em que o juiz das garantias somente julga o habeas corpus impetrado contra ato coator emanado de autoridade policial ou administrativa similar que constitua uma coação ilegal como por exemplo a recusa em dar vista do inquérito ainda que neste caso o melhor caminho processual seja o mandado de segurança a jurisprudência costuma aceitar o uso do HC ao investigado a prática de ato ilegal por parte da autoridade policial a recusa por parte da autoridade policial em realizar alguma diligência postulada pela defesa etc Quando a ilegalidade emanar de membro do Ministério Público predomina o entendimento ao menos por ora de que o HC deve ser impetrado junto ao respectivo Tribunal de Justiça ou Regional Federal não cabendo ao juiz das garantias essa decisão De qualquer forma para melhor compreensão da matéria e ao mesmo tempo para evitar repetições remetemos o leitor para o capitulo específico no final deste livro onde tratamos do habeas corpus XIII determinar a instauração de incidente de insanidade mental COMENTÁRIO Tal medida está prevista nos arts 149 a 154 do CPP cabendo ao juiz das garantias a instauração do incidente de insanidade mental quando lhe for encaminhado o pedido na fase da investigação preliminar e estiverem presentes os requisitos legais XIV decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa nos termos do art 399 deste Código COMENTÁRIO Mais uma alteração importante e na direção correta pois como já demonstrou SCHÜNEMANN154 ao tratar da teoria da dissonância cognitiva o fato de um juiz analisar os atos da investigação e receber a denúncia gera uma imensa contaminação não sendo recomendável que ele seja o mesmo juiz a participar da instrução e julgamento Nessa perspectiva andou bem o legislador ao deixar a decisão acerca do recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa nas mãos do juiz das garantias até porque na nova sistemática o juiz da instrução não deve ter contato como regra com os atos da investigação preliminar Mas é importante recordar a confusão gerada pela reforma de 2008 que estabeleceu aparentemente dois recebimentos para denúncia ou queixa um no art 396 e outro no art 399 Explicamos essa questão no Capítulo XIII Morfologia dos procedimentos para onde remetemos o leitor para exata compreensão do problema A questão é que o dispositivo em análise faz expressa referência a atuação do juiz das garantias até o momento procedimental do art 399 com isso ele acabou avançando em demasia no procedimento pois recordemos que seguindo o rito ordinário é oferecida a denúncia ou queixa o juiz das garantias recebe ou rejeita art 396 se rejeitar caberá recurso em sentido estrito art 581I sendo irrecorrível o recebimento uma vez recebida a acusação o juiz das garantias citará o acusado arts 396 e 396A para oferecer resposta à acusação após a resposta os autos voltam para o juiz das garantias decidir se absolve sumariamente ou não art 397 Aqui encerra a atuação do juiz das garantias pois se não absolver sumariamente ratificará o recebimento da denúncia ou queixa e então remeterá os autos para o juiz do processo É verdade que o art 399 fruto da reforma anterior em 2008 diz que recebida a denúncia ou queixa o juiz designará dia e hora para a audiência ordenando a intimação do acusado de seu defensor do Ministério Público e se for o caso do querelante e do assistente Esse artigo foi elaborado na sistemática anterior em que o mesmo juiz atuava da investigação até a sentença Pensamos que agora até por questões pragmáticas de pauta e funcionamento cartorário o juiz das garantias deverá caso não absolva sumariamente o imputado ratificar o recebimento da acusação e remeter os autos para o juiz do processo que conforme sua pauta e disponibilidade marcará a audiência de instrução e julgamento procedendo nos termos do art 400 e s do CPP Novamente para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo XIII onde explicamos essas decisões recebimento rejeição e absolvição sumária e o procedimento ordinário e demais procedimentos XV assegurar prontamente quando se fizer necessário o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal salvo no que concerne estritamente às diligências em andamento COMENTÁRIO Papel fundamental do juiz das garantias e também do juiz do processo é ser o controlador da legalidade do procedimento e o guardião da eficácia dos direitos e garantias constitucionais do imputado Nessa perspectiva incumbe ao juiz das garantias assegurar todos os direitos do investigado incluindo o de acesso vista aos elementos informativos do inquérito policial ou de qualquer investigação preliminar a ele submetida ressalvando é claro as diligências ainda em andamento Esse artigo deve ser lido em harmonia com o art 7º da Lei n 8906 especialmente o inciso XIV e os 11 e 12 e também a Súmula Vinculante n 14 do STF155 Sobre o tema remetemos o leitor para o Capítulo IV quando tratamos do acesso do advogado aos autos do inquérito policial XVI deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia COMENTÁRIO No curso da investigação preliminar é recorrente a realização de perícias sendo nos termos do art 159 3º do CPP facultadas ao Ministério Público ao assistente de acusação ao ofendido ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico Portanto caberá ao juiz das garantias decidir sobre o pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia realizada na investigação XVII decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada quando formalizados durante a investigação COMENTÁRIO Tratamos em tópico específico o chamado acordo de não persecução penal inserido no art 28A para onde remetemos o leitor para evitar repetições Tanto o acordo de não persecução penal como o de colaboração premiada previsto na Lei n 12850 quando realizados antes da fase do art 399 do CPP estarão sujeitos a homologação ou não do juiz das garantias XVIII outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo COMENTÁRIO Tratase de cláusula genérica que depois da determinação exemplificativa de um rol de atos de competência do juiz das garantias abre para a possibilidade de sua atuação em outras situações não previstas respeitados é claro o limite de sua atuação procedimental até o momento do art 399 ou similar nos demais procedimentos e a própria função do juiz das garantias ser o responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário 1º VETADO 2º Se o investigado estiver preso o juiz das garantias poderá mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público prorrogar uma única vez a duração do inquérito por até 15 quinze dias após o que se ainda assim a investigação não for concluída a prisão será imediatamente relaxada COMENTÁRIO Determina o art 10 que como regra geral o inquérito deverá ser concluído no prazo de 10 dias se o imputado estiver preso Esse prazo sempre foi por nós criticado pela ausência de sanção como explicamos ao tratar do direito de ser julgado em um prazo razoável de nada adianta prever prazos sem uma sanção processual sob pena de absoluta ineficácia Agora o legislador traz duas importantes inovações a primeira é que estando o investigado preso poderá haver uma única prorrogação e por até 15 dias a segunda inovação relevantíssima é o estabelecimento de prazo com sanção ou seja se transcorrido o prazo de 15 dias da prorrogação a investigação não for concluída a prisão será imediatamente relaxada Com isso determinase a soltura do investigado e se dá efetividade ao prazo legal Noutra dimensão estando o investigado em liberdade não haverá como regra intervenção do juiz das garantias operandose uma tramitação direta entre polícia e Ministério Público acerca da prorrogação Obviamente quando essa tramitação violar o direito ao prazo razoável poderá o investigado requerer a intervenção do juiz das garantias tanto para fixar um prazo de conclusão como ainda em casos excepcionais determinar o trancamento da investigação pela violação do art 5º LXXVIII da CF eou ausência de fundamento razoável para o seu prosseguimento Art 3ºC A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art 399 deste Código COMENTÁRIO As infrações penais de menor potencial ofensivo contravenções e crimes cuja pena máxima não exceda a 2 anos submetidas ao juizado especial criminal nos termos da Lei n 90991995 não serão submetidas na fase pré processual ao juiz das garantias É uma medida coerente porque tais infrações penais de menor potencial ofensivo sequer podem ser objeto de inquérito policial havendo apenas a elaboração de um termo circunstanciado Tampouco haverá prisão temporária preventiva ou mesmo imposição de prisão em flagrante Portanto considerando ainda a celeridade e falta de complexidade dessas questões não se justifica a intervenção do juiz das garantias até porque nenhuma intervenção judicial haverá como regra Por fim estabelece o inciso que a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais ressalvadas as de menor potencial ofensivo como explicado e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa nos termos do art 399 do CPP que como já explicado é uma ratificação do recebimento anterior em caso de não haver absolvição sumária 1º Recebida a denúncia ou queixa as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento COMENTÁRIO Na verdade a atuação do juiz das garantias não cessa com o recebimento da acusação que ocorre nos termos do art 396 pois ela vai até a fase do art 399 isto é após a decisão de absolver sumariamente art 397 ou ratificar o recebimento Portanto após o momento procedimental do art 399 cessa a atuação do juiz das garantias e eventuais questões pendentes como por exemplo que digam respeito a restituição de bens apreendidos levantamento de medidas assecuratórias revogação de prisão preventiva etc serão decididas pelo juiz do processo responsável pela instrução e julgamento 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento que após o recebimento da denúncia ou queixa deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso no prazo máximo de 10 dez dias COMENTÁRIO O juiz do processo não está vinculado as decisões proferidas anteriormente pelo juiz das garantias especialmente aquelas que digam respeito a medidas cautelares pessoais ou patrimoniais ainda em curso Não só poderá haver um pedido de reconsideração como ainda trouxe a Lei n 139642019 mais uma inovação muito importante e também reclamada por nós há muito tempo o dever de revisar periodicamente a prisão cautelar e demais medidas cautelares patrimoniais O primeiro reexame em até 10 dias após o juiz do processo receber os autos após o art 399 portanto e antes da realização da audiência de instrução e julgamento Deverá essa portanto ser a primeira decisão a ser tomada pelo juiz da instrução revisando para manter ou revogar as medidas cautelares em curso e obviamente fundamentando sua decisão Depois deverá revisar a cada 90 dias art 316 único sob pena de também tornar a prisão ilegal prazo com sanção finalmente 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo à disposição do Ministério Público e da defesa e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias COMENTÁRIO Medida importantíssima e também por nós reclamada desde 1999 é a exclusão física dos autos do inquérito ou sua não inclusão para que não ingressem no processo Tratase de medida da maior importância para evitar o que o legislador espanhol de 1995 definiu como indesejáveis confusões de fontes cognoscitivas atendíveis contribuindo assim a orientar sobre o alcance e a finalidade da prática probatória realizada no debate ante os jurados É uma técnica que também utiliza o sistema italiano eliminando dos autos que formarão o processo penal todas as peças da investigação preliminar indagine preliminare com exceção do corpo de delito e das antecipadas produzidas no respectivo incidente probatório Essa exclusão ou não inclusão serve exatamente para evitar a contaminação do juiz pelos elementos obtidos no inquérito com severas limitações de contraditório defesa e principalmente que não servem e não se destinam à sentença O objetivo é a absoluta originalità do processo penal de modo que na fase pré processual não é atribuído o poder de aquisição da prova A função do inquérito e de qualquer sistema de investigação preliminar é recolher elementos úteis à determinação do fato e da autoria em grau de probabilidade para justificar a ação penal Com isso evitase a contaminação e garantese que a valoração probatória recaia exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação ao mesmo tempo em que se efetivará sua função endoprocedimental Para evitar repetições e ter uma melhor compreensão da matéria remetemos o leitor para o Capítulo IV especialmente nos tópicos em que fazemos a distinção entre atos de investigação e atos de prova mas também quando tratamos da contaminação do julgador e a necessidade de exclusão dos atos do inquérito de dentro do processo ressalvados como determina o dispositivo os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado Por fim sublinhamos os autos da investigação preliminar ficarão acautelados na secretaria do juiz das garantias permitindose o acesso por parte da defesa e Ministério Público mas não se permitindo a juntada aos autos do processo que será enviado ao juiz do processo Assim vedado o ingresso das peças do inquérito exceto as ressalvadas pelo dispositivo não poderá a parte simplesmente postular a juntada o apensamento ou mesmo juntar cópias sob pena de burla à vedação legal Isso gera a ilicitude dessa prova e necessário desentranhamento devendose avaliar ainda se não é caso de exclusão do próprio juiz do processo a teor do disposto no art 157 5º do CPP É importante compreender que houve uma mudança radical no processo e no atuar do juiz Agora o juiz das garantias quando remete os autos para o juiz da instrução e julgamento não encaminha automaticamente a integralidade dos autos Os autos ficarão acautelados na secretaria do juízo das garantias que remeterá para o juiz da instrução apenas a denúncia ou queixa a decisão de recebimento para compreensão do que foi recebido e do que foi rejeitado por exemplo decisão que decretou medidas cautelares ou prisão cautelar para controle e também para revisão no prazo de 10 dias decisão que manteve o recebimento e não absolveu sumariamente art 397 Em autos apartados deverão ser enviados e assim permanecer os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas Esse material não deve ser juntado ao processo principal pois se destina às partes MP e defesa que poderão utilizar ou não na audiência de instrução e julgamento Assim um exemplo trazido por Alexandre MORAIS DA ROSA156 é bem ilustrativo o fato de se arrolar uma testemunha já ouvida na fase de investigação preliminar não autoriza a juntada de seu depoimento anterior porque somente valerá o que disser em contraditório e oralmente por oportunidade da Audiência de Instrução e Julgamento Exatamente O processo penal brasileiro mudou e precisamos mudar as práticas judiciárias Art 3ºD O juiz que na fase de investigação praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo COMENTÁRIO Finalmente está consagrada uma lição de décadas do Tribunal Europeu de Direitos Humanos 1982 em diante igualmente por nós invocada há muito tempo juiz que atua na fase de investigação preliminar é um juiz prevento contaminado que não pode julgar pois a prevenção é causa de exclusão da competência e não de fixação como previa o modelo brasileiro O dispositivo menciona os arts 4º e 5º do CPP remetendo assim para o inquérito ou qualquer forma de investigação preliminar art 4º desde o momento da sua abertura que se dará nos termos do art 5º do CPP Essa remissão para alguns estaria errada seria um erro material na tramitação legislativa O correto deveria ser arts 6º e 7º deste Código que são os atos praticados dentro da investigação e que iriam vincular o feito ao juiz das garantias estabelecendo assim o impedimento de que ele também atuasse na fase de instrução e julgamento Aqui seria uma prevenção como causa de exclusão da competência de impedimento de que o mesmo juiz atuasse da investigação ao julgamento Feita essa ressalva não vislumbramos nessa remissão aos arts 4º e 5º certa ou errada um motivo para afastar a incidência do art 3ºD ou qualquer justificativa para a não implantação do juiz das garantias Tampouco prejudica a compreensão de que esse juiz das garantias está impedido de atuar no processo Portanto está estabelecida corretamente uma nova causa de impedimento dos juízes que demarca a necessidade do sistema de doble juez com a necessidade de dois juízes diferentes Um atuará na fase pré processual até o recebimento da acusação art 399 na nossa sistemática e outro com originalidade cognitiva que ingressará no feito para realizar a instrução e julgar Parágrafo único Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados a fim de atender às disposições deste Capítulo COMENTÁRIO O principal argumento dos críticos do juiz das garantias é exatamente esse inviabilidade de implantação dada a quantidade de comarcas que contam com apenas um juiz É um argumento pueril que não se sustenta Alguns simplesmente ignoram as soluções que são simples como apontaremos a continuação Outros manipulam o argumento pois no fundo querem apenas manter hígida estrutura inquisitória a aglutinação de poderes e o justicialismo óbvio que o juiz das garantias é uma tragédia para um juiz justiceiro E quais são as soluções157 158 Existem diversas comarcas com apenas um juiz mas que já deveriam ter dois dado o volume de processos criminais e cíveis logo faz uma distribuição cruzada A reforma justifica a abertura de concursos que estão represados e são necessários Não se faz uma reforma processual ampla e séria sem investimento Mas não se preocupem sigam lendo que vamos mostrar outras soluções sem precisar aumentar gastos Existem centenas de comarcas com apenas um juiz mas com comarcas contíguas as vezes a menos de 100 km em que existem dois ou mais juízes que poderiam atuar como juiz das garantias inclusive online através de inquérito eletrônico Em outros casos existem comarcas contíguas com apenas um juiz onde também poderia haver uma distribuição cruzada inclusive com atuação online Em todos os casos diante da ampla implementação dos processos e inquéritos eletrônicos é possível criar centrais de inquéritos em comarcas maiores para atender as comarcas pequenas na mesma região Enfim com o processo e inquérito eletrônicos não interessa mais o lugar o onde mas apenas o quando isto é estar na mesma temporalidade Ora sabemos todos desse novo referencial basta ver que trabalhamos o tempo todo no virtual com várias pessoas em tempo real e o que menos importa é onde se está Eis um novo paradigma que na verdade já integra o nosso cotidiano há décadas Caberá assim ao Poder Judiciário implementar as diferentes ferramentas disponíveis para efetivar o sistema duplo juiz e o juiz das garantias Art 3ºE O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União dos Estados e do Distrito Federal observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal COMENTÁRIO Uma vez implantado como se dará a escolha do juiz das garantias Não é um novo cargo ou uma nova figura de juiz a exigir um concurso e carreira específica Nada disso O juiz das garantias será designado a partir de normas de organização judiciária entre os juízes estaduais e federais seguindo as orientações gerais do Conselho Nacional de Justiça Art 3ºF O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão sob pena de responsabilidade civil administrativa e penal COMENTÁRIO Função importantíssima do juiz das garantias é assegurar o respeito a imagem e dignidade do imputado esteja ou não submetido à prisão impedindo os costumeiros espetáculos midiáticos até agora praticados pelas autoridades policiais ou administrativas Inclusive constitui crime de abuso de autoridade nos termos do art 13 da Lei n 138692019 a conduta de constranger o preso ou o detento mediante violência grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a I exibirse ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública II submeterse a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei III produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa sem prejuízo da pena cominada à violência Parágrafo único Por meio de regulamento as autoridades deverão disciplinar em 180 cento e oitenta dias o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão de modo padronizado e respeitada a programação normativa aludida no caput deste artigo transmitidas à imprensa assegurados a efetividade da persecução penal o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão COMENTÁRIO É preciso encontrar o difícil equilíbrio entre a liberdade de imprensa e portanto de divulgação de crimes prisões e investigações e os direitos igualmente fundamentais de respeito a imagem e dignidade do imputado preso ou solto Para tanto o CPP delega para as autoridades policiais e também jurisdicionais o dever de regulamentar e disciplinar essa difícil relação entre a imprensa e os órgãos de persecução penal para que as informações sejam transmitidas sem violação dos direitos do preso 33 A Exclusão do Juiz das Garantias dos processos de competência originária dos tribunais do rito do tribunal do júri dos casos de violência doméstica e familiar e dos processos criminais de competência da justiça eleitoral Na decisão proferida pelo Min Dias Toffoli na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 6298Distrito Federal no dia 1512020 que precisa ser acompanhada ao longo do ano de 2020 pois pende de julgamento de mérito foi decidido que Pelo exposto neste juízo preliminar confiro cautelarmente interpretação conforme às normas relativas ao juiz das garantias arts 3ºB a 3ºF do CPP para esclarecer que não se aplicam às seguintes hipóteses i processos de competência originária dos tribunais os quais são regidos pela Lei n 80381990 ii processos de competência do Tribunal do Júri iii casos de violência doméstica e familiar e iv processos de competência da Justiça Eleitoral ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX foi cassada a decisão do Min Toffoli e também suspensa sine die a implantação do juiz das garantias Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade São situações diversas e com argumentos de diferentes matrizes mas com os quais não concordamos Vejamos em síntese os argumentos da decisão e nossa crítica a Não haveria juiz das garantias nos processos de competência originária dos tribunais em nome do princípio da colegialidade porque ao serem vários julgadores não haveria prejuízo o fato de um dos ministrosdesembargadores terem feito o papel de juiz das garantias na fase investigatória As decisões colegiadas reforçam a independência e imparcialidade judiciais Discordamos A garantia da imparcialidade é exigível de cada magistrado é atributo pessoal de cada julgador que não guarda nenhuma relação com o fato de o julgamento ser colegiado ou singular Basta um magistrado estar contaminado para afetar todo o julgamento pois o devido processo não relativiza a garantia da imparcialidade e não negocia com juiz contaminado É um grande equívoco que decorre de uma visão reducionista da garantia constitucional e verdadeiro princípio supremo do processo penal a imparcialidade do julgador e de cada um deles em caso de órgão colegiado Noutra dimensão também é um equívoco pois seria a forma mais fácil e simples de dar eficácia à garantia Se em primeiro grau existe a discussão acerca das varas de um único juiz que já refutamos nos tribunais esse problema operacional sequer existe Se uma turma tem por exemplo 5 ministros aquele que atuou na fase préprocessual e desempenhou as funções de juiz das garantias simplesmente está impedido de participar daquele julgamento permanecendo o colegiado apto a decidir Poderia se argumentar mas e nos casos em que são apenas 3 julgadores como algumas câmaras e turmas criminais Haveria então a necessidade de convocar um desembargador de outra turmacâmara e fazer uma espécie de rodízio Simples para isso a colegialidade facilita tudo Enfim não concordamos com o argumento trazido pelo Min Toffoli nesta decisão liminar b Nos processos de competência do tribunal do júri não haveria juiz das garantias pois quem decide são os jurados e não o juiz Segundo a decisão visto que nesses casos o veredicto fica a cargo de um órgão coletivo o Conselho de Sentença Portanto operase uma lógica semelhante à dos Tribunais o julgamento coletivo por si só é fator de reforço da imparcialidade Discordamos O argumento da colegialidade já foi refutado e mais só para ampliar o argumento anterior nenhuma dúvida temos de que havendo um jurado impedido todo o júri é nulo Esse argumento poderia ser usado no tópico anterior Mas voltando ao júri É um equívoco pensar que não haveria prejuízo para a garantia da imparcialidade porque são os jurados e não o juiz quem decide Errado Inicialmente o juiz togado profere diversas decisões da maior importância que exigem a imparcialidade inexistente quando ele está contaminado por ter atuado no inquérito policial Isso passa por medidas cautelares que podem ser tomadas no curso do processo mas também pelas relevantíssimas decisões de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação que é chamado a tomar Aqui nesta fase a falta de imparcialidade pela contaminação cobra um preço que não pode ser desconsiderado Ademais não se pode esquecer de que no plenário do júri não só o juiz preside o ato e sua postura imparcial é fundamental como também é chamado a decidir em caso de desclassificação Portanto se os jurados em plenário desclassificarem para crime culposo por exemplo quem irá proferir sentença será o juiz presidente o mesmo que atuou desde o inquérito e que está contaminado Portanto todos os argumentos que justificam a existência do juiz das garantias seguem presentes no rito do júri c Nos casos de violência doméstica e familiar é um fenômeno dinâmico caracterizado por uma linha temporal que inicia com a comunicação da agressão Depois dessa comunicação sucedese no decorrer do tempo ou a minoração ou o agravamento do quadro Uma cisão rígida entre as fases de investigação e de instruçãojulgamento impediria que o juiz conhecesse toda a dinâmica do contexto de agressão Portanto pela sua natureza os casos de violência doméstica e familiar exigem disciplina processual penal específica que traduza um procedimento mais dinâmico apto a promover o pronto e efetivo amparo e proteção da vítima de violência doméstica Discordamos O argumento da relevância do bem jurídico tutelado da urgência de tutela é perfeitamente válido mas não justifica o afastamento do juiz das garantias pelo simples fato de que esse instituto não é causador de demora de per si Quanto ao argumento de que a cisão das fases impediria que o juiz conhecesse toda a dinâmica da agressão é contraditório pois é exatamente isso que se argumenta para existir o juiz das garantias Evitar a contaminação os préjulgamentos e a falta de originalidade cognitiva É isso que se quer evitar com o juiz das garantias e que aqui vem como argumento de legitimação da sua não aplicação Ademais exatamente por lidar com fatos graves e que geram um envolvimento emocional mais intenso por parte do próprio juiz afinal é um sernomundo é que se deveria ter o sistema de duplo juiz d Por fim não se aplicaria o juiz das garantias nos processos de competência da justiça eleitoral porque em sua arquitetura ímpar estruturada para conduzir o processo democrático dotada de competências administrativa e jurisdicional não dispõe de quadro próprio de magistrados sendo composta por membros oriundos de outros ramos da Justiça situação que poderá dificultar a aplicação do juiz de garantias Enfim um argumento de falta de estrutura que poderia ser contornado como igualmente é contornado na justiça comum estadual e federal nas comarcas de vara única É verdade que a justiça eleitoral tem uma estrutura peculiar mas igualmente é verdadeira a constatação de que a demanda criminal eleitoral é mínima infinitamente menor do que na justiça comum de modo que seria perfeitamente contornável o argumento No mais não se enfrenta o próprio fundamento da existência do juiz das garantias em momento algum na decisão Enfim refutados os argumentos vejamos como se posiciona de forma definitiva o STF ao julgar o mérito desta ação mas esperamos que a implantação do juiz das garantias seja uniforme e alcance a todas essas situações que foram liminarmente excluídas 4 Objeto e sua Limitação O objeto da investigação preliminar159 é o fato constante na notitia criminis isto é o fumus commissi delicti que dá origem à investigação e sobre o qual recai a totalidade dos atos desenvolvidos nessa fase Toda a investigação está centrada em esclarecer em grau de verossimilitude o fato e a autoria sendo que esta última autoria é um elemento subjetivo acidental da notíciacrime Não é necessário que seja previamente atribuída a uma pessoa determinada A atividade de identificação e individualização da participação será realizada no curso da investigação preliminar Destarte o objeto do inquérito policial será o fato ou fatos constante na notíciacrime ou que resultar do conhecimento adquirido através da investigação de ofício da polícia No que se refere ao quanto de conhecimento cognitio do fato deverá ser alcançado no inquérito o modelo brasileiro adota o chamado sistema misto estando limitado qualitativamente e também no tempo de duração 41 Limitação Qualitativa O inquérito policial serve essencialmente para averiguar e comprovar os fatos constantes na notitia criminis Nesse sentido o poder do Estado de averiguar as condutas que revistam a aparência de delito é uma atividade que prepara o exercício da pretensão acusatória que será posteriormente exercida no processo penal É importante recordar que para a instauração do inquérito policial basta a mera possibilidade de que exista um fato punível A própria autoria não necessita ser conhecida no início da investigação Sem embargo para o exercício da ação penal e a sua admissibilidade deve existir um maior grau de conhecimento exigese a probabilidade de que o acusado seja autor coautor ou partícipe de um fato aparentemente punível Logo o inquérito policial nasce da mera possibilidade mas almeja a probabilidade Para atingir esse objetivo o IP tem seu campo de cognição limitado No plano horizontal está limitado a demonstrar a probabilidade da existência do fato aparentemente punível e a autoria coautoria ou participação do sujeito passivo Essa restrição recai sobre o campo probatório isto é os dados acerca da situação fática descrita na notitia criminis O que se busca é averiguar e comprovar o fato em grau de probabilidade No plano vertical está o direito isto é os elementos jurídicos referentes à existência do crime vistos a partir do seu conceito formal fato típico ilícito e culpável O IP deve demonstrar a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade aparente também em grau de probabilidade A antítese será a certeza sobre todos esses elementos e está reservada para a fase processual Para compreender melhor vejamos a seguinte representação gráfica iniciando pela fase processual processo penal de conhecimento Notase que na fase processual as partes podem discutir toda a matéria fática prova de autoria e materialidadeexistência do fato e jurídica possibilidade de discussão sobre todos e cada um dos elementos do conceito analítico de crime ou seja tipicidade ilicitude e culpabilidade A cognição é plenária e permite o exaurimento de todas as teses e argumentos O resultado final é a sentença em que se profere uma tutela de segurança resultado da plena discussão de todo o caso penal Situação completamente distinta ocorre na investigação preliminar onde a cognição é limitada sumária Reparem que o conhecimento das questões fáticas plano horizontal e ju rídicopenais plano vertical são limitados não se permitindo a ampla discussão sobre elas Empregase uma limitação nas duas dimensões fazendo com que a cognição seja limitada mera tutela de aparência É por isso que o inquérito policial busca apenas a verossimilhança do crime a mera fumaça fumus commissi delicti não havendo possibilidade de plena discussão das teses pois a cognição plenária fica reservada para a fase processual Sublinhamos ainda que uma das grandes inovações trazidas pela reforma de 20192020 foi a exclusão física dos autos do inquérito permanecendo apenas as provas técnicas e irrepetíveis conforme determina o art 3ºC 3º e 4º do CPP Mas também advertimos que essa inovação foi suspensa sem prazo pela decisão do Min FUX já referida Portanto até que a questão seja resolvida no âmbito do STF O INQUÉRITO SEGUE SENDO ANEXADO INTEGRALMENTE AO PROCESSO COMO NO VELHO SISTEMA DO CPP Esclarecido isso prossigamos O inquérito policial não é obrigatório e poderá ser dispensado sempre que a notíciacrime dirigida ao MP disponha de suficientes elementos para a imediata propositura da ação penal Da mesma forma se com a representação art 39 5º do CPP forem aportados dados suficientes para acusar o MP deverá propor a denúncia no prazo de 15 dias Isso porque o IP está destinado apenas a formar a convicção do MP que poderá acusar desde que disponha de suficientes elementos para demonstrar a probabilidade do delito e da autoria O problema de ordem prática está na efetividade da sumariedade que é sistematicamente negada pela polícia que investiga até que ela entenda provado o fato quando na verdade a convicção deve partir do titular da ação penal Ademais o fato não deve estar provado senão demonstrado em grau de probabilidade Uma das maiores críticas que se faz ao IP é a repetição na produção da prova O inquérito policial é normativamente sumário inclusive com limitação quantitativa ou temporal mas o que sucede na prática é que ele se transforma de fato em plenário Essa conversão de normativamente sumário em efetivamente plenário é uma gravíssima degeneração A polícia demora excessivamente a investigar investiga mal e por atuar mal acaba por alongar excessivamente a investigação O resultado final é um inquérito inchado com atos que somente deveriam ser produzidos em juízo e que por isso desborda os limites que o justificam Parte da culpa vem dada pela má valoração dos atos realizados pois se realmente fossem considerados meros atos de investigação não haveria justificativa em estender uma atividade que esgota sua eficácia no oferecimento da ação penal Em suma a cognição deve ser limitada Atingido um grau de convencimento tal que o promotor possa oferecer a denúncia com suficientes elementos probabilidade do fumus commissi delicti ele deverá determinar a conclusão do inquérito e exercer a ação penal Ou então não se chega ao grau de probabilidade exigido para a admissão da acusação e a única alternativa é o pedido de arquivamento 42 Limitação Temporal Prazo Razoável Prazo Sanção Ineficácia Normativamente o IP é célere tendo em vista a limitação temporal que lhe é imposta pela lei Adotando o sistema misto o Direito brasileiro limita o inquérito policial tanto qualitativamente como também quantitativamente É importante destacar que não assiste à polícia judiciária o poder de esgotar os prazos previstos para a conclusão do IP principalmente existindo uma prisão cautelar O inquérito deverá ser concluído com a maior brevidade possível e em todo caso dentro do prazo legal Ademais não há que se esquecer do direito de ser julgado no prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição e já explicado anteriormente em tópico específico cuja incidência na fase préprocessual é imperativa e inafastável Assim como regra geral o inquérito policial deve ser concluído no prazo de 10 dias indiciado preso ou 30 dias no caso de não existir prisão cautelar art 10 do CPP Esse prazo de 10 dias será computado a partir do momento do ingresso em prisão pois o que se pretende limitar é que a prisão se prolongue além dos 10 dias Situação interessante foi criada pelo art 3ºB VIII e o 2º Art 3ºB O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário competindolhe especialmente VIII prorrogar o prazo de duração do inquérito estando o investigado preso em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no 2º deste artigo 2º Se o investigado estiver preso o juiz das garantias poderá mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público prorrogar uma única vez a duração do inquérito por até 15 quinze dias após o que se ainda assim a investigação não for concluída a prisão será imediatamente relaxada Portanto o inquérito estando o imputado preso deve ser concluído em 10 dias mas a prorrogação poderá ser por mais 15 dias A prorrogação do inquérito estando o investigado em liberdade ou mesmo quando não definido ainda se dará de forma direta entre polícia e MP sem intervenção do juiz das garantias que somente será chamado para decidir quando o investigado estiver preso Neste caso o inquérito ou o PIC a cargo do MP poderá ser prorrogado por até 15 dias uma única vez como determina o 2º após o que se a investigação não for concluída a prisão será relaxada importantíssimo avanço pois o legislador adotou a sistemática de prazo com sanção um reclame antigo da doutrina O prazo de até 15 dias inova em relação ao disposto no art 10 do CPP que entendemos vai afetado pela nova regra Assim o inquérito em caso de imputado preso poderá durar até 10 dias regra do art 10 cabendo uma única prorrogação por até 15 dias nova disciplina contida no 2º deste artigo por meio de decisão fundamentada do juiz das garantias Mas repetindo a advertência inicial Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºB Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o art 3ºB está suspenso e deve ser observado o prazo previsto no CPP Quando o sujeito passivo estiver em liberdade atendendo à complexidade do caso difícil elucidação o prazo de 30 dias poderá ser prorrogado a critério do juiz competente para o processo art 10 3º do CPP desde que existam motivos razoáveis para isso O que não se pode admitir como destaca ESPÍNOLA FILHO160 é que a dilatação fique ao arbítrio ou critério da autoridade policial A lei é clara e exige a concorrência de dois fatores fato de difícil elucidação indiciado solto Mas existem em leis especiais outros prazos máximos de duração e também de prorrogação da duração mediante autorização do juiz das garantias que pensamos seguem valendo Assim nos processos de competência da Justiça Federal prevê o art 66 da Lei n 501066 que o prazo de conclusão do IP quando o sujeito passivo estiver em prisão será de 15 dias prorrogáveis por mais 15 Nesse caso a polícia deverá apresentar o preso ao juiz e a decisão judicial deverá ser fundamentada levandose em consideração a gravidade da medida adotada Mantémse o limite de 30 dias quando o sujeito passivo estiver em liberdade Nos delitos de tráfico de entorpecentes o art 51 da Lei n 113432006 prevê que o inquérito será concluído no prazo de 30 dias se o indiciado estiver preso e de 90 dias se estiver solto Esses prazos substancialmente maiores do que aqueles previstos no CPP poderão ainda ser duplicados pelo juiz Destaquese a possibilidade de um inquérito durar até 60 dias com indiciado preso o que dependendo das circunstâncias do caso pode constituir uma violação do direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Essa sistemática segue a diretriz anteriormente definida pela problemática Lei n 807290 que prevê no seu art 2º 4º que a prisão temporária terá o prazo de 30 dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Aqui nada dispõe sobre o prazo de duração do inquérito policial Por isso devemos analisar o tema a partir do fundamento da existência da prisão temporária pois ela serve para possibilitar as investigações do inquérito policial Tem um claro caráter instrumental em relação ao IP não podendo subsistir uma prisão dessa natureza após o oferecimento da denúncia Por isso sua duração é curta 5 dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Conjugando esses elementos identificase mais uma grave medida criada pela hedionda Lei n 8072 um inquérito policial com indiciado preso cuja duração pode ser de 30 dias ou mais Ainda que a lei preveja a possibilidade de prorrogação por igual período entendemos que na prática ela jamais deveria ocorrer O prazo inicial já é excessivamente longo muito além do necessário para que a polícia realize as diligências imprescindíveis que exijam a prisão do imputado É inegável que ocorrendo uma excepcionalíssima situação de extrema e comprovada necessidade o MP ou a polícia deverá solicitar uma prisão preventiva cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada Caso decida pela prisão imediatamente o preso deve ser trasladado da respectiva delegacia para o estabelecimento prisional adequado não ficando mais à disposição da polícia e das suas práticas investigatórias Também é prudencial que o MP ou a defesa solicite ao juiz fixar um prazo exíguo para a conclusão do IP ou mesmo a sua imediata conclusão e remessa Novamente o que se vê é uma situação violadora do direito ao processo penal no prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Sublinhamos que a Lei n 138692019 Abuso de Autoridade estabeleceu que constitui crime Art 31 Estender injustificadamente a investigação procrastinando a em prejuízo do investigado ou fiscalizado Pena detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e multa Parágrafo único Incorre na mesma pena quem inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento o estende de forma imotivada procrastinandoo em prejuízo do investigado ou do fiscalizado Tratase de um tipo penal novo que contribuiria para evitar investigações que abusivamente se prolongam no tempo mas que encontrará severas dificuldades de eficácia na falta de um prazo claro e determinado de duração do inquérito ou qualquer forma de investigação preliminar Para concluir destacamos que a regra geral é o descumprimento sistemático dos prazos reforçando a crítica que fizemos ao tratar do direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável em relação à teoria do não prazo e à falta de sanção processual Ou seja pensamos que os prazos do inquérito devem ser fixados categoricamente e a partir de critérios mais razoáveis Descumprido o prazo fixado em lei deveria haver uma sanção algo inexistente como a pena de inutilidade dos atos praticados depois de esgotado o prazo ou mesmo a perda do poder de acusar do Estado pelo decurso do tempo 5 Análise da Forma dos Atos do Inquérito Policial 51 Atos de Iniciação Art 5º do CPP O inquérito policial tem sua origem na notitia criminis ou mesmo na atividade de ofício dos órgãos encarregados da segurança pública Formalmente o IP inicia com um ato administrativo do delegado de polícia que determina a sua instauração através de uma portaria Sem embargo a relevância está no ato que dá causa à portaria que em última análise carece de importância jurídica Por isso dispõe o art 5º do CPP que o IP será iniciado 511 De Ofício pela Própria Autoridade Policial A própria autoridade policial em cuja jurisdição territorial ocorreu o delito que lhe compete averiguar em razão da matéria tem o dever de agir de ofício instaurando o inquérito policial É uma verdadeira inquisiti ex officio A chamada cognição direta pode surgir como aponta ARAGONESES ALONSO161 por informação reservada em virtude da situação de flagrância por meio da voz pública através da notoriedade do fato Na realidade excetuandose o flagrante são raros os casos de selfstarter da polícia que em geral só atua mediante invocação Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE162 o Estado seja por meio da polícia do Ministério Público ou dos órgãos jurisdicionais juiz de instrução não atua em regra pelo sistema de selfstarter mas sim através de uma reação a uma notitia criminis Para ilustrar essa realidade segundo dados fornecidos pelos autores nos Estados Unidos e Alemanha calculase que o início das investigações depende em cerca de 85 a 95 da iniciativa dos particulares 512 Requisição do Ministério Público ou Órgão Jurisdicional Quando chega ao conhecimento de algum desses órgãos a prática de um delito de ação penal de iniciativa pública ou se depreende dos autos de um processo em andamento a existência de indícios da prática de uma infração penal de natureza pública a autoridade deverá diligenciar para sua apuração Decorre do dever dos órgãos públicos de contribuir para a persecução de delitos dessa natureza Em sendo o possuidor da informação um órgão jurisdicional deverá enviar os autos ou papéis diretamente ao Ministério Público art 40 para que decida se exerce imediatamente a ação penal requisite a instauração do IP ou mesmo solicite o arquivamento art 28 A Constituição ao estabelecer a titularidade exclusiva da ação penal de iniciativa pública esvaziou em parte o conteúdo do artigo em tela Em que pese o disposto no art 5º II do CPP entendemos que não cabe ao juiz requisitar abertura de inquérito policial não só porque a ação penal de iniciativa pública é de titularidade exclusiva do MP mas também porque é um imperativo do sistema acusatório Inclusive quando a representação é feita ao juiz art 39 4º entendemos que ele não deverá remeter à autoridade policial mas sim ao MP Não só porque é o titular da ação penal mas porque o próprio 5º do art 39 permite que o MP dispense o IP quando a representação vier suficientemente instruída e quem deve decidir sobre isso é o promotor e não o juiz Em definitivo não cabe ao juiz requisitar a instauração do IP em nenhum caso pois viola a matriz constitucional do sistema acusatório e o art 3ºA do CPP Mesmo quando o delito for aparentemente de ação penal privada ou condicionada deverá o juiz remeter ao MP para que este arquive ou providencie a representação necessária para o exercício da ação penal Se for o próprio MP quem tomar conhecimento da existência do delito deverá exercer a ação penal no prazo legal requisitar a instauração do IP ou ordenar o arquivamento art 28 Quem deve decidir sobre a necessidade de diligências e quais é o titular da ação penal que poderá considerarse suficientemente instruído para o imediato oferecimento da denúncia Tudo isso sem esquecer que o próprio MP poderá instaurar um procedimento administrativo préprocessual destinado a aclarar os pontos que julgue necessário prescindindo da atuação policial Em sentido estrito a requisição é uma modalidade de notíciacrime qualificada tendo em vista a especial condição do sujeito ativo e a imperatividade pois dá notícia de um acontecimento com possível relevância jurídicopenal e determina a sua apuração De qualquer forma recebendo a requisição a autoridade policial deverá imediatamente instaurar o inquérito policial e praticar as diligências necessárias e as eventualmente determinadas pelo MP O 2º do art 5º referese exclusivamente ao requerimento do ofendido não se aplicando à requisição Por fim os requisitos previstos no art 5º II 1º não se aplicam à requisição mas somente ao requerimento do ofendido Sem embargo por imposição lógica a requisição deverá descrever o fato aparentemente delituoso a ser investigado cabendo ao promotor indicar aqueles elementos que já possui e que possam facilitar o trabalho policial Nada obsta a que o MP reservese o poder de não informar aquilo que julgar desnecessário ou mesmo que não deva ser informado à polícia para não prejudicar o êxito da investigação principalmente quando o segredo for imprescindível e existir a possibilidade de publicidade abusiva por parte da polícia ou que pela natureza do fato a reserva de informação esteja justificada 513 Requerimento do Ofendido Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada É uma notíciacrime qualificada pois exige uma especial condição do sujeito ser o ofendido que ademais de comunicar a ocorrência de um fato aparentemente punível requer que a autoridade policial diligencie no sentido de apurálo No sistema adotado pelo CPP nos delitos de ação penal de iniciativa pública a fase préprocessual está nas mãos da polícia e a ação penal com o Ministério Público Sem embargo cabe à vítima atuar em caso de inércia dos órgãos oficiais da seguinte forma requerendo a abertura do IP se a autoridade policial não o instaurar de ofício ou mediante a comunicação de qualquer pessoa exercer a ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do Ministério Público art 5º LIX da CB cc art 29 do CPP Ao lado desses mecanismos de impulso em caso de inércia a vítima poderá acompanhar a atividade dos órgãos públicos da seguinte forma solicitando diligências no curso do inquérito art 14 que poderão ser realizadas ou não a juízo da autoridade policial163 bem como facilitando dados documentos e objetos que possam contribuir para o êxito da investigação no processo habilitandose como assistente da acusação e dessa forma propondo meios de prova requerendo perguntas às testemunhas participando do debate oral e arrazoando os recursos interpostos pelo MP ou por ele próprio nos termos dos arts 268 e seguintes do CPP O art 5º II 1º enumera determinados requisitos que conterão sempre que possível o requerimento O primeiro é de ordem lógica pois necessariamente deve descrever um fato ainda que não o faça com todas as circunstâncias até porque um dos fundamentos da existência do inquérito policial como instrução preliminar é apurar as circunstâncias do fato A letra b referese à indicação da autoria cabendo ao ofendido facilitar à polícia os dados que possua e fundamentar sua suspeita Mas tampouco é imprescindível pois outra das funções do IP é exatamente a sua determinação A nomeação das testemunhas com dados que permitam identificálas sendo desnecessário indicar a profissão O que pretende a lei é que o ofendido indique dados que permitam à autoridade identificar e contatar as testemunhas Tampouco poderá ser indeferido o requerimento por falta de indicação de testemunhas Em síntese o que deve ficar claro é que se trata de um delito de ação penal de iniciativa pública e que a polícia tem a obrigação de apurar seja através do conhecimento de ofício através de notíciacrime realizada pela vítima ou por qualquer pessoa Para atender aos requisitos legais o requerimento deverá ser feito por escrito e firmado pela vítima ou seu representante legal até porque a falsa comunicação ou imputação contida no requerimento poderá configurar o delito do art 340 ou do art 339 do CP Não existe um prazo fixado em lei mas deverá ser feita antes da prescrição pela pena abstratamente cominada Prevê o 2º do art 5º que do despacho que indeferir o requerimento de abertura do inquérito policial caberá recurso para o chefe de polícia É um recurso inominado de caráter administrativo e de pouca ou nenhuma eficácia Vislumbramos outras duas alternativas impetrar um Mandado de Segurança contra o ato do delegado que será julgado pelo juiz levar ao conhecimento do Ministério Público oferecendolhe todos os dados disponíveis nos termos do art 27 Especialmente na segunda opção quiçá a melhor se o MP insistir no sentido do arquivamento das peças de informação nada mais poderá ser feito Poderá sim repetir o pedido de abertura se surgirem novos elementos que possam justificar uma mudança de opinião 514 Comunicação Oral ou Escrita de Delito de Ação Penal de Iniciativa Pública É a típica notíciacrime em que qualquer pessoa sem um interesse jurídico específico comunica à autoridade policial a ocorrência de um fato aparentemente punível Inclusive a vítima poderá fazer essa notíciacrime simples quando comunica o fato sem formalizar um requerimento O IP somente poderá formalmente ser instaurado se for um delito de ação penal de iniciativa pública e a autoridade policial verificar a procedência das informações Caso a comunicação tenha por objeto um delito de ação penal de iniciativa privada não terá eficácia jurídica para dar origem ao inquérito policial pois exige o art 5º 5º que a vítima ou quem tenha qualidade para representála apresente um requerimento No Brasil como regra a notíciacrime é facultativa pois aos cidadãos assiste uma faculdade e não uma obrigação de denunciarem a prática de um delito que tenham presenciado ou que sabem ter ocorrido Em sentido oposto está a notíciacrime obrigatória164 que no nosso sistema é uma exceção Como exemplos de notíciacrime obrigatória citamos o art 66 da Lei n 368841 segundo o qual constitui a contravenção de omissão de comunicação de crime o ato de deixar de comunicar à autoridade competente crime de ação penal de iniciativa pública incondicionada de que teve conhecimento no exercício de função pública O inciso II do referido dispositivo prevê a punição de quem teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária de um crime de ação penal pública incondicionada e cuja comunicação não exponha o cliente a procedimento penal Logo a regra é que qualquer pessoa pode faculdade e não um dever comunicar a ocorrência de um delito de ação penal de iniciativa pública cabendo à polícia verificar a procedência da delatio criminis e instaurar o inquérito policial que uma vez iniciado não poderá ser arquivado salvo quando assim o requerer o MP ao juiz competente Ainda que não possua forma ou qualquer requisito salvo o de ser um delito de ação penal de iniciativa pública é importante documentar essa comunicação reduzir a termo quando feita oralmente ou anexar ao inquérito o documento escrito que a materializou Na polícia essa notíciacrime simples assume a forma de Boletim ou Termo de Ocorrência Ademais de consignar o fato e as suas circunstâncias é importante conforme o caso questionar sobre os motivos que levaram a realizar a notíciacrime pois podem interessar à investigação principalmente quando motivada por vingança ou uma forma dissimulada de pressionar ou constranger A comunicação de um delito em que caiba ação penal de iniciativa pública também poderá ser realizada diretamente ao Ministério Público a teor do art 27 cabendo ao promotor decidir entre oferecer a denúncia com base nos dados fornecidos em se tratando de um delito de ação penal de iniciativa pública condicionada poderá oportunizar165 à vítima para que querendo ofereça a representação se não for ela mesma quem noticia o fato instaurar um procedimento administrativo préprocessual de caráter investigatório com o fim de apurar o fato e a autoria noticiada requisitar a instauração do inquérito policial solicitar o arquivamento redação original do art 28 do CPP ou quando entrar em vigor a nova redação do art 28 suspensa pelo Min FUX ordenar o arquivamento das peças de informação Se a notícia do delito tiver como destinatário o órgão jurisdicional deverá este remetêla imediatamente ao MP pois como vimos não cabe ao juiz requisitar a abertura do IP Quando falsa a comunicação possui relevância jurídicopenal Destarte poderá adequarse à conduta descrita no art 340 do CP aquele que der causa à instauração do inquérito policial por meio de uma falsa comunicação de crime ou contravenção Exige o tipo penal que o agente atue dolosamente com plena consciência da falsidade que comete Quando ademais de comunicar a existência de um delito imputao a uma pessoa determinada o delito será o de denunciação caluniosa art 339 do CP exigindo o tipo penal a presença do dolo pois deve imputar a conduta a uma pessoa determinada e que sabe ser inocente 515 Representação do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionadax Quando se tratar de um delito de ação penal de iniciativa pública condicionada a teor do art 5º 4º sequer poderia ser iniciado o IP sem a representação da vítima Cumpre advertir que com o advento da Lei n 909995 e a posterior alteração do art 61 pela Lei n 113132006 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Não existe mais nenhuma restrição aos crimes a que a lei preveja procedimento especial como na redação original da Lei n 9099 Com isso diminuiu sensivelmente a incidência de inquérito policial em crimes dessa natureza posto que nesses casos não haverá inquérito policial mas mero termo circunstanciado Contudo para os demais casos não sujeitos à competência dos Juizados Especiais Criminais a representação segue sendo normalmente utilizada para abertura do inquérito e em relação à ação penal como uma condição de procedibilidade É na verdade uma notíciacrime qualificada Isso porque exige uma especial qualidade do sujeito que a realiza Ademais ao mesmo tempo que dá notícia de ter sido ofendido por um delito demonstra a intenção de que o Estado inicie a perseguição Vejamos agora a representação numa análise sistemática Sujeito a vítima ou seu representante legal cônjuge ascendente descendente ou irmão A representação poderá ainda ser prestada através de procurador com poderes especiais Com o advento do novo Código Civil entendemos que desapareceu a legitimidade concorrente166 antes adotada quando o ofendido tinha entre 18 e 21 anos de modo que ou o ofendido tem menos de 18 anos e a representação deve ser feita pelo representante legal ou ele é maior de 18 anos situação em que somente ele poderá representar desaparece a possibilidade de o representante o fazer Sem entrar na infindável discussão sobre o alcance da Súmula 594 do STF destacamos apenas que a nosso juízo tratase de um único direito Logo se o menor de 18 anos levar ao conhecimento do representante legal o prazo de 6 meses começa a fluir Se o responsável legal não representar não poderá o menor ao atingir a maioridade fazer a representação pois o direito em tela terá sido atingido pela decadência Contudo se o menor não levar ao conhecimento do representante legal contra ele não flui o prazo eis que menor e contra o representante também não pois não tem ciência Logo quando completar a maioridade poderá representar dentro do limite de 6 meses Objeto os objetos da representação são o fato noticiado e a respectiva autorização para que o Estado proceda contra o suposto autor Não é necessário que a representação venha instruída com prova plena da autoria e da materialidade mas sim que sejam apresentadas informações suficientes para convencer que há um crime a apurar A própria indicação do autor não é imprescindível pois uma das finalidades do IP é descobrilo Sem embargo deverá conter todas as informações que possam servir para que a autoridade policial esclareça o ocorrido Atos a representação está sujeita a requisitos de ordem formal e deverá ser feita obedecendo ao a Lugar poderá ser oferecida ao juiz ao órgão do MP ou à autoridade policial No primeiro caso o juiz deverá encaminhar diretamente ao MP que deverá decidir entre denunciar pedir o arquivamento investigar por si mesmo ou requisitar a instauração do IP Entendemos que o art 39 4º do CPP não se coaduna com os poderes conferidos pela Constituição de 1988 que outorga ao MP a titularidade exclusiva da ação penal pública ademais de poderes investigatórios e de controle externo da atividade policial como apontamos anteriormente Quando oferecida a representação diretamente à polícia deverá esta apurar a infração penal apontada através do IP b Tempo o prazo para representar é decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser interrompido ou suspenso Realizada no prazo legal será irrelevante que a denúncia seja oferecida após os 6 meses pois o prazo decadencial está atrelado exclusivamente à representação e uma vez realizada esta não se fala mais em decadência A representação poderá ser oferecida a qualquer dia e hora junto à autoridade policial e nos dias e horas úteis ao juiz ou promotor c Forma a representação é facultativa cabendo ao ofendido valorar a oportunidade e a conveniência da persecução penal podendo inclusive preferir a impunidade do agressor à difamação e humilhação gerada pela publicidade do fato no curso do processo Não poderá haver qualquer forma de pressão ou coação para que a vítima represente pois deve ser um ato de livre manifestação de vontade O vício de consentimento anula a representação e leva à ilegitimidade ativa falta a condição legitimadora exigida pela lei do MP para promover a ação penal Poderá ser prestada oralmente ou por escrito No primeiro caso será reduzida a termo pela autoridade no segundo poderá ser manuscrita ou datilografada mas deverá ter a firma reconhecida por autenticidade Quando não cumprir esse requisito legal a autoridade que a recebeu deverá intimar a vítima para que compareça querendo a fim de representar oralmente reduzindose a escrito Outra solução tendo em vista a tendência em flexibilizar os requisitos formais da representação é solicitar a ratificação no momento em que a vítima for ouvida desde que o faça antes de oferecida a denúncia A jurisprudência amenizou muito a rigidez da forma da representação e atualmente entendese que a mera notíciacrime já é suficiente para implementarse o requisito legal Prevalece a doutrina da instrumentalidade das formas com uma flexibilização dos requisitos formais167 A representação atende essencialmente aos interesses do ofendido que conforme seus critérios de conveniência e oportunidade pode impedir que a perseguição estatal agrave ainda mais a sua situação Por se tratar de um delito de natureza pública ainda que a ação penal seja condicionada havendo qualquer forma de concordância do ofendido poderá o Ministério Público exercer a pretensão acusatória A tendência jurisprudencial é no sentido de que a manifestação de vontade do ofendido deve ser interpretada de forma ampla quando o objetivo for autorizar a perseguição e de forma estrita quando dirigida a impedila Para o exercício do direito de representação basta a manifestação de vontade do ofendido em querer ver apurado o fato apontado como delituoso sem maiores formalismos Ainda no que se refere ao aspecto formal o STJ168 firmou entendimento de que no crime de lesão corporal culposa atingido pela vigência da Lei n 909995 a representação como condição de procedibilidade prescinde de rigor formal Dessa forma o boletim de ocorrência lavrado por delegado de polícia supre a exigência do art 88 da citada lei demonstrando a intenção da vítima de responsabilizar o autor do delito Havendo concurso de agentes basta o envolvimento no fato noticiado não havendo a necessidade de individualização por parte da vítima de quem são os autores até porque essa é a finalidade da investigação Por fim se existe uma flexibilização da forma o mesmo não ocorre com o prazo para o oferecimento da representação que é decadencial de 6 meses e não será suspenso ou interrompido pela abertura do inquérito 516 Requerimento do Ofendido nos Delitos de Ação Penal de Iniciativa Privada Inicialmente destacamos que com o advento da Lei n 909995 e a posterior alteração do art 61 pela Lei n 113132006 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Com isso esvaziaramse as possibilidades de a vítima fazer um requerimento e a autoridade policial instaurar o inquérito policial Isso porque nos delitos de menor potencial ofensivo não haverá inquérito policial mas um mero termo circunstanciado Não obstante cumpre enfrentar o tema Nos casos em que o ofendido não possuir o mínimo de prova necessário para justificar o exercício da ação penal queixa o CPP permitelhe recorrer à estrutura estatal investigatória através do requerimento de abertura do inquérito policial O requerimento pode ser classificado como uma notíciacrime qualificada pelo especial interesse jurídico que possui o ofendido e pelo claro caráter postulatório Não existe uma forma rígida mas deverá ser escrito dirigido à autoridade policial competente razão da matéria e lugar e firmado pelo próprio ofendido seu representante legal arts 31 e 33 ou por procurador com poderes especiais Como determina o art 5º 1º o requerimento deverá conter a a narração do fato com todas as circunstâncias b a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração ou os motivos de impossibilidade de o fazer c a nomeação das testemunhas com indicação de sua profissão e residência Se indeferido pela autoridade policial aplicase o 2º do art 5º cabendo recurso para o chefe de polícia É um recurso inominado de caráter administrativo e de pouca ou nenhuma eficácia Não existe um prazo definido para formular o requerimento mas sim para o exercício da ação penal Tendo sempre presente que o prazo para o ajuizamento da queixa é decadencial de 6 meses e como tal não é interrompido ou suspenso pela instauração do inquérito sendo o requerimento indeferido deverá o ofendido analisar se o melhor caminho não é acudir diretamente ao Mandado de Segurança até porque não necessita esgotar a via administrativa para utilizar o writ Caso o problema seja a dilação da investigação policial o ofendido deverá estar atento para evitar a decadência inclusive ajuizando a queixa antes da conclusão do IP juntando os elementos de que dispõe e postulando a posterior juntada da peça policial 52 Atos de Desenvolvimento Arts 6º e 7º do CPP Com base na notíciacrime a polícia judiciária instaura o inquérito policial isto é o procedimento administrativo préprocessual Para realizar o IP praticará a polícia judiciária uma série de atos arts 6º e seguintes do CPP que de forma concatenada pretendem proporcionar elementos de convicção para a formação da opinio delicti do acusador Na tarefa de apurar as circunstâncias do fato delitivo e da autoria determina o art 6º que a polícia judiciária deverá I Dirigirse ao local providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais Não por acaso esse é o primeiro inciso pois na prática esta deve ser a primeira providência a ser tomada pela polícia dirigirse ao local e isolálo Isso porque o local do crime será uma das principais fontes de informação para reconstruir a pequena história do delito e desse ato depende em grande parte o êxito da investigação Como explica ESPÍNOLA FILHO169 daí a conveniência de transportarse a própria autoridade dirigente do inquérito ou auxiliares por ela designados ao local da ocorrência que lhe ou lhes proporcionará um contato vivo com a ainda palpitante verdade de um fato anormal quente na sua projeção através dos objetos e das pessoas Para efeito de exame do local do delito a autoridade policial providenciará imediatamente que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos oficiais ou nomeados para o ato que poderão instruir seus laudos com fotografias desenhos ou esquemas elucidativos art 164 registrando ainda no laudo as alterações do estado das coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos II Apreender os objetos que tiverem relação com o fato após liberados pelos peritos criminais Entre os efeitos jurídicos do inquérito policial está o de gerar uma sujeição de pessoas e coisas A apreensão dos instrumentos utilizados para cometer o delito bem como dos demais objetos relacionados direta ou indiretamente com os motivos meios ou resultados da conduta delituosa é imprescindível para o esclarecimento do fato Da sua importância probatória decorre ainda a obrigatoriedade de que esses objetos acompanhem os autos do inquérito art 11 Também é importante que se fixe com exatidão o lugar onde foram achados com as circunstâncias em que se verificou o encontro170 Para apreender devese proceder a buscas e dependendo da situação será necessário que a autoridade policial solicite a correspondente autorização judicial nos termos dos arts 240 e seguintes do CPP cc art 5º XI da CB III Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias Decorrência lógica da natureza da atividade de investigação que busca esclarecer o fato e sua autoria Se o inciso anterior está voltado aos objetos e instrumentos o presente referese aos demais meios de informação como por exemplo à declaração de testemunhas presenciais É de destacarse atendendo ao caráter sumário do inquérito policial que a polícia não deve perder tempo com testemunhas meramente abonatórias ou que não tenham realmente presenciado o fato e que por isso limitemse a transmitir o que lhes foi contado IV Ouvir o ofendido Quando possível a oitiva da vítima do delito é uma importante fonte de informação para o esclarecimento do fato e da autoria devendo o ato ser realizado nos termos do art 201 V Ouvir o indiciado com observância no que for aplicável do disposto no Capítulo III do Título VII deste Livro devendo o respectivo termo ser assinado por 2 duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura Independente do nome que se dê ao ato interrogatório policial declarações policiais etc o que é inafastável é que ao sujeito passivo devem ser garantidos os direitos de saber em que qualidade presta as declarações171 de estar acompanhado de advogado e que se quiser poderá reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao inquérito policial O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade Ademais não há como negar a necessidade da presença do advogado bem como a possibilidade de participação da defesa à luz da nova redação dos arts 185 186 188 e s do CPP O dispositivo exige ainda que o ato seja praticado com observância das disposições legais que disciplinam o interrogatório judicial e que o termo seja firmado por duas testemunhas de leitura Essas testemunhas não necessitam presenciar o ato em si mesmo de modo que não são fontes dignas para saber se o ato foi realizado com as devidas garantias e respeito ao imputado ou não É importante levar isso em consideração naqueles interrogatórios que se produzem sem a presença de defensor e são muitos os casos Simplesmente testemunham que ouviram a leitura na presença do sujeito passivo do termo do interrogatório Tampouco são raros os casos em que as assinaturas são colhidas posteriormente de pessoas que não presenciaram a leitura ou mesmo que pertencem aos quadros da polícia As agressões à forma e às garantias do sujeito passivo ainda hoje acontecem porque existe o discutível e perigoso entendimento de que eventuais irregularidades do inquérito não alcançam o processo O problema está em que na sentença esse ato irregular influi no convencimento do juiz até porque integra os autos do processo e pode ser cotejado com a prova judicialmente colhida em claro prejuízo para o acusado Mais grave ainda é a situação do preso temporário que fica à disposição da polícia por um longo período em que o cansaço o medo o desânimo levam a uma situação de absoluta hipossuficiência Inegavelmente a confissão obtida em uma situação como essa exige um mínimo de sensibilidade e bom senso do juiz que irá julgar que deve valorar este ato com suma cautela O interrogatório policial abusivo poderá ainda constituir o crime previsto no art 18 da Lei n 138692019 Art 18 Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno salvo se capturado em flagrante delito ou se ele devidamente assistido consentir em prestar declarações Pena detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e multa Outro aspecto criticável é utilizar o termo indiciado quando ainda não se produziu o indiciamento Isso é decorrência em realidade da grave lacuna legislativa sobre a figura do indiciamento gerando o mais absoluto confusionismo sobre o momento em que se produz e que efeitos jurídicos gera direitos e cargas O sistema jurídico brasileiro não define claramente quando como e quem faz o indiciamento VI Proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações Para proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas deverá a autoridade policial orientarse pelo disposto nos arts 226 e seguintes Não apenas o suspeito pode ser objeto de reconhecimento mas também todas as pessoas envolvidas ativa ou passivamente no fato inclusive testemunhas Da mesma forma são passíveis de reconhecimento todos os objetos que interessarem à investigação do delito Diversos problemas e questionamentos podem ser feitos em relação ao reconhecimento pessoal mas para evitar repetições remetemos o leitor ao Capítulo das Provas quando abordaremos essa questão A acareação está disciplinada nos arts 229 e seguintes do CPP E também será objeto de estudo no Capítulo das Provas para onde remetemos o leitor Por fim destacamos que a nosso juízo o sujeito passivo não pode ser compelido a participar do reconhecimento ou acareação eis que lhe assiste o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere como explicamos anteriormente ao tratar do princípio do direito de defesa VII Determinar se for caso que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias O exame de corpo de delito pode ser realizado tanto na vítima como também no autor do delito conforme o caso e assegurandose ao último o direito de não se submeter a tal exame como uma manifestação do direito de autodefesa negativo O ponto nevrálgico da questão está nas consequências jurídicas da recusa em submeterse a uma intervenção corporal que foi tratado quando analisamos nos Princípios da Instrumentalidade Constitucional o direito de defesa negativo Também recomendamos a leitura do Capítulo destinado ao estudo das provas no processo penal VIII Ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico e também coleta de DNA se for o caso se possível e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes A identificação criminal prevista no art 5º LVIII da CB foi regulamentada pela Lei n 120372009 e constitui o gênero do qual são espécies a identificação datiloscópica a identificação fotográfica e a coleta de material genético modificação introduzida pela Lei n 126542012 A regra é que o civilmente identificado não seja submetido à identificação criminal ou seja nem datiloscópica nem fotográfica nem coleta de material genético definindo a lei que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos seguintes documentos carteira de identidade carteira de trabalho carteira profissional passaporte carteira de identificação funcional outro documento público que permita a identificação do indiciado A lei equipara aos documentos civis os de identificação militar Quanto à extração de material genético trataremos no final deste tópico de forma separada Não sendo apresentado qualquer desses documentos será o suspeito submetido à identificação criminal A lei não menciona prazo mas se recomenda que seja concedido pelo menos 24 horas para apresentação do documento Em caso de prisão em flagrante deverá o detido identificarse civilmente até a conclusão do auto de prisão Contudo estabelece o art 3º que mesmo apresentando o documento de identificação poderá ocorrer identificação criminal quando I o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação II o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado III o indiciado portar documentos de identidade distintos com informações conflitantes entre si IV a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa V constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações VI o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais Destacamos a abertura feita pelo inciso IV que permite a identificação criminal do civilmente identificado quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais Portanto a identificação criminal ficará a livre critério do juiz bastando apenas uma maquiagem argumentativa para fundamentar a decisão Isso poderá servir como forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo quando por exemplo o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas encontradas no local do delito Diante da recusa determina o juiz a identificação criminal e o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente burlando a garantia constitucional do nemo tenetur se detegere Igualmente censurável é a possibilidade de que tal ato seja determinado de ofício pelo juiz em censurável ativismo probatórioinvestigatório como já criticado tantas vezes ao longo desta obra Noutra dimensão é salutar a possibilidade de que a identificação criminal seja solicitada pela própria defesa como forma de evitar investigações e até prisões cautelares em relação a uma pessoa errada Não são raros os casos de perda de documentos que acabam sendo utilizados e falsificados por terceiros para a prática de delitos Tempos depois é expedido mandado de prisão em relação à pessoa errada pois o responsável pelo crime apresentou um documento falso A identificação datiloscópica eou por fotografia pode auxiliar a evitar situações dessa natureza A identificação criminal que inclui o processo datiloscópico e o fotográfico deverá ser feita da forma menos constrangedora possível art 4º e deverá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial ou outra forma de investigação art 5º não devendo ser mencionada em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória art 6º Outra inovação importante foi inserida no art 7º da Lei n 120372009 Art 7º No caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição ou absolvição é facultado ao indiciado ou ao réu após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de sua identificação civil O art 7º cria a possibilidade de que o interessado postule a retirada da identificação fotográfica dos autos do inquérito ou processo devendo tal pedido ser formulado à autoridade policial no caso do inquérito ou ao juiz quando há absolvição ou rejeição da denúncia Ainda que o dispositivo fale em não oferecimento da denúncia devese compreender tal menção ao arquivamento pois a rigor ao Ministério Público somente são oferecidas três possibilidades oferecer denúncia postular diligências ou pedir o arquivamento Não há a opção de simplesmente não oferecer a denúncia Portanto devese ali considerar a situação do arquivamento do art 28 do CPP e aqui novamente o problema na nova redação do art 28 suspensa pelo Min FUX o MP determina o arquivamento Havendo recusa por parte da autoridade policial ou do juiz pensamos que o melhor caminho será a impetração do mandado de segurança pois desenhado o direito líquido e certo do interessado em ver retirada sua identificação fotográfica Não se desconhece a eventual possibilidade de utilização do habeas corpus mas pensamos não ser o melhor caminho na medida em que não existe uma efetiva restrição à liberdade de locomoção Contudo em sendo eleita a via do habeas corpus o fundamento será o do art 648 IV do CPP quando houver cessado o motivo que autorizou a coação A redação do artigo limita a retirada da identificação dos autos do inquérito policial ou processo mas não resolve um antigo problema que é a dificuldade de retirar a identificação fotográfica dos arquivos policiais bancos de dados em caso de absolvição arquivamento ou rejeição da denúncia Infelizmente é disseminada a práxis policial de seguir utilizando a foto do imputado não condenado ou mesmo não denunciado para o reconhecimento por fotografias por parte de vítimas e testemunhas de outros crimes Com isso potencializase o estigma e a ilegítima perseguição policial com a indevida utilização de sua identificação criminal e até o induzimento ao reconhecimento em fatos posteriores A principal inovação neste tema diz respeito à coleta de material genético DNA introduzida pela Lei n 126542012 A nova lei altera dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 721084 LEP que regula a Execução Penal Para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo IX Das Provas em Espécie especialmente nos tópicos 14 e 15 onde abordamos a coleta de material genético IX Averiguar a vida pregressa do indiciado sob o ponto de vista individual familiar e social sua condição econômica sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter A disposição legal é absurda como absurdo é imaginarse que um juiz ao fixar a pena art 59 do CP poderá desvalorar conduta social e personalidade do agente A principal justificativa do dispositivo é servir de base para o juiz quando da análise dos requisitos do art 59 do CP Contudo juízes não são antropólogos ou sociólogos e mesmo que fossem não possuem elementos para fazer tal avaliação No que se refere à personalidade do agente não existe a menor possibilidade de tal avaliação se realizar e muito menos ter valor jurídico Não existe a menor possibilidade salvo os casos de vidência e bola de cristal de uma avaliação segura sobre a personalidade de alguém até porque existem dezenas de definições diferentes sobre a personalidade É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tão pouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar entrevistas avaliações testes de percepção temática e até exames neurológicos e não se tem notícias de que a polícia ou os juízes tenham feito isso Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica Com a consequente adoção do modelo acusatório exigese a plena refutabilidade das hipóteses e o controle empírico da prova e da própria decisão que só pode ser admitida quando motivada por argumentos cognoscitivos seguros e válidos A decisão do juiz sempre deve ser verificável pelas partes e refutável bem como devese compreender o processo de racionalização por ele desenvolvido e isso é impossível na avaliação da personalidade de alguém X Colher informações sobre a existência de filhos respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos indicado pela pessoa presa Tratase de inovação inserida pela Lei n 132572016 que busca informações sobre crianças e adolescentes que dependam do imputado e cuja proteção seja necessária inclusive para conhecimento do julgador quando tiver de ponderar entre uma prisão cautelar ou a concessão de liberdade provisória ao investigado É um dispositivo útil e que se insere na dimensão de proteção da criança ou adolescente Passando para a análise do art 7º a polícia poderá ainda recorrer à reprodução simulada dos fatos para melhor instruir a investigação A também chamada reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o fato e tanto pode ser realizada na fase préprocessual como também em juízo neste último caso sob a presidência do juiz Mas a reconstituição possui dois limites normativos não contrariar a moralidade ou a ordem pública respeitar o direito de defesa do sujeito passivo O primeiro limite vem dado pelo próprio art 7º que recorre a fórmulas jurídicas abertas como moralidade ou ainda a mais indeterminada de ordem pública Sobre eles já se escreveu o suficiente Apenas gostaríamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina Quando o CPP estabelece o limite da moralidade devemos considerar não só a moral pública mas também a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas um direito fundamental previsto no art 5º X da Constituição que também assiste ao sujeito passivo Dessa forma entendemos que o conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto público e privado sujeito passivo cabendo ao sujeito passivo impugnar172 a decisão da autoridade policial que determine a realização de uma reconstituição que ofenda a sua própria moralidade O segundo limite está na própria Constituição art 5º LV e na CADH que assegura no seu art 82g o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a declararse culpado O direito de defesa do sujeito passivo será objeto de estudo específico a seu tempo mas desde logo cumpre destacar que o referido dispositivo constitucional e o do pacto internacional são inteiramente aplicáveis à fase préprocessual ainda que alguns insistam no rançoso discurso de fase inquisitiva Não é a Constituição que tem de ser adaptada ao CPP senão todo o contrário a legislação ordinária é que deve adequarse à nova Carta Magna e também à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Com essa série de atos poderá a polícia judiciária averiguar o fato e o grau de participação do sujeito passivo proporcionando os elementos necessários para que o Ministério Público ofereça a ação penal ou solicite o arquivamento Ademais conforme a necessidade poderá a polícia solicitar ao juiz a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais como as cautelares pessoais ou reais a busca e apreensão domiciliar escutas telefônicas etc Em suma o inquérito policial tem por finalidade o fornecimento de elementos para decidir entre o processo ou o não processo assim como servir de fundamento para as medidas endoprocedimentais que se façam necessárias no seu curso 53 As Medidas Previstas nos Arts 13A e 13B do CPP A Lei n 13344 incluiu os arts 13A e 13B no CPP com vistas à implantação de meios específicos de investigação para a apuração dos crimes de tráfico de pessoas art 149A do CP redução a condição análoga à de escravo art 149 do CP sequestro e cárcere privado art 148 do CP extorsão com restrição da liberdade da vítima art 158 3º do CP extorsão mediante sequestro art 159 do CP e tráfico internacional de crianças art 239 da Lei n 806990 A primeira alteração introduzida é o poder de requisição atribuído à autoridade policial e ao Ministério Público para obter de quaisquer órgãos do poder público ou empresas privadas dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos da prática dos crimes anteriormente referidos Tratase de uma ampliação do poder investigatório desses órgãos não submetido mais à reserva de jurisdição É uma disposição similar àquela contida nos arts 15 a 17 da Lei n 128502013 destinada à investigação de organizações criminosas em que o legislador também permitiu o acesso a dados cadastrais diretamente pela autoridade policial ou Ministério Público independentemente de autorização judicial Essa requisição deverá ser atendida no prazo de 24 horas devendo conter o nome da autoridade requisitante o número do inquérito policial ou procedimento investigatório instalado no âmbito do Ministério Público se direta a investigação e a identificação da unidade de polícia judiciária ou do Ministério Público responsável pela investigação Mas a grande inovação trazida pela nova redação do art 13B é a possibilidade de obtenção da localização da Estação Rádio Base ERB estação de cobertura antena ou outro meio similar acionada quando da realização ou recebimento de chamadas de telefone celular da vítima ou de suspeitos dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas aqui para evitar divergências teria andado melhor o legislador se tivesse estendido para os demais crimes anteriormente referidos especialmente a extorsão mediante sequestro sequestro e cárcere privado e extorsão com restrição da liberdade da vítima em curso Tais informações permitem uma localização aproximada do aparelho de telefonia utilizado através da indicação do local da estação de cobertura ou rádio base e objeto da requisição facilitando sobremaneira o encontro do suspeito ou da vítima As informações sobre a localização aproximada do aparelho não se confundem com o conteúdo da comunicação que deverá ser objeto do respectivo pedido de interceptação telefônica necessariamente com autorização judicial disciplinada pela Lei n 929696 É importante sublinhar que esse meio investigatório exige autorização judicial mas se não houver manifestação do juiz no prazo de 12 horas a autoridade requisitante polícia ou MP poderá fazê la diretamente à empresa prestadora do serviço de telecomunicações eou telemática Essa é uma grande inovação pois atribui um poder que a autoridade policialMP não tinha mas o adquire pela demora judicial em se manifestar Contudo considerando que o juiz poderá decidir após esse prazo e que ele é o controladorgarantidor da legalidade dos atos da investigação pensamos que ele poderá cassar tal ato ainda que posterior a sua implantação Significa dizer que se o juiz não se manifestar em 12 horas a autoridade administrativa poderá fazer a requisição diretamente à empresa de telecomunicações mas nada impede que o juiz após as 12 horas determine a cessação da medida se entender que ela é ilegal desnecessária ou desproporcional quando não houver manifestação judicial no prazo de 12 horas está a autoridade policialMP autorizada a requisitar diretamente mas deverá providenciar a imediata comunicação do juiz da implementação para controle de legalidade e de duração as informações serão prestadas durante um prazo máximo de 30 dias renováveis uma única vez por igual período Dois pontos precisam ser sublinhados 1 Considerando o disposto no art 13B 2º III do CPP qualquer prorrogação deverá ser precedida de autorização judicial 2 A requisição direta não se aplica à prorrogação que sempre deverá ser judicialmente autorizada A urgência justifica a primeira intervenção nas comunicações por requisição direta para rápida implementação já que passadas 12 horas do pedido não houve decisão judicial ainda que sem autorização judicial mas não legitima a prorrogação a prestação das informações previstas no art 13B poderá ser determinada pelo período de 30 dias e não 15 dias como na interceptação das comunicações telefônicas estando autorizada uma única prorrogação por igual período desde que judicialmente determinada Dessa forma o legislador evita o histórico problema do número indeterminado de renovações das interceptações das comunicações telefônicas permitindo que elas perdurem por meses a fio e não raro anos em manifesta desproporcionalidade e evidente distorção de sua natureza pois passam a ser interceptações prospectivas corretamente censuradas pela jurisprudência dos tribunais superiores ainda que tais decisões não sigam um claro parâmetro de aplicação A medida prevista no art 13B somente poderá durar 30 dias e ter uma única prorrogação necessariamente com autorização judicial por mais 30 dias ao fim dos quais não mais poderá ser prorrogada Enfim são medidas necessárias e adequadas para a investigação dos crimes ali estabelecidos contribuindo ainda com a localização e o resgate das vítimas 6 Estrutura dos Atos do Inquérito Policial Lugar Tempo e Forma Segredo e Publicidade A estrutura do inquérito policial no que se refere ao lugar tempo e forma dos atos de investigação é a seguinte a Lugar As normas processuais penais brasileiras são inteiramente aplicáveis a todo o território nacional conforme determina o art 1º e ressalvados os casos previstos nos incisos do referido dispositivo Especificamente no caso do inquérito policial art 4º do CPP as atividades da polícia judiciária serão exercidas no território de suas respectivas circunscrições No inquérito policial o critério para definir a competência atribuição policial fazse em razão da matéria ou pelo critério territorial Em razão da matéria devese considerar que a polícia judiciária é exercida pela polícia federal e pela polícia civil conforme a situação que se apresente Podese afirmar que à polícia federal incumbe nos termos do art 144 1º da CB competência em razão da matéria a Apurar as infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme b Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o contrabando e o descaminho c Exercer as funções de polícia marítima aérea e de fronteiras d Exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União Ademais partindo do caráter instrumental da investigação preliminar podemos afirmar que no que se refere à matéria o critério adotado para definir a autoridade policial competente para investigar deverá ser o mesmo que utilizaremos para definir o juiz competente para processar Se o inquérito policial é um instrumento preparatório e a serviço do processo o lógico é que se oriente pelos critérios de competência processual Por isso se desde logo podemos identificar que se trata de um crime de competência da Justiça Federal art 109 da CB quem deve investigar é a polícia federal A polícia civil dos estados atua com caráter residual isto é a ela incumbe a apuração das infrações penais que não sejam de competência da polícia federal e que não sejam consideradas crimes militares situação em que o inquérito policial militar será conduzido pela respectiva autoridade militar Por exclusão às polícias civis dos estados corresponde a apuração de todos os demais delitos Fora desses casos Justiça Federal e Militar será a polícia civil a encarregada de apurar a infração penal Dentro da polícia civil ainda será possível encontrar setores especializados roubos e furtos homicídios tóxicos crime organizado etc a quem conforme as diretrizes internas caberá a apuração daquela espécie de delito A regra geral é que o inquérito seja realizado pela autoridade policial cujas atribuições guardem simetria com a respectiva justiça e os critérios de competência em razão da matéria e do lugar Definida a competência em razão da matéria cabe agora estabelecer a competência territorial O tema não apresenta maior complexidade porque a competência em razão do lugar é relativa e nessa matéria eventuais irregularidades do IP não contaminam o processo Os atos são praticados nas dependências policiais mas atendendo às peculiaridades da instrução preliminar muitos são praticados no local do delito na residência do suspeito e em outros lugares que possam oferecer elementos que permitam esclarecer o fato Por fim nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial a autoridade que preside o inquérito poderá ordenar diligências em circunscrição de outra independentemente de precatórias ou requisições art 22 do CPP b Tempo O fator tempo pode ser concebido em dois aspectos a habilidade do tempo dias hábeis para realizar os atos e a duração do ato ou da fase procedimental Pela natureza dos atos praticados na investigação preliminar e a necessidade de que sejam realizados no preciso momento em que se considere necessário conduz a eximir legalmente do requisito de realizarse em dia e horas hábeis173 Nesse sentido o sistema brasileiro não prevê limitação de hora ou dia para a prática dos atos até porque os principais atos de investigação são realizados logo após o descobrimento do delito seja sábado domingo feriado noite madrugada etc Inobstante de forma subsidiária e na medida do possível deve ser seguido o critério definido nos arts 212 e seguintes do CPC para que os atos sejam realizados em dias úteis não o são os domingos e os feriados declarados por lei art 216 do CPC das 6h às 20h O fator tempo também está relacionado com a duração do inquérito e os instrumentos de limitação da cognição Essa matéria deve ser pensada à luz do direito de ser julgado em um prazo razoável ao qual remetemos o leitor para evitar repetições Ademais existem normas que disciplinam o tempo de determinados atos que integram o IP como aqueles que limitam direitos fundamentais Nesse sentido vg a busca domiciliar art 5º XI da CB sem o consentimento do morador pode ser realizada durante o dia ou à noite em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro Fora desses casos somente poderá ser realizada durante o dia e por determinação judicial à noite nem com ordem judicial c Forma O IP é facultativo para o MP pois pode prescindir dele mas é obrigatório para a polícia judiciária que ante uma infração ou notíciacrime por delito de ação penal pública está obrigada a investigar e não poderá arquivar o IP uma vez instaurado Vige a forma escrita e nos termos do art 9º todos os atos do IP devem ser reduzidos a escrito e documentados pois tanto o MP como o juiz que recebe a acusação têm um contato indireto com o material recolhido na investigação A falta de imediação sacrifica a oralidade O inquérito é secreto no plano externo e assim dispõe o art 20 do CPP devendo a polícia judiciária assegurar o sigilo necessário para esclarecer o fato No plano interno pode ser determinado o segredo interno parcial impedindo que o sujeito passivo presencie determinados atos Sem embargo o segredo interno não alcança o defensor isto é o segredo interno pode ser parcial mas não total Nesse sentido o art 7º XIV da Lei n 890694 Estatuto da Advocacia e a Súmula Vinculante n 14 do STF asseguram que o defensor poderá examinar em qualquer distrito policial inclusive sem procuração os autos da prisão em flagrante e do inquérito acabado ou em trâmite ainda que conclusos à autoridade policial podendo tirar cópias e tomar apontamentos Sobre o acesso do advogado aos autos do inquérito remetemos o leitor para o tópico específico na continuação onde trataremos da defesa técnica O segredo externo e igualmente o interno parcial não têm sua duração e limites estabelecidos na norma dependendo da discricionariedade policial o que sem dúvida merece censura Por fim destacamos que a nosso juízo o art 21 do CPP está revogado pelo art 136 3º IV da CB posto que se está vedada a incomunicabilidade em uma situação de excepcionalidade com muito mais razão está proibida a incomunicabilidade em uma situação de normalidade constitucional 7 Valor Probatório dos Atos do Inquérito Policial A valoração probatória dos atos praticados e elementos recolhidos no curso do inquérito policial é extremamente problemática Por isso antes de entrar no tema analisaremos a doutrina que defende que os atos do IP valem até prova em contrário recordaremos a fundamental distinção entre atos de prova e atos de investigação e concluiremos com uma exposição sobre o valor que entendemos devam merecer os atos do IP 71 A Equivocada Presunção de Veracidade Alguma doutrina aponta que os atos do inquérito policial valem até prova em contrário estabelecendo uma presunção de veracidade não prevista em lei O art 12 do CPP estabelece que o IP acompanhará a denúncia ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra Qual o fundamento de tal disposição Não é atribuir valor probatório aos atos do IP todo o contrário Por servir de base para a ação penal ele deverá acompanhála para permitir o juízo de préadmissibilidade da acusação Nada mais do que isso Servirá para que o juiz decida pelo processo ou não processo pois na fase processual será formada a prova sobre a qual será proferida a sentença Considerável doutrina e jurisprudência acabaram por criar a nosso juízo equivocadamente uma falsa presunção a de que os atos de investigação valem até prova em contrário Essa presunção de veracidade gera efeitos contrários à própria natureza e razão de existir do IP fulminando seu caráter instrumental e sumário Também leva a que sejam admitidos no processo atos praticados em um procedimento de natureza administrativa secreto não contraditório e sem exercício de defesa Antes da promulgação do atual CPP alguns códigos estaduais como o da Capital Federal segundo aponta ESPÍNOLA FILHO174 previam que o inquérito policial acompanharia a denúncia ou queixa incorporandose ao processo e merecendo valor até prova em contrário Provavelmente está aqui o vício de origem dessa rançosa doutrina e jurisprudência que seguiu afirmando esse valor aos atos do IP quando o CPP não mais o contemplava Claro está que se o legislador de 1941 quisesse conferir aos atos do IP esse valor probatório teria feito de forma expressa a exemplo da legislação anterior Outro aspecto que reforça nosso entendimento é a natureza instrumental da investigação preliminar Serve ela para provisionalmente reconstruir o fato e individualizar a conduta dos possíveis autores permitindo assim o exercício e a admissão da ação penal No plano probatório o valor exaurese com a admissão da denúncia Servirá sim para indicar os elementos que permitam produzir a prova em juízo isto é para a articulação dos meios de prova Uma testemunha ouvida no inquérito e que aportou informações úteis será articulada como meio de prova e com a oitiva em juízo produz uma prova Em efeito o inquérito filtra e aporta as fontes de informação úteis Sua importância está em dizer quem deve ser ouvido e não o que foi declarado A declaração válida é a que se produz em juízo e não a contida no inquérito tanto que com a reforma de 20192020 esse tipo de prova não mais irá integrar os autos que serão remetidos para o juiz da instrução lembrando que o art 3ºC 3º está suspenso pela decisão do Min FUX Em síntese o CPP não atribui nenhuma presunção de veracidade aos atos do IP Todo o contrário atendendo a sua natureza jurídica e estrutura esses atos praticados e os elementos obtidos na fase préprocessual servem para justificar o recebimento ou não da acusação É patente a função endoprocedimental dos atos de investigação Na sentença só podem ser valorados os atos praticados no curso do processo penal com plena observância de todas as garantias 72 Distinção entre Atos de Prova e Atos de Investigação Como explica ORTELLS RAMOS175 uma mesma fonte e meio podem gerar atos com naturezas jurídicas distintas e no que se refere à valoração jurídica podem ser divididos em dois grupos atos de prova e atos de investigação Sobre os atos de prova podemos afirmar que a estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação b estão a serviço do processo e integram o processo penal c dirigemse a formar um juízo de certeza tutela de segurança d servem à sentença e exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação f são praticados ante o juiz que julgará o processo Substancialmente distintos os atos de investigação instrução preliminar a não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese b estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos c servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza d não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidas e servem para a formação da opinio delicti do acusador f não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento g também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação indiciamento e adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional h podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Partindo dessa distinção concluise facilmente que o IP somente gera atos de investigação e como tais de limitado valor probatório Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo 73 O Valor Probatório do Inquérito Policial A Exclusão Física das Peças do Inquérito A Contaminação Consciente ou Inconsciente do Julgador ADVERTÊNCIA INICIAL Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 pelo Min FUX está suspensa sine die a eficácia do art 3ºC 3º e 4º Como se trata de medida liminar manteremos a análise do dispositivo legal que poderá ter sua vigência restabelecida a qualquer momento Portanto enquanto estiver valendo a medida liminar o artigo e suas consequências estarão suspensas valendo o sistema anterior em que o inquérito acompanha a denúncia e integra os autos do processo e a redação do CPP Mas manteremos nossas considerações não só porque os dispositivos podem entrar em vigor mas também porque refletem um avanço importante para o processo penal e servem como fundamentação teórica para criticar o superado modelo do CPP Pedimos a compreensão do leitor para essa situação de insegurança jurídica gerada por motivos alheios a nossa vontade O art 155 do CPP estabelece que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares não repetíveis e antecipadas grifo nosso O artigo inicia bem quando diz que a decisão deve ter por base a prova produzida em contraditório o que nos remete para a correta definição de que prova é aquilo produzido em juízo na fase processual O grande erro da reforma pontual Lei n 116902008 foi ter inserido a palavra exclusivamente Perdeuse uma grande oportunidade de acabar com as condenações disfarçadas ou seja as sentenças baseadas no inquérito policial instrumento inquisitório e que não pode ser utilizado na sentença Quando o art 155 afirma que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente com base no inquérito policial está mantendo aberta a possibilidade absurda de os juízes seguirem utilizando o inquérito policial desde que também invoquem algum elemento probatório do processo Mantevese assim a autorização legal para que os juízes e tribunais sigam utilizando a versão dissimulada que anda muito em voga de condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito Na verdade essa fórmula jurídica deve ser lida da seguinte forma não existe prova no processo para sustentar a condenação de modo que vou me socorrer do que está no inquérito Isso é violar a garantia da própria jurisdição e do contraditório Claro está que só a prova judicial é válida pois o que se pretende não é a mitológica verdade real obtida a qualquer custo mas sim a formalmente válida produzida no curso do processo penal Ou há prova suficiente no processo para condenar e o veredicto deve ser esse ou permanece a dúvida e a absolvição é o único caminho Recordemos que a dúvida falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõe a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias Ainda mais grave é a situação que se produz diariamente no Tribunal do Júri em que os jurados julgam por livre convencimento com base em qualquer elemento contido nos autos do processo incluindose nele o inquérito sem distinguir entre ato de investigação e ato de prova A situação é ainda mais preocupante se considerarmos que na grande maioria dos julgamentos não é produzida nenhuma prova em plenário176 mas apenas é realizada a mera leitura de peças Então o núcleo do problema está no fato de que os autos do inquérito são anexados ao processo e assim acabam influenciando direta ou indiretamente no convencimento do juiz Desde nossa tese doutoral em 1999 e depois em nosso primeiro livro Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal 2001 sustentamos com veemência a necessidade de exclusão física dos autos do inquérito ou de qualquer instrumento de investigação preliminar permanecendo apenas as provas técnicas e as irrepetíveis Pois bem finalmente na reforma de 20192020 o legislador brasileiro consagrou essa importante regra não sem enfrentar imensa resistência de quem não compreendeu as distinções que fizemos anteriormente e a própria finalidade da investigação além de contaminados pela cultura inquisitória Infelizmente o Min FUX suspendeu a eficácia dessa regra tão importante Diz o Art 3ºC 3º e 4 º VIGÊNCIA SUSPENSA PELA DECISÃO LIMINAR DO MIN FUX 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo à disposição do Ministério Público e da defesa e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias Tratase de medida importantíssima para que os atos da investigação preliminar seja ela qual for não ingressem no processo Essa exclusão ou não inclusão serve exatamente para evitar a contaminação do juiz da instrução portanto o que irá julgar pelos elementos obtidos no inquérito com severas limitações de contraditório defesa e principalmente que não servem e não se destinam à sentença O objetivo é a absoluta originalità do processo penal de modo que na fase préprocessual não é atribuído o poder de aquisição da prova A função do inquérito e de qualquer sistema de investigação preliminar é recolher elementos úteis à determinação do fato e da autoria em grau de probabilidade para justificar a ação penal como explicamos anteriormente ao fazer a distinção entre atos de investigação e atos de prova Com isso evitase a contaminação e garantese que a valoração probatória recaia exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação ao mesmo tempo em que se efetivará sua função endoprocedimental E antes que se alegue não é uma criação tupiniquim No modelo chileno a carpeta de investigação não ingressa no processo tem sua eficácia limitada a fase préprocessual até o recebimento ou não da acusação ou eventual negociação sobre a pena feita no início do processo Na Espanha foi adotada a exclusão física dos autos da investigação no rito do tribunal do júri exatamente para evitar o que o legislador espanhol de 1995 definiu como indesejáveis confusões de fontes cognoscitivas atendíveis contribuindo assim a orientar sobre o alcance e a finalidade da prática probatória realizada no debate ante os jurados É uma técnica que também utiliza o sistema italiano eliminando dos autos que formarão o processo penal todas as peças da investigação preliminar indagine preliminare com exceção do corpo de delito e das antecipadas produzidas no respectivo incidente probatório Como explicam DALIA e FERRAJOLI177 um dos motivos da clara distinção entre o procedimento per le indagini preliminari e o processo é exatamente evitar a contaminação do juiz pelos elementos obtidos na fase préprocessual O objetivo é a absoluta originalità do processo penal de modo que na fase préprocessual não é atribuído o poder de aquisição da prova Ela somente deve recolher elementos úteis à determinação do fato e da autoria em grau de probabilidade para justificar a ação penal A efetiva coleta da prova está reservada para a fase processual giudice del dibattimento cercada de todas as garantias inerentes ao exercício da jurisdição A originalidade é alcançada principalmente porque se impede que todos os atos da investigação preliminar sejam transmitidos ao processo exclusão de peças de modo que os elementos de convencimento são obtidos da prova produzida em juízo Com isso evitase a contaminação e garantese que a valoração probatória recaia exclusivamente sobre aqueles atos praticados na fase processual e com todas as garantias Somente através da exclusão do inquérito dos autos do processo é que se evitará a condenação baseada em meros atos de investigação ao mesmo tempo em que se efetivará sua função endoprocedimental Sempre cabe recordar as palavras de FERRAJOLI 178 de que a única prova válida para uma condenação é a prueba empírica llevada por una acusación ante un juez imparcial en un proceso público y contradictorio con la defensa y mediante procedimientos legalmente preestablecidos De forma correta o legislador brasileiro fez ressalvas à exclusão os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado Explicaremos a continuação no próximo tópico as provas irrepetíveis e o incidente de antecipação de provas Por fim sublinhamos os autos da investigação preliminar ficarão acautelados na secretaria do juiz das garantias permitindose o acesso por parte da defesa e Ministério Público mas não se permitindo a juntada aos autos do processo que será enviado ao juiz do processo Assim vedado o ingresso das peças do inquérito exceto as ressalvadas pelo dispositivo não poderá a parte simplesmente postular a juntada o apensamento ou mesmo juntar cópias sob pena de burla à vedação legal Isso gera a ilicitude dessa prova e necessário desentranhamento É importante compreender que houve uma mudança radical no processo e no atuar do juiz Agora o juiz das garantias quando remete os autos para o juiz da instrução e julgamento não encaminha automaticamente a integralidade dos autos Os autos ficarão acautelados na secretaria do juízo das garantias que remeterá para o juiz da instrução apenas a denúncia ou queixa a decisão de recebimento para compreensão do que foi recebido e do que foi rejeitado por exemplo decisão que decretou medidas cautelares ou prisão cautelar para controle e também para revisão no prazo de 10 dias decisão que manteve o recebimento e não absolveu sumariamente art 397 Em autos apartados deverão ser enviados e assim permanecer os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas Esse material não deve ser juntado ao processo principal pois se destina às partes MP e defesa que poderão utilizar ou não na audiência de instrução e julgamento Assim um exemplo trazido por Alexandre MORAIS DA ROSA179 é bem ilustrativo o fato de se arrolar uma testemunha já ouvida na fase de investigação preliminar não autoriza a juntada de seu depoimento anterior porque somente valerá o que disser em contraditório e oralmente por oportunidade da Audiência de Instrução e Julgamento Exatamente O processo penal brasileiro mudou e precisamos mudar as práticas judiciárias Infelizmente como já apontado essa evolução está suspensa por conta da decisão liminar do Min FUX fiquemos todos atentos ao julgamento do mérito com a esperança que o STF casse essa liminar e estabeleça a plena eficácia dos dispositos legais 731 Provas Repetíveis Provas Irrepetíveis Classificando as Provas Irrepetíveis A Produção Antecipada de Provas Se na investigação foram ouvidas testemunhas elas deverão ser arroladas pela acusação ou defesa conforme o interesse probatório para serem ouvidas na audiência de instrução e julgamento perante o juiz da instrução Assim deve ser para que produzida em contraditório judicial pleno e submetida ao exame cruzado das partes art 212 ela possa ser devidamente valorada na sentença porque terá o status de prova ato de prova anteriormente explicado Lembrando que com a reforma de 20192020 os depoimentos prestados na fase da investigação não poderão ser juntados aos autos do processo exclusão física não poderá tampouco ser juntado por qualquer das partes Mas as partes terão acesso ao depoimento prestado na fase preliminar pois acautelados pela secretaria do juiz das garantias para elaborar seus questionamentos decidir se arrolam ou não etc Infelizmente tal determinação está suspensa pelo Min FUX Portanto a repetição da prova na verdade produção em audiência de instrução e julgamento é fator de validade desta prova e também condição exigida paa que possa ser valorada na sentença Não cumpre esse requisito de repetição a mera leitura do testemunho anteriormente realizado seja pelo juiz ou pelas partes Isso é reprodução e não repetição A única forma hábil de ser valorada pela sentença é a que permita o acesso do juiz e das partes mediante um contato direto com a pessoa e o conteúdo de suas declarações Logo somente por meio da repetição podem ser observados os princípios constitucionais referentes ao tema Isso significa em última análise chamar novamente a mesma pessoa para que pratique o mesmo ato sobre o mesmo tema e ante o órgão jurisdicional e as partes processuais A única reprodução processualmente válida é aquela que deriva de uma produção antecipada de provas ou seja quando na fase processual é lido ou reproduzido em vídeo ou aparelho de áudio o depoimento prestado na fase préprocessual Isso porque a produção antecipada está justificada pelos indícios de provável perecimento e cercada de todas as garantias de jurisdicionalidade imediação contraditório e defesa Essa produção antecipada em casos excepcionais deverá ser feita na fase investigatória e na presença do juiz das garantias a quem competirá inclusive deliberar sobre a sua produção ou não Tampouco pode ser considerada repetição a ratificação do depoimento anteriormente prestado A testemunha não só deve comparecer senão que deve declarar de forma efetiva sobre o fato permitindo a plena cognitio do juiz e das partes ademais de permitir identificar eventuais contradições entre as versões anterior e atual A oralidade garante a imediação e ilumina o julgador que com o contato direto dispõe de todo um campo de reações físicas imprescindíveis para o ato de valorar e julgar O ato de confirmar o anteriormente dito sem efetivamente declarar impede de alcançar os fins inerentes ao ato Também é obstáculo a essa prática o fato de os depoimentos da fase préprocessual não poderem ser juntados ao processo Noutra dimensão provas irrepetíveis ou não renováveis são aquelas que por sua própria natureza têm que ser realizadas no momento do seu descobrimento sob pena de perecimento ou impossibilidade de posterior análise Na grande maioria dos casos tratase de provas técnicas que devem ser praticadas no curso do inquérito policial e cuja realização não pode ser deixada para um momento ulterior já na fase processual Pela impossibilidade de repetição em iguais condições tais provas deveriam ser colhidas pelo menos sob a égide da ampla defesa isto é na presença fiscalizante da defesa técnica posto que são provas definitivas e via de regra incriminatórias exemplos exame de corpo de delito apreensão de substância tóxica em poder do autor do fato180 Nesse sentido é importante permitir a manifestação da defesa para postulação de outras provas solicitar determinado tipo de análise ou de meios bem como formular quesitos aos peritos cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato ou da autoria Pensamos que as provas irrepetíveis podem ser classificadas da seguinte forma a PROVAS IRREPETÍVEIS POR SUA NATUREZA são aquelas que precisam ser coletadas e documentadas no momento específico da sua ocorrência e não são passíveis de repetição é o caso das perícias no local do crime do exame de corpo de delito etc O reconhecimento pessoal deveria ser uma prova irrepetível por sua própria natureza como explicamos ao tratar dessa prova pois se repetido haverá o imenso risco de indução e falsos reconhecimentos Portanto deveria ser feito uma única vez e documentado mas o CPP não exclui a possibilidade de repetição na instrução processual Por outro lado temos ainda os meios de obtenção de provas irrepetíveis como a interceptação telefônica de dados escuta ambiental etc b PROVAS IRREPETÍVEIS POR CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS São provas que normalmente poderiam ser repetidas como por exemplo a prova testemunhal a palavra da vítima uma acareação etc A irrepetibilidade não decorre da sua natureza mas de uma circunstância específica daquele caso É o exemplo de uma testemunha ou vítima que reside fora do país em local distante e que dificilmente será encontrada para depor novamente ou que está em estado terminal e na iminência de morrer Para esse tipo de prova deverá ser usado o incidente de produção antecipada perante o juiz das garantias c PROVAS IRREPETÍVEIS POR CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES Aqui a prova era normalmente passível de repetição pois sua natureza não impede e tampouco existe naquele momento uma circunstância específica de risco como a morte etc Então ela não é produzida no incidente de produção antecipada porque não há urgência alguma Contudo posteriormente sobrevêm uma circunstância inesperada e imprevisível que torna essa prova irrepetível É o caso por exemplo de uma testemunha importante que foi ouvida no inquérito Seu depoimento não integra o processo pela regra da exclusão do art 3ºC 3º sendo ela arrolada pelo MP ou pela defesa para ser ouvida na instrução e julgamento Contudo quando procurada descobrese que ela faleceu Seu depoimento era uma prova repetível testemunhal mas se tornou irrepetível por uma circunstância superveniente morte Ela poderá ser admitida Pensamos que sim pois ela se tornou irrepetível e pode ser juntada ao processo Mas a problemática será na valoração dessa prova pelo juiz da instrução na medida em que produzida no inquérito com suas restrições de contraditório defesa etc Portanto pode ser admitida mas caberá ao juiz avaliar sua credibilidade e valor probatório O incidente de produção antecipada da prova é uma forma de jurisdicionalizar a atividade probatória no curso do inquérito através da prática do ato ante uma autoridade jurisdicional o juiz das garantias e com plena observância do contraditório e do direito de defesa Em regra a prova testemunhal bem como acareações e reconhecimentos pode ser repetida em juízo e na prática é em torno desse tipo de prova que gira a instrução definitiva Excepcionalmente frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos no inquérito policial o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova através de um incidente produção antecipada de prova Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez na fase préprocessual e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova é dizer valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual No CPP o incidente de produção antecipada de provas está parcamente disciplinado no art 225 e necessita urgentemente ser revisado Poderíamos recorrer ao instituto da produção antecipada de provas do processo civil art 381 e s do CPC mas isso representaria uma perigosa analogia sem atender às categorias jurídicas próprias do processo penal O incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos em que se demonstra a fundada probabilidade de que será inviável a posterior repetição na fase processual da prova Ademais para justificálo deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa Em síntese são requisitos básicos a relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença b impossibilidade de sua repetição na fase processual amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova c ser autorizada pelo juiz das garantias e produzida perante ele assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral Nesse sentido determina o art 3ºB dispositivo com eficácia suspensa pela liminar do Min FUX conforme já explicado Art 3ºB O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário competindolhe especialmente VII decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral Presentes os requisitos o incidente deve ser praticado com a mais estrita observância do contraditório e direito de defesa logo181 a em audiência pública salvo o segredo justificado pelo controle ordinário da publicidade dos atos processuais b o ato será presidido pelo juiz das garantias que o autorizou c na presença dos sujeitos futuras partes e seus respectivos defensores d sujeitandose ao disposto para a produção da prova em juízo ou seja com os mesmos requisitos formais que deveria obedecer o ato se realizado na fase processual e deve permitir o mesmo grau de intervenção a que teria direito o sujeito passivo se praticada no processo Destarte desde o ponto de vista do sujeito passivo estão garantidos o contraditório e o direito de defesa de modo que a prática antecipada da prova não supõe em princípio nenhum prejuízo No caso da prova testemunhal é importante que ela seja fielmente reproduzida utilizandose para isso dos melhores meios disponíveis especialmente a filmagem e a gravação Diante da impossibilidade de repetir a reprodução deve ser a melhor possível Concluindo a produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo A nosso juízo a única forma de valorar na sentença condenatória um ato do inquérito dessa natureza sem que tenha sido repetido em juízo é através da produção antecipada que opera como um instrumento para jurisdicionalizar e concederlhe o status de ato de prova Resumindo a produção antecipada de provas tem sua eficácia condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade contraditório possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual 8 O Indiciado no Sistema Brasileiro Entre os maiores problemas do inquérito policial estava a falta de um indiciamento formal com momento e forma estabelecidos em lei A Lei n 12830 de 20 de junho de 2013 dispôs sobre a investigação criminal dirigida pelo Delegado de Polícia trazendo previsões legais para situações já conhecidas através de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais Interessanos neste momento o 6º do art 2º que toca em um instituto relevante dentro do contexto da investigação policial o indiciamento Com o advento desta Lei a autoridade policial passou a possuir maior responsabilidade quando do ato de indiciamento devendo realizar uma análise mais ampla do fato adentrando nas questões técnicojurídicas do crime de modo a basearse em circunstâncias coerentes que expressem a materialidade e a autoria do delito não bastando a mera transcrição do tipo penal O 6º em comento reflete uma postura um pouco mais cuidadosa visto que a análise técnicojurídica do fato afastará os casos de indiciamento em situações por exemplo em que o fato é atípico ou quando já se operou a prescrição Muito embora tal inovação legislativa contribua para um rascunho do que se entende por indiciamento ainda subsiste uma grande e problemática lacuna jurídica acerca deste procedimento Explica MORAES PITOMBO182 que o indiciamento deve resultar do encontro de um feixe de indícios convergentes que apontam para certa pessoa ou determinadas pessoas supostamente autoras da infração penal Declara uma autoria provável CANUTO MENDES DE ALMEIDA183 aponta que o corpo de delito evidencia a existência do crime e os indícios apontam o delinquente O indiciamento pressupõe um grau mais elevado de certeza da autoria que a situação de suspeito184 Nesse sentido recordamos as palavras de MORAES PITOMBO de que o suspeito sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração tem que ser indiciado Já aquele que contra si possui frágeis indícios ou outro meio de prova esgarçado não pode ser indiciado Mantémse ele como é suspeito O indiciamento é assim um ato posterior ao estado de suspeito e está baseado em um juízo de probabilidade e não de mera possibilidade O indiciamento deve resultar do instante mesmo em que no inquérito policial instaurado verificouse a probabilidade de ser o agente o autor da infração penal e como instituto jurídico deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária185 Logo o indiciado é sujeito passivo em sede préprocessual Uma vez realizado o indiciamento o sujeito só deixará o estado de indiciado quando da decisão de arquivamento do inquérito policial a pedido do Ministério Público ou quando do recebimento da denúncia momento em que passará a ser chamado de acusado ou réu Este instituto jurídico pressupõe a existência de indícios de autoria em um grau mais elevado do que na condição de mero suspeito refletindo uma probabilidade de o indiciado ser o agente do crime Indícios são provas circunstanciais sinais aparentes e prováveis de que uma coisa existe Se antes já se repudiava o indiciamento quando resultante de ato arbitrário da autoridade policial porém sem nenhuma previsão formal agora o Delegado de Polícia possui o encargo legal de fundamentar de forma coerente o ato de indiciamento mostrando as provas e circunstâncias que apontam para a comprovação da materialidade e da provável autoria Do flagrante delito emerge a relativa certeza visual ou presumida da autoria Por isso o flagrante válido impõe o indiciamento Da mesma forma a prisão preventiva pois exige indícios suficientes da autoria e a temporária fundadas razões de autoria É importante frisar que o indiciamento só pode produzirse quando existirem indícios razoáveis de probabilidade da autoria e não como um ato automático e irresponsável da autoridade policial Destaca LAURIA TUCCI186 que indiciamento e qualificação direta ou indireta são institutos distintos e inconfundíveis O indiciamento é a indicação do autor da infração A qualificação diz respeito à individuação de pessoa indiciado ou outrem mencionada de qualquer maneira no desenrolar da investigação criminal A qualificação direta ou indireta é consequência do indiciamento uma forma estabelecida pelo legislador de estabelecer a identidade do indiciado Mas não é o indiciamento em si mesmo Ainda que a Lei n 128302013 tenha melhorado um pouco o cenário ao exigir o indiciamento formal e fundamentado ainda existe uma gravíssima lacuna legal em que momento deve ocorrer o ato de indiciamento O momento e a forma do indiciamento deveriam estar disciplinados claramente no CPP exigindo um ato formal da autoridade policial e a imediata oitiva do sujeito passivo que na qualidade de indiciado está sujeito a cargas mas a quem também assistem direitos Entre eles o principal é saber em que qualidade declara evitandose assim o grave inconveniente de comparecer como testemunha quando na verdade deveria fazêlo na qualidade de suspeito que está na iminência de ser indiciado Considerando que o indiciamento constitui uma carga para o sujeito passivo mas que também marca o nascimento de direitos entre eles o de defesa é fundamental definir o momento em que deve ocorrer pois também é uma garantia para o sujeito passivo Devese vedar uma acusação de surpresa mas também deve ser censurada a prática policial de intimar o suspeito para comparecer como testemunha ou informante quando na realidade é o principal suspeito Na prática infelizmente o indiciamento como ato em si muitas vezes não existe sendo erroneamente substituído pelo interrogatório e por um formulário destinado a qualificar o sujeito Uma lamentável degeneração Alguma doutrina brasileira com a qual não estamos de acordo afirma que o indiciamento não produz nenhuma consequência pois o indiciado de hoje não é necessariamente o réu de amanhã Discordamos porque concebemos o processo penal como um sistema escalonado conforme explicamos anteriormente de modo que esse escalonamento não é de trajetória fixa mas sim progressivo ou regressivo de culpabilidade A situação de indiciado supõe um maior grau de sujeição à investigação preliminar e aos atos que compõem o inquérito policial Também representa uma concreção da autoria que será de grande importância para o exercício da ação penal Logo é inegável que o indiciamento produz relevantes consequências jurídicas Ademais o indiciado de hoje não é necessariamente o acusado de amanhã Nada impede que o indiciamento feito hoje seja tornado sem efeito amanhã tendo em vista o desaparecimento dos indícios de autoria ou materialidade conforme o caso Portanto não há qualquer obstáculo ao desindiciamento ou seja o desfazimento do ato uma vez desaparecido o suporte fático ou jurídico que o sustentava E isso segue sendo uma prerrogativa da autoridade policial pois o indiciamento é situacional A nova lei garante ao investigado que o indiciamento seja motivado só ocorrerá quando e se forem colhidos indícios de sua autoria ou participação e produzidas provas suficientes da existência materialidade da infração penal Desaparecidos os indícios o indiciamento deve ser tornado sem efeito com a declaração formal de desindiciamento Corrobora nosso entendimento o disposto por exemplo no art 17D da Lei n 961398 modificado pela Lei n 126832012 Art 17D Em caso de indiciamento de servidor público este será afastado sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei até que o juiz competente autorize em decisão fundamentada o seu retorno Significa dizer que o indiciamento é um ato relevante e que deveria estar claramente disciplinado no Código de Processo Penal As medidas cautelares não podem ser consideradas efeito do indiciamento senão geradoras da situação de indiciado Quando são adotadas depois do indiciamento terão como requisito o fumus commissi delicti e como fundamento o periculum libertatis Destarte o fato de ser indiciado não gera a prisão cautelar mas pode contribuir para isso pois o próprio indiciamento supõe um fumus commissi delicti mínimo derivado da imputação Não existe uma prisão cautelar automática com fundamento exclusivo no indiciamento Em definitivo é claro que o status de indiciado gera um maior grau de sujeição à investigação preliminar e com isso nasce para o sujeito passivo uma série de direitos e também de cargas de caráter jurídicoprocessual 9 Direito de Defesa e Contraditório no Inquérito Policial É lugarcomum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial Está errada a afirmação pecando por reducionismo Basta citar a possibilidade de o indiciado exercer no interrogatório policial sua autodefesa positiva dando sua versão aos fatos ou negativa usando seu direito de silêncio Também poderá fazerse acompanhar de advogado defesa técnica que poderá agora intervir no final do interrogatório Poderá ainda postular diligências e juntar documentos art 14 do CPP e apresentar razões defesa escrita e outras alegações defensivas nos termos da Lei n 890694 art 7º XXI Por fim poderá exercer a defesa exógena através do habeas corpus e do mandado de segurança Então não existe direito de defesa Claro que sim não é ampla defesa mas sim exercício de defesa pessoal e técnica com alcance limitado E o contraditório Veremos na continuação que também é possível mas também com alcance limitado ao seu primeiro momento O verdadeiro problema nasce daqui Existe é exigível mas sua eficácia é insuficiente e deve ser potencializada É uma potencialização por exigência constitucional O ponto crucial nessa questão é o art 5º LV da CB que não pode ser objeto de leitura restritiva A postura do legislador foi claramente protetora e a confusão terminológica falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial até porque o próprio legislador ordinário cometeu o mesmo erro ao tratar como Do Processo Comum Do Processo Sumário etc quando na verdade queria dizer procedimento Tampouco pode ser alegado que o fato de mencionar acusados e não indiciados seja um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar Sucede que a expressão empregada não foi só acusados mas sim acusados em geral devendo nela ser compreendidos também o indiciamento e qualquer imputação determinada como a que pode ser feita numa notícia crime ou representação pois não deixam de ser imputação em sentido amplo Em outras palavras qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo Por isso o legislador empregou acusados em geral para abranger um leque de situações com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal vinculada ao exercício da ação penal e com um claro intuito de proteger o sujeito passivo No mesmo sentido LAURIA TUCCI187 diz que de modo também induvidoso reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes estendendo sua incidência expressamente aos procedimentos administrativos ora assim sendo se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento nele se encarta à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e consequentemente a de procedimento administrativopersecutório de instrução provisória destinado a preparar a ação penal que é o inquérito policial É importante destacar que quando falamos em contraditório na fase pré processual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento da informação Isso porque em sentido estrito não pode existir contraditório pleno no inquérito porque não existe uma relação jurídicoprocessual não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo Não há o exercício de uma pretensão acusatória Sem embargo esse direito de informação importante faceta do contraditório adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa Esclarecedoras são as palavras de PELLEGRINI GRINOVER188 no sentido de que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório Logo o contraditório se manifesta não na sua plenitude no inquérito policial através da garantia de acesso aos autos do inquérito e à luz do binômio publicidadesegredo como explicaremos na continuação Não há como afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção pois é inegável que ele se encaixa na situação de acusados em geral pois a imputação e o indiciamento são formas de acusação em sentido amplo Reforça nossa posição o disposto na Lei n 132452016 que alterou o art 7º da Lei n 890694 para ampliar a participação do advogado na investigação especialmente no direito de acesso aos autos manifestação do contraditório que foi potencializado e também no direito de assistir o investigado durante a apuração de infrações sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e subsequentemente de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados direta ou indiretamente podendo inclusive no curso da respectiva apuração nova redação do art 7º XXI da Lei n 890694 a apresentar razões e quesitos potencialização do direito de defesa Dessarte existe direito de defesa técnica e pessoal positiva e negativa e contraditório no sentido de acesso aos autos ambos limitados O desafio é darlhes a eficácia assegurada pela Constituição O que está errado é simplesmente responder não como tradicionalmente a doutrina tem feito sem problematizar e verticalizar Além disso há expressa previsão legal de nulidade absoluta caso o advogado seja impedido de assistir seu cliente investigado derrubando mais um erro do senso comum teórico que há muito tempo criticamos o erro de afirmar que não existem nulidades no inquérito É óbvio que existem e inclusive podem contaminar o processo se não forem repetidos os atos mas sobre isso remetemos o leitor para o Capítulo XV onde ao final fazemos um tópico específico sobre atos defeituosos no inquérito policial 10 Garantias do Defensor O Acesso do Advogado aos Autos do Inquérito Contraditório Limitado O Problema do Sigilo Interno do Inquérito Policial Para exercer sua atividade com plena eficácia o defensor deve atuar rodeado de uma série de garantias que lhe permita uma completa independência e autonomia em relação ao juiz promotor e à autoridade policial Nesse sentido a Constituição brasileira dispõe no art 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei A regulamentação do dispositivo constitucional encontramos na Lei n 890694 que disciplina a atividade profissional do advogado Dentre outras importantes garantias vinculadas à atuação do advogado na fase preliminar destacamos algumas contidas no art 7º da Lei n 890694 após a alteração feita pela Lei n 132452016 III comunicarse com seus clientes pessoal e reservadamente mesmo sem procuração quando estes se acharem presos detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares ainda que considerados incomunicáveis VI a ingressar livremente nas salas e dependências de audiências secretarias cartórios ofícios de Justiça serviços notariais e de registro e no caso de delegacias e prisões mesmo fora da hora de expediente e independente da presença de seus titulares XIII examinar em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo ou da Administração Pública em geral autos de processos findos ou em andamento mesmo sem procuração quando não estejam sujeitos a sigilo assegurada a obtenção de cópias podendo tomar apontamentos XIV examinar em qualquer instituição responsável por conduzir investigação mesmo sem procuração autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza findos ou em andamento ainda que conclusos à autoridade podendo copiar peças e tomar apontamentos em meio físico ou digital XV ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza em cartório ou na repartição competente ou retirálos pelos prazos legais XXI assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e subsequentemente de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados direta ou indiretamente podendo inclusive no curso da respectiva apuração a apresentar razões e quesitos Destacamos que não existe sigilo para o advogado no inquérito policial e não lhe pode ser negado o acesso às suas peças nem ser negado o direito à extração de cópias ou fazer apontamentos Nesse sentido é importante transcrever o teor do art 7º 11 e 12 da Lei n 8906 11 No caso previsto no inciso XIV a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos quando houver risco de comprometimento da eficiência da eficácia ou da finalidade das diligências 12 A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente No mesmo sentido está posto na Súmula Vinculante n 14 com o seguinte teor É direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ao exercício do direito de defesa Assim vejamos alguns aspectos interessantes É um direito do defensor portanto pode ser mantido o sigilo externo para os meios de comunicação por exemplo No interesse do representado logo pode ser exigida procuração para comprovação da outorga de poderes e também justificar a restrição de acesso aos elementos que sejam do interesse de outros investigados não representados por aquele defensor isso pode ser relevante na restrição de acesso aos dados bancários ou fiscais de outros investigados que não são representados por aquele advogado Esse interesse é jurídico e vinculado à plenitude do direito de defesa Ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados o acesso é irrestrito aos atos de investigação há uma histórica confusão conceitual pois não são propriamente atos de prova mas meros atos de investigação desde que já documentados Com isso preservase o necessário sigilo aos atos de investigação não realizados ou em andamento como por exemplo a escuta telefônica em andamento ou um mandado de prisão ou busca e apreensão ainda não cumprido Procedimento Investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária o mandamento dirigese obviamente à polícia judiciária e aos atos realizados no curso do inquérito policial Contudo vislumbramos plena aplicação nas eventuais investigações feitas pelo Ministério Público ou mesmo no âmbito de CPIs ou sindicâncias administrativas Significa dizer que o acesso deve ser garantido a qualquer procedimento investigatório ainda que realizado por outras autoridades mas que naquele ato equiparamse à polícia judiciária no que diz respeito ao conteúdo e finalidade dos atos praticados Não haveria sentido algum em assegurar acertadamente o acesso do advogado aos autos do inquérito policial mas não ao procedimento investigatório similar realizado pelo Ministério Público apenas porque a investigação preliminar é levada a cabo por outro agente estatal Mas e se ainda assim for denegado o pedido de vista do inquérito policial o que deve fazer o advogado Por se tratar de decisão que nega eficácia à Súmula Vinculante o remédio processual adequado é a Reclamação feita diretamente ao STF nos termos dos arts 102 I l e 103A 3º da Constituição Mas nada impede que o defensor interponha primeiramente Mandado de Segurança junto ao juízo de primeiro grau quando a negativa de acesso for da autoridade policial ou ao respectivo tribunal quando o ato coator emana de juiz Ainda que historicamente o STF e o STJ tenham felizmente admitido o habeas corpus para uma tutela dessa natureza entendemos que o desrespeito às prerrogativas profissionais do advogado deve ser remediado por meio de mandado de segurança instrumento mais adequado para tutelar tal pretensão Sem embargo sublinhamos que a cada dia vem tomando força a aceitação do HC diante da flagrante ilegalidade e cerceamento de defesa Ademais perfeitamente invocável a fungibilidade entre as ações constitucionais para que uma seja conhecida no lugar da outra O que importa nesse momento é a eficácia da tutela jurisdicional Essa opção pelo mandado de segurança ou HC para alguns antes de ingressar com a Reclamação no STF é viável e está justificada pela facilidade de acesso aos órgãos locais e em momento algum impede a posterior Reclamação no STF caso persista a recusa em dar acesso aos autos Com a possibilidade de Reclamação superase o obstáculo criado pela famigerada Súmula 691 do STF Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer do habeas corpus impetrado contra decisão do relator que em habeas corpus requerido a tribunal superior indefere a liminar pois não é mais necessário esperar a decisão de mérito pelo tribunal de origem para ingressar com novo HC Agora pela via da Reclamação o acesso ao STF é direto Por fim negar acesso do advogado aos autos do inquérito ou qualquer outra investigação preliminar constitui crime previsto no art 32 da Lei n 13869 Art 32 Negar ao interessado seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar ao termo circunstanciado ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal civil ou administrativa assim como impedir a obtenção de cópias ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso ou que indiquem a realização de diligências futuras cujo sigilo seja imprescindível Pena detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e multa Tal previsão legal reforça não apenas as prerrogativas funcionais do advogado mas também o próprio direito de defesa e contraditório do imputado na investigação preliminar 11 A Conclusão do Inquérito Policial Oferecimento da Denúncia ou Queixa Arquivamento pelo Ministério Público Procedimento A Problemática do Arquivamento Implícito ou Tácito O procedimento finalizará por meio de um relatório art 10 1º e 2º através do qual o delegado de polícia fará uma exposição objetiva e impessoal do que foi investigado remetendoo ao foro para ser distribuído Acompanharão o IP os instrumentos utilizados para cometer o delito e todos os demais objetos que possam servir para a instrução definitiva processual e o julgamento Tendo havido prevenção será encaminhado para o juiz das garantias Recebido o IP pelo juiz das garantias dará este vista ao MP Uma vez mais a teor do art 129 I da CB o melhor seria que o inquérito fosse distribuído diretamente ao Ministério Público Recebendo o IP o promotor poderá oferecer a denúncia determinar o arquivamento solicitar diligências ou realizar diligências Estando o IP suficientemente instruído o promotor poderá com base nele oferecer a denúncia no prazo legal art 46 No relatório não é necessário que a autoridade policial tipifique o delito apontado mas se o fizer essa classificação legal não vincula o promotor Nem mesmo as conclusões da autoridade policial vinculam o promotor que poderá denunciar ou pedir o arquivamento ainda que em sentido completamente contrário ao que aponta o delegado Se o crime for de ação penal de iniciativa privada em tese poder haver inquérito policial desde que exista o requerimento da vítima a que alude o art 5º 5º do CPP e não seja um crime de competência do JECrim pois nesse caso será feito apenas um auto circunstanciado Mas sendo uma situação em que exista inquérito uma vez feito será remetido para o juízo competente juiz das garantias onde ficarão aguardando a iniciativa do ofendido nos termos do art 19 do CPP Então poderá o ofendido oferecer a queixa crime ou não simplesmente deixar transcorrer o prazo decadencial na medida em que não está obrigado a acusar Portanto não há arquivamento mas decadência e extinção da punibilidade Contudo a regra é que o inquérito tenha por objeto um delito de ação penal de iniciativa pública afeta portanto ao Ministério Público e é dessa hipótese que iremos nos ocupar a continuação Uma vez iniciado formalmente o IP a teor do art 17 do CPP não poderá a autoridade policial arquiválo pois não possui competência para isso E aqui uma vez mais precisamos fazer a advertência a Lei n 139642019 alterou completamente a sistemática do arquivamento mas infelizmente o art 28 teve sua eficácia suspensa pela liminar concedida pelo Min FUX Portanto vamos ter que explicar os dois sistemas o antigo e o novo que está suspenso mas pode viger a qualquer momento Sistema antigo do CPP em vigor por enquanto Art 28 Se o órgão do Ministério Público ao invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação o juiz no caso de considerar improcedentes as razões invocadas fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procuradorgeral e este oferecerá a denúncia designará outro órgão do Ministério Público para oferecêla ou insistirá no pedido de arquivamento ao qual só então estará o juiz obrigado a atender Nessa sistemática o MP não arquiva solicita o arquivamento para o juiz que poderá concordar com o pedido do MP e então arquivar o inquérito controle é judicial portanto ou divergir do entendimento do MP e de forma inquisitória e incompatível com a matriz acusatória do CPP determinar a remessa para o procuradorgeral do MP que poderá inclusive através de outro promotor designado insistir no arquivamento e então não restará ao juiz outra opção do que arquivar ou oferecer denúncia que voltará para aquele mesmo juiz julgareis o ranço inquisitório Essa é a sistemática do CPP desde 1941 criticada por colocar o juiz em posição incompatível com a matriz acusatória constitucional E como está a nova redação do art 28 quando entrar em vigor Art 28 Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza o órgão do Ministério Público comunicará à vítima ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação na forma da lei 1º Se a vítima ou seu representante legal não concordar com o arquivamento do inquérito policial poderá no prazo de 30 trinta dias do recebimento da comunicação submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial conforme dispuser a respectiva lei orgânica 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União Estados e Municípios a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial Como será essa nova sistemática O arquivamento somente será ordenado pelo Ministério Público nos termos do art 28 do CPP com a possibilidade de recurso da vítima e a necessidade de reexame pelo órgão superior encarregado do MP Tratase de outra alteração muito relevante trazida pela Lei n 139642019 com uma sistemática completamente nova para o arquivamento do inquérito qualquer investigação preliminar que agora não mais depende e arquivamento pelo juiz e portanto está muito mais acorde com a estrutura acusatória Se o membro do Ministério Publico entender que não estão presentes as condições de admissibilidade da acusação e portanto para o oferecimento da denúncia ele mesmo promoverá o arquivamento do inquérito ou de qualquer elemento informativo que desempenhe a mesma finalidade como vg um procedimento investigatório criminal ou a representação fiscal para fins penais sem necessidade de submeter ao juiz como no antigo sistema inquisitório Essa decisão em que pese não mais ser submetida a homologação judicial não é isenta de fundamentação até porque no sistema brasileiro vigoram ainda que com alguma mitigação os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal de iniciativa pública de modo que ele precisará fundamentar os motivos do arquivamento não sendo uma pura e simples faculdade Sendo um delito com vítima determinada ele deverá comunicar a vítima dessa decisão permitindo que ela se discordar possa submeter a matéria à revisão por parte do órgão ministerial estruturado para essa finalidade no âmbito do Ministério Público portanto não jurisdicional no prazo de 30 dias a contar da ciência Não há previsão de nome para esse pedido e tampouco definição quanto ao procedimento sendo assim deve ser admitido desde um pedido fundamentando apontando a divergência até uma simples petição de reexame alegando a inconformidade com a decisão de arquivamento Na ausência de exigência legal pensamos tal pedido de reexame ser subscrito pela própria vítima ou representante legal se menor por exemplo sem necessidade de advogado mas obviamente poderá ser feita por advogado devidamente constituído Não havendo esse pedido de revisão por parte da vítima ou não sendo cabível crimes sem vítima determinada igualmente deverá o membro do Ministério Público encaminhar de ofício os autos para a instância ministerial para que o arquivamento seja homologado É dessarte uma forma de reexame necessário mas pelo próprio órgão do parquet Caso o órgão revisor do MP não concordar com os fundamentos do arquivamento será designado outro membro do MP para oferecer a denúncia não havendo óbice a que peça diligências complementares se entender necessário para melhor instruir a denúncia Em crimes praticados em detrimento de bens serviços ou interesses da União Estados ou Municípios estabelece o 2º que o pedido de revisão poderá ser feito pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial mas é necessário nesses casos que o agente público seja comunicado da decisão de arquivamento da mesma forma que se comunica ao particularvítima nos demais casos Há previsão ainda de comunicação da decisão de arquivamento para o investigado até para que saiba do desfecho da investigação e não fique em situação de incerteza ou indeterminação em relação a sua situação jurídica e também para a autoridade policial que conduziu o inquérito mas não existe previsão de recurso ou manifestação tanto do investigado como da polícia No primeiro caso investigado por falta de interesse recursal ainda que não se descarte em situação excepcional que maneje o habeas corpus para eventualmente rediscutir os fundamentos do arquivamento Quanto a autoridade policial além de inexistir qualquer interesse recursal carece de legitimidade e capacidade postulatória Ainda que o artigo não mencione pensamos que deve haver uma comunicação do arquivamento para o juiz das garantias da mesma forma que lhe é informada a abertura de um inquérito art 3ºB IV mas é uma simples comunicação para ciência Cumpre sublinhar que mesmo não havendo o pedido de revisão no prazo de 30 dias deverá o membro do Ministério Público encaminhar os autos para análise homologação da sua decisão por parte da instância ministerial competente Então como explicamos em outra oportunidade em coautoria com MORAIS DA ROSA189 o arquivamento deve se dar em duas fases a primeira fase O representante do Ministério Público emite manifestação pelo arquivamento comunica formalmente vítima e investigados quando existentes advertindo expressamente da possibilidade recursal em 30 dias prazo que se conta da respectiva intimação e não da juntada ao autos na linha do art 798 do CPP b segunda fase Efetivadas as comunicações formais ausente pedido voluntário de revisão da vítima ou seu representante investigado ou autoridade investigadora devidamente certificado o prazo sobem os autos para homologação do arquivamento pelo órgão competente da Instituição do Ministério Público que pode confirmar ou divergir total ou parcialmente caso em que será designado novo membro do Ministério Público para o exercício da ação penal Destacamos que a decisão que arquiva o inquérito ou peças de informação proferida pela instância revisora do MP ainda que não faça coisa julgada em sentido próprio porque não é uma decisão judicial possui estabilidade Não pode outro membro descumprir essa decisão administrativa e oferecer denúncia exceto se surgirem novas provas Com base no mesmo acervo probatório que deu causa ao arquivamento não poderá ser oferecida denúncia posteriormente Assim ainda que a sistemática do arquivamento tenha sido alterada pensamos que segue sendo aplicável com a devida adequação o disposto na Súmula 524 do STF190 até por uma questão de segurança jurídica e estabilidade das decisões emanadas de órgãos públicos ainda que administrativas portanto Mas é importante esclarecer que a decisão administrativa do Ministério Público que homologa o arquivamento do IP feito pelo promotor não transita em julgado Em tese pode a autoridade policial seguir investigando a fim de obter novos elementos de convicção capazes de justificar o exercício da ação penal art 18 Mas nada impede que o MP determine novamente o arquivamento O art 16 do CPP dispõe que o Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial senão para novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia Uma leitura constitucional do dispositivo processual levanos inegavelmente à conclusão de que a teor dos diversos incisos do art 129 da CB em conjunto com as Leis n 7593 e n 862593 especialmente o disposto nos arts 7º e 8º da primeira e 26 da segunda o MP poderá requisitar diretamente da autoridade policial a prática de novos atos de investigação ou praticar ele mesmo os atos que julgue necessários Não cabe ao juiz decidir sobre a imprescindibilidade das diligências e tampouco a sua pertinência Nem mesmo justificase a sua intervenção nesse momento tendo em vista que o MP ademais de titular da ação penal poderá determinar a instauração do IP o todo a prática de diligências ou mesmo prescindir do inquérito e instruir seu próprio procedimento Por fim poderá o MP optar por realizar ele mesmo aquelas diligências que julgue imprescindíveis pois se possui poderes para instruir todo o procedimento préprocessual com mais razão para praticar determinadas diligências destinadas a complementar o IP Noutra dimensão situase o chamado arquivamento implícito ou tácito Se o inquérito policial apura que determinado injusto penal foi praticado por A B e C e o Ministério Público oferecer denúncia apenas contra A e B não incluindo na acusação e tampouco ordenando o arquivamento em relação ao C poderá o ofendido oferecer a queixacrime subsidiária ação penal privada subsidiária da pública em face do imputado C pois houve inércia do MP em relação a ele Mas essa hipótese sublinhese só é possível se o Ministério Público não ordenar formalmente o arquivamento pois se o fizer não cabe ação penal subsidiária Na doutrina há quem sustente o arquivamento implícito como JARDIM191 para quem o arquivamento implícito decorre da má sistematização da matéria por parte do CPP de modo que se o MP deixar de incluir na denúncia algum fato ou indiciado sem expressa fundamentação terá se operado a omissão que o constitui A matéria é extremamente relevante na medida em que operado o arquivamento tácito ou implícito não caberá aditamento ou nova denúncia em relação àquele fato ou autor salvo se existirem novas provas pois assim aponta acertadamente a Súmula 524 do STF Contudo é fundamental destacar que a aplicação da teoria do arquivamento implícito não é pacífica e ao contrário há muita resistência na sua aplicação inclusive no STF Como se vê além de não acolher a tese do arquivamento implícito o STF também relativiza o princípio da indivisibilidade da ação penal pública o que nos parece um paradoxo principalmente quando interpretado de forma sistemática à luz dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade Sendo obrigatória e indisponível a ação pública não vemos como sustentar sua divisibilidade No fundo essa posição não é técnica mas de política processual pois o que está a legitimar é a possibilidade de não denunciar alguém ou algum delito neste momento para fazêlo posteriormente atendendo ao interesse e a estratégia do acusador É com base nesta relativização do princípio da obrigatoriedade que também estão fulminando as regras da conexão e continência para separar aqueles que possuem prerrogativa de função dos demais sem essa prerrogativa da seguinte forma o MP denuncia junto ao juízo de primeiro grau aqueles que não possuem prerrogativa de função e posteriormente aqueles agentes políticos com prerrogativa junto ao respectivo tribunal violando assim a unidade de processo e julgamento imposta pelos arts 76 e 77 do CPP Mudando o enfoque nos delitos cuja ação penal é de iniciativa privada em que foi requerido e instaurado o IP uma vez concluído os autos do inquérito serão remetidos para o juízo competente ficando à disposição do ofendido ou mesmo entregues mediante traslado Poderá o MP solicitar vista do IP para avaliar se não existe algum delito de ação penal pública e se for o caso oferecer a denúncia com base nesses elementos ou solicitar novas diligências desde que destinadas a apurar um delito de ação penal pública Ainda que o IP tenha sido instaurado o ofendido não está obrigado a exercer a ação penal Inclusive um dos motivos que pode têlo levado a requerer a instauração do procedimento policial pode ter sido exatamente a dúvida vg sobre a autoria que uma vez não dirimida impediria o exercício da queixa Não é necessário que o ofendido solicite o arquivamento bastando deixar fluir o prazo decadencial Sem embargo essa situação de pendência cria o stato di prolungata ansia no sujeito passivo imputado que deveria ser vedada mas não o é 12 O Acordo de Não Persecução Penal Uma vez aberto instruído e concluído o inquérito policial ou procedimento investigatório do MP como vimos deverá o Ministério Público decidir entre denunciar se presentes as condições necessárias para o exercício da ação penal como veremos no próximo Capítulo pedir mais diligências ou ordenar o arquivamento Aqui temos mais uma inovação trazida pela reforma de 20192020 o acordo de não persecução penal que poderá ser proposto pelo Ministério Público e aceito ou não pelo imputado quando na dicção do art 28A sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente Importante esclarecer que tal dispositivo está plenamente em vigor não tendos sido suspenso pela liminar anteriormente referida Vejamos agora os limites desse acordo e seus requisitos Outrora inconstitucional a nosso juízo pois previsto em uma resolução do CNMP o acordo de não persecução penal agora ingressa de forma regular no sistema processual penal pela via legislativa adequada Tratase de mais um instrumento de ampliação do espaço negocial pela via do acordo entre MP e defesa que pressupõe a confissão do acusado pela prática de crime sem violência ou grave ameaça cuja pena mínima seja inferior a 4 anos limite adequado à possibilidade de aplicação de pena não privativa de liberdade que será reduzida de 13 a 23 em negociação direta entre acusador e defesa Se fôssemos pensar uma estrutura escalonada de negociação levando em consideração seus requisitos e condições impostas seria disposta na seguinte ordem 1º transação penal 2º acordo de não persecução 3º suspensão condicional do processo 4º acordo de delação premiada Se fizermos um estudo dos tipos penais previstos no sistema brasileiro e o impacto desses instrumentos negociais não seria surpresa alguma se o índice superasse a casa dos 70 de tipos penais passíveis de negociação de acordo Portanto estão presentes todas as condições para um verdadeiro desentulhamento da justiça criminal brasileira sem cairmos na abertura perversa e perigosa de um plea bargaining sem limite de pena como inicialmente proposto pelo Pacote Moro e felizmente rechaçada pelo Congresso Nacional Portanto é um poderoso instrumento de negociação processual penal que requer uma postura diferenciada por parte dos atores judiciários antes forjados no confronto que agora precisam abrirse para uma lógica negocial estratégica que demanda uma análise do que se pode oferecer e do preço a ser pago prêmio do timing da negociação da arte negocial Nesse terreno é preciso ler Alexandre MORAIS DA ROSA e seus vários escritos sobre a teoria dos jogos aplicada ao processo penal192 Entendemos que preenchidos os requisitos legais se trata de direito público subjetivo do imputado mas há divergência no sentido de ser um poder do Ministério Público e não um direito do imputado Uma vez formalizado o acordo e cumpridas as condições estabelecidas será extinta a punibilidade não gerando reincidência ou maus antecedentes registrandose apenas para o fim de impedir um novo acordo no prazo de 5 anos inciso III do 2º O acordo de não persecução penal está previsto no art 28A193 de onde podemos extrair I Requisitos cumulativos a Não deve ser caso de arquivamento devendo estar presentes as condições de admissibilidade da acusação viabilidade acusatória b O imputado deve confessar formal e circunstancialmente a prática de crime podendo essa confissão ser feita na investigação ou mesmo quando da realização do acordo c O crime praticado deve ter pena mínima inferior a 4 anos e ter sido praticado sem violência ou grave ameaça Para aferição dessa pena devese levar em consideração as causas de aumento como o concurso de crimes por exemplo e de redução como a tentativa devendo incidir no máximo nas causas de diminuição e no mínimo em relação as causas de aumento pois o que se busca é a pena mínima cominada d O acordo e suas condições devem ser suficientes para reprovação e prevenção do crime ou seja adequação e necessidade proporcionalidade II São causas impeditivas do acordo de natureza alternativa basta portanto a existência de uma delas para não ter cabimento a Não poderá ser proposto o acordo quando for cabível transação penal cuja proposta antecede e prevalece pois mais benéfica para o imputado b Quando as circunstâncias pessoais do imputado não recomendarem por ser ele reincidente ou existirem elementos probatórios suficientes de que se trata de conduta criminosa habitual reiterada ou profissional exceto quando as infrações penais anteriores forem insignificantes Esse é um critério vago e impreciso que cria inadequados espaços de discricionariedade por parte do MP c O imputado não poder terse beneficiado nos últimos 5 anos anteriores ao criem de acordo de não persecução transação penal ou suspensão condicional do processo d Ainda que a pena mínima seja inferior a 4 anos não caberá o acordo quando se tratar de crime de violência doméstica ou familiar Lei n 113402006194 ou praticado constituir violência de gênero praticado contra mulher em razão da condição de sexo feminino III Condições a serem acordadas que são alternativas mas podem ser cumuladas a Reparação do dano ou restituição do objeto à vítima salvo impossibilidade195 b Renúncia para perdimento de bens e direitos que sejam instrumentos produto direto ou adquiridos com os proventos da infração a serem indicados pelo Ministério Público c Prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública pelo tempo correspondente ao da pena mínima cominada ao delito que será reduzida de um a dois terços conforme negociação entre MP e imputado d Pagamento de prestação pecuniária que reverterá preferencialmente a entidade pública ou de interesse social que tenha como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos atingidos pelo delito e Cumprir por prazo a ser negociado e determinado outra condição indicada pelo MP desde que proporcional e compatível com o crime imputado IV Como se dá o procedimento desse acordo a O acordo de não persecução deverá ser proposto antes do recebimento da denúncia sendo homologado pelo juiz das garantias b Poderá ser proposto na audiência de custódia quando for caso de sua realização e a especificidade do caso permitir c O acordo de não persecução penal poderá ser oferecido aos processos em curso quando da sua entrada em vigor na medida em que se trata de norma mista retroage para beneficiar o réu Também não vislumbramos obstáculos a que seja oferecido em qualquer fase do procedimento caso não tenha sido acordado no início do feito d Será formalizado por escrito e firmado pelo MP e o imputado e seu defensor nada impedindo que seja realizada audiência para a negociação das condições do acordo e Firmado o acordo será submetido a homologação judicial na mesma audiência em que se realizou ou em audiência específica para esse fim caso o acordo tenha se dado apenas por escrito entre as partes momento em que o juiz deverá ouvir o investigado na presença de seu defensor para avaliar a voluntariedade do acordo e sua legalidade f Homologado o acordo deverá o MP promoverlhe a execução perante o juízo competente g Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições devolverá os autos para o MP para que reformule as propostas com a concordância do imputado Se não realizada essa adequação ou não forem atendidos os requisitos legais o juiz poderá recusar a homologação Essa postura intervencionista do juiz se justifica apenas quando houver ilegalidade nas condições ou for gravemente abusiva para o imputado h Não homologado o acordo o juiz devolverá os autos para o MP para que ofereça denúncia faça uma adequação no acordo ou complemente as investigações e faça uma nova proposta Essa previsão é problemática na medida em que pode representar uma inquisitória atuação judicial em uma esfera de negociação exclusiva das partes Ademais se o juiz não homologar o acordo e devolver os autos o Ministério Público poderia em tese promover o arquivamento e não denunciar ainda que neste caso exista o reexame necessário nos termos do art 28 Por outro lado não homologado o acordo e não oferecida a denúncia ou pedidas diligências complementares ou promovido o arquivamento poderia a vítima utilizar a ação penal privada subsidiária da pública pois haveria inércia do MP i A vítima não participa do acordo mas é intimada da homologação ainda que não possa se opor a ele e de eventual descumprimento Mesmo que a vítima não possa impedir o acordo nada impede que sua presença nesse momento seja importante para melhor definição das condições a serem cumpridas especialmente da reparação do dano Não há previsão legal mas pensamos que seria adequado e coerente também intimar a vítima em caso de não homologação até porque dependendo da situação que se criar a seguir poderá propor a ação penal privada subsidiária j Em caso de descumprimento do acordo homologado o MP comunicará o juiz para fins de rescisão e oferecerá denúncia k Sendo informado pelo MP o descumprimento do acordo deverá o juiz designar audiência oral e pública para exercício do contraditório momento em que deverá ouvir o imputado sobre a veracidade e eventuais motivos que justifiquem o descumprimento na presença do seu defensor Também deverá ser analisada a proporcionalidade do descumprimento em relação às consequências A revogação portanto além do contraditório deverá ser objeto de decisão fundamentada do juiz não sendo obrigatória unilateral ou automática l Considerando a sistemática de homologação do acordo pensamos que deve ser mantida a coerência com o sistema adotado que estabelece uma postura intervencionista do juiz também no momento da rescisão Assim eventualmente poderá o juiz entender que está justificado o descumprimento ou mesmo que ele não ocorreu indeferindo o pedido de rescisão e determinando a continuidade do acordo Considerando ainda que estamos diante de um negócio jurídico processual é aplicável por exemplo as teorias civilistas da boafé e também a do adimplemento substancial para fins de manutenção do acordo ou extinção da punibilidade por cumprimento das condições Somos contra a importação de categorias do direito civil e do processo civil para o processo penal mas aqui justificase não só por coerência mas também pela hibridez do próprio instituto da negociação no processo penal Uma vez cumprido integralmente o acordo o juiz deverá declarar a extinção da punibilidade não subsistindo qualquer efeito exceto o registro para o fim de impedir um novo acordo no prazo de 5 anos 2º inciso III Em caso de rescisão por não cumprimento deverá o MP oferecer denúncia e o feito prosseguirá sua tramitação E se presentes os requisitos para o acordo de não persecução penal não for oferecido pelo Ministério Público Determina o 14 que se deve aplicar por analogia o art 28 do CPP com o imputado fazendo um pedido de revisão prazo de 30 dias para a instância competente do próprio MP que poderá manter ou designar outro membro do MP para oferecer o acordo Essa é uma leitura possível do novo art 28 e sua incidência em caso de inércia do MP Contudo pensamos que é possível cogitar de outra alternativa Como se trata de direito público subjetivo do imputado presentes os requisitos legais ele tem direito aos benefícios do acordo Não se trata sublinhese de atribuir ao juiz um papel de autor ou mesmo de juizator característica do sistema inquisitório e incompatível com o modelo constitucionalacusatório por nós defendido Nada disso A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito o direito ao acordo de não persecução penal que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Mas já imaginamos que essa posição encontrará resistência e que a tendência poderá ser pela aplicação do art 28 do CPP seja o art 28 antigo ou pelo novo dispositivo cuja liminar suspendeu a eficácia quando entrar em vigor E cabe o acordo de não persecução penal na ação penal de iniciativa privada Pensamos que haverá resistência no início mas em breve deverá ser aceito da mesma forma que a transação penal Portanto uma vez preenchidos os requisitos legais anteriormente explicados pode o querelante propor o acordo de não persecução penal até porque a ação penal de iniciativa privada é plenamente disponível Por fim diversas questões poderão surgir ao longo da aplicação do acordo e pensamos que muitas delas já foram discutidas e resolvidas no âmbito da transação penal e da suspensão condicional do processo institutos já consagrados e amplamente debatidos que guardam similitude com o acordo de não persecução penal Por isso remetemos o leitor nesses momentos para o Capítulo XIII especificamente no tópico destinado ao Juizado Especial Criminal e os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo pois lá poderá encontrar uma resposta para suas dúvidas Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO O modelo brasileiro de investigação preliminar é policial a autoridade encarregada é a polícia judiciária e destinase à apuração das infrações penais e da sua autoria art 4º do CPP Quanto à natureza jurídica é um procedimento administrativo préprocessual 1 ÓRGÃO ENCARREGADO o inquérito policial é um típico modelo de investigação preliminar policial de modo que a polícia judiciária realiza a investigação com autonomia e controle dependendo de intervenção judicial apenas para adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais vg interceptações telefônicas busca e apreensão prisão cautelar etc O Ministério Público pode requerer a abertura do inquérito acompanhar sua realização e fazer ainda o controle externo da atividade policial É bastante discutida a chamada investigação direta pelo Ministério Público ou seja se o modelo brasileiro admite a figura do promotorinvestigador Quanto à posição do juiz no inquérito e em qualquer modelo de investigação preliminar como o PIC do MP é a de garantidor e não de instrutor inquisidor sendo por isso imprescindível a efetivação plena da figura do juiz das garantias em toda sua extensão Nesse ponto imprescindível a leitura dos arts 3ºB C D E e F do CPP CUJA EFICÁCIA ESTÁ SUSPENSA PELA DECISÃO DO MIN FUX COMO JÁ EXPLICADO A figura do juiz das garantias trazida pela Lei n 139642019 e incorporada no art 3º do CPP é um grande avanço e absolutamente imprescindível para assegurarse a imparcialidade do julgador dada a inequívoca e inegável necessidade de separar o juiz da investigação do juiz da instrução processual e sentença Além de necessário para garantir a imparcialidade do julgador efetiva a estrutura acusatória constitucional e legalmente prevista e também assegura a originalidade cognitiva do juiz julgador Ele atua como controlador da legalidade da investigação realizada pela polícia ou Ministério Público sendo chamado a decidir sobre todas as medidas restritivas de direitos fundamentais submetidas a reserva de jurisdição e também para garantir a eficácia dos direitos e garantias do investigado 2 OBJETO E SUA LIMITAÇÃO o inquérito busca investigar o fato aparentemente criminoso constante na notíciacrime ou descoberto de ofício pela autoridade policial O inquérito nasce no campo da possibilidade de que exista um fato punível e pretende atingir o grau de probabilidade fumus commissi delicti para que acusação seja exercida É normativamente sumário ainda que às vezes degenere para um modelo plenário prolongandose excessivamente Existe limitação temporal e possibilidade de prorrogação sendo que em caso de investigado preso dependerá de autorização do juiz das garantias 3 FORMA DOS ATOS o início do inquérito se dará nos termos do art 5º do CPP podendo ser de ofício mediante requisição do MP a requerimento do ofendido por comunicação oral ou por escrito notícia crime por representação nos crimes de ação penal pública condicionada ou a requerimento da vítima nos crimes de ação penal de iniciativa privada Quanto ao desenvolvimento no curso do inquérito são praticados diversos atos previstos nos arts 6º e 7º do CPP A conclusão do inquérito será por meio de relatório da autoridade policial não podendo esta arquivar os autos do inquérito policial art 17 do CPP Concluído será enviado para o Ministério Público que poderá oferecer denúncia requisitar diligências complementares art 16 do CPP ou requerer o arquivamento ao juiz enquanto estiver vigendo o art 28 do CPP na sua redação originária O novo art 28 ainda suspenso estabelece uma sistemática completamente diferente o MP não mais requer ao juiz senão que ele mesmo determina o arquivamento que precisará ser confirmado no âmbito do MP Uma vez arquivado o inquérito em nenhum caso poderá ser reaberto sem novas provas sendo aplicável a Súmula 524 do STF tanto para o art 28 antigo como para o novo A figura do arquivamento tácito ou implícito não é pacífica sendo inclusive rechaçada pelo STF ocorrendo quando o Ministério Público deixa de oferecer denúncia mas também não pede expressamente o arquivamento em relação a algum dos imputados do inquérito Ainda em relação à forma dos atos o inquérito é facultativo escrito secreto no plano externo ver Súmula Vinculante n 14 e também o art 20 do CPP tendo seus atos limitado valor probatório Pelo disposto na Lei n 139642019 nesta parte suspensa pela decisão liminar do Min FUX os autos do inquérito policial não poderão integrar o processo ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado 4 VALOR PROBATÓRIO os atos do inquérito policial têm limitado valor probatório devendose compreender a distinção entre atos de investigação feitos no inquérito e atos de prova realizados no processo Atos de investigação a não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese b estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos c servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza d não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidos e servem para a formação da opinio delicti do acusador f não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento g têm função endoprocedimental isto é interna ao procedimento para legitimar os atos da própria investigação indiciamento eou adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional h podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Atos de prova a estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação b estão a serviço do processo e integram o processo penal c dirigemse a formar um juízo de certeza tutela de segurança d exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação e servem à sentença logo são destinados ao julgador f destinados a formar o convencimento do juiz para condenar ou absolver o réu g a produção da prova é essencial para o processo destinandose à recognição do juiz acerca do crime fato passado para formar sua convicção função persuasiva h são praticados pelas partes em contraditório perante o juiz que julgará o processo É fundamental compreender que a garantia da jurisdicionalidade assegura o direito de ser julgado com base na prova produzida no processo à luz do contraditório e perante o juiz competente Excepcionalmente as provas técnicas irrepetíveis produzidas no inquérito exame de corpo de delito necropsia etc serão submetidas a contraditório posterior não sendo repetidas por absoluta impossibilidade Todas as demais provas repetíveis testemunhal acareações etc devem ser jurisdicionalizadas e as peças da investigação não devem ser juntadas ao processo Havendo risco de perecimento de uma prova testemunhal poderá ser feito o incidente de produção antecipada de provas perante o juiz das garantias Portanto o modelo brasileiro finalmente consagra a exclusão física dos autos do inquérito que não poderão ser juntados ao processo exceto nos casos estabelecidos na lei Infelizmente esse grande avanço está SUSPENSO pela liminar do Min FUX 5 INDICIADO o indiciamento é um ato formal e fundamentado através do qual a autoridade policial afirma a existência de um feixe de indícios convergentes que apontam para certa pessoa como autora de um fato aparentemente criminoso Erroneamente não há previsão no CPP do momento no qual deve ocorrer o indiciamento se no final do inquérito no relatório ou no curso da investigação tão logo surjam elementos que apontem concretamente para alguém O indiciamento é situacional provisório pois o indiciado de hoje pode não ser acusado depois no processo e tampouco vincula o Ministério Público 6 DIREITO DE DEFESA E CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO é um reducionismo afirmar que no inquérito não existem defesa e contraditório Não há plenitude mas é possível o direito de defesa pessoal positiva ou negativa bem como a presença de advogado importante ver o art 7º da Lei n 890694 Quanto ao contraditório é restrito ao primeiro momento qual seja o da informação art 5º LV da CB 82 da CADH e Súmula Vinculante n 14 do STF Denegado o pedido de vista do inquérito poderá a defesa utilizar a reclamação art 102 I l da CB ou ainda Mandado de Segurança a ser interposto em primeiro grau quando a recusa for da autoridade policial 7 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL Está plenamente em vigência É mais um instituto de justiça negociada ao lado da transação penal suspensão condicional do processo e colaboração premiada ainda que sejam distintos e submetidos a diferentes requisitos e consequências Mas todos integram um verdadeiro espaço de consenso de negociação Especificamente o acordo de não persecução penal é uma forma de negociação entre Ministério Público e o imputado que evita o processo sempre que nos termos do art 28A sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente O dispositivo estabelece requisitos para realização causas impeditivas e as condições a serem cumpridas O imputado poderá aceitar ou não caso em que a acusação prosseguirá mas uma vez aceito e cumprido integralmente o acordo o juiz deverá declarar a extinção da punibilidade não subsistindo qualquer efeito exceto o registro para o fim de impedir um novo acordo no prazo de 5 anos 2º inciso III Em caso de rescisão por não cumprimento deverá o MP oferecer denúncia e o feito prosseguirá sua tramitação Capítulo V AÇÃO PROCESSUAL PENAL REPENSANDO CONCEITOS E CONDIÇÕES DA AÇÃO 1 Síntese do Estado da Arte e Natureza Jurídica Inicialmente como advertem GÓMEZ ORBANEJA e HERCE QUEMADA196 é importante destacar que o conceito de ação penal é privativo do processo penal acusatório Isso significa no sólo que la acción es una cosa y otra diferente el derecho de penar sino que la acción es un concepto puramente formal Na história do direito processual milhares de páginas foram escritas sobre ação tendo como marco mais relevante a famosa Polêmica sobre a Actio de WINDSCHEID e MUTHER passando pela reestruturação do processo com BÜLOW seguido de WACH CHIOVENDA e tantos outros autores A análise desta evolução demandaria um abordagem muito mais ampla transbordando os limites deste manual Partiremos assim do estado atual da arte remetendo o leitor para nossa obra Fundamentos do Processo Penal publicado pela Editora Saraiva como leitura complementar pois lá fazemos um estudo mais profundo Concebemos a ação como um poder político constitucional de acudir aos tribunais para formular a pretensão acusatória É um direito potestativo constitucionalmente assegurado de invocar e postular a satisfação da pretensão acusatória Mais específico o art 129 I da Constituição assegura o poder exclusivo do Ministério Público de exercer a ação penal melhor a acusação pública ALCALÁZAMORA197 define como el poder jurídico de promover la actuación jurisdiccional a fin de que el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de aquélla reputa constitutivos de delito medio de provocar el ejercicio del derecho de penar Recordemos que por pretensão acusatória entendemos o direito potestativo por meio do qual se narra um fato com aparência de delito fumus commissi delicti e se solicita a atuação do órgão jurisdicional contra uma pessoa determinada É composta por elementos subjetivo objetivo fato e de atividade declaração petitória como explicamos em capítulos anteriores Entendemos por acusação o ato típico e ordinário de iniciação processual que assume a forma de uma petição por meio da qual a parte faz uma declaração petitória solicitando que se dê vida a um processo e que comece sua tramitação No processo penal brasileiro corresponde aos instrumentos denúncia nos crimes de ação penal de iniciativa pública e queixa delitos de iniciativa privada É na verdade o veículo que transportará a pretensão sem deixar de ser um dos seus elementos Por fim não existe trancamento da ação penal Por que não existe trancamento da ação penal Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há que se falar em trancamento da ação um erro que decorre da constante confusão entre ação e pretensão Inclusive há quem empregue o vocábulo ação como sinônimo de pretensão Contudo a rigor ação é o poder jurídico de acudir aos tribunais para ver satisfeita uma pretensão Logo não há que se falar de trancamento do poder que já foi exercido Daí por que a boa técnica aconselha a que se fale em trancamento do processo penal pois é o curso dele processo que se quer fazer parar Ou seja o trancamento do processo não da ação corresponde a uma forma de extinção anormal prematura do processo Ninguém jamais falou em extinção prematura da ação pois o que impede o prosseguimento é o processo penal Quanto à natureza jurídica da ação é pacífico atualmente que toda ação processual tem caráter público porque se estabelece entre o particular e o Estado para realização do direito penal público Superadas as históricas polêmicas198 considerase que ação é um direito público autônomo e abstrato É autônomo e abstrato pois independe da relação jurídica de direito material Por isso a ação é um direito dos que têm razão e também dos que não a têm Haverá ação ainda que ao final o réu seja absolvido abstração e autonomia Tal lição autonomia e abstração é perfeita para o processo civil mas precisa ser redefinida no processo penal Isso porque no processo penal não se admite a plena abstração pois para a acusação ser exercida e admitida dando início ao processo é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti No processo penal há que se buscar o entreconceito entre o abstrato e o concreto na esteira de MIRANDA COUTINHO199 e LIEBMAN no sentido de que a ação é autônoma e abstrata mas conexa instrumentalmente ao caso penal na medida em que desde o início para que a acusação seja admitida deve o acusador demonstrar a verossimilhança do alegado isto é a fumaça de materialidade e autoria fumus commissi delicti Assim entendemos que a ação processual penal é um direito potestativo de acusar público autônomo e abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 2 Condições da Ação Penal Equívocos da Visão Tradicional Civilista Segundo o pensamento majoritário as condições da ação não integram o mérito da causa mas são condições para que exista uma manifestação sobre ele Assim questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva negativa de autoria não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevemse às situações previstas no art 395 II do CPP impedindo a manifestação sobre o caso penal mérito em julgamento Também encontramos a ausência de condições da ação nas causas de absolvição sumária no art 397 demonstrando o quão próximo estão do mérito ou seja do caso penal elemento objetivo da pretensão acusatória Quanto às condições da ação a doutrina costuma dividilas em legitimidade interesse e possibilidade jurídica do pedido O problema está em que na tentativa de adequar ao processo penal é feita uma verdadeira ginástica de conceitos estendendoos para além de seus limites semânticos O resultado é uma desnaturação completa que violenta a matriz conceitual sem dar uma resposta adequada ao processo penal Vejamos por que a Legitimidade esse é um conceito que pode ser aproveitado pois se trata de exigir uma vinculação subjetiva pertinência subjetiva para o exercício da ação processual penal Apenas como explicaremos na continuação não há que se falar em substituição processual no caso de ação penal de iniciativa privada e tampouco é de boa técnica em que pese a consagração legislativa e dogmática a divisão em ação penal pública e privada Como visto toda ação é pública por essência Não existe ação processual penal ou processual civil privada Tratase de um direito público O problema costuma ser contornado através da inserção de iniciativa pública ou privada b Interesse para ser aplicado no processo penal o interesse precisa ser completamente desnaturado na sua matriz conceitual Lá no processo civil é visto como utilidade e necessidade do provimento Tratase de interesse processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse material É a tradicional concepção de LIEBMAN do binômio utilidade e necessidade do provimento No processo penal alguns autores identificam o interesse de agir com a justa causa de modo que não havendo um mínimo de provas suficientes para lastrear a acusação deveria ela ser rejeitada art 395 III CRÍTICA Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta inaplicável ao processo penal Isso porque o processo penal vem marcado pelo princípio da necessidade algo que o processo civil não exige e portanto desconhece Se o interesse civilisticamente pensado corresponde à tradicional noção de utilidade e necessidade do provimento não há nenhuma possibilidade de correspondência no processo penal O princípio da necessidade impõe para chegarse à pena o processo como caminho necessário e imprescindível até porque o Direito Penal somente se realiza no processo penal A pena não só é efeito jurídico do delito200 senão que é um efeito do processo mas o processo não é efeito do delito senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo Então ele é inerente à ação processual penal não cabendo a discussão em torno do interesse Tanto o Ministério Público nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Então o que faz a doutrina processual penal para aproveitar essa condição da ação processual civil Entulhamento conceitual A intenção é boa e isso não se coloca em dúvida mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam em muito seus limites culminando por gerar um conceito diverso mas com o mesmo nome que não mais lhe serve por evidente Nessa linha costumam tratar como interesse questões que dizem respeito à punibilidade concreta tal como a inexistência de prescrição ou mesmo de justa causa como o princípio da insignificância c Possibilidade Jurídica do Pedido quanto à possibilidade jurídica do pedido cumpre inicialmente destacar201 que o próprio LIEBMAN na terceira edição do Manuale di diritto processuale civile aglutina possibilidade jurídica do pedido com o interesse de agir reconhecendo a fragilidade da separação Como conceber que um pedido é juridicamente impossível de ser exercido e ao mesmo tempo proveniente de uma parte legítima e que tenha um interesse juridicamente tutelável Ou ainda como poderá uma parte legítima ter um interesse juridicamente tutelável mas que não possa ser postulado São questões que só podem ser respondidas de forma positiva através de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico onírico de alguns Assim frágil a categorização mesmo no processo civil e principalmente no processo penal Superada essa advertência inicial o pedido da ação penal no processo penal de conhecimento será sempre de condenação exigindo um tratamento completamente diverso daquele dado pelo processo civil pois não possui a mesma complexidade Logo não satisfaz o conceito civilista de que o pedido deve estar autorizado pelo ordenamento até porque no processo penal não se pede usucapião do Pão de Açúcar típico exemplo dos manuais de processo civil A doutrina que adota essa estrutura civilista costuma dizer que para o pedido de condenação obviamente ser juridicamente possível a conduta deve ser aparentemente criminosa o que acaba se confundindo com a causa de absolvição sumária do art 397 III do CPP não pode estar extinta a punibilidade nova confusão agora com o inciso IV do art 397 ou ainda haver um mínimo de provas para amparar a imputação o que na verdade é a justa causa CRÍTICA Na verdade o que se verifica é uma indevida expansão dos conceitos do processo civil para ilusoriamente atender à especificidade do processo penal Em suma o que se percebe claramente é a inadequação dessas categorias do processo civil cabendonos então encontrar dentro do próprio processo penal suas condições da ação como se fará na continuação 3 Condições da Ação Penal Segundo as Categorias Próprias do Processo Penal Agora diante da necessidade de respeitaremse as categorias jurídicas próprias do processo penal devemos buscar as condições da ação dentro do próprio Processo Penal a partir da análise das causas de rejeição da acusação Assim do revogado art 43 e do atual art 395 sustentamos que são condições da ação penal202 prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa 31 Prática de Fato Aparentemente Criminoso Fumus Commissi Delicti Tradicionalmente entendeuse que evidentemente não constituir crime significava apenas atipicidade manifesta Contudo este não é um critério adequado Inicialmente deve considerar que o inciso III do art 397 do CPP fala em crime Ainda que se possa discutir se crime é fato típico ilícito e culpável ou um injusto típico ninguém nunca defendeu que o conceito de crime se resumia à tipicidade Logo atendendo ao referencial semântico da expressão contida no CPP devese trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente Quanto ao conceito de crime nenhuma dúvida temos de que a acusação deve demonstrar a tipicidade aparente da conduta Para além disso das duas uma ou se aceita o conceito de tipo de injusto na esteira de CIRINO DOS SANTOS em que se exige que além dos fundamentos positivos da tipicidade também deve haver a ausência de causas de justificação excludentes de ilicitude ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e ilicitude desmembrados Em qualquer caso se houver elementos probatórios de que o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve a denúncia ou queixa ser rejeitada como base no art 395 II pois falta uma condição da ação A problemática situase na demonstração manifesta da causa de exclusão da ilicitude É uma questão de convencimento do juiz e será o juiz das garantias que fará essa valoração quando entrar em vigor Mas uma vez superada essa exigência probatória se convencido de que o acusado agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deve o juiz das garantias rejeitar a acusação Caso esse convencimento somente seja possível após a resposta do acusado a decisão passará a ser de absolvição sumária nos termos do art 397 também a cargo do juiz das garantias Superada essa questão tipicidade e ilicitude surge o questionamento e se o acusado agiu manifestamente ao abrigo de uma causa de exclusão da culpabilidade pode o juiz rejeitar a acusação Pensamos que sim Assim havendo prova da causa de exclusão da culpabilidade como o erro de proibição por exemplo préconstituída na investigação preliminar está o juiz autorizado a rejeitar a acusação O que nos importa agora é que uma vez demonstrada e convencido o juiz das garantias está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou queixa Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público Em suma a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz das garantias rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz das garantias sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado já tendo sido a denúncia ou queixa recebida portanto a decisão será de absolvição sumária art 397 32 Punibilidade Concreta Exigia o antigo e já revogado art 43 II do CPP que não se tenha operado uma causa de extinção da punibilidade cujos casos estão previstos no art 107 do Código Penal e em leis especiais para que a ação processual penal possa ser admitida Agora essa condição da ação também figura como causa de absolvição sumária prevista no art 397 IV do CPP Mas isso não significa que tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente possa ser reconhecida pela via da absolvição sumária Nada disso Deve o juiz das garantias rejeitar a denúncia ou queixa quando houver prova da extinção da punibilidade A decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova somente é produzida após o recebimento da denúncia ou seja após a resposta escrita do acusado Quando presente a causa de extinção da punibilidade como a prescrição decadência e renúncia nos casos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada ou o réu absolvido sumariamente conforme o momento em que seja reconhecida 33 Legitimidade de Parte Dessa forma nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos perseguíveis através de denúncia ou de ação penal de iniciativa pública o polo ativo deverá ser ocupado pelo Ministério Público eis que nos termos do art 129 I da Constituição é o parquet o titular dessa ação penal Nas ações penais de iniciativa privada caberá à vítima ou seu representante legal arts 30 e 31 do CPP assumir o polo ativo da situação processual A doutrina brasileira na sua maioria entende que nessa situação ocorre uma substituição processual verdadeira legitimação extraordinária na medida em que o querelante postularia em nome próprio um direito alheio ius puniendi do Estado É um erro bastante comum daqueles que sem atentar para as categorias jurídicas próprias do processo penal ainda pensam através das distorcidas lentes da teoria geral do processo Compreendido que o Estado exerce o poder de punir no processo penal não como acusador mas como juiz tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é próprio ius ut procedatur pretensão acusatória ou seja o poder de acusar Logo não corresponde o poder de punir ao acusador seja ele público ou privado na medida em que ele detém a mera pretensão acusatória Assim em hipótese alguma existe substituição processual no processo penal A legitimidade deve ser assim considerada Legitimidade ativa está relacionada com a titularidade da ação penal desde o ponto de vista subjetivo de modo que será o Ministério Público nos delitos perseguíveis mediante denúncia e do ofendido ou seu representante legal nos delitos perseguíveis através de queixa É ocupada pelo titular da pretensão acusatória Especificamente no processo penal a legitimidade decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não propriamente do interesse Por imperativo legal nos delitos de ação penal de iniciativa pública o Ministério Público será sempre legitimado para agir Já nos delitos de ação penal de iniciativa privada somente o ofendido ou seu representante legal poderá exercer a pretensão acusatório através da queixacrime Legitimidade passiva decorre da autoria do injusto típico O réu pessoa contra a qual é exercida a pretensão acusatória deve ter integrado a situação jurídica de direito material que se estabeleceu com o delito autorvítima Em outras palavras a legitimação passiva está relacionada com a autoria do delito Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela culpabilidade penal especialmente no que se refere à inimputabilidade decorrente da menoridade em que o menor de 18 anos e de nada interessa eventual emancipação civil é ilegítimo para figurar no polo passivo do processo penal A imputação deve ser dirigida contra quem praticou o injusto típico Não se deve esquecer que nesse momento não pode ser feito um juízo de certeza mas sim de mera probabilidade verossimilhança da autoria A ilegitimidade ativa ou passiva leva à rejeição da denúncia ou queixa nos termos do art 395 II do CPP ou ainda permite o trancamento do processo através de habeas corpus eis que se trata de processo manifestamente nulo art 648 IV por ilegitimidade de parte art 564 II A ilegitimidade de parte permite que seja promovida nova ação eis que tal decisão faz apenas coisa julgada formal Corrigida a falha a ação pode ser novamente intentada É o que acontece vg quando o ofendido ajuíza a queixa em delito de ação penal pública A rejeição da queixa não impede que o Ministério Público ofereça a denúncia 34 Justa Causa Prevista no art 395 III do CPP a justa causa é uma importante condição da ação processual penal Em profundo estudo sobre o tema ASSIS MOURA203 adverte sobre a indefinição que paira em torno do conceito na medida em que causa possui significado vago e ambíguo enquanto que justo constitui um valor E prossegue204 lecionando que a justa causa exerce uma função mediadora entre a realidade social e a realidade jurídica avizinhandose dos conceitos válvula ou seja de parâmetros variáveis que consistem em adequar concretamente a disciplina jurídica às múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social Mais do que isso figura como um antídoto de proteção contra o abuso de Direito205 Evidencia assim a autora que a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio topos para toda a estrutura da ação processual penal uma inegável condição da ação penal que para além disso constitui um limite ao abuso do ius ut procedatur ao direito de ação Considerando a instrumentalidade constitucional do processo penal conforme explicamos anteriormente o conceito de justa causa acaba por constituir numa condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar A justa causa identificase com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação e a própria intervenção penal Está relacionada assim com dois fatores existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e de outro com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal 341 Justa Causa Existência de Indícios Razoáveis de Autoria e Materialidade Deve a acusação ser portadora de elementos geralmente extraídos da investigação preliminar inquérito policial probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal deve o juiz rejeitar a acusação Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação fumus commissi delicti Lá exigimos fumaça da prática do crime no sentido de demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica ilícita e culpável Aqui a análise deve recair sobre a existência de elementos probatórios de autoria e materialidade Tal ponderação deverá recair na análise do caso penal à luz dos concretos elementos probatórios apresentados A acusação não pode diante da inegável existência de penas processuais ser leviana e despida de um suporte probatório suficiente para à luz do princípio da proporcionalidade justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu É o lastro probatório mínimo a que alude JARDIM206 exigido ainda pelos arts 12 39 5º 46 1º e 648 I a contrário senso do Código de Processo Penal 342 Justa Causa Controle Processual do Caráter Fragmentário da Intervenção Penal Como bem sintetiza BITENCOURT207 o caráter fragmentário do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes É ainda um corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal como aponta o autor A filtragem ou controle processual do caráter fragmentário encontra sua justificativa e necessidade na inegável banalização do Direito Penal Quando se fala em justa causa está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém Inclusive se devidamente considerado o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa causa Deve existir no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual de um lado e o custo do processo penal de outro Nessa dimensão situamos as questões relativas à insignificância ou bagatela Considerando que toda categorização implica reducionismo e frágeis fronteiras à complexidade não negamos que a insignificância possa ser analisada na primeira condição fumaça de crime na medida em que incide diretamente na tipicidade Contudo para além das infindáveis discussões teóricas no campo da doutrina penal nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso à luz da proporcionalidade da ponderação dos bens em jogo ou ainda da própria estrutura do bem jurídico e da missão do Direito Penal E quando fizer isso estará atuando na justa causa para a ação processual penal 4 Outras Condições da Ação Processual Penal Para além das enumeradas e explicadas anteriormente existem outras condições que igualmente condicionam a propositura da ação processual penal Alguns autores chamam de condições específicas em contraste com as condições genéricas anteriormente apontadas Mais usual ainda é a classificação de condições de procedibilidade especificamente em relação à representação e à requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública condicionada Contudo razão assiste a TUCCI quando esclarece que tais classificações não possuem sentido de ser na medida em que tanto a representação como a requisição do Ministro da Justiça nada mais são do que outras condições para o exercício do direito à jurisdição penal208 Mas para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal como por exemplo enumeração não taxativa a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada no agente no território nacional nos casos de extraterritorialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP d prévia autorização da Câmara dos Deputados nos crimes praticados pelo Presidente ou VicePresidente da República bem como pelos Ministros de Estado nos termos do art 51 I da Constituição Em qualquer desses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP Caso não tenha sido percebida a falta de uma das condições da ação e o processo tenha sido instaurado deve ser trancado o processo através de habeas corpus ou extinto pelo juiz decisão meramente terminativa Quanto aos efeitos da decisão não haverá julgamento de mérito podendo a ação ser novamente proposta desde que satisfeita a condição enquanto não se operar a decadência no caso da representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou a prescrição 5 Ação Penal de Iniciativa Pública Na sistemática brasileira para saber de quem será a legitimidade ativa para propor a ação penal devese analisar qual é o delito ainda que em tese praticado verificando no Código Penal a disciplina definida para a ação processual penal Mas não basta analisar o tipo penal supostamente praticado devese verificar todo o Capítulo e às vezes até o Título no qual estão inseridos o capítulo e a descrição típica Exemplo de questão que costuma surpreender os concursantes pois na realidade isso não é nada comum diz respeito ao delito de furto praticado em prejuízo do cônjuge divorciado ou judicialmente separado irmão legítimo ou ilegítimo tio ou sobrinho com quem o agente coabita Pela sistemática do art 155 e seguintes do Código Penal a ação penal é de iniciativa pública incondicionada Contudo nesses casos encontramos lá no art 182 do CP disciplina diferente nesses casos a ação é de iniciativa pública mas condicionada à representação do ofendido Esse exemplo serve apenas de advertência de que a análise deve ser cautelosa antes de afirmarse qual é a legitimidade ativa da ação processual penal Contudo se verificada a disciplina do Código Penal nenhuma referência existir em relação à ação processual penal significa que ela será de iniciativa pública e incondicionada cabendo ao Ministério Público exercêla Por outro lado será de iniciativa pública condicionada quando o tipo penal expressamente disser que somente se procede mediante representação ou que somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça vg art 145 parágrafo único do CP Assim a regra é que os delitos sejam objeto de ações penais de iniciativa pública e incondicionada As exceções iniciativa privada ou pública condicionada são expressamente previstas na lei 51 Regras da Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada ou Incondicionada Definidas essas advertências iniciais cumpre analisar as regras para alguns autores princípios que norteiam a ação penal de iniciativa pública seja ela condicionada ou incondicionada 511 Oficialidade ou Investidura A ação penal de iniciativa pública é atribuição exclusiva do Ministério Público nos termos do art 129 I da Constituição Significa que somente os membros do Ministério Público estadual ou federal devidamente investidos no cargo é que podem exercêla através da denúncia 512 Obrigatoriedade ou Legalidade A ação penal de iniciativa pública está regida pelo princípio da obrigatoriedade no sentido de que o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia sempre que presentes as condições da ação anteriormente apontadas prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta justa causa A legitimidade é inequívoca diante da titularidade constitucional para o exercício da ação penal nos delitos de iniciativa persecutória pública Não estando presentes essas condições deverá o promotor postular o arquivamento enquanto estiver vigendo a redação antiga do art 28 do CPP ordenar o arquivamento nos termos do NOVO art 28 do CPP A obrigatoriedade não consagrada expressamente mas extraída da leitura do art 24 e do seu caráter imperativo encontra sua antítese nos princípios da oportunidade e conveniência não adotados no Brasil na ação de iniciativa pública em que caberia ao Ministério Público ponderar e decidir a partir de critérios de política criminal com ampla discricionariedade Em nosso sistema estando presentes os requisitos legais para o exercício da ação penal deverá209 o Ministério Público oferecer a denúncia Mas cada vez mais esse deverá está sendo mitigado A relativização do princípio da obrigatoriedade que inicia em 1995 com a Lei n 9099 e os institutos do JECrim e se amplia com a Lei n 128502013 e a possibilidade de perdão judicial e demais institutos aplicáveis à delação premiada e agora novamente é enfraquecida e também a indisponibilidade com o acordo de não persecução penal inserido no CPP pela reforma de 20192020 513 Indisponibilidade Não apenas está o MP obrigado a denunciar ou PEDIRordenar o arquivamento se for o caso senão que uma vez iniciado o processo não pode ele desistir dispor da ação penal Tratase de uma medida de política criminal que a nosso ver deveria ser repensada à luz do que explicamos ao tratar do objeto do processo penal e da pretensão acusatória Mas enquanto isso não for feito a indisponibilidade segue vigorando Não pode o Ministério Público desistir da ação penal que tenha interposto art 42 ou mesmo do recurso art 576 do CPP Não se confunde com a indisponibilidade e tampouco a viola o fato de o Ministério Público pedir a absolvição do réu em plenário no júri ou no debate oral do rito ordinário e sumário Tampouco significa que seja o MP uma parte imparcial até porque tal monstro de duas cabeças é um absurdo juridicamente No processo penal o MP não é e nunca foi uma parte imparcial até porque se é parte jamais seria imparcial A imparcialidade é atributo do juiz pois ele não é parte Logo seria o mesmo que tentar reduzir a quadratura ao círculo na célebre crítica de CARNELUTTI Ademais tal construção desconsidera ou desconhece que o Ministério Público é uma parte artificialmente construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo e que nasce na superação do sistema inquisitório como uma forma de retirar poderes do juiz instrutorinquisidor Logo construído para ser parte e assegurar a imparcialidade do juiz o único verdadeiramente concebido para ser imparcial Então quando o MP pede a absolvição não o faz por imparcialidade e tampouco por dispor da ação penal senão que como agente público está obrigado à estrita observância dos princípios da objetividade impessoalidade e principalmente legalidade Logo é absolutamente ilegal acusar alguém ou pedir a condenação no final do processo quando não existe justa causa punibilidade concreta ou prova suficiente de autoria e materialidade Nessa seara situase a discussão Por fim na mesma linha argumentativa da regra anterior chamamos a atenção do leitor para a relativização do princípio da indisponibilidade que inicia com a Lei n 909995 e os institutos do JECrim amplia na Lei n 128502013 e a negociação sobre a pena na delação premiada e agora vem ainda mais enfraquecida a indisponibilidade com o acordo de não persecução penal Pensamos que é preciso repensar a indisponibilidade à luz da inequívoca tendência de ampliação do espaço negocial no processo penal É uma questão de responsabilidade funcional se o MP é o titular da ação penal pública deve poder acusar ou não acusar bem como negociar a pena dentro de limites razoáveis é claro jamais para todo e qualquer crime no curso do processo Também é a melhor forma de sistematizar e otimizar o funcionamento da justiça criminal 514 Indivisibilidade O princípio da indivisibilidade tem aplicação pacífica na ação penal de iniciativa privada mas não nos crimes de ação penal pública Contrários à aplicação do princípio da indivisibilidade encontramos algumas decisões do STJ e do STF Entre outras citamos a proferida no RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 06102009 que rechaçou a tese do arquivamento implícito e relativizou o princípio da indivisibilidade da ação penal pública210 Essa é a posição dos tribunais superiores mas com a qual não concordamos pois estabelece um paradoxo principalmente quando interpretado de forma sistemática à luz dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade Sendo obrigatória e indisponível a ação pública não vemos como sustentar sua divisibilidade No fundo essa posição não é técnica mas de política processual pois o que está a legitimar é a possibilidade de não denunciar alguém ou algum delito neste momento para fazêlo posteriormente atendendo ao interesse e à estratégia do acusador É com base nesta relativização do princípio da obrigatoriedade que também estão fulminando as regras da conexão e continência para separar aqueles que possuem prerrogativa de função dos demais sem essa prerrogativa da seguinte forma o MP denuncia junto ao juízo de primeiro grau aqueles que não possuem prerrogativa de função e posteriormente aqueles agentes políticos com prerrogativa junto ao respectivo tribunal violando assim a unidade de processo e julgamento imposto pelos arts 76 e 77 do CPP Tratase de decorrência natural e lógica das regras anteriores ou seja se a ação penal é obrigatória e indisponível como explicado obviamente é indivisível no sentido de que deve abranger a todos aqueles que aparentemente tenham cometido a infração Mas por honestidade acadêmica devemos destacar que nosso entendimento não encontra guarida nas decisões do STF e do STJ ao menos por ora Noutra dimensão recordemos que não havendo suficiente fumus commissi delicti legitimidade passiva ou justa causa o MP deverá PEDIRordenar o arquivamento dependendo da redação do art 28 que estiver vigendo em relação àqueles fatos imputados Em nada resta violada a regra da indivisibilidade nesses casos 515 Intranscendência Da mesma forma que a pena não pode passar da pessoa do condenado não pode a acusação passar da pessoa do imputado A regra não possui maior relevância processual pois a situação vem circunscrita previamente pelo Direito Penal A acusação está limitada na sua abrangência subjetiva aos limites impostos pelo Direito Penal no que se refere à autoria coautoria e participação Não havendo o vínculo concursal não há que se falar em transcendência da pena ou da acusação Assim a acusação somente pode recair sobre autor coautor ou partícipe do delito 52 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Pública 521 Ação Penal de Iniciativa Pública Incondicionada É a regra geral do sistema penal brasileiro no qual os delitos são objeto de acusação pública formulada portanto pelo Ministério Público estadual ou federal conforme seja a competência da Justiça Comum Estadual ou Comum Federal Essa ação será exercida através de denúncia instrumento processual específico da ação penal de iniciativa pública e de atribuição exclusiva do Ministério Público art 129 I da Constituição Daí por que é necessário advertir o processo penal somente poderá iniciar por denúncia do Ministério Público ou por queixa do ofendido ou representante legal nos crimes de iniciativa privada Não há exceção estando revogado o art 26 do CPP que previa a possibilidade de a ação penal nas contravenções ser iniciada pelo auto de prisão em flagrante ou por portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial Isso não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e no caso de contravenção penal a acusação será feita por denúncia do Ministério Público A denúncia deverá conter como exige o art 41 a exposição do fato criminoso descrição da situação fática com todas as suas circunstâncias logo tanto as circunstâncias que aumentemagravem a pena como também as que diminuamatenuem a pena a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo algo impensável atualmente pois o inquérito policial serve para apurar a autoria e permitir a perfeita identificação do imputado a classificação do crime sua tipificação legal até porque é um reducionismo afirmar que o réu se defende dos fatos como explicaremos ao tratar da correlação e do art 383 do CPP e quando necessário o rol de testemunhas o que será sempre necessário salvo situação excepcionalíssima até porque a pobreza dos meios de investigação e a falta de cientificidade da cultura investigatória fazem com que no Brasil a prova seja essencialmente testemunhal Quanto à clara exposição do fato criminoso além da necessidade de plena compreensão por parte do juiz e da defesa como se defender de uma acusação incompreensível exigese ainda que em caso de concurso de agentes eou crimes exista uma clara definição de condutas e agentes Ou seja inadmissível uma denúncia genérica que não faça a individualização da conduta praticada por cada réu Quanto à prova testemunhal é importante frisar que o momento para que o Ministério Público arrole sob pena de preclusão é o da denúncia bem como em se tratando de ação penal de iniciativa privada as testemunhas devem ser arroladas na queixa também sob pena de preclusão e impossibilidade de posterior postulação dessa prova A ausência dos elementos do art 41 especialmente a clara exposição do fato criminoso a identificação do réu e a classificação do crime que são elementos imprescindíveis conduz à inépcia da inicial acusatória devendo o juiz das garantias rejeitála conforme determina o art 395 I do CPP Essa decisão produz apenas coisa julgada formal não impedindo nova acusação desde que satisfeito o requisito Com relação à ausência das circunstâncias agravantes ou atenuantes bem como de eventuais causas de aumento ou diminuição ou mesmo a indicação do rol de testemunhas desde que exista suporte probatório documental para demonstrar a justa causa a denúncia deverá ser recebida Mas nesses casos operase contudo a preclusão em relação à prova testemunhal da acusação e à incidência dos limites decorrentes do princípio da correlação em relação às causas de aumentodiminuição agravantesatenuantes conforme explicaremos ao tratar desse tema Inclusive em relação a agravantes não contidas na acusação operase a impossibilidade de reconhecimento por parte do juiz diante da manifesta inconstitucionalidade do art 385 do CPP bem como incompatibilidade com o objeto do processo penal pretensão acusatória Quanto ao número de testemunhas recordando que a vítima não é testemunha e que portanto não integra o limite numérico211 temos como regra geral 8 testemunhas para o rito comum ordinário art 401 e 5 para o rito comum sumário art 532 Essa é uma regra geral permeada por exceções previstas em leis especiais como por exemplo o limite de 5 testemunhas para os delitos de tráfico de substâncias entorpecentes art 55 1º da Lei n 11343 A denúncia deverá ser oferecida como regra no prazo de 5 dias se o acusado estiver cautelarmente preso ou de 15 dias se estiver solto Esse prazo nos termos do art 46 contase da data em que o MP receber os autos do inquérito policial outro instrumento de investigação preliminar ou outras peças de convicção até porque o inquérito não é obrigatório Considerando que o sistema processual brasileiro não adota a estrutura de prazo com sanção pouca consequência prática terá o descumprimento desses limites temporais Estando o imputado solto a violação do prazo acarreta apenas o nascimento do direito de o ofendido ajuizar a queixa subsidiária E até quando poderá o MP ajuizar a denúncia Em tese até a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato calculada pela maior pena prevista no tipo penal a partir da análise dos prazos previstos no art 109 do CP Para nós cuja posição é minoritária a prescrição pela possível pena a ser aplicada prescrição em perspectiva pois não vislumbramos justa causa ou punibilidade concreta nesses casos Ademais há que se considerar o direito ao julgamento no prazo razoável redimensionando a questão do tempo do direito e seu abuso por parte da acusação sem perder de vista ainda a falta de credibilidade de uma prova produzida muitos anos depois do fato bem como a própria ineficácia da sanção penal tão descolada temporalmente do fato criminoso Mas esse entendimento é minoritário e não tem acolhida nos tribunais Estando o imputado preso a situação é muito mais crítica e a violação desse prazo deveria conduzir inexoravelmente à liberdade do imputado sem prejuízo de posterior oferecimento da denúncia e se necessária nova prisão cautelar atendendo ao caráter provisional das prisões preventivas como veremos adiante Mas infelizmente a jurisprudência brasileira tem sido extremamente complacente com a violação dos prazos processuais e não há notícias de habeas corpus interposto e acolhido pela violação dos 5 dias para oferecimento da denúncia Em geral como veremos ao tratar do writ os prazos não são computados de forma isolada para constituição do constrangimento ilegal da prisão senão globalmente de modo que somente após superado um limite muito mas muito maior de tempo é que se cogita de excesso de prazo e consequente soltura do imputado 522 Ação Penal de Iniciativa Pública Condicionada O diferencial nuclear dessa ação em relação à anterior está na exigência legal de que o ofendido ou representante legal faça a representação ou requisição do Ministro da Justiça quando a lei exigir para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia É uma ação de iniciativa pública mas que está condicionada a uma espécie de autorização do ofendido para que possa ser exercida Essa autorização é a representação ou nos delitos praticados contra a honra do Presidente da República a requisição do Ministro da Justiça art 145 parágrafo único do CP Um mesmo crime poderá ser de ação penal pública incondicionada ou condicionada a representação conforme por exemplo a qualidade da vítima Nessa linha entre outros temos o crime de estelionato que com o advento da Lei n 139642019 passou a depender de representação exceto quando a vítima for a administração pública direta ou indireta criança ou adolescente pessoa com deficiência mental maior de 70 anos ou incapaz situações em que a ação penal será pública incondicionada Para nós é uma condição da ação mas alguns autores definem como condição de procedibilidade De qualquer forma o que importa é que o MP não pode proceder contra alguém sem que exista essa autorização do ofendido nem mesmo o inquérito pode ser formalmente instaurado sem ela diante da exigência do art 5º 4º do CPP Vejamos numa análise sistemática os requisitos da representação 1 Quanto ao Sujeito quem faz a representação é a vítima ou seu representante legal cônjuge ascendente descendente ou irmão art 24 1º A representação poderá ainda ser prestada através de procurador com poderes especiais art 39 Se o ofendido for 11 Menor de 18 anos quem faz a representação é seu representante legal pai mãe avós maternos ou paternos irmão maior de 18 anos e até mesmo os tios que detenham a guarda legal Quanto à problemática Súmula 594 do STF vislumbramse na doutrina duas correntes 111 A primeira corrente entende que o prazo decadencial não flui enquanto for incapaz pois se não pode exercer o direito não pode haver contagem de prazo Quando ele fizer 18 anos terá o prazo de 6 meses para exercer a representação Isso independe do fato de o representante legal tomar conhecimento ou não do crime Portanto seriam dois direitos com dois titulares O acerto dessa posição está em definir um critério objetivo que independa de ter havido ou não conhecimento do representante legal até porque a prova desse conhecimento é dificílima de ser produzida com confiabilidade 112 A segunda corrente entende que é direito único mas com dois titulares de modo que operada a decadência está fulminado o direito Neste caso é preciso distinguir duas situações a o menor leva ao conhecimento do representante legal o delito do qual foi vítima então começa a correr o prazo de 6 meses para que seja feita a representação Não sendo realizada operase a decadência b o menor não conta para o representante legal então quando completar 18 anos terá o prazo de 6 meses para fazer a representação Isso porque contra o menor de 18 anos não corre prazo e em relação ao representante legal também não pois não tinha conhecimento do ocorrido 12 Maior de 18 anos e menor de 21 até o advento do Código Civil cuja vigência é de 2003 a sistemática do CPP era de legitimidade concorrente pois a representação e uma série de outros institutos como o perdão e a renúncia poderia ser feita pela vítima ou pelo representante legal pois ela era considerada relativamente capaz para a prática dos atos da vida civil Contudo com o novo Código Civil operouse uma mudança no que se refere ao tratamento da capacidade Assim uma pessoa é plenamente capaz aos 18 anos Logo acabou toda e qualquer capacidade concorrente seja para representar perdoar ou renunciar quando a vítima tiver mais de 18 anos pois ela passou a ser plenamente capaz não havendo mais a possibilidade de o ascendente por exemplo representar por ele salvo se for constituído como seu procurador através de procuração com poderes especiais212 Para evitar qualquer confusão é importante destacar que essa alteração da legislação civil não afeta o Direito Penal de modo que o agente que possua entre 18 e 21 anos segue gozando de tratamento diferenciado como por exemplo com a incidência da atenuante da menoridade e a redução do prazo prescricional Isso porque na esfera penal vale o critério etário Já para o processo penal o critério utilizado é a capacidade para a prática dos atos da vida No que se refere ao polo passivo da representação autor do delito devese esclarecer que a representação não precisa identificar o imputado até porque essa identificação pode depender da investigação policial a ser realizada a partir dela Daí porque processualmente irrelevante é a representação que não identifique o autor do fato ou mesmo identifique parcialmente os agressores como pode ocorrer em caso de concurso de agentes Assim se a representação imputar a A a prática do fato e a investigação apurar que o delito foi praticado em coautoria ou com a participação de B a denúncia deverá ser formulada contra ambos princípio da indivisibilidade ainda que a representação tenha mencionado apenas um deles Isso porque a representação é uma autorização para que o Estado possa apurar a prática de um delito de ação penal pública condicionada incluindo aí todas as pessoas cuja responsabilidade penal venha a ser apurada Contudo se a intenção é fazer a representação diretamente no MP sem prévio inquérito o que é possível em tese mas pouco usual a questão muda radicalmente de tratamento devendo ela conter todos os elementos necessários para a formulação da denúncia 2 Quanto ao Objeto a representação tem por objeto um fato acrescida da autorização para que o Estado possa proceder no sentido de apurar e acusar a todos os envolvidos nesse fato delituoso 3 Forma dos Atos em que pese a relativização da forma da representação atualmente consagrada na jurisprudência existem alguns elementos básicos que devem constar 31 Quanto ao Lugar a representação poderá ser feita diretamente ao juiz MP ou na polícia Sendo feita ao juiz deverá ele encaminhála imediatamente ao Ministério Público e não à polícia como prevê o art 39 4º do CPP pois à luz do sistema acusatório constitucional não incumbe ao juiz determinar a abertura de inquérito policial senão encaminhar para o titular da ação penal pública Ministério Público para que ele decida entre denunciar direto pedir arquivamento investigar por si mesmo pedir diligência à polícia ou requisitar a instauração do IP Quando oferecida a representação diretamente à polícia deverá esta apurar a infração penal apontada através do IP 32 Tempo a representação deverá ser feita no prazo decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber213 quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser prorrogado interrompido ou suspenso Realizada no prazo legal será irrelevante que a denúncia seja oferecida após os 6 meses pois o prazo decadencial está atrelado exclusivamente à representação e uma vez realizada esta não se fala mais em decadência A representação poderá ser oferecida a qualquer dia e hora junto à autoridade policial e nos dias e horas úteis ao juiz ou promotor Importante destacar que o prazo decadencial não se prorroga logo se acabar no domingo por exemplo não se estende para segundafeira devendo a representação ser feita na polícia no domingo Quanto à forma de contagem do prazo aplicase a regra do art 10 do Código Penal de modo que o dia do começo incluise no cômputo do prazo Assim para saber o dia final basta projetar até seis meses depois e retroceder um dia Exemplo se tomou conhecimento no dia 0302 a representação poderá ser feita até o dia 0208 às 23h59min No primeiro minuto do dia 0308 terá se operado a decadência Importante destacar que a requisição do Ministro da Justiça não tem prazo para ser oferecida não se aplicando portanto ao prazo decadencial de 6 meses previsto para a representação Não há que se falar em analogia por inexistência de lacuna e principalmente porque não se pode por analogia criar uma causa de extinção desse ou de qualquer direito Assim a requisição e a posterior denúncia poderá ser feita até a prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato ou como pensamos até a prescrição pela possível pena a ser aplicada prescrição em perspectiva pois não vislumbramos justa causa ou punibilidade concreta nesses casos 33 Forma art 39 e seus parágrafos 331 É facultativa estando subordinada a critérios de oportunidade e conveniência A vítima não está obrigada a representar e recordese sem sua autorização não pode o Estado proceder contra o autor do delito 332 Deve ser um ato de livre manifestação de vontade do ofendido O vício de consentimento anula a representação e leva à ilegitimidade ativa falta a condição da ação exigida pela lei do MP para promover a ação penal 333 Poderá ser prestada oralmente ou por escrito No primeiro caso será reduzida a termo pela autoridade no segundo poderá ser manuscrita ou datilografada mas deverá ter a firma reconhecida por autenticidade Quando não cumprir esse requisito legal a autoridade que o recebeu deverá intimar a vítima para que compareça querendo a fim de representar oralmente reduzindo se a escrito Outra solução tendo em vista a tendência em flexibilizar os requisitos formais da representação é solicitar a ratificação no momento em que a vítima for ouvida desde que o faça antes de oferecida a denúncia e dentro do prazo decadencial de 6 meses A jurisprudência amenizou muito a forma prescrita no art 39 e atualmente entendese que a mera notíciacrime já é suficiente para implementarse o requisito legal Prevalece a doutrina da instrumentalidade das formas com uma flexibilização dos requisitos formais Assim importa mais o conteúdo manifestação de vontade da vítima no sentido de autorizar a apuração e acusação pelo Estado do que a forma A representação não é obrigatória e poderá haver retratação do ofendido Como prevê o art 25 a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia logo perfeitamente retratável até o oferecimento da denúncia Retratarse aqui é retirar a autorização dada voltar atrás na representação Exige atenção o termo final da retratação oferecimento da denúncia Não é recebimento pelo juiz mas o mero oferecimento pelo Ministério Público E como se comprova o oferecimento da denúncia Pelo registro feito no livro carga Saindo das mãos do Ministério Público com a denúncia ofertada já não caberá a retratação A retratação poderá ser parcial Não é geral atingindo a todos os fatos cuja ação seja pública condicionada e todos os envolvidos Surge como uma decorrência da indivisibilidade da ação penal seja ela pública ou privada uma regra básica nessa matéria Inclusive em caso de concurso de pessoas em delito de ação penal pública condicionada havendo a retratação em relação a um dos agentes operase a renúncia que a todos se estende art 49 por analogia É possível a retratação da retratação E como ela é feita Sim é possível a retratação da retração e ela se dá através de nova representação Ou seja a vítima faz a representação e se arrepende Desde que não tenha sido oferecida a denúncia ela pode se retratar voltar atrás e retirar a autorização que deu para o Estado atuar ou seja a representação Contudo pode ocorrer que após a retratação ela mude novamente de opinião e se arrependa agora da retratação feita Resolve que deseja ver o agressor submetido ao processo penal Então o que ela deve fazer Uma nova representação Logo a retratação da retração se dá através de nova representação desde que e isso é fundamental não tenham passado os 6 meses entre a data do fato ou dia em que vier a saber quem é o autor e essa nova representação Isso porque a primeira representação feita e que foi objeto da retratação desaparece e o prazo segue correndo Contudo em sentido diverso opina TOURINHO FILHO214 com propriedade afirmando que a retratação da representação equivale a uma renúncia e portanto gera a extinção da punibilidade Logo ao se retratar estaria o ofendido renunciando ao direito de representação sendo incabível uma nova representação em momento posterior E nos crimes contra a honra de servidor público caberá retratação Com certeza Inserese na regra geral do art 25 Ademais a Súmula 714 do STF consagrou a legitimidade concorrente entre o ofendido através de queixa e o Ministério Público condicionada a ação à representação do servidor Logo se representou pode se retratar desde que antes de oferecida a denúncia Se optou pela queixa tanto poderá renunciar se ainda não a exerceu como poderá ofertar o perdão ou mesmo desistir e dar lugar à perempção se já exerceu a queixa É possível retratação da requisição do Ministro da Justiça Entendemos que sim na mesma linha de PACELLI215 pois é submetida aos mesmos critérios de oportunidade e conveniência da vítima aqui especialmente à conveniência e ao interesse político tendo em vista a especial qualidade do ofendido Sem olvidar contudo que a retratação somente poderá se produzir quando feita antes de oferecida a denúncia Feita essa ressalva finalizamos este tópico deixando claro que uma vez feita a representação desaparece a condição impeditiva da atuação por parte do Ministério Público A partir daí incidem todas as regras anteriormente explicadas sobre a ação penal de iniciativa pública oficialidade obrigatoriedade indisponibilidade indivisibilidade e intranscendência 6 Ação Penal de Iniciativa Privada A ação penal será de iniciativa privada quando o Código Penal disser que somente se procede mediante queixa Como explicamos anteriormente ao tratar do objeto do processo penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada não há que se falar em substituição processual senão que o ofendido atua no processo penal com uma pretensão acusatória que lhe é própria e não se confunde com o poder de penar que está a cargo do Estadojuiz O particular é titular de uma pretensão acusatória e exerce o seu direito de ação sem que exista delegação de poder ou substituição processual Em outras palavras atua um direito próprio o de acusar da mesma forma que o faz o Ministério Público nos delitos de ação penal de iniciativa pública Ao ser regida pelos princípios da oportunidadeconveniência e disponibilidade se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória deverá o juiz extinguir o feito sem julgamento do mérito ou pela sistemática do CPP declarar a extinção da punibilidade pela perempção art 60 do CPP Como se vê a sistemática do CPP está em plena harmonia no que tange à ação penal de iniciativa privada com a posição aqui defendida A ação penal de iniciativa privada será exercida pelo ofendido ou seu representante legal através de queixacrime A queixa deverá conter os mesmos requisitos da denúncia pois assim exige o art 41 do CPP razão pela qual remetemos o leitor ao que foi explicado anteriormente Também deverá o juiz observar quando do oferecimento da queixa se estão presentes as condições da ação previstas no art 395 e anteriormente explicadas Não estando deverá rejeitála A esses requisitos do art 41 e condições da ação art 395 acrescentamos a necessidade de dar um valor à causa de alçada pois a queixa paga custas processuais conter procuração com poderes especiais nos termos do art 44 a descrição do fato constitui uma garantia contra uma eventual responsabilidade por denunciação caluniosa em relação ao advogado ainda que não seja um requisito imprescindível deverá o querelante pedir a condenação do querelado ao pagamento das custas e honorários advocatícios pois incide nesse tipo de ação salvo se for pedida e concedida a assistência judiciária gratuita 61 Regras que Orientam a Ação Penal de Iniciativa Privada Também na ação penal de iniciativa privada existem regras alguns consideram princípios que norteiam seu exercício e desenvolvimento a Oportunidade e conveniência a vítima não está obrigada a exercer a ação penal pois ao contrário da ação penal de iniciativa pública não há obrigatoriedade senão plena faculdade Caberá ao ofendido analisar o momento em que fará a acusação desde que respeitado o prazo decadencial de 6 meses bem como a conveniência de submeter seu caso penal ao processo ponderando as vantagens e desvantagens b Disponibilidade ao contrário da ação penal de iniciativa pública a ação penal de iniciativa privada é plenamente disponível no sentido de que poderá o ofendido renunciar ao direito de ação desistir do processo dando causa à perempção art 60 bem como perdoar o réu mas somente produzirá efeito em caso de aceitação c Indivisibilidade em que pese a facultatividade e disponibilidade por opção políticoprocessual a ação penal privada é indivisível no sentido de que não poderá o querelante escolher em caso de concurso de agentes contra quem irá oferecer a queixa Evitando um claro caráter vingativo através da escolha define o art 48 que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos e o Ministério Público velará por sua indivisibilidade A questão a saber é como se dará o controle da indivisibilidade por parte do MP Há quem entenda que não incluindo o querelante algum dos autores do fato e para tanto deve o inquérito ou contexto probatório demonstrar isso o MP poderia aditar a queixa para incluir o coautor ou partícipe excluído interpretação do art 45 Não concordamos Não tem o Ministério Público legitimidade para acusar alguém pela prática de um crime de iniciativa privada É manifesta a ilegitimidade Pensamos que o MP deve zelar pela indivisibilidade da ação através da aplicação do art 49 ou seja manifestandose pela extinção da punibilidade em relação a todos pois houve renúncia tácita Como muito seguindo a sugestão de NUCCI216 o Ministério Público invocará o querelante para que faça o aditamento sob pena de em não o fazendo terse como renunciado o direito a queixa em relação a todos Essa é a intervenção que o Ministério Público está legitimado a fazer E se na instrução surgirem novas provas indicando novos autores do delito caberá aditamento por parte do Ministério Público Seguimos entendendo que não por manifesta ilegitimidade Nesse caso recordemos o disposto no art 38 o qual dispõe que o prazo de seis meses para oferecimento da queixa começa a correr do dia em que vier a saber quem é o autor do crime Logo não houve renúncia pois o querelante não sabia quem era o coautor ou partícipe Então terá o querelante o prazo de 6 meses contados da data da audiência ou ato processual que definiu essa nova autoria para ajuizar a queixacrime No caso se ainda estiver tramitando o primeiro processo deverá haver reunião para julgamento simultâneo tendo em vista a existência de continência art 77 I Voltaremos a essa questão a seguir quando tratarmos do aditamento na queixacrime onde explicamos que o único aditamento possível tanto pelo MP como pelo querelante é o impróprio que não inclui fato ou sujeitos no processo mas apenas faz a correção material de dados da situação fática descrita d Intranscendência remetendo o leitor ao que dissemos anteriormente ao tratar da ação penal de iniciativa pública a acusação não poderá passar da pessoa do autor do fato 62 Titularidade Querelante e o Prazo Decadencial Quanto ao titular da queixacrime recebe o nome de querelante sendo o réu designado querelado O querelante é o ofendido pelo delito art 30 sendo que em caso de morte ou ausência declarada por decisão judicial o direito de prosseguir na ação passará ao cônjuge ascendente descendente ou irmão Se o ofendido for menor de 18 anos ou mentalmente enfermo não poderá ele fazer a queixacrime por lhe faltar capacidade postulatória Nos termos do art 33 caberá ao seu representante legal postular devidamente representado por advogado é claro salvo se estiver habilitado para o exercício da advocacia Havendo divergência entre o interesse do menor ou incapaz e o do representante legal caberá ao juiz nomear um curador que não está obrigado a ajuizar a queixacrime pois ela não é obrigatória senão que deverá ponderar a conveniência e oportunidade para o menor Repetese aqui a problemática em torno da Súmula 594 do STF com duas posições 1 A primeira corrente entende que o prazo decadencial não flui enquanto for incapaz pois se não pode exercer o direito não pode haver contagem de prazo Quando ele fizer 18 anos terá o prazo de 6 meses para exercer a queixa Isso independe do fato de o representante legal tomar conhecimento ou não do crime Portanto seriam dois direitos com dois titulares 2 A segunda corrente entende que é direito único mas com dois titulares de modo que operada a decadência está fulminado o direito Neste caso é preciso distinguir duas situações a o menor leva ao conhecimento do representante legal o delito do qual foi vítima então começa a correr o prazo de 6 meses para que seja feita a queixa Não sendo realizada operase a decadência b o menor não conta para o representante legal então quando completar 18 anos terá o prazo de 6 meses para fazer a queixa Isso porque contra o menor de 18 anos não corre prazo e em relação ao representante legal também não pois não tinha conhecimento do ocorrido Em relação ao ofendido maior de 18 anos e menor de 21 até o advento do Código Civil cuja vigência é de 2003 a sistemática do CPP era de legitimidade concorrente art 34 pois a queixa e uma série de outros institutos como o perdão e a renúncia poderia ser feita pela vítima ou pelo representante legal pois ela era considerada relativamente capaz para a prática dos atos da vida civil Contudo com o novo Código Civil operouse uma mudança no que se refere ao tratamento da capacidade Agora uma pessoa é plenamente capaz aos 18 anos Logo acabou toda e qualquer capacidade concorrente seja para representar fazer a queixacrime perdoar ou renunciar quando a vítima tiver mais de 18 anos pois ela passou a ser plenamente capaz não havendo mais a possibilidade concorrente de o ascendente por exemplo fazer a queixa Quanto ao prazo a queixa deverá ser feita no prazo decadencial de 6 meses contados a partir da data em que o ofendido vier a saber217 quem é o autor do delito art 38 Por ser um prazo decadencial não pode ser prorrogado interrompido ou suspenso Importante destacar que o prazo decadencial não se prorroga logo se acabar no domingo por exemplo não se estende para segundafeira devendo a queixa ser distribuída na sextafeira anterior ou no plantão de domingo Quanto à forma de contagem do prazo não se conta o dia da ciência e se inclui o do término Assim para saber o dia final basta projetar até seis meses depois e retroceder um dia Exemplo se tomou conhecimento no dia 0302 a queixa poderá ser feita até o dia 0208 às 23h59min No primeiro minuto do dia 0308 terá se operado a decadência do direito de queixa 621 Procuração com Poderes Especiais a Menção ao Fato Criminoso O querelante somente pode postular em juízo através de advogado cuja procuração deverá conter poderes especiais e fazer a menção ao fato criminoso Inicialmente cumpre destacar o erro de alguns advogados que insistem em utilizar na esfera penal procuração com os poderes gerais para o foro previstos no art 105 do novo CPC Ora nada mais inadequado do que no processo penal receber poderes para reconvir intervir como terceiro proceder a retificação de registros civis transigir desistir receber e dar quitação prestar compromisso de inventariante prestar primeiras e últimas declarações etc e não ter poderes para defender o réu em processocrime interpor recursos ou na matéria em questão deixar de consignar a outorga de poderes para requerer abertura de inquérito policial ajuizar queixacrime oferecer perdão e atos típicos do processo penal Mais do que uma procuração adequada para os atos a serem praticados no processo penal deve ela conter o nome do querelante pois é o outorgante dos poderes e do querelado o réu O art 44 do CPP menciona querelante o que está incorreto pois este obviamente deverá estar sempre na procuração senão não se opera a outorga de poderes Logo deve ser lido querelado no art 44 Atenção especial merece a exigência de menção do fato criminoso Durante muito tempo se entendeu que significava a descrição do fato na procuração em que o querelante outorgava poderes aos advogados outorgados para ajuizarem queixacrime contra o agressor querelado porque no dia tal às tantas horas teria proferido as palavras então se descreve a situação fática que constitui o crime A descrição do fato criminoso era considerada fundamental para assegurar que o advogado quando da elaboração da queixa ficaria protegido de uma eventual acusação de denunciação caluniosa por parte do querelado Atualmente até por força das prerrogativas asseguradas na Lei n 8906 têm os tribunais entendido que por menção ao fato criminoso compreende se a mera indicação dos crimes praticados Assim bastariam os poderes especiais para oferecer queixacrime contra fulano querelado porque no dia tal às tantas horas teria praticado os delitos de injúria e difamação por exemplo Toda a problemática em torno da menção ao fato criminoso cai por terra quando o ofendido assina juntamente com seu advogado a queixacrime Como nela existirá a plena descrição do fato criminoso e também a fundamentação jurídica acerca da tipicidade da conduta praticada assinando o querelante a inicial estará ratificando todo o afirmado por seu procurador Por fim caso o ofendido não tenha condições econômicas de constituir um advogado prevê o art 32 que o juiz lhe nomeará um advogado para promover a ação penal 63 Espécies de Ação Penal de Iniciativa Privada A ação penal de iniciativa privada poderá ser a Originária ou comum tratase da ação penal de iniciativa privada tradicional sem qualquer especificidade podendo ser ajuizada através da queixa no prazo decadencial de 6 meses pelo ofendido ou seu representante legal b Personalíssima é uma ação penal de iniciativa privada e mais do que isso restrita à iniciativa pessoal da vítima Atualmente com a revogação do delito de adultério art 240 do CP pela Lei n 111062005 persiste em nosso ordenamento apenas um delito de iniciativa personalíssima o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento previsto no art 236 do CP Nesse crime exige o parágrafo único do art 236 que a ação penal somente poderá ser ajuizada pelo contraente enganado Significa que não se opera a sucessão prevista no art 31 do CPP e por consequência com a morte do ofendido extinguemse a punibilidade e a ação penal Ademais se o cônjuge enganado for menor de 18 anos a queixa somente poderá ser prestada após cessada a menoridade Isso porque a emancipação pelo casamento não gera nenhum efeito no processo penal nem para tornálo imputável nem para lhe outorgar capacidade para exercer a ação penal c Subsidiária da pública também chamada de queixa substitutiva exige uma atenção maior pois se trata de uma legitimação extraordinária para o ofendido exercer ação penal em um crime que é de iniciativa pública Está consagrada constitucionalmente no art 5º LIX e também nos arts 29 do CPP e 100 3º do CP Assim se recebido o inquérito policial ou peças de informação suficientes para oferecer a denúncia ou pedir o arquivamento ou ainda postular diligências o Ministério Público ficar inerte poderá o ofendido superado o prazo concedido para o MP denunciar 5 dias se o imputado estiver preso ou 15 dias se estiver solto oferecer uma queixa subsidiária dando início ao processo e assumindo o polo ativo como acusador Por inércia do MP compreendese o fato de ele não acusar nem pedir diligências e tampouco ordenar o arquivamento Caso tenha pedido diligências ou ordenado o arquivamento mesmo que a vítima não concorde não há que se falar em inércia e portanto inviável a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública O prazo para o ofendido exercer essa ação penal inicia com o término do prazo concedido ao Ministério Público logo no 6º dia estando o imputado preso ou no 16º dia estando ele em liberdade findando 6 meses após conforme disciplina o art 38 do CPP Importante destacar que é uma legitimidade extraordinária nascida da inércia do MP mas que não transforma a ação em privada Ela segue sendo de iniciativa pública regida pelas regras anteriormente expostas de obrigatoriedade indisponibilidade indivisibilidade e intranscendência Assim não há que se falar em disposição perdão ou perempção Contudo em tese pode o ofendido renunciar ao seu direito de oferecer a queixa subsidiária mas isso em nada afetará o direito de o Ministério Público oferecer a denúncia a qualquer tempo desde que antes de extinta a punibilidade por óbvio Em que pese a iniciativa do ofendido exercendo a acusação não há que se esquecer que estamos diante de um delito de ação penal de iniciativa pública e cuja titularidade constitucional é do Ministério Público Daí por que para além das possibilidades de aditar repudiar e oferecer a denúncia poderá o MP intervir em todos os termos do processo devendo ser intimado dos atos portanto bem como retomar a qualquer tempo como parte principal Nesse caso o ofendido poderá permanecer no processo mas como assistente da acusação devendo habilitarse para tanto nos termos dos arts 268 e s do CPP Quanto à discussão acerca da expressão no caso de negligência do querelante retomar a ação como parte principal contida na última parte do art 29 pensamos que ela deve ser relida a partir da legitimidade constitucional do MP Havendo negligência do querelante o que poderia conduzir a uma perempção sem contudo produção dos efeitos diante da regra da obrigatoriedade já descumprida pela inércia inicial do MP deverá o promotor retomar a ação Não há possibilidade de perempção de ação pública Nesse caso existe um dever legal de agir Contudo não é apenas em caso de negligência que o MP pode retomar a ação pois sendo ele o titular constitucional art 129 I da Constituição poderá fazêlo a qualquer tempo e não apenas em caso de negligência 64 Ação Penal nos Crimes Praticados contra a Honra de Servidor Público Nos crimes contra a honra de servidor público praticado em razão do ofício ou função desempenhados ou seja propter officium a legitimidade ativa é atualmente considerada concorrente entre o ofendido servidor e o Ministério Público condicionada à representação Nesse sentido está posta a Súmula 714 do STF É concorrente a legitimidade do ofendido mediante queixa e do Ministério Público condicionada à representação do ofendido para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções Então nesses delitos a ação poderá ser de iniciativa privada ou pública condicionada à representação do ofendido Contudo há que se ter muito cuidado pois eleita uma via está fechada a porta para a outra No caso em tela além da preclusão de uma via quando eleita outra logo ou o ofendido representa e com isso a ação será pública e a cargo do MP ou assume integralmente o polo ativo através do oferecimento de queixa aponta o STF para o descabimento de ação penal privada subsidiária quando o MP pede diligências à polícia no caso abertura de inquérito na mesma linha do que afirmamos anteriormente Por fim repetindo lição anterior se o ofendido optar por fazer a representação poderá ele se retratar Com certeza Inserese na regra geral do art 25 Logo se representou pode se retratar desde que antes de oferecida a denúncia Se optou pela queixa tanto poderá renunciar se ainda não a exerceu como poderá ofertar o perdão ou mesmo desistir e dar lugar à perempção se já exerceu a queixa 65 Renúncia Perdão e Perempção São causas de extinção da punibilidade previstas no art 107 do Código Penal operandose da seguinte forma a Renúncia a renúncia ao direito de queixa também possível em relação ao direito de representação é um ato unilateral do ofendido que não necessita de aceitação do imputado para produção de efeitos Somente se pode falar em renúncia antes do exercício do direito de queixa ou de representação Poderá ser expressa por escrito art 50 ou tácita art 104 parágrafo único do CP quando houver a prática de ato incompatível com a intenção de acusar alguém admitindose qualquer meio de prova para sua demonstração art 57 do CPP Para além dos exemplos manualísticos vg quando o ofendido convida o agressor para ser padrinho do casamento de sua filha e coisas do gênero é extremamente relevante e corriqueira a questão da indenização paga pelo ofensor à vítima A regra geral prevista no art 104 parágrafo único do Código Penal é a de que não implica renúncia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime Contudo tal regra foi excepcionada pelo art 74 parágrafo único da Lei n 9099 que passou a dispor da seguinte forma tratandose de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação Foi então revogado o art 104 do Código Penal218 Pensamos que não A questão situase noutro nível219 no da qualificação jurídica das infrações penais e na esfera de competência do Juizado Especial Criminal Nos crimes de competência dos Juizados delitos cuja pena máxima não seja superior a 2 anos o acordo acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação Nos demais casos que excedem a competência do Juizado segue valendo o art 104 do CP Nos crimes de competência do JECrim o acordo homologado além de gerar um título executivo judicial acarreta inexoravelmente a renúncia do direito de queixa ou de representação no caso de ação penal pública condicionada Tal situação é extremamente comum em acidentes de trânsito com a produção de lesões culposas Se antes a indenização não implicava renúncia agora conduz a ela quando homologada em juízo E se a composição dos danos e pagamento forem efetuados antes da audiência preliminar do JECrim é salutar que o causador dos danos faça juntamente com o recibo uma renúncia expressa da vítima para evitar discussões posteriores Essa nova disciplina da Lei n 9099 adquire fundamental importância se considerarmos que a imensa maioria senão totalidade dos delitos de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação hoje é de competência dos JECrims Também deve ser considerado como renúncia o pedido de arquivamento do inquérito policial instaurado para apuração de um delito de iniciativa privada feito pelo ofendido ao juiz Isso porque nos termos do art 19 do CPP nos crimes em que não couber ação pública os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal ou serão entregues ao requerente se o pedir mediante traslado Assim não havendo previsão legal de pedido de arquivamento do inquérito pelo ofendido eventual manifestação sua nesse sentido deve ser recebida como renúncia até porque é mais favorável também para o sujeito passivo pois a decisão de extinção da punibilidade faz coisa julgada formal e material Noutra dimensão sendo o ofendido menor de 18 anos a renúncia do seu representante legal conduz à extinção da punibilidade Em tese havendo divergência entre a vontade do menor e a do representante legal aplicase o art 33 podendo ser nomeado um curador especial Sendo o ofendido maior de 18 anos é plenamente capaz para fazer a queixa ou a representação bem como renunciar ou perdoar Destaquese ainda a revogação do art 50 parágrafo único pois não existe mais essa legitimidade concorrente o maior de 18 anos é plena e soberanamente capaz para decidir entre renunciar ou não Por fim a renúncia em relação a qualquer dos autores do crime em caso de concurso de agentes a todos se estenderá mesmo que assim não o deseje o ofendido art 49 por imposição da regra da indivisibilidade da ação penal b Perdão tratase de ato bilateral na medida em que o ofendido deve oferecer no curso do processo e o réu aceitar É possível a partir do recebimento da queixa antes o que pode haver é renúncia até que ocorra o trânsito em julgado da sentença art 106 2º Ainda que isso cause estranheza o processo penal pode nascer se desenvolver e quando estiver em julgamento o último recurso cabível o ofendido poderá oferecer o perdão e o imputado aceitar extinguindose o feito É a máxima manifestação da disponibilidade da ação penal privada Mas advirtase é um ato bilateral logo não havendo aceitação do réu nenhum efeito se produz Interessante ainda é que em caso de concurso de agentes o perdão oferecido a um dos réus a todos aproveita significa que o ato de oferecimento é estendido a todos os réus art 51 do CPP mesmo que não queira o ofendido influência da regra a indivisibilidade coexistindo com a disponibilidade Contudo somente em relação aos que aceitarem se produzem os efeitos Logo num processo em que foi oferecida queixa contra A B e C o perdão oferecido ao réu A a todos os demais é estendido podendo os corréus B e C aceitarem conduzindo à extinção do processo e da punibilidade e o processo continuar em relação ao A que não aceitou No plano teórico tanto o oferecimento como a aceitação podem ser tácitos como no exemplo do convite para padrinho de crisma do filho do ofendido oferta de perdão tácito que foi aceito pelo imputado aceitação tácita gostaríamos de saber se o juiz terá poderes mediúnicos para saber de tudo isso e extinguir expressamente o feito Elementar que isso tudo somente existirá por escrito no processo penal sendo lógico que assim se proceda a oferta e aceitação ou recusa Por fim novamente desapareceu a legitimidade concorrente no caso de ofendido maior de 18 anos e menor de 21 estando revogados os arts 52 e 54 do CPP c Perempção é uma penalidade sanção de natureza processual imposta ao querelante negligente e que conduz à extinção do processo e da punibilidade Os casos de perempção estão previstos no art 60 do CPP Expressamente não está consagrada a desistência do querelante mas ela poderá ser considerada uma causa supralegal de perempção Feita a desistência de forma expressa pelo querelante capaz o juiz tem duas alternativas espera o implemento da circunstância fática prevista no art 60 I deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos ou do inciso III deixar de comparecer sem motivo justificado220 ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais ou desde logo extingue a punibilidade pela perempção Não se confunde o pedido de desistência com a renúncia pois a desistência ocorre no processo e a renúncia somente é possível antes de recebida a queixa Tampouco se confunde com o perdão ato bilateral a seguir exposto Por sua própria natureza operandose a perempção inclusive através da desistência o querelante arcará com as custas processuais e os honorários advocatícios do querelado Destaquese ainda a situação descrita no art 60 III última parte Ocorre a perempção quando o querelante deixar de pedir nas alegações finais a condenação do querelado Pode parecer algo surreal mas isso acontece com alguma frequência diante da mania de alguns advogados de nas alegações finais pedir ao final a mais lídima e costumeira justiça Além de ser um jargão esteticamente superado conduz à perempção pois pedir justiça às vezes se dão ao trabalho de escrever em escadinha não significa pedir a condenação Logo deixemse as fórmulas inúteis e bolorentas de lado como também de lado devem ser deixados os livros de modelinhos de petições que as consagraram para centrarse na técnica processual e na correta formulação do pedido obviamente de condenação nas sanções dos delitos praticados bem como no pagamento das custas e honorários advocatícios incidentes na ação penal privada 7 Aditamentos Próprios e Impróprios na Ação Penal de Iniciativa Pública ou Privada Interrupção da Prescrição Falhas e Omissões na QueixaCrime 71 Aditamentos da Ação Penal de Iniciativa Pública Aditar significa acrescentar ampliar incluir dados fáticos que tinham sido omitidos por desconhecimento do acusador quando do oferecimento da ação penal O princípio da indivisibilidade da ação penal bem como da obrigatoriedade impõe ao Ministério Público a carga processual de proceder em relação a todos os fatos e todos os agentes Contudo situações existem em que o acusador quando do oferecimento da denúncia desconhecia a prática de outros fatos correlatos ou da participação de outros agentes o que somente vem a ocorrer após iniciado o processo penal Como essa questão do aditamento está relacionada à problemática em torno da mutatio libelli prevista no art 384 eis que guarda íntima relação com o princípio da correlação faremos agora uma sumária análise remetendo o leitor para o capítulo posterior correspondente a essa matéria Tratando dessa questão RANGEL221 explica que existem dois tipos de aditamento o próprio e o impróprio O aditamento próprio pode ser real ou pessoal conforme sejam acrescentados fatos real ou acusados pessoal cuja existência era desconhecida quando do oferecimento da denúncia Em geral as informações surgem na instrução em que a prova demonstra que existiram mais fatos criminosos não contidos na acusação ou mais pessoas envolvidas e que também não haviam sido acusadas Exemplo em determinado processo o réu Mané é denunciado por evasão de divisas art 22 da Lei n 7492 No curso da instrução é apurado que também houve sonegação fiscal dos valores evadidos Nesse caso estamos diante de um aditamento próprio real pois deverá o Ministério Público aditar a denúncia para incluir o fato novo circunstância fática e com isso permitir que o réu se defenda e o juiz ao final possa julgálo pelos dois delitos Se não for feito o aditamento não poderá o juiz julgar a sonegação fiscal não poderá condenar nem absolver pois não está sob julgamento esse fato Já o aditamento pessoal ocorre quando é denunciado um agente e na instrução apurase que houve a participação de mais duas pessoas Nesse caso deverá o Ministério Público aditar para incluir os demais atento ao princípio da indivisibilidade da ação penal Já o aditamento impróprio ocorre quando explica RANGEL embora não se acrescente fato novo ou sujeito corrigese alguma falha na denúncia retificando dados relativos ao fato Também pode ocorrer que a alteração da competência do juiz conduza à necessidade de ratificação de todos os atos inclusive os praticados por um promotor agora considerado sem atribuições para tanto É a situação prevista no art 108 1º do CPP Em qualquer caso o aditamento sempre deverá ser feito antes da sentença assegurandose o contraditório e o direito de manifestação da defesa sobre a questão aditada por mais simples que seja O que não se admite em hipótese alguma é inovação acusatória e decisão sem prévia manifestação do réu E por que aditar Por força da conexão ou continência cujas regras serão explicadas ao tratarmos da competência e que conduzem a um julgamento simultâneo único para evitar decisões conflitantes e também por economia processual e melhor aproveitamento da instrução Se não for feito o aditamento deveráia o Ministério Público oferecer nova denúncia para apurar em novo processo os fatos não contidos naquele que está em andamento ou em face de novos agentes não acusados originariamente para apurar suas responsabilidades penais Quanto à iniciativa do aditamento estabelece o art 384 do CPP Art 384 Encerrada a instrução probatória se entender cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 cinco dias se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública reduzindose a termo o aditamento quando feito oralmente 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento aplicase o art 28 deste Código 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento 3º Aplicamse as disposições dos 1º e 2º do art 383 ao caput deste artigo 4º Havendo aditamento cada parte poderá arrolar até 3 três testemunhas no prazo de 5 cinco dias ficando o juiz na sentença adstrito aos termos do aditamento 5º Não recebido o aditamento o processo prosseguirá NR A iniciativa do aditamento deve ser inteiramente do Ministério Público não cabendo ao juiz invocar o acusador para que promova o aditamento sob pena de termos uma postura de juizinquisidor incompatível com o sistema acusatório constitucional e expressamente recepcionado pelo art 3ºA do CPP Portanto não cabe ao juiz invocar a atuação do MP sob pena de completa subversão da lógica processual regida pela inércia do juiz e o sistema acusatório O juiz é quem sempre deve ser invocado a atuar jamais ter ele uma postura ativa de pedir para o promotor acusar e ele poder julgar Isso conduz a uma quebra do sistema acusatório e fulmina com a imparcialidade do julgador diante do préjuízo Logo a iniciativa do aditamento deve ser do próprio Ministério Público Quanto à interrupção da prescrição recordemos que o art 117 I do Código Penal estabelece que o recebimento da denúncia ou queixa constitui um marco interruptivo Como fica essa situação se houver aditamento Em suma da seguinte forma quando o aditamento for para inclusão de novo fato o prazo prescricional desse novo crime somente será interrompido na data em que for recebido o aditamento quando o aditamento for subjetivo em relação àquele agente o prazo prescricional será interrompido quando admitido o aditamento que o incluiu no processo Por fim quanto ao recurso que pode surgir dessas decisões relacionadas ao aditamento pensamos que não cabe recurso contra a decisão que recebe o aditamento pois como ocorre na denúncia a única via possível seria a do habeas corpus que não é recurso se rejeitado o aditamento nos casos do art 395 aplicado por analogia caberá o recurso em sentido estrito 72 Falhas e Omissões na QueixaCrime Existe Aditamento na Ação Penal de Iniciativa Privada Como regra geral eventuais omissões da queixa podem ser supridas a todo tempo desde que antes da sentença como determina o art 569 do CPP Contudo a omissão não pode representar violação ao princípio da correlação prejudicando a defesa Logo resumese a suprir falhas em torno da correta descrição do fato ou da tipificação legal mas sem maior relevância e que não conduzam a uma inovação na tese acusatória Cabe aditamento em ação penal de iniciativa privada O aditamento próprio real para inclusão de fato novo não pode ocorrer por absoluta ausência de previsão legal O aditamento na ação pública existe essencialmente para assegurar a eficácia do princípio da obrigatoriedade Mas a ação penal de iniciativa privada é regida pelos princípios da oportunidade e da conveniência não havendo qualquer tipo de obrigação de acusar Assim se o autor souber de fato novo no curso do processo cuja ação penal seja igualmente de iniciativa privada deverá ajuizar nova queixacrime em relação a esse fato observado o prazo decadencial nos termos do art 38 do CPP pagando as custas e instruindo com procuração que contenha os poderes especiais exigidos pelo art 44 Quanto ao aditamento próprio subjetivo para inclusão de coautor ou partícipe devese ter muito cuidado com a incidência do princípio da indivisibilidade art 48 Se havia elementos indicando a presença de coautores ou partícipes e eles não foram incluídos na queixa não há que se falar em aditamento mas sim em extinção da punibilidade para todos diante da renúncia tácita art 49 Mas quando não existirem elementos probatórios prévios ao oferecimento da queixa e somente no curso da instrução o querelante tomar conhecimento dos demais autores ou partícipes o caminho a ser tomado não é o aditamento Ele deverá formular nova queixa sob pena de violar a indivisibilidade arts 48 e 49 pagando custas processuais e juntando procuração com poderes especiais art 44 dentro do prazo de 6 meses contados do dia em que vier a saber quem são os coautores do fato art 38 Essa nova queixa pode por força da conexão ou continência conforme o caso ser reunida com o processo que já está tramitando para julgamento simultâneo Essa reunião é feita posteriormente Pensamos que não é caso de simples aditamento diante da necessidade do pagamento das custas juntada de procuração e eventual possibilidade de conciliação conforme o rito ou mesmo transação penal ou suspensão condicional nos termos da Lei n 9099 Ademais como não há a incidência do princípio da obrigatoriedade como se procederia no processo que está em curso Teria de ficar suspenso pelo prazo de 6 meses prazo decadencial de que dispõe a vítima para proceder contra o agressor até que fosse feito ou não o aditamento Pensamos que não é esse o caminho O processo originário continua e se for oferecida a nova queixa antes de proferida a sentença reúnese os processos Mas e se o querelante não oferecer essa nova queixa ocorre uma renúncia tácita Sim ocorre uma renúncia tácita Nesse caso a qualquer momento deve ser extinta a punibilidade no processo originário nos termos do art 49 do CPP O único aditamento cabível na ação penal de iniciativa privada seria o impróprio É a esse que se refere o art 45 do CPP pois constitui uma flagrante ilegitimidade de parte permitir que o MP adite a queixa para incluir fatos eou pessoas O aditamento impróprio nada mais é do que uma mera correção material na descrição dos fatos como datas lugares circunstâncias etc Não existe inclusão de fato novo coautor ou partícipe Mas entre as falhas na queixacrime desde que não conduzam à inépcia está a falta de procuração com os poderes especiais ou que contenha a menção ao fato criminoso art 44 conforme explicamos anteriormente Nesse caso se a queixa foi recebida pois deveria ter sido rejeitada o suprimento dessa exigência deve ser feito antes da sentença ser prolatada e ainda antes de decorrido o prazo decadencial de 6 meses contados da data do fato art 38 do CPP Tratase de grave defeito que compromete a validade da queixa e da decisão que a recebeu devendo ser sanada dentro do prazo decadencial de 6 meses pois esse prazo somente é considerado cumprido quando a queixa é regular e válida 8 Fixação de Valor Indenizatório na Sentença Penal Condenatória e os Casos de Ação Civil Ex Delicti Ainda que as esferas da ilicitude civil e penal sejam distintas há situações em que uma mesma ação ou omissão gera efeitos nos dois civil ou penal ou três campos administrativo Tratase de efeitos civis da sentença penal condenatória posto que as esferas de ilicitude são relativamente independentes Isso porque em muitos casos o delito gera também uma pretensão de natureza indenizatória pois é igualmente um ato ilícito para o Direito Civil nos termos do art 186 do CCB É o que sucede por exemplo com um delito de homicídio doloso ou mesmo culposo Um mesmo ato é considerado ilícito na esfera penal e civil E se estivermos diante de um homicídio culposo ocorrido em um acidente de trânsito poderá haver ainda reflexos na esfera administrativa com a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor art 293 da Lei n 9503 Mas pode ocorrer que um delito não gere nenhum efeito na esfera cível como sucede por exemplo nos crimes contra a paz pública tráfico de substâncias entorpecentes etc Nesses casos a sentença penal condenatória não gera qualquer efeito cível até porque não existe uma vítima determinada A Lei n 117192008 rompendo com uma tradição de separação das esferas inseriu o seguinte parágrafo único no art 63 Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido E no art 387 que trata da sentença penal condenatória foi inserido o inciso IV IV fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido Como explicamos anteriormente de forma híbrida o legislador brasileiro permite cumular frente ao juiz criminal uma pretensão acusatória e outra indenizatória Condenando o réu deverá o juiz fixar um valor mínimo para fins de reparação dos danos causados pela infração sendo que essa reparação feita na esfera penal não impede que a vítima busque na esfera cível um montante maior posto que o fixado na sentença penal é considerado o valor mínimo da indenização Dispõe o art 935 do CCB que a responsabilidade civil é independente da criminal ainda que não se possa mais discutir a existência do fato ou quem seja o seu autor quando essas questões se acharem decididas no crime É o efeito de tornar certa a obrigação de indenizar a que alude o art 91 I do CP De qualquer forma pelo menos a liquidação de sentença e a execução não incumbem ao juiz penal o que já é uma grande vantagem Essa cumulação é uma deformação do processo penal que passa a ser também um instrumento de tutela de interesses privados Não está justificada pela economia processual e causa uma confusão lógica grave tendo em vista a natureza completamente distinta das pretensões indenizatória e acusatória Representa uma completa violação dos princípios básicos do processo penal e por consequência de toda e qualquer lógica jurídica que pretenda orientar o raciocínio e a atividade judiciária nessa matéria Desvirtua o processo penal para buscar a satisfação de uma pretensão que é completamente alheia a sua função estrutura e princípios informadores Como exemplo dessa errônea privatização do processo penal o próprio Direito Penal nos oferece as absurdas condenações penais disfarçadas de absolvição de fato Ocorrem quando alguém é condenado a uma insignificante pena de multa responsabilidade penal quando o que se pretende na realidade é uma substancial indenização na esfera cível responsabilidade civil utilizando a sentença penal condenatória como título executivo judicial Para amparar esse tipo de direito existem vias próprias e para isso está o processo civil Cada coisa no seu devido lugar Infelizmente a reforma levada a cabo pela Lei n 11719 misturou os interesses Mas voltando ao art 387 do CPP para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença é fundamental que 1 exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados sob pena de flagrante violação do princípio da correlação 2 portanto não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido sob pena de nulidade por incongruência da sentença 3 a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu 4 somente é cabível tal condenação em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n 117192008 sob pena de ilegal atribuição de efeito retroativo a uma lei penal mais grave como explicado anteriormente ao tratarmos da Lei Processual Penal no Tempo Compreendido isso vejamos agora sistematicamente as três situações que podem ocorrer 1 Havendo uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado nesse caso a sentença penal constitui um título executivo judicial na esfera cível nos termos do art 515 VI do CPC de modo que a parte interessada vítima do delito ou seu representante legal poderá ajuizar ação de execução na jurisdição cível Neste momento há que se distinguir o seguinte a em relação ao valor já fixado na sentença penal haverá uma execução por quantia certa b se o valor fixado é o valor mínimo for insuficiente deverá a vítima postular a liquidação da sentença sem que se discuta mais a causa de pedir mas apenas o quantum a mais da indenização pois assim autoriza o caput do art 63 do CPP e também o parágrafo único 2 Ação Ordinária de Indenização poderá o interessado ajuizar antes durante ou até mesmo depois de findo o processo penal uma ação de indenização na esfera cível nos termos do art 64 do CPP Art 64 Sem prejuízo do disposto no artigo anterior a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e se for caso contra o responsável civil Parágrafo único Intentada a ação penal o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta até o julgamento definitivo daquela Havendo necessidade a ação cível poderá ser ajuizada antes de iniciado ou mesmo durante o processo penal É o caso por exemplo da vítima de erro médico lesões corporais culposas que necessite de recursos para custear seu imprescindível tratamento Esperar até que o processo penal termine para então providenciar a execução é inviável diante da urgência dos recursos financeiros Nessa situação ajuizará a ação de indenização postulando a antecipação de tutela arts 303 e s do CPC Dependendo da situação concreta poderá o juiz aplicar o disposto no parágrafo único do art 64 suspendendo o processo cível sem prejuízo da antecipação de tutela anteriormente mencionada Como regra a suspensão do processo cível não poderá exceder o prazo de 1 ano222 nos termos do art 313 4º do CPC Contudo considerando que dificilmente um processo criminal terminará em menos de um ano pensamos na esteira de RENATO BRASILEIRO223 que se o juiz cível entender necessária ou vislumbrar a possibilidade de absolvição criminal por exemplo poderá determinar o sobrestamento do seu processo até o trânsito em julgado da sentença criminal Mas depois de encerrado o processo penal em que casos a parte interessada poderia ajuizar ação de indenização e não execução Primeiro a execução exige uma sentença penal condenatória transitada em julgado Sem ela não há que se falar em execução Logo estamos diante de uma sentença penal absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade Nesse caso devemos distinguir Se a sentença é declaratória da extinção da punibilidade nenhum efeito produz na esfera cível ou seja não constitui um título que lá possa ser executado mas tampouco impede o nascimento de uma pretensão indenizatória que somente pode ser satisfeita através da ação ordinária de indenização Assim disciplina o art 67 II Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil II a decisão que julgar extinta a punibilidade Em se tratando de uma sentença penal absolutória ainda assim será possível a ação de indenização Depende do fundamento da absolvição Vejamos os casos em que o réu ainda que absolvido na esfera penal poderá ser condenado na esfera cível a indenizar a vítima mas para tanto é necessário analisar o art 386 do CPP Art 386 O juiz absolverá o réu mencionando a causa na parte dispositiva desde que reconheça I estar provada a inexistência do fato II não haver prova da existência do fato III não constituir o fato infração penal IV estar provado que o réu não concorreu para a infração penal V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal VI existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena arts 20 21 22 23 26 e 1º do art 28 todos do Código Penal ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência VII não existir prova suficiente para a condenação Quando o réu for absolvido com base no art 386 I não será possível à vítima demandálo na esfera cível pois incide o disposto no art 66 do CPP que dispõe Art 66 Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato Tendo sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato está inviabilizada a ação de indenização pois um fato fato natural não o fato jurídico não pode categoricamente não existir e existir ao mesmo tempo Logo a afirmação de sua inexistência produz coisa julgada na esfera cível para não permitir mais a discussão sobre isso A busca aqui é pela coerência lógica e credibilidade do sistema jurídico impedindo decisões com tamanha contrariedade Situação completamente diversa ocorre na absolvição com base no inciso II do art 386 Aqui não há a afirmação categórica da inexistência do fato senão que a prova produzida não é suficiente para ensejar a sentença condenatória na esfera penal mas pode ser perfeitamente válida e suficiente para o processo civil É importante compreender que nesse caso a discussão se situa no maior nível de exigência probatória do processo penal em relação ao processo civil Princípios como a presunção de inocência e o in dubio pro reo somente incidem no processo penal não tendo nenhuma aplicação no processo civil Logo a mesma prova que no processo penal é insuficiente para derrubar a presunção de inocência pode na esfera cível ser mais do que suficiente para a procedência do pedido do autor Então a absolvição no processo penal com base nesse inciso não impede que a vítima ou representante legal ajuíze a respectiva ação de indenização na esfera cível Quanto ao inciso III do art 386 a absolvição penal por ser o fato atípico não impede que a vítima ajuíze a respectiva ação de indenização Nem todo ato danoso atinge um bem jurídicopenal pois são esferas distintas de proteção Uma conduta penalmente atípica pode constituir um ato ilícito para o Direito Civil nem que seja a título de dano moral Essa é a previsão do art 67 III do CPP Art 67 Não impedirão igualmente a propositura da ação civil III a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime Quando o réu é absolvido com base no art 386 IV estar provado que o réu não concorreu para infração penal estabelecese uma situação similar àquela descrita anteriormente para o inciso I Ou seja a absolvição no processo penal por existir prova categórica de que o réu não concorreu para infração impede a ação civil de indenização pois essa decisão faz coisa julgada na esfera cível não permitindo mais a discussão sobre o caso Tratase entre outros de um argumento de lógica jurídica e credibilidade das decisões judiciais como alguém pode não ser categoricamente o autor de um fato para o juiz penal e na esfera cível ser considerado o autor do mesmo fato Diversa é a situação da absolvição com base no inciso V em que o réu é absolvido porque não há prova de que ele tenha concorrido para a infração penal A questão aqui é de prova insuficiente para o juízo penal condenatório Logo a absolvição penal decorre da fragilidade da prova da autoria ou participação diante do nível de exigência probatória no processo penal Daí por que essa decisão não impede a ação de indenização na esfera cível pois o nível de exigência probatória no processo penal é muito maior do que aquele feito no processo civil No inciso VI o réu foi absolvido porque existem circunstâncias que excluem o crime ou isentam o réu de pena ou mesmo exista fundada dúvida sobre sua existência Nesse caso como regra geral estará impedida a pretensão indenizatória na esfera cível Nesse sentido dispõe o art 65 do CPP Art 65 Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade em legítima defesa em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito A expressão faz coisa julgada no cível224 significa que não poderá ser novamente discutida pois é imutável a decisão Contudo essa regra possui duas exceções relevantes em que a absolvição na esfera criminal não impede a demanda cível a estado de necessidade agressivo arts 929 e 930 do CCB tratase de uma situação de perigo em que é sacrificado o bem de um terceiro diverso daquele causador do perigo Como exemplo de estado de necessidade agressivo podemos pensar numa situação em que A para defenderse de uma situação de perigo causada por B acaba sacrificando um bem de C Logo poderá ser absolvido no processo penal e condenado na esfera cível ação de indenização tendo porém direito regressivo contra B b legítima defesa real e aberratio ictus art 73 do CP É o caso em que A agride injustamente B que para se defender atira e vem a ferir C Nesse caso B poderá ser absolvido na esfera penal mas isso não impede a ação indenizatória a ser ajuizada por C cabendo em caso de condenação direito de regresso contra A E quanto à legítima defesa ou estado de necessidade putativos Pensamos que essa decisão não faz coisa julgada na esfera cível e portanto não impede a ação de indenização A figura da descriminante putativa é essencialmente penal não prejudicando eventual indenização Concordamos assim com PACELLI225 quando afirma que o art 65 do CPP não faz nenhuma referência às descriminantes putativas e que seria inconveniente melhor inconsistente qualquer argumentação no sentido de uma interpretação extensiva ou analógica em tema dessa magnitude Como estender os efeitos da coisa julgada por analogia Inviável Por fim quando o réu for absolvido com base no art 386 VII não existir prova suficiente para a condenação nenhum impedimento existirá para a ação de indenização Isso porque novamente a questão se situa no maior nível de exigência probatória no processo penal de modo que a mesma prova reputada insuficiente para a condenação criminal pode ser mais do que suficiente para a condenação cível E se o réu foi absolvido sumariamente nos termos do art 397 do CPP Depende do fundamento Vejamos agora cada um dos incisos do art 397 I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato quando o réu é absolvido sumariamente porque praticou o fato ao abrigo de causa de exclusão da ilicitude como regra geral estará impedida a pretensão indenizatória na esfera cível como determina o art 65 do CPP Pensamos contudo que se aplicam aqui as duas exceções anteriormente explicadas do estado de necessidade agressivo e da legítima defesas real e aberractio ictus Nesses dois casos a vítima poderá postular na esfera cível o valor correspondente aos danos sofridos II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade nesse caso a absolvição penal não impede a propositura da ação indenizatória III que o fato narrado evidentemente não constitui crime é uma situação similar àquela prevista no art 386 III do CPP de modo que essa decisão não impede a propositura de ação indenizatória art 67 III do CPP IV extinta a punibilidade do agente não impede a propositura de ação civil a decisão que julgar extinta a punibilidade do agente conforme determina o art 67 II do CPP 3 Composição dos Danos Civis no Juizado Especial Criminal nos termos do art 74 da Lei n 9099 o acordo civil gera título executivo no juízo cível além de extinguir a punibilidade na esfera penal Voltaremos a esse tema quando tratarmos dos juizados especiais criminais Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 AÇÃO PROCESSUAL PENAL é o poder político constitucional de invocar a atuação jurisdicional Constitui o elemento de atividade declaração petitória da pretensão acusatória Não é adequado falarse trancamento da ação penal pois a ação não é trancável ela não possui um prolongamento no tempo É um poder político constitucional de invocação que não pode ser obstaculizado O que se tranca é o processo que nasce com admissão da ação penal e se prolonga no tempo através do procedimento do rito Logo é trancamento do processo 2 NATUREZA JURÍDICA toda ação processual tem caráter público porque se estabelece entre o particular e o Estado para realização do direito penal que é público É autônomo e abstrato pois independe da relação jurídica de direito material Contudo no processo penal não se admite a plena abstração pois para a acusação ser exercida e admitida dando início ao processo é imprescindível que fique demonstrado o fumus commissi delicti Assim entendemos que a ação é um direito potestativo e acusar é um direito público autônomo e abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal 3 CONDIÇÕES DA AÇÃO são condições para que a acusação ação seja admitida dando início ao processo e permitindo que exista uma manifestação judicial sobre o mérito da causa Para o processo penal são condições da ação processual penal a prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti b punibilidade concreta c legitimidade ativa e passiva d justa causa na sua dupla dimensão de existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade e controle processual do caráter fragmentário do direito penal Ao lado dessas existem outras condições da ação vg representação requisição procuração com poderes especiais para queixa crime etc 4 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA 41 Regras a oficialidade ou investidura b obrigatoriedade ou legalidade c indisponibilidade d indivisibilidade há divergências sobre sua incidência e intranscendência 42 Espécies 421 Ação Penal de iniciativa pública incondicionada é a regra geral sendo exercida através de denúncia do MP prazo 5 dias em caso de acusado preso e 15 se estiver solto 422 Ação Penal de iniciativa pública condicionada neste caso a acusação depende de representação da vítima ou representante legal constituindo uma condição de procedibilidade A representação é uma autorização que a vítima concede para que o Estado possa acusar por isso é uma condição para que o Estado possa proceder contra alguém Quanto à representação a sujeito vítima ou representante legal art 24 1º e art 39 b objeto um fato aparentemente criminoso acrescido da autorização para que o Estado possa proceder c lugar na polícia MP ou para o juiz art 39 4º d tempo deverá ser feita no prazo decadencial logo não se interrompe suspende ou prorroga de 6 meses contados nos termos do art 38 do CPP Ainda destacamos que a representação é facultativa oral ou por escrito e não tem forma rígida bastando a simples notíciacrimeboletim de ocorrência Retratação é possível nos termos do art 25 do CPP 5 AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA 51 Regras oportunidade e conveniência disponibilidade indivisibilidade art 48 intranscendência 52 Titularidade e Prazo o querelante é o ofendido pelo delito a vítima ou seu representante legal art 30 Problemática da vítima menor de 18 anos Súmula 594 do STF Quanto ao prazo será decadencial de 6 meses art 38 não se interrompendo suspendendo ou prorrogando A procuração deverá conter a exposição sucinta dos fatos criminosos e ter poderes especiais art 44 do CPP 53 Espécies a originária ou comum b personalíssima c subsidiária da pública art 5º LIX da CB art 29 do CPP e art 100 3º do CP Em relação à ação penal privada subsidiária ou substitutiva cumpre esclarecer que é uma legitimação extraordinária para que a vítima possa exercer a acusação em um crime de ação penal pública diante da inércia do MP Ainda que tenha essa legitimidade extraordinária a ação segue as regras da ação penal pública Crimes praticados contra a honra de servidor público propter officium legitimidade concorrente do ofendido através de queixa ou do Ministério Público mediante representação nos termos da Súmula 714 do STF 54 Renúncia perdão e perempção são todas causas de extinção da punibilidade 541 Renúncia é possível a renúncia ao direito de queixa e também de representação se for o caso de forma unilateral pelo ofendido podendo ser expressa ou tácita arts 49 e 50 do CPP 104 parágrafo único do CP e 57 do CPP É feita antes de a parte exercer o direito de representação ou de queixa 542 Perdão ato bilateral que ocorre durante o processo penal e que deve ser aceito pelo querelado para surtir efeitos Pode ser oferecido a partir do recebimento da queixa e até que ocorra o trânsito em julgado art 106 2º do CP O perdão oferecido a um dos réus a todos aproveita mas só produz efeito em relação aos que o aceitarem art 51 do CPP Pode ser expresso ou tácito tanto o oferecimento quanto a aceitação Não existe mais legitimidade concorrente no caso de ofendido maior de 18 anos e menor de 21 estando revogados os arts 52 e 54 do CPP 543 Perempção art 60 do CPP É uma sanção de natureza processual imposta ao querelante negligente e que conduz à extinção do processo e da punibilidade 6 Aditamento na ação penal de iniciativa pública aditar é ampliar a acusação acrescentar incluir novos fatos aditamento próprio real eou pessoas aditamento próprio pessoal não contidos na denúncia Está vinculado à mutatio libelli do art 384 do CPP Aditamento impróprio é quando não se acrescenta fato novo ou pessoas mas se retifica uma falha da denúncia Qualquer aditamento deve ser feito antes da sentença e exige contraditório conhecimento e manifestação da defesa Quanto à interrupção da prescrição em se tratando de aditamento real o prazo prescricional do novo crime se dará na data em que for recebido o aditamento No aditamento pessoal em relação àquele agente o prazo prescricional é interrompido com o recebimento do aditamento Não cabe recurso da decisão que recebe mas pode caber por analogia recurso em sentido estrito da decisão de rejeição art 395 7 Aditamento em ação penal de iniciativa privada não cabe aditamento próprio real devendo o querelante ingressar com uma nova queixacrime Quanto ao aditamento próprio pessoal pode ser caso de renúncia tácita art 49 Se não tinha conhecimento da participação de outras pessoas deverá ajuizar nova queixacrime devendose ter cuidado com a decadência art 38 que poderá ou não ser reunida por força da conexão ou continência É cabível o aditamento impróprio ou seja a mera correção na descrição dos fatos datas lugares etc Falha na procuração a falta de procuração com poderes especiais art 44 pode ser suprida no prazo decadencial de 6 meses art 38 8 Valor Indenizatório a sentença penal condenatória poderá fixar um valor indenizatório mínimo que não exclui a possibilidade de a vítima postular na esfera cível um complemento art 387 IV Mas para isso é necessário que a exista pedido expresso na inicial b exista contraditório c fato criminoso tenha ocorrido após a vigência da Lei n 117192008 9 Ação Civil Ex Delicti são três as situações possíveis 91 Com sentença penal condenatória transitada em julgado a sentença penal constitui um título executivo judicial podendo ser executada no cível 92 Ação ordinária de indenização poderá a vítima ou representante legal ajuizar antes durante ou até mesmo após o processo penal ação de indenização art 64 do CPP Sendo ajuizada antes ou durante o processo criminal poderá ser suspensa sua tramitação art 64 parágrafo único A sentença penal absolutória impede ação civil de indenização nos casos do art 386 I e IV Nos incisos II III V e VII do art 386 a sentença penal absolutória não impedirá a demanda cível No caso de absolvição com base no art 386 VI como regra geral impede ação civil de indenização art 65 do CPP exceto nos casos de absolvição por estado de necessidade agressivo arts 929 e 930 do CCB e legítima defesa real e aberratio ictus art 73 do CP situações em que o réu mesmo absolvido poderá ser demandado no cível Legítima defesa ou estado de necessidade putativo não impede ação de indenização Nos casos de absolvição sumária art 397 nas situações dos incisos II III e IV não impede ação de indenização A situação do inciso I causas de exclusão da ilicitude como regra impede ação civil exceto nos casos de estado de necessidade agressivo e legítima defesa real e aberratio ictus 93 Composição dos danos civis JECrim nos termos do art 74 da Lei n 909995 gera título executivo no cível e extingue a punibilidade penal Capítulo VI JURISDIÇÃO PENAL E COMPETÊNCIA DE PODERDEVER A DIREITO FUNDAMENTAL O conceito de jurisdição deve iniciar pelo abandono da estéril discussão para o processo penal entre jurisdição voluntária e contenciosa Isso porque no processo penal não existe lide Assim com razão TUCCI226 quando explica que a jurisdição penal deve ser concebida como poderdever de realização de Justiça Estatal por órgãos especializados do Estado Tratase de decorrência inafastável da incidência do princípio da necessidade peculiaridade do processo penal inexistente no processo civil Para tanto é uma jurisdição cognitiva destinada a conhecer da pretensão acusatória e de seu elemento objetivo o caso penal para em acolhendoa exercer o poder de penar que detém o Estadojuiz Assim é lugarcomum na doutrina vincular o conceito de jurisdição ao de poderdever Não negamos que seja um poderdever mas pensamos que a questão exige à luz da Constituição um deslocamento Assim pensamos que jurisdição é um direito fundamental tanto que ao tratarmos dos princípiosgarantias do processo penal o primeiro a ser analisado é exatamente esse a garantia da jurisdição Ou seja o direito fundamental de ser julgado por um juiz natural cuja competência está prefixada em lei imparcial e no prazo razoável É nessa dimensão que a jurisdição deve ser tratada como direito fundamental e não apenas como um poderdever do Estado Significa descolar da estrutura de pensamento no qual a jurisdição é um poder do Estado e que portanto pode pelo Estado ser utilizado e definido segundo suas necessidades Ao desvelarmos a jurisdição como direito fundamental consagrado que está na Constituição ela passa a exigir uma nova estrutura de pensamento como instrumento a serviço da tutela do indivíduo recordemos la ley del más débil como sintetizou FERRAJOLI Com razão JACINTO COUTINHO227 quando afirma que a jurisdição a par de ser um poder e como tal deve ser estudado com proficiência é uma garantia constitucional do cidadão da qual não se pode abrir mão grifo nosso O que se evidencia é a coexistência dos conceitos Não se nega o caráter de poderdever mas acima de tudo é um direito fundamental do cidadão E a ação como visto é a invocação necessária para obtenção desse direito fundamental jurisdição Essa concepção decorre ainda do princípio da necessidade do processo em relação à pena pois como visto não há pena sem processo anterior Logo ação jurisdição e processo formam um núcleo de direitos fundamentais que impedem a aplicação imediata e ilegítima da pena Como consequência a própria conceituação de competência também é afetada A competência ao mesmo tempo em que limita o poder cria condições de eficácia para a garantia da jurisdição juiz natural e imparcial Como explica TAORMINA228 a disciplina da competência deriva do fato de que a jurisdição penal ordinária se articula em uma multiplicidade de órgãos devendo se verificar a repartição das tarefas judiciárias Resultaria extremamente perigoso se não fossem previstos rígidos mecanismos de identificação prévia do juiz competente pois antes de tudo está a garantia da precostituzione per legge del giudice que deverá ser prima del fatto commesso A competência impõe severos limites ao poder jurisdicional es la medida de la jurisdicción sintetiza LEONE229 e por sua vez está estreitamente disciplinada por regras que em última análise asseguram a própria qualidade e legitimidade da jurisdição Ao final de tudo está a garantia de ter um juiz natural imparcial e cuja competência está claramente definida por lei anterior ao fato criminoso Nessa dimensão de poder mas principalmente de direito fundamental a jurisdição e portanto as regras de competência cuja coexistência nem sempre é respeitada e corretamente tratada abordaremos o tema da competência 1 Princípios da Jurisdição Penal Em relação aos princípios da jurisdição penal230 destacamos de forma sintética 11 Princípio da Inércia da Jurisdição Como decorrência do sistema acusatório anteriormente explicado e para garantia da imparcialidade princípio supremo do processo a inércia da jurisdição significa que o poder somente poderá ser exercido pelo juiz mediante prévia invocação Vedada está a atuação ex officio do juiz daí o significado do adágio ne procedat iudex ex officio Com isso a jurisdição somente se põe em marcha quando houver uma prévia invocação declaração petitória feita por parte legítima No que tange ao processo penal a jurisdição somente pode ser exercida quando houver o exercício da pretensão acusatória através de queixacrime se a iniciativa da ação penal for privada ou da denúncia oferecida pelo Ministério Público nos termos do art 129 I da Constituição nos delitos cuja ação penal é de iniciativa pública Portanto fazendo uma leitura constitucional revogado está o art 26 do CPP231 pois não existe mais processo penal iniciando por meio de prisão em flagrante ou mesmo portaria da autoridade judiciária ou policial 12 Princípio da Imparcialidade Considerando o que já explicamos no Capítulo II ao analisar a garantia da jurisdicionalidade onde tratamos com profundidade a imparcialidade objetiva subjetiva a estética de imparcialidade e também a teoria da dissonância cognitiva é desnecessário fazermos uma longa repetição Portanto para o tópico Jurisdicionalidade desenvolvido no Capítulo II remetemos o leitor a fim de evitar a repetição 13 Princípio do Juiz Natural O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz senão um verdadeiro pressuposto para a sua própria existência Como explicamos anteriormente na esteira de MARCON232 o Princípio do Juiz Natural é um princípio universal fundante do Estado Democrático de Direito Consiste no direito que cada cidadão tem de saber de antemão a autoridade que irá processálo e qual o juiz ou tribunal que irá julgálo caso pratique uma conduta definida como crime no ordenamento jurídicopenal O nascimento da garantia do juiz natural dáse no momento da prática do delito e não no início do processo Não se podem manipular os critérios de competência e tampouco definir posteriormente ao fato qual será o juiz da causa Elementar que essa definição posterior afetaria também a garantia da imparcialidade do julgador como visto anteriormente Importa afastar a criação de tribunais de exceção post factum e extinguir os privilégios das justiças senhoriais foro privilegiado Na clara definição de COUTINHO233 tratase de definir qual é o meu juiz pois todos passam a ser julgados pelo seu juiz cuja competência é previamente estabelecida por uma lei vigente antes da prática do crime A consagração Constitucional vem dada pelo texto do art 5º LIII da Constituição Por fim destacamos que não se pode mais desconectar a garantia do juiz natural das regras de competência Assim devese dar um basta às verdadeiras manipulações feitas nos critérios de competência a partir de equivocadas analogias com o processo civil o costumeiro desrespeito às categorias jurídicas próprias do processo penal permitindo que se desloquem processos da cidade onde ocorreu o crime para outras atendendo a duvidosos e censuráveis critérios de maior eficiência no combate ao crime mas ferindo de morte a garantia constitucional Em geral isso é feito sob o argumento de que a competência em razão do lugar é relativa uma construção civilista inadequada ao processo penal Como explica COUTINHO isso abre a possibilidade de escolher um juiz mais interessante para quem para o julgamento de determinados casos atendendo a critérios pessoais mais liberal ou mais conservador por exemplo Nenhuma dúvida existe de que essas manipulações violam a garantia da imparcialidade e do juiz natural Mas para além disso eles estão comprometendo a credibilidade da Justiça Voltaremos a essa questão da manipulação dos critérios de competência no final deste capítulo em tópico destinado à crítica da adoção dos critérios civilistas de incompetência absoluta e relativa e sua manipulação 14 Princípio da Indeclinabilidade da Jurisdição Nenhuma das garantias anteriores teria eficácia se fosse permitido ao juiz declinar ou subtrairse do dever de julgamento do processo A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua fungibilidade A inderrogabilidade é garantia que decorre e assegura a eficácia da garantia da jurisdição no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade do juízo assegurando a todos o livre acesso ao processo e ao poder jurisdicional Logo o juiz natural não pode declinar ou delegar a outro o exercício da sua jurisdição até porque existe uma exclusividade desse poder de modo a excluir a de todos os demais Visto assim o presente princípio não dá a noção da problemática que pode surgir se o levarmos a sério algo que não tem sido feito no sistema brasileiro Por exemplo como admitir a chamada prorrogatio fori tão utilizada pela Justiça brasileira Inadmissível pois incompatível com esse princípio A prorrogatio fori ocorre quando um juiz que não é competente em razão do lugar acaba tendo sua competência ampliada prorrogada Tal alquimia somente é possível pelo fato de a competência pelo local do crime ser considerada relativa e se não arguida pelo réu é prorrogada pela preclusão transformando em competente quem inicialmente era incompetente Esse é o entendimento majoritário com o qual não concordamos Noutra linha também vemos dificuldades na coexistência entre a garantia da indeclinabilidade da jurisdição e a chamada justiça negociada A lógica da plea negotiation conduz a um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote ao conflito A negotiation viola desde logo esse pressuposto fundamental pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo juiz que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal conduzindo a uma espécie de fungibilidade da jurisdição Voltaremos a essa crítica quando abordarmos os Juizados Especiais Criminais 2 A Competência em Matéria Penal A Reforma de 20192020 e o Juiz das Garantias A competência é um conjunto de regras que asseguram a eficácia da garantia da jurisdição e especialmente do juiz natural Delimitando a jurisdição condiciona seu exercício Como regra um juiz ou tribunal somente pode julgar um caso penal quando for competente em razão da matéria pessoa e lugar Sem negar as críticas que fizemos no princípio da indeclinabilidade da jurisdição seguiremos o pensamento majoritário que costuma afirmar que a competência em razão da matéria e pessoa é absoluta ao passo que o critério local do crime seria relativo Logo a violação das regras de competência para matéria e pessoa por ser absoluta não se convalida jamais não há preclusão ou prorrogação de competência e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo Com relação à competência em razão do lugar ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia não pode ela ser esvaziada com a classificação civilista de que é relativa Ou seja a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar Assim também consideramos a competência em razão do lugar absoluta Contudo até por honestidade acadêmica destacamos que não é essa a posição majoritária na jurisprudência brasileira Predomina a noção civilista de que a competência em razão do lugar do crime é relativa Desde a mera leitura do CPP defendem que a incompetência em razão do lugar do crime deve ser arguida pelo réu no primeiro momento em que falar no processo sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juiz prorrogatio fori O julgador que inicialmente era incompetente em razão do lugar adquire competência pela preclusão da via impugnativa Somente o réu pode alegar a incompetência em razão do lugar pois o Ministério Público ao eleger o local onde ofereceu a denúncia fez sua opção e portanto preclusa a via para ele Contudo ao contrário de alguma doutrina que não descola das categorias do processo civil pensamos que a incompetência em razão do lugar pode também ser conhecida pelo juiz de ofício Isso porque o art 109 do CPP não faz nenhuma restrição todo oposto Art 109 Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente declaráloá nos autos haja ou não alegação da parte prosseguindose na forma do artigo anterior Assim poderá o juiz de ofício e até a prolação da sentença declinar de sua competência inclusive em razão do lugar A distinção está em que na incompetência em razão da matéria e pessoa por serem critérios absolutos e indisponíveis não se opera nenhuma espécie de convalidação Inclusive em grau recursal pode ser declarada a incompetência do juiz Já em relação ao lugar ou a defesa alega através da respectiva exceção ou ela se prorroga Nesse caso somente o juiz poderá fazêlo até a sentença nos termos do art 109 Mas a reforma de 20192020 trouxe uma grande inovação a figura do juiz das garantias e com ele o impedimento de que o mesmo juiz atuasse na fase préprocessual e depois no processo instruísse e julgasse Foi um grande avanço na preservação da garantia da imparcialidade como explicamos anteriormente e para onde remetemos o leitor para evitar repetições Como já advertimos a figura do juiz das garantias está suspensa pela decisão liminar do Min FUX Inobstante diante da importância da reforma e da precariedade da decisão inclusive em termos de fundamentação explicaremos a seguir a prevenção com o olhar do futuro de como será quando o juiz das garantias entrar em vigor Portanto a garantia do juiz natural segue hígida e todos os critérios de definição da competência também Contudo é preciso explicar algumas consequências da adoção do sistema duplo juiz a começar pela prevenção O instituto da prevenção previsto no art 83 do CPP precisa ser resignificado à luz do disposto no art 3ºD nova redação dada pela Lei n 139642019 Vejamos os dispositivos Art 83 Verificarseá a competência por prevenção toda vez que concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa arts 70 3º 71 72 2º e 78 II c Art 3ºD O juiz que na fase de investigação praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo Como conciliar o instituto da prevenção enquanto causa fixadora da competência na sua concepção tradicional com a figura do juiz das garantias onde a prevenção é causa de exclusão da competência Da seguinte forma a prevenção é causa de exclusão da competência quando o juiz que decidir na fase preliminar ou praticar quaisquer dos atos previstos no art 3º B assume o lugar do juiz das garantias e portanto irá receber a denúncia decidir sobre a absolvição sumária e remeter para o juiz do processo que necessariamente será outro juiz pois o primeiro está impedido nos termos do art 3ºD234 a prevenção como causa de fixação da competência quando existirem vários juízes em uma comarca aquele que anteceder os demais na prática de algum ato na investigação preliminar passa a ser o prevento no sentido de que atrairá a competência para eventuais crimes conexos A prevenção aqui serve essencialmente para definir qual dos juízes das garantias será o competente É um critério entre elesTambém pode servir para definição do juiz do processo mas quando ocorrer a seguinte situação Imaginemos uma cidade com vários juízes criminais O juiz das garantias a atua na investigação preliminar e recebe a denúncia sobre determinado caso penal e remete para o juiz b Posteriormente surje uma nova investigação por crime conexo que acaba sendo vinculada ao juiz das garantias a pois prevento Recebida essa nova denúncia o juiz do processo será o mesmo juiz b pois prevento também Então aqui a prevenção se opera entre os juízes das garantias como critério de definição e também entre os juízes do processo igualmente definindo entre eles quem será o competente o prevento Dessarte a prevenção precisa ser ressignificada para adequarse a nova sistemática processual sem deixar todavia de existir Feito esse esclarecimento voltemos ao tema geral da competência A disciplina feita pelo Código de Processo Penal nessa matéria e em outras é péssima sem uma sistemática clara e coerente Dispõe o art 69 do CPP Art 69 Determinará a competência jurisdicional I o lugar da infração II o domicílio ou residência do réu III a natureza da infração IV a distribuição V a conexão ou continência VI a prevenção VII a prerrogativa de função Desde logo advertimos que não existe nenhuma hierarquia ou ordem entre os incisos e qualquer tentativa de extrair uma regra de aplicação a partir daí esbarrará em tantas exceções que a regra se diluirá Propomos definir a competência a partir de três perguntas básicas 1ª Qual é a Justiça e órgão competente Aqui se discutem os critérios relativos à matéria e pessoa considerando a existência de 1 Justiças Especiais 11 Justiça Militar 111 Justiça Militar Federal 112 Justiça Militar Estadual 12 Justiça Eleitoral 2 Justiças Comuns 21 Justiça Comum Federal 22 Justiça Comum Estadual Sempre para definição da Justiça competente devese considerar a matéria em julgamento e começar a análise pela esfera mais restrita das Justiças Especiais começando pela Justiça Militar Federal depois Estadual e por fim a Eleitoral para por exclusão chegar às Justiças Comuns Primeiro a Federal para só então chegar à Justiça mais residual de todas a Justiça Comum Estadual Assim um crime somente será de competência da Justiça Comum Estadual quando não for de competência de nenhuma das anteriores No próximo ponto definiremos as competências das Justiças Especiais e Comuns mas antes é preciso esclarecer mais alguns aspectos Definida a Justiça devese analisar ainda em qual será o nível da jurisdição que terá atuação originária pois pode ocorrer que por exemplo em virtude do cargo que o réu ocupe o processo já nasça no Tribunal de Justiça no Superior Tribunal de Justiça ou mesmo no Supremo Tribunal Federal Assim para encontrar o órgão julgador devemos considerar a existência dos seguintes níveis de jurisdição Justiça Comum235236237 Mas o problema poderá não estar resolvido ainda com a mera definição da Justiça É preciso definir o órgão competente Em se tratando da justiça comum federal ou estadual vamos analisar se a competência é do JECRIM do juiz singular ou ainda se é da competência do júri Também neste momento é crucial identificar se é caso de prerrogativa de função pois se for prevalece como regra sobre os órgãos de primeiro grau Isso é muito sensível e requer muita atenção Por esse motivo no texto que segue preferimos dividir essa primeira pergunta Qual a Justiça e Órgão em duas Primeiro analisaremos a justiça e depois a problemática acerca da prerrogativa de função Uma vez respondidos a esses dois questionamentos que integram a primeira pergunta devese verificar em se tratando de primeiro grau de jurisdição qual é o foro competente passando então à segunda pergunta Finalmente poderemos responder a última pergunta qual a vara ou juízo que somente será formulada se não for caso de prerrogativa de função e portanto estiver afeta ao primeiro grau de jurisdição 2ª Qual é o foro competente local Quando em razão da natureza do delito matéria e qualidade do agente pessoa o julgamento for de competência da Justiça de primeiro grau deve se ainda definir qual será o foro competente lugar atendendo nesse caso às regras dos arts 70 e 71 do CPP Excepcionalmente dependendo da situação poderá ser necessário recorrer às regras dos arts 88 a 90 quando o delito for cometido a bordo de navio ou aeronave como explicaremos na continuação 3ª Qual é a vara ou juízo Ainda que respondidas as duas perguntas anteriores pode a competência não estar definida como ocorre por exemplo com um crime de roubo cometido na cidade de Porto Alegre A Justiça será a comum estadual diante da não incidência das demais o órgão é o juiz de direito primeiro grau e o local será a comarca de Porto Alegre Contudo ainda assim quantos juízes igualmente competentes em razão da matéria pessoa e lugar existem nessa cidade Dezenas Logo qual deles irá julgar Deveremos recorrer aos critérios da prevenção mas com a sua nova concepção como explicamos no início desse capítulo e repetiremos ao tratar dela ou da distribuição conforme o caso Finalmente após responder corretamente a essas três perguntas teremos a exata definição do juiz ou tribunal competente para o julgamento do processo penal Mas como advertimos no início esse é um tema bastante complexo e ainda que tudo isso tenha sido definido a ocorrência de conexão ou continência pode alterar substancialmente a resposta final como veremos Vejamos agora que definições nos permitirão responder a essas três perguntas começando pela análise da competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral para depois explicar a competência das Justiças Comuns Federal e Estadual 21 Qual é a Justiça Competente Definição da Competência das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e Comuns Federal e Estadual Qual é o Órgão Competente Análise da Problemática acerca da Prerrogativa de Função Nesse ponto precisamos analisar a natureza da infração a matéria eou a pessoa Em primeiro lugar devemos questionar se o crime é da competência da Justiça Especial Militar cujo campo é o mais restrito federal e depois estadual depois se não for de competência da Justiça Militar devemos questionar se é de competência da Justiça Eleitoral Somente com a negativa a ambas as perguntas é que podemos passar para a escolha da Justiça Comum federal ou estadual que irá julgar É sempre uma análise que parte do mais restrito para o mais residual Justiça Comum Estadual Assim comecemos definindo a competência da Justiça Militar Quanto à figura do juiz das garantias e o sistema de duplo juiz já explicada não vislumbramos motivo para excluir sua aplicação na justiça militar da União ou Estados Não há nenhuma exceção e nos parece perfeitamente viável e necessária sua efetivação também na justiça castrense Portanto quando entrar em vigor essa parte da reforma esperamos que tenha aplicação também na justiça castrense mas por ora está tudo suspenso 211 Justiça Especial Militar da União Federal À Justiça Militar da União compete o julgamento dos militares pertencentes às forças armadas exército marinha e aeronáutica que possuem atuação em todo o território nacional Essa Justiça está constituída da seguinte forma 1º grau auditorias e conselhos permanentes de justiça e conselho especial de justiça 2º grau é o Superior Tribunal Militar A competência dessa Justiça Especial está prevista no art 124 da Constituição Art 124 À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei Ao falar em crimes militares definidos em lei a Constituição acaba por remeter para o Código Penal Militar cujo art 9º define o que é um crime militar238 mas também permite inciso II que ela julgue os crimes previstos em legislação penal especial e portanto não apenas os crimes previstos no CPM Importante destacar a modificação levada a cabo pela Lei 134912017 que alterando o art 9º do CPM afetou substancialmente a competência da Justiça Militar da União e também estadual Até o advento da Lei 134912017 que alterou o art 9º do CPM entendia se que os crimes previstos em leis especiais como abuso de autoridade Lei n 138692019 tortura associação para o tráfico etc não eram de competência da Justiça Militar da União ou dos Estados sendo julgados na justiça comum Se houvesse conexão entre um crime militar e outro crime previsto em lei especial haveria uma cisão o crime militar seria julgado pela justiça castrense e o crime não previsto no CPM seria julgado na justiça comum estadual ou federal conforme o caso Mas agora com a nova redação do art 9º II a competência foi substancialmente ampliada atingindo também os crimes previstos na legislação penal extravagante II os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal quando praticados Significa dizer que a Justiça Militar federal ou estadual agora poderá julgar os crimes previstos no CPM e na legislação penal comum e especialextravagante Dessa forma há uma ampliação significativa da competência das justiças militares estaduais e federais que passarão a julgar crimes não previstos no CPM tais como os anteriormente citados Dessarte entendemos que também está superada a Súmula 172 do STJ que dispunha que compete à justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade Lei n 138692019 ainda que praticado em serviço Agora o crime de abuso de autoridade deverá ser julgado na justiça castrense Portanto para que se tenha a competência da justiça militar da União é preciso a seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar ou na legislação penal comum ou especial diante da abertura dada pela nova redação do art 9º II do CPM b que seja praticada por militar em situação de atividade sobre a possibilidade de um civil ser julgado na justiça militar da união veja comentário a seguir c esteja presente uma daquelas situações descritas no art 9º incisos II e III do Código Penal Militar d por fim a jurisprudência tem buscando claramente restringir a competência da Justiça Militar passado a exigir uma situação de interesse militar Isso porque a atuação da Justiça Militar deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos das Forças Armadas239 Tratase de construção jurisprudencial de natureza subjetiva que deve ser analisada caso a caso Somente quando concorrerem esses elementos teremos um crime de competência da Justiça Militar da União Assim entendemos que deve ser afastada a competência da Justiça Militar por falta de uma situação de interesse militar a prática de crimes de violência doméstica por exemplo cabendo o julgamento à justiça comum mesmo quando praticado na área sujeita à jurisdição militar e com armamento militar situações previstas no art 9 II do CPM Na mesma linha eventuais acidentes de trânsito praticados pelo militar mesmo com viatura militar contra civil especialmente no exercício de atividades administrativas Não há nesses casos real e peculiar interesse militar Portanto quando não estiver presente o interesse militar ou não for a conduta inerente à função militar a competência da Justiça Militar Federal ou Estadual poderá ser afastada E o crime doloso contra a vida praticado por militar em atividade contra civil Recordemos que em 1996 a Lei n 9296 posteriormente incorporada no art 125 4º da Constituição atendendo a um reclame de organismos nacionais e internacionais de defesa de direitos humanos alterou o CPM para que os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis fossem julgados pelo tribunal do júri Essa situação foi alterada pela Lei n 134912017 que deu uma nova redação para o art 9º II 1º 2º do CPM que agora determinam que Art 9º II 1º Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil serão da competência do Tribunal do Júri 2º Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil serão da competência da Justiça Militar da União se praticados no contexto I do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa II de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar mesmo que não beligerante ou III de atividade de natureza militar de operação de paz de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária realizadas em conformidade com o disposto no art 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais Significa dizer que a lei criou um tratamento diferenciado conforme o militar seja estadual ou membro das forças armadas O policial militar estadual em atividade que cometa crime doloso contra a vida de civil segue sendo julgado no tribunal do júri A nova lei atinge apenas os militares das forças armadas que nas chamadas missões de garantia da lei e da ordem cometam crimes dolosos contra a vida de civis Neste caso eles serão julgados na justiça militar da União e não no tribunal do júri É verdade que parte da doutrina e inclusive da jurisprudência do STM já sustentavam que a competência do júri só se aplicaria à justiça militar estadual fazendo uma leitura literal e restritiva do art 125 4º da Constituição Contudo também é verdade que esse desvio de função das forças armadas para exercerem um policiamento urbano a la carte é algo novo posterior à mudança do Texto Constitucional A aplicação por analogia ou interpretação extensiva se preferir do art 125 4º da CF aos militares das forças armadas diante dessa nova situação também seria plenamente sustentável Mas agora a nova Lei veio para enfrentar o problema e tomar uma clara posição na contramão do caminho já construído repetimos no sentido de que o militar das forças armadas que nas operações de garantia da lei e da ordem leiase cláusula genérica vaga e imprecisa cometer crime doloso contra a vida de civil será processado e julgado na justiça militar da União Já o policial militar estadual permanece sendo julgado no tribunal do júri Eis aqui mais um ponto polêmico criase uma clara diferenciação no tratamento dos militares agindo em idêntica situação E se em uma operação conjunta um policial militar estadual e um membro das forças armadas cometerem um crime doloso contra a vida de um civil em uma abordagem como ficará o processo e o julgamento Haverá cisão pois o militar estadual será julgado na justiça comum estadual no tribunal do júri e o militar das forças armadas será julgado na justiça militar federal Outro questionamento importante pode um civil ser julgado pela Justiça Militar Federal Antes da Constituição de 1988 não havia essa possibilidade porque era adotado um critério objetivo e subjetivo exigiase que o agente fosse militar e tivesse praticado um crime militar Após a Constituição de 1988 a situação mudou num grave retrocesso por vacilo do legislador constituinte Como o art 124 da Constituição remete para crimes militares definidos em lei acaba por transferir para o art 9º III do Código Penal Militar a definição da matéria e pessoa e como o art 9º prevê a possibilidade de um civil cometer um crime militar240 a resposta agora é sim pode um civil ser julgado na Justiça Militar da União desde que presentes as situações previstas no art 9º do CPM Exemplo um grupo de pescadores foi surpreendido dentro de uma área militar exército Foram julgados e condenados pela Justiça Militar Federal pela prática do delito de ingresso clandestino em área de manobras militares art 302 do CPM Por fim destacamos ainda que tais alterações sobre a competência da Justiça Militar têm natureza processual penal devendo ter aplicação imediata Princípio da Imediatidade art 2º do CPP Essa é a competência da Justiça Militar da União Quando a situação não se encaixar nessas condições explicadas passase então para a análise da competência da Justiça Eleitoral e depois das Justiças Comuns 212 Justiça Especial Militar Estadual A competência da Justiça Militar Estadual está prevista no art 125 4º da Constituição Art 125 Os Estados organizarão sua Justiça observados os princípios estabelecidos nesta Constituição 3º A lei estadual poderá criar mediante proposta do Tribunal de Justiça a Justiça Militar estadual constituída em primeiro grau pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e em segundo grau pelo próprio Tribunal de Justiça ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar singularmente os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares cabendo ao Conselho de Justiça sob a presidência de juiz de direito processar e julgar os demais crimes militares A competência da Justiça Militar Estadual também remete ao conceito de crime militar do art 9º do CPM exigindo assim que a seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar ou na legislação penal comum ou especial diante da abertura dada pela nova redação do art 9º II do CPM b que seja praticada por militar policial militar bombeiro ou policial rodoviário estadual em situação de atividade sobre a possibilidade de um civil ser julgado na justiça militar estadual veja comentário abaixo c esteja presente uma daquelas situações descritas no art 9º incisos II e III do Código Penal Militar d por fim a jurisprudência tem buscando claramente restringir a competência da Justiça Militar passado a exigir uma situação de interesse militar Isso porque a atuação da Justiça Militar deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de interesse militar241 Sublinhamos novamente que a Lei n 134912017 alterou o art 9º do CPM de modo que os crimes previstos em leis especiais como abuso de autoridade tortura organização criminosa associação para o tráfico etc que não eram de competência da justiça militar da União ou dos Estados agora passaram a sêlo Portanto caberá à Justiça Militar estadual julgar o militar por crimes previstos no CPM no Código Penal e também nas leis penais especiais Quanto à Súmula 172 do STJ entendemos que está superada pois o crime de abuso de autoridade passou a ser de competência da Justiça Militar Pode um civil ser julgado na Justiça Militar Estadual Não Ao contrário da justiça militar federal aqui a Constituição adotou um critério objetivo subjetivo Ou seja deve ser crime militar praticado por militar do Estado policiais militares bombeiros ou policiais rodoviários estaduais descartando completamente a possibilidade de um civil ser julgado na Justiça Militar Estadual E se o militar do Estado PM bombeiro ou policial militar estadual praticar em situação de atividade um crime doloso contra a vida de um civil será julgado pelo tribunal do júri ou pela justiça militar estadual Será julgado na justiça comum estadual pelo tribunal do júri O art 9º II 1º do CPM determina que os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil serão da competência do Tribunal do Júri Tal regra se aplica exclusivamente ao militar dos Estados não aos militares das forças armadas por força de expresso mandamento constitucional Art 125 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças O militar estadual em atividade que cometa crime doloso contra a vida de civil será julgado na justiça comum estadual no tribunal do júri art 125 4º da Constituição A nova Lei n 134912017 no que tange aos crimes dolosos contra a vida atinge apenas os militares do exército marinha e aeronáutica como explicamos no tópico anterior sendo apenas os militares das forças armadas julgados na justiça militar da União e não no tribunal do júri E se em uma operação conjunta um policial militar estadual e um membro das forças armadas cometerem um crime doloso contra a vida de um civil em uma abordagem como ficará o processo e julgamento Haverá cisão pois o militar estadual será julgado na justiça comum estadual no tribunal do júri e o militar das forças armadas será julgado na justiça militar federal Situação interessante pode ocorrer se no plenário do júri operarse uma desclassificação própria com o afastamento da figura dolosa Nesse caso pensamos que não poderá o juiz presidente proferir decisão pois se o homicídio doloso contra a vida de um civil praticado pelo policial militar estadual não é de competência da Justiça Militar o crime culposo permanece sendo Logo deverá ele redistribuir o processo para a Justiça Militar Estadual a quem competirá o processo e julgamento do militar que pratique um crime culposo contra a vida de um civil se presente é claro o interesse militar e demais circunstâncias do art 9º do CPM Não há que se falar em prorrogação da competência nesse caso pois se trata de competência absoluta em razão da matéria logo improrrogável Quanto à sua estrutura em primeiro grau os crimes serão julgados pelos juízes de direito do juízo militar desde que praticados contra civis Quando for crime militar praticado contra militar caberá a competência ao Conselho de Justiça presidido pelo juiz de direito militar Em segundo grau o julgamento caberá aos Tribunais de Justiça Militar ou na sua falta aos Tribunais de Justiça dos estados 213 Justiça Especial Eleitoral Ao lado da Militar a Eleitoral é a outra Justiça Especial Não existe uma hierarquia entre a Justiça Militar e a Eleitoral pois elas atuam em esferas distintas Não se trata assim de prevalência mas de cisão Já na relação da Justiça Eleitoral com as Justiças Comuns Federal e Estadual existe uma prevalência da Especial sobre a Comum art 78 IV do CPP Devese destacar que o art 78 IV deve sempre ser lido junto com o art 79 I do CPP para compreenderse que a Justiça Especial Eleitoral prevalece sobre as Justiças Comuns A competência da Justiça Eleitoral está prevista no art 121 da Constituição cuja redação não é das melhores Sua competência diante da lacunosa previsão constitucional acaba sendo dada pelo Código Eleitoral que prevê ainda quais são os crimes eleitorais242 Assim sempre que tivermos um crime eleitoral conexo com um crime comum previsto no Código Penal a competência para julgamento de ambos reunião por força da conexão será da Justiça Eleitoral art 78 IV É pacífico que a Justiça Eleitoral especializada prevalece sobre a comum Justiça Federal a teor do art 78 IV do CPP combinado com o art 35 II do Código Eleitoral Isso significa que sempre que tivermos um crime eleitoral conexo com um crime comum a competência para julgamento de ambos reunião por força da conexão será da Justiça Eleitoral Essa compreensão é sedimentada há mais de duas décadas243 no âmbito dos Tribunais Superiores sendo recentemente reafirmada no julgamento do Quarto Agravo Regimental no Inquérito n 4435DF relatoria Ministro Marco Aurélio pelo Plenário da Suprema Corte em que se teve a oportunidade de afirmar que os delitos eleitorais e conexos devem ser julgados pela Justiça Eleitoral que tem competência absoluta para apreciação do caso Firmouse entendimento também de que identificada a competência da justiça prevalente especializada só cabe a ela tomar decisões jurisdicionais sobre o processo sendo absolutamente inválido o decotamento por outro juízo investido de competência residual Em termos práticos significa por exemplo que não pode a Justiça Federal cindir a acusação de caixa 2 e crimes conexos cabendo exclusivamente à Justiça Eleitoral por causa da sua condição de prevalência concluir sobre a unidade do processo Tratase de reconhecer que o Juiz natural nasce no momento do cometimento do delito e não no início do processo como a Suprema Corte já teve a oportunidade de afirmar em diversas outras oportunidades ao decidir que somente a jurisdição prevalente pode analisar hipóteses de cisão objetiva ou subjetiva sobre os fatos imputados244 É importante destacar que se a competência é pressuposto para o exercício da jurisdição a violação das regras de competência em razão da matéria por ser absoluta não se convalida jamais não há preclusão ou prorrogação prorrogatio fori em se tratando de competência em razão da matéria e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo a teor do art 109 do CPP Não é diferente o entendimento desse Egrégio Supremo Tribunal Federal nessa matéria245 No mesmo sentido compreende BADARÓ246 para quem a incompetência penal ao gerar nulidade absoluta poderá ser reconhecida a qualquer tempo até mesmo por revisão criminal É verdade que a competência da Justiça Federal está prevista no art 109 da Constituição mas é preciso fazer uma leitura atenta do seu inciso IV Art 109 Aos juízes federais compete processar e julgar IV os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral GRIFAMOS Não existe portanto conflito entre os arts 109 IV e 121 da Constituição e tampouco entre eles e o art 78 IV do Código de Processo Penal senão uma perfeita e sistemática adequação A competência da Justiça Federal está prevista na Constituição mas também está LIMITADA E EXCLUÍDA pela própria Constituição Basta ver que o art 109 IV define a competência da justiça federal e RESSALVA EXPRESSAMENTE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR E DA JUSTIÇA ELEITORAL Segundo a Constituição a competência da Justiça Federal somente pode incidir quando não for de um crime de competência da Justiça Militar ou Eleitoral E não poderia ser diferente A Justiça Federal é residual em relação às duas especiais que prevalecem sobre ela É por isso por exemplo que um crime praticado a bordo de navio ou aeronave art 109 IX é de competência da Justiça Federal exceto quando o navio ou aeronave for militar pertencente às forças armadas situação em que a competência está afeta à justiça castrense por expressa ressalva constitucional O mesmo ocorre com a Justiça Eleitoral Um crime praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União de suas entidades autárquicas ou empresas públicas será de competência da Justiça Federal EXCETO se afeto à Justiça Eleitoral Complementa e ajusta esse sistema integrado de competência o disposto nos arts 78 e 79 do Código de Processo Penal que precisam ser lidos e interpretados de forma sistêmica Como leciona com imensa clareza o Exmo Min MARCO AURÉLIO AgREgno IP 4435 DF a ressalva prevista no art 109 inciso IV bem como a interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais afastam no caso a competência da justiça comum federal ou estadual e ante a conexão implica a configuração em relação a todos os delitos da competência da justiça eleitoral A competência da Justiça Eleitoral encontra assento constitucional como também a ressalva feita à atuação da Justiça Federal que se rende diante da existência de crime eleitoral eis que como explica o Min CELSO DE MELLO a Carta Política expressamente instituiu na matéria típica hipótese de reserva constitucional de lei complementar sob cuja égide são definidas as atribuições jurisdicionais desse ramo especializado do Poder Judiciário da União grifamos Concluindo havendo concurso de crime eleitoral e qualquer outro crime de competência da justiça comum federal ou eleitoral prevalece a competência da Justiça Eleitoral que deve julgar o crime eleitoral e todos os conexos Os únicos crimes em que tal reunião dá ensejo a grande discussão são aqueles de competência do Tribunal do Júri previstos no art 74 1º do CPP especialmente o de homicídio doloso Nesses casos tem prevalecido atualmente a posição de que quando o crime eleitoral for conexo com o homicídio doloso ou outro de competência do júri haverá cisão o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio no Tribunal do Júri Isso porque a competência do júri é constitucional prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias como o Código Eleitoral e o CPP Em primeiro grau a Justiça Eleitoral é composta pelos juízes eleitorais que são na verdade juízes estaduais investidos temporariamente dessa função Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Eleitorais e acima deles o Tribunal Superior Eleitoral 214 Justiça Comum Federal A competência da Justiça Federal é residual em relação às especiais sendo sua atuação restrita aos crimes que não sejam de competência daquelas Por outro lado prevalece sobre a outra Justiça Comum a Estadual pois é considerada mais graduada nos termos do art 78 III do CPP O primeiro passo para verificar se um crime é ou não de competência da Justiça Federal é fazer uma atenta leitura do art 109 da Constituição247 Na esfera penal interessam os incisos IV e seguintes No primeiro caso art 109 IV da CF o crime será de competência da Justiça Federal quando for praticado em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas Assim qualquer delito que atinja bens jurídicos sobre os quais recaia esse interesse será de competência da Justiça Federal o seu processo e julgamento Importante que a Constituição excluiu da competência da Justiça Federal as contravenções mesmo quando praticadas em detrimento de bens serviços ou interesses da União autarquias ou empresas públicas Nessa linha repetindo apenas o que está na Constituição inserese a Súmula 38 do STJ248 Também ressalta a Constituição que a competência da Justiça Federal somente pode incidir quando não for de um crime de competência da Justiça Militar ou Eleitoral E não poderia ser diferente A Justiça Federal é residual em relação às duas especiais que prevalecem sobre ela conforme explicamos anteriormente Excluídas as contravenções e respeitada a prevalência das duas Justiças Especiais incumbe à Justiça Federal o julgamento dos crimes que se encaixem nos casos previstos no art 109 da Constituição Mas a interpretação não pode ser extensiva ou por analogia diante do princípio da reserva legal e a garantia do juiz natural Logo quando a Constituição fala em empresa pública por exemplo não se pode ampliar para alcançar as empresas de economia mista Assim os crimes praticados em detrimento da Caixa Econômica Federal por exemplo serão julgados na Justiça Federal Contudo o mesmo delito de roubo praticado contra o Banco do Brasil será julgado na Justiça Estadual pois se trata de empresa de economia mista Pertinente é o disposto na Súmula 42 do STJ Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento Quanto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos eventual delito praticado em seu detrimento será de competência da Justiça Federal Contudo quando estivermos diante de uma loja franqueada dos correios a situação muda completamente cabendo à Justiça Estadual o processo e julgamento pois não há prejuízo efetivo da União mas do particular que adquiriu a franquia Mais complexa é a definição da competência da Justiça Federal a partir do interesse federal ou interesse da União Considerando que eventuais alterações nos critérios de definição da competência podem violar a garantia constitucional do juiz natural a questão passa a ser mais sensível e complexa Pensamos que somente o interesse federal decorrente de lei ou diretamente revelado quando da prática do crime a partir da efetiva lesão do bem jurídico tutelado justifica a incidência da Justiça Federal Nessa linha os arts 20 e 21 da Constituição podem constituir elementos sinalizadores da competência da Justiça Federal Contudo não estamos afirmando que exista uma aplicação automática dos artigos mencionados É um critério subsidiário que deve ser analisado com suma cautela no caso concreto Assim por exemplo nenhuma dúvida existe de que o delito de falsificação de moeda é de competência da Justiça Federal pois sua emissão é uma competência exclusiva da União art 21 VII da Constituição Em que pese o art 26 da Lei n 7492 prever que os crimes contra o sistema financeiro são de competência da Justiça Federal essa atribuição já existiria por força do art 21 VIII da Constituição que prevê a competência da União para administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira Quanto ao delito de lavagem de capitais a Lei n 961398 modificada pela Lei n 126832012 define que Art 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta lei I obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com reclusão da competência do juiz singular II independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes ainda que praticados em outro país cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento III são da competência da Justiça Federal a quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas b quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal Portanto em síntese será de competência da Justiça Federal quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal e quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas a lei repete aqui a redação do art 109 da Constituição Com isso é possível processar e julgar um delito de lavagem de dinheiro na Justiça Estadual como por exemplo na ocultação dos valores obtidos com o pagamento de resgate no crime de extorsão mediante sequestro ou dos valores obtidos com o tráfico interno de entorpecentes etc Noutra dimensão não há que se esquecer que o INSS é uma autarquia federal e que os crimes praticados em seu detrimento são de competência da Justiça Federal inclusive os relativos à apropriação e sonegação de contribuições previdenciárias arts 168A e 337A do CP Por fim nesse inciso deve ser considerada a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime que tiver como autor ou vítima um servidor público federal no exercício de suas funções Nessa linha inserese a Súmula 147 do STJ Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal quando relacionados com o exercício da função É patente o interesse da União na correta e efetiva prestação de seus serviços cabendo à Justiça Federal o julgamento dos crimes praticados por servidor público ou que o tenham como vítima desde que em ambos os casos fique demonstrado que foi propter officium ou seja em razão da função exercida Não há que se esquecer que na estrutura da Justiça Federal de primeiro grau existe Tribunal do Júri de modo que se o delito praticado pelo servidor ou contra ele for um crime doloso contra a vida tentado ou consumado a competência será do Tribunal do Júri Federal Quanto ao inciso V serão de competência da Justiça Federal os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente Nessa situação encontramse entre outros o tráfico de mulheres e crianças e o delito de tráfico de substâncias entorpecentes que merecerá uma análise mais detida Quando presente a internacionalidade do tráfico de drogas a competência é da Justiça Federal do contrário é da Justiça Estadual Na mesma linha está a Súmula 522 do STF salvo ocorrência de tráfico com o exterior quando então a competência será da Justiça Federal compete à Justiça dos estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a entorpecentes Importante destacar que não se pode presumir a internacionalidade do tráfico e que a competência somente será da Justiça Federal quando estiver comprovado nos autos que a substância veio do exterior ou para lá se destinava Assim não importa a quantidade nem mesmo a natureza da substância entorpecente Não se pode presumir que uma carga de 150 kg de cocaína seja tráfico internacional nem por ser cocaína substância que aqui não é produzida nem pela vultosa quantidade Destacamos o novo tratamento dado pela Lei n 113432006 ao crime de tráfico de drogas e outros com ele relacionados arts 33 a 37 da Lei n 11343 Determina o art 70 da nova Lei de Tóxicos que nesses delitos estando caracterizado o ilícito transnacional a competência será da Justiça Federal Até aqui nada de novo em relação ao que já vinha desde a Lei n 636876 e da Lei n 10409 A inovação está no parágrafo único do art 70 da nova Lei os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede da vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva A diferença está em que até essa mudança legislativa o art 27 da Lei n 6368 previa que o processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão à Justiça Estadual com interveniência do Ministério Público respectivo se o lugar em que tiver sido praticado for município que não seja sede de vara da Justiça Federal com recurso para o Tribunal Regional Federal Agora se o município em que for praticado o crime não for sede de vara da Justiça Federal haverá um deslocamento para a cidade mais próxima cuja Justiça Federal tenha circunscrição sobre aquela na qual foi apreendida a droga Isso serve para assegurar que a Justiça será efetivamente a Federal ainda que para tanto tenhase que arcar com o ônus de tramitar um processo a quilômetros do local do crime e da cidade onde muitas vezes residem os réus com claro prejuízo para a coleta da prova e a duração do processo com expedição de cartas precatórias Essa disciplina vale apenas para os delitos previstos nos arts 33 a 37 da Lei n 11343 quando houver prova de se tratar de delito transnacional Nos demais casos a competência é da Justiça Estadual Em se tratando de tráfico frisamos se não ficar comprovada a internacionalidade a competência é da Justiça Estadual independente da natureza ou quantidade da substância apreendida249 Questão problemática é a da competência para julgar os crimes praticados pela internet na medida em que geram diversos problemas para o direito processual penal pois se trata de uma nova e complexa fenomenologia que nem sempre encontra resposta em um CPP de 1941 Os problemas são diversos desde as dificuldades probatórias até a problemática definição da competência pois o critério do lugar do crime é difuso bem como incerto muitas vezes o da consumação Nessa linha a jurisprudência tem oscilado por vezes falando em competência da Justiça Federal e em outros casos em Justiça Estadual No CC conflito de competência 112616250 o STJ entendeu que o crime de difamação praticado contra menores em site de relacionamento deveria ser julgado pela Justiça Federal pois fere direitos assegurados em Convenção Internacional e o site pode ser acessado de qualquer país Pensamos que a decisão foi acertada porque presente a violação de tratado ou convenção prevista no art 109 V da CF Em sentido diverso mas justificável pois não houve violação de convenção ou tratado e tampouco presente qualquer situação do art 109 da CF há outra interessante decisão do STF HC 121283DF entendendo que a competência era estadual É uma nova problemática que exige muita atenção havendo forte oscilação de entendimento Nosso entendimento é no sentido da máxima atenção ao art 109 da CF presente alguma daquelas situações competência da Justiça Federal Do contrário a regra é Justiça Estadual E mais as situações do art 109 devem ser concretamente demonstradas não presumidas e a transnacionalidade por si só não justifica o deslocamento para a Justiça Federal exceto nos casos expressos em lei como no tráfico de drogas Nessa linha vai a recente decisão do STF proferida pela 1ª Turma no HC 121283DF Rel Min Roberto Barroso 29042014 na qual se decidiu que compete à justiça comum estadual processar e julgar crime de incitação à discriminação cometido via internet quando praticado contra pessoas determinadas e que não tenha ultrapassado as fronteiras territoriais brasileiras Com base nessa orientação a 1ª Turma denegou habeas corpus e confirmou acórdão do STJ que em conflito de competência concluíra que o feito seria da competência da Justiça Comum Destacou que as declarações preconceituosas dirigidas a particulares participantes de fórum de discussão dentro do território nacional não atrairiam a competência da Justiça Federal CF art 109 A Turma manteve também a decisão do STJ na parte em que não conhecera de arguição de suspeição de Ministro daquela Corte No caso o STJ dela não conhecera ao fundamento de que o tema deveria ter sido suscitado até o início do julgamento RISTJ art 274 e não após a publicação do acórdão como ocorrera A Turma asseverou não ser possível declarar a nulidade de ato processual que não influíra na decisão da causa Sigamos na análise do art 109 da Constituição O inciso VA foi inserido pela Emenda Constitucional n 45 com uma redação bastante infeliz O incidente de deslocamento da competência gera um imenso perigo de manipulação política e teatralização de um julgamento Também peca pela abertura conceitual pois qualquer homicídio é uma grave violação de direitos humanos Agrava o quadro o fato de a fórmula utilizada pelo legislador ser vaga imprecisa e indeterminada colocando em risco o princípio da legalidade e conduzindo a uma flagrante violação da garantia do juiz natural Por fim a tal avocatória prevista no 5º representa um grave retrocesso antidemocrático prestandose também de instrumento para a molesta intervenção do Poder Executivo na jurisdição algo inaceitável sem falar na quebra do pacto federativo De qualquer forma o inciso VA está na mesma linha do disciplinado no 5º de modo que considerada a grave violação de direitos humanos a competência é da Justiça Federal A primeira decisão do STJ ocorreu no famoso crime da Irmã Dorothy negando em que pese a imensa pressão midiática o deslocamento da competência251 Mas no IDC n 02 Rel Ministra LAURITA VAZ j 27102010 a Terceira Seção do STJ acolheu o pedido da ProcuradoriaGeral da República e determinou que o crime praticado contra o advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos assassinado em 2009 na Paraíba fosse o primeiro a ser federalizado no País devendo o feito ser deslocado para a Justiça Federal O inciso VI referese aos crimes de competência da Justiça Federal por expressa previsão legal quais sejam os crimes contra a organização do trabalho sistema financeiro nacional Lei n 7492 e a ordem econômico financeira Leis n 8078 8137 e 8176 Os crimes contra a organização do trabalho estão previstos nos arts 197 a 207 do CP mas somente serão de competência da Justiça Federal quando afetarem as instituições do trabalho ou coletivamente os trabalhadores Nessa linha quando o crime afetar direito individual dos trabalhadores a competência é da Justiça Estadual252 Destaquese que nos crimes contra a ordem tributária Lei n 8137 a competência somente será da Justiça Federal se houver a supressão ou redução de tributos federais do contrário a competência é da Justiça Estadual Quanto à lavagem ou ocultação de bens direitos e valores a competência será da Justiça Federal nos casos previstos no art 2º III da Lei n 9613 alterada pela Lei n 126832012 quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira ou em detrimento de bens serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas ou quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal art 2º III b Também com competência federal expressamente determinada está o art 26 da Lei n 7492 cuja redação é Art 26 A ação penal nos crimes previstos nesta lei será promovida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal Mas nem sempre a questão é tão simples havendo divergência no que se refere por exemplo à ordem econômicofinanceira e à aplicação da Lei n 8176 Cumpre ainda advertir que a competência da Justiça Federal não se presume Deve estar expressamente prevista no art 109 da Constituição Tampouco se confunde a competência da Justiça Federal com eventuais atribuições da Polícia Federal Ou seja o fato de a prisão eou inquérito terem sido realizados pela Polícia Federal não basta por si só para legitimar a competência da Justiça Federal Devese analisar sempre o art 109 da Constituição Da mesma forma nenhum problema existe se o inquérito foi elaborado pela polícia civil do estado e demonstrada a internacionalidade do tráfico de drogas por exemplo distribuído para a Justiça Federal Lá deverá tramitar o processo Nessa linha é absolutamente irrelevante em matéria de competência penal o disposto na Lei n 10446 A referida Lei determina que a Polícia Federal deverá proceder a investigação dos casos de repercussão interestadual ou internacional dos delitos de sequestro cárcere privado extorsão mediante sequestro se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima formação de cartel violação de direitos humanos furto roubo ou receptação de cargas quando houver indícios de ser crime interestadual ou ainda outros crimes desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro da Justiça cláusula genérica Essas são novas atribuições da Polícia Federal mas não acarretam ampliação da competência da Justiça Federal Voltamos a destacar para evitar dúvidas que a competência da Justiça Federal está exaustivamente prevista no art 109 da Constituição e lá não estão previstos esses crimes Logo ainda que investigados pela Polícia Federal serão julgados na Justiça Comum Estadual Quanto aos incisos VII e VIII caberá à Justiça Federal o julgamento do habeas corpus nos casos em que o constrangimento ilegal decorrer de autoridade federal exemplo polícia federal ou disser respeito à matéria criminal de sua competência ainda que a investigação esteja a cargo de autoridade estadual exemplo investigação pelo delito de tráfico internacional de drogas feita pela polícia estadual situação em que caberá ao juiz federal apreciar o HC Em se tratando de Mandado de Segurança em matéria criminal a competência será da Justiça Federal atentandose para a competência do respectivo Tribunal Regional Federal quando tiver por objeto ato coator emanado de autoridade federal Os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves serão de competência da Justiça Federal respeitandose sempre a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes militares nas situações do art 9º do Código Penal Militar anteriormente vista Mas e o que se entende por navio e aeronave253 Eis o problema de se utilizar uma cláusula genérica A jurisprudência ao longo dos anos vem construindo esses conceitos para justificar a intervenção da Justiça Federal apenas quando estivermos diante de navios ou aeronaves de grande porte Não se tratando de navio com capacidade para navegação em altomar em águas internacionais potencial de deslocamento internacional ou avião de grande porte com autonomia para viagens internacionais ou ao menos deslocamento por longas distâncias cruzando mais de um Estado da Federação a competência é da Justiça Estadual Também pode ser utilizada como critério para definir esse interesse federal a fiscalização feita pela ANAC Agência Nacional de Aviação Civil de modo que somente as aeronaves que estejam realizando transporte aéreo entre aeroportos efetivamente fiscalizados pela ANAC interessariam à Justiça Federal Nessa matéria devese ainda atentar para o disposto nos arts 89 e 90 do CPP254 No inciso X está prevista a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento dos crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro bem como a execução de carta rogatória após o exequatur e de sentença estrangeira após a homologação Vejamos agora o tratamento da competência nos crimes ambientais Como decidiu a Terceira Seção do STJ Informativo do STJ 23092002 como regra geral a competência para processar e julgar os crimes contra o meio ambiente é da Justiça Estadual salvo os que vierem a lesar bem serviço ou interesse da União ou suas entidades de acordo com o art 109 IV da Constituição Federal Se o crime ocorrer por exemplo em Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN a competência é da Justiça Federal Assim o crime ambiental é de competência da Justiça Estadual salvo quando praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União suas autarquias ou Empresa Pública situação em que será de competência da Justiça Federal mas não por força do inciso XI senão pela incidência do inciso IV do art 109 da Constituição É o caso dos crimes ambientais praticados no interior de áreas de proteção ambiental parques eou reservas nacionais situação em que a competência será da Justiça Federal Há que se advertir da necessidade de uma leitura atenta do art 225 4º da Constituição Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 4º A Floresta Amazônica brasileira a Mata Atlântica a Serra do Mar o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização farseá na forma da lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive quanto ao uso dos recursos naturais Assim crimes ambientais praticados em detrimento da Floresta Amazônica brasileira da Mata Atlântica da Serra do Mar do Pantanal Mato Grossense e da Zona Costeira deverão ser julgados na Justiça Federal pois se trata de patrimônio nacional Mas a questão não é pacífica e existe entendimento diverso na jurisprudência no sentido de que o interesse da União tem de ser direto e específico não sendo considerado o interesse genérico Nesta linha Não é a Mata Atlântica que integra o patrimônio nacional a que alude o art 225 4º da CF bem da União Por outro lado o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art 109 IV da Carta Magna tem de ser direto e específico e não como ocorre no caso interesse genérico da coletividade embora aí também incluído genericamente o interesse da União RE 300244 Rel Min Moreira Alves julgamento em 20112001 1ª Turma DJ 19122001 No mesmo sentido RE 349184 Rel Min Moreira Alves julgamento em 03122002 1ª Turma DJ 07032003 No mesmo sentido também existem manifestações do STJ255 Também já se decidiu pelo interesse da União quando o crime ambiental afetou um rio interestadual deslocando a competência para a Justiça Federal Nesse sentido decidiu o TRF 3ª Região 1ª Turma Recurso em Sentido Estrito n 200261020029042SP Rel Des Vesna Kolmar j 1322007256 Chamamos a atenção ainda para a decisão proferida no RE 835558 com repercussão geral reconhecida pelo STF Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil Quanto ao índio seja ele autor do delito ou vítima a tendência é pela aplicação da Súmula 140 do STJ verbis Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figura como autor ou vítima Mas a matéria tem sido objeto de constante debate com forte tendência a passar para a competência da Justiça Federal pois toda a estrutura da Constituição coloca o índio sua cultura terras direitos e interesses como sendo de interesse da União Basta atentar para o art 231 da Constituição cujo caput prevê Art 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens Ademais se no caso concreto o crime for praticado dentro de uma reserva indígena e se entender que houve violação de bens serviços ou interesses da União ou de suas autarquias a competência será da Justiça Federal por força do inciso IV Importante esclarecer que o inciso XI ao falar em disputa sobre direitos indígenas está tratando de jurisdição cível não penal Mas de alguma maneira ajuda a reafirmar que a competência será federal quando por exemplo o crime contra ou por indígenas for praticado na disputa por direitos indígenas como a terra por exemplo Em suma quanto ao indígena como regra geral a competência é da justiça estadual exceto se houver a afetação a direitos indígenas sua organização social costumes línguas crenças tradições e direitos originários sobre a terra situações em que a competência será da justiça federal Por fim chamamos a atenção para os crimes praticados fora do território nacional mas com a incidência da Lei Penal brasileira art 7º do Código Penal Qual Justiça será competente para julgálos Vejamos um exemplo hipotético o casal Mané e Tícia residentes em Campinas em viagem de lua de mel a Punta del Este Uruguai discute violentamente Após Mané mata a esposa e a enterra em território uruguaio De volta ao Brasil o agressor é preso pela polícia federal brasileira que em comunhão de esforços com a polícia uruguaia havia apurado a prática do delito Estamos diante de um caso de extraterritorialidade da lei penal brasileira art 7º II b do Código Penal Não se trata de crime militar ou eleitoral pelo que desde logo afastamos a incidência da Justiça Especial Diante das residuais Justiça Comum Federal e Estadual qual delas será a competente para julgar o réu pelos delitos de homicídio e ocultação de cadáver A Justiça Comum Estadual Por quê Porque a situação não se encontra naquelas previstas no art 109 da Constituição O simples fato de um crime ter sido praticado no exterior não desloca a competência para a Justiça Federal Para uma resposta completa além da Justiça Estadual devemos apontar que o órgão será o Tribunal do Júri nos termos do art 74 1º do CPP da comarca de São Paulo art 88 do CPP257 pois é a capital do Estado onde por último residia o imputado Agora se o crime praticado no exterior for em detrimento de bens serviços ou interesses da União a competência será da Justiça Federal mas não porque foi praticado no exterior senão porque está presente a situação do art 109 IV da Constituição Quanto à estrutura recordemos que a Justiça Federal está dividida da seguinte forma Em primeiro grau está organizada em Juizados Especiais Criminais Federais Juízes Federais e Tribunal do Júri Em segundo grau estão os Tribunais Regionais Federais Por fim cumpre tecer algumas considerações sobre o Juizado Especial Criminal Federal cuja competência está prevista no art 2º da Lei n 102592001 posteriormente alterada pela Lei n 11313 Art 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo respeitadas as regras de conexão e continência Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis A referida Lei apenas define a competência dos JECs federais cabendo à Lei n 9099 disciplinar a estrutura funcionamento e institutos aplicáveis Trataremos dessas questões posteriormente Agora nos interessa apenas a questão da competência Para que um crime seja de competência dos JECs federais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da Justiça Federal logo que se encaixe numa daquelas situações previstas no art 109 da Constituição que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JEC federal É o que ocorre com o delito de dano contra o patrimônio da União ou qualquer crime praticado por ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2 anos tais como peculato culposo art 312 2º prevaricação art 319 condescendência criminosa art 320 advocacia administrativa art 321 resistência art 329 desobediência art 330 desacato art 331 entre outros No seu parágrafo único prevê a lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JEC e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JEC mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de ameaça e outro de homicídio praticados contra servidores públicos federais no exercício de suas funções haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito de ameaça art 147 cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se fosse outro delito que comportasse deveria ser permitida a composição dos danos Por fim quanto ao funcionamento e institutos dos JECs remetemos o leitor para tópico posterior específico onde analisamos essas questões 215 Justiça Comum Estadual É a mais residual de todas Um crime somente será julgado na Justiça Comum Estadual quando não for de competência das Especiais Militar e Eleitoral nem da comum federal Inclusive é importante destacar em eventual conflito entre a Justiça Federal e a Estadual prevalece a Federal nos termos do art 78 III do CPP No mesmo sentido sinaliza a Súmula 122 do STJ Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual não se aplicando a regra do artigo 78 II a do Código de Processo Penal Assim tratase de competência alcançada por exclusão Quanto à estrutura da Justiça Estadual cumpre recordar que ela está organizada em Primeiro Grau Tribunal do Júri Juízes de Direito e aqui também está incluído o juiz das garantias Juizados Especiais Criminais Segundo Grau Tribunais de Justiça Chegandose à competência da Justiça Estadual devese ter muita atenção na definição do órgão encarregado e principalmente com a competência prevalente do Tribunal do Júri em razão da matéria em relação aos demais órgãos de primeiro grau Para evitar dúvidas a competência do Júri vem expressamente prevista no art 74 1º do CPP Art 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária salvo a competência privativa do Tribunal do Júri 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do Código Penal consumados ou tentados Esse rol é taxativo e evita erros como o de considerar que um crime qualificado pelo resultado morte como latrocínio estupro ou extorsão mediante sequestro com resultado morte etc seja de competência do Júri Não A competência para o processo e julgamento desses crimes é do juiz de direito No que se refere aos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Estadual sua competência em razão da matéria é para o processo e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo nos termos do art 61 da Lei n 9099 alterado pela Lei n 11313 Art 61 Consideramse infrações penais de menor potencial ofensivo para os efeitos desta Lei as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 dois anos cumulada ou não com multa Para que um crime seja de competência dos JECs estaduais deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da Justiça Estadual residual em relação às demais que o crime ou contravenção tenha pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JEC Chamamos a atenção para o disposto no parágrafo único do art 60 da Lei n 9099 Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis No seu parágrafo único prevê a lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JEC e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JEC mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de lesões corporais leves e outro de homicídio haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito lesões corporais leves cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se for o caso a composição dos danos Por fim quanto ao funcionamento e institutos dos JECs remetemos o leitor para tópico posterior específico onde analisaremos essas questões Com esses dados podese responder à primeira pergunta anteriormente feita qual é a Justiça competente Agora cumpre seguir a análise para definir qual é o foro competente lugar 22 Qual o Órgão Competência em Razão da Pessoa a Prerrogativa de Função e a Mudança de Entendimento do STF Algumas pessoas por exercerem determinadas funções têm a prerrogativa não é um privilégio mas prerrogativa funcional de serem julgadas originariamente por determinados órgãos Tratase ainda de assegurar a independência de quem julga Compreendese facilmente a necessidade dessa prerrogativa quando imaginamos por exemplo um juiz de primeiro grau julgando um Ministro da Justiça ou mesmo um desembargador Daí por que para garantia de quem julga e também de quem é julgado existem certas regras indisponíveis Ademais é equivocada a ideia de que a prerrogativa de função constitui um grande benefício para o réu Nem sempre O argumento de que ser julgado por um tribunal composto por juízes em tese mais experientes o que não significa maior qualidade técnica do julgamento é uma vantagem que esbarra na impossibilidade de um verdadeiro duplo grau de jurisdição Assim um deputado estadual julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça somente terá recurso especial e extraordinário dessa decisão e em ambos está vedado o reexame da prova do processo limitandose a discutir eventual violação de norma federal ou constitucional essas questões serão vistas posteriormente Imaginese então quem é julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal o duplo grau de jurisdição é inexistente Considerada como uma regra absoluta em termos de competência ao lado da matéria o fato de o agente exercer determinada função quando da prática do delito pode alterar radicalmente a aplicação dos critérios anteriormente vistos Prevalece sempre em relação ao lugar do crime até porque em geral o julgamento caberá a um tribunal e em alguns casos também altera a própria competência em razão da matéria como veremos na continuação Sem embargo dessas lições iniciais é importante sublinhar que a prerrogativa de função é um tema em constante mutação jurisprudencial Paira sobre ela uma imensa insegurança jurídica por conta das oscilações de humor dos tribunais superiores especialmente do STF Não é difícil encontrar no mesmo tribunal uma decisão que determina a reunião para julgamento simultâneo de uma pessoa com prerrogativa de função e de outra sem prerrogativa por conta das regras de conexão e continência e ao lado uma decisão que nega a reunião e determina a cisão Enfim um terreno fértil para o decisionismo que gera grande insegurança jurídica Por conta disso não faremos afirmações categóricas nessa matéria e advertimos o leitor dos perigos de decisões conflitantes e oscilantes Prossigamos No julgamento da AP 937 julgada no dia 03052018 o plenário do STF firmou entendimento no sentido de restringir o alcance da prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores Em síntese258 eis o novo entendimento 1º A prerrogativa de foro dos deputados federais e senadores somente se aplica aos crimes cometidos durante o exercício do cargo considerandose como início da data da diplomação Isso altera radicalmente o entendimento anterior de que uma vez empossado ele adquiria a prerrogativa inclusive para julgamento dos crimes praticados antes da posse Agora não mais O aspecto positivo do novo entendimento é que limita bastante o efeito gangorra ou seja o sobeedesce dos processos conforme o agente seja eleito sobe e depois venha a perder o cargo ou não se reeleger perdia a prerrogativa e o processo descia para o primeiro grau Por outro lado a desvantagem é que um juiz de primeiro grau terá de julgar um senador ou deputado federal em exercício o que pode criar constrangimentos pressões favorecimento ou perseguição política lawfare enfim criar embaraços e problemas para a independência e imparcialidade da jurisdição Inclusive esse era o argumento utilizado pela doutrina e jurisprudência para antes da mudança de entendimento justificar que uma vez empossado o agente adquiria a prerrogativa para julgamento inclusive dos crimes praticados anteriormente Também como advertiu o Min Gilmar Mendes em seu voto exclui da competência do STF os crimes cometido antes da posse mas relacionados com a futura atuação parlamentar tais como o financiamento irregular de campanhas caixa dois corrupção lavagem de dinheiro evasão de divisas das sobras de campanha etc cometidos antes da posse mas em razão do cargo que o agente viria a assumir Tais crimes diretamente relacionados ao futuro cargo deveriam ser objeto de julgamento pelo STF Mas não foi esse o entendimento que prevaleceu 2º A prerrogativa somente se aplica aos crimes praticados durante o exercício do cargo e relacionados às funções ou seja propter officium Nova alteração do entendimento anterior que era no sentido de que a prerrogativa se aplicaria a todo e qualquer crime praticado pelo parlamentar Agora por maioria o STF entendeu que é preciso que exista uma relação entre o crime e a função exercida e portanto que seja a conduta criminosa praticada em razão do exercício das funções do parlamentar propter officium Para os Ministros Alexandre de Moraes Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes a prerrogativa deveria servir para qualquer crime e a exigência de uma valoração por parte do julgador acerca de ser ou não o crime cometido em razão das funções abriria um imenso espaço impróprio de discricionariedade judicial Criase a possibilidade de um perigoso exercício de subjetividade que pode conduzir ao decisionismo judicial Ficaria ao alvedrio do julgador verificar e decidir se é ou não ato próprio do ofício Existem situações em que fica evidente a desconexão entre crime e cargo como podem ser os crimes de violência doméstica lesões corporais causadas em relação a um desafeto pessoal mas se for político já complica a situação tráfico de drogas porte ilegal de arma etc Mas em outros casos a distinção pode não ser tão evidente Se um deputado federal comete um crime de lavagem de dinheiro ou evasão de divisas de propinas recebidas ou de sobras de campanha como fica É um crime praticado em razão do cargo E se comete um homicídio doloso de um antigo rival político São situações em que o requisito em razão do cargo admitirá dupla valoração tanto negativa como positiva Existe portanto a ausência de um critério claro e objetivo para definição da competência o que coloca em risco a própria garantia do juiz natural Em que pese a crítica fundamentada prevaleceu o voto do Min Barroso no sentido de que somente os atos praticados durante o mandado e relacionados às funções elemento a ser valorado no caso concreto sejam julgados no STF Não havendo ato próprio do ofício o julgamento será remetido a justiça de origem como regra juiz de primeiro grau exceto se persistir alguma prerrogativa que justifique a remessa para o TJTRF ou STJ 3º Uma vez encerrada a instrução haverá perpetuatio jurisdictionis Uma vez encerrada a instrução com a publicação do despacho de intimação para apresentação das alegações finais art 11 da Lei n 803890 haverá uma perpetuação da jurisdição ou seja ainda que o parlamentar renuncie seja cassado ou não se reeleja o processo continuará no STF É mais uma tentativa de evitar o efeito gangorra alguns ministros chamam de efeito elevador que sempre é apontado como gerador de impunidade Já em casos anteriores vg Ação Penal Originária n 396 rel Ministra Cármen Lúcia o STF combateu a fraude processual inaceitável da renúncia do parlamentar às vésperas do julgamento com o fito de fazer cessar a prerrogativa e obter a prescrição diante da remessa dos autos para a justiça de origem como por exemplo ocorreu na AP 333PB O princípio da atualidade do exercício da função foi relativizado e o STF seguirá competente para julgar um exparlamentar desde que o crime tenha ocorrido durante o mandato em razão das funções e a instrução já tenha sido encerrada Do contrário se o cargo cessar antes desse marco art 11 da Lei n 803890 cessa a prerrogativa e o processo é redistribuído para o primeiro grau exceto se existir alguma outra prerrogativa que justifique a remessa para um tribunal como por exemplo o fato de ser promotor de justiça 4º O novo entendimento aplicarseá a todos os processos pendentes no STF Na síntese de Rômulo de Andrade Moreira259 esqueçam o Princípio do Juiz Natural Com isso o STF pretende desafogar os processos que lá aguardam julgamento de exparlamentares e também daqueles acusados por crimes cometidos anteriormente à posse ou que não tenham sido cometidos em razão do cargo situação a ser analisada em cada caso Mas por outro lado viola uma garantia básica da jurisdição penal o juiz natural Cria uma situação de alteração da competência pósfato e no curso do processo um grave retrocesso sem dúvida 5º A decisão inicialmente atingiria apenas Deputados Federais e Senadores Posteriormente tanto STF quanto STJ também estenderam esse entendimento para Ministros de Estado e governadores260 Era imaginável que por simetria e lógica também deveria ser adotado esse mesmo entendimento em relação aos demais cargos e funções de natureza política sejam do poder legislativo ou executivo 6º E os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público Ao menos por ora estão fora desse novo entendimento Até o momento do fechamento desta edição não houve manifestação do STF sobre o tema e tem prevalecido o entendimento de que se aplicam as regras anteriores ou seja se alguém comete um crime qualquer crime hoje e posteriormente vem a tomar posse como juiz ou promotor ou ascende pelo quinto constitucional para algum tribunal ele adquire a prerrogativa que valerá para qualquer crime sem a limitação de ter que ser propter officium até que seja exonerado ou aposentado Assim os juízes e promotores por exemplo seguem com a prerrogativa de serem julgados pelo respectivo tribunal de justiça por qualquer crime que venham a praticar independentemente de ser ou não em razão do cargo e também pelos crimes cometidos antes da posse Para eles segue valendo a regra anterior de que uma vez empossados adquirem a prerrogativa inclusive para o julgamento dos crimes praticados anteriormente Por fim tendo em vista a possibilidade de modificação da competência tanto pela assunção de uma prerrogativa até então inexistente deslocando então para um tribunal como pela perda da prerrogativa e consequente deslocamento da competência para o primeiro grau de jurisdição devese analisar o valor dos atos praticados Pensamos que a situação aqui é diversa daquela que iremos criticar ao final desse tópico quando analisamos o art 567 do CPP Assim a Quando o processo inicia e se desenvolve frente a um juiz incompetente e em grau recursal é reconhecida a incompetência pensamos que o processo deve ser anulado ab initio com repetição de todos os atos Somente assim se assegura a eficácia do princípio do devido processo legal vinculado que está à garantia do juiz natural b Situação completamente diversa é quando surge uma causa modificadora da competência como a perda do cargo e consequente perda da prerrogativa antes do encerramento da instrução Nesses casos os atos praticados são válidos e podem ser aproveitados Como o tempo rege o ato tempus regit actum naquele momento os atos estavam sendo praticados pelo juiz natural e competente e a posterior ocorrência de uma causa modificadora não tem efeito retroativo261 221 Algumas Prerrogativas Importantes Inicialmente há que se frisar o esvaziamento revogados portanto dos arts 86 e 87 do CPP pois os casos de prerrogativa de foro estão agora previstos na Constituição Ocuparemonos da competência penal logo para julgamento das infrações penais comuns na linguagem da Constituição Estão fora do nosso estudo os crimes de responsabilidade que como explica PACELLI262 não configuram verdadeiramente infrações penais senão infrações de natureza política submetidos portanto à jurisdição política e não penal Feitos esses esclarecimentos vejamos algumas prerrogativas importantes sem prejuízo do que já explicamos no tópico anterior STF se qualquer das pessoas263 do art 102 I b c da Constituição cometer um crime comum eleitoral ou militar será julgado pelo STF Prevalece a prerrogativa sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição Lembrando que se for um parlamentar deputado federalsenador deve ser a prática do crime em razão do exercício das funções como explicado no tópico anterior STJ se qualquer das pessoas264 previstas no art 105 I a da Constituição cometer um crime comum militar ou eleitoral será julgado no STJ Como no caso anterior também prevalece a competência do STJ sobre qualquer outra Justiça ou grau de jurisdição salvo a do STF por elementar Lembrando que se for um parlamentar deve ser a prática do crime em razão do exercício das funções como explicado no tópico anterior Tribunais de Justiça dos Estados o art 96 III da Constituição prevê a prerrogativa dos TJs para o julgamento dos juízes estaduais e do Distrito Federal bem como dos membros do Ministério Público dos Estados Contudo a Constituição faz uma ressalva expressa de modo que se qualquer desses agentes praticar um crime eleitoral será julgado pelo TRE órgão de segundo grau da Justiça Eleitoral Assim eles estão vinculados a um Tribunal de Justiça do respectivo estado e mesmo que cometa o agente um delito de competência da Justiça Federal uma das situações do art 109 da CF temse entendido que prevalece a prerrogativa de ser julgado pelo seu TJ265 Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri continua prevalecendo a prerrogativa de função pois assegurada na Constituição Ademais um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Importante recordar ainda que nos casos de competência originária dos Tribunais de Justiça o rito do processo será aquele previsto na Lei n 8038 por expressa delegação da Lei n 8658 Tribunais Regionais Federais em simetria os juízes federais e da Justiça do Trabalho e membros do MP da União serão julgados nas mesmas condições mas pelo respectivo Tribunal Regional Federal art 108 I a da Constituição Também existe a ressalva em relação aos crimes eleitorais de modo que se um desses agentes cometer um crime dessa natureza será julgado pelo órgão de segundo grau da Justiça Eleitoral ou seja o TRE Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri prevalece a competência do TRF Deputado Estadual Recordando que o crime deve ser praticado no exercício do cargo e com ele relacionado o deputado estadual tem a prerrogativa de ser julgado pelo mais alto tribunal do estado ao qual está vinculado Logo se cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual será julgado pelo Tribunal de Justiça em se tratando de crime de competência da Justiça Federal será julgado no TRF por fim sendo crime eleitoral será julgado no TRE Em se tratando de crime de competência do Tribunal do Júri mas praticado durante o mandato e propter officium continua prevalecendo a prerrogativa de função pois está assegurada na Constituição sendo julgado no Tribunal de Justiça ou TRF se for o caso de competência federal Ademais um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Prefeitos o tratamento dado pelo art 29 X da Constituição é pouco representativo do alcance da prerrogativa Assim se o prefeito cometer um crime de competência da Justiça Comum Estadual em razão do cargo e durante o seu exercício será julgado no Tribunal de Justiça mesmo que se trate de um crime de competência do Tribunal do Júri Contudo se for um crime eleitoral será julgado pelo TRE Se o delito for de competência da Justiça Federal será julgado pelo TRF Nesse sentido afirma a Súmula 702 do STF a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringese aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual nos demais casos a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau Importante ainda nessa matéria consultar as Súmulas 208 e 209 do STJ Vereadores não foram contemplados com nenhuma prerrogativa de foro pela Constituição Possuem apenas a imunidade por palavras opiniões e votos no exercício do mandato nos termos do art 29 VIII da Constituição Por fim há que se chamar a atenção para mais um ponto sensível e de grande oscilação de humor jurisprudencial se uma pessoa com prerrogativa de foro comete o crime junto com um particular como fica o julgamento Como regra geral sendo caso de conexão ou continência analisaremos no próximo tópico deveria haver reunião para julgamento simultâneo ou seja todos os agentes seriam julgados no tribunal competente para julgar o detentor do cargo Essa é a regra geral prevista no art 79 do CPP Contudo existe uma tendência muito forte no STF de cindir desmembrar separar as pessoas ficando no tribunal apenas o detentor do cargo No Inq 4506 Caso Aécio Neves o STF reafirmou que a regra geral é o desmembramento O Min Luiz Fux também observou que a jurisprudência do STF é no sentido do desmembramento a não ser nos casos em que os fatos estejam de tal forma imbricados que a separação prejudique as investigações No caso dos autos ele lembrou a argumentação do Ministério Público de ser necessária a produção de prova unificada266 Especificamente neste caso o STF por maioria vencido o Min Marco Aurélio manteve todos os investigados reunidos conexão mas reafirmou que a regra geral é a cisão Ou seja o STF vem fazendo uma leitura bastante restritiva da reunião para julgamento simultâneo em caso de conexãocontinência quando há agentes com prerrogativa de função Então nesse tema é preciso ficar atento e ter muita cautela com respostas categóricas pois há grande insegurança jurídica 222 Alguns Problemas em Torno da Competência Constitucional do Tribunal do Júri O primeiro problema é se uma pessoa com prerrogativa de foro cometer um crime de competência do Tribunal do Júri será julgado por quem Primeira questão foi tratada no tópico anterior segundo recente decisão do STF em se tratando de parlamentar é necessário que o crime tenha ocorrido durante o exercício do cargo e em razão das funções propter officium Não se encaixando nessas hipóteses o parlamentar que cometa um crime doloso contra a vida não terá prerrogativa de foro e será julgado no tribunal do júri sem problemas juntamente com os demais corréus se houver concurso de pessoas e por todos os crimes conexos se for o caso Recordando que demais casos de prerrogativa de foro como magistrados e membros do Ministério Público o STF ainda não aplicou esse entendimento ou seja a prerrogativa segue íntegra para qualquer crime Superada essa questão continuemos partindo da premissa de que se trata de agente com prerrogativa de foro preenchidos os requisitos anteriormente explicados Em que pese a competência do júri ser constitucional se a prerrogativa de foro também estiver prevista na Constituição prevalece a prerrogativa de função Isso porque quando ambas as competências forem constitucionais prevalece a jurisdição superior do tribunal Nesse caso um órgão de primeiro grau como o Tribunal do Júri jamais prevalece sobre um tribunal jurisdição superior prevalente Mas destaquese a prerrogativa deve estar prevista na Constituição Federal Se a prerrogativa estiver em Constituição estadual ou lei ordinária o cenário muda radicalmente prevalece a competência constitucional do Júri Nessa mesma linha foi editada a Súmula 721 do STF A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual O segundo problema surge na incidência da conexão e a continência Como veremos na continuação exigem quando presente uma delas que exista um julgamento simultâneo reunindo todos os fatos ou todas as pessoas no mesmo processo Quando isso ocorre e uma das pessoas possui a prerrogativa de foro surge a dúvida quem julgará todos os agentes o que tem a prerrogativa de foro e os que não a têm Se um particular comete um crime em concurso de pessoas com alguém que possui uma prerrogativa funcional todos serão julgados pelo tribunal respectivo Ou seja prevalece a competência do tribunal nos termos do art 78 III do CPP O problema aparece quando o crime é de competência do Tribunal do Júri pois por ser o Júri um órgão da jurisdição de primeiro grau não poderia prevalecer sobre o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal por exemplo Mas por outro lado a competência do Júri é constitucional e deve ser respeitada Eis o problema O STF no HC 693253GO decidiu que se um particular praticar um crime de competência do Tribunal do Júri juntamente com alguém que tenha prerrogativa de foro haverá uma cisão processual Por exemplo se um particular comete um crime doloso contra a vida a mando de um juiz de direito haverá uma continência nos termos do art 77 I do CPP A prerrogativa do juiz de ser julgado pelo Tribunal de Justiça do seu estado é constitucional como também o é a do Júri Contudo havendo essa igualdade de tratamento constitucional prevalece a competência do TJ por ser o Tribunal um órgão de jurisdição superior art 78 III do CPP Então o juiz será julgado no TJ E o particular Haverá uma cisão sendo ele julgado pelo Tribunal do Júri Isso porque a regra da conexão decorre de lei ordinária que não pode prevalecer sobre a competência do Júri que é constitucional Esse entendimento da cisão também está alinhado aos recentes julgados do STF anteriormente analisados ao tratarmos da prerrogativa de função de limitar o alcance do foro privilegiado apenas ao detentor do cargo Em suma pensamos que 1 A prerrogativa constitucional para julgamento originário no STF STJ TJs e TRFs prevalece sobre o Tribunal do Júri não havendo possibilidade de um juiz procurador ou promotor ser julgado no Júri 2 Quanto aos deputados estaduais federais e senadores enquanto exercerem a função e o crime estiver a ela relacionado não estarão sujeitos ao Tribunal do Júri mas cessado o cargo ou não sendo propter officium perdem a prerrogativa e podem ser julgados no Tribunal do Júri 3 Quanto ao partícipe ou coautor sem essa prerrogativa ou ainda nos casos de prerrogativa de foro estabelecida nas Constituições estaduais prevalece a competência constitucional do Tribunal do Júri O agente com prerrogativa de foro constitucional será julgado pelo respectivo tribunal operandose uma cisão processual para que o particular sem a prerrogativa seja julgado pelo Tribunal do Júri Por fim recordemos que se a conexão se estabelecer entre um crime eleitoral e outro de competência do Tribunal do Júri haverá cisão o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio ou qualquer outro de competência do Tribunal do Júri no Tribunal do Júri Isso porque a competência do Júri é constitucional prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias como o Código Eleitoral e o CPP 223 Prerrogativa de Função para Vítima do Crime Como regra a prerrogativa de foro é destinada ao autor do crime que o pratica no exercício de alguma função pública relevante e que a Constituição assim disciplina Contudo existe uma situação muito peculiar em que a qualidade funcional da vítima acaba conduzindo a uma modificação da competência e que vem disciplinada no art 85 do CPP Art 85 Nos processos por crime contra a honra em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação àquele ou a estes caberá o julgamento quando oposta e admitida a exceção da verdade Vejamos agora sua incidência num exemplo hipotético O empresário Manoel dono de um supermercado de pequena cidade do interior divulga amplamente em seu estabelecimento que recebeu um cheque sem provisão de fundos do juiz de direito da comarca Sentindose ofendido pela falsa imputação de um delito o de estelionato art 171 VI do CP o magistrado ajuíza uma queixacrime267 em face do empresário acusandolhe da prática do crime de calúnia previsto no art 138 do CP Recebida a queixa no prazo legal o empresário faz a exceção da verdade propondose a demonstrar a veracidade do alegado e portanto afastando a incidência do crime de calúnia Nesse momento existe uma inversão interessante no processo pois o querelado empresário passa para o polo ativo na exceção da verdade e o querelante juiz passa a ser então o imputado do crime de estelionato Logo o juiz do processo não pode julgar a exceção da verdade pois em última análise estaria julgado outro juiz Assim diante da exceção da verdade a prerrogativa de função do querelante vítima do delito de calúnia exige que essa exceção seja encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado órgão competente para julgamento originário dos juízes de direito que a julgará Importante que nesse momento com a exceção quem passa a ser julgado é o juiz de direito por isso o deslocamento da competência para o tribunal competente para julgálo Nesse julgamento pode ocorrer que a exceção da verdade seja rejeitada posto que não comprovada a veracidade do alegado pelo empresário logo não houve a emissão de cheque sem provisão de fundos Nesse caso após essa decisão a exceção volta para a comarca de origem para continuação do julgamento da queixacrime a exceção da verdade é acolhida nesse caso o empresário logrou demonstrar que o juiz efetivamente emitiu um cheque sem provisão de fundos logo deve ser extinto o processo iniciado pela queixacrime pois não houve a calúnia O fato atribuído ao juiz era verdadeiro Mas nesse momento apurouse que o juiz praticou o delito de estelionato do art 171 VI do CP Diante disso deverá o desembargador relator encaminhar cópia dos autos para o Ministério Público art 40 do CPP para que seja investigada a prática do delito de estelionato se necessários maiores elementos de convicção ou diretamente oferecida a denúncia com base nos elementos já apurados na exceção da verdade Esse processo tramitará originariamente no Tribunal de Justiça do Estado Assim eis uma situação excepcional em que o detentor da prerrogativa de foro inicialmente vítima do crime passa a ser a imputada de outra infração Para que a conduta criminosa a ela atribuída possa ser apreciada é fundamental o encaminhamento da exceção para o órgão competente para julgála Por fim sublinhamos que muitas dúvidas pairam sobre o processamento da exceção da verdade no tribunal diante da lacuna legislativa Pensamos que o melhor procedimento é a apresentação da exceção junto com a resposta à acusação em primeiro grau Obedecendo ao disposto no art 523 do CPP deve o juiz abrir vista para manifestação do querelante contestação diz a lei no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas Após preenchidos os requisitos legais de admissibilidade cabimento legal da exceção da verdade e tempestividade deverá o juiz a quo processar a exceção em autos apartados e enviálos para o tribunal competente para o julgamento em razão da prerrogativa de função da vítima É importante destacar que a prova da exceção da verdade inclusive a testemunhal deverá ser produzida no tribunal e não no órgão de primeiro grau Caberá ao tribunal o processamento e julgamento da exceção da verdade incluindo a coleta da prova até mesmo por imposição do princípio da identidade física do juiz em que o órgão que assistir a coleta da prova deverá julgar logo incumbe ao tribunal providenciar a coleta da prova e posteriormente julgar a exceção 224 O Julgamento Colegiado para os Crimes Praticados por Organização Criminosa Lei n 126942012 A Lei n 12694 sancionada em 24 de julho de 2012 criou uma nova figura na estrutura jurisdicional o chamado órgão colegiado de primeiro grau Segundo a nova lei nos processos de conhecimento e respectivo procedimento ou de execução que tenha por objeto crimes praticados por organizações criminosas268 o juiz natural do caso penal poderá decidir pela formação de um órgão colegiado composto por mais dois juízes para a prática de qualquer ato processual Segundo o art 1º da lei esse colegiado poderá decidir especialmente portanto o rol é exemplificativo sobre I decretação de prisão ou de medidas assecuratórias II concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão III sentença IV progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena V concessão de liberdade condicional VI transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima e VII inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado A lei enumera exemplificativamente algumas decisões de maior envergadura tomadas nos processos de conhecimento São decisões sobre prisão e liberdade provisória onde agudizase o tensionamento do poder punitivo com a liberdade individual e a própria sentença ato jurisdicional por excelência Depois segue tratando de decisões interlocutórias tomadas no curso do processo de execução onde tensionase novamente o direito de liberdade aqui não mais em sede cautelar mas já na execução da pena privativa de liberdade aplicada Portanto a abrangência da lei vai desde antes do recebimento da denúncia até após o trânsito em julgado ou seja tanto a fase préprocessual inquérito policial como também o processo de conhecimento e a execução da pena Inclusive não se exclui a possibilidade de ser instaurado o colegiado para proceder a instrução e as audiências necessárias O art 1º da lei determina que o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual logo nada impede que esse colegiado presida a instrução Na reforma de 20192020 a Lei n 139642019 inseriu o seguinte dispositivo Art 1ºA Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais poderão instalar nas comarcas sedes de Circunscrição ou Seção Judiciária mediante resolução Varas Criminais Colegiadas com competência para o processo e julgamento I de crimes de pertinência a organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição II do crime do art 288A do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal e III das infrações penais conexas aos crimes a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo 1º As Varas Criminais Colegiadas terão competência para todos os atos jurisdicionais no decorrer da investigação da ação penal e da execução da pena inclusive a transferência do preso para estabelecimento prisional de segurança máxima ou para regime disciplinar diferenciado 2º Ao receber segundo as regras normais de distribuição processos ou procedimentos que tenham por objeto os crimes mencionados no caput deste artigo o juiz deverá declinar da competência e remeter os autos em qualquer fase em que se encontrem à Vara Criminal Colegiada de sua Circunscrição ou Seção Judiciária 3º Feita a remessa mencionada no 2º deste artigo a Vara Criminal Colegiada terá competência para todos os atos processuais posteriores incluindo os da fase de execução Destacamos aqui a expressa exclusão da figura das garantias nos casos submetidos às varas criminais colegiadas O 1º ao dispor que essas varas criminais colegiadas terão competência para todos os atos jurisdicionais no decorrer da investigação ação penal o correto seria procedimento e execução exclui a incidência do juiz das garantias A justificativa para essa exclusão e portanto a manutenção da figura do superado juiz contaminado foi o fato de ser um órgão colegiado Ora como já explicamos anteriormente é um grande erro O fato de ser um órgão colegiado não afasta a garantia da imparcialidade em relação a cada um dos julgadores isoladamente considerado Portanto se um deles atua na investigação criminal está contaminado e não deveria participar do julgamento O argumento da colegialidade também usado para afastar a incidência nos processos de competência originária dos tribunais é um grande equívoco Inclusive ainda que o procedimento investigatório tenha iniciado com a atuação do juiz das garantias quando verificada uma das situações estabelecidas nos incisos I II ou III deverá enviar os autos para o órgão colegiado criado pelo respectivo tribunal a teor do disposto no 2º Também é criticável a possibilidade de os tribunais criarem à la carte mediante uma simples resolução as varas criminais colegiadas colocando em risco a garantia do juiz natural que é a garantia de ser julgado por um juiz cuja competência seja preestabelecida por lei e não por um órgão colegiado criado ad hoc por uma resolução viola a reserva de lei e a garantia do juiz natural Noutra dimensão essas varas colegiadas terão competência para atuar da investigação até a execução da pena passando obviamente pela fase processual de instrução e julgamento Sempre com os mesmos membros colocando em evidência a falta de originalidade cognitiva os problemas denunciados pela teoria da dissonância cognitiva e enfim o imenso prejuízo que decorre dos préjuízos As varas colegiadas se ocuparão dos seguintes crimes I de crimes de pertinência a organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição II do crime do art 288A do CP e III das infrações penais conexas aos crimes a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo Esse colegiado será composto pelo juiz do processo e por outros 2 dois juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles que possuam competência criminal em primeiro grau Caberá aos tribunais de justiça ou regionais federais expedir normas regulamentando a composição deste colegiado e os procedimentos a serem adotados para seu funcionamento incluindose a forma deste sorteio eletrônico Novamente aqui o legislador delega para os tribunais a disciplina de questões atinentes a sua estrutura e funcionamento atendendo as peculiaridades regionais Tratase de uma delegação que a lei faz para que os tribunais regulem esse procedimento de formação dos colegiados mas a decisão sobre a instauração é do juiz da causa Importante destacar que esse colegiado poderá ser implantado em processos de competência da justiça estadual ou federal pois conforme determina o art 1ºA os tribunais de justiça e os tribunais regionais federais poderão instalar As reuniões entre os juízes poderão ser feitas de forma eletrônica videoconferência emails etc e serão sigilosas quando a publicidade gerar risco para a eficácia da decisão O meio eletrônico justificase na medida em que juízes de cidades diferentes poderão integrar o colegiado dificultando a reunião no mesmo lugar físico Seguindo o mandamento constitucional art 93 IX da CF as decisões serão fundamentadas e firmadas por todos os integrantes sendo publicadas O maior problema está na parte final do art 1º 6º da Lei n 126942012 as decisões serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro Aqui andou muito mal o legislador É direito das partes terem integral conhecimento da decisão de cada um dos membros do colegiado e de todos os fundamentos utilizados para acolher ou rechaçar o pedido Decorre da garantia da motivação das decisões prevista no art 93 IX da Constituição De nada serviria o mandamento constitucional de que todas as decisões devem ser fundamentadas se as partes não tivessem amplo acesso à fundamentação Ademais determina o mesmo dispositivo legal que todos os julgamentos serão públicos Mais do que uma mera publicidade do ato no sentido de acessibilidade física o que está determinando a Constituição é a possibilidade do conteúdo do julgamento As decisões devem ser motivadas e acessíveis os fundamentos para os interessados Não há como conciliar a garantia constitucional com essa ocultação do voto divergente Dessarte é a fundamentação das decisões o mais importante instrumento de legitimação do poder exercido na medida em que permite controlar a racionalidade e legalidade da própria decisão e dos motivos que a suportam É através da fundamentação que se permite reduzir os danos do decisionismo Portanto omitir as razões do voto divergente é uma clara violação da garantia da fundamentação das decisões e por via reflexa da garantia da jurisdicionalidade Subtrair a integralidade da decisão também é uma grave violação ao direito de defesa na medida em que o réu tem o direito de conhecer integralmente o conteúdo da decisão para dela poder se defender Portanto sem dúvida o voto vencido é fundamental para lastrear a impugnação feita pela defesa ao respectivo tribunal O voto vencido não raras vezes como se percebe nos embargos infringentes acaba sendo a espinha dorsal da impugnação defensiva que poderá reforçar a fundamentação do julgador minoritário Partir do argumento de autoridade para buscar a decisão favorável é um importante espaço defensivo que não pode ser subtraído pela lei Por derradeiro é gravemente prejudicado o duplo grau de jurisdição na medida em que se subtrai do tribunal ad quem a integralidade dos fundamentos decisórios dando a errônea percepção de que naquilo se exaurem as razões de decidir Não se desconhece que muitos julgadores de segundo grau privilegiam a manutenção das decisões em nome do prestígio e da proximidade do julgador de primeiro grau em relação aos fatos Daí por que é fundamental saber da existência e dos fundamentos do voto vencido pois ele pode desvelar outra face da questão objeto da decisão interlocutória ou mesmo sentença Em suma por qualquer ângulo que se analise o disposto no art 1º 6º a crítica é inevitável No restante a Lei n 126942012 segue disciplinando diversas medidas de segurança para os prédios da justiça e os juízes bem como altera os arts 91 do Código Penal e 144A do Código de Processo Penal para disciplinar a perda de bens e a alienação antecipada de todos os bens e valores equivalentes ao produto ou proveito do crime Também modifica as Leis n 950397 Código de Trânsito e 108262003 com vistas a ampliar a segurança dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público 23 Qual é o Foro Competente Local Definida a Justiça competente a partir dos critérios anteriormente explicados devese ainda apontar qual é o foro competente competência em razão do lugar Prevalece o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que a competência em razão do lugar é relativa com o que não concordamos conforme explicado anteriormente devendo ser arguida no primeiro lugar em que a defesa se manifestar nos autos sob pena de preclusão prorrogatio fori Nessa perspectiva somente a defesa poderá alegála não podendo ser conhecida pelo juiz de ofício e tampouco pode ser alegada pelo Ministério Público na medida em que o promotor ao oferecer a denúncia faz sua opção Para tanto utilizamse as regras dos arts 70 e 71 do CPP Iniciemos pelo critério do art 70 onde o lugar da infração é aquele em que se consumar a infração ou no caso de tentativa o lugar em que for praticado o último ato de execução Quando o CPP emprega essas categorias consumação e tentativa devese utilizar o Código Penal como norma completiva na medida em que tais conceitos são estranhos para o processo penal No art 14 do CP está definido que Art 14 Dizse o crime I consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente Assim o conceito de lugar do crime identificase com aquilo que o Direito Penal define como local da consumação ou em caso de tentativa aquele onde for praticado o último ato de execução Vejamos uma situação bastante comum na cidade de Canoas interior do Rio Grande do Sul ocorre um atropelamento A vítima é conduzida para um hospital de Porto Alegre com mais recursos onde dias depois vem a falecer em decorrência das lesões sofridas O processo penal pelo delito de homicídio culposo irá tramitar em que comarca Considerando que o crime de homicídio culposo consumase no lugar em que a vítima vier a falecer a competência para o julgamento será da Justiça Comum estadual do foro de Porto Alegre lugar da consumação Contudo não é esse o entendimento predominante nos tribunais brasileiros diante de um crime plurilocal ação em um lugar e resultadoconsumação em outro Partindo de uma necessidade probatória temse feito uma ginástica jurídica criandose um conceito de consumação para o processo penal que não corresponde àquele previsto no Código Penal adotandose na prática a teoria da atividade Nessa linha lugar da infração passou a ser visto como aquele onde se esgotou o potencial lesivo da infração ainda que distinto do resultado Isso atende a uma necessidade probatória pois todos os elementos do crime estão na cidade onde ocorreu o atropelamento e não onde a vítima morreu Lá está o lugar do crime atropelamento para ser periciado lá será feita a reconstituição simulada e lá residem as testemunhas presenciais do fato No nosso exemplo o réu será julgado na comarca de Canoas lugar onde se esgotou o potencial lesivo da infração Esse entendimento também tem sido empregado para o crime de homicídio doloso e outros nos quais a ação criminosa se desenvolve integralmente numa cidade e apenas o resultado se dá em outra Noutra dimensão é importante não esquecer do art 71 do CPP Quando forem vários os crimes praticados em diferentes cidades mas que pelas circunstâncias de tempo lugar e modo de execução constituam uma continuidade delitiva art 71 do Código Penal a competência pelo lugar da infração será definida a partir da prevenção A mesma regra também se aplica quando for um crime permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições Recordemos o anteriomente explicado sobre a prevenção no início desse capítulo que mudará sua concepção com a instituição do juiz das garantias infelizmente suspensa pela decisão do Min FUX a prevenção é causa de exclusão da competência quando o juiz que decidir na fase preliminar ou praticar quaisquer dos atos previstos no art 3ºB assume o lugar do juiz das garantias e portanto irá receber a denúncia decidir sobre a absolvição sumária e remeter para o juiz do processo que necessariamente será outro juiz pois o primeiro está impedido nos termos do art 3ºD a prevenção como causa de fixação da competência quando existirem vários juízes em uma comarca aquele que anteceder os demais na prática de algum ato na investigação preliminar passa a ser o prevento no sentido de que atrairá a competência para eventuais crimes conexos A prevenção aqui serve essencialmente para definir qual dos juízes das garantias será o competente Nesses dois casos será competente o juiz das garantias que tiver antecedido os demais na fase da investigação preliminar ou mesmo recebido a denúncia que é de competência do juiz das garantias mesmo quando não existe um inquérito prévio E nos crimes contra a honra praticados pela imprensa é o local onde ocorreu a impressão ou no caso de reportagem veiculada pela internet no local onde se encontra o responsável pela veiculação Nesta linha sinaliza a decisão proferida pelo STJ no Conflito de Competência n 106625DF Rel Min Arnaldo Esteves Lima julgado em 12052010 Neste caso a Seção entendeu lastreada em orientação do STF que a Lei de Imprensa Lei n 525067 não foi recepcionada pela CF1988 Assim nos crimes contra a honra aplicamse em princípio as normas da legislação comum quais sejam os arts 138 e seguintes do CP e os arts 69 e seguintes do CPP Logo nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em periódico de circulação nacional devese fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a impressão uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao conhecimento de outrem de acordo com o art 70 do CPP Quanto aos crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na internet a competência fixase em razão do local onde foi concluída a ação delituosa ou seja onde se encontra o responsável pela veiculação e divulgação das notícias indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários Precedentes citados do STF ADPF 130DF DJe 06112009 do STJ CC 29886SP DJ 1º022008 Nos crimes praticados fora do território nacional mas em que incida a regra da extraterritorialidade da lei penal será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado e caso ele nunca tenha residido no Brasil será julgado em Brasília nos termos do art 88 do CPP Recordemos que o simples fato de o crime ter sido praticado no exterior não significa que será julgado na Justiça Federal Todo o oposto A regra é o julgamento pela Justiça Estadual salvo se estiver presente alguma das causas do art 109 da Constituição conforme explicado anteriormente Nos crimes praticados a bordo de navios ou aeronaves incidem as regras dos arts 89 e 90 com a ressalva de que somente será de competência da Justiça Federal quando se tratar de navio ou aeronave de grande porte conforme explicado no item anterior Por fim devemos sublinhar que o critério de domicílio ou residência do réu art 72 do CPP é considerado o mais subsidiário de todos pois somente pode ser utilizado quando desconhecido o lugar do crime Existe ainda um único caso de eleição de foro no processo penal previsto no art 73 do CPP e somente aplicável no caso de ação penal privada Segundo o art 73 o querelante poderá optar pelo foro de domicílio ou residência do réu ainda que conhecido o lugar da infração É o único caso em que o autor pode eleger o foro onde a ação penal privada será processada e julgada 24 Qual é a Vara o Juízo Competente Definida a competência em razão da matéria Justiça Estadual Federal etc e o lugar cidade resta saber dentro daquela Justiça naquela cidade qual vai ser o juiz competente para o julgamento pressupondo que existam vários igualmente competentes em razão da matéria pessoal e lugar A questão aqui será resolvida a partir da prevenção ou distribuição Sobre a prevenção repetimos dada a importância sobre a necessidade de conciliar os arts 83 e 3ºD Art 83 Verificarseá a competência por prevenção toda vez que concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa arts 70 3º 71 72 2º e 78 II c Art 3ºD O juiz que na fase de investigação praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo SUSPENSO PELA DECISÃO LIMINAR DO MIN FUX Como conciliar o instituto da prevenção enquanto causa fixadora da competência com a figura do juiz das garantias infelizmente suspenso onde a prevenção é causa de exclusão da competência Da seguinte forma a prevenção é causa de exclusão da competência quando o juiz que decidir na fase preliminar ou praticar quaisquer dos atos previstos no art 3ºB assume o lugar do juiz das garantias e portanto irá receber a denúncia decidir sobre a absolvição sumária e remeter para o juiz do processo que necessariamente será outro juiz pois o primeiro está impedido nos termos do art 3ºD a prevenção como causa de fixação da competência quando existirem vários juízes em uma comarca aquele que anteceder os demais na prática de algum ato na investigação preliminar passa a ser o prevento no sentido de que atrairá a competência para eventuais crimes conexos A prevenção aqui serve essencialmente para definir qual dos juízes das garantias será o competente É um critério entre elesTambém pode servir para definição do juiz do processo mas quando ocorrer a seguinte situação Imaginemos uma cidade com vários juízes criminais O juiz das garantias a atua na investigação preliminar e recebe a denúncia sobre determinado caso penal e remete para o juiz b Posteriormente surje uma nova investigação por crime conexo que acaba sendo vinculada ao juiz das garantias a pois prevento Recebida essa nova denúncia o juiz do processo será o mesmo juiz b pois prevento também Então aqui a prevenção se opera entre os juízes das garantias como critério de definição e também entre os juízes do processo igualmente definindo entre eles quem será o competente o prevento Dessarte a prevenção precisa ser ressignificada para adequarse a nova sistemática processual sem deixar todavia de existir Caso nenhum juiz das garantias esteja prevento será empregado o sistema de distribuição art 75 uma escolha aleatória entre os juízes igualmente competentes definindo assim qual deles será então o competente para o processo e julgamento Enquanto não for instituída a figura do juiz das garantias a prevenção seguirá sendo aplicada conforme a sistemática antiga do CPP juiz que primeiro atuar na investigação preliminar é o que irá julgar o processo 3 Causas Modificadoras da Competência Conexão e Continência Todas as regras anteriormente explicadas podem ser profundamente alteradas ou mesmo negadas quando estivermos diante de conexão ou continência verdadeiras causas modificadoras da competência e que têm por fundamento a necessidade de reunir os diversos delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo processo para julgamento simultâneo Na conexão o interesse é evidentemente probatório pois o vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação Já na continência o que se pretende é diante de um mesmo fato praticado por duas ou mais pessoas manter uma coerência na decisão evitando o tratamento diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse desmembrado e os agentes julgados em separado 31 Conexão Os casos de conexão estão previstos no art 76 do CPP sendo ela responsável por unir crimes em um mesmo processo A conexão é importante que se fixe isso exige sempre a prática de dois ou mais crimes Pode haver ou não pluralidade de agentes mas não existe conexão quando o crime é único Com ela reúnese tudo para julgamento in simultaneus processus O problema vai ser decidir quem irá julgar Justiça e órgão e onde mas isso já veremos ao tratar das regras do art 78 do CPP Vejamos a redação do art 76 do CPP Art 76 A competência será determinada pela conexão I se ocorrendo duas ou mais infrações houverem sido praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas ou por várias pessoas em concurso embora diverso o tempo e o lugar ou por várias pessoas umas contra as outras II se no mesmo caso houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas III quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração No inciso I temse uma conexão intersubjetiva mas que terá algumas variações pois o artigo engloba três situações diferentes a Intersubjetiva ocasional ou por simultaneidade quando duas ou mais infrações forem praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas Mas esse termo reunidas não se confunde com o concurso de agentes que estará presente na próxima modalidade Aqui a reunião das pessoas é totalmente por acaso ou seja ocasional Não existe prévio ajuste A situação faz a conexão com várias pessoas cometendo vários crimes Exemplo numa pacífica manifestação de protesto pela alta dos preços da cesta básica promovida pela associação das donas de casa na frente de um supermercado a situação começa a fugir do controle Algumas senhoras mais exaltadas incitam as demais a fazerem uma invasão que obviamente não era a intenção inicial do movimento Eis que uma delas mais agressiva joga uma pedra na porta do supermercado dando início a uma invasão Assim na mesma circunstância de tempo e lugar várias pessoas cometem vários delitos danos furtos ameaças e até lesões corporais constituindose uma conexão intersubjetiva ocasional e implicando o julgamento simultâneo de todas as delinquentes e de todos os delitos praticados b Intersubjetiva concursal quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas em concurso ainda que diversos o tempo e o lugar Nesse caso existe concurso de pessoas com liame subjetivo e prévio ajuste Daí por que dispensa o Código que os crimes sejam praticados no mesmo tempo e lugar A conexão se estabelece a partir da pluralidade de crimes praticados por um grupo de pessoas previamente ajustadas Essa conexão é bastante rotineira basta termos por exemplo uma quadrilha que para praticar um roubo a banco furta ou rouba dois veículos em dias diferentes para finalmente cometer o roubo ao banco Assim temos duas ou mais infrações cometidas por várias pessoas em concurso Todos os crimes e pessoas serão reunidos no mesmo processo para julgamento simultâneo c Intersubjetiva por reciprocidade quando duas ou mais infrações forem praticadas por várias pessoas umas contra as outras Não se pode esquecer que a conexão exige duas ou mais infrações devendo ser afastada desde logo a ideia do crime de rixa pois é um crime só Aqui os crimes plural são praticados por várias pessoas umas contra as outras existe uma reciprocidade das agressões Exemplo briga entre torcidas de futebol na saída do estádio vários crimes de lesões corporais leves algumas graves e até gravíssimas ameaças etc ou ainda entre diferentes gangs de jovens No inciso II abandonase a noção de intersubjetividade pois pode ser apenas uma pessoa ou várias sendo por isso chamada de conexão objetiva ou teleológica em razão da existência de crime anterior Mas continua existindo a pluralidade de crimes unidos nessa espécie pelo fato de que um crime é praticado para facilitar ou ocultar os outros ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a eles Exemplo tradicional é o homicídio seguido de ocultação de cadáver ou ainda quando após o roubo a banco a quadrilha mata um dos membros para assegurar maior vantagem econômica ou mesmo garantir a impunidade No inciso III existe um vínculo probatório ou instrumental entre as duas ou mais infrações Importa aqui essa relação de natureza probatória a prova de um crime influi na prova do outro ou de prejudicialidade quando a existência de um crime depende da existência prévia de outro Isso pode ocorrer entre os crimes de furto e de receptação mas também entre o crime antecedente e a lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Essa é sem dúvida a conexão mais ampla pois o interesse probatório vai muito além de qualquer relação de prejudicialidade penal Importa aqui a relação probatória em que uma mesma prova pode servir para o esclarecimento de ambos os crimes Demonstrado esse interesse probatório devese relativizar a questão da prejudicialidade e reunir tudo para julgamento e instrução único 32 Continência A continência está prevista no art 77 do CPP Art 77 A competência será determinada pela continência quando I duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração II no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts 70 73 e 74 do Código Penal A continência assim no inciso I une as pessoas acusadas de uma mesma infração para julgamento simultâneo Não há pluralidade de crimes mas de pessoas Quando duas ou mais pessoas cometerem um delito haverá a reunião de todas no mesmo processo A questão terá um complicador quando qualquer delas tiver uma prerrogativa de função em que deveria haver reunião para que todos fossem julgados no respectivo tribunal competente para processar o detentor do cargo ofício ou função ressalvada a competência do Tribunal do Júri nos casos anteriormente explicados Essa é a leitura que emerge do CPP Mas como ressalvamos anteriormente os tribunais especialmente o STF estão aplicando um entendimento diverso a tendência é o desmembramento admitindose excepcionalmente a manutenção do corréu sem prerrogativa quando houver interesse probatório ou seja quando a separação prejudicar a investigação ou instrução Portanto existe um contraste entre o estabelecido no CPP e as oscilações de humor da jurisprudência causando uma grande insegurança jurídica neste terreno No inciso II existe uma unidade delitiva por ficção normativa São os casos em que as várias ações são consideradas pelo Direito Penal como um delito só por ficção legal Isso ocorre quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes constituindo o concurso formal art 70 do CP ou ainda nos casos de erro na execução art 73 do CP e resultado diverso do pretendido art 74 do CP 33 Regras para Definição da Competência nos Casos de Conexão ou Continência Na conexão existe sempre uma pluralidade de infrações muitas vezes praticadas em diferentes cidades mas que devem ser reunidas para julgamento simultâneo Em outros casos o problema não é apenas as diferentes cidades mas também o concurso entre crimes comuns e militares ou ainda eleitorais Na continência a questão complica quando um dos agentes tiver uma prerrogativa de foro por exemplo Enfim quem será o competente para o julgamento de todos os crimes eou pessoas nesses casos Para isso o art 78 estabelece uma série de regras Contudo antes de analisar as regras do art 78 recordemos que na conexão não se pode esquecer que se for considerado crime continuado o critério definidor da competência será o da prevenção nos termos do art 71 com a ressalva acerca da ressignificação do conceito de prevenção já explicado em tópico específico Assim cuidado antes de aplicar as regras do art 78 devese ver se não é caso de crime continuado Se for será competente o juiz prevento dentro do conceito de prevenção já explicado Contudo problemas concretos nessa matéria podem surgir quando estivermos diante de vários crimes praticados em várias cidades Eventual continuidade delitiva reconhecida após o processo já ter sido reunido e instaurado em outra cidade segundo a posição majoritária não acarretará a nulidade Isso porque a competência em relação ao lugar é relativa Feita essa advertência inicial vejamos o art 78 e suas regras Art 78 Na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas as seguintes regras I no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum prevalecerá a competência do júri II no concurso de jurisdições da mesma categoria a preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave b prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações se as respectivas penas forem de igual gravidade c firmarseá a competência pela prevenção nos outros casos III no concurso de jurisdições de diversas categorias predominará a de maior graduação IV no concurso entre a jurisdição comum e a especial prevalecerá esta Essa é a regra do CPP mas não podemos seguir essa ordem pois ela não está correta Inicialmente há que se ter bem claras as regras anteriormente expostas principalmente as competências das Justiças Especiais Militar e Eleitoral e comuns federal e estadual Propomos que a definição da competência em caso de conexão ou continência seja feita após as seguintes perguntas nessa ordem 1ª Algum dos crimes praticados é de competência da Justiça Militar Se for positiva a resposta prevalece a competência da justiça militar e todos os crimes serão lá reunidos Importante advertir que até a 16ª edição sustentávamos que deveria haver cisão Contudo com o advento da Lei n 134912017 que alterou a redação do art 9º do CPM agora não existem mais crimes que não possam ser julgados na justiça militar para justificar a cisão Não há mais casos de cisão como antigamente agora a justiça especial militar prevalece sobre a comum Por isso é preciso fazer uma releitura do art 79 I do CPP porque não há sentido em fazer cisão como antes Agora a cisão é excepcional E aqui mais uma advertência somente haverá cisão se não houver o preenchimento das condições previstas no art 9º do CPP situação em que a justiça militar julgará os crimes a ela afetos e haverá cisão em relação ao restante que não preenche as condições previstas no art 9º do CPM É uma situação excepcional que pode acontecer 2ª Algum dos crimes praticados é eleitoral Nesse caso a Justiça Eleitoral prevalece sobre as demais atraindo tudo para a Justiça Eleitoral art 78 IV Se a resposta for negativa passemos para a terceira pergunta 3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de ser julgado por tribunal Isso conduz à aplicação do inciso III do art 78 pois a jurisdição de maior categoria dos tribunais prevalece sobre os órgãos de primeiro grau Há que se considerar aqui a problemática em torno da competência do Tribunal do Júri e também a tendência jurisprudencial de cisão já explicada Caso não exista uma situação de concurso de agentes com alguém detentor de uma prerrogativa de foro passemos à próxima questão 4ª Não sendo de competência das Justiças Especiais algum dos crimes é de competência da Justiça Federal art 109 da Constituição Se algum dos crimes for de competência da Justiça Comum Federal e isso só ocorre se não for de competência da Justiça Militar nem Eleitoral incide o art 78 III prevalecendo ela sobre a Justiça Comum Estadual Caso não seja de competência da Justiça Comum Federal e já afastadas as Especiais Militar e Eleitoral estamos diante de um caso de competência da Justiça Comum Estadual caráter residual A resposta a essa última questão evidencia que a competência é da Justiça Comum Federal ou Estadual Se algum dos crimes se encaixar em uma das situações do art 109 da Constituição anteriormente analisadas a competência é da Justiça Federal e ela prevalece sobre a Estadual Pois bem afastada a incidência dos incisos IV e III do art 78 é porque estamos diante de crimes submetidos a jurisdição de mesma categoria Ou seja ou todos os crimes são de competência da Justiça Federal ou todos são de competência da Justiça Estadual Não há mais jurisdições de diferentes níveis em conflito Eis um ponto a ser compreendido os incisos I e II somente incidem no conflito entre jurisdições de mesma categoria Agora passemos a uma última pergunta Algum dos crimes é de competência do Tribunal do Júri art 74 1º Caso algum dos crimes seja de competência do Júri todos os crimes irão para o Tribunal do Júri Isso é a vis atractiva do Júri Mais do que atrair a competência constitucional do Júri prevalece sobre os demais órgãos de primeiro grau juiz ou juizado especial Assim no conflito entre juízes e Tribunal do Júri ganha sempre o Tribunal do Júri incidindo o art 78 I do CPP Caso nenhum dos delitos seja de competência do Tribunal do Júri passemos então para o inciso II Assim compreendese que o inciso II é o último a ser considerado Somente quando tivermos um conflito entre juízes igualmente competentes em razão da matéria e pessoa ou seja de mesma categoria é que devemos finalmente analisar os incisos esses sim rigorosamente na ordem do Código Depois dessas explicações fica mais fácil compreender que o art 78 deveria ser lido em ordem completamente diversa daquela prevista no CPP Seus incisos devem ser lidos nessa ordem Art 78 IV Primeiro devese verificar se há crime eleitoral pois a competência da justiça especial eleitoral prevalece sobre as demais Ou ainda se há crime militar naquelas situações previstas no art 9º do CPM situação em que o julgamento é afeto à justiça militar estadual ou da União conforme o caso III Não sendo caso de crime eleitoral ou militar analisase o inciso III Aqui a jurisdição federal prevalece sobre a estadual Súmula 122 do STJ Se algum dos agentes tiver prerrogativa de foro prevalece a jurisdição de segundo grau tribunais sobre as de primeiro grau juiz júri juizado especial com as ressalvas feitas anteriormente I Não sendo resolvida a questão com as regras anteriores devese perguntar algum dos crimes é de competência do júri Caso afirmativo todos os crimes e todas as pessoas serão julgados no Tribunal do Júri vis atractiva e prevalente II Se nenhum dos incisos anteriores resolver a questão é porque estamos diante de vários juízes de mesmo nível de jurisdição igualmente competentes Então passemos para os critérios definidos nesse último inciso necessariamente nessa ordem a Prepondera o lugar da infração mais grave até a edição anterior sustentávamos que o critério para definir se uma infração é mais grave do que outra era a análise da pena mínima Contudo estamos revisando nosso entendimento e acompanhando BADARÓ269 no sentido de que a mais grave será a de maior duração segundo o limite máximo abstratamente cominado Esse também é o critério utilizado pelo legislador para definir a competência do JECrim e também do STF270 em uma das raras manifestações sobre o tema Portanto se um crime tiver uma pena de 1 a 6 anos e o outro de 2 a 4 anos qual é a mais grave Aquele cuja pena máxima é mais elevada 6 anos Se esse critério não resolver comparamse os regimes de cumprimento da pena em que os delitos apenados com reclusão são mais graves que os apenados com detenção Outro ponto a ser comparado é a existência ou não de pena de multa pois pena multa é mais grave b Havendo empate na letra a prevalece o lugar onde for praticado o maior número de infrações Logo o juiz em cuja cidade tiver sido praticado o maior número de delitos será competente para o julgamento c Se houver empate em todos os critérios anteriores prevalecerá a competência do juiz das garantias que for prevento dentro do conceito revisado de prevenção como já explicado Ou seja aquele que primeiro atuar como juiz das garantias prevalece sobre os demais sempre lembrando que quando for implantado o juiz das garantias não será o mesmo a atuar na fase processual quando então teremos outro juiz para instrução e julgamento Finalizando esse tópico devemos esclarecer que se houverem sido praticados crimes conexos nas cidades A B e C e erroneamente tiver sido instaurado em cada cidade um processo pelo delito lá praticado deverá o juiz com competência prevalente segundo os critérios que acabamos de explicar avocar os demais processos para fazer valer a regra do julgamento simultâneo Assim determina o art 82 do CPP Art 82 Se não obstante a conexão ou continência forem instaurados processos diferentes a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes salvo se já estiverem com sentença definitiva Neste caso a unidade dos processos só se dará ulteriormente para o efeito de soma ou de unificação das penas O que se entende por sentença definitiva nesse artigo Significa a mera sentença penal recorrível ou seja de primeiro grau e passível de recurso A redação do Código é ruim e induz a pensar que somente depois do trânsito em julgado é que não poderá mais haver a avocação Errado Quando o juiz de primeiro grau der sentença não caberá mais outro juiz avocar pois a jurisdição de primeiro grau está exaurida Ilógico seria imaginar que um juiz de primeiro grau pudesse desconstituir a sentença já proferida por outro juiz ou ainda avocar o processo que está no tribunal para julgamento de recurso Havendo sentença ainda que recorrível a unificação ou soma das penas será posterior quando da execução criminal Nesse mesmo sentido e para finalizar vejase a Súmula 235 do STJ A conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi julgado 34 Cisão Processual Obrigatória e Facultativa O art 79 do CPP prevê em que casos a cisão processual será obrigatória ainda que exista a conexão ou continência Art 79 A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento salvo I no concurso entre a jurisdição comum e a militar II no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores 1º Cessará em qualquer caso a unidade do processo se em relação a algum corréu sobrevier o caso previsto no art 152 2º A unidade do processo não importará a do julgamento se houver corréu foragido que não possa ser julgado à revelia ou ocorrer a hipótese do art 461 Em relação ao inciso I atenção com a alteração do art 9º por conta da Lei n 134912017 a regra agora é a reunião de todos os crimes na justiça militar Ou seja a militar prevalece Somente haverá essa cisão do art 79 I quando excepcionalmente não houver o preenchimento das condições previstas no art 9º do CPP situação em que a justiça militar julgará os crimes a ela afetos e haverá cisão em relação ao restante que não preenche as condições previstas no art 9º do CPM No inciso II está consagrada a lógica e necessária separação entre a jurisdição penal e aquela destinada à apuração dos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente Havendo um concurso de agentes entre imputáveis e inimputáveis menores de 18 anos os imputáveis cometem crime e respondem a processo penal Já em relação aos inimputáveis menores de 18 anos haverá uma separação com outro processo tramitando em vara especializada para apuração do ato infracional No 1º haverá a cisão quando em relação a algum dos corréus se verificar uma doença mental superveniente ao crime Nesse caso o processo é separado pois em relação a esse corréu o processo ficará suspenso nos termos dos arts 152 e s do CPP Quando a doença é preexistente ao fato criminoso o réu é considerado inimputável art 26 do CP e o processo segue com a eventual pena sendo substituída por medida de segurança No 2º existem duas situações de cisão No primeiro caso o processo está suspenso porque um dos corréus está foragido e a sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri não pode ocorrer sem a sua presença ou ainda quando um dos réus é citado e o outro não Em relação ao citado o processo continua e em relação ao revel incide a suspensão do processo nos termos do art 366 do CPP A segunda situação era a cisão ocorrida no momento da composição do conselho de sentença Ocorre que esse mecanismo de cisão foi substancialmente alterado pela Lei n 116892008 Agora nos termos do art 469 somente haverá separação dos julgamentos se houver estouro de urna ou seja se em razão das recusas não for obtido o número mínimo de 7 jurados para compor o conselho de sentença Nesse caso será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou em caso de coautoria aplicase o critério de preferência disposto no art 429 As situações descritas no art 81 dizem respeito à desclassificação própria e imprópria no Tribunal do Júri Por fim prevê o art 80 a separação facultativa dos processos nos casos de crimes praticados em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes ou quando pelo número excessivo de acusados e para não prolongar a prisão provisória de qualquer deles o juiz reputar conveniente Aqui o Código deixa um amplo espaço para que o juiz decida pela cisão processual evitando o julgamento simultâneo decorrente da conexão ou continência Esse artigo tem sido muito invocado especialmente pelos tribunais superiores para separar aqueles agentes detentores de prerrogativa de função dos demais agentes sem essa prerrogativa A rigor como visto tudo deveria ser reunido no respectivo tribunal para julgamento simultâneo mas nem sempre tem sido assim como já explicado Mas neste caso existe uma situação muito sensível na cisão quando envolve pessoas com prerrogativa de função como por exemplo várias pessoas são investigadas e surge entre os suspeitos alguém com prerrogativa de função deputado federal estadual etc Neste momento o feito deve ser imediatamente remetido para o tribunal competente para o julgamento daquela autoridade detentora da prerrogativa a quem competirá decidir sobre os atos da investigação e posterior ação penal Aqui tem surgido hipóteses de cisão pois a jurisprudência dos tribunais superiores tem oscilado perigosamente entre a reunião para julgamento simultâneo observando as regras de conexão ou continência conforme o caso e a cisão ficando no tribunal apenas o detentor da prerrogativa como já explicamos anteriormente O problema é a quem compete decidir sobre a cisão do art 80 O tribunal competente ou o juiz de primeiro grau A resposta parece evidente Somente ao tribunal competente para o julgamento daquele detentor da prerrogativa é que poderá decidir sobre a eventual cisão sob pena de grave usurpação de sua competência pelo juiz de primeiro grau A garantia do juiz natural surge no momento da prática do delito e não no nascimento do processo Portanto ao tribunal competente é que incumbe a decisão não se podendo falar em prorrogatio fori ou ainda em perpetuatio jurisdicionis em se tratando de incompetência absoluta Não existe prorrogação de competência em relação a quem não é absolutamente competente sob pena de rasgarse a garantia do juiz natural e as regras da competência Em suma o art 80 não pode ser invocado para evitar a reunião de processo Primeiro todos os processos devem ser reunidos no juízo de competência prevalente A ele incumbe se for o caso decidir sobre a cisão processual desmembrando e remetendo os demais réus para o respectivo juízo de primeiro grau 4 Por uma Leitura Constitucional do Art 567 do CPP O art 567 do CPP prevê que Art 567 A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios devendo o processo quando for declarada a nulidade ser remetido ao juiz competente Durante muito tempo seguiuse a letra do Código e quando reconhecida a incompetência do juiz era anulada apenas a sentença Um erro Atualmente consagrada que está a garantia do juiz natural e do devido processo legal uma vez reconhecida a incompetência do juiz deve ser anulado o ato decisório e principalmente todo o processo A anulação deve ser ab initio Não basta o juiz competente proferir uma nova sentença Isso é golpe de cena A garantia da jurisdição incluindo o juiz natural e do devido processo impõe que todo processo e todos os seus atos sejam praticados na frente do juiz natural competente e de forma válida Essas garantias não nascem na sentença mas no momento em que inicia o processo com o recebimento da acusação Logo desde o início o réu tem a garantia de que todos os atos serão praticados por um juiz competente Não é a mera garantia de prolação da sentença mas de jurisdição Felizmente essa é uma tendência claramente definida na jurisprudência ainda que muitos ainda resistam271 Assim reconhecida a incompetência absoluta do julgador há que se renovar todos os atos do processo e dependendo do caso até mesmo a acusação Como demonstrado no acórdão anterior não há como deixar uma denúncia oferecida por um promotor estadual em um processo que irá tramitar agora na Justiça Federal Assim até a acusação tem que ser novamente oferecida agora pelo respectivo procurador da República Ainda que a implantação do juiz das garantias esteja infelizmente suspensa pela precária decisão liminar do Min FUX já vamos explicar as consequências em relação a ele Importante destacar que as regras da competência e portanto do juiz natural também incidem em relação ao juiz das garantias quando for instituído Dessa forma se o juiz das garantias for absolutamente incompetente segundo a posição predominante seria em relação a matéria e pessoa uma vez reconhecida a sua incompetência serão anulados os atos por ele praticados inclusive o recebimento da denúncia e por contaminação todos os atos praticados pelo juiz da instrução e julgamento Não se pode admitir que um juiz absolutamente incompetente atue na fase préprocessual decidindo por exemplo sobre medidas de busca e apreensão quebra de sigilo bancário telefônico etc e depois receba a denúncia art 399 Mesmo que encaminhe para um juiz competente para instruir e julgar o que nem sempre ocorrerá está o processo contaminado pelos atos anteriores praticados por um juiz incompetente Vejamos um exemplo simples um crime praticado em detrimento da caixa econômica federal que é objeto de investigação preliminar perante um juiz das garantias da justiça estadual Além das decisões que toma na investigação ele recebe a denúncia cita o réu recebe a resposta preliminar e sobre ela se manifesta deixando de absolver sumariamente por exemplo Depois ele remete o feito para quem Para um juiz estadual que irá instruir e julgar Uma vez reconhecida a incompetência absoluta da justiça estadual nenhuma dúvida temos de que tudo é absolutamente nulo desde o início desde a atuação do juiz das garantias Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Jurisdição é tradicionalmente concebida como poderdever dizer o direito ao caso concreto mas para além disso é um direito fundamental uma garantia constitucional do cidadão de ser julgado por um juiz natural e imparcial Competência é a medida da jurisdição isto é um conjunto de regras que definem o limite ao poder jurisdicional criando condições de eficácia para a garantia da jurisdição juiz natural e imparcial condicionando seu exercício Princípios da Jurisdição a inércia b imparcialidade c juiz natural d indeclinabilidade 1 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA PENAL Classificação A competência é regida por critérios de matéria pessoa e lugar O senso comum teórico costuma importando o regramento do processo civil considerar a competência em razão da matéria e pessoa como sendo absoluta e no que se refere ao lugar como relativa Sendo absoluta não se convalida jamais não haverá preclusão ou prorrogação e poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase do processo Na competência relativa lugar deve ser arguida não pode ser reconhecida de ofício pelo réu no primeiro momento em que falar no processo resposta à acusação como regra sob pena de preclusão e prorrogação da competência Essa é a corrente ainda predominante Contudo nossa posição é diversa pensamos que jurisdição é garantia e que não pode ser esvaziada por critérios importados do processo civil Ademais o art 109 do CPP não faz nenhuma ressalva quanto a isso 2 DEFININDO A COMPETÊNCIA PENAL A PARTIR DE TRÊS PERGUNTAS 21 Qual é a Justiça e qual o órgão competente competência em razão da matéria e pessoa Para definição da justiça competente devese analisar a matéria começando pela mais restrita das justiças especiais justiça militar federal depois estadual e por fim a eleitoral para por exclusão chegar às justiças comuns primeiro a federal e finalmente a estadual mais residual de todas Para tanto é necessário saber a competência de cada uma das justiças Justiças Especiais 1 Justiça Militar Justiça Militar Federal art 124 da CB Crimes militares Justiça Militar Estadual art 125 4º da CB Crimes militares ser o agente militar do Estado Requisitos exigidos conduta tipificada no CPM Código Penal Militar ou na legislação penal comum ou especial art 9º II do CPM situação do art 9º do CPM situação de interesse militar construção jurisprudencial Pode um civil ser julgado na Justiça Militar Na JMF sim desde que preenchidos os requisitos exigidos Já na JME não pois além dos requisitos exigidos deverá ser praticado por militar do Estado membro da polícia militar estadual polícia rodoviária estadual ou bombeiro Crime doloso contra a vida de civil tentado ou consumado Será de competência do Tribunal do Júri quando praticado por militar do Estado art 125 4º da CB em situação de atividade art 9º do CPM e exista interesse militar Se o militar for federal e estiver em situação de atividade nos termos do art 9º do CPM será julgado na justiça militar da União nova redação do art 9º 2º do CPM Súmulas importantes n 6 e n 53 do STJ 2 Justiça Eleitoral julga os crimes eleitorais previstos em lei art 121 da CB Código Eleitoral Problema crime eleitoral conexo com crime doloso contra vida Neste caso prevalece o entendimento de que haverá cisão o crime eleitoral será julgado na JE e o crime contra a vida no Tribunal do Júri Justiças Comuns 1 Justiça Federal situações previstas no art 109 incisos IV e seguintes da CB Prevalece sobre a justiça comum estadual art 78 III do CPP Súmula 122 do STJ Nunca julga contravenções Súmula 38 do STJ Crimes praticados em detrimento de empresas de economia mista Justiça Estadual Súmula 42 do STJ Servidor público federal quando for vítima ou autor desde que propter officium é Justiça Federal Súmula 147 do STJ Tráfico de entorpecentes Lei n 11343 Tráfico internacional Justiça Federal Tráfico interno Justiça Estadual Crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves competência da Justiça Federal exceto se for de competência da Justiça Militar art 109 IX da CB Crime ambiental regra geral Justiça Estadual Exceção quando presente uma das situações do art 109 da CB cuidado não se aplica o inciso XI que é para jurisdição cível como por exemplo os crimes ambientais praticados no interior de áreas de preservação ambiental parques eou reservas nacionais bem como nos casos do art 225 4º da CB Mas a matéria é controvertida Índio matéria também controvertida mas prevalece a aplicação da Súmula 140 do STJ Crimes praticados fora do território nacional desde que presente uma situação de extraterritorialidade da lei penal art 7º do CP como regra será julgado na Justiça Estadual aplicandose o art 88 do CPP para definir o lugar Será de competência da Justiça Federal quando presente alguma das situações do art 109 da CB cuidado o inciso II não se aplica na jurisdição penal Tribunal do Júri art 74 do CPP situação do art 109 da CB JECrim Federal desde que presente uma das situações do art 109 da CB e o crime seja de menor potencial ofensivo nos termos da Lei n 909995 2 Justiça Estadual é a mais residual de todas somente julgando quando não for de competência de nenhuma das outras justiças Para definir o órgão julgador importante quando há prerrogativa de função STF STJ TRFs TJs Júri Júri Juiz Federal Juiz Estadual JECrim JECrim PRERROGATIVA DE FUNÇÃO pode modificar completamente os critérios de definição da competência Algumas pessoas em razão do cargo ou função desempenhada têm a prerrogativa de serem julgadas originariamente por determinados Tribunais Novo entendimento do STF Após o julgamento da AP 937 03052018 firmouse entendimento de restringir o alcance da prerrogativa de função especialmente para deputados federais e senadores mas já estão aplicando também para governadores e a tendência é atingir também deputados estaduais ministros de estado etc Assim regras gerais 1 A prerrogativa de cargos políticos somente se aplica aos crimes cometidos durante o exercício do cargo Se praticados antes da posse não adquire a prerrogativa e segue na justiça de 1º grau 2 A prerrogativa somente se aplica aos crimes praticados durante o exercício do cargo e quando o ato estiver relacionado às funções propter officium 3 Uma vez encerrada a instrução o caso continuará no tribunal ocorrendo perpetuatio jurisdictionis 4 O novo entendimento será aplicado a todos os processos pendentes no STF e por consequência aos tribunais inferiores Se o processo inicia e se desenvolve perante um juiz incompetente deve ser anulado desde o início Se ele inicia no juízo competente e depois surge uma causa modificadora da competência prerrogativa de função os atos praticados são válidos até ali Prerrogativas importantes previstas no art 102 I b e c da CB art 105 I a da CB art 96 III da CB art 108 I a da CB e art 29 X da CB E se uma pessoa com prerrogativa de foro comete o crime junto com um particular como fica o julgamento Como regra geral sendo caso de conexão ou continência deveria haver reunião para julgamento simultâneo ou seja todos os agentes seriam julgados no tribunal competente para julgar o detentor do cargo Essa é a regra geral prevista no art 79 do CPP Contudo existe uma tendência muito forte no STF de cindir desmembrar separar as pessoas ficando no tribunal apenas o detentor do cargo Permaneceria reunido apenas quando houvesse interesse probatório ou para a investigação Prerrogativa de Função versus Tribunal do Júri se alguém com prerrogativa de função prevista na Constituição cometer um crime doloso contra a vida competência do júri será julgado no Tribunal competente em razão da prerrogativa desde que presentes os requisitos firmados pelo STF anteriormente explicados O júri órgão de primeiro grau perde no confronto com qualquer tribunal de segundo grau ou tribunal superior Essa regra não se aplica quando a prerrogativa não for estabelecida pela Constituição Federal ver Súmula 721 do STF Prerrogativa de função conexãocontinência Tribunal do Júri matéria controvertida mas seguimos o entendimento de que haverá uma cisão processual Quem tem prerrogativa vai para o respectivo tribunal competente e o particular sem prerrogativa é julgado no Tribunal do Júri Súmulas importantes STF 245 704 702 721 STJ 208 e 209 Prerrogativa de Função para vítima de crime como regra não há qualquer alteração da competência pelo fato de a vítima ter prerrogativa de função Exceção quando se tratar de crime contra a honra em que o querelante autor tem prerrogativa de função e é oposta a exceção da verdade pelo querelado réu É a situação do art 85 do CPP em que a exceção da verdade será encaminhada para o tribunal que seria competente para julgar o detentor da prerrogativa de função 22 Qual é o foro competente Local Se em razão da natureza do crime e da qualidade do agente existência ou não de prerrogativa de função for de competência da justiça de primeiro grau devese definir qual é o foro competente a partir do disposto nos arts 70 e 71 ou ainda nos arts 88 a 90 do CPP Lugar do crimecrime plurilocal prevalece o entendimento de que o lugar da infração é aquele onde se esgotou o potencial lesivo ou ofensivo ainda que diverso daquele onde se consumou Vítima atropelada na cidade X é socorrida e falece na cidade Y local do crime para fins de competência será a cidade X onde se esgotou a agressão Crime continuadopermanente no caso do art 71 do CP aplicase a regra da prevenção art 71 do CPP Crime cometido no exterior aplicase a regra do art 88 do CPP Navios e aeronaves aplicamse as regras dos arts 89 e 90 do CPP Demais casos não resolvidos pelas regras dos arts 89 e 90 aplicase a prevenção art 91 Domicílio ou residência do réu é o último critério a ser usado quando não se souber o local do crime art 72 Ação penal de iniciativa privada art 73 do CPP é o único caso de eleição de foro do processo penal 23 Qual é a varajuízo Definido o foro pode haver mais de um juiz competente em razão de matéria pessoa e lugar situação em que se aplicará a regra de prevenção art 83 ou distribuição art 75 IMPORTANTE quando for implantado o juiz das garantias e o modelo doble juez suspenso pela precária decisão do Min FUX ou seja o juiz que atua na fase préprocessual até o recebimento da denúncia ou queixa não pode ser o mesmo que irá instruir e julgar São assim dois juízes diferentes como já explicado A questão aqui é como conciliar o instituto da prevenção enquanto causa fixadora da competência com a figura do juiz das garantias onde a prevenção é causa de exclusão da competência Da seguinte forma a prevenção é causa de exclusão da competência quando o juiz que decidir na fase preliminar ou praticar quaisquer dos atos previstos no art 3ºB assume o lugar do juiz das garantias e portanto irá receber a denúncia decidir sobre a absolvição sumária e remeter para o juiz do processo que necessariamente será outro juiz pois o primeiro está impedido nos termos do art 3ºD a prevenção como causa de fixação da competência quando existirem vários juízes em uma comarca aquele que anteceder os demais na prática de algum ato na investigação preliminar passa a ser o prevento no sentido de que atrairá a competência para eventuais crimes conexos A prevenção aqui serve essencialmente para definir qual dos juízes das garantias será o competente 3 CAUSAS MODIFICADORAS DA COMPETÊNCIA CONEXÃO E CONTINÊNCIA Ambas implicam unidade de processo e julgamento ou seja julgamento in simultaneus processus sendo necessário definir quem são os agentes e onde os diferentes crimes serão julgados 31 Conexão prevista no art 76 do CPP exige sempre a prática de dois ou mais crimes Espécies art 76 I engloba três tipos de conexão a intersubjetiva ocasional ou por simultaneidade b intersubjetiva concursal c intersubjetiva por reciprocidade O art 76 II consagra a conexão objetiva ou teleológica e o inciso III a conexão probatória ou instrumental 32 Continência não existe pluralidade de crimes mas de pessoas art 77 I e II do CPP 33 Regras para definição da competência em caso de conexão ou continência é crime continuado Se for segue a regra do art 71 não sendo caso de crime continuado devemse resolver as seguintes questões para definir a justiça órgão foro e vara competentes em caso de conexão ou continência 1ª Algum dos crimes é de competência da Justiça Militar Se positiva a resposta a justiça militar prevalece sobre as comuns exceto se não preenchidas as condições do art 9º do CPM situação em que haverá cisão 2ª Algum dos crimes é eleitoral Se for a Justiça Eleitoral prevalece sobre as demais atraindoreunindo tudo na Justiça Eleitoral art 78 IV Não havendo segue para a próxima 3ª Algum dos agentes tem prerrogativa de função prevista na CF Neste caso reunir e aplicar art 78 III Cuidado com o júri divergência sobre reuniãocisão 4ª Não sendo de competência das justiças especiais algum dos crimes é de competência federal art 109 da Constituição Em caso positivo reúne tudo na Justiça Federal art 78 III e Súmula 122 do STJ que prevalece sobre a Justiça Estadual Não havendo crimes de competência da Justiça Federal o processo é de competência da Justiça Estadual residual 5ª Cuidado com a competência do Tribunal do Júri art 74 1º O júri prevalece sobre os órgãos de primeiro grau por força do art 78 I Logo reúne tudo no Tribunal do Júri vis atractiva 6ª Por fim quando houver conflito entre jurisdições órgãos de mesma categoria aplicase o inciso II do art 78 iniciando pela alínea a depois a b e finalmente a c Por tudo isso os incisos do art 78 devem ser lidos na seguinte ordem IV III I II a b c Crimes cometidos em várias cidades atentar para o art 82 do CPP que permite que o juiz de competência prevalente avoque os processos que corram perante outros juízes Cuidado sentença definitiva sentença recorrível Súmula 235 do STJ 4 CISÃO OBRIGATÓRIA E FACULTATIVA a separação cisão será obrigatória nos casos do art 79 e facultativa nas situações do art 80 do CPP 5 CRÍTICAS FINAIS A relativização da competência lugar é fruto da equivocada transmissão de categorias do processo civil sendo ainda criticáveis os institutos da prorrogatio fori e perpetuatio jurisdictionis pois prorroga ou perpetua o que é improrrogável Art 567 do CPP deve ser lido à luz da Constituição a partir da garantia de ser processado e julgado perante o juiz competente Por isso em caso de nulidade por incompetência do juiz o feito deve ser anulado desde o início ab initio Capítulo VII DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES 1 Das Questões Prejudiciais As questões prejudiciais vêm previstas nos arts 92 e seguintes do CPP não sendo de competência do juiz penal decidir sobre elas mas apenas verificar o nível de prejudicialidade que elas têm em relação à decisão penal bem como decidir pela suspensão do processo penal até que elas sejam resolvidas na esfera cível tributária ou administrativa São prejudiciais exatamente porque exigem uma decisão prévia Para tanto é necessário que a solução da controvérsia afete a própria decisão sobre a existência do crime Cabe ao juiz analisar esse grau de prejudicialidade que deve ser em torno de uma questão séria e fundada sobre o estado civil das pessoas Em última análise a prova da existência do crime depende da solução na esfera cível dessa questão Nisso reside sua prejudicialidade na impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão A questão ainda que guarde estreitíssima relação com o estudo do objeto do processo penal geralmente é tratada na doutrina estrangeira como relação entre a jurisdição penal e outras jurisdições ou ainda como limites ou âmbito objetivo de ordem jurisdicional penal como prefere CORTÉS DOMÍNGUEZ272 Isso porque os fatos da vida não ocorrem respeitando os critérios e categorias abstratamente previstas pelo direito como adverte ARAGONESES ALONSO273 senão que sua complexidade permeia muitas vezes diferentes jurisdições Isso se reflete na natureza jurídica do instituto como se verá ao final Como explica LEONE274 existe uma tendência de concentração processual e de continuidade do processo atribuindo ao juiz da causa o máximo de poder para decidir sobre todas as questões suscitadas ou seja máxima expansión del poder jurisdiccional para resolver incidenter tantum as questões Parte dessa necessidade de reunião para julgamento simultâneo evitando decisões antagônicas sobre questões relacionadas entre si é resolvida através das regras da conexão Outra parte não abrangida pelas regras da conexão até porque envolve jurisdições diferentes e não apenas competências acabará sendo tratada nessa dimensão de prejudicialidade Assim há casos em que o juiz penal não pode decidir por mais que se aceite a expansão do poder jurisdicional Nesses casos a quem incumbe a decisão sobre a questão prejudicial Esse é um dos pontos a serem resolvidos Como explica TOURINHO FILHO275 o sistema brasileiro é misto pois há hipóteses em que o julgamento da prejudicial é do juízo penal em outros casos o juiz penal poderá aproveitar a decisão proferida na esfera cível e por fim há casos em que é de exclusiva competência do juízo cível a decisão Partindo disso as prejudiciais podem ser divididas em obrigatórias e facultativas A prejudicialidade obrigatória ocorre em situações em que a matéria objeto da controvérsia está completamente afastada alheia à esfera de atuação da jurisdição penal e que por sua relevância jurídica não pode ser objeto da expansão da jurisdição penal É o que ocorre no caso do art 92 em que a decisão sobre o estado civil das pessoas incumbe com exclusividade ao juízo cível Exemplo recorrente na doutrina até pela escassez de situações aplicáveis é o crime de bigamia art 235 do CP A constituição do crime de bigamia exige a existência de prévio casamento Da mesma forma não há que se falar em sonegação fiscal sem a constituição definitiva do débito ou seja sem o esgotamento das vias administrativas Tratase daquilo que o Direito Penal considera como elementar do tipo ou seja sem o qual o casamento anterior a conduta passa a ser atípica atipicidade absoluta Assim se em sede de defesa é arguida a nulidade ou inexistência do casamento anterior estado civil da pessoa o juiz penal deverá suspender o curso do processo penal até que na esfera cível seja a controvérsia dirimida por sentença transitada em julgado Essa decisão poderá ser proferida de ofício ou mediante expresso requerimento de qualquer das partes Durante essa suspensão poderá o juiz penal proceder a coleta da prova inquirição de testemunhas juntada de documentos etc e toda a instrução Destaquese ainda que a prescrição ficará suspensa como prevê o art 116 do Código Penal Art 116 Antes de passar em julgado a sentença final a prescrição não corre I enquanto não resolvida em outro processo questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime Noutra dimensão situamse as questões de prejudicialidade facultativa previstas no art 93 do CPP Art 93 Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior da competência do juízo cível e se neste houver sido proposta ação para resolvêla o juiz criminal poderá desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite suspender o curso do processo após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente Da previsão legal podemos extrair os requisitos da questão prejudicial facultativa 1 a questão deve versar sobre circunstância elementar relacionada à existência do crime 2 já existir ação civil sobre a matéria em andamento 3 deve versar sobre questão cível que não seja estado civil das pessoas e tampouco sobre direito cuja prova a lei civil limite 4 a questão deve ser de difícil solução Observados esses requisitos a ação penal que tenha por objeto a apuração de um delito de furto poderá ser suspensa quando tramitar no juízo cível ação na qual se discuta a posse ou propriedade da coisa móvel por exemplo Caberá ao juiz tendo em vista a necessária coerência da decisão judicial e observando esses requisitos determinar de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes a suspensão ou não do processo penal até que no juízo cível a questão seja resolvida Se decidir pela suspensão do processo penal deverá efetivála após a coleta da prova fixando o prazo dessa suspensão que poderá ser prorrogado Não há que se esquecer todavia o direito ao julgamento em um prazo razoável conforme anteriormente explicado Logo essa suspensão deve ser utilizada com suma prudência e sem perder de vista o direito fundamental previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Caso não decrete a suspensão o processo penal prosseguirá até o final do julgamento Grave prejuízo haverá caso exista incompatibilidade entre as decisões Dependendo do nível de incompatibilidade poderá a parte buscar via habeas corpus o trancamento do processo por atipicidade do fato Contudo se a questão for complexa e demandar uma análise mais detida cognição ampla o caminho a ser seguido será o da tortuosa e difícil revisão criminal nos termos do art 621 III do CPP Por fim quanto à natureza jurídica das questões prejudiciais estamos com LEONE276 quando aponta sua inegável vinculação com o mérito da causa afastando assim a natureza de condição da ação ou pressuposto processual para afirmar que ela se refere ao tema das relações entre jurisdições 2 Dos Processos Incidentes 21 Das Exceções Processuais Antes de analisar as exceções em espécie são necessários alguns esclarecimentos iniciais comuns a todas As exceções são formas de defesa indireta pois não atacam o núcleo do caso penal e na sistemática do CPP devem ser autuadas em apartado Determina o art 396A 1º que Art 396A Na resposta o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa oferecer documentos e justificações especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas qualificandoas e requerendo sua intimação quando necessário 1º A exceção será processada em apartado nos termos dos arts 95 a 112 deste Código Tradicionalmente e com clara inspiração em BÜLOW na clássica obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesales a doutrina costuma classificar as exceções em dilatórias ou peremptórias As exceções dilatórias são aquelas que não conduzem à extinção do processo senão que dilatam seu curso pela necessidade de resolução do ponto atacado Nessa linha situamse as exceções de suspeição ilegitimidade de parte e incompetência do juízo Tais questões apenas dilatam a discussão sem contudo conduzir à extinção do processo Noutra dimensão situamse as exceções peremptórias na medida em que uma vez acolhidas extinguem o processo São os casos de litispendência e coisa julgada A litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos processos daí por que em que pese a possibilidade de uma dilação diante da necessidade de resolver quem é o juiz com competência prevalente ela é na verdade uma exceção peremptória Quanto à coisa julgada a situação é mais fácil e a extinção imediata desde que comprovada As exceções por sua natureza assumem um caráter de prejudicialidade em relação ao julgamento do mérito eis que exigem um julgamento anterior àquele de mérito Daí por que alguns preferem situar a questão numa dimensão de preliminar na medida em que etimologicamente o vocábulo preliminar vem do latim prefixo pre antes e liminaris algo que antecede de porta de entrada deixando em evidência seu caráter de porta de entrada em relação à questão de fundo mérito pela qual necessariamente devese passar no sentido de conhecer e decidir As exceções são essencialmente instrumentos de defesa Contudo como já advertia ESPÍNOLA FILHO277 nosso Código de Processo Penal rompe com essa estrutura ao permitir que elas sejam declaradas de ofício pelo juiz independente de serem dilatórias ou peremptórias As exceções processuais estão previstas no art 95 do CPP Art 95 Poderão ser opostas as exceções de I suspeição II incompetência de juízo III litispendência IV ilegitimidade de parte V coisa julgada Na sistemática do CPP existem dois tratamentos para as exceções um para a exceção de suspeição e outro para as demais exceções incompetência litispendência ilegitimidade e coisa julgada A exceção de suspeição por ter um tratamento especial será vista na continuação Quanto às demais exceções vigoram as seguintes regras podem ser opostas verbalmente ou por escrito devem ser apresentadas no prazo da resposta do acusado nos termos do art 396A 1º do CPP serão processadas em autos apartados e não suspenderão em regra o andamento do processo podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz em qualquer fase do processo Contudo com a reforma de 20192020 é preciso considerar que a resposta à acusação e as exceções serão apresentadas como regra para o juiz das garantias quando for implantado e não para o juiz da instrução e julgamento Portanto dependendo da situação a exceção poderá ter de ser apresentada depois da resposta já na presença do juiz da instrução especialmente quando ele é a causa da exceção por incompetência ou suspeição por exemplo Dessa forma é preciso afastar qualquer hipótese de preclusão pois o sistema de dois juízes exige que se repense a estrutura antiga à luz da nova sistemática Vejamos agora com mais detalhes cada uma das exceções 211 Exceção de Suspeição Determina o art 96 do CPP que a arguição de suspeição precederá a qualquer outra salvo quando fundada em motivo superveniente A suspeição cria um motivo para imediata cessação de toda interferência278 ou atuação daquela pessoa juiz promotor perito intérpretes serventuários ou funcionários da Justiça Tal sua relevância que ela precederá a toda e qualquer outra pois constitui uma questão a ser decidida imediatamente para só depois de resolvida haver a análise das demais A exceção de suspeição poderá ser oposta em relação ao julgador promotor perito intérpretes ou servidores da Justiça que tenham qualquer tipo de ingerência sobre aquele processo A questão é muito relevante pois envolve em última análise a própria credibilidade e legitimidade do sistema de administração da Justiça Os casos de suspeição e impedimento estão previstos nos arts 252 e s Art 252 O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que I tiver funcionado seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive como defensor ou advogado órgão do Ministério Público autoridade policial auxiliar da justiça ou perito II ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha III tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciandose de fato ou de direito sobre a questão IV ele próprio ou seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive for parte ou diretamente interessado no feito Art 253 Nos juízos coletivos não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes consanguíneos ou afins em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive Art 254 O juiz darseá por suspeito e se não o fizer poderá ser recusado por qualquer das partes I se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles II se ele seu cônjuge ascendente ou descendente estiver respondendo a processo por fato análogo sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia III se ele seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim até o terceiro grau inclusive sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes IV se tiver aconselhado qualquer das partes V se for credor ou devedor tutor ou curador de qualquer das partes VI se for sócio acionista ou administrador de sociedade interessada no processo Art 255 O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casamento que lhe tiver dado causa salvo sobrevindo descendentes mas ainda que dissolvido o casamento sem descendentes não funcionará como juiz o sogro o padrasto o cunhado o genro ou enteado de quem for parte no processo Art 256 A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá la Iniciando pela suspeição do juiz cumpre destacar que ela poderá ser espontaneamente reconhecida de ofício portanto pelo juiz que o fará sempre de forma escrita e fundamentada art 93 IX da Constituição remetendo o feito imediatamente ao seu substituto intimandose as partes Não o fazendo o juiz qualquer das partes réu Ministério Público ou assistente da acusação poderá arguir a exceção de suspeição por escrito em petição assinada por ela ou por procurador com poderes especiais não bastando portanto a mera outorga de poderes feita quando do interrogatório A exceção deverá sempre ser fundamentada e instruída com a prova documental e indicação das testemunhas279 que a amparem Denomina se excipiente aquela parte que faz a exceção e excepto o juiz objeto da exceção Diante dela um desses dois caminhos poderá tomar o juiz a Admitir a arguição suspendendo imediatamente o feito e declarandose suspeito Nesse caso juntará aos autos as provas produzidas e remeterá os autos ao substituto b Não admitir a exceção situação em que autuará em apartado a exceção dando sua resposta em três dias Poderá o juiz instruíla com documentos e também oferecer testemunhas determinando que os autos da exceção sejam remetidos ao tribunal a quem competir o julgamento Eventuais testemunhas arroladas serão ouvidas no tribunal280 pelo relator da exceção Considerando que a exceção tramita em autos apartados permitindo assim que o processo principal siga seu curso na origem pensamos que o excipiente poderá postular no tribunal que seja cautelarmente suspenso o seguimento do processo principal até o julgamento da exceção Isso porque o acolhimento da exceção acarretará a nulidade de todos os atos do processo conforme determina o art 101 do CPP sendo a suspensão uma salutar medida para evitarse um prejuízo processual muito maior depois com a anulação de todos os atos realizados Por outro lado caso seja denegada a exceção os prejuízos de uma eventual suspensão do trâmite do processo principal serão mínimos se comparados com aqueles gerados pela situação inversa Tal suspensão vem parcamente disciplinada no art 102 do CPP mas sua aplicação restritiva ou seja nos limites do texto conduz à mínima eficácia Daí por que pensamos que a suspensão deve considerar a relevância da matéria tratada e as graves consequências da não suspensão do processo principal sem limitarse a concordância ou não da parte contrária Inclusive a valer um mínimo de técnica processual é inegável que a suspensão é uma medida de natureza cautelar condicionada assim ao fumus boni iuris e ao periculum in mora281 Tal pedido e concessão deverá ser feito ao tribunal competente para o julgamento da exceção salvo no caso do art 102 em que caberá ao juiz a quo a decisão não sendo óbice a genérica disposição do art 111 do CPP Questão extremamente relevante mas pouco enfrentada pela doutrina e jurisprudência é a exceção de suspeição do juiz por violação da imparcialidade em virtude dos prejulgamentos É por conta dessa realidade que na reforma de 20192020 foi adotado o juiz das garantias e com ele a presunção de parcialidade de que o mesmo juiz atue do início até o fim do processo Logo o juiz que atua na fase préprocessual juiz das garantias e recebe a denúncia ou queixa até o momento do art 399 não poderá ser o mesmo a instruir e julgar Além de suspeito há um impedimento expresso no art 3ºD Art 3ºD O juiz que na fase de investigação praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo Infelizmente tal dispositivo está com sua eficácia suspensa pela decisão liminar do Min FUX Quanto à suspeição de promotores peritos intérpretes e serventuários da Justiça algumas questões devem ser destacadas O agente do Ministério Público poderá ser objeto de suspeição Os casos de suspeição e impedimento do Ministério Público estão previstos no art 258 do CPP complementado pelos arts 252 a 256 Art 258 Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive e a eles se estendem no que lhes for aplicável as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes Por se tratar de um órgão público sua atuação está vinculada aos princípios de legalidade e impessoalidade Contudo não há que se falar em imparcialidade da parte A exceção não tem por base a pseudoquebra da imparcialidade pois constitui uma aberração jurídica e semântica falar em imparcialidade do MP no processo penal A questão não é nova e já foi muito bem desvelada por CARNELUTTI282 ainda que muitos não tenham compreendido isso até hoje o que também não causa espanto considerando a quantidade de juristas que ainda falam em verdade real homem médio e coisas do gênero Como já explicamos não existe parte imparcial isso é uma construção equivocada e que não encontra qualquer amparo lógico ou semântico O MP é no processo penal uma parte artificialmente criada e construída para ser o contraditor natural do sujeito passivo retirando poderes do juiz para com isso criar condições de possibilidade para que se estabeleça uma estrutura dialética e um processo penal acusatório Na exata definição de WERNER GOLDSCHMIDT quanto mais parcial forem as partes mais imparcial é o juiz esse sim estruturado e constituído a partir da concepção jurídica de terzietàimparcialidade Sem esquecer ainda a precisa definição de GUARNIERI283 quando afirma que acreditar na imparcialidade do Ministério Público é uma ilusão A mesma ilusão de confiar ao lobo a melhor defesa do cordeiro Logo a suspeição do MP não tem por pressuposto a quebra da sua imparcialidade pois ele jamais foi concebido como parteimparcial notem a incompatibilidade semântica do termo A questão situase noutra dimensão Dessa forma não há que se falar do mesmo impedimento que existe para o juiz das garantias em relação ao MP Não há absolutamente nenhum impedimento em que o mesmo promotor atue na investigação preliminar e depois na fase de instrução e julgamento Imparcialidade é atributo de juiz não de acusador que deverá ter inobstante atuação dentro da mais estrita legalidade objetividade e impessoalidade inerente aos agentes públicos Voltando à sistemática do CPP arguida a suspeição do Ministério Público caberá ao juiz decidir após ouvilo e produzir a prova eventualmente postulada Nada impede que o próprio promotorprocurador se dê por suspeito de ofício evitando assim grave prejuízo para o processo Considerando que ao juiz incumbe o papel de garantidor da máxima eficácia da Constituição e portanto do devido processo penal pensamos que a suspeição do Promotor ou Procurador da República também poderá ser suscitada pelo próprio juiz Nesse caso deverá instruir a exceção ouvindo o excepto e encaminhála ao respectivo Tribunal de Justiça ou Regional Federal a quem competirá o julgamento Então marquese a distinção quando a exceção de suspeição do MP for oposta pela defesa caberá ao juiz decidir por outro lado quando suscitada pelo juiz caberá ao tribunal o julgamento Por fim se acolhida a exceção os efeitos são aqueles previstos no art 101 ficarão nulos os atos do processo principal em que houver intervindo o promotorprocurador Muito cuidado devese ter em relação às nulidades por derivação de modo que devem ser anulados todos os atos praticados diretamente pelo promotorprocurador bem como todos aqueles em que ele tiver intervindo principalmente na instrução Para acima de qualquer frágil construção de economia processual ou instrumentalidade das formas está no processo penal a garantia constitucional do due process of law Também haverá exceção de suspeição de peritos intérpretes e serventuários da Justiça nos termos dos arts 105 274 e 281 do CPP Os casos de suspeição desses agentes são os mesmos previstos para os juízes nos arts 252 a 256 do CPP cuja leitura é imprescindível Em todos esses casos caberá ao juiz da causa decidir seguindo o mesmo procedimento anteriormente explicado Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito mas deverão elas declararemse suspeitas quando ocorrer motivo legal prevê o art 107 do CPP A opção legal como sói ocorrer em tudo o que se relaciona ao inquérito policial é péssima Se o CPP cria um dever legal para que os policiais declaremse suspeitos obviamente deve haver um instrumento de controle do cumprimento desse dever Ou seja se a autoridade policial silenciar nada mais poderá ser feito o que constitui no mínimo uma aberração jurídica Não se pode esquecer que com base nos atos do inquérito policial pode se privar uma pessoa de seus bens através das medidas assecuratórias e também de sua liberdade pessoal prisões cautelares Ou seja tiramos o eu e minhas circunstâncias diria Ortega y Gasset logo o todo Há que se tratar com mais seriedade técnica e menos reducionismo o inquérito policial entre outros para reconhecer a possibilidade de uma arguição para o juiz das garantias da suspeição da autoridade policial Enquanto a mudança legislativa e principalmente de mentalidade não vem essas questões acabam sendo tratadas de forma diluída no bojo dos habeas corpus e mandados de segurança impetrados para atacar os atos ilegais já praticados Às autoridades policiais aplicamse as mesmas causas de suspeição e impedimento que aos demais juízes promotores servidores peritos e intérpretes O problema é que o sistema não prevê um instrumento processual que dê eficácia a isso Em suma é equivocada a vedação feita pelo CPP além de substancialmente inconstitucional por ir de encontro ao princípio do devido processo legal 212 Exceção de Incompetência Essa matéria está intimamente vinculada à questão da competência em matéria penal anteriormente analisada Assim recordando a sistemática do CPP a competência poderá ser considerada a partir da matéria pessoa e lugar sendo as duas primeiras consideradas absolutas e portanto passíveis de reconhecimento pelo juiz inclusive pelo juiz das garantias de ofício ou a requerimento das partes a qualquer tempo Quanto à incompetência em razão do lugar por ser considerada relativa deve ser arguida pela parte passiva pois o MP e o querelante já escolhem o lugar quando do oferecimento da denúncia havendo assim uma preclusão dessa matéria para eles no momento da resposta à acusação art 396A sob pena de preclusão e portanto prorrogatio fori Poderá ainda ser reconhecida pelo juiz de ofício nos termos do art 109 do CPP a qualquer tempo Em se tratando de competência absoluta não há que se falar em preclusão ou prorrogatio fori podendo a respectiva exceção de incompetência ser arguida a qualquer momento e em qualquer fase do processo Assim recebendo o juiz a denúncia ou queixa por julgarse competente em razão da matéria pessoa e lugar a exceção deve ser apresentada pela defesa na primeira oportunidade que se manifestar nos autos em regra na resposta escrita do art 396A Quando o próprio juiz entender não ser o competente declinará por isso é chamada declinatoria fori redistribuindo o feito para aquele que ele julgar ser o competente Se o problema da incompetência surgir depois da apresentação da resposta ou seja quando o processo for encaminhado para o juiz da instrução e julgamento incompente a exceção poderá ser apresentada perante ele A exceção de incompetência poderá ser oposta pelo réu ou querelado bem como mediante invocação do Ministério Público nos crimes de ação penal privada em que esse órgão atua como fiscal da lei e não como autor284 Quanto ao processamento da exceção em linhas gerais a deverá ser oposta pela defesa b será por escrito ou se feita oralmente àquela forma será reduzida c deve ser apresentada no prazo da resposta à acusação ou no primeiro momento em que o rito permitir a manifestação da defesa técnica d será processada em autos apartados e não suspenderá o andamento do processo Oposta a exceção será ouvido o Ministério Público salvo quando ele é o proponente no caso de ação penal privada cabendo a seguir ao juiz proferir decisão Se julgar procedente a exceção declinará para o juiz que entenda ser o competente cabendo a ele ratificar os atos já praticados art 108 1º do CPP Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito nos termos do art 581 II do CPP pela outra parte prejudicada acusador Devese considerar ainda nesse caso que o juiz que recebe o processo poderá se não concordar com a redistribuição suscitar o respectivo conflito negativo de competência ou jurisdição nos termos dos arts 113 e seguintes como será explicado na continuação Em não acolhendo a exceção afirmará sua competência e continuará presidindo o feito Infelizmente na sistemática do CPP a exceção não é remetida automaticamente para o respectivo tribunal Diante da ausência de recurso para atacar essa decisão denegatória poderá ser impetrado habeas corpus como instrumento de ataque colateral fundado na nulidade do processo por violação do devido processo legal e o direito ao juiz natural ou ainda deixar a matéria para ser objeto de arguição em preliminar da apelação quando da prolação da sentença final desfavorável 213 Exceção de Litispendência Inicialmente cumpre ressaltar a inadequação da expressão litispendência para o processo penal na medida em que resulta de uma transmissão mecânica de categorias do processo civil Como já explicado não existe lide no processo penal de modo que a noção de lides pendentes como definição de litispendência não nos serve285 Devese estruturar essa exceção a partir do conceito de acusações ou imputações repetidas igualmente pendentes de julgamento Tratase então de duplicidade de acusações em curso relativas ao mesmo réu pelo mesmo fato A litispendência então considerada na dimensão de imputação ou acusação repetida e pendente de julgamento no processo penal tem importância já na fase preliminar Isso porque não há que se admitir duas investigações preliminares tramitando em paralelo em diferentes órgãos em relação ao mesmo caso penal Com mais razão jamais se deve admitir o bis in idem duplicidade de acusações em relação ao mesmo fato aparentemente criminoso de modo que a exceção de litispendência conduzirá inexoravelmente à extinção de um dos feitos é uma exceção peremptória Permanecerá aquele cujo juiz tiver competência prevalente seja pela prevenção ou por qualquer dos critérios anteriormente expostos Para identificação da litispendência devese atentar para o fato natural que integra o caso penal bem como para o imputado Necessariamente deve haver pendência de duas acusações em relação ao mesmo fato natural ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em relação ao mesmo imputado Irrelevante no processo penal nesse caso a igualdade de partes pois o órgão acusador será sempre o mesmo Logo a relevância da análise está na legitimidade passiva o réu deve ser o mesmo nos dois processos Da mesma forma não há que se considerar o pedido como elemento identificador pois o pedido na ação processual penal é sempre igual de condenação286 Tal matéria poderá ser arguida sob a forma de exceção apresentada portanto na resposta à acusação sem nenhum impedimento a que seja impetrado habeas corpus para o trancamento do processo ou reconhecida de ofício a qualquer momento Como determina o CPP a exceção de litispendência seguirá o mesmo procedimento previsto para a exceção de incompetência com algumas especificidades a deverá ser oposta pela defesa pelo Ministério Público287 ou reconhecida de ofício a qualquer tempo b será por escrito ou se feita oralmente àquela forma será reduzida c não há prazo para essa exceção pois enquanto não for julgada a pretensão acusatória surgindo contra o mesmo réu pelo mesmo fato novo processo poderá ela ser arguida288 d será processada em autos apartados e não suspenderá o andamento do processo Se acolhida a exceção de litispendência o feito será extinto Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito nos termos do art 581 III do CPP Em não sendo acolhida a exceção caberá à parte na ausência de previsão de recurso impetrar habeas corpus para o trancamento do processo instaurado em duplicidade 214 Exceção de Ilegitimidade de Parte Recordemos que a ação penal pública é de legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público Excepcionalmente poderá o ofendido ou seu representante legal em caso de inércia do MP ajuizar a ação penal privada subsidiária Fora desse caso em sendo oferecida uma queixacrime por parte da vítima em crime de ação penal pública deve o imputado opor a presente exceção Na prática forense por se tratar de manifesta ilegitimidade a via do habeas corpus para o trancamento do processo instaurado a partir da queixa crime é o caminho mais adequado até por sua celeridade Não obstante em tese nada impede a utilização da exceção de ilegitimidade tanto para atacar a ilegitimidade ad processum capacidade processual como também a ilegitimidade ad causam que nos remete à titularidade da ação conforme seja pública ou privada Inclusive devese considerar que o CPP não faz qualquer distinção entre elas nessa matéria ou mesmo quando no art 395 II disciplina a rejeição da acusação A ilegitimidade pode ser arguida pela parte passiva ou reconhecida pelo juiz a qualquer momento Quando reconhecida a ilegitimidade ad causam aquela relativa à titularidade da ação penal deverá o juiz rejeitar a denúncia ou queixa art 395 II do CPP ou caso já tenha sido recebida extinguir o feito sem julgamento do mérito Isso não impede que nova ação seja proposta desde que feita por parte legítima Em se tratando de ilegitimidade ad processum poderá igualmente ser arguida pela parte passiva ou reconhecida pelo juiz de ofício Nesse caso aplicase o disposto no art 568 do CPP Art 568 A nulidade por ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada mediante ratificação dos atos processuais Seguindo a sistemática das demais exceções poderá ser oposta verbalmente ou por escrito sendo no primeiro caso reduzida a termo Considerando que a ilegitimidade ativa conduz à nulidade absoluta não vemos qualquer possibilidade de fixação de um prazo preclusivo podendo assim ser aduzida a qualquer tempo Após a exceção apresentada pela defesa será dada vista para que o autor MP ou querelante se manifeste Como nas demais exceções será autuada em apartado Por fim se acolhida a exceção caberá o recurso em sentido estrito previsto no art 581 III do CPP Não sendo acolhida a exceção significa que o processo continuará com a parte ativa ilegítima E contra essa decisão não há previsão de recurso algum Daí por que caberá ao réu interpor habeas corpus art 648 VI do CPP para trancamento do processo por sua manifesta nulidade em virtude da ilegitimidade ativa Nada impede que a questão volte a ser ventilada em preliminar da apelação interposta contra a sentença condenatória ao final proferida 215 Exceção de Coisa Julgada Tratase de exceção peremptória pois se acolhida conduz à extinção do processo A exceção de coisa julgada terá por objeto a alegação de que o réu já foi definitivamente julgado condenado ou absolvido por aquele mesmo fato natural Deve haver identidade de sujeito passivo e fato entre o processo já encerrado e aquele que agora está em tramitação Como explica GÓMEZ ORBANEJA289 em posição compartilhada por ARAGONESES ALONSO a coisa julgada fica circunscrita subjetivamente pela identidade da pessoa do réu e objetivamente pela identidade do fato Como já explicamos ao tratar da litispendência cuja distinção fundamental é que na litispendência os dois processos estão tramitando ao passo que na exceção de coisa julgada um deles já foi definitivamente encerrado para identificação da duplicidade devese atentar para o fato natural que integra o caso penal bem como para o imputado Necessariamente deve haver uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural290 ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em face do mesmo imputado que já foram objeto de processo anterior Novamente o que se busca é evitar um bis in idem de processos e de punições em relação ao mesmo fato Daí decorrem os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada Os limites objetivos dizem respeito ao fato natural objeto do processo e posterior sentença não interessando a qualificação jurídica que receba Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ291 o princípio do ne bis in idem é uma exigência da liberdade individual que impede que os mesmos fatos sejam processados repetidamente sendo indiferente que eles possam ser contemplados em ângulos penais formais e tecnicamente distintos Mas é importante compreender a vinculação entre os limites objetivos e os limites subjetivos da coisa julgada que vêm dados pela identidade do imputado ou imputados Ou seja impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Como explica MAIER292 para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico a imputação tem de ser idêntica e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa Assim nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato seja porque se demonstrou a participação ou coautoria ou ainda porque o réu foi absolvido ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados Seguindo a clássica distinção a coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira Logo surge inicialmente a irrecorribilidade da decisão a preclusão coisa julgada formal e após a imutabilidade da decisão ou seja a produção exterior de seus efeitos coisa julgada material É a consagrada lição de LIEBMAN dos degraus da escada ou seja o primeiro degrau seria a produção da coisa julgada formal dentro do processo através da impossibilidade de novos recursos Superado o primeiro degrau pode a coisa julgada ser material atingindo o segundo degrau Nesse nível os efeitos vinculatórios da decisão extrapolam os limites do processo originário impedindo novos processos penais sobre o mesmo caso ou seja tendo por objeto o mesmo fato natural e o mesmo réu sendo assim imutável Explica ROXIN293 que com os conceitos de coisa julgada formal e material são descritos os diferentes efeitos da sentença sendo que a coisa julgada formal se refere à inimpugnabilidad de una decisión en el marco del mismo proceso denominado pelo autor efecto conclusivo ao passo que a coisa julgada material provoca que a causa definitivamente julgada não possa ser novamente objeto de outro procedimento pois o direito de perseguir penalmente está esgotado efeito impeditivo A coisa julgada no processo penal é peculiar pois somente produz sua plenitude de efeitos coisa soberanamente julgada quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu ou pro societate ainda que surjam novas provas cabais da autoria e materialidade Tratase de uma opção democrática fortalecimento do indivíduo de cunho políticoprocessual de modo que uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória em nenhuma hipótese aquele réu poderá ser novamente acusado por aquele fato natural Já a sentença condenatória por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo inclusive após a morte do réu art 623 do CPP jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos Quando ocorre somente a coisa julgada formal dizse que houve preclusão já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material e somente se produz nos julgamentos de mérito As decisões de natureza processual como pronúncia impronúncia ou dependendo do caso de rejeição da denúncia art 395 do CPP por não implicarem análise de mérito somente conduzem à coisa julgada formal ou seja mera preclusão das vias recursais Mudando o enfoque quando estivermos diante de concurso formal material ou crime continuado a situação deve ser analisada à luz das regras de conexão ou continência conforme o caso para reunião e julgamento simultâneo Contudo quando os processos tramitarem em paralelo ou de forma sucessiva a soma concurso material ou unificação das penas concurso formal ou crime continuado deverá ocorrer na fase de execução penal art 82 Recordemos que tanto o concurso formal como o crime continuado são unidades delitivas por ficção normativa ou seja são um delito por ficção do direito penal pois são diferentes situações fáticas Assim se Mané mediante uma única ação praticar dois ou mais crimes nos termos do art 70 do Código Penal haverá continência art 77 II do CPP implicando julgamento simultâneo Contudo se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e após a sentença tanto faz condenatória ou absolutória forem descobertos os demais em relação a eles poderá o réu ser novamente processado pois não há identidade de fatos naturais para constituição da coisa julgada Se condenado a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal nos termos do art 82 do CPP Da mesma forma será o tratamento caso o réu seja processado por apenas um dos crimes e posteriormente vierem a ser descobertos outros praticados em continuidade delitiva ou concurso material Como são fatos diversos nada impedirá o nascimento de novo processo pois não há coisa julgada em relação a eles Não se desconhece a importância de uma análise específica para cada caso até porque tanto no crime continuado como no concurso formal dependendo do fundamento da sentença absolutória e do contexto probatório um novo processo por fato não incluído na acusação anterior pode ser completamente desnecessário Contudo isso será objeto de discussão noutra dimensão como falta de justa causa ou mesmo ausência de suficiente fumus commissi delicti Não se trata propriamente de coisa julgada pois o fato natural é diverso Quanto ao crime habitual em que sua constituição exige várias ações com uma unidade substancial de fatos caracterizada pela habitualidade há sim produção do efeito impeditivo da coisa julgada material Isoladamente os fatos são atípicos Daí por que se alguém for acusado de exercício ilegal da medicina art 282 do CP crime que exige a habitualidade para sua configuração e após a sentença penal condenatória transitar em julgado forem descobertos novos fatos ocorridos naquele mesmo período de tempo não poderá ser o agente novamente acusado O crime somente se configura se presente a habitualidade de modo que os fatos posteriormente descobertos mas ocorridos naquele mesmo período estão abrangidos pela punição Contudo se após a sentença o réu vier novamente a praticar habitualmente a conduta descrita no tipo esse novo conjunto de ações constituirá um novo crime não atingido pela coisa julgada Noutra dimensão devese analisar se a coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave Por exemplo se A for acusado de tentativa de homicídio porque em determinado local e data desferiu tiros contra a vítima B não tendo o resultado morte se produzido por motivos alheios à sua vontade Se a vítima morrer em decorrência dos ferimentos e o réu ainda não tiver sido julgado deverá o Ministério Público promover o aditamento nos termos do art 384 do CPP Contudo quando sobrevier sentença transitada em julgado seja absolutória ou condenatória pensamos que a coisa julgada impedirá novo processo Haveria bis in idem em submeter o réu a novo processo e a exceção de coisa julgada deve ser oferecida pois há identidade substancial do fato natural e também do imputado Assim deve ser reconhecido o efeito impeditivo inerente à coisa julgada material pelos mesmos postulados de política processual que impedem revisão criminal pro societate e portanto contra o réu Do contrário estaria sendo criada uma situação de pendência na qual mesmo após o trânsito em julgado o réu poderia a qualquer tempo voltar a ser processado agora por delito consumado em caso de morte da vítima Os mesmos fundamentos da necessária estabilidade das decisões e de que as situações penais tenham uma solução definitiva fazem com que a coisa julgada produzida em relação ao delito tentado impeça novo processo em caso de posterior consumação Na mesma linha encontrase ainda a imutabilidade da sentença absolutória nula Como se verá ao tratar das nulidades a sentença penal absolutória mesmo que absolutamente nula uma vez transitada em julgado produz plenamente os efeitos da coisa julgada material não mais podendo ser alterada Por fim a coisa julgada poderá ser conhecida pelo juiz a qualquer tempo inclusive pelo juiz das garantias extinguindo o feito com a sua comprovação Não o sendo a exceção poderá ser arguida pela parte passiva no prazo da resposta à acusação do art 396A mas nada impede que o faça a qualquer tempo sendo processada em autos apartados nos termos do art 111 cc art 396A 1º do CPP Da decisão que julgar procedente a exceção caberá recurso em sentido estrito art 581 III do CPP Em sendo reconhecida a coisa julgada de ofício pelo juiz o recurso cabível será a apelação art 593 II do CPP Sendo rejeitada a exceção de coisa julgada não caberá recurso algum Contudo nada impede que a parte interessada alegue a coisa julgada na preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória proferida em primeiro grau 22 Conflito de Jurisdição e de Competência Haverá conflito de jurisdição ou competência nos termos do art 114 do CPP quando Art 114 Haverá conflito de jurisdição I quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso II quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo junção ou separação de processos Haverá o conflito negativo de jurisdição ou de competência quando duas ou mais autoridades judiciárias se disserem igualmente incompetentes para o julgamento Será positivo o conflito quando dois juízes ou tribunais se acharem igualmente competentes para o julgamento do processo O conflito será de jurisdição quando ocorrer entre órgãos da jurisdição especial militar e eleitoral entre órgãos da jurisdição especial e comum federal ou estadual bem como entre órgãos da Justiça Comum Federal em relação a outro da Justiça Estadual Será de competência o conflito quando ocorrer entre órgãos julgadores pertencentes à mesma Justiça e vinculados ao mesmo tribunal Assim haverá conflito de jurisdição entre juiz eleitoral e juiz de direito ou entre juiz militar e um juiz federal por exemplo Também será de jurisdição o conflito entre juiz federal e juiz de direito estadual ou ainda entre juízes federais subordinados a diferentes Tribunais Regionais Federais Haverá conflito de competência quando for entre juízes de direito de diferentes cidades entre juiz e Tribunal do Júri entre juízes federais subordinados ao mesmo TRF etc Relevante nessa matéria é a definição do órgão competente para julgar o respectivo conflito positivo ou negativo que será sempre jurisdição superior àqueles entre os quais se estabeleceu o conflito Assim exemplificativamente se o conflito for entre juízes de direito esta duais competirá ao respectivo Tribunal de Justiça ao qual estão vinculados a decisão se forem juízes de diferentes estados caberá ao STJ o julgamento do conflito entre juízes federais caberá ao respectivo TRF ao qual eles estão vinculados mas se pertencerem a tribunais de regiões diferentes caberá ao STJ o julgamento do conflito Relevante ainda é o conflito positivo ou negativo de jurisdição que pode ocorrer entre um juiz de direito e um juiz federal Nesse caso caberá ao STJ o julgamento Inviável que o julgamento seja proferido pelo TJ pois a ele não está vinculado o juiz federal Na mesma dimensão também não poderá o conflito ser resolvido pelo TRF pois a ele não se vincula o juiz de direito Daí por que o órgão jurisdicional superior a ambos é o STJ cabendo a ele o julgamento do conflito Por fim ao lado dos conflitos de jurisdição e competência é possível ocorrer um conflito de atribuições entre autoridades administrativas como Ministério Público e Polícia Judiciária Nesses casos o conflito de poderes administrativos acabará sendo resolvido no âmbito da própria administração caso da polícia judiciária ou com a intervenção do poder jurisdicional Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 QUESTÕES PREJUDICIAIS Questões Prejudiciais arts 92 e seguintes do CPP A prova da existência do crime depende de decisão prévia sobre uma questão controversa séria e fundada na esfera cível sobre o estado civil das pessoas A prejudicialidade reside nesta impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão Prejudicialidade obrigatória a existência do crime depende de prévia decisão de jurisdição extrapenal O processo penal será suspenso e a prescrição até que a controvérsia seja dirimida por sentença transitada em julgado art 116 Prejudicialidade facultativa o juiz poderá suspender o processo criminal quando a questão versar sobre circunstância ou elementar do crime que não seja estado civil das pessoas e tampouco sobre direito cuja prova a lei civil limite e de difícil solução 2 PROCESSOS INCIDENTES 21 Das Exceções Processuais Exceções são formas de defesa indireta que não atacam o núcleo do caso penal Estão previstas nos arts 95 a 112 do CPP e podem ser alegadas na resposta à acusação art 396A São autuadas em apartado podendo ser opostas por escrito ou verbalmente e como regra não suspendem o andamento do processo podendo ser conhecidas de ofício pelo juiz em qualquer fase do processo Podem ser opostas exceções de 211 Suspeição os casos de suspeiçãoimpedimento estão previstos nos arts 252 a 256 Acolhida o juiz suspende o feito e encaminha para outro juiz Não admitida será remetida ao tribunal que acolhendo determina a nulidade de todos os atos do processo art 101 Pode haver suspensão do feito art 102 Pode haver alegação de suspeição de membro do MP arts 258 252 a 256 e também de peritos intérpretes e serventuários da justiça arts 105 274 e 281 Não pode ser alegada suspeição de autoridades policiais mas deverão elas declararse suspeitas art 107 A exceção de suspeição do juiz por violação da imparcialidade não está expressamente definida mas o art 254 não é taxativo sendo admitida quando houver prejulgamento ou quebra da imparcialidade objetiva decorrente do ativismo judicial quando o juiz rompendo com a estrutura do sistema acusatório vai de ofício em busca de provas 212 Incompetência de juízo predomina o entendimento de que a competência em razão do lugar é relativa e deve ser alegada pelo réu na resposta à acusação sob pena de preclusão A competência em razão da pessoa e matéria é absoluta e pode ser conhecida inclusive de ofício e em qualquer fase do processo Se acolhida serão os autos encaminhados ao juiz competente Se rejeitada seguirá o processo e não há previsão de recurso 213 Litispendência quando há duplicidade de acusações contra o mesmo réu pelo mesmo fato Se acolhida o feito será extinto cabendo RSE art 581 III Não sendo acolhida não há recurso previsto podendo a parte impetrar HC para o trancamento do processo instaurado em duplicidade 214 Ilegitimidade de parte a exceção de ilegitimidade pode ser oposta pela defesa contra o acusador legitimidade ativa tanto para atacar a ilegitimidade ad processum capacidade processual como também ad causam remetenos para a titularidade da ação conforme seja pública ou privada Pode ser oposta pela defesa ou conhecida de ofício pelo juiz a qualquer momento Se acolhida caberá RSE art 581 III Não sendo acolhida não há previsão de recurso podendo ser interposto HC ou ventilada posteriormente em preliminar de apelação 215 Coisa julgada é uma exceção peremptória pois se acolhida conduz à extinção do processo É oposta quando o mesmo réu já foi julgado definitivamente pelo mesmo fato ne bis in idem A coisa julgada tem limites objetivos fato natural não interessando a qualificação jurídica e subjetivos identidade do imputado Poderá ser formal irrecorribilidade da decisão preclusão ou material imutabilidade da decisão produção exterior de seus efeitos sendo que a segunda pressupõe a primeira A coisa julgada no processo penal somente produz a plenitude de seus efeitos coisa soberanamente julgada em relação à sentença absolutória pois a sentença condenatória pode ser objeto de revisão criminal a qualquer tempo arts 621 e s Pode ser alegada a qualquer tempo e também conhecida de ofício pelo juiz Se acolhida caberá RSE art 581 III Mas se for declarada de ofício caberá apelação art 592 II Se rejeitada não caberá recurso mas nada impede que seja impetrado HC ou alegada em preliminar de apelação 22 Conflito de jurisdição e competência está previsto no art 114 do CPP O conflito será de jurisdição quando ocorrer entre órgãos da jurisdição especial entre especial e comum ou entre órgãos da justiça comum federal ou estadual Será de competência quando ocorrer entre julgadores da mesma justiça vinculados ao mesmo tribunal O conflito será sempre resolvido por um órgão de jurisdição superior àqueles entre os quais se estabeleceu o conflito É possível o conflito de atribuições entre autoridades administrativas seja entre membros do Ministério Público da polícia ou entre MP e polícia judiciária Será negativo o conflito quando duas ou mais autoridades judiciárias se disserem incompetentes e positivo quando dois ou mais julgadores se acharem igualmente competentes para o julgamento do processo Capítulo VIII TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO PENAL 1 Conceito e Função da Prova 11 O Ritual de Recognição O processo penal é um instrumento de retrospecção de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico Como ritual está destinado a instruir o julgador a proporcionar o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato Nesse contexto as provas são os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado crime O tema probatório é sempre a afirmação de um fato passado não sendo as normas jurídicas como regra tema de prova por força do princípio iura novit curia294 Isso decorre do paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário um juiz julgando no presente hoje um homem e seu fato ocorrido num passado distante anteontem com base na prova colhida num passado próximo ontem e projetando efeitos pena para o futuro amanhã Assim como o fato jamais será real pois histórico o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e com certeza não será o mesmo que cumprirá essa pena e seu presente no futuro será um constante reviver o passado295 O processo penal inserido na complexidade do ritual judiciário busca fazer uma reconstrução aproximativa de um fato passado Através essencialmente das provas o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença É a prova que permite a atividade recognoscitiva do juiz em relação ao fato histórico story of the case narrado na peça acusatória O processo penal e a prova nele admitida integram o que se poderia chamar de modos de construção do convencimento do julgador que formará sua convicção e legitimará o poder contido na sentença Assim a atividade do juiz é sempre recognitiva pois como define JACINTO COUTINHO a um juiz com jurisdição que não sabe mas que precisa saber dáse a missão de dizer o direito no caso concreto Daí por que o juiz é por essência um ignorante ele desconhece o fato e terá de conhecêlo através da prova Logo a prova para ele é sempre indireta A rigor a classificação entre provas diretas e indiretas é um desacerto pois como explica CORDERO296 excetuandose os delitos cometidos na sala de audiência297 todas as provas são indiretas pois consistem em signos do suposto fato Analisando a semiótica298 das provas verificase que as provas indiretas servem para através dos equivalentes sensíveis estabelecer se algo ocorreu299 As provas são signos do fato que se quer conhecer isto é uma relação semiótica configurável de diversos modos em que da correspondente análise surge a mais útil das possíveis classificações Instruere chegou a ser um verbo próprio da arquitetura significando construir edificar ordenar com método300 Trasladado ao Direito instruir corresponde à tarefa de recolher as provas que permitam uma aproximação do fato histórico Analisando o metabolismo do juízo histórico CORDERO301 afirma que os processos são máquinas retrospectivas que se dirigem a estabelecer se algo ocorreu e quem o realizou cabendo às partes formular hipóteses e ao juiz acolher a mais provável com estrita observância de determinadas normas trabalhando com base em um conhecimento empírico 12 Função Persuasiva da Prova Crença Fé e Captura Psíquica Nessa atividade a instrução preliminar ou processual e as provas nela colhidas são fundamentais para a seleção e eleição das hipóteses históricas aventadas302 As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses com a finalidade de convencer o juiz função persuasiva303 Nesse mister persuasivo CORDERO aponta para uma palavrachave fé Os locutores pretendem ser acreditados e tudo o que dizem tem valor enquanto os destinatários crerem Os resultados dependem de variáveis relacionadas aos aspectos subjetivos e emocionais do ato de julgar crer fé Como ensina GARAPON304 o ritual judiciário está eivado de simbolismo sagrado As provas desempenham uma função ritual na medida em que são inseridas e chamadas a desempenhar um papel de destaque na complexidade do ritual judiciário Basta atentar para a arquitetura dos tribunais principalmente os mais antigos para verificar que são plágios das construções religiosas templos e igrejas com suas portas imensas estátuas por todos os lados crucifixo na sala de audiência pendendo sobre a cabeça do juiz etc Como se não bastasse os atores que ali circulam utilizam diversas expressões em latim e pasmem usam a toga preta Depois de tudo isso o depoente ainda presta o compromisso de dizer a verdade e em alguns sistemas presta o juramento colocando a mão no peito ou sobre a bíblia É todo um ritual de intimidação que reforça as relações de poder e de subordinação ao mesmo tempo em que deixa claro que o binômio crime pecado nunca foi superado No que se refere às provas o simbolismo também deve ser considerado na perspectiva da função persuasiva como atrativos para tentar uma captura psíquica CORDERO de quem está declarando e também dar maior credibilidade fé para quem julga Ademais como explica TARUFFO305 além da função persuasiva em relação ao julgador as provas servem para fazer crer que o processo penal determina a verdade dos fatos porque é útil que os cidadãos assim o pensem ainda que na realidade isso não suceda e quiçá precisamente porque na realidade essa tal verdade não pode ser obtida é que precisamos reforçar essa crença Mas para tanto o primeiro destinatário da crença é o juiz Com a costumeira precisão de seus conceitos ARAGONESES ALONSO306 nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz É inafastável que o juiz elege versões entre os elementos fáticos apresentados e até o significado justo da norma Esse eleger também se expressa na valoração da prova crença e na própria axiologia incluindo a carga ideológica que faz da norma penal ou processual penal aplicável ao caso Em suma o processo penal tem uma finalidade retrospectiva em que através das provas pretendese criar condições para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado sendo que o saber decorrente do conhecimento desse fato legitimará o poder contido na sentença 2 Epistemologia da Prova e o Lugar da Verdade no Processo Penal Uma das questões perenes do processo penal é a luta pelo controle do poder punitivo que se manifesta na decisão judicial e reflete a valoração da prova produzida Existe um tensionamento constante entre prova e decisão que culmina na necessidade de um controle epistêmico que permeia a admissão produção valoração e decisão Não basta controle rígido na admissão e produção da prova se depois abrirmos espaço para o decisionismo para o decidoconformeaminha consciência que tem sido objeto de certeira crítica de Lenio STRECK em inúmeros escritos e também de diversos autores Existe portanto uma íntima relação e interação entre prova e decisão penal de modo a estabelecer mecanismos de controle em ambas as dimensões e com isso reduzir o autoritarismo e o erro judiciário É necessário além de estabelecer as regras de admissão e produção da prova que se defina o que é necessário em termos de prova qualidade e credibilidade para proferir uma sentença condenatória ou absolutória A epistemologia jurídica e nossas considerações são epidérmicas e introdutórias enquanto ramo da filosofia que se ocupa de uma teoria do conhecimento e dos problemas relacionados a ele é fundamental para o direito probatório A prova penal enquanto meio através do qual o juiz ignorante porque ignora os fatos conhece de algo que em não conhecendo precisa muito conhecer para julgar dialoga constantemente com a epistemologia É através da prova que ele conhece mas também existe um ritual para que esse conhecimento seja obtido e limites a ele Quando se estrutura por exemplo uma teoria da prova ilícita se está interditando o conhecimento através daquela prova impondo e esse é o preço a ser pago um obstáculo e limitação epistemológico Por outro lado uma testemunha ou perito ao presenciar um acontecimento da vida ou um objeto no caso do perito coloca a atividade cognitiva em ação com suas limitações e problemas Se estabelece uma relação sujeito objeto ou mais especificamente uma complexa relação entre sujeito cognoscente e o objeto cognoscível Esse conhecimento obtido interessa para o binômio provasentença e precisa ser valorado e avaliado pois deve ter um nível de qualidade epistêmica E aqui entra mais uma variável importante a questão da verdade no processo penal Ou especificamente qual é o lugar da verdade no processo penal e na discussão sobre a epistemologia da prova A doutrina majoritária que atualmente trata da epistemologia jurídica da prova no processo penal incide com meritórias exceções no erro da teoria geral do processo Ou seja partindo de concepções e doutrina civilista como por exemplo Michele Taruffo que é um excelente autor mas civilista pretende analisar a prova penal desconsiderando uma premissa básica a diferente fenomenologia do processo penal em relação ao processo civil Já tratamos desse tema no início desta obra e para lá remetemos o leitor para evitar repetições mas em suma é um erro fazer transmissões mecânicas das categorias do processo civil para o processo penal desconsiderando a especificidade do objeto do processo penal e o complexo ritual de exercício de poder estabelecido absolutamente diferente do processo civil Nesta perspectiva do erro da TGP é comum lermos autores afirmando que a averiguação da verdade ou a busca da é o objeto fundamental do processo O erro está na centralidade da verdade307 como objetivo e fator de legitimação do processo penal Aplicável aqui a célebre frase de JOSEPH GOEBBELS ministro de propaganda nazista de Hitler uma boa mentira repetida centenas de vezes acaba se tornando uma verdade e no caso do processo penal uma verdade real ou substancial Impressionante a crença nesse mito ardilosamente construído pelo substancialismo inquisitório e posteriormente repetido por muitos incautos e por outros nem tanto Quando se trata da prova no processo penal culminamos por discutir também que verdade foi buscada no processo Isso porque como explicamos anteriormente o processo penal é um modo de construção do convencimento do juiz fazendo com que as limitações imanentes à prova afetem a construção e os próprios limites desse convencimento Daí por que de nada serve lutar pela efetivação do modelo acusatório e a máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição quando tudo isso esbarra na atuação substancialista de quem busca uma inalcançável verdade real Historicamente308 está demonstrado empiricamente que o processo penal sempre que buscou uma verdade mais material e consistente e com menos limites na atividade de busca produziu uma verdade de menor qualidade e com pior trato para o imputado Esse processo que não conhecia a ideia de limites admitindo inclusive a tortura levou mais gente a confessar não só delitos não cometidos mas também alguns impossíveis de serem realizados O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório com o interesse público cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades com sistemas políticos autoritários com a busca de uma verdade a qualquer custo chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos e com a figura do juizator inquisidor O maior inconveniente da verdade real foi ter criado uma cultura inquisitiva que acabou se disseminando por todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal A partir dela as práticas probatórias mais diversas estão autorizadas pela nobreza de seus propósitos a verdade Noutra dimensão devemos sublinhar na esteira de FERRAJOLI309 que a verdade substancial ao ser perseguida fora das regras e controles e sobretudo de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação degenera o juízo de valor amplamente arbitrário de fato assim como o cognoscitivismo ético sobre o qual se embasa o substancialismo penal e resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal Dessarte há que se descobrir a origem e a finalidade do mito da verdade real nasce na Inquisição e a partir daí é usada para justificar os atos abusivos do Estado na mesma lógica de que os fins justificam os meios Assim no processo penal só se legitimaria a verdade formal ou processual Tratase de uma verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação e que só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes Como explica FERRAJOLI310 a verdade processual não pretende ser a verdade Não é obtida mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual mas sim condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa A verdade formal é mais controlada quanto ao método de aquisição e mais reduzida quanto ao conteúdo informativo que qualquer hipotética verdade substancial Essa limitação se manifesta em quatro sentidos I a tese acusatória deve estar formulada segundo e conforme a norma II a acusação deve estar corroborada pela prova colhida através de técnicas normativamente preestabelecidas III deve ser sempre uma verdade passível de prova e oposição IV a dúvida falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõem a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual às hipóteses acusatórias O valor do formalismo está em presidir normativamente a indagação judicial protegendo a liberdade dos indivíduos contra a introdução de verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis FERRAJOLI311 vai definir a verdade processual como uma verdade aproximativa aquela limitada por lo que sabemos e portanto sempre contingente e relativa Diferencia o autor a verdade processual fática da verdade processual jurídica A primeira é uma verdade histórica porque se refere a fatos passados Já a verdade processual jurídica é classificatória pois diz respeito à qualificação jurídica dos fatos passados a partir do rol de opções que as categorias jurídicas oferecem Essa distinção é relevante para definir como se dará a verificabilidade dessas proposições Os fatos passados não são passíveis de experiência direta senão verificados a partir de suas consequências de seus efeitos Tratase de interpretar os signos do passado deixados no presente O presente é experimentável O passado tem de ser provado Nessa atividade o juiz assemelhase ao historiador de modo que após um raciocínio indutivo chegará a uma conclusão que tem o valor de hipótese provável probabilidade Portanto quem fala em verdade real confunde o real com o imaginário pois o crime é sempre um fato passado logo é história memória fantasia imaginação É sempre imaginário nunca é real Já a verdade processual jurídica está relacionada com a subsunção do fato à norma um procedimento classificatório A lógica aqui é dedutiva o conhecido silogismo que se realiza na sentença Claro que não se trata de mera adequação do fato à norma Permeia essa atividade uma série de variáveis de natureza axiológica inerentes à subjetividade específica do ato decisório até porque toda reconstrução de um fato histórico está eivada de contaminação decorrente da própria atividade seletiva desenvolvida Mas desconstruir o mito da verdade real não é suficiente é necessário questionar também a verdade processual e principalmente a ambição de verdade A verdade processual não está isenta de críticas como veremos Não se trata desde logo advertimos de negar a verdade no processo penal senão de discutir qual é o lugar que ela ocupa legitimante do poder jurisdicional ou contingencial deslocando o argumento de legitimação para o respeito ao devido processo A questão verdade no processo está diretamente vinculada à função da prova no processo penal como bem identifica TARUFFO312 sendo que situamos a discussão no terreno da semiótica e das narrativas do processo A premissa fundamental é que o processo é uma situação situação jurídica GOLDSCHMIDT na qual se desenvolvem diálogos e se narram fatos Essas narrativas e diálogos melhor discursos têm relevância desde sua estrutura semiótica e linguística não sendo relevante a relação entre narrativa e realidade empírica Não existe uma determinação de veracidade ou melhor não é a verdade elemento fundante Cada prova é tomada como um fragmento da história TARUFFO emprega a palavra story um pedaço da narrativa interessando pela dimensão linguística e semiótica do processo como uma das tantas ocorrências do debate As provas são utilizadas pelas partes para dar suporte à story of the case que cada advogado propõe ao juiz A decisão final é a adoção de uma ou outra das narrativas Fica excluída qualquer referência à veracidade das teses É em síntese uma função persuasiva da prova criticada pelo autor por uma suposta vagueza e incerteza de conceitos e limites Nessa dimensão dialógiconarrativa a única função que pode ser imputada à prova é a de avalizar a narrativa desenvolvida por um dos personagens do diálogo tornandoa idônea para ser assumida como própria por outro personagem o juiz TARUFFO ainda vinculado à razão moderna clássico racionalismo jurídico não admite essa corrente Elementar que superado o paradigma cartesiano assumida a subjetividade e o caráter inegável de ritual do processo judicial compreendese que o processo penal principalmente o acusatório é uma estrutura de discursos E o que o juiz faz ao final é exatamente a eleição dos significados de cada um deles para construção do seu sentença Daí por que nossa posição se situa na coexistência da função ritual com a persuasiva Feita essa distinção pensamos que é o momento de retomando CARNELUTTI apenas como ponto de partida problematizar se a verdade processual é adequada Com razão CARNELUTTI quando dizia já em 1925 ser estéril a discussão a respeito de viger a verdade real material ou a verdade processual formal O problema é a verdade Para o autor inspirado em HEIDEGGER a verdade é inalcançável até porque a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós313 Além de inalcançável tampouco existem verdades absolutas como a própria ciência encarregouse de demonstrar pois todo o saber é datado e tem prazo de validade Einstein Uma teoria só vale até que outra venha para negála Logo a verdade está no todo e o todo é excessivo jamais pode ser alcançado pelo homem314 Então propõe CARNELUTTI o abandono da noção de verdade e sua substituição por certeza jurídica Mas isso resulta numa mera substituição por outra categoria igualmente excessiva certeza Com o atual nível de evolução da ciência especialmente da física quântica operouse o fim das certezas como definiu PRIGOGINE É chegado o momento de o direito reconhecer que a incerteza está tão arraigada nas diferentes dimensões da vida para tanto imprescindível a leitura da sociologia do risco especialmente em BECK que a discussão superou há muito o nível da certeza para situarse na probabilidade com forte tendência de rumar para a possibilidade ou ainda propensões Contudo não é nesse campo que opera o processo penal Nossa posição vai com CARNELUTTI até o abandono da verdade Dali em diante ele segue com a certeza categoria igualmente insatisfatória e nós propomos um giro no pensamento jurídicoprocessual Nossa proposta é a verdade ainda que processual não é fundante ou legitimante do processo senão contingencial Importa fortalecer o respeito às regras do devido processo e evitarse o outro extremo decisionismo O problema da verdade no processo penal é uma questão de lugar como explica Rui Cunha Martins315 Se no modelo inquisitório a verdade é fundante e legitimante do poder bem como sustentação de uma ambição de verdade que atribui ao juiz o poder de buscar a prova que conduzirá a uma verdade por ele revelada na sentença no sistema acusatório ela é contingencial No sistema acusatório a verdade não é fundante e não deve ser pois a luta pela captura psíquica do juiz pelo convencimento do julgador é das partes sem que ele tenha a missãopoder de revelar uma verdade Logo com muito mais facilidade o processo acusatório assume a sentença como ato de convencimento a partir da atividade probatória das partes dirigida ao juiz Essa luta de discursos para convencer o juiz marca a diferença do acusatório com o processo inquisitório Não se nega que acidentalmente a sentença possa corresponder ao que ocorreu conceito de verdade como correspondente mas não se pode atribuir ao processo esse papel ou missão Não há mais como pretender justificar o injustificável nem mesmo por que aceitar o argumento de que ainda que não alcançável a verdade deve ser um horizonte utópico O pontochave é negar a verdade como função do processo até para fugir da armadilha do sistema inquisitório fundado na busca da verdade É uma ingenuidade que reflete a crença na onipotência do conhecimento jurídico moderno A equação até então éera razão moderna juiz ritual judiciário mito da verdade E o mito fundador da sentença e até do processo inquisitório é a verdade Daí por que desvelar é preciso inclusive para liberto da missão de revelador da verdade caminhar em direção ao processo penal acusatório e democrático A decisão judicial não é a revelação da verdade material processual divina etc mas um ato de convencimento formado em contraditório e a partir do respeito às regras do devido processo Se isso coincidir com a verdade muito bem Importa é considerar que a verdade é contingencial e não fundante O juiz na sentença constrói pela via do contraditório a sua convicção acerca do delito elegendo os significados que lhe parecem válidos dentro das regras do jogo é claro O resultado final nem sempre é e não precisa ser a verdade mas sim o resultado do seu convencimento construído nos limites do contraditório e do devido processo penal Com a costumeira precisão de suas lições ARAGONESES ALONSO316 nos ensina que o conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz O determinante é convencer o juiz segundo as regras do devido processo penal É assim que funciona o sistema acusatório que liberto da verdade não permite que o juiz tenha atividade probatória recordemos o que já foi dito sobre os sistemas processuais Por derradeiro já antecipandonos à crítica não estamos incidindo no erro do relativismo absurdo fruto do ceticismo extremado pois temos consciência de que isso abre um perigoso espaço para legitimar o decisionismo o que nos conduziria a um erro similar ao da verdade real Então é fundamental destacar que as regras do devido processo penal fundantes da instrumentalidade constitucional por nós defendida impõem os limites que devem impedir o decisionismo e o substancialismo Esse respeito às regras do jogo cria condições de possibilidade para o equilíbrio entre o relativismo cético e a mitológica verdade real Assim o processo não deixa de ser um método limitador e caminho necessário para a decisão Há que se encontrar o entrelugar onde se recuse a razão moderna e o dogmatismo oitocentista mas também o relativismo cético tipicamente pósmoderno Importante sublinhar nesse final que não negamos a verdade no processo penal Até porque seria um erro Negar a verdade é também pretender construir uma verdade que é falsa na sua essência Tampouco pensem que estamos negando a verdade e afirmando que a sentença diz uma mentira Elementar que não isso seria um reducionismo grosseiro como grosseiro e errôneo seria esse tipo de crítica à nossa posição O que propomos não é negar a verdade mas sim um deslocamento da discussão para outra dimensão em que a verdade é contingencial e não estruturante do processo Dessa forma não se nega a verdade mas tampouco a idolatramos evitando assim incidir no erro de dar ao processo a missão de revelar a verdade na sentença o que conduziria à matriz inquisitorial A verdade assim é contingencial e a legitimação da decisão se dá por meio da estrita observância do contraditório e das regras do devido processo São essas regras que estruturando o ritual judiciário devem proteger do decisionismo e também do outro extremo em que se situa o processo inquisitório e sua verdade real Gostaríamos apenas de advertir para a necessidade de pensarse acerca da íntima relação entre sistema processual inquisitório gestão da prova nas mãos do juiz e a busca da verdade Com CUNHA MARTINS317 compreendemos que a arquitetura do problema passa a contar com as seguintes plataformas uma determinada noção de processo uma determinada noção de sistema processual uma determinada noção de verdade enquanto elemento do sistema processual e uma determinada noção do modo como esse processofeitosistema elege os seus critérios de fundamentação É a íntima relação e interação entre processo sistema processual e busca ou não da verdade Essa ambição de verdade318 que nunca deixa de perigosamente rondar o processo penal deve ser limitada como limitado deve ser o poder ao qual ela adere para se realizar A ambição de verdade acaba por matar o contraditório e portanto o ponto nevrálgico do processo penal democrático e constitucional O Código Napoleônico de 1808 engendra um inteligente sistema bifásico em que a primeira fase investigação preliminar transcorre no sigilo da inquisição é o locus destinado a colher a prova do fato delitivo É ali que se faz o juízo dos fatos a reconstituição do passado a revelação da verdade dos fatos Esse é o momento crucial para definir a base fáticoprobatória sobre a qual irá se desenvolver o processo ou melhor a jurisdição na concepção tradicional e histórica de poder de dizer o direito Nessa estrutura brilhante digase de passagem o poder de revelar a verdade fática está nas mãos do inquisidor que a manipula no sigilo e no labor solitário da fase inquisitória pouco caso fazendo do contraditório inexistente aqui por suposto Quando se chega ao processo então ilusoriamente acusatório e contraditório a verdade histórica já foi definida Ao juiz cabe apenas aplicar o direito ao caso concreto dizer a lei juizbocadalei que deve incidir fazendo o famoso silogismo tão valioso para os modernos Por esse motivo a defesa do sistema misto é um engodo Nessa estrutura inquisitória o poder e o controle sobre a produção do saber não se veem diminuídos ou enfraquecidos pelo sistema acusatório que chega tarde demais quando todo o cenário já está montado Quando entra em cena o ingênuo julgador o cenário já está montado e o roteiro definido Então lhe são apresentadas a verdade histórica e o juízo de fato obtidos na fase inquisitória para que ele diga o direito aplicável ao caso O próprio contraditório passa a ser simbólico e não real e efetivo Daí a imensa importância do sistema de duplo juiz com a separação do juiz das garantias do juiz da instrução e julgamento e principalmente da exclusão física dos autos do inquérito que não mais integram os autos do processo Isso representa uma imensa evolução especialmente para evitar a contaminação do julgador com os atos informativos do inquérito produzidos em uma estrutura inquisitória e com imenso sacrifício do contraditório É ainda necessário darse conta de que a gestão da prova está vinculada à noção de gestão do fato histórico e portanto deve estar nas mãos das partes Do contrário atribuindose ao juiz estamos incorrendo no erro psicológico da inquisição de permitirlhe reconstruir a história do crime da forma como lhe aprouver para justificar a decisão já tomada o já tratado primado das hipóteses sobre os fatos Permitir que o juiz seja o gestor do fato histórico é incorrer no mais grave dos erros aderir ao núcleo imantador do sistema inquisitório Pior é quando eles os juízes sequer se dão conta de quão genial e perverso por evidente é o engenho da inquisição que os faz agir como inquisidores sem se darem conta Isso quando não invocam a bondade bom para quê e para quem Daí a importância de repensar a forma como é construído pelas partes em contraditório sistema acusatório ou dado sistema inquisitório o saber sobre o qual se funda o poder jurisdicional Cada vez mais estamos convictos de que o processo acusatório impõe um repensar a construção do saber jurisdicional desde a perspectiva do contraditório delimitando portanto o campo de exercício do poder Para tanto imprescindível que a gestão da prova esteja nas mãos das partes juiz espectador e que para dar eficácia a esse princípio seja efetivada a exclusão física dos autos do inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação preliminar que se tenha garantindose assim a máxima originalidade do julgamento Portanto abandonadas as concepções civilistas e demarcado o lugar da verdade no processo penal é preciso definir os meios através dos quais se pode obter o conhecimento prova e o que é necessário qualidade e credibilidade para proferir uma sentença condenatória ou absolutória se não for atingido o standard E aqui entra o tema do standard probatório 21 Standard Probatório Mas afinal o que é standard319 de prova Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória o quanto de prova é necessário para proferir uma decisão o grau de confirmação da hipótese acusatória É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão O standard é preenchido atingido quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado É um marco que determina o grau mínimo de prova320 exigido para considerarse provado um fato Susan HAACK321 acrescenta ainda que standard probatório está relacionado com o grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir E prossegue a autora explicando que standards de prova são graus de aval confiabilidade credibilidade confiança sempre subjetivo portanto Esses graus de aval não são probabilidades matemáticas E quais são os principais padrões probatórios standard adotados Basicamente a partir da matriz teórica mais bem elaborada que é a anglo saxã são estabelecidos os seguintes padrões prova clara e convincente clear and convincing evidence prova mais provável que sua negação more probable than not preponderância da prova preponderance of the evidence prova além da dúvida razoável beyond a reasonable doubt O mais exigente deles é o beyond a reasonable doubt sendo portanto o utilizado na sentença penal e os demais no âmbito civil e administrativo Como adverte HAACK322 não é suficiente que uma parte produza melhores provas que a outra O standard é mais rigoroso a prova deve ser suficiente para avalizar a conclusão no grau exigido Deve ser uma prova robusta e que seja além de qualquer dúvida razoável Trataremos desse standard probatório na perspectiva do processo penal brasileiro a continuação E por que se adota um standard ou outro É uma decisão de política pública com base na gestão do erro judiciário ou como define VÁZQUEZ323 uma decisão de política pública sobre o benefício da dúvida que se pretende dar a cada uma das partes implicadas e com isso a distribuição de erros entre as mesmas que se busca conseguir em um processo judicial E a epistemologia se relaciona com a construção do standard de prova mas não com a sua escolha com a definição do grau mínimo de preenchimento Esta última é uma escolha de política processual Pensamos que essa política processual que escolhe o standard é fruto do nível de evolução civilizatória de um povo sendo que quanto mais alto for esse nível de comprometimento democrático e civilizatório maior é a eficácia da presunção de inocência e portanto mais alto é o standard probatório exigido para condenação 22 In Dubio Pro Reo e Prova Além da Dúvida Razoável E no Brasil existe um standard probatório Podemos trabalhar com o além da dúvida razoável Essa é uma questão interessante e normalmente não enfrentada Pensamos que ao consagrar constitucional e convencionalmente a presunção de inocência fez o legislador uma escolha de política processual importante A presunção de inocência recordando o que já explicamos no início desta obra na parte de princípios do processo penal é concebida como norma ou regra de tratamento norma probatória e norma de juízo na classificação de ZANOIDE DE MORAES324 O in dubio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o juiz no sentido de que não só não incumbe ao réu nenhuma carga probatória mas também no sentido de que para condenálo é preciso prova robusta e que supere a dúvida razoável Na dúvida a absolvição se impõe E essa opção também é fruto de determinada escolha no tema da gestão do erro judiciário na dúvida preferimos absolver o responsável do que condenar um inocente Portanto ao consagrar a presunção de inocência e seu subprincípio in dubio pro reo a Constituição e a Convenção Americana sinalizam claramente a adoção do standard probatório de além da dúvida razoável que somente se preenchido autoriza um juízo condenatório É claro que isso não imuniza o sistema do risco do decisionismo mas é um importantíssimo mecanismo de controle e redução de danos Somente havendo prova robusta forte altamente confiável de indiscutível qualidade epistêmica que se traduza em um alto grau de probabilidade ou certeza para quem admite essa categoria na perspectiva processual que supere toda e qualquer dúvida fundada sobre questões relevantes do caso penal é que autoriza uma sentença penal condenatória pois apta a superar a barreira do acima da dúvida razoável 23 Rebaixamento de Standard Compreendido que para um juízo condenatório é preciso superar o standard de além da dúvida razoável admitese um menor nível de exigência probatória para determinadas decisões interlocutórias que não se confundem com a sentença final Portanto perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental Assim é razoável e lógico que a exigência probatória seja menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que o exigido para proferir uma sentença condenatória É por isso que o CPP fala em indícios razoáveis indícios suficientes etc para decisões interlocutórias com menor exigência probatória rebaixamento de standard Os indícios são portanto concebidos como provas mais fracas de menor confiabilidade e credibilidade insuficientes para um juízo condenatório mas suficientes para decretação de medidas incidentais ou decisões interlocutórias como recebimento da acusação pronúncia decretação de medidas cautelares pessoais de medidas assecuratórias etc Ao se admitir tais decisões com base em indícios se está consagrando um rebaixamento do standard probatório de prova além da dúvida razoável lógico e coerente pois não se pode ter o mesmo nível de exigência probatória para receber uma acusação do que aquele exigido para uma sentença condenatória Dessarte admitese o rebaixamento do standard conforme a fase procedimental mas não conforme a natureza do crime Constitui um grande erro supor que determinados crimes seja pela gravidade ou complexidade admitam menos prova para condenar do que outros É absolutamente equivocada a prática decisória brasileira de por exemplo supervalorizar a palavra da vítima em determinados crimes violência doméstica crimes sexuais crimes contra o patrimônio mediante violência ou grave ameaça etc e admitir a condenação exclusivamente com base na palavra da vítima ou quase exclusivamente quando se recorre por exemplo a testemunhas de ouvir dizer hearsay que nada viram mas apenas ouviram Em outros casos se tem a palavra da vítima mais o reconhecimento pessoal feito pela própria vítima ou seja não se rompe com a circularidade probatória da palavra da vítima e em última análise ainda que não pareça se está condenando apenas com base na palavra dela Tal prática se traduz em um rebaixamento não justificado e não autorizado do standard probatório Até porque a presunção de inocência não é maior ou menor mais robusta ou mais frágil conforme a natureza do crime Nessa mesma perspectiva se situa o inaceitável rebaixamento do standard nos julgamentos levados a cabo nos Juizados Especiais Criminais onde sob o equivocado argumento de menor gravidade da infração e portanto da própria pena acaba por se exigir menos em termos de qualidade probatória para um juízo condenatório E voltamos ao ponto a presunção de inocência não é menor porque o crime é de menor gravidade Ela permanece hígida e não varia conforme a pena Tal erro histórico encontra definição naquilo que CORDERO325 chama de equação homeopática à plena probatio correspondem as penas ordinárias as semiplenae probationes implicam as penas diminuídas Essa era a lógica probatória do sistema inquisitório absolutamente incompatível por óbvio com o processo penal contemporâneo 3 Provas e Modos de Construção do Convencimento ReVisitando os Sistemas Processuais Ao longo da História diferentes modos de construção do convencimento ou da verdade foram admitidos pelo Direito Processual fazendo com que exista uma íntima relação e interação entre o regime legal das provas e o sistema processual adotado Até porque como bem explica JACINTO COUTINHO326 pelo conhecimento do fato tem um preço a ser pago pela democracia não avançar nos direitos e garantias individuais Isso demonstra ainda o acerto de GOLDSCHMIDT327 ao afirmar que a estrutura do processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de sua Constituição Partindo dessa experiência o predomínio de um ou outro sistema não é mais do que um trânsito do direito passado ao direito futuro Como afirmamos anteriormente o processo tem por finalidade buscar a reconstituição de um fato histórico o crime sempre é passado logo fato histórico de modo que a gestão da prova é erigida a espinha dorsal do processo penal estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores conforme ensina JACINTO COUTINHO328 Princípio dispositivo329 funda o sistema acusatório a gestão da prova está nas mãos das partes juizespectador Princípio inquisitivo a gestão da prova está nas mãos do julgador juiz ator inquisidor por isso ele funda um sistema inquisitório Não se pretende aqui definir os sistemas processuais senão recordar que a gestãoiniciativa probatória é fundante do próprio sistema e que atribuir a gestão e o poder de ter iniciativa probatória ao juiz funda um sistema inquisitório e como consequência afeta o próprio regime legal das provas Como explica CORDERO330 os processos inquisitórios são máquinas analíticas movidas por inesgotáveis curiosidades experimentais Isso retrata bem o substancialismo e a ausência de limites do sistema inquisitório que está por detrás da própria busca da mitológica e sempre inalcançável verdade real No processo penal inquisitório conta o resultado obtido condenação a qualquer custo ou de qualquer modo até porque quem vai atrás da prova e valora sua legalidade é o mesmo agente que ao final ainda irá julgar Não há nenhum exagero ao se afirmar que o sistema inquisitório busca um determinado resultado condenação Basta compreender como funciona sua lógica Ao atribuir poderes instrutórios a um juiz em qualquer fase331 operase o primato dellipotesi sui fatti gerador de quadri mentali paranoidi332 Isso significa que mentalmente e mesmo inconscientemente o juiz opera a partir do primado prevalência das hipóteses sobre os fatos porque como ele pode ir atrás da prova e vai decide primeiro definição da hipótese e depois vai atrás dos fatos prova que justificam a decisão que na verdade já foi tomada O juiz nesse cenário passa a fazer quadros mentais paranoicos Na certeira síntese de JACINTO COUTINHO333 abrese ao juiz a possibilidade de decidir antes e depois sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a sua versão isto é o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário ao qual toma como verdadeiro E como prova é crença fé obviamente ele crê no que buscou e produziu Na admissibilidade das provas também influi a opção pelo sistema acusatório ou inquisitório na medida em que intrinsecamente relacionado o trinômio admissibilidadelimitessistema adotado Basta atentar para a morfologia da admissão334 para constatar o quão íntima é a relação com o sistema processual vigente A admissão da prova incumbe ao juiz e no sistema inquisitório como a gestão da prova está igualmente nas mãos do juiz operase uma perigosíssima mescla entre aquisição da prova e sua admissão pois ambos os atos são feitos pela mesma pessoa Não existe a necessária separação entre o agente encarregado da aquisição e aquele que deve fazer o juízo de admissibilidade da prova no processo Quando um mesmo juiz vai atrás da prova é elementar que ele não pode valorar a licitude do próprio ato no momento da admissibilidade dessa mesma prova no processo Foi exatamente isso que desacreditou o sistema inquisitório aponta GOLDSCHMIDT335 o erro psicológico de crer que uma mesma pessoa possa exercer funções antagônicas como acusar julgar e defender ou em termos probatórios ter iniciativa probatória realizar o juízo de admissibilidade e gerir sua produção Portanto uma vez mais reforçamos a importância de efetivar o sistema acusatório desenhado na Constituição e expressamente estabelecido no art 3ºA do CPP afirmando assim a revogação de diversos artigos do CPP que ainda permitem uma postura inquisitória o ativismo probatório do juiz tais como os arts 156 209 127 242 385 e todos os que permitirem ao juiz de ofício agir na busca de provas decretação de medidas cautelares etc Infelizmente como já mencionado o art 3ºA está com sua eficácia suspensa pela liminar do Min FUX Já no sistema acusatório que se pretende o juiz mantém uma posição não meramente simbólica mas efetiva de alheamento terzietà em relação à arena das verdades onde as partes travam sua luta Isso porque ele assume uma posição de espectador sem iniciativa probatória Forma sua convicção através dos elementos probatórios trazidos ao processo pelas partes e não dos quais ele foi atrás Se no processo inquisitório explica CORDERO336 os inquisidores empreendem verdadeiras lutas contra o Diabo no processo acusatório o que se tem é uma pura operação técnica em que um resultado equivale ao outro tanto faz a condenação ou a absolvição ao contrário da lógica inquisitiva dirigida para a condenação O grande valor do processo acusatório está na justiça o que equivale a dizer no jogo limpo Literalmente afirma o autor que este modelo acusatório ideológicamente neutro reconoce un solo valor la justicia el juego limpio fair play Voltando para o processo acusatório existe um formalismo que deve ser sublinhado quanto menos espaço ocupa o órgão julgador juizespectador e não juizator tanto mais pesam os ritos não no sentido de procedimento mas sim de ritual e o valor da forma dos atos337 O ritual judiciário está constituído essencialmente por discursos e no sistema acusatório forma é garantia Como bem definiu OLIVEIRA338 não há que se confundir formalismos despidos de significados com significados revestidos de forma e emendamos não há que se transportar automaticamente categorias como a famigerada pas nullité sans grief do processo civil para o processo penal Forma é garantia e o estilo acusatório impõe severos rituais à palavra339 Inspirado na doutrina de JAMES GOLDSCHMIDT processo como situação jurídica a quem CORDERO define como última obra maestra de la ciencia procesal alemana afirma o autor que o processo é uma máquina verbal em contraste com o estilo inquisitório verdadeira máquina monologadora com seu automatismo teoricamente perfeito onde nada se deixa ao acaso pois se prevê tudo o que se préjulga No sistema inquisitório o instrutor trabalha solitário elabora hipóteses e as cultiva buscando as provas quando as descobre as colhe340 É um sistema que exclui os diálogos e quando muito monologam juiz e Ministério Público e essa simbiose entre o Ministério Público e o juiz com poderes instrutórios conduz a uma metástase inquisitorial341 Essas lições são fundamentais quando se trata de analisar o art 156 do CPP que absurdamente atribui poderes instrutórios ao juiz antes mesmo de haver processo fundando assim um sistema inquisitório substancialmente inconstitucional além de estar tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP SUSPENSO PELA LIMINAR DO MIN FUX É elementar que atribuir poderes investigatórios ao juiz é violar de morte a garantia da imparcialidade sobre a qual se estruturam o processo penal e o sistema acusatório e ainda não existe qualquer possibilidade de bom uso de tais poderes pois eles somente serão invocados pelos inquisidores de plantão de quem da bondade sempre há que se duvidar Recordemos as palavras da Exposição de Motivos do Código Modelo de Processo Penal para Iberoamérica o bom inquisidor mata o bom juiz ou ao contrário o bom juiz desterra o inquisidor342 São posturas incompatíveis Como bem pontuou GIACOMOLLI343 eventual erro na escolha da profissão não justifica o exercício ideológico de outra atividade Em síntese o sistema legal das provas varia conforme tenhamos um sistema inquisitório ou acusatório pois é a gestão da prova que funda o sistema Quando se atribuem poderes instrutórios ou investigatórios conforme a fase a um juiz criase a figura do juizator característico de modelos processuais inquisitórios ou neoinquisitórios como o nosso Por outro lado quando a gestão das provas está nas mãos das partes o juiz assume seu verdadeiro papel de espectador alheamento essencial para assegurar a imparcialidade e a estrutura do modelo processual acusatório Ademais o limite probatório também é dado pelo sistema processual Se por um lado o sistema inquisitório admite um substancialismo e uma relativização da garantia da forma em nome da verdade real inalcançável de outro o modelo acusatório pautase por um formalismo protetor respeitando a forma enquanto valor O grande valor do processo acusatório está no seu conteúdo ético externado no estrito respeito às regras do jogo forma e principalmente no fato de que condenação ou absolvição são equivalentes axiológicos para o resultado abandonando o ranço inquisitório de buscar a condenação 4 Principiologia da Prova Distinção entre Meios de Prova e Meios de Obtenção de Provas Antes de ingressar na Principiologia da Prova é importante compreender a distinção entre meios de prova e meios de obtenção de provas a Meio de prova é o meio através do qual se oferece ao juiz meios de conhecimento de formação da história do crime cujos resultados probatórios podem ser utilizados diretamente na decisão São exemplos de meios de prova a prova testemunhal os documentos as perícias etc b Meio de obtenção de prova ou mezzi di ricerca della prova como denominam os italianos são instrumentos que permitem obterse chegarse à prova Não é propriamente a prova senão meios de obtenção Explica MAGALHÃES GOMES FILHO344 que os meios de obtenção de provas não são por si fontes de conhecimento mas servem para adquirir coisas materiais traços ou declarações dotadas de força probatória e que também podem ter como destinatários a polícia judiciária Exemplos delação premiada buscas e apreensões interceptações telefônicas etc Não são propriamente provas mas caminhos para chegarse à prova Na síntese de BADARÓ enquanto os meios de prova são aptos a servir diretamente ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática p ex o depoimento de uma testemunha ou o teor de uma escritura pública os meios de obtenção de provas p ex uma busca e apreensão são instrumento para a colheita de elementos ou fontes de provas estes sim aptos a convencer o julgador p ex um extrato bancário documento encontrado em uma busca e apreensão domiciliar Ou seja enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador os meios de obtenção de provas somente indiretamente e dependendo do resultado de sua realização poderão servir à reconstrução da história dos fatos345 41 Garantia da Jurisdição Distinção entre Atos de Investigação e Atos de Prova Considerando que a principal garantia que temos é a da jurisdição e como consectário lógico dela a de ser julgado com base na prova produzida dentro do processo com todas as garantias do due process of law é muito importante distinguir os atos verdadeiramente de prova daqueles meros atos de investigação produzidos na fase préprocessual Assim são atos de prova aqueles que 1 estão dirigidos a convencer o juiz de uma afirmação 2 estão a serviço do processo e integram o processo penal 3 dirigemse a formar a convicção do juiz para o julgamento final tutela de segurança 4 servem à sentença 5 exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação 6 são praticados ante o juiz que julgará o processo Substancialmente distintos os atos de investigação realizados na investigação preliminar 1 não se referem a uma afirmação mas a uma hipótese 2 estão a serviço da investigação preliminar isto é da fase préprocessual e para o cumprimento de seus objetivos 3 servem para formar um juízo de probabilidade e não a convicção do juiz para o julgamento 4 não exigem estrita observância da publicidade contradição e imediação pois podem ser restringidas 5 servem para a formação da opinio delicti do acusador 6 não estão destinados à sentença mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo recebimento da ação penal ou o não processo arquivamento 7 também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação indiciamento e adoção de medidas cautelares pessoais reais ou outras restrições de caráter provisional 8 podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária Partindo dessa distinção concluise facilmente que o inquérito policial somente gera atos de investigação e como tais de limitado valor probatório Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo Portanto está justificada exclusão física dos autos da investigação prevista no art 3ºC 3º do CPP e que precisa ser levada a sério não admitindo burlas como por exemplo a juntada por parte do MP das peças do inquérito violando assim a expressa determinação de que não serão apensadas INFELIZMENTE TAL DISPOSITIVO ESTÁ COM SUA EFICÁCIA SUSPENSA PELA LIMINAR DO MIN FUX Somente são considerados atos de prova e portanto aptos a fundamentarem a sentença aqueles praticados dentro do processo à luz da garantia da jurisdição e demais regras do devido processo penal 42 Presunção de Inocência A presunção de inocência foi motivo de burla por parte de VINCENZO MANZINI para quem ela não passa de uma absurda teoria ideada pelo empirismo francês Partindo de uma premissa absurda MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade O raciocínio era o seguinte como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência Com base na doutrina de Manzini o próprio Código de Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência pois era vista como um excesso de individualismo e garantismo Com razão CORDERO346 define MANZINI como xenófobo partidário da repressão defensor do glorioso passado inquisitório alheio a investigação do direito comparado para quem em seu exíguo opaco e fóbico universo mental filosofia significa vírus subversivo Isso é extremamente relevante se considerarmos que nosso atual Código de Processo Penal em sua Exposição de Motivos idolatra o Código de Rocco que por sua vez foi elaborado por ninguém menos que VINCENZO MANZINI A consciência desse complexo contexto histórico é fundante de uma posição crítica e extremamente preocupada com os níveis de eficácia dos direitos fundamentais previstos na Constituição e de difícil implementação num Código como o nosso No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia Tal é sua relevância que AMILTON B DE CARVALHO347 afirma que o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum é pressuposto para seguir Eros nesse momento histórico da condição humana A complexidade do conceito de presunção de inocência348 faz com que dito princípio atue em diferentes dimensões no processo penal Contudo a essência da presunção de inocência pode ser sintetizada nas seguintes expressões norma de tratamento norma probatória e norma de julgamento Para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo II onde tratamos especificamente da presunção de inocência no tópico 3 Ademais como ensina Rui Cunha Martins a presunção de inocência deve conduzir a uma préocupação dos espaços mentais decisórios do juiz gerando uma respectiva preocupação por parte do juiz em assim tratar o acusado até que a acusação derrube a presunção comprovando a autoria e a materialidade do crime Sempre recordando que no processo penal não existe distribuição de cargas probatórias senão atribuição exclusiva ao acusador Não há que se fazer analogias com o processo civil uma vez mais advertimos 43 Carga da Prova e In Dubio Pro Reo Quando o Réu Alega uma Causa de Exclusão da Ilicitude Ele Deve Provar A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente não lhe incumbe provar absolutamente nada Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador sem que o réu e muito menos o juiz tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução direito de silêncio nemo tenetur se detegere FERRAJOLI349 esclarece que a acusação tem a carga de descobrir hipóteses e provas e a defesa tem o direito não dever de contradizer com contrahipóteses e contraprovas O juiz que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida tem a tarefa de analisar todas as hipóteses aceitando a acusatória somente se estiver provada e não a aceitando se desmentida ou ainda que não desmentida não restar suficientemente provada É importante recordar que no processo penal não há distribuição de cargas probatórias senão atribuição ao acusador ou seja a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória denúncia ou queixa mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência Erro crasso pode ser percebido quase que diariamente nos foros brasileiros sentenças e acórdãos fazendo uma absurda distribuição de cargas no processo penal tratando a questão da mesma forma que no processo civil Não raras são as sentenças condenatórias fundamentadas na falta de provas da tese defensiva como se o réu tivesse que provar sua versão de negativa de autoria ou da presença de uma excludente O que podemos conceber como já explicamos ao tratar do pensamento de GOLDSCHMIDT é uma assunção de riscos A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória Assim quando facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance logo assunção do risco de uma sentença desfavorável Exemplo típico é o exercício do direito de silêncio calcado no nemo tenetur se detegere Não gera um prejuízo processual pois não existe uma carga Contudo potencializa o risco de uma sentença condenatória Isso é inegável Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui ela um dever de liberação A questão deslocase para a dimensão da distribuição do risco pela perda de uma chance de obter a captura psíquica do juiz O réu que cala assume o risco decorrente da perda da chance de obter o convencimento do juiz da veracidade de sua tese Com uma construção teórica um pouco distinta mas alcançando uma conclusão similar à nossa HUERTAS MARTIN350 afirma que no processo penal unicamente caberia se falar em carga da prova em sentido negativo não recai sobre o acusado em nenhum caso a carga de provar sua própria inocência que por outra parte se presume enquanto não exista uma atividade probatória suficiente de onde se possa depreender o contrário tradução nossa Interessante ainda é a afirmação de ILLUMINATI351 de que não há que se falar em carga da prova mas sim em regra de julgamento regla de juicio O processo penal define uma situação jurídica em que o problema da carga probatória é na realidade uma regra para o juiz proibindoo de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente provada Ao lado da presunção de inocência como critério pragmático de solução da incerteza dúvida judicial o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada A única certeza exigida pelo processo penal referese à prova da autoria e da materialidade necessárias para que se prolate uma sentença condenatória Do contrário em não sendo alcançado esse grau de convencimento e liberação de cargas a absolvição é imperativa Isso porque ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção até prova em contrário essa prova contrária deve aportála quem nega sua existência ao formular a acusação352 Tratase de estrita observância ao nulla accusatio sine probatione A parte inicial do caput do art 156 do CPP exige uma leitura à luz da presunção de inocência quando diz que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer Na verdade a primeira alegação é feita pelo MP na denúncia quando afirma a autoria e a materialidade cabendo a ele acusador ônus total e intransferível de provar a existência do delito inclusive na perspectiva formal de fato típico ilícito e culpável O restante do art 156 viola o sistema acusatório e portanto além de substancialmente inconstitucional está tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP infelizmente tal dispositivo está com sua eficácia suspensa pela liminar do Min FUX Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina e rançosa jurisprudência ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente Nada mais equivocado principalmente se compreendido o dito até aqui A carga do acusador é de provar o alegado logo demonstrar que alguém autoria praticou um crime fato típico ilícito e culpável Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade e logicamente a inexistência das causas de justificação Essa é a regla de juicio ou seja a regra para o julgamento por parte do juiz No mesmo sentido GUARNIERI353 afirma categoricamente que incumbe a la acusación la prueba positiva no sólo de los hechos que constituyan el delito sino también de la inexistencia de los que le excluyan Explica JUAREZ TAVARES354 ao tratar da complexidade que envolve o conceito de análise dialética do injusto que só haverá ilicitude quando esgotados todos os recursos em favor da prevalência da liberdade E como adverte o autor a operação mental que deve ser feita é exatamente inversa àquela que normalmente realiza a doutrina penal e advertimos nós também a processual penal Eis o pontochave em vez de perquirir se existe uma causa que exclua a antijuridicidade porque o tipo de injusto já a indicia o que constituiria uma presunção juris tantum de ilicitude devese partir de que só se autoriza a intervenção se não existir em favor do sujeito uma causa que autorize a conduta Isso porque o tipo penal não constitui indício da antijuridicidade mas uma etapa metodológica um requisito que deve ser perquirido para que a intervenção estatal possa efetivarse como adverte o autor Também chama a atenção para a influência da presunção de inocência uma preocupação rara entre os penalistas que erroneamente pensam que princípios como este não afetam o Direito Penal apenas o Processual É elementar que a presunção de inocência afeta a estrutura e as normas tanto do Direito Penal como também do Processual Penal Sempre atento ao primado da Constituição TAVARES355 aponta que não se pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato da realização do tipo antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam autorizar sua conduta Então tanto pela compreensão da regra para o juiz como também pela dimensão de atribuição exclusiva da carga probatória ao acusador se o réu aduzir a existência de uma causa de exclusão da ilicitude cabe ao acusador provar que o fato é ilícito e que a causa não existe através de prova positiva356 Ao adotarmos a teoria do processo como situação jurídica de JAMES GOLDSCHMIDT entendemos que no processo penal o acusador inicia com uma imensa carga probatória constituída não apenas pelo ônus de provar o alegado autoria de um crime mas também pela necessidade de derrubar a presunção de inocência instituída pela Constituição Para chegar à sentença favorável acolhimento da tese acusatória sustentada ele deve aproveitar as chances do processo instrução etc para liberarse dessa carga À medida que o acusador vai demonstrando as afirmações feitas na inicial ele se libera da carga e ao mesmo tempo enfraquece a presunção inicial de inocência até chegar ao ponto de máxima liberação da carga e consequente desconstrução da presunção de inocência com a sentença penal condenatória Caso isso não ocorra a absolvição é um imperativo regra para o juiz Por fim outro aspecto que deve ser tratado neste momento é uma equivocada prática de rebaixamento de standard probatório para determinados crimes como já explicado no início desse capítulo além de uma igualmente errada concepção de menor exigência probatória para os delitos de menor gravidade bastante difundida a partir da criação dos Juizados Especiais Criminais e que decorre também do baixo nível de qualidade da prestação jurisdicional lá efetivada Tratase de raciocínio rotineiramente empregado nos julgados vinculando o nível de exigência probatória à gravidade do delito de modo que para delitos de menor gravidade uma prova mais frágil serviria para amparar um juízo condenatório até porque a sanção penal seria mais branda Nada mais equivocado O nível de exigência probatória não varia Tratase de mais um resquício de práticas e de uma verdadeira racionalidade inquisitoriais ainda tão arraigadas no sistema contemporâneo e na forma de pensar de muitos daqueles que atuam no processo penal Não se pode relativizar a presunção de inocência e o in dubio pro reo a partir de uma pseudomenor gravidade do fato A proteção é processual e em relação ao exercício de poder corporificado na sentença condenatória e esse poder e consequente proteçãolimite não varia conforme a pena Tal erro histórico encontra definição naquilo que CORDERO357 chama de equação homeopática à plena probatio correspondem as penas ordinárias as semiplenae probationes implicam as penas diminuídas Essa era a lógica probatória do sistema inquisitório absolutamente incompatível por óbvio com o processo penal contemporâneo No restante remetemos a leitora e o leitor para o início desse capítulo quando explicamos o problema do rebaixamento de standard probatório 44 In Dubio Pro Societate DesVelando um Ranço Inquisitório Importante destacar que a presunção de inocência e o in dubio pro reo não podem ser afastados no rito do Tribunal do Júri Ou seja além de não existir a mínima base constitucional para o in dubio pro societate quando da decisão de pronúncia é ele incompatível com a estrutura das cargas probatórias definida pela presunção de inocência A questão foi tratada com muito acerto por RANGEL358 que ao atacar tal construção afirma que o chamado princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito onde a dúvida não pode autorizar uma acusação colocando uma pessoa no banco dos réus O Ministério Público como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis não pode com base na dúvida manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal Com razão o autor destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize esse chamado princípio do in dubio pro societate O ônus da prova já dissemos é do Estado e não do investigado Por derradeiro enfrentando a questão na esfera do Tribunal do Júri segue o autor explicando que se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandandoo a júri onde o sistema que impera lamentavelmente é o da íntima convicção A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida Outro momento em que o famigerado in dubio pro societate cobra seu preço é na revisão criminal É lugarcomum o discurso de que nessa ação desconstitutiva incumbe ao réu a prova integral do fato modificativo sem que a revisão seja acolhida quando a questão não superar o campo da dúvida Essa problemática costuma aparecer quando o fundamento da revisão situase na dimensão probatória evidência dos autos novas provas de inocência depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos etc Nesses casos cumpre perguntar a onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate b em que fase do processo e com base em que o réu perde a proteção constitucional c como justificar que no momento da decisão seja ela pelo juiz ou tribunal a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição mas essa mesma dúvida quando surgir apenas em sede de revisão criminal não autorize a absolvição d e se quando da decisão de primeiro grau ou mesmo em grau recursal mas antes do trânsito em julgado existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação mas depois do trânsito em julgado surgir uma prova nova x que gere uma dúvida em relação ao suporte probatório existente por que devemos afastar o in dubio pro reo e como justificar que essa prova se tivesse sido conhecida quando da sentença implicaria absolvição mas agora porque estamos numa revisão criminal ela não mais serve para absolver Em suma nossa posição é a de que a sentença condenatória só pode manterse enquanto não surgir uma prova que crie uma dúvida fundada Logo o in dubio pro reo é um critério pragmático para solução da incerteza processual qualquer que seja a fase do processo em que ocorra Mas o tema exige uma análise mais detida especificamente no caso da pronúncia Por conta disso remetemos o leitor para o capítulo em que tratamos dos procedimentos no tópico do tribunal do júri onde voltamos a tratar do in dubio pro societate ao explicar a decisão de pronúncia 45 Contraditório e Momentos da Prova O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade fundandose não mais sobre um juízo potestativo mas sobre o conflito disciplinado e ritualizado entre partes contrapostas a acusação expressão do interesse punitivo do Estado e a defesa expressão do interesse do acusado e da sociedade em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo O ato de contradizer359 a versão afirmada na acusação enquanto declaração petitória é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética Por isso está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars pois obriga que a reconstrução da pequena história do delito seja feita com base na versão da acusação vítima mas também com base no alegado pelo sujeito passivo O adágio está atrelado ao direito de audiência o qual o juiz deve conferir a ambas as partes sob pena de parcialidade Para W GOLDSCHMIDT360 também serve para justificar a face igualitária da justiça pois quien presta audiencia a una parte igual favor debe a la otra O juiz deve dar ouvida a ambas as partes sob pena de parcialidade na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido Considerando o que dissemos acerca do processo como jogo das chances e estratégias de que as partes podem lançar mão legitimamente no processo o sistema exige apenas que seja dada a oportunidade de fala Ou seja o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte ainda que ela não queira utilizarse de tal faculdade até porque pode lançar mão do nemo tenetur se detegere361 O contraditório é uma nota característica do processo uma exigência política e mais do que isso confundese com a própria essência do processo Inspirado em ELIO FAZZALARI o conceito moderno de processo necessariamente deve envolver o procedimento e o contraditório sem o que não existe processo A interposição de alegações contrárias frente ao órgão jurisdicional a própria discussão explica GUASP362 não só é um eficaz instrumento técnico que utiliza o direito para obter a descoberta dos fatos relevantes para o processo senão que se trata de verdadeira exigência de justiça que nenhum sistema de Administração de Justiça pode omitir É autêntica prescrição do direito natural dotada de inevitável conteúdo imperativo Talvez seja o princípio de direito natural mais característico entre todos os que fazem referência à Administração da Justiça Não podemos esquecer que Ministério Público e Defesa foram feitos para contraditaremse a ponto de CARNELUTTI363 afirmar que la loro contraddizione è necessaria al giudice come lossigeno nellaria che respira Il dubbio è un passaggio obbligato sulla via della verità guai al giudice che non dubita Non tanto la possibilità quanto la effettività del contraddittorio sono una garanzia imprescindibile della istruzione Tanto più vale codesta garanzia quanto più siano equilibrate le forze dei due lottatori Numa visão contemporânea o contraditório engloba o direito das partes de debater perante o juiz mas não é suficiente que tenham a faculdade de ampla participação no processo é necessário também que o juiz participe intensamente não confundir com juizinquisidor ou com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz respondendo adequadamente às petições e requerimentos das partes fundamentando suas decisões inclusive as interlocutórias evitando atuações de ofício e as surpresas Ao sentenciar é crucial que observe a correlação acusaçãodefesasentença364 Contudo contraditório e direito de defesa são distintos pelo menos no plano teórico PELLEGRINI GRINOVER365 explica que defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados porquanto é do contraditório visto em seu primeiro momento da informação que brota o exercício da defesa mas é esta como poder correlato ao de ação que garante o contraditório A defesa assim garante o contraditório mas também por este se manifesta e é garantida Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório No mesmo sentido LEONE366 faz a distinção e afirma que não se pode identificar contraditório e direito de defesa pois o último pode ser exercido sem que seja instaurado o contraditório Para o autor o contraditório consiste na participação contemporânea e contraposta de todas as partes no processo Ademais destaca que o contraditório é da essência da estrutura dialética sobre a qual deve estruturarse o processo penal Assim o contraditório deve ser visto basicamente como o direito de participar de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental A relevância da distinção reside na possibilidade de violar um deles sem a violação simultânea do outro com reflexos no sistema de nulidades dos atos processuais É possível cercear o direito de defesa pela limitação no uso de instrumentos processuais sem que necessariamente também ocorra violação do contraditório A situação inversa é teoricamente possível mas pouco comum pois em geral a ausência de comunicação gera a impossibilidade de defesa Destacamos que na teoria é facilmente apontável a distinção entre contraditório e direito de defesa Sem embargo ninguém pode omitir que o limite que separa ambos é tênue e na prática às vezes quase imperceptível Desse modo entendemos que não constitui pecado mortal afirmar que em muitos momentos processuais o contraditório e o direito de defesa se fundem e a distinção teórica fica isolada diante da realidade do processo Nessa linha parte da doutrina367 não faz uma distinção clara entre ambos chegando inclusive a afirmar que a defesa é um elemento do contraditório Os dois polos da garantia do contraditório são informação e reação A efetividade do contraditório no Estado Democrático de Direito está amparada no direito de informação e participação dos indivíduos na Administração de Justiça Para participar é imprescindível ter a informação A participação no processo se realiza por meio da reação vista como resistência à pretensão jurídica acusatória e não punitiva368 articulada e isso expressa a dificuldade prática em certos casos de distinguir entre a reação e o direito de defesa Assim o contraditório é essencialmente o direito de ser informado e de participar no processo É o conhecimento completo da acusação o direito de saber o que está ocorrendo no processo de ser comunicado de todos os atos processuais Como regra não pode haver segredo antítese para a defesa sob pena de violação ao contraditório Tratase contraditório e direito de defesa de direitos constitucionalmente assegurados no art 5º LV da CB Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Especificamente em matéria probatória o contraditório deve ser rigorosamente observado nos quatro momentos da prova 1º Postulação denúncia ou resposta escrita contraditório está na possibilidade de também postular a prova em igualdade de oportunidades e condições 2º Admissão pelo juiz contraditório e direito de defesa concretizamse na possibilidade de impugnar a decisão que admite a prova 3º Produção instrução o contraditório manifestase na possibilidade de as partes participarem e assistirem a produção da prova 4º Valoração na sentença o contraditório manifestase através do controle da racionalidade da decisão externada pela fundamentação que conduz à possibilidade de impugnação pela via recursal Sublinhese a imprescindibilidade do contraditório que deve permear todos os atos e momentos da prova Ademais contraditório é uma abertura necessária para evitar a manipulação da prova por parte do juiz ainda que inconscientemente Sua ausência além de constituir uma grave e insanável violação das regras do jogo forma enquanto garantia faz com que segundo CORDERO369 abram se as portas ao pensamento paranoide pois como dono do tabuleiro o juiz inquisidor dispõe das peças como lhe convém a inquisição é um mundo verbal semelhante ao onírico onde tempos lugares coisas pessoas e acontecimentos flutuam e se movem em quadros manipuláveis 46 Provas e Direito de Defesa o Nemo Tenetur se Detegere Em matéria probatória além do contraditório deve haver estrita observância do direito de defesa também presente nos quatro momentos anteriormente apontados tanto da defesa técnica como da defesa pessoal positiva ou negativa A defesa técnica obriga e garante a presença de defensor em todos os atos do processo principalmente em matéria probatória Não apenas a comunicação dos atos e oportunidade para que os exerça senão que a garantia da defesa também impõe a presença efetiva do defensor nos atos que integram a instrução sendo absolutamente ilegal a prática neoinquisitória de alguns prepotentes juízes que resolvem colher a prova sem a presença do réu e de seu defensor Nem o art 93 IX da Constituição nem o art 217 do CPP autorizam essa prática absurdamente ilegal A defesa técnica é indisponível e imprescindível decorre de uma esigenza di equilibrio funzionale370 entre defesa e acusação e também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal em igualdade de condições técnicas com o acusador Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor policial ou mesmo juiz Pode existir uma dificuldade de compreender o resultado da atividade desenvolvida na investigação preliminar gerando absoluta intranquilidade e descontrole Ademais havendo uma prisão cautelar existirá uma impossibilidade física de atuar de forma efetiva Para FOSCHINI371 a defesa técnica é anche una esigenza della società perchè la regiudicanda penale implica non solo una responsabilità individuale ma anche una responsabilità della collettività sociale Prossegue o autor afirmando que limputato infatti alla stregua dei propri criteri potrebbe anche difendersi poco o non difendersi o addirittura ammettere la propria certamento negativo se alla stregua dei valori sociali tradotti nellordinamento giuridico è da ritenere che il fatto non costituisca reato o che non sai fonte di responsabilità ad es perchè costituisce unazione bellica o perchè commesso in stato di necessità Isso significa que a defesa técnica é uma exigência da sociedade porque o imputado pode a seu critério defenderse pouco ou mesmo não se defender mas isso não exclui o interesse da coletividade em uma verificação negativa no caso de o delito não constituir uma fonte de responsabilidade penal A estrutura dualística do processo expressase tanto na esfera individual como na social Assim defesa técnica é indisponível pois além de ser uma garantia do sujeito passivo existe um interesse coletivo na correta apuração do fato Tratase ainda de verdadeira condição de paridade de armas imprescindível para a concreta atuação do contraditório Inclusive fortalece a própria imparcialidade do juiz pois quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes mais alheio ficará o julgador terzietà alheamento No mesmo sentido MORENO CATENA372 leciona que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes É na realidade uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo pois resulta de um imperativo de ordem pública contido no princípio do due process of law O Estado deve organizarse de modo a instituir um sistema de Serviço Público de Defesa tão bem estruturado como o Ministério Público com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor Assim como o Estado organiza um serviço de acusação tem o dever de criar um serviço público de defesa porque a tutela da inocência do imputado não é só um interesse individual mas social373 Já a defesa pessoal ou autodefesa é a possibilidade de o sujeito passivo resistir pessoalmente à pretensão acusatória seja através de atuações positivas ou negativas A autodefesa positiva deve ser compreendida como direito disponível do sujeito passivo de praticar atos declarar participar de acareações reconhecimentos submeterse a exames periciais etc A defesa pessoal negativa como o próprio nome diz estruturase a partir de uma recusa um não fazer É o direito de o imputado não fazer prova contra si mesmo podendo recusarse a praticar todo e qualquer ato probatório que entenda prejudicial à sua defesa direito de calar no interrogatório recusarse a participar de acareações reconhecimentos submeterse a exames periciais etc 47 Valoração das Provas Sistema Legal de Provas Íntima Convicção e Livre Convencimento Motivado Sem pretender analisar a evolução histórica dos sistemas de valoração das provas faremos uma sumária exposição dos três mais relevantes No sistema legal de provas o legislador previa a priori a partir da experiência coletiva acumulada um sistema de valoração hierarquizada da prova estabelecendo uma tarifa probatória ou tabela de valoração das provas Era chamado de sistema legal de provas exatamente porque o valor vinha previamente definido em lei sem atentar para as especificidades de cada caso A confissão era considerada uma prova absoluta uma só testemunha não tinha valor etc Saltam aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente definidos na lei sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso Na acertada síntese de BACILA374 tabelar significa cercear a capacidade de o julgador fazer uma análise mais inteligente no caso concreto É o medo da falha humana que fez com que este sistema falhasse como um todo Resquícios da estrutura lógica desse modelo podem ser observados no sistema brasileiro em que o art 158 do CPP exige que a prova nas infrações que deixam vestígios deve ser feita por exame de corpo de delito direto ou indireto não podendo suprilo a confissão do acusado É um exemplo de que a lógica do sistema legal de provas não foi completamente abandonada na medida em que existem limitações no espaço de decisão do juiz a partir de critérios previamente definidos pelo legislador na lei O princípio da íntima convicção surge como uma superação do modelo de prova tarifada ou tabelada O juiz não precisa fundamentar sua decisão e muito menos obedecer a critérios de avaliação das provas375 Estabelece aqui um rompimento com os limites estabelecidos pelo sistema anterior caindo no outro extremo o julgador está completamente livre para valorar a prova íntima convicção sem que sequer tenha de fundamentar sua decisão Para sair do positivismo do sistema anterior caiuse no excesso de discricionariedade e liberdade de julgamento em que o juiz decide sem demonstrar os argumentos e elementos que amparam e legitimam a decisão Evidentes os graves inconvenientes que traz esse sistema Contudo é adotado no Brasil até hoje no Tribunal do Júri onde os profanos julgam com plena liberdade sem qualquer critério probatório e sem a necessidade de motivar ou fundamentar suas decisões A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento pois a supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos e até mesmo decidam contra a prova376 Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação A amplitude do mundo extraautos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar Como sistema intermediário em relação ao radicalismo dos dois anteriores o livre convencimento motivado ou persuasão racional é um importante princípio a sustentar a garantia da fundamentação das decisões judiciais estando previsto no art 155 do CPP Não existem limites e regras abstratas de valoração como no sistema legal de provas mas tampouco há a possibilidade de formar sua convicção sem fundamentála como na íntima convicção Cumpre então analisar mais detidamente o alcance dessa liberdade que o julgador tem para formar sua convicção Ela se refere à não submissão do juiz a interesses políticos econômicos ou mesmo à vontade da maioria A legitimidade do juiz não decorre do consenso tampouco da democracia formal senão do aspecto substancial da democracia que o legitima enquanto guardião da eficácia do sistema de garantias da Constituição na tutela do débil submetido ao processo Também decorre da própria ausência de um sistema de prova tarifada de modo que todas as provas são relativas nenhuma delas tem maior prestígio ou valor que as outras nem mesmo as provas técnicas a experiência já demonstrou que se deve ter cuidado com o endeusamento da tecnologia e da própria ciência Contudo essa liberdade não é plena na dimensão jurídicoprocessual pois como aponta LEONE377 não pode significar liberdade do juiz para substituir a prova e por conseguinte a crítica valoração dela por meras conjeturas ou por mais honesta que seja sua opinião Ainda que o juiz não esteja vinculado ou adstrito à vontade da maioria tampouco se deve avalizar uma decisão que reflita somente a opinião do juiz378 Daí a necessidade de que a decisão seja reconhecida como justa e por isso respeitada Não está legitimado o decisionismo por óbvio A convicção do julgador deve ainda respeito ao tempo do processo Não há que confundir economia processual com economia do seu próprio tempo ensina LEONE379 Não pode o juiz atropelar como vimos anteriormente a dinâmica da dialeticidade do processo cabendo a ele respeitar o tempo da acusação da defesa da prova e da própria maturação do ato decisório Deve o julgador ter a dúvida e a paciência de duvidar como hábito evitando ao máximo os juízos apriorísticos de inverossimilitude das circunstâncias ou fatos alegados Como sublinha LEONE380 la vida es demasiado variada demasiado rica en incógnitas en singularidades y hasta en rarezas para que pueda encerrársela en esquemas prefabricados a la realidad Em definitivo o livre convencimento é na verdade muito mais limitado do que livre E assim deve sêlo pois se trata de poder e no jogo democrático do processo todo poder tende a ser abusivo Por isso necessita de controle Não se pode pactuar com o decisionismo de um juiz que julgue conforme a sua consciência dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa STRECK Não se nega a subjetividade por elementar mas o juiz deve julgar conforme a prova e o sistema jurídico penal e processual penal demarcando o espaço decisório pela conformidade constitucional Voltaremos ao tema e para lá remetemos o leitor quando tratarmos das Decisões Judiciais 48 O Princípio da Identidade Física do Juiz O art 399 2º do CPP consagrou o princípio da identidade física do juiz de modo que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir sentença Para tanto a reforma nos procedimentos comuns ordinário e sumário veio no sentido de aglutinação de atos em uma única audiência art 400 onde a prova é produzida seguemse debates e sentença Eventualmente se a complexidade do caso exigir os debates orais serão substituídos por memoriais A concentração dos atos necessários para a identidade física impõe que a instrução seja realizada em uma única audiência ou caso isso não seja possível em audiências realizadas em breve espaço de tempo O princípio da identidade física do juiz exige por decorrência lógica a observância dos subprincípios da oralidade concentração dos atos e imediatidade Foi seguindo essa lógica que se procedeu a alteração procedimental para criar condições de máxima eficácia dos subprincípios É um encadeamento sistêmico como define PORTANOVA381 que começa com a necessidade de uma atuação direta e efetiva do juiz em relação à prova oralmente produzida sem que possa ser mediatizada através de interposta pessoa Considerando que a adoção do sistema doble juez com o juiz das garantias o juiz da instrução e julgamento não é o mesmo da investigação Logo esse juiz da instrução que vai conhecer do caso penal através da prova produzida na audiência terá o contato direto com as testemunhas peritos vítimas e o imputado e assim tem melhores condições de julgamento O processo penal é um instrumento no qual as partes lutam pela captura psíquica do juiz um ritual de recognição em que o importante é convencer o julgador Daí por que tudo pode ser em vão quando a decisão é proferida por alguém que não participou desse complexo ritual instrução judicial como ocorre nas sentenças proferidas por juízes que não participaram da coleta da prova PORTANOVA382 também sublinha a vantagem do julgador que criou laços psicológicos com as partes e as testemunhas de modo que essas impressões podem contribuir para a melhor valoração da prova na sentença Constituem uma exceção ao princípio da identidade física as provas colhidas à distância tais como os depoimentos produzidos em outras comarcas através de carta precatória ou rogatória se for exterior Contudo a jurisprudência tem relativizado bastante o princípio da identidade física importando as exceções previstas no art 132383 do antigo CPC revogado 5 Dos Limites à Atividade Probatória 51 Os Limites Extrapenais da Prova O art 155 parágrafo único do CPP expressa a existência de limites extrapenais da prova na medida em que remete à lei civil e exige que se observem as restrições que lá se fazem em relação à prova quanto ao estado das pessoas Diz o dispositivo legal que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil Assim por exemplo para que incida a agravante do art 61 II e do CP deve haver a prova nos termos da lei civil de que o crime foi praticado contra ascendente descendente irmão ou cônjuge Tais circunstâncias de parentesco ou matrimônio devem ser provadas através da respectiva certidão de nascimento ou casamento conforme o caso Não se comprova o parentesco por prova testemunhal por exemplo de modo que na falta do documento civil respectivo não poderá tal circunstância ser provada de outro modo não incidindo portanto a agravante Na mesma linha a extinção da punibilidade por morte do agente somente pode ser declarada quando houver a prova civilmente prevista ou seja a certidão de óbito como prevê o art 62 do CPP e não poderia ser diferente a disciplina legal 52 Provas Nominadas e Inominadas Os sistemas processuais ao longo de sua evolução adotaram diferentes disciplinas em relação à taxatividade ou não dos meios de prova Na sistemática atual existe uma restrição inicial em relação aos limites da prova penal que vem imposto pela lei civil nos termos do art 155 do CPP anteriormente comentado Superada essa questão a pergunta agora é somente as provas previstas no CPP podem ser admitidas no processo penal O rol é taxativo Como regra sim é taxativo Entendemos que excepcionalmente e com determinados cuidados podem ser admitidos outros meios de prova não previstos no CPP Mas atentese com todo o cuidado necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova sob pena de ilicitude ou ilegitimidade dessa prova conforme será explicado nos próximos itens Feita essa ressalva ao lado das provas nominadas previstas expressamente no CPP ou em legislação específica tais como a prova testemunhal documental acareações reconhecimentos interceptações telefônicas etc admitimos excepcionalmente a existência de outras inominadas não contempladas portanto na lei como a inspeção judicial Sobre as provas inominadas CORDERO384 defende a admissão de tudo aquilo que não for vedado afirmando que é admissível todo signo útil ao juízo histórico contanto que sua aquisição não viole proibições explícitas ou decorrentes do sistema de garantias Aceitase o reconhecimento olfativo sonoro táctil mas vedase a narcoanálise e o detector de mentira pois são cientificamente inadmissíveis além de violarem a dignidade385 do agente Partindo da compreensão de que somente podemos pensar em provas inominadas que estejam em estrita observância com os limites constitucionais e processuais da prova o processo penal excepcionalmente poderá admitir outros meios de demonstração de fatos ou circunstâncias não enumerados no CPP Isso em geral decorre da própria superação dos meios existentes na década de 40 quando entrou em vigor a legislação processual penal em vigor Se admitirmos que existam provas inominadas desde que observadas as regras de coleta admissão e produção em juízo e que outros importantes elementos de convicção possam ser obtidos com a utilização de outros sentidos que não o visual a questão passa a ter grande relevância Mas cuidado o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova disfarçada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico como explicaremos a seu tempo somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada Em suma como regra somente podem ser admitidas as provas tipificadas no CPP Excepcionalmente podem ser admitidas provas atípicas ou inominadas desde que não constituam subversão da forma estabelecida para uma prova nominada e ainda guardem estrita conformidade com as regras constitucionais e processuais atinentes à prova penal 53 Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada e à Transferência de Provas Por prova emprestada entendese aquela obtida a partir de outra originariamente produzida em processo diverso Há que se distinguir as provas testemunhais e técnicas da mera prova documental Em relação à prova documental em que a parte se limita a fazer cópia de documento juntado em processo diverso para trasladálo ao processo atual não vemos maiores problemas Claro que estamos considerando documentos públicos ou particulares que não envolvam qualquer tipo de sigilo não se encaixando nessa situação cópias de extratos bancários documentos fiscais e outros protegidos até porque o traslado para outro processo implicaria um desvio da finalidade da prova A autorização judicial para quebra do sigilo bancário ou fiscal limitase ao processo em questão não os transformando em públicos para serem utilizados em outro processo criminal Feita essa ressalva como regra não há problema em utilizar documentos juntados em um processo para fazer prova em outro até porque não há qualquer prejuízo para a acusação ou defesa em havendo o tratamento deve ser diverso Questão complexa envolve a juntada de denúncias sentenças ou acórdãos proferidos em outros processos contra o mesmo réu Os inconvenientes situamse noutra dimensão na medida em que são documentos públicos e acessíveis A questão aqui é novamente a cultura inquisitória que ainda domina o ambiente jurídico O que se pretende na maior parte dos casos é mostrar a periculosidade do réu e sua propensão ao delito pior ainda quando argumentam em torno da personalidade voltada para o crime fomentando no juiz um verdadeiro direito penal de autor em oposição ao direito penal do fato para que o réu seja punido não pelo que eventualmente fez ou não naquele processo mas sim por sua conduta social vida pregressa e outras ilações do estilo Incumbe ao juiz considerar que tais documentos não interessam ao processo não contribuindo para averiguação daquele fato em julgamento e determinar o desentranhamento Inclusive invocando a lição de GOMES FILHO386 entendemos que existe um verdadeiro direito à exclusão das provas inadmissíveis impertinentes ou irrelevantes como o são essas que acabamos de referir Esse direito à exclusão é correlato ao direito à prova e serve como importante filtro para evitar o grave retrocesso de construir um processo penal para atender aos inquisitórios fins do direito penal do autor O instrumento adequado em não sendo atendido o pedido de desentranhamento é o Mandado de Segurança impetrado no tribunal com competência para revisar os atos daquele julgador de primeiro grau Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal conforme o coator seja juiz de direito ou juiz federal Quanto à prova testemunhal ou técnica tomada emprestada de processo diverso a limitação é insuperável Inicialmente cumpre perguntar por que trasladar uma prova testemunhal ou técnica de outro processo Porque existe um interesse probatório é a resposta comumente utilizada Pois bem eis aqui o primeiro obstáculo se realmente existisse tal interesse probatório ambos os processos deveriam ter sido reunidos para julgamento simultâneo por força da conexão probatória art 76 III do CPP se não o foram é porque a prova não tem essa importância comum Igualmente insuperável é o segundo aspecto a ser considerado a violação do contraditório e da ampla defesa dependendo do caso Não há como negar que a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado fato e réu ou réus Daí por que ao ser trasladada automaticamente estáse esquecendo a especificidade do contexto fático que a prova pretende reconstruir É elementar que uma mesma prova sirva para reconstruir ainda que em parte é claro diferentes faces de um mesmo acontecimento Em outras palavras o diálogo que se estabelece com a prova é vinculado ao fato que se quer apurar ou negar Logo diferentes diálogos são estabelecidos com uma mesma prova quando se trata de apurar diferentes fatos É uma relação semiótica completamente diversa A prova emprestada desconsidera isso e causa sérios prejuízos para todos no processo penal Por fim advertimos a prova emprestada não pode servir de burla ao disposto no art 3ºC 3º do CPP INFELIZMENTE TAL DISPOSITIVO ESTÁ COM SUA EFICÁCIA SUSPENSA PELA LIMINAR DO MIN FUX ou seja a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo Portanto não se admite a juntada está vedado o apensamento de elementos de uma investigação preliminar respeitadas as exceções que o dispositivo faz no processo que dela deriva ou em qualquer outro 54 Encontro Fortuito e Princípio da Serendipidade O Problema do Desvio da Vinculação Causal da Prova Limites à Admissibilidade da Prova Emprestada Imaginemos uma busca e apreensão de provas em investigação de um delito de tráfico de drogas em que também são apreendidos documentos relativos ao delito de sonegação fiscal que não estava sendo apurado Essa prova encontrada por acaso é válida Ou uma interceptação telefônica autorizada para a apuração de um determinado crime em que também surgem provas da prática de outro delito desconhecido até então É válido esse desvio causal para que essa prova sirva para apuração de ambos os delitos É nesse terreno que se situa o desvio causal da prova também tratado como encontro fortuito ou conhecimento fortuito como prefere a doutrina portuguesa387 No Brasil o STJ já aplicou o chamado Princípio de Serendipidade que vem nessa mesma linha O tema também se relaciona com a chamada prova emprestada compartilhamento ou transferência de provas Neste caso obtémse determinada prova na apuração de um crime e posteriormente essa prova é emprestada transferida para outro processo criminal ou não onde também é valorada Exemplo típico são as informações sobre a movimentação bancária obtidas a partir da quebra do sigilo autorizada em determinado processo criminal e com base nesse ato as informações financeiras são compartilhadas com órgãos administrativos como Receita Federal COAF etc para apuração das respectivas infrações Isso é válido Iniciemos pela questão do encontro fortuito de provas No Brasil o STJ tem adotado o chamado Princípio da Serendipidade para aceitar a colheita acidental de provas mesmo quando não há conexão entre os crimes A palavra serendipidade vem da lenda oriental sobre os três príncipes de Serendip que eram viajantes e ao longo do caminho fizeram descobertas sem ligação com o objetivo original Assim tal princípio vai de encontro ao que sustentamos e também à doutrina da vinculação causal anteriormente exposta Inclusive a colheita de provas mesmo quando não há conexão388 entre os crimes como decidido pelo STJ na Ap 690 No HC 187189 o STJ aceitou a prova colhida em interceptação telefônica para apurar conduta diversa daquela que originou a quebra em nome da descoberta fortuita Ainda sobre o tema recomendase a consulta às decisões proferidas no RHC 28794 HC 144137 HC 69552 HC 189735 HC 282096 RHC 45267 e RHC 41316 Em suma no STJ predomina o entendimento da admissibilidade da prova obtida através do encontro fortuito O STF também já aceitou e validou o encontro fortuito de provas em interceptações telefônicas HC 5 Em revisão INQ 4130 QO PR 81260ES Pleno Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 1942002 HC 83515RS Pleno Rel Min Nelson Jobim DJ 432005 HC 84224DF Segunda Turma Relator para o acórdão o Min Joaquim Barbosa DJe 1652008 AI 626214MGAgR Segunda Turma Rel Min Joaquim Barbosa DJe 8102010 HC 105527DF Segunda Turma Rel Min Ellen Gracie DJe 1352011 HC 106225SP Primeira Turma Relator para o acórdão o Min Luiz Fux DJe 2232012 RHC 120111SP Primeira Turma de minha relatoria DJe 3132014 Mas em que pese a aceitação pela jurisprudência do STJ e do STF sem maior definição de cabimento e alcance o desvio causal da prova exige uma análise crítica que desvele seus perigos como faremos agora Inicialmente é preciso compreender que o ato judicial que autoriza por exemplo a obtenção de informações bancárias fiscais ou telefônicas com o sacrifício do direito fundamental respectivo é plenamente vinculado e limitado Há todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar a medida que institui uma especialidade da medida Ou seja a excepcionalidade e lesividade de tais medidas exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e mais ainda uma vinculação àquele processo Tratase de uma vinculação causal em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo e em relação àquele caso penal sendo assim ao mesmo tempo vinculada e vinculante Essa decisão ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido imposição do sistema acusatório é vinculante em relação ao material colhido pois a busca e apreensão interceptação telefônica quebra do sigilo bancário fiscal etc está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial Não há que se admitir o abuso do poder de polícia no cumprimento de medidas judicialmente determinadas e limitadas pois isso conduz à ilegalidade do excesso cometido Em sentido diverso do nosso mas com muito mais critério do que o tratamento normalmente dado pelos tribunais SCARANCE FERNANDES analisa a questão da conexão entre o crime originário e aquele descoberto de forma fortuita Como cita SCARANCE FERNANDES389 ao tratar da interceptação telefônica mas o raciocínio pode ser empregado para outras provas parte da doutrina procura situar a questão num ponto médio admitindo a ilicitude por desvio do objeto da interceptação ou busca autorizada por exemplo mas considerando que nem toda prova obtida em relação a crime diverso daquele da autorização será ilícita Aponta o autor que essa corrente utiliza o critério da existência de nexo entre os dois crimes O critério do crime conexo até poderia ser adotado para permitir que a prova obtida a partir do desvio causal seja admitida desde que se refira a um crime conexo àquele que motivou o ato probatório busca e apreensão interceptação telefônica etc Contudo o problema passa a ser o seguinte o que se pode entender por crime conexo especificamente nessa matéria de especialidade da prova Serve a sistemática do art 76 do CPP Se considerarmos que a conexão implica reunião das infrações penais para julgamento simultâneo a prova passará a integrar o mesmo processo Logo se o caso penal de determinado processo é composto por dois crimes conexos ainda que a medida probatória restritiva de direitos fundamentais seja determinada para apurar apenas um dos crimes é inevitável que o material probatório ingresse no processo regido pelo princípio da comunhão da prova de modo que passará a ser prova do processo podendo ser utilizada por ambas as partes e em relação a todos os fatos lá apurados Nossa restrição diz respeito à abertura do conceito conexão na sistemática do CPP e aos eventuais abusos a que pode essa abertura dar azo Entre os incisos do art 76 do CPP por exemplo temos a chamada conexão probatória inciso III extremamente abrangente Nela o interesse probatório vai muito além de qualquer relação de prejudicialidade penal permitindo um amplo espaço de discricionariedade judicial Daí por que nesse ponto a leitura deve ser restritiva somente se admitindo o aproveitamento em casos de conexão evidente Na mesma linha leitura restritiva pensamos situarse a conexão objetiva ou teleológica do inciso II Outra espécie de conexão problemática nessa matéria é a intersubjetiva cujas modalidades estão no inciso I do art 76 do CPP Como se percebe o núcleo imantador é além da pluralidade de crimes imprescindível para que se fale em conexão a existência de várias pessoas Ou seja a reunião se dá pela intersubjetividade Aqui a única conexão que pode interessar e ser admitida é a intersubjetiva concursal segunda modalidade do inciso I na qual há concurso de agentes para a prática de dois ou mais crimes Além de se reunirem os crimes também há reunião dos agentes tudo para simultaneidade de processo e julgamento Logo a busca e apreensão da casa de um dos corréus pode gerar material probatório em relação a todos reunidos por força do concurso de agentes Aqui precisamos abrir um parêntese seguindo essa linha quando dois ou mais agentes forem acusados pelo mesmo crime unidade delitiva haverá reunião de todos para julgamento simultâneo por força da continência art 77 I Portanto também a continência permite o desvio causal pois a prova obtida de um dos réus passará a integrar o processo no qual também figuram os corréus Recordemos e reforcemos nossa posição de que o terceiro não pode ser alcançado Mas no caso da conexão intersubjetiva concursal ou da continência do art 77 I o corréu não é terceiro mas sim parte no processo Por consequência a prova integrará o processo e poderá ser utilizada a favor ou contra ambos os réus Em suma há que se atentar para a vinculação causal da prova como forma de evitarse o substancialismo inquisitório e as investigações genéricas verdadeiros arrastões sem qualquer vinculação com a causa que os originou Todo ato judicial que autoriza por exemplo a obtenção de informações bancárias fiscais ou telefônicas com o sacrifício do direito fundamental respectivo é plenamente vinculado e limitado390 As regras da conexão podem ser admitidas como forma de relativizar o princípio da especialidade da prova mas exigem sempre uma leitura restritiva desse conceito bem como a demonstração da real existência dos elementos que a compõem O que não se pode tolerar é a fraude de etiquetas em que a conexão é engendrada para permitir o desvio da vinculação causal imposta pelo princípio da especialidade Ademais quando se trata de restrição de direitos fundamentais a leitura deve sempre ser restritiva e a aplicação devidamente legitimada pois não se presume a legitimidade da restrição todo o oposto A regra é a liberdade em sentido amplo ou seja el derecho al libre desarrollo de la personalidad sendo as formas de restrição exceções que devem sempre ser legitimadas e restritivamente aplicadas Em suma essa é a nossa posição sem negar a possibilidade de que a prova obtida a partir do desvio causal sirva como starter da investigação do novo crime se preferir como notíciacrime391 sendo assim uma fonte de prova mas não como prova Não será a prova mas um elemento indiciário para o início da investigação de modo que nova investigação pode ser instaurada e novas buscas interceptações etc podem ser adotadas Mas a prova desse crime deve ser construída de forma autônoma Em que pese a maior parte da doutrina que trata do tema admitir que a prova obtida mediante desvio causal seja o starter de uma nova investigação há que se ponderar o seguinte se usarmos a prova obtida com desvio causal ainda que a título de conhecimento fortuito estaremos utilizando uma prova ilícita derivada Isso gera um paradoxo insuperável a prova é ilícita despida de valor probatório portanto em um processo mas valeria como notíciacrime em outro Ora partindo do Princípio da Legalidade a investigação tem que iniciar a partir de prova lícita e não de uma prova ilícita sob pena de contaminarmos todos os atos praticados na continuação Infelizmente não é esse o entendimento jurisprudencial predominante como vimos no início deste tópico Quanto ao compartilhamento de provas também se verifica uma banalização de sua aceitação pelos tribunais brasileiros392 Destacamos que os tribunais brasileiros de forma recorrente têm banalizado o instituto do compartilhamento de provas exigindo apenas a existência de autorização judicial Entendemos que a questão é muito mais complexa e que a mera autorização judicial muitas vezes sem a devida fundamentação e nem sequer fazendo uma análise de proporcionalidade não é suficiente O chamado princípio da especialidade da prova situase numa linha de tensão com a chamada transferência ou compartilhamento de provas cuja discussão costuma aparecer no campo do Direito Penal econômico em que órgãos estatais como Receita Federal COAF BACEN etc fazem intercâmbio de documentos e provas Empregando raciocínio similar no âmbito da Cooperação Penal Internacional o princípio da especialidade é usado não no sentido estritamente probatório como estamos fazendo mas de forma parecida No Estatuto de Roma encontramos o princípio da especialidade no seu art 101393 Aqui a especialidade se refere à vinculação causal entre o crime que motivou a entrega do imputado ao tribunal e o julgamento a ser feito não podendo o tribunal processar por crime diverso daquele que tenha constituído a base causal do pedido A regra da especialidade394 também é adotada em matéria de extradição conforme dispõe o art 91 I da Lei n 681580 Ainda no campo da cooperação internacional é possível a invocação do princípio da especialidade da prova de modo que se a prova obtida através da cooperação foi pedida com fundamento em um determinado tipo penal corrupção sonegação fiscal etc não poderá ser utilizada para legitimar uma denúncia por tipo penal diverso A vinculação causal da prova especialidade é decorrência natural da adoção de um processo penal minimamente evoluído como forma de recusa ao substancialismo inquisitorial e às investigações abertas e indeterminadas Como decidiu o Tribunal Supremo da Espanha em 03101996 interpretando o art 579 da LECrim que disciplina a interceptação telefônica rige el llamado principio de especialidad que justifica la intervención solo al delito investigado Outro não pode ser o tratamento da prova que por limitar direitos fundamentais exige e impõe a reserva de jurisdição como garantia e limite ao exercício do poder Daí por que o problema situase a nosso juízo numa dimensão muito mais profunda Quando se desvia o foco da investigação de um fato certo e determinado para abranger qualquer tipo de ilícito que eventualmente tenha praticado o réu operase no campo do substancialismo inquisitorial Tratase de perquirir sem uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação o que resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal FERRAJOLI inserindose no referencial inquisitório o que constitui uma postura incompatível com os limites de um processo penal democrático e acusatório Constitui um desvio ilegítimo obter por exemplo uma autorização judicial para realização de uma interceptação telefônica para apuração do delito de tráfico de substâncias entorpecentes e posteriormente utilizar esse mesmo material probatório para instauração de outro processo criminal pelo delito de sonegação fiscal Existe um ilegal desvio causal da prova autorizada para apuração de um crime e utilizada para punição de outro Tornase ainda mais grave a ilegalidade no exemplo citado se a prova for utilizada no segundo processo e este tiver sido instaurado para apuração do delito previsto no art 2º da Lei n 8137 apenado com detenção recordemos que o art 2º da Lei n 9296 veda a interceptação telefônica quando o fato for apenado com detenção Nem mesmo o CPP alemão StPO que não constitui nenhum exemplo de código democrático admite tal abertura Determina o 100b 5 que as informações pessoais obtidas pela intervenção telefônica somente podem ser utilizadas como prova em outro procedimento quando der elementos necessários para esclarecimento de um dos delitos constantes no taxativo rol do 100a Igualmente inadmissível é que seja determinada judicialmente a restrição de determinado direito fundamental do réu inviolabilidade do domicílio sigilo das comunicações telefônicas etc e essa prova venha a ser utilizada contra terceiros Imaginemos que em determinado processo seja autorizada a interceptação telefônica do réu A e na execução dessa medida venha a ser obtida uma conversa que incrimine um terceiro C por outro delito É válida essa prova em relação a C Em situação similar assim entendeu o STF395 pois se a autorização judicial limitava o sigilo das comunicações de determinados réus permitindo a interceptação de suas conversas telefônicas parecenos óbvio que o sigilo de terceiros não está abrangido por essa medida pois a autorização judicial obviamente não os alcança Já constitui uma violência ilegítima mas inevitável diante da natureza do instrumento probatório empregado que terceiros tenham suas conversas com o réu gravadas Isso é inevitável compreendese Contudo é elementar que em relação a terceiros o produto dessa interceptação telefônica não possa ser utilizado pois viola a especialidade e vinculação da prova Mas a matéria não é pacífica como dito inicialmente e existe grande oscilação jurisprudencial e banalização infelizmente A questão assemelhase à da prova emprestada por nós rechaçada com a agravante de que normalmente referese a uma prova cuja obtenção tenciona direitos fundamentais exigindo assim autorização judicial Dessarte o tema é complexo e repleto de nuances exigindo muita cautela no trato Por fim noutra dimensão não há que se confundir o limite que defendemos com a possibilidade de prisãoapreensão em caso de flagrante delito ou mesmo de crime permanente até porque o flagrante é também permanente nesse caso Assim se ao ser realizada a busca e apreensão de documentos para apuração de um delito de evasão de divisas por exemplo forem encontradas armas ilegais ou drogas no local esses objetos poderão ser apreendidos sem qualquer problema pois constituem o próprio corpo de delito de outro crime Sublinhemos essa ressalva para evitar interpretações equivocadas da limitação causal que estamos defendendo 55 Limites à Licitude da Prova Distinção entre Prova Ilícita e Prova Ilegítima Intimamente relacionado com as questões anteriores especialmente a compreensão dos modos de construção do convencimento do juiz da eficácia da principiologia probatória e da superação do dogma da verdade real os limites à atividade probatória surgem como decorrência do nível de evolução do processo penal que conduz à valoração da forma dos atos processuais enquanto garantia a ser respeitada Assim a problemática em torno da prova ilícita e da prova ilegítima deve ser analisada nesse contexto Importante destacar novamente que não se podem fazer analogias ou transmissão mecânica das categorias do processo civil para o processo penal pois aqui partimos da inafastável premissa de que a forma dos atos é uma garantia na medida em que implica limitação ao exercício do poder estatal de perseguir e punir Portanto desde logo em que pesem as diversas manifestações do senso comum teórico e jurisprudencial devem ser repelidas as noções de prejuízo e finalidade que têm conduzido os tribunais brasileiros a absurdos níveis de relativização das nulidades e portanto das próprias regras e garantias do devido processo Feita essa ressalva introdutória passemos ao tema O cânon processual da admissibilidade pode ser sintetizado na seguinte negativa uma prova é admissível sempre que nenhuma norma a exclua396 CORDERO397 explica que existe uma relação de ato anterior a posterior Dessa forma a prova admitida deve ser produzida e a contrário senso somente pode ser admitida aquela prova que possa ser produzida No que se refere à contaminação uma prova ilicitamente admitida ainda que produzida segundo os cânones endoprocessuais será nula por derivação Por outro lado quando regularmente admitida mas com defeito na aquisição não haverá qualquer contaminação da decisão de admissão pois a contaminação não tem efeito retroativo que lhe permita alcançar o ato precedente Válida a admissão e defeituosa a produção repetese somente este último ato Já a problemática envolvendo a contaminação de outros atos probatórios será analisada na continuação A Constituição prevê no seu art 5º LVI que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos Estamos diante de uma norma geral que simplesmente menciona processo sem fazer qualquer distinção entre processo civil e penal exigindo assim uma interpretação adequada à especificidade do processo penal e às exigências das demais normas constitucionais que o disciplinam Inclusive nessa matéria a vedação absoluta deve em determinado caso ser relativizada como veremos na continuação A Lei n 116902008 inseriu o tratamento da prova ilícita no Código de Processo Penal assim dispondo Art 157 São inadmissíveis devendo ser desentranhadas do processo as provas ilícitas assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais Para o legislador não há distinção entre provas ilícitas e provas ilegítimas na medida em que o art 157 consagra as duas espécies sob um mesmo conceito o de prova ilícita Ao afirmar que são ilícitas as provas que violem normas constitucionais ou legais coloca ambas ilícitas e ilegítimas na mesma categoria Esse é o tratamento legal Contudo ainda encontramos na doutrina398 a distinção entre prova ilegal ilegítima e ilícita A prova ilegal399 é o gênero do qual são espécies a prova ilegítima e a prova ilícita Assim doutrinariamente podemos encontrar as seguintes categorias prova ilegítima quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo no processo A proibição tem natureza exclusivamente processual quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo400 Exemplo juntada fora do prazo prova unilateralmente produzida como o são as declarações escritas e sem contraditório etc prova ilícita é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta anterior ou concomitante ao processo mas sempre exterior a este fora do processo Nesse caso explica MARIA THEREZA401 embora servindo de forma imediata também a interesses processuais é vista de maneira fundamental em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos independentemente do processo Em geral ocorre uma violação da intimidade privacidade ou dignidade exemplos interceptação telefônica ilegal quebra ilegal do sigilo bancário fiscal etc Mas essa distinção à luz da redação do art 157 perdeu sentido Portanto adotaremos a categoria prova ilícita na perspectiva do CPP 56 Teorias sobre a Admissibilidade das Provas Ilícitas Ainda que a Constituição seja categórica402 não admissibilidade da prova ilícita encontramos na doutrina e também na jurisprudência situações de flexibilização desta regra 561 Admissibilidade Processual da Prova Ilícita Para essa corrente a prova poderia ser admitida desde que não fosse vedada pelo ordenamento processual Não interessava a violação do direito material Para seus seguidores minoritários hoje o responsável pela prova ilícita poderia utilizála no processo respondendo em outro processo pela eventual violação da norma de direito material que poderia constituir um delito ou mesmo um ilícito civil Nessa linha CORDERO403 afirma que não interessa a violação de normas de direito material apenas a vedação processual Explica o autor que queda por decir cuándo una prueba es admisible y conviene decirlo por la negativa lo es siempre que ninguna norma la excluya Normas procesales claro está No importa que haya sido descubierta o establecida ilícitamente Un caso típico es la requisa no ordenada por el magistrado y realizada por la policía fuera de los casos previstos en el artículo 352 apartado 1º delito flagrante o evasión los que efectúan la requisa responden por el abuso CP art 609 pero si han descubierto cosas referentes al delito nada impide la convalidación del secuestro art 355 apdo 2º y lo hallado por ejemplo el arma homicida termina en los materiales destinados al debate art 431 letra f En el fondo es obvio hasta dónde las pruebas son admisibles fenómeno del proceso lo dicen reglas internas al sistema o sea procesales A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa paradoxal situação criada um mesmo objeto diante da ilicitude com que foi obtido seria considerado como corpo de delito para ensejar a condenação de alguém e ao mesmo tempo seria perfeitamente válido para produzir efeitos no processo penal Como dito no Brasil hoje é uma posição que não encontra mais qualquer abrigo na jurisprudência 562 Inadmissibilidade Absoluta Defendem essa posição os que fazem uma leitura literal do art 5º LVI da Constituição onde está previsto que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos Tal teoria encontra eco principalmente nos casos em que na obtenção da prova ilícita são violados direitos constitucionalmente assegurados Partem ainda da premissa de que a vedação constitucional não admitiria exceção ou relativização É uma corrente que possui vários seguidores e que encontra algum abrigo na jurisprudência inclusive do STF A crítica é exatamente em relação à absolutização da vedação num momento em que a ciência desde a teoria da relatividade e o próprio direito constitucional negam o caráter absoluto de regras e direitos Para nós desde Einstein não há mais espaço para tais teorias que têm a pretensão de serem absolutas ainda mais quando é evidente que todo saber é datado e tem prazo de validade e principalmente que a Constituição como qualquer lei já nasce velha diante da incrível velocidade do ritmo social Logo a inadmissibilidade absoluta tem a absurda pretensão de conter uma razão universal e universalizante que poderia prescindir da ponderação exigida pela complexidade que envolve cada caso na sua especificidade 563 Admissibilidade da Prova Ilícita em Nome do Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade404 Para os seguidores dessa corrente a prova ilícita em certos casos tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido poderia ser admitida Abranda a proibição para admitir a prova ilícita em casos excepcionais e graves quando a obtenção e a admissão forem consideradas a única forma possível e razoável para proteger a outros valores fundamentais A intenção é evitar aqueles resultados repugnantes e flagrantemente injustos No Brasil é adotada com reservas sobretudo nas questões de direito de família Em matéria penal são raras as decisões que a adotam405 O perigo dessa teoria é imenso na medida em que o próprio conceito de proporcionalidade é constantemente manipulado e serve a qualquer senhor Basta ver a quantidade imensa de decisões e até de juristas que ainda operam no reducionismo binário do interesse público x interesse privado para justificar a restrição de direitos fundamentais e no caso até a condenação a partir da prevalência do interesse público É um imenso perigo grave retrocesso lançar mão desse tipo de conceito jurídico indeterminado e portanto manipulável para impor restrição de direitos fundamentais406 Recordemos que o processo penal é democratizado por força da Constituição e isso implica a revalorização do homem en toda la complicada red de las instituciones procesales que sólo tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su finalidad política y jurídica de garantía de aquel supremo valor que no puede nunca venir sacrificado por razones de utilidad el hombre407 E mais aqueles que ainda situam a discussão no campo público versus privado além de ignorarem a inaplicabilidade de tais categorias quando estamos diante de direitos fundamentais possuem uma visão autoritária do direito e equivocada do que seja sociedade e das respectivas categorias de interesse público coletivo etc Entendemos que sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência e não mais como um ente superior de que dependem os homens que o integram Inadmissível uma concepção antropomórfica na qual a sociedade é concebida como um ente gigantesco no qual os homens são meras células que lhe devem cega obediência Nossa atual Constituição e antes dela a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal submissão do homem ao ente superior essa visão antropomórfica que corresponde a um sistema penal autoritário408 Em suma no processo penal há que se compreender o conteúdo de sua instrumentalidade recusar tais construções 564 Admissibilidade da Prova Ilícita a Partir da Proporcionalidade Pro Reo Nesse caso a prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu Tratase da proporcionalidade pro reo em que a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova dessa inocência Situação típica é aquela em que o réu injustamente acusado de um delito que não cometeu viola o direito à intimidade imagem inviolabilidade do domicílio das comunicações etc de alguém para obter uma prova de sua inocência Como explica GRECO FILHO409 uma prova obtida por meio ilícito mas que levaria à absolvição de um inocente teria de ser considerada porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal Desnecessário argumentar que a condenação de um inocente fere de morte o valor justiça pois o princípio supremo é o da proteção dos inocentes no processo penal Ademais devese recordar que o réu estaria quando da obtenção ilícita da prova acobertado pelas excludentes da legítima defesa410 ou do estado de necessidade conforme o caso Também é perfeitamente sustentável a tese da inexigibilidade de conduta diversa excluindo agora a culpabilidade Tais excludentes afastariam a ilicitude da conduta e da própria prova legitimando seu uso no processo Na mesma linha RANGEL411 aponta o acerto da aplicação da chamada teoria da exclusão da ilicitude em que a conduta do réu ao obter a prova ilícita está amparada pelo direito causa de exclusão da ilicitude e portanto essa prova não pode mais ser considerada ilícita Assim por exemplo pode ser admitida a interceptação telefônica feita pelo próprio réu sem ordem judicial desde que destinada a fazer prova de sua inocência em processo criminal que busca sua condenação Ou ainda quando comete um delito de invasão de domicílio ou violação de correspondência para buscar elementos que demonstrem sua inocência estaria ao abrigo do estado de necessidade que excluiria a ilicitude de sua conduta e conduziria à admissão da prova Questão interessante que pode surgir é a seguinte se em determinado processo criminal admitese a prova ilícita porque benéfica ao réu proporcionalidade pro reo podese após utilizar essa prova para em outro processo penal punir terceiros Entendemos que não Essa prova ilícita que excepcionalmente está sendo admitida para evitar o absurdo que representa a condenação de um inocente não pode ser utilizada contra terceiro Ou seja a mesma prova que serviu para a absolvição do inocente não pode ser utilizada contra terceiro na medida em que em relação a ele essa prova é ilícita e assim deve ser tratada inadmissível portanto Não há nenhuma contradição nesse tratamento na medida em que a prova ilícita está sendo excepcionalmente admitida para evitar a injusta condenação de alguém proporcionalidade Essa admissão está vinculada a esse processo Não existe uma convalidação ou seja ela não se torna lícita para todos os efeitos senão que apenas é admitida em um determinado processo em que o réu que a obteve atua ao abrigo do estado de necessidade Ela segue sendo ilícita e portanto não pode ser utilizada em outro processo para condenar alguém sob pena de por via indireta admitirmos a prova ilícita contra o réu sim porque ele era terceiro no processo originário mas assume agora a posição de réu Tampouco pode ser invocada a proporcionalidade contra réu pelos motivos expostos na crítica à terceira corrente Em definitivo não pode ser utilizada contra terceiro pois frente a ele essa prova continua ilícita Com certeza diante das demais teorias expostas é a mais adequada ao processo penal e ao conteúdo de sua instrumentalidade na medida em que o processo penal é um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição A jurisprudência não é pacífica mas há acórdãos acolhendo esse entendimento 57 Prova Ilícita por Derivação 571 O Princípio da Contaminação e sua Perigosa Relativização Definida a questão da admissibilidade ou não passemos ao problema da contaminação da prova ilícita sobre as demais Uma vez considerada ilícita a prova e não tendo sido ela admitida conforme as teorias anteriormente tratadas deve ser verificada a eventual contaminação que essa prova produziu em outras e até mesmo na sentença conforme exigência feita pelo art 573 1º do CPP Vejamos a redação do art 157 Art 157 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras 2º Considerase fonte independente aquela que por si só seguindo os trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível esta será inutilizada por decisão judicial facultado às partes acompanhar o incidente Desses enunciados extraemse algumas regras inadmissibilidade da prova derivada princípio da contaminação não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo de causalidade não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela ilícita desentranhamento e inutilização da prova considerada ilícita A redação do art 157 é muito ruim contraditória e mistura conceitos Inicia o 1º afirmando que são inadmissíveis as provas derivadas o que está correto e consagra o princípio da contaminação Mas erra ao dizer que são inadmissíveis as provas derivadas salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade Ora se não existe nexo de causalidade obviamente não há contaminação porque não existe derivação Redação infeliz A seguir o artigo diz a contrario sensu que são admissíveis as provas derivadas que puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras Para muitos seria a consagração da teoria norteamericana da fonte independente independent source A redação também é dúbia pois se a fonte é independente não há derivação Sem embargo o legislador parece ter ido além ao considerar que uma prova derivada de outra ilícita pode ser admitida desde que obtida por fonte independente parece sinalizar para uma abertura do conceito estabelecendo a aceitação de uma prova derivada desde que em tese pudesse ser obtida por uma fonte independente Eis a perigosa abertura para o campo da suposição É uma arriscada relativização da teoria da contaminação que insere o argumento de legitimação no campo da simples hipótese poderia ser obtida por uma fonte independente Então se admite Vejamos agora o nascimento do princípio da contaminação e da fonte independente O princípio da contaminação tem sua origem no caso Silverthorne Lumber Co v United States em 1920 tendo a expressão fruits of the poisonous tree sido cunhada pelo Juiz Frankfurter da Corte Suprema no caso Nardone v United States em 1937 Na decisão afirmouse que proibir o uso direto de certos métodos mas não pôr limites a seu pleno uso indireto apenas provocaria o uso daqueles mesmos meios considerados incongruentes com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal412 A lógica é muito clara ainda que a aplicação seja extremamente complexa de que se a árvore está envenenada os frutos que ela gera estarão igualmente contaminados por derivação Exemplo típico é a apreensão de objetos utilizados para a prática de um crime armas carros etc ou mesmo que constituam o corpo de delito e que tenham sido obtidos a partir da escuta telefônica ilegal ou através da violação de correspondência eletrônica Mesmo que a busca e apreensão seja regular com o mandado respectivo é um ato derivado do anterior ilícito Portanto contaminado está Voltando ao princípio da contaminação entendemos que o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado literalmente contaminandoos com a mesma intensidade Dessa forma devem ser desentranhados o ato originariamente viciado e todos os que dele derivem ou decorram pois igualmente ilícita é a prova que deles se obteve O maior inconveniente é a timidez com que os tribunais tratam da questão focando no nexo causal de forma bastante restritiva para verificar o alcance da contaminação Existe uma tendência muito clara na jurisprudência brasileira de evitar o efeito dominó sem considerar que diante de uma ilicitude há que se reconhecer a contaminação até para sinalizar os demais órgãos da administração da justiça incluindo a polícia judiciária de que é preciso agir mas dentro da legalidade A Suprema Corte norteamericana ensina a importância de nos preocuparmos com a integridade judicial ou seja em não dar aprovação judicial aos abusos e às provas colhidas em desacordo com as regras legais É a incorporação do efeito dissuasório deterrent effect Os tribunais superiores têm a missão de comunicar o padrão de ética e o padrão de legalidade do processo penal É compromisso do STF e do STJ comunicar a validade e o alcance das regras do devido processo e de exclusão da prova ilícita exclusionary rules de forma clara e objetiva sem o casuísmo conveniente que se vê hoje E mais quando se anula um processo por ilicitude da prova não se pode pensar na proporcionalidade vinculada àquele caso senão em relação ao sistema de administração de justiça É uma ponderação mas em relação àquele caso pontual senão em relação à lisura do sistema de administração da justiça para evitar que dezenas ou centenas de outras ilegalidades sigam sendo praticadas na coleta de provas Essa é uma comunicação eficiente do alcance e eficácia das regras do devido processo Assim acabam tornando lícitas provas que estão contaminadas sob o argumento de que não está demonstrada claramente uma relação de causa e efeito Significa considerar que não existe conexão com a prova ilícita ou que essa conexão é tênue não se estabelecendo uma clara relação de causa e efeito Sem falar que o conceito de fonte independente hipotética adotada pelo CPP é perigosíssimo dada sua porosidade e abertura Para o CPP considerase fonte independente aquela que por si só seguindo os trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova A redação é péssima o que significa trâmites típicos e de praxe Será aquilo que quiser o intérprete Sem falar no perigo de recorrer à praxe investigatória como argumento para justificar uma fonte independente hipotética ou imaginária Ou seja essa prova é derivada de outra ilícita mas seguindo os trâmites típicos e de praxe nós talvez e não se sabe quando ou como também teríamos chegado àquela prova É sem dúvida uma validação de uma prova derivada e ilícita Reparem a perigosa abertura para o decisionismo para o julgador fazer o que quiser O legislador brasileiro importou a teoria da fonte independente de forma precária A origem da teoria da fonte independente independent source doctrine remonta ao caso Murray v United States em 1988 em que policiais entraram ilegalmente em uma casa onde havia suspeita de tráfico ilícito de drogas e confirmaram a suspeita Posteriormente requereram um mandado judicial para busca e apreensão indicando apenas as suspeitas e sem mencionar que já haviam entrado na residência De posse do mandado realizaram a busca e apreenderam as drogas A Corte entendeu que a prova era válida e que não estava contaminada Isso porque no entendimento da Corte nesse caso o mandado de busca para justificar a segunda entrada seria obtido de qualquer forma apenas com os indícios iniciais Essa fonte era independente e préconstituída em relação à primeira entrada ilegal Mas a redação do art 157 também mistura conceitos e alguns autores sustentam que além da teoria da fonte independente também estaria abrangida a teoria da descoberta inevitável Ao consagrar o raciocínio hipotético de que seguindo os trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova estaria o legislador brasileiro adotando tacitamente a teoria da descoberta inevitável A teoria da descoberta inevitável inevitable discovery exception foi utilizada no caso Nix v Williams em 1984 para validarse a prova que poderia ser certamente obtida por qualquer outra forma No caso em julgamento413 o acusado havia matado uma criança e escondido seu corpo Foi realizada uma busca no município com 200 voluntários divididos em zonas de atuação Durante essa busca a polícia obteve ilegalmente a confissão do imputado o qual especificou o local onde havia ocultado o corpo tendo ele sido efetivamente encontrado no local indicado Contudo pela sistemática das buscas realizadas em poucas horas os voluntários também teriam encontrado o cadáver Logo a descoberta foi considerada inevitável e portanto válida a prova Em relação a essas teorias especialmente a última a Corte Suprema entendeu que a carga de provar que a descoberta era inevitável é inteiramente da acusação Ainda que se adotem as duas teorias dada a vagueza e imprecisão do art 157 é preciso ressalvar que expressamente só foi adotada a teoria da fonte independente No Brasil o STF proferiu interessante decisão sobre a prova ilícita e especialmente sobre a independent source no julgamento do RHC 90376 RJ relator Min CELSO DE MELLO 2ª Turma julgado em 03042007414 No caso em comento em apertada síntese tratavase de uma busca e apreensão de materiais e equipamentos realizada em quarto de hotel sem o respectivo mandado judicial O STF entendeu que o quarto de hotel merece a mesma tutela de inviolabilidade que a casa art 5º XI da Constituição sendo ilícita a prova produzida sem a respectiva autorização judicial A seguir travouse a discussão acerca da contaminação dos atos subsequentes tendo o STF sustentado a necessidade de exclusão da prova originariamente ilícita e de todas aquelas posteriores que mesmo produzidas validamente estavam contaminadas pelo efeito da repercussão causal São igualmente ilícitos os elementos obtidos pelas autoridades estatais que somente a eles tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita Contudo e aqui se revela o problema da teoria da fonte independente se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita com esta não mantendo vinculação causal tais dados probatórios revelarseão plenamente admissíveis porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária Como construção teórica a tese da fonte independente e também do encontro inevitável é bastante clara e lógica mas revelase perversa quando depende da casuística e da subjetividade do julgador na medida em que recorre a conceitos vagos e imprecisos como o é a própria discussão em torno do nexo causal que geram um espaço impróprio para a discricionariedade judicial Ambas as teorias fonte independente e encontro inevitável atacam o nexo causal e servem para mitigar a teoria da contaminação restringindo ao máximo sua eficácia de modo que como sintetiza MARIA THEREZA415 se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada ou se esta derivar de fonte própria não fica contaminada e pode ser produzida em juízo O princípio da contaminação fruit of the poisonous tree constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita mas que foi infelizmente atenuado a ponto de a matéria tornarse perigosamente casuística O tal raciocínio hipotético a ser desenvolvido para aferir se uma fonte é independente ou não conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação Na mesma esteira ZILLI416 afirma que a operação proposta é perigosa podendo levar a um alargamento da tolerância judicial das provas derivadas desvirtuando o sentido da teoria da contaminação Assim predomina o entendimento nos tribunais superiores de que não se anula a condenação se a sentença não estiver fundada exclusivamente na prova ilícita Tampouco se anula a decisão condenatória em que pese existir uma prova ilícita se existirem outras provas lícitas aptas a fundamentar a condenação Por derradeiro a teoria da contaminação é bastante mitigada levada quase à ineficácia pela aplicação da teoria da fonte independente e suas variações Feita essa exposição do entendimento em vigor passemos à crítica 572 Visão Crítica a Recusa ao Decisionismo e ao Reducionismo Cartesiano A disciplina adotada no art 157 do CPP conduz ao enfraquecimento excessivo quase erradicação da doutrina dos frutos da árvore envenenada retirando a eficácia da garantia processual e constitucional Também é mais um exemplo de expansão do espaço impróprio da subjetividade judicial conduzindo ao terreno da ilicitude à la carte ou seja mais um excesso de subjetividade que permite ao juiztribunal afirmar ou não a existência da conexão de ilicitude apenas com uma boa retórica E tudo isso é gerador de tratamento desigual para situações jurídicas iguais antidemocrático e fomentador de imensa insegurança jurídica Uma vez mais o que se postula é regras claras do jogo para aplicação igualitária Também gera o risco de permitir uma concepção reducionista do processo uma ilusão de que os atos processuais são compartimentos estanques facilmente isoláveis para salvar os demais atos É preciso estudar e compreender ELIO FAZZALARI e a concepção de processo como procedimento em contraditório417 para atingir a consciência de que o procedimento não é uma atividade que se esgota se realiza em um único ato senão que exige toda uma série de atos e de normas que os disciplinam conexamente vinculadas que definem a sequência do seu desenvolvimento Cada um dos atos está ligado ao outro como consequência do ato que o precede e pressuposto daquele que o sucede Todos os atos processuais miram o provimento final e estão interrelacionados de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente E da validade de todos eles depende a sentença Uma vez mais se evidencia o erro de limitar excessivamente o nexo causal para atenuar ou mesmo evitar o efeito dominó ou seja é a limitação do efeito expansivo contaminante das demais provas em relação àquela obtida ilicitamente Tratase de exigir cada vez com mais rigor o chamado nexo funcional de dependência entre a prova ilícita418 e as apontadas como derivadas que os italianos chamam de inutilizzabilità derivata O grande problema deste tema é que a ausência de regras claras de exclusão exclusionary rules faz com que a discussão sobre se é ou não uma conexão causal juridicamente relevante acabe virando um sistema de exclusão à la carte É mais uma inadequada ampliação dos espaços impróprios da discricionariedade judicial a contribuir para a expansão do decisionismo tão criticado por LENIO STRECK A mesma crítica deve ser feita à descoberta inevitável acrescentandose que a debilidade dessa teoria reside em que a descoberta inevitável pode não estar baseada em fatos que possam ser provados claramente mas sim em hipóteses e suposições419 Enfim uma porta aberta para o decisionismo e o tratamento desigual Não se pode mais aceitar que uma prova seja ilícita quando o tribunal quiser para quem ele quiser e com o alcance que ele quiser dar Mas qual seria a medida de redução de danos Primeiro é a clara definição das regras de exclusão como já falamos Em relação ao nexo causal deve ser ampliada a compreensão Ou seja até que se demonstre o contrário a prova produzida na continuação daquela ilícita deverá ser tida como contaminada desde que mantenha um mínimo de relação de causaefeito obviamente se ficar evidente a independência não há que se anular as demais provas Isso significa uma inversão completa do tratamento do nexo causal em relação àquele empregado pelos tribunais em que a prova somente é anulada por derivação se ficar inequivocamente demonstrada a contaminação admitindose todo tipo de ginástica argumentativa para salvar a prova contaminada Defendemos exatamente o oposto salvo se ficar inequivocamente demonstrada a independência as provas subsequentes deverão ser anuladas por derivação É uma questão de respeito às regras do devido processo penal e principalmente dos valores em jogo Não se pode admitir que o processo penal vire um instrumento para legitimar a prática de atos ilegais por parte dos agentes do Estado isso é um absurdo E com certeza se não toda a imensa maioria das discussões travadas sobre a prova ilícita diz respeito a atos ilegais praticados por agentes do Estado E com isso não se pode pactuar Outro problema seríssimo no art 157 foi o veto ao 4º que tinha sido inserido pela reforma de 2008 e infelizmente vetado pelo presidente da época Um grande erro Posteriormente com a Lei n 139642019 foi inserido o 5º com a mesma redação que agora foi sancionado Art 157 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão Esse dispositivo representa uma grande evolução rumo ao desvelamento do infantil ou perverso cartesianismo vigente O juiz que teve contato com a prova ilícita está contaminado e não pode julgar ou atuar no feito como juiz das garantias Não basta desentranhar a prova devese desentranhar o juiz A desconsideração de que se opera uma grave contaminação psicológica consciente ou inconsciente do julgador faz com que a discussão seja ainda mais reducionista Esse conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar420 deveria merecer atenção muito maior por parte dos juristas especialmente dos tribunais cuja postura até agora tem se pautado por uma visão positivista cartesiana até na medida em que separa emoção e razão o que se revela absolutamente equivocado no atual nível de evolução do processo Na mesma linha de redução do alcance da contaminação são comuns os acórdãos dos tribunais brasileiros que reconhecendo que no processo existe uma prova ilícita ou nulidade processual não anulam a sentença por entenderem que não ficou demonstrado que a decisão se baseou na prova ilícita Assim se o juiz não mencionou expressamente na fundamentação a prova demonstrando a importância na formação de sua convicção dificilmente a sentença será anulada Mais interessante ainda são as decisões421 que em que pese a prova ilícita existir e ter sido utilizada na sentença para condenação do réu argumentam subtraindo mentalmente aquela prova ilícita ainda subsistem elementos para justificar a condenação E assim mantêm a sentença condenatória avalizando as ilegalidades praticadas Não concordamos com o entendimento de que se no processo existir alguma prova ilícita a sentença condenatória somente será anulada se ficar demonstrado que ela se baseou exclusivamente nessa prova Tampouco podemos admitir a tal exclusão mental fruto de uma visão positivista e cartesiana como se o ato de julgar fosse algo compartimentalizado mecânico de que se pudesse excluir alguma peça sem comprometer o funcionamento do motor quando na verdade é todo o oposto Quem nos garante que o juiz não está decidindo a partir da prova ilícita ainda que inconscientemente até porque a emoção é mais intensa e na fundamentação apenas cria uma blindagem argumentativa de que a decisão foi tomada com base na prova lícita A partir de uma reflexão sobre o alcance dessa pergunta parecenos que a questão inclusive do nexo causal deve ao menos ser tratada com muito mais cautela e compreensão de sua complexidade Em muitos casos a sentença deve ser anulada ainda que sequer mencione a prova ilícita pois não há nenhuma garantia de que a convicção foi formada exclusivamente a partir do material probatório válido A garantia da jurisdição vai muito além da mera presença de um juiz natural imparcial etc ela está relacionada com a qualidade da jurisdição A garantia de que alguém será julgado somente a partir da prova judicializada nada de condenações com base nos atos de investigação do inquérito policial422 e com plena observância de todas as regras do devido processo penal Sublinhamos o somente porque esse advérbio constitui na feliz definição de CORDERO423 um exorcismo verbal contra as espirais ad infinitum congênitas a fome desaforada da inquisição Daí por que não basta anular o processo e desentranhar a prova ilícita devese substituir o juiz do processo na medida em que sua permanência representa um imenso prejuízo que decorre dos préjuízos sequer é prejulgamento mas julgamento completo que ele fez Imaginese uma escuta telefônica que posteriormente vem a ser considerada ilícita por falha de algum requisito formal e a sentença anulada em grau recursal Basta remeter novamente ao mesmo juiz avisandolhe de que a prova deve ser desentranhada Elementar que não pois ele ao ter contato com a prova está contaminado e não pode julgar Infelizmente na Medida Cautelar na ADIn n 6298DF o Min Dias Toffoli concedeu liminar em 1512019 e posteriormente também a decisão do Min FUX suspendendo a eficácia do 5º do art 157 do CPP Alegou que a norma em tela é extremamente vaga gerando inúmeras dúvidas O que significa conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível Significa apenas travar contato com a prova ou pressupõe que o juiz necessariamente tenha emitido algum juízo de valor sobre o material probatório Como se materializaria a demonstração desse conhecimento O juiz após conhecer do conteúdo da prova ainda poderá proferir decisões interlocutórias e presidir a instrução ficando impedido apenas para a sentença ou ficará impedido desde logo Ademais fez referência ao veto de 2008 e seus fundamentos Portanto ainda que obviamente não concordemos com esses argumentos pelas razões já expostas o fato é que o dispositivo teve sua eficácia suspensa e ao longo do ano de 2020 é preciso estar atento para o que o STF dirá quando julgar o mérito dessa ação e das demais que atacam o juiz das garantias e alguns aspectos da Lei n 139642019 58 A Importância da Cadeia de Custódia da Prova Penal Outra importante inovação trazida pela Lei n 139642019 na reforma de 20192020 foi a recepção da teoria da cadeia de custódia da prova e sua inserção no CPP Uma grande evolução para qualidade epistêmica e a própria credibilidade da prova Nesta perspectiva foram inseridos no CPP os arts 158A B C D E e F Tais dispositivos estão em plena vigência não tendo sido prejudicados pela liminar do Min FUX A definição legal do que seja cadeia de custódia da prova vem dada pelo art 158A Art 158A Considerase cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte 1º O início da cadeia de custódia dáse com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto visível ou latente constatado ou recolhido que se relaciona à infração penal A preservação das fontes de prova é fundamental principalmente quando se trata de provas cuja produção ocorre fora do processo como é o caso da coleta de DNA interceptação telefônica etc Tratase de verdadeira condição de validade da prova O tema foi objeto de interessante decisão proferida pelo STJ no HC 160662RJ no qual se fez uma discussão pontual sobre a cadeia de custódia como condição de validade da prova Como explica GERALDO PRADO424 a alteração das fontes contamina os meios e sua não preservação afeta a credibilidade desses meios De nada adianta argumentar em torno do livre convencimento motivado pois existem standards de validade não disponíveis que asseguram o caráter racionallegal da decisão e a imuniza dos espaços impróprios da discricionariedade e do decisionismo o absurdo decido conforme a minha consciência exaustivamente denunciado por LENIO STRECK A preservação das fontes de prova através da manutenção da cadeia de custódia situa a discussão no campo da conexão de antijuridicidade da prova ilícita consagrada no art 5º LVI da Constituição acarretando a inadmissibilidade da prova ilícita Existe explica GERALDO PRADO um sistema de controle epistêmico da atividade probatória que assegura e exige a autenticidade de determinados elementos probatórios Para essa preservação das fontes de prova através da manutenção da cadeia de custódia exige a prática de uma série de atos um verdadeiro protocolo de custódia cujo passo a passo vem dado pelo art 158B e s Art 158B A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas I reconhecimento ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial II isolamento ato de evitar que se altere o estado das coisas devendo isolar e preservar o ambiente imediato mediato e relacionado aos vestígios e local de crime III fixação descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito e a sua posição na área de exames podendo ser ilustrada por fotografias filmagens ou croqui sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento IV coleta ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial respeitando suas características e natureza V acondicionamento procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada de acordo com suas características físicas químicas e biológicas para posterior análise com anotação da data hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento VI transporte ato de transferir o vestígio de um local para o outro utilizando as condições adequadas embalagens veículos temperatura entre outras de modo a garantir a manutenção de suas características originais bem como o controle de sua posse VII recebimento ato formal de transferência da posse do vestígio que deve ser documentado com no mínimo informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada local de origem nome de quem transportou o vestígio código de rastreamento natureza do exame tipo do vestígio protocolo assinatura e identificação de quem o recebeu VIII processamento exame pericial em si manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas físicas e químicas a fim de se obter o resultado desejado que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito IX armazenamento procedimento referente à guarda em condições adequadas do material a ser processado guardado para realização de contraperícia descartado ou transportado com vinculação ao número do laudo correspondente X descarte procedimento referente à liberação do vestígio respeitando a legislação vigente e quando pertinente mediante autorização judicial Art 158C A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia mesmo quando for necessária a realização de exames complementares 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável sendo tipificada como fraude processual a sua realização Art 158D O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres com numeração individualizada de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio preservar suas características impedir contaminação e vazamento ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e motivadamente por pessoa autorizada 4º Após cada rompimento de lacre deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável a data o local a finalidade bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente Art 158E Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo com local para conferência recepção devolução de materiais e documentos possibilitando a seleção a classificação e a distribuição de materiais devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio 2º Na central de custódia a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas consignandose informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso 4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado todas as ações deverão ser registradas consignandose a identificação do responsável pela tramitação a destinação a data e horário da ação Art 158F Após a realização da perícia o material deverá ser devolvido à central de custódia devendo nela permanecer Parágrafo único Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar determinado material deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de depósito do referido material em local diverso mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de natureza criminal Todo esse cuidado é necessário e justificado querse impedir a manipulação indevida da prova com o propósito de incriminar ou isentar alguém de responsabilidade com vistas a obter a melhor qualidade da decisão judicial e impedir uma decisão injusta Mas o fundamento vai além não se limita a perquirir a boa ou máfé dos agentes policiaisestatais que manusearam a prova Não se trata nem de presumir a boafé nem a máfé mas sim de objetivamente definir um procedimento que garanta e acredite a prova independente da problemática em torno do elemento subjetivo do agente A discussão acerca da subjetividade deve dar lugar a critérios objetivos empiricamente comprováveis que independam da prova de máfé ou bondade e lisura do agente estatal Do contrário ficaremos sempre na circularidade ingênua de quem acreditando na bondade dos bons AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO presume a legitimidade de todo e qualquer ato de poder exigindo que se demonstre cabalmente é claro uma conduta criminosa e os motivos pelos quais uma autoridade manipularia uma prova Eis a postura a ser superada Essa exigência vai projetar efeitos no segundo momento no processo como forma de diminuir o espaço impróprio da discricionariedade judicial fazendo com que a decisão não dependa da valoração do juiz acerca da interioridadesubjetividade dos agentes estatais sob pena de incorrer numa dupla subjetividade com incontrolabilidade ao quadrado Regras claras e objetivas são mecanismos de proteção contra o decisionismo A discussão acerca da quebra da cadeia de custódia adquire especial relevância nas provas que têm pretensão de evidência425 verdadeiros atalhos para obtenção da tão almejada e ilusória verdade que sedam os sentidos e têm a pretensão de bastarse por si sós de serem autorreferenciadas tais como as interceptações telefônicas ou o DNA São provas que acabam por sedar os sentidos e anular o contraditório Nestas situações por serem obtidas fora do processo é crucial que se demonstre de forma documentada a cadeia de custódia e toda a trajetória feita da coleta até a inserção no processo e valoração judicial É o que GERALDO PRADO426 nos traz como exigência dos Princípios da Mesmidade e da Desconfiança Por mesmidade forma aproximada à empregada na língua espanhola que não possui correspondente em português e não pode ser traduzido como mesmice entendese a garantia de que a prova valorada é exatamente e integralmente aquela que foi colhida correspondendo portanto a mesma Não raras vezes por diferentes filtros e manipulações feitas pelas autoridades que colhemcustodiam a prova o que é trazido para o processo não obedece à exigência de mesmidade senão que corresponde ao signo de parte do que constitui em última análise a outro e não ao mesmo Questão recorrente nas interceptações telefônicas está na violação da mesmidade e por via de consequência do direito da defesa de ter acesso à integralidade da prova na sua originalidade manifestação do contraditóriodireito a informação e paridade de armas na medida em que a prova é filtrada pela autoridade policial ou órgão acusador que traz para o processo e submete ao contraditório diferido apenas o que lhe interessa Não é a mesma prova colhida mas apenas aquela que interessa ao acusador subtraindo o acesso da defesa A manipulação e aqui se emprega no sentido físico do vocábulo sem juízo de desvalor ou atribuição de máfé ao manipulador é feita durante a custódia e viola exatamente as regras de preservação da idoneidade Já a Desconfiança decorrência salutar em democracia onde se desconfia do poder que precisa ser legitimado sempre consiste na exigência de que a prova documentos DNA áudios etc deva ser acreditada submetida a um procedimento que demonstre que tais objetos correspondem ao que a parte alega ser Como explica PRADO o tema de provas exige a intervenção de regras de acreditação pois nem tudo que ingressa no processo pode ter valor probatório há que ser acreditado legitimado valorado desde sua coleta até a produção em juízo para ter valor probatório A cadeia de custódia exige o estabelecimento de um procedimento regrado e formalizado documentando toda a cronologia existencial daquela prova para permitir a posterior validação em juízo e exercício do controle epistêmico A preservação da cadeia de custódia exige grande cautela por parte dos agentes do estado da coleta à análise de modo que se exige o menor número de custódios possível e a menor manipulação do material O menor número de pessoas manipulando o material faz com que seja menos manipulado e a menor manipulação conduz a menor exposição Expor menos é proteção e defesa da credibilidade do material probatório Provas dessa natureza DNA interceptações telefônicas etc são muito importantes para o processo mas trazem consigo um perigoso alucinógeno a evidência Como muito bem analisado por RUI CUNHA MARTINS427 o ponto cego do direito é o evidente pois ele seda os sentidos e tem um alto grau de alucinação O evidente cega pois não nos permite ver ele é simulacro de autorreferencialidade e se basta por si só Erroneamente somos levados a crer que o evidente dispensa prova afinal é evidente E aqui está o perigo o desamor do contraditório CUNHA MARTINS O processo penal então deve ser um instrumento de correção do caráter alucinatório do evidente instaurando o contraditório e submetendo tudo ao fair play ao jogo limpo de prova e contraprova exigindo do juiz um alto grau de maturidade psíquica para não se deixar sedar e cegar pelo evidente Eis uma questão extremamente complexa e que vai cobrar um alto preço em vários pontos do processo penal como por exemplo na prisão em flagrante afinal não são poucos os que mentalmente operam assim se foi pego em flagrante para que processo penal ou diante de uma evidência do DNA Se o material genético do suspeito foi encontrado no local do delito está provado É evidente que foi ele Infelizmente esse atalho para o lugar de conforto proporcionado pelo binômio evidenteverdade é o sonho de consumo de todo ato decisório especialmente na cultura inquisitória vigente valorizando a cadeia de custódia como espaço apto ao contraditório e ao julgamento justo Não podemos tomar o atalho DNAevidenteverdade sem antes fazer uma profunda perquirição acerca dos meios de obtenção desta prova e todo o iter procedimental de coleta armazenagem e análise desta amostra É a discussão sobre a validação científica dos métodos de análise ou seja como no caso do questionamento acerca da validade dos testes a partir da natureza das amostras biológicas utilizadas É sabido por exemplo que as amostras encontradas em superfícies não estéreis como sói ocorrer podem sofrer danos após o contato com a luz solar microorganismos e solventes naturais podendo levar a equívocos na interpretação ou diminuição da confiabilidade dos resultados A luta pela qualidade da decisão judicial passa pela melhor prova possível Nesse terreno a estrita observância do acusatório com claro afastamento das funções de acusar e julgar mas principalmente pela imposição de que a iniciativa probatória seja das partes e não do juiz recusa ao ativismo judicial bem como pela maximização do contraditório são fundamentais Outra premissa básica neste tema e em todo processo penal é forma é garantia e limite de poder A importância da tipicidade processual é novamente evidenciada A manutenção da cadeia de custódia garante a mesmidade evitando que alguém seja julgado não com base no mesmo mas no selecionado pela acusação A defesa tem o direito de ter conhecimento e acesso às fontes de prova e não ao material que permita a acusação ou autoridade policial Não se pode mais admitir o desequilíbrio inquisitório com a seleção e uso arbitrário de elementos probatórios pela acusação ou agentes estatais Tema diretamente vinculado ensina GERALDO PRADO é o da conexão de antijuridicidade onde a contaminação deve ser ponderada através da causalidade naturalística ou da causalidade normativa A primeira naturalística faz com que toda prova derivada nexo causal físico naturalístico seja necessariamente declarada ilícita e excluída do processo Já a causalidade normativa interdita o emprego do conhecimento obtido pela prova ilícita para interpretar provas aparentemente produzidas sem uma filiação direta e imediata com a prova declarada ilícita É por isso que uma vez reconhecida a ilicitude de uma prova não se pode por exemplo fazer posteriormente perguntas para testemunhas sobre o mesmo objeto buscando validar por via transversa Ainda que a prova testemunhal seja válida e não derive da ilícita não há causalidade naturalística existe um impedimento decorrente da causalidade normativa que veda o emprego do conhecimento ilicitamente obtido É um mecanismo com ambição de evitamento da lavagem da prova ilícita Questão final é qual a consequência da quebra da cadeia de custódia break on the chain of custody Sem dúvida deve ser a proibição de valoração probatória com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada É a pena de inutilizzabilità consagrada pelo direito italiano Mas é importante que não se confunda a teoria das nulidades com a teoria da prova ilícita ainda que ambas se situem no campo da ilicitude processual guardam identidades genéticas distintas É por isso que não se aplicam às provas ilícitas as teorias da preclusão ou do prejuízo Esse é um diferencial crucial não raras vezes esquecido Concluindo a proibição de valoração probatória e o princípio da contaminação podem conduzir a um questionamento final sobre o preço a ser pago A resposta para além de tudo o que já se disse sobre o valor e a imprescindibilidade de estrito respeito às regras do jogo428 está na necessidade de incorporar um efeito dissuasório deterrent effect que serve de desestímulo às agências repressivas quanto à tentação de recorrerem a práticas ilegais para obter a punição GERALDO PRADO 6 A Produção Antecipada de Provas no Processo Penal Partindo da compreensão de que as regras do devido processo penal exigem que o julgamento recaia sobre provas e que somente são considerados atos de prova aqueles praticados em juízo é imprescindível tratar da produção antecipada de provas429 Frente ao risco de perecimento e o grave prejuízo que significa a perda irreparável de algum dos elementos recolhidos na investigação preliminar o processo penal instrumentaliza uma forma de colher antecipadamente essa prova através de um incidente Significa que aquele elemento que normalmente seria produzido como mero ato de investigação e posteriormente repetido em juízo para ter valor de prova poderá ser realizado uma só vez na fase préprocessual e com tais requisitos formais que lhe permitam ter o status de ato de prova isto é valorável na sentença ainda que não colhido na fase processual Infelizmente a matéria não está suficientemente disciplinada no CPP mera menção no art 366 e no art 3ºB carecendo de limites de cabimento e forma de produção A produção antecipada de provas será realizada perante o juiz das garantias nos termos do art 3ºB VII decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral Infelizmente o art 3ºB teve sua eficácia suspensa pela liminar do Min FUX já explicada Portanto a prova deve ser urgente diante do risco de perecimento ou desaparecimento e não repetível ou seja se não colhida agora não será possível quando da instrução processual Dessarte pensamos que o incidente de produção antecipada da prova somente pode ser admitido em casos extremos em que se demonstra a fundada probabilidade de ser inviável a posterior repetição na fase processual da prova Ademais para justificála deve estar demonstrada a relevância da prova para a decisão da causa Em síntese são requisitos básicos a relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença b impossibilidade de sua repetição na fase processual amparado por indícios razoáveis do provável perecimento da prova Presentes tais requisitos o incidente deve ser praticado com a mais estrita observância do contraditório e direito de defesa Logo a prova antecipada deve ser produzida430 a em audiência pública e oral salvo o segredo justificado pelo controle ordinário da publicidade dos atos processuais b o ato será presidido pelo juiz das garantias c na presença dos sujeitos futuras partes e seus respectivos defensores d sujeitandose ao disposto para a produção da prova em juízo ou seja com os mesmos requisitos formais a que deveria obedecer o ato se realizado na fase processual e deve permitir o mesmo grau de intervenção a que teria direito o sujeito passivo se praticada no processo Dessa forma desde o ponto de vista do sujeito passivo está garantido o contraditório e o direito de defesa de modo que a prática antecipada da prova não supõe em princípio nenhum prejuízo Esses requisitos devem ser cumpridos para toda e qualquer modalidade de prova produzida antecipadamente No caso da prova testemunhal em que a falta de contato direto é mais relevante é importante que ela seja fielmente reproduzida utilizandose para isso os melhores meios disponíveis especialmente a filmagem e a gravação Diante da impossibilidade de repetir a reprodução deve ser a melhor possível Concluindo a produção antecipada da prova deve ser considerada uma medida excepcional justificada por sua relevância e impossibilidade de repetição em juízo Sua eficácia estará condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade contraditório possibilidade de defesa e fiel reprodução na fase processual Por fim chamamos a atenção para a edição da Súmula 455 do STJ com o seguinte verbete SÚMULA 455 A decisão que determina a produção antecipada deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo Reforça nossa posição de que a produção antecipada de provas é uma medida extrema que deve ser objeto de estrita fundamentação e que não pode basearse em argumentos vagos como o mero decurso do tempo Deve estar demonstrada sua necessidade e urgência Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO O processo penal é um instrumento de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico máquina retrospectiva Cordero sendo as provas o meio através dos quais se fará essa reconstrução O juiz desempenha uma atividade recognitiva visto que é um ignorante ele ignora os fatos Sua cognitio se dará sempre de forma indireta mediante a prova testemunhal documental pericial etc Por meio das provas as partes buscam a captura psíquica do julgador O conceito de prova está vinculado ao de atividade encaminhada a conseguir o convencimento psicológico do juiz O modo de construção do convencimento do juiz varia conforme se adote o sistema acusatório ou inquisitório pois no primeiro as partes produzem a prova em busca da formação do convencimento do juiz no segundo regido pelo princípio inquisitivo o juiz vai de ofício atrás da prova decidindo primeiro e buscando a seguir as provas que justificam a decisão já tomada primado das hipóteses sobre os fatos com inegável sacrifício da imparcialidade O modelo brasileiro é neoinquisitorial pois ao manter a iniciativa probatória nas mãos do juiz art 156 observa o princípio inquisitivo Considerando que a Constituição desenha um processo penal acusatório devese buscar a máxima conformidade constitucional afirmando a substancial inconstitucionalidade desses dispositivos que permitem a produção de provas de ofício pelo juiz 1 PRINCIPIOLOGIA DA PROVA 11 Garantia da Jurisdição significa o direito de ser julgado com base na prova produzida no processo em contraditório e perante o juiz natural com todas as garantias Neste ponto é fundamental compreender a distinção entre atos de investigação e atos de prova 12 Presunção de Inocência art 5º LVII da Constituição Decorre do nível de evolução civilizatória impondo um dever de tratamento que se manifesta na dimensão interna carga da prova nas mãos do acusador in dubio pro reo limitação da prisão cautelar e externa limite à publicidade abusiva e à estigmatização do imputado 13 In dubio pro reo no processo penal não há distribuição de cargas probatórias mas atribuição ao acusador que tem em mãos a carga integral de provar que alguém cometeu um crime É uma regra de julgamento para o juiz proibindoo de condenar alguém cuja culpabilidade não tenha sido completamente provada nulla accusatio sine probatione Quando a defesa alega uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade ou de atipicidade ainda existe uma parcela significativa da doutrina e jurisprudência sustentando que a carga da prova de excludente corresponderia à defesa Não é essa nossa posição entendemos que incumbe à acusação a prova positiva não só dos fatos que constituam o delito mas também da inexistência das causas de exclusão Quanto ao in dubio pro societate inexiste dispositivo legal ou constitucional que o recepcione 14 Contraditório e momento da prova é o direito de participar de todos os atos da instrução de manter uma contraposição em relação à acusação e de ser informado de todos os atos probatórios Engloba o direito de informação e reação O contraditório deve ser rigorosamente observado nos 4 momentos da prova a postulação b admissão c produção d valoração 15 Direito de defesa e o nemo tenetur se detegere a defesa técnica e pessoal também deve se fazer presente nos 4 momentos da prova A defesa técnica exercida por advogado é indisponível A defesa pessoal exercida pelo imputado é disponível e pode ser positiva fazerfalar ou negativa não fazercalar Grave problema encerra a Lei n 126542012 que permite a extração compulsória de DNA do acusado 16 Livre convencimento motivado os três principais sistemas de valoração da prova são A Sistema legal de provas em que o legislador fixa uma tabela de valoração das provas o peso de cada prova vem previsto em lei Com menor rigor é o art 158 do CPP que representa um resquício deste sistema O inconveniente do modelo é que retira a capacidade de valoração e avaliação do julgador caindo no erro de pretender uma objetividade matemática para a prova B Íntima convicção é a superação do modelo anterior mas caindo no outro extremo em que o julgador está completamente livre para valorar a prova e decidir É o erro do decisionismo permitindo uma decisão autoritária Ainda é adotado no Tribunal do Júri em que os jurados decidem por íntima convicção e sem fundamentar C Livre convencimento motivado ou persuasão racional é o modelo adotado art 155 do CPP Não há regras objetivas e critérios matemáticos de julgamento cabendo ao juiz formar sua convicção pela livre apreciação da prova sendo que nenhuma prova tem maior valor ou prestígio que as demais Todas são relativas Contudo não se pode cair no decisionismo A decisão do juiz ainda que liberta de tarifa probatória deve estar adstrita à prova válida lícita produzida em contraditório judicial bem como delimitada pela estrita legalidade Sobre o tema é importante complementar com o que explicaremos ao tratar das decisões judiciais 17 Identidade Física do Juiz prevista no art 399 2º do CPP segundo o qual o juiz que presidir a instrução deverá como regra ser o mesmo que irá proferir sentença Contudo tal regra passou a ser objeto de várias exceções por exemplo art 132 do antigo CPC a ponto de enfraquecêlo substancialmente 2 PROBLEMA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL A visão de que o processo penal busca a mitológica verdade real é um ranço inquisitório superado há séculos Tratase de uma concepção vinculada ao sistema inquisitório e aos sistemas autoritários que em nome da busca da verdade legitimaram as maiores atrocidades que a história da humanidade conheceu Ademais é uma tese absurda na medida em que confunde o real com o imaginário pois o crime é sempre passado logo nunca é real É memória história imaginação É sempre imaginário nunca é real Superada a concepção de verdade real passouse a sustentar a existência de uma verdade processual condicionada pelos limites legais e do devido processo É a verdade possível de ser alcançada no processo É uma posição que tem muitos adeptos Nossa visão é mais crítica Seguindo Carnelutti pensamos que o problema está na verdade e não apenas no adjetivo que a ela se pretende unir real ou processual na medida em que a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós e demais para o processo A verdade contém um excesso epistêmico na perspectiva do processo Pensamos que a verdade não é fundante mas contingencial Não se trata de negar a verdade ou afirmar que a sentença é uma mentira Mas sim de retirar o peso da verdade do processo na medida em que a ambição de verdade é fundante de estruturas inquisitórias e do ativismo judicial juizator inquisidor Por isso sustentamos que as provas servem para obter dentro das regras do jogo o convencimento do juiz A sentença é um ato de convencimento de crença formado dentro do contraditório Não é a sentença ou o juiz o revelador da verdade senão que a decisão é uma manifestação do convencimento judicial formado em contraditório Se ela decisão corresponde ou se aproxima do que aconteceu ou não isso é contingencial não fundante ou legitimante O que legitima a decisão é o fato de ter sido construída em contraditório Fazzalari segundo as regras do devido processo penal Existe uma íntima relação entre sistema inquisitório gestão da prova nas mãos do juiz e a busca da verdade A ambição de verdade acaba por matar o contraditório e colocar o juiz na perspectiva do erro psicológico de acreditar que pode e deve buscar a prova e ainda julgar com imparcialidade O processo penal constitucional e acusatório impõe um afastamento do juiz da atividade probatória que é das partes juiz espectador e não ator concebendoo como destinatário da prova e do agir das partes na busca da sua captura psíquica convencimento 3 LIMITES À ATIVIDADE PROBATÓRIA 31 Limites extrapenais art 155 parágrafo único Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil assim por exemplo para incidir a agravante do art 61 II e do CP vg contra cônjuge é imprescindível a prova do matrimônio feita por meio de certidão de casamento 32 Provas Nominadas e Inominadas como regra o rol de provas do CPP é taxativo podendo excepcionalmente ser admitidos outros meios de prova não previstos desde que não violem os limites constitucionais e processuais da prova Não se pode admitir como inominada uma prova que constitua uma variação ilícita de outra prova prevista na lei processual penal exemplo o reconhecimento por fotografia 33 Prova emprestada e transferência de provas devese distinguir entre provas testemunhais técnicas e mera prova documental Transferir a prova testemunhal ou técnica de um processo para outro é bastante discutível na medida em que representa uma violação do contraditório e da ampla defesa pois a prova produzida em um processo está vinculada a um determinado caso penal e a determinada parte Já a transferência de documentos de um processo para outro inicialmente não representaria qualquer ilegalidade desde que não se trate de documentos protegidos por sigilo Mas a questão deve ser analisada em cada caso 34 Desvio Causal da Prova Princípio da Especialidade algumas provas implicam restrição de direitos fundamentais busca e apreensão quebra de sigilo bancário fiscal etc e exigem prévia autorização judicial para sua realização O problema surge quando há um desvio no nexo causal para que essa prova sirva para apuração de outro crime Entendemos que as medidas restritivas de direitos fundamentais são excepcionais e portanto vinculadas e limitadas A decisão judicial está vinculada ao pedido decorrente da investigação de um determinado delito e acaba por vincular a atividade policial que a cumprirá nos limites definidos sendo que o resultado está atrelado a determinado processo e caso penal respectivo É uma vinculação causal da prova Há um tensionamento entre o Princípio da Especialidade intervenção vinculada ao delito investigado e a transferência de provas entre processos Desta forma a prova obtida em situação de desvio causal seria no máximo admitida como starter de outra investigação fonte de prova e não prova Infelizmente a questão do compartilhamentotransferência de provas não está claramente disciplinada na lei e revelase bastante controvertida Situação diferente ocorre nos casos de crime permanente porte ilegal de armas ter em depósito substâncias entorpecentes ocultação de cadáveres etc em que predomina o entendimento de que não há desvio causal na medida em que a situação de flagrante permanente legitimaria o ato 35 Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas Premissa básica forma é garantia e limite de poder Devemse observar as regras do devido processo sempre A violação da forma conduz à nulidadeilicitude da prova Prova Ilegítima é aquela que viola uma regra de direito processual no momento da sua produção em juízo no processo Ex juntada de prova fora do prazo após encerrada a instrução Prova Ilícita quando há violação de uma norma de direito material Código Civil Penal etc ou da Constituição no momento de sua coleta fora do processo Ex busca e apreensão em domicílio sem o respectivo mandado quebra ilegal de sigilo telefônico ou bancário confissão extraída mediante tortura ou ameaça etc Contudo o art 157 do CPP não adotou a distinção entre provas ilegítimas e provas ilícitas consagrando ambos os casos como prova ilícita 351 Teorias sobre a admissibilidade da prova ilícita art 157 do CPP a admissibilidade processual da prova ilícita posição superada que sustentava ser admissível a prova ilícita desde que legítima ou seja desde que observasse as regras do processo b inadmissibilidade absoluta decorre da literalidade do art 5º LVI da CB É uma corrente que encontra ainda muitos seguidores e decisões neste sentido A crítica que se faz a essa posição é a absolutização da vedação sem ponderar a gravidade ou as circunstâncias do caso c admissibilidade da prova ilícita em nome da proporcionalidade relativiza a posição anterior tomando como critério a lógica da ponderação proporcionalidade São poucas as decisões em matéria penal que a recepcionam A principal crítica reside na abertura conceitual da proporcionalidade permitindo manipulação discursiva para ser utilizada sem critério objetivo e claro Alberga o risco de decisionismo d admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo neste caso uma prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a favor do réu Ademais o réu estaria acobertado pela legítima defesa ou estado de necessidade que são causas de exclusão da ilicitude da conduta Mas mesmo admitida naquele processo para defender um réu injustamente acusado não pode ser utilizada contra terceiros 36 Prova ilícita por derivação a redação dos 1º e 2º do art 157 estabelece as seguintes regras a inadmissibilidade da prova ilícita derivada princípio da contaminação b não há contaminação quando não ficar evidenciado o nexo causal c não há contaminação quando a prova puder ser obtida por uma fonte independente daquela considerada ilícita d a prova ilícita deve ser desentranhada Vejamos agora as teorias da descoberta inevitável e da fonte independente Ambas atuam sobre o nexo causal e servem para mitigar o princípio da contaminação Teoria da fonte independente independent source doctrine é quando se demonstra que não há nexo causal entre as demais provas e aquela considerada ilícita A fonte de uma prova independente é geneticamente desvinculada da ilícita sendo portanto válida Não se estabelece um nexo de causa e efeito Está expressamente consagrada no art 157 2º do CPP Teoria da descoberta inevitável inevitable discovery exception quando se demonstra que a prova poderia ser obtida por qualquer outra forma seria descoberta de outra maneira inevitavelmente Mas a carga de provar que a descoberta era inevitável é inteiramente da acusação Não está expressamente consagrada no CPP CRÍTICA ambas as teorias recorrem a categorias vagas e manipuláveis gerando um perigoso alargamento da tolerância judicial em relação às provas ilícitas derivadas O maior inconveniente é a falta de critérios claros e precisos dando margem ao decisionismo espaços impróprios da discricionariedade judicial com os juízes e tribunais dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck Por fim é um grave erro manter o mesmo juiz no processo após ter sido reconhecida a ilicitude de uma prova na medida em que está contaminado e não pode mais julgar erro do cartesianismo 4 PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS quando na investigação preliminar surgir uma prova relevante e imprescindível que corra o risco de não poder ser repetida em juízo risco de perecimento deve ser colhida antecipadamente Não está suficientemente disciplinada no CPP É uma medida excepcional e sua eficácia está condicionada aos requisitos mínimos de jurisdicionalidade ser produzida na frente do juiz das garantias contraditório defesa e fiel reprodução na fase processual filmagem e gravação Capítulo IX DAS PROVAS EM ESPÉCIE 1 Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito No sistema inquisitório o perito era o instrumento pensante do juiz subministravalhe conhecimentos Operase assim uma metamorfose do resíduo inquisitorial ao sistema acusatório o perito muda de identidade e se transforma em órgão útil para as partes antes que ao juiz Ele serve para aportar premissas necessárias para o debate acusatório431 Claro que isso não retira o valor probatório da perícia relativo como de todas as provas mas acima de tudo ele deve atender o interesse das partes antes que o do juiz Uma vez mais evidenciase que o caráter acusatório buscado no processo penal contemporâneo potencializa a atividade probatória das partes e restringe a iniciativa do juiz juizator nesse campo432 Assim a perícia subministra fundamentos para um conhecimento comum às partes e ao juiz sobre questões que estão fora da órbita do saber ordinário433 Quanto às perícias é importante afastar o endeusamento da ciência ainda com forte presença no Direito Como sublinhou DENTI434 o progresso da ciência não garante uma pesquisa imune a erros e seus métodos aceitos pela generalidade dos estudiosos em um determinado momento podem parecer errôneos no momento seguinte Tratase de uma afirmação inspirada numa das mais notórias bases do relativismo de Einstein e que devemos sempre recordar todo saber é datado e tem prazo de validade pois toda a teoria e conhecimento nasce para ser superada Assim nenhuma dúvida temos do valor do conhecimento científico mas não há que endeusálo com o absolutismo pois mesmo o saber científico é relativo e possui prazo de validade Dizemos isso para desde logo advertir que não existe a rainha das provas no processo penal e muito menos o é a prova pericial Uma prova pericial demonstra apenas um grau maior ou menor de probabilidade de um aspecto do delito que não se confunde com a prova de toda complexidade que envolve o fato Assim um exame de DNA feito a partir da comparação do material genético do réu A com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu Daí até provarse que o réu A violentou e matou a vítima existe uma distância imensa e que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios Recordemos sempre a talvez mais lúcida passagem da exposição de motivos do CPP todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outras Também é importante recordar o disposto no art 182 do CPP Art 182 O juiz não ficará adstrito ao laudo podendo aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte Em suma o juízo feito pelo perito acerca do material examinado não vincula o julgador que continua livre para avaliar a perícia dentro do complexo contexto probatório formado por diferentes elementos de convicção O juiz é o peritus peritorum LEONE435 sem com isso admitir alguma presunçosa capacidade de onisciência por parte do julgador senão sua independência axiológica e ao mesmo tempo o correspondente dever de motivar436 sua decisão à luz da prova válida produzida no processo O perito por elementar não é meio de prova ou sujeito de prova sendo estéril senão descabida tal discussão É ele um auxiliar da Justiça na definição do Título VIII do CPP mas cuja produção laudo é sim um meio de prova A perícia explica LEONE437 é uma declaração técnica acerca de um elemento de prova A prova pericial é considerada uma prova técnica na medida em que sua produção exige o domínio de determinado saber técnico MORENO CATENA438 explica que o perito é uma pessoa com conhecimentos científicos ou artísticos dos quais o juiz por sua formação jurídica específica pode carecer É chamado para apreciar através das máximas da experiência próprias de sua especializada formação algum fato ou circunstância obtido anteriormente por outro meio de averiguação e que seja de interesse ou necessidade para a investigação ou processo Mas é importante advertir na perspectiva epistêmica da prova é preciso superar a ilusão de objetividade da prova pericial Quando um perito faz a análise de determinado objeto de prova e elabora um laudo não há a objetividade pretendida por alguns Isso porque a prova pericial é uma espécie de prova testemunhal439 na medida em que o perito diz sobre o objeto observado sob a mesma base epistêmica que uma testemunha diz sobre a situação observada Obviamente que existe uma diferença na metodologia da prova na medida em que o perito tem um compromisso científico mas o que ele faz é dar um depoimento sobre o que está observando mediado pelo conhecimento específico que possui Mas não deixa de existir uma interação sujeitoobjeto também suscetível de contaminação O perito diz o que diz desde um lugar de fala contaminado portanto Assim é preciso compreender a superação da ilusão de objetividade na relação sujeitoobjeto Desse modo é muito importante que cada vez mais se fortaleça a cultura de audiência e da oralidade exigindose que o perito deponha em juízo para sustentar em contraditório seu laudo e conclusões O laudo na sistemática do CPP deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados como determina o art 159 do CPP e também a Súmula 361 do STF Os peritos oficiais são servidores públicos de carreira devidamente concursados com conhecimento em determinada área havendo assim peritos médicos contadores químicos engenheiros etc Define o art 159 o seguinte Art 159 O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial portador de diploma de curso superior 1º Na falta de perito oficial o exame será realizado por 2 duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo 3º Serão facultadas ao Ministério Público ao assistente de acusação ao ofendido ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais sendo as partes intimadas desta decisão 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes quanto à perícia I requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dez dias podendo apresentar as respostas em laudo complementar II indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência 6º Havendo requerimento das partes o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial que manterá sempre sua guarda e na presença de perito oficial para exame pelos assistentes salvo se for impossível a sua conservação 7º Tratandose de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado poderseá designar a atuação de mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente técnico Quando não houver perito oficial o exame deverá ser realizado por duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior escolhidas de preferência entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame como prevê o art 159 1º do CPP Nesse caso os peritos nomeados deverão prestar compromisso incorrendo inclusive nas sanções do art 342 do CP em caso de falsa perícia sanções também aplicáveis ao perito oficial O perito oficial ou os dois peritos nomeados deverão ter acesso ao lugar ou objeto a ser periciado e no prazo máximo de 10 dias podendo haver prorrogação em casos excepcionais art 160 parágrafo único do CPP deverão apresentar um laudo minucioso sobre o examinado bem como responderão os eventuais quesitos perguntas que lhes forem feitos pelo juiz MP ou querelante assistente da acusação e defesa Importante destacar que com o advento da Lei n 116902008 passou a admitirse no processo penal a figura do assistente técnico até então desconhecida Ainda que o 3º mencione que o ofendido possa formular quesitos e indicar assistente técnico não vislumbramos como processualmente isso possa ocorrer Para que a vítima possa atuar no processo é necessário que esteja devidamente habilitada como assistente da acusação postulando em juízo através de seu advogado Do contrário não tem capacidade postulatória e não poderá no processo requerer nada Assim além de formular quesitos para que o perito oficial ou os dois peritos nomeados responda poderão as partes indicar um assistente técnico que elaborará seu parecer Para tanto o material probatório que foi utilizado para a perícia será disponibilizado mediante requerimento das partes para que o assistente o examine e formule seu parecer Contudo esse material deverá ser disponibilizado no órgão oficial instituto geral de perícias instituto médico legal etc na presença do perito oficial Esse controle é para evitar a destruição manipulação ou uso inadequado do material probatório Quando os peritos forem nomeados caberá a eles definir o local em que o assistente técnico terá acesso ao material periciado O assistente técnico elabora seu parecer após o laudo apresentado pelo perito oficial ou pelos nomeados agindo com base no que foi por eles realizado Quando a perícia for complexa poderá o juiz nomear mais de um perito oficial e nesse caso a parte também poderá indicar mais de um assistente técnico havendo assim uma paridade Situações assim podem ocorrer quando a perícia exigir um conhecimento interdisciplinar em que uma junta de técnicos deve ser formada para uma análise mais completa do caso A qualidade da perícia depende em grande parte das condições em que estiver o lugar ou objeto a ser periciado Assim é imprescindível o cumprimento do disposto no art 6º do CPP especialmente o determinado no inciso I Art 6º I dirigirse ao local providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais Não por acaso esse é o primeiro inciso pois na prática esta deve ser a primeira providência a ser tomada pela polícia dirigirse ao local e isolálo Isso porque o local do crime será uma das principais fontes de informação para reconstruir a pequena história do delito e desse ato depende em grande parte o êxito da investigação Para efeito de exame do local do delito a autoridade policial providenciará imediatamente que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos oficiais ou nomeados para o ato que poderão instruir seus laudos com fotografias desenhos ou esquemas elucidativos art 164 registrando ainda no laudo as alterações do estado das coisas e a consequência dessas alterações na dinâmica dos fatos Por fim poderão as partes requerer a oitiva do perito oficial ou dos nomeados para esclarecer o laudo Para tanto devese atentar para o disposto no art 400 2º do CPP em que as partes deverão requerer a oitiva dos peritos que será realizada na audiência de instrução e julgamento O requerimento para a oitiva dos peritos deve ser realizado com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento nos termos do art 159 5º I do CPP 11 Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial Como adverte GOMES FILHO440 é imperativa a incidência dos princípios constitucionais do contraditório e do direito de defesa na prova pericial de modo que a participação dos interessados é essencial também nesse tipo de prova seja através da possibilidade de crítica e pedidos de esclarecimento em relação aos laudos já apresentados seja pela formulação de quesitos antes da realização dos exames bem como com o advento da Lei n 116902008 indicar assistente técnico Sob inspiração de SCARANCE FERNANDES441 entendemos que assistem às partes os seguintes direitos em relação à prova pericial requerer sua produção apresentar quesitos com antecedência mínima de 10 dias da realização da perícia se possível pela natureza do ato acompanhar a colheita de elementos pelos peritos extração de sangue vestígios químicos no local etc manifestarse sobre a prova podendo requerer nova perícia sua complementação ou esclarecimento dos peritos indicar assistente técnico que elaborará parecer sobre a perícia realizada obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada Com esses direitos em relação à prova pericial efetivase o contraditório e o direito de defesa havendo cerceamento e nulidade portanto quando injustificadamente lhe for negado 12 Perícia Particular Possibilidade de Contraprova Pericial Limitações da Fase PréProcessual Além da possibilidade de nomear assistente técnico que elaborará um parecer sobre a perícia oficial realizada nada impede442 que a parte interessada recorra a peritos particulares ou seja profissionais que possuam conhecimento técnico naquela área mas que não sejam peritos oficiais ou nomeados pelo juiz para fazer uma contraprova pericial Assim os peritos particulares poderão emitir pareceres técnicos que serão juntados ao processo como prova documental para serem avaliados pelo juiz Com isso havendo contradição entre a perícia oficial e a contraperícia particular poderá o juiz determinar a realização de uma nova perícia com outros profissionais que dê conta das contradições apontadas ou ainda aplicar o princípio do in dubio pro reo naquela matéria controvertida Situação sensível se apresenta na investigação preliminar anteriormente tratada em que o baixo nível de constitucionalização do inquérito aliado ao fato de que importantes provas periciais são feitas nessa fase até pela proximidade com o momento do delito conduz a uma perigosa negação de eficácia dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa que como explicado anteriormente incidem também Daí porque é imprescindível uma atuação consistente do juiz das garantias no controle da legalidade e da qualidade da prova inclusive no que tange a integridade da cadeia de custódia anteriormente explicada Nos termos do art 3ºB XVI caberá ao juiz das garantias XVI deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia Infelizmente o art 3ºB teve sua eficácia suspensa pela liminar do Min FUX já explicada De qualquer maneira independente da vigência desse artigo com base no direito de defesa no art 14 do CPP e também dos dispositivos da Lei n 8906 PODE o imputado443 requerer a produção da prova pericial apresentar quesitos indicar assistente técnico e acompanhar a colheita de elementos pelos peritos extração de sangue vestígios químicos no local etc manifestarse sobre a prova podendo requerer nova perícia sua complementação ou esclarecimento dos peritos Tal participação no inquérito policial ou na investigação realizada pelo MP está perfeitamente autorizada também pelo art 14 do CPP cabendo mandado de segurança para o juiz das garantias contra o ato do delegado que injustificadamente recusar o pedido feito pela defesa 13 O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto A mais importante das perícias é exatamente o exame de corpo de delito ou seja o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime portanto somente necessário nos crimes que deixam vestígios O corpo de delito é composto pelos vestígios materiais deixados pelo crime É o cadáver que comprova a materialidade de um homicídio as lesões deixadas na vítima em relação ao crime de lesões corporais a coisa subtraída no crime de furto ou roubo a substância entorpecente no crime de tráfico de drogas o documento falso no crime de falsidade material ou ideológica etc Nesse tema é importante o disposto no art 158 do CPP Art 158 Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto não podendo suprilo a confissão do acusado Parágrafo único Darseá prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva I violência doméstica e familiar contra mulher II violência contra criança adolescente idoso ou pessoa com deficiência Antes de tratar do tema devemos destacar que não se pode confundir o exame de corpo de delito com as perícias em geral O exame de corpo de delito é a perícia feita sobre os elementos que constituem a própria materialidade do crime Daí por que sua presença ou ausência afeta a prova da própria existência do crime e gera uma nulidade absoluta do processo art 564 III b Já as perícias em geral são feitas em outros elementos probatórios e sua presença ou ausência afetam apenas o convencimento do juiz sobre o crime Ou seja a falta de perícia no lugar do crime ou na arma utilizada não afeta sua materialidade existência O exame de corpo de delito diz respeito não apenas à materialidade do fato principal mas também às suas eventuais causas de aumento ou qualificadoras conforme o caso Nessa linha a título de exemplo verifique se o disposto no art 171 do CPP Art 171 Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa ou por meio de escalada os peritos além de descrever os vestígios indicarão com que instrumentos por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado Assim sem que se efetive a respectiva perícia no lugar do crime para comprovação da qualificadora não poderá o réu ser condenado por essa figura típica mas apenas pelo tipo simples previsto no caput do art 155 considerando que o crime foi de furto Importante destacar que a confissão do acusado não é suficiente para comprovação da materialidade do delito sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto sob pena de nulidade do processo art 564 III b do CPP Dizse que o exame de corpo de delito é direto quando a análise recai diretamente sobre o objeto ou seja quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado O conhecimento é dado sem intermediações entre o perito e o conjunto de vestígios deixado pelo crime Essa é a regra a materialidade existência dos crimes que deixam vestígios deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto Mas em situações excepcionais em que o exame de corpo de delito direto é impossível de ser feito porque desapareceram os vestígios do crime o art 167 do CPP admite o chamado exame indireto O exame de corpo de delito indireto é uma exceção excepcionalíssima admitido quando os vestígios desapareceram e a prova testemunhal vai suprir a falta do exame direto Mas não só ela também pode haver a comprovação indireta através de filmagens fotografias gravações de áudio etc A rigor o exame indireto deveria corresponder à perícia feita pelos técnicos a partir de outros elementos que não o corpo de delito tais como depoimento de testemunhas fotografias filmagens etc Seria um laudo emitido a partir dessas informações Isso é tecnicamente o exame indireto Ocorre que na prática forense isso não é observado e o chamado exame indireto acaba sendo a produção de outras provas testemunhal fotografias etc para suprir a falta do exame direto Ou seja o chamado exame indireto não é tecnicamente um exame indireto senão o suprimento da falta de exame direto por outros meios de prova Tratase de se admitir que a materialidade de um delito seja demonstrada de outra forma Feita a ressalva analisemos o exame indireto A materialidade de um crime de roubo por exemplo se dá através da apreensão e avaliação dos objetos subtraídos Nesse caso o exame é direto Contudo se os autores do roubo venderem os objetos a um terceiro não identificado impossibilitando a apreensão da res ainda assim haverá a possibilidade de condenação por meio do exame dito indireto obtido através do conjunto probatório palavra da vítima prova testemunhal eventuais filmagens de circuito interno de TV etc Mas é importante destacar a regra é o exame direto sendo o indireto uma exceção Como muito bem sintetizou HASSAN CHOUKR444 cuja lição deve ser transcrita literalmente por representar exatamente o que pensamos deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta a dizer quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado ou sua realização é imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazêlo não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada grifo nosso Não deve ser admitida a banalização do exame indireto Assim quando a infração deixar vestígios sendo perfeitamente possível fazer o exame a prova testemunhal não pode suprir sua falta sob pena de nulidade art 564 III b Situação bastante complexa e que eventualmente ocupa os tribunais brasileiros é a impossibilidade de condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima corpo de delito A ocultação do cadáver muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio impossibilita o exame direto Contudo é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de delito indireto consubstanciado em prova testemunhal suficiente aliada em alguns casos à prova pericial feita em armas ou vestígios de sangue cabelos tecidos etc encontrados no local do crime ou até mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo Por fim existem crimes em que por sua própria natureza não se pode admitir o exame indireto em nenhuma hipótese E isso não tem absolutamente nenhuma relação com a gravidade do crime mas sim com sua natureza e o corpus delicti que o constituem É o que ocorre por exemplo nos delitos envolvendo substâncias entorpecentes Não é razoável um juízo condenatório pelo delito de tráfico de drogas sem o exame direto que comprove a natureza da substância por exemplo o princípio ativo tetrahidrocanabinol THC no caso da maconha Não bastam fotos ou depoimentos dizendo que a substância transportada por exemplo tinha cheiro e aspecto de maconha e que portanto era maconha A questão é técnica exige o exame químico sendo imprescindível o exame direto para verificar o princípio ativo Em suma concluindo esse tópico frisamos que nos crimes que deixam vestígios o exame de corpo de delito direto é imprescindível nos termos do art 158 Somente em situações excepcionais em que o exame direto é impossível de ser realizado por haverem desaparecido os vestígios é que se pode lançar mão do exame indireto prova testemunhal filmagens gravações etc nos termos do art 167 do CPP Por derradeiro destacamos a inserção em 2018 da priorização da realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher contra criança adolescente idoso ou pessoa com deficiência reforçando o viés de proteção dessas vítimas pelo sistema jurídico 14 Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere A Extração Compulsória de Material Genético Alterações Introduzidas pela Lei n 126542012 Situação complexa é o ranço histórico de tratar o imputado seja ele réu ou mero suspeito ainda na fase préprocessual como um mero objeto de provas ou melhor o objeto do qual deve ser extraída a verdade que funda o processo inquisitório Com a superação dessa coisificação do réu e a assunção de seu status de sujeito de direito fundase o mais sagrado de todos os direitos o direito de não produzir prova contra si mesmo nada a temer por se deter nemo tenetur se detegere Desse verdadeiro princípio desdobram se importantes vertentes como o direito de silêncio e a autodefesa negativa Assim no processo penal contemporâneo com o nível de democratização alcançada o imputado pode perfeitamente recusarse a se submeter a intervenções corporais sem que dessa recusa nasça qualquer prejuízo jurídicoprocessual Essa é a premissa básica para discutirmos a problemática que será apresentada agora As provas genéticas desempenham um papel fundamental na moderna investigação preliminar e podem ser decisivas no momento de definir ou excluir a autoria de um delito Entretanto sua eficácia está condicionada em muitos casos a uma comparação entre o material encontrado e aquele a ser proporcionado pelo suspeito Não existe problema quando as células corporais necessárias para realizar vg uma investigação genética encontramse no próprio lugar dos fatos mostras de sangue cabelos pelos etc no corpo ou vestes da vítima ou em outros objetos Nesses casos poderão ser recolhidas normalmente utilizando os normais instrumentos jurídicos da investigação preliminar como a busca eou apreensão domiciliar ou pessoal Como aponta GÖSSEL445 a obtenção de células corporais na roupa do suspeito camisa manchada de sangue com cabelos ou a roupa interior com células de sêmen etc ou na sua casa por exemplo nas vestes mesmo que não utilizadas no momento do delito roupa de cama ou outros objetos de sua propriedade poderão ser obtidos sem problemas utilizando a busca eou apreensão previstas nos arts 240 e seguintes do CPP Portanto não há problema em obterse o material genético através da busca e apreensão de roupas travesseiros escova de cabelo e outros objetos do imputado e que possam ser encontrados em sua residência Da mesma forma havendo o consentimento do suspeito poderá ser realizada qualquer espécie de intervenção corporal pois o conteúdo da autodefesa é disponível e assim renunciável O problema está quando necessitamos obter as células corporais diretamente do organismo do sujeito passivo e este se recusa a fornecêlas Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas no processo penal a situação é muito mais complexa pois existe um obstáculo insuperável o direito de não fazer prova contra si mesmo que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo silêncio O sujeito passivo encontrase protegido pela presunção de inocência e a totalidade da carga probatória está nas mãos do acusador O direito de defesa especialmente sob o ponto de vista negativo não pode ser limitado principalmente porque a seu lado existe outro princípio básico muito bem apontado por CARNELUTTI446 a carga da prova da existência de todos os elementos positivos e a ausência dos elementos negativos do delito incumbe a quem acusa Por isso o sujeito passivo não pode ser compelido a auxiliar a acusação a liberarse de uma carga que não lhe incumbe Submeter o sujeito passivo a uma intervenção corporal sem seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a confissão no interrogatório quando o imputado cala ou seja um inequívoco retrocesso gerando assim uma prova ilícita Constitui ainda o crime de abuso de autoridade previsto no art 13 da Lei n 138692019 a seguinte conduta Art 13 Constranger o preso ou o detento mediante violência grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a I exibirse ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública II submeterse a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei III VETADO III produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa sem prejuízo da pena cominada à violência Portanto além do direito de não produzir prova contra si constitui crime qualquer ato de constrangimento para que o preso ou em liberdade produza prova contra si mesmo No Brasil a Lei n 126542012 prevê a coleta de material genético como forma de identificação criminal alterando dois estatutos jurídicos distintos a Lei n 120372009 que disciplina a identificação criminal e tem como campo de incidência a investigação preliminar e por outro lado a Lei n 721084 LEP que regula a Execução Penal Diante disso nosso entendimento é deve ser respeitado o direito de não produzir provas contra si mesmo nemo tenetur se detegere e não poderá haver extração compulsória não consentida de material genético Contudo a possibilidade ou não de extração compulsória de material genético divide a doutrina e só terá uma palavra final quando o STF decidir sobre a constitucionalidade ou não da medida coercitiva Neste tema é importante ainda a leitura da Resolução n 09 de 13 de abril de 2018 do Comitê Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos que dispõe sobre a padronização de procedimentos relativos à coleta compulsória de material biológico para fins de inclusão armazenamento e manutenção dos perfis genéticos nos bancos de dados que compõem a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos A extração se dará de forma adequada e indolor através da coleta de células da mucosa oral e vedada a extração de sangue conforme determina o art 2º da Resolução n 092018 É importante advertir que a Resolução anterior vedava a extração compulsória mas a atual não mais Diz o art 3º da Resolução n 09 Art 3º A coleta obrigatória de material biológico para fins de identificação criminal será realizada mediante despacho da autoridade judiciária em conformidade com o disposto no inciso IV do art 3º da Lei n 12037 de 1º de outubro de 2009 Art 4º No caso de condenados no rol dos crimes previstos no art 9ºA da Lei n 7210 de 11 de julho de 1984 exigirseá para a realização da coleta obrigatória do material biológico I guia de recolhimento do condenado ou documento equivalente que atenda às exigências do art 106 da Lei n 721084 II sentença condenatória ou III manifestação expressa do Poder Judiciário determinando a coleta de material biológico para fins de inserção no banco de perfis genéticos Art 7º Antes da realização da coleta de material biológico a pessoa submetida ao procedimento deverá ser informada sobre sua fundamentação legal na presença de pelo menos uma testemunha além do responsável pela coleta Art 8º Em caso de recusa o fato será consignado em documento próprio assinado pela testemunha e pelo responsável pela coleta Parágrafo único O responsável pela coleta comunicará a recusa à autoridade judiciária competente solicitando que decida sobre a submissão do acusado à coleta compulsória ou a outras providências que entender cabíveis a fim de atender à obrigatoriedade prevista na Lei n 126542012 Esse material não poderá revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto a determinação genética de gênero Os dados coletados integrarão o banco de dados de perfis genéticos assegurandose o sigilo dos dados Para fins probatórios o código genético será confrontado com as amostras de sangue saliva sêmen pelos etc encontradas no local do crime no corpo da vítima em armas ou vestes utilizadas para prática do delito por exemplo A partir da comparação será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência ou não A lei disciplina como dito antes duas situações distintas a do investigado e a do apenado A finalidade da coleta do material biológico será diferenciada para o investigado destinase a servir de prova para um caso concreto e determinado crime já ocorrido já em relação ao apenado a coleta se destina ao futuro a alimentar o banco de dados de perfis genéticos e servir de apuração para crimes que venham a ser praticados e cuja autoria seja desconhecida Vejamos agora as situações previstas na Lei n 126542012 1 Suspeito do crime é inserido parágrafo único no art 5º da Lei n 12037 para prever a inclusão da coleta de material genético na situação descrita no art 3º IV ou seja quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa Aproveitou a novatio legis a abertura do inciso IV de modo que embora o suspeito apresente documento de identidade poderá ser feita a identificação criminal e a extração de material genético sempre que for essencial às investigações policiais e houver decisão judicial Ou seja poderá o juiz determinar a extração de material genético de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa Sustentamos ainda a existência de uma vinculação causal Princípio da Especialidade ou seja a prova genética somente poderá ser utilizada naquele caso penal e o material poderá ser utilizado até a prescrição daquele crime Tanto há essa vinculação causal que o legislador define como limite de disponibilidade do material genético a prescrição do crime Ou seja o uso está relacionado a este crime e a disponibilidade temporalmente regulada pela prescrição ou a absolvição definitiva como explicaremos a seguir A nosso juízo portanto incidem aqui os limites do princípio da especialidade da prova limitando o nexo causal legitimante ao caso penal investigado Diversa é a situação do apenado submetido à extração compulsória de material genético onde se busca a constituição do banco de dados para o futuro de forma aberta e indeterminada Pelos mesmos motivos não deve ser permitido o compartilhamento de provas ainda que a jurisprudência brasileira tenha uma postura permissivista como explicamos anteriormente no tópico da prova ilícita Outro aspecto relevante é que a lei neste caso em que se tutela o interesse da investigação não define um rol de crimes nos quais poderia ser feita a extração de material genético ao contrário da situação jurídica do condenado em que há uma definição taxativa dos crimes Com isso abrese a possibilidade de que a intervenção ocorra em qualquer delito desde que necessário para comprovação da autoria exigindo por parte da autoridade judiciária suma cautela e estrita observância da proporcionalidade especialmente no viés de necessidade e adequação Se o imputado se dispuser a fornecer o material genético será ele colhido e enviado para análise e armazenamento no banco de dados Se houver recusa não poderá ser realizada a coleta pois assegurado o direito de não autoincriminação Por fim a exclusão do banco de dados também ocorrerá determina a Lei n 12037 Art 7º No caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição ou absolvição é facultado ao indiciado ou ao réu após o arquivamento definitivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de sua identificação civil Art 7ºA A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá I no caso de absolvição do acusado ou II no caso de condenação do acusado mediante requerimento após decorridos 20 vinte anos do cumprimento da pena Significa dizer que rejeitada a denúncia em relação ao investigado ou absolvido sumariamente ou absolvido ao final do processo poderá o interessado não mais réu pois absolvido ou nem recebida a acusação em relação a ele solicitar a retirada do processo criminal da perícia que utilizou seu material genético e ainda a retirada do seu material genético e respectivos registros do banco de dados Não se justifica que nestas situações se constranja alguém a figurar eternamente no banco de dados genético Haveria uma absurda e indeterminada subordinação ao poder de polícia do Estado uma injustificável estigmatização violadora da presunção de inocência e demais direitos da personalidade Excetuase neste caso a situação do arquivamento pois a teor da Súmula 524 do STF a contrario sensu poderá ser proposta a ação penal em caso de novas provas Quanto à extração de material genético do condenado por crime hediondo ou por crime doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa a situação é distinta Neste caso o material genético irá para o banco de dados visando ser usado como prova em relação a fatos futuros Quanto à natureza do crime objeto da condenação parece que o legislador partiu de uma absurda presunção de periculosidade de todos os autores de determinados tipos penais abstratos Tratase de inequívoca discriminação e estigmatização desses condenados Optou o legislador por reestigmatizar os crimes hediondos e o chamado agora crime doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa O que é violência de natureza grave contra pessoa No mínimo crimes dolosos que resultem lesões graves gravíssimas ou morte da vítima Portanto violência real contra pessoa com resultado grave logo lesão grave gravíssima ou morte Mas antevemos uma grande discussão sobre os limites desta intervenção Ainda que a lei fale apenas em condenados considerando a gravidade da restrição de direitos fundamentais é imprescindível a existência de sentença condenatória transitada em julgado Não é proporcional e tampouco compatível com a presunção de inocência imporse tal medida em caso de sentença recorrível Uma vez colhido o material genético e incorporado ao banco de dados poderá ser acessado pela autoridade policial estadual ou federal mediante prévia autorização judicial A reforma de 20192020 através da Lei n 139642019 alterou a Lei n 12037 especialmente ao inserir o art 7ºC para ampliar o banco de dados Art 7ºC Fica autorizada a criação no Ministério da Justiça e Segurança Pública do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais 1º A formação a gestão e o acesso ao Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais serão regulamentados em ato do Poder Executivo federal 2º O Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais tem como objetivo armazenar dados de registros biométricos de impressões digitais e quando possível de íris face e voz para subsidiar investigações criminais federais estaduais ou distritais 3º O Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais será integrado pelos registros biométricos de impressões digitais de íris face e voz colhidos em investigações criminais ou por ocasião da identificação criminal 4º Poderão ser colhidos os registros biométricos de impressões digitais de íris face e voz dos presos provisórios ou definitivos quando não tiverem sido extraídos por ocasião da identificação criminal 5º Poderão integrar o Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais ou com ele interoperar os dados de registros constantes em quaisquer bancos de dados geridos por órgãos dos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário das esferas federal estadual e distrital inclusive pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelos Institutos de Identificação Civil 6º No caso de bancos de dados de identificação de natureza civil administrativa ou eleitoral a integração ou o compartilhamento dos registros do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais será limitado às impressões digitais e às informações necessárias para identificação do seu titular 7º A integração ou a interoperação dos dados de registros multibiométricos constantes de outros bancos de dados com o Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais ocorrerá por meio de acordo ou convênio com a unidade gestora 8º Os dados constantes do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais terão caráter sigiloso e aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial responderá civil penal e administrativamente 9º As informações obtidas a partir da coincidência de registros biométricos relacionados a crimes deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial habilitado 10 É vedada a comercialização total ou parcial da base de dados do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais 11 A autoridade policial e o Ministério Público poderão requerer ao juiz competente no caso de inquérito ou ação penal instaurados o acesso ao Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais Aproveitando a Lei n 12037 que disciplina a identificação criminal o legislador foi além da coleta das impressões digitais e a extração do DNA criou o Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais que conterá registros biométricos de impressões digitais de íris face e voz colhidos em investigações criminais ou por ocasião da identificação criminal A grande questão é será que esse material poderá ser extraído compulsoriamente Como fica o direito de não produzir provas contra si Entendemos que se houver o fornecimento voluntário ou a coleta em locais de crime não há problemas Mas e se o suspeito se recusar poderá ser compelido a fornecer material para alimentar esse Banco Multibiométrico Entendemos que não mas sem dúvida é uma questão que exigirá uma manifestação do Supremo Tribunal Federal 15 Valor Probatório da Identificação do Perfil Genético É a Prova Técnica a Rainha das Provas Uma vez realizada a coleta de material genético ou de outros elementos como estabelece o Banco Nacional Multibiométrico e coincidindo com as amostras colhidas no local do crime terá essa prova técnica maior valor que as demais vg a testemunhal É definitiva Ou pode o juiz decidir contra o laudo O discurso científico é muito sedutor até porque em situação similar ao dogma religioso tem uma encantadora ambição de verdade Sob o manto do saber científico operase a construção de uma pseudoverdade com a pretensão de irrefutabilidade absolutamente incompatível com o processo penal e o convencimento do juiz formado a partir do contraditório e do conjunto probatório Não se nega o imenso valor do saber científico no campo probatório mas não existe a rainha das provas no processo penal Quando se estudam provas no processo penal não se pode fugir dos problemas que encerram a ambição de verdade a evidência e o caráter alucinatório do evidente O evidente ao contrário do que se pensa não é visto é o ponto cego do direito Rui Cunha Martins é aquilo que está ali e seda os sentidos dado o caráter alucinógeno aparentemente excessivo e completo Pensamos que o evidente não precisa de prova ele se basta por si só Caso típico de evidente é o flagrante delito Discutir o que se é surpreendido em flagrante É evidente a autoria a materialidade e até a responsabilidade penal por qual motivo devemos ter um processo Também existe a prova cujo resultado é evidente indiscutível acabado Nesse tema se situa por exemplo a prova genética e a paixão pelo atalho à verdade que o DNA permite Se o DNA comprova é evidente a culpabilidade penal E neste ponto reside o problema o evidente precisa sim ser provado O evidente precisa do olhar do processo penal como instrumento de correção do caráter alucinatório da evidência Portanto é incrível como o evidente cega impede a discussão seda os sentidos e mata o contraditório O evidente é inimigo do contraditório E aqui está o grande perigo o ovo da serpente pois sem contraditório e de olhos fechados a única coisa que se faz é injustiça Uma prova pericial como essa demonstra apenas um grau maior ou menor de probabilidade de um aspecto do delito que não se confunde com a prova de toda a complexidade que constitui o fato O exame de DNA por exemplo feito a partir da comparação do material genético do réu A com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu Daí até provar que o réu A violentou e matou a vítima existe uma distância que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios Pode ainda ser estabelecida uma discussão sobre a validação científica dos métodos de análise ou seja discutir a validade dos testes a partir da natureza das amostras biológicas utilizadas por exemplo Não raras vezes as amostras são encontradas em superfícies não estéreis podendo sofrer danos após o contato com a luz solar microorganismos e solventes Isso pode levar a equívocos na interpretação Outro ponto fundamental é discutir o nexo causal ou seja como aquele material genético foi parar ali e até que ponto pode o réu ser responsabilizado penalmente pelo resultado pelo simples fato de ter estado com a vítima por exemplo Por isso é crucial a preservação e o estudo da cadeia de custódia da prova para certificação da sua autenticidade durante todo o procedimento ou seja da coleta até o ingresso no processo penal Dada a importância do tema remetemos o leitor para o Capítulo VIII onde ao final tratamos da cadeia de custódia da prova Também não se pode desconsiderar a possibilidade de manipulação desta prova não apenas no sentido mais simples de falhas na cadeia de custódia da prova laudos falsos enxerto de provas etc mas também na possibilidade de fraudar o próprio DNA O conhecido periódico The New York Times447 noticiou que cientistas israelenses divulgam em artigo a possibilidade de introduzir com certa facilidade em uma amostra qualquer de sangue ou saliva o código genético de qualquer pessoa a cujo perfil de DNA se tenha acesso sem que seja sequer necessário possuir uma amostra de seu material genético A notícia é bastante relevante no sentido de minar a infalibilidade com que são tratadas as evidências e provas baseadas em testes genéticos a partir dos procedimentos usuais de perícia forense E ainda as novas possibilidades de fraude que se abrem com o recurso a esta técnica podem aumentar os riscos potenciais do manejamento de informação genética com reflexos claros para a atual tendência à compilação de gigantescos bancos de dados genéticos Ainda que a questão esteja longe de qualquer pacificação pois estes estudos também estão sendo questionados não podemos esquecer que todo saber é datado e tem prazo de validade Uma teoria ou conhecimento reina até que venha outra teoria que a contrarie ou modifique Não sem razão a exposição de motivos do CPP é categórica todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que as outras Mais do que isso o juiz não está adstrito ao laudo podendo acolhêlo ou refutálo no todo ou em parte Do contrário teríamos a substituição do juiz pelo perito transformando o julgador num mero homologador de laudos e perícias algo absolutamente incompatível com a garantia da jurisdição e do devido processo penal Portanto o exame de DNA é muito importante e com certeza terá uma grande influência na formação da convicção do julgador mas é apenas mais uma prova sem qualquer supremacia jurídica sobre a prova testemunhal por exemplo Destarte duas lições são básicas nenhuma prova é absoluta ou terá por força de lei maior prestígio ou maior valor que as outras logo um exame de DNA que comprove a existência de material genético do réu no corpo da vítima não conduz inexoravelmente à sua condenação o juiz ou os jurados pode perfeitamente decidir contra o laudo isto é aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte art 182 pois vale o livre convencimento motivado e formado a partir do contexto probatório Em síntese a prova técnica por mais sedutor que possa parecer o discurso da verdade científica não é prova plena nem tem maior prestígio que as demais Deve ser analisada no contexto probatório e pode ser perfeitamente refutada no ato decisório 2 Interrogatório 21 A Defesa Pessoal Positiva Mesmo no interrogatório policial o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações448 de estar acompanhado de advogado e ainda de reservarse o direito de só declarar em juízo sem qualquer prejuízo O art 5º LV da CB é inteiramente aplicável ao IP O direito de silêncio ademais de estar contido na ampla defesa autodefesa negativa encontra abrigo no art 5º LXIII da CB que ao tutelar o estado mais grave preso obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade A presença do defensor no momento das declarações do suspeito diante da autoridade judiciária ou policial é imprescindível pela expressa previsão no art 185 do CPP Tanto na fase policial como em juízo o advogado não é um convidado de pedra senão que poderá participar ativamente do interrogatório como assegura o art 188 do CPP Com relação ao valor probatório do interrogatório propugnamos por um modelo constitucional em que o interrogatório seja orientado pela presunção de inocência visto assim como o principal meio de exercício da autodefesa e que tem por isso a função de dar materialmente vida ao contraditório permitindo ao sujeito passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para justificar sua conduta449 Especificamente na investigação preliminar o interrogatório deve estar dirigido a verificar se existem ou não motivos suficientes para a abertura do processo criminal Dentro da lógica que orienta a fase préprocessual a eventual confissão obtida nesse momento tem um valor endoprocedimental como típico ato de investigação e não ato de prova servindo apenas para justificar as medidas adotadas nesse momento e justificar o processo ou o não processo Sem esquecer que quando entrar em vigor o art 3ºC 3º infelizmente suspenso pela liminar do Min FUX que determina a exclusão física ou não inclusão do processo das peças do inquérito policial exceto as ressalvas legais e entre elas não está o interrogatório policial esse interrogatório não deverá integrar os autos que serão enviados ao juiz da instrução e julgamento PELLEGRINI GRINOVER450 explica que através do interrogatório o juiz e a polícia pode tomar conhecimento de elementos úteis para a descoberta do delito mas não é para essa finalidade que o interrogatório está orientado Pode constituir fonte de prova mas não meio de prova Em outras palavras o interrogatório não serve para provar o fato mas para fornecer outros elementos de prova que possam conduzir à sua comprovação De qualquer forma é estéril aprofundar a discussão sobre a natureza jurídica do interrogatório como bem percebeu DUCLERC451 pois as alternativas meio de prova e meio de defesa não são excludentes senão que coexistem de forma inevitável Assim se de um lado potencializamos o caráter de meio de defesa não negamos que ele também acaba servindo como meio de prova até porque ingressa na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que norteiam o sentire judicial materializado na sentença Noutra dimensão como explica LEONE452 o interrogatório também se destina a delimitar o âmbito da decisão do juiz no sentido de que ele não pode pronunciar uma decisão sobre um fato diferente do imputado Assim a correlação entre imputação e decisão se opera tanto no interior da instrução como também nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento e não apenas nessa segunda hipótese julgamento decisão Isso é fundamental para compreender que a correlação já se faz valer no momento do interrogatório e ao longo de toda a instrução A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença mas entre acusação defesa instrução e sentença O interrogatório deve ser um ato espontâneo livre de pressões ou torturas físicas ou mentais Como consequência os métodos tocados por um certo charlatanismo como classifica GUARNIERI453 devem ser rejeitados no processo penal Assim não deve ser aceito o interrogatório mediante hipnose pois é um método tecnicamente inadequado e inclusive perigoso pois estando o hipnotizado disposto a aceitar qualquer sugestão direta ou indireta do hipnotizador não pode ser considerado digno de fé inclusive porque pode ser conduzido para qualquer sentido Também devem ser rechaçados por insuficientes e indignos de confiança os métodos químicos ou físicos No primeiro grupo encontramse os chamados soros da verdade que como explica GUARNIERI são barbitúricos injetados intravenosamente com outros estupefacientes anestésicos ou hipnóticos que provocam um estado de inibição no sujeito permitindo que o experto mediante a narcoanálise conheça o que nele existe de reprimido ou oculto Como método físico os detectores de mentira são aparelhos mecânicos que marcam o traçado do batimento cardíaco e da respiração e conforme o tempo de reação às perguntas dirigidas ao interrogando permitiriam assinalar as falsidades em que incorreu Conforme o intervalo das reações o experto poderia definir em linhas gerais um padrão de comportamento para as afirmações verdadeiras e outro para as supostas mentiras Ambos os métodos não são dignos de confiança e de credibilidade de modo que não podem ser aceitos como meios de prova juridicamente válidos Ademais são atividades que violam a garantia de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante prevista no art 5º II da CB O interrogatório deve ser encaminhado a permitir a defesa do sujeito passivo e por isso submetido a toda uma série de regras de lealdade processual454 que podem ser assim resumidas a deve ser realizado de forma imediata ou ao menos num prazo razoável após a prisão b presença de defensor sendolhe permitido entrevistarse prévia e reservadamente com o sujeito passivo c comunicação verbal não só das imputações mas também dos argumentos e resultados da investigação e que se oponham aos argumentos defensivos d proibição de qualquer promessa ou pressão direta ou indireta sobre o imputado para induzilo ao arrependimento ou a colaborar com a investigação e respeito ao direito de silêncio livre de pressões ou coações f tolerância com as interrupções que o sujeito passivo solicite fazer no curso do interrogatório especialmente para instruirse com o defensor g permitirlhe que indique elementos de prova que comprovem sua versão e diligenciar para sua apuração h negação de valor decisivo à confissão Constituem ainda crimes de abuso de autoridade previstos na Lei n 138692019 arts 15 e 18 as seguintes condutas Art 15 Constranger a depor sob ameaça de prisão pessoa que em razão de função ministério ofício ou profissão deva guardar segredo ou resguardar sigilo Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa Parágrafo único VETADO Parágrafo único Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório Promulgação partes vetadas I de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou II de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público sem a presença de seu patrono Art 18 Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno salvo se capturado em flagrante delito ou se ele devidamente assistido consentir em prestar declarações Pena detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e multa A criminalização como abuso de autoridade reforça a proteção do imputado e do próprio interrogatório enquanto momento sagrado de defesa Quanto ao acusado menor com mais de 18 e menos de 21 anos a que se referia o art 194 do CPP esse tratamento foi completamente abandonado estando revogado assim o art 194 e diversos outros que tratem dessa forma a questão com o advento do novo Código Civil Assim como já explicamos anteriormente ao tratar da ação penal o agente com mais de 18 anos é plenamente capaz não se podendo mais exigir a presença de curador seja para o interrogatório ou qualquer outro ato processual 22 A Defesa Pessoal Negativa Direito de Silêncio O Nemo Tenetur se Detegere Como antítese à garantia do nemo tenetur se detegere CORDERO455 explica que na inquisição vigorava a fórmula do reus tenetur se detegere na medida em que o imputado era interrogado sob juramento e estava obrigado a descobrirse isto é sofria a intervenção corporal tortura para descobrir e eliminar a heresia que ocultava na sua alma456 até porque naquele marco cultural pessimista el animal humano nace culpable estando corrompido el mundo basta excavar en un punto culaquiera para que aflore el mal Tal racionalidade ainda que continue seduzindo alguns neoinquisidores de plantão é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo O direito de silêncio está expressamente previsto no art 5º LXIII da CB o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado Parecenos inequívoco que o direito de silêncio se aplica tanto ao sujeito passivo preso como também ao que está em liberdade Contribui para isso o art 82 g da CADH onde se pode ler que toda pessoa logo presa ou em liberdade tem o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada Recordamos ainda que constitui crime não respeitar o direito de silêncio como determina a Lei n 138692019 art 15 Art 15 Constranger a depor sob ameaça de prisão pessoa que em razão de função ministério ofício ou profissão deva guardar segredo ou resguardar sigilo Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa Parágrafo único VETADO Parágrafo único Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório Promulgação partes vetadas I de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou II de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público sem a presença de seu patrono Ao estar assegurado o direito de silêncio sem qualquer reserva na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos por lógica jurídica o sistema interno não pode atribuir ao seu exercício qualquer prejuízo e assim vai a previsão do art 186 Art 186 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório Sublinhese do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado Destarte através do princípio do nemo tenetur se detegere o sujeito passivo não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminálo ou prejudicar sua defesa ressalvandose como explicado a extração de material genético Lei n 126542012 Especificamente no que tange ao exame de alcoolemia teste do bafômetro com as alterações inseridas pela Lei n 117052008 no Código de Trânsito há que se fazer um breve esclarecimento Com relação à sanção administrativa decorrente da recusa em submeterse ao exame de alcoolemia multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses pensamos que o argumento de substancial inconstitucionalidade encontrará muita resistência e as sanções serão aplicadas Completamente diversa é a situação penal Aqui a recusa não autoriza qualquer presunção e menos ainda punição O delito previsto no art 306 deverá ser apurado em devido processo penal em que caberá ao acusador fazer prova indireta da embriaguez e o exercício do direito de silêncio em nada prejudicará o acusado Feita essa ressalva continuemos Não é somente a legalidade estrita que deve nortear o processo penal e principalmente não é só ela que deve orientar a atuação dos órgãos públicos que nele intervêm desde a fase préprocessual com a atuação policial ministerial e jurisdicional até o trânsito em julgado e a própria execução da pena Ao lado dela é fundamental uma abertura para a dimensão substancial de validade das normas e do próprio proceder e a assunção de uma postura ética O Estado e seus agentes não só é uma reserva de legalidade mas principalmente é uma reserva ética Daí por que existem imperativos éticos não consagrados formalmente mas igualmente exigíveis que conduzem a uma necessária abertura conceitual do direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo Exemplo a ser seguido encontramos no art 63 do Codice di Procedura Penale da Itália Art 631 Se davanti allautorità giudiziaria o alla polizia giudiziaria una persona non imputata ovvero una persona non sottoposta alle indagini rende dichiarazioni dalle quali emergono indizi di reità a suo carico lautorità procedente ne interrompe lesame avvertendola che a seguito di tali dichiarazioni potranno essere svolte indagini nei suoi confronti e la invita a nominare un difensore Le precedenti dichiarazioni non possono essere utilizzate contro la persona che le há rese 2 Se la persona doveva essere sentita sin dallinizio in qualità di imputato o di persona sottoposta alle indagini le sue dichiarazioni non possono essere utilizzate Dessa forma o que se pretende evitar é que alguém não submetido à investigação ao declararse como testemunha por exemplo acabe por ter suas palavras utilizadas contra si mesmo Se de sua declaração emergirem indícios de culpabilidade sentido amplo a autoridade que está realizando o ato especialmente a policial dada a tradicional resistência ao sistema de garantias deve interrompêlo advertindoo de que a partir dali poderá utilizar seu direito de silêncio na medida em que suas palavras poderão dar origem a uma investigação contra si Imprescindível ainda é a nomeação de defensor e a garantia de que poderá entrevistarse reservadamente com ele antes de continuar a declarar analogia com o art 7º III da Lei n 8906 O dito nesse momento despido das garantias necessárias a quem é imputado não pode valer contra o declarante e tampouco justificar medidas cautelares pessoais ou outras decisões que de qualquer forma lhe prejudiquem E se dessas declarações obtidas sem o devido respeito ao direito de defesa incluindo o silêncio surgirem novas provas perfeitamente invocável a nulidade por derivação diante da manifesta contaminação Com isso o que se busca além de um mínimo de ética processual é a máxima eficácia do direito de silêncio pois de nada adianta assegurálo depois no processo ou investigação que decorreu da declaração quando o defeito está na origem de tudo até porque sempre haverá uma valoração sobre a declaração inicial ou ainda um juízo de desvalor diante da contradição entre ambas as declarações Em suma o direito de silêncio é uma manifestação de uma garantia muito maior insculpida no princípio nemo tenetur se detegere segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitirse de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório 23 Interrogatório do Corréu Separação Perguntas da Defesa do Corréu Repetição do Interrogatório Momento da Oitiva do Corréu Delator No que tange à disciplina processual do ato cumpre destacar que havendo dois ou mais réus deverão eles ser interrogados separadamente como exige o art 191 do CPP Mas tanto a defesa como a acusação podem formular perguntas ao final Isso é manifestação do contraditório inclusive a defesa de corréu tem o direito de perguntar Não obstante o réu também não está obrigado a responder as perguntas do MP ou das demais defesas O direito de silêncio pode ser exercido na sua integralidade ou em relação a alguns sujeitos processuais Está legitimada a estratégia defensiva de por exemplo somente responder as perguntas do juiz usando o direito de silêncio em relação ao acusador assistente da acusação eou demais corréus E como fica a oitiva do corréu delator Quando ele deverá ser ouvido457 No HC 157627 a 2ª Turma acolheu a tese de Aldemir Bendine afirmando que o corréu delatado deve apresentar alegações finais por último pois o corréu delator tem uma posição processual com carga acusatória Nesse sentido a apresentação de memoriais em prazo comum representaria uma violação ao contraditório e à ampla defesa na medida em que não seria possível ao delatado fazer o confronto da manifestação incriminatória Essa discussão volta à pauta no Tribunal Pleno na apreciação do HC 166373 paciente Márcio de Almeida Ferreira A decisão do STF está correta e não precisa de maiores explicações mas nossa proposta é outra a decisão do STF é tímida e não resolve o problema pois não basta o delator ser ouvido antes dos demais ele precisa ser ouvido antes das testemunhas de defesa Eis o ponto que a decisão do STF não alcançou O colaborador premiado precisa ser ouvido na instrução antes das testemunhas de defesa pois estamos diante de sensíveis questões de prova e contraprova que influenciarão diretamente na captura psíquica do juiz e só há prova quando os elementos são submetidos ao contraditório sendo necessário saber dos conhecimentos disponíveis pelo colaborador para submeter ao confronto o thema probandum Mesmo que a Lei n 1285013 não indique qual é o momento adequado para a oitiva do delator a conclusão adequada deve se dar pela compreensão do alcance da garantia do contraditório da ampla defesa da instrumentalidade constitucional e das imposições do sistema acusatório constitucional que estrutura a cadeia de significância do processo penal Essas premissas para atribuição de sentido das normas procedimentais cobram um preço o delator deve ser ouvido antes das testemunhas de defesa É importante restringir o alcance deste posicionamento à situação em que o delator tenha assinado o contrato com a Polícia ou Ministério Público antes do início da instrução processual nessa situação se tem conhecimento desde o início da produção de provas que existe um compromisso do delator com a hipótese acusatória Caso ele tenha assinado o contrato após a sentença ou durante a tramitação do Recurso Especial por exemplo a lei de lavagem de dinheiro permite colaboração a qualquer tempo a princípio não incidiria a tese pois não haveria compromisso probatório com a hipótese acusatória do caso concreto salvo se reaberta a instrução processual com base no art 616 do CPP ou algum outro permissivo regimental dos tribunais Ademais parte se do princípio da lealdade processual sendo totalmente ilegal o pacto com delatores informais para burlar a regra de corroboração Mas qual seria o momento adequado para a oitiva do corréu delator Quando o delator não for corréu não haverá problema porque ele será testemunha de acusação A questão sensível é quando ele é corréu Nesse caso tendo em vista a carga acusatória dos seus depoimentos e a imposição de que seja falada a verdade 14 do art 4º da Lei n 1285013 com a apresentação de elementos de corroboração do fato e da autoria delitiva o delator assume uma posição de endosso e não de confronto com a tese acusatória sendo equivocada a sua oitiva no fim da instrução O delator assume uma carga acusatória devendo provar o fato para receber benefícios penais Ele tem o dever contratual de acusar A finalidade da oitiva no fim da instrução é de que o acusado se defenda das hipóteses acusatórias Mas para o delator corréu essa refutação foi consensualmente descartada no momento da assinatura do contrato com os órgãos de persecução penal Ele passa a defender sua liberdade mas através da incriminação do corréu delatado e da aderência à hipótese acusatória Tratase de uma acusação qualificada Ele assume assim o papel de uma testemunha acusatória qualificada ou sui generis na medida em que não é puramente uma testemunha e tampouco réu O delator acusado é uma figura híbrida mista que serve como prova trazida pela acusação e para comprovação de sua tese ainda que também esteja sendo acusado mas com a peculiaridade de que irá assumir a hipótese acusatória e com ela colaborar para obter o prêmio Essa hibridez exige um tratamento diferenciado dos padrões estabelecidos até então Ao aceitar sofrer consensualmente a punição o delator abre mão de sua posição processual de confronto assumindo o papel de assistente na produção probatória da tese acusatória Não pode portanto falar ao término da instrução pois o delatado que confronta a tese acusatória não poderá produzir contraprovas através das testemunhas de defesa que já foram ouvidas pois desconhece até então o conteúdo do depoimento do delator Em termos práticos caso não tenha sido respeitada a ordem proposta é caso de decretação da invalidade processual por dois motivos objetivos O primeiro está na noção de captura psíquica que coloca o contraditório como elemento fundante da produção da prova que está estritamente vinculada ao aproveitamento das chances e possibilidades da situação jurídica processual Goldschmidt Se o delator não foi ouvido antes das testemunhas de defesa impõese um encargo ilegal à defesa que é a perda de uma chance probatória É a imposição da perda da chance de fazer a contraprova da hipótese acusatória Sem falar que é decorrência básica do direito de defesa ter conhecimento de toda a tese e prova acusatória antes de exercêla É por isso que a prova testemunhal trazida pela acusação tem que ser sempre produzida antes das testemunhas arroladas pela defesa Considerando que o delatorcorréu é talvez a mais importante testemunha da acusação ainda que seja uma testemunha sui generis como mencionamos é imprescindível que diga tudo o que tem para dizer colaborando portanto com a tese acusatória antes da oitiva das testemunhas arroladas pela defesa para que existam efetivamente condições de possibilidade de defesa e de produção de contraprova Feita essa ressalva sigamos O art 196 permite que o interrogatório possa ser repetido a qualquer momento por iniciativa do juiz ou a pedido de qualquer das partes Até a reforma processual penal de 2008 tal possibilidade era muito importante na medida em que o interrogatório era o primeiro ato da instrução Agora com a reforma foi para seu devido lugar é o último ato da instrução Com isso o dispositivo perdeu muito de sua eficácia Mas continua vigendo e tem sido utilizado na transição do rito ordinário antigo para o novo De qualquer forma havendo necessidade o interrogatório pode ser repetido Por fim há que se recordar que o réu pode ter sido retirado da sala por força do disposto no art 217 não tendo assistido à coleta da prova testemunhal exigindo assim uma atenção especial do juiz em relação à situação criada O direito de defesa especialmente no seu viés de autodefesa deve ser observado quando é determinada a retirada do réu da sala de audiências com base no art 217 do CPP exigindo um especial cuidado para que o juiz não proceda imediatamente após a coleta da prova testemunhal ao interrogatório Ao réu é assegurado o direito a última palavra pressupondo sempre que tenha pleno conhecimento de todas as provas que foram produzidas contra si Desta forma se não presenciou algum depoimento porque foi determinada sua retirada da sala de audiências deverá o juiz garantirlhe acesso integral e pelo tempo que for necessário a esses depoimentos para somente após proceder ao interrogatório Nesse sentido precisa é a assertiva de DEZEM458 de que deve o magistrado franquear o acesso aos termos de depoimentos das testemunhas para que apenas então o acusado possa ser interrogado Caso esse procedimento não seja efetivado e o interrogatório se dê sem o conhecimento do material probatório produzido sem a presença do acusado não se terá o interrogatório como meio de defesa desnaturandose sua natureza jurídica Na mesma linha desta problemática situase o interrogatório colhido por carta precatória que deverá ser instruída com todo o material probatório já colhido no juízo da causa ou em outras precatórias para só então com a ciência do réu de toda a prova produzida ser realizado o interrogatório 24 O Interrogatório por Videoconferência O primeiro aspecto a ser abordado é o fato de o interrogatório por videoconferência ser uma medida excepcional somente aplicável nas hipóteses previstas no art 185 e para o interrogatório de réu preso não se justificando quando o imputado estiver em liberdade A regra conforme estabelecido no caput é que o interrogatório seja realizado no próprio estabelecimento prisional ou seja interrogatório presencial Para que o interrogatório seja realizado por videoconferência deve existir uma decisão judicial fundamentada da qual serão intimadas as partes com no mínimo 10 dias de antecedência Tratase de medida salutar para permitir o controle dos critérios de excepcionalidade e necessidade por meio das ações autônomas de impugnação do habeas corpus ou mandado de segurança conforme o caso e fundamentação Graves inconvenientes são as fórmulas abertas vagas e imprecisas utilizadas pelo legislador nos incisos do 2º do art 185 para definir os casos em que a oitiva por videoconferência estaria justificada A utilização de expressões como risco à segurança pública fundada suspeita relevante dificuldade e gravíssima questão de ordem pública cria indevidos espaços para o decisionismo e a abusiva discricionariedade judicial por serem expressões despidas de um referencial semântico claro Serão portanto aquilo que o juiz quiser que sejam O risco de abuso é evidente Com a mudança nos ritos sumário ordinário e do júri o interrogatório passou a ser o último ato da audiência de instrução e julgamento de modo que quando determinado o interrogatório por videoconferência do réu preso ele obviamente não poderá participar da instrução Eis um ponto importante quando se determina o interrogatório por videoconferência do réu preso ele não é conduzido à audiência e portanto é impedido de assistir a toda a instrução Mais do que lhe retirar a possibilidade de ser interrogado pessoalmente a medida impede sua participação em toda a instrução Esse grave prejuízo poderá ser atenuado quando interessante ironia não for observado o princípio da unidade da audiência de instrução e julgamento Somente assim o réu poderá participar e acompanhar alguns atos da instrução Do contrário quando a lei for cumprida e a audiência for única serlheá subtraída toda a possibilidade de participar do processo Portanto o 4º não cria nenhum benefício senão que estabelece o óbvio já que o preso não comparece à audiência e será interrogado por videoconferência o mínimo que se poderia fazer era permitirlhe acompanhar pelo monitor do computador a realização das oitivas O problema é como efetivar o contraditório e o direito de defesa nessas condições O 5º cria a entrevista prévia e reservada entre o réu e seu defensor também por videoconferência através de canais telefônicos reservados Ora não é necessário maior esforço para perceber os gravíssimos problemas gerados por essa sistemática Como confiar no caráter reservado dessa comunicação Com a banalização das escutas telefônicas não existe a menor possibilidade de confiar na bondade dos bons Por fim o 8º amplia substancialmente o campo de incidência da oitiva por videoconferência para abranger outros atos processuais que dependam da participação de pessoa presa que será ouvida como vítima ou testemunha bem como participar de acareação ou mesmo reconhecimento E ainda o novo 3º do art 222 vai além criando a possibilidade de oitiva de testemunhas residentes fora da comarca onde tramita o processo não mais por carta precatória mas também por videoconferência Enfim a medida foi criada com ampla abrangência para muito além do interrogatório online 3 Da Confissão A própria Exposição de Motivos do CPP ao falar sobre as provas diz categoricamente que a própria confissão do acusado não constitui fatalmente prova plena de sua culpabilidade Todas as provas são relativas nenhuma delas terá ex vi legis valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra Em suma a confissão não é mais felizmente a rainha das provas como no processo inquisitório medieval Não deve mais ser buscada a todo custo pois seu valor é relativo e não goza de maior prestígio que as demais provas Como adverte HASSAN CHOUKR459 há que se fazer um ajustamento da confissão aos termos da Constituição e da CADH de modo que somente pode ser valorada a confissão feita com plena liberdade e autonomia do réu que ele tenha sido informado e compreendido substancialmente seus direitos constitucionais que ela tenha se produzido em juízo jurisdicionalizada e que tenha sido assistido por defensor técnico Com isso concordamos com o autor quando afirma que perdeu completamente o sentido a distinção entre confissão judicial e extrajudicial pois somente pode ser valorada a confissão feita em juízo Perdeu sentido assim o art 199 do CPP Ademais a confissão eventualmente feita na fase policial não será juntada ao processo dada a vedação prevista no art 3ºC 3º do CPP que consagrou a exclusão física dos autos da investigação Lembrando que esse dispositivo foi suspenso pela liminar do Min FUX mas que poderá ter vigência a qualquer momento A confissão deve ser analisada no contexto probatório não de forma isolada mas sim em conjunto com a prova colhida de modo que sozinha não justifica um juízo condenatório460 mas por outro lado quando situada na mesma linha da prova produzida em conformidade e harmonia poderá ser valorada pelo juiz na sentença Devese insistir na necessidade de abandonarse o ranço inquisitório e a mentalidade nessa linha estruturada em que a confissão era considerada a rainha das provas pois o réu era portador de uma verdade que deveria ser extraída a qualquer custo No fundo a questão situavase e situase ainda no campo da culpa judaicocristã em que o réu deve confessar e arrepender se para assim buscar a remissão de seus pecados inclusive com a atenuação da pena art 65 III d do Código Penal Também é a confissão para o juiz a possibilidade de punir sem culpa É a possibilidade de fazer o mal através da pena sem culpa pois o herege confessou seus pecados Tudo isso deve ser abandonado rumo ao processo penal acusatórioconsti tucional em que o interrogatório é acima de tudo um meio de defesa e a confissão apenas mais um elemento na axiologia probatória que somente pode ser considerado quando compatível e conforme o resto da prova produzida O art 198 do CPP deve ser lido à luz do direito constitucional de silêncio e em conformidade com a estrutura do devido processo Assim o silêncio não importará confissão e tampouco pode ser desvalorado pelo juiz Ou seja é substancialmente inconstitucional a última parte do referido artigo quando afirma que o silêncio do acusado poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz Não isso não sobrevive a uma filtragem constitucional Assim o silêncio não pode prejudicar em nenhuma hipótese o réu e tampouco pode ser utilizado como elemento para o convencimento do juiz 4 Das Perguntas ao Ofendido A Palavra da Vítima Na sistemática do CPP vítima ofendido não é considerada testemunha tanto que merece tratamento diferenciado A vítima não presta compromisso de dizer a verdade e tampouco pode ser responsabilizada pelo delito de falso testemunho mas sim pelo crime de denunciação caluniosa art 339 do CP conforme o caso Também não é computada no limite numérico das testemunhas A vítima não pode negarse a comparecer para depor art 201 1º sob pena de condução inclusive na fase policial Poderá contudo pedir que o réu seja retirado da sala de audiências no momento em que for depor se a presença daquele influir no seu estado de ânimo ao depor art 217 por analogia Aplicase ainda por analogia o disposto nos arts 220 a 225 do CPP quando do depoimento da vítima Tampouco pode invocar direito de silêncio pois essa é uma garantia que apenas o imputado possui No seu depoimento poderão fazer perguntas tanto o acusador quanto os réus através de seus advogados como define o art 201461 O 2º estabelece que o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos à prisão ou liberdade do acusado Tratase de inovação pois até o advento da Lei n 11690 essa comunicação não existia e o ofendido para tomar conhecimento dos atos do processo deveria se habilitar como assistente da acusação O maior inconveniente é que esse tipo de comunicação servirá para aguçar eventuais atos de vingança Por outro lado a comunicação da sentença é importante principalmente para permitir o recurso do assistente da acusação não habilitado cujo prazo para interposição é de 15 dias art 598 parágrafo único do CPP Sublinhese que essa comunicação não se confunde com a intimação do assistente habilitado que por ser parte deverá ser intimado de todos os atos correndo da intimação o prazo de 5 dias para o recurso de apelação A vítima quando não estiver habilitada como assistente não é parte no processo e portanto não será intimada A inovação é essa comunicação da sentença que não altera em nada o prazo recursal do art 598 parágrafo único O 6º também representa uma inovação digna de nota Tratase de uma necessária proteção à intimidade vida privada honra e imagem da vítima podendo o juiz decretar o segredo de Justiça em relação aos dados que a identificam depoimentos prestados e demais informações relevantes Mas é importante frisar tal sigilo é para evitar sua exposição aos meios de comunicação Logo não existe qualquer tipo de segredo para as partes no processo seja acusador ou defesa É um típico caso de segredo no plano externo ou seja para os estranhos na expressão de VÉLEZ MARICONDE462 cujo objetivo é limitar a publicidade abusiva e o bizarro espetáculo dos meios de comunicação 41 A Problemática Acerca da Valoração da Palavra da Vítima O Errôneo Rebaixamento de Standard Probatório nos Crimes Sexuais Desenhar o papel da vítima no processo penal sempre foi uma tarefa das mais tormentosas Se de um lado pode ela ser portadora de diferentes tipos de intenções negativas vingança interesses escusos etc que podem contaminar o processo de outro não se pode deixála ao desabrigo e tampouco negar valor ao que sabe O ponto mais problemático é sem dúvida o valor probatório da palavra da vítima Devese considerar inicialmente que a vítima está contaminada pelo caso penal pois dele fez parte Isso acarreta interesses diretos nos mais diversos sentidos tanto para beneficiar o acusado por medo por exemplo como também para prejudicar um inocente vingança pelos mais diferentes motivos Para além desse comprometimento material em termos processuais a vítima não presta compromisso de dizer a verdade abrindose a porta para que minta impunemente Assim se no plano material está contaminada pois faz parte do fato criminoso e no processual não presta compromisso de dizer a verdade também não pratica o delito de falso testemunho é natural que a palavra da vítima tenha menor valor probatório e principalmente menor credibilidade por seu profundo comprometimento com o fato Logo apenas a palavra da vítima jamais poderá justificar uma sentença condenatória Mais do que ela vale o resto do contexto probatório e se não houver prova robusta para além da palavra da vítima não poderá o réu ser condenado Contudo a jurisprudência brasileira tem feito duas perigosas ressalvas crimes contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça roubo extorsão etc crimes sexuais e os praticados na ambiência doméstica violência doméstica Nesses casos considerando que tais crimes são praticados majoritariamente às escondidas na mais absoluta clandestinidade pouco resta em termos de prova do que a palavra da vítima e eventualmente a apreensão dos objetos com o réu no caso dos crimes patrimoniais ou a identificação de material genético nos crimes sexuais Isso tem levado a uma valoração probatória distinta atribuindo um valor maior e às vezes decisivo O erro está na presunção a priori no sentido kantiano de antes da experiência de veracidade desses depoimentos O endeusamento da palavra da vítima é um erro tão grande como seria a sua demonização Nem tanto ao céu nem tanto ao inferno Como bem explica MORAIS DA ROSA463 ao tratar do depoimento policial mas perfeitamente aplicável à palavra da vítima a lógica de acreditar que todo depoimento policial ou da vítima incluo é verdadeiro como pressuposto é um erro lógico e simplificador Mas tem gente que é enganado pelas aparências e gosta O depoimento deverá ser considerado por sua qualidade coerência e credibilidade Em qualquer caso e conforme o contexto probatório Lógica faz bem à democracia processual E prossegue explicando que a armadilha lógica do a priori dos depoimentos decorre da impossibilidade de atribuirse como verdadeiro o depoimento antes de ser prestado O ponto nuclear do problema está exatamente nisso existe uma predisposição condicionante uma vontade prévia de acreditar e tomar como verdadeiro Partese não raras vezes inconscientemente da premissa reducionista e possivelmente falsa de que a vítima está falando a verdade e não teria porque mentir Por consequência dessa predisposição tomamos como verdadeiro tudo o que é dito E esse tem sido um foco de inúmeras e graves injustiças Condenações baseadas em depoimentos mentirosos ou frutos de falsa memória falso reconhecimento e até erros de boafé É preciso também nesses delitos fazer uma recusa aos dois extremos valorativos não endeusar mas também não demonizar É preciso cautela e disposição para duvidar do que está sendo dito para fomentar o desejo de investigar para além do que lhe é dado evitando o atalho sedutor de acreditar na palavra da vítima sem tensionar com o restante do contexto probatório A palavra coerente e harmônica da vítima bem como a ausência de motivos que indicassem a existência de falsa imputação cotejada com o restante do conjunto probatório ainda que frágil têm sido aceitas pelos tribunais brasileiros para legitimar uma sentença condenatória Mas principalmente nos crimes sexuais o cuidado deve ser imenso Como acabamos de explicar de um lado não se pode desprezar a palavra da vítima até porque seria uma odiosa discriminação por outro não pode haver precipitação por parte do julgador ingênua premissa de veracidade pois a história judiciária desse país está eivada de imensas injustiças nesse terreno Como já explicamos no capítulo anterior ao tratar de standard de prova é possível haver um rebaixamento do nível de exigência probatória para a tomada de decisões interlocutórias ou seja rebaixamento conforme a fase procedimental Mas sublinhamos não existe rebaixamento de standard probatório conforme a natureza do crime Repetindo o que dissemos pois necessário Constitui um grande erro supor que determinados crimes seja pela gravidade ou complexidade admitam menos prova para condenar do que outros É absolutamente equivocada a prática decisória brasileira de por exemplo supervalorizar a palavra da vítima em determinados crimes violência doméstica crimes sexuais crimes contra o patrimônio mediante violência ou grave ameaça etc e admitir a condenação exclusivamente com base na palavra da vítima ou quase exclusivamente quando se recorre por exemplo a testemunhas de ouvir dizer hearsay que nada viram mas apenas ouviram A presunção de inocência não é menor ou maior mais robusta ou mais frágil conforme a natureza do crime Inclusive o raciocínio deveria ser inverso na medida em que a palavra da vítima é extremamente sensível dada a contaminação com o crime interesses em jogo sentimento de vingança necessidade de corresponder às expectativas criadas pelas autoridades e até mesmo a falsa memória e a mentira como se verá a continuação 42 Falsas Memórias e os Perigos da Palavra da Vítima e da Prova Testemunhal O Paradigmático Caso Escola Base A palavra da vítima constitui uma prova bastante sensível em que devem ser recusados os dois extremos não se pode endeusar mas também não se pode a priori demonizar e desprezar É preciso muita atenção e cautela Como uma espécie de prova similar à prova testemunhal no sentido de que ambas dependem de narrativa e memória é bastante sensível perigosa manipulável e pouco confiável Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário Diante dos limites desta obra pretendemos aqui apenas introduzir o leitor na perspectiva de um pensamento crítico e maduro que recuse a ingenuidade do senso comum teórico de muitos juristas ainda adeptos da razão moderna e que preferem em nome dessa crença alienarse da complexidade que marca as sociedades contemporâneas Entre as inúmeras variáveis que afetam a qualidade e confiabilidade da palavra da vítima e da prova testemunhal propomos um recorte pouco comum na doutrina jurídica as falsas memórias As falsas memórias se diferenciam da mentira essencialmente porque nas primeiras o agente crê honestamente no que está relatando pois a sugestão é externa ou interna mas inconsciente chegando a sofrer com isso Já a mentira é um ato consciente em que a pessoa tem noção464 do seu espaço de criação e manipulação Ambos são perigosos para a credibilidade da palavra da vítima e da prova testemunhal mas as falsas memórias são mais graves pois a testemunha ou vítima desliza no imaginário sem consciência disso Daí por que é mais difícil identificar uma falsa memória do que uma mentira ainda que ambas sejam extremamente prejudiciais ao processo É importante destacar que diferentemente do que se poderia pensar as imagens não são permanentemente retidas na memória465 sob a forma de miniaturas ou microfilmes tendo em vista que qualquer tipo de cópia geraria problemas de capacidade de armazenamento devido à imensa gama de conhecimentos adquiridos ao longo da vida É o que explica ANTÓNIO DAMÁSIO466 as imagens não são armazenadas sob forma de fotografias facsimilares de coisas de acontecimentos de palavras ou de frases O cérebro não arquiva fotografias Polaroid de pessoas objetos paisagens não armazena fitas magnéticas com música e fala não armazena filmes de cenas de nossa vida nem retém cartões com deixas ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida Se o cérebro fosse uma biblioteca esgotaríamos suas prateleiras à semelhança do que acontece nas bibliotecas Nessa complexidade inserese a questão da palavra da vítima e da prova testemunhal e dos reconhecimentos pois em ambos os casos tudo gira em torno da falta de memória Provavelmente a maior autoridade nessa questão das falsas memórias na atualidade seja ELIZABETH LOFTUS467 cujo método revolucionou os estudos nessa área ao demonstrar a possibilidade de implantação das falsas memórias procedimento de sugestão de falsa informação Uma informação enganosa tem o potencial de criar uma memória falsa afetando nossa recordação e isso pode ocorrer até mesmo quando somos interrogados sugestivamente ou quando lemos e assistimos a diversas notícias sobre um fato ou evento de que tenhamos participado ou experimentado468 Em diversos experimentos LOFTUS e seus pesquisadores demonstraram que é possível implantar uma falsa memória de um evento que nunca ocorreu Mais do que mudar detalhes de uma memória o que não representa grande complexidade a autora demonstrou que é possível criar inteiramente uma falsa memória portanto de um evento que nunca ocorreu O estudo de perdido no shopping demonstra que é relativamente fácil implantar uma falsa memória de estar perdido chegando ao preocupante extremo de implantar uma falsa memória de ter sido molestado sexualmente na infância No primeiro caso foi montado um grupo de 24 indivíduos de idades variadas de 18 a 53 anos para tentarem recordar de eventos da infância que teriam sido contados aos pesquisadores por pais irmãos e outros parentes mais velhos Partindo daí foi confeccionada uma brochura pelos pesquisadores construindo um falso evento sobre um possível passeio ao shopping que comprovadamente nunca ocorreu onde o participante teria ficado perdido durante um período prolongado incluindo choro ajuda e consolo por uma mulher idosa e finalmente o reencontro com a família Após lerem o material foram submetidos a uma série de entrevistas para verificar o que recordavam Em suma sintetizando a experiência de LOFTUS ao final 29 dos participantes lembramse tanto parcialmente como totalmente do falso evento construído para eles Nas duas entrevistas seguintes 25 continuaram afirmando que eles lembravam do evento fictício Cita a autora as pesquisas de HYMAN também sobre a implantação de falsas memórias como a hospitalização à noite devido a uma febre alta e uma possível infecção de ouvido em que na primeira entrevista nenhum participante recordou o evento falso mas 20 disseram na segunda entrevista que se lembravam de algo sobre o evento falso Um dos participantes chegou ao extremo de lembrar de um médico uma enfermeira e de um amigo da igreja que veio visitálo Tudo fruto da implantação de uma falsa memória Ainda mais apavorantes são algumas técnicas terapêuticas empregadas no trato de vítimas de delitos sexuais ocorridos na infância O perigo está naquilo que LOFTUS chama de inflação da imaginação em que através de interrogatórios ou terapias se utilizam exercícios imagéticos para encorajar os praticantes a imaginar eventos infantis como forma de recuperar memórias supostamente escondidas As consequências de tais técnicas costumeiramente empregadas são trágicas A implantação da falsa memória é potencializada quando um membro da família afirma que o remoto incidente aconteceu Isso foi testado entre outros no caso perdidos no shopping e demonstrou que a confirmação do evento por uma pessoa é uma técnica poderosa para induzir a uma falsa memória Citando um estudo de KASSIN e COLLEGE ELIZABETH LOFTUS explica a grande influência que exerce uma falsa evidência na implantação de uma falsa memória Foram investigadas as reações de indivíduos inocentes acusados de terem danificado um computador apertando uma tecla errada Os participantes inocentes inicialmente negaram as acusações Contudo quando uma pessoa associada ao experimento disse que os havia visto executarem a ação muitos participantes assinaram a confissão absorvendo a culpa pelo ato Mais do que aceitarem a culpa por um crime que não cometeram chegaram a desenvolver recordações para apoiar esse sentimento de culpa A confusão sobre a origem da informação é um poderoso indutor da criação de falsas memórias e isso ocorre quando falsas recordações são construídas combinandose recordações verdadeiras como conteúdo das sugestões recebidas de outros explica a autora Mas é nos crimes sexuais o terreno mais perigoso da prova testemunhal e claro da palavra da vítima pois é mais fértil para implantação de uma falsa memória Os profissionais de saúde mental psicólogos psiquiatras analistas terapeutas etc têm um poder imenso de influenciar e induzir as recordações e eventos traumáticos Cita a autora que em 1986 Nadean Cool auxiliar de enfermagem de Wisconsin consultou um psiquiatra porque não conseguia lidar com as consequências de um acidente sofrido pela filha No tratamento foram utilizados pelo terapeuta técnicas de sugestão hipnose e outras Após algumas sessões explica LOFTUS Nadean se convenceu de que tinha sido usada na infância por uma seita satânica que a violentara a obrigara a manter relações sexuais com animais e a forçara a assistir ao assassinato de um amigo de 8 anos O psiquiatra acabou por fazêla acreditar que ela tinha mais de 120 personalidades em decorrência dos abusos sexuais e da violência sofridos quando criança Isso dá uma dimensão do que é possível criar em termos de falsas memórias e das graves consequências penais e processuais que elas podem gerar No caso narrado pela autora após compreender o que estava acontecendo a vítima processou o psiquiatra e em março de 1997 após cinco semanas de julgamento o caso foi resolvido fora do tribunal através do pagamento de uma indenização de 2 milhões e 400 mil dólares Situação similar também narrada por LOFTUS foi documentada em 1992 quando um terapeuta ajudou Beth Rutherford então com 22 anos a recordar que entre os 7 e os 14 anos havia sido violentada com regularidade pelo pai um pastor inclusive com a ajuda da mãe Recordou também a partir das técnicas de induzimento que havia ficado grávida duas vezes tendo realizado sozinha os abortos utilizando um cabide Finalmente exames médicos demonstraram que a jovem ainda era virgem e que nunca havia engravidado Ela processou o terapeuta e em 1996 recebeu 1 milhão de dólares de indenização Casos assim ocorrem com regularidade469 mas dificilmente são documentados e desmascarados Diferenciar lembranças verdadeiras de falsas é sempre muito difícil ocorrendo apenas quando se consegue demonstrar que os fatos contradizem as falsas lembranças Mas e nos demais casos As consequências são gravíssimas No Brasil ainda que não suficientemente estudado temos o paradigmático caso Escola Base em São Paulo que para além de demonstrar o despreparo de nossa polícia judiciária se colocou na agenda pública a discussão sobre o papel da mídia sua postura aética e irresponsável bem como a mercantilização da violência e do medo Claro que muito ainda se deve evoluir nessas duas dimensões preparo policial e responsabilidade midiática Em 1994470 duas mães denunciam que seus filhos participavam de orgias sexuais organizadas pelos donos da Escola de Educação Infantil Base localizada no bairro da Aclimação em São Paulo Uma das mães disse que seu filho de 4 anos de idade lhe teria contado que havia tirado fotos em uma cama redonda que uma mulher adulta teria deitado nua sobre ele e o teria beijado A fantasia inicial toma contornos de rede de pedofilia e após um laudo não conclusivo sobre a violência sexual que o menino teria sofrido depois ficou demonstrado que tudo não passou de problemas intestinais é expedido um mandado de busca e apreensão que foi cumprido com irresponsável publicidade por parte da polícia Era o início de uma longa tragédia a que foram submetidos os donos da escola infantil A notícia correu o país e foi explorada de forma irresponsável senão criminosa por parte dos meios de comunicação encontrando no imaginário coletivo um terreno fértil para se alastrar até porque num país onde a cultura do medo é alimentada diariamente a possibilidade de que nossos filhos estejam sendo vítimas de abuso sexual na escola é o ápice do terror Chegouse ao extremo de em 31 de março um telejornal de penetração nacional noticiar o consumo de drogas e a possibilidade de contágio com o vírus da aids Manchetes sensacionalistas inundavam o País Recorda DOMENICI471 títulos como Kombi era motel na escolinha do sexo Perua escolar levava crianças para orgia no maternal do sexo e Exame procura a aids nos alunos da escolinha do sexo A revista Veja publicou em 6 de abril Uma escola de horrores Finalmente em junho de 1994 após o delegado ter sido afastado o inquérito policial foi arquivado pois nada foi demonstrado Ações de indenização contra o Estado de São Paulo pela absurda atuação policial e também contra diversos jornais e emissoras de televisão ainda tramitam nos tribunais superiores Para além dos graves erros cometidos pela polícia e pelos principais meios de comunicação do país evidenciase a implantação de falsas memórias nas duas crianças e também a manipulação dos depoimentos Impressiona a forma como foram conduzidos os depoimentos e a verdadeira indução ali operada As perguntas eram fechadas e induziam as respostas quase sempre dadas pela criança recordemos com 4 anos de idade através de monossílabos sim e não ou ainda respostas que consistiam na mera repetição da própria pergunta Naquele contexto onde a indução era constante e a pressão imensa é elementar que as duas crianças sob holofote fantasiavam e também buscavam corresponder às expectativas criadas pelos adultos e pelo contexto O caldo midiático criado e a desastrosa condução da investigação policial foram fundamentais para a inflação da imaginação das crianças e até das duas mães sendo que uma delas era a principal fonte de tudo A forma como foi conduzida a investigação policial especialmente na oitiva das crianças envolvidas serviu como um conjunto de exercícios imagéticos para alimentar as supostas vítimas As consequências foram trágicas Em outro processo472 Embargos Infringentes 70016395915 julgados pelo 3º Grupo Criminal do TJRS o réu foi acusado pelo delito de estupro reiteradas vezes Após a realização de exame de conjunção carnal constatando a virgindade da ofendida a investigação foi direcionada ao antigo delito de atentado violento ao pudor Descreveu a denúncia ter o denunciado colocado sem penetrar o pênis na vulva da vítima bem com obrigandoa a beijar seu órgão sexual Explica a autora que a menina vivia em um ambiente de promiscuidade sexual pois sua genitora se dedicava à prostituição e a menor frequentava a boate Daí advieram os estímulos erotizados inadequados à sua idade que acabaram contribuindo para a falsificação da memória Em juízo a menor descreveu a cobra colocada pelo réu em sua vagina tinha aproximadamente 120 m era cinza com preto e branco tinha olhos mas não tinha boca tinha pés parecia uma lagartixa O pai encontrou a cobra enrolada no caule de uma árvore na frente de casa Ele desenrolou e passou a cobra na pexereca da depoente Em seguida a menina ainda sustentou ter o réu cortado a cobra em pedacinhos e preparado um risoto para ela comer Após criteriosa análise de todo o contexto fático no qual se inseriu a acusação conclui o tribunal pela inveracidade da imputação tendo o réu por maioria sido absolvido É um caso que demonstra claramente a existência de falsa memória infantil Na Apelação Crime 70017367020 julgada pela 5ª Câmara Criminal do TJRS na sessão do dia 27 de dezembro de 2006 foi mantida a absolvição do padrinho da suposta vítima por atentado violento ao pudor Explica DI GESU473 que as acusações começaram quando a menina de 8 anos assistia juntamente com sua mãe ao programa Globo Repórter o qual abordava a questão do abuso sexual contra crianças A vítima ficou impressionada com a história do pai que havia engravidado a própria filha e vivia maritalmente com ela Diante disso questionou se beijar na boca engravidava A mãe ficou nervosa e procurou esclarecer a questão e ao mesmo tempo procurou imputar a prática do delito a alguém Não incriminou o pai mas sim o padrinho da menor Como a genitora não conseguia falar sobre o assunto com a filha pediu para que esta escrevesse um bilhete contando o que havia ocorrido e num pedaço de papel a menina escreveu uma experiência de conotação sexual contudo ocorrida na creche onde estudava Lá as meninas teriam se beijado na boca e mostrado a bunda umas para as outras Além disso também teriam chamado os meninos e pegado no tico deles No bilhete não soube expressar se havia gostado ou não da experiência Esse fato não foi explorado na investigação somente o foi em juízo Associado a tudo isso descobriuse que a menina beijava o irmão na boca tinha visto acidentalmente um filme pornográfico na televisão a cabo bem como seu pai costumava andar nu pela casa Todo esse contexto foi fundamental para a decisão da causa pois ficou demonstrado que o ambiente era totalmente propício para a ocorrência das falsas memórias por indução da própria mãe da vítima a partir de uma experiência sexual vivenciada na escola Muita cautela devese ter diante do depoimento infantil especialmente nos crimes contra a liberdade sexual e mais ainda naqueles que não deixam vestígios em que a palavra da vítima acaba sendo a principal prova Não se trata de demonizar a palavra da vítima nada disso senão de acautelarse contra o endeusamento desta prova Devese com a maior amplitude possível trazer toda a complexidade do crime e das circunstâncias em que ele ocorreu para dentro do processo Algumas pessoas474 são mais suscetíveis à formação das falsas lembranças geralmente aquelas que sofreram algum tipo de traumatismo ou lapso de memória Contudo o terreno mais fértil são sem dúvida as crianças avaliadas como mais vulneráveis à sugestão Isso porque como explica a autora a tendência infantil é de justamente corresponder às expectativas do que deveria acontecer bem como às expectativas do adulto entrevistador Daí por que há um alerta geral para o depoimento infantil na medida em que475 a as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas sobre suas experiências b a passagem do tempo dificulta a recordação de eventos c há dificuldade de se reportar a informações sobre eventos que causem dor estresse ou vergonha d a criança raramente responde que não sabe e muda constantemente a resposta para agradar o adulto entrevistador A estrutura psíquica da criança é sabidamente mais frágil que a de um adulto sendo portanto mais facilmente violada ou contaminada sua memória Como explica PISA476 as crianças foram historicamente avaliadas como mais vulneráveis para a sugestão e aponta dois fatores a cognitivo ou autossugestão porque a criança desenvolve uma resposta segundo sua expectativa do que deveria acontecer b o desejo de se ajustar às expectativas ou pressões de um entrevistador A linguagem e o método do interrogador em situações assim são de grande relevância para preservação ou violação da memória da vítimatestemunha devendo por isso serem filmados todos os depoimentos prestados Buscase com isso avaliar principalmente o entrevistador Aponta ainda PISA477 que a memória não funciona como uma filmadora que grava a imagem e pode ser revista várias vezes Cada vez que recordamos interpretamos e agregamos ou suprimimos dados Daí por que na recuperação da memória de um evento distorções endógenas ou exógenas se produzirão As falsas memórias podem ser espontâneas ou autossugeridas ou ainda resultado de sugestão externa acidental ou deliberada Sempre recordando que a distorção consciente conduz à mentira As falsas memórias não são dominadas pelo agente e podem decorrer até mesmo de uma interpretação errada de um acontecimento Quanto às entrevistas realizadas com a vítimatestemunha por psicólogos psiquiatras e outros profissionais da área da saúde costumeiramente realizadas em processos que envolvam violência sexual devese atentar para dois fatores a necessidade de acompanhamento por parte de ambas as partes acusação e defesa vedandose completamente as entrevistas privadas por violação do contraditório478 e impossibilidade de controle b gravação de áudio e vídeo de todas as entrevistas e avaliações realizadas Finalizando devem os atores judiciários estar atentos para esse grave problema que ronda a prova testemunhal a palavra da vítima e os reconhecimentos buscando apurar técnicas de interrogatórios que reduzam a indução e facilitem a identificação das falsas memórias Por elementar o risco de tal problema jamais poderá ser eliminado O que se deve buscar são medidas de redução de danos com o abandono da cultura da prova testemunhal o emprego de técnicas não indutivas nos interrogatórios utilização de técnicas específicas nos interrogatórios de crianças vítimas ou testemunhas especialmente nos crimes sexuais a inserção de recursos tecnológicos gravação de áudio e vídeo de todos os depoimentos prestados para controle do tipo de interrogatório empregado e conhecimento científico na investigação preliminar Essas são algumas formas de reduzir os danos das falsas memórias no processo penal Sugeremse479 em síntese as seguintes medidas redutoras de danos 1 As contaminações a que está sujeita a prova penal podem ser minimizadas através da colheita da prova em um prazo razoável objetivando suavizar a influência do tempo esquecimento na memória 2 A adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva permitem a obtenção de informações quantitativa e qualitativamente superiores às entrevistas tradicionais altamente sugestivas 3 O objetivo é evitar a restrição das perguntas ou sua formulação de maneira tendenciosa por parte do entrevistador sugerindo o caminho mais adequado para a resposta 4 A gravação das entrevistas realizadas na fase préprocessual feitas por assistentes sociais e psicólogos permite ao juiz o acesso a um completo registro eletrônico da entrevista Isso possibilita ao julgador o conhecimento do modo como os questionamentos foram formulados bem como os estímulos produzidos nos entrevistados Assume especial importância não como indício de prova propriamente dito mas para que o magistrado aprecie como foi realizado o procedimento e que métodos foram utilizados a fim de avaliar o possível grau de contaminação dessa prova 5 Também é de grande valia que as entrevistas não explorem tão somente a versão acusatória É interessante que se faça uma abordagem de outros aspectos ofertados pelas vítimas pois é bastante comum que as vítimas crianças e adolescentes utilizem a acusação de abuso sexual para fazer cessar outras formas de violência física e psicológica Nesses casos a prisão do agressor pai ou padrasto representa o afastamento do lar Além disso denúncias de abuso sexual figuram como uma arma poderosa nas ações de separação ou divórcio em que há disputa pela guarda dos menores Como conclui a autora a palavra da vítima é sem dúvida o fator humanizante do processo e não pode ser abandonada mas somente através da inserção de novas tecnologias é que se poderão reduzir os danos decorrentes da baixa qualidade da prova produzida atualmente 5 Da Prova Testemunhal Com as restrições técnicas que infelizmente a polícia judiciária brasileira em regra tem a prova testemunhal acaba por ser o principal meio de prova do nosso processo criminal Em que pese a imensa fragilidade e pouca credibilidade que tem ou deveria ter a prova testemunhal culmina por ser a base da imensa maioria das sentenças condenatórias ou absolutórias proferidas Quanto à ordem em que ocorrerá a inquirição no rito comum ordinário art 400 iniciase com a tomada de declarações do ofendido passandose em seguida à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nessa ordem bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações reconhecimentos e por derradeiro com o interrogatório do acusado Nessa lógica quando a testemunha é arrolada pela acusação incumbe ao acusador fazer suas perguntas e após à defesa já em relação às testemunhas arroladas pela defesa incumbe a ela elaborar suas perguntas e após ao acusador Nenhuma regra é imposta ao juiz pode questionar qualquer testemunha a qualquer momento enquanto estiver esta depondo desde que o faça para complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos art 212 parágrafo único 51 A Polêmica em Torno do Art 212 e a Resistência da Cultura Inquisitória A Expressa Adoção do Sistema Acusatório no CPP Com a Reforma Processual de 2008 o art 212 foi substancialmente alterado passando a ter a seguinte redação Art 212 As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente às testemunhas não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida Parágrafo único Sobre os pontos não esclarecidos o juiz poderá complementar a inquirição A mudança foi muito importante e adequada para conformar o CPP à estrutura acusatória desenhada na Constituição que como visto anteriormente ao tratarmos dos sistemas processuais retira do juiz o papel de protagonista da instrução Ao demarcar a separação das funções de acusar e julgar e principalmente atribuir a gestão da prova às partes o modelo acusatório redesenha o papel do juiz no processo penal não mais como juizator sistema inquisitório mas sim de juizespectador Tratase de atribuir a responsabilidade pela produção da prova às partes como efetivamente deve ser num processo penal acusatório e democrático Portanto o juiz deixa de ter o papel de protagonismo na realização das oitivas para ter uma função completiva subsidiária Não mais como no modelo anterior terá o juiz aquela postura proativa de fazer dezenas de perguntas esgotar a fonte probatória para só então passar a palavra às partes para que com o que sobrou complementar a inquirição Neste novo modelo o juiz abre a audiência compromissando ou não conforme o caso a testemunha e passa a palavra para a parte que a arrolou MP ou defesa Caberá à parte interessada na produção da prova efetivamente produzila sendo o juiz neste momento o fiscalizador do ato filtrando as perguntas ofensivas sem relação com o caso penal indutivas ou que já tenham sido respondidas pela testemunha Após caberá à outra parte fazer suas perguntas O juiz como regra questionará ao final perguntando apenas sobre os pontos relevantes não esclarecidos É claramente uma função completiva e não mais de protagonismo Sem embargo tal cenário está muito longe de colocar o juiz como uma samambaia na sala de audiência como chegaram a afirmar maldosamente alguns no pósreforma demonstrando a virulência típica daqueles adeptos da cultura inquisitória e resistentes à mudança alinhada ao sistema constitucional acusatório Nada disso O juiz preside o ato controlando a atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites legais e do caso penal Ademais poderá fazer perguntas sim para complementar os pontos não esclarecidos Jamais se disse que o juiz não poderia perguntar para as testemunhas na audiência O ponto nevrálgico é poderá o juiz fazer perguntas para a testemunha mas não como protagonista da inquirição O mais difícil com certeza não é compreender a nova redação do artigo mas abandonar o ranço inquisitório que ainda domina o senso comum dos atores judiciários Importanos neste tema o acerto da decisão ao afirmar a adoção do sistema de crossexamination com a assunção do papel de protagonismo das partes e subsidiário do juiz inclusive para garantia da imparcialidade do julgador e recordemos a íntima relação entre sistema acusatório e imparcialidade pois somente este modelo processual cria condições de eficácia da garantia da imparcialidade Noutra dimensão entendeu o STJ neste julgamento que a inversão da ordem de formulação das perguntas geraria uma nulidade relativa Mas em momento algum autorizouse o juiz a ter protagonismo na inquirição como no modelo anterior Todo o oposto basta ler os três primeiros pontos da ementa Infelizmente gradativamente o STJ foi matando a eficácia do art 212 ao erroneamente aplicar a teoria das nulidades relativas Culminou por torná lo letra morta inclusive com aval do STF Mas pensamos que o cenário deve mudar com a reforma de 20192020 onde a Lei n 139642019 inseriu o art 3ºA que expressamente estabelece Art 3ºA O processo penal terá estrutura acusatória vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação Infelizmente esse dispositivo foi suspenso pela liminar na Medida Cautelar nas ADIns n 6298 6299 6300 e 6305 concedida pelo Min Luiz Fux no dia 2212020 Esperamos que o STF casse essa medida liminar e restabeleça o dispositivo absolutamente fundamental para a evolução constitucional e democrática do CPP Mas mesmo com o artigo suspenso a Constituição desenha claramente desde 1988 a estrutura acusatória que precisa ser respeitada Com isso pensamos que o art 212 do CPP precisa ser ressuscitado e torcemos para que o STJ e o STF respondam a necessária mudança cultural para darlhe o merecido respeito e eficácia 52 Quem Pode Ser Testemunha Restrições Recusas Proibições e Compromisso Contraditando a Testemunha Toda pessoa poderá ser testemunha afirma o art 202 do CPP Essa regra surge como recusa a discriminações historicamente existentes em relação a escravos mulheres e crianças ou ainda às chamadas pessoas de má reputação prostitutas drogados travestis condenados etc que ao longo da evolução do processo penal sofreram restrições em termos probatórios Da mesma forma não há que se falar em restrição ao depoimento dos policiais Eles podem depor sobre os fatos que presenciaram eou dos quais têm conhecimento sem qualquer impedimento Obviamente deverá o juiz ter muita cautela na valoração desses depoimentos na medida em que os policiais estão naturalmente contaminados pela atuação que tiveram na repressão e apuração do fato Além dos prejulgamentos e da imensa carga de fatores psicológicos associados à atividade desenvolvida é evidente que o envolvimento do policial com a investigação e prisões gera a necessidade de justificar e legitimar os atos e eventuais abusos praticados Assim não há uma restrição ou proibição de que o policial seja ouvido como testemunha senão que deverá o juiz ter muita cautela no momento de valorar esse depoimento A restrição não é em relação à possibilidade de depor mas sim ao momento de desvalorar esse depoimento Contudo é recorrente o Ministério Público arrolar como testemunhas apenas os policiais que participaram da operação e da elaboração do inquérito Busca com isso judicializar a palavra dos policiais para driblar a vedação de condenação exclusivamente art 155 do CPP com base nos elementos informativos colhidos na investigação e também a obrigatória exclusão física dos autos art 3ºC 3º infelizmente suspenso pela liminar do Min FUX No fundo é um golpe de cena um engodo pois a condenação se deu exclusivamente com base nos atos da fase préprocessual e no depoimento contaminado de seus agentes natural e profissionalmente comprometidos com o resultado por eles apontado violando o disposto no art 155 do CPP Portanto se não há impedimento para que os policiais deponham é elementar que não se pode condenar só com base nos seus atos de investigação e na justificação que fazem em audiência Continuemos Ao lado da regra geral de que toda pessoa poderá ser testemunha há que se fazer algumas observações O Código de Processo Penal ao referir pessoa480 está fazendo alusão à pessoa natural ao ser humano homem ou mulher Assim não há que se falar em pessoa jurídica como testemunha e para tanto sequer é preciso enfrentar a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica Quem depõe é uma pessoa natural ainda que o faça na qualidade de diretor sócio ou administrador de uma pessoa jurídica Não há a menor possibilidade de arrolarse a empresa como testemunha mas sim o empresário Como regra ninguém pode recusarse a depor Contudo prevê o art 206 do CPP que poderão recusarse a fazêlo o ascendente ou descendente o afim em linha reta o cônjuge ainda que desquitado o irmão e o pai a mãe ou o filho adotivo do acusado salvo quando não for possível por outro modo obterse ou integrarse a prova do fato e de suas circunstâncias O artigo constitui uma proteção para aquelas pessoas que em razão do parentesco e presumida proximidade não sejam obrigadas a depor A regra obviamente é coerente Contudo peca ao final quando define que esse direito de recusarse a depor não poderá ser exercido quando não for possível por outro modo obterse a prova do fato Isso cria situações constrangedoras e depoimentos despidos de qualquer credibilidade Exemplo típico é o do delito cometido no ambiente doméstico como no caso da mãe que assiste a um filicídio onde o pai mata o próprio filho Obrigar essa mãe a depor é inútil Um depoimento voluntário é de grande valia mas de nada serve retirarlhe o direito de recusarse a depor Noutra dimensão estão as pessoas proibidas de depor Determina o art 207 do CPP que são proibidas de depor as pessoas que em razão de função ministério ofício ou profissão devam guardar segredo salvo se desobrigadas pela parte interessada quiserem dar o seu testemunho Aqui o objeto de tutela é o sigilo profissional reforçado pela proibição de que aqueles profissionais psiquiatra padre analista etc deponham sobre fatos envolvendo seus clientes réus no processo Por se tratar de um direito disponível excepciona o artigo permitindo que deponham desde que desobrigados pelo interessado Uma vez desobrigados pela parte interessada esses profissionais são obrigados a depor como qualquer testemunha Essa autorização para depor deve ser expressa exceto quando o profissional é arrolado como testemunha do próprio interessado situação em que a autorização é tácita decorrendo do próprio fato de ter sido arrolado como testemunha Quanto ao advogado deve ser considerado como alguém proibido de depor sobre aquilo de que teve conhecimento em razão de seu ofício nos termos do art 207 do CPP mas com um diferencial nem mesmo quando desobrigado pelo interessado ele pode depor como determina o art 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB481 Assim a proibição decorre de imperativo ético da profissão e nem mesmo quando autorizado pelo interessado pode o advogado depor sobre os fatos de que teve conhecimento em processo no qual atuou ou deva atuar NUCCI482 adverte que a proibição dos juízes e promotores de depor em outro processo sobre os fatos de que tiveram conhecimento em razão da função logo colhido nos autos é indisponível pois existe um interesse público de que o magistrado e promotor preserve o sigilo profissional Assim mesmo que desobrigados pelo réu não poderão depor Mas isso não significa que juízes e promotores não possam ser testemunhas Eles poderão depor sobre fatos de que tenham conhecimento através de fontes externas ao feito logo extraautos estando contudo impedidos de atuarem profissionalmente por força dos arts 252 II e 258 do CPP Pertinente é a exigência de PACELLI483 de que deve ser levado em conta o nexo causal entre o conhecimento do fato criminoso e a relação profissional funcional ministerial etc mantida entre o acusado e a testemunha Significa que a proibição de depor fundase a partir de uma situação concreta e não hipotética ou genérica Assim além dos exemplos anteriormente referidos advogado analista psiquiatra etc pensamos que nos crimes de sonegação fiscal e demais delitos econômicos o contador da empresa independente do nome que a função receba também está proibido de depor Tratase aqui de analisar a atividade efetivamente exercida pela testemunha estabelecendose o nexo causal entre o crime fiscal ou econômico e o conhecimento profissional que a atividade proporciona É inadmissível que em um processo dessa natureza o contador seja obrigado a depor contra a empresa em decorrência dos conhecimentos obtidos pelo exercício de sua atividade profissional A situação é similar à do psiquiatra ou advogado São raras as decisões que analisam os limites do sigilo profissional imposto ao contador sendo relevante a proferida no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 17783SP 5ª Turma do STJ Rel Min FELIX FISCHER j 06042004484 É interessante que neste caso o contador ao qual se garantiu o sigilo profissional teria feito uma auditoria particular na empresa onde foi apurada a irregularidade praticada por um funcionário O contador atuou como perito particular e mesmo assim foi assegurada a proibição de depor art 207 em relação às questões internas da empresa de que teve conhecimento quando da análise dos dados contábeis e fiscais Portanto com muito mais razão o contador de uma empresa está proibido de depor sobre os fatos e informações contábeis e fiscais na medida em que somente teve acesso a tais dados em razão da profissão que exerce e da confiança estabelecida a partir da garantia do sigilo profissional Qual é a consequência de em que pese a proibição esse profissional depor Pensamos que se trata de uma prova ilícita com uma dupla ilegalidade violase a norma de direito material que impõe à profissão ofício ou função o sigilo e ao ser produzida em juízo descumprese a proibição imposta pela norma de direito processual Logo não pode ser valorada devendo ser desentranhada Caso isso não ocorra e a sentença condenatória a valore deverá a parte interessada arguir a nulidade em preliminar do recurso de apelação Para evitar repetições remetemos o leitor ao que foi explicado anteriormente sobre prova ilícita Sem esquecer que nenhuma nulidade ocorrerá se o profissional foi desobrigado pela parte interessada autorização expressa ou quando for arrolado como testemunha pelo próprio interessado Constitui ainda crime previsto no art 15 da Lei n 138692019 a conduta de Art 15 Constranger a depor sob ameaça de prisão pessoa que em razão de função ministério ofício ou profissão deva guardar segredo ou resguardar sigilo Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa Noutra dimensão o compromisso ou juramento a que alude o art 208 tem sua fórmula definida no art 203 quando define que a testemunha fará sob palavra de honra a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado Essa promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado constitui o compromisso É uma formalidade necessária ainda que não garanta por óbvio a veracidade do depoimento Tratase de mais um instrumento no complexo ritual de captura psíquica CORDERO que ocorre no processo de recognição instrução que atua numa dimensão simbólica Também devemos recordar que no Direito Penal alguma discussão ainda perdura sobre a necessidade do compromisso para a configuração do crime de falso testemunho art 342 do CP havendo parte da doutrina e da jurisprudência que somente aceita a prática desse delito quando a testemunha tiver sido formalmente compromissada Do contrário não há que se falar nesse delito Eis um efeito concreto do compromisso Determina o art 208 do CPP que não prestam compromisso de dizer a verdade sendo portanto meras testemunhas informantes os doentes e deficientes mentais os menores de 14 quatorze anos e as pessoas a que se refere o art 206 ascendente ou descendente o afim em linha reta o cônjuge ainda que desquitado o irmão e o pai a mãe ou o filho adotivo do acusado Essas pessoas não estão impedidas de depor contudo por não serem compromissadas suas declarações deverão ser vistas com reservas e menor credibilidade quando da valoração da prova na sentença Por fim prevê o art 214 a possibilidade de antes de iniciado o depoimento qualquer das partes contraditar a testemunha Tratase de uma forma de impugnar a testemunha apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna A contradita é um instrumento de controle da eficácia pelas partes das causas que geram a proibição art 207 ou impedem que a testemunha preste compromisso arts 208 e 206 Com essa impugnação deverá o juiz questionar a testemunha sobre a veracidade do arguido consignando tudo na ata da audiência A questão deverá ser resolvida em audiência com a exclusão da testemunha caso fique demonstrado que está ela proibida de depor ou com sua oitiva sem que preste compromisso nos casos dos arts 206 e 208 Daí por que é importante que a parte interessada na impugnação o faça antes de iniciado o depoimento e nesse momento apresente as eventuais provas da veracidade do alegado pois não há qualquer tipo de dilação probatória 53 Classificando as Testemunhas Caracteres do Testemunho Entre as diversas classificações possíveis à prova testemunhal destacamos 1 Testemunha presencial é aquela que teve contato direto com o fato presenciando os acontecimentos Sem dúvida é a testemunha mais útil para o processo 2 Testemunha indireta é aquela testemunha que nada presenciou mas ouviu falar do fato ou depõe sobre fatos acessórios HASSAN CHOUKR485 explica que a testemunha de ouvir dizer486 não está excluída do sistema probatório brasileiro sendo ouvida a critério do juiz o que constitui um erro pois se deve fortalecer o depoimento da testemunha presencial Pensamos que tais depoimentos devem ser valorados pelo juiz atendendo às restrições de sua cognição pois não se trata de uma testemunha presencial daí decorrendo um maior nível de desconhecimento do fato e portanto de contaminação 3 Informantes são aquelas pessoas que não prestam compromisso de dizer a verdade e portanto não podem responder pelo delito de falso testemunho até porque a rigor não são testemunhas mas meros informantes Por não prestarem compromisso não entram no limite numérico das testemunhas não sendo computadas Seu depoimento deve ser valorado com reservas conforme os motivos que lhes impeçam de ser compromissadas 4 Abonatórias as testemunhas abonatórias são aquelas pessoas que não presenciaram o fato e dele nada sabem por contato direto Servem para abonar a conduta social do réu tendo seu depoimento relevância na avaliação das circunstâncias do art 59 do CP Quando se tratar de alguma das pessoas previstas no art 206 não prestará compromisso de dizer a verdade A despeito da sua eficácia limitada as testemunhas abonatórias influem na aplicação da pena e devem ser ouvidas Constitui pensamos um ilegal cerceamento a prática de alguns juízes de limitar sua produção em juízo exigindo a substituição de seus depoimentos por declarações escritas o que acarreta a violação do contraditório por ser uma produção unilateral e fora da audiência e também da oralidade característica da prova testemunhal nos termos do art 204 do CPP 5 Testemunhas referidas são aquelas pessoas que foram mencionadas referidas por outras testemunhas que declaroudeclararam no seu depoimento a sua existência Logo elas não constavam no rol de testemunhas originariamente elencado Por terem sido citadas como sabedoras do ocorrido poderá melhor deverá o juiz ouvilas para melhor esclarecimento do fato Estabelece o art 209 1º que se ao juiz parecer conveniente serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem Deixa o Código a critério do juiz a valoração da necessidade e pertinência de ouvir a testemunha referida Sem embargo há que se analisar cada caso pois através do depoimento da testemunha originária podese ter noção da importância ou não da oitiva da pessoa referida Quando evidente essa relevância não deverá o juiz impedir a produção dessa prova Como aponta SCARANCE FERNANDES487 podemos extrair da sistemática do CPP três caracteres do testemunho oralidade determina o art 204 que os depoimentos deverão ser prestados oralmente não sendo permitido à testemunha trazêlo por escrito Está permitida entretanto a breve consulta a apontamentos principalmente quando a questão é mais complexa com vários fatos e agentes Constitui uma exceção a essa regra o disposto no art 221 1º do CPP488 que contudo deve ser uma prática desaconselhável489 pois ao permitir que essas pessoas deponham por escrito de forma unilateral e fora do processo violase a garantia da jurisdição e do contraditório pela impossibilidade de participação das partes na sua produção objetividade a objetividade está prevista no art 213 e exige uma abordagem crítica mais detida como faremos na continuação retrospectividade o delito é sempre um fato passado é história A testemunha narra hoje um fato presenciado no passado a partir da memória com todo peso de contaminação e fantasia que isso acarreta numa narrativa retrospectiva A atividade do juiz é recognitiva conhece através do conhecimento de outro e o papel da testemunha é o de narrador da historicidade do crime Não existe função prospectiva legítima no testemunho pois seu olhar só está autorizado quando voltado ao passado Daí por que não cabe à testemunha um papel de vidente nem exercícios de futurologia 54 A Ilusão de Objetividade do Testemunho Art 213 do CPP Com acerto CORDERO490 aponta que a objetividade do testemunho exigida pela norma processual art 213 do CPP é ilusória para quem considera a interioridade neuropsíquica na medida em que o aparato sensorial elege os possíveis estímulos que são codificados segundo os modelos relativos a cada indivíduo e as impressões integram uma experiência perceptiva cujos fantasmas variam muito no processo mnemônico memória E essa variação é ainda influenciada conforme a recordação seja espontânea ou solicitada principalmente diante da complexidade fática que envolve o ato de testemunhar em juízo fortissimamente marcado pelo ritual judiciário e sua simbologia As palavras que saem desse manipuladíssimo processo mental não raras vezes estão em absoluta dissonância com o fato histórico Se imaginarmos a testemunha como o pintor encontramos em MERLEAUPONTY491 a lição magistral de que falta ao olho condições de ver o mundo e falta ao quadro condições de representar o mundo Isso porque ensina o autor a ideia de uma pintura universal de uma totalização da pintura de uma pintura inteiramente realizada é destituída de sentido Ainda que durasse milhões de anos para os pintores o mundo se permanecer mundo ainda estará por pintar findará sem ter sido acabado Isso não significa explica MERLEAUPONTY que o pintor ou a testemunha em nosso caso não saiba o que quer mas sim que ele está aquém das metas e dos meios até pela impossibilidade de apreensão do todo Ademais a ideia de objetividade remonta ao equivocado dualismo cartesiano e à separação de mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção Especialmente com ANTÓNIO DAMÁSIO492 compreendemos o rompimento da separação cartesiana entre razão e sentimento operandose assim um fenômeno exatamente oposto àquele descrito por DESCARTES na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo que recusa todo discurso científico incluindo o positivismo o mito da neutralidade da objetividade do observador em relação ao objeto etc baseado na separação entre emoção e razão O golpe final vem de um cânon antropológico o observador é parte integrante do objeto de estudo Logo uma testemunha assim como um antropólogo retratado por LAPLANTINE493 quando pretende uma neutralidade absoluta pensa ter recolhido fatos objetivos elimina dos resultados de sua pesquisa tudo o que contribui para a sua realização e apaga cuidadosamente as marcas de sua implicação pessoal no objeto de seu estudo é que ele corre o maior risco de afastarse do tipo de objetividade necessariamente aproximada e do modo de conhecimento específico de sua disciplina Se é necessário distinguir aquele que observa testemunha daquele ou daquilo que é observado é impensável dissociálos pois nunca somos testemunhas objetivas observando objetos e sim sujeitos observando outros sujeitos494 E ao final desse longo labirinto cognoscitivo a imagem mental se converte em palavra e novamente o resultado varia enormemente de locutor a locutor de sua capacidade de expressar o que viu ou melhor o que pensa que viu que não necessariamente corresponde ao ocorrido até porque o todo é demais para nós495 e de se fazer compreender E se o discurso não flui uma nova variável adquire grande relevância quem faz a inquirição E um novo campo se desvela para afastar ainda mais o testemunho da objetividade e obviamente de sua credibilidade Assim fica fácil compreender que o art 213 do CPP contém um obstáculo lógico evidente ao afirmar que o juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais salvo quando inseparáveis da narrativa do fato Eis uma assertiva tipicamente cartesiana superada como vimos pela impossibilidade de que exista uma narrativa do fato separada da apreciação pessoal A objetividade do testemunho deve ser conceituada a partir da assunção de sua impossibilidade reduzindo o conceito à necessidade de que o juiz procure filtrar os excessos de adjetivação e afirmativas de caráter manifestamente desvalorativo O que se pretende é um depoimento sem excessos valorativos sentimentais e muito menos um julgamento por parte da testemunha sobre o fato presenciado É o máximo que se pode tentar obter 55 Momento de Arrolar as Testemunhas Limites Numéricos Substituição e Desistência Pode o Assistente da Acusação Arrolar Testemunhas Oitiva por Carta Precatória e Rogatória As testemunhas devem ser arroladas no momento procedimental previsto sob pena de preclusão e recusa da produção de tal prova Assim as testemunhas da acusação devem necessariamente ser arroladas na denúncia crimes de ação penal de iniciativa pública ou na queixa ação penal de iniciativa privada conforme determina o art 41 do CPP No que se refere às testemunhas da defesa como regra devem ser arroladas na resposta escrita art 396A do CPP Na Lei n 11343 Lei de Tóxicos as testemunhas também devem ser arroladas na resposta escrita No Juizado Especial Criminal Lei n 9099 as testemunhas de defesa devem ser levadas diretamente à audiência de instrução e julgamento sem necessidade de prévia indicação portanto ou caso seja necessária a prévia intimação deverá o réu apresentar requerimento para intimação no mínimo 5 dias antes da realização dessa audiência art 78 1º da Lei n 9099 Devese atentar para o art 396A do CPP que passou a exigir que a defesa arrole suas testemunhas requerendo sua intimação quando necessário Até a reforma a regra era testemunha arrolada deveria ser intimada exceto se a parte expressamente dissesse que ela compareceria independente de intimação Isso mudou Uma leitura superficial conduziria à conclusão de que a defesa sempre deveria requerer expressamente a intimação sob pena de comprometerse a conduzir a testemunha E se não fizer esse pedido e no dia da audiência ninguém comparecer preclusa a via probatória Pensamos que não Isso porque não apenas o direito de ampla defesa impede que um processo tramite nessas condições senão porque o contraditório exige um tratamento igualitário Se o Ministério Público não está obrigado a pedir a intimação das testemunhas porque a defesa teria esse ônus Logo o tratamento igualitário conduz a que a regra siga sendo a mesma testemunha arrolada por qualquer das partes deverá ser intimada exceto se expressamente for dispensada a intimação Superado o momento procedimental definido a prova testemunhal não poderá mais ser requerida Contudo poderá a parte interessada invocar o art 209 do CPP sem contudo ter um verdadeiro direito público subjetivo de que tal prova seja produzida Tratase agora de faculdade do juiz No que se refere ao limite numérico temse por regra geral a crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade seguirá o rito comum ordinário podendo ser arroladas até oito testemunhas para cada parte não se computando as que não prestam compromisso e as referidas art 401 1º do CPP b crime cuja sanção máxima cominada for inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade seguirá o rito comum sumário podendo ser arroladas até cinco testemunhas para cada parte com as mesmas ressalvas do item anterior art 532 Há contudo exceções expressamente previstas em leis especiais como ocorre com a Lei n 11343 Lei de Tóxicos em que independente da pena o número de testemunhas é de apenas 5 cinco para cada parte No Tribunal do Júri na instrução primeira fase poderão ser ouvidas até 8 testemunhas para cada parte art 406 2º e 3º Contudo em plenário esse número é reduzido para 5 cinco nos termos dos art 422 do CPP Quanto à desistência da oitiva de testemunhas art 401 2º algumas considerações devem ser feitas As testemunhas uma vez arroladas são do processo e não mais da parte Daí por que até para evitar manobras fraudulentas não se deve admitir a possibilidade de desistência unilateral senão que necessariamente deve ser submetido ao contraditório o pedido de desistência e se não houver a concordância da outra parte não produz efeito Ainda que o 2º do art 401 afirme que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas tal dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição e a garantia do contraditório Em suma ainda que a parte possa desistir a qualquer tempo deverá o juiz dar vista para a outra parte e havendo discordância então e só nesse caso manter a sua oitiva Por exemplo se o Ministério Público arrola as testemunhas A B e C e posteriormente desiste da oitiva de A deverá o juiz intimar a defesa para que se manifeste Se concordar não se produzirá a coleta desse depoimento mas se insistir a testemunha deverá depor Isso porque a defesa poderá ter deixado de arrolar a testemunha A exatamente porque ela já tinha sido arrolada pela acusação Uma desistência unilateral seria muito prejudicial Quanto à aplicação do art 209 por indicação do art 401 2º também se devem fazer algumas considerações Entendemos que o art 209 é substancialmente inconstitucional por violação do sistema acusatório constitucional e está ainda tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP infelizmente suspenso pela liminar do Min FUX que expressamente consagra o sistema acusatório e a vedação da iniciativa probatória por parte do juiz Portanto se as partes desistirem da oitiva de determinada testemunha não poderá o juiz determinar a sua oitiva pois estaria produzindo prova de ofício A substituição de testemunhas era uma possibilidade prevista no art 397 do CPP quando alguma das testemunhas não fosse encontrada Contudo a Lei n 11719 alterou substancialmente o procedimento estabelecendo na nova redação do artigo a possibilidade de absolvição sumária Analisando os demais dispositivos que disciplinam os procedimentos e também a prova testemunhal não se encontra previsão legal para a substituição Não se trata pensamos de mera omissão legislativa mas sim de uma decorrência da sistemática implantada que privilegiou a celeridade e a aglutinação dos atos em uma única audiência de modo que a substituição das testemunhas não encontradas prejudicaria a celeridade pretendida Mas impedir a substituição das testemunhas não encontradas desde que isso não constitua uma manobra para burlar a exigência dos arts 41 e 396A implica cerceamento de defesa ou limitação indevida do contraditório conforme o caso Para evitar isso devese permitir a substituição se possível antes da audiência de instrução e julgamento devendo a parte ser intimada quando do retorno do mandado Do contrário deve a audiência de instrução e julgamento ser suspensa permitindose a substituição da testemunha cuidando para não haver inversão na ordem das oitivas Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal noticiou Notícias do STF 23102008 que os ministros admitiram a substituição de testemunha não localizada no chamado Caso Mensalão Segundo informado os ministros entenderam que o ordenamento jurídico brasileiro admite a substituição de testemunha não localizada mesmo após a Lei n 117192008 tendo o relator destacado que não se pode concluir ter sido da vontade do legislador impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução criminal até porque não houve uma revogação direta expressa do antigo texto do artigo 397 mas sim uma reforma de capítulos inteiros do código por leis esparsas Prosseguiu explicando que não se pode imaginar que o processo guiado que deve estar para um provimento final que realmente resolva e pacifique a questão debatida exclua a possibilidade de substituição das testemunhas não encontradas por outras eventualmente existentes disse Por fim entendeu o relator que na hipótese pode ser aplicado o art 408 inciso III do Código de Processo Civil segundo o qual a parte só pode substituir a testemunha I que falecer II que por enfermidade não estiver em condições de depor III que tendo mudado de residência não for encontrada pelo oficial de justiça Assim em suma pensamos ser possível a substituição de testemunhas nos termos acima Outro questionamento pode surgir pode o assistente da acusação arrolar testemunhas Não pois é intempestivo tal pedido Ainda que o art 271 preveja que o assistente pode propor meios de prova isso não alcança a prova testemunhal por um detalhe muito importante o assistente somente pode ser admitido quando já houver uma acusação ou seja denúncia oferecida e recebida Logo o assistente ingressa no processo após o momento procedimental previsto para que o acusador arrole suas testemunhas que é na denúncia É assim intempestivo o pedido de oitiva de testemunhas por parte do assistente da acusação A única exceção diz respeito às testemunhas de plenário no rito do Tribunal do Júri em que o assistente já está habilitado e portanto poderia arrolálas Contudo nesse caso excepcional somente poderá fazêlo para complementar o rol do Ministério Público se ainda não houver completado o limite de 5 testemunhas Se o rol do Ministério Público já estiver completo não poderá o assistente indicar mais testemunhas de plenário Mudando o enfoque chamamos a atenção para o art 217 do CPP Art 217 Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido de modo que prejudique a verdade do depoimento fará a inquirição por videoconferência e somente na impossibilidade dessa forma determinará a retirada do réu prosseguindo na inquirição com a presença do seu defensor Parágrafo único A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo assim como os motivos que a determinaram A oitiva de vítima ou testemunha por videoconferência está autorizada mas em situações extremas Ou seja é uma medida excepcional e que deve ser utilizada com suma prudência pelo juiz e devidamente fundamentada expondo os motivos que efetivamente a exigiam De qualquer sorte a tendência segue sendo a de simplesmente retirando o réu da sala até que se criem salas especiais nos foros criminais para realizar a videoconferência Mas quando o réu é retirado da sala de audiências com base no art 217 do CPP deve ter o juiz um especial cuidado não proceder imediatamente ao interrogatório Ao réu é assegurado o direito a última palavra pressupondo sempre que tenha pleno conhecimento de todas as provas que foram produzidas contra si Desta forma se não presenciou algum depoimento porque foi determinada sua retirada da sala de audiências deverá o juiz garantirlhe acesso integral e pelo tempo que for necessário a esses depoimentos para somente após proceder ao interrogatório Neste sentido repetimos a assertiva de DEZEM496 deve o magistrado franquear o acesso aos termos de depoimentos das testemunhas para que apenas então o acusado possa ser interrogado Caso esse procedimento não seja efetivado e o interrogatório se dê sem o conhecimento do material probatório produzido sem a presença do acusado não se terá o interrogatório como meio de defesa desnaturandose sua natureza jurídica Na mesma linha desta problemática situase o interrogatório colhido por carta precatória que deverá ser instruída com todo o material probatório já colhido no juízo da causa ou em outras precatórias para só então com a ciência do réu de toda a prova produzida ser realizado o interrogatório Feita essa ressalva continuemos As testemunhas residentes em outras comarcas serão ouvidas nas suas respectivas cidades por meio de carta precatória art 222 do CPP497 ou se residentes no exterior por carta rogatória conforme o disposto no art 222 A498 Quanto a carta rogatória exigese que a parte interessada demonstre previamente a imprescindibilidade da oitiva o que equivale a comprovar a pertinência e relevância para o caso penal em julgamento da prova postulada O risco de cerceamento na produção dessa prova é grande na medida em que a valoração dos critérios de utilidade e pertinência é atribuída ao juiz gerando inclusive um terreno fértil para os censuráveis prejulgamentos De qualquer forma o que se pretende impedir são as manobras procrastinatórias historicamente utilizadas para gerar grande atraso no julgamento o que é compreensível O problema é o risco concreto de cerceamento de defesa com o juiz filtrando a prova que a parte poderá ou não produzir Deverá ainda a parte passiva requerente arcar com os custos de envio exceto se beneficiada com a Justiça gratuita Novo desequilíbrio processual é gerado com essa exigência na medida em que não há custas processuais para o Ministério Público pois é o acusador estatal sendo um ônus exclusivo da defesa Logo o réu terá de pagar todas as despesas para que a carta rogatória seja cumprida ao passo que o Ministério Público está dispensado Não há previsão expressa de realização de videoconferência para oitiva de testemunha no exterior mas havendo concordância das partes e usandose por analogia a disciplina legal existente pensamos que pode ser realizada 6 Reconhecimento de Pessoas e Coisas 61 InObservância das Formalidades Legais Número de Pessoas e Semelhança Física O reconhecimento é um ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa e recordando o que havia percebido em um determinado contexto compara as duas experiências499 Quando coincide a recordação empírica com essa nova experiência levada a cabo em audiência ou no inquérito policial ocorre o reconhecer Partimos da premissa de que é reconhecível tudo o que podemos perceber ou seja só é passível de ser reconhecido o que pode ser conhecido pelos sentidos Nessa linha o conhecimento por excelência é o visual assim previsto no CPP Contudo silencia o Código no que se refere ao reconhecimento que dependa de outros sentidos como o acústico olfativo ou táctil500 O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto nos arts 226 e s do CPP e pode ocorrer tanto na fase préprocessual como também processual O ponto de estrangulamento é o nível de inobservância por parte dos juízes e delegados da forma prevista no Código de Processo Penal501 Tratase de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e partindo da premissa de que em matéria processual penal forma é garantia não há espaço para informalidades judiciais Infelizmente prática bastante comum na praxe forense consiste em fazer reconhecimentos informais admitidos em nome do princípio do livre convencimento motivado É uma perigosa informalidade502 quando um juiz questiona a testemunha ou vítima se reconhecem os réus ali presentes como sendo os autores do fato Essa simplificação arbitrária constitui um desprezo à formalidade do ato probatório atropelando as regras do devido processo e principalmente violando o direito de não fazer prova contra si mesmo Por mais que os tribunais brasileiros façam vista grossa para esse abuso argumentando às vezes em nome do livre convencimento do julgador a prática pode ensejar nulidade503 É ato formal que visa a confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa O problema é a forma como é feito o reconhecimento Em audiência o código afasta apenas o inciso III que pode perfeitamente ser utilizado Logo não é reconhecimento quando o juiz simplesmente pede para a vítima virar e reconhecer o réu único presente e algemado pois descumpre a forma e é um ato induzido Contudo os juízes fazem a título de livre convencimento com sério risco de nulidade processual ilicitude da prova na medida em que viola o sistema acusatório gestão da prova nas mãos das partes quebra a igualdade de tratamento oportunidades e fulmina a imparcialidade constitui flagrante nulidade do ato na medida em que praticado em desconformidade com o modelo legal previsto e por fim nega eficácia ao direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo504505 Importante sublinhar o réu ou investigado não é obrigado a participar do reconhecimento pessoal podendo se recusar Tratase de exercício do direito de defesa negativo ou seja de não autoincriminação Corrobora esse entendimento a declaração de inconstitucionalidade da condução coercitiva feita nas ADPF 395 e 444 em que decidiu o STF que a condução coercitiva de investigados e réus para serem interrogados é inconstitucional na esteira do voto do relator Min Gilmar Mendes Conforme extrato da decisão o Tribunal por maioria e nos termos do voto do Relator julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental para pronunciar a não recepção da expressão para o interrogatório constante do art 260 do CPP e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado A decisão a nosso juízo alcance também a vedação de condução coercitiva para reconhecimento pessoal Mas se feito reconhecimento com as devidas cautelas legais inclusive respeitando o direito do réu de não participar deverá o juiz ou autoridade policial se for o caso providenciar que o imputado seja colocado ao lado de outras pessoas fisicamente semelhantes Nesse ponto devese atentar para dois aspectos número de pessoas o Código é omisso nessa questão mas recomendase que o número não seja inferior a 5 cinco506 ou seja quatro pessoas mais o imputado507 para maior credibilidade do ato e redução da margem de erro semelhanças físicas questão crucial nesse ato é criar um cenário cujo nível de indução seja o menor possível daí por que deverá o juiz atentar para a formação de uma roda de reconhecimento com pessoas de características físicas similares estatura porte físico cor de cabelo e pele etc A questão da vestimenta também deverá ser observada pelo juiz para que não existam contrastes absurdos entre os participantes508 Tais cuidados longe de serem inúteis formalidades constituem condição de credibilidade do instrumento probatório refletindo na qualidade da tutela jurisdicional prestada e na própria confiabilidade do sistema judiciário de um país Quanto ao reconhecimento de coisas aplicase no que for cabível toda a explicação anteriormente feita Em geral fazse o reconhecimento de armas e demais objetos utilizados na prática do crime adequandose às formalidades do art 226 do CPP 62 Reconhecimento por Fotografia ImPossibilidade de Alteração das Características Físicas do Imputado Novas Tecnologias Noutra linha devese advertir que o fato de admitirmos as provas inominadas tampouco significa permitir que se burle a sistemática legal Assim não pode ser admitida uma prova rotulada de inominada quando na realidade ela decorre de uma variação ilícita de outro ato estabelecido na lei processual penal cujas garantias não foram observadas Exemplo típico de prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia utilizado em muitos casos quando o réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal exercendo seu direito de silêncio nemo tenetur se detegere O reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do reconhecimento pessoal nos termos do art 226 inciso I do CPP nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada509 Quanto à identificação civil é importante a leitura da Lei n 120372009 que prevê a identificação datiloscópica e fotográfica daqueles agentes que não comprovem identificação civil carteira de identidade ou ainda nos demais casos previstos na referida Lei n 12037 Com base nesse diploma legal e mais alguma dose de manipulação na interpretação de seus dispositivos acabaram sendo ressuscitados os álbuns de identificação nas delegacias policiais brasileiras Em suma no que tange ao reconhecimento por fotografias somente poderá ser admitido como instrumentomeio substituindo a descrição prevista no art 226 I do CPP Mas a matéria não é pacífica e há decisões no âmbito dos tribunais de justiça e também no STJ admitindo o reconhecimento por fotografia desde que seja observado o disposto no art 226 a questão a saber é como isso será feito Outra questão pouco discutida diz respeito à impossibilidade de alteração das características físicas do réu raspar a barba cortar o cabelo tingilo de outra cor etc510 vestirse com determinada roupa colocarse em determinada posição ficar de lado de costas deitado etc ou ainda falar ou emitir sons buscando maior aproximação daquilo visto ou ouvido pela vítima ou testemunha no cenário do crime A questão resolvese pela observância de uma das principais regras probatórias de nosso sistema respeitar o direito de silêncio e o de não produzir prova contra si mesmo que assistem ao réu Ele pode negarse a participar no todo ou em parte do ato sem que dessa recusa se presuma ou extraia qualquer consequência que lhe seja prejudicial nemo tenetur se detegere Por outro lado havendo a concordância válida e expressa do réu poderão ser praticados quaisquer dos atos acima citados A questão situase assim no campo do consentimento Por fim há que se considerar que ao tempo em que foi promulgado nosso CPP não existiam os meios científicos e técnicos de que dispomos atualmente Assim em que pese a lacuna devem ser admitidos no campo das perícias os exames de DNA dactiloscópicos511 e também alguns pouco conhecidos no Brasil como a palatoscopia estudo das rugosidades palatinais a queiloscopia estudo das impressões dos lábios marcas da mordida e características histológicas do dente e outros cujas modernas tecnologias e o conhecimento científico venham a desenvolver para auxiliar a identificação de pessoas Nessa linha o art 3492 do CPP italiano prevê que alla identificazione della persona nei cui confronti vengono svolte le indagini può procedersi anche eseguendo ove ocorra rilievi dattiloscopici fotografici e antropometrici nonché altri accertamenti notese que no final o legislador utiliza uma abertura conceitual algo como assim como outras formas de investigação Assim as formas de reconhecimento ou identificação do imputado que possam ser obtidas a partir de novas tecnologias inseremse no campo da prova pericial anteriormente analisada 63 Breve Problematização do Reconhecimento desde a Psicologia Judiciária Como visto anteriormente a prova testemunhal tem sua credibilidade seriamente afetada pela mentira e as falsas memórias Nessa mesma dimensão situase o reconhecimento do imputado cuja valoração probatória não pode desconsiderar esses fatores pois igualmente dependente da complexa variável memória Tomando por ponto de partida os estudos de REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ512 que necessariamente devem ser complementados pelas lições de LOFTUS513 devese considerar a existência de diversas variáveis que modulam a qualidade da identificação tais como o tempo de exposição da vítima ao crime e de contato com o agressor a gravidade do fato a questão da memória está intimamente relacionada com a emoção experimentada o intervalo de tempo entre o contato e a realização do reconhecimento as condições ambientais visibilidade aspectos geográficos etc as características físicas do agressor mais ou menos marcantes as condições psíquicas da vítima memória estresse nervosismo etc a natureza do delito com ou sem violência física grau de violência psicológica etc enfim todo um feixe de fatores que não podem ser desconsiderados A presença de arma distrai a atenção do sujeito de outros detalhes físicos importantes do autor do delito reduzindo a capacidade de reconhecimento O chamado efeito do foco na arma é decisivo para que a vítima não se fixe nas feições do agressor pois o fio condutor da relação de poder que ali se estabelece é a arma Assim tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento positivo especialmente nos crimes de roubo extorsão e outros delitos em que o contato agressorvítima seja mediado pelo uso de arma de fogo Também se devem considerar as expectativas da testemunha ou vítima pois as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir Daí por que os estereótipos culturais como cor classe social sexo etc têm uma grande influência na percepção dos delitos fazendo com que as vítimas e testemunhas tenham uma tendência de reconhecer em função desses estereótipos exemplo típico ocorre nos crimes patrimoniais com violência roubo em que a raça e perfil socioeconômico são estruturantes de um verdadeiro estigma514 Ainda que o criminoso nato de LOMBROSO seja apenas um marco histórico da criminologia é inegável que ele habita o imaginário de muitos principalmente em países com profundos contrastes sociais baixo nível cultural e por consequência alto índice de violência urbana como o nosso Assim um dos estereótipos mais presentes apontam os autores é o de que lo que es hermoso es bueno Um rosto mais bonito e atraente possui aos olhos de muitos mais traços de uma conduta socialmente desejável e aceita do que uma cara feia Cicatrizes principalmente na face ou em lugares visíveis são consideradas anormais indicando uma conduta também anormal Elementar que tudo isso é um absurdo a nossos olhos mas basta que olhemos em volta para ver que tais pensamentos habitam o imaginário de muita gente Outra variável é a transferência inconsciente quando a testemunha ou vítima indica uma pessoa que viu em momento concomitante ou próximo àquele em que ocorreu o crime dentro do crime geralmente como autor Citam os autores515 o estudo de BUCKHOUT que simulou um roubo na frente de 141 estudantes e 7 semanas depois pediulhes que reconhecessem o assaltante em um grupo de 6 fotografias Sessenta por cento dos sujeitos realizaram uma identificação incorreta Entre eles 40 selecionaram uma pessoa que viram na cena do crime mas que era um inocente espectador LOFTUS obteve resultados similares em experiências do gênero O efeito compromisso GORENSTEIN y ELLSWORTH é definido quando ocorre uma identificação incorreta por exemplo quando a pessoa analisa muitas fotografias e elege erroneamente o sujeito e posteriormente realiza um reconhecimento pessoal Nesse caso o agente tende a persistir no erro advertindo os autores de que não se deve proceder ao reconhecimento pessoal depois do reconhecimento por fotografias pois há um risco muito grande de que ele mantenha o compromisso anterior ainda que tenha dúvidas Afirmam ainda que esto resulta muy peligroso dado que la policía en su pesquisa utiliza este tipo de estrategias con los testigos presenciales516 Muitas vezes antes da realização do reconhecimento pessoal a vítimatestemunha é convidada pela autoridade policial a examinar albuns de fotografia buscando já uma préidentificação do autor do fato O maior inconveniente está no efeito indutor disso ou seja estabelecese uma percepção precedente ou seja um préjuízo que acaba por contaminar o futuro reconhecimento pessoal Não há dúvida de que o reconhecimento por fotografia ou mesmo quando a mídia noticia os famosos retratos falados do suspeito contamina e compromete a memória de modo que essa ocorrência passada acaba por comprometer o futuro o reconhecimento pessoal havendo uma indução em erro Existe a formação de uma imagem mental da fotografia que culmina por comprometer o futuro reconhecimento pessoal Tratase de uma experiência visual comprometedora Portanto é censurável e deve ser evitado o reconhecimento por fotografia ainda que seja mero ato preparatório do reconhecimento pessoal dada a contaminação que pode gerar poluindo e deturpando a memória Ademais o reconhecimento pessoal também deve ter seu valor probatório mitigado pois evidente sua falta de credibilidade e fragilidade Elementar que a confiabilidade do reconhecimento também deve considerar a pressão policial ou judicial até mesmo manipulação e a inconsciente necessidade das pessoas de corresponder à expectativa criada principalmente quando o nível sociocultural da vítima ou testemunha não lhe dá suficiente autonomia psíquica para descolarse do desejo inconsciente de atender ou de não frustrar o pedido da autoridade paicensor Muitas pessoas creem que a polícia somente realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito contribuindo para um reconhecimento positivo Mais grave ainda é a situação do reconhecimento feito em juízo pois nesse caso há a certeza da presença do acusado entre aquelas pessoas a serem reconhecidas MALPASS e DEVINE citados pelos autores realizaram uma simulação interessante Montado o reconhecimento foi informado aos presentes aqueles que deveriam proceder à identificação que o autor do delito estava provavelmente presente quando na verdade não estava Setenta e oito por cento dos sujeitos reconheceram erroneamente o agressor Mas quando avisaram que o autor podia não estar presente o índice de reconhecimento caiu para 33 Definitivamente a forma como é conduzido e montado o reconhecimento afeta o resultado final de forma muito relevante A situação é mais preocupante quando verificamos que a imensa parcela dos reconhecimentos no Brasil é feita sem a presença de advogado sem oportunidade de recusa por parte do imputado pois preso temporariamente ou até ilegalmente conduzido coercitivamente no interior de delegacias de polícia sem qualquer controle 64 RePensando o Reconhecimento Pessoal Necessidade de Redução de Danos Reconhecimento Sequencial Para além das ilegalidades costumeiramente realizadas no reconhecimento pessoal como anteriormente explicado é importante uma visão prospectiva mirando futuras reformas processuais Existem duas formas de reconhecimento pessoal simultâneo e sequencial Nosso Código de Processo Penal como visto optou pelo sistema simultâneo em que todos os membros são mostrados ao mesmo tempo Esse é o método mais sugestivo e perigoso Atualmente a psicologia judicial tem apontado para o reconhecimento sequencial como mais seguro e confiável Nesse modelo os suspeitos são apresentados um de cada vez Citando Lindasy e Wells WILLIAMS517 explica que no reconhecimento sequencial os suspeitos são apresentados um de cada vez e para cada um é solicitado à testemunha ou vítima que antes de ver o próximo suspeito responda se foi esse o autor do fato ou não Isso implica uma tomada de decisão por parte de quem está reconhecendo sem que saiba quantos participam do reconhecimento Diminuise assim o nível de indução e potencializase a qualidade do ato pois se no reconhecimento simultâneo a vítima ou testemunha faz um julgamento relativo no processo de tomada de decisão Wells 1984 isto é ela toma sua decisão julgando qual o membro mais semelhante ao culpado comparando os membros entre si no reconhecimento sequencial a testemunha faz um julgamento absoluto comparando cada membro do reconhecimento com a sua própria memória do culpado518 Devemse agregar ainda as variações de reconhecimento com suspeito presente e sem suspeito presente ou seja devese permitir que o reconhecimento seja feito de forma simultânea ou sequencial apenas com distratores pessoas que sabidamente não são autoras do crime O reconhecimento apenas com distratores sem autor presente evidencia como o sistema brasileiro atual é viciado pois tanto vítimas como testemunhas sabem que somente se procede ao reconhecimento quando existe um suspeito Essa précompreensão atua de forma indutiva encerrando graves índices de erro Aponta WILLIAMS que uma recente metaanálise com 25 estudos comparando reconhecimentos sequenciais e simultâneos indicou que o reconhecimento sequencial diminui a probabilidade de erro em quase metade nos estudos com o suspeito alvo ausente Steblay et al 2001 Assim uma cautela simples que deve ser incorporada à rotina de reconhecimentos pessoais tanto na fase policial como judicial ainda que mais eficiente na primeira é a de advertir a testemunha ou vítima de que o suspeito pode estar ou pode não estar presente Isso reduz a margem de erros de um reconhecimento feito a partir da précompreensão e indução ainda que endógena de que o suspeito está presente Mesmo sem qualquer alteração legislativa o que pode sim perfeitamente ser feito no sistema brasileiro é um teste de confiabilidade da testemunha ou vítima da seguinte forma apresentar primeiramente um reconhecimento somente com a presença de suspeitos distratores contudo não é dito a ela que será apresentado mais de um grupo de suspeitos Caso a testemunha faça alguma identificação nesse reconhecimento então ela pode ser descartada e caso a testemunha não faça nenhuma identificação no primeiro reconhecimento então pode ser dada continuidade ao procedimento apresentando o segundo reconhecimento com a presença do suspeito alvo Dados indicam que testemunhas que não fazem identificações no primeiro reconhecimento são muito mais confiáveis519 É um procedimento bastante simples e que pode ser perfeitamente incorporado ao método brasileiro de identificação sem a necessidade de qualquer alteração legislativa ou custo elevado A forma de atuar de quem coinduz o reconhecimento é fundamental Para além da possibilidade de criar falsas memórias falsos reconhecimentos de forma explícita também existe a indução involuntária através do comportamento verbal ou não verbal Sugerese assim que nos reconhecimentos feitos na fase policial o investigador do caso não esteja presente A pessoa que conduz o reconhecimento não pode fazer parte do grupo que realiza a investigação O que se pretende é criar condições para que a vítima ou testemunha sofra o menor nível de indução ou contaminação possível Quanto ao reconhecimento levado a efeito por crianças os problemas aqui são similares àqueles apontados anteriormente quando do estudo das falsas memórias Além da fragilidade psíquica há a necessidade de corresponder às expectativas criadas em torno do ato Como afirma WILLIAMS520 a performance do testemunho de crianças muito pequenas e longevos é significativamente pior do que o testemunho de adultos jovens Quando o culpado está presente no reconhecimento o testemunho de crianças é quase tão bom quanto o de adultos jovens Contudo quando o culpado está ausente no reconhecimento crianças têm taxas de falsa identificação mais altas do que os adultos jovens Pozzulo e Lindsay 1998 Em suma o problema das falsas memórias e dos falsos reconhecimentos é uma realidade inconteste que deve ser considerada pelos atores judiciários Por último de nada serve tamanha preocupação em bem realizar o reconhecimento pessoal quando previamente ao ato existe a excessiva exposição midiática com fotografias e imagens do suspeito Há nesse caso inegável prejuízo para o valor probatório do ato pois a indução é evidente Assim ao mesmo tempo em que se busca reduzir os danos processuais das falsas memórias na prova testemunhal e no reconhecimento pessoal há que se restringir a publicidade abusiva Pensamos estar seriamente comprometida a credibilidade e validade probatória do reconhecimento quando previamente ao ato há o induzimento decorrente da publicidade abusiva Daí a necessidade novamente evidenciada de dar um limite ao bizarro espetáculo midiático Nosso objetivo não é apontar soluções até porque não existem soluções simples para problemas complexos pois isso demandaria um amplo estudo interdisciplinar para muito além do saber jurídico mas problematizar para despertar a consciência do imenso perigo que encerra o reconhecimento pois da mesma forma que a prova testemunhal é de pouquíssima confiabilidade Ademais através de mudanças legislativas ou mesmo pequenos cuidados perfeitamente incorporáveis ao formato existente podese buscar formas de redução dos danos e portanto redução da própria elevada cifra de injustiça 7 Reconstituição do Delito Reprodução Simulada A reconstituição do delito está prevista no art 7º do CPP inquérito policial mas não está disciplinada no Título VII do Código que se destina à disciplina Da Prova Isso gera uma lacuna pois o meio de prova está previsto logo é uma prova típica mas não regulado A também chamada reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o fato e tanto pode ser realizada na fase préprocessual como também em juízo nesse último caso sob a presidência do juiz Como sintetiza CORDERO521 a reconstituição dos fatos é útil quando surgem dúvidas sobre a compatibilidade de uma hipótese histórica com os marcos do fisicamente exigível ou aceitável A reconstituição possui dois limites normativos não contrariar a moralidade ou a ordem pública respeitar o direito de defesa do sujeito passivo O primeiro limite vem dado pelo art 7º que recorre a fórmulas jurídicas abertas como moralidade ou ainda a mais indeterminada de ordem pública Sobre eles já se escreveu o suficiente Apenas gostaríamos de destacar um aspecto pouco valorado pela doutrina Quando o CPP estabelece o limite da moralidade devemos considerar não só a moral pública mas também a inviolabilidade da honra e a imagem das pessoas um direito fundamental previsto no art 5º X da Constituição que também assiste ao sujeito passivo Dessa forma entendemos que o conceito de moralidade deve ser considerado a partir de um duplo aspecto público e privado sujeito passivo cabendo ao sujeito passivo impugnar a decisão da autoridade judiciária ou policial que determine a realização de uma reconstituição que ofenda a sua própria moralidade O segundo limite está na própria Constituição art 5º LV e na CADH que assegura no seu art 82g o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a declararse culpado O direito de não produzir prova já foi abordado quando tratamos do direito de defesa negativo Na falta de definição sobre a forma do ato devese ter especial cautela para que os princípios gerais da prova sejam plenamente assegurados Quando realizada na fase judicial é imprescindível a presença física do juiz acusador e defesa Somente assim haverá contraditório e direito de defesa eficazes É sempre recomendado ainda que não seja exigência legal que a reconstituição seja devidamente documentada através de uma ata circunstanciada contendo a descrição da atividade desenvolvida Também é importante que seja devidamente filmada pois se realizada na fase policial permitirá o controle e conhecimento por parte do juiz Quando feita na fase processual a filmagem permitirá uma melhor valoração no momento da sentença até porque é possível que o juiz sentenciante não seja o mesmo que presidiu o ato bem como na fase recursal para que o tribunal em sendo discutida a prova possa também valorála Importa assim documentar da melhor forma possível o ato para assegurar sua plena utilização pelas partes e controle posterior por parte do juiz ou tribunal Diante da lacuna legislativa é importante definir a forma bem como limites e garantias que o ato deve ter Ainda que não exista essa determinação expressa é imprescindível a prévia decisão sobre a produção da prova com indicação do dia hora e forma de realização Essa decisão tanto na fase policial como em juízo deve ser comunicada ao imputado permitindo assim o contraditório bem como assegurando seu direito de participar ou não do ato pois não se pode esquecer seu direito de não fazer prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere522 A rigor a inspeção ocular judicial não é tão complexa quanto a reconstituição e o CPP não regulamenta nenhuma delas na medida em que o ato busca apenas proporcionar o conhecimento direto do juiz em relação ao lugar do fato e não tanto do fato que teria ocorrido naquele lugar De qualquer forma além do contraditório devemse tomar as cautelas anteriormente referidas tanto para a mera inspeção ocular judicial como para a reconstituição Por fim pertinente a advertência de CORDERO523 se a reconstituição é feita quando há dúvidas sobre a possibilidade de que o crime tenha ocorrido de uma determinada forma o resultado positivo não demonstra que esse ato ocorreu mas apenas que era possível mas o resultado negativo decide a questão pois é impossível que tivesse ocorrido Ou seja a reconstituição demonstra que o crime poderia ter ocorrido daquela forma não que ocorreu assim pois essa possibilidade por si só não pode ser aceita como elemento fundante de uma condenação Há que se comprovar através de outros meios probatórios Contudo se a reconstituição demonstrar que fisicamente é impossível de ter ocorrido então a questão está decidida Daí por que a reconstrução negativa é muito mais útil pois se bem executadas acabam com hipóteses insustentáveis 8 Acareação A acareação que etimologicamente significa colocar cara a cara os acusados era um procedimento bastante utilizado pelos inquisidores como recorda CORDERO524 Está prevista no art 229 do CPP e será admitida entre os acusados entre acusados e testemunhas entre testemunhas entre acusado e vítima entre testemunha e vítima entre vítimas A acareação poderá ser realizada tanto na fase policial como judicial sempre se respeitando o direito do imputado de não participar do ato sempre que as declarações divergirem sobre fatos ou circunstâncias relevantes O ato deverá ser feito em audiência constando na ata a descrição das perguntas e respostas Para que a acareação seja feita devem concorrer os seguintes pressupostos525 a existência prévia de declarações ou seja que as pessoas que venham a participar da acareação tenham sido interrogadas antes b que entre as declarações exista divergência c que o fato ou circunstância que se pretende esclarecer seja relevante para o processo Na linha do que já explicamos sobre a função persuasiva da prova e a captura psíquica do julgador é patente que a acareação pode ser de grande valia para o convencimento do juiz pois representa a possibilidade de confrontar versões divergentes elegendo aquela que reputa mais verossímil Esse meio de prova não pode ser banalizado como adverte ESPÍNOLA FILHO526 não podendo o juiz ou autoridade policial submeter os inquiridos sempre que houver divergência entre suas declarações Somente se justifica quando o desacordo disser respeito a fatos e circunstâncias importantes ou seja pontos essenciais capazes de excluir ou modificar a acusação ou afetar a própria defesa na sua essência Ainda considerando nosso rechaço à iniciativa probatória do juiz e à necessidade de fortalecimento do sistema acusatório em que o juiz jamais pode assumir uma posição ativa ou seja é a recusa ao juizator a acareação deve depender de iniciativa das partes Não deve ser determinada de ofício pelo juiz até porque a dúvida impõe a absolvição jamais o autoriza a ir atrás da prova que obviamente seria para condenar pois se fosse para absolver não seria necessária a iniciativa probatória527 Nada impede que a acareação seja feita por precatória desde que as pessoas a acarear estejam no mesmo lugar mas fora da jurisdição do juiz onde tramita o processo Claro que nesse caso a falta de contato direto do juiz com as pessoas envolvidas diminui muito o caráter persuasivo mas ainda assim tem utilidade probatória na medida em que um dos envolvidos pode desdizerse Inclusive não vemos qualquer óbice a que se faça a acareação por videoconferência nos mesmos termos em que se colhe o depoimento de testemunha por videoconferência Inclusive se revela muito mais eficaz desde a perspectiva da epistemologia da prova do que fazer por carta precatória no superado modelo desenhado pelo CPP Por fim chamamos a atenção para a crítica de PACELLI528 no sentido de que a acareação entre acusado e testemunhas pode se revelar sem sentido na medida em que as testemunhas prestam compromisso e o réu não tem qualquer compromisso com a verdade Mais complicada ainda pensamos pode ser a acareação entre acusado e vítima principalmente em delitos que envolvam violência ou grave ameaça Em ambos os casos não deve ser feito um juízo prematuro de recusa há que se ponderar as circunstâncias do caso concreto mas sem perder de vista a crítica pois é pertinente 9 Da Prova Documental 91 Conceito de Documento Abertura e Limites Conceituais O conceito de documento já foi bastante discutido no âmbito do Direito especialmente Civil e Penal mas para o processo penal documentos são quaisquer escritos instrumentos ou papéis públicos ou particulares como define o art 232 do CPP529 Diante da pobreza conceitual e da necessidade de permitirse a produção da prova há que se proceder uma abertura sem olvidar os limites da prova anteriormente referidos dessa categoria para fins processuais ARAGONESES ALONSO530 partindo de GUASP ensinanos que a prova documental acaba por ser toda classe de objetos que tenham uma função probatória contanto que esses por sua índole sejam suscetíveis de ser levados ante a presença judicial isto é que documento é qualquer objeto móvel que dentro do processo possa ser utilizado como prova contrapondo se neste sentido a prova de inspeção ocular que se pratica naqueles objetos que não possam ser incorporados ao processo Dessa maneira além de ser considerado documento qualquer escrito abre se a possibilidade da juntada de fitas de áudio vídeo fotografias tecidos e objetos móveis que fisicamente possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva probatória Em última análise ainda que não sejam documento no sentido estrito do termo acabam a ele se equiparando para fins de disciplina probatória objetos móveis que possam ser juntados ao processo que tenham uma função probatória Significa que tais objetos devem ser submetidos ao mesmo regime probatório dos documentos Sempre recordando o que já dissemos sobre os princípios gerais das provas não se pode fazer uma abertura conceitual para na verdade ludibriar as regras probatórias para inserir uma prova ilicitamente produzida ou ainda subverter a disciplina estabelecida para sua produção AINDA QUE SUSPENSO PELA LIMINAR DO MIN FUX é importante mencionar a exclusão física do autos do inquérito disposta no art 3ºC 3º e 4º do CPP 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo à disposição do Ministério Público e da defesa e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas que deverão ser remetidos para apensamento em apartado 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias Portanto não poderá o MP ou a defesa utilizar o conceito de documento para juntar ao processo cópia integral ou parcial do inquérito burlando a expressa vedação legal Tratase de uma prática ilegal e que não pode ser tolerada devendo ser imediatamente desentranhados 92 Momento da Juntada dos Documentos Exceções Cautelas ao Aplicar o Art 479 do CPP Quanto ao momento da juntada como regra os documentos podem ser juntados ao processo ou inquérito policial até o encerramento da instrução Há que se observar sempre a garantia do contraditório dando à outra parte a possibilidade de conhecer e impugnar Ainda que o CPP não o preveja e não é necessário diante do art 5º LV da Constituição sempre que o Ministério Público juntar um documento deverá o juiz dar vista para a defesa conhecer e manifestarse e a recíproca é verdadeira em um prazo razoável art 5º LXXVIII da Constituição Exceção a essa regra está prevista no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri em que o art 479531 exige a juntada com antecedência mínima de 3 dias úteis532 Para evitar a prova surpresa no momento do plenário O Tribunal do Júri é muito sensível a começar pela decisão dos sete jurados que decidem sem qualquer fundamentação Daí por que a complexidade do seu ritual exige cuidados muito maiores do que aqueles que devemos ter nos julgamentos feitos por juiz singular Situação bastante problemática e que acabou se tornando comum na atualidade é a seguinte no curso do júri quando dos debates uma das partes postula ao juiz a utilização de um determinado documento que pelos mais variados motivos não pôde ser juntado com a antecedência legal de 3 dias O que fazem os juízes na sua maioria Questionam a outra parte se concorda com a produção Pronto está criado o problema Errou o juiz Nesse momento a parte adversa fica numa situação dificílima e que pode definitivamente comprometer o julgamento Se aceitar a produção estará em situação de desvantagem pela surpresa gerada que dependendo do conteúdo do documento será impossível de ser contraditado Está perdido o júri e uma grave injustiça pode se produzir Por outro lado se não aceitar a produção o estrago é ainda maior Basta que o adversário saiba explorar a curiosidade dos jurados fazendo os deslizar no imaginário para extrair de lá do imaginário lugar do logro portanto a decisão que pretende É até mais útil explorar o imaginário em torno do que não foi mostrado agravado pela recusa da outra parte logo se recusou é porque algo tinha para esconder do que trabalhar com a realidade do documento Isso é elementar basta saber lidar com a situação Daí por que das duas uma ou o juiz veda categoricamente a produção do documento sem questionar a outra parte para não comprometêla frente aos jurados e não permite qualquer menção a ele no julgamento ou verificando sua relevância dissolve o conselho de sentença determina a juntada do documento assegurando o necessário contraditório e após marca novo júri com novos jurados é claro sob pena de nulidade por violação da imparcialidade dos julgadores Assim relevante é a proibição do art 479 pois é uma garantia revestida de forma e firmeza devem demonstrar os juízes na sua aplicação evitando o comprometimento da outra parte com o ingênuo questionamento concorda com a leitura do documento Tal prática muitas vezes fundamentada na pseudogarantia do contraditório causa danos irreparáveis ao julgamento Como regra não se deve admitir a juntada de documentos após a sentença pois implicaria supressão de um grau de jurisdição Mas é preciso recordar o disposto no art 616 do CPP Art 616 No julgamento das apelações poderá o tribunal câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências Portanto se o caso exigir poderá o tribunal determinar a juntada ou mesmo admitir um documento juntado após a sentença assegurando o contraditório ou seja vista e manifestação da outra parte Após o contraditório poderá o tribunal proceder ao julgamento do recurso e valorar o documento juntado após a sentença 93 Autenticações Documentos em Língua Estrangeira Recusa ao Ativismo Judicial O que São PúblicasFormas Decorrência de termos um Código ultrapassado da década de 40 é para além de toda crítica feita termos de conviver com estruturas anacrônicas e instrumentos que não mais existem Por fotografia do documento leiase fotocópia que devidamente autenticada terá o mesmo valor do documento original Atualmente predomina o acertado entendimento de que as fotocópias não necessitam de autenticação exceto quando colocada em dúvida sua veracidade circunstância em que a parte interessada na produção dessa prova deverá providenciar os originais ou fotocópias autenticadas Quanto às cartas referidas no art 233 alguém ainda escreve cartas em plena era do email SMS whatsapp e outros recursos virtuais destaquese a preexistência de um problema sua obtenção através da busca e apreensão Essa problemática será enfrentada na continuação quando tratarmos da busca e apreensão Dispõe o art 234 que o juiz quando tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou defesa providenciará de ofício sua juntada independentemente de qualquer requerimento das partes Novamente estamos diante do tão criticado juizator ou seja do ativismo probatório judicial que compromete seriamente a estrutura dialética do processo fulmina com o contraditório e com a própria imparcialidade do julgador Como já explicamos em diversos momentos ao longo desta obra não cabe ao juiz a iniciativa probatória no processo penal constitucionalacusatório Para evitar repetições remetemos o leitor ao que já foi dito sobre sistemas processuais imparcialidade e poderes instrutórios do juiz No que se refere a documentos em língua estrangeira podem ser eles imediatamente juntados mas é imprescindível que sejam traduzidos por tradutor juramentado Não havendo a tradução ou sendo ela objeto de impugnação deverá o juiz determinar que o faça um tradutor público Considerando que peritos e intérpretes são equiparados no art 281 não seria excesso que se observasse a regra geral das perícias prevista no art 159 do CPP nomeandose um tradutor público ou na sua falta duas pessoas idôneas e com reconhecido domínio do idioma Tal cautela especialmente quando o documento for de grande relevância para a constituição do crime como ocorre nas falsidades documentais ou prova de alguma de suas circunstâncias é sempre importante Os documentos da mesma forma que os objetos apreendidos poderão em regra ser restituídos quando não mais interessarem ao processo como preceitua o art 118 do CPP Por fim o que significa a expressão públicasformas prevista no art 237 Nada relevante apenas o resto anacrônico de um Código de 1940 ESPÍNOLA FILHO533 cuja obra é contemporânea a essas práticas explica que as públicasformas eram cópias literais avulsas de qualquer documento feito por oficial público Há décadas não se usam mais esses artifícios substituídos pelas fotocópias autenticadas 10 Dos Indícios Estabelece o art 239 que considerase indício a circunstância conhecida e provada que tendo relação com o fato autorize por indução concluirse a existência de outra ou outras circunstâncias Não há que se confundir indícios com provas ainda que toda prova seja um indício do que ocorreu534 ainda que o Código os tenha colocado dentro do Título VII muito menos quando se trata de valoração na sentença Ou seja ninguém pode ser condenado a partir de meros indícios senão que a presunção de inocência exige prova robusta para um decreto condenatório Mas o problema é que o CPP emprega diversas vezes o termo indícios geralmente vinculado a um adjetivo razoáveis suficientes etc em outro sentido diverso da definição do art 239 O CPP emprega a expressão indícios em diversos momentos como por exemplo nos arts 126 indícios veementes para o sequestro de bens 134 hipoteca legal 290 ao definir a perseguição do suspeito 312 para prisão preventiva e 413 pronúncia535 Em todos esses casos a expressão indícios é empregada no sentido de rebaixamento de standard probatório no sentido de prova fraca de menor nível de exigência probatória de menor nível de verossimilhança suficiente para justificar uma decisão interlocutória mas jamais para legitimar uma sentença condenatória No mesmo sentido é a lição de DUCLERC536 afirmando que para decretar essas medidas o juiz não pode fazêlo de forma imotivada mas também não é preciso que tenha já em mãos um conjunto de informações que lhe permitiria exarar uma sentença condenatória Assim prossegue o autor a única diferença entre indícios e provas segundo pensamos tem a ver mesmo com menor ou maior grau de confiabilidade que os elementos de informação ofereçam ao juiz Mas existe diferença entre indícios razoáveis e indícios suficientes Ou seja considerando que o legislador emprega diferentes adjetivos eles possuem efetivamente um sentido distinto Entendemos que não Nosso CPP é uma colcha de retalhos fruto das diversas reformas pontuais feitas nas últimas décadas por diferentes comissões e sem qualquer rigor técnico especialmente no que tange a terminologia Portanto indícios razoáveis suficientes e demais adjetivos significam a mesma coisa elementos probatórios mais frágeis fracos que não justificam uma decisão condenatória mas podem perfeitamente ser utilizados para a tomada de decisões interlocutórias como recebimento de denúncia decretação de prisão cautelar de medidas cautelares diversas de medidas assecuratórias etc diante da adoção de um rebaixamento de standard probatório menor nível de exigência probatória Por fim se os indícios de autoria justificam uma prisão cautelar na visão do senso comum teórico com a qual não concordamos ou um sequestro de bens pois a cognição é sumária e limitada ao fumus commissi delicti jamais legitimam uma sentença penal condenatória Para melhor compreensão do que seja standard probatório e rebaixamento de standard remetemos o leitor para um tópico específico do capítulo anterior sobre a teoria geral da prova no processo penal 11 Da Busca e da Apreensão 111 Distinção entre os Dois Institutos Finalidade Direitos Fundamentais Tensionados A sistemática do CPP não é tecnicamente a melhor pois mistura uma medida cautelar com meios de prova e ainda sob uma mesma designação dois institutos diversos busca de um lado e a apreensão de outro Contudo para seguir a estrutura do Código e facilitar o estudo vamos tratar da busca e da apreensão dentro deste capítulo cujo objeto são as provas em espécie Inicialmente há que se distinguir os dois institutos como bem ensina BASTOS PITOMBO537 Busca é uma medida instrumental538 meio de obtenção da prova que visa encontrar pessoas ou coisas Apreensão é uma medida cautelar probatória539 pois se destina à garantia da prova ato fim em relação à busca que é ato meio e ainda dependendo do caso para a própria restituição do bem ao seu legítimo dono540 assumindo assim uma feição de medida assecuratória Ainda não se pode deixar de lado que a apreensão decorra ela da busca ou não pode ainda atender a interesse assecuratório ou seja indisponibilizar o bem para posteriormente ser restituído à vítima São institutos diversos mas que foram tratados de forma unificada Nem sempre a busca gera a apreensão pois pode ocorrer que nada seja encontrado e nem sempre a apreensão decorre da busca pode haver a entrega voluntária do bem Feita essa distinção compreendese que a busca se destina a algo ou seja quem busca busca algo E esse algo será uma vez encontrado apreendido Logo a busca é uma medida instrumental cuja finalidade é encontrar objetos documentos cartas armas nos termos do art 240 com utilidade probatória Encontrado é o objeto apreendido para uma vez acautelado atender sua função probatória no processo A busca que pode ser domiciliar ou pessoal como se verá encontrase em constante tensão com a inviolabilidade do domicílio dignidade da pessoa humana intimidade e a vida privada incolumidade física e moral do indivíduo Como bem adverte HINOJOSA SEGOVIA541 não se pode perder de vista o ideal de equilíbrio de ponderação entre os interesses em jogo através da incidência do princípio da proporcionalidade mas frisese no sentido de proibição de excesso de intervenção Tratase de ponderar a medida a partir de sua necessidade adequação e proporcionalidade em sentido estrito de modo que seja sempre uma medida excepcional não automática condicionada sempre às circunstâncias do caso concreto e proporcional ao fim que se persegue542 112 Momentos da Busca e da Apreensão Tanto a busca como a apreensão podem ocorrer no curso do inquérito policial ou durante o processo e excepcionalmente até na fase de execução da pena nos termos do art 145 da LEP A busca poderá ser domiciliar ou pessoal Iniciemos pela busca domiciliar prevista no art 240 1º do CPP que somente poderá ocorrer quando judicialmente autorizada Importante frisar a busca domiciliar somente poderá se realizar mediante mandado judicial543 sob pena de incorrer a autoridade policial no crime de abuso de autoridade Lei n 138692019544 e ser o resultado considerado prova ilícita O primeiro problema da busca domiciliar reside na expressão ambígua fundadas razões empregada no art 240 1º cuja abertura remete a um perigoso espaço de discricionariedade e subjetividade judicial Somente a consciência da gravidade e violência que significa a busca domiciliar permite compreender o nível de exigência que um juiz consciente deve ter ao decidir por uma medida dessa natureza devendo exigir a demonstração do fumus commissi delicti entendendose por tal uma prova da autoria e da materialidade com suficiente lastro fático para legitimar tão invasiva medida estatal A busca domiciliar deve estar previamente legitimada pela prova colhida e não ser o primeiro instrumento utilizado Para controle da observância desse requisito a fundamentação da decisão judicial é o segundo ponto a ser destacado Ao contrário do que se costuma ver a busca domiciliar não pode ser banalizada deve ter uma finalidade clara bem definida e estar previamente justificada pelos elementos da investigação preliminar 113 Da Busca Domiciliar Conceito de Casa Finalidade da Busca O primeiro problema que surge na análise da busca domiciliar é definir o que se entende por casa Tal conceito deve ser interpretado de forma ampla muito mais abrangente que o conceito do Código Civil brasileiro Assim deve abranger545 a habitação definitiva ou moradia transitória b casa própria alugada ou cedida c dependências da casa sendo cercadas gradeadas ou muradas pátio d qualquer compartimento habitado e aposento ocupado de habitação coletiva em pensões hotéis motéis etc f estabelecimentos comerciais e industriais fechados ao público g local onde se exerce atividade profissional não aberto ao público h barco trailer cabine de trem546 navio e barraca de acampamento i áreas comuns de condomínio vertical ou horizontal A busca domiciliar como especifica o Código de Processo Penal destina se a a Prender criminosos tratase aqui de buscar não para apreender mas sim para prender pessoas cuja prisão tenha sido previamente decretada O mandado de prisão por si só não autoriza o ingresso na casa de terceiros onde eventualmente o agente se esconda sendo necessária a duplicidade de mandados de prisão e de busca b Apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos as coisas achadas devem ser devolvidas ao seu legítimo proprietário ou entregues à autoridade policial sob pena de incorrer o agente nas sanções do art 169 do CP547 apropriação de coisa achada As coisas obtidas por meios criminosos por vezes confundemse com o próprio corpo de delito Assim as coisas subtraídas de alguém no crime de furto ou roubo quando há violência ou grave ameaça foram obtidas por meio criminoso devendo ser buscadas e apreendidas até para permitir a restituição a seu devido proprietário c Apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos o documento ou objeto que seja um falso material ou ideológico deve ser apreendido pois constitui o corpo de delito Também tipifica o Código Penal art 294 os petrechos de falsificação ou seja é crime a posse de instrumentos e objetos destinados à fabricação ou contrafação do falso Em ambos os casos está autorizada a busca e apreensão d Apreender armas e munições instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso claro que somente podem ser buscadas e apreendidas as armas e munições ilegais ou se legais tenham sido utilizadas para a prática de crime Mas não são apenas as armas utilizadas no crime que podem ser objeto de busca mas também instrumentos utilizados para sua prática como ferramentas carros disfarces computadores telefones celulares etc e Descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu a primeira parte é uma cláusula genérica onde os objetos devem ter uma conexão probatória com o crime Interessante ainda que seja de pouca eficácia prática é a possibilidade de busca no interesse da defesa do réu melhor seria imputado pois essa medida pode ser tomada na fase de investigação preliminar f Apreender cartas abertas ou não destinadas ao acusado ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato o Código ainda está no tempo das cartas quando a problemática atual está por conta dos emails e messengers As cartas pela leitura do CPP podem ser objeto de busca judicialmente autorizada e assim defende a doutrina majoritária Contudo numa dimensão crítica e constitucional tal dispositivo não resiste a uma filtragem Nessa linha explica BASTOS PITOMBO548 que o art 5º XII da Constituição assegura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal A Constituição excepciona apenas as comunicações telefônicas o último caso na expressão constitucional não a inviolabilidade de cartas e como não se admite analogia para ampliar a restrição de direitos fundamentais é inconstitucional essa medida Noutra dimensão autorizada que está a intervenção das comunicações de dados e telefônicas nenhum problema existe na apreensão judicialmente autorizada de computadores discos rígidos CDs contendo dados e mails etc g Apreender pessoas vítimas de crimes não se confunde com a prisão do imputado pois o dispositivo se refere à vítima logo será ela custodiada pelo Estado Na prática pouco uso tem esse dispositivo h Colher qualquer elemento de convicção típica cláusula genérica de perigosa abertura e indeterminação O problema é que dispositivos assim autorizam uma busca domiciliar sem um objetivo claramente definido dando espaço para o substancialismo inquisitorial e o autoritarismo judicial À luz da proteção constitucional do domicílio e da privacidade o mandado de busca deverá ser o mais específico possível evitando ao máximo as cláusulas genéricas ainda empregadas pelo CPP de 1941 Inclusive defendemos a ilegalidade da busca feita exclusivamente com base na alínea h pois implicaria inequívoca violação do art 5º incisos X e XI da Constituição Considerando a extensão do rol sua amplitude conceitual e a existência de cláusulas genéricas não vislumbramos possibilidade de interpretação extensiva ou mesmo analogias ainda mais em se tratando de medida restritiva de direitos fundamentais 114 Busca Domiciliar Consentimento do Morador Invalidade do Consentimento Dado por Preso Cautelar Busca em Caso de Flagrante Delito A busca domiciliar tem por pressupostos alternativos pois basta que um deles esteja presente a com consentimento válido do morador durante o dia ou noite b em caso de flagrante delito durante o dia ou noite c com ordem judicial somente durante o dia Os demais casos citados pela Constituição desastre e prestar socorro não se aplicam ao processo penal pois seria um contrassenso aceitar que a autoridade policial ingressasse numa residência a pretexto de prestar socorro e já aproveitar para fazer uma busca e apreender objetos e documentos que incriminem o imputado Com o consentimento válido do morador a autoridade policial poderá entrar na casa a qualquer hora do dia ou da noite e lá realizar a busca e posterior apreensão do que interessar ao processoinvestigação nos termos do art 240 mesmo sem mandado judicial Destaquese ainda que a qualquer momento pode o morador interromper o consentimento dado expulsando os agentes da autoridade de seu domicílio549 Esse consentimento deverá ser dado por pessoa capaz que compreenda perfeitamente o objeto do requerimento policial de forma expressa ainda que oralmente Situação essa que como adverte HINOJOSA SEGOVIA550 não ocorre quando se entrega um documento por escrito para um sujeito analfabeto ou estrangeiro que não compreenda a língua nacional A autoridade policial deve certificarse de que o sujeito que está autorizando o ingresso em sua residência tem plena consciência e compreensão do ato Inclusive considerando que o direito de silêncio inclui o de não produzir prova contra si mesmo de modo que ninguém está obrigado a consentir que a autoridade policial ingresse na sua residência sem mandado judicial é fundamental que o sujeito saiba as consequências que podem surgir dessa autorização Como dito esse consentimento deve ser expresso jamais presumido e prestado espontaneamente pelo agente Daí por que é nulo o consentimento e portanto a busca e eventual apreensão quando viciado como pode ocorrer quando os policiais não se identificam como tais induzindo o agente em erro551 Uma questão bastante problemática da busca e apreensão em residências ocorre quando a autoridade policial realiza a busca sem autorização judicial mas a partir do consentimento do preso prisão cautelar ou quando justifica a partir da existência de flagrante delito Especialmente neste último caso nas situações de crimes permanentes por tráfico de drogas ou porte ilegal de arma em geral não têm merecido a devida atenção por parte da doutrina e jurisprudência e por isso faremos uma breve análise da complexidade que envolve essas situações a consentimento viciado quando alguém está cautelarmente preso prisão preventiva ou temporária ou em flagrante e é conduzido pela autoridade policial até sua residência consentindo que os policiais ingressem no seu interior e façam a busca e apreensão entendemos que há uma inequívoca ilegalidade pois estamos diante de um consentimento viciado inválido portanto É insuficiente o consentimento dado nessa situação por força da intimidação ambiental ou situacional a que está submetido o agente Devese considerar viciado o consentimento dado nestas situações e portanto ilegal a busca domiciliar pois há um inegável constrangimento situacional Analisando um caso desses o Tribunal Supremo da Espanha STS 13 de junho de 1992552 entendeu na mesma linha ou seja de que o detido não está em condições de expressar livremente sua vontade e existe uma intimidação ambiental que macula o ato o problema radica em saber se um detido ou preso está em condições de expressar sua vontade favoravelmente a busca e apreensão em razão precisamente da privação de liberdade a que está submetido o que conduziria a afirmar que se trata de uma vontade viciada por uma intimidação sui generis e dizemos sui generis porque o temor racional e fundado de sofrer um mal iminente e grave em sua pessoa e bens ou pessoa e bens de seu cônjuge descendentes ou ascendentes não nasce de um comportamento de quem formula o convite ou pedido de autorização para realizar a busca com o consentimento do agente senão da situação mesma de preso isto é de uma intimidação ambiental grifo e tradução nossa Corretíssima a decisão de modo que a busca e apreensão em domicílio de imputado cautelarmente preso somente pode ser realizada com mandado judicial Há uma presunção de vício de consentimento em decorrência da situação em que se encontra b insuficiência de consentimento em se tratando de agentes públicos outra linha de argumentação apontando para a ilegalidade da busca domiciliar feita por autoridades públicas com base no consentimento do morador mesmo estando em liberdade vai no sentido de que inexiste previsão legal de busca domiciliar mediante o mero e suposto consentimento do proprietário já que a anuência quando de fato há é evidentemente dada sob constrangimento Ingresso não autorizado judicialmente quando as investigações poderiam facilmente ter conduzido à representação por mandado de busca e apreensão Pela clara violação ao art 5º IX da Constituição Federal deverá ser decretada nula a apreensão dos objetos na residência do réu remanescendo apenas a apreensão decorrente da busca pessoal e as provas dela derivadas Esse é o entendimento da 3ª Câmara Criminal do TJRS553 Rel Des DIÓGENES V HASSAN RIBEIRO Proc n 70058172628 que parte da premissa de que quando a Constituição fala em consentimento isso não se dirige aos agentes do Estado quaisquer que sejam pois esses devem previamente obter o mandado judicial Portanto quanto ao consentimento essa autorização constitucional referese a particulares cujo ingresso e permanência é autorizado pelo proprietário para afastar o crime de invasão de domicílio do art 150 do CP c flagrante sem prévia visibilidade do delito havendo flagrante delito art 302 do CPP poderá a autoridade policial ingressar na casa e proceder à busca dos elementos probatórios necessários Chamamos a atenção para os delitos permanentes em que o momento consumativo se prolonga no tempo pois nesses casos o flagrante é igualmente permanente art 303 O problema é como a autoridade policial pode saber antes de ingressar na residência que lá havia por exemplo armas ilegais ou depósito de substâncias entorpecentes Partindo disso alguns setores da doutrina e jurisprudência passaram a exigir que a polícia comprove de que forma soube previamente da ocorrência do crime permanente e principalmente que a situação de flagrância corresponda efetivamente à visibilidade do delito Devese considerar que o flagrante corresponde à atualidade do crime sua realização efetiva e visível naquele momento Portanto como ensina CARNELUTTI554 a noção de flagrância está diretamente relacionada à chama que denota com certeza a combustão quando se vê a chama é induvidável que alguma coisa arde é a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta é a visibilidade do delito Assim somente quando presente essa prévia visibilidade é que está autorizada a busca domiciliar sem mandado judicial e legitimada pelo flagrante delito previsto no art 5º XI da CF Nos demais casos em que não existe essa prévia visibilidade e apenas após o ingresso na residência é que a autoridade policial consegue buscar e encontrar a substância ou armas é necessário o mandado judicial de busca e apreensão No mesmo sentido e para finalizar é precisa a lição de MORAIS DA ROSA555 de que de fato o art 303 do CPP autoriza a prisão em flagrante nos crimes permanentes enquanto não cessada a permanência Entretanto a permanência deve ser anterior à violação de direitos Dito diretamente deve ser posta e não pressupostaimaginada Não basta por exemplo que o agente estatal afirme ter recebido uma ligação anônima sem que indique quem fez a denúncia nem mesmo o número de telefone dizendo que havia chegado droga na casa x bem como que acharam que havia droga porque era um traficante conhecido muito menos que pelo comportamento do agente parecia que havia droga É preciso que o flagrante esteja visualizado ex ante Inexiste flagrante permanente imaginado556 Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do agente quando movida pelo imaginário mesmo confirmado posteriormente A materialidade estará contaminada pela árvore dos frutos envenenados grifamos Neste tema para finalizar duas decisões são muito importantes 1ª Recurso Extraordinário 603616557 Rel Min Gilmar Mendes j 21062016 2ª Recurso Especial 1574681RS558 Rel Min Schietti Cruz j 20042017 Essas decisões começam a desenhar certos limites para a visão tradicional sobre a legitimação da situação de crimeflagrante permanente para o ingresso da polícia em domicílio sem mandado de busca Em ambas o que se destaca é que deve haver controle judicial posterior que verifique se realmente havia justa causa prévia ao ingresso Como explica o Min Gilmar Mendes no RExt 603616 a entrada forçada em domicílio sem uma justificativa prévia conforme direito é arbitrária Não será a constatação de situação de flagrância posterior ao ingresso que justificará a medida Na mesma linha a decisão unânime do STJ no REsp 1574681 em que o Min Schietti explica que o ingresso regular em domicílio alheio depende para sua validade e regularidade da existência de fundadas razões justa causa que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão É dizer somente quando o contexto fático anterior a invasão permitir concluir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito a inviolabilidade do domicílio E prossegue a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas a ocorrência de tráfico de drogas era o caso em julgamento pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar Obviamente segue o Min Schietti não se trata de transformar o domicílio em um espaço de salvaguarda do criminoso senão de ter uma situação fática emergencial de flagrância com elementos mínimos de concretude para demonstrar a impossibilidade de buscar a autorização judicial É preciso ter elementos prévios à entrada para legitimar a própria entrada emergencial sob pena de ilegalidade da busca e apreensão Ainda no REsp 1574681RS o julgado faz uma dupla advertência a mera intuição por si só não permite o ingresso no domicílio sem autorização judicial na mesma linha da advertência que fizemos sobre a necessidade de demonstração da prévia visibilidade do flagrante mesmo sendo um crime permanente a impossibilidade de se reputar como válido o consentimento do morador quando submetido ao constrangimento situacional ou em relação a autoridades ainda que em liberdade como já explicamos Por fim destacamos não se pode na busca domiciliar concordar com a mera alegação de fundadas suspeitas dicção dos arts 244 e 240 2º do CPP sob pena de igualarmos o nível de exigênciaproteção feito para legitimar a busca pessoal com aquele necessário para a busca domiciliar Ou seja a generalidade da fundada suspeita até pode autorizar uma busca pessoal em via pública mas jamais a busca domiciliar na medida em que se esvaziaria a tutela constitucional e convencional do domicílio Não se pode igualar a proteção do domicílio que é asilo inviolável do indivíduo na dicção da Constituição com a proteção da integridade física de quem está em via pública São níveis diferentes de tutela e proteção Obviamente a busca domiciliar exige muito mais em termos de legitimação dos agentes estatais 115 Requisitos do Mandado de Busca A Ilegalidade da Busca Genérica A Busca em Escritórios de Advocacia Determina o art 243 que o mandado de busca deverá conter uma série de requisitos sob pena de nulidade na medida em que implica uma grave restrição de direitos fundamentais A estrita observância dos limites legais é fator legitimante da medida até porque ontologicamente o que diferencia a busca de um crime patrimonial qualquer como furto ou até roubo praticado em uma residência Nada Em ambos existe a invasão do domicílio e a subtração de coisa alheia móvel A diferença se dá noutra dimensão na legitimidade ou ilegitimidade da violência praticada A busca é uma violência estatal legitimada mas que exige para isso a estrita observância das regras legais estabelecidas Então nessa matéria não há espaço para informalidades interpretações extensivas ou analogias A indicação da casa ou local onde a busca será realizada é imprescindível Não se justifica que a autoridade policial ou o MP postule a busca e apreensão como primeiro ato da investigação Não se busca para investigar senão que se investiga primeiro e só quando necessário postulase a busca e apreensão Logo inexiste justificativa para que uma busca seja genérica nesse requisito endereço correto Que primeiro a autoridade policial investigue e defina o que precisa buscar e onde Situação absolutamente ilegal a nosso sentir são os mandados de busca e apreensão genéricos muitas vezes autorizando a diligência em quarteirões inteiros obviamente na periferia conjuntos residenciais ou mesmo nas favelas de tal ou qual vila É inadmissível o mandado incerto vago ou genérico A determinação do varejamento ou da revista há de apontar de forma clara o local o motivo da procura e a finalidade bem como qual a autoridade judiciária que a expediu É importantíssima a indicação detalhada do motivo e os fins da diligência559 como determina o art 243 II do CPP É imprescindível para a validade do ato que o mandado de busca e apreensão e sua consequente execução tenha um foco claramente definido previamente Como ato decisório o mandado judicial deve ser devidamente fundamentado nos termos do art 93 IX da Constituição não bastando por elementar instrumentos padronizados ou formulários A decisão judicial que a decreta deve ser muito bem fundamentada apontando os elementos que a legitimam sua necessidade probatória e razões que amparam essa decisão A inobservância dessas regras conduz à ilicitude da prova obtida Como muito bem sintetiza BASTOS PITOMBO560 eventual resultado positivo da busca e da apreensão não torna válida decisão abusiva e ilegal Seguindo com a autora concluímos que mandado vazio é perigoso e difícil de debelar se Autoritário traz risco ínsito arraigado na forma Arbitrária e sem eficácia mostrase a busca que desatenda aos aludidos preceitos legais E sem serventia a apreensão dela decorrente Quanto ao motivo e fins da diligência exigese uma rigorosa fundamentação por parte da autoridade judiciária que a autoriza devendo para tanto apontar a necessidade e a finalidade da busca O motivo relacionase com a definição do fumus commissi delicti e a necessidade de obterse aquela prova para a investigação e posterior processo Exige ainda que não possa a prova ser obtida por outro meio menos violento devendo evidenciarse assim a imprescindibilidade da diligência Os fins da diligência impõem a clara definição de forma apriorística do que se busca Ou seja impedese a busca genérica de documentos e objetos Se possível deve ser delimitado o objeto ou objetos buscados para evitar um substancialismo inquisitório Se o que se busca é uma arma que se faça a busca direcionada para isso não estando a autoridade policial autorizada a buscar e apreender documentos cartas ou computadores Em muitos casos sabese de antemão o que se busca Logo que se defina Inclusive quando a busca é por documentos referentes a uma determinada pessoa mas que estão na posse de terceiros especialmente médicos psiquiatras psicólogos e até advogados explicaremos na continuação a busca em escritórios de advocacia o mandado deve ser estritamente delimitado e assim cumprido Explicamos Se estiver sendo investigada determinada pessoa cujos documentos estão em poder de um profissional a busca no consultório ou escritório deve limitarse a esses documentos referentes portanto apenas ao suspeito ou réu Não pode a autoridade apreender todos os documentos ou prontuários que o profissional detém pois isso seria uma ilegal violação da privacidade e intimidade de terceiros que nada têm a ver com o processo Imprescindível que o juiz tenha essa preocupação ao expedir o mandado advertindo expressamente os limites da atuação da autoridade policial Infelizmente o CPP contempla no art 240 1º e e h duas cláusulas genéricas que exigem uma restrição judicial até por imposição dos valores constitucionais em jogo Na alínea e prevê o Código que a busca pode ter por fim descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu Portanto diante de um pedido de busca e apreensão deve o juiz restringir a finalidade do ato tendo por base a lógica correlação existente entre a natureza da infração e o tipo de prova Ou seja se a busca é pela arma utilizada no crime a apreensão de um computador não está na linha lógica da prova necessária para esse tipo de delito Assim somente os objetos verdadeiramente necessários e úteis à prova é que podem ser apreendidos Na segunda parte da alínea e abre o CPP a possibilidade de que a defesa peça uma busca e apreensão na casa de um terceiro desde que demonstre a necessidade do ato à luz da prova que se pretende produzir Tratase de medida pouco utilizada mas que em tese está perfeitamente autorizada Mas a pior abertura conceitual está no inciso h no qual se abre a possibilidade de que a autoridade policial ou o MP postule a busca e apreensão de qualquer elemento de convicção Pensamos que esse dispositivo não resiste a uma filtragem constitucional e não pode por si só justificar a busca A busca em Escritórios de Advocacia está prevista no art 243 2º do CPP É a apreensão de documentos em poder do defensor do acusado quando constituir elemento do corpo de delito Referese o Código aos casos em que o advogado é o depositário de documentos ou papéis que constituam a própria materialidade do crime vg no crime de falsidade material ou ideológica de documento público ou particular como também naqueles em que os documentos guardados são imprescindíveis para a comprovação do delito Mais grave ainda é a situação do advogado que guardar a arma do crime pois nesse caso além de sujeitarse a busca poderá incorrer nas sanções previstas na Lei n 108262003 Importante ainda a leitura do art 7º 6º e 7º da Lei n 890694561 que determina a necessidade da presença de representante da OAB sendo em qualquer hipótese vedada a utilização dos documentos das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes Exige ainda o art 7º 6º da Lei a existência de decisão motivada que o mandado de busca e apreensão seja específico e pormenorizado seja cumprido na presença de representante da OAB vedandose a utilização de documentos mídias e objetos de clientes O problema da busca em Escritórios de Advocacia é que ela tem sido banalizada de forma perigosa muitas vezes com a encoberta intenção de intimidar ou mesmo humilhar e estigmatizar o profissional do que propriamente com fins realmente probatórios Elementar que não se pode confundir o advogado delinquente com o advogado do delinquente O primeiro por tornarse coautor ou partícipe está sujeito às mesmas medidas processuais e judiciais que seu cliente Já o segundo desempenha um papel constitucional imprescindível para a correta Administração da Justiça Nisso fundamse as garantias e prerrogativas profissionais do advogado e que exigem respeito na mesma dimensão com que são respeitadas as prerrogativas dos juízes e membros do Ministério Público Não se pode esquecer ainda que a busca em escritório de advocacia significa a violação de mais um direito fundamental a ampla defesa prevista no art 5º LV da Constituição Afeta mais especificamente a garantia da defesa técnica que ao lado da defesa pessoal integralizam o direito de ampla defesa constitucionalmente assegurado 116 Busca Domiciliar Requisitos para o Cumprimento da Medida Judicial Dia e Noite Realização Pessoal da Busca pelo Juiz Violação do Sistema Acusatório Havendo mandado judicial de busca e apreensão ele somente poderá ser cumprido durante o dia É ilegal e viciado está o ato e seu resultado o cumprimento de ordem judicial à noite Isso conduz à discussão do que se entende por dia e noite em termos processuais Pensamos que o melhor nessa matéria é a aplicação analógica do art 212 do CPC sendo considerado noite o período compreendido entre 20h e 6h Logo o mandado judicial de busca deve ser cumprido entre 6h e 20h sendo que iniciado nesse marco temporal nada impede que se prolongue noite adentro O que importa é que o início do cumprimento do ato se dê nesse intervalo O que não se pode aceitar à luz dos direitos fundamentais tensionados é uma indeterminação tal que admita o cumprimento entre o alvorecer e o anoitecer562 pois isso abriria um perigoso espaço para arbitrariedades policiais bem como criaria um terreno fértil para infindáveis discussões em cada processo cuja busca se realizasse próxima a esses dois extremos Por anoitecer se entende o quê O pôr do sol basta E se o dia estiver nublado Quando se dá o amanhecer numa chuvosa manhã invernal na serra E a neblina como fica Enfim ficaríamos à mercê do que disser a autoridade policial É inconcebível tal abertura quando se trata de exercício de poder e restrição de direitos fundamentais sendo imperiosa a aplicação analógica para assegurar limites ao poder persecutório No mesmo sentido HINOJOSA SEGOVIA563 leciona que tendo em conta a variabilidade do final das horas diurnas luz do sol estações do ano localização geográfica e até costumes locais deixar tal valoração ao alvedrio da discricionariedade judicial quando da limitação de direitos fundamentais não é a melhor opção Daí por que sugere que tal definição deva ser sempre legalmente determinada a partir de critérios objetivos É isso o que buscamos suprir a lacuna legislativa do processo penal através da analogia com o art 212 do CPC Sem abrir mão de nossa postura crítica em relação ao emprego de analogias e à indevida utilização das categorias do processo civil no processo penal tratase de uma medida excepcional extrema mas necessária e adequada Nos termos do art 248 do CPP a busca como toda medida restritiva de direitos fundamentais deve ser realizada de forma menos invasiva ou prejudicial àquele que a suporta até porque ainda está sob a proteção da presunção de inocência sem esquecer dos demais direitos fundamentais já abordados Além das restrições de horário é necessário que a autoridade policial dê ciência ao morador apresentando e lendo o mandado dandolhe ainda oportunidade para que permita o acesso Ou seja a autoridade policial poderá arrombar a porta quando o morador não a abrir mas é necessário que se lhe permita franquear o acesso Não estando presente o morador ainda que a redação do Código não seja clara parecenos evidente que é imprescindível a presença de no mínimo duas testemunhas para validade da busca e respectiva apreensão Tratase de uma cautela necessária para a própria credibilidade e segurança dos policiais que cumprem a ordem Não sem razão exige o art 245 7º do CPP que duas testemunhas presenciais assinem o auto circunstanciado A diligência de busca e apreensão deverá sempre ser documentada através de relatório circunstanciado e pormenorizado elaborado pela autoridade que realizou o ato Não há espaço para informalidades O art 250 atualmente foi esvaziado pela ampla utilização das cartas precatórias ou seja com as novas tecnologias velocidade e diluição de fronteiras mandados de busca são deprecados entre cidades ou Estados da Federação com grande frequência sem falar na necessária cooperação existente entre as polícias e a ampla penetração da polícia federal Quanto ao art 241 algumas considerações devem ser feitas Após a Constituição de 1988 a busca e apreensão somente poderá ser realizada mediante prévia expedição de mandado por parte da autoridade judiciária competente determinação judicial diz a Constituição Assim não existe mais a possibilidade de a autoridade policial realizar pessoalmente a busca sem prévio mandado Se realizada na investigação preliminar será a busca autorizada pelo juiz das garantias quando implantado Em relação à formalização do ato é imprescindível que da busca resulte um relatório circunstanciado sendo ela exitosa caso em que também deverá haver o respectivo auto de apreensão dos objetos recolhidos ou não Não pode a autoridade policial realizar uma medida tão invasiva como essa sem plena formalização da diligência até porque às vezes pequenos detalhes podem ser úteis para a prova em juízo como a localização da coisa buscada as pessoas presentes e demais elementos que integraram o cenário do ato Quanto ao juiz pensamos que o tratamento é igual ou seja ainda que ele esteja presente na diligência deverá haver prévia expedição de mandado devidamente fundamentada essa decisão Existe ainda um diferencial importante Não cabe ao juiz na estrutura acusatória consagrada na Constituição realizar pessoalmente atos de natureza investigatória ou instrutória sob pena de grave retrocesso à figura do juiz inquisidor fulminando a estrutura dialética o equilíbrio processual e principalmente a imparcialidade do julgador princípio supremo do processo recordando W GOLDSCHMIDT Dessarte é imprescindível a prévia e fundamentada expedição do mandado não a suprindo a presença física do juiz no ato o que a rigor não poderia acontecer pois não cabe ao juiz uma postura policialesca Por esses mesmos argumentos acrescidos do que dissemos anteriormente sobre o sistema acusatório e a imparcialidade do julgador é inconstitucional a busca e apreensão determinada ou realizada de ofício pelo juiz Ademais tal dipositivo está tacitamente revogado pelo art3ºA que recepcionou expressamente a estrutura acusatória que é incompatível com a atuação de ofício por parte do juiz Caso a busca domiciliar seja ilegal além da contaminação da prova produzida poderão incorrer os agentes nas sanções do art 150 do CP ou art 3º b da Lei n 138692019 que tipifica os delitos de abuso de autoridade 117 Apreensão Formalização do Ato Distinção entre Apreensão e Medidas Assecuratórias Sequestro e Arresto Ainda que possa haver busca sem apreensão quando o objeto não for encontrado e apreensão sem busca quando há a entrega voluntária ambos os institutos costumam guardar uma relação de meiofim É a apreensão que permitirá indisponibilizar a coisa com o fim de assegurála para o processo seja com fins probatórios ou mesmo para posterior restituição à vítima ou terceiro de boafé Assim a apreensão é suficientemente complexa para ser ao mesmo tempo um meio coercitivo de prova uma medida probatória e até mesmo uma medida cautelar real Tudo vai depender do caso concreto sem descartar a possibilidade de coexistência desses diferentes fins A apreensão dos objetos deve ser estritamente formalizada através de respectivo auto descritivo É fundamental a documentação do ato para permitir a correta utilização no processo daquele meio de prova ou ainda para permitir que a vítima terceiro de boafé ou até mesmo o imputado postule a sua restituição Por fim muito importante é não confundir o instituto da apreensão com as medidas assecuratórias previstas nos arts 125 a 144 especialmente o sequestro e arresto de bens móveis Voltaremos a essas questões ao tratar das medidas cautelares mas desde logo esclarecemos que a apreensão é sempre do objeto direto do crime ou seja do automóvel furtado roubado etc o sequestro de bens móveis do art 125 recai sobre todo e qualquer bem adquirido com os proventos da infração por exemplo sequestrase o carro adquirido com o dinheiro obtido no roubo de um banco as joias adquiridas com a venda de objetos anteriormente furtados etc o arresto do art 137 tem por objeto os bens móveis de origem lícita diversa do crime Assim no crime de homicídio por exemplo pode ser arrestado o automóvel do imputado tendo por fim resguardar os efeitos indenizatórios decorrentes da eventual sentença penal condenatória Exceção deve ser feita quando com os proventos da infração dinheiro eletrodomésticos etc o agente adquire coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito Exemplo com o dinheiro obtido no roubo ou com a venda dos objetos subtraídos o agente adquire substâncias entorpecentes cocaína maconha etc ou armas ilegais Nesse caso haverá apreensão do objeto ilícito Somente tendo presente essa distinção é possível compreender a confusa redação do art 132 do CPP quando diz que Art 132 Procederseá ao sequestro dos bens móveis se verificadas as condições previstas no art 126 não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro Significa que caberá o sequestro quando não for caso de busca e apreensão ou seja quando o bem móvel é adquirido com os proventos da infração e portanto não é passível de busca e apreensão somente para objeto direto 118 O Problemático Desvio da Vinculação Causal O Encontro Fortuito Imaginese o caso em que é autorizada judicialmente a busca e apreensão de provas de um delito de tráfico de drogas mas também são apreendidos documentos relativos ao delito de sonegação fiscal É válido esse desvio causal para que essa prova sirva para apuração de ambos os delitos Inicialmente é preciso compreender que o ato judicial que autoriza a busca domiciliar é plenamente vinculado e limitado Há todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar a medida que institui uma especialidade de seus fins Ou seja a excepcionalidade e lesividade de tais medidas exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e mais ainda uma vinculação àquele processo Tratase de uma vinculação causal em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo e em relação àquele caso penal sendo assim simultaneamente vinculada e vinculante Essa decisão ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido imposição do sistema acusatório é vinculante em relação ao material colhido pois a busca e apreensão interceptação telefônica quebra do sigilo bancário fiscal etc está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial Mas a jurisprudência brasileira tem sido excessivamente permissiva em relação ao encontro fortuito não fazendo sequer a exigência de conexão Para evitar repetições inúteis remetemos o leitor para o Capítulo anterior quando tratamos da prova ilícita e do encontro fortuito 119 Da Busca Pessoal Vagueza Conceitual da Fundada Suspeita Busca em Automóveis Prescindibilidade de Mandado Possibilidades e Limites Busca Pessoal Não se Confunde com Intervenção Corporal Ao lado da busca e apreensão domiciliar está a busca pessoal ou seja aquela que incide diretamente sob o corpo do agente Autoriza o art 240 2º que se proceda a busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior Assim a autoridade policial militar ou civil federal ou estadual poderá revistar o agente quando houver fundada suspeita Mas o que é fundada suspeita Uma cláusula genérica de conteúdo vago impreciso e indeterminado que remete à ampla e plena subjetividade e arbitrariedade do policial Pouco se tem manifestado a jurisprudência sobre o tema até mesmo pela dinâmica dos fatos que não permite uma pronta intervenção jurisdicional Mas é interessante a manifestação do STF no HC 813044Goiás da relatoria do Min Ilmar Galvão que determinou o arquivamento de termo circunstanciado realizado pela suposta prática do crime de desobediência O imputado negouse a submeterse a revista pessoal pela polícia militar tendo sido realizado termo circunstanciado Como apontou o Ministro a fundada suspeita prevista no art 244 do CPP não pode fundarse em parâmetros unicamente subjetivos exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista em face do constrangimento que causa Ausência no caso de elementos dessa natureza que não se pode ter configurado na alegação de que trajava o paciente blusão suscetível de esconder uma arma sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder Tratase de ranço autoritário de um Código de 1941 Assim por mais que se tente definir a fundada suspeita nada mais se faz que pura ilação teórica pois os policiais continuarão abordando quem e quando eles quiserem564 Elementar que os alvos são os clientes preferenciais do sistema por sua já conhecida seletividade Eventuais ruídos podem surgir quando se rompe a seletividade tradicional mas dificilmente se vai além de mero ruído Daí por que uma mudança legislativa é imprescindível para corrigir tais distorções A busca pessoal somente poderia ser feita quando houver a fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou sem o porte regular ou ainda coisas achadas ou obtidas por meios criminosos instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos munições instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu apreender cartas abertas ou não destinadas ao acusado ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato colher qualquer elemento de convicção Como se não bastasse a amplitude do dispositivo inclui ainda o legislador a alínea h dando uma abertura preocupante aos poderes de busca pessoal aos policiais A busca pessoal também vai legitimar a busca em automóveis não havendo qualquer necessidade de ordem judicial Assim a autoridade policial poderá proceder à revista pessoal e nos automóveis caminhões ônibus etc a qualquer hora do dia ou da noite sem a necessidade de mandado judicial bastando para tanto que alegue a fundada suspeita de que alguém possa estar ocultando quase que qualquer coisa Claro em tese há a possibilidade de o policial ser responsabilizado pelo crime de abuso de autoridade previsto na Lei n 138692019 quando não houver fundada suspeita O problema é que ao darse tal abertura para o uso da autoridade fica extremamente difícil a demonstração de que houve abuso O que separa o uso do abuso quando há tal indefinição da lei O problema de medidas assim com amplo espaço para abusos poderia ser atenuado com maior rigor no preparo técnico dos policiais e principalmente efetivo controle da validade dos atos por parte dos juízes e tribunais Infelizmente nada disso ocorre e com ampla complacência dos julgadores os abusos são frequentes Não raras vezes os próprios juízes legitimam as buscas de arrastão e sem qualquer critério legítimo sob o argumento de que são meros dissabores justificados pelos altos índices de violência urbana claro até porque eles estão imunes a tais dissabores Outros ainda com precários subterfúgios discursivos recorrem à lógica de que os fins justificam a ilegalidade dos meios Reza ainda o art 249 que a busca pessoal em mulher deve ser realizada por outra mulher Nada mais natural ainda mais com os notórios abusos praticados nesse campo Mas o ranço autoritário do CPP relativiza até isso Art 249 A busca em mulher será feita por outra mulher se não importar retardamento ou prejuízo da diligência Basta que a autoridade policial executante da medida argumente que esperar até a chegada de outra mulher policial é claro implicaria retardamento ou prejuízo da diligência para que a pseudogarantia caia por terra Logo o caminho para a ineficácia do dispositivo é dado por ele mesmo Noutro campo a busca pessoal também está automaticamente autorizada quando realizada no bojo de uma busca domiciliar Essa disposição do art 244 é lógica e necessária para eficácia da própria busca domiciliar Aqui a situação é diferente pois foi judicialmente autorizada a busca domiciliar de modo que a revista dos presentes é englobada e imprescindível para a obtenção da prova buscada Ainda que não houvesse essa disposição expressa o art 240 2º h autorizaria a busca pessoal de quem na casa estivesse Situação interessante ocorre nos casos de tráfico de substância entorpecente em que o agente ingere a droga que irá transportar Será que a busca pessoal com o fim de apreender a substância pode autorizar uma intervenção corporal cirúrgica ou ministrando medicamento adequado para apreensão da substância Não salvo se houver o consentimento válido do agente Isso porque nesse caso a questão é deslocada para outra esfera a da intervenção corporal Como já explicamos anteriormente ao tratar do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere não existe a possibilidade de extração compulsória de fluidos sangue ou mesmo da substância entorpecente ingerida Não havendo consentimento e estando o agente cautelarmente preso deverá a autoridade aguardar até que ele naturalmente evacue expelindo de seu organismo a substância Claro que tal procedimento poderá ser abreviado se o imputado concordar com a ingestão de laxantes até para abreviar o inevitável e reduzir os riscos de rompimento dos invólucros onde a droga está acondicionada Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 PROVA PERICIAL E EXAME DE CORPO DE DELITO A prova pericial é uma prova técnica mediante a qual são trazidos ao processo conhecimentos que estão fora do saber ordinário Contudo todas as provas são relativas e o juiz não ficará adstrito ao laudo podendo aceitálo ou rejeitálo no todo ou em parte art 182 do CPP O laudo deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados art 159 Admitese a figura do assistente técnico indicado por qualquer das partes que elaborará seu parecer após o laudo apresentado pelo perito oficial Poderá ser requerida a oitiva do perito oficial ou nomeado para esclarecer o laudo art 400 2º do CPP 11 Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto Não confundir exame de corpo de delito espécie com as perícias em geral gênero Corpo de delito são os vestígios materiais deixados pelo crime Exame de corpo de delito é o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime necessário nos crimes que deixem vestígios Exame direto é quando a análise recai diretamente sobre o objeto uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado Exame indireto quando impossível de ser feito o exame direto por haverem desaparecido os vestígios do crime a prova testemunhal filmagens fotografias áudios etc podem suprirlhe a falta A regra é o exame direto sendo o indireto uma excepcionalidade Confissão do acusado não é suficiente para comprovar a materialidade do crime sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto art 158 12 Intervenções Corporais e Extração de Material Genético Lei n 126542012 Está constitucionalmente assegurado o direito de silêncio e o direito de não produzir prova contra si mesmo nemo tenetur se detegere A Lei n 126542012 é objeto de muita controvérsia pois permite a extração compulsória de material genético violando o direito de não produzir prova contra si mesmo Tem dois campos de aplicação na investigação preliminar e na execução penal 121 Coleta de material genético na investigação a lei da identificação criminal Lei n 12037 foi alterada permitindo agora que além da identificação criminal coleta de digitais e foto seja coletado coercitivamente se houver recusa material genético do suspeito em qualquer crime quando houver a necessidade para a investigação qualquer que seja o crime crítica proporcionalidade desde que demonstrada a imprescindibilidade para a investigação b autorização judicial reserva de jurisdição cabendo ao juiz decidir de forma fundamentada demonstrando a estrita necessidade e proporcionalidade da medida invasiva bem como a impossibilidade de constituirse a prova por outro meio menos lesivo e gravoso 122 Coleta de material genético do condenado autoriza a coleta compulsória de material genético do condenado definitivamente por crime hediondo ou doloso cometido com violência de natureza grave contra pessoa Não é necessária autorização judicial para coleta mas sim para acesso ao banco de dados 123 Valor probatório todas as provas são relativas e nenhuma delas terá valor decisivo ou maior prestígio que as outras Exposição de Motivos do CPP O juiz também não está adstrito ao laudo art 182 2 INTERROGATÓRIO arts 185 a 196 Momento em que poderá ser exercido o direito de defesa pessoal positivo ou negativo silêncio Imprescindível a presença de defensor que poderá fazer perguntas É um meio de defesa por excelência mas também tem valor probatório Havendo dois ou mais réus o interrogatório será realizado separadamente A defesa do corréu pode fazer perguntas bem como a acusação O interrogatório de corréu delator deverá ser realizado antes dos demais corréus delatados e preferencialmente após as testemunhas de acusação e antes das testemunhas de defesa O interrogatório poderá ser repetido a qualquer momento art 196 por iniciativa do juiz ou a pedido das partes O art 217 permite que o réu seja retirado da sala se o juiz verificar que sua presença pode causar humilhação temor ou constrangimento à vítima ou testemunha permanecendo na sala o defensor Interrogatório por videoconferência art 185 É medida excepcional em caso de réu preso assegurado o direito a entrevista prévia e reservada com o defensor 3 CONFISSÃO arts 197 a 200 Tem valor relativo é divisível e retratável O art 198 deverá ser lido à luz do direito constitucional de silêncio de modo que o exercício do direito de silêncio não pode ser utilizado em prejuízo do réu 4 PERGUNTAS AO OFENDIDO art 201 Vítima não presta compromisso de dizer a verdade não é computada no limite numérico das testemunhas e não pode negarse a comparecer tampouco tem direito de silêncio Poderá requerer que o réu seja retirado da sala art 217 Problemática é a questão do valor probatório da palavra da vítima Como regra tem menor credibilidade pois está diretamente contaminada pelo caso penal além de não prestar compromisso de dizer a verdade Contudo a jurisprudência tem ressalvado os casos de crimes sexuais ou contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça em que a palavra da vítima passa a ter maior valor De qualquer forma isoladamente jamais poderá justificar uma sentença condenatória Falsas memórias é possível a implantação de falsas memórias em adultos e especialmente em crianças O procedimento de sugestão de falsa informação pode gerar uma falsa recordação na qual a testemunhavítima acredita honestamente que tal fato tenha ocorrido sem que isso corresponda à realidade Isso pode acontecer por autossugestão ou por fator externo indução Existe um alerta geral sobre o depoimento infantil pois as crianças não estão acostumadas a fornecer narrativas sobre suas experiências a passagem do tempo dificulta a recordação há dificuldade de se reportar a eventos que causem dor estresse ou vergonha a criança raramente responde que não sabe e muda de resposta para corresponder à expectativa criada pelo entrevistador 5 PROVA TESTEMUNHAL arts 202 a 228 Art 212 com a nova redação consagra a cross examination ou seja as perguntas diretamente feitas pelas partes às testemunhas assegurando o protagonismo da coleta da prova às partes na perspectiva do sistema acusatório constitucional em que a gestãoiniciativa probatória é das partes e não do juiz cabendo ao juiz a função de presidir o ato e ao final sobre os pontos não esclarecidos complementar a inquirição A função do juiz na audiência é a de presidir o ato mas sem protagonismo no que tange à coleta da prova testemunhal A inversão nesta ordem com o juiz iniciando as perguntas viola a regra do art 212 mas tal nulidade tem sido considerada como relativa pelo STJ posição com a qual não concordamos Com a nova redação do art 3ºA do CPP e a expressa recepção pelo CPP da estrutura acusatória esperase que o art 212 volte a ter plena eficácia Toda pessoa poderá ser testemunha art 202 Como regra não poderá recusarse a depor Art 206 poderão recusarse a depor o ascendente descendente afim em linha reta cônjuge ainda que separado ou divorciado irmão pai mãe ou o filho adotivo salvo quando impossível obterse a prova por outro modo Estão proibidas de depor art 207 aquelas pessoas que em razão de função ministério ofício ou profissão devam guardar segredo salvo se desobrigadas pela parte interessada quiserem dar seu testemunho ex psiquiatra psicólogo advogado padre contador etc Deve haver nexo causal entre o conhecimento do fato criminoso e a relação profissional Compromisso art 208 com a fórmula do art 203 onde a testemunha se compromete a dizer a verdade do que souber sob o risco de em tese incorrer no crime de falso testemunho do art 342 do CP Não prestam compromisso art 208 São meros informantes os doentes e deficientes mentais os menores de 14 anos e as pessoas referidas pelo art 206 O art 209 é incompatível com o sistema acusatório constitucional e está tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP Contraditar testemunha art 214 É uma forma de impugnar a testemunha apontando os motivos que a tornam suspeita ou indigna Classificação das testemunhas presenciais indiretas informantes abonatórias e referidas Caracteres do testemunho oralidade objetividade e retrospectividade Momento de arrolar Limite numérico Substituiçãodesistência Assistente as testemunhas da acusação devem ser arroladas na denúncia ou queixa art 41 O assistente não pode arrolar testemunhas pois ingressa no processo após a denúncia ter sido recebida preclusão para ele As testemunhas de defesa são arroladas na resposta à acusação art 396A Limite numérico até 8 testemunhas para o rito ordinário até 5 para o rito sumário Não são computadas as testemunhas que não prestam compromisso a vítima e as referidas Rito do júri 8 testemunhas na primeira fase e até 5 em plenário art 422 Desistência art 401 2º não sendo possível a desistência unilateral violação do contraditório 6 RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS arts 226 a 228 Ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa com a finalidade de recordar um fato criminoso e verificar se coincide com a recordação empírica É um ato formal previsto no art 226 Pode ocorrer no inquérito policial eou no processo criminal O Código de Processo Penal é omisso em relação ao número mínimo de participantes recomendase que não seja inferior a 5 Devese ter cuidado para que o nível de indução seja o menor possível características físicas similares Reconhecimento por fotografia não é pacífica sua aceitação Recomendase que seja ato preparatório atomeio e não um fim em si mesmo Falso reconhecimento problemática decorrente das falsas memórias e dos processos de indução O reconhecimento pessoal é um meio de prova bastante sensível à indução e aos falsos reconhecimentos devendo por isso ser realizado com suma prudência e cautela e valorado pelo juiz com reservas em conjunto com as demais provas nunca com valor decisivo ou única prova para legitimar a sentença condenatória 7 RECONSTITUIÇÃO DO DELITO prevista no art 7º a reconstituição do crime é uma valiosa contribuição para esclarecer o caso penal podendo ser realizada na fase de inquérito ou processo desde que não contrarie a moralidade ou ordem pública e seja respeitado o direito de defesa positivo e negativo do sujeito passivo 8 ACAREAÇÃO arts 229 e 230 Pode ser realizada na fase processual ou préprocessual e consiste em colocar cara a cara duas pessoas que tenham prestado declarações divergentes e relevantes 9 PROVA DOCUMENTAL arts 231 a 238 Entendese por documento toda classe de objetos que tenham uma função probatória tais como escritos fitas de áudio vídeo fotografias tecidos e objetos móveis que possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva Os documentos podem ser juntados a qualquer momento até o encerramento da instrução Tribunal do Júri documentos devem ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis 10 INDÍCIOS art 239 São provas de menor nível de confiabilidade de verossimilhança que podem justificar uma medida cautelar mas jamais uma sentença condenatória 11 DA BUSCA E APREENSÃO arts 240 a 250 A busca é uma medida instrumental meio de obtenção de prova Apreensão é uma medida cautelar probatória pois se destina à garantia da prova ou como medida assecuratória São institutos diversos mas tratados de forma unificada Ainda que normalmente seja realizada na fase de investigação pode ser feita no curso do processo ou na execução penal Tensiona os seguintes direitos fundamentais inviolabilidade do domicílio dignidade da pessoa humana intimidade e vida privada incolumidade física e moral do indivíduo 111 Busca domiciliar art 240 Amplitude do conceito de casa O mandado de busca deverá atentar para os requisitos formais art 243 Exige uma decisão judicial fundamentada e que descreva os motivos e os fins da diligência finalidade específica Art 5º XI da CF busca domiciliar poderá ser feita a durante o dia art 212 do CPC das 6h às 20h com consentimento válido do morador em caso de flagrante delito ou com ordem judicial b durante a noite com consentimento válido do morador ou em caso de flagrante delito Não pode ser realizada busca domiciliar com ordem judicial à noite depois das 20h e antes das 6h Tratase de ato formal do qual dever resultar um relatório circunstanciado Problema do desvio causal da provaprincípio da especialidade Crime permanente flagrante permanente Art 303 112 Busca pessoal art 240 2º Vagueza conceitual fundada suspeita Não é necessário mandado judicial consentimento ou situação de flagrância basta fundada suspeita Também poderá ser realizada no curso de uma busca domiciliar Busca em mulher art 249 será feita por mulher se não importar retardamento ou prejuízo da diligência Carros caminhões ônibus e demais veículos entram no conceito de busca pessoal independendo de autorização judicial 12 RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS arts 118 a 124 91 do CP e 243 da CF Como regra todos os bens apreendidos podem ser restituídos desde que a não interessem mais ao processo necessidade probatória b não sejam bens cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito ou ainda que não sejam produto de crime ou proveito auferido com o delito A restituição atende a dois interesses probatório ou reparador dos danos Pedido de restituição pode ser feito no curso do inquérito ou do processo Capítulo X SUJEITOS E PARTES DO PROCESSO A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS AO ACUSADO INATIVIDADE PROCESSUAL DO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO 1 Sujeitos Processuais e a Problemática em Torno da InExistência de Partes no Processo Penal No processo penal intervêm três sujeitos juiz acusador e réu Quando falamos de um processo de partes estamos fazendo alusão a um processo penal de partes conforme os limites e categorias jurídicas próprias do processo penal Acima de tudo o que se busca é reforçar a posição da parte passiva fortalecendo o sistema acusatório com o estabelecimento da igualdade de armas do contraditório e por fim com o abandono completo de todo e qualquer resíduo do verbo totalitário Em última análise significa o abandono completo da concepção do acusado como um objeto considerando se agora no seu devido lugar como parte no processo penal Tanto mais forte será sua posição quanto mais clara for a delimitação da esfera jurídica de cada parte pois somente assim poderá efetivarse o contraditório O fortalecimento da estrutura dialética do processo beneficia a todos os intervenientes e principalmente contribui para uma melhor Administração da Justiça Devemos destacar que no processo penal o elemento subjetivo determinante do objeto é exclusivamente a pessoa do acusado565 pois não vige a doutrina das três identidades da coisa julgada civil pois nem o pedido nem a identidade das partes acusadoras são essenciais para a pretensão e a coisa julgada 2 Do Acusado Citação Notificação e Intimação como Manifestações do Direito Fundamental ao Contraditório e à Ampla Defesa Ausência Processual e Inadequação da Categoria Revelia Na fase préprocessual inquérito policial não há que se falar em acusado ou réu senão em suspeito ou indiciado caso já tenha ocorrido o indiciamento O status de acusado ou réu somente é adquirido com o recebimento da denúncia ou queixa nesse caso também poderá se falar em querelado pelo juiz das garantias Contudo há que se esclarecer que o tratamento constitucional de acusados em geral previsto no art 5º LV da CF é suficientemente amplo para alcançar tanto o inquérito policial como o processo A expressão abrange um leque de situações com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal vinculada ao exercício da ação penal e com um claro intuito de proteger também o suspeito ou indiciado No mesmo sentido LAURIA TUCCI e CRUZ E TUCCI566 afirmam que percebese desde logo sem mínimo esforço de raciocínio que o nosso legislador constituinte pontuou no primeiro dos incisos transcritos a real diferença entre o conteúdo do processo civil cuja já verificada finalidade é a compositiva de litígios e o do processo penal em que pessoa física integrante da comunidade é indiciada acusada e até condenada pela prática de infração penal Mais adiante ainda referindose à proteção constitucional apontam que de modo também induvidoso reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes estendendo sua incidência expressamente aos procedimentos administrativos ora assim sendo se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento nele se encarta à evidência a noção de qualquer procedimento administrativo e consequentemente a de procedimento administrativopersecutório de instrução provisória destinado a preparar a ação penal que é o inquérito policial É importante destacar que quando falamos em contraditório na fase pré processual estamos fazendo alusão ao seu primeiro momento da informação Isso porque em sentido estrito não pode existir contraditório no inquérito porque não existe uma situação jurídicoprocessual não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo Não havendo o exercício de uma pretensão acusatória não pode existir a resistência Sem embargo esse direito à informação importante faceta do contraditório adquire relevância na medida em que será através dele que será exercida a defesa Ora não é preciso maior capacidade de abstração para verificar que qualquer notíciacrime que impute um fato aparentemente delitivo a uma pessoa determinada constitui uma imputação no sentido jurídico de agressão capaz de gerar no plano processual uma resistência Foi isso que o legislador constitucional protegeu com a expressão acusados em geral notese bem o texto constitucional não fala simplesmente em acusados o que daria abrigo a uma leitura mais formalista mas sim em acusados em geral o que sem dúvida é muito mais amplo e protecionista Feito esse esclarecimento nos ocuparemos agora especificamente do chamamento e presença ou ausência do acusado no processo 21 A Comunicação dos Atos Processuais como Manifestação do Contraditório e da Ampla Defesa Ainda que pertencentes ao gênero comunicação dos atos processuais notificação intimação e citação do acusado são institutos distintos com diferentes finalidades e consequências Contudo o mais importante é que são todos instrumentos a serviço da eficácia dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa Não se pode mais pensar a comunicação dos atos processuais de forma desconectada do contraditório na medida em que como explicamos anteriormente é ele o direito de ser informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental Maior é a relevância da comunicação dos atos processuais se considerarmos que o processo é um procedimento em contraditório sendo essa a nota distintiva entre o processo judicial e os demais tipos de processo administrativo legislativos etc como explica FAZZALARI Na lição do autor567 lessenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipino almeno due soggetti un interessato e un controinteressato sulluno dei quali latto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sullaltro affetti pregiudizievoli A igualdade de oportunidades e de tratamento ao longo do processo é imposição do contraditório que por sua vez é fundante do próprio conceito de processo Fazendo um recorte na imensa gama de consequências que a concepção de FAZZALARI traz para o processo penal contemporâneo o controle das partes sobre os atos do juiz é de sua importância e nesse aspecto sublinha PLINIO GONÇALVES568 a publicidade e a comunicação a cientificação do ato processual às partes que é também garantia processual é de extrema relevância A função do juiz é assegurar o contraditório logo para isso deve ter uma postura ativa sem contudo jamais colocarse como contraditor Não existe contraditório com o juiz senão contraditório assegurado pelo juiz Nessa linha PLINIO GONÇALVES explica que as partes não se colocam em combate com o juiz nem este em contraditório com as partes Para finalizar pontualiza com acerto o autor569 a partir da doutrina de FAZZALARI O contraditório realizado entre as partes não exclui que o juiz participe atentamente do processo mas ao contrário o exige porquanto sendo o contraditório um princípio jurídico é necessário que o juiz a ele se atenha adote as providências necessárias para garantilo determine as medidas adequadas para assegurálo para fazêlo observar para observálo ele mesmo Logo tem o juiz um dever de informar e de garantir que a informação seja dada às partes570 para que elas querendo possam intervir Não há que se pensar na existência de um dever de intervenção das partes senão de possibilidade e dependendo da situação jurídica de carga ou assunção de riscos na linha goldschmidtiana por nós adotada e anteriormente explicada Assim para o contraditório é essencial a eficácia da comunicação processual revestida da forma de citação intimação ou notificação conforme o caso A falha na comunicação processual viola o contraditório e conduz à nulidade absoluta na concepção tradicional melhor um defeito que poderá ser sanável ou insanável conforme o momento em que seja reconhecido O direito de defesa ainda que distinto do contraditório como explicamos anteriormente está a ele umbilicalmente ligado pois o contraditório cria condições de possibilidade para a defesa se efetivar E ambos dependem da eficácia da comunicação dos atos processuais Eis a íntima relação entre eles Compreendida assim a vinculação dessa matéria com a eficácia do direito fundamental do contraditório e da ampla defesa vejamos agora os atos em espécie 22 A Citação do Acusado Garantia do Prazo Razoável Requisitos e Espécies Citação por Carta Precatória e Rogatória Citação do Militar do Servidor Público e do Réu Preso A citação no processo penal é um ato da maior importância pois dela depende diretamente a eficácia do direito fundamental do contraditório e posteriormente da ampla defesa Também a teor do art 363 do CPP o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado Tratase de comunicação ao réu da existência de uma acusação dandolhe assim a informação que caracteriza o primeiro momento do contraditório A partir dessa informação criase a necessária condição de possibilidade para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica Na atual sistemática processual a citação é a comunicação da existência de uma acusação para que ele responda por escrito no prazo de 10 dias art 396 É citação para responder à acusação e não mais para ser interrogado De qualquer forma em nada diminui a importância do ato pois segue sendo um momento crucial para o direito de defesa Então mais do que um mero chamamento do réu a juízo para defenderse é a citação uma manifestação do próprio direito fundamental do contraditório Daí por que é a citação uma garantia para o réu solto ou preso acarretando a invalidade processual art 564 III e do CPP qualquer violação à forma prescrita Se o réu devidamente citado não apresentar a resposta escrita no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para oferecêla concedendolhe vista dos autos por 10 dias art 396A 2º Também é importante atentar para o novo procedimento comum ordinário ou sumário que prevê a audiência de instrução e julgamento em que após a produção da prova será o réu interrogado arts 400 e 531 do CPP Para esse ato será o réu intimado mas com suficiente antecedência de modo a permitir que o réu e seu defensor possam preparar a defesa técnica e pessoal pois o réu será interrogado Integra o direito de ser julgado em um prazo razoável art 5º LXXVIII da Constituição anteriormente analisado a vedação ao atropelo procedimental encontrando ainda abrigo no art 82 alínea c da Convenção Americana de Direitos Humanos 221 Concessão ao Acusado do Tempo e dos Meios Adequados para a Preparação de sua Defesa Nisso se inscreve a proibição de intimarse o réu na véspera da data do interrogatório571 ou com poucos dias de antecedência em complexo e volumoso processo Devese atentar para a razoável antecedência do ato de modo a permitir o pleno conhecimento e adequada preparação de sua defesa Como insistimos desde o início desta obra há que se respeitar as regras do jogo e isso o respeito às regras não se confunde com impunidade Todo o oposto É condição de legitimidade do processo e da eventual pena Feita essa ressalva voltemos à citação A citação no processo penal deve ser feita através de mandado cumprido por oficial de justiça devendo constar os requisitos previstos nos arts 352 e 357 do CPP Quando o réu residir em local diverso daquele onde tramita o processo a citação será feita através de carta precatória arts 353 e 354 do CPP ou rogatória se cumprida em outro país arts 368 e 369 O réu é citado para apresentar resposta à acusação Não residindo na comarca onde se desenvolve o processo poderá ser posteriormente deprecado seu interrogatório Falandose de carta precatória devese esclarecer que a chamada precatória itinerante nada mais é do que a possibilidade de uma precatória expedida em Porto Alegre para ser cumprida em Curitiba por exemplo seja redirecionada para Londrina onde está o réu Isso porque recebendo a carta precatória o juiz de Curitiba verifica pela certidão do oficial de justiça por exemplo que o réu se mudou para Londrina Então para evitar a inútil burocracia de devolver para Porto Alegre a carta precatória sem cumprimento por estar o réu em Londrina ele simplesmente redireciona para aquela comarca Evitase assim o inútil retorno à origem para nova emissão Nenhum problema Nada impede ainda o uso de fax ou mesmo email que deverá ser devidamente impresso para integrar os autos para o ágil cumprimento da carta precatória O art 356 do CPP como outros tantos deve ser relido à luz do nível atual de evolução tecnológica de modo que não se pode mais falar em via telegráfica e reconhecimento de firma do juiz Quanto à citação por carta rogatória por estar sabidamente o acusado no estrangeiro destacamos que a Lei n 927196 alterou a redação original para estabelecer que o prazo prescricional será suspenso até o seu cumprimento na verdade devolução com o devido cumprimento E se não for o réu encontrado no exterior Devolvida a carta rogatória com esse fundamento entendemos que deverá o juiz proceder à citação do réu por edital na comarca onde tramita o processo e após com o seu não comparecimento suspender o processo e a prescrição nos termos do art 366 do CPP Não poderá diretamente suspender o processo pois exige o art 366 a prévia citação por edital o que constitui uma cautela razoável e que deverá ser observada ainda que a citação por edital tenha pouca eficácia Voltando à questão da citação feita por mandado aos requisitos dos arts 352 e 357 devese acrescentar mais um a cópia da denúncia ou queixa O contraditório visto em seu primeiro momento que é o da informação exige que o réu saiba previamente o inteiro teor da acusação e para tanto deve serlhe entregue uma cópia da peça acusatória Não basta a mera leitura por parte do oficial de justiça Peculiar é a citação do militar e do servidor público No caso do militar a citação deverá ser feita através do chefe do respectivo serviço determina o art 358 Contudo há que se considerar ainda o disposto no art 221 2º que aponta a necessidade de que seja feita uma requisição à autoridade superior São dois instrumentos distintos o mandado de citação do militar contendo todos os requisitos legais art 352 e um ofício requisitando o comparecimento do militar no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento Aqui deve ser feito um esclarecimento até o advento da Lei n 11719 o réu era citado para ser interrogado de modo que junto com a citação requisitavase o militar para comparecer no dia do interrogatório Agora o réu é citado para apresentar resposta à acusação Ainda não existe data para o interrogatório que somente será efetivado após a resposta apresentada pela defesa se não houver absolvição sumária ou mesmo rejeição pois pensamos que não existe preclusão para o juiz em relação à análise das condições da ação previstas no art 395 Então o que se faz é comunicar que o militar deverá comparecer no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento onde também será interrogado Essa exigência do CPP decorre do fato de a estrutura militar ser rigidamente hierarquizada de modo que para um militar ausentarse do quartel para comparecer no fórum deve ser liberado pelo seu superior Assim se não for feita a citação através da autoridade superior mas o militar comparecer nenhum problema Contudo se não comparecer porque não foi liberado posto que não houve a devida comunicação ao superior hierárquico a citação será considerada nula e deverá ser repetida Não poderá o réu ser prejudicado devendo o ato ser repetido Situação similar ocorre na citação do servidor público Determina o art 359 que haverá além da citação do réu a notificação do chefe de sua repartição Os motivos são os mesmos viabilizar a presença do réu em juízo Mas atualmente essa dupla comunicação tanto no caso do militar como também do servidor público pode ser um perigoso gerador de estigma É elementar que o simples fato de estar sendo processado já é gerador de estigma social e jurídico conduzindo a uma rotulação do servidor público ou militar no seu local de trabalho Se considerarmos que tal comunicação ocorre em qualquer processo criminal independente do tipo penal imputado compreendese que ela poderá gerar um grande constrangimento para o réu no seu local de trabalho Daí por que não se pode desconsiderar seu direito a que a comunicação não se realize Explicamos pode o servidor público ou militar preferir tirar férias no período em que for realizada a audiência de instrução e julgamento ou mesmo preferir por sua conta faltar ao dia de trabalho Tudo isso para evitar a exposição de seu caso penal aos colegas de trabalho Assim em nome do direito ao respeito a sua dignidade imagem e vida privada poderá o réu peticionar previamente ao juiz para que seja feita apenas a sua citação sem a comunicação ao chefe da repartição ou instituição militar Nesse momento está ele assumindo a responsabilidade de comparecimento ao ato não podendo depois alegar o defeito processual por falta de comunicação ao chefe Não sendo feito o pedido ainda assim deverá o juiz tomar certas cautelas como sugere PACELLI572 para que na notificação ou requisição se militar conste apenas e unicamente a existência do compromisso do funcionário público ou militar sem maiores referências à imputação penal para que se preserve o direito à intimidade e privacidade do acusado Noutra dimensão a citação do réu preso deverá ser feita pessoalmente Impedese com isso a mera requisição para o diretor do estabelecimento prisional providenciar a condução do réu para audiência Independente da requisição para condução do preso medida meramente administrativa tem ele o direito de ser citado pessoalmente recebendo cópia da denúncia Se não apresentar a resposta à acusação no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para fazêlo nos termos do art 396A 2º do CPP O art 360 do CPP modificado pela Lei n 107922003 foi alterado para adequarse à Súmula 351 do STF que afirmava é nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que o juiz exerce sua jurisdição Se a citação por edital já é uma frágil ficção de baixíssima eficácia completamente absurda era a citação por edital de réu preso Ora como admitir que o Estado não tenha controle de seus presos a ponto de citar por edital quem está em lugar muito certo e sem a menor possibilidade de ocultarse Então o réu preso deve sempre ser citado pessoalmente não cabendo a simples requisição ou a citação por edital Por fim chamamos a atenção para o fato de que o mandado de citação pode ser cumprido em qualquer dia e hora Havendo em qualquer caso recusa por parte do réu em assinar o mandado deverá ser devidamente certificado pelo oficial de justiça 23 Citação Real e Ficta Edital A citação real é aquela feita através de mandado cumprido por meio de oficial de justiça que comunica ao réu pessoalmente do inteiro teor da acusação e de que deverá responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias É a efetiva comunicação da existência da acusação com a entrega de cópia da denúncia ou queixa Também a citação deprecada feita através de carta precatória para outra comarca é uma forma de citação real pois será cumprida através de oficial de justiça que comunicará pessoalmente ao réu da imputação e do prazo para apresentar defesa escrita Quando a citação for solicitada a juiz de outro país onde se encontra o réu se realizará através de carta rogatória arts 783 a 786 do CPP A citação ficta é aquela realizada através de edital e somente poderá ser utilizada quando esgotadas todas as possibilidades de encontrarse o réu para realizarse a citação real Inclusive caso não seja encontrado é recomendável que se oficie a órgãos públicos como a Justiça Eleitoral ou mesmo privados como empresas de telefonia fornecimento de água e energia elétrica para verificar se em seus registros não consta algum endereço onde possa ser encontrado o réu Então primeiro deverá ser procurado o réu em todos os endereços constantes nos autos e nas informações obtidas e somente quando esgotadas as possibilidades de encontrálo o que deve ser devidamente certificado pelo oficial de justiça podese lançar mão do edital É inegável que a citação por edital é uma ficção descolada da realidade pois ninguém acorda de manhã e lê o diário oficial ou procura nos principais jornais para ver se está sendo citado em algum edital Daí por que ciente disso deve a citação ficta ser verdadeiramente a última forma de comunicação do ato processual573 O art 361 determina que se o réu não for encontrado será citado por edital com o prazo de 15 dias Esse dispositivo deve ser lido junto com o art 396 parágrafo único Significa dizer que o réu é citado para no prazo de 15 dias comparecer pessoalmente no cartório ou através de defensor constituído Comparecendo pessoalmente ou através de defensor com procuração será citado e comunicado do inteiro teor da acusação abrindose então o prazo de 10 dias para apresentar resposta escrita Assim esse prazo para defesa escrita somente começa a fluir após o comparecimento Se o réu não comparecer aplicase o disposto no art 366 a seguir abordado No que tange à citação por edital há que se ter presente um princípio básico tratase de uma ficção jurídica com baixíssimo nível de eficácia e que deve ser a última ratio do sistema Comparecendo o réu citado por edital será observada a disciplina específica do rito a ser seguido pelo processo Isso porque se o réu havia sido citado por edital e não compareceu o processo está suspenso art 366 Logo será citado para apresentar resposta à acusação e posteriores atos conforme o processo siga o rito comum ordinário sumário ou especial Por fim considerando a excepcionalidade da citação por edital deve sempre ser providenciada a publicação na imprensa e sua afixação no átrio do foro Após deve ser certificada a afixação no foro e juntado o exemplar do jornal onde constem a página e a data da publicação art 365 parágrafo único A falta de um deles conduz ao defeito processual da citação 24 Citação com Hora Certa Em que pese a resistência dos processualistas penais a Lei n 11719 trouxe numa infeliz transmissão de categorias do processo civil a chamada citação por hora certa art 362 para o processo penal brasileiro É uma forma extremamente perigosa de comunicação ao réu da existência de uma acusação Com razão DELMANTO JUNIOR574 aponta que a citação por hora certa por acabar ressuscitando a possibilidade de haver processo sem o conhecimento da acusação nomeandose defensor dativo com base em critérios subjetivos do oficial de justiça de que ele tem ciência da acusação A isso se acrescente o perigo de confiar a um oficial de justiça o poder e consequente abuso de determinar a situação de inatividade processual do acusado com as graves consequências que pode gerar É uma imensa responsabilidade que se deposita nas mãos de um oficial de justiça e que deve ser estritamente controlada pelo juiz eis que se presta a todo tipo de manobra fraudulenta ou mesmo para prejudicar o réu Deverá ter o juiz extrema cautela em aceitar uma certidão com esse conteúdo sendo aconselhável a repetição do ato e se houver alguma suspeita sobre a veracidade do conteúdo substituir o servidor Não sem razão a jurisprudência construída em torno da citação por hora certa no processo civil aponta para a relativização da fé pública do oficial de justiça na medida em que cede diante de prova em contrário575 Com muito mais razão no processo penal diante dos valores em jogo Feita essa advertência continuemos Por expressa remissão devese analisar o disposto nos arts 252 a 254 do CPC onde consta que além de dirigirse por no mínimo duas vezes ao domicílio do réu é importante que o oficial de justiça realize essas diligências em horários diferentes De nada vale a procura realizada sempre no mesmo horário na medida em que pode corresponder ao horário de trabalho do réu que naquelas condições nunca será encontrado e isso não significa que esteja se ocultando ainda que assim possa interpretar o oficial de justiça Deverá o oficial de justiça fazer uma certidão pormenorizada indicando os dias horários e principalmente os fundamentos da suspeita de que o réu estivesse se ocultando Também deverá apontar o nome completo do familiar e o grau de parentesco ou do vizinho com o endereço dessa pessoa com quem fez contato Todo o procedimento de realização da citação com hora certa deve ser certificado pelo oficial de justiça pormenorizadamente para permitir o posterior controle de legalidade do ato por parte do juiz das garantias Nenhuma dúvida temos de que a ausência desses requisitos formais conduz a grave defeito processual ou na classificação tradicional a uma nulidade absoluta do processo sendo errônea a exigência de demonstração de prejuízo Tratase de prejuízo presumido ou manifesto que não precisa ser demonstrado pelo réu Considerando o juiz como válida a citação com hora certa se o acusado não apresentar resposta escrita ou constituir defensor serlheá nomeado defensor dativo Eis aqui o grande perigo dessa forma de citação ressuscita a possibilidade de haver processo sem o conhecimento do acusado Cabe ao juiz o controle da legalidade e da real necessidade do ato Quando não é apresentada a resposta à acusação mas o réu constitui defensor sendo juntada a respectiva procuração a citação pode ser considerada como válida O problema surge quando realizada a citação com hora certa não existe a resposta escrita nem a constituição de defensor Nesse caso pensamos que o juiz deve ser muito cauteloso e o melhor caminho é determinar a citação por edital e persistindo a inatividade processual do imputado determinar a suspensão do processo e da prescrição nos termos do art 366 do CPP No mesmo sentido MARQUES DA SILVA576 ao comentar o 2º do art 396A afirma que essa regra deve ser válida apenas para os casos em que a citação se deu pessoalmente Agiu mal o legislador ao não especificar a modalidade de citação pois caso o réu seja citado por edital não comparecer nem constituir defensor o juiz não irá nomear defensor para o réu e sim aplicar a regra do art 366 do CPP preservada na base do veto presidencial suspendese o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado grifo nosso 25 ReDefinindo Categorias Inatividade Processual Real e Ficta do Réu Ausência e Não Comparecimento Réu não Encontrado Compreendido isso podese falar como muito bem leciona DELMANTO JUNIOR577 de inatividade processual real ou ficta conceitos vinculados aos de citação real e ficta578 A inatividade processual real gera a situação de ausência do réu Dizse ausente o réu que tendo conhecimento da acusação pois devidamente citado citação real não apresenta sua resposta escrita à acusação nem constitui defensor Nesse caso deve o juiz aplicar o art 367 cc o art 396A 2º nomeando um defensor para oferecêla e determinando o prosseguimento do feito em seus ulteriores termos Já a inatividade processual ficta sucede na citação editalícia conduzindo à situação de não comparecimento Nesse caso fracassam as tentativas de citação real não se encontrando o acusado Lançase mão então da citação ficta por edital Passado o prazo de 15 dias o réu não comparece em cartório para ser citado e tampouco apresenta resposta escrita ou constitui defensor Essa é a situação de não comparecimento cujos efeitos estão previstos no art 366 suspendemse o processo e a prescrição Apenas para esclarecer o não comparecimento é um estado processual que somente se perfaz quando o réu não é encontrado para ser citado e não surte eficácia a citação editalícia Tanto a ausência como o não comparecimento não podem gerar qualquer tipo de punição ou sanção processual como explicaremos na continuação 26 Aplicação do Art 366 do CPP 261 Não Comparecimento Suspensão do Processo e da Prescrição Problemática O art 366579 do CPP disciplina a situação processual do não comparecimento do acusado que procurado em todos os endereços constantes no processo para a realização da citação real através de mandado cumprido por oficial de justiça não é encontrado Passase então para a citação editalícia após a qual sem que o réu apresente sua resposta escrita à acusação ou constitua defensor situação em que não apresenta a resposta escrita por estratégia defensiva operase a inatividade processual ficta ou seja é considerado como réu não encontrado nos termos do art 366 suspendendose o processo e a prescrição Antes de entrar na problemática do sistema binário adotado suspensão do processo e da prescrição sublinhese que o art 366 somente tem incidência quando após a citação editalícia o réu não comparece pessoalmente ou através de advogado constituído para ser cientificado do inteiro teor da acusação A expressão não comparecimento prevista nos arts 366 e 367 deve ser lida à luz das reformas levadas a cabo pela Lei n 117192008 Até então o réu era citado para ser interrogado Agora é citado para apresentar resposta à acusação Logo esse não comparecimento significa que no prazo fixado no edital o réu não comparece no fórum para tomar ciência da acusação Caso o imputado não compareça pessoalmente mas fizerse presente seu advogado devidamente constituído através de instrumento procuratório haverá a citação e abertura do prazo de 10 dias para apresentação de resposta à acusação Comparecendo pessoalmente deverá indicar seu defensor ou se não tiver condições econômicas de constituir um advogado postular que lhe seja nomeado um defensor Mas voltando ao não comparecimento do réu citado por edital a suspensão do processo nesse caso é um imperativo lógico uma conquista democrática sem dúvida de que ninguém pode ser processado sem que tenha conhecimento da existência da acusação Incrivelmente até 1996 ainda existia no Brasil a possibilidade de processos em estado de revelia ou seja sem que o acusado tivesse sido citado citação real Eram processos nitidamente inquisitórios ou melhor ainda mais inquisitório que o atual em que se nomeava um defensor inativo na verdade um convidado de pedra absolutamente inativo e impossibilitado de produzir prova O chamado princípio de audiência580 é fundamental para existência do contraditório e por conseguinte para terse verdadeiramente um processo judicial eis que pensado a partir do conceito de processo como procedimento em contraditório FAZZALARI Assim é exigência do contraditório de que ninguém possa ser condenado sem ser ouvido ou ao menos sem que se lhe tenham oportunizado condições reais de ser ouvido inatividade processual real Não é suficiente portanto a mera citação ficta para o desenvolvimento do processo Quando não citado o réu pessoalmente não pode o processo continuar A exceção a essa regra fica agora com a perigosa e problemática citação com hora certa que demanda uma cautela ainda maior por parte dos juízes que na dúvida em relação ao certificado pelo oficial de justiça deve citar o réu por edital No Brasil foi adotado o criticado sistema binário suspendendo o processo e a prescrição sem limite de tempo até que o réu compareça Com a alteração legislativa um grande acerto e um grande erro o acerto de suspender o processo e o erro de também suspender a prescrição agravado pela ausência de limite temporal dessa suspensão como se verá na continuação 2611 Aplicação Literal do Art 366 Suspendendo o Processo e a Prescrição por Tempo Indeterminado Recurso Cabível Em que pese as críticas à suspensão da prescrição por tempo indeterminado como se verá na continuação muitos juízes e tribunais seguem aplicando o disposto no art 366 O STF afirmou a constitucionalidade da suspensão da prescrição por prazo indeterminado entendendo que ela não se confunde com a imprescritibilidade na medida em que apenas condiciona a evento futuro e incerto Ademais entendeu que a legislação ordinária poderia criar outras hipóteses de imprescritibilidade para além daquelas enumeradas no art 5º XLII e XLIV da Constituição Por fim entendeu o relator que não cabe sujeitar o período de suspensão de que trata o art 366 ao tempo da prescrição em abstrato Com a devida vênia não podemos concordar com essa posição Pensamos que se trata sim de criar uma categoria de crimes imprescritíveis pois estabelece essa possibilidade ou seja de não ocorrer nunca a prescrição O condicionar a evento futuro e incerto significa assumir como possível a inocorrência da condição e portanto como possível e válida a imprescritibilidade Também não podemos aceitar que o legislador ordinário crie crimes imprescritíveis diante da taxatividade constitucional Não houve uma delegação da Constituição para que lei ordinária determinasse quais crimes seriam imprescritíveis como ocorreu noutra dimensão em relação aos crimes hediondos senão o claro estabelecimento de um rol Considerando a gravidade da medida no que tange à limitação de direitos fundamentais inviável tal abertura Mas além disso existem outros fundamentos para não aceitar a aplicação incondicional do art 366 do CPP como explicaremos na continuação Igualmente complicada é a inserção das decisões de a suspensão do processo e da prescrição b revogação dessa decisão c omissão na determinação do lapso suspensivo da prescrição Como se verá ao final o sistema recursal brasileiro é bastante confuso e impreciso As decisões apontadas não são propriamente terminativas ou com força de terminativa para autorizar o recurso de apelação Tampouco sugerimos o uso do Recurso em Sentido Estrito pois seu rol de aplicação é taxativo para a maioria da doutrina e jurisprudência e não contempla nenhuma das decisões acima apontadas Logo concordando com HASSAN CHOUKR581 viável a utilização da Correição Parcial para atacar qualquer das três decisões desde que demonstrado o error in procedendo por parte do juiz no caso concreto Ainda dependendo do caso concreto e do conteúdo da decisão em tese é viável a utilização das ações impugnativas do habeas corpus e do Mandado de Segurança sempre ressalvada a necessidade de análise específica do conteúdo da decisão atacada bem como da demonstração do cabimento dessas ações segundo suas condições legais Em suma há que se demonstrar e convencer do cabimento do meio utilizado pois não há previsão legal de recurso específico Em relação à omissão de fixação do prazo da suspensão considerando que o CPP efetivamente não o faz a situação recursal é ainda mais difícil até porque a rigor não há ilegalidade alguma A fundamentação deve ser construída e o cabimento do recurso também Nesse caso o melhor é lançar mão inicialmente dos embargos declaratórios diante da omissão em fixar um prazo de suspensão e após da correição parcial 2612 Crítica à Suspensão Indefinida da Prescrição Da Inconstitucionalidade à Ineficácia da Pena A Súmula 415 do STJ Em caso de não comparecimento do réu citado por edital o processo ficará suspenso até que ele seja encontrado sem qualquer previsão de limite de tempo Inicialmente há um obstáculo constitucional como suportar uma nova categoria de crimes imprescritíveis à margem da previsão constitucional art 5º incisos XLII e XLIV e que pode alcançar até a mais leve das infrações penais Inviável Significa ainda uma violação ao princípio da proporcionalidade sob o viés de proibição de excesso pois constitui sem dúvida um excesso punitivo gerado pela imprescritibilidade Ainda na dimensão constitucional violase o direito de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Na verdade há que se compreender o alcance desse direito fundamental pois ele fundase no direito que as pessoas têm de que suas questões cíveis ou os casos penais sejam resolvidos judicialmente em um prazo razoável sem dilações indevidas Daí por que entre as soluções compensatórias adotadas está a extinção do processo diante da demora judicial O poder punitivo estatal também está condicionado no tempo seja pela prescrição seja pela duração razoável do processo Existe um verdadeiro direito a que as questões sejam resolvidas ou o acusado esquecido582 Em termos processuais de forma mais rasteira enquanto estivermos voltados para o passado desengavetando processos velhos produzindo provas frágeis pois o tempo as enfraquece e gerando penas inúteis não teremos tempo de nos ocupar do presente Ocupados que estamos com o velho permitimos que o novo também fique velho aumentando a dilação indevida dos casos penais Eis porque a demora gera ainda mais demora Dessarte criase uma situação absurda e insustentável como reabrir um processo 30 ou 40 anos depois do fato Criará o Poder Judiciário bunkers climatizados para armazenamento dos autos E a prova como será conservada E a prova testemunhal que ainda é o principal meio probatório no sistema brasileiro como será conservada Ou sempre se lançará mão da produção antecipada de provas583 desvirtuando o instituto que é um ilustre desconhecido do CPP basta ver a imensa lacuna legislativa e ferindo de morte o contraditório e o direito de defesa Por fim desde o Direito Penal vem o questionamento como justificar e legitimar uma pena aplicada muitos anos depois do fato O núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 4519584 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa ressocialização Para os que acreditam no caráter ressocializador da pena privativa de liberdade como legitimála tantos anos depois do fato Imaginamos a situação de alguém que aos 20 anos de idade comete um delito qualquer e após o fato muda de cidade Constitui família emprego enfim vira um homem médio figura clássica da mitologia penal e passados 30 anos volta às origens e se descobre réu Reabrese o processo a prova já foi colhida antecipadamente e sem a sua presença e a sentença condenatória surge quase que naturalmente Como legitimar uma pena de prisão sob o argumento da ressocialização num caso assim Impossível Então existem pelo menos três obstáculos à suspensão por prazo indeterminado da prescrição de ordem constitucional processual e penal A solução é suspender o processo e a prescrição mas nesse último caso por um período determinado Mas não é esse o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal para quem a suspensão indeterminada é constitucional Buscando uma solução para esse problema ainda que invadindo o espaço legislativo e desconsiderando a posição do STF editou o STJ a Súmula 415 com o seguinte verbete O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada Passou o STJ assim a sustentar uma posição contrária àquela firmada no STF de que não se pode admitir essa suspensão indefinida da prescrição Adotandose esse entendimento585 não comparecendo o réu após a citação editalícia deverá ser suspenso o processo e a prescrição sendo essa última suspensa pelo período de tempo correspondente ao da prescrição pela pena em abstrato para tanto devese verificar a pena máxima do tipo penal e buscar no art 109 do CP o respectivo lapso prescricional Após esse período a prescrição voltaria a correr de novo Ou seja suspende primeiro por um período de tempo e depois permanece suspenso o processo mas volta a fluir a prescrição Por exemplo diante de um processo por um crime de furto cuja pena máxima é 4 anos a prescrição se opera em 8 anos art 109 IV do CP Significa que se o réu não for encontrado o prazo prescricional e o processo ficará suspenso por 8 anos voltando a correr normalmente a partir do implemento desse prazo Portanto a efetiva extinção da punibilidade somente ocorrerá após 16 anos É quase o mesmo que estabelecer uma prescrição em dobro Por fim chamamos a atenção para a distinção entre interrupção e suspensão O prazo é inicialmente interrompido zerado portanto quando a denúncia é recebida Mas entre o recebimento da denúncia e o esgotamento da via editalícia podem se passar vários meses Com a decisão que aplica o art 366 operase uma suspensão da prescrição de modo que quando o prazo prescricional voltar a fluir após os primeiros 8 anos no exemplo acima devemos retomar a contagem considerando aqueles meses de tramitação inicial do processo Isso porque quando se suspende o prazo ele volta a correr pelo tempo restante ou seja considerase o período entre o recebimento da denúncia e a decisão que determinou a suspensão 262 A Injustificável Exclusão de Incidência do Art 366 do CPP na Lei n 961398 Nova Redação Dada pela Lei n 126832012 Noutra dimensão equivocada nos parece a linha seguida pelo art 2º 2º da Lei n 961398 com a nova redação dada pela Lei n 126832012 ao determinar que Art 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei 2º No processo por crime previsto nesta Lei não se aplica o disposto no art 366 do DecretoLei n 3689 de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital prosseguindo o feito até o julgamento com a nomeação de defensor dativo Significa um retrocesso com inegável violação da garantia do devido processo penal permitir que o processo prossiga seu curso quando o acusado não é encontrado para ser citado Para todo e qualquer crime quando o réu citado por edital o que pressupõe o esgotamento das tentativas de citação real não comparece e nem constitui defensor suspendemse o processo e a prescrição Por que no crime de lavagem de dinheiro isso não se aplica Por tratarse de criminalidade econômica Não se justifica tal tratamento diferenciado586 Esse tipo de discurso a la esquerda punitiva é tão disparatado quanto os maniqueístas interesseiros do direito penal do inimigo ou do zero tolerance cujas bases já foram refutadas no início deste trabalho Também não podemos aceitar o argumento de que o tratamento diferenciado justificase pela necessidade de se bloquear e confiscar os bens ilícitos conseguidos através da lavagem de dinheiro587 Não é essa uma justificativa plausível pelo simples fato de que as medidas assecuratórias também podem ser decretadas bastando a presença de seus requisitos Logo não é esse um argumento jurídico válido Ademais a própria Lei n 9613 com a nova redação da Lei n 126832012 estabelece no art 4 3º que nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens direitos ou valores sem prejuízo do disposto no 1º Ou seja a questão patrimonial é tratada noutra dimensão e não justifica o afastamento da incidência do art 366 do CPP Enfim representa uma quebra da isonomia de tratamento processual do imputado sem qualquer argumento legitimante sendo portanto de discutível constitucionalidade Contudo por dever de lealdade acadêmica destacamos que tal dispositivo foi mantido na alteração legislativa ocorrida em 2012 com a Lei n 12683 e é aplicado sem restrições pela maioria dos juízes e tribunais 263 Não Comparecimento Prisão Preventiva Produção Antecipada de Provas A Lei n 117192008 revogou os 1º e 2º do art 366 que disciplinava no 1º a produção antecipada de provas e no 2º que comparecendo o acusado citado por edital prosseguirá o processo em seus ulteriores termos Essa revogação em nada afeta a sistemática legal Interessanos agora a previsão do art 366 no sentido de que pode o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art 312 mas isso não significa uma ampliação das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva588 Mais não existe prisão cautelar obrigatória e tampouco qualquer tipo de presunção de fuga que conduza automaticamente à legitimidade de uma medida cautelar pessoal Quando o artigo diz se for o caso está remetendo para os casos do art 312 não ampliando ou facilitando a adoção da excepcionalíssima prisão preventiva Em suma a inatividade processual ficta não autoriza por si só a decretação da prisão preventiva Há que se demonstrar e fundamentar com argumentos cognoscitivos robustos e suporte probatório real a necessidade da prisão preventiva em igualdade de condições com os demais casos do art 312 do CPP Melhor teria andado o legislador se não tivesse feito qualquer menção no art 366 à prisão preventiva Isso porque ao dizer que cabe a prisão preventiva se for o caso nos termos do art 312 nada mudou apenas confundiu Tratase de lembrança inteiramente desnecessária pois é elementar que a prisão preventiva sempre terá cabimento nos casos previstos em lei ou seja se presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis exigidos pelo art 312 E mais devese atentar para os limites do art 313 I ou seja com o advento da Lei n 124032011 que inseriu o novo regime jurídico da prisão cautelar não cabe prisão preventiva quando a pena máxima cominada ao crime for igual ou inferior a 4 anos Assim pensamos que o art 366 tem que ser lido à luz dos arts 312 e 313 só tendo cabimento essa prisão preventiva se presentes o fumus commissi delicti o periculum libertatis e a pena cominada for superior a 4 anos Do contrário haverá apenas a suspensão do processo e da prescrição sendo ilegal a decretação de prisão preventiva Quanto à produção antecipada de provas muita cautela Colher antecipadamente uma prova sem a presença do réu ou seu defensor sim pois a defesa dativa nesse caso é meramente simbólica sem qualquer eficácia real é uma flagrante violação da garantia do contraditório e por contaminação do direito de defesa ambos assegurados no art 5º LV da Constituição Daí por que o ideal é que a produção antecipada seja reservada para casos extremos em que a prova efetivamente é relevante e sofre risco real de perecimento Ainda nesse caso devemse tomar todas as cautelas para documentar da forma mais ampla possível incluindo gravações de áudio e vídeo Posteriormente foi editada a Súmula 455 do STJ com o seguinte verbete A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada não a justificando unicamente o mero decurso do tempo Reafirmou assim o STJ o entendimento de que a produção antecipada de provas em caso de citação por edital e posterior suspensão do processo e da prescrição é uma medida excepcional em que deve ser demonstrado concretamente o risco de a prova não poder ser produzida mais tarde no processo Apenas as provas relevantes e urgentes podem ter sua produção antecipada realizada não sendo suficientes afirmações genéricas sobre o risco de perecimento e tampouco a mera argumentação em torno do decurso de tempo em virtude da suspensão do processo 27 Aplicação do Art 367 do CPP Ausência A Condução Coercitiva do Art 260 do CPP Inconstitucionalidade Noutra dimensão está o tratamento jurídicoprocessual do acusado ausente estabelecido no art 367589 em que o réu foi encontrado citado pessoalmente e não oferece resposta à acusação o que equivale ao não comparecimento do sistema anterior de forma injustificada inatividade real O processo continua com seu defensor se houver um constituído ou mediante a nomeação de defensor dativo Então duas situações podem ocorrer partindo da premissa de que houve citação válida a o acusado não oferece resposta escrita à acusação no prazo legal e tampouco constitui defensor b o acusado constitui defensor mas não apresenta resposta escrita à acusação No primeiro caso deverá o juiz nomear um defensor para que no prazo de 10 dias apresente a resposta à acusação e prossiga na defesa do réu ausente ao longo de todo o processo que portanto seguirá sem a presença do imputado que foi validamente citado No segundo caso há defensor constituído mas não é apresentada a resposta à acusação Essa inatividade poderia perfeitamente ser considerada mera opção da defesa que por alguma estratégia prefere silenciar nesse momento Contudo o art 396A 2º determina que não apresentada a resposta no prazo legal ou se o acusado citado não constituir defensor o juiz nomeará defensor para oferecêla concedendolhe vista dos autos por 10 dez dias Assim essa defesa preliminar é obrigatória e se não apresentada no prazo legal deverá o juiz nomear um defensor para oferecêla Após o processo continuará ainda que ausente o réu Mesma solução será adotada quando no curso da instrução o réu é intimado e não comparece ou ainda uma vez citado muda de residência sem comunicar ao juízo não sendo mais encontrado Em todas essas situações o processo seguirá com a ausência do réu Mas devese compreender a presença do réu no processo é um direito que lhe assiste e não um dever processual não é portanto carga senão assunção de risco Não está o juiz legitimado a praticar qualquer tipo de ato de reprovação sendo completamente errada a decisão de decretar a revelia do réu ausente à instrução como se isso fosse constitutivo de um novo estado jurídicoprocessual ou tivesse algum efeito prejudicial ao imputado O comparecimento ou não do réu nas audiências de instrução é uma faculdade da defesa atendendo aos seus interesses e estratégias probatórias jamais uma carga processual Situação diversa operase quando o réu estiver descumprindo alguma das condições impostas em sede de liberdade provisória pois entre elas pode estar o dever de comparecer a todos os atos do processo ou qualquer outra medida cautelar prevista no art 319 do CPP Nesse caso poderá haver quebramento da fiança ou mesmo ser considerado que houve o descumprimento da medida cautelar diversa de modo que o não comparecimento do réu implicará revogação da liberdade provisória com a decretação da prisão preventiva Não ocorrendo essas situações o não comparecimento do réu não conduzirá a nenhum tipo de punição processual exceto o fato de o processo continuar seu curso em sua ausência mas com a defesa técnica e todas as comunicações processuais sob pena de nulidade por violação do contraditório e da ampla defesa Tendo em vista a estrita relação com a matéria ora abordada é importante analisar a condução coercitiva prevista no art 260 do CPP Além de completamente absurda no nível de evolução democrática alcançado é substancialmente inconstitucional por violar as garantias da presunção de inocência e do direito de silêncio Ora mais do que nunca é preciso compreender que o estar presente no processo é um direito590 do acusado nunca um dever Considerando que o imputado não é objeto do processo e que não está obrigado a submeterse a qualquer tipo de ato probatório pois protegido pelo nemo tenetur se detegere sua presença física ou não é uma opção dele Há que se abandonar o ranço inquisitório em que o juiz inquisidor dispunha do corpo do herege para dele extrair a verdade real O acusado tem o direito de silêncio e de não se submeter a qualquer ato probatório logo está logicamente autorizado a não comparecer Infelizmente esse é um nível de evolução democrática e processual ainda não alcançado por muitos juízes e tribunais que ainda operam na lógica inquisitória determinando a condução do imputado que não comparece Mais grave ainda são aqueles que admitem que a polícia possa fazer a condução coercitiva de suspeitos Ora a condução coercitiva é uma espécie de detenção pois há uma inegável restrição da liberdade de alguém que se vê cerceado em sua liberdade de ir e vir A Constituição somente admite a restrição da liberdade em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de um juiz competente é claro Não há justificativa ou fundamento constitucional para a condução coercitiva na medida em que viola o direito de silêncio a presunção de inocência e a própria dignidade do imputado Nessa linha em 14062018 no julgamento das ADPF 395 e 444 decidiu o STF que a condução coercitiva de investigados e réus para serem interrogados é inconstitucional na esteira do voto do relator Min Gilmar Mendes Conforme extrato da decisão o Tribunal por maioria e nos termos do voto do Relator julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental para pronunciar a não recepção da expressão para o interrogatório constante do art 260 do CPP e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado O Tribunal destacou ainda que esta decisão não desconstitui interrogatórios realizados até a data do presente julgamento mesmo que os interrogados tenham sido coercitivamente conduzidos para tal ato Vencidos parcialmente o Ministro Alexandre de Moraes nos termos de seu voto o Ministro Edson Fachin nos termos de seu voto no que foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso Luiz Fux e Cármen Lúcia Presidente Plenário 14062018 Inclusive com a Lei n 138692019 constitui crime Art 10 Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa Por fim sobre a degeneração feita por alguns juízes de decretar a prisão temporária como burla à vedação da condução coercitiva remetemos o leitor para o tópico final do estudo da prisão temporária adiante no capítulo das prisões cautelares onde tratamos desse assunto 28 Inadequação da Categoria Revelia no Processo Penal O primeiro ponto a ser destacado é que pela enésima vez advertimos o leitor da inadequação de analogias com o processo civil em quase todos os casos em que é feita Logo devese redefinir algumas categorias nesse tema No processo penal não existe distribuição de cargas pois o réu ao ser constitucionalmente presumidamente inocente não tem qualquer dever de atividade processual Mais do que isso da sua inércia nenhum prejuízo jurídicoprocessual pode brotar Assim toda carga está nas mãos do acusador De outro lado é inegável que existe por parte do réu a assunção de riscos decorrentes de sua inércia Explicamos Quando surge uma chance sempre na linha do léxico goldschmidtiano nas diferentes situações processuais que podem ser probatórias ou defensivas não se lhe atribui qualquer carga ou ônus senão riscos O não agir probatório do réu que pode se dar por exemplo no exercício do direito de silêncio recusa em participar de acareações reconhecimentos etc não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa Não existe um dever de agir para o imputado para que se lhe possa punir pela omissão Inclusive quando o art 367 do CPP permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado essa omissão processual gera apenas risco Não se trata de prejuízo processual pois não existe uma carga de modo que não se pode presumir nada em sentido diverso da sua inocência É completamente diferente do fenômeno do processo civil em que se operam verdadeiras distribuições de cargas e a decorrente necessidade de liberarse delas Com a modificação levada a cabo pela Lei n 927196 finalmente abandonouse a revelia e os absurdos processos penais sem réu presente em caso de inatividade processual ficta Atualmente não há que se falar em revelia no processo penal ou pelo menos não no sentido próprio do termo o que significa dizer que a utilização seria sempre imprópria e inadequada pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual A contumácia ou revelia como explica DELMANTO JUNIOR591 é carregada de conotação negativa extremamente pejorativa significando ultraje desdém ilícito rebeldia592 etc daí por que como afirma o autor sua aplicação afigurase por si só totalmente incompatível com a concepção de que não há como dissociar a inatividade do acusado de um lado do exercício dos direitos a ele constitucionalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio de outro Não existe censura ou verdadeiro prejuízo jurídico em relação à conduta do réu que não comparece ao interrogatório ou não permite que se lhe extraia material genético para realização de perícia Não existe no processo penal revelia em sentido próprio A inatividade processual incluindo a omissão e a ausência não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica Não conduz a nenhuma presunção exceto a de inocência que continua inabalável Nada de presumirse a autoria porque o réu não compareceu Jamais Também se deve ponderar que admitir a revelia e seus efeitos conduziria a admitir um processo penal contumacial absolutamente incompatível com o processo penal contraditório593 assegurado no art 5º LV da Constituição e também no art 261 do CPP594 A presença da defesa técnica ainda que o acusado esteja ausente ou seja citado não comparece nem constitui defensor é uma imposição inarredável fruto da opção constitucional por um procedimento em contraditório que impede a produção dos efeitos da revelia Em suma por qualquer lado que se aborde a revelia e a contumácia são incompatíveis com o processo penal brasileiro Infelizmente por falta de rigor técnico é bastante comum a utilização pelos tribunais brasileiros do termo revelia quando na verdade estamos diante de mera ausência 29 Notificação e Intimação do Acusado Contagem de Prazos Quando se analisa o nosso CPP passa a ser repetitiva a crítica de falta de sistematização confusão de critérios e pouco rigor técnico Aqui mais uma vez essa crítica se faz necessária pois o Código emprega os termos notificação e intimação com pouco rigor levando a que alguns autores concluam pela unificação dos conceitos Nenhuma censura a essa posição Contudo pensamos ser necessário fazer a distinção conceitual pois o Direito Processual Penal não se resume ao que está codificado A notificação é a comunicação da existência de uma acusação gerando a chance no léxico goldschmidtiano de oferecimento de uma defesa prévia ao recebimento da denúncia O art 55 da Lei n 11343 estabelece que oferecida a denúncia o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia por escrito no prazo de 10 dez dias No mesmo sentido o art 514 do CPP determina no rito dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos que o juiz ordenará a notificação do acusado para responder por escrito dentro do prazo de 15 quinze dias A intimação é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado testemunha ou pessoas que devam tomar conhecimento do ato como peritos intérpretes e demais auxiliares da justiça Em relação aos últimos testemunhas e demais pessoas que participem do processo a intimação poderá revestir um caráter coercitivo verdadeiro dever de agir ou comparecer Tal dever ou carga inexiste em relação ao imputado pelos motivos já explicados anteriormente A intimação das testemunhas peritos intérpretes etc deverá ser feita pessoalmente através do respectivo mandado art 370 Já quanto à intimação dos defensores o CPP faz uma distinção no tratamento a Defensor constituído poderá ser intimado através de publicação no Diário da Justiça ou órgão incumbido da publicação ou caso não exista a intimação poderá ser através de mandado ou via postal Também é recomendável a intimação através da via postal quando o advogado constituído possui escritório profissional em unidade da federação diversa daquela onde tramita o feito Tal cautela é muito importante pois esse defensor poderá não ter acesso ao diário da justiça daquele estado frustrando a comunicação do ato Se considerarmos que a eficácia da intimação é condição de possibilidade para o exercício do contraditório e do direito de defesa concluise que todos os cuidados são úteis para evitar um ato processual que venha a ser considerado posteriormente defeituoso com sério risco de nulidade b Defensor nomeado poderá ser de duas categorias defensor público ou dativo O defensor público será sempre intimado pessoalmente em igualdade de tratamento com o Ministério Público atendendo assim ao chamado princípio da pessoalidade por força do art 5º 5º da Lei n 106050 Contudo quando a defesa for levada a cabo por defensor dativo ou por entidade de assistência jurídica gratuita os serviços de assistência judiciária de muitas faculdades de Direito por exemplo predomina o entendimento de que não se aplica essa regra e a intimação poderá ser feita através do diário da justiça Por fim chamamos a atenção de que os prazos processuais nos termos do art 798 do CPP correm em cartório sendo contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingo ou feriados Uma vez iniciada sua contagem não serão interrompidos Nesse cômputo não se considera o dia da intimação ou seja excluise o dia em que se dá a comunicação do ato começando a fluir no dia seguinte se útil Logo se a intimação ocorreu numa sextafeira o prazo começa a correr na segundafeira e não no sábado Da mesma forma quando um prazo terminar no sábado domingo ou feriado será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil art 798 3º do CPP Também é muito importante compreender que no processo penal ao contrário do que ocorre no processo civil os prazos começam a fluir a partir da realização da comunicação processual e não da juntada aos autos do mandado de intimação Nessa linha corretamente dispõe a Súmula 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem Assim nada de analogias com o processo civil 3 Assistente da Acusação Nos crimes em que a iniciativa da ação penal é privada a vítima ou seu representante legal assume no processo penal o polo ativo como parte acusadora principal Contudo nos crimes em que a ação penal seja de iniciativa pública a denúncia será oferecida pelo Ministério Público a quem competirá promover privativamente595 a ação penal Mas o sistema processual penal brasileiro contempla a possibilidade de o ofendido ingressar no polo ativo ao lado do Ministério Público auxiliandoo na acusação e também fiscalizando sua atuação Vejamos agora o instituto do assistente de acusação 31 Natureza Jurídica Legitimidade Capacidade e Interesse Processual Pode o Assistente Recorrer para Buscar Aumento de Pena Crítica à Figura do Assistente da Acusação O assistente da acusação é uma parte secundária acessória contingencial pois o processo independe dele para existir e se desenvolver É assim recorrente dizerse que sua natureza jurídica é a de parte contingente secundária É uma parte mas não principal pois sua atividade processual é acessória em relação àquela desenvolvida pela parte principal que é o Ministério Público Quanto à legitimidade estabelece o art 268 do CPP que poderá intervir como assistente o ofendido ou representante legal ou na falta qualquer das pessoas mencionadas no art 31 quais sejam cônjuge ascendente descendente ou irmão Excepcionalmente admitese que órgãos ou entidades sejam assistentes da acusação mas os casos são taxativamente previstos em lei Nessa linha nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a Lei n 7492 no seu art 26 parágrafo único estabelece que sem prejuízo do disposto no art 268 do CPP será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários CVM quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa autarquia e do Banco Central do Brasil quando fora daquela hipótese houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização Nos crimes contra as relações de consumo determinam os arts 80 cc 82 III e IV ambos da Lei n 8078 que poderão intervir como assistente do Ministério Público as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta ainda que sem personalidade jurídica especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código de defesa do consumidor e também as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código dispensada a autorização assemblear Comungamos ainda do entendimento de que não caberá a intervenção de pessoa jurídica de direito público como assistente Inicialmente porque a figura do assistente da acusação é geneticamente problemática e deveria ser abolida do processo penal brasileiro como explicaremos ao final desse tópico Mas enquanto permanece os casos e as possibilidades de intervenção devem ser lidos de forma restritiva Nessa linha a regra é a de que somente a vítima pessoa física ou seu representante legal possam intervir como assistentes Excepcionalmente isso é relativizado e quando ocorre é de forma expressa Nesse sentido os casos anteriormente referidos nas Leis n 7492 e 8078 Ademais não há que se esquecer de que se o crime for praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União Estado e Município a ação penal será de iniciativa pública Logo quem defende em juízo os interesses do órgão público afetado é o Ministério Público sendo sem sentido salvo para gerar desequilíbrio processual e contaminar o processo com o sentimento de vingança admitirse a assistência Do contrário teríamos de admitir que o Ministério Público é negligente na tutela do patrimônio público o que seria um contrassenso Noutra dimensão não há que se confundir o assistente com o advogado que o representa Assistente é a vítima seu ascendente descendente ou irmão mas em qualquer caso necessita de advogado para postular em juízo capacidade postulatória O interesse de agir como explicado anteriormente não pode ser pensado desde a ótica do processo civil No processo penal vigora o princípio da necessidade ou seja é o processo penal o caminho necessário para chegarse à pena Logo não há que se questionar sobre o interesse muito menos sob a ótica civilista da necessidade e utilidade do provimento pois ele é inerente à ação processual penal No Ministério Público tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa pública como nos crimes de iniciativa privada o interesse é inerente a quem tiver legitimidade para propor a ação pois não há outra forma de obter e efetivar a punição Sem embargo o assistente é uma parte secundária que não dá o starter procedimental e tampouco sua presença é necessária O ne procedat iudex officium se realiza através da atividade do Ministério Público e não do assistente da acusação pois o assistente somente poderá ingressar após a denúncia ter sido oferecida e admitida não sendo ele o responsável pela invocação da tutela jurisdicional Então o que justifica sua intervenção Que interesses lhe motivam Deixando os frágeis argumentos teóricos de lado como regra a assistência da acusação é motivada por sentimento de vingança eou interesse econômico Bastante frágil é a alegação de que o assistente está interessado em fazer ou contribuir para a justiça pois que conceito de justiça é esse que somente se conforma com uma sentença condenatória Falar em sentença justa nesse caso é recorrer a um conceito vago que oculta no fundo uma visão unilateral e vingativa pois a tal sentença justa somente existe quando condenatória Sim porque ninguém se habilita como assistente para postular a absolvição do acusado Quanto ao interesse econômico recordemos as explicações que fizemos ao tratar da ação civil ex delicti anteriormente Há situações em que uma mesma ação ou omissão gera efeitos nos dois civil ou penal ou três campos civil penal e administrativo O assistente ingressa no processo penal para buscar uma sentença penal condenatória que além de fixar um valor mínimo a título de indenização para a vítima art 387 IV com o trânsito em julgado irá constituir um título executivo judicial na esfera cível nos termos do art 515 VI do CPC Com a sentença penal condenatória a vítima do delito ou seu representante legal poderá ajuizar ação de execução na jurisdição cível buscando o pagamento do valor fixado na sentença penal a título de indenização arts 63596 parágrafo único cc 387 IV do CPP Se a vítima entender ser insuficiente esse valor poderá postular a liquidação do dano obtendo com isso o restante devido Não se pode esquecer que o art 387 IV determina que o juiz penal fixe o valor mínimo não impedindo que a vítima postule no juízo cível um valor maior sem que se discuta mais a causa de pedir mas apenas quanto deverá ser o complemento Antes de obter o título executivo poderá o assistente dentro do processo penal buscar a indisponibilidade patrimonial do réu por meio das medidas assecuratórias previstas no art 125 e s do CPP Esse interesse econômico também pode vir noutra dimensão buscar uma sentença condenatória para ser utilizada na Justiça do Trabalho Não raras vezes o que busca o assistente é uma condenação penal que possa ser utilizada para justificar a despedida com justa causa gerando profundos reflexos trabalhistas Outra discussão que brota nesse momento é a seguinte pode o assistente da acusação recorrer postulando aumento da pena aplicada Se for defendida a existência de um interesse puramente econômico não está o assistente autorizado a recorrer para pedir um aumento de pena pois seu interesse se satisfaz com a constituição do título executivo que brota da sentença penal condenatória independente do quantum de pena aplicada Assim o título executivo buscado estará constituído com uma condenação a 1 mês de pena ou a 20 anos é irrelevante Daí por que não cabe o recurso para mero aumento de pena Contudo há quem entenda que o assistente é um auxiliar da acusação buscando uma sentença justa Para os seguidores dessa corrente admitese que o assistente recorra quando o Ministério Público não o fizer para buscar a exasperação da pena O argumento é o de que o assistente teria interesse na punição adequada e suficiente do réu de modo que uma pena baixa não seria justa Com vênia aos que assim pensam não podemos concordar com essa posição Entendemos que o assistente não pode recorrer para pleitear o aumento de pena pois lhe falta interesse recursal E nada impede que o assistente recorra apenas do valor indenizatório fixado na sentença penal Com as alterações levadas a cabo pela Lei n 117192008 deverá o juiz criminal na sentença condenatória fixar um valor mínimo a título de indenização para a vítima Desse valor pode perfeitamente recorrer o assistente da acusação Feitas essas considerações passemos às principais críticas feitas pela doutrina ao instituto da assistência A principal crítica que se faz à figura do assistente da acusação brota exatamente do interesse que lhe motiva sentimento de vingança e interesse econômico privado O sentimento de vingança gera uma contaminação que em nada contribui para um processo penal equilibrado e ético Essa afirmativa não significa qualquer menoscabo ou desprezo pela figura da vítima todo o oposto Apenas queremos chamar a atenção para o fato de que um processo penal com tal dose de contaminação é um grave retrocesso que dificulta a serena administração da justiça Noutra dimensão o interesse econômico deve ser satisfeito com plenitude mas não no processo penal A mistura de pretensões acusatória e indenizatória gera uma grave confusão lógica e principalmente um hibridismo bastante perigoso e problemático que pode conduzir a condenações penais disfarçadas de absolvições fáticas ou seja condenase alguém na esfera penal a uma pena irrisória multa ou restritiva de direitos muitas vezes por delitos insignificantes pois no fundo o que se quer satisfazer é a pretensão indenizatória Isso representa um desvirtuamento completo do sistema jurídico penal para a satisfação de algo que é completamente alheio a sua função O processo penal não pode ser desvirtuado para ser utilizado a tais fins por mais legítimos que sejam pois o instrumento é inadequado Na expressão de BETTIOL597 isso constitui a derrocada completa do processo penal que deixa de ser portador de justiça para se converter em simples instrumento de tutela de interesses privados Há que se colocar as coisas no seu devido lugar GÓMEZ ORBANEJA598 também há muito tempo apontava para o perigo da privatización del proceso penal que segundo o autor é completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e com o próprio caráter estatal da pena Mas isso não significa que a vítima deva ficar desamparada senão que corresponde ao processo civil a efetiva missão de satisfazer seus interesses econômicos Não o processo penal Por fim poderseia questionar ainda a inconstitucionalidade do instituto na medida em que o art 129 I da Constituição é categórico ao afirmar que compete ao Ministério Público promover privativamente a ação penal pública na forma da lei A única exceção também constitucional ao poder privativo de promoção da ação penal pública está no art 5º LIX na chamada ação penal privada subsidiária ou substitutiva da pública nos termos e na forma anteriormente explicada Logo como não é possível assistente da acusação na ação penal de iniciativa privada pois ele é o autor principal e na pública a promoção é de atribuição privativa do Ministério Público não estaria recepcionada pelo texto constitucional a figura do assistente da acusação sendo ilegítima sua intervenção Apesar das críticas à figura do assistente da acusação tratase de intervenção admitida no sistema processual penal brasileiro pela maioria dos tribunais 32 Corréu Não Pode Ser Assistente Risco de Tumulto e Manipulação Processual Determina o art 270 do CPP que o corréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público Tratase de uma regra necessária e lógica para evitar a confusão processual de terse uma pessoa ocupando polos completamente antagônicos de auxiliar da acusação e réu ao mesmo tempo pois isso gera evidentes riscos de manipulações e fraudes Para melhor compreensão pensemos na seguinte situação os réus Júlio Fernando e Guilherme após roubarem um banco encontramse num local ermo para fazer a repartição dos ganhos Para obter um lucro maior Júlio e Fernando agridem Guilherme até acreditarem têlo matado Milagrosamente ele sobrevive Os processos pelo roubo e pela tentativa de homicídio são reunidos por força da conexão Uma vez unificados Guilherme poderá habilitarse como assistente do Ministério Público Não pois com a reunião dos processos ele é corréu coautor do delito de roubo e portanto incide a vedação do art 270 do CPP Contudo se a qualquer momento ele deixar de ser corréu por extinção da punibilidade absolvição definitiva etc cessa o impedimento e pode o agente recorrer como assistente não habilitado por exemplo 33 Momento de Ingresso do Assistente Iniciativa Probatória Pode o Assistente Arrolar Testemunhas Como o próprio nome indica o assistente auxilia a acusação logo é pressuposto de sua intervenção a existência de uma acusação pública formalizada denúncia Assim o pedido de habilitação como assistente somente pode ser feito após o recebimento da denúncia Ainda que com pouco rigor técnico o art 268 corrobora esse entendimento ao afirmar que em todos os termos da ação pública poderá intervir como assistente do Ministério Público o ofendido Na verdade o assistente pode intervir no processo nascido do exercício de ação penal de iniciativa pública e não na ação Não há intervenção na ação mas no processo Mas isso não significa que a vítima não possa intervir na investigação preliminar pois recordando o teor do art 14 do CPP ela poderá requerer qualquer diligência que será realizada ou não a critério da autoridade policial Contudo essa intervenção epidérmica não constitui assistência da acusação Recebida a denúncia poderá o ofendido requerer através de advogado devidamente constituído procuração sua habilitação como assistente para ingressar no processo Não está o assistente assim autorizado a recorrer da decisão que rejeita liminarmente a denúncia Já da decisão de absolvição sumária art 397 poderá o assistente recorrer se assim não o fizer o Ministério Público O recurso cabível no caso de absolvição sumária é o de apelação como também o é no caso de absolvição sumária no rito do Tribunal do Júri art 416 com base no art 593 II do CPP Quando o assistente não for a vítima mas sim o cônjuge ascendente descendente ou irmão art 268 cc art 261 além da procuração deverá o pedido vir instruído do respectivo documento que comprove esse vínculo O Ministério Público será ouvido previamente sobre a admissão do assistente art 272 mas o pedido somente será indeferido em caso de ilegitimidade ou falta de procuração Da decisão que admite ou não o assistente não caberá recurso determina o art 273 mas poderá ser impetrado Mandado de Segurança conforme o caso Mas ingressando no processo devese atentar para a expressão contida no art 269 de que o assistente receberá a causa no estado em que se achar O que significa isso Significa que o assistente não pode pleitear a repetição ou pretender a realização de atos cujo momento processual já tenha passado A intervenção do assistente é para os atos subsequentes ao seu ingresso nunca antecedentes a ele Nunca é retroativa Há que se ter muito cuidado com o art 271 quando por exemplo autoriza o assistente a propor meios de prova Pode o assistente arrolar testemunhas Não Como o assistente recebe o processo no estado em que se achar e sua intervenção somente é possível após o recebimento da denúncia não poderá arrolar testemunhas pois o momento processual para realização desse ato já ocorreu as testemunhas da acusação devem ser arroladas na denúncia Irrelevante portanto se o Ministério Público arrolou testemunhas em número inferior ao permitido pois o problema não se situa na quantidade mas sim na preclusão dessa via Para tentar superar esse obstáculo procedimental alguns autores recorrem a outro artifício defendem a possibilidade de que o assistente arrole suas testemunhas e postule ao juiz que as ouça como testemunhas do juízo nos termos do art 209 do CPP Eis um caminho que nos parece igualmente equivocado pois o art 209 não resiste a uma filtragem constitucional pois viola claramente as regras do sistema acusatório constitucionalmente assegurado Situação completamente distinta ocorre com as testemunhas de plenário nos crimes de competência do Tribunal do Júri Nesse caso as testemunhas que serão ouvidas no plenário de julgamento devem ser arroladas no prazo do art 422 Ainda que o artigo em questão não diga pensamos que a intimação deve ser estendida ao assistente uma vez que habilitado é parte no processo Contudo o limite máximo de 5 testemunhas de plenário que pode arrolar a acusação não pode ser ultrapassado de modo que ao assistente somente incumbe arrolar testemunhas se o MP não apresentar um rol completo Em suma não pode o assistente da acusação arrolar testemunhas exceto nos processos por crime de competência do Tribunal do Júri em que poderá arrolar testemunhas de plenário desde que somadas ao rol do MP não exceda o limite legal Sem embargo poderá propor outros meios de prova e participar da produção em juízo da prova testemunhal requerendo perguntas às testemunhas e vítimas Ao assistente é permitido juntar documentos e postular perícias sendo sempre ouvido previamente o Ministério Público E até quando poderá ser admitido o assistente Até o trânsito em julgado da decisão É possível assim que o assistente venha ao processo apenas para recorrer sendo tratado como assistente não habilitado A expressão não habilitado deve se entendida como não habilitado até a sentença pois mesmo nesse caso seu ingresso deverá ser feito através de duas peças processuais o pedido de habilitação como assistente devidamente instruído com procuração e a prova do parentesco ou matrimônio se for o caso a ser feito junto ao juízo a quo e em peça separada o respectivo recurso interposto Em se tratando de processo por crime de competência do Tribunal do Júri devese atentar para a regra do art 430 segundo o qual a intervenção do assistente no plenário de julgamento deverá ser requerida com antecedência pelo menos de 5 cinco dias salvo se já tiver sido admitido anteriormente Essa é uma regra para o assistente que ingressa no processo apenas para intervir em plenário pois se já estava habilitado não há necessidade desse requerimento 34 Assistente Habilitado e Não Habilitado Recursos que Pode Interpor Prazo Recursal O assistente da acusação deve sempre postular seu ingresso no processo demonstrando sua legitimidade para que possa intervir A rigor sempre haverá um pedido de habilitação mesmo quando ele vem apenas para recorrer Então a expressão assistente habilitado serve para designar aquele que ingressa no processo até a prolação da sentença de primeiro grau De outro lado quando o ofendido ingressa após a prolação da sentença como um terceiro interessado em recorrer é considerado assistente não habilitado Quando o ofendido ingressa no curso do processo assistente habilitado passa a ser intimado de todos os atos inclusive da sentença pois recebe o tratamento de parte Os atos que pode o assistente praticar estão descritos no art 271599 É sempre importante destacar que o assistente intervém como parte secundária auxiliando a acusação feita pelo Ministério Público nunca agindo como parte principal ou opondose àquele Há que se considerar para além do disposto no art 271 que existem limites à produção probatória pelo assistente como enumera HASSAN CHOUKR600 a limitação probatória cabível às partes no processo com a inadmissibilidade das provas ilícitas b compatibilidade do meio de prova requerido com o momento procedimental em que ele adentrou ao processo pois ele recebe o processo no estado em que se encontra sem possibilidade de repetição de atos ou postulação de prova fora do prazo estabelecido como ocorre com a prova testemunhal c concordância do Ministério Público No que tange aos recursos a regra geral é o assistente somente pode recorrer se o Ministério Público não o fizer ou seja sua atividade recursal é supletiva Quando o Ministério Público recorre o assistente poderá apenas arrazoar junto conforme o tipo de recurso utilizado Mas o assistente somente pode recorrer da impronúncia e da sentença final Sim Também pode em caso de inércia do Ministério Público recorrer em sentido estrito da decisão que declara a extinção da punibilidade pela prescrição ou outra causa art 581 VIII cc art 584 2º apelar como assistente não habilitado da decisão que absolve sumariamente o imputado art 397 apelar da sentença absolutória condenatória para majorar o valor da indenização fixado na sentença ou declaratória de extinção da punibilidade proferida por juiz singular utilizar o recurso de embargos declaratórios quando a decisão impugnada contiver obscuridade ambiguidade contradição ou omissão arts 382 e 619 ingressar com recurso especial e extraordinário nos casos dos arts 584 1º e 598 do CPP como define a Súmula 210 do STF601 Quanto ao prazo recursal a regra geral é o assistente habilitado é uma parte ainda que secundária e o prazo recursal será o mesmo do Ministério Público Para tanto há que se recordar que o assistente só recorre se o Ministério Público não o fizer e seu prazo começa a correr após o encerramento do prazo concedido ao MP Mas há que se considerar o seguinte se o assistente é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele se o assistente é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente Completamente diverso é o tratamento concedido ao assistente não habilitado que vem ao processo apenas para recorrer art 598602 do CPP A primeira pergunta que surge é por que o assistente não habilitado possui um prazo três vezes maior que aquele concedido às partes para apelar ou recorrer em sentido estrito Exatamente porque ele não é parte não está no processo e não é intimado o prazo para interposição do recurso apelação ou recurso em sentido estrito será maior Detalhe importante o prazo de 15 dias é para interposição Uma vez interposto e admitido o recurso o prazo para as razões será aquele definido no art 600 em caso de apelação ou no art 588 para o recurso em sentido estrito Apenas para esclarecer essa regra do prazo de 15 dias para interposição também se aplica ao assistente não habilitado que recorre em sentido estrito da decisão de impronúncia ou declaratória de extinção da punibilidade pois o art 584 1º remete para a regra do art 598 E como se conta esse prazo visto que o assistente não habilitado não é intimado Nos termos do disposto na Súmula 448 do STF ou seja começa a correr automaticamente após o transcurso do prazo do Ministério Público Em relação aos demais recursos anteriormente apontados embargos declaratórios recurso especial e extraordinário o assistente não habilitado deverá interpôlos nos seus respectivos prazos legais sem qualquer diferença no tratamento dado às partes Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO No processo intervêm três sujeitos juiz acusado e réu e duas partes acusador e acusado A comunicação dos atos processuais está a serviço da eficácia do contraditório primeiro momento da informação e do direito de defesa Não existe contraditório com o juiz mas contraditório assegurado pelo juiz 1 CITAÇÃO arts 351 a 369 comunicação ao réu da existência de uma acusação assegurando o contraditório informação para com isso criar as condições necessárias para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica A citação é feita através de mandado cumprido por oficial de justiça com os requisitos previstos nos arts 352 e 357 Se residir em local diverso será por carta precatória arts 353 e 354 ou rogatória arts 368 e 369 Citação do militar arts 358 e 221 2º requisição à autoridade superior Citação do funcionário público art 359 notifica o chefe da repartição Citação do réu preso além da requisição para condução do preso feita para o diretor do estabelecimento é necessária a citação pessoal do réu É nula a citação feita por edital de réu preso na mesma unidade Súmula 351 do STF 11 Citação real feita por mandado cumprido por meio de oficial de justiça que comunica ao réu pessoalmente 12 Citação ficta realizada através de edital e somente pode ser utilizada quando esgotadas todas as possibilidades de realizarse a citação real 13 Citação com hora certa inserida pelo art 362 tem seus requisitos legais previstos nos arts 227 a 229 do CPC Feita a citação com hora certa será nomeado defensor dativo Crítica risco de ressuscitar a possibilidade de processo sem conhecimento do acusado Sugestão após a citação com hora certa se o acusado não comparecer fazer citação por edital e se persistir a inatividade aplicar o art 366 14 Inatividade do réu Ausência e Não Comparecimento Inatividade Processual real Ausência gera a situação de ausência onde o réu foi devidamente citado mas não apresentou resposta à acusação aplicase o art 367 cc o art 396A 2º Na ausência réu foi encontrado e citado pessoalmente mas depois não oferece resposta à acusação ou não comparece na instrução de forma injustificada O processo continua com seu defensor constituído ou dativo sem que o réu seja novamente comunicado dos demais atos do processo Estar presente no processo é um direito do réu nunca um dever exceto no caso de liberdade provisória em que foi imposta essa condição Inatividade Processual Ficta Não Comparecimento Nesse caso fracassaram todas as tentativas de citação real não se encontrando o acusado que é citado por edital e não comparece aplicase o art 366 suspendendo o processo e a prescrição Posição do STF é constitucional a suspensão indefinida do processo e da prescrição Posição do STJ Súmula 415 considerando que a prescrição fica suspensa tomando como critério a pena máxima cominada depois volta a fluir Determinada a suspensão do processo e da prescrição pode ser decretada a prisão preventiva desde que presentes os requisitos autorizadores e a necessidade da medida Não é uma nova hipótese de prisão preventiva e tampouco existe prisão cautelar obrigatória A produção antecipada de provas é uma medida excepcional pois coloca em risco o contraditório e o direito de defesa ver Súmula 455 do STJ 15 Inadequação do conceito de revelia no processo penal é inadequado utilizarse o termo revelia no processo penal pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual ou inversão de carga probatória como no processo civil No processo penal não há distribuição de cargas probatórias mas mera atribuição ao acusador A revelia ou contumácia são categorias processuais carregadas de conotação negativa pejorativa punitiva inadequadas ao processo penal na medida em que não existe a produção de seus efeitos O não comparecimento do réu devidamente citado é uma mera ausência que poderá acarretar a sua não intimação para os próximos atos mas segue o dever de comunicação ao defensor imprescindibilidade da defesa técnica art 261 Não gera qualquer inversão de carga probatória e tampouco uma tramitação do processo sem defesa 2 NOTIFICAÇÃO E INTIMAÇÃO Há muita confusão de conceitos e pouco rigor técnico no CPP Notificação é a comunicação da existência de uma acusação gerando uma chance de oferecimento de defesa Após a reforma de 2008 em que o réu é citado para apresentar resposta à acusação estabeleceuse uma confusão entre os conceitos de notificação e citação Intimação é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado testemunha ou pessoa que deva tomar conhecimento do ato 3 CONTAGEM DE PRAZO art 798 são contínuos e peremptórios começando a correr da data do ato e não da juntada aos autos do mandado Súmula 710 do STF Prazos processuais se prorrogam quando terminarem em dias não úteis ao contrário dos prazos decadenciais que não se prorrogam como acontece com o direito de queixa ou representação 4 ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO arts 268 a 273 É uma parte contingente secundária Legitimidade art 268 cc o art 31 Interesse predominantemente econômico mas há quem admita que recorra para buscar aumento de pena Pode recorrer para buscar aumento do valor indenizatório Corréu não pode ser assistente risco de tumulto e manipulação processual art 270 Ingressa no processo após ter sido recebida a denúncia no estado em que o feito se encontra art 269 não podendo pedir repetição de atos já realizados e até o trânsito em julgado Pode propor meios de provas e participar de vários atos do processo art 271 Poderá recorrer mas devese atentar para a situação de estar ou não habilitado nos autos Pode o assistente arrolar testemunhas Entendemos que não pois ingressa após o recebimento da denúncia portanto a via está preclusa Tampouco se pode invocar o art 209 pois além de inconstitucional foi tacitamente revogado pelo art 3ºA do CPP infelizmente suspenso pela liminar do Min FUX 41 Assistente habilitado está no processo é parte secundária será intimado das decisões e poderá recorrer em sentido estrito ou apelar no mesmo prazo das demais partes ou seja em 5 dias 42 Assistente não habilitado não se habilitou não está no processo e por isso não é intimado dos atos e decisões Vem apenas para recorrer art 598 parágrafo único Terá o prazo de 15 dias para interpor o recurso em sentido estrito ou apelação Contagem do prazo Súmula 448 do STF Capítulo XI PRISÕES CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA A INEFICÁCIA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 1 Presunção de Inocência e Prisões Cautelares a Difícil Coexistência A Inconstitucionalidade da Execução Antecipada da Pena No Brasil a presunção de inocência está expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia É fruto da evolução civilizatória do processo penal Parafraseando GOLDSCHMIDT se o processo penal é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição a presunção de inocência é o ponto de maior tensão entre eles É um princípio fundamental de civilidade1 fruto de uma opção protetora do indivíduo ainda que para isso tenhase que pagar o preço da impunidade de algum culpável pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes sem exceção estejam protegidos Essa opção ideológica pois eleição de valor tratandose de prisões cautelares é da maior relevância pois decorre da consciência de que o preço a ser pago pela prisão prematura e desnecessária de alguém inocente pois ainda não existe sentença definitiva é altíssimo ainda mais no medieval sistema carcerário brasileiro Como explicamos no início desta obra no Capítulo II ao tratar dos princípios que regem o processo penal a Presunção de Inocência deve ser compreendida em sua tríplice dimensão norma de tratamento norma probatória e norma de julgamento Para o estudo das prisões cautelares importa a primeira dimensão o dever de tratar o acusado como inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Muito importante sublinhar que a presunção constitucional de inocência tem um marco claramente demarcado até o trânsito em julgado Neste ponto nosso texto constitucional supera os diplomas internacionais de direitos humanos e muitas constituições tidas como referência Há uma afirmação explícita e inafastável de que o acusado é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Mas também não é uma construção única basta ler as Constituições italiana e portuguesa que também asseguram a presunção de inocência até o trânsito em julgado2 No entanto a Presunção de Inocência não é absoluta e pode ser relativizada pelo uso das prisões cautelares O que permite a coexistência além do requisito e fundamento cautelar são os princípios que regem as medidas cautelares que serão estudados a seguir São eles que permitem a coexistência Então é importante compreender desde logo que se pode prender alguém em qualquer fase ou momento do processo ou da investigação preliminar inclusive em grau recursal desde que exista uma necessidade cautelar isto é o preenchimento do requisito e fundamento cautelar art 312 E quais são as prisões cautelares recepcionadas atualmente Prisão Preventiva e Prisão Temporária A prisão em flagrante também costuma ser considerada cautelar por parte da doutrina tradicional Divergimos neste ponto por considerar a prisão em flagrante como précautelar como explicaremos ao tratar dela De qualquer forma essas são as três modalidades de prisão que podem ocorrer antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória Não existem mais após a reforma de 2011 a prisão decorrente da pronúncia e a prisão decorrente da sentença penal condenatória recorrível Elas agora como determinam os respectivos arts 413 3º e 387 1º do CPP passam a ser tratadas como prisão preventiva não só porque somente podem ser decretadas se presentes o requisito e fundamento mas também devem ser assim nominadas Após o trânsito em julgado o que temos é uma prisãopena ou seja a execução definitiva da sentença e o cumprimento da pena privativa de liberdade Tais conclusões brotam da redação do art 283 do CPP Art 283 Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado E a execução antecipada da pena após o julgamento da segunda instância mas antes do trânsito em julgado É inconstitucional pois não se reveste de caráter cautelar e não foi recepcionada pelo art 283 do CPP além de violar a presunção de inocência ao tratar alguém de forma análoga à de um condenado antes do trânsito em julgado Neste sentido após uma oscilação de entendimento inaugurada pelo julgamento errôneo do HC 126292 em 2016 o STF julgou procedentes as Ações Declaratórias de Constitucionalidade ADC 43 44 e 54 em 2019 que tinham por objeto o art 283 do CPP Com isso a execução antecipada não foi recepcionada pela Constituição Mas considerando a polêmica em torno do tema gostaríamos de destacar que3 1 Não é correto afirmar que o sistema brasileiro adotou a presunção de não culpabilidade e não a presunção de inocência Essa é uma concepção ultrapassada que desconsidera o disposto no art 82 da CADH e faz uma leitura bastante reducionista do art 5º LVII da CF Ademais a CF adota expressamente o trânsito em julgado como marco para a perda da presunção de inocência cláusula pétrea 2 É errado afirmar que alguém é considerado culpado após a decisão de segundo grau porque dela somente cabem recursos especial e extraordinário que não permitem reexame de provas Primeiramente há que se compreender que no Brasil adotamos a culpabilidade normativa ou seja o conceito normativo de culpabilidade exige que somente se possa falar em e tratar como culpado após o transcurso inteiro do processo penal e sua finalização com a imutabilidade da condenação E mais somente se pode afirmar que está comprovada legalmente a culpa como exige o art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos com o trânsito em julgado da decisão condenatória 3 E o caráter extraordinário dos recursos Em nada afeta porque o caráter extraordinário desses recursos não altera ou influi no conceito de trânsito em julgado expressamente estabelecido como marco final do processo culpabilidade normativa e inicial para o tratamento de culpado A essa altura não preciso aqui explicar o que seja trânsito em julgado coisa julgada formal e material mas é comezinho e indiscutível que não se produz na pendência de qualquer recurso 4 O STF é o guardião da Constituição não seu dono e tampouco o criador do Direito Processual Penal ou de suas categorias jurídicas É preciso compreender que os conceitos no processo penal têm fonte e história e não cabe que sejam manejados irrefletidamente Geraldo Prado ou distorcidos de forma autoritária e a golpes de decisão Há que se ter consciência disso principalmente em tempos de decisionismo sigo com STRECK e ampliação dos espaços impróprios da discricionariedade judicial O STF não pode criar um novo conceito de trânsito em julgado numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação Esse é um exemplo claro e inequívoco do que é dizer qualquercoisasobrequalquercoisa de forma autoritária e antidemocrática 5 E a ausência de efeito suspensivo desses recursos Primeiramente não guarda qualquer relação de prejudicialidade com o conceito de trânsito em julgado marco exigido pela Constituição para o fim da presunção de inocência Em segundo lugar é mais um civilismo fruto da equivocada adoção da teoria geral do processo que desconsidera as categorias jurídicas próprias do processo penal e também a eficácia constitucional de proteção que inexiste no processo civil 6 Inadequada invocação do direito comparado desconsiderando as especificidades de cada sistema recursal e constitucional Os países invocados no acórdão não admitem que se chegue pela via recursal além do segundo grau de jurisdição O que se tem depois são ações de impugnação com caráter rescisório desconstitutivas da coisa julgada que já se operou É uma estrutura completamente diferente Para além disso há uma diferença crucial e não citada nossa Constituição prevê ao contrário das invocadas a presunção de inocência ATÉ o trânsito em julgado Essa é uma especificidade que impede o paralelismo uma distinção insuperável 7 É falacioso o argumento de que o número de decisões modificadas em grau de recurso especial e extraordinário é insignificante Os dados trazidos pelas defensorias públicas de SP RJ e da União quando do julgamento do HC 126292 e das ADCs mostram um índice altíssimo em torno de 46 de reversão de efeitos Para compreender essa taxa de reversão é preciso ter um mínimo de honestidade metodológica pois não se pode usar como argumento de busca apenas as palavras recurso especial e absolvição É preciso considerar os agravos em REsp e RExt os agravos regimentais embargos declaratórios com efeitos infringentes e principalmente o imenso número de habeas corpus substitutivos Além da absolvição devese considerar outras decisões da maior relevância como redução da pena mudança de regime substituição da pena anulação do processo reconhecimento de ilicitude probatória mudança da tipificaçãodesclassificação enfim vários outros resultados positivos e relevantes que se obtêm em sede de REsp e RExt e que mostram a imensa injustiça de submeter alguém a execução antecipada de uma pena que depois é significativamente afetada 8 É no mínimo um grande paradoxo que o STF reconheça o estado de coisas inconstitucional ADPF 347 MCDF Rel Min Marco Aurélio julgado em 09092015 Info 798 do sistema carcerário brasileiro e admita desconsiderando o gravíssimo impacto carcerário a execução antecipada da pena 9 O que é preciso ser enfrentado é a demora jurisdicional Esse é o ponto nevrálgico da questão e que não é resolvido pela execução antecipada Os recursos especial e extraordinário continuarão demorando anos e anos para serem julgados com a agravante de que alguém pode estar injustamente preso Efetivamente existe um excesso de demanda da jurisdição do STJ especialmente o que representa um sintoma do mau funcionamento das jurisdições de primeiro e segundo graus e uma atrofia da estrutura desse tribunal superior que não dá conta de atender a um país de dimensões continentais como o nosso Essa é a causa da demora nas decisões que não será resolvida com a limitação da presunção de inocência imposta pelo STF Os recursos especiais continuarão a demorar para serem julgados pois a causa efetiva não foi atacada A diferença é que agora teremos demora com prisão E se ao final o REsp for provido e reduzida a pena alterado o regime de cumprimento anulada a decisão etc o tempo indevidamente apropriado pelo Estado com essa prisão precoce e desnecessária não será restituído jamais Quem vai devolver o tempo de prisão indevidamente imposto 10 Por fim ainda que sucintamente o discurso de combate à impunidade é um argumento falacioso Em apertadíssima síntese o papel do STF não é de corresponder às expectativas sociais criadas se fosse assim teria de admitir a tortura para obter a confissão a pena de morte a pena perpétua e outras atrocidades do estilo de forte apelo popular mas constitucionalmente impensáveis mas sim de corresponder às expectativas jurídicoconstitucionais ou seja atuar como guardião da CF e da eficácia dos direitos fundamentais ainda que tenha que decidir de forma contramajoritária Um dos primeiros deveres do STF é o de dizer não ao vilipêndio de garantias constitucionais ainda que essa decisão seja completamente contrária à maioria E a execução antecipada da pena após o julgamento pelo tribunal do júri em primeiro grau portanto quando a pena aplicada for igual ou superior a 15 anos art 492 I e do CPP É igualmente inconstitucional com a agravante de que se trata de execução antecipada em primeiro grau Aplicamse todas as críticas já feitas aqui Voltaremos ao tema quando tratarmos do rito do tribunal do júri Muito sucintamente essas são as críticas que fazemos em relação à execução antecipada da pena 2 Teoria das Prisões Cautelares Como identificou J GOLDSCHMIDT4 grave problema existe no paralelismo entre processo civil e processo penal principalmente quando são buscadas categorias e definições do processo civil e pretendese sua aplicação automática no processo penal Assim vemos alguns conceitos erroneamente utilizados pelo senso comum teórico e também jurisprudencial em torno do requisito e fundamentos da prisão bem como de seu objeto 21 Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora A Impropriedade desses Termos Categorias do Processo Penal Fumus Commissi Delicti e Periculum Libertatis As medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e como consequência a eficaz aplicação do poder de penar São medidas destinadas à tutela do processo Filiamonos à corrente doutrinária5 que defende seu caráter instrumental em que las medidas cautelares son pues actos que tienem por objeto garantizar el normal desarrollo del proceso y por tanto la eficaz aplicación del jus puniendi Este concepto confiere a las medidas cautelares la nota de instrumentalidad en cuanto son medios para alcanzar la doble finalidad arriba apuntada6 Delimitado o objeto das medidas cautelares é importante frisar nossa discordância7 em relação à doutrina tradicional que ao analisar o requisito e o fundamento das medidas cautelares identificaos com o fumus boni iuris e o periculum in mora seguindo assim as lições de CALAMANDREI em sua célebre obra Introduzione allo studio sistematico dei provedimenti cautelari8 De destacarse que o trabalho de CALAMANDREI é de excepcional qualidade e valia mas não se podem transportar alguns de seus conceitos para o processo penal de forma imediata e impensada como tem sido feito O equívoco consiste em buscar a aplicação literal da doutrina processual civil ao processo penal exatamente em um ponto em que devemos respeitar as categorias jurídicas próprias do processo penal pois não é possível tal analogia Constitui uma impropriedade jurídica e semântica afirmar que para a decretação de uma prisão cautelar é necessária a existência de fumus boni iuris Como se pode afirmar que o delito é a fumaça de bom direito Ora o delito é a negação do direito sua antítese No processo penal o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado mas sim de um fato aparentemente punível Logo o correto é afirmar que o requisito para decretação de uma prisão cautelar é a existência do fumus commissi delicti enquanto probabilidade da ocorrência de um delito e não de um direito ou mais especificamente na sistemática do CPP a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Seguindo a mesma linha de CALAMANDREI a doutrina considera equivocadamente o periculum in mora como outro requisito das cautelares Em primeiro lugar o periculum não é requisito das medidas cautelares mas sim o seu fundamento Em segundo lugar a confusão aqui vai mais longe fruto de uma equivocada valoração do perigo decorrente da demora no sistema cautelar penal Para CALAMANDREI9 o periculum in mora é visto como o risco derivado do atraso inerente ao tempo que deve transcorrer até que recaia uma sentença definitiva no processo Tal conceito se ajusta perfeitamente às medidas cautelares reais em que a demora na prestação jurisdicional possibilita a dilapidação do patrimônio do acusado Sem embargo nas medidas coercitivas pessoais o risco assume outro caráter Aqui o fator determinante não é o tempo mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado Falase nesses casos em risco de frustração da função punitiva fuga ou graves prejuízos ao processo em virtude da ausência do acusado ou no risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta em relação à coleta da prova O perigo não brota do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo Não é o tempo que leva ao perecimento do objeto O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo perigo de fuga destruição da prova em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo Logo o fundamento é um periculum libertatis enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado É necessário abandonar a doutrina civilista de CALAMANDREI para buscar conceitos próprios e que satisfaçam plenamente as necessidades do processo penal recordando sempre que as medidas cautelares são instrumentos a serviço do processo para tutela da prova ou para garantir a presença da parte passiva10 22 Medidas Cautelares e Não Processo Cautelar A sistemática do Código de Processo Penal não contempla a existência de ação cautelar até porque no processo penal inexiste um processo cautelar Daí por que não concordamos com essa categorização de ação cautelar penal dada por alguma doutrina O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução inexistindo um verdadeiro processo penal cautelar Logo não havendo processo penal cautelar não há que se falar de ação cautelar Essa questão foi muito bem tratada por TUCCI11 que categoricamente refuta a possibilidade de uma ação cautelar concebendo apenas ações cognitivas e executivas O que se tem são medidas cautelares penais a serem tomadas no curso da investigação preliminar do processo de conhecimento e até mesmo no processo de execução As prisões cautelares sequestros de bens hipoteca legal e outras são meras medidas incidentais ainda que na fase préprocessual onde se cogitaria de um pseudocaráter preparatório em que não há o exercício de uma ação específica que gere um processo cautelar diferente do processo de conhecimento ou que possua uma ação penal autônoma Assim não há que se falar em processo cautelar mas em medidas cautelares 23 Inexistência de um Poder Geral de Cautela Ilegalidade das Medidas Cautelares Atípicas Até o advento da Lei n 12403 de 4 de maio de 2011 o sistema cautelar brasileiro era morfologicamente bastante pobre resumindose à prisão cautelar ou liberdade provisória Diante disso começaram a surgir decisões que por exemplo revogando uma prisão preventiva impunham condições ao imputado tais como entrega de passaporte restrição de locomoção dever de informar viagens etc No mais das vezes tais medidas vinham decretadas a título de poder geral de cautela Sustentávamos antes da Lei n 12403 de 4 de maio de 2011 a ilegalidade de tais medidas por completa ausência de previsão legal A situação agora mudou em parte pela consagração de medidas antes desconhecidas mas a impossibilidade de medidas atípicas permanece No processo civil explica CALAMANDREI12 é reconhecido o poder geral de cautela potere cautelare generale confiado aos juízes em virtude do qual eles podem sempre onde se manifeste a possibilidade de um dano que deriva do atraso de um procedimento principal providenciar de modo preventivo a eliminar o perigo utilizando a forma e o meio que considerem oportunos e apropriados ao caso Significa dizer que o juiz cível possui amplo poder de lançar mão de medidas de cunho acautelatório mesmo sendo atípicas as medidas para efetivar a tutela cautelar Tanto que o processo civil além das medidas de antecipação da tutela consagra um rol de medidas cautelares nominadas e a aceitação das medidas inominadas em nome do poder geral de cautela Mas isso só é possível no processo civil No processo penal não existem medidas cautelares inominadas e tampouco possui o juiz criminal um poder geral de cautela No processo penal forma é garantia Logo não há espaço para poderes gerais pois todo poder é estritamente vinculado a limites e à forma legal O processo penal é um instrumento limitador do poder punitivo estatal de modo que ele somente pode ser exercido e legitimado a partir do estrito respeito às regras do devido processo E nesse contexto o Princípio da Legalidade é fundante de todas as atividades desenvolvidas posto que o due process of law estruturase a partir da legalidade e emana daí seu poder A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu É crucial para compreensão do tema o conceito de fattispecie giuridica processuale13 isto é o conceito de tipicidade processual e de tipo processual pois forma é garantia Isso mostra novamente a insustentabilidade de uma teoria unitária infelizmente tão arraigada na doutrina e jurisprudência brasileiras pois não existe conceito similar no processo civil Como todas as medidas cautelares pessoais ou patrimoniais implicam severas restrições na esfera dos direitos fundamentais do imputado exigem estrita observância do princípio da legalidade e da tipicidade do ato processual por consequência Não há a menor possibilidade de tolerarse restrição de direitos fundamentais a partir de analogias menos ainda com o processo civil como é a construção dos tais poderes gerais de cautela Toda e qualquer medida cautelar no processo penal somente pode ser utilizada quando prevista em lei legalidade estrita e observados seus requisitos legais no caso concreto E agora como ficou a situação Nossa crítica ao poder geral de cautela não se esvaziou com o advento da Lei n 124032011 pois ela apenas ampliou o rol de medidas cautelares sem jamais contemplar uma cláusula geral deixando ao livrearbítrio do juiz criar outras medidas além daquelas previstas em lei A nova lei instituiu um modelo polimorfo em que o juiz poderá dispor de um leque de medidas substitutivas da prisão cautelar Portanto hoje estão autorizadas apenas as medidas previstas nos arts 319 e 320 ou seja um rol taxativo de medidas cautelares diversas da prisão Claro que medidas necessárias para a implantação da cautelar podem ser adotadas inclusive porque possuem previsão legal É o caso da entrega do passaporte agora previsto no art 320 Qualquer restrição fora desses limites é ilegal Segue o juiz ou tribunal atrelado ao rol de medidas previstas em lei não podendo criar outras medidas além daquelas previstas no ordenamento 3 Principiologia das Prisões Cautelares A base principiológica é estruturante e fundamental no estudo de qualquer instituto jurídico Especificamente nessa matéria prisões cautelares são os princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgado com a garantia da presunção de inocência Vejamos as notas características dos princípios orientadores do sistema cautelar 31 Jurisdicionalidade e Motivação Toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial fundamentada A prisão em flagrante é uma medida précautelar uma precária detenção que pode ser feita por qualquer pessoa do povo ou autoridade policial Neste caso o controle jurisdicional se dá em momento imediatamente posterior com o juiz homologando ou relaxando a prisão e a continuação decretando a prisão preventiva ou concedendo liberdade provisória Em qualquer caso fundamentando sua decisão nos termos do art 93 IX da Constituição e do art 315 do CPP14 O princípio da jurisdicionalidade está intimamente relacionado com o due process of law Como prevê o art 5º LIV ninguém será ou melhor deveria ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal Portanto para haver privação de liberdade necessariamente deve preceder um processo nulla poena sine praevio iudicio isto é a prisão só pode ser após o processo No Brasil a jurisdicionalidade está consagrada no art 5º LXI da CB segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de crime militar Assim ninguém poderá ser preso por ordem de delegado de polícia promotor ou qualquer outra autoridade que não a judiciária juiz ou tribunal com competência para tanto ainda art 28315 Eventual ilegalidade deverá ser remediada pela via do habeas corpus nos termos do art 648 III do CPP No caso de prisão em flagrante a comunicação ao juiz ocorre em dois momentos imediatamente após a detenção e ao final da lavratura do auto de prisão em flagrante quando então todas as peças são encaminhadas ao juiz A rigor cotejando os princípios da jurisdicionalidade com a presunção de inocência a prisão cautelar seria completamente inadmissível Contudo o pensamento liberal clássico buscou sempre justificar a prisão cautelar e a violação de diversas garantias a partir da cruel necessidade Assim quando ela cumpre sua função instrumentalcautelar seria tolerada em nome da necessidade e da proporcionalidade o problema está na banalização da medida Por fim chamamos a atenção que na perspectiva do sistema acusatório está vedada a prisão decretada de ofício pelo juiz Nesse sentido ainda o disposto no art 282 2º Art 282 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou quando no curso da investigação criminal por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público Ainda na mesma perspectiva está o art 311 do CPP Art 311 Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial Portanto necessariamente o juiz decide a partir do requerimento da parte acusadora ou na investigação preliminar mediante representação da autoridade policial ou pedido do MP Jamais de ofício 32 Contraditório Falar em contraditório em sede de medida cautelar há alguns anos era motivo de severa crítica senão uma heresia jurídica Mas ele é perfeitamente possível e sempre reclamamos sua incidência Obviamente quando possível e compatível com a medida a ser tomada Nossa sugestão sempre foi de que o detido fosse desde logo conduzido ao juiz que determinou a prisão a chamada audiência de custódia para que após ouvilo decida fundamentadamente se mantém ou não a prisão cautelar Através de um ato simples como esse o contraditório realmente tem sua eficácia de direito à audiência e provavelmente se levado a sério evitaria muitas prisões cautelares injustas e desnecessárias Ou ainda mesmo que a prisão se efetivasse haveria um mínimo de humanidade no tratamento dispensado ao detido na medida em que ao menos teria sido ouvido pelo juiz Não sem razão o art 8º1 da CADH determina que toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente O contraditório nas medidas cautelares está agora previsto no art 282 3º 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida o juiz ao receber o pedido de medida cautelar determinará a intimação da parte contrária para se manifestar no prazo de 5 cinco dias acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias permanecendo os autos em juízo e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional Importante passo em direção a eficácia do contraditório foi dado nesse artigo na medida em que a regra agora é a intimação da defesa ainda que a lei fale em parte contrária só poderá ser a defesa por razões óbvias de que o MP não sofre medida cautelar para manifestação prévia a decretação Preferencialmente deveria o juiz das garantias realizar uma audiência oral e pública cultura de audiência ainda que o dispositivo fale em manifestação escrita Portanto o contraditório é a regra Excepcionalmente poderá o juiz deixar de efetivar o contraditório nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida mas nessa hipótese deverá proferir uma decisão justificando e fundamentando em elementos do caso concreto essa excepcionalidade É uma mudança muito relevante na lei e que deverá se refletir na postura dos juízes das garantias Obviamente poderá o juiz deixar de intimar o imputado quando a prisão preventiva estiver fundada por exemplo em risco de fuga sob pena de ineficácia da medida Mas o ideal é que o contraditório se dê no próximo momento ou seja que o juiz das garantias que decretou a prisão preventiva imediatamente realize a audiência de custódia sustentamos sempre que a audiência de custódia serve para qualquer prisão cautelar e não apenas para o flagrante para avaliação em contraditório judicial se estão presentes efetivamente o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Não vemos qualquer óbice a que isso ocorra no novel sistema vigente Importante destacar a exigência para não realização do contraditório de que a urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional Portanto decisão concretamente fundamentada não permite argumentos vagos genéricos formulários aplicáveis a qualquer caso É preciso uma fundamentação específica para o caso concreto e não uma retórica vaga aplicável a qualquer situação Outro momento importante de eficácia do contraditório ocorre quando é pedida a substituição cumulação ou mesmo revogação da medida cautelar diversa e a decretação da prisão preventiva A suspeita de descumprimento de quaisquer das condições impostas nas medidas cautelares diversas previstas no art 319 exigirá como regra o contraditório prévio a substituição cumulação ou mesmo revogação da medida É necessário agora e perfeitamente possível que o imputado possa contradizer eventual imputação de descumprimento das condições impostas antes que lhe seja decretada por exemplo uma grave prisão preventiva Por fim a inobservância desta garantia constitucional art 5º LV acarretará a nosso juízo a nulidade da substituição cumulação ou revogação da medida cautelar remediável pela via do habeas corpus 33 Provisionalidade e o Princípio da Atualidade do Perigo Nas prisões cautelares a provisionalidade é um princípio básico pois são elas acima de tudo situacionais na medida em que tutelam uma situação fática Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commissi delicti eou no periculum libertatis deve cessar a prisão O desaparecimento de qualquer uma das fumaças impõe a imediata soltura do imputado na medida em que é exigida a presença concomitante de ambas requisito e fundamento para manutenção da prisão O TEDH atento a essa constante inobservância por parte de diversos Estados europeus decidiu em algumas ocasiões vg Caso Ringeisen que a prisão cautelar era excessiva não tanto por sua duração como um todo senão pela manutenção da custódia cautelar após o desaparecimento das razões que a justificavam O desprezo pela provisionalidade consagrada no art 282 4º e 5º16 conduz a uma prisão cautelar ilegal não apenas pela falta de fundamento que a legitime mas também por indevida apropriação do tempo do imputado Portanto a prisão preventiva ou quaisquer das medidas alternativas poderão ser revogadas ou substituídas a qualquer tempo no curso do processo ou não desde que desapareçam os motivos que as legitimam bem como poderão ser novamente decretadas desde que surja a necessidade periculum libertatis Sublinhese que a provisionalidade adquire novos contornos com a pluralidade de medidas cautelares agora recepcionadas pelo sistema processual de modo a permitir uma maior fluidez na lida por parte do juiz dessas várias medidas Está autorizada a substituição de medidas por outras mais brandas ou mais graves conforme a situação exigir bem como cumulação ou mesmo revogação no todo ou em parte Noutra dimensão mas intimamente relacionada com a provisionalidade está o Princípio da Atualidade ou Contemporaneidade do Perigo Para que uma prisão preventiva seja decretada é necessário que o periculum libertatis seja atual presente não passado e tampouco futuro e incerto A atualidade do perigo é elemento fundante da natureza cautelar Prisão preventiva é situacional provisional ou seja tutela uma situação fática presente um risco atual No RHC 67534RJ o Min Sebastião Reis Junior afirma a necessidade de atualidade e contemporaneidade dos fatos No HC 126815MG o Min Marco Aurélio utilizou a necessidade de análise atual do risco que funda a medida gravosa Isso é o reconhecimento do Princípio da Atualidade do Perigo Recepcionando esse entendimento a Lei n 139642019 estabeleceu que para decretação da prisão preventiva é necessário art 312 2º 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada Importantíssima é ainda a determinação contida no art 315 do CPP Art 315 A decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória sentença ou acórdão que I limitarse à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida II empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso III invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão IV não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de em tese infirmar a conclusão adotada pelo julgador V limitarse a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos VI deixar de seguir enunciado de súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo calcado na prova existente nos autos A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter uma fundamentação de qualidade e adequada ao caráter cautelar Deve o juiz demonstrar com base na prova trazida aos autos a probabilidade e atualidade do periculum libertatis Se não existe atualidade do risco não existe periculum libertatis e a prisão preventiva é despida de fundamento Nessa linha o 2º do art 312 exige que para decretação da prisão preventiva o perigo necessidade cautelar deve ter existência concreta em fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a medida adotada Por fim o art 316 bem demonstra o caráter situacional da prisão preventiva que poderá ser decretada substituída e até voltar a ser decretada conforme exista ou não a necessidade cautelar Nesse sentido Art 316 O juiz poderá de ofício ou a pedido das partes revogar a prisão preventiva se no correr da investigação ou do processo verificar a falta de motivo para que ela subsista bem como novamente decretála se sobrevierem razões que a justifiquem 34 Provisoriedade Falta de Fixação do Prazo Máximo de Duração e o Reexame Periódico Obrigatório Distinto do princípio anterior a provisoriedade está relacionada ao fator tempo de modo que toda prisão cautelar deveria ser temporária de breve duração Manifestase assim na curta duração que deve ter a prisão cautelar até porque é apenas tutela de uma situação fática provisionalidade e não pode assumir contornos de pena antecipada Aqui reside um dos maiores problemas do sistema cautelar brasileiro a indeterminação Reina a absoluta indeterminação acerca da duração da prisão cautelar pois em momento algum foi disciplinada essa questão Excetuando se a prisão temporária cujo prazo máximo de duração está previsto em lei17 a prisão preventiva segue sendo absolutamente indeterminada podendo durar enquanto o juiz ou tribunal entender existir o periculum libertatis Ao longo da tramitação do PL 42082001 tentouse fixar um prazo máximo de duração da prisão cautelar inclusive sendo redigido o art 315A que determinava que a prisão preventiva terá duração máxima de 180 dias em cada grau de jurisdição exceto quando o investigado ou acusado tiver dado causa à demora Infelizmente o dispositivo que pretendia fixar prazo máximo de duração da prisão preventiva acabou vetado na Lei n 12403 e um problema histórico não foi resolvido A jurisprudência tentou sem grande sucesso construir limites globais a partir da soma dos prazos que compõem o procedimento aplicável ao caso Assim resumidamente se superados os tais 81 dias o imputado continuasse preso e o procedimento ordinário não estivesse concluído leiase sentença de 1º grau haveria excesso de prazo remediável pela via do habeas corpus art 648 II A liberdade em tese poderia ser restabelecida permitindose a continuação do processo Algumas decisões até admitiram considerar o excesso de prazo de forma isolada a partir da violação do limite estabelecido para a prática de algum ato específico ex a denúncia deverá ser oferecida no prazo máximo de 5 dias quando o imputado estiver preso de modo que superado esse limite sem a prática do ato a prisão seria ilegal A Lei n 117192008 estabeleceu que no rito comum ordinário a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada em no máximo 60 dias sendo o rito sumário esse prazo cai para 30 dias No rito do Tribunal do Júri a Lei n 116892008 alterando o art 412 fixou o prazo de 90 dias para o encerramento da primeira fase São marcos que podem ser utilizados como indicativos de excesso de prazo em caso de prisão preventiva Contudo são prazos sem sanção logo com um grande risco de ineficácia Dessarte concretamente não existe nada em termos de limite temporal das prisões cautelares impondose uma urgente discussão em torno da matéria para que normativamente sejam estabelecidos prazos máximos de duração para as prisões cautelares a partir dos quais a segregação seja absolutamente ilegal Enquanto isso não acontecer os abusos continuam Quanto a Súmula 52 do STJ18 ela infelizmente continua em vigor Como já explicamos em outra oportunidade em coautoria com GUSTAVO BADARÓ19 a súmula cria um termo final anterior à prolação da sentença que é incompatível com o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável fixado no art 5º LXXVIII da Constituição Esse encurtamento do termo final ou seja a adoção de um termo a quo anterior ao julgamento em primeiro grau é incompatível com o direito ao processo penal em prazo razoável assegurado pelo art 5º inc LXXVIII da Constituição O direito à razoável duração do processo não pode ser reduzido ao direito à razoável duração da instrução O término da instrução não põe fim ao processo adverte BADARÓ Encerrada a instrução ainda poderão ser realizadas diligências complementares deferidas pelo juiz memoriais substitutivos dos debates orais e finalmente o prazo para a sentença No mesmo sentido completamente superada está a Súmula 21 do STJ cujo verbete é pronunciado o réu fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo da instrução Como sublinha BADARÓ20 o procedimento do júri somente termina com o julgamento em plenário e não com a decisão de pronúncia Pronunciado o acusado terá fim apenas a primeira fase do processo mas não todo o processo Não há por que excluir do cômputo do prazo razoável toda a segunda fase do procedimento do júri Assim o termo final do direito à razoável duração do processo no procedimento do Júri deverá ser o fim da sessão de julgamento pelo Tribunal Popular sendo inadmissível novamente criarse um termo final para fins de análise do prazo razoável antes da prolação da sentença É chegado o momento de serem canceladas as Súmulas 52 e 21 do STJ pois incompatíveis com o direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável Voltando ao problema brasileiro com a reforma operada pela Lei n 124032011 perdeuse uma grande oportunidade de resolver o problema da falta de definição em lei21 da duração máxima da prisão cautelar e também da previsão de uma sanção processual em caso de excesso imediata liberação do detido O limite aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção Do contrário os abusos continuarão Por fim há que se comemorar a inserção do dever de revisar no máximo a cada 90 dias as prisões preventivas decretadas como determina o art 316 parágrafo único do CPP inserido pela Lei n 139642019 Art 316 O juiz poderá de ofício ou a pedido das partes revogar a prisão preventiva se no correr da investigação ou do processo verificar a falta de motivo para que ela subsista bem como novamente decretála se sobrevierem razões que a justifiquem Parágrafo único Decretada a prisão preventiva deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 noventa dias mediante decisão fundamentada de ofício sob pena de tornar a prisão ilegal Grande evolução que evita que o juiz simplesmente esqueça do preso cautelar bem como impõem o dever de verificar se persistem os motivos que autorizaram a prisão preventiva ou já desapareceram Tal agir deverá ser de ofício independente de pedido até porque se trata de controle da legalidade do ato um dever de ofício do juiz Por fim chamamos a atenção de que finalmente temos o dever de revisar periodicamente a medida e também de que esse é um prazo com sanção não cumprido o prazo e o reexame a prisão será considerada ilegal 35 Excepcionalidade O art 282 6º é importante e consagra a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado enfatizando a necessidade de análise sobre a adequação e suficiência das demais medidas cautelares Diz o artigo Art 282 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar observado o art 319 deste Código e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto de forma individualizada Portanto a prisão preventiva pressupõe que se esgotem as possibilidades de substituição pelas medidas cautelares diversas e essa impossibilidade não é presumida senão que exige uma fundamentação idônea com fulcro em elementos presentes no caso concreto e de forma individualizada Dessarte não há espaço para argumentos vagos genéricos ou formulários exigindose uma análise individualizada e com base em elementos do caso concreto em questão Igualmente importante é o disposto no inciso II do art 310 ao afirmar que a prisão em flagrante poderá ser convertida em preventiva quando presentes os requisitos legais e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão Portanto prisão preventiva somente quando inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão aplicadas de forma isolada ou cumulativa Nessa linha o art 282 I determina que as medidas cautelares devem atentar para a necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais O art 282 menciona os princípios da Necessidade e da Adequação no fundo tratase do Princípio da Proporcionalidade das medidas cautelares e não apenas da prisão cautelar mas comete o primeiro tropeço ao remeter a um fundamento não consagrado na reforma qual seja o risco de reiteração para evitar a prática de infrações penais O art 312 mantém infelizmente os mesmos 4 fundamentos da prisão cautelar garantia da ordem pública da ordem econômica da instrução e da aplicação da lei penal e não consagra o risco de reiteração ao qual faz referência o art 282 A expressão para evitar a prática de infrações penais é o chamado risco de reiteração fundamento recepcionado em outros sistemas processuais como explicaremos ao tratar da prisão preventiva mas desconhecido pelo nosso pois não aceitamos a manipulação discursiva feita em torno da prisão para garantia da ordem pública com vistas a abranger uma causa reiteração que ali não pode estar Feita essa ressalva continuemos Neste terreno excepcionalidade necessidade e proporcionalidade devem caminhar juntas Ademais a excepcionalidade deve ser lida em conjunto com a presunção de inocência constituindo um princípio fundamental de civilidade fazendo com que as prisões cautelares sejam efetivamente a ultima ratio do sistema reservadas para os casos mais graves tendo em vista o elevadíssimo custo que representam O grande problema é a massificação das cautelares levando ao que FERRAJOLI denomina crise e degeneração da prisão cautelar pelo mau uso No Brasil as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas a ponto de primeiro se prender para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida Ademais está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos pois se prende para investigar quando na verdade primeiro se deveria investigar diligenciar para somente após prender uma vez suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Com razão FERRAJOLI22 afirma que a prisão cautelar é uma pena processual em que primeiro se castiga e depois se processa atuando com caráter de prevenção geral e especial e retribuição Ademais diz o autor se fosse verdade que elas não têm natureza punitiva deveriam ser cumpridas em instituições penais especiais com suficientes comodidades uma boa residência e não como é hoje em que o preso cautelar está em situação pior do que a do preso definitivo pois não tem regime semiaberto ou saídas temporárias23 Infelizmente as prisões cautelares acabaram sendo inseridas na dinâmica da urgência desempenhado um relevantíssimo efeito sedante da opinião pública pela ilusão de justiça instantânea A dimensão simbólica de uma prisão imediata que a cautelar proporciona acaba sendo utilizada para construir uma falsa noção de eficiência do aparelho repressor estatal e da própria justiça Com isso o que foi concebido para ser excepcional tornase um instrumento de uso comum e ordinário desnaturandoo completamente Nessa teratológica alquimia sepultase a legitimidade das prisões cautelares Concluise portanto que o problema não é legislativo mas cultural É preciso romper com a cultura inquisitória e a banalização da prisão preventiva 36 Proporcionalidade Definido como o princípio dos princípios a proporcionalidade24 é o principal sustentáculo das prisões cautelares As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses opostos sobre os quais gira o processo penal o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos25 O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada sob pena de flagrante violação à presunção de inocência Nesse sentido ainda determina o art 313 2º 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia Portanto jamais a prisão preventiva poderá representar uma antecipação no cumprimento da pena ou ser automática Ainda que tenham origens diferentes razoabilidade Estados Unidos e proporcionalidade Alemanha guardam entre si uma relação de fungibilidade como explica SOUZA DE OLIVEIRA26 para quem o princípio pode ser classificado em razoabilidade interna e externa A primeira diz respeito à lógica do ato em si mesmo enquanto a segunda exige consonância com a Constituição Divide o autor ainda em três subprincípios adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito A adequação informa que a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins Logo se quaisquer das medidas previstas no art 319 do CPP se apresentar igualmente apta e menos onerosa para o imputado ela deve ser adotada reservando a prisão para os casos graves como ultima ratio do sistema A adequação vem ainda prevista expressamente no art 282 II do CPP27 Assim deve o juiz atentar para a necessidade do caso concreto ponderando sempre gravidade do crime e suas circunstâncias bem como a situação pessoal do imputado em cotejo com as diversas medidas cautelares que estão a seu dispor no art 319 do CPP Assim deverá optar por aquela ou aquelas que melhor acautelem a situação reservando sempre a prisão preventiva para situações extremas É uma típica regra para o julgamento do juiz Contudo condições pessoais do indiciado ou acusado pode se mal utilizado abrir um perigoso espaço para um retrocesso ao direito penal do autor com o desvalor de antecedentes por exemplo para adotar medidas mais graves como a prisão preventiva Com certeza os adeptos do discurso punitivo e resistente às novas medidas alternativas utilizarão as condições pessoais do indiciado para determinar a prisão preventiva infelizmente Dessarte ainda que o juiz não deva desconsiderar as condições do caso concreto há que se ter muito cuidado especialmente pela via do controle da legalidadenecessidade da prisão por parte dos tribunais para não fazer um giro discursivo rumo ao superado direito penal do autor Ainda atento à tradicional falta de proporcionalidade no uso da prisão preventiva o art 283 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade Significa dizer que o juiz deve sempre atentar para a relação existente entre a eventual sanção cominada ao crime em tese praticado e àquela imposta em sede de medida cautelar para impedir que o imputado seja submetido a uma medida cautelar que se revele mais gravosa do que a sanção porventura aplicada ao final É inadmissível submeter alguém a uma prisão cautelar quando a sanção penal aplicada não se constitui em pena privativa de liberdade E mais deve ainda o juiz estar atento para evitar uma prisão cautelar em crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa em que a eventual pena aplicada terá de ser necessariamente substituída por pena restritiva de direitos Neste sentido certeiras são as palavras de BADARÓ28 quando sintetiza que deverá haver uma proporcionalidade entre a medida cautelar e a pena a ser aplicada O juiz deverá também verificar a probabilidade de que ao final se tenha que executar uma pena privativa de liberdade Se a prisão preventiva ou qualquer outra prisão cautelar for mais gravosa que a pena que se espera ser ao final imposta não será dotada do caráter de instrumentalidade e acessoriedade inerentes à tutela cautelar Mesmo no que diz respeito à provisoriedade não se pode admitir que a medida provisória seja mais severa que a medida definitiva que a irá substituir e que ela deve preservar A necessidade preconiza que a medida não deve exceder o imprescindível para a realização do resultado que almeja29 Relacionase assim com os princípios anteriores de provisoriedade e provisionalidade A proporcionalidade em sentido estrito significa o sopesamento dos bens em jogo cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação De um lado o imenso custo de submeter alguém que é presumidamente inocente a uma pena de prisão sem processo e sem sentença e de outro lado a necessidade da prisão e os elementos probatórios existentes Devese considerar a imprescindível incidência do princípio da proporcionalidade sempre conectado que está ao valor dignidade da pessoa humana quando da aplicação da prisão cautelar Em suma diante da polimorfologia do sistema cautelar e das diversas medidas alternativas previstas no art 319 deverá o juiz agir com muita ponderação lançando mão de medidas cautelares isoladas ou cumulativas e reservando a prisão preventiva como verdadeira última ferramenta do sistema Feitas essas considerações sobre a principiologia vejamos agora as prisões cautelares e a précautelaridade do flagrante em espécie 4 Da Prisão em Flagrante Medida de Natureza PréCautelar Análise das Espécies Requisitos e Defeitos Garantias Processuais e Constitucionais 41 Por que a Prisão em Flagrante Não Pode por Si Só Manter Alguém Preso Compreendendo sua PréCautelaridade A doutrina brasileira costuma classificar a prisão em flagrante prevista nos arts 301 e seguintes do CPP como medida cautelar Tratase de um equívoco a nosso ver que vem sendo repetido sem maior reflexão ao longo dos anos e que agora com a reforma processual de 2011 precisa ser revisado Como explica CARNELUTTI30 a noção de flagrância está diretamente relacionada a la llama que denota con certeza la combustión cuando se ve la llama es indudable que alguna cosa arde Essa chama que denota com certeza a existência de uma combustão coincide com a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta Como sintetiza o mestre italiano a flagrância não é outra coisa que a visibilidade do delito31 Na mesma linha é a advertência de CORDERO32 no sentido de que o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem no particípio capta a sincronia fatopercepção como uma qualidade do primeiro Essa certeza visual da prática do crime gera a obrigação para os órgãos públicos e a faculdade para os particulares de evitar a continuidade da ação delitiva podendo para tanto deter o autor E por que é dada essa permissão Exatamente porque existe a visibilidade do delito o fumus commissi delicti é patente e inequívoco e principalmente porque essa detenção deverá ser submetida ao crivo judicial no prazo máximo de 24h como determina o art 306 do CPP33 Precisamente porque o flagrante é uma medida precária mera detenção que não está dirigida a garantir o resultado final do processo é que pode ser praticado por um particular ou pela autoridade policial Com esse sistema o legislador consagrou o caráter précautelar da prisão em flagrante Como explica BANACLOCHE PALAO34 o flagrante ou la detención imputativa não é uma medida cautelar pessoal mas sim pré cautelar no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo mas apenas destinase a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar Por isso o autor afirma que é uma medida independente frisando o caráter instrumental e ao mesmo tempo autônomo do flagrante A instrumentalidade manifestase no fato de a prisão em flagrante ser um strumenti dello strumento35 da prisão preventiva ao passo que a autonomia explica as situações em que o flagrante não gera a prisão preventiva ou nos demais casos em que a prisão preventiva existe sem prévio flagrante Destaca o autor que a prisão em flagrante en ningún caso se dirige a asegurar ni la eventual ejecución de la pena ni tampoco la presencia del imputado en la fase decisoria del proceso Não é diversa a lição de FERRAIOLI e DALIA36 larresto in flagranza è una Misure PreCautelari Personali A prisão em flagrante está justificada nos casos excepcionais de necessidade e urgência indicados taxativamente no art 302 do CPP e constitui uma forma de medida précautelar pessoal que se distingue da verdadeira medida cautelar pela sua absoluta precariedade Neste mesmo sentido FERRAIOLI e DALIA afirmam que as medidas précautelares são excepcionais de assoluta precarietà che le connota come iniziative di brevissima durata37 Tratando especificamente da prisão em flagrante a cargo da Polícia Judiciária apontam que essa extensão do poder de iniciativa précautelar significou a aceitação do risco de privação temporária da liberdade pessoal do cidadão por razão de ordem política O instituto fermo di polizia marcou um pesado desequilíbrio na relação autoridadeliberdade e por isso deve ser analisado com sumo cuidado em um Estado Democrático de Direito como o nosso Ainda que utilize uma denominação diferente a posição de CORDERO38 é igual à nossa Para o autor a prisão em flagrante é uma subcautela na medida em que serve de prelúdio preludio subcautelar para eventuais medidas coativas pessoais garantindo sua execução Na essência a compreensão do instituto é a mesma A prisão em flagrante é uma medida précautelar de natureza pessoal cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h onde cumprirá ao juiz na audiência de custódia analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão agora como preventiva ou não Assim o juiz em até 24h após a efetiva prisão deverá receber o auto de prisão em flagrante e decidir entre o relaxamento conversão em prisão preventiva desde que exista pedido pois o art 311 veda a decretação de ofício na fase préprocessual decretação de outra medida cautelar alternativa à prisão preventiva ou concessão da liberdade provisória com ou sem fiança Não é mais permitido manterse alguém preso além das 24h sem uma decisão judicial fundamentada decretando a prisão preventiva E mais essa prisão preventiva luz do art 311 somente poderá ser decretada se houver um pedido do Ministério Público ou autoridade policial Caso não esteja presente o periculum libertatis para justificar a prisão preventiva ou não sendo ela necessária e proporcional deverá o juiz conceder a liberdade provisória mediante fiança ou sem fiança conforme o caso e ainda se necessário cumular com uma ou mais medidas cautelares previstas no art 319 Qualquer que seja o caso o que resulta absolutamente inadmissível é a simples manutenção da prisão em virtude da mera homologação da prisão em flagrante Logo ninguém pode permanecer preso sob o fundamento prisão em flagrante pois esse não é um título judicial suficiente A restrição da liberdade a título de prisão em flagrante não pode superar as 24h prazo máximo para que o auto de prisão em flagrante seja enviado para o juiz competente nos termos do art 306 1º do CPP Infelizmente na reforma de 20192020 foi ressuscitada uma medida flagrantemente inconstitucional a prisão em flagrante que impede a concessão de liberdade provisória Nessa linha advertimos para o disposto no art 310 2º Art 310 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares Com isso o legislador ressuscita uma prisão em flagrante que mantém o agente preso sem a decretação da prisão preventiva ao vedar de forma inconstitucional a concessão de liberdade provisória quando o agente é reincidente integra organização armada ou milícia e a prova disso considerando que estamos em sede de flagrante ou porta arma de fogo de uso restrito Voltaremos ao tema ao tratar do art 310 do CPP 42 Espécies de Flagrante Análise do Art 302 do CPP As situações de flagrância estão previstas no art 302 do CPP Art 302 Considerase em flagrante delito quem I está cometendo a infração penal II acaba de cometêla III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração O flagrante do inciso I ocorre quando o agente é surpreendido cometendo o delito significa dizer praticando o verbo nuclear do tipo Inclusive a prisão nesse momento poderá dependendo do caso evitar a própria consumação Como explica CARNELUTTI39 a noção de flagrância está diretamente relacionada a la llama que denota con certeza la combustión cuando se ve la llama es indudable que alguna cosa arde Coincide com a possibilidade para uma pessoa de comproválo mediante a prova direta Como sintetiza o mestre italiano a flagrância não é outra coisa que a visibilidad del delito40 Na mesma linha argumentativa recordemos a expressão de CORDERO41 no sentido de que o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem no particípio capta a sincronia fatopercepção como uma qualidade do primeiro A prisão em flagrante nesse caso é detentora de maior credibilidade Ocorre quando o agente é surpreendido durante o iter criminis praticando a conduta descrita no tipo penal sem contudo têlo percorrido integralmente É o caso em que o agente é preso enquanto subtrai a coisa alheia móvel 155 do CP ou ainda no crime de homicídio está agredindo a vítima com a intenção de matála ou seja está praticando o verbo nuclear do art 121 do CP etc No inciso II o agente é surpreendido quando acabou de cometer o delito quando já cessou a prática do verbo nuclear do tipo penal Mas nesse caso o delito ainda está crepitando na expressão de Carnelutti pois o agente cessou recentemente de praticar a conduta descrita no tipo penal É considerado ainda um flagrante próprio pois não há lapso temporal relevante entre a prática do crime no sentido indicado pelo seu verbo nuclear e a prisão Dependendo da situação o imediato socorro prestado à vítima ainda poderá evitar a consumação mas diferenciase da situação anterior na medida em que aqui ele já realizou a figura típica e a consumação já pode inclusive ter ocorrido As situações de flagrância previstas nos incisos III e IV são mais frágeis daí por que a doutrina nacional denominaas quaseflagrante ou flagrante impróprio Pensamos que essas denominações não são adequadas na medida em que traduzem a ideia de que não são flagrantes Dizer que é quase flagrante significa dizer que não é flagrante e isso é um erro pois na sistemática do CPP esses casos são flagrante delito Da mesma forma o adjetivo impróprio traduz um antagonismo com aqueles que seriam os próprios logo a rigor deveria ser utilizado no sentido de recusa o que também não corresponde à sistemática adotada pelo CPP Contudo em que pese nossa discordância empregamos essas denominações por estarem consagradas na doutrina nacional Esses flagrantes dos incisos III e IV são mais fracos mais frágeis sob o ponto de vista da legalidade Isso é consequência do afastamento do núcleo imantador que é a realização do tipo penal refletindo na fragilidade dos elementos que os legitimam caso em que aumenta a possibilidade de serem afastados pelo juiz no momento em que recebe o auto de prisão em flagrante O inciso III do art 302 consagra a possibilidade de prisão em flagrante quando o agente III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração Exigese a conjugação de 3 fatores 1 perseguição requisito de atividade 2 logo após requisito temporal 3 situação que faça presumir a autoria elemento circunstancial O conceito de perseguição pode ser extraído do art 290 do CPP especialmente das alíneas a e b do parágrafo primeiro42 Logo a perseguição exige uma continuidade em que perseguidor autoridade policial vítima ou qualquer pessoa vá ao encalço do suspeito ainda que nem sempre tenha o contato visual Devese considerar ainda a necessidade de que a perseguição inicie logo após o crime Esse segundo requisito temporal deve ser interpretado de forma restritiva sem que exista contudo um lapso definido na lei ou mesmo na jurisprudência Exigese um lapso mínimo a ser verificado diante da complexidade do caso concreto entre a prática do crime e o início da perseguição Reforça esse entendimento o fato de que a perseguição na dimensão processual somente é considerada quando há o contato visual inicial ou ao menos uma proximidade tal que permita à autoridade ir ao encalço do agente Elementar portanto que para a própria existência de uma perseguição com contato visual ou quase ela deve iniciar imediatamente após o delito Não existirá uma verdadeira perseguição se a autoridade policial por exemplo chegar ao local do delito 1 hora depois do fato Assim logo após é um pequeno intervalo um lapso exíguo entre a prática do crime e o início da perseguição Também não há que se confundir início com duração da perseguição O dispositivo legal exige que a perseguição inicie logo após o fato ainda que perdure por muitas horas Isso pode ocorrer por exemplo em um crime de roubo a banco em que acionada a polícia chega imediatamente ao local ainda a tempo de sair em perseguição dos assaltantes Essa perseguição não raras vezes envolve troca de veículos novos reféns cercos policiais etc fazendo com que a efetiva prisão ocorra por exemplo 30 horas depois do fato Ainda haverá prisão em flagrante nesse caso pois a perseguição iniciou logo após o crime e durou ininterruptamente todas essas horas culminando com a prisão dos agentes Em suma para existir a prisão em flagrante desse inciso III a perseguição deve iniciar poucos minutos após o fato ainda que perdure por várias horas Por fim o inciso exige que o perseguido seja preso em situação que faça presumir ser autor da infração A rigor a disposição é substancialmente inconstitucional pois à luz da presunção de inocência não se pode presumir a autoria senão que ela deve ser demonstrada e provada Infelizmente o controle da constitucionalidade das leis processuais penais é incipiente muito aquém do necessário para um Código da década de 40 Assim a nefasta presunção da autoria é extraída de elementos como estar na posse dos objetos subtraídos com a arma do crime mediante reconhecimento da vítima etc A última situação de flagrância está prevista no art 302 inciso IV Art 302 IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração Esse é o flagrante mais fraco mais frágil e difícil de se legitimar Para sua ocorrência exigese a presença desses três elementos encontrar requisito de atividade logo depois requisito temporal presunção de autoria armas ou objetos do crime O primeiro requisito é que o agente seja encontrado Fazendo uma interpretação sistemática em relação aos incisos anteriores podese afirmar que esse encontrado deve ser causal e não casual É o encontrar de quem procurou perseguiu e depois perdendo o rastro segue buscando o agente Não se trata de um simples encontrar sem qualquer vinculação previamente estabelecida em relação ao delito Assim não há prisão em flagrante quando o agente que acabou de subtrair um veículo é detido por acaso em barreira rotineira da polícia ainda que esteja na posse do objeto furtado Isso porque não existiu um encontrar de quem procurou causal portanto Não significa que a conduta seja impunível nada disso O crime em tese existe Apenas não há uma situação de flagrância para justificar a prisão com esse título Cuidado nesse caso para não incorrer na equivocada interpretação de que haveria crime permanente de receptação e que portanto haveria flagrância Errado A receptação efetivamente é um crime permanente e que justifica a incidência do art 303 do CPP Não existe crime de receptação quando o próprio autor do furto está na posse dos objetos subtraídos A posse é o exaurimento impunível do crime de furto Quanto ao requisito temporal ainda que a doutrina costume identificar as expressões logo após e logo depois no sentido de que representam pequenos intervalos lapsos exíguos entre a prática do crime e o encontro ou o início da perseguição no caso do inciso III pensamos que as situações são distintas Realmente estão na mesma dimensão de exiguidade temporal Contudo para que exista a perseguição do inciso III o espaço de tempo deve ser realmente breve pois a própria perseguição exige o sair no encalço do agente preferencialmente com contato visual Logo para que isso seja possível o intervalo deve ser bastante exíguo Já o requisito temporal do inciso IV pode ser mais dilatado Isso porque o ato de encontrar é substancialmente distinto do de perseguir Para perseguir há que se estar próximo Já o encontrar permite um intervalo de tempo maior entre o crime e o encontro com o agente Basta pensar no seguinte exemplo uma quadrilha rouba um estabelecimento comercial e foge Para existir perseguição a polícia deve chegar poucos minutos após a saída do estabelecimento pois somente assim poderá efetivamente perseguir no sentido empregado pelo art 290 Caso isso não seja possível diante da demora com que a polícia chegou ao local do crime passamos para a situação prevista no inciso IV quando são montadas barreiras policiais nas saídas da cidade e vias de acesso àquele local onde o crime foi praticado buscando encontrar os agentes Haverá prisão em flagrante se os autores do delito forem interceptados em uma barreira policial encontrar causal com as armas do crime e o dinheiro subtraído ainda que isso ocorra muitas horas depois do crime Daí por que pensamos que a expressão logo depois representa um período mais elástico que excede aquele necessário para que se configure o logo após do inciso III Por fim sublinhamos que não estando configuradas as situações anteriormente analisadas e preenchidos os requisitos de cada uma a prisão em flagrante é ilegal e deve ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária competente Ainda que ilegal o flagrante nada impede que seja postulada pelo Ministério Público a prisão preventiva ou temporária se for o caso que poderá ser decretada pelo juiz desde que preenchidos os requisitos a seguir analisados 43 Flagrante em Crime Permanente A Problemática do Flagrante nos Crimes Habituais Além das situações de flagrância previstas no art 302 devese atentar para o disposto no art 303 Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência Como explica ROXIN43 delitos permanentes são aqueles em que o crime não está concluído com a realização do tipo senão que se mantém pela vontade delitiva do autor por tanto tempo como subsiste o estado antijurídico criado por ele mesmo E prossegue o autor afirmando que os crimes permanentes são em sua maioria delitos de mera atividade mas também podem ser delitos de resultado no caso em que um determinado resultado constantemente volte a realizarse de novo mantendose o estado antijurídico CIRINO DOS SANTOS44 esclarece que os tipos permanentes não se completam na produção de determinados estados porque a situação típica criada se prolonga no tempo conforme a vontade do autor como o sequestro ou cárcere privado art 148 a violação de domicílio art 150 em que a consumação já ocorre com a realização da ação típica mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal São ainda exemplos de crimes permanentes a ocultação de cadáver art 211 do CP receptação na modalidade ocultar art 180 do CP ocultação de bens direitos e valores art 1º da Lei n 961398 evasão de divisas na forma da manutenção de depósitos não informados no exterior art 22 parágrafo único da Lei n 749286 etc Em todos esses casos a consumação se prolonga no tempo fazendo com que exista um estado de flagrância igualmente prolongado Enquanto durar a permanência pode o agente ser preso em flagrante delito pois considerase que o agente está cometendo a infração penal nos termos em que prevê o inciso I do art 302 Assim a descoberta de um cadáver ocultado ou de bens e valores no caso do delito de lavagem autoriza a prisão em flagrante do agente pois é como se o crime estivesse sendo praticado naquele momento Da mesma forma enquanto o agente tiver em depósito ou guardar drogas para entregar a consumo ou fornecer art 33 da Lei n 113432006 haverá uma situação de flagrante permanente É importante recordar que o crime permanente estabelece uma relação com a questão da prisão em flagrante e por consequência com a própria busca domiciliar anteriormente tratada Isso porque como já explicamos enquanto o delito estiver ocorrendo manter em depósito guardar ocultar etc poderá a autoridade policial proceder à busca a qualquer hora do dia ou da noite independente da existência de mandado judicial art 5º XI da Constituição Noutra dimensão os crimes habituais exigem a prática reiterada e com habitualidade daquela conduta descrita no tipo Como sublinha BITENCOURT45 ao comentar o delito de curandeirismo um exemplo claro de crime habitual a habitualidade é imprescindível para a caracterização do delito em qualquer de suas modalidades devendo o agente agir com a vontade consciente de praticar reiteradamente qualquer das condutas descritas no tipo penal no caso art 284 do CP Outros exemplos de crimes habituais são a manutenção de casa de prostituição art 229 do CP e o exercício ilegal da medicina art 282 do CP É possível a prisão em flagrante por crime habitual A pergunta somente pode ser respondida a partir da compreensão da íntima relação que se estabelece entre flagrante e os conceitos jurídicopenais de tentativa e consumação Somente podemos afirmar que alguém está cometendo um delito ou que acabou de cometêlo recorrendo aos conceitos de tentativa e consumação do Direito Penal Em outras palavras é analisando o iter criminis que se verifica quando o agente inicia a prática do verbo nuclear do tipo e quando o realiza inteiramente Isso é fundamental para o conceito de flagrante delito Daí por que a polêmica antes de ser processual é penal A maioria dos penalistas não aceita a tentativa de crime habitual Nessa linha BITENCOURT46 explica que é inadmissível a tentativa em razão de a habitualidade ser característica dessa infração penal Somente a prática reiterada de atos que isoladamente constituem indiferente penal é que acaba configurando essa infração penal Logo nessa linha de pensamento é inviável definirse quando o agente está cometendo a infração ou quando acabou de cometêla pois um ato isolado é um indiferente penal Se a polícia surpreende alguém cometendo um ato de curandeirismo isso é atípico e portanto não há flagrante delito O crime somente existirá quando habitualmente ele exercer essa atividade Essa é a posição majoritária no sentido de que não existe possibilidade de prisão em flagrante por crime habitual Contudo devese ter presente a lição de ZAFFARONI e PIERANGELLI47 que em linha diversa sustentam que o critério da inadmissibilidade da tentativa é válido quando se entende o crime habitual como delito constituído de uma pluralidade necessária de condutas repetidas Porém argumentam os autores não é aceitável conceberse assim o crime habitual porque não só não haveria tentativa senão sequer também haveria consumação Quando estaria consumado o delito habitual Na segunda na terceira na décima repetição da mesma conduta Esta dificuldade levou a doutrina moderna a considerar o crime habitual como um tipo que contém um elemento subjetivo diferente do dolo ou seja o delito habitual ficaria consumado com o primeiro ato mas que além do dolo exige a habitualidade como elemento do animus do autor Seguindo esse raciocínio os autores posicionamse no sentido de que haveria tentativa de curandeirismo na conduta de quem havendo instalado um consultório médico sem diploma e sem licença está examinando um paciente ainda que sequer tenha receitado qualquer medicamento e possui outros pacientes na sala de espera Quando atender a todos estaria consumado o delito de modo que a interrupção do iter criminis nesse momento constituiria a tentativa do crime Aceitandose essa tese podese sustentar a legalidade da prisão em flagrante neste momento Do contrário a conduta seria atípica e o flagrante ilegal 44 ILegalidade dos Flagrantes Forjado Provocado Preparado Esperado e Protelado ou Diferido Conceitos e Distinções Prisão em Flagrante e Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada e Pública Condicionada à Representação O flagrante forjado existe quando é criada forjada uma situação fática de flagrância delitiva para tentar legitimar a prisão Criase uma situação de fato que é falsa Exemplo típico é o enxerto de substâncias entorpecentes ou armas para a partir dessa posse forjada falsamente criada realizar a prisão em flagrante do agente É portanto um flagrante ilegal até porque não existe crime O flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso Tratase daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador BITENCOURT48 explica que isso não passa de uma cilada uma encenação teatral em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador normalmente um policial ou alguém a seu serviço É o clássico exemplo do policial que se fazendo passar por usuário induz alguém a venderlhe a substância entorpecente para a partir do resultado desse estímulo realizar uma prisão em flagrante que será ilegal É uma provocação meticulosamente engendrada para fazer nascer em alguém a intenção viciada de praticar um delito com o fim de prendêlo Penalmente considerase que o agente não tem qualquer possibilidade de êxito aplicandose a regra do crime impossível art 17 do CP49 É portanto ilegal o flagrante provocado O flagrante preparado é ilegal pois também vinculado à existência de um crime impossível Aqui não há indução ou provocação senão que a preparação do flagrante é tão meticulosa e perfeita que em momento algum o bem jurídico tutelado é colocado em risco Aplicase nesse caso o disposto na Súmula 145 do STF Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação Noutra dimensão o flagrante esperado exige muito cuidado e tem sua legalidade ou ilegalidade aferida no caso concreto pois dependendo da situação estaremos diante de um crime impossível aplicandose o que dissemos no flagrante preparado e a incidência da Súmula 145 do STF Mas nem todo flagrante esperado é ilegal pois nem sempre haverá crime impossível Assim quando a polícia não induz ou instiga ninguém apenas colocase em campana vigilância e logra prender o agressor ou ladrão a prisão é válida e existe crime É o que ocorre na maioria das vezes em que a polícia de posse de uma informação se oculta e espera até que o delito esteja ocorrendo para realizar a prisão Não se trata de delito putativo ou de crime impossível Exemplo recorrente é quando a polícia tem a informação de que esse ou aquele estabelecimento comercial ou bancário será alvo de um roubo e colocase em posição de vigilância discreta e logra surpreender os criminosos Não há ineficácia absoluta do meio empregado ou absoluta impropriedade do objeto para falarse em crime impossível Existe o crime inclusive dependendo do caso a atuação policial poderá impedir a consumação havendo apenas tentativa e a prisão em flagrante é perfeitamente válida Por fim o flagrante protelado ou diferido ação controlada na terminologia da Lei está previsto nos arts 8º e 9º da Lei n 12850201350 e se aplica somente nos casos de organização criminosa Tal dispositivo somente pode ser aplicado aos casos de organização criminosa e autoriza a polícia a retardar sua intervenção prisão em flagrante para realizarse em momento posterior por isso diferido mais adequado sob o ponto de vista da persecução penal É uma autorização legal para que a prisão em flagrante seja retardada ou protelada para outro momento que não aquele em que o agente está cometendo a infração penal excepcionando assim as regras contidas nos arts 301 e 302 I do CPP Retardase a prisão em flagrante a lei infelizmente não define limite temporal para por exemplo uma semana depois da prática do crime Com isso a polícia mantém o suspeito sob monitoramento para ter acesso aos demais membros da organização criminosa bem como apurar a prática de outros delitos No momento mais oportuno realiza a prisão em flagrante de todos os agentes Por exemplo diante de uma complexa organização criminosa que tem por objeto o roubo de cargas e posterior distribuição a uma rede de fornecedores a polícia deixa de prender aqueles agentes que cometeram o roubo no momento em que o estão praticando para monitorandoos descobrir o local em que a carga é escondida e o caminhão desmontado para ser vendido em um desmanche ilegal De posse dessas informações descobre ainda quem são os receptadores e quando tiver provas suficientes dos crimes e da estrutura da organização criminosa realiza a prisão em flagrante de todos os agentes A rigor não haveria prisão em flagrante daqueles que cometeram o roubo pois passados muitos dias da sua ocorrência sendo inaplicável qualquer dos incisos do art 302 Contudo diante da autorização contida no art 2º II está legitimado o flagrante retardado ou protelado Tratase por outro lado de uma situação bastante perigosa sob o ponto de vista dos direitos e garantias individuais pois abre a possibilidade de abusos e ilegalidades por parte da autoridade policial Daí por que se trata de medida excepcional e que deve ser objeto de rigoroso controle de legalidade por parte do Ministério Público e do juiz competente que deverá fixar os limites temporais para essa ação controlada bem como amplamente documentada com filmagem fotos e todos os meios que permitam controlar a legalidade da atuação policial Havendo dúvida deve o flagrante ser relaxado por ilegal sem prejuízo de eventual prisão preventiva em caso de estarem presentes seus requisitos que são completamente diversos daqueles que disciplinam a prisão em flagrante Ao término da diligência deverá ser elaborado um auto circunstanciado contendo toda a descrição da ação controlada Importante destacar a posição de BADARÓ51 que em linha diametralmente oposta nega que o flagrante diferido ou retardado seja uma nova modalidade de prisão Entende que há apenas uma autorização legal para que a autoridade policial e seus agentes que a princípio teriam a obrigação de efetuar a prisão em flagrante CPP art 310 2ª parte deixem de fazêlo com vistas a uma maior eficácia da investigação E ainda explica que obviamente a autoridade policial no momento posterior quando descobrir os elementos mais relevantes não poderá realizar a prisão em flagrante pelo ato pretérito que foi tolerado com vista à eficácia da investigação Adotar a tese defendida por BADARÓ que nos parece bastante razoável ainda mais diante da nebulosidade e liquefação do conceito de flagrante diferido bem como pela ausência de uma clara definição do limite temporal em que ele pode ocorrer em nada prejudicaria a eficácia do sistema penal repressivo A autoridade policial está autorizada apenas a deixar de proceder naquele exato momento para que possa obter maiores informações que deem um lastro probatório mais robusto para a investigação Depois disso o que deverá ser feito em caso de necessidade demonstrada é representar pela prisão temporária ou preventiva Com isso o flagrante diferido não constitui uma nova modalidade de prisão senão um instrumentomeio com vistas à eficácia da investigação A partir das informações obtidas pelo não agir da polícia naquele momento instrumentalizase o posterior pedido de prisão temporária ou preventiva Mudando o enfoque apenas para não deixar passar sem qualquer comentário vejamos a problemática teórica em torno da prisão em flagrante por delito de ação penal de iniciativa privada e também quando a iniciativa é pública mas condicionada à representação Tratase de uma questão que atualmente revestese de pouca relevância prática pois esses delitos na sua imensa maioria e a quase totalidade daqueles de iniciativa privada são considerados de menor potencial ofensivo abrangidos portanto pela Lei n 909995 Determina o art 69 parágrafo único da Lei n 9099 que ao autor do fato que após a lavratura do termo circunstanciado for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer não se imporá prisão em flagrante Logo não existe prisão em flagrante em crime de menor potencial ofensivo esvaziando a discussão muito mais teórica do que prática em torno dos crimes de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação Excepcionalmente diante de um crime de ação penal pública condicionada a representação em que existe prisão em flagrante obviamente não se aplica o prazo decadencial de 6 meses devendo ela ser feita no prazo máximo de 24h que rege a confecção e conclusão do auto de prisão em flagrante Se o inquérito tem início com o auto de prisão em flagrante e se esse mesmo inquérito não pode iniciar sem a representação art 5º IV é óbvio que ela tem de ser feita neste momento Inclusive pensamos que deve ser relaxada a prisão em flagrante caso não venha devidamente acompanhada da representação da vítima 45 Síntese do Procedimento Atos que Compõem o Auto de Prisão em Flagrante Imediatamente após a detenção deverá o preso ser apresentado à autoridade policial A demora injustificada poderá constituir o crime de abuso de autoridade52 Lei n 4898 em se tratando de agentes do Estado ou caso a prisão tenha sido realizada por particular estaremos diante em tese dos delitos de constrangimento ilegal art 146 ou sequestro e cárcere privado art 148 conforme o caso Apresentado o preso à autoridade policial estabelece o art 304 do CPP53 que deverá esta ouvir o condutor ou seja aquele que realizou a prisão e conduziu o detido Na continuação ouvirá as testemunhas que presenciaram os fatos eou a prisão e ao final interrogará o preso Tudo isso deverá ser formalizado e devidamente assinado pela autoridade e as respectivas pessoas que prestaram as declarações Não havendo testemunhas da infração é claro que a manutenção da prisão em flagrante é muito mais problemática mas isso não impede que em tese seja realizada Determina o art 304 2º que nesse caso deverão assinar pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade São por assim dizer meras testemunhas de apresentação pois nada sabem do fato criminoso ou do ato da prisão Ao final será ouvido o preso Quanto ao seu interrogatório aplicase tudo o que já dissemos anteriormente quando abordamos o interrogatório no capítulo das Das Provas em Espécie Cumpre recordar apenas a imprescindível presença de defensor que se lhe deve assegurar o direito de conversar reservadamente com o preso o direito de silêncio enfim plena observância do disposto no art 185 do CPP Quanto à possibilidade de o advogado ao final formular perguntas ao detido ou seja sobre a incidência ou não do art 188 no interrogatório policial não vemos qualquer empecilho Inicialmente porque existe sim direito de defesa no inquérito policial pessoal e técnica e também contraditório no seu primeiro momento de informação Claro que os níveis de eficácia desses direitos são muito menores do que aqueles alcançáveis no processo isso é elementar Como também é elementar que o art 5º LV da Constituição deve ser realizado potencializandose o pouco de defesa e contraditório existentes Daí por que não vemos qualquer problema de ordem teórica ou prática em permitir que ao final o advogado faça perguntas para complementar o depoimento do preso O interrogatório será reduzido a termo e assinado pelo imputado seu advogado e claro pela autoridade policial Se o preso se recusar a assinar ou estiver impossibilitado de fazêlo por qualquer motivo o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas de leitura ou seja que tenham assistido à leitura do depoimento do preso e demais peças na presença dele Ao final será dada ao preso a nota de culpa com o motivo da prisão o nome do condutor e os das testemunhas assinando ele o recibo respectivo Caso se recuse a assinar esse recibo da nota de culpa ou estiver impossibilitado de fazêlo novamente deverá o delegado lançar mão de duas testemunhas que assinem comprovando a entrega Formalizado e finalizado assim o auto de prisão em flagrante deverá ser imediatamente remetido ao juiz competente Destaquese por último a nova redação do art 322 do CPP em que a autoridade policial poderá conceder fiança imediatamente e antes de enviar o auto de prisão em flagrante para o juiz nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 quatro anos 46 Garantias Constitucionais e Legalidade da Prisão em Flagrante Análise do Art 306 do CPP Inicialmente devese dar eficácia às seguintes garantias constitucionais previstas no art 5º da Constituição54 que vinculam a própria validade da prisão em flagrante para além das regras processuais A regra do inciso LXI restringe a possibilidade de prisão a dois casos excetuando os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar flagrante delito ordem judicial escrita e fundamentada Com isso sepultouse a chamada prisão para averiguações e coisas do gênero pois somente haverá prisão nos dois casos mencionados Recordemos ainda que a prisão em flagrante é précautelar e sua precariedade exige que o auto de prisão em flagrante seja encaminhado em até 24h para o juiz que então de forma escrita e fundamentada irá enfrentar a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas arts 310 cc 319 ou se necessário e houver pedido por parte do Ministério Público ou da polícia decretará a prisão preventiva Então a manutenção da prisão agora como preventiva exigirá uma decisão escrita e fundamentada do juiz O inciso LXII impõe uma importante formalidade que é a dupla comunicação da prisão que deverá ser imediatamente levada ao conhecimento do juiz das garantias e também à família do preso ou pessoa por ele indicada Além dessas garantias constitucionais é muito importante o disposto no art 306 do CPP55 que entre outros impôs a necessidade de que o juiz das garantias seja imediatamente comunicado da prisão isso pode ser feito por fax independente da hora e dia em que ocorrer bem como ao Ministério Público e a pessoa indicada pelo preso seja enviado ao juiz das garantias em até 24h56 depois da prisão o auto de prisão em flagrante completo no mesmo prazo caso o preso não indique um advogado que o acompanhe não basta a mera indicação de nome deverá estar efetivamente acompanhado deverá ser enviada cópia integral para a defensoria pública A inobservância dessa regra conduz à ilegalidade da prisão em flagrante cabendo ao juiz quando receber os autos e verificar que não houve a comunicação imediata ao juiz plantonista à família do preso e ao Ministério Público deixar de homologar o auto de prisão em flagrante relaxando a prisão por ilegalidade formal Igual postura deverá adotar quando verificar a inobservância do disposto nos incisos LXIII e LXIV relaxando a prisão em flagrante por ilegalidade Menciona ainda o art 306 que ao preso será dada nota de culpa nesse mesmo prazo máximo de 24h A nota de culpa explica ESPÍNOLA FILHO57 é uma grande conquista para desterrar o antigo segredo com que se oprimia o indiciado Tem como efeito tornar definido o motivo da prisão dando notícia da causa determinante de tal medida com a indicação dos elementos de acusação que a sustentam referindo os nomes dos condutores e testemunhas cujos depoimentos ampararam a realização do auto de prisão em flagrante Portanto dois momentos devem ser rigidamente observados a comunicação imediata da prisão ao juiz e demais pessoas indicadas no art 306 e a necessária conclusão do auto de prisão em flagrante expedição da nota de culpa e o encaminhamento para a autoridade judiciária em até 24h Tudo isso sob pena de ilegalidade formal da prisão em flagrante e consequente relaxamento 47 A Decisão Judicial sobre o Auto de Prisão em Flagrante Aspectos Formais e Análise da Necessidade da Decretação da Prisão Preventiva Ilegalidade da Conversão de Ofício Recebendo o auto de prisão em flagrante deverá o juiz proceder nos termos do art 310 Art 310 Após receber o auto de prisão em flagrante no prazo máximo de até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público e nessa audiência o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança 1º Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I II ou III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais sob pena de revogação 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares 3º A autoridade que deu causa sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa civil e penalmente pela omissão 4º Transcorridas 24 vinte e quatro horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão a ser relaxada pela autoridade competente sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva ARTIGO SUSPENSO PELA LIMINAR DO MIN FUX Assim o dispositivo estabelece a seguinte sistemática 1º Momento analisar o aspecto formal do auto de prisão em flagrante bem como a legalidade ou ilegalidade do próprio flagrante através da análise dos requisitos do art 302 do CPP Se legal homologa se ilegal nos casos de flagrante forjado provocado etc deverá relaxála 2º Momento homologando a prisão em flagrante deverá sempre enfrentar a necessidade ou não da prisão preventiva se houver pedido a concessão da liberdade provisória com ou sem fiança e a eventual imposição de medida cautelar diversa No primeiro momento o que faz o juiz é avaliar a situação de flagrância se realmente ocorreu alguma das situações dos arts 302 ou 303 anteriormente analisados e ainda se todo o procedimento para elaboração do auto de prisão em flagrante foi devidamente desenvolvido especialmente no que tange à comunicação imediata da prisão ao juiz a entrega da nota de culpa ao preso e a remessa ao juízo no prazo de 24 horas É em última análise a fiscalização da efetivação do disposto no art 306 Superada a análise formal vem o ponto mais importante a decretação de alguma das medidas cautelares pessoais A conversão da prisão em flagrante em preventiva não é automática e tampouco despida de fundamentação E mais a fundamentação deverá apontar além do fumus commissi delicti e o periculum libertatis os motivos pelos quais o juiz entendeu inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas do art 319 cuja aplicação poderá ser isolada ou cumulativa Mas o ponto mais importante é não pode haver conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva ou mesmo em prisão temporária É imprescindível que exista a representação da autoridade policial ou o requerimento do Ministério Público A conversão do flagrante em preventiva equivale à decretação da prisão preventiva Portanto à luz das regras constitucionais do sistema acusatório ne procedat iudex ex officio e da imposição de imparcialidade do juiz juiz ator parcial não lhe incumbe prender de ofício Para evitar repetições remetemos o leitor a tudo o que já dissemos anteriormente sobre essas duas garantias Ademais o próprio art 311 do CPP é expresso Art 311 Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial Portanto não há nenhuma hipótese58 de decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz sem pedido do MP ou representação da autoridade policial Havendo pedido expresso de decretação da preventiva deverá o juiz analisar o requisito fumus commissi delicti e o fundamento periculum libertatis O fumus commissi delicti não constitui o maior problema na medida em que o próprio flagrante já é a visibilidade do delito ou seja já constitui a verossimilhança de autoria e materialidade necessárias neste momento O ponto nevrálgico é a avaliação da existência de periculum libertatis ou seja a demonstração da existência de um perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como o risco para a ordem pública ordem econômica conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal São conceitos que pretendem designar situações fáticas cuja proteção se faz necessária constituindo assim o fundamento periculum libertatis sem o qual nenhuma prisão preventiva poderá ser decretada Tais situações para a decretação da prisão são alternativas e não cumulativas de modo que basta uma delas para justificarse a medida cautelar Qualquer que seja o fundamento da prisão é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis ou seja não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida Sem o periculum libertatis a prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar art 319 não poderá ser decretada ainda que se tenha a fumaça do crime Mas mesmo que se tenha uma situação de perigo a ser cautelarmente tutelado é imprescindível que o juiz o analise à luz dos princípios da necessidade excepcionalidade e proporcionalidade anteriormente explicados se não existe medida cautelar diversa que aplicada de forma isolada ou cumulativa se revele adequada e suficiente para tutelar a situação de perigo Com a nova redação do art 319 do CPP e a consagração de diversas medidas cautelares diversas da prisão preventiva deverá o juiz verificar se o risco apontado não pode ser tutelado por alguma delas Assim por exemplo se o risco apontado é o de fuga do agente poderá o juiz determinar cumulativamente pagamento de fiança comparecimento periódico em juízo até mesmo diariamente em situações excepcionais e proibição de ausentarse da comarca ou país com a respectiva entrega de passaporte art 319 IV cc art 320 Da mesma forma poderá determinar o pagamento de fiança e a submissão a monitoramento eletrônico ou mesmo monitoramento eletrônico com o dever de recolhimento domiciliar noturno art 319 V Enfim um leque de opções está ao alcance do juiz para tutelar o risco de liberdade do imputado devendo a prisão preventiva ser efetivamente reservada para situações de real excepcionalidade Noutra dimensão prevê o art 310 1º que se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o preso praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art 23 do Código Penal causas de exclusão da ilicitude poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais sob pena de revogação Não se pode exigir para tanto prova plena da excludente mas apenas uma fumaça suficiente sendo inclusive neste momento invocável o in dubio pro reo Considerando que a prisão preventiva é medida extremamente grave e último instrumento a ser utilizado havendo indícios mínimos de ter o agente cometido o delito em legítima defesa por exemplo não é necessária nem proporcional a prisão Tampouco pode ser decretada a prisão preventiva porque por exemplo a legítima defesa ou qualquer outra excludente não restou suficientemente provada Ao imputado não se lhe atribui qualquer carga probatória no processo penal sendo descabida a exigência de que ele prove que agiu ao abrigo da excludente Basta que exista a fumaça da excludente para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência de crime sendo incompatível com a prisão cautelar ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade Atendendo às peculiaridades do caso e à necessidade nada impede que o juiz conceda liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo como determina o dispositivo legal e cumule com uma medida cautelar diversa prevista no art 319 como proibição de ausentarse da comarca ou país dever de comparecimento periódico etc O art 310 2º inserido na reforma trazida pela Lei n 139642019 é um grande retrocesso além de ser a nosso juízo inconstitucional Diz o dispositivo em tela 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares Inicialmente é criticável o já conhecido bis in idem da reincidência ou seja a dupla ou mais punição pela mesma circunstância reincidência já tão criticada pela doutrina penal Depois o artigo elege à la carte e sem critério para justificar determinadas condutas para proibir inconstitucionalmente a concessão de liberdade provisória Inclusive considerando que se trata de prisão em flagrante dependendo do caso é praticamente inviável já se ter uma prova suficiente de que o agente por exemplo é membro de uma organização criminosa ou milícia para aplicar o dispositivo Mas o ponto nevrálgico do problema está na vedação de concessão de liberdade provisória com ou sem medidas cautelares pelos seguintes fundamentos cria uma prisão em flagrante que se prolonga no tempo violando a natureza précautelar do flagrante estabelece uma prisão précautelar obrigatória sem necessidade cautelar e sem que se demonstre o periculum libertatis viola toda principiologia cautelar já analisada por fim é flagrantemente inconstitucional pois o STF já se manifestou nesse sentido em casos análogos como na declaração de inconstitucionalidade do art 2º da Lei n 8072 e casos posteriores O STF já afirmou e reafirmou que é inconstitucional as regras como a constante na lei de drogas mas também já o fez em relação a lei dos crimes hediondos e outras que vedam a concessão de liberdade provisória inclusive em decisão que teve repercussão geral reconhecida Recurso extraordinário 2 Constitucional Processo Penal Tráfico de drogas Vedação legal de liberdade provisória Interpretação dos incisos XLIII e LXVI do art 5º da CF 3 Reafirmação de jurisprudência 4 Proposta de fixação da seguinte tese É inconstitucional a expressão e liberdade provisória constante do caput do art 44 da Lei n113432006 5 Negado provimento ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal RE 1038925 RG Rel Min Gilmar Mendes P j 1882017 DJE de 1992017Tema 959 Como noticiado no site59 do STF o Supremo Tribunal Federal STF reafirmou sua jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade de regra prevista na Lei de Drogas Lei n 113432006 que veda a concessão de liberdade provisória a presos acusados de tráfico A decisão foi tomada pelo Plenário Virtual no Recurso Extraordinário RE 1038925 com repercussão geral reconhecida Em maio de 2012 no julgamento do Habeas Corpus HC 104339 o Plenário do STF havia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória do artigo 44 da Lei de Drogas Com isso o Supremo passou a admitir prisão cautelar por tráfico apenas se verificado no caso concreto a presença de algum dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal CPP Desde então essa decisão serve de parâmetro para o STF mas não vinculava os demais tribunais Com a reafirmação da jurisprudência com status de repercussão geral esse entendimento deve ser aplicado pelas demais instâncias em casos análogos Portanto a vedação de concessão de liberdade provisória contida no art 310 para certos tipos de crimes é claramente inconstitucional Mas apenas para esclarecer isso não impede obviamente que uma prisão em flagrante exista e posteriormente seja decretada a prisão preventiva mediante requerimento do MP ou representação da autoridade policial desde que presentes os requisitos legais da prisão preventiva que serão estudados a continuação Superada essa questão sigamos pois o art 310 tem mais regras importantes 3º A autoridade que deu causa sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa civil e penalmente pela omissão Esse parágrafo é muito importante para reafirmar a obrigatoriedade de realização da audiência de custódia no prazo de 24h diante da injustificada resistência de alguns juízes Então a audiência de custódia é obrigatória e os juízes que não a realizarem sem um motivo idôneo poderão ser punidos penal e administrativamente sem prejuízo de eventual responsabilidade civil pela manutenção de uma prisão ilegal e usurpação de um direito Obviamente se houver uma motivação idônea para justificar o atraso e até excepcionalmente a sua não realização não há que se falar em punição Mas o artigo veio em boa hora e só reforça o instituto da audiência de custódia Já o 4º que vinha na mesma linha de reforço da audiência de custódia foi INFELIZMENTE SUSPENSO PELA LIMINAR DO MIN FUX Tem a seguinte redação 4º Transcorridas 24 vinte e quatro horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão a ser relaxada pela autoridade competente sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva Era o estabelecimento daquilo que cobramos há mais de uma década prazo razoável com sanção De nada adianta fixar prazos para realização de atos por parte do juiz por exemplo sem que exista uma sanção sob pena de absoluta ineficácia Infelizmente o Min Fux não compreendeu a importância da medida para efetivação do direito à audiência de custódia e suspendeu esse dispositivo Não há que se falar em impunidade na medida em que o próprio dispositivo abre a possibilidade de não cumprimento do prazo quando houver uma motivação idônea o que é razoável e adequado Ademais ainda permitia que inobstante o descumprimento do prazo sem motivação idônea poderia ser decretada a prisão preventiva se houvesse necessidade cautelar Portanto mais um dispositivo suspenso por uma medida liminar absolutamente equivocada que se espera seja logo cassada pelo STF 48 A Audiência de Custódia Na sistemática préconvenção americana de Direitos Humanos o preso em flagrante era conduzido à autoridade policial onde formalizado o auto de prisão em flagrante era encaminhado ao juiz que decidia nos termos do art 310 do CPP se homologava ou relaxava a prisão em flagrante em caso de ilegalidade e à continuação decidia sobre o pedido de prisão preventiva ou medida cautelar diversa art 319 Essa é a disciplina do CPP como acabamos de ver A inovação agora é inserir nesta fase uma audiência onde o preso seja após a formalização do auto de prisão em flagrante feito pela autoridade policial ouvido por um juiz que decidirá nesta audiência se o flagrante será homologado ou não e ato contínuo se a prisão preventiva é necessária ou se é caso de aplicação das medidas cautelares diversas art 319 Mas um detalhe a audiência de custódia não se limita aos casos de prisão em flagrante senão que terá aplicação em toda e qualquer prisão detenção ou retenção dicção do art 75 da CADH sendo portanto exigível na prisão temporária e também na prisão preventiva Essencialmente a audiência de custódia humaniza o ato da prisão permite um melhor controle da legalidade do flagrante e principalmente cria condições melhores para o juiz avaliar a situação e a necessidade ou não da prisão cautelar inclusive temporária ou preventiva Também evita que o preso somente seja ouvido pelo juiz muitos meses às vezes anos depois de preso na medida em que o interrogatório judicial é o último ato do procedimento A audiência de custódia corrige de forma simples e eficiente a dicotomia gerada o preso em flagrante será imediatamente conduzido à presença do juiz para ser ouvido momento em que o juiz decidirá sobre as medidas previstas no art 310 Tratase de uma prática factível e perfeitamente realizável O mesmo juiz plantonista que hoje recebe a qualquer hora os autos da prisão em flagrante e precisa analisá los fará uma rápida e simples audiência com o detido A iniciativa é muito importante e alinhase com a necessária convencionalidade que deve guardar o processo penal brasileiro adequando se ao disposto no art 75 da Convenção Americana de Direitos Humanos CADH que determina Toda pessoa presa detida ou retida deve ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em um prazo razoável ou de ser posta em liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo Em diversos precedentes a Corte Interamericana de Direitos Humanos CIDH tem destacado que o controle judicial imediato que proporciona a audiência de custódia é um meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais pois corresponde ao julgador garantir os direitos do detido autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção quando seja estritamente necessária e procurar em geral que se trate o cidadão de maneira coerente com a presunção de inocência conforme julgado no caso Acosta Calderón contra Equador A Corte Interamericana entendeu que a mera comunicação da prisão ao juiz é insuficiente na medida em que o simples conhecimento por parte de um juiz de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia já que o detido deve comparecer pessoalmente e render sua declaração ante o juiz ou autoridade competente Nesta linha o art 306 do Código do Processo Penal que estabelece apenas a imediata comunicação ao juiz de que alguém foi detido bem como a posterior remessa do auto de prisão em flagrante para homologação ou relaxamento não é suficiente para dar conta do nível de exigência convencional No Caso Bayarri contra Argentina a CIDH afirmou que o juiz deve ouvir pessoalmente o detido e valorar todas as explicações que este lhe proporcione para decidir se procede à liberação ou manutenção da privação da liberdade sob pena de despojar de toda efetividade o controle judicial disposto no artigo 75 da Convenção Mas outras duas questões podem ser discutidas à luz do art 75 A primeira é o que se entende por outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais A intervenção da autoridade policial do delegado daria conta dessa exigência E a segunda questão é em quanto tempo deve se dar a apresentação do preso Vamos ao primeiro questionamento A atuação da autoridade policial não tem suficiência convencional até porque o delegado de polícia no modelo brasileiro não tem propriamente funções judiciais É uma autoridade administrativa despida de poder jurisdicional ou função judicial Em segundo lugar a própria CIDH já decidiu em vários casos que tal expressão deve ser interpretada em conjunto com o disposto no art 81 da CADH que determina que toda pessoa terá o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial Com isso descartase de vez a suficiência convencional da atuação do Delegado de Polícia no Brasil O segundo ponto que poderia suscitar alguma discussão diz respeito à expressão sem demora A apresentação do detido ao juiz deve ocorrer em quanto tempo A CIDH já reconheceu a violação dessa garantia quando o detido foi apresentado quatro dias após a prisão Caso Chaparro Alvarez contra Equador ou cinco dias após Caso Cabrera Garcia y Montiel Flores contra México No Brasil a tendência inclusive no PLS 5542011 é seguir a tradição das 24 horas já consolidada no regramento legal da prisão em flagrante Resolvendo essas duas questões autoridade competente e prazo dispôs o art 1º da Resolução 213 de 15122015 do Conselho Nacional de Justiça que toda pessoa presa em flagrante delito deverá ser apresentada em até 24 horas da comunicação do flagrante à autoridade judicial competente e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão Determina ainda o art 6º da Resolução 213 do CNJ que antes da apresentação da pessoa presa ao juiz será assegurado seu atendimento prévio e reservado por advogado por ela constituído ou defensor público sem a presença de agentes policiais sendo esclarecidos por funcionário credenciado os motivos fundamentos e ritos que versam sobre a audiência de custódia Deverá ainda ser reservado local apropriado para esse atendimento prévio com o advogado ou defensor público Uma vez apresentado o preso ao juiz ele será informado do direito de silêncio e assegurada será a entrevista prévia com defensor particular ou público Nessa entrevista não é um interrogatório portanto não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento Nesse sentido determina o art 8º VIII da Resolução 213 do CNJ que o juiz mas também acusação e defesa deve se abster de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante Não se trata de interrogatório e não é uma audiência de instrução e julgamento mas uma entrevista que se destina exclusivamente a discutir a custódia ou seja a forma e condições em que foi realizada a prisão e ao final averiguar a medida cautelar diversa mais adequada ou em último caso a decretação da prisão preventiva Eis um ponto crucial da audiência de custódia o contato pessoal do juiz com o detido Uma medida fundamental em que ao mesmo tempo humanizase o ritual judiciário e criamse as condições de possibilidade de uma análise acerca do periculum libertatis bem como da suficiência e adequação das medidas cautelares diversas do art 319 do CPP Determina o art 8º da Resolução 213 do CNJ que a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa e não interrogará Existe uma clara distinção da natureza do ato que se reflete por consequência em uma limitação no nível de cognição do juiz acerca do caso penal É importante não só que o juiz e demais atores judiciários tenham isso presente mas também que o preso seja advertido da finalidade da audiência de custódia Mesmo sendo uma entrevista deverá serlhe assegurado o direito de silêncio e também controlado o uso de algemas nos termos do art 8º II da Resolução e também da Súmula Vinculante n 11 do STF Deverá o juiz questionar as condições e circunstâncias em que ocorreu a prisão e também se foi dada ciência ao preso de seus direitos fundamentais especialmente o direito de consultarse com advogado ou defensor público o de ser atendido por médico e o de comunicarse com seus familiares Existe uma preocupação muito grande com a questão da violência e da tortura determinando a Resolução 213 do CNJ que o juiz indague ao preso sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência questionando sobre a ocorrência de tortura e maustratos e adotando as providências cabíveis Nessa entrevista também deverá ser avaliada a possibilidade e adequação das medidas cautelares diversas art 319 do CPP verificando a situação fática e as condições pessoais do preso bem como conforme art 8º X da Resolução averiguar por perguntas e visualmente hipóteses de gravidez existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito histórico de doença grave incluídos os transtornos mentais e a dependência química para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar Importante frisar que essa entrevista não deve se prestar para análise do mérito leiase autoria e materialidade reservada para o interrogatório de eventual processo de conhecimento A rigor limitase a verificar a legalidade da prisão em flagrante e a presença ou não dos requisitos da prisão preventiva bem como permitir uma melhor análise das medidas cautelares diversas adequadas ao caso dando plenas condições de eficácia do art 319 do CPP atualmente restrito na prática à fiança Infelizmente como regra os juízes não utilizam todo o potencial contido no art 319 do CPP muitas vezes até por falta de informação e conhecimento das circunstâncias do fato e do autor Contudo em alguns casos essa entrevista vai se situar numa tênue distinção entre forma e conteúdo O problema surge quando o preso alegar a falta de fumus commissi delicti ou seja negar autoria ou existência do fato inclusive atipicidade Neste caso suma cautela deverá ter o juiz para não invadir a seara reservada para o julgamento Também pensamos que eventual contradição entre a versão apresentada pelo preso neste momento e aquela que futuramente venha a utilizar no interrogatório processual não pode ser usada em seu prejuízo Em outras palavras o ideal é que essa entrevista sequer viesse a integrar os autos do processo para evitar uma errônea desvaloração Nesse sentido melhor andou o PLS 5542011 ao dispor que a oitiva a que se refere o parágrafo anterior será registrada em autos apartados não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará exclusivamente sobre a legalidade e necessidade da prisão a prevenção da ocorrência de tortura ou de maustratos e os direitos assegurados ao preso e ao acusado A Resolução 213 do CNJ disciplinou de forma um pouco diferente determinando no seu art 8º 2º que a oitiva da pessoa presa será registrada preferencialmente em mídia dispensandose a formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes e ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia Dessa forma na ata da audiência conterá apenas e de forma resumida a decisão do magistrado sobre a prisão preventiva ou concessão de liberdade provisória com ou sem medidas cautelares diversas Não deverá constar nessa ata o conteúdo da entrevista que ficará arquivada em mídia na unidade responsável pela audiência de custódia não ingressando assim nos autos do processo de conhecimento Feita a entrevista pelo juiz caberá ao Ministério Público e após à defesa técnica formularem reperguntas ao preso sempre guardando compatibilidade com a natureza do ato e as limitações cognitivas inerentes Assim como está vedado ao juiz também está ao Ministério Público e à defesa pretender fazer incursões no mérito que extravasem os limites do objeto e finalidade da audiência de custódia Como determina o 1º do art 8º da Resolução 213 do CNJ deverá o juiz indeferir as perguntas referentes ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação Finalizada a entrevista poderão Ministério Público e defesa requerer 1 O relaxamento da prisão em flagrante em caso de ilegalidade 2 Concessão de liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa art 310 cc art 319 do CPP 3 A adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa 4 Como ultima ratio do sistema poderá o Ministério Público requerer a decretação da prisão preventiva ou mesmo a prisão temporária observados seus limites de incidência É importante sublinhar uma vez mais que a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante pedido do Ministério Público presente na audiência de custódia jamais de ofício pelo juiz até por vedação expressa do art 311 do CPP A tal conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva é uma burla de etiquetas uma fraude processual que viola frontalmente o art 311 do CPP e tudo o que se sabe sobre sistema acusatório e imparcialidade e aqui acaba sendo felizmente sepultada na medida em que o Ministério Público está na audiência Se ele não pedir a prisão preventiva jamais poderá o juiz decretála de ofício por elementar A audiência de custódia representa um grande passo no sentido da evolução civilizatória do processo penal brasileiro e já chega com muito atraso mas ainda assim sofre críticas injustas e infundadas É também um instrumento importante para aferir a legalidade das prisões e dar eficácia ao art 319 do CPP e às medidas cautelares diversas Mas uma última advertência precisamos da implantação da audiência de custódia em todas as comarcas do Brasil e não apenas nas capitais sob pena de grave quebra de igualdade de tratamento e também precisamos de uma Lei que discipline a matéria Atualmente estamos vendo os Estados legislarem violando a reserva da União para legislar em matéria processual penal à la carte ou seja sem uniformidade Tratase de respeitar a reserva de lei Enfim não há por que temer a audiência de custódia ela vem para humanizar o processo penal e representa uma importantíssima evolução além de ser uma imposição da Convenção Americana de Direitos Humanos que ao Brasil não é dado o poder de desprezar Por derradeiro além do disposto no art 310 4º que foi absurdamente suspenso por conta da liminar do Min FUX e que fortalecia a importância e obrigatoriedade da audiência de custódia sublinhamos que constitui crime de abuso de autoridade Lei n 138692019 art 9º Art 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa Parágrafo único Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que dentro de prazo razoável deixar de I relaxar a prisão manifestamente ilegal II substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória quando manifestamente cabível III deferir liminar ou ordem de habeas corpus quando manifestamente cabível 49 A Separação dos Presos Provisórios e a Prisão em Flagrante de Militar Art 300 Parágrafo Único Estabelece o art 300 que os presos provisórios deverão ficar separados daqueles que já estiverem definitivamente condenados Não se trata de uma inovação propriamente mas sim de reforçar uma regra já existente desde 1984 na Lei de Execuções Penais e pouco observada É uma tentativa de dar eficácia a uma norma préexistente e que nunca funcionou No fundo deveríamos ter realmente casas prisionais distintas para presos cautelares e definitivamente condenados ou no mínimo alas e galerias completamente separadas para reduzir o nível de violência e submissão e ainda a negativa promiscuidade que se estabelece Mas uma regra importante está no art 300 parágrafo único que determina O militar preso em flagrante delito após a lavratura dos procedimentos legais será recolhido a quartel da instituição a que pertencer onde ficará preso à disposição das autoridades competentes Tendo em vista o gradativo esvaziamento da justiça militar nas últimas décadas limitandoa ao julgamento dos crimes militares praticados por militar nas situações do art 9º do Código Penal Militar e ainda exigindo a jurisprudência que seja demonstrado o peculiar interesse militar60 pensamos que essa regra só pode encontrar sentido nesta perspectiva Entendemos que o militar deverá ser recolhido ao quartel tanto nos crimes militares como também nos crimes comuns Quando o militar for preso em flagrante em razão de sua atividade propter oficium por crime de competência da justiça militar como a situação do desertor e do insubmisso apontado no artigo inequivocamente deverá ser recolhido ao quartel da instituição a que pertence Já nas situações de crimes comuns o recolhimento ao quartel é necessário para assegurar a integridade física do militar Colocar policiais militares em um estabelecimento penal comum é inviável 410 Refletindo sobre a Necessidade do Processo ainda que Exista Prisão em Flagrante Contaminação da Evidência Alucinação e Ilusão de Certeza Como já explicamos o tempo e a aceleração norteiam nossas vidas e por consequência afetam o direito e nossa relação com ele É inevitável a comparação e insatisfação da dinâmica social com o tempo do direito conduzindo a uma busca incessante por mecanismos de aceleração do tempo do processo numa desesperada tentativa de aproximação com o imediatismo que vivemos Sempre que uma pessoa é surpreendida cometendo um delito art 302 I ou quando acabou de cometêlo art 302 II existe o que se chama de visibilidade ou seja uma certeza visual que decorre da constatação direta Os demais casos incisos III e IV são construções artificiais do processo penal e que na realidade estão fora do que realmente seja o flagrante Imediatamente a partir das imagens o sujeito tem certeza de que aquela pessoa cometeu um delito A partir disso surge automaticamente uma questão por que precisamos de um longo processo para discutir o que já está provado Será que o flagrante não autorizaria um juízo imediato Partindo da premissa de que o flagrante é a evidência a questão é definir a necessidade ou não de buscar uma verdade no processo ou ainda quais são os níveis de contaminação da evidência sobre a verdade A questão é complexa mas foi muito bem apresentada por RUI CUNHA e FERNANDO GIL61 para quem a evidência não basta para afirmação da verdade ainda que exista uma proximidade fortíssima entre verdade e evidência A verdade processual ou formal necessita desprenderse da evidência para ser construída Ela não é dada pela evidência senão que terá de ser descoberta no curso do processo Como explica FERNANDO GIL62 há na evidência um excesso epistêmico diante da posição do sujeito em face do conhecimento A evidência significa agora presentificação do sentido e da verdade como autossuficientes e autoposicionandose como sugere a expressão index sui Uma verdade índice de si mesma é excessiva por natureza Existe um claro caráter alucinatório na evidência que conduz a um contágio dela sobre a verdade Isso porque a verdade evidente é vista com os olhos da mente e não se pode dizer de outro modo E a evidência contagia a verdade na medida em que o desprendimento da evidência que falava há um instante nunca pode ser completo tal significaria que o sujeito deixaria de ser sujeito que a primeira pessoa se transformaria na terceira pessoa63 A questão nuclear é que a verdade deve ser construída não se constituindo apenas pela evidência Deve desprenderse da evidência relativizandoa e submetendoa a certas exigências A verdade exige certos critérios e a própria racionalidade critica a evidência pelo inerente caráter alucinatório e as projeções imaginárias que são vividas na atualidade do conhecer64 Há que distinguir na esteira de RUI CUNHA e FERNANDO GIL65 verdade da evidência e verdade da prova A primeira verdade da evidência é alheia à ideia de processo pois ela constitui o que se chama o desdobramento do sentido na indicação da própria verdade pondose por si Já a verdade da prova mais adequada à verdade processual necessita de dispositivos exteriores de avaliação e comprovação Isso porque trabalha de modo não alucinatório Aqui está a questão fundamental bem identificada pelos autores o processo e a prova nele colhida servem para de alguma maneira corrigir esse caráter alucinatório da evidência Logo o processo é um instrumento de correção do caráter alucinatório da evidência Devese considerar ainda que a convicção como o saber é datada Isso porque uma convicção hoje pode cair perfeitamente por terra amanhã quando repousarmos um olhar mais tranquilo e distante do acontecimento e da imagem Para ter uma verdade processual a evidência deve passar pelos filtros do processo somente resistindo se conseguir provar que não é uma ilusão uma fabricação ou uma alucinação Por isso o processo deve alcançar um alto grau de correção da alucinação inerente à evidência Maior cuidado devese ter ainda com a evidência midiática ou seja com as imagens captadas pelos meios de comunicação de um flagrante delito Essa exige maior cuidado porque a mídia como um todo e a imagem em específico possuem um imenso déficit de correção e por isso está muito mais próxima da evidência e da alucinação Não há dúvida de que existe ainda um sobrecusto alucinatório derivado do filtro do cronista que se interpõe entre o fato e o espectador a manipulação de imagens e os naturais interesses econômicos aferidos nos indicadores de audiência FERNANDO GIL destaca ainda que a mídia está com certeza fora da verdade da prova Não é apta a corrigir o caráter alucinatório da imagem gerada pela evidência senão que se contenta em excitar o afeto e a comover Segundo o autor tratase de uma patologia da pura retórica não da argumentação dialética ou da demonstração66 Em definitivo não há que se iludir com a evidência e tampouco deixála contaminar excessivamente a verdade que deve ser construída e buscada no processo verdadeiro instrumento de correção da alucinação e da comoção Para os autores o maior receio do garantismo é que o momento decisório assentimento do juiz onde ele aceita ou não as teses apresentadas ocorra cedo demais situandose assim ao nível da respectiva temporalidade O garantismo seria assim um sistema de limite de constrangimento à evidência na medida em que a submete ao tempo do processo com suas etapas de investigação acusação defesa e decisão Isso serve para evitar os juízos imediatos realizados ainda no calor da irracional emoção e contaminados pelo sentimento de vingança Como conclui FERNANDO GIL a verdade não tem pedra de toque Ou se quiser a sua única pedra de toque é a convicção não apressada67 Por tudo isso o flagrante não basta por si só É necessário que seja devidamente provado no processo segundo suas regras 411 Relação de Prejudicialidade Prestação de Socorro Art 301 da Lei n 950397 e Prisão em Flagrante Até a entrada em vigor da Lei n 124032011 o art 317 do CPP disciplinava a apresentação espontânea fator impeditivo da prisão em flagrante mas não de eventual prisão temporária ou preventiva Isso porque se o réu se apresentasse espontaneamente à autoridade policial narrando e reconhecendo a autoria de um fato criminoso muitas vezes desconhecido pela própria polícia não haveria motivo para lavrarse o auto de prisão em flagrante Tratavase de uma postura incompatível com a intenção de fugir ou ocultarse esvaziando os motivos da prisão em flagrante É uma incompatibilidade genética Não obstante com o advento da Lei n 124032011 os arts 317 e 318 foram revogados e agora esses dispositivos disciplinam a prisão domiciliar Assim o instituto da apresentação espontânea deixou formalmente de existir Mas havendo uma situação fática na qual o imputado se apresenta espontaneamente à polícia ainda que seja formalizada a prisão flagrante desde que exista uma das situações do art 302 anteriormente explicadas pensamos que tal circunstância deverá ser bem sopesada pelo juiz ao receber o auto de prisão em flagrante nos termos do art 310 do CPP Ou seja o fato de o imputado comparecer pessoalmente e espontaneamente à autoridade policial e reconhecer a prática de um crime recémocorrido afasta completamente o periculum libertatis esvaziando o cabimento de eventual prisão preventiva No mesmo sentido não vislumbramos sentido em decretarse eventual prisão temporária Quanto às medidas cautelares diversas art 319 não podemos esquecer que são medidas substitutivas alternativas à prisão preventiva E se não cabe prisão preventiva não há sentido como regra em decretarse uma medida cautelar diversa Em síntese há uma incompatibilidade genética entre a apresentação espontânea e a prisão cautelar Por fim em se tratando de delito de trânsito interessanos o disposto no art 301 da Lei n 950397 que determina ao condutor de veículo nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima não se imporá a prisão em flagrante nem se exigirá fiança se prestar pronto e integral socorro àquela Tratase de um estímulo para que as pessoas envolvidas em acidentes de trânsito prestem socorro à vítima sem receio de serem presas por isso É inteligente o dispositivo até porque estamos diante de um crime culposo onde sequer é possível a prisão preventiva não existe prisão preventiva em crime culposo pois exige o art 313 que o delito seja doloso Ademais a conduta do agente que presta socorro é geneticamente incompatível com o fundamento da existência da prisão em flagrante 5 Da Prisão Preventiva Do Senso Comum à Análise dos Defeitos Fisiológicos 51 Momentos da Prisão Preventiva Quem Pode Postular seu Decreto Ilegalidade da Prisão Preventiva Decretada de Ofício Violação do Sistema Acusatório e da Garantia da Imparcialidade do Julgador A prisão preventiva pode ser decretada no curso da investigação preliminar ou do processo inclusive após a sentença condenatória recorrível Ademais mesmo na fase recursal se houver necessidade real poderá ser decretada a prisão preventiva com fundamento na garantia da aplicação da lei penal A prisão preventiva somente pode ser decretada por juiz ou tribunal competente em decisão fundamentada a partir de prévio pedido expresso requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial Estabelece ainda o art 311 que caberá a prisão preventiva a partir de requerimento do querelante o que pode induzir o leitor em erro Não se pode esquecer do disposto no art 313 I ou seja do não cabimento de prisão preventiva quando a pena for igual ou inferior a 4 anos Portanto incompatível com os crimes em que cabe ação penal privada nos quais o apenamento é inferior ao exigido pelo art 313 I Então que querelante é esse Pensamos que só pode ser o querelante de ação penal privada subsidiária da pública art 29 do CPP em que a situação do querelante é similar àquela ocupada pelo Ministério Público que por inércia não está ali podendo perfeitamente requerer a prisão preventiva demonstrando seus fundamentos Nos termos do art 311 e de toda estrutura acusatória prevista na Constituição não cabe prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz Nestes termos Art 311 Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial Durante muito tempo por conta da cultura inquisitória dominante se admitiu que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício no curso do processo ou que convertesse a prisão em flagrante em preventiva de ofício O erro era duplo primeiro permitir a atuação de ofício juiz ator ranço inquisitório em franca violação do sistema acusatório depois em não considerar que o ativismo judicial implica grave sacrifício da imparcialidade judicial uma garantia que corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo por meio do juiz atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva Mais do que isso exige uma posição de terzietà68 um estar alheio aos interesses das partes na causa ou na síntese de JACINTO COUTINHO69 não significa que ele está acima das partes mas que está para além dos interesses delas A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juizinstrutor poderes investigatórios ou pior quando ele assume uma postura inquisitória decretando de ofício a prisão preventiva É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do inquisidor contrastando com a inércia que caracteriza o julgador Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia Assim ao decretar uma prisão preventiva de ofício assume o juiz uma postura incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório e principalmente com a estética de afastamento que garante a imparcialidade 52 Requisito da Prisão Preventiva Fumus Commissi Delicti Juízo de Probabilidade de Tipicidade Ilicitude e Culpabilidade Iniciemos pelo art 312 Art 312 A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública da ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares art 282 4º 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada Partindo do art 312 verificase que o fumus commissi delicti é o requisito da prisão preventiva exigindose para sua decretação que existam prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Mas esse é um conceito por demais relevante para ficarmos apenas com a letra da lei que pouco diz exigindo uma interpretação sistemática e constitucional A fumaça da existência de um crime não significa juízo de certeza mas de probabilidade razoável70 A prisão preventiva deve ter por base la razonada atribución del hecho punible a una persona determinada71 É antes de tudo uma prognose sobre a questão de fundo72 uma metáfora que designa os sintomas de uma situação jurídica no léxico goldschmidtiano O fumus commissi delicti exige a existência de sinais externos com suporte fático real extraídos dos atos de investigação levados a cabo em que por meio de um raciocínio lógico sério e desapaixonado permita deduzir com maior ou menor veemência a comissão de um delito cuja realização e consequências apresentam como responsável um sujeito concreto73 Para CARNELUTTI74 quando se diz que para emitir um mandado de prisão é necessário que existam indícios suficientes de culpabilidade não se está dizendo nada A proposição indícios suficientes não diz nada Como questiona o mestre italiano devem ser suficientes isso é óbvio mas para quê Sem indícios suficientes sequer uma acusação pode ser formulada Qual é o valor das provas de culpabilidade exigido para que o imputado possa ser detido Será aquele mesmo que é necessário para ser processado Para responder a essa indagação devese distinguir entre juízo de probabilidade e juízo de possibilidade posto que em sede de cautelar não se pode falar em juízo de certeza Seguindo a lição de CARNELUTTI75 existe possibilidade em lugar de probabilidade quando as razões favoráveis ou contrárias à hipótese são equivalentes O juízo de possibilidade prescinde da afirmação de um predomínio das razões positivas sobre as razões negativas ou viceversa Para o indiciamento seria suficiente um juízo de possibilidade posto que no curso do processo deve o Ministério Público provar de forma plena robusta a culpabilidade do réu Já para a denúncia ou queixa ser recebida entendemos que deve existir probabilidade do alegado A sentença condenatória ainda que seja um ato de convencimento do juiz somente se legitima quando calcada em um alto grau de probabilidade Caso contrário a absolvição é imperativa Para a decretação de uma prisão preventiva ou qualquer outra prisão cautelar diante do altíssimo custo que significa é necessário um juízo de probabilidade um predomínio das razões positivas Se a possibilidade basta para a imputação não pode bastar para a prisão preventiva pois o peso do processo agravase notavelmente sobre as costas do imputado A probabilidade significa a existência de uma fumaça densa a verossimilhança semelhante ao vero verdadeiro de todos os requisitos positivos e por consequência da inexistência de verossimilhança dos requisitos negativos do delito Interpretando as palavras de CARNELUTTI requisitos positivos do delito significam prova de que a conduta é aparentemente típica ilícita e culpável Além disso não podem existir requisitos negativos do delito ou seja não podem existir no mesmo nível de aparência causas de exclusão da ilicitude legítima defesa estado de necessidade etc ou de exclusão da culpabilidade inexigibilidade de conduta diversa erro de proibição etc No mesmo sentido CIRILO DE VARGAS76 explica que no momento da análise sobre o pedido de prisão preventiva o juiz deve considerar que o crime é ação a que se juntam os atributos da tipicidade da ilicitude e da culpabilidade Logo não haverá prisão preventiva sem a prova desses três elementos bastaria no entanto que o juiz se convencesse da inexistência do dolo para não decretála Sem dúvida que a análise do elemento subjetivo do tipo é crucial até porque sua ausência conduz à atipicidade da conduta sem crime não há que se falar em prisão preventiva ou à desclassificação para o tipo culposo e não cabe prisão preventiva por crime culposo Logo a análise do dolo é fundamental Dessarte o primeiro ponto a ser demonstrado é a aparente tipicidade da conduta do autor Esse ato deve amoldarse perfeitamente a algum dos tipos previstos no Código Penal mesmo que a prova não seja plena pois o que se exige é a probabilidade e não a certeza Em síntese deverá o juiz analisar todos os elementos que integram o tipo penal ou seja conduta humana voluntária e dirigida a um fim presença de dolo ou culpa resultado nexo causal e tipicidade Mas não basta a tipicidade pois o conceito formal de crime exige a prática de um ato que além de típico seja também ilícito e culpável Deve existir uma fumaça densa de que a conduta é aparentemente típica aparentemente ilícita e aparentemente culpável É imprescindível que se demonstre que a conduta é provavelmente ilícita por ausência de suas causas de justificação bem como a provável existência dos elementos que integram a culpabilidade penal e a consequente ausência das causas de exclusão Mas como sublinha CIRILO DE VARGAS77 se o fato não fosse típico por outra razão estranha ao dolo falharia a ilicitude sem possibilidade da custódia preventiva porque em matéria criminal a ilicitude é tipificada Especificamente no que se refere à ilicitude não se pode olvidar do disposto no art 314 do CPP em que havendo fumaça de que o agente praticou o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude não pode ser imposta a prisão preventiva sem prejuízo da imposição de medidas cautelares diversas da prisão art 319 Basta que exista a fumaça da excludente para enfraquecer a própria probabilidade da ocorrência de crime sendo incompatível com a prisão cautelar ainda que em sede de probabilidade todos esses elementos sejam objeto de análise e valoração por parte do juiz no momento de aplicar uma medida coercitiva de tamanha gravidade Para tanto é necessário que o pedido venha acompanhado de um mínimo de provas mas suficientes para demonstrar a autoria e a materialidade do delito e que a decisão judicial seja fundamentada Concluindo a prisão preventiva possui como requisito o fumus commissi delicti ou seja a probabilidade da ocorrência de um delito Na sistemática do Código de Processo Penal art 312 é a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Além do fumus commissi delicti a prisão preventiva exige uma situação de perigo ao normal desenvolvimento do processo representada pelo periculum libertatis como veremos na continuação 53 Fundamento da Prisão Preventiva Periculum Libertatis Análise a Partir do Senso Comum Doutrinário e Jurisprudencial Analisaremos agora à luz do senso comum doutrinário e jurisprudencial as diferentes situações que constituem o periculum libertatis sublinhando que nossa crítica será feita depois Primeiro há que se construir para depois desconstruir Retomando o art 312 do CPP lá encontramos que a prisão preventiva para garantia da ordem pública da ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado São conceitos que pretendem designar situações fáticas cuja proteção se faz necessária constituindo assim o fundamento periculum libertatis sem o qual nenhuma prisão preventiva poderá ser decretada Tais situações para a decretação da prisão são alternativas e não cumulativas de modo que basta uma delas para justificarse a medida cautelar Assim podese considerar que o periculum libertatis é o perigo que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo previsto no CPP como o risco para a ordem pública ordem econômica conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal Além disso esse perigo de ser atual contemporâneo e não passado distante ou futuro Vejamos agora resumidamente cada uma das situações previstas no art 312 do CPP a Garantia da ordem pública por ser um conceito vago indeterminado prestase a qualquer senhor diante de uma maleabilidade conceitual apavorante como mostraremos no próximo item destinado à crítica Não sem razão por sua vagueza e abertura é o fundamento preferido até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer Nessa linha é recorrente a definição de risco para ordem pública como sinônimo de clamor público de crime que gera um abalo social uma comoção na comunidade que perturba a sua tranquilidade Alguns fazendo uma confusão de conceitos ainda mais grosseira invocam a gravidade ou brutalidade do delito como fundamento da prisão preventiva Também há quem recorra à credibilidade das instituições como fundamento legitimante da segregação no sentido de que se não houver a prisão o sistema de administração de justiça perderá credibilidade A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder Judiciário Polícia e Ministério Público É prender para reafirmar a crença no aparelho estatal repressor Quanto à prisão cautelar para garantia da integridade física do imputado diante do risco de linchamento atualmente predomina o acertado entendimento de que é incabível Prender alguém para assegurar sua segurança revela um paradoxo insuperável e insustentável Por fim há aqueles que justificam a prisão preventiva em nome da credibilidade da justiça pois deixar solto o autor de um delito grave geraria um descrédito das instituições e ainda no risco de reiteração de condutas criminosas Esse último caso se daria quando ao agente fossem imputados diversos crimes de modo que a prisão impediria que voltasse a delinquir Com maior ou menor requinte as definições para garantia da ordem pública não fogem muito disso b Garantia da ordem econômica tal fundamento foi inserido no art 312 do CPP por força da Lei n 888494 Lei Antitruste para o fim de tutelar o risco decorrente daquelas condutas que levadas a cabo pelo agente afetam a tranquilidade e harmonia da ordem econômica seja pelo risco de reiteração de práticas que gerem perdas financeiras vultosas seja por colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro ou mesmo o mercado de ações e valores Tal situação além da crítica que faremos ao final teve e tem pouquíssima utilização forense A magnitude da lesão prevista no art 30 da Lei n 7492 quando invocada em geral o é para justificar o abalo social da garantia da ordem pública vista no item anterior e não para tutelar a ordem econômica c Conveniência da instrução criminal tutela da prova é empregada quando houver risco efetivo para a instrução ou seja conveniência é um termo aberto e relacionado com ampla discricionariedade incompatível com o instituto da prisão preventiva pautada pela excepcionalidade necessidade e proporcionalidade sendo portanto um último instrumento a ser utilizado Feita essa ressalva a prisão preventiva para tutela da prova é uma medida tipicamente cautelar instrumental em relação ao instrumento processo Aqui o estado de liberdade do imputado coloca em risco a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do processo seja porque ele está destruindo documentos ou alterando o local do crime seja porque está ameaçando constrangendo ou subornando testemunhas vítimas ou peritos Também se invoca esse fundamento quando o imputado ameaça ou intimida o juiz ou promotor do feito tumultuando o regular andamento do processo Por fim não se justifica a prisão do imputado em nome da conveniência da instrução quando o que se pretende é prendêlo para ser interrogado ou forçálo a participar de algum ato probatório acareação reconhecimento etc Isso porque no primeiro caso interrogatório o sujeito passivo não é mais visto como um objeto de prova fazendo com que o interrogatório seja essencialmente um momento de defesa pessoal Logo absurdo prenderse alguém para assegurar o seu direito de defesa No segundo caso a prisão para obrigálo a participar de determinado ato probatório é também ilegal pois viola o direito de silêncio e principalmente o nemo tenetur se detegere Daí por que é incabível a prisão preventiva com esses fins em que pese o emprego por parte de alguns d Assegurar a aplicação da lei penal em última análise é a prisão para evitar que o imputado fuja tornando inócua a sentença penal por impossibilidade de aplicação da pena cominada O risco de fuga representa uma tutela tipicamente cautelar pois busca resguardar a eficácia da sentença e portanto do próprio processo O risco de fuga não pode ser presumido tem de estar fundado em circunstâncias concretas Não basta invocar a gravidade do delito ou a situação social favorável do réu É importante o julgador controlar a projeção mecanismo de defesa do ego para evitar decisões descoladas da realidade fática e atentar para o que realmente está demonstrado nos autos Explicamos é bastante comum que alguém tomando conhecimento de determinado crime praticado por esse ou aquele agente decida a partir da projeção isto é a partir da atribuição ao agente daquilo que está sentindo quando se coloca em situação similar Logo é comum juízes presumirem a fuga pois inconscientemente estão se identificando ficaridem com o imputado e a partir disso pensam da seguinte forma se eu estivesse no lugar dele tendo praticado esse crime e com as condições econômicas que tenho ele tem eu fugiria Ora por mais absurdo que isso pareça é bastante comum e recorrente A decisão é tomada a partir de ilações e projeções do juiz sem qualquer vínculo com a realidade fática e probatória Por fim sempre qualquer que seja o fundamento da prisão é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis ou seja não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida Ademais para comprovação disso a decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada determina o 2º do art 312 Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor jamais fruto de ilações ou criações fantasmagóricas de fuga ou de qualquer dos outros perigos Devese apresentar um fato claro determinado que justifique o periculum libertatis Como explicamos ao tratar do Princípio da Provisionalidade o periculum libertatis deve ser atual Deve ser observado o Princípio da Atualidade do Perigo Para que uma prisão preventiva seja decretada é necessário que o periculum libertatis seja presente não passado e tampouco futuro e incerto A atualidade do perigo é elemento fundante da natureza cautelar Prisão preventiva é situacional provisional ou seja tutela uma situação fática presente um risco atual No RHC 67534RJ o Min Sebastião Reis Junior afirma a necessidade de atualidade e contemporaneidade dos fatos No HC 126815MG o Min Marco Aurélio utilizou a necessidade de análise atual do risco que funda a medida gravosa Isso é o reconhecimento do Princípio da Atualidade do Perigo É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo calcado na prova existente nos autos A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter uma fundamentação de qualidade e adequada ao caráter cautelar Deve o juiz demonstrar com base na prova trazida aos autos a probabilidade e atualidade do periculum libertatis Se não existe atualidade do risco não existe periculum libertatis e a prisão preventiva é despida de fundamento Por fim como bem explicou o Min EROS GRAU a custódia cautelar voltada à garantia da ordem pública não pode igualmente ser decretada com esteio em mera suposição vocábulo abundantemente usado na decisão que a decretou de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinquindo Seria indispensável também aí a indicação de elementos concretos que demonstrassem cabalmente a necessidade da medida extrema78 É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo calcado na prova existente nos autos A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter um primor de fundamentação não bastando a invocação genérica dos fundamentos legais Deve o juiz demonstrar com base na prova trazida aos autos a probabilidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Importante ainda recordar o art 312 parágrafo único em que a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares art 319 nos termos do art 282 4º do CPP As medidas cautelares diversas estabelecidas no art 319 são importantes alternativas à prisão preventiva mas pressupõem a observância de todas as condições estabelecidas Mas por outro lado mesmo em caso de descumprimento de alguma das condições decorrentes da medida cautelar diversa é fundamental o juiz atentar para a proporcionalidade no momento da modificaçãorevogação pois dependendo do caso a situação pode ser igualmente tutelada sem que se recorra a prisão preventiva Daí por que deve sempre preferir a cumulação de medidas ou adoção de outra mais grave reservando a prisão preventiva como ultima ratio do sistema 54 Análise dos Arts 313 314 e 315 do CPP Casos em que a Prisão Preventiva Pode ou Não ser Decretada A Necessidade de Fundamentação Além da existência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis a prisão preventiva somente poderá ser decretada nos crimes dolosos Não existe possibilidade de prisão preventiva em crime culposo ainda que se argumente em torno da existência de quaisquer dos requisitos do art 312 Isso porque para além do princípio da proporcionalidade o art 313 inicia por uma limitação estabelecida no inciso I crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 quatro anos Viola qualquer senso mínimo de proporcionalidade ou necessidade além do caráter excepcional da medida a imposição de prisão preventiva em crime culposo Além do fumus commissi delicti e do periculum libertatis deverá o juiz observar os limites de incidência da prisão preventiva que estão enumerados no art 313 do CPP e que serão agora analisados um a um Art 313 Nos termos do art 312 deste Código será admitida a decretação da prisão preventiva I nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 quatro anos COMENTÁRIO Não cabe prisão preventiva por crime culposo em nenhuma hipótese Sendo doloso o critério de proporcionalidade vem demarcado pela lei a pena máxima cominada deve ser superior a 4 anos Isso dá margem de plano ao seguinte questionamento e nos muitos tipos penais em que a pena máxima é igual a 4 anos e não superior como nos crimes de furto art 155 apropriação indébita art 168 e tantos outros O dispositivo é claro e não dá margem para interpretação extensiva sempre vedada em matéria penal Mas esse limite de pena do art 313 I não se aplica às medidas cautelares diversas do art 319 Recordemos a seguinte regra nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis poderão ser utilizadas as medidas cautelares diversas ou se inadequadas e insuficientes a prisão preventiva nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis somente poderá haver decretação de medida cautelar diversa nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos em que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis e exista uma das situações dos incisos II ou III do art 313 poderá ser decretada medida cautelar diversa ou excepcionalmente a prisão preventiva nestes casos é imprescindível uma leitura sistêmica e principalmente à luz da proporcionalidade como explicaremos ao tratar desses incisos na continuação Ademais é importante sublinhar que o art 313 I do CPP apenas procurou estabelecer coerência e harmonia com o art 44 do Código Penal Com a Lei n 971498 a pena privativa de liberdade do réu condenado por crime cometido sem violência ou grave ameaça deve ser substituída por restritiva de direitos Ora se o réu nestes casos ainda que ao final do processo venha a ser condenado não será submetido a prisão como justificar uma prisão cautelar Como legitimar uma prisão preventiva nos casos em que ainda que condenado ao final o réu não será preso Foi para resolver esse grave paradoxo que o art 313 I estabeleceu esse limite de pena Portanto nada de novo apenas uma questão de sistematização e harmonização entre os Códigos Penal e Processual Penal Outra problemática se dará em relação ao concurso de crimes por exemplo furto e formação de quadrilha Inclinase a jurisprudência para uma solução similar àquela utilizada para definição da competência dos Juizados Especiais Criminais ou o cabimento da suspensão condicional do processo ou seja deve incidir o aumento de pena decorrente do concurso material formal ou crime continuado Nesta linha já sinalizam as Súmulas 723 do STF e 243 do STJ79 Ainda que os limites de pena sejam completamente distintos os tribunais superiores já definiram a lógica a ser utilizada em situações similares ou seja no caso de concurso material de crimes somamse as penas máximas e no concurso formal ou crime continuado incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição no mínimo Em qualquer caso se a pena máxima obtida for superior a 4 anos está cumprido este requisito Por derradeiro recordemos que o art 313 deve sempre ser conjugado com o art 312 de modo que ainda que tenha sido praticado um crime doloso com pena máxima superior a 4 anos sem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis não há que se falar em prisão preventiva mesmo que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis art 312 se o caso não se situar nos limites do art 313 não caberá prisão preventiva II se tiver sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado ressalvado o disposto no inciso I do caput do art 64 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal COMENTÁRIO Tratase da situação do réu reincidente em crime doloso Infelizmente optou o legislador em seguir na linha de máxima estigmatização do reincidente em flagrante bis in idem Autorizar uma prisão preventiva com base exclusivamente no fato de ser o réu ou indiciado reincidente é uma interpretação equivocada até porque viola presunção de inocência estabelece uma presunção de culpabilidade por ser reincidente a proporcionalidade e a própria dignidade da pessoa humana Ademais não possui caráter cautelar e por isso é substancialmente inconstitucional a nosso ver Dessarte pensamos que esse inciso de forma isolada não justifica a prisão preventiva III se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher criança adolescente idoso enfermo ou pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência COMENTÁRIO Esse inciso foi além da redação anterior que havia sido inserido por força da Lei n 113402006 para incluir no caso de violência doméstica além da mulher a criança o adolescente o idoso o enfermo ou qualquer pessoa com deficiência mas sempre no contexto de coabitação da violência doméstica Cria o dispositivo uma espécie de vulnerabilidade doméstica em que a prisão preventiva é usada para dar eficácia à medida protetiva aplicada Mas o artigo precisa ser lido com cuidado ainda que as intenções de tutela sejam relevantes Em primeiro lugar não criou o legislador um novo caso de prisão preventiva ou seja um novo periculum libertatis pois para isso ocorrer a inserção deveria ter sido feita no art 312 definindo claramente qual é o risco que se pretende tutelar O segundo aspecto a ser considerado é a péssima sistemática da Lei n 11340 O objeto jurídico tutelado é da maior importância proteção da mulher mas infelizmente a lei é tecnicamente mal elaborada entre outros por misturar matéria penal e civil A definição de violência doméstica e familiar contra a mulher prevista no art 7º da Lei é de uma vagueza preocupante com disposições genéricas alternativas e ambíguas Uma leitura apressada levaria à errada conclusão de que qualquer conduta que configure ameaça calúnia difamação ou injúria art 7º V da Lei n 11340 autorizaria a prisão preventiva pela incidência do art 313 III quando o juiz determinasse por exemplo a proibição de contato com a ofendida art 22 III b da Lei n 11340 É preciso ter bom senso e prudência nesse terreno para não deixar a vítima desprotegida mas também para não cair em punições desproporcionais80 No mesmo sentido RANGEL81 cita o exemplo da lesão corporal leve art 129 caput e 9º do CP para apontar o equívoco da Lei Infelizmente por mais nobre que fosse a intenção de tutelar a mulher que sofre violência doméstica a disciplina legal é péssima estabelecendose obstáculos sistêmicos insuperáveis para que se cogite da possibilidade de uma prisão preventiva só com base nesse inciso Como regra devemos estar diante de um crime doloso cuja pena seja superior a quatro anos adequação sistêmica ao inciso I Pensamos que quando muito estando presentes o fumus commissi delicti e alguma das situações de periculum libertatis do art 312 e sendo o crime doloso o inciso em questão somente serviria para reforçar o pedido e a decisão Mas para tanto devese analisar ainda qual foi a medida protetiva decretada para verificarse a adequação da prisão em relação a esse fim bem como a proporcionalidade Do contrário incabível a prisão preventiva a nosso juízo 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecêla devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida COMENTÁRIO Tratase uma inovação e que igualmente exige uma leitura cautelosa Para que seja decretada a prisão preventiva do imputado por haver dúvida em relação à identidade civil são imprescindíveis o fumus commissi delicti e o periculum libertatis Mais do que isso até por uma questão de proporcionalidade pensamos ser necessária uma interpretação sistemática à luz do inciso I do art 313 topograficamente situado antes como orientador dos demais para que se exija um crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos Impensável decretar uma preventiva com base neste parágrafo único em caso de crime culposo por exemplo Da mesma forma como regra incabível para crimes de menor gravidade em que sequer a preventiva seria possível Excepcionalmente atendendo a necessidade do caso poderia ser decretada essa prisão preventiva quando o agente fosse preso em flagrante por um delito de estelionato com uso de identidade falsa falsidade documental ou mesmo falsidade ideológica São situações em que existe uma dúvida fundada sobre a identidade civil até mesmo pelas características do delito perpetrado Também não se pode fazer uma leitura isolada do dispositivo sob pena de incidir no erro de pensar estar autorizada uma prisão preventiva para averiguações burlando inclusive os limites que a jurisprudência consagrou para impossibilitar a prisão temporária com base apenas isoladamente no inciso II do art 1 da Lei n 7960 Vislumbramos aqui um terreno fértil para abusos O problema é que o periculum libertatis no texto legal acaba sendo reduzido a uma presunção de perigo decorrente da falta de identidade civil devendo o imputado ser imediatamente colocado em liberdade após a identificação exceto se outra medida cautelar for cabível e necessária Por tudo isso pensamos que esse artigo deve ser interpretado em conjunto com o disposto na Lei n 120372009 que regulamentou a identificação criminal prevista no art 5º LVIII da Constituição A regra é que o civilmente identificado não seja submetido à identificação criminal ou seja nem datiloscópica nem fotográfica definindo a lei que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos seguintes documentos carteira de identidade carteira de trabalho carteira profissional passaporte carteira de identificação funcional outro documento público que permita a identificação do indiciado A lei equipara aos documentos civis os de identificação militares Não sendo apresentado qualquer desses documentos será o suspeito submetido à identificação criminal e dependendo do caso a prisão preventiva recordemos desde que observados os casos de cabimento Contudo estabelece o art 3º que mesmo apresentando o documento de identificação poderá ocorrer identificação criminal e portanto a prisão preventiva que estamos analisando quando I o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação II o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado III o indiciado portar documentos de identidade distintos com informações conflitantes entre si IV a identificação criminal for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade judiciária competente que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial do Ministério Público ou da defesa V constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações VI o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais Destacamos a abertura feita pelo inciso IV que permite a identificação criminal do civilmente identificado quando a identificação criminal for essencial às investigações policiais Portanto a identificação criminal ficará a critério do juiz bastando apenas uma maquiagem argumentativa para fundamentar a decisão Isso poderá servir como forma de negar eficácia ao direito de não produzir prova contra si mesmo quando por exemplo o imputado se recusa a fornecer suas digitais para confrontação com aquelas encontradas no local do delito Diante da recusa determina o juiz a identificação criminal e o material necessário para a perícia datiloscópica é extraído compulsoriamente burlando a garantia constitucional do nemo tenetur se detegere Igualmente censurável é a possibilidade de que tal ato seja determinado de ofício pelo juiz em censurável ativismo probatórioinvestigatório como já criticado tantas vezes ao longo desta obra Noutra dimensão é salutar a possibilidade de que a identificação criminal seja solicitada pela própria defesa mas não é caso de prisão preventiva por evidente como forma de evitar investigações e até prisões cautelares em relação a uma pessoa errada Não são raros os casos de perda de documentos que acabam sendo utilizados e falsificados por terceiros para a prática de delitos Tempos depois é expedido mandado de prisão em relação à pessoa errada pois o responsável pelo crime apresentou um documento falso A identificação datiloscópica eou por fotografia pode auxiliar a evitar situações dessa natureza A identificação criminal que inclui o processo datiloscópico e o fotográfico deverá ser feita da forma menos constrangedora possível art 4º e deverá ser juntada aos autos da comunicação da prisão em flagrante ou do inquérito policial ou outra forma de investigação art 5º não devendo ser mencionada em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal antes do trânsito em julgado da sentença condenatória art 6º Em suma essa hipótese de prisão preventiva deve ser empregada com cuidado analisandose a situação à luz dos casos de identificação criminal previstos na Lei n 120372009 e cessando tão logo ela seja realizada 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia COMENTÁRIO O legislador se preocupou em deixar expresso que a prisão preventiva não pode ser usada como instrumento de antecipação de pena devendo sempre estar comprovado seu caráter e fundamento cautelar Tampouco pode ser uma decorrência automática imediata da investigação ou da apresentação ou recebimento da denúncia É preciso sempre que se demonstre o fumus comissi delicti e o periculum libertatis Quanto ao art 314 determina o Código de Processo Penal que Art 314 A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I II e III do caput do art 23 do Código Penal Se houver prova razoável de que o agente tenha praticado o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude tais como estado de necessidade legítima defesa estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito não caberá a prisão preventiva por ausência de fumaça de ilicitude na conduta Como explicamos anteriormente não se exige uma prova plena da excludente mas uma fumaça Inclusive diante da gravidade de uma prisão preventiva pensamos que a dúvida deve beneficiar o réu também neste momento incidindo sem problemas o in dubio pro reo Por fim outra invocação inserida pela Lei n 139642019 foi a nova redação do art 315 Art 315 A decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória sentença ou acórdão que I limitarse à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida II empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso III invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão IV não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de em tese infirmar a conclusão adotada pelo julgador V limitarse a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos VI deixar de seguir enunciado de súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento Tratase de um conjunto de exigências da maior relevância em relação à qualidade da fundamentação necessária para decretação de uma prisão cautelar Um grande avanço ao exigir uma fundamentação concreta individualizada e com uma sanção na medida em que estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória sentença ou acórdão Então todas essas vedações que exigem qualidade da decisão ao não admitir que ela se limite a indicar artigos da lei ou precedentes enunciados sem fazer a adequação ao caso concreto que empregue conceitos jurídicos vagos e indeterminados sem relacionar com o fato concreto a invocar motivos formulários padronizados que servem para qualquer decisão que não enfrente os argumentos trazidos pelas partes e que se relacionem com a linha decisória adotada ou ainda que deixe de seguir súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte e que diga respeito ao caso em discussão sem fazer o necessário distinguishing Portanto é uma determinação legal da maior relevância e que busca estabelecer um standard elevado de qualidade da fundamentação das decisões e ao mesmo tempo prestigia as partes e o contraditório 55 Análise Crítica do Periculum Libertatis Resistindo à Banalização do Mal Controle Judicial da Substancial Inconstitucionalidade da Prisão para Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica Defeito Genético Como apontamos inicialmente o periculum libertatis no sistema brasileiro está previsto no art 312 do CPP traduzindo uma das seguintes situações tuteláveis ordem pública ordem econômica instrução criminal aplicação da lei penal Analisaremos agora os dois primeiros fundamentos garantia da ordem pública e da ordem econômica para demonstrar que em que pese a reforma operada pela Lei n 124032011 seguem sendo de discutível constitucionalidade Não sem razão na redação original do PL 42082001 o art 312 tinha sido completamente modificado Inclusive no parecer do Relator Deputado Ibrahim AbiAckel era destacado que são enunciadas com clareza as hipóteses de aplicação descumprimento revogação e substituição das medidas cautelares fugindo desse modo o projeto das causas indeterminadas como no caso da prisão preventiva a garantia da ordem pública e a garantia da ordem econômica substituídas por definições precisas das circunstâncias que a justificam Infelizmente ao longo da tramitação foi aprovada Emenda Substitutiva Global que resgatou o texto original de 1941 Os demais fundamentos conveniência da instrução e garantia da aplicação da lei penal são medidas verdadeiramente cautelares mas cuja banalização e distorção de conceitos exigem limitações como veremos no próximo tópico A primeira questão a ser enfrentada é qual é o objeto da prisão cautelar A resposta nos conduz ainda a sua finalidade e delimita naturalmente seu campo de incidência pois a prisão cautelar é ilegítima quando afastada de seu objeto e finalidade deixando de ser cautelar Nesse ponto sim podemos recorrer a CALAMANDREI82 segundo o qual nos procedimentos cautelares mais do que o objetivo de aplicar o direito material a finalidade imediata é assegurar a eficácia do procedimento definitivo esse sim tornará efetivo o direito material Isso porque a tutela cautelar é quando comparada com o direito material uma tutela mediata mais que fazer justiça serve para garantir o eficaz funcionamento da Justiça Se todos os provimentos jurisdicionais são instrumentos do direito material que através deles se atua nos provimentos cautelares encontrase uma instrumentalidade qualificada ou seja elevada por assim dizer ao quadrado esses são de fato infalivelmente um meio predisposto para melhor resultado do provimento definitivo que por sua vez é um meio para a atuação do direito material são portanto em relação à finalidade última da atividade jurisdicional instrumentos do instrumento Tradução nossa Fica evidenciado assim que as medidas cautelares não se destinam a fazer justiça mas sim garantir o normal funcionamento da justiça através do respectivo processo penal de conhecimento Logo são instrumentos a serviço do instrumento processo por isso sua característica básica é a instrumentalidade qualificada ou ao quadrado É importante fixar esse conceito de instrumentalidade qualificada pois só é cautelar aquela medida que se destinar a esse fim servir ao processo de conhecimento E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional Com DELMANTO JUNIOR83 acreditamos igualmente que a característica da instrumentalidade é ínsita à prisão cautelar na medida em que para não se confundir com pena só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório Nesse momento evidenciase que as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares e portanto são substancialmente inconstitucionais Tratase de grave degeneração transformar uma medida processual em atividade tipicamente de polícia utilizandoas indevidamente como medidas de segurança pública A prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que marcam e legitimam esses provimentos Grave problema encerra ainda a prisão para garantia da ordem pública pois se trata de um conceito vago impreciso indeterminado e despido de qualquer referencial semântico Sua origem remonta a Alemanha na década de 30 período em que o nazifascismo buscava exatamente isso uma autorização geral e aberta para prender Até hoje ainda que de forma mais dissimulada tem servido a diferentes senhores adeptos dos discursos autoritários e utilitaristas que tão bem sabem utilizar dessas cláusulas genéricas e indeterminadas do Direito para fazer valer seus atos prepotentes O Direito especialmente o Penal agindo em nome do pai e por mandato explica MORAIS DA ROSA84 opera na subjetividade humana ditando a lei como capaz de manter o laço social e ainda faz a utilitária promessa de felicidade A palavra nesse contexto ganha um contorno transcendente o qual é preenchido na cadeia de significância e durante a história por diversos significantes dentre eles o divino a razão a força o Direito dos homens todos vendidos como neutros e capazes de designar uma ordem reguladora de condutas baseadas em interditos legitimando o uso da força para adequação do laço social O problema é que ainda com o autor ao se remeter para um lugar idealizado de referência indicado na origem por uma palavra configuram as máscaras inscritas no imaginário social que permitem o poder de seguir O art 312 contém uma anemia semântica explica MORAIS DA ROSA85 pois basta um pouco de conhecimento de estrutura linguística para construir artificialmente esses requisitos cuja falsificação é inverificável O grande problema é que uma vez decretada a prisão os argumentos falsificados pela construção linguística são inverificáveis e portanto irrefutáveis Se alguém é preso porque o juiz aponta a existência de risco de fuga uma vez efetivada a medida desaparece o pseudorisco sendo impossível refutar pois o argumento construído ou falsificado desaparece Para além disso o preenchimento semântico dos requisitos é completamente retórico O clamor público tão usado para fundamentar a prisão preventiva acaba se confundindo com a opinião pública ou melhor com a opinião publicada Há que se atentar para uma interessante manobra feita rotineiramente explorase midiaticamente um determinado fato uma das muitas operações com nomes sedutores o que não deixa de ser uma interessante manobra de marketing policial muitas vezes com proposital vazamento de informações gravações telefônicas e outras provas colhidas para colocar o fato na pauta pública de discussão a conhecida teoria do agendamento Explorado midiaticamente o pedido de prisão vem na continuação sob o argumento da necessidade de tutela da ordem pública pois existe um clamor social diante dos fatos Ou seja constróise midiaticamente o pressuposto da posterior prisão cautelar Na verdade a situação fática apontada nunca existiu tratase de argumento forjado Como aponta SANGUINÉ86 quando se argumenta com razões de exemplaridade de eficácia da prisão preventiva na luta contra a delinquência e para restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico aplacar o clamor público criado pelo delito etc que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à instituição na realidade se introduzem elementos estranhos à natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à instituição questionáveis tanto desde o ponto de vista jurídicoconstitucional como da perspectiva políticocriminal Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais preventivas gerais e especiais de pena antecipada incompatíveis com sua natureza Assume contornos de verdadeira pena antecipada expressamente vedado pelo art 313 2º violando o devido processo legal e a presunção de inocência SANGUINÉ87 explica que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou ainda o clamor público acaba sendo utilizada com uma função de prevenção geral na medida em que o legislador pretende contribuir à segurança da sociedade porém deste modo se está desvirtuando por completo o verdadeiro sentido e natureza da prisão provisória ao atribuirlhe funções de prevenção que de nenhuma maneira está chamada a cumprir As funções de prevenção geral e especial e retribuição são exclusivas de uma pena que supõe um processo judicial válido e uma sentença transitada em julgado Jamais tais funções podem ser buscadas na via cautelar No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR88 afirma que é indisfarçável que nesses casos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado ínsito a toda e qualquer medida cautelar servindo de inaceitável instrumento de justiça sumária Em outros casos a prisão para garantia da ordem pública atende a uma dupla natureza89 pena antecipada e medida de segurança já que pretende isolar um sujeito supostamente perigoso É inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social e por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança nem a prisão preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção nem o Estado enquanto reserva ética pode assumir esse papel vingativo Também a ordem pública ao ser confundida com o tal clamor público corre o risco da manipulação pelos meios de comunicação de massas fazendo com que a dita opinião pública não passe de mera opinião publicada com evidentes prejuízos para todos Obviamente que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar pois não tutela o processo sendo portanto flagrantemente incons titucional até porque nessa matéria é imprescindível a estrita observância ao princípio da legalidade e da taxatividade Considerando a natureza dos direitos limitados liberdade e presunção de inocência é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva in malan partem que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformála em medida de segurança pública Também preocupante é a inadequada invocação do Princípio da Proporcionalidade não raras vezes fazendo uma ginástica discursiva para aplicálo onde não tem legítimo cabimento Neste tema é lúcida a análise do Min EROS GRAU no voto proferido no HC 950094SP p 44 e s90 Portanto muita atenção para a manipulação discursiva feita em nome do Princípio da Proporcionalidade infelizmente a cada dia mais invocado pois ele não se presta legitimamente a esses fins punitivistas Quanto à prisão para garantia da ordem econômica igualmente criticável o fundamento Se o objetivo é perseguir a especulação financeira as transações fraudulentas e coisas do gênero o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica o direito administrativo sancionador as restrições comerciais mas jamais pela intervenção penal muito menos de uma prisão preventiva É manifesta a inadequação da prisão para garantia da ordem econômica pois já havia no art 30 da Lei n 7492 a previsão de decretação de prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada Mas para além disso em nada serviria a prisão para remediar ou diminuir a lesão econômica Muito mais útil seria o sequestro e a indisponibilidade dos bens91 pois dessa forma melhor se poderia tutelar a ordem financeira e também amenizar as perdas econômicas Da mesma forma é inegável que nesse tipo de crime o engessamento patrimonial é o melhor instrumento para evitar a reiteração de condutas Com acerto DELMANTO JUNIOR92 aponta que não resta dúvida de que nessas hipóteses a prisão provisória afastase por completo de sua natureza cautelar instrumental eou final transformandose em meio de prevenção especial e geral e portanto em punição antecipada uma vez que uma medida cautelar jamais pode ter como finalidade a punição e a ressocialização do acusado para que não mais infrinja a lei penal bem como o consequente desestímulo de outras pessoas ao cometimento de crimes semelhantes fins exclusivos da sanção criminal Quando se tutelam situações de perigo cujo objeto não é a prova ou a efetividade do processo risco de fuga como sucede na tutela da ordem pública e econômica a prisão cautelar se converte em medida de segurança Como define CORDERO93 é uma metamorfose pouco feliz pois a proteção dos interesses coletivos exige remédios ad hoc os híbridos custam mais do que produzem Em suma as prisões para garantia da ordem pública ou da ordem econômica possuem um defeito genético não são cautelares Portanto substancialmente inconstitucionais 56 Prisão para Garantia da Ordem Pública O Falacioso Argumento da Credibilidade ou Fragilidade das Instituições Risco de Reiteração Crítica Exercício de Vidência Contraponto Aceitação no Direito Comparado Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica garantia da ordem pública mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade da segregação para o restabelecimento da credibilidade das instituições É uma falácia Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito nem a prisão é um instrumento apto para esse fim em caso de eventual necessidade de proteção Para além disso tratase de uma função metaprocessual incompatível com a natureza cautelar da medida Noutra dimensão é preocupante sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimarse a doença é grave e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário incompatível com o nível de civilidade alcançado No mais das vezes esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz comprometido com a verdade ou seja alguém que julgandose do bem e não se discutem as boas intenções emprega uma cruzada contra os hereges abandonando o que há de mais digno na magistratura que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado Como muito bem destacou o Min EROS GRAU94 o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração não do Judiciário seja através da polícia como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição quanto do Ministério Público a quem compete privativamente promover a ação penal pública artigo 129 I grifo nosso No que tange à prisão preventiva em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos está se atendendo não ao processo penal mas sim a uma função de polícia do Estado completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito salvo para os casos de vidência e bola de cristal é flagrantemente inconstitucional pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros Recorda CARVALHO95 que uma das principais distinções entre o sistema inquisitório e o acusatório constitucional se manifesta no que diz respeito à existência de possibilidades de concreta refutação das hipóteses probatórias A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de perigo de reiteração bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro que nos proteja do que pode ou não vir a ocorrer Nem o direito penal menos ainda o processo está legitimado à pseudotutela do futuro que é aberto indeterminado imprevisível Além de inexistir um periculosômetro tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI é um argumento inquisitório pois irrefutável Como provar que amanhã se permanecer solto não cometerei um crime Uma prova impossível de ser feita tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei Tratase de recusar o papel de juízes videntes pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal96 Feita a análise crítica não se desconhece que em situações efetivamente excepcionais a prisão cautelar sob o argumento do risco de reiteração é admitida no direito comparado Até por honestidade acadêmica não podemos subtrair tal informação do leitor Nessa linha o art 5032 da Ley de Enjuiciamiento Criminal Espanha admite a prisão quando houver motivos bastantes para crer responsável criminalmente a pessoa e o delito tenha pena máxima igual ou superior a 2 anos Para avaliar o risco de reiteração deverá ponderar as circunstâncias do fato a gravidade dos delitos que possam ser cometidos ou ainda quando as investigações apontarem que o imputado vem atuando em concurso com outra ou outras pessoas de forma organizada para a comissão de fatos delitivos ou realiza suas atividades delitivas com habitualidade Analisando a situação ARAGONESES MARTINEZ97 explica que a reforma da Ley de Enjuiciamiento Criminal LECrim ocorrida em 2003 suprimiu o alarma social e incorporou o risco de reiteração delitiva como causa da prisão cautelar Interessante que essa mudança legislativa foi imposição da Sentença do Tribunal Constitucional n 4700 e nessa decisão o Tribunal especificou os fins constitucionalmente legítimos da prisão provisória e entre eles incluiu como causa a prisão para evitar a reiteração delitiva mas sublinhou não se deve fundamentar em risco genérico que o imputado possa cometer outros crimes pois isso faria com que a prisão provisional respondesse a um fim punitivo ou de antecipação da pena Isso seria inconstitucional Segue ainda ARAGONESES MARTINEZ explicando que a prisão para evitar a reiteração delitiva deve situarse em um plano distinto tanto que a LECrim se refere a esse risco em um apartado distinto porque não tem finalidade cautelar senão que constitui uma medida de segurança prédelitiva medida de seguridad predelictual O art 274c do Codice di Procedura Penale italiano admite a prisão cautelar quando pela especificidade do fato e de suas circunstâncias bem como pela personalidade da pessoa investigada se possa deduzir desunta de comportamentos ou atos concretos ou dos antecedentes penais o concreto perigo de que o agente cometa grave delito com uso de arma ou de outra forma de violência pessoal ou crimes contra a ordem constitucional ou delito de criminalidade organizada ou da mesma espécie daquele que contra ele se procede Nesse último caso reiteração de crimes da mesma espécie a prisão somente pode ocorrer quando a pena máxima prevista para esses crimes não seja inferior a 4 anos O CPP português no seu art 204 depois de enumerar um amplo rol de medidas alternativas à prisão como também ocorre nos países anteriormente citados autoriza a prisão preventiva quando houver perigo em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa O Código de Processo Penal alemão StPO no seu 112a autoriza a detenção quando houver fundados motivos de que o agente tenha cometido repetida ou continuadamente delitos graves existe uma enumeração desses delitos na lei e se existem fatos que possam fundamentar a existência do perigo de que antes do processo ele possa cometer mais delitos relevantes de mesma espécie ou continue com a prática do mesmo delito Em que pese essas considerações pensamos que a excepcional e cruel necessidade deveria dar lugar não à prisão preventiva por risco de reiteração mas há outras medidas restritivas aplicadas no âmbito da liberdade provisória tais como monitoramento eletrônico prisão domiciliar ou proibição de permanência de ausência ou de contatos como previsto no art 319 57 Desconstruindo o Paradigma da Cruel Necessidade Forjado pelo Pensamento Liberal Clássico Alternativas à Prisão por Conveniência da Instrução Criminal e para o Risco para Aplicação da Lei Penal Esclarecido que a prisão para garantia da ordem pública ou econômica não possui natureza cautelar e que portanto tem uma discutível constitucionalidade cumpre agora analisar os fundamentos restantes tutela da instrução criminal e da aplicação da lei penal Essas são verdadeiramente cautelares na medida em que se destinam ao processo a assegurar o regular e eficaz funcionamento do processo penal A questão é saber se são realmente necessárias ou não O pensamento liberal clássico conviveu com as prisões cautelares a partir de um argumento básico verdadeira tábua de salvação a cruel necessidade de tais medidas Invocando o superado argumento de que os fins justificam os meios contentase em considerar o meio como um fenômeno natural que não precisa ser justificado mas apenas explicado e quando muito delimitado Antes de seguir repetindo essas lições sem maior reflexão devemos constantemente questionar será que realmente é necessária a prisão cautelar Com certeza após uma análise séria e criteriosa se não chegarmos a eliminar a base teórica até então vigente ao menos diminuiremos em muito a incidência dessa verdadeira pena antecipada Para tanto vejamos alguns aspectos raramente enfrentados pelo senso comum teórico Inicialmente devemos considerar que a tutela da prova não pode ser confundida com a de interrogar o imputado e obter sua confissão Em primeiro lugar porque numa visão acusatória ou ao menos não inquisitiva do processo o interrogatório é um direito de defesa e não serve para a acusação Não serve para adquirir provas de culpabilidade Ademais a confissão não pode ser usada em seu prejuízo e há muito deixou de ser a prova plena basta uma rápida leitura da exposição de motivos do CPP É o momento de superar a culpa judaicocristã que conduz ao confessa e arrependete de teus pecados para encontrar a salvação Para FERRAJOLI98 a prisão cautelar pode ser perfeitamente substituída pela mera detenção ou seja o traslado do sujeito passivo para ser colocado sob custódia do tribunal pelo tempo estritamente necessário para interrogálo e realizar as primeiras comprovações do fato inclusive utilizando o incidente de produção antecipada de provas Com isso esse isolamento não duraria mais do que horas ou no máximo dias mas jamais meses e anos e tampouco teria o impacto estigmatizante da prisão cautelar O suspeito ficaria isolado por um breve período até ser ouvido e realizadas as primeiras comprovações do fato inclusive com produção antecipada em incidente Após ser ouvido e produzida essa prova não há mais motivo para a segregação até porque o suspeito não poderá substancialmente alterar mais nada Mantêlo preso representa apenas constrangimento e cerceamento de defesa pois o detido tem suas possibilidades de defesa reduzidas ao extremo inclusive permitindo que a acusação e a vítima possam esses sim manipular a prova Ou por acaso o acusador público ou privado está imune a esse tipo de tentação No sistema acusatório o contraditório é essencial e o combate livre e aberto em igualdade de armas cai por terra com o acusado preso Sem falar que a prisão cautelar conduz a uma verdadeira presunção de culpabilidade extremamente prejudicial para o processo Também a tutela da prova deve caminhar no sentido de maior cientificidade da própria investigação e coleta de indícios Quanto mais eficientes forem a polícia científica e as técnicas de recolhimento de provas menor é o tempo necessário para a apuração do fato e menores são os riscos de manipulação ou destruição por parte do suspeito No mesmo sentido ARAGONESES MARTINEZ99 aponta que a utilidade da prisão cautelar para tutela da prova es menos convincente ya que las fuentes de prueba podrían conservarse estableciendo medidas tendentes a su aseguramiento o bien previendo la práctica anticipada de prueba Ou seja não se justifica prender para colher a prova senão que deve lançarse mão de medidas de produção antecipada de provas e não da prisão preventiva Inclusive como destaca a autora o Tribunal Constitucional espanhol na STC n 12895 declarou que en ningún caso puede perseguirse con la prisión provisional son fines de impulso de la instrucción sumarial propiciando la obtención de pruebas de declaraciones de los imputados etc A essa altura alguém pode estar se perguntando mas essa não é a realidade brasileira cuja atividade policial na imensa maioria dos casos não consegue superar o nível da coleta de depoimentos Ora até mesmo a coleta de depoimentos pode ser agilizada de forma bastante barata com a filmagem e gravação a partir das quais o risco de manipulação passa a ser mínimo O que não se pode continuar admitindo é que tenhamos que arcar com os custos da incompetência estatal e a mais absoluta falta de interesse em realmente resolver o problema Quanto mais se analisa a questão maior é o convencimento de que na realidade não existe necessidade mas mera conveniência para o Estado e com isso não pactuamos Outro argumento comumente empregado é o do medo da vítima e das testemunhas O argumento anterior segue sendo invocado Incumbe ao Estado as funções de segurança pública da vítima das testemunhas e de todos nós O processo penal não é o instrumento adequado sob pena de sepultarmos o Estado Democrático de Direito e todas suas conquistas Tampouco o Estado está realmente preocupado em proteger vítimas e testemunhas basta verificar como funcionam os programas de proteção para constatar que o que se protege não é a testemunha mas sim o testemunho Sequer conseguem disfarçar que a visão utilitarista também se dirige a vítimas e testemunhas Também não é como explicamos anteriormente função da prisão cautelar a prevenção geral e especial Essas são funções exclusivas da pena aplicada após o processo Isso tudo sem falar na necessidade de que exista prova suficiente dessa situação O periculum libertatis não se presume Tampouco pode ser fruto de ilações fantasmagóricas ou transtornos persecutórios Uma análise séria que racionalize os medos levará à conclusão de que na imensa maioria das prisões cautelares decretadas sob esse fundamento a prisão é ilegal pois não existe a situação fática legitimante da intervenção penal Em suma no que se refere à tutela da prova existem outras formas e instrumentos que permitam sua coleta segura com um custo social e para o imputado infinitamente menor que o de uma prisão cautelar Inclusive no que se refere ao risco para testemunhas e vítimas uma boa alternativa é o disposto nos incisos II III e V do art 319 a saber a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a proibição de manter contato com pessoa determinada e o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga Além disso o monitoramento eletrônico art 319 IX também resolveria o problema com um custo social e econômico infinitamente menor No que se refere à prisão cautelar para tutela da aplicação da lei penal estamos diante de uma medida verdadeiramente cautelar Novamente a questão é saber se realmente existe a cruel necessidade a legitimála Recordemos que é absolutamente inconcebível qualquer hipótese de presunção de fuga até porque substancialmente inconstitucional frente à Presunção de Inocência Toda decisão determinando a prisão do sujeito passivo deve estar calcada em um fundado temor jamais fruto de ilações Devese apresentar um fato claro determinado que justifique o receio de evasão do réu Infelizmente muitos juízes olvidamse disso e com base em frágeis elementos tomam essa decisão tão séria e estigmatizante O risco deve apresentarse como um fato claro determinado que justifique o medo de evasão do acusado É imprescindível um juízo sério desapaixonado e acima de tudo racional O periculum libertatis não pode assumir um caráter quantitativo Ainda que seja inaceitável qualquer presunção de fuga muitos sustentam que o perigo de evasão aumenta à medida que aumenta a gravidade do fato imputado pois a futura pena a ser imposta será mais grave100 Outros preferem simplesmente invocar os rótulos como crime hediondo tráfico de substâncias entorpecentes crime organizado etc para decretarem prisões preventivas sem o menor fundamento ou demonstração da necessidade Pensamos ainda que tais rótulos também não justificam ou legitimam uma presunção de fuga sequer a gravidade do fato Qualquer que seja a situação é imperativo que existam elementos concretos para justificar uma decisão de qualidade um primor de singular e extraordinária fundamentação101 Existem outras formas menos onerosas de assegurar a presença do acusado proporcionais e adequadas à situação Em caso de violação desses deveres demonstrando a intenção de fugir teríamos uma prova válida e suficiente para se falar em prisão decorrente do perigo de fuga A presunção de inocência como aponta CARNELUTTI102 impõe ao juiz que presuma também a obediência do acusado ao chamamento do Estado e só em caso de quebra dessa presunção é que se pode falar em uma medida restritiva da liberdade Atualmente com as facilidades de uma sociedade informatizada e internacionalmente integrada com os atuais sistemas de vigilância o risco de fuga fica bastante reduzido Dessarte é imprescindível que o juiz saiba utilizar as medidas cautelares diversas previstas no art 319 especialmente aquelas constantes nos incisos I IV V e IX comparecimento periódico em juízo proibição de ausentarse da comarca ou país recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga e monitoração eletrônica Tais medidas cautelares diversas aplicadas de forma isolada ou cumulativa conforme a situação exija podem muito bem atingir o mesmo escopo sem o imenso custo social e individual de uma prisão preventiva Na mesma linha o uso das medidas assecuratórias que engessam o patrimônio do imputado muitas vezes com bloqueio de contas e aplicações inviabiliza qualquer possibilidade de fuga ainda mais quando essas medidas vão combinadas com aquelas enumeradas no parágrafo anterior Nenhuma dúvida existe de que sem uma boa disponibilidade financeira as chances de uma fuga com êxito são mínimas A prisão preventiva e todas as demais cautelares inseremse perfeitamente na lógica do sofrimento bem tratada por SCHIETTI103 segundo a qual a prisão cautelar é a possibilidade de impor imediatamente um mal uma punição exercer a violência contra quem praticou um delito ou seja é a reação violenta àquele que cometeu uma violência É nessa linha importante que a pessoa sofra na própria carne pelo mal que fez Ainda que seja perfeitamente compreensível como bem aponta o autor é uma lógica perversa e completamente equivocada que somente serve para gerar mais violência e degradação dos valores éticos mínimos para a coexistência social 58 Das Medidas Cautelares Diversas ou Medidas Alternativas à Prisão Preventiva 581 Requisito Fundamento e Limites de Incidência das Medidas Cautelares Diversas Importante sublinhar que não se trata de usar tais medidas quando não estiverem presentes os fundamentos da prisão preventiva Nada disso São medidas cautelares e portanto exigem a presença do fumus commissi delicti e do periculum libertatis não podendo sem eles serem impostas Inclusive se durante uma prisão preventiva desaparecer completamente o requisito eou fundamento deve o agente ser libertado sem a imposição de qualquer medida alternativa Em tese se alguém foi preso por exemplo para tutela da prova uma vez que essa foi colhida deverá o juiz conceder a liberdade plena pois desapareceu o fundamento da prisão preventiva A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva mas em razão da proporcionalidade houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação São balizas para aplicação das medidas cautelares diversas nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis poderão ser utilizadas as medidas cautelares diversas ou se inadequadas e insuficientes a prisão preventiva nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos e exista fumus commissi delicti e periculum libertatis somente poderá haver decretação de medida cautelar diversa nos crimes dolosos cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos em que exista fumus commissi delicti e periculum libertatis e exista uma das situações dos incisos II ou III do art 313 poderá ser decretada medida cautelar diversa ou excepcionalmente a prisão preventiva As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo ou seja como alternativas à prisão cautelar reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado Logo ainda que as medidas cautelares possam ser aplicadas aos crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos elas representam significativa restrição da liberdade e não podem ser banalizadas Em nome disso e da necessária proporcionalidade a nosso juízo é incabível qualquer das medidas cautelares diversas se por exemplo o crime for culposo Ainda que concebidas como medidas substitutivas da prisão preventiva com o tempo as medidas cautelares diversas acabaram adquirindo o caráter de medidas autônomas nos casos em que a pena máxima imposta ao delito é inferior a 4 anos São situações em que não cabe a prisão preventiva e portanto as medidas cautelares diversas adquirem o status de medidas autônomas Inobstante sua autonomia em relação à preventiva não deixam de ser medidas cautelares e portanto exigem além do fumus comissi delicti e o periculum libertatis a observância da principiologia constitucional Quanto ao limite de pena ainda que se afaste a incidência do art 313 para aplicálas a crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 anos não se tem como fugir dos princípios da excepcionalidade e proporcionalidade que pautam a aplicação de toda e qualquer medida cautelar E quando pode ser empregada a medida cautelar diversa a qualquer tempo no curso da investigação ou do processo quando se fizer necessária a medida de controle a qualquer tempo no curso da investigação ou do processo como medida alternativa à prisão preventiva já decretada e que se revele desproporcional ou desnecessária à luz da situação fática de perigo aplicada juntamente com a liberdade provisória no momento da homologação da prisão em flagrante pelo juiz como medida de contracautela alternativa à prisão em flagrante a qualquer tempo está permitida a cumulação das medidas alternativas quando se fizer necessário Mas cuidado eventuais medidas alternativas não podem ser banalizadas e servir para aumentar a intervenção penal de forma injustificada Tampouco podemos desprezar a gravidade das restrições que elas impõem Medidas como as de proibição de frequentar lugares de permanecer e similares implicam verdadeira pena de banimento na medida em que impõem ao imputado severas restrições ao seu direito de circulação e até mesmo de relacionamento social Portanto não são medidas de pouca gravidade Último aspecto a ser observado é que as medidas cautelares diversas também estão submetidas aos princípios gerais das medidas cautelares dentro do que lhes for aplicável a saber jurisdicionalidade e motivação contraditório provisionalidade provisoriedade excepcionalidade proporcionalidade 582 Espécies de Medidas Cautelares Diversas Vejamos agora cada uma das medidas cautelares diversas da prisão Art 319 São medidas cautelares diversas da prisão I comparecimento periódico em juízo no prazo e nas condições fixadas pelo juiz para informar e justificar atividades COMENTÁRIO O dever de comparecimento periódico em juízo é uma medida consagrada nos sistemas português art 198 e italiano art 282 com a diferença de que em ambos é possibilitada a apresentação na polícia judiciária e il giudice fissa i giorni e le ore di presentazione tenendo conto dellattività lavorativa e del luogo di abitazione dellimputato Teria andado melhor o legislador se tivesse permitido ao juiz fixar dias e horas conforme a jornada de trabalho do imputado para não a prejudicar admitindo a apresentação na polícia mais próxima de seu domicílio O modelo brasileiro optou pelo total controle judiciário da medida desconsiderando a facilidade de aproveitar a estrutura policial afinal a polícia está em todos os lugares e também a maior eficácia do controle Quanto à periodicidade nos parece que a cautelar buscou inspiração na suspensão condicional do processo estabelecida no art 89 da Lei n 909995 com a diferença de ter deixado completamente em aberto a determinação da periodicidade Portanto poderá o juiz determinar o comparecimento mensal semanal ou até mesmo em situações extremas em que a necessidade de controle assim exija que o imputado compareça diariamente no fórum Evidentemente que o comparecimento diário é uma medida extremamente onerosa para o imputado e que deve ser utilizada em casos realmente extremos muito próximos daqueles que justificariam uma prisão preventiva Do contrário como regra geral o comparecimento deve ser mensal Esse comparecimento periódico também deve atentar para o horário da jornada de trabalho do imputado de modo a não prejudicála Toda medida cautelar deve pautarse pela menor danosidade possível inclusive no que tange à estigmatização social do imputado É uma medida que permite a um só tempo o controle da vida cotidiana e também certificarse do paradeiro do imputado104 servindo como instrumento para tutela da eficácia da aplicação da lei penal Chamamos a atenção para a distinção entre essa medida e o dever de comparecer a todos os atos do processo imposto na liberdade provisória do art 310 parágrafo único e principalmente para a nova redação do caput e incisos do art 310 Um é o dever de comparecer aos atos do processo e o outro em juízo O primeiro é para assegurar a presença do réu nos atos da instrução numa antiga visão que negava ao réu o direito de não ir Também buscava secundariamente controlar o risco de fuga mas de forma muito frágil Agora o que se busca é o controle da vida cotidiana do imputado sem qualquer relação com a instrução processual O foco é outro II proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações COMENTÁRIO A proibição de acesso ou frequência a determinados lugares também de uso recorrente no direito estrangeiro deve ser usada com muita prudência pois não pode constituir uma pena de banimento Dizse inclusive que tem ela um objetivo visivelmente profilático ou preventivo como define SCHIETTI105 pois busca evitar que a frequência do réu a determinados lugares possa criar condições favoráveis para que o agente pratique novos delitos de mesma natureza ou não É uma medida que encontrará ampla incidência em relação a imputados que por exemplo integrem torcidas organizadas e pratiquem atos violentos Ou ainda que habitualmente envolvamse em delitos em bares e boates ou mesmo em situações de violência doméstica A questão a saber é terá o Estado condições e meios de fiscalizar o cumprimento desta medida Por fim a medida nasce com um defeito genético sua discutível cautelaridade e portanto constitucionalidade Não se vislumbra tutela do processo ou de seu objeto aproximandose da problemática prisão preventiva para garantia da ordem pública dado seu caráter de prevenção especial manifesto III proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante COMENTÁRIO A situação aqui é melhor circunscrita que a do inciso anterior na medida em que a proibição tem um objeto de tutela mais claro uma pessoa determinada em regra a vítima testemunha e até mesmo um coautor do crime mas sempre alguém devidamente individualizado Neste ponto é perfeitamente possível que a medida cumpra uma função cautelar de tutela da prova Inclusive a efetividade desta cautelar será mais concreta na medida em que a própria pessoa protegida se encarregará de denunciar eventual descumprimento da ordem Esperase contudo que os juízes tenham muita serenidade na avaliação de eventuais denúncias de descumprimento da medida evitando decisões precipitadas que poderiam conduzir à prisão preventiva em flagrante violação da proporcionalidade e necessidade Ademais antes de revogála devese preferir a cumulação com mais alguma das restrições do art 319 Por fim por exemplo se o imputado violar a proibição de contato e ameaçar a vítima a prisão poderá ser decretada sob o esse fundamento art 282 4º do CPP e não pela prática do crime de ameaça cujo limite de pena não autoriza IV proibição de ausentarse da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução COMENTÁRIO É medida de cautelaridade evidente servindo assumidamente para tutela da prova e por via reflexa da própria eficácia da lei penal risco de fuga A redação original era melhor pois incluía para evitar fuga e não incluía a discricionariedade do conveniente Na tramitação legislativa o texto foi piorado pois se restringiu à tutela da prova o que poderá ser objeto de profunda discussão em casos concretos na medida em que colhida a prova desaparece a situação fática legitimadora A proibição de ausentarse da comarca ou país era muito mais adequada para tutela da eficácia da lei penal minorando o risco de fuga e podendo ser cumulada por exemplo com o dever de comparecimento periódico do inciso I O erro de limitarse assumidamente ao interesse probatório vai reduzir o campo de aplicação desta cautelar diversa Também não andou bem o legislador em incluir a conveniência da investigação ou instrução na medida em que abre um amplo espaço para exercício impróprio da discricionariedade judicial Melhor seria manter a redação original que exigia a necessidade e não mera conveniência Incorre ainda no erro de se inserir na perspectiva de obrigar o réu a estar disponível para servir de objeto de prova Vai na contramão do direito de não produzir prova contra si mesmo privilege against selfincrimination e da tendência em reconhecerse o direito de não ir inerente ao réu em processos penais democráticos que não mais o veem como objeto de prova mas sim sujeito processual Não vislumbramos fundamento legal em obrigar o réu a permanecer na comarca ou país em nome da conveniência ou necessidade para investigação ou instrução na medida em que pode usar o direito de silêncio em relação a qualquer ato probatório inclusive o reconhecimento pessoal Portanto a medida seria melhor utilizada para minorar o risco de fuga e não para tutela da prova cuja legitimidade é profundamente discutível mas infelizmente não foi esse o texto final aprovado Por fim poderá ser conciliada com o disposto no art 320 Art 320 A proibição de ausentarse do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional intimandose o indiciado ou acusado para entregar o passaporte no prazo de vinte e quatro horas Caberá ao juiz comunicar às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional intimandose o imputado para entregar o passaporte no prazo de 24 horas O descumprimento desta determinação será considerado como descumprimento da própria medida cautelar cabendo inclusive a decretação da prisão preventiva V recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o acusado tenha residência e trabalho fixos COMENTÁRIO É uma medida cautelar que pode servir a diferentes fins desde minorar o risco de fuga ainda que com pouca eficácia tutela da prova já que o imputado ficará nos limites trabalhodomicílio e até mesmo escopos metacautelares e por isso censuráveis como prevenção especial e geral Ainda que fundada no senso de responsabilidade e autodisciplina do imputado a medida poderá vir cumulada com o monitoramento eletrônico por exemplo para assegurarlhe a máxima eficácia Da mesma forma poderá ela ser chamada como medida secundária para reforçar os incisos I e II por exemplo Em caso de cumulação de medidas cautelares diversas deverá o juiz atentar para a proporcionalidade evitando a excessiva gravosidade para o réu das restrições mantendose nos limites da necessidade e proporcionalidade A medida é também diversa daquela prevista nos arts 317 e 318 A prisão domiciliar decorre de motivos pessoais do agente de natureza humanitária diversa portanto da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art 319 V A primeira explica SCHIETTI106 aproximase mais de uma espécie de prisão preventiva atenuada impondo ao imputado o dever de manterse dentro de sua residência salvo autorização judicial enquanto a segunda é uma modalidade menos gravosa de manter alguém em regime de liberdade parcial permitindolhe que trabalhe durante o dia recolhendose ao domicílio apenas à noite ou nos períodos de folga VI suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais COMENTÁRIO É medida extremamente gravosa e que deverá ser utilizada com suma prudência sendo inclusive de discutível constitucionalidade Não se tutela o processo ou seu objeto aproximandose tal medida a uma ilegal antecipação da função de prevenção especial da pena Pretende tutelar o risco de reiteração não recepcionado expressamente na redação final do art 312 mas constante no projeto originário daí talvez a incongruência Terá como campo de aplicação os crimes econômicos e aqueles praticados por servidores públicos no exercício da função ou seja propter officium sempre com vistas a impedir crimes futuros perigosa futurologia Não se descarta a utilização nos crimes ambientais como interdito de caráter preventivo Sempre deverá ser fundamentada a decisão que impõe tal medida apontando especificamente no que consiste o receio de reiteração e não se admitindo decisões genéricas ou formulárias Recordemos que o sistema cautelar brasileiro não consagra um prazo máximo de duração das medidas conduzindo a resultados gravíssimos para o imputado que se vê submetido por prazo indeterminado a severas restrições de direitos fundamentais O inciso em tela bem evidencia o imenso problema desta indeterminação temporal pois a suspensão do exercício de função pública e mais grave ainda da atividade de natureza econômica ou financeira poderá representar uma antecipação de pena e principalmente a morte econômica de pessoas e empresas por um lento processo de asfixia Por tudo isso pensamos que a medida é das mais gravosas e deve ser utilizada com extrema parcimônia VII internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do Código Penal e houver risco de reiteração COMENTÁRIO Mais uma inovação sem similar no modelo atual busca estabelecer uma espécie de medida de segurança cautelar para os casos de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa por agente inimputável ou semi imputável Para tanto exigese crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa inimputabilidade ou semiimputabilidade demonstrada por perícia risco de reiteração criminosa Os requisitos são cumulativos e não alternativos Os problemas desta medida são de diferentes ordens a começar pela ausência de limitação de sua duração mesmo erro existente na prisão preventiva o que poderá gerar abusos O segundo inconveniente decorre desta perícia para demonstrar a inimputabilidade ou semiimputabilidade pelos riscos inerentes às avaliações psicológicas e o mais grave ao caráter retroativo com que é feita Ou seja os peritos dirão hoje se ao tempo da ação ou omissão o agente era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Não é aferir isso no estado psíquico atual mas no passado quando da prática do crime o que constitui um imenso espaço impróprio para subjetividade do avaliador e portanto um grave risco Ademais considerando a urgência inerente às cautelares nem sempre haverá condições de se fazer um exame de insanidade como necessário e com isso acabaremos criando a situação do inimputável provisório para não dizer do louco temporário correndo o risco de depois no exame definitivo o diagnóstico ser diferente Podese pensar por analogia na perspectiva da Lei de Drogas Lei n 11343 em que se faz o laudo de constatação provisório para aferir se uma substância é aparentemente entorpecente com a finalidade de homologar a prisão em flagrante e até mesmo para o recebimento da denúncia exigindo se no curso do processo o laudo de constatação definitiva para permitir a condenação Criase no art 319 VII diante da urgência da medida cautelar a possibilidade de um laudo de constatação provisória da inimputabilidade apto a ensejar a internação provisória Isso não está na lei mas a situação de urgência poderá conduzir a esse cenário O problema neste caso reside no fato de que avaliação posterior não é objetiva como no laudo toxicológico mas sim completamente subjetiva e irrefutável na medida em que se pretende avaliar a interioridade psíquica do agente impossível de ser constatada ou demonstrada empiricamente Revelase a temida fundição do discurso jurídico com o da psiquiatria gerando uma ditadura do modelo clínico com efeitos penais A situação é ainda mais preocupante se considerarmos as condições em que se encontram os manicômios judiciários onde não raras vezes o acusado entra imputável e sai completamente louco Outrossim não se pode desprezar a estigmatização e o rótulo de inimputável que o acusado recebe já neste laudo provisório culminando por determinar e engessar seu futuro posto que uma vez rotulado de doente mental dificilmente conseguirá se livrar deste estigma Ainda mais se considerarmos que se está sempre no campo indeterminável e incontrolável das avaliações sobre a interioridade do agente de modo que ao ser novamente avaliado já entrará com essa pecha de doente e será muito difícil reverter esse quadro aos olhos de um psiquiatra já condicionado pelo laudo anterior ainda que inconscientemente Em suma é uma medida muito perigosa Em terceiro lugar o dispositivo recorre à perigosa futurologia do risco de reiteração completamente subjetiva e impossível de ser aferida Em última análise a nosso juízo pode representar um grave retrocesso essa internação provisória do inimputável ou semiimputável pois significa a aplicação de medida de segurança cautelar fundada na periculosidade do agente É interessante essa categoria de louco temporário que deverá ter sua periculosidade aferida por algum periculosômetro Zaffaroni É um retrocesso ao discurso criminológico de propensão ao delito periculosidade enfim um reducionismo sociobiológico Devemos considerar que o semiimputável também será submetido à internação cautelar em manicômio judiciário ou similar quando ao final se condenado não será internado Recordemos que ao semiimputável é permitida a redução da pena de um a dois terços sem internação E mais poderá se beneficiar de um regime prisional menos gravoso em decorrência da redução da pena Por tudo isso deve atentar o magistrado para a necessária proporcionalidade entre a cautelar e a provável decisão definitiva para evitar excessos Noutra dimensão a internação provisória não pode ser desconectada do sistema cautelar de modo que mesmo sendo inimputável o agente é imprescindível a demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis aqui assumido como risco de reiteração nos mesmos termos anteriormente expostos Dessarte não se pode desconsiderar o disposto no art 314 de modo que o inimputável pode ter agido em legítima defesa ou estado de necessidade da mesma forma que alguém imputável e por isso não pode ser submetido à internação provisória como não poderia ser submetido à prisão preventiva se imputável fosse A internação provisória é situacional de modo que desaparecendo o suporte fático legitimador do perigo deve o imputado ser colocado em liberdade Na mesma linha não pode ter uma duração indeterminada em que pese a lacuna legal na definição dos prazos máximos de duração das medidas cautelares Por fim chamamos atenção para outra lacuna no tratamento legal não há distinção entre a inimputabilidade existente na época do fato e a superveniente que se opera no curso do processo Em linhas gerais o agente que ao tempo da ação ou omissão era inimputável ou semiimputável submetese ao processo criminal onde ao final é julgado e submetido se apurada sua responsabilidade penal à medida de segurança ou se semiimputável É a chamada absolvição imprópria art 386 parágrafo único inciso III do CPP Na inimputabilidade superveniente a doença mental somente se manifesta no curso do processo ou seja ao tempo da ação ou omissão o agente era imputável A inimputabilidade é posterior ao fato criminoso Neste caso determina o art 152 do CPP que o processo criminal seja suspenso até que o acusado se restabeleça O processo somente retomará seu curso se o acusado se restabelecer Aqui reside um grande problema pois muitas doenças mentais não são passíveis de cura mas apenas controláveis em maior ou menor grau com tratamento e uso de medicamentos Logo a rigor o processo ficará indefinidamente suspenso Nestes casos errou o legislador ao não conciliar a medida cautelar com os dois desdobramentos possíveis do processo principal e nos parece por elementar que não poderá existir uma internação provisóriadefinitiva Pensamos então que uma vez suspenso o processo porque a doença mental é superveniente deverá cessar a internação provisória Como muito em casos extremos poderá o juiz adotar outra medida cautelar alternativa monitoramento dever de comparecimento recolhimento domiciliar etc por mais um período de tempo mas que também não poderá ser indeterminada VIII fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial COMENTÁRIO O instituto da fiança será objeto de análise em tópico específico na continuação para onde remetemos o leitor para evitar repetições IX monitoração eletrônica COMENTÁRIO O monitoramento eletrônico é um dispositivo antigo desenvolvido na década de 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel já com a finalidade de controle de pessoas envolvidas com crimes e consistia em um bloco de bateria e um transmissor capaz de emitir sinal para um receptor Em 1977 o juiz de Albuquerque Novo México Jack Love inspirado por um episódio da série homemaranha convenceu um perito em eletrônica a desenvolver um dispositivo similar de monitoramento tendo utilizado pela primeira vez em 1983 quando condenou o primeiro réu a usar o monitoramento eletrônico No final da década de 80 o monitoramento já estava sendo utilizado por outros presos e popularizouse na década de 90 em que lá havia mais de 95000 presos monitorados107 A popularização do sistema de posicionamento global GPS barateou muito a tecnologia empregada tornandose amplamente acessível e de baixo custo Atualmente é uma forma de controle empregada em vários países tanto como instrumento de tutela cautelar em qualquer fase da persecução criminal como também na execução penal auxiliando no controle do apenado nas diferentes fases do sistema progressivo de cumprimento da pena Neste novo dispositivo legal consagrase o monitoramento como medida cautelar em que a possibilidade de vigilância ininterrupta serve como tutela para o risco de fuga e a prática de novas infrações Ao permitir o permanente controle sob a circulação do acusado também serve de útil instrumento para dar eficácia às demais medidas cautelares diversas tais como a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a proibição de ausentarse da comarca ou país e o recolhimento domiciliar Cumpre assim diferentes dimensões de tutela cautelar A cada dia a tecnologia aperfeiçoa o sistema de monitoramento por GPS diminuindo o tamanho dos aparelhos e o incômodo por eles gerado ao estarem fixados no corpo do réu Em que pese isso é uma medida de controle extremo que gera um grande controle sobre a intimidade do agente e que deve ser usada com seletividade por parte dos juízes A diminuição do tamanho dos aparelhos melhorou a portabilidade mas ainda assim por ser levado preso ao corpo seja como pulseira tornozeleira etc além do desconforto dá uma visibilidade do estigma do processo penal e do controle social exercido O monitoramento eletrônico é uma medida cautelar alternativa subordinada também ao fumus commissi delicti e principalmente à necessidade de controle que vem representada pelo periculum libertatis Seu uso por ser dos mais gravosos deve ser reservado para situações em que efetivamente se faça necessário tal nível de controle e em geral vem associado ao emprego de outra medida cautelar diversa como a proibição de ausentarse da comarca art 319 IV Em geral é utilizado para tutela do risco de fuga mas também poderá contribuir para a efetivação de outras medidas cautelares de tutela da prova tais como a proibição de manter contato com pessoa determinada exemplo típico da ameaça a testemunhas vítima etc ou mesmo de tutela da ordem pública quando concebida no viés de risco de reiteração Em suma é um instrumento bastante útil de controle mas que deve ser reservado para casos graves como último passo antes da decretação da prisão preventiva sob pena de sua banalização gerar um expansionismo ilegítimo de controle penal com sérios riscos à liberdade individual e à própria dignidade da pessoa humana 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título podendo ser cumulada com outras medidas cautelares COMENTÁRIO Essa questão também será abordada quando do estudo da fiança em tópico específico na continuação 59 Da Prisão Cautelar Domiciliar Estabelecem os arts 317 e 318108 a prisão cautelar domiciliar com caráter substitutivo em relação à prisão preventiva Por motivos pessoais do agente de natureza humanitária diversa portanto da medida cautelar de recolhimento domiciliar previsto no art 319 V que tem outra natureza pois lá o agente tem liberdade para durante o dia exercer suas atividades profissionais devendo recolherse ao domicílio apenas no período noturno e nos dias de folga A demonstração da existência da situação fática autorizadora da prisão domiciliar poderá ser feita pela via documental certidão de nascimento ou perícia médica conforme a especificidade do caso e do que se pretende comprovar A Lei n 132572016 ampliou o rol de cabimento da substituição para incluir as situações de gestante mulher com filho de até 12 anos incompletos e homem quando for o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos incompletos A tutela aqui está voltada para os cuidados que a criança exige e no caso da gestante da qualidade de vida dela e do feto Não mais exige o dispositivo legal que a gestação seja de alto risco ou que esteja com mais de 7 meses Basta a comprovação da gravidez para a substituição ser concedida Tratase de proteção de caráter humanitário e em todos os casos plenamente justificada bastando a comprovação idônea da situação descrita no dispositivo legal De acordo com a Lei n 13769 de 2018 foi estabelecida a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 da gestante ou que for mãe ou responsável por criança ou pessoas com deficiência através da inserção dos arts 318A e 318B com a seguinte redação Art 318A A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar desde que I não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa II não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente Art 318B A substituição de que tratam os arts 318 e 318A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art 319 Dessa forma o legislador disciplinou no art 318A a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da gestante ou responsável por criança ou pessoa com deficiência que já estava prevista no art 318 mas de forma genérica Houve assim uma limitação do alcance da substituição pois o art 318A impõe duas restrições que não existiam antes que não seja crime cometido com violência ou grave ameaça a pessoa e que o crime não tenha sido cometido contra seu filho ou dependente Além disso abre expressamente a possibilidade no art 318B de que sejam cumuladas com a prisão domiciliar uma ou mais das medidas cautelares diversas estabelecidas no art 319 do CPP Atentese ainda que o art 318A deve ser lido junto com o art 318 respeitando os limites lá estabelecidos Assim são diferentes pessoas que podem obter o benefício da prisão domiciliar substitutiva da preventiva mulher gestante sem restrição de tempo de gestação mãe de criança filho de até 12 anos de idade incompletos art 318 V mãe de pessoa com deficiência não há limite de idade responsável por criança deve ser lido junto com o art 318 III ou seja quando imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade Contudo não vemos qualquer óbice a que esse inciso seja interpretado em analogia com o art 318 V de modo que o responsável por criança de até 12 anos de idade também obtenha a prisão domiciliar da mesma forma que a mãe da criança teria direito pois desempenha papel similar responsável por pessoa com deficiência sem limite de idade mas o art 318 III exige que seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa com deficiência Em todos os casos não se pode esquecer que essa substituição por prisão domiciliar só cabe se o crime for cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa e não tenha sido cometido contra a criança ou a pessoa com deficiência Aproveitando o ensejo cumpre recordar que a Lei n 134342016 também deu finalmente uma merecida tutela para a parturiente ao incluir o parágrafo único no art 292 Art 292 Parágrafo único É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médicohospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato Mais uma acertada e necessária tutela de caráter humanitário para a mulher grávida antes durante e também após o parto 510 Decretação ou Manutenção da Prisão Preventiva quando da Sentença Penal Condenatória Recorrível ou da Decisão de Pronúncia Recordemos que a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito ou do processo inclusive em sede recursal mantendose assim até a revogação substituição ou o trânsito em julgado da sentença quando se condenatória dará lugar à execução da pena Nessa linha lógica o art 387 determina que Art 387 O juiz ao proferir sentença condenatória 1º O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Incluído pela Lei n 127362012 2º O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade Incluído pela Lei n 127362012 Assim na sentença condenatória o juiz deve fundamentadamente analisar a necessidade ou não de imposiçãomanutenção da prisão preventiva seguindo a lógica do art 312 risco de fuga É uma prisão cautelar e exige a demonstração do periculum libertatis pois com a condenação o fumus commissi delicti está mais do que demonstrado O que importa é a lógica cautelar desenhada pela prisão preventiva e seu art 312 Portanto nenhuma relevância tem o fato de o réu ser reincidente ou primário pois o que legitima a prisão é sua natureza cautelar e a existência de periculum libertatis aqui risco de fuga Assim se o réu respondeu a todo o processo em liberdade por ausência de necessidade da prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que recorra em liberdade Mas poderá ser preso preventivamente nesse momento Sim desde que o juiz fundamente a necessidade da prisão preventiva e demonstre a existência de real e concreto risco de fuga periculum libertatis Por outro lado se o réu permaneceu preso ao longo de todo o processo pois lhe foi decretada a prisão preventiva quando condenado a tendência lógica é que permaneça preso e assim exerça seu direito de recorrer cabendo ao juiz fundamentar que perdura a necessidade da prisão e persiste o periculum libertatis Não estamos dizendo que permanecer preso é algo obrigatório ou automático senão que se existiram motivos para ser decretada a prisão preventiva no curso do processo ou até mesmo na fase de inquérito e permanecer esse perigonecessidade a manutenção da prisão é decorrência natural Ou ainda também é aceitável a substituição da prisão preventiva por outra medida cautelar prevista no art 319 Mas o réu que estava preso poderá ser condenado e solto ou submetido a uma medida cautelar diversa Sim desde que desapareça ou seja minorada a situação de perigo Por exemplo se o réu foi preso preventivamente para tutela da prova com a sentença logo já foi colhida a prova desapareceu a situação de perigo que justificou a prisão preventiva devendo o agora condenado ser solto ou submetido a uma medida cautelar diversa mais adequada Também pode ocorrer de a acusação imputar a prática de dois delitos vg tráfico de substâncias entorpecentes art 33 da Lei n 11343 e associação para o tráfico art 35 da Lei n 11343 e requerer a decretação da prisão preventiva considerando a gravidade dos crimes e o risco de fuga Na sentença o réu é absolvido da primeira imputação tráfico de drogas e condenado pela segunda a uma pena de 3 anos substituída por pena restritiva de direitos nos termos do art 44 do CP É manifestamente desproporcional manter alguém preso preventivamente nessas condições Assim ainda que condenado deverá recorrer em liberdade cabendo ao juiz na sentença determinar a expedição do respectivo alvará de soltura ou no mínimo substituir a prisão preventiva por uma medida cautelar diversa menos gravosa No que se refere à Súmula 9 do STJ109 também deve ser lida nessa sistemática Diz a súmula A exigência da prisão provisória para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência Em suma para decidir se o réu poderá recorrer em liberdade ou não deve se analisar a situação à luz do sistema cautelar e da real necessidade que a fundamenta periculum libertatis e legitima decretandose ou revogandose a prisão preventiva conforme o caso bem como lançando mão das medidas cautelares diversas adequadas que poderão ser revogadas aplicadas como substitutivas da prisão preventiva de forma isolada ou cumulativa Não é demais recordar que se o réu for absolvido deverá ser imediatamente colocado em liberdade se preso preventivamente ou ordenada a cessação das medidas cautelares diversas que estejam sendo aplicadas nos termos do art 386 parágrafo único incisos I e II do CPP Por fim destacamos que não mais se pode falar em deserção por fuga Desconectados estão o direito de recorrer do réu e o poder de prender do Estado quando necessária a custódia cautelar sendo inadmissível a decisão que não conhece da apelação sob o argumento de que o réu fugiu ou não se recolheu para apelar Existe uma nítida separação entre o direito de defesa e do duplo grau de jurisdição e a eventual necessidade da prisão cautelar O fato de o réu apelar e fugir ou não se apresentar em nada afeta o direito ao recurso e tampouco pode ser usado como argumento de presunção de culpabilidade por evidente inconstitucionalidade E a prisão preventiva em caso de decisão de pronúncia O regramento da prisão nesse momento processual está disciplinado pelo art 413 do CPP110 e inserese na mesma perspectiva da discussão anterior A prisão quando da decisão de pronúncia não é obrigatória como já o foi no passado estando subordinada ao fundamento e requisito que norteiam as prisões cautelares nos termos do art 312 do CPP Assim nenhuma relevância tem o fato de o agente ser primário ou reincidente senão que deverá o juiz fundamentar a necessidade da prisão cautelar demonstrando a existência do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Tudo o que dissemos no item anterior é inteiramente aplicável aqui de modo que havendo necessidade e preenchidos os requisitos legais poderá o juiz determinar a prisão preventiva do réu pronunciado ou mantêlo preso se assim já se encontrar Em qualquer caso deverá fundamentar a decisão Da mesma forma poderá manter aplicar substituir ou cumular as medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP conforme a necessidade do caso Não estando preenchidos os requisitos da prisão preventiva deverá o réu permanecer em liberdade com a aplicação de medida cautelar diversa ou não Tudo dependerá da existência ou não do fumus commissi delicti e do periculum libertatis No mesmo sentido situase a fiança medida de contracautela aplicada em conjunto com a liberdade provisória e que será analisada na continuação 6 Da Prisão Temporária A prisão temporária não foi diretamente modificada pela Lei n 124032011 mas sublinhamos a importância do art 282111 que se aplica a qualquer medida cautelar inclusive para a prisão temporária embora prevista em lei apartada Significa o estabelecimento de novos parâmetros sobre os quais deve especial atenção o juiz ao decretar a prisão temporária necessidade e adequação Além de observar se a medida realmente é necessária para a investigação e a coleta dos elementos probatórios buscados deve verificar se a prisão temporária é adequada à finalidade apontada pela autoridade policial Em última análise estamos tratando da proporcionalidade da prisão que adquire especial relevância agora com o amplo rol de medidas cautelares diversas previstas no art 319 Deve o juiz verificar portanto se os objetivos buscados não podem ser alcançados por meio de medidas cautelares diversas e menos gravosas para o investigado A prisão temporária está prevista na Lei n 796089 e nasce logo após a promulgação da Constituição de 1988 atendendo à imensa pressão da polícia judiciária brasileira que teria ficado enfraquecida no novo contexto constitucional diante da perda de alguns importantes poderes entre eles o de prender para averiguações ou identificação dos suspeitos Há que se considerar que a cultura policial vigente naquele momento em que prisões policiais e até a busca e apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional não concebia uma investigação policial sem que o suspeito estivesse completamente à disposição da polícia A pobreza dos meios de investigação da época fazia com que o suspeito fosse o principal objeto de prova Daí por que o que representava um grande avanço democrático foi interpretado pelos policiais como uma castração de suas funções A pressão foi tão grande que o Presidente José Sarney cedeu e em 21121989 foi institucionalizada a prisão para averiguações agora com o nome de prisão temporária como se existisse prisão perpétua Outro detalhe importante é que a prisão temporária possui um defeito genético foi criada pela Medida Provisória n 111 de 24 de novembro de 1989 O Poder Executivo violando o disposto no art 22 I da Constituição legislou sobre matéria processual penal e penal pois criou um novo tipo penal na antiga e já revogada Lei n 4898 substituída agora pela Lei n 138692019 através de medida provisória o que é manifestamente inconstitucional A posterior conversão da medida em lei não sana o vício de origem112 Mas como os juízes e tribunais brasileiros fizeram vista grossa para essa grave inconstitucionalidade a lei segue vigendo Então não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia pois sob o manto da imprescindibilidade para as investigações do inquérito o que se faz é permitir que a polícia disponha como bem entender do imputado Inclusive ao contrário da prisão preventiva em que o sujeito passivo fica em estabelecimento prisional e se a polícia quiser conduzilo para ser interrogado ou participar de algum ato de investigação deverá necessariamente solicitar autorização para o juiz a prisão temporária lhes dá plena autonomia inclusive para que o detido fique preso na própria delegacia de polícia Significa dizer que ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maustratos especialmente das ardilosas promessas do estilo confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba A prisão temporária cria todas as condições necessárias para se transformar em uma prisão para tortura psicológica pois o preso fica à disposição do inquisidor É um importantíssimo instrumento na cultura inquisitória em que a confissão e a colaboração são incessantemente buscadas Não se pode esquecer que a verdade escondese na alma do herege sendo ele o principal objeto da investigação Daí por que todo cuidado é pouco quando se pretender utilizar esse tipo de prisão cabendo aos juízes suma prudência e bastante comedimento ao lançar mão desse instituto até porque a cultura inquisitória de obter uma confissão a qualquer custo ainda é dominante 61 Duração da Prisão Temporária Prazo com Sanção Em que pese o defeito genético que contém ao menos a prisão temporária está controlada no tempo É a única prisão cautelar cujo prazo máximo de duração está previsto em lei Mais importante tratase de prazo com sanção ou seja findo o limite de tempo fixado na lei o imputado deve ser imediatamente posto em liberdade art 2º 7º da Lei n 796089 sob pena de configurarse o delito de abuso de autoridade Lei n 138692019 Vejamos agora os principais aspectos da prisão temporária Será decretada pelo juiz garantia da jurisdicionalidade mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial Não poderá ser decretada de ofício pelo juiz Deverá sempre ser fundamentada a decisão como determinam o art 93 IX da Constituição e o art 2º 2º da Lei n 7960 demonstrando a necessidade da prisão temporária e a presença do requisito e fundamentos que a legitimam Os prazos de sua duração são até 5 dias prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade sendo crime hediondo o prazo poderá ser de 30 dias prorrogáveis por igual período fazendo com que a prisão temporária possa durar até 60 dias Essa possibilidade está prevista no art 2º 4º da Lei n 8072 Nada impede que o imputado seja posto em liberdade antes desses prazos pela própria autoridade policial sem intervenção judicial desde que não exista mais a necessidade da custódia tendo em vista o interesse da investigação Mas os prazos devem ser observados sendo completamente ilegal por exemplo a decisão judicial que decreta a prisão temporária por 7 dias pois excede o prazo e já antecipa uma prorrogação de ofício que sequer foi pedida e muito menos demonstrada O prazo é de até cinco dias Depois disso excepcionalmente havendo pedido expresso e fundamentado da autoridade policial poderá haver a prorrogação por mais 5 dias Noutro sentido nenhum problema existe se o juiz fixar uma prisão temporária pelo prazo de 3 dias ou sendo crime hediondo por 15 dias ainda que a Lei permita até 30 dias O prazo fixado em Lei é o máximo permitido sempre mirando a necessidade da investigação Cumprida essa finalidade em período menor deve o imputado ser imediatamente solto Então o juiz pode perfeitamente fixar um limite menor avaliando a necessidade apontada pela autoridade policial Muitas vezes havendo vários suspeitos com residências em diferentes cidades é pedida a prisão temporária junto com a busca e apreensão sendo a primeira uma forma de garantir a eficácia da segunda Não há motivo algum para que a prisão temporária tomando o caso do crime hediondo por exemplo dure mais do que 5 dias Logo para evitar abusos deverá o juiz fixar esse prazo cabendo à autoridade policial pedir e demonstrar eventual necessidade de prorrogação Devese assegurar a possibilidade de pedido de prorrogação em caso de extrema e comprovada necessidade até o limite global previsto na Lei n 7960 5 5 10 ou ainda se hediondo 30 30 60 de modo que se o pedido for de prisão temporária por 30 dias crime hediondo e o juiz fixar em 15 dias a autoridade policial poderá postular a prorrogação até o limite global de 60 dias Em se tratando de crime hediondo o melhor seria que os juízes fixassem um prazo de no máximo 15 dias ou até menos A prorrogação deveria vir através de pedido fundamentado permitindo ao juiz fazer um novo controle da necessidade da prisão e coibindo eventuais excessos Se estiver convencido da imprescindibilidade da prorrogação que o faça por mais 15 dias Convenhamos que 30 dias de prisão temporária é tempo mais do que suficiente para a medida cumprir o seu fim Inclusive com o advento da Lei n 124032011 e a inserção de um rol de medidas diversas à prisão pensamos que não se justifica uma prisão temporária por mais de 5 dias posto que após esse prazo poderá o juiz mediante invocação ou de ofício substituir essa prisão temporária por uma medida alternativa que igualmente permita o controle sobre o risco de fuga ou para a prova sem necessidade da prisão Em qualquer caso devese considerar ainda que a prisão temporária poderá dar lugar após o escoamento do seu prazo a uma prisão preventiva que como visto não possui prazo de duração Contudo em nenhuma hipótese poderá ser decretada a prisão temporária quando já estiver concluído o inquérito policial ou mesmo persistir se tiver sido decretada anteriormente após a conclusão da investigação Chamamos a atenção finalmente para o disposto na Lei n 138692019 Art 40 O art 2º da Lei n 7960 de 21 de dezembro de 1989 passa a vigorar com a seguinte redação Art 2º 4ºA O mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária estabelecido no caput deste artigo bem como o dia em que o preso deverá ser libertado 7º Decorrido o prazo contido no mandado de prisão a autoridade responsável pela custódia deverá independentemente de nova ordem da autoridade judicial pôr imediatamente o preso em liberdade salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva 8º Incluise o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária 62 Especificidade do Caráter Cautelar Análise do Fumus Commissi Delicti e do Periculum Libertatis Crítica à Imprescindibilidade para as Investigações Policiais A prisão temporária possui uma cautelaridade voltada para a investigação preliminar e não para o processo Não cabe prisão temporária ou sua permanência quando já tiver sido concluído o inquérito policial Então se já houver processo ou apenas tiver sido oferecida a denúncia não pode permanecer a prisão temporária Tratase de uma prisão finalisticamente dirigida à investigação e que não sobrevive no curso do processo penal por desaparecimento de seu fundamento Encerrada a investigação preliminar não se pode mais cogitar de prisão temporária Compreendido isso para que seja decretada são necessários fumus commissi delicti e periculum libertatis nos seguintes termos O fumus commissi delicti está previsto no art 1º inciso III exigindo que existam fundadas razões de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes Na continuação a Lei n 7960 enumera 14 crimes que vão do homicídio doloso aos crimes contra o sistema financeiro É um rol bastante amplo e abrangente e importante frisar taxativo É pacífico que a prisão temporária por crime que não esteja previsto naquele rol do inciso III é completamente ilegal devendo imediatamente ser relaxada Assim é ilegal a prisão temporária por homicídio culposo estelionato apropriação indébita sonegação fiscal falsidade documental etc Devese sublinhar que a prisão temporária dirigese ao agente suspeito de autoria ou participação em um daqueles delitos sendo absurda sua utilização para prisão de testemunha vítima ascendente descendente cônjuge etc do suposto autor Por mais bizarro que isso possa parecer nesse país o rol de monstruosidades jurídicas é infindável havendo notícias de prisão temporária de testemunha que não comparece na delegacia de polícia e até da mãe de traficante foragido para forçar sua apresentação Não há que se olvidar que para a decretação da prisão já devem existir indícios razoáveis de autoria não se admitindo que se prenda para então buscar elementos de autoria e materialidade O periculum libertatis acaba sendo distorcido na prisão temporária para atender à imprescindibilidade para as investigações do inquérito Daí por que não é a liberdade do imputado o gerador do perigo que se quer tutelar senão que a investigação necessita da prisão ou ainda a liberdade é incompatível com o que necessita a investigação para esclarecer o fato Esse é sem dúvida o ponto mais problemático da prisão temporária113 Não se pode admitir que uma prisão seja imprescindível para investigar um fato A polícia deve ter informações e condições técnicas para realizar a investigação preliminar sem depender da prisão do suspeito É importante não esquecer que o suspeito também está protegido pela presunção de inocência e principalmente pelo nemo tenetur se detegere ou seja não está ele obrigado a praticar nenhum ato de prova que lhe possa prejudicar Daí por que eventual recusa em submeterse a reconhecimentos acareações reconstituições etc deve ser respeitada pois constitucionalmente garantida jamais servindo de fundamento para a decretação da prisão temporária Infelizmente ainda existem juízes que decretam a prisão temporária porque o imputado não está colaborando com as investigações Isso é um absurdo Assim é ilegal a prisão temporária que com fundamento na imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial pretende disponibilizar o corpo do suspeito para que dele disponha a autoridade policial obrigandoo a participar de reconhecimentos reconstituições etc114 Há que se abandonar o ranço inquisitório em que o juiz inquisidor dispunha do corpo do herege para dele extrair a verdade real O suspeito e o acusado tem o direito de silêncio e de não participar de qualquer ato probatório logo está logicamente autorizado a não comparecer e obviamente a não colaborar com as investigações Feita essa ressalva vamos a outro questionamento recorrente como deve ser a aplicação dos incisos do art 1º Será que pode ser decretada a prisão temporária com base apenas no inciso I E só com base no inciso II E só no III Não Por culpa da péssima sistemática da Lei n 7960 a melhor interpretação é a seguinte Os incisos devem ser interpretados em conjunto de modo que só pode haver prisão de alguém suspeito de ser autor ou partícipe de algum daqueles crimes cujo rol é taxativo e quando imprescindível para a investigação Logo sempre deve estar presente o inciso III Da mesma forma a necessidade da prisão está estampada no inciso I de modo que a tal imprescindibilidade para as investigações não pode faltar Contudo tanto o inciso I como o inciso III de forma isolada não justificam a prisão temporária somente quando combinados O inciso II indiciado sem residência fixa ou não fornecer elementos necessários para sua identificação é completamente contingencial ou seja sozinho não autoriza a prisão temporária e sua combinação apenas com o inciso I ou apenas com o inciso III não justifica a prisão temporária Mais do que isso o inciso II acaba sendo absorvido pela imprescindibilidade do inciso I sendo logicamente redundante Em suma a prisão temporária somente poderá ser decretada quando estiverem presentes as situações previstas nos incisos III e I115 A situação descrita no inciso II apenas reforça o fundamento da prisão logo pode haver prisão temporária pela conjugação dos três incisos Todas as demais combinações não autorizam a prisão temporária Por fim chamamos a atenção para uma grave degeneração do instituto prisões temporárias decretadas para contornar a vedação da condução coercitiva Como explica STRECK116 juízes e membros do Ministério Público não podem fazer agir estratégico isto é não podem usar o Direito com desvio de finalidade Agir estratégico é similar à lawfare Quero dizer em poucas palavras que advogados podem e devem fazer agir estratégico É de sua função Já juízes e membros do MP devem agir por princípios o Direito é o fórum do princípio diz Dworkin porque são agentes políticos do Estado No momento em que o STF decide na ADPF 444 que a condução coercitiva é inconstitucional não pode o Estado seja o Poder Judiciário ou o MP agir de forma disfarçada para driblar a proibição de condução coercitiva Ou seja o cidadão deve poder ter confiança nas instituições Na impessoalidade que as caracteriza não há ou não pode haver pelo menos surpresas Justamente por isso ele o cidadão deve poder saber que se não estiver em flagrante e não estiverem presentes os requisitos de prisão temporária ou preventiva não pode ser preso Portanto ninguém pode ser surpreendido por uma estratégia judicial substituindo algo que já foi proibido por um outro modo de agir O Estado não pode driblar o direito que ele mesmo produziu Também para isso existem os princípios para controlar as razões substantivas no uso da maquinaria coercitiva estatal A máquina não pode se voltar maliciosamente contra os administrados117 Portanto e diante da cristalina lição de STRECK não cabe a decretação de prisão temporária com a finalidade de conduzir o imputado para ser ouvido Só cabe prisão temporária nos estritos limites do previsto na Lei n 796089 e ainda é preciso sempre recordar que o imputado tem direito de silêncio e de não produzir prova contra si mesmo de modo que não há qualquer motivo que justifique ou legitime sua condução ou prisão para ser ouvido sem esquecer também que eventual confissão também não constitui prova plena de nada 7 Prisão Especial Especificidades da Forma de Cumprimento da Prisão Preventiva Inexistência de Prisão Administrativa e Prisão Civil A chamada prisão especial não é uma modalidade de prisão cautelar senão um regime especial de cumprimento da prisão preventiva Algumas pessoas em razão do cargo ou função que ocupam da qualificação profissional ou mesmo pelo simples fato de terem exercido a função de jurado ou ainda ser um cidadão inscrito no Livro de Mérito gozam da prerrogativa de serem recolhidas a locais distintos da prisão comum Antes de analisar o art 295 sublinhamos que a prisão especial é uma forma de cumprimento que somente se aplica ao réu submetido à prisão cautelar Após o trânsito em julgado não existe prisão especial e o agora condenado será submetido ao regime ordinário de cumprimento da pena conforme fixado na sentença Excepcionalmente dispõe o art 84 da Lei de Execuções Penais que o preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes e o preso que ao tempo do fato era funcionário da administração da justiça criminal ficará em dependência separada Mas isso não é propriamente uma prisão especial senão apenas uma separação de pessoas que por óbvios motivos de segurança da sua integridade precisam manterse separadas Assim prisão especial somente tem incidência enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Nessa linha dispõe o art 295 do CPP Art 295 Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial à disposição da autoridade competente quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva I os ministros de Estado II os governadores ou interventores de Estados ou Territórios o prefeito do Distrito Federal seus respectivos secretários os prefeitos municipais os vereadores e os chefes de Polícia III os membros do Parlamento Nacional do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados IV os cidadãos inscritos no Livro de Mérito V os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios VI os magistrados VII os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República VIII os ministros de confissão religiosa IX os ministros do Tribunal de Contas X os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função XI os delegados de polícia e os guardascivis dos Estados e Territórios ativos e inativos 1º A prisão especial prevista neste Código ou em outras leis consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo atendidos os requisitos de salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum Entre os casos de prisão especial pode gerar alguma dúvida a alteração do art 439 que agora possui a seguinte redação Art 439 O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral A inovação do artigo fica por conta da supressão da parte final onde se lia e assegurará prisão especial em caso de crime comum até o julgamento definitivo A pergunta é desapareceu a prisão especial para o jurado Pensamos que não pois a redação do art 295 não foi alterada e lá consta expressamente a prisão especial para o jurado O que provavelmente tenha ocorrido foi um vacilo do legislador pois até a véspera da votação do PL 4208 havia um consenso sobre a extinção da prisão especial e portanto haveria uma modificação radical no art 295 Nesta linha também teria que ser alterado o art 439 para supressão da parte final Ocorre que na última hora decidiuse pela manutenção da prisão especial e o art 295 ficou inalterado e esqueceram do art 439 que acabou sendo alterado Mas essa alteração não tem qualquer relevância pois apenas disciplinava e reforçava a possibilidade de prisão especial para o jurado Era uma duplicidade de regulamentação da matéria que agora passa a ser disciplinada apenas pelo art 295 do CPP Assim pensamos que permanece a prisão especial em sua amplitude originária inclusive para o jurado que tenha exercido efetivamente a função Os casos de prisão especial não se esgotam nesse rol havendo outras fontes normativas que a contemplam Entre elas destacamos o disposto no art 7º V da Lei n 8906 que assegura ao advogado o direito de ser recolhido à sala de Estado Maior e comodidades dignas a expressão assim reconhecidas pela OAB foi suspensa liminarmente pela ADIn 11278 Não havendo possibilidade de atenderse a essa exigência deve ao advogado ser assegurado o direito à prisão domiciliar essa garantia não foi afastada pela ADIn 11278 Contudo a questão não é tão simples A Lei n 102582001 afetou substancialmente a morfologia da prisão especial na medida em que inseriu cinco novos parágrafos no art 295 que acabaram por transformar a prisão especial em simples cela separada ou mesmo em alojamento coletivo Sem dúvida essa alteração acabou por derrogar a Lei n 525667 que previa a substituição por prisão domiciliar caso não houvesse um estabelecimento adequado ao recolhimento dos presos especiais No mínimo esvaziou a aplicabilidade dessa Lei Os tribunais brasileiros têm decidido sistematicamente na esteira da jurisprudência do STJ que ao preso especial não havendo estabelecimento específico e quase nunca há estaria garantido apenas o direito de ser recolhido em cela distinta da prisão comum Assim bastaria uma cela individual ou mesmo uma galeria ou ala onde somente estivessem presos especiais tudo dentro de uma prisão comum para que a garantia fosse satisfeita Quanto à prerrogativa do advogado ainda que a oscilação jurisprudencial seja uma marca genética o STF vem traçando um caminho diferenciado que como cita HASSAN CHOUKR118 inicia no HC 88702SP Rel Min CELSO DE MELLO julgado em 19092006 em que o STF decidiu que constitui direito público subjetivo do advogado decorrente da prerrogativa profissional o seu recolhimento em sala de EstadoMaior com instalações e comodidades condignas até o trânsito em julgado de decisão penal condenatória e em sua falta na comarca em prisão domiciliar Com base nesse entendimento a Turma por considerar que não se aplica aos advogados a Lei n 102582001 que alterou o art 295 do CPP eis que subsistente quanto a esses profissionais a prerrogativa inscrita no inciso V do art 7º da Lei n 890694 deferiu habeas corpus impetrado em favor de advogados recolhidos em cadeia pública estadual que não atendia ao dispositivo estatutário tornando definitiva medida cautelar anteriormente concedida a fim de assegurarlhes em face da comprovada ausência no local de sala de EstadoMaior o direito ao recolhimento e permanência em prisão domiciliar até o trânsito em julgado da sentença condenatória contra eles proferida grifo nosso Mas a decisão paradigmática nesse tema somente veio com a Reclamação 4535ES cujo Relator foi Min SEPÚLVEDA PERTENCE julgada pelo Tribunal Pleno em 07052007119 Importante ainda nessa matéria é o acórdão proferido da Reclamação n 5212 no qual o STF reafirmou esse entendimento Sublinhamos ainda a importância do instrumento utilizado para assegurar essa prerrogativa nas duas decisões Reclamação art 102 I l da Constituição que constitui uma via célere e eficiente para garantir a autoridade das decisões proferidas pelo STF120 Assim prevalece o entendimento do STF e aos advogados não se aplicam as restrições inseridas no art 295 do CPP de modo que ou ficam recolhidos à sala de EstadoMaior cuja definição também é dada pelo acórdão do STF na Reclamação 4535 ou na sua falta em regime de prisão domiciliar Encerrada discussão sobre a prisão especial vejamos agora a chamada prisão administrativa Originariamente estava prevista no art 319 do CPP substancialmente modificado pela Lei n 124032011 Se antes afirmávamos que a prisão administrativa não havia sido recepcionada pela Constituição agora com mais razão Nem existe mais no Código de Processo Penal Quanto à prisão civil anteriormente prevista no art 320 foi igualmente revogada pela Lei n 124032011 e não é mais regida pelo Código de Processo Penal Em suma não existe mais prisão administrativa e a prisão civil decretada por juiz cível competente somente tem lugar no caso de inadimplemento de obrigação alimentar não sendo regida pelo CPP 8 Liberdade Provisória O Novo Regime Jurídico da Fiança Com a nova redação do art 319 foi estabelecido um sistema polimorfo com um amplo regime de liberdade provisória com diferentes níveis de vinculação ao processo estabelecendo um escalonamento gradativo em que no topo esteja a liberdade plena e gradativamente vaise descendo criando restrições à liberdade do réu no curso do processo através da imposição de medidas cautelares diversas como o dever de comparecer periodicamente pagar fiança proibição de frequentar determinados lugares obrigação de permanecer em outros nos horários estabelecidos proibição de ausentarse da comarca sem prévia autorização judicial monitoramento eletrônico recolhimento domiciliar noturno e quando nada disso se mostrar suficiente e adequado chegase à ultima ratio do sistema a prisão preventiva Dessa forma a liberdade provisória é uma medida alternativa de caráter substitutivo em relação à prisão preventiva que fica efetivamente reservada para os casos graves em que sua necessidade estaria legitimada 81 Definindo Categorias Relaxamento Revogação da Prisão Cautelar e Concessão da Liberdade Provisória Para compreensão dos conceitos façamos desde logo as distinções devidas121 1 Relaxamento da prisão em flagrante ou preventiva é sinônimo de ilegalidade da prisão aplicandose tanto à prisão em flagrante como também à preventiva Toda prisão cautelar ou précautelar flagrante que não atenda aos requisitos legais anteriormente analisados é ilegal e deve ser imediatamente relaxada art 5º LXV da CF com a consequente liberdade plena do agente Assim devese relaxar a prisão nos casos de flagrante forjado provocado e preparado prisão preventiva decretada por juiz incompetente ou de ofício a prisão automática ou obrigatória para apelar ou em virtude da decisão de pronúncia a prisão preventiva sem fundamentação a permanência de alguém preso a título de prisão em flagrante pois se trata de medida précautelar como explicado anteriormente etc Também é caso de relaxamento quando a ilegalidade é posterior como exemplifica BADARÓ122 citando o excesso de prazo da prisão preventiva 2 Revogação da prisão preventiva ou da medida cautelar diversa a revogação ocorre quando não mais subsistem os motivos que legitimaram a segregação ou a restrição imposta por meio de medida cautelar diversa art 319 Está intimamente vinculada com a provisionalidade das medidas cautelares ou seja com a marca genética de serem elas situacionais na medida em que tutelam uma situação fática de perigo Desaparecido o periculum libertatis que autorizou a prisão preventiva ou medida cautelar diversa cessa o suporte fático que a legitima devendo o juiz revogar a prisão ou medida cautelar e conceder a liberdade plena do agente Assim a revogação somente se opera em relação à prisão preventiva ou medida cautelar diversa não incidindo na medida précautelar da prisão em flagrante em relação a ele somente se fala em relaxamento ou concessão de liberdade provisória conforme o caso Contudo homologado o flagrante e decretada a prisão preventiva é cabível o pedido de revogação da prisão cautelar pelo desaparecimento do suporte fático apontado para sua decretação 3 Concessão de liberdade provisória com ou sem fiança disposta como uma medida cautelar na verdade uma contracautela alternativa à prisão preventiva nos termos do art 310 III do CPP No sistema brasileiro situase após a prisão em flagrante e antes da prisão preventiva como medida impeditiva da prisão cautelar Não é uma medida originária senão substitutiva da prisão em flagrante já efetivada É dela que iremos nos ocupar agora É a liberdade provisória uma forma de evitar que o agente preso em flagrante tenha sua detenção convertida em prisão preventiva Daí por que quando um juiz nega o pedido de liberdade provisória da defesa homologa a prisão em flagrante e decreta a prisão preventiva atendendo o requerimento do Ministério Público o habeas corpus impetrado será para obter a concessão de liberdade provisória que deveria ter sido concedida antes mas não o foi e não para revogação da prisão preventiva ou ainda para obter a substituição da prisão preventiva por uma medida cautelar diversa Quando a discussão situase em torno do art 310 II do CPP e a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e o argumento é o de que nunca houve o risco previsto no art 312 do CPP o habeas corpus busca a liberdade provisória ilegalmente negada Então é caso de concessão de liberdade provisória E quando há prisão em flagrante servindo de medida preparatória para a decretação da prisão preventiva e posteriormente esse fundamento periculum libertatis desaparece é caso de revogação ou de concessão de liberdade provisória É caso de revogação O desaparecimento do suporte fático da situação acautelatória que suporta a prisão preventiva periculum libertatis conduz à revogação da medida cautelar Logo desaparecido o risco de fuga o clamor social ou o perigo para a coleta da prova a instrução está encerrada por exemplo terá cabimento o pedido de revogação da prisão cautelar Da mesma forma quando não existe prisão em flagrante e com base na investigação preliminar e no pedido do Ministério Público o juiz decreta a prisão preventiva o habeas corpus interposto será para revogação da prisão e restabelecimento da liberdade plena Essa é uma distinção relevante e que não raras vezes costuma ser encoberta pelo confusionismo de conceitos Há que se ter um mínimo de atenção às categorias processuais principalmente diante do imbróglio normativo do CPP brasileiro Compreendido isso evidenciase que a liberdade provisória se estrutura diretamente sobre as bases da prisão em flagrante123 E como explicamos anteriormente a prisão em flagrante é précautelar preparatória de uma cautelar de verdade como a prisão preventiva de forma que a liberdade provisória inserese em linha direta de colisão com ela impedindoa Mas e se a liberdade provisória vinculase diretamente à prisão em flagrante como explicar o art 334 do CPP quando afirma que a fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória Porque a fiança pode ser aplicada a qualquer tempo como medida cautelar diversa assim estabelecida no art 319 VIII do CPP Na sistemática do art 319 a fiança adquire o status de medida autônoma da liberdade provisória e por isso pode ser aplicada em qualquer fase do processo 82 Regime Jurídico da Liberdade Provisória Com a Lei n 124032011 obtevese um sistema cautelar polimorfo com diferentes instrumentos e possibilidades jurídicas do tratamento do regime de liberdade provisória Sem olvidar que a liberdade provisória situase após a prisão em flagrante como alternativa à prisão preventiva pode ela ter o seguinte regime jurídico liberdade provisória com fiança liberdade provisória com fiança e outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP liberdade provisória sem fiança mas com a submissão às medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP liberdade provisória sem fiança mas com obrigação de comparecer a todos os atos do processo quando o agente praticar o fato ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude art 310 parágrafo único A redação do art 310124 é muito clara neste ponto Comecemos pelo fim O parágrafo único tutela uma situação muito peculiar em que o agente pratica o fato ao abrigo ainda que aparente de uma causa de exclusão da ilicitude caso em que não cabe a prisão preventiva art 314 Será então concedida liberdade provisória sem a exigência de fiança notese a diferença da redação do parágrafo em relação ao caput mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo Essa é neste caso específico a única obrigação que pode ser imposta ao imputado Analisemos agora o disposto no caput do art 310 Estando formalmente perfeita a prisão em flagrante será homologada do contrário é caso de relaxamento passando o juiz na continuação a verificar a necessidade da prisão preventiva ou a possibilidade de concessão de liberdade provisória com ou sem fiança cumulada ou não com alguma das medidas cautelares diversas do art 319 do CPP Nesta linha determina o art 321 que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva o juiz deverá conceder liberdade provisória impondo se for o caso as medidas cautelares previstas no art 319 deste Código e observados os critérios constantes do art 282 deste Código Nesta perspectiva poderá o juiz conceder a liberdade provisória com fiança cujo valor será fixado nos termos do art 325 do CPP b liberdade provisória com fiança e outras medidas cautelares di versas previstas no art 319 do CPP posto que a situação exige a maior restrição e controle da liberdade do réu c liberdade provisória sem fiança porque o réu não tem condições de pagála art 350 impondolhe as condições dos arts 327 e 328 e ainda se necessário de medida cautelar diversa isolada ou cumulada com outra medida prevista no art 319 do CPP Portanto diante do rol de medidas cautelares diversas previstas no art 319 amplas são as possibilidades de tutela sem que seja necessário recorrer se à prisão preventiva até porque não se pode olvidar o disposto no art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar Por fim descumpridas quaisquer das condições impostas poderá o juiz impor mais alguma medida cautelar diversa mais gravosa ou em caso de real necessidade decretar a prisão preventiva Esse é o princípio da provisionalidade das medidas cautelares anteriormente explicado e para onde remetemos o leitor para evitar repetições 83 Da Fiança A fiança é uma contracautela uma garantia patrimonial caução real prestada pelo imputado e que se destina inicialmente ao pagamento das despesas processuais multa e indenização em caso de condenação mas também como fator inibidor da fuga Ou seja é a fiança considerando o elevado valor que pode atingir um elemento inibidor desestimulante da fuga do imputado garantindo assim a eficácia da aplicação da lei penal em caso de condenação Guarda por isso uma relação de proporcionalidade em relação à gravidade do crime e também em relação às possibilidades econômicas do imputado Neste sentido determina o art 336 Art 336 O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas da indenização do dano da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado Parágrafo único Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória Chama a atenção o disposto no parágrafo único do dispositivo no sentido de que se o réu for condenado mas tiver declarada extinta a punibilidade pela prescrição a fiança prestada continuará respondendo pelas custas processuais e indenização pelo dano O problema é que se houver prescrição da pretensão punitiva não há prestação pecuniária multa ou indenização pelo dano pois o dever de indenizar somente existe se a sentença for condenatória e no caso será declaratória da extinção da punibilidade pois igualmente prescritas A melhor interpretação é no sentido de que o parágrafo único somente pode ser aplicado no caso de prescrição da pretensão executória prevista no caput do art 110 do CP e não no caso de prescrição da pretensão punitiva retroativa art 110 1º do CP Na prescrição da pretensão executória somente existe a perda do poder de executar a pena Sem embargo é preciso recordar que mesmo diante da prescrição da pretensão punitiva pode subsistir a responsabilidade civil pelo dano causado a ser buscada na esfera cível O instituto da fiança foi profundamente modificado na Reforma Processual de 2011 tendo agora um campo de atuação muito maior A fiança passa a ter duas dimensões de atuação aplicada no momento da concessão da liberdade provisória art 310 portanto como condição imposta neste momento e vinculada à liberdade provisória como medida cautelar diversa art 319 Nos termos do art 310 III anteriormente analisado o juiz recebendo o auto de prisão em flagrante poderá após sua homologação decretar a prisão preventiva se houver pedido ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança Neste momento tem uma característica mais clara de contracautela para evitar a decretação da prisão preventiva e vinculada à concessão da liberdade provisória Importante destacar que o art 310 é expresso conceder liberdade provisória com ou sem fiança Significa dizer que neste momento é possível homologar o flagrante e conceder liberdade provisória sem fiança pois não é a afiançabilidade condição sine qua non para a liberdade provisória E qual a relevância disso Para os crimes inafiançáveis Evidenciase que não existe prisão cautelar obrigatória e que o flagrante não prende por si só como já explicado de modo que mesmo sendo o crime hediondo ou qualquer outro inafiançável poderá o juiz conceder liberdade provisória sem fiança e mediante a imposição de uma ou mais medidas cautelares diversas conforme o caso Diante de um flagrante por crime inafiançável não estando presente o periculum libertatis da prisão preventiva ou ao menos não em nível suficiente para exigir a prisão preventiva poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem fiança mas com medidas cautelares alternativas com suficiência para tutelar a situação fática de perigo Ainda que não se imponha fiança por ser inafiançável poderá o juiz lançar mão do monitoramento eletrônico e da proibição de ausentarse da comarca ou país por exemplo O que não se pode tolerar é simplesmente manter alguém preso por ser o crime inafiançável Não isso não pode ocorrer pois o sistema cautelar possui diversas alternativas para tutelar uma situação de perigo e não há possibilidade de execução antecipada de pena Superada essa questão vejamos a fiança do art 319 VIII assim estabelecida Art 319 VIII fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título podendo ser cumulada com outras medidas cautelares NR Situada no Capítulo das medidas cautelares diversas essa fiança tem outra estrutura Poderá ser aplicada a qualquer momento nos termos do art 334 a fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória Essa fiança poderá ser exigida inclusive como reforço da tutela cautelar no momento da sentença condenatória para garantir que o réu possa recorrer em liberdade diminuindo o risco de fuga fator inibidor Como as demais medidas cautelares diversas essa fiança pode ser aplicada de forma isolada ou cumulada com outra medida prevista no art 319 e tem como função precípua assegurar o comparecimento a atos do processo evitar obstrução do seu andamento ou em caso de resistência à ordem judicial Nos dois primeiros casos é manifesta a tutela do processo seja pelo viés de tutela da prova seja para assegurar a aplicação da lei penal Já a parte final do artigo foge a essa sistemática tendo uma finalidade punitiva ao exigir fiança de quem tenha resistido de forma injustificada à ordem judicial Primeiro ponto criticável é exatamente esse defeito genético ou seja onde está a cautelaridade desta medida Segundo aspecto é que o dispositivo parece criar uma terceira espécie de fiança ou seja temos a fiança aplicada junto com a liberdade provisória do art 310 a fiança como medida cautelar diversa art 319 VIII primeira parte e uma fiança punitiva art 319 VIII última parte Mas tudo isso sem uma sistemática clara Terceiro problema é a vagueza do dispositivo Podese exigir fiança em caso de descumprimento de qualquer ordem judicial Se o réu é intimado para participar de um reconhecimento pessoal e não comparece pode serlhe imposta essa fiança Se não comparece na audiência de instrução ainda que intimado pode ser imposta a fiança Dependendo da interpretação e da argumentação que se dê sim poderia ser imposta a fiança o que nos parece juridicamente absurdo Não só porque não existe cautelaridade alguma mas também porque se presta ao remeter para o adjetivo injustificada a manipulações e interpretações autoritárias que inclusive neguem o direito de silêncio do réu O que será uma resistência injustificada à ordem judicial Aquilo que o juiz que emitiu a ordem judicial disser que é pois a ele também caberá decidir sobre a fiança Portanto pensamos que essa fiança punitiva é de duvidosa constitucionalidade e deve ser usada quando muito para reforçar alguma medida cautelar imposta e descumprida tendo sua aplicação restrita ao descumprimento de alguma das cautelares diversas deste art 319 84 Valor Reforço Dispensa Destinação Cassação Quebramento e Perda da Fiança Vejamos agora sistematicamente esses pontos a VALOR Fixada em salários mínimos a fiança deve observar o binômio gravidade do delito e possibilidade econômica do agente nos termos dos arts 325 e 326 do CPP125 A Lei n 124032011 revitalizou a fiança e principalmente estabeleceu um vasto campo de aplicação e a possibilidade de fixação de valores elevados suficientes para à luz da gravidade do crime e das condições econômicas do imputado minimizar os riscos de fuga Valores elevados não apenas desestimulam a fuga mas principalmente criam uma situação econômica completamente desfavorável dificultando muito que o imputado tenha condições financeiras para fugir e se manter assim por longos períodos Ademais a fuga dará causa ao perdimento da integralidade do valor como se verá a continuação Dessarte ao mesmo tempo em que pode ser dispensada a fiança para aqueles imputados que não tiverem condições econômicas para suportála art 350 mas submetendoos a outras medidas cautelares do art 319 e também dos arts 327 e 328 conforme o caso ou reduzida em até 23 também poderá ter o valor aumentado em até mil vezes Com isso em situações graves e se o imputado tiver excepcionais condições econômicas a fiança poderia em tese ser fixada em 200000 salários mínimos ou seja uma cifra astronômica É claro que dificilmente se chegará a um valor desses mas existe a possibilidade jurídica de fixar uma fiança em limites econômicos que realmente tenham relevância para o imputado à luz da gravidade do crime e de sua riqueza Poderá consistir em depósito em dinheiro pedras objetos ou metais preciosos títulos da dívida pública federal estadual ou municipal ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar art 330 do CPP b QUEM PODE CONCEDER A fiança conforme as situações anteriormente explicadas poderá ser imposta em qualquer fase da investigação ou do processo até o trânsito em julgado tanto pela autoridade judicial com também policial A fiança imposta pela polícia está limitada pelo art 322126 O campo de aplicação da fiança policial está definido no art 322 cabendo ao Delegado de Polícia fixála em qualquer crime cuja pena máxima não exceda 4 anos Em caso de recusa ou demora injustificada por parte da autoridade policial em conceder a fiança aplicase o art 335127 Havendo demora por parte da autoridade policial ou nos demais casos em que a pena máxima é superior a 4 anos caberá ao imputado solicitála ao juiz ou ainda mesmo que não solicite deverá a autoridade judiciária se manifestar sobre ela por força do art 310 do CPP c DISPENSA DE PAGAMENTO Se as condições econômicas do imputado forem desfavoráveis e ele não tiver condições de arcar com a fiança o art 350128 autoriza o juiz a conceder a liberdade provisória sem o pagamento mas subordinando as condições dos arts 327 e 328 Além delas poderá o juiz aplicar outras medidas cautelares diversas previstas no art 319 conforme a necessidade da situação d REFORÇO Nos termos do art 340 do CPP será exigido o reforço da fiança ou seja um acréscimo a ser pago pelo imputado quando I a autoridade tomar por engano fiança insuficiente II houver depreciação material ou perecimento dos bens caucionados III for inovada a classificação do delito nos termos dos arts 383 ou 384 para um crime mais grave São situações em que houve perda do valor econômico da fiança ou a verificação da sua insuficiência mas sem que o imputado tenha dado causa a esse perecimento Por esse motivo oportunizaselhe o reforço mas se não for feito acarretará a prisão e tornará a fiança sem efeito art 340 parágrafo único É claro que esse reforço deve observar a proporcionalidade e também o binômio gravidade do crimepossibilidade econômica do imputado inclusive no que tange ao art 350 impossibilidade de pagamento e DESTINAÇÃO Se o réu for condenado e se apresentar para cumprir a pena imposta ser lheá devolvido o valor dado em garantia abatendose o valor das custas multa e indenização aquela fixada na sentença penal Se absolvido a fiança é deixada sem efeito devolvendolhe todos os valores Neste sentido é importante a leitura dos arts 336 e 337129 Quanto ao parágrafo único do art 336 repetimos a lição anterior no sentido de que se o réu for condenado mas tiver declarada extinta a punibilidade pela prescrição a fiança prestada continuará respondendo pelas custas processuais e indenização pelo dano Não vislumbramos como exigir prestação pecuniária e multa pois igualmente prescritas O Estado perde o poder de punir mas isso não isenta o réu das custas do processo e tampouco o exime da responsabilidade civil decorrente do delito Portanto no que tange ao dano considerando que as esferas de responsabilidade civil e penal são distintas e que a declaração de extinção da punibilidade não afeta a pretensão indenizatória está correta a previsão mas responderá apenas pelo dano fixado na sentença penal art 387 IV f CASSAÇÃO Quando incabível a fiança nos termos dos arts 338 e 339 deverá a fiança ser cassada e os valores serem devolvidos integralmente ao réu Não se impõe prisão automática pela cassação A situação fática deve ser avaliada à luz do sistema cautelar e se necessários e presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis poderá ser aplicada outra medida cautelar diversa de forma isolada ou cumulativa e em último caso decretada a prisão preventiva g QUEBRAMENTO A fiança será considerada quebrada quando Art 341 Julgarseá quebrada a fiança quando o acusado I regularmente intimado para ato do processo deixar de comparecer sem motivo justo II deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo III descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança IV resistir injustificadamente a ordem judicial V praticar nova infração penal dolosa O quebramento da fiança acarretará perda de metade do valor e caberá ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou em último caso decretar a prisão preventiva Dada a gravidade do quebramento da fiança deverá ser analisada com muita prudência pelo juiz que decidirá observando os critérios de necessidade e adequação reservando a prisão preventiva para situações extremas Inclusive a abertura conceitual contida nos incisos do art 341 exige interpretação restritiva sob pena de cairse no decisionismo autoritário Ademais os incisos IV e V podem se revelar claramente inconstitucionais no caso concreto por violar a presunção de inocência A mera prática de outra infração não pode justificar o quebramento da fiança pois manifesta seria a violação da presunção de inocência e conforme o caso inequívoca desproporcionalidade h CONSEQUÊNCIAS DO QUEBRAMENTO Conforme dispõe o art 343 Art 343 O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou se for o caso a decretação da prisão preventiva Como explicado no item anterior as consequência do quebramento da fiança são graves e deverá o juiz decidir de forma fundamentada sobre a imposição de outras medidas cautelares ou até mesmo em casos graves de prisão preventiva sempre observando a necessidade e adequação da medida i PERDA Está prevista no art 344 a saber Art 344 Entenderseá perdido na totalidade o valor da fiança se condenado o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta Como medida de contracautela a fiança serve para vincular o imputado ao processo e seu resultado final ou seja a aplicação da lei penal em caso de condenação Portanto se o condenado não se apresentar para cumprir a pena perderá o valor total da fiança e será preso 85 Crimes Inafiançáveis e Situações de Inafiançabilidade Ausência de Prisão Cautelar Obrigatória Concessão de Liberdade Provisória sem Fiança e com Imposição de Medidas Cautelares Diversas Ainda que a Constituição contenha um claro projeto penalizador e nisso houve um retrocesso civilizatório chegando ao extremo de resgatar a inafiançabilidade jamais nela foi contemplada a prisão cautelar obrigatória Concordamos com PACELLI130 quando afirma que a Constituição chegou absolutamente desatualizada em tema de liberdade provisória trazendo uma enorme perplexidade ao renovar ou ressuscitar a antiga expressão da inafiançabilidade cujo único significado era e ainda é para nós a impossibilidade de aplicação do regime de liberdade com fiança Mas repetimos jamais foi recepcionada a prisão cautelar obrigatória até porque não seria cautelar mas sim antecipação de pena absolutamente incompatível com a presunção de inocência e todo rol o de direitos fundamentais Novo paradoxo agora com nuance constitucional e se alguém for preso em flagrante por crime tido como inafiançável caberá liberdade provisória Sim elementar Do contrário haveria um duplo erro dar ao flagrante um poder e alcance que ele não tem pois não é uma medida cautelar senão pré cautelar e portanto precária e de outro lado estabelecer um regime de prisão obrigatória não cautelar que o sistema não comporta Logo deve o juiz analisar o disposto no art 310 do CPP e se presentes o requisito e fundamento da prisão preventiva decretála ou do contrário conceder ao agente liberdade provisória sem fiança e considerando a gravidade do fato determinar a aplicação de uma ou mais medidas cautelares diversas tais como monitoramento eletrônico restrição de circulação proibição de afastarse da comarca ou país etc Ademais ainda que a Constituição efetivamente defina crimes inafiançáveis art 5º XLIII o próprio texto constitucional consagra a liberdade provisória sem fiança no art 5º LXVI E mais a própria Constituição determina que ninguém será preso senão em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente Logo a fundamentação implica demonstração de necessidade da medida pois se fosse obrigatória seria um ato judicial automático sem a necessidade de qualquer fundamentação Isso sem falar na presunção de inocência incompatível com qualquer espécie de prisão obrigatória até porque sequer cautelar seria mas sim uma verdadeira pena antecipada Devese considerar assim que o juízo de necessidade da prisão cautelar é concreto pois implica análise de determinada situação fática pois é da essência das prisões cautelares o caráter de medidas situacionais O juízo de necessidade não admite uma valoração a priori no sentido kantiano de antes da experiência senão que demanda uma verificação in concreto E mais fiança e liberdade provisória são institutos distintos inclusive com a nova redação do art 319 consagrouse uma fiança autônoma que pode ser aplicada até o trânsito em julgado Portanto quando se veda a fiança não se proíbe necessariamente a concessão de liberdade provisória Esse é o ponto nevrálgico da questão A inafiançabilidade gera como consequências práticas a impossibilidade de concessão de liberdade provisória com fiança por parte da autoridade policial a liberdade provisória ficará sujeita à imposição de outras medidas cautelares diversas art 319 conforme a necessidade da situação No primeiro caso a decisão sobre a concessão da liberdade provisória é exclusiva do juiz nos termos do art 310 a quem caberá impor as medidas cautelares alternativas necessárias e adequadas ao caso Em qualquer situação a inafiançabilidade acaba por impor para concessão da liberdade provisória a submissão do imputado a uma ou mais medidas cautelares diversas mais gravosas do que a fiança entre aquelas previstas no art 319 do CPP Ou seja a inafiançabilidade veda apenas a concessão da liberdade provisória com fiança mas não a liberdade provisória vinculada a medidas cautelares diversas mais gravosas que o mero pagamento de fiança Compreendido isso encontramos as situações de inafiançabilidade nos arts 323 e 324 do CPP131 Com o advento da Lei n 124032011 operouse mais uma reforma processual parcial em que são aproveitados os artigos já existentes sua divisão temática e modificada apenas a redação Por esse motivo as situações de inafiançabilidade que deveriam estar no mesmo artigo acabam subdividas em dois sem qualquer lógica sistêmica Até a reforma de 2011 o art 323 considerava fatores objetivos de inafiançabilidade e o art 324 fatores subjetivos inerentes ao agente Agora isso não foi completamente observado e o art 324 mistura situações diversas No art 323 vislumbramos situações em que a inafiançabilidade é objetiva ou seja toma como critério definidor a natureza do delito seguindo o mandamento constitucional do art 5º incisos XLII XLIII e XLIV da Constituição Já o art 324 I é de natureza subjetiva vedando a fiança ao imputado que nesse mesmo processo em que ela foi concedida a tenha quebrado anteriormente ou infringido as obrigações dos arts 327 e 328 Significa dizer que o agente já tinha se beneficiado da liberdade provisória com fiança e nos termos do art 341 a regularmente intimado para ato do processo deixou de comparecer sem motivo justo b deliberadamente praticou ato de obstrução ao andamento do processo c descumpriu medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança d resistiu injustificadamente a ordem judicial e praticou nova infração penal dolosa Nestes casos ou será decretada a prisão preventiva ou será imposta uma medida cautelar mais gravosa na medida em que o imputado não só descumpriu as condições impostas mas também quebrou a confiança que lhe foi concedida A prisão civil do inciso II do art 324 atende a outra finalidade de caráter coercitivo para forçar o agente a pagar os alimentos devidos Portanto a concessão de fiança seria completamente contrária à natureza desta prisão pois geraria o paradoxo de o agente preferir pagar a fiança e continuar inadimplente com a prestação alimentar por exemplo Quanto à prisão do militar seja ela disciplinar ou não merece tratamento especial no Código Penal Militar e no Código de Processo Penal Militar daí a ressalva pois devem ser observados os regramentos lá constantes Por fim o inciso IV deve ser contextualizado no sentido de que se presentes o requisito e fundamento da prisão preventiva e sendo ela necessária não se concederá liberdade provisória com fiança A necessidade da prisão preventiva é incompatível com a fiança por elementar pois são situações excludentes Dessarte o fato de ser o crime inafiançável não acarreta por si só a prisão preventiva do agente Sempre deverá o juiz verificar a necessidade da prisão preventiva no caso concreto à luz de seus requisitos e fundamentos sem olvidar que a prisão somente pode ser aplicada quando as medidas cautelares diversas não forem suficientes e adequadas Fiança e liberdade provisória são institutos distintos de modo que quando se veda a fiança não se proíbe necessariamente a concessão de liberdade provisória que poderá ser concedida em conjunto com as medidas alternativas previstas no art 319 do CPP 86 Ilegalidade da Vedação à Concessão de Liberdade Provisória Possibilidade em Crimes Hediondos e Equiparados Nova Lei de Tóxicos Estatuto do Desarmamento e Lei n 9613 Lavagem de Dinheiro Com relação aos crimes hediondos até o advento da Lei n 114642007 havia uma restrição legal à concessão de liberdade provisória insculpida no art 2º II da Lei n 8072 Sempre houve divergência sobre a validade substancial de tal norma havendo para nós uma flagrante inconstitucionalidade O acerto da posição doutrinária que sempre resistiu a essa absurda vedação de liberdade provisória previsto na hedionda Lei n 8072 finalmente veio reconhecido pela mudança legislativa tardia é verdade da Lei n 11464 Agora tendo sido preso o agente em flagrante delito pode ser concedida a liberdade provisória nos crimes hediondos tortura tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e terrorismo Isso não significa que não se possa lançar mão da prisão preventiva nesses casos Nada disso A prisão preventiva poderá ser decretada desde que presentes seus pressupostos fumus commissi delicti e periculum libertatis e a real necessidade do contrário deverá o juiz conceder liberdade provisória mediante submissão do imputado às medidas cautelares diversas do art 319 conforme o caso Também foi afetada a Lei n 11343 pois seu art 44 que vedava a liberdade provisória nos crimes previstos nos arts 33 caput e 1º e 34 a 37 não mais subsiste diante da alteração legislativa contida na Lei n 11464 Essa questão foi definitivamente resolvida no HC 104339SP Rel Min Gilmar Mendes julgado em 10052012 Finalmente o STF declarou no dia 10 de maio de 2012 a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória ou seja a vedação de concessão contida no art 44 da Lei de Tóxicos Corretamente entendeu o STF que o legislador não pode restringir o poder de o juiz analisar a possibilidade de conceder ou não a liberdade provisória As discussões estabelecidas no julgamento evidenciaram que os ministros não admitem a possibilidade de uma lei vedar a concessão de liberdade provisória retirando a análise do periculum libertatis das mãos do juiz Segundo o relator Min Gilmar Mendes a inconstitucionalidade da norma reside no fato de que ela estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória onde a liberdade seria exceção em sentido oposto ao sistema de garantias da Constituição Além disso o Min Celso de Mello ressaltou que regras como essas transgridem o princípio da separação de Poderes Para o ministro o juiz tem o dever de aferir se estão presentes hipóteses que autorizam a liberdade Lewandowski concordou com Celso e afirmou que o princípio da presunção de inocência e a obrigatoriedade de fundamentação das ordens de prisão pela autoridade competente impedem que a lei proíba de saída a análise de liberdade provisória No julgamento os ministros deixaram claro que não se trata de impedir a decretação da prisão provisória quando necessário mas de não barrar a possibilidade de o juiz que é quem está atento aos fatos específicos do processo analisar se ela é ou não necessária Em última análise como sempre explicamos a decretação ou não da prisão preventiva em qualquer processo ou momento procedimental depende exclusivamente do aferimento da necessidade da prisão estimado pela conjugação do fumus commissi delicti e do periculum libertatis Com relação ao Estatuto do Desarmamento Lei n 10826 o art 21 foi declarado inconstitucional pela ADIn 31121 em 02052007 acórdão publicado no DJ 26102007 Portanto como já afirmávamos antes da ADIn 31121 a proibição de concessão de fiança e liberdade provisória é flagrantemente inconstitucional e o mesmo raciocínio deve ser aplicado a leis similares Por fim nessa mesma linha argumentativa situase nosso rechaço à vedação de liberdade provisória estabelecida no art 3º da Lei n 961398 que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Tratase de restrição legislativa substancialmente inconstitucional pois limita a presunção de inocência através de um critério abstrato genérico e antecipado incompatível com a epistemologia do sistema de prisões cautelares Em outras palavras a presunção de inocência pode ser limitada mas não de forma a priori no sentido kantiano ou seja antes da experiência Há que se operar dentro da epistemologia das prisões cautelares fulcradas que estão na excepcionalidade e na concreta demonstração de seus pressupostos Assim se mesmo antes do advento da Lei n 11464 já não se aceitava a vedação da concessão da liberdade provisória agora reforçada está essa posição que acrescenta um novo argumento se cabe liberdade provisória para os crimes mais graves como os hediondos e equiparados como proibir sua concessão em relação a crimes menos graves como aqueles previstos na Lei n 9613 Elementar que não cabe mais tal vedação E mais como sublinha GOMES132 os institutos previstos na Lei n 11464 que sejam mais benéficos para o réu devem por evidente retroagir para beneficiálo Regra essa que não se aplica à progressão de regime pois a nova Lei exige um quantum superior àquele previsto no art 112 da LEP Explicamos o cumprimento diferenciado da pena 25 se primário e 35 se reincidente imposto aos crimes hediondos e equiparados somente é aplicável àqueles crimes praticados a partir do dia 29032007 Os réus que tenham praticado crimes hediondos ou equiparados antes dessa data independente de quando se inicie a execução que pode ser muito tempo depois deverão ter a progressão analisada com o cumprimento de 16 da pena regra geral do art 112 da LEP Por fim reforça nosso argumento o disposto no art 282 6 do CPP que expressamente consagra a prisão preventiva como ultima ratio do sistema cautelar oportunizando no art 319 um rol de medidas alternativas a serem impostas pelo juiz conforme a necessidade do caso Capítulo XII DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS OU DAS MEDIDAS CAUTELARES REAIS 1 Explicações Iniciais Denominadas no Código de Processo Penal Medidas Assecuratórias encontramos um conjunto de medidas cautelares reais na medida em que buscam a tutela do processo assegurando a prova e ainda desempenham uma importante função de tutela do interesse econômico da vítima resguardando bens para uma futura ação civil ex delicti anteriormente explicada e também do Estado no que se refere à garantia do pagamento da pena pecuniária e custas processuais É evidente portanto seu caráter cautelar No Brasil durante muito tempo as medidas assecuratórias permaneceram em profundo repouso sem utilização tornandose ilustres desconhecidas nos foros criminais Mas isso é passado e nas últimas décadas com a crescente expansão do direito penal econômico e tributário as medidas assecuratórias estão na pauta do dia Na síntese de ARAGONESES MARTINEZ133 as medidas cautelares reais pretendem através da limitação da disponibilidade de bens assegurar a execução dos pronunciamentos patrimoniais de qualquer classe que possa incluir a sentença não só à restituição de coisas à reparação do dano e à indenização dos prejuízos mas também o pagamento da multa e custas processuais O sistema processual penal contempla medidas cautelares pessoais as prisões cautelares anteriormente estudadas que restringem a liberdade pessoal do sujeito passivo e também medidas cautelares reais ou patrimoniais pois incidem sobre bens móveis e imóveis do imputado gerando uma restrição da livre disposição de bens e valores com vistas à constituição da prova eou ressarcimento dos prejuízos sofridos pela vítima do delito Existe dependendo da medida o atendimento de um duplo interesse pro cessualprobatório e patrimonial da vítima A busca e apreensão e a restituição de coisas apreendidas poderiam perfeitamente ser inseridas nesse rol pois também servem ao processo constituição da prova através da busca e apreensão bem como ao interesse da vítima a restituição do objeto direto do delito devidamente apreendido Contudo não foi essa a sistemática adotada pelo Código de Processo Penal que optou por situar a busca e apreensão no Título VII Da Prova Por esse motivo a medida foi por nós abordada no capítulo onde estamos as provas Da mesma forma eis que intimamente vinculada ao instituto da busca e da apreensão lá abordamos a restituição de coisas apreendidas Seguindo a sistemática do Código de Processo Penal veremos agora as seguintes medidas assecuratórias a sequestro de bens móveis b sequestro de bens imóveis c hipoteca legal de bens imóveis d arresto prévio de bens imóveis e arresto de bens móveis Como medidas cautelares que o são não se afastam dos princípios anteriormente referidos sendo aplicáveis aqui as garantias da jurisdicionalidade provisionalidade provisoriedade excepcionalidade e proporcionalidade Também exigem para sua decretação a demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis ainda que por se tratarem de medidas patrimoniais esses elementos adquiram um referencial conceitual um pouco distinto daquele que norteia o sistema das cautelares pessoais Cada uma das medidas possui a sua especificidade exigindo uma certa flexibilização dos conceitos a ponto de por sua estreita relação com as medidas cautelares do Direito Processual Civil não constituir uma impropriedade falarse em fumus boni iuris e periculum in mora Mas sublinhese isso em nada conflita com a crítica que fizemos anteriormente a tais conceitos pois em se tratando de medida cautelar pessoal leiase prisões cautelares é absolutamente inadequada a transmissão de categorias do processo civil Contudo nas medidas cautelares reais por sua estreita vinculação com o interesse patrimonial a ser satisfeito na esfera cível em sede de ação de indenização por exemplo a adoção dos conceitos fumus boni iuris e periculum in mora não constitui a mesma inadequação Inclusive em relação ao periculum in mora é ele ainda mais evidente na medida em que o perigo não decorre do estar em liberdade o agente senão das possibilidades de deterioração dos bens móveis ou imóveis alienações fraudulentas etc Logo efetivamente o perigo decorre da demora entre a medida cautelar e o provimento cível definitivo fazendo com que o bem indisponibilizado corra risco de perecimento Nesse sentido ARAGONESES MARTINEZ134 explica que como todo processo se desenvolve através de um procedimento é indiscutível que desde seu início até sua conclusão haverá um período de tempo de duração indeterminada que pode colocar em risco o êxito do processo de conhecimento ou de execução cível justificando em certos casos a restrição patrimonial Feitas essas ressalvas introdutórias vejamos agora as medidas assecuratórias em espécie 2 Do Sequestro de Bens Imóveis e Móveis 21 Requisito Legitimidade Procedimento Embargos do Imputado e de Terceiro O sequestro de bens é a primeira medida prevista no Código de Processo Penal e está regulada nos arts 125 a 133 Determina o art 125 que caberá o sequestro dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração ainda que já tenham sido transferidos a terceiro O primeiro aspecto a ser destacado é que a medida somente incide sobre os bens imóveis ou móveis adquiridos com os proventos da infração Não é uma restrição sobre todo o patrimônio do imputado senão apenas daqueles bens que foram comprados com as vantagens auferidas com o delito135 Logo jamais poderá o sequestro recair sobre bens preexistentes ou seja adquiridos pelo imputado antes da prática do crime Nesse caso podese cogitar de hipoteca legal ou arresto conforme o caso como explicaremos na continuação mas não em sequestro Na mesma linha o sequestro dos bens móveis previsto no art 132 cuja medida somente poderá recair sobre os bens adquiridos com as vantagens ou proventos do crime Assim quando alguém comete por exemplo um delito de estelionato e com o dinheiro obtido com a prática do crime adquire bens móveis ou imóveis poderão eles ser objeto de sequestro ficando indisponíveis até que a sentença transite em julgado e se condenatória serão leiloados Para sua decretação exige o art 126 do CPP a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens Tratase de uma expressão porosa como define HASSAN CHOUKR136 que encontrará sentido naquilo que quiser lhe dar o julgador com um imenso custo em termos de ineficácia de direitos fundamentais do réu Infelizmente nossa legislação está eivada de expressões abertas porosas de conteúdo vago impreciso e indeterminado que servem a qualquer senhor Pensamos que se deve recorrer às lições anteriores sobre o fumus commissi delicti mas vinculado agora à origem dos bens de modo que para a decretação do sequestro deve o autor do pedido autoridade policial Ministério Público ou assistente da acusação demonstrar a fumaça a probabilidade de que tenham eles sido adquiridos com os proventos do crime Assim é uma prova em dupla dimensão demonstrar a verossimilhança de autoria e materialidade do delito imputado e ainda de que os bens foram adquiridos com os proventos dessa suposta infração penal Eis aqui mais um aspecto fundamental incumbe ao requerente acusador demonstrar o nexo causal ou seja que os bens que se pretende sequestrar foram adquiridos com os proventos do crime Do contrário a medida é descabida Infelizmente assistese por vezes juízes decretando o sequestro dos bens imóveis do réu atendendo a pedido do Ministério Público sem atentar para o fato de que não foram eles adquiridos com os supostos ganhos do crime pois preexistentes Se o réu já os possuía antes da prática do delito completamente descabido o sequestro Dependendo do caso poderá haver a hipoteca legal ou o arresto art 137 do CPP Mas não basta isso Deve ser demonstrado o periculum in mora aqui sim o fator tempo é o gerador do perigo de perecimento do objeto por parte do requerente bem como a necessidade da medida cautelar Não se pode esquecer que estamos diante de grave medida cautelar a exigir da observância dos princípios anteriormente referidos especialmente a excepcionalidade e proporcionalidade da medida Em última análise a real necessidade do sequestro deve ser demonstrada pelo requerente jamais se admitindo que se presuma o perigo de perecimento do bem ou ainda que o réu irá fraudar a futura execução A cognição nesse momento é sumária limitada a verossimilhança do alegado mas isso não significa que se possa presumir contra o réu a origem ilícita dos bens ou que ele irá dilapidálos em detrimento dos interesses patrimoniais da vítima Deve o pedido vir instruído com um lastro probatório mínimo mas suficiente que dê conta à luz do princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência do imenso constrangimento e prejuízos que gera para o imputado a indisponibilidade patrimonial Ao réu ou indiciado não se atribui qualquer carga probatória até porque a proteção da presunção de inocência afasta a possibilidade processual de exigirselhe que prove a origem lícita A carga probatória é inteiramente do acusador Contudo é elementar que se o período em que o bem foi adquirido antecede ao do ganho obtido com a infração ou ainda possui o imputado atividade lícita cujos ganhos são compatíveis com o seu patrimônio a medida não pode prosperar Da mesma forma devese ponderar o valor dos bens sequestrados e os ganhos supostamente obtidos com a atividade criminosa pois deve haver a necessária proporcionalidade Quanto à legitimidade o art 127 autoriza o sequestro decretado de ofício mediante requerimento do Ministério Público do ofendido137 o que nos conduz a admitir que o assistente da acusação possa fazêlo ou representação da autoridade policial Como já explicamos à exaustão pensamos ser substancialmente inconstitucional o sequestro decretado de ofício pelo juiz pois é absolutamente incompatível com o sistema acusatórioconstitucional Ademais viola a imparcialidade princípio supremo do processo Inadmissível assim o sequestro decretado pelo juiz de ofício Quanto à representação da autoridade policial pensamos que somente é admissível quando houver a concordância do Ministério Público titular da ação penal de iniciativa pública O sequestro pode ser decretado tanto na fase préprocessual ou seja no curso do inquérito policial como em qualquer fase do processo de conhecimento inclusive após a sentença condenatória mas antes do trânsito em julgado desde que demonstrada sua necessidade O pedido de sequestro será processado no juízo criminal em autos apartados mas apenso ao processo penal principal A medida somente poderá ser decretada pelo juiz criminal competente de modo que quando decretada antes da denúncia gera prevenção Quando decretada no curso do processo criminal tramitará em autos apartados mas vinculada ao processo criminal principal Realizado o sequestro se for de bens imóveis será providenciado o respectivo registro na matrícula do bem no Registro de Imóveis nos termos do art 167 I 5 da Lei n 601573 Quando o sequestro for de bens móveis como carros motos e caminhões deverá ser feita a comunicação ao órgão de trânsito respectivo para que conste a restrição no documento do veículo evitando assim que terceiros de boafé venham a adquirir o bem gravado Como instrumento de defesa poderá o imputado lançar mão dos embargos previstos no art 130 I do CPP quando o fundamento da sua inconformidade for a origem lícita dos bens Aqui o instituto mostra a hibridez com que foi concebido pois trata da questão como se processo civil fosse prevendo embargos e prova por parte do réu de que os bens não foram adquiridos com os proventos da infração Uma leitura mais restritiva poderia conduzir à conclusão de que os embargos do réu ou de terceiro teriam a fundamentação vinculada somente sendo conhecidos nos casos previstos no art 130 origem lícita quando os embargos forem do réu ou terem sido adquiridos de boafé quando opostos pelo terceiro adquirente Nada mais equivocado Valem aqui as garantias da ampla defesa e do devido processo legal art 5º LV e LIV da Constituição de modo que tanto o réu como o terceiro adquirente podem aduzir outros argumentos defensivos que ataquem o núcleo legitimante da medida assecuratória seja na dimensão formal ou substancial Para esclarecer há três tipos de embargos como explica FEITOZA138 a embargos de terceiro senhor e possuidor139 interposto por aquele que foi prejudicado pelo sequestro do bem e que pretende demonstrar que os bens sequestrados não têm qualquer relação com o acusado ou com a infração penal pois recaíram sobre coisas pertencentes a terceiro estranho ao delito b embargos do imputado indiciado ou réu previsto no art 130 I sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração ou seja demonstrando a ausência dessa vinculação causal ou ainda qualquer outro fundamento que possa atacar a legalidade do sequestro c embargos do terceiro de boafé nesse caso a argumentação do terceiro está vinculada à demonstração de que os bens foram adquiridos a título oneroso pagandose o preço de mercado e que portanto agiu de boafé nos termos do art 130 II do CPP Importante sublinhar que não se aplica a proteção do bem de família quando o imóvel tiver sido adquirido com os proventos do crime Nesse sentido o art 3º VI da Lei n 8009 excepciona a impenhorabilidade do bem de família quando o bem imóvel tiver sido adquirido com produto de crime sonegandolhe assim a proteção legal Não existe prazo definido no CPP para os embargos do réu ou de terceiros o que gera sem dúvida uma perigosa lacuna Assim os embargos poderiam ser admitidos a qualquer tempo inclusive depois da sentença penal condenatória mas antes do trânsito em julgado Mais grave ainda é o disposto no parágrafo único do art 130 quando determina que não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória Situação complicada pois estabelece uma suspensão obrigatória dos embargos até o trânsito em julgado da sentença condenatória no processo de conhecimento A jurisprudência sem muito critério tem amenizado um pouco o rigor desse dispositivo mas não há um rumo bem definido nessa matéria Concordamos com TOURINHO FILHO140 quando sustenta que não se aplica a regra do art 130 do CPP aos embargos de terceiro senhor e possuidor ou seja àquele terceiro completamente estranho ao delito pois nesse caso os embargos devem ser julgados logo Isso porque em primeiro lugar o parágrafo único do art 130 guarda estreita relação com o caput e não com o art 129 onde estão previstos os embargos do terceiro senhor e possuidor e em segundo lugar seria manifestamente injusto e desproporcional que perdurasse a constrição em relação a alguém que nada tem a ver com o crime A decisão que decreta o sequestro deve ser fundamentada e dela caberá recurso de apelação nos termos do art 593 II do CPP Essa apelação é para atacar a decisão que decretou o sequestro Quando na sentença o juiz condena o réu e decreta o perdimento dos bens efeito do sequestro a apelação será única para impugnar a condenação e também o perdimento dos bens Não se nega ainda a possibilidade de ser impetrado Mandado de Segurança para atacar a decisão que decreta o sequestro de bens não a sentença condenatória especialmente quando houver urgência ou manifesta ilegalidade do ato coator Incabível por outro lado o uso de habeas corpus pois não se trata de tutela da liberdade de locomoção Além do réu também poderá o terceiro adquirente de boafé defenderse do sequestro que alcança o bem por ele adquirido Tratase de embargos de terceiro art 130 II do CPP cabendo a ele fazer prova de sua boafé Nada impede ainda que a esposa ou companheira do réu ingresse com embargos de terceiro para defesa de sua meação especialmente quando aduza que o bem foi adquirido antes da prática do delito e com o esforço comum do casal O sequestro ficará sem efeito será levantado quando decretado na fase préprocessual não for oferecida a ação penal no prazo de 60 sessenta dias art 131 I do CPP contado da data em que a medida se efetivar ou ainda se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu Considerando que se trata de medida restritiva de direitos fundamentais a leitura tem de ser cautelosa até porque é o poder punitivo que deve ser legitimado e estritamente regulado Daí por que pensamos que o marco inicial para o cômputo dos 60 dias é a data em que se efetivou a medida Não pode o imputado ficar à mercê das mazelas administrativas que se sucedem à decisão judicial como a demora no registro de imóveis por exemplo ou mesmo nas mãos do Ministério Público que a requereu quando a ele competir a realização de algum ato com vistas à eficácia da decisão judicial Assim o prazo de 60 dias para o oferecimento da denúncia ou queixa sob pena de levantamento do sequestro deve ser contado da data em que se efetivou a medida É ilógico fixar como marco inicial a intimação do Ministério Público ou querelante pois foi ele quem solicitou a medida tendo assim obviamente plena ciência do que está ocorrendo Ademais não raras vezes essa intimação nunca é realizada O pedido de sequestro feito no curso da investigação preliminar muitas vezes cumulado com o de prisão preventiva ou temporária também deve ser autuado em autos apartados Contudo nem sempre isso é feito e não raras vezes é postulada a restituição dos bens como se a medida constritiva fosse de apreensão Caberá à parte diante da falha procedimental do juiz requerer a regular autuação e após interpor os respectivos embargos postulando o levantamento do sequestro devendo o juiz decidir através de sentença da qual caberá recurso de apelação Quanto ao levantamento do sequestro por absolvição do réu diz o art 131 III que somente ocorrerá após a sentença absolutória ter transitado em julgado Contudo à luz do art 596 do CPP que impõe a imediata soltura do réu preso quando a sentença for absolutória ainda que dela recorra o Ministério Público pensamos que o levantamento do sequestro não pode ficar pendente do trânsito em julgado da sentença absolutória A absolvição do réu impõe a sua imediata soltura no sentido de que devem cessar todos os constrangimentos processuais até então impostos da prisão ao sequestro Não é lógico que o réu ao ser absolvido seja imediatamente solto mas permaneça com todos os seus bens indisponíveis Ora se foi absolvido não existe sustentabilidade jurídica para manutenção da medida assecuratória Quanto aos embargos de terceiro o sequestro será levantado quando além dos dois casos anteriormente citados não oferecimento da ação penal no prazo de 60 dias ou extinção da punibilidadeabsolvição ele prestar caução em valor suficiente para cobrir os efeitos da eventual sentença penal condenatória nos termos do art 91 II b do Código Penal Tratase de verdadeira contracautela em que o bem é liberado mas o interessado deixa uma garantia equivalente em juízo Com o trânsito em julgado da sentença condenatória os bens sequestrados serão leiloados para ressarcimento da vítima bem como pagamento das custas processuais e eventual pena pecuniária Como adverte FEITOZA PACHECO141 o leilão será feito no próprio juízo penal ao contrário do que ocorre na hipoteca legal e no arresto em que os autos da medida assecuratória são enviados para o juízo cível onde tramita a ação civil ex delicti 22 Distinção entre Sequestro de Bens Móveis e a Busca e Apreensão A Confusa Redação do Art 132 do CPP Há que se fazer uma distinção muito importante entre o sequestro de bens móveis e a busca e apreensão Quando estivermos diante do objeto direto do crime muitas vezes constituindo o próprio corpo de delito a medida cabível será a busca e posterior apreensão do bem Assim o carro furtado ou roubado é apreendido pois constitui objeto direto do crime Já aqueles bens adquiridos com os proventos da infração ou com os lucros dela obtidos serão objeto de sequestro e não de apreensão Daí por que o carro comprado com o dinheiro obtido pelo tráfico de substâncias entorpecentes o lucro do roubo ou furto etc será sequestrado e não apreendido Contudo quando com o ganho obtido pelo delito o agente adquire objetos que constituam a própria materialidade de outro crime haverá apreensão e não sequestro Por exemplo se com o dinheiro obtido na venda do automóvel roubado o imputado compra cocaína a droga será apreendida pois constitui o próprio corpo de outro delito Outra situação que deve ser considerada é quando os bens subtraídos por exemplo são modificados ou transformados gerando bens diversos daqueles originariamente furtados ou roubados É o exemplo clássico do furto de joias que após serem derretidas e transformadas geram um novo bem Essa nova coisa móvel será apreendida ou sequestrada Será sequestrada pois já não se trata do objeto direto do delito senão de um novo bem obtido a partir daquele Não é a res originária senão uma nova obtida a partir da modificação ou transformação daquela Essa distinção explica a confusa redação do art 132 que em outras palavras quer dizer que caberá o sequestro dos bens móveis quando demonstrada sua proveniência ilícita ou seja tenham sido adquiridos com os proventos da infração sendo incabível portanto a busca e apreensão essa é a medida regulada no Capítulo XI do Título VII ou mais claramente nos arts 240 e s Só cabe sequestro quando não couber busca e apreensão e viceversa pois a primeira recai sobre o produto indireto proventos do crime e a segunda sobre o produto direto o próprio corpo de delito 3 Hipoteca Legal e Arresto Prévio de Imóveis Bens de Origem Lícita A hipoteca legal de bens imóveis está prevista no art 134 do CPP e difere radicalmente do sequestro de imóveis que acabamos de analisar Isso porque o sequestro arts 125 a 133 somente poderá recair sobre os bens adquiridos com os proventos do crime logo de origem ilícita Já a hipoteca legal situa se noutra dimensão pois conduz à constrição legal dos bens de origem lícita diversa do crime Esse é um ponto fundamental para compreender a distinção dos institutos Aqui essencialmente o que se tutela é o interesse patrimonial da vítima que pretende já no curso do processo criminal garantir os efeitos patrimoniais da eventual sentença penal condenatória Para tanto a parcela do patrimônio indisponibilizado tem origem lícita Não são produto direto do crime e tampouco foram adquiridos com os proventos da infração Visa assegurar a eficácia da ação civil ex delicti Inclusive tal medida tem plena aplicabilidade em relação a delitos que não geram ganho patrimonial algum ao réu Exemplo típico é o homicídio culposo ou doloso em que o crime não gera nenhum ganho patrimonial para o réu sendo descabido cogitarse o sequestro de bens Nesse caso o ascendente ou descendente da vítima poderá postular a indisponibilidade patrimonial do réu através da hipoteca de seus bens imóveis independente da origem que tenham Importa destacar que sequer a proteção legal do bem de família pode ser invocada pois a própria Lei n 8009 afasta a impenhorabilidade em seu art 3º VI Dispõe a Lei em tela que a impenhorabilidade não poderá ser arguida por ter sido adquirida com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento indenização ou perdimento de bens Quanto à legitimidade considerando que se atende a interesse patrimonial exclusivo da vítima é mais restrita Prevê o art 134 que a hipoteca legal poderá ser requerida pelo ofendido mas para isso ele deverá ingressar no processo como assistente da acusação Não há outra forma de no curso de um processo cuja ação penal é de iniciativa pública intervir o ofendido senão através do instituto da assistência da acusação Elementar que no caso de morte ou incapacidade do ofendido o pedido poderá ser feito pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão analogia com o art 31 do CPP Mas não contempla o Código de Processo Penal a possibilidade de a hipoteca legal ser decretada de ofício pelo juiz ou mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial Então como regra a hipoteca legal e também o arresto prévio deverá ser postulada pelo ofendido devidamente habilitado no processo como assistente da acusação Excepcionalmente o art 142 autoriza o Ministério Público a promover a hipoteca legal em dois casos a quando houver interesse da Fazenda Pública como ocorre por exemplo nos crimes de sonegação fiscal apropriação de contribuições previdenciárias etc b ou quando houver efetiva demonstração de pobreza do ofendido e ele requerer a intervenção do Ministério Público para postular a hipoteca legal Nesse último caso pobreza do ofendido sem negar a legitimidade do Ministério Público pensamos que tal tarefa deve incumbir à Defensoria Pública e que somente quando ela não estiver estruturada naquela comarca então justificada estaria a excepcional atuação do Ministério Público na tutela do interesse patrimonial privado do ofendido A hipoteca legal poderá ser requerida no curso da investigação preliminar em qualquer fase do processo de conhecimento O art 134 do CPP na confusão que faz ao mencionar indiciado e qualquer fase do processo sinaliza a possibilidade de a medida incidir antes mesmo de iniciado o processo criminal e com mais razão após seu início Tanto a hipoteca legal como também o arresto prévio de imóveis tramitarão em autos apartados mas sempre vinculados ao processo criminal O arresto prévio à especialização e inscrição da hipoteca legal dos imóveis está previsto no art 136 do CPP e constitui uma clara medida preparatória da hipoteca legal Isso porque a hipoteca legal é um procedimento complexo que demanda mais tempo Em situações excepcionais fazse o arresto prévio de forma imediata e no prazo de até 15 dias deve a parte interessada promover a inscrição da hipoteca legal no Registro de Imóveis Nesse prazo deverá ser ajuizado o pedido de inscrição e especialização da hipoteca sob pena de revogação da medida Contudo ajuizado o pedido a indisponibilidade do bem dura até que seja efetivada a inscrição da hipoteca legal De qualquer forma essa medida preparatória restringese ao campo de incidência da hipoteca legal ou seja bens imóveis de origem lícita desvinculados do delito Quanto ao procedimento o assistente da acusação demonstra a existência do fumus commissi delicti visto aqui como certeza da infração e indícios suficientes de autoria indica os prejuízos sofridos apontando valores e individualiza o bem imóvel sobre o qual irá recair a hipoteca legal art 135 Há que se observar o necessário contraditório e direito de defesa abrindo se a oportunidade de o réu oferecer defesa especialmente para impugnar valores avaliações e outros fatos impeditivos da pretensão indenizatória Nesse sentido estabelece o art 135 3º do CPP o prazo de 2 dias que correrá em cartório Nada impede que à luz da complexidade do caso conceda o juiz um prazo maior desde que em igualdade de condições para ambas as partes Após autorizará ou não a inscrição da hipoteca no Registro de Imóveis medida indispensável para dar eficácia à constrição Poderá o réu ainda caucionar oferecendo uma contracautela suficiente para evitar a hipoteca legal Absolvido o réu ou extinta a punibilidade é cancelada a hipoteca legal Se condenado serão os autos remetidos ao juízo cível onde tramita a respectiva ação civil ex delicti para procederse à expropriação dos bens com vistas ao ressarcimento da vítima 4 Arresto de Bens Móveis Origem Lícita Art 137 do CPP A última medida assecuratória prevista no Código de Processo Penal é o arresto de bens móveis de origem lícita diversa do crime Ao contrário do sequestro de bens móveis aqui os bens não foram adquiridos com os proventos da infração senão que possuem origem diversa Dispõe o art 137 que se o imputado não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente para dar conta do ressarcimento patrimonial da vítima poderão ser arrestados os bens móveis suscetíveis de penhora nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis Essa última expressão do art 137 nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis atrela a presente medida ao pressuposto de origem lícita dos bens móveis Tudo o que dissemos sobre legitimidade e o procedimento da hipoteca legal é aplicável ao arresto de bens móveis que poderá ser postulado na investigação preliminar ou no curso do processo penal Para bem distinguir as medidas assecuratórias vejamos o seguinte quadro Apreensão recai sobre o objeto direto do crime art 240 do CPP Sequestro bem móvel ou imóvel adquirido com os proventos do crime arts 125 a 133 do CPP Hipoteca Legal bens imóveis de origem lícita e diversa do delito arts 134 e 135 do CPP Arresto Prévio de Imóveis bens imóveis de origem lícita e diversa do delito É preparatório da hipoteca legal instrumentaliza a inscrição Art 136 do CPP Arresto Prévio de Móveis bens móveis de origem lícita tendo cabimento quando não houver bens imóveis para hipotecar ou forem insuficientes Art 137 do CPP Por fim chamamos a atenção para o disposto no art 144 A do CPP Art 144A O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação ou quando houver dificuldade para sua manutenção 1º O leilão farseá preferencialmente por meio eletrônico 2º Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial será realizado novo leilão em até 10 dez dias contados da realização do primeiro podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80 oitenta por cento do estipulado na avaliação judicial 3º O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo procedendose à sua conversão em renda para a União Estado ou Distrito Federal no caso de condenação ou no caso de absolvição à sua devolução ao acusado 4º Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro inclusive moeda estrangeira títulos valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial 5º No caso da alienação de veículos embarcações ou aeronaves o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante ficando este livre do pagamento de multas encargos e tributos anteriores sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário 6º O valor dos títulos da dívida pública das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia provada por certidão ou publicação no órgão oficial Adotou o legislador a possibilidade de alienação antecipada a exemplo do que já existe na Lei de Tóxicos e outras leis especiais tendo em vista o risco de perecimento diante da demora do processo Tutelase aqui o interesse do ofendido seja ele particular ou ente público para efetividade da medida reparatória e também para que a medida assecuratória atenda as demais finalidades inerentes pagamento de custas multa pena pecuniária etc a sentença condenatória Contudo é preciso cautela por parte do juiz pois em caso de absolvição ou mesmo desclassificação para um delito de menor gravidade essa alienação antecipada pode representar um prejuízo grave e irreparável para o réu Também é criticável a abertura conceitual do caput o juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação ou quando houver dificuldade para sua manutenção Qualquer grau de deterioração ou depreciação é demasiado vago criando uma situação jurídica bastante perigosa É preciso muita cautela e ponderação por parte do julgador pois sempre haverá alguma depreciação ou deterioração bem como também haverá sempre alguma dificuldade para manutenção Portanto entendemos que a interpretação deve ser restritiva e somente em caso de risco real e concreto de grave deterioração ou perda significativa de valor é que poderá ser determinada a alienação antecipada Em qualquer caso deve ser ouvido previamente o acusado para que se manifeste e eventualmente ofereça outro bem de valor semelhante para substituição ou alternativa para evitar a venda 5 Medidas Cautelares Reais Demonstração da Necessidade e da Proporcionalidade Problemática Não Enfrentada Deixamos para o final deste capítulo uma questão fundamental e que não tem merecido a devida atenção por parte da doutrina e jurisprudência brasileira Tratase de considerar que as medidas assecuratórias são de natureza cautelar portanto submetidas à mesma lógica e principalmente exigência de efetiva necessidade como elemento legitimador da constrição patrimonial Não há como pensar as medidas assecuratórias fora do sistema cautelar ainda que existam algumas especificidades que obviamente as distinguem das medidas cautelares pessoais Nessa linha verificase que em todas elas deve haver a demonstração do fumus commissi delicti seja para comprovar que os bens foram adquiridos com os proventos do crime sequestro de móveis e imóveis ou para justificar a inscrição de hipoteca legal ou o arresto através da demonstração do dano decorrente do crime Assim é inafastável que a demonstração de que existem indícios razoáveis de autoria e materialidade de um crime constitui o requisito básico de qualquer medida assecuratória Mas é no fundamento que reside a maior problemática Se nas prisões cautelares devese considerar o periculum libertatis ou seja o perigo decorrente do estado de liberdade do imputado que justifica assim a necessidade da prisão nas medidas assecuratórias o perigo adquire outros contornos mais próximos do periculum in mora do Direito Processual Civil Isso porque as medidas assecuratórias têm por objeto um interesse indenizatório patrimonial e nitidamente civil Nos casos de sequestro em que a medida recai sobre os bens móveis ou imóveis adquiridos com os proventos da infração o foco da atenção do julgador acaba sendo a prova da origem ilícita Uma vez demonstrados o crime e o caminho percorrido até a aquisição dos bens o periculum passa a ser secundário impondose a indisponibilidade do patrimônio O ponto nuclear a exigir o máximo de atenção é o fumus commissi delicti Distinta é a situação da hipoteca legal e do arresto em que os bens são de origem diversa lícita e completamente desvinculados do crime É uma medida que incide sobre o patrimônio lícito do réu que será indisponibilizado para assegurar o pagamento das custas multa e a indenização resultado da ação civil ex delicti Aqui a situação é muito mais grave e o ponto nevrálgico é a demonstração do periculum libertatis É claro que deve haver a fumaça da prática do crime mas o ponto mais importante da decisão é a análise do perigo de dilapidação do patrimônio o risco de frustração da pretensão indenizatória Esse ponto pensamos não tem merecido a devida atenção por parte dos juízes e tribunais Incumbe ao acusador demonstrar efetivamente o risco de dilapidação do patrimônio do imputado com a intenção de fraudar o pagamento da indenização decorrente de eventual sentença condenatória Essa prova em geral não é feita e os juízes e tribunais desprezando o imenso custo que representa tal medida a decretam sem o necessário rigor na análise do fumus commissi delicti e do periculum in mora À luz da presunção de inocência não se pode presumir que o imputado irá fraudar a responsabilidade civil decorrente do delito como também não se pode presumir que vá fugir para decretar a prisão preventiva A presunção de inocência impõe que se presuma que o réu irá atender ao chamamento judicial e assumir sua eventual responsabilidade penal e civil Cabe ao acusador ou ao assistente da acusação demonstrar efetivamente a necessidade da medida Tratase de prova suficiente para dar conta do imenso custo da cautelar baseada em suporte fático real não fruto de presunções ou ilações despidas de base probatória verossímil Além disso recordando a principiologia cautelar deve o interessado demonstrar que a medida é proporcional Para tanto o dano tem de ser real concreto e permitir uma aferição uma avaliação ainda que provisória Partindo dessa avaliação é que deverá o juiz atentar para a proporcionalidade que deve guardar o arresto ou hipoteca legal É desproporcional arrestar eou hipotecar bens em valor superior àquele correspondente a sua eventual responsabilidade civil custas e multa Atento a isso BADARÓ142 sublinha que a medida não deve recair sobre todo o patrimônio mas apenas sobre a parte dele que poderá vir a ser especializada segundo a estimativa da responsabilidade e do valor dos imóveis sobre os quais incidirá a hipoteca legal Assim para definir o que poderá ser arrestado é necessário saber o que pode ser hipotecado A hipoteca legal deverá incidir concretamente sobre os bens na exata medida do que seja necessário para garantir a futura reparação do dano causado pelo delito Poderá bastar um ou alguns bens O ofendido ou o Ministério Público não poderá exorbitar fazendo inscrever mais bens do que os necessários cabendo a juiz verificar se o valor dos bens especializados não excede o valor estimado da responsabilidade grifo nosso A proporcionalidade impõe o sopesamento dos bens em jogo cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação Não se pode a partir de uma perigosa prognose de futura e incerta responsabilização civil engessar o patrimônio do imputado sem base probatória suficiente e necessária proporcionalidade ainda mais se considerarmos que ele já está passando por uma situação bastante difícil que é o de figurar como réu em processo penal Não se pode desmerecer o fato de que o imputado já passa por uma situação dificílima muitas vezes agravada pelo bizarro espetáculo midiático montado em torno das estrondosas operações policiais que conduz a perda de clientes fechamento de linhas de crédito perda do emprego enfim um empobrecimento generalizado do réu fruto do estigma gerado pela investigação e o processo penal Nesse contexto as medidas assecuratórias revestemse de uma gravidade ainda maior pois lhe impedem de dispor de seu patrimônio seja para alienar ou dar em garantia impossibilitandoo de ter liquidez para a própria subsistência Ainda que no final do processo criminal seja absolvido ou que os bens indisponibilizados sejam em valor muito superior a eventual responsabilidade civil em nível de endividamento e de penúria é muitas vezes irreversível Portanto toda cautela é necessária no momento de utilizar as medidas assecuratórias sublinhandose a importância de prova do fumus commissi delicti e do periculum in mora e não se admitindo presunções contra o réu Deve ainda prevalecer a lógica da ponderação para que a medida cautelar incida sobre a menor parcela necessária do patrimônio do imputado 6 Restituição dos bens apreendidos Perdimento e Confisco Alterações trazidas pela Lei n 139642019 Questão intimamente relacionada com a apreensão de objetos instituto da busca e apreensão anteriormente tratado no capítulo das provas é sua posterior restituição ou perda Dentro da lógica dos institutos a restituição pode ser estudada logo após a apreensão e a partir disso rompemos com a estrutura do Código de Processo Penal e criamos o fio condutor entre o art 240 e s com a restituição que está nos arts 118 a 124 do CPP Como explicado anteriormente ao longo da investigação preliminar processo ou mesmo execução pode haver a apreensão de coisas que interessem à prova ou mesmo à vítima ou terceiro de boafé que tenha sido prejudicado pelo delito Nesse tema há que se cotejar o art 118 do CPP com o art 91 do Código Penal Assim o art 118 lido a contrário senso permite a restituição das coisas que não interessem mais ao processo Mas essa regra deve ser lida em conjunto com o art 91 II do Código Penal143 Logo duas variáveis iniciais devem ser ponderadas para que o objeto possa ou não ser restituído o interesse para o processo de cunho essencialmente probatório a natureza da coisa pois se for um instrumento cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito ou ainda noutra dimensão quando for produto do crime ou proveito auferido com o delito não haverá restituição A restituição pode ser pedida pelo terceiro de boafé ou até mesmo pelo imputado afetado pela apreensão sem perder de vista a natureza da coisa e a necessidade probatória Quando um carro moto carteira telefone ou qualquer objeto é furtado ou roubado por exemplo será ele objeto de apreensão pois é objeto direto do crime seu próprio corpo de delito Devidamente documentada a apreensão e avaliado o bem do valor econômico pois relevante para a dosimetria da pena poderá ele ser restituído à vítima pois não há necessidade processual de permanecer constrangido e tampouco é um objeto cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito Assume a restituição nesse caso uma eficácia reparadora do dano causado à vítima pelo delito Pode ocorrer que o bem apreendido seja algo cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito como uma substância entorpecente mas se o imputado ou o terceiro afetado tiver uma autorização para possuir a substância para fins de estudo pesquisa uso médico etc poderá ela ser restituída É o que ocorre no furto do consultório de um médico em que são subtraídos objetos e diversos medicamentos de venda restrita e uso controlado Estando o médico legitimado a possuir e armazenar tais medicamentos uma vez apreendidos poderão ser restituídos Em se tratando de apreensão relacionada a drogas e substâncias entorpecentes regido pela Lei n 11343 chamamos atenção para o disposto no art 243 caput e seu parágrafo único da Constituição cujo rigor deve ser reservado para os casos de tráfico de substâncias entorpecentes de modo que o pequeno cultivo destinado ao uso não justifica a perda da propriedade imóvel Deve haver um nexo com o delito de tráfico O parágrafo único contém uma abertura conceitual ao definir que todo e qualquer bem de valor econômico o que significa dizer qualquer coisa apreendido em decorrência do tráfico ilícito de drogas será confiscado mas isso não é automático e tampouco pode prescindir do devido processo Ou seja o confisco somente se efetiva após o devido processo penal como efeito da sentença penal condenatória transitada em julgado Situação bastante comum é a do automóvel ocupado por várias pessoas em que uma delas transporta uma quantidade tal de substâncias entorpecentes com a intenção de venda que se constitui o delito de tráfico O carro será apreendido e perdido em favor da União Pensamos que deve ser feita uma interpretação restritiva do dispositivo de modo que o bem carro moto caminhão etc para ser confiscado deve ser utilizado com o fim específico de praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes A utilização isolada do bem sem uma destinação especial ou continuada não justificaria o confisco Assim não demonstrada essa especial destinação do bem seu nexo instrumental de uso para consecução do delito ou que tenha sido adquirido com recursos provenientes da atividade criminosa não deveria ser caso de confisco Sem embargo da nossa posição precisamos advertir o leitor que o tema não é pacífico na jurisprudência conforme se constata na ementa abaixo caso com repercussão geral admitida no STF RE 638491 É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas sem a necessidade de se perquirir a habitualidade reiteração do uso do bem para tal finalidade a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art 243 parágrafo único da Constituição Federal Nessa perspectiva basta a apreensão em decorrência do tráfico sem qualquer vinculação ou nexo direto com a atividade ilícita para justificar o confisco Mudando o enfoque quanto à arma apreendida seja porque estava no local onde foi realizada a busca seja porque foi utilizada no crime algumas considerações devem ser feitas Existem dois documentos distintos O registro da arma permite a sua propriedade lícita mas não sua utilização em vias públicas ou locais públicos O uso fica restrito ao domicílio do agente Já o porte pressupõe o registro e autoriza a pessoa a portar a arma junto ao corpo no carro etc em ambientes públicos É o que autoriza a circulação do agente armado fora da residência Assim pode ocorrer de alguém que tenha o registro da arma ser preso e a arma apreendida por portála em via pública sem a correspondente autorização porte ou ainda que a arma tenha sido apreendida porque foi utilizada na prática de um delito Em ambos os casos a propriedade é lícita e portanto quando não mais interessar ao processo poderá ser restituída ao agente ainda que ele tenha sido condenado Tratase de um instrumento do crime mas cuja propriedade está legitimada pelo registro Situação completamente diferente se daria caso a arma não fosse registrada pois inviabilizada estaria a restituição O pedido de restituição quando não houver dúvida sobre o direito de quem o fez pois perfeitamente demonstrada a propriedade lícita poderá ser concedido até mesmo pela autoridade policial Sempre será contudo certificado nos autos do inquérito Do contrário havendo a necessidade de uma cognição ou discussão mais apurada da questão deverá o pedido ser feito à autoridade judiciária ainda que na fase préprocessual a quem após a manifestação do Ministério Público caberá a decisão Não havendo mais a necessidade probatória e inexistindo dúvida sobre a legitimidade do proprietário os bens poderão ser restituídos Havendo dúvida o pedido de restituição será processado em autos apartados cabendo ao requerente no prazo de 5 dias demonstrar sua propriedade ou documentos que o autorizem a ter o objeto ou substância Quando a dúvida se estabelecer entre o terceiro de boafé e a vítima reclamante em torno de quem seja o verdadeiro dono o juiz deverá remeter as partes para o juízo cível como determina o art 120 4º do CPP determinando que o bem fique depositado até a resolução da questão Tratandose de coisas facilmente deterioráveis ou perecíveis serão elas avaliadas e vendidas em leilão público depositandose em juízo o valor apurado até que se defina quem é o legítimo proprietário Superada essa questão da restituição dos bens apreendidos vejamos agora a importante alteração trazida pela Lei n 139642019 que alterou o disposto no art 91A do Código Penal Art 91A Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 seis anos de reclusão poderá ser decretada a perda como produto ou proveito do crime dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo entendese por patrimônio do condenado todos os bens I de sua titularidade ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto na data da infração penal ou recebidos posteriormente e II transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória a partir do início da atividade criminal 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público por ocasião do oferecimento da denúncia com indicação da diferença apurada 4º Na sentença condenatória o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado dependendo da Justiça onde tramita a ação penal ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas a moral ou a ordem pública nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes Tratase de perdimento dos bens que decorre de uma presunção de enriquecimento ilícito nos casos em que a condenação a rigor transitada em julgado por infrações cujo apenamento máximo em abstrato é superior a 6 anos de reclusão não se trata de pena aplicada mas sim de cominação abstrata do tipo penal Necessariamente deve ser por crime que gere riqueza pois o perdimento do produto direto ou proveito bens adquiridos com o lucro ou ganho do crime de bens que correspondam a diferença entre o valor do patrimônio descoberto do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito Essa incompatibilidade de riquezas entre o rendimento decorrente da atividade lícita e o volume patrimonial total do condenado deve gerar uma diferença que permita presumir que decorre um enriquecimento ilícito pois descoberto de uma causa que o justifique e legitime A lei atribui ao condenado a carga probatória da procedência lícita para afastar o perdimento como o recebimento de uma herança doação anterior ao crime etc Mas deixamos aqui consignada uma advertência essa presunção de ilicitude e a atribuição de carga probatória à defesa é manifestamente incompatível com a presunção constitucional de inocência Nesse sentido precisa a lição de BOTTINI no sentido de que a nova regra inverte o ônus da prova impondo ao condenado o dever de demonstrar a origem lícita de seus bens quando o princípio da presunção da inocência impõe ao Estado a obrigação de provar fatos que justifiquem a intervenção estatal na liberdade e no patrimônio do réu A inexistência de provas sobre a origem lícita ou ilícita dos bens do acusado deveria presumir sua legitimidade e não o contrário144 Importante ainda para comprovação dessa diferença patrimonial que se realize uma perícia contábil e financeira apta a demonstrar o enriquecimento ilícito Por fim o perdimento de bens e valores deve ser objeto de pedido expresso do MP quando do oferecimento da denúncia assegurandose o contraditório e o direito de defesa no procedimento e ao final de uma decisão fundamentada do juiz O parágrafo 5º não disciplina o enriquecimento ilícito mas sim o perdimento dos instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias como armas carros motos etc e até imóveis Não se exige que tais bens tenham uma especial destinação criminosa podendo haver uma utilização eventual Mas a Lei n 139642019 trouxe outras alterações legislativas relevantes dirigidas a aumentar a eficácia das medidas assecuratórias do destino dos bens e também do perdimento com vistas a evitar a perda de valor ou perecimento em razão da demora da conclusão dos processos criminais Nesta linha trouxe ainda as seguintes inovações relevantes que comentaremos pontualmente Art 122 Sem prejuízo do disposto no art 120 as coisas apreendidas serão alienadas nos termos do disposto no art 133 deste Código Parágrafo único Revogado COMENTÁRIO As coisas apreendidas poderão ser restituídas nos termos do art 120 ou seja quando cabível porque não interessam ao processo e não constituem objetos ilícitos de per si Não sendo esse o caso aplicase o art 133 com a venda após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória Art 124A Na hipótese de decretação de perdimento de obras de arte ou de outros bens de relevante valor cultural ou artístico se o crime não tiver vítima determinada poderá haver destinação dos bens a museus públicos COMENTÁRIO Havendo decretação de perdimento dessas obras ao invés de alienar poderá o juiz dar uma destinação cultural melhor com o encaminhamento para museus públicos Mas se houver uma vítima determinada deverá haver a alienação para ressarcimento dos prejuízos por ela sofridos Art 133 Transitada em julgado a sentença condenatória o juiz de ofício ou a requerimento do interessado ou do Ministério Público determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão público cujo perdimento tenha sido decretado 1º Do dinheiro apurado será recolhido aos cofres públicos o que não couber ao lesado ou a terceiro de boafé 2º O valor apurado deverá ser recolhido ao Fundo Penitenciário Nacional exceto se houver previsão diversa em lei especial COMENTÁRIO Decorrência natural do perdimento constante em sentença penal condenatória transitada em julgado é a alienação dos bens para ressarcimento da vítima ou terceiro de boafé A inovação está na destinação do restante ou da totalidade em não havendo vítima a ser ressarcida desse valor para como regra geral o Fundo Penitenciário Nacional Art 133A O juiz poderá autorizar constatado o interesse público a utilização de bem sequestrado apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública previstos no art 144 da Constituição Federal do sistema prisional do sistema socioeducativo da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia para o desempenho de suas atividades 1º O órgão de segurança pública participante das ações de investigação ou repressão da infração penal que ensejou a constrição do bem terá prioridade na sua utilização 2º Fora das hipóteses anteriores demonstrado o interesse público o juiz poderá autorizar o uso do bem pelos demais órgãos públicos 3º Se o bem a que se refere o caput deste artigo for veículo embarcação ou aeronave o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento em favor do órgão público beneficiário o qual estará isento do pagamento de multas encargos e tributos anteriores à disponibilização do bem para a sua utilização que deverão ser cobrados de seu responsável 4º Transitada em julgado a sentença penal condenatória com a decretação de perdimento dos bens ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boafé o juiz poderá determinar a transferência definitiva da propriedade ao órgão público beneficiário ao qual foi custodiado o bem COMENTÁRIO Essa autorização para uso dos bens submetidos a medidas assecuratórias por parte de órgãos públicos antes do trânsito em julgado já vinha sendo implantada em alguns Estados por meio de acordos com o Poder Judiciário mas agora vem corretamente disciplinada no CPP Tratase de medida que visa evitar o perecimento e perda do valor dos bens pela demora do processo que não raras vezes quando do trânsito em julgado do perdimento já tinha perdido completamente seu valor venal e possibilidade de utilização Tal medida terá grande utilização em crimes de tráfico de drogas contrabando descaminho corrupção e lavagem de dinheiro por exemplo Mas se ao final do processo o réu for absolvido será determinada a restituição do bem e neste caso poderá ele sofrer um grande prejuízo com o estado em que irá receber de volta seu veículo avião ou embarcação por exemplo dado o uso não raras vezes descuidado e intenso por parte de agentes públicos Em tese poderia inclusive buscar uma indenização junto ao Estado ou União em que pese na prática revelarse uma medida demorada e inócua Por isso a autorização para uso de bens antes do trânsito em julgado deve ser manejada com cautela e proporcionalidade por parte dos juízes pois pode ser geradora de grandes prejuízos para o réu absolvido Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DOS CAPÍTULOS XI E XII As PRISÕES CAUTELARES tencionam com a garantia da presunção de inocência expressamente consagrada no art 5º LVII da Constituição sendo o princípio reitor do processo penal e em última análise podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância eficácia É fruto da evolução civilizatória do processo penal Contudo as prisões cautelares são necessárias em situações excepcionais e por isso a coexistência da presunção de inocência com as prisões cautelares é possível mas exige estrita observância dos requisitos legais da necessidade cautelar e da base principiológica Partindo do gênero prisões cautelares temos prisão em flagrante que a rigor é uma medida précautelar não uma cautelar propriamente dita na medida em que é precária e preparatória de uma prisão temporária ou preventiva verdadeiras prisões cautelares prisão temporária prevista na Lei n 796089 prisão preventiva prevista nos arts 311 312 e s do CPP A execução antecipada da pena seja após a decisão de segundo grau como já admitiu o STF por algum tempo ou após a decisão de primeiro grau do tribunal do júri art 492 I e não tem natureza cautelar Não é uma prisão cautelar E por isso entendemos que toda forma de execução antecipada da pena é incompatível com a presunção constitucional de inocência sendo portanto inconstitucional É um erro usar as expressões fumus boni iuris e periculum in mora para se referir as prisões cautelares porque são categorias e conceitos inerentes ao processo civil completamente inadequados para o processo penal O correto é fumus commissi delicti e periculum libertatis É criticável o chamado poder geral de cautela na medida em que incompatível com a natureza do processo penal e os princípios de legalidade e taxatividade das medidas restritivas da liberdade Somente as medidas cautelares expressamente previstas em lei podem ser admitidas não cabendo ao juiz fixar medidas cautelares diversas daquelas estabelecidas nos arts 319 e 320 do CPP PRINCIPIOLOGIA DAS PRISÕES CAUTELARES são os princípios e sua estrita observância que permitem a coexistência da presunção de inocência com as prisões cautelares e medidas cautelares diversas Jurisdicionalidade e Motivação toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem judicial fundamentada A prisão em flagrante é uma medida précautelar uma precária detenção que pode ser feita por qualquer pessoa do povo ou autoridade policial e será submetida ao controle judicial posteriormente na audiência de custódia Contraditório reforçado no art 282 3º é agora a regra cabendo ao juiz oportunizar a manifestação da defesa antes da decretação da medida cautelar exceto em caso de urgência ou perigo de ineficácia da medida situações que deverão ser concretamente fundamentadas Provisionalidade e o Princípio da Atualidade do Perigo as prisões cautelares são situacionais ou seja tutelam uma situação fática de perigo que dever ser atual Arts 312 2º 315 e 316 Provisoriedade as prisões cautelares devem ter curta duração serem efetivamente provisórias Seria preciso definir o prazo máximo de duração que não existe para a prisão preventiva Grande avanço foi o estabelecimento do dever de revisar periodicamente a medida estabelecido no art 316 único Excepcionalidade a prisão preventiva deve ser a ultima ratio do sistema reservada para casos graves em que realmente seja necessária Antes de decretar a prisão preventiva o juiz deve analisar e fundamentar porque não aplica as medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP Somente quando não for cabível a substituição por se mostrarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas é que se poderá cogitar o uso da prisão preventiva Proporcionalidade o juiz deverá ponderar a gravidade da medida imposta frente a densidade do fumus commisssi delicti e do periculum libertatis para demonstrar o cabimento da prisão preventiva A prisão deverá ainda ser adequada e necessária aplicável apenas quando não forem suficientes as medidas cautelares diversas PRISÃO EM FLAGRANTE é uma medida précautelar que necessariamente deverá ser levada em até 24h para o controle de legalidade por parte do juiz na audiência de custódia Não poderá prolongarse além desse tempo porque não prende por si só O flagrante remete a ideia de visibilidade do delito de surpreender o agente durante ou logo após a sua prática Está previsto nos arts 302 e 303 flagrante em crime permanente São ilegais devendo ser relaxados os casos de flagrante forjado provocado ou preparado O preso em flagrante deverá ser imediatamente apresentado à autoridade policial onde será lavrado o auto de prisão em flagrante sendo encaminhado em até 24h para a audiência de custódia onde será analisado à luz do art 310 do CPP A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA é uma imposição da CADH está prevista no CPP e regulamentada pela Resolução n 213 do CNJ Entendemos que a audiência de custódia é necessária em todo e qualquer tipo de prisão cautelar ou précautelar mas a maioria dos juízes e tribunais vem realizando apenas em caso de prisão em flagrante PRISÃO PREVENTIVA poderá ser decretada na fase de investigação ou no curso do processo sempre que houver pedido do MP ou representação na autoridade policial não podendo ser decretada de ofício pelo juiz Requisito fumus commissi delicti ou seja nos termos do art 312 exige a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria Fundamento periculum libertatis isto é a real necessidade cautelar representada pela necessidade de tutela da ordem pública da ordem econômica da prova ou da aplicação da lei penal Esse perigo deve ser atual contemporâneo A prisão para garantia da ordem pública é criticada pela ausência de uma finalidade cautelar tutela do processo além da sua abertura conceitual ou seja é um conceito vago impreciso e indeterminado que serve como um coringa hermenêutico Também a prisão para garantia da ordem econômica é criticada por não ter uma natureza cautelar penal e também pela vagueza conceitual Já as prisões preventivas para tutela da prova e tutela da lei penal risco de fuga são cautelares mas exigem sempre a demonstração de um suporte probatório real e concreto não imaginário O art 313 é um balizador fundamental da prisão preventiva estabelecendo o limite de pena e as circunstâncias em que ela pode ser decretada Ainda que exista fumus comissi delicti e periculum libertatis sem o preenchimento o das condições do art 313 a prisão preventiva não pode ser decretada Outra inovação importante trazida pela Lei n 139642019 foi o art 315 que além de exigir que a decisão sobre a prisão preventiva seja motivada e fundamentada passou a exigir uma maior qualidade das decisões através de uma série de vedações MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS previstas no art 319 aplicadas de forma isolada ou cumulativa e 320 são medidas substitutivas alternativas à prisão preventiva e cuja análise de cabimento deve anteceder sempre e de forma fundamentada a decretação da prisão Ainda que concebidas como medidas substitutivas da prisão preventiva com o tempo as medidas cautelares diversas acabaram adquirindo o caráter de medidas autônomas nos casos em que a pena máxima imposta ao delito é inferior a 4 anos São situações em que não cabe a prisão preventiva e portanto as medidas cautelares diversas adquirem o status de medidas autônomas Inobstante sua autonomia em relação à preventiva não deixam de ser medidas cautelares e portanto exigem além do fumus comissi delicti e o periculum libertatis a observância da principiologia constitucional DA PRISÃO TEMPORÁRIA prevista na Lei n 79601989 é uma prisão que somente pode ser decretada durante a investigação e tem prazo máximo de duração previsto na lei Com relação aos incisos do art 1º o melhor entendimento é o de a prisão temporária somente pode ser decretada quando estiverem presentes as situações previstas nos incisos III e I sendo o inciso II apenas um reforço na fundamentação não justificando sua decretação de forma isolada PRISÃO ESPECIAL não é uma modalidade de prisão cautelar mas um regime especial de cumprimento da prisão preventiva e vigora até o trânsito em julgado Os casos de aplicação estão dispostos no art 295 do CPP LIBERDADE PROVISÓRIA é uma medida alternativa à prisão preventiva que se situa entre a prisão em flagrante e a decretação da prisão preventiva após a decretação da prisão preventiva não se fala mais em liberdade provisória mas em revogação ou substituição por medidas cautelares diversas A liberdade provisória poderá vir cominada com fiança ou não bem como também poderá ser cumulada com medidas cautelares diversas ou não conforme o caso A vedação na lei de concessão de liberdade provisória já foi declarada inconstitucional pelo STF em outras leis sendo um erro do legislador na Lei n 139642019 prever no art 310 2º a proibição de sua concessão FIANÇA é uma contracautela exigida para concessão da liberdade provisória mas também pode ser uma medida cautelar diversa nos termos do art 319 O fato de um crime ser inafiançável não significa que a liberdade provisória não possa ser concedida mas nesse caso caberá ao juiz das garantias fixar medidas cautelares diversas mais gravosas O valor da fiança será calculado com base no disposto nos arts 325 e 326 do CPP Poderá ser concedida pela autoridade policial quando a pena máxima não exceder a 4 anos ou pelo juiz em qualquer caso exceto quando estabelecida a inafiançabilidade Poderá ser dispensado o pagamento de fiança nas situações do art 350 determinado o reforço quando necessário art 340 cassada nos termos dos arts 338 e 339 considerada quebrada nos casos do art 341 gerando como consequência a perda de metade do valor e a possível decretação de prisão preventiva art 343 Haverá o perdimento integral do valor da fiança e a prisão do imputado nos casos do art 344 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS são medidas cautelares de natureza patrimonial que servem ao mesmo tempo para ressarcimento dos danos causados pelo crime pagamento das despesas processuais e eventuais penas pecuniárias mas também dependendo do caso como instrumento de tutela da prova A busca e apreensão e posterior restituição é considerada pelo CPP um meio de obtenção de provas está no título Da prova no CPP mas guarda íntima relação com as medidas assecuratórias dada sua natureza de tutela de bens Na sistemática do código são medidas assecuratórias a sequestro de bens móveis b sequestro de bens imóveis c hipoteca legal de bens imóveis d arresto prévio de bens imóveis e arresto de bens móveis Quanto ao cabimento essas medidas podem ser resumidas no seguinte quadro Apreensão recai sobre o objeto direto do crime art 240 do CPP Sequestro bem móvel ou imóvel adquirido com os proventos do crime arts 125 a 133 do CPP Hipoteca Legal bens imóveis de origem lícita e diversa do delito arts 134 e 135 do CPP Arresto Prévio de Imóveis bens imóveis de origem lícita e diversa do delito É preparatório da hipoteca legal instrumentaliza a inscrição Art 136 do CPP Arresto Prévio de Móveis bens móveis de origem lícita tendo cabimento quando não houver bens imóveis para hipotecar ou forem insuficientes Art 137 do CPP Capítulo XIII MORFOLOGIA DOS PROCEDIMENTOS 1 Introdução Sumária ReCognição da Santa Trindade do Direito Processual Penal Antes de iniciar o estudo da morfologia dos procedimentos145 contemplados no sistema processual penal brasileiro e não apenas no Código de Processo Penal convém uma rápida recordação de que o Direito Processual Penal está erguido sobre o trinômio açãojurisdiçãoprocesso verdadeira Santa Trindade do Direito Processual No início desta obra tecemos considerações acerca das teorias da ação concluindo que a ação processual penal é um direito potestativo de acusar ius ut procedatur público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal Quanto à jurisdição para além da concepção tradicional de poderdever pensamos que no processo penal revestese do caráter de direito fundamental ou seja a garantia da jurisdição Isso também afeta a concepção de competência que além de limitála cria condições de eficácia para a própria garantia da jurisdição juiz natural e imparcial No que tange ao processo é importante que o leitor tenha presente a densa discussão em torno da sua natureza jurídica feita no início desta obra especialmente no que se refere à polêmica BÜLOWGOLDSCHMIDT ou às respectivas teorias de processo como relação jurídica e processo como situação jurídica Nesse tema nos perfilamos ao lado de James Goldschmidt diante das inadequações e insuficiências da tese de Bülow Daí por que em apertadíssima síntese concebemos o processo penal como um conjunto de situações processuais dinâmicas que dão origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas pelas quais as partes atravessam rumo a uma sentença favorável ou desfavorável conforme o aproveitamento das chances e liberação ou não de cargas e assunção de riscos Elementar que na concepção de processo além dos fatores político culturais influi definitivamente o sistema ou forma adotado acusatório ou inquisitório Cada um dos sistemas processuais inquisitório ou acusatório desenha um tipo de processo penal com inegável influência na morfologia dos procedimentos Na discussão em torno da função do processo mantendo coerência com a posição por nós defendida de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória construída desde a concepção de GUASP GOLDSCHMIDT e GÓMEZ ORBANEJA nunca na visão civilista de CARNELUTTI estamos com GUASP e FAIREN GUILLEN no sentido de que a função do processo penal é a satisfação jurídica das pretensões e resistências Não se nega ainda que o processo seja um complexo de atos sucessivos e coordenados tendentes a instrumentalizar o exercício da jurisdição como sintetizou TUCCI146 Os conceitos não se excluem senão que se completam Existem assim duas espécies de processo penal processo penal de conhecimento e processo penal de execução ou simplesmente execução penal Negamos como dito anteriormente a existência de um processo penal cautelar pois nosso sistema consagra apenas medidas cautelares inseridas no processo de conhecimento e dependendo da medida podem ser adotadas na fase préprocessual ou mesmo na execução penal Feitas essas rápidas considerações interessanos agora o estudo dos procedimentos Como adverte GIMENO SENDRA147 ainda que processo e procedimento tenham uma raiz etimológica comum procedere são conceitos fundamentalmente distintos O primeiro processo remete à existência de uma pretensão acusatória deduzida em juízo frente a um órgão jurisdicional estabelecendo situações jurídicoprocessuais dinâmicas que dão origem a expectativas perspectivas chances cargas e liberação de cargas pelas quais as partes atravessam rumo a uma sentença favorável ou desfavorável conforme o aproveitamento das chances e liberação ou não de cargas e assunção de riscos Noutra dimensão por procedimento entendese o lado formal da atuação judicial o conjunto de normas reguladoras do processo ou ainda o caminho iter ou itinerário que percorrem a pretensão acusatória e a resistência defensiva a fim de que obtenham a satisfação do órgão jurisdicional CORDERO148 recorda que rito remonta ao sânscrito ra ordenar dirigir em ordem computar de onde vem o latim reor pensar crer opinar julgar ratio razão ratus pensado calculado ou o grego reo cujo equivalente latino é fluo fluir correr palavras que trazem à mente a ideia de evolução ou desenvolvimento conforme o prescrito segundo uma forma Já o sufixo mentum esclarece TUCCI149 vem do grego menos que significa princípio de movimento vida força vital sendo to uma partícula expletiva Dessarte conclui o autor exprime o ato em seu modo de fazer e na forma em que é feito ou seja como ato regularmente formalizado O processo penal admite distintas relações configuráveis entre os atos fazendo com que o processo de conhecimento comporte diferentes ritos em função da natureza do delito ou mesmo da pessoa envolvida prerrogativa de função Há uma mecânica dos procedimentos150 pois ainda que todos iniciem com uma acusação e tenham como epílogo uma sentença existem variações na ordem ou na forma dos atos que integram esse itinerário iter E a dinâmica do processo melhor das situações jurídicas que o constituem estabelece uma temporalidade linear irreversível orientada ao futuro A regra é que o procedimento tenha um efeito progressivo sendo o regressivo uma exceção reservada para atender à necessidade de refazer o que foi feito com defeito ou seja repetição por defeito processual sanável vejase adiante o conceito de defeito sanável e insanável Existe ainda um nexo genético151 em que o ato posterior depende da prática de um antecedente de modo que da acusação depende todo o processo o debate oral ou escrito é o necessário prelúdio da sentença e principalmente os vícios do ato antecedente passam aos conseguintes Tal compreensão ainda que simples nem sempre é alcançada pois como veremos ao estudar as nulidades o princípio da contaminação não pode ser limitado da forma como a jurisprudência brasileira costuma fazêlo 2 Tentando Encontrar uma Ordem no Caos O processo penal brasileiro é uma verdadeira colcha de retalhos não só pela quantidade de leis especiais que orbitam em torno do núcleo codificado senão porque o próprio Código é constantemente medicado meros paliativos digase de passagem por reformas pontuais geradoras de graves dicotomias que só fazem por aumentar a inconsistência sistêmica e a metástase A falha está em não fazer uma anamnese séria do problema que uma vez compreendido exigiria uma reforma global e completa um novo Código de Processo Penal regido pelo sistema acusatório e em conformidade com a Constituição No tocante aos procedimentos ou ritos mais do que polimorfo o sistema processual brasileiro é caótico Para começar o Código de Processo Penal brasileiro comete um erro primário uma grave confusão entre processo e procedimento designando no seu Livro II Dos Processos em Espécie e na continuação Título I Do Processo Comum Título II Dos Processos Especiais e Título III Dos Processos de Competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação Desde quando existe Processo Comum ou Processo Especial Desde nunca com o perdão da resposta Mais do que falta de técnica processual é um erro injustificável misturar categorias como processo e procedimento Então o que é comum ou especial O procedimento o rito Não o processo que somente pode ser de conhecimento ou de execução Partindo do art 394 do CPP152 podemos fazer o seguinte esquema RITO COMUM 1 Ordinário crime cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos e está disciplinado nos arts 395 a 405 do CPP 2 Sumário crime cuja pena máxima cominada for inferior a 4 anos e superior a 2 pois se a pena máxima for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo e está disciplinado nos arts 531 a 538 do CPP 3 Sumaríssimo crime de menor potencial ofensivo pena máxima igual ou inferior a 2 anos está previsto no Código de Processo Penal mas disciplinado na Lei n 909995 a Lei n 113132006 apenas ampliou o conceito de menor potencial ofensivo sendo o rito sumaríssimo ou sumaríssimo como define a Lei disciplinado nos arts 77 a 83 além dos institutos da composição dos danos civis transação penal e suspensão condicional do processo respectivamente arts 74 76 e 89 da Lei n 9099 RITO ESPECIAL 1 Dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos art 513 a 518 do CPP 2 Dos crimes contra a honra arts 519 a 523 do CPP 3 Dos crimes contra a propriedade imaterial arts 524 a 530I do CPP e também a Lei n 927996 4 Rito dos crimes da competência do júri arts 406 a 497 do CPP Fora do Código de Processo Penal encontramos ainda entre outros os seguintes ritos especiais 1 Crimes falimentares Lei n 11101 2 Tóxicos Lei n 11343 3 Competência originária dos Tribunais Lei n 865893 que remete para a Lei n 8038 4 Crimes Eleitorais Lei n 473765 5 Lavagem de Dinheiro Lei n 9613 segue o rito ordinário mas existem algumas peculiaridades previstas na referida Lei Diversos critérios orientam essa polimorfologia procedimental entre eles Gravidade do crime aqui foi adotada a quantidade de pena aplicada conforme acabamos de referir Natureza do delito partindo da natureza do bem jurídico tutelado estabelece o processo penal um rito especial para os crimes dolosos contra a vida arts 406 a 497 tóxicos Lei n 11343 honra arts 519 a 523 crimes falimentares Lei n 11101 entre outros Qualidade do agente isso explica o rito especial para os crimes praticados por servidores públicos e também aquele desenhado pela Lei n 8038 para os que gozam de prerrogativa de função Além desses critérios é imprescindível observar a seguinte regra o rito comum é subsidiário Ou seja primeiro devemos observar se existe um rito especial para aquele tipo de crime devendo ser adotado em caso de previsão legal Somente quando não houver rito especial então por exclusão será adotado o comum que poderá ser ordinário sumário ou sumaríssimo conforme a pena máxima fixada Por fim há que se recordar que forma é garantia de modo que os procedimentos são indisponíveis e constituem uma verdadeira garantia do réu Daí por que a regra deve ser a nulidade absoluta melhor dizendo um defeito sanável pela repetição de todo o processo em caso de inobservância do procedimento adequado Contudo a jurisprudência brasileira tem relativizado em quase tudo as nulidades Nessa linha prevalece o entendimento de que se for adotado o procedimento ordinário quando mais amplo em detrimento do especial sem violação de competência prevista na Constituição e sem cercear a defesa não haveria prejuízo para a defesa e nenhuma nulidade ocorreria Também se deve ter muita cautela em caso de conexão ou continência pois conforme estudado além de modificar a competência também afeta o rito a ser utilizado Diante de crimes cujo julgamento é feito através de diferentes ritos muita cautela deve ser adotada Em geral o rito ordinário é mais amplo e pode ser o utilizado pois em nada prejudicaria as partes Contudo não pode haver a supressão de atos importantes ou mesmo a violação das regras da competência Por exemplo se alguém for acusado da prática de um crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri e ainda de um crime de roubo por exemplo o rito a ser adotado não poderá ser o ordinário Isso porque a competência do Tribunal do Júri atrai o julgamento de todos os crimes para aquele rito Se um servidor público comete um delito funcional e gozar de prerrogativa de foro o rito a ser adotado não é aquele especial dos arts 513 e s do CPP mas sim o previsto na Lei n 8038 para os crimes de competência originária dos tribunais Enfim cada caso deve ser analisado com suma cautela Vejamos agora a morfologia dos procedimentos mais importantes 3 Análise da Morfologia dos Principais Procedimentos Considerando os diversos ritos previstos no Código de Processo Penal e em leis especiais bem como a falta de critérios para sua definição e especialmente a irrelevância da distinção entre ritos especiais e ordinários optamos por analisar apenas os mais relevantes deixando por último os procedimentos do Tribunal do Júri e o sumaríssimo do Juizado Especial Criminal Diante disso vamos abordar a morfologia dos seguintes ritos nessa ordem Ordinário Sumário Dos Crimes de Responsabilidade Funcional Dos Crimes Contra a Honra Da Lei de Tóxicos Rito Sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais Dos crimes de Competência do Tribunal do Júri 31 Rito Ordinário 311 Considerações Gerais Morfologia Quando Ocorre o Recebimento da Acusação ou a Mesóclise da Discórdia O rito ordinário é destinado aos crimes cuja pena máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade estando previsto nos arts 395 a 405 do CPP Está estruturado da seguinte forma 1 2 3 4 5 Denúncia ou queixa Juiz recebe ou rejeita liminarmente Resposta à acusação Juiz pode absolver sumariamente Audiência de Instrução e Julgamento Uma dúvida que pode surgir diante da dúbia redação dada pela Lei n 117192008 é em relação ao momento em que o juiz recebe a denúncia ou queixa pois o art 396 afirma que o juiz se não rejeitar liminarmente a acusação recebêlaá e ordenará a citação do acusado para responder à acusação Após essa resposta o juiz pode absolver sumariamente o acusado ou dando continuidade ao processo designar dia e hora para audiência de instrução e julgamento O problema é que o art 399 menciona novamente o ato de receber a acusação gerando uma dúvida Afinal quando ocorre o recebimento da denúncia ou queixa A mesóclise da discórdia contida no art 396 não constava no Projeto de Lei n 42072001 e gerou grande surpresa e decepção ao ser inserida às vésperas da promulgação da nova Lei O projeto desenhava uma fase intermediária há muito reclamada pelos processualistas de modo que a admissão da acusação somente ocorreria após o oferecimento da defesa o ideal seria uma audiência regida pela oralidade Era um juízo prévio de admissibilidade da acusação para dar fim aos recebimentos automáticos de denúncias infundadas inserindo um mínimo de contraditório nesse importante momento procedimental Por isso o art 399 estabelece aqui foi mantida a redação do Projeto de 2001 que recebida a denúncia ou queixa demarcando que o recebimento da acusação deveria ocorrer no momento após a defesa escrita Mas infelizmente foi inserida no art 396 a mesóclise recebêlaá e mantevese a redação do Projeto no que se refere ao art 399 gerando uma dicotomia aparente dois recebimentos Com isso o recebimento da denúncia é imediato e ocorre nos termos do art 396 Esse é o marco interruptivo da prescrição e demarca o início do processo que se completa com a citação válida do réu art 363 Tanto que o réu é citado nesse momento para apresentar sua resposta e posteriormente intimado para audiência de instrução logo intimado também para o interrogatório que lá será realizado Ademais a absolvição sumária art 397 em que pese recorrer àquilo que consideramos serem as condições da ação processual penal pressupõe a existência do processo Como absolver antes do início do processo A absolvição mesmo sumária somente é possível após o recebimento da acusação Antes desse recebimento da acusação o que pode haver é rejeição não absolvição Quanto ao art 399 nada mais faz do que remeter para o recebimento anterior sendo a expressão recebida desnecessária Mas já que lá está deve ser interpretada como uma remissão ao recebimento já realizado e não uma nova decisão Em suma a mesóclise da discórdia demarca a manutenção do sistema de recebimento imediato da acusação antes do oferecimento da resposta da defesa Superada essa questão vejamos agora uma síntese dos atos mais importantes do rito ordinário 1 Denúncia ou queixa conforme o crime a ação penal será de iniciativa pública ou privada sendo exercida através de denúncia ou queixa A acusação deverá preencher os requisitos do art 41 do CPP bem como estarem presentes as condições da ação sob pena de rejeição liminar art 395 Se recebida o juiz ordena a citação do acusado para responder à acusação por escrito no prazo de 10 dias 2 Rejeição liminar nos casos definidos no art 395 poderá o juiz rejeitar liminarmente a acusação como explicaremos a seguir 3 Resposta à acusação regularmente citado deverá o réu apresentar resposta à acusação por escrito no prazo de 10 dias Tratase de peça obrigatória pois se não apresentada deverá o juiz nomear defensor para oferecêla É o momento em que o imputado poderá arguir defeitos ou nulidades se preferirem a terminologia clássica da denúncia ou queixa e alegar tudo o que interesse à sua defesa ou estrategicamente deixar de aduzir agora questões que prefira reservar para os debates finais juntar documentos indicar suas provas bem como arrolar testemunhas153 É nesse momento mas em peça separada que deverão ser opostas as exceções previstas no art 95 do CPP Voltamos a advertir que o 2º do art 396A deve ser reservado para os casos em que a citação se deu pessoalmente logo inaplicável nos casos de citação por edital ou por hora certa Assim somente quando o réu for citado pessoalmente e não apresentar resposta à acusação é que poderá o juiz nomear um defensor para realizar a defesa técnica e continuar a marcha do processo Do contrário deverá aplicar a regra do art 366 do CPP suspendendo o processo e a prescrição até que o réu seja encontrado 4 Absolvição Sumária após a resposta escrita abrese a possibilidade art 397 de o juiz absolver sumariamente o réu pondo fim ao processo quando existir manifesta causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade exceto a inimputabilidade pois nesse caso o processo continuará seu curso o fato narrado evidentemente não constituir crime atipicidade ou estiver extinta a punibilidade do agente prescrição decadência ou outra causa prevista no art 107 do CP ou lei extravagante Explicaremos essa decisão na continuação 312 Da Rejeição da Denúncia ou Queixa Análise do Art 395 do CPP Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP Da decisão que recebe a denúncia ou queixa como regra não cabe recurso algum Tratase de grave lacuna ou melhor de uma opção autoritária de um Código de 1941 que desconsidera a lesividade e o gravame gerado pelo recebimento de uma acusação que trará inegavelmente um imenso rol de penas processuais estigmatização social e jurídica angústia e sofrimento psíquico constrangimento inerente à submissão ao exercício do poder estatal etc Na falta de previsão legal de recurso o imputado poderá ajuizar habeas corpus que não é recurso senão uma ação para o trancamento do processo e não da ação como costumeiramente se afirma desde que inequivocamente falte justa causa ou qualquer das condições da ação nos termos do art 648 do CPP Há que se destacar que o habeas corpus é um instrumento de cognição sumária limitada não admitindo grandes incursões pelo caso penal ou dilação probatória como explicaremos mais adiante ao tratar dessa ação constitucional Contudo seguindo a lógica do Código de Processo Penal de prever recurso para todas as decisões que de qualquer forma beneficiem o réu o oposto não é verdadeiro como vimos quando a denúncia ou queixa for rejeitada ou o réu absolvido sumariamente sempre caberá recurso Nos ritos comuns oferecida a denúncia ou queixa o art 396 determina que poderá o juiz rejeitála liminarmente antes mesmo de citar o acusado para oferecer resposta quando os casos estão definidos no art 395 I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal Vejamos agora cada um dos casos de rejeição liminar e depois de absolvição sumária 3121 Rejeição Inépcia da Denúncia ou Queixa O inciso I denúncia ou queixa inepta deve ser lido juntamente com o art 41 do CPP Art 41 A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo a classificação do crime e quando necessário o rol das testemunhas Mas entre os elementos descritos no art 41 nem todos conduzem rejeição da acusação Assim por exemplo se faltar o rol de testemunhas do acusador em relação a um delito cuja autoria e materialidade estão demonstradas por vasta prova documental deverá a acusação ser recebida Quanto à qualificação do acusado devese considerála à luz da legitimidade passiva de modo que identificando o acusado está cumprido o requisito Quanto à classificação do crime pensamos ser um dado muito relevante pois define os contornos jurídicos da acusação e pauta o trabalho da defesa Isso porque não podemos mais a essa altura da complexidade que envolve a vida social o ritual judiciário e a própria Administração da Justiça seguir com a ingênua crença de que o réu se defende dos fatos narrados e não da tipificação legal Voltaremos a essa questão quando tratarmos da correlação entre acusação e sentença no capítulo destinado ao estudo da Decisão Penal Assim entendemos que a denúncia ou queixa não deve ser recebida quando não contiver a classificação do crime ou ainda quando o contexto fático destoar completamente da tipificação feita pelo acusador Contudo temos de advertir que predomina o entendimento com o qual não concordamos de que o juiz não está vinculado à classificação jurídica feita pelo acusador podendo corrigila nos termos do art 383 do CPP antes de proferir a sentença Logo ele recebe e posteriormente quando da sentença corrige Pensamos que a única forma de salvar essa posição seria admitir a aplicação do art 383 já no momento do recebimento da denúncia com o juiz dizendo claramente que recebo a denúncia mas não pelo delito previsto no art X senão pelo descrito no art Y Com isso o processo seria instruído e a defesa estruturada a partir dessa definição jurídica do delito evitando a surpresa e o claro cerceamento de uma nova classificação feita apenas quando da sentença Para aplicação do art 383 no momento da sentença deveria se observar o contraditório com abertura de prazo para manifestação da defesa Infelizmente isso não é feito Sem dúvida o ponto mais sensível na questão da inépcia diz respeito à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias As consequências dessa exigência são importantes A começar pela necessidade de o acusador descrever todas as circunstâncias não apenas as que aumentem a pena mas também aquelas que a diminuam como a existência de tentativa privilegiadora crime continuado ou concurso formal Em geral isso não é observado com a devida seriedade Mas o problema mais grave situase nos casos penais complexos que envolvem concurso de pessoas e de delitos principalmente nos chamados crimes econômicos Diante da natural dificuldade em circunscrever adequadamente qual ou quais condutas cada um dos agentes de forma individualizada praticou recorrem alguns acusadores à chamada denúncia genérica A nosso juízo é inadmissível mesmo nos crimes mais complexos Incumbe à investigação preliminar esclarecer ainda que em grau de verossimilhança o fato delitivo buscando individualizar as condutas de modo que a denúncia seja determinada e certa no sentido da individualização das responsabilidades penais a serem apuradas no processo Contudo por lealdade acadêmica destacamos que a jurisprudência brasileira tem oscilado muito predominando o entendimento de que em situações excepcionais diante da gravidade e complexidade objetiva situação fática e subjetiva número de agentes do fato devese admitir a denúncia genérica que não individualiza plenamente a conduta de cada agente desde que não inviabilize o direito de defesa eis aqui o problema Mas se a denúncia genérica poderia ser admitida em casos complexos e excepcionais a denúncia alternativa deve ser plenamente vedada pois ela inequivocamente impossibilita a plenitude da defesa Não há como se defender sem saber claramente do que Constituiria ela numa imputação alternativa do estilo requerse a condenação pelo delito x ou em não sendo provido seja condenado então pelo delito y só falta dizer ou por qualquer outra coisa o que importa é condenar No mesmo sentido contrário à denúncia alternativa NUCCI154 explica que se o órgão acusatório está em dúvida quanto a determinado fato ou quanto à classificação que mereça deve fazer sua opção antes do oferecimento mas jamais apresentar ao juiz duas versões contra o mesmo réu deixando que uma delas prevaleça ao final Ademais não se pode esquecer que o MP dispõe da investigação preliminar inquérito policial para realizar todas as diligências e atos investigatórios necessários para sanar sua dúvida É flagrante a desigualdade de armas em situações como esta violando de morte o princípio do contraditório e por consequência da ampla defesa155 Para encerrar a questão em torno da denúncia alternativa verdadeira metástase inquisitorial concordamos com DUCLERC156 quando sintetiza que acima das exigências do princípio da obrigatoriedade está sem dúvida o princípio da ampla defesa a impedir segundo pensamos que qualquer pessoa seja acusada senão por fatos certos determinados e descritos de forma clara e objetiva pelo acusador Quanto à queixa considerando o rol de delitos cuja perseguição é de iniciativa privada dificilmente teríamos uma situação com tal complexidade objetiva e subjetiva que justificasse a queixa genérica Menos ainda a alternativa Daí por que a queixa tem de ser sempre certa e determinada não se admitindo acusação privada de cunho genérico ou alternativo Caso seja rechaçada a possibilidade de denúncia ou queixa genérica ou alternativa deve a acusação ser considerada inepta proferindo o juiz uma decisão de rejeição com base no art 395 I do CPP Essa decisão não faz coisa julgada material mas apenas formal na medida em que não existe análise da questão de fundo Diante dela poderá o acusador oferecer nova denúncia ou queixa se for o caso mas sem descuidar do prazo decadencial descrevendo e individualizando claramente as con dutas praticadas por cada agente recorrer em sentido estrito nos termos do art 581 I do CPP Por fim esclarecemos que até o advento da Lei n 11719 havia uma divergência muitos entendiam que a inobservância do disposto no art 41 conduzia à decisão de não recebimento cabendo recurso em sentido estrito art 581 I ou o novo ajuizamento desde que satisfeitos os requisitos Outros não faziam distinção alguma em relação à rejeição anteriormente prevista no art 43 Agora não há mais espaço para a discussão a decisão é de rejeição e cabível o recurso em sentido estrito art 581 I do CPP 3122 Rejeição Falta de Pressuposto Processual ou Condição da Ação O inciso II remete ao nebuloso conceito de pressuposto processual e condições para o exercício da ação penal O problema dos pressupostos processuais é que como bem apontou GOLDSCHMIDT eles não representam pressupostos do processo deixando por sua vez de condicionar o nascimento da relação jurídica processual para serem concebidos como pressupostos da decisão sobre o mérito Enfim refuta a teoria dos pressupostos processuais posição com a qual concordamos especialmente no processo penal Também rechaçando o conceito de BÜLOW que concebeu os pressupostos processuais no bojo da teoria do processo como relação jurídica MANZINI157 define como concepto nebuloso y de expresión exótica De qualquer forma para aqueles que admitem a teoria dos pressupostos processuais o que não é o nosso caso são eles com alguma variação de autor para autor divididos em pressupostos de existência necessários para o nascimento da relação processual e de validade necessários para o regular desenvolvimento do processo Os pressupostos de existência seriam partes juiz devidamente investido e demanda no processo penal uma acusação Sem eles não haveria o nascimento da relação processual Já os chamados pressupostos de validade costumam ser apontados como a necessidade de ter juiz competente imparcial ausência de causas de suspeição ou impedimento capacidade para prática dos atos processuais legitimidade postulatória citação válida e outros elementos cuja inobservância conduziria à nulidade do feito Não é necessário maior esforço para ver a imprestabilidade especialmente para o processo penal dos pressupostos de validade na medida em que se confundem com a teoria das nulidades dos atos processuais Com razão AFRÂNIO JARDIM158 quando afirma que a rigor inexistem os chamados pressupostos de validade do processo O exame da questão há de ser deslocado para a eficácia dos diversos atos processuais eficácia esta que depende mais da invalidação do que do próprio vício ou defeito destes atos Significa dizer que não são pressupostos pois enquanto não forem desconstituídos seguem gerando efeitos Ademais ainda que reconhecida uma nulidade não haverá necessariamente a nulidade do processo como um todo ab initio Como regra anulamse o ato e os derivados mantendo se o processo no seu todo na medida em que desconstituise uma microrrelação que pertencia ao feixe de relações menores que compõem a relação processual não se desfaz a relação jurídica processual como um todo159 Na mesma linha segundo BOSCHI160 parecenos que é rigorosamente correto dizer que os pressupostos de validade terminam confundindose com as regras e princípios que dispõem sobre as nulidades Já os pressupostos processuais de existência partes juiz e acusação são de nenhuma aplicabilidade prática Mas numa dimensão completamente irreal não pode nascer um processo sem que exista um réu diante de um juiz devidamente investido não confundir isso com incompetência que é questão completamente diversa e sem prévia acusação imagine um juiz começando um processo de ofício ou formulando ele a acusação Já as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade de parte e justa causa são fundamentais Como já explicamos no Capítulo V intitulado Ação processual penal repensando conceitos e condições da ação e aqueles conceitos devem estar sedimentados para compreensão das decisões de rejeição e absolvição sumária a acusação deve possuir fumus commissi delicti descrevendo um fato aparentemente criminoso portando um mínimo de provas de tipicidade ilicitude e culpabilidade não pode ter operado alguma causa de extinção da punibilidade art 107 do Código Penal e em leis especiais as partes ativa e passiva devem ser aparentemente legítimas e por fim deve haver justa causa para o exercício da ação penal vista como indícios razoáveis de autoria e materialidade bem como permitir o controle processual do caráter fragmentário do Direito Penal Mas ao lado destas existem outras condições da ação tais como a poderes especiais e menção ao fato criminoso na procuração que outorga poderes para ajuizar queixacrime nos termos do art 44 do CPP b a entrada do agente no território nacional nos casos de extraterri torialidade da lei penal para atender à exigência contida no art 7º do Código Penal c o trânsito em julgado da sentença anulatória do casamento no crime do art 236 parágrafo único do CP Nesses casos a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada com base no art 395 II do CPP mas não existe julgamento de mérito e portanto poderá a acusação ser novamente exercida desde que satisfeita a condição sem descuidar da decadência nos casos de representação ou de procuração com poderes especiais para a queixa ou recorrer em sentido estrito art 581 I Caso a denúncia ou queixa tenha sido recebida e somente em momento posterior o juiz verificar a falta de alguma das condições da ação especialmente as chamadas condições de procedibilidade para nós apenas outras condições da ação poderá haver a extinção do processo sem o julgamento do mérito No mesmo sentido posicionase PACELLI161 advertindo ainda que a não aceitação dessa construção teórica conduziria o juiz a ter de percorrer um caminho muito mais longo teria de anular todos os atos com base no art 564 II do CPP inclusive a decisão de recebimento para então rejeitar a acusação por ilegitimidade de parte por exemplo Por fim destacamos o disposto na Súmula 707 do STF no sentido de que constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia não a suprindo a nomeação de defensor dativo Tratase de antiga reivindicação e que finalmente foi considerada pelo STF para garantia da eficácia do contraditório e ampla defesa antes mesmo do nascimento do processo penal Também deve ser considerado que o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia recebendoa portanto passa a ser o marco para fins de prescrição e duração do processo Nesse sentido dispõe a Súmula 709 do STF ressalvando o caso de nulidade da decisão de primeiro grau E a ressalva é necessária porque em sendo anulada a decisão determinará o tribunal o retorno dos autos à comarca de origem para que nova decisão seja proferida no juízo a quo Essa nova decisão passará a ser o marco interruptivo da prescrição 3123 Rejeição Falta de Justa Causa Condição da Ação O inciso III invoca o conceito de justa causa a nosso ver já abrangido pelo inciso II Contudo a previsão legal mais do que uma mera repetição é importante para reforçar a importância da justa causa como condição da ação processual penal Sepultase de vez qualquer discussão sobre a necessidade de o juiz analisar quando do recebimento da acusação se existe ou não justa causa Para evitar repetições inúteis remetemos o leitor ao Capítulo V onde explicamos as condições da ação especialmente a justa causa Estando presente qualquer das situações previstas no art 395 deverá o juiz rejeitar liminarmente a denúncia ou queixa impedindo o nascimento do processo Da decisão de rejeição por falta de justa causa entendemos que caberá o recurso em sentido estrito art 581 I Quando a rejeição por falta de justa causa tiver por fundamento a ausência de provas suficientes de autoria e materialidade pensamos que essa decisão produzirá apenas coisa julgada formal Havendo novos elementos nada impede que a acusação seja novamente formulada 3124 Da Absolvição Sumária Art 397 do CPP Decisão diversa é a de absolvição sumária que sempre pressupõe o recebimento da acusação e está prevista no art 397 Art 397 Após o cumprimento do disposto no art 396A e parágrafos deste Código o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar I a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato II a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente salvo inimputabilidade III que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou IV extinta a punibilidade do agente Como se percebe da simples leitura o artigo em questão acaba por arrolar duas condições da ação que bem poderiam estar no art 395 que se opera em momento posterior quando a denúncia ou queixa já foi recebida Os quatro incisos do art 397 nada mais fazem do que reproduzir duas condições da ação prática de fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta Os incisos I e II causas de exclusão da ilicitude e culpabilidade são meros desdobramentos da condição prevista no inciso III fato narrado evidentemente não constituir crime Já o inciso IV é a conhecida condição da punibilidade concreta prevista no antigo art 43 II do CPP E por que essas condições da ação estão no art 397 como causas de absolvição sumária Porque são questões intimamente vinculadas ao mérito ao elemento objetivo da pretensão acusatória e dizem respeito a interesse da defesa que como regra acabam sendo alegados e demonstrados depois na resposta preliminar do art 396A Dificilmente o juiz tem elementos para analisar a existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade mesmo que manifesta quando do oferecimento da denúncia ou queixa mas se tiver deverá rejeitála Por outro lado após a resposta da defesa novos elementos podem ser trazidos ao feito permitindo essa decisão No fundo apenas se retirou um pseudoobstáculo a que o juiz rejeite a acusação mesmo já a tendo recebido Como a jurisprudência erroneamente não admitia esse tipo de decisão abriuse a possibilidade através da absolvição sumária Ademais por serem questões vinculadas ao mérito e que portanto geram coisa julgada material a absolvição sumária é uma decisão adequada para esse fim E qual será o recurso cabível dessa decisão Da decisão que absolve sumariamente ao réu caberá o recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Respondendo à pergunta inicial a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Advertimos ainda que as situações descritas no art 397 do CPP já foram devidamente analisadas quando do estudo das condições da ação Capítulo V para onde remetemos o leitor Assim a questão deve ser analisada da seguinte forma a se a causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade estiver demonstrada no momento em que é oferecida a denúncia ou queixa poderá o juiz rejeitála com base no art 395 II falta uma condição da ação penal qual seja a prática de um fato aparentemente criminoso b se o convencimento do juiz sobre a existência da causa e exclusão da ilicitude ou da culpabilidade somente for atingido após a resposta do acusado o processo já terá completado a sua formação eis que realizada a citação do acusado art 363 do CPP proferindo o juiz a decisão de absolvição sumária art 397 Situação recorrente e que pode gerar alguma dúvida é a seguinte e se o juiz se convence após a resposta à acusação que falta justa causa para a ação como deve proceder As condições da ação são analisadas no momento em que o juiz recebe a denúncia ou queixa para recebêla ou rejeitála Uma vez recebida abrese a possibilidade de oferecimento da resposta à acusação onde o réu poderá alegar todas as questões de fato e de direito que entender necessárias e pertinentes neste momento Não raras vezes demonstra na resposta à acusação a falta de justa causa ou de ilegitimidade da acusação Considerando que esta condição da ação não está no rol das hipóteses de absolvição sumária do art 397 estabelecese a dúvida As demais condições da ação punibilidade concreta e exigência de fato aparentemente criminoso autorizam quando verificadas após o recebimento a absolvição sumária Mas a justa causa e a ilegitimidade não estão neste rol Durante muito tempo antes da reforma processual de 2008 predominou o entendimento de que uma vez recebida a denúncia ou queixa não mais poderia o juiz rever essa decisão Era uma posição com a qual não concordávamos mas que predominava Após a reforma processual de 2008 pensamos que a solução deve tomar um novo rumo poderá o juiz rever a decisão de recebimento à luz dos argumentos trazidos na resposta à acusação e rejeitála Sustentamos que o juiz poderá desconstituir o ato de recebimento anulandoo para a seguir proferir uma nova decisão agora de rejeição liminar Não existe preclusão pro iudicato e nada impede que o juiz desconstitua seu ato e a seguir pratique aquele juridicamente mais adequado até porque se o ato foi feito com defeito pode e deve ser refeito regra básica do sistema de invalidades processuais162 Dessarte nenhum óbice existe em o juiz revisar a decisão que recebeu a denúncia para à luz dos argumentos e provas trazidos na resposta do réu rejeitála 313 A Audiência de Instrução e Julgamento Não sendo caso de rejeição ou de absolvição sumária chegamos na audiência de instrução e julgamento que deverá ser marcada no prazo de 60 dias mas é um caso de prazo ineficiente pois despido de sanção nos termos dos arts 399 e 400 do CPP Chamamos a atenção especificamente em relação ao prazo ao disposto no art 394A no sentido de que os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação em todas as instâncias A audiência de instrução e julgamento é o principal ato do procedimento comum ordinário ou sumário pois é o momento da produção e coleta da prova seja ela testemunhal pericial ou documental e ao final proferida a decisão Partindo do princípio da identidade física do juiz em que aquele que presidiu a coleta da prova deve ser o mesmo que ao final julgue art 399 2º estabeleceu o legislador uma audiência onde toda a prova deve ser produzida Essa aglutinação de atos funciona em muitos processos simples com um ou poucos réus e um número reduzido de testemunhas para serem ouvidas mas é inviável em processos complexos onde haverá uma pluralidade de audiências Para esse ato serão as partes intimadas logo o réu é citado para apresentar resposta escrita e intimado para a instrução onde será interrogado e requisitado o acusado se estiver preso O art 400 determina que nessa audiência sejam ouvidos em primeiro lugar a vítima após as testemunhas arroladas pela acusação e defesa não pode haver inversão eventuais esclarecimentos dos peritos acareações e reconhecimento de pessoas e coisas finalizando com o interrogatório No que tange à oitiva dos peritos art 400 2º do CPP deverão as partes requerer a oitiva com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento nos termos do art 159 5º I do CPP Quanto à prova testemunhal em primeiro lugar devem ser ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e após as testemunhas indicadas pela defesa Como regra a inversão dessa ordem gera ato processual defeituoso insanável que conduz à nulidade mas isso não se aplica quando a inversão decorrer da expedição e cumprimento de carta precatória ou rogatória Importante sublinhar que as testemunhas 8 para cada parte não computadas as informantes e referidas são arroladas pelas partes mas não são da parte mas sim do processo Isso é muito importante para evitar uma leitura equivocada do art 401 2º quando afirma que a parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas ressalvado o disposto no art 209 deste código Mais do que a possibilidade de o juiz ouvir uma testemunha que a parte ou as partes tenham desistido é fundamental não olvidar que o princípio do contraditório é inafastável Daí por que não deveria ser admitida uma desistência unilateral Sendo a testemunha do processo Princípio da Comunhão da Prova poderá a outra parte insistir na sua oitiva e assim deverá proceder o juiz Mas não havendo divergências a desistência será acolhida e a testemunha não será ouvida É importante destacar que o interrogatório finalmente foi colocado em seu devido lugar último ato da instrução É neste momento que o réu poderá exercer sua autodefesa positiva ou negativa direito de silêncio sendo obrigatória a presença do defensor ver arts 185 a 196 do CPP A oitiva de testemunhas por carta precatória ou rogatória não influi na ordem com que devem ser ouvidas as demais testemunhas logo não há inversão Contudo o interrogatório deve efetivamente ser o último ato Dessa forma não poderá ser realizado enquanto não retornarem todas as cartas precatórias expedidas Preocupante é a autorização contida no art 405 2º do CPP O parágrafo primeiro estabelece que sempre que possível o registro dos depoimentos do investigado indiciado ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética estenotipia digital ou técnica similar inclusive audiovisual destinada a obter maior fidelidade das informações Até aqui tudo bem tratase de inserir tecnologia no processo e tornar mais fidedigno o material colhido O problema está no parágrafo segundo no caso de registro por meio audiovisual será encaminhada às partes cópia do registro original sem necessidade de transcrição A inserção de tecnologia é bemvinda mas existem limites da administração da justiça e do ritual judiciário que devem ser respeitados Se uma audiência é gravada áudio e vídeo isso não pode excluir a necessária transcrição Os recursos não se excluem senão que se complementam Entregar ao final da audiência um CD é um grave erro que causará grande prejuízo para todos Quem juiz promotor advogados de defesa ou assistentes da acusação ficará horas e horas assistindo a depoimentos para elaborar memoriais ou mesmo um recurso de apelação E o duplo grau de jurisdição como fica Que desembargador fará isso antes de julgar um recurso Nenhum Elementar que essa pseudoagilidade cobre um preço impagável Dessarte parecenos que a transcrição é fundamental para assegurar o direito de defesa e do duplo grau de jurisdição A Lei n 117192008 desenhou um procedimento fundado na aglutinação de todos os atos de instrução numa mesma audiência Essa regra como dissemos no início é aplicável em processos simples mas inviável nos complexos que demandarão várias audiências seja pelo excessivo número de testemunhas ou porque ao final da instrução são postuladas e deferidas diligências O art 402 abre a possibilidade de as partes diante da prova produzida requererem diligências perícias oitiva de testemunhas referidas juntada de documentos etc cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução Nesse caso não haverá debate oral mas sim alegações finais por memorial no prazo sucessivo de 5 dias cabendo primeiro ao acusador apresentar suas alegações e após sucessivamente ou seja sem nova intimação a defesa ou defesas Os memoriais ou alegações finais orais constituem um momento crucial do processo onde cada uma das partes fará uma minuciosa análise do material probatório e fará sua última manifestação no processo Após elas os autos irão conclusos para sentença do juiz É a oportunidade de desenvolver as teses acusatória e defensiva nas dimensões fáticas e jurídicas buscando a captura psíquica do julgador As alegações finais defensivas podem arguir questões preliminares e de mérito fazendo ao final os respectivos pedidos Para a defesa é uma peça de suma importância e sua falta conduz à necessidade de feitura do ato recordando PONTES DE MIRANDA o que falta não foi feito e pois não pode ter defeito deve ser feito ou seja a sentença deve ser anulada e determinada a apresentação da defesa escrita com a repetição do ato decisório Na classificação tradicional estamos diante de uma nulidade absoluta À acusação incumbe analisar a prova colhida fundamentando a comprovação da autoria e da materialidade ou caso não tenham sido suficientemente demonstradas postular a absolvição do réu Em se tratando de ação penal de iniciativa privada é obrigatório o pedido expresso de condenação sob pena de perempção nos termos do art 60 III do CPP Deverá sempre a acusação apresentar primeiro sua peça bem como o assistente se houver manifestandose após a defesa Caso seja juntado algum documento novo nessa fase deverá o juiz oportunizar o contraditório para que a outra parte se manifeste Quando ao final da audiência de instrução não for postulada nenhuma diligência ou forem denegados pelo juiz eventuais pedidos seguese o disposto no art 403 com alegações finais orais pelo prazo de 20 minutos respectivamente pela acusação e defesa prorrogáveis por mais 10 minutos proferindo o juiz sentença na continuação Considerando a complexidade do caso ou o número excessivo de acusados poderão as partes requerer que as alegações finais orais sejam substituídas por memoriais que uma vez deferidos pelo juiz deverão ser apresentados no prazo de 5 dias sucessivos iniciando pela acusação Nesse caso deverá o juiz proferir sentença em 10 dias 32 Rito Sumário O rito sumário destinase ao processamento dos crimes cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade estando disciplinado nos arts 531 a 538 do CPP Na verdade pouco difere do rito ordinário destacandose a redução do prazo de realização da audiência de instrução e julgamento que passa a ser realizada no prazo máximo de 30 dias enquanto no ordinário o prazo é de 60 dias e o número de testemunhas limitado no rito sumário a 5 enquanto no ordinário é permitido arrolar até 8 testemunhas O art 394 4º do CPP determina que as disposições dos arts 395 a 398 na verdade art 399 pois o art 398 foi revogado aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau Daí por que a morfologia do procedimento acaba sendo igual àquela existente no rito ordinário para onde remetemos o leitor para evitar repetições recordando Determina o art 531 Art 531 Na audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo máximo de 30 trinta dias procederseá à tomada de declarações do ofendido se possível à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa nesta ordem ressalvado o disposto no art 222 deste Código bem como aos esclarecimentos dos peritos às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas interrogandose em seguida o acusado e procedendose finalmente ao debate Notase a falta de previsão de pedido de diligências ao final da audiência como ocorre no rito ordinário art 402 e também de substituição dos memoriais por debates orais tudo numa tentativa de aceleração procedimental A despeito disso não vemos obstáculos a que esses atos sejam realizados quando no caso concreto a complexidade da prova e das circunstâncias fáticas assim o exigir O argumento de que isso implicaria uma ordinarização do procedimento é ao mesmo tempo procedente mas pífio Isso porque efetivamente as distinções entre os ritos são epidérmicas resumindose a mera aglutinação de atos Logo qualquer coisa implica ordinarização de modo que a crítica é improcedente O que não se pode tolerar é ainda mais atropelo Por fim o rito sumário somente será utilizado quando não for cabível o sumaríssimo previsto na Lei n 9099 portanto nos crimes cuja pena máxima cominada for inferior a 4 anos e superior a 2 pois se a pena máxima for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais 33 Rito Especial Crimes Praticados por Servidores Públicos contra a Administração em Geral Estabelece o Código Penal no Título XI Capítulo I os crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral seguindose a tipificação das condutas nos arts 312 a 327 Para esses casos estabelecia o Código de Processo Penal um rito especial disposto nos arts 513 a 518 O rito especial somente se aplicava aos crimes funcionais próprios Sendo outro o crime praticado pelo servidor o rito a ser seguido não será esse sendo portanto inexigível a resposta preliminar prevista no art 514 do CPP Mas a Lei n 117192008 alterou substancialmente os procedimentos não tratando expressamente desse rito especial e criando uma dicotomia aparente na medida em que existe sobreposição de atos Até a alteração legislativa de 2008 o procedimento era igual ao ordinário antigo com uma única especificidade digna de nota a existência de uma defesa prévia Antes de o juiz receber a denúncia todos esses crimes são de ação penal de iniciativa pública incondicionada ou eventual queixa substitutiva em caso de inércia do MP o juiz ordenava a notificação do acusado para que apresentasse uma resposta preliminar escrita no prazo de 15 dias Após a defesa escrita decidia o juiz se recebia ou rejeitava a denúncia Se recebida a acusação seguiase então o rito ordinário conforme determina o art 518 do CPP Verificase que o principal diferencial resposta escrita antes do recebimento acabou sendo incorporado ao novo rito ordinário Então haverá duas respostas escritas Não Devemos harmonizar a sistemática antiga com a nova Pensamos que a solução vem dada pelo próprio art 394 4º que prevê Art 394 O procedimento será comum ou especial 4º As disposições dos arts 395 a 398 deste Código aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código Significa que houve uma ordinarização do procedimento especial que agora seguirá integralmente o rito ordinário com a seguinte morfologia Contudo advertirmos que a solução não é pacífica Entre outros GIACOMOLLI163 sustenta que se deve seguir o rito especial e após o ordinário como prevê o art 518 do CPP estabelecendose essa ritualística 1 Denúncia 2 Notificação do imputado para apresentar resposta preliminar 3 Resposta preliminar da defesa art 514 do CPP 4 Juiz decide se recebe ou rejeita a acusação 5 Recebendo a denúncia cita o réu para apresentar a resposta à acusação nos termos do art 396A do CPP ou seja a defesa prevista para o rito ordinário 6 Juiz decide se absolve sumariamente ou não art 397 7 Não absolvendo marca audiência de instrução e julgamento nos termos dos art 399 e s do CPP Não divergimos dessa posição em que pese entendermos que a tendência seja a ordinarização mas sem dúvida a proposta de mesclar os ritos oportunizando duas defesas escritas em momentos e com objetos distintos pois a primeira busca a rejeição da acusação e a segunda a absolvição sumária é mais benigna para o réu e não acarretará qualquer nulidade na medida em que a atipicidade processual não traz consigo a violação de um princípio constitucional Superada essa questão é importante nesse procedimento atentar para os seguintes aspectos 1 O art 513 determinava que o julgamento competia aos juízes de direito ou juízes federais se houver alguma das situações do art 109 da Constituição logo não poderia haver julgamento por pretores ou pelo Juizado Especial Criminal Pensamos que essa exigência permanece 2 A resposta preliminar no prazo de 15 dias somente teria aplicação quando o crime praticado fosse afiançável Essa era a lição até o advento da Lei n 11719 A partir dela pensamos que sempre haverá resposta escrita mas nos termos do art 396 3 Outra problemática foi criada pela Súmula 330 do STJ É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal na ação penal instruída por inquérito policial Equivocadíssima a posição externada pela Súmula O problema é antigo e já havia sido superado Nasce de uma leitura míope do art 513 do CPP quando menciona que a denúncia será instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas Significa apenas que a denúncia pode ser oferecida sem prévio inquérito policial o que é óbvio diante da facultatividade dele desde que existam documentos que o supram Historicamente o art 513 é um erro Com inquérito ou sem ele pensamos que a resposta preliminar nos termos do art 396 é necessária e constitui uma nulidade absoluta defeito processual insanável a supressão dessa garantia procedimental 4 O art 517 deve ser harmonizado com o novo rito ordinário de modo que antes da audiência de instrução e julgamento e após a apresentação da resposta escrita poderá o juiz absolver sumariamente o imputado desde que presente alguma das situações do art 397 do CPP Pensamos que a decisão de absolvição sumária é um instituto que pode ser aplicado em qualquer procedimento sem qualquer obstáculo No demais remetemos o leitor ao que explicamos sobre o rito ordinário e a audiência de instrução e julgamento 34 Rito Especial Crimes contra a Honra Ainda que o Capítulo III do Título II do Código de Processo Penal fale em Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria de competência do juiz singular é pacífico que também o delito de difamação segue o rito especial Tratase de um erro legislativo histórico que remonta à ausência no Código Penal de 1890 do crime de difamação era uma espécie de injúria Foi uma falha do legislador processual operar na lógica do Código Penal de 1890 sem considerar que também tramitava em paralelo o projeto do Código Penal de 1940 que tripartia os crimes contra a honra em calúnia injúria e difamação164 Outro aspecto superado é a menção à competência do juiz singular pois quando elaborado o CPP estava em vigor o Decreto n 277634 que previa o júri de imprensa para o julgamento dos crimes contra a honra praticados por meio de imprensa Hoje não existe mais esse órgão julgador Devese atentar ainda para os seguintes aspectos 1 Se o crime contra a honra for praticado através da imprensa devemos recordar que a Lei n 525067 foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1307 DF Portanto como regra terá o mesmo julgamento que qualquer outro crime contra a honra sendo a competência do JECrim exceto se exceder o limite de pena 2 Como regra a competência para processar e julgar os crimes contra a honra será do Juizado Especial Criminal pois a pena máxima é a do crime de calúnia e não supera 2 anos seguindo o rito lá disposto contudo havendo concurso material entre calúnia e difamação eou injúria será excedida a competência do JECrim devendo o processo seguir o rito estabelecido nos arts 519 e seguintes do CPP 3 Quando o crime contra a honra tiver como ofendido o Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro a ação penal somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça sendo que esta não está submetida ao prazo de 6 meses da representação 4 Se o crime for contra a honra de servidor público propter officium aplicase a Súmula 714 do STF legitimidade concorrente mediante queixa do ofendido ou denúncia do Ministério Público mas a ação nesse caso é condicionada à representação 5 O procedimento admite uma fase prévia de reconciliação art 520 do CPP mas deverá ser realizada na presença de seus advogados aqui é necessária uma redefinição teórica à luz do art 133 da Constituição implicando a extinção da punibilidade pela renúncia na verdade essa reconciliação situase entre a renúncia e o perdão mas como não está prevista no art 107 do Código Penal para que acarrete a extinção da punibilidade deve revestirse de uma das duas formas 6 Se o querelante devidamente intimado não comparecer sem justificativa na audiência de reconciliação haverá perempção art 60 III do CPP salvo se estiver presente seu advogado com procuração que contenha poderes especiais para renunciar ao direito de queixa situação em que não poderá o querelante ser punido com a perempção 7 Se a ausência for do querelado será irrelevante pois apenas denota sua intenção de não reconciliar não se aplicando o disposto no art 367 do CPP 8 Quando o crime contra a honra for considerado de ação penal de iniciativa pública não haverá essa fase prévia de reconciliação pois indisponível a ação penal nesse caso também não é possível a retratação da representação quando vg o crime é praticado contra a honra de servidor público pois já oferecida a denúncia art 25 do CPP 9 Prevê o art 144 do CP o pedido de explicações que é facultativo e será sempre prévio ao início do processo penal com o intuito de esclarecer o conteúdo das alusões ou frases 10 Quando após as explicações for oferecida a queixa caberá ao juiz avaliar as justificativas apresentadas pelo agora querelado na sentença 11 A exceção da verdade é oponível nos crimes de calúnia art 138 3º do CP e difamação nessa última figura somente é admitida a exceptio veritatis quando o ofendido é servidor público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções art 139 parágrafo único do CP devendo ser apresentada no prazo da resposta escrita à acusação e aconselhase em peça distinta cabendo ao querelante a faculdade de contestar a exceção no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas para completar o máximo legal ou substituir aquelas arroladas na queixa 12 A exceção da verdade não tramita em autos apartados de modo que oposta e admitida será autuada no próprio processo e colhida a prova em conjunto decidindo o juiz ao final sobre o caso penal narrado na queixa e também nesse mesmo momento sobre a exceção da verdade 13 A exceção da verdade no crime de difamação pode ser fundada na notoriedade do fato imputado cabendo ao querelado essa prova 14 Quando o crime for contra a honra de alguém que possua prerrogativa de função oferecida exceção da verdade deve ela ser encaminhada ao tribunal competente para o julgamento da vítima querelante conforme explicamos ao tratar da competência e analisar o disposto no art 85 do CPP Destacamos contudo que muitas dúvidas pairam sobre o processamento da exceção da verdade no tribunal diante da lacuna legislativa Pensamos que o melhor procedimento é a apresentação da exceção junto com a resposta à acusação em primeiro grau Obedecendo ao disposto no art 523 do CPP deve o juiz abrir vista para manifestação do querelante contestação diz a lei no prazo de 2 dias podendo arrolar testemunhas Após preenchidos os requisitos legais de admissibilidade cabimento legal da exceção da verdade e tempestividade deverá o juiz a quo processar a exceção em autos apartados e enviálos para o tribunal competente para o julgamento em razão da prerrogativa de função da vítima É importante destacar que a prova da exceção da verdade inclusive a testemunhal deverá ser produzida no tribunal e não no órgão de primeiro grau Caberá ao tribunal o processamento e julgamento da exceção da verdade incluindo a coleta da prova até mesmo por imposição do princípio da identidade física do juiz segundo o qual o órgão que assistir à coleta da prova deverá julgar logo incumbe ao tribunal providenciar a coleta da prova e posteriormente julgar a exceção 15 Frustrada a audiência de reconciliação e recebida a queixa ou denúncia seguirá o rito ordinário Sem perder de vista o que acabamos de explicar vejamos agora a morfologia desse procedimento especial A especificidade fica por conta da audiência de reconciliação que se exitosa dará fim ao processo Se inexitosa devese observar integralmente o rito ordinário com as possibilidades de rejeição liminar art 395 resposta escrita à acusação art 396 absolvição sumária art 397 e a audiência de instrução e julgamento 35 Rito Especial da Lei de Tóxicos Lei n 113432006 Questão extremamente complexa envolve a chamada Política Criminal de Drogas bem como os tipos penais decorrentes da ideologia criminalizadora adotada no Brasil Tais questões extravasam os limites do presente trabalho e não serão aqui abordadas Nós nos limitaremos à análise do procedimento instituído pela Lei sob o ponto de vista exclusivamente processual A nova Lei de Tóxicos substituindo as anteriores Leis n 636876 e 104092002 estabelece uma série de diretrizes que afetam não apenas o procedimento mas também a própria fase préprocessual inquérito policial Quanto à morfologia do procedimento é também marcada pela aglutinação de atos a ponto de a Lei desenhar um procedimento em tese composto de uma única audiência É um procedimento similar ao ordinário e ao sumário mas que foi legislativamente concebido antes da reforma de 2008 não tendo previsão da possibilidade de absolvição sumária e mantendo ainda o interrogatório como primeiro ato da instrução Por isso sustentamos que a Lei n 11343 deve contemplar os novos institutos inseridos pela reforma processual de 2008 com possibilidade de absolvição sumária após a resposta à acusação defesa escrita e principalmente deslocandose o interrogatório para o último ato da instrução Tal adequação é necessária à luz do disposto no art 394 4º e 5º do CPP que determinam aplicação dos novos dispositivos a todos os procedimentos de primeiro grau ainda que não regulados pelo CPP Partindo do art 48 da Lei n 11343 sublinhamos as seguintes especificidades 1 Se o crime é aquele previsto no art 28 ou no seu parágrafo primeiro adquirir guardar tiver em depósito transportar ou trouxer consigo semear cultivar ou colher para consumo pessoal eventual processo criminal será de competência do Juizado Especial Criminal não havendo sequer prisão em flagrante art 48 2º165 2 Quando o crime estiver previsto nos arts 33 a 39 excetuandose os delitos dos arts 33 3º e 38 que serão de competência do JECrim o rito adotado será o especial previsto nos arts 48 e s da Lei n 11343 3 Para a prisão em flagrante é necessário laudo de constatação da natureza e quantidade da droga firmado por 1 perito oficial ou na falta deste por pessoa idônea art 50 1º 4 O inquérito poderá durar até 90 dias quando o indiciado estiver solto e 30 dias quando estiver preso tais prazos podem ser duplicados166 pelo juiz mediante pedido justificado da autoridade policial 5 Quando caracterizada a transnacionalidade do delito aqueles previstos nos arts 33 a 37 a competência será da Justiça Federal art 70 da Lei n 11343 6 Em qualquer fase da persecução tanto na fase preliminar como também no curso do processo admite a lei a figura do agente infiltrado e do flagrante diferido 7 Concluído o inquérito e enviado os autos em juízo terá o Ministério Público o prazo de 10 dias para requerer o arquivamento requisitar diligências ou oferecer denúncia arrolando até 5 testemunhas 8 Será oportunizado prazo de 10 dias para defesa prévia por escrito devendo neste ato serem arroladas as testemunhas de defesa até o máximo de cinco Após decidirá o juiz no prazo de 5 dias se recebe ou rejeita a denúncia ou determina diligências exames e perícias 9 Recebida a denúncia designará o juiz audiência de instrução e julgamento momento em que procederá ao interrogatório inquirição das testemunhas de acusação defesa debate oral e sentença em audiência ou no prazo de 10 dias Quanto ao laudo provisório firmado por apenas um perito nos termos do art 50 1º pensamos que poderá servir apenas para homologação do flagrante e recebimento da denúncia167 jamais para legitimar uma sentença condenatória Daí por que no curso do processo deverá ser elaborado um laudo definitivo por perito oficial ou duas pessoas idôneas portadoras de diploma de curso superior nos termos do art 159 do CPP Ainda que o art 50 2º disponha que o perito que elaborou o laudo provisório não está impedido de participar da elaboração do definitivo pensamos que isso deve ser evitado na medida do possível pois haverá uma tendência natural de simples repetição do já afirmado podendo conduzir a manutenção de um erro Contudo não se desconhece a validade do laudo definitivo feito pelo mesmo perito que elaborou o provisório Preocupante é o disposto no art 52 parágrafo único da Lei n 11343 ao permitir que o Ministério Público ofereça a denúncia e iniciese o processo penal enquanto diligências complementares são realizadas pela polícia judiciária Mais grave do que consagrar a instrução paralela onde o processo tramita em juízo enquanto simultaneamente a polícia segue investigando obviamente em sigilo e negado acesso e conhecimento por parte da defesa é a possibilidade de o resultado dessas novas investigações ser encaminhado ao juízo competente e ingressar no processo até 3 três dias antes da audiência de instrução e julgamento Quanto à prisão cautelar remetemos o leitor para o capítulo específico sublinhando que o STF no HC 104339SP Rel Min Gilmar Mendes julgado em 10052012 declarou a inconstitucionalidade da expressão liberdade provisória ou seja a vedação de concessão contida no art 44 da Lei de Tóxicos Inclusive a nosso sentir além da flagrante inconstitucionalidade do pretendido regime de prisão cautelar obrigatória a alteração levada a cabo anteriormente através da Lei n 114642007 que modificou a Lei dos Crimes Hediondos Lei n 8072 já havia resolvido o problema Não existe prisão cautelar obrigatória e tudo dependerá da demonstração do fumus commissi delicti e do periculum libertatis anteriormente explicados Na dimensão patrimonial a Lei demonstra bastante preocupação em estimular o uso das medidas assecuratórias nos arts 60 a 64 Apenas complementamos com o disposto no art 243 da Constituição segundo o qual Art 243 As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei Parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias Conforme explicamos anteriormente ao tratar da restituição das coisas apreendidas o parágrafo único contém uma abertura conceitual ao definir que todo e qualquer bem de valor econômico o que significa dizer qualquer coisa apreendido em decorrência do tráfico ilícito de drogas será confiscado mas isso não é automático e tampouco pode prescindir do devido processo Ou seja o confisco somente se efetiva após o devido processo penal como efeito da sentença penal condenatória transitada em julgado Quanto ao alcance de tal dispositivo sustentamos que deve ser feita uma interpretação restritiva do dispositivo de modo que o bem carro moto caminhão etc para ser confiscado deve ser utilizado com o fim específico de praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes A utilização isolada do bem sem uma destinação especial ou continuada não justificaria o confisco Assim não demonstrada essa especial destinação do bem seu nexo instrumental de uso para consecução do delito ou que tenha sido adquirido com recursos provenientes da atividade criminosa não deveria ser caso de confisco Sem embargo da nossa posição precisamos advertir o leitor que o tema não é pacífico na jurisprudência conforme se constata na ementa abaixo caso com repercussão geral admitida no STF RE 638491 É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas sem a necessidade de se perquirir a habitualidade reiteração do uso do bem para tal finalidade a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art 243 parágrafo único da Constituição Federal Nessa perspectiva basta a apreensão em decorrência do tráfico sem qualquer vinculação ou nexo direto com a atividade ilícita para justificar o confisco 36 Os Juizados Especiais Criminais JECrim e o Rito Sumaríssimo da Lei n 9099 361 Competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais Sem dúvida a Lei n 909995 representou um marco no processo penal brasileiro na medida em que rompendo com a estrutura tradicional de solução dos conflitos estabeleceu uma substancial mudança na ideologia até então vigente A adoção de medidas despenalizadoras e descarcerizadoras marcou um novo paradigma no tratamento da violência Mas principalmente marcou o ingresso do espaço negocial no processo penal brasileiro que só tende a ampliar basta acompanhar as propostas discutidas no âmbito da reforma do CPP A autorização constitucional para tal giro vem dada pelo art 98 I da Constituição que previu a possibilidade de criação dos Juizados Especiais Criminais para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo Mas a Lei n 909995 não inovou apenas na criação dos Juizados Especiais Criminais JECrim Junto com eles outros institutos importantes foram inseridos no sistema processual penal brasileiro como a composição dos danos civis a transação penal e a suspensão condicional do processo que serão abordados a seu tempo Conforme determina o art 62 da Lei n 909995 o processo perante o Juizado Especial orientarseá pelos critérios da oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeridade objetivando sempre que possível a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade Consideramse infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a 2 anos cumulada ou não com multa Quanto à competência do JECrim no âmbito federal deverão ser observados dois critérios cumulativos que o delito praticado seja de competência da justiça federal logo que se encaixe numa daquelas situações previstas no art 109 da Constituição que o crime tenha uma pena máxima não superior a dois anos ou seja apenado exclusivamente com multa Presentes esses dois requisitos o caso penal deverá ser remetido ao JECrim federal do contrário é da justiça estadual É o que ocorre com delitos praticados em detrimento de bens serviços ou interesses da União entidade autárquica ou empresa pública ou qualquer crime praticado por ou contra servidor público federal no exercício de suas funções e cuja pena não seja superior a 2 anos tais como peculato culposo art 312 2º prevaricação art 319 condescendência criminosa art 320 advocacia administrativa art 321 resistência art 329 desobediência art 330 desacato art 331 entre outros No seu parágrafo único prevê a Lei que em caso de conexão ou continência se for o caso entre um crime de competência do JECrim e outro que por sua gravidade extrapole essa competência haverá a reunião fora do JECrim mas mantidas as possibilidades de transação penal e composição de danos em relação ao delito de menor potencial ofensivo Essa foi a mesma sistemática adotada posteriormente pela Lei n 113132006 que modificou o parágrafo único do art 60 da Lei n 909995 para determinar que na reunião de processos perante o juízo comum ou o Tribunal do Júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis Significa dizer é importante que isso fique bem claro que os institutos da transação penal e da composição dos danos civis não são privativos do JECrim devendo ser aplicados em qualquer processo que tramite no juízo comum ou no Tribunal do Júri sempre respeitado é claro o limite de pena máxima não superior a 2 anos Igual tratamento é dado desde sua origem à suspensão condicional do processo prevista no art 89 da Lei n 9099 que poderá ser ofertada no JECrim ou fora dele Assim por exemplo havendo a conexão entre um crime de ameaça e outro de homicídio haverá reunião para julgamento pelo Tribunal do Júri Contudo em relação ao delito de ameaça art 147 cuja pena máxima é inferior a 2 anos deverá ser oportunizada a transação penal ou se fosse outro delito que comportasse deveria ser permitida a composição dos danos O mesmo raciocínio aplicase ao JECrim federal 362 Limite de Pena e Competência do JECrim Causas de Aumento e de Diminuição de Pena Concurso de Crimes Material Formal e Continuado E se o crime for tentado ou existir uma causa de aumento da pena que extrapole o limite da competência do JECrim Como deve ser feito o controle do quantum de pena Considerando que o critério para definir a competência do JECrim é a quantidade de pena máxima cominada assume grande relevância a existência de causas de aumento ou diminuição da pena como a tentativa por exemplo bem como o concurso de crimes material formal ou continuidade delitiva Agravantes e atenuantes não influem no conceito de maior ou menor gravidade não incidindo como sustenta GIACOMOLLI168 Iniciemos pelas causas de aumento ou diminuição de pena Essas circunstâncias modificadoras podem estar previstas na parte geral ou especial do Código Penal e devem incidir para fins de aferição da menor potencialidade ofensiva do crime e como se busca a pena máxima 2 anos o cálculo deve ser da seguinte forma a incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição no mínimo169 b o resultado dessa operação deve ser uma pena máxima não superior a 2 anos do contrário extrapola a competência do JECrim Sendo o crime tentado ainda que a pena máxima do tipo básico exceda 2 anos se com a redução de 13 redução mínima ela ficar dentro do patamar do JECrim deve lá ser julgado o crime Isso porque como explica BITENCOURT170 não se pode ignorar que a tentativa é um tipo penal ampliado um tipo penal aberto um tipo penal incompleto mas um tipo penal Havendo concurso de crimes devese ter muito cuidado tendo a jurisprudência inclinadose pelo seguinte tratamento a se o agente praticar dois ou mais crimes em concurso material devese somar as penas máximas em abstrato b sendo concurso formal ou crime continuado devese considerar o maior aumento sempre buscando a pena máxima Se após essa operação a pena permanecer no limite de 2 anos a competência é do JECrim do contrário não Esse raciocínio encontra abrigo nas Súmulas n 723 do STF171 e n 243 do STJ172 aplicadas por analogia pois tratam da suspensão condicional do processo por isso fazem menção à pena mínima quando aqui para definição da competência do JECrim utilizase a pena máxima Não se desconhece a divergência doutrinária em torno desse critério de definição da competência do JECrim soma das penas e incidência das causas de aumento Se de um lado existe uma forte tendência jurisprudencial em aplicar as regras acima expostas na doutrina a situação é diversa Estamos com GIACOMOLLI DUCLERC KARAM GRINOVER MAGALHÃES GOMES FILHO SCARANCE FERNANDES GOMES entre outros no sentido de que a no concurso material de crimes analisase a pena de cada um deles de forma isolada b sendo concurso formal ou crime continuado desprezase a causa de aumento trabalhando somente com a pena do tipo mais grave Tratase de seguir a lógica definida pelo legislador penal no art 119 do CP quando define o limite do poder punitivo de forma isolada para cada crime Assim segundo o dispositivo em questão no caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente Mas infelizmente tem prevalecido o primeiro critério reforçado pelas Súmulas n 723 do STF e n 243 do STJ Por fim sublinhese que tal regra da soma das penas não deve ser utilizada na aplicação dos institutos da transação penal e da composição dos danos civis realizados no JECrim ou fora dele Essa variação de tratamento decorre da nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 que dispôs o seguinte Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri decorrente da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis Significa que se alguém cometer um delito de lesão corporal leve art 129 do CP pena de 3 meses a 1 ano conexo com um delito de homicídio doloso art 121 do CP pena de 6 a 20 anos será julgado no Tribunal do Júri Sem embargo as penas devem ser isoladas para fins de incidência dos institutos da composição dos danos civis e nesse caso da transação penal quando realizadas fora do JECrim Logo se aplicássemos a regra do concurso material somando as penas nenhum dos institutos teria possibilidade de incidência Mas diante da nova regra do parágrafo único do art 60 da Lei n 9099 poderá perfeitamente ser oferecida a transação penal em relação ao crime de lesões leves Se o agente cometer os crimes de calúnia art 138 do CP pena de 6 meses a 2 anos em concurso material com o delito de injúria art 140 do CP pena de 1 a 6 meses a soma das penas excede o limite de competência do JECrim Não obstante de forma isolada podem ser oferecidos os benefícios da transação penal e da composição dos danos civis 363 Composição dos Danos Civis e suas Consequências Atento à pretensão indenizatória da vítima a Lei n 9099 instituiu a composição dos danos civis nos arts 74 e 75 de modo que o acordo entre imputado e vítima com vistas à reparação dos danos decorrentes do delito gera um título executivo judicial Essa decisão homologatória é logicamente irrecorrível pois apenas chancela o acordo firmado não havendo gravame para sustentar um interesse juridicamente tutelável de recorrer Não obstante pode haver embargos declaratórios buscando o esclarecimento de obscuridade ambiguidade contradição ou omissão dessa decisão A composição dos danos civis poderá anteceder a fase processual ou ocorrer na audiência preliminar situação em que deverão se fazer presentes a vítima e o réu ambos acompanhados de advogado Seu principal efeito é acarretar a extinção da punibilidade pela renúncia do direito de queixa173 ou de representação impedindo a instauração do processocrime ou acarretando sua extinção caso seja feita na audiência preliminar Mas para isso é imprescindível que o delito praticado além de ter pena máxima igual ou inferior a 2 anos seja de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação sendo inviável se o delito for de ação penal de iniciativa pública incondicionada Com a nova redação do parágrafo único do art 60 a composição dos danos civis pode ser aplicada nos casos de reunião de processos por conexão ou continência seja no Tribunal do Júri ou no juízo comum Logo não está mais adstrita ao JECrim Sendo a infração de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada as partes poderão compor extrajudicialmente sobre o valor a ser pago sem a necessidade de ser realizada em juízo para acarretar a extinção da punibilidade Nesse caso sendo depois realizada a audiência preliminar qualquer meio de prova será admitido para comprovar a composição e acarretar a extinção do feito Caso não tenha ocorrido a composição extrajudicial na audiência preliminar caberá ao Juiz ou conciliador buscar a composição dos danos que se exitosa será homologada necessariamente pelo Juiz togado para que em sentença irrecorrível adquira a eficácia de título executivo judicial hábil a ensejar execução no Juízo Cível Assim teremos um duplo efeito na justiça criminal acarretará a extinção da punibilidade e na justiça civil adquirirá o status de título executivo judicial Não sendo possível o acordo à vítima será dada a oportunidade de exercer o direito de representação ou queixa sendo que no primeiro caso terá ainda o prazo de seis meses para fazêlo nos termos do art 38 do CPP No caso de ser a ação penal de iniciativa privada após a frustração da composição a regra será a feitura da queixa ainda que a Lei permita que seja feita oralmente não é essa a prática forense em que a imensa maioria das queixas são feitas por escrito seguindose então o rito sumaríssimo Como veremos frustrada a conciliação duas são as possibilidades se o crime é de ação penal de iniciativa privada poderá ou não a vítima oferecer a queixacrime se isso ocorrer ainda é possível que em audiência seja oferecida a transação penal se o crime é de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação a vítima poderá então representar ou não abrindose a possibilidade de o Ministério Público propor a transação penal ou se não aceita ou inviável oferecer a denúncia 364 Transação Penal A transação penal consistirá no oferecimento ao acusado por parte do Ministério Público de pena antecipada de multa ou restritiva de direitos Não há ainda oferecimento de denúncia Desde logo sublinhamos que predomina o entendimento de que a transação penal é um direito subjetivo do réu174 de modo que preenchidos os requisitos legais deve ser oportunizada ao acusado Ao Ministério Público como bem define PACELLI175 a discricionariedade é unicamente quanto à pena a ser proposta na transação restritiva de direitos ou multa nos termos do art 76 da Lei n 909995 grifo nosso O instituto também conduziu a uma relativização do princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública pois permite certa ponderação por parte do Ministério Público Não se trata de plena consagração dos princípios de oportunidade e conveniência na ação penal de iniciativa pública Muito longe disso É uma pequena relativização do dogma da obrigatoriedade de modo que preenchidos os requisitos legais deverá o Ministério Público ofertar a transação penal Dessa forma é recorrente a afirmação de que se trata de uma discricionariedade regrada Noutra dimensão é um poderdever Mas como acabamos de afirmar essa discricionariedade deve conviver com o direito público subjetivo do réu de modo que ao Ministério Público incumbe apenas verificar se estão preenchidos os requisitos e negociar sobre a pena cabível restritiva de direitos ou multa Não lhe compete o poder de decidir sobre o cabimento ou não da transação Importante sublinhar ainda que a transação penal não é uma alternativa ao pedido de arquivamento senão um instituto que somente terá aplicação quando houver fumus commissi delicti e o preenchimento das demais condições da ação processual penal Infelizmente no lugar onde mais deveria se realizar a filtragem processual com uma enxurrada de ações penais sendo rejeitadas é exatamente onde menos se controlam as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso fumus commissi delicti punibilidade concreta legitimidade de parte justa causa O fato de o JECrim ter sua competência limitada às infrações penais de menor potencial ofensivo não dispensa a demonstração e análise das condições da ação especialmente a exigência de demonstração da fumaça do crime e da justa causa Ainda que se trate de crime de menor potencial ofensivo devese verificar se há relevância jurídicopenal na conduta Constatandose ser a conduta insignificante sob ponto de vista jurídicopenal deve a denúncia ou queixa ser rejeitada Da mesma forma se não vier instruída com um mínimo de elementos probatórios da tipicidade ilicitude e culpabilidade Em suma as condições da ação também são exigidas no Juizado Especial Criminal ainda que em geral os que lá atuam disso se tenham olvidado ou assim façam parecer pelo encobrimento gerado pelo utilitarismo estruturante do discurso da informalidade Voltando ao tema a transação penal deverá ser negociada176 com o autor do fato até que se chegue ou não a um consenso Pela facilidade na exigibilidade e no cumprimento a pena de multa tem sido a medida mais adotada cabendo seu cálculo em diasmulta o critério orientador deverá ser o binômio gravidade do fato para fixar o número de dias e possibilidade econômica do réu para fixar o valor de cada diamulta Os pressupostos legais permissivos são extraídos da leitura do art 76 da Lei que veda a transação penal quando ficar comprovado I ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime à pena privativa de liberdade por sentença definitiva COMENTÁRIO Tratou o legislador de vetar a transação penal para o imputado reincidente incidindo assim infelizmente no já consagrado bis in idem punitivo que reforça o estigma Não impede quando a condenação anterior for por contravenção penal e tampouco diferenciou o legislador se o crime anterior é doloso ou culposo nos parecendo claramente desproporcional o impedimento de transação penal quando a condenação anterior decorrer da prática de delito culposo II ter sido o agente beneficiado anteriormente no prazo de 5 cinco anos pela aplicação de pena restritiva ou multa nos termos deste artigo COMENTÁRIO Partindo do já conhecido lapso de 5 anos que demarca a reincidência art 64 I do CP busca a Lei n 9099 estabelecer uma espécie de período de prova em que o agente somente poderá se beneficiar da transação penal uma vez a cada cinco anos Nesse prazo de 5 anos nada se exige do imputado exceto o fato de que veladamente impõese um não voltar a delinquir Mas se voltar não poderá novamente transacionar III não indicarem os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias ser necessária e suficiente a adoção da medida COMENTÁRIOS Esse é sem dúvida o requisito mais problemático de modo que para melhor compreensão vamos subdividilo a Repetiu o legislador os critérios que orientam a fixação do regime de cumprimento substituições e até de aplicação da pena nos termos dos arts 33 3º 44 III e 59 todos do Código Penal Negarse a transação penal pelo fato de ter o imputado maus antecedentes pode constituir uma violação da presunção de inocência Isso porque em relação ao fato anterior ou o agente foi condenado e já transitou em julgado será aplicado então o inciso I ou não foi definitivamente condenado de modo que vedar a transação penal sob esse argumento é violar a presunção constitucional de inocência b No que se refere à conduta social e personalidade do agente a situação é igualmente problemática Como já explicamos em outras ocasiões ambos os critérios são abertos indeterminados e refletem um superado direito penal do autor O que é uma conduta social adequada São os juízes capazes e estão legitimados a fazer um juízo dessa natureza Quais os parâmetros utilizáveis Como refutar esse desvalor Sob o argumento de conduta social inadequada ou desajustada não estariam sendo feitas graves discriminações a partir da classe social da conduta sexual ou mesmo praticando um velado racismo Daí por que é inadmissível um juízo de desvalor a partir de critérios tão vagos e indeterminados c Quanto à personalidade igualmente inviável tal juízo de desvalor Como já explicamos anteriormente toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva visto estabelecer juízos sobre a interioridade do agente Também é autoritária devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito autor do fato criminoso Tratase de efetivarse o superadíssimo direito penal do autor fruto da dificuldade em compreender o fenômeno da secularização e da cultura inquisitória que ainda dominam o processo penal brasileiro O diagnóstico acerca da personalidade é praticamente impossível de ser feito salvo para os casos de vidência e bola de cristal e não raras vezes demonstra um psicologismo rasteiro e reducionista até porque não possui o juiz conhecimento e condições de aferir a personalidade de alguém existem mais de 50 definições diferentes sobre personalidade menos ainda nessas condições O diagnóstico da personalidade é extremamente complexo e envolve histórico familiar entrevistas avaliações testes de percepção temática e até exames neurológicos e isso é absolutamente impossível de ser constatado nessas condições Não podemos admitir um juízo negativo sem fundamentação e base conceitual e metodológica Em suma o maior problema é o decisionismo o verdadeiro autoritarismo que encerra uma decisão dessa natureza que é substancialmente inconstitucional por grave violação dos direitos de defesa e contraditório pois não há possibilidade de refutação das hipóteses decisórias É um dado impossível de ser constatado empiricamente e tampouco demonstrável objetivamente para poder ser desvalorado Mas se o imputado preencher todas essas condições e a proposta for efetivada deverá o Juiz então homologar o acordo cabendo apelação dessa decisão Causa certa estranheza a previsão de recurso de uma decisão que na verdade apenas homologa um acordo que foi feito pelas partes Onde fica o gravame necessário para o recurso Pela lógica incabível o recurso Contudo pode ocorrer de alguma das condições da transação ser excessivamente gravosa para o agente de modo que ele aceita e recorre daquela parte do acordo que não lhe é razoável Não há consenso sobre as condições da transação mas para evitar a recusar e portanto preclusão dessa via consensual o agente aceita e recorre Por outro lado não há previsão de recurso para o caso de não homologação da transação penal oferecida pelo MP e aceita pelo imputado Situação difícil de suceder pois o papel do juiz não é compatível com tal protagonismo mas se ocorrer incumbirá às partes interessadas e cujo acordo foi desrespeitado pelo juiz lançar mão do Mandado de Segurança ou mesmo Correição Parcial Não se descarta ainda que o sujeito passivo utilize o habeas corpus pois a não homologação da transação penal oferecida e aceita poderá significar a submissão dele a um processo criminal que poderia ter sido evitado sendo evidente a ilegalidade dessa coação Quanto à natureza dessa sentença em que pese não ser condenatória senão homologatória possui eficácia executiva suficiente para constituirse em um título executivo judicial nos termos do art 515 VI do CPC A grande e única vantagem da transação penal é o fato de não gerar reincidência ou maus antecedentes apenas servindo para impedir que o acusado seja novamente beneficiado no prazo de cinco anos Não significa admissão de culpa ou assunção de responsabilidades Por fim caso não exista consenso não sendo possível a efetivação da transação penal o feito seguirá o rito sumaríssimo que será explicado adiante Não olvidemos ainda que com a nova redação do parágrafo único do art 60177 a transação penal pode ser aplicada nos casos de reunião de processos por conexão ou continência seja no Tribunal do Júri ou no juízo comum Logo não está mais adstrita ao JECrim 3641 E se o Ministério Público Não Oferecer a Transação Penal Se o Ministério Público não oferecer a transação quando cabível predominava o entendimento de que se deveria aplicar por analogia o art 28178 do CPP remetendose ao ProcuradorGeral179 O art 28 foi significativamente alterado pela Lei n 139642019 como já explicamos ao tratar do inquérito policial O problema é que tal dispositivo está com sua vigência suspensa pela decisão liminar do Min FUX também já explicada Mas e quando viger a nova redação do art 28180 Pensamos que poderá continuar sendo aplicado o art 28 mas com sua nova sistemática não mais o juiz enviando para o procuradorgeral mas sim com um pedido de revisão prazo de 30 dias do conhecimento da recusa por parte do imputado para o órgão revisor do MP Não há intervenção do juiz nesse caso senão um pedido de revisão da recusa do MP em oferecer a transação penal para órgão colegiado revisor do próprio MP que manterá a decisão do promotorprocurador da república ou designará outro membro da instituição para oferecer a transação penal Em que pese ser esse o entendimento que era prevalente antes da reforma e que arriscamos dizer que seguirá assim não descartamos outra opção o juiz oferecer a transação penal Explicamos Como se trata de direito público subjetivo do imputado presentes os requisitos legais ele tem direito aos benefícios da transação Não se trata sublinhese de atribuir ao juiz um papel de autor ou mesmo de juizator característica do sistema inquisitório e incompatível com o modelo constitucionalacusatório por nós defendido Nada disso A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito o direito à transação penal que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Sabemos que essa posição será criticada entre outros pelo fato de não se compatibilizar com a dinâmica de funcionamento da justiça consensual O argumento seria válido se normal e legítimo fosse o funcionamento da justiça consensual desenhado pela Lei n 9099 mas não é esse o caso O modelo possui graves degenerações e seu funcionamento está muito longe de ser considerado minimamente satisfatório Os argumentos de autonomia de vontade e consensualidade181 utilizados para criticar a substituição por parte do juiz da vontade do Ministério Público mostramse hoje absolutamente falaciosos e completamente descolados da realidade de funcionamento do JECrim Para evitar delongas remetemos o leitor para a crítica feita ao final desse tópico Por fim igual problema existe no caso da suspensão condicional do processo como veremos na continuação já antecipando que a solução será a mesma 3642 Cabimento da Transação Penal em Ação Penal de Iniciativa Privada Pode ser realizada a transação penal em delito de ação penal de iniciativa privada Uma primeira leitura do art 76 aponta para uma resposta negativa pois o dispositivo legal é claro ao falar que havendo representação ou tratandose de ação penal pública incondicionada não sendo caso de arquivamento o Ministério Público poderá propor Também é recorrente o argumento de que não poderia a vítima transacionar porque tal ato de disponibilidade parcial não se coadunaria com o papel de substituto processual Isso porque para os autores que sustentam a existência de uma substituição processual na ação penal de iniciativa privada o querelante em nome próprio exerceria a pretensão punitiva estatal ou seja demandaria em nome próprio um direito alheio nos moldes do Direito Processual Civil Essa concepção encerra um erro muito mais grave que é o de transmitir categorias do processo civil para o processo penal sem darse conta de que no processo penal o acusador não exerce pretensão punitiva alguma muito menos há substituição processual O acusador público ou privado é titular do ius ut procedatur ou seja o poder de proceder contra alguém Diverso é o poder punitivo que está nas mãos do Estadojuiz e que somente pode ser efetivado após o pleno exercício da pretensão acusatória e não punitiva Assim não vemos obstáculo algum a que a transação penal se opere na ação penal de iniciativa privada posição aliás que vem merecendo abrigo jurisprudencial nos últimos anos A jurisprudência atenuou o rigor do dispositivo e atualmente predomina o entendimento de que a transação penal poderá ser oferecida inclusive pelo Ministério Público que intervém em todos os termos da ação penal de iniciativa privada art 45 do CPP Apenas para sublinhar a transação penal nos crimes de ação penal de iniciativa privada se preenchidos os requisitos legais poderá ser proposta pelo querelante e caso ele não o faça será proposta pelo Ministério Público 3643 Descumprimento da Transação Penal Muito se discutiu no passado as consequências do descumprimento por parte do imputado das condições estabelecidas na transação penal Inicialmente a jurisprudência entendeu que não poderia haver reinício do processo pois a decisão homologatória faria coisa julgada formal e material Posteriormente a partir do RHC 29435 o STJ passou a admitir o oferecimento de denúncia e o prosseguimento da ação penal em caso de descumprimento dos termos da transação penal Atualmente com o advento da Súmula Vinculante 35 a questão pacificou se nos seguintes termos SÚMULA VINCULANTE 35 A homologação da transação penal prevista no art 76 da Lei n 909995 não faz coisa julgada material e descumpridas suas cláusulas retomase a situação anterior possibilitandose ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial 365 Suspensão Condicional do Processo 3651 Considerações Introdutórias sobre a Suspensão Condicional do Processo Tendo em vista que a disciplina legal da suspensão condicional do processo está inteiramente contida no art 89 da Lei n 909995 e que faremos constantes remissões ao texto legal é necessário transcrevêlo integralmente desde logo Art 89 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 um ano abrangidas ou não por esta Lei o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo por 2 dois a 4 quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena art 77 do Código Penal 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor na presença do juiz este recebendo a denúncia poderá suspender o processo submetendo o acusado a período de prova sob as seguintes condições I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado 3º A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar sem motivo justificado a reparação do dano 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado no curso do prazo por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta 5º Expirado o prazo sem revogação o juiz declarará extinta a punibilidade 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo o processo prosseguirá em seus ulteriores termos Inicialmente se o acusado não aceitar a proposta de suspensão condicional do processo ou não for ela cabível o processo seguirá o rito sumaríssimo definido nos arts 77 e s Feita essa ressalva vejamos o instituto Nos delitos em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos desde que preenchidas pelo acusado certas condições Cumprido o período de provas o Juiz declarará extintos a punibilidade e por decorrência o processo O presente instituto não se confunde com a suspensão condicional da pena pois naquela há processo com sentença condenatória ficando apenas a execução da pena privativa de liberdade suspensa por um período Aqui é o processo que fica suspenso desde o início logo sem que exista uma sentença condenatória Durante o período de suspensão do processo o réu ficará sujeito ao cumprimento de certas obrigações estabelecidas pelo Juiz tais como de não se ausentar da comarca onde reside sem autorização reparar o dano causado comparecer mensalmente para justificar suas atividades e outras condições que lhe poderão ser estabelecidas O não cumprimento das obrigações impostas não acarretará sua prisão fazendo apenas com que o processo volte a tramitar a partir de onde parou Tratase de ato bilateral em que o Ministério Público oferece por escrito e na denúncia podendo ser em peça separada e o réu analisando as condições propostas aceita ou não Toda a transação deve ser feita em juízo e na presença do defensor do réu ainda que de forma oral e sem formalidade A nosso ver o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública não foi fulminado ainda mas foi mitigado Nos moldes tradicionais não poderia o Ministério Público dispor da ação penal não podendo dela desistir transigindo ou acordando Ao Ministério Público continua sendo vedada a desistência pura e simples da ação penal de iniciativa pública como é possível ao querelante na perempção da ação penal privada ou o perdão É a consagração do Princípio da Discricionariedade Regrada estando sempre sujeita ao controle judicial É importante sublinhar que presentes os pressupostos legais não poderá o Ministério Público deixar de oferecer a suspensão condicional do processo que poderá ser aceita ou não pelo réu Não se pode esquecer que a medida inserese na lógica do consenso não apenas no sentido de que o réu não é obrigado a aceitar a proposta mas também na perspectiva de que poderá negociar a duração e demais condições Ainda que o dispositivo legal mencione que o Ministério Público poderá propor isso não significa que seja uma faculdade do acusador Como categoricamente afirma GIACOMOLLI182 presentes os pressupostos legais a previsão abstrata se converte numa obrigatoriedade E ainda que presentes os requisitos legais o acusador está obrigado a negociar a suspensão condicional do processo devendo nas infrações de médio potencial ofensivo motivar sua negativa Não é assim disponível para o Ministério Público e tampouco pode transformarse em instrumento de arbítrio E se mesmo presentes os pressupostos legais o Ministério Público não o fizer Voltamos ao mesmo ponto explicado anteriormente quando analisamos a transação penal ou seja predominava o entendimento de que deveria o juiz aplicar o art 28 do CPP por analogia Nesse sentido novamente citamos a Súmula 696 do STF cujo verbete é Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo mas se recusando o Promotor de Justiça a propôla o juiz dissentindo remeterá a questão ao ProcuradorGeral aplicandose por analogia o art 28 do Código de Processo Penal O art 28 foi significativamente alterado pela Lei n 139642019 como já explicamos ao tratar do inquérito policial O problema é que tal dispositivo está com sua vigência suspensa pela decisão liminar do Min FUX também já explicada Mas e quando viger a nova redação do art 28183 Pensamos que poderá continuar sendo aplicado o art 28 mas com sua nova sistemática não mais o juiz enviando para o procuradorgeral mas sim com um pedido de revisão prazo de 30 dias do conhecimento da recusa por parte do imputado para o órgão revisor do MP Não há intervenção do juiz nesse caso senão um pedido de revisão da recusa do MP em oferecer a suspensão condicional para órgão colegiado revisor do próprio MP que manterá a decisão do promotorprocurador da república ou designará outro membro da instituição para oferecer a suspensão condicional Em que pese ser esse o entendimento que era prevalente antes da reforma e que arriscamos dizer que seguirá assim não descartamos outra opção o juiz oferecer a suspensão condicional do processo A aplicação do art 28 com sua nova redação é uma solução excessivamente burocrática e fora da realidade diuturna dos foros brasileiros Ademais atribui a última palavra ao próprio Ministério Público retirando a eficácia do direito subjetivo do acusado Dessarte presentes os pressupostos legais e insistindo o Ministério Público na recusa em oferecer a suspensão condicional pensamos que a melhor solução é permitir que o juiz184 o faça acolhendo o pedido do imputado concedendo o direito postulado Novamente afirmamos que o fato de atribuirse ao juiz esse poder em nada viola o modelo constitucional acusatório por nós defendido A sistemática é outra O imputado postula o reconhecimento de um direito suspensão condicional do processo que lhe está sendo negado pelo Ministério Público e o juiz decide mediante invocação O papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu ou seja sua verdadeira missão constitucional Por fim elementar que a suspensão condicional do processo não equivale a uma condenação e tampouco implica admissão de culpa Inserese na perspectiva negocial sem qualquer juízo de desvalor sobre o mérito caso penal e uma vez cumpridas as condições impostas o processo é extinto como se nunca houvesse existido não gerando portanto reincidência ou maus antecedentes A sentença que suspende o processo não implica admissão de culpa por parte do réu tendo a natureza do nolo contendere que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação mas não admite culpa nem proclama sua inocência185 3652 Alcance e Aplicação da Suspensão Condicional do Processo Cabimento em Crimes de Ação Penal de Iniciativa Privada Requisitos Momento de Oferecimento A suspensão condicional poderá ser proposta junto com a denúncia ou logo após esta desde que concorram os seguintes elementos a a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano b o delito seja da competência do Juizado Especial Criminal ou não c o acusado não esteja sendo processado criminalmente d não seja reincidente e preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal Para concessão da suspensão condicional do processo é imprescindível que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano sendo assim muito mais abrangente que a competência do Juizado Especial cuja limitação é pena máxima não superior a dois anos A pena a ser considerada é em abstrato não sendo possível fazer qualquer tipo de redução como a tentativa por exemplo Aplicase a todos os crimes de competência do Juizado bem como àqueles que estão fora da sua jurisdição como homicídio culposo aborto provocado pela gestante lesão corporal de natureza grave furto apropriação indébita estelionato receptação etc Duas súmulas devem ser recordadas pois são importantes nesse momento SÚMULA 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano E ainda SÚMULA 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano Assim havendo concurso de delitos devem incidir os respectivos aumentos de pena para verificarse o limite de aplicação da suspensão condicional pena mínima igual ou inferior a 1 ano Noutra dimensão é manifesta a autonomia da suspensão condicional do processo diante do Juizado Especial pois será aplicada aos delitos cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano abrangidas ou não por essa Lei independente do rito Assim por exemplo tem plena aplicação na Justiça Eleitoral e os respectivos crimes eleitorais cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano No que se refere à Justiça Militar a suspensão condicional do processo foi inicialmente admitida Contudo a Lei n 983999 inseriu o art 90A que expressamente determina que as disposições desta Lei referese à Lei n 9099 não se aplicam no âmbito da Justiça Militar Logo categórica a vedação ainda que com ela não concordemos186 No que tange ao cabimento da suspensão condicional do processo em crimes cuja ação penal é de iniciativa privada no início da vigência da Lei n 9099 houve muita resistência A partir de uma interpretação meramente gramatical o artigo fala o Ministério Público ao oferecer a denúncia tanto a doutrina como a jurisprudência afastavam a suspensão condicional nesses casos Contudo a situação mudou e atualmente predomina o entendimento de que é perfeitamente cabível a suspensão condicional do processo nos crimes de ação penal de iniciativa privada sublinhandose todavia que cabe ao querelante o oferecimento pois é ele o titular do ius ut procedatur Ora como bem adverte BADARÓ187 é ilógico que a vítima possa renunciar antes de exercer a acusação e até perdoar no curso do processo mas não possa ofertar a suspensão condicional do processo Não se justifica à luz da estrutura em que se ergue a ação penal de iniciativa privada que a vítima tenha apenas duas opções extremas renúncia ou perdão abrindo mão de toda e qualquer resposta penal ou em outro extremo levar o processo até o final e lutar pela condenação do réu É compreensível e razoável que a vítima queira alguma resposta penal intermediária e até consensual ou menos litigiosa tal como oferece a suspensão condicional do processo em que o acusado fica obrigado ao cumprimento de determinadas condições a serem observadas no período de provas Mas e se o querelante em que pese estarem presentes os requisitos legais não oferecer a suspensão condicional do processo Aqui a discussão persiste pois não há como invocar o art 28 pois ele só tem aplicação quando a omissão é do Ministério Público Não havendo o oferecimento mas presentes os requisitos legais muitos autores defendem que nada pode ser feito Mas pensamos diferente Tratase de um direito público subjetivo do réu e se injustificadamente o querelante não propõe a suspensão condicional do processo caberá ao juiz fazêlo atuando como garantidor da máxima eficácia do sistema de garantias Não há nenhuma violação dos postulados do sistema acusatório tão defendidos por nós e tampouco qualquer contradição com as críticas que sempre fizemos em relação ao ativismo judicial juizator com iniciativa probatória É o juiz desempenhando seu papel constitucional de guardião dos direitos fundamentais do réu Em suma é cabível a suspensão condicional do processo em crimes de ação penal de iniciativa privada cabendo ao querelante o seu oferecimento Contudo se não for feita a proposta e estiverem presentes os requisitos legais defendemos que caberá ao juiz fazêlo Quanto aos demais requisitos vejamos agora que o acusado não esteja sendo processado criminalmente não seja reincidente preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal O simples fato de estar sendo processado criminalmente existência de outro processo não pode por si só justificar uma recusa em ofertar e conceder a suspensão condicional Há que se considerar além da proporcionalidade o postulado constitucional da presunção de inocência art 5º LVII da Constituição Negar a suspensão condicional sob o argumento de que o réu responde a outro ou outros processos significa punilo antes do julgamento final Viola portanto a presunção de inocência na medida em que gera consequências negativas juízo de desvalor ao réu que ainda não teve seu caso penal definitivamente julgado A reincidência é outro fator que não pode ser considerado de forma isolada pois implica um flagrante bis in idem Ademais não impede a concessão da suspensão condicional quando a condenação anterior foi a pena de multa art 77 1º do CP ou já tiver transcorrido mais de cinco anos em relação ao término do cumprimento da pena anterior art 64 I do CP Por fim requer a Lei n 9099 que o acusado preencha os demais requisitos do art 77 do Código Penal188 Interessanos essencialmente o inciso II que remete aos mesmos vetores do art 59 do Código Penal e que norteiam a dosimetria da pena de modo que a culpabilidade os antecedentes a conduta social a personalidade os motivos e as circunstâncias devem ser ponderados à luz do caso concreto A crítica é que esses são fatores que geram espaços impróprios de discricionariedade judicial com alto risco sendo aplicáveis aqui todas as críticas feitas em relação ao art 59 do Código Penal Quanto ao momento de oferecimento da suspensão condicional do processo o regular é que o seja quando do oferecimento da denúncia Contudo nada impede que seja oferecida no curso do processo especialmente quando houver alguma forma de desclassificação que crie condições anteriormente inexistentes não sendo o art 90 da Lei um argumento suficiente para limitar a aplicação do instituto Na mesma linha quando a sentença acolhe parcialmente a pretensão punitiva do MP afastando os crimes mais graves que seriam obstáculo à suspensão condicional deve essa ser ofertada Exemplo típico é a acusação por dois ou mais delitos que em razão do concurso não permite a suspensão condicional mas ao final do processo o réu é absolvido de algum dos crimes inicialmente imputados criando agora condições de ser oferecida a suspensão condicional Para dirimir qualquer dúvida sobre a possibilidade que acabamos de explicar foi editada a Súmula 337 do STJ É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva Voltaremos a essa questão na continuação Inclusive caso a suspensão não seja ofertada quando cabível sobrevindo sentença condenatória deverá o tribunal recebendo o recurso anular a sentença por manifesto cerceamento de defesa devolvendo os autos à comarca de origem para que seja ofertada a suspensão Se aceita irá gerar seus efeitos Caso o réu não aceite nova decisão deverá ser proferida Essa duplicidade é perfeitamente compreensível pois o que não se pode tolerar é o desrespeito às regras do devido processo Ademais quando a defesa recorre alegando a nulidade da sentença pelo não oferecimento da suspensão condicional não está ela obrigada a aceitar com o provimento do recurso qualquer proposta e quaisquer condições oferecidas No mesmo sentido PACELLI189 afirma que nada impedirá em tese que o réu apelante recue em seus propósitos iniciais postos no recurso e não aceite os termos da suspensão então formulada afinal uma coisa é recorrer suscitando a nulidade pela ausência de proposta de suspensão e outra muito diferente é a concordância com quaisquer que sejam as condições oferecidas Mas não precisa e não deve a defesa esperar a sentença para alegar em apelação a nulidade pelo não oferecimento da suspensão condicional do processo na verdade defeito insanável da sentença E mesmo quando postulada e negado o oferecimento deverá a defesa atacar esse ato pela via do habeas corpus ou mesmo do Mandado de Segurança conforme a fundamentação a ser utilizada Quando o argumento for de nulidade pelo cerceamento de defesa art 648 VI do CPP configurandose uma coação ilegal viável o habeas corpus mas nada impede que seja utilizado o Mandado de Segurança cujo fundamento será a violação ao direito líquido e certo à concessão daquele direito subjetivo bem como de ter o devido processo penal 3653 Suspensão Condicional do Processo e a Desclassificação do Delito Aplicando a Súmula 337 do STJ Inicialmente recordemos o enunciado da Súmula 337 do STJ É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva A Súmula veio para resolver um problema antigo fruto de um duplo erro acusações abusivas e recebimentos imotivados praticamente automáticos das acusações por parte dos juízes As acusações abusivas aqui consideradas são aquelas em que há um excesso do poder de acusar cujos contornos acabam não se confirmando pela prova produzida no processo Isso pode ocorrer tanto nas queixascrimes como nas denúncias oferecidas pelo Ministério Público Entre outros motivos as acusações abusivas podem ser utilizadas para evitar o julgamento pelo Juizado Especial Criminal ou para impedir o benefício da suspensão condicional do processo Esse abuso tanto pode ocorrer na manipulação dos fatos como também na imputação de um tipo penal mais grave do que o correspondente à conduta praticada Recorrentes por exemplo são as queixas pelos delitos de injúria difamação e calúnia em concurso material quando na verdade apenas um dos crimes efetivamente ocorreu O excesso no poder de acusar serve para impedir a tramitação pelo rito sumaríssimo da Lei n 9099 bem como o oferecimento de transação penal ou suspensão condicional do processo Mas sem dúvida parte da responsabilidade também deve ser atribuída aos juízes que burocraticamente limitamse a receber as acusações sem a devida análise e fundamentação Se houvesse uma filtragem ainda que mínima pois o pleno conhecimento deve ser reservado para a sentença muitas acusações infundadas já teriam ali o seu limite Da mesma forma a correção da tipificação já no momento de recebimento da acusação ou seja a incidência do art 383 nesse momento bem como o recebimento parcial da imputação evitaria muitas e graves injustiças diárias Tratase daquilo que GIACOMOLLI190 denomina necessidade de um iniciar ético do processo dando fim aos recebimentos automáticos da acusação de modo a permitir imediatamente a suspensão condicional do processo cuja acusação tentou evitar com o abuso do poder de acusar Assim se após a coleta da prova no momento da sentença evidenciase a prática de apenas um dos crimes deve o juiz verificar a possibilidade de que seja ofertada ao réu a suspensão condicional como prevê a Súmula 337 do STJ O enunciado nada mais faz do que recepcionar o entendimento doutrinário majoritário de que havendo uma desclassificação do crime onde a nova definição permita a suspensão condicional do processo deve essa ser oferecida E isso pode ocorrer tanto em primeiro grau como no tribunal em sede de recurso Em primeiro grau a análise pelo juiz pode darse em dois momentos a quando da admissão da denúncia ou queixa caberá o recebimento parcial ou a correção da tipificação legal abusivamente feita pelo acusador de modo a permitir o oferecimento da suspensão condicional do processo b quando da sentença o tratamento poderá variar conforme o caso Se o réu foi acusado da prática de dois ou mais delitos poderá o juiz absolvêlo de um ou alguns deles e se o delito residual comportar a suspensão condicional deverá ela ser oferecida Importante ressalvar que em relação ao delito residual ao qual é possibilitada a suspensão condicional do processo não poderá o juiz condenar o réu Deverá limitarse a fazer o juízo de tipicidade da conduta sem analisar a ilicitude ou culpabilidade Verificando que a tipicidade é diversa daquela constante da acusação e cabível portanto a suspensão pela nova classificação jurídica do fato deve o juiz proferir uma decisão interlocutória sujeita ao controle pela via da apelação residual art 593 II do CPP191 Nesse último caso estamos diante de uma situação inédita no sistema brasileiro uma quebra do método clássico de proferir decisões como define GIACOMOLLI pois a natureza jurídica da suspensão condicional não permite que a sentença seja condenatória ou absolutória Não pode o juiz condenar o réu e então possibilitar a suspensão condicional pois esse instituto não se compatibiliza com a sentença condenatória192 Não se trata de condenar e suspender a pena senão de impedir a fixação da pena Logo suspensão condicional do processo e pena são institutos incompatíveis Por tudo isso operando a desclassificação deverá o juiz proferir uma decisão interlocutória definindo o novo tipo penal aparentemente praticado intimando o Ministério Público para que ofereça a suspensão condicional do processo Já em grau recursal quando a desclassificação é realizada pelo tribunal deve ser observado o seguinte a para não haver supressão do grau de jurisdição o tribunal em operando a desclassificação do crime ou absolvendo alguma das imputações de modo que o crime residual seja passível de suspensão condicional do processo deve remeter os autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo b tendo o réu sido absolvido em primeiro grau e diante do recurso do Ministério Público o tribunal vislumbra possibilidade de acolhimento deverá proceder a definição do tipo penal cabível Se o juízo de tipicidade provável apontar para um crime em que a suspensão condicional do processo é viável deverá o tribunal determinar a remessa dos autos à origem juízo a quo para que lá seja oportunizada a suspensão Se não aceita os autos deverão retornar ao tribunal para que continue no julgamento do recurso analisando então o mérito c no caso de o tribunal suspender o julgamento do recurso para que em primeiro grau seja oferecida a suspensão condicional a posterior revogação por descumprimento das condições faz com que os autos retornem ao tribunal ad quem para que prossiga no julgamento do mérito do recurso 3654 O Período de Provas e o Cumprimento das Condições Causas de Revogação da Suspensão Condicional do Processo Sendo caso de concessão da suspensão condicional do processo ofertada e aceita pelo réu preenchidos os requisitos subjetivos caberá ao Juiz declarar a suspensão pelo período que foi objeto de negociação entre o Ministério Público e o réu obviamente dentro do limite legal que vai de dois a quatro anos bem como as condições a serem cumpridas igualmente negociadas nos limites legais Por se tratar de medida de caráter nitidamente transacional o ideal é que o Ministério Público e o réu cheguem a um consenso sobre um período proporcional cabendo ao juiz fiscalizar a transação para que o réu decida de forma consciente compreendendo a natureza do ato e suas consequências O período mínimo da suspensão é de 2 anos e o máximo de 4 anos A regra aqui é a da proporcionalidade entre o gravame decorrente da submissão ao período de provas e suas condições em relação ao fato aparentemente criminoso Ainda que a suspensão condicional não implique admissão de culpa e portanto não se equipare a uma condenação é inegável que ela possui um caráter punitivo Mesmo tendo um caráter negocial representa um ônus a ser suportado mediante sua aceitação é claro pelo imputado e deve guardar portanto proporcionalidade em relação ao fato e às condições pessoais do agente A regra deve ser a suspensão pelo período mínimo de 2 anos Partindo desse prazo pode ser estabelecido conforme o caso um quantum superior mas sem excessos O prazo de 4 anos deve ser aplicado somente em situações excepcionalíssimas Para evitar um acordo excessivamente gravoso a única solução é não fazêlo cuidando para que fiquem consignados os motivos da recusa dando ênfase à desproporcionalidade entre o fato do autor e as condições propostas Tratase de decisão interlocutória mista de natureza não terminativa pois encerra a fase de conciliação sem terminar com o processo O recurso cabível será o de apelação por se tratar de decisão com força de definitiva que não se encontra no rol taxativo dos casos de recurso em sentido estrito A aplicação supletiva do Código de Processo Penal é imperativa Acolhido o recurso será dada chance de um acordo justo proporcional Durante o período de provas ficará o réu sujeito ao cumprimento de condições estabelecidas na decisão interlocutória que concedeu a suspensão estando elas enumeradas exemplificativamente nos incisos do 1º do art 89193 inspirado que foi no sursis art 78 2º do CP O 2º constitui uma abertura para que outras condições sejam estabelecidas mas sempre guardando adequação e proporcionalidade ao fato e às condições pessoais do acusado sendo que obviamente são inadmissíveis as condições que violem a dignidade imagem e honra do imputado Também não se pode esquecer que a suspensão condicional do processo não é uma pena e portanto não poderá ter esse caráter punitivo Não raras vezes nos deparamos com situações em que a proposta era excessivamente onerosa uma verdadeira pena sem processo Nessa linha nos parece absolutamente descabida a proposta de prestação de serviços à comunidade no período de provas Ora a PSC é uma pena restritiva de direitos e que somente tem lugar quando o réu é processado e ao final condenado Não pode ser imposta em sede de suspensão condicional do processo por constituir uma pena sem processo além de manifestamente desproporcional e desconectada dos fundamentos do instituto A condição de reparação do dano pode gerar problemas no final do período de provas pois nem sempre é possível sua efetivação especialmente quando depende da aceitação por parte da vítima Em que pese a questão ser analisada à luz das especificidades de cada caso devese ter como princípio básico de que basta a demonstração por parte do imputado de que buscou efetivamente realizar reparação do dano Daí por que quando se trata de reparar um dano patrimonial sofrido pela vítima se houver consenso e quitação a questão estará resolvida Mas o dever de reparar o dano não se confunde com a obrigação de aceitar uma exigência abusiva ou virar um instrumento de coação e excessos por parte da vítima Se existe uma ação cível de cunho indenizatório tramitando onde se discutem a responsabilidade civil eou o valor devido não há obstáculo algum a que se considere cumprida a suspensão condicional do processo A proibição de frequentar determinados lugares como as demais condições deve ser imposta quando adequada e necessária Pode ser um importante instrumento de controle de agentes que se envolvem em brigas de torcidas de futebol praticam delitos leves em bares boates e casas noturnas e coisas do gênero onde a proibição de frequentar esses locais serve inclusive para prevenir infrações futuras de mesma natureza ali praticadas A proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz é uma medida bastante onerosa e que deve ser utilizada com prudência para não equiparar o tratamento de quem não é culpado com aquele já condenado Deverão ter o juiz em que pese a medida ser ofertada pelo Ministério Público tratase de ato judicial sendo a última palavra do juiz e o Ministério Público um mínimo de bom senso e coerência para considerar as condições pessoais do imputado e o nível de onerosidade que lhe está sendo imposta Daí por que por exemplo se a atividade profissional exige que o imputado constantemente tenha que viajar inclusive para o exterior é completamente inadequado e descabido imporlhe uma proibição de ausentarse da comarca sem autorização do juiz Não se pode olvidar de que não estamos tratando com alguém condenado e que deva cumprir uma pena A situação é completamente diversa A suspensão condicional não pode inviabilizar a atividade profissional ou a vida pessoal do imputado Também a condição de comparecimento pessoal e obrigatório a juízo não precisa ser obrigatoriamente mensal Nada impede que se estabeleça um lapso maior diante das condições e especificidades do caso concreto O comparecimento se dá em cartório onde será feito o controle das apresentações não havendo um dia determinado senão que pelo menos uma vez ao longo de cada mês deverá o imputado comparecer no cartório ou secretaria da vara criminal respectiva Por fim outras condições poderão ser impostas desde que adequadas e proporcionais ao fato e às condições pessoais do imputado Cumpridas as condições impostas e superado o prazo fixado para o período de provas deverá ser decretada a extinção da punibilidade sem que gere o estigma de maus antecedentes ou da reincidência Essa é uma das grandes vantagens da suspensão condicional pois cumprido o período de provas o processo é extinto como se não tivesse existido Mas no curso do período de provas podem ocorrer situações fáticas que conduzam à revogação da suspensão condicional Partindo do disposto nos 3º e 4º do art 89 pensamos que não pode haver revogação automática ou imotivada Deverá haver uma decisão judicial devidamente fundamentada devendo o juiz sempre conduzir a questão à luz da lógica da ponderação isto é a partir do princípio da proporcionalidade e principalmente do contraditório É imprescindível ouvir o imputado antes de decidir pela revogação da suspensão condicional O simples fato de ser processado por outro crime não pode conduzir à revogação não só porque representa uma grave violação da garantia da presunção de inocência mas também porque pode ser uma medida desproporcional No primeiro caso o estar sendo processado não autoriza um tratamento estigmatizante a ponto de revogar a suspensão condicional antes mesmo de existir uma sentença transitada em julgado Tal postura representa tratar um mero acusado como se culpado fosse na medida em que se lhe impõem uma punição revogação da suspensão condicional do outro processo antes do julgamento definitivo Também pode ser uma medida desproporcional basta considerar o caso em que o novo delito é culposo O art 89 não faz qualquer distinção entre crime doloso ou culposo mas a proporcionalidade no trato da questão conduz a que a revogação somente possa ser considerada quando o delito superveniente for doloso Quanto à revogação da suspensão pela não reparação do dano causado à vítima devese considerar que Ela somente tem lugar quando no final do período de provas o agente sem qualquer justificativa aceitável não cumpre a condição A reparação do dano deve ser efetivada ao longo do período de provas não havendo um prazo dentro desse período para tanto Logo há que se esperar até o final do período de provas e caso não efetivada a reparação pode o juiz revogála Inexiste uma causa que justifique a não reparação do dano ou o motivo apresentado pelo réu não é considerado razoável pelo juiz A impossibilidade financeira arguida pelo réu deve vir instruída com elementos suficientes do nível de comprometimento patrimonial É pensamos uma situação similar à inexigibilidade de conduta diversa nos crimes fiscais em que não basta a mera alegação de crise financeira tudo deve ser demonstrado e provado Mas sem exageros Deve o juiz ter um mínimo de sentido da realidade na qual vive grande parte da população brasileira em que qualquer quantia por mínima que seja compromete definitivamente o orçamento doméstico Recordemos ainda que se a questão estiver sub judice ou seja vítima e réu estiverem litigando judicialmente sobre os valores não pode o juiz revogar a suspensão pois existe uma causa que justifica a não reparação na esfera penal Quanto a mera acusação da prática de uma contravenção pensamos que não poderá justificar uma revogação da suspensão seja pela manifesta violação da presunção de inocência seja pela desproporcionalidade Já em relação ao não cumprimento das demais condições impostas vale o que dissemos anteriormente deve haver uma ponderação séria e desapaixonada por parte do juiz Se o réu apresentar uma justificativa razoável à luz de suas condições pessoais e sociais e não das condições do juiz não deverá haver a revogação da suspensão condicional do processo Dessarte cumpridas todas as condições impostas e implementado o prazo determinado será declarada extinta a punibilidade Por fim chamamos a atenção para a seguinte situação e se após cumprido o período de provas se descobrir que o imputado não cumpriu efetivamente as condições como se deve proceder A posição do STF vem externada na AP 512 AgRBA Rel Min Ayres Britto 15032012 no sentido de que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado mesmo após o período de prova desde que motivado por fatos ocorridos até o seu término Ao reafirmar essa orientação o Plenário por maioria negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida pelo Min Ayres Britto em sede de ação penal da qual foi relator que determinara a retomada da persecução penal contra deputado federal Entendia descumprida uma das condições estabelecidas pela justiça eleitoral para a suspensão condicional do processo o comparecimento mensal àquele juízo para informar e justificar suas atividades Assim entendeu o STF que a melhor interpretação do art 89 4º da Lei n 909995 levaria à conclusão de que não haveria óbice a que o juiz decidisse após o final do período de prova Reputouse que embora o instituto da suspensão condicional do processo constituísse importante medida despenalizadora estabelecida por questões de política criminal com o objetivo de possibilitar em casos previamente especificados que o processo não chegasse a iniciarse o acusado não soubera se valer do favor legal que lhe fora conferido sem demonstrar o necessário comprometimento em claro menoscabo da justiça Vencido o Min Marco Aurélio que provia o agravo regimental por entender que após o decurso do período de prova assinalado pelo juiz não seria mais possível a revogação da suspensão condicional do processo AP 512 AgRBA Rel Min Ayres Britto 15032012 Mas há um detalhe importante nesta decisão do STF havia passado o período de provas mas ainda não havia sido declarada a extinção da punibilidade do réu Isso permitiu a revogação da suspensão condicional do processo Diferente seria a situação a nosso entender e pelo que se depreende da leitura da decisão se já houvesse declaração de extinção da punibilidade Neste caso extinta a punibilidade nada mais se pode fazer Ou seja declarada extinta a punibilidade extinta está e não mais se poderá proceder contra o imputado 3655 Procedimento no Juizado Especial Criminal 36551 Fase Preliminar Alteração da Competência quando o Acusado Não É Encontrado Demais Atos Em que pese a competência do JECrim estar prevista no art 98 I da Constituição a Lei n 9099 possui um curioso dispositivo que afasta a competência do JECrim quando o imputado não é encontrado para ser citado Determina o art 66 parágrafo único que não encontrado o acusado para ser citado o juiz encaminhará as peças existentes ao juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei Tratase de uma causa de alteração da competência que tem por fundamento o fato de não ter sido o réu encontrado Quando o acusado não é encontrado para ser citado determina o art 366 do CPP que se faça a citação por edital e não comparecendo o acusado nem constituindo defensor ficam suspensos o processo e o curso do prazo prescricional Situação diversa é a ausência prevista no art 367 do CPP em que o acusado é citado pessoalmente e não comparece Nesse caso o processo pode seguir seu curso sem a presença do réu Ambos os casos não podem ocorrer no JECrim e não sendo encontrado o réu para realização da citação real não poderá o juiz do JECrim determinar a citação por edital O processo deve ser redistribuído para que no juízo comum seja feita a citação por edital e caso não compareça seja determinada a suspensão do processo e da prescrição Pensamos que um pouco do rigor pode ser atenuado pois mesmo que o art 66 da Lei n 9099 fale em não encontrado o acusado para ser citado o que denota claramente a procura para realização da citação real há espaço para uma conduta diversa Em outras palavras não há nenhum empecilho exceto a limitada redação do artigo a que se faça no JECrim a citação por edital e somente após o não comparecimento do acusado sejam os autos remetidos para juízo comum Isso porque se o imputado comparece é melhor que o processo tramite no JECrim com aplicação de todos os seus institutos e o rito diferenciado194 Desta forma a partir de uma leitura sistemática não encontrado o acusado no processo sumaríssimo este deve ser citado por edital aplicandose a regra do art 366 do CPP nos processos de competência dos Juizados Especiais porque o parágrafo único foi revogado implicitamente Descabe pois declinarse em favor do Juízo Comum Dessarte voltando ao tema principal somente quando o réu é encontrado ou comparece à audiência preliminar o feito terá sua regular tramitação no JECrim Em relação aos delitos de menor potencial ofensivo não há inquérito policial devendo a autoridade tão logo tenha conhecimento da ocorrência lavrar termo circunstanciado encaminhandoo ao Juizado com o autor do fato e a vítima Se o crime praticado for de ação penal de iniciativa pública incondicionada a autoridade policial agirá de ofício ou mediante invocação remetendo o termo circunstanciado ao Juizado Sendo o delito de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação será esta necessária para a feitura desse termo Ocorre que tanto a notíciacrime como a representação não possuem forma rígida servindo como tal qualquer manifestação da vítima que demonstre a intenção de ver apurado o fato A nosso ver a notíciacrime feita na polícia pela vítima em crime de ação penal pública condicionada serve apenas para autorizar a expedição do termo circunstanciado a ser remetido ao Juizado não servindo para suprir a condição de procedibilidade pois o art 75 é claro ao determinar que após a proposta inexitosa de composição civil será dada a palavra ao ofendido para que este querendo exerça o direito de representação Significa dizer que a representação deve ser feita ou ao menos ratificada em juízo A nossa preocupação se atém na redação da Lei em confronto com a do art 5º 4º do Código de Processo Penal pois não pode haver atividade policial em delito de ação penal pública condicionada sem a manifestação da vítima De outro lado o próprio art 75 oportuniza após a inexitosa composição dos danos civis que a vítima represente oralmente deixando clara a ideia de que a autorização para a feitura do termo circunstanciado não supriu essa condição mas de qualquer modo não pode a autoridade policial agir totalmente de ofício tendo em vista a regra do CPP Assim entendemos que um ato não supre o outro nesse caso pois a manifestação do ofendido na fase policial servirá exclusivamente para possibilitar a expedição do termo circunstanciado sendo necessária a representação em juízo para que a ação penal inicie Se o delito praticado for de ação penal de iniciativa privada caberá ao ofendido fazer a notícia do fato requerendo a feitura do auto circunstanciado até porque de ofício entendemos que a autoridade policial não poderá agir em face do 5º do art 5º do CPP Feito o auto será este remetido ao Juizado onde será oportunizada a composição civil que se efetivada acarretará a extinção da punibilidade Caso não exista ajuste em relação aos danos deverá ser dada ao ofendido a possibilidade da feitura da queixacrime oral nos termos do art 77 3º Não há que se esquecer que atualmente predomina o entendimento de que a transação penal é cabível nesse tipo de ação penal de modo que poderá ser oferecida e aceita antes de a queixa ser recebida E ainda após o recebimento da queixa é possível a suspensão condicional do processo conforme explicado anteriormente Com relação à prisão em flagrante para além do disposto no parágrafo único do art 69 não se pode esquecer que estamos diante de delito de menor potencial ofensivo onde é incabível a prisão preventiva Daí por que mesmo que o flagrante fosse lavrado o que a Lei pretende evitar não cabe prisão preventiva diante da pouca gravidade do fato sendo sempre aplicável o disciplinado no art 310 parágrafo único do CPP A Lei n 9099 aumenta os casos de liberdade processual Em relação ao flagrante seguemse as regras do art 302 surgindo ao lado do art 310 do CPP a possibilidade de concederse uma liberdade provisória mais ampla ágil e menos gravosa para o réu que será o compromisso de comparecer ao Juizado sem pagamento de fiança De modo algum se aumentou o rol de situações passíveis de prisão cautelar pelo contrário buscouse ampliar a gama de opções que visam evitar a segregação É uma medida claramente descarcerizadora195 Voltando ao procedimento a realização imediata de audiência é uma utopia sendo sempre aprazada a audiência preliminar em que estarão presentes as partes materiais o Ministério Público e o Juiz As partes deverão se fazer acompanhar de advogado ou serlhesá nomeado um para o ato Para essa audiência as partes serão intimadas nos termos dos arts 66 67 e 68 com a observância dos princípios já referidos Nesse momento caberá ao Juiz a importante tarefa de ouvir a vítima e o acusado buscando dar às pessoas ali presentes a oportunidade de darem a sua versão dos fatos sem a formalidade do interrogatório ou inquirição da vítima Chamase a atenção para esse ato porque para as pessoas que ali comparecem muitas pela primeira vez em um fórum ele se reveste de grande expectativa e muitos conflitos podem ser resolvidos nesse momento É nessa audiência que poderá haver a simples conciliação entre as partes a composição dos danos civis ou mesmo a transação penal pondo fim ao procedimento Em síntese a fase preliminar iniciará com o termo circunstanciado feito pela polícia e enviado para o JECrim ou até mesmo feito no Juizado do qual decorrerá o aprazamento de uma audiência em que se buscará a composição civil a feitura ou não da representação e a transação penal Na maioria dos casos o feito encontrará seu fim nessa audiência Frustrados os mecanismos de consenso o feito prosseguirá seguindo o rito sumaríssimo 36552 Rito Sumaríssimo O rito sumaríssimo necessariamente pressupõe a fase preliminar na qual se esgotaram os mecanismos que buscam o consenso Inexitosas todas as tentativas anteriormente explicadas Eis a morfologia do procedimento Sendo a infração de ação penal de iniciativa pública caberá ao Ministério Público oferecer sua denúncia oralmente ou por escrito o que costuma ser a regra até porque se for oral deverá ser reduzida a termo Se a ação penal for de iniciativa privada a queixacrime poderá ser proposta sem esquecer que o prazo decadencial é de 6 meses art 38 do CPP Oferecida a denúncia ou queixa será o réu citado para a audiência de instrução e julgamento No mandado de citação deverá constar ainda a necessidade de fazerse o réu acompanhar de advogado bem como da prova testemunhal que pretende produzir Caso alguma das testemunhas da defesa necessite ser intimada deverá o defensor providenciar o requerimento cinco dias antes da realização dessa audiência Na audiência de instrução e julgamento presentes as partes deverá verificar o Juiz se já foi realizada a tentativa de conciliação e a transação penal Caso não tenham sido ainda realizadas deverá então propôlas A rigor isso não poderia ocorrer em face da redação do art 77 que pressupõe a frustração das tentativas de consenso Nos termos do art 81 da Lei n 9099 aberta a audiência deverá o juiz oportunizar que a defesa responda a acusação oralmente É o momento em que poderão ser arguidas quaisquer das causas de rejeição liminar art 395 do CPP ou de absolvição sumária art 397 do CPP pois nos termos do art 394 5º do CPP aplicamse ao procedimento sumaríssimo subsidiariamente as novas disposições do procedimento ordinário Assim poderá alegar a inépcia da inicial ou a falta de qualquer das condições da ação ou seja que o fato narrado evidentemente não constitui crime que está extinta a punibilidade há ilegitimidade de parte ou falta de justa causa Infelizmente onde maior deveria ser o filtro processual para evitar acusações infundadas é onde menos levam a sério as condições da ação processual penal Muitos processos inúteis e ilegítimos poderiam ser evitados se os juízes efetivamente analisassem as condições da ação mas não é essa a realidade forense O Juiz em decisão fundamentada art 93 IX da Constituição Federal receberá ou rejeitará a denúncia ou queixa Da decisão que rejeitar caberá recurso de apelação disciplinado no art 82 da Lei n 9099 Da decisão que recebe a acusação seguindo a mesma orientação do Código de Processo Penal não cabe recurso sendo o habeas corpus o único instrumento da defesa para trancar um processo infundado e não trancar a ação penal Recebida a peça acusatória iniciará o Juiz a instrução ouvindose a vítima as testemunhas arroladas pela acusação e após as testemunhas arroladas pela defesa O interrogatório do réu é o último ato da instrução e após ele será dada a palavra ao Ministério Público ou ao querelante se for o caso e após à defesa para que se efetive o debate oral A sentença da qual se dispensa o relatório será prolatada em audiência sendo as partes imediatamente intimadas Dessa decisão caberão embargos declaratórios eou apelação 36553 Recursos e Execução Como já foi mencionado caberá recurso de apelação da decisão que homologa a transação penal art 76 5º que rejeitar a denúncia ou queixa e logicamente da sentença final que condenar ou absolver o réu Em relação à decisão que negar a suspensão condicional do processo ou a transação penal o recurso cabível é o de apelação pois constitui decisões interlocutórias mistas com força de definitivas Ciente da decisão o Ministério Público ou o querelante se for o caso e o réu terão o prazo único de 10 dias para através de petição escrita apelar A Lei dispôs de forma diversa em relação ao prazo e à sistemática do recurso não havendo os dois momentos interposiçãorazões que caracterizam o sistema do Código de Processo Penal No JECrim o prazo é único para interposição e juntada de razões Para fundamentar suas razões ou contrarrazões prevê o art 82 3º a possibilidade de as partes requererem a juntada da transcrição da gravação da fita magnética correspondente aos atos de instrução e julgamento Interposto o recurso será a parte recorrida intimada para contraarrazoar em igual prazo para após ser a apelação remetida à Turma competente As partes serão intimadas através da imprensa da data da sessão de julgamento Se a sentença contiver obscuridade contradição omissão ou dúvida será possível a interposição de Embargos Declaratórios por escrito ou oralmente sendo nesse caso reduzidos a termo O prazo será de 5 dias a contar da ciência da decisão Ao contrário do Código de Processo Penal ficaram as duas formas de Embargos Declaratórios disciplinadas no mesmo artigo O prazo é de cinco dias e não de dois como dispõe o CPP e os Embargos Declaratórios interrompem o prazo para interposição de outro recurso art 83 1º dada a modificação determinada pelo art 1066 do novo CPC Em relação à execução da pena que será ou de multa ou a restritiva de direitos a Lei é clara A multa deverá ser paga na secretaria do Juizado após a expedição da guia de recolhimento e a intimação do réu Não paga a multa no prazo de 10 dias deverá ser inscrita em dívida pública nos termos do art 51 do Código Penal Da decisão proferida pelas Turmas Recursais do JECrim além da possibilidade de embargos declaratórios como explicado também é possível a interposição de Recurso Extraordinário para o STF nos casos em que tem cabimento art 102 III da CF Pela sistemática legal estabeleceuse um paradoxo curioso da decisão da turma recursal caberá Recurso Extraordinário mas não Recurso Especial Nesse sentido dispõe a Súmula 203 do STJ a saber Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais E ainda a Súmula 640 do STF É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal A interposição do Recurso Extraordinário será endereçada ao Presidente da Turma Recursal que fará o juízo de admissibilidade Se não for conhecido caberá Agravo em Recurso Extraordinário Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo posterior específico para os recursos no qual explicamos mais detidamente essa matéria Por fim mais uma questão muito discutida é a seguinte quem julgará uma revisão criminal interposta contra decisão da Turma Recursal Existe uma imensa lacuna legal neste tema agravada pela peculiar estrutura recursal dos Juizados Especiais Criminais Pensamos que respeitando a regra da hierarquia jurisdicional onde a revisão criminal é sempre julgada por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a última decisão sustentamos que a competência será do Supremo Tribunal Federal Fortalece esse entendimento o fato de as Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF definirem que das decisões das turmas recursais somente será admitido recurso extraordinário para o STF Logo está sinalizado que o órgão superior será o STF e não o Tribunal de Justiça Tribunal Regional Federal ou STJ Tal conclusão pode gerar algum espanto inicial mas é a mais coerente com o sistema recursal do Juizado Especial Criminal e sua estrutura jurisdicional Mas o tema não é pacífico e encontramos julgados do próprio STF negando sua competência para julgar revisão criminal que não ataque seu próprio julgado196 37 Crítica ao Sistema de Justiça Negociada Para além das vantagens aparentes o Juizado Especial Criminal possui graves defeitos que não podem ser desconsiderados até para que futuros ajustes venham a ser feitos É importante que se compreenda que a negociação no processo penal é sempre sensível pois representa um afastamento do Estadojuiz das relações sociais não atuando mais como interventor necessário mas apenas assistindo de camarote o conflito Portanto é uma opção sempre perigosa Ademais significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal que erroneamente limitase a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor Não sem razão a doutrina afirma que o promotor é o juiz às portas do tribunal A lógica negocial se banalizada transforma o processo penal num mercado persa no seu sentido mais depreciativo Constitui também verdadeira expressão do movimento da lei e ordem na medida em que contribui para a banalização do Direito Penal fomentando a panpenalização e o simbolismo repressor A justiça negociada está atrelada à ideia de eficiência viés economicista de modo que as ações desenvolvidas devem ser eficientes para com isso chegarmos ao melhor resultado O resultado deve ser visto no contexto de exclusão social e penal O indivíduo já excluído socialmente por isso desviante deve ser objeto de uma ação efetiva para obterse o máximo e certo apenamento que corresponde à declaração de exclusão jurídica Se acrescentarmos a esse quadro o fator tempo tão importante no controle da produção até porque o deusmercado não pode esperar a eficiência passa a ser mais uma manifestação senão sinônimo de exclusão A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas zonas de consenso também está sustentada em síntese por três argumentos básicos a estar conforme os princípios do modelo acusatório b resultar da adoção de um processo penal de partes c proporcionar celeridade na administração de justiça A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do modelo acusatório e do processo de partes é totalmente ideológica e mistificadora como qualificou FERRAJOLI197 para quem esse sistema é fruto de uma confusão entre o modelo teórico acusatório que consiste unicamente na separação entre juiz e acusação na igualdade entre acusação e defesa na oralidade e publicidade do juízo e as características concretas do sistema acusatório americano algumas das quais como a discricionariedade da ação penal e o acordo não têm relação alguma com o modelo teórico O modelo acusatório exige principalmente que o juiz se mantenha alheio ao trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas tanto de imputação como de descargo A gestãoiniciativa probatória no modelo acusatório está nas mãos das partes esse é o princípio fundante do sistema Ademais há a radical separação entre as funções de acusarjulgar o processo deve ser predominantemente oral público com um procedimento contraditório e de trato igualitário das partes e não meros sujeitos Com relação à prova vigora o sistema do livre convencimento motivado e a sentença produz a eficácia de coisa julgada A liberdade da parte passiva é a regra sendo a prisão cautelar uma exceção Assim é o sistema acusatório não derivando dele a justiça negociada O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio que transforma a acusação em um instrumento de pressão capaz de gerar autoacusações falsas testemunhos caluniosos por conveniência obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa desigualdade de tratamento e insegurança O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática em que a parte passiva não disposta ao acordo vê o processo penal transformar se em uma complexa e burocrática guerra Tudo é mais difícil para quem não está disposto a negociar O panorama é ainda mais assustador quando ao lado da acusação está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões o processo assume sua face mais nefasta e cruel É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência Em síntese a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada como uma exigência do processo penal de partes Se não atentarmos para essas questões ela pode se transformar em uma perigosa medida alternativa ao processo sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças198 Inobstante todas as críticas e os perigos que encerra a ampliação dos espaços de consenso e a implementação da negociação no processo penal é uma tendência imparável e para a qual devemos estar preparados Não podemos pactuar com uma ampliação utilitarista do espaço de consenso que encontra seu exemplo maior de distorção no modelo de plea bargaining americano em que cerca de 90 dos casos penais são resolvidos através de acordo entre acusação e defesa Significa dizer que 9 de cada 10 casos penais são resolvidos através de acordo sem julgamento pleno e jurisdição efetiva Não sem razão os Estados Unidos é o país com a maior população carcerária do mundo fruto da banalização de acordos conjugado com uma política punitivista Esse é um extremo que precisa ser recusado Por outro lado atualmente há um consenso de que nenhum sistema de administração de justiça penal consegue dar conta da demanda sem algum espaço negocial para desafogálo Explica FIGUEIREDO DIAS199 devese dar passos decisivos na incrementação da justiça negocial e das estruturas de consenso em detrimento de estruturas de conflito entre os sujeitos processuais como forma de oferecer futuro a um processo penal dotado de eficiência funcionalmente orientada indispensável à passagem da atual sobrecarga da justiça penal sem menoscabo dos constitucionais adequados ao Estado de Direito A questão a saber é qual o espaço negocial que estamos dispostos a implantar no Brasil diante da nossa realidade processual e principalmente do nosso sistema carcerário e qual será o impacto Que rumo será tomado Caminharemos em direção ao modelo norteamericano da plea bargaining Iremos na linha do sistema italiano do patteggiamento O práticoforense alemão cuja implantação evidenciou o conflito do law in action com o law in books Ampliaremos o tímido mas crescente modelo brasileiro introduzido pela Lei n 909995 transação penal e suspensão condicional até chegar na Lei n 128502013 e a colaboração premiada Qual será o espaço negocial que iremos adotar e que limites Qual o papel do juiz nesse sistema mero homologador norteamericano ou mais intervencionista como no patteggiamento italiano Enfim são muitas as questões que precisam ser ponderadas mas nossa posição é precisamos ampliar o espaço de consenso e os mecanismos de negociação da pena através de lei clara e com limites demarcados legalidade que sirva para desafogar e agilizar a justiça criminal mas sem representar a negação de jurisdição e das garantias processuais constitucionais Um difícil equilíbrio que precisa ser encontrado através de um amplo debate e estudo da nossa realidade e análise do impacto carcerário e processual que ela poderá gerar 38 Rito dos Crimes da Competência do Tribunal do Júri 381 Competência e Morfologia do Procedimento O Tribunal do Júri está previsto no art 5º XXXVIII assegurandose a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida A disciplina legal do Tribunal do Júri está desenhada nos arts 406 a 497 do CPP tendo sido substancialmente alterada pela Lei n 116892008 A competência do júri é assim muito bem definida no art 74200 1º de forma taxativa e sem admitir analogias ou interpretação extensiva Logo não serão julgados no Tribunal do Júri os crimes de latrocínio extorsão mediante sequestro e estupro com resultado morte e demais crimes em que se produz o resultado morte mas que não se inserem nos crimes contra a vida Essa competência originária não impede que o Tribunal do Júri julgue esses delitos ou qualquer outro tráfico de drogas porte ilegal de arma roubo latrocínio etc desde que seja conexo com um crime doloso contra a vida Para evitar repetições remetemos o leitor para o Capítulo X onde tratamos da jurisdição e da competência Quanto à morfologia o procedimento estruturase assim 382 O Procedimento Bifásico Análise dos Atos O procedimento do júri é claramente dividido em duas fases instrução preliminar e julgamento em plenário A instrução preliminar não se confunde com a investigação preliminar que é a fase préprocessual da qual o inquérito policial é a principal espécie A instrução preliminar pressupõe o recebimento da denúncia ou queixa e portanto o nascimento do processo Feita essa ressalva compreendese que a instrução preliminar é a fase compreendida entre o recebimento da denúncia ou queixa e a decisão de pronúncia irrecorrível A segunda fase do rito se inicia com a confirmação da pronúncia e vai até a decisão proferida no julgamento realizado no plenário do Tribunal do Júri Na nova morfologia do procedimento do júri a segunda fase ficou reduzida praticamente ao plenário Antes dele há um único momento procedimental relevante que é a possibilidade de as partes arrolarem as testemunhas de plenário Essas duas fases ocorrem essencialmente pelo divisor de águas que se estabelece na decisão de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação Tal decisão é tomada pelo juiz presidente do júri ou seja o juiz de direito ou federal titular daquela vara Nesse momento o juiz após a coleta da prova na instrução decide em linhas gerais se encaminha aquele caso penal para o julgamento pelo Tribunal do Júri composto por 7 jurados Dessarte na primeira fase ainda não existem jurados sendo toda a prova colhida na presença do juiz presidente togado que ao final decide entre enviar o réu para julgamento pelo Tribunal do Júri pronúncia ou não absolvição sumária impronúncia ou desclassificação Portanto o processo pode findar nessa primeira fase conforme a decisão do juiz os detalhes de cada tipo de decisão serão analisados na continuação A segunda fase somente se inicia se a decisão do juiz for de pronúncia tem por ápice procedimental o plenário e finaliza com a decisão proferida pelos jurados 3821 Primeira Fase Atos da Instrução Preliminar Após o inquérito policial que mesmo sendo facultativo acaba se transformando em regra nesse tipo de delito o Ministério Público poderá oferecer a denúncia no prazo legal de 5 dias se o imputado estiver preso ou de 15 dias se estiver em liberdade art 46 do CPP Superado esse prazo sem manifestação do Ministério Público configurase a inércia autorizadora de que a vítima ou quem tenha qualidade para representála ajuíze a queixa crime subsidiária prevista no art 29 do CPP Há que se ter cuidado especialmente os que iniciam o estudo do direito processual penal para não pensar que o processo nos crimes contra a vida somente pode se iniciar por denúncia do MP Claro que todos esses delitos são de ação penal de iniciativa pública incondicionada mas nada impede que em caso de inércia do MP art 29 do CPP a vítima em caso de tentativa é claro ou seu ascendente descendente cônjuge ou irmão art 31 possa ajuizar a queixa subsidiária Formulada a denúncia ou queixa subsidiária caberá ao juiz recebêla ou rejeitála nos casos do art 395 do CPP Recebendo citará o acusado para oferecer defesa escrita no prazo de 10 dias201 onde já deverá arrolar suas testemunhas 8 testemunhas por réu arguir todas as preliminares que entender cabível juntar documentos e postular suas provas Também é o momento de formular em autos apartados as exceções de incompetência suspeição e demais enumeradas nos arts 95 a 112 e já estudadas Essa defesa escrita é obrigatória e não sendo oferecida deverá o juiz nomear um defensor dativo para fazêla sob pena de nulidade dos atos posteriores Feita a defesa escrita será dada vista ao Ministério Público para manifestarse sobre eventuais exceções e preliminares alegadas pela defesa bem como tomar conhecimento de documentos e demais provas juntadas Essa previsão de vista com a determinação de que o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos 5 cinco dias gera uma possibilidade de réplica desequilibradora nesse caso da estrutura dialética do processo Com razão MARQUES critica essa manifestação da acusação depois da defesa trazendo à colação o julgamento proferido no HC 87926SP Rel Min Cezar Peluso j 20022008 onde se assentou que a sustentação oral do representante do Ministério Público sobretudo quando seja recorrente único deve sempre preceder à defesa sob pena de nulidade do julgamento Em última análise o que se tutela em nome do contraditório e da ampla defesa é o direito de a defesa sempre falar após a acusação ou seja com verdadeira resistência ao ataque Na estrutura vigente o acusador formula sua imputação ataque a defesa se manifesta resistência e abrese erroneamente a possibilidade de um novo ataque agora dirigido à defesa apresentada Evidenciase assim a violação ao disposto no art 5º LV da Constituição É evidente que o Ministério Público tem o direito de se manifestar sobre eventuais documentos juntados nesta fase mas para isso disporá de toda a instrução podendo fazêlo ao longo dela ou nos debates orais ao final realizados O que não se pode admitir adverte com acerto MARQUES202 é a ampliação do debate em torno das alegações da defesa permitindo que a acusação tenha prazo para livre manifestação no momento exatamente anterior à ida dos autos para decisão sobre as provas Na sistemática do direito processual penal não é lícito à acusação falar depois da defesa pois a violação dessa ordem importa quebra dos princípios constitucionais norteadores do devido processo legal conforme referido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal Em suma duas opções a o juiz apresentada a resposta da defesa designa a audiência de instrução afastando portanto a aplicação do art 409 b ou intima o Ministério Público com a expressa advertência de que poderá se manifestar exclusivamente sobre a licitudeilicitude dos documentos juntados Havendo ampliação do debate por parte do acusador sobre as alegações da defesa tal peça deverá ser desentranhada dos autos Superado esse momento deverá o juiz aprazar audiência de instrução para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e defesa bem como produzir as demais provas postuladas pelas partes A reforma pontual Lei n 116892008 pretendeu dar mais celeridade ao procedimento do Tribunal do Júri mas pecou pelo atropelo além de criar perigosas condições para o utilitarismo processual com o evidente sacrifício de direitos e garantias fundamentais Na linha de nossa crítica inseremse os parágrafos do art 411 que estabelecem que as provas deverão ser produzidas em uma só audiência abrindose a perigosa opção de o juiz indeferir aquelas provas que entender irrelevantes impertinentes ou protelatórias Além de abrir um perigoso e impróprio espaço para a discricionariedade judicial comete o grave erro de permitir que o juiz subtraia dos jurados os verdadeiramente competentes para o julgamento a possibilidade de conhecer determinadas provas Há que se ter presente a peculiaridade do júri onde os destinatários finais da prova são os jurados e não o juiz Daí por que além de incompetente é errôneo atribuir ao juiz o papel de filtro probatório pois aquilo por ele considerado irrelevante impertinente ou protelatório pode ser muito relevante muito pertinente e nada protelatório para os jurados Outro erro foi prever debates orais em processos complexos como costumeiramente o são aqueles decorrentes dos crimes contra a vida Encerrando a equivocada linha procedimental adotada o art 412 estabelece que o procedimento será concluído no prazo máximo de 90 noventa dias Além de o prazo ser incompatível com a tramitação média desse tipo de processo pecou o legislador por estabelecer um prazo sem sanção processual Como já explicamos de nada serve fixar um prazo se não houver previsão legal da respectiva sançãopunição em caso de descumprimento É elementar que prazo sem sanção é igual a ineficácia do dispositivo Quando muito poderá servir para sinalizar um eventual excesso de prazo na prisão cautelar mas ainda assim de forma casuística e bastante tímida Mas feita essa rápida crítica voltemos à audiência de instrução Nesse momento deverão ser ouvidas a vítima se possível é claro as testemunhas arroladas pela acusação e após pela defesa Não poderá haver inversão nessa ordem mas a jurisprudência já tem relativizado essa regra quando a defesa concorda com a inversão Ato contínuo serão ouvidos os peritos que prestarão os esclarecimentos acerca das eventuais provas periciais Recordemos que a Lei n 116902008 alterando a disciplina legal da prova estabeleceu que as perícias podem ser feitas por um único perito oficial ou por dois peritos nomeados bem como passou a admitir a figura do assistente técnico E qual é o momento de postular a oitiva dos peritos As testemunhas devem ser arroladas respectivamente na denúncia ou queixa e na defesa escrita Nesse momento pode ocorrer que eventuais perícias não tenham sido realizadas ainda se tornando inviável o pedido de esclarecimentos dos peritos Nessa linha o art 411 1º determina que os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz Então em que momento isso deve ocorrer Pensamos que a resposta vem dada pelo art 159 5º203 de modo que a oitiva dos peritos deve ser requerida com antecedência mínima de 10 dias da audiência de instrução e julgamento Também nesse prazo podem ser apresentados quesitos ou questões a serem esclarecidos pelos peritos Mas pela lógica uma opção exclui a outra de modo que a parte postula a oitiva do perito ou que responda os quesitosquestões Contudo não se deve ignorar que em casos complexos pode ser necessário que os peritos esclareçam as próprias respostas dadas aos quesitos Considerando o alto risco de cerceamento de defesa bem como a competência dos jurados e não do juiz para o julgamento não deve ser indeferido eventual pedido de oitiva dos peritos Após a oitiva dos peritos serão feitas as eventuais acareações nos termos dos arts 229 e 230 do CPP Encerrando a instrução é feito o interrogatório dos réus constituindo verdadeiramente o direito à última palavra Ainda nessa audiência encerrada a instrução poderá haver a mutatio libelli prevista no art 384 cabendo ao Ministério Público aditar a denúncia se houver prova de um fato novo como a consumação no caso de homicídio tentado ou mesmo o surgimento de prova de uma qualificadora que não estava na denúncia que conduza a nova definição jurídica do caso penal Com o aditamento interrompese essa audiência pois deverá o juiz dar vista à defesa pelo prazo de 5 dias oportunizando ainda que o Ministério Público e a defesa arrolem até 3 testemunhas Deverá ser designada nova data para realização da oitiva dessas testemunhas e novo interrogatório do réu É imprescindível a realização desse novo interrogatório art 384 2º pois se deve oportunizar ao acusado refutar essa nova imputação Mas não sendo caso de mutatio libelli a instrução será encerrada passandose para os debates orais 20 minutos para cada parte prorrogáveis por mais 10 Nada impede que o debate oral seja substituído por memorial atendendo a complexidade do caso A decisão será proferida pelo juiz nessa audiência ou em até 10 dias art 411 9º do CPP Recordemos que a Lei n 117192008 recepcionou no art 399 2º o princípio da identidade física do juiz de modo que aquele julgador que colher a prova e assistir aos debates deverá proferir a decisão de pronúncia impronúncia absolvição sumária ou desclassificação Vejamos agora essas 4 decisões possíveis de serem tomadas pelo juiz presidente nesse momento 38211 Decisão de Pronúncia Excesso de Linguagem O Problemático In Dubio Pro Societate Princípio da Correlação Crime Conexo Prisão Cautelar Intimação da Pronúncia A pronúncia decisão interlocutória mista está prevista no art 413 do CPP Art 413 O juiz fundamentadamente pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação 1º A fundamentação da pronúncia limitarseá à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena 2º Se o crime for afiançável o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória 3º O juiz decidirá motivadamente no caso de manutenção revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e tratandose de acusado solto sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código A decisão de pronúncia marca o acolhimento provisório por parte do juiz da pretensão acusatória determinando que o réu seja submetido ao julgamento do Tribunal do Júri Preclusa a via recursal para impugnar a pronúncia iniciase a segunda fase plenário Tratase de uma decisão interlocutória mista não terminativa que deve preencher os requisitos do art 381 do CPP O recurso cabível para atacar a decisão de pronúncia é o recurso em sentido estrito previsto no art 581 IV do CPP É uma decisão que não produz coisa julgada material na medida em que pode haver desclassificação para outro crime quando do julgamento em plenário pelos jurados Faz sim coisa julgada formal pois uma vez preclusa a via recursal não poderá ser alterada exceto quando houver circunstância fática superveniente que altere a classificação do crime nos termos do art 421 1º do CPP Como explica ARAMIS NASSIF204 a pronúncia é a decisão que apenas verifica a admissibilidade da pretensão acusatória tal como feito quando do recebimento da denúncia mas e não é demasia dizer tratase de verdadeiro rerecebimento da denúncia agora qualificada pela instrução judicializada A pronúncia com a extinção do libelo antigo art 417 assume um papel muito importante pois demarca os limites da acusação a ser deduzida em plenário devendo nela constar a narração do fato criminoso e as eventuais circunstâncias qualificadoras e causas de aumento constantes na denúncia ou no eventual aditamento ou queixa subsidiária em caso de inércia do Ministério Público Assim as agravantes atenuantes e causas especiais de diminuição da pena não são objeto da pronúncia ficando reservadas para análise na sentença condenatória Como toda decisão judicial deve ser fundamentada Contudo por se tratar de uma decisão provisória em atípico procedimento bifásico no qual o órgão competente para o julgamento é o Tribunal do Júri e não o juiz presidente que profere a pronúncia a decisão é bastante peculiar Não pode o juiz condenar previamente o réu pois não é ele o competente para o julgamento Por outro lado especial cuidado deve ter o julgador na fundamentação para não contaminar os jurados que são facilmente influenciáveis pelas decisões proferidas por um juiz profissional e mais ainda por aquelas proferidas pelos tribunais Deve o juiz como determina o 1º do artigo anteriormente transcrito limitarse a indicar a existência do delito materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação Não pode o juiz afirmar a autoria ou a materialidade especialmente quando ela é negada pelo réu sob pena de induzir ao prejulgamento por parte dos jurados Deve restringirse a fazer um juízo de verossimilhança205 Não é a pronúncia o momento para realização de juízos de certeza ou pleno convencimento Nem deve o juiz externar suas certezas pois isso irá negativamente influenciar os jurados afetando a necessária independência que devem ter para julgar o processo Mais do que em qualquer outra decisão a linguagem empregada pelo juiz na pronúncia revestese da maior importância Deve ela ser sóbria comedida sem excessos de adjetivação sob pena de nulidade do ato decisório Nesse sentido entre outras decisões206 citamos o HC 85260RJ Relator Min SEPÚLVEDA PERTENCE julgado em 15022005207 O que se busca é assegurar a máxima originalidade do julgamento feito pelos jurados para que decidam com independência minimizando a influência dos argumentos e juízos de desvalor realizados pelo juiz presidente Ainda nessa linha de preocupação a Lei n 116892008 alterou completamente o rito do Tribunal do Júri inserindo no art 478 do CPP a proibição sob pena de nulidade de que as partes façam referência à decisão de pronúncia e às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação Com isso pretendese essencialmente evitar os excessos do juiz na pronúncia e principalmente o uso abusivo dessa decisão no plenário por parte do acusador Essa prática tão disseminada até então gerava gravíssimos prejuízos para a defesa pois a decisão de pronúncia e principalmente o acórdão confirmatório dela eram utilizados pelos acusadores como argumento de autoridade induzindo os jurados a afirmarem a autoria e a materialidade e por consequência condenarem o réu Contudo produzse um completo paradoxo quando verificamos essa acertada preocupação com uso abusivo da decisão de pronúncia e ao mesmo tempo o disposto no art 472 parágrafo único do CPP que determina a entrega aos jurados de cópia da pronúncia e decisões posteriores Ora não se permite que acusador e defesa façam alusão à pronúncia mas entregase cópia dela para os jurados E tem o jurado condições de compreender plenamente o que ali está Nem sempre E o pior não podem as partes explicarlhes a decisão Um paradoxo absurdo que só pode ser atenuado pela postura atenta e coerente do juiz presidente explicando de forma clara e cuidando ao máximo para não ser tendencioso eventuais dúvidas que os jurados possam ter em relação à decisão de pronúncia No mesmo sentido NASSIF208 critica que o legislativo reformador tenha deixado aberta a possibilidade de que o jurado possa sofrer a influência da linguagem imoderada da decisão o que vai exigir especial cuidado dos juízes no momento da pronunciação sem perder de vista que assim está repristinada toda a jurisprudência anterior que coibia a linguagem abusiva Noutra dimensão bastante problemático é o famigerado in dubio pro societate Segundo a doutrina tradicional neste momento decisório deve o juiz guiarse pelo interesse da sociedade em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri de modo que havendo dúvida sobre sua responsabilidade penal deve ele ser pronunciado LEAL209 afirma que ela se norteia pelo princípio do in dubio pro societate ou seja na dúvida o juiz decide a favor da sociedade declinando o julgamento ao júri A jurisprudência brasileira está eivada de exemplos de aplicação do brocardo não raras vezes chegando até a censurar aqueles hereges que ousam divergir do pacífico entendimento Pois bem discordamos desse pacífico entendimento Questionamos inicialmente qual é a base constitucional do in dubio pro societate Nenhuma Não existe210 Por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania do júri tal princípio não consegue dar conta dessa missão Não há como aceitar tal expansão da soberania a ponto de negar a presunção constitucional de inocência A soberania diz respeito à competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas escondendose atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição para burocraticamente pronunciar réus enviandolhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse complexo ritual judiciário Também é equivocado afirmarse que se não fosse assim a pronúncia já seria a condenação do réu A pronúncia é um juízo de probabilidade não definitivo até porque após ela quem efetivamente julgará são os jurados ou seja é outro julgamento a partir de outros elementos essencialmente aqueles trazidos no debate em plenário Portanto a pronúncia não vincula o julgamento e deve o juiz evitar o imenso risco de submeter alguém ao júri quando não houver elementos probatórios suficientes verossimilhança de autoria e materialidade A dúvida razoável não pode conduzir a pronúncia Para RANGEL211 o princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito onde a dúvida não pode autorizar uma acusação colocando uma pessoa no banco dos réus O Ministério Público como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis não pode com base na dúvida manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal Com razão RANGEL destaca que não há nenhum dispositivo legal que autorize esse chamado princípio do in dubio pro societate O ônus da prova já dissemos é do Estado e não do investigado Por derradeiro enfrentando a questão na esfera do Tribunal do Júri segue o autor explicando que se há dúvida é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandandoo a júri onde o sistema que impera lamentavelmente é o da íntima convicção A desculpa de que os jurados são soberanos não pode autorizar uma condenação com base na dúvida Renato BRASILEIRO refletindo também sobre a regra probatória no âmbito da pronúncia afirma que em relação à materialidade do delito deve haver prova plena de sua ocorrência ou seja deve o juiz ter certeza de que ocorreu um crime doloso contra a vida Portanto é inadmissível a pronúncia do acusado quando o juiz tiver dúvida em relação à existência material do crime sendo descabida a invocação do in dubio pro societate na dúvida quanto à existência do crime212 Nesse mesmo sentido AQUINO sustenta que a pronúncia exige o pleno conhecimento do crime pelo Juiz devendo haver sobre ela materialidade certeza uma vez que a dúvida impõe a impronúncia213 GUSTAVO BADARÓ214 explica que o art 409 atual 413 estabelece um critério de certeza o juiz se convencer da existência do crime Assim se houver dúvida sobre se há ou não prova da existência do crime o acusado deve ser impronunciado Já com relação à autoria o requisito legal não exige a certeza mas sim a probabilidade da autoria delitiva deve haver indícios suficientes de autoria É claro que o juiz não precisa ter certeza ou se convencer da autoria Mas se estiver em dúvida sobre se estão ou não presentes os indícios suficientes de autoria deverá impronunciar o acusado por não ter sido atendido o requisito legal Aplicase pois na pronúncia o in dubio pro reo grifo nosso Em relação ao pensamento de Gustavo BADARÓ é preciso fazer um esclarecimento O autor está correto e opera em outra perspectiva que comungamos A discussão se situa na definição do standard probatório vigente nesta fase e a possibilidade de um rebaixamento do standard O art 413 exige prova da materialidade indícios razoáveis de autoria O juiz precisa estar convencido da materialidade do fato Isso nos remete a um nível de exigência probatória maior no sentido de que deve estar provada a existência não bastando indícios ou mesmo dúvida razoável É o mesmo nível de exigência que se faz para uma sentença condenatória de que é preciso prova forte robusta e inequívoca da existência do fato Havendo dúvida em relação à materialidade aplicase o in dubio pro reo Quanto a autoria ou materialidade há um rebaixamento do nível de exigência probatória quando comparado com aquele necessário para uma sentença condenatória O CPP exige indícios suficientes de autoria ou de participação Não é preciso certeza prova plena e cabal mas se não superar a dúvida não pode haver pronúncia Existe um julgado muito importante do STF HC 81646 Rel Min SEPÚLVEDA PERTENCE que endossa nosso entendimento de que o in dubio pro societate não incide sobre a materialidade delitiva na dúvida sobre a existência do crime de homicídio devese encerrar o processo Vejamos a ementa 1 Não é questão de prova mas de direito probatório que comporta deslinde em habeas corpus a de saber se é admissível a pronúncia fundada em dúvida declarada com relação à existência material do crime II Pronúncia inadmissibilidade invocação descabida do in dubio pro societate na dúvida quanto à existência do crime 2 O aforismo in dubio pro societate que malgrado as críticas procedentes à sua consistência lógica tem sido reputada adequada a exprimir a inexigibilidade de certeza da autoria do crime para fundar a pronúncia jamais vigorou no tocante à existência do próprio crime em relação à qual se reclama esteja o juiz convencido 3 O convencimento do juiz exigido na lei não é obviamente a convicção íntima do jurado que os princípios repeliriam mas convencimento fundado na prova donde a exigência que aí cobre tanto a da existência do crime quanto da ocorrência de indícios de autoria de que o juiz decline na decisão os motivos do seu convencimento 4 Caso em que à frustração da prova pericial que concluiu pela impossibilidade de determinar a causa da morte investigada somouse a contradição invencível entre a versão do acusado e a da irmã da vítima consequente e confessada dúvida do juiz acerca da existência de homicídio que não obstante pronunciou o réu sob o pálio da invocação do in dubio pro societate descabido no ponto 5 Habeas corpus deferido por falta de justa causa para a pronúncia HC 81646 Relatora Min SEPÚLVEDA PERTENCE Primeira Turma julgado em 04062002 DJ 09082002 PP00088 EMENT VOL0207701 PP00076 RTJ VOL0019101 PP00218 Portanto tal julgado vem ao encontro do nosso entendimento de que é necessário fazer uma distinção entre o nível de exigência probatória feita em relação a materialidade e a autoria Nos tribunais o rompimento das amarras culturais é mais lento até por conta da força da ideologia autoritária consolidada em décadas de doutrina conservadora e igualmente cravada no discurso autoritário É preciso ler Ricardo Jacobsen Gloeckner e sua obra Autoritarismo e Processo Penal para compreender o que ele denomina de uma genealogia das ideias autoritárias no processo penal brasileiro Mas a cultura já está mudando Nessa perspectiva é acertada e louvável a decisão do STF no ARE 1067392 que enfrentou a questão e acolheu a nossa crítica ao in dubio pro societate Como disse o Min Gilmar Mendes Ou seja diante de um estado de dúvida em que há preponderância de provas da não participação dos acusados nas agressões o Tribunal optou por alterar a decisão de 1º grau e pronunciar os acusados Percebese a lógica confusa e equivocada ocasionada pelo suposto princípio in dubio pro societate que além de não encontrar qualquer amparo constitucional ou legal acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova O princípio do in dubio pro societate desvirtua por completo o sistema bifásico do procedimento do júri brasileiro esvaziando a função da decisão de pronúncia Para o Min Celso de Mello se o juiz se convence de que há prova inquestionável em torno da materialidade e de que existem elementos probatórios que possam traduzirse na presença de indícios suficientes de autoria ou participação então nesta hipótese legitimarseá a decisão de pronúncia Considerado o nosso sistema constitucional e tendo em vista que ninguém se presume culpado não se pode formular qualquer juízo que implique restrição à esfera jurídica do réu especialmente nos casos em que o Ministério Público falha na satisfação do seu ônus probatório E ainda em vez do estado de dúvida favorecer o acusado isso faz parte do próprio modelo consagrado pela Constituição vigente a partir de 1988 é uma consequência quo natural ao Estado Democrático de Direito mas longe de beneficiar o acusado vem na verdade em seu detrimento O estado de dúvida que eventualmente emerja de qualquer processo penal de conhecimento ainda que sob o rito procedimental do júri não pode autorizar a formulação contra o acusado de qualquer juízo que importe em restrição ao seu status libertatis e sua esfera jurídica Em nosso sistema jurídico uma situação de dúvida razoável só pode beneficiar o acusado jamais prejudicá lo Também na mesma linha o Min Lewandowski ressaltou a distinção feita pelo Min Celso de Mello de que a presunção de inocência tem assento constitucional enquanto o princípio in dubio pro societate seria no máximo um adágio forense Portanto por qualquer ângulo que se olhe o in dubio pro societate é de insustentável e de errônea e desnecessária invocação Sigamos Quando da pronúncia pode haver a exclusão de uma qualificadora ou causa de aumento da pena conforme o contexto probatório Se não existirem elementos suficientes para sustentar a qualificadora poderá o juiz pronunciar pela figura simples excluindo a qualificadora Há quem inclusive veja a possibilidade de uma impronúncia da qualificadora gerando uma pronúncia imprópria215 Isso porque em que pese a desclassificação da figura qualificada para o tipo simples existe pronúncia Também há que se atentar para o fato de que uma vez afastada a qualificadora o que resta excluído é a situação fática e não o nome jurídico Daí por que uma vez afastada a qualificadora mas pronunciado o réu não pode o Ministério Público ou querelante postular a sua inclusão em plenário sob o rótulo de agravante Isso ocorre porque muitas das qualificadoras nada mais são do que situações fáticas constitutivas de agravantes Logo uma vez excluída a qualificadora está afastada a situação fática não podendo o Ministério Público trocar o nome jurídico para querer agora seu reconhecimento com o título de agravante Apenas para esclarecer estamos falando em sustentar em plenário para que o juiz considere na sentença pois não se quesita a existência de agravantes ou atenuantes No mesmo sentido GIACOMOLLI216 esclarece que o afastamento da qualificadora na decisão de pronúncia impede a sustentação destas como agravantes por já terem recebido um juízo negativo Superada essa questão e pronunciado o réu deverá o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena Além da tipificação da conduta deverá o juiz decidir se também pronuncia as qualificadoras e causas de aumento de pena Para tanto além de prova razoável de sua existência é fundamental observarse o princípio da correlação entre acusaçãosentença de modo que somente poderá haver uma decisão sobre qualificadoras e causas de aumento de pena se existir a respectiva acusação Significa dizer que somente qualificadoras e causas de aumento que estejam descritas na denúncia ou queixa substitutiva ou tenham sido incluídas através de aditamento art 384 é que podem ser incluídas na pronúncia Sem isso estar na denúnciaqueixa ou aditamento é nula a decisão por ser ela ultra ou extra conforme o caso petita A pronúncia não examinará adverte NASSIF217 agravantes ou atenuantes pois essas circunstâncias legais pressupõem a aplicação da pena e portanto o juízo condenatório que não é realizado nessa fase Ademais não são elas objeto de quesitação ainda que devam ser alegadas pelas partes em plenário pois o art 492 I b do CPP estabelece que as agravantes e atenuantes alegadas serão consideradas quando da prolação da sentença Quanto às minorantes devem elas ser alegadas em plenário pela defesa e serão quesitadas como disciplina o art 483 IV do CPP Assim no momento da pronúncia poderá o juiz a concordar com o fato narrado na denúncia e a classificação jurídica a ele atribuída situação em que irá pronunciar o réu nesses termos b sem modificar a descrição do fato contida na denúncia não há fato novo portanto poderá atribuirlhe uma definição jurídica diversa nos termos do art 418 cc art 383 do CPP mesmo que isso signifique sujeitar o acusado a pena mais grave mas a nova figura típica ainda é de competência do júri c sem modificar a descrição do fato contida na denúncia poderá atribuir lhe uma definição jurídica diversa nos termos do art 418 cc art 383 do CPP mesmo que signifique sujeitar o acusado a pena mais grave mas dando lugar a uma nova figura típica que não é mais da competência do Tribunal do Júri é a chamada desclassificação própria prevista no art 419 devendo os autos ser remetidos para o juiz competente por exemplo a desclassificação de homicídio para lesão corporal seguida de morte Importante é a leitura do art 411 3º que remete para o art 384 do CPP Assim quando for cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração não contida na acusação deverá o Ministério Público aditar a denúncia ouvindo se após a defesa Não cabe mais ao juiz invocar a atuação do Ministério Público como na antiga sistemática do art 384 antes da Lei n 117192008 e tampouco pronunciar por crime mais grave sem o necessário aditamento Ainda nesse momento é possível que o juiz verifique a existência de indícios de autoria ou participação de outras pessoas não incluídas na acusação devendo pronunciar impronunciar absolver sumariamente ou desclassificar o acusado e determinar o retorno dos autos ao Ministério Público para decidir sobre denunciar pedir novas diligências ou o arquivamento das peças de informação Como menciona o art 417218 que trata dessa matéria é aplicável a cisão processual prevista no art 80 do CPP pois mesmo havendo continência a diferença das dinâmicas procedimentais entre um feito que já se encontra na fase de plenário e outro que irá iniciar impede a reunião para processamento simultâneo Pensamos que a mesma regra deve ser seguida quando for caso de conexão isto é com o surgimento de novos fatos delitivos conexos com aquele constante na denúncia O que fazer quando há mudança fática superveniente à pronúncia Devese utilizar o disposto no art 421 1º do CPP com a remessa dos autos ao Ministério Público para que promova o aditamento É o que ocorre por exemplo quando o réu é denunciado e pronunciado por tentativa de homicídio e a vítima após a pronúncia mas antes do plenário vem a falecer em razão das lesões sofridas Devese seguir a lógica do art 384 do CPP com o Ministério Público promovendo o aditamento a defesa se manifestando e após deverá o juiz proferir uma nova decisão de pronúncia E quanto ao crime conexo Quando existe algum delito conexo ao crime doloso contra a vida a regra é pronunciado o crime de competência do júri o conexo o seguirá Jamais poderá o juiz pronunciar o réu pelo crime prevalente e condenar pelo crime conexo Isso é pacífico que não pode ocorrer pois seria uma usurpação ilegítima da competência do tribunal do júri Também não é possível a desclassificação do conexo pois os casos de desclassificação estão restritos ao crime prevalente em razão da fixação ou não da competência do júri Mas poderia o juiz pronunciando o prevalente impronunciar ou absolver sumariamente pelo crime conexo Até a 16ª edição dessa obra seguíamos a corrente tradicional que afirmava que o crime conexo não é objeto da pronúncia além dos estritos limites da declaração da conexidade Ou seja não faz o juiz uma valoração da prova da autoria e materialidade como o faz em relação ao crime prevalente doloso contra a vida do crime conexo Limitase a declarar sua conexidade e determinar o julgamento pelo júri juntamente com o crime prevalente219 Contudo a partir da 17ª edição passamos a sustentar o seguinte deve o juiz fazer um juízo igual de admissibilidade da acusação quando da pronúncia em relação ao crime conexo nos termos do art 413 do CPP É preciso que exista o prova da existência do crime conexo e indícios razoáveis de autoria para que ele seja objeto da pronúncia Para seguir o prevalente em caso de pronúncia é preciso que existam os elementos probatórios exigidos pelo art 413 pois a decisão penal que encerra a primeira fase do procedimento do Júri tem a essencial função de realizar um filtro de legalidade na acusação decotando as imputações que não se revestirem de plausibilidade jurídica Neste sentido explica Paulo Rangel impronunciar o crime da competência do juiz singular que foi atraído pelos crimes dolosos contra a vida e segue esse rito é perfeitamente admissível220 Nessa mesma linha explica Távora dizendo que o Juiz na pronúncia examinará o suporte probatório dos crimes conexos221 Portanto pode haver impronúncia do crime conexo se o juiz não se convencer da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação art 414 e também absolvição sumária se o juiz estiver convencido de que em relação ao conexo estiver provada a inexistência do fato provado que ele não é autor o crime conexo não constituir infração penal ou estiver demonstrada uma causa de isenção de pena ou exclusão do crime tudo isso nos termos do art 414 do CPP É insustentável a tese de que o conexo deve seguir sempre cegamente e sem qualquer valoração o crime prevalente Imaginese levar o réu a julgamento pelo júri por um crime de homicídio presentes os requisitos da pronúncia em relação a ele e também por uma conduta manifestamente atípica ou sobre a qual está provada a presença de uma causa de exclusão da ilicitude ou mesmo que o réu não é o autor Seria ilógico e irracional Sem falar no imenso perigo de submeter alguém ao julgamento pelo júri por uma conduta que não preenche o standard probatório mínimo exigido pela pronúncia Enfim pensamos que o conexo exige uma avaliação de preenchimento dos requisitos do art 413 para que seja pronunciado com o prevalente Não pode haver uma condenação neste momento mas é possível haver impronúncia ou absolvição sumária do conexo Quando houver desclassificação do crime prevalente para outro que não é de competência do Tribunal do Júri o conexo também é redistribuído Se impronunciado ou absolvido sumariamente em relação ao crime doloso contra a vida o conexo é redistribuído para aquele juiz ou juizado competente para julgálo Encerrada a discussão sobre o crime conexo sigamos Quanto à decretação ou revogação de prisão preventiva remetemos o leitor para o capítulo da Prisão Cautelar mas sublinhamos que o juiz deverá demonstrar a existência ou manutenção do periculum libertatis bem como a insuficiência e inadequação das medidas cautelares diversas art 319 Somente em casos de real necessidade e como último instrumento poderá ser decretada ou mantida a prisão preventiva Quanto à fiança remetemos a toda explicação feita anteriormente quando tratamos das medidas cautelares mas desde logo sublinhamos sua perfeita aplicação neste momento A intimação da pronúncia deverá ser feita pessoalmente ao acusado ao defensor nomeado e ao Ministério Público ao defensor constituído ao querelante e ao assistente da acusação a intimação será feita por nota de expediente como determina o art 370 1º do CPP não sendo encontrado o acusado que está em liberdade a intimação será feita por edital Essa última providência intimação por edital visa em conjunto com a possibilidade de o réu ser julgado sem estar presente na sessão do Tribunal do Júri art 457 agilizar os julgamentos Por fim chamamos a atenção para o disposto no art 421 Art 421 Preclusa a decisão de pronúncia os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri A questão a saber é pode ser realizado o júri na pendência de recurso especial ou extraordinário da pronúncia Pensamos que o espaço de interpretação do dispositivo é bastante limitado e não há como sustentar se há preclusão na pendência do julgamento de recurso Seria desconsiderar hermeneuticamente toda construção doutrinária e jurisprudencial existente milhares de páginas escritas e ter a pretensão de atribuir à preclusão um sentido novo quase um absurdo marco zero de interpretação Ora se ainda há recurso pendente de julgamento como falar que houve preclusão O argumento da falta de efeito suspensivo no recurso especial e extraordinário além de constituir um errôneo civilismo da teoria geral do processo tinha algum sentido antes da reforma processual de 2008 Mas não agora com a nova redação Não há preclusão da pronúncia na pendência de recurso sendo irrelevante a questão efeito recursal Em suma pensamos que não pode ser aprazado o julgamento pelo tribunal do júri enquanto não houver preclusão ou seja enquanto não forem julgados os recursos interpostos Neste sentido andou muito bem a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Rel Des Maria Helena Salcedo no julgamento do HC 00309720220108190000 HABEAS CORPUS Art 121 2 III e V do Código Penal Alegação de existência de constrangimento ilegal em razão de haver sido designado julgamento em plenário sem preclusão da decisão de pronúncia Existência de recurso interposto pela defesa perante o Supremo Tribunal Federal pendente de julgamento de Agravo de Instrumento Pedido de declaração de nulidade do ato que recebeu o libelo acusatório bem como aqueles subsequentes inclusive o de designação de sessão plenária de julgamento Procedência Nova redação conferida ao art 421 do Código de Processo Penal e que obsta o prosseguimento do feito Concessão da ordem para anular a decisão saneadora que designou data para o plenário do tribunal do júri devendo ser aguardado o trânsito em julgado do recurso defensivo interposto perante a corte constitucional para só após se for o caso haver designação de data para julgamento grifamos Portanto a preclusão da decisão de pronúncia pressupõe o esgotamento das vias recursais sendo inviável designarse data para julgamento enquanto não for julgado eventual recurso especial ou extraordinário 38212 Decisão de Impronúncia Problemática Situação de Incerteza A impronúncia é uma decisão terminativa pois encerra o processo sem julgamento de mérito sendo cabível o recurso de apelação art 593 II do CPP Está prevista no art 414 do CPP Art 414 Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação o juiz fundamentadamente impronunciará o acusado Parágrafo único Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova A impronúncia é proferida quando apesar da instrução não lograr o acusador demonstrar a verossimilhança da tese acusatória não havendo elementos suficientes de autoria e materialidade para a pronúncia Está assim em posição completamente oposta em relação à pronúncia222 É assim uma decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito não havendo a produção de coisa julgada material pois o processo pode ser reaberto a qualquer tempo até a extinção da punibilidade desde que surjam novas provas Tal decisão não significa que o réu esteja absolvido pois em que pese não ser submetido ao Tribunal do Júri não está completamente livre da imputação Eis aqui o grande inconveniente da impronúncia gera um estado de incerteza Ao não decidir nada em favor do réu a impronúncia gera um estado de pendência de incerteza e insegurança processual O processo pode ser a qualquer momento reaberto desde que exista prova nova A situação somente é definitivamente resolvida quando houver a extinção da punibilidade ou seja a prescrição pela maior pena em abstrato o que pode representar 20 anos de espera O problema reside assim na possibilidade prevista no parágrafo único de o processo ser reaberto a qualquer tempo enquanto não estiver extinta a punibilidade se surgirem novas provas A impronúncia não resolve nada Gera um angustiante e ilegal estado de pendência pois o réu não está nem absolvido nem condenado E o que é pior pode voltar a ser processado pelo mesmo fato a qualquer momento Concordamos com RANGEL223 no sentido de que tal decisão não espelha o que de efetivo se quer dentro de um Estado Democrático de Direito ou seja que as decisões judiciais ponham um fim aos litígios decidindoos de forma meritória dando aos acusados e à sociedade segurança jurídica Tratase de uma decisão substancialmente inconstitucional e que viola quando de sua aplicação a presunção de inocência Se não há prova suficiente da existência do fato eou da autoria para autorizar a pronúncia e recordese nesse momento processual vigora a presunção de inocência e o in dubio pro reo a decisão deveria ser absolutória O que resulta por evidente inadmissível é colocar como define RANGEL o indivíduo no banco de reservas aguardando novas provas ou a extinção da punibilidade A impronúncia remonta a uma racionalidade tipicamente inquisitória em que o herege não deveria ser plenamente absolvido senão que como explica EYMERICH224 o inquisidor tomará cuidado para não declarar em sua sentença de absolvição que o acusado é inocente ou isento e sim esclarecer bastante que nada foi legitimamente provado contra ele desta forma se mais tarde trazido novamente diante do tribunal for indiciado por causa de qualquer crime possa ser condenado sem problemas apesar da sentença de absolvição Entendemos assim que o estado de pendência e de indefinição gerado pela impronúncia cria um terceiro gênero não recepcionado pela Constituição em que o réu não é nem inocente nem está condenado definitivamente É como se o Estado dissesse ainda não tenho provas suficientes mas um dia eu acho ou fabrico enquanto isso fica esperando A questão também deve ser tratada à luz do direito de ser julgado em um prazo razoável Não só o poder de acusar está condicionado no tempo senão também que o réu tem o direito de ver seu caso julgado A situação de incerteza prolonga a penaprocesso por um período de tempo absurdamente dilatado como será o da prescrição pela pena em abstrato nesses crimes deixando o réu à disposição do Estado em uma situação de eterna angústia e grave estigmatização social e jurídica Retornando à lógica inquisitorial a extinção da punibilidade tampouco resolve o grave problema criado não só porque constitui uma absurda demora jurisdicional mas também porque não o absolve plenamente Significa apenas que o réu foi suficientemente torturado e nada se conseguiu provar contra ele no mais puro estilo do Directorium Inquisitorum Aqui outra não poderá ser a solução adotada se não há prova suficiente para a pronúncia ou desclassificação o réu deveria ser absolvido com base no art 386 cujo inciso irá depender da situação concreta Não se descarta ainda dependendo da prova produzida e da situação específica do processo que o juiz absolva sumariamente nos termos do art 415 O que não se pode mais aceitar pacificamente é a impronúncia e o estado de incerteza que ela gera especialmente quando é possível uma solução mais adequada Quanto ao crime conexo ao prevalente impronunciado se não for de competência originária do júri não poderá ser objeto de qualquer decisão Deve ser redistribuído para o juiz singular competente ou para o Juizado Especial Criminal quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo A título de curiosidade doutrinária pois o termo nunca foi consagrado no Código de Processo Penal mencionamos a denominada decisão de despronúncia explicada por ESPÍNOLA FILHO225 como aquela tomada pelo tribunal que julgando um recurso interposto contra a decisão de pronúncia o acolhe e dá provimento para o fim de impronunciar o réu Assim o tribunal desconstitui a decisão de pronúncia e profere outra agora de impronúncia art 414 Existe portanto um desfazimento da pronúncia por parte do tribunal que anulando essa decisão profere outra de impronúncia Mas nada impede que o próprio juiz prolator da pronúncia em sede de retratação possível pois o recurso cabível da decisão de pronúncia é em sentido estrito onde existe a possibilidade de o juiz se retratar decida por acolher o recurso defensivo e impronunciar o réu sem esquecer que dessa nova decisão de impronúncia caberá recurso de apelação Daí o emprego do termo despronúncia 38213 Absolvição Sumária Própria e Imprópria Iniciemos pelo art 415 do CPP Art 415 O juiz fundamentadamente absolverá desde logo o acusado quando I provada a inexistência do fato II provado não ser ele autor ou partícipe do fato III o fato não constituir infração penal IV demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime Parágrafo único Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art 26 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal salvo quando esta for a única tese defensiva NR A absolvição sumária não é apenas uma decisão interlocutória mas sim uma verdadeira sentença com análise de mérito e que passou com o advento da Lei n 116892008 exatamente por ter essas características a ser impugnada pela via do recurso de apelação Também outra inovação relevante da referida lei foi a acertada extinção do recurso ex officio da sentença de absolvição sumária pois era uma teratologia processual completa um juiz decidir e recorrer da decisão que ele próprio proferiu sendo evidente sua ilegitimidade pois não parte interessada para recorrer e também a violação do sistema acusatório Também inovou a Lei n 11689 ao ampliar acertadamente os casos de absolvição sumária antes limitadas às causas de exclusão da ilicitude ou culpabilidade Os incisos I e II iniciam pela exigência de estar provadoa a inexistência do fato ou de que o réu não é autor ou partícipe do fato Tratase de situação que exige prova robusta que conduza ao pleno convencimento do juiz de que o fato não existiu em processo por homicídio consumado produzse prova cabal de que a vítima está viva por exemplo ou de que o réu não é autor ou partícipe Não se confunde portanto com não haver prova suficiente da autoria ou materialidade A exigência é de convencimento e não de dúvida do magistrado Já o inciso III permite a absolvição sumária quando o fato narrado não constitui infração penal Significa dizer que o fato é atípico Quando a questão envolver causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade o fundamento da absolvição sumária é o inciso IV Quanto ao inciso IV prevê a possibilidade de absolvição sumária quando estiver demonstrada a presença de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade recordando que as causas de exclusão da ilicitude estão previstas no art 23226 Quanto às causas de exclusão da culpabilidade inimputabilidade inexigibilidade de outra conduta estado de necessidade exculpante excesso de legítima defesa exculpante descriminantes putativas coação irresistível obediência hierárquica e o erro de proibição igualmente conduzem a absolvição sumária Precisamos sublinhar dois pontos No que tange à inimputabilidade o parágrafo único do art 415 faz uma importante distinção entre inimputável com tese defensiva e inimputável sem tese defensiva Quando o réu é inimputável nos termos do art 26 do Código Penal devidamente comprovado através do respectivo incidente art 149 e em que pese isso alega por exemplo que não é o autor ou partícipe ou que o fato não existiu ou que agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude deverá o juiz analisar o caso seguindo as regras normais de julgamento ou seja como se o réu fosse imputável e portanto possível a pronúncia a impronúncia a desclassificação ou mesmo a absolvição sumária mas não fundada na inimputabilidade senão nas causas previstas no art 415 Aqui se o réu for absolvido sumariamente porque agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade não há que se falar em aplicação de medida de segurança Assim acertadamente assegurase ao inimputável o direito ao processo e ao julgamento pois pode ele ser absolvido sumariamente porque agiu ao abrigo da legítima defesa bem como ser impronunciado ou ainda ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri para que os jurados decidam sobre sua tese defensiva Finalmente se submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri e for acolhida a tese acusatória somente então deverá o juiz proferir uma sentença absolutória imprópria absolvendo e aplicando a medida de segurança art 386 parágrafo único inciso III Noutra dimensão quando o réu alega exclusivamente que praticou o ato em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado sendo portanto ao tempo da ação ou omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento deverá o juiz absolver sumariamente e aplicar medida de segurança ou seja uma absolvição sumária imprópria seguindo o disposto no art 386 parágrafo único inciso III Evidente que essa postura é censurável pois não apenas subtrai o caso penal do julgamento do júri como impõe uma medida de segurança o que é faticamente até mais grave do que a pena privativa de liberdade em evidente sentido de condenação No mesmo sentido NASSIF227 critica tal decisão na medida em que ela passa efetivamente por conclusão que se não fosse a doença mental seria de caráter condenatório Com isso temse a nítida impressão de que o juiz trai os limites que lhe são impostos na judicium accusationis e furta ao Conselho de Sentença a competência para o julgamento Conclui o autor no sentido de que o dispositivo é substancialmente inconstitucional pois afronta os princípios constitucionais da ampla defesa e do juiz natural pois retira do júri a competência para o julgamento Superada essa questão continuemos analisando a absolvição sumária Como na decisão de pronúncia mas aqui com mais ênfase o in dubio pro societate é amplamente invocado pelo senso comum teórico no que tange ao nível de exigência probatória É lugarcomum a afirmativa de que a absolvição sumária é uma sentença que somente pode ter lugar quando a prova da excludente for estreme de dúvidas228 cabal e plena Com isso o que se faz é reduzir o campo de incidência da absolvição sumária a casos excepcionalíssimos enviando a imensa maioria dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri Pensamos que novamente o in dubio pro societate deve ser afastado cabendo aos juízes situarem a questão noutro nível de exigência probatória mais próximo do in dubio pro reo e da presunção de inocência como defendemos anteriormente Advertimos da insuficiência dos argumentos daqueles que defendendo o in dubio pro societate aduzem que uma postura diversa conduziria a que somente houvesse júri com réu précondenado ou seja de que a aplicação do in dubio pro reo nessa fase faria com que os acusados que fossem pronunciados já estivessem previamente condenados pois afastada a dúvida Não é verdade A questão passa pelo sistema escalonado do processo penal que pode ser progressivo ou regressivo de culpabilidade sem qualquer problema O suspeito indiciado hoje não é necessariamente o acusado de amanhã nem o submetido a longa prisão preventiva será logicamente condenado Também há que se considerar o espaçotempo da decisão ou seja de um lado temos uma decisão proferida pelo juiz presidente a partir da prova colhida na primeira fase Se ele entender que deve pronunciar pois nem mesmo o in dubio pro reo autoriza a absolvição sumária impronúncia ou desclassificação em nada resta prejudicado ou influenciado o julgamento dos jurados pois decidem a partir de outro contexto No plenário quem julga não é mais o mesmo juiz presidente e uma nova situação processual é gerada a partir do debate e da prova eventualmente produzida naquele momento Então são outros julgadores decidindo a partir de outro cenário probatório ou ainda noutra situação jurídicoprocessual Pensamos que devem os juízes assumir uma postura mais responsável e menos burocrática na condução dos processos submetidos a esse rito pois inegavelmente o júri representa um imenso risco para a administração da justiça Se não se pode desconsiderar a soberania constitucional do júri de um lado não se pode por outro fechar os olhos para essa realidade Mais grave ainda é não se dar conta de que o júri não é bem uma garantia do cidadão senão uma imposição pois o réu não pode escolher se quer ou não ser julgado por ele Em suma pensamos que os juízes devem exercer a partir da presunção constitucional de inocência e do decorrente in dubio pro reo um papel mais efetivo de filtro processual evitando submeter alguém a esse tipo de julgamento quando a prova autoriza outra medida como a absolvição sumária impronúncia ou desclassificação Por fim no que tange ao crime conexo que não é da competência originária do júri sendo o réu absolvido sumariamente deve ele ser redistribuído Não pode o juiz nesse momento também absolver sumariamente ou condenar pelo crime conexo Deve redistribuir para o juiz competente ou mesmo para o Juizado Especial Criminal se for o caso 38214 Desclassificação na Primeira Fase Própria e Imprópria e em Plenário Desclassificar é dar ao fato uma definição jurídica diversa tanto de um crime mais grave para outro menos grave mas também no sentido inverso pois desclassificar em termos processuais não significa necessariamente sair de um crime mais grave para outro menos grave A desclassificação poderá ocorrer na primeira fase ou em plenário conforme as respostas que os jurados derem aos quesitos Iniciaremos pela desclassificação feita pelo juiz presidente na primeira fase que vem regulada pelos arts 418 e 419 do CPP229 Finalizando a primeira fase poderá o juiz concordar ou não com a classificação jurídica feita pelo Ministério Público aos fatos narrados na denúncia Quando não existe modificação da descrição do fato ou seja não existe fato novo a discussão limitase à incidência dos arts 418 e 383 do CPP É o exemplo tradicional de réu denunciado por infanticídio e que é pronunciado por homicídio ou viceversa Nesse caso operase uma desclassificação para outro crime que continua sendo de competência do júri de modo que o juiz desclassifica mas pronuncia Disso decorre a designação desclassificação imprópria Situação diversa é quando a desclassificação conduz a outra figura típica que não é de competência do júri É o caso do réu denunciado por tentativa de homicídio e pronunciado por lesão corporal um delito que não é da competência do júri Dizse nesse caso que há uma desclassificação própria Mas pode ocorrer que no curso da instrução surjam provas de elementares ou circunstâncias do crime não contidas na denúncia situação em que os arts 411 3º e 384 do CPP exigem que o Ministério Público promova o aditamento da denúncia para inclusão dessa circunstância fática pois não pode haver o pronunciamento judicial sem a consequente acusação sob pena de nulidade da decisão violação do princípio da correlação Quanto ao crime conexo havendo desclassificação ele sempre seguirá o crime prevalente Assim se houver desclassificação e pronúncia o conexo também vai a julgamento pelo Tribunal do Júri Já quando a desclassificação exclui da competência do júri pois o novo crime não se subsume àqueles previstos no art 74 3º o conexo seguirá o principal Não cabe de modo algum ao juiz presidente decidir sobre o crime conexo neste momento pois não é competente para tanto Em suma a desclassificação na primeira fase pode ser 1 Própria quando o juiz dá ao fato uma nova classificação jurídica excluindo da competência do júri Diz que o delito não é da competência do júri e com isso remete para o juiz singular Exemplo desclassifica de tentativa para lesões corporais ou de homicídio doloso para culposo O conexo segue o prevalente logo vai para o singular também pois não cabe ao juiz presidente do júri julgar o conexo naquele momento O recurso cabível para impugnar essa decisão é o recurso em sentido estrito art 581 II porque ele conclui pela incompetência do júri 2 Imprópria quando o juiz desclassifica mas o crime residual continua da competência do júri Ele desclassifica mas pronuncia Exemplo desclassifica de infanticídio para homicídio simples Como o novo crime continua na esfera de competência do Tribunal do Júri o juiz presidente desclassifica mas pronuncia O crime conexo segue o prevalente e também vai para o Tribunal do Júri Dessa decisão de pronúncia caberá o recurso em sentido estrito previsto no art 581 IV No que diz respeito à desclassificação própria o revogado art 410 do CPP previa que o juiz que recebesse o processo deveria reabrir ao acusado o prazo para defesa e indicação de testemunhas A nova redação do art 419 do CPP silencia Pensamos que o mais coerente é que seja reaberta a instrução possibilitandose às partes arrolarem testemunhas para que a prova seja colhida em relação a essa nova imputação até porque agora está consagrado o princípio da identidade física do juiz sendo necessário que esse novo julgador colha a prova Também aqui o in dubio pro societate é costumeiramente invocado para não fazer uma desclassificação que beneficiasse o réu Não concordamos e remetemos o leitor para os argumentos anteriormente externados sobre esse fato Quanto ao recurso cabível para impugnar a desclassificação feita na primeira fase devese utilizar o recurso em sentido estrito previsto no art 581 II pois estamos diante de decisão que conclui pela incompetência do Tribunal do Júri para o julgamento Já em plenário também pode haver desclassificação própria ou imprópria gerada pela resposta dada pelos jurados aos quesitos Conforme a tese sustentada em plenário pela defesa podem os jurados operar uma desclassificação alterando inclusive a competência para o julgamento Situação bastante comum é a tese de crime culposo ou negativa de dolo o que acaba dando no mesmo Há que se ter sempre presente que a competência do Tribunal do Júri é para o julgamento dos crimes dolosos tentados ou consumados contra a vida Se a resposta aos quesitos propostos negar que o agente tenha agido com dolo direto e eventual pois ambos devem ser quesitados haverá uma desclassificação própria que conduzirá ao afastamento da competência do Tribunal do Júri Outra situação de desclassificação em plenário é quando os jurados negam o quesito relativo à tentativa afastando assim sua competência para julgar o caso cabendo ao juiz presidente proferir sentença considerando ainda os institutos da Lei n 9099 se for cabível sua aplicação Já a desclassificação imprópria fica restrita aos casos em que é reconhecido o excesso culposo na excludente ou admitida a participação dolosamente distinta A principal distinção em relação à desclassificação própria é que aqui os jurados afirmam qual é o tipo penal residual e portanto firmam a competência e podem julgar o crime conexo Noutra linha na desclassificação própria os jurados não julgam o crime conexo que deverá seguir o prevalente competindo o julgamento ao juiz presidente e aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação própria do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença E com a desclassificação própria a pronúncia segue existindo como marco interruptivo da prescrição Durante muito tempo prevaleceu o entendimento de que com a desclassificação própria a pronúncia desapareceria como marco interruptivo da prescrição pois na verdade o crime nunca foi da competência do Tribunal do Júri e portanto não deveria ter sido pronunciado Mas com a publicação da Súmula 191 do STJ o entendimento passou a ser em sentido inverso de que a pronúncia permanece como marco interruptivo da prescrição em que pese a desclassificação feita em plenário 3822 Segunda Fase Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário Relatório Crítica a que Qualquer Juiz Presida o Feito Alistamento dos Jurados Com a preclusão da decisão de pronúncia os autos serão encaminhados para o juiz presidente que determinará a intimação do Ministério Público ou do querelante se for caso de queixacrime subsidiária e da defesa para que no prazo de 5 dias apresentem o rol de testemunhas de plenário ou seja daquelas testemunhas que serão ouvidas no plenário do Tribunal do Júri Também poderão as partes juntar documentos e postular diligências que devem ser realizadas antes da sessão de julgamento A acusação e cada um dos réus poderão arrolar até 5 cinco testemunhas de plenário não importando se elas já foram ouvidas na primeira fase ou não Como o próprio nome diz são testemunhas de plenário portanto não se admite a indicação de testemunhas para serem ouvidas em outra comarca por carta precatória e menos ainda pode ser admitido o argumento de que esses depoimentos colhidos à distância seriam lidos em plenário convertendo essa ginástica jurídica em testemunhos de leitura em plenário Primeiro porque as testemunhas arroladas nesse momento são para serem ouvidas diante do conselho de sentença para que os jurados diretamente tomem contato com o depoimento em segundo lugar a mera leitura desse depoimento viola uma vez os princípios da imediação e da oralidade constitutivos da prova testemunhal Saneado o feito e realizadas as eventuais diligências postuladas deverá o juiz elaborar um relatório escrito do processo descrevendo todos os atos realizados até ali e determinar a inclusão do feito em pauta para julgamento pelo Tribunal do Júri Como adverte NASSIF230 esse relatório não poderá conterse de análise de prova e limitarseá a descrever sinteticamente as ocorrências no desenvolvimento do feito Portanto muita cautela deverá ter o juiz para não cometer excessos de linguagem ou fazer qualquer tipo de juízo de valor para não induzir os jurados O que fazer diante de um relatório elaborado em termos inadequados O grande problema é que não existe previsão de juntada prévia à sessão de julgamento impedindo portanto o controle pelas partes Mas por outro lado nada impede que assim proceda o juiz o que desde logo nos parece aconselhável A conformidade do dispositivo à Constituição aconselha a que em nome do contraditório o juiz dê conhecimento às partes com suficiente antecedência em relação à data do julgamento Se isso ocorrer e o relatório não for elaborado em termos adequados o Mandado de Segurança é o instrumento adequado para buscar o desentranhamento da peça e a elaboração de outra adequada aos fins a que se dirige que é o mero relato do iter procedimental Sendo o relatório apresentado somente no dia do julgamento caberá à defesa ou acusação prejudicada pela peça protestar imediatamente fazendo constar na ata dos trabalhos art 495 a alegação de nulidade que será utilizada como argumento para o posterior recurso preliminar de nulidade em que se buscará a nulidade de todo o julgamento Mudando o enfoque o art 424 recepciona infelizmente um equivocado entendimento já adotado em alguns Estados nas respectivas leis de organização judiciária de que um juiz que não é o presidente do Tribunal do Júri faça o preparo para julgamento e dependendo da estrutura local até mesmo decida pela pronúncia remetendo o processo após a preclusão dessa decisão para o juiz presidente do Tribunal do Júri Ora isso é um grave erro Elementar que não desconhecemos que os jurados são os competentes para proferir o julgamento sendo eles os juízes naturais mas esse argumento não pode legitimar a que qualquer juiz faça toda a instrução A garantia do juiz natural não se restringe à decisão tomada em plenário e aqui reside o grave reducionismo daqueles que chancelam tal prática Parecenos inegável que a garantia do juiz natural não nasce no plenário mas muito antes possuindo ainda uma dupla dimensão de um lado em relação ao juiz presidente e de outro em relação ao Tribunal do Júri Ou seja não se pode desconsiderar a relevância das decisões de pronúncia impronúncia desclassificação ou absolvição sumária pois elas efetivamente afetam gravemente o réu Ali se decide em muitos casos a sorte de ser absolvido sumariamente impronunciado ou obter uma desclassificação própria ou o azar de alguém ser pronunciado e submetido ao ritual do júri com todo o imenso risco que encerra Ademais há que se considerar que a nova sistemática do Código de Processo Penal consagrou o princípio da identidade física do juiz cuja redação do art 399 2º afirma que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença Ora existe o direito do réu de que o juiz que colha a prova decida sobre uma eventual absolvição sumária ou impronúncia que são decisões definitivas E mesmo se pronunciado que o seja pelo juiz competente que é o presidente do Tribunal do Júri e não qualquer juiz ou juizado231 Igualmente inaceitável é permitirse que um juizado colha toda a prova para que outro juiz o presidente simplesmente decida se pronuncia ou não o réu Pior ainda é admitir que o tal juizado ainda decida pela pronúncia Em suma entendemos que a competência constitucional do Tribunal do Júri a garantia do juiz natural e o princípio da identidade física do juiz não admitem tal prática Quanto ao alistamento dos jurados será feito nos termos dos arts 425 e 426 destacandose a proibição de que o cidadão que tenha integrado o conselho de sentença nos últimos 12 meses ou seja na lista anterior seja incluído na lista geral A função de tal proibição é ventilar o conselho de sentença e evitar a figura do jurado profissional que ano após ano participe dos julgamentos pois isso vai de encontro com o próprio fundamento legitimante do júri que pessoas do povo sem os vícios e cacoetes do ritual judiciário integrem o júri O cidadão que sistematicamente participa dos júris pode se transformar num mal jurado pois ele continua não tendo conhecimento de direito penal e processo penal mas pelas sucessivas participações é levado a ter a falsa impressão de que conhece o suficiente a ilusão de conhecimento Também visa diminuir a contaminação pelas constantes presenças nos julgamentos232 e a proximidade que isso possa trazer em relação ao promotor e advogados que lá costumam atuar Parte da crítica que ao final faremos à instituição do júri iniciase na seleção dos jurados pois aqui começa a ruir a tese de instituição democrática na medida em que como regra os jurados acabam por representar segmentos bem definidos da sociedade como servidores públicos aposentados donas de casa estudantes enfim aqueles cuja ocupação ou ausência de lhes permite perder um dia inteiro ou mais em um julgamento Nossa crítica não passou despercebida para MARQUES que mesmo defendendo a instituição com muita qualidade técnica registrese aponta que a desvalorização da Instituição do Júri começa pela forma como os juízes fazem a seleção dos jurados na medida em que há uma espécie de condescendência com as pessoas mais ocupadas aquelas que ocupam cargos mais importantes como os médicos os diretores das grandes empresas aqueles com situação social mais favorecida empresários celebridades etc culminando por vivificar a ideia absurda de que a tarefa de ser jurado deveria ficar reservada para pessoas que não tenham outra atividade mais importante ou dito de outro modo para aqueles que não têm outra coisa melhor para fazer na vida Sem dúvida esse problema deve merecer atenção para que o Tribunal do Júri efetivamente corresponda àquilo que dele se espera 38221 Do Desaforamento e Reaforamento Dilação Indevida e DeMora Jurisdicional Pedido de Imediata Realização do Julgamento Estabelece o art 427233 que o desaforamento é uma medida extrema até porque representa uma violação da competência em razão do lugar na qual o processo é desaforado ou seja retirado do seu foro daquela comarca originariamente competente para julgálo e encaminhado para julgamento em outro foro comarca ou circunscrição judiciária caso a competência seja da Justiça Federal São quatro as hipóteses de desaforamento a Interesse da ordem pública confundese com o já conhecido interesse público ou seja uma fórmula genérica e indeterminada que encontra seu referencial semântico naquilo que o juiz ou tribunal quiser Inclusive abrange a falta de segurança para o acusado a demora indevida do art 428 e até mesmo a imparcialidade ou não existe um interesse de ordem pública sobre isso Ou seja é uma cláusula guardachuva Também aqui podem ser trazidas questões de clamor ou comoção social e até a inexistência de um local adequado para a realização do júri seja por inexistência comarcas pequenas ou mesmo por impossibilidade temporária obras construção de novo foro etc Também não vemos impedimento de que com base nesse fundamento seja desaforado o julgamento quando houver fundado receio em relação à segurança dos jurados e não apenas do réu como menciona o dispositivo seja por questões de arquitetura da sala de julgamento ou mesmo por falta de policiamento suficiente para garantia da tranquilidade do julgamento b Dúvida sobre a imparcialidade do júri é uma causa importante mas dificílima de ser comprovada e portanto admitida Se a suspeição por quebra da imparcialidade de um juiz de direito ou federal julgador perfeitamente individualizado portanto é rarissimamente reconhecida pelos tribunais pelos mais diversos motivos mas principalmente pelo sentimento corporativo e o protecionismo imaginese uma alegação genérica de quebra da imparcialidade de um grupo difuso de jurados Não significa que o problema não exista todo o oposto senão que é de difícil comprovação Em geral tal situação decorre do mimetismo midiático ou seja o estado de alucinação coletiva e contaminação psíquica portanto em decorrência do excesso de visibilidade e exploração dos meios de comunicação O bizarro espetáculo midiático e a publicidade abusiva em torno de casos graves ou que envolva pessoas influentes ou personalidades públicas fazem com que exista fundado receio de que o eventual conselho de sentença formado não tenha condições de julgar o caso penal com suficiente tranquilidade independência e estranhamento ou alheamento desde uma perspectiva de terzietà Diante disso proporcional à cautela que devem os tribunais ter ao julgar tal pedido para evitar uma molesta banalização da medida está a necessidade de ter sensibilidade e coragem para decidir pelo desaforamento quando houver uma dúvida razoável acerca da alegada imparcialidade Também se deve considerar nessa rubrica o sentimento e prejulgamento gerado não pelo crime em si mas pela pessoa sujeita ao julgamento ou seja como adverte ESPÍNOLA FILHO234 há que se distinguir o sentimento de repulsa que em geral acompanha o crime da animosidade existente contra a pessoa do réu autorizadora do desaforamento c A segurança do réu exigir o risco de linchamento ou mesmo de que atentem contra a vida do imputado é um fator a ser considerado seja pela falta de condições adequadas para a realização do júri com segurança seja pela falta de policiamento suficiente na comarca d Comprovado excesso de serviço essa causa de desaforamento está prevista no art 428 e vinculase à eficácia do direito de ser julgado em um prazo razoável previsto no art 5º LXXVIII da Constituição Federal Está previsto no art 428 do CPP235 A nova sistemática do Tribunal do Júri alinhada ao espírito de celeridade processual que marcou as reformas procedimentais reduziu o prazo para o desaforamento por demora judicial que era de 1 ano no revogado art 424 parágrafo único contado do recebimento do extinto libelo para 6 meses O comprovado excesso de serviço não mais justifica a demora jurisdicional pois não se pode confundir comprovado excesso de serviço com justificada demora O excesso comprovado não significa legítima dilação estabelecendo o dispositivo uma solução processual para o interessado retirar o processo daquele foro Não se pode mais aceitar como causa de justificação a sobrecarga de trabalho do órgão jurisdicional pois segundo já decidiu o Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Bucholz é inconcebível TRANSFORMAR EM DEVIDO O INDEVIDO FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA Por fim ainda que não adote aqui a teoria dos 3 critérios é claro que o réu não pode dar causa à demora e depois reclamar pela demora ou seja não pode se beneficiar da sua própria torpeza Estabeleceu ainda o dispositivo o pedido de imediata realização do julgamento que não configura desaforamento É uma situação diversa e que merecia um tratamento em outro dispositivo pois não diz respeito ao deslocamento do julgamento para outra comarca senão simplesmente que o acusado seja imediatamente julgado diante da demora injustificada pois não há excesso de serviço ou uma quantidade de processos aguardando julgamento que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri nas reuniões previstas para o exercício Detalhe interessante apontado por BORGES DE MENDONÇA236 é que se o pedido de desaforamento for por excesso de serviço e dilação indevida superior a 6 meses conforme previsto no caput do dispositivo o Tribunal em não aceitando o argumento de excesso de serviço poderá determinar a imediata realização do julgamento 2º ainda que isso não tenha sido solicitado expressamente Ora se o Tribunal pode em nome da demora tomar a medida mais grave que é o desaforamento nada impede que profira uma decisão determinando o imediato julgamento naquela comarca Passando para a análise do processamento do pedido de desaforamento poderá a medida ser solicitada pelo Ministério Público querelante no caso de ação penal privada subsidiária assistente da acusação réu ou mesmo pelo juiz presidente de ofício diretamente ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal conforme o caso pois não compete tal decisão ao juiz de primeiro grau Não há previsão de dilação probatória para demonstrar as causas arguidas no pedido de desaforamento de modo que a prova deverá ser pré constituída Quando o pedido não for realizado pela defesa deverá ela obrigatoriamente ser ouvida sob pena de nulidade da própria decisão que determinar o desaforamento Nesse sentido acertadamente está posta a Súmula 712 do STF É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do Júri sem audiência da defesa Será ouvido o juiz da causa exceto é óbvio quando dele partir o pedido podendo o relator liminarmente suspender o julgamento pelo júri Essa medida liminar antecipatória da questão de fundo deve ser utilizada sem a timidez infelizmente reinante nos tribunais brasileiros De nada serve o desaforamento concedido após o julgamento Voltando ao 4º é acertada a vedação à admissibilidade do pedido de desaforamento enquanto não estiver preclusa pendência de recurso a decisão de pronúncia Somente quando admitida a acusação e pronunciado o réu sem recurso pendente é que se poderá formular o pedido de desaforamento Noutra dimensão infeliz é o restante da redação do 4º quando menciona quando efetivado o julgamento não se admitirá o pedido de desaforamento salvo nesta última hipótese quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado Razão assiste ao artigo em algumas situações segurança interesse público e demora mas esbarra no caso de dúvida sobre a imparcialidade do júri Nessa situação não existe a espécie de convalidação pregada Reconhecendo o tribunal que havia dúvida sobre a imparcialidade dos jurados há motivo mais do que suficiente para que o júri seja anulado A situação aqui é análoga àquela prevista no art 101 do CPP devendo ser adotada a mesma postura nulidade dos atos no caso do julgamento Voltando ao processamento uma vez acolhido o pedido de desaforamento prevê o dispositivo que preferencialmente o julgamento será transferido para uma comarca da mesma região preferindose entre elas as mais próximas o que especialmente nos casos de dúvida sobre a imparcialidade dos jurados pode não ser suficiente para a resolução do problema pois não impõe o afastamento estranhamento necessário Daí por que se a decisão for pelo desaforamento deve o tribunal adotar uma medida efetiva e não um mero paliativo despido de suficiente poder de distanciamento do foco do problema originador do pedido Inclusive em casos extremos se a competência for da Justiça Federal não vislumbramos nenhum óbice a que o júri seja desaforado para outro Estado desde que dentro da região de abrangência do respectivo Tribunal Regional Federal Sendo a competência da justiça estadual os limites do Tribunal de Justiça do Estado se impõem diante da necessidade de que os atos decisórios tomados pelo juiz presidente e pelo próprio conselho de sentença sejam submetidos ao controle do respectivo órgão de segundo grau competente Em sentido inverso não há como o Tribunal de Justiça da Bahia atendendo ao pedido do juiz de uma das varas do júri de Salvador determinar o desaforamento para Porto Alegre pois nenhuma ascensão e competência possui naquele Estado e sobre os juízes de lá Não se desconhece que o poder da mídia e sua abrangência territorial fazem com que em certos casos o ideal seja um desaforamento para o exterior mas isso tampouco é possível Dessarte há que se ter presente os limites legais do desaforamento e ponderálos à luz das necessidades do caso concreto sem medo contudo de encaminhar o caso penal para comarca longínqua o máximo possível atendendo as limitações territoriais Por fim o chamado reaforamento tem uma importância apenas teórica para servir de questãoforadarealidade cada vez mais comum nos concursos públicos pois não se tem notícia da sua ocorrência com alguma frequência ainda que mínima o que não significa que nunca tenha ocorrido talvez algum caso possa ser encontrado numa arqueologia judiciária Uma vez desaforado o julgamento em tese seria possível um reaforamento ou seja um retorno ao foro de origem em decorrência do desaparecimento das circunstâncias que autorizaram o desaforamento desde que isso ocorra é óbvio antes da realização do júri Ainda que nunca tenha ocorrido nem mesmo em tese é tranquila sua aceitação Nessa linha ESPÍNOLA FILHO237 afirma que definitivos são os efeitos do desaforamento e assim se proscreve o reaforamento mesmo quando antes do julgamento tenham desaparecidas as causas que o determinaram 38222 Obrigatoriedade da Função de Jurado Isenção Alegação de Impedimento Recusa de Participar e Ausência na Sessão Serviço Alternativo Problemática O serviço do júri é obrigatório determina o art 436 sendo que nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia raça credo sexo profissão classe social ou econômica origem ou grau de instrução238 Essa obrigatoriedade somente é mitigada pelas causas de isenção estabelecidas no art 437 do CPP Os nove primeiros incisos dizem respeito a funções públicas e atividades que por sua própria natureza são incompatíveis com o papel de jurado O inciso X é uma válvula de escape para atenuar o rigor da obrigatoriedade cabendo ao juiz o poder de decidir conforme o caso e o impedimento apresentado A Lei n 11689 definiu os serviços alternativos àqueles cidadãos que convocados para servir no júri recusarem alegando objeção de consciência A disciplina legal regulamenta o disposto no art 5º VIII da Constituição que determina que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei Tal dispositivo deve ser lido de forma combinada com o art 15 também da Constituição que estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos daquele que se recusar a cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa Com isso a recusa em cumprir a obrigação como jurado quando fundada em crença religiosa filosófica ou política não poderá dar lugar à perda ou suspensão de direitos políticos mas sim ao estabelecimento de serviço alternativo Contudo o não cumprimento desse serviço alternativo autorizará a aplicação da sanção do art 15 da Constituição O art 438 atribui ao juiz fixar o serviço alternativo quando o convocado alegar um impedimento por convicção religiosa filosófica ou política A disciplina legal é vaga deixando nas mãos do juiz definir a forma e a duração em que será prestado o serviço alternativo atendendo ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade Limitase o 1º do art 438 do CPP a dizer que o serviço alternativo será o exercício de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo no Poder Judiciário na Defensoria Pública no Ministério Público ou em entidade conveniada para esse fim A previsão é interessante mas faltou definir por quanto tempo será prestado esse serviço alternativo Será por um dia uma semana um mês enfim quanto tempo durará o serviço alternativo Pensamos que o serviço alternativo não poderá ser transformado numa punição implacável àquele que não aceita participar do Tribunal do Júri mas a ausência de previsão de limites como no direito penal ou seja pena mínima e máxima abre um espaço impróprio para o abuso judicial Além da lacuna legal no que tange à duração a nova sistemática estabeleceu uma contradição o convocado que injustificadamente se recusar a participar do júri será multado o valor será de 1 a 10 salários mínimos conforme as condições econômicas do jurado e após pagar a multa será liberado já aquele que alegar uma objeção de consciência e fundamentar sua recusa deverá prestar um serviço alternativo Assim para o convocado com melhores condições econômicas a simples recusa é mais benéfica do que ficar prestando serviços alternativos Essa mesma punição multa de 1 a 10 salários mínimos será aplicada ao jurado que sem causa legítima deixar de comparecer à sessão ou retirarse antes de ser dispensado pelo juiz presidente Por derradeiro e mais grave não vislumbramos possibilidade de aplicação sem violação da Constituição das punições previstas especialmente da suspensão de direitos políticos enquanto não prestados os serviços impostos Como admitir uma punição sem prévio processo Esse é um obstáculo intransponível na sistemática legal que prevê o dever de prestar um serviço de forma genérica e com prazo indeterminado e a pena de suspensão de direitos políticos sem a previsão de um prévio processo judicial Ora como admitir tão grave pena suspensão de direitos políticos sem prévio contraditório e defesa E como fazer isso sem um devido processo Daí por que pensamos ser inconstitucional a punição na medida em que viola as garantias inerentes ao devido processo 38223 A Sessão do Tribunal do Júri Constituição do Conselho de Sentença Direito de Não Comparecer Recusas e Cisão Instrução em Plenário Leitura de Peças e Proibições Uso de Algemas Debates A organização da sessão do Tribunal do Júri é detalhadamente prevista no CPP cabendo apenas mencionar alguns aspectos mais relevantes Na estrutura brasileira o Tribunal do Júri é composto por um juiz togado ou seja um juiz de direito ou juiz federal que presidirá os trabalhos e mais 25 vinte e cinco jurados que participarão das sessões Desses 25 jurados serão sorteados em cada julgamento 7 pessoas para constituir o conselho de sentença estando os demais dispensados pelo juiz presidente após a escolha As situações de impedimento estão enumeradas no art 448 somandose a elas as causas de impedimento suspeição e as incompatibilidades previstas para os juízes togados Ao lado delas estão os casos em que os jurados estão proibidos de constituir o conselho de sentença nos termos do art 449 Diante de uma situação dessas caberá ao jurado declinála quando sorteado ou ainda poderá ser recusado por qualquer das partes de forma motivada não se computando portanto no limite das recusas imotivadas Finalmente está consagrado o direito de não comparecer ou seja o réu em liberdade que foi devidamente intimado para a sessão do júri pode sem qualquer prejuízo jurídico não comparecer no seu julgamento art 457 No mesmo sentido dispõe o art 457 2º do CPP em relação ao réu preso que poderá pedir a dispensa de comparecimento tendo o legislador tomado a cautela de exigir que tal pedido seja subscrito pelo réu e seu defensor A conjunção aditiva e não deixa dúvidas de que devem concorrer as duas assinaturas para evitar futuras alegações de nulidade e também eventuais prejuízos para a defesa pessoal eou técnica conforme o caso De outra banda quando o réu preso não for conduzido não usou portanto o direito de não ir o julgamento deverá ser adiado para evitar graves prejuízos para sua defesa O direito de não comparecer é uma decorrência lógica do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere mas que infelizmente não vinha merecendo o devido respeito e tratamento Indo além dessa conquista estamos sustentando239 que o direito de não ir deve ser reconhecido por analogia em todo e qualquer ato processual ou préprocessual não apenas no júri mas especialmente na fase policial em CPIs e também no próprio interrogatório judicial Por que submeter alguém ao ritual degradante e humilhante de ser interrogado por uma CPI ou mesmo de comparecer na delegacia de polícia ou fórum quando irá utilizar o direito de silêncio É a nosso ver insustentável a dicotomia estabelecida pelo senso comum teórico quando afirmam que o réu ou imputado tem o direito de silêncio mas não o direito de não ir Isso é uma contradição total e uma punição ilegítima Na sessão de julgamento deverá o juiz presidente verificar se a urna contém as cédulas dos 25 jurados sorteados e determinará que o escrivão proceda à chamada deles Não é necessário que todos compareçam pois com pelo menos 15 jurados os trabalhos serão instalados e realizado o julgamento Do contrário serão sorteados tantos suplentes quantos necessários e designada nova data para a sessão Desses 25 jurados ou no mínimo 15 serão extraídos os 7 que irão compor o conselho de sentença Uma vez sorteados vige o princípio da incomunicabilidade entre os jurados e com outras pessoas impedindose a manifestação de opinião sobre o processo sob pena de exclusão do Conselho de sentença e multa A cada jurado sorteado deverá o juiz ler seu nome podendo a defesa e depois dela o Ministério Público recusar o jurado sorteado Duas são as espécies de recusa recusa motivada por suspeição impedimento incompatibilidade e proibição sem qualquer limite numérico cabendo ao juiz decidir no ato sobre a procedência ou não da alegação recusa imotivada limitada a 3 para cada parte É uma recusa peremptória sem necessidade de fundamentar o porquê de determinado jurado não ser admitido No modelo brasileiro não existe uma entrevista com os jurados em que os advogados e promotores poderiam ter um contato maior com eles buscando traçar o perfil social econômico e mesmo psicológico ainda que superficial é claro Então no mais das vezes a recusa é puramente instintiva Havendo dois ou mais réus as recusas poderão ser feitas por um único defensor O problema é quando cada réu através de seu respectivo defensor exerce o direito de recusa em descompasso com o corréu Estabelece o art 469 1º que a separação dos julgamentos somente ocorrerá se em razão das recusas não sincronizadas não for obtido o número mínimo de 7 sete jurados para compor o conselho de sentença Significa que se após o exercício de todas as recusas houver um consenso em torno de sete jurados haverá júri com os dois réus Do contrário operase a cisão É importante esclarecer até para romper com a estrutura do pensamento forjado no modelo anterior que havendo corréus a recusa de qualquer deles exclui aquele jurado Ou seja jurado recusado por qualquer dos réus está fora do conselho de sentença Isso com certeza irá gerar uma série de problemas o chamado estouro de urna na medida em que se tivermos apenas 15 jurados presentes e dois réus para serem julgados o exercício do direito de recusa imotivada de cada um 3 para cada réu logo 6 na soma deixará um universo de apenas 9 jurados Se o Ministério Público também recusar 3 outros jurados sobrarão apenas 6 pessoas número insuficiente para formação do conselho de sentença Se em razão das recusas motivadas eou imotivadas não houver o número mínimo para formação do conselho de sentença 7 jurados o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido após sorteados os suplentes necessários Nesse caso entendemos haverá cisão e na próxima reunião será julgado apenas um dos réus preferencialmente aquele a quem foi atribuída a autoria do fato ou em caso de coautoria terá preferência de ser julgado o acusado que estiver preso em caso de prisão de ambos aquele que estiver há mais tempo preso e permanecendo o empate aquele que tiver sido pronunciado primeiro valendo aqui para desempate aquele em que primeiro se operou a preclusão da decisão de pronúncia Mas se houver o número mínimo de jurados o Conselho de Sentença será formado procedendo então ao juramento através da fórmula estabelecida no art 472 Tratase de nada mais do que uma fórmula ritual simbólica em que os jurados prometem julgar com imparcialidade e decidir de acordo com sua consciência e os ditames da justiça É de certo modo um instrumento de captura psíquica em que se busca fortalecer o compromisso dos jurados em julgar com a seriedade e comprometimento que a função exige Após receberão os jurados cópias da pronúncia e eventuais acórdãos posteriores que a confirmaram240 e o relatório elaborado pelo juiz onde constará a descrição dos principais atos do processo Sobre o relatório para evitar repetições remetemos o leitor para o tópico anterior quando tratamos Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário e da problemática que o envolve Iniciase então a instrução em plenário disciplinada nos arts 473 a 475 através da qual as partes tomarão as declarações da vítima se possível e tiver sido arrolada bem como das testemunhas de plenário arroladas pela acusação e defesa Em relação à oitiva da vítima e demais testemunhas arroladas pela acusação a inquirição deve ser feita inicialmente pelo Ministério Público e eventual assistente e após pela defesa Já na oitiva das testemunhas arroladas pela defesa cabe a ela formular as perguntas antes da acusação O papel do juiz presidente é completamente secundário não tendo ele o protagonismo inquisitório do sistema anterior no qual o juiz fazia a inquirsição e após deixava o que sobrasse para as partes Nessa linha devese ter presente ainda o disposto no art 212 do CPP norma geral a orientar a produção da prova testemunhal Então o papel do juiz mais do que nunca é subsidiário Sua principal missão é evitar a indução e eventuais constrangimentos que promotor e advogado de defesa venham a praticar em relação à testemunha Já os jurados verdadeiros juízes do caso penal poderão formular perguntas através do juiz presidente que exercerá o papel de mediador para evitar que o jurado acabe deixando transparecer algum juízo de valor externando sua posição sobre a responsabilidade penal do réu Se isso acontecer nada mais restará ao juiz do que dissolver o conselho de sentença e marcar novo júri estando esse jurado impedido de atuar por evidente Em plenário poderá ser realizada uma instrução plena com oitiva de testemunhas acareações reconhecimento de pessoas e coisas e o esclarecimento dos peritos Assim deveria funcionar o júri prova produzida na frente dos jurados Infelizmente a instrução em plenário é uma exceção A regra é a patologia prova produzida na primeira fase diante do juiz presidente e mera leitura de peças em plenário Quanto à leitura de peças andou bem a reforma pois somente permitiu a leitura das peças referentes às provas colhidas por carta precatória e às cautelares antecipadas ou não repetíveis Com isso atenuase o imenso enfado que era ouvir horas e horas de leitura de depoimentos em geral com resultados pífios não em virtude da inutilidade probatória dos atos senão em decorrência do erro metodológico Ora se a prova serve para a captura psíquica do julgador nada mais inútil do que ficar horas e horas lendo peças O que se conseguia com isso era um desligamento psíquico total Agora com a restrição das peças passíveis de leitura incumbe às partes no tempo que possuem para o debate ler e referir o que acharem necessário Mas isso impõe uma boa estratégia e administração do tempo Sem embargo existem algumas peças que não podem ser objeto de leitura e tampouco de utilização nos debates orais como a decisão de pronúncia e posteriores confirmatórias e a determinação judicial do uso de algemas art 478 Também não podem ser lidos os documentos que não tiverem sido juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis art 479 Voltando à instrução após a coleta da prova será o acusado interrogado se estiver presente pois como vimos élhe assegurado o direito de não ir Mas se estiver presente será interrogado nos termos dos arts 185 e s do CPP com a peculiaridade de que os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente O uso de algemas em plenário foi finalmente disciplinado no júri pois ali mais do que em qualquer outro julgamento o fato de o réu estar algemado gerava um imenso prejuízo para a defesa Para um jurado a imagem do réu entrando e permanecendo algemado durante o julgamento literalmente valia mais do que mil palavras que pudesse a defesa proferir para tentar desfazer essa estética de culpado Entrar algemado no mais das vezes é o mesmo que entrar condenado Por isso o art 474 3º determina que 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes Assim o uso de algemas passa a ser excepcionalíssimo e a decisão que determina a permanência do acusado algemado deve ser fundamentada como determina a Súmula Vinculante n 11 do STF241 Sublinhese que a Súmula Vinculante teve como caso penal originário o HC 91952 no qual se anulou o julgamento pelo Tribunal do Júri de réu que permaneceu todo o tempo algemado sem justificativa que legitimasse tal fato Concluída a instrução o último ato será sempre o interrogatório do réu iniciamse os debates cabendo inicialmente à acusação e após à defesa o tempo de 1 hora e 30 minutos para exporem suas teses Após concedese o prazo de 1h de réplica acusação e outro tanto para tréplica pela defesa Importante destacar que predomina amplamente o entendimento de que a defesa somente poderá fazer uso da tréplica se houver réplica por parte do acusador Do contrário o júri se encerra com os debates iniciais de 1h30min para cada parte Sérios problemas terá o advogado de defesa se não for capaz de expor claramente suas teses na primeira fase dos debates deixando o restante para a tréplica Isso porque se o acusador perceber essa falha e não optar por fazer a réplica os debates serão encerrados e não haverá mais oportunidade para a defesa falar Contudo em que pese ser majoritário o entendimento questionamos Por que não pode haver tréplica sem réplica Qual a base legal desta tradição do júri brasileiro de que somente haverá tréplica se o Ministério Público decidir ir para réplica Deixar ao poder discricionário do acusador não é uma quebra da igualdade Uma fragilização do contraditório Não viola a garantia constitucional da plenitude de defesa A despeito de majoritário entendimento em sentido diverso pensamos que há uma violação inequívoca do devido processo Como explica MARQUES242 uma das poucas vozes a se levantar contra essa tradição é uma prática bastante frequente essa de o acusador dispensar a réplica por entender que a defesa não teve êxito na exposição da tese ou seja há uma situação indevida de superioridade do acusador incompatível com o atual estágio do processo penal especialmente em um sistema regido pelo direito ao júri com plenitude de defesa Prossegue o autor explicando que não há justificativa para o acusador deter o poder de dizer o procedimento em prejuízo da defesa pois no embate das teses a acusação poderá usar da faculdade da réplica quando entender que isto é importante para a melhor apreensão da tese acusatória A defesa por outro lado não dispõe da mesma prerrogativa Com esta situação o acusador sabe desde o início do debate como dirigir sua sustentação pois pode contar ou não com a ampliação do tempo A defesa ao contrário sempre deve estar preparada para atuar com menos tempo de exposição aos jurados pois só pode contar com o período destinado à primeira manifestação sendo temerário fazer o trabalho de Plenário já contando com o prosseguimento dos debates O direito à tréplica depende da vontade de quem acusa Por quê É injustificada a concessão desta prerrogativa para o acusador diante do princípio da paridade de armas que deve reger o processo penal e diante da possibilidade de manipulação antiética do tempo de debate Caso a acusação esteja satisfeita não há necessidade de fazer uso do tempo complementar de debate A defesa por outro lado poderá sentir a necessidade de continuar a exposição da tese não devendo ser impedida de utilizar o tempo para o esclarecimento de pontos ainda obscuros ou não explicados na primeira parte Feita essa ressalva continuemos Existindo mais de um acusador presença de assistente da acusação por exemplo ou mais de um defensor deverão combinar entre si a distribuição do tempo cabendo ao juiz na falta de acordo decidir pela divisão proporcional Esclarecemos243 que havendo concurso de agentes se forem julgados todos ou mais de um deles na mesma oportunidade cada parte terá direito a mais uma hora totalizando assim duas horas e trinta minutos a réplica e a tréplica sofrerão acréscimo do dobro do tempo previsto perfazendo um total de duas horas para cada parte Voltamos a mencionar a proibição sob pena de nulidade do julgamento de que as partes nos debates façam referência I à decisão de pronúncia às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado II ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo Por fim regulamentando os debates o art 480 determina que as partes e os jurados poderão a qualquer momento por meio do juiz presidente pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada Isso pode ser feito através de aparte e visa garantir o controle da transparência e fidelidade da fundamentação exposta Os apartes integram a própria essência dos debates no tribunal do júri mas quando empregados de forma abusiva ou mesmo deselegante prejudicam o julgamento na medida em que cerceiam a defesa ou a acusação conforme o caso devendo ser utilizados com prudência pois se mal empregados podem acabar prejudicando quem o fez e educação A nova sistemática legal traçou alguns limites até então inexistentes a acusação a defesa e os jurados poderão a qualquer momento e por intermédio do juiz presidente pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada art 480 caberá ao juiz presidente conceder até 3 minutos para cada aparte requerido que serão acrescidos ao tempo de quem estava com a palavra art 497 XII do CPP No primeiro caso o simples pedido de indicação da folha dos autos onde se encontra a peça referida não é propriamente um aparte e portanto não gera acréscimo de tempo ao final Já os apartes propriamente ditos podem ser de duas espécies244 consentidos pela parte neste caso a intervenção é direta sem a intermediação do juiz tendo o orador consentido na manifestação Neste caso existe um consentimento do orador em relação à intervenção e não há que se falar em acréscimo de tempo ao final autorizados pelo juiz ocorre quando não há a concordância do orador em conceder a interrupção cabendo ao juiz decidir sobre a pertinência ou não do aparte Se considerar fundado o aparte concederá a palavra à outra parte controlando o tempo da exposição pois ele não poderá exceder a 3 minutos Neste caso deverá acrescentar 3 minutos ao tempo do orador ao final por cada aparte autorizado Também poderão os jurados sempre por intermédio do juiz presidente solicitar que as partes esclareçam questões fáticas por eles alegadas sempre tomando a cautela de não externar qualquer juízo de valor que demonstre prejulgamento ou a tendência de decidir desta ou daquela forma pois vigora a incomunicabilidade dos jurados e o sigilo das votações A qualquer momento os jurados podem ter acesso aos autos e aos instrumentos do crime devendo solicitar ao juiz presidente Concluídos os debates indagará o presidente se os jurados estão aptos a julgar ou se necessitam de algum esclarecimento As dúvidas sobre questões fáticas pois eles não decidem sobre questões jurídicas ainda que no mais das vezes essa distinção seja bastante tênue serão sanadas pelo juiz presidente que deverá ter muita cautela nas explicações para esclarecer sem induzir 38224 Juntada de Documentos para Utilização em Plenário Antecedência Mínima O Problema das Manobras e Surpresas Ainda durante o julgamento não será permitida a leitura de documento jornais outros escritos vídeos gravações fotografias laudos quadros croquis ou qualquer outro meio assemelhado que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias úteis dandose ciência à outra parte Tal medida é fundamental para evitar a surpresa e consequente violação do contraditório e direito de defesa quando produzido pela acusação sem a ciência prévia do réu Não existe no júri brasileiro a possibilidade hollywoodiana de no último momento do julgamento surgir uma testemunhachave ou um documento da maior relevância que dê um giro total no caso Ainda que o CPP não esclareça recomendase que o prazo de 3 dias úteis seja contado da efetiva ciência da parte contrária Para evitar a surpresa objetivo do dispositivo legal não basta apenas juntar 3 dias úteis antes do júri é importante assegurar que a parte contrária tenha efetivamente 3 dias úteis para analisar o documento Inclusive considerando a eventual complexidade e o volume de documentos juntados por não haver prazo razoável para que a outra parte tenha ciência conhecimento e possa estar pronta para o júri caberá ao juiz se instado transferir o júri aprazado para evitar prejuízo ao contraditório E como deve proceder o juiz quando for postulada a utilização em plenário de documento que não tenha sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias Poderá ele consultar a parte adversa sobre a concordância ou não em que seja utilizado o documento Imaginemos a seguinte situação bastante comum digase de passagem no momento dos debates a acusação ou defesa tanto faz saca um documento novo pode ser uma carta uma certidão fita de áudio ou vídeo ou mesmo um laudo médico e argumenta que não pôde juntar no prazo legal porque somente agora ele lhe chegou às mãos A outra parte assiste surpresa a tal cena como também curiosos se põem os jurados E o juiz em momento de rara infelicidade virase para a parte adversa surpreendida e perguntalhe Doutor alguma oposição a que seja utilizado tal documento Pronto o problemaão está criado Se ele aceitar a utilização do documento novo estará em situação de desvantagem até porque impossibilitado de fazer uma análise mais detida e acurada e principalmente de fazer uma contraprova A surpresa gera uma insuperável situação de desvantagem processual que poderá comprometer todo o julgamento Mas e se ele não aceitar Estará resolvido o problema Claro que não até agravase o quadro A parte impossibilitada de produzir o documento lançará mão de uma arma muito mais poderosa melhor até do que o próprio documento novo a curiosidade e o desejo dos jurados Bastará saber aguçar o desejo para obter um resultado muito melhor até porque fomentando a curiosidade e o desejo dos jurados poderá fazerlhes deslizar pelo imaginário e aí a situação será muito melhor para ele e a desvantagem para a outra parte insuperável Não é preciso mostrar o documento basta um pouco de habilidade cênica e um mínimo de capacidade para induzir os jurados à abstração e ao campo do imaginário para obter um excelente resultado Como resolver essa situação Com um juiz bem preparado e firme que imediatamente proíba a utilização do documento novo com base no art 479 sem deixar à parte adversa qualquer decisão pois isso geraria um imenso prejuízo aos olhos dos jurados Além disso deve proibir terminantemente qualquer menção ou exploração do documento cuja juntada não se deu no prazo devido Também poderá o juiz diante da relevância do documento para o processo adotar um outro caminho igualmente correto dissolver o conselho de sentença determinar a juntada do documento e vista para a outra parte Após marcará novo julgamento em que obviamente não poderão funcionar os jurados que tiverem integrado esse conselho de sentença Aplicase nesse caso o disposto no art 481 do CPP245 São as únicas opções que o juiz tem Do contrário em não procedendo assim talvez não exista outra opção à parte surpreendida do que simplesmente abandonar o plenário forçando um novo julgamento Sim pois se ficar e concordar a surpresa lhe prejudicará de forma imensurável se ficar e não concordar com a produção a outra parte lançará mão do estímulo psíquico dos jurados levandoos a imaginar o que não podem ver com igualmente imensuráveis prejuízos Então não lhe resta outra alternativa ir embora Principalmente quando se trata do defensor que se vê surpreendido por tal manobra da acusação não há outra forma de assegurar a máxima eficácia do direito de defesa do réu Elementar que essa é uma situação extremamente sensível de altíssimo risco e grande responsabilidade principalmente para o advogado Além de eventuais problemas com o réu terá ele que contar no mais das vezes com o apoio da OAB Mas com certeza somente assim estará assegurando a eficácia do direito a ampla defesa É preocupante alguns debates jurisprudenciais que tentam salvar uma prática que deveria ter sido abolida na reforma de 2008 o uso em plenário por parte do MP da decisão de pronúncia ou ao direito de silêncio É evidente que constitui argumento de autoridade pelo simples fato de ser dito por uma autoridade Não se pode esquecer que o jurado é leigo e o simbólico da autoridade do Ministério Público é evidente e inafastável Ademais não é avaliável posteriormente em grau de recurso o nível de prejuízo que tal manifestação gera pois os desembargadores não são os jurados leigos e não estavam imersos naquela realidade para avaliar É mais um exemplo do viés erro recognitivo ou seja a simplificação cognitiva que significa um desembargador analisar hoje o ocorrido há meses atrás no plenário do júri na cabeça do jurado leigo O equívoco é evidente Por isso a leitura do art 478 do CPP deve se pautar por um critério objetivo o Ministério Público fez referência a conteúdo não apenas a existência da pronúncia ou ao uso do direito de silêncio no plenário Se a resposta for afirmativa está violado o art 478 e deve ser anulado o júri 38225 Considerações sobre os Quesitos Teses Defensivas Desclassificação Própria e Imprópria Concluídos os debates e feitos os esclarecimentos necessários passase para o momento em que serão formuladas as perguntas e proferida a votação decidindose o caso penal Com o advento da Lei n 116892008 a pronúncia e decisões confirmatórias posteriores passa a ser a principal fonte dos quesitos agora substancialmente simplificados As agravantes e atenuantes não serão objeto de quesitação mas devem ser objeto do debate para que possam ser valoradas na eventual sentença condenatória Se alegada alguma agravante pela acusação ou atenuante pela defesa caberá ao juiz presidente em caso de condenação ou desclassificação decidir sobre a incidência e a influência na dosimetria Sublinhamos que não existe mais a obrigatoriedade de formularse um quesito genérico relativo à existência de atenuantes como na sistemática antiga Como determina o art 482 do CPP somente podem ser quesitadas as matérias de fato jamais conceitos jurídicos como culpa dolo consumação tentativa etc e as perguntas devem ser redigidas em proposições afirmativas simples e distintas A clareza e precisão das perguntas são fundamentais para a compreensão dos jurados devendo ser anulado o julgamento cuja quesitação não siga essa regra Quanto à ordem dos quesitos devese seguir o disposto no art 483 Art 483 Os quesitos serão formulados na seguinte ordem indagando sobre I a materialidade do fato II a autoria ou participação III se o acusado deve ser absolvido IV se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa V se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação O primeiro quesito obrigatoriamente deverá versar sobre a materialidade do fato que se confunde com a própria existência da seguinte forma 1º no dia tal às tantas horas na rua X FULANO DE TAL foi atingido por disparos de arma de fogo sofrendo as lesões descritas no auto de necropsia da fl 10 que causaram a sua morte A resposta positiva de mais de 3 jurados ou seja no mínimo 4 para utilizar a fórmula do 1º do art 483 a esse quesito afirma a existência do fato e autoriza a formulação dos demais quesitos A resposta negativa por parte de 4 jurados ou mais conduz à imediata absolvição do réu encerrandose a votação e o julgamento Quando a defesa alegar a inexistência do nexo causal246 art 13 1º do Código Penal a questão poderá ser resolvida com a recusa a esse primeiro quesito como também aqui será decidida a causa penal quando a tese defensiva for de inexistência do fato Afirmada a existência do fato devese quesitar a autoria 2º o réu MANÉ DE TAL desferiu os tiros referidos no quesito anterior Se a acusação for por participação o quesito sofrerá a seguinte variação O réu MANÉ DE TAL concorreu para a morte da vítima desferindo tiros No que se refere à participação reputamos nulo o chamado quesito genérico através do qual sem individualizarse a imputação questionase se o réu concorreu de qualquer modo para o resultado Tratase de uma fórmula aberta e indeterminada que causa gravíssimo cerceamento de defesa pela abrangência da imputação além de violar o princípio da culpabilidade pois não individualiza a conduta do réu Um tal substancialismo inquisitório permite a condenação por qualquer fato pois conduz a uma ampliação absurda da responsabilidade para muito além dos limites do direito penal Assim sempre se deve individualizar a conduta e a forma de participação no crime explicitandose por exemplo se o réu participou desferindo tiros Também refutando o quesito da participação de qualquer modo GIACOMOLLI247 adverte que é função da pronúncia individualizar a conduta específica de cada imputado e sendo ela a fonte primária da quesitação não pode o juiz em plenário fazer a formulação genérica Dessarte não se pode admitir que os jurados sejam questionados se o réu participou desferindo tiros e diante da negativa formular um novo quesito perguntando se ele concorreu de qualquer modo para o crime pois isso é o mesmo que fazer uma imputação vaga e genérica além de induzir os jurados pela insistência na tese acusatória É quase como dizer condenem por isso ou por aquilo ou ainda por qualquer outra coisa que vocês queiram o que importa é condenar Feita esta ressalva continuemos A resposta positiva por parte de 4 jurados ou mais implica o reconhecimento de que o réu é autor coautor ou partícipe do fato A resposta negativa conduz à imediata absolvição Daí por que quando a tese defensiva for de negativa de autoria por exemplo o julgamento terá nesse quesito a possibilidade de acolhimento da tese defensiva com a absolvição do réu ou o afastamento Contudo é importante destacar ainda que os jurados afirmem a autoriaparticipação refutando a tese defensiva de negativa de autoriaparticipação será imprescindível a feitura do quesito genérico da absolvição o jurado absolve o acusado previsto no art 483 2º Logo os jurados podem afastar a tese defensiva mas absolver no quesito genérico Mas se afirmarem a autoria e negarem o quesito genérico da absolvição estará o réu condenado O terceiro quesito somente será formulado quando os jurados responderem afirmativamente aos dois anteriores materialidade e autoria sendo proposto da seguinte forma como previsto no art 483 2º 3º O jurado absolve o acusado Esse quesito é a principal simplificação operada pela Lei n 116892008 pois ele engloba todas as teses defensivas exceto a desclassificação que será tratada na continuação não mais havendo o desdobramento em diversos quesitos para decidirse sobre a existência ou não da causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade eventualmente alegada Agora a tese defensiva é decidida neste terceiro quesito sem que se formule uma ou mais perguntas sobre a legítima defesa por exemplo como no sistema anterior Apenas para reforçar o afirmado mesmo que a defesa alegue que o réu agiu ao abrigo da legítima defesa e alternativamente que não lhe era exigível naquelas circunstâncias uma conduta diversa deverá o juiz formular um único quesito o jurado absolve o acusado Apenas isso nada mais Qualquer que seja a tese defensiva abrangida ou não pelo 3º quesito sempre deverá o juiz formular esse quesito genérico da absolvição É pois um quesito obrigatório No STJ está pacificado que independentemente da tese defensiva sustentada em plenário é obrigatória a formulação do quesito genérico da absolvição após a afirmação da materialidade e autoria entre outros ver HCs 154700SP 276627RJ e 350895RJ Superada essa questão respondido de forma positiva por 4 ou mais jurados está o réu absolvido dessa imputação Se houver crime conexo será quesitado na continuação Do contrário estará encerrado o julgamento Se os jurados responderem de forma negativa estará condenado o réu pois rechaçada sua tese defensiva Passase então para a formulação dos quesitos relativos às eventuais causas de diminuição da pena qualificadoras ou causas de aumento da pena Contudo esse terceiro quesito não será formulado nesse momento quando a tese defensiva for no sentido da desclassificação da ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação Assim estabelece o art 483 4º e 5º 4º Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular será formulado quesito a respeito para ser respondido após o 2º segundo ou 3º terceiro quesito conforme o caso 5º Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito sendo este da competência do Tribunal do Júri o juiz formulará quesito acerca destas questões para ser respondido após o segundo quesito Bastante recorrente é a tese de crime culposo ou negativa de dolo sustentando que o agente não quis nem assumiu o risco de causar o resultado morte sendo ele fruto de sua falta de cuidado objetivo logo crime culposo A admissão por parte dos jurados dessa versão defensiva conduz à desclassificação própria pois recordemos a competência do Tribunal do Júri é restrita aos crimes dolosos contra a vida não lhes competindo julgar o delito de homicídio culposo Tal tese defensiva deve ser objeto de quesitação após os dois primeiros quesitos materialidade a autoria anteriormente explicados sendo formulado o questionamento da seguinte forma 3º o réu MANÉ DE TAL quis ou assumiu o risco de produzir a morte da vítima A tese de crime culposo somente é acolhida quando os jurados negam que o autor tenha agido com dolo portanto devese quesitar o dolo direto quis o resultado e também o dolo eventual assumiu o risco A resposta sim por 4 ou mais jurados a esses quesitos implica condenação pelo crime doloso ou pelo menos o afastamento dessa tese cabendo a formulação dos quesitos relativos às demais se houver Se os jurados responderem não haverá a desclassificação própria cabendo ao juiz presidente continuar no julgamento e aplicar se for o caso os institutos da Lei n 9099 Não se desconhece a histórica divergência teórica sobre esse quesito havendo autores248 que sustentam a seguinte fórmula para esse quesito 3º o réu MANÉ DE TAL causou o resultado descrito no primeiro quesito de forma culposa ou seja não intencional Contudo pensamos não ser a melhor forma não só porque não abrange as duas modalidades de dolo direto e eventual como também é confusa pois introduz um conceito jurídico culpa que é desconhecido pelos jurados que não raras vezes confundem a culpa elemento normativo do tipo com a responsabilidade penal ou a culpabilidade São conceitos completamente diversos e cuja confusão poderá levar a um resultado absurdo Por derradeiro quesitar culpa esbarra na regra do art 482 do CPP que determina claramente que o conselho de sentença será quesitado sobre matéria de fato Logo vedada está a quesitação de conceitos jurídicos como o de culpa Mas é preciso advertir há dois pontos bastante discutíveis quando a tese defensiva é de desclassificação primeiro deve ser feito o quesito genérico da absolvição Em caso afirmativo em que momento será formulado Vamos ao primeiro ponto havendo desclassificação própria por exemplo os jurados negam o dolo direto e eventual ainda assim deve ser feito o quesito da absolvição Seguindo a lógica da competência do júri se os jurados negarem o dolo desclassificação eles não são mais competentes para prosseguir no julgamento e portanto não poderiam responder ao quesito da absolvição o jurado absolve o acusado por serem incompetentes para absolver ou condenar Ademais criase um novo problema se eles responderem não ao quesito da absolvição teremos que considerar o resultado do quesito anterior ou seja da desclassificação Mas e se eles responderem afirmativamente está o réu absolvido Mas se os jurados desclassificaram como poderiam absolver É flagrante o paradoxo Por fim se eles absolverem terão julgado e portanto seguirão competentes para julgamento do crime conexo Ou vale a desclassificação operada no terceiro quesito antes do genérico da absolvição e o conexo vai para o juiz singular Eis uma questão ainda sem resposta clara na doutrina ou jurisprudência e cuja solução é igualmente problemática Mas o tema está longe de qualquer paz conceitual Em sentido contrário e essa é a nossa posição atual podese argumentar que o quesito genérico da absolvição é obrigatório e sempre deverá ser feito em caso de resposta afirmativa aos dois primeiros materialidade e autoria É a grande inovação da reforma de 2008 e sua não formulação poderá conduzir à nulidade do julgamento Súmula 156 do STF No âmbito do STJ está pacificado a formulação do quesito genérico é obrigatória como já explicamos anteriormente Não se pode retirar do acusado o direito de ser absolvido por qualquer motivo autorizado pelo quesito genérico da absolvição No momento em que a reforma optou por reafirmar o julgamento por íntima convição ainda que não concordemos simplificando a quesitação das teses defensivas para um único quesito bem como autorizando os jurados a absolverem inclusive fora da prova dos autos temse que tal quesito é obrigatório e não pode o juiz subtrair da defesa a chance da absolvição Portanto entendemos que o quesito o jurado absolve o acusado deve ser formulado ainda que tenham negado o dolo e desclassificado Surge um novo questionamento no desdobramento desse entendimento e quando deverá ser formulado o quesito da desclassificação Será ele o terceiro ou quarto quesito Encontramos duas posições a Formulase o quesito genérico da absolvição antes da tese defensiva de desclassificação o problema é que neste caso os jurados ainda não firmaram a competência pois não afirmaram a existência do dolo Não poderia portanto absolver o acusado b Formulase o quesito genérico depois da tese da desclassificação mas voltando à problemática anterior se os jurados desclassificaram retiraram o caso penal da competência do júri e portanto não poderiam responder o quesito genérico da absolvição até porque estariam absolvendo quando não mais possuem competência para isso Logo não se faria o quesito genérico da absolvição O problema processual nasce neste ponto pois não seria feito o quesito genérico da absolvição que é obrigatório Nossa sugestão é a de que se faça primeiro o quesito referente à desclassificação própria e se desclassificarem ainda assim seja elaborado o quesito obrigatório da absolvição Se os jurados responderem não ao quesito genérico da absolvição considerase a desclassificação operada no quesito anterior A vantagem é que não se deixa de formular um quesito que é obrigatório e ainda se permite que os jurados absolvam se quiserem ou seja podem negar a desclassificação e absolver ou desclassificar e absolver Quando for negada a desclassificação não há problema sempre será formulado a continuação o quesito obrigatório da absolvição Interessante caso foi debatido no STJ no REsp 1736439249 j 14062018 da relatoria do Min Sebastião Reis Jr no qual se julgava uma acusação de tentativa de homicídio simples em face de duas pessoas A defensoria sustentava duas teses a principal era de absolvição por legítima defesa e a secundária de desclassificação de tentativa de homicídio para lesões corporais O juiz quesitou primeiro a desclassificação que foi acolhida e depois fez o quesito obrigatório da absolvição tendo os jurados acolhido a tese defensiva e votado pela absolvição O MP recorreu alegando que ao ter se operado a desclassificação não poderia o juiz ter formulado o quesito da absolvição pois o júri não seria mais competente para julgar O TJAM acolheu parcialmente o recurso do MP e anulou o júri A defesa levou o caso ao STJ tendo o Min Sebastião Reis Jr voto vencedor afirmado que a orientação consolidada nesta Corte é de que o quesito absolutório genérico na hipótese da absolvição figurar como tese principal da defesa deve anteceder o desclassificatório a fim de evitar violação do princípio da amplitude da defesa Nesse contexto considerando a ordem correta de formulação dos quesitos absolvição antes da desclassificação e a apuração verificada no caso entendo que deve ser restabelecida a sentença absolutória uma vez que a resposta ao quesito absolutório genérico acabou por prejudicar o quesito desclassificatório Ante o exposto dou provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença que absolveu o recorrente Outra causa de desclassificação própria é a inexistência de tentativa que nada mais representa do que uma negativa de dolo sendo quesitada tal tese após os dois primeiros quesitos da seguinte forma 3º assim agindo o réu MANÉ DE TAL deu início ao ato de matar a vítima que não se consumou por circunstâncias alheais à sua vontade Se 4 ou mais jurados responderem sim estarão reconhecendo a figura tentada dolosa portanto cabendo ao juiz prosseguir formulando o quarto quesito o jurado absolve o acusado para finalizar o julgamento Apenas para que fique bem claro SEMPRE deverá o juiz formular o quesito genérico da absolvição o jurado absolve o acusado após os quesitos referentes à desclassificação pois os jurados ainda assim podem absolver o réu Mesmo quando a tese defensiva é a desclassificação se os jurados negarem o respectivo quesito deve ser feito o quesito obrigatório da absolvição Em sentido diverso se os jurados acolherem a tese defensiva e responderem não a esse terceiro quesito estarão afastando sua competência havendo assim a desclassificação própria Caberá então ao juiz presidente julgar o feito diante da desclassificação realizada Não se pode olvidar de que com a desclassificação própria em qualquer de seus casos o feito passará às mãos do juiz presidente a quem competirá o julgamento do caso penal e se houver crime conexo que não seja doloso contra a vida porque se for será julgado pelo júri também ao juiz presidente do Tribunal do Júri competirá o julgamento aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença A chamada desclassificação imprópria operada em plenário ocorre em dois casos excesso culposo na excludente e participação dolosamente distinta No modelo antigo quando os jurados eram quesitados sobre a legítima defesa deveriam responder a uma série de perguntas entre elas se o réu usou moderadamente dos meios necessários para repelir a injusta agressão Nesse momento se os jurados respondessem não estavam reconhecendo a existência do excesso Quesitavase então se o excesso foi doloso antigo art 484 III Se dissessem sim estava o réu condenado pelo excesso doloso Se a resposta majoritária fosse não para o dolo direto e também o eventual quesitavase se o excesso foi culposo Se dissessem sim ocorria a chamada desclassificação imprópria a resposta não significava que o excesso era impunível sendo o réu absolvido pela legítima defesa A relevância da desclassificação imprópria era em relação ao crime conexo pois se entendia que o júri havia firmado sua competência e por conseguinte deveria julgar o crime conexo que seria objeto de quesitação Com a nova sistemática de quesitação implantada pela Lei n 116892008 o modelo foi substancialmente simplificado não havendo mais a necessidade de desdobrarse a legítima defesa em uma série de quesitos Assim a tese do excesso culposo é sempre subsidiária em relação à principal da excludente Devemse elaborar os dois primeiros quesitos materialidade e autoria e após o terceiro quesito genérico da defesa o jurado absolve o acusado Mas para que se fale em excesso da legítima defesa seja ele doloso ou culposo é fundamental que os jurados reconheçam ter existido a legítima defesa ou seja somente se pode falar em excesso se o agente inicialmente estava ao abrigo da excludente A nova sistemática legal ao simplificar o sistema de quesitação como um todo acabou por criar novas complicações pontuais Entre elas essa como quesitar excesso na excludente se a excludente não é mais quesitada havendo apenas o quesito genérico da absolvição Eis um problema sério Se o réu for absolvido nada mais será perguntado e o julgamento está encerrado Mas se negado quesito genérico da absolvição e alguma das partes sustentou em plenário a tese do excesso seja ele culposo ou doloso pensamos que a melhor solução será o juiz elaborar o seguinte quesito 4º o réu MANÉ DE TAL excedeu por imprudência imperícia ou negligência os limites da legítima defesa A resposta sim reconhece o excesso culposo e indica a prática do crime de homicídio culposo Contudo como os jurados não são competentes para julgar um crime culposo haverá uma desclassificação imprópria pois eles já indicaram qual é o tipo praticado Com a desclassificação caberá ao juiz presidente apenas condenar o réu pelo crime culposo apontado A relevância prática da desclassificação imprópria é que os jurados firmam sua competência e portanto seguem competentes para julgar os eventuais crimes conexos Essa é a principal distinção em relação à outra modalidade de desclassificação pois na desclassificação própria o júri não firma sua competência e por isso não julga o crime conexo na desclassificação imprópria o júri define qual é o crime praticado juízo positivo da tipicidade firmando sua competência e portanto julga o crime conexo A resposta não significa que houve excesso doloso e assim deverá o réu responder pelo crime doloso resultante do excesso como regra sendo o resultado morte será por homicídio doloso Portanto não há necessidade de quesitarse o excesso doloso pois ele se dá por exclusão Ou seja a resposta sim desclassifica de forma imprópria transferindo o julgamento para o juiz presidente e com a resposta não estará o réu condenado pelo crime doloso Quanto à desclassificação imprópria pelo reconhecimento de participação dolosamente distinta ocorrerá quando havendo concurso de agentes um deles sustentar ter querido participar de crime menos grave Serão formulados os dois primeiros quesitos materialidade e participação e também o terceiro quesito genérico de defesa o jurado absolve o acusado Somente se negado esse terceiro quesito pois se acolhido o réu estará absolvido é que deverá o juiz formular o 4º quesito específico para a participação dolosamente distinta 4º o réu MANÉ DE TAL quis participar de crime menos grave qual seja lesão corporal Se os jurados responderem sim haverá uma desclassificação imprópria passando o julgamento para o juiz presidente mas já com a afirmação do tipo penal praticado Há desclassificação porque o júri não é competente para julgar originariamente um crime de lesão corporal Contudo por terem feito um juízo positivo de tipicidade o júri segue competente para o julgamento de eventual crime conexo Se a resposta for não significa o afastamento da tese defensiva da participação dolosamente distinta e portanto a condenação do réu nos termos da acusação Continuando a análise dos quesitos não sendo o réu absolvido e nem operada a desclassificação está o réu condenado Passase então para a análise dos incisos IV e V do art 483 Art 483 IV se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa V se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação Na sistemática legal uma vez condenado o réu seguese a quesitação questionando a causa de diminuição de pena se alegada pela defesa é óbvio No delito de homicídio a figura privilegiada vem prevista no art 121 1º do Código Penal 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço A causa de diminuição da pena deverá ser quesitada após a condenação do réu ou seja após afirmada a materialidade autoria e rechaçadas as teses defensivas nos seguintes termos O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima Se os jurados responderem sim caberá ao juiz na dosimetria fazer a respectiva diminuição da pena sendo que o pode reduzir a pena constante no artigo diz respeito ao quantum da redução que poderá variar conforme as circunstâncias do caso Não poderá o juiz uma vez reconhecida a causa de diminuição deixar de levála em consideração Mas se a resposta for não significa que os jurados afastaram a tese defensiva e a causa de diminuição da pena não poderá incidir na dosimetria Quanto às qualificadoras eou causas de aumento de pena devem elas estar expressamente reconhecidas na pronúncia ou decisões posteriores Recordemos ainda que é possível a figura do homicídio qualificadopri vilegiado desde que a qualificadora seja de ordem objetiva inviável portanto a concorrência da privilegiadora com as qualificadoras do motivo fútil ou torpe por exemplo Advirtase que uma vez afastada a qualificadora na pronúncia o que resta excluído é a situação fática e não o nome jurídico Daí por que uma vez afastada a qualificadora mas pronunciado o réu não pode o Ministério Público ou querelante postular a sua inclusão em plenário sob o rótulo de agravante Isso ocorre porque muitas das qualificadoras nada mais são do que situações fáticas constitutivas de agravantes Logo uma vez excluída a qualificadora está afastada a situação fática não podendo o Ministério Público trocar o nome jurídico para querer agora seu reconhecimento com o título de agravante Quanto à forma de quesitar a qualificadora vejamos alguns exemplos O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime por motivo torpe O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime por motivo fútil O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime à traição O réu MANÉ DA SILVA cometeu o crime usando de recurso que tornou impossível a defesa da vítima Acolhida a qualificadora por 4 ou mais jurados deverá o juiz iniciar a dosimetria da pena pelos limites da figura qualificada 12 a 30 anos Por fim havendo mais de um réu as perguntas devem ser formuladas em séries distintas uma para cada réu A mesma sistemática deve ser adotada quando o réu é acusado de mais de um crime mas sempre iniciando pelo prevalente ou seja aquele que é de competência originária do júri crime doloso tentado ou consumado contra a vida Isso porque é necessário que o júri firme a competência julgando o crime prevalente isto é condenando ou absolvendo o réu para só então poder julgar o crime conexo 38226 Da Sentença Condenatória e Absolutória Problemas em Torno dos Efeitos Civis A Prisão Preventiva A Inconstitucional Execução Antecipada da Pena Quando Igual ou Superior a 15 Anos Todas as ocorrências do julgamento deverão constar na ata dos trabalhos prevista nos arts 494 a 496 Sublinhamos que todas as nulidades seja na instrução em plenário debates ou quesitação deverão obrigatoriamente constar nessa ata da reunião sob pena de conforme o caso preclusão No que tange às nulidades dos quesitos por se tratar de nulidade absoluta não é imprescindível que o protesto conste em ata ainda que isso seja recomendável pois não há preclusão Nesse sentido importante a leitura do art 564 parágrafo único do CPP Finalizado o júri caberá ao juiz presidente proferir a sentença nos limites do que foi decidido pelo conselho de sentença observando a regra geral do art 381 do CPP mas também o disposto nos arts 492 e 493250 Assim três são as possibilidades condenação absolvição e desclassificação Vejamos agora os principais aspectos de cada uma Em caso de condenação do réu caberá ao juiz realizar a dosimetria da pena a partir das diretrizes do art 59 do Código Penal e do art 492 do CPP fixando a penabase e na segunda fase as atenuantes e agravantes Recordemos que as atenuantes e agravantes não são quesitadas mas sustentadas pelas partes nos debates Portanto não existe mais a necessidade de formulação do quesito genérico da presença de atenuantes não tendo aplicação neste ponto a Súmula 156 do STF251 Já as causas de aumento e diminuição da pena serão quesitadas nos termos do art 483 do CPP e uma vez reconhecidas devem ser consideradas pelo juiz na dosimetria Vejamos o disposto no art 492 Art 492 Em seguida o presidente proferirá sentença que I no caso de condenação a fixará a penabase b considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates c imporá os aumentos ou diminuições da pena em atenção às causas admitidas pelo júri d observará as demais disposições do art 387 deste Código e mandará o acusado recolherse ou recomendáloá à prisão em que se encontra se presentes os requisitos da prisão preventiva ou no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 quinze anos de reclusão determinará a execução provisória das penas com expedição do mandado de prisão se for o caso sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos f estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação II no caso de absolvição a mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso b revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas c imporá se for o caso a medida de segurança cabível 1º Se houver desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida aplicandose quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo o disposto nos arts 69 e seguintes da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 2º Em caso de desclassificação o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri aplicandose no que couber o disposto no 1º deste artigo 3º O presidente poderá excepcionalmente deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 quinze anos de reclusão não terá efeito suspensivo 5º Excepcionalmente poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o 4º deste artigo quando verificado cumulativamente que o recurso I não tem propósito meramente protelatório e II levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição anulação da sentença novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 quinze anos de reclusão 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator instruída com cópias da sentença condenatória das razões da apelação e de prova da tempestividade das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia A alínea d remete ao art 387 o que seria razoável e lógico O problema está na redação do art 387 que em seu inciso IV determina que a sentença condenatória fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido Como já explicamos a fixação de valores a título indenizatório na sentença penal condenatória constitui uma errônea privatização do processo penal misturando pretensões de diversas naturezas O problema agravase no Tribunal do Júri não só pela complexidade fática que geralmente envolve esses fatos mas também pela própria especificidade do ritual judiciário ali estabelecido Como poderá o réu realizar uma defesa eficiente em plenário e ainda ocuparse de fazer a defesa cível para evitar uma condenação a título indenizatório em valores excessivos e desproporcionais Além de ser completamente inviável há ainda um outro complicador para quem deverá dirigir sua argumentação Para o juiz ou para os jurados Mas os jurados serão quesitados sobre valores indenizatórios Não os jurados não decidem sobre isso Então como conciliar uma defesa penal dirigida aos jurados e no mesmo debate sustentar questões patrimoniais para o juiz É absolutamente inviável Ademais pela complexidade que envolve a indenização em crimes contra a vida não há condições processuais para no processo penal discutilas com as mínimas condições probatórias e jurídicas Pior ainda em plenário Sem falar que no júri incumbe ao conselho de sentença a decisão e não há previsão de que eles decidam sobre a indenização e seu valor Sequer quesitados são sobre o dever de indenizar Então das duas uma ou aceitamos que o juiz fixe indevidamente um valor indenizatório em caso de sentença condenatória sem as mínimas possibilidades de defesa e usurpando o poder decisório do conselho de sentença ou simplesmente negamos validade substancial ao art 387 IV do CPP nos processos submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri Ficamos com essa última opção devendo o juiz limitarse ao que foi decidido pelos jurados sem fixar qualquer valor a título indenizatório Essa posição de não fixar na sentença penal qualquer valor a título de indenização de um lado assegura o direito de defesa do réu e o respeito à soberania da decisão dos jurados e de outro não impede que a vítima ou seu representante legal munido da sentença penal condenatória transitada em julgado promova a liquidação e execução cível Especial atenção merece o art 492 I e pois deverá o juiz nesse momento em que profere a sentença condenatória decidir sobre a manutenção da prisão preventiva decretada soltura ou manutenção do estado de liberdade Em última análise decidir sobre o direito de o réu recorrer ou não em liberdade recordando que não há que se falar em decretação da prisão preventiva ou manutenção dela em caso de absolvição pois o recurso de apelação da sentença absolutória não tem efeito suspensivo sendo imperativa a imediata soltura do réu preso ou sua manutenção em liberdade O problema surge com a condenação O tema foi tratado no Capítulo II desta obra quando analisamos a prisão cautelar e suas modalidades Contudo cumpre agora destacar o seguinte ponto E se o réu utilizar o direito de não ir ao júri caberá a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal Pensamos que como regra não Se o réu aguardou todo o julgamento em liberdade pois inexistente o periculum libertatis o decreto de prisão nesse momento constitui uma violação reflexa ou indireta do direito de não ir ao julgamento Significa extrair do exercício do direito subjetivo do réu uma consequência negativa ilegítima Dessarte não pode o juiz decretar a prisão preventiva neste momento sob o argumento de que o réu se permanecer solto irá fugir e portanto frustrar a aplicação da lei penal No fundo o que está conduzindo a decisão do juiz é o fato de o réu não ter comparecido ao julgamento e motivado até pela frustração do caráter pedagógico que ele supõe poder dar ao ritual judiciário assim decide para satisfazer o desejo punitivo recalcado Há que se desvelar a retórica judicial para buscar no dis curso velado o real motivo da prisão Sendo a real motivação a pura ausência do réu no plenário é absolutamente ilegal a prisão preventiva O periculum libertatis como explicado no Capítulo II não pode ser presumido deve ser efetivamente demonstrado Tampouco pode ser fruto de ilações do juiz ou ter um caráter quase vingativo Acima de tudo há que se compreender que o não comparecimento do réu é legítimo e portanto não faz nascer o periculum libertatis Não se pode extrair de uma ausência autorizada uma presunção de risco para aplicação da lei penal risco de fuga Mas sem dúvida o ponto mais problemático é a parte final da alínea e introduzida pela Lei n 139642019 a determinação de execução antecipada da pena quando for igual ou superior a 15 anos Sem dúvida um grande erro do legislador pois resumidamente viola a presunção constitucional de inocência na medida em que trata o réu como culpado executando antecipadamente sua pena sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado se o STF já reconheceu ser inconstitucional a execução antecipada após a decisão de segundo grau com muito mais razão é inconstitucional a execução antecipada após uma decisão de primeiro grau o tribunal do júri é um órgão colegiado mas integrante do primeiro grau de jurisdição da decisão do júri cabe apelação em que podem ser amplamente discutidas questões formais e de mérito inclusive com o tribunal avaliando se a decisão dos jurados encontrou ou não abrigo na prova sendo um erro gigantesco autorizar a execução antecipada após essa primeira decisão tanto a instituição do júri como a soberania dos jurados estão inseridos no rol de direitos e garantias individuais não podendo servir de argumento para o sacrifício da liberdade do próprio réu ao não se revestir de caráter cautelar sem portanto analisar o periculum libertatis e a necessidade efetiva da prisão se converte em uma prisão irracional desproporcional e perigosíssima dada a real possibilidade de reversão já em segundo grau sem mencionar ainda a possibilidade de reversão em sede de recurso especial e extraordinário a soberania dos jurados não é um argumento válido para justificar a execução antecipada pois é um atributo que não serve como legitimador de prisão mas sim como garantia de independência dos jurados é incompatível com o disposto no art 313 2º que expressamente prevê que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena Na mesma linha trazendo ainda outros argumentos PAULO QUEIROZ252 afirma que além de incoerente e ilógica é claramente inconstitucional visto que 1 ofende o princípio da presunção de inocência segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória CF art 5 LVII razão pela qual toda medida cautelar há de exigir cautelaridade especialmente a prisão preventiva 2viola o princípio da isonomia já que condenações por crimes análogos e mais graves vg condenação a 30 anos de reclusão por latrocínio não admitem tal exceção razão pela qual a prisão preventiva exige sempre cautelaridade 3estabelece critérios facilmente manipuláveis e incompatíveis com o princípio da legalidade penal notadamente a pena aplicada pelo juiz presidente 4o só fato de o réu sofrer uma condenação mais ou menos grave não o faz mais ou menos culpado já que a culpabilidade tem a ver com a prova produzida nos autos e com os critérios de valoração da prova não com o quanto de pena aplicado 5a gravidade do crime é sempre uma condição necessária mas nunca uma condição suficiente para a decretação e manutenção de prisão preventiva Como é óbvio a exceção está em manifesta contradição com o novo art 313 2º que diz Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena Portanto um grave erro a execução antecipada da pena Existe a possibilidade de o juiz presidente do tribunal do júri deixar de determinar a execução antecipada da pena desde que vislumbre a possibilidade diante de determinada questão do julgamento de uma revisão do julgamento por parte do tribunal de justiça ou regional federal conforme o caso Tratase no fundo de uma situação em que o juiz que presidiu o julgamento tem consciência de que aquele júri poderá ser anulado ou que os jurados proferiram uma decisão manifestamente contrária a prova dos autos situação que não lhe compete impedir De antemão ele vislumbra a probabilidade de êxito do futuro recurso defensivo que inclusive poderá ser interposto em plenário que demonstra o risco de uma execução antecipada daquela pena A segunda hipótese de atribuição de efeito suspensivo ao recurso defensivo e portanto de não efetivação da execução antecipada é através de um pedido ao relator da apelação Esse pedido poderá ser feito no corpo das razões da apelação preliminar ou em petição separada autônoma Deverá o relator avaliar de forma cumulativa que o recurso não seja meramente protelatório traga como fundamento questões que possam resultar em absolvição anulação da sentença novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 quinze anos de reclusão Portanto caberá ao apelante demonstrar a plausibilidade a viabilidade dos fundamentos do recurso de apelação nos termos do art 593 III se a ocorrer nulidade posterior à pronúncia b for a sentença do juizpresidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados c houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança d for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos Explicaremos a apelação das decisões do júri em tópico específico ao tratar dos recursos em espécie mas já antecipamos que no caso da alínea a a consequência do provimento da apelação é a remessa a novo júri nos casos das alíneas b e c a consequência é que o próprio tribunal pode corrigir a sentença sem a necessidade de novo júri por fim quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos o tribunal dando provimento ao recurso encaminhará o réu a novo júri Portanto quando o relator vislumbrar a possibilidade juízo de verossimilhança não de certeza de acolhimento da apelação para enviar réu a novo júri letras a e d ou que a correção da sentença acarretará uma redução da pena para menos de 15 anos poderá atribuir efeito suspensivo ao apelo para que o réu aguarde o julgamento em liberdade Não se vislumbra neste julgamento da apelação a possibilidade de absolvição a que alude o 5º inciso II O grande inconveniente desse caminho do pedido de atribuição de efeito suspensivo é que o réu ficará preso no período que vai do término da sessão do júri até a apreciação do pedido pelo tribunal em grau de apelação o que poderá gerar uma prisão desnecessária e infundada por semanas Enfim ainda que o legislador preveja hipóteses de concessão de efeito suspensivo que evite a execução antecipada da pena a verdade é que isso é uma ilusão mero paliativo que dificilmente irão superar o furor punitivista e a postura burocrática de muitos julgadores resultando na desnecessária e inconstitucional execução antecipada da pena aplicada em 1º grau de jurisdição Sempre recordando que se o réu representar algum perigo a justificar a necessidade cautelar poderá ser decretada a prisão preventiva Então estamos tratando de uma prisão sem qualquer fundamento cautelar de periculum libertatis que a justifique Sigamos na análise do art A alínea f art 492 I determina ainda que o juiz ao proferir a sentença condenatória estabeleça os efeitos genéricos e específicos da condenação Tratase com essa definição de dar eficácia ao disposto nos arts 91 e 92 do Código Penal Conforme o caso deverá o juiz fundamentar a perda dos instrumentos utilizados para a prática do delito desde que sejam ilícitos por si próprios bem como dos bens e valores auferidos com a prática do crime e ainda a perda do cargo função ou mandato eletivo a incapacidade para o exercício do pátrio poder e a inabilitação para dirigir veículos quando utilizados como meio para a prática do crime No caso de absolvição devemos recordar que sendo afastada a tese defensiva e reconhecida a inimputabilidade do réu deverá o juiz absolver e aplicar medida de segurança proferindo uma absolvição imprópria Não sendo esse o caso a sentença absolutória faz cessar toda e qualquer constrição que recaia sobre o acusado ou seu patrimônio devendo ele ser imediatamente posto em liberdade e cessadas as medidas assecuratórias eventualmente decretadas Contudo mais um dos problemas do Tribunal do Júri está na definição dos efeitos civis da sentença penal absolutória Como os jurados não fundamentam suas decisões a situação é bastante complicada pois como já explicamos dependendo do fundamento a absolvição criminal pode ou não fazer coisa julgada no cível Dessarte o fato de os jurados não fundamentarem suas decisões complica muito o mister de definir os efeitos civis da sentença penal condenatória Pensamos que diante da impossibilidade de saber por exemplo se os jurados estão absolvendo porque está provada a inexistência do fato ou porque não há prova da existência do fato deve prevalecer o in dubio pro reo A distinção nesses casos é tênue mas gera efeitos civis completamente diversos e não há como sustentar essas duas teses com clara distinção A defesa dirá que o fato não existiu e tudo se resolverá no primeiro quesito Da mesma forma em relação à autoria Na medida em que não há como precisar o conteúdo da decisão dos jurados é razoável partirse para uma interpretação mais benéfica253 ao réu seguindo toda a lógica do sistema penal tanto no campo probatório com o in dubio pro reo mas também hermenêutico com a vedação de analogia in malam partem Mas para que tudo isso funcione bem é fundamental que os juízes ao prolatarem as sentenças absolutórias tenham essa questão presente indicando assim o inciso correto Do contrário infelizmente abrese a porta para a ação civil ex delicti ainda que absolvido o réu Por fim vejamos a desclassificação Com a desclassificação própria em qualquer de seus casos o feito passará às mãos do juiz presidente a quem competirá o julgamento do caso penal condenando ou absolvendo o réu e se houver crime conexo que não seja doloso contra a vida porque se for será julgado pelo júri também ao juiz presidente do Tribunal do Júri competirá o julgamento aplicandose no que couber os institutos da Lei n 9099 O crime conexo segue o crime principal e com a desclassificação do prevalente não pode sequer ser objeto de quesitação ao conselho de sentença Nesses casos a sentença do juiz presidente segue a regra geral das sentenças penais nos termos dos arts 381 e 387 conforme o caso sem perder de vista o disposto nos 1º e 2º do art 492 Já na desclassificação imprópria os jurados indicam qual é o tipo penal praticado cabendo ao juiz presidente apenas condenar o réu pelo crime apontado A relevância prática da desclassificação imprópria é que os jurados firmam sua competência e portanto seguem competentes para julgar os eventuais crimes conexos Em todos os casos deve o juiz presidente atentar para o determinado no 1º quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo deverá o juiz observar o disposto nos arts 69 e seguintes da Lei n 9099 de 26 de setembro de 1995 Por derradeiro a sentença deverá sempre ser lida em plenário pelo juiz presidente antes de encerrada a sessão de julgamento 39 Crítica ao Tribunal do Júri da Falta de Fundamentação das Decisões à Negação da Jurisdição Como explica FERRAJOLI254 o Tribunal do Júri desempenhou um importante papel na superação do sistema inquisitório tendo o pensamento liberal clássico assumido a defesa do modelo de juiz cidadão em contraste com os horrores da inquisição Mas o tempo passa e os referenciais mudam Para valorar a figura do juiz profissional em confronto com a dos juízes leigos não são adequados os critérios do século passado ou melhor retrasado invocados com algum acerto naquele momento mas completamente superados na atualidade Um dos graves problemas para a evolução de um determinado campo do saber é o repouso dogmático Quando não se estuda mais e não se questiona as verdades absolutas O Tribunal do Júri é um dos temas em que a doutrina nacional desfruta de um longo repouso dogmático pois há anos ninguém ousa questionar mais sua necessidade e legitimidade É verdade que o Tribunal do Júri é cláusula pétrea da Constituição art 5º XXXVIII mas isso não desautoriza a crítica pois o mesmo dispositivo consagra o júri mas com a organização que lhe der a lei Ou seja remete a disciplina de sua estrutura à lei ordinária permitindo uma ampla e substancial reforma para além da realizada em 2008 destaquese desde que assegurados o sigilo das votações a plenitude de defesa a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida Abrese assim um amplo espaço para reestruturálo já que a extinção pura e simples como desejamos dependeria de alteração na Constituição Para além de tais limites importa aqui contribuir para a formação de uma visão crítica fundamental para compreensão e aperfeiçoamento do júri Um dos primeiros argumentos invocados pelos defensores do júri é o de que se trata de uma instituição democrática Não se trata aqui de iniciar uma longuíssima discussão do que seja democracia mas com certeza o fato de sete jurados aleatoriamente escolhidos participarem de um julgamento é uma leitura bastante reducionista do que seja democracia A tal participação popular é apenas um elemento dentro da complexa concepção de democracia que por si só não funda absolutamente nada em termos de conceito Democracia é algo muito mais complexo para ser reduzido na sua dimensão meramente formalrepresentativa Seu maior valor está na dimensão substancial enquanto sistema políticocultural que valoriza o indivíduo em todo feixe de relações que ele mantém com o Estado e com outros indivíduos É fortalecimento e valorização do débil no processo penal o réu na dimensão substancial do conceito E o fortalecimento do indivíduo no processo penal se dá em duas dimensões potencializando sua posição e condições de fala no processo penal através de contraditório e ampla defesa reais e efetivos e na garantia de ser julgado por um juiz natural e em posição de alheamento terzietà Noutra dimensão apontase para a legitimidade dos jurados na medida em que são eleitos como se isso fosse suficiente Ora o que legitima a atuação dos juízes não é o fato de serem eleitos entre seus pares democracia formal mas sim a posição de garantidores da eficácia do sistema de garantias da Constituição democracia substancial Ademais de nada serve um juiz eleito se não lhe damos as garantias orgânicas da magistratura e exigimos que assuma sua função de garantidor Os jurados tampouco possuem a representatividade democrática necessária ainda que se analisasse numa dimensão formal de democracia na medida em que por culpa do sistema de seleção adotado são membros de segmentos bem definidos funcionários públicos aposentados donas de casa estudantes enfim não há uma representatividade com suficiência democrática Argumentase ainda em torno da independência dos jurados Grave equívoco Os jurados estão muito mais suscetíveis a pressões e influências políticas econômicas e principalmente midiática na medida em que carecem das garantias orgânicas da magistratura A independência destaca FERRAJOLI deve ser vista enquanto exterioridade ao sistema político e num sentido mais geral como a exterioridade a todo sistema de poderes A falta de profissionalismo de estrutura psicológica aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo são graves inconvenientes do Tribunal do Júri Não se trata de idolatrar o juiz togado muito longe disso senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica imprescindível para o desempenho do ato de julgar Os jurados carecem de conhecimento legal e dogmático mínimo para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolvem a análise da norma penal e processual aplicável ao caso bem como uma razoável valoração da prova É o grave paradoxo apontado por FAIREN GUILLEN255 un juez lego ignorante de la Ley no puede aplicar un texto de la Ley porque no la conoce O próprio ato decisório exige uma prévia cognição e compreensão da complexidade jurídica sendo inadmissível o empirismo rasteiro empregado pelo júri Outro grave problema referese ao aspecto probatório espinha dorsal do processo penal Na sistemática brasileira a prova é colhida na primeira fase diante do juiz presidente mas na ausência dos jurados Em plenário até pode ser produzida alguma prova mas a prática demonstra que essa é uma raríssima exceção A regra geral é a realização de mera leitura de peças com acusação e defesa explorando a prova já produzida e subtraindo dos jurados a possibilidade do contato direto com testemunhas e outros meios de provas e como muito haverá interrogatório no final sem esquecer do necessário direito de não comparecer ou de comparecer e manter o direito de silêncio O julgamento resumese a folhas mortas Os jurados desconhecem o Direito e o próprio processo na medida em que se limitam ao trazido pelo debate ainda que em tese tenham acesso a todo o processo como se esse processo fosse realmente de conhecimento dos jurados Como mudar Sumarizando leiase limitação da cognição a primeira fase realmente enxugando essa instrução inclusive com a limitação do número de testemunhas apenas para justificar a decisão de pronunciar absolver sumariamente ou desclassificar a impronúncia obviamente tem que sumir por substancialmente inconstitucional O grosso da prova tem que ser produzido em plenário na frente dos jurados Aqui é preciso mudar a lei e principalmente a cultura Elementar que isso terá um custo com júris durando dias talvez até semanas Mas é o preço a ser pago se efetivamente queremos um júri de qualidade Obviamente que esse júri a exemplo do que se vê em outros países em que a prova é produzida no plenário irá durar dias semanas até Esse é o preço a ser pago para termos qualidade no julgamento Inclusive os jurados deveriam ser remunerados pois deixam de exercer suas atividades profissionais e dedicam seu tempo à administração da justiça e precisam ser respeitados e valorizados pelo Estado Não é o que se vê hoje em que o jurado não é suficientemente valorizado pelo seu trabalho e dedicação Outra garantia fundamental que cai por terra no Tribunal do Júri é o direito de ser julgado a partir da prova judicializada Em diversas oportunidades explicamos a distinção entre atos de investigação realizados no inquérito policial e atos de prova produzidos em juízo na fase processual ressaltando a importância de que a valoração que encerra o julgamento recaia sobre os atos verdadeiramente de prova devidamente judicializados e colhidos ao abrigo do contraditório e da ampla defesa A garantia da originalidade256 da cognição exige que a prova seja produzida no plenário eu que os atos de investigação da fase préprocessual possuam eficácia interna à fase para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no curso da investigação não para serem usados no processo Para tanto defendemos a adoção do sistema de exclusão física do inquérito policial buscando evitar a contaminação do julgador pelos atos de investigação praticados na fase inquisitória do inquérito policial portanto em segredo sem defesa ou contraditório e não judicializado Algo que está previsto na nova redação do art 3ºC 3º e que infelizmente está suspenso pela decisão liminar do Min FUX Especialmente no Tribunal do Júri isso é crucial qualquer esperança de ser julgado a partir da prova judicializada cai por terra Na medida em que não existe a exclusão física dos autos do inquérito e tampouco há vedação de que se utilize em plenário os elementos da fase inquisitorial inclusive o julgamento pode travarse exclusivamente em torno dos atos do inquérito policial o réu pode ser condenado só com base nos meros atos de natureza inquisitória Para completar o triste cenário os jurados julgam por livre convencimento imotivado sem qualquer distinção entre atos de investigação e atos de prova Por derradeiro o jurado decide sem qualquer motivação impedindo o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional A decisão dos jurados no sistema atual é carecedora de motivação Não há a menor justificação fundamentação para seus atos Tratase de puro arbítrio no mais absoluto predomínio do poder sobre a razão E poder sem razão é prepotência e não se legitima Certamente até os jurados se sentiriam melhor e mais legitimados se pudessem fundamentar e expor as razões que os levaram de decidir de tal ou qual forma A situação é ainda mais grave se considerarmos que a liberdade de convencimento imotivado é tão ampla que permite o julgamento a partir de elementos que não estão no processo A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu Ainda como fica o duplo grau de jurisdição Se não sei por que foi decidido dessa ou daquela forma como recorrer Vamos seguir tentando adivinhar a decisão manifestamente contrária à prova dos autos Como contornar esse gravíssimo problema da falta de motivação Criando um mecanismo de fundamentação Inspirado no modelo espanhol sugerimos a criação de um formulário simples com perguntas diretas e estruturadas de modo a que por meio das repostas tenhamos um mínimo de demonstração dos elementos de convicção Algo bastante simples por meio do qual o jurado com suas palavras e de forma manuscrita diga por que está decidindo desta ou daquela forma Repetimos um formulário simplificado para ser respondido pelos jurados ao final dos debates em um tempo razoável mantendose a incomunicabilidade do modelo brasileiro Não seria desarrazoado termos um monitor e teclado para cada jurado simples terminais ligados a um computador administrado pelo juiz Asseguramos ainda mais o sigilo das votações e otimizamos o julgamento Simples prático e perfeitamente exequível Mas será um imenso avanço em termos de garantia da jurisdição e eficácia do direito ao duplo grau de jurisdição Alguém questionará mas agora com o quesito genérico da absolvição qual a relevância da motivação Segue plena principalmente para controlar a sentença condenatória que não pode ser contra a prova dos autos pois não há um quesito genérico da condenação para autorizar uma decisão condenatória por qualquer motivo A supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da prova dos autos Imaginemos um julgamento realizado no Tribunal do Júri cuja decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos condenatória ou absolutória Há recurso de apelação com base no art 593 III d do CPP que uma vez provido pelo Tribunal conduz à realização de novo júri consequência da aplicação da primeira parte do 3º do art 593 Esse novo júri será composto por outros jurados mas como o espetáculo será realizado pelos mesmos atores em cima do mesmo roteiro e no mesmo cenário a chance de o resultado final ser igual é imensa E nesse novo júri a decisão é igual à anteriormente prolatada e portanto novamente divorciada da prova dos autos Duas decisões iguais em manifesta dissociação com o contexto probatório Poderá haver então novo recurso aduzindo que novamente os jurados decidiram contra a prova dos autos Não pois a última parte do 3º do art 593 veda expressamente essa possibilidade Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova dos autos não caberá recurso algum Os jurados podem então decidir completamente fora da prova dos autos sem que nada possa ser feito Possuem o poder de tornar o quadrado redondo com plena tolerância dos Tribunais e do senso comum teórico que se limitam a argumentar fragilmente com a tal supremacia do júri como se essa fosse uma verdade absoluta inquestionável e insuperável Interessante ainda como um dos principais pilares em comum do Direito Penal e do processo penal cai por terra sem quem ninguém o proteja O in dubio pro reo é premissa hermenêutica inafastável do Direito Penal e no campo processual juntamente com a presunção de inocência norteador da axiologia probatória Ao mesmo tempo informa a interpretação da norma penal e a valoração da prova no campo processual Quando os jurados decidem pela condenação do réu por 4x3 está evidenciada a dúvida em sentido processual Significa dizer que existe apenas 5714 de consenso de convencimento Questionase alguém admite ir para a cadeia com 5714 de convencimento Elementar que não A sentença condenatória exige prova robusta alto grau de probabilidade de convencimento algo incompatível com um julgamento por 4x3 Ou seja ninguém poderia ser condenado por 4x3 mas isso ocorre diuturnamente no Tribunal do Júri pois lá como diz o jargão forense o in dubio pro reo passa a ser lido pelos jurados como in dubio pau no reo Perdeu a Comissão que levou a cabo a reforma do júri Lei n 11689 uma grande chance de atenuar esse grave problema Deveria ter alterado o número mas não o fez infelizmente de jurados para 9 jurados com a exigência de votação mínima para condenar de 6 votos logo para absolver vale 5x4 ou ainda para 11 jurados com no mínimo 7 jurados votando sim para haver condenação de modo que para absolver pode ser 6 a 5 Uma terceira solução para esse problema talvez até mais adequada foi proposta por MOREIRA DE OLIVEIRA257 sem contudo ter merecido a atenção devida Sugeriu o ilustre professor que o número de jurados passasse para 8 ou seja um número par de integrantes que impediria soluções duvidosas como as que ocorrem atualmente pois em caso de empate teríamos a configuração da dúvida favorecedora da absolvição pois argumentos acusatórios e defensivos não lograram obter maioria utilizandose aqui o art 615 1º do CPP por analogia Com essa simples modificação sugerida pelo autor havendo oito jurados alguém somente seria condenado se houvesse no mínimo dois votos de diferença isto é cinco contra três Com isso se conferiria maior certeza e seriedade a uma solução condenatória pois se reduziria a possibilidade de erro cometido por um só jurado Estamos plenamente de acordo o número par de jurados 8 resolveria esse problema pois a condenação somente ocorreria com uma diferença de no mínimo dois votos O aumento do número de jurados é imprescindível não apenas para dar uma maior representatividade do corpo social no conselho de sentença mas principalmente para a máxima eficácia do direito constitucional de defesa Mas não é apenas no plenário que o in dubio pro reo é abandonado Ao final da primeira fase o juiz presidente poderá tomar uma dessas quatro decisões absolver sumariamente desclassificar impronunciar ou pronunciar O problema não está na decisão em si mas no princípio que irá orientar a valoração da prova nesse momento A imensa maioria dos autores e tribunais segue repetindo que nessa fase à luz da soberania do júri novamente o argumento de autoridade mas completamente vazio de sentido o juiz deve guiarse pelo in dubio pro societate A pergunta é qual a base constitucional desse princípio Nenhuma pois ele não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e não pode coexistir com a única presunção constitucionalmente consagrada a presunção de inocência e o in dubio pro reo Como já afirmamos anteriormente por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania do júri tal princípio não consegue dar conta dessa missão Não há como aceitar uma tal expansão da soberania a ponto de negar a presunção constitucional de inocência A soberania diz respeito a competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri Nada tem a ver com carga probatória Também foi um erro quando da reforma pontual manterse a decisão de impronúncia que como explicamos anteriormente gera um estado de pendência em que o réu não está condenado nem absolvido É como dissemos antes substancialmente inconstitucional por violar a presunção de inocência Por fim deve ser enfrentada a questão da falibilidade que também está presente nos julgamentos levados a cabo por juízes togados o que é elementar Contudo não é necessário maior esforço para verificar que a margem de erro injustiça é infinitamente maior no julgamento realizado nesse contexto em que a prova não é produzida na frente dos jurados o tempo de debate é completamente insuficiente e sequer existe tempo para os jurados com tranquilidade analisarem os autos as provas e decidirem Seria importante também que se estabelecesse a possibilidade de tempo para que o jurado pudesse refletir afastado da pressão do plenário É preciso respeitar o direito de ser julgado em um prazo razoável Não se pode mais imaginar que sem produção de prova em plenário que é a regra e limitando o debate a 1h30min se está fazendo um julgamento justo Esse tempo é absolutamente insuficiente Ademais no modelo brasileiro há um desequilíbrio preocupante gerado pelo fato de que somente haverá tréplica se houver réplica Então o MP entra no júri sabendo se vai usar 1h30min ou 2h30min pois ele decide se vai ou não para a réplica E se ele não usar o tempo da réplica a defesa não tem tréplica Então o advogado nunca sabe se terá que fazer a sua defesa em 1h30 ou terá mais uma hora decorrente da tréplica Isso é um fator de imenso desequilíbrio agravado pelo pouco tempo disposto na lei Não se faz justiça sem respeitar a razoável duração do tempo para acusar e defender Enfim o júri é uma cláusula pétrea da Constituição e uma instituição importante para a administração da justiça mas precisa ser reformulado repensado pois estamos no século XXI e a estrutura do nosso júri segue no século XIX O júri merece um procedimento e sistema de julgamento a sua altura especialmente com a prova sendo inteiramente produzida em plenário com uma duração muito maior e com o jurado fundamentando a decisão Isso é o mínimo de respeito que o júri merece Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Importância do trinômio açãojurisdiçãoprocesso Ação é um direito potestativo de acusar ius ut procedatur público autônomo abstrato mas conexo instrumentalmente ao caso penal Jurisdição para além do poderdever dizer o direito é um direito fundamental uma garantia de que ninguém será processado ou condenado senão pelo juiz natural e imparcial dentro do devido processo Sobre processo é importante recordar as três principais teorias já explicadas processo como relação jurídica Bülow processo como situação jurídica Goldschmidt e processo como procedimento em contraditório Fazzalari O processo penal pode ser de conhecimento ou de execução inexistindo um processo cautelar senão meras medidas cautelares Procedimento é o caminho ou itinerário composto de uma sequência de atos previstos em lei no qual cada um dos atos está ligado ao outro nexo genético sendo todos realizados em contraditório Fazzalari até o provimento final do juiz O processo penal admite distintas relações configuráveis entre os atos de modo que o processo de conhecimento comporta diferentes ritos procedimentos O rito poderá ser comum ou especial Forma é garantia e limite de poder Como regra os procedimentos e sua estrutura são indisponíveis sendo absoluta a nulidade por inobservância das regras procedimentais A jurisprudência contudo tem admitido a adoção do procedimento ordinário ordinarização procedimental em detrimento de outro especial por ser ele mais amplo desde que não viole o direito de defesa e tampouco subtraia a competência constitucional do Tribunal do Júri por exemplo São ritos comuns previstos no CPP a ordinário crime cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 anos arts 395 a 405 b sumário crimes cuja pena máxima seja inferior a 4 anos e superior a 2 anos arts 531 a 538 c sumaríssimo crimes de menor potencial ofensivo pena máxima igual ou inferior a 2 anos Lei n 909995 São ritos especiais previstos no CPP a responsabilidade dos funcionários públicos arts 513 a 518 b crimes contra a honra arts 519 a 523 c propriedade imaterial arts 524 a 530 I d Tribunal do Júri arts 406 a 497 Fora do Código de Processo Penal existem outros ritos especiais para crimes falimentares Lei n 11101 tóxicos Lei n 11343 competência originária dos tribunais Lei n 8038 crimes eleitorais Lei n 4737 lavagem de dinheiro Lei n 9613 entre outros Critérios utilizados para definição do procedimento gravidade do crime natureza do delito qualidade do agente 1 RITO ORDINÁRIO previsto nos arts 395 a 405 É destinado aos crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a 4 anos Morfologia do procedimento Denúncia ou queixa prazo de 5 dias réu preso ou 15 dias réu solto art 46 queixa prazo decadencial de 6 meses art 38 Devem estar presentes as condições da ação e também observar o art 41 sob pena de inépcia Momento de arrolar testemunhas até 8 por réufato art 401 Juiz recebe ou rejeita art 395 Rejeição da denúncia ou queixa da decisão que recebe a denúncia ou queixa não cabe recurso pode caber habeas corpus que não é recurso para trancamento do processo A acusação será rejeitada nos casos do art 395 a Inépcia nos casos do art 41 a contrario sensu especialmente quando não houver a exposição clara e direta do fato criminoso com todas as suas circunstâncias pois não se admite acusação genérica ou alternativa Rejeitada a denúncia ou queixa o recurso cabível é o RSE art 581 I b Falta de pressuposto processual ou condição da ação a teoria dos pressupostos processuais não é de aceitação pacífica mas em sendo admitida os pressupostos seriam de existência ou validade e sua ausência acarretaria a rejeição da acusação Já as condições da ação prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade de parte e justa causa foram estudadas anteriormente e sua ausência acarreta a rejeição O recurso cabível é o RSE art 581 I c Falta de justa causa é um conceito já abrangido pelo inciso anterior pois se trata de uma condição da ação cuja falta acarreta a rejeição recurso cabível RSE art 581 I Rejeição parcial é ainda minoritária a corrente doutrinária que admite a rejeição parcial da denúncia ou queixa aplicando o art 383 no momento do recebimento Seria para situações excepcionais buscando ser corrigida a acusação abusiva desde o início evitando um desenvolvimento procedimental defeituoso Recebendo a denúncia ou queixa será citado o réu para apresentar a resposta à acusação prazo de 10 dias art 396A Momento de arrolar testemunhas até 8 por réufato e apresentar exceções Essa defesa é imprescindível se não for apresentada será nomeado defensor dativo Após a apresentação da resposta à acusação os autos serão conclusos para o juiz decidir se é caso de absolvição sumária Absolvição sumária está prevista no art 397 do CPP e ocorre após o recebimento da denúncia ou queixa e da resposta à acusação Os quatro incisos nada mais fazem do que criar desdobramentos de duas condições da ação fato aparentemente criminoso e punibilidade concreta São todas decisões de mérito que atuam afastando a ilicitude ou a culpabilidade ou negando a tipicidade Da decisão que absolve sumariamente nos casos dos incisos I II e III caberá recurso de apelação art 593 I do CPP Quando a absolvição sumária se fundar no inciso IV o recurso cabível é o recurso em sentido estrito art 581 VIII Justa causa não está entre as causas de absolvição sumária Caso seja reconhecida a falta de justa causa após a resposta à acusação entendemos mas não é pacífico que o juiz pode desconstituir o recebimento e rejeitar a acusação pois não existe preclusão para o juiz em relação à decisão de rejeição Não sendo caso de absolvição sumária será aprazada audiência de instrução e julgamento Audiência de instrução e julgamento a ser realizada no prazo de 60 dias prazo sem sanção será como regra uma audiência única art 400 Sequência de atos Oitiva da vítima testemunha de acusação testemunha de defesa peritos acareações reconhecimentos interrogatório diligências art 402 debates orais ou memoriais sentença 2 RITO SUMÁRIO crimes cuja pena máxima é inferior a 4 anos e superior a 2 anos se for inferior a 2 anos seguese o rito sumaríssimo do JECrim Arts 531 a 538 do CPP Difere do rito ordinário na redução do prazo máximo de realização da audiência de instrução e julgamento 30 dias enquanto no ordinário é 60 no número de testemunhas até 5 testemunhas e pela inexistência das diligências do art 402 Morfologia do rito Audiência de instrução e julgamento art 531 a ser realizada no prazo de 30 dias prazo sem sanção será como regra uma audiência única Sequência de atos Oitiva da vítima testemunha de acusação testemunha de defesa peritos acareações reconhecimentos interrogatório debates orais ou memoriais sentença 3 RITO ESPECIAL Crimes praticados por servidores públicos contra a administração Previsto nos arts 513 a 518 Sustentamos a ordinarização do procedimento mas há divergência e autores afirmando a existência de duas respostas escritas à acusação arts 514 396A Morfologia Outra corrente sustenta o seguinte Peculiaridades procedimentais julgamento por juiz de direito sempre haverá resposta à acusação problemática do art 513 e da Súmula 330 do STJ com inquérito ou sem ele independentemente de ser afiançável ou não 4 RITO ESPECIAL Crimes contra a honra arts 519 a 523 Morfologia do procedimento como regra segue o rito sumaríssimo do JECrim explicado adiante mas quando não for de competência do Juizado seguirá o seguinte rito Peculiaridades Procedimentais além da calúnia e injúria também se aplica à difamação lei de imprensa foi declarada inconstitucional como regra os crimes contra a honra serão julgados no Juizado Especial Criminal pois a pena máxima é inferior a 2 anos exceto se houver concurso de crimes em que a soma ou aumento das penas exceda o limite da competência do JECrim situação em que será aplicado o rito especial dos arts 519 a 523 se o crime for praticado contra a honra do Presidente da República procedese mediante requisição do Ministro da Justiça não há prazo decadencial neste caso aplicase a Súmula 714 do STF quando o crime for contra a honra de servidor público no exercício das funções propter officium que estabelece ser a legitimidade concorrente queixa ou representação fase prévia de reconciliação exceto se a ação penal for pública art 520 na presença dos advogados gerando extinção da punibilidade pela renúncia se exitosa ausência do querelante pode acarretar perempção art 60 III exceto se presente o advogado devidamente constituído pedido de explicações art 144 do CP é facultativo e será prévio ao exercício da ação penal a exceção da verdade cabe em relação à calúnia e difamação quando o ofendido for servidor público É apresentada no prazo da resposta à acusação Quando oposta em relação à pessoa detentora de prerrogativa de função querelante deve a exceção ser encaminhada ao respectivo tribunal 5 RITO ESPECIAL DA LEI DE TÓXICOS Morfologia da Lei n 11343 Problemática Considerando que a Lei de Tóxicos é anterior à reforma de 2008 bem como o disposto no art 394 4º e 5º do CPP estabeleceuse uma problemática seguir o rito da lei de tóxicos ou adequar à reforma de 2008 Entre as posições encontradas adotamos a tese da necessidade de adequação à reforma deslocandose o interrogatório para o último ato da instrução e admitindo a absolvição sumária após a resposta à acusação Peculiaridades procedimentais analisar a pena do tipo penal pois pode ser de competência do JECrim vg arts 28 parágrafo único 33 3º 38 da Lei n 11343 laudo de constatação provisória firmado por um perito suficiente para homologação do flagrante e recebimento da denúncia laudo definitivo imprescindível para condenação quando caracterizada a transnacionalidade internacionalidade do delito a competência é da justiça federal 6 RITO SUMARÍSSIMO LEI N 909995 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS 61 Competência do JECrim infrações penais de menor potencial ofensivo pena máxima não superior a 2 anos Justiça estadual ou federal desde que presente alguma situação do art 109 da CF Problemática no caso de concurso de crimes formal material ou continuado Há duas posições a aplicamse por analogia as Súmulas n 723 do STF e n 243 do STJ somamse as penas máximas em caso de concurso material ou considera se o maior aumento de pena em caso de concurso formal ou crime continuado b analisamse as penas de forma isolada no concurso material não se somam as penas e desprezase o aumento decorrente no concurso formal ou na continuidade delitiva Aplicase o art 119 do CPP e também a nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 62 Rito Sumaríssimo no JECrim 63 INSTITUTOS PROCESSUAIS 631 Composição dos Danos Civis arts 74 e 75 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos Só cabe em ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação O acordo pode ser feito extrajudicialmente ou na audiência preliminar Acarreta a extinção da punibilidade pela renúncia ao direito de queixa ou de representação e gera um título executivo judicial A nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 permite a composição fora do JECrim quando for adotado outro rito em razão da conexão ou continência neste caso será oferecida só em relação ao crime cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos 632 Transação Penal art 76 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena máxima seja igual ou inferior a 2 anos Ato bilateral devendo ser aceita pela defesa Com a nova redação do art 60 parágrafo único da Lei n 9099 permitese a transação penal fora do JECrim quando for adotado outro rito em razão da conexão ou continência neste caso será oferecida só em relação ao crime cuja pena máxima é igual ou inferior a 2 anos É um direito público subjetivo do réu e consiste na aplicação antecipada de pena de multa ou restritiva de direitos Pode ser oferecida uma vez a cada 5 anos Não gera reincidência ou maus antecedentes Caso o MP não ofereça mas presentes os requisitos parte da doutrina sustenta que deve ser aplicada a Súmula 696 do STF por analogia art 28 do CPP Mas há divergências e nosso entendimento é de que poderá o juiz oferecer Cabe transação penal na ação penal de iniciativa privada inclusive pelo Ministério Público se o querelante se recusar a fazêlo Descumprida a transação penal predomina o entendimento de que o Ministério Público poderá retomar o feito e oferecer denúncia 633 Suspensão Condicional do Processo art 89 da Lei n 9099 é possível no âmbito do JECrim ou fora dele desde que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a 1 ano É um ato bilateral devendo haver aceitação do réu Limite de pena mínima igual ou inferior a 1 ano e concurso de crimes formal material e continuidade aplicamse as Súmulas n 243 do STJ e n 723 do STF Acarreta a suspensão do processo por 2 a 4 anos durante o qual deverá o réu cumprir determinadas condições gerando a extinção da punibilidade ao final não gera reincidência nem maus antecedentes É direito público subjetivo do réu Se preenchidas as condições não for oferecida Súmula 696 do STF art 28 do CPP Mas nosso entendimento é de que poderá ser oferecida pelo juiz visto que direito do acusado Também tem cabimento nos crimes de ação penal privada Súmula 337 do STJ cabe suspensão condicional após a denúncia quando houver desclassificação ou condenação parcial Se isso acontecer em grau recursal devem os autos voltar à origem para oferecimento sob pena de supressão de grau de jurisdição Descumpridas as condições durante o período de provas o processo retomará seu curso Se após cumprido o período de provas mas antes da extinção da punibilidade se descobrir que não houve cumprimento das condições impostas pode haver revogação da suspensão e retomada do processo 64 RECURSOS Da rejeição da denúncia ou queixa e da sentença apelação no prazo de 10 dias art 82 Embargos de declaração prazo de 5 dias interrompe prazo da apelação É possível Recurso Extraordinário para o STF nos casos em que tem cabimento art 102 III da CF mas não cabe Recurso Especial Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF Revisão Criminal será julgada pelo STF 65 CRÍTICAS AO SISTEMA DE JUSTIÇA NEGOCIADA Várias são as críticas feitas ao sistema de justiça negocial e também à estrutura e funcionamento dos Juizados Especiais Criminais e seus institutos 7 RITO DOS CRIMES DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI Previsão constitucional art 5º XXXVIII da CF assegurandose a plenitude de defesa sigilo das votações soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida tentados ou consumados art 74 do CPP 71 MORFOLOGIA DO PROCEDIMENTO Debates 1h30min para acusação igual tempo para defesa Poderá haver réplica 1h e tréplica 1h Havendo dois ou mais réus aumentase 1 hora no tempo da acusação e 1 hora no da defesa réplica 2h e tréplica 2h 72 DECISÕES DE PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E DESCLASSIFICAÇÃO 721 Pronúncia art 413 quando o juiz se convencer da materialidade e de indícios suficientes de autoria ou participação É uma decisão interlocutória mista não terminativa atacável pelo recurso em sentido estrito art 581 IV que não faz coisa julgada material Inclui qualificadoras e causas de aumento não decide sobre agravantes atenuantes ou causas de diminuição da pena A linguagem empregada na decisão de pronúncia deverá ser sóbria comedida e sem excessos limitandose a fazer um juízo de verossimilhança para evitar a contaminação dos jurados Não podem as partes em plenário fazer referência à decisão de pronúncia e posteriores art 478 do CPP Mas os jurados recebem cópia da pronúncia art 472 parágrafo único In dubio pro societate É uma questão problemática pois parte da doutrina ainda sustenta que na fase da pronúncia deve o juiz orientarse por esse princípio pronunciando o réu mesmo em caso de dúvida Contudo tal posição é criticável pois não há suporte constitucional ou legal para o referido princípio apenas para o in dubio pro reo que brota da presunção constitucional de inocência O tema é controvertido Pronúncia imprópria é quando o juiz pronuncia o réu pelo crime mas impronuncia pela qualificadora Afastada a qualificadora neste momento não pode a mesma situação fática ser alegada em plenário para que o juiz considere na sentença a título de agravante pois o que se excluiu foi a situação fática Crime conexo pronunciado o crime doloso contra a vida deverá o juiz verificar se o crime conexo preenche os requisitos do art 413 Pode haver impronúncia ou absolvição sumária do crime conexo Não pode haver condenação ou desclassificação do crime conexo nesta fase Preclusão da Pronúncia art 421 não pode ser realizado o júri na pendência de recurso mesmo que ele não tenha efeito suspensivo 722 Impronúncia art 414 Decisão terminativa que encerra o processo sem julgamento de mérito porque o juiz não se convenceu da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação não havendo produção de coisa julgada material poderá haver nova acusação enquanto não estiver extinta a punibilidade Desta decisão caberá apelação art 416 É criticada substancial inconstitucionalidade porque gera um estado de pendência de incerteza de indefinição Crime conexo se não for de competência do júri será redistribuído para o juízo competente Não é objeto de decisão neste momento Despronúncia termo empregado por Espínola Filho para designar aquela tomada pelo tribunal que julgando recurso interposto contra uma decisão de pronúncia dá provimento para impronunciar o réu seria uma desconstituição da decisão de pronúncia 723 Absolvição Sumária art 415 Verdadeira sentença de mérito que faz coisa julgada material impugnável por apelação art 416 Entre os casos de absolvição sumária problemática é a situação do inimputável art 415 parágrafo único devendose distinguir inimputável com tese defensiva e inimputável sem tese defensiva No primeiro caso com tese defensiva deverá ser processualmente tratado como se imputável fosse até a sentença Logo pode ser pronunciado impronunciado absolvido sumariamente sem medida de segurança ou desclassificado Somente ao final se acolhida a tese acusatória no plenário do júri é que será proferida a sentença de absolvição imprópria com medida de segurança Diferente é o inimputável sem tese defensiva neste caso deverá o juiz absolver sumariamente e aplicar medida de segurança In dubio pro societate persiste a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da incidência deste princípio no momento de aferir se é caso ou não de absolvição sumária Como já explicado pensamos que tal adágio latino não tem base constitucional e que se aplica o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência in dubio pro reo Crime conexo não pode ser julgado neste momento devendo ser redistribuído exceto se de competência do júri 724 Desclassificação Própria e Imprópria arts 418 e 419 do CPP Desclassificar é dar ao fato uma definição jurídica diversa podendo ocorrer na primeira fase ou em plenário Na primeira fase Desclassificação Própria quando o juiz dá uma definição jurídica diversa que exclui da competência do júri vg de tentativa para lesões de doloso para culposo etc O processo é redistribuído e o conexo vai junto Desta decisão caberá recurso em sentido estrito art 581 II Desclassificação Imprópria o crime residual continua sendo de competência do júri ele desclassifica mas pronuncia Exemplo de infanticídio para homicídio simples O conexo segue o prevalente ou seja vai para o júri Desta decisão que será de pronúncia caberá recurso em sentido estrito art 581 IV In dubio pro societate persiste a divergência doutrinária e jurisprudencial anteriormente explicada Desclassificação em Plenário também pode ser própria ou imprópria mas decorre da forma como os jurados respondem aos quesitos É própria quando os jurados negam a tentativa ou negam o dolo direto e eventual afastando a competência do júri e cabendo ao juiz presidente proferir a decisão O conexo segue o prevalente sendo julgado pelo juiz presidente Já na desclassificação imprópria restrita aos casos de excesso culposo na excludente ou quando admitida a participação dolosamente distinta entende se que os jurados firmaram a competência e podem julgar o crime conexo Desclassificação própria em plenário e prescrição a pronúncia segue como marco interruptivo ver Súmula 191 do STJ 73 JULGAMENTO EM PLENÁRIO na sessão de julgamento será feita a chamada dos 25 jurados devendo comparecer no mínimo 15 jurados arts 462 a 464 serão sorteados 7 que irão compor o conselho de sentença As partes podem fazer 3 recusas imotivadas art 468 e recusas motivadas sem limite art 471 Os jurados prestarão compromisso art 472 e receberão cópia da pronúncia e do relatório do processo art 472 parágrafo único Instrução em plenário oitiva vítima testemunhas arroladas pela acusação defesa acareações reconhecimentos de pessoas e coisas leitura de peças somente de prova colhida por carta precatória ou cautelares antecipadas art 473 3º e finalmente o interrogatório do réu em plenário direito de não comparecer art 457 Debates 1h30min para acusação igual tempo para defesa art 477 Havendo mais de um acusado aumentase em 1h o tempo de acusação e defesa Réplica em 1h e tréplica em igual tempo Havendo mais de um acusado duplicase o tempo 2h da réplica e tréplica Não pode fazer referência nos debates à decisão de pronúncia e posteriores que a confirmaram uso de algemas silêncio do acusado no interrogatório ou ausência de interrogatório por falta de requerimento art 478 Leitura de documentos devem ser juntados com antecedência mínima de 3 dias úteis Não se admite surpresa Arts 479 e 481 Quesitos art 483 Decisão definida a partir de no mínimo 4 votos 1º Materialidade no dia tal às tantas horas na rua X Fulano de Tal foi atingido por disparos de arma de fogo sofrendo as lesões descritas no auto de necropsia da fl 10 que causaram a sua morte SIM afirma a existência do fato NÃO absolve o réu se essa for a tese defensiva senão o juiz pode repetir o quesito art 490 2º AutoriaParticipação o réu Mané de Tal desferiu os tiros referidos no quesito anterior SIM afirma autoria NÃO absolve o réu por negativa de autoriaparticipação se essa for a tese defensiva senão o juiz repete o quesito art 490 3º Quesito genérico da absolvição é obrigatório sob pena de nulidade absoluta Súmula 156 do STF O jurado absolve o acusado SIM está absolvido NÃO está condenado Se condenado passase à formulação dos quesitos relativos às eventuais causas de diminuição da pena qualificadoras ou causas de aumento da pena art 483 IV e V TESE DEFENSIVA DESCLASSIFICAÇÃO Ver art 483 4º e 5º DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME CULPOSO não se quesita culpa pois é um conceito jurídico e o júri tampouco tem competência para julgar crime culposo Quesitase sobre o dolo direto e eventual sendo que a recusa conduz à desclassificação própria Mas há divergências e autores sustentando a possibilidade de quesitar a culpa imprudência imperícia ou negligência Após a quesitação será proferida a sentença pelo juiz condenatória ou absolutória conforme o decidido pelos jurados arts 492 e 493 Capítulo XIV DECISÕES JUDICIAIS E SUA NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO SUPERANDO O PARADIGMA CARTESIANO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO CONGRUÊNCIA COISA JULGADA 1 Dikelogía La Ciencia de La Justicia Iniciamos com essa homenagem a WERNER GOLDSCHMIDT cuja obra La Ciencia de La Justicia Dikelogía escrita em 1958 Madrid editorial Aguilar somente reeditada em 1986 Buenos Aires Depalma serviu de inspiração para essa introdução pois de forma muito peculiar o filho de James Goldschmidt genial processualista alemão propõe um debate em torno da justiça não só pela perspectiva axiológica mas também axiosófica258 A justiça como tema de uma ciência própria dikelogía é uma proposta complexa que parte de uma interessante afirmação La ciencia de la justicia es una ciencia nueva que trata de un tema viejo su denominación como dikelogía es un nombre viejo con sentido nuevo259 Explica o autor que a palavra dikelogía pode ser encontrada na obra de Altusio de 1617 que não a utiliza para o conceito de uma ciência da justiça senão denomina assim uma enciclopédia do direito positivo O jurisconsulto romano Ulpiano na filosofia estoica define justiça como a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu contemplando nessa descrição de justiça o hábito volitivo e intelectual de valoração estimando de modo positivo e negativo Justiça é virtude e é valor Mas também é um tema ético Partindo disso Werner GOLDSCHMIDT desenha em sua obra as diferentes formas de reparto sem descuidar do princípio supremo da justiça el principio supremo de la justicia estatuye la libertad del desarrollo de la personalidad E ainda La justicia protege al individuo contra toda influencia que ponga en peligro su libertad de desarrollar su personalidad260 Isso coloca o pensamento do autor judeu alemão cuja família peregrinou pela Espanha fugindo da perseguição nazista até o exílio definitivo na América do Sul em íntima conexão com o humanismo e a tolerância valores tão exaltados em sua obra Esses princípios aponta ARAGONESES ALONSO261 tendem a construir um Estado Democrático de Direito en el que se reconoce que la dignidad de la persona los derechos inviolables que le son inherentes el libre desarrollo de la pesonalidad el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social Não sem razão ainda que com variações na fórmula as principais constituições europeias asseguram o direito fundamental al libre desarrollo de la personalidad Sob sua inspiração até pelo profícuo convívio ARAGONESES ALONSO262 afirma que incluso tiene el Estado el deber de proteger al propio delincuente pues esto también es una forma de garantizar el libre desarrollo de la personalidad que es la función de la justicia E por que a referência à Diké Afinal a deusa da justiça não é Themis ou Témis Na mitologia grecoromana explica OST263 Zeus sobrevive à ira de seu pai Kronos Deustempo graças à esperteza de Reia sua mãe que o esconde numa gruta para não ser devorado como seus irmãos pois Kronos após tomar o lugar de seu pai tratou de fugir da profecia de que um de seus filhos o destronaria como ele tinha feito anteriormente cortando os testículos de seu pai com uma foice tendo o cuidado de devorálos assim que sua mulher Reia os punha no mundo Dessa vez para salvar a cria Reia entrega ao esposo uma pedra envolta em faixas para que ele a devore Chegando à idade adulta Zeus encabeçou uma revolta e pôs fim ao reino de Kronos enviandoo para o Tártaro As filhas de Zeus e Témis também se encontra com a grafia Têmis ou Themis chamavamse Thallô Auxô e Carpô três nomes que evocam as ideias de germinar crescer e fortificar Mas na vertente política denominavamse Eunomia Diké e Eirénè isto é a disciplina a justiça e a paz Como bem explica ALMEIDA PRADO264 Têmis era uma deusa matriarcal reflexo de uma época em que as mulheres eram depositárias da sabedoria da comunidade e os homens se entregavam à arte da guerra filha de Gaia Terra e Urano Céu irmã das Eríneas que também protegiam a ordem social Têmis é a deusa da justiça divina personificando a Lei e a organização do Universo É uma matriz mitologêmica de onde partiram todas as deusas da Justiça Já Diké ou Astreia filha de Zeus e Têmis irmã da verdade é a justiça do caso concreto a portadora do Direito que ela traz do Olimpo para a Terra Não sem razão segue a autora o ato de julgar se diz dikazein Diké era simbolizada no início com uma balança na mão esquerda à qual se adicionou mais tarde a espada A venda nos olhos é muito posterior para representar o caráter abstrato da justiça Assim a deusa da justiça do caso concreto e portanto personificadora do julgar é Diké Daí por que mais um acerto na expressão dikelogía O ato de julgar e todo o complexo ritual judiciário não é algo que possa ser pensado exclusivamente desde o Direito pois precisa dialogar em igualdade de condições com a Filosofia Também não é um tema puramente filosófico porque além de jurídico é antropológico pois nosso juiz é um sernomundo que jamais partirá de um grau zero de compreensão ou significação inserido que está na circularidade hermenêutica Para além disso muito além é o juiz um filho da flecha do tempo dromologicamente pensada com Virilio e outros de uma sociedade em busca de valores Prigogine e Morin Unese ou fundese a essa liga científica a psicanálise pois acima de tudo estamos diante do sentire de um juiznomundo que precisa julgar outro sujeito e o faz através da linguagem Até mesmo a neurociência é chamada ao profícuo diálogo pois não se pode mais insistir no erro de Descartes parafraseando António Damásio e não há ponto final aqui nem poderia haver Dessarte ainda que dessas questões não se tenha ocupado expressamente Werner Goldschmidt pensamos que a denominação dikelogía bem expressa a complexa ciência da justiça que se deve construir pois não vem dada por nenhum manual ou tratado jurídico filosófico antropológico etc senão que se situa no entrelugar no entreconceito que somente pela via da interdisciplinaridade é possível alcançarse um grau mínimo de compreensão Nessa perspectiva deve ser pensado a ato decisório pluridimensional e complexo pois melhor do que qualquer outro ato judicial dá representatividade e realidade à justiça A função dessa breve introdução é o convite à reflexão e a salutar recusa ao monólogo científico jurídico ou não e aos excessivos reducionismos da complexidade costumeiramente feitos nesse tema 2 Controle da Racionalidade das Decisões e Legitimação do Poder Para o controle da eficácia do contraditório e do direito de defesa bem como de que existe prova suficiente para sepultar a presunção de inocência é fundamental que as decisões judiciais sentenças e decisões interlocutórias estejam suficientemente motivadas Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder premissa fundante de um processo penal democrático Nesta linha está expressamente consagrada no art 93 IX da CB No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena sem que se produza a comissão de um delito sem que ele esteja previamente tipificado por lei sem que exista necessidade de sua proibição e punição sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros sem o caráter exterior ou material da ação criminosa sem a imputabilidade e culpabilidade do autor e sem que tudo isso seja verificado por meio de uma prova empírica levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público contraditório com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido Explica FERRAJOLI que el modelo penal garantista equivale a un sistema de minimización del poder y de maximización del saber judicial en cuanto condiciona la validez de las decisiones a la verdad empírica y lógicamente controlable de sus motivaciones265 O juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um saberpoder uma combinação de conhecimento veritas e de decisão auctoritas Com esse entrelaçamento quanto maior é o poder menor é o saber e viceversa No modelo ideal de jurisdição tal como foi concebido por Montesquieu o poder é nulo No modelo autoritarista totalmente rechaçado na atualidade o ponto nevrálgico está exatamente no oposto ou seja na predominância do poder sobre o saber e a quase eliminação das formas de controle da racionalidade Nesse contexto a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica e jurisprudencial ou discutir obviedades O mais importante é explicar o porquê da decisão o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade A motivação sobre a matéria fática demonstra o saber que legitima o poder pois a pena somente pode ser imposta a quem racionalmente pode ser considerado autor do fato criminoso imputado Como define IBÁÑEZ266 o ius dicere em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicaçãoexplicação um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional Quando se fala em racionalidade e razão é importantíssimo destacar que concepção estamos dando à deusa razão Não se trata da razão no sentido cartesiano que separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção Isso sugere que pensar e ter consciência de pensar são os verdadeiros substratos de existir pois Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo desvinculando a coisa pensante do corpo não pensante267 O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente268 Essa racionalidade queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO Demonstrou o renomado neurologista na célebre obra O Erro de Descartes269 após a observação de pacientes que tiveram removidas partes do cérebro responsáveis pelo sentimento e a emoção que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento Para o autor o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser É o erro de considerar como muitos ainda o fazem que a mente pode ser perfeitamente explicada em termos de fenômenos cerebrais deixando de lado o resto do organismo e o meio ambiente físico e social É a prática médica de tratar do corpo sem se preocupar com as consequências psicológicas das doenças do corpo fechando os olhos ainda para o efeito inverso dos conflitos psicológicos no corpo Não existe racionalidade sem sentimento emoção daí a importância de assumir a parcela inegável de subjetividade no ato decisório Também isso contribui para desvelar a hipocrisia do discurso paleo positivista da neutralidade do juiz além de evidenciar que o enfoque legalista paleopositivismo não é outra coisa que um mecanismo de defesa que o julgador lança mão para não introjetar sua sombra270 Em síntese o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos não basta apenas boa argumentação submetidos ao contraditório e refutáveis A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e principalmente de limite ao poder e nisso reside o núcleo da garantia Em última análise é a motivação das decisões judiciais um dos principais instrumentos de controle do decisionismo e de proteção contra o juiz solipsista STRECK a seguir tratado 21 Invalidade Substancial da Norma e o Controle Judicial Com o advento da Constituição de 1988 muitos dispositivos do atual CPP não resistem à necessária passagem pelo filtro constitucional Ou para tanto exigem um considerável esforço de adaptação do intérprete Recordando a lição de BOBBIO271 com a constitucionalização dos direitos naturais o tradicional conflito entre o direito positivo e o direito natural e entre o positivismo jurídico e o jus naturalismo perdeu grande parte do seu significado O anterior contraste entre a lei positiva e a lei natural transformouse em divergência entre o que o direito é e o que o direito deve ser no interior do ordenamento jurídico ou ainda nas palavras de FERRAJOLI o conflito agora está centrado no binômio efetividade e normatividade à luz da principiologia constitucional Mais do que nunca o Código de Processo Penal exige uma constante adaptação e necessárias correções para que seus dispositivos possam ser aplicados Nessa tarefa é crucial o papel do Poder Judiciário O juiz passa a assumir uma relevante função de garantidor que não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados como no superado modelo positivista Nessa tarefa o juiz não pode confundir vigência com validade pois só assim poderá identificar a substancial invalidade de uma determinada lei processual que não sobreviveu ao filtro constitucional de validade Ensina FERRAJOLI272 que o grande erro está em identificar os planos da existência vigência com o da validade A simples vigência de uma norma na dogmática tradicional conduz à validade e isso é um grave equívoco Devemos analisar a validade sob dois aspectos formal e substancial As normas substanciais dizem respeito ao significado à própria substância do direito Aqui entram os princípios como fator limitador e vinculante da atividade legislativa Assim uma norma que viola o princípio da jurisdicionalidade ou do contraditório vg por mais que tenha validade formal ou vigência existência pode ser inválida e como tal suscetível de anulação por confrontar uma norma substancial sobre sua produção Como explica FERRAJOLI273 a existência de normas inválidas pode ser facilmente compreendida com a mera distinção entre duas dimensões a regularidade ou legitimidade das normas que se pode chamar de vigência ou existência dizendo respeito à forma do ato normativo e depende da conformidade ou correspondência com normas formais sobre sua produção b validade propriamente dita ou em se tratando de leis a constitucionalidade que ao contrário tem a ver com seu significado ou conteúdo e que depende da coerência com as normas substanciais de sua produção São conceitos assimétricos e independentes entre si A vigência guarda relação com a forma dos atos normativos é uma questão de subsunção ou correspondência entre seus atos produtivos e as normas que regulam sua formação legalidade do aspecto formal do processo legislativo A validade referese ao seu significado é uma questão de coerência ou compatibilidade das normas produzidas com as de caráter substancial sobre sua produção FERRAJOLI274 identifica duas classes de normas sobre a produção jurídica 1 Formais condicionam a validade e também dão a dimensão formal da democracia política pois se referem ao quem e ao como das decisões São garantidas pelas normas que disciplinam as formas das decisões assegurando com elas a expressão da vontade da maioria 2 Material referese à democracia substancial posto que relacionada ao que não se pode decidir ou deva ser decidido por qualquer maioria e está garantida pelas normas substanciais que regulam a substância e o significado das mesmas decisões vinculandoas sob pena de invalidade ao respeito aos direitos fundamentais e demais princípios axiológicos estabelecidos pela Constituição Os direitos fundamentais configuram vínculos negativos gerados pelos direitos de liberdade que nenhuma maioria pode violar e os vínculos positivos gerados pelos direitos sociais que nenhuma maioria pode deixar de satisfazer Os direitos fundamentais são garantidos para todos e estão fora do campo de disponibilidade do mercado e da política formando o que FERRAJOLI275 classifica como esfera do indecidível que e do indecidível que não Com isso ainda que sumariamente definimos que a norma processual penal ou penal possui uma dimensão formal e outra substancial A primeira significa a observância do regular processo legislativo de sua elaboração e lhe atribui apenas a vigência e validade formal No modelo constitucional a validade da norma já não é um dogma associado à mera existência formal da lei senão uma qualidade contingente da mesma ligada à coerência de seus significados com a Constituição coerência mais ou menos opinável e sempre remetida à valoração do juiz Interessanos pois sua dimensão substancial verificando se ela ainda que existente possui quando de sua aplicação uma validade substancial ou seja se guarda coerência e estrita observância com os direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos Mais do que a filtragem constitucional deve o juiz atentar para o controle da convencionalidade das leis ordinárias ou seja se o CPP o CP ou qualquer lei ordinária não está em conflito com a Convenção Americana de Direitos Humanos O controle judicial da convencionalidade tão bem explicado por MAZZUOLI276 pode se dar pela via difusa ou concentrada merecendo especial atenção a via difusa pois exigível de qualquer juiz ou tribunal No RE 466343SP e no HC 87585TO o STF firmou posição por maioria apertada determinando que a CADH tem valor supralegal ou seja está situada acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Contudo estamos com Valerio MAZZUOLI e o Min Celso de MELLO que sustentam posição diversa no sentido de que tal tratado tem índole e nível constitucional por força do art 5º 2º da CF Inobstante a divergência coincidem as posições no sentido de que a CADH é um paradigma de controle da produção e aplicação normativa doméstica incumbindo aos juízes e tribunais ao aplicar o CPP ou qualquer lei ordinária verificar se está em conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos pois a Constituição não é mais o único referencial de controle das leis odinárias Enfim uma análise muito mais abrangente e que supera o mero legalismo É nesse terreno que o jurista e o juiz devem trabalhar 22 A Superação do Dogma da Completude Jurídica Quem nos Protege da Bondade dos Bons277 Verificada a vigência de uma norma dimensão formal cumpre indagar se ainda assim é possível haver lacunas e conflitos internos dicotomias As antinomias e lacunas do sistema são perfeitamente possíveis e nisso reside seu maior mérito pois uma perfeita coerência e plenitude só podem ocorrer em um Estado absoluto onde qualquer norma existente é válida simplesmente porque foi produzida de acordo com as formas estabelecidas pelo ordenamento O dogma da completude jurídica está há muito superado BOBBIO278 ensina que a escola da exegese já foi abandonada e substituída pela escola científica O caráter peculiar da escola da exegese é a admiração incondicional pela obra realizada pelo legislador através da codificação uma confiança cega na suficiência das leis a crença de que os códigos uma vez promulgados bastamse completamente a si próprios isto é sem lacunas É a ilusão de que no sistema não há nada a acrescentar ou retirar e de que não existem conflitos O dogma da completude cai por terra quando verificamos que o sistema está eivado de lacunas e de conflitos internos antinomias A possibilidade do direito inválido ou lacunoso a divergência entre normatividade e efetividade entre o deverser e o ser do direito é condição prévia tanto do Estado Constitucional de Direito quanto da própria dimensão substancial da democracia bem como a superação do papel do juiz como mero aplicador da lei O papel do juiz no processo penal constitucional é o de alguém que deve fazer a filtragem constitucional e eleger os significados válidos da norma e das versões trazidas pelas partes fazendo constantemente juízos de valor Com propriedade MORAIS DA ROSA279 explica que os cavaleiros da prometida plenitude a partir dessas crenças congregam em si o poder de dizer o que é bom para os demais mortais neuróticos por excelência pois precisam preencher sua falta com algo surgindo daí um objeto de amor capaz de fazer amar ao chefe censurador tido como necessário para o laço social Portanto o amor mantém a crença pela palavra do poder a qual será objeto de amor Nessa linha compreendese que o objeto de amor submissão e obediência portanto além da lei passa pelo paitribunal e ainda à palavra autorizada lugar historicamente ocupado pelo senso comum teórico não raras vezes autênticos cavaleiros da prometida e desejada plenitude Essa ambição quase infantil por segurança e plenitude contribui para a constituição do juiz infalível como substituto do pai capaz de determinar com pleno acerto o que é justo e o que é injusto Mas também por outro lado cria todas as condições necessárias para o desenvolvimento de patologias judiciais pois empurra o juiz para o lugar de semideus com a agravante da crença na bondade dos bons Preciosa é a lição de MARQUES NETO280 quando explica que uma vez perguntei quem nos protege da bondade dos bons Do ponto de vista do cidadão comum nada nos garante a priori que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos mesmo que essas mãos sejam boas É elementar que a administração da justiça não pode depender da bondade do bom senso ou de qualquer outro tipo de abertura axiológica desse estilo para legitimar o exercício do poder Novamente despontam as regras do devido processo como ponto crucial da discussão especialmente no que tange à legitimação do poder exercido em tão complexo ritual Defendendo a hermenêutica constitucional e a interpretação teoricamente demarcada PEREIRA LEAL281 sustenta que o decidir não mais pode escorrer do cérebro de um julgador privilegiado que guardasse um sentir sapiente por juízos de justiça e segurança que só ele pudesse com seus pares aferir induzir ou deduzir transmitir e aplicar Nessa linha além da necessária conformidade constitucional deve o juiz estrito respeito às regras do jogo e aos valores em jogo especialmente no processo penal em que o due process of law adquire um valor inegociável O problema aponta COUTINHO282 é saber o que é a bondade para ele Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes e neste diapasão os exemplos multiplicamse Em um lugar tão vago por outro lado aparecem facilmente os conhecidos justiceiros sempre lotados de bondade em geral querendo o bem dos condenados e antes o da sociedade Em realidade há aí puro narcisismo gente lutando contra seus próprios fantasmas Nada garante então que a sua bondade responde à exigência de legitimidade que deve fluir do interesse da maioria Neste momento por elementar é possível indagar também aqui dependendo da hipótese quem nos salva da bondade dos bons na feliz conclusão algures de Agostinho Ramalho Marques Neto A situação é ainda mais grave quando compreendemos que a crença nas leis racionais e na bondade do julgador atinge seu ápice com teóricos vinculados ao verbo autoritário como JAKOBS e seu funcionalismo direito penal do inimigo e outras construções teóricas que fazem a perigosíssima viragem linguística e discursiva para deslocar a noção de bem jurídico para a norma racional criando um discurso que legitima a punição pela necessidade de manterreforçar a confiança na lei e no sistema jurídicopenal Cometem assim o gravíssimo erro entre outros de matar o caráter antropológico do Direito Penal negando ao mesmo tempo a subjetividade e o diferente Como se não bastasse geralmente esse discurso vem nos sedutores invólucros da garantia da ordem pública supremacia do interesse coletivo e outras fórmulas que nada mais fazem do que pegar carona na crença na bondade dos bons Resta questionar sempre bom para quêquem 23 À Guisa de Conclusões Provisórias Rompendo o Paradigma Cartesiano e Assumindo a Subjetividade no Ato de Julgar mas sem Cair no Decisionismo A Preocupação com a Qualidade da Fudamentação das Decisões O juiz assume uma nova posição283 no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um ainda que para isso tenha de adotar uma posição contrária à opinião da maioria Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas lícitas e suficientes Não há mais espaço para o juiz exegeta paleopositivista e burocrata fiel seguidor do senso comum teórico dos juristas284 E acima de tudo está superada a mera subsunção à lei penal ou processual penal deve o juiz operar sobre a principiologia constitucional Dessarte impõese uma postura mais corajosa por parte dos juízes e tribunais em matéria penal Julgadores conscientes de que seu poder só está legitimado enquanto guardiões da eficácia do sistema de garantias previsto na Constituição Nessa linha em havendo leis atos normativos lato sensu incompatíveis com a principiologia constitucional é tarefa do Poder Judiciário expungilos do ordenamento ou em determinados casos efetuar a adaptaçãocorreção de tais atos normativos vivificandoos tornandoos aptos a serem aplicados pelos operadores jurídicos285 É chegado o momento de assumir a subjetividade e principalmente os riscos a ela inerentes e compreender recordando as lições de ANTÓNIO DAMÁSIO que a racionalidade é incompleta e resulta seriamente prejudicada quando não existe nenhuma ligação com o sentimento O dualismo cartesiano separa a mente do cérebro e do corpo substanciando o penso logo existo pilar de toda uma noção de superioridade da racionalidade e do sentimento consciente sobre a emoção O erro está na separação abissal entre o corpo e a mente286 É essa a racionalidade que queremos transcender na esteira de ANTÓNIO DAMÁSIO e dos presentes estudos sobre neurociência e também neuropsicanálise Para o autor o fenômeno é exatamente oposto àquele descrito por Descartes na medida em que existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos visto o pensamento ser na verdade causado por estruturas e operações do ser O penso logo existo deve ser lido como existo e sinto logo penso num assumido anticartesianismo É a recusa a todo discurso científico incluindo o mito da neutralidade etc baseado na separação entre emoção sentire e razão É claro que o juiz é um sernomundo logo sua compreensão sobre o caso penal e a incidência da norma é resultado de toda uma imensa complexidade que envolve os fatores subjetivos que afetam a sua própria percepção do mundo Não existe possibilidade de um ponto zero de compreensão diante da gama de valores preconceitos estigmas préjuízos aspectos subjetivos etc que concorrem no ato de julgar logo sentir e eleger significados Na feliz expressão de MORAIS DA ROSA287 a sentença penal é consequência de uma verdadeira bricolagem de significantes com toda a extensão que a expressão exige desde uma dimensão psicanalítica O primeiro passo já foi dado superar o paradigma cartesiano e o mito da neutralidade separação entre razão e emoção que fundou o mito do juiz razão boca da lei Mas cuidado não se pode reduzir a sentença a um mero ato de sentir Para muito além dessa dimensão de subjetividade estão os limites constitucionais e processuais para formação do convencimento do juiz e ainda o demarcado espaço interpretativo Não se pode jamais adverte com muito acerto STRECK288 permitir que o juiz possa dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa ou seja há limites na formação da decisão e no espaço constitucional de interpretação Em alguns casos a norma pode apresentar vários significados cabendo ao juiz proceder a uma interpretação conforme a Constituição atendendo ao que CANOTILHO289 chama de princípio da prevalência da Constituição optando pelo sentido que apresente uma conformidade constitucional Como complemento a essa técnica interpretativa290 pode ser utilizada a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto verdadeira técnica de decisão judicial291 através da qual diante de uma lei ou ato normativo o intérprete juiz ou tribunal exclui alguma ou algumas de suas interpretações possíveis e que se revestem de substancial inconstitucionalidade Isso ocorre a partir do que CANOTILHO292 chama de espaço de decisão espaço de interpretação aberto a várias propostas interpretativas umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas e outras em desconformidade com ela Evidenciase uma vez mais a importância do papel assumido pelo julgador A sujeição do juiz à lei explica FERRAJOLI293 já não é como no velho paradigma positivista sujeição à letra da lei qualquer que seja seu significado mas sim uma sujeição à lei enquanto válida isto é conforme a Constituição Claro que tal eleição e atribuição de significados devem obedecer a certos limites que vão dos limites da Constituição aos próprios limites semânticos e da reserva legal A questão perene passa a ser assumir a subjetividade e superar o dogma da completude lógica de um lado e de outro não cair no outro extremo no decisionismo em que o juiz julgue como bem entender com incontrolável discricionariedade Ou ainda de que modo é possível construir um discurso capaz de dar conta de tais perplexidades sem cair em decisionismos ativismos judiciais e discricionariedades por parte dos juízes294 Essa é verdadeiramente uma questão perene para os hermeneutas a busca incessante pelo equilíbrio entre os extremos Nessa mesma linha TRIBE e DORF295 ao explicar como não ler a Constituição sinalizam a cautela que se deve ter na hermenêutica constitucional para não incorrer no erro de pensar que a Constituição é simplesmente um espelho por meio do qual é possível enxergar aquilo que se tem vontade Com os autores compreendemos que não se pode usar o texto constitucional como pretexto para dizer aquilo que bem entendermos ou ainda para dizer aquilo de que gostaríamos muito que a Constituição dissesse mas que ela não diz Da mesma forma há que se ter o mesmo cuidado na interpretação da legislação ordinária para não olhála como um espelho a refletir a imagem que gostaríamos muito de ali ver Uma coisa é o que a lei diz a outra é aquilo que gostaríamos muito de que ela dissesse mas não diz COUTINHO296 atento ao problema também explica que a norma é produto da interpretação do intérprete mas a norma criada porém não pode dizer qualquer coisa quiçá em uma bela conclusão metafísica Há todavia de se ter um marco onde a assertiva não seja tão só retórica Daí por que como assevera o autor o que se delimita ao Poder Judiciário é a verificação da adequação possível ou seja se a norma criada pelo intérprete não escapa da regra e assim do raio de alcance da estrutura linguística do enunciado das suas palavras297 Isso não significa um retorno ao paleopositivismo e o amor incondicional à letra da lei Nada disso Há que se buscar na hermenêutica constitucional os instrumentos necessários para efetivar a filtragem constitucional a conformidade da lei ordinária à Constituição mas sem que isso descambe para o decisionismo ou o relativismo absurdo É necessária muita maturidade científica para conseguir fazer o esforço honesto na leitura da Constituição e da legislação ordinária desde que filtrada é claro para chegar a uma interpretação que nem sempre é do nosso agrado sem que isso signifique uma postura de ingênuo conformismo É inafastável que o juiz elege versões entre os elementos fáticos apresentados e o significado justo da norma Não se pode esquecer que a consciência plena é ilusória298 e que a influência do inconsciente do julgador no momento do ato decisório perpassa a decisão e não tem sentido manter uma venda nos olhos para fazer de conta que o problema não existe299 Mas isso não autoriza o decisionismo com o juiz dizendo o que bem entende da norma ou da prova o espelho de TRIBE e DORF ou o juiz dizendo qualquer coisa sobre qualquer coisa STRECK Somente está legitimado o convencimento judicial formado a partir do que está e ingressou legalmente no processo significa dizer com estrita observância das regras do due process of law vedandose por primário as provas ilícitas contra o réu e coisas do gênero regido pelo sistema acusatório devidamente evidenciado pela motivação da sentença para permitir o controle pela via recursal Para não incidir no erro do decisionismo insistese na estrita observância das regras do devido processo penal fundantes da instrumentalidade constitucional O respeito às regras do jogo e a necessária filtragem constitucional criam condições de possibilidade para o equilíbrio entre os dois extremos paleopositivismo e decisionismo E mais não se pode a partir da equivocada filosofia da consciência deixar que a atribuição de sentido decorra unicamente da cabeça do juiz ou seja não se pode depender apenas da consciência do julgador ou mesmo de um livre convencimento Não pode ele decidir de acordo com a sua consciência e em completo desprezo por exemplo de toda produção dogmática e jurisprudencial em torno de determinado conceito jurídico Imaginese o absurdo da decisão que dissesse não concordo com o sistema trifásico de aplicação da pena do art 59 do CP e desenvolvi meu próprio critério Típico decisionismo ilegal que não raras vezes se vislumbra com maior ou menor grau em algumas decisões O sistema de administração da justiça não pode depender exclusivamente da consciência ou da bondade do julgador Daí a importância dos limites do espaço decisório interpretativo que vem dado pela estrita observância das regras do devido processo penal e de toda a principiologia constitucional aplicável ao julgamento criminal A decisão tem que ser construída no processo penal em contraditório e demarcada pelo limite da legalidade leiase respeito às regras do jogo Não pode ser apenas um decido conforme a minha consciência Isso seria perfilarse na superada dimensão da filosofia da consciência e avalizar um perigosíssimo e ilegal decisionismo PEREIRA LEAL300 criticando a escola instrumentalista especialmente Cândido Dinamarco explica que não se pode mais colocar a jurisdição como centro do sistema eis o erro senão que se deve fazer uma opção pelo direito democrático abandonando a ideia de ser o plano da decisão exclusivo do decididor juiz senão que a decisão deve ser construída como resultante vinculada à estrutura procedimental regida pelo processo constitucionalizado sem esquecer que o autor se situa na linha de FAZZALARI de que o processo é um procedimento em contraditório Daí por que não se pode mais conceber o processo como um mero espaço de exercício de poder de instrumento da jurisdição Conclui com precisão PEREIRA LEAL301 que a legitimidade da decisão está no procedimento para se tomar essa decisão se confundindo procedimento e processo Daí por que o devido processo penal constitucional adquire o status de garantia insuprimível pois nenhuma decisão seria constitucionalmente válida e eficaz se não preparada em status de devido processo legal porquanto uma vez produzida em âmbito de exclusivo juízo judicacional não poderia se garantir em validade e eficácia pela discursiva condição estatal do direito democrático A legitimidade da decisão só ocorre em fundamentos procedimentais processualizados porque o PROCESSO como direito de primeira geração instituição jurídica constituinte e constituída de produção de direitos subsequentes é direito fundamental de eficiência autodeterminativa da comunidade jurídica que se fiscaliza renovase e se confirma pelos princípios processuais discursivos da isonomia ampla defesa e contraditório ainda que nas estruturas procedimentais encaminhadoras das vontades jurídicas não sejam pretendidas resoluções de conflitos302 Importante avanço veio com a Lei n 139642019 e a inserção do art 315 Art 315 A decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória sentença ou acórdão que I limitarse à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida II empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso III invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão IV não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de em tese infirmar a conclusão adotada pelo julgador V limitarse a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos VI deixar de seguir enunciado de súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento Ainda que o dispositivo esteja inserido no tratamento da prisão preventiva é importante perceber que o 2º é muito mais abrangente ao prever que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória sentença ou acórdão Então todas essas vedações que exigem qualidade da decisão ao não admitir que ela se limite a indicar artigos da lei ou precedentes enunciados sem fazer a adequação ao caso concreto que empregue conceitos jurídicos vagos e indeterminados sem relacionar com o fato concreto a invocar motivos formulários padronizados que servem para qualquer decisão que não enfrente os argumentos trazidos pelas partes e que se relacionem com a linha decisória adotada ou ainda que deixe de seguir súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte e que diga respeito ao caso em discussão sem fazer o necessário distinguishing Portanto é uma determinação legal da maior relevância e que busca estabelecer um standard elevado de qualidade da fundamentação das decisões e ao mesmo tempo prestigia as partes e o contraditório Importante destacar ainda a nova redação do art 564 V Art 564 A nulidade ocorrerá nos seguintes casos V em decorrência de decisão carente de fundamentação Incluído pela Lei n 13964 de 2019 Com isso o legislador reforça claramente o valor e a necessidade de uma fundamentação de qualidade prevendo a nulidade do ato decisório carente de fundamentação É uma decorrência lógica da anulação da decisão que já vinha sendo aplicada pelos tribunais ainda que somente em casos extremos e com bastante timidez e que agora ganha destaque com a nova redação dada pela Lei n 139642019 Em suma a decisão judicial somente é válida e eficaz quando construída processualmente no espaço jurídico discursivo da condicionalidade estatal expressa na estrutura procedimental devido processo legal legitimadora de sua prolatação303 Assim o processo não deixa de ser um método limitador e caminho necessário para a decisão Há que se encontrar o entrelugar onde se recuse a razão moderna e o dogmatismo oitocentista mas também o relativismo cético tipicamente pósmoderno Pensamos que a legitimação da decisão se dá através da estrita observância das regras do devido processo São essas regras que estruturando o ritual judiciário devem proteger do decisionismo e também do outro extremo onde se situa o dogma da completude jurídica e o paleopositivismo 3 Decisão Penal Análise dos Aspectos Formais Após uma sumária cognição da complexidade do ato decisório vejamos agora o aspecto formaldogmático devidamente resignificado pelo anteriormente exposto Portanto não há que se desconectarem as temáticas Tradicionalmente no Brasil a doutrina304 costuma classificar os atos jurisdicionais nas seguintes categorias 1 Despachos de mero expediente são atos meramente ordenatórios sem cunho decisório e que não causam prejuízo para acusação ou defesa sendo portanto irrecorríveis Nesta categoria entram os despachos de juntese intimese dêse vista e congêneres 2 Decisões 21 Interlocutórias simples pouco mais do que um despacho de mero expediente já possui um mínimo de caráter decisório e gera gravame para uma das partes Como regra não cabe recurso dessa decisão salvo expressa disposição legal sem negarse contudo a possibilidade de utilização das ações impugnativas como habeas corpus e mandado de segurança conforme o caso São exemplos decisão que recebe a denúncia ou queixa indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação etc 22 Interlocutórias mistas também consideradas como decisões com força de definitiva possuem cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida Encerram o processo sem julgamento do mérito ou finalizam uma etapa do procedimento por isso podem ser terminativas ou não Como regra não há produção de coisa julgada material e são atacáveis pela via do recurso em sentido estrito mas há exceções em que a lei prevê o recurso de apelação Nessa categoria inseremse as decisões de rejeição da denúncia ou queixa pronúncia não terminativa impronúncia decisão terminativa atacável pela apelação art 593 II do CPP desclassificação a decisão que acolhe a exceção de coisa julgada ou litispendência etc 3 Sentenças as sentenças no processo penal poderão ter eficácia condenatória absolutória própria ou imprópria absolve mas aplica medida de segurança ou declaratória da extinção da punibilidade São atos jurisdicionais por excelência com pleno cunho decisório e que geram prejuízo para a parte atingida Como regra o recurso cabível é o de apelação São exemplos as sentenças penais condenatórias absolutórias a absolvição sumária tanto nos procedimentos comuns ordinário e sumário como também no rito do tribunal do júri art 415 e a declaratória da extinção da punibilidade pela concessão do perdão judicial ou prescrição por exemplo Excetuandose os despachos de mero expediente as decisões e sentenças devem ser fundamentadas sob pena de nulidade As sentenças em geral são fundamentadas a contento ainda que não se concorde com os termos e as premissas O grande problema são as decisões interlocutórias inter locus no meio do caminho no curso do procedimento especialmente aquelas que implicam restrição de direitos e garantias fundamentais tais como as decisões que decretam a busca e apreensão a interceptação telefônica e a decretação da prisão cautelar Nesses casos impõese severo gravame a alguém sem em grande parte dos casos uma fundamentação suficiente para legitimar tal violência estatal Ontologicamente estar preso cautelarmente ou definitivamente é igual quando não é mais grave a situação gerada pela prisão cautelar mas substancialmente distintas são as decisões e principalmente a qualidade das decisões Diariamente são geradas situações fáticas gravíssimas como a prisão cautelar com pífia fundamentação e isso é inadmissível A sentença no processo penal é o ato jurisdicional por antonomásia uma resolução judicial paradigmática à qual se encaminha todo o processo305 Somente a sentença resolve com plenitude acerca do objeto do processo penal que como vimos anteriormente é a pretensão acusatória cujo elemento objetivo é o caso penal A sentença pode ser definida306 ainda como aquele ato jurisdicional que põe fim ao processo pronunciandose sobre os fatos que integram seu objeto e sobre a participação do imputado neles impondose uma pena ou absolvendoo como manifestação do poder jurisdicional atribuída ao Estado O dever de fundamentar a sentença foi exposto no início deste capítulo cabendo agora verificar a estrutura externa como preceitua o art 381307 relatório em que são indicados os nomes das partes devidamente identificadas e a descrição objetiva dos acontecimentos do processo em geral remetendo para a morfologia do procedimento motivação ponto nevrálgico da sentença em que o juiz deve analisar e enfrentar a totalidade sob pena de nulidade das teses acusatórias e defensivas demonstrando os motivos que o levam a decidir dessa ou daquela forma A motivação dáse em duas dimensões fática e jurídica Na primeira procede o juiz à valoração da prova e dos fatos reservando para a segunda a fundamentação em torno das teses jurídicas adotadas e também o enfrentamento das teses jurídicas alegadas mas refutadas Por fim sendo a sentença condenatória deverá o juiz manifestarse sobre a responsabilidade civil do réu fixando o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido dispositivo finalizando a sentença é na parte dispositiva que se afirmará a absolvição indicando o inciso do art 386 aplicável ou em caso de condenação será feita a dosimetria da pena à luz dos arts 59 e 68 do CP e 387 do CPP A estrutura da sentença em três partes independe de ser ela condenatória ou absolutória pois em ambos os casos deve conter o relatório a motivação e o dispositivo Claro que o dispositivo da sentença condenatória é mais complexo na medida em que ali é realizada a dosimetria da pena mas em ambas as espécies de sentença há dispositivo Mesmo na sentença absolutória e com mais razão na condenatória deverá o juiz analisar todas as teses acusatórias e defensivas sob pena de violar a regra da correlação e gerar uma sentença nula Ainda que sejamos críticos em relação à aplicação automática das categorias do processo civil no processo penal crítica à teoria geral do processo308 é viável e adequada a invocação do art 489 do CPC especialmente o disposto no parágrafo primeiro309 Tratase de uma analogia adequada na medida em que amplia a eficácia de direitos e garantias fundamentais e complementa importante lacuna existente no CPP sem sacrifício de suas categorias jurídicas próprias É exigível que uma decisão penal seja suficientemente fundamentada sem recorrer a mera indicação de artigos da lei sem recorrer aos conceitos jurídicos indeterminados como ordem pública no decreto da prisão preventiva ou mera inexistência de prejuízo no terreno das nulidades ou que se prestam a justificar qualquer outra decisão Também é muito importante que uma decisão penal enfrente todos os argumentos deduzidos pela acusação e defesa refutandoos de forma motivada Enfim que se tenha uma decisão com musculatura argumentativa devidamente motivada e fundamentada para legitimar o exercício de um poder tão gravoso como é o poder de punir Analisaremos a seguir alguns aspectos da sentença condenatória pois a absolutória tem por principal problemática os eventuais efeitos civis que dela ainda podem decorrer anteriormente explicados Sendo a sentença condenatória deverá observar o disposto no art 387 do CPP Quanto aos incisos I II e III devem ser lidos em conjunto com as regras estabelecidas no art 59 e s do Código Penal que disciplinam a dosimetria da pena O inciso IV é uma inovação introduzida pela Lei n 117192008 que alterou a sistemática brasileira para permitir a cumulação da pretensão acusatória com outra de natureza indenizatória Nessa linha o parágrafo único do art 63 nova redação também modificado pela Lei n 11719 passou a estabelecer que transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido Como decorrência dessas modificações agora na sentença penal condenatória o juiz já deverá fixar um valor mínimo a título de indenização pelos prejuízos sofridos pela vítima que não impede que ela postule no cível uma complementação Mas para que o juiz penal possa fixar um valor mínimo para reparação dos danos na sentença é fundamental que 1 exista um pedido expresso na inicial acusatória de condenação do réu ao pagamento de um valor mínimo para reparação dos danos causados sob pena de flagrante violação do princípio da correlação 2 portanto não poderá o juiz fixar um valor indenizatório se não houve pedido sob pena de nulidade por incongruência da sentença 3 a questão da reparação dos danos deve ser submetida ao contraditório e assegurada a ampla defesa do réu 4 somente é cabível tal condenação em relação aos fatos ocorridos após a vigência da Lei n 117192008 sob pena de ilegal atribuição de efeito retroativo a uma lei penal mais grave como explicado anteriormente ao tratarmos da Lei Processual Penal no Tempo Não se pode esquecer ainda que a pretensão indenizatória é de natureza privada e exclusiva da vítima Logo como adverte GIACOMOLLI310 a vítima tem plena disponibilidade podendo manifestar interesse em que não seja arbitrado na esfera criminal pois já ingressou no juízo cível ou nele pretende discutir o an debeatur e o quantum debeatur A indenização está na esfera de disponibilidade do interessado cabendo portanto renúncia e transação motivo por que ao magistrado é vedado arbitrar qualquer valor reparatório se houver manifestação nesse sentido O inciso V está revogado pois não existe mais a aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança desde a reforma da parte geral do Código Penal de 1984 Também o inciso VI ficou sem sentido pois não existe mais essa previsão no art 73 do Código Penal O parágrafo único inserido pela Lei n 117192008 substitui o problemático art 594 do CPP disciplinando a manutenção ou imposição de prisão preventiva neste momento sem qualquer prejuízo a que se conheça da apelação eventualmente interposta Isso porque durante décadas se discutiu sobre o direito de apelar em liberdade e a eventual necessidade de recolherse o réu à prisão para recorrer Nos últimos anos a matéria já havia se pacificado com a absoluta separação das questões pois de um lado está a necessidade ou não da prisão cautelar e de outro completamente desconectado o direito de recorrer Para evitar longas repetições remetemos o leitor para nossos escritos anteriores sobre a prisão cautelar Por fim chamamos a atenção para o disposto no 2º O tempo de prisão provisória de prisão administrativa ou de internação no Brasil ou no estrangeiro será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade Pensamos que o art 387 2º pode ser aplicado em sentença ou acórdão condenatório quando em virtude da prisão cautelar ou mesmo da execução antecipada da pena após a decisão de 2º grau o condenado cumpre uma quantidade de pena que gera o direito a outro regime mais benéfico 4 Princípio da Congruência ou Correlação na Sentença Penal 41 A Imutabilidade da Pretensão Acusatória Recordando o Objeto do Processo Penal Além do estudo dos princípios constitucionais do contraditório ampla defesa e também das regras do sistema acusatório como veremos na continuação a correlação vinculase ao objeto do processo penal Como já explicamos no início desta obra o objeto do processo penal é a pretensão acusatória importante compreender esse conceito já explicado O exercício da pretensão acusatória com todos os seus elementos é a acusação fundamental para se aferir se é a sentença incongruente no processo penal pois é ela quem demarca os limites da decisão jurisdicional O objeto do processo penal é a pretensão acusatória vista como a faculdade de solicitar a tutela jurisdicional afirmando a existência de um delito para ver ao final concretizado o poder punitivo estatal pelo juiz através de uma pena ou medida de segurança O titular da pretensão acusatória será o Ministério Público ou o particular Ao acusador público ou privado corresponde apenas o poder de invocação acusação pois o Estado é o titular soberano do poder de punir que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público e muito menos do acusador privado A compreensão da complexa estrutura do objeto do processo penal é fundamental para o estudo do princípio ou regra da correlação como também o é para a compreensão dos limites do sistema acusatório Também demarca o campo de incidência da coisa julgada e da litispendência Seguindo a mesma linha de raciocínio BADARÓ311 é preciso ao explicar que o objeto do processo penal está ligado à imputação que consiste na formulação da pretensão processual penal conceito esse compatível com nossa posição isto é o fato enquadrável em um tipo penal que se atribui a alguém e que deve permanecer imutável ao longo do processo pois o objeto da sentença tem de ser o mesmo objeto da imputação Assim a sentença não pode ter em consideração algo diverso ou que não faça parte da imputação A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal Na mesma linha de pensamento MALAN312 relacionando objeto com sistema processual afirmando que o processo de feição acusatória se caracteriza por ser tendencialmente rígido pois essa rigidez decorre da garantia da vinculação temática do juiz Desvela o autor uma importante relação entre a rigidez do objeto e o sistema acusatório em que o juiz espectador não tem a gestão da prova e tampouco invade o elemento objetivo da pretensão para alterálo Além disso a garantia da imparcialidade encontra condições de possibilidade de eficácia no sistema acusatório mas para tanto é necessário que o juiz se abstenha de ampliar ou restringir a pretensão acusatória modificação do objeto julgandoa nos seus limites o que não o impede obviamente de acolhêla no todo ou em parte na sentença diante da prova produzida Mas como toda regra há que se relativizála e assim o faz o processo penal através dos institutos da emendatio libelli e mutatio libelli previstos nos arts 383 e 384 do CPP Mas e esse é o ponto nevrálgico para realizar qualquer modificação é imprescindível observarse os princípios da inércia e sua vinculação ao sistema acusatório da jurisdição do direito de defesa e principalmente do contraditório como veremos na continuação 42 Princípio da Correlação ou Congruência Princípios Informadores A Importância do Contraditório e do Sistema Acusatório Fazendo alguns ajustes pois o autor estava se referindo ao processo civil nos serve o conceito de ARAGONESES ALONSO313 por congruência deve entenderse aquele princípio normativo dirigido a delimitar as faculdades resolutórias do órgão jurisdicional pelo qual deve existir identidade entre a decisão e o debatido oportunamente pelas partes No estudo da correlação é fundamental a leitura conjugada com os princípios processuais do contraditório e ampla defesa mas também com o que já explicamos acerca do sistema acusatório pois vinculase com o princípio da inércia da jurisdição ne procedat iudex ex officio A regra da correlação ou congruência somente tem razão de ser em um sistema acusatório pois é um mecanismo que concretiza na dinâmica do processo penal os princípios constitucionais citados especialmente o contraditório que somente encontra condições de existência no sistema acusatório Grande parte dos problemas em torno da correlação no sistema processual penal brasileiro decorrem do fato de nosso modelo ser neoinquisitório infelizmente o art 3ºA que consagra expressamente a estrutura acusatória está suspenso por força da medida liminar do Min FUX A estrutura do CPP está alicerçada na matriz inquisitória pois a gestão da prova está nas mãos do juiz basta uma rápida leitura do art 156 e tantos outros que conduzem ao ativismo judicial tipicamente inquisitório mas sempre devemos recordar o modelo constitucional é acusatório Diante desse conflito não há outra opção a ser seguida que não a luta pela prevalência da Constituição e da filtragem constitucional Ainda por imposição do sistema acusatórioconstitucional deve o juiz manterse em inércia só atuando quando invocado pelas partes e na medida da invocação Como já explicamos a inércia é fundante da jurisdição ne procedat iudex ex officio e ainda garantidora da eficácia do sistema acusatório que por sua vez assegura o contraditório Quando o juiz assume uma postura ativa agindo de ofício na busca da prova na decretação de medidas cautelares como infelizmente autoriza o art 156 ainda que substancialmente inconstitucional revogado tacitamente pelo art 3ºA fulmina numa só tacada a estrutura acusatória o contraditório a ampla defesa e o princípio supremo do processo a imparcialidade do julgador Como adverte BADARÓ314 do ne procedat iudex ex officio deriva que o juiz não pode prover sem que haja um pedido e como consequência daí decorre outro princípio o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A inércia da jurisdição é fundamental pois sobre ela se estruturam diversos institutos do processo penal além do próprio sistema acusatório constitucional de modo que a decisão desconectada do que foi objeto da imputação gera uma sentença incongruente Quanto ao contraditório igualmente relacionado com o princípio da corre lação pois o binômio informaçãoreação deve pautar o campo decisório não podendo o juiz decidir sobre questões que não foram debatidas pelas partes no processo Crucial nesta questão é compreender que o contraditório deve incidir sobre as questões de fato e de direito como bem aponta BADARÓ315 não havendo mais espaço constitucional para continuarmos mutilando o contraditório em nome de uma equivocada leitura do adágio narra mihi factum dabo tibi ius Não há mais razão no marco do processo penal constitucional para aceitarse a exclusão das questões de direito do princípio da correlação havendo uma imperiosa necessidade de relerse o art 383 como explicaremos a seu tempo com a consciência de que o contraditório316 também sobre elas incide Até porque essa lógica binária de questão de fato questão de direito na complexidade contemporânea não é nada clara ou seja as questões se misturam e coexistem não se excluem sendo reducionismo operarse na lógica binária A distinção é tênue senão inexistente Destacamos no conceito de ARAGONESES ALONSO anteriormente citado a necessidade de identidade entre a decisão e o que foi debatido pois para além do que foi pedido há que se ter sempre presente o necessário contraditório e a defesa Logo é reducionismo pensar o princípio da correlação ou congruência no binômio acusaçãosentença pois não se pode admitir a decisão acerca de matéria não submetida ao contraditório Portanto os limites da decisão vêm demarcados por uma dupla dimensão acusação e contraditório Do contraditório nascem as condições de possibilidade do exercício do direito de defesa outra regra de ouro a constituir o due process of law Assim quando falamos em defesa neste momento não o fazemos no sentido estrito de direito de defesa distinto do contraditório por suposto mas sim no sentido mais amplo do todo integrando o contraditório e o direito de defesa Quanto ao direito de defesa é obviamente atingido pela sentença incongruente pois subtrai do réu a possibilidade de defenderse daquilo que foi objeto da decisão mas que não estava na acusação Essa surpresa gera um inegável estado de indefesa com evidente prejuízo para aqueles que ainda operam na lógica do prejuízo para decretação das nulidades processuais O direito de defesa ainda que distinto mantém uma íntima correlação com o contraditório devendo a acusação ser clara e individualizada para permitir a defesa Mas de nada servem essas regras em torno da imputação se o juiz modificar no curso do processo as questões de fato ou de direito gerando a surpresa e a situação de evidente cerceamento de defesa pois o réu não se defendeu desse fato novo ou dessa nova qualificação jurídica por exemplo Apenas para não gerar confusão explicamos que o direito de defesa é obviamente afetado pela sentença incongruente mas a regra da correlação não se funda apenas sobre ele Ou seja não está a congruência ou correlação a serviço exclusivamente da defesa mas também do contraditório e do sistema acusatório Como explica LEONE317 o interrogatório também se destina a delimitar o âmbito da decisão do juiz no sentido de que ele não pode pronunciar uma decisão sobre um fato diferente do imputado Assim a correção entre imputação e decisão se opera tanto no interior da instrução quanto nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento e não apenas nessa segunda hipótese julgamento decisão Isso é fundamental para compreenderse que a correlação já se faz valer no momento do interrogatório e ao longo de toda a instrução A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença mas entre acusação defesa instrução e sentença É possível assim alterarse a pretensão acusatória especialmente seu elemento objetivo mas desde que exista estrita observância do contraditório para evitar surpresas e permitir a eficácia do direito de defesa Dessarte é evidente a incompatibilidade do contraditório e do sistema acusatório com o ativismo judicial ou seja com o juiz agindo de ofício nessa modificação da pretensão acusatória 43 A Complexa Problemática da Emendatio Libelli Art 383 do CPP Para além do Insuportável Reducionismo do Axioma Narra Mihi Factum Dabo Tibi Ius Rompendo os Grilhões Axiomáticos Iniciemos pela leitura do art 383 que estabelece a emendatio libelli Art 383 O juiz sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa poderá atribuirlhe definição jurídica diversa ainda que em consequência tenha de aplicar pena mais grave 1º Se em consequência de definição jurídica diversa houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo o juiz procederá de acordo com o disposto na lei 2º Tratandose de infração da competência de outro juízo a este serão encaminhados os autos Primeiro aspecto a ser destacado é que a emendatio libelli não se ocupa de fatos novos surgidos na instrução mas sim de fatos que integram a acusação e que devem ser objeto de uma mutação na definição jurídica O segundo problema está na conjugação do conceito descrição do fato e a possibilidade de o juiz atribuirlhe definição jurídica diversa Infelizmente o senso comum teórico segue afirmando que o réu se defende dos fatos de modo que a emendatio libelli seria uma mera correção na tipificação que o juiz poderia fazer nos termos do art 383 sem qualquer outra preocupação Em parte da doutrina nacional infelizmente é comum encontrarmos afirmações assim no processo penal o réu se defende de fatos sendo irrelevante a classificação jurídica constante na denúncia ou queixa Tratase de aplicação pura do brocado jura novit curia pois se o juiz conhece o direito basta narrarlhe os fatos narra mihi factum dabo tibi ius318 Tal postura peca por reducionismo da complexidade ainda atrelada a uma concepção simplista do processo penal incompatível com seu nível de evolução e dos cânones constitucionais contemporâneos Ademais em muitos casos a correção na tipificação legal decorre na essência do desvelamento de nova situação fática como sói ocorrer vg na mudança de crime doloso para culposo Infelizmente temos de reconhecer que essa postura de que não existe qualquer prejuízo para a defesa na mudança da definição jurídica é a predominante nos tribunais brasileiros Mas o problema é muito mais sério e a crítica fundamental Analisando a necessária correlação entre acusação e sentença SCARANCE FERNANDES319 acertadamente destaca que na realidade o acusado não se defende como normalmente se afirma somente do fato descrito mas também da classificação a ele dada pelo órgão acusatório MALAN320 apontando a necessidade de qualificação jurídica do fato inserida no art 41 do CPP e a consequente inépcia da inicial pela ausência conclui que na contramão de remansosa jurisprudência que o réu se defende tão somente de fatos e sim de fatos qualificados juridicamente GIACOMOLLI321 vai além da crítica para afirmar categoricamente não encontra suporte no devido processo legal o art 383 do CPP Dessarte não se pode mais fazer uma leitura superficial do art 383 do CPP e principalmente desconectada da principiologia constitucional É elementar que o réu se defende do fato e ao mesmo tempo incumbe ao defensor também debruçarse sobre os limites semânticos do tipo possíveis causas de exclusão da tipicidade ilicitude culpabilidade e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal É óbvio que a defesa trabalha com maior ou menor intensidade dependendo do delito nos limites da imputação penal considerando a tipificação como a pedra angular em que irá desenvolver suas teses O conceito de fato para o Direito Penal e para o processo penal também é relevante pois322 o fato para o direito processual penal confundese com o fato concreto ou seja aquele acontecimento da vida real e indivisível o fato para o Direito Penal relacionase com o tipo penal abstrato ou seja aquela descrição hipotética feita pelo legislador e que constitui o tipo penal Essa distinção será útil para analisarse em que medida é possível a alteração do fato sem que isso conduza a uma mutação da pretensão acusatória objeto do processo penal A acusação imputação deve ser clara e individualizados os fatos e a participação de cada réu Mas não podemos esquecer que a qualificação jurídica do fato também é elemento imprescindível da acusação pois assim determina o art 41 ao categoricamente exigir que a denúncia ou queixa contenha a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificálo a classificação do crime e quando necessário o rol das testemunhas Com isso evidenciase que o fato processual é mais amplo que o fato penal pois abrange o acontecimento naturalístico com todas as suas circunstâncias e também a classificação do crime exigência do art 41 ou seja fato processual fato natural fato penal A maior abrangência conceitual faz com que mudanças fáticas irrelevantes para o Direito Penal sejam totalmente relevantes para a definição do fato processual exigindo cuidados para que se produza a mutação sem gerar uma sentença incongruente A costumeiramente tratada como mera correção da tipificação legal não é tão inofensiva assim pois modifica o fato penal e por conseguinte o fato processual Um dado acidental para o tipo penal como a existência de uma agravante por exemplo é muito relevante para o fato processual afetando diretamente o objeto do processo penal Da mesma forma elementos completamente irrelevantes para o Direito Penal podem ser da maior importância para o fato processual e a sentença basta ver que para o Direito Penal é típica a conduta de matar alguém pouco importando se com essa ou aquela arma neste ou naquele dia ou local Contudo ninguém diria ser irrelevante para a correlação acusaçãosentença o fato de a vítima ter morrido hoje ou um mês antes no Rio de Janeiro ou em São Paulo a tiros ou facadas Evidenciase que tais alterações ainda que irrelevantes para o fato penal são de grande significado probatório podendo sua prova representar a absolvição ou condenação do réu Essas são questões fáticas absolutamente determinantes na imputação na produção da prova no debate e na sentença Enfim para o contraditório e o próprio desfecho do processo Mais grave nos parece a situação quando a denúncia descreve no bojo da acusação vários fatos mas não faz a devida capitulação legal de algum deles e ainda assim o juiz julga e condena o réu Na verdade estamos diante de uma denúncia inepta pois não descreve o fato e faz a devida classificação do crime como exige o art 41 não cabendo a condenação em relação a ele Seguindo o estudo se mudanças no fato processual podem ser irrelevantes para o direito penal o sentido inverso não é verdadeiro Como explica BADARÓ323 a alteração do fato que se mostre relevante penalmente sempre o será para o processo penal visto não ser possível condenar alguém sem que o fato concreto imputado apresente todos os elementos que abstratamente integram o tipo penal salvo é claro na hipótese de eliminação de um determinado dado fático que implique atipicidade relativa As chamadas questões de direito estão intimamente vinculadas ao fato penal e portanto estão abrangidas pelo conceito de fato processual devendo o juiz ainda que o art 383 não exija oportunizar às partes que se manifestem sobre a possibilidade ou não de uma modificação na qualificação jurídica No mesmo sentido BADARÓ324 é enfático não há previsão legal em nosso ordenamento nesse sentido mas o princípio do contraditório assim o exige MALAN também se posiciona nessa linha advertindo que embora o art 383 não determine expressamente devese abrir vista às partes para manifestação após a aplicação da emendatio libelli Ademais não há que se esquecer que a distinção entre questões de fato e questões de direito é bastante tênue chegando à inexistência em situações complexas Tampouco nos parece adequada a expressão questões de direito quando do que se trata é de crime logo a própria antítese do direito Isso é mais um fruto da teoria geral do processo equivocada por essência Então melhor é tratar da questão na dimensão de fato penal e fato processual penal em que como explicamos alterações na dimensão material acarretam inegavelmente reflexos no campo processual325 Dessarte ainda que o Código não exija a Constituição o faz existindo um verdadeiro dever do juiz de provocar o prévio contraditório entre as partes sobre qualquer questão que apresente relevância decisória seja ela processual ou de mérito de fato ou de direito prejudicial ou preliminar O desrespeito ao contraditório sobre as questões de direito expõe as partes ao perigo de uma sentença de surpresa326 e como veremos nula Problemas ainda podem surgir em relação à iniciativa da ação penal diante do novo tipo penal resultante da emendatio libelli art 383 nos seguintes termos a Se a nova capitulação legal importar delito ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada a representação e já tiverem passados os 6 meses do prazo legal haverá decadência Não há que se falar em início do prazo decadencial alegando que somente agora a vítima veio a saber quem era o autor Aqui não houve alteração do fato natural sabendo a vítima desde sempre quem era o autor O problema foi exclusivamente de tipificação legal e como o prazo decadencial não se interrompe ou suspende em nenhum caso a decadência terá se operado Não haverá outra decisão possível que não a declaratória da extinção da punibilidade b Em sentido inverso quando o processo inicia através de queixacrime feita pelo ofendido e o juiz procede a emendatio libelli resultando em um tipo penal cuja ação é de iniciativa pública o processo originário deverá ser extinto por manifesta ilegitimidade ativa Mas isso não impede que o Ministério Público ofereça denúncia exceto se já tiver se operado a prescrição o que é muito pouco provável Sendo a ação penal condicionada à representação não há que se falar em decadência ou qualquer outro obstáculo ao exercício da acusação pelo Ministério Público Isso porque como explicamos ao tratar da ação processual penal a representação é uma manifestação de vontade da vítima despida de formalismo que se contenta com a mera notíciacrime Portanto com muito mais razão quando a vítima faz uma queixacrime Em outras palavras a queixacrime ajuizada no prazo legal supre a representação cuja necessidade nasceu com a nova tipificação decorrente da emendatio libelli Mas devese ter muita cautela nessa matéria pois a mera redução do fato na sentença em razão da falta de provas de sua ocorrência não gera uma sentença incongruente pois existem casos de desclassificação que não exigem a mutatio libelli Explicamos se não existe alteração do objeto especificamente do elemento objetivo pois a sentença se limitou a julgar o fato imputado e apenas existem elementos que a instrução não comprovou a ocorrência não há problemas Exemplos327 1 Quando é imputada a prática de peculato a alguém e no curso da instrução comprovase que o agente não é servidor público Nesse caso é perfeitamente possível ao juiz condenar o réu por apropriação indébita independentemente de qualquer aditamento exatamente porque não houve alteração do fato narrado na acusação 2 A denúncia atribui a alguém a prática de um crime de roubo pois teria subtraído para si determinada coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça No curso da instrução comprovase a autoria e a subtração mas não logra a acusação demonstrar a ocorrência de violência ou grave ameaça Nesse caso está o juiz autorizado a condenar por furto sem prévia manifestação das partes Em ambos os casos não houve na sentença decisão incongruente mas apenas uma redução da imputação por ausência de provas E como o tipo penal era decomponível possível a condenação por outro delito pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa Para sintetizar a existe alteração processual e penalmente relevante situação em que o aditamento é imprescindível nos termos do art 384 b a alteração é apenas do fato processual sendo penalmente irrelevantes as mutações mas imprescindível a mutatio libelli c não há alteração do fato processual apenas na dimensão da tipificação legal sendo aplicável a emendatio libelli nos termos do art 383 do CPP mas com a exigência de contraditório prévio em relação às questões de direito Noutra dimensão não há incongruência quando ao réu são imputados dois delitos e a sentença condena por um e absolve pelo outro Assim se ao réu é atribuída a prática dos crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro e no curso da instrução não consegue o Ministério Público provar que o réu ocultou ou dissimulou a natureza origem localização disposição movimentação ou propriedade de bens direitos ou valores provenientes da infração penal art 1º da Lei n 9613 com a nova redação dada pela Lei n 126832012 nenhum problema existe na sentença que condena pela sonegação fiscal e absolve pela lavagem de bens direitos e valores Em suma Infelizmente ainda predomina o entendimento da mera correção da tipificação e portanto da aplicação literal do art 383 sem uma análise aprofundada da questão e da necessária conformidade constitucional Portanto a exigência de contraditório aqui sustentada ainda encontra muita resistência no senso comum teórico e jurisprudencial Mas pensamos o processo penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius pois o fato processual abrange a qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos mas também da tipificação atribuída pelo acusador A garantia do contraditório art 5º LV da Constituição impõe a vedação da surpresa pois incompatível com o direito a informação clara e determinada do caso penal em julgamento No que tange ao reducionista argumento de que se trata de mera correção da tipificação adverte GERALDO PRADO328 que supor que o Ministério Público não saiba qualificar juridicamente os fatos apurados na investigação preliminar é estar em rota de colisão com a realidade Ora não se está lidando com um mero burocrata tecnólogo de ensino médio Todo o oposto Ou então teremos de afirmar que ali estão profissionais incompetentes para a função o que obviamente não é o caso Eventuais pontos de vista desde uma perspectiva fática eou jurídica diferentes são inevitáveis mas para isso deverá o juiz alterar a qualificação jurídica ouvidos o acusador e o réu Ainda que a mutatio libelli não seja imprescindível nesses casos pois não existe um fato novo impõese que o juiz atente para a garantia do contraditório e ainda que dispense o aditamento pelo menos oportunize às partes que se manifestem previamente sobre a possível nova tipificação legal atribuível aos fatos ou no mínimo que tenham oportunizada vista para conhecimento e manifestação após a emendatio libelli Por tudo isso um desses dois caminhos deve ser adotado a consultar previamente as partes em nome do princípio constitucional do contraditório329 em que as partes são convidadas a esclarecer o juiz sobre a possível reclassificação do fato b ou se não houver a consulta prévia devem as partes ser intimadas após a emendatio libelli para que em nome do contraditório conheçam e se manifestem sobre a nova classificação jurídica do fato Qualquer das duas possibilidades em que pese sermos adeptos da primeira ameniza ou evita a violação do contraditório O que não se pode mais fazer é a aplicação literal do art 383 sem a necessária conformidade constitucional 44 É Possível Aplicar o Art 383 quando do Recebimento da Denúncia Iniciemos pelo questionamento de MALAN330 é razoável que a parte acusadora possa impor à Defesa a sua tipificação sem qualquer possibilidade de o juiz mesmo discordando dela se manifestar até o momento da sentença Pensamos que isso não é razoável sem desconsiderar que se trata de uma questão bastante complexa A redação do art 383 não veda expressamente mas situa o instituto no Título destinado à sentença o que numa interpretação sistemática conduziria a limitar sua aplicação a esse momento Por outro lado uma correção a priori literalmente no sentido kantiano de antes da experiência da imputação colocaria em risco a imparcialidade do julgador na medida em que estaria fazendo um préjuízo com o consequente prejuízo do caso penal e ainda afastando a eficácia da presunção de inocência Com tudo isso estamos de acordo Contudo há que se considerar que atualmente existe muito abuso do poder de acusar aproximativo aponta GIACOMOLLI331 do fenômeno da overcharging do sistema de common law acusação excessiva com a finalidade de obter uma vantagem processual ou seja um bom acordo Sintoma disso é o acúmulo de casos em que após a produção da prova houve desclassificação ou improcedência da acusação Numa dimensão patológica é cada vez mais comum vermos nos fóruns acusações visivelmente abusivas com a clara intenção de estigmatizar Muitas vezes fazem verdadeiras manobras de ilusionismo jurídico para por exemplo denunciar por homicídio doloso dolo eventual qualificado recurso que impossibilitou a defesa da vítima o condutor de um automóvel que dirigia em velocidade excessiva ou estava embriagado por exemplo É elementar que estamos diante de um crime grave mas jamais nem por mágica acusatória podemos transformar um homicídio culposo culpa grave consciente até se quiserem em doloso e qualificado Esse absurdo serve para quêm Para criar o rótulo de crime hediondo com toda a carga que isso representa Sem falar no que representa o deslocamento de competência para o Tribunal do Júri com o imenso risco que representa e constitui essa forma de administração da injustiça Em outras situações para afastar do Juizado Especial e de seus institutos mais benéficos Ou ainda para desde logo criar a imagem com todo significado psicanalítico que isso representa em relação ao juiz É o que ocorre ainda na acusação por tráfico quando é evidente que se trata de posse para consumo receptação dolosa quando é claramente culposa ou ainda tipos qualificados em situações em que a qualificadora inequivocamente não é aplicável Portanto ainda que não seja pacífico sustentamos a possibilidade de aplicação do art 383 no momento do recebimento da denúncia com o natural contraditório em relação a essa nova classificação jurídica do fato que já se dará na resposta à acusação Inclusive quanto mais cedo for aplicado o art 383 melhor adverte PRADO pois só assim se garante a máxima eficácia do contraditório e da estrutura acusatória do sistema processual Além da rejeição parcial perfeitamente possível cabe ao juiz em situações excepcionais como essas em que está evidente o abuso acusatório proferir uma decisão de recebo parcialmente a denúncia não pelo delito de homicídio doloso mas sim de homicídio culposo por exemplo Da mesma forma recebo a denúncia mas afasto desde logo a qualificadora por ausência de justa causa em relação a ela As condições da ação devem estar presentes em relação a todos os delitos imputados e no caso de tipo penal qualificado imprescindível a demonstração de fumus commissi delicti em relação à qualificadora Sem isso não se pode denunciar e tampouco o juiz receber No mesmo sentido DUCLERC332 analisa com muito acerto a problemática e como nós advertindo quanto aos riscos reconhece ainda que em alguns casos pode não haver exatamente uma tipificação equivocada mas apenas a carência de justa causa para algumas circunstâncias ou elementares ou qualificadoras que uma vez afastadas poderiam reduzir a acusação a um tipo subsidiário ou a forma simples de um tipo qualificado Se na instrução inclusive for produzida a prova necessária para o tipo qualificado nada impede que se faça o aditamento nos termos do art 384 Assim preferimos correr o risco de um aditamento para incluir uma circunstância ou elementar inicialmente afastada pois naquele momento não existia o mínimo de provas exigido do que trabalhar com o binário reducionista de receber como está ou rejeitar toda a acusação Em suma em que pesem os argumentos expostos no início contrários à aplicação do art 383 do CPP quando do recebimento da denúncia pensamos que nos casos e pelos fundamentos anteriormente expostos há que se admitir tão excepcional medida diante do custo imensamente maior de admitirse uma acusação claramente abusiva 45 Mutatio Libelli Art 384 do CPP O Problema da Definição Jurídica mais Favorável ao Réu e a Ausência de Aditamento Situação completamente diversa vem disciplinada no art 384 denominada mutatio libelli nos seguintes termos Art 384 Encerrada a instrução probatória se entender cabível nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa no prazo de 5 cinco dias se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública reduzindose a termo o aditamento quando feito oralmente 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento aplicase o art 28 deste Código 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento 3º Aplicamse as disposições dos 1º e 2º do art 383 ao caput deste artigo 4º Havendo aditamento cada parte poderá arrolar até 3 três testemunhas no prazo de 5 cinco dias ficando o juiz na sentença adstrito aos termos do aditamento 5º Não recebido o aditamento o processo prosseguirá Com o advento da Lei n 117192008 houve uma profunda modificação na sistemática do art 384 do CPP especialmente na correção de um erro histórico que atribuía ao juiz a invocação do Ministério Público Agora corrigida essa falha incumbe exclusivamente ao acusador proceder a mutatio libelli em que pese a previsão contida no 1º de que o juiz poderá aplicar o art 28 enviando o feito ao procuradorgeral caso o promotor fique inerte A aplicação do art 28 é bastante burocrática e não se revela na prática uma boa solução Daí por que dificilmente será utilizada até porque são raríssimos os casos em que os juízes ao receber o pedido de arquivamento lançam mão do art 28 do CPP Para além disso o parágrafo primeiro revela se substancialmente inconstitucional pois é manifesta a violação das regras do sistema acusatório com a utilização do art 28 do CPP No mesmo sentido GIACOMOLLI333 afirma que o art 384 1º do CPP não encontra suporte constitucional e há indevida utilização do art 28 do CPP quando o magistrado o utiliza para fazer um alargamento da acusação Aqui é preciso repetir uma advertência estamos mencionando a redação original do art 28 não a nova redação dada pela Lei n 139642019 pois está suspensa pela medida liminar concedida pelo Min FUX Remetemos o leitor para o final do Capítulo IV quando explicamos a aplicação do art 28 antigo e da nova redação Em síntese já apontávamos para a incompatibilidade de o juiz discordando do não aditamento por parte do MP aplicar o antigo art 28 e remeter os autos para o procurador geral de justiça pois tal ativismo é incompatível com a matriz acusatória constitucional Agora com a nova redação acrescida do disposto no art 3ºA por enquanto também suspenso pela liminar do Min FUX não vislumbramos nenhuma possibilidade de atuação judicial pois o arquivamento não está mais sujeito ao controle do juiz Dessarte não havendo o aditamento por parte do MP não há nada que possa ou mesmo devesse fazer o juiz Ele deve julgar nos estritos limites da denúncia respeitando o princípio da correlação Sem embargo a valer o novo art28 do CPP em que o controle do arquivamento e aqui do não aditamento é feito no âmbito do MP existe a possibilidade de uma aplicação por analogia de modo a permitr que a vítima sendo um crime com vítima determinada recorra para a instância recursal do Ministério Público pedindo o reexame da postura do promotorprocurador da república de manterse inerte e não promover o aditamento Seria uma aplicação por analogia com o instituto do novo arquivamento Mas nossa posição aqui é prospectiva e sujeita a alterações conforme a vigência ou não do novo art 28 e o tratamento que venha a ser consolidado nos tribunais O campo de incidência do art 384 é distinto daquele previsto para o art 383 pois aqui existe um fato processual novo ou seja nenhuma dúvida ou discussão se estabelece em torno do binômio fato penalfato processual ou ainda questões de fato e questões de direito A nova definição jurídica decorre da produção de prova de uma elementar ou circunstância não contida da acusação Recordemos que elementar explica GRECO334 são dados essenciais à figura típica sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta não há crime portanto ou relativa É relativa a atipicidade quando pela ausência ou afastamento de uma elementar ocorre a desclassificação para outra figura típica como por exemplo cita o autor o afastamento da elementar funcionário público na imputação de peculatofurto art 312 do CP subsiste o delito de furto art 155 Nesse caso específico o afastamento dessa elementar contida na denúncia permite a condenação por furto sem a necessidade de mutatio libelli pois o fato está completamente descrito na denúncia e simplesmente há uma emendatio libelli art 383 sem necessidade de aditamento Há apenas uma redução da imputação por ausência de provas e como o tipo penal era decomponível possível a condenação por outro delito pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa Já as circunstâncias são elementos acessórios satelitários em relação ao tipo penal afetando apenas a dosimetria da pena É o caso das circunstâncias agravantes ou atenuantes que sem afetar a essência do delito influem na aplicação da pena A mutatio libelli seria possível uma vez encerrada a instrução mas algumas considerações devem ser feitas Na nova sistemática estabelecida pela Lei n 117192008 a instrução é una sendo toda feita em uma única audiência Logo é razoável que o aditamento ocorra após o encerramento dessa audiência pois é da prova ali produzida que surge o fato novo Contudo se não for possível manter a unidade da instrução o que é bastante comum com diversas audiências sendo realizadas não vemos nenhum impedimento a que o aditamento seja feito nesse interregno antes do encerramento Isso inclusive facilitaria a própria instrução A iniciativa é exclusiva do Ministério Público e a queixa a que faz menção o artigo não é a originária mas sim a queixa subsidiária art 29 do CPP aquela situação excepcional em que o ofendido em crime de ação penal de iniciativa pública pode propor a queixa diante da inércia do parquet Mas a ação é de iniciativa pública e não perde esse status de modo que o Ministério Público pode retomar a titularidade a qualquer momento inclusive para fazer o aditamento O prazo para o aditamento é de 5 dias teoricamente contados do encerramento da instrução Contudo nos novos ritos ordinário e sumário não há condições para a concessão desse prazo pois encerrada a instrução passase para os debates orais e sentença Logo no momento previsto pelo art 402 ou seja no final da audiência o Ministério Público deverá requerer a abertura do prazo de 5 dias para oferecer o aditamento sob pena de não mais poder fazêlo Mas feito o aditamento será objeto de análise pelo juiz nos mesmos termos em que o é a denúncia podendo ser recebido ou rejeitado nos termos do art 395 do CPP Nesse ato deverá o Ministério Público arrolar até 3 testemunhas O 2º estabelece que ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 cinco dias e admitido o aditamento o juiz a requerimento de qualquer das partes designará dia e hora para continuação da audiência com inquirição de testemunhas novo interrogatório do acusado realização de debates e julgamento Em que pese a redação não ser das melhores pensamos que o juiz deverá abrir o prazo de 5 dias para manifestação escrita da defesa e somente após a resposta da defesa decidir entre receber ou rejeitar o aditamento Quando o Código diz ouvido o defensor e admitido o aditamento está afirmando que primeiro haverá a resposta da defesa e depois a decisão de recebimento e somente se recebido será designada a continuação da audiência com a oitiva das testemunhas arroladas no aditamento e na defesa ao aditamento bem como se procederá ao novo interrogatório do acusado seguindose debates orais e julgamento Notase claramente uma preocupação em não violar o contraditório e o direito de defesa regras cruciais nessa matéria Em relação à nova definição jurídica do fato deverá estar o juiz atento para a possibilidade de suspensão condicional do processo ou redistribuição para outro juiz em caso de alteração da competência É o que pode ocorrer no caso de denúncia por latrocínio e na instrução surgirem fatos novos que indicam a prática de homicídio doloso situação em que o feito será redistribuído para a respectiva vara do Tribunal do Júri E no caso de nova definição jurídica do fato que seja mais favorável ao réu pode o Juiz decidir nessa linha sem prévio aditamento do Ministério Público É uma situação complexa e que surgiu com a nova redação do art 384 Lei n 117192008 que deixou inteiramente nas mãos do Ministério Público a mutatio libelli aditando se quiser Em relação ao sistema anterior andou bem o legislador ao retirar do juiz a iniciativa de invocar o acusador para fazer o aditamento Contudo pode surgir esse problema e se a mutação do fato processual beneficia a defesa e o Ministério Público silencia como deve proceder o juiz Por exemplo o fato descreve uma receptação dolosa e a instrução traz novos elementos fáticos que afastam o dolo mas permitem a punição a título culposo pois demonstrado que o réu não sabia que eram objetos oriundos de crime mas havia uma desproporção entre o valor e o preço que lhe permitia atingir essa consciência Pode o juiz por exemplo condenar por receptação culposa sem prévio aditamento do MP Pensamos que não e para isso sugerimos as seguintes opções diante da inércia do MP o juiz aplica o art 28 solução com a qual não concordamos nos termos do art 384 1º situação em que com o aditamento poderá julgar o crime culposo não havendo o aditamento e mantendose o juiz na sua posição sem uma postura inquisitória e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório deverá o juiz absolver o réu pois não está demonstrada a tese acusatória Com certeza essa segunda posição irá gerar alguma perplexidade mas é a única processualmente válida pois condenar o imputado por crime culposo é proferir uma sentença incongruente nula portanto Como já explicado anteriormente a regra da correlação não pode ser violada apenas porque aparentemente é mais benigna para o réu Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório não podendo o juiz alterar de ofício a pretensão acusatória sem grave sacrifício das regras do devido processo penal Evidenciase a maior responsabilidade com que deve agir o Ministério Público titular da pretensão acusatória na nova sistemática sob pena de ser ele o responsabilizado pelas eventuais reclamações de que essa decisão seria geradora de impunidade O que não se pode é violar as regras do devido processo para sanar a negligência e o despreparo do acusador Por fim no estudo do art 384 não se pode esquecer da Súmula 453 do STF cujo teor é Não se aplicam à segunda instância o art 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa Mesmo tendo sido alterado substancialmente o art 384 a Súmula pode continuar sendo aplicada pois efetivamente não pode haver mutatio libelli em segundo grau sob pena de supressão da jurisdição de primeiro grau Ou seja não há possibilidade de aditamento e inclusão de fato novo após a sentença porque isso violaria todas as regras do devido processo penal na medida em que geraria uma imputação e eventual condenação sem o prévio processo e sem a garantia do juiz natural Na mesma linha o art 617 não recepciona a aplicação do art 384 em grau recursal Infelizmente predomina o entendimento de que o art 383 pode ser aplicado em grau recursal sem qualquer restrição opondose a tudo o que dissemos sobre a emendatio libelli e a necessidade de contraditório 46 Mutações de Crime Doloso para Culposo Consumado para Tentado Autor para Partícipe e ViceVersa Necessidade de Mutatio Libelli Vejamos agora algumas modificações que costumam ocorrer no objeto do processo penal e a forma como devem ser tratadas As alterações feitas na imputação em torno dos elementos subjetivo dolo e normativo culpa afetam a regra da correlação Pensamos que sim pois em regra influem no campo processual probatório ou seja ambos são objetos de descrição na acusação e exigem a produção de prova para sua confirmaçãonegação A mutação da acusação de doloso para culposo ou viceversa decorre de fatos apurados na instrução ou seja de circunstâncias fáticas das quais está o juiz autorizado a extrair uma decisão neste ou naquele sentido A recusa ao decisionismo faz com que o juiz tenha de fundamentar sua decisão pelo crime culposo ou doloso em cima de prova produzida no processo e ainda refutável pelas partes exigência do contraditório e do sistema acusatório A rigor não cabe a modificação de tipo doloso para tipo culposo sem mutatio libelli como vimos no exemplo anterior da receptação ou ao menos a possibilidade de as partes previamente serem informadas dessa hipótese para que se manifestem sobre a possível desclassificação Ainda que a desclassificação de crime doloso para culposo possa não representar prejuízo para a defesa há que se ponderar dois aspectos Primeiro o aparente benefício para o réu pode esvairse se considerarmos que ele foi condenado por uma imputação diversa da qual não se defendeu e principalmente deveria terse permitido defesa em relação ao próprio crime culposo Não há porque conformarse com essa pseudovantagem se considerarmos que o réu tem o direito de se defender da imputação de crime culposo e dela ser absolvido Talvez se lhe tivesse sido oportunizada essa defesa sequer por crime culposo teria sido condenado Há que se ter muito cuidado com o argumento de que toda desclassificação é mais benéfica para o réu e que portanto inexiste prejuízo bem como de que a alteração de doloso para culposo é apenas correção da tipificação legal Tratase de elementos subjetivo e normativo do tipo respectivamente que implicam sim alteração da situação fática Neste sentido é interessante e acertada a decisão proferida no REsp 1388440ES Rel Min Nefi Cordeiro j 532015 DJe 1732015 que vem na mesma linha por nós sustentada de que a desclassificação de crime doloso para culposo exige mutatio libelli335 Contudo o tema não é pacífico e existem diversos julgados em sentido diverso336 Como explica OLIVA SANTOS337 ainda que o resultado seja em aparência favorável ao acusado o certo é que se lhe estaria condenando com a mudança da tipificação sem que tenha tido a oportunidade de oporse Ou seja na essência há violação do contraditório e cerceamento de defesa Logo há que se ter muita cautela nesse terreno e evitar reducionismos excessivos da problemática Em segundo lugar porque o critério fundante da correlação não é o direito de defesa ainda que seja muito importante mas sim o contraditório como bem se preocupou em explicar BADARÓ338 A regra da correlação é antes de tudo uma imposição do contraditório para assegurar o direito de informação e participação das partes como fator legitimante da própria função jurisdicional Basta recordar a síntese de FAZZALARI processo como procedimento em contraditório sendo a decisão construída neste espaço do contraditório pleno A tese defensiva é uma resistência à pretensão acusatória não alterando portanto o objeto mas com ele mantendo uma relação de oposição Sem embargo a tese defensiva determina a relevância ou irrelevância processual de um dado fático que integra o objeto do processo Na mudança de crime consumado para tentado e viceversa tampouco existe uma mera correção da tipificação legal na medida em que estamos diante de situações fáticas completamente diversas que inexoravelmente conduzem à alteração do fato processual e portanto do objeto do processo Em qualquer dos casos imperiosa é a observância do art 384 do CPP sem o que não poderá haver sentença condenatória339 BADARÓ340 chama a atenção ainda para uma mudança que em geral passa despercebida pelos juízes e tribunais a alteração de autor para partícipe e viceversa Ao contrário do senso comum novamente não estamos diante de uma relação de menormaior ou menosmais senão de situações fáticas distintas O fato de o réu ter sido denunciado como autor do delito e posteriormente condenado como partícipe em nada representa uma vantagem ou situação processual legítima É uma mudança que somente pode decorrer de alteração do fato processual exigindo o procedimento previsto no art 384 do CPP sob pena de julgamento extra petita Em suma pensamos que o juiz não pode condenar o imputado alterando as circunstâncias instrumentais modais temporais ou espaciais do delito sem darlhe ampla possibilidade de defesa em relação a esse fato diverso daquele imputado inicialmente341 Mesmo que aparentemente a desclassificação de crime doloso para culposo por exemplo não gere prejuízo para o direito de defesa essa leitura é superficial e desconsidera que o réu também tem o direito de se defender e inclusive ser absolvido da prática do crime culposo Daí por que fundamental a mutatio libelli Situação completamente distinta ocorre quando há apenas uma redução da imputação por ausência de provas e sendo o tipo penal decomponível possível a condenação por outro delito sem a necessidade de aditamento não é caso de mutatio libelli pois o afastamento da elementar por falta de prova conduz a uma atipicidade relativa De todas as formas devese dar ouvido à advertência de MALAN342 Caso esteja em dúvida se o fato naturalístico sofreu ou não alteração deve resolvêla a favor da modificação propiciando ao réu a maior amplitude defensiva possível por injunção do princípio universal do favor rei E se o Ministério Público não fizer a mutatio libelli como fica Voltamos à explicação dada no exemplo da receptação culposa ou o juiz aplica o art 28 nos termos do art 384 1º situação em que com o aditamento poderá julgar o crime culposo ou não havendo o aditamento ou ainda aplicado o art 28 insiste o Ministério Público no não aditamento e afastada a figura dolosa pelo contexto probatório deverá o juiz absolver o réu pois não está demonstrada a tese acusatória nos limites da pretensão acusatória Particularmente preferimos não utilizar o art 384 1º por ser incompatível que remete para o art 28 com as regras do sistema acusatório Ademais a valer a nova redação do art 28 dada pela Lei n 139642019 não há absolutamente nenhum espaço legal para uma intervenção tipicamente inquisitória do juiz neste momento A regra da correlação é garantia de eficácia do contraditório e não pode ser violada apenas porque aparentemente é mais benigna para o réu Ela está a serviço do contraditório e do sistema acusatório não podendo o juiz alterar de ofício a pretensão acusatória sem grave sacrifício das regras do devido processo penal 47 As Sentenças Incongruentes As Classes de Incongruência Nulidade Quando o juiz modifica o fato processual sem observar as regras anteriormente abordadas estamos diante de uma sentença incongruente cujas classes de incongruência343 podem assim ser classificadas344 a incongruência por extra petita Quando o juiz julgar fora do que foi imputado ao réu atua de ofício violando o contraditório e o sistema acusatório Dependendo do caso poderá ainda haver a violação do direito de defesa mas ele é contingencial em relação à configuração da nulidade É uma sentença extra petita aquela em que o juiz sem prévio aditamento do Ministério Público altera o objeto do processo penal ou mais especificamente diante de uma mudança do fato processual não respeita o necessário contraditório e a regra do art 384 do CPP Um exemplo típico de sentença extra petita é a acusação por receptação dolosa e a condenação do réu por receptação culposa sem prévio aditamento do MP Observe se que a relação não é de menor a maior pois dolo e culpa não são dois níveis do mesmo elemento senão conceitos completamente distintos e que alteram o fato processual Não é mera alteração da tipificação senão o reconhecimento de uma situação fática diversa daquela descrita na acusação b incongruência por citra petita É quando a sentença fica aquém do que foi pedido não havendo a necessária manifestação judicial acerca da integralidade da pretensão acusatória O juiz dentro do livre convencimento motivado pode condenar ou absolver o réu de toda ou de parte da imputação mas não pode deixar de julgar qualquer dos fatos alegados É incongruente a sentença citra petita que condena o réu pela figura simples sem justificar o afastamento da qualificadora No mesmo erro incide o juiz que diante de vários fatos imputados ao réu condena ou absolve por apenas um ou alguns deles sem julgar a totalidade da acusação Essa violação da regra da correlação demonstra novamente que o instituto está essencialmente a serviço do contraditório e do sistema acusatório pois a sentença será anulada ainda que não tenha ocorrido qualquer prejuízo para a defesa Elementar que para tanto deverá haver recurso do órgão acusador A violação da regra da correlação conduz à nulidade absoluta nos seguintes termos quando a sentença é citra petita o juiz julga menos do que deveria em relação à imputação violando o disposto no art 5º LV da Constituição e gerando a nulidade prevista no art 564 III m do CPP no caso de sentença extra petita o juiz julga fora da imputação violando os arts 5º LV e 129 I da Constituição causando a nulidade prevista no art 564 III a do CPP pois está condenando sem denúncia em relação àquele fato Quanto à extensão da nulidade na sentença em decorrência da violação da regra da correlação há que se analisar caso a caso pois nem sempre a nulidade será total Isso porque se vários são os fatos imputados é perfeitamente possível que o juiz julgue alguns com plena correção e por exemplo apenas em relação a um dos fatos decida extra ou citra petita Nesse caso a nulidade da sentença é parcial e restrita ao fato processual em que se operou a incongruência Em qualquer caso há que se verificar o nível de contaminação 48 Poderia o Juiz Condenar quando o Ministério Público Requerer a Absolvição O Eterno Retorno ao Estudo do Objeto do Processo Penal e a Necessária Conformidade Constitucional A Violação da Regra da Correlação Questão recorrente ao se tratar da sentença penal condenatória é o disposto no art 385 do CPP que dispõe o seguinte Art 385 Nos crimes de ação pública o juiz poderá proferir sentença condenatória ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição bem como reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada Partindo da construção dogmática do objeto do processo penal com GOLDSCHMIDT verificamos que nos crimes de ação penal de iniciativa pública o Estado realiza dois direitos distintos acusar e punir por meio de dois órgãos diferentes Ministério Público e Julgador Essa duplicidade do Estado como acusador e julgador é uma imposição do sistema acusatório separação das tarefas de acusar e julgar O Ministério Público é o titular da pretensão acusatória e sem o seu pleno exercício não se abre a possibilidade de o Estado exercer o poder de punir visto que se trata de um poder condicionado O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP mediante o exercício da pretensão acusatória Logo o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória isto é o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém Como consequência não pode o juiz condenar sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo Então recordando que GOLDSCHMIDT afirma que o poder judicial de condenar o culpado é um direito potestativo no sentido de que necessita de uma sentença condenatória para que se possa aplicar a pena e mais do que isso é um poder condicionado à existência de uma acusação Essa construção é inexorável se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da Constituição Significa dizer aqui está um elemento fundante do sistema acusatório Portanto viola o sistema acusatório constitucional e também o art 3ºA do CPP a regra prevista no art 385 do CPP que prevê a possibilidade de o juiz condenar ainda que o Ministério Público peça a absolvição Também representa uma clara violação do Princípio da Necessidade do Processo Penal fazendo com que a punição não esteja legitimada pela prévia e integral acusação ou melhor ainda pleno exercício da pretensão acusatória Ademais aponta PRADO345 há violação da garantia do contraditório pois esse direito fundamental é imperativo para validade da sentença Como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição O fundamento da nulidade é a violação do contraditório artigo 5º inciso LV da Constituição da República grifo nosso Igualmente grave e nula a sentença é a previsão feita na última parte do art 385 do CPP poderá o juiz reconhecer agravantes embora nenhuma tenha sido alegada na acusação Aqui sequer invocação existe Menos ainda exercício integral da pretensão acusatória para legitimar a punição Pior ainda está o juiz literalmente acusando de ofício para poder ele mesmo condenar Ferido de morte está ainda o princípio constitucional do contraditório art 5º LV da Constituição da República Além disso avocará um poder que ele juiz não tem e não deve ter Ferido de morte está o sistema acusatório Violado ainda o princípio supremo do processo346 a imparcialidade Como consequência fulminados estão a estrutura dialética do processo a igualdade das partes o contraditório etc Tampouco se pode defender o art 385 invocando a mitológica verdade real que já foi por nós suficientemente desconstruída sendo desnecessário repetir os argumentos Dessa forma pedida a absolvição pelo Ministério Público necessariamente a sentença deve ser absolutória pois na verdade o acusador está deixando de exercer sua pretensão acusatória impossibilitando assim a efetivação do poder condicionado de penar Por último a sentença que condena o réu e de ofício inclui agravantes não alegadas pelo Ministério Público é nula por incongruente Além de violar o sistema acusatório o contraditório e o direito de defesa a aplicação do art 385 é absolutamente incompatível com a pretensão acusatória objeto do processo penal Está ainda em linha de colidência com o disposto no art 41 do CPP que como vimos determina que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias E o que são agravantes senão circunstâncias do delito Como se verá na continuação a sentença que reconhece agravantes não alegadas pelo Ministério Público é extra petita pois se descola da imputação para ir de ofício além da acusação violando numa só tacada as regras da correlação do contraditório e do sistema acusatório Ademais constitui uma modificação indevida do objeto do processo penal Diante da inércia da jurisdição crucial para o sistema acusatório e a garantia da imparcialidade decorrente do ne procedat iudex ex officio não pode o juiz prover sem que haja um pedido e como consequência daí decorre outro princípio o juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A inclusão por parte do juiz de agravantes que não estavam na imputação representa uma indevida modificação no fato processual Portanto inaplicável o art 385 do CPP e quando utilizado conduz a uma grave nulidade da sentença 5 Coisa Julgada Formal e Material Para o estudo da coisa julgada vamos resgatar aqui algumas explicações feitas quando do estudo da exceção de coisa julgada pedindo vênia pela necessária repetição Coisa julgada em sentido literal explica LEONE347 significa cosa sobre la cual ha recaído la decisión del juez expresa por tanto una entidad pasada fija firme en el tiempo a la cual corresponde en clave de actualidad la cosa que debe ser juzgada por eso algunos contraponen a la cosa juzgada la cosa que debe ser juzgada Na essência coisa julgada significa decisão imutável e irrevogável significa imutabilidade do mandamento que nasce da sentença348 Para além disso é uma garantia individual prevista no art 5º XXXVI da Constituição estabelecida para assegurar o ne bis in idem ou seja a garantia de que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato Também mereceu disciplina na Convenção Americana de Direitos Humanos cujo art 84 é categórico o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos Portanto a coisa julgada atua em uma dupla dimensão constitucional como garantia individual e processual preclusão e imutabilidade da decisão Em qualquer das duas dimensões no processo penal eis mais um fundamento da inadequação da teoria geral do processo a coisa julgada está posta a serviço do réu ou seja uma garantia do cidadão submetido ao processo penal É a coisa julgada uma construção artificial do Direito seja por exigência política ou de pacificação social mas sempre um artifício a serviço do cidadão evitando que seja novamente processado pelo mesmo fato em outro processo ou seja reexaminado no mesmo processo COUTURE349 explica que la cosa juzgada es en resumen una exigencia política y no propiamente jurídica no es de razón natural sino de exigencia práctica Daí por que no processo penal somente se permite a revisão criminal quando favorável ao réu logo o reexame relativizador da coisa julgada somente se opera pro reo Portanto sublinhese qualquer mitigação dos efeitos da coisa julgada somente poder ser feita em favor da defesa350 Por isso somente a sentença penal absolutória faz coisa soberanamente julgada na medida em que a sentença condenatória pode ser a qualquer momento revista através da revisão criminal Seguindo a clássica distinção a coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira Primeiramente a decisão é irrecorrível ou tornase preclusa coisa julgada formal e após vem a imutabilidade da decisão ou seja a produção exterior de seus efeitos coisa julgada material Quando não há análise e julgamento sobre o mérito ou seja sobre o fato processual ou caso penal a decisão faz coisa julgada formal mas não produz coisa julgada material ou seja é imutável no próprio processo após a fluência do prazo sem a interposição de recurso ou pela denegação do eventual recurso interposto é claro sem que exista a produção exterior de seus efeitos Por outro lado quando há uma sentença de mérito em que se julga efetivamente o caso penal condenando ou absolvendo o réu existe coisa julgada formal no primeiro momento imutabilidade interna ou endoprocedimental e após produzse a coisa julgada material com a imutabilidade dos efeitos da sentença Também as decisões declaratórias de extinção da punibilidade prescrição perdão etc produzem coisa julgada formal e material fulminando o poder punitivo estatal e impedindo novo processo ou o seu reexame É a consagrada lição de LIEBMAN351 de que a coisa julgada não é o efeito ou um efeito da sentença mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestarse de seus efeitos É algo que se agrega a tais efeitos para qualificálos e reforçálos em um sentido bem determinado Não há que se confundir uma qualidade dos efeitos da sentença com um efeito autônomo dela e nisto consiste a autoridade da coisa julgada que se pode precisamente definir como a imutabilidade do mandamento proveniente da sentença Não se identifica com a definitividade ou intangibilidade do ato que pronuncia o mandamento é em câmbio uma qualidade especial mais intensa e mais profunda que afeta o ato e inclusive seu conteúdo e o torna desse modo imutável não só no seu aspecto formal mas também dos efeitos desse mesmo ato Seguindo o autor a coisa julgada formal e material pode ser pensada como os degraus da escada ou seja o primeiro degrau seria a produção da coisa julgada formal dentro do processo através da impossibilidade de novos recursos Superado o primeiro degrau pode a coisa julgada ser material atingir o segundo degrau nível em que os efeitos vinculatórios da decisão extrapolam os limites do processo originário impedindo novos processos penais sobre o mesmo caso ou seja tendo como objeto o mesmo fato natural e o mesmo réu sendo assim imutável A coisa julgada serve para que um processo alcance uma certeza básica para o cumprimento a irrevogabilidade dimensão interna ou efeito intraprocessual de um lado e de outro a eficácia frente a eventuais discussões posteriores em torno do que foi resolvido no processo352 dimensão externa Explica ROXIN353 que com os conceitos de coisa julgada formal e material são descritos os diferentes efeitos melhor qualidade da sentença sendo que a coisa julgada formal se refere a inimpugnabilidad de una decisión en el marco del mismo proceso denominado pelo autor efecto conclusivo ao passo que a coisa julgada material provoca que a causa definitivamente julgada não possa ser novamente objeto de outro procedimento pois o direito de perseguir penalmente está esgotado efeito impeditivo A coisa julgada no processo penal é peculiar pois somente produz sua plenitude de efeitos coisa soberanamente julgada quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu ou pro societate ainda que surjam novas provas cabais da autoria e materialidade354 Tratase de uma opção democrática fortalecimento do indivíduo de cunho políticoprocessual de modo que uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória em nenhuma hipótese aquele réu poderá ser novamente acusado por aquele fato natural A coisa julgada no processo penal é essencialmente uma garantia do réu somente atingindo máxima eficácia na sentença absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade Já a sentença condenatória por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo inclusive após a morte do réu art 623 do CPP jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos Quando ocorre somente a coisa julgada formal dizse que houve preclusão já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material e somente se produz nos julgamentos de mérito As decisões de natureza processual como pronúncia impronúncia ou dependendo do caso de rejeição da denúncia art 395 do CPP por não implicarem análise de mérito somente conduzem a coisa julgada formal ou seja mera preclusão das vias recursais 51 Limites Objetivos e Subjetivos da Coisa Julgada Os limites objetivos dizem respeito ao fato natural objeto do processo e posterior sentença não interessando a qualificação jurídica que receba Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ355 o princípio do ne bis in idem é uma exigência da liberdade individual que impede que os mesmos fatos sejam processados repetidamente sendo indiferente que eles possam ser contemplados desde distintos ângulos penais formais e tecnicamente distintos É importante ressaltar que na coisa julgada o foco é diferente da problemática vista na correlação Lá importava o conceito de fato processual englobando o fato penal e o natural Aqui a situação é distinta pois ainda que se possa falar em fato processual o que realmente importa é o fato natural Para os limites da coisa julgada interessa a complexidade fática decidida independentemente da definição jurídica que receba pois o que se busca é evitar que o réu seja acusado de um determinado fato cuja definição jurídica foi recusada pelo juiz que o absolveu no final Pode o acusador fazer uma nova acusação tendo como objeto o mesmo fato natural mas com diferente tipificação Não pois existe coisa julgada Assim evidenciase que a coisa julgada busca proteger o réu do bis in idem ou seja nova acusação pelo mesmo fato ainda que diverso seja o nome jurídico a ele atribuído Então não existe contradição agora com a exposição anterior Lá na correlação a situação é diversa Assim recordemos que fato processual fato penal fato natural Mas no estudo da coisa julgada o ponto nevrálgico é o fato natural e o imputado Como decorrência a coisa julgada proíbe que exista uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural356 ainda que recebam diferentes nomes jurídicos ou seja ainda que a tipificação dada seja diversa em cada processo e em face do mesmo imputado que já foram objeto de processo anterior Novamente o que se busca é evitar um bis in idem de processos e de punições em relação ao mesmo fato Dessarte essa impossibilidade de que alguém venha a ser novamente processado pelo mesmo fato é considerado o efeito negativo da coisa julgada Noutra dimensão estão os limites subjetivos da coisa julgada Como explica GÓMEZ ORBANEJA em posição compartilhada por ARAGONESES ALONSO357 a coisa julgada fica circunscrita subjetivamente pela identidade da pessoa do réu e objetivamente pela identidade do fato É importante compreender a vinculação entre os limites objetivos com os limites subjetivos da coisa julgada que vêm dados pela identidade do imputado ou imputados Ou seja impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Como explica MAIER358 para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico a imputação tem de ser idêntica e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa Assim nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato seja porque se demonstrou a participação ou coautoria ou ainda porque o réu foi absolvido ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados 52 Algumas Questões em Torno da Abrangência dos Limites da Coisa Julgada Circunstâncias e Elementares Não Contidas na DenúnciaO Problema do Concurso de Crimes Concurso Formal Material e Crime Continuado Crime Habitual Consumação Posterior do Crime Tentado O efeito negativo da coisa julgada a impedir uma nova acusação por aquele fato está intimamente relacionado com o objeto do processo penal e representa uma continuação da imutabilidade do objeto do processo penal como anteriormente explicamos no princípio da correlação mas possui uma abrangência maior pois todo o fato deve ser imputado na acusação Não há que se esquecer que a ação penal de iniciativa pública regese pelo princípio da obrigatoriedade e indisponibilidade não podendo o Ministério Público por sua conveniência deixar fatos de fora da denúncia Como explica BADARÓ359 ao se julgar a imputação ainda que todo o fato naturalístico não tenha sido imputado a coisa julgada irá se formar sobre o acontecimento da vida em sua inteireza o que impedirá a nova imputação sobre o mesmo fato No mesmo sentido PACELLI360 trabalha com a realidade histórica para chegar à mesma conclusão pois se está permitido ao Ministério Público fazer o aditamento da denúncia a qualquer tempo não o fazendo também serão alcançados pela coisa julgada os fatos não aditados pois o que faz coisa julgada no juízo criminal é fato tal como efetivamente realizado independentemente do acerto ou equívoco na sua imputação O afetado pela coisa julgada é o fato natural com todas as suas circunstâncias eou elementares tenham sido ou não incluídas na acusação Daí por que se alguém é acusado de furto porque subtraiu determinada coisa alheia móvel de outrem e no curso da instrução surgem provas de que teria ocorrido o emprego de violência deverá o Ministério Público realizar o aditamento nos termos do art 384 Mas não o fazendo estará essa elementar abrangida pela coisa julgada não podendo haver nova acusação ainda que pelo delito de roubo e tampouco uma nova ação penal em que se impute apenas a lesão corporal não incluída no processo anterior Essa elementar violência sempre integrou o fato natural e por erro do Ministério Público não foi objeto da acusação ou aditamento mas isso não tem nenhuma relevância pois em relação a ela também haverá imutabilidade Evidenciase uma vez mais a responsabilidade que deve ter o acusador ao formular a imputação e fazer ou omitir o aditamento necessário Situação interessante ocorreu no julgamento pelo STF do HC 84525MG Rel Min Carlos Velloso j 16112004361 em que entendeu o STF que não havia coisa julgada nesse caso em que houve a extinção da punibilidade pela morte do autor do delito com base em certidão de óbito falsa permitindose assim fosse retomado o processo Argumentou o ilustre relator que a decisão que reconheceu a extinção da punibilidade é meramente declaratória e portanto não poderia subsistir se o seu pressuposto fosse falso Em última análise o Supremo Tribunal fez uma opção ponderou a garantia da coisa julgada de um lado e o fato de o réu estar se beneficiando de sua conduta ilícita de outro e optou pelo sacrifício da coisa julgada Bastante perigosa sem dúvida essa relativização da garantia constitucional que esperamos não seja banalizada sob pena de esvaziamento de importante conquista democrática e até civilizatória Outros problemas podem surgir ainda em decorrência do concurso de delitos Quando há concurso formal crime continuado ou concurso material devese ter muita cautela na análise do fato natural e a eventual omissão da imputação Por exemplo se Mané mediante uma única ação praticar dois ou mais crimes nos termos do art 70 do Código Penal haverá continência art 77 II do CPP implicando julgamento simultâneo Contudo se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e após a sentença tanto faz condenatória ou absolutória forem descobertos os demais em relação a eles poderá o réu ser novamente processado A solução é polêmica Há quem defenda que sim pois não há identidade de fatos naturais para constituição da coisa julgada Se condenado a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal nos termos do art 82 do CPP Contudo pensamos que não O concurso formal art 70 do CP ocorre quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicandose a mais grave das penas cabíveis com o aumento de um sexto até a metade Essa regra não se aplica se os crimes são dolosos e resultam de desígnios autônomos haverá concurso material nesse caso Tratase a exemplo da continuidade delitiva a seguir explicada de uma ficção legal com vistas a beneficiar o réu cuja desconsideração em sede da falta de proteção pela via da coisa julgada conduziria ao esvaziamento de toda legitimação penal construída Assim se mediante uma única ação culposa Mané atropela 4 pessoas que caminhavam pela margem de uma rodovia mas a denúncia descreve apenas 3 dos crimes não poderá após a sentença transitar em julgado ser novamente processado em relação ao fato não abrangido pela denúncia362 Como explica CORDERO363 deve o Ministério Público apresentar a acusação com o fato e todas as suas circunstâncias ou seja que aduza tudo o que se pode apresentar O sistema exclui processos parciais como seriam os julgamentos distintos sobre delitos concorrentes em um só episódio determinado pela conduta Em síntese una vez el hecho es juzgado todas sus circunstancias lo son igualmente No mesmo sentido ARMENTA DEU364 é enfática parece claro que se no primeiro processo não se apreciou o concurso apresentandose a ação punível como subsumível apenas em um tipo penal a coisa julgada protegerá de outro processo no qual se tipificam os fatos de forma distinta mas em concurso com aquele Situação igualmente difícil é a definição do alcance da coisa julgada no caso de continuidade delitiva LEONE365 faz uma distinção entre os delitos cometidos antes da persecução penal incluindo a fase préprocessual e que não foram objeto da acusação e sentença mas que integraram aquela continuidade delitiva e aquelas condutas praticadas após o agente ter conhecimento da atuação estatal investigação ou processo Em relação a esse último caso afirma que se esgota o desígnio inicial ao que se vinculam os fatos deduzidos no processo Ou seja não há produção da coisa julgada em relação a eles Distinto é o cenário quando existem condutas praticadas no mesmo período de tempo abrangido pela continuidade mas que não foram objeto da acusação Assim suponhamos que alguém seja condenado por furto continuado por subtrair veículos na mesma cidade nos meses de janeiro fevereiro abril e junho de 2011 Após o trânsito em julgado da decisão é oferecida denúncia referente a furto de veículos nos meses de março e maio daquele mesmo ano 2011 Se esses fatos tivessem sido incluídos na denúncia anterior teriam sido julgados da mesma forma ou seja como crime continuado Estão abrangidos pela coisa julgada Pensamos que sim A continuidade delitiva é uma unidade delitiva por ficção normativa ou seja nos termos do art 71 do CP aplicase a pena de um só dos crimes ainda que tenham sido várias as ações ou omissões praticando assim dois ou mais crimes da mesma espécie se idênticas ou a mais grave se diversas aumentandose a pena de um sexto a dois terços Esse tratamento diferenciado e mais benigno ao réu é o que funda a existência do crime continuado e não pode ser fraudado pelo simples argumento de que algum ou alguns dos fatos integrantes daquela cadeia fática não foram objeto da acusação Ao acusador tomando por base os mecanismos de investigação à disposição do Estado incumbe oferecer a acusação por todas as condutas praticadas até porque a ação penal é obrigatória e indivisível Como aponta LEONE366 si el delito continuado es un instituto inspirado en sentimientos de equidad a favor del reo tendiente a evitar la aplicación del rigor del concurso al dejarse independientes las dos acciones se vendría a disolver la sustancia el fundamento y la finalidad de él y se caería en los excesos de la teoría anteriormente examinada No mesmo sentido por nós defendido mas indo além na dimensão temporal ARMENTA DEU367 sustenta que no crime continuado a coisa julgada abarca todos os comportamentos homogêneos desde a primeira ação contemplada no primeiro processo até o momento preclusivo de aportação dos fatos nesse mesmo processo ou seja até a sentença Ainda invocando as lições de GÓMEZ ORBANEJA leciona CORTÉS DOMÍNGUEZ368 que desde o ponto de vista do Direito Processual e dos limites objetivos da coisa julgada devese sustentar que ela afeta não só todos os fatos que foram objeto da acusação e processo senão também a todos aqueles realizados com anterioridade ao processo ainda que não tiverem sido objeto da acusação e tivessem sido descobertos posteriormente Quanto ao crime habitual em que sua constituição exige várias ações com uma unidade substancial de fatos caracterizada pela habitualidade há sim produção do efeito impeditivo da coisa julgada material Isoladamente os fatos são atípicos Daí por que se alguém for acusado de exercício ilegal da medicina art 282 do CP crime que exige a habitualidade para sua configuração e após a sentença penal condenatória transitar em julgado forem descobertos novos fatos ocorridos naquele mesmo período de tempo não poderá ser o agente novamente acusado O crime somente se configura se presente a habitualidade de modo que os fatos posteriormente descobertos mas ocorridos naquele mesmo período estão abrangidos pela punição ARMENTA DEU369 explica que no crime habitual considerando que são várias as ações que se castigam em uma unidade substancial de fato a coisa julgada afeta todos os fatos que possam constituir objeto da habitualidade Também do crime habitual se ocupou LEONE370 afirmando que as outras ações de mesma índole descobertas posteriormente mas realizadas no mesmo período de tempo e contra o mesmo sujeito passivo ao constituir um fragmento do fato complexo julgado não serão suscetíveis de novo julgamento Mas segue o autor en cabio un hecho distinto no hay razón para precluir el ejercicio de una nueva acción penal así si se descubriesen otras acciones cometidas en tiempo más remoto y muy separadas cronológicamente del hecho juzgado Assim se após a sentença o réu vier novamente a praticar habitualmente a conduta descrita no tipo esse novo conjunto de ações constituirá um novo crime não atingido pela coisa julgada Também não está alcançado pela coisa julgada o exercício de outro conjunto de crimes cometidos anteriormente e que por si só constituam um crime habitual Em suma em linhas gerais a eficácia da coisa julgada em relação aos crimes habituais recebe o mesmo tratamento da continuidade delitiva Completamente diferente é o tratamento em caso de concurso material pois aqui não há que se falar em eficácia da coisa julgada Poderá o réu ser novamente processado pelos fatos não incluídos na primeira acusação pois completamente distintos Noutra dimensão devese analisar se a coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave Por exemplo se A for acusado de tentativa de homicídio porque em determinado local e data desferiu tiros contra a vítima B não tendo o resultado morte se produzido por motivos alheios à sua vontade Se a vítima morrer em decorrência dos ferimentos e o réu ainda não tiver sido julgado deverá o Ministério Público promover o aditamento nos termos do art 384 do CPP Contudo quando sobrevier sentença transitada em julgado seja absolutória ou condenatória pensamos que a coisa julgada impedirá novo processo Haveria bis in idem submeter o réu a novo processo e a exceção de coisa julgada deve ser oferecida pois há identidade substancial do fato natural e também do imputado Assim deve ser reconhecido o efeito impeditivo inerente à coisa julgada material pelos mesmos postulados de política processual que impedem revisão criminal pro societate e portanto contra o réu Do contrário estaria sendo criada uma situação de pendência em que mesmo após o trânsito em julgado o réu poderia a qualquer tempo voltar a ser processado agora por delito consumado em caso de morte da vítima Os mesmos fundamentos de necessária estabilidade das decisões e de que as situações penais tenham uma solução definitiva fazem com que a coisa julgada produzida em relação ao delito tentado impeça novo processo em caso de posterior consumação Na mesma linha encontrase ainda a imutabilidade da sentença absolutória nula Como se verá ao tratar das nulidades a sentença penal absolutória mesmo que absolutamente nula uma vez transitada em julgado produz plenamente os efeitos da coisa julgada material não mais podendo ser alterada Por fim a coisa julgada poderá ser conhecida pelo juiz a qualquer tempo extinguindo o feito com a sua comprovação Não o sendo a exceção poderá ser arguida pela parte passiva no prazo da resposta à acusação do art 396A mas nada impede que o faça a qualquer tempo sendo processada em autos apartados nos termos dos arts 111 cc 396A 1º do CPP Da decisão que julgar procedente a exceção caberá Recurso em Sentido Estrito art 581 III do CPP Em sendo reconhecida a coisa julgada de ofício pelo juiz o recurso cabível será apelação art 593 II do CPP Sendo rejeitada a exceção de coisa julgada não caberá recurso algum Contudo nada impede que a parte interessada alegue a coisa julgada na preliminar do recurso de apelação interposto contra a sentença condenatória proferida em primeiro grau Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO Dikelogía a ciência da justiça Werner Goldschmidt propõe um debate em torno da justiça nas perspectivas axiológica e axiosófica Alude à deusa Dikè que na mitologia grecoromana é filha de Zeus e Themis irmã da verdade é a justiça do caso concreto que ela traz do Olimpo para a Terra Themis é a deusa da justiça divina personificando a Lei e a organização do Universo é uma matriz mitologênica de onde partiram todas as deusas da justiça Motivação das decisões judiciais serve para controle da racionalidade das decisões judiciais e legitimação do poder exercido O poder judicial somente está legitimado quando exercido conforme as regras do devido processo enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos submetidos ao contraditório e refutáveis Invalidade substancial da norma superada a identificação dos planos da vigência existência com validade distinguese entre as dimensões de validade formal e material Na dimensão formal uma norma existe e é formalmente válida quando observado o regular processo legislativo de sua elaboração Mais relevante e encarregado aos juízes e tribunais está o controle da validade material ou seja a verificação quando de sua aplicação ao caso concreto da conformidade constitucional Significa verificar se no momento da aplicação de determinada norma ao caso não está sendo violado nenhum princípio constitucional ou mesmo a Convenção Americana de Direitos Humanos também é imprescindível fazer um controle judicial da convencionalidade da lei Superação do dogma da completude lógica e o risco do decisionismo superada a concepção de que o sistema jurídico é completo e despido de lacunas e conflitos bem como de que o simples fato de uma lei existir lhe outorgaria automaticamente plena validade abandonase a visão do juiz boca da lei Deve ser assumida a subjetividade no ato de julgar superação do cartesianismo abandonando a ingênua crença de que a decisão judicial é um puro ato de razão O juiz deixa de ser visto como um simples aplicador da lei ao caso concreto para assumir sua dimensão constitucional de quem deve fazer a filtragem constitucional das leis e também eleger os significados válidos da norma fazendo ainda o indispensável juízo de valor sobre as versões trazidas pelas partes ao processo Por outro lado não se pode cair no erro do decisionismo ou seja no outro extremo Não se pode reduzir a sentença a um mero ato de sentir bem como tolerar que o juiz decida apenas conforme a sua consciência pois isso conduziria à ditadura da subjetividade O ato decisório deve ser construído em contraditório segundo as regras do devido processo e vinculado à prova produzida atentando ainda para o espaço constitucional de interpretação os limites semânticos e o próprio princípio da legalidade É a luta pela redução dos espaços impróprios da discricionariedade judicial impedindose que o juiz diga qualquer coisa sobre qualquer coisa Streck O decisionismo é sinônimo de autoritarismo de decisão ilegítima Eis a questão perene para os hermeneutas a busca incessante pelo equilíbrio entre os extremos 1 ASPECTOS FORMAIS DA DECISÃO os atos jurisdicionais podem ser classificados em a despachos de mero expediente sem cunho decisório e irrecorríveis b decisões interlocutórias simples com mínimo caráter decisório e como regra irrecorríveis c decisões interlocutórias mistas com cunho decisório encerrando o processo sem julgamento do mérito ou finalizando uma etapa do procedimento em regra atacáveis pelo RSE mas há exceções em que cabe apelação d sentenças que podem ser absolutórias próprias ou impróprias aplica medida de segurança condenatórias ou declaratórias sendo em regra impugnáveis pela apelação 2 ESTRUTURA EXTERNA DA SENTENÇA art 381 estruturase em três partes relatório motivação e dispositivo A sentença condenatória deve observar ainda o disposto no art 387 Na sentença condenatória também pode ser fixado um valor indenizatório mínimo desde que exista pedido e observância do contraditório 3 PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO intimamente relacionado com o princípio acusatório e para assegurar a imparcialidade do juiz e o pleno contraditório o espaço decisório está demarcado pela acusação e seu pedido O juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal ou seja da pretensão acusatória Para realizar qualquer modificação devem ser observados os arts 383 emendatio libelli e 384 mutatio libelli Predomina neste tema o a nosso ver superado brocardo narra mihi factum dabo tibi ius segundo o qual o réu se defende dos fatos aduzidos na acusação e não da capitulação jurídica Essa posição é criticável pois desconsidera que o réu também se defende da imputação jurídica tanto que obrigatoriamente deve constar da denúncia ou queixa art 41 IMPORTANTE neste tema é crucial compreender fato natural acontecimento da vida fato penal tipo penal fato processual fato natural fato penal 31 Emendatio Libelli art 383 Neste caso não existem fatos novos mas sim uma mera correção da tipificação legal Não há aditamento agindo o juiz de ofício quando da sentença Para os que defendem a tese de que o réu se defende dos fatos o juiz poderia atribuir uma definição jurídica diversa ainda que em consequência tenha de aplicar uma pena mais grave O conceito de fato processual é imprescindível neste tema evidenciando que sua amplitude conceitual faz com que eventuais mudanças fáticas irrelevantes para o direito penal sejam totalmente relevantes para a definição do fato processual exigindo cuidados para que se produza a mutação sem gerar uma sentença incongruente A costumeiramente tratada como mera correção da tipificação legal não é tão inofensiva assim pois modifica o fato penal e por conseguinte o fato processual A crítica é feita em três dimensões a é reducionista e equivocada a visão de que o réu se defende somente dos fatos pois a ampla defesa também se ocupa da tipificação legal havendo flagrante cerceamento a posterior modificação feita somente na sentença b na maioria das situações em que se usa a emendatio libelli não se trata de mera correção da tipificação mas sim de desvelamento de nova situação fática a exigir aditamento e mutatio libelli como sói ocorrer na mudança de crime doloso para culposo etc c tratase de instituto que não resiste a uma filtragem constitucional pois viola as regras do devido processo penal especialmente no que tange ao princípio acusatório ampla defesa contraditório e princípio da correlação Mera redução da imputação por ausência de provas quando o tipo penal é decomponível o afastamento de uma elementar por falta de provas conduz a atipicidade relativa estando o juiz autorizado a condenar ou absolver pelo crime residual sem necessidade de aditamento ou contraditório pois já se efetivou Exemplos de roubo para furto de peculatofurto para furto etc Não se aplica essa regra na mudança dolosoculposo pois não se trata de mera redução da imputação senão desvelamento de nova situação fática que exige mutatio libelli Conciliando a emendatio libelli com a Constituição para isso dois caminhos podem ser seguidos pelo juiz a consultar previamente as partes em nome do princípio constitucional do contraditório acerca da possível reclassificação do fato a exemplo del planteamiento de la tesis do sistema espanhol b intimar as partes após a emendatio para que em nome do contraditório conheçam e se manifestem sobre a nova classificação jurídica do fato É claro que tais cautelas o aproximariam da mutatio libelli do art 384 mas esse é um caminho inafastável diante das exigências do devido processo penal Por isso estamos alinhados com aqueles que pregam a extinção de tal instituto É possível aplicar o art 383 quando do recebimento da denúncia Em que pese a divergência existente pensamos que excepcionalmente e com vistas a corrigir uma acusação claramente abusiva pode ser admitida a emendatio no início do processo 32 Mutatio Libelli art 384 Ao contrário da situação anterior agora existe um fato processual novo houve a produção de prova de uma elementar ou circunstância não contida na acusação É imprescindível o aditamento feito no prazo de 5 dias assegurando o contraditório e produção de novas provas até 3 testemunhas e novo interrogatório Problema o art 384 1º prevê a aplicação do art 28 quando não há aditamento e o juiz discorda Tal dispositivo é criticado por violar o sistema acusatório a inércia da jurisdição e a imparcialidade do julgador Ademais diante da nova redação dada ao art 28 pela Lei n 139642019 não há qualquer possibilidade de intervenção judicial pois o art 28 consagra uma sistemática de arquivamento com controle do próprio Ministério Público Nova definição jurídica do fato mais favorável ao réu e a inércia do MP considerando que o aditamento é imprescindível em caso de inércia do MP será estabelecida uma situação complexa É o que ocorre na mudança dolosoculposo Não se trata de mera redução da imputação nem simples correção da tipificação A condenação por crime culposo não é uma vantagem para o réu pois ele não se defendeu desta nova imputação violação do contraditório e ampla defesa Exemplo denúncia imputa a prática de receptação dolosa e a instrução demonstra novos elementos fáticos de conduta culposa Não pode o juiz condenar por receptação culposa sem prévio aditamento sentença nula por incongruência devendo absolver o réu porque não comprovada a tese acusatória Súmula 453 do STF não se aplica a mutatio libelli em segundo grau sob pena de supressão de instância e violação do contraditório Contudo a emendatio libelli mera correção da tipificação legal tem sido admitida Mutação de crime doloso para culposo consumado para tentado autor para partícipe são situações em que pensamos ser imprescindível a mutatio libelli com aditamento e contraditório sob pena de incongruência ainda que a decisão seja aparentemente melhor para o réu Contudo o tema não é pacífico e predominam os julgados no sentido de admitir emendatio libelli sem aditamento e contraditório portanto Poderia o juiz condenar quando o MP pedir absolvição Em que pese a redação do art 385 pensamos que ele é substancialmente inconstitucional por flagrante violação do princípio acusatório Ademais representaria uma inequívoca violação do princípio da correlação condenação sem pedido e da imparcialidade do juiz além de ser incompatível com o objeto do processo penal pretensão acusatória O juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido 4 COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL a coisa julgada é uma garantia constitucional art 5º XXXVI da CF e também processual garantindo que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato ne bis in idem É a imutabilidade do mandamento proveniente da decisão não é um efeito mas uma qualidade e um modo de ser e de manifestarse de seus efeitos Somente haverá coisa julgada plena ou soberanamente julgada em relação à sentença penal absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade pois a condenatória pode ser modificada a qualquer tempo mas em casos restritos através da revisão criminal arts 621 e s A coisa julgada poderá ser formal ou material sendo que a segunda pressupõe a primeira 41 Coisa julgada formal é o primeiro momento ou degrau da escada quando a decisão é irrecorrível ou tornase preclusa imutabilidade interna Não há análise e julgamento do mérito caso penal 42 Coisa julgada material pressupõe a formal é o segundo degrau da escada Há julgamento de mérito havendo a produção exterior de seus efeitos impedindo novos processos sobre o mesmo caso penal 43 Limites objetivos e subjetivos os limites objetivos dizem respeito ao fato natural não interessando a qualificação jurídica que receba não confundir com o fato processual que orienta a correlação Dizse efeito negativo da coisa julgada a impossibilidade de alguém ser novamente processado pelo mesmo fato Já os limites subjetivos dizem respeito à identidade do imputado Assim ambos os limites constituem a impossibilidade de novo processamento em relação ao mesmo fato e mesmo autor Capítulo XV ATOS PROCESSUAIS DEFEITUOSOS E A CRISE DA TEORIA DAS INVALIDADES NULIDADES A FORMA COMO GARANTIA 1 Introdução Meras Irregularidades e Atos Inexistentes Questão tormentosa para qualquer ator judiciário comprometido com a Constituição é o instituto das invalidades no processo penal ou melhor a prática de atos processuais defeituosos cuja casuística dificulta sobremaneira o estabelecimento de uma estrutura teórica dotada de suficiência para dar conta de tamanha complexidade Mais grave revelase a situação quando cotejada com as absurdas relativizações diariamente feitas por tribunais e juízes muitas vezes meros repetidores do senso comum teórico calcados na equivocada premissa da teoria geral do processo Pior é a situação daqueles que partem da teoria do ato jurídico ou seja da matriz conceitual do direito material Código Civil o que se revela completamente descabido até porque no processo a nulidade de um ato depende sempre de reconhecimento através de decisão judicial o que não sucede no direito privado em que o ato nulo não produz qualquer efeito pois a ineficácia é automática Não pensamos ser adequado estruturar uma teoria das invalidades processuais desde a analogia com a concepção do direito material cuja dimensão estática estabelece uma absoluta e insuperável contradição com a dinâmica do processo além de não incorporar a problemática da contaminação dos atos supervenientes É uma permissão tão desfocada como aquela que há mais de um século concebia o processo como o direito material em movimento sem reconhecerlhe a inequívoca autonomia fenomenológica Em suma uma concepção completamente superada O Código de Processo Penal brasileiro em nada auxilia essa difícil missão não só pelo baixo nível de conformidade constitucional desse diploma de 1941 mas principalmente pela falta de sistemática legal Não podemos deixar de novamente criticar o sistema de reformas pontuais no processo penal pois a inconsistência sistêmica novamente se manifesta quando analisamos a teoria das invalidades processuais Houve uma profunda reforma nos procedimentos mas por exemplo mantevese a redação originária do art 564 e s do CPP E o Tribunal do Júri cujo novo rito é completamente distinto do anterior como é possível lidar com os novos problemas na superada estrutura legal vigente Evidente a necessidade de uma urgente adequação Mas tirando a inconsistência sistêmica gerada pelas reformas pontuais essa não é uma prerrogativa do Direito brasileiro pois existe atualmente uma crisis del concetto dinvalidità afirma GIOVANNI CONSO371 fruto de tudo aquilo a que acabamos de nos referir e agravada pela dependência do tema às variações de humor da jurisprudência que oscila ao vento dos movimentos repressivistas A jurisprudência brasileira nessa matéria é caótica fruto de uma má sistemática legal e da indevida importação de categorias do processo civil absolutamente inadequadas para o processo penal Isso é fruto daquilo que BINDER chamou de superficialização da teoria geral do processo que costuma construir categorias comuns distantes das razões de política processual e acrescentamos incompatíveis com a especificidade do processo penal que exige respeito a suas categorias jurídicas próprias Também existe ainda uma grande oscilação do humor jurisprudencial sensível que é aos influxos sociais e às pressões dos discursos repressivistas em voga Contribui para o caos a polissemia conceitual que impede qualquer tentativa de paz dogmática em torno do tema Em geral a doutrina costuma adotar essas 4 categorias meras irregularidades nulidades relativas nulidades absolutas inexistência As irregularidades são concebidas como defeitos de mínima relevância para o processo que em nada afetam a validade do ato Os atos irregulares são aqueles em que o defeito não compromete a eficácia do princípio constitucional ou processual que ele tutela sendo portanto uma mera irregularidade formal sem consequências relevantes Igual tratamento deve ser dado aos atos de natureza contingencial secundária e que não estão a serviço de um princípio processualconstitucional senão que são meramente ordenatórios e despidos de maior significado Diariamente ocorrem centenas de falhas materiais irrelevantes como erros na grafia do nome do réu que não impedem sua identificação na comunicação dos atos processuais denúncias oferecidas fora do prazo legal juízes que não cumprem os prazos estabelecidos para a prática dos atos judiciais e situações congêneres que não maculam sua validade Isso constitui uma mera irregularidade sem qualquer relevância para a situação processual Em um segundo patamar estão os atos processuais realizados com defeito em que o princípio constitucional ou processual tutelado é atingido Aqui existe uma lesão principiológica que compromete a regularidade processual dando lugar à discussão em torno do caráter absoluto ou relativo da nulidade na doutrina tradicional ou naquilo que chamamos de ato defeituoso sanável ou insanável Considerando a complexidade dessas categorias veremos na continuação em tópicos específicos Noutro extremo está o plano da inexistência teoricamente concebido como a falta e não como defeito ainda que muitos confundam defeito com falta de elemento essencial para o ato que sequer permite que ele ingresse no mundo jurídico ou ainda o suporte fático é insuficiente para que ele ingresse no mundo jurídico São considerados não atos ou fantasmas verbais para CORDERO372 em que não se discute a validadeinvalidade pois a inexistência constitui um problema que antecede qualquer consideração sobre o plano da validade373 Inclusive o ato inexistente em tese prescinde de declaração judicial Se na dimensão teórica a inexistência possui alguma relevância o mesmo não se pode dizer no dia a dia forense Quando alguém viu uma sentença firmada por uma pessoa que não é juiz Ou uma sentença sem dispositivo Tratase de situações que habitam apenas o ambiente manualístico sem qualquer dado de realidade Mas se for esse o caso estamos diante de um ato inexistente E mais é óbvio que o ato inexistente somente será assim considerado quando houver uma manifestação judicial que o declare Imagine alguém preso em decorrência de uma sentença juridicamente inexistente mas com existência suficiente para leválo ao cárcere que resolve por si só sair da cadeia afinal o ato é inexistente Ou então teremos de ter carcereiros com poderes mediúnicos para sem qualquer decisão judicial sobre o tema atingir essa consciência por meio de contato com a deusa Diké Esse é o problema do autismo jurídico desconectarse do mundo para mergulhar nas suas categorias mágicas No passado alguma discussão surgiu em torno da suposta inexistência dos atos praticados por juiz absolutamente incompetente Atualmente a questão é como não poderia deixar de ser tratada no campo das invalidades processuais ou na doutrina tradicional como nulidade absoluta Em suma pouca relevância prática existe no campo da inexistência Assim seguindo a proposta desta obra abordaremos a temática à luz do senso comum teórico e jurisprudencial nulidade absoluta e relativa fazendo após nossa crítica e sugestões mas sem qualquer pretensão de completude pois mais do que em qualquer outro instituto do processo penal aqui reina a casuística 2 Nulidades Absolutas e Relativas Construção dos Conceitos a Partir do Senso Comum Teórico e Jurisprudencial 21 Nulidades Absolutas Definição É recorrente a classificação das nulidades em absolutas e relativas sendo as primeiras definidas como aquelas em que ocorre uma violação de norma cogente que tutela interesse público ou existe a violação de princípio constitucional pode ser declarada de ofício ou mediante invocação da parte interessada o prejuízo e o não atingimento dos fins são presumidos é insanável não se convalida e tampouco é convalidada pela preclusão ou trânsito em julgado Com relação a esse último item sublinhamos que a sentença condenatória ainda que transitada em julgado pode ser revisada a qualquer tempo já a sentença absolutória transitada em julgado faz coisa soberanamente julgada não podendo ser revisada ainda que o processo seja nulo Como adverte LEONE374 también las nulidades absolutas están sometidas a un límite temporal en orden a la deducibilidad y denunciabilidad de ellas y ese límite es la cosa juzgada La fuerza preclusiva de la cosa juzgada es indicada por algunos como una sanatoria general de la nulidad absoluta Como regra das nulidades absolutas a gravidade da atipicidade processual conduz à anulação do ato independentemente de qualquer alegação da parte interessada podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz ou em qualquer grau de jurisdição Sendo alegada pela parte não necessita demonstração do prejuízo pois manifesto ou presumido como preferem alguns Os exemplos costumam conduzir à violação de princípios constitucionais especialmente o direito de defesa e o contraditório Nessa linha é nulo o processo sem defensor a ausência de alegações finais ou dos debates orais quando ocorre colidência de teses entre réus diferentes mas com um mesmo advogado a perícia feita por um único perito não oficial etc Também entra no campo das nulidades absolutas a sentença e todos os atos proferida por juiz absolutamente incompetente como vimos no estudo da competência 22 Nulidades Relativas Definição Quando o defeito do ato processual não for tão grave como no caso anterior caberá à parte interessada postular o reconhecimento da nulidade e segundo o senso comum arraigado demonstrar o prejuízo processual sofrido Ademais se não alegar a nulidade no momento adequado operase a convalidação pela preclusão LEONE375 define as nulidades relativas como aquelas que só podem ser deduzidas pela parte que tenha interesse na observância da disposição violada não sendo reconhecíveis de ofício e são sanáveis Em linhas gerais definese a nulidade relativa a partir dos seguintes aspectos viola uma norma que tutela um interesse essencialmente da parte ou seja um interesse privado não pode ser conhecida de ofício dependendo da postulação da parte interessada convalida com a preclusão a parte deve demonstrar o prejuízo sofrido Nessa modalidade segundo o senso comum teórico não havendo a arguição no momento oportuno ou não havendo demonstração do efetivo prejuízo para a parte que o alegou não haverá a nulidade do ato É elementar que as nulidades relativas acabaram se transformando em um importante instrumento a serviço do utilitarismo e do punitivismo pois é recorrente a manipulação discursiva para tratar como mera nulidade relativa àquilo que é inequivocamente uma nulidade absoluta Ou seja a categoria de nulidade relativa é uma fraude processual a serviço do punitivismo Já faremos a crítica 23 A Superação da Estrutura Legal Vigente Nulidades Cominadas e Não Cominadas Arts 564 566 e 571 do CPP A doutrina costuma dizer que o art 564 é exemplificativo e que deve ser lido junto com o art 572 que define as nulidades relativas pois se consideram sanadas Partindo disso alguns autores376 arriscam afirmar que existe nulidade absoluta nas situações descritas no art 564 incisos I II e III letras a b c e primeira parte f i j k l m n o e p e relativas àquelas previstas no art 564 III d e e segunda parte g e h e inciso IV Essa posição da doutrina clássica precisa se revisada não só pelo reforço constitucional do devido processo penal mas também pelas posteriores alterações legislativas Exemplo disso é a nova redação do art564 V Art 564 A nulidade ocorrerá nos seguintes casos V em decorrência de decisão carente de fundamentação Incluído pela Lei n 13964 de 2019 Obviamente essa nulidade é absoluta pois viola ainda o art 93 IX da Constituição não havendo espaço para se falar em nulidade relativa quando se viola uma norma constitucional e como se não bastasse existe uma nulidade de cominação expressa Dessarte não concordamos com a posição doutrinária citada acima E mais do que isso pensamos que o art 564 é atualmente imprestável para qualquer tentativa de definição precisa em termos de invalidade processual além de incorrer no erro de pretender estabelecer um rol de nulidades cominadas Como muito serve de indicativo a apontar atos que merecem uma atenção maior em relação ao risco de defeitos A jurisprudência muda constantemente de humor nessa matéria sendo extremamente arriscado definir a priori os casos de nulidade absoluta ou relativa a partir da estrutura do CPP Advertimos ainda quanto ao erro cometido na redação do art 564 e de tantos outros dispositivo que se inicia afirmando que a nulidade ocorrerá nos seguintes casos como se a nulidade do ato fosse automática pela mera adequação ao previsto na lei o que não é verdade Todo e qualquer ato defeituoso somente será elevado à categoria de nulo quando for verificada a violação do princípio por ele assegurado e não for passível de ser sanado pela repetição Mas não basta isso é necessária uma decisão judicial que reconheça a nulidade Então nulidade só existe após uma decisão judicial Outro erro diz respeito à inequívoca pretensão do CPP de 1941 de estabelecer um rol de nulidades cominadas que não é atenuado pela tentativa de alguma doutrina de salválo argumentando que o rol seria exemplificativo Errado Tratase de uma clara tentativa de estabelecer um rol de nulidades cominadas A classificação das nulidades em cominadas e não cominadas é infeliz pois incide no erro da presunção de completude e legalidade das normas processuais penais Significa crer na possibilidade de uma definição a priori antes da experiência de algo que é essencialmente casuístico Mas o pior é a possibilidade de fecharse os olhos para situações de grave ilegalidade que ao não estarem previstas na lei permanecerão inalteradas no processo comprometendoo Assim contribui para a impossibilidade de taxatividade nessa matéria o fato de a teoria das nulidades estar umbilicalmente vinculada à oxigenação constitucional do processo penal Não há como pensar um sistema de nulidade desconectado do sistema de garantias da Constituição de modo que a simbiose é constante e incompatível com uma taxatividade na lei ordinária Elementar ainda que a tipicidade do ato processual não se confunde com taxatividade das nulidades ou nulidades cominadas O ponto nevrálgico nessa matéria é que nenhum defeito pode ser considerado sanável ou insanável sem uma análise concreta e à luz da principiologia constitucional Daí por que qualquer tentativa de definição a priori é extremamente perigosa e reducionista Isso por si só já fulmina a eficácia do art 564 do CPP Existe ainda uma confusão de conceitos em diversos momentos como por exemplo no inciso II nulidade por ilegitimidade de parte Ora a ilegitimidade de parte ativa conduz a nulidade da peça acusatória quando não a rejeição nos termos do art 395 II por falta de condição da ação legitimidade Já a ilegitimidade passiva também condição da ação igualmente conduz à rejeição mas em geral confundese com o mérito autoria do delito sendo objeto de análise na sentença Quando ao final do processo convencese o juiz de que o réu não é o autor do fato deverá proferir uma sentença absolutória e não anulatória Isso demonstra o confusionismo que impera nessa matéria Por fim diversas alíneas do inciso III ficaram completamente ilhadas com o passar dos anos e as sucessivas reformas por exemplo não existe mais processo penal iniciando por portaria ou auto de prisão em flagrante alínea a a falta de exame de corpo de delito conduz à absolvição por ausência de materialidade e não propriamente uma nulidade alínea b o maior de 18 anos é plenamente capaz não existindo mais a figura do curador alínea c não existe mais libelo ou contrariedade bem como o Tribunal do Júri foi completamente reformado pela Lei n 11689 deixando sem sentido diversas alíneas desse inciso III Chamamos a atenção ainda para o art 566 que revela um ranço inquisitório completamente superado ao estabelecer a verdade substancial ou real como critério para não reconhecimento da invalidade processual quando se sabe da absoluta imprestabilidade jurídica e científica deste conceito Por fim também o art 571 ficou seriamente prejudicado pela Lei n 11719 que alterou substancialmente os procedimentos eliminando a estrutura anterior das alegações finais escritas dos arts 406 e 500 Como apontamos anteriormente as reformas pontuais geram esse tipo de incoerência sistêmica além de criar uma colcha de retalhos em que por exemplo modificamse substancialmente os ritos e não se altera a disciplina legal das invalidades Isso só serve para agravar ainda mais as dificuldades que o tema apresenta 24 Teoria do Prejuízo e Finalidade do Ato Cláusulas Genéricas Manipulação Discursiva Crítica Iniciemos pelo art 563 do CPP Art 563 Nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa Desde uma perspectiva teórica é correto afirmarse que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito sendo assim a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade do ato pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício377 Considerando a instrumentalidade inerente ao processo em que seus atos são meios e não fins em si mesmo a cada dia tomam mais força os princípios do prejuízo e do inatingimento dos atos oriundo do processo civil O ato só será decretado nulo se causar prejuízo e não atingir o fim previsto O problema está na manipulação feita em torno dessa concepção por parte de quem julga que encontra um terreno fértil para legitimar o que bem entender Basta começar pelo seguinte questionamento o que se entende por finalidade do ato Nós pensamos que a finalidade do ato processual cuja lei prevê uma forma é dar eficácia ao princípio constitucional que ali se efetiva Logo a forma é uma garantia de que haverá condições para a efetivação do princípio constitucional nela contido Mas é bastante comum encontrarmos decisões que fazendo uma manipulação discursiva partem da falaciosa premissa da verdade substancial art 566 por exemplo para legitimar um ato defeituoso cujo defeito impede a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele sob esse argumento o fim do processo é a verdade substancial o que é isso e portanto ainda que defeituoso o processo atingiu seu fim que com certeza será uma sentença condenatória Muito preocupante são os juízes que pensam ter um compromiso personal con la verdad378 muitas vezes guardiões da moral e dos bons costumes que no fundo crendose do bem quem nos protege dessa bondade não passam de inquisidores Nada mais fazem do que com maior ou menor requinte retórico operar na lógica de que os fins justificam os meios Quando se trabalha na dimensão de finalidade do ato ou do processo devese considerar que não estamos diante de um conceito sobre o qual paire uma paz dogmática Todo o oposto tratase de terreno de tensão constante sofrendo forte influxo ideológico Daí o perigo de lidarse com categorias dessa natureza para distinguir nulidade absoluta ou relativa Quanto ao prejuízo ou melhor à ausência dele como critério para distinção entre nulidades absolutas e relativas igualmente problemático e impreciso gerando amplo espaço de manipulação Não é um critério adequado mas vejamos alguns aspectos O primeiro problema surge novamente na equivocada transmissão de categorias do processo civil para o processo penal O fenômeno da relativização das nulidades absolutas do processo civil está sendo utilizado e manipulado para no processo penal negarse eficácia ao sistema constitucional de garantias Ainda que não concordemos com a classificação dos atos defeituosos em nulidades absolutas e relativas importa destacar que a relativização implica negação de eficácia aos princípios constitucionais do processo penal A título de ausência de prejuízo ou atingimento do fim os tribunais brasileiros diariamente atropelam direitos e garantias fundamentais com uma postura utilitarista e que esconde no fundo uma manipulação discursiva Muitos são os julgados em que se invoca o pomposo mas inadequado ao processo penal pas de nullité sans grief desprezandose que a violação da forma processual implica grave lesão ao princípio constitucional que ela tutela constituindo um defeito processual insanável ou uma nulidade absoluta se preferirem O que importa é que a nulidade deve ser reconhecida e determinada a ineficácia do ato Além da imprecisão em torno do que seja prejuízo há um agravamento no trato da questão no momento em que se exige que a parte prejudicada geralmente a defesa por evidente faça prova dele Como se faz essa prova Ou ainda o que se entende por prejuízo Somente a partir disso é que passamos para a dimensão mais problemática como demonstrálo Não é necessário maior esforço para compreender que uma nulidade somente será absoluta se o julgador juiz ou tribunal quiser e esse tipo de incerteza é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo Acerca do princípio do prejuízo inserto no art 563 do CPP é precisa a lição de COUTINHO379 de que prejuízo em sendo um conceito indeterminado como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador e aí não é difícil perceber manuseando as compilações de julgados que não raro expressam decisões teratológicas grifo nosso Pensamos que a premissa inicial é no processo penal forma é garantia Se há um modelo ou uma forma prevista em lei e que foi desrespeitado o lógico é que tal atipicidade gere prejuízo sob pena de se admitir que o legislador criou uma formalidade por puro amor à forma despida de maior sentido Nenhuma dúvida temos de que nas nulidades absolutas o prejuízo é evidente sendo desnecessária qualquer demonstração de sua existência Ainda que não concordemos com essa distinção nulidades absolutas e relativas temos de reconhecer que ela é de uso recorrente e portanto com ela tentar lidar Partindo do que aí está e mais especificamente da teoria do prejuízo pensamos que há somente uma saída em conformidade com o sistema de garantias da Constituição não incumbirá ao réu a carga probatória de um tal prejuízo Ou seja não é a parte que alega a nulidade que deverá demonstrar que o ato atípico lhe causou prejuízo senão que o juiz para manter a eficácia do ato deverá expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse a sua finalidade ou tenha sido devidamente sanado Tratase de uma inversão de sinais de liberação dessa carga probatória por parte da defesa que nunca poderá têla e atribuição ao juiz que deverá demonstrar a devida convalidação do ato para legitimar sua validade e permanência no processo No mesmo sentido precisa é a lição de BADARÓ380 que começa corretamente afirmando que se há um modelo ou uma forma prevista em lei que foi desrespeitada o normal é que tal atipicidade gere prejuízo sob pena de se admitir que o legislador estabeleceu uma formalidade absolutamente inútil Evidente que eventualmente segue BADARÓ381 a violação de uma forma pode não gerar prejuízo mas não é necessária a demonstração do prejuízo pois o correto é o inverso a eficácia do ato ficará na dependência da demonstração de que a atipicidade não causou prejuízo algum Ou seja não é a parte que alega a nulidade que deverá demonstrar que o ato atípico lhe causou prejuízo Será o juiz que para manter a eficácia do ato deverá expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade Somente a partir dessa inversão de sinais é que a teoria do prejuízo poderá ser utilizada sob pena de grave violação do sistema de garantias constitucionais que fundam o devido processo penal O que não se pode mais admitir frisese é que atos processuais sejam praticados com evidente violação de princípios constitucionais sem a necessária repetição com vistas ao restabelecimento do princípio violado e os tribunais chancelem tais ilegalidades fazendo uma manipulação discursiva em torno de uma categoria do processo civil inadequadamente importada para o processo penal 3 Análise a Partir das Categorias Jurídicas Próprias do Processo Penal e da Necessária Eficácia do Sistema de Garantias da Constituição 31 Crítica à Classificação em Nulidades Absolutas e Relativas A morfologia das nulidades subdividindoas em nulidades absolutas e relativas é inadequada para o processo penal na medida em que parte de uma matriz de direito material civil e a estrutura dos atos jurídicos Na dimensão processual a dinâmica da situação jurídica e principalmente dos valores em jogo não recomendam tal importação de categorias principalmente porque vêm com uma dupla contaminação de um lado o direito civil e a estrutura dos atos jurídicos e de outro o direito processual civil com suas especificidades distintas daquelas existentes no processo penal Em especial a categoria das nulidades relativas por exemplo é imprestável para o processo penal pois possui um gravíssimo vício de origem nasce e se desenvolve no direito civil com a teoria dos atos anuláveis e nulos com uma incompatibilidade epistemológica insuperável Depois é transplantada para o processo civil o que em nada atenua essa incompatibilidade Resta saber como aplicar uma estrutura de nulidade relativa nascida e desenvolvida no âmbito do direito material civil no processo penal Essa é uma pergunta que deve ser respondida por aqueles que defendem e diariamente deixam de reconhecer a invalidade de processos e de atos processuais cometendo graves injustiças por legitimar atos ilícitos sim pois caminham lado a lado os campos do válidoinválido e lícitoilícito sob o pífio argumento de que se trata de uma nulidade relativa Ou seja puro argumento de autoridade sem qualquer autoridade no argumento Outro grave problema dessa classificação é a pouca clareza e até confusão de conceitos Por exemplo afirmar que no processo penal existem formas que tutelam um interesse da parte privado é o erro de não compreender que no processo penal especialmente em relação ao réu todos os atos são definidos a partir de interesses públicos pois estamos diante de formas que tutelam direitos fundamentais assegurados na Constituição e nos Tratados firmados pelo País Não há espaço para essa frágil dicotomização públicoprivado Aqui se lida com direitos fundamentais A distinção entre normas que tutelam interesse da parte e outras que dizem respeito a interesses públicos tropeça na desconsideração da especificidade do processo penal em que não há espaço normativo privado Erroneamente alguns pensam que as normas que tutelam o interesse do réu seriam uma dimensão privada para exigir demonstração de prejuízo A proteção do réu é pública porque públicos são os direitos e as garantias constitucionais que o tutelam Na mesma linha vai nossa crítica em relação ao argumento de que as chamadas nulidades relativas não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz Errado O juiz no processo penal atua como o garantidor da eficácia do sistema de garantias constitucionais de modo que não só pode como deve zelar pela formagarantia A qualquer momento independentemente de postulação da defesa ele pode verificar que determinado ato defeituoso lesa ou coloca em risco direito fundamental e determinar a repetição para sanar A teoria do prejuízo e o requintado pas de nullité sans grief só servem para agravar a crise do sistema de invalidades processuais pois se alguma garantia existe na chamada nulidade absoluta tudo cai por terra com a inadequada relativização operada diariamente pelos tribunais brasileiros Importante nos referirmos ao esvaziamento de sentidos do art 564 do CPP Para que serve Ali estão defeitos sanáveis ou apenas insanáveis Na doutrina tradicional ali estão apenas nulidades relativas Absolutas Nenhuma das opções anteriores O art 564 em nada contribui até porque a categoria de nulidades cominadas está completamente superada Em suma pensamos que a distinção entre nulidade absolutarelativa é equivocada e que o sistema de invalidades processuais deve partir sempre da matriz constitucional estruturandose a partir do conceito de ato processual defeituoso que poderá ser sanável ou insanável sempre mirando a estrutura de garantias da Constituição Somente o ato defeituoso insanável dará lugar ao decreto judicial de nulidade e por consequência de ineficácia ou impossibilidade de valoração probatória Portanto na morfologia tradicional o conceito de nulidade relativa tem pouca ou nenhuma prestabilidade na medida em que somente as nulidades absolutas darão lugar à ineficácia do ato Significa dizer que exclusivamente o ato defeituoso em que houver efetiva lesão ao princípio constitucional que o funda e ainda for impossível a repetição será objeto de decisão judicial de nulidade e por consequência de ineficácia Evidenciase assim que nulidade mesmo só existirá nos casos de atipicidade insanável e relevante Por isso pouco diz o conceito de nulidade relativa O que importa é a conjunção dos conceitos de defeito e possibilidadeimpossibilidade de saneamento pela repetição 32 A Serviço de Quem Está o Sistema de Garantias da Constituição A Tipicidade do Ato Processual A Forma como Garantia Convalidação Nulidade Não É Sanção Adequada é a afirmação de BINDER382 de que as formas são a garantia que assegura o cumprimento de um princípio determinado ou do conjunto deles sem esquecer de que o processo penal é um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da Constituição GOLDSCHMIDT logo a eficácia das regras do devido processo penal e da própria Constituição em última análise está atrelada ao sistema de nulidades Eis a importância e dimensão do tema Mas a serviço de quem está o sistema de garantias da Constituição Somente uma resposta adequada a essa pergunta permitirá compreender uma teoria das invalidades processuais construída a partir da matriz constitucional A forma processual é ao mesmo tempo limite de poder e garantia para o réu Um sistema de invalidades somente pode ser construído a partir da consciência desse binômio limitação do podergarantia pois são as duas forças em constante tensão no processo penal O processo penal é um instrumento de limitação do poder punitivo do Estado impondo severos limites ao exercício desse poder e também regras formais para o seu exercício É a forma um limite ao poder estatal Mas ao mesmo tempo a forma é uma garantia para o imputado em situação similar ao princípio da legalidade do direito penal O sistema de nulidades está a serviço do réu pois o sistema de garantias constitucionais assim se estrutura como mecanismo de tutela daquele submetido ao exercício do poder A debilidade do réu no processo é estrutural e não econômica como já explicamos anteriormente pois não existem direitos fundamentais do Estado ou da sociedade em seu conjunto esses são direitos individuais Nesse complexo ritual como já falamos diversas vezes o sistema de garantias da constituição é o núcleo imantador e legitimador de todas as atividades desenvolvidas naquilo que concebemos como a instrumentalidade constitucional do processo penal é dizer um instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias da Constituição Somente a compreensão dessa estrutura permite atingir a consciência de que o sistema de invalidades processuais fundase na tutela do interesse processual do imputado Toda a teoria dos atos defeituosos tem como objetivo nuclear assegurar o devido processo penal para o imputado O exercício da pretensão acusatória ius ut procedatur como direito potestativo deve ser limitado e não garantido O poder deve ser limitado e legitimado pela estrita observância das regras do processo O sistema de garantias constitucionais está a serviço do imputado e da defesa não da acusação Não se trata de discurso de impunidade ou de coitadismo como algum reducionista de plantão poderá dizer senão de uma complexa estrutura de poder onde para punir devese garantir Excepcionalmente diante da inesgotável capacidade dos atores judiciários em produzir monstruosidades jurídicas nos processos pode surgir alguma situação em que a violação de um princípio constitucional legitime o Ministério Público a buscar o reconhecimento da ineficácia do ato nulidade Imaginese um processo em que ocorra uma grave violação do contraditório não se intimando o acusador público para a audiência de instrução e julgamento A prova é colhida a defesa se manifesta ao final não existe debate mas monólogo pois o promotor não está presente eis que não intimado e o juiz profere sentença É manifesta a existência de um defeito insanável que deverá dar lugar a uma decisão anulatória de todo o processo com a necessária repetição dos atos e desentranhamento daqueles feitos com defeito Patologias judiciárias dessa natureza legitimam o Ministério Público a postular o reconhecimento da invalidade processual mas sempre que houver a violação da base principiológica da Constituição Assimilada a base epistemológica da teoria da invalidade no processo penal percebese que o conceito de convalidação como decorrência da preclusão é inadequado Convalidação como o tornar válido pelo decurso do tempo é um conceito inadequado para o processo penal pois aqui não existe preclusão no sentido civilista para o réu e como o sistema de nulidades se estrutura a partir do sistema de garantias constitucionais fundado portanto na tutela do interesse processual do imputado o conceito perde sentido Mas a convalidação pela prática de outros atos que compensando o defeito deram eficácia ao princípio constitucionalmente violado isso pode ocorrer Nesse caso é melhor falar em saneamento para não incorrer no erro conceitual anteriormente exposto CORDERO383 metaforicamente aponta que o ato inválido é um detrito mas pode ser que mesmo assim ele sirva ao metabolismo jurídico mediante algum saneamento Em outras palavras aquilo que faltou para que o ato defeituoso pudesse garantir a eficácia do princípio constitucional é obtido a partir da prática de outro ato que sanando o anterior restabelece a eficácia principiológica pretendida Os exemplos são variados mas pensemos na citação pessoal nula por erro de endereço constante no mandado judicial Se o processo se desenvolver assim mesmo estaremos diante de um defeito que irá contaminar todos os demais atos do processo Contudo a citação pessoal inexitosa deu lugar à citação ficta por edital e nesse caso o imputado comparece O ato anterior defeituoso foi sanado pela prática de outros atos posteriores que restabeleceram o princípio inicialmente lesado Em suma convalidação vinculada à ideia de preclusão é inadequada para o processo penal poderá haver sim o saneamento pela repetição ou prática de outros atos que supram a inicial lesão ao princípio constitucional Voltando à ideia central deste tópico retomemos o seguinte somente a compreensão dos valores em jogo e da complexidade do ritual judiciário no processo penal bem como a serviço de quem está o sistema de garantias constitucionais permitirá reconstruir a teoria da invalidade dos atos processuais Nessa linha o art 565 ao estabelecer o chamado princípio do interesse deve ser repensado à luz do que explicamos ou seja o interesse tutelado é do imputado Portanto não cabe anular um processo por defeito salvo se houver pedido da defesa ou isso for feito em seu benefício de ofício pelo Tribunal Excepcionalmente quando a violação de princípio constitucional afetar gravemente o acusador estará legitimado o Ministério Público a pleitear o reconhecimento judicial da invalidade Compreendido isso continuemos Importante no processo penal é a fattispecie giuridica processuale CONSO isto é o conceito de tipicidade processual e de tipo processual pois forma é garantia Isso mostra a insustentabilidade de uma teoria unitária infelizmente tão arraigada na doutrina e jurisprudência brasileiras pois não existe conceito similar no processo civil Mas quando se fala em tipicidade processual há que se fazer uma advertência não estamos fazendo alusão ao sistema de nulidades cominadas ou taxatividade Nada disso O modelo de nulidades cominadas é equivocado porque pretende que a lei descreva todos os defeitos que devem ser tratados na dimensão de nulidade Ou seja seria nulo apenas aquilo que a lei previsse Isso é um erro que desconsidera a casuística e a própria complexidade das situações processuais criadas Não é disso que estamos falando ao tratar de tipicidade processual mas sim do fato de que se a norma descreve a forma como um determinado ato processual que deva ser praticado a inobservância dessa forma conduz a um sinal de alerta pois ali pode estar sendo violado um princípio que conduzirá à decretação de nulidade e ineficácia do ato Portanto não é do adágio pas de nullité sans texte que estamos tratando Também é importante esclarecer já de início que nulidade não é sanção pois como explica CONSO la sanzione è un quid che si aggiunge come reazione ad un comportamento valutato sfavorevolmente anzi vietato dallordinamento è più precisamente leffetto tipico che lordinamento ricollega allintegrazine degli schemi di illecito384 A sanção é uma reação ao comportamento vedado pelo ordenamento portanto é um efeito Já a nulidade conduz à falta de efeito ou seja à ineficácia do ato Logo se pensarmos nulidade como sanção isso pressupõe necessariamente a produção de um efeito Mas não é esse o tratamento dado à nulidade pois ela conduz à falta de efeito do ato Portanto pensar as nulidades como uma sanção seria o mesmo que afirmar ser um efeito a falta de efeito Daí por que ocorre um esvaziamento do conceito de sanção e sobretudo uma confusão entre dois planos formalmente diversos Na mesma linha TOVO e MARQUES TOVO385 afirmam que ao contrário de grande parte da doutrina brasileira nulidade não é sanção pois nulidadevalidade são qualidades do ato jurídico conforme ele se apresente perfeito ou não Sanção por outro lado é consequência objetiva nunca uma qualidade da coisa Então explicam os autores não se pode chamar a nulidade de sanção pois ela não é uma consequência objetiva Consequência objetiva é a ineficácia do ato de modo que a imperfeição jurídica defeito pode tornar o processo no todo ou em parte ineficaz Compreendido isso continuemos A estrutura do sistema de nulidades está inexoravelmente relacionada ao grau de efetivação das regras do devido processo penal e do próprio sistema acusatório Também é afetada pela compreensão que se tem acerca da função persuasiva da prova no processo penal que volta a se relacionar com os sistemas processuais e a discussão sobre a verdade pois se superarmos o mito da verdade e assumirmos a sentença como ato de convencimento do juiz ainda mais cuidado com as formas processuais se deve ter De nada serve um sistema constitucional de garantias se no processo penal não se dá a tutela devida aos princípios constitucionais isso significa dizer a eficácia da proteção depende diretamente do sistema de nulidades Com isso temse uma imediata percepção da complexidade que está por detrás do sistema de nulidades muitas vezes olvidada em decisões e doutrinas restritas à superficialidade das categorias de nulidade absoluta e relativa anteriormente expostas Cada um dos princípios anteriormente referidos encontra no processo uma forma que o garanta A observância dessas formas não é um fim mas um meio para assegurar o cumprimento dos princípios386 Acertada é a síntese de SCHMIDT387 não confundir formalismos despidos de significados com significados revestidos de forma Nada de amor à forma pela forma em si mesma senão pelo que ela significa em termos de eficácia de direitos fundamentais ou seja existem significados que se revestem de formas processuais e que são da maior relevância Há que se entender que el cumplimiento de esas formas no es de ninguna manera el fin sino el medio para asegurar el cumplimiento de los principios388 Desse modo o sistema de invalidades processuais deve ser erguido a partir da Constituição mais especificamente dos 5 princípios que fundam a instrumentalidade constitucional do processo penal 1 Jurisdicionalidade 2 Garantia do sistema acusatório 3 Presunção de inocência 4 Contraditório e ampla defesa 5 Motivação das Decisões Judiciais Recordemos que todos esses princípios foram analisados no início desta obra para onde remetemos o leitor pois cada um deles possui um amplo espectro de função protetiva Assim a garantia da jurisdição abrange a imparcialidade do julgador o direito ao juiz natural e também ao juiz competente por exemplo Já o sistema acusatório intimamente relacionado que está com a garantia da jurisdição e a imparcialidade do julgador define o lugar em que deve estar o juiz na situação processual vedandose a iniciativa probatória por exemplo prevista no art 156 I do CPP A presunção de inocência como dever de tratamento que o é não permite que o juiz atribua ao réu carga probatória estando ainda intimamente vinculada ao in dubio pro reo Contraditório e direito de defesa provavelmente são os princípios mais lesados pelos atos defeituosos sendo amplíssimos seus campos de incidência Por fim a motivação das decisões além de gerar a nulidade da sentença imotivada também está a serviço do controle da própria legalidade da decisão Assim o objetivo é restaurar o princípio afetado e não restabelecer a forma por puro amor à forma Quando um ato é realizado em desconformidade com o modelo legal ele gera risco de ineficácia do princípio constitucional que naquela forma se efetiva que deve ser aferida no caso concreto e em caso de real lesão deve a nulidade ser decretada retirandose os efeitos do ato defeituoso e repetindoo com vistas à eficácia do princípio lesado Então a forma processual garante o princípio constitucional Quando vg o Código de Processo Penal estabelece a forma do interrogatório no art 185389 e seguintes nada mais faz do que garantir a eficácia do direito constitucional de defesa previsto no art 5º LV da Constituição A nulidade serve assim para dar eficácia ao princípio contido naquela forma Anulase o ato sacandolhe os efeitos para a seguir repetilo segundo a forma legal mas sempre de modo a garantir a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele Não se pode esquecer de que a epistemologia da incerteza e o risco inerente ao processo fazem com que a única segurança possível seja aquela que brota do estrito respeito às regras do jogo il processo come giuoco CALAMANDREI ou seja a luta é pela eficácia do sistema de garantias da Constituição e pela observância das formas processuais que o assegura Dessa premissa devemos pensar o sistema de invalidades processuais 33 RePensando Categorias a Partir dos Conceitos de Ato Defeituoso Sanável ou Insanável Sistema de Garantias Constitucionais Quando o Feito com Defeito Tem de Ser Refeito Os conceitos de validadeinvalidade estão a indicar desde um ponto de vista de oposição um fenômeno que apresenta um duplo aspecto explica CONSO390 constatazione della corrispondenza o della non corrispondenza di un comportamento ad un modello da seguire produzione o non produzione in seguito a tale comportamento degli effetti ricollegati dallordinamento al suddetto modello Talvez seja melhor utilizar os conceitos de ato defeituoso sanável ou insanável pois são le due categorie fondamentali di atti imperfetti atti insanabili e atti sanabili391 Iniciemos por uma passagem genial de PONTES DE MIRANDA392 que traça um verdadeiro topoi nessa matéria Defeito não é falta O que falta não foi feito O que foi feito mas tem defeito existe O que não foi feito não existe e pois não pode ter defeito O que foi feito para que falte há primeiro de ser desfeito Primeiro ponto a ser destacado é a expressão defeito exatamente para significar aquilo que foi feito com defeito ou seja defeito com violação às regras do processo e em desacordo com o tipo processual penal Marca ainda a separação entre os planos da existência e validade pois defeito não é falta inexistência ou seja falta é o que não foi feito o que foi feito não pode ser tratado como falta pois existe O nulo é a negação da validade não é negação da existência Mesmo porque se pressupôs o existente tanto que nulo e não nulo existem393 O ato inexistente não foi feito e portanto não pode ter defeito pois defeito pressupõe ter sido feito logo existência O ato inexistente falta para ter defeito primeiro deve ser feito A essa regra devese incluir outra o que foi feito com defeito existe e pois deve ser refeito Eis a premissa a forma dos atos processuais serve à tutela de um princípio Diante de um ato defeituoso devese perquirir se a eficácia do princípio foi tolhida ou não na medida em que o ato defeituoso pode ainda assim não violar o princípio constitucional que ele tutela A questão aqui não se reduz ao costumeiramente tratado como princípio do prejuízo senão de ir ao princípio constitucional e verificar o nível de eficácia atingido Certo está BINDER394 debe quedar claro que la nulidad nunca se declara a favor de la ley sino siempre para proteger un interés concreto que ha sido dañado E esse interesse concreto que foi lesado é aferido pela interlocução com o princípio que a forma garante Importante sublinhar que não se devem utilizar no processo penal os critérios de prejuízo e finalidade do ato ou instrumentalidade das formas anteriormente criticados O sistema regese por outro referencial eficácia ou ineficácia do princípio constitucional que a forma tutela A discussão sobre a insuficiente eficácia do princípio deve pautarse por duas regras 1 na dúvida sempre se deve operar a favor rei ou seja acolhendo a irresignação da defesa 2 não havendo dúvida mas sim divergência entre o alegado pela defesa e a interpretação dada pelo juiz vale a regra da inversão de sinais incumbe ao juiz fundamentar por que a atipicidade não impediu a eficácia do princípio constitucional tutelado E se o ato defeituoso prejudicou a eficácia do sistema de garantias da Constituição o que deve ser feito Ou seja o que foi feito como defeito pode ser refeito E com a repetição obtémse a eficácia principiológica pretendida Duas possibilidades surgem a o ato pode ser refeito sem defeito sendo que isso é suficiente para obterse a eficácia desejada do princípio constitucional violado b a repetição não é possível ou não é suficiente para obterse a eficácia principiológica desejada No primeiro caso estamos diante de um defeito sanável O ato deverá ser refeito com plena observância da tipicidade processual prevista não sendo necessária a decretação da nulidade No segundo caso o defeito é insanável não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo sendo a decretação da nulidade com a respectiva ineficácia e desentranhamento das peças o único caminho possível Com isso verificase que a divisão em nulidades absolutas e relativas não é o melhor caminho pois na teoria dos atos defeituosos o ponto crucial é o binômio violação do princípio constitucional que a forma tutela possibilidade ou não de saneamento pela repetição sempre com vistas à eficácia do princípio nuclear A violação da forma do ato processual gera um ato defeituoso e a grande questão é saber se esse defeito constitui a violação do princípio constitucional ali representado ou não Se houver a violação partese para uma segunda dimensão do problema há possibilidade de saneamento pela repetição Ou seja há como restabelecer o princípio lesado Se possível deve ser refeito o ato pois o que foi feito com defeito deve ser refeito Mas e se não for possível sanar pela repetição Então deve ser decretada a nulidade com a retirada da eficácia do ato inclusive com o desentranhamento das peças respectivas O descumprimento da principiologia que informa o sistema de garantias gera um defeito insanável uma nulidade e como consequência a privação de seus efeitos Dessarte somente ocorrerá uma nulidade quando tivermos um ato defeituoso insanável e que será por essa razão decretado nulo Com a decretação da nulidade devese conforme o caso decidir pela privação dos efeitos ou a proibição de valoração probatória Em qualquer dos dois casos pensamos ser o desentranhamento uma medida imprescindível para a redução dos danos ao processo do ato defeituoso Em caso de ato processual de natureza probatória mais do que o desentranhamento da prova devese desentranhar o juiz Como já explicamos anteriormente há que se superar o reducionismo cartesiano para compreender que o juiz que teve contato com a prova ilícita ou com o ato processual defeituoso que gerou uma prova ilegítima por violação de regra processual não pode julgar pois está contaminado Sobre o tema remetemos o leitor para o que dissemos sobre as provas ilícitas A nulidade assim é uma medida extrema a ultima ratio na defesa do devido processo395 penal mas isto deve ser considerado com muita cautela para não radicalizar o principio di conservazione degli atti imperfetti CONSO como tem sido feito sem a determinação de sanar o sanável e decretar a nulidade em relação àquilo que for insanável Por derradeiro não esqueçam o sistema de invalidades processuais está a serviço do réu Tipicidade processual é garantia do imputado pois o poder estatal não precisa ser garantido senão controlado e limitado 34 Princípio da Contaminação Defeito por Derivação A Indevida Redução da Complexidade Arts 573 e 567 do CPP Estabelece o art 573 Art 573 Os atos cuja nulidade não tiver sido sanada na forma dos artigos anteriores serão renovados ou retificados 1º A nulidade de um ato uma vez declarada causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência 2º O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende Daqui se extrai o princípio da contaminação bastante óbvio mas objeto das leituras mais reducionistas que se possam imaginar para fazer valer o utilitarismo processual e a matriz inquisitória do CPP Comecemos por FAZZALARI que dentro de sua concepção de processo como procedimento em contraditório evidencia que o processo tal como o procedimento é identificado em função do ato final Dessa forma uno dei requisiti di validità e di efficacia di quellatto consiste appunto in ciò che esso sia lepilogo di un regolare processo talché il vizio in cui sincorra nel compimento di una delle attività preparatorie e che no sia riparato dallulteriore corso finisce con linficiare passando da un atto allaltro del processo quello finale396 Ou seja o vício no cumprimento de uma das atividades preparatórias em que não seja reparado na continuação no curso do processo acaba contaminado pela ineficácia passando de um ato a outro até o ato final pois um dos requisitos de validade e eficácia do ato final consiste em que ele seja o epílogo de um processo regular A compreensão da complexidade que envolve as diferentes situações processuais surgidas GOLDSCHMIDT397 e da inegável vinculação e prejudicialidade entre elas evidencia o erro daqueles que pretendem limitar a contaminação dos atos anteriores em relação aos posteriores e principalmente ao ato final sentença Todos os atos do procedimento visam ao provimento final de modo que um ato inválido deverá ter sua eficácia neutralizada como igualmente deverá ser neutralizada a eficácia do ato final sentença quando ele não tiver sido precedido da sequência de atos determinados pela lei ou seja aponta FAZZALARI398 il regime di validità ed efficacia di ciascun atto del procedimento e di quello finale risente della regolarità o irregolarità dellatto che lo precede e influisce sulla validità e sullefficacia dellatto e degli atti dipendenti che seguono quello finale compreso Na visão do autor a validade e eficácia de cada ato do procedimento e principalmente daquele ato final sentença estão em relação de dependência quanto à regularidade ou irregularidade do ato que o precede e ainda influi sobre a validade e eficácia dos atos dependentes que o seguem inclusive a sentença ato final Recordando PEREIRA LEAL399 legitimidade da decisão está no procedimento para se tomar essa decisão se confundindo procedimento e processo Nessa linha o devido processo penal constitucional adquire o status de garantia insuprimível pois nenhuma decisão seria constitucionalmente válida e eficaz se não preparada em status de devido processo legal porquanto uma vez produzida em âmbito de exclusivo juízo judicacional não poderia se garantir em validade e eficácia pela discursiva condição estatal do direito democrático Não é diferente a posição de BOSCHI400 quando afirma que cada procedimento é regido por termos e atos específicos os quais reunidos dão aquele sentido de totalidade isto é de harmonia entre as partes que formam o todo fazendo com que a validade do processo esteja sempre na dependência da tipicidade dos ritos procedimentais expressão que indica respeito ao prazo à forma e ao momento apropriado para a sua prática pelos sujeitos legitimados Nenhuma dúvida pode existir de que a violação às formas processuais estabelecidas pelo devido processo penal conduz inexoravelmente à repetição refazer o feito com defeito ou em caso de defeito insanável decretarse a nulidade do ato decisório e do próprio processo Os atos processuais pressupõem que durante o processo venha a criarse certa situação jurídica que somente pode constituirse de forma válida se válidos foram os atos que a precederam como condicionante será em relação aos atos que na sequência venham a precedêlos Infelizmente a jurisprudência brasileira é pródiga em pecar pela excessiva redução da complexidade da situação jurídica processual valorando isoladamente os atos atípicos sem considerar a vinculação de todos com o ato final bem como a relação inevitável no mais das vezes de prejudicialidade pela contaminação em relação aos que o seguem inclusive o ato final que todos miram que é a sentença Por fim se compreendida a complexidade da contaminação em relação à situação jurídica processual podemos falar então do disposto no art 567 que como explicamos deve ser lido à luz da Constituição Diz o dispositivo Art 567 A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios devendo o processo quando for declarada a nulidade ser remetido ao juiz competente Quer dizer então que se o processo tramitar perante um juiz incompetente uma vez reconhecida a incompetência pelo respectivo tribunal será remetido a outro juiz agora competente e anulada apenas a sentença Claro que não Atualmente consagrada que está a garantia do juiz natural e do devido processo legal uma vez reconhecida a incompetência do juiz deve ser anulado o ato decisório e principalmente todo o processo A anulação deve ser ab initio Não basta o juiz competente proferir uma nova sentença A garantia da jurisdição incluindo o juiz natural e do devido processo impõe que todo processo e todos os seus atos sejam praticados na frente do juiz natural competente e de forma válida Essas garantias não nascem na sentença mas no momento em que se inicia o processo com o recebimento da acusação Logo desde o início o réu tem a garantia de que todos os atos sejam praticados por um juiz competente Não é a mera garantia de prolação da sentença mas de jurisdição 35 Atos Defeituosos no Inquérito Policial Novamente a Excessiva Redução de Complexidade a Serviço da Cultura Inquisitória É preciso que se compreenda definitivamente que em um processo penal democrático e constitucional forma é garantia e limite de poder À luz da legalidade processual todo poder é condicionado e precisa ter seu espaço de exercício claramente demarcado É uma decorrência lógica e inafastável da tipicidade processual O inquérito policial enquanto uma espécie de investigação preliminar não foge a essa regra Como explicamos na obra Investigação Preliminar no Processo Penal existe uma responsabilidade ética do Estado pela condução de uma investigação e posterior julgamento que deve ser fiel às normas legais vigentes em um país e conforme à Constituição O fato de o inquérito ter natureza administrativa não é um argumento válido pois não o blinda contra as garantias processuais e constitucionais na medida em que o próprio art 5º LV da CF estende a incidência à fase de investigação Ademais o princípio do devido processo legal tem plena incidência em qualquer procedimento ou processo administrativo ou por acaso o direito administrativo e os respectivos procedimentos não reconhecem nulidades Mais do que nunca qualquer procedimento administrativo é pautado pela estrita legalidade dos atos da administração Sem falar que o papel do juiz das garantias é essencialmente de guardião da legalidade e da eficácia dos direitos e garantias fundamentais do imputado Também não se pode esquecer que com base nos atos do inquérito é possível retirar a liberdade prisões cautelares e os bens de uma pessoa medida assecuratória ou seja com base nessa peça meramente informativa como reducionistamente foi rotulada ao longo de décadas podemos retirar o eu e minhas circunstâncias Ortega y Gasset Como destaca GLOECKNER401 duas questões precisam ser respondidas a Uma sentença pode ter como juízo de valoração ato administrativo nulo b É admissível um ato jurídico independentemente de sua natureza jurídica estar imunizado ou blindado contra a declaração de invalidade jurídica A resposta é obviamente negativa para as duas impondo a conclusão de que uma sentença somente pode valorar atos administrativos válidos e que nenhum ato jurídico está imune ao filtro de legalidade E mais do que isso um ato nuloilícito está submetido ao instituto da causalidade e da contaminação de modo que vai contaminar os que dele derivarem sendo evidente que a nulidade de um inquérito policial não apenas deverá ser reconhecida e declarada pelo magistrado como também irá atingir a ação penal e consequente processo penal decorrente dessa invalidade originária Com a reforma de 20192020 foi adotada a exclusão física dos autos do inquérito art 3ºC 3º infelizmente com sua vigência suspensa por força da medida liminar do Min FUX já explicada mas ainda existem peças que serão juntadas e podem estar contaminadas por ilicitude probatória por exemplo Portanto uma prova ilícita não repetível consevará sua ilicitude quando ingressar no processo e irá contaminar o ato decisório É o caso de uma quebra de sigilo fiscal telefônico uma busca e apreensão por exemplo que viola seu regramento específico É uma prova ilícita e que assim permanecerá Apenas para esclarecer não estamos dizendo que prova ilícita e nulidades são a mesma coisa Nada disso Ainda que pertençam ao mesmo gênero de atos ilícitos são submetidas a regimes jurídicos diferenciados Não esqueçamos ainda que se os atos jurisdicionais mais relevantes do que aqueles da investigação são suscetíveis de controle de legalidade como afastar a incidência da fiscalização de sua validade justamente naqueles atos mais precários mais informais É justamente nesse terreno que o controle deve ser mais efetivo e criterioso E tudo isso já deve ser feito no momento do recebimento da denúncia mas se não ocorrer o vício permanece vivo no curso do processo e podedeve ser reconhecido a qualquer tempo como toda e qualquer nulidade absoluta ou prova ilícita Diante de uma nulidadeilicitude probatória do inquérito que cenário se desenha a O que foi feito com defeito tem que ser refeito sem o defeito Podese sanar pela repetição Nesse caso não há nulidade diante do saneamento por ser refeito sem defeito b Não tem como ser refeito sem o defeito situação mais comum Nesse caso devese lançar mão da proibição de valoração probatória ou privação dos efeitos do ato com a respectiva exclusão física bem como analisar a derivação e seu alcance É aqui que a ilegalidade cobra um alto preço pois a nulidadeilicitude provavelmente vai contaminar a acusação que nela se baseou o recebimento da acusação e posterior processo que dela se originou até a sentença e acórdãos Depois de retirada toda a ilicitude e derivados vai ser avaliado o que sobrou e se há suficiência justa causa para sustentar uma nova acusação Eis a explicação para muitas decisões de tribunais superiores que reconhecendo a nulidadeilicitude do inquérito acabam por anular todo o processo sentença e acórdão fazendo com que o caso penal volte à estaca zero e não raras vezes seja definitivamente encerrado pela inexistência de provas lícitas suficientes para sustentar uma nova acusação Em última análise uma nulidadeilicitude do inquérito pode colocar um processo inteiro no lixo anulandoo ab initio Sendo assim devese ter muito mais cuidado com a legalidade do material produzido e dos próprios atos do inquérito pois mais à frente ele vai cobrar uma fatura probatória alta pelos desvios e ilegalidades praticadas Basta para isso atentar para as inúmeras operações policiais que muito tempo depois já na fase processual caíram por terra diante do reconhecimento de nulidadesilicitudes do inquérito policial tais como busca e apreensão ilegal quebra de sigilo de dados fiscais telefônicos etc sem estrita observância da legalidade Ou seja periodicamente vemos processos inteiros desabarem feito castelos de areia atingidos por uma onda por meio da decretação de nulidadesilicitudes ocorridas no inquérito policial Por fim é importante sublinhar a expressa recepção da categoria de nulidade absoluta no inquérito policial feita pela Lei n 132452016 que alterou o art 7º da Lei n 890694 onde se lê Art 7º São direitos do advogado XXI assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e subsequentemente de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados direta ou indiretamente podendo inclusive no curso da respectiva apuração É a consagração expressa na lei de que haverá nulidade absoluta quando o advogado for impedido de assistir o investigado durante o interrogatório inclusive com previsão de contaminação dos atos subsequentes Obviamente essa situação de nulidade não exclui diversas outras como acabamos de explicar Tratase apenas de uma nulidade cominada não um rol taxativo até porque inviável uma pretensão de esgotamento das situações de nulidade E inacreditavelmente ainda tem gente repetindo o mofado e superado chavão do senso comum teórico de que não existem nulidades no inquérito ou que não contaminam o processo Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CORRENTE TRADICIONAL Partindo da a nosso ver equivocada analogia com o processo civil tradicionalmente a doutrinajurisprudência brasileira tem classificado os atos processuais defeituosos nas seguintes categorias Meras irregularidades defeitos de mínima relevância que em nada afetam a validade do ato Nulidade relativa viola uma norma que tutela um interesse essencialmente da parte não pode ser conhecida de ofício convalida com a preclusão precisa ser alegada no primeiro momento procedimental o interessado deverá demonstrar prejuízo art 563 Nulidade absoluta violação de norma cogente que tutela interesse público ou princípio constitucional pode ser declarada de ofício ou mediante invocação do interessado o prejuízo é presumido é insanável e não se convalida pela preclusão Inexistência é a falta e não o defeito de um ato ou seja é um não ato quando o suporte fático é insuficiente para que ele ingresse no mundo jurídico 2 CORRENTE CONSTITUCIONALPROCESSUAL PENAL Partindo da necessária constitucionalização do direito processual penal e principalmente da recusa à teoria geral do processo e consequente observância das categorias jurídicas próprias do direito processual penal vejamos como se estrutura a teoria das invalidades processuais Premissa básica forma é garantia Se existe uma forma processual é porque a tipicidade é uma garantia e a atipicidade uma ilegalidade As nulidades estão a serviço da eficácia do sistema de garantias da Constituição A observância da forma não é um fim mas um meio para assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais A teoria do prejuízo pas de nullité sans grief é uma errônea transmissão de categorias do processo civil Tratase de um conceito genérico aberto e indeterminado que vai encontrar referencial semântico naquilo que entender o julgador albergando assim o risco do decisionismo Ademais atribuir ao réu a carga de demonstração do prejuízo é incompatível com o sistema de garantias da Constituição colidindo com o devido processo penal Teoria da Inversão de Sinais ainda que não concordemos com a teoria do prejuízo concordaríamos com sua aplicação desde que houvesse uma inversão de sinais ou seja desincumbir o réu da carga probatória do prejuízo atribuindoa ao juiz Significa dizer que a eficácia do ato nulo ficará na dependência da demonstração de que a atipicidade não causou prejuízo algum Cabe ao juiz para manter a eficácia do ato expor as razões pelas quais a atipicidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade e não ao acusado Convalidação e preclusão o conceito de convalidação das nulidades relativas como decorrência da preclusão é inadequado para o processo penal pois não se admite à luz do interesse sempre público em jogo que algo se torne válido pelo simples decurso de tempo Noutra dimensão poderá haver saneamento pela repetição ou prática de outros atos que supram a inicial lesão ao princípio constitucional Crítica à classificação de nulidades absolutas e relativas é uma distinção inadequada que tem matriz no direito civil e na estrutura dos atos jurídicos incompatível com o processo penal A forma processual serve para dar eficácia aos direitos fundamentais e não atua no espaço normativo privado direito civilprocessual civil A categoria nulidade relativa é inadequada para o processo penal pois utiliza uma categoria interesse despida de significado RePensando Categorias Ato defeituoso sanável ou insanável A forma dos atos processuais serve à tutela de um princípio constitucional Diante de um ato defeituoso devese perquirir se a eficácia do princípio foi tolhida ou não A divergência sobre a ineficácia violada deve ser resolvida através da teoria da inversão de sinais Concluindose que houve a prática de um ato defeituoso duas possibilidades surgem a defeito sanável o ato pode ser refeito sem defeito resgatando a eficácia do princípio constitucional violado resolvese pela repetição b defeito insanável o ato não pode ser repetido ou isso não é suficiente para obterse a eficácia principiológica situação em que deverá ser decretada a nulidade decidindose pela privação de efeitos do ato ou a proibição de valoração probatória conforme o caso 3 PRINCÍPIO DA CONTAMINAÇÃO arts 573 e 567 A nulidade de um ato uma vez declarada causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência O problema está na aplicação excessivamente restritiva deste princípio Sustentamos com Fazzalari que todos os atos do procedimento miram o provimento final sentença e estão geneticamente vinculados de modo que existe uma relação de dependência quanto à regularidade ou irregularidade do ato que o precede e ainda influi sobre a eficácia dos atos que o seguem Art 567 à luz da garantia do juiz natural e do devido processo o art 567 tem que ser lido em conformidade com a Constituição de modo que a incompetência do juiz como regra anula todo o processo e não apenas o ato decisório Tratamos deste tema no capítulo da Jurisdição e Competência para onde remetemos o leitor 4 ATOS DEFEITUOSOS NO INQUÉRITO POLICIAL Constituiu reducionismo afirmar que os atos irregulares do inquérito não contaminam o processo O próprio art 7º da Lei n 890694 prevê expressamente a existência de nulidade absoluta no inquérito policial ou de qualquer investigação preliminar Capítulo XVI TEORIA DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL OU AS REGRAS PARA O JUÍZO SOBRE O JUÍZO 1 Introdução Fundamentos Conceitos e Natureza Jurídica A partir do momento em que se estabelece o processo como um sistema heterônomo de reparto com um terceiro imparcial como poderes decisórios supraordenado às partes e portanto ocupando uma posição fundante da estrutura dialética actum trium personarum Búlgaro nasce como consequência lógica a necessidade de permitirse o reexame daquela decisão O fundamento do sistema recursal gira em torno de dois argumentos falibilidade humana e inconformidade do prejudicado até porque consciente da falibilidade do julgador A possibilidade de revisão das decisões surge explica ZANOIDE DE MORAES402 numa primeira aproximação como forma de se melhorarem os provimentos jurisdicionais através de nova apreciação do problema inicialmente discutido Logo o fundamento dos recursos passa sintetiza HINOJOSA SEGOVIA403 pelo reconhecimento da falibilidade humana pois se considera que os juízes podem errar ao aplicar ou interpretar a lei processual ou material sendo conveniente se não imprescindível que as partes tenham a possibilidade de solicitar no próprio processo que a decisão proferida seja modificada ou pelo mesmo órgão jurisdicional que a elaborou ou por um órgão superior colegiado e mais experiente como garantia de uma melhor ponderação das questões Outro argumento importante é o da ampliação da visibilidade sobre o processo Os recursos permitem uma visibilidade compartilhada uma multiplicidade de olhares ao julgar como bem destaca POZZEBON404 Essa ampliação de visibilidade também contribui para uma ampliação da legitimidade e reforça a confiabilidade das decisões E principalmente a existência dos recursos obedece a razões não de política legislativa senão de índole constitucional na medida em que representam desdobramentos do devido processo e do direito de defesa Quanto ao conceito405 após analisar vários clássicos do processo penal podemos extrair um conjunto de elementos comuns que contribuem para a compreensão do que sejam os recursos a é ato de parte portanto não é recurso a atividade de ofício do juiz senão um mero reexame completamente dispensável a nosso ver b a parte recorrente deve ter sofrido um gravame um prejuízo c é um direito que deve ser exercido no mesmo processo ou seja não instaura o recurso uma nova situação jurídicoprocessual senão que constitui desdobramento ou nova fase do mesmo processo que gerou a decisão impugnada d a decisão deve ser recorrível portanto não pode terse operado a coisa julgada ainda que formal e estabelece um julgamento sobre o julgamento ou seja o juízo sobre o juízo de CARNELUTTI f permite que outro órgão jurisdicional superior hierarquicamente modifique a decisão anulandoa ou reformandoa no todo ou em parte Assim o conceito de recurso vinculase à ideia de ser um meio processual através do qual a parte que sofreu o gravame solicita a modificação no todo ou em parte ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado no mesmo processo em que ela foi proferida Excepcionalmente o recurso pode não ser um ato de parte senão do ofendido que venha ao processo como assistente não habilitado exclusivamente para recorrer O que não se pode admitir é tratar como recurso em sentido próprio os chamados reexames necessários no nosso sistema ainda denominados recurso de ofício previstos no art 574 do CPP Quanto à natureza jurídica dos recursos devese ter presente a distinção entre eles e as ações autônomas de impugnação revisão criminal habeas corpus e mandado de segurança pois ao contrário delas os recursos não são ações processuais penais não instaurando uma nova situação jurídica processual Os recursos são uma continuidade da pretensão acusatória ou da resistência defensiva conforme a titularidade de quem o exerça Assim o recurso interposto pelo Ministério Público não instaura uma nova situação jurídica processual um novo processo senão que constitui uma continuidade do exercício da pretensão acusatória Quanto à defesa o recurso é um importante instrumento de resistência na busca de uma sentença favorável Isso porque é o processo um instrumento de satisfação jurídica de pretensões e resistências de modo que enquanto não houver o provimento jurisdicional definitivo o trânsito em julgado o que se tem é a utilização de instrumentos legais para obtenção da sentença favorável pretendida por cada uma das partes A própria etimologia do vocábulo recursus remete à noção de retomar o curso jamais à de estabelecer um novo curso406 Em suma o poder de recorrer é um desdobramento da pretensão acusatória ou para outros autores do direito de ação ou de defesa resistência não constituindo um novum iudicium senão que se desenvolvem na mesma situação jurídica originária isto é um desdobramento do processo existente 2 O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Direito Fundamental InAplicabilidade nos Casos de Competência Originária dos Tribunais O princípio do duplo grau de jurisdição traz na sua essência o direito fundamental de o prejudicado pela decisão poder submeter o caso penal a outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior na estrutura da administração da justiça Além de garantir a revisão da decisão de primeiro grau também compreende a proibição de que o tribunal ad quem407 conheça além daquilo que foi discutido em primeiro grau ou seja é um impedimento à supressão de instância408 Ainda que existam algumas bemintencionadas tentativas de extraílo de outros princípios da Constituição como o direito de defesa e o próprio devido processo não foi o duplo grau expressamente consagrado pela Carta de 1988 Mas essa discussão perdeu muito do seu fundamento com o art 82 letra h da Convenção Americana de Direitos Humanos que expressamente assegura o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior Os direitos e as garantias previstos na CADH409 passaram a integrar o rol dos direitos fundamentais a teor do art 5º 2º da Constituição sendo portanto autoaplicáveis art 5º 1º da CF Logo nenhuma dúvida paira em torno da existência no sistema brasileiro do direito ao duplo grau de jurisdição Recordemos contudo que a posição atual do STF sobre o tema HC 87585TO é a de que a CADH ingressa no sistema jurídico interno com status supralegal ou seja acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Problema concreto surge nos crimes que por decorrência da prerrogativa de função do agente são julgados originariamente pelos tribunais É o caso de um deputado estadual que cometa um delito de homicídio que como vimos no estudo da competência será julgado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado Dessa decisão poderá a parte prejudicada interpor apenas recurso especial STJ eou recurso extraordinário STF com uma série de restrições para sua admissibilidade e principalmente restritos à discussão de matéria de direito Não há mais espaço para discussão sobre o mérito ou mesmo a prova não confundir com a discussão permitida sobre o regime legal da prova E se o agente for um Ministro de Estado cujo julgamento é originariamente atribuído ao Supremo Tribunal Federal art 102 I c da Constituição como se dará o duplo grau de jurisdição Não haverá Há nesses casos um completo esvaziamento da garantia do duplo grau de jurisdição em benefício da prerrogativa funcional e do julgamento originário por um órgão colegiado Mas isso é constitucional Prevalece o entendimento de que a Constituição não consagra expressamente o duplo grau de jurisdição mas sim os casos em que haverá julgamento originário pelos tribunais podendo haver portanto uma restrição à garantia que decorre da CADH cujo caráter supralegal a coloca abaixo da Constituição Ademais ainda que o duplo grau fosse consagrado no texto constitucional poderia haver a supressão ou limitação pelo próprio sistema constitucional FERREIRA MENDES410 explica que o próprio modelo jurisdicional positivado na Constituição afasta a possibilidade de aplicação geral do princípio do duplo grau de jurisdição Prossegue o autor esclarecendo que se a Constituição consagra a competência originária de determinado órgão judicial e não define o cabimento de recurso ordinário não se pode cogitar de um direito ao duplo grau de jurisdição seja por força de lei seja por força do disposto em tratados e convenções internacionais Importante esclarecer na lição acima que quando o autor se refere ao não cabimento de recurso ordinário está fazendo alusão à categoria doutrinária de recurso ordinário ou seja àqueles meios de impugnação que têm por objeto provocar um novo exame total ou parcial do caso penal alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas Logo quando o imputado é julgado originariamente por um tribunal eventual recurso será extraordinário na medida em que os tribunais superiores somente podem entrar no exame da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior ou seja um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada Sobre tais conceitos remetemos o leitor ao próximo tópico no qual analisaremos com mais profundidade Por fim destacamos a tendência de fortalecer a decisão de primeiro grau restringindo a matéria recursal às questões de direito mas para que isso se implemente é imprescindível que um julgamento seja realizado por órgão colegiado já na instância originária É o caso do modelo espanhol em que os delitos graves são de competência em primeiro grau conforme o caso da Audiencia Provincial ou da Sala de lo Penal de la Audiencia Nacional ambos órgãos colegiados Dessa decisão somente cabe recurso de Cassação que está limitado ao exame unicamente da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão jurisdicional inferior colegiado de maneira a limitar o reexame ao aspecto jurídico da sentença impugnada411 ARMENTA DEU412 em lição também aplicável ao nosso modelo explica que as limitações à segunda instância são legítimas desde o ponto de vista da adequação constitucional pois a norma fundamental prescreve a revisibilidade das sentenças penais condenatórias o que não significa exatamente a constitucionalização da segunda instância penal pois dita exigência se satisfaz também mediante um recurso extraordinário ou seja limitado à discussão de matéria de direito como o de cassação Inclusive a vigência dos princípios de imediação e oralidade é pilar fundamental do juízo penal e a plena análise das questões fáticas em segundo grau gera uma indesejável condicionante que é o fato de a prova ser praticada no julgamento de primeiro grau com o órgão ad quem fazendo um juízo de apreciação mediata413 ou seja através de materiais escritos e sem o contato do julgador com a prova Em suma havendo órgão colegiado em primeiro grau pode existir restrição recursal mas jamais restrição recursal com julgamento monocrático em primeiro grau juiz singular 3 Classificando os Recursos Ordinários e Extraordinários Totais e Parciais Fundamentação Livre ou Vinculada Verticais e Horizontais Voluntários e Obrigatórios Crítica ao Recurso de Ofício Doutrinariamente os recursos podem ser classificados em dois grandes grupos414 Recursos ordinários são aqueles que têm por objeto provocar um novo exame total ou parcial do caso penal já decidido em primeira instância por um órgão superior ad quem alcançando tanto as matérias de direito como também fáticas com possibilidade de decisão sobre a determinação dos fatos sua tipicidade a prova dosimetria da pena etc Exemplo típico de recurso ordinário é a apelação do art 593 do CPP Recursos extraordinários onde os tribunais superiores entram no exame unicamente da aplicação da norma jurídica efetuada pelo órgão inferior sendo assim um juízo limitado ao aspecto jurídico da decisão impugnada Em última análise limitam a discussão a questões de direito expressamente previstas em lei São exemplos o recurso especial art 105 III da Constituição e o recurso extraordinário art 102 III da Constituição Citamos essa classificação porque consagrada na doutrina processual mas preferimos não adotála para evitar confusões especialmente para aqueles que iniciam o estudo pois o sistema brasileiro prevê como espécies recursos com esses mesmos nomes Assim quando falarmos em recurso extraordinário estaremos fazendo alusão àquele previsto no art 102 inciso III da Constituição e por recurso ordinário o previsto no art 102 II da Constituição Compreendido isso sigamos Os recursos ainda podem ser classificados415 tomando por base a extensão da matéria impugnada em totais ou parciais recursos totais são aqueles em que a parte utiliza sua faculdade de im pugnar toda a matéria permitida ou seja plena impugnação de todo o campo legalmente reexaminável Exemplo típico é o recurso de apelação total por excelência pois permite ampla discussão sobre a matéria fática e jurídica assim tendo procedido a parte recursos parciais nesse caso a parte interessada utiliza de parte de sua faculdade de impugnação ainda que a lei lhe permitisse ampla rediscussão de todas as questões decididas Quando o réu é condenado por exemplo pela prática de um crime sem violência ou grave ameaça a uma pena inferior a 4 anos mas que não foi substituída indevidamente por pena restritiva de direitos poderá apelar de toda ou de parte da decisão Se optar por discutir exclusivamente a recusa por parte do juiz em substituir a pena abrindo mão de buscar o reexame da prova e da própria condenação estará fazendo um recurso parcial Quanto às restrições na fundamentação os recursos podem ser de fundamentação livre ou vinculada recurso de fundamentação livre confundese com os recursos ordinários e totais pois a lei não restringe a fundamentação a ser utilizada no recurso permitindo assim que a parte recorra de todas as questões fáticas e de direito Novamente é a apelação o melhor exemplo recurso de fundamentação vinculada em sentido oposto aqui a própria lei limita a matéria que pode ser impugnada definindo em que limites se deve dar a fundamentação São exemplos o recurso em sentido estrito em que a fundamentação fica vinculada à situação jurídica definida no inciso e os recursos extraordinário e especial em que o fundamento do recurso fica restrito à matéria definida no dispositivo legal por exemplo no recurso especial a interposição com base no art 105 III a limita a fundamentação à demonstração de que a decisão contrariou tratado ou lei federal ou negoulhe vigência conforme o caso Também são um recurso de fundamentação vinculada os embargos infringentes em que a limitação vem dada não pela lei mas pela matéria objeto do voto vencido Ou seja a fundamentação dos embargos infringentes está limitada e circunscrita pelo voto vencido não podendo ir além dele ou melhor do objeto da divergência Atendendo ao grau hierárquico os recursos podem ser horizontais ou verticais416 recursos horizontais são aqueles que se resolvem pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida sendo portanto pouco eficazes por razões psicológicas facilmente compreensíveis Exemplo de recurso horizontal são os embargos declaratórios em que a decisão incumbe ao mesmo órgão que o proferiu O recurso em sentido estrito é misto na medida em que no primeiro momento ele é horizontal permitindo que o juiz que proferiu a decisão se retrate ou não subindo em caso de manutenção da decisão proferida vertical recursos verticais resolvemse pelo Tribunal Superior àquele órgão jurisdicional que proferiu a decisão São exemplos a apelação recurso extraordinário especial embargos infringentes etc Alguma doutrina ainda classifica os recursos em voluntários e obrigatórios ou de ofício Voluntários são todos os recursos que dependem da manifestação da parte interessada que poderá recorrer ou não no todo ou em parte da decisão Excetuando os casos previstos no art 574 recursos obrigatórios todos os demais são voluntários Os recursos obrigatórios também chamados reexame necessário ou recursos de ofício estão previstos no art 574 do CPP nos seguintes termos Art 574 Os recursos serão voluntários excetuandose os seguintes casos em que deverão ser interpostos de ofício pelo juiz I da sentença que conceder habeas corpus II da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena nos termos do art 411 A esses dois casos devese acrescentar um terceiro que é o recurso de ofício da decisão que concede a reabilitação como determina o art 746 do CPP Nesses casos enquanto não houver o reexame da decisão pelo respectivo tribunal não há o trânsito em julgado da decisão sendo portanto uma condição de eficácia da sentença417 Vejamos agora a crítica aos chamados recursos de ofício Inicialmente recordemos que o conceito de recurso está vinculado à ideia de ser um remédio processual da parte que sofreu o gravame portanto juiz não é parte e tampouco sofre gravame por sua própria decisão É manifesta a ilegitimidade e a falta de interesse do juiz em recorrer da decisão que ele mesmo proferiu Ademais sequer recurso pode ser considerado Interessante reparar também como funciona um Código de matriz nitidamente inquisitória e punitivista como o nosso só existe recurso de ofício de decisões que beneficiam o réu Impressiona a escancarada forma de controle por parte dos órgãos jurisdicionais superiores das decisões proferidas em primeiro grau que beneficiem o imputado pois é obrigatório submeter ao reexame do tribunal enquanto isso não acontecer não há trânsito em julgado recordemos as decisões que concedem habeas corpus mas não o são as que decretam a prisão temporária ou preventiva a que absolve sumariamente o réu mas não há reexame necessário da decisão de pronúncia nem da sentença condenatória e a que concede a reabilitação Estamos diante de um ranço autoritário incompatível com o processo penal democrático com a constitucional independência dos juízes e até mesmo com o contraditório pois estabelece uma forma desigual de tratamento processual das partes Também constitui uma indevida incursão do juiz num campo que não lhe pertence qual seja da iniciativa acusatória Se considerarmos o recurso como uma extensão do direito de ação ou a continuidade do exercício da pretensão acusatória é manifesta a inconstitucionalidade do recurso de ofício na medida em que incompatível com o art 129 I da Constituição Incumbe privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública Portanto nessas decisões o recurso da mesma forma que a ação penal pública é de iniciativa privativa do Ministério Público Excepcionalmente poderseia admitir que o assistente da acusação em caso de inércia do Ministério Público recorresse da decisão que absolve sumariamente o réu das demais não há um interesse juridicamente tutelável mas jamais que o faça o juiz de ofício Em suma a crítica ao recurso de ofício pode ser assim elaborada crítica genérica falta legitimidade e interesse ao juiz Ademais viola o sistema acusatório pois é ativismo judicial contra o réu já que é recurso obrigatório de decisões que o beneficiam ou seja é um controle em relação a tudo o que possa beneficiar o réu Ademais o art 129 I da Constituição atribui ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública de modo que tal recurso depende de iniciativa do MP crítica específica ao art 574 II houve revogação tácita pois a O art 411 não trata mais da absolvição sumária b Os casos de absolvição sumária foram ampliados haveria reexame necessário só nesses dois casos Nos demais casos de absolvição sumária não Não faz sentido c A reforma de 2008 mudou o art 411 para 415 e já estabeleceu expressamente no art 416 que o recurso cabível é apelação Logo em 2008 muda e já estabelece expressamente que é apelação Se o legislador quisesse manter o recurso de ofício teria contemplado expressamente no art 416 e modificado o art 574 II Logo temos como tacitamente revogado o art 574 II e substancialmente inconstitucionais os demais casos de recurso de ofício por violação ao disposto no art 129 I da CF e da estrutura acusatóriaconstitucional do processo penal Contudo a matéria não é pacífica e os juízes continuam recorrendo de ofício nos casos dos arts 574 e 746 do CPP e os tribunais com raras e meritórias exceções conhecendo e julgando418 Finalizando a análise das várias classificações possíveis aos recursos esclarecemos que essas categorias podem se combinar eis que não são excludentes de modo que o recurso de apelação por exemplo será um recurso ordinário total ou parcial se for o caso de fundamentação livre vertical e voluntário O recurso em sentido estrito RSE é uma forma de impugnação cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei havendo uma variação conforme a fundamentação legal apontada Tomemos como exemplo o RSE interposto com base no art 581 II decisão que reconhecer a incompetência do juízo É um recurso extraordinário discutese apenas a questão de direito total dentro da matéria submetida a reexame não confundir com devolução de toda a matéria de um recurso ordinário de fundamentação vinculada discutese apenas a incompetência do juízo e horizontal no primeiro momento subindo para o respectivo tribunal em caso de manutenção da decisão vertical 4 Efeitos Devolutivo e Suspensivo Conceitos e Crítica Inadequação de Categorias diante dos Valores em Jogo no Processo Penal Tradicionalmente aos recursos no processo penal são atribuídos efeitos nos moldes do processo civil de caráter devolutivo e suspensivo Não há que se desconsiderar que todo e qualquer recurso impede que a decisão faça coisa julgada formal e portanto também material Mas além desse efeito impeditivo da coisa julgada os recursos podem ter os seguintes efeitos 1 DEVOLUTIVO a interposição de um recurso explica MANZINI419 devolve total ou parcialmente o julgamento el juicio relativo a providência impugnada à competência funcional do juiz ou tribunal definido Toda a impugnação produz o efeito devolutivo mas este pode ser mais ou menos completo segundo o recurso se refira a toda decisão ou somente a alguma parte dela Mas o efeito devolutivo tem algumas nuances que exigem uma subdivisão 11 Interativos ou regressivos são aqueles recursos em que se atribui ao próprio juiz que ditou a decisão reexaminála ou seja regressa para o mesmo juiz É o caso dos embargos declaratórios em que incumbe ao juiz que proferiu a sentença ou câmaraturma criminal em caso de acórdão decidir novamente esclarecendo a contradição ambiguidade obscuridade ou omissão Não há além dos embargos declaratórios outro recurso com efeito regressivo 12 Reiterativos ou devolutivos são os devolutivos propriamente ditos que necessariamente devolvem o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem ou seja para um órgão superior àquele que proferiu a decisão Exemplo típico é o recurso de apelação em que caberá ao tribunal reexaminar a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau Também possuem esse efeito os embargos infringentes recurso ordinário recurso extraordinário e recurso especial 13 Misto nesse caso há efeito duplo pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e caso a mantenha o recurso será remetido para o tribunal ad quem Ou seja o recurso é regressivo no primeiro momento e caso o juiz não reforme sua decisão passa a ter o efeito devolutivo propriamente dito com o recurso subindo para o tribunal ad quem O recurso em sentido estrito é um exemplo desse efeito recursal Também o agravo da execução previsto no art 197 da LEP na medida em que predomina o entendimento de que seu processamento segue aquele previsto para o recurso em sentido estrito Mas antes de verificarmos o efeito suspensivo é importante compreender que o efeito devolutivo propriamente dito tem alguns limites e regras de extensão Quanto à extensão a devolução da matéria para o conhecimento do tribunal é limitada pela matéria impugnada pelo recorrente ou ainda pela natureza do recurso classificação dos recursos em ordinário ou extraordinário sendo a Total quando pode devolver o conhecimento de todas as questões discutidas no processo como sucede no recurso de apelação b Parcial nesse caso a devolução da matéria está como regra limitada ao que foi alegado pela parte interessada É o exemplo do recurso de apelação em que a defesa impugna apenas um determinado aspecto da sentença como pode ser a apelação em relação ao regime inicial de cumprimento O tribunal só conhece dessa matéria Mas há uma importante exceção à limitação da devolução eventuais nulidades absolutas que beneficiem a defesa podem ser reconhecidas de ofício ainda que ninguém as tenha alegado c Recursos extraordinários nessas modalidades de recurso a impugnação fica restrita a questões de direito não havendo a devolução da análise da matéria fática Além disso tal modalidade de recurso possui uma fundamentação legal expressa ou seja somente cabe nos casos em que a lei o admitir Exemplos Recurso Extraordinário e Recurso Especial Ainda no que tange ao efeito devolutivo é importante o estudo do princípio tantum devolutum quantum appellatum a seguir analisado e para onde remetemos o leitor 2 SUSPENSIVO por efeito suspensivo se entende aquele obstáculo legal a que a sentença proferida possa surtir todos os seus efeitos antes do trânsito em julgado Tal efeito determina a impossibilidade de executarse a resolução judicial recorrida Como regra os recursos proferidos contra a sentença penal condenatória devem ter efeito suspensivo assegurandose ao réu o direito de recorrer em liberdade e assim permanecer até o trânsito em julgado Isso porque no processo penal a liberdade é a regra e a prisão uma exceção Mas isso não impede a prisão do imputado nesse momento pois como veremos bastará a existência fundamentada de periculum libertatis art 312 para que o réu seja preso Já a apelação interposta contra a sentença penal absolutória nunca terá efeito suspensivo pois como determina o art 596 A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade Em suma o efeito suspensivo como o próprio nome diz suspende o mandamento contido na sentença sendo que a regra é a manutenção do réu em liberdade Daí por que na sentença absolutória deve o réu ser posto imediatamente em liberdade ainda que exista recurso da acusação pois esse recurso não terá efeito suspensivo mas meramente devolutivo Mas a ausência de efeito suspensivo não se manifesta apenas em relação à prisão cautelar senão que atinge todas as medidas coercitivas que incidem sobre o réu ou seu patrimônio Como consequência a absolvição conduz ao levantamento de toda e qualquer medida assecuratória sequestro arresto ou hipoteca legal e também à restituição dos bens apreendidos exceto se por sua natureza sejam ilícitos por si mesmos Em suma os efeitos da absolvição são plenos e não são suspensos pela eventual apelação interposta pelo acusador Já o recurso contra a sentença condenatória remete à leitura do art 387 1º do CPP O juiz decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou se for o caso a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta Dessarte deve o juiz analisar nesse momento a partir da lógica do sistema cautelar ou seja se houver necessidade demonstrada pelo periculum libertatis nos termos do art 312 do CPP poderá o juiz determinar a prisão ou manter aquele que já se encontre preso Nesse caso não estará atribuindo efeito suspensivo ao recurso defensivo interposto contra a sentença penal condenatória Mas devese ter muito cuidado com o efeito suspensivo ou melhor sua ausência no caso de recurso contra decisão condenatória Muito mais do que a categoria processual de efeito recursal o que está em jogo é a eficácia da garantia constitucional da presunção de inocência E aqui reside nossa crítica especialmente nos recursos Especial e Extraordinário como veremos ao tratar dos recursos em espécie Toda problemática sobre a execução antecipada da pena após a decisão de 2º grau trazida pela decisão proferida pelo STF no HC 126292 será feita no próximo capítulo na parte em que tratamos dos recursos especial e extraordinário 5 Regras Específicas do Sistema Recursal Compreendida a incidência dos Princípios do Processo Penal na fase recursal vejamos agora as regras específicas do sistema recursal Não é aqui o momento de fazer uma profunda análise entre Princípios e Regras420 senão que partindo do conceito de ÁVILA421 concebemos as regras como normas imediatamente descritivas primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos O conceito de regra recursal é fundamental na medida em que determina a adoção da conduta descrita sem perder de vista a fidelidade aos princípios do processo penal anteriormente explicados que são axiologicamente sobrejacentes e sem olvidar da necessária manutenção de fidelidade em relação à finalidade desses mesmos princípios superiores Ademais essas regras são normas descritivas com pretensão de abrangência e decidibilidade que exigem a correspondência da conduta praticada em relação à finalidade que lhes dá suporte Em última análise nesse conjunto de regras encontraremos verdadeiras regras para o juízo do juiz ou seja regras para o tribunal observar no momento do julgamento dos recursos 51 Fungibilidade A Fungibilidade está prevista no art 579 do CPP nos seguintes termos Art 579 Salvo a hipótese de máfé a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro Parágrafo único Se o juiz desde logo reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte mandará processálo de acordo com o rito do recurso cabível Significa que o sistema recursal permite que um recurso errado seja conhecido no lugar de outro correto a partir de uma noção de substitutividade de um recurso por outro Mas esse princípio não legitima o conhecimento de qualquer recurso errado no lugar de outro correto Para isso o art 579 prevê que um recurso poderá ser conhecido por outro desde que afastada a máfé do recorrente O conceito de máfé é aberto indeterminado permitindo ampla manipulação conceitual Tampouco soluciona o problema invocar o erro grosseiro para caracterizar a máfé ou mesmo o pacífico entendimento jurisprudencial sobre o cabimento de determinado recurso mas em geral é com base nesses dois fatores erro grosseiro e ausência de divergência jurisprudencial que os tribunais pautam a aplicação da fungibilidade Em geral temse admitido a fungibilidade entre Apelação e Recurso em Sentido Estrito porque nem sempre os casos de interposição de um e outro permitem sem sombra de dúvida a escolha do recurso correto mas principalmente porque é possível a interposição do recurso errado mas dentro do prazo de interposição do correto Esse é outro aspecto costumeiramente invocado na jurisprudência importante a ser considerado no momento de aplicar a regra da fungibilidade ainda que o recurso seja errado deve ser interposto com tempestividade em relação ao correto Essa construção é um grande limitador da eficácia da fungibilidade com a qual não concordamos pois pensamos que não é razoável nem realista O normal é que a parte interponha o recurso que julgue ser o correto no prazo que a lei lhe determina Exigir outra conduta é ilógico mas infelizmente é assim que muitos tribunais ainda tratam da matéria Pensamos que a fungibilidade deve ter maior eficácia422 afastandose sua aplicação apenas quando escancaradamente a parte estiver usando um recurso manifestamente errado para remediar a perda do prazo do recurso correto Entendemos que o art 579 exige uma releitura especialmente no que tange à hipótese de máfé Tradicionalmente afirmavase que a máfé era o erro grosseiro o proceder doloso E principalmente muitos exigiam para invocação da fungibilidade que o recurso errado fosse interposto no prazo do recurso correto Ora essa é uma limitação excessiva e até mesmo contraditória com o proceder honesto da parte Quem acredita honestamente que é um recurso quando na verdade é outro orientase pelo prazo do recurso que crê ser o correto por elementar Portanto além de o art 579 não exigir a interposição no prazo do recurso correto para aplicação da fungibilidade a máfé deve ser demonstrada e nunca presumida Devese considerar o agir intencional doloso destinado a burlar o sistema recursal O erro grosseiro é aquele que constitui um equívoco injustificável fruto de um profundo desconhecimento das leis processuais e sobre uma questão que não exista qualquer dúvida interpretativa423 É uma afronta literal à lei e à dogmática processual consolidada Em sentido diverso quando não houver paz conceitual sob o cabimento de um recurso ou outro a divergência deve operar prórecurso Por fim com alguma boa vontade é possível aplicarse a fungibilidade nas ações de impugnação com o mandado de segurança sendo conhecido como habeas corpus e viceversa 52 Unirrecorribilidade Determina o art 593 4º do CPP que quando cabível a apelação não poderá ser usado o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra Significa dizer que a apelação absorve a matéria do recurso em sentido estrito sendo mais abrangente que ele Mais do que isso a regra impõe que uma decisão seja impugnável por apenas um recurso Por exemplo se uma sentença penal condena o réu a uma pena de 2 anos de reclusão e nega a suspensão condicional da pena A parte interessada deverá interpor apenas o recurso de apelação e não apelação recurso em sentido estrito pois da decisão que denega o sursis em tese cabe RSE art 581 XI Ainda que o recurso seja parcial limitado a postular o reexame apenas da não concessão da suspensão condicional da pena deverá o réu interpor apenas o recurso de apelação e não recurso em sentido estrito Tratase de um recurso contra uma sentença condenatória apelável portanto Ainda que a impugnação seja limitada a determinado aspecto da sentença não deixa de ser um recurso contra uma sentença penal condenatória logo apelação ainda que parcial pois limitada a discutir apenas parte dela Em suma a unirrecorribilidade tem por base o seguinte princípio contra uma decisão caberá apenas um recurso Mas essa regra possui exceções como por exemplo o seguinte caso um acórdão pode violar simultaneamente uma lei federal e também a Constituição Nesse caso para evitar a preclusão deverá a parte interessada interpor no mesmo prazo de 15 dias os dois recursos especial e extraordinário ainda que o último fique sobrestado aguardando o julgamento do primeiro Outro exemplo é a interposição simultânea de embargos infringentes e recurso especial eou extraordinário quando houver decisão não unânime em relação ao mérito e unânime no que tange às preliminares Voltaremos a esse tema ao tratar dos embargos infringentes 53 Motivação dos Recursos Todo e qualquer recurso deve ser fundamentado expondo as questões de fato eou de direito que o sustentam Mesmo a apelação em que o art 601 admite a subida com as razões ou sem elas tem sido objeto de uma releitura constitucional de modo que em nome da ampla defesa e do contraditório os tribunais têm determinado o retorno dos autos à comarca de origem para que sejam apresentadas as razões inclusive com a nomeação de defensor dativo para apresentálas se não o fizer o constituído Além da ampla defesa a ausência de razões também viola o contraditório porque sem elas não tem a outra parte condições plenas de contraarrazoar Por isso os tribunais ultimamente têm determinado que os autos baixem em diligências para que o defensor ofereça as razões ou seja nomeado um dativo para isso 54 Proibição da Reformatio in Pejus e a Permissão da Reformatio in Mellius Problemática em Relação aos Julgamentos Proferidos pelo Tribunal do Júri No processo penal está sempre permitida a reforma da decisão para melhorar a situação jurídica do réu inclusive com o reconhecimento de ofício e a qualquer momento de nulidades processuais que beneficiem o réu Mas não pode o tribunal reconhecer nulidade contra o réu que não tenha sido arguida no recurso da acusação Súmula 160 do STF Assim diante de um recurso do Ministério Público sem recurso da defesa o tribunal pode acolher o pedido do MP manter a decisão e denegar o pedido ou ainda de ofício negar provimento ao pedido do MP e melhorar a situação jurídica do réu ainda que ele não tenha recorrido Por outro lado está vedada a reforma para pior ou seja diante de um recurso da defesa não pode o tribunal piorar a situação jurídica do imputado Portanto diante de um exclusivo recurso da defesa o tribunal pode dar provimento no todo ou em parte ou manter intacta a decisão de primeiro grau Em nenhuma hipótese pode piorar a situação do réu exceto é óbvio se também houver recurso do acusador Nesse sentido determina o art 617 do CPP Art 617 O tribunal câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts 383 386 e 387424 no que for aplicável não podendo porém ser agravada a pena quando somente o réu houver apelado da sentença Também está vedada a reformatio in pejus indireta dissimulada como pode ocorrer no seguinte caso o juiz condena o réu a uma pena de 4 anos de reclusão por determinado delito Em grau recursal o tribunal acolhendo a apelação da defesa anula a sentença por terse baseado em prova ilícita determinando o desentranhamento e a repetição do ato Na nova sentença o réu é condenado a uma pena de 5 anos de reclusão Tratase de uma reformatio in pejus indireta que conduzirá a nova nulidade da sentença É indireta porque a piora na situação do réu não foi causada diretamente pelo tribunal julgando o recurso Mas sem dúvida o tratamento mais grave foi efeito do acolhimento do recurso da defesa Situação complexa surge na aplicação do princípio da ne reformatio in pejus nos julgamentos do Tribunal do Júri pois também regidos pelo princípio da soberania dos julgamentos Tradicionalmente a situação era tratada inclusive por nós em edições anteriores da seguinte forma Supondo que o réu tenha sido condenado por homicídio simples a uma pena de 6 anos de reclusão Inconformado apela com base no art 593 III d do CPP Provido o apelo é submetido a novo julgamento pelo júri Neste novo julgamento poderia a pena ser superior à anterior 6 anos Não pois isso constituiria uma reformatio in pejus Logo a segunda decisão seria nula cabendo uma nova apelação agora fundada na letra b devendo o tribunal ad quem retificar a pena para o patamar anterior Mas no mesmo exemplo poderia o réu no novo júri ser condenado por homicídio qualificado a uma pena de 12 anos Sim poderia seria a resposta tradicional pois não haveria reformatio in pejus indireta na medida em que se o réu foi pronunciado por homicídio qualificado e no primeiro júri é negada a qualificadora e condenado por homicídio simples no novo júri o julgamento é inteiramente repetido Os novos jurados são soberanos para decidir Portanto como a qualificadora foi reconhecida na pronúncia ela será novamente quesitada e os jurados podem reconhecêla Não haveria reformatio in pejus pois o julgamento seria inteiramente repetido e os jurados soberanos na sua decisão Mas esse entendimento deve ser revisado principalmente após a decisão proferida pela 2ª Turma do STF no HC 895441 julgado em 14042009425 Segundo explica o Min CEZAR PELUSO no corpo do voto condutor que julgava situação similar àquela anteriormente narrada a proibição de reforma para pior inspirada no art 617 do Código de Processo Penal não comporta exceção alguma que a convalide ou legitime ainda quando indireta tal como se caracterizou no caso Se de um lado a Constituição da República no art 5º inc XXXVIII letra c proclama a instituição do júri e a soberania de seus veredictos de outro assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes inc LV do art 5º Para o relator tais princípios são cláusulas elementares do devido processo e devem ser interpretados à luz do critério da chamada concordância prática de modo que no conflito de princípios deve ser adotada uma solução que otimize a realização de todos eles mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum Partindo da unidade orgânica e da integridade axiológica da Constituição deve haver uma coexistência harmônica dos bens tutelados sem predomínio teórico de uns sobre outros Em suma segundo o voto a regra constitucional da soberania dos veredictos em nada impede a incidência da vedação da reformatio in peius indireta pois esta não lhe impõe àquela limitações de qualquer ordem nem tampouco despoja os jurados da liberdade de julgar a pretensão punitiva nos termos em que a formule a pronúncia Por todos esses argumentos entendeu o STF por reformar a decisão fixando a pena do paciente que havia sido condenado pelo júri por homicídio doloso tendo o juiz fixado a pena em 12 anos regime fechado em 6 anos limite imposto pelo julgamento anterior no qual havia o réu sido condenado por homicídio simples Ou seja manteve o STF a condenação pelo homicídio qualificado mas fixou a pena igual àquela do julgamento anterior para evitar a reformatio in pejus indireta No mesmo sentido vai a jurisprudência do STJ426 Concordamos integralmente com a decisão mas parecenos que o caminho percorrido na fundamentação é outro melhor enfrentado por RABELO427 em trabalho sobre o tema Parte RABELO da necessária constitucionalização do processo penal sendo portanto inadequada a afirmação de que o princípio da ne reformatio in pejus seja infraconstitucional Estáse diante de um princípio constitucional implícito decorrente do princípio da ampla defesa e do devido processo legal art 5º LV da CB Portanto a resolução da questão prossegue o autor não pode mais se dar com base no critério hierárquico pois agora se está diante de dois princípios constitucionais fundamentais mas deve ser solucionada no âmbito da ponderação de princípios E aqui está o diferencial da fundamentação RABELO esclarece que não haveria necessidade de se falar em colisão de princípios constitucionais como fez o STF na decisão analisada senão uma exegese contextualizada do princípio da soberania dos veredictos situando seu círculo hermenêutico dentro de um contexto protetivo do acusado Em outros termos devese entender o princípio da soberania dos veredictos como garantia constitucional do acusado e não dos jurados428 Eis o melhor trato da questão No momento em que o legislador constituinte situa o instituto do Tribunal do Júri na dimensão de direito fundamental da pessoa não se pode desconectar deste círculo hermenêutico de modo que todos os princípios e regras do tribunal do júri devem ser trabalhados no contexto de proteção dos direitos individuais do imputado inclusive a soberania dos julgamentos e a garantia da ne reformatio in pejus Do contrário teria o legislador inserido apenas uma norma de competência como o fez com a justiça militar eleitoral federal etc no capítulo que dispõe sobre o Poder Judiciário Obviamente sendo o júri e todas suas regras instrumentos a serviço da eficácia do sistema de proteção da Constituição não pode qualquer delas com a soberania das decisões ser utilizada em seu prejuízo Por fim conclui com acerto RABELO se o princípio da soberania dos veredictos fosse compreendido dessa maneira por certo não haveria necessidade de se falar em sua colisão com o princípio da ne reformatio in pejus nas hipóteses de cassação das decisões do tribunal do júri O que ocorreria é a não incidência do princípio da soberania dos veredictos contra o acusado uma vez que se trata de princípiogarantia do réu de crimes dolosos contra a vida O resultado prático é o mesmo da decisão do STF mas com fundamento teórico diverso e mais adequado pensamos Destarte o que deve ficar claro é diante de recurso exclusivo da defesa vedase que no novo julgamento o resultado seja pior do que aquele proferido no julgamento anterior independentemente de ter havido o reconhecimento de qualificadora anteriormente afastada 55 Tantum Devolutum Quantum Appellatum Em matéria recursal vinculada ao efeito devolutivo está a regra do tantum devolutum quantum appellatum que em linhas gerais significa que tanto se devolve quanto se apela ou seja ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso É uma espécie de correlação recursal mas que sofre muitas mitigações pelas especificidades do processo penal Vinculase aos limites do efeito devolutivo mas que no processo penal encontra um campo limitado de incidência pois deve ser pensado à luz da vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da reformatio in mellius o que faz com que acabe sendo bastante relativizado A devolução da matéria pela via do recurso está regida essencialmente pela vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da in mellius Frente a um recurso exclusivo do MP pode o tribunal acolhêlo para condenar o réu absolvido aumentar sua pena etc Mas também pode o tribunal absolver ou mesmo diminuir a pena ainda que a defesa não tenha recorrido até porque pode a qualquer tempo conceder habeas corpus de ofício Ou seja o tantum devolutum quantum appellatum é acima de tudo uma limitação recursal ao acusador Também nos chamados recursos com fundamento vinculado a devolução da matéria está limitada como ocorre nos recursos especial e extraordinário em que não pode o tribunal ir além da matéria contida no fundamento legal invocado Mas ainda nesses casos devemos recordar que as nulidades absolutas podem ser conhecidas a qualquer tempo ainda que a parte não alegue e assim pode fazer o tribunal desde que a favor do réu ex officio 56 Irrecorribilidade dos Despachos de Mero Expediente e das Decisões Interlocutórias Simples Afirmar que a regra é a irrecorribilidade das decisões interlocutórias o que é recorrente na doutrina é insuficiente pois no modelo brasileiro mesmo as decisões interlocutórias são classificadas em simples ou mistas sendo essas últimas recorríveis Também peca por não incluir os despachos de mero expediente efetivamente irrecorríveis Por tudo isso ampliamos a regra para refletir o seu conteúdo Os despachos de mero expediente são de caráter ordenatório sem cunho decisório e que não causam gravame sendo portanto irrecorríveis O problema está nas decisões interlocutórias simples em que existe um mínimo de poder decisório e muitas vezes causam um gravame para a parte atingida A irrecorribilidade dessas decisões é a regra excetuandose os casos expressamente previstos no art 581 do CPP ou seja os casos em que há previsão de recurso em sentido estrito Logo se determinada decisão interlocutória é irrecorrível não há que se falar em preclusão podendo a parte interessada alegar a questão no debate oral final do procedimento e como preliminar no recurso de apelação Situação distinta ocorre nos casos em que há recurso previsto para a decisão interlocutória em que existe preclusão da matéria se não for interposto o recurso adequado e no prazo legal Exemplos se não recorro da decisão de pronúncia não posso alegar um vício dela na apelação depois do Tribunal do Júri Por outro lado a decisão que recebe a denúncia ou queixa é irrecorrível Logo não há preclusão podendo eventual inépcia ser alegada na resposta à acusação nos debates orais e até como preliminar da apelação em caso de sentença penal condenatória Para finalizar é fundamental destacar que a regra da irrecorribilidade dos despachos de mero expediente e das decisões interlocutórias simples possui uma exceção os embargos declaratórios Como explicaremos no próximo capítulo ao tratarmos dos recursos em espécie os embargos de declaração sempre podem ser interpostos ainda que a decisão seja em tese irrecorrível Isso porque às partes é assegurado o direito de compreender a decisão judicial e ver nela tratadas todas as questões ventiladas e que a originaram Assim à regra da irrecorribilidade sempre se devem excepcionar os embargos declaratórios 57 Complementaridade Recursal Significa a possibilidade de complementação do recurso em razão de modificação superveniente na fundamentação da decisão Como regra o recurso é interposto e juntadas no prazo legal as razões que o fundamentam Contudo imaginemos que de determinada sentença a defesa interponha o recurso de apelação e o Ministério Público no mesmo prazo apresente embargos declaratórios Se a defesa apresentar suas razões antes do julgamento dos embargos declaratórios e houver alguma mudança substancial na fundamentação ou mesmo na decisão efeito modificativo deverá serlhe oportunizado prazo para complementar suas razões diante das inovações surgidas Também não vislumbramos qualquer óbice à aceitação dos chamados memoriais aditivos com caráter complementar apresentados pela defesa junto ao tribunal Nesse caso após a apresentação do recurso das razões e das contrarrazões pode a defesa antes do julgamento apresentar memorial para cada desembargador ou ministro integrante da Câmara ou Turma que irá apreciar o recurso Nesse memorial nada impede que sejam complementados ou acrescentados fundamentos jurídicos ou fáticos se for o caso mas com base na prova dos autos Não há violação do contraditório porque também o Ministério Público a ele terá acesso com anterioridade ao julgamento podendo na sua manifestação oral realizada na sessão de julgamento fazer o contraponto que entender necessário e cabível 58 InDisponibilidade dos Recursos Considerando que os recursos são uma continuidade da situação jurídico processual há que se fazer a análise da indisponibilidade dos recursos para o acusador à luz da natureza da ação processual penal Em se tratando de crime de ação processual penal de iniciativa privada regida pela disponibilidade o querelante poderá a qualquer momento desistir do recurso que haja interposto arcando ele com as custas processuais ou renunciar ao que ainda não interpôs Em sendo a ação penal de iniciativa pública a situação é completamente distinta incidindo no caso a regra contida no art 576 do CPP a saber Art 576 O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto O Ministério Público não está obrigado a recorrer da decisão ou sentença mas se o fizer não poderá desistir429 do recurso pois a ação penal é indisponível como indisponível será o recurso Quanto à renúncia recordando que se renuncia ao que ainda não foi feito desistese do que já foi feito não poderá fazêlo expressamente o Ministério Público mas nada impede a renúncia tácita pelo transcurso in albis do prazo recursal Quanto ao imputado poderá haver a desistência do recurso desde que seja um ato consensual do réu e de seu defensor Havendo a desistência de um deles sem a concordância do outro deve prevalecer a ampla defesa com a manutenção do recurso até porque é vedada a reformatio in pejus Igual tratamento merece a renúncia Assim caso o defensor junte uma petição desistindo do recurso interposto o mais seguro é providenciar a intimação pessoal do réu para que se manifeste no prazo fixado Havendo a concordância expressa temse a desistência do recurso Do contrário deve seguir sua tramitação Para finalizar é importante o disposto na Súmula 705 do STF a renúncia do réu ao direito de apelação manifestada sem a assistência do defensor não impede o conhecimento da apelação por este interposta E também na Súmula 708 do STF é nulo o julgamento da apelação se após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor o réu não foi previamente intimado para constituir outro 59 Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos Estabelece o art 580 do CPP Art 580 No caso de concurso de agentes Código Penal art 25430 a decisão do recurso interposto por um dos réus se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal aproveitará aos outros Muitos autores denominam Efeito Extensivo dos Recursos mas na realidade não se trata propriamente de um efeito431 dos recursos senão de uma extensão para outros réus que não recorreram por isso uma extensão subjetiva dos efeitos dos recursos ou seja dos efeitos da decisão proferida no julgamento do recurso BADARÓ432 explica que não se trata de extensão do recurso mas de extensão da decisão proferida no julgamento do recurso Se houvesse extensão do recurso o corréu que não recorreu seria intimado a apresentar razões poderia fazer sustentação oral recorrer da decisão proferida no julgamento do recurso etc Entretanto nada disto ocorre Tratase de uma situação excepcional em que um réu não recorrente pode ser beneficiado pela decisão proferida no recurso interposto pelo corréu desde que não diga respeito a circunstâncias de caráter pessoal Eis aqui mais uma regra que relativiza o tantum devolutum quantum appellatum pois permitese que o tribunal decida em relação a quem sequer recorreu ou seja nada se devolveu em relação àquele réu Tal situação pode suceder por exemplo quando apenas um dos réus recorre da sentença condenatória e o tribunal apreciando esse recurso decide pela atipicidade da conduta por todos praticada Tratase de uma circunstância que não é de caráter pessoal aproveitando a todos os que não recorreram pois um mesmo fato não pode ser como regra atípico para um réu e típico para outro na mesma situação mas que apenas não recorreu Situação diversa é quando o tribunal reconhece por exemplo a atenuante da menoridade relativa do réu apelante negada pela sentença Tratase de circunstância pessoal que não aproveita aos demais corréus exceto se algum deles também for menor e não lhe tiver sido atenuada a pena Como explica MANZINI433 convém prevenir a possibilidade de que em um mesmo processo a sentença adquira a autoridade de coisa julgada em relação a algum dos imputados e seja reformada ou anulada em relação a outros sem que a diversidade de tratamento esteja justificada pela diferença das condições subjetivas desses mesmos imputados Convém destacar ainda que a extensão subjetiva jamais se dá quando o recurso é do acusador ou seja se o Ministério Público recorrer da decisão apenas em relação a um dos corréus o acolhimento desse recurso não alcançará os demais que não foram dele objeto de impugnação Por fim a regra da extensão subjetiva dos efeitos dos recursos também pode ser aplicada nas ações autônomas de impugnação sendo costumeira sua invocação em sede de habeas corpus mandado de segurança e mesmo na revisão criminal Importa é manter a isonomia de tratamento jurídico para réus que estejam na mesma situação jurídicoprocessual evitando decisões conflitantes e tutela injustamente diferenciada 6 Interposição Tempestividade Preparo na Ação Penal de Iniciativa Privada Deserção Na análise específica de cada recurso voltaremos a tratar dos detalhes da interposição e dos prazos recursais cabendo neste momento fazer uma rápida introdução Como regra geral os recursos são interpostos por escrito em petição mas excepcionalmente poderão ser feitos por termo nos autos A regra contida no art 578 O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos assinado pelo recorrente ou por seu representante permite que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita termo nos autos E por que a possibilidade de interposição por termo nos autos Para facilitar o acesso das partes ao recurso de apelação e também ao recurso em sentido estrito especialmente da defesa técnica e do próprio réu Imaginese a situação de um réu preso e com defensor dativo É muito importante a permissão legal de que o próprio réu interponha o recurso de apelação contra a sentença que o condenou mas para fazer isso havia que se simplificar o modo de interposição Por isso é acertada a sistemática brasileira em que o réu pode ao ser intimado da sentença condenatória escrever de próprio punho desejo recorrer Basta isso ou qualquer manifestação nesse sentido Inclusive poderá o oficial de justiça questionar se o réu deseja apelar e diante da resposta positiva certificar no mandado Basta isso Temse como interposto o recurso Deverá o juiz intimar o defensor constituído ou dativo para que apresente as razões no prazo legal sob pena de em não o fazendo ser nomeado outro defensor para fazêlo Como regra a interposição por termo nos autos somente é possível nos recursos que possuem dois momentos distintos no seu processamento ou seja um de interposição e outro com as razões São os casos da apelação e do recurso em sentido estrito em que a parte possui o prazo de 5 dias para interposição e outro para apresentação das razões Somente o primeiro momento poderá ser feito por termo nos autos devendo a motivação ser apresentada em petição escrita juntada ao processo Não há assim como se fazer a interposição por termo nos autos de um recurso extraordinário ou especial pois se constituem em uma única peça interposição razões A tempestividade significa que o recurso foi interposto no prazo legal ou seja apresentado a tempo Tratase de um requisito fundamental pois o recurso intempestivo não é sequer conhecido admitido muito menos apreciado Os prazos recursais são fatais e peremptórios sendo sua contagem regida pelo art 798 do CPP Em se tratando de sentença a regra é que sejam intimados o réu e seu defensor contandose o prazo da última intimação ou seja da data em que o oficial de justiça assim certificar ter realizado o ato É importante destacar que no processo penal os prazos contamse a partir da realização da intimação e não da juntada aos autos do respectivo mandado como ocorre no processo civil Nessa matéria interessam ainda as Súmulas 310 e 710 do STF434 a saber que esclarecem a matéria Importante esclarecer que nos recursos em que o processamento se dá em dois momentos apelação e recurso em sentido estrito a tempestividade é aferida pelo momento da interposição sendo a apresentação fora do prazo legal das razões uma mera irregularidade Tampouco podemos esquecer que os membros da Defensoria Pública435 dos Estados possuem a importante prerrogativa de serem pessoalmente intimados de todos os atos do processo inclusive no segundo grau concedendolhes em dobro todos os prazos incluindo os recursais Tratase de medida salutar e imprescindível para assegurar a ampla defesa daqueles que além de serem clientes preferenciais do sistema penal seletivo por excelência não possuem condições econômicas para arcar com os custos de um defensor privado Nos recursos de apelação e em sentido estrito em que se concede um prazo para interposição e outro para apresentação das razões a melhor leitura do dispositivo suprarreferido é aquela que concede o dobro do prazo em ambos os atos ou seja 10 dias para interposição e 16 dias para razões no caso da apelação e 10 dias para interposição e 4 dias para apresentação das razões no caso do recurso em sentido estrito E se o recurso for interposto antes de aberto o prazo recursal É tempestivo e deve ser recebido Nesse sentido o art 218 4º do CPC preenche a lacuna do CPP ao determinar que será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo Além de tempestivo o recurso nos crimes de ação penal de iniciativa privada deverá ser previamente preparado ou seja deverá o recorrente pagar as custas judiciais previstas para que ele possa ser julgado sob pena de deserção Nesse tema imprescindível a leitura do art 806 do CPP436 O não pagamento das despesas recursais por parte do recorrente seja querelante ou querelado conduz à deserção do recurso interposto ou seja o recurso não será sequer conhecido Tratase de uma questão impeditiva do julgamento do recurso A deserção em última análise é uma punição processual pelo não pagamento das custas legalmente devidas pelo recorrente O recorrido que irá simplesmente contraarrazoar o recurso interposto pela outra parte não está submetido ao pagamento de qualquer importância Em que momento deverá ser feito o preparo O 2º do art 806 determina que o pagamento das custas deverá ser feito no prazo fixado em lei ou marcado pelo juiz Especificamente no que tange ao preparo dos recursos não há prazo fixado em lei Portanto deverá o juiz recebendo a petição de interposição ou termo nos autos intimar o recorrente para recolher as custas e fixar um prazo razoável para tanto sendo normalmente estabelecido o prazo de 5 dias Ao contrário do que sustenta alguma doutrina com a qual não concordamos não existe lacuna alguma sendo absolutamente inadequada qualquer analogia com o Código de Processo Civil nessa matéria O Código de Processo Penal é claro custas no prazo fixado em lei ou na sua falta no prazo marcado pelo juiz Logo em matéria recursal cabe ao juiz fixar o prazo e determinar a intimação do recorrente para efetuar o recolhimento Não raras vezes os juízes por desconhecimento ou equívoco até porque não existe preparo na ação penal de iniciativa pública o que gera alguma confusão recebem o recurso e determinam o seu processamento Chegando no tribunal ad quem constatase a falta de preparo É caso de deserção Evidente que não Deverá o relator baixar os autos em diligência para que o juízo a quo intime o recorrente para recolher as custas e fixe um prazo razoável Após voltam os autos para continuar o julgamento do recurso Sendo a parte recorrente querelante ou querelado pobre poderá pleitear a dispensa do pagamento das custas processuais art 32 do CPP realizando assim todos os atos processuais e respectivos recursos sem o pagamento de qualquer importância Deve ser lida ainda a Súmula 187 do STJ É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente não recolhe na origem a importância das despesas de remessa e retorno dos autos Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas dessa modalidade de ação penal Dessarte a deserção é uma punição processual nas ações penais de iniciativa privada ao recorrente que não pagou as custas processuais e tampouco obteve o benefício da justiça gratuita Destacamos que antigamente havia outro caso de deserção em caso de fuga previsto no art 595 Contudo o art 595 foi revogado Noutra dimensão pensamos que a deserção pelo não pagamento de custas na ação penal de iniciativa privada é de discutível constitucionalidade na medida em que limita o acesso ao duplo grau de jurisdição e quando o recurso é do querelado réu restringese indevidamente o direito de defesa Não conhecer de um recurso defensivo por não pagamento de custas processuais no processo penal é inadmissível Estabelece ainda um paradoxo em relação à ação penal de iniciativa pública em que não há qualquer possibilidade de deserção seja porque o recurso é da acusação MP ou da defesa Logo por que o réu em crime de ação penal de iniciativa pública pode recorrer sem pagar nada e na ação penal de iniciativa privada não O direito de defesa e de acesso à jurisdição é igual Qual o fundamento da deserção 7 Requisitos Objetivos e Subjetivos dos Recursos Crítica à Transposição das Condições da Ação e Pressupostos Processuais Há alguma paz conceitual no sentido de que os recursos não estabelecem uma nova situação jurídica ou relação jurídica para os seguidores de Bülow senão que constituem um desdobramento ou fase do próprio processo já existente Não é nem poderia ser um novo processo ou um novum iudicium É como vimos uma continuidade do exercício da pretensão acusatória ou da resistência defensiva conforme o caso Diante disso por que fazer a transposição das condições da ação para a fase recursal se não existe uma nova ação Se os recursos não constituem um novo processo e não existe o exercício de uma ação processual penal como falar em condições da ação Da mesma forma que existem medidas cautelares e não um processo cautelar os recursos não constituem um novo processo senão uma fase dentro do processo logo não há que se falar em condições da ação Recordemos que ação é um poder político constitucional de invocação do poder jurisdicional e que uma vez exercido dá lugar à jurisdição e ao processo A ação se esgotou com o seu exercício e admissão Depois disso o que se tem é processo Daí por que não existe trancamento da ação O que se tranca é o processo Então como se falar em transposição das categorias da ação processual penal depois que já se tem até sentença A ação é a mesma que originou o processo no qual os recursos estabelecem apenas uma nova fase Logo as condições da ação podem perfeitamente integrar o mérito recursal que não se confunde com o mérito do processo sendo objeto de discussão na dimensão de preliminares no recurso Isso está correto Mas não existe nova exigência de condições da ação senão que apenas se permite revisar a decisão anterior sobre elas A distinção é evidente Uma coisa é permitir rediscutir a decisão que admitiu a acusação outra completamente diversa é exigir novamente as condições da ação como pressuposto para a admissão do recurso A situação é agravada pela transposição das categorias do processo civil para o processo penal agudizando a crise de conceitos Como explicamos é inadequada a importação das categorias interesse e possibilidade jurídica do pedido para o processo penal na medida em que o interesse sucumbe diante dos fundamentos do princípio da necessidade Contudo na dimensão recursal é correta a discussão em torno do interesse Ou seja como condição da ação o interesse é um conceito inadequado mas como requisito dos recursos perfeitamente aplicável como veremos Já em relação à possibilidade jurídica do pedido não resiste a uma análise superficial pois é evidente a impropriedade como condição da ação e igualmente como requisito dos recursos Sem qualquer pretensão de exaustão vejamos o tratamento desta temática na doutrina estrangeira ARMENTA DEU437 utiliza a expressão requisitos gerais dos recursos enumerandoos competência funcional do órgão que conhece do recurso legitimidade gravame que a decisão seja recorrível e que o recurso seja tempestivo HINOJOSA SEGOVIA438 fala em pressupostos dos recursos quais sejam decisão recorrível existência de gravame ou prejuízo e inexistência de coisa julgada resolución no sea firme MANZINI439 analisa as condições de tempo modo as renúncias e os efeitos recursais ROXIN440 aborda os pressupostos de admissibilidade dos recursos apenas na dúplice dimensão de legitimidade e gravame Partindo dessas considerações preferimos situar a questão na dimensão de requisitos recursais e não de condições ou pressupostos pois não se trata de novo processo Dessarte os requisitos dos recursos podem ser objetivos ou subjetivos 1 Requisitos objetivos a cabimento e adequação b tempestividade c preparo apenas nos casos em que a ação penal é de iniciativa privada 2 Requisitos subjetivos a legitimidade b existência de um gravame interesse Os requisitos de cabimento e adequação são distintos como se verá mas dada a íntima relação e interação entre eles nada impede que sejam analisados em conjunto como preferimos O requisito objetivo primeiro de qualquer recurso é o seu cabimento no sentido de pressupor a inexistência de uma decisão imutável e irrevogável A existência de coisa julgada formal é um fator impeditivo da admissão de um recurso na medida em que constitui o efeito conclusivo do processo ROXIN Portanto um recurso somente é cabível se houver uma decisão recorrível Intimamente relacionada ao cabimento está a adequação no sentido de ser eleito pela parte interessada o meio de impugnação adequado para atacar aquela decisão específica Adequação assim é a compatibilidade entre a decisão proferida e o recurso interposto para impugnála Portanto é manifestamente inadequado o recurso em sentido estrito que pretender impugnar uma sentença penal condenatória por exemplo pois recurso cabível e adequado é a apelação É na dimensão da adequação que incide o Princípio da Fungibilidade Recursal relativizandoa em casos excepcionais conforme já explicado Significa dizer que excepcionalmente pode ser aceito o recurso inadequado como se adequado fosse desde que não exista erro grosseiro e seja respeitada a tempestividade do recurso correto Mas a adequação também abrange a regularidade formal da interposição dos recursos de modo que não basta a correta eleição do recurso deve a parte corretamente interpôlo Há que se observar estritamente a forma e os formalismos exigidos pela Lei para o recurso escolhido sob pena de sequer ser conhecido Assim a faculdade disposta no art 578 do CPP que admite a interposição por petição ou termo nos autos e não sabendo ou não podendo o réu assinar o nome o termo será assinado por alguém a seu rogo na presença de duas testemunhas só é aplicável aos recursos interpostos em primeiro grau Não é correta a interposição de um recurso extraordinário por exemplo por termo nos autos ou ainda neste mesmo recurso de uma mera petição de interposição sem a respectiva fundamentação Não será ainda conhecido o recurso exceto nos casos de apelação e recurso em sentido estrito em que a Lei expressamente prevê que as razões serão apresentadas num segundo momento que não venha acompanhado de toda sua fundamentação Significa dizer que a correta interposição somente se dará se todos os requisitos formais forem observados Em suma a adequação vinculase à eleição pela parte interessada do recurso correto e também à correta interposição para impugnarse a decisão desfavorável Superada essa questão o recurso deve ser tempestivo ou seja interposto no prazo legal Cada recurso tem a sua disciplina em relação à forma de interposição e ao prazo legal concedido para tanto Nos recursos em que a interposição se dá num momento e a apresentação das razões em outro como no caso da apelação e do recurso em sentido estrito a tempestividade do recurso referese ao primeiro momento ou seja o da interposição sendo uma mera irregularidade a apresentação extemporânea das razões Já nos demais recursos em que no mesmo prazo e momento é feita a interposição e são apresentadas as razões não há essa distinção Exemplos são os embargos infringentes recurso extraordinário recurso especial etc Recordemos que os prazos processuais nos termos do art 798 do CPP correm em cartório sendo contínuos e peremptórios não se interrompendo por férias domingos ou feriados Uma vez iniciada sua contagem não serão interrompidos Nesse cômputo não se considera o dia da intimação ou seja excluise o dia em que se dá a comunicação do ato começando a fluir no dia seguinte se útil Logo se a intimação ocorreu numa sextafeira o prazo começa a correr na segundafeira e não no sábado Da mesma forma quando um prazo terminar no sábado domingo ou feriado será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil art 798 3º do CPP É importante sublinhar que no processo penal os prazos contamse da data da realização da intimação ainda que diverso seja o momento da juntada do respectivo mandado Ou seja o prazo começa a fluir no primeiro dia útil após a efetivação da intimação Súmula 710 do STF441 e não da juntada do mandado aos autos como ocorre no processo civil Nos casos em que a intimação da decisão é feita na pessoa do réu e também do seu defensor os prazos contamse do último ato ou seja da certificação da última intimação realizada De qualquer forma diante do caráter peremptório dos prazos processuais especialmente em matéria recursal não se devem correr riscos nem abusar da sorte Para o advogado ou promotor diligente todo prazo acaba um dia antes daquele estabelecido pela Lei Ademais remetemos o leitor ao dito anteriormente sobre a tempestividade e a intimação em matéria recursal A esses requisitos objetivos gerais há que se acrescentar o preparo específico para os recursos nos processos instaurados a partir de ação penal de iniciativa privada O pagamento das despesas recursais é um requisito cujo descumprimento conduz à deserção como já explicado Ao lado dos requisitos objetivos acima explicados devese analisar a presença dos requisitos subjetivos a saber legitimação e existência de um gravame A legitimação recursal é um pressuposto do interesse em impugnar leciona ZANOIDE DE MORAES442 pois não se pode conceber um interesse recursal penal que não possua antes uma pessoa que o porte Deve ser vista a partir da situação jurídica instaurada em que se define quem ocupa a parte passiva e ativa No polo passivo do processo penal está o acusado ou seja aquele sob o qual pende a acusação da prática de um fato delitivo Já no polo ativo a situação varia conforme a iniciativa atribuída pela Lei para o exercício da ação processual penal Nos delitos de ação penal de iniciativa pública a legitimidade é do Ministério Público para formular a acusação e também para recorrer Nos delitos de ação penal de iniciativa privada a legitimidade ativa é da vítima ou de seu representante legal estando ela igualmente legitimada para recorrer daquelas decisões que a prejudiquem Portanto os legitimados a recorrer são as partes ativa ou passiva do processo Mas neste tema é importante recordar a figura do assistente da acusação pois ele também tem legitimidade para recorrer443 O recorrente deve ainda ter interesse ou seja deve existir um gravame gerado pela decisão impugnada Inspirados em GOLDSCHMIDT entendemos que todo recurso supõe como fundamento jurídico a existência de um gravame prejuízo para a parte recorrente isto é uma diferença injustificada na perspectiva de quem recorre é claro desfavorável para ela entre sua pretensão ou resistência no caso do réu e o que foi reconhecido e concedido na sentença impugnada Cabe ao recorrente alegar o prejuízo para que o recurso seja conhecido e deve motiválo de forma legal para que seja fundado Na análise da existência do gravame devese atender à totalidade dos efeitos da decisão impugnada incluindo os acessórios Na doutrina brasileira tradicionalmente a discussão situase no campo do interesse e mais especificamente no binômio adequação e necessidade ou utilidade A adequação como já explicamos é uma categoria autônoma que não se confunde com o interesse ainda que mantenha íntima relação e interação Portanto podese situar o interesse nos dois binômios interesse necessidade e interesseutilidade444 Na primeira dimensão o recurso deve figurar como um meio necessário para se alcançar o resultado esperado ou seja o interesse está na exigência de se lançar mão do recurso para atingir o resultado prático que o recorrente tem em vista445 Quanto ao interesseutilidade para os defensores dessa concepção exige uma ótica antes prospectiva que retrospectiva no sentido de dar ênfase à utilidade concebida como o proveito que a futura decisão seja capaz de propiciar ao recorrente e não apenas na dimensão retrospectiva ou seja no contraste entre a situação da sentença e a expectativa das partes446 Ademais o interesse ad impugnare deve ser visto desde uma dimensão jurídica e não psíquica ou moral por exemplo de modo que o gravame situase na dimensão de prejuízo jurídico e não de um prejuízo de qualquer outra natureza Assim por exemplo a apelação interposta pela defesa em face de uma sentença absolutória pode ser conhecida ou não conforme se demonstre um interesse juridicamente tutelável ou não Se o apelo tem por fundamento a pretensão de modificação da capitulação legal da sentença absolutória para inibir os efeitos de uma ação civil ex delicti estamos diante de um interesse manifesto É o caso de o réu ter sido absolvido com base no art 386 inciso II não haver prova da existência do fato que não impede a ação civil ex delicti quando toda a resistência defesa foi no sentido de sustentar estar provada a inexistência do fato inciso I do art 386 Logo o eventual acolhimento do recurso conduzirá a uma nova decisão que diminui o prejuízo gravame causado pela sentença Noutra dimensão inexiste interesse na apelação de réu absolvido que pretende apenas o reconhecimento de alguma tese jurídica que em nada afeta os efeitos principais ou secundários da sentença Tratarseia de um recurso movido por outros interesses que não aqueles juridicamente tutelados pelo sistema recursal até porque não existe a demonstração de um gravame que possa ser juridicamente eliminado ou reduzido Tratase do pregiudizio che il titolare del potere di impugnare lamenta in concreto in relazione ad una pronuncia astrattamente impugnabile È il pregiudizio che il soggetto lamenta a far scattare la molla dellinteresse allesercizio in concreto della genérica potestà di impugnazione447 Dessarte o interesse está vinculado ao prejuízo ao gravame que o titular do poder de impugnar íntima correlação com a legitimação sofre no caso concreto É o prejuízo a mola propulsora do interesse ao exercício do direito de recorrer O poder de impugnar não é genérico ou incontrolável senão o reconhecimento de um poder relacionado a um efetivo interesse no controle da decisão judicial 8 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito Em matéria recursal estabelecese um duplo juízo de admissão do recurso a juízo de admissibilidade ou de prelibação em que se analisam os requisitos objetivos e subjetivos dos recursos ou seja o atendimento às exigências legais para que o recurso seja conhecido ou não conhecido significa admitido ou não sem análise neste momento do mérito b juízo de mérito recursal uma vez admitido o recurso logo pressupõe o conhecimento admissão no momento anterior passa o tribunal ad quem para a análise do seu objeto ou seja do mérito do recurso em que poderá dar provimento ou negar provimento ao pedido no recurso Explica ZANOIDE DE MORAES448 que nada mais natural que o julgador ao apreciar o recurso interposto primeiro analise algumas questões prévias e referentes ao procedimento e ao direito de impugnar para somente depois julgar o mérito do recurso Assim um recurso pode ser conhecido ou não conhecido e somente se conhecido provido ou desprovido no todo ou em parte Essa distinção é ainda relevante para definir qual decisão irá valer a partir desse momento a do juízo a quo ou o acórdão do tribunal ad quem Quando o recurso não é conhecido a decisão impugnada proferida pelo juízo a quo segue com plena eficácia já quando o recurso é conhecido essa nova decisão irá substituir a anterior Ainda que desprovido o recurso é a nova decisão proferida pelo juízo ad quem que passa a ter eficácia definindose como marco para as próximas impugnações Inclusive em sede de posterior habeas corpus a decisão proferida pelo juízo ad quem que conheceu e proveu ou não o recurso pautará a questão da competência Nenhuma dúvida existe de que o juízo de mérito é feito pelo tribunal ad quem mas e o juízo de admissibilidade onde é feito Inicialmente no juízo a quo onde é interposto o recurso Mas esse é um juízo de admissibilidade extremamente superficial e que não vincula o tribunal ad quem ou seja mesmo que o juízo a quo não conheça do recurso poderá o tribunal conhecer e prover Em sentido inverso a admissão pelo juízo a quo não assegura que o recurso será conhecido pelo tribunal ad quem Como regra deverá o juízo a quo especialmente quando de primeiro grau admitir e determinar a subida do recurso interposto Excepcionalmente quando o recurso for manifestamente a incabível ou inadequado como por exemplo o recurso que impugne um despacho de mero expediente ou uma decisão interlocutória simples irrecorrível b ou intempestivo como a apelação interposta no 6º dia após a última intimação c ou for caso de deserção pois devidamente intimado o recorrente não recolheu as custas necessárias preparo na ação penal de iniciativa privada d ou interposto por parte ilegítima como um terceiro que pretenda ingressar como assistente da acusação sem demonstrar o vínculo exigido pelo art 268 do CPP e ou for manifesta a falta de interesse recursal pela ausência de gravame Tratase de um juízo superficial em torno dos requisitos objetivos cabimento adequação tempestividade e preparo e subjetivos legitimidade e gravame Havendo dúvida sobre essas situações deverá o juiz determinar a subida do recurso cabendo ao tribunal ad quem reexaminálas para conhecer ou não do recurso Em nenhum caso poderá o juízo a quo fazer a análise e valoração do mérito do recurso O juízo de mérito é exclusivo do tribunal ad quem Situação completamente diversa na qual o juízo de admissibilidade feito no tribunal a quo é extremamente rígido encontramos nos recursos especial e extraordinário em que como regra os Tribunais de Justiça dos estados e os Tribunais Regionais federais fazem uma poderosa filtragem dificultando ao máximo a subida dos recursos Tratase para além das questões teóricas de uma medida de política judiciária em que em matéria penal a regra é dificultar ao máximo o prosseguimento desses recursos um verdadeiro filtro diante da sobrecarga dos tribunais superiores Mais interessante ainda é que muitas vezes existe uma clara preocupação em decidir sem prequestionar a matéria para evitarse o acesso aos Tribunais Superiores e o mesmo tribunal que decide com essa preocupação é o que a seguir irá novamente colocar empecilho ao prosseguimento do recurso especialextraordinário quando do juízo de inadmissibilidade Infelizmente ao invés de aumentarse a capacidade desses tribunais para dar conta da demanda limitase o acesso a eles Daí por que atualmente especialmente no que tange aos recursos da defesa o tratamento é completamente diverso em se tratando de recurso do Ministério Público basta pesquisar para constatar a regra é o não prosseguimento sendo o recurso de agravo de instrumento art 28 da Lei n 803890 a via de ataque à decisão que não admite o recurso especial ou extraordinário como se verá em tópico específico Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 CONCEITO DE RECURSO meio processual através do qual a parte que sofreu um gravame postula a modificação no todo ou em parte ou a anulação de uma decisão judicial ainda não transitada em julgado no mesmo processo em que ela foi proferida 2 NATUREZA JURÍDICA o recurso é uma continuidade do processo um retomar o curso o desdobramento da pretensão acusatória ou da resistência defesa na mesma situação jurídica originária É um desdobramento do processo existente e não um novo processo 3 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA o princípio do duplo grau assegura o direito de que o prejudicado pela decisão possa submetêla à análise de outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior Não foi expressamente consagrado pela Constituição mas está no art 82 h da CADH que segundo o STF tem status supralegal ou seja acima das leis ordinárias mas abaixo da CF Quando existe prerrogativa de função há severas restrições a essa garantia Contudo predomina o entendimento de que a Constituição pode restringir a garantia do duplo grau de jurisdição e assim o faz quando fixa os casos de julgamento originário pelos tribunais 4 CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS existem diferentes formas e categorias para classificar os recursos sendo as principais recursos ordinários ou extraordinários conforme permitam a discussão das questões de fato e direito ou apenas de direito recursos totais ou parciais conforme a extensão da matéria impugnada recursos de fundamentação livre ou vinculada atendendo a existência ou não de restrição legal da fundamentação do recurso recursos horizontais ou verticais segundo eles sejam julgados pelo mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão ou por órgão superior recursos voluntários ou obrigatórios conforme dependam de manifestação da parte interessada ou exijam um reexame obrigatório essa modalidade é criticável 5 EFEITOS devolutivo regressivo reiterativo ou misto e suspensivo Efeito devolutivo atendendo ao tantum devolutum quantum appellatum diz respeito ao quanto se devolve da matéria total ou parcial e a quem será devolvido o conhecimento regressivo mesmo órgão reiterativo tribunal ad quem misto regressivo no primeiro momento e reiterativo depois Efeito suspensivo determina a possibilidade ou impossibilidade de a decisão surtir todos os seus efeitos antes do trânsito em julgado O recurso da sentença absolutória nunca terá efeito suspensivo Já em relação à sentença condenatória diz respeito ao direito de recorrer ou não em liberdade estando a discussão fundida com as regras da prisão cautelar especialmente a necessidade ou não da prisão preventiva Diz respeito à eficácia ou ineficácia da presunção constitucional de inocência 6 REGRAS DO SISTEMA RECURSAL Fungibilidade art 579 possibilidade de um recurso errado ser conhecido no lugar de outro correto Substitutividade de um recurso por outro Não será admitida a fungibilidade quando houver máfé erro grosseiro Outra exigência que o recurso errado seja interposto dentro do prazo do correto essa exigência é criticável Unirrecorribilidade art 593 4º ou seja que a apelação absorve a matéria do recurso em sentido estrito Como regra diante de uma decisão somente caberá a interposição de um recurso de cada vez Exceção recurso especial e recurso extraordinário em que será simultânea Motivação assim como as decisões os recursos têm de ser motivados fundamentados Proibição da Reformatio in Pejus e a permissão da Reformatio in Mellius art 617 e Súmula 160 do STF Está vedada a reforma para pior ou seja diante de exclusivo recurso da defesa não pode o tribunal piorar a situação jurídica do imputado Por outro lado sempre será permitida a reforma da decisão para melhorar a situação jurídica do réu inclusive quando ele não recorre Problemática é a situação da reformatio in pejus indireta nos julgamentos pelo Tribunal do Júri em que diante de um recurso exclusivo da defesa e a submissão a novo julgamento o resultado não pode ser pior do que o do primeiro júri independentemente de ter havido o reconhecimento de qualificadora antes afastada Tantum devolutum quantum appellatum tanto se devolve quanto se apela É uma limitação imposta pelo efeito devolutivo Mas diante da autorização da reformatio in mellius esse princípio acaba sendo uma limitação recursal ao acusador Irrecorribilidade dos despachos e das decisões interlocutórias simples tais decisões não geram gravame e não contemplam recurso Exceção embargos declaratórios que sempre têm cabimento diante de uma decisão qualquer que seja ou despacho omissa ambígua contraditória ou obscura Complementaridade Recursal havendo modificação superveniente na fundamentação da decisão pode haver a complementação das razões recursais Tampouco existe óbice aos memoriais aditivos apresentados nos tribunais para complementação da fundamentação jurídica ou mesmo fática desde que a prova já esteja nos autos InDisponibilidade dos Recursos na ação penal pública o MP não está obrigado a recorrer mas uma vez interposto o recurso não pode dele desistir art 576 Na ação penal de iniciativa privada o querelante poderá desistir a qualquer momento pois disponível Quanto ao recurso da defesa recomenda se que a desistência ou renúncia seja firmada pelo réu e seu defensor Súmulas 705 e 708 do STF Extensão Subjetiva dos Efeitos dos Recursos art 580 Significa a possibilidade de extensão dos efeitos da decisão favorável proferida no julgamento do recurso aos demais réus que não recorreram mas em situação jurídica idêntica desde que não se baseie em motivos de caráter pessoal vg menoridade etc 7 INTERPOSIÇÃO TEMPESTIVIDADE PREPARO DESERÇÃO Interposição pode ser por escrito em petição ou quando a lei admite apelação e RSE por termo nos autos Tempestividade art 798 Prazos fatais e peremptórios Contagem da data da intimação e não da juntada Súmulas 310 e 710 do STF Prazo em dobro para defensoria pública Preparo é o pagamento das custas recursais somente exigível nas ações penais de iniciativa privada sob pena de deserção art 806 Súmula 187 do STJ Não existe mais deserção por fuga do réu que apelou 8 REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS 1 Requisitos objetivos a cabimento decisão recorrível e inexistência de preclusão e adequação compatibilidade do recurso usado com a decisão atacada b tempestividade c preparo apenas na ação penal privada 2 Requisitos subjetivos a legitimidade acusador réu e assistente da acusação b existência de gravameinteresse recursal Capítulo XVII DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL ESPÉCIES 1 Do Recurso em Sentido Estrito O recurso em sentido estrito está destinado a impugnar determinadas decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo penal sendo uma figura desconhecida no direito comparado especialmente no que tange à peculiar designação Inclusive se aprovado o Projeto de Lei n 42062001 o recurso em sentido estrito será substituído pela figura do agravo que poderá ser retido ou de instrumento Tratase de uma forma de impugnação cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei podendo ser ordinário ou extraordinário conforme a fundamentação legal apontada Explicamos no caso da decisão de pronúncia o recurso em sentido estrito permite ampla discussão sobre toda a prova produzida principalmente quando o pretendido é a impronúncia ou mesmo a absolvição sumária Nesse caso pode ser classificado como um recurso ordinário Diversa é a situação do recurso em sentido estrito interposto com base no art 581 II decisão que reconhece a incompetência do juízo Nesse caso estamos diante de um recurso extraordinário discutese apenas a questão de direito de fundamentação vinculada discutese apenas a incompetência do juízo e horizontal no primeiro momento subindo para o respectivo tribunal em caso de manutenção da decisão vertical 11 Requisitos Objetivos e Subjetivos do Recurso em Sentido Estrito Buscando sistematizar a abordagem dos recursos em espécie iniciemos pelo estudo dos requisitos recursais objetivos e subjetivos conforme categorias definidas no Capítulo anterior 111 Requisitos Objetivos Cabimento Adequação Tempestividade e Preparo 1111 Cabimento e Adequação Iniciando a análise dos requisitos objetivos recordemos que o cabimento é a exigência de que inexista uma decisão imutável e irrevogável ou seja não se tenha operado a coisa julgada formal Uma decisão é recorrível porque não preclusa estando intimamente relacionada com a adequação na medida em que além de cabível deve o recurso ser adequado Quanto à adequação vista como a compatibilidade entre a decisão proferida e a impugnação eleita pela parte o recurso em sentido estrito somente pode ser interposto nos casos taxativamente previstos no art 581 do CPP ou excepcionalmente em leis especiais Na sistemática do CPP o recurso em sentido estrito está limitado à impugnação das decisões previstas no art 581 não se admitindo em outros casos até porque a apelação do art 593 II é residual ao prever que caberá apelação das decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior ou seja nos casos em que não couber recurso em sentido estrito Vejamos agora os casos em que o recurso em sentido estrito é o meio adequado para a impugnação comentandoos brevemente sem prejuízo da previsão contida em leis especiais Art 581 Caberá recurso no sentido estrito da decisão despacho ou sentença COMENTÁRIO O recurso em sentido estrito é por excelência um meio de impugnação das decisões interlocutórias ou seja das decisões cabendo excepcionalmente em relação às sentenças como a que concede ou denega o habeas corpus Contudo é absolutamente inadequada a expressão despacho contida no caput do art 581 na medida em que os despachos são irrecorríveis I que não receber a denúncia ou a queixa COMENTÁRIO A decisão que recebe a denúncia ou queixa é como regra irrecorrível mas cabe habeas corpus como se verá mas diferente é a situação da decisão que não receber a denúncia ou queixa Melhor teria andado o legislador se tivesse estabelecido a seguinte redação para esse inciso que rejeitar a denúncia ou queixa O fato de o inciso utilizar a expressão não receber alimentou por décadas uma profunda discussão em torno da distinção entre as decisões de rejeição e não recebimento Atualmente com a reforma processual de 2008 desapareceu essa polêmica pois a nova redação do art 395 do CPP abrange os anteriores casos de rejeição e não recebimento sob uma mesma disciplina rejeição liminar Assim caberá recurso em sentido estrito da decisão que rejeitar a denúncia ou queixa nos termos do art 395 do CPP ou seja quando a denúncia ou queixa I for manifestamente inepta II faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou III faltar justa causa para o exercício da ação penal Todos esses casos já foram explicados anteriormente Também é recorrível em sentido estrito a decisão que rejeitar o aditamento próprio real ou pessoal feito no curso do processo na medida em que equivale a uma nova acusação apenas feita no mesmo processo em virtude de conexão ou continência que impõe o julgamento simultâneo No que diz respeito ao aditamento impróprio em que não se acrescenta fato novo ou sujeito apenas se corrige alguma falha da denúncia retificando dados relativos ao fato não vemos possibilidade de recurso em sentido estrito na medida em que a rejeição a essa correção não possui a mesma carga decisória daquela que rejeita a acusação Ou seja a rejeição do aditamento será recorrível quando for similar a rejeição à denúncia e para isso o aditamento deve ser próprio incluindo fatos novos ou novos réus ao processo Ademais a rejeição à mera correção de dados fáticos irrelevantes da denúncia não gera o necessário gravame para justificar o recurso II que concluir pela incompetência do juízo COMENTÁRIO A decisão que concluir pela incompetência do juízo proferida pelo próprio juiz exceto nos autos da exceção de incompetência ou mesmo a qualquer momento do procedimento pelo juiz de ofício ou a requerimento de qualquer das partes será recorrível em sentido estrito vejase o disposto nos arts 108 e 109 do CPP Contudo quando a decisão for proferida nos autos da exceção de incompetência o fundamento legal do recurso em sentido estrito é o próximo inciso III e não o presente Aqui a incompetência é reconhecida pelo juiz nos autos do processo com ou sem invocação das partes mas sem que exista um incidente específico No fundo eventual equívoco em torno dos incisos II e III é absolutamente irrelevante pois o recurso é o mesmo Também adequado o recurso em sentido estrito fundado nesse inciso para impugnar a decisão de desclassificação própria proferida na primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri pelo juiz presidente Tratase de uma decisão que indiretamente conclui pela incompetência do júri subtraindo a matéria do seu julgamento Cabível assim o recurso em sentido estrito III que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição COMENTÁRIO As exceções estão previstas no art 95 e s do CPP litispendência coisa julgada e ilegitimidade de parte e já foram por nós comentadas mas cumpre esclarecer que será admissível o recurso em sentido estrito para impugnar a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que acolher uma das exceções opostas exceto como expressamente prevê o inciso a de suspeição que será irrecorrível Não se trata por óbvio da decisão proferida por tribunal que conhecendo da exceção acolhea O recurso em sentido estrito somente tem cabimento quando utilizado para impugnar decisões de primeiro grau IV que pronunciar o réu COMENTÁRIO Até a reforma de 2008 o recurso em sentido estrito era utilizado para impugnar as decisões de pronúncia impronúncia e absolvição sumária Após o advento da Lei n 116892008 caberá recurso em sentido estrito apenas da decisão de pronúncia proferida nos termos do art 413 do CPP isto é quando o juiz admite a acusação porque convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria encaminhando o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri A pronúncia é uma decisão interlocutória mista não terminativa que encerra a primeira fase do rito do Tribunal do Júri Já a decisão de impronúncia art 414 do CPP é terminativa encerrando o processo sem julgamento de mérito e impugnável pela via da apelação art 593 II do CPP A absolvição sumária art 415 do CPP deixou com a reforma de 2008 de ser impugnável pelo recurso em sentido estrito estando revogado o inciso VI do art 581 que a previa no rol de casos em que poderia ser utilizado esse recurso E andou bem o legislador pois a absolvição sumária é uma verdadeira sentença com análise de mérito e que inadequadamente estava sendo tratada como interlocutória mista Com isso passou a ser impugnada pela via da apelação Também foi extinto o recurso ex officio da sentença de absolvição sumária cabendo apelação a ser interposta pela parte interessada na reforma da sentença V que conceder negar arbitrar cassar ou julgar inidônea a fiança indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogála conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante COMENTÁRIO Tratase em todas as situações dispostas no inciso de decisões interlocutórias simples proferidas pelo juiz de primeiro grau ao decidir sobre o status libertatis do imputado A Lei n 12403 revigorou o instituto da fiança agora com amplo espaço de utilização e plena aplicabilidade prática Em geral essa via de impugnação tem sido utilizada pelo Ministério Público para atacar a decisão que denega o pedido de prisão preventiva revoga concede liberdade provisória ou relaxa a prisão em flagrante Para a defesa as decisões que negam cassam ou julgam inidônea a fiança em geral são atacadas por habeas corpus não apenas porque costumam implicar a prisão cautelar do imputado mas principalmente pela celeridade e a possibilidade de concessão de medida liminar que somente o habeas corpus possui VI que absolver o réu nos casos do art 411 Revogado pela Lei n 11689 de 2008 COMENTÁRIO Esse inciso foi revogado pela Lei n 11689 que instituiu o novo rito para os crimes de competência do Tribunal do Júri estabelecendo que a decisão que absolve sumariamente o réu art 415 do CPP é impugnável pela via da apelação e não mais por recurso em sentido estrito Tratase de verdadeira sentença com análise de mérito que deve ser objeto de recurso de apelação Ademais a referida Lei extinguiu o recurso ex officio desta decisão VII que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor COMENTÁRIO A decisão proferida pelo juiz de primeiro grau que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor é impugnável pelo recurso em sentido estrito ainda que na prática a via do habeas corpus seja a escolhida pois mais célere e eficaz Inobstante recordemos que a fiança será considerada quebrada quando o imputado devidamente intimado para ato do inquérito ou do processo não comparecer sem justificativa arts 327 e 341 não cumprir com as condições impostas no art 328 e finalmente quando na vigência da fiança cometer outra infração art 341 Como consequência do quebramento o réu perderá metade do valor e será preso O perdimento do valor dado em garantia ocorre nos casos do art 344 ou seja quando o réu é condenado definitivamente e não se apresenta à prisão Em todos esses casos a imposição da prisão do imputado conduz ao uso recorrente do habeas corpus esvaziando a utilidade do recurso em sentido estrito nestes casos ainda que perfeitamente cabível compreendase VIII que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade COMENTÁRIO Tratase de verdadeira decisão declaratória de extinção da punibilidade cujos casos de ocorrência estão previstos no art 107 do Código Penal e também em leis esparsas Como regra esse recurso será utilizado pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação pois considerase que não há para a defesa uma gravame interesse que legitime sua utilização A absolvição sumária do art 397 do CPP merece uma análise em separado pois como regra é atacável pelo recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Assim a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Por fim quando a decisão for proferida no curso da execução criminal o recurso cabível é o agravo da execução previsto no art 197 da LEP IX que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade COMENTÁRIO É uma situação oposta à anterior na medida em que geralmente é a defesa que postula o reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade que não é reconhecida pelo juiz de primeiro grau Dessa decisão é o recurso em sentido estrito o meio adequado para a impugnação X que conceder ou negar a ordem de habeas corpus COMENTÁRIO Compreendase que nesse caso o habeas corpus foi impetrado em primeiro grau geralmente para atacar ato coator emanado de autoridade policial mas outros casos são possíveis como se explicará na continuação quando abordarmos o writ e foi concedido ou negado No primeiro caso caberá ao Ministério Público manejar o recurso em sentido estrito pois único interessado na reforma da decisão Já na denegação da ordem poderá o interessado recorrer em sentido estrito ou o que normalmente se faz impetrar novo habeas corpus agora para o órgão de segundo grau competente tendo por base o ato coator emanado do juiz a quo XI que conceder negar ou revogar a suspensão condicional da pena COMENTÁRIO Nos dois primeiros casos concessão ou denegação a decisão poderá ser proferida no bojo da sentença penal condenatória ou na fase de execução penal Neste último caso o recurso adequado é o agravo da execução previsto no art 197 da LEP Lei de Execuções Penais Lei n 721084 Já quando proferida no contexto de uma sentença condenatória o recurso cabível é a apelação parcial e não o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra só da parte que concedeu ou negou a suspensão condicional da pena como prevê o art 593 4º do CPP Por último a decisão que revoga a suspensão condicional da pena é sempre proferida na fase de execução penal sendo o agravo da execução a forma adequada de impugnação Em suma concluise que com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu sua eficácia XII que conceder negar ou revogar livramento condicional COMENTÁRIO Tratase de decisão proferida no âmbito do processo de execução penal impugnável pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu completamente sua eficácia XIII que anular o processo da instrução criminal no todo ou em parte COMENTÁRIO Incumbe ao juiz mais do que às partes velar pela regularidade do processo evitando a prática de atos defeituosos que possam acarretar uma futura decretação de nulidade ou mesmo que tenham que ser repetidos Quando o juiz de ofício ou mediante invocação de qualquer das partes verificar que um determinado ato processual foi praticado com defeito e que essa violação da forma prejudicou a eficácia do princípio constitucional tutelado deverá analisar se a o ato pode ser refeito sem defeito sendo que isso é suficiente para obterse a eficácia desejada do princípio constitucional violado ou b a repetição não é possível ou não é suficiente para obterse a eficácia principiológica desejada No primeiro caso estamos diante de um defeito sanável O ato deverá ser refeito com plena observância da tipicidade processual prevista não sendo necessária a decretação da nulidade No segundo caso o defeito é insanável não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo sendo a decretação da nulidade com a respectiva ineficácia e o desentranhamento das peças o único caminho possível Essa distinção é fundamental pois o recurso em sentido estrito somente poderá ser utilizado no segundo caso quando efetivamente há a decretação da nulidade A mera constatação da prática de um ato defeituoso com a determinação de repetição saneamento não é passível de recurso em sentido estrito Quanto à extensão da contaminação é irrelevante para fins recursais pois a nulidade total ou parcial é igualmente impugnável O caráter total ou parcial da anulação pode por outro lado constituir o próprio mérito do recurso na medida em que a parte por exemplo sustentar que não houve a contaminação dos atos posteriores Mas isso é a fundamentação do recurso e não um requisito do recurso Por outro lado é irrecorrível a decisão que não acolhe o pedido de decretação da nulidade ou mesmo de repetição do ato defeituoso Nestes casos duas opções se abrem ao interessado a buscar pela via do habeas corpus o reconhecimento da nulidade pretendida no tribunal ad quem b alegála novamente em sede de debates orais ou memoriais e em caso de não acolhimento na sentença suscitar a questão em preliminar do recurso de apelação Para complementar remetemos o leitor à explicação que fizemos no Capítulo destinado aos Atos Processuais Defeituosos XIV que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir COMENTÁRIO O alistamento dos jurados está previsto nos arts 425 e 426 do CPP sendo que a lista geral será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e poderá ser alterada de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro Dessa decisão que incluir ou excluir jurado da lista geral caberá recurso em sentido estrito determinando o art 586 parágrafo único que o prazo da impugnação apenas nesse caso será de 20 dias contado da data da publicação definitiva da lista de jurados que ocorre até o dia 10 de novembro XV que denegar a apelação ou a julgar deserta COMENTÁRIO Caberá recurso em sentido estrito em duas situações distintas mas previstas no mesmo inciso a Decisão que denegar a apelação nesse caso o juiz a quo não permitiu que a apelação subisse para o tribunal ou seja no juízo de admissibilidade feito em primeiro grau entendeu o juiz ser a apelação descabida inadequada intempestiva haver ilegitimidade da parte recorrente ou inexistir gravame Significa dizer que no juízo de admissibilidade do recurso de apelação entendeu o juiz a quo não estar presente algum dos requisitos objetivos ou subjetivos do recurso Dessa decisão denegatória poderá o recorrente utilizar o recurso em sentido estrito para postular inicialmente no juízo a quo a retratação da decisão ou em não o fazendo que seja o recurso encaminhado ao tribunal ad quem que reexaminará a decisão denegatória É importante compreender que o tribunal reexaminará apenas o juízo de admissibilidade reformandoo e por consequência determinando a subida da apelação ou mantendoo Não é feito um juízo sobre o mérito do recurso de apelação impedido de subir mas apenas sobre a decisão que não o admitiu b Decisão que julgar deserta a apelação com a revogação do art 595 do CPP a deserção ficou restrita a ausência de preparo pagamento das custas recursais Em que pese alguma discussão a respeito segue sendo aplicada Portanto caberá recurso em sentido estrito da decisão proferida pelo juiz de primeiro grau a quo que em sede de juízo de admissibilidade afirmar a inexistência do requisito objetivo do preparo Nesse caso como ocorre no item anterior o tribunal ad quem limitar seá a reexaminar o juízo de inadmissibilidade feito pelo juiz de primeiro grau Não há juízo sobre o mérito da apelação mas apenas se ela deve subir para ser apreciada pelo tribunal ou não Mas se o juízo a quo além de não admitir a apelação também obstar o prosseguimento do recurso em sentido estrito além da correição parcial se for manifesto o erro ou tumulto praticado pelo juiz é possível a utilização da carta testemunhável prevista no art 639 do CPP XVI que ordenar a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial COMENTÁRIO As questões prejudiciais vêm previstas nos arts 92 e seguintes do CPP não sendo de competência do juiz penal decidir sobre elas mas apenas verificar o nível de prejudicialidade que elas têm em relação à decisão penal bem como decidir pela suspensão do processo penal até que elas sejam resolvidas na esfera cível tributária ou administrativa São prejudiciais exatamente porque exigem uma decisão prévia Para tanto é necessário que a solução da controvérsia afete a própria decisão sobre a existência do crime Cabe ao juiz analisar esse grau de prejudicialidade que deve ser em torno de uma questão séria e fundada sobre o estado civil das pessoas Em última análise a prova da existência do crime depende da solução na esfera cível dessa questão Nisso reside sua prejudicialidade na impossibilidade de uma correta decisão penal sem o prévio julgamento da questão O recurso em sentido estrito desse inciso XVI tem por objeto impugnar a decisão que determinou a suspensão do processo penal até que ela seja resolvida em outra esfera jurisdicional As questões prejudiciais podem ser divididas em obrigatórias e facultativas e foram tratadas anteriormente XVII que decidir sobre a unificação de penas COMENTÁRIO Tratase de decisão proferida no âmbito do processo de execução penal impugnável pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 o presente inciso perdeu completamente sua eficácia XVIII que decidir o incidente de falsidade COMENTÁRIO Estabelece o art 145 do CPP e seguintes que sendo arguida por escrito a falsidade de um documento constante nos autos deverá o juiz mandar autuar em apartado a impugnação ouvindo a parte contrária que no prazo de 48h oferecerá resposta Reconhecida a falsidade documental por decisão irrecorrível mandará o juiz desentranhála dos autos remetendo a seguir para o Ministério Público tomar as medidas que entender cabíveis Se não acolhida a alegação de falsidade do documento permanecerá ele nos autos surtindo todos os efeitos probatórios O recurso em sentido estrito é o meio de impugnação adequado para atacar a decisão proferida neste incidente independentemente de sua natureza XIX que decretar medida de segurança depois de transitar a sentença em julgado XX que impuser medida de segurança por transgressão de outra XXI que mantiver ou substituir a medida de segurança nos casos do art 774 XXII que revogar a medida de segurança XXIII que deixar de revogar a medida de segurança nos casos em que a lei admita a revogação XXIV que converter a multa em detenção ou em prisão simples COMENTÁRIO Tratase de decisões proferidas no âmbito do processo de execução penal impugnáveis pelo recurso de agravo previsto no art 197 da LEP Assim com o advento da Lei n 721084 os incisos acima perderam completamente sua eficácia Em relação ao inciso XXIV além de essa decisão ser proferida no curso da execução penal o que já deslocaria o cabimento e a adequação para o agravo da LEP o atual art 51 do Código Penal não mais admite a conversão da multa originária em detenção ou prisão simples Em síntese o dispositivo legal perdeu completamente o sentido XXV que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal previsto no art 28A COMENTÁRIO Esse inciso foi inserido pela Lei n 139642019 em decorrência da também recepção por essa lei do instituto do acordo de não persecução penal previsto no art 28A infelizmente suspenso pela liminar do Min FUX já explicada e anteriormente explicado no final do Capítulo IV desta obra A situação passível de recurso tanto por parte do Ministério Público como também da defesa é aquele que recusa a homologação de um acordo de não persecução penal firmado pelas partes e submetida ao controle judicial de legalidade para homologação Nos termos do art 28A o juiz poderá não homologar o acordo Art 28A Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor e sua legalidade 5º Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo com concordância do investigado e seu defensor 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o 5º deste artigo 8º Recusada a homologação o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia Portanto quando o juiz recusar a homologação do acordo deverá fundamentar nas hipóteses legais que justificam sua intervenção e controle cabendo a qualquer das partes interessadas ou mesmo a ambas MP e defesa impugnar a não homologação através desse Recurso em Sentido Estrito 1112 Tempestividade e Preparo Quanto ao requisito temporal o recurso em sentido estrito deve observar os seguintes prazos cinco dias para interposição art 586 do CPP dois dias para apresentação das razões art 588 do CPP A essa regra devemse acrescentar duas exceções 20 dias para recorrer da decisão que incluir ou excluir jurado na lista geral art 581 XIV do CPP 15 dias para interposição e 2 dias para razões quando a impugnação é feita pelo assistente da acusação não habilitado arts 584 1º cc 598 parágrafo único do CPP Como ocorre na apelação o recurso em sentido estrito se desenvolve em dois momentos distintos um para interposição onde se afere a tempestividade e outro para apresentação das razões mas sublinhamos a tempestividade é a exigência de interposição no prazo de 5 dias a contar da intimação da decisão A apresentação das razões fora do prazo fixado dois dias é mera irregularidade que não prejudica a admissão do recurso O recurso em sentido estrito pode ser interposto por petição ou por termo nos autos art 578 do CPP permitindose assim que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita ou seja termo nos autos Também é importante recordar a faculdade disposta na Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Para evitar repetições remetemos o leitor ao explicado anteriormente sobre interposição tempestividade e preparo Por fim no que tange ao assistente da acusação ele pode ser habilitado nos autos quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer caso não o faça o Ministério Público no prazo de 5 dias não habilitado situação em que por não participar do processo não será intimado das decisões tendo por isso o prazo de 15 dias para interpor o recurso em sentido estrito arts 584 1º cc 598 parágrafo único do CPP Mas o assistente habilitado ou não somente poderá recorrer em sentido estrito da decisão que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade nos termos do art 584 1º cc art 581 VIII do CPP pois esta decisão impede a formação do título executivo que lhe move conforme explicamos anteriormente ao tratar do assistente da acusação A outra hipótese prevista até a reforma processual de 2008 era para impugnar a decisão de impronúncia que agora é passível de apelação e não mais recurso em sentido estrito Permanece a possibilidade de o assistente impugnar a decisão de impronúncia mas agora sob a forma da apelação como estudaremos a seguir Ademais poderá o assistente habilitado ou não recorrer em sentido estrito na hipótese prevista no inciso XV pois é natural que podendo ele apelar exista a possibilidade de recorrer em sentido estrito para impugnar a decisão que denegou a apelação Não seria razoável lhe permitir recorrer e não lhe assegurar uma via para impugnar a decisão que não admitisse seu recurso449 Por fim quanto ao preparo recordemos que é um requisito somente exigível nos processos em que a ação penal é de iniciativa privada cabendo ao recorrente pagar as custas recursais para que o recurso em sentido estrito seja julgado sob pena de deserção Como vimos anteriormente o preparo deve ser feito art 806 2º do CPP no prazo fixado pelo juiz a quo Cabe ao juízo de primeiro grau recebendo a interposição do recurso fixar o prazo para efetivação do preparo e determinar a intimação do recorrente para efetuar o recolhimento sob pena de deserção 112 Requisitos Subjetivos Legitimação e Gravame A legitimação para recorrer em sentido estrito segue a regra geral do art 577 ou seja Art 577 O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público ou pelo querelante ou pelo réu seu procurador ou seu defensor Ao lado deles figura ainda o assistente da acusação habilitado ou não que poderá recorrer da decisão que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade Quanto ao gravame aplicase integralmente tudo o que já foi dito na teoria geral dos recursos 12 Efeitos do Recurso em Sentido Estrito No que diz respeito ao efeito devolutivo o recurso em sentido estrito caracterizase por ser misto ou seja há efeito duplo pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e caso a mantenha o recurso será remetido para o tribunal ad quem É portanto um recurso de caráter regressivo no primeiro momento e caso o juiz não reforme sua decisão passa a ter o efeito devolutivo propriamente dito com o recurso subindo para o tribunal ad quem Já em relação ao efeito suspensivo devese analisar o regramento legal Art 584 Os recursos terão efeito suspensivo nos casos de perda da fiança de concessão de livramento condicional450 e dos ns XV XVII e XXIV do art 581 1º 2º O recurso da pronúncia suspenderá tão somente o julgamento 3º O recurso do despacho que julgar quebrada a fiança suspenderá unicamente o efeito de perda da metade do seu valor Assim suspendemse os efeitos da decisão uma vez interposto o recurso em sentido estrito e admitido pelo juiz a quo que a decretar a perda da fiança b denegar a apelação c julgar deserta a apelação O recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia suspenderá apenas o julgamento Pensamos que o art 584 2º deve ser lido à luz do disposto no art 421 cuja redação é posterior que determina preclusa a decisão de pronúncia os autos serão encaminhados ao juiz presidente do tribunal do júri Portanto interposto o RSE da decisão de pronúncia o feito deverá ser suspenso E o mais importante da decisão proferida pelo Tribunal se for interposto Recurso Especial ou Recurso Extraordinário deve o feito permanecer suspenso Isso porque como determina o art 421 somente após a preclusão da pronúncia os autos serão enviados ao juiz presidente para continuidade e posterior aprazamento do júri E não se diga que o fato de o Recurso Especial e Extraordinário não ter efeito suspensivo levaria a conclusão diferente pois isso seria um errôneo civilismo da teoria geral do processo A nova redação do art 421 do CPP exige a preclusão da decisão de pronúncia para a continuidade do feito logo é imprescindível o esgotamento das vias recursais Não há como sustentarse que existe preclusão na pendência de recursosob pena de pretender atribuir à preclusão um sentido completamente novo um marco zero de interpretação desconsiderando hermeneuticamente toda construção doutrinária e jurisprudencial existente Processualmente seria um absurdo Dando continuidade o 3º preceitua que o recurso da decisão não é um despacho como diz o dispositivo que julgar quebrada a fiança suspenderá apenas o efeito de perda da metade do seu valor Ou seja não suspende o mais importante que é o mandamento de prisão Daí por que juntamente com o recurso em sentido estrito deverá a defesa buscar no habeas corpus a pretendida manutenção do estado de liberdade Quanto ao art 585 perdeu completamente o sentido com a nova redação dada ao art 413 2º e 3º do CPP bem como pelos fundamentos já expostos no Capítulo destinado às prisões cautelares 13 Aspectos Relevantes do Procedimento Efeitos Uma vez interposto por petição ou termo nos autos o recurso em sentido estrito poderá subir nos próprios autos ou por instrumento conforme prevê o art 583 do CPP Art 583 Subirão nos próprios autos os recursos I quando interpostos de ofício II nos casos do art 581 I III IV VI VIII e X III quando o recurso não prejudicar o andamento do processo Parágrafo único O recurso da pronúncia subirá em traslado quando havendo dois ou mais réus qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido ainda intimados da pronúncia Quanto ao inciso I remetemos o leitor à crítica feita à falta de legitimidade e interesse bem como à não recepção do recurso de ofício pela Constituição Federal O inciso II afirma que subirá nos próprios autos o recurso em sentido estrito que impugnar as seguintes decisões a que não receber a denúncia ou a queixa b que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição c que pronunciar o réu exceto se houver dois ou mais acusados e qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido intimados da pronúncia casos em que subirá por instrumento para não prejudicar a tramitação do feito e até o julgamento pelo júri daqueles réus que se conformarem com a pronúncia d o inciso VI foi revogado pela Lei n 116892008 pois agora a sentença de absolvição sumária é atacável pela apelação e não mais pelo recurso em sentido estrito e que decretar a prescrição ou julgar por outro modo extinta a punibilidade f que conceder ou negar a ordem de habeas corpus O inciso III abre a possibilidade de que outras decisões impugnáveis pelo recurso em sentido estrito possam também subir nos próprios autos desde que não prejudique o andamento do processo Nos demais casos em que o recurso subirá por instrumento deverá a parte recorrente indicar as peças do processo que pretenda traslado ou seja quais petições e decisões entende necessário fotocopiar para formar os autos que subirão ao tribunal com o recurso Existem peças que a parte indica e outras que são necessárias como determina o art 587 parágrafo único do CPP São peças obrigatórias a a decisão recorrida b a certidão da intimação da parte recorrente para aferir a tempestividade do recurso c e obviamente o termo de interposição caso não seja interposto por petição Além das obrigatórias e das indicadas pelas partes poderá o juiz determinar que integrem o instrumento todas as peças que julgar necessárias art 589 A petição de interposição e as razões são peças que logicamente sempre integrarão o instrumento da mesma forma que as contrarrazões do recorrido Na prática o instrumento não é preparado pelo cartório ou secretaria como estabelece o CPP e tampouco adianta o recorrente apenas indicar as peças Diante da institucionalizada falta de recursos materiais humanos de boa vontade etc deverá o interessado pegar os autos em carga e providenciar todas as cópias já as anexando às razões do recurso sob pena de ver sua impugnação amargar meses parada na prateleira do cartório Interposto tempestivamente o recurso em sentido estrito apresentadas as razões e formado o instrumento com a resposta do recorrido ou sem ela sendo o réu deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentála em nome da eficácia da ampla defesa os autos serão conclusos ao juiz que proferiu a decisão efeito regressivo para que a mantenha ou reforme Neste sentido estabelece o art 589 do CPP Art 589 Com a resposta do recorrido ou sem ela será o recurso concluso ao juiz que dentro de dois dias reformará ou sustentará o seu despacho mandando instruir o recurso com os traslados que lhe parecerem necessários Parágrafo único Se o juiz reformar o despacho recorrido a parte contrária por simples petição poderá recorrer da nova decisão se couber recurso não sendo mais lícito ao juiz modificála Neste caso independentemente de novos arrazoados subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado Exige atenção a sistemática do parágrafo único pois se o juiz se retratar e reformar a decisão impugnada haverá uma inversão do gravame cabendo à parte até então não prejudicada mas que com a retratação o foi recorrer dessa nova decisão por simples petição não sendo mais lícito ao juiz modificála Nesse caso sem qualquer complemento da fundamentação das partes o recurso subirá nos próprios autos ou em traslado conforme o caso Essa simples petição é uma peculiar forma de recorrer da nova decisão devendo a parte ali já fazer a fundamentação que julgar necessária pois não haverá outra oportunidade E qual o prazo para que a parte agora prejudicada apresente essa simples petição O CPP não define mas é lógico darse o mesmo tratamento dispensado ao recurso ou seja 5 dias Essa simples petição deve ser apresentada em até 5 dias da data em que a parte prejudicada for intimada da retratação do juiz Mas o ponto nevrálgico dessa sistemática é o seguinte esse novo recurso por simples petição somente terá cabimento se a nova decisão for recorrível Do contrário não cabe a impugnação Vejamos o seguinte exemplo o réu é denunciado pelo delito de sonegação fiscal art 1º da Lei n 813790 e o juiz rejeita a acusação por falta de condição da ação punibilidade concreta nos termos do art 395 II do CPP visto que a Receita Federal informou que o imputado parcelou o débito Lei n 10684 Inconformado o Ministério Público Federal interpõe recurso em sentido estrito art 581 I do CPP alegando em síntese que o parcelamento autoriza apenas a suspensão do processo penal mas não a rejeição da denúncia pois não há o pagamento integral para que exista a extinção da punibilidade Em sede de retratação o juiz acolhe o recurso do Ministério Público e recebe a denúncia Nesse momento operase uma inversão de gravame e nasce para o réu um interesse recursal inexistente até então Perguntase poderá o imputado por simples petição recorrer dessa nova decisão conforme disposto no art 589 parágrafo único Não A nova decisão é irrecorrível Não se admite recurso em sentido estrito apelação ou qualquer outro recurso da decisão que recebe a denúncia Nada impede porém que o imputado impetre habeas corpus buscando o trancamento do processo ou ao menos sua suspensão Mas recurso não cabe Por fim importante ainda nesta temática a Súmula 707 do STF constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia não a suprindo a nomeação de defensor dativo Tratase de exigência da maior importância na medida em que somente assim irá se assegurar a eficácia do contraditório 2 Do Recurso de Apelação Na visão de DALIA e FERRAIOLI451 lappello è il mezzo di impugnazione ordinário che consente ad un giudice di grado superiore di rivedere in forma critica il giudizio pronunciato dal giudice di primo grado É um meio de impugnação ordinário por excelência podendo ser total ou parcial que autoriza um órgão jurisdicional de grau superior a revisar de forma crítica o julgamento realizado em primeiro grau O revisar de forma crítica deve ser compreendido na mesma perspectiva de CARNELUTTI anteriormente referida de que os recursos são la crítica a la decisión posto que etimologicamente criticar não significa outra coisa que julgar e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo isto é o juízo sobre o juízo e dessa maneira um juízo elevado à segunda potência Essa ideia de juicio sobre el juicio é muito interessante pois quando o autor emprega a expressão juízo juicio o faz no sentido amplo de julgamento ou seja do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento sentido estrito e não apenas na dimensão deste último Assim juízo não significa ato decisório senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o julgamento Tratase de uma concepção adequadíssima ao recurso de apelação pois a apelação instaura o segundo grau permitindo um nova fase de conhecimento do mérito naquilo que FAZZALARI chama de princípio do duplo grau de cognição do mérito doppio grado di cognizione di merito452 pois ao juízo da apelação podem ser devolvidas as mesmas questões feitas hinc et inde em primeiro grau efeito devolutivo do apelo mas não podem ser feitas demandas novas vedação de mutatio libelli em segundo grau É a apelação um recurso ordinário total ou parcial conforme o caso de fundamentação livre vertical e voluntário que se destina a impugnar uma decisão de primeiro grau devolvendo ao tribunal ad quem o poder de revisar integralmente o julgamento em sentido amplo e não apenas de decisão feito pelo juiz a quo 21 Requisitos Objetivos e Subjetivos da Apelação Seguindo a mesma sistemática de abordagem anteriormente feita iniciemos o estudo da apelação a partir de seus requisitos objetivos e após subjetivos 211 Requisitos Objetivos e Subjetivos 2111 Cabimento e Adequação O cabimento como visto é a exigência de que inexista uma decisão imutável e irrevogável ou seja não se tenha operado a coisa julgada formal Uma decisão é apelável porque não preclusa Já a adequação vista como a correção do meio de impugnação eleito pela parte interessada também abrange a regularidade formal da interposição do recurso Assim iniciemos pelas regras atinentes à interposição do recurso de apelação para na continuação analisar os casos em que é cabível o apelo A apelação pode ser interposta de duas formas a termo nos autos b ou por petição É a mesma sistemática anteriormente explicada no recurso em sentido estrito somente autorizada porque a apelação como o RSE é um recurso que possui dois momentos distintos o primeiro é o da interposição que poderá ser por petição ou termo nos autos e após o recebimento abrese então a possibilidade de apresentação das razões que fundamentam o apelo O recurso de apelação encontra no art 593 do CPP a previsão legal das hipóteses de cabimento que serão comentadas uma a uma para facilitar a compreensão Art 593 Caberá apelação no prazo de 5 cinco dias COMENTÁRIO Esse prazo de 5 dias referese à interposição e é com base nele que se afirma ou não a tempestividade do recurso Como se verá na continuação esse prazo poderá ser de 15 dias quando o recorrente for o assistente da acusação não habilitado I das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular COMENTÁRIO O recurso de apelação é uma forma de impugnação das decisões de primeiro grau que poderão ser proferidas pelo juiz singular ou pelo juiz presidente do Tribunal do Júri O inciso I dirigese às sentenças de condenação absolvição absolvição imprópria que absolve e aplica medida de segurança e absolvição sumária do rito do Tribunal do Júri art 415 do CPP Já a absolvição sumária do art 397 do CPP merece uma análise em separado pois como regra é atacável pelo recurso de apelação previsto no art 593 I do CPP Contudo há uma importante ressalva a decisão que absolve sumariamente por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito art 581 VIII do CPP Existe uma impropriedade processual grave no art 397 IV pois a sentença que reconhece a extinção da punibilidade é uma decisão declaratória não é uma sentença definitiva e muito menos absolutória Há que se ter cuidado para não ser seduzido pela nomenclatura utilizada pelo legislador absolvição pois ela não tem o condão de alterar a natureza jurídica do ato Assim a decisão que absolve sumariamente o réu com base no art 397 incisos I II e III é impugnável por apelação art 593 I do CPP Já a decisão que declara a extinção da punibilidade e é impropriamente chamada de absolvição sumária prevista no art 397 IV é impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 VIII do CPP Sendo caso de recurso em sentido estrito mas a parte interpôs apelação considerando que o prazo de interposição é o mesmo pensamos ser perfeitamente invocável o princípio da fungibilidade anteriormente explicado Superada essa questão advertimos ao iniciante no estudo do processo penal que a expressão sentença definitiva não significa trânsito em julgado pois a apelação pressupõe para seu cabimento a inexistência de coisa julgada formal Portanto por sentença definitiva compreendase a sentença não transitada em julgado que ponha fim ao processo com julgamento de mérito diferenciandose assim das decisões interlocutórias Por fim não se pode esquecer da regra contida no art 593 4º Quando cabível a apelação não poderá ser usado o recurso em sentido estrito ainda que somente de parte da decisão se recorra Assim se no bojo de uma sentença condenatória for negado o sursis e o réu pretender recorrer apenas deste ponto da sentença o recurso cabível é a apelação parcial e não o recurso em sentido estrito do art 581 XI pois ainda que exista expressa previsão no art 581 estamos diante de uma sentença condenatória e não de uma decisão interlocutória Importa pois a natureza do ato decisório neste tema Mesmo que a parte impugnada da sentença seja isoladamente considerada passível de recurso em sentido estrito não se pode esquecer que o ato decisório como um todo constitui uma sentença condenatória apelável portanto II das decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior COMENTÁRIO Neste inciso II abrese a cláusula geral da apelação fazendo com que os casos de recurso em sentido estrito sejam taxativos e aquilo que lá não estiver previsto encontra abrigo neste inciso II do art 593 A peculiar estrutura legislativa brasileira fez com que a apelação acabasse se transformando num recurso residual em relação ao recurso em sentido estrito na medida em que expressamente estabelece que caberá apelação nos casos não previstos no Capítulo anterior E o que se entende por decisão definitiva ou com força de definitiva Sem dúvida mais uma criação do confuso sistema legislativo brasileiro Lecionase que tais decisões correspondem àquelas que têm cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida encerrando o processo sem julgamento do mérito ou finalizando uma etapa do procedimento Por isso podem ser terminativas ou não Como regra não há produção de coisa julgada material e são atacáveis pela via do recurso em sentido estrito sendo a apelação residual ou seja quando a decisão definitiva ou com força de definitiva for proferida por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior Interessamnos as decisões interlocutórias mistas que não integram o rol do art 581 em que o recurso cabível será a apelação residual do art 593 II do CPP São exemplos de decisões interlocutórias mistas ou seja decisões definitivas ou com força de definitiva proferidas por juiz singular impugnáveis pela apelação do art 593 II a decisão que decreta a perempção em qualquer dos casos do art 60 do CPP b impronúncia c decisão proferida em sede de medidas assecuratórias tais como as que decretam o sequestro de bens hipoteca legal arresto indeferem o pedido de levantamento da medida assecuratória etc Em suma esse inciso prevê uma apelação residual em relação aos casos atacáveis ordinariamente por recurso em sentido estrito quando estivermos diante de uma decisão interlocutória mista decisão definitiva ou com força de definitiva que encerre o processo sem julgamento do mérito finalize uma etapa do procedimento ou finalize um procedimento apartado como as medidas assecuratórias por exemplo III das decisões do Tribunal do Júri quando COMENTÁRIO Desde logo devese atentar que o inciso III e suas alíneas dirigese exclusivamente às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não sendo aplicável às decisões proferidas por juiz singular É uma fundamentação exclusiva do apelo contra a decisão do Tribunal do Júri A apelação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri é vinculada ou seja deve a parte indicar já na petição de interposição qual é o fundamento legal do recurso ou seja em que alínea ou alíneas se funda o recurso Esse critério também irá definir o efeito devolutivo da apelação ou seja o tantum devolutum quantum appellatum Nesse tema é importante o disposto na Súmula 713 do STF O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição Significa dizer que se a apelação foi interposta indicando o art 593 III a ainda que na fundamentação seja alegado que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos alínea d o tribunal deverá limitarse a prover ou não o pedido de nulidade Mas pensamos que essa regra deve ser relativizada453 principalmente quando a situação for inversa ou seja interposição com base na alínea d e na fundamentação do recurso houver uma preliminar de nulidade ocorrida em plenário Nesse caso considerando que os defeitos insanáveis nulidades absolutas não precluem e que podem ser conhecidos até mesmo de ofício e a qualquer momento deve o tribunal decidir pela decretação de nulidade se for o caso Outra manobra processual comumente utilizada por advogados e promotores é indicar na interposição as quatro alíneas deste inciso deixando o campo aberto para nas razões circunscrever o apelo a uma duas ou mesmo às três fundamentações legais Nenhuma irregularidade há nisso ainda que não seja de boa técnica processual Mas sem dúvida às vezes a situação é complexa e o exíguo prazo de interposição está por findar de modo que é melhor lançar mão de um apelo amplo ainda que não seja de boa técnica processual que assegure o direito de recorrer sem restrições Os limites da devolução serão dados nesse caso pelas razões e não pela petição de interposição a ocorrer nulidade posterior à pronúncia COMENTÁRIO Como vimos anteriormente ao examinar a morfologia dos procedimentos a decisão de pronúncia uma vez preclusa encerra a primeira fase do rito do Tribunal do Júri Todas as nulidades atos processuais defeituosos que ocorrerem até a pronúncia devem ser arguidas no debate oral que as antecede E se o defeito surgir na decisão de pronúncia o recurso a ser utilizado é o recurso em sentido estrito com base no art 581 IV do CPP e não a apelação aqui estudada O apelo fundado nesta alínea a tem por base os atos defeituosos praticados após a preclusão da decisão de pronúncia e mais comumente em plenário Considerando que a segunda fase se resume à preparação do julgamento e ao plenário o principal campo de incidência das nulidades acaba sendo o momento do julgamento em plenário Entre outros citamos os seguintes casos mais comuns de nulidade sobre esses temas remetemos o leitor para o anteriormente explicado sobre o rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri a juntada de documentos fora do prazo estipulado no art 479 participação de jurado impedido inversão da ordem de oitiva das testemunhas de plenário produção em plenário de prova ilícita uso injustificado de algemas durante o julgamento referências durante os debates à decisão de pronúncia ou posteriores que julgaram admissível a acusação referências durante os debates ao silêncio do acusado em seu prejuízo e o mais recorrente defeitos na formulação dos quesitos Havendo a prática de um ato defeituoso no plenário deverá a parte prejudicada fazer constar na ata do julgamento a descrição pormenorizada do ocorrido sob pena de não conseguir em grau recursal o reconhecimento da invalidade Mais do que uma mera preclusão como equivocadamente a questão costuma ser tratada a inércia do interessado inviabiliza a demonstração em grau recursal da existência do ato defeituoso Considerando que nos debates como o próprio nome indica impera a oralidade é imprescindível que sejam reduzidas a escrito na ata do julgamento todas as nulidades ocorridas para que uma vez consignadas criem condições de possibilidade do recurso Eventualmente se o ato defeituoso for documentado de outra forma que não através da ata de julgamento o recurso poderá ser conhecido e provido ou não Excepcionalmente poderá ser reconhecido o defeito insanável ocorrido antes da pronúncia desde que se trate de grave violação à garantia constitucional e portanto não sujeito ao regime da preclusão categoria com a qual não concordamos conforme explicado anteriormente ao tratarmos dos atos defeituosos mas ainda de uso recorrente pelos tribunais brasileiros Nesse sentido BADARÓ454 sustenta que as nulidades absolutas anteriores à pronúncia também poderão ser alegadas pelo acusado e reconhecidas pelo tribunal ad quem no julgamento da apelação não havendo que se cogitar de sanatória pela preclusão do direito de alegálas Se o tribunal ad quem der provimento ao apelo deverá determinar a repetição do julgamento pois como explicamos anteriormente se o ato foi feito com defeito deve ser refeito Portanto repetição do ato e se foi anterior ao julgamento deve ele também ser repetido pois contaminado b for a sentença do juizpresidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados COMENTÁRIO Há que se compreender que no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri o julgamento é feito pelos jurados que decidem o caso penal cabendo ao juiz apenas realizar a dosimetria da pena em caso de condenação Neste momento pode a sentença do juizpresidente incorrer em dois tipos de error in judicando decidir contra lei expressa ou decidir de forma contrária à decisão dos jurados O decidir contra lei expressa deve ser compreendido numa dimensão de erro grave e primário na aplicação da lei penal ou processual penal nos casos de desclassificação ao caso penal Situase no campo do decisionismo ilegítimo da decisão arbitrária São exemplos de decisões contra lei expressa apeláveis com base neste fundamento legal a a sentença substitui a pena aplicada pelo homicídio doloso por prestação de serviços à comunidade em desacordo com os limites do art 44 do CP b fixar o regime fechado para o réu primário condenado a uma pena inferior a 8 anos c decidir sobre o crime conexo sem submetêlo a julgamento pelo júri d quesitar sobre o crime conexo de competência não originária do júri logo após uma desclassificação própria e não quesitar o crime conexo após uma desclassificação imprópria etc Eventualmente a discussão em torno do regime de cumprimento da pena erroneamente fixado pode gerar dúvida sobre a incidência da alínea b ou c Não vislumbramos qualquer obstáculo a que o recurso seja conhecido e julgado pois realmente o limite nessa matéria nem sempre é tão claro sendo por isso perfeitamente aplicável o princípio da fungibilidade recursal No segundo caso a sentença do juizpresidente está em conflito com a decisão proferida pelos jurados ou seja não observa os limites dados pela decisão dos jurados ao responderem os quesitos É uma peculiar espécie de incongruência Ainda que como longamente explicado anteriormente a congruência ou correlação se estabeleça entre acusaçãosentença não vemos qualquer obstáculo a que se desenhe uma regra de congruênciacorrelação entre decisão do júri e sentença do juizpresidente pois também teremos sentenças citra extra ou ultra petita No Tribunal do Júri a decisão dos jurados demarca o espaço decisório do juizpresidente de modo que a sentença incongruente é nula pois viola o disposto no art 5º XXXVIII da Constituição que assegura a soberania dos veredictos e a competência do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida São alguns exemplos de sentença incongruente a os jurados absolvem o réu e o juiz profere uma sentença condenatória fixando a pena e viceversa b o júri condena por homicídio qualificado e o juiz realiza a dosimetria considerando a pena do homicídio simples c o júri reconhece uma privilegiadora e o juiz não faz a respectiva redução da pena d os jurados acolhem a tese defensiva de desclassificação de homicídio doloso para culposo e o juiz condena o réu por homicídio doloso e os jurados acolhem a tese de crime tentado e o juiz profere sentença condenatória por crime consumado etc Situação completamente distinta sucede quando em plenário ocorre uma desclassificação própria anteriormente explicada em que os jurados negam a competência do júri para realizar o julgamento passando todo o poder decisório para o juizpresidente Igual situação ainda que com reflexos distintos em relação ao crime conexo também se opera na desclassificação imprópria Em ambos os casos a decisão é proferida pelo juizpresidente e o recurso cabível será a apelação do art 593 I e não a deste inciso III pois estamos diante de uma sentença condenatória ou absolutória proferida por juiz singular Acolhendo o apelo fundado nesta alínea b deverá o tribunal ad quem proceder à retificação da sentença sem necessidade de repetição do julgamento Neste sentido determina o art 593 1º do CPP455 É um defeito que pode ser sanado pelo órgão de segundo grau sem que a nulidade precise ser reconhecida e anulado o julgamento bastando a retificação Tampouco existe violação à soberania das decisões do júri pois o tribunal está retificando um erro do juiz e não modificando a decisão dos jurados Inclusive na segunda hipótese o que o tribunal faz é exatamente o oposto corrigir a sentença incongruente do juiz que não respeitou os limites da decisão do júri c houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança COMENTÁRIO Nesta alínea o campo do apelo está circunscrito aos defeitos na aplicação da pena ou da medida de segurança A sentença é congruente mas existe um defeito na dosimetria da pena Duas são as dimensões a Erro na aplicação da pena tratase de aplicação incorreta da pena ou defeitos na utilização do sistema trifásico empregado para a dosimetria da pena Por erro na aplicação da pena entendese a violação das regras atinentes à realização da dosimetria e fixação da pena como por exemplo redução da pena pela incidência de atenuantes para limites inferiores ao mínimo legal na segunda fase456 tendo os jurados reconhecido uma qualificadora iniciar a dosimetria pela pena do homicídio simples enfim toda e qualquer inobservância das regras contidas nos arts 59 67 e 68 do CP Esse erro também poderá ser material ou seja matemático fruto de somas ou diminuições equivocadas da pena b Injustiça na aplicação da pena a expressão empregada pelo legislador é genérica e imprecisa inadequada até O que se entende por injusta aplicação da pena Das diversas respostas possíveis extraise um denominador comum a subjetividade Sem pretender resolver o problema da abertura conceitual pensamos que a aplicação de uma pena desproporcional é a face mais visível e evidente da injusta aplicação da pena Nesse universo de sentidos pensamos que talvez o lugarcomum seja a desproporcionalidade na aplicação da pena Mas essa desproporcionalidade não decorre de falha aritmética do juiz como no caso anterior mas sim da desproporcionalidade na ponderação das circunstâncias do crime O problema aqui está na perspectiva axiológica É por exemplo injusta a pena em que o juiz inicia a fixação da penabase pelo termo médio sem que as circunstâncias judiciais do art 59 do CP sejam inteiramente desfavoráveis ao réu A des proporcionalidade é evidente Da mesma forma é desproporcional a incidência de uma causa de aumento no seu limite máximo sem que existam circunstâncias concretas que autorizem o exasperamento Por fim a discussão sobre a existência ou não de prova sobre a agravante ou atenuante aplicada ou afastada situase nesta alínea ou seja injus tiça na aplicação da pena Não estamos fazendo referência apenas ao quantum da incidência mas sim à prova da existência ou não da própria agravante ou atenuante Toda essa discussão situase nesta alínea pois diz respeito à aplicação da pena Toda essa argumentação empregase com as devidas adequações no caso da medida de segurança errônea ou injustamente aplicada Se o tribunal der provimento à impugnação fundada nesta alínea c retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança sem que o julgamento pelo Tribunal do Júri seja renovado Por derradeiro advertimos que a discussão sobre a existência ou não da qualificadora pacificouse no sentido de aplicação da alínea d a seguir tratada Antigamente entendiase que a apelação cujo objeto fosse a discussão sobre a existênciainexistência de provas da qualificadora deveria ser proposta com base nesta letra c pois diria respeito apenas à injustiça na aplicação da pena Atualmente prevalece o entendimento de que o fundamento desta apelação deve ser a letra d pois a qualificadora é elementar do crime é um tipo novo nova pena etc e não uma mera circunstância de aumento da pena E qual é a relevância desta problemática Imensa pois a nos termos do 2º do art 593 a apelação com fundamento no n III c deste artigo o tribunal ad quem se lhe der provimento retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança b situação completamente diversa ocorre quando a apelação é interposta com base no n III d deste artigo decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos pois nesse caso se o tribunal der provimento ao recurso sujeitará o réu a novo julgamento Assim prevalece atualmente o entendimento de que o apelo que tiver como fundamento a incidência ou não de qualificadora deverá ser interposto e julgado com base na alínea d renovandose o júri em caso de provimento d for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos COMENTÁRIO Com a nova sistemática do Tribunal do Júri e principalmente a inserção do quesito genérico da absolvição obrigatório estabeleceuse um novo problema Será que ainda tem cabimento a apelação por ser a decisão manifestamente contrária à prova quando o réu é absolvido ou condenado com base na votação do quesito o jurado absolve o acusado Já há quem sustente a inaplicabilidade do art 593 III d diante da nova sistemática do júri sob o argumento de que esse quesito genérico permite que o jurado mais do que antes exerça uma plena e livre convicção no ato de julgar podendo absolver por qualquer motivo tal como piedade ou compaixão Tratase de permitirlhe absolver por suas próprias razões mesmo que elas não encontrem amparo na prova objetivamente produzida nos autos Como sintetiza REZENDE457 não há decisão absolutória calcada no terceiro quesito que seja manifestamente contrária à prova dos autos já que ela não reflete a resposta a um quesito de fato mas sim a vontade livre dos jurados sem mais qualquer compromisso pela nova sistemática legal com a prova produzida no processo Precisamos considerar que o recurso com base na letra d deve seguir sendo admitido contra a decisão condenatória a impossibilidade seria só em relação a sua utilização para impugnar a decisão absolutória Isso porque com a inserção do quesito genérico da absolvição o réu pode ser legitimamente absolvido por qualquer motivo inclusive metajurídico Portanto uma vez absolvido não poderia ser conhecido o recurso do MP com base na letra d na medida em que está autorizada a absolvição manifestamente contra a prova dos autos Como dito com o quesito genérico da absolvição os jurados podem decidir com base em qualquer elemento ou critério Contudo segue com plena aplicação o recurso fundado na letra d quando a sentença é condenatória Isso porque não existe um quesito genérico da condenação nem poderia existir por elementar Para condenar estão os jurados adstritos e vinculados à prova dos autos de modo que a condenação manifestamente contrária à prova dos autos pode e deve ser impugnada com base no art 593 III d É regra elementar do devido processo penal Sublinhese o que a reforma de 2008 inseriu foi um quesito genérico para absolver por qualquer motivo não para condenar Portanto a sentença condenatória somente pode ser admitida quando amparada pela prova No STJ está pacificado que independentemente da tese defensiva sustentada em plenário é obrigatória a formulação do quesito genérico da absolvição após a afirmação da materialidade e autoria entre outros ver HCs 154700SP e 276627 do STJ Mas existe outra questão da maior importância o cabimento ou não do recurso de apelação da acusação com base na letra d quando absolvido o réu nesse terceiro quesito No STJ existem três linhas decisórias458 até o ano de 2017 que estão claramente postas na decisão proferida no HC 350895RJ relator para o acórdão foi o Min Sebastião Reis Jr 1ª Posição do Min Nefi Cordeiro também posta no HC 288054SP no sentido de que o jurado não tem o poder de absolver fora das hipóteses legais não permitindo a absolvição por clemência ou qualquer outro motivo fora da prova dos autos Assim caberia recurso do MP quando a absolvição se fundamentar no 3º quesito sem amparo no conjunto probatório A reforma de 2008 não teria ampliado as hipóteses de absolvição 2ª Posição dos Ministros Schietti Cruz e Saldanha Palheiro manifestadas no HC 350895RJ para quem os jurados podem absolver por qualquer motivo mesmo de forma desvinculada da prova dos autos Nessa linha incabível recurso do MP com base na letra d exatamente porque se está autorizada a absolvição por qualquer motivo não pode a decisão ser cassada em observância ainda do princípio da soberania das decisões do júri Mas é importante sublinhar o Min Schietti acertadamente explica que a apelação do art 593 III d segue tendo aplicação em diversos outros casos em que o MP poderá recorrer e o tribunal de apelação verificar se a decisão encontra ou não respaldo probatório459 De qualquer forma para não alongar recomendase a leitura do voto do Min Schietti Cruz no referido julgamento dada excelente musculatura teórica e argumentativa 3ª Posição adotada pela maioria da 6ª Turma Min Sebastião Maria Thereza e Néfi no HC 350895RJ que tenta conciliar as duas posições anteriores afirmando que o quesito é obrigatório e está autorizada a absolvição por qualquer motivo inclusive por clemência como preferiu chamar o STJ mas por outro lado paradoxalmente admite o recurso de apelação por parte do MP com base na letra d O voto condutor do Min Sebastião foi em suma no sentido de que está autorizada a absolvição por clemência mas também cabe apelação do MP com fulcro na letra d na medida em que mesmo a absolvição feita no quesito genérico pode ser controlada em grau recursal Sustentou o Ministro que o tribunal de apelação pode fazer o controle acerca do respaldo fáticoprobatório da decisão de clemência para mandar o réu a novo júri quando a decisão absolutória for desprovida de elementos fáticos que a autorizem A posição é nas palavras de Rezende460 uma tentativa infeliz de conciliar entendimentos completamente divergentes dos Ministros Cada qual desses entendimentos guarda coerência intrínseca a decisão conciliatória todavia não É uma solução ilógica para o problema pois ou se admite que a absolvição por qualquer motivo com base no quesito genérico e portanto inclusive contra a prova dos autos e não cabe apelação do MP por ser a decisão manifestamente contra a prova dos autos ou não se admite a absolvição por qualquer motivo e fora da prova dos autos e portanto preservase o recurso do MP com base na letra d A incoerência está em buscar conciliar as duas posições que são inconciliáveis para afirmar que os jurados estão legitimados a absolver por qualquer motivo mesmo fora da prova dos autos e ao mesmo tempo permitir que o MP recorra por ser essa decisão manifestamente fora da prova dos autos A incongruência é manifesta Acrescentese ao problema o fato de os jurados decidirem por íntima convicção sem qualquer fundamentação e soberanamente de modo que a própria subjetividade intrínseca à clemência não é passível de controle em grau recursal Portanto a problemática está criada no âmbito do STJ Mas no STF já existe uma decisão paradigmática no sentido de que NÃO cabe o recurso da acusação com base na alínea d quando o réu é absolvido no quesito genérico No RHC 117076PR o Min Celso de Mello na mesma linha do entendimento do Min Schietti suspendeu liminarmente o novo júri porque revelarseia aparentemente inadmissível por incongruente com a recente reforma introduzida no procedimento penal do júri o controle judicial das decisões absolutórias proferidas pelo Tribunal do Júri com fundamento no art 483 III e 2º do CPP quer pelo fato pragmaticamente relevante de que os fundamentos efetivamente acolhidos pelo Conselho de Sentença restariam desconhecidos quer pelo fato não menos importante de que a fundamentação adotada pelos jurados poderia ao menos virtualmente extrapolar os próprios limites da razão jurídica No mérito o HC foi concedido confirmando a liminar Assim ficou a ementa EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus Tribunal do Júri Quesito genérico de absolvição art 483 inciso III e respectivo 2º do CPP Interposição pelo Ministério Público do recurso de apelação previsto no art 593 inciso III alínea d do CPP Descabimento Doutrina Jurisprudência Recurso ordinário provido A previsão normativa do quesito genérico de absolvição no procedimento penal do júri CPP art 483 III e respectivo 2º formulada com o objetivo de conferir preeminência à plenitude de defesa à soberania do pronunciamento do Conselho de Sentença e ao postulado da liberdade de íntima convicção dos jurados legitima a possibilidade de os jurados que não estão vinculados a critérios de legalidade estrita absolverem o réu segundo razões de índole eminentemente subjetiva ou de natureza destacadamente metajurídica como p ex o juízo de clemência ou de equidade ou de caráter humanitário eis que o sistema de íntima convicção dos jurados não os submete ao acervo probatório produzido ao longo do processo penal de conhecimento inclusive à prova testemunhal realizada perante o próprio plenário do júri Doutrina e jurisprudência Isso significa portanto que a apelação do Ministério Público fundada em alegado conflito da deliberação absolutória com a prova dos autos CPP art 593 III d caso admitida fosse implicaria frontal transgressão aos princípios constitucionais da soberania dos veredictos do Conselho de Sentença da plenitude de defesa do acusado e do modelo de íntima convicção dos jurados que não estão obrigados ao contrário do que se impõe aos magistrados togados CF art 93 IX a decidir de forma necessariamente motivada mesmo porque lhes é assegurado como expressiva garantia de ordem constitucional o sigilo das votações CF art 5º XXXVIII b daí resultando a incognoscibilidade da apelação interposta pelo Parquet Magistério doutrinário e jurisprudencial Tal decisão é da maior relevância e também muito nos honrou ao citar nossas lições e adotar nosso entendimento no sentido de que não cabe mais após a reforma de 2008 o recurso de apelação por parte da acusação com base no art 593 III d quando a absolvição se der com base no quesito genérico o jurado absolve o acusado na medida em que os jurados estão livres para absolver por qualquer motivo inclusive clemência mesmo desconectado da prova Apenas um esclarecimento ainda que entendamos na linha da decisão do STF anteriormente citada que não cabe recurso da acusação com base na letra d quando o réu é absolvido com base no quesito genérico é preciso reconhecer e advertir que o tema não é pacífico e que talvez ainda tarde alguns anos para que os tribunais inferiores assimilem o entendimento do Min Celso de Mello Por esse motivo seguimos analisando o tema de forma ampla inclusive com a eventual aceitação do recurso da acusação Mas tal entendimento não se aplica ao recurso defensivo como explicado pois não está autorizada a condenação fora da prova dos autos Portanto quando o réu for condenado pode a defesa apelar com base no art 593 III d argumentando que a condenação é contrária a prova dos autos Por último apenas para esclarecer a problemática foi em torno da impossibilidade do recurso da acusação com base na alínea d permanecendo intactas as possibilidades de apelação com fulcro nas alíneas a b ou c Em relação aos demais casos de apelação não há qualquer restrição Feita essa ressalva em relação à admissibilidade ou não do dispositivo vamos analisálo mais detidamente pois segue tendo ampla aplicação para defesa Tratase do fundamento que permite a impugnação das decisões absolutórias do Tribunal do Júri estabelecendo a discussão sobre a inadequação da decisão em relação ao contexto probatório É a única possibilidade de buscarse em grau recursal um reexame do caso penal decidido em primeira instância como um verdadeiro recurso ordinário pois as alíneas anteriores restringem a discussão unicamente à aplicação da norma jurídica Mas um novo problema surge o dogma da soberania das decisões do júri Isso faz com que o espaço decisório do tribunal ad quem seja reduzido a ponto de a jurisprudência brasileira pautarse pela manutenção do resultado do julgamento somente acolhendo o apelo quando a decisão for absolutamente dissociada da prova sem a menor base probatória Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE461 lecionam que é constante a afirmação de que a decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela inteiramente destituída de qualquer apoio no processo completamente divorciada dos elementos probatórios que não encontra enfim amparo em nenhuma versão resultante da prova Recordemos que quando a irresignação disser respeito à decisão do júri que reconheceu uma qualificadora ou negou sua ocorrência o apelo terá por fundamento esta letra d devendo a parte interessada demonstrar que a decisão dos jurados acerca da qualificadora era manifestamente contrária à prova dos autos Podese argumentar ainda que o legislador empregou a expressão decisão manifestamente contrária à prova dos autos para definir o nível de ilegitimidade exigido para que a decisão do júri seja desconstituída Não basta que a decisão seja apenas contrária à prova dos autos ela deve ser evidentemente inequivocamente contrária à prova A soberania das decisões do júri impede que o tribunal ad quem considere que os jurados não optaram pela melhor decisão entre as duas possíveis Não lhe cabe fazer esse controle Apenas quando uma decisão não for desde uma perspectiva probatória possível é que está o tribunal autorizado a cassar a decisão do júri determinando a realização de um novo julgamento Essas são as definições e concepções pacíficas na doutrina e jurisprudência brasileira sobre a alínea d Vejamos agora o outro lado da moeda Consultando os vastos repertórios jurisprudenciais disponíveis sobre o tema é impressionante o discurso que lhes permeia especialmente quando se trata de apelação defensiva em que o réu foi condenado com base em frágeis provas mas nem assim se dá provimento à impugnação Nesses julgamentos o nível de exigência para acolher o apelo beira as raias do absurdo pois se exige uma decisão a tal ponto desconectada do processo que somente em situações surreais isso ocorreria Considerando que o processo por essência apresenta duas versões antagônicas sempre haverá como sustentar a existência de alguma prova para legitimar a decisão especialmente quando condenatória Convenhamos que uma decisão efetivamente sem nenhum amparo probatório não habita o campo real do processo até porque se não houvesse nenhum suporte probatório à tese acusatória por exemplo o processo jamais teria nascido E se admitida a denúncia ou seria o réu absolvido sumariamente ou impronunciado Ainda que não se queira reconhecer esse conjunto de fatores cria uma situação ambígua nebulosa com amplo espaço de imprópria discricionariedade decisória por parte do tribunal ad quem deixando as partes à mercê de um novo decisionismo agora disfarçado É elementar que sempre haverá um mínimo de provas para qualquer lado que se queira olhar E para reduzir o problema estão os princípios que regem as provas especialmente o in dubio pro reo a exigir para condenar que a prova deve ser robusta com alto grau de verossimilhança Do contrário a absolvição se impõe Mas no Tribunal do Júri as coisas não funcionam assim primeiro porque os jurados julgam por íntima e arbitrária convicção não fundamentando sequer e após em grau recursal porque se abre a possibilidade de o tribunal decidir como bem entender bastando usar uma boa retórica para legitimar sua decisão E nem é preciso tanto exercício argumentativo assim basta recorrer ao dogma da supremacia do júri e da exigência de uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos e negar provimento ao recurso E quando o tribunal quiser prover o apelo afirma que a decisão é na sua visão manifestamente contrária à prova dos autos e submete o réu a novo julgamento A abertura da fórmula legal permite ao tribunal decidir como bem entender basta um mínimo de manipulação discursiva Neste tema remetemos o leitor para o tópico standard probatório abordado no capítulo da teoria da prova Lá explicamos que a sentença condenatória somente pode ser admitida quando baseada em prova sólida robusta que supere a dúvida razoável com alto grau de probabilidade e verossimilhança É neste marco de standard probatório que o tribunal também deve se basear para decidir se acolhe ou não o recurso Tudo isso evidencia uma vez mais a problemática estrutura do júri brasileiro pois não efetiva a garantia constitucional do in dubio pro reo contida na presunção constitucional de inocência462 No Tribunal do Júri o réu pode ser condenado a partir de uma prova frágil e ilhada no contexto probatório e seu recurso não será admitido mesmo com uma prova amplamente favorável à sua tese defensiva pois a decisão dos jurados não é absolutamente desconectada da prova dos autos Aqui abandonase a exigência de prova plena e cabal para a condenação pois uma frágil prova da tese acusatória justifica a manutenção da condenação contrariando tudo que o processo penal democrático ergueu Quanto ao argumento da soberania das decisões do júri invocado como dogma absoluto pelos passionais defensores do júri devese fazer um importante questionamento e o igualmente fundamental direito à presunção de inocência Como resolver esse conflito Não é pretensão desta obra fazer um estudo sobre a colisão em sentido amplo ou em sentido estrito de direitos fundamentais mas essa questão sequer é ventilada pelos tribunais e pela doutrina processual penal brasileira nesse tema Primeiro devese reconhecer o problema e a impossibilidade de um tratamento reducionista como tem sido dado até então para após buscar a solução desse conflito aparente que nos parece passa pelo estudo das diferentes propostas que orbitam em torno do Princípio da Unidade da Constituição Neste sentido MENDES463 leciona que as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios que é instituído na e pela própria Constituição Partindo disso diferentes soluções são propostas pelos constitucionalistas464 sendo as principais aquelas que sustentam em síntese o estabelecimento de uma hierarquia de direitos fundamentais passando pela precedência dos valores relativos às pessoas sobre os valores de índole material o recurso à concordância prática até chegar à posição adotada pela Corte Constitucional alemã do estabelecimento de uma ponderação de bens tendo em vista o caso concreto isto é uma recusa à fixação a priori de uma hierarquia precisa entre direitos individuais e outros constitucionalmente consagrados A ponderação deve ser feita a partir das circunstâncias do caso penal concreto Importanos mais do que apontar soluções alertar para o problema que sequer é ventilado voltamos a dizer pelo senso comum teórico e jurisprudencial brasileiro O que não se pode continuar fazendo é fechar os olhos para o conflito entre a soberania do júri e a presunção de inocência do réu sem falar na ampla defesa devido processo fundamentação das decisões etc Tampouco se pode aceitar o reducionista argumento da prevalência sem limites da soberania do júri que não encontra nenhum fundamento de hermenêutica constitucional que o legitime Em suma essa sistemática recursal somada à estrutura do Tribunal do Júri brasileiro cria um terreno fértil para uma patológica administração da justiça Feita essa rápida crítica continuemos Mas se o recurso interposto com base na letra d for provido qual será a consequência A resposta vem dada pelo art 593 3º do CPP465 Portanto provido o recurso com esse fundamento será desconstituída a decisão determinandose a realização de um novo julgamento pelo Tribunal do Júri com outros jurados é óbvio Neste sentido é acertado o enunciado contido na Súmula 206 do STF É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo Nesse novo júri nenhum dos jurados anteriores poderá novamente compor o conselho de sentença pois se pretende a máxima originalidade do julgamento e imparcialidade dos julgadores Supondo que o réu tenha sido condenado por homicídio simples a uma pena de 6 anos de reclusão inconformado apela com base no art 593 III d do CPP Provido o apelo é submetido a novo julgamento pelo júri Nesse novo julgamento pode ocorrer o seguinte a é novamente condenado b há uma desclassificação desde que seja essa uma tese da defesa c ou é absolvido Se o réu for novamente condenado pode a pena ser superior à anterior 6 anos Não pois isso constituiria uma reformatio in pejus Logo a segunda decisão seria nula cabendo uma nova apelação agora fundada na letra b devendo o tribunal ad quem retificar a pena para o patamar anterior Ainda no mesmo exemplo poderia o réu no novo júri ser condenado por homicídio qualificado a uma pena de 12 anos Cuidado com este caso pois poderá ser interpretado como reformatio in pejus principalmente após a decisão proferida pelo STF no HC 895441 Para evitar longa repetição remetemos o leitor para o Capítulo anterior quando explicamos as Regras Específicas do Sistema Recursal e a Proibição da Reformatio in Pejus E se o réu for absolvido ou desclassificada a infração poderá o Ministério Público apelar com base nesta letra d argumentando que essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos Antes de responder vejamos novamente o que diz o art 593 3º com especial atenção à última parte do dispositivo O ponto nevrálgico resumese então à seguinte pergunta o que significa mesmo motivo a que alude o art 593 3º Depois de muito vacilo jurisprudencial pacificouse o correto entendimento de que a expressão mesmo motivo significa novo recurso com base na letra d Ou seja mesmo motivo é utilizar duas vezes a mesma fundamentação legal do recurso alínea d É irrelevante a tese defensiva sustentada Assim se no primeiro júri o réu alega que agiu em legítima defesa e foi absolvido mas o Ministério Público inconformado apela com base nesta letra d Provido o recurso é o réu submetido a novo julgamento em que é novamente absolvido mas agora com uma tese de inexigibilidade de conduta diversa Pode o Ministério Público novamente recorrer com base na letra d argumentando que a nova decisão é mais até do que a anterior manifestamente contrária à prova dos autos Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo Ademais como o réu é absolvido com base no quesito genérico o jurado absolve o acusado não há como identificar sequer se a tese sustentada foi acolhida ou se a absolvição ocorreu por outro motivo E se o réu é absolvido o Ministério Público apela com base na letra d e o tribunal acolhe o pedido determinando a realização de novo júri ocasião em que o réu é condenado Pode a defesa apelar com base na alínea d argumentando que essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos e que não incide o impedimento contido no 3º pois é a primeira vez que o réu recorre com este fundamento Não O dispositivo impede uma segunda apelação com base nesse fundamento independentemente de quem tenha recorrido Ademais existe um obstáculo lógico como julgando um mesmo caso penal ambas as decisões absolutória e condenatória podem ser manifestamente contrárias à prova dos autos Ou ainda que prova é essa que não autoriza absolver ou condenar Como uma mesma prova pode ser completamente incompatível com a absolvição e a condenação ao mesmo tempo A questão aqui é de lógica probatória Em suma 1 Júri absolve MP recorre com base na letra d novo júri réu novamente absolvido MP pode apelar com base na letra d Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo 2 Júri absolve MP recorre com base na letra d novo júri réu é condenado pode a defesa recorrer com base na letra d Não É ilógico que a mesma prova seja manifestamente contrária à decisão absolutória e condenatória 3 Júri condena defesa recorre com base na letra d novo júri réu novamente condenado cabe nova apelação com base na letra d Não pois não se admite segunda apelação pelo mesmo motivo 4 Júri condena defesa recorre com base na letra d novo júri réu absolvido cabe apelação por parte do MP com base na letra d Não é ilógico Apenas um esclarecimento ainda que entendamos na linha da decisão do STF anteriormente citada que não cabe recurso da acusação com base na letra d quando o réu é absolvido com base no quesito genérico é preciso reconhecer e advertir que o tema não é pacífico e que talvez ainda tarde alguns anos para que os tribunais inferiores assimilem o entendimento do Min Celso de Mello Por esse motivo seguimos analisando o tema de forma ampla inclusive com a eventual aceitação do recurso da acusação como no exemplo citado acima Nada impede portanto que após o novo júri a defesa ou a acusação apelem desde que o façam com base nas letras a b ou c Não com fundamento na letra d A restrição à segunda apelação existe somente em relação à letra d Para finalizar recordemos mais um grave paradoxo que a estrutura do júri brasileiro estabelece como alegar que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos se não temos a mais remota ideia dos motivos que levaram os sete profanos a julgar dessa forma A absoluta falta de fundamentação do ato decisório faz com que o ato de recorrer seja um exercício quase mediúnico sem falar que a decisão no mais das vezes sequer tem por base a prova Negar isso é desconhecer que a íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor ao julgamento pela cara cor opção sexual religião posição socioeconômica aparência física postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento enfim é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de desvalor que o jurado faz em relação ao réu E tudo isso sem qualquer fundamentação Mais grave ainda é a autorização legal como já explicamos ao tratar do júri para que os jurados decidam completamente fora da prova dos autos Imaginemos um julgamento realizado no Tribunal do Júri cuja decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos condenatória ou absolutória Há recurso de apelação com base no art 593 III d do CPP que uma vez provido pelo Tribunal conduz à realização de novo júri consequência da aplicação da primeira parte do 3º do art 593 Esse novo júri será composto por outros jurados mas como o espetáculo será realizado pelos mesmos atores em cima do mesmo roteiro e no mesmo cenário a chance de o resultado final ser igual é imensa E nesse novo júri a decisão é igual à anteriormente prolatada e portanto novamente divorciada da prova dos autos Duas decisões iguais em manifesta dissociação com o contexto probatório Poderá haver então novo recurso aduzindo que novamente os jurados decidiram contra a prova dos autos Não pois a última parte do 3º do art 593 veda expressamente essa possibilidade Logo se no segundo júri eles decidirem novamente contra a prova dos autos não caberá recurso algum Assim os jurados podem decidir completamente fora da prova dos autos sem que nada possa ser feito Eles têm o poder de tornar o quadrado redondo com plena tolerância dos Tribunais e do senso comum teórico que se limitam a argumentar fragilmente com a tal supremacia do júri como se essa fosse uma verdade absoluta inquestionável e insuperável 2112 Tempestividade Legitimidade Gravame Preparo Processamento da Apelação A tempestividade do recurso de apelação se verifica pela petição de interposição ou do dia em que for feita a manifestação oral certificada nos autos termo A juntada extemporânea das razões é considerada mera irregularidade Importa é a interposição tempestiva O prazo para interposição da apelação é de 5 dias sem esquecer a Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Quanto à legitimidade estão autorizados a interpor a apelação o Ministério Público ou querelante na ação penal de iniciativa privada o réu ou seu defensor art 577 e o assistente da acusação Recordemos ainda a figura do assistente da acusação cuja legitimidade para recorrer está consagrada no art 598 do CPP466 que pode ser habilitado nos autos quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer caso não o faça o Ministério Público no prazo de 5 dias não habilitado situação em que por não participar do processo não será intimado das decisões tendo por isso o prazo de 15 dias para apelar art 598 parágrafo único do CPP E como se faz a contagem desse prazo do assistente Nos termos da Súmula 448 do STF que determina o seguinte o prazo para o assistente recorrer supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público Partindo dessa regra diferentes situações podem ocorrer a se o assistente habilitado é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele b se o assistente habilitado é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente à intimação c se o assistente não está habilitado ele não é intimado da sentença e terá o prazo de 15 dias para interpor a apelação contados do dia em que terminar o prazo do Ministério Público Outros aspectos importantes da figura do assistente da acusação já foram abordados anteriormente quando explicamos as regras gerais dos recursos para onde remetemos o leitor a fim de evitar repetições Além da legitimidade outro requisito recursal é a existência de gravame ou seja a parte recorrente deverá ter interesse recursal conforme já explicado no Capítulo anterior e para onde remetemos o leitor Também se recorde a discussão em torno do interesse recursal do assistente para apelar de uma sentença condenatória buscando o aumento da pena em que sustentamos a falta de interesse recursal nesse caso Antes de analisarmos o processamento da apelação vejamos a questão do preparo Como também já foi explicado além de tempestiva a apelação nos crimes de ação penal de iniciativa privada deverá ser previamente preparada ou seja deverá o recorrente pagar as custas judiciais previstas para que a impugnação possa ser conhecida e julgada sob pena de deserção Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas desta modalidade de ação penal Vejamos agora alguns aspectos do processamento da apelação Uma vez interposto o recurso de apelação deverá o juiz a quo fazer o juízo de admissibilidade anteriormente explicado recebendo ou não o recurso Se não admitir o apelo esta decisão será impugnável pelo recurso em sentido estrito art 581 XV também já comentado Admitido o apelo seguese o disposto no art 600 devendo o juiz determinar a intimação do recorrente se for o réu na pessoa do seu defensor constituído ou dativo para que no prazo de 8 dias apresente a fundamentação do recurso ou seja as razões recursais A exceção feita às contravenções foi tacitamente revogada na medida em que todas as contravenções são julgadas no Juizado Especial Criminal que dispõe de regra própria em matéria recursal pois a Lei n 9099 prevê o recurso de apelação com o prazo único de 10 dias Recordemos pois isso já foi explicado no Capítulo anterior que a apelação poderá ser total ou parcial ou seja impugnar toda a sentença ou apenas parte dela Nesse sentido dispõe o art 599 do CPP No 1º concedese o prazo de 3 dias para o assistente arrazoar após o Ministério Público Aqui a situação é diferente daquela anteriormente explicada pois não se trata de recurso interposto pelo assistente senão de apelo apresentado pelo Ministério Público Neste caso em que o MP recorre o assistente não pode recorrer mas apenas arrazoar junto ou seja apresentar razões recursais complementares àquelas apresentadas pelo Ministério Público Quando a apelação for de decisão proferida pelo Tribunal do Júri art 593 III recordemos que as razões do assistente ficam limitadas ao fundamento legal eleito pelo Ministério Público quando da interposição ou seja a alínea definida na petição ou termo de interposição O 2º destinase à ação penal de iniciativa privada em que o Ministério Público acompanha toda a tramitação e a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo como define o art 45 do CPP A questão do prazo comum prevista no 3º é objeto de crítica pois quando são vários réus essa sistemática implica um sério inconveniente que é a impossibilidade de carga dos autos que ficarão em cartório mas principalmente quebra o tratamento igualitário entre acusador e réus De qualquer forma infelizmente prevalece o entendimento da aplicação literal do dispositivo O 4º é de grande importância e utilidade prática Poderá o apelante interpor o recurso e nesta petição declarar que irá apresentar suas razões no tribunal ad quem Distribuído o apelo caberá ao relator do feito recebendo os autos determinar a intimação do recorrente para que lá apresente sua fundamentação no prazo legal o mesmo prazo de 8 dias anteriormente comentado Tratase de faculdade somente oferecida ao réu ou querelado e ao querelante ação penal de iniciativa privada Não está autorizado o Ministério Público a apresentar razões na superior instância até porque não está legitimado e capacitado o promotor de primeiro grau a atuar perante tribunais E qual a vantagem de arrazoar no tribunal Além de dispor de mais tempo para preparar as razões a principal vantagem é saber quem irá julgar o apelo ou ainda com quem se está falando É muito importante apresentar as razões já sabendo quem será o relator e em que câmara ou turma será julgado o recurso pois esse é um ponto fundamental quando se tem presente a função persuasória da atividade das partes em relação ao julgador Para isso é fundamental conhecer o perfil dos julgadores como decide aquela câmara ou turma que precedentes existem sobre as questões debatidas etc Merece atenção o disposto no art 601 que prevê a possibilidade de a apelação subir para o tribunal ad quem com as razões ou sem elas Essa sistemática cumpriu uma importante missão que foi a de criar a possibilidade de o réu preso ou solto mas especialmente ao preso ao ser intimado da sentença escrever no verso quero apelar ou qualquer outra manifestação inequívoca de sua vontade de recorrer Basta isso para que o recurso seja interposto Eis uma forma de interposição por termo nos autos A partir disso era o defensor intimado para apresentar razões e em muitos casos ele não o fazia O recurso prosseguia sem as razões e devolvia integralmente a matéria ao tribunal ad quem Mas após a Constituição e especialmente nos últimos anos o art 601 tem sido objeto de uma correta releitura constitucional de modo que em nome da ampla defesa e do contraditório os tribunais têm determinado o retorno dos autos à comarca de origem para que sejam apresentadas as razões inclusive com a nomeação de defensor dativo para apresentálas se não o fizer o constituído Além da ampla defesa a ausência de razões também viola o contraditório porque sem elas não tem a outra parte condições plenas de contraarrazoar Por isso os tribunais ultimamente têm determinado que os autos baixem em diligências para que o defensor ofereça as razões ou seja nomeado um dativo para isso Essa é sem dúvida uma medida acertada que melhor conforma o dispositivo à Constituição E o Ministério Público pode interpor o recurso e não apresentar as razões Evidente que não Pensamos que essa situação é inconcebível pois viola ao mesmo tempo a regra recursal da Motivação dos Recursos e também o contraditório e o direito de defesa pois como contraarrazoar um recurso sem razões Diante de tal situação a primeira opção é o tribunal ad quem recebendo o apelo sem as razões do acusador devolver os autos à comarca de origem para que seja pessoalmente intimado o representante do parquet para apresentar suas razões Após isso entendemos que em respeito à ampla defesa e ao contraditório deverá à defesa ser novamente oportunizada a apresentação de contrarrazões mesmo que já o tenha feito pois somente agora poderá efetivamente rebater as razões do recurso Por esse motivo é inadmissível processarse o recurso sem razões e com o parecer do Ministério Público de segundo grau considerarse sanada a falha Errado isso produz inadmissível cerceamento de defesa e violação do contraditório Outra opção mais adequada pensamos é o tribunal não conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público sem razões por violação da regra da motivação dos recursos do contraditório e do direito de defesa Ademais não está demonstrado o interesse recursal na medida em que inexiste fundamentação hábil a evidenciar o gravame A solução assim é o não conhecimento do recurso da acusação despido de fundamentação Não concordamos com tese sustentada por algum setor da doutrina no sentido de que haveria uma desistência por parte do promotorprocurador que não apresentasse as razões recursais Essa posição ainda que sedutora esbarra nos princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade inerentes à ação penal de iniciativa pública e consubstanciados expressamente no art 576 do CPP Não vislumbramos argumentos que justifiquem uma tal ginástica hermenêutica para negar vigência a tais princípios nem ao dispositivo apontado Daí por que tampouco vemos necessidade de tal construção na medida em que caberá ao tribunal não conhecer do recurso como explicamos no parágrafo anterior Por fim uma dúvida que pode surgir é podem ser juntados documentos novos nas razões eou contrarrazões do apelo TOURINHO FILHO não vê qualquer óbice ressalvando que se os documentos forem juntados nas contrarrazões deverá o juiz determinar que o apelante se manifeste sobre eles Quando apresentados pelo apelante o recorrido terá acesso naturalmente quando lhe for dada vista para contrarrazões Somos obrigados a concordar até porque o art 616 do CPP infelizmente permite alguns poderes instrutórios ao tribunal ad quem Contudo manifestamos a preocupação com a estrita observância do contraditório e advertimos para o grave risco de supressão de instância pois é inegável que a juntada de novas provas após a sentença constitui uma subtração de elementos probatórios do juiz a quo 22 Efeitos Devolutivo e Suspensivo O Direito de Apelar em Liberdade A apelação sempre terá efeito devolutivo propriamente dito ou reiterativo na medida em que necessariamente devolve o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem ou seja para um órgão superior àquele que proferiu a decisão É tipicamente um juízo sobre o juízo recordando a expressão de CARNELUTTI em que caberá ao tribunal reexaminar no todo ou em parte conforme a apelação seja total ou parcial a critério do recorrente a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau A regra do tantum devolutum quantum appellatum define que ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso Mas essa regra tem um campo limitado de incidência pois deve ser pensado à luz da vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da reformatio in mellius o que faz com que acabe sendo bastante relativizado A devolução da matéria pela via do recurso está regida essencialmente pela vedação da reformatio in pejus e da possibilidade da in mellius Frente a um recurso exclusivo do MP pode o tribunal acolhêlo para condenar o réu absolvido aumentar sua pena etc Mas também pode o tribunal absolver ou mesmo diminuir a pena ainda que a defesa não tenha recorrido até porque pode a qualquer tempo conceder habeas corpus de ofício Por isso afirmamos que o tantum devolutum quantum appellatum é acima de tudo uma limitação recursal ao acusador Não se olvide ainda que nos casos do art 593 III a extensão da devolução está delineada pela alínea indicada na petição de interposição conforme explicado Também recordemos que as nulidades absolutas defeito insanável podem ser conhecidas a qualquer momento em qualquer grau de jurisdição independentemente de invocação Por fim há casos em que mesmo sendo o recurso parcial extensão a modificação da parte impugnada conduz necessária e logicamente à revisão de outras matérias decididas na sentença Quando por exemplo o réu recorre exclusivamente da pena aplicada na sentença condenatória postulando a redução o tribunal em acolhendo esta impugnação e dependendo do quanto da diminuição estará obrigado a revisar também o regime de cumprimento da pena ou a possibilidade de substituição art 44 do CP mesmo que nada disso tenha sido impugnado Outra situação interessante sucede quando o réu é condenado por dois delitos interpõe a apelação requerendo a absolvição de ambos e o tribunal dá parcial provimento absolvendoo de um deles Diante do delito residual dependendo da pena cominada no tipo e preenchidos os demais requisitos do art 89 da Lei n 909995 poderá ser caso de aplicação da Súmula 337 do STJ com a remessa dos autos para o juiz de primeiro grau intimar o Ministério Público para oferecer a suspensão condicional do processo Tudo isso independente de qualquer pedido na apelação É uma extensão necessária do efeito devolutivo No que se refere ao chamado efeito suspensivo tratase de um obstáculo a que a sentença possa produzir todos os seus efeitos antes que o recurso seja julgado afetando diretamente o estado de liberdade do réu A apelação interposta contra a sentença penal absolutória nunca terá efeito suspensivo pois como determina o art 596 A apelação da sentença absolutória não impedirá que o réu seja posto imediatamente em liberdade É importante que o dispositivo seja lido em conformidade com a Constituição e não restritivamente como eventualmente ainda insistem alguns tribunais A sentença absolutória restabelece na sua totalidade o status libertatis do acusado não apenas no sentido de assegurar a sua liberdade de ir vir e ficar mas também na esfera da liberdade pessoal em sentido amplo em toda a extensão atingida pelo processo Portanto diante de uma sentença absolutória além da imediata determinação de restabelecimento da liberdade do réu eventualmente submetido à prisão cautelar devem cessar também todas as medidas assecuratórias ou patrimoniais determinadas no curso do processo penal pois implicam restrição da sua esfera de liberdade pessoal Essa posição foi recepcionada pela reforma processual penal de 2008 cuja nova redação do art 386 especialmente seu parágrafo único determina a cessação das medidas cautelares Logo está mais do que evidente que com a absolvição além da imediata concessão de liberdade ao réu devem cessar as medidas assecuratórias sendo portanto ilegal a manutenção vg do sequestro sobre bens do acusado absolvido pois não cabe efeito suspensivo do mandamento libertatório contido na sentença Portanto absolvido o réu devem cessar todas as medidas restritivas de natureza pessoal ou patrimonial que tenham sido decretadas e a apelação interposta pela acusação não terá o condão de suspender esse mandado liberatório contido na sentença decorrência da ausência de efeito suspensivo art 596 Quanto ao disposto no parágrafo único do art 596 temse como revogado pois a reforma da parte geral do Código Penal levada a cabo em 1984 extinguiu a medida de segurança provisória Noutra dimensão em caso de sentença condenatória art 387 o apelo poderá ter efeito suspensivo ou não melhor dizendo poderá ao réu ser assegurado o direito de apelar em liberdade ou não Sobre o tema para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo das Prisões Cautelares em que analisamos essa problemática Para finalizar ainda que não seja propriamente um efeito recursal é pertinente sublinhar a possibilidade da extensão subjetiva dos efeitos da apelação nos termos do art 580 do CPP com vistas a permitir o aproveitamento da decisão proferida no recurso interposto por um dos réus desde que fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal aos outros corréus pressupondo a existência de concurso de agentes é claro Mas tal extensão não poderá ocorrer quando o recurso é do Ministério Público pois seu apelo ficará limitado ao réu objeto da impugnação Seria inconcebível por exemplo que um corréu absolvido e que não tenha tido sua parte da decisão impugnada na apelação viesse a ser posteriormente condenado por extensão Seria o mesmo que condenar alguém que não foi objeto de uma acusação formal 3 Embargos Infringentes e Embargos de Nulidade O Capítulo V do Código de Processo Penal é intitulado Do Processo e do Julgamento dos Recursos em Sentido Estrito e do agravo na execução por seguir o mesmo procedimento do RSE e das Apelações nos Tribunais de Apelação definindo claramente que as regras a seguir tratadas dizem respeito ao julgamento apenas destas duas espécies de impugnações Neste contexto prevê o art 609 Art 609 Os recursos apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça câmaras ou turmas criminais de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária Parágrafo único Quando não for unânime a decisão de segunda instância desfavorável ao réu admitemse embargos infringentes e de nulidade que poderão ser opostos dentro de 10 dez dias a contar da publicação de acórdão na forma do art 613 Se o desacordo for parcial os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência Esse é o entendimento ainda majoritário de que os Embargos Infringentes somente têm cabimento na decisão não unânime destes recursos mencionados apelação recurso em sentido estrito e agravo da execução por extensão Não obstante pensamos que essa é uma posição bastante restritiva e que parte de um argumento pobre que é o nome dado pelo CPP ao capítulo DO PROCESSO E DO JULGAMENTO DOS RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO E DAS APELAÇÕES NOS TRIBUNAIS DE APELAÇÃO que já possui erros na sua própria redação ao mencionar do processo quando o correto é do procedimento evidenciando a falta de critério e de respeito às categorias processuais Ademais faz referência aos tribunais de apelação uma nomenclatura e classificação completamente superada Inclusive o próprio STF aceitou os embargos infringentes na AP 470 Mensalão mostrando assim a possibilidade de superação dessa leitura restritiva Dessarte acrescentando ainda a necessidade de máxima eficácia do direito de defesa do acesso ao duplo grau de jurisdição direito ao recurso e principalmente da diminuição do risco de uma sentença injusta gestão do erro judiciário pensamos que é viável a admissão de embargos infringentes nos demais recursos e inclusive em relação as ações autônomas de impugnação como o habeas corpus e a revisão criminal desde que respeitado o campo de admissibilidade recurso exclusivo da defesa diante de uma decisão não unânime desfavorável ao réu Feita essa ressalva de nossa posição sigamos Interessanos conforme destacado o disposto no parágrafo único do art 609 pois ali se encerra toda a disciplina existente sobre os recursos de Embargos Infringentes e de Nulidade conforme o caso Iniciemos pela nomenclatura utilizada pelo Código embargos infringentes e de nulidade São dois recursos atentese para a conjunção aditiva e com o mesmo tratamento legal e sistemática de processamento mas com uma distinção de conteúdo e também em relação às consequências de eventual acolhimento a nos embargos infringentes o voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de fundo de mérito que poderá levar à absolvição redução da pena substituição por outra pena etc b nos embargos de nulidade o voto vencido diverge em relação a questões exclusivamente processuais ou seja às condições da ação ou mesmo às nulidades processuais tendo como consequência se acolhidos a nulidade da sentença ou mesmo de todo o processo É uma diferença que se situa na distinção formaconteúdo ou seja preliminares e mérito mas também no que tange às consequências do acolhimento pois no primeiro caso a decisão atacada é anulada e no segundo procedese à sua revisão no todo ou em parte sem anulála Logo quando o objeto da divergência se situar numa questão de fundo como a absolvição do réu ou a redução da pena em que o voto vencido decidia neste sentido caberão embargos infringentes Já quando o voto vencido for no sentido de acolher uma preliminar de nulidade ou de incompetência do juízo por exemplo caberão embargos de nulidade Mas os tribunais brasileiros nunca tiveram maior rigor no tratamento desses dois recursos equiparandoos para todos os fins numa espécie de fungibilidade institucionalizada e automatizada Em nome disso os defensores empregam os embargos infringentes para todos os fins e os tribunais não cobram qualquer rigor conceitual Na doutrina é comum sustentarse que a dualidade de recursos é meramente aparente e que o recurso é um só sendo que a distinção não possui maior significação prática467 Ainda que não concordemos com a tese de que o recurso seja um só ou de que a distinção seja meramente de nomenclatura importa é que o recurso seja conhecido e julgado Portanto até pela clara incidência do princípio da fungibilidade o recurso deve ser conhecido e apreciado desde que preenchidos os demais requisitos é óbvio independentemente do nome que se lhe dê Antes de analisar os requisitos recursais esclarecemos que os embargos serão sempre julgados por um órgão jurisdicional superior àquele que proferiu a decisão ainda que isso ocorra dentro do mesmo tribunal Logo as apelações recursos em sentido estrito ou agravos em execução serão julgados pelas Câmaras Criminais na justiça estadual ou nas Turmas Criminais justiça federal Dessa decisão não unânime favorável à defesa caberão embargos infringentes ou de nulidade conforme o caso para o órgão jurisdicional superior a saber os Grupos Criminais Tribunais de Justiça dos Estados ou Seção Criminal no âmbito dos Tribunais Regionais Federais Como regra os Regimentos Internos dos Tribunais preveem que o relator dos embargos não seja o mesmo relator da apelação ou recurso em sentido estrito o que nos parece imprescindível sob pena de grave violação da imparcialidade do órgão julgador 31 Requisitos Objetivos e Subjetivos Recordando que os requisitos objetivos são cabimento e adequação tempestividade preparo apenas nos casos em que a ação penal é de iniciativa privada e que os requisitos subjetivos são legitimidade e existência de um gravame interesse vejamos essas categorias à luz dos embargos infringentes e de nulidade No que tange ao cabimento dois aspectos são fundamentais para compreensão desta impugnação 1º é um recurso que somente tem cabimento para impugnar uma decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de uma apelação recurso em sentido estrito ou agravo em execução 2º é um recurso exclusivo da defesa pois exige uma decisão não unânime desfavorável ao réu ou seja há um voto divergente a favor da tese defensiva no todo ou em parte Assim incabíveis os embargos infringentes e de nulidade da decisão não unânime proferida por turmas recursais reunidas ainda que julgando a apelação de uma decisão dos Juizados Especiais Criminais As turmas recursais não são consideradas tribunais ou seja órgãos de segundo grau na acepção utilizada pelo Código de Processo Penal468 A decisão deve ser proferida no julgamento de apelação ou recurso em sentido estrito não cabendo embargos infringentes e de nulidade portanto das decisões não unânimes proferidas no julgamento de habeas corpus embargos declaratórios revisão criminal etc Quanto ao agravo em execução tratase de recurso que segue o mesmo processamento do recurso em sentido estrito havendo inclusive muitas decisões anteriormente atacáveis pelo RSE e que com o advento da LEP passaram a ser impugnáveis pelo agravo previsto no art 197 da Lei n 721084 Por esse motivo sustentamos a possibilidade dos embargos da decisão não unânime desfavorável ao réu proferida no julgamento de um agravo em execução penal A divergência se dá na decisão e não na fundamentação Se no julgamento de uma apelação dois desembargadores mantiverem a condenação com base em determinada prova e o terceiro divergir na valoração probatória mas igualmente condenar apenas com base noutros elementos não há que se falar em embargos infringentes Da mesma forma analisandose uma preliminar de nulidade contida na apelação defensiva dois julgadores a afastarem por inexistência de lesão ao direito fundamental ali efetivado e o terceiro a rechaçar invocando o princípio da instrumentalidade das formas são descabidos os embargos de nulidade Importa é a divergência que implique diferença na decisão como ocorre no julgamento em que a dois desembargadores mantêm a sentença condenatória e o terceiro absolve o réu b dois denegam a preliminar de nulidade e o terceiro a acolhe para anular a sentença c dois não conhecem a apelação por intempestiva e o terceiro desembargador entendendo tempestivamente interposto conhece do recurso d dois julgadores mantêm a pena interposta ou aumentam se o recurso foi do Ministério Público e o terceiro vota pelo redimensionamento da dosimetria diminuindo a pena aplicada Nesses casos há uma divergência na decisão que comporta os embargos infringentes ou de nulidade conforme a situação concreta Devese atentar ainda que com a reforma processual de 2008 cabe ao juiz na sentença condenatória fixar o valor da indenização a ser paga pelo réu Portanto em grau recursal ainda que mantida a condenação penal são perfeitamente possíveis os embargos infringentes quando o voto vencido for favorável ao réu no sentido de diminuir o valor da indenização Tratase de embargos infringentes cujo objeto estará circunscrito exclusivamente ao quantum da indenização pois esta é a divergência decisória existente Além de cabível o recuso deve ser adequadamente interposto ou seja por petição não se admitindo a interposição por termo nos autos na medida em que as razões já devem acompanhar a interposição O prazo de interposição dos embargos infringentes e também dos embargos de nulidade é de 10 dias contados da publicação do acórdão através do órgão oficial Esse prazo é único para interposição e razões Não há nessa via impugnativa os dois momentos anteriormente vistos na apelação e no recurso em sentido estrito em que a parte interpunha o recurso no prazo de 5 dias e depois era intimada para apresentação das razões Aqui nos embargos tudo ocorre no mesmo momento e no mesmo prazo de 10 dias não se conhecendo do recurso interposto sem razões Tampouco existe possibilidade de arrazoar no tribunal até porque já se está no tribunal Quanto ao preparo como já explicado é exigível nos processos iniciados por ação penal de iniciativa privada havendo deserção pelo não pagamento das custas recursais Contudo em se tratando de embargos infringentes e de nulidade prevalece o entendimento de que não é necessário preparo bastando aquele feito para a apelação Isso porque se trata de um desdobramento da apelação somente possível em razão da ausência de unanimidade na decisão Nesse sentido por exemplo dispõe o art 261 do Regimento Interno do TRF da 3ª Região Mas advertimos deve sempre ser consultado o Regimento Interno do respectivo tribunal pois essa matéria não está disciplinada no Código de Processo Penal No que tange à legitimidade é exclusiva da defesa Não devem ser conhecidos os embargos infringentes ou de nulidade interpostos pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação pois são partes ilegítimas ex vi legis para utilizar esse recurso que é privativo da defesa Há quem sustente a possibilidade de o Ministério Público recorrer a favor do réu o que nos parece uma situação anômala e extraordinária injustificável no processo penal de cunho acusatório Mas se realmente for em benefício do réu desde que o defensor fique omisso e a gravidade da situação exigir em tese não há obstáculos em ser conhecido o recurso Mas apenas em casos extraordinários e quando inequivocamente o que se busca é fazer valer um voto vencido realmente favorável ao imputado Por fim quanto ao gravame está diretamente relacionado à existência de um voto divergente favorável à defesa Decorre do interesse do réu em fazer valer no órgão superior a decisão minoritária que lhe era favorável no todo ou em parte Portanto existe interesse recursal ainda que o voto vencido acolha uma pequena parcela do pedido da defesa ou seja ainda que mínima a vantagem jurídica que aquele provimento possa lhe ocasionar como pode ser uma pequena redução da pena privativa de liberdade da pena de multa aplicada mudança de regime e até mesmo uma ínfima diminuição do valor indenizatório fixado na sentença condenatória proferida pelo juiz a quo Importa aqui é a existência de uma vantagem jurídica de uma melhoria da situação jurídica do réu que o voto vencido poderia lhe proporcionar 32 O Problema da Divergência Parcial Interposição Simultânea do Recurso Especial e Extraordinário Imaginemos a seguinte situação O tribunal por 3 x 0 decide no sentido de desacolher a preliminar arguida prova ilícita nulidade etc e no mérito por 2 x 1 nega provimento ao apelo o voto vencido absolvia o réu Como deverá proceder a defesa Deverá o réu interpor os embargos infringentes em relação à questão de mérito decidida de forma não unânime para tentar fazer valer o voto vencido no sentido da absolvição É fundamental esgotar todas as questões antes de ingressar com os recursos especialextraordinário E quanto à preliminar de nulidade denegada à unanimidade Deverá interpor o recurso especial eou extraordinário conforme a fundamentação e o caso concreto no prazo de 15 dias da publicação do acórdão ou poderá aguardar a decisão dos embargos infringentes para então utilizar esses recursos O Código de Processo Penal é completamente omisso nesta matéria dando causa à existência de duas correntes o que gera uma imensa insegurança jurídica STJ e os TRFs a interposição deve ser sucessiva nos termos do art 498 do CPC antigo que determina que o prazo dos recursos especial e extraordinário somente começará a correr após o julgamento dos embargos infringentes Essa é a posição que nos parece mais acertada mas está calcada na aplicação analógica do antigo CPC STF e muitos TJs entendem que a interposição deve ser simultânea sob pena de preclusão Negam a incidência do art 498 do antigo CPC Dessa forma intimado do acórdão começa a correr o prazo de 10 dias para os Embargos Infringentes e 15 dias para recurso especial eou extraordinário em relação às preliminares refutadas à unanimidade Essa posição nos parece ilógica até pois não houve o esgotamento das vias recursais ordinárias ainda cabem embargos infringentes e também pode haver completa modificação da decisão caso os embargos sejam acolhidos Mas e agora com a extinção dos embargos infringentes no new CPC e o desaparecimento do art 498 como ficará Infelizmente pensamos que tenderá a prevalecer a posição do STF e da interposição simultânea mas precisamos esperar a consolidação da jurisprudência Por segurança é melhor interpor simultaneamente e após o julgamento dos embargos infringentes ratificar a interposição do REspRExt por petição no prazo de 15 dias Mas diante do cenário incerto aconselhamos a ficar atento ao entendimento dos tribunais 33 Efeitos Devolutivo e Suspensivo No que se refere à extensão é um recurso limitado ao ponto da divergência nem mais nem menos Portanto a fundamentação está vinculada à divergência O efeito é devolutivo propriamente dito incumbindo ao órgão jurisdicional superior o julgamento da impugnação sem possibilidade de reexame pelo mesmo colegiado Na justiça estadual os embargos serão julgados pelo Grupo Criminal do respectivo Tribunal de Justiça na Justiça Federal pela Seção Criminal do Tribunal Regional Federal correspondente O fato de os mesmos desembargadores integrantes da Câmara ou Turma Criminal integrarem o órgão colegiado superior Grupo ou Seção e a possibilidade de modificarem suas posições não atribui aos embargos o efeito regressivo Isso porque não há a devolução da matéria para o mesmo órgão tampouco a possibilidade de retratação pelo mesmo julgador Estamos diante de um novo órgão jurisdicional hierarquicamente superior cuja composição é distinta e mais ampla que o colegiado que proferiu a decisão impugnada Como regra o Grupo Criminal é a reunião de duas Câmaras Criminais entre elas aquela de onde foi emanada a decisão No âmbito dos Tribunais Regionais Federais cada Seção Criminal é composta pelos desembargadores federais de duas Turmas Criminais sendo uma delas aquela onde a decisão não unânime foi proferida Portanto são órgãos distintos e com uma composição um colegiado mais amplo Portanto não há efeito regressivo mas sim devolutivo propriamente dito ou reiterativo para um órgão ad quem Advertimos que essa estrutura que acabamos de explicar poderá sofrer alterações de tribunal para tribunal na medida em que se trata de organização interna Por isso sugerimos sempre que seja consultado o respectivo Regimento Interno do Tribunal e também se houver o Código de Organização Judiciária COJE A extensão da matéria devolvida é limitada ao objeto da divergência que poderá ser exclusivamente jurídico no caso dos embargos de nulidade ou fáticoprobatório em se tratando de embargos infringentes Importa frisar que de nada adiantará uma ampla fundamentação da defesa acerca de questões que não foram objeto da divergência pois o julgamento ficará adstrito aos limites da divergência contidos no voto vencido Quanto ao efeito suspensivo como regra o réu tem o direito de recorrer em liberdade e mesmo que se adote o entendimento do HC 126292 do STF possibilidade de execução antecipada da pena após a decisão de segundo grau com o qual não concordamos tem prevalecido o entendimento de que na pendência de embargos infringentes ou de nulidade não houve o esgotamento da jurisdição de segundo grau Por isso incabível a execução antecipada da pena Por fim perfeitamente possível a extensão subjetiva dos efeitos do recurso nos termos do art 580 do CPP conforme anteriormente explicado Se dois réus forem condenados pela prática de determinada conduta e no julgamento da apelação de ambos ou de apenas um deles há um voto vencido que os absolvia por atipicidade da conduta mesmo que apenas um dos réus interponha os embargos infringentes se acolhido aproveitará a todos Estaremos diante de uma circunstância que não é de caráter pessoal aproveitando a todos os que não recorreram pois um mesmo fato não pode ser como regra atípico para um réu e típico para outro na mesma situação Aplicável assim o art 580 do CPP 4 Embargos Declaratórios A garantia da jurisdição e principalmente da motivação das decisões judiciais não se contenta com qualquer decisão ou com a presença de qualquer juiz Como vimos ao longo desta obra em diversas oportunidades importa a qualidade da jurisdição e a qualidade da decisão Portanto o ato decisório deve revestirse de qualidades mínimas para ser legítimo Entre elas estão obviamente a clareza a coerência a lógica e a exaustividade da decisão A decisão deve ser passível de ser compreendida por elementar sob pena de tornarse um mero rebusqueio inútil de teses jurídicas sem nenhum valor ou utilidade Da mesma forma que a acusação deve ser clara coerente e lógica sob pena de inépcia e rejeição liminar a decisão deve revestirse desses mesmos atributos infelizmente para o direito processual não existem sentenças ineptas A exaustividade da decisão significa que é dever do juiz analisar e decidir acerca de todas as teses acusatórias e defensivas acolhendoas ou não mas sempre enfrentando e fundamentando cada uma sob pena de omissão e dependendo da gravidade gerar um ato defeituoso insanável nulo portanto Os embargos declaratórios servem para impugnar o ato decisório que não cumpra esses requisitos mínimos permitindo que o juiz esclareça e até supra eventuais omissões Mais do que isso são os embargos declaratórios instrumentos a serviço da eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais pois as partes têm o direito fundamental de saber o que o juiz decidiu como e por quê O Código de Processo Penal estabelece o recurso de embargos declaratórios com uma fundamentação legal diversa conforme se trate de embargos de decisão de primeiro grau ou acórdão proferido por tribunal No fundo o recurso é o mesmo É importante esclarecer que o juiz ao proferir uma sentença esgota sua jurisdição Somente com o advento de um recurso que tenha efeito regressivo se lhe oportuniza reexaminála Essa é uma das características básicas dos embargos declaratórios Contudo eventuais erros materiais da sentença meras correções podem ser feitos pelo juiz ou tribunal independente da interposição dos embargos declaratórios mas em caráter excepcional e sem que representem um reexame ou nova decisão Não há que se confundir a excepcional faculdade de corrigir erros materiais com o poder de refazer a sentença Para impugnar as decisões proferidas por juiz singular primeiro grau portanto utilizase o art 382 do CPP Em se tratando de acórdãos proferidos por tribunais os embargos declaratórios estão previstos nos arts 619 e 620 do CPP A rigor os embargos de declaração servem apenas para que o órgão julgador declare esclareça a decisão não para que ele volte a decidir retrate se ou modifique o decidido ainda que isso possa excepcionalmente acontecer como se verá a seguir Vejamos agora os requisitos recursais e os efeitos que essa impugnação pode ter 41 Requisitos Objetivos e Subjetivos Partindo da estrutura recursal de requisitos objetivos cabimento e adequação tempestividade e preparo e subjetivos legitimidade e existência de um gravame vejamos essas categorias à luz dos embargos declaratórios Quanto ao cabimento os embargos de declaração servirão para impugnar a um ato decisório judicial seja ele sentença decisão interlocutória ou acórdão mesmo que irrecorrível b que tal ato decisório contenha uma obscuridade ambiguidade contradição ou omissão Todo ato judicial que tenha um caráter decisório ainda que mínimo é passível de embargos declaratórios mesmo que seja considerado irrecorrível como sucede com as decisões interlocutórias simples Pode parecer contraditório dizer decisão irrecorrível mas impugnável por embargos de declaração mas não o é A garantia constitucional da motivação das decisões judiciais e a própria legitimidade do exercício do poder jurisdicional no curso do processo penal impõem a clareza e possibilidade de compreensão dessas decisões sejam elas recorríveis ou não O que está em discussão é o direito das partes de saberem o que e por que tal ou qual decisão foi tomada Portanto toda e qualquer decisão ainda que dita irrecorrível pode ser objeto de embargos declaratórios Não se concebe a possibilidade de qualquer ato jurisdicional incompreensível independentemente de sua natureza Mas para tanto é necessário que essa decisão contenha a obscuridade no sentido de ser difícil de entender confusa enigmática vaga469 b ambiguidade é aquela decisão que se pode tomar em mais de um sentido é equívoca indeterminada imprecisa ou incerta470 c contradição é a decisão que contém um conflito de ideias uma dicotomia uma incompatibilidade entre as teses expostas ou entre as teses e o dispositivo Contraditório aqui é empregado no sentido de ilogicidade da própria decisão em que a fundamentação não conduz à conclusão ou a fundamentação é incompatível em si mesma d ou omissão tratase da falta juridicamente relevante ou seja a falta de enfrentamento de todas as teses acusatórias ou defensivas sejam fáticas ou jurídicas ou ainda de valoração da prova produzida no processo Nas decisões interlocutórias proferidas no curso da instrução a omissão pode existir em relação aos pedidos de diligências e provas postulados pelas partes e não decididos pelo juiz Nem sempre existe um limite claro entre esses conceitos devendo ser evitado o excessivo formalismo e preciosismo Excepcionalmente como veremos na continuação os embargos de declaração poderão ser utilizados para fins de prequestionamento da matéria a ser impugnada pela via do recurso especial ou extraordinário principalmente quando a decisão for omissa no enfrentamento da violação de norma constitucional ou federal ou negativa de vigência como se verá a seu tempo Os embargos de declaração devem ser opostos por escrito com as razões inclusas em que a parte demonstre o ponto a ser aclarado A exceção a essa regra fica por conta dos Juizados Especiais Criminais em que o art 83 da Lei n 909995 possibilita a interposição dos embargos declaratórios oralmente ou por escrito e também amplia o prazo que será de 5 dias interrompendo conforme a disciplina prevista pelo novo CPC art 1066 que modificou o art 50 da Lei n 909995 a contagem de prazo para interposição do recurso superveniente Anteriormente na vigência do Código de Processo Civil de 1973 os embargos declaratórios no JECrim suspendiam o prazo para novos recursos com a vigência do novo CPC eles passam a interromper o prazo Como regra o prazo é de 2 dois dias tanto para os embargos interpostos contra decisão de primeiro grau como também junto aos tribunais Esse prazo é contado da data da intimação do despacho ou decisão para os embargos apresentados em primeiro grau ou da publicação do acórdão quando interpostos nos tribunais Excepcionalmente como visto no âmbito dos Juizados Especiais Criminais esse prazo é de 5 dias Como regra não existe preparo para os embargos declaratórios mesmo sendo a ação penal de iniciativa privada mas é sempre aconselhável consultarse o Regimento Interno do respectivo tribunal e o Código de Organização Judiciária já que o Código de Processo Penal é omisso nesta matéria No que tange aos requisitos subjetivos estão legitimados a embargar o Ministério Público assistente da acusação o querelante e o réu ou querelado O gravame é inerente ao fato de se ter uma manifestação jurisdicional ambígua obscura contraditória ou omissa Não há prejuízo mais evidente do que estar submetido a uma decisão incompreensível ou incompleta O interesse recursal está vinculado à ineficácia da garantia da motivação das decisões judiciais 42 Efeitos Devolutivo Suspensivo e Modificativo Infringentes Os embargos declaratórios têm efeito interativo ou regressivo pois atribuem ao próprio juiz ou tribunal que ditou a decisão o poder de reexaminála ou seja regressa para o mesmo órgão decisório Incumbe ao juiz que proferiu a sentença ou câmaraturma criminal em caso de acórdão decidir novamente esclarecendo a contradição ambiguidade obscuridade ou omissão Como regra não há uma modificação na decisão mas apenas a declaração de seu conteúdo incompreensível Por esse motivo em tese nada impede que existam embargos declaratórios sucessivos ou seja interpostos mais de uma vez em relação à mesma decisão Excepcionalmente em casos complexos pode ser que a nova decisão ainda não esclareça completamente os pontos omissos obscuros ambíguos ou contraditórios cabendo portanto a renovação dos embargos declaratórios Mas essa é uma situação excepcional Quanto ao efeito suspensivo na verdade os embargos declaratórios interrompem o prazo para interposição de qualquer outro recurso desde que a decisão seja recorrível é claro Não se trata de suspender mas sim de interromper o prazo dos demais recursos na medida em que deverá fluir por inteiro Neste ponto após longa divergência doutrinária a questão pacificou se no sentido da aplicação analógica do art 1026 do CPC diante da omissão do CPP com a interrupção dos prazos recursais Essa regra também se aplica aos embargos no JECrim com a entrada em vigor do atual CPC e o disposto no art 1066 Ainda que os embargos não sejam conhecidos ou providos temse como interrompido o prazo de qualquer outro recurso que vise impugnar aquela decisão Existe contudo uma tendência em punir o litigante de máfé que interponha sucessivos embargos descabidos e protelatórios Neste sentido o art 1026 2º e 3º do CPC prevê punições para a reiteração de embargos manifestamente protelatórios e neste caso pode o tribunal entender que não haverá interrupção do prazo recursal Destacamos que a Lei n 139642019 alterou a redação do art 116 do CP que disciplina as causas impeditivas da prescrição Portanto a prescrição não corre na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos tribunais superiores recurso especial extraordinário respectivos agravos agravo regimental embargos de divergência etc quando inadmissíveis É como se não corresse a prescrição enquanto se aguarda o julgamento de por exemplo um agravo em recurso especial que ao final venha a ser inadmitido Tecnicamente recurso não admitido é o mesmo que não conhecimento Portanto se conhecido e negado provimento deverá ser computado o tempo de tramitação no prazo prescricional De qualquer forma apenas ao final do julgamento do recurso no STJ ou STF é que se poderá saber se houve ou não a prescrição pois o cômputo desse tempo dependerá da decisão final No mesmo sentido BOTTINI471 sustenta que nesses casos o prazo de prescrição somente seguirá correndo se estes recursos forem admitidos ou seja se os requisitos previstos em lei para sua utilização forem respeitados como prazo para interposição legitimidade existência de interesse processual de objeto a ser questionado etc Caso o recurso seja inadmitido ou seja não conhecido não apreciado por falta destes requisitos todo o tempo gasto com essa análise será desconsiderado para fins de prescrição É como se esse tempo não tivesse passado para o cálculo da prescrição Em se tratando de Juizado Especial Criminal o art 83 da Lei n 909995 foi modificado pelo art 1066 do CPC mantendose o prazo de 5 dias para interposição mas interrompendo o prazo para os recursos sucessivos antes suspendia o prazo Ainda na dimensão de efeito recursal muito interessante são os efeitos infringentes ou modificativos que podem adquirir os embargos de declaração ainda que sem previsão legal Os embargos declaratórios não têm uma função modificativa mas meramente esclarecedora declarando o conteúdo não compreendido da decisão Excepcionalmente quando há grave omissão ou contradição o esclarecimento conduz inexoravelmente à modificação da decisão caracterizando assim os efeitos modificativos ou infringentes Tratase de uma modificação da decisão por imposição lógica como sucede por exemplo na sentença condenatória que fixa a pena em 2 anos de detenção por um delito cometido sem violência ou grave ameaça e determina a expedição de mandado de prisão por negar o direito de apelar em liberdade O réu antes da apelação interpõe embargos declaratórios alegando uma grave omissão o não enfrentamento da possibilidade de substituição da pena nos termos do art 44 do CP O juiz acolhendo o pedido declara o ponto omisso e com isso modifica substancialmente a sentença na medida em que substitui a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos Ainda diante da nova decisão reconhece o direito de o réu apelar em liberdade pois manifestamente desproporcional decretar se a prisão preventiva diante de uma sentença que determinou a prestação de serviços à comunidade Mas há casos em que a modificação é mais profunda especialmente quando há contradição entre a fundamentação e a decisão ou grave omissão em que a decisão dos embargos de declaração acaba por modificar completamente a natureza da sentença Imaginese uma decisão que na fundamentação e análise da prova afirme a autoria e materialidade tomando o caminho da condenação Contudo inexplicavelmente o dispositivo absolve o réu O Ministério Público apresenta embargos de declaração apontando a grave contradição entre a fundamentação e o dispositivo Se acolhidos os embargos haverá claramente efeitos modificativos ou infringentes pois o juiz deverá refazer o dispositivo com a respectiva dosimetria e proferindo uma sentença condenatória Como regra uma vez interpostos os embargos de declaração não há contraditório ou seja não há manifestação da outra parte apenas do juiz Contudo quando houver possibilidade de radical modificação na decisão efeitos modificativos ou infringentes que possa inclusive inverter o gravame como no exemplo anterior é aconselhável que o juiz determine a intimação da parte contrária que poderá ser afetada pela nova decisão proferida para que apresente contrarrazões472 Tratase de uma medida salutar com vistas a dar eficácia ao contraditório e que em nada prejudica a celeridade do recurso e do processo Neste sentido determina o art 1023 2º do CPC que o juiz intimará o embargado para querendo manifestarse no prazo de 5 dias sobre os embargos opostos caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada Inclusive em caso de sentença se uma das partes interpõe os embargos declaratórios e a outra não recorre pois satisfeita com o decidido havendo modificação da decisão pela admissão dos embargos nasce o direito de recorrer da outra parte a partir dessa decisão nova Nesse caso os efeitos modificativos dos embargos fazem com que a parte inicialmente não sucumbente passe a sêlo nascendo ali seu interesse recursal O prazo para eventuais recursos dessa nova decisão nasce com a intimação Ou seja a interrupção do prazo recursal operada com a interposição dos embargos declaratórios a todas as partes aproveita e não apenas ao que embargou Isso decorre inclusive da possibilidade de uma inversão do gravame em decorrência dos efeitos modificativos E caso já tenha a parte recorrido com a inversão do gravame deverá serlhe oportunizado novo prazo para razões em nome da regra da complementaridade dos recursos No mesmo sentido vem a nova redação do art 1024 4º do CPC Em suma os efeitos modificativos são excepcionais e exigem especial atenção com a eficácia do contraditório diante da possibilidade de inversão do gravame 5 Do Agravo em Execução Penal Verificada no curso do processo a efetiva existência do delito e proferida sentença penal condenatória iniciase a execução penal em que o poder estatal de penar será levado a cabo Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória está constituído o título executivo Contudo o problema não está terminado ao contrário iniciase mais uma problemática fase do já doloroso processo penal definida por CARNELUTTI473 como expiación de la pena considerado como o conjunto de atos processuais que se verificam depois de haver passado em julgado a sentença condenatória No art 2º da LEP encontramos a determinação de que a jurisdição será exercida no processo de execução pelos juízes e tribunais da justiça ordinária Na continuação o art 3º estabelece que ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei o que nos leva a invocar na Constituição a garantia do due process of law consagrada no art 5º LIV Caberá ao juiz também estar atento para eliminar os abusos durante este processo e pronto para resolver as controvérsias sobre a execução do julgado seus limites e possibilidades e a respeito da tutela dos inúmeros interesses jurídicos do condenado474 Mas a garantia da jurisdição na execução penal não estaria completa se as decisões proferidas nos diversos incidentes lá existentes fossem inatacáveis Significa dizer ainda que mesmo em sede de execução criminal há que se garantir o duplo grau de jurisdição Nessa linha a Lei de Execuções Penais LEP Lei n 721084 prevê no seu art 197 o seguinte Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo sem efeito suspensivo Infelizmente a isso se resume a disciplina legal do agravo em execução penal Após alguma oscilação jurisprudencial pacificouse corretamente o entendimento de que esse agravo deverá seguir o processamento do recurso em sentido estrito anteriormente estudado e previsto nos arts 581 a 592 do CPP A postura é correta na medida em que os incidentes da execução penal são resolvidos por meio de decisões interlocutórias sendo o recurso em sentido estrito a impugnação mais adequada Vejamos agora os requisitos recursais objetivos e subjetivos 51 Requisitos Objetivos e Subjetivos Iniciandose pelos requisitos objetivos de cabimento e adequação cumpre explicar que o agravo em execução destinase a impugnar as decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal como por exemplo a que nega ou concede a progressão de regime determina a regressão de regime concede ou denega o pedido de livramento condicional a que homologa um Procedimento Administrativo Disciplinar e determina a regressão de regime ou perda dos dias remidos que nega o pedido de saídas temporárias concede ou denega o pedido de indulto comutação remição etc Ao contrário do que ocorre no recurso em sentido estrito não há um rol taxativo de decisões impugnáveis pela via do agravo em execução importando a existência de uma decisão interlocutória que gere um gravame para o réu ou da qual discorde o Ministério Público Em linhas gerais os incidentes da execução criminal devem ser objeto de uma decisão jurisdicional e esta decisão poderá ser impugnada pela via do agravo Esse recurso poderá ser interposto por petição ou por termo nos autos art 578 do CPP permitindose assim que a parte prejudicada interponha na própria audiência ou em cartório o recurso mediante redução da manifestação oral à forma escrita ou seja termo nos autos Mas diante da realidade da execução penal a interposição por termo nos autos dificilmente ocorre A regra é a interposição por petição No que diz respeito à tempestividade o agravo é regido pelos seguintes prazos 5 dias para interposição art 586 do CPP 2 dias para apresentação das razões art 588 do CPP Como ocorre com o recurso em sentido estrito o agravo em execução se desenvolve em dois momentos distintos um para interposição em que se afere a tempestividade e outro para apresentação das razões mas sublinhamos a tempestividade é a exigência de interposição no prazo de 5 dias a contar da intimação da decisão A apresentação das razões fora do prazo fixado 2 dias é mera irregularidade que não prejudica a admissão do recurso Também é importante recordar a faculdade disposta na Lei n 787189 que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados Para evitar repetições remetemos o leitor ao explicado anteriormente sobre interposição tempestividade e preparo Não há que se falar em preparo no agravo em execução não apenas porque inexiste previsão legal sobre as custas deste recurso mas também porque já se esgotou o processo de conhecimento em que se iniciado pela ação penal de iniciativa privada obrigaria ao pagamento das custas Em sede de execução criminal não há que se falar em custas processuais ou recursais Ingressando nos requisitos recursais subjetivos cumpre esclarecer que a legitimação para agravar é do Ministério Público defensor ou apenado até porque na execução atribuise ao preso a capacidade de postular em juízo o que constitui um absurdo na medida em que o correto é terse um serviço de defensoria pública suficientemente forte e bem estruturado para acabar com essa falácia de que na execução todos são advogados do apenado quando na verdade ninguém o é Quanto ao interesse recursal está vinculado à existência de um gravame um prejuízo jurídico decorrente da denegação de um pedido ou mesmo do estabelecimento de uma situação mais gravosa como pode ser a regressão de regime ou a perda dos dias remidos em virtude de um PAD procedimento administrativo disciplinar 52 Aspectos Procedimentais Formação do Instrumento e Efeito Regressivo O agravo em execução subirá por instrumento devendo a parte recorrente indicar as peças do Processo de Execução Criminal PEC que pretenda traslado ou seja quais petições e decisões entende necessário fotocopiar para formar os autos que subirão ao tribunal com o recurso Existem peças que a parte indica e outras que são necessárias como determina o art 587 parágrafo único do CPP São peças obrigatórias a a decisão recorrida b a certidão da intimação da parte recorrente para aferir a tempestividade do recurso c e obviamente o termo de interposição caso não seja interposto por petição Além das obrigatórias e das indicadas pelas partes poderá o juiz determinar que integrem o instrumento todas as peças que julgar necessárias art 589 A petição de interposição e as razões são peças que logicamente sempre integrarão o instrumento da mesma forma que as contrarrazões do recorrido Na prática o instrumento não é preparado pelo cartório ou secretaria como estabelece o CPP e tampouco adianta o recorrente apenas indicar as peças Diante da institucionalizada falta de recursos materiais humanos de boa vontade etc deverá o interessado pegar os autos em carga e providenciar todas as cópias já as anexando às razões do recurso sob pena de ver sua impugnação amargar meses parada na prateleira do cartório Interposto tempestivamente o agravo em execução apresentadas as razões e formado o instrumento com a resposta do recorrido ou sem ela sendo o apenado deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentála em nome da eficácia da ampla defesa os autos serão conclusos ao juiz que proferiu a decisão efeito regressivo para que a mantenha ou reforme Nesse sentido é o que estabelece o art 589 do CPP Exige atenção a sistemática do parágrafo único pois se o juiz da execução se retratar e reformar a decisão impugnada haverá uma inversão do gravame cabendo à parte até então não prejudicada mas que com a retratação o foi recorrer dessa nova decisão por simples petição não sendo mais lícito ao juiz modificála Nesse caso sem qualquer complemento da fundamentação das partes o recurso subirá nos próprios autos ou em traslado conforme o caso Essa simples petição é uma peculiar forma de recorrer da nova decisão devendo a parte ali já fazer a fundamentação que julgar necessária pois não haverá outra oportunidade E qual o prazo para que a parte agora prejudicada apresente essa simples petição O CPP não define mas é lógico darse o mesmo tratamento dispensado ao recurso ou seja 5 dias Essa simples petição deve ser apresentada em até 5 dias da data em que a parte prejudicada for intimada da retratação do juiz Ao contrário do que ocorre no recurso em sentido estrito em que a simples petição somente será possível se a nova decisão for recorrível no agravo esse problema não existe Isso porque não há um rol taxativo de decisões impugnáveis pelo agravo em execução diversamente da sistemática do RSE Portanto havendo retratação sempre será possível que a parte prejudicada recorra dessa nova decisão por simples petição 53 Efeito Devolutivo e Suspensivo O agravo em execução criminal tem efeito misto ou seja regressivo no primeiro momento devolução ao juiz a quo e devolutivo propriamente dito no segundo momento quando o juiz não exerce o juízo de retratação e o agravo é remetido ao tribunal ad quem O fato de o agravo não ter efeito suspensivo faz com que muitas vezes seja interposto habeas corpus para evitar ou sanar a grave coação ilegal que o apenado sofre ou pode vir a sofrer Isso porque em geral os incidentes da execução giram em torno da possibilidade ou não de progressão regressão livramento condicional obtenção de indulto comutação unificação de penas etc ou seja questões diretamente ligadas ao estado de liberdade ou ausência de do apenado cuja urgência não é compatível com um recurso despido de efeito suspensivo Mas alguns tribunais muitas vezes alheios à realidade medieval do sistema carcerário brasileiro adotando uma postura formalista e burocrática não conhecem do habeas corpus diante da existência de recurso específico agravo Daí por que especialmente a defesa se vê compelida a lançar mão dos dois instrumentos de forma simultânea habeas corpus e agravo em execução Se o primeiro for conhecido e quem sabe até a liminar concedida esvazia o objeto do segundo Do contrário em não sendo conhecido o writ o agravo já está tramitando diminuindo o tempo de espera do apenado por uma decisão 6 Da Carta Testemunhável De origem lusitana como explicam GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE475 a carta testemunhável remonta ao tempo do Império e servia para evitar que os juízes se ocultassem para não receber os recursos ou determinassem ao escrivão que não lhes desse andamento Nestes casos o recorrente comparecia em cartório acompanhado de duas testemunhas e relatava o que estava sucedendo ao escrivão manifestando sua intenção de recorrer Caso o escrivão admitisse a veracidade dos fatos narrados fornecendo atestado a respeito o problema ficava solucionado Em caso de relutância do escrivão o recorrente comparecia ao tribunal com as duas testemunhas Sem dúvida um instrumento processual bastante curioso não apenas no nome mas que atualmente tem pouca utilidade prática e revelase bastante anacrônico desconectado da realidade do processo penal e da administração da justiça contemporânea Mas ainda está em vigor sendo disciplinado nos arts 639 a 646 do CPP Iniciemos pelo art 639 Art 639 Darseá carta testemunhável I da decisão que denegar o recurso II da que admitindo embora o recurso obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem Eis os casos em que a carta testemunhável tem cabimento servindo basicamente para permitir que o recurso seja finalmente enviado ao tribunal ad quem seguindo lá sua tramitação Mas qual ou quais recursos Apenas o recurso em sentido estrito e o agravo em execução Isso porque a carta testemunhável é um recurso subsidiário somente podendo ser utilizado se não houver um recurso específico para a decisão denegatória Por exemplo em se tratando de apelação a denegação é impugnável por recurso em sentido estrito art 581 XV sendo denegada a subida de recurso especial ou extraordinário caberá agravo de instrumento a seguir explicado No que se refere à forma de interposição está disciplinado no art 640 do CPP Ainda que não seja dito entendemos que a carta testemunhável deverá ser requerida ao escrivão por escrito logo petição dirigida ao escrivão e não ao juiz no prazo de 2 dias ainda que o dispositivo estabeleça 48h os prazos não são contados em horas portanto vale a regra dos 2 dias indicando as peças formação do instrumento Esse prazo é contado da data da intimação da decisão que denegou o recurso ou obstou o seu seguimento Quanto à legitimidade está vinculada àquela necessária para a interposição do recurso originário para o qual foi denegado o prosseguimento logo Ministério Público assistente da acusação ou o defensor do imputado Quanto ao interesse está vinculado à existência do gravame inerente ao fato de a parte ser prejudicada pelo não prosseguimento de seu recurso independentemente do motivo indicado pelo juiz Não há que se falar em preparo para a carta testemunhável até porque é um recurso destinado a levar ao órgão ad quem o conhecimento de uma decisão que denegou um outro recurso Assim eventuais custas recursais se existentes dizem respeito ao recurso originário cujo prosseguimento foi denegado O procedimento segue nos termos do art 641 Assim feita a petição e indicadas as peças deverá o escrivão ou secretário do tribunal no prazo de 5 dias entregar o instrumento ao recorrente A menção que o dispositivo legal faz ao recurso extraordinário perdeu sentido com a nova disciplina estabelecida pela Lei n 8038 Como o art 643 remete para os arts 588 a 592 do CPP o procedimento a ser seguido será o mesmo do recurso em sentido estrito ou seja deverá o recorrente apresentar razões no prazo de 2 dias após intimase o recorrido para contrarrazões no mesmo prazo indo os autos conclusos para que o juiz se retrate e receba o recurso determinando sua subida ou mantenha sua decisão Neste último caso sobe o instrumento Nesse último caso estabelece o art 644 que o tribunal câmara ou turma a que competir o julgamento da carta se desta tomar conhecimento mandará processar o recurso ou se estiver suficientemente instruída decidirá logo Com isso o tribunal ad quem poderá desde logo decidir o mérito do recurso que teve seu prosseguimento denegado Por fim a carta testemunhável tem efeito devolutivo misto regressivo no primeiro momento e devolutivo propriamente dito no segundo e não terá efeito suspensivo por expressa vedação do art 646 do CPP 7 Dos Recursos Especial e Extraordinário Antes de iniciar o estudo é importante fazer uma advertência com a vigência do novo CPC os arts 26 a 29 da Lei n 803890 que disciplinam ambos os recursos foram revogados e a matéria passa a ser tratada dentro do CPC arts 1029 a 1041 Os recursos especial e extraordinário são meios de impugnação de natureza extraordinária na medida em que respectivamente o Superior Tribunal de Justiça STJ e o Supremo Tribunal Federal STF não reexaminam todo o julgamento senão que se limitam ao aspecto jurídico da decisão impugnada ou seja à discussão das questões de direito expressamente previstas em lei São por isso recursos de fundamentação vinculada posto que a matéria discutida fica limitada àqueles expressamente previstos na Constituição Quanto à discussão em torno da prova ou seja de questões de fato em ambos os recursos isso está vedado Assim dispõem as Súmulas 07 do STJ e 279 do STF SÚMULA 07 do STJ A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial SÚMULA 279 do STF Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário Mas essa limitação deve ser bem compreendida pois o que se veda é a rediscussão da axiologia da prova em relação ao caso penal mas não o regime legal das provas Portanto a violação de regras processuais atinentes à prova dos princípios das provas a utilização de prova ilícita a prova ilícita por derivação a atribuição de carga probatória ao réu enfim as questões legais acerca da prova são passíveis de recurso especial O que ambas as Súmulas vedam é o simples reexame da prova o que não impede portanto a discussão sobre a qualificação jurídica dos fatos ou seja o juízo de tipicidade realizado pelo tribunal a quo no caso concreto A discussão situa se na incidência ou não da norma penal no caso em julgamento a interpretação dada e os limites semânticos do tipo É claro que a prova questão de fato é o pano de fundo da discussão mas não o objeto dela Portanto admissível o recurso especial Exemplo dessa situação se dá no recurso especial do acórdão que manteve a pronúncia por homicídio doloso eventual em um crime de trânsito quando a tese defensiva é de crime culposo REsp 765593RS DJ 19122005 e REsp 705416SC A distinção entre questão de fato e questão de direito nesse caso é bastante tênue pois não há como circunscrever a discussão ao conceito jurídico de dolo e culpa sem incursionar na prova do fato Mas é preciso sublinhar ambas as Súmulas são criticáveis pois recorrem a uma distinção entre questões de fato e questões de direito que não se sustenta Não tão cartesiana todo o oposto tratase de uma distinção tênue senão inexistente No fundo constitui mais um instrumento de exercício do decisionismo tão criticado aqui por ampliar excessiva e ilegitimamente o espaço de discricionariedade judicial prestandose a que os tribunais superiores conheçam ou não de recursos a partir de critérios subjetivos e não controláveis No mesmo sentido ROSSI476 cita as Súmulas 7 do Superior Tribunal de Justiça e 279456 do STF como meios para uma atuação absolutamente discricionária dos ministros relatores e turmas dessas cortes ora as aplicam sem qualquer cerimônia ora ultrapassam tais óbices intransponíveis apreciando casos por vezes idênticos Partindo da clássica crítica feita por Castanheira Neves de que toda questão de fato é sempre uma questão de direito e viceversa pois o direito é parte integrante do próprio caso quando o jurista pensa o fato pensao como matéria do direito quando pensa o direito pensao como forma destinada ao fato STRECK477 explica que i tal cisão é uma decorrência da velha subsunção e do silogismo portanto inadequada em termos paradigmáticos ii a partir da filosofia mostrando a impossibilidade de separar ser e ente sempre chamei a isso de cisão metafísica de caráter ontoteológico iii sob outro ângulo Friedrich Müller mostrou a impossibilidade de cindir texto e norma Na mesma linha ROSSI478 adverte que não existe a mínima hipótese de cisão entre questão de fato e questão de direito como hodiernamente insistimos em sustentar construindo e incentivando reformas processuais cujos textos reconhecem como padrão decisório unicamente questões de direito desgarradas do conjunto fático da qual emerge Sustentar essa cisão é ignorar que toda questão jurídica compreende necessariamente questão de fato e de direito que se entrelaçam em um todo Portanto é inimaginável a pretendida dissensão É evidente que o direito existe para tutela de situações fáticas que a partir da sua incidência acabam sendo juridicizadas O direito toma para si o fato que portanto para ter relevância jurídica nosso ponto de interesse em tema recursal não pode mais prescindir do direito É incindível a íntima relação e interação que se estabelece Castanheira Neves explica ROSSI é categórico em afirmar que da questão de direito não é possível prescindirse da solidária influência da questão de fato Ou numa formulação bem mais expressiva para dizer a verdade o puro fato e o puro direito não se encontram nunca na vida jurídica O facto não tem existência senão a partir do momento em que se torna matéria de aplicação do direito o direito não tem interesse senão no momento em que se trata de aplicar o facto pelo que quando o jurista pensa o facto pensao como matéria do direito quando pensa o direito pensao como forma destinada ao facto Não é preciso maior esforço para compreender que a dicotomia entre questão de fato e questão de direito não se sustenta servindo apenas como elemento estruturante de uma jurisprudência defensiva que se presta ao exercício do decisionismo e dos espaços impróprios de discricionariedade judicial Mas infelizmente as Súmulas estão aí e seguem vigendo Mudando o enfoque ambos os recursos destinamse a impugnar as decisões proferidas em única nos casos de competência originária dos tribunais ou última instância constituindose em ultima ratio do sistema recursal que sempre pressupõem o exaurimento das vias recursais ordinárias Neste sentido está na Súmula 281 do STF Tal exigência serve para ambos os recursos pois também o especial não tem cabimento quando a matéria não tiver esgotado os recursos ordinários Considerando que os recursos especial e extraordinário têm diversos pontos em comum faremos uma análise conjunta destacando quando necessário as especificidades de cada um deles 71 Requisitos Objetivos e Subjetivos O cabimento e a adequação dos recursos especial e extraordinário são distintos sendo necessária uma análise ainda que sumária de cada caso a partir da disciplina constitucional da matéria Iniciemos pelo recurso especial e após o extraordinário 711 Cabimento e Adequação no Recurso Especial O recurso especial tem seus casos de cabimento expressamente previstos no art 105 III da Constituição a saber III julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida COMENTÁRIO O recurso especial será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça após uma decisão em única ou última instância pelos tribunais de justiça dos Estados do Distrito Federal e Territórios ou dos tribunais regionais federais O julgamento em única instância a que se refere o dispositivo diz respeito aos casos em que esses tribunais têm competência originária porque o réu possui prerrogativa de função ou existe a reunião em razão da conexão ou continência Nesses casos da decisão tomada pelo tribunal caberá apenas recurso especial ou extraordinário conforme o caso Já a menção feita pelo dispositivo à decisão em última instância significa que o processo foi julgado em primeiro grau e após foram esgotados todos os recursos ordinários apelação embargos infringentes e de nulidade embargos declaratórios etc Decisão em última instância pressupõe o esgotamento de todos os recursos no respectivo Tribunal Estadual ou Regional Federal pois só então se abre a possibilidade do recurso especial Sublinhese por fim o disposto na Súmula 203 do STJ Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais É uma situação diversa daquela estabelecida para o recurso extraordinário em que a Súmula 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência COMENTÁRIO O primeiro caso de cabimento de recurso especial dáse quando a decisão do tribunal a quo for contrária a algum tratado internacional ou lei federal Código Penal Código de Processo Penal Lei de Execuções Penais etc ou ainda negarlhes vigência no sentido de não aplicar dispositivo legal previsto em lei federal ou tratado Dessarte é o recurso especial um instrumento de tutela e controle da aplicação da legislação infraconstitucional ao passo que a tutela da Constituição corresponde ao Supremo Tribunal Federal É recorrente a interposição de recurso especial por não observância ou não aplicação o que significa negar vigência de formas processuais ou seja a prática de atos judiciais ao longo do processo que são contrários às regras procedimentais ou probatórias Isso se equipara à negativa de vigência de lei federal Se a defesa por exemplo arguir a existência de um defeito insanável em sede de preliminar de apelação postulando o reconhecimento da nulidade e o tribunal não der provimento a esse pedido em tese poderá ingressar com recurso especial discutindo exclusivamente essa questão jurídica violação de norma federal ou negativa de vigência conforme o caso Em última análise não foi devidamente observada a legislação infraconstitucional ou a disciplina contida em tratados internacionais no momento da aplicação do direito ao caso concreto Contudo não se pode desconsiderar o que dissemos anteriormente sobre o ato decisório e a eleição de significados da norma bem como a inevitável interpretação da lei que deve ser feita neste momento Daí por que a contrariedade à lei federal ou tratado internacional acaba por ser uma questão hermenêutica e mais do que isso de conformidade ou não entre a interpretação e aplicação feita pelo tribunal a quo em relação à posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça Razão assiste a PACELLI479 quando afirma que a contrariedade à lei federal termina por se revelar então apenas como uma contrariedade ao entendimento que tem o Superior Tribunal de Justiça sobre o conteúdo de determinada norma legal Quanto aos tratados internacionais de direitos humanos uma ressalva deve ser feita Quando ratificados gozam de evidente prevalência sobre a legislação ordinária pois como explica MENDES480 não se pode negar que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes conferindolhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico Portanto tratado devidamente aprovado nos termos do art 5º 3º da Constituição tem status de emenda constitucional sendo objeto de recurso extraordinário junto ao STF Superada essa questão subsiste outra problemática e os tratados de direitos humanos mais especificamente a Convenção Americana de Direitos Humanos que é anterior à Emenda Constitucional 45 quando for violada será objeto de recurso especial STJ ou extraordinário STF A questão é polêmica e novamente nos remete para a discussão acerca da receptividade da CADH No RE 466343SP e no HC 87585TO o STF firmou posição por maioria apertada que a CADH tem valor supralegal ou seja está situada acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição Contudo estamos com VALERIO MAZZUOLI e o Min CELSO DE MELLO que sustentam posição diversa no sentido de que tal tratado tem índole e nível constitucional por força do art 5º 2º da CF Inobstante a divergência coincidem as posições no sentido de que a CADH é um paradigma de controle da produção e aplicação normativa doméstica estando acima das leis ordinárias cujo controle de validade está a cargo do STJ Portanto sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário junto ao STF b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal COMENTÁRIO Não vislumbramos aplicação no processo penal desse dispositivo mas se for o caso é o controle pela via do recurso especial de uma decisão que considerar válido um ato do poder executivo governo local sobre o qual exista uma divergência de interpretação no confronto com a disciplina contida em uma lei federal c dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal COMENTÁRIO Nesse caso um Tribunal Estadual ou Regional Federal diverge da interpretação dada por outro Tribunal Estadual ou Regional Federal em relação a um mesmo dispositivo legal Não se dá essa hipótese de cabimento quando a divergência é interna ou seja dentro do mesmo tribunal Nesta linha estabelece a Súmula 13 do STJ A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial Portanto a divergência deve estabelecerse entre tribunais distintos sendo irrelevante se estaduais ou regionais federais Não se trata de divergência de teses jurídicas ou de fundamentação mas de decisão Importa é a decisão que ao aplicar a lei federal gera a divergência Exercerá o Superior Tribunal de Justiça a tutela da legislação infraconstitucional uniformizando a divergência jurisprudencial em torno de uma lei federal Novamente o que se tem é uma problemática de natureza hermenêutica em que dois tribunais dão a uma mesma lei federal diferentes interpretações e aplicações ou de não aplicação Caberá ao STJ a última palavra sinalizando o sentido a ser dado à norma pondo fim à divergência jurisprudencial Neste sentido vejamos a Súmula 83 do STJ Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida O art 1029 1º do CPC determina que quando o recurso fundarse em dissídio jurisprudencial o recorrente fará prova da divergência com a certidão cópia ou citação do repositório de jurisprudência oficial ou credenciado inclusive em mídia eletrônica em que houver sido publicado o acórdão divergente ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores com indicação da respectiva fonte devendose em qualquer caso mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados Isso é imprescindível sob pena de não conhecimento do recurso Como já decidido e exigido inúmeras vezes pelo STJ deve haver a demonstração analítica da divergência cabendo ao recorrente explicitar e analisar de forma clara a decisão recorrida e as decisãoões divergentes demonstrando que foi dada uma solução diferente para duas situações jurídicas idênticas Não basta citar as decisões é imprescindível analisar e demonstrar a divergência Os acórdãos citados para explicitar a divergência devem ter sido proferidos por outros tribunais de justiça ou regionais federais bem como pelo próprio STJ ou mesmo pelo STF Deve o recorrente ainda atentar para a atualidade da decisão citada na divergência pois a discussão já pode ter sido pacificada em sentido diverso Grande avanço pelo menos no plano normativo é o disposto no art 1029 2º do CPC no sentido de que se o recurso tiver como fundamento a existência de dissídio jurisprudencial para que o tribunal o inadmita não poderá invocar o genérico argumento de que o fato é diferente senão que deverá demonstrar a existência da distinção Resta saber se isso será cumprido pelo STJ e o STF Seguindo o parágrafo terceiro determina que tanto o STJ como o STF poderão desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção desde que não o reputem grave Uma vez mais dependemos da bondade dos bons ou seja abrese mais uma brecha para decisionismo O que é vício formal não grave Aquilo que o tribunal assim reputar 712 Cabimento e Adequação no Recurso Extraordinário O recurso extraordinário tem seus casos de cabimento expressamente previstos no art 102 III da Constituição a saber III julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida COMENTÁRIO O recurso extraordinário será julgado pelo Supremo Tribunal Federal após uma decisão em única ou última instância pelos tribunais de justiça dos Estados do Distrito Federal e Territórios ou dos tribunais regionais federais e ainda após o julgamento do recurso especial por parte do STJ se cabível O julgamento em única instância a que se refere o dispositivo diz respeito aos casos em que esses tribunais estaduais ou regionais federais ou o Superior Tribunal de Justiça têm competência originária porque o réu possui prerrogativa de função ou existe a reunião em razão da conexão ou continência Já a menção feita pelo dispositivo à decisão em última instância significa que o processo foi julgado em primeiro grau e após foram esgotados todos os recursos ordinários apelação embargos infringentes e de nulidade embargos declaratórios etc e também o recurso especial se cabível Decisão em última instância pressupõe o esgotamento de todos os recursos no respectivo Tribunal Estadual ou Regional Federal ou STJ pois só então se abre a possibilidade do recurso extraordinário Quanto às decisões das turmas recursais do Juizado Especial Criminal a Súmula 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal Ao contrário do recurso especial que exige causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios o recurso extraordinário não menciona tribunais permitindo assim a interpretação dada pela Súmula mencionada do cabimento em relação à decisão proferida por turma recursal É possível ainda que um mesmo acórdão viole normas infraconstitucionais e também constitucionais devendo ser interpostos ambos especial e extraordinário simultaneamente Nesse caso será julgado primeiro o recurso especial ficando o extraordinário sobrestado e caso não seja prejudicado será julgado após a decisão proferida pelo STJ no recurso especial art 1031 do CPC a contrariar dispositivo desta Constituição COMENTÁRIO Um dos fundamentos mais utilizados na interposição do recurso extraordinário é exatamente este o de que a decisão do tribunal a quo é contrária a dispositivo constitucional mais especificamente a princípio constitucional aplicável ao direito processual penal e penal Exerce o recurso extraordinário a função de tutela e controle da aplicação da Constituição Um obstáculo ao conhecimento do recurso extraordinário é o fato de o Supremo Tribunal Federal ter posição firmada no sentido de que a contrariedade ao dispositivo constitucional deve ser clara uma ofensa direta e frontal não ensejando o recurso extraordinário uma contrariedade reflexa481 Como bem apontou o Min CEZAR PELUSO no AIAgR 208260PA DJe 1º022008 não se admite recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que irradiandose de má interpretação aplicação ou até inobservância de normas infraconstitucionais seria apenas indireta à Constituição da República Se antes de se violar uma norma constitucional há o descumprimento direto de um dispositivo infraconstitucional a tendência é a discussão encerrarse em sede de recurso especial principalmente quando a ofensa à Constituição é reflexa ou decorre da interpretação de princípio constitucional Por esse motivo muitos recursos extraordinários fundados na alegação de nulidade por violação de princípio constitucional contraditório ampla defesa etc sequer são conhecidos pois antes da violação constitucional operase o descumprimento ou não de uma norma infraconstitucional como o Código de Processo Penal por exemplo A discussão acaba por esgotarse no âmbito do recurso especial sem que sequer tenha seguimento o recurso extraordinário Outro exemplo é a discussão sobre prova ilícita Até a reforma de 2008 a ilegalidade da prova ilícita estava exclusivamente prevista no art 5º LVI da Constituição ensejando recurso extraordinário por violação direta e frontal à Constituição Contudo após a reforma de 2008 a disciplina da prova ilícita foi inserida no Código de Processo Penal mais especificamente no art 157 do CPP Portanto a partir de então a discussão sobre a ilicitude ou não da prova e demais problemáticas em torno deste tema será sempre objeto de recurso especial pois antes da alegada violação da norma constitucional existe o obstáculo da discussão no âmbito da norma federal a ser feito pelo STJ Mas o que é uma ofensa direta e frontal à Constituição Quando uma decisão é contrária à Constituição Podese escrever um tratado de hermenêutica constitucional sobre essa questão mas em se tratando de recurso extraordinário devemos ser mais pragmáticos ou realistas se preferirem Quando há um Tribunal Constitucional e a ele se pretende ascender pela via recursal o que realmente importa são os cases a jurisprudência construída por aquele tribunal na interpretação da Constituição e na definição de seus limites de incidência Em última análise conscientes do aparente reducionismo e da tristeza que isso possa conter a Constituição diz o que o Supremo Tribunal Federal disser que ela diz Mas o novo CPC trouxe uma inovação importantíssima no seu art 1033 se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado remetêloá ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial Em sentido inverso o art 1032 determina que se o relator no STJ entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional deverá conceder o prazo de 15 dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional Depois será o recurso remetido ao STF para julgamento ou devolução ao STJ caso a corte constitucional entenda de forma diferente e não admita o recurso Ambos os artigos buscam salvar o recurso interposto e evitar a chamada jurisprudência defensiva ou seja a situação em que um tribunal diz que a competência é do outro e nenhum dos dois julga Talvez com essas duas inovações diminuam os casos em que existe um jogo de empurra o STF não conhece do recurso extraordinário porque entende que a violação à Constituição é reflexa e o STJ não julga o recurso especial por entender que o tema extrapola a dimensão da lei infraconstitucional Ademais é sabido que muitas matérias penais e processuais penais especialmente situamse no entrelugar ou seja são simultaneamente passíveis de análise sob a ótica da principiologia constitucional e também sob a perspectiva infraconstitucional CPP Mais do que isso a distinção entre ofensa direta e ofensa reflexa à Constituição é tênue e ainda discursivamente manipulável Novamente esperamos que os dispositivos encontrem eficácia e efetividade no STF e no STJ para reduzir os espaços impróprios da discricionariedade judicial e do decisionismo em nome de uma tutela jurisdicional realmente efetiva Por fim aqui deve ser retomada a discussão sobre o recurso cabível em caso de decisão que viola tratado internacional de direitos humanos especialmente a Convenção Americana de Direitos Humanos A decisão que viola a CADH deve ser impugnada pelo recurso extraordinário e não pelo recurso especial pois diante do disposto nos 2º e 3º do art 5º da Constituição tem natureza materialmente constitucional embora formalmente suas normas não sejam constitucionais por não terem sido aprovadas pelo quorum previsto para as emendas constitucionais De qualquer forma do ponto de vista do conflito de normas é de se destacar que toda e qualquer norma infraconstitucional que está em confronto com a CADH será destituída de eficácia posto que inconstitucional Mesmo que se entenda que os tratados estão acima da legislação infraconstitucional mas não gozam de status de norma constitucional supralegal parece evidente que o controle não pode mais ser feito pelo STJ através de recurso especial mas apenas pelo Supremo Tribunal Federal Para evitar repetições remetemos o leitor para a explicação anteriormente feita no recurso especial Portanto sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal COMENTÁRIO É missão precípua do STF a tutela da Constituição e portanto o controle sobre as decisões judiciais emanadas pelos demais tribunais que declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal Sempre que algum Tribunal de Justiça regional federal ou mesmo o STJ declarar a inconstitucionalidade de uma lei federal é cabível o controle por parte do STF pela via do recurso extraordinário O controle direto da constitucionalidade é privativo do STF mas todos os tribunais e juízes podem fazer o controle difuso no julgamento de um caso penal No que se refere aos tribunais não se pode esquecer do art 97 da Constituição482 Mas nem sempre essa regra é observada até porque os recursos de hermenêutica constitucional são amplíssimos permitindo que quem os saiba manejar disponha de um vasto espaço de argumentação para realizar a filtragem constitucional tergiversando a chamada reserva de plenário Para amenizar isso o STF editou a Súmula Vinculante n 10 que assim dispõe Viola a cláusula de reserva de plenário CF art 97 a decisão de órgão fracionário de tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo do poder público afasta a sua incidência no todo ou em parte Dessarte a decisão de qualquer órgão fracionado Câmara Grupo Turma ou Seção Criminal de tribunal que declare a inconstitucionalidade de uma lei federal sem observar o disposto no art 97 e na Súmula Vinculante n 10 abre a possibilidade de Reclamação diretamente para o STF É recorrente que órgãos fracionados de tribunais fazendo interessantes construções hermenêuticas afastem a incidência de dispositivos federais a partir da substancial inconstitucionalidade declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e outros recursos especialmente de institutos como a reincidência o assistente da acusação e outros Em geral essas decisões não fazem uma declaração de inconstitucionalidade de forma expressa mas afastam a incidência não aplicando uma lei federal argumentando em torno da inconstitucionalidade Em suma havendo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou tratado pelos tribunais nos termos do art 97 da CF caberá recurso extraordinário quando um órgão fracionado negar vigência à lei federal sem observar a reserva de plenário do art 97 da CF caberá Reclamação art 102 I l da Constituição diretamente ao STF c julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição COMENTÁRIO A declaração de constitucionalidade de lei local em face da Constituição é submetida a controle pelo STF pela via do recurso extraordinário Mas não vislumbramos aplicação desta alínea na esfera penal diante da competência privativa da União para legislar sobre matéria penal e processual penal art 22 I da Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal COMENTÁRIO Vale o mesmo argumento da alínea anterior 713 Demais Requisitos Recursais Tempestividade Preparo Legitimidade e Interesse Recursal Gravame Ambos os recursos especial e extraordinário devem ser interpostos por petição no prazo de 15 dias já devidamente instruídos com as razões Interposto o recurso será aberto o prazo de 15 dias para contrarrazões art 1030 do CPC Sendo interpostos simultaneamente os recursos especial e extraordinário e admitidos serão enviados ao STJ e após o julgamento do recurso especial se não tiver esvaziado o objeto do recurso extraordinário será então enviado ao STF art 1031 1º do CPC Em se tratando de ação penal de iniciativa privada é exigido o preparo tanto para o recurso especial quanto para o extraordinário exceto se a parte recorrente obteve a dispensa do pagamento das custas art 32 do CPP Neste sentido recordemos a Súmula 187 do STJ É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça quando o recorrente não recolhe na origem a importância das despesas de remessa e retorno dos autos Importante destacar que o preparo somente é exigível nos crimes de ação penal de iniciativa privada não havendo pagamento de custas recursais nos casos de ação penal de iniciativa pública ou na ação penal privada subsidiária da pública Recordemos que nesse último caso subsidiária a ação penal é de iniciativa pública não se transformando em privada e tampouco se submetendo ao regime de pagamento de custas desta modalidade de ação penal Assim não se efetivando o pagamento das custas recursais haverá a deserção ou seja uma punição processual que impedirá que o recurso seja sequer conhecido Em relação à legitimidade ambos os recursos podem ser interpostos pelo Ministério Público querelante assistente da acusação nos casos dos arts 584 1º e 598 do CPP ou pelo réu através de seu defensor Por fim quanto ao interesse recursal o gravame devese atender à totalidade dos efeitos da decisão impugnada incluindo os acessórios de modo que o recurso é o caminho necessário para que a parte atinja o resultado desejado Especificamente em relação aos recursos especial e extraordinário por serem meios extraordinários de impugnação o interesse é ex vi legis ou seja decorre da simples violação por parte da decisão a lei federal tratado ou à Constituição Significa dizer que o prejuízo é inerente à violação em si mesma ou seja é evidente manifesto presumido até O fato de a decisão ser contrária à lei federal tratado ou à Constituição já constitui o gravame que dá corpo ao interesse ad impugnare Nada mais é necessário ser demonstrado pelo recorrente em relação a esse requisito recursal Destacamos que a Lei n 139642019 alterou a redação do art 116 do CP que disciplina as causas impeditivas da prescrição Portanto a prescrição não corre na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos tribunais superiores recurso especial extraordinário respectivos agravos agravo regimental embargos de divergência etc quando inadmissíveis É como se não corresse a prescrição enquanto se aguarda o julgamento de por exemplo um agravo em recurso especial que ao final venha a ser inadmitido Tecnicamente recurso não admitido é o mesmo que não conhecimento Portanto se conhecido e negado provimento deverá ser computado o tempo de tramitação no prazo prescricional De qualquer forma apenas ao final do julgamento do recurso no STJ ou STF é que se poderá saber se houve ou não a prescrição pois o cômputo desse tempo dependerá da decisão final No mesmo sentido BOTTINI483 sustenta que nesses casos o prazo de prescrição somente seguirá correndo se estes recursos forem admitidos ou seja se os requisitos previstos em lei para sua utilização forem respeitados como prazo para interposição legitimidade existência de interesse processual de objeto a ser questionado etc Caso o recurso seja inadmitido ou seja não conhecido não apreciado por falta destes requisitos todo o tempo gasto com essa análise será desconsiderado para fins de prescrição É como se esse tempo não tivesse passado para o cálculo da prescrição 72 A Exigência do Prequestionamento Um requisito recursal específico dos meios de impugnação ora analisado é o prequestionamento sem o qual eles sequer são conhecidos Considerando que os recursos especial e extraordinário não se destinam ao exame originário de questões senão ao reexame das questões jurídicas já arguidas pelas partes é imprescindível que o recorrente já as tenha previamente ventilado Equívoco bastante comum nesta temática é afirmarse que basta a parte interessada prequestionar a matéria Na realidade o recorrente ventila suscita a problemática mas o prequestionamento é feito pelo Tribunal no acórdão MORAES484 explica que a configuração do prequestionamento pressupõe o debate e a decisão prévios sobre o tema jurídico versado no recurso Portanto é imprescindível que o tribunal a quo tenha se manifestado sobre a questão constitucional ou federal emitindo um juízo de valor sobre o tema Prossegue ainda o autor485 fazendo um importante esclarecimento na relação destes recursos com os embargos declaratórios com finalidade de prequestionamento apontando duas hipóteses possíveis 1ª houve o prequestionamento a arguição pela parte porém o acórdão do tribunal recorrido não analisou a questão constitucional ou federal levantada havendo a necessidade dos embargos declaratórios para que se esgotem os meios ordinários de análise dessa questão 2ª quando a violação à norma constitucional ou federal surgir no próprio acórdão da Corte recorrida situação em que a parte prejudicada deverá interpor embargos declaratórios para de forma inicial começar o debate sobre a questão constitucional ou federal violada Existe assim uma necessidade de debate e decisão prévios sobre as respectivas violações nos recursos especial e extraordinário Compreendase ademais que quando se afirma que os recursos especial e extraordinário pressupõem o esgotamento das vias ordinárias de impugnação significa o esgotamento do debate sobre a questão constitucional ou federal Neste sentido afirma a Súmula 211 do STJ Inadmissível recurso especial quanto à questão que a despeito da oposição de embargos declaratórios não foi apreciada pelo Tribunal a quo Não é suficiente que a parte ventile portanto a violação da norma constitucional ou federal a questão deve ter sido decidida pelo tribunal a quo e caso isso não seja feito deve a parte interpor os embargos declaratórios para forçar a manifestação sobre a violação alegada Neste tema é interessante o disposto no art 1025 do CPC Art 1025 Consideramse incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou para fins de préquestionamento ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados caso o tribunal superior considere existentes erro omissão contradição ou obscuridade Tal disposição vem para tentar corrigir uma prática bastante comum nos tribunais não mencionar no acórdão os dispositivos legais problematizados e com isso fazer todo o possível para não enfrentar questões que possam dar causa a recurso especial ou extraordinário Diante da costumeira omissão viase a parte obrigada a ingressar com embargos declaratórios para forçar uma manifestação expressa sobre os dispositivos legais ou constitucionais violados ou cuja vigência foi negada pela não incidência no caso sendo que os embargos também não eram conhecidos e tampouco enfrentada a matéria Com isso criavamse diversos obstáculos ao acesso aos tribunais superiores O presente dispositivo busca atenuar essa situação na medida em que uma vez interpostos os embargos ainda que o tribunal não admita ou rejeite o recurso os elementos suscitados a título de prequestionamento serão considerados incluídos no acórdão Também é importante que a parte prejudicada por uma decisão judicial desde o primeiro momento suscite a violação da norma federal ou constitucional induzindo à manifestação do juiz ou tribunal O prequestionamento pode ainda ser classificado em EXPLÍCITO quando o acórdão recorrido expressamente claramente enfrenta a questão federal ou constitucional arguida IMPLÍCITO quando o tribunal recorrido decide sem enfrentar claramente expressamente a questão federal ou constitucional ventilada Nesse caso muitas vezes o tribunal a quo dilui a problemática ao longo da fundamentação sem enfrentamento expresso Infelizmente isso tem sido usado por muitos tribunais para dificultar ou mesmo impedir que a decisão seja impugnável pelos recursos especial ou extraordinário Ainda que sujeito a oscilações de humor a jurisprudência do STF tem indicado que a Corte só admite o prequestionamento explícito486 Já no STJ diversos são os acórdãos que admitem o prequestionamento implícito denotando um pouco mais de flexibilidade que o STF nesta questão Em termos práticos supondo que a decisão de primeiro grau viole a Constituição e ou a lei federal deverá a parte postular já na apelação que caso seja mantida a decisão estarão sendo violados os artigos tais e tais a respeito dos quais fica requerida a expressa manifestação para fins de prequestionamento Quando o recorrente é a outra parte devese atentar para as contrarrazões onde o recorrido deve argumentar que caso a sentença seja alterada serão violados tais e tais artigos sobre os quais se requer a manifestação do tribunal Em qualquer dos casos acima quando não há manifestação do tribunal deve a parte interpor embargos declaratórios para assegurar o prequestionamento ou seja o esgotamento das vias impugnativas E se o interesse recursal nascer apenas do acórdão Suponhamos que ao longo do processo tudo tenha tramitado em ordem A sentença não viola a lei federal ou a Constituição portanto não há que se falar em prequestionamento até porque a parte ainda não tem recurso especial ou extraordinário Mas e se o interesse nasce do acórdão que julgando a apelação viola uma lei federal ou a Constituição Nesse caso deverá a parte prejudicada ingressar com embargos declaratórios para explicitar o prequestionamento e forçar a manifestação 73 A Demonstração da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Reprodução em Múltiplos Feitos Por força da Emenda Constitucional 45 foi alterado o art 102 3º da Constituição que passou a exigir que no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso nos termos da lei a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso somente podendo recusála pela manifestação de dois terços de seus membros Também foi editada a Emenda Regimental n 21 de 30 de abril de 2007 para definir no plano interno a análise e julgamento A exigência da repercussão geral conforme informa o próprio STF487 tem as seguintes finalidades a firmar o papel do STF como Corte Constitucional e não como instância recursal b ensejar que o STF só analise questões relevantes para a ordem constitucional cuja solução extrapole o interesse subjetivo das partes c fazer com que o STF decida uma única vez cada questão constitucional não se pronunciando em outros processos com idêntica matéria Tratase de um eficiente instrumento de filtragem para redução da demanda posto que é um requisito de admissibilidade de todos os recursos extraordinários inclusive em matéria penal sem o qual a impugnação sequer é admitida Como afirmou a Ministra Ellen Gracie na questão de ordem em Ação Cautelar AC 2177 decidida em 12112008 a repercussão geral foi criada para que a Casa não fosse mais obrigada a se manifestar centenas de vezes sobre a mesma matéria a repercussão geral possibilitou após a inclusão do feito no Plenário Virtual tanto o sobrestamento dos demais processos que versem sobre aquele tema como a aplicação pelos tribunais a quo da decisão emanada do Supremo Tribunal Federal aos demais recursos A repercussão geral deve ser demonstrada através de uma preliminar formal cabendo a verificação da sua existência concorrentemente ao tribunal a quo e ao STF mas a análise da repercussão geral é de competência exclusiva do STF No Agravo de Instrumento n 664567 o Relator Min Sepúlveda Pertence suscitou questão de ordem ao Plenário do STF sobre a aplicação da repercussão geral em matéria criminal e também a possibilidade de o tribunal de origem fazer o juízo de admissibilidade com base neste requisito À unanimidade o STF entendeu que a exigência da preliminar formal e fundamentada sobre a repercussão geral vale para os recursos extraordinários contra decisões cuja intimação tenha ocorrido a partir da data de publicação da Emenda Regimental n 21 qual seja 3 de maio de 2007 Os demais recursos cuja intimação tenha ocorrido antes desta data não se submetem ao requisito da repercussão geral e continuam sendo decididos normalmente como até então Ao tribunal de origem cumpre verificar apenas a existência de preliminar formal de repercussão geral posto que a análise desta é de competência exclusiva do STF Ainda na referida decisão afirmou o STF 6 Nem há falar em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal porque em jogo de regra a liberdade de locomoção o RE busca preservar a autoridade e a uniformidade da inteligência da Constituição o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele versadas assim entendidas aquelas que ultrapassem os interesses subjetivos da causa CPrCivil art 543A 1º incluído pela L 1141806 7 Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção por remotas que sejam há sempre a garantia constitucional do habeas corpus CF art 5º LXVIII Na questão de ordem em Ação Cautelar AC 2177 decidida em 12112008 o STF por maioria de votos entendeu que compete ao tribunal onde foi interposto o RE conhecer e julgar ação cautelar podendo conferir efeito suspensivo quando for reconhecida repercussão geral sobre a questão e sobrestado recurso extraordinário admitido ou não na origem Por consequência o STF considerouse incompetente para analisar a matéria e determinou a devolução dos autos ao STJ vencidos os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia Antunes Rocha Anteriormente para a concessão de efeito suspensivo pela Suprema Corte era necessário que o recurso extraordinário fosse admitido ou que o agravo de instrumento fosse provido no caso de juízo negativo de admissibilidade Sobre o tema o Supremo editou as Súmulas 634 e 635 Mas como frisou a relatora Ministra Ellen Gracie considerou de extrema relevância que o Supremo reafirme o seu posicionamento nas Súmulas 634 e 635 quanto à competência de todos os tribunais e turmas recursais de origem para analisar pedidos cautelares decorrentes da interposição de recursos extraordinários mesmo após o sobrestamento introduzido pelo artigo 543B parágrafo 1º do CPC e pelo artigo 328A do Regimento Interno do STF E advertiu Estamos ainda construindo o instituto da repercussão geral É um instituto novo que vai nos causar surpresas aqui e ali com fatos novos demandas e necessidades das partes que irão surgindo de modo que essa construção jurisprudencial nos permite nesta hipótese avançarmos um pouco mais e sinalizarmos qual é a orientação do Tribunal nessa matéria disse a relatora Ela lembrou que uma vez reconhecida a repercussão geral a competência cautelar é sempre do tribunal de origem O atual CPC ao incorporar o Recurso Extraordinário disciplinou a repercussão geral no art 1035 Art 1035 O Supremo Tribunal Federal em decisão irrecorrível não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral nos termos deste artigo 1º Para efeito de repercussão geral será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico político social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que I contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal II Revogado III tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal nos termos do art 97 da Constituição Federal 4º O relator poderá admitir na análise da repercussão geral a manifestação de terceiros subscrita por procurador habilitado nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal 5º Reconhecida a repercussão geral o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes individuais ou coletivos que versem sobre a questão e tramitem no território nacional 6º O interessado pode requerer ao presidente ou ao vice presidente do tribunal de origem que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente tendo o recorrente o prazo de 5 cinco dias para manifestarse sobre esse requerimento 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no 6º ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno 8º Negada a repercussão geral o presidente ou o vicepresidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica 9º O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 um ano e terá preferência sobre os demais feitos ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus 10 Revogado 11 A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão Importante sublinhar que sempre haverá repercussão geral quando o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos ou tiver reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal A repercussão geral deve ser formulada através de preliminar demonstrando o recorrente de forma clara e analítica a transcendência individual da questão e sua relevância jurídica ou a ocorrência da situação descrita no 3º do art 1035 Em última análise nesse caso a carga é de demonstrar a contrariedade e não a repercussão que será presumida Se a Turma admitir a existência da repercussão geral por no mínimo 4 votos ficará dispensada a remessa do recurso ao plenário cabendo à Turma proceder ao julgamento do recurso extraordinário analisando as demais condições de admissibilidade e o mérito recursal Se for negada a repercussão geral488 o recurso não será admitido e a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica que serão indeferidos liminarmente salvo se o STF decidir por revisar sua posição sobre a questão Se for reconhecida a repercussão geral o relator determinará a suspensão de todos os processos pendentes de julgamento que tenham o mesmo objeto Em matéria penal dada a difusão de teses defensivas pensamos que essa suspensão somente terá efeito após a decisão de segundo grau quando então a questão jurídica fica circunscrita e individualizada Mas isso será objeto de análise pelo relator Mas até para evitar que se perpetue a suspensão dos demais feitos determina o 9º que o recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deve ser julgado no prazo de um ano sob pena de em não o sendo cessar a suspensão dos demais processos ou recursos para que retomem seu seguimento A última palavra sobre repercussão geral é do STF sendo recomendado um estudo dos casos em que ela já foi admitida ou negada Para tanto recomendamos a pequisa do tema diretamente no site do STF httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciaRepercussaolistarRepercussaoGeralasp Por fim do art 1036 a 1041 do CPC é disciplinado o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos ou seja quando existe uma multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito Caberá à presidência do tribunal de justiça ou regional federal a seleção de 2 ou mais recursos especial ou extraordinário que versem sobre a mesma questão jurídica para exame pelo STJ ou STF conforme o caso Os demais recursos serão represados no tribunal de origem até o julgamento dos selecionados até o limite de um ano Decididos os recursos selecionados os demais que versem sobre o mesmo tema serão objeto do mesmo tratamento aplicandose a tese firmada 74 Efeito Devolutivo e Suspensivo Ambos os recursos possuem efeito reiterativo ou devolutivo propriamente dito eis que devolvem o conhecimento da matéria para um tribunal ad quem superior àquele que proferiu a decisão Contudo tais recursos não possuem efeito suspensivo o que levou por equivocado tratamento da matéria na esfera penal a que durante décadas houvesse uma ilegal e absurda execução antecipada da pena em flagrante violação da presunção de inocência Em 2009 o STF corrige essa distorção e reconhece a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena no HC 94408 Relator Min Eros Grau julgado em 10022009 e também no HC 950592009 Com isso reafirmou se a presunção de inocência e a regra do direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado exceto se houvesse periculum libertatis e fosse decretada a prisão preventiva Contudo um novo reverso na história da presunção de inocência viria a ocorrer em 2016 quando julgado o HC 126292 Rel Min Teori Zavascki o STF mudaria de entendimento ao afirmar a possibilidade de execução antecipada da pena após a decisão de segundo grau No referido julgamento por 7 votos a 4 o plenário mudou a jurisprudência da corte e afirmou a possibilidade de execução da pena após a decisão condenatória confirmada em segunda instância de forma automática e sem caráter cautelar ou seja mesmo não havendo periculum libertatis Após muita discussão finalmente em novembro de 2019 o STF julgou procedentes as Ações Declaratórias de Constitucionalidade ADC 43 44 e 54 declarando a constitucionalidade do art 283 do CPP e com isso voltou a não recepcionar a execução antecipada da pena Portanto exceto se houver uma prisão preventiva decretada a regra é que o réu possa recorrer em liberdade inclusive em sede de recurso especial e extraordinário até o trânsito em julgado Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo XI Prisões Cautelares onde tratamos dessa questão Portanto se não houver um fundamento cautelar a justificar a decretação da prisão preventiva a regra é o réu recorrer tanto REsp como Rext em liberdade e assim permanecer até o trânsito em julgado Mas e se houver algum risco de prisão ou for efetivamente decretada quando da interposição do recurso especial ou extraordinário qual é o instrumento processual adequado para assegurarse o direito de aguardar o julgamento do recurso em liberdade A disciplina está no art 1029 do CPC a saber Art 1029 O recurso extraordinário e o recurso especial nos casos previstos na Constituição Federal serão interpostos perante o presidente ou o vicepresidente do tribunal recorrido em petições distintas que conterão 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido I ao tribunal superior respectivo no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição ficando o relator designado para seu exame prevento para julgálo II ao relator se já distribuído o recurso III ao presidente ou ao vicepresidente do tribunal recorrido no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado nos termos do art 1037 Então poderá o acusado peticionar requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao RExt ou REsp atentando para o endereçamento dessa petição conforme o estágio em que se encontrar a tramitação do recurso interposto Não afastamos a possibilidade de caso negado efeito suspensivo postulado que o acusado interponha habeas corpus no STJ caso negado o efeito no TJ ou TRF e no STF se a negativa fora dada no âmbito do STJ 75 Do Agravo em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário Como explicado os diversos requisitos dos recursos especial e extraordinário são duplamente valorados primeiro no juízo de pré admissibilidade feito no tribunal a quo e se admitido novamente são analisados no respectivo Tribunal STJ ou STF Para a decisão que não admite denega a subida os recursos feita pelo tribunal de origem caberá Agravo de Instrumento sendo denominado agravo em recurso especial e agravo em recurso extraordinário conforme a espécie de recurso que teve sua subida denegada Esse agravo se destina a permitir o processamento a subida do recurso especial ou extraordinário barrado no juízo de préadmissibilidade feito no tribunal de origem que não poderá negar seguimento ao agravo Nesse sentido determina a Súmula 727 do STF Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos Juizados Especiais Tem cabimento portanto para impugnar a decisão denegatória do recurso especial ou extraordinário feito pela Presidência do tribunal a quo devendo ser interposto por petição e subindo nos próprios autos Ambos os agravos estão disciplinados no art 1042 do CPC Art 1042 Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos 2º A petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e despesas postais aplicandose a ela o regime de repercussão geral e de recursos repetitivos inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento e do juízo de retratação 3º O agravado será intimado de imediato para oferecer resposta no prazo de 15 quinze dias 4º Após o prazo de resposta não havendo retratação o agravo será remetido ao tribunal superior competente 5º O agravo poderá ser julgado conforme o caso conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário assegurada neste caso sustentação oral observandose ainda o disposto no regimento interno do tribunal respectivo 6º Na hipótese de interposição conjunta de recursos extraordinário e especial o agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido 7º Havendo apenas um agravo o recurso será remetido ao tribunal competente e havendo interposição conjunta os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça 8º Concluído o julgamento do agravo pelo Superior Tribunal de Justiça e se for o caso do recurso especial independentemente de pedido os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do agravo a ele dirigido salvo se estiver prejudicado Além dessa disciplina legal é importante verificar as Resoluções 450 e 451 do STF pois ainda que publicadas antes do novo CPC seguem vigendo e também disciplinam a tramitação desses agravos No âmbito do STJ remete se para a Resolução 72010 que criou a classe processual de agravo em recurso especial Questão problemática é qual é o prazo para interposição O CPC disciplina que a resposta contrarrazões do agravo deverá ser feita no prazo de 15 dias logo igual tratamento deve ser dado para a interposição Da mesma forma determina o art 1003 5º do CPC que o prazo será de 15 dias Assim pelo CPC o prazo de interposição do agravo é de 15 dias Essa é a leitura que nos parece ser a mais correta diante da literalidade dos dispositivos Ademais os arts 26 a 29 da Lei n 803890 foram expressamente revogados não restando mais na referida Lei qualquer disciplina acerca do REsp RExt e respectivos agravos Contudo ainda não foi revogada a Súmula 699 do STF que dispunha sobre o prazo de 5 dias para interposição gerando uma situação de risco Por isso sugerimos máxima cautela até que os tribunais superiores uniformizem o entendimento Explicamos nossa preocupação Quando houve a modificação do art 544 do CPC anterior pela Lei n 123222010 estabelecendo o prazo de 10 dias para o agravo em REspRExt criouse uma situação de total perplexidade o STF e o STJ seguiram entendendo que o prazo era de 5 dias nos termos da Súmula 699 do STF Mesmo diante do texto expresso da Lei centenas talvez milhares de agravos foram considerados intempestivos por conta desse conflito entre a lei e os tribunais superiores gerando um imenso prejuízo para os interessados Assim por conta dessa insegurança e perplexidade gerada no passado nossa sugestão é até que a Súmula 699 do STF seja revogada e deveria o ser na nossa opinião e exista a aplicação pacífica do novo CPC sugerimos por garantia que o Agravo em REspRExt seja interposto no prazo de 5 dias489 em que pese não ser esse o nosso entendimento pois sustentamos a aplicação do disposto no art 1042 do CPC O agravo tem efeito devolutivo misto havendo a possiblidade de retratação como já explicado anteriormente ao tratar do efeito devolutivo A retratação implica a admissibilidade do REsp ou RExt com a consequente subida do recurso ao respectivo tribunal Mas em sendo mantida a decisão o agravo será remetido ao tribunal superior competente Já no tribunal ad quem o agravo uma vez distribuído poderá ser objeto de decisão monocrática isto é pelo relator sem levar ao órgão colegiado que desde logo poderá não conhecer do agravo quando por exemplo a decisão impugnada estiver fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos O juízo de inadmissibilidade neste caso é em relação ao agravo e não ao recurso extraordinário ou especial que será analisado a seguir Desta decisão caberá Agravo Regimental art 258 e 259 do RISTJ e art 317 do RISTF no prazo de 5 dias requerendose que a matéria seja levada ao órgão colegiado para confirmação ou reforma da decisão monocrática O agravo regimental admite juízo de retratação efeito devolutivo misto podendo o prolator da decisão reconsiderála se não o fizer submete o agravo ao órgão colegiado No que tange ao efeito suspensivo assim como os recursos especial e extraordinário não o terá o agravo de instrumento Contudo não se afasta a possibilidade de ser feito um pedido de atribuição de efeito suspensivo nos termos do art 1029 5º do CPC anteriormente explicado Por fim recordemos que a Lei n 139642019 alterou a redação do art 116 do CP que disciplina as causas impeditivas da prescrição Portanto a prescrição não corre na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos tribunais superiores recurso especial extraordinário respectivos agravos agravo regimental embargos de divergência etc quando inadmissíveis É como se não corresse a prescrição enquanto se aguarda o julgamento de por exemplo um agravo em recurso especial que ao final venha a ser inadmitido Tecnicamente recurso não admitido é o mesmo que não conhecimento Portanto se conhecido e negado provimento deverá ser computado o tempo de tramitação no prazo prescricional De qualquer forma apenas ao final do julgamento do recurso no STJ ou STF é que se poderá saber se houve ou não a prescrição pois o cômputo desse tempo dependerá da decisão final Aviso Ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO arts 581592 11 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento e adequação tem cabimento nos casos previstos no art 581 cujo rol é taxativo Os incisos XVII XIX XX XXI XXII XXIII e XXIV perderam eficácia com o advento da LEP Interposição por petição ou termo nos autos Tempestividade 5 dias para interposição art 586 e 2 dias para razões art 588 Assistente 5 dias habilitado 15 dias não habilitado Preparo tem cabimento nas ações penais privadas art 806 12 REQUISITOS SUBJETIVOS Legitimidade art 577 e gravameprejuízo 13 EFEITOS efeito devolutivo misto regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito Efeito suspensivo nos casos previstos art 584 14 ASPECTOS DO PROCEDIMENTO pode subir nos próprios autos art 583 ou por instrumento demais casos sendo que o instrumento deverá conter as peças obrigatórias art 587 parágrafo único e as indicadas pelas partes e o juiz art 589 2 APELAÇÃO arts 593603 21 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento e adequação pode ser interposta por petição ou termo nos autos nos casos previstos no art 593 Art 593 II é residual em relação à taxatividade do RSE cabendo em relação às decisões interlocutórias mistas não abrangidas pelo art 581 Art 593 III o inciso III dirigese exclusivamente às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri Nas alíneas a e d se acolhido o recurso a consequência será a realização de novo júri Nas alíneas b e c acolhendo o recurso o tribunal faz a retificação se enviar a novo júri Art 593 3º decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela completamente dissociada da prova dos autos sem qualquer apoio no processo O que se entende por mesmo motivo Significa novo recurso com base na letra d sendo irrelevante a tese sustentada Quanto ao cabimento do recurso de apelação por parte do acusador com base no art 593 III d quando o réu é absolvido no quesito genérico da absolvição existe uma divisão no STJ e uma importante decisão do STF no sentido do não cabimento Tempestividade 5 dias para interposição art 593 e 8 dias para razões Assistente 5 dias habilitado 15 dias não habilitado Preparo exigese nas ações penais privadas 22 REQUISITOS SUBJETIVOS legitimidade art 577 e gravameprejuízo 23 EFEITOS devolutivo total ou parcial e suspensivo apelação de sentença absolutória nunca tem efeito suspensivo art 596 Quanto ao direito de recorrer em liberdade art 387 1º deve ser analisado à luz do sistema cautelar e das regras da prisão preventiva arts 311 e s 3 EMBARGOS INFRINGENTES E EMBARGOS DE NULIDADE art 609 parágrafo único Embargos Infringentes voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de mérito Embargos de Nulidade voto vencido tem por objeto divergência sobre questão processual 31 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento contra decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de apelação RSE ou agravo em execução É recurso exclusivo da defesa Está limitado ao objeto da divergência demarcado pelos limites do voto vencido Adequação deve ser interposto por petição acompanhada das razões circunscritas ao objeto da divergência Tempestividade prazo de 10 dias único para interposição e razões Preparo predomina entendimento de que não é necessário nem mesmo nas ações penais privadas bastando o preparo feito para a apelação 32 REQUISITOS SUBJETIVOS é um recurso exclusivo da defesa Quanto ao gravame deve haver um voto divergente favorável à defesa que represente uma vantagem jurídica se acolhido 33 EFEITOS Devolutivo devolve a discussão nos limites do voto vencido Suspensivo ainda que se aceite a execução antecipada da pena HC 126292 do STF com o qual não concordamos na pendência do julgamento dos embargos ainda não terá ocorrido o esgotamento da jurisdição de segundo grau sendo inviável a decretação da prisão Em relação a outros recursos REsp e RExt o mais recomendado é a interposição simultânea dos embargos infringentes e do REspRExt conforme o caso ausência de efeito suspensivo ou interruptivo do prazo Mas a matéria não é pacífica 4 EMBARGOS DECLARATÓRIOS 41 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento Podem ser utilizados em relação a qualquer decisão inclusive interlocutória ou despacho desde que contenha omissão obscuridade contradição ou ambiguidade Arts 382 decisões de 1º grau 619 e 620 decisões de tribunais Excepcionalmente podem ter efeitos modificativos e podem ser utilizados para fins de prequestionamento nos recursos especial e extraordinário Adequação interpostos por petição contendo as razões Tempestividade 2 dias No JECrim 5 dias art 83 da Lei n 909995 Preparo não se exige 42 REQUISITOS SUBJETIVOS estão legitimadas as partes ativa passiva e assistente da acusação O interesse recursal vinculase à ineficácia da garantia da motivação das decisões 43 EFEITOS possuem efeito regressivo devolvendo para o mesmo órgão prolator Excepcionalmente poderão ter efeitos modificativos ou infringentes Como regra interrompem o prazo para interposição de outros recursos art 1026 do CPC Advertência JECrim ver art 1066 do novo CPC Assim conforme determina o CPC há interrupção do prazo para novos recursos 5 AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL art 197 da LEP Segue o mesmo procedimento e requisitos do RSE 51 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal Adequação pode ser interposto por petição ou termo nos autos Tempestividade 5 dias para interposição e 2 dias para razões Preparo não se exige 52 REQUISITOS SUBJETIVOS estão legitimados o MP defensor ou réu O gravame decorre do prejuízo pela concessão ou denegação do pedido feito na execução penal 53 EFEITOS efeito devolutivo misto regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito Não possui efeito suspensivo 6 CARTA TESTEMUNHÁVEL arts 639 a 646 61 REQUISITOS OBJETIVOS Cabimento impugnar a decisão que denegou o prosseguimento a recurso em sentido estrito ou agravo em execução ou obstaculizou sua subida Adequação recurso interposto por petição Tempestividade 2 dias Preparo não se exige 62 REQUISITOS SUBJETIVOS legitimidade vinculada àquela necessária para interposição do recurso originário a que foi denegado o prosseguimento Interesse gravame pelo não prosseguimento do recurso 63 EFEITOS devolutivo misto 7 RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO Recurso Especial Recurso Extraordinário Órgão julgador Superior Tribunal de Justiça Supremo Tribunal Federal Cabimento Art 105 III da Constituição Art 102 III da Constituição Cabimento julgar em recurso especial as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados do Distrito Federal e Territórios quando a decisão recorrida ver Súmula 203 do STJ a contrariar tratado ou lei federal ou negarlhes vigência b julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal inaplicável na esfera penal c der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal Súmulas 13 e 83 do STJ julgar mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida ver Súmulas 281 e 640 do STF a contrariar dispositivo desta Constituição a ofensa tem que ser direta se antes violar o CPP não cabe RE b declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ver Súmula Vinculante n 10 c julgar válidos lei ou ato de governo local contestados em face desta Constituição d julgar válida lei local contestada em face de lei federal Objeto Tutela da Legislação Infraconstitucional Tutela da Constituição Violação da CADH RExt Disciplina Legal Arts 1029 a 1041 do CPC e Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça Arts 1029 a 1041 do CPC e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal Prazo de interposição 15 dias art 1030 do CPC 15 dias art 1030 do CPC Prequestionamento Há decisões aceitando o prequestionamento implícito Importância do art 1025 do CPC É exigido prequestionamento explícito como regra Súmula 211 Ver art 1025 do CPC Repercussão Geral Não é exigida É exigida a demonstração através de preliminar formal art 102 3º da CB cc art 1035 do CPC Possibilidade de reexame de fato ou prova Não é permitido Súmula 7 do STJ Não é permitido Súmula 279 do STF Exaurimento da via recursal ordinária Devem ser esgotados os recursos ordinários Devem ser esgotados os recursos ordinários Juízo de admissibilidade Permanece o sistema de dupla filtragem primeiramente no tribunal de origem a quo e se admitido o recurso novo exame é feito no STJ Permanece o sistema de dupla filtragem primeiramente no tribunal de origem a quo e se admitido o recurso novo exame é feito no STF Legitimidade Ministério Público assistente da acusação querelante e o réu Ministério Público assistente da acusação querelante e o réu Preparo Exigese preparo Súmula 187 do STJ Exigese preparo Efeitos Devolutivo propriamente dito Ausência de efeito suspensivo Art 1029 do CPC autoriza pedido de concessão de efeito suspensivo por simples petição pensamos que é cabível HC quando for para assegurar o direito de recorrer em liberdade Devolutivo propriamente dito Ausência de efeito suspensivo Art 1029 do CPC autoriza pedido de concessão de efeito suspensivo por simples petição pensamos que é cabível HC quando for para assegurar o direito de recorrer em liberdade Recurso contra a decisão que nega seguimento Agravo em Recurso Especial art 1042 do CPC Prazo 15 dias Nossa sugestão 5 dias até que a Súmula 699 seja revogada Agravo em Recurso Extraordinário art 1042 do CPC Prazo 15 dias Nossa sugestão 5 dias até que a Súmula 699 seja revogada Capítulo XVIII AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO REVISÃO CRIMINAL HABEAS CORPUS MANDADO DE SEGURANÇA Após a sumária análise dos recursos no processo penal vejamos agora as chamadas ações de impugnação que não constituem recursos senão ações autônomas com diferentes finalidades e campos de atuação A revisão criminal e o habeas corpus estão erroneamente posicionados na estrutura do Código de Processo Penal no Título II Dos recursos em geral mas isso não significa que sejam recursos Como veremos são ações de impugnação não se subordinam aos requisitos recursais anteriormente analisados e tampouco exigem uma decisão não transitada em julgado como nos recursos na medida em que podem atacar até mesmo uma sentença com trânsito em julgado formal e material Feita a ressalva vejamos as ações de impugnação 1 Revisão Criminal A revisão criminal ainda que tratada pelo Código de Processo Penal juntamente com os recursos é uma ação de impugnação de competência originária dos tribunais não é recurso É um típico caso de equivocada organização topográfica como define CORDERO490 Tratase de um meio extraordinário de impugnação não submetida a prazos que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado exercendo por vezes papel similar ao de uma ação de anulação ou constitutiva negativa no léxico ponteano sem se ver obstaculizada pela coisa julgada CORTÉS DOMÍNGUEZ491 tratando del proceso de revisión do sistema espanhol equivalente a nossa revisão criminal define como uma ação independente que dá lugar a um processo cuja finalidade é rescindir sentenças condenatórias transitadas em julgado e injustas A revisão criminal situase numa linha de tensão entre a segurança jurídica instituída pela imutabilidade da coisa julgada e a necessidade de desconstituíla em nome do valor justiça Se de um lado estão os fundamentos jurídicos políticos e sociais da coisa julgada de outro está a necessidade de relativização deste mito em nome das exigências da liberdade individual Em última análise sublinha CORTÉS DOMÍNGUEZ492 com acerto o legislador se viu obrigado a solucionar o terrível problema que supõe considerar que um mecanismo como o da coisa julgada que está pensado como meio de segurança apto a conseguir a justiça pode em outras ocasiões ser um elemento que proporcione situações clamorosamente injustas Por tudo isso a revisão criminal é uma medida excepcional cujos casos de cabimento estão expressamente previstos em lei 11 Cabimento Análise do Art 621 do CPP Vejamos agora as situações previstas no art 621 do CPP esclarecendo que a revisão criminal pode ser proposta para desconstituir sentenças de juízes singulares ou do Tribunal do Júri bem como acórdãos proferidos pelos tribunais Durante muito tempo se discutiu o cabimento da revisão criminal em relação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri diante da soberania desta decisão mas atualmente a questão corretamente se pacificou no sentido da plena possibilidade da revisão criminal A revisão pode ter como objeto uma sentença condenatória ou absolutória imprópria ou acórdão condenatório ou absolutório impróprio isso porque quando o réu é absolvido em primeiro grau e o Ministério Público apela sendo acolhido o recurso a decisão condenatória objeto da revisão criminal é o acórdão proferido pelo tribunal e não a sentença absolutória do juiz Art 621 A revisão dos processos findos será admitida COMENTÁRIO A expressão processos findos deve ser interpretada no sentido de existência de uma sentença ou acórdão penal condenatório transitado em julgado São dois os pressupostos da revisão criminal existência de uma sentença penal condenatória ou absolutória imprópria art 386 parágrafo único III do CPP e que esta sentença tenha transitado em julgado A sentença a qual se pretende revisar deve ser condenatória ou absolutória imprópria aquela em que se aplica medida de segurança ao réu inimputável que inegavelmente possui um caráter condenatório Inclusive a situação gerada pela medida de segurança é em geral mais grave até do que a daquele submetido à pena privativa de liberdade diante da situação de incerteza e indeterminação inerente à medida de segurança Tampouco existe progressão de regime trabalho externo etc Mas não se admite a revisão criminal quando a sentença é absolutória propriamente dita ou absolvição sumária não havendo um interesse juridicamente tutelável nestes casos ainda que se argumente em torno da mudança do fundamento da absolvição A excepcionalidade da revisão criminal faz com que os casos em que ela é admitida sejam taxativamente previstos sem possibilidade de ampliação deste rol no qual não se encaixam as situações de absolvição Contribui ainda para essa exegese o disposto no art 625 1º do CPP de que o requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos O modelo brasileiro não admite a chamada revisão criminal pro societate ou seja a revisão das sentenças absolutórias o que constituiria uma autêntica reformatio in pejus I quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos COMENTÁRIO São duas as situações previstas aqui em que a sentença condenatória ou absolutória imprópria é contrária a Ao texto expresso da lei penal o que significa uma contrariedade em relação à lei penal mas também processual penal à Constituição ou qualquer outro ato normativo que tenha sido empregado como fundamento da sentença condenatória como as leis completivas empregadas na aplicação de uma lei penal em branco portarias etc Incorre no mesmo fundamento a sentença penal que incidir em erro na subsunção dos fatos à lei penal ou seja na tipificação legal como pode ser a condenação por peculato de alguém que não era funcionário público493 Ademais nulidades absolutas também podem ser conhecidas na revisão criminal por imposição do art 626 do CPP que ao permitir ao tribunal anular a sentença ou acórdão está reconhecendo expressamente a existência de mais de uma causa para sua impetração Portanto é possível a revisão criminal sob o argumento de nulidade pois significa dizer que a decisão judicial é contrária ao texto expresso da lei e com esse fundamento deve ser ajuizada Não se pode esquecer que o art 626 estabelece que julgando procedente a revisão o tribunal poderá alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo Portanto é a existência de nulidade um fundamento jurídico válido para a revisão criminal A revisão criminal com base neste fundamento decisão contrária a texto expresso de lei situase acima de tudo na dimensão de conflito hermenêutico na qual o que se discute é a eleição dos significados da norma e o sentido a ela dado pelo juiz ou tribunal quando se trata de acórdão condenatório que proferiu a decisão em relação aos julgadores da revisão criminal Há portanto uma reabertura da discussão quanto à mais adequada interpretação do direito494 naquele caso penal em julgamento Questão interessante é a impossibilidade de revisão criminal por ser a decisão contrária ao novo entendimento jurisprudencial mais benigno Longe de ser pacífico o entendimento concordamos com essa possibilidade desde que a mudança seja efetiva e em relação a entendimento jurisprudencial pacífico e relevante Significa dizer uma mudança efetiva de entendimento um rompimento de paradigma algo similar ao que ocorreu por exemplo em relação à inconstitucionalidade do regime integralmente fechado para os crimes hediondos Assim como a nova lei penal mais benigna tem efeito retroativo a mudança radical no entendimento jurisprudencial que beneficie o réu também deve ter o mesmo efeito sendo cabível a revisão criminal para sua obtenção Nesta linha há uma interessante decisão proferida pelo 4º Grupo Criminal do TJRS na RevCrim 70 002 052 959 Rel Des Tupinambá Pinto de Azevedo julgado em 27042001 que reconheceu a retroatividade da decisão penal mais benigna495 Na mesma linha GIACOMOLLI496 argumenta que a aplicação da jurisprudência mais favorável nas mesmas hipóteses da incidência da lex mitior incluise na limitação do ius puniendi pois ao jurisdicionado não se pode retirar a confiança de que receberá dos magistrados uma igualdade de tratamento diante da mesma situação fática Proibir a retroatividade da jurisprudência como afirmou Hassemer suporia a paralisação de sua função de recriação da lei observandose situações em que a comunidade jurídica tem um conhecimento maior do conteúdo da jurisprudência penal que da lei penal confiando em sua aplicação Mas essa construção ainda goza de pouca aceitação b À evidência dos autos atuando na dimensão da contrariedade entre a decisão condenatória e o contexto probatório Aqui a reabertura da discussão situase na dimensão probatória e não apenas jurídica como no caso anterior Ainda que o senso comum teórico e jurisprudencial costume afirmar que a contrariedade deve ser frontal completamente divorciada dos elementos probatórios do processo para evitar uma nova valoração da prova enfraquecendo o livre convencimento do juiz pensamos que a questão exige uma leitura mais ampla O ato de julgar como visto em capítulos anteriores desta obra é bastante complexo e impregnado de subjetividade incompatível com a tradicional visão cartesiana Portanto quando o tribunal julga uma revisão criminal está inexoravelmente revalorando a prova e comparandoa com a decisão do juiz E neste momento é ingenuidade desconsiderar que cada desembargador acaba rejulgando o caso penal e se não concordar com a valoração feita pelo juiz bastará uma boa retórica para transformar uma divergência de sentire em uma contrariedade frontal entre a sentença e o contexto probatório Não vemos como negar que neste momento ocorre verdadeiramente um juízo sobre o juízo do juiz de modo que o tribunal julgador da revisão criminal acaba por reavaliar o caso penal Seria patológico que um desembargador ao julgar uma revisão criminal dissesse eu não vejo prova suficiente para condenar e teria absolvido mas como existe alguma prova a amparar a tese acusatória até porque sempre existe alguma prova sob pena de a denúncia nem ser recebida tenho que manter a injusta condenação Ora isso seria um contrassenso Contribui para a posição tradicional com raras exceções o famigerado in dubio pro societate com a equivocada exigência de que o réu deve fazer prova integral do fato modificativo sem que a revisão seja acolhida quando a questão não superar o campo da dúvida Essa problemática costuma aparecer quando o fundamento da revisão situase na dimensão probatória evidência dos autos novas provas de inocência depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos etc Nesses casos cumpre perguntar a Onde está a previsão constitucional do tal in dubio pro societate b Em que fase do processo e com base em que o réu perde a proteção constitucional c Como justificar que no momento da decisão seja ela pelo juiz ou tribunal a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição mas essa mesma dúvida quando surgir apenas em sede de revisão criminal não autoriza a absolvição d E se quando da decisão de primeiro grau ou mesmo em grau recursal mas antes do trânsito em julgado existir um contexto probatório que permita afastar a dúvida e alcançar um alto grau de probabilidade autorizador da condenação mas depois do trânsito em julgado surgir uma prova nova x que gere uma dúvida em relação ao suporte probatório existente por que devemos afastar o in dubio pro reo e Como justificar que essa prova se tivesse sido conhecida quando da sentença implicaria absolvição mas agora porque estamos numa revisão criminal ela não mais serve para absolver Em suma nossa posição é a de que a sentença condenatória só pode manterse quando não houver uma dúvida fundada seja pela prova existente nos autos seja pelo surgimento de novas provas Logo o in dubio pro reo é um critério pragmático para solução da incerteza processual qualquer que seja a fase do processo em que ocorra O sistema probatório fundado a partir da presunção constitucional de inocência não admite nenhuma exceção procedimental inversão de ônus probatório ou frágeis construções inquisitoriais do estilo in dubio pro societate Portanto ainda que tradicionalmente somente a sentença condenatória frontalmente contrária à evidência dos autos seja passível de ser revisada pensamos que o processo penal democrático e conforme à Constituição não mais admite tal reducionismo II quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos COMENTÁRIO É uma situação típica de caso judicial penalmente viciado497 ou seja a decisão acerca do caso penal está contaminada pois se baseou em depoimentos exames ou documentos falsos portanto o vício é de natureza penal na medida em que essas falsidades constituem crimes autônomos Essa prova penalmente viciada acaba por contaminar a sentença que deve ser rescindida Similar fundamento prevê entre outras legislações a Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola cujo art 9543 estabelece como caso de revisión a condenação fundada em provas obtidas mediante delito cuja prática se comprove posteriormente mediante sentença irrecorrível No modelo brasileiro o legislador empregou a expressão comprovadamente falsos dando maior flexibilidade na medida em que não exige que o crime de falsidade tenha sido criminalmente punido Claro que se isto tiver ocorrido maior probabilidade de êxito terá a revisão A comprovação do falso poderá ser feita no curso da própria revisão criminal ainda que os tribunais brasileiros em geral não admitam uma cognição plenária no curso desta ação exigindo uma prova préconstituída Mas a falsidade poderá ser feita através da ação declaratória da falsidade documental na esfera cível e eventualmente pela via da produção antecipada da prova fundada nos arts 381383 do CPC mas distribuída e julgada numa vara criminal Devese atentar ainda para a exigência de a sentença condenatória se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos definindo a necessidade de demonstração do nexo causal isto é de que a prova falsa serviu de fundamento para a sentença condenatória A questão é bastante complexa como explicamos anteriormente ao tratar da contaminação da prova ilícita de modo que a jurisprudência cartesianamente a nosso ver tem tratado do nexo causal É elementar que a falsidade completamente periférica e irrelevante em termos probatórios não vai justificar a revisão criminal Mas por outro lado também não se pode cair no relativismo extremo em que uma boa manipulação discursiva sempre vai dizer que excluindo mentalmente a prova falsa ainda subsistem elementos para condenar Porque querendo sempre sobrará prova para condenar basta uma boa retórica Portanto não se pode exigir que a sentença gire exclusivamente em torno da prova falsa até porque em geral isso não ocorre na medida em que os juízes analisam o contexto probatório Basta que a prova falsa tenha relevância no julgamento do caso penal para que a nosso ver deva ser acolhida a revisão Não precisa ser a prova decisiva basta que tenha relevância que influa razoavelmente na decisão para que o vício deva ser reconhecido Mas infelizmente aqui estamos diante de mais um espaço discursivo manipulável Por fim esclarecemos498 que a sentença que se baseou em prova ilícita será impugnável pela revisão criminal fundada no inciso I pois a sentença é contrária a texto expresso da lei III quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena COMENTÁRIO Sobre o conceito de novas provas esclarece CORDERO499 são novas porque não haviam sido introduzidas no processo sejam preexistentes ou supervenientes também consideramos novas as provas as que tenham sido aduzidas mas que tenha ficado de fora da decisão como às vezes ocorre Portanto numa interpretação mais ampla o conceito de novas provas não pode ficar limitado àquelas desconhecidas e que surgiram depois do processo Também é considerada prova nova a preexistente não introduzida no processo ou mesmo aquela que ingressou nos autos mas que não foi valorada Ademais o conceito de novas provas está a abarcar o fato novo na medida em que esse fato novo se processualize através de uma atividade probatória e com isso influa decisivamente no julgamento Essa prova nova não precisa necessariamente ser apta a produzir a absolvição havendo a possibilidade de ela influir na redução da pena aplicada E como se judicializa essa prova nova Em tese é possível fazêlo no curso da revisão ainda que os tribunais não costumem ter boa vontade em produzir essa prova de modo que o melhor caminho é produzir judicialmente essa prova em primeiro grau através da produção antecipada da prova prevista nos arts 381383 do CPC distribuída sem prevenção entre as varas criminais da comarca onde se pretende sua produção Por fim prevalece o entendimento de que a prova nova deve ter valor decisivo não bastando aquela que só debilite a prova do processo revidendo ou que cause dúvida no espírito dos julgadores500 Como já explicado anteriormente não concordamos com esta posição que infelizmente ainda tem como equivocada premissa assumida ou não o não recepcionado in dubio pro societate de modo a exigir uma prova cabal produzida pelo réu de sua inocência A incompatibilidade constitucional e mesmo democrática de tal posição é evidente Entendemos que se a prova nova for apta a gerar uma dúvida razoável à luz do in dubio pro reo que segue valendo o acolhimento da revisão é imperativo Não incumbe ao réu em nenhum momento e em nenhuma fase ter de provar cabalmente sua inocência senão que a dúvida razoável sempre o beneficia por inafastável epistemologia do processo penal 12 Prazo Legitimidade Procedimento No que diz respeito ao prazo para interposição da revisão criminal determina o art 622 a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo antes da extinção da pena ou após Portanto não há prazo para interposição da revisão criminal A revisão pode ser postulada durante o cumprimento da pena ou até mesmo após o seu término ou seja após a extinção da pena Contudo há que se atentar para a impossibilidade de revisão criminal quando há extinção da punibilidade antes da sentença pois nesse caso não existe uma sentença penal condenatória para ser revisada Portanto se no curso do processo é extinta a punibilidade pela prescrição ou qualquer outra causa a decisão proferida é declaratória da extinção da punibilidade e não condenatória Inviável a revisão criminal nesse caso A restrição contida no parágrafo único deve ser vista com atenção pois o que não se admite é uma repetição da mesma ação ou seja o mesmo réu fazendo o mesmo pedido de revisão do mesmo caso penal Portanto onde houver uma alteração em torno destes elementos estaremos diante de uma nova ação sendo incabível a restrição do parágrafo único Da mesma forma não se aplica a restrição quando o pedido estiver fundado em novas provas Em relação à legitimidade prevê o art 623 que a revisão criminal poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou no caso de morte do réu pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão Sobre a possibilidade de o Ministério Público interpor a revisão criminal para além da polêmica doutrinária e jurisprudencial existente pensamos ser uma patologia processual Não se discutem aqui os nobres motivos que podem motivar um promotor ou procurador a ingressar com a revisão criminal senão que desde uma compreensão da estrutura dialética do processo actum trium personarum e do que seja um sistema acusatório é uma distorção total Não vislumbramos como possa uma parte artificialmente criada para ser o contraditor natural do sujeito passivo recordemos sempre do absurdo de falarse de uma parteimparcial no processo penal ter legitimidade para a ação de revisão criminal a favor do réu para desconstituir uma sentença penal condenatória que somente se produziu porque houve uma acusação levada a cabo pelo mesmo Ministério Público uno e indivisível Não é necessário maior esforço para ver a manifesta ilegitimidade do Ministério Público Ainda que se argumente em torno da miserável condição econômica do réu nada justifica O que sim deve ser feito é fortalecerse a defensoria pública Aqui está o ponto nevrálgico da questão para tutela do réu devese fortalecer o seu lugar de fala potencializar a sua condição de obtenção da tutela jurisdicional e não sacrificar o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo legitimando que o acusador o defenda A nosso juízo é manifesta a ilegitimidade do Ministério Público para ingressar com a revisão criminal Antes de analisar o procedimento é necessário esclarecer que a competência para o julgamento da revisão criminal é sempre dos tribunais mais especificamente do próprio tribunal que proferiu a última decisão naquele processo mas sempre por outro órgão Assim podem ocorrer as seguintes situações a O réu é condenado e da sentença não há recurso transitando em julgado A revisão criminal será julgada pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal Justiça Federal que seria competente para o julgamento de uma eventual apelação b O réu é condenado e apela tendo o tribunal mantido a condenação Com o trânsito em julgado a revisão criminal será ajuizada no mesmo tribunal que julgou a apelação mas pelo Grupo Criminal TJ ou Seção Criminal TRF e não pela Câmara ou Turma Criminal que julgou a apelação c O réu é absolvido tendo o Ministério Público apelado O tribunal acolhe o recurso e condena o réu Com o trânsito em julgado a revisão criminal será distribuída no mesmo tribunal que proferiu o acórdão condenatório mas para outro órgão d A revisão criminal será julgada no STF ou no STJ quando buscar a desconstituição das decisões proferidas por esses tribunais Mas cuidado o fato de ter havido RESP ou REXT não significa que a revisão será para o STJ ou o STF Isso só ocorrerá quando o fundamento da revisão criminal coincidir com aquele discutido em sede de recurso extraordinário ou especial porque nesse caso a decisão sobre a matéria revisada foi decidida por eles Portanto quando o objeto do recurso especial não acolhido por exemplo foi a alegação de que a decisão violou lei federal e a revisão criminal está fundada na existência de novas provas da inocência do réu a competência para o julgamento será do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que julgou a apelação ou seja quem por último se manifestou sobre o caso penal mérito Mas nesta matéria além do art 624 do CPP é fundamental consultar o Regimento Interno do respectivo tribunal pois lá também se encontram regras da organização interna que afetam a competência E quem julgará uma revisão criminal interposta contra decisão da Turma Recursal Existe uma imensa lacuna legal neste tema agravada pela peculiar estrutura recursal dos Juizados Especiais Criminais Respeitando a regra da hierarquia jurisdicional onde a revisão criminal é sempre julgada por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a última decisão sustentamos que a competência será do Supremo Tribunal Federal Fortalece esse entendimento o fato de as Súmulas n 203 do STJ e n 640 do STF definirem que das decisões das Turmas Recursais somente será admitido recurso extraordinário para o STF Mas o tema não é pacífico Encontramos julgados do próprio STF no sentido de que só cabe revisão criminal na corte suprema quando a matéria já tiver sido decidida pelo STF anteriormente ou seja contra a própria decisão do STF501 Em qualquer caso determina o art 625 que a revisão criminal não poderá ter como relator o mesmo relator que anteriormente tenha atuado no julgamento da apelação ou outro recurso Importante neste ponto é a leitura do art 625 do CPP A revisão criminal deve ser instruída com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias para a comprovação do alegado Sugerese sempre que seja anexada cópia integral do processo ou que se solicite o apensamento dos autos originais pois isso é fundamental para o julgamento da revisão Não sendo anexada cópia do processo o relator poderá determinar o apensamento dos autos originais mas é claro que isso gera um atraso no julgamento que pode ser evitado pela parte Não há que se falar em efeito devolutivo ou suspensivo pois revisão criminal não é recurso Obviamente estando o réu em liberdade não é necessário recolherse à prisão para ingressar com a revisão Em situações excepcionais estando o réu preso e sendo fortes os elementos contidos na inicial poderá o relator conceder habeas corpus de ofício art 654 2º para que o condenado aguarde em liberdade o julgamento da revisão criminal Noutra dimensão também já se admitiu a conversão de habeas corpus em revisão criminal na medida em que o writ pretendia desconstituir uma sentença transitada em julgado e exigia uma cognição ampla que excedia os limites do habeas corpus Neste sentido consultese o REsp 158028 Rel Min Luiz Vicente Cernicchiaro j 19031998 em que se lê que a fungibilidade dos recursos é admissível Resulta da natureza instrumental do processo Nada impede outrossim uma ação ser escolhida como outra O HC é uma ação constitucionalizada visa a fazer cessar ou impedir que ocorra ofensa ao direito de liberdade A revisão criminal também é ação não obstante a colocação no CPP 13 Limites da Decisão Proferida na Revisão Criminal Da Indenização Acolhida a revisão criminal o tribunal poderá Art 626 Julgando procedente a revisão o tribunal poderá alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo Parágrafo único De qualquer maneira não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista Art 627 A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação devendo o tribunal se for caso impor a medida de segurança cabível Considerando que a revisão criminal é uma ação de impugnação de caráter excepcional somente admissível em favor do réu nada impede que se produza uma decisão ultra petita ou seja não se aplicam aqui os rigores do princípio da congruência anteriormente estudado de modo que o tribunal pode absolver o réu ainda que o pedido tenha sido de anulação do processo ou apenas uma diminuição da pena O único limite intransponível é o da vedação da reformatio in pejus contido no parágrafo único do art 626 de modo que em nenhuma hipótese poderá ser agravada a situação jurídica do autor Quando a decisão for de anulação o feito com defeito deverá ser refeito de modo que o processo a extensão dependerá da contaminação terá nova tramitação e decisão Não poderá esta nova decisão ser mais grave que a anterior sob pena de constituir uma reformatio in pejus indireta Devese considerar também a possível ocorrência da prescrição pois a sentença condenatória desaparece como marco interruptivo e dependendo da contaminação até o recebimento da denúncia poderá ser desconstituído Por alterar a classificação da infração entendase a aplicação do art 383 do CPP ou seja a emendatio libelli uma mera correção da tipificação legal desde que não seja prejudicial à defesa vedação da reformatio in pejus Situação mais complexa diz respeito à mutatio libelli art 384 do CPP na medida em que implicaria alteração da situação fática contida na acusação Ao contrário do sustentado em edições anteriores estamos revisando nossa posição no sentido da impossibilidade de aplicação da mutatio libelli em sede de revisão criminal Não se pode admitir a inclusão de fatos novos após a sentença nem mesmo pela via do aditamento como aditar após a sentença pois em qualquer situação seria evidente a supressão de instância e principalmente a violação do contraditório e no segundo momento do direito de defesa Sedutora pode ser a proposta de mutatio libelli a favor do réu mas entendemos ser agora igualmente inadmissível não só por violar o contraditório e o direito de defesa mas também o próprio sistema acusatório na medida em que o tribunal estaria assumindo indevidamente o comando da pretensão acusatória Destarte se o tribunal ao conhecer a revisão criminal verificar a necessidade de dar ao fato uma definição jurídica diversa em decorrência da prova existente nos autos de elemento ou circunstância não contida na acusação e portanto não valorada e decidida na sentença não haverá alternativa deverá absolver o réu E repetimos ainda que aparentemente a mutatio libelli seja a favor do réu como ocorre vg na desclassificação de crime doloso para culposo pois é um pseudobenefício enganoso portanto posto que alberga uma grave violação do contraditório e demais princípios do devido processo penal É portanto uma condenação ilegítima ainda Para melhor compreensão da questão evitando molestas repetições remetemos o leitor para as lições anteriores sobre a decisão penal em que tratamos da Correlação e da complexa problemática em torno da emendatio libelli e da mutatio libelli Por fim invocável neste tema a Súmula 453 do STF não se aplicam à segunda instância o art 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa A Súmula 453 além de ser aplicável à revisão criminal segue em vigor pois plenamente compatível com a nova redação dada ao art 384 pela Reforma Processual de 2008 Nenhum óbice existe para que o tribunal possa alterar a classificação da infração absolver o réu modificar a pena ou anular o processo nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri de modo que a soberania das decisões do júri deve ceder diante do interesse maior de corrigir uma decisão injusta Esclarecemos que o tribunal julgando a revisão poderá absolver o autor sem a necessidade de novo júri que somente ocorrerá quando houver a anulação do processo em que todo ou parte do processo deverá ser repetido Denegado o pedido de revisão poderá o condenado interpor embargos declaratórios recurso especial e extraordinário se cabíveis Poderá em caso de decisão denegatória não unânime interpor embargos infringentes Não pois os embargos infringentes somente têm cabimento nas decisões não unânimes proferidas no julgamento de apelação e recurso em sentido estrito Por fim havendo pedido expresso na revisão criminal o tribunal acolhendoa poderá reconhecer o direito a uma indenização pelos prejuízos sofridos como estabelece o art 630 A responsabilidade do Estado é objetiva como define o art 37 6º da Constituição sendo também indenizável o erro judiciário como estabelece o art 5º LXXV Como explica MENDES502 a responsabilidade objetiva do Estado exige três requisitos para sua configuração ação atribuível ao Estado dano causado a terceiro nexo de causalidade entre eles Como ocorre em outras atividades do Estado em que às vezes o conceito de nexo causal é alargado ao extremo gerando uma banalização e indevida aplicação da teoria da responsabilidade objetiva a situação aqui exige uma análise à luz do caso concreto A ação danosa atribuível ao Estado decorre do ato decisório pois é ele o gerador da condenação que por si só já representa um dano O nexo causal nesta situação é menos problemático Neste contexto o 2º do art 630 não foi recepcionado pela Constituição não se justificando mais a exclusão da responsabilidade naqueles casos O fato de a ação penal ser de iniciativa privada não exime a responsabilidade do Estado pois o ato danoso é a decisão proferida pelo juiz ou seja a responsabilidade decorre não da acusação mas pelo julgamento errôneo Quanto ao disposto na alínea a se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder a situação pode ser mais complexa até porque há entendimentos divergentes em torno dos limites da responsabilidade objetiva do Estado mormente quando o fato danoso decorre de culpa ou dolo da própria vítima nesse caso o réu no processo constituindose a culpa exclusiva da vítima uma causa de exclusão da responsabilidade do Estado Em relação à confissão por exemplo permanece íntegra a responsabilidade do Estado até porque a confissão não é prova plena da responsabilidade penal e não autoriza por si só a condenação de modo que nesse caso não haverá culpa exclusiva do réu Em suma a questão da responsabilidade objetiva do Estado está atrelada à existência de um erro na administração da justiça devendo ser analisada caso a caso não mais se justificando a exclusão a priori das hipóteses previstas na alínea a 2 Habeas Corpus 21 Antecedentes Históricos no Brasil e Considerações Iniciais Desde o ponto de vista da ciência do direito como explica PONTES DE MIRANDA503 o remédio jurídicoprocessual como direito constitucional havia chegado depois quando já existia a pretensão e o direito à liberdade física No Brasil antes do habeas corpus existia o interdito de libero homine exhibiendo que alcançava a reparação do constrangimento ilegal da liberdade física O habeas corpus foi introduzido no sistema jurídico brasileiro504 a partir do modelo inglês em 1832505 no Código de Processo Criminal que em seu art 340 previa que Todo cidadão que considere que ele ou outra pessoa sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem o direito a solicitar uma ordem de habeas corpus em seu favor Na Constituição de 1891 o habeas corpus foi consagrado como um instrumento processual de fundamental importância para a proteção da liberdade de locomoção ambulatória Desde então vem sendo mantido em todas as Constituições Inicialmente no Brasil existia o habeas corpus liberatório para proteger a liberdade de locomoção jus manendi ambulandi eundi viniendi ultro citroque Em 1871 Lei n 20331871 foi alterada a Lei Processual de 1832 e introduzido o habeas corpus preventivo para os casos em que o cidadão estivesse ameaçado na iminência de sofrer uma restrição ilegal em sua liberdade Era a consagração do habeas corpus preventivo sequer consagrado na Inglaterra506 Como explica PONTES DE MIRANDA507 habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o Tribunal concedia dirigido aos que tivessem em seu poder a guarda do corpo do detido O mandamento era Toma habeas vem de habeo habere que significa exibir trazer tomar etc o corpo do detido e venha submeter o homem e o caso ao Tribunal Tal é a importância do instrumento não só no plano jurídicoprocessual como também no campo social que PONTES DE MIRANDA508 afirmava já em 1916 que o writ possuía uma extraordinária função coordenadora e legalizante que contribuía de forma decisiva para o desenvolvimento social e político do País impedindo inclusive a exploração da classe social baixa pelo coronelismo que para isso contava com o auxílio da polícia e das autoridades políticas Atualmente o habeas corpus está previsto no art 5º LXVIII da CF concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Também está contemplado no Código de Processo Penal arts 647 e seguintes 22 Natureza Jurídica e a Problemática em Torno da Limitação da Cognição O habeas corpus brasileiro está previsto no CPP no Livro III destinado às nulidades e aos recursos em geral Sua posição na estrutura da Lei como recurso constitui mais um típico caso de equivocada organização topográfica como define CORDERO509 Compreendido o erro do legislador consideramos o habeas corpus como uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional Devese definila como uma ação e não como um recurso e mais especificamente como uma ação mandamental ou um remédio processual mandamental remedial mandatory writ como prefere PONTES DE MIRANDA510 Tal ação está potenciada pela Constituição e se encaminha a obter um mandado dirigido a outro órgão do Estado por meio da sentença judicial511 Convém salientar que quando dizemos que tem força mandamental predominante não estamos excluindo as demais cargas da sentença declaratória constitutiva condenatória e executiva senão que evidenciamos o predomínio do mandamento sobre todas as demais Tratase de uma ação de procedimento sumário pois a cognição é limitada Questão bastante relevante em sede de HC é a impossibilidade de dilação probatória argumento usado de forma recorrente pelos tribunais para não conhecer do writ que exija ampla discussão probatória Esse argumento tem sido inclusive distorcido de modo a ser um dos principais filtros obstaculizadores do conhecimento do HC nos tribunais brasileiros Até certo ponto o argumento está correto pois se trata de uma ação de cognição sumária que não permite dilação ou ampla discussão probatória Mas por outro lado não se pode confundir dilação probatória com análise da prova préconstituída A sumarização da cognição impede que se pretenda produzir prova em sede de habeas corpus ou mesmo obter uma decisão que exija a mesma profundidade da cognição do processo de conhecimento ou seja aquela necessária para se alcançar a sentença de mérito O que não se pode é pretender o exaurimento da análise probatória nos estritos limites do HC Noutra dimensão é perfeitamente possível a análise da prova pré constituída independente da complexidade da questão O fato de ser o processo complexo constituído por vários volumes e milhares de páginas não é obstáculo ao conhecimento do HC Se para se demonstrar a ilegalidade de uma interceptação telefônica por exemplo e por conseguinte a nulidade da prova for necessário analisar e valorar centenas de conversas milhares de páginas deve o HC ser conhecido e provido ou desprovido conforme o caso A complexidade das teses jurídicas discutidas e a consequente análise de documentos ou provas já constituídas não são obstáculos para o HC Da mesma forma quando se pretende o trancamento do processo e não da ação como já explicado por falta de justa causa ou outra condição da ação está permitida a ampla análise e valoração da prova já constituída nos autos Não há que se confundir sumariedade na cognição com superficialidade da discussão O HC não permite que se produza prova ou se faça uma cognição plenária exauriente com juízo de fundo da questão Mas de modo algum significa que somente questões epidérmicas ou de superficialidade formal possam ser objeto do writ No mesmo sentido sustenta FISCHER512 que é de suma importância não se confundir a possibilidadeobrigatoriedade da análise das provas pré constituídas que embasam eventual pleito de habeas corpus com a aí sim inaceitável dilação probatória na sumária sede de cognição do writ Significa que se houver provas fora de dúvidas cuja análise mesmo que detalhada complexa seja essencial para o acolhimento da pretensão liminar ou final objeto do habeas corpus deve o Poder Judiciário incursionar nos seus exames para exarar conclusões positivas ou negativas acerca da pretensão defensiva Existe a possibilidade de uma medida liminar in limine litis construída jurisprudencialmente com natureza cautelar e que possibilita ao juiz uma intervenção imediata baseada na verossimilhança da ilegalidade do ato e no perigo derivado do dano inerente à demora da prestação jurisdicional ordinária A medida liminar tanto no habeas corpus preventivo como no liberatório ou sucessivo está incluída entre as tutelas provvedimento cautelares que CALAMANDREI513 classificou como antecipatórias da decisão final anticipazioni di provvedimento definitivo Para isso poderse ão utilizar os modernos meios de comunicação como o telefone fax e email O writ e a expressão inglesa significa exatamente um mandamento judicial514 pode ser interposto contra ato de um particular autoridade pública policial Ministério Público juiz tribunal e inclusive contra sentença transitada em julgado em que não é possível utilizarse qualquer recurso Para isso é imprescindível que se ofenda ilegalmente o direito de liberdade Em definitivo o habeas corpus no Brasil pode ser utilizado como instrumento de collateral attack Atendido seu objeto e especiais características a doutrina costuma denominálo remédio heroico destinado a garantir o direito fundamental à liberdade individual Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada um constrangimento ilegal já praticado denominase habeas corpus liberatório sua função é de liberar Também é possível utilizarse ainda que a detenção ou o constrangimento não haja sido praticado em uma situação de iminência ou ameaça Nesse caso denominase habeas corpus preventivo 23 Objeto O art 647 demonstra o alcance da medida ao determinar que será concedido habeas corpus sempre que alguém sofra ou se encontre na iminência de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar militar A única restrição da lei é com relação às punições disciplinares impostas pelas forças armadas entretanto isso atualmente já vem sofrendo uma certa flexibilização em que pese a redação do art 142 2º da Constituição O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já vêm decidindo em diversos casos que é possível o uso do writ contra punições disciplinares Nesse caso o julgador deverá analisar todos os aspectos formais da medida pois se trata de um ato administrativo sujeito ao controle judicial O habeas corpus brasileiro é uma ação de natureza mandamental com status constitucional que cumpre com plena eficácia sua função de proteção da liberdade de locomoção dos cidadãos frente aos atos abusivos do Estado em suas mais diversas formas inclusive contra atos jurisdicionais e coisa julgada A efetiva defesa dos direitos individuais é um dos pilares para a existência do Estado de Direito e para isso é imprescindível que existam instrumentos processuais de fácil acesso realmente céleres e eficazes Nunca é demais sublinhar que o processo penal e o habeas corpus em especial são instrumentos a serviço da máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo submetido ao poder estatal A forma aqui é garantia mas garantia do indivíduo Daí por que é censurável o formalismo às avessas apregoado por muitos juízes e tribunais para cercear a eficácia e o alcance do habeas corpus quando deveria ser todo o oposto É preocupante o desprezo com que muitas vezes os tribunais lidam com o tempo do outro tardando semanas quando não meses em decidir sobre a liberdade alheia como se o tempo intramuros não fosse demasiado doloroso e cruel assusta quando nos deparamos com julgadores que afirmam ter por princípio não conceder liminares ou ainda que sempre pede informações para estabelecer um contraditório com o juiz da causa como se isso existisse quando se opera uma verdadeira inversão probatória exigindo que o réu preso faça prova ou melhor alivie a carga probatória do Ministério Público ao arrepio da presunção de inocência Enfim há que se ter plena consciência da função do alcance e do papel que o habeas corpus desempenha em um Estado Democrático de Direito para não tolerar retrocessos civilizatórios como infelizmente às vezes ocorre Vejamos na continuação algumas coações ilegais amparáveis pelo habeas corpus 24 Cabimento Análise dos Arts 647 e 648 do CPP Habeas Corpus Preventivo e Liberatório Para facilitar a compreensão vejamos os casos em que tem cabimento o habeas corpus seguindo a sistemática do Código de Processo Penal Art 647 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir salvo nos casos de punição disciplinar COMENTÁRIO A ação destinase a garantir o direito fundamental à liberdade individual de ir e vir liberdade deambulatória Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada um constrangimento ilegal já praticado denominase habeas corpus liberatório sua função é de liberar da coação ilegal Mas o writ também pode ser empregado para evitar a violência ou coação ilegal em uma situação de iminência ou ameaça Nesse caso denominase habeas corpus preventivo É importante sublinhar que a jurisprudência prevalente inclusive no STF é no sentido de que não terá seguimento o habeas corpus quando a coação ilegal não afetar diretamente a liberdade de ir e vir Neste sentido entre outros estão as Súmulas 693 e 695 do STF Portanto ainda que as eventuais especificidades do caso concreto levem o tribunal julgador a conhecer do writ sem um risco direto à liberdade o que reputamos um acerto é importante na medida do possível demonstrar que a coação ilegal afeta a liberdade deambulatória sem interpretar isoladamente os incisos do art 648 No mesmo sentido MENDES515 esclarece ainda que o STF tem admitido o habeas corpus nos casos de quebra de sigilo fiscal e bancário quando seu destino é o de fazer prova em procedimento penal pois referidas quebras de sigilo têm a possibilidade de resultar em constrangimento à liberdade do investigado Art 648 A coação considerarseá ilegal I quando não houver justa causa COMENTÁRIO A coação é ilegal quando não possui um suporte jurídico legitimante quando não tem um motivo um amparo legal É o caso de uma prisão realizada sem ordem judicial e sem uma situação de flagrância quando é determinada a condução para extração compulsória de material genético do réu etc Também se considera ausente a justa causa quando é decretada a prisão cautelar sem suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis que devem estar suficientemente demonstrados para justificar a medida Radical mudança no sistema cautelar ocorreu com a Lei n 124032011 anteriormente comentada quando tratamos da prisão preventiva e liberdade provisória e para onde remetemos o leitor pois são conceitos fundamentais para o estudo do habeas corpus O novo regime jurídico da prisão processual principalmente o alargamento dos casos de fiança e o estabelecimento de um amplo rol de medidas cautelares diversas art 319 deu margem a novas postulações Entre elas está a desnecessidade ou desproporcionalidade da prisão preventiva decretada em que pela via do habeas corpus podese postular sua substituição por uma ou mais medidas cautelares diversas art 319 Recordemos que a prisão preventiva é a ultima ratio do sistema somente sendo utilizável quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 282 6º cc art 319 Em caso de prisão em flagrante a nova redação do art 310 consagra seu caráter précautelar onde o flagrante não prende por si só rompendo assim com uma equivocadíssima prática judicial Neste ponto remetemos o leitor para o capítulo das prisões cautelares Portanto o juiz para manter a prisão deverá decretar a prisão preventiva e fundamentar Mais do que isso deverá demonstrar a inadequação e insuficiência das medidas cautelares diversas Noutra dimensão também é possível a impetração de habeas corpus quando o juiz decretar uma medida cautelar diversa e não fundamentar a existência de fumus commissi delicti e periculum libertatis E aqui reside um problema crucial está havendo uma banalização e automatização na aplicação das medidas cautelares diversas sem qualquer fundamentação acerca da necessidade da restrição da liberdade Toda e qualquer medida cautelar seja ela uma prisão preventiva ou uma medida cautelar diversa art 319 exige a demonstração da sua necessidade ou seja do periculum libertatis do art 312 Não existe medida cautelar obrigatória automática ou desconectada da real necessidade da limitação imposta Não apenas a prisão cautelar constitui um constrangimento mas também a existência de inquérito policial e com mais evidência de um processo penal em face de alguém imputado de modo que tais violências devem estar legitimadas deve haver uma causa legal que justifique Partindo da antítese PONTES DE MIRANDA516 explica que a justa causa significa a existência de uma norma jurídica que determina uma sanção contra a liberdade deambulatória É uma causa que segundo o Direito seria suficiente para que a coação não seja ilegal Se não existe o suporte fático tatbestand para a incidência da norma jurídica de direito penal ou privado prisão civil por dívida alimentar não há justa causa Também o suporte fático contido na imputação ou ação penal que justifica o ato deve estar amparado por uma prova razoável Dessarte quando absolutamente infundado o processo ou o inquérito pois a conduta é manifestamente atípica está evidenciada uma causa de justificação está extinta a punibilidade pela prescrição ou qualquer outra causa por exemplo há uma coação ilegal que pode ser sanada pela via do habeas corpus geralmente utilizado para o trancamento do processo não da ação Em definitivo como assinala ESPÍNOLA FILHO517 a coação para ser legal exige certos requisitos e sua ausência constitui a ilegalidade Conforme a ilegalidade o habeas corpus terá uma determinada eficácia concessão de liberdade trancamento do processo reconhecimento do direito a prisão especial anulação de um ato processual etc Destaquese por fim que o writ é uma ação que constitui um processo de cognição sumária limitada518 portanto em que não se permite uma ampla e plena discussão sobre a ilegalidade devendo ela ser evidente comprovada por prova préconstituída Por esse motivo salvo situações excepcionais é inútil argumentar em torno da ausência de fumus commissi delicti para a prisão cautelar por exemplo pois a discussão sobre serem ou não suficientes os indícios de autoria e materialidade exige como regra uma incursão no contexto fático probatório inviável nos limites da cognição do habeas corpus II quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei COMENTÁRIO O excesso de prazo das prisões cautelares sempre foi um tema recorrente em matéria de habeas corpus Pensamos contudo que a questão assume uma nova dimensão com a inovação introduzida no art 5º LXXVIII da Constituição Daí por que a temática deve ser lida à luz de nossa exposição anterior sobre o direito de ser julgado em um prazo razoável cujos conceitos são fundamentais neste momento e para onde remetemos o leitor Também abordamos amplamente essa temática nos capítulos anteriores quando discorremos sobre as prisões cautelares de modo que agora nossa exposição será bastante breve A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da administração da justiça O núcleo do problema da demora como bem identificou o Tribunal Supremo da Espanha na STS 4519519 está em que quando se julga além do prazo razoável independentemente da causa da demora se está julgando um homem completamente distinto daquele que praticou o delito em toda complexa rede de relações familiares e sociais em que ele está inserido e por isso a pena não cumpre suas funções de prevenção específica e retribuição muito menos da falaciosa reinserção social Sem falar no imensurável custo de uma prisão cautelar indevida ou excessivamente longa Como explicamos anteriormente a doutrina dos três critérios é um referencial recorrente neste terreno cujos três fatores analisados são complexidade do caso a atividade processual do interessado imputado a conduta das autoridades judiciárias Em síntese o art 5º LXXVIII da Constituição incluído pela Emenda Constitucional 45 adotou a doutrina do não prazo fazendo como que exista uma indefinição de critérios e conceitos Nessa vagueza cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos Tribunais brasileiros a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CADH complexidade do caso atividade processual do interessado imputado que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria demora a conduta das autoridades judiciárias como um todo polícia Ministério Público juízes servidores etc princípio da proporcionalidade Com relação às prisões cautelares imprescindível ponderarse a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito à pena fixada e à provável pena a ser aplicada em caso de condenação Infelizmente esse foi um dos graves problemas não resolvidos pela Lei n 124032011 Continuamos sem a definição legal do prazo máximo de duração da prisão preventiva e isso é inadmissível Em suma pensamos que a questão do excesso de prazo da prisão cautelar deve em sede de habeas corpus inserirse na perspectiva da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável a partir dos aspectos anteriormente analisados Ademais ainda que não esteja cautelarmente preso o réu ou já tenha sido solto pensamos que o habeas corpus possa ser utilizado como instrumento processual capaz de dar eficácia ao direito fundamental previsto no art 5º LXXVIII da Constituição buscando através dele um mandamento expedido pelo Tribunal para que o julgador originário cesse imediatamente a dilação indevida ou estabelecendo um prazo exíguo para que assim proceda diante da inexistência no sistema brasileiro de uma solução processual extintiva Dessa forma fica evidente que a dilação indevida nas suas diferentes dimensões constitui um constrangimento ilegal atacável pela via do writ III quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazêlo COMENTÁRIO A prisão cautelar deve ser decretada por ordem judicial emanada de um juiz natural e competente sob pena de grave ilegalidade Da mesma forma o processo penal e todas as diferentes coações realizadas no seu curso somente estão legitimados quando estivermos diante de um juiz competente Assim é ilegal a prisão preventiva decretada por um juiz estadual quando a competência para o julgamento do processo e a decisão sobre a prisão por evidente é atribuída à justiça federal A competência aqui se emprega no sentido estrito ou seja relacionado à autoridade judiciária e não policial ou administrativa que não possuem competência mas atribuições Portanto nenhuma ilegalidade existe na prisão em flagrante realizada pela Polícia Federal por exemplo em um crime de competência da justiça estadual até porque a prisão em flagrante pode ser realizada por qualquer pessoa e viceversa IV quando houver cessado o motivo que autorizou a coação COMENTÁRIO A coação ilegal seja ela prisão cautelar ou outra forma de exercício do poder estatal deve estar legitimada juridicamente e para isso deve haver um suporte fático que preencha os requisitos legais Deve haver uma situação fática que legitime a coação Portanto uma vez desaparecido esse suporte fático cessa o motivo que autorizou e legitimou a coação Campo tradicional de utilização de HC com esse fundamento é o das prisões cautelares que como explicado anteriormente são situacionais Significa dizer que o periculum libertatis consubstanciase numa situação fática de perigo que desaparecida retira o suporte legitimante da prisão Portanto quando alguém está preso preventivamente sob o fundamento de risco para a instrução criminal uma vez colhida a prova desapareceu a situação fática legitimadora da prisão sendo ilegal a coação a partir de então Na mesma linha quando o periculum libertatis enfraquece é perfeitamente possível a substituição da prisão preventiva por uma medida cautelar diversa art 319 pois houve uma alteração do suporte fático legitimante Ademais recordemos que a prisão preventiva exige a demonstração da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas Qualquer alteração fática superveniente que inverta essa equação autoriza o pedido de substituição da prisão por uma medida cautelar diversa V quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza COMENTÁRIO O instituto da fiança já foi explicado anteriormente sendo desnecessária qualquer repetição Como atualmente a fiança possui um campo bastante amplo de incidência com valores substancialmente elevados podendo chegar a 200 mil salários mínimos o que poderá ocorrer é o arbitramento de um valor excessivo impagável pelo imputado na sua situação econômica Assim pensamos que esse dispositivo deve ter uma leitura alargada tendo cabimento o HC no caso em que não é oferecida a fiança e cabível mas também nos casos em que o valor arbitrado é excessivo equivalendose ao não oferecimento Pensamos que toda e qualquer medida cautelar diversa deve ter condições de possibilidade de ser cumprida Do contrário não atende sua missão e equiparase a uma recusa imotivada Portanto uma fiança de valor desproporcional impossível de ser cumprida pelo imputado equiparase a uma recusa injustificada em concedêla Ou seja uma flagrante ilegalidade sanável pela via do HC cabendo ao tribunal readequála a patamares razoáveis VI quando o processo for manifestamente nulo COMENTÁRIO A prática de atos processuais defeituosos retira a legitimidade do exercício do poder estatal pois forma é garantia e requisito de legalidade da coação Como as invalidades processuais já foram tratadas em capítulo anterior para evitar repetições para lá remetemos o leitor Partimos então da compreensão dos conceitos anteriormente estabelecidos para apontar o HC como uma ação destinada a reconhecer a nulidade e seus efeitos decorrentes A invalidade processual pode surgir no curso do processo e ser imediatamente impugnada pelo writ ou mesmo após o trânsito em julgado na medida em que sendo o defeito insanável nulidade absoluta não há que se falar em preclusão ou convalidação podendo ser interposto o HC a qualquer tempo A expressão manifestamente nulo é apontada pelo senso comum teórico como indicativo de que a nulidade deve ser evidente clara inequívoca até porque a cognição sumária do HC não permitiria qualquer dilação probatória Vemos essa posição com alguma reserva até porque a discussão acerca dos atos processuais defeituosos está situada na dimensão jurídica de violação da tipicidade do ato processual que não demanda qualquer produção de prova ou seja demonstração de complexa situação fática Tratase de problemática em torno do princípio da legalidade da conformidade do ato praticado com o modelo legal estabelecido e a eficácia ou ineficácia do princípio constitucional ali efetivado ou não em caso de defeito O que se percebe infelizmente é uma manipulação em torno da expressão manifestamente que está a indicar a existência de um defeito insanável para tergiversar uma complexa discussão teórica e não fática A complexidade jurídica da questão posta não justifica a denegação do HC pois o que está vedado é a plena cognição sobre os fatos uma dilação probatória sobre fatos é elementar e nunca o enfrentamento de teses jurídicas por mais complexas e profundas que sejam Por fim o feito com defeito deve ser refeito assim dispondo o art 652 do CPP Art 652 Se o habeas corpus for concedido em virtude de nulidade do processo este será renovado VII quando extinta a punibilidade COMENTÁRIO As causas de extinção da punibilidade estão previstas no art 107 do CP e em leis especiais Quando presentes retiram o poder punitivo do Estado e como decorrência do princípio da necessidade não havendo poder punitivo a ser reconhecido na sentença não está legitimada qualquer atuação estatal seja a abertura de inquérito policial exercício da acusação desenvolvimento do processo prisão cautelar medidas cautelares etc Dessarte quando já estiver em curso a coação o HC liberatório é o instrumento adequado para o trancamento do inquérito ou do processo não se esqueça de que não existe trancamento de ação penal com a consequente liberação do paciente de toda e qualquer restrição que esteja sofrendo inclusive patrimonial medidas assecuratórias 241 O Habeas Corpus como Instrumento de Collateral Attack O alcance do writ não só se limita aos casos de prisão pois também pode ser utilizado como instrumento para o collateral attack possibilitando que seja uma via alternativa de ataque aos atos judiciais e inclusive contra a sentença transitada em julgado Tanto pode ser utilizado no inquérito policial como também na instrução A primeira decisão judicial que pode ser atacada pelo habeas corpus é a que recebe a ação penal seja ela denúncia em caso de ação penal pública cujo titular é o Ministério Público ou queixacrime delitos de ação penal privada em que o titular é o ofendido Assim pode o habeas corpus ser utilizado para trancar o processo e não a ação mas em casos excepcionais em que é facilmente constatável a ausência das condições da ação recordando prática de fato aparentemente criminoso punibilidade concreta legitimidade e justa causa sem que se possa pretender uma ampla discussão probatória pois a cognição aqui é sumária A previsão legal de tal medida encontrase no art 648 I do CPP pois não existe uma justa causa genericamente considerada para o processo nesses casos Sem embargo existem no processo penal outros atos que inclusive sem determinar a prisão do acusado podem ser considerados como coação ilegal É o caso de uma decisão judicial de intervenção corporal em que se viola um direito fundamental do acusado vejase o que dissemos anteriormente sobre o direito de silêncio e os limites para as intervenções corporais quando se opera a prescrição em meio ao processo e o juiz não determina sua extinção quando não obstante a existência de uma nulidade absoluta o processo segue tramitando etc Não se pode confundir a limitação da cognição do HC em que não se admite a dilação probatória com a discussão sobre a legalidade de uma prova perfeitamente admissível em sede de HC Nessa linha a discussão sobre a licitude ou ilicitude de uma prova pode ser objeto de habeas corpus inclusive é recorrente o uso para discussão dos limites da interceptação telefônica Interessante decisão foi proferida pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 138301 Rel Min Og Fernandes através da qual se determinou que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais analisasse a alegação de nulidade de interceptação telefônica apresentada pela defesa de um homem preso cautelarmente O ministro Og Fernandes afirmou que há constrangimento ilegal no acórdão do TJMG uma vez que o mérito da legalidade da quebra do sigilo telefônico não foi analisado Além disso no caso concreto observou o ministro a prisão cautelar do paciente justificaria o uso do habeas corpus O TJMG negou a ordem entendendo que não seria o meio apropriado para análise da questão Como disse o Min Og Fernandes a análise da legalidade da quebra do sigilo era válida através desse instrumento Assim em que pese haver uma clara tendência por parte dos tribunais em restringir o campo de incidência do HC é perfeitamente possível a discussão sobre o regime legal da prova produzida no processo através do writ Devese destacar que pela via do habeas corpus se pode inclusive realizar o controle difuso da constitucionalidade520 de uma norma Com o habeas corpus pode ser exercido o controle indireto é dizer arguir e obter a declaração de inconstitucionalidade de uma norma ante qualquer juiz Os juízes de primeiro grau podem conhecer da alegação de inconstitucionalidade pela via de exceção através de uma alegação da defesa recordemos que para os tribunais deve ser observada a reserva de plenário prevista no art 97 da CF88 segundo o qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público Mas todo esse alcance do habeas corpus vem sendo paulatinamente combatido pelos tribunais superiores que abarrotados de writs estão gradativamente cerceando seu alcance e utilização São cada dia mais comuns decisões que não conhecem do habeas corpus substitutivo de recurso especial ou extraordinário Existe uma forte tendência de limitar o habeas corpus aos casos em que realmente há restrição da liberdade individual não o conhecendo quando substitutivo recursal 242 O Habeas Corpus contra Ato de Particular É possível a utilização do writ contra ato de particular seja pessoa física ou jurídica é evidente que eventual responsabilidade penal pela ilegalidade recairá sobre as pessoas físicas responsáveis pela empresa O ponto nevrálgico está em definir os casos em que se deve simplesmente chamar a polícia e quando deve ser interposto o habeas corpus Situações assim podem ocorrer nos casos de restrições de liberdade realizadas por seitas religiosas estabelecimentos hospitalares não concedendo alta do paciente até que a conta seja paga internações de doentes mentais ou de dependentes químicos em clínicas contra sua vontade internações de idosos contra sua vontade por parte da família em clínicas geriátricas etc521 São situações em que a ilegalidade da detenção nem sempre é evidente a ponto de bastar a intervenção policial Na explicação de ORTELLS RAMOS522 si el acto de privación o restricción de la libertad carece de toda apariencia de legalidad el medio de protección indicado no es el habeas corpus sino la autotutela y las actuaciones de los poderes públicos en caso de delito art 13 LECrim dar protección a los perjudicados Nos casos em que não se pode fazer um juízo apriorístico sobre a ilegalidade do ato a ponto de a intervenção policial ser suficiente o writ constitucional será o instrumento adequado Mas isso nos conduz a outro problema o habeas corpus é uma ação que instaura um processo de cognição sumária Existe uma limitação na cognição que exige o emprego das técnicas de sumarização horizontal e vertical impedindo o julgador de fazer uma ampla análise da questão fática plano horizontal prova do fato e jurídica plano vertical Daí por que em se tratando de internações compulsórias de incapazes dependentes químicos e situações similares a discussão acerca da legalidade do ato pode exigir uma ampla cognição e produção de prova não sendo o habeas corpus o instrumento processual adequado Sem embargo obviamente não há mais espaço para regras absolutas e em situações extremas podese admitir o writ especialmente quando a as condições em que estiver o detido sejam desumanas colocando em risco sua integridade situação em que se poderá inclusive apurar eventual prática de outro delito b em que pese a sumariedade do habeas corpus possa o juiz ou tribunal se convencer da ilegalidade da detenção Significa dizer que não obstante a limitação probatória a prova produzida baste para o convencimento do julgador Nos demais casos em que é exigida uma ampla discussão e análise da prova o writ não é a via adequada cabendo ao interessado buscar na esfera cível alguma outra medida até mesmo cautelar reservando a tutela exauriente para a ação principal processual 243 Habeas Corpus Preventivo A utilização mais recorrente do habeas corpus é para atacar um ato ilegal já praticado ou que está em curso sendo realizado cujos efeitos são atuais Mas desde a Constituição de 1891 o sistema brasileiro consagra o habeas corpus preventivo como uma medida que busca evitar a prática iminente de uma coação ilegal Como explica CALAMANDREI523 na tutela jurisdicional preventiva o interesse não surge do dano senão dal pericolo di un danno giuridico A tutela não atua a posteriori do dano como produto da lesão ao direito senão que se opera a priori para evitar o dano que possa derivar da lesão a um direito quando existe uma ameaça ainda não realizada Existe portanto interesse juridicamente tutelável antes da lesão ao direito pelo simples fato de que a lesão seja previsível próxima e provável Para isso está o habeas corpus preventivo O art 647 do CPP prevê que a ação possa ser utilizada sempre que alguém sofra ou se encontre na iminência de sofrer uma violência ou coação ilegal No mesmo sentido o art 5º LXVIII da Constituição estabelece que concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder A iminência do constrangimento ilegal deve ser valorada em grau de probabilidade um juízo de verossimilhança não se podendo exigir certeza pois esta somente será possível com a consumação do ato que se pretende evitar Acolhido o habeas corpus preventivo será emitido um mandamento judicial de salvoconduto524 dirigido à autoridade apontada como provável autora da ilegalidade para que não pratique o ato coator ou a conduta ilegal Em última análise o habeas corpus preventivo atua no momento imediatamente anterior à efetivação da coação ilegal protegendo o paciente e impedindo que a ilegalidade se produza Como explica MANZINI525 o salvoconduto tem sua origem no período da inquisição para facilitar a apresentação do imputado quod tuto possit venire ad se praesentandum526 e valia por um certo tempo mas também podia ser concedido por tempo indeterminado Garantia ao beneficiado a vida liberdade e a disposição de seus bens sendo sua concessão subordinada à condição quod non vagetur per plateas el loca publica quia sic dignitas Magistratus et iustitiae exigere videtur527 No modelo brasileiro o HC preventivo não goza de disciplina legal está previsto mas não disciplinado não havendo clara definição de limites e duração do salvoconduto Infelizmente é de difícil obtenção até porque os tribunais em regra são bastante comedidos econômicos quanto à concessão de medidas de proteção da liberdade individual Ainda mais na dimensão preventiva Um exemplo típico de utilização do habeas corpus preventivo é contra ato coator praticado em CPI Comissão Parlamentar de Inquérito pois não raras vezes réus em processo criminal são intimados a depor como informantes ou testemunhas em CPI que busca apurar os mesmos fatos pelos quais ele já responde a processo criminal ou é investigado em inquérito policial Uma vez circunscrita sua posição de imputado não pode ser ouvido como testemunha ou informante pois essa é uma manobra ilegal para subtrairlhe os direitos inerentes à posição de sujeito passivo entre eles o direito de silêncio e de estar acompanhado de advogado Em diversas oportunidades já foram realizadas manobras circenses em Assembleias Legislativas e mesmo no Congresso Nacional com a prisão em flagrante de réus que utilizaram o direito de silêncio em flagrante ilegalidade e afronta ao direito constitucional de silêncio Para evitar tais espetáculos o habeas corpus preventivo apresentase como instrumento processual adequado para assegurar tais direitos e também o de não ser preso pelo crime de desobediência no caso de exercer o direito de silêncio Quanto à competência para julgar o HC a regra é a seguinte CPI instaurada em Assembleia Legislativa o writ será interposto no Tribunal de Justiça do respectivo Estado CPI instaurada no âmbito do Congresso Nacional a competência para julgamento é do STF Importante compreender que o habeas corpus é o remédio adequado porque se pretende a tutela de direito fundamental do réu cuja violação conduzirá à restrição ilegal de sua liberdade Se a pretensão fosse apenas de fazer valer alguma prerrogativa funcional do advogado como ter acesso aos autos por exemplo assegurada na Lei n 8906 a via correta é o Mandado de Segurança 25 Competência Legitimidade Procedimento O habeas corpus é sempre postulado a uma autoridade judiciária superior com poder para desconstituir o ato coator tido como ilegal É interposto em órgão hierarquicamente superior ao responsável pelo constrangimento ilegal havendo assim no que tange à competência para o processamento do HC a observância além da territorialidade do princípio da hierarquia528 Em algumas situações é difícil precisar quem é a autoridade coatora e quem é apenas o executor da ordem Nestes casos existe uma regra básica de fundamental importância nenhum habeas corpus será denegado por ter sido impetrado frente a autoridade judiciária incompetente Estabelece o art 649 que o juiz ou o tribunal dentro dos limites da sua jurisdição fará passar imediatamente a ordem impetrada nos casos em que tenha cabimento seja qual for a autoridade coatora Com isso os juízes e tribunais têm o dever de corrigir o endereçamento do writ que por erro tenha sido distribuído para a autoridade competente Aos juízes estaduais ou federais conforme o caso incumbe o julgamento do HC que tenha como coator um particular autoridade policial ou administrativa e demais agentes submetidos à jurisdição de primeiro grau Destaquese que quando a ação é impetrada em primeiro grau o art 574 I do CPP prevê a necessidade de recurso de ofício da sentença que conceder o habeas corpus mas não daquela que o denegar Para evitar repetições remetemos o leitor para o capítulo anterior quando tratamos dos recursos e fizemos uma crítica ao recurso de ofício pois entre outros argumentos são manifestas a ilegitimidade e a falta de interesse recursal Para desconstituir um ato ou decisão proferida por juiz o HC deverá ser impetrado no Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal conforme seja um juiz de direito ou juiz federal e assim sucessivamente para o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal O STF somente julga o habeas corpus nos casos de sua competência originária prerrogativa de função ou quando o ato coator emanar de um Tribunal Superior STJ TSE STM e TST529 Na dimensão dos Juizados Especiais Criminais a situação sempre foi problemática Quando o coator é o juiz atuante no juizado o HC será julgado pela respectiva turma recursal Contudo a situação é diferente quando o ato coator emana de turma recursal Juizado Especial Criminal em que o tema suscita controvérsias De um lado encontramos a Súmula 690 do STF a saber Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais Com isso o HC seria julgado diretamente no STF num verdadeiro salto na organização escalonada do Poder Judiciário Mas após a edição da Súmula que segue vigendo houve oscilação jurisprudencial relevante530 Assim ao que tudo indica caminhamos no sentido da superação da Súmula 690 de modo que o HC impetrado contra ato da turma recursal seja julgado no respectivo Tribunal de Justiça do Estado ou Tribunal Regional Federal se a decisão é de turma recursal de JEC federal E se a autoridade coatora for um Promotor de Justiça ou Procurador da República a quem competirá o julgamento do habeas corpus Ao respectivo tribunal ao qual estas autoridades estão sob jurisdição ou seja o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal conforme o caso A competência para o julgamento do HC deve considerar também a que tribunal está submetida a autoridade coatora ou ainda que tribunal julga eventual crime praticado pela autoridade coatora No caso dos membros do Ministério Público estão submetidos ao julgamento pelo respectivo tribunal cabendo também a esse tribunal portanto o julgamento do writ Quanto à legitimidade o habeas corpus poderá ser interposto por qualquer pessoa em seu próprio benefício ou de terceiro Também poderá fazêlo o Ministério Público e obviamente o advogado do paciente não sendo necessária procuração O HC é um atributo da personalidade em que qualquer pessoa independentemente de habilitação capacidade política civil processual sexo idade nacionalidade e inclusive estado mental pode utilizar Não se faz qualquer limitação nem aquelas necessárias para atuar no processo em geral legitimación ad causam y ad processum ou capacidade civil Mas e a pessoa jurídica pode figurar como paciente da coação ilegal quando lhe é imputada a prática de um crime ambiental Poderá ser impetrante nesse caso Ainda existe certa resistência por parte da jurisprudência nacional em admitir que a pessoa jurídica possa ser pacienteimpetrante em habeas corpus pelo fato de não sofrer coação em sua liberdade de locomoção Contudo esse entendimento deve ser revisado pois é completamente inadequado às novas situações jurídicopenais criadas pela Lei n 960598 O primeiro aspecto a ser considerado é que a teoria da dupla imputação segundo a qual é viável a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física que age com elemento subjetivo próprio REsp 564960SC 5ª Turma Rel Min Gilson Dipp DJ 13062005 Portanto se poderia o HC ser interposto somente em nome da pessoa física corré para em sendo concedida a ordem requerer posteriormente a extensão de seus efeitos à pessoa jurídica nada mais coerente do que por uma questão de efetividade autorizála desde logo a figurar como impetrante eou paciente Noutra dimensão é absolutamente ilógico admitir que a pessoa jurídica figure no polo passivo de uma ação penal e ao mesmo tempo negarlhe legitimidade para utilizar o habeas corpus como instrumento processual destinado a fazer cessar uma coação ilegal collateral attack Por que teria a pessoa jurídica que suportar o ônus de um processo penal nulo ou inútil Pode ser ré mas não está legitimada a resistir a uma imputação ilegal É flagrante a incongruência e a inadequação da tese que nega à pessoa jurídica legitimidade para impetração do habeas corpus Com muito acerto no HC 92921BA o Ministro Ricardo Lewandowski afirma que o sistema penal não está plenamente aparelhado para reconhecer a responsabilidade penal da pessoal jurídica pois inexistem instrumentos legislativos estudos doutrinários ou precedentes jurisprudenciais aptos a colocála em prática sobretudo de modo consentâneo com as garantias do processo penal E prossegue o Ministro Ricardo Lewandowski afirmando que entendo viável a interposição de habeas corpus para sanar eventual ilegalidade ou abuso de poder originados de ação penal em que figure no polo passivo pessoa jurídica sobretudo tendo em conta a falta de adequação do sistema processual à nova realidade apresentada pela criminalização das ações praticadas por tais entes Em outras palavras a responsabilidade penal da pessoa jurídica para ser aplicada exige alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal a exemplo da culpabilidade estendendose a elas também as medidas assecuratórias como o habeas corpus Portanto em sendo a pessoa jurídica ré em processocrime está a nosso sentir plenamente autorizada a impetrar HC ou figurar como paciente em writ interposto por outra pessoa Superada essa questão prossigamos Os juízes e tribunais podem de ofício conceder HC quando verificarem no curso de um processo que alguém sofre ou está na iminência de sofrer uma coação ilegal Neste sentido estabelece o art 654 do CPP A petição deverá ser distribuída em 3 vias uma original e duas cópias Uma cópia será enviada para a autoridade coatora para o pedido de informações e a outra servirá de protocolo do impetrante Endereçada sempre ao órgão superior àquele apontado como coator como veremos na continuação a petição do habeas corpus deve indicar claramente Paciente quem sofre o ato coator ou está na iminência de sofrêlo Impetrante quando quem impetra o HC é outra pessoa que não o paciente Autoridade coatora é a autoridade que determinou a prática do ato ilegal Impetradoa é a autoridade para a qual foi distribuído o HC seja juiz ou tribunal Detentor é a pessoa que detém o paciente quando distinta da autoridade coatora podendo ser o Diretor do Presídio ou estabelecimento prisional onde o paciente está preso A petição deverá descrever a situação fática e apontar no que consiste a ilegalidade da coação ou seja os fundamentos jurídicos que amparam o habeas corpus Quando interposto por advogado exigese que a inicial siga os requisitos mínimos de clareza e fundamentação de qualquer peça processual devendo ser instruída com cópia integral do processo ou ao menos das principais peças É recomendável que o habeas corpus seja bem instruído para dar celeridade ao julgamento Diverso é o tratamento do writ interposto pelo próprio paciente geralmente preso em que são relativizados os requisitos formais em nome do interesse na tutela da liberdade individual Além de certa relativização das formas se a petição não contiver os requisitos necessários o juiz ou tribunal deverá segundo o art 662 determinar que o impetrante a complemente Recebido o HC deverá a autoridade manifestarse sobre o pedido de liminar O pedido de informações uma prática disseminada em primeiro grau e também nos tribunais está previsto no art 662 mas algumas considerações devem ser feitas a o pedido de informações está previsto para o HC julgado em tribunais sendo descabido para a ação de competência dos juízes de primeiro grau b o pedido de informações deve ser formulado se necessário portanto a regra é que o HC que preencha os requisitos do art 654 seja despachado sem a manifestação do juiz coator c quando o writ vier instruído com cópia integral do processo e preencher os requisitos formais não há necessidade alguma do pedido de informações Portanto a praxe judiciária de não se manifestar sobre o pedido de liminar antes que venham as informações da autoridade coatora é causa de uma indevida dilação ilegítima e arbitrária que prolonga a submissão do paciente ao constrangimento ilegal impugnado Eventuais informações de caráter meramente complementar não podem prejudicar a célere tramitação que o HC exige O pedido de informações como a expressão evidencia é um relato objetivo e circunstanciado do estado do processo Por elementar não existe contraditório com o juiz o que seria um completo absurdo processual nem deve a autoridade coatora fazer uma defesa do seu ato Juiz não é parte não havendo contraditório ou possibilidade de manifestação que extrapole os estreitos limites da prestação objetiva das informações solicitadas Quando o habeas corpus é de competência dos juízes de primeiro grau o procedimento está previsto no art 656 A apresentação imediata do preso ao juiz é uma medida salutar além de como lembra PONTES DE MIRANDA531 relacionarse com o próprio nome da ação que iniciava pela fórmula trazer o corpo Deveria ser uma regra para o writ que tramita em primeiro grau O Código de Processo Penal não prevê a intervenção do Ministério Público e como adverte PONTES DE MIRANDA532 quaisquer diligências que ao juiz pareçam inúteis ou supérfluas devem ser dispensadas inclusive a oitiva do Ministério Público para não retardar a decisão Nos tribunais a intervenção do MP costuma ser disciplinada nos regimentos internos e não deve como sói ocorrer ser uma causa de atraso no julgamento do habeas corpus Infelizmente quando negada a liminar o habeas corpus costuma ter uma tramitação demasiadamente lenta nos tribunais brasileiros pois se aguardam as informações depois os autos vão para manifestação do Ministério Público e como via de regra as Câmaras e Turmas Criminais reúnemse apenas uma vez por semana ou a cada duas semanas em alguns casos a demora na manifestação do parquet pode representar uma demora de semanas no julgamento Se considerarmos que o MP também se manifesta na sessão quando finalmente é julgado o writ há uma inútil duplicidade contribuidora para a indevida dilação no julgamento A situação foi agravada pela emissão da Súmula 691 do STF que pretende impedir novo HC ajuizado após a denegação de medida liminar em habeas corpus Negada uma liminar a valer a Súmula não caberia novo HC para outro tribunal enquanto não fosse julgado o mérito no tribunal de origem Infelizmente a aplicação da Súmula tem feito com que diariamente os impetrantes e pacientes de habeas corpus sofram com a demora no julgamento do mérito e o impedimento de buscar no Tribunal Superior o reconhecimento da ilegalidade Ainda que alguma relativização ao rigor da Súmula já tenha sido feita a regra é sua aplicação A situação gerada é bastante problemática e não é raro que o paciente tenha que ajuizar um novo habeas corpus no Tribunal Superior não para ver reconhecida a ilegalidade a que está sendo submetido mas apenas para obter um peculiar mandamento a ordem de que o tribunal de origem julgue sem mais demora o mérito do HC originário que após a denegação da liminar aguarda meses às vezes anos para ser julgado Só assim o impetrante poderá prosseguir ingressando com novo HC no Tribunal Superior533 A Súmula continua em vigor ainda que seu rigor tenha sido atenuado pelo STF nos casos em que a ilegalidade é flagrante534 Retomando a análise do procedimento há dois momentos decisórios a Decisão sobre a concessão ou não da medida liminar in limine litis impetrado e recebido o habeas corpus o juiz ou tribunal competente analisará a verossimilhança da fundamentação fática e jurídica da ação e se houver pedido decidirá acerca da medida liminar postulada Tratase de uma decisão interlocutória de natureza cautelar em que devem ser demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora535 do alegado Advertimos contudo que é recorrente a denegação da liminar quando ela se confundir com o mérito do habeas corpus sob o argumento de que não há cautelaridade mas antecipação de tutela é o caso do pedido liminar de liberdade e no mérito a procedência do HC e igual pedido de liberdade A concessão ou denegação da medida liminar postulada pelo juiz ou relator quando o habeas corpus tramita em tribunais não encerra a ação pois ainda haverá uma manifestação sobre o mérito em que a liminar poderá ser concedida quando negada inicialmente mantida quando concedida ou cassada foi concedida mas no mérito ao ser julgado o habeas corpus é cassada e é negado provimento ao pedido b Decisão final sentença ou acórdão concedida ou não a medida liminar ou não postulada após as informações e manifestação do Ministério Público deverá o juiz proferir sentença ou o tribunal julgar o habeas corpus que será levado em mesa pelo relator para julgamento pelo órgão colegiado Nesse julgamento poderá ser acolhido o pedido ou denegado no todo ou em parte Quando houver sido concedida a medida liminar será ela confirmada ou cassada conforme a sentença seja de procedência ou não A eficácia preponderante da sentença de procedência é mandamental536 No julgamento do habeas corpus pelos tribunais está permitida a sustentação oral pelo impetrante mas um sério obstáculo da praxis judiciária é o fato de não haver intimação da data da sessão de julgamento sob o argumento de que a urgência exige que a ação seja levada em mesa sem ser incluída na pauta de julgamento Isso acarreta sérios prejuízos para o impetrante e o paciente na medida em que impede o acompanhamento e a sustentação oral na sessão de julgamento Ainda que o cerceamento de defesa e a violação do contraditório na dimensão do direito à informação e comunicação dos atos processuais sejam evidentes essa prática é recorrente e infelizmente tolerada Contudo já há decisões anulando o julgamento de habeas corpus quando havendo pedido expresso de sustentação oral e portanto de intimação da data da sessão a sessão é realizada sem prévia comunicação ao impetrante537 Mas em sentido oposto argumentase a ausência de nulidade com base na Súmula 431 do STF que assim dispõe É nulo o julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia intimação ou publicação da pauta salvo em habeas corpus Pensamos que a Súmula deve ser revisada e que o melhor entendimento é pela necessidade de intimação da data do julgamento especialmente quando o impetrante manifestar o desejo de proferir sustentação oral 26 Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus O recurso ordinário é um meio de impugnar as decisões denegatórias ou de não conhecimento do habeas corpus sendo julgado pelo STF quando a decisão denegatória ou de não conhecimento é proferida em única instância pelo STJ nos termos do art 102 II a da Constituição pelo STJ quando a decisão denegatória ou de não conhecimento do habeas corpus for proferida em única ou última instância pelos tribunais de justiça ou tribunais regionais federais conforme estabelece o art 105 II a da Constituição Há uma sutil diferença na definição da competência no STF a competência é para julgar o recurso ordinário quando o habeas corpus foi denegado em única instância pelo STJ Ou seja é um caso em que a competência originária para julgamento do HC é do STJ como por exemplo o writ interposto por um agente público com prerrogativa de função art 105 I a da Constituição Já o STJ julga o recurso ordinário quando o habeas corpus foi denegado pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal em única prerrogativa de função ou última instância logo pode ser um HC contra ato coator de juiz por exemplo Isso conduz a outro detalhe importante se a decisão denegatória é do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal cabe recurso ordinário para o STJ Mas se ao invés de interpor o recurso ordinário é impetrado um novo habeas corpus no STJ não é caso de julgamento em única instância portanto não caberá recurso ordinário para o STF pois não está contemplado Caberá se for o caso recurso extraordinário para o STF Ainda no mesmo caso se da decisão denegatória proferida pelo Tribunal de Justiça ou Regional Federal for apresentado o recurso ordinário uma vez negado provimento ao recurso pelo STJ caberá apenas se for o caso recurso extraordinário Mas não se descarta a impetração de novo HC tendo em vista que o STJ passa a ser o coator A Constituição apenas prevê o cabimento do recurso e a competência para julgálo O processamento está disposto na Lei n 803890 nos arts 30 a 32538 pois tais dispositivos não foram revogados pelo novo CPC art 1072 IV do CPC O prazo de interposição é de 5 dias devendo as razões acompanhar o recurso Antiga divergência sobre o prazo acabou resolvida pela Súmula 319 do STF O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em habeas corpus ou mandado de segurança é de cinco dias Como já apontado mas é importante reforçar somente tem cabimento das decisões denegatórias de HC abrangendo também as decisões de não conhecimento No que tange à legitimidade é um recurso exclusivo da defesa devendo ser interposto pelo paciente através de seu advogado Ainda que o writ possa ser interposto por qualquer pessoa o recurso ordinário deverá ser subscrito por advogado Contudo como já decidido pelo STF no HC 863078 não há necessidade de procuração até porque o writ não a exige Em relação ao preparo é inexigível pois não há pagamento de custas mormente por ser um recurso da denegação de habeas corpus uma ação constitucional sem custo Não há que se confundir o recurso ordinário constitucional com os recursos especial e extraordinário de modo que não se exige prequestionamento ou a demonstração da repercussão geral Nada disso é exigido no recurso ordinário Deverá ser interposto por escrito e o efeito é devolutivo mas limitado à matéria ventilada no habeas corpus Quanto ao procedimento em síntese No STJ diante de uma decisão denegatória do habeas corpus no TRF ou TJ o recurso ordinário é interposto no prazo de 5 dias petição acompanhada das razões no tribunal de origem Admitido é enviado ao STJ onde é distribuído e designado relator que dará vista ao MP e após será pautado para julgamento no qual caberá sustentação oral STF quando interposto no STF será dirigido ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão no prazo de 5 dias com as razões Admitido no tribunal de origem se nega prosseguimento cabe agravo regimental subirá o recurso ordinário com o HC anexo Distribuído no STF será designado relator que dará vista ao MP e após será levado a julgamento pela Turma cabendo sustentação oral A ausência de efeito suspensivo bem como a tramitação mais lenta eis que um recurso faz com que o Recurso Ordinário imponha um grande ônus para o acusado preso Por isso durante muito tempo esteve jogado ao ostracismo sendo substituído pela interposição de novo HC Mas nos últimos anos tem se fortalecido o entendimento especialmente no STJ de não conhecer de HC substitutivo de Recurso Ordinário Tratase de um movimento de filtragem jurisdicional diante da avalanche de HCs diariamente interpostos no STJ Por tal motivo destacamos que atualmente tem predominado essa postura de não admitir HC substitutivo de Recurso Ordinário Não sem razão na prática forense é comum verse após a denegação do HC por um TJ ou TRF a interposição de Recurso Ordinário para atender o rigor formal do STJ e também novo HC argumentando a urgência diante da existência de prisão na esperança de que o writ seja conhecido e provido Já no STF a situação começa a mudar com as restrições em torno da impetração de HC substitutivo sendo relativizadas Mas a situação ainda é polêmica e além de gerar insegurança cria um terreno fértil para o decisionismo 3 Mandado de Segurança em Matéria Penal 31 Considerações Prévias O mandado de segurança é um instrumento processual sem similar nos demais países Como disse ALCALÁZAMORA Y CASTILLO539 es un tema cien por cien brasileño acaso entre los de índole jurídica el más brasileño de todos Concebido como instrumento processual ação e não recurso destinado a proteger os interesses do indivíduo contra as ilegalidades praticadas pelos agentes públicos Como explica CIRILO DE VARGAS540 com a república foram muitas as tentativas de introduzir um instrumento capaz de reparar ou impedir os abusos administrativos sem obter êxito Somente com a Constituição de 1934 sob a influência da Revolução de 1930 foi contemplado o instrumento processualconstitucional A Constituição de 1937 não o recepcionou ainda que se tivesse mantido na legislação ordinária A partir da Carta de 1946 o mandado de segurança sempre foi recepcionado expressamente pelas Constituições brasileiras Atualmente está previsto no art 5º LXIX da Constituição e regulamentado pela Lei n 12016 de 7 de agosto de 2009541 Situase portanto na lacuna deixada pelo habeas corpus na tutela de direito líquido e certo sem vincularse à existência de uma restrição de liberdade quando o responsável pela ilegalidade for uma autoridade pública Ao estudioso atento chama a atenção o nome jurídico mais especificamente o primeiro substantivo como bem questionado por ALCALÁZAMORA Y CASTILLO542 Por que mandado e não ação Porque o legislador brasileiro pretendeu reforçar a ideia de imperatividade pois na concepção tão bem explorada por PONTES DE MIRANDA é uma típica ação de mandamento Atendendo à finalidade que é chamado a satisfazer no mandado de segurança importa mais a ordem fazer ou não fazer e o correlativo acatamento que a argumentação que a ela conduza ou mesmo o convencimento dos destinatários543 32 Natureza Jurídica É uma ação mandamental um mandamus com status constitucional que se encaminha a obter uma ordem judicial dirigida a outro órgão do Estado por meio de uma sentença544 O mandado de segurança desde a perspectiva de utilização no processo penal amplia a esfera de proteção não alcançada pelo habeas corpus constituindose um instrumento processualconstitucional colocado à disposição de toda pessoa física ou jurídica para proteção de um direito individual ou coletivo mas que não esteja protegido por habeas corpus ou habeas data que foi lesado ou ameaçado de lesão por um ato de autoridade independentemente de sua categoria ou função Além da previsão constitucional está disciplinado especialmente na Lei n 120162009 Para o processo penal é uma ação destinada à tutela de direito subjetivo individual por meio de um mandamento por isso é denominado de mandamus judicial que tem por objetivo impedir ou corrigir a ilegalidade Em linhas gerais invalida o ato ou omissão ilegal da autoridade pública ou suprime seus efeitos Quando se dirige contra um ato judicial apesar de assumir contornos de uma via de impugnação com função de recurso tratase de uma ação autônoma de impugnação545 Para PONTES DE MIRANDA546 o mandado de segurança é uma ação e remédio jurídicoprocessual para a proteção de qualquer direito de origem constitucional ou legal patrimonial ou não que não seja objeto de tutela pelo remédio jurídicoprocessual do habeas corpus Acolhida a ação e instaurado o processo terá cognição sumária e rito especial Predomina o entendimento de que é uma ação civil ainda que distribuída numa vara criminal para impugnar um ato afeto ao processo penal seguindo o procedimento e o sistema recursal do processo civil O mandado de segurança admite uma decisão liminar initio litis de natureza cautelar anticipazioni di provvedimento definitivo que exige para sua concessão a demonstração de fumus boni iuris e periculum in mora547 Deve o autor demonstrar a verossimilhança do direito líquido e certo violado pelo ato da autoridade e o perigo de um dano grave e irreparável ou de difícil reparação que pode surgir com a demora na prestação da tutela jurisdicional O mandado de segurança também admite a figura preventiva com base no interesse que decorre dal pericolo di un danno giuridico nos mesmos moldes anteriormente explicados no habeas corpus 33 Objeto e Cabimento Direito Líquido e Certo O objeto do mandamus são os atos ações ou omissões ilegais do poder público e seus agentes que prejudiquem ou atentem contra um direito líquido e certo que não seja sanável pelo habeas corpus ou habeas data Por isso seu campo de aplicação é determinado por exclusão548 nos termos do art 5º Art 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar I de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução II de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo III de decisão judicial transitada em julgado A Lei n 120162009 incorporou a consolidada orientação jurisprudencial no sentido da impossibilidade de mandado de segurança contra ato administrativo de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo independentemente de caução pois se entende que nesse caso há um meio próprio e efetivo de impugnação Também não se admite mandado de segurança contra ato judicial do qual caiba recurso com efeito suspensivo apto a impedir a ilegalidade A vedação do mandado de segurança contra lei em tese não foi incorporada ao texto da Lei n 12016 mas pensamos que seguirá sendo invocada pelos tribunais brasileiros pois se considera inepta para provocar lesão a direito líquido e certo em observância à Súmula 266 do STF enquanto estiver em vigor Tampouco se admite o mandamus contra decisão transitada em julgado situação a ser remediada pela revisão criminal ou até mesmo pelo habeas corpus Com essa vedação expressa fulminase a pretensão desde sempre infundada de se criar pela via do MS uma possibilidade de revisão criminal pro societate549 Por ato de autoridade550 se entende toda manifestação por ação ou omissão do poder público ou de quem atua em seu nome por delegação de poder que no exercício de suas funções cause uma lesão ilegal a um direito individual A ação se dirige contra o mandante a autoridade com poder decisório que ocupa uma posição superior na hierarquia de mando ou aquela que tenha praticado o ato impugnado executante Neste sentido é importante a disposição contida no art 6º 3º da Lei n 120162009 A definição da autoridade coatora é fundamental para a definição da competência para o julgamento do mandado de segurança Ainda que cabível em tese contra ato de particular no exercício de atividade delegada em matéria penal o mandado de segurança costuma ser utilizado contra atos da polícia judiciária juízes ou tribunais e membros do Ministério Público Sem embargo prevê o art 1º 1º da Lei n 12016 que 1º Equiparamse às autoridades para os efeitos desta Lei os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público somente no que disser respeito a essas atribuições Seguindo o entendimento consolidado na jurisprudência a Lei n 12016 admite o mandamus contra ato judicial pois configura ato de autoridade desde que não exista um recurso específico para impugnação ou não possua ele efeito suspensivo Assim ainda que já viesse sendo minorada pensamos não ter mais eficácia a Súmula 267 do STF pois inegavelmente cabe o mandado de segurança contra o ato jurisdicional ilegal não amparado por recurso com efeito suspensivo Além da ausência de efeito suspensivo para o cabimento do mandado de segurança é necessário que o ato jurisdicional contenha manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ofender direito líquido e certo apurável sem necessidade de dilação probatória551 Questão interessante é pode o Ministério Público buscar através do mandado de segurança a atribuição de efeito suspensivo em recurso que não o contempla Situação comum na execução penal em que o Ministério Público não concorda com a decisão do juiz da execução penal que reconhece algum direito ao apenado progressão de regime livramento condicional etc e interpõe Agravo em Execução penal que só tem efeito devolutivo e mandado de segurança para obter a concessão de efeito suspensivo e com isso obstar os efeitos práticos do direito reconhecido Cabe esse mandando de segurança Não Não pode o MP bucar pela via do MS atribuição de um efeito recursal não contemplado em lei Nesse sentido a Súmula 604 do STJ Súmula 604 O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público E por que a Súmula alcança exclusivamente o Ministério Público Porque a defesa tem o HC como ação adequada para assegurar a liberdade do imputadocondenado Ainda no que se refere ao cabimento os tribunais brasileiros vêm gradativamente limitando o uso do HC para situações em que há risco efetivo para a liberdade de ir e vir cabendo o mandado de segurança em relação aos demais casos Exemplo típico é a negativa por parte da autoridade policial em conceder vista ao advogado dos autos do inquérito policial Durante muito tempo o habeas corpus foi utilizado para esse fim Atualmente predomina o entendimento acertadamente de que se trata de violação de direito líquido e certo a ser tutelada pelo mandado de segurança até porque não se trata de lesão ao direito de ir e vir Contudo é importante sublinhar sustentamos a possibilidade do Mandado de Segurança nesse caso em nome da maior eficácia e celeridade da prestação jurisdicional pois com o advento da Súmula Vinculante n 14 do STF a recusa em dar vista e amplo acesso ao inquérito policial a rigor dá causa à Reclamação prevista no art 102 I l da Constituição a ser ajuizada diretamente no STF Então para que fique claro a recusa por parte da autoridade policial ou judicial em dar acesso ao advogado dos autos do inquérito permite Reclamação diretamente no STF contudo tendo em vista as dificuldades que isso pode encerrar no caso concreto é perfeitamente viável a utilização do Mandado de Segurança inclusive com a invocação da Súmula Vinculante n 14 e que terá imensa possibilidade de êxito imediato O que sim não nos parece correto é utilizar o habeas corpus pelas razões já expostas Outros casos de cabimento do mandado de segurança a título de ilustração são a negativa da autoridade policial em realizar diligências solicitadas pelo indiciado nos termos do art 14 do CPP b da decisão que indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação c nas medidas assecuratórias de sequestro e arresto de bens d para atacar a decisão que indefere o pedido de restituição de bem apreendido etc Para a tutela das prerrogativas funcionais do advogado asseguradas na Lei n 8906 o instrumento adequado é o mandado de segurança pois representa a violação de direito líquido e certo Da mesma forma cabe o mandado de segurança contra ato de CPI Comissão Parlamentar de Inquérito que não respeita as prerrogativas funcionais de advogado Por outro lado quando o que se busca é a garantia do direito de silêncio autodefesa negativa do imputado costumeiramente violado no âmbito das CPIs o caminho a ser seguido é o do habeas corpus Para evitar repetições remetemos o leitor para o tópico anterior onde tratamos do HC Mudando o enfoque a expressão direito líquido e certo significa o direito que se apresenta manifesto em sua existência delimitado em sua extensão e apto a ser exercido no momento da interposição do mandamus É o direito evidente claro cuja existência é patente e está amparado por lei devendo estar presentes todos os requisitos e condições necessárias para seu exercício sem que existam causas suspensivas ou condições não cumpridas552 Na dimensão processual explica GRINOVER553 a expressão deve ser entendida como um direito que possa ser comprovado por forma documental que se possa demonstrar de forma apriorística sem dilação probatória até porque não existe instrução Exige portanto prova préconstituída Através do mandado de segurança também se pode exercer o controle difuso da constitucionalidade de uma lei da mesma forma e com os mesmos fundamentos do controle exercido por meio do habeas corpus anteriormente explicado 34 Legitimidade Ativa e Passiva Competência A legitimação ativa será do impetrante titular do direito violado que pode ser uma pessoa física ou jurídica não se pode esquecer a possibilidade de uma pessoa jurídica sofrer a prática de um ato coator no bojo de investigação ou processo criminal por crime ambiental e à diferença do habeas corpus o mandado de segurança segue a regra geral de capacidade e legitimidade das ações civis exigindo a assistência de advogado com procuração para sua impetração O Ministério Público parte ativa e titular da ação penal de iniciativa pública poderá impetrar mandado de segurança na defesa de sua pretensão acusatória Inclusive tendo em vista que o habeas corpus é um instrumento de uso exclusivo da defesa o mandado de segurança é um importante instrumento processual para que o Ministério Público possa impugnar decisões judiciais contrárias a seu interesse e que não possuam recurso com efeito suspensivo quando há manifesta ilegalidade violadora de direito líquido e certo Sendo impetrado o mandado de segurança pelo MP é obrigatória a intervenção do réu como determina a Súmula 701 do STF Já na legitimidade passiva o impetrado é a autoridade que pratica o ato impugnado ou da qual emane a ordem para sua prática art 6º 3º da Lei n 12016 Tendo em vista a complexidade da estrutura administrativa do Estado conforme o caso o erro no endereçamento da ação não deve conduzir à imediata denegação da petição Atendendo à necessidade de eficácia da tutela dos direitos individuais bem como de obter a tutela jurisdicional pretendida entendemos recomendável que o juiz ou tribunal corrija e determine a remessa ao órgão competente É importante destacar que não se admite mandado de segurança contra ato de particular ao contrário do habeas corpus como visto anteriormente Quanto à competência será definida segundo a categoria da autoridade pública em face da qual se interpõe o mandado de segurança Tratase de um sistema escalonado no qual o mandamus deve ser interposto junto ao juiz ou tribunal competente para julgar os atos daquela autoridade É um sistema similar àquele anteriormente explicado no habeas corpus Em linhas gerais ato coator da autoridade policial estadual mandado de segurança impetrado para o juiz de direito ato da polícia federal competência do juiz federal ato coator de juiz de direito ou federal competência do Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal respectivos e destes para o STJ e após STF 35 Breves Considerações sobre o Procedimento O procedimento é de cognição sumária e não existe instrução probatória por isso o direito deve ser certo patente e determinado A prova dos fatos e do direito deve ser préconstituída e a petição deverá ser instruída com todos os documentos necessários para comprovar o direito e a ilegalidade alegados devendo ser subscrita por advogado devidamente constituído Se o impetrante necessitar de documentos que estejam em poder da autoridade coatora poderá solicitar ao juiz ou tribunal que na própria notificação para que preste informações conste a determinação de apresentação desse documento em original ou cópia autêntica Quando outra for a autoridade detentora do documento poderá o juiz ordenar preliminarmente por ofício a exibição do documento cópia autêntica no prazo de 10 dias art 6º 1º O exercício da ação de mandado de segurança está submetido ao prazo decadencial de 120 dias contados da data em que o sujeito tomar conhecimento oficial do ato ilegal art 23 da Lei n 12016 O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento da constitucionalidade deste prazo através da Súmula 632 a saber É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança A inicial deverá indicar a autoridade coatora descrever os fatos e a fundamentação jurídica demonstrando o direito líquido e certo violado e de que forma se deu esta violação Deve ser apresentada em duas vias além daquela destinada ao protocolo ambas instruídas com os documentos que acompanham o mandamus A inicial deverá preencher os requisitos exigidos pelo CPC e também indicar além da autoridade coatora a pessoa jurídica que esta integra à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições conforme o caso Ao contrário do habeas corpus o mandado de segurança tem valor da causa será o valor de alçada e paga custas processuais exceto em caso de assistência judiciária gratuita mas não há condenação ao pagamento de honorários advocatícios mas isso não impede a condenação por litigância de máfé Recebido o mandado de segurança e não sendo caso de indeferimento imediato art 10 o juiz determinará art 7º I que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial enviandolhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos a fim de que no prazo de 10 dez dias preste as informações II que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada enviandolhe cópia da inicial sem documentos para que querendo ingresse no feito III que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso seja finalmente deferida sendo facultado exigir do impetrante caução fiança ou depósito com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica As informações a serem prestadas no mandado de segurança são similares àquelas existentes no habeas corpus devendo ser feitas de forma clara e objetiva fornecendo os documentos que julgue necessários para demonstração da legalidade do ato pois não existe posterior atividade probatória Neste mesmo momento inicial initio litis deverá o juiz se manifestar sobre eventual pedido de medida liminar que tem natureza cautelar e está submetida à demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora A medida liminar consiste em um mandamento judicial para que a autoridade pratique um determinado ato quando a coação for por omissão ou cesse a atividade ilegal e terá validade até a sentença que julgar o mérito do mandado de segurança Contudo como qualquer medida liminar poderá ser cassada a qualquer momento pois é medida provisional por excelência através de decisão judicial fundamentada Sendo denegada a liminar postulada o processo seguirá seu curso com as informações e posterior julgamento do mérito na sentença Se com as informações vierem documentos novos em nome do contraditório deverá o juiz dar vista para que o impetrante se manifeste Estabelece ainda o art 8º que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando concedida a medida o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover por mais de 3 três dias úteis os atos e as diligências que lhe cumprirem Evitamse com isso eventuais medidas protelatórias que visem à perpetuação da medida liminar O Ministério Público será ouvido mas terá o prazo improrrogável de 10 dias para manifestação sob pena de em não o fazendo os autos irem conclusos para o juiz decidir Significa dizer que com ou sem o parecer do Ministério Público deverá o juiz proferir sentença em até 30 dias A sentença poderá acolher o pedido ou denegálo devendo cassar a liminar eventualmente concedida caso a sentença negue provimento ao pedido ou confirmála com a procedência Sendo interposto em tribunal a decisão sobre a liminar caberá ao relator que após as informações submeterá o mandado de segurança a julgamento pelo órgão colegiado Por ser considerado uma ação de natureza civil o sistema recursal será aquele previsto no Código de Processo Civil de modo que concedida ou denegada a liminar caberá agravo de instrumento nos termos do art 1015 do CPC ou o agravo interno quando o mandado de segurança for interposto no tribunal e a decisão que concede ou denega for do relator arts 1021 e s do CPC Da sentença que concede ou denega a segurança caberá apelação sendo que concedida a segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição reexame necessário da matéria Sendo o mandado de segurança julgado em tribunal desta decisão se denegatória caberá recurso ordinário art 105 II a da Constituição para o STJ e conforme o caso recurso ordinário para o STF art 102 II a da Constituição O prazo para interposição deste recurso é de 15 dias e não 5 dias como no habeas corpus O recurso ordinário está agora disciplinado nos arts 1027 e 1028 do CPC Quando acolhido o mandado de segurança não caberá recurso ordinário mas apenas recursos especial e extraordinário desde que preenchidos os requisitos legais Alterada a situação fática poderá ser interposto novo mandado de segurança Aviso ao leitor A compreensão da síntese exige a prévia leitura do capítulo SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 REVISÃO CRIMINAL é uma ação de impugnação de natureza desconstitutiva não submetida a prazos e que se destina a rescindir uma sentença transitada em julgado estando prevista nos arts 621 a 631 11 CABIMENTO contra acórdão ou sentença condenatória ou absolutória imprópria com trânsito em julgado nos casos previstos no art 621 a contrária ao texto expresso da lei penal processual penal ou da Constituição b contrária à prova dos autos contrariedade frontal completamente divorciada do contexto probatório polêmica aplicação do in dubio pro societate c decisão que se fundar em depoimentos exames ou documentos comprovadamente falsos sendo que esta prova deve ser préconstituida pode ser usada a produção antecipada da prova arts 381 e s do CPC d quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência ou circunstância que autorize a diminuição da pena sendo que essa prova nova pode ser tanto a que surgiu após o processo como também a preexistente que não ingressou nos autos excepcionalmente pode ser uma prova que estava no processo mas não foi valorada na decisão Pode ser utilizada a produção antecipada da prova para coleta É polêmica a aplicação do in dubio pro societate 12 PRAZO LEGITIMIDADE PROCEDIMENTO LIMITES Prazo art 622 não tem prazo para interposição podendo ser feita até mesmo após o cumprimento integral da pena ou a morte do réu art 623 Legitimidade art 623 próprio réu seu defensor ou em caso de morte pelo cônjuge ascendente descendente ou irmão Competência órgão jurisdicional hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão Limites arts 626627 Acolhendo vedada a reformatio in pejus poderá o tribunal alterar a classificação do crime absolver o réu reduzir a pena ou anular o processo inclusive nos julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri É possível requerer o reconhecimento do direito a indenização art 630 2 HABEAS CORPUS Art 5º LXVIII da CF e arts 647 a 667 É uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional Possui procedimento sumário e cognição limitada impossibilidade de dilação probatória mas está autorizada a análise de prova préconstituída independentemente da complexidade da questão jurídica tratada Pode ser preventivo ou liberatório 21 CABIMENTO arts 647 a 648 a quando não houver justa causa para a prisão ou ação penal não houver suficiente fumus commissi delicti ou periculum libertatis para justificar a prisão Excepcionalmente o HC pode ser usado para trancar o processo e não a ação quando manifestamente não houver condição da ação penal ver as condições da ação anteriormente explicadas b excesso de prazo da prisão cautelar problemática da falta de prazo máximo de duração da prisão preventiva prazosanção ineficácia c prisão cautelar decretada por autoridade incompetente d quando houver cessado o motivo que autorizou a coação desaparecimento do periculum libertatis ou da situação fática que justificava a prisão preventiva e quando não for concedida fiança nos casos em que a lei autoriza f processo manifestamente nulo neste caso o objeto do HC não é uma prisão ilegal mas um processo ilegal onde se busca o reconhecimento da ilicitude de uma prova por exemplo ou nulidade de ato Típica utilização do HC como instrumento de ataque processual collateral attack que não se restringe aos casos de prisão ilegal g quando estiver extinta a punibilidade cabendo o HC inclusive para trancamento de inquérito policial ou processo penal Admitese HC contra ato de particular quando a ilegalidade da restrição da liberdade não for manifesta a ponto de autorizar a imediata intervenção policial 22 COMPETÊNCIA LEGITIMIDADE PROCEDIMENTO O HC é sempre impetrado a uma autoridade judiciária superior com poder para desconstituir o ato coator Princípio da hierarquia Dever de corrigir o endereçamento art 649 Juizados Especiais Criminais Súmula 690 do STF competência do STF Mas há divergências e julgados no sentido de ser competente o TJ ou TRF conforme o caso Autoridade Coatora for Promotor ou Procurador da República competência do TJ ou TRF Legitimidade para interpor qualquer pessoa em seu benefício ou de terceiro sem restrições Pessoa Jurídica pode impetrar Há divergência havendo julgados admitindo somente Mandado de Segurança Contudo como já decidido pelo STF entendemos que se a pessoa jurídica pode ser acusada pela prática de um crime ambiental poderá utilizar o HC como instrumento de ataque processual Os juízes e tribunais podem conceder HC de ofício art 654 2º Momentos decisórios a decisão liminar observar a restrição do uso de HC contra liminar Súmula 691 do STF b decisão final 23 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS arts 102 II a e 105 II a da CF e Lei n 8038 arts 30 a 32 Destinado a impugnar decisões denegatórias ou de não conhecimento do HC Prazo 5 dias Súmula 319 do STF Legitimidade recurso exclusivo da defesa Preparo não se exige Efeito devolutivo não tem efeito suspensivo Problemática tendência jurisprudencial STJ de não conhecimento do HC substitutivo de recurso ordinário 3 MANDADO DE SEGURANÇA Art 5º LXIX da CF e Lei n 120162009 Tratase de uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental para proteção de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data Segue rito especial e tem cognição sumária exigindo prova pré constituída Ato de autoridade toda manifestação ação ou omissão do poder público que cause lesão ilegal a um direito fundamental Direito líquido e certo é aquele manifesto evidente cuja existência é patente e está amparado por lei Que pode ser comprovado sem dilação probatória Legitimidade ativa titular do direito violado defesa ou acusação MP podendo ser uma pessoa física ou jurídica exemplo do crime ambiental Legitimidade passiva autoridade coatora não se admite contra ato de particular Competência deve ser interposto perante a autoridade judiciária com competência para desconstituir o ato coator princípio da hierarquia Prazo o MS está submetido ao prazo decadencial de 120 dias Súmula 632 do STF Tem valor da causa de alçada e paga custas exceto se concedida assistência judiciária gratuita Tem dois momentos decisórios liminar e mérito seguindo o sistema recursal do direito processual civil CPC 1 Inclusive em espantosa contradição com seu próprio voto proferido na ADIn n 5240 conforme apontamos em artigo publicado com Alexandre Morais da Rosa no sítio httpswwwconjurcombr2020jan24limitepenalliminarministrofuxrevogoudecisaoplenario 1 CALAMANDREI Piero Il processo come giuoco Rivista di Diritto Processuale v 5 parte I Padova 1950 2 No Prefácio da sua obra Instituciones de Derecho Procesal Penal 3 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 67 4 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal t I p 27 5 Norma processual penal espanhola Ley de Enjuiciamiento Criminal 6 Posteriormente BÜLOW voltou ao tema perfeccionando sua teoria diante das críticas que sucederam sua primeira exposição mas manteve a linha básica Segundo CHIOVENDA La Acción en el Sistema de los Derechos p 41 em maio de 1903 na obra Klage und Urteil BÜLOW volta ao tema para rechaçar as críticas de WACH sobre a ação e entre outros pontos aceita a teoria da ação como direito potestativo defendida por CHIOVENDA 7 No seu Manual de Derecho Procesal Civil v 1 8 Sem embargo no processo penal WACH nega a existência de partes por considerar o acusado um meio de prova e não sujeito da relação jurídicoprocessual Infelizmente algumas vezes ocorre que um excelente processualista civil quando incursiona pelo processo penal não o faz com similar brilho A negação de WACH é um inegável reflexo do verbo totalitário no processo penal 9 Para compreensão da temática consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt Derecho Procesal Civil Principios Generales del Proceso Derecho Justicial Material Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal e a recente tradução brasileira Princípios Gerais do Processo Civil Destaquese ainda a magistral análise feita por Pedro Aragoneses Alonso na obra Proceso y Derecho Procesal p 235 e s especialmente no que se refere à crítica feita por Piero Calamandrei e à resposta de Goldschmidt que levou o processualista italiano a nos últimos anos de vida retificar sua posição e admitir o acerto da teoria do processo como situação jurídica 10 Idem ibidem 11 Ibidem p 68 12 Para uma melhor compreensão da teoria de GOLDSCHMIDT é necessário conhecer as críticas feitas por CALAMANDREI bem como as respostas dadas pelo autor Sobre o tema recomendamos a leitura de nossa obra Fundamentos do Processo Penal publicada pela Editora Saraiva em que aprofundamos o estudo 13 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale p 75 14 Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas buscando definir suas notas processuais características Por esse motivo o aspecto histórico ainda que extremamente relevante será tratado com bastante superficialidade Recomendamos para aprofundar o estudo a leitura entre outras das seguintes obras Julio Maier Derecho Procesal Penal fundamentos especialmente o Capítulo II 5º Vincenzo Manzini Derecho Procesal Penal t I Alfredo Vélez Mariconde Derecho Procesal Penal t I Ernst Beling Derecho Procesal Penal Franco Cordero Procedimiento Penal ou na obra Guida alla Procedura Penale José Henrique Pierangelli Processo Penal evolução histórica e fontes legislativas e Geraldo Prado Sistema Acusatório a conformidade constitucional das leis processuais penais 15 Cf ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal p 42 16 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Processo Penal p 18 17 Idem ibidem p 23 18 Na realidade alguns câmbios iniciaram antes mesmo da Revolução Francesa impelidos pelo clima reformista e os ideais que predominavam na época e que posteriormente foram tomando força até culminar com a efetiva luta armada 19 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 29 20 CUNHA MARTINS Rui O Ponto Cego do Direito The Brazilian lessons Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 21 Sobre o tema crucial estudar os Casos De Cubber Piersack e outros julgados do TEDH Para tanto recomendamos consultar nossa obra Fundamentos do Processo Penal publicado pela Editora Saraiva na qual aprofundamos o estudo 22 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal p 28 e s destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente da do autor processo civil 23 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 24 BINDER Alberto M Descumprimento das Formas Processuais p 51 25 Recordando que o referido artigo está suspenso por conta da decisão liminar do Min FUX anteriormente referida 26 Como adverte Alexandre Morais da Rosa em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 httpswwwconjurcombr2020jan03limitepenalestruturaacusatoriaatacadamsimovimento sabotageminquisitoria 27 Em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 httpswwwconjurcombr2020jan 03limitepenalestruturaacusatoriaatacadamsimovimentosabotageminquisitoria 28 GUASP Jaime La Pretensión Procesal In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 593 e s 29 Seguindo GUASP em tudo o que se refere ao estudo da pretensão na obra La Pretensión Procesal In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 593 e s 30 Importante que o leitor tenha compreendido a dimensão com que empregamos a expressão instrumentalidade do processo anteriormente explicado 31 A expressão é de BINDER Introdução ao Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 85 32 Com toda a seriedade que o termo exige e sempre remetendo à clássica concepção de CALAMANDREI desenvolvida no texto Il Processo Come Giuoco Revista di Diritto Processuale Padova 1950 v 5 parte I 33 IBÁÑEZ Andrés Perfecto Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada n 2 Granada 1999 p 49 34 SILVA FRANCO Alberto O Juiz e o Modelo Garantista In Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais disponível no site do Instituto wwwibccrimcombr em março de 1998 35 Lei Para Quem In WUNDERLICH Alexandre Coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 56 e s 36 Na clássica expressão de FERRAJOLI Luigi Derechos y Garantías La ley del más débil Trad Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi Madrid Trotta 1999 37 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Queirós México José M Cajica 1952 p 272 38 BONATO Gilson Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 138 39 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal Curitiba Juruá 2004 p 47 e s 40 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 539 41 Da mesma forma quando tratarmos da imparcialidade objetiva e subjetiva não estaremos aludindo a um juiz neutro 42 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 580 43 A expressão é de PEDRO ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal cit p 127 44 Derecho Procesal Civil y Penal Trad Enrique Figueroa Alfonzo México Episa 1997 p 342 45 No magistral trabalho La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 208 e s 46 Para FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 47 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 48 Introducción Filosófica al Derecho p 321 49 Consultemse os diversos trabalhos de JACINTO COUTINHO especialmente o artigo Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 1 2001 e também o Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 50 É importante destacar que existiu uma posterior oscilação na jurisprudência do TEDH especialmente na década de 90 no sentido de relativizar essa presunção recorrendo à análise do caso concreto entre outros Casos Hauschild SainteMarie vs França e Padovani vs Itália Essa variação é perfeitamente compreensível na medida em que como qualquer tribunal o TEDH está suscetível de mudanças de humor em razão dos influxos e pressões que sofre Ademais há que se compreender que os casos citados Piersack 1982 e De Cubber vs Bélgica 1984 são do início da década de 80 momento sensível no que tange ao processo penal europeu onde o modelo de juizado de instrução juiz instrutorinquisidor ainda era predominante e começava a ser seriamente questionado Era o modelo em que um mesmo juiz investigava e julgava na maior parte dos países e esse sistema estava em crise Basta recordar que a Alemanha fez uma grande reforma em 1974 para abandonar o juizado de instrução substituído pelo promotor investigador seguida posteriormente por Itália 1988 e Portugal 1988 Portanto as decisões proferidas nesses casos refletem uma preocupação que não mais existe atualmente nos principais sistemas processuais penais europeus seja pelo completo abandono do modelo de juizado de instrução vg Alemanha Itália e Portugal seja pela vedação completa de que o juiz que instrui possa julgar como é o caso do modelo espanhol Inobstante o Brasil segue uma perigosa tendência de retrocesso com a constante atribuição de mais poderes instrutórios aos juízes como se vê na nova redação do art 156 I do CPP que consagra um absurdo cenário de juiz instrutorinquisidor Diante disso é de extrema importância toda a doutrina construída pelo TEDH em torno do caso Piersack e De Cubber pois se na Europa a matéria já está consolidada a ponto de poderse recorrer a eventuais relativizações no Brasil o problema é grave e longe de atingirse uma solução satisfatória Daí por que aqui precisamos sim de todo o rigor da regra o juiz que investiga não pode julgar pois temos por culpa do art 156 e de uma forte cultura inquisitória um cenário bastante perigoso e que exige uma postura intransigente 51 Decisões 49690 40191 50291 12492 18692 39992 43993 43295 entre outras 52 Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 53 O Papel do Novo Juiz no Processo Penal cit p 12 54 OLIVA SANTOS Andrés Jueces Imparciales Fiscales Investigadores y Nueva Reforma para la Vieja Crisis de la Justicia Penal Barcelona PPU 1988 p 30 55 Como leitura complementar recomendamos consultar a obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável escrita em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e publicada pela Editora Lumen Juris 56 Composta pela Teoria da Relatividade Especial desenvolvida no artigo Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento publicado no dia 5 de junho de 1905 na Revista Annalen der Physik e posteriormente complementada pela Teoria da Relatividade Geral no texto Teoria da Relatividade Geral publicado em Berlim em 1916 cujo reconhecimento culminou com o recebimento do Nobel de Física em 1921 mas pelo trabalho realizado em 1905 pois a relatividade geral ainda enfrentava muita resistência No texto publicado em 1905 Einstein demonstra que a ideia do éter experimento de Fitzgerald e Lorentz era supérflua e que as leis da ciência deveriam parecer as mesmas para todos os observadores em movimento livre Eles deveriam medir a mesma velocidade da luz sem importar o quão rápido estivessem se movendo pois a velocidade da luz é independente do movimento deles sendo a mesma em todas as direções Isso exigia o abandono da ideia de que existe uma quantidade universal chamada tempo que todos os relógios mediriam Ao contrário explica HAWKING Stephen O Universo numa Casca de Noz 2 ed São Paulo Mandarim 2002 p 9 cada um teria seu tempo pessoal Os tempos de duas pessoas coincidiriam se elas estivessem em repouso uma em relação à outra mas não se estivessem em movimento Vários experimentos foram feitos incluindo uma versão do paradoxo dos gêmeos feita com dois relógios de alta precisão viajando a bordo de aviões que voavam em direções opostas ao redor do mundo Eles retornavam mostrando horas ligeiramente diferentes demonstrando que o tempo era relativo variável conforme a posição e o deslocamento do observador Mas foi em 1916 com a Teoria da Relatividade Geral que Einstein rompe a base da teoria newtoniana do tempo absoluto demonstrando a superação das três dimensões altura largura e comprimento para acrescentar o tempo como quarta dimensão 57 EINSTEIN Vida e Pensamentos São Paulo Martin Claret 2002 p 1618 58 HAWKING op cit p 11 59 HAWKING op cit p 11 60 EINSTEIN op cit p 100 61 Especialmente na obra Sobre o Tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998 62 PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho Buenos Aires Ad Hoc 2002 p 85 63 MESSUTI Ana O Tempo como Pena São Paulo RT 2003 p 33 64 PASTOR Daniel Op cit p 79 65 MOSCONI Giuseppe Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In BEIRAS Iñaki Rivera DOBON Juan Org Secuestros Institucionales y Derechos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas Barcelona Bosch 1997 p 91103 66 Devemos considerar que o Direito construiu seus instrumentos artificiais de aceleração buscando amenizar a rigidez do tempo carcerário Exemplo típico é a remição comutação e o próprio sistema progressivo como um todo Contudo ao lado do critério temporal estão os requisitos subjetivos fazendo com que a aceleração dependa do mérito do apenado Poderíamos até cogitar de uma teoria da relatividade na execução penal onde 10 anos de pena para um não é igual a 10 anos de pena para outro O problema são os critérios que o Direito utiliza para imprimir maior fluidez ao tempo carcerário 67 Parecer tempo e direito Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM n 122 janeiro2003 p 669 68 MESSUTI Ana Op cit p 33 69 Ilustrativa é a expressão pena de banquillo consagrada no sistema espanhol para designar a pena processual que encerra o sentarse no banco dos réus É uma pena autônoma que cobra um alto preço por si mesma independentemente de futura pena privativa de liberdade que não compensa nem justifica senão que acresce o caráter punitivo de todo o ritual judiciário 70 O termo estigmatizar encontra sua origem etimológica no latim stigma que alude à marca feita com ferro candente o sinal da infâmia que foi com a evolução da humanidade sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação Atualmente não há como negar que o processo penal assume a marca da infâmia e a função do ferro candente A Criminologia crítica aponta para o labeling approach FIGUEIREDO DIAS Jorge COSTA ANDRADE Manuel Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 42 como essa atividade de etiquetamento que sofre a pessoa e tal fenômeno pode ser perfeitamente aplicado ao processo penal O labeling approach como perspectiva criminológica entende que o self a identidade não é um dado uma estrutura sobre a qual atuam as causas endógenas ou exógenas mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais Nesse panorama o processo penal assume a atividade de etiquetamento retirando a identidade de uma pessoa para outorgarlhe outra degradada estigmatizada É claro que essa estigmatização é relativa e não absoluta na medida em que varia conforme a complexidade que envolve a situação do réu o observador na visão da relatividade de EINSTEIN e a própria duração do processo Não há dúvida de que tanto maior será o estigma quanto maior for a duração do processo penal especialmente se o acusado estiver submetido a medidas cautelares O processo penal constitui o mais grave status degradation ceremony Como explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade Criminologia cit p 350 o conceito de cerimônia degradante foi introduzido em 1956 por H Garfinkel como sendo os processos ritualizados em que uma pessoa é condenada e despojada de sua identidade e recebe outra degradada O processo penal é a mais expressiva de todas as cerimônias degradantes 71 A expressão stato di prolungata ansia resume esse fenômeno Foi empregada na Exposição de Motivos do atual Código de Processo Civil italiano para justificar a crise do procedimento civil ordinário e a necessidade de implementar formas de tutela de urgência mas encontra no processo penal um amplo campo de aplicação levando em conta a natureza do seu custo Como explicamos em outra oportunidade Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal p 54 o processo penal submete o particular a uma instituição que em geral lhe é absolutamente nova e repleta de mistérios e incógnitas A profissionalização da justiça e a estrutura burocrática que foi implantada devido também à massificação da criminalidade fazem com que o sujeito passivo tenha que se submeter a um mundo novo e desconhecido Isso sem considerar o sistema penitenciário que sem dúvida é um mundo à parte com sua própria escala e hierarquia de valores linguagem etc Esse ambiente da justiça penal é hostil complexo e impregnado de simbolismos Para o sujeito passivo todo o cenário revela um mistério que somente poderá compreender depois de submeterse a toda uma série de cerimônias degradantes A arquitetura das salas dos tribunais configura um plágio das construções religiosas com suas estátuas e inclusive com um certo vazio onde deverá ser exposto o acusado Tudo isso traduz em última análise que o binômio crimepecado ainda não foi completamente superado pelo homem Os membros do Estado juízes promotores e auxiliares da justiça movemse em um cenário que lhes é familiar com a indiferença de quem só cumpre mais uma tarefa rotineira Utilizam uma indumentária vocabulário e todo um ritualismo que contribui de forma definitiva para que o indivíduo adquira a plena consciência de sua inferioridade Dessa forma o mais forte é convertido no mais impotente dos homens frente à supremacia punitiva estatal Tudo isso acrescido do peso da espada de Dâmocles que pende sobre sua cabeça leva o sujeito passivo a um estado de angústia prolongada Enquanto dura o processo penal dura a incerteza e isso leva qualquer pessoa a níveis de estresse jamais imaginados Não raros serão os transtornos psicológicos graves como a depressão exógena O sofrimento da alma é um custo que terá que pagar o submetido ao processo penal e tanto maior será sua dor quanto maior seja a injustiça a que esteja sendo submetido 72 Lezioni sul Processo Penale Roma Edizioni DellAteneo 1946 v I p 67 e s 73 Para um estudo mais aprofundado desse direito fundamental recomendamos a leitura de nossa obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável escrita em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e publicada pela Editora Lumen Juris 74 BECCARIA Cesare Dos Delitos e das Penas p 59 75 Essa é a base do pensamento liberal clássico nas prisões cautelares a cruel necessidade Acompanhada do caráter de excepcionalidade e brevidade provisoriedade 76 Não concordamos contudo quando o autor p 42 distingue duas espécies de delitos e a eles atribui regras de probabilidade para diferenciar a duração dos processos Afirma Beccaria que os crimes mais graves são mais raros deve diminuirse a duração da instrução e do processo porque a inocência do acusado é mais provável do que o crime Devese porém prolongar o tempo da prescrição Ao contrário nos delitos menos consideráveis e mais comuns é preciso prolongar o tempo dos processos porque a inocência do acusado é menos provável e diminuir o tempo fixado para a prescrição porque a impunidade é menos perigosa Tratase de uma premissa equivocada e de uma relação nunca demonstrada Sem embargo isso em nada prejudica o brilhantismo da obra pois devemos considerar o espaçotempo em que ela foi concebida Itália 176465 bem como a importância de seu conjunto 77 PASTOR Daniel Op cit p 103 78 O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 através do Decreto n 678 de 6 de novembro de 1992 79 Cf PASTOR Daniel El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho cit p 111 e s 80 PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas cit p 395 81 Com base na razoabilidade já decidiram o TEDH e a Corte Interamericana que uma prisão cautelar supere o prazo fixado no ordenamento jurídico interno e ainda assim esteja justificada a partir da complexidade da conduta do imputado da proporcionalidade etc No Caso Firmenich versus Argentina a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que uma prisão cautelar que havia durado mais de 4 anos estava justificada ainda que superasse o prazo fixado pelo ordenamento interno 2 anos 82 GIMENO SENDRA Vicente et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 108 e s 83 Idem ibidem p 109 84 No Brasil os prazos previstos para a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena aplicada ou in abstrato são inadequados para o objeto em questão pois excessivos principalmente pela pena em abstrato Ainda que se cogite de prescrição pela pena aplicada tal prazo em regra está muito além do que seria uma duração razoável do processo penal Devemos considerar ainda diante da imensa resistência dos tribunais em reconhecer a prescrição antecipada que o imputado terá de suportar toda a longa duração do processo para só após o trânsito em julgado buscar o reconhecimento da prescrição pela pena concretizada 85 A duração da prisão provisória é pautada pela necessidade e manutenção dos pressupostos que a originaram Na Espanha o Tribunal Constitucional STC 17885 definiu que a duração deve ser tão somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual foi decretada No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Weinhoff junho68 Neumeister junho68 Bezicheri out85 entre outros Para evitar abusos o art 174 da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória O regramento do dispositivo constitucional encontrase no art 504 da LECrim com a nova redação dada pela LO 132003 que disciplina o prazo máximo de duração dessa medida cautelar levandose em consideração a pena abstratamente cominada no tipo penal incriminador Assim a prisão cautelar poderá durar no máximo até 1 ano se a pena cominada for até 3 anos até 2 anos se a pena cominada for superior a 3 anos É possível a prorrogação em situações excepcionais por mais 6 meses no primeiro caso e até 2 anos no segundo Se o imputado for condenado e recorrer da sentença a prisão cautelar poderá estenderse até o limite de metade da pena imposta Interessante ainda que se a prisão cautelar foi decretada para tutela da prova não poderá durar mais do que 6 meses Por fim atento ao direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável o legislador espanhol alterou a redação do art 507 para estabelecer que o recurso de apelação contra a decisão que decreta prorrogue ou negue o pedido de prisão provisória deverá ser julgado no prazo máximo de 30 dias Na Alemanha StPO 121 a regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses salvo quando a especial dificuldade a extensão da investigação ou outro motivo importante não permita prolatar a sentença e justifique a manutenção da prisão Em caso de prorrogação se poderá encomendar ao Tribunal Superior do Land que faça um exame sobre a necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses dever de revisar periodicamente Em Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar decretada verificando se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram art 2131 Além disso se passados 6 meses da prisão ainda não tiver sido iniciado o processo com efetiva acusação o imputado deverá ser colocado em liberdade salvo situação de excepcional complexidade Também como regra geral o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2 anos sem trânsito em julgado deve o acusado ser posto em liberdade salvo se a gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo Na Itália o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma grande variedade de prazos conforme a gravidade do delito e a fase em que se encontra o processo É importante ressalvar que o legislador italiano determinou que os prazos devem ser considerados independentes e autônomos para cada fase do processo É óbvio que a duração fixada pode ser considerada dependendo do caso excessiva mas ao menos existe um referencial normativo para orientar a questão e até mesmo definir o objeto da discussão O que é inadmissível é a inexistência total de limites normativos como sucede no sistema brasileiro Outra questão muito relevante é que em observância à provisionalidade da prisão cautelar são situacionais existe em alguns países europeus um dever de revisar a medida adotada após determinado lapso de tempo Na Itália art 2943 do Codice de Procedura Penale o juiz deverá revisar a decisão que determinou a prisão em no máximo 5 dias desde que se iniciou seu cumprimento Na Alemanha StPO 122 o exame sobre se a prisão deve ser mantida ou não deverá ser revisada no máximo a cada 3 meses Em Portugal art 2131 do CPP também a cada 3 meses no máximo deverá o juiz revisar a medida e decidir sobre a necessidade de sua manutenção 86 De los Delitos y de las Penas p 61 87 Sobre o funcionamento e estrutura da Comissão e da Corte Interamericana recomendamos a leitura da obra que escrevemos em coautoria com GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ intitulada Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável cit 88 Convém sublinhar que todos esses valores já foram pagos nos termos da decisão e sem serem submetidos ao regime de precatórios no ano de 2007 89 A classificação é de PASTOR Daniel op cit p 504538 90 Adotando uma inédita solução processual extintiva diante da violação do direito de ser julgado em um prazo razoável proferiu o TJRS em acórdão da lavra do Rel Des Nereu GIACOMOLLI 6ª Câmara Criminal Apelação 70019476498 j 14062007 a seguinte decisão absolutória ROUBO TRANSCURSO DE MAIS DE SEIS ANOS ENTRE O FATO E A SENTENÇA PROCESSO SIMPLES EM COMPLEXIDADE ABSOLVIÇÃO 1 O tempo transcorrido no caso em tela sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final Fato e denúncia ocorridos há quase sete anos O processo entre o recebimento da denúncia e a sentença demorou mais de cinco anos Somente a intimação do Ministério Público da sentença condenatória tardou quase de cinco meses Aplicação do artigo 5º LXXVIII Processo sem complexidade a justificar a demora estatal 2 Vítima e réu conhecidos réu que pede perdão à vítima já na fase policial réu vítima e testemunha que não mais lembram dos fatos 3 Absolvição decretada Da leitura do acórdão percebese claramente que o relator decidiu pela absolvição do réu tendo como fundamento a dilação indevida e diante da inexistência de uma solução processual extintiva no sistema brasileiro revestiua do caráter absolutório Sem dúvida uma decisão inovadora e muito relevante para a problemática em tela 91 Similar à pena de inutilizzabilità prevista no art 4073 do CPP italiano mas apenas em relação aos atos da investigação preliminar Art 407 Termini di durata massima delle indagini preliminari 3 Salvo quanto previsto dallart 415bis qualora il pubblico minitero non abbia esercitato lazione penale o richiesto larchiviazione nel termine stabilito dalla legge o prorogato dal giudice gli atti di indagine compiuti dopo la scadenza del termine non possono essere utilizzati 408 411 Para assegurar a eficácia da limitação temporal fixada para a fase préprocessual indagini preliminari o CPPI determina que se o MP não exercitar a ação penal ou solicitar o arquivamento no prazo estabelecido na lei ou prorrogado pelo juiz os atos de investigação praticados depois de expirado o prazo dilação indevida não poderão ser utilizados no processo É o que a doutrina define como pena de inutilizzabilità pena de inutilidade em clara alusão à ineficácia jurídica desses atos 92 Idem ibidem p 513 93 Como adverte Alexandre Morais da Rosa em artigo que publicamos em coautoria no dia 312020 httpswwwconjurcombr2020jan03limitepenalestruturaacusatoriaatacadamsimovimento sabotageminquisitoria 94 Derecho y Razón cit p 550 95 Na obra Investigação Preliminar 5ª edição em coautoria com Ricardo Jacobsen Gloeckner publicada pela Editora Saraiva 96 MANZINI Vincenzo Tratado de Derecho Procesal Penal t I Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 p 252 97 Para Perego duas são as presunções que movimentam a dinâmica do processo a de culpabilidade e a de inocência Para o autor dentro da lógica não é possível que ambas emirjam simultaneamente Isso somente pode ocorrer quando uma presunção seja racional e a outra intuitiva ou sentimental uma vez que a concorrência da razão e do sentimento é justamente o que compõe o juízo Todavia Perego nega que seja possível filosoficamente uma presunção ser sentimental O indiciado portanto não passa de um indiciado culpável caso contrário não se procederia contra ele mas não um presumível culpado ou inocente PEREGO Luigi I Nuovi Valori Filosofici e Il Diritto Penale Milano Società Editrice Libraria 1918 p 198 98 FERRARI Ubaldo La Verità Penale e la sua Ricerca nel Diritto Processuale Penale Italiano Milano Inst Ed Scientifico 1927 99 VITALI Giovanni Sul Principio della Presunzione di Colpa DellImputato In Cassasione Unica XXVII 1916 p 1009 100 Em Parecer Jurídico sobre a Presunção de Inocência que foi utilizado no HC 126292SP quando da discussão no STF sobre a execução antecipada da pena 101 Nesse sentido Bettiol Giuseppe Sulle Presunzioni nel Diritto e nel Processo Penale In Bettiol Giuseppe Scritti Giuridici Padova Cedam 1966 t I p 385 Illuminati Giullio La Presunzione dInnocenza dellImputato Bologna Zanichelli 1979 p 5 Borghese Sofo Presunzioni diritto penale e diritto processuale penale Novissimo digesto italiano Torino Utet 1966 v XIII p 774 102 NAPPI Aniello Guida al Codice di Procedura Penale 8 ed Milano Giuffrè 2001 p 3 103 PISANI Mario Sulla Presunzione di Non Colpevolezza Il Foro Penale 1965 p 3 Aliás como lembra Giulio Ubertis Principi di Procedura Penale Europea Le Regole del Giusto Processo Milano Raffaello Cortina 2000 p 64 a presunção de inocência é um princípio che sorge come reazione al sistema inquisitorio 104 CHIAVARIO Mario La Presunzione dInnocenza nella Giurisprudenza della Corte Europea dei Diritti dellUomo In Studi in Ricordo di Gian Domenico Pisapia Milano Giuffrè 2000 v 2 p 76 105 PAULESU Pier Paolo Presunzione di Non Colpevolezza Digesto Discipline Penalistiche 4 ed Torino Utet 1995 vol IX p 671 106 A contraposição é destacada por Oreste Dominioni Il 2º comma dellart 27 In BRANCA Giuseppe PIZZORUSSO Alessandro Coord Commentario della Costituzione Rapporti Civili Bologna Zanichelli 1991 p 187 que comentando a matriz política e ideológica do Código Rocco observa que la premessa politica che lo Stato fascista a differenza dello Stato democratico liberale non considera la libertà individuale come un diritto preminente bensì come una concessione dello Stato accordata nellinteresse della collettività determina il radicale ripudio dellidea che la disciplina del processo penale trovi nella tutela dellinnocenza la propria essenziale funzione e porta per contrapposto a riaffermare linteresse repressivo come suo elemento specifico 107 Baseamonos na divisão de Perfecto Andrés Ibáñez Garantismo y Proceso Penal cit p 53 108 Art 9º Todo homem presumese inocente enquanto não houver sido declarado culpado por isso se se considerar indispensável detêlo todo rigor que não seria necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente punido pela lei 109 VEGAS TORRES Jaime Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal p 35 e s 110 Carvalho Amilton Bueno de Lei Para Quem In Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Claudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 51 111 É o caso da Constituição italiana de 1948 que no art 27 comma 2º assegura limputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva O mesmo conteúdo foi adotado pela Constituição Portuguesa de 1974 no art 322 que entre as garantias do processo criminal assegura Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa 112 ZANOIDE DE MORAES Maurício Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro Análise de sua Estrutura Normativa para a Elaboração Legislativa e para a Decisão Judicial 2008 Tese Livredocência Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo São Paulo cap IV p 483 113 Neste tema nos baseamos e recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos da doutrina nacional ZANOIDE DE MORAES Maurício Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro Análise de sua Estrutura Normativa para a Elaboração Legislativa e para a Decisão Judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 e Gomes Filho Antonio Magalhães Presunção de inocência e prisão cautelar São Paulo Saraiva 1991 114 ZANOIDE DE MORAES Maurício Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro p 538 115 Idem ibidem p 463 116 Idem ibidem p 465 117 Idem ibidem p 468 e s 118 A relação inafastável entre contraditório e o ato de contradizer explica porque J GOLDSCHMIDT utiliza como sinônimos as expressões ao definir como principio de controversia o contradicción Sobre o tema vejase sua obra Derecho Procesal Civil p 82 119 GOLDSCHMIDT Werner La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 189 120 Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad In Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 182 e s 121 PELLEGRINI GRINOVER Ada SCARANCE FERNANDES Antônio GOMES FILHO Antônio Magalhães As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 122 Na Espanha utilizase a expressão letrado em clara alusão ao presumido conhecimento que o advogado deve ter não só técnicojurídico mas também de outras áreas 123 Derecho Procesal Penal 3 ed Barcelona Labor 1960 v I p 458 124 FOSCHINI Gaetano LImputato Milano Dott A Giuffrè 1956 p 26 125 FOSCHINI Gaetano LImputato cit p 27 e s 126 La Defensa en el Proceso Penal Madrid Civitas 1982 p 112 127 GUARNIERI op cit p 116 128 FOSCHINI Gaetano LImputato cit p 27 129 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É patente a violação do contraditório e da ampla defesa nesses casos 130 Las Partes en el Proceso Penal cit p 299 131 Em alguns pontos nos baseamos em FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 608 132 Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito cit p 176 133 Garantismo y Proceso Penal cit p 55 134 Idem ibidem p 59 135 Entre outros adotam essa posição Fernando da Costa Tourinho Filho Processo Penal 26 ed São Paulo Saraiva 2004 v 1 p 110 e s e PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 14 136 A questão de ser ou não mais gravosa para o réu deve ser compreendida de forma ampla à luz dos princípios fundantes do processo penal e que foram por nós analisados no início desta obra Não basta verificar apenas se houve cerceamento de defesa ou não Não é apenas a ampla defesa que funda a instrumentalidade constitucional do processo penal senão também a garantia da jurisdição do sistema acusatório do contraditório da presunção de inocência e da motivação das decisões judiciais 137 Quem emprega expressão quase idêntica mas em espanhol prevalentes caracteres de derecho penal material e entre aspas é TOURINHO FILHO op cit p 115 Infelizmente o autor não indica a fonte de onde extraiu a expressão 138 No excelente trabalho Retroatividade da Lei Processual Penal e Garantismo publicado no Boletim do IBCCrim n 143 de outubro de 2004 139 Com a mesma autoridade com que leciona sobre Direito Penal o excepcional jurista JUAREZ CIRINO DOS SANTOS também muito nos ensina em Direito Processual Penal Daí por que impres cindível a leitura entre outras da obra Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 Especificamente nessa citação vejase p 53 140 httpswwwconjurcombr2020jan17limitepenaljuizgarantiasdireitointertemporalondestf resvala 141 LACERDA Galeno O novo direito processual civil e os feitos pendentes Rio de Janeiro Forense 1974 p 12 142 LANFREDI Luís Geraldo SantAna El Juez de Garantías y el sistema penal Replanteamientos sóciocriminológicos hacia la resignificación de los desafíos del poder Judicial frente a la política criminal brasileña Florianópolis Empório do Direito 2017 p 204205 De esta forma el juez de garantías nasce con la connotación de ser un nuevo órgano judicial que debe según Bertolino 2000 p 9 entenderse en el ámbito de un modelo de enjuiciamiento distinto ya que proyecta alteraciones en sus relaciones con las otras instancias que intervienen en la persecución penal Su función del todo ajena a la gestión de la investigación de hechos y bajo ningún concepto representativa de la longa manus de los órganos encargados de perseguir al delincuente se ejerce y tan solo se justifica en la medida en que se instituye para establecer los límites de la discrecionalidad de aquéllos así como los requisitos esenciales que configuran la operatividad de agresivos institutos manejados a lo largo de ésta primera fase del proceso penal como por ejemplo la prisión provisional las escuchas telefónicas la infiltración de agentes y otras tantas medidas cautelares que limitan derechos en concreto en nombre de un mal planteado incremento de la eficiencia punitiva Así que no es impropio admitir que la instrucción procesal penal llega a ser muchas veces una fase cuya fuerza es tal que puede desnaturalizar el juicio merced la estructura y repercusión de las pruebas o presunciones implícitas con las que opera Ese juez al que se alude con el epíteto de garantizador como refiere Ferraioli 2006 p 2 es un juez para la instrucción y no de la instrucción algo que refuerza su estatuto como órgano que interviene en pero que no compone o integra la estructura de esta fase al contrario de lo que ocurre con la policía y el ministerio público 143 Na obra coletiva Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 82 144 Interessante contudo é o disposto no art 26 do CPC especialmente no 3º cuja aplicação por analogia seria perfeitamente viável Art 26 A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará I o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente II a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros residentes ou não no Brasil em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos assegurandose assistência judiciária aos necessitados III a publicidade processual exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente IV a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação V a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras 1º Na ausência de tratado a cooperação jurídica internacional poderá realizarse com base em reciprocidade manifestada por via diplomática 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no 1º para homologação de sentença estrangeira 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica 145 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 61 146 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 v I p 120 147 Nesse caso cumpre recordar que crime militar e comum não se misturam sendo cada um julgado na sua respectiva jurisdição conforme determina o art 79 I do CPP 148 Utilizamos indistintamente as expressões juiz garante e juiz de garantias 149 Sobre o tema remetemos o leitor para artigo escrito em coautoria com Alexandre Morais da Rosa publicado na Coluna Limite Penal no site httpswwwconjurcombr2016abr29limitepenal quandojuizsabiaimportanciaoriginalidadecognitivaprocessopenal 150 No superado modelo de juizado de instrução ou juiz instrutor ainda parcialmente vigente na Espanha e França o juiz tem uma postura inquisidora produzindo provas e ofício e comandando a investigação Para aprofundar remetemos o leitor para nossa obra Investigação Preliminar no Processo Penal publicado pela Editora Saraiva onde esgotamos o tema 151 Já escrevemos sobre esse tema a exaustão desde 1999 em nossa tese Sistemas de Investigação Preliminar publicada a partir de 2001 posteriormente no livro Investigação Preliminar e também nas obras Fundamentos do Processo Penal e nas edições anteriores deste Direito Processual Penal Também dedicamos diversos artigos na Coluna Limite Penal que subscrevemos em parceria com Alexandre Morais da Rosa na Revista Eletrônica CONJUR sobre originalidade cognitiva teoria da dissonância cognitiva e a necessidade do juiz das garantias Portanto para evitar repetições remetemos o leitor para esses escritos pois aqui faremos apenas uma breve síntese diante dos limites da obra 152 Anteriormente tratada quando abordamos a imparcialidade do juiz e para onde remetemos o leitor para evitar repetições Aqui faremos apenas uma síntese 153 Art 310 Após receber o auto de prisão em flagrante no prazo máximo de até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público e nessa audiência o juiz deverá fundamentadamente Redação dada pela Lei n 13964 de 2019 I relaxar a prisão ilegal ou Incluído pela Lei n 12403 de 2011 II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou Incluído pela Lei n 12403 de 2011 III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Incluído pela Lei n 12403 de 2011 1º Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I II ou III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais sob pena de revogação Renumerado do parágrafo único pela Lei n 13964 de 2019 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares Incluído pela Lei n 13964 de 2019 3º A autoridade que deu causa sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa civil e penalmente pela omissão Incluído pela Lei n 13964 de 2019 4º Transcorridas 24 vinte e quatro horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão a ser relaxada pela autoridade competente sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva Incluído pela Lei n 13964 de 2019 154 O juiz como um terceiro manipulado no processo penal Uma confirmação empírica dos efeitos perseverança e aliança In Estudos de Direito Penal e Processual Penal e Filosofia do Direito Org Luís Greco Ed Marcial Pons 2013 155 É direito do defensor no interesse do representado ter acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ao exercício do direito de defesa 156 Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos edição 2020 157 Como já explicamos em artigo publicado na Coluna Limite Penal em coautoria com Alexandre Morais da Rosa disponível na íntegra no site httpswwwconjurcombr2019dez27limitepenal entendaimpactojuizgarantiasprocessopenal 158 Ainda é preciso considerar os esclarecimentos trazidos pelo Min Dias Toffoli na decisão proferida na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 6298Distrito Federal no dia 1512020 Ademais segundo consta do Relatório do Conselho Nacional de Justiça referido acima 59 das comarcas e subseções judiciárias do país atuam como juízos únicos ou seja como varas com competência genérica cabendolhes também julgar e processar feitos criminais No entanto em 2018 apenas 19 delas atuou com um único juiz durante todo o ano de 2018 sem qualquer sistema de substituição foram descontados os períodos de atividade inferiores a 60 dias a fim de evitar o cômputo das substituições automáticas que ocorrem em razão de férias Ou seja em 81 das unidades judiciárias registrouse a atuação no decorrer de 2018 de dois ou mais juízes Além disso o relatório também demonstrou que essas comarcas de juízo único recebem 10 dos processos criminais e 13 dos procedimentos investigatórios de todo país Esses dados demonstram que diferentemente do que sugerem os autores das ações o Poder Judiciário brasileiro dispõe sim de estrutura capaz de tornar efetivos os juízos de garantia A questão portanto não é de reestruturação e sim de reorganização da estrutura já existente Não há órgão novo Não há competência nova O que há é divisão funcional de competência já existente É disso que se trata 159 Não há que se confundir objeto da investigação preliminar com objeto do processo que como vimos é a pretensão acusatória Na investigação não existe pretensão e tampouco processo É um procedimento administrativo préprocessual 160 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v I p 297 161 Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 230 162 Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra 1992 p 133 163 Em caso de indeferimento poderá o ofendido reiterar o pedido junto ao MP Se o promotor concordar com os motivos alegados irá requisitar à autoridade policial que necessariamente deverá cumprir com o requerido pois não existe poder discricional do delegado ante um requerimento do MP 164 Em alguns países a regra geral é a notíciacrime obrigatória numa tentativa de alcançar o total enforcement através da obrigação legal de todos os indivíduos noticiarem os fatos delituosos que tenham presenciado ou que tenham conhecimento por outras fontes de cognição Na Espanha onde vigora o sistema de notíciacrime obrigatória prevê o art 259 da LECrim que a pessoa que presenciar a prática de qualquer delito público está obrigada a leválo imediatamente ao conhecimento do juiz de instrução do MP ou da polícia no lugar mais próximo ao que se encontre sob pena de incidir no delito previsto no art 450 do CP Estão excluídos dessa obrigação os incapazes cônjuge do delinquente ascendentes descendentes etc previstos nos arts 260 e 261 da LECrim 165 A representação é um ato jurídico regido por critérios de oportunidade e conveniência de quem tem legitimidade e capacidade para realizálo O MP poderá sem qualquer tipo de pressão dar oportunidade para que o ofendido querendo represente Jamais poderá exigir É prudente que comunique a situação de pendência em que se encontra o processo e o prazo legal disponível para querendo representar 166 O mesmo raciocínio aplicase a todos os casos em que o CPP prevê uma legitimidade concorrente entre o menor com mais de 18 e menos de 21 anos e o representante legal para a prática de algum ato processual como por exemplo na renúncia ou no perdão 167 Contudo merece especial atenção o disposto no art 569 do CPP pois a possibilidade de suprimento das omissões da denúncia queixa ou representação deve ser interpretada de forma restritiva Nesse sentido explica TOURINHO FILHO Comentários v II p 253 que As omissões a que se refere o texto são apenas pequenos erros materiais como dia local e hora do fato correção do nome ou qualificação do réu da vítima valor da res nos crimes contra o patrimônio Quando a omissão se referir a outras condutas delituosas o instrumento legal para emendar a inicial é o aditamento Tratandose de ação penal privada o suprimento da omissão da queixa poderá ser feito a todo tempo Quando a omissão referirse à descrição do fato delitivo ou irregularidades no instrumento procuratório deverá ser sanada antes de esgotado o prazo decadencial 168 Noticiado no Informativo do STJ n 2 dezembro1998 169 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 280 170 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 281 171 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É uma patente violação do contraditório direito a ser informado e do direito de defesa Ambos estão previstos no art 5º LV e se aplicam ao inquérito policial 172 Como instrumentos de impugnação consideramos tanto a possibilidade de utilizar o habeas corpus pela coação em sua liberdade de locomoção eou ilegalidade se a medida atentar contra a inviolabilidade da honra e imagem do sujeito passivo como também do Mandado de Segurança tendo em vista que se dirige contra ato da autoridade policial que viola a honra e imagem ou mesmo o direito de defesa autodefesa negativa O primeiro está muito difundido mas no curso do IP somos favoráveis a uma atuação processual com maior critério pois em muitos dos casos em que se utiliza o habeas corpus na verdade o instrumento adequado é o Mandado de Segurança De qualquer forma remetemos o leitor para o capítulo em que tratamos dessas ações de impugnação 173 ORTELLS RAMOS Manuel MONTERO AROCA Juan GÓMEZ COLOMER JuanLuiz MONTON REDONDO Alberto Derecho Jurisdiccional proceso penal Barcelona Bosch 1996 v III p 122 174 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v I p 256 175 Na obra coletiva Derecho Jurisdiccional processo penal cit v III p 151 e s Também no artigo Eficacia Probatoria del Acto de Investigación Sumarial Estudio de los Artículos 730 y 714 de la LECrim Revista de Derecho Procesal Iberoamericana ano 1982 n 23 p 365427 176 Exceção feita ao interrogatório do acusado que decorre de uma imposição legal Mas tampouco o interrogatório deve ser considerado um puro ato de prova senão mais bem de defesa e de prova com claro predomínio do primeiro caráter 177 Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 568 e s Também sobre a eliminação de peças vide PELLEGRINI GRINOVER Influência do CódigoModelo op cit p 227 178 Derecho y Razón cit p 103 104 e 106 179 Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos edição 2020 180 TOVO Paulo Cláudio Democratização do Inquérito Policial In Estudos de Direito Processual Penal cit v II p 201 e s O autor também aponta para as provas prontas como aquelas que estão acabadas mesmo antes da instauração de qualquer persecução penal de modo que não há como exigir quanto à sua formação a observância do contraditório e da defesa técnica 181 Em alguns pontos nos baseamos em VEGAS TORRES Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley 1993 p 96 e s 182 O Indiciamento como Ato de Polícia Judiciária Revista dos Tribunais n 577 p 313316 183 Princípios Fundamentais do Processo Penal São Paulo 1973 n 37 p 41 apud ROGÉRIO LAURIA TUCCI Indiciamento e Qualificação Indireta Revista dos Tribunais n 571 p 292 184 Vejase o que dissemos anteriormente sobre Terminologia utilizada para designar o sujeito passivo 185 MORAES PITOMBO Sérgio Marcos O Indiciamento como Ato de Polícia Judiciária cit p 315 186 Indiciamento e Qualificação Indireta cit p 291294 187 LAURIA TUCCI Rogério CRUZ E TUCCI José Rogério Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional São Paulo RT 1993 p 25 e s 188 PELLEGRINI GRINOVER et al As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 189 Em artigo que publicamos em coautoria na Coluna Limite Penal httpswwwconjurcombr2020jan10limitepenalprocedearquivamentomodelo 190 Súmula 524 do STF Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz a requerimento do promotor de justiça não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas 191 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal Rio de Janeiro Forense 1999 p 176 e s 192 Especialmente do capolavoro de Alexandre Morais da Rosa Guia do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos publicado pela editora EMais 193 Art 28A Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 quatro anos o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima exceto na impossibilidade de fazêlo II renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos produto ou proveito do crime III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços em local a ser indicado pelo juízo da execução na forma do art 46 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal IV pagar prestação pecuniária a ser estipulada nos termos do art 45 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução que tenha preferencialmente como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito ou V cumprir por prazo determinado outra condição indicada pelo Ministério Público desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses I se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais nos termos da lei II se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual reiterada ou profissional exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas III ter sido o agente beneficiado nos 5 cinco anos anteriores ao cometimento da infração em acordo de não persecução penal transação penal ou suspensão condicional do processo e IV nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino em favor do agressor 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público pelo investigado e por seu defensor 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor e sua legalidade 5º Se o juiz considerar inadequadas insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo com concordância do investigado e seu defensor 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o 5º deste artigo 8º Recusada a homologação o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento 10 Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal o Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia 11 O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo 12 A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais exceto para os fins previstos no inciso III do 2º deste artigo 13 Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal o juízo competente decretará a extinção de punibilidade 14 No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo de não persecução penal o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior na forma do art 28 deste Código 194 Nessa mesma linha de vedação dispõe a Súmula 536 do STJ A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha 195 Entendemos que aqui se aplica o mesmo entendimento que adotamos ao explicar a reparação de danos na suspensão condicional do processo repetimos a condição de reparação do dano pode gerar problemas no final do período de provas pois nem sempre é possível sua efetivação especialmente quando depende da aceitação por parte da vítima Em que pese a questão ser analisada à luz das especificidades de cada caso devese ter como princípio básico de que basta a demonstração por parte do imputado de que buscou efetivamente realizar reparação do dano Daí por que quando se trata de reparar um dano patrimonial sofrido pela vítima se houver consenso e quitação a questão estará resolvida Mas o dever de reparar o dano não se confunde com a obrigação de aceitar uma exigência abusiva ou virar um instrumento de coação e excessos por parte da vítima Se existe uma ação cível de cunho indenizatório tramitando onde se discutem a responsabilidade civil eou o valor devido não há obstáculo algum a que se considere cumprida a condição 196 GÓMEZ ORBANEJA Emilio HERCE QUEMADA Vicente Derecho Procesal Penal 10 ed Madrid Agesa 1997 p 86 197 ALCALÁZAMORA Y CASTILLO Niceto LEVENE Ricardo Derecho Procesal Penal Buenos Aires Editorial Guillermo Kraft Ltda sd t II p 62 e 63 Adverte o autor com acerto que a ação pena não se dirige contra o sujeito passivo senão ao tribunal para que como detentor do poder de punir o exerça uma vez acolhida a pretensão acusatória 198 Sobre o tema consultese nossa obra Fundamentos do Processo Penal em que analisamos com profundidade a temática 199 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson de A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 145 e s 200 Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal cit t I p 27 201 Em que pese nossa divergência parcial em relação à primeira condição da ação partimos da estrutura definida com anterioridade por JACINTO COUTINHO op cit p 145 Também se recomenda a leitura de Marco Aurélio NUNES DA SILVEIRA cuja obra A Tipicidade e o Juízo de Admissibilidade da Acusação Lumen Juris 2005 analisa com acerto a temática 202 Os autores que trabalham com a civilista e inadequada categoria de possibilidade jurídica do pedido costumam empregar exemplos como esses para demonstrar situações em que o pedido de condenação seria juridicamente impossível Na verdade a questão situase noutra esfera qual seja na exigência de que o fato seja aparentemente criminoso 203 ASSIS MOURA op cit p 99 204 Idem ibidem p 119 205 Idem ibidem p 173 206 JARDIM Afrânio Silva Direito Processual Penal cit p 99 207 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal São Paulo RT 2005 v 1 p 19 208 LAURIA TUCCI op cit p 97 209 Chamando a atenção para esse fato de que a obrigatoriedade não está consagrada expressamente JACINTO COUTINHO A Natureza Cautelar da Decisão de Arquivamento do Inquérito Policial Revista de Processo n 70 p 51 explica que esse princípio é uma criação doutrinária e jurisprudencial que visa proteger a independência do MP principalmente contra ingerências estranhas mormente de natureza política 210 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL COMETIMENTO DE DOIS CRIMES DE ROUBO SEQUENCIAIS CONEXÃO RECONHECIDA RELATIVAMENTE AOS RESPECTIVOS INQUÉRITOS POLICIAIS PELO MP DENÚNCIA OFERECIDA APENAS QUANTO A UM DELES ALEGAÇÃO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO QUANTO AO OUTRO INOCORRÊNCIA PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE INEXISTÊNCIA AÇÃO PENAL PÚBLICA PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE RECURSO DESPROVIDO I Praticados dois roubos em sequência e oferecida a denúncia apenas quanto a um deles nada impede que o MP ajuíze nova ação penal quanto ao delito remanescente II Incidência do postulado da indisponibilidade da ação penal pública que decorre do elevado valor dos bens jurídicos que ela tutela III Inexiste dispositivo legal que preveja o arquivamento implícito do inquérito policial devendo ser o pedido formulado expressamente a teor do disposto no art 28 do Código Processual Penal IV Inaplicabilidade do princípio da indivisibilidade à ação penal pública Precedentes V Recurso desprovido RHC 951410 Rel Min Ricardo Lewandowski j 06102009 211 Também não são computadas as que não prestam compromisso de dizer a verdade as testemunhas referidas e as que nada souberem sobre o caso penal arts 208 209 1º e 2º Esses limites numéricos poderão ainda sofrer um alargamento pela incidência do art 209 do CPP que permite ao juiz ouvir outras testemunhas além daquelas arroladas pelas partes podendo ser interpretado assim como testemunhas além do limite numérico das partes 212 Mas essa alteração não afeta o Direito Penal de modo que o agente que possua entre 18 e 21 anos segue gozando de tratamento diferenciado como por exemplo com a incidência da atenuante da menoridade e a redução do prazo prescricional Isso porque na esfera penal vale o critério etário Já para o processo penal o critério utilizado é a capacidade para a prática dos atos da vida 213 Concordamos com Fernando da Costa TOURINHO FILHO Processo Penal v 1 p 362 quando afirma que se a representação regra também aplicável à queixa crime frisese for feita após o prazo de 6 meses da data do fato sob o argumento de que somente em momento posterior o ofendido veio a saber quem era o autor do delito a carga dessa prova lhe incumbe Ou seja é carga probatória do ofendido demonstrar a data em que veio a saber quem era o autor do delito quando esta não coincide com a data da ocorrência do fato Daí por que como essa é uma prova muito difícil na dúvida é sempre melhor representar ou apresentar a queixa dentro dos 6 meses posteriores ao fato ainda que isso represente um encurtamento do prazo em caso de posterior descoberta da autoria 214 Processo Penal v 1 p 354 215 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 118 216 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 171 217 Recordando a explicação anterior sobre a representação também a queixa quando feita após o prazo de 6 meses da data do fato sob o argumento de que somente em momento posterior o ofendido veio a saber quem era o autor do delito a carga dessa prova lhe incumbe Ou seja é carga probatória do ofendido demonstrar a data em que veio a saber quem era o autor do delito quando esta não coincide com a data da ocorrência do fato Daí por que como essa é uma prova muito difícil na dúvida é sempre melhor apresentar a queixa dentro dos 6 meses posteriores ao fato ainda que isso represente um encurtamento do prazo em caso de posterior descoberta da autoria 218 Art 104 O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente Parágrafo único Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercêlo não a implica todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime 219 No mesmo sentido PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 131 220 Importante destacar aqui que o não comparecimento do querelante em eventual audiência conciliatória não pode ser considerado perempção pois ele não está obrigado a comparecer Sua ausência deve ser vista como uma recusa a qualquer possibilidade de consenso ou acordo jamais como desídia ou negligência processual 221 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 265 222 Já na primeira sentença em que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Ximenes Lopes versus Brasil j 4 de julho de 2006 foi constatada entre outras a violação do direito de ser julgado no prazo razoável Lá também houve uma censura a essa sistemática de suspensão da ação de indenização pois acabou durando muito mais do que o prazo de 1 ano Em última análise a suspensão representa uma negação ao direito de tutela jurisdicional ainda que na esfera cível no prazo razoável 223 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal 3 ed Salvador JusPodivm 2015 p 306 224 Regramento similar incluindo a esfera administrativa encontramos na Lei n 138692019 Abuso de autoridade ao dispor Art 8º Faz coisa julgada em âmbito cível assim como no administrativo disciplinar a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade em legítima defesa em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito 225 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 183 226 Teoria do Direito Processual Penal cit p 46 e s 227 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro In Separata do ITEC ano 1 n 4 janeirofevereiromarço de 2000 p 3 e s 228 TAORMINA Carlo Diritto Processuale Penale Torino G Giappichelli Editore 1995 v 2 p 310 e s 229 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 1 p 341 230 Baseamonos em grande parte nas lições de JACINTO COUTINHO Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro cit p 3 e s 231 Art 26 A ação penal nas contravenções será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial 232 MARCON Adelino O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal Curitiba Juruá 2004 p 47 e s 233 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro cit p 5 234 Esclarecimento importante Por que o art 3ºD faz menção aos arts 4º e 5º do CPP Porque são artigos que dizem respeito a própria existência do inquérito art 4º e a sua abertura art 5 º deixando claro portanto que a atuação do juiz das garantias e o impedimento de sua atuação no processo prevenção como causa de exclusão da competência se dá desde o nascimento do inquérito ou qualquer forma de investigação preliminar como o procedimento investigatório a cargo do MP Reforça esse argumento o disposto no art 3ºB inciso IV 235 Nesse mesmo nível estão ainda o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar respectivamente jurisdições eleitoral e militar 236 Destaquese que em alguns Estados da Federação existiam ainda os Tribunais de Alçada órgãos de segundo grau da jurisdição estadual situados em posição inferior aos Tribunais de Justiça no que se referia à competência Ainda nessa dimensão de jurisdição encontramos atualmente na justiça eleitoral os Tribunais Regionais Eleitorais e na justiça militar estadual os Tribunais de Justiça Militar nos estados que não o possuam a competência para julgamento em 2º grau de jurisdição será dos Tribunais de Justiça nos termos do art 125 3º da Constituição 237 Em alguns estados ainda existe a figura do Pretor Tratase de carreira em extinção que não foi recepcionada pela Constituição Os pretores tinham uma competência limitada na esfera penal ao julgamento das contravenções e dos crimes apenados com detenção Com o advento da Lei n 9099 os Pretores restantes acabaram por atuar na presidência dos Juizados Especiais Criminais destinados ao processo e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo 238 Art 9º Consideramse crimes militares em tempo de paz I os crimes de que trata este Código quando definidos de modo diverso na lei penal comum ou nela não previstos qualquer que seja o agente salvo disposição especial II os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal quando praticados a por militar em situação de atividade ou assemelhado contra militar na mesma situação ou assemelhado b por militar em situação de atividade ou assemelhado em lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou assemelhado ou civil c por militar em serviço ou atuando em razão da função em comissão de natureza militar ou em formatura ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou civil d por militar durante o período de manobras ou exercício contra militar da reserva ou reformado ou assemelhado ou civil e por militar em situação de atividade ou assemelhado contra o patrimônio sob a administração militar ou a ordem administrativa militar f revogada III os crimes praticados por militar da reserva ou reformado ou por civil contra as instituições militares considerandose como tais não só os compreendidos no inciso I como os do inciso II nos seguintes casos a contra o patrimônio sob a administração militar ou contra a ordem administrativa militar b em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar no exercício de função inerente ao seu cargo c contra militar em formatura ou durante o período de prontidão vigilância observação exploração exercício acampamento acantonamento ou manobras d ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar em função de natureza militar ou no desempenho de serviço de vigilância garantia e preservação da ordem pública administrativa ou judiciária quando legalmente requisitado para aquele fim ou em obediência a determinação legal superior 1º Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil serão da competência do Tribunal do Júri 2º Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil serão da competência da Justiça Militar da União se praticados no contexto I do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa II de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar mesmo que não beligerante ou III de atividade de natureza militar de operação de paz de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária realizadas em conformidade com o disposto no art 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais a Lei n 7565 de 19 de dezembro de 1986 Código Brasileiro de Aeronáutica b Lei Complementar n 97 de 9 de junho de 1999 c DecretoLei n 1002 de 21 de outubro de 1969 Código de Processo Penal Militar e d Lei n 4737 de 15 de julho de 1965 Código Eleitoral 239 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 2 p 12 240 Alguns penalistas distinguem crime militar próprio aqueles que somente podem ser praticados por militares dos militares impróprios que podem ser praticados por militares ou por civis 241 Tratase de construção jurisprudencial de natureza subjetiva que deve ser analisada caso a caso Sinalizando essa preocupação com o interesse militar cumpre ler a Súmula 6 do STJ Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade O crime de lesões corporais culposas ou mesmo homicídio culposo quando decorrentes de acidente de trânsito não são inerentes e peculiares à atividade militar todo o oposto Assim a súmula restringe a competência da Justiça Militar aos casos em que ambos autor e vítima são militares em situação de atividade Com isso se a vítima do acidente de trânsito for um civil situação bastante comum a competência será da Justiça Comum Estadual No mesmo sentido como falamos antes o crime de violência doméstica praticado por militar mesmo que com arma da corporação deverá ser julgado na justiça comum estadual por falta de peculiar interesse militar 242 Pensamos que se o crime eleitoral tiver uma pena máxima inferior a 2 anos sendo considerado portanto um crime de menor potencial ofensivo são perfeitamente aplicáveis os institutos da Lei n 9099 incluindo a suspensão condicional do processo se preenchidos os requisitos legais dos arts 89 e seguintes da Lei n 9099 243 Desde o julgamento pelo STF do CC n 7033SP Rel Min SYDNEY SANCHES Tribunal Pleno de 02101996 244 AÇÃO PENAL QUESTÃO DE ORDEM COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FORO DESMEMBRAMENTO DE INVESTIGAÇÕES E AÇÕES PENAIS PRERROGATIVA PRÓPRIA DA SUPREMA CORTE 1 O Plenário desta Suprema Corte mais de uma vez já decidiu que é de ser tido por afrontoso à competência do STF o ato da autoridade reclamada que desmembrou o inquérito deslocando o julgamento do parlamentar e prosseguindo quanto aos demais Rcl 1121 Relatora Min ILMAR GALVÃO Tribunal Pleno julgado em 04052000 DJ 16062000 PP 00032 EMENT VOL0199501 PP00033 Nessa linha de entendimento decidiu o Plenário também que até que esta Suprema Corte procedesse à análise devida não cabia ao Juízo de primeiro grau ao depararse nas investigações então conjuntamente realizadas com suspeitos detentores de prerrogativa de foro em razão das funções em que se encontravam investidos determinar a cisão das investigações e a remessa a esta Suprema Corte da apuração relativa a esses últimos com o que acabou por usurpar competência que não detinha Rcl 7913 AgR Relatora Min DIAS TOFFOLI Tribunal Pleno julgado em 12052011 DJe173 DIVULG 08092011 PUBLIC 09092011 EMENT VOL0258301 PP00066 2 Por outro lado a atual jurisprudência do STF é no sentido de que as normas constitucionais sobre prerrogativa de foro devem ser interpretadas restritivamente o que determina o desmembramento do processo criminal sempre que possível mantendose sob a jurisdição especial em regra e segundo as circunstâncias de cada caso apenas o que envolva autoridades indicadas na Constituição Inq 3515 AgR Relatora Min MARCO AURÉLIO Tribunal Pleno julgado em 13022014 3 No caso acolhese a promoção do ProcuradorGeral da República para determinar o desmembramento dos procedimentos em que constam indícios de envolvimento de parlamentar federal com a remessa dos demais à primeira instância aí incluídas as ações penais em andamento AP 871 QO Relatora Min TEORI ZAVASCKI Segunda Turma julgado em 10062014 ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe213 DIVULG 29102014 PUBLIC 30102014 245 A competência penal em razão da matéria é de ordem pública podendo ser alegada ou reconhecida a qualquer momento inclusive de ofício não sendo suscetível de convalidação HC 107457 Rel Min CÁRMEN LÚCIA Segunda Turma julgado em 02102012 E ainda Competência absoluta Matéria de ordem pública Remessa de ofício dos termos de colaboração premiada ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal Pet 6533 AgR Rel Min EDSON FACHIN Relatora p Acórdão Min DIAS TOFFOLI Segunda Turma julgado em 14082018 246 BADARÓ Gustavo Henrique Juiz Natural no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 566 247 Art 109 Aos juízes federais compete processar e julgar I as causas em que a União entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras rés assistentes ou oponentes exceto as de falência as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho II as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País III as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional IV os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral V os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente VA as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo VI os crimes contra a organização do trabalho e nos casos determinados por lei contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira VII os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição VIII os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal excetuados os casos de competência dos tribunais federais IX os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves ressalvada a competência da Justiça Militar X os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro a execução de carta rogatória após o exequatur e de sentença estrangeira após a homologação as causas referentes à nacionalidade inclusive a respectiva opção e à naturalização XI a disputa sobre direitos indígenas 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa ou ainda no Distrito Federal 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal e se verificada essa condição a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual 4º Na hipótese do parágrafo anterior o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o ProcuradorGeral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal 248 Súmula 38 do STJ Compete à Justiça Estadual Comum na vigência da Constituição de 1988 o processo por contravenção penal ainda que praticada em detrimento de bens serviços ou interesse da União ou de suas entidades 249 Neste ponto é importante a leitura das Súmulas 587 e 607 pois acabarão influenciando o tratamento da competência Súmula 587 Para a incidência da majorante prevista no artigo 40 V da Lei n 1134306 é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da federação sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual Súmula 607 A majorante do tráfico transnacional de drogas artigo 40 inciso I da Lei n 1134306 configurase com a prova da destinação internacional das drogas ainda que não consumada a transposição de fronteiras A Súmula 587 infelizmente recorre a conceito aberto e indeterminado da demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual Ao situar no dolo ou seja na intenção cai no risco de presumir ou imaginar que se possa pela via probatória ingressar na subjetividade do agente Ainda que o tráfico interestadual seja de competência da justiça estadual pensamos que essa súmula pode ser utilizada de forma perigosa e inadequada a nosso juízo para justificar a competência da justiça federal através da demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico internacional sem um elemento probatório concreto de transposição de fronteiras ou pelo menos tentativa Já a Súmula 607 afeta a nossa temática de forma direta pois o raciocínio que pode ser empregado é se para a incidência da majorante do tráfico transnacional basta a prova da destinação internacional da droga ainda que não consumada a transposição de fronteiras com mais razão tal situação atrai a competência da justiça federal 250 Conflito de Competência CC 112616 Crimes de difamação contra menores praticados pelo site de relacionamento Orkut devem ser julgados pela Justiça Federal Para decidir dessa forma a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou que como esse tipo de crime fere direitos assegurados em convenção internacional e o site pode ser acessado de qualquer país cumpre o requisito da transnacionalidade da Justiça Federal Segundo o ministro Gilson Dipp relator do caso o Brasil é signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança que determina a proteção da criança em sua honra e reputação Além disso observou que o site não tem alcance apenas no território brasileiro e que esta circunstância é suficiente para a caracterização da transnacionalidade necessária à determinação da competência da Justiça Federal Dipp citou decisão da 6ª Turma do STJ no mesmo sentido No caso a corte entendeu que a competência da Justiça Federal é fixada quando o cometimento do delito por meio eletrônico se refere a infrações estabelecidas em tratados ou convenções internacionais constatada a internacionalidade do fato praticado O relator observou que a dimensão internacional do site precisa ser demonstrada porque segundo entendimento já adotado pelo STJ o simples fato de o crime ter sido praticado na internet não basta para determinar a competência da Justiça Federal No caso o perfil no Orkut de uma adolescente foi adulterado e apresentado como se ela fosse garota de programa com anúncio de preços e contato O crime foi cometido em um acesso no qual a senha escolhida pela menor foi trocada Na tentativa de identificar o autor agentes do Núcleo de Combate aos Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná pediram à Justiça a quebra de sigilo de dados cadastrais do usuário mas surgiram dúvidas sobre quem teria competência para o caso se o 1º Juizado Especial Criminal de Londrina ou o Juizado Especial Federal de Londrina O Ministério Público opinou pela competência federal Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça CC 112616 251 COMPETÊNCIA DESLOCAMENTO JUSTIÇA FEDERAL CRIME HEDIONDO A Seção indeferiu o pedido no incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal do processo e julgamento do crime de assassinato da religiosa Irmã Dorothy Stang ocorrido em Anapu PA por considerar descabível a avocatória ante a equivocada presunção vinculada mormente pela mídia de haver por parte dos órgãos institucionais da segurança e judiciário do Estado do Pará omissão ou inércia na condução das investigações do crime e sua efetiva punição pela grave violação dos direitos humanos em prejuízo ao princípio da autonomia federativa EC n 452004 IDC 01PA Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 862005 252 Nesse sentido é tranquila a jurisprudência nacional CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVOFRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA COMPETÊNCIA FEDERALESTADUAL 1 A competência é federal quando se trata de ofensa ao sistema de órgãos e instituições que preservam coletivamente os direitos do trabalho 2 Na hipótese porém de ofensa endereçada a trabalhadores individualmente considerados a competência é estadual 3 Precedentes do STJ 4 Caso de competência estadual 5 Recurso ordinário provido ordem concedida declarados nulos somente os atos decisórios RHC 15755MT Ministro Nilson Naves 6ª Turma DJ 22052006 p 249 253 Caso interessante e ilustrativo Justiça estadual é competente para julgar crime ocorrido a bordo de balão A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça STJ decidiu que compete à Justiça estadual processar e julgar crime ocorrido a bordo de balão de ar quente uma vez que esse tipo de veículo não pode ser entendido como aeronave o que afasta a competência federal O conflito negativo de competência foi suscitado após a Justiça estadual remeter ao juízo federal em Sorocaba SP os autos da investigação sobre possíveis crimes de homicídio culposo e de lesão corporal culposa decorrentes da queda de dois balões no município de Boituva SP No acidente ocorrido em 2010 três pessoas morreram e outras sofreram lesões corporais Após manifestação do Ministério Público de São Paulo o juízo estadual declinou da competência por entender que os balões de ar quente seriam equiparados a aeronaves argumento contestado pela Justiça Federal Conceito de aeronave O relator do conflito na Terceira Seção ministro Ribeiro Dantas afirmou que a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que é de competência da Justiça Federal processar e julgar delitos cometidos a bordo de aeronaves nos termos do inciso IX do artigo 109 da Constituição Federal Segundo ele não importa se a aeronave se encontra em solo ou voando Para a definição do conflito explicou era preciso considerar a classificação jurídica do termo aeronave e estabelecer se os balões de ar quente tripulados estão abrangidos pelo conceito O ministro adotou como razões de decidir o parecer do Ministério Público Federal que cita a definição oficial de aeronave trazida no art 106 do Código Brasileiro de Aeronáutica Lei n 75651986 Segundo o parecer o dispositivo estabelece duas restrições que excluem da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes ocorridos a bordo de balões e dirigíveis De acordo com a lei aeronave é aparelho manobrável em voo e que possa sustentarse e circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas Dessa forma o parecer destacou que os balões e dirigíveis não são manobráveis mas apenas controlados em voo já que são guiados pela corrente de ar Além disso sua sustentação se dá por impulsão estática decorrente do aquecimento do ar ao seu redor e não por reações aerodinâmicas Nesse viés ainda que de difícil definição jurídica o termo aeronave deve ser aquele adotado pela Lei 75651986 em seu artigo 106 o que de fato afasta dessa conceituação os balões de ar quente ainda que tripulados concluiu o relator Esta notícia referese aos processos CC 143400 254 Art 89 Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República ou nos rios e lagos fronteiriços bem como a bordo de embarcações nacionais em altomar serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação após o crime ou quando se afastar do País pela do último em que houver tocado 255 PROCESSO PENAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA DESMATAMENTO FLORESTA AMAZÔNICA DANO OCORRIDO EM PROPRIEDADE PRIVADA ÁREA DE PARQUE ESTADUAL COMPETÊNCIA ESTADUAL 1 Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União Aquela locução revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras Tendo o crime de desmatamento ocorrido em propriedade particular área que já pertenceu hoje não mais a Parque Estadual não há se falar em lesão a bem da União Ademais como o delito não foi praticado em detrimento do IBAMA que apenas fiscalizou a fazenda do réu ausente prejuízo para a União 2 Conflito conhecido para julgar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE CEREJEIRAS RO suscitante STJ CC 99294 RO 200802206105 Ministra Maria Thereza de Assis Moura 3ª Seção DJe 21082009 256 PROCESSO PENAL COMPETÊNCIA CRIME AMBIENTAL ART 34 DA LEI 960598 RIO INTERESTADUAL Tratandose de rio interestadual presente o interesse direto e específico da União no julgamento dos crimes que venham a causar potencial lesão a seus bens A competência da Justiça Federal se impõe sempre que houver interesse da União Federal nos termos do art 109 inciso IV da CF Recurso provido para determinar o regular processamento do feito perante a 7ª Vara Federal de Ribeirão PretoSP 257 Art 88 No processo por crimes praticados fora do território brasileiro será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado Se este nunca tiver residido no Brasil será competente o juízo da Capital da República 258 Na mesma linha são as conclusões do ilustre jurista baiano Rômulo de Andrade Moreira no artigo Farinha pouca meu pirão primeiro eis a conclusão do STF sobre a prerrogativa de função publicado no site httpemporiododireitocombrleiturafarinhapoucameupiraoprimeiroeisa conclusaodostfsobreaprerrogativadefuncao em 04052018 259 httpemporiododireitocombrleiturafarinhapoucameupiraoprimeiroeisaconclusaodostf sobreaprerrogativadefuncao publicado em 04052018 260 httpswwwconjurcombr2018jun12supremorestringeforoespecialtambemministros estado 261 Em que pese ser essa a nosso ver a melhor posição não está imune a críticas na medida em que tensiona com o princípio da identidade física do juiz art 399 2º do CPP 262 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 200 263 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente b nas infrações penais comuns o Presidente da República o VicePresidente os membros do Congresso Nacional seus próprios Ministros e o ProcuradorGeral da República c nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha do Exército e da Aeronáutica ressalvado o disposto no art 52 I os membros dos Tribunais Superiores os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente 264 Art 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça I processar e julgar originariamente a nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal os dos Tribunais Regionais Federais dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais 265 Aproveitando o exemplo de PACELLI Curso de Processo Penal p 226227 situação complexa pode surgir quando tivermos um juiz estadual e um juiz federal acusados da prática do mesmo delito A continência exige a reunião de processos para julgamento simultâneo Quem julgará nesse caso Considerando que ambas as prerrogativas são igualmente constitucionais concordamos com o autor quando fundamenta no sentido da aplicação da Súmula 122 do STJ com a prevalência da jurisdição federal sobre a estadual bem como pensamos nós a incidência do art 78 III do CPP Nessa linha pensamos que ambos deverão ser julgados no TRF Recordemos ainda que eventual conflito de competência surgido nesse caso entre o TJE e o TRF deverá ser resolvido pelo STJ 266 httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo361832 267 Recordando que nos termos da Súmula 714 o crime contra a honra de servidor público no exercício de suas funções poderá ser de ação penal pública condicionada à representação ou queixa Em ambos os casos se couber exceção da verdade e a autoridade pública tiver prerrogativa de foro deverá ela ser processada no respectivo tribunal 268 O conceito de organização criminosa vem dado pelo art 2º Art 2º Para os efeitos desta Lei considerase organização criminosa a associação de 3 três ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas ainda que informalmente com objetivo de obter direta ou indiretamente vantagem de qualquer natureza mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 quatro anos ou que sejam de caráter transnacional 269 BADARÓ Gustavo Juiz Natural no Processo Penal São Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 367368 270 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PENAL PROCESSUAL PENAL CONCURSO DE JURISDIÇÃO ENTRE JUÍZES DE MESMA CATEGORIA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LUGAR ONDE PRATICADA A INFRAÇÃO À QUAL FOR COMINADA ABSTRATAMENTE A PENA MÁXIMA MAIS ALTA RECURSO IMPROVIDO I Na hipótese de concurso de jurisdições entre juízes de mesma categoria a competência é determinada em face da infração penal à qual for cominada abstratamente a pena máxima mais elevada consoante disposto no art 78 II a do Código de Processo Penal II Revelase insubsistente a pretensão de ver estabelecida a competência do juízo tomandose como parâmetro a sanção mínima prevista para o tipo penal que é o limite da possibilidade de fazerse a gradação da pena ao passo que a sanção máxima representa a qualidade da condenação imposta em virtude da prática da conduta penalmente tipificada III Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento RHC n 116712RS Rel Min Ricardo Lewandowski Segunda Turma j em 27082013 DJe180 DIVULG 12092013 PUBLIC 13092013 271 Sobre o tema vejamos algumas decisões HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO NULIDADES CITAÇÃO INVÁLIDA INOCORRÊNCIA TESTEMUNHA DE DEFESA ARROLADA E NÃO OUVIDA PRECLUSÃO PREJUÍZO À DEFESA NÃO COMPROVADO USO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DE TRIBUTO FEDERAL PARTICIPAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO PROMOVIDO POR EMPRESA DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR O DELITO AUSÊNCIA DE LESÃO A BENS SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO PRECEDENTES 1 2 3 4 Na hipótese o uso de falsa certidão negativa de débito de tributo federal com vistas à participação em concorrência pública da Companhia de Saneamento do Estado do Espírito Santo não causou prejuízo a ente federal mas sim potencial lesão ao interesse da referida empresa estadual de economia mista 5 Cabe à Justiça Estadual processar e julgar ação penal que cuida de crime de uso de certidões falsas perante autoridades estaduais ou municipais ainda que se trate de documento expedido pela União por não haver prejuízo a bens serviços ou interesses federais Súmula 42 do STJ 6 Ordem parcialmente concedida para reconhecendo a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente ação penal declarar a nulidade ab initio do processocrime e por conseguinte determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual STJ HC 29056ES Min Laurita Vaz Ainda esclarecendo a questão da competência da Justiça Federal para apurar os crimes cometidos contra a Caixa Econômica Federal Habeas Corpus Crime contra a Caixa Econômica Federal Condenação emanada da justiça local Incompetência Absoluta Invalidação do procedimento penal Ordem concedida A carta política ao definir a competência penal da justiça federal comum incluiu nas suas atribuições jurisdicionais dentre outras hipóteses os delitos cometidos contra bens serviços e interesses das empresas públicas federais A Caixa Econômica Federal que é ente revestido de paraestatalidade subsumese em função de explícita definição legal dl n 75969 a noção de empresa pública da União Incompetente assim ratione personae a justiça do estadomembro para processar e julgar crime de roubo cometido contra a Caixa Econômica Federal Disso resulta a nulidade absoluta da persecução penal instaurada contra o paciente a partir da denúncia inclusive oferecida pelo Ministério Público local STF HC 68020SP 1ª Turma Rel Min Celso de Mello DJU 26101990 grifo nosso 272 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTÉS DOMÍNGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 236 273 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editora Rubí Artes Gráficas 1984 p 88 274 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 1 p 300 e s 275 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal São Paulo Saraiva v 2 p 548 276 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 340 277 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 2 p 252 278 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit p 253 279 Quanto ao número de testemunhas TOURINHO FILHO Código de Processo Penal Comentado São Paulo Saraiva p 261 aponta para um limite de 3 que não poderia ser excedido Em que pese a razoabilidade da proposta há que se desvelar que tal limitação construída pelo autor não tem base legal na medida em que o CPP silencia completamente sobre a questão Assim baseados na experiência forense pensamos que a suspeição pode ser perfeitamente demonstrada com esse número de testemunhas Contudo nada impede que em situações excepcionais e complexas ele seja excedido pois não se pode limitar probatoriamente o reconhecimento de tão grave questão processual ainda mais sem expressa previsão legal Também não se pode olvidar do contraditório visto como igualdade de tratamento e oportunidades de modo que o mesmo número de testemunhas deve valer para excepto e excipiente Seria uma violenta afronta ao contraditório admitir que um deles arrolasse 5 testemunhas e o outro apenas 3 Há que se manter a simetria e paridade de tratamento 280 Eventualmente tais testemunhas poderão residir em cidades diversas daquela onde está situado o tribunal Nesse caso pensamos que poderá o relator aplicar por analogia o art 9º 1º da Lei n 8038 delegando a oitiva ao juiz da comarca onde resida a testemunha sempre tomando a cautela de que esse juiz não seja o mesmo objeto da exceção de suspeição ou seja o excepto por motivos evidentes 281 Tais conceitos fumus boni iuris e periculum in mora aqui são adequados pois efetivamente se trata de fumaça do direito arguido e dos graves prejuízos que a demora pode causar ao processo Inadequada é sua utilização nas prisões cautelares como explicaremos ao tratar dessa temática 282 São múltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processo penal O crítico mais incansável foi sem dúvida o mestre CARNELUTTI Poner en su puesto al Ministerio Público In Cuestiones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Librería el Foro 1960 p 211 e s que em diversas oportunidades pôs em relevo a impossibilidade de la cuadratura del círculo No es como reducir un círculo a un cuadrado construir una parte imparcial El ministerio público es un juez que se hace parte Por eso en vez de ser una parte que sube es un juez que baja Em outra passagem Lecciones sobre el Proceso Penal v II p 99 CARNELUTTI explica que não se pode ocultar que se o promotor exerce verdadeiramente a função de acusador querer que ele seja um órgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad Para GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 29 o problema de exigir imparcialidade de uma parte acusadora significa cair en el mismo error psicológico que ha desacreditado al proceso inquisitivo qual seja o de crer que uma mesma pessoa possa exercitar funções tão antagônicas como acusar julgar e defender 283 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México José M Cajica 1952 p 285 284 Daí por que não se deve admitir exceção de incompetência oposta pelo assistente do Ministério Público na medida em que se não é autorizada a medida para a parte principal MP não há que se aceitar sua interposição pela parte secundária ou acessória O campo de atuação do assistente vem primordialmente circunscrito pelo âmbito de atuação do MP de modo a não extrapolar os poderes da parte principal 285 Nesse erro incide entre outros FREDERICO MARQUES Elementos de Direito Processual Penal Campinas Bookseller 1996 v 2 p 244 ao afirmar que a litispendência é fenômeno resultante da apresentação de uma lide em juízo no processo penal tanto como no processo civil a litispendência consiste na pendência de aspirações e expectativas derivadas do litígio e também FERNANDO CAPEZ Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva 2006 São Paulo Saraiva 2006 p 379 Tratase de um erro bastante comum de quem pensa o processo penal desde a lente do processo civil desconsiderando assim sua especificidade e categorias jurídicas próprias 286 Assim equivocada a afirmação de CAPEZ op cit p 379 quando partindo do igualmente errôneo conceito de demanda afirma que os elementos que identificam a litispendência são pedido as partes em litígio e a causa de pedir Inclusive na continuação da exposição o próprio autor se contradiz ao afirmar em momento posterior agora sim com acerto que não importa também quem figura no polo ativo da ação penal tratandose do mesmo réu e do mesmo fato é cabível a exceção Por fim desconsidera que o pedido no processo penal assume uma dimensão completamente diferente e com muito menos relevância do que aquela que lhe é dada pelo processo civil 287 Na exceção de litispendência ao contrário do que ocorre com a exceção de incompetência não vemos qualquer óbice a que o Ministério Público tomando conhecimento da existência de outra acusação contra o mesmo réu pelo mesmo fato utilizea 288 Como adverte TOURINHO FILHO Código de Processo Penal Comentado cit v 1 p 282 289 GÓMEZ ORBANEJA Emilio HERCE QUEMADA Vicente Derecho Procesal Penal cit v II p 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal p 317 290 Aquilo que MAIER Julio B J Derecho Procesal Penal fundamentos 2 ed Buenos Aires Editorial Del Puerto 2002 v 1 p 606 chama de hecho como acontecimiento real circunscrito assim a um lugar e momento determinado 291 Com MORENO CATENA GIMENO SENDRA na obra Derecho Procesal Penal cit p 626 292 MAIER Julio Derecho Procesal Penal cit p 606 293 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Trad Daniel Pastor e Gabriela Córdoba Buenos Aires Del Puerto 2000 p 434 294 GOLDSCHMIDT James Derecho Procesal Civil Trad Prieto Castro Barcelona Labor 1936 p 256 295 Pois uma função inerente à pena de prisão é obrigar a um constante reviver o passado no presente Devemos recordar ainda que o cárcere é um instrumento de caricaturização e potencialização de distintos aspectos da sociedade de modo que a dinâmica do tempo também vai extremarse no interior da instituição total levando ao que denominamos patologias de natureza temporal Isso significa em apertada síntese que o tempo de prisão é tempo de involução que a prisão gera uma total perda do referencial social de tempo pois a dinâmica intramuros é completamente desvinculada da vivida extramuros onde a sociedade atinge um nível absurdo de aceleração em total contraste com a inércia do apenado Existe uma clara defasagem entre o tempo social e o tempo do cárcere como bem percebeu MOSCONI Tiempo Social y Tiempo de Cárcel In BEIRAS Iñaki Rivera DOBON Juan Orgs Secuestros Institucionales y Derechos Humanos la cárcel y el manicomio como laberintos de obediencias fingidas Barcelona Bosch 1997 p 91103 A prisão possui um tempo mumificado pela instituição em contraste com a dinâmica e complexidade do exterior Assim essa ruptura de existências e significados de potencialidades identidades e perspectivas causa um sofrimento muito maior do que antigamente Isso exige um repensar a proporcionalidade e adequação da pena a partir de outro paradigma temporal aliado à velocidade do tempo externo e ao congelamento do tempo interno Não há dúvida de que o tempo da prisão é muito mais lento e longo do que há algum tempo O choque não está apenas no tempo subjetivo do apenado e no sofrimento mas também na inutilidade da pena diante do contraste com o tempo social É por isso que afirmamos que a pena de prisão é tempo de involução o apenado não sairá do cárcere em condições de acompanhar o tempo social pois está literalmente à margem por isso novamente marginalizado dessa dinâmica Eis aqui mais um elemento a evidenciar a falácia ressocializadora Com razão MOSCONI op cit quando conclui apontando a necessidade de reduzir ao máximo a duração da pena de prisão para evitar um prejuízo ainda maior A pena enquanto resposta à inadequação social é obsoleta e igualmente inadequada pois está em conflito com o pluralismo dinâmico da atual complexidade social Para o autor o tempo da prisão deverá pluralizarse e diferenciarse necessariamente inclusive com várias formas de experiência que abandonem qualquer resíduo ideológico ou rigidez preconcebida Ademais essa defasagem temporal se transforma em fonte de somatização e enfermidade de modo que o uso prolongado da instituição penitenciária somente poderá produzir novas patologias sociais daí novamente a necessidade de redução do tempo de duração da pena de prisão 296 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 2 p 3 297 Em casos assim em que o juiz tem a experiência direta do delito ele deixa de ser juiz e passa a ser testemunha ou vítima pois tal contaminação despojalhe das condições de necessário alheamento que o constituem juiz Ou seja o que constitui o juiz é a imparcialidade incompatível pois com o contato direto com o fato a ser julgado 298 A semiótica do grego semeiotiké é a ciência dos signos e sinais usados em comunicação Explica SAUSSURE que através do signo entidade psíquica de duas faces que cria uma relação entre um conceito significado e uma imagem acústica significante podemos conceber uma ciência que estude a vida dos sinais no seio da vida social envolvendo parte da psicologia social e por conseguinte da psicologia geral chamada de semiologia Tratase do estudo dos signos e das regras que os regem Os signos pertencem ao mundo da representação sendo compostos por significante a parte física do signo e pelo significado a parte mental o conceito A semiótica assim é a ciência dos signos ou seja do processo de significação ou representação na natureza e na cultura do conceito ou da ideia 299 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 11 300 Idem ibidem p 6 301 Idem ibidem v 2 p 7 302 Idem ibidem v 2 p 3 303 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos Madrid Trotta 2002 p 83 304 Sempre que falamos do ritual judiciário estamos nos referindo às lições de Antoine Garapon na excelente obra Bem Julgar ensaio sobre o ritual judiciário publicado pela Editora Piaget Lisboa 1997 305 TARUFFO op cit p 81 306 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 251 307 Sobre o tema entre outras sugerimos a leitura de STRECK Lenio Verdade e Consenso Constituição Hermenêutica e Teorias Discursivas São Paulo Saraiva 2017 e KHALED JR Salah A Busca da verdade no processo penal para além da ambição inquisitorial São Paulo Atlas 2013 308 IBÁÑEZ Perfecto Andrés Garantismo y Proceso Penal Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada n 2 Granada 1999 p 53 309 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 44 e s 310 Idem ibidem 311 Idem ibidem p 50 312 TARUFFO Michele La Prueba de los Hechos Madrid Trotta 2002 p 8087 313 CARNELUTTI Francesco Verità Dubbio e Certezza Rivista di Diritto Processuale v XX II serie 1965 p 49 314 Idem ibidem 315 CUNHA MARTINS Rui O Ponto Cego do Direito 3 ed São Paulo Atlas 2013 316 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 251 317 O ponto cego do direito p 82 318 Expressão que tomamos emprestada de KHALED JR Salah H A busca da verdade no processo penal op cit 319 Nesse tema usamos e recomendamos a leitura da obra Vázquez Carmen org Estándares de prueba y prueba científica ensayos de epistemología jurídica Madrid Marcial Pons 2013 320 VÁZQUEZ Carmen A modo de presentación In Vázquez Carmen org Estándares de prueba y prueba científica op cit p 14 321 HAACK Susan El probabilismo jurídico una disensión epistemológica In Vázquez Carmen org Estándares de prueba y prueba científica op cit p 6598 322 No trabalho anteriormente citado p 85 323 VÁZQUEZ Carmen op cit p 14 324 Sobre o tema consultese o excelente trabalho de Zanoide de Moraes Maurício Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro cit 325 CORDERO Franco Procedimiento Penal v 2 cit p 273 326 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos 20012001 Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 177 327 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 67 328 Em diversos trabalhos mas especialmente no artigo Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 329 Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias para evitar perigosas e muitas vezes errôneas analogias com o processo civil que foram e são feitas até hoje Com uma justificada preocupação J GOLDSCHMIDT Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 28 e s destaca que a construção do modelo acusatório no processo penal deve ser distinta daquela aplicável ao processo civil uma concepção distinta do princípio dispositivo pois a situação jurídica da parte ativa é completamente diferente da do autor processo civil O Ministério Público não faz valer no processo penal um direito próprio e pede a sua adjudicação como o autor no processo civil senão que afirma o nascimento de um direito judicial de penar e exige o exercício deste direito que ao mesmo tempo representa um dever para o Estado titular do direito de penar e que realiza seu direito no processo não como parte mas como juiz Para compreender esse pensamento é imprescindível partir da premissa de que o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória ius ut procedatur A título de ilustração uma má interpretação do que seja o modelo acusatório e uma errada analogia com o processo civil leva alguns sistemas como o espanhol a permitir que a acusação peça uma determinada quantidade de pena x anos e mais errado ainda é pensar que esse pedido vincule o juiz Outro erro que diariamente vem sendo cometido é afirmar que a chamada justiça negociada plea negotiation é uma manifestação do modelo acusatório quando na verdade se trata de uma degeneração completa do processo penal e uma distorcida visão do que seja um processo de partes o sistema acusatório ou mesmo o verdadeiro objeto do processo penal 330 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 40 331 A crítica serve para refoçar a necessidade de efetivação do sistema acusatório recepcionado pelo art 3ºA do CPP e por comseguinte da absoluta vedação de atribuição de poderes instrutórios ao juiz em qualquer fase do processo 332 CORDERO Franco Guida alla Procedura Penale Torino UTET 1986 p 51 333 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro cit p 37 334 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 43 335 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit p 29 336 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 90 337 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 88 338 OLIVEIRA Ana Sofia Schmidt de Resolução 052002 interrogatório online Parecer Boletim IBCCRIM São Paulo v 10 n 120 p 24 nov 2002 339 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 208 340 CORDERO op cit v 1 p 47 341 Idem ibidem p 322 342 Exposición de Motivos del Código Procesal Penal Modelo para Iberoamérica 343 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 86 344 Notas sobre a terminologia da prova reflexos no processo penal brasileiro In YARSHELL Flávio Luiz ZANOIDE DE MORAES Maurício Orgs Estudos em Homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover São Paulo DSJ Ed 2005 p 303318 345 BADARÓ Gustavo Processo Penal Rio de Janeiro Campus Elsevier 2012 p 270 346 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 85 347 CARVALHO Amilton Bueno de Lei para quem In WUNDERLICH Alexandre Coord Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 51 348 Estamos com CORDERO Procedimiento Penal cit v 1 p 398 quando equipara as expressões presunção de inocência e não seja considerado culpado antes da sentença definitiva Para tanto utiliza a equivalência explícita de três famosas fórmulas art 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 everyone charged with a penal offence has the right to be presumed innocente until proved guilty art 2º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem Roma 1950 art 142 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos Nova York 1966 349 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 152 350 HUERTAS MARTIN Maria Isabel El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba Barcelona Bosch 1999 p 39 351 ILLUMINATI G La Presunzione dInocenza dellImputato p 107 Apud HUERTAS MARTIN op cit p 40 352 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 610 353 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Bernaldo de Quirós México José M Cajica 1952 p 305 354 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2003 p 166 355 TAVARES Juarez Teoria do Injusto Penal cit p 166 356 Antes que algum incauto leitor pense que estamos exigindo a impossível prova negativa esclarecemos que não se trata disso Por exemplo se a defesa alega que o delito foi cometido ao abrigo da excludente da legítima defesa incumbe ao acusador provar que não houve a repulsa a uma injusta agressão logo provando que a agressão era justa ou que dita agressão não era atual ou iminente logo era passada ou futura que o réu não repeliu dita agressão usando moderadamente os meios necessários logo demonstrando o excesso enfim tratase de prova positiva que afaste a excludente 357 CORDERO Franco Procedimiento Penal v 2 cit p 273 358 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 79 359 A relação inafastável entre contraditório e o ato de contradizer explica por que J GOLDSCHMIDT utiliza como sinônimas as expressões ao definir como princípio de controvérsia o contradicción Sobre o tema vejase sua obra Derecho Procesal Civil cit p 82 360 GOLDSCHMIDT Werner La Imparcialidad como Principio Básico del Proceso Revista de Derecho Procesal n 2 1950 p 189 361 Direito de silêncio nada a temer por se deter 362 GUASP Jaime Administración de Justicia y Derechos de la Personalidad In ALONSO Pedro Aragoneses Coord Estudios Jurídicos Madrid Civitas 1996 p 182 e s 363 CARNELUTTI Francesco Principi del Processo Penale Napoli 1960 p 139 364 O conhecimento da acusação formulada nos leva à necessária correlação entre acusaçãodefesa sentença A correlação fixa os limites da sentença e possibilita a resistência da parte passiva É importante destacar que o modelo acusatório não exige a vinculação do julgador à qualificação jurídica nem ao petitum das partes até porque ao acusador não incumbe pedir uma determinada pena pois a ele corresponde uma pretensão meramente acusatória ius ut procedatur Nesse sentido ARAGONESES MARTINEZ Del Principio Inquisitivo al Principio Dispositivo In XII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal p 1693 e 1698 sublinha que entender que la sentencia criminal debe guardar con la acusación la misma correlación que la sentencia civil con la demanda es una grave confusión entre el principio acusatorio con el dispositivo Como explica a autora como garantía esencial del moderno proceso penal debe dársele al acusado la posibilidad de ser oído respecto de todas y cada una de las cuestiones de trascendencia penal la calificación jurídica de los hechos el grado de participación y de ejecución la concurrencia de circunstancias eximentes atenuantes o agravantes de la responsabilidad etc A correlação exige que o julgamento recaia sobre o mesmo fato natural que integra a pretensão acusatória como seu elemento objetivo A correlação no processo penal está acima de tudo a serviço da defesa evitando o segredo e a surpresa 365 PELLEGRINI GRINOVER Ada SCARANCE FERNANDES Antonio GOMES FILHO Antônio Magalhães As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 63 366 LEONE Giovanni Elementi di Diritto e Procedura Penale 5 ed Napoli Jovene 1981 p 212 367 Na esteira de MANZINI Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra Redin Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 v 1 p 281 368 Isso porque seguimos a lição de JAMES GOLDSCHMIDT para quem o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória e não punitiva como entendia BINDING Sobre o tema consultese sua obra Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal cit 369 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 23 370 FOSCHINI Gaetano LImputato Milano Dott Q Giuffrè 1956 p 26 371 FOSCHINI Gaetano LImputato cit p 27 e s 372 La Defensa en el Proceso Penal p 112 373 GUARNIERI op cit p 116 374 BACILA Carlos Roberto Princípios de Avaliação das Provas no Processo Penal e as Garantias Fundamentais In BONATO Gilson Org Garantias Constitucionais e Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 100 375 BACILA op cit p 99 376 Basta que façam isso duas vezes Explicamos se alguém submetido a julgamento pelo tribunal do júri for condenado ou absolvido e entender que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos poderá apelar nos termos do art 593 III d do CPP Acolhido o recurso o Tribunal de Justiça determinará que o réu seja submetido a novo julgamento Contudo se nesse novo júri o réu for novamente condenado ou novamente absolvido e a decisão dos jurados for igualmente contrária à prova dos autos nada mais poderá ser feito pois o art 593 3º do CPP não permite nova apelação por esse motivo Logo se os profanos julgarem condenarem ou absolverem duas vezes contra a prova dos autos estará juridicamente avalizado o absurdo 377 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v II p 157 378 Idem ibidem p 158 379 Idem ibidem p 159 380 Idem ibidem p 159 381 PORTANOVA Rui Princípios do Processo Civil 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 1999 p 221 382 PORTANOVA op cit p 241 383 Art 132 O juiz titular ou substituto que concluir a audiência julgará a lide salvo se estiver convocado licenciado afastado por qualquer motivo promovido ou aposentado casos em que passará os autos ao seu sucessor Parágrafo único Em qualquer hipótese o juiz que proferir a sentença se entender necessário poderá mandar repetir as provas já produzidas 384 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 385 Interessante exemplo de prova inominada mas que não pode ser aceita entre outros por violar a dignidade da pessoa humana nos traz a seguinte notícia UE CONDENA TESTES FALOMÉTRICOS PARA GAYS NA REPÚBLICA TCHECA Quem pedir asilo afirmando ser homossexual e por esse motivo perseguido em seu país de origem tem em alguns casos que passar por testes humilhantes na República Tcheca União Europeia critica agora o procedimento Nos assim chamados testes falométricos para gays requerentes de asilo na República Tcheca é acoplado ao candidato um aparelho que mede seu grau de estimulação sexual enquanto é obrigado a assistir vídeos pornôs heterossexuais Dessa forma as autoridades de imigração pretendem constatar se o solicitante é realmente homossexual ou se somente o afirma para obter asilo Caso mostre sinais de excitação seu pedido será possivelmente rejeitado Ativistas tchecos de direitos humanos se mostram indignados Sabemos que aqui na República Tcheca este exame falométrico foi realizado até mesmo em casos em que os candidatos puderam comprovar através de documentos que eram por exemplo perseguidos no Irã devido a assim chamados atos imorais afirmou Martin Rozumek da organização de ajuda a refugiados OPU A agência de direitos fundamentais da União Europeia UE critica agora o fato de a República Tcheca ser o único país que aplica o controverso teste sexual A agência afirma que esse método não é confiável e que não leva a resultados evidentes Além disso tal ingerência na esfera íntima violaria os direitos humanos As acusações incomodaram o Ministério tcheco do Interior Entre 2008 e 2009 o exame teria sido aplicado menos de dez vezes explica Tomas Haismann responsável por questões de asilo e imigração no ministério Assim que a ONU nos criticou pela primeira vez paramos de realizar o teste Agora iremos ler o relatório da agência de direitos fundamentais da UE e tirar as devidas consequências Nos casos em que os testes foram aplicados os atingidos sempre deram seu aval por escrito assegurou o ministério tcheco O ministro do Interior Radek John afirmou até mesmo que os candidatos insistiram em fazer o exame Eles queriam provar de qualquer forma que eram realmente homossexuais John assumiu a pasta em julho último e desde então os testes não foram mais aplicados afirmou O caso veio à tona na Alemanha Um requerente de asilo iraniano fugiu da República Tcheca para a Alemanha após ser obrigado a fazer o teste Um tribunal do estado alemão de SchleswigHolstein rejeitou o pedido de recondução do requerente de asilo à República Tcheca alegando que o iraniano teria sido exposto a testes falométricos naquele país FONTE Deutsche Welle httpwwwdwdeuecondenatestesfalomC3A9tricosparagaysna repC3BAblicatchecaa6319792 Acesso em 18032013 386 GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 89 387 Neste ponto recomendase a leitura da obra Conhecimento Fortuito de Manuel Guedes Valente publicado pela editora Almedina Coimbra 2006 388 No mínimo deveria ser exigida a conexão entre os delitos como explicaremos à continuação 389 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional São Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 94 390 Não concordamos assim com a seguinte decisão do STJ ESCUTA TELEFÔNICA TERCEIRO MP DILIGÊNCIAS Desde que esteja relacionada com o fato criminoso investigado é lícita a prova de crime diverso obtida mediante a interceptação de ligações telefônicas de terceiro não arrolado na autorização judicial da escuta Outrossim é permitido ao MP conduzir diligências investigatórias para a coleta de elementos de convicção pois isso é um consectário lógico de sua própria função a de titular da ação penal LC n 7593 Precedentes citados HC 37693SC DJ 22112004 RHC 10974SP DJ 18032002 RHC 15351RS DJ 18102004 e HC 27145SP DJ 25082003 HC 33462DF Rel Min Laurita Vaz julgado em 27092005 A decisão peca por excessiva abertura sem vincular a prova sequer à demonstração de ser o crime conexo O risco dessa amplitude é admitir um substancialismo inquisitório em que se perquira sem qualquer limite objetivo ou subjetivo 391 Na Espanha sem excluir opiniões diversas mas minoritárias LÓPEZFRAGOSO citado na obra coletiva Ley de Enjuiciamiento Criminal y Ley del Jurado concordancias y comentarios a los procedimientos ordinario abreviado y ley del jurado con su aplicación práctica p 407 esquematiza da seguinte forma o tratamento da problemática 1 se os fatos descobertos tiverem conexão art 17 da LECrim com os que são objeto da interceptação os descubrimientos ocasionales surtirão efeitos investigatórios e probatórios 2 se os fatos ocasionalmente conhecidos não tiverem essa conexão mas tiverem uma gravidade penal aparentemente suficiente para tolerar proporcionalmente sua adoção serão considerados meras notitia criminis para dar início às correspondentes investigações 392 Como dito a questão do compartilhamento de provas tem sido infelizmente banalizada e tratada de forma superficial no Brasil mas há julgados que constituem importantes exceções alinhandose à nossa posição No caso abaixo a Receita Federal obteve diretamente o acesso aos dados bancários do contribuinte para instruir o procedimento administrativo fiscal Para isso não necessitaria de autorização judicial O problema surge quando essa prova é utilizada em processo criminal havendo um claro desvio causal da prova considerada ilícita pelo STJ na mesma linha que sustentamos DIREITO PROCESSUAL PENAL UTILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL DE INFORMAÇÕES OBTIDAS PELA RECEITA FEDERAL MEDIANTE REQUISIÇÃO DIRETA ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS Os dados obtidos pela Receita Federal com fundamento no art 6º da LC 1052001 mediante requisição direta às instituições bancárias no âmbito de processo administrativo fiscal sem prévia autorização judicial não podem ser utilizados no processo penal sobretudo para dar base à ação penal Há de se ressaltar que não está em debate a questão referente à possibilidade do fornecimento de informações bancárias para fins de constituição de créditos tributários pelas instituições financeiras ao Fisco sem autorização judicial tema cuja repercussão geral foi reconhecida no RE 601314SP pendente de apreciação Discutese se essas informações podem servir de base à ação penal Nesse contexto reafirmase conforme já decidido pela Sexta Turma do STJ que as informações obtidas pelo Fisco quando enviadas ao MP para fins penais configuram inadmissível quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial Não cabe à Receita Federal órgão interessado no processo administrativo e sem competência constitucional específica requisitar diretamente às instituições bancárias a quebra do sigilo bancário Pleito nesse sentido deve ser necessariamente submetido à avaliação do magistrado competente a quem cabe motivar concretamente sua decisão em observância aos arts 5º XII e 93 IX da CF Precedentes citados HC 237057RJ Sexta Turma DJe 2722013 REsp 1201442RJ Sexta Turma DJe 2282013 AgRg no REsp 1402649BA Sexta Turma DJe 18112013 RHC 41532PR Rel Min Sebastião Reis Júnior julgado em 1122014 393 Art 101 Princípio da Especialidade 1 Um indivíduo entregue ao Tribunal em virtude do presente Estatuto não será processado punido ou detido por conduta anterior a sua entrega distinta da conduta que constitua a base dos crimes pelos quais houver sido entregue 2 O Tribunal poderá solicitar ao Estado que fez a entrega que o dispense do cumprimento dos requisitos estabelecidos no parágrafo 1º e se necessário fornecerá informações adicionais em conformidade com o artigo 91 Os Estadospartes estarão facultados a conferir essa dispensa ao Tribunal e deveriam procurar fazêlo 394 Nesse sentido entre as várias decisões proferidas pelo STF destacamos a seguinte Extradição 646 extensão Rel Min Maurício Corrêa julgamento em 02091998 DJ de 02101998 PEDIDO DE EXTENSÃO DE EXTRADIÇÃO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE IMPUTAÇÃO DOS DELITOS DE RECEPTAÇÃO CONTRABANDO OU DESCAMINHO ESTELIONATO FALSIFICAÇÃO E SONEGAÇÃO FISCAL PRATICADOS ANTERIORMENTE AO PRIMEIRO PEDIDO MAS SÓ POSTERIORMENTE APURADOS PELO ESTADO REQUERENTE INEXIGIBILIDADE DE MANDADO DE PRISÃO O princípio da especialidade previsto expressamente na legislação de ambos os Países impede que o extraditado seja preso ou processado por fatos anteriores ao primeiro pedido art 91 I da Lei n 681580 e Código Penal eslovaco A prisão e o processo por outros delitos praticados pelo extraditado antes do primeiro pedido mas posteriormente apurados exigem autorização adicional do País requerido Por estas razões não se pode exigir que o pedido de extensão da extradição venha acompanhado de cópia de mandado de prisão arts 79 II e 80 caput da Lei n 681580 pois a lei não pode exigir que se faça aquilo que ela proíbe 395 Quebra de Sigilo Bancário e Direito à Intimidade O Tribunal por maioria deu parcial provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min Joaquim Barbosa relator proferida nos autos de inquérito instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de quadrilha peculato lavagem de dinheiro gestão fraudulenta corrupção ativa e passiva e evasão de divisas pela qual deferira a quebra de sigilo bancário de conta de não residente da agravante utilizada por diversas pessoas físicas e jurídicas determinando a remessa de informações ao STF unicamente no que concerne aos dados dos titulares dos recursos movimentados na referida conta Entendeuse que em face do art 5º X da CF que protege o direito à intimidade à vida privada à honra e à imagem das pessoas a quebra do sigilo não poderia implicar devassa indiscriminada devendo circunscreverse aos nomes arrolados pelo Ministério Público como objeto de investigação no inquérito e estar devidamente justificada Recurso parcialmente provido para que fique autorizada a remessa relativa a duas pessoas físicas e uma pessoa jurídica deixando ao Ministério Público a via aberta para outros pedidos fundamentados Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa relator e Carlos Britto que negavam provimento ao recurso por considerar que o sigilo bancário apesar de constitucionalmente amparado não se reveste de caráter absoluto e pode ser afastado por ordem judicial desde que tal quebra seja concretamente necessária à apuração de fatos delituosos previamente investigados como no caso em que presentes fortes indícios da prática de ilícitos ressaltando ademais inexistir devassa haja vista que as informações cujo fornecimento a decisão agravada determina não incluem os valores movimentados grifo nosso 396 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 397 Idem ibidem p 49 398 ASSIS MOURA Maria Thereza Rocha de A Ilicitude na Obtenção da Prova e sua Aferição Originais gentilmente cedidos pela autora 399 Também adota essa classificação SCARANCE FERNANDES Processo Penal Constitucional cit p 78 400 Conforme ASSIS MOURA op cit 401 Conforme ASSIS MOURA op cit 402 Inclusive constitui crime previsto na Lei n 138692019 Art 25 Proceder à obtenção de prova em procedimento de investigação ou fiscalização por meio manifestamente ilícito Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa Parágrafo único Incorre na mesma pena quem faz uso de prova em desfavor do investigado ou fiscalizado com prévio conhecimento de sua ilicitude 403 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 44 404 Importante destacar que não desconhecemos a divergência existente em torno da distinção ou não dos princípios da proporcionalidade Alemanha e razoabilidade Estados Unidos Contudo seguimos a corrente daqueles que como Suzana TOLEDO BARROS O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais Brasília Editora Brasília Jurídica 1996 não veem uma distinção nuclear relevante Sobre o tema e as diferentes posições teóricas leiase ainda SOUZA DE OLIVEIRA Fabio Correa Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 405 Noticia MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA op cit a existência de pelo menos duas decisões nessa linha proferidas pelo STJ a saber HC 3982 RSTJ 82322 e s jun 1996 e HC 4138 RF 336394 outdez 1996 Em ambos os recursos foi relator o Ministro Adhemar Maciel 406 Eis dois casos em que se tentou fazer valer uma prova ilícita contra o réu em nome do interesse público e até da falaciosa verdade real tendo em ambos sido repelida a construção Da explícita proscrição da prova ilícita sem distinções quanto ao crime objeto do processo CF art 5º LVI resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca a qualquer custo da verdade real no processo consequente impertinência de apelarse ao princípio da proporcionalidade à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira para sobrepor à vedação constitucional da admissão da prova ilícita considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação HC 80949 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 14122001 grifo nosso Objeção de princípio em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor com o fim de dar lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou em particular na de determinados crimes é que aí foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou em prejuízo se necessário da eficácia da persecução criminal pelos valores fundamentais da dignidade humana aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita De qualquer sorte salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência HC 79512 Rel Min Sepúlveda Pertence DJ 16052003 grifo nosso 407 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Penal Trad Faustino Gutièrrez Alviz y Conradi Barcelona Bosch 1976 p 174 408 ZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José Henrique Manual de Direito Penal Brasileiro 2 ed São Paulo RT 1999 p 96 409 GRECO FILHO Vicente Tutela Constitucional das Liberdades p 112113 apud SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 81 410 Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há para essa utilização excludente da antijuridicidade Afastada a ilicitude de tal conduta a de por legítima defesa fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime é ela por via de consequência lícita e também consequentemente essa gravação não pode ser tida como prova ilícita para invocarse o artigo 5º LVI da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade art 5º X da Carta Magna HC 74678 Rel Min Moreira Alves DJ 15081997 411 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 431 412 Conforme PIEROBOM DE ÁVILA Thiago André Provas Ilícitas e Proporcionalidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 152 413 PIEROBOM DE ÁVILA op cit p 158 414 EMENTA ILICITUDE DA PROVA INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA FRUITS OF THE POISONOUS TREE A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO Ninguém pode ser investigado denunciado ou condenado com base unicamente em provas ilícitas quer se trate de ilicitude originária quer se cuide de ilicitude por derivação Qualquer novo dado probatório ainda que produzido de modo válido em momento subsequente não pode apoiarse não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária A exclusão da prova originariamente ilícita ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar mais intensa pelo banimento da prova ilicitamente obtida a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal Doutrina Precedentes A doutrina da ilicitude por derivação teoria dos frutos da árvore envenenada repudia por constitucionalmente inadmissíveis os meios probatórios que não obstante produzidos validamente em momento ulterior achamse afetados no entanto pelo vício gravíssimo da ilicitude originária que a eles se transmite contaminandoos por efeito de repercussão causal Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos pelo Poder Público em razão de anterior transgressão praticada originariamente pelos agentes da persecução penal que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar Revelamse inadmissíveis desse modo em decorrência da ilicitude por derivação os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita obtida como resultado da transgressão por agentes estatais de direitos e garantias constitucionais e legais cuja eficácia condicionante no plano do ordenamento positivo brasileiro traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos Se no entanto o órgão da persecução penal demonstrar que obteve legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita com esta não mantendo vinculação causal tais dados probatórios revelarseão plenamente admissíveis porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA AN INDEPENDENT SOURCE E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA DOUTRINA PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JURISPRUDÊNCIA COMPARADA A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA CASOS SILVERTHORNE LUMBER CO V UNITED STATES 1920 SEGURA V UNITED STATES 1984 NIX V WILLIAMS 1984 MURRAY V UNITED STATES 1988 vg Decisão A Turma por votação unânime deu provimento ao recurso ordinário nos termos do voto do Relator para restabelecer a sentença penal absolutória proferida nos autos do Processocrime 19980010827716 19ª Vara Criminal da Comarca do Rio de JaneiroRJ Ausente justificadamente neste julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes 2ª Turma 03042007 415 Op cit Importante destacar que a autora critica essa posição jurisprudencial advertindo que tal entendimento levado às últimas consequências tolheria a nosso ver inteiramente a eficácia da garantia constitucional É preciso ter muita cautela quando prova ilícita integrar o conjunto probatório 416 ZILLI Marcos O Pomar e as Pragas cit p 3 417 Sobre a teoria e o pensamento de Fazzalari leiase nossa obra Fundamentos do Processo Penal publicado pela Editora Saraiva 418 Sobre o tema nos inspiramos em diferentes passagens do excelente livro A Prova Ilícita um estudo comparado de Teresa Armenta Deu publicado pela Editora Marcial Pons São Paulo 2014 para onde remetemos o leitor para um estudo mais aprofundado 419 ARMENTA DEU Teresa A Prova Ilícita um estudo comparado São Paulo Marcial Pons 2014 p 121 420 Nesse tema reputamos imprescindível a leitura pelo menos das obras de ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção Aspectos da Lógica da Decisão Judicial Campinas Millennium 2003 e ZIMERMAN David A Influência dos Fatores Psicológicos Inconscientes na Decisão Jurisdicional In David Zimerman e Antônio Mathias Coltro Orgs Aspectos Psicológicos na Prática Jurídica Campinas Millennium 2002 421 Entendemos que posições desse estilo devem ser revistas Por fim a jurisprudência da Corte é pacífica ao afirmar que não se anula condenação se a sentença condenatória não se apoia apenas na prova considerada ilícita Nesse sentido o decidido no HC 75611SP e no HC 82139BA AI 503617AgR Rel Min Carlos Velloso DJ 04032005 No mesmo sentido HC 84316 DJ 24082004 HC 77015 DJ 13111998 HC 76231 DJ 16101998 RHC 74807 DJ 20061997 HC 73461 DJ 13121996 HC 75497 DJ 09051993 422 Daí a imensa importância da exclusão física dos autos nos termos do art 3ºC 3º do CPP 423 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 47 424 O que segue é uma síntese de vários pontos tratados na magistral obra de Geraldo Prado intitulada Prova Penal e sistema de controles epistêmicos A quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos São Paulo Marcial Pons 2014 Também consultamos o artigo Ainda sobre a quebra da cadeia de custódia das provas in Boletim do IBCCrim n 262 setembro de 2014 p 16 17 do mesmo autor 425 Sobre o tema consultese RUI CUNHA MARTINS O Ponto Cego do Direito The Brazilian lessons 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 426 Citando BAYTELMAN A Andrés y DUCE J Mauricio na obra Litigación Penal juicio oral y prueba México FCE 2005 p 285 PRADO Geraldo Ainda sobre a quebra da cadeia de custódia das provas in Boletim do IBCCrim n 262 setembro de 2014 p 1617 427 CUNHA MARTINS Rui O Ponto Cego do Direito The Brazilian lessons cit 428 Por tudo MORAIS DA ROSA Alexandre A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal publicado pela Editora Empório do Direito 429 Contribui para a eficácia dessa garantia a determinação de exclusão física ou não inclusão dos atos do inquérito finalmente consagrado no art 3ºC 3º do CPP infelizmente suspenso pela precária liminar do Min FUX Diante disso adquire relevância a produção antecipada de provas que deverá ser decidida e realizada pelo juiz das garantias também suspenso pelo Min FUX 430 Em alguns pontos baseamonos em VEGAS TORRES Jaime Presunción de Inocência y Prueba en el Proceso Penal Madrid La Ley p 96 e s 431 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 2 p 123 432 Idem ibidem p 123 433 Idem ibidem p 124 434 Citado por GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1997 p 155 435 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1963 v 2 p 202 436 Para além do dever genérico de fundamentação no Brasil previsto no art 93 IX da Constituição o CPP português determina no art 1632 que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos deve aquele fundamentar a divergência 437 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 2 p 195 438 MORENO CATENA Victor et al Derecho Procesal Penal p 422 439 No mesmo sentido VÁZQUEZ Carmen In Vázquez Carmen org Estándares de prueba y prueba científica op cit p 19 440 GOMES FILHO Antônio Magalhães Direito à Prova no Processo Penal São Paulo RT 1999 p 157 441 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional p 76 442 Posição também compartilhada por SCARANCE FERNANDES na obra Processo Penal Constitucional cit p 76 443 O ideal seria o indiciado mas considerando que o indiciamento é geralmente postergado para o final com a clara intenção de subtrair os direitos inerentes a esse estado jurídico preferimos a categoria mais ampla de sujeito passivo incluindo aqui o já indiciado e o mero suspeito 444 HASSANCHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 306 445 GÖSSEL KarlHeinz Las Investigaciones Genéticas como Objeto de Prueba en el Proceso Penal Revista del Ministerio Fiscal n 3 janeirojunho de 1996 p 147 446 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires Bosch 1950 v II p 180 447 Notícia publicada em 1782009 no site httpwwwnytimescom20090818science18dnahtml DNA EVIDENCE CAN BE FABRICATED SCIENTISTS SHOW By ANDREW POLLACK Published August 17 2009 Scientists in Israel have demonstrated that it is possible to fabricate DNA evidence undermining the credibility of what has been considered the gold standard of proof in criminal cases The scientists fabricated blood and saliva samples containing DNA from a person other than the donor of the blood and saliva They also showed that if they had access to a DNA profile in a database they could construct a sample of DNA to match that profile without obtaining any tissue from that person You can just engineer a crime scene said Dan Frumkin lead author of the paper which has been published online by the journal Forensic Science International Genetics Any biology undergraduate could perform this Dr Frumkin is a founder of Nucleix a company based in Tel Aviv that has developed a test to distinguish real DNA samples from fake ones that it hopes to sell to forensics laboratories The planting of fabricated DNA evidence at a crime scene is only one implication of the findings A potential invasion of personal privacy is another Using some of the same techniques it may be possible to scavenge anyones DNA from a discarded drinking cup or cigarette butt and turn it into a saliva sample that could be submitted to a genetic testing company that measures ancestry or the risk of getting various diseases Celebrities might have to fear genetic paparazzi said Gail H Javitt of the Genetics and Public Policy Center at Johns Hopkins University Tania Simoncelli science adviser to the American Civil Liberties Union said the findings were worrisome DNA is a lot easier to plant at a crime scene than fingerprints she said Were creating a criminal justice system that is increasingly relying on this technology John M Butler leader of the human identity testing project at the National Institute of Standards and Technology said he was impressed at how well they were able to fabricate the fake DNA profiles However he added I think your average criminal wouldnt be able to do something like that The scientists fabricated DNA samples two ways One required a real if tiny DNA sample perhaps from a strand of hair or drinking cup They amplified the tiny sample into a large quantity of DNA using a standard technique called whole genome amplification Of course a drinking cup or piece of hair might itself be left at a crime scene to frame someone but blood or saliva may be more believable The authors of the paper took blood from a woman and centrifuged it to remove the white cells which contain DNA To the remaining red cells they added DNA that had been amplified from a mans hair Since red cells do not contain DNA all of the genetic material in the blood sample was from the man The authors sent it to a leading American forensics laboratory which analyzed it as if it were a normal sample of a mans blood The other technique relied on DNA profiles stored in law enforcement databases as a series of numbers and letters corresponding to variations at 13 spots in a persons genome From a pooled sample of many peoples DNA the scientists cloned tiny DNA snippets representing the common variants at each spot creating a library of such snippets To prepare a DNA sample matching any profile they just mixed the proper snippets together They said that a library of 425 different DNA snippets would be enough to cover every conceivable profile Nucleixs test to tell if a sample has been fabricated relies on the fact that amplified DNA which would be used in either deception is not methylated meaning it lacks certain molecules that are attached to the DNA at specific points usually to inactivate genes 448 É censurável a práxis policial de tomar declarações sem informar se a pessoa que as presta o faz como informantetestemunha ou como suspeito subtraindolhe ainda o direito de silêncio e demais garantias do sujeito passivo É patente a violação do contraditório e da ampla defesa nesses casos 449 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 608 450 PELLEGRINI GRINOVER Ada Pareceres Processo Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 343 e s 451 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 2 p 252 452 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit v 2 p 252 453 GUARNIERI José Las Partes en el Proceso Penal Trad Constancio Beraldo de Quirós México José M Cajica 1952 p 299 454 Em alguns pontos baseamonos em FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 608 455 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 22 456 Sobre o tema imprescindível a leitura do Directorium Inquisitorum escrito por NICOLAU EYMERICH em 1376 457 O que segue é uma transcrição parcial do texto que publicamos com Vitor Paczek na Coluna Limite Penal no dia 2792019 httpswwwconjurcombr2019set27limitepenalcorreu delatorouvidoantestestemunhasdefesa 458 DEZEM Guilherme Madeira Produção da Prova Testemunhal e Interrogatório correlações necessárias Boletim do IBCCrim n 207 fevereiro de 2010 p 6 459 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial cit p 368 460 Questão tormentosa na história do processo penal é a confissão conduzindo sempre ao seguinte questionamento Por que um inocente confessa Ainda que o tema extrapole os limites do presente trabalho cumpre transcrever parte de um estudo divulgado no site wwwconjurcombr2012set 08instituicaoestudaporquepessoasconfessamcrimesnaocometeram e que pode contribuir para a compreensão desta complexa problemática bem como advertir dos perigos da crença na confissão Um levantamento recente do Projeto Inocência revelou que de todos os prisioneiros libertados nos últimos anos com base em provas de DNA 25 foram presos porque se incriminaram fizeram confissões por escrito ou gravadas em fita cassete à polícia ou se declararam culpados Estudos de casos mostram que essas confissões não derivaram de conhecimento dos réus sobre o caso mas foram motivadas por influências externas Em princípio é difícil entender por que uma pessoa confessa um crime que não cometeu diz um artigo do Projeto Inocência Mas uma pesquisa psicológica forneceu algumas respostas Uma variedade de fatores pode contribuir para uma confissão falsa durante o interrogatório policial Os casos examinados no estudo mostram que há uma combinação dos seguintes fatores 1 pressão 2 coerção 3 embriaguez 4 capacidade reduzida 5 deficiência mental 6 desconhecimento da lei 7 medo de violência 8 sofrimento real infligido 9 ameaça de uma sentença mais dura 10 falta de compreensão da situação Algumas confissões falsas dizem os especialistas podem ser explicadas pelo estado mental do réu Confissões obtidas de crianças não são confiáveis diz o estudo do Projeto Inocência Crianças são facilmente manipuláveis E nem sempre têm noção clara do que está acontecendo Crianças e adolescentes são facilmente convencidas de que poderão voltar para casa assim que admitirem a culpa Pessoas com deficiência mental fazem confissões falsas porque de uma maneira geral são tentadas a conciliar e a concordar com autoridades especialmente as policiais Além disso os interrogadores policiais não têm qualquer tipo de treinamento para questionar suspeitos com deficiência mental Qualquer estado mental debilitado em razão de deficiência mental drogas bebidas alcoólicas pode provocar falsas admissões de culpa Adultos mentalmente capazes também fazem confissões falsas por uma variedade de fatores tais como excessiva duração do interrogatório exaustão ou pela falsa ideia de que se confessarem podem ser soltos e mais tarde provar sua inocência Seja qual for a idade a capacidade ou o estado mental das pessoas que confessam crimes que não cometeram normalmente elas têm a impressão comum a um certo ponto do processo de interrogatório de que a confissão será mais benéfica para elas do que continuar insistindo em suas inocências Algumas vezes investigadores usam táticas de interrogatório implacável que na prática equivalem à tortura ou chegam à beira da tortura Mas existem outras táticas menos abusivas fisicamente que também podem levar a confissões falsas Por exemplo alguns policiais altamente treinados em interrogatório convencidos da culpa do suspeito usam táticas tão persuasivas que uma pessoa inocente se sente compelida a confessar diz o artigo do Projeto Inocência O estudo mostrou que alguns suspeitos fizeram uma confissão falsa para evitar danos ou desconforto físico Outros são advertidos de que serão condenados com ou sem uma confissão e que a sentença será muito mais leve se confessarem Alguns são aconselhados a confessar porque essa seria a única maneira de evitar a pena de morte ou de prisão perpétua São muitos os casos de inocentes presos nos EUA Mas o Projeto Inocência elegeu o de Eddie Joe Lloyd o favorito para sua campanha para aperfeiçoar o sistema penal por duas razões Primeira a Promotoria de Detroit foi muito cooperativa com os advogados e com os estudantes de Direito que se empenhavam em provar a inocência de Lloyd reconhecendo as falhas de processo e se propondo a colaborar para desfazer um erro judicial A segunda razão é mais forte Depois de provada a inocência de Lloyd condenado graças a armações de policiais para leválo a se incriminar a Polícia de Detroit pediu desculpas formais à família e prometeu que daí para a frente todos os interrogatórios policiais em casos que podem terminar em sentença de prisão perpétua seriam gravados em vídeo para serem apresentados nos tribunais Começou a fazer isso em 2006 Muitas jurisdições nos EUA seguiram o exemplo de Detroit 461 Art 201 Sempre que possível o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração quem seja ou presuma ser o seu autor as provas que possa indicar tomandose por termo as suas declarações 1º Se intimado para esse fim deixar de comparecer sem motivo justo o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade 2º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem 3º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado admitindose por opção do ofendido o uso de meio eletrônico 4º Antes do início da audiência e durante a sua realização será reservado espaço separado para o ofendido 5º Se o juiz entender necessário poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar especialmente nas áreas psicossocial de assistência jurídica e de saúde a expensas do ofensor ou do Estado 6º O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade vida privada honra e imagem do ofendido podendo inclusive determinar o segredo de justiça em relação aos dados depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação 462 VÉLEZ MARICONDE Alfredo Derecho Procesal Penal 2 ed Buenos Aires Lerner 1969 v II p 393 463 httpwwwconjurcombr2016ago19limitepenaldepoimentopolicialbelorecatadolar ilogico 464 Em que pese ser essa uma afirmação dos autores citados pensamos que ela deve ser esclarecida até porque é um erro pensar as dimensões do consciente e do inconsciente como estanques compartimentalizadas A linha é tênue se não indefinida Também se deve compreender que a falsa memória pode nascer de uma confusão mental de uma informação inicial verdadeira mas que sofre uma poluição em decorrência de um processo de mistura com o imaginário gerando uma confusão de dados por parte do sujeito que passa a tomar como verdadeiro o fato distorcido 465 Tratando da ação e esquecimento e sua relevância penal nos casos de omissão de atividade devida JUAREZ TAVARES traz importantes lições sobre a memorização declarativa e a memorização procedimental bem como dos processos de esquecimento Sobre o tema consultese a obra Direito Penal da Negligência Uma Contribuição à Teoria do Crime Culposo 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 221224 466 O Erro de Descartes cit p 128129 467 Professora de Psicologia e Direito na Universidade de Washington é PhD em Psicologia com dezenas de trabalhos publicados sobre o tema Nessa breve apresentação utilizamos os seguintes trabalhos Criando Falsas Memórias Scientific American set 1997 trad disponível em wwwgeocitiescomathensacropolis6634falsamemoriahtm As falsas memórias Revista Viver Mente Cérebro 468 Nesse sentido também DI GESU Cristina Prova Penal e Falsas Memórias Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 469 Entre outros sugerimos o estudo dos seguintes casos Caso Frank Lee Smith condenado à morte nos Estados Unidos pelo homicídio de Sandra Whitehead Caso MacMartin ocorrido nos anos 1980 no subúrbio de Los Angeles em que os empregados da pré escola Virginia MacMartin foram acusados de violentar sexualmente um menino de 2 anos e meio Caso Friedman também ocorrido nos anos 1980 nos Estados Unidos dando origem ao documentário Capturing the Friedmans de 2003 Caso Orteu considerado o Chernobyl Judiciário francês cujo processo iniciou em 2000 Caso da Casa Pia um internato de Lisboa cujas notícias iniciam em 2002 divulgando que crianças e adolescentes que lá residiam haviam sofrido abusos sexuais por parte de pessoas influentes e até um exministro português 470 Sobre o tema consultese o trabalho de DOMENICI Thiago disponível em httpescolabasesitesuolcombrreushtml e também o videodocumentário O Caso da Escola Base Imprescindível ainda a leitura de ribeiro Alex Caso Escola Base os abusos da imprensa São Paulo Ática 2000 471 httpescolabasesitesuolcombrreushtml 472 Citado por DI GESU Cristina Prova Penal e Falsas Memórias cit p 122 473 Idem ibidem p 199 e s 474 DI GESU op cit p 120 475 Idem ibidem p 124 476 PISA Osnilda Psicologia do Testemunho os Riscos na Inquirição de Crianças Dissertação de Mestrado Programa de PósGraduação em Psicologia da PUCRS Lílian Milnitsky Stein orientadora Porto Alegre jul 2006 p 15 e s Esse mesmo trecho também pode ser encontrado na sentença proferida pela Juíza Osnilda Pisa que foi transcrita no Acórdão 70017367020 5ª Câmara Criminal do TJRS Rel Des Amilton Bueno de Carvalho julgado em 27122006 477 PISA Osnilda op cit p 15 e s 478 Imprescindível aqui a estrita observância das regras da prova pericial conforme explicado anteriormente Não se pode admitir como prova atípica um ato que na verdade mascara uma prova típica mas produzida com defeito violação da forma prescrita 479 Cf DI GESU op cit p 172 e s 480 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado cit p 444 481 Art 26 O advogado deve guardar sigilo mesmo em depoimento judicial sobre o que saiba em razão de seu ofício cabendolhe recusarse a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte 482 NUCCI op cit p 460 e 463 483 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 410 484 PROCESSUAL PENAL TESTEMUNHA ESCUSA ART 207 DO CPP CONTADOR REALIZAÇÃO DE AUDITORIA QUESTÕES INTERNAS DA EMPRESA DEVER DE SIGILO I É possível a um contador prestar esclarecimentos sobre o método de realização de uma auditoria específica e o porquê das conclusões a que chegou sem que adentre a questões interna corporis da empresa auditada II Relevância do depoimento do experto porquanto os fatos por ele relatados em razão da feitura da auditoria é que levaram à instauração da persecutio criminis contra o recorrido diante da suposta prática de estelionato contra a empresa III Hipótese em que o acórdão recorrido resguardou o sigilo profissional em relação às questões internas da empresa contudo afastou a sua aplicação no tocante aos termos da perícia realizada Conclusões que levam na verdade a uma concessão parcial da segurança e não à sua denegação Recurso parcialmente provido 485 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal cit p 382 486 O QUE É HEARSAY TESTIMONY É a testemunha do ouvi dizer ou seja ela não viu ou presenciou o fato e tampouco ouviu diretamente o que estava ocorrendo senão que sabe através de alguém por ter ouvido alguém narrando ou contando o fato No nosso sistema esse tipo de depoimento não é proibido mas deveria ser considerado imprestável em termos de valoração na medida em que é frágil e com pouca credibilidade É ainda bastante manipulável e pode representar uma violação do contraditório eis que quando submetida ao exame cruzado cross examination na audiência não permite a plena confrontação A título de curiosidade no sistema inglês existem três provas passíveis de exclusão exclusionary rules e proibição valoratória a hearsay testemunha de ouvi dizer b bad character prova sobre o mau caráter Importante para evitar o direito penal do autor eis outra proibição de prova que poderíamos adotar especialmente no tribunal do júri c prova ilegal Enfim a testemunha de ouvi dizer hearsay não é propriamente uma prova ilícita mas deveria ser evitada pelos riscos a ela inerentes e quando produzida valorada com bastante cautela 487 SCARANCE FERNANDES Antonio Processo Penal Constitucional cit p 71 488 Art 221 O Presidente e o VicePresidente da República os senadores e deputados federais os ministros de Estado os governadores de Estados e Territórios os secretários de Estado os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais os membros do Poder Judiciário os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União dos Estados do Distrito Federal bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz 1º O Presidente e o VicePresidente da República os presidentes do Senado Federal da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito caso em que as perguntas formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz Ihes serão transmitidas por ofício grifo nosso 489 No mesmo sentido NUCCI op cit p 480 490 CORDERO Franco Op cit p 55 491 MERLEAUPONTY Maurice O Olho e o Espírito Rio de Janeiro Grifo 1969 492 DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 p 280 e s 493 LAPLANTINE François Aprender Antropologia trad MarieAgnès Chauvel 15 reimpressão da primeira edição São Paulo Brasiliense 2003 p 169 e s 494 Muito relevante para o Direito é a consciência de que como ensina LAPLANTINE op cit p 171 e s a ideia de que se possa construir um objeto de observação independentemente do próprio observador provém na realidade de um modelo objetivista que foi o da física até o final do século XIX mas que os próprios físicos abandonaram há muito tempo É a crença de que é possível recortar objetos isolálos e objetivar um campo de estudo do qual o observador estaria ausente ou pelo menos substituível Esse modelo de objetividade por objetivação é sem dúvida pertinente quando se trata de medir ou pesar pouco importa neste caso que o observador tenha 25 ou 70 anos que seja africano ou europeu socialista ou conservador Não pode ser conveniente para compreender comportamentos humanos que veiculam sempre significações sentimentos e valores 495 Célebre lição de CARNELUTTI de que a verdade é inalcançável até porque a verdade está no todo não na parte e o todo é demais para nós tão bem analisada por JACINTO COUTINHO Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 175 e s 496 DEZEM Guilherme Madeira Produção da Prova Testemunhal e Interrogatório correlações necessárias cit p 6 497 Art 222 A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência expedindose para esse fim carta precatória com prazo razoável intimadas as partes 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal 2º Findo o prazo marcado poderá realizarse o julgamento mas a todo tempo a precatória uma vez devolvida será junta aos autos 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real permitida a presença do defensor e podendo ser realizada inclusive durante a realização da audiência de instrução e julgamento 498 Art 222A As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade arcando a parte requerente com os custos de envio Parágrafo único Aplicase às cartas rogatórias o disposto nos 1º e 2º do art 222 deste Código 499 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 106 500 Carecemos de um dispositivo similar ao art 216 do Codice di Procedura Penale italiano que prevê Art 216 Altre Ricognizioni 1 Quando dispone la ricognizione di voci suoni o di quanto altro può essere oggetto di percezione sensoriale il giudice procede osservando le disposizioni dellart 213 que trata do reconhecimento de pessoas in quanto applicabili 501 Determina o art 226 Art 226 Quando houver necessidade de fazerse o reconhecimento de pessoa procederseá pela seguinte forma I a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida II a pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança convidandose quem tiver de fazer o reconhecimento a apontála III se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento por efeito de intimidação ou outra influência não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida a autoridade providenciará para que esta não veja aquela IV do ato de reconhecimento lavrarseá auto pormenorizado subscrito pela autoridade pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais Parágrafo único O disposto no n III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento 502 Nesse sentido interessante é a previsão de proibição de valoração probatória do reconhecimento feito sem observância das regras legais contido no art 1477 do CPP português Art 147 7 O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova seja qual for a fase do processo em que ocorrer 503 Na Espanha la diligencia de reconocimiento en rueda está previsto nos arts 368 e s da LECrim e é considerada uma prova típica da fase préprocessual sendo atipica e inidónea para ser practicada en el plenário o acto del juicio oral as primeiras sentenças do Tribunal Supremo nesse sentido são de 07121984 e 05031986 Argumentam que a identificação do acusado é uma função típica da investigação preliminar sem a qual não se pode produzir a acusação Por outro lado há uma preocupação muito grande e incrivelmente desconsiderada pelo sistema judiciário brasileiro de que a repetição dessa prova em juízo é extremamente problemática pois é praticamente inviável repetir em juízo a roda de reconhecimento com as mesmas pessoas que estavam presentes na fase preliminar Logo a única pessoa cuja presença estaria sendo repetida em ambos os atos seria o réu e isso constitui um inequívoco induzimento ao reconhecimento Na sentença de 24061991 o Tribunal Supremo da Espanha alertou ainda da dificuldade de repetir o reconhecimento quando da primeira vez foi realizado de forma incorreta pois existe el grave peligro de que la persona que en la primera ocasión reconoció mal porque la rueda estaba mal constituída siga reconociendo no al participe del hecho criminal sino a quien ya fue defectuosamente identificado Tais questões são da maior relevância mas nunca mereceram qualquer atenção por parte da doutrina ou jurisprudência brasileira Daí por que há uma errônea cultura de simplificação das formas que ao informalizar o ato reduz a esfera de garantias fundamentais 504 O ideal é a pena de nulidade mas pelo menos em não sendo adotada essa sistemática que seja sancionada como não tendo valor probatório nos termos do art 1474 do CPP português 505 Contrastando com o atraso de nossas práticas judiciárias o Codice di Procedura Penale italiano prevê no seu art 213 um verdadeiro procedimento preliminar ao reconhecimento Sob pena de nulidade cominada art 2133 deverá o juiz convidar a vítima ou testemunha a descrever a pessoa indicando todas suas características perguntando ainda se já fez o reconhecimento anteriormente ou se já a viu anteriormente através de fotografias ou imagens bem como se existe alguma circunstância que possa influir no reconhecimento exatamente igual está disposto no art 147 do CPP português claramente inspirado nesse ponto no italiano Todas as perguntas e respostas deverão ser consignadas na ata da audiência por expressa determinação legal art 2132 Só então dará início ao reconhecimento Tais requisitos também deveriam ser observados no sistema brasileiro até porque em sentido similar dispõe o art 226 I ainda que de forma não tão completa 506 Entre 5 e 9 participantes é o número sugerido por REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ no trabalho Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación In Psicología e Investigación Judicial Madrid Fundación UniversidadEmpresa 1997 p 93 e s a partir de diversos estudos realizados no campo da psicologia judicial 507 Em sentido diverso e de forma insatisfatória pensamos o Codice di Procedura Penale italiano prevê no art 2141 um mínimo de duas pessoas além do réu para realização do reconhecimento Reproduzindo o sistema italiano também dispõe dessa forma o CPP português no seu art 1472 508 Como adverte HUERTAS MARTIN Maria Isabel El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba Barcelona Bosch 1999 p 263 o Código de Processo Penal Militar espanhol prevê no seu art 1552 que se o delito foi cometido com a utilização de uniforme militar todos os participantes do reconhecimento deverão vestirse do mesmo modo Iguais cautelas também devería mos adotar no sistema brasileiro para melhor qualidade do material probatório produzido 509 Devese considerar ainda a advertência de HUERTAS MARTIN op cit p 243 de que o reconhecimento fotográfico deve ter sempre escassa validade probatória pois a experiência judicial demonstra que é um instrumento com grande propensão a erros A situação é agravada quando a fotografia do suspeito passa a ser amplamente difundida pelos meios de comunicação criando um clima de induzimento extremamente perigoso prova disso é a quantidade de pessoas que após a divulgação passam a afirmar terem visto o agente ao mesmo tempo em lugares completamente distantes e diversos 510 A título de curiosidade nunca como exemplo a ser seguido no processo penal alemão 81b da StPO existe a possibilidade de modificar o aspecto físico do imputado cortar barba cabelo para permitir a identificação bem como obrigálo a deixarse fotografar para os álbuns da polícia ROXIN citado por HUERTAS MARTIN El Sujeto Pasivo p 223 adverte que essas medidas devem ser proporcionais e não estão permitidas se a identidade pode ser investigada de outra maneira mais fácil o que não atenua muito o absurdo dessas medidas 511 Como aponta HUERTAS MARTIN El Sujeto Pasivo del Proceso Penal como Objeto de la Prueba cit p 224225 a lofoscopia consiste no estudo das impressões provenientes de qualquer parte da epiderme podendo distinguirse três ramos principais a datiloscopia que se ocupa das impressões digitais dos dedos das mãos a quiroscopia que se centra na palma das mãos e por último a pelmatoscopia cujo objeto de estudo é a planta dos pés 512 REAL MARTINEZ Santiago FARIÑA RIVERA Francisca ARCE FERNANDEZ Ramón Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación cit p 93 e s 513 Imprescindível nesse tema consultar o que explicamos anteriormente sobre as falsas memórias e os estudos realizados por ELIZABETH LOFTUS 514 Infelizmente vivemos uma realidade social em que o racismo entre outros constitui uma metarregra a orientar todo o sistema jurídicopenal desde a abordagem policial passando pelo reconhecimento da vítima até chegar no momento da sentença em que o juiz não raras vezes julga a partir dessa metarregra ainda que inconscientemente é claro É uma triste realidade da qual temos muito de que nos envergonhar Sobre o tema sugerimos a leitura de BACILA Carlos Roberto Estigmas um estudo sobre os preconceitos Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 515 REAL MARTINEZ Santiago FARIÑA RIVERA Francisca ARCE FERNANDEZ Ramón Reconocimiento de Personas Mediante Ruedas de Identificación cit p 93 e s 516 REAL MARTINEZ FARIÑA RIVERA e ARCE FERNANDEZ op cit p 99 517 WILLIAMS Anna Virginia Implicações Psicológicas no Reconhecimento de Suspeitos avaliando o efeito da emoção na memória de testemunhas oculares Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Psicologia Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Orientador Celito Francisco Mengarda 2003 518 WILLIAMS op cit 519 WILLIAMS op cit 520 WILLIAMS op cit 521 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 115 522 Certo andará o juiz que buscar a inspiração no art 150 do Código de Processo Penal português Art 150 1 Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma é admissível a sua reconstituição Esta consiste na reprodução tão fiel quanto possível das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo 2 O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto do dia hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação eventualmente com recursos a meios audiovisuais No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas 3 A publicidade da diligência deve na medida do possível ser evitada Na mesma linha dispõe o art 219 do Código de Processo Penal italiano 86 da StPO alemã e com mais detalhamento os arts 326 e seguintes da LECrim Espanha 523 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 115 524 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 103 525 MORENO CATENA Victor et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 415 526 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 3 p 149 527 Imprescindível para compreensão dessa afirmação a leitura do que explicamos anteriormente sobre sistemas processuais e a crítica feita ao art 156 do CPP 528 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 426 529 O art 164 do CPP português define documento como sendo a declaração sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico nos termos da lei penal O CPP italiano no seu art 234 prevê que poderá ser juntado ao processo scritti o di altri documenti che rappresentano fatti persone o cose mediante la fotografia la cinematografia la fonografia o qualsiasi altro mezzo 530 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 278 531 Art 479 Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 três dias úteis dandose ciência à outra parte Parágrafo único Compreendese na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito bem como a exibição de vídeos gravações fotografias laudos quadros croqui ou qualquer outro meio assemelhado cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados 532 Ainda que o CPP não esclareça recomendase que o prazo de 3 dias úteis seja contado da efetiva ciência da parte contrária Para evitar a surpresa objetivo do dispositivo legal não basta apenas juntar 3 dias úteis antes do júri é importante assegurar que a parte contrária tenha efetivamente 3 dias úteis para analisar o documento Inclusive considerando a eventual complexidade e o volume de documentos juntados por não haver prazo razoável para que a outra parte tenha ciência conhecimento e possa estar pronta para o júri caberá ao juiz se instado transferir o júri aprazado para evitar prejuízo ao contraditório 533 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 3 p 173 534 Isso porque como explicamos ao tratar da verdade no processo penal o crime é sempre um fato passado que será parcialmente reconstruído no presente através da prova São signos do passado avaliados no presente Logo como explica CORDERO Procedimiento Penal cit v 2 p 21 en el significado amplio y menos útil indica cualquier signo toda prueba es indicio ya que viene de indico indicare est manifestare detegere patefacere en los idiomas modernos dinunziare dévoiler descubrir anzeigen to disclose 535 Sobre a pronúncia remetemos o leitor para o capítulo dos procedimentos especificamente no tópico do tribunal do júri em que analisamos os requisitos para pronúncia e o standard probatório adotado pelo art 413 536 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal cit v 2 p 271 537 BASTOS PITOMBO Cleunice Da Busca e da Apreensão no Processo Penal 2 ed São Paulo RT 2005 p 102 e s 538 No sentido de ato de investigação que compromete direitos fundamentais diligencias de averiguación y comprobación restrictivas de derechos fundamentales como prefere SARA ARAGONESES MARTINEZ na obra coletiva Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 368 No mesmo sentido de ato de investigação mas sem enfatizar a tensão estabelecida com os respectivos direitos fundamentais HINOJOSA SEGOVIA Rafael La Diligencia de Entrada y Registro en Lugar Errado en el Proceso Penal Madrid Edersa 1996 p 49 539 Aspecto destacado por ARAGONESES ALONSO Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 405 ao analisar la perquisición domiciliaria com uma clara característica de medida assecuratória cautelar da prova 540 É o que ocorre quando se apreende o objeto direto do crime isto é por exemplo a coisa alheia móvel subtraída no crime de furto ou roubo Uma vez apreendido o bem poderá ser restituído ao seu legítimo proprietário nos termos dos arts 118 e s do CPP 541 HINOJOSA SEGOVIA op cit p 53 542 São palavras de SARA ARAGONESES MARTINEZ Derecho Procesal Penal cit p 389 para as medidas cautelares pessoais mas perfeitamente aplicáveis à busca e apreensão 543 Salvo nos casos de crime permanente em que a situação de flagrância é igualmente permanente art 303 do CPP Assim havendo flagrante delito o art 5º XI da Constituição permite a realização da busca independentemente da existência de mandado judicial 544 Art 22 Invadir ou adentrar clandestina ou astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante imóvel alheio ou suas dependências ou nele permanecer nas mesmas condições sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei Pena detenção de 1 um a 4 quatro anos e multa 1º Incorre na mesma pena na forma prevista no caput deste artigo quem I coage alguém mediante violência ou grave ameaça a franquearlhe o acesso a imóvel ou suas dependências II VETADO III cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h vinte e uma horas ou antes das 5h cinco horas 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre 545 BASTOS PITOMBO op cit p 71 e s 546 Ainda que a jurisprudência oscile bastante nesse tema a cabine de caminhão não tem merecido a proteção devida Claro estamos falando de transporte de longa distância e caminhões dotados de cabine com cama e espaço para o pernoite É interessante como se dá a proteção da casa para quartos de hotéis barcos e até para cabine de trem como se alguém viajasse em cabine de trem no Brasil mas não para a cabine de caminhão local onde os motoristas passam efetivamente mais tempo trabalhando e dormindo do que a maioria das pessoas passa em casa ou num quarto de hotel Assim segundo o entendimento majoritário a busca na cabine de um caminhão não necessita de mandado ainda que com isso não concordemos 547 Art 169 Apropriarse alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro caso fortuito ou força da natureza Pena detenção de 1 mês a 1 ano ou multa Parágrafo único Na mesma pena incorre Apropriação de tesouro I quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria no todo ou em parte da quota a que tem direito o proprietário do prédio Apropriação de coisa achada II quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria total ou parcialmente deixando de restituíla ao dono ou legítimo possuidor ou de entregála à autoridade competente dentro no prazo de 15 quinze dias 548 BASTOS PITOMBO op cit p 122 549 NUCCI op cit p 523 550 Idem ibidem p 74 551 Assim já decidiu o Tribunal Constitucional espanhol na STC n 34193 cujo acerto da decisão é perfeitamente aplicável em nosso sistema 552 Citada por HINOJOSA SEGOVIA op cit p 7576 553 APELAÇÃOCRIME TRÁFICO DE ENTORPECENTES BUSCA DOMICILIAR ILEGAL NULIDADE DA APREENSÃO PROVA REMANESCENTE INSUFICIÊNCIA I Nulidade por violação de direito constitucional Inexiste previsão legal de busca domiciliar mediante o mero e suposto consentimento do proprietário já que a anuência quando de fato há é evidentemente dada sob constrangimento Ingresso não autorizado judicialmente quando as investigações poderiam facilmente ter conduzido à representação por mandado de busca e apreensão Pela clara violação ao artigo 5º IX da Constituição Federal deverá ser decretada nula a apreensão dos objetos na residência do réu remanescendo apenas a apreensão decorrente da busca pessoal e as provas dela derivadas II Tráfico de Entorpecentes Não há provas da atividade de traficância A investigação procedida pela Polícia Civil conta apenas com fotografias em nada comprometedoras pessoas não identificadas e imputações pouco detalhadas Em juízo nada consta além do depoimento dos policiais e da negativa do réu Impositiva a absolvição Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 3ª CCrim Rel Des Diógenes V Hassan Ribeiro Ap n 70058172628 Porto Alegre 15 de maio de 2014 554 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal v2 p 77 555 MORAIS DA ROSA Alexandre O mantra do crime permanente entoado para legitimar ilegalidades nos flagrantes criminais Publicado na Coluna Limite Penal no site wwwconjurcombr Acesso em 31072014 556 Nesse sentido entre outros julgados RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PRISÃO EM FLAGRANTE INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO AUTO DE PRISÃO NÃO HOMOLOGADO 1 O ingresso dos policiais em residência alheia sem mandado judicial é autorizado na hipótese de flagrante delito quando a situação fática permita a formação de um juízo de certeza ex ante acerca da prática do crime A mera suspeita da ocorrência do ilícito autoriza exclusivamente a realização de diligências investigativas ou a representação por mandado de busca e apreensão Não homologação do auto de prisão em flagrante que segue o entendimento afirmado nesta Câmara Criminal Precedentes RECURSO DESPROVIDO Recurso em Sentido Estrito n 70061066254 Terceira Câmara Criminal TJRS Rel Sérgio Miguel Achutti Blattes j 05022015 APELAÇÃO TRÁFICO DE ENTORPECENTES E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO ILICITUDE POR DERIVAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA 1 O ingresso de policiais em residências mesmo diante de informações anônimas da prática de delitos é permitida apenas quando os policiais tenham antes da entrada na casa certeza da situação de flagrante O juízo ex ante de certeza no entanto deve ser comprovado e analisado em cotejo com a legalidade RECURSO PROVIDO Apelação Crime n 70057356313 Terceira Câmara Criminal TJRS Rel Nereu José Giacomolli j 05062014 APELAÇÃO CRIMINAL RECURSO DEFENSIVO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO DESCLASSIFICAÇÃO PARA POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL E AFASTAMENTO DA PENA DE MULTA Apreensão de drogas feita no curso de busca domiciliar não autorizada constitui prova material ilícita a impedir condenação Ilicitude da invasão reconhecida conforme precedentes da Terceira Câmara Criminal com a consequente absolvição do acusado RECURSO PROVIDO Apelação Crime n 70053999611 Terceira Câmara Criminal TJRS Rel João Batista Marques Tovo j 26032015 557 Recurso extraordinário representativo da controvérsia Repercussão geral 2 Inviolabilidade de domicílio art 5º XI da CF Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente Possibilidade A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito No crime permanente a situação de flagrância se protrai no tempo 3 Período noturno A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial Nos demais casos flagrante delito desastre ou para prestar socorro a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia 4 Controle judicial a posteriori Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar Interpretação da Constituição Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial a medida deve ser controlada judicialmente A inexistência de controle judicial ainda que posterior à execução da medida esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa art 5 XI da CF e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio Pacto de São José da Costa Rica artigo 11 2 e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos artigo 17 1 O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal 5 Justa causa A entrada forçada em domicílio sem uma justificativa prévia conforme o direito é arbitrária Não será a constatação de situação de flagrância posterior ao ingresso que justificará a medida Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões justa causa para a medida 6 Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita mesmo em período noturno quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas a posteriori que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados 7 Caso concreto Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas Negativa de provimento ao recurso 558 RECURSO ESPECIAL TRÁFICO DE DROGAS FLAGRANTE DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE ASILO INVIOLÁVEL EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ABSOLVIÇÃO DO AGENTE RECURSO NÃO PROVIDO 559 BASTOS PITOMBO Cleunice A Desfuncionalização da Busca e da Apreensão Boletim do IBCCrim n 151 junho de 2005 p 2 560 BASTOS PITOMBO A Desfuncionalização da Busca e da Apreensão op cit p 2 561 Art 7º São direitos do advogado II a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho bem como de seus instrumentos de trabalho de sua correspondência escrita eletrônica telefônica e telemática desde que relativas ao exercício da advocacia 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo em decisão motivada expedindo mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado a ser cumprido na presença de representante da OAB sendo em qualquer hipótese vedada a utilização dos documentos das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes 7º A ressalva constante do 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade 562 Como sustenta NUCCI op cit p 522 563 HINOJOSA SEGOVIA op cit p 121 564 Exemplo típico desses abusos são as buscas pessoais feitas em ônibus urbanos especialmente nas periferias vilas e favelas das grandes cidades brasileiras Como sustentar que em relação a 50 pessoas desconhecidas muitas retornando para casa após uma longa jornada de trabalho existe fundada suspeita de que alguém oculte armas coisas achadas por meios criminosos etc Como justificar que todos tenham que descer ficar de costas com braços e pernas abertos para serem revistados muitas vezes sob a mira de armas com nervosos dedos no gatilho Ora nada mais é do que uma atitude calcada nas metarregras do sistema punitivo especialmente nas revoltantes discriminações raciais econômicas e sociais Imaginese um arrastão policial desse tipo feito na saída do aeroporto de Brasília São Paulo ou qualquer outra capital Ou mesmo num badalado shopping center Impensável Até porque após tamanho suicídio político cairia toda a cúpula da segurança pública É assim que nasce a seletividade penal tão bem explicada pelo labeling approach 565 GIMENO SENDRA Vicente MORENO CATENA Victor CORTÉS DOMÍNGUEZ Valentín Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 209 566 LAURIA TUCCI Rogério CRUZ E TUCCI José Rogério Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional São Paulo RT 1993 p 25 e s 567 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 86 568 PLINIO GONÇALVES Aroldo Técnica Processual e Teoria do Processo São Paulo Aide 1992 p 122 569 Idem ibidem p 122123 570 Idem ibidem p 126 571 Interessante decisão foi proferida nessa matéria pela 5ª Câmara Criminal do TJRS no Acórdão 70019067545 da lavra do eminente Desembargador ARAMIS NASSIF onde o processo foi anulado pela não concessão de tempo razoável para a elaboração da tese defensiva No caso o réu foi citado no dia 07 e ouvido no segundo dia após a citação ou seja no dia 9 Entendeu a câmara à unanimidade que é necessário prazo razoável desde a citação até o ato de interrogatório para que além da ciência da acusação possa preparar a defesa inclusive elaborando a tese pessoal e mantendo contato com o defensor de sua preferência tudo em nome da ampla defesa constitucionalmente assegurada O voto foi no sentido de anular o interrogatório e por consequência o encerramento da instrução renovando aquele ato com observância das garantias constitucionais do processo Após devem ser reabertos os prazos dos arts 499 e 500 do CPP rito antigo bem como proferida nova sentença 572 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 577 573 Inclusive com razão DELMANTO JUNIOR Roberto Inatividade no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2004 p 152 defende que seja abolida do ordenamento processual penal a citação por edital Sugere entre outras medidas a mudança legislativa para que os oficiais de justiça fiquem permanentemente com os mandados de citação a serem cumpridos podendo realizála por exemplo em épocas de eleição com a efetiva colaboração da Justiça Eleitoral citando os acusados quando fossem votar 574 DELMANTO JUNIOR op cit p 155 575 NERY JUNIOR Nelson ANDRADE NERY Rosa Maria Código de Processo Civil Comentado 7 ed São Paulo RT 2003 p 609 576 MARQUES DA SILVA Ivan Luís Reforma Processual Penal de 2008 São Paulo RT 2008 p 37 577 DELMANTO JUNIOR op cit p 66 242 e 243 Tratase de obra imprescindível para a compreensão da problemática abordada cuja profundidade extravasa os limites de nosso trabalho cujo objeto aqui é a inatividade processual do acusado Assim recomendase a leitura integral da obra de DELMANTO JUNIOR para melhor compreensão das diferentes dimensões da inatividade no processo penal não apenas em relação ao imputado senão também em relação ao acusador público ou privado 578 DELMANTO JUNIOR op cit p 242243 579 Art 366 Se o acusado citado por edital não comparecer nem constituir advogado ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso decretar prisão preventiva nos termos do disposto no art 312 1º REVOGADO 2º REVOGADO 580 MUERZA ESPARZA Julio et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 153 581 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 562563 582 O tempo do direito estruturase a partir de um ligardesligar ou seja ensina OST O Tempo do Direito Lisboa Piaget 1999 p 162 a 170 a memória liga o passado e o perdão desliga o passado a promessa liga o futuro e o requestionamento desliga o futuro O esquecimento é ameaçador mas absolutamente necessário até porque seu reverso a memória também possui essa natureza ambígua necessária e perigosa Não há sinal mais revelador de um Estado totalitário do que um tribunal que não esquece nada explica OST invocando a célebre frase de KAFKA em O Processo O esquecimento é necessário para desligar do passado e ligar com o futuro por meio da promessa Nisso reside a imprescindibilidade do instituto da prescrição para o Direito em todas as suas áreas O esquecimento é fundamental para o sistema jurídico pois sem ele não há felicidade não há serenidade não há esperança não há orgulho não poderia existir fruição do instante presente Eis o valor do esquecimentoapaziguamento Sem desligar do passado não se vive o presente É ao mesmo tempo aquisição de liberdade e extinção do direito ou poder de alguém A prescrição atua como limite ao exercício do poder mas acima de tudo porque existe um verdadeiro direito ao esquecimento Mais a prescrição é um esquecimento programado e necessário para o Direito Com acerto afirma OST que o direito ao esquecimento surge como uma das múltiplas facetas do direito ao respeito da vida privada 583 Não se pode desprezar o fato de os 1º e 2º do art 366 do CPP terem sido revogados pela Lei n 117192008 Assim não existe mais autorização legal para a produção antecipada de provas no caso de suspensão do processo pela incidência do art 366 584 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 Apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC JoséLuis González Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 585 Contudo pensamos que esse ainda não é o melhor tratamento da questão A Súmula 415 não resolve o problema por ainda serem excessivos os prazos uma prescrição em dobro na realidade bem como incorre no erro de substituir a atividade legislativa abrindo espaço para o decisionismo É um imenso perigo quando um juiz ou tribunal acaba substituindo a própria atividade legislativa criando prazo onde não há espaço na lei para isso o que não se confunde com a salutar filtragem constitucional Uma situação é o controle de constitucionalidade direto ou difuso de uma lei afastando sua incidência Outra é afastar a incidência e criar um limite quando a lei não o faz e tampouco existe lacuna para autorizar tal recurso hermenêutico Daí por que uma nova mudança legislativa é necessária E nesse caso pensamos que o melhor é buscar inspiração na Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola que no seu Título VII arts 834 a 846 disciplina o procedimento contra réus ausentes e também o instituto da rebeldia a nossa antiga revelia Não sendo encontrado o réu é expedida a requisitória espécie de edital e não comparecendo suspendese o processo Até aqui igual ao nosso sistema A diferença está no fato de que a prescrição é interrompida com o início do processo não correndo mais Quando declarado o não comparecimento o prazo prescricional volta a correr cria um marco interruptivo da prescrição nesse momento podendo perfeitamente operarse durante a suspensão do processo Nossa sugestão para uma reforma legislativa é no seguinte sentido uma vez declarada a ausência operase uma interrupção do prazo prescricional ou seja zera e começa a correr de novo Nada de suspensão da prescrição apenas do processo A prescrição é interrompida quando recebida a denúncia art 117 I do CP e novamente interrompida com a decisão de ausência após a citação editalícia ineficaz Após o processo fica suspenso e a prescrição flui Tratase de prescrição pela pena em abstrato regida pela pena máxima definida no tipo penal que se implementará no prazo fixado no art 109 do CP 586 No mesmo sentido mas com um pouco mais de cometimento DELMANTO JUNIOR aponta a ilogicidade e consequente inaplicabilidade do art 2º 2º e também do art 4º 3º da Lei n 9613 587 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado São Paulo RT 2006 p 655 588 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR op cit p 161 Contraditória é a posição de NUCCI op cit p 603 quando afirma que a prisão preventiva não pode ser decretada automaticamente sem a constatação dos requisitos previstos no art 312 do CPP Na continuação infelizmente o autor nega sua própria afirmação ao dizer que se a citação por edital ocorreu justamente porque o acusado ocultase ou fugiu do distrito da culpa duas perigosas aberturas conceituais é natural que possa ser decretada a prisão cautelar Ao naturalizar a prisão cautelar na citação por edital em duas situações de excessiva abertura conceitual acaba por avalizar a banalização da prisão preventiva e praticamente negar a afirmativa inicial 589 Art 367 O processo seguirá sem a presença do acusado que citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato deixar de comparecer sem motivo justificado ou no caso de mudança de residência não comunicar o novo endereço ao juízo 590 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR op cit p 162 591 DELMANTO JUNIOR op cit p 71 592 Expressão essa rebeldia escolhida pelo legislador espanhol na Ley de Enjuiciamiento Criminal para definir a situação jurídica do réu que não comparece no processo penal quando chamado 593 Conforme DELMANTO JUNIOR op cit p 373 594 Art 261 Nenhum acusado ainda que ausente ou foragido será processado ou julgado sem defensor 595 Sem esquecer a possibilidade de que a vítima em caso de inércia do Ministério Público ofereça a queixa subsidiária ou substitutiva nos termos do art 29 do CPP conforme explicamos anteriormente ao tratar da Ação Processual Penal 596 Art 63 Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promoverlhe a execução no juízo cível para o efeito da reparação do dano o ofendido seu representante legal ou seus herdeiros Parágrafo único Transitada em julgado a sentença condenatória a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido 597 BETTIOL Giuseppe Instituciones de Derecho Penal y Procesal Trad Faustino GutiérrezAlviz y Conradi Barcelona Bosch 1976 p 285 598 GÓMEZ ORBANEJA Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Criminal Barcelona Bosch 1951 v II p 231 599 Art 271 Ao assistente será permitido propor meios de prova requerer perguntas às testemunhas aditar o libelo e os articulados participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio nos casos dos arts 584 1º e 598 1º O juiz ouvido o Ministério Público decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente 2º O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente quando este intimado deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento sem motivo de força maior devidamente comprovado 600 HASSAN CHOUKR op cit p 454 601 Noutra dimensão a Súmula 208 do STF estabelece que o assistente do Ministério Público não pode recorrer extraordinariamente de decisão concessiva de habeas corpus 602 Art 598 Nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art 31 ainda que não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação que não terá porém efeito suspensivo Parágrafo único O prazo para interposição desse recurso será de 15 quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público 1 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 549 2 É o caso da Constituição italiana de 1948 que no art 27 comma 2º assegura limputato non è con siderato colpevole sino alla condanna definitiva O mesmo conteúdo foi adotado pela Constituição Portuguesa de 1974 no art 322 que entre as garantias do processo criminal assegura Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa 3 Para uma análise mais aprofundada remetemos o leitor para as seguintes publicações eletrônicas httpwwwconjurcombr2016mar04limitepenalfimpresuncaoinocenciastfnossojuridico httpwwwacademiaedu25564572ParecerPresunC3A7C3A3odeInocC3AAncia DoconceitodetrC3A2nsitoemjulgadodasentenC3A7apenalcondenatC3B3ria 4 GOLDSCHMIDT James Problemas Jurídicos y Políticos del Proceso Penal Barcelona Bosch 1935 p 8 5 Atualmente pensamos ser esta a posição majoritária avalizada pela melhor doutrina seja na Espanha Sara Aragoneses PrietoCastro Herce Quemada Fairen Guillen entre outros ou na Itália Carnelutti Calamandrei 6 MARTINEZ Sara Aragoneses et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Editorial Centro de Estudios Ramon Areces 1996 p 387 7 No mesmo sentido recomendamos a leitura de Roberto Delmanto Junior na obra As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 83 e 155 8 Publicada originariamente em Padova no ano de 1936 9 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari Pádova CEDAM 1936 p 18 10 Entre outros é por esse motivo que a prisão preventiva para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não possui natureza cautelar sendo portanto substancialmente inconstitucional 11 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 107 12 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari cit p 47 13 Conceito que foi bem tratado por GIOVANNI CONSO ao longo da obra Il Concetto e le Specie DInvalidità introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali Milano Dott A Giuffrè 1972 14 Art 315 A decisão que decretar substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada 15 Art 283 Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva 16 Art 282 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas o juiz de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público de seu assistente ou do querelante poderá substituir a medida impor outra em cumulação ou em último caso decretar a prisão preventiva art 312 parágrafo único 5º O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituíla quando verificar a falta de motivo para que subsista bem como voltar a decretála se sobrevierem razões que a justifiquem 17 A prisão temporária está prevista na Lei n 796089 e determina que a segregação durará até 5 dias prorrogáveis por igual período Em se tratando de crime hediondo ou equiparado a prisão temporária poderá durar até 30 dias prorrogáveis por igual período nos termos da Lei n 8072 18 Súmula 52 Encerrada a instrução criminal fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo 19 BADARÓ Gustavo Henrique LOPES JR Aury Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 110 e s 20 Idem ibidem p 113 21 Na Espanha o Tribunal Constitucional STC n 17885 definiu que a duração deve ser tão somente a que se considere indispensável para conseguir a finalidade pela qual foi decretada No mesmo sentido também já tem decidido o Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos casos Weinhoff junho68 Neumeister junho68 Bezicheri out85 entre outros Para evitar abusos o art 174 da Constituição da Espanha dispõe que por lei irá se determinar o prazo máximo de duração da prisão provisória O regramento do dispositivo constitucional encontrase no art 504 da LECrim com a nova redação dada pela LO n 132003 que disciplina o prazo máximo de duração dessa medida cautelar levandose em consideração a pena abstratamente cominada no tipo penal incriminador Assim a prisão cautelar poderá durar no máximo até 1 ano se a pena cominada for até 3 anos até 2 anos se a pena cominada for superior a 3 anos É possível a prorrogação em situações excepcionais por mais 6 meses no primeiro caso e até 2 anos no segundo Se o imputado for condenado e recorrer da sentença a prisão cautelar poderá estenderse até o limite de metade da pena imposta Interessante ainda que se a prisão cautelar foi decretada para tutela da prova não poderá durar mais do que 6 meses Por fim atento ao direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável o legislador espanhol alterou a redação do art 507 para estabelecer que o recurso de apelação contra a decisão que decrete prorrogue ou negue o pedido de prisão provisória deverá ser julgado no prazo máximo de 30 dias Na Alemanha StPO 121 a regra geral é a de que a prisão provisória não possa durar mais de 6 meses salvo quando a especial dificuldade a extensão da investigação ou outro motivo importante não permitam prolatar a sentença e justifiquem a manutenção da prisão Em caso de prorrogação se poderá encomendar ao Tribunal Superior do Land que faça um exame sobre a necessidade de manutenção da prisão no máximo a cada 3 meses dever de revisar periodicamente Em Portugal o juiz tem a obrigação de revisar a cada 3 meses a medida cautelar decretada verificando se ainda permanecem os motivos e pressupostos que a autorizaram art 2131 Além disso se passados 6 meses da prisão ainda não tiver sido iniciado o processo com efetiva acusação o imputado deverá ser colocado em liberdade salvo situação de excepcional complexidade Também como regra geral o CPP português prevê que se passados 18 meses sem sentença ou 2 anos sem trânsito em julgado deve o acusado ser posto em liberdade salvo se a gravidade do delito ou sua complexidade justificar a ampliação do prazo Na Itália o CPP utiliza o critério de quantidade da pena em abstrato para determinar o tempo máximo de duração da prisão cautelar e para isso existe uma grande variedade de prazos conforme a gravidade do delito e a fase em que se encontra o processo É importante ressalvar que o legislador italiano determinou que os prazos devem ser considerados independentes e autônomos para cada fase do processo É óbvio que a duração fixada pode ser considerada dependendo do caso excessiva mas ao menos existe um referencial normativo para orientar a questão e até mesmo definir o objeto da discussão O que é inadmissível é a inexistência total de limites normativos como sucede no sistema brasileiro 22 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e s 23 Na lição de CARNELUTTI as exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado junto com sua submissão tem sem embargo um elevado custo O custo se paga desgraçadamente em moeda justiça quando o imputado em lugar de culpado é inocente e já sofreu como inocente uma medida análoga à pena não se esqueça de que se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras mais de uma vez prejudica a justiça porque ao contrário lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade A prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência porque podem curar o enfermo mas também pode ocasionarlhe um mal mais grave quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia e sobretudo com a anestesia geral a qual é um meio indispensável para o cirurgião mas ah se este abusa dela CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal v II Buenos Aires Bosch 1950 p 75 24 Dada sua relevância o princípio da proporcionalidade exigiria um amplo estudo que ultrapassa os limites do presente trabalho Até mesmo a questão terminológica proporcionalidade ou razoabilidade já seria motivo de debate Assim para o leitor interessado sugerimos que a leitura inicie pelos constitucionalistas que muito têm se dedicado ao tema especialmente de J J Gomes Canotilho Direito Constitucional e Teoria da Constituição e também de monografias específicas como as obras Por uma Teoria dos Princípios O Princípio Constitucional da Razoabilidade de Fabio Corrêa Souza de Oliveira e O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais de Suzana de Toledo Barros 25 MARTINEZ Sara Aragoneses et al Op cit p 389 26 SOUZA DE OLIVEIRA Fábio Corrêa Por uma Teoria dos Princípios o princípio constitucional da razoabilidade Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 321 27 Art 282 II adequação da medida à gravidade do crime circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado 28 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 150152 29 SOUZA DE OLIVEIRA op cit p 321 30 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit t II p 77 31 Idem p 78 32 CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Gerrero Bogotá Temis 2000 v 1 p 410 33 Art 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente ao Ministério Público e a família do preso ou à pessoa por ele indicada 1º Em até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 2º No mesmo prazo será entregue ao preso mediante recibo a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão o nome do condutor e os das testemunhas 34 BANACLOCHE PALAO Julio La Libertad Personal y sus Limitaciones Madrid McGrawHill 1996 p 292 35 Invocando aqui o consagrado conceito de strumentalità qualificata tão bem explicado por CALAMANDREI na obra Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 22 36 FERRAIOLI Marzia e DALIA Andrea Antonio Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 228 e s 37 A título de ilustração vejamos a duração da prisão em flagrante em alguns outros países Na Espanha o detido em flagrante deverá ser apresentado ao juiz no prazo máximo de 24h art 496 da LECrim momento em que será convertida em prisión provisional ou será concedida a liberdade provisória A lei processual alemã StPO 128 determina que o detido deverá ser conduzido ao juiz do Amtsgericht em cuja jurisdição tenha ocorrido a detenção de imediato ou quando muito no dia seguinte a detenção Já o Codice di Procedura Penale italiano art 3863 determina que a polícia deverá colocar o detido à disposição do Ministério Público o mais rápido possível ou no máximo em 24h entregando junto o correspondente atestado policial Por fim em Portugal o art 254 a do CPP determina que no prazo máximo de 48h deverá ser efetivada a apresentação ao juiz que decidirá sobre a prisão cautelar aplicável após interrogar o detido e darlhe oportunidade de defesa art 281 da Constituição 38 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit p 408 39 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit t II p 77 40 Idem ibidem p 78 41 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 410 42 Art 290 1º Entenderseá que o executor vai em perseguição do réu quando a tendoo avistado for perseguindoo sem interrupção embora depois o tenha perdido de vista b sabendo por indícios ou informações fidedignas que o réu tenha passado há pouco tempo em tal ou qual direção pelo lugar em que o procure for no seu encalço 43 ROXIN Claus Derecho Penal Parte General Tradução da 2ª edição por DiegoManuel Luzón Pena Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal Madrid Civitas 1997 p 329 44 CIRINO DOS SANTOS Juarez Direito Penal Parte Geral Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 112 45 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Penal São Paulo Saraiva 2006 v 4 p 281 46 Idem ibidem v 4 p 282 47 ZAFFARONI Eugenio Raul PIERANGELLI José Henrique Da Tentativa 3 ed São Paulo RT 1992 p 59 48 BITENCOURT op cit v 1 p 409 49 Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumarse o crime 50 Art 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que se for o caso estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada 3º Até o encerramento da diligência o acesso aos autos será restrito ao juiz ao Ministério Público e ao delegado de polícia como forma de garantir o êxito das investigações 4º Ao término da diligência elaborarseá auto circunstanciado acerca da ação controlada Art 9º Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto objeto instrumento ou proveito do crime 51 BADARÓ op cit p 137138 52 Lei n 138692019 Art 12 Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal Pena detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e multa Parágrafo único Incorre na mesma pena quem I deixa de comunicar imediatamente a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou II deixa de comunicar imediatamente a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada III deixa de entregar ao preso no prazo de 24 vinte e quatro horas a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas IV prolonga a execução de pena privativa de liberdade de prisão temporária de prisão preventiva de medida de segurança ou de internação deixando sem motivo justo e excepcionalíssimo de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal 53 Art 304 Apresentado o preso à autoridade competente ouvirá esta o condutor e colherá desde logo sua assinatura entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso Em seguida procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita colhendo após cada oitiva suas respectivas assinaturas lavrando a autoridade afinal o auto 1º Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido a autoridade mandará recolhêlo à prisão exceto no caso de livrarse solto ou de prestar fiança e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo se para isso for competente se não o for enviará os autos à autoridade que o seja 2º A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante mas nesse caso com o condutor deverão assinálo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade 3º Quando o acusado se recusar a assinar não souber ou não puder fazêlo o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas que tenham ouvido sua leitura na presença deste 4º Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a informação sobre a existência de filhos respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos indicado pela pessoa presa 54 Art 5º LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei LXII a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado LXIV o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial LXV a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária LXVI ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança 55 Art 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente ao Ministério Público e à família do preso ou a pessoa por ele indicada 1º Em até 24h vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 2º No mesmo prazo será entregue ao preso mediante recibo a nota de culpa assinada pela autoridade com o motivo da prisão o nome do condutor e o das testemunhas 56 Não raras vezes assistese nas novelas e seriados brasileiros a absurda afirmação de que 24h após o crime ninguém poderá ser preso em flagrante Como bem lembra RANGEL op cit p 569 é comum a expressão fuja do flagrante e apareça 24 horas depois no sentido de que esse lapso impediria a prisão em flagrante delito Juridicamente isso não existe Uma pessoa pode ser presa por exemplo 72h depois do crime e ser flagrante delito desde que ocorra a perseguição prevista no art 302 III Por outro lado alguém pode ser encontrado 10h depois do crime e não ser uma situação de flagrante delito Em suma a crença popular é absolutamente infundada e decorre de uma má compreensão da antiga redação do art 306 O que deve ser feito em 24h sob pena de ilegalidade é a formalização do auto de prisão em flagrante e seu devido encaminhamento à autoridade judiciária competente 57 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v 3 p 359 58 Situação distinta mas que poderá gerar alguma confusão com a nossa afirmação está no caput do art 316 O juiz poderá de ofício ou a pedido das partes revogar a prisão preventiva se no correr da investigação ou do processo verificar a falta de motivo para que ela subsista bem como novamente decretála se sobrevierem razões que a justifiquem Primeiro ponto é para revogar a prisão preventiva ele pode agir de ofício e o faz como garantidor da legalidade Segundo ponto mas então o juiz pode prender de ofício Não a situação prevista neste artigo não autoriza essa conclusão pois não se trata de prisão decretada originariamente de ofício senão de um imputado que está em liberdade e descumpre as medidas cautelares diversas ou sobrevierem razões que a justifiquem Mas aqui ele não decreta originariamente senão que novamente a decreta O pedido originário foi feito depois o imputado é solto e então descumpre os requisitos impostos e o juiz volta a decretála 59 httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo354431 60 Sobre a competência da justiça militar estadual e federal consultese o capítulo específico desta obra 61 Entrevista conduzida por RUI CUNHA MARTINS com FERNANDO GIL acerca dos Modos da Verdade Revista de História das Ideias Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra v 23 2002 p 15 e s 62 Idem ibidem 63 Idem ibidem 64 A construção é de FERNANDO GIL para quem tratase antes de uma projecção imaginária na evidência vivida na actualidade do conhecer e por isso falo de modo de doação no presente 65 Idem ibidem 66 Modos da Verdade Revista de História das Ideias p 24 67 FERNANDO GIL Modos da Verdade Revista de História das Ideias 2002 p 39 68 Para FERRAJOLI Derecho y Razón cit p 580 é a ajenidad del juez a los intereses de las partes en causa 69 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda O Papel do Novo Juiz no Processo Penal In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal Rio de Janeiro Renovar 2001 p 11 70 O Código de Processo Penal da Alemanha StPO 112 exige que a pessoa seja fundadamente suspeita do fato delitivo e que exista um motivo para a prisão Isto é suspeita bem fundada alto grau de probabilidade de que o imputado tenha cometido o delito Além disso é necessário que existam como fundamento da prisão perigo de fuga de ocultação da prova gravidade do crime ou perigo de reiteração GÓMEZ COLOMER JuanLuis El Proceso Penal Alemán introducción y normas básicas Barcelona Bosh 1985 p 106 71 SENDRA Vicente Gimeno et al Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 481 72 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 404 73 ILLESCAS RUS AngelVicente Las Medidas Cautelares Personales en el Procedimiento Penal Revista de Derecho Procesal Madrid n 1 1995 p 66 74 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v 2 p 180 75 Idem ibidem p 181182 76 CIRILO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 120 77 Idem ibidem p 120 78 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 29 79 SÚMULA 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano SÚMULA 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano 80 Importante considerar ainda que o descumprimento de medidas protetivas passou a ser tipificado no art 24A Art 24A Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei Pena detenção de 3 três meses a 2 dois anos 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas 2º Na hipótese de prisão em flagrante apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis 81 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 618 82 CALAMANDREI Piero Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari cit p 2122 83 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração Rio de Janeiro Renovar 2003 p 83 84 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 26 85 Idem ibidem p 139 86 SANGUINÉ Odone A Inconstitucionalidade do Clamor Público como Fundamento da Prisão Preventiva Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez n 10 p 114 87 Idem ibidem p 115 88 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração cit p 183 89 SANGUINÉ Odone op cit 90 Tenho criticado aqui e o fiz ainda recentemente ADPF 144 a banalização dos princípios entre aspas da proporcionalidade e da razoabilidade em especial do primeiro concebido como um princípio superior aplicável a todo e qualquer caso concreto o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de corrigir o legislador invadindo a competência deste O fato no entanto é que proporcionalidade e razoabilidade nem ao menos são princípios porque não reproduzem as suas características porém postulados normativos regras de interpretaçãoaplicação do direito No caso de que ora cogitamos esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual não há direitos absolutos E tal como tem sido em nosso tempo pronunciada dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional Deveras a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe sim mas não é absoluto porquanto não se aplica ao caso E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer de súditos cidadãos Diante do inquisidor não temos qualquer direito Ou melhor temos sim vários mas como nenhum deles é absoluto nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudirnos Primeiro essa gazua em seguida despencando sobre todos a pretexto da necessária atividade persecutória do Estado a supremacia do interesse público sobre o individual Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo não obstante mesmo lá sujeita a debate aqui impertinente não tem lugar em matéria penal e processual penal Esta Corte ensina HC 80263 relator Ministro ILMAR GALVÃO que a interpretação sistemática da Constituição leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal em caso de conflito de preceitos prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie grifo nosso 91 Também PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 519 92 DELMANTO JUNIOR Roberto As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração cit p 192 93 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 405 94 Trecho extraído do voto proferido pelo Min EROS GRAU no HC 950094SP p 35 95 CARVALHO Salo de Pena e Garantias uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 199 96 Nesse sentido interessante a decisão proferida pela 5ª C Crim do TJRS no HC 70006140693 Rel Des Amilton Bueno de Carvalho j 23042003 HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA REQUISITOS LEGAIS PRESUNÇÃO DE PERICULOSIDADE PELA PROBABILIDADE DE REINCIDÊNCIA INADMISSIBILIDADE A futurologia perigosista reflexo da absorção do aparato teórico da Escola Positiva que desde muito tem demonstrado seus efeitos nefastos excessos punitivos de regimes políticos totalitários estigmatização e marginalização de determinadas classes sociais alvo do controle punitivo tem acarretado a proliferação de regras e técnicas vagas e ilegítimas de controle social no sistema punitivo onde o sujeito considerado como portador de uma perigosidade social da qual não pode subtrairse tornase presa fácil ao aniquilante sistema de exclusão social A ordem pública requisito legal amplo aberto e carente de sólidos critérios de constatação fruto desta ideologia perigosista portanto antidemocrático facilmente enquadrável a qualquer situação é aqui genérica e abstratamente invocada mera repetição da lei já que nenhum dado fático objetivo e concreto há a sustentála Fundamento prisional genérico antigarantista insuficiente portanto A gravidade do delito por si só também não sustenta o cárcere extemporâneo ausente previsão constitucional e legal de prisão automática por qualquer espécie delitiva Necessária e sempre a presença dos requisitos legais ApelaçãoCrime 70006140693 j 12032003 À unanimidade concederam a ordem 97 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael e TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed Madrid Ramon Areces 2007 p 407 98 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón cit p 776 e s 99 ARAGONESES MARTINEZ Sara et al Derecho Procesal Penal 8 ed p 406 100 SENDRA Vicente Gimeno et al Op cit p 481 101 Na doutrina espanhola a partir das reiteradas decisões do Tribunal Constitucional está consagrada a expressão exquisita motivación sendo o adjetivo exquisita visto como de calidad de primor de singular y extraordinaria fundamentación Neste sentido AngelVicente Illescas op cit p 75 102 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal cit v II p 71 103 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 8 e s 104 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 151 105 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 152 106 SCHIETTI MACHADO CRUZ Rogério Prisão Cautelar dramas princípios e alternativas cit p 161 107 MARIATH Carlos Roberto Monitoramento Eletrônico liberdade vigiada p 4 Texto capturado em 14042011 no site httpportalmjgovbrmainaspView57DC54E22F7941219A55 F51C56355C47 108 Art 317 A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência só podendo dela ausentarse com autorização judicial Art 318 Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for I maior de 80 oitenta anos II extremamente debilitado por motivo de doença grave III imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 seis anos de idade ou com deficiência IV gestante V mulher com filho de até 12 doze anos de idade incompletos VI homem caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 doze anos de idade incompletos Parágrafo único Para a substituição o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo 109 A Súmula além de reduzir excessivamente a complexidade peca mesmo para os preservacionistas por uma grave falha não prevê a necessidade de fundamentação que demonstre a necessidade da prisão à luz da sistemática cautelar do art 312 do CPP 110 Art 413 O juiz fundamentadamente pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação 1º A fundamentação da pronúncia limitarseá à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena 2º Se o crime for afiançável o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória 3º O juiz decidirá motivadamente no caso de manutenção revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e tratandose de acusado solto sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código 111 Art 282 As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observandose a I necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e nos casos expressamente previstos para evitar a prática de infrações penais II adequação da medida à gravidade do crime circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado 112 RANGEL Paulo Direito Processual Penal cit p 640 113 Importante trazer à colação as sempre lúcidas palavras do Min EROS GRAU ainda que a citação seja longa quando explica que O controle difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser desenvolvido perquirindose necessidade e indispensabilidade da medida Daí que a primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação Excluase desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado art 5º n LXIII e o temos afirmado aqui exaustivamente o que faz com que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade Ora não se prende alguém para que exerça uma faculdade Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitála Se a investigação reclama a oitiva do suspeito que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas respondendoas o suspeito se quiser sem necessidade de prisão 31 Tampouco se pode acolher a prisão para impedir que provas sejam destruídas sem que o suspeito tenha dado qualquer motivo para que se afirme essa possibilidade Na dicção do Ministro CELSO DE MELLO para tanto é indispensável base empírica idônea 32 Não falta quem diga que a prisão temporária é às vezes a única punição que o suspeito sofre Mas prisão cautelar não é pena de sorte que a circunstância de ter sido ela o único constrangimento por ele suportado consubstanciará prova cabal de que não tendo sido condenado o acusado não merecia ser punido 33 Pior ainda é o argumento da agilização da investigação Pois antes de ser ágil é preciso que ela seja legal e necessária inexistindo qualquer outra via para o seu curso grifo nosso 114 No mesmo sentido DELMANTO JUNIOR Inatividade no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2004 p 166 115 No mesmo sentido afirmando inclusive que o inciso II é redundante em relação ao inciso I Marcellus POLASTRI LIMA A Tutela Cautelar no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 246 116 httpswwwconjurcombr2018set20sensoincomumstfalertausoestrategicodireitojuizes promotores 117 httpswwwconjurcombr2018set20sensoincomumstfalertausoestrategicodireitojuizes promotores 118 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 p 479 119 EMENTA I Reclamação alegação de afronta à autoridade da decisão plenária da ADIn 1127 17052006 red p acórdão Ministro Ricardo Lewandowski procedência 1 Reputase declaratória de inconstitucionalidade a decisão que embora sem o explicitar afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidila sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição 2 A decisão reclamada fundada na inconstitucionalidade do art 7 V do Estatuto dos Advogados indeferiu a transferência do reclamante Advogado preso preventivamente em cela da Polícia Federal para sala de Estado Maior e na falta desta a concessão de prisão domiciliar 3 No ponto dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 17052006 red p acórdão Ricardo Lewandowski quando se julgou constitucional o art 7º V do Estatuto dos Advogados na parte em que determina o recolhimento dos advogados em sala de Estado Maior e na sua falta em prisão domiciliar 4 Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado salvo eventual transferência para sala de Estado Maior II Sala de EstadoMaior L 8906 art 7º V caracterização Precedente HC 81632 2ª T 20082002 Velloso RTJ 184640 1 Por EstadoMaior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar Exército Marinha Aeronáutica Corpo de Bombeiros e Polícia Militar assim sendo sala de EstadoMaior é o compartimento de qualquer unidade militar que ainda que potencialmente possa por eles ser utilizado para exercer suas funções 2 A distinção que se deve fazer é que enquanto uma cela tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém e por isso de regra contém grades uma sala apenas ocasionalmente é destinada para esse fim 3 De outro lado deve o local oferecer instalações e comodidades condignas ou seja condições adequadas de higiene e segurança Decisão O Tribunal por unanimidade julgou procedente a reclamação nos termos do voto do Relator Ausentes justificadamente a Senhora Ministra Ellen Gracie Presidente e o Senhor Ministro Carlos Britto Votou o Presidente Falou pelo reclamante o Dr Ronildo Lopes do Nascimento Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes VicePresidente Plenário 07052007 120 Reclamação Advogado Prerrogativa profissional de recolhimento em sala de Estado Maior Afronta ao decidido no julgamento da ação direta de Inconstitucionalidade n 1127 No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n 1127 este Supremo Tribunal reconheceu a constitucionalidade do art 7º inc V da Lei n 890694 declarando apenas a inconstitucionalidade da expressão assim reconhecidas pela OAB É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que há de ser deferida a prisão domiciliar aos advogados onde não exista na localidade sala com as características daquela prevista no art 7º inc V da Lei n 890694 enquanto não transitada em julgado a sentença penal condenatória Precedentes Rcl 5212 Rel Min Cármen Lúcia j 27032008 DJe 30052008 121 No mesmo sentido BADARÓ Direito Processual Penal cit t II p 164 122 BADARÓ op cit 123 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 79 124 Art 310 Após receber o auto de prisão em flagrante no prazo máximo de até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público e nessa audiência o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou III conceder liberdade provisória com ou sem fiança 1º Se o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I II ou III do caput do art 23 do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal poderá fundamentadamente conceder ao acusado liberdade provisória mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais sob pena de revogação 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia ou que porta arma de fogo de uso restrito deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares 3º A autoridade que deu causa sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa civil e penalmente pela omissão 4º Transcorridas 24 vinte e quatro horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão a ser relaxada pela autoridade competente sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva ARTIGO SUSPENSO PELA LIMINAR DO MIN FUX 125 Art 325 O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites I de 1 um a 100 cem salários mínimos quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade no grau máximo não for superior a 4 quatro anos II de 10 dez a 200 duzentos salários mínimos quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 quatro anos 1º Se assim recomendar a situação econômica do preso a fiança poderá ser I dispensada na forma do art 350 deste Código II reduzida até o máximo de 23 dois terços ou III aumentada em até 1000 mil vezes 126 Art 322 A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 quatro anos Parágrafo único Nos demais casos a fiança será requerida ao juiz que decidirá em 48 quarenta e oito horas 127 Art 335 Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança o preso ou alguém por ele poderá prestála mediante simples petição perante o juiz competente que decidirá em 48 quarenta e oito horas 128 Art 350 Nos casos em que couber fiança o juiz verificando a situação econômica do preso poderá concederlhe liberdade provisória sujeitandoo às obrigações constantes dos arts 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares se for o caso Parágrafo único Se o beneficiado descumprir sem motivo justo qualquer das obrigações ou medidas impostas aplicarseá o disposto no 4º do art 282 deste Código 129 Art 336 O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas da indenização do dano da prestação pecuniária e da multa se o réu for condenado Parágrafo único Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória art 110 do Código Penal Art 337 Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal o valor que a constituir atualizado será restituído sem desconto salvo o disposto no parágrafo único do art 336 deste Código 130 Curso de Processo Penal cit p 447 131 Art 323 Não será concedida fiança I nos crimes de racismo II nos crimes de tortura tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins terrorismo e nos definidos como crimes hediondos III nos crimes cometidos por grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Art 324 Não será igualmente concedida fiança I aos que no mesmo processo tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido sem motivo justo qualquer das obrigações a que se referem os arts 327 e 328 deste Código II em caso de prisão civil ou militar III revogado IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva art 312 132 GOMES Luiz Flávio Liberdade Provisória e Progressão de Regime nos Crimes Hediondos a nova Lei n 114642007 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal abrilmaio de 2007 p 87 133 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed Madrid Ramon Areces 2007 p 429 134 ARAGONESES MARTINEZ Sara OLIVA SANTOS Andrés HINOJOSA SEGOVIA Rafael TOMÉ GARCIA José Antonio Derecho Procesal Penal 8 ed cit p 393 135 BADARÓ no artigo A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal cit vai além ao explicar que o sequestro somente poderá incidir sobre bens que tenham relação com o próprio crime objeto da investigação ou da ação penal Diz o autor que não se pode sequestrar bens que integrem o patrimônio ilícito do acusado mas que tenham sido obtidos pela prática de um crime diverso daquele que é objeto do inquérito policial ou da ação penal em que se requereu a medida cautelar Está certo BADARÓ pois não pode a medida cautelar se afastar do princípio da especialidade já explicado no estudo da Prova Penal Assim não pode haver desvio causal na medida cautelar de sequestro pois ele somente poderá incidir sobre os bens adquiridos com os proventos do crime objeto daquele processo 136 HASSAN CHOUKR Fauzi Código de Processo Penal comentários consolidados e crítica jurisprudencial Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 278 137 Em tese não afasta o Código de Processo Penal a possibilidade de o querelante pedir o sequestro dos bens do querelado Contudo os casos de ação penal de iniciativa privada são restritos e em geral para crimes de menor gravidade Assim à luz dos princípios da proporcionalidade e excepcionalidade das medidas cautelares pensamos ser bastante difícil que se justifique o sequestro de bens nos delitos dessa natureza Mas se o caso concreto justificar nada impede a adoção de medidas assecuratórias 138 FEITOZA PACHECO Denílson Direito Processual Penal 3 ed Niterói Impetus 2005 p 1090 139 A expressão é também empregada por TOURINHO FILHO Processo Penal v 3 p 32 140 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal v 3 p 33 141 FEITOZA PACHECO op cit p 1091 142 BADARÓ Gustavo Henrique A Lei 11435 de 28122006 e o Novo Arresto no Código de Processo Penal cit 143 Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso 144 httpswwwconjurcombr2020jan06direitodefesadireitopenalprocessopenaldelacaolei anticrime 145 Expressão cunhada por CORDERO Franco Procedimiento Penal Trad Jorge Guerrero Bogotá Temis 2000 v 1 p 332 e que tomamos emprestada para o estudo das formas ou espécies de procedimentos 146 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal São Paulo RT 2002 p 161 147 GIMENO SENDRA José Vicente Fundamentos del Derecho Procesal Madrid Civitas 1981 p 180 148 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 6 149 TUCCI Rogério Lauria Teoria do Direito Processual Penal cit p 232 150 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 1 p 328 151 Idem ibidem 152 Art 394 O procedimento será comum ou especial 1º O procedimento comum será ordinário sumário ou sumaríssimo I ordinário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade II sumário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade III sumaríssimo para as infrações penais de menor potencial ofensivo na forma da lei 2º Aplicase a todos os processos o procedimento comum salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial 3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts 406 a 497 deste Código 4º As disposições dos arts 395 a 398 deste Código aplicamse a todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código 5º Aplicamse subsidiariamente aos procedimentos especial sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário 153 Recordando a regra geral do limite numérico rito ordinário 8 testemunhas rito sumário 5 testemunhas para cada parte não se computando as que não prestam compromisso e as referidas Outro aspecto muito importante é o fato de o artigo em questão exigir que a defesa arrole suas testemunhas requerendo sua intimação quando necessário Até a reforma a regra era testemunha arrolada deveria ser intimada exceto se a parte expressamente dissesse que ela compareceria independente de intimação Isso mudou Uma leitura superficial conduziria à conclusão de que a defesa sempre deveria requerer expressamente a intimação sob pena de comprometerse a conduzir a testemunha E se não fizer esse pedido e no dia da audiência ninguém comparecer preclusa a via probatória Pensamos que não Isso porque não apenas o direito à ampla defesa impede que um processo tramite nessas condições senão porque o contraditório exige um tratamento igualitário Se o Ministério Público não está obrigado a pedir a intimação das testemunhas por que a defesa teria esse ônus Logo o tratamento igualitário conduz a que a regra siga sendo a mesma testemunha arrolada por qualquer das partes deverá ser intimada exceto se expressamente for dispensada a intimação 154 NUCCI Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado cit p 152 155 Ainda assim em sentido contrário ao nosso admitindo a denúncia genérica Afrânio SILVA JARDIM Direito Processual Penal cit p 121122 156 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 1 2 ed p 203 157 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 v 1 p 117 158 Direito Processual Penal cit p 5657 159 Idem ibidem p 57 160 BOSCHI José Antonio Paganella Nulidades In BOSCHI Marcus Vinicius Org Código de Processo Penal Comentado Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 445 161 No mesmo sentido é apontada a possibilidade de aplicação analógica do art 267 IV do CPC Eugênio PACELLI DE OLIVEIRA Curso de Processo Penal cit p 169 162 Nesse sentido parecenos muito acertada a decisão tomada pela 7ª Turma do TRF da 4ª Região Rel Des Federal TAADAQUI HIROSE no RSE 200971020004500 julgado em 26052009 DJ 08072009 PENAL E PROCESSO PENAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DENÚNCIA INICIALMENTE ADMITIDA À LUZ DO ART 43 DO CPP LEI 117192008 REFORMA PROCESSUAL PENAL PROCESSO EM CURSO ARTIGOS 395 E 397 DO CPP NOVA ANÁLISE DA JUSTA CAUSA APÓS A RESPOSTA PRELIMINAR POSSIBILIDADE REJEIÇÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA CABIMENTO 1 Com o advento da Lei 11719 de 20 de junho de 2008 o denunciado somente será submetido a persecutio criminis in judicio quando houver plausibilidade da acusação a qual vale dizer deverá estar lastreada ao menos na prova da existência de infração penal sob pena de constrangimento ilegal 2 Nessa linha a partir das alterações processuais produzidas pela aludida Lei após o oferecimento da peça acusatória não sendo caso de rejeição liminar art 395 cabe ao juiz propiciar a apresentação de resposta por escrito oportunidade em que o denunciado poderá alegar tudo o que interesse à sua defesa art 396 e 396A Dessa forma os fatos narrados na peça incoativa passam a ser examinados em cotejo com os argumentos apontados pela defesa art 397 para somente assim sob os auspícios do contraditório e da ampla defesa aferir o julgador se efetivamente há justa causa para a ação penal iniciandoa se for o caso com o recebimento da denúncia 3 Portanto não há mácula na decisão que após a apresentação das respostas preliminares realiza novo juízo de prelibação para revendo decisão anterior concluir pela ausência de justa causa ao exercício da ação penal Até porque inexiste utilidade no prosseguimento do feito quando não evidenciado um suporte probatório mínimo acerca da autoria e da materialidade delitivas atribuídas aos ora recorridos TRF4 RSE 200971020004500 7ª Turma Relator Taadaqui Hirose j 26052009 DJ 08072009 grifamos E ainda no mesmo sentido também se posicionou o TRF da 1ª Região no RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Des Federal TOURINHO NETO julgado em 15022011 PENAL PROCESSO PENAL NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL LEI 117192008 IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA LEI 813790 SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA LEI 1068403 ART 9º FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO ARTS 299 E 304 CP ABSORÇÃO DENÚNCIA REJEIÇÃO 1 A Lei 117192008 inovou o processo penal ao introduzir a possibilidade de absolvição sumária do réu Em sendo assim tornouse perfeitamente factível que o Juiz reveja a decisão pela qual recebeu a denúncia para rejeitála em seguida quando sua convicção é modificada por algum elemento trazido pela defesa em sua resposta escrita grifamos 2 3 4 Não há justa causa para continuidade da presente persecução penal pois o crime de uso e documento falso foi absorvido pelo delito tributário Lei n 813790 e este teve suspensa a pretensão punitiva nos termos do art 9º caput e 1º da Lei 1068403 em razão do parcelamento do crédito tributário 5 Recurso em sentido estrito não provido TRF1 RSE 200838000151631 3ª Turma Rel Juiz Tourinho Neto j 15022011 eDJF1 28022011 p 64 163 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 63 164 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 82 Também explica esse erro histórico TOURINHO FILHO Processo Penal v 4 p 147 165 Como advertem RANGEL e BACILA Comentários Penais e Processuais Penais à Lei de Drogas Rio de Janeiro Lumen Juris 2007 p 184 isso não impede todavia que o usuárioconsumidor seja conduzido à presença da autoridade judicial o que não é a regra pois os juízes do JECrim não estão disponíveis 24h por dia em todo o Brasil para dar conta dessa demanda ou policial para verificação de sua responsabilidade penal isto é se o crime praticado é o previsto no art 28 ou aquele descrito no art 33 por exemplo 166 Ao prever a possibilidade de o inquérito policial perdurar por até 180 dias consagra a lei a violação do direito de ser julgado em um prazo razoável Recordemos que o fato de a lei interna prever um prazo não significa automaticamente a validade e a legitimidade da demora Deve o juiz ou tribunal proceder no caso concreto à necessária filtragem constitucional verificando à luz do art 5º LXXVIII da Constituição a invalidade substancial do art 51 da Lei n 11343 167 RANGEL e BACILA op cit p 196 apontam que o laudo prévio provisório é uma condição de procedibilidade da ação penal nesses delitos não podendo a denúncia ser recebida sem ele 168 GIACOMOLLI Nereu Juizados Especiais Criminais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002 p 45 169 Em sentido contrário GIACOMOLLI Juizados Especiais Criminais cit p 44 sustenta que deve ser feito o cálculo de forma que mais favoreça o autor do fato ou seja aumentar em grau mínimo e diminuir no grau máximo Isso porque para o autor ainda não há elementos para se determinar o quantum de aumento ou de diminuição o que dependeria de dilação probatória Sustenta ainda que o cálculo inverso poderia gerar uma situação incongruente na medida em que a desconsideração da baixa lesividade pode não se confirmar ao final 170 BITENCOURT Cezar Roberto Juizados Especiais Criminais Federais São Paulo Saraiva 2003 p 70 171 SÚMULA 723 do STF Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano 172 SÚMULA 243 do STJ O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material concurso formal ou continuidade delitiva quando a pena mínima cominada seja pelo somatório seja pela incidência da majorante ultrapassar o limite de um 01 ano 173 A Lei n 9099 não resolve o problema que pode ocorrer quando forem 2 ou mais os autores do delito e a composição ocorrer apenas em relação a um deles CASTANHO DE CARVALHO e PRADO Lei dos Juizados Especiais Criminais Comentada e Anotada 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 131 afirmam que nesse caso devese recorrer ao disposto no art 49 do CPP no sentido de que em nome do princípio da indivisibilidade a renúncia ao direito de queixa ou de representação em relação a um dos acusados a todos se estenderá Significa dizer que a composição dos danos por parte de um dos acusados conduz à extinção da punibilidade pela renúncia de todos Pensamos ainda que a mesma solução deve ser adotada em relação à ação penal pública condicionada à representação operandose a extinção da punibilidade de todos em caso de composição integral dos danos civis por parte de um dos réus Mas chamamos a atenção para a falta de consenso nessa matéria havendo autores entre eles MAGALHÃES GOMES FILHO SCARANCE FERNANDES LUIZ FLÁVIO GOMES e PELLEGRINI GRINOVER na obra coletiva Juizados Especiais Criminais São Paulo RT 1995 p 133 sustentando que a renúncia e consequente extinção da punibilidade somente opera em relação ao que transacionar Quanto aos demais poderá a vítima oferecer a queixa ou representar exceto se a reparação dos danos sofridos pela vítima for integral situação em que haverá renúncia tácita e extinção da punibilidade em relação a todos 174 Em sentido contrário PRADO Geraldo Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 160 e s 175 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed p 575 176 Apenas para sublinhar que essa pseudonegociação será objeto de crítica ao final deste tópico 177 Art 60 Parágrafo único Na reunião de processos perante o juízo comum ou tribunal do júri decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência observarseão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis 178 Art 28 Se o órgão do Ministério Público ao invés de apresentar a denúncia requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação o juiz no caso de considerar improcedentes as razões invocadas fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procuradorgeral e este oferecerá a denúncia designará outro órgão do Ministério Público para oferecêla ou insistirá no pedido de arquivamento ao qual só então estará o juiz obrigado a atender 179 Súmula 696 do STF Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo mas se recusando o Promotor de Justiça a propôla o juiz dissentindo remeterá a questão ao ProcuradorGeral aplicandose por analogia o art 28 do Código de Processo Penal 180 NOVA REDAÇÃO Art 28 Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza o órgão do Ministério Público comunicará à vítima ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação na forma da lei 1º Se a vítima ou seu representante legal não concordar com o arquivamento do inquérito policial poderá no prazo de 30 trinta dias do recebimento da comunicação submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial conforme dispuser a respectiva lei orgânica 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União Estados e Municípios a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial 181 Expostos entre outros por PELLEGRINI GRINOVER et al na obra coletiva Juizados Especiais Criminais cit p 141 e s Esses argumentos já nos seduziram no passado quando a Lei n 9099 entrou em vigor Atualmente com o desvelamento da falácia da justiça negociada cuja crítica faremos ao final esses argumentos ruíram completamente 182 GIACOMOLLI Nereu Juizados Especiais Criminais cit p 192 183 NOVA REDAÇÃO Art 28 Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza o órgão do Ministério Público comunicará à vítima ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação na forma da lei 1º Se a vítima ou seu representante legal não concordar com o arquivamento do inquérito policial poderá no prazo de 30 trinta dias do recebimento da comunicação submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial conforme dispuser a respectiva lei orgânica 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União Estados e Municípios a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial 184 No mesmo sentido GIACOMOLLI Juizados Especiais Criminais cit p 190 que sustenta a possibilidade de o juiz conceder a suspensão condicional em caso de recusa injustificada do Ministério Público mediante pedido da defesa ou mesmo de ofício op cit p 197 185 É a posição de GRINOVER SCARANCE MAGALHÃES e GOMES op cit p 191 186 Superada a confusão kelseniana de atribuir plena validade a toda norma existente na medida em que se deve buscar para além da validade formal uma análise da sua validade substancial filtragem constitucional é perfeitamente discutível a inconstitucionalidade dessa vedação na medida em que restringe princípios e regras constitucionais o juizado especial criminal e seus institutos para os delitos de menor potencial ofensivo excepcionando onde a Constituição não o faz Tampouco pensamos que o argumento de que a estrutura e hierarquia militar seriam incompatíveis com os institutos da Lei n 9099 dê conta dessa manifesta incompatibilidade constitucional ainda mais se ponderarmos os valores democráticos atualmente consagrados Em última análise nenhuma lei infraconstitucional pode subtrairse à necessária conformidade constitucional e a ela o art 90A não resiste Sobre o tema consulte a acertada exposição de MARIA LUCIA KARAM na obra Juizados Especiais Criminais Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 187 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 121 188 Art 77 A execução da pena privativa de liberdade não superior a 2 dois anos poderá ser suspensa por 2 dois a 4 quatro anos desde que I o condenado não seja reincidente em crime doloso II a culpabilidade os antecedentes a conduta social e personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício III não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art 44 deste Código 1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício 2º 189 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal cit p 528 190 GIACOMOLLI Nereu Os Efeitos da Súmula 337 do STJ no Processo Penal Boletim do IBCCrim n 186 maio2008 191 No mesmo sentido GIACOMOLLI Os Efeitos da Súmula 337 do STJ no Processo Penal cit 192 Concordamos com GIACOMOLLI op cit quando afirma que se o magistrado enfrentar o mérito em situação em que é cabível a suspensão condicional do processo o ato sentencial padece de vício insanável em razão do cerceamento da ampla defesa e da quebra da presunção de inocência Tratase de uma nulidade absoluta que pode ser conhecida inclusive de ofício a qualquer tempo 193 Art 89 1º I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo mensalmente para informar e justificar suas atividades 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado 194 Sobre o tema consulte Aplicase o art 366 do CPP nos Juizados Especiais Criminais escrito em coautoria com ALEXANDRE MORAIS DA ROSA e publicado no Boletim do IBCCrim n 220 março de 2011 p 13 195 GOMES Luiz Flávio Suspensão Condicional do Processo Penal um novo modelo consensual de justiça criminal Lei 9099 de 26995 São Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 88 196 AGRAVO REGIMENTAL NA REVISÃO CRIMINAL AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PRECEDENTES AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO 1 O Supremo Tribunal Federal é competente apenas para processar e julgar revisão criminal quando a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária em recurso criminal ordinário ou em recurso extraordinário com conhecimento do mérito Precedentes 2 Com fundamento no art 21 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal deve o Relator negar seguimento à revisão criminal manifestamente inadmissível improcedente ou contrária à jurisprudência dominante embora sujeita a decisão a agravo regimental 3 Agravo regimental ao qual se nega provimento STF RvC 5448 AgR Rel Min Cármen Lúcia Tribunal Pleno DJe 08042016 197 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal Trad Perfecto Andrés Ibáñez Alfonso Ruiz Miguel Juan Carlos Bayón Mohino Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés 2 ed Madrid Trotta 1997 p 747 198 Para aprofundar essa análise crítica sugerimos a leitura de nossa obra Fundamentos do Processo Penal uma introdução crítica publicada pela Editora Saraiva 199 FIGUEIREDO DIAS Jorge de Acordos sobre a Sentença em Processo Penal Conselho Distrital do Porto Portugal 2011 p 16 200 Art 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária salvo a competência privativa do Tribunal do Júri 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do Código Penal consumados ou tentados 2º Se iniciado o processo perante um juiz houver desclassificação para infração da competência de outro a este será remetido o processo salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro que em tal caso terá sua competência prorrogada 3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular observarseá o disposto no art 410 mas se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri a seu presidente caberá proferir a sentença art 492 2º 201 Com razão Jader MARQUES Tribunal do Júri considerações críticas à Lei 1168908 Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 37 convida à reflexão sobre o prazo de 10 dias para resposta que é inferior ao de 15 dias concedido para a defesa preliminar no processo penal para o funcionário público e inferior ao prazo para a contestação no processo civil Como aponta o autor a cada alteração dos Códigos Processuais perdese a oportunidade de uma uniformização dos prazos o que evitaria a enorme variedade existente nos diversos ramos do direito 202 MARQUES Jader Tribunal do Júri considerações críticas à Lei 1168908 cit p 45 203 Art 159 5º Durante o curso do processo judicial é permitido às partes quanto à perícia I requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dez dias podendo apresentar as respostas em laudo complementar II indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência 204 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 56 205 Tampouco deve o juiz presidente fazer referência aos atos de investigação realizados no inquérito policial Como já explicamos é crucial compreender a distinção entre atos de prova e atos de investigação para não mais incorrer no grave erro de invocar aquilo feito na fase préprocessual para justificar a pronúncia ou qualquer outra decisão interlocutória proferida no curso do processo ou ainda mais grave na sentença final Os atos de investigação esgotam sua eficácia probatória com a admissão da denúncia ou queixa pois sua função é endoprocedimental 206 Conforme noticiou o STF em 14082007 transcrevemos integralmente o trecho a seguir A Segunda Turma deferiu por unanimidade o pedido de Habeas Corpus HC n 88514 requerido pela defesa de três réus de Santa Catarina contra ato da juíza responsável pela sentença de pronúncia em processo de crime doloso intencional contra a vida Para o ministro Celso de Mello relator do HC a magistrada se excedeu ao declarar que o homicídio foi praticado pelos réus desrespeitando os limites que devem pautar a atividade jurisdicional No pedido de habeas consta que a magistrada declarou que são veementes os indícios da autoria do delito e a um exame acurado das provas colhidas na instrução tudo demonstra serem os réus os autores do crime e que toda a prova converge no sentido de indicar que os réus ao dispararem contra a vítima o fizeram de modo inesperado colhendoo desatento e subtraindolhe a oportunidade de defenderse sendo portanto inafastável a qualificadora de surpresa descrita na denúncia De acordo com Celso de Mello a jurisprudência do STF adverte que o magistrado ao proferir a sentença de pronúncia não deve convertêla de um mero juízo fundado de suspeita em um inadmissível juízo de certeza pois nesses casos a eloquência acusatória de que se reveste o decreto de pronúncia constitui claro exemplo de ofensa aos limites que juridicamente devem restringir a atuação processual do magistrado e dos tribunais no momento da prolação desse ato decisório que encerra no procedimento penal escalonado do júri a fase do iuditio accusationis juízo de acusação O relator acrescentou que a juíza ao dar por comprovada existência de dolo intenso certamente irá influir sobre o ânimo dos jurados podendo até mesmo inibilos quando confrontados com a eventual alegação de negativa de autoria sustentada pela defesa dos réus Com o deferimento do habeas fica invalidada a pronúncia dos três réus e todos os atos a ela posteriores 207 EMENTA Pronúncia nulidade por excesso de eloquência acusatória 1 É inadmissível conforme a jurisprudência consolidada do STF a pronúncia cuja fundamentação extrapola a demonstração da concorrência dos seus pressupostos legais CPrPen art 408 e assume com afirmações apodíticas e minudência no cotejo analítico da prova a versão acusatória ou rejeita peremptoriamente a da defesa vg HC 68606 180691 Celso RTJ 1361215 HC 69133 240392 Celso RTJ 140917 HC 73126 270296 Sanches DJ 170596 RHC 77044 260598 Pertence DJ 070898 2 O que reclama prova no juízo da pronúncia é a existência do crime não a autoria para a qual basta a concorrência de indícios que portanto o juiz deve cingirse a indicar 3 No caso as expressões utilizadas pelo órgão prolator do acórdão confirmatório da sentença de pronúncia no que concerne à autoria dos delitos não se revelam compatíveis com a dupla exigência de sobriedade e de comedimento a que os magistrados e Tribunais sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo dos jurados devem submeterse quando praticam o ato culminante do judicium accusationis RT 522361 208 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 58 209 LEAL Saulo Brum Júri Popular 4 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2000 p 31 210 Nesse sentido ainda que se refira a outro procedimento e momento procedimental é importante trazer à colação a decisão proferida pelo STJ no HC 175639AC Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 20032012 Neste caso a denúncia foi parcialmente rejeitada pelo juiz singular quanto a alguns dos denunciados por crime de roubo circunstanciado e quadrilha baseando a rejeição no fato de a denúncia ter sido amparada em delação posteriormente tida por viciada o que caracteriza a fragilidade das provas e a falta de justa causa O tribunal a quo em sede recursal determinou o recebimento da denúncia sob o argumento de que havendo indícios de autoria e materialidade mesmo na dúvida quanto à participação dos corréus deve vigorar o princípio in dubio pro societate A Turma entendeu que tal princípio não possui amparo legal nem decorre da lógica do sistema processual penal brasileiro pois a sujeição ao juízo penal por si só já representa um gravame Assim é imperioso que haja razoável grau de convicção para a submissão do indivíduo aos rigores persecutórios não devendo se iniciar uma ação penal carente de justa causa Nesses termos a Turma restabeleceu a decisão de primeiro grau Precedentes citados do STF HC 95068 DJe 1552009 HC 107263 DJe 592011 e HC 90094 DJe 682010 do STJ HC 147105SP DJe 1532010 e HC 84579PI DJe 3152010 HC 175639AC Rel Min Maria Thereza de Assis Moura julgado em 2032012 grifamos 211 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 79 212 LIMA Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal 3 ed Salvador JusPodivm 2015 p 1343 213 AQUINO Álvaro Antônio Sagulo Borges de A Função Garantidora da pronúncia Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 p 116 214 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 26 215 LEAL Saulo Brum Júri Popular cit p 67 216 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 92 217 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 60 218 Com razão GIACOMOLLI Reformas do Processo Penal cit p 86 critica a matriz inquisitorial que informa o art 417 do CPP ao permitir que o julgador explicitamente exerça a função institucional do Ministério Público ofendendo o art 129 I da CF É do Ministério Público a função de acusar de exercer privativamente a ação processual penal pública O aditamento é ato voluntário do acusador e ao magistrado é vedado exercer as funções da autoridade policial ou do Ministério Público bem como adiantar seus veredictos Concordamos que não cabe ao juiz invocar o Ministério Público para que adite ou faça nova acusação senão que o órgão acusador como parte que é tem conhecimento de tudo o que ocorre no processo e deve agir na defesa de seu interesse processual Noutra dimensão regido pelo princípio da inércia está o julgador Quando subvertese essa estrutura na perspectiva do ativismo judicial fundase um processo inquisitório incompatível com o modelo acusatórioconstitucional 219 Entre outros NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 63 220 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 24 ed São Paulo Atlas 2016 p 657 221 TÁVORA Nestor ALENCAR Rosmar Rodrigues Curso de direito processual penal 4 ed Salvador JusPodivm 2010 p 754 222 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit t II p 29 223 RANGEL Paulo Direito Processual Penal 10 ed p 541 224 EYMERICH Nicolau Manual dos Inquisidores Brasília Rosa dos Tempos 1993 p 150151 225 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v IV p 263 226 Art 23 Não há crime quando o agente pratica o fato I em estado de necessidade II em legítima defesa III em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito Excesso punível Parágrafo único O agente em qualquer das hipóteses deste artigo responderá pelo excesso doloso ou culposo 227 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 71 228 Entre outros LEAL op cit p 91 229 Art 418 O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação embora o acusado fique sujeito a pena mais grave Art 419 Quando o juiz se convencer em discordância com a acusação da existência de crime diverso dos referidos no 1º do art 74 deste Código e não for competente para o julgamento remeterá os autos ao juiz que o seja Parágrafo único Remetidos os autos do processo a outro juiz à disposição deste ficará o acusado preso 230 NASSIF Aramis O Novo Júri Brasileiro cit p 79 231 Nessa linha equivocadíssima a nosso sentir a decisão abaixo do Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA PROCESSADO PELO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NULIDADE NÃO OCORRÊNCIA LIBERDADE PROVISÓRIA CRIME HEDIONDO IMPOSSIBILIDADE ORDEM DENEGADA Ressalvada a competência do Júri para julgamento de crime doloso contra a vida seu processamento até a fase de pronúncia poderá ser pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em atenção à Lei 1134006 HC 73161SC 5ª Turma Rel Des Jane Silva convocada j 29082007 232 No mesmo sentido GIACOMOLLI op cit p 94 233 Art 427 Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado o Tribunal a requerimento do Ministério Público do assistente do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região onde não existam aqueles motivos preferindose as mais próximas 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente 2º Sendo relevantes os motivos alegados o relator poderá determinar fundamentadamente a suspensão do julgamento pelo júri 3º Será ouvido o juiz presidente quando a medida não tiver sido por ele solicitada 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento não se admitirá o pedido de desaforamento salvo nesta última hipótese quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado 234 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 4 p 339 235 Art 428 O desaforamento também poderá ser determinado em razão do comprovado excesso de serviço ouvidos o juiz presidente e a parte contrária se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 seis meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo não se computará o tempo de adiamentos diligências ou incidentes de interesse da defesa 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri nas reuniões periódicas previstas para o exercício o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento 236 BORGES DE MENDONÇA Andrey Nova Reforma do Código de Processo Penal São Paulo Método 2008 p 48 237 ESPÍNOLA FILHO Eduardo Código de Processo Penal Brasileiro Anotado cit v 4 p 342 238 Pensamos todavia que grau de instrução pressupõe logicamente alguma instrução Daí por que o analfabeto não poderá ser jurado pois a ausência de instrução não lhe permitirá sequer ler o relatório feito pelo juiz bem como as demais peças processuais e documentos apresentados impossibilitando assim sua participação no julgamento 239 No mesmo sentido Jader MARQUES Tribunal do Júri considerações críticas à Lei 1168908 cit p 111 afirma que se o réu por sua vontade pode deixar de ir ao julgamento em processo da competência do Tribunal do Júri tal hipótese deve estenderse a todos os demais casos sendo opcional a presença do acusado aos atos processuais em quaisquer tipos de procedimentos inclusive durante a investigação preliminar 240 E aqui se estabelece um interessante paradoxo os leigos recebem a decisão de pronúncia e acórdão confirmatório mas as partes não podem fazer menção a esses atos no debate art 478 Logo os leigos recebem algo que não compreendem pois são decisões técnicas e tampouco podem as partes explicar o que ali consta Somos favoráveis à proibição da exploração nos debates da decisão de pronúncia e acórdãos posteriores mas não achamos uma boa solução entregar essas decisões para os jurados Bastava o relatório do juiz 241 Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado 242 MARQUES Jader A Réplica e a Tréplica nos Debates do Tribunal do Júri Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal n 52 outnov 2008 243 Conforme explica NASSIF op cit p 122 244 No mesmo sentido RANGEL op cit p 643 245 Art 481 Se a verificação de qualquer fato reconhecida como essencial para o julgamento da causa não puder ser realizada imediatamente o juiz presidente dissolverá o Conselho ordenando a realização das diligências entendidas necessárias Parágrafo único Se a diligência consistir na produção de prova pericial o juiz presidente desde logo nomeará perito e formulará quesitos facultando às partes também formulálos e indicar assistentes técnicos no prazo de 5 cinco dias 246 Em sentido diverso NASSIF op cit p 144 sugere que tal tese seja perguntada após o segundo quesito ou seja indagase sobre a materialidade e autoria e após sobre o nexo causal apenas se for tese defensiva do contrário entendese que o nexo foi reconhecido no primeiro quesito 247 GIACOMOLLI Nereu José Reformas do Processo Penal cit p 102 248 Entre outros GOMES Luiz Flávio CUNHA Rogério Sanches PINTO Ronaldo Batista Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito São Paulo RT 2008 p 222 249 RECURSO ESPECIAL N 1736439 AM 201800922026 RELATOR MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR EMENTA RECURSO ESPECIAL TRIBUNAL DO JÚRI QUESITAÇÃO DUAS TESES DEFENSIVAS ABSOLVIÇÃO PRIMÁRIA E DESCLASSIFICAÇÃO SUBSIDIÁRIA SENDO QUE A SEGUNDA ANTECEDEU A PRIMEIRA NA ORDEM DE QUESITAÇÃO RESPOSTA AFIRMATIVA DO CONSELHO DE SENTENÇA A AMBOS OS QUESTIONAMENTOS ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE CASSOU A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA POR CONSIDERAR QUE A RESPOSTA AO PRIMEIRO QUESITO DESCLASSIFICATÓRIO TERIA AFASTADO A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI ABSOLVIÇÃO QUE DEVE ANTECEDER O QUESITO DESCLASSIFICATÓRIO QUANDO FIGURAR COMO TESE PRIMÁRIA DA DEFESA PRECEDENTE DO STJ RESTABELECIMENTO DA ORDEM ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE NOS TERMOS DA SENTENÇA Recurso especial provido 250 Art 493 A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento 251 Súmula 156 do STF É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri por falta de quesito obrigatório 252 O excelente texto de Paulo Queiroz de onde extraímos apenas um trecho é bem mais amplo trazendo ainda uma análise importante da prisão preventiva Recomendamos a leitura no sítio httpswwwpauloqueiroznetanovaprisaopreventivalein139642019 253 No mesmo sentido RANGEL Direito Processual Penal 15 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 556 254 Derecho y Razón cit p 577 255 FAIREN GUILLEN Víctor El Jurado Madrid Marcial Pons 1997 p 57 256 O objetivo é a máxima originalità do processo penal como explicam FERRAJOLI e DALIA na obra Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 568 e s 257 MOREIRA DE OLIVEIRA Marco Aurélio Costa O Número Ímpar de Jurados Material original gentilmente cedido pelo autor 258 Explica o autor que dentro da teoria dos valores devese distinguir entre axiologia e axiosofia A axiologia tem por objeto a estrutura formal do reino dos valores a delimitação de cada valor a relação entre os diversos valores assim como as leis formais que governam cada valor A axiosofia em troca enfoca os conteúdos dos valores A axiologia é referida a valores a axiosofia é estimativa Op cit p 18 e s 259 GOLDSCHMIDT Werner La Ciencia de La Justicia Dikelogía Buenos Aires Depalma 1986 prólogo 260 La Ciencia de La Justicia Dikelogía cit p 189 261 ARAGONESES ALONSO Pedro Proceso y Derecho Procesal 2 ed Madrid Edersa 1997 p 28 262 Instituciones de Derecho Procesal Penal 5 ed Madrid Editorial Rubí Artes Gráficas 1984 p 7 e s 263 OST François O Tempo do Direito Lisboa Piaget 1999 p 9 e s 264 ALMEIDA PRADO Lidia Reis O Juiz e a Emoção aspectos da lógica da decisão judicial Campinas Millennium 2003 p 124 265 FERRAJOLI Luigi Derecho y Razón teoría del garantismo penal 2 ed Madrid Trotta 1997 p 22 e s 266 Idem ibidem p 59 267 DAMÁSIO António O Erro de Descartes São Paulo Companhia das Letras 1996 p 279 268 Idem ibidem p 280 269 Por tudo conferir ANTÓNIO DAMÁSIO O Erro de Descartes op cit 270 Cf ALMEIDA PRADO Lídia Reis O Juiz e a Emoção cit p 110 A expressão sombra está empregada no sentido de lado esquecido desvalorizado ou reprimido Sobre o tema consultese o que explicamos anteriormente no tópico A toga e a figura humana do julgador no ritual judiciário da dependência à patologia 271 No prólogo da obra de Ferrajoli p 17 272 Derechos y Garantías la ley del más débil Madrid Trotta 1999 p 21 273 Idem ibidem 274 Idem ibidem p 23 275 Derechos y Garantías la ley del más débil cit p 24 276 MAZZUOLI Valerio de Oliveira O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis 3 ed São Paulo RT 2013 277 Tomamos emprestada a enigmática pergunta de Agostinho Ramalho Marques Neto O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática o juiz cidadão Revista da ANAMATRA São Paulo n 21 p 3050 1994 278 Teoria do Ordenamento Jurídico Trad Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Brasília Polis 1991 p 119 e s 279 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 24 280 MARQUES NETO Agostinho Ramalho O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática o juiz cidadão Revista da ANAMATRA São Paulo n 21 p 3050 1994 281 PEREIRA LEAL Rosemiro Teoria Processual da Decisão Jurídica São Paulo Landy 2002 p 14 282 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson Glosas ao Verdade Dúvida e Certeza de Francesco Carnelutti para os Operadores do Direito In Anuário IberoAmericano de Direitos Humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 188 283 SILVA FRANCO Alberto O Juiz e o Modelo Garantista Doutrina do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais disponível no site do Instituto wwwibccrimcombr em março de 1998 284 A expressão é de WARAT apud STRECK e bem retrata o conjunto de crenças e valores do discurso manualístico que impregna nossos tribunais Valores e conceitos são repetidos ao longo de anos sem maior questionamento ou reflexão por parte dos operadores jurídicos retratando um perigosíssimo conformismo Exemplo típico dessa postura repetidora do saber comum é a paixão arrebatadora por parte de alguns juízes pelos repertórios de jurisprudência Invocar a jurisprudência pacífica reiteradas decisões de tal tribunal etc é considerado por eles como fundamentação Como explica STRECK Lenio Luiz Tribunal do Júri 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 1998 p 51 com esse tipo de procedimento são ignorados o contexto histórico e social no qual estão inseridos os atores jurídicos acusado vítima juiz promotor advogado etc bem como não se indaga e tampouco se pesquisa a circunstância da qual emergiu a ementa jurisprudencial utilizada Afinal de contas se a jurisprudência torrencialmente vem decidindo que ou a doutrina pacificamente entende que o que resta fazer Consequência disso é que o processo de interpretação da lei passa a ser um jogo de cartas marcadas Ainda se acredita na ficção da vontade do legislador do espírito do legislador da vontade da norma 285 STRECK Lenio Luiz A Aplicação dos Princípios Constitucionais Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 204 286 DAMÁSIO António O Erro de Descartes cit p 280 287 Imprescindível a leitura da obra Sentença Penal a bricolage de significantes de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA publicada pela Editora Lumen Juris 288 Seria reducionismo citar alguma passagem pontual de Lenio STRECK pois não daria a real dimensão do seu pensamento Daí por que é imprescindível a leitura integral entre outras da obra O que é Isto decido conforme a minha consciência Porto Alegre Livraria do Advogado 289 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional 6 ed Coimbra Almedina 1996 p 229 290 Sempre recordando que essa é uma obra assumidamente introdutória e que não tem por objeto o estudo de toda a complexa principiologia constitucional ou mesmo de hermenêutica 291 MORAES Alexandre Direito Constitucional 13 ed São Paulo Atlas 2003 p 47 e s 292 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional cit p 230 293 Derechos y Garantías la ley del más débil cit p 26 294 STRECK Lenio na Apresentação da obra Hermenêutica Constitucional de Laurence Tribe e Michael Dorf publicada pela Editora Del Rey 2007 p XV 295 TRIBE Laurence e DORF Michael Hermenêutica Constitucional Belo Horizonte Del Rey 2007 p 3 296 COUTINHO Jacinto Nelson Dogmática Crítica e Limites Linguísticos da Lei In Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Martonio Montalverne Barreto Lima Orgs Diálogos Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2006 p 225232 297 COUTINHO Jacinto Nelson Dogmática Crítica e Limites Linguísticos da Lei cit p 225232 298 MORAIS DA ROSA Alexandre Decisão Penal a bricolage de significantes cit p 277 299 COUTINHO Jacinto Nelson A Lide e o Conteúdo do Processo Penal Curitiba Juruá 1989 p 143 300 PEREIRA LEAL op cit p 6869 301 Idem ibidem p 85 302 Idem ibidem p 124 303 PEREIRA LEAL op cit p 125 304 Entre outros TOURINHO FILHO op cit v 4 p 239 305 OLIVA SANTOS Andrés et al Derecho Procesal Penal 8 ed p 547 306 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 264 307 Art 381 A sentença conterá I os nomes das partes ou quando não possível as indicações necessárias para identificálas II a exposição sucinta da acusação e da defesa III a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão IV a indicação dos artigos de lei aplicados V o dispositivo VI a data e a assinatura do juiz 308 Entre outros escritos consultese nossa obra Fundamentos do Processo Penal Editora Saraiva 309 Art 489 São elementos essenciais da sentença I o relatório que conterá os nomes das partes a identificação do caso com a suma do pedido e da contestação e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo II os fundamentos em que o juiz analisará as questões de fato e de direito III o dispositivo em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória sentença ou acórdão que I se limitar à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida II empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso III invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão IV não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de em tese infirmar a conclusão adotada pelo julgador V se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos VI deixar de seguir enunciado de súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento 2º No caso de colisão entre normas o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boafé 310 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 111 311 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença São Paulo RT 2001 p 87 312 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2003 p 114 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Sentencias Congruentes Pretensión Oposición y Fallo Madrid Aguilar 1957 p 87 314 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 37 315 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 32 316 Neste sentido o novo CPC tem um tratamento muito mais acorde com os postulados do contraditório Como determina o art 10 do novo CPC o juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício Eis uma regra básica e que deveria ser observada também no processo penal inclusive em caso de emendatio libeli 317 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa América 1963 v 2 p 252 318 CAPEZ Fernando Curso de Processo Penal 13 ed São Paulo Saraiva p 424 319 SCARANCE FERNANDES Antonio A Mudança do Fato ou da Classificação no Novo Procedimento do Júri Boletim do IBCCrim n 188 julho2008 p 6 320 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 178 321 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 107 322 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 113 323 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 130 324 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 163 325 Muito interessante e inspirador é o sistema espanhol cujo art 733 da LECrim e art 7883 no procedimiento abreviado chega ao extremo cuidado de disciplinar a fórmula a ser empregada pelo julgador Artículo 733 Si juzgando por el resultado de las pruebas entendiere el Tribunal que el hecho justiciable ha sido calificado con manifiesto error podrá el Presidente emplear la siguiente fórmula Sin que sea visto prejuzgar el fallo definitivo sobre la conclusiones de la acusación y la defensa el Tribunal desea que el Fiscal y los defensores del procesado o los defensores de las partes cuando fuesen varias le ilustren acerca de si el hecho justiciable constituye el delito de o si existe la circunstancia eximente de responsabilidad a que se refiere el número del artículo del Código Penal Esta facultad excepcional de que el Tribunal usará con moderación no se extiende a las causas por delitos que sólo pueden perseguirse a instancia de parte ni tampoco es aplicable a los errores que hayan podido cometerse en los escritos de calificación así respecto de la apreciación de las circunstancias atenuantes y agravantes como en cuanto a la partición de cada uno de los procesados en la ejecución del delito público que sea materia de juicio Si el Fiscal o cualquiera de los defensores de las partes indicaren que no están suficientemente preparados para discutir la cuestión propuesta por el Presidente se suspenderá la sesión hasta el siguiente día É o chamado planteamiento de la tesis em que o tribunal manifesta a intenção de que as partes lhe ilustrem acerca da possibilidade de o fato constituir outro delito diverso daquele constante na imputação Como explica OLIVA SANTOS Derecho Procesal Penal p 556 el planteamiento de las tesis suscita la oportunidad de defenderse y de debatir contradictoriamente aquello que por no hallarse en las calificaciones no se hubiera tenido ocasión de defender y debatir Lo que se aduce en favor de la concreta postura aquí impugnada es nada menos que el denominado principio acusatorio A preocupação é no sentido de que as partes possam trazer suas alegações para melhor ilustrar o julgador da situação jurídica pois o que aqui se discute é exatamente a possibilidade de alteração na tipificação legal Não há perda da imparcialidade por parte do juiz quando faz o questionamento planteamiento pois não há prejulgamento senão apenas uma possibilidade ventilada ou seja um horizonte decisório desvelado e compartilhado honestamente com as partes através do contraditório Pensamos que na essência não na plenitude esse é um procedimento perfeitamente utilizável no sistema brasileiro sem a necessidade de qualquer alteração legislativa Ventilada a hipótese de nova definição jurídica do fato pelo juiz ou tribunal pois lá o julgamento em primeiro grau é colegiado devem as partes se manifestar sobre a hipótese ventilada Não está o juiz vinculado a essa nova classificação jurídica suscitada podendo julgar nos estritos limites da pretensão acusatória originalmente formulada ou da nova tese Em nome da máxima eficácia do contraditório não se pode inclusive descartar a necessidade de eventual dilação probatória conforme o caso com provas e contraprovas sendo produzidas Por outro lado se mesmo com o planteamiento o Ministério Público insistir em manter a acusação nos termos originários não cabe ao juiz modificar a tipificação legal Somente assim haverá a máxima eficácia do contraditório e demais regras do devido processo penal 326 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 34 327 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 136 328 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A conformidade constitucional das leis processuais penais 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 p 149 329 Situação similar ao planteamiento de la tesis do sistema espanhol anteriormente explicado 330 MALAN Diogo A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 189 331 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 67 332 DUCLERC Elmir Curso Básico de Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2006 v 1 2 ed p 250 333 GIACOMOLLI Nereu Reformas do Processo Penal cit p 108 334 GRECO Rogério Curso de Direito Penal 6 ed Rio de Janeiro Impetus 2007 v 1 p 179 335 Conforme noticiado no Informativo do STJ DIREITO PROCESSUAL PENAL MUTATIO LIBELLI E DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL DOLOSO PARA A FORMA CULPOSA DO CRIME Quando na denúncia não houver descrição sequer implícita de circunstância elementar da modalidade culposa do tipo penal o magistrado ao proferir a sentença não pode desclassificar a conduta dolosa do agente assim descrita na denúncia para a forma culposa do crime sem a observância do regramento previsto no art 384 caput do CPP Com efeito o dolo direto é a vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita no tipo penal A culpa por sua vez decorre da violação ao dever objetivo de cuidado causadora de perigo concreto ao bem jurídico tutelado A par disso frisese que segundo a doutrina no momento de se determinar se a conduta do autor se ajusta ao tipo de injusto culposo é necessário indagar sob a perspectiva ex ante se no momento da ação ou da omissão era possível para qualquer pessoa no lugar do autor identificar o risco proibido e ajustar a conduta ao cuidado devido cognoscibilidade ou conhecimento do risco proibido e previsibilidade da produção do resultado típico Nesse passo a prova a ser produzida pela defesa no decorrer da instrução criminal para comprovar a ausência do elemento subjetivo do injusto culposo ou doloso é diversa Assim não descrevendo a denúncia sequer implicitamente o tipo culposo a desclassificação da conduta dolosa para a culposa ainda que represente aparente benefício à defesa em razão de imposição de pena mais branda deve observar a regra inserta no art 384 caput do CPP Isso porque após o advento da Lei 117192008 qualquer alteração do conteúdo da acusação depende da participação ativa do Ministério Público não mais se limitando a situações de imposição de pena mais grave como previa a redação original do dispositivo Portanto o fato imputado ao réu na inicial acusatória em especial a forma de cometimento do delito da qual se infere o elemento subjetivo deve guardar correspondência com aquele reconhecido na sentença a teor do princípio da correlação entre acusação e sentença corolário dos princípios do contraditório da ampla defesa e acusatório REsp 1388440ES Rel Min Nefi Cordeiro j 532015 DJe 1732015 336 Por honestidade científica citamos o entendimento diverso daquele por nós defendido e com o qual não concordamos mas sustentado pelo STF no RHC 85623SP 1ª Turma Rel Min CARLOS BRITTO j 07062005 EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS RECORRENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE PECULATO DOLOSO CAPUT DO ART 312 DO CP E CONDENADA POR PECULATO CULPOSO 2º DO ART 312 DO CP ALEGADA OCORRÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI ART 384 DO CPP E NÃO DE EMENDATIO LIBELLI ART 383 DO CPP PRETENDIDA ABERTURA DE VISTA À DEFESA AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À CONDENADA Registrase hipótese da mutatio libelli sempre que durante a instrução criminal restar evidenciada a prática de ilícito cujos dados elementares do tipo não foram descritos nem sequer de modo implícito na peça da denúncia Em casos tais é de se oportunizar aos acusados a impugnação também de novos dados factuais em homenagem à garantia constitucional da ampla defesa Ocorre emendatio libelli quando os fatos descritos na denúncia são iguais aos considerados na sentença diferindo apenas a qualificação jurídica sobre eles incidente Caso em que não se cogita de nova abertura de vista à defesa pois o réu deve se defender dos fatos que lhe são imputados e não das respectivas definições jurídicas Inocorre mutatio libelli se os fatos narrados na denúncia e contra as quais se defendeu a recorrente são os mesmos considerados pela sentença condenatória limitandose a divergência ao elemento subjetivo do tipo culpa dolo Não é de se anular ato que desclassifica a infração imputada à acusada para lhe atribuir delito menos grave Aplicação da parêmia pas de nullité sans grief art 563 do CPP Recurso desprovido 337 OLIVA SANTOS Andres et al Derecho Procesal Penal cit p 562 338 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 125127 339 Em sentido diverso do nosso mas que citamos para conhecimento do leitor EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus Defesa de todos os réus feita pelos mesmos advogados Cerceamento de defesa não configurado diante da inexistência de antagonismo entre as versões dos corréus e pelo fato de nas alegações finais ter sido a conduta do recorrente analisada separadamente Inocorrência de nulidade na ausência de reperguntas por parte da defesa pois tal procedimento é faculdade processual da parte não tendo o condão de macular o processo Desistência das testemunhas de defesa que não implicou em qualquer vício já que as alegações finais basearamse pormenorizadamente na prova produzida Sentença que condenou os réus por crime consumado e não tentado como postulado na denúncia Caso de ementatio libelli e não de mutatio libelli Aplicação do art 383 do CPP Recurso ordinário improvido RHC n 80998MS 1ª Turma do STF Rel Ministra Ellen Gracie j 21082001 340 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 220 341 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 133 342 MALAN Diogo Rudge A Sentença Incongruente no Processo Penal cit p 110 343 ARAGONESES ALONSO Pedro Sentencias Congruentes Pretensión Oposición y Fallo cit p 88 e s 344 Não incluímos no processo penal a sentença ultra petita porque pensamos ser uma categoria inadequada até porque absorvida pela extra petita Não há como o juiz julgar ultra petita sem decidir fora do que foi pedido isto porque o além do pedido no processo penal significa uma mutação no fato processual uma alteração fática Um exemplo apontado pela doutrina como sendo de decisão ultra petita é o seguinte a denúncia imputa ao réu a prática do delito de lesões corporais leves e o juiz sem aditamento procede à condenação por lesões corporais graves Existe uma decisão além do pedido Não a decisão é diversa da imputação Não se trata de uma relação de minusplus pois a lesão grave é um fato penal distinto Não é apenas um mais sentença do que foi pedido senão uma sentença fora do que foi pedido que reconheceu uma alteração fática lesão grave sem o correspondente pedido 345 PRADO Geraldo Sistema Acusatório cit p 116117 346 A expressão é de ARAGONESES ALONSO na obra Proceso y Derecho Procesal cit p 127 347 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa América 1963 v 3 p 320 348 Idem ibidem p 321 349 COUTURE Eduardo J Fundamentos del Derecho Procesal Civil 3 ed Buenos Aires Depalma 1990 p 407 350 DUCLERC Elmir Direito Processual Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 488 351 LIEBMAN Enrico Tullio Efficacia ed Autorità della Sentenza Milano 1962 p 6 e s 352 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 273 353 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Buenos Aires Del Puerto 2000 p 434 354 Partindo de uma premissa distinta pois defende que o fenômeno da coisa julgada é idêntico no processo civil e no processo penal Ada PELLEGRINI GRINOVER Eficácia e Autoridade da Sentença Penal São Paulo RT 1978 p 56 sustenta que não há diversidade ontológica da coisa julgada na sentença condenatória em relação à absolutória senão apenas uma regulamentação diversa da rescindibilidade 355 Com MORENO CATENA e GIMENO SENDRA na obra Derecho Procesal Penal cit p 626 356 Aquilo que MAIER Derecho Procesal Penal v 1 p 606 chama de hecho como acontecimiento real circunscrito assim a um lugar e momento determinado 357 GÓMEZ ORBANEJA Emilio Derecho Procesal v II p 313 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 317 358 MAIER Julio Derecho Procesal Penal cit p 606 359 BADARÓ Gustavo Henrique Correlação entre Acusação e Sentença cit p 152 360 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed p 510 361 EMENTA PENAL PROCESSUAL PENAL HABEAS CORPUS EXTINÇÃO DA PUNIBILI DADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA DECRETO QUE DETERMINA O DESARQUIVAMENTO DA AÇÃO PENAL INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA FUNDAMENTAÇÃO ART 93 IX DA CF I A decisão que com base em certidão de óbito falsa julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada dado que não gera coisa julgada em sentido estrito II Nos colegiados os votos que acompanham o posicionamento do relator sem tecer novas considerações entendemse terem adotado a mesma fundamentação III Acórdão devidamente fundamentado IV HC indeferido 362 Não se descarta que no caso concreto a coisa julgada não alcance o fato criminoso que não foi objeto de acusação mas que se afigura como substancialmente mais grave do que aqueles apurados no processo originário sob pena de se produzir flagrante desproporcionalidade Ademais é a pena do crime mais grave que norteia a dosimetria de modo que se ele não foi incluído no processo não há como sustentar sua absorção no concurso formal 363 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v II p 439 364 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 365 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 358 e s 366 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 362 Advertimos que essa é uma posição citada pelo autor mas não é por ele adotada 367 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 368 CORTÉS DOMINGUEZ Valentin MORENO CATENA Victor e GIMENO SENDRA Vicente Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 626 369 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal cit p 275 370 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 353 371 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali Milano Dott A Giuffrè 1972 p 3 e s 372 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v II p 413 373 GRINOVER MAGALHÃES SCARANCE na obra As Nulidades no Processo Penal 8 ed p 22 374 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal Buenos Aires Ediciones Jurídicas Europa América 1963 v 1 p 713714 375 LEONE Giovanni Tratado de Derecho Procesal Penal cit p 714 376 Entre outros BADARÓ op cit p 181 377 GRINOVER MAGALHÃES SCARANCE As Nulidades no Processo Penal 2 ed São Paulo Malheiros 1992 p 31 378 A expressão é de BINDER op cit p 62 379 COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro Revista de Estudos Criminais Porto Alegre Nota Dez Editora n 1 2001 p 44 380 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 189 381 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal cit p 190 382 BINDER Alberto B El Incumplimiento de las Formas Procesales Buenos Aires AdHoc 2000 p 56 383 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 410 384 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali cit p 63 385 TOVO Paulo Cláudio MARQUES TOVO João Batista Nulidades no Processo Penal Brasileiro Novo enfoque e comentário Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 45 386 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 72 387 SCHMIDT Ana Sofia Resolução 0502 Interrogatório online Boletim do IBCCrim n 120 novembro2002 388 BINDER op cit p 72 389 Art 185 O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária no curso do processo penal será qualificado e interrogado na presença de seu defensor constituído ou nomeado 390 CONSO Giovanni Il Concetto e le Specie DInvalidità introduzione alla teoria dei vizi degli ati processuali penali cit p 10 391 Idem ibidem p 39 392 PONTES DE MIRANDA Francisco Cavalcanti Tratado das Ações Campinas Bookseller 1999 v IV p 4243 393 Idem ibidem p 43 394 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 29 395 BINDER Alberto El Incumplimiento de las Formas Procesales cit p 92 396 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 90 397 É importante destacar que a leitura conjunta de GOLDSCHMIDT com FAZZALARI é harmônica pois são evidentes a influência do mestre alemão sobre o processualista italiano crítico do vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale op cit p 75 e a construção que faz das posições subjetivas possíveis de serem extraídas ao longo do procedimento e ainda por exemplo na definição das categorias de situação jurídica processual e situação jurídica substancial 398 FAZZALARI op cit p 80 399 PEREIRA LEAL Rosemiro Teoria Processual da Decisão Jurídica São Paulo Landy 2002 p 85 400 BOSCHI José Antonio Paganella Nulidades In BOSCHI Marcus Vinicius Org Código de Processo Penal Comentado Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 p 443 401 GLOECKNER Ricardo Jacobsen e LOPES JR Aury Investigação Preliminar no Processo Penal São Paulo Saraiva 2014 402 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro São Paulo RT 2000 p 26 403 HINOJOSA SEGOVIA Rafael et al Derecho Procesal Penal 2 ed Madrid Centro de Estudios Ramón Areces 1996 p 598 404 POZZEBON Fabrício Dreyer de Avila A ampliação da visibilidade nos julgamentos criminais In Criminologia e Sistemas Jurídicos Penais Contemporâneos 2 ed Porto Alegre EDIPUCRS 2011 v 2 p 232 a 247 405 ARAGONESES ALONSO entende que recurso é o ato de parte por meio do qual se solicita a modificação de uma resolução judicial que produziu um gravame ao recorrente no mesmo processo em que aquela foi ditada LEONE define como um remédio jurídico atribuído às partes e em casos particulares a sujeitos que não tenham participado no processo com o caráter de parte a fim de remover uma desvantagem proveniente de uma decisão judicial CARNELUTTI com a peculiar leitura do fenômeno processual que sempre o caracterizou trata dos recursos na dimensão de la crítica a la decisión explicando que etimologicamente criticar não significa outra coisa que julgar e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo isto é o juízo sobre o juízo e dessa maneira um juízo elevado à segunda potência Essa ideia de juicio sobre el juicio é muito interessante desde que bem compreendida pois quando o autor emprega a expressão juízo juicio o faz no sentido amplo de julgamento ou seja do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento sentido estrito e não apenas na dimensão deste último Assim juízo não significa ato decisório senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o julgamento GOLDSCHMIDT sustenta que os recursos são os meios jurídicos processuais concedidos às partes aos afetados imediatamente pela resolução judicial para impugnar uma resolução judicial que não é formalmente definitiva ausência de coisa julgada formal ante um tribunal superior efeito devolutivo e que suspendem os efeitos da coisa julgada efeito suspensivo Todo recurso supõe como fundamento jurídico a existência de um gravame prejuízo da parte isto é uma diferença injustificada desfavorável para ela entre sua pretensão ou resistência e o que foi concedido pela resolução que impugna Preciso também é o conceito dado por DALIA e FERRAIOLI de que la impugnazione è il rimedio che in casi tassativi la legge accorda a determinati soggetti per rimuovere gli effetti pregiudizievoli di un provvedimento giurisdizionale che ritengano ingiusto o illegitimo Para finalizar essa rápida revisão conceitual MANZINI define os recursos como atividades processuais que determinam uma nova fase do mesmo procedimento através da qual se controla ou se renova o juízo anterior As impugnações determinam de ordinário a subdivisão do processo em graus como consequência do julgamento de primeiro grau podem seguir os juízos de segundo grau apelação e de terceiro grau cassação 406 Em sentido diverso GUASP e ARAGONESES ALONSO Derecho Procesal Civil Madrid Civitas 1998 t II p 551557 sustentam que os recursos instauram um novo processo ou seja que a impugnação processual é autônoma e se converte em um verdadeiro processo Para os autores mediante a impugnação processual o processo principal não é simplesmente continuado senão que desaparece para deixar em seu lugar outro processo distinto ainda que ligado ao anterior A impugnação do processo não é uma continuação do processo principal por outros meios visto que o processo de impugnação tem caráter autônomo é um processo independente com seu regime jurídico peculiar isto é com seus requisitos procedimento e efeitos distintos das correspondentes categorias do processo a que se referem Ainda que autônomo um verdadeiro processo especial guarda conexão com o principal Em outra passagem ao tratar da apelação os autores afirmam quanto à natureza jurídica que la apelación se afirma como verdadero recurso y en consecuencia como un proceso autónomo e independiente no parte del proceso principal en que se produce la resolución recurrida La doctrina dominante ve no obstante en el recurso de apelación una continuación del litigio primitivo y trata de diferenciar en este sentido la apelación como recurso de las llamadas acciones impugnativas autónomas que rompen la unidad procesal Mas esta configuración de los recursos como ingredientes del proceso principal de cuyos resutados se recurre no puede ser admitida dada la diferencia de régimen jurídico entre unos y otros procesos y especialmente dada la distinción de objeto que existe entre el proceso primitivo y el proceso de impugnación en el que la pretensión no es la inicial sino la subseguinte que reclama la eliminación y sustitución de la resolución impugnada E prosseguem explicando que se pode conceber a apelação e demais recursos não como uma repetição do processo anterior senão como uma revisión del mismo isto é como uma depuração de seus resultados por métodos autônomos que levam portanto não a um novo juízo senão a uma revisio prioris instantiae Para esta concepção na apelação não se reiteram os trâmites do processo principal senão que se seguem outros distintos que têm por objeto comprovar a exatitude ou inexatitude dos resultados obtidos no processo originário Isto repercute apontam ARAGONESES ALONSO e GUASP no regime jurídico da apelação visto que para essa concepção revisora a referência aos trâmites do processo primitivo não é uma pauta obrigatória e somente se tem em vista o resultado que se trata precisamente de revisar Por isso em matéria de instrução e ordenação processual não há aqui uma identificação senão diferenciação do processo recorrido e do recurso Mas essa é uma posição isolada e com a qual não concordamos 407 Para esclarecer aqueles que iniciam o estudo de Direito Processual Penal chamase de órgão ou juiz a quo para referir aquele que proferiu a decisão e tribunal ad quem para o órgão jurisdicional superior a quem compete o julgamento do recurso 408 No mesmo sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 23 409 O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 através do Decreto n 678 de 6 de novembro de 1992 410 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 497 411 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 529 412 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal p 289 413 Conforme ARMENTA DEU op cit p 290 414 ARAGONESES ALONSO Pedro Instituciones de Derecho Procesal Penal cit p 528 415 Cf GRINOVER MAGALHÃES SCARANCE Recursos no Processo Penal 5 ed São Paulo RT 2008 p 31 e s 416 Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 34 417 MANZINI Vincenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit t V p 11 418 RESP ABSOLVIÇÃO INIMPUTABILIDADE REEXAME NECESSÁRIO ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECE DO RECURSO DE OFÍCIO PROCEDIMENTO QUE NÃO FOI REVOGADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 O denominado recurso de ofício previsto no art 574 do Código de Processo Penal por ser mero procedimento para conferir o efeito da coisa julgada e não recurso propriamente dito não restou revogado pela nova ordem constitucional que confere ao ministério público a titularidade exclusiva da ação penal pública Recurso provido para cassar o acórdão recorrido e determinar o julgamento do mérito do recurso encaminhado ex officio REsp 767535PA Rel Min Maria Thereza de Assis Moura 6ª Turma julgado em 11122009 DJe 1º022010 419 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE sustentam que dentro da matéria impugnada são plenos os poderes instrutórios do tribunal ainda que os códigos somente se refiram a eles para certos recursos ex art 616 CPP Salientese que nada disso importará em supressão do primeiro grau de jurisdição uma vez que o juiz a quo decidiu a causa com base no material instrutório que entendeu suficiente Recursos no Processo Penal cit p 53 420 Sobre o tema entre outros é imprescindível a leitura de ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed São Paulo Malheiros 2005 421 ÁVILA Humberto Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos cit p 78 422 No mesmo sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 40 explicam que é exatamente neste caso em que a parte interpõe o recurso impróprio dentro de seu prazo cabível mas fora do previsto para a interposição do recurso cabível que a regra da fungibilidade deveria ser aplicada E continuam afirmando que entendemos que para a subsistência do princípio em sua inteireza deveria haver aproveitamento do recurso impróprio mesmo quando interposto fora do prazo do cabível como hoje se entende para o processo civil Mas o art 579 CPP que ainda exclui o princípio na hipótese de máfé impõe a manutenção de critérios antigos parece então poderse concluir que se houver realmente incerteza quanto ao recurso adequado seja pelo próprio sistema seja por controvérsias doutrinárias ou jurisprudenciais o recurso impróprio pode ser aproveitado mesmo se interposto fora do prazo do cabível Mas se essa dúvida não existir a interposição de um recurso por outro dentro do prazo maior será claro indício de máfé 423 BADARÓ Gustavo Henrique Ivahy O Agravo Cabível contra Decisão Denegatória de Recurso Especial e Extraordinário em uma Recente Decisão do STF e os Limites da Fungibilidade Recursal Boletim do IBCCrim n 230 janeiro2012 p 2 424 Importante destacar que o dispositivo não faz alusão ao art 384 pois está vedada a mutatio libelli em segundo grau na medida em que implicaria supressão de um grau de jurisdição além da violação do contraditório e da ampla defesa 425 AÇÃO PENAL Homicídio doloso Tribunal do Júri Três julgamentos da mesma causa Reconhecimento da legítima defesa com excesso no segundo julgamento Condenação do réu à pena de 6 seis anos de reclusão em regime semiaberto Interposição de recurso exclusivo da defesa Provimento para cassar a decisão anterior Condenação do réu por homicídio qualificado à pena de 12 doze anos de reclusão em regime integralmente fechado no terceiro julgamento Aplicação de pena mais grave Inadmissibilidade Reformatio in pejus indireta Caracterização Reconhecimento de outros fatos ou circunstâncias não ventilados no julgamento anterior Irrelevância Violação consequente do justo processo da lei due process of law nas cláusulas do contraditório e da ampla defesa Proibição compatível com a regra constitucional da soberania relativa dos veredictos HC concedido para restabelecer a pena menor Ofensa ao art 5º incs LIV LV e LVII da CF Inteligência dos arts 617 e 626 do CPP Anulados o julgamento pelo tribunal do júri e a correspondente sentença condenatória transitada em julgado para a acusação não pode o acusado na renovação do julgamento vir a ser condenado a pena maior do que a imposta na sentença anulada ainda que com base em circunstância não ventilada no julgamento anterior 426 HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER 1 CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA SEGUNDO JULGAMENTO ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO DECISÃO DOS JURADOS CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS 2 TERCEIRO JULGAMENTO CONDENAÇÃO PELOS DOIS TIPOS PENAIS RECURSO DA DEFESA VEDAÇÃO LEGAL A UM SEGUNDO RECURSO PELO MESMO FUNDAMENTO 3 CONDENAÇÃO FINAL SUPERIOR À IMPOSTA NO PRIMEIRO JULGAMENTO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA 4 ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA 1 Se o recurso interposto pela defesa apresenta a mesma alegação do que foi interposto pela acusação já julgado e provido pelo Tribunal estadual de que a sentença condenatória foi contrária à prova dos autos o último encontra óbice no art 593 3º do Código de Processo Penal que veda a interposição de uma segunda apelação por igual motivo Precedentes 3 Havendo um primeiro julgamento com recurso exclusivo da defesa e um terceiro com recurso exclusivo da acusação e o Tribunal do Júri em decisão soberana condenar a paciente exatamente pelos mesmos tipos penais o quantum da reprimenda deve respeitar os limites impostos na primeira condenação da qual somente a defesa recorreu sob pena de configurar reformatio in pejus indireta 4 Ordem parcialmente concedida STJ Rel Min Marco Aurélio Bellizze 5ª Turma julgado em 27032012 E ainda HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO CONDENAÇÃO NO JÚRI POPULAR APELAÇÃO REDUÇÃO DA REPRIMENDA NOVO JULGAMENTO IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO CORPORAL SUPERIOR IMPOSSIBILIDADE PRINCÍPIO QUE VEDA A REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA 1 Os princípios da plenitude de defesa e da soberania dos veredictos devem ser compatibilizados de modo que em segundo julgamento os jurados tenham liberdade de decidir a causa conforme suas convicções sem que isso venha a agravar a situação do acusado quando apenas este recorra 2 Nesse contexto ao proceder à dosimetria da pena o Magistrado fica impedido de aplicar sanção superior ao primeiro julgamento se o segundo foi provocado exclusivamente pela defesa 3 No caso em decorrência de protesto por novo júri recurso à época existente o Juiz presidente aplicou pena superior àquela alcançada no primeiro julgamento o que contraria o princípio que veda a reformatio in pejus indireta 4 Ordem concedida com o intuito de determinar ao Juízo das execuções que proceda a novo cálculo de pena considerando a sanção de 33 trinta e três anos 7 sete meses e 6 seis dias de reclusão a ser cumprida inicialmente no regime fechado HC 205616SP Rel Min Og Fernandes 6ª Turma julgado em 12062012 DJe 27062012 427 RABELO Galvão O Princípio da Ne Reformatio in Pejus Indireta nas Decisões do Tribunal do Júri Boletim do IBCCrim n 203 outubro de 2009 p 1618 428 Idem ibidem p 17 429 Ainda que exista disposição expressa entendemos que tal vedação está fadada ao abandono não só pela tendência cada vez mais forte de flexibilização e até extinção dos princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal de iniciativa pública mas também porque ilógico Como adverte PAULO QUEIROZ httpwwwpauloqueiroznetpodeompdesistirderecursoja interposto há aí uma contradição lógica insuperável o recurso é voluntário segundo a lei mas se interposto não é passível de desistência Ora quem pode o mais não recorrer há em princípio de poder o menos dele desistir Enfim ainda que o dispositivo siga vigendo pensamos que a tendência é pela superação de tal vedação 430 A referência diz respeito ao dispositivo original do Código Penal de 1940 tendo sido alterado com a reforma de 1984 mas mantida a redação no Código de Processo Penal Assim o dispositivo aludido é o atual art 29 do Código Penal 431 Nesse sentido GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 57 432 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 207 433 MANZINI Vincenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit t V p 12 434 Súmula 310 do STF Quando a intimação tiver lugar na sextafeira ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia o prazo judicial terá início na segundafeira imediata salvo se não houver expediente caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir Súmula 710 do STF No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem 435 A Lei n 787189 modificando a Lei n 106050 assim dispôs Art 1º O art 5º da Lei n 1060 de 5 de fevereiro de 1950 fica acrescido de um parágrafo numerado como 5º com a seguinte redação Art 5º 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida o Defensor Público ou quem exerça cargo equivalente será intimado pessoalmente de todos os atos do processo em ambas as Instâncias contandoselhes em dobro todos os prazos 436 Art 806 Salvo o caso do art 32 nas ações intentadas mediante queixa nenhum ato ou diligência se realizará sem que seja depositada em cartório a importância das custas 1º Igualmente nenhum ato requerido no interesse da defesa será realizado sem o prévio pagamento das custas salvo se o acusado for pobre 2º A falta do pagamento das custas nos prazos fixados em lei ou marcados pelo juiz importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto 3º A falta de qualquer prova ou diligência que deixe de realizarse em virtude do não pagamento de custas não implicará a nulidade do processo se a prova de pobreza do acusado só posteriormente foi feita grifo nosso 437 ARMENTA DEU Teresa Lecciones de Derecho Procesal Penal 3 ed Madrid Marcial Pons 2007 p 279 438 HINOJOSA SEGOVIA Rafael et al Derecho Procesal Penal cit p 597 439 MANZINI Vincenzo Tratado de Derecho Procesal Penal cit v V p 40 e s 440 ROXIN Claus Derecho Procesal Penal Buenos Aires Del Puerto 2000 p 447448 441 No processo penal contamse os prazos da data da intimação e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem 442 ZANOIDE DE MORAES Mauricio Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit p 400 443 Há que se considerar o seguinte se o assistente é intimado antes do término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr imediatamente após o decurso do prazo concedido àquele se o assistente é intimado após o término do prazo recursal do MP o seu prazo começará a correr no primeiro dia útil subsequente Completamente diverso é o tratamento concedido ao assistente não habilitado que vem ao processo apenas para recorrer e nos termos do art 598 do CPP possui o prazo de 15 dias para interpor o recurso de apelação ou em sentido estrito Em relação aos demais recursos anteriormente apontados embargos declaratórios recurso especial e extraordinário o assistente não habilitado deverá interpôlos nos seus respectivos prazos legais sem qualquer diferença no tratamento dado às partes 444 Esses conceitos de interesseadequação interesseutilidade e interessenecessidade foram objeto de percuciente análise e crítica por parte de ZANOIDE DE MORAES Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit que sem dúvida extrapolam os limites do presente trabalho Constrói o autor um adequado conceito de interesse recursal penal no Capítulo III de sua obra que sem dúvida exige uma reflexão detida e para onde remetemos o leitor que queira ou necessite aprofundar o estudo nesta temática 445 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 81 446 Idem ibidem p 83 447 DALIA Andrea Antonio FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale cit p 668 448 ZANOIDE DE MORAES Maurício Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro cit p 47 449 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 184 450 Um detalhe importante o art 584 menciona que terá efeito suspensivo o RSE contra decisão que concede o livramento condicional Recordemos que essa decisão é agora impugnável pelo Agravo em Execução regido pela Lei de Execuções Penais que não tem efeito suspensivo 451 DALIA Andrea Antonio FERRAIOLI Marzia Manuale di Diritto Processuale Penale Milano CEDAM 1997 p 685 452 FAZZALARI Elio Istituzioni di Diritto Processuale 8 ed Padova CEDAM 1996 p 154 453 HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO TRIBUNAL DO JÚRI SENTENÇA CONDENATÓRIA APELAÇÃO AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS ALÍNEAS QUE FUNDAMENTAM O RECURSO MERA IRREGULARIDADE SUPRIMENTO NAS RAZÕES RECURSAIS SÚMULA 713STF 1 É consabido que a apelação interposta contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri tem caráter restritivo sendo inviável a atribuição de amplo efeito devolutivo próprio do recurso de apelação contra decisão proferida pelo juízo singular art 593 I do CPP 2 Configura mera irregularidade a falta de indicação dos dispositivos legais em que se apoia o termo da apelação interposta pela defesa contra decisão do Tribunal do Júri Não há empecilho no conhecimento do recurso desde que nas razões se encontrem os fundamentos que ensejaram o apelo e as pretensões da parte estejam perfeitamente delineadas precedentes do STJ e do STF 3 No caso a defesa no momento da interposição da apelação conquanto não tenha indicado expressamente as alíneas requereu a apresentação das razões com base no art 600 4º do Código de Processo Penal e após ser intimada apresentou tempestivamente as razões das quais fez constar expressamente os limites em que interposto o recurso Daí por que não comporta a invocação da Súmula 713STF como justificativa para não se conhecer na origem da apelação 4 Ordem concedida para determinar que o Tribunal a quo conheça da apelação interposta em favor do paciente julgandoa como entender de direito HC 149966RS Rel Min Sebastião Reis Júnior 6ª Turma julgado em 18102012 DJe 19112012 454 BADARÓ Gustavo Henrique Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 218 455 Art 593 1º Se a sentença do juizpresidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos o tribunal ad quem fará a devida retificação 456 Ainda que sejamos favoráveis à possibilidade de redução da pena na segunda fase abaixo do mínimo essa é uma posição isolada Prevalece nesse tema o entendimento da Súmula 231 do STJ cuja ementa é A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal 457 REZENDE Guilherme Madi Júri decisão absolutória e recurso da acusação por manifesta contrariedade à prova dos autos descabimento Boletim do IBCCrim n 207 fevereiro de 2010 p 14 458 Baseamonos no excelente texto de Guilherme Madi Rezende publicado no Boletim do IBCCrim n 296 julho de 2017 459 Diz o Ministro Schietti Exemplos diversos poderiam ser dados de decisões manifestamente contrárias à prova dos autos relativamente a autoria ou participação do réu no crime art 483 II causa de diminuição de pena alegada pela defesa art 483 3º I circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação art 483 3º II desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular art 483 4º ou sobre ser tentado ou consumado o crime ou sobre o preciso tipo penal em que se subsumiu a conduta do acusado art 483 5º Portanto conclui o Ministro se a resposta for SIM ao quesito do art 483 III d do CPP por fatores diversos desnecessidade da pena inexigibilidade de conduta diversa falta de provas clemência etc o jurado não só não precisa como em verdade não pode explicar o motivo pelo qual votou Destarte por conclusão lógica na hipótese de absolvição do réu pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri no terceiro quesito obrigatório estabelecido no art 483 III d do Código de Processo Penal é inviável a inferência pela Corte revisora de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos 460 REZENDE Guilherme Madi Jurisprudência anotada Boletim do IBCCrim n 296 julho de 2017 461 Op cit p 123 462 Interessante é o tratamento dado pelo art 846 bis c da LECrim Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola que prevê na alínea e o seguinte fundamento para apelação das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri Tribunal del jurado e que se hubiese vulnerado el derecho a la presunción de inocencia porque atendida la prueba practicada en un juicio carece de toda base razonable la condena impuesta Tratase de um recurso exclusivo da defesa e portanto somente pode ser interposto quando a sentença seja condenatória Como explica CORTÉS DOMÍNGUEZ et al Derecho Procesal Penal p 665 é uma possibilidade de o tribunal revisar a valoração da prova realizada pelos jurados de natureza fiscalizadora não tanto do resultado valoratório da prova senão da utilização deste resultado para impor a pena Em outras palavras segue o autor se do resultado valoratório se deduz a inocência e não a culpabilidade estamos diante de um caso típico de aplicação deste recurso pois a conclusão que se extrai desta valoração da prova não é razoável 463 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 114 464 Uma síntese com a respectiva crítica é fornecida por MENDES na obra anteriormente citada p 343346 465 Art 593 3º Se a apelação se fundar no n III d deste artigo e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos darlheá provimento para sujeitar o réu a novo julgamento não se admite porém pelo mesmo motivo segunda apelação 466 Art 598 Nos crimes de competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art 31 ainda que não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação que não terá porém efeito suspensivo Parágrafo único O prazo para interposição desse recurso será de quinze dias e correrá do dia em que terminar o do Ministério Público 467 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 215 468 No mesmo sentido RANGEL Paulo Direito Processual Penal 6 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2002 p 788 BADARÓ Direito Processual Penal t II cit p 246 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 217 469 Socorremonos do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 3 ed 2004 470 Idem 471 httpswwwconjurcombr2020jan06direitodefesadireitopenalprocessopenaldelacaolei anticrime 472 No mesmo sentido entre outros GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 232 473 CARNELUTTI Francesco Lecciones sobre el Proceso Penal Trad Santiago Sentís Melendo Buenos Aires EJEA 1950 v 4 p 191 474 PRADO Geraldo Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Penais 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 p 270 475 Recursos no Processo Penal cit p 209 476 httpswwwconjurcombr2018mar24diarioclassequestaofatodireitoestamospresos paradigma 477 httpswwwconjurcombr2018mar22sensoincomumsegundograuesgotaquestaofato butaoassim 478 httpswwwconjurcombr2018mar24diarioclassequestaofatodireitoestamospresos paradigma 479 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 720 480 MENDES COELHO e BRANCO Curso de Direito Constitucional cit p 696 481 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 271 482 Art 97 Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público 483 httpswwwconjurcombr2020jan06direitodefesadireitopenalprocessopenaldelacaolei anticrime 484 MORAES Alexandre de Constituição do Brasil Interpretada São Paulo Atlas 2002 p 1401 485 Idem ibidem 486 Mas há acórdãos admitindo o prequestionamento implícito Recurso extraordinário e prequestionamento O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão mas é necessário que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha o que ocorreu no caso AI 297742AgR Rel Min Sepúlveda Pertence j 25062007 DJ 10082007 487 Conforme documento do Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais do STF disponível no site wwwstfjusbr de onde foram extraídas diversas informações aqui transcritas 488 Como adverte MENDES op cit p 960 há a necessidade da manifestação expressa de pelo menos 8 oito ministros recusando a repercussão geral para que seja reputada a sua inexistência art 102 3º da Constituição 489 Esse é o entendimento ao menos por enquanto do STJ nos seguintes agravos em recurso especial AREsp 753853 609549 962171 955393 entre outros No STF destacamos a decisão proferida no ARE 986656SP que reafirmou o prazo de 5 dias 490 CORDERO Franco Procedimiento Penal Bogotá Temis 2000 v 2 p 447 491 CORTÉS DOMÍNGUEZ Valentín MORENO CATENA Victor GIMENO SENDRA Vicente Derecho Procesal Penal Madrid Colex 1996 p 692 492 Idem ibidem 493 BADARÓ Gustavo Direito Processual Penal Rio de Janeiro Elsevier 2007 t II p 299 494 PACELLI DE OLIVEIRA Eugênio Curso de Processo Penal 8 ed cit p 731 495 Sobre o tema entre outros recomendase a leitura de Tupinambá Pinto de AZEVEDO Retroatividade Erga Omnes da Decisão Penal Benigna In Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Prof Paulo Cláudio Tovo Rio de Janeiro Lumen Juris 2001 496 GIACOMOLLI Nereu A Irretroatividade da Lei n 1146407 requisitos temporais à progressão de regime nos crimes hediondos Disponível no site wwwgiacomollicom 497 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 449 498 Na esteira de BADARÓ op cit p 300 e também de GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 319 499 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v II p 448 500 Entre outros GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE op cit p 321 501 AGRAVO REGIMENTAL NA REVISÃO CRIMINAL AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PRECEDENTES AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO 1 O Supremo Tribunal Federal é competente apenas para processar e julgar revisão criminal quando a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária em recurso criminal ordinário ou em recurso extraordinário com conhecimento do mérito Precedentes 2 Com fundamento no art 21 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal deve o Relator negar seguimento à revisão criminal manifestamente inadmissível improcedente ou contrária à jurisprudência dominante embora sujeita a decisão a agravo regimental 3 Agravo regimental ao qual se nega provimento STF RvC 5448 AgR Rel Min Cármen Lúcia Tribunal Pleno DJe 08042016 O mesmo em RT 564399 RvC 5338SP Rel Min CELSO DE MELLO RvC 5344RS Rel Min CELSO DE MELLO RvC 5352RS Rel Min CELSO DE MELLO RvC 5386RS Rel Min NELSON JOBIM RvC 5390RJ Rel Min AYRES BRITTO RvC 5401BA Rel Min CEZAR PELUSO RvC 5419RS Rel Min CÁRMEN LÚCIA RvC 5426DF Rel Min DIAS TOFFOLI 502 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 p 845 503 História e Prática do HabeasCorpus 4 ed Rio de Janeiro Borsoi 1961 p 23 504 Sobre a história do habeas corpus não só no Brasil mas também na Inglaterra e Estados Unidos consultese magistral obra de PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus 505 Explica PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 128 que o habeas corpus é uma pretensão ação e remédio A pretensão existe desde 1830 prevista no Código Criminal arts 183188 A ação e o remédio desde 1832 no Código de Processo Criminal 506 TOURINHO FILHO Fernando da Costa Processo Penal cit p 403 507 História e Prática do HabeasCorpus cit p 21 508 História e Prática do HabeasCorpus cit p 176 509 CORDERO Franco Procedimiento Penal cit v 2 p 447 510 História e Prática do HabeasCorpus cit p 328 e s 511 Como explica J GOLDSCHMIDT ao definir a ação mandamental em sua obra Derecho Procesal Civil p 113 512 FISCHER Douglas Recursos Habeas Corpus e Mandado de Segurança no Processo Penal 2 ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2009 p 255 513 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provedimenti Cautelari Padova CEDAM 1936 p 38 Também GRINOVER A Tutela Preventiva das Liberdades HabeasCorpus e Mandado de Segurança Revista AJURIS n 22 p 114 514 Como explica PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 329 evidente que os juristas ingleses não conheciam a classificação quinária de constante quinze das ações e sentenças mas sua terminologia e precisão em falar em mandatory remedies demonstra que já lhes chamava a atenção a força mandamental de certas sentenças 515 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional cit p 525 516 História e Prática do Habeas Corpus cit p 468 e s 517 Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 5 ed Rio de Janeiro Editora Rio 1976 v VII p 171 e s 518 Mas é claro que há um espaço conceitual que permite a discricionariedade judicial e se o tribunal quiser conhece habeas corpus normalmente fulminados por demandar uma discussão mais profunda 519 Es indudable y resulta obvio que cuando se juzga más allá de un plazo razonable cualquiera que sea la causa de la demora se está juzgando a un hombre distinto en sus circunstancias personales familiares y sociales por lo que la pena no cumple ni puede cumplir con exactitud las funciones de ejemplaridad y de reinserción social del culpable que son fines justificantes de la sanción como con fina sensibilidad dice la Sentencia de 2661992 apud PEDRAZ PENALVA Ernesto El Derecho a un Proceso sin Dilaciones Indebidas In COLOMER JuanLuis Gómez CUSSAC JoséLuis González Coords La Reforma de la Justicia Penal Publicações da Universitat Jaume I 1997 p 387 520 Também sobre o tema PONTES DE MIRANDA História e Prática do HabeasCorpus cit p 490 521 Nesse sentido há interessante decisão do STJ CONSTITUCIONAL PROCESSUAL PENAL CONSTRANGIMENTO ILEGAL RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO ATO DE PARTICULAR HABEAS CORPUS ADMISSIBILIDADE O HABEAS CORPUS É AÇÃO CONSTITUCIONAL DESTINADA A GARANTIR O DIREITO DE LOCOMOÇÃO EM FACE DE AMEAÇA OU DE EFETIVA VIOLAÇÃO POR ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER DO TEOR DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL PERTINENTE ART 5º LXVIII EXSURGE O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE ADMITIRSE O USO DA GARANTIA INCLUSIVE NA HIPÓTESE EM QUE A ILEGALIDADE PROVENHA DE ATO DE PARTICULAR NÃO SE EXIGINDO QUE O CONSTRANGIMENTO SEJA EXERCIDO POR AGENTE DO PODER PÚBLICO RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO RHC 4120RJ Rel Min Anselmo Santiago Rel p Acórdão Min Vicente Leal 6ª Turma julgado em 29041996 DJ 17061996 p 21517 522 ORTELLS RAMOS Manuel et al Derecho Jurisdiccional proceso penal Barcelona Bosh 1996 p 451 523 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimienti Cautelari cit p 16 e s 524 Do latim salvus conductos 525 Tratado de Derecho Procesal Penal Barcelona Ediciones Jurídicas EuropaAmérica 1951 v I p 63 Especialmente na nota de rodapé n 199 526 Que todos possam vir com segurança para se apresentar 527 De que não ande vagando por praças e lugares públicos pois assim entende exigir a dignidade do magistrado e da Justiça 528 PONTES DE MIRANDA Francisco C História e Prática do HabeasCorpus cit p 502 529 Após o advento da EC n 221999 não mais compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente habeas corpus impetrado contra ato emanado de Tribunal que não se qualifica constitucionalmente como Tribunal Superior A locução constitucional Tribunais Superiores abrange na organização judiciária brasileira apenas o Tribunal Superior Eleitoral o Superior Tribunal de Justiça o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar HC 85838ED Rel Min Celso de Mello j 31052005 DJ 23092005 No mesmo sentido HC 88132 Rel Min Sepúlveda Pertence j 04042006 DJ 02062006 530 HC contra Ato de Turma Recursal e TJ Aplicando a recente orientação firmada pelo Plenário no julgamento do HC 86834SP j em 2382006 v Informativo 437 no sentido de que compete aos tribunais de justiça processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de turma recursal de juizado especial criminal a Turma resolvendo questão de ordem tornou sem efeito o início do julgamento e determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Tratase na espécie de writ impetrado contra decisão de turma recursal que mantivera a condenação do paciente pela prática do delito de porte ilegal de arma Lei n 943797 art 10 caput cuja penabase fora majorada em razão da existência de inquéritos e ações penais em curso HC 86009 QODF Rel Min Carlos Britto j 29082006 Ainda importante decisão em sentido diverso do disposto na Súmula 690 COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS DEFINIÇÃO A competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos paciente e impetrante COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS ATO DE TURMA RECURSAL Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos nos crimes comuns e nos de responsabilidade à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal incumbe a cada qual conforme o caso julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado COMPETÊNCIA HABEAS CORPUS LIMINAR Uma vez ocorrida a declinação da competência cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora ficando a manutenção ou não a critério do órgão competente HC 86834 Rel Min Marco Aurélio Tribunal Pleno julgado em 23082006 DJ 09032007 PP00026 EMENT VOL0226702 PP00242 RJSP v 55 n 354 2007 p 175184 LEXSTF v 29 n 341 2007 p 350 365 531 História e Prática do HabeasCorpus cit p 516 532 Idem ibidem p 519 533 Habeas corpus Writ impetrado no Superior Tribunal de Justiça Demora no julgamento Direito à razoável duração do processo Natureza mesma do habeas corpus Primazia sobre qualquer outra ação Ordem concedida O habeas corpus é a via processual que tutela especificamente a liberdade de locomoção bem jurídico mais fortemente protegido por uma dada ação constitucional O direito a razoável duração do processo do ângulo do indivíduo transmutase em tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário Direito esse a que corresponde o dever estatal de julgar No habeas corpus o dever de decidir se marca por um tônus de presteza máxima Assiste ao Supremo Tribunal Federal determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus se entender irrazoável a demora no julgamento Isso é claro sempre que o impetrante se desincumbir do seu dever processual de préconstituir a prova de que se encontra padecente de violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder inciso LXVIII do art 5º da Constituição Federal Ordem concedida para que a autoridade impetrada apresente em mesa na primeira sessão da Turma em que oficia o writ ali ajuizado HC 91041 Rel p o ac Min Carlos Britto j 05062007 DJ 17082007 534 Necessário temperamento da Súmula 691 deste Supremo para que não se negue a aplicação do art 5º inc XXXV da Constituição da República Não se há negar jurisdição ao que reclama prestação do Poder Judiciário menos ainda deste Supremo Tribunal quando se afigure ilegalidade flagrante HC 89681 Rel Min Cármen Lúcia j 21112006 DJ 02022007 535 Essas categorias são adequadas para fundamentar o pedido de liminar em habeas corpus pois é evidente sua natureza cautelar similar aqui ao processo civil Não há portanto nenhuma contradição com a crítica que fizemos anteriormente ao tratar da prisão cautelar em que se deve argumentar em torno do fumus commissi delicti e do periculum libertatis 536 PONTES DE MIRANDA Francisco C História e Prática do HabeasCorpus cit p 531 537 HABEAS CORPUS SUSTENTAÇÃO ORAL INTIMAÇÃO NULIDADE Tratase de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário em que se alega entre outras coisas a falta de intimação do impetrante para a sustentação oral embora o pedido se encontrasse expresso nos autos Assim deveria ser nulo o acórdão que manteve a instauração de ação penal em desfavor dos ora pacientes A Turma concedeu a ordem ao entendimento de que havendo o pedido de sustentação oral é imprescindível seja dada ciência ao impetrante da data em que será colocado o feito em mesa para julgamento ressaltando que a referida ciência pode ser feita até por meio de informação disponibilizada no sistema informatizado de acompanhamento processual Precedentes citados do STF HC 92290SP DJ 30112007 HC 93101SP DJ 22022008 do STJ HC 88869MG DJ 03122007 HC 93557AM Rel Min Arnaldo Esteves Lima j 19022008 538 Art 30 O recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça das decisões denegatórias de Habeas Corpus proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal será interposto no prazo de 5 cinco dias com as razões do pedido de reforma Art 31 Distribuído o recurso a Secretaria imediatamente fará os autos com vista ao Ministério Público pelo prazo de 2 dois dias Parágrafo único Conclusos os autos ao relator este submeterá o feito a julgamento independentemente de pauta Art 32 Será aplicado no que couber ao processo e julgamento do recurso o disposto com relação ao pedido originário de Habeas Corpus 539 El Mandato de Seguridad Brasileño Visto por un Extranjero In Estudios de Teoría General e Historia del Proceso México UNAM 1974 t II p 637 e s 540 CIRILO DE VARGAS Juarez CIRILLO DE VARGAS José Processo Penal e Direitos Fundamentais Belo Horizonte Del Rey 1992 p 271 541 Art 1º Concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data sempre que ilegalmente ou com abuso de poder qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrêla por parte de autoridade seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça 542 El Mandato de Seguridad Brasileño Visto por un Extranjero cit t II p 642 e s O autor no entanto não aceita a classificação de ação de mandamento 543 Idem ibidem p 644 544 Como explica J GOLDSCHMIDT ao definir la acción de mandamiento na obra Derecho Procesal Civil Barcelona Labor 1936 p 113 545 GRINOVER Ada Pellegrini Mandado de Segurança Contra Ato Jurisdicional Penal In O Processo em Evolução Rio de Janeiro Forense 1996 p 289 546 Comentários a Constituição de 1967 t V p 355 e s Apud CIRILO DE VARGAS op cit p 272 547 Por se tratar de uma ação de natureza civil e não penal justificase a adoção das categorias fumus boni iuris e periculum in mora até porque efetivamente o que se deve demonstrar neste momento é a fumaça de bom direito e o risco de lesão a esse direito decorrentes da demora na prestação do provimento definitivo O que não se pode é operar nesta lógica ao tratar das prisões cautelares pois nesse caso tais categorias são imprestáveis 548 GRINOVER Mandado de Segurança contra Ato Jurisdicional Penal cit p 287 549 Mas é importante advertir cresce a pressão para que futuras reformas pontuais ou não do CPP contemplem a possibilidade de revisão criminal pro societate em alguns casos Neste sentido destacamos a proposta de inclusão dos seguintes incisos no art 621 do CPP PL 42062001 Art 621 V se verificar que foi dada por prevaricação concussão ou corrupção do juiz ou com participação de membro do Ministério Público ou Autoridade Policial de forma a influenciar na decisão V quando proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente IV quando a absolvição fundarse em prova comprovadamente falsa enquanto não extinta a punibilidade 550 Conforme LOPES MEIRELLES Mandado de Segurança Ação Popular Ação Civil Pública Mandado de Injunção Habeas Data 13 ed São Paulo RT 1991 p 10 e s 551 GRINOVER MAGALHÃES e SCARANCE Recursos no Processo Penal cit p 398 552 LOPES MEIRELLES Hely Mandado de Segurança Ação Popular Ação Civil Pública Mandado de Injunção Habeas Data cit p 13 e s 553 GRINOVER Ada Pellegrini Mandado de Segurança contra Ato Jurisdicional Penal cit p 286