10
Direitos Humanos
ESAMC
12
Direitos Humanos
ESAMC
2
Direitos Humanos
ESAMC
3
Direitos Humanos
ESAMC
11
Direitos Humanos
UNEMAT
2
Direitos Humanos
FACSUL
1
Direitos Humanos
FACCAT
11
Direitos Humanos
UNISANTA
11
Direitos Humanos
UCSAL
2
Direitos Humanos
CESUPI
Texto de pré-visualização
UNITÀ FACULDADE TÍTULO subtítulo Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para o título de bacharel em Direito Aluna Orientação CampinasSP 2025 Resumo O resumo é a apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento devendo ressaltar o objetivo o método os resultados e as conclusões da pesquisa científica O resumo deve ser composto de uma sequência de frases concisas e afirmativas com o uso de parágrafo único justificado em espaçamento simples com fonte Arial ou Times New Roman tamanho 12 A primeira frase deve ser significativa explicando o tema principal da pesquisa As palavras chave devem figurar logo abaixo do resumo antecedidas da expressão A extensão do resumo deve conter até 800 caracteres sem espaço Palavraschave palavra1 palavra 2 palavra 3 Abstract O abstract referese a versão do resumo em inglês com os mesmos elementos do resumo em português e as palavraschave keywords traduzidas Keywords OBS não precisa de sumário lista de figuras e tabelas e abreviações Introdução Na introdução conterá a contextualização da pesquisa científica com a apresentação do problema da hipótese suscitada e a justificativa para percorrer o caminho por meio de método e as técnicas de abordagens utilizadas Além disso os objetivos geral e específicos Os objetivos específicos são as seções do artigo Não escrevemos os resultados encontrados na introdução pois serão desenvolvidos nas seções finais Na introdução não utilizamos citações diretas A introdução deve ter de 02 a 03 páginas O título da seção Introdução não é numerado como nas seções de desenvolvimento da pesquisa Não contém gráficos figuras ou tabelas Iniciase a partir da introdução a numeração da página no canto superior direito na fonte utilizada para escrita do artigo Times ou Arial 1 Título da seção 1 Exemplo Aspectos históricos do Direito Ambiental no contexto brasileiro Na primeira seção iniciase o desenvolvimento da sua pesquisa É usual em pesquisa acadêmica apontar os aspectos históricos Esta seção será desenvolvida em 04 páginas Pode se utilizar citações diretas e indiretas Exemplos de citações diretas com mais de três linhas no formato autordata Anote alguns dos títulos das obras avalie quais deles comunicam melhor os conteúdos e pense nas razões Esse passeio poderá inspirála para as primeiras tentativas de dizer em 15 palavras o que certamente precisará de muitas páginas em breve10 A verdade é que você iniciará seu texto pelo título funcional e ao final de um ano será em torno dele que fará seu arremate final Durante muitos meses o título funcional será como um termômetro que vigia a temperatura do forno para o cozimento do bolo Mas ele será permanentemente modificado revisado melhorado 10 Alguns manuais sugerem 12 palavras John Creswell defende essa proposta para a língua inglesa Minha experiência é que três palavras adicionais são terapêuticas para as escritoras mais prolixas Várias revistas acadêmicas já determinam o limite máximo de palavras para o título e instituíram a categoria título corrido ou seja uma versão minissaia do título para a publicação O meu papel nesta fase é antecipar que ingredientes não combinam em uma mesma receita O sabor só será degustado ao final DINIZ 2012 p 32 33 Atenção As citações diretas com mais de três linhas devem ser alinhadas recuo a 4cm do texto espaçamento simples tamanho 10 cm da fonte sem aspas e com a referência no formato indicado como no exemplo acima Já as citações diretas com até três linhas escrevo no corpo do texto na mesma formatação textual Arial ou Times New Roman tamanho 12 sem recuo especial início do parágrafo 125 cm e com aspas Exemplo A obra O capital no século XXI apresentase como uma pesquisa direcionada à investigação histórica política e econômica sobre renda e capital no âmbito internacional Dessa forma o autor tem como objeto de análise a estrutura da desigualdade Essa estrutura é definida como a origem das disparidades de renda e riqueza entre grupos sociais e as diferentes justificativas econômicas sociais morais e políticas invocadas para defendê las ou condenálas Piketty 2014 p 26 2 Título da seção 2 Exemplo Responsabilidade ambiental das empresas diálogos no campo do direito constitucional Na segunda seção continua o desenvolvimento da sua pesquisa buscando dialogar com a primeira seção Nesta seção trabalhase propriamente o objeto da pesquisa Esta seção será desenvolvida em 04 páginas Podese utilizar citações diretas e indiretas como nos exemplos anteriores além de gráficos figuras ou tabelas que devem ter as seguintes formatações sem recuo ou parágrafo inicial nome da imagem utilizada em negrito e a fonte em Arial ou Times no tamanho de 10 cm alinhada à esquerda altura da forma 85 cm e largura da forma 14 cm Tabela 1 A mulher no Orçamento 2021 por categoria proteção social Fonte SIOP Elaboração SOFSETOME Brasil 2022 p 18 3 Título da seção 3 Exemplo Análises normativas Na segunda terceira seção continuase o desenvolvimento da sua pesquisa buscando dialogar com seção anterior Nesta seção trabalhase propriamente os aspectos jurídicos tais como legislações jurisprudências decisões monocráticas etc Esta seção será desenvolvida em 04 páginas Podese utilizar citações diretas e indiretas como nos exemplos anteriores além de gráficos figuras ou tabelas Reforçase que esta seção terá que encaminhar a pesquisa para sua finalização Considerações Finais As considerações finais da pesquisa devem apontar os resultados encontrados e se a hipótese da pesquisa científica foi confirmada ou não É o momento de apontar as dificuldades encontradas na pesquisa as lacunas e o que não se pode ser pesquisado As considerações finais devem ter 02 páginas Não contém gráficos figuras ou tabelas Referências bibliográficas Nas referências bibliográficas apontamse todos os materiais utilizados para escrever o artigo científico Por exemplo obras legislações normas convenções tratados etc Na seguinte formatação ordem alfabética fonte Arial ou Times tamanho 12 cm sem espaço do parágrafo entre linhas com espaçamento simples justificado destacando em negrito os nomes das obras os meios divulgados das legislações os nomes das revistas científicas consultados etc Quando a referência tiver link da internet colocálo juntamente com a data de acesso Exemplos BRASIL Lei nº 14116 de 31 de dezembro de 2020 Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2021 e dá outras providências Diário Oficial da União Seção 1 Edição Extra D 2632021 página 2 promulgação de vetos Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato201920222020leil14116htm Acesso em 21 jun 2025 BRASIL A mulher no orçamento 2021 Orçamento Mulher Brasília DF 2022 Disponível em httpswwwgovbrplanejamentoptbrcentraisdeconteudopublicacoes outraspublicacoesamulhernoorcamento2021pdf Acesso em 21 jun 2025 DINIZ Debora Carta de uma orientadora o primeiro projeto de pesquisa Brasília Letras Livres 2012 SILVA Maria Ozanira da Silva e Pobreza desigualdade e políticas públicas caracterizando e problematizando a realidade brasileira Revista Katálysis online v 13 n 2 pp 155163 2010 Disponível em httpsdoiorg101590S141449802010000200002 Acesso em 06 ago 2025 UNITÀ FACULDADE CASO COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA VS BRASIL Análise Jurídica Impactos e Desdobramentos Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para o título de bacharel em Direito Aluna Orientação CampinasSP 2025 Resumo O presente trabalho analisa o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos examinando seus fundamentos jurídicos contexto histórico e impactos sociais A pesquisa investiga as violações de direitos humanos decorrentes da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara no Maranhão e o consequente deslocamento forçado das comunidades quilombolas da região São analisados os aspectos jurídicos relativos aos direitos territoriais de comunidades tradicionais o direito à consulta prévia e o conflito entre desenvolvimento econômico e preservação cultural O estudo evidencia a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis e discute os desafios para a implementação de uma política de desenvolvimento que respeite os direitos fundamentais das comunidades tradicionais brasileiras Palavraschave comunidades quilombolas Alcântara Corte Interamericana direitos territoriais consulta prévia Abstract This paper analyzes the case Quilombola Communities of Alcântara vs Brazil submitted to the InterAmerican Court of Human Rights examining its legal foundations historical context and social impacts The research investigates human rights violations resulting from the implementation of the Alcântara Launch Center in Maranhão and the consequent forced displacement of quilombola communities in the region The study analyzes legal aspects related to territorial rights of traditional communities the right to prior consultation and the conflict between economic development and cultural preservation The research highlights the importance of the InterAmerican Human Rights System in protecting vulnerable communities and discusses the challenges for implementing a development policy that respects the fundamental rights of Brazilian traditional communities Keywords quilombola communities Alcântara InterAmerican Court territorial rights prior consultation Introdução O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa um dos mais emblemáticos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil Submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001 e posteriormente encaminhado à Corte Interamericana o caso expõe as tensões entre a implementação de um projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país o Centro de Lançamento de Alcântara CLA e os direitos fundamentais das comunidades quilombolas que tradicionalmente ocupam aquele território O município de Alcântara localizado no estado do Maranhão abriga dezenas de comunidades quilombolas que ocupam a região há mais de dois séculos desenvolvendo modos de vida próprios e estabelecendo profundas relações com o território A partir da década de 1980 com a implementação do Centro de Lançamento iniciouse um processo de deslocamento forçado dessas comunidades gerando graves violações de direitos humanos que culminaram com a denúncia ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos O problema central que orienta esta pesquisa consiste em compreender como o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil revela as contradições da política de desenvolvimento brasileira em relação aos direitos das comunidades tradicionais especialmente no que se refere aos direitos territoriais e ao direito à consulta prévia livre e informada A hipótese sustentada é que o caso evidencia um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Justificase a presente investigação pela necessidade de aprofundar o entendimento sobre os mecanismos de proteção dos direitos das comunidades tradicionais em face de grandes projetos de desenvolvimento tema de crescente relevância no contexto brasileiro e latinoamericano Em um cenário de frequentes conflitos socioambientais envolvendo comunidades vulneráveis compreender os aspectos jurídicos e sociais do caso Alcântara tornase imperativo para a construção de políticas públicas mais inclusivas e respeitosas da diversidade cultural O objetivo geral deste trabalho é analisar o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil sob a perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro Como objetivos específicos buscase i examinar o contexto histórico da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus impactos sobre as comunidades quilombolas ii analisar os fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e iii investigar as implicações do caso para a política brasileira de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais A metodologia adotada baseiase na pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada legislação pertinente relatórios de organizações não governamentais e documentos oficiais relacionados ao caso Adotase uma abordagem qualitativa com método dedutivoindutivo partindo da análise do caso concreto para extrair conclusões sobre a proteção jurídica das comunidades tradicionais no Brasil e no Sistema Interamericano de Direitos Humanos 1 Contexto Histórico e Social das Comunidades Quilombolas de Alcântara 11 Formação Histórica das Comunidades Quilombolas de Alcântara O município de Alcântara situado na porção ocidental da Ilha do Maranhão possui uma rica história que remonta ao período colonial brasileiro A região que já foi um dos mais prósperos centros econômicos do Maranhão no século XVIII abrigando uma aristocracia rural baseada na produção de algodão e arroz com mão de obra escravizada passou por profundas transformações após a decadência econômica no século XIX Segundo Almeida 2006 a formação das comunidades quilombolas de Alcântara está diretamente relacionada ao declínio da economia local e ao consequente abandono das propriedades rurais pela elite colonial Nesse contexto os escravizados que permaneceram na região desenvolveram estratégias de ocupação territorial e organização social próprias estabelecendo comunidades autônomas baseadas em laços de parentesco e solidariedade O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em pesquisa realizada na década de 1990 identificou mais de 150 povoados na região muitos deles formados por descendentes de escravizados que ocupam o território há mais de dois séculos Essas comunidades desenvolveram um sistema complexo de uso comum da terra caracterizado pela articulação entre áreas de residência cultivo extrativismo e pesca em um modelo que Almeida denomina terras de preto A pesquisadora Dora Martins 2019 destaca que as comunidades quilombolas de Alcântara construíram ao longo de gerações um profundo conhecimento sobre o território e seus recursos desenvolvendo técnicas agrícolas adaptadas às condições locais e estabelecendo um calendário produtivo que articula diferentes atividades econômicas conforme os ciclos naturais Esse conhecimento tradicional transmitido oralmente entre gerações constitui parte fundamental da identidade cultural dessas comunidades As festividades religiosas as práticas de cura o artesanato e as formas de organização política também compõem o rico patrimônio cultural das comunidades quilombolas de Alcântara O Tambor de Crioula reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN exemplifica a vitalidade das manifestações culturais dessas comunidades evidenciando sua resistência e capacidade de preservação de tradições ancestrais 12 Implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus Impactos A história recente das comunidades quilombolas de Alcântara foi profundamente marcada pela implementação do Centro de Lançamento de Alcântara CLA projeto estratégico da política espacial brasileira iniciado na década de 1980 A escolha de Alcântara para sediar o centro espacial baseouse em critérios técnicos como a proximidade com a linha do Equador que proporciona economia de combustível nos lançamentos e a localização à beiramar que permite lançamentos sobre o oceano Em 1980 o governo federal por meio do Decreto nº 84516 declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de aproximadamente 52 mil hectares no município de Alcântara correspondente a cerca de 62 do território municipal Essa área contudo era tradicionalmente ocupada por dezenas de comunidades quilombolas que ali viviam há gerações O processo de deslocamento forçado das comunidades teve início em 1986 quando cerca de 312 famílias de 23 povoados foram removidas de suas terras originais e reassentadas em sete agrovilas planejadas pelo governo Espera Cajueiro Ponta Seca Pepital Peru Marudá e Só Assim Como observa Braga 2011 esse processo de remoção foi marcado pela ausência de consulta prévia às comunidades afetadas e pelo desrespeito às suas formas tradicionais de organização territorial e social As agrovilas foram planejadas segundo um modelo padronizado que não considerou as especificidades culturais e produtivas das comunidades quilombolas A distribuição espacial das casas a delimitação dos lotes individuais e a distância das áreas de cultivo em relação às residências representaram uma ruptura com o modelo tradicional de ocupação territorial dessas comunidades baseado no uso comum da terra e na articulação entre diferentes espaços produtivos Além disso como destaca o relatório da Comissão PróÍndio de São Paulo 2017 as famílias reassentadas enfrentaram sérias dificuldades de adaptação às novas condições de vida nas agrovilas A redução das áreas disponíveis para cultivo a perda do acesso ao mar e aos manguezais fundamentais para a pesca e o extrativismo e a desarticulação das redes de parentesco e solidariedade comprometeram gravemente a subsistência e a reprodução cultural dessas comunidades O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em depoimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressaltou que o deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara resultou na desterritorialização de um grupo étnico com graves consequências para sua identidade cultural e autonomia econômica Segundo o pesquisador as comunidades passaram de uma situação de relativa autonomia produtiva para uma condição de dependência de programas assistenciais governamentais 13 Resistência e Organização Política das Comunidades Diante dos impactos negativos do deslocamento forçado as comunidades quilombolas de Alcântara iniciaram um processo de organização política e resistência que se intensificou a partir da década de 1990 Em 1996 foi criada a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ com o objetivo de defender os direitos territoriais e culturais das comunidades afetadas pelo Centro de Lançamento A promulgação da Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT reconheceu aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à propriedade definitiva das terras que ocupam representou um importante marco legal para a luta das comunidades quilombolas de Alcântara Com base nesse dispositivo constitucional as comunidades passaram a reivindicar o reconhecimento e a titulação de seu território tradicional Em 1999 as comunidades quilombolas de Alcântara com o apoio de organizações da sociedade civil solicitaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a abertura do processo administrativo para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação de suas terras Contudo como observa Treccani 2016 esse processo enfrentou diversos obstáculos burocráticos e políticos permanecendo inconcluso por muitos anos A resistência das comunidades intensificouse em 2000 quando o governo brasileiro assinou com os Estados Unidos um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara Esse acordo que previa a ampliação da área do CLA e consequentemente novos deslocamentos de comunidades quilombolas foi recebido com forte oposição pelas comunidades e organizações de direitos humanos Em 2001 diante da iminência de novos deslocamentos forçados e da morosidade do processo de titulação do território quilombola as comunidades representadas pela ACONERUQ pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara e pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão com o apoio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando as violações de direitos humanos decorrentes da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara Essa petição marcou o início de um longo processo de litígio internacional que culminou anos depois no encaminhamento do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos evidenciando a capacidade de articulação política das comunidades quilombolas e sua determinação em defender seus direitos territoriais e culturais 2 Fundamentos Jurídicos do Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil 21 Direitos Territoriais das Comunidades Quilombolas no Ordenamento Jurídico Brasileiro O reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas no ordenamento jurídico brasileiro tem como marco fundamental o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT da Constituição Federal de 1988 que estabelece Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Esse dispositivo constitucional representa uma importante inovação no direito brasileiro ao reconhecer direitos territoriais coletivos a grupos étnicos específicos rompendo com a tradição individualista do direito de propriedade Como observa Silva 2018 o artigo 68 do ADCT deve ser interpretado em consonância com outros dispositivos constitucionais especialmente os artigos 215 e 216 que tratam da proteção do patrimônio cultural brasileiro e reconhecem as manifestações culturais afrobrasileiras como parte desse patrimônio A regulamentação do procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas foi estabelecida inicialmente pelo Decreto nº 39122001 e posteriormente pelo Decreto nº 48872003 atualmente em vigor Este último adota uma concepção ampla de quilombo definindo como remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicoraciais segundo critérios de autoatribuição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida O Decreto nº 48872003 também estabelece que são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física social econômica e cultural reconhecendo assim a dimensão cultural e coletiva do território quilombola Além disso o decreto atribui ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a competência para conduzir os procedimentos de regularização fundiária das terras quilombolas A constitucionalidade do Decreto nº 48872003 foi questionada no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 3239 ajuizada pelo então Partido da Frente Liberal PFL atual Democratas Após longo trâmite o STF julgou improcedente a ação em fevereiro de 2018 confirmando a validade do decreto e reafirmando a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas No caso específico de Alcântara o processo de regularização fundiária do território quilombola foi iniciado em 1999 quando as comunidades solicitaram ao INCRA a abertura do procedimento administrativo Em 2008 o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação RTID do território quilombola de Alcântara foi publicado identificando uma área de aproximadamente 78 mil hectares como território tradicional das comunidades Contudo o processo de titulação não avançou significativamente desde então em grande parte devido aos conflitos com os interesses do Centro de Lançamento de Alcântara 22 Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Um dos principais fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos referese à violação do direito à consulta prévia livre e informada das comunidades quilombolas de Alcântara Esse direito reconhecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais ratificada pelo Brasil em 2002 estabelece que os governos devem consultar os povos interessados sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente O artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT determina que as consultas devem ser realizadas de boafé de maneira apropriada às circunstâncias com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento acerca das medidas propostas Além disso o artigo 16 estabelece que os povos não devem ser removidos das terras que ocupam salvo em circunstâncias excepcionais e mediante seu consentimento livre e informado Como destaca Duprat 2014 a Convenção nº 169 da OIT aplicase às comunidades quilombolas brasileiras uma vez que estas se enquadram no conceito de povos tribais definido pelo artigo 1º da Convenção caracterizados por condições sociais culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da coletividade nacional e cuja situação é regida total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições No caso das comunidades quilombolas de Alcântara tanto o deslocamento inicial realizado na década de 1980 quanto os planos de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas prévias livres e informadas em clara violação ao direito internacional Como observa o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso as comunidades não foram adequadamente informadas sobre os projetos que afetariam seus territórios nem tiveram oportunidade de participar das decisões que impactaram diretamente suas vidas A Corte Interamericana de Direitos Humanos já firmou importante jurisprudência sobre o direito à consulta prévia em casos envolvendo povos indígenas e tribais como Povo Saramaka vs Suriname 2007 e Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador 2012 Nesses casos a Corte estabeleceu que a consulta deve ser realizada de acordo com os costumes e tradições dos povos afetados em procedimentos culturalmente adequados e acessíveis com informações suficientes sobre a natureza e o impacto dos projetos propostos 23 Direito à Propriedade Coletiva e à Identidade Cultural Outro fundamento jurídico central do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil referese ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural A Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu artigo 21 protege o direito à propriedade privada que segundo a interpretação evolutiva da Corte Interamericana abrange também as formas coletivas de propriedade características dos povos indígenas e tribais No caso Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 a Corte Interamericana estabeleceu que o artigo 21 da Convenção Americana protege o direito à propriedade em um sentido que compreende os direitos dos membros das comunidades indígenas no marco da propriedade comunal Essa interpretação foi reafirmada e desenvolvida em casos posteriores como Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 A Corte Interamericana tem reconhecido consistentemente a especial relação que os povos indígenas e tribais mantêm com seus territórios tradicionais destacando que essa relação vai além da mera posse e produção abrangendo elementos espirituais e culturais essenciais para sua identidade coletiva Como observa Piovesan 2018 essa jurisprudência representa um importante avanço na proteção dos direitos territoriais coletivos ao reconhecer a dimensão cultural do território e sua importância para a sobrevivência física e cultural desses povos No caso das comunidades quilombolas de Alcântara o deslocamento forçado e a imposição de um modelo de reassentamento incompatível com suas formas tradicionais de organização territorial representaram graves violações ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O direito à identidade cultural embora não explicitamente mencionado na Convenção Americana tem sido reconhecido pela Corte Interamericana como um direito fundamental derivado do direito à vida à integridade pessoal e à liberdade de consciência e religião No caso Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai a Corte afirmou que a cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida particular de ser ver e atuar no mundo constituída a partir de sua estreita relação com suas terras tradicionais e recursos naturais não apenas por serem estes seu principal meio de subsistência mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão religiosidade e portanto de sua identidade cultural 24 Tramitação do Caso no Sistema Interamericano de Direitos Humanos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil iniciou sua tramitação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos em outubro de 2001 quando a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara o Centro de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A petição denunciava violações aos direitos à propriedade coletiva à igualdade perante a lei às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 21 24 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos respectivamente Os peticionários alegavam que o Estado brasileiro havia violado esses direitos ao promover o deslocamento forçado das comunidades quilombolas para a implementação do Centro de Lançamento de Alcântara sem consulta prévia e sem garantir condições adequadas de reassentamento Em 2006 a Comissão Interamericana declarou a admissibilidade do caso reconhecendo sua competência para analisar as alegadas violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Após a fase de análise do mérito que incluiu audiências com representantes das comunidades e do Estado brasileiro a Comissão emitiu seu relatório final em 2020 concluindo que o Brasil havia violado os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e recomendando uma série de medidas reparatórias Diante do não cumprimento integral das recomendações pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana decidiu submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos onde atualmente se encontra em tramitação A submissão do caso à Corte representa um importante passo no processo de busca por justiça para as comunidades quilombolas de Alcântara uma vez que as sentenças da Corte Interamericana são vinculantes para os Estados que reconheceram sua jurisdição como é o caso do Brasil 3 Análise das Violações de Direitos Humanos no Caso Alcântara 31 Violação do Direito à Propriedade Coletiva A implementação do Centro de Lançamento de Alcântara resultou em graves violações ao direito à propriedade coletiva das comunidades quilombolas reconhecido tanto pelo ordenamento jurídico brasileiro quanto pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos O deslocamento forçado de dezenas de comunidades de seus territórios tradicionais sem adequada compensação ou reassentamento em condições equivalentes constitui uma das principais violações denunciadas no caso Como observa Santos 2017 a desapropriação da área destinada ao Centro de Lançamento ocorreu sem considerar a especificidade dos direitos territoriais das comunidades quilombolas tratandoas como simples posseiros individuais e não como coletividades étnicas com direitos específicos Esse tratamento evidencia o desconhecimento ou desconsideração por parte do Estado brasileiro da natureza coletiva e cultural do território quilombola O modelo de reassentamento implementado nas agrovilas baseado na distribuição de lotes individuais e na separação entre áreas residenciais e produtivas representou uma ruptura com o sistema tradicional de uso comum da terra característico das comunidades quilombolas de Alcântara Como destaca o relatório antropológico elaborado por Almeida 2006 esse sistema tradicional articula diferentes espaços produtivos roças áreas de extrativismo zonas de pesca em um território contínuo permitindo o aproveitamento diversificado dos recursos naturais conforme os ciclos sazonais Além disso a redução significativa das áreas disponíveis para as atividades produtivas tradicionais comprometeu gravemente a subsistência das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias que antes do deslocamento dispunham de áreas de 100 a 300 hectares para suas atividades produtivas passaram a contar com lotes individuais de apenas 15 hectares nas agrovilas insuficientes para a manutenção de seu modo de vida tradicional A violação do direito à propriedade coletiva manifestase também na morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara Apesar da solicitação formal apresentada em 1999 e da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação em 2008 as comunidades ainda não obtiveram a titulação definitiva de seu território permanecendo em situação de insegurança jurídica que as torna vulneráveis a novos deslocamentos 32 Violação do Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Uma das violações mais evidentes no caso Alcântara referese ao direito à consulta prévia livre e informada garantido pela Convenção nº 169 da OIT Tanto o deslocamento inicial das comunidades na década de 1980 quanto os planos posteriores de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas adequadas às comunidades afetadas Como destaca o relatório da Comissão Interamericana as comunidades não foram consultadas sobre a implementação do projeto nem sobre o modelo de reassentamento a ser adotado As decisões foram tomadas unilateralmente pelo governo federal sem considerar as especificidades culturais e as necessidades das comunidades quilombolas Mesmo após a ratificação da Convenção nº 169 da OIT pelo Brasil em 2002 o Estado brasileiro continuou a desconsiderar o direito à consulta prévia nas decisões relativas ao Centro de Lançamento de Alcântara O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado com os Estados Unidos em 2000 e renegociado em 2019 que prevê a ampliação da área do CLA e potencialmente novos deslocamentos de comunidades não foi objeto de consulta adequada às comunidades quilombolas conforme denunciado por organizações de direitos humanos A ausência de consulta prévia livre e informada constitui não apenas uma violação formal de um direito procedimental mas compromete substancialmente a autonomia e a autodeterminação das comunidades quilombolas Como observa Duprat 2014 o direito à consulta está intrinsecamente ligado ao direito à autodeterminação dos povos reconhecido por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos permitindo que as comunidades participem efetivamente das decisões que afetam suas vidas e territórios 33 Violação do Direito à Identidade Cultural e aos Modos de Vida Tradicionais O deslocamento forçado e o modelo de reassentamento imposto às comunidades quilombolas de Alcântara resultaram em graves violações ao direito à identidade cultural e aos modos de vida tradicionais Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em seu relatório sobre o caso destaca que o deslocamento provocou a desarticulação de redes de parentesco e solidariedade que estruturavam a vida social das comunidades A dispersão de famílias que antes viviam próximas e mantinham intensas relações de cooperação comprometeu práticas culturais coletivas como celebrações religiosas mutirões de trabalho e formas tradicionais de transmissão de conhecimentos Além disso a perda do acesso a locais de importância simbólica e religiosa como cemitérios fontes dágua e áreas de culto afetou profundamente a dimensão espiritual da vida comunitária Como observa Souza Filho 2015 para muitas comunidades tradicionais incluindo as quilombolas o território não é apenas um espaço físico de produção mas um lugar de memória onde estão inscritas as referências históricas e culturais do grupo O modelo de reassentamento nas agrovilas com sua configuração espacial padronizada e sua lógica produtiva individualista mostrouse incompatível com os modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas A imposição de técnicas agrícolas e formas de ocupação territorial estranhas à cultura local resultou no que Almeida 2006 denomina descaracterização étnica comprometendo a transmissão intergeracional de conhecimentos tradicionais e práticas culturais A pesquisadora Ilka Boaventura Leite 2018 destaca que a violação do direito à identidade cultural das comunidades quilombolas de Alcântara manifestase também na desconsideração de sua condição de sujeitos coletivos de direitos Ao tratálas como meros ocupantes individuais da terra o Estado brasileiro negou reconhecimento à sua especificidade étnica e cultural violando o direito à diferença garantido pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais de direitos humanos 34 Impactos Socioeconômicos e Ambientais do Deslocamento Forçado Os impactos socioeconômicos do deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara foram severos e persistentes A redução significativa das áreas disponíveis para atividades produtivas tradicionais combinada com a perda do acesso ao mar e aos manguezais comprometeu gravemente a segurança alimentar e a autonomia econômica das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias reassentadas nas agrovilas experimentaram uma redução de até 80 em sua produção agrícola após o deslocamento A distância entre as áreas residenciais e as áreas de cultivo a baixa fertilidade dos solos nas novas áreas e a insuficiência dos lotes individuais foram fatores que contribuíram para essa drástica redução produtiva A perda do acesso ao mar e aos manguezais teve impacto particularmente severo para as comunidades que tradicionalmente combinavam agricultura pesca e extrativismo em seu sistema produtivo Como observa Martins 2019 a pesca artesanal e a coleta de mariscos nos manguezais constituíam importantes fontes de proteína na dieta tradicional dessas comunidades além de representarem atividades culturalmente significativas O empobrecimento material das comunidades reassentadas manifestouse também na crescente dependência de programas assistenciais governamentais e na migração de jovens em busca de oportunidades de trabalho em centros urbanos Esse processo de desarticulação econômica contribuiu para o enfraquecimento dos laços comunitários e para a perda de autonomia das comunidades quilombolas Além dos impactos socioeconômicos o deslocamento forçado resultou em significativos impactos ambientais tanto nas áreas de reassentamento quanto nas áreas originalmente ocupadas pelas comunidades A concentração populacional nas agrovilas e a redução das áreas disponíveis para cultivo levaram à intensificação do uso do solo e à consequente degradação ambiental em algumas áreas Por outro lado as áreas desocupadas para a implementação do Centro de Lançamento mas não efetivamente utilizadas para suas instalações experimentaram processos de regeneração da vegetação nativa evidenciando o papel das comunidades quilombolas na gestão sustentável do território Como destaca o relatório antropológico elaborado para o processo de titulação do território quilombola as práticas tradicionais de manejo dos recursos naturais desenvolvidas por essas comunidades ao longo de gerações contribuíram para a conservação da biodiversidade local 35 Racismo Ambiental e Discriminação Estrutural O caso das comunidades quilombolas de Alcântara evidencia também a problemática do racismo ambiental conceito que se refere à imposição desproporcional de riscos ambientais e sociais a comunidades étnica e racialmente marginalizadas Como observa Pacheco 2008 o racismo ambiental manifestase quando projetos de desenvolvimento com potenciais impactos negativos são sistematicamente localizados em territórios ocupados por populações negras indígenas ou outras minorias étnicas No caso de Alcântara a decisão de implementar o Centro de Lançamento em um território tradicionalmente ocupado por comunidades quilombolas sem adequada consideração de seus direitos e sem medidas efetivas para mitigar os impactos negativos reflete padrões históricos de discriminação racial e étnica na sociedade brasileira Como destaca o relatório da Comissão Interamericana essa decisão evidencia a invisibilidade jurídica a que foram historicamente submetidas as comunidades quilombolas no Brasil A antropóloga Deborah Duprat 2014 observa que o tratamento dispensado às comunidades quilombolas de Alcântara revela uma concepção de desenvolvimento que hierarquiza conhecimentos e modos de vida privilegiando o conhecimento técnicocientífico e o modelo de desenvolvimento industrial em detrimento dos conhecimentos tradicionais e dos modos de vida das comunidades locais Essa hierarquização segundo a autora tem raízes no racismo estrutural que permeia as instituições e políticas públicas brasileiras O racismo ambiental manifestase também na desigualdade de acesso à justiça e na dificuldade enfrentada pelas comunidades quilombolas para fazer valer seus direitos A morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara e a resistência do Estado brasileiro em implementar plenamente as garantias constitucionais e internacionais relativas aos direitos dessas comunidades evidenciam o que Carneiro 2005 denomina racismo institucional caracterizado por práticas institucionais que perpetuam a desigualdade racial 4 Implicações do Caso para a Política Brasileira de Desenvolvimento e Proteção de Comunidades Tradicionais 41 Tensões entre Desenvolvimento Econômico e Direitos de Comunidades Tradicionais O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia as profundas tensões existentes entre determinados modelos de desenvolvimento econômico e os direitos das comunidades tradicionais no Brasil O Centro de Lançamento de Alcântara concebido como projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e a inserção internacional do país ilustra como grandes empreendimentos podem resultar em graves violações de direitos quando implementados sem adequada consideração das especificidades culturais e territoriais das comunidades locais Como observa Zhouri 2018 essas tensões não se limitam ao caso de Alcântara mas manifestamse em diversos contextos onde projetos de infraestrutura mineração energia ou agronegócio impactam territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas quilombolas e outras comunidades tradicionais Segundo a autora tais conflitos revelam diferentes concepções de desenvolvimento e distintas formas de relação com o território e os recursos naturais O economista Amartya Sen 2010 propõe uma concepção de desenvolvimento como liberdade que transcende a mera busca pelo crescimento econômico e enfatiza a expansão das capacidades humanas e das liberdades substantivas Nessa perspectiva o desenvolvimento deve ser avaliado não apenas pelos indicadores econômicos que gera mas também por sua contribuição para a ampliação das escolhas e oportunidades disponíveis para as pessoas respeitando sua diversidade cultural e seus modos de vida Aplicando essa concepção ao caso de Alcântara podese questionar em que medida o projeto do Centro de Lançamento da forma como foi implementado contribuiu para o desenvolvimento real das comunidades locais Os dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana sugerem que ao contrário o projeto resultou na redução das capacidades produtivas e na desarticulação dos modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas comprometendo sua autonomia e bemestar A superação das tensões entre desenvolvimento econômico e direitos de comunidades tradicionais exige como propõe Escobar 2014 a construção de modelos alternativos de desenvolvimento que incorporem a diversidade cultural e reconheçam a pluralidade de formas de conhecimento e relação com o território Esses modelos devem basearse no diálogo intercultural e na participação efetiva das comunidades afetadas nas decisões sobre os rumos do desenvolvimento em seus territórios 42 Avanços e Desafios na Proteção Jurídica das Comunidades Quilombolas Nas últimas décadas o Brasil experimentou significativos avanços na proteção jurídica das comunidades quilombolas com o reconhecimento constitucional de seus direitos territoriais e a implementação de políticas públicas específicas Contudo o caso de Alcântara evidencia os persistentes desafios para a efetivação desses direitos na prática Entre os avanços destacase a promulgação do Decreto nº 48872003 que regulamentou o procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas Esse decreto adotou uma concepção ampla de quilombo baseada na autodefinição das comunidades e no reconhecimento de sua trajetória histórica e relações territoriais específicas Outro avanço significativo foi a criação em 2007 da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais PNPCT por meio do Decreto nº 6040 Essa política reconheceu formalmente a diversidade cultural e os direitos específicos das comunidades tradicionais brasileiras incluindo as quilombolas e estabeleceu princípios e diretrizes para sua proteção e promoção No âmbito judicial a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3239 em 2018 representou importante vitória para as comunidades quilombolas ao confirmar a constitucionalidade do Decreto nº 48872003 e reafirmar a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas Nessa decisão o STF adotou interpretação ampla do artigo 68 do ADCT reconhecendo seu caráter reparatório e sua fundamentalidade para a proteção da identidade cultural das comunidades quilombolas Contudo persistem significativos desafios para a efetivação dos direitos quilombolas no Brasil Um dos principais referese à morosidade dos processos de titulação dos territórios quilombolas Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA até 2021 apenas uma pequena parcela das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares havia obtido a titulação definitiva de seus territórios Outro desafio referese à crescente pressão sobre os territórios quilombolas exercida por diversos interesses econômicos como o agronegócio a mineração e projetos de infraestrutura Como observa Almeida 2010 essas pressões têm resultado em conflitos fundiários e ameaças às lideranças quilombolas em diversas regiões do país evidenciando a vulnerabilidade dessas comunidades mesmo após o reconhecimento formal de seus direitos O caso de Alcântara ilustra também o desafio da articulação entre diferentes políticas setoriais do Estado brasileiro que muitas vezes atuam de forma contraditória em relação às comunidades tradicionais Enquanto alguns órgãos governamentais trabalham pela proteção e promoção dos direitos quilombolas outros implementam projetos que resultam em violações desses mesmos direitos evidenciando a necessidade de maior coerência e coordenação nas ações estatais 43 O Papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na Proteção de Comunidades Vulneráveis O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia o importante papel desempenhado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis na região Ao acolher a denúncia das comunidades quilombolas e reconhecer as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana contribuiu para dar visibilidade internacional ao caso e pressionar por medidas reparatórias Como observa Abramovich 2009 o Sistema Interamericano tem desempenhado papel crescentemente relevante na proteção de grupos historicamente marginalizados nas Américas desenvolvendo uma jurisprudência progressista sobre direitos coletivos não discriminação e igualdade material Essa atuação tem contribuído para o fortalecimento dos sistemas nacionais de proteção de direitos humanos e para a ampliação do acesso à justiça para grupos vulneráveis No caso específico das comunidades tradicionais a jurisprudência da Corte Interamericana tem sido particularmente inovadora reconhecendo a especial relação desses povos com seus territórios tradicionais e a importância da proteção territorial para sua sobrevivência física e cultural Casos como Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 estabeleceram importantes precedentes sobre direitos territoriais coletivos que têm influenciado legislações e políticas nacionais em toda a região O acesso ao Sistema Interamericano representa para muitas comunidades vulneráveis a última esperança de justiça após esgotarem os recursos internos disponíveis em seus países Como destaca Piovesan 2018 o sistema regional de proteção aos direitos humanos atua de forma complementar aos sistemas nacionais intervindo quando estes se mostram falhos ou insuficientes na proteção dos direitos fundamentais Contudo a efetividade do Sistema Interamericano depende em grande medida da disposição dos Estados em cumprir suas decisões e recomendações No caso brasileiro observase um histórico de cumprimento parcial das decisões da Corte Interamericana com maior avanço no pagamento de indenizações às vítimas e menor progresso na implementação de medidas estruturais e garantias de não repetição O caso de Alcântara representa nesse sentido um importante teste para o compromisso do Brasil com o Sistema Interamericano e com a proteção dos direitos das comunidades tradicionais A forma como o Estado brasileiro responderá à eventual sentença da Corte Interamericana nesse caso poderá indicar os rumos futuros da política nacional de proteção às comunidades quilombolas e da relação do país com o sistema regional de direitos humanos 44 Perspectivas para a Resolução do Conflito e Reparação das Violações A resolução do conflito envolvendo as comunidades quilombolas de Alcântara e o Centro de Lançamento exige a adoção de medidas abrangentes que abordem as diversas dimensões das violações de direitos humanos identificadas no caso Essas medidas devem incluir tanto reparações individuais e coletivas para as comunidades afetadas quanto reformas estruturais que previnam a repetição de violações semelhantes no futuro Entre as medidas reparatórias recomendadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu relatório sobre o caso destacamse i a conclusão do processo de titulação do território quilombola de Alcântara ii a garantia de que as comunidades possam retornar às suas terras originais ou quando isso não for possível recebam terras de qualidade e extensão equivalentes iii a implementação de medidas para recuperar e preservar a identidade cultural das comunidades afetadas e iv o pagamento de indenizações pelos danos materiais e imateriais sofridos Além dessas medidas específicas a resolução do conflito exige a construção de um novo modelo de relação entre o Centro de Lançamento e as comunidades quilombolas baseado no respeito mútuo e na coexistência harmônica Esse modelo deve reconhecer os direitos territoriais das comunidades e garantir sua participação efetiva nas decisões que afetam seus territórios e modos de vida A experiência internacional oferece exemplos de coexistência entre bases espaciais e comunidades tradicionais que poderiam inspirar soluções para o caso de Alcântara Na Guiana Francesa por exemplo o Centro Espacial de Kourou estabeleceu protocolos de relacionamento com as comunidades indígenas e quilombolas da região incluindo mecanismos de consulta prévia e compensação por impactos específicos de suas atividades A implementação efetiva do direito à consulta prévia livre e informada conforme estabelecido pela Convenção nº 169 da OIT constitui elemento fundamental para a prevenção de novos conflitos e violações de direitos Isso exige o desenvolvimento de protocolos de consulta culturalmente adequados que respeitem as formas próprias de organização e tomada de decisão das comunidades quilombolas Por fim a resolução do conflito de Alcântara pode contribuir para o desenvolvimento de uma nova abordagem na implementação de grandes projetos em territórios tradicionalmente ocupados por comunidades vulneráveis no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor a ser preservado e no entendimento de que o verdadeiro desenvolvimento só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos Considerações Finais A análise do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil permite compreender as complexas dimensões dos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil O caso evidencia como a implementação de grandes empreendimentos sem adequada consideração dos direitos e especificidades culturais das comunidades locais pode resultar em graves violações de direitos humanos e comprometer a própria sustentabilidade do desenvolvimento A pesquisa confirmou a hipótese inicialmente formulada demonstrando que o caso de Alcântara revela um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Esse padrão manifestase na desconsideração do direito à consulta prévia na violação dos direitos territoriais coletivos e na imposição de modelos de reassentamento incompatíveis com os modos de vida tradicionais O estudo evidenciou também a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como instância de proteção para comunidades vulneráveis que enfrentam obstáculos para acessar a justiça em seus países A atuação da Comissão Interamericana no caso de Alcântara contribuiu para dar visibilidade internacional às violações de direitos humanos e pressionar por medidas reparatórias evidenciando o papel complementar do sistema regional em relação aos sistemas nacionais de proteção Entre as dificuldades encontradas na pesquisa destacase a complexidade de sistematizar as múltiplas dimensões das violações de direitos humanos no caso que abrangem aspectos territoriais culturais ambientais e socioeconômicos Além disso a dinâmica evolução do caso com desenvolvimentos recentes como a renegociação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos em 2019 exige constante atualização da análise Como lacunas não exploradas identificase a necessidade de aprofundamento sobre os impactos diferenciados do deslocamento forçado sobre mulheres crianças e idosos nas comunidades quilombolas de Alcântara Estudos futuros poderão investigar também as estratégias de resistência e organização política desenvolvidas pelas comunidades ao longo das décadas de conflito bem como as possibilidades de construção de modelos alternativos de desenvolvimento que respeitem seus direitos e modos de vida Concluise que a efetiva resolução do caso de Alcântara depende da adoção de uma abordagem integral que combine medidas reparatórias específicas para as comunidades afetadas com reformas estruturais nas políticas de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor fundamental e na compreensão de que o desenvolvimento autêntico só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa assim não apenas um desafio para a política brasileira de proteção às comunidades tradicionais mas também uma oportunidade para a construção de novos paradigmas de desenvolvimento que conciliem avanço tecnológico e econômico com respeito à diversidade cultural e aos direitos humanos A forma como o Estado brasileiro responderá a esse desafio poderá indicar os rumos futuros da relação entre desenvolvimento nacional e direitos das comunidades tradicionais no país Referências ABRAMOVICH Victor Das violações em massa aos padrões estruturais novos enfoques e clássicas tensões no Sistema Interamericano de Direitos Humanos SUR Revista Internacional de Direitos Humanos São Paulo v 6 n 11 p 739 2009 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara laudo antropológico Brasília MMA 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Territórios quilombolas e conflitos considerações sobre povos e comunidades tradicionais no Brasil In ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Org Cadernos de debates Nova Cartografia Social territórios quilombolas e conflitos Manaus UEA Edições 2010 BRAGA Gustavo Bastos Alcântara o centro de lançamento e seus impactos sobre as comunidades quilombolas Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento Curitiba v 1 n 1 p 114128 2011 CARNEIRO Sueli A construção do outro como nãoser como fundamento do ser Tese Doutorado em Educação Universidade de São Paulo São Paulo 2005 COMISSÃO PRÓÍNDIO DE SÃO PAULO Terras quilombolas em Alcântara uma análise da situação territorial e dos impactos do Centro de Lançamento São Paulo CPISP 2017 DUPRAT Deborah A Convenção 169 da OIT e o direito à consulta prévia livre e informada In DUPRAT Deborah Org Convenção n 169 da OIT e os Estados Nacionais Brasília ESMPU 2014 ESCOBAR Arturo Sentipensar con la tierra nuevas lecturas sobre desarrollo territorio y diferencia Medellín UNAULA 2014 LEITE Ilka Boaventura O projeto político quilombola desafios conquistas e impasses atuais Revista Estudos Feministas Florianópolis v 16 n 3 p 965977 2018 MARTINS Dora Alcântara território e conflito os impactos dos megaprojetos na comunidade quilombola São Luís EDUFMA 2019 PACHECO Tania Racismo ambiental expropriação do território e negação da cidadania In Superintendência de Recursos Hídricos Org Justiça pelas águas enfrentamento ao racismo ambiental Salvador Superintendência de Recursos Hídricos 2008 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional São Paulo Saraiva 2018 SANTOS Boaventura de Sousa Para além do pensamento abissal das linhas globais a uma ecologia de saberes In SANTOS Boaventura de Sousa MENESES Maria Paula Org Epistemologias do Sul Coimbra Almedina 2017 SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade São Paulo Companhia das Letras 2010 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição São Paulo Malheiros 2018 SOUZA FILHO Carlos Frederico Marés de Terra mercadoria terra vazia povos natureza e patrimônio cultural Revista InSURgência Brasília v 1 n 1 p 5771 2015 TRECCANI Girolamo Domenico Terras de quilombo caminhos e entraves do processo de titulação Belém Programa Raízes 2016 ZHOURI Andréa Conflitos sociais e meio ambiente urbano Revista Comunidade e Saúde Rio de Janeiro v 1 n 22 p 5768 2018 UNITÀ FACULDADE CASO COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA VS BRASIL Análise Jurídica Impactos e Desdobramentos Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para o título de bacharel em Direito Aluna Orientação CampinasSP 2025 Resumo O presente trabalho analisa o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos examinando seus fundamentos jurídicos contexto histórico e impactos sociais A pesquisa investiga as violações de direitos humanos decorrentes da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara no Maranhão e o consequente deslocamento forçado das comunidades quilombolas da região São analisados os aspectos jurídicos relativos aos direitos territoriais de comunidades tradicionais o direito à consulta prévia e o conflito entre desenvolvimento econômico e preservação cultural O estudo evidencia a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis e discute os desafios para a implementação de uma política de desenvolvimento que respeite os direitos fundamentais das comunidades tradicionais brasileiras Palavraschave comunidades quilombolas Alcântara Corte Interamericana direitos territoriais consulta prévia Abstract This paper analyzes the case Quilombola Communities of Alcântara vs Brazil submitted to the InterAmerican Court of Human Rights examining its legal foundations historical context and social impacts The research investigates human rights violations resulting from the implementation of the Alcântara Launch Center in Maranhão and the consequent forced displacement of quilombola communities in the region The study analyzes legal aspects related to territorial rights of traditional communities the right to prior consultation and the conflict between economic development and cultural preservation The research highlights the importance of the InterAmerican Human Rights System in protecting vulnerable communities and discusses the challenges for implementing a development policy that respects the fundamental rights of Brazilian traditional communities Keywords quilombola communities Alcântara InterAmerican Court territorial rights prior consultation Introdução O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa um dos mais emblemáticos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil Submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001 e posteriormente encaminhado à Corte Interamericana o caso expõe as tensões entre a implementação de um projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país o Centro de Lançamento de Alcântara CLA e os direitos fundamentais das comunidades quilombolas que tradicionalmente ocupam aquele território O município de Alcântara localizado no estado do Maranhão abriga dezenas de comunidades quilombolas que ocupam a região há mais de dois séculos desenvolvendo modos de vida próprios e estabelecendo profundas relações com o território A partir da década de 1980 com a implementação do Centro de Lançamento iniciouse um processo de deslocamento forçado dessas comunidades gerando graves violações de direitos humanos que culminaram com a denúncia ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos O problema central que orienta esta pesquisa consiste em compreender como o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil revela as contradições da política de desenvolvimento brasileira em relação aos direitos das comunidades tradicionais especialmente no que se refere aos direitos territoriais e ao direito à consulta prévia livre e informada A hipótese sustentada é que o caso evidencia um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Justificase a presente investigação pela necessidade de aprofundar o entendimento sobre os mecanismos de proteção dos direitos das comunidades tradicionais em face de grandes projetos de desenvolvimento tema de crescente relevância no contexto brasileiro e latino americano Em um cenário de frequentes conflitos socioambientais envolvendo comunidades vulneráveis compreender os aspectos jurídicos e sociais do caso Alcântara tornase imperativo para a construção de políticas públicas mais inclusivas e respeitosas da diversidade cultural O objetivo geral deste trabalho é analisar o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil sob a perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro Como objetivos específicos buscase i examinar o contexto histórico da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus impactos sobre as comunidades quilombolas ii analisar os fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e iii investigar as implicações do caso para a política brasileira de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais A metodologia adotada baseiase na pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada legislação pertinente relatórios de organizações nãogovernamentais e documentos oficiais relacionados ao caso Adotase uma abordagem qualitativa com método dedutivoindutivo partindo da análise do caso concreto para extrair conclusões sobre a proteção jurídica das comunidades tradicionais no Brasil e no Sistema Interamericano de Direitos Humanos 1 Contexto Histórico e Social das Comunidades Quilombolas de Alcântara 11 Formação Histórica das Comunidades Quilombolas de Alcântara O município de Alcântara situado na porção ocidental da Ilha do Maranhão possui uma rica história que remonta ao período colonial brasileiro A região que já foi um dos mais prósperos centros econômicos do Maranhão no século XVIII abrigando uma aristocracia rural baseada na produção de algodão e arroz com mão de obra escravizada passou por profundas transformações após a decadência econômica no século XIX Segundo Almeida 2006 a formação das comunidades quilombolas de Alcântara está diretamente relacionada ao declínio da economia local e ao consequente abandono das propriedades rurais pela elite colonial Nesse contexto os escravizados que permaneceram na região desenvolveram estratégias de ocupação territorial e organização social próprias estabelecendo comunidades autônomas baseadas em laços de parentesco e solidariedade O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em pesquisa realizada na década de 1990 identificou mais de 150 povoados na região muitos deles formados por descendentes de escravizados que ocupam o território há mais de dois séculos Essas comunidades desenvolveram um sistema complexo de uso comum da terra caracterizado pela articulação entre áreas de residência cultivo extrativismo e pesca em um modelo que Almeida denomina terras de preto A pesquisadora Dora Martins 2019 destaca que as comunidades quilombolas de Alcântara construíram ao longo de gerações um profundo conhecimento sobre o território e seus recursos desenvolvendo técnicas agrícolas adaptadas às condições locais e estabelecendo um calendário produtivo que articula diferentes atividades econômicas conforme os ciclos naturais Esse conhecimento tradicional transmitido oralmente entre gerações constitui parte fundamental da identidade cultural dessas comunidades As festividades religiosas as práticas de cura o artesanato e as formas de organização política também compõem o rico patrimônio cultural das comunidades quilombolas de Alcântara O Tambor de Crioula reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN exemplifica a vitalidade das manifestações culturais dessas comunidades evidenciando sua resistência e capacidade de preservação de tradições ancestrais 12 Implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus Impactos A história recente das comunidades quilombolas de Alcântara foi profundamente marcada pela implementação do Centro de Lançamento de Alcântara CLA projeto estratégico da política espacial brasileira iniciado na década de 1980 A escolha de Alcântara para sediar o centro espacial baseouse em critérios técnicos como a proximidade com a linha do Equador que proporciona economia de combustível nos lançamentos e a localização à beiramar que permite lançamentos sobre o oceano Em 1980 o governo federal por meio do Decreto nº 84516 declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de aproximadamente 52 mil hectares no município de Alcântara correspondente a cerca de 62 do território municipal Essa área contudo era tradicionalmente ocupada por dezenas de comunidades quilombolas que ali viviam há gerações O processo de deslocamento forçado das comunidades teve início em 1986 quando cerca de 312 famílias de 23 povoados foram removidas de suas terras originais e reassentadas em sete agrovilas planejadas pelo governo Espera Cajueiro Ponta Seca Pepital Peru Marudá e Só Assim Como observa Braga 2011 esse processo de remoção foi marcado pela ausência de consulta prévia às comunidades afetadas e pelo desrespeito às suas formas tradicionais de organização territorial e social As agrovilas foram planejadas segundo um modelo padronizado que não considerou as especificidades culturais e produtivas das comunidades quilombolas A distribuição espacial das casas a delimitação dos lotes individuais e a distância das áreas de cultivo em relação às residências representaram uma ruptura com o modelo tradicional de ocupação territorial dessas comunidades baseado no uso comum da terra e na articulação entre diferentes espaços produtivos Além disso como destaca o relatório da Comissão PróÍndio de São Paulo 2017 as famílias reassentadas enfrentaram sérias dificuldades de adaptação às novas condições de vida nas agrovilas A redução das áreas disponíveis para cultivo a perda do acesso ao mar e aos manguezais fundamentais para a pesca e o extrativismo e a desarticulação das redes de parentesco e solidariedade comprometeram gravemente a subsistência e a reprodução cultural dessas comunidades O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em depoimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressaltou que o deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara resultou na desterritorialização de um grupo étnico com graves consequências para sua identidade cultural e autonomia econômica Segundo o pesquisador as comunidades passaram de uma situação de relativa autonomia produtiva para uma condição de dependência de programas assistenciais governamentais 13 Resistência e Organização Política das Comunidades Diante dos impactos negativos do deslocamento forçado as comunidades quilombolas de Alcântara iniciaram um processo de organização política e resistência que se intensificou a partir da década de 1990 Em 1996 foi criada a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ com o objetivo de defender os direitos territoriais e culturais das comunidades afetadas pelo Centro de Lançamento A promulgação da Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT reconheceu aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à propriedade definitiva das terras que ocupam representou um importante marco legal para a luta das comunidades quilombolas de Alcântara Com base nesse dispositivo constitucional as comunidades passaram a reivindicar o reconhecimento e a titulação de seu território tradicional Em 1999 as comunidades quilombolas de Alcântara com o apoio de organizações da sociedade civil solicitaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a abertura do processo administrativo para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação de suas terras Contudo como observa Treccani 2016 esse processo enfrentou diversos obstáculos burocráticos e políticos permanecendo inconcluso por muitos anos A resistência das comunidades intensificouse em 2000 quando o governo brasileiro assinou com os Estados Unidos um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara Esse acordo que previa a ampliação da área do CLA e consequentemente novos deslocamentos de comunidades quilombolas foi recebido com forte oposição pelas comunidades e organizações de direitos humanos Em 2001 diante da iminência de novos deslocamentos forçados e da morosidade do processo de titulação do território quilombola as comunidades representadas pela ACONERUQ pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara e pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão com o apoio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando as violações de direitos humanos decorrentes da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara Essa petição marcou o início de um longo processo de litígio internacional que culminou anos depois no encaminhamento do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos evidenciando a capacidade de articulação política das comunidades quilombolas e sua determinação em defender seus direitos territoriais e culturais 2 Fundamentos Jurídicos do Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil 21 Direitos Territoriais das Comunidades Quilombolas no Ordenamento Jurídico Brasileiro O reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas no ordenamento jurídico brasileiro tem como marco fundamental o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT da Constituição Federal de 1988 que estabelece Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Esse dispositivo constitucional representa uma importante inovação no direito brasileiro ao reconhecer direitos territoriais coletivos a grupos étnicos específicos rompendo com a tradição individualista do direito de propriedade Como observa Silva 2018 o artigo 68 do ADCT deve ser interpretado em consonância com outros dispositivos constitucionais especialmente os artigos 215 e 216 que tratam da proteção do patrimônio cultural brasileiro e reconhecem as manifestações culturais afrobrasileiras como parte desse patrimônio A regulamentação do procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas foi estabelecida inicialmente pelo Decreto nº 39122001 e posteriormente pelo Decreto nº 48872003 atualmente em vigor Este último adota uma concepção ampla de quilombo definindo como remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicoraciais segundo critérios de autoatribuição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida O Decreto nº 48872003 também estabelece que são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física social econômica e cultural reconhecendo assim a dimensão cultural e coletiva do território quilombola Além disso o decreto atribui ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a competência para conduzir os procedimentos de regularização fundiária das terras quilombolas A constitucionalidade do Decreto nº 48872003 foi questionada no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 3239 ajuizada pelo então Partido da Frente Liberal PFL atual Democratas Após longo trâmite o STF julgou improcedente a ação em fevereiro de 2018 confirmando a validade do decreto e reafirmando a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas No caso específico de Alcântara o processo de regularização fundiária do território quilombola foi iniciado em 1999 quando as comunidades solicitaram ao INCRA a abertura do procedimento administrativo Em 2008 o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação RTID do território quilombola de Alcântara foi publicado identificando uma área de aproximadamente 78 mil hectares como território tradicional das comunidades Contudo o processo de titulação não avançou significativamente desde então em grande parte devido aos conflitos com os interesses do Centro de Lançamento de Alcântara 22 Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Um dos principais fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos referese à violação do direito à consulta prévia livre e informada das comunidades quilombolas de Alcântara Esse direito reconhecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais ratificada pelo Brasil em 2002 estabelece que os governos devem consultar os povos interessados sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente O artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT determina que as consultas devem ser realizadas de boafé de maneira apropriada às circunstâncias com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento acerca das medidas propostas Além disso o artigo 16 estabelece que os povos não devem ser removidos das terras que ocupam salvo em circunstâncias excepcionais e mediante seu consentimento livre e informado Como destaca Duprat 2014 a Convenção nº 169 da OIT aplicase às comunidades quilombolas brasileiras uma vez que estas se enquadram no conceito de povos tribais definido pelo artigo 1º da Convenção caracterizados por condições sociais culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da coletividade nacional e cuja situação é regida total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições No caso das comunidades quilombolas de Alcântara tanto o deslocamento inicial realizado na década de 1980 quanto os planos de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas prévias livres e informadas em clara violação ao direito internacional Como observa o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso as comunidades não foram adequadamente informadas sobre os projetos que afetariam seus territórios nem tiveram oportunidade de participar das decisões que impactaram diretamente suas vidas A Corte Interamericana de Direitos Humanos já firmou importante jurisprudência sobre o direito à consulta prévia em casos envolvendo povos indígenas e tribais como Povo Saramaka vs Suriname 2007 e Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador 2012 Nesses casos a Corte estabeleceu que a consulta deve ser realizada de acordo com os costumes e tradições dos povos afetados em procedimentos culturalmente adequados e acessíveis com informações suficientes sobre a natureza e o impacto dos projetos propostos 23 Direito à Propriedade Coletiva e à Identidade Cultural Outro fundamento jurídico central do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil referese ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural A Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu artigo 21 protege o direito à propriedade privada que segundo a interpretação evolutiva da Corte Interamericana abrange também as formas coletivas de propriedade características dos povos indígenas e tribais No caso Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 a Corte Interamericana estabeleceu que o artigo 21 da Convenção Americana protege o direito à propriedade em um sentido que compreende os direitos dos membros das comunidades indígenas no marco da propriedade comunal Essa interpretação foi reafirmada e desenvolvida em casos posteriores como Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 A Corte Interamericana tem reconhecido consistentemente a especial relação que os povos indígenas e tribais mantêm com seus territórios tradicionais destacando que essa relação vai além da mera posse e produção abrangendo elementos espirituais e culturais essenciais para sua identidade coletiva Como observa Piovesan 2018 essa jurisprudência representa um importante avanço na proteção dos direitos territoriais coletivos ao reconhecer a dimensão cultural do território e sua importância para a sobrevivência física e cultural desses povos No caso das comunidades quilombolas de Alcântara o deslocamento forçado e a imposição de um modelo de reassentamento incompatível com suas formas tradicionais de organização territorial representaram graves violações ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O direito à identidade cultural embora não explicitamente mencionado na Convenção Americana tem sido reconhecido pela Corte Interamericana como um direito fundamental derivado do direito à vida à integridade pessoal e à liberdade de consciência e religião No caso Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai a Corte afirmou que a cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida particular de ser ver e atuar no mundo constituída a partir de sua estreita relação com suas terras tradicionais e recursos naturais não apenas por serem estes seu principal meio de subsistência mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão religiosidade e portanto de sua identidade cultural 24 Tramitação do Caso no Sistema Interamericano de Direitos Humanos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil iniciou sua tramitação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos em outubro de 2001 quando a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara o Centro de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A petição denunciava violações aos direitos à propriedade coletiva à igualdade perante a lei às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 21 24 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos respectivamente Os peticionários alegavam que o Estado brasileiro havia violado esses direitos ao promover o deslocamento forçado das comunidades quilombolas para a implementação do Centro de Lançamento de Alcântara sem consulta prévia e sem garantir condições adequadas de reassentamento Em 2006 a Comissão Interamericana declarou a admissibilidade do caso reconhecendo sua competência para analisar as alegadas violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Após a fase de análise do mérito que incluiu audiências com representantes das comunidades e do Estado brasileiro a Comissão emitiu seu relatório final em 2020 concluindo que o Brasil havia violado os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e recomendando uma série de medidas reparatórias Diante do não cumprimento integral das recomendações pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana decidiu submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos onde atualmente se encontra em tramitação A submissão do caso à Corte representa um importante passo no processo de busca por justiça para as comunidades quilombolas de Alcântara uma vez que as sentenças da Corte Interamericana são vinculantes para os Estados que reconheceram sua jurisdição como é o caso do Brasil 3 Análise das Violações de Direitos Humanos no Caso Alcântara 31 Violação do Direito à Propriedade Coletiva A implementação do Centro de Lançamento de Alcântara resultou em graves violações ao direito à propriedade coletiva das comunidades quilombolas reconhecido tanto pelo ordenamento jurídico brasileiro quanto pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos O deslocamento forçado de dezenas de comunidades de seus territórios tradicionais sem adequada compensação ou reassentamento em condições equivalentes constitui uma das principais violações denunciadas no caso Como observa Santos 2017 a desapropriação da área destinada ao Centro de Lançamento ocorreu sem considerar a especificidade dos direitos territoriais das comunidades quilombolas tratandoas como simples posseiros individuais e não como coletividades étnicas com direitos específicos Esse tratamento evidencia o desconhecimento ou desconsideração por parte do Estado brasileiro da natureza coletiva e cultural do território quilombola O modelo de reassentamento implementado nas agrovilas baseado na distribuição de lotes individuais e na separação entre áreas residenciais e produtivas representou uma ruptura com o sistema tradicional de uso comum da terra característico das comunidades quilombolas de Alcântara Como destaca o relatório antropológico elaborado por Almeida 2006 esse sistema tradicional articula diferentes espaços produtivos roças áreas de extrativismo zonas de pesca em um território contínuo permitindo o aproveitamento diversificado dos recursos naturais conforme os ciclos sazonais Além disso a redução significativa das áreas disponíveis para as atividades produtivas tradicionais comprometeu gravemente a subsistência das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias que antes do deslocamento dispunham de áreas de 100 a 300 hectares para suas atividades produtivas passaram a contar com lotes individuais de apenas 15 hectares nas agrovilas insuficientes para a manutenção de seu modo de vida tradicional A violação do direito à propriedade coletiva manifestase também na morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara Apesar da solicitação formal apresentada em 1999 e da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação em 2008 as comunidades ainda não obtiveram a titulação definitiva de seu território permanecendo em situação de insegurança jurídica que as torna vulneráveis a novos deslocamentos 32 Violação do Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Uma das violações mais evidentes no caso Alcântara referese ao direito à consulta prévia livre e informada garantido pela Convenção nº 169 da OIT Tanto o deslocamento inicial das comunidades na década de 1980 quanto os planos posteriores de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas adequadas às comunidades afetadas Como destaca o relatório da Comissão Interamericana as comunidades não foram consultadas sobre a implementação do projeto nem sobre o modelo de reassentamento a ser adotado As decisões foram tomadas unilateralmente pelo governo federal sem considerar as especificidades culturais e as necessidades das comunidades quilombolas Mesmo após a ratificação da Convenção nº 169 da OIT pelo Brasil em 2002 o Estado brasileiro continuou a desconsiderar o direito à consulta prévia nas decisões relativas ao Centro de Lançamento de Alcântara O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado com os Estados Unidos em 2000 e renegociado em 2019 que prevê a ampliação da área do CLA e potencialmente novos deslocamentos de comunidades não foi objeto de consulta adequada às comunidades quilombolas conforme denunciado por organizações de direitos humanos A ausência de consulta prévia livre e informada constitui não apenas uma violação formal de um direito procedimental mas compromete substancialmente a autonomia e a autodeterminação das comunidades quilombolas Como observa Duprat 2014 o direito à consulta está intrinsecamente ligado ao direito à autodeterminação dos povos reconhecido por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos permitindo que as comunidades participem efetivamente das decisões que afetam suas vidas e territórios 33 Violação do Direito à Identidade Cultural e aos Modos de Vida Tradicionais O deslocamento forçado e o modelo de reassentamento imposto às comunidades quilombolas de Alcântara resultaram em graves violações ao direito à identidade cultural e aos modos de vida tradicionais Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em seu relatório sobre o caso destaca que o deslocamento provocou a desarticulação de redes de parentesco e solidariedade que estruturavam a vida social das comunidades A dispersão de famílias que antes viviam próximas e mantinham intensas relações de cooperação comprometeu práticas culturais coletivas como celebrações religiosas mutirões de trabalho e formas tradicionais de transmissão de conhecimentos Além disso a perda do acesso a locais de importância simbólica e religiosa como cemitérios fontes dágua e áreas de culto afetou profundamente a dimensão espiritual da vida comunitária Como observa Souza Filho 2015 para muitas comunidades tradicionais incluindo as quilombolas o território não é apenas um espaço físico de produção mas um lugar de memória onde estão inscritas as referências históricas e culturais do grupo O modelo de reassentamento nas agrovilas com sua configuração espacial padronizada e sua lógica produtiva individualista mostrouse incompatível com os modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas A imposição de técnicas agrícolas e formas de ocupação territorial estranhas à cultura local resultou no que Almeida 2006 denomina descaracterização étnica comprometendo a transmissão intergeracional de conhecimentos tradicionais e práticas culturais A pesquisadora Ilka Boaventura Leite 2018 destaca que a violação do direito à identidade cultural das comunidades quilombolas de Alcântara manifestase também na desconsideração de sua condição de sujeitos coletivos de direitos Ao tratálas como meros ocupantes individuais da terra o Estado brasileiro negou reconhecimento à sua especificidade étnica e cultural violando o direito à diferença garantido pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais de direitos humanos 34 Impactos Socioeconômicos e Ambientais do Deslocamento Forçado Os impactos socioeconômicos do deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara foram severos e persistentes A redução significativa das áreas disponíveis para atividades produtivas tradicionais combinada com a perda do acesso ao mar e aos manguezais comprometeu gravemente a segurança alimentar e a autonomia econômica das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias reassentadas nas agrovilas experimentaram uma redução de até 80 em sua produção agrícola após o deslocamento A distância entre as áreas residenciais e as áreas de cultivo a baixa fertilidade dos solos nas novas áreas e a insuficiência dos lotes individuais foram fatores que contribuíram para essa drástica redução produtiva A perda do acesso ao mar e aos manguezais teve impacto particularmente severo para as comunidades que tradicionalmente combinavam agricultura pesca e extrativismo em seu sistema produtivo Como observa Martins 2019 a pesca artesanal e a coleta de mariscos nos manguezais constituíam importantes fontes de proteína na dieta tradicional dessas comunidades além de representarem atividades culturalmente significativas O empobrecimento material das comunidades reassentadas manifestouse também na crescente dependência de programas assistenciais governamentais e na migração de jovens em busca de oportunidades de trabalho em centros urbanos Esse processo de desarticulação econômica contribuiu para o enfraquecimento dos laços comunitários e para a perda de autonomia das comunidades quilombolas Além dos impactos socioeconômicos o deslocamento forçado resultou em significativos impactos ambientais tanto nas áreas de reassentamento quanto nas áreas originalmente ocupadas pelas comunidades A concentração populacional nas agrovilas e a redução das áreas disponíveis para cultivo levaram à intensificação do uso do solo e à consequente degradação ambiental em algumas áreas Por outro lado as áreas desocupadas para a implementação do Centro de Lançamento mas não efetivamente utilizadas para suas instalações experimentaram processos de regeneração da vegetação nativa evidenciando o papel das comunidades quilombolas na gestão sustentável do território Como destaca o relatório antropológico elaborado para o processo de titulação do território quilombola as práticas tradicionais de manejo dos recursos naturais desenvolvidas por essas comunidades ao longo de gerações contribuíram para a conservação da biodiversidade local 35 Racismo Ambiental e Discriminação Estrutural O caso das comunidades quilombolas de Alcântara evidencia também a problemática do racismo ambiental conceito que se refere à imposição desproporcional de riscos ambientais e sociais a comunidades étnica e racialmente marginalizadas Como observa Pacheco 2008 o racismo ambiental manifestase quando projetos de desenvolvimento com potenciais impactos negativos são sistematicamente localizados em territórios ocupados por populações negras indígenas ou outras minorias étnicas No caso de Alcântara a decisão de implementar o Centro de Lançamento em um território tradicionalmente ocupado por comunidades quilombolas sem adequada consideração de seus direitos e sem medidas efetivas para mitigar os impactos negativos reflete padrões históricos de discriminação racial e étnica na sociedade brasileira Como destaca o relatório da Comissão Interamericana essa decisão evidencia a invisibilidade jurídica a que foram historicamente submetidas as comunidades quilombolas no Brasil A antropóloga Deborah Duprat 2014 observa que o tratamento dispensado às comunidades quilombolas de Alcântara revela uma concepção de desenvolvimento que hierarquiza conhecimentos e modos de vida privilegiando o conhecimento técnicocientífico e o modelo de desenvolvimento industrial em detrimento dos conhecimentos tradicionais e dos modos de vida das comunidades locais Essa hierarquização segundo a autora tem raízes no racismo estrutural que permeia as instituições e políticas públicas brasileiras O racismo ambiental manifestase também na desigualdade de acesso à justiça e na dificuldade enfrentada pelas comunidades quilombolas para fazer valer seus direitos A morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara e a resistência do Estado brasileiro em implementar plenamente as garantias constitucionais e internacionais relativas aos direitos dessas comunidades evidenciam o que Carneiro 2005 denomina racismo institucional caracterizado por práticas institucionais que perpetuam a desigualdade racial 4 Implicações do Caso para a Política Brasileira de Desenvolvimento e Proteção de Comunidades Tradicionais 41 Tensões entre Desenvolvimento Econômico e Direitos de Comunidades Tradicionais O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia as profundas tensões existentes entre determinados modelos de desenvolvimento econômico e os direitos das comunidades tradicionais no Brasil O Centro de Lançamento de Alcântara concebido como projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e a inserção internacional do país ilustra como grandes empreendimentos podem resultar em graves violações de direitos quando implementados sem adequada consideração das especificidades culturais e territoriais das comunidades locais Como observa Zhouri 2018 essas tensões não se limitam ao caso de Alcântara mas manifestamse em diversos contextos onde projetos de infraestrutura mineração energia ou agronegócio impactam territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas quilombolas e outras comunidades tradicionais Segundo a autora tais conflitos revelam diferentes concepções de desenvolvimento e distintas formas de relação com o território e os recursos naturais O economista Amartya Sen 2010 propõe uma concepção de desenvolvimento como liberdade que transcende a mera busca pelo crescimento econômico e enfatiza a expansão das capacidades humanas e das liberdades substantivas Nessa perspectiva o desenvolvimento deve ser avaliado não apenas pelos indicadores econômicos que gera mas também por sua contribuição para a ampliação das escolhas e oportunidades disponíveis para as pessoas respeitando sua diversidade cultural e seus modos de vida Aplicando essa concepção ao caso de Alcântara podese questionar em que medida o projeto do Centro de Lançamento da forma como foi implementado contribuiu para o desenvolvimento real das comunidades locais Os dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana sugerem que ao contrário o projeto resultou na redução das capacidades produtivas e na desarticulação dos modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas comprometendo sua autonomia e bemestar A superação das tensões entre desenvolvimento econômico e direitos de comunidades tradicionais exige como propõe Escobar 2014 a construção de modelos alternativos de desenvolvimento que incorporem a diversidade cultural e reconheçam a pluralidade de formas de conhecimento e relação com o território Esses modelos devem basearse no diálogo intercultural e na participação efetiva das comunidades afetadas nas decisões sobre os rumos do desenvolvimento em seus territórios 42 Avanços e Desafios na Proteção Jurídica das Comunidades Quilombolas Nas últimas décadas o Brasil experimentou significativos avanços na proteção jurídica das comunidades quilombolas com o reconhecimento constitucional de seus direitos territoriais e a implementação de políticas públicas específicas Contudo o caso de Alcântara evidencia os persistentes desafios para a efetivação desses direitos na prática Entre os avanços destacase a promulgação do Decreto nº 48872003 que regulamentou o procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas Esse decreto adotou uma concepção ampla de quilombo baseada na autodefinição das comunidades e no reconhecimento de sua trajetória histórica e relações territoriais específicas Outro avanço significativo foi a criação em 2007 da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais PNPCT por meio do Decreto nº 6040 Essa política reconheceu formalmente a diversidade cultural e os direitos específicos das comunidades tradicionais brasileiras incluindo as quilombolas e estabeleceu princípios e diretrizes para sua proteção e promoção No âmbito judicial a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3239 em 2018 representou importante vitória para as comunidades quilombolas ao confirmar a constitucionalidade do Decreto nº 48872003 e reafirmar a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas Nessa decisão o STF adotou interpretação ampla do artigo 68 do ADCT reconhecendo seu caráter reparatório e sua fundamentalidade para a proteção da identidade cultural das comunidades quilombolas Contudo persistem significativos desafios para a efetivação dos direitos quilombolas no Brasil Um dos principais referese à morosidade dos processos de titulação dos territórios quilombolas Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA até 2021 apenas uma pequena parcela das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares havia obtido a titulação definitiva de seus territórios Outro desafio referese à crescente pressão sobre os territórios quilombolas exercida por diversos interesses econômicos como o agronegócio a mineração e projetos de infraestrutura Como observa Almeida 2010 essas pressões têm resultado em conflitos fundiários e ameaças às lideranças quilombolas em diversas regiões do país evidenciando a vulnerabilidade dessas comunidades mesmo após o reconhecimento formal de seus direitos O caso de Alcântara ilustra também o desafio da articulação entre diferentes políticas setoriais do Estado brasileiro que muitas vezes atuam de forma contraditória em relação às comunidades tradicionais Enquanto alguns órgãos governamentais trabalham pela proteção e promoção dos direitos quilombolas outros implementam projetos que resultam em violações desses mesmos direitos evidenciando a necessidade de maior coerência e coordenação nas ações estatais 43 O Papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na Proteção de Comunidades Vulneráveis O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia o importante papel desempenhado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis na região Ao acolher a denúncia das comunidades quilombolas e reconhecer as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana contribuiu para dar visibilidade internacional ao caso e pressionar por medidas reparatórias Como observa Abramovich 2009 o Sistema Interamericano tem desempenhado papel crescentemente relevante na proteção de grupos historicamente marginalizados nas Américas desenvolvendo uma jurisprudência progressista sobre direitos coletivos não discriminação e igualdade material Essa atuação tem contribuído para o fortalecimento dos sistemas nacionais de proteção de direitos humanos e para a ampliação do acesso à justiça para grupos vulneráveis No caso específico das comunidades tradicionais a jurisprudência da Corte Interamericana tem sido particularmente inovadora reconhecendo a especial relação desses povos com seus territórios tradicionais e a importância da proteção territorial para sua sobrevivência física e cultural Casos como Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 estabeleceram importantes precedentes sobre direitos territoriais coletivos que têm influenciado legislações e políticas nacionais em toda a região O acesso ao Sistema Interamericano representa para muitas comunidades vulneráveis a última esperança de justiça após esgotarem os recursos internos disponíveis em seus países Como destaca Piovesan 2018 o sistema regional de proteção aos direitos humanos atua de forma complementar aos sistemas nacionais intervindo quando estes se mostram falhos ou insuficientes na proteção dos direitos fundamentais Contudo a efetividade do Sistema Interamericano depende em grande medida da disposição dos Estados em cumprir suas decisões e recomendações No caso brasileiro observa se um histórico de cumprimento parcial das decisões da Corte Interamericana com maior avanço no pagamento de indenizações às vítimas e menor progresso na implementação de medidas estruturais e garantias de não repetição O caso de Alcântara representa nesse sentido um importante teste para o compromisso do Brasil com o Sistema Interamericano e com a proteção dos direitos das comunidades tradicionais A forma como o Estado brasileiro responderá à eventual sentença da Corte Interamericana nesse caso poderá indicar os rumos futuros da política nacional de proteção às comunidades quilombolas e da relação do país com o sistema regional de direitos humanos 44 Perspectivas para a Resolução do Conflito e Reparação das Violações A resolução do conflito envolvendo as comunidades quilombolas de Alcântara e o Centro de Lançamento exige a adoção de medidas abrangentes que abordem as diversas dimensões das violações de direitos humanos identificadas no caso Essas medidas devem incluir tanto reparações individuais e coletivas para as comunidades afetadas quanto reformas estruturais que previnam a repetição de violações semelhantes no futuro Entre as medidas reparatórias recomendadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu relatório sobre o caso destacamse i a conclusão do processo de titulação do território quilombola de Alcântara ii a garantia de que as comunidades possam retornar às suas terras originais ou quando isso não for possível recebam terras de qualidade e extensão equivalentes iii a implementação de medidas para recuperar e preservar a identidade cultural das comunidades afetadas e iv o pagamento de indenizações pelos danos materiais e imateriais sofridos Além dessas medidas específicas a resolução do conflito exige a construção de um novo modelo de relação entre o Centro de Lançamento e as comunidades quilombolas baseado no respeito mútuo e na coexistência harmônica Esse modelo deve reconhecer os direitos territoriais das comunidades e garantir sua participação efetiva nas decisões que afetam seus territórios e modos de vida A experiência internacional oferece exemplos de coexistência entre bases espaciais e comunidades tradicionais que poderiam inspirar soluções para o caso de Alcântara Na Guiana Francesa por exemplo o Centro Espacial de Kourou estabeleceu protocolos de relacionamento com as comunidades indígenas e quilombolas da região incluindo mecanismos de consulta prévia e compensação por impactos específicos de suas atividades A implementação efetiva do direito à consulta prévia livre e informada conforme estabelecido pela Convenção nº 169 da OIT constitui elemento fundamental para a prevenção de novos conflitos e violações de direitos Isso exige o desenvolvimento de protocolos de consulta culturalmente adequados que respeitem as formas próprias de organização e tomada de decisão das comunidades quilombolas Por fim a resolução do conflito de Alcântara pode contribuir para o desenvolvimento de uma nova abordagem na implementação de grandes projetos em territórios tradicionalmente ocupados por comunidades vulneráveis no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor a ser preservado e no entendimento de que o verdadeiro desenvolvimento só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos Considerações Finais A análise do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil permite compreender as complexas dimensões dos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil O caso evidencia como a implementação de grandes empreendimentos sem adequada consideração dos direitos e especificidades culturais das comunidades locais pode resultar em graves violações de direitos humanos e comprometer a própria sustentabilidade do desenvolvimento A pesquisa confirmou a hipótese inicialmente formulada demonstrando que o caso de Alcântara revela um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Esse padrão manifesta se na desconsideração do direito à consulta prévia na violação dos direitos territoriais coletivos e na imposição de modelos de reassentamento incompatíveis com os modos de vida tradicionais O estudo evidenciou também a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como instância de proteção para comunidades vulneráveis que enfrentam obstáculos para acessar a justiça em seus países A atuação da Comissão Interamericana no caso de Alcântara contribuiu para dar visibilidade internacional às violações de direitos humanos e pressionar por medidas reparatórias evidenciando o papel complementar do sistema regional em relação aos sistemas nacionais de proteção Entre as dificuldades encontradas na pesquisa destacase a complexidade de sistematizar as múltiplas dimensões das violações de direitos humanos no caso que abrangem aspectos territoriais culturais ambientais e socioeconômicos Além disso a dinâmica evolução do caso com desenvolvimentos recentes como a renegociação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos em 2019 exige constante atualização da análise Como lacunas não exploradas identificase a necessidade de aprofundamento sobre os impactos diferenciados do deslocamento forçado sobre mulheres crianças e idosos nas comunidades quilombolas de Alcântara Estudos futuros poderão investigar também as estratégias de resistência e organização política desenvolvidas pelas comunidades ao longo das décadas de conflito bem como as possibilidades de construção de modelos alternativos de desenvolvimento que respeitem seus direitos e modos de vida Concluise que a efetiva resolução do caso de Alcântara depende da adoção de uma abordagem integral que combine medidas reparatórias específicas para as comunidades afetadas com reformas estruturais nas políticas de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor fundamental e na compreensão de que o desenvolvimento autêntico só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa assim não apenas um desafio para a política brasileira de proteção às comunidades tradicionais mas também uma oportunidade para a construção de novos paradigmas de desenvolvimento que conciliem avanço tecnológico e econômico com respeito à diversidade cultural e aos direitos humanos A forma como o Estado brasileiro responderá a esse desafio poderá indicar os rumos futuros da relação entre desenvolvimento nacional e direitos das comunidades tradicionais no país Referências ABRAMOVICH Victor Das violações em massa aos padrões estruturais novos enfoques e clássicas tensões no Sistema Interamericano de Direitos Humanos SUR Revista Internacional de Direitos Humanos São Paulo v 6 n 11 p 739 2009 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara laudo antropológico Brasília MMA 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Territórios quilombolas e conflitos considerações sobre povos e comunidades tradicionais no Brasil In ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Org Cadernos de debates Nova Cartografia Social territórios quilombolas e conflitos Manaus UEA Edições 2010 BRAGA Gustavo Bastos Alcântara o centro de lançamento e seus impactos sobre as comunidades quilombolas Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento Curitiba v 1 n 1 p 114128 2011 CARNEIRO Sueli A construção do outro como nãoser como fundamento do ser Tese Doutorado em Educação Universidade de São Paulo São Paulo 2005 COMISSÃO PRÓÍNDIO DE SÃO PAULO Terras quilombolas em Alcântara uma análise da situação territorial e dos impactos do Centro de Lançamento São Paulo CPISP 2017 DUPRAT Deborah A Convenção 169 da OIT e o direito à consulta prévia livre e informada In DUPRAT Deborah Org Convenção n 169 da OIT e os Estados Nacionais Brasília ESMPU 2014 ESCOBAR Arturo Sentipensar con la tierra nuevas lecturas sobre desarrollo territorio y diferencia Medellín UNAULA 2014 LEITE Ilka Boaventura O projeto político quilombola desafios conquistas e impasses atuais Revista Estudos Feministas Florianópolis v 16 n 3 p 965977 2018 MARTINS Dora Alcântara território e conflito os impactos dos megaprojetos na comunidade quilombola São Luís EDUFMA 2019 PACHECO Tania Racismo ambiental expropriação do território e negação da cidadania In Superintendência de Recursos Hídricos Org Justiça pelas águas enfrentamento ao racismo ambiental Salvador Superintendência de Recursos Hídricos 2008 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional São Paulo Saraiva 2018 SANTOS Boaventura de Sousa Para além do pensamento abissal das linhas globais a uma ecologia de saberes In SANTOS Boaventura de Sousa MENESES Maria Paula Org Epistemologias do Sul Coimbra Almedina 2017 SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade São Paulo Companhia das Letras 2010 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição São Paulo Malheiros 2018 SOUZA FILHO Carlos Frederico Marés de Terra mercadoria terra vazia povos natureza e patrimônio cultural Revista InSURgência Brasília v 1 n 1 p 5771 2015 TRECCANI Girolamo Domenico Terras de quilombo caminhos e entraves do processo de titulação Belém Programa Raízes 2016 ZHOURI Andréa Conflitos sociais e meio ambiente urbano Revista Comunidade e Saúde Rio de Janeiro v 1 n 22 p 5768 2018
10
Direitos Humanos
ESAMC
12
Direitos Humanos
ESAMC
2
Direitos Humanos
ESAMC
3
Direitos Humanos
ESAMC
11
Direitos Humanos
UNEMAT
2
Direitos Humanos
FACSUL
1
Direitos Humanos
FACCAT
11
Direitos Humanos
UNISANTA
11
Direitos Humanos
UCSAL
2
Direitos Humanos
CESUPI
Texto de pré-visualização
UNITÀ FACULDADE TÍTULO subtítulo Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para o título de bacharel em Direito Aluna Orientação CampinasSP 2025 Resumo O resumo é a apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento devendo ressaltar o objetivo o método os resultados e as conclusões da pesquisa científica O resumo deve ser composto de uma sequência de frases concisas e afirmativas com o uso de parágrafo único justificado em espaçamento simples com fonte Arial ou Times New Roman tamanho 12 A primeira frase deve ser significativa explicando o tema principal da pesquisa As palavras chave devem figurar logo abaixo do resumo antecedidas da expressão A extensão do resumo deve conter até 800 caracteres sem espaço Palavraschave palavra1 palavra 2 palavra 3 Abstract O abstract referese a versão do resumo em inglês com os mesmos elementos do resumo em português e as palavraschave keywords traduzidas Keywords OBS não precisa de sumário lista de figuras e tabelas e abreviações Introdução Na introdução conterá a contextualização da pesquisa científica com a apresentação do problema da hipótese suscitada e a justificativa para percorrer o caminho por meio de método e as técnicas de abordagens utilizadas Além disso os objetivos geral e específicos Os objetivos específicos são as seções do artigo Não escrevemos os resultados encontrados na introdução pois serão desenvolvidos nas seções finais Na introdução não utilizamos citações diretas A introdução deve ter de 02 a 03 páginas O título da seção Introdução não é numerado como nas seções de desenvolvimento da pesquisa Não contém gráficos figuras ou tabelas Iniciase a partir da introdução a numeração da página no canto superior direito na fonte utilizada para escrita do artigo Times ou Arial 1 Título da seção 1 Exemplo Aspectos históricos do Direito Ambiental no contexto brasileiro Na primeira seção iniciase o desenvolvimento da sua pesquisa É usual em pesquisa acadêmica apontar os aspectos históricos Esta seção será desenvolvida em 04 páginas Pode se utilizar citações diretas e indiretas Exemplos de citações diretas com mais de três linhas no formato autordata Anote alguns dos títulos das obras avalie quais deles comunicam melhor os conteúdos e pense nas razões Esse passeio poderá inspirála para as primeiras tentativas de dizer em 15 palavras o que certamente precisará de muitas páginas em breve10 A verdade é que você iniciará seu texto pelo título funcional e ao final de um ano será em torno dele que fará seu arremate final Durante muitos meses o título funcional será como um termômetro que vigia a temperatura do forno para o cozimento do bolo Mas ele será permanentemente modificado revisado melhorado 10 Alguns manuais sugerem 12 palavras John Creswell defende essa proposta para a língua inglesa Minha experiência é que três palavras adicionais são terapêuticas para as escritoras mais prolixas Várias revistas acadêmicas já determinam o limite máximo de palavras para o título e instituíram a categoria título corrido ou seja uma versão minissaia do título para a publicação O meu papel nesta fase é antecipar que ingredientes não combinam em uma mesma receita O sabor só será degustado ao final DINIZ 2012 p 32 33 Atenção As citações diretas com mais de três linhas devem ser alinhadas recuo a 4cm do texto espaçamento simples tamanho 10 cm da fonte sem aspas e com a referência no formato indicado como no exemplo acima Já as citações diretas com até três linhas escrevo no corpo do texto na mesma formatação textual Arial ou Times New Roman tamanho 12 sem recuo especial início do parágrafo 125 cm e com aspas Exemplo A obra O capital no século XXI apresentase como uma pesquisa direcionada à investigação histórica política e econômica sobre renda e capital no âmbito internacional Dessa forma o autor tem como objeto de análise a estrutura da desigualdade Essa estrutura é definida como a origem das disparidades de renda e riqueza entre grupos sociais e as diferentes justificativas econômicas sociais morais e políticas invocadas para defendê las ou condenálas Piketty 2014 p 26 2 Título da seção 2 Exemplo Responsabilidade ambiental das empresas diálogos no campo do direito constitucional Na segunda seção continua o desenvolvimento da sua pesquisa buscando dialogar com a primeira seção Nesta seção trabalhase propriamente o objeto da pesquisa Esta seção será desenvolvida em 04 páginas Podese utilizar citações diretas e indiretas como nos exemplos anteriores além de gráficos figuras ou tabelas que devem ter as seguintes formatações sem recuo ou parágrafo inicial nome da imagem utilizada em negrito e a fonte em Arial ou Times no tamanho de 10 cm alinhada à esquerda altura da forma 85 cm e largura da forma 14 cm Tabela 1 A mulher no Orçamento 2021 por categoria proteção social Fonte SIOP Elaboração SOFSETOME Brasil 2022 p 18 3 Título da seção 3 Exemplo Análises normativas Na segunda terceira seção continuase o desenvolvimento da sua pesquisa buscando dialogar com seção anterior Nesta seção trabalhase propriamente os aspectos jurídicos tais como legislações jurisprudências decisões monocráticas etc Esta seção será desenvolvida em 04 páginas Podese utilizar citações diretas e indiretas como nos exemplos anteriores além de gráficos figuras ou tabelas Reforçase que esta seção terá que encaminhar a pesquisa para sua finalização Considerações Finais As considerações finais da pesquisa devem apontar os resultados encontrados e se a hipótese da pesquisa científica foi confirmada ou não É o momento de apontar as dificuldades encontradas na pesquisa as lacunas e o que não se pode ser pesquisado As considerações finais devem ter 02 páginas Não contém gráficos figuras ou tabelas Referências bibliográficas Nas referências bibliográficas apontamse todos os materiais utilizados para escrever o artigo científico Por exemplo obras legislações normas convenções tratados etc Na seguinte formatação ordem alfabética fonte Arial ou Times tamanho 12 cm sem espaço do parágrafo entre linhas com espaçamento simples justificado destacando em negrito os nomes das obras os meios divulgados das legislações os nomes das revistas científicas consultados etc Quando a referência tiver link da internet colocálo juntamente com a data de acesso Exemplos BRASIL Lei nº 14116 de 31 de dezembro de 2020 Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2021 e dá outras providências Diário Oficial da União Seção 1 Edição Extra D 2632021 página 2 promulgação de vetos Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato201920222020leil14116htm Acesso em 21 jun 2025 BRASIL A mulher no orçamento 2021 Orçamento Mulher Brasília DF 2022 Disponível em httpswwwgovbrplanejamentoptbrcentraisdeconteudopublicacoes outraspublicacoesamulhernoorcamento2021pdf Acesso em 21 jun 2025 DINIZ Debora Carta de uma orientadora o primeiro projeto de pesquisa Brasília Letras Livres 2012 SILVA Maria Ozanira da Silva e Pobreza desigualdade e políticas públicas caracterizando e problematizando a realidade brasileira Revista Katálysis online v 13 n 2 pp 155163 2010 Disponível em httpsdoiorg101590S141449802010000200002 Acesso em 06 ago 2025 UNITÀ FACULDADE CASO COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA VS BRASIL Análise Jurídica Impactos e Desdobramentos Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para o título de bacharel em Direito Aluna Orientação CampinasSP 2025 Resumo O presente trabalho analisa o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos examinando seus fundamentos jurídicos contexto histórico e impactos sociais A pesquisa investiga as violações de direitos humanos decorrentes da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara no Maranhão e o consequente deslocamento forçado das comunidades quilombolas da região São analisados os aspectos jurídicos relativos aos direitos territoriais de comunidades tradicionais o direito à consulta prévia e o conflito entre desenvolvimento econômico e preservação cultural O estudo evidencia a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis e discute os desafios para a implementação de uma política de desenvolvimento que respeite os direitos fundamentais das comunidades tradicionais brasileiras Palavraschave comunidades quilombolas Alcântara Corte Interamericana direitos territoriais consulta prévia Abstract This paper analyzes the case Quilombola Communities of Alcântara vs Brazil submitted to the InterAmerican Court of Human Rights examining its legal foundations historical context and social impacts The research investigates human rights violations resulting from the implementation of the Alcântara Launch Center in Maranhão and the consequent forced displacement of quilombola communities in the region The study analyzes legal aspects related to territorial rights of traditional communities the right to prior consultation and the conflict between economic development and cultural preservation The research highlights the importance of the InterAmerican Human Rights System in protecting vulnerable communities and discusses the challenges for implementing a development policy that respects the fundamental rights of Brazilian traditional communities Keywords quilombola communities Alcântara InterAmerican Court territorial rights prior consultation Introdução O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa um dos mais emblemáticos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil Submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001 e posteriormente encaminhado à Corte Interamericana o caso expõe as tensões entre a implementação de um projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país o Centro de Lançamento de Alcântara CLA e os direitos fundamentais das comunidades quilombolas que tradicionalmente ocupam aquele território O município de Alcântara localizado no estado do Maranhão abriga dezenas de comunidades quilombolas que ocupam a região há mais de dois séculos desenvolvendo modos de vida próprios e estabelecendo profundas relações com o território A partir da década de 1980 com a implementação do Centro de Lançamento iniciouse um processo de deslocamento forçado dessas comunidades gerando graves violações de direitos humanos que culminaram com a denúncia ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos O problema central que orienta esta pesquisa consiste em compreender como o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil revela as contradições da política de desenvolvimento brasileira em relação aos direitos das comunidades tradicionais especialmente no que se refere aos direitos territoriais e ao direito à consulta prévia livre e informada A hipótese sustentada é que o caso evidencia um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Justificase a presente investigação pela necessidade de aprofundar o entendimento sobre os mecanismos de proteção dos direitos das comunidades tradicionais em face de grandes projetos de desenvolvimento tema de crescente relevância no contexto brasileiro e latinoamericano Em um cenário de frequentes conflitos socioambientais envolvendo comunidades vulneráveis compreender os aspectos jurídicos e sociais do caso Alcântara tornase imperativo para a construção de políticas públicas mais inclusivas e respeitosas da diversidade cultural O objetivo geral deste trabalho é analisar o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil sob a perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro Como objetivos específicos buscase i examinar o contexto histórico da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus impactos sobre as comunidades quilombolas ii analisar os fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e iii investigar as implicações do caso para a política brasileira de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais A metodologia adotada baseiase na pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada legislação pertinente relatórios de organizações não governamentais e documentos oficiais relacionados ao caso Adotase uma abordagem qualitativa com método dedutivoindutivo partindo da análise do caso concreto para extrair conclusões sobre a proteção jurídica das comunidades tradicionais no Brasil e no Sistema Interamericano de Direitos Humanos 1 Contexto Histórico e Social das Comunidades Quilombolas de Alcântara 11 Formação Histórica das Comunidades Quilombolas de Alcântara O município de Alcântara situado na porção ocidental da Ilha do Maranhão possui uma rica história que remonta ao período colonial brasileiro A região que já foi um dos mais prósperos centros econômicos do Maranhão no século XVIII abrigando uma aristocracia rural baseada na produção de algodão e arroz com mão de obra escravizada passou por profundas transformações após a decadência econômica no século XIX Segundo Almeida 2006 a formação das comunidades quilombolas de Alcântara está diretamente relacionada ao declínio da economia local e ao consequente abandono das propriedades rurais pela elite colonial Nesse contexto os escravizados que permaneceram na região desenvolveram estratégias de ocupação territorial e organização social próprias estabelecendo comunidades autônomas baseadas em laços de parentesco e solidariedade O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em pesquisa realizada na década de 1990 identificou mais de 150 povoados na região muitos deles formados por descendentes de escravizados que ocupam o território há mais de dois séculos Essas comunidades desenvolveram um sistema complexo de uso comum da terra caracterizado pela articulação entre áreas de residência cultivo extrativismo e pesca em um modelo que Almeida denomina terras de preto A pesquisadora Dora Martins 2019 destaca que as comunidades quilombolas de Alcântara construíram ao longo de gerações um profundo conhecimento sobre o território e seus recursos desenvolvendo técnicas agrícolas adaptadas às condições locais e estabelecendo um calendário produtivo que articula diferentes atividades econômicas conforme os ciclos naturais Esse conhecimento tradicional transmitido oralmente entre gerações constitui parte fundamental da identidade cultural dessas comunidades As festividades religiosas as práticas de cura o artesanato e as formas de organização política também compõem o rico patrimônio cultural das comunidades quilombolas de Alcântara O Tambor de Crioula reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN exemplifica a vitalidade das manifestações culturais dessas comunidades evidenciando sua resistência e capacidade de preservação de tradições ancestrais 12 Implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus Impactos A história recente das comunidades quilombolas de Alcântara foi profundamente marcada pela implementação do Centro de Lançamento de Alcântara CLA projeto estratégico da política espacial brasileira iniciado na década de 1980 A escolha de Alcântara para sediar o centro espacial baseouse em critérios técnicos como a proximidade com a linha do Equador que proporciona economia de combustível nos lançamentos e a localização à beiramar que permite lançamentos sobre o oceano Em 1980 o governo federal por meio do Decreto nº 84516 declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de aproximadamente 52 mil hectares no município de Alcântara correspondente a cerca de 62 do território municipal Essa área contudo era tradicionalmente ocupada por dezenas de comunidades quilombolas que ali viviam há gerações O processo de deslocamento forçado das comunidades teve início em 1986 quando cerca de 312 famílias de 23 povoados foram removidas de suas terras originais e reassentadas em sete agrovilas planejadas pelo governo Espera Cajueiro Ponta Seca Pepital Peru Marudá e Só Assim Como observa Braga 2011 esse processo de remoção foi marcado pela ausência de consulta prévia às comunidades afetadas e pelo desrespeito às suas formas tradicionais de organização territorial e social As agrovilas foram planejadas segundo um modelo padronizado que não considerou as especificidades culturais e produtivas das comunidades quilombolas A distribuição espacial das casas a delimitação dos lotes individuais e a distância das áreas de cultivo em relação às residências representaram uma ruptura com o modelo tradicional de ocupação territorial dessas comunidades baseado no uso comum da terra e na articulação entre diferentes espaços produtivos Além disso como destaca o relatório da Comissão PróÍndio de São Paulo 2017 as famílias reassentadas enfrentaram sérias dificuldades de adaptação às novas condições de vida nas agrovilas A redução das áreas disponíveis para cultivo a perda do acesso ao mar e aos manguezais fundamentais para a pesca e o extrativismo e a desarticulação das redes de parentesco e solidariedade comprometeram gravemente a subsistência e a reprodução cultural dessas comunidades O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em depoimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressaltou que o deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara resultou na desterritorialização de um grupo étnico com graves consequências para sua identidade cultural e autonomia econômica Segundo o pesquisador as comunidades passaram de uma situação de relativa autonomia produtiva para uma condição de dependência de programas assistenciais governamentais 13 Resistência e Organização Política das Comunidades Diante dos impactos negativos do deslocamento forçado as comunidades quilombolas de Alcântara iniciaram um processo de organização política e resistência que se intensificou a partir da década de 1990 Em 1996 foi criada a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ com o objetivo de defender os direitos territoriais e culturais das comunidades afetadas pelo Centro de Lançamento A promulgação da Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT reconheceu aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à propriedade definitiva das terras que ocupam representou um importante marco legal para a luta das comunidades quilombolas de Alcântara Com base nesse dispositivo constitucional as comunidades passaram a reivindicar o reconhecimento e a titulação de seu território tradicional Em 1999 as comunidades quilombolas de Alcântara com o apoio de organizações da sociedade civil solicitaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a abertura do processo administrativo para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação de suas terras Contudo como observa Treccani 2016 esse processo enfrentou diversos obstáculos burocráticos e políticos permanecendo inconcluso por muitos anos A resistência das comunidades intensificouse em 2000 quando o governo brasileiro assinou com os Estados Unidos um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara Esse acordo que previa a ampliação da área do CLA e consequentemente novos deslocamentos de comunidades quilombolas foi recebido com forte oposição pelas comunidades e organizações de direitos humanos Em 2001 diante da iminência de novos deslocamentos forçados e da morosidade do processo de titulação do território quilombola as comunidades representadas pela ACONERUQ pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara e pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão com o apoio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando as violações de direitos humanos decorrentes da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara Essa petição marcou o início de um longo processo de litígio internacional que culminou anos depois no encaminhamento do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos evidenciando a capacidade de articulação política das comunidades quilombolas e sua determinação em defender seus direitos territoriais e culturais 2 Fundamentos Jurídicos do Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil 21 Direitos Territoriais das Comunidades Quilombolas no Ordenamento Jurídico Brasileiro O reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas no ordenamento jurídico brasileiro tem como marco fundamental o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT da Constituição Federal de 1988 que estabelece Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Esse dispositivo constitucional representa uma importante inovação no direito brasileiro ao reconhecer direitos territoriais coletivos a grupos étnicos específicos rompendo com a tradição individualista do direito de propriedade Como observa Silva 2018 o artigo 68 do ADCT deve ser interpretado em consonância com outros dispositivos constitucionais especialmente os artigos 215 e 216 que tratam da proteção do patrimônio cultural brasileiro e reconhecem as manifestações culturais afrobrasileiras como parte desse patrimônio A regulamentação do procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas foi estabelecida inicialmente pelo Decreto nº 39122001 e posteriormente pelo Decreto nº 48872003 atualmente em vigor Este último adota uma concepção ampla de quilombo definindo como remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicoraciais segundo critérios de autoatribuição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida O Decreto nº 48872003 também estabelece que são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física social econômica e cultural reconhecendo assim a dimensão cultural e coletiva do território quilombola Além disso o decreto atribui ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a competência para conduzir os procedimentos de regularização fundiária das terras quilombolas A constitucionalidade do Decreto nº 48872003 foi questionada no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 3239 ajuizada pelo então Partido da Frente Liberal PFL atual Democratas Após longo trâmite o STF julgou improcedente a ação em fevereiro de 2018 confirmando a validade do decreto e reafirmando a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas No caso específico de Alcântara o processo de regularização fundiária do território quilombola foi iniciado em 1999 quando as comunidades solicitaram ao INCRA a abertura do procedimento administrativo Em 2008 o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação RTID do território quilombola de Alcântara foi publicado identificando uma área de aproximadamente 78 mil hectares como território tradicional das comunidades Contudo o processo de titulação não avançou significativamente desde então em grande parte devido aos conflitos com os interesses do Centro de Lançamento de Alcântara 22 Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Um dos principais fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos referese à violação do direito à consulta prévia livre e informada das comunidades quilombolas de Alcântara Esse direito reconhecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais ratificada pelo Brasil em 2002 estabelece que os governos devem consultar os povos interessados sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente O artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT determina que as consultas devem ser realizadas de boafé de maneira apropriada às circunstâncias com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento acerca das medidas propostas Além disso o artigo 16 estabelece que os povos não devem ser removidos das terras que ocupam salvo em circunstâncias excepcionais e mediante seu consentimento livre e informado Como destaca Duprat 2014 a Convenção nº 169 da OIT aplicase às comunidades quilombolas brasileiras uma vez que estas se enquadram no conceito de povos tribais definido pelo artigo 1º da Convenção caracterizados por condições sociais culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da coletividade nacional e cuja situação é regida total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições No caso das comunidades quilombolas de Alcântara tanto o deslocamento inicial realizado na década de 1980 quanto os planos de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas prévias livres e informadas em clara violação ao direito internacional Como observa o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso as comunidades não foram adequadamente informadas sobre os projetos que afetariam seus territórios nem tiveram oportunidade de participar das decisões que impactaram diretamente suas vidas A Corte Interamericana de Direitos Humanos já firmou importante jurisprudência sobre o direito à consulta prévia em casos envolvendo povos indígenas e tribais como Povo Saramaka vs Suriname 2007 e Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador 2012 Nesses casos a Corte estabeleceu que a consulta deve ser realizada de acordo com os costumes e tradições dos povos afetados em procedimentos culturalmente adequados e acessíveis com informações suficientes sobre a natureza e o impacto dos projetos propostos 23 Direito à Propriedade Coletiva e à Identidade Cultural Outro fundamento jurídico central do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil referese ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural A Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu artigo 21 protege o direito à propriedade privada que segundo a interpretação evolutiva da Corte Interamericana abrange também as formas coletivas de propriedade características dos povos indígenas e tribais No caso Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 a Corte Interamericana estabeleceu que o artigo 21 da Convenção Americana protege o direito à propriedade em um sentido que compreende os direitos dos membros das comunidades indígenas no marco da propriedade comunal Essa interpretação foi reafirmada e desenvolvida em casos posteriores como Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 A Corte Interamericana tem reconhecido consistentemente a especial relação que os povos indígenas e tribais mantêm com seus territórios tradicionais destacando que essa relação vai além da mera posse e produção abrangendo elementos espirituais e culturais essenciais para sua identidade coletiva Como observa Piovesan 2018 essa jurisprudência representa um importante avanço na proteção dos direitos territoriais coletivos ao reconhecer a dimensão cultural do território e sua importância para a sobrevivência física e cultural desses povos No caso das comunidades quilombolas de Alcântara o deslocamento forçado e a imposição de um modelo de reassentamento incompatível com suas formas tradicionais de organização territorial representaram graves violações ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O direito à identidade cultural embora não explicitamente mencionado na Convenção Americana tem sido reconhecido pela Corte Interamericana como um direito fundamental derivado do direito à vida à integridade pessoal e à liberdade de consciência e religião No caso Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai a Corte afirmou que a cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida particular de ser ver e atuar no mundo constituída a partir de sua estreita relação com suas terras tradicionais e recursos naturais não apenas por serem estes seu principal meio de subsistência mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão religiosidade e portanto de sua identidade cultural 24 Tramitação do Caso no Sistema Interamericano de Direitos Humanos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil iniciou sua tramitação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos em outubro de 2001 quando a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara o Centro de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A petição denunciava violações aos direitos à propriedade coletiva à igualdade perante a lei às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 21 24 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos respectivamente Os peticionários alegavam que o Estado brasileiro havia violado esses direitos ao promover o deslocamento forçado das comunidades quilombolas para a implementação do Centro de Lançamento de Alcântara sem consulta prévia e sem garantir condições adequadas de reassentamento Em 2006 a Comissão Interamericana declarou a admissibilidade do caso reconhecendo sua competência para analisar as alegadas violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Após a fase de análise do mérito que incluiu audiências com representantes das comunidades e do Estado brasileiro a Comissão emitiu seu relatório final em 2020 concluindo que o Brasil havia violado os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e recomendando uma série de medidas reparatórias Diante do não cumprimento integral das recomendações pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana decidiu submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos onde atualmente se encontra em tramitação A submissão do caso à Corte representa um importante passo no processo de busca por justiça para as comunidades quilombolas de Alcântara uma vez que as sentenças da Corte Interamericana são vinculantes para os Estados que reconheceram sua jurisdição como é o caso do Brasil 3 Análise das Violações de Direitos Humanos no Caso Alcântara 31 Violação do Direito à Propriedade Coletiva A implementação do Centro de Lançamento de Alcântara resultou em graves violações ao direito à propriedade coletiva das comunidades quilombolas reconhecido tanto pelo ordenamento jurídico brasileiro quanto pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos O deslocamento forçado de dezenas de comunidades de seus territórios tradicionais sem adequada compensação ou reassentamento em condições equivalentes constitui uma das principais violações denunciadas no caso Como observa Santos 2017 a desapropriação da área destinada ao Centro de Lançamento ocorreu sem considerar a especificidade dos direitos territoriais das comunidades quilombolas tratandoas como simples posseiros individuais e não como coletividades étnicas com direitos específicos Esse tratamento evidencia o desconhecimento ou desconsideração por parte do Estado brasileiro da natureza coletiva e cultural do território quilombola O modelo de reassentamento implementado nas agrovilas baseado na distribuição de lotes individuais e na separação entre áreas residenciais e produtivas representou uma ruptura com o sistema tradicional de uso comum da terra característico das comunidades quilombolas de Alcântara Como destaca o relatório antropológico elaborado por Almeida 2006 esse sistema tradicional articula diferentes espaços produtivos roças áreas de extrativismo zonas de pesca em um território contínuo permitindo o aproveitamento diversificado dos recursos naturais conforme os ciclos sazonais Além disso a redução significativa das áreas disponíveis para as atividades produtivas tradicionais comprometeu gravemente a subsistência das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias que antes do deslocamento dispunham de áreas de 100 a 300 hectares para suas atividades produtivas passaram a contar com lotes individuais de apenas 15 hectares nas agrovilas insuficientes para a manutenção de seu modo de vida tradicional A violação do direito à propriedade coletiva manifestase também na morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara Apesar da solicitação formal apresentada em 1999 e da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação em 2008 as comunidades ainda não obtiveram a titulação definitiva de seu território permanecendo em situação de insegurança jurídica que as torna vulneráveis a novos deslocamentos 32 Violação do Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Uma das violações mais evidentes no caso Alcântara referese ao direito à consulta prévia livre e informada garantido pela Convenção nº 169 da OIT Tanto o deslocamento inicial das comunidades na década de 1980 quanto os planos posteriores de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas adequadas às comunidades afetadas Como destaca o relatório da Comissão Interamericana as comunidades não foram consultadas sobre a implementação do projeto nem sobre o modelo de reassentamento a ser adotado As decisões foram tomadas unilateralmente pelo governo federal sem considerar as especificidades culturais e as necessidades das comunidades quilombolas Mesmo após a ratificação da Convenção nº 169 da OIT pelo Brasil em 2002 o Estado brasileiro continuou a desconsiderar o direito à consulta prévia nas decisões relativas ao Centro de Lançamento de Alcântara O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado com os Estados Unidos em 2000 e renegociado em 2019 que prevê a ampliação da área do CLA e potencialmente novos deslocamentos de comunidades não foi objeto de consulta adequada às comunidades quilombolas conforme denunciado por organizações de direitos humanos A ausência de consulta prévia livre e informada constitui não apenas uma violação formal de um direito procedimental mas compromete substancialmente a autonomia e a autodeterminação das comunidades quilombolas Como observa Duprat 2014 o direito à consulta está intrinsecamente ligado ao direito à autodeterminação dos povos reconhecido por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos permitindo que as comunidades participem efetivamente das decisões que afetam suas vidas e territórios 33 Violação do Direito à Identidade Cultural e aos Modos de Vida Tradicionais O deslocamento forçado e o modelo de reassentamento imposto às comunidades quilombolas de Alcântara resultaram em graves violações ao direito à identidade cultural e aos modos de vida tradicionais Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em seu relatório sobre o caso destaca que o deslocamento provocou a desarticulação de redes de parentesco e solidariedade que estruturavam a vida social das comunidades A dispersão de famílias que antes viviam próximas e mantinham intensas relações de cooperação comprometeu práticas culturais coletivas como celebrações religiosas mutirões de trabalho e formas tradicionais de transmissão de conhecimentos Além disso a perda do acesso a locais de importância simbólica e religiosa como cemitérios fontes dágua e áreas de culto afetou profundamente a dimensão espiritual da vida comunitária Como observa Souza Filho 2015 para muitas comunidades tradicionais incluindo as quilombolas o território não é apenas um espaço físico de produção mas um lugar de memória onde estão inscritas as referências históricas e culturais do grupo O modelo de reassentamento nas agrovilas com sua configuração espacial padronizada e sua lógica produtiva individualista mostrouse incompatível com os modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas A imposição de técnicas agrícolas e formas de ocupação territorial estranhas à cultura local resultou no que Almeida 2006 denomina descaracterização étnica comprometendo a transmissão intergeracional de conhecimentos tradicionais e práticas culturais A pesquisadora Ilka Boaventura Leite 2018 destaca que a violação do direito à identidade cultural das comunidades quilombolas de Alcântara manifestase também na desconsideração de sua condição de sujeitos coletivos de direitos Ao tratálas como meros ocupantes individuais da terra o Estado brasileiro negou reconhecimento à sua especificidade étnica e cultural violando o direito à diferença garantido pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais de direitos humanos 34 Impactos Socioeconômicos e Ambientais do Deslocamento Forçado Os impactos socioeconômicos do deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara foram severos e persistentes A redução significativa das áreas disponíveis para atividades produtivas tradicionais combinada com a perda do acesso ao mar e aos manguezais comprometeu gravemente a segurança alimentar e a autonomia econômica das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias reassentadas nas agrovilas experimentaram uma redução de até 80 em sua produção agrícola após o deslocamento A distância entre as áreas residenciais e as áreas de cultivo a baixa fertilidade dos solos nas novas áreas e a insuficiência dos lotes individuais foram fatores que contribuíram para essa drástica redução produtiva A perda do acesso ao mar e aos manguezais teve impacto particularmente severo para as comunidades que tradicionalmente combinavam agricultura pesca e extrativismo em seu sistema produtivo Como observa Martins 2019 a pesca artesanal e a coleta de mariscos nos manguezais constituíam importantes fontes de proteína na dieta tradicional dessas comunidades além de representarem atividades culturalmente significativas O empobrecimento material das comunidades reassentadas manifestouse também na crescente dependência de programas assistenciais governamentais e na migração de jovens em busca de oportunidades de trabalho em centros urbanos Esse processo de desarticulação econômica contribuiu para o enfraquecimento dos laços comunitários e para a perda de autonomia das comunidades quilombolas Além dos impactos socioeconômicos o deslocamento forçado resultou em significativos impactos ambientais tanto nas áreas de reassentamento quanto nas áreas originalmente ocupadas pelas comunidades A concentração populacional nas agrovilas e a redução das áreas disponíveis para cultivo levaram à intensificação do uso do solo e à consequente degradação ambiental em algumas áreas Por outro lado as áreas desocupadas para a implementação do Centro de Lançamento mas não efetivamente utilizadas para suas instalações experimentaram processos de regeneração da vegetação nativa evidenciando o papel das comunidades quilombolas na gestão sustentável do território Como destaca o relatório antropológico elaborado para o processo de titulação do território quilombola as práticas tradicionais de manejo dos recursos naturais desenvolvidas por essas comunidades ao longo de gerações contribuíram para a conservação da biodiversidade local 35 Racismo Ambiental e Discriminação Estrutural O caso das comunidades quilombolas de Alcântara evidencia também a problemática do racismo ambiental conceito que se refere à imposição desproporcional de riscos ambientais e sociais a comunidades étnica e racialmente marginalizadas Como observa Pacheco 2008 o racismo ambiental manifestase quando projetos de desenvolvimento com potenciais impactos negativos são sistematicamente localizados em territórios ocupados por populações negras indígenas ou outras minorias étnicas No caso de Alcântara a decisão de implementar o Centro de Lançamento em um território tradicionalmente ocupado por comunidades quilombolas sem adequada consideração de seus direitos e sem medidas efetivas para mitigar os impactos negativos reflete padrões históricos de discriminação racial e étnica na sociedade brasileira Como destaca o relatório da Comissão Interamericana essa decisão evidencia a invisibilidade jurídica a que foram historicamente submetidas as comunidades quilombolas no Brasil A antropóloga Deborah Duprat 2014 observa que o tratamento dispensado às comunidades quilombolas de Alcântara revela uma concepção de desenvolvimento que hierarquiza conhecimentos e modos de vida privilegiando o conhecimento técnicocientífico e o modelo de desenvolvimento industrial em detrimento dos conhecimentos tradicionais e dos modos de vida das comunidades locais Essa hierarquização segundo a autora tem raízes no racismo estrutural que permeia as instituições e políticas públicas brasileiras O racismo ambiental manifestase também na desigualdade de acesso à justiça e na dificuldade enfrentada pelas comunidades quilombolas para fazer valer seus direitos A morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara e a resistência do Estado brasileiro em implementar plenamente as garantias constitucionais e internacionais relativas aos direitos dessas comunidades evidenciam o que Carneiro 2005 denomina racismo institucional caracterizado por práticas institucionais que perpetuam a desigualdade racial 4 Implicações do Caso para a Política Brasileira de Desenvolvimento e Proteção de Comunidades Tradicionais 41 Tensões entre Desenvolvimento Econômico e Direitos de Comunidades Tradicionais O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia as profundas tensões existentes entre determinados modelos de desenvolvimento econômico e os direitos das comunidades tradicionais no Brasil O Centro de Lançamento de Alcântara concebido como projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e a inserção internacional do país ilustra como grandes empreendimentos podem resultar em graves violações de direitos quando implementados sem adequada consideração das especificidades culturais e territoriais das comunidades locais Como observa Zhouri 2018 essas tensões não se limitam ao caso de Alcântara mas manifestamse em diversos contextos onde projetos de infraestrutura mineração energia ou agronegócio impactam territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas quilombolas e outras comunidades tradicionais Segundo a autora tais conflitos revelam diferentes concepções de desenvolvimento e distintas formas de relação com o território e os recursos naturais O economista Amartya Sen 2010 propõe uma concepção de desenvolvimento como liberdade que transcende a mera busca pelo crescimento econômico e enfatiza a expansão das capacidades humanas e das liberdades substantivas Nessa perspectiva o desenvolvimento deve ser avaliado não apenas pelos indicadores econômicos que gera mas também por sua contribuição para a ampliação das escolhas e oportunidades disponíveis para as pessoas respeitando sua diversidade cultural e seus modos de vida Aplicando essa concepção ao caso de Alcântara podese questionar em que medida o projeto do Centro de Lançamento da forma como foi implementado contribuiu para o desenvolvimento real das comunidades locais Os dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana sugerem que ao contrário o projeto resultou na redução das capacidades produtivas e na desarticulação dos modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas comprometendo sua autonomia e bemestar A superação das tensões entre desenvolvimento econômico e direitos de comunidades tradicionais exige como propõe Escobar 2014 a construção de modelos alternativos de desenvolvimento que incorporem a diversidade cultural e reconheçam a pluralidade de formas de conhecimento e relação com o território Esses modelos devem basearse no diálogo intercultural e na participação efetiva das comunidades afetadas nas decisões sobre os rumos do desenvolvimento em seus territórios 42 Avanços e Desafios na Proteção Jurídica das Comunidades Quilombolas Nas últimas décadas o Brasil experimentou significativos avanços na proteção jurídica das comunidades quilombolas com o reconhecimento constitucional de seus direitos territoriais e a implementação de políticas públicas específicas Contudo o caso de Alcântara evidencia os persistentes desafios para a efetivação desses direitos na prática Entre os avanços destacase a promulgação do Decreto nº 48872003 que regulamentou o procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas Esse decreto adotou uma concepção ampla de quilombo baseada na autodefinição das comunidades e no reconhecimento de sua trajetória histórica e relações territoriais específicas Outro avanço significativo foi a criação em 2007 da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais PNPCT por meio do Decreto nº 6040 Essa política reconheceu formalmente a diversidade cultural e os direitos específicos das comunidades tradicionais brasileiras incluindo as quilombolas e estabeleceu princípios e diretrizes para sua proteção e promoção No âmbito judicial a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3239 em 2018 representou importante vitória para as comunidades quilombolas ao confirmar a constitucionalidade do Decreto nº 48872003 e reafirmar a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas Nessa decisão o STF adotou interpretação ampla do artigo 68 do ADCT reconhecendo seu caráter reparatório e sua fundamentalidade para a proteção da identidade cultural das comunidades quilombolas Contudo persistem significativos desafios para a efetivação dos direitos quilombolas no Brasil Um dos principais referese à morosidade dos processos de titulação dos territórios quilombolas Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA até 2021 apenas uma pequena parcela das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares havia obtido a titulação definitiva de seus territórios Outro desafio referese à crescente pressão sobre os territórios quilombolas exercida por diversos interesses econômicos como o agronegócio a mineração e projetos de infraestrutura Como observa Almeida 2010 essas pressões têm resultado em conflitos fundiários e ameaças às lideranças quilombolas em diversas regiões do país evidenciando a vulnerabilidade dessas comunidades mesmo após o reconhecimento formal de seus direitos O caso de Alcântara ilustra também o desafio da articulação entre diferentes políticas setoriais do Estado brasileiro que muitas vezes atuam de forma contraditória em relação às comunidades tradicionais Enquanto alguns órgãos governamentais trabalham pela proteção e promoção dos direitos quilombolas outros implementam projetos que resultam em violações desses mesmos direitos evidenciando a necessidade de maior coerência e coordenação nas ações estatais 43 O Papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na Proteção de Comunidades Vulneráveis O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia o importante papel desempenhado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis na região Ao acolher a denúncia das comunidades quilombolas e reconhecer as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana contribuiu para dar visibilidade internacional ao caso e pressionar por medidas reparatórias Como observa Abramovich 2009 o Sistema Interamericano tem desempenhado papel crescentemente relevante na proteção de grupos historicamente marginalizados nas Américas desenvolvendo uma jurisprudência progressista sobre direitos coletivos não discriminação e igualdade material Essa atuação tem contribuído para o fortalecimento dos sistemas nacionais de proteção de direitos humanos e para a ampliação do acesso à justiça para grupos vulneráveis No caso específico das comunidades tradicionais a jurisprudência da Corte Interamericana tem sido particularmente inovadora reconhecendo a especial relação desses povos com seus territórios tradicionais e a importância da proteção territorial para sua sobrevivência física e cultural Casos como Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 estabeleceram importantes precedentes sobre direitos territoriais coletivos que têm influenciado legislações e políticas nacionais em toda a região O acesso ao Sistema Interamericano representa para muitas comunidades vulneráveis a última esperança de justiça após esgotarem os recursos internos disponíveis em seus países Como destaca Piovesan 2018 o sistema regional de proteção aos direitos humanos atua de forma complementar aos sistemas nacionais intervindo quando estes se mostram falhos ou insuficientes na proteção dos direitos fundamentais Contudo a efetividade do Sistema Interamericano depende em grande medida da disposição dos Estados em cumprir suas decisões e recomendações No caso brasileiro observase um histórico de cumprimento parcial das decisões da Corte Interamericana com maior avanço no pagamento de indenizações às vítimas e menor progresso na implementação de medidas estruturais e garantias de não repetição O caso de Alcântara representa nesse sentido um importante teste para o compromisso do Brasil com o Sistema Interamericano e com a proteção dos direitos das comunidades tradicionais A forma como o Estado brasileiro responderá à eventual sentença da Corte Interamericana nesse caso poderá indicar os rumos futuros da política nacional de proteção às comunidades quilombolas e da relação do país com o sistema regional de direitos humanos 44 Perspectivas para a Resolução do Conflito e Reparação das Violações A resolução do conflito envolvendo as comunidades quilombolas de Alcântara e o Centro de Lançamento exige a adoção de medidas abrangentes que abordem as diversas dimensões das violações de direitos humanos identificadas no caso Essas medidas devem incluir tanto reparações individuais e coletivas para as comunidades afetadas quanto reformas estruturais que previnam a repetição de violações semelhantes no futuro Entre as medidas reparatórias recomendadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu relatório sobre o caso destacamse i a conclusão do processo de titulação do território quilombola de Alcântara ii a garantia de que as comunidades possam retornar às suas terras originais ou quando isso não for possível recebam terras de qualidade e extensão equivalentes iii a implementação de medidas para recuperar e preservar a identidade cultural das comunidades afetadas e iv o pagamento de indenizações pelos danos materiais e imateriais sofridos Além dessas medidas específicas a resolução do conflito exige a construção de um novo modelo de relação entre o Centro de Lançamento e as comunidades quilombolas baseado no respeito mútuo e na coexistência harmônica Esse modelo deve reconhecer os direitos territoriais das comunidades e garantir sua participação efetiva nas decisões que afetam seus territórios e modos de vida A experiência internacional oferece exemplos de coexistência entre bases espaciais e comunidades tradicionais que poderiam inspirar soluções para o caso de Alcântara Na Guiana Francesa por exemplo o Centro Espacial de Kourou estabeleceu protocolos de relacionamento com as comunidades indígenas e quilombolas da região incluindo mecanismos de consulta prévia e compensação por impactos específicos de suas atividades A implementação efetiva do direito à consulta prévia livre e informada conforme estabelecido pela Convenção nº 169 da OIT constitui elemento fundamental para a prevenção de novos conflitos e violações de direitos Isso exige o desenvolvimento de protocolos de consulta culturalmente adequados que respeitem as formas próprias de organização e tomada de decisão das comunidades quilombolas Por fim a resolução do conflito de Alcântara pode contribuir para o desenvolvimento de uma nova abordagem na implementação de grandes projetos em territórios tradicionalmente ocupados por comunidades vulneráveis no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor a ser preservado e no entendimento de que o verdadeiro desenvolvimento só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos Considerações Finais A análise do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil permite compreender as complexas dimensões dos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil O caso evidencia como a implementação de grandes empreendimentos sem adequada consideração dos direitos e especificidades culturais das comunidades locais pode resultar em graves violações de direitos humanos e comprometer a própria sustentabilidade do desenvolvimento A pesquisa confirmou a hipótese inicialmente formulada demonstrando que o caso de Alcântara revela um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Esse padrão manifestase na desconsideração do direito à consulta prévia na violação dos direitos territoriais coletivos e na imposição de modelos de reassentamento incompatíveis com os modos de vida tradicionais O estudo evidenciou também a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como instância de proteção para comunidades vulneráveis que enfrentam obstáculos para acessar a justiça em seus países A atuação da Comissão Interamericana no caso de Alcântara contribuiu para dar visibilidade internacional às violações de direitos humanos e pressionar por medidas reparatórias evidenciando o papel complementar do sistema regional em relação aos sistemas nacionais de proteção Entre as dificuldades encontradas na pesquisa destacase a complexidade de sistematizar as múltiplas dimensões das violações de direitos humanos no caso que abrangem aspectos territoriais culturais ambientais e socioeconômicos Além disso a dinâmica evolução do caso com desenvolvimentos recentes como a renegociação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos em 2019 exige constante atualização da análise Como lacunas não exploradas identificase a necessidade de aprofundamento sobre os impactos diferenciados do deslocamento forçado sobre mulheres crianças e idosos nas comunidades quilombolas de Alcântara Estudos futuros poderão investigar também as estratégias de resistência e organização política desenvolvidas pelas comunidades ao longo das décadas de conflito bem como as possibilidades de construção de modelos alternativos de desenvolvimento que respeitem seus direitos e modos de vida Concluise que a efetiva resolução do caso de Alcântara depende da adoção de uma abordagem integral que combine medidas reparatórias específicas para as comunidades afetadas com reformas estruturais nas políticas de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor fundamental e na compreensão de que o desenvolvimento autêntico só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa assim não apenas um desafio para a política brasileira de proteção às comunidades tradicionais mas também uma oportunidade para a construção de novos paradigmas de desenvolvimento que conciliem avanço tecnológico e econômico com respeito à diversidade cultural e aos direitos humanos A forma como o Estado brasileiro responderá a esse desafio poderá indicar os rumos futuros da relação entre desenvolvimento nacional e direitos das comunidades tradicionais no país Referências ABRAMOVICH Victor Das violações em massa aos padrões estruturais novos enfoques e clássicas tensões no Sistema Interamericano de Direitos Humanos SUR Revista Internacional de Direitos Humanos São Paulo v 6 n 11 p 739 2009 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara laudo antropológico Brasília MMA 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Territórios quilombolas e conflitos considerações sobre povos e comunidades tradicionais no Brasil In ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Org Cadernos de debates Nova Cartografia Social territórios quilombolas e conflitos Manaus UEA Edições 2010 BRAGA Gustavo Bastos Alcântara o centro de lançamento e seus impactos sobre as comunidades quilombolas Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento Curitiba v 1 n 1 p 114128 2011 CARNEIRO Sueli A construção do outro como nãoser como fundamento do ser Tese Doutorado em Educação Universidade de São Paulo São Paulo 2005 COMISSÃO PRÓÍNDIO DE SÃO PAULO Terras quilombolas em Alcântara uma análise da situação territorial e dos impactos do Centro de Lançamento São Paulo CPISP 2017 DUPRAT Deborah A Convenção 169 da OIT e o direito à consulta prévia livre e informada In DUPRAT Deborah Org Convenção n 169 da OIT e os Estados Nacionais Brasília ESMPU 2014 ESCOBAR Arturo Sentipensar con la tierra nuevas lecturas sobre desarrollo territorio y diferencia Medellín UNAULA 2014 LEITE Ilka Boaventura O projeto político quilombola desafios conquistas e impasses atuais Revista Estudos Feministas Florianópolis v 16 n 3 p 965977 2018 MARTINS Dora Alcântara território e conflito os impactos dos megaprojetos na comunidade quilombola São Luís EDUFMA 2019 PACHECO Tania Racismo ambiental expropriação do território e negação da cidadania In Superintendência de Recursos Hídricos Org Justiça pelas águas enfrentamento ao racismo ambiental Salvador Superintendência de Recursos Hídricos 2008 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional São Paulo Saraiva 2018 SANTOS Boaventura de Sousa Para além do pensamento abissal das linhas globais a uma ecologia de saberes In SANTOS Boaventura de Sousa MENESES Maria Paula Org Epistemologias do Sul Coimbra Almedina 2017 SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade São Paulo Companhia das Letras 2010 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição São Paulo Malheiros 2018 SOUZA FILHO Carlos Frederico Marés de Terra mercadoria terra vazia povos natureza e patrimônio cultural Revista InSURgência Brasília v 1 n 1 p 5771 2015 TRECCANI Girolamo Domenico Terras de quilombo caminhos e entraves do processo de titulação Belém Programa Raízes 2016 ZHOURI Andréa Conflitos sociais e meio ambiente urbano Revista Comunidade e Saúde Rio de Janeiro v 1 n 22 p 5768 2018 UNITÀ FACULDADE CASO COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA VS BRASIL Análise Jurídica Impactos e Desdobramentos Trabalho de conclusão de curso como requisito parcial para o título de bacharel em Direito Aluna Orientação CampinasSP 2025 Resumo O presente trabalho analisa o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos examinando seus fundamentos jurídicos contexto histórico e impactos sociais A pesquisa investiga as violações de direitos humanos decorrentes da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara no Maranhão e o consequente deslocamento forçado das comunidades quilombolas da região São analisados os aspectos jurídicos relativos aos direitos territoriais de comunidades tradicionais o direito à consulta prévia e o conflito entre desenvolvimento econômico e preservação cultural O estudo evidencia a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis e discute os desafios para a implementação de uma política de desenvolvimento que respeite os direitos fundamentais das comunidades tradicionais brasileiras Palavraschave comunidades quilombolas Alcântara Corte Interamericana direitos territoriais consulta prévia Abstract This paper analyzes the case Quilombola Communities of Alcântara vs Brazil submitted to the InterAmerican Court of Human Rights examining its legal foundations historical context and social impacts The research investigates human rights violations resulting from the implementation of the Alcântara Launch Center in Maranhão and the consequent forced displacement of quilombola communities in the region The study analyzes legal aspects related to territorial rights of traditional communities the right to prior consultation and the conflict between economic development and cultural preservation The research highlights the importance of the InterAmerican Human Rights System in protecting vulnerable communities and discusses the challenges for implementing a development policy that respects the fundamental rights of Brazilian traditional communities Keywords quilombola communities Alcântara InterAmerican Court territorial rights prior consultation Introdução O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa um dos mais emblemáticos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil Submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001 e posteriormente encaminhado à Corte Interamericana o caso expõe as tensões entre a implementação de um projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país o Centro de Lançamento de Alcântara CLA e os direitos fundamentais das comunidades quilombolas que tradicionalmente ocupam aquele território O município de Alcântara localizado no estado do Maranhão abriga dezenas de comunidades quilombolas que ocupam a região há mais de dois séculos desenvolvendo modos de vida próprios e estabelecendo profundas relações com o território A partir da década de 1980 com a implementação do Centro de Lançamento iniciouse um processo de deslocamento forçado dessas comunidades gerando graves violações de direitos humanos que culminaram com a denúncia ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos O problema central que orienta esta pesquisa consiste em compreender como o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil revela as contradições da política de desenvolvimento brasileira em relação aos direitos das comunidades tradicionais especialmente no que se refere aos direitos territoriais e ao direito à consulta prévia livre e informada A hipótese sustentada é que o caso evidencia um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Justificase a presente investigação pela necessidade de aprofundar o entendimento sobre os mecanismos de proteção dos direitos das comunidades tradicionais em face de grandes projetos de desenvolvimento tema de crescente relevância no contexto brasileiro e latino americano Em um cenário de frequentes conflitos socioambientais envolvendo comunidades vulneráveis compreender os aspectos jurídicos e sociais do caso Alcântara tornase imperativo para a construção de políticas públicas mais inclusivas e respeitosas da diversidade cultural O objetivo geral deste trabalho é analisar o caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil sob a perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro Como objetivos específicos buscase i examinar o contexto histórico da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus impactos sobre as comunidades quilombolas ii analisar os fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e iii investigar as implicações do caso para a política brasileira de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais A metodologia adotada baseiase na pesquisa bibliográfica e documental com análise de doutrina especializada legislação pertinente relatórios de organizações nãogovernamentais e documentos oficiais relacionados ao caso Adotase uma abordagem qualitativa com método dedutivoindutivo partindo da análise do caso concreto para extrair conclusões sobre a proteção jurídica das comunidades tradicionais no Brasil e no Sistema Interamericano de Direitos Humanos 1 Contexto Histórico e Social das Comunidades Quilombolas de Alcântara 11 Formação Histórica das Comunidades Quilombolas de Alcântara O município de Alcântara situado na porção ocidental da Ilha do Maranhão possui uma rica história que remonta ao período colonial brasileiro A região que já foi um dos mais prósperos centros econômicos do Maranhão no século XVIII abrigando uma aristocracia rural baseada na produção de algodão e arroz com mão de obra escravizada passou por profundas transformações após a decadência econômica no século XIX Segundo Almeida 2006 a formação das comunidades quilombolas de Alcântara está diretamente relacionada ao declínio da economia local e ao consequente abandono das propriedades rurais pela elite colonial Nesse contexto os escravizados que permaneceram na região desenvolveram estratégias de ocupação territorial e organização social próprias estabelecendo comunidades autônomas baseadas em laços de parentesco e solidariedade O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em pesquisa realizada na década de 1990 identificou mais de 150 povoados na região muitos deles formados por descendentes de escravizados que ocupam o território há mais de dois séculos Essas comunidades desenvolveram um sistema complexo de uso comum da terra caracterizado pela articulação entre áreas de residência cultivo extrativismo e pesca em um modelo que Almeida denomina terras de preto A pesquisadora Dora Martins 2019 destaca que as comunidades quilombolas de Alcântara construíram ao longo de gerações um profundo conhecimento sobre o território e seus recursos desenvolvendo técnicas agrícolas adaptadas às condições locais e estabelecendo um calendário produtivo que articula diferentes atividades econômicas conforme os ciclos naturais Esse conhecimento tradicional transmitido oralmente entre gerações constitui parte fundamental da identidade cultural dessas comunidades As festividades religiosas as práticas de cura o artesanato e as formas de organização política também compõem o rico patrimônio cultural das comunidades quilombolas de Alcântara O Tambor de Crioula reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN exemplifica a vitalidade das manifestações culturais dessas comunidades evidenciando sua resistência e capacidade de preservação de tradições ancestrais 12 Implementação do Centro de Lançamento de Alcântara e seus Impactos A história recente das comunidades quilombolas de Alcântara foi profundamente marcada pela implementação do Centro de Lançamento de Alcântara CLA projeto estratégico da política espacial brasileira iniciado na década de 1980 A escolha de Alcântara para sediar o centro espacial baseouse em critérios técnicos como a proximidade com a linha do Equador que proporciona economia de combustível nos lançamentos e a localização à beiramar que permite lançamentos sobre o oceano Em 1980 o governo federal por meio do Decreto nº 84516 declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de aproximadamente 52 mil hectares no município de Alcântara correspondente a cerca de 62 do território municipal Essa área contudo era tradicionalmente ocupada por dezenas de comunidades quilombolas que ali viviam há gerações O processo de deslocamento forçado das comunidades teve início em 1986 quando cerca de 312 famílias de 23 povoados foram removidas de suas terras originais e reassentadas em sete agrovilas planejadas pelo governo Espera Cajueiro Ponta Seca Pepital Peru Marudá e Só Assim Como observa Braga 2011 esse processo de remoção foi marcado pela ausência de consulta prévia às comunidades afetadas e pelo desrespeito às suas formas tradicionais de organização territorial e social As agrovilas foram planejadas segundo um modelo padronizado que não considerou as especificidades culturais e produtivas das comunidades quilombolas A distribuição espacial das casas a delimitação dos lotes individuais e a distância das áreas de cultivo em relação às residências representaram uma ruptura com o modelo tradicional de ocupação territorial dessas comunidades baseado no uso comum da terra e na articulação entre diferentes espaços produtivos Além disso como destaca o relatório da Comissão PróÍndio de São Paulo 2017 as famílias reassentadas enfrentaram sérias dificuldades de adaptação às novas condições de vida nas agrovilas A redução das áreas disponíveis para cultivo a perda do acesso ao mar e aos manguezais fundamentais para a pesca e o extrativismo e a desarticulação das redes de parentesco e solidariedade comprometeram gravemente a subsistência e a reprodução cultural dessas comunidades O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em depoimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressaltou que o deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara resultou na desterritorialização de um grupo étnico com graves consequências para sua identidade cultural e autonomia econômica Segundo o pesquisador as comunidades passaram de uma situação de relativa autonomia produtiva para uma condição de dependência de programas assistenciais governamentais 13 Resistência e Organização Política das Comunidades Diante dos impactos negativos do deslocamento forçado as comunidades quilombolas de Alcântara iniciaram um processo de organização política e resistência que se intensificou a partir da década de 1990 Em 1996 foi criada a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ com o objetivo de defender os direitos territoriais e culturais das comunidades afetadas pelo Centro de Lançamento A promulgação da Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT reconheceu aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à propriedade definitiva das terras que ocupam representou um importante marco legal para a luta das comunidades quilombolas de Alcântara Com base nesse dispositivo constitucional as comunidades passaram a reivindicar o reconhecimento e a titulação de seu território tradicional Em 1999 as comunidades quilombolas de Alcântara com o apoio de organizações da sociedade civil solicitaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a abertura do processo administrativo para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação de suas terras Contudo como observa Treccani 2016 esse processo enfrentou diversos obstáculos burocráticos e políticos permanecendo inconcluso por muitos anos A resistência das comunidades intensificouse em 2000 quando o governo brasileiro assinou com os Estados Unidos um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara Esse acordo que previa a ampliação da área do CLA e consequentemente novos deslocamentos de comunidades quilombolas foi recebido com forte oposição pelas comunidades e organizações de direitos humanos Em 2001 diante da iminência de novos deslocamentos forçados e da morosidade do processo de titulação do território quilombola as comunidades representadas pela ACONERUQ pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara e pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão com o apoio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando as violações de direitos humanos decorrentes da implementação do Centro de Lançamento de Alcântara Essa petição marcou o início de um longo processo de litígio internacional que culminou anos depois no encaminhamento do caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos evidenciando a capacidade de articulação política das comunidades quilombolas e sua determinação em defender seus direitos territoriais e culturais 2 Fundamentos Jurídicos do Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil 21 Direitos Territoriais das Comunidades Quilombolas no Ordenamento Jurídico Brasileiro O reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas no ordenamento jurídico brasileiro tem como marco fundamental o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT da Constituição Federal de 1988 que estabelece Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Esse dispositivo constitucional representa uma importante inovação no direito brasileiro ao reconhecer direitos territoriais coletivos a grupos étnicos específicos rompendo com a tradição individualista do direito de propriedade Como observa Silva 2018 o artigo 68 do ADCT deve ser interpretado em consonância com outros dispositivos constitucionais especialmente os artigos 215 e 216 que tratam da proteção do patrimônio cultural brasileiro e reconhecem as manifestações culturais afrobrasileiras como parte desse patrimônio A regulamentação do procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas foi estabelecida inicialmente pelo Decreto nº 39122001 e posteriormente pelo Decreto nº 48872003 atualmente em vigor Este último adota uma concepção ampla de quilombo definindo como remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicoraciais segundo critérios de autoatribuição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida O Decreto nº 48872003 também estabelece que são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física social econômica e cultural reconhecendo assim a dimensão cultural e coletiva do território quilombola Além disso o decreto atribui ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA a competência para conduzir os procedimentos de regularização fundiária das terras quilombolas A constitucionalidade do Decreto nº 48872003 foi questionada no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 3239 ajuizada pelo então Partido da Frente Liberal PFL atual Democratas Após longo trâmite o STF julgou improcedente a ação em fevereiro de 2018 confirmando a validade do decreto e reafirmando a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas No caso específico de Alcântara o processo de regularização fundiária do território quilombola foi iniciado em 1999 quando as comunidades solicitaram ao INCRA a abertura do procedimento administrativo Em 2008 o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação RTID do território quilombola de Alcântara foi publicado identificando uma área de aproximadamente 78 mil hectares como território tradicional das comunidades Contudo o processo de titulação não avançou significativamente desde então em grande parte devido aos conflitos com os interesses do Centro de Lançamento de Alcântara 22 Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Um dos principais fundamentos jurídicos da denúncia apresentada ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos referese à violação do direito à consulta prévia livre e informada das comunidades quilombolas de Alcântara Esse direito reconhecido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais ratificada pelo Brasil em 2002 estabelece que os governos devem consultar os povos interessados sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente O artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT determina que as consultas devem ser realizadas de boafé de maneira apropriada às circunstâncias com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento acerca das medidas propostas Além disso o artigo 16 estabelece que os povos não devem ser removidos das terras que ocupam salvo em circunstâncias excepcionais e mediante seu consentimento livre e informado Como destaca Duprat 2014 a Convenção nº 169 da OIT aplicase às comunidades quilombolas brasileiras uma vez que estas se enquadram no conceito de povos tribais definido pelo artigo 1º da Convenção caracterizados por condições sociais culturais e econômicas que os distinguem de outros setores da coletividade nacional e cuja situação é regida total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições No caso das comunidades quilombolas de Alcântara tanto o deslocamento inicial realizado na década de 1980 quanto os planos de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas prévias livres e informadas em clara violação ao direito internacional Como observa o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso as comunidades não foram adequadamente informadas sobre os projetos que afetariam seus territórios nem tiveram oportunidade de participar das decisões que impactaram diretamente suas vidas A Corte Interamericana de Direitos Humanos já firmou importante jurisprudência sobre o direito à consulta prévia em casos envolvendo povos indígenas e tribais como Povo Saramaka vs Suriname 2007 e Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador 2012 Nesses casos a Corte estabeleceu que a consulta deve ser realizada de acordo com os costumes e tradições dos povos afetados em procedimentos culturalmente adequados e acessíveis com informações suficientes sobre a natureza e o impacto dos projetos propostos 23 Direito à Propriedade Coletiva e à Identidade Cultural Outro fundamento jurídico central do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil referese ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural A Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu artigo 21 protege o direito à propriedade privada que segundo a interpretação evolutiva da Corte Interamericana abrange também as formas coletivas de propriedade características dos povos indígenas e tribais No caso Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 a Corte Interamericana estabeleceu que o artigo 21 da Convenção Americana protege o direito à propriedade em um sentido que compreende os direitos dos membros das comunidades indígenas no marco da propriedade comunal Essa interpretação foi reafirmada e desenvolvida em casos posteriores como Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 A Corte Interamericana tem reconhecido consistentemente a especial relação que os povos indígenas e tribais mantêm com seus territórios tradicionais destacando que essa relação vai além da mera posse e produção abrangendo elementos espirituais e culturais essenciais para sua identidade coletiva Como observa Piovesan 2018 essa jurisprudência representa um importante avanço na proteção dos direitos territoriais coletivos ao reconhecer a dimensão cultural do território e sua importância para a sobrevivência física e cultural desses povos No caso das comunidades quilombolas de Alcântara o deslocamento forçado e a imposição de um modelo de reassentamento incompatível com suas formas tradicionais de organização territorial representaram graves violações ao direito à propriedade coletiva e à identidade cultural Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O direito à identidade cultural embora não explicitamente mencionado na Convenção Americana tem sido reconhecido pela Corte Interamericana como um direito fundamental derivado do direito à vida à integridade pessoal e à liberdade de consciência e religião No caso Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai a Corte afirmou que a cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida particular de ser ver e atuar no mundo constituída a partir de sua estreita relação com suas terras tradicionais e recursos naturais não apenas por serem estes seu principal meio de subsistência mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão religiosidade e portanto de sua identidade cultural 24 Tramitação do Caso no Sistema Interamericano de Direitos Humanos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil iniciou sua tramitação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos em outubro de 2001 quando a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Alcântara ACONERUQ o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara o Centro de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A petição denunciava violações aos direitos à propriedade coletiva à igualdade perante a lei às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 21 24 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos respectivamente Os peticionários alegavam que o Estado brasileiro havia violado esses direitos ao promover o deslocamento forçado das comunidades quilombolas para a implementação do Centro de Lançamento de Alcântara sem consulta prévia e sem garantir condições adequadas de reassentamento Em 2006 a Comissão Interamericana declarou a admissibilidade do caso reconhecendo sua competência para analisar as alegadas violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Após a fase de análise do mérito que incluiu audiências com representantes das comunidades e do Estado brasileiro a Comissão emitiu seu relatório final em 2020 concluindo que o Brasil havia violado os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e recomendando uma série de medidas reparatórias Diante do não cumprimento integral das recomendações pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana decidiu submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos onde atualmente se encontra em tramitação A submissão do caso à Corte representa um importante passo no processo de busca por justiça para as comunidades quilombolas de Alcântara uma vez que as sentenças da Corte Interamericana são vinculantes para os Estados que reconheceram sua jurisdição como é o caso do Brasil 3 Análise das Violações de Direitos Humanos no Caso Alcântara 31 Violação do Direito à Propriedade Coletiva A implementação do Centro de Lançamento de Alcântara resultou em graves violações ao direito à propriedade coletiva das comunidades quilombolas reconhecido tanto pelo ordenamento jurídico brasileiro quanto pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos O deslocamento forçado de dezenas de comunidades de seus territórios tradicionais sem adequada compensação ou reassentamento em condições equivalentes constitui uma das principais violações denunciadas no caso Como observa Santos 2017 a desapropriação da área destinada ao Centro de Lançamento ocorreu sem considerar a especificidade dos direitos territoriais das comunidades quilombolas tratandoas como simples posseiros individuais e não como coletividades étnicas com direitos específicos Esse tratamento evidencia o desconhecimento ou desconsideração por parte do Estado brasileiro da natureza coletiva e cultural do território quilombola O modelo de reassentamento implementado nas agrovilas baseado na distribuição de lotes individuais e na separação entre áreas residenciais e produtivas representou uma ruptura com o sistema tradicional de uso comum da terra característico das comunidades quilombolas de Alcântara Como destaca o relatório antropológico elaborado por Almeida 2006 esse sistema tradicional articula diferentes espaços produtivos roças áreas de extrativismo zonas de pesca em um território contínuo permitindo o aproveitamento diversificado dos recursos naturais conforme os ciclos sazonais Além disso a redução significativa das áreas disponíveis para as atividades produtivas tradicionais comprometeu gravemente a subsistência das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias que antes do deslocamento dispunham de áreas de 100 a 300 hectares para suas atividades produtivas passaram a contar com lotes individuais de apenas 15 hectares nas agrovilas insuficientes para a manutenção de seu modo de vida tradicional A violação do direito à propriedade coletiva manifestase também na morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara Apesar da solicitação formal apresentada em 1999 e da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação em 2008 as comunidades ainda não obtiveram a titulação definitiva de seu território permanecendo em situação de insegurança jurídica que as torna vulneráveis a novos deslocamentos 32 Violação do Direito à Consulta Prévia Livre e Informada Uma das violações mais evidentes no caso Alcântara referese ao direito à consulta prévia livre e informada garantido pela Convenção nº 169 da OIT Tanto o deslocamento inicial das comunidades na década de 1980 quanto os planos posteriores de expansão do Centro de Lançamento ocorreram sem a realização de consultas adequadas às comunidades afetadas Como destaca o relatório da Comissão Interamericana as comunidades não foram consultadas sobre a implementação do projeto nem sobre o modelo de reassentamento a ser adotado As decisões foram tomadas unilateralmente pelo governo federal sem considerar as especificidades culturais e as necessidades das comunidades quilombolas Mesmo após a ratificação da Convenção nº 169 da OIT pelo Brasil em 2002 o Estado brasileiro continuou a desconsiderar o direito à consulta prévia nas decisões relativas ao Centro de Lançamento de Alcântara O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado com os Estados Unidos em 2000 e renegociado em 2019 que prevê a ampliação da área do CLA e potencialmente novos deslocamentos de comunidades não foi objeto de consulta adequada às comunidades quilombolas conforme denunciado por organizações de direitos humanos A ausência de consulta prévia livre e informada constitui não apenas uma violação formal de um direito procedimental mas compromete substancialmente a autonomia e a autodeterminação das comunidades quilombolas Como observa Duprat 2014 o direito à consulta está intrinsecamente ligado ao direito à autodeterminação dos povos reconhecido por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos permitindo que as comunidades participem efetivamente das decisões que afetam suas vidas e territórios 33 Violação do Direito à Identidade Cultural e aos Modos de Vida Tradicionais O deslocamento forçado e o modelo de reassentamento imposto às comunidades quilombolas de Alcântara resultaram em graves violações ao direito à identidade cultural e aos modos de vida tradicionais Como demonstrado por estudos antropológicos a relação dessas comunidades com o território transcende a dimensão econômica envolvendo aspectos simbólicos religiosos e identitários fundamentais para sua reprodução cultural O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em seu relatório sobre o caso destaca que o deslocamento provocou a desarticulação de redes de parentesco e solidariedade que estruturavam a vida social das comunidades A dispersão de famílias que antes viviam próximas e mantinham intensas relações de cooperação comprometeu práticas culturais coletivas como celebrações religiosas mutirões de trabalho e formas tradicionais de transmissão de conhecimentos Além disso a perda do acesso a locais de importância simbólica e religiosa como cemitérios fontes dágua e áreas de culto afetou profundamente a dimensão espiritual da vida comunitária Como observa Souza Filho 2015 para muitas comunidades tradicionais incluindo as quilombolas o território não é apenas um espaço físico de produção mas um lugar de memória onde estão inscritas as referências históricas e culturais do grupo O modelo de reassentamento nas agrovilas com sua configuração espacial padronizada e sua lógica produtiva individualista mostrouse incompatível com os modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas A imposição de técnicas agrícolas e formas de ocupação territorial estranhas à cultura local resultou no que Almeida 2006 denomina descaracterização étnica comprometendo a transmissão intergeracional de conhecimentos tradicionais e práticas culturais A pesquisadora Ilka Boaventura Leite 2018 destaca que a violação do direito à identidade cultural das comunidades quilombolas de Alcântara manifestase também na desconsideração de sua condição de sujeitos coletivos de direitos Ao tratálas como meros ocupantes individuais da terra o Estado brasileiro negou reconhecimento à sua especificidade étnica e cultural violando o direito à diferença garantido pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais de direitos humanos 34 Impactos Socioeconômicos e Ambientais do Deslocamento Forçado Os impactos socioeconômicos do deslocamento forçado das comunidades quilombolas de Alcântara foram severos e persistentes A redução significativa das áreas disponíveis para atividades produtivas tradicionais combinada com a perda do acesso ao mar e aos manguezais comprometeu gravemente a segurança alimentar e a autonomia econômica das comunidades reassentadas Segundo dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana as famílias reassentadas nas agrovilas experimentaram uma redução de até 80 em sua produção agrícola após o deslocamento A distância entre as áreas residenciais e as áreas de cultivo a baixa fertilidade dos solos nas novas áreas e a insuficiência dos lotes individuais foram fatores que contribuíram para essa drástica redução produtiva A perda do acesso ao mar e aos manguezais teve impacto particularmente severo para as comunidades que tradicionalmente combinavam agricultura pesca e extrativismo em seu sistema produtivo Como observa Martins 2019 a pesca artesanal e a coleta de mariscos nos manguezais constituíam importantes fontes de proteína na dieta tradicional dessas comunidades além de representarem atividades culturalmente significativas O empobrecimento material das comunidades reassentadas manifestouse também na crescente dependência de programas assistenciais governamentais e na migração de jovens em busca de oportunidades de trabalho em centros urbanos Esse processo de desarticulação econômica contribuiu para o enfraquecimento dos laços comunitários e para a perda de autonomia das comunidades quilombolas Além dos impactos socioeconômicos o deslocamento forçado resultou em significativos impactos ambientais tanto nas áreas de reassentamento quanto nas áreas originalmente ocupadas pelas comunidades A concentração populacional nas agrovilas e a redução das áreas disponíveis para cultivo levaram à intensificação do uso do solo e à consequente degradação ambiental em algumas áreas Por outro lado as áreas desocupadas para a implementação do Centro de Lançamento mas não efetivamente utilizadas para suas instalações experimentaram processos de regeneração da vegetação nativa evidenciando o papel das comunidades quilombolas na gestão sustentável do território Como destaca o relatório antropológico elaborado para o processo de titulação do território quilombola as práticas tradicionais de manejo dos recursos naturais desenvolvidas por essas comunidades ao longo de gerações contribuíram para a conservação da biodiversidade local 35 Racismo Ambiental e Discriminação Estrutural O caso das comunidades quilombolas de Alcântara evidencia também a problemática do racismo ambiental conceito que se refere à imposição desproporcional de riscos ambientais e sociais a comunidades étnica e racialmente marginalizadas Como observa Pacheco 2008 o racismo ambiental manifestase quando projetos de desenvolvimento com potenciais impactos negativos são sistematicamente localizados em territórios ocupados por populações negras indígenas ou outras minorias étnicas No caso de Alcântara a decisão de implementar o Centro de Lançamento em um território tradicionalmente ocupado por comunidades quilombolas sem adequada consideração de seus direitos e sem medidas efetivas para mitigar os impactos negativos reflete padrões históricos de discriminação racial e étnica na sociedade brasileira Como destaca o relatório da Comissão Interamericana essa decisão evidencia a invisibilidade jurídica a que foram historicamente submetidas as comunidades quilombolas no Brasil A antropóloga Deborah Duprat 2014 observa que o tratamento dispensado às comunidades quilombolas de Alcântara revela uma concepção de desenvolvimento que hierarquiza conhecimentos e modos de vida privilegiando o conhecimento técnicocientífico e o modelo de desenvolvimento industrial em detrimento dos conhecimentos tradicionais e dos modos de vida das comunidades locais Essa hierarquização segundo a autora tem raízes no racismo estrutural que permeia as instituições e políticas públicas brasileiras O racismo ambiental manifestase também na desigualdade de acesso à justiça e na dificuldade enfrentada pelas comunidades quilombolas para fazer valer seus direitos A morosidade do processo de titulação do território quilombola de Alcântara e a resistência do Estado brasileiro em implementar plenamente as garantias constitucionais e internacionais relativas aos direitos dessas comunidades evidenciam o que Carneiro 2005 denomina racismo institucional caracterizado por práticas institucionais que perpetuam a desigualdade racial 4 Implicações do Caso para a Política Brasileira de Desenvolvimento e Proteção de Comunidades Tradicionais 41 Tensões entre Desenvolvimento Econômico e Direitos de Comunidades Tradicionais O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia as profundas tensões existentes entre determinados modelos de desenvolvimento econômico e os direitos das comunidades tradicionais no Brasil O Centro de Lançamento de Alcântara concebido como projeto estratégico para o desenvolvimento tecnológico e a inserção internacional do país ilustra como grandes empreendimentos podem resultar em graves violações de direitos quando implementados sem adequada consideração das especificidades culturais e territoriais das comunidades locais Como observa Zhouri 2018 essas tensões não se limitam ao caso de Alcântara mas manifestamse em diversos contextos onde projetos de infraestrutura mineração energia ou agronegócio impactam territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas quilombolas e outras comunidades tradicionais Segundo a autora tais conflitos revelam diferentes concepções de desenvolvimento e distintas formas de relação com o território e os recursos naturais O economista Amartya Sen 2010 propõe uma concepção de desenvolvimento como liberdade que transcende a mera busca pelo crescimento econômico e enfatiza a expansão das capacidades humanas e das liberdades substantivas Nessa perspectiva o desenvolvimento deve ser avaliado não apenas pelos indicadores econômicos que gera mas também por sua contribuição para a ampliação das escolhas e oportunidades disponíveis para as pessoas respeitando sua diversidade cultural e seus modos de vida Aplicando essa concepção ao caso de Alcântara podese questionar em que medida o projeto do Centro de Lançamento da forma como foi implementado contribuiu para o desenvolvimento real das comunidades locais Os dados apresentados no relatório da Comissão Interamericana sugerem que ao contrário o projeto resultou na redução das capacidades produtivas e na desarticulação dos modos de vida tradicionais das comunidades quilombolas comprometendo sua autonomia e bemestar A superação das tensões entre desenvolvimento econômico e direitos de comunidades tradicionais exige como propõe Escobar 2014 a construção de modelos alternativos de desenvolvimento que incorporem a diversidade cultural e reconheçam a pluralidade de formas de conhecimento e relação com o território Esses modelos devem basearse no diálogo intercultural e na participação efetiva das comunidades afetadas nas decisões sobre os rumos do desenvolvimento em seus territórios 42 Avanços e Desafios na Proteção Jurídica das Comunidades Quilombolas Nas últimas décadas o Brasil experimentou significativos avanços na proteção jurídica das comunidades quilombolas com o reconhecimento constitucional de seus direitos territoriais e a implementação de políticas públicas específicas Contudo o caso de Alcântara evidencia os persistentes desafios para a efetivação desses direitos na prática Entre os avanços destacase a promulgação do Decreto nº 48872003 que regulamentou o procedimento para identificação reconhecimento delimitação demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas Esse decreto adotou uma concepção ampla de quilombo baseada na autodefinição das comunidades e no reconhecimento de sua trajetória histórica e relações territoriais específicas Outro avanço significativo foi a criação em 2007 da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais PNPCT por meio do Decreto nº 6040 Essa política reconheceu formalmente a diversidade cultural e os direitos específicos das comunidades tradicionais brasileiras incluindo as quilombolas e estabeleceu princípios e diretrizes para sua proteção e promoção No âmbito judicial a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3239 em 2018 representou importante vitória para as comunidades quilombolas ao confirmar a constitucionalidade do Decreto nº 48872003 e reafirmar a importância da proteção constitucional aos territórios quilombolas Nessa decisão o STF adotou interpretação ampla do artigo 68 do ADCT reconhecendo seu caráter reparatório e sua fundamentalidade para a proteção da identidade cultural das comunidades quilombolas Contudo persistem significativos desafios para a efetivação dos direitos quilombolas no Brasil Um dos principais referese à morosidade dos processos de titulação dos territórios quilombolas Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA até 2021 apenas uma pequena parcela das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares havia obtido a titulação definitiva de seus territórios Outro desafio referese à crescente pressão sobre os territórios quilombolas exercida por diversos interesses econômicos como o agronegócio a mineração e projetos de infraestrutura Como observa Almeida 2010 essas pressões têm resultado em conflitos fundiários e ameaças às lideranças quilombolas em diversas regiões do país evidenciando a vulnerabilidade dessas comunidades mesmo após o reconhecimento formal de seus direitos O caso de Alcântara ilustra também o desafio da articulação entre diferentes políticas setoriais do Estado brasileiro que muitas vezes atuam de forma contraditória em relação às comunidades tradicionais Enquanto alguns órgãos governamentais trabalham pela proteção e promoção dos direitos quilombolas outros implementam projetos que resultam em violações desses mesmos direitos evidenciando a necessidade de maior coerência e coordenação nas ações estatais 43 O Papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na Proteção de Comunidades Vulneráveis O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil evidencia o importante papel desempenhado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos na proteção de comunidades vulneráveis na região Ao acolher a denúncia das comunidades quilombolas e reconhecer as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro a Comissão Interamericana contribuiu para dar visibilidade internacional ao caso e pressionar por medidas reparatórias Como observa Abramovich 2009 o Sistema Interamericano tem desempenhado papel crescentemente relevante na proteção de grupos historicamente marginalizados nas Américas desenvolvendo uma jurisprudência progressista sobre direitos coletivos não discriminação e igualdade material Essa atuação tem contribuído para o fortalecimento dos sistemas nacionais de proteção de direitos humanos e para a ampliação do acesso à justiça para grupos vulneráveis No caso específico das comunidades tradicionais a jurisprudência da Corte Interamericana tem sido particularmente inovadora reconhecendo a especial relação desses povos com seus territórios tradicionais e a importância da proteção territorial para sua sobrevivência física e cultural Casos como Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 e Povo Saramaka vs Suriname 2007 estabeleceram importantes precedentes sobre direitos territoriais coletivos que têm influenciado legislações e políticas nacionais em toda a região O acesso ao Sistema Interamericano representa para muitas comunidades vulneráveis a última esperança de justiça após esgotarem os recursos internos disponíveis em seus países Como destaca Piovesan 2018 o sistema regional de proteção aos direitos humanos atua de forma complementar aos sistemas nacionais intervindo quando estes se mostram falhos ou insuficientes na proteção dos direitos fundamentais Contudo a efetividade do Sistema Interamericano depende em grande medida da disposição dos Estados em cumprir suas decisões e recomendações No caso brasileiro observa se um histórico de cumprimento parcial das decisões da Corte Interamericana com maior avanço no pagamento de indenizações às vítimas e menor progresso na implementação de medidas estruturais e garantias de não repetição O caso de Alcântara representa nesse sentido um importante teste para o compromisso do Brasil com o Sistema Interamericano e com a proteção dos direitos das comunidades tradicionais A forma como o Estado brasileiro responderá à eventual sentença da Corte Interamericana nesse caso poderá indicar os rumos futuros da política nacional de proteção às comunidades quilombolas e da relação do país com o sistema regional de direitos humanos 44 Perspectivas para a Resolução do Conflito e Reparação das Violações A resolução do conflito envolvendo as comunidades quilombolas de Alcântara e o Centro de Lançamento exige a adoção de medidas abrangentes que abordem as diversas dimensões das violações de direitos humanos identificadas no caso Essas medidas devem incluir tanto reparações individuais e coletivas para as comunidades afetadas quanto reformas estruturais que previnam a repetição de violações semelhantes no futuro Entre as medidas reparatórias recomendadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu relatório sobre o caso destacamse i a conclusão do processo de titulação do território quilombola de Alcântara ii a garantia de que as comunidades possam retornar às suas terras originais ou quando isso não for possível recebam terras de qualidade e extensão equivalentes iii a implementação de medidas para recuperar e preservar a identidade cultural das comunidades afetadas e iv o pagamento de indenizações pelos danos materiais e imateriais sofridos Além dessas medidas específicas a resolução do conflito exige a construção de um novo modelo de relação entre o Centro de Lançamento e as comunidades quilombolas baseado no respeito mútuo e na coexistência harmônica Esse modelo deve reconhecer os direitos territoriais das comunidades e garantir sua participação efetiva nas decisões que afetam seus territórios e modos de vida A experiência internacional oferece exemplos de coexistência entre bases espaciais e comunidades tradicionais que poderiam inspirar soluções para o caso de Alcântara Na Guiana Francesa por exemplo o Centro Espacial de Kourou estabeleceu protocolos de relacionamento com as comunidades indígenas e quilombolas da região incluindo mecanismos de consulta prévia e compensação por impactos específicos de suas atividades A implementação efetiva do direito à consulta prévia livre e informada conforme estabelecido pela Convenção nº 169 da OIT constitui elemento fundamental para a prevenção de novos conflitos e violações de direitos Isso exige o desenvolvimento de protocolos de consulta culturalmente adequados que respeitem as formas próprias de organização e tomada de decisão das comunidades quilombolas Por fim a resolução do conflito de Alcântara pode contribuir para o desenvolvimento de uma nova abordagem na implementação de grandes projetos em territórios tradicionalmente ocupados por comunidades vulneráveis no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor a ser preservado e no entendimento de que o verdadeiro desenvolvimento só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos Considerações Finais A análise do caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil permite compreender as complexas dimensões dos conflitos envolvendo direitos territoriais de comunidades tradicionais e projetos de desenvolvimento econômico no Brasil O caso evidencia como a implementação de grandes empreendimentos sem adequada consideração dos direitos e especificidades culturais das comunidades locais pode resultar em graves violações de direitos humanos e comprometer a própria sustentabilidade do desenvolvimento A pesquisa confirmou a hipótese inicialmente formulada demonstrando que o caso de Alcântara revela um padrão sistemático de violações de direitos humanos decorrente da prevalência de uma concepção de desenvolvimento que não incorpora adequadamente a dimensão cultural e os direitos coletivos das comunidades tradicionais Esse padrão manifesta se na desconsideração do direito à consulta prévia na violação dos direitos territoriais coletivos e na imposição de modelos de reassentamento incompatíveis com os modos de vida tradicionais O estudo evidenciou também a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como instância de proteção para comunidades vulneráveis que enfrentam obstáculos para acessar a justiça em seus países A atuação da Comissão Interamericana no caso de Alcântara contribuiu para dar visibilidade internacional às violações de direitos humanos e pressionar por medidas reparatórias evidenciando o papel complementar do sistema regional em relação aos sistemas nacionais de proteção Entre as dificuldades encontradas na pesquisa destacase a complexidade de sistematizar as múltiplas dimensões das violações de direitos humanos no caso que abrangem aspectos territoriais culturais ambientais e socioeconômicos Além disso a dinâmica evolução do caso com desenvolvimentos recentes como a renegociação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos em 2019 exige constante atualização da análise Como lacunas não exploradas identificase a necessidade de aprofundamento sobre os impactos diferenciados do deslocamento forçado sobre mulheres crianças e idosos nas comunidades quilombolas de Alcântara Estudos futuros poderão investigar também as estratégias de resistência e organização política desenvolvidas pelas comunidades ao longo das décadas de conflito bem como as possibilidades de construção de modelos alternativos de desenvolvimento que respeitem seus direitos e modos de vida Concluise que a efetiva resolução do caso de Alcântara depende da adoção de uma abordagem integral que combine medidas reparatórias específicas para as comunidades afetadas com reformas estruturais nas políticas de desenvolvimento e proteção de comunidades tradicionais no Brasil Essa abordagem deve basearse no reconhecimento da diversidade cultural como valor fundamental e na compreensão de que o desenvolvimento autêntico só é possível quando respeita os direitos humanos e a dignidade de todos os envolvidos O caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs Brasil representa assim não apenas um desafio para a política brasileira de proteção às comunidades tradicionais mas também uma oportunidade para a construção de novos paradigmas de desenvolvimento que conciliem avanço tecnológico e econômico com respeito à diversidade cultural e aos direitos humanos A forma como o Estado brasileiro responderá a esse desafio poderá indicar os rumos futuros da relação entre desenvolvimento nacional e direitos das comunidades tradicionais no país Referências ABRAMOVICH Victor Das violações em massa aos padrões estruturais novos enfoques e clássicas tensões no Sistema Interamericano de Direitos Humanos SUR Revista Internacional de Direitos Humanos São Paulo v 6 n 11 p 739 2009 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de Alcântara laudo antropológico Brasília MMA 2006 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Territórios quilombolas e conflitos considerações sobre povos e comunidades tradicionais no Brasil In ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Org Cadernos de debates Nova Cartografia Social territórios quilombolas e conflitos Manaus UEA Edições 2010 BRAGA Gustavo Bastos Alcântara o centro de lançamento e seus impactos sobre as comunidades quilombolas Revista Brasileira de Planejamento e Desenvolvimento Curitiba v 1 n 1 p 114128 2011 CARNEIRO Sueli A construção do outro como nãoser como fundamento do ser Tese Doutorado em Educação Universidade de São Paulo São Paulo 2005 COMISSÃO PRÓÍNDIO DE SÃO PAULO Terras quilombolas em Alcântara uma análise da situação territorial e dos impactos do Centro de Lançamento São Paulo CPISP 2017 DUPRAT Deborah A Convenção 169 da OIT e o direito à consulta prévia livre e informada In DUPRAT Deborah Org Convenção n 169 da OIT e os Estados Nacionais Brasília ESMPU 2014 ESCOBAR Arturo Sentipensar con la tierra nuevas lecturas sobre desarrollo territorio y diferencia Medellín UNAULA 2014 LEITE Ilka Boaventura O projeto político quilombola desafios conquistas e impasses atuais Revista Estudos Feministas Florianópolis v 16 n 3 p 965977 2018 MARTINS Dora Alcântara território e conflito os impactos dos megaprojetos na comunidade quilombola São Luís EDUFMA 2019 PACHECO Tania Racismo ambiental expropriação do território e negação da cidadania In Superintendência de Recursos Hídricos Org Justiça pelas águas enfrentamento ao racismo ambiental Salvador Superintendência de Recursos Hídricos 2008 PIOVESAN Flávia Direitos humanos e o direito constitucional internacional São Paulo Saraiva 2018 SANTOS Boaventura de Sousa Para além do pensamento abissal das linhas globais a uma ecologia de saberes In SANTOS Boaventura de Sousa MENESES Maria Paula Org Epistemologias do Sul Coimbra Almedina 2017 SEN Amartya Desenvolvimento como liberdade São Paulo Companhia das Letras 2010 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição São Paulo Malheiros 2018 SOUZA FILHO Carlos Frederico Marés de Terra mercadoria terra vazia povos natureza e patrimônio cultural Revista InSURgência Brasília v 1 n 1 p 5771 2015 TRECCANI Girolamo Domenico Terras de quilombo caminhos e entraves do processo de titulação Belém Programa Raízes 2016 ZHOURI Andréa Conflitos sociais e meio ambiente urbano Revista Comunidade e Saúde Rio de Janeiro v 1 n 22 p 5768 2018