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Cursos Gerais ·
História
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Coleção UABUFSCar da Antiguidade à época contemporânea História da Educação Marisa Bittar História da Educação Pedagogia História da Educação da Antiguidade à época contemporânea Coordenadora do Curso de Pedagogia Maria Iolanda Monteiro Reitor Targino de Araújo Filho ViceReitor Pedro Manoel Galetti Junior PróReitora de Graduação Emília Freitas de Lima UABUFSCar Universidade Federal de São Carlos Rodovia Washington Luís km 235 13565905 São Carlos SP Brasil Telefax 16 33518420 wwwuabufscarbr uabufscarbr Secretária de Educação a Distância SEaD Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali Coordenação UABUFSCar Claudia Raimundo Reyes Daniel Mill Denise AbreueLima Joice Otsuka Marcia Rozenfeld G de Oliveira Sandra Abib Conselho Editorial José Eduardo dos Santos José Renato Coury Nivaldo Nale Paulo Reali Nunes Oswaldo Mário Serra Truzzi Presidente Secretária Executiva Fernanda do Nascimento EdUFSCar Universidade Federal de São Carlos Rodovia Washington Luís km 235 13565905 São Carlos SP Brasil Telefax 16 33518137 wwweditoraufscarbr edufscarufscarbr História da Educação da Antiguidade à época contemporânea Marisa Bittar 2009 Marisa Bittar Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônicos ou mecânicos incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qual quer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar B624he Bittar Marisa História da educação da antiguidade à época contemporânea Marisa Bittar São Carlos EdUFSCar 2009 113 p Coleção UABUFSCar ISBN 9788576001683 1 Educação história 2 Civilização ocidental 3 Idéias pedagógicas 4 Democratização da educação I Título CDD 3709 20a CDU 37 091 Concepção Pedagógica Daniel Mill Supervisão Douglas Henrique Perez Pino Assistente Editorial Letícia Moreira Clares Equipe de Revisão Linguística Bruna Stephani Sanches Grassi Daniel William Ferreira de Camargo Daniela Silva Guanais Costa Francimeire Leme Coelho Jorge Ialanji Filholini Lorena Gobbi Ismael Luciana Rugoni Sousa Marcela Luisa Moreti Paula Sayuri Yanagiwara Priscilla Del Fiori Rebeca Aparecida Mega Sara Naime Vidal Vital Equipe de Editoração Eletrônica Edson Francisco Rother Filho Izis Cavalcanti Equipe de Ilustração Eid Buzalaf Jorge Luís Alves de Oliveira Nicole Santaella Priscila Martins de Alexandre Capa e Projeto Gráfico Luís Gustavo Sousa Sguissardi APRESENTAÇÃO 9 UNIDADE 1 Da primeira concepção de uma escola de Estado à hegemonia da Igreja Católica 11 Primeiras palavras 15 12 Problematizando o tema 15 13 A educação nas sociedades antigas Grécia e Roma 16 14 Mosteiros e catedrais as escolas cristãs da Idade Média 25 15 Humanismo e educação 30 16 A educação no século XVI as reformas religiosas e a escola 31 161 A Reforma e a escola 32 162 A Contrarreforma e a escola 33 17 Considerações finais 35 18 Estudos complementares 36 181 Saiba mais 36 182 Referências 37 SUMÁRIO UNIDADE 2 Escola e pensamento pedagógico nos séculos XVI e XVII 21 Primeiras palavras 41 22 Problematizando o tema 41 23 Crise de religiosidade reformas e educação 42 231 Duas experiências educativas dois pensamentos pedagógicos 42 232 A renovação pedagógica no século XVII 48 24 Considerações finais 52 25 Estudos complementares 52 251 Saiba mais 52 252 Referências 54 UNIDADE 3 O Estado burguês as lutas sociais e a educação nos séculos XVIII e XIX 31 Primeiras palavras 57 32 Problematizando o tema 58 33 As revoluções burguesas e a educação no século XVIII 59 331 JeanJacques Rousseau o pai da pedagogia contemporânea 63 332 Propostas e atuações para uma escola estatal 68 34 Duas experiências concretas entre o século XVIII e XIX 71 341 O ensino mútuo 72 342 A pedagogia de Pestalozzi 74 35 Sociedade industrial e educação entre as propostas positivistas e as socialistas 75 36 Considerações finais 79 37 Estudos complementares 81 371 Saiba mais 81 372 Referências 83 UNIDADE 4 A escola de Estado as novas teorias e as novas práticas educativas no século XX 41 Primeiras palavras 87 42 Problematizando o tema 88 43 A escola de Estado e o debate educacional 89 431 A Escola Nova 90 432 A educação no socialismo 95 44 A contribuição de Gramsci para a concepção marxista de educação 100 45 A segunda metade do século renovação e vozes antipedagógicas 102 46 Considerações finais 106 47 Estudos complementares 109 471 Saiba mais 109 472 Referências 111 9 APRESENTAÇÃO Apresentar este livro didático elaborado por Marisa Bittar tem para mim um significado especial ele coroa de forma emblemática uma dedicação ao ma gistério na área de História da Educação por mais de 15 anos pois acompanho a sua docência no âmbito do Curso de Pedagogia desde 1993 Durante esse interregno testemunhei a paixão pela qual se dedica tanto ao ensino quanto à pesquisa relacionada à disciplina forjada na Oficina de Clio a musa da História Assim esta História da Educação da Antiguidade à época contemporânea sin tetiza o seu orgânico apego acadêmico ao processo de formação dos educadores egressos da UFSCar e destinados em grande maioria à escola pública paulista Filiada epistemologicamente à concepção de História propugnada pelo edu cador italiano Mario Alighiero Manacorda a nossa professorapesquisadora in terpreta a sua História da Educação da Antiguidade Clássica ao século XX por meio de pontos de agulha que perfazem um alinhavo dialético entre os grandes acontecimentos revoluções abruptas e passivas que marcaram a História da chamada civilização ocidental com os episódios extraordinários que transforma ram o processo educativo de gerações e gerações de homens ao longo de quase 3000 anos ou seja da Ilíada de Homero à Era dos extremos tal como ficou designada a última centúria pelo historiador Eric Hobsbawm Portanto Marisa Bittar concebe a sua História da Educação mediante as complexas e contraditó rias relações que se manifestam entre o universal acontecimentos e o singular episódios Dito de outra forma a sua interpretação da História da Educação toma a particularidade do fenômeno educacional por meio da mediação que se estabelece entre o universal e o singular cosendo de maneira sistêmica tanto a estrutura e o acontecimento ápice de processos históricos como o episódico sob medida exercício análogo ao artesão que cinzela meticulosamente o objeto do seu ofício Mas tal qual seu mestre Manacorda Marisa costura a sua História da Edu cação com um fio condutor de cor vermelha Melhor ela está preocupada o tempo todo em explicar os caminhos tortuosos pelos quais a concepção de ho mem completo omnilateral formulada por Homero na sua epopeia percorreu depois do fim da Antiguidade grecoromana ou seja a sua concepção humanista de educação fundamentada nas artes do fazer base de sustentação material dos homens e do falar a expressão política das relações que os homens travam entre si plasma o seu texto de ponta a ponta Na mitologia grega quando Teseu chegou para lutar contra o Minotauro no intrincado Labirinto a filha do rei de Creta Ariadne apaixonouse pelo herói ateniense Para impedir que seu amado se perdesse nas entranhas do emaranhado covil após liquidar o monstro antropó fago a princesa minoica por recomendações de Dédalos o arquiteto construtor 10 do Labirinto ensinou como o príncipe ateniense deveria se aproximar do horrendo Minotauro para ferilo de morte e ao mesmo tempo entregoulhe um novelo de fios que ele ia desenrolando para marcar a volta dos caminhos tortuosos e esca par da formidável teia que formava o Labirinto do palácio de Minos Deste modo o fio de Ariadne salvou o herói Teseu depois de ele ter matado o Minotauro Para não se perder no imenso labirinto da História da Educação ocidental Marisa Bittar estabeleceu como seu fio de Ariadne tal como já foi dito o processo educativo que concebe o ser humano da mesma maneira que foi formulada pela tradição homérica e resgatada por Karl Marx durante a Revolução Industrial inglesa do século XIX ou seja o homem integral corpo e anima com base na escolaridade humanística tecnológica e física Para além do tom vermelho estabelecido para tecer o fio condutor quais são os traços educacionais significativos que saltam à vista na leitura desta História da Educação Dois merecem destaque a escola de Estado e o combate siste mático ao sadismo pedagógico O conceito de escola de Estado é utilizado por Marisa Bittar com o mes mo sentido que Marx empregou em a Crítica do Programa de Ghota isto é no âmbito de uma sociedade estruturada na propriedade privada dos instrumentos de produção e por consequência com a população dividida em classes sociais antagônicas os explorados não devem aceitar o Estado como educador do povo mas ao contrário a sociedade civil é que deve educar o Estado Com base nesse preceito Marx 1985 p 27 afirmava que uma educação do povo a cargo do Estado é absolutamente inadmissível Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias as aptidões exigidas ao pessoal docente as disciplinas ensinadas etc e como acontece nos Estados Unidos fiscalizar por meio de inspetores do Estado a execução destas prescrições legais é completamente di ferente de fazer do Estado o educador do povo Pelo contrário é preciso pelas mesmas razões banir da escola qualquer influência do governo e da Igreja As sim sendo a escola de Estado desde a sua origem até o século XX atravessou uma longa trajetória marcada por conjunturas históricas nas quais nem sempre pôde concretizar os ideais mais radicais de universalização estatização laicidade e gratuidade inscritos nos movimentos revolucionários burgueses Neste sentido no final do século XIX quando Marx formulou sua crítica ao capitalismo assinalou que a burguesia não fora capaz de concretizar os próprios princípios que havia preconizado para a educação Ou seja Marx não rejeitou esses ideais mas os incorporou como válidos estabelecendo a crítica à burguesia não por têlos for mulado mas sim por não têlos cumprido integralmente Por isso é importante reconstruir os caminhos que a escola de Estado percorreu na forma de uma sín tese explicativa das múltiplas condicionantes históricas que a perpassaram desde a Antiguidade Clássica aos dias atuais 11 Já em relação ao sadismo pedagógico Marisa manifesta a mesma crítica demonstrada por Mario Manacorda a respeito da violência cometida particular mente pelos mestres contra os seus alunos Derivado entre outras consequên cias do método mnemônico de ensino o sadismo pedagógico foi um triste traço que marcou a História da Educação da Antiguidade grecoromana ao século XX Referindose a esse nefasto procedimento pedagógico Manacorda 1989 p 92 observou Além do sadismo pedagógico generalizado e do enfado de uma didáti ca repetitiva pelo menos no que diz respeito aos primeiros níveis de instrução é exatamente o abismo que separa a escola da vida a insignificância de seus con teúdos que coloca essa escola em discussão não somente entre os incultos que não chegam a ver seus aspectos positivos mas também entre os filósofos sérios e entre os melhores Em síntese essa História da Educação com a qual Marisa Bittar nos brinda inscrevese na tendência pedagógica que defende a escola pú blica laica e para todos como um dos principais locus societários de produção e reprodução do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade mas ao mesmo tempo vinculase também à tradição humanista que estabelece a crí tica radical às pedagogias que usaram e abusaram da violência física e simbólica engendrada no transcorrer do processo histórico que institucionalizou a escola Por fim gostaria de salientar a importância da História da Educação para o processo de formação dos educadores Parto do princípio de que o cotidiano escolar contemporâneo só pode ser compreendido se os seus protagonistas e os professores em particular possuírem uma sólida fundamentação na História da totalidade societária na qual o próprio fazer pedagógico se encontra inserido Assim sendo a Oficina de Clio se constitui num verdadeiro oráculo para a prá xis educacional de todos aqueles que estão envolvidos cotidianamente com os processos de ensino e de aprendizagem das novas gerações de seres humanos Entender a essência do ofício de ensinar passa necessariamente pela reflexão crítica do pretérito no qual o acontecimento do momento está profundamente entranhado pois a educação dos protagonistas do tempo que há de vir depende da dialética que se estabelece entre o presente e o passado É com base neste entendimento que considero a História da Educação da Antiguidade à época contemporânea produzida por Marisa Bittar um instrumento teórico importante para a formação dos alunos do Curso de Pedagogia da UFSCar Amarilio Ferreira Jr São Carlos 10 de agosto de 2009 UNIDADE 1 Da primeira concepção de uma escola de Estado à hegemonia da Igreja Católica 15 11 Primeiras palavras Este texto trata das primeiras formas de educação que as sociedades ociden tais praticaram especialmente gregos e romanos de quem herdamos princípios e ideias Pelo fato de fazermos parte do mundo ocidental iniciamos o nosso es tudo por essas matrizes do pensamento grecoromano as quais depois mesmo suplantadas pelo cristianismo foram em parte incorporadas por ele resultando num amálgama entre a matriz originária com a concepção monoteísta religiosa derivada do judaísmo ou seja o cristianismo Essa nova forma de conceber o mundo se expandiu por todo o antigo Império Romano a partir do século I depois de Cristo tornandose hegemônica por volta do século V e vindo a se configurar na identidade cultural do Ocidente Nas sociedades escravistas da Antiguidade a educação escolar não era um direito de todos mas sim privilégio de poucos Dessa forma foi de grande importância a primeira proposição de uma escola de Estado preconizada pelo filósofo Aristóteles A partir daí a educação contou com defensores que a enten diam como um direito de todos e teve contra si os que temiam a sua expansão por acreditarem que ao se tornar de todos ela seria rebaixada ao nível das mul tidões perdendo qualidade Nesta Unidade percorreremos o caminho iniciado no mundo antigo até o século XVI quando ocorreram as primeiras iniciativas para a construção de uma escola estatal Nesse longo percurso será fundamental compreendermos o sur gimento da escola no mundo ocidental a concepção de uma escola de Estado a cargo do poder público a substituição dessa concepção no momento em que o cristianismo se torna pensamento hegemônico no mundo ocidental as formas de escola mantidas pela Igreja Católica durante a Idade Média e por fim a ruptura interna no mundo cristão ocasionada pelas chamadas Reformas Protestantes século XVI que irão resultar em importantes mudanças na concepção e prática da educação no mundo ocidental Permeando esses temas também nos preocu pamos em mostrar quem eram os mestres e os alunos como eram tratadas as crianças e o que era importante aprender 12 Problematizando o tema Você sabia que nem sempre a escola utilizou a escrita como meio de apren dizagem Que antes da sua institucionalização a aprendizagem se baseava na música e na ginástica Que a concepção que temos hoje de escola é diferente daquela praticada pelos povos antigos e que houve um tempo no qual nem mes mo havia separação dos estudantes por grupos etários Bem se isso lhe era des conhecido certamente você sabia que nem sempre meninos e meninas puderam 16 conviver no mesmo espaço escolar não é mesmo Esta Unidade tratará de temas como esses procurando contribuir para que você compreenda que tudo isso foi e continua sendo um processo construído historicamente ou seja que nem sempre existiu Por exemplo como e quando surgiram as primeiras ideias sobre meninos e meninas frequentarem o mesmo espaço escolar Por que durante longos séculos não era importante separar as crianças e jovens por grupos etários E a expansão da escola para as camadas populares como e onde começou 13 A educação nas sociedades antigas Grécia e Roma Desde que os homens passaram a viver em sociedade a educação esteve presente ou seja todos os agrupamentos humanos em qualquer nível de seu desenvolvimento praticaram e praticam a educação primeiramente no ambiente familiar Foi assim que aconteceu nas sociedades da Antiguidade que existiram milênios antes do nascimento de Jesus Dessa forma educação não é o mesmo que escola Esta última é uma invenção da humanidade no seu processo histórico para difundir o conhecimento de forma sistematizada As primeiras notícias que temos sobre a escola nos mostram que só tinham direito a frequentála os filhos das classes sociais privilegiadas Foi assim no Egi to cuja supremacia foi reconhecida pelos gregos educadores dos romanos e pelas posteriores manifestações cristãs As duas culturas grecoromana e cris tã incorporaram elementos do Oriente Próximo reconhecendo nos egípcios a origem da cultura da sabedoria da instrução Testemunhos históricos de aproximadamente 2450 aC registram o valor político da educação egípcia na qual o falar bem era o conteúdo e o objetivo do ensino A primeira experiência educativa sobre a formação do homem político provém do Egito e pode ser resumida da seguinte forma a palavra que convence Ou seja não se referia à instrução intelectual do escriba ou do sacerdote mas sim à do futuro governante Assim o falar bem era prerrogativa da ação política Da palavra às letras aparecia claramente a profissão de escriba que perante os jovens se apresentava com uma perspectiva de ascensão social pois consistia essencialmente em dar ordens e ser enviado como mensageiro Isso significa va transmitir ordens uma função de prestígio e autoridade que pressupunha a aquisição de habilidades adquiridas em uma verdadeira escola que não existia para os demais ofícios Por ser uma profissão não sujeita a receber ordens de ninguém ficou registrado nos papiros antigos que quem soubesse escrever es taria melhor do que em todos os demais ofícios Ser escriba significava estar a salvo da fadiga da enxada dos patrões e superiores Entre as especializações do escriba sobressaía a função de ensinar a escrita a algum filho assim geralmente o escriba se tornava também mestre dos filhos do rei 17 Adiante na época de Ramsés cerca de 15521069 aC alguns documen tos informam melhor sobre o segundo aspecto da formação dos dirigentes a preparação física em vista da guerra além da natação eram praticados tiro com arco corrida caça e pesca Outra característica educativa oriunda do antigo Egito e passada ao mundo ocidental foi a hipótese do aluno indisciplinado e a prática das punições corporais Os papiros nos revelam Não passes o dia na ociosida de ou serás surrado Disseramme que abandonaste a escritura e ficas andan do à toa Teu ouvido é surdo e te tornaste como um asno que precisa ser puni do Mas eu farei parar que teus pés vadiem pelas ruas quando te surrar com chicote de hipopótamo1 Andar à toa cair na gandaia e vadiar pelas ruas eram motivos recorrentes de castigos enquanto a destreza da mão na escrita era sinal de maturidade intelectual Era essa a tradição dos ensinamentos egípcios e que continuou após a conquista grega e a institucionalização de um grande centro de cultura helênica em todo o Oriente conquistado por Alexandre Magno Aspectos da educação egípcia embora com características próprias serão encon trados na Grécia Antiga segundo nos tes temunham autores como Heródoto Platão e Diodoro de Sicília Antes de tudo predomi nava a separação dos processos educativos segundo as classes sociais porém menos rígidos e com tendência à democracia Tam bém nessa sociedade de base escravista encontraremos um modelo educativo para a classe dominante com objetivo de formála para as tarefas do poder Em contrapartida para os trabalhadores nenhuma escola só o treinamento para o trabalho Nessa sociedade a concepção de educação que vigorou durante séculos foi formulada pelo poeta Homero e depois incorporada pelos filósofos Platão 427 aC348 aC e Aristóteles 384 aC322 aC Ela previa dois momentos educativos na vida das crianças e jovens das classes so ciais dominantes o fazer e o falar O primeiro dizia respeito à preparação para a guerra o segundo à política Ou seja os indivíduos dessas classes deveriam ser guerreiros na juventude e governantes na velhice Esses dois momentos eram realizados apenas pelos componentes da classe dominante e a sua prática era entendida como necessária para formar o homem omnilateral completo um modelo de educação que previa a formação intelectual e física Entretanto pou cos tinham esse privilégio Toda a educação deveria ter como objetivo o futuro exercício do poder político Essa ideia embora tenha sido preconizada há mais 1 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 32 Figura 11 Instrução de menino grego 18 de cinco séculos antes de Cristo ainda é muito presente na associação que se faz hoje entre saber e poder Além da educação familiar a forma que primeiramente predominou na Gré cia Antiga foi a ginástica e a música Por que isso Porque a escrita ainda não era utilizada como meio de aprendizagem Quando surgiu ela era reservada para ou tros fins como o registro de acontecimentos importantes e épicos por exemplo as guerras Por essa razão mesmo entre os soberanos era comum o não saber ler e escrever Para suprir essa necessidade havia os escribas tal como no Egito Antigo Ora não sendo a escrita utilizada para fins escolares a maneira de adqui rir o conhecimento ocorria por meio da memorização Nesse caso as cantilenas tinham um papel importante Já a ginástica tinha função mais específica nessa sociedade em que os jovens deveriam se exercitar para a guerra Desse modo os mestres mais prestigiados no início da história da educação eram os de música citarista e os de ginástica pedotriba 2 Na Grécia Antiga o aparecimento da polis entre os séculos VIII e VII aC constitui um acontecimento decisivo analisado por JeanPierre Vernant como uma verdadeira invenção por meio da qual a vida social e todas as relações entre os homens tomam uma forma nova O que caracteriza o sistema de polis é primeira mente segundo ele uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder O poder da palavra a força da persuasão supera a antiga forma ritual religiosa ou os ditos do rei de outras civilizações e passa a ser o debate contraditório a discussão a argumentação com exceção de Espar ta onde os lacedemônios preferirão exercitarse nos combates mais do que nas controvérsias A arte política entre os gregos era essencialmente o exercício da linguagem Uma segunda característica da polis era o cunho de plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social 2 Fonte httpimagesgooglecombrimagesgbv2hlptBRqeducaC3A7C3A3o nagreciaantigasaNstart60ndsp20 Figura 13 Prática de esporte em desenho de vaso grego Figura 12 Educação intelectual na Grécia Antiga 19 Podese mesmo dizer que a polis existe apenas na medida em que se distinguiu um domínio público nos dois sentidos diferentes mas solidários do termo um setor de interesse comum opondose aos assuntos priva dos práticas abertas estabelecidas em pleno dia opondose a processos secretos3 Observamos então que na Grécia Antiga havia uma relação entre a polis o poder da palavra e a escrita Essa relação não estava posta no mundo de Homero ou Hesíodo que são anteriores ao regime da cidade No quadro da cidade era a palavra que consistia no instrumento da vida política Quanto à escrita era ela que poderia possibilitar uma cultura comum e permitir uma divulgação de conhe cimentos previamente reservados ou mesmo interditados Tomada dos fenícios e modificada por uma transcrição mais precisa dos sons gregos a escrita poderá satisfazer a essa função de publicidade por que ela própria se tornou quase com o mesmo direito da língua falada o bem comum de todos os cidadãos4 Ainda segundo o autor as mais antigas inscrições em alfabeto grego que conhecemos mostram que desde o século VIII aC a escrita não mais se consti tui de um saber especializado reservado a escribas mas de uma técnica de am plo uso livremente difundida no público Assim ao lado da recitação decorada de textos de Homero ou de Hesíodo que continuava sendo tradicional a escrita passa a constituir o elemento de base da paideia grega Dessa forma é possível compreender o alcance da reivindicação que surgiu desde o nascimento da cida de a redação das leis Pois ao escrevêlas o que se pretendeu foi assegurarlhes permanência e fixidez Escapavam da autoridade dos que diziam o direito para tornarse bem comum regra geral O advento da polis se associa ao nascimento da filosofia revelando que o estreito vínculo entre essas duas ordens de fenôme nos é que faz com que o pensamento racional apareça em suas origens cau datário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega e recolocada na história a filosofia se despoja do caráter de revelação absoluta que às vezes lhe foi atribuído A escola do alfabeto começou a ser praticada na Grécia Antiga por volta do século V aC atraindo para si a resistên cia dos conservadores Segundo estes introduzir a escrita na escola poderia resultar em que os jovens negligenciassem a memória Era esse o temor de Platão 427 aC348 aC E só podemos compreender a razão dessa resistência porque 3 VERNANT JeanPierre As origens do pensamento grego 6 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 p 35 4 Ibid p 36 Figura 14 Homero 20 tradicionalmente se fazia grande apelo à memória auditiva por meio da qual os alunos aprendiam de cor principalmente a Ilíada e a Odisseia já que Homero era tido apesar das críticas de Platão como uma fonte de sabedoria Ainda segundo ele a educação dos filhos da aristocracia não deveria conter qualquer aspecto prático no sentido de profissionalização mas tão somente visar a sua própria formação cultural Quanto a Aristóteles 384 aC322 aC ele não combateu a escrita com finalidade escolar mas herdou do mestre o princípio segundo o qual qualquer educação com finalidade prática isto é que visasse profissionalização seria indigna de um cidadão Só eram considerados cidadãos os homens os não estrangeiros e os proprietários A educação com finalidade prática não era digna do cidadão porque o trabalho numa sociedade escravista era associado à condi ção de escravo Para Aristóteles o escravo era um instrumento de produção e um ser humano pertencente não a si mesmo mas a outra pessoa É um escravo por natureza quem é suscetível de pertencer a outrem e por isto é de outrem e participa da razão somente até o ponto de apreen der esta participação mas não a usa além deste ponto os outros animais não são capazes sequer desta apreensão obedecendo somente a seus instintos5 Segundo o filósofo no que diz respeito ao ofício dos mestres quem ensi nasse por dinheiro isto é para receber um salário era indigno vil e mercenário Para um homem livre era digno apenas ensinar a parentes ou a amigos mas vergonhoso ensinar por dinheiro O próprio Aristóteles praticou este princípio pois foi preceptor de Alexandre o futuro rei da Macedônia a quem ensinou filosofia Nesse contexto histórico o mestre de bêábá era o menos prestigiado pois na carreira educativa tal como ensinar música e ginástica ser mestre de retórica filosofia também era importante Vemos aqui um aspecto que na história da educação perpassou os séculos na carreira docente ainda hoje pelo menos no Brasil os professores das primeiras letras aqueles que exercem a importante tarefa de alfabetizar ainda não tiveram o seu trabalho devidamente reconhecido Apesar de ser uma sociedade escravista dividida em classes sociais anta gônicas foi na Grécia Antiga que surgiu a primeira ideia de uma escola de Esta do e quem a elaborou foi o filósofo Aristóteles Preocupado com o bem comum da polis a cidadeEstado ele entendia que se a finalidade do Estado era única isto é propiciar o bem comum só uma educação igual para todos os cidadãos a cargo do Estado e pública seria capaz de atingir esse fim único Assim ele se posicionou contrário à educação privada isto é a cargo da família Na sua época fim do século IV aC ele informa que na maioria das cidades a educação era 5 ARISTÓTELES Política 2 ed Brasília Editora da UnB 1988 p 19 21 privada mas mostrase favorável a que a educação fosse uma preocupação dos legisladores pois a responsabilidade de educar deveria ser pública e não particu lar como cada um fazia dando aos filhos a educação que lhe agradasse Vejamos exatamente como ele formulou esse princípio Mas como há um fim único para a cidade toda é óbvio que a educação deve ser um encargo público e não privado à maneira de hoje atualmente cada homem supervisiona a educação de seus próprios filhos ensinandolhes em caráter privado qualquer ramo especial de conhecimento que lhe pareça conveniente Ora o que é comum a todos deve ser aprendido em comum Não devemos pensar tampouco que qualquer cidadão pertence a si mesmo mas que todos pertencem à cidade pois cada um é parte da cidade e é na tural que a superintendência de cada parte deve ser exercida em harmonia com o todo Quanto a este aspecto devese louvar os lacedemônios pois eles dão a máxima atenção à educação das crianças e fazem dela um en cargo público É claro portanto que tem de haver uma legislação pertinente à educação e que ela deve ser um encargo público6 Depois de tratar das funções do Estado o filósofo assinala que deveria ser motivo de preocupação o que ensinar aos jovens as matérias úteis à vida ou os co nhecimentos mais elevados Ele trata ainda da educação para as artes e do trei namento do escravo distinguindo o que se faz para a utilização e o que se faz para o conhecimento Distingue razão prática e razão teórica discutindo por fim as qua tro disciplinas já consolidadas na escola gramática ginástica música e desenho As letras não consideradas por Platão aparecem em primeiro lugar O mais im portante contudo é que ele exclui na educação dos cidadãos toda disciplina que objetive o exercício profissional pois o homem livre deve visar a própria cultu ra Manacorda nos adverte que aqui ele segue o seu mestre pois Platão já disse ra Não para o ofício téchne mas para a educação paidéia7 Em resumo o princípio da escola estatal foi uma grande conquista do pen samento ocidental mesmo que relacio nado aos filhos dos cidadãos ou seja para a classe social proprietária de terras 6 Ibid p 267268 7 PLATÃO apud MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 57 Figura 15 Platão e Aristóteles detalhe da tela A Escola de Atenas de Rafael 22 e de escravos Esse foi um limite resultante da própria condição estrutural daquela sociedade escravista mas mesmo assim foi uma concepção de enorme valor para a história da educação pois foi a partir dela que o princípio de escola mantida pelo Estado com finalidade cívica política passou a fazer parte da preocupação de todos aqueles que se empenharam para que o direito à educação se estendes se a todos O modelo de educação grega como vimos tinha como objetivo a formação do cidadão Por essa razão dizemos que ela apresentava um caráter político Mas isso no sentido de que na sociedade humana as pessoas atuam e vivem esta belecendo relações e para Aristóteles esse viver em sociedade deveria buscar o bem comum Nesse sentido é que a educação tinha caráter político Quando Roma conquistou a Grécia acabou incorporando a sua cultura e com isso o seu modelo de escola Isso nos mostra que apesar de os romanos terem sido ven cedores na sua política expansionista a cultura do povo vencido acabou prevale cendo A partir de então essa cultura passou a ser chamada de grecoromana E foi por meio do imperialismo romano que as concepções filosóficas gregas se tor naram comuns a todos os povos conquistados permanecendo como princípios que séculos mais tarde voltariam a influenciar todo o mundo ocidental Antes de deixarmos a Antiguidade vale a pena observarmos como era a vida nas escolas Tratemos agora do método que era baseado na memorização e na repetição método mnemônico A criança era tratada como um adulto não existindo um método específico para a sua aprendizagem e quando ela não cor respondia às expectativas do mestre era comum o castigo físico denominado por Manacorda de sadismo pedagógico Mas segundo esse autor as agressões ocorriam também de alunos contra mestres especialmente se considerarmos que a maioria dos mestres de bêábá era de origem popular escravos ou exescravos Nesse contexto o pedagogo cujo tra balho consistia em acompanhar a criança até o local de sua aprendizagem também era a princípio um escravo A educação das crianças e jovens seguia a seguinte trajetória a partir do século V aC primeiro os pais depois nutriz ama e pedagogo em seguida a figura do gramático que ensinava o bêábá o citarista professor de música e o pedotriba professor de ginástica enfim aos cuidados da cidade a aprendizagem das leis isto é dos deveres e direitos do cidadão A influência grega de uma educação não familiar mas institucionalizada na escola será muito marcante em Roma A esse respeito Manacorda afirma que as resistências contra essa aculturação foram vãs porque o modelo grego de escola acabou prevalecendo e cita as palavras de Horácio para quem a Grécia conquistada conquistou o seu rude vencedor 23 A vitória da escola de tipo grego em Roma representa afinal um fato his tórico de valor incalculável mediante o qual a cultura grega tornouse patri mônio comum dos povos do império romano e depois foi transmitida durante milênios à Europa medieval e moderna e enfim à nossa civilização como premissa e componente indispensável à sua história8 No final do século IV aC e início do III aC a escola em Roma era uma instituição normalmente difundida embora uma verdadeira escola de nível mais elevado gramática e retórica surgisse somente em 169 aC De acordo com o autor a introdução desse novo nível de instrução encontrou obstáculos pois não se tratava mais só de aprender as letras do alfabeto para fins práticos de um povo de cidadãossoldados A gramática que inicialmente era apenas a arte de ler e escrever evoluiu para um aprendizado de cultura geral crítica aos textos literatura Ela não era utilizada em Roma e muito menos ainda honrada porque o seu povo era rude e belicoso e pouco se dedicava às disciplinas liberais segundo registrou o escritor Suetônio e também a retórica exatamente como a gramática foi aceita tardiamente e com dificuldade ainda maior Quanto ao preconceito contra a educação com finalidade prática a mesma teorização de Platão e Aristóteles aconteceu em Roma um cidadão livre poderia dedicarse a atividades artísticas e literárias não como exercício de uma profissão mas somente como uma atividade cultural desinteressada Cícero 10643 aC por exemplo distinguiu as profissões liberais das indignas não reconhecendo po rém nem nas primeiras alguma dignidade civil Aliás a esse respeito ainda era marcante o que escrevera o poeta Virgílio 7019 aC ao romano só cabia a arte de governar e impor a paz ao mundo 8 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 83 Figura16 Educação de meninos romanos aproximadamente ano 200 da era cristã 24 Mas depois Quintiliano aproximadamente 3595 dC fará a sistematização das disciplinas propondo um programa ideal de estudos que após a aprendizagem inicial do alfabeto tinha na escola de gramática uma escola de cultura geral con dição para prosseguir com o ensino da retórica para ele o mais importante Sendo a escola de retórica uma criação dos gregos é possível avaliarmos o quanto a es cola romana tinha de próprio Na concepção de Quintiliano a escola de gramática formaria o homem culto capaz de falar bem e entender os autores Para isso se riam necessárias outras disciplinas fundamentais como a música a astronomia a filosofia natural ciências e a eloquência cujo estudo se completaria com um nível mais elevado a escola de retórica Quintiliano não era romano de nascimento mas recebeu parte de sua educação em Roma ouvindo assiduamente os oradores da época e foi o primeiro a receber um salário oficial como professor conquistando ri queza e fama A sua concepção sobre o objetivo da educação formar um homem de caráter elevado e cultura geral e não um pedante viria a se harmonizar com a dos humanistas do século XVI Por essa razão sua obra granjearia considerável reputação na época do Renascimento Foi na Roma Antiga que surgiu a primeira iniciativa governamental em favor dos mestres No ano 6 aC na ocasião de uma carestia o imperador Augusto ao expulsar da cidade para poupar alimentos todos os estrangeiros e parte dos escravos em serviço excluiu dessa expulsão médicos e mestres Ainda na Roma Antiga foi fixado o primeiro salário estatal para uma cá tedra de retórica Para termos uma ideia do grau de prestígio das profissões em 301 dC um pedagogo recebia por cada criança 50 denários mensais o mesmo salário do mestre que ensinava o alfabeto já o orador ou sofista 250 denários mensais por cada discípulo enquanto o advogado recebia por causa 1000 denários É importante compreendermos que no período de decadência do Império Romano começou a se fortalecer o cristianismo a princípio combatido por Roma mas que acabou se tornando religião oficial em 391 substituindo as antigas re ligiões do mundo grecoromano e estabelecendo o princípio de uma divindade única onipresente e onipotente princípio este originariamente judaico Nos pri meiros séculos quando o cristianismo ainda era judaísmo já se estabeleceu o conflito entre as duas concepções de mundo no interior do Império Romano a judaicocristã e a grecoromana Esse conflito se estendeu a todas as formas de manifestação cultural incluindo a educação e o resultado será a substituição da paideia grega pela cristã por volta do século V dC Esse foi um longo processo marcado inicialmente pelo diálogo entre a tradição grega e a nova religião que incorporou elementos da paideia antiga mas pregou uma visão de educação antiintelectual uma vez que o curriculum passou a se basear na aprendizagem dos textos considerados sagrados para os cristãos 25 14 Mosteiros e catedrais as escolas cristãs da Idade Média A transição da Antiguidade para a Idade Média se deu com a implantação do sistema feudal de produção e com a consolidação do cristianismo como uma nova visão de mundo Esse processo foi longo e resumidamente teve os se guintes passos 1 desde a morte de Jesus acontecimento que se convencionou datar de século I dC as suas ideias e pregações especialmente por meio do apóstolo Paulo se expandiram por todo o território do Império Romano vindo a se constituir no cristianismo que se tornou religião oficial do mundo romano em 391 2 devido às sucessivas crises políticas econômicas escravismo e sociais cristianismo em 395 ocorrerá a divisão do Império em Ocidente e Oriente e em 476 dC será deposto o último imperador do Ocidente 3 a partir do século VI alguns reinos romanobárbaros já se implantavam em território do Império Roma no do Ocidente onde a única autoridade política autenticamente romana passou a ser o papado 4 ao contrário do Ocidente região na qual o modo de produção escravista evoluirá para o feudalismo com descentralização política o Império Romano do Oriente conservará a sua unidade e força Desse modo durante a chamada Idade Média três centros de poder tão diferentes entre si se enfren tarão numa complexa luta ideológica e militar o papado a autoridade política do Império Romano do Oriente e a nobreza feudal dos reinos romanobárbaros Nos primeiros séculos desse período a paideia grega é substituída pela cristã e essa nova concepção de mundo centrada na ideia de um Deus único onipotente e onipresente passou a determinar o traço fundamental da educa ção medieval a formação do cristão A educação perde o caráter político herda do dos gregos e que visava a formação do cidadão passando a ser ministrada pelos padres da Igreja Católica Eram eles os poucos letrados em uma Euro pa quase toda analfabeta dessa forma todo o conhecimento ficou sob controle da Igreja que determinava o que podia e o que não podia ser lido por exemplo Aliás o empobrecimento cultural nessa época foi geral atingindo também o Im pério do Oriente onde em 529 Justinia no fechou a gloriosa escola filosófica de Atenas golpeando a já vacilante tradição clássica dos estudos liberais Mas foi no Império do Ocidente que a cultura clássi ca sofreu maior repúdio e esquecimento Conforme Manacorda 1989 ali entre Figura 17 Escritor medieval 26 os homens de igreja chegou um momento em que foi necessário proibir o ingres so ao sacerdócio daqueles que não conhecessem as letras Assim se o Concílio de Cartago 400 dC se preocupara em proibir aos bispos a leitura de textos clássicos o concílio de Roma 465 dC enfrentou um problema elementar não é mais a disputa entre a paideia de Aquiles grecoromana e a paideia de Cristo mas o problema da total ignorância dos eclesiásticos Como prova dessa igno rância no sínodo romano de 499 observouse que havia bispos que não sabiam assinar o próprio nome Nesse contexto o ensino da gramática que no passa do conforme vimos com Quintiliano tinha finalidade de propiciar cultura geral ao educando passou a ter caráter instrumental ou seja era necessário conhecer as letras exclusivamente para ler as Sagradas Escrituras 9 O aspecto novo da pedagogia cristã foi herdado da cultura judaica da qual ela descendia e consistia em não considerar a educação um direito apenas dos filhos da classe dominante Por princípio o cristianismo não aceitou a antiga tra dição que excluía as classes populares da instrução Mas isso em tese devemos frisar pois na prática poucas delas chegaram à escola E que escola era essa Ora numa sociedade que vivia uma transição do escravismo para o feudalismo e na qual a vida urbana declinava em favor das atividades no campo produção feu dal eram muito poucas as cidades e o empobrecimento cultural enorme Assim dois tipos de escola foram predominantes 1 nos centros urbanos as catedrais onde se ensinava o alfabeto e nas quais as crianças de classes sociais populares antes segregadas passavam a aprender o alfabeto 2 nos mosteiros cenóbios longe da vida urbana e nos quais viviam reclusas as ordens religiosas praticava se a formação para os próprios quadros da Igreja Nesta última modalidade de 9 Fonte httpimagesgooglecombrimageshlptBRqcenobiomedievalbtnGPesquisar imagensgbv2aqfoq Figura 18 Cenóbio beneditino de São Salvador de Travanca fundado em meados do século XII 27 educação era frequente que crianças de origem humilde escravas de ultramar fossem resgatadas pelos mosteiros além daquelas que lhes eram oferecidas pe los pais chamadas oblatos Em ambos os casos a educação tinha caráter de aculturação isto é o seu objetivo era formar o cristão Quanto ao método a escola cristã herdou do costume hebraico a enfado nha e obsessiva didática da memorização e repetição coral do aprender de cor acrescidos do ler em voz alta embora São Bento Agostinho 354430 dC e mais tarde Isidoro de Sevilha recomendassem a leitura silenciosa como mais aceitável aos ouvidos Grande parte do ensino efetuavase de forma catequética isto é em forma de diálogo entre mestre e discípulo tudo em latim mas cujas respostas deveriam ser exclusivamente aquelas esperadas pelos mestres com pouca ou nenhuma atenção ao ensino da escrita segundo Manacorda Para as transgressões e deficiências no estudo ou nos erros cometidos no canto das orações o de sempre a correção não era realizada somente com palavras mas com castigos O feudalismo e a cultura cristã operaram uma distinção no antigo binômio re presentado pelo dizer e o fazer herdado da Antiguidade Agora esses dois mo mentos que haviam sido pensados para a formação dos filhos da classe dominan te estão separados pois o dizer no contexto medieval cristão era exercido pelo clero que detinha o saber já o governo era prerrogativa dos nobres Considerando que a guerra ainda era importante meio político de domínio surgirá uma educação cavaleiresca destinada a preparar para o fazer das classes dominantes Figura 19 Educação intelectual de menino na Idade Média 28 A Idade Média às vezes é tida como o período das trevas mas se assim fosse como entender o nascimento da universidade em pleno ano 1000 Pois foi numa Europa cujo comércio e vida urbana começavam a se revigorar que a con fluência entre mestres doutores e clérigos vagantes ou goliardos estudantes que deixavam temporariamente os mosteiros deu origem à universidade uma das heranças culturais mais significativas da Idade Média As universidades a princípio eram simplesmente encontros entre as duas partes interessadas no conhecimento uma corporação de estudantes e mestres funcionando no interior das catedrais portanto houve uma continuidade entre escolas episcopais nas catedrais e universidades que também nasceram sob o poder da Igreja Católica Era ela que concedia com exame prévio dos títulos de estudo a autorização para ensinar licença docente Os três primeiros campos de conhecimento que se constituíram em faculda des na Idade Média foram artes liberais medicina e jurisprudência Esta última que inicialmente continha apenas o direito romano ou civil incluiu o direito canôni co a partir de 1140 Mais tarde foi acrescentada a teologia Essas foram as quatro faculdades típicas embora não exclusivas das universidades e representavam a continuidade da instrução medieval Além disso tais faculdades decorriam da sis tematização das ciências ou disciplinas que desde Platão e Aristóteles suscitava reflexões e disputas Na Idade Média essa sistematização foi feita tomando como base as sete artes liberais uma herança grecoromana o currículo composto de aritmética música geometria e astronomia constituía o quadrivium conjunto de matérias científicas que deveriam introduzir ao estudo da filosofia O trivium por Figura 110 Uma aula na Idade Média 29 sua vez era composto de gramática retórica e dialética O conjunto dos dois cur rículos constituía o estudo de humanidades mas na Idade Média as Sagradas Escrituras são colocadas no vértice dessa tradicional enciclopédia pagã10 Além das universidades outra modalidade de ensino surgiu na Idade Média a partir dos anos 1000 as corporações de ofício Seu nascimento está relacionado aos novos modos de produção em que a relação entre ciência e operação manual é mais desenvolvida e a especialização é mais avançada para isso era necessá rio um processo de formação no qual o simples observar e imitar deixam de ser suficientes Dessa forma tanto nos ofícios mais manuais quanto naqueles mais intelectuais é exigida uma formação que pode parecer mais próxima da escolar embora continue a se distinguir dela pelo fato de não se realizar em um lugar des tinado a adolescentes mas no trabalho pela convivência de adultos e adolescen tes Os adolescentes confiados por seus pais a essas corporações de sapateiros joalheiros padeiros etc passavam a ser aprendizes e ficavam sob total tutela dos mestres devendolhes obediência absoluta durante os longos anos de aprendizado do ofício Surge assim um novo tipo de aprendizagem em que trabalho e ciência se encontram e que tende a se aproximar da escola Para Manacorda 1989 é o tema fundamental da educação moderna que apenas começa a delinearse Mas ele acrescenta que de todas as artes manuais apenas a cirurgia médica e a arquitetura vieram a se transformar em ciências e deram origem à discussão sobre as relações entre ciência e produção pois os demais campos chamados pelos antigos de artes sórdidas não sistematizaram a sua ciência 11 10 Ibid p 127 11 Fonte httpptwikipediaorgwikiCatedraldeNotreDamedeParis Figura 111 Catedral de Notre Dame Paris uma das primeiras universidades europeias 30 Ao lado das escolas paroquiais cenobiais universidades e corporações de ofício foram surgindo a partir do século XIII os mestres livres oriundos de uma sociedade que vai se diversificando com o surgimento de mercadores e artesãos que têm como centros de vida as cidades Os mestres livres são os protagonistas da nova escola dessa camada social o terceiro estado burguesia No início com exceção dos mestres elementares isto é que ensinavam a ler e a escrever o seu ofício era ocasional e ligado à profissão de tabelião por exemplo Em seguida invadiram o campo tradicionalmente reservado aos clérigos e alguns desses mes tres tornaramse famosos Essas escolas eram livres nas grandes cidades onde os pais remuneravam os mestres e administradas pelas comunas nas pequenas cidades onde o número limitado de alunos não permitia ao mestre viver com as cotas por eles pagas Assim a própria comuna lhes destinava um salário anual Outro aspecto peculiar desse tipo de escola consistia em que cada mestre tinha um monitor ou repetidor que morava em sua casa para ensinar aos meninos No final da Idade Média temos então uma variedade de mestres mestres autônomos mestres com monitores mestres associados em cooperativas mestres capitalistas que as salariavam outros mestres mestres pagos por corporações mestres pagos pelas co munas Essa variedade reflete uma escola de uma sociedade mercantil que começa a ficar quase totalmente livre da Igreja e do Império vende a sua ciência renovaa e revoluciona os métodos de ensino 15 Humanismo e educação Contemporaneamente a essa escola de uma sociedade mercantil e de cultu ras novas originadas das relações mercantis de produção surge um movimento inovador mas de cunho aristocrático que dedica grande atenção aos problemas do homem e da sua educação o humanismo Esse movimento filosófico que busca contato com os clássicos antigos tinha aversão pela cultura medieval e pela sua forma de transmissão a escola De suas críticas à escola medieval ressaltamos a pedagogia contrária aos castigos físicos a necessidade de se ter em conta a natureza da criança no seu duplo sentido de considerar a sua tenra idade e de educála de acordo com a sua própria índole Este segundo tema frequentemente contra as intenções de quem o invoca se levado ao extremo ou seja o de ensinar apenas o que a criança desejar pode se prestar a uma renúncia a educar ou a uma Figura 112 Aprendizagem de oblatos em mosteiro franciscano 31 subestimação do poder da educação Por essa razão merece uma reflexão espe cialmente se considerarmos uma tendência futura de renúncia a qualquer caráter diretivo da educação deixando a criança vulnerável a outros interesses e tipos de educação pois se a escola não educar outras instâncias da sociedade educarão Outros temas comuns aos tratados pedagógicos humanistas são a leitura direta dos textos inclusive os da literatura grega até então ignorada o amor pela poesia uma vida comum entre mestre e discípulo na qual os estudos são acom panhados de passeios diversões jogos e brincadeiras uma disciplina baseada no respeito pelos adolescentes que exclui as tradicionais punições corporais Em síntese o caráter aristocrático dessa corrente não exclui a procura de uma peda gogia mais humana que afaste os castigos e o rigor tradicionais Foram os pensadores humanistas por meio da idealização de sociedades utópicas que valorizaram o trabalho como atividade que deveria ser praticada por todos como Thomas More 14781535 que escreveu a respeito de uma cidade ideal um lugar inexistente onde deveria haver uma instrução para o trabalho agrícola e artesanal Há uma arte comum a todos os utopianos homens e mulheres e da qual ninguém tem o direito de isentarse é a agricultura As crianças aprendem a teoria nas escolas e a prática nos campos vizinhos da cidade aonde são levadas em passeios recreativos Aí assistem ao trabalho e trabalham tam bém e este exercício traz ainda a vantagem de desenvolver as suas forças físicas12 16 A educação no século XVI as reformas religiosas e a escola No século XVI já na transição para a consolidação do capitalismo com o estabelecimento de modos de vida mais mundanos no contexto do Humanismo do Renascimento e com a crise que o cristianismo vinha sofrendo internamente eclodirão movimentos reformistas que acabarão influenciando fortemente a educa ção resultando em iniciativas que darão início à expansão quantitativa da escola Esses movimentos originados de uma profunda crise de religiosidade resultaram na cisão da Igreja organizada pelo cristianismo e assim sendo que a partir do século XVI os cristãos reformados passaram a constituir as suas próprias Igrejas enquanto os demais permaneceram sob a autoridade do papa ou seja na Igreja Católica Apostólica Romana até então a única que congregava e representava os cristãos do Ocidente desde o fim do Império Romano no século V Vamos conhecer agora as duas propostas de educação originadas dos mo vimentos religiosos a da Reforma também conhecida como Protestante e a da 12 MORE Thomas A Utopia 2 ed São Paulo Abril Cultural 1979 p 225 32 Contrarreforma isto é da Igreja Católica Ambas são consideradas as principais concepções de educação que irão vigorar nos séculos seguintes e cuja matriz nasceu no século XVI 161 A Reforma e a escola O movimento religioso mais vigoroso que exerceu influência sobre a escola foi o luteranismo no início do século XVI embora movimentos considerados heré ticos já tivessem eclodido bem antes Inglaterra e Boêmia Depois de tentar uma reforma interna na Igreja Católica à qual pertencia como monge agostiniano Martim Lutero 14831546 foi duramente combatido pelo papado acabou rom pendo com o catolicismo e criando na Alemanha a sua própria Igreja Para ele entre outras práticas cada cristão deveria ler e interpretar por si mesmo a Bíblia sem mediação do clero Para tanto seria necessário traduzila para o alemão mas além disso quem a leria se a maioria da população era analfabeta Lutero passa então a defender que todas as crianças meninos e me ninas frequentassem a escola sendo obrigação dos pais enviálas pelo menos uma parte do dia para aprender as letras Criticando enfaticamente os governos que gastavam tanto em espingardas estradas caminhos e tantas outras coisas desse tipo para dar mais conforto às cidades indagava por que não investir muito mais ou pelo menos o mesmo para a juventude pobre Segundo ele era neces sário que meninos e meninas fossem bem educados e instruídos desde a infân cia Como assinalamos a alfabetização nesse caso era importante para que todos pudessem ler e interpretar as Sagradas Escrituras Mas não só Criticando a escola de então Lutero colocou acento na utilidade social da instrução tentando conciliar o respeito pelo trabalho manual produtivo com o tra dicional prestígio do trabalho intelectual Para tanto evocava o exemplo do próprio Cristo que trabalhou de carpinteiro o de Maria que ordenhava vacas areava as panelas e varria a casa e o de Pedro que trabalhou como pescador e era orgulho so de sua habilidade Dessa forma ele toca na importante relação entre instrução e trabalho Além disso outro aspecto inovador de sua pedagogia era a insistên cia na obrigatoriedade dos pais de enviarem seus filhos à escola sem distinção entre meninos e meninas Ora mas de que maneira os pais deveriam cumprir tal obrigação se quase não existiam escolas A pregação de Lutero acabou forçan do a autoridade imperial a assumir essa nova concepção de uma escola pública para a formação dos cidadãos Em 1549 o imperador Carlos V decretou que as escolas não deveriam ser negligenciadas pois se tal acontecesse e elas se cor rompessem inevitavelmente as Igrejas e os Estados estariam em perigo portan to era preciso ter muito zelo em instituílas Esse decreto antecipa as iniciativas 33 dos soberanos iluminados do século XVIII preconizando que as escolas fossem mantidas pelo Estado A tradição escolar dos países reformados tem raízes profundas pois an tes mesmo do prenúncio da reforma luterana em 1501 em meio a profundos levantes sociais um projeto de ginásio foi proposto para a cidade de Strasburgo enquanto na Suíça Ulrich Zwinglio publicava seu Livreto para a instrução e a edu cação cristã das crianças 1523 Assim embora as propostas de Lutero sejam posteriores foram elas que deram impulso prático e força política à programação de um novo sistema escolar voltado também à instrução de meninos destinados não à continuação dos estudos mas ao trabalho13 Desse modo a Alemanha se adiantou na tare fa de instituir escolas para meninos e meninas pra ticando a coeducação que em muitos países como o Brasil só veio a ser implantada no século XX Nas colônias de origem alemã instaladas no sul do Bra sil o princípio de Lutero foi observado Segundo esse princípio quando se funda um agrupamento humano duas instituições devem ser imediatamente criadas Figura 113 Martinho Lutero14 a igreja e a escola 162 A Contrarreforma e a escola Tão logo os ventos da Reforma começaram a agitar toda a Europa o papado tratou de tomar providências mantendo os dogmas questionados pelos reformistas e defendendo de forma intransigente a sua prerrogativa sobre a educação que acabou envolvendo a condenação tanto das iniciativas alheias à extensão da instru ção às classes populares como de toda inovação cultural Como alerta Manacorda 1989 seria errado subestimar todo o esforço realizado nos países católicos e em particular pela Igreja Católica nesse período mas é preciso reconhecer porém que os caminhos do futuro são bem diferentes daqueles trilhados por eles O que quis dizer o autor com essa afirmação Qual era o caminho do futuro Vamos ten tar entender isso à medida que conhecermos as propostas e ações católicas para a educação pois só assim teremos condições de comparar as duas concepções e concluir sobre qual das duas iniciativas estava em direção ao caminho do futuro A orientação educativa da Igreja Católica como resposta ao movimento re formador foi fixada pelo Concílio de Trento 15451564 Concílio é a reunião de 13 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 196 14 Fonte httpptwikipediaorgwikiLutero 34 bispos e doutores em teologia que decidem sobre questões de doutrina e de disciplina eclesiásticas Em suas deliberações esse Concílio insistiu sobre os livros e a escola En tretanto a censura a livros vinha sendo exercida desde 1515 portanto antes de Lutero começar o seu movimento Além disso instituiu os seminários destinados a educar religiosamente e a instruir nas disciplinas eclesiásticas as novas levas de sacerdotes No programa de estudos dos jovens as Sagradas Escrituras eram a principal aprendizagem À parte os seminários para a formação do clero o exemplo mais bem sucedido de novas escolas para leigos foi o das escolas dos jesuítas lí deres na luta da Igreja Católica contra o protestantismo No fim do século XVI mais precisamente em 1599 foi aprovado o plano de estudos da Companhia de Jesus o Ratio Studiorum que regulamentou todo o sistema escolástico jesuítico a organização em classes os horários a metodologia e os progra mas de ensino a disciplina e até o modo de cas tigar conforme previa a regra no 40 Ao prefeito de estudos deixe os castigos mais severos ou menos costumados sobretudo por faltas come tidas fora da aula como a ele remeta os que se recusam a aceitar os castigos físicos15 Tudo foi minuciosamente previsto nesse plano para ser aplicado em todas as escolas da Companhia inclusive nas do Brasil Os primeiros mestres no Brasil foram os padres da Companhia de Jesus Eles vieram para cá juntamente com a missão colonizadora de Portugal e chegaram na década de 1540 Inicialmente eles ten taram alfabetizar os índios adultos com a finalidade de catequizálos mas in satisfeitos com os resultados passaram a dirigir a sua ação educativa para as crianças os curumins Observamos assim que enquanto os movimentos reformadores impulsio naram a criação das escolas mantidas pelo Estado a Igreja Católica com a Com panhia de Jesus atuou para manter as escolas sob seu controle Podemos con cluir portanto que o caminho do futuro na história da educação não foi trilhado pela Igreja Católica pois esse caminho era o das escolas públicas estatais 15 COMPANHIA DE JESUS Ratio Studiorum In FRANCA Leonel O método pedagógico dos jesuítas Rio de Janeiro Agir 1957 p 27 Figura 114 Inácio de Loyola 35 16 17 Considerações finais Vimos então que a educação escolarizada nasceu com os povos antigos especialmente gregos e romanos mas com objetivo de educar apenas as crian ças e jovens da elite A primeira ideia de uma escola de Estado nasceu na Grécia e foi formulada pelo filósofo Aristóteles para ele a formação do cidadão não de veria ser realizada pela família mas sim pela cidade polis porque só ela poder público poderia fornecer uma educação igual para todos os cidadãos e garantir o bem comum enquanto a cargo da família seria realizada segundo as crenças e valores de cada uma Roma herdou esse princípio dos gregos e avançou em alguns aspectos como o do reconhecimento dos mestres pelo Estado Mas man teve o mesmo método repetitivo de aprendizagem e o sadismo pedagógico ou seja as punições físicas Já na Idade Média com a consolidação do cristianismo a educação perdeu seu caráter político e cívico passando a ter função de acultu ração o importante passou a ser formar o cristão e não mais o cidadão Embora o cristianismo por princípio pregasse a não discriminação das crianças pobres a educação continuou sendo destinada a poucas crianças e adolescentes Encer rando a nossa primeira Unidade aprendemos que a expansão da escola começou 16 Fonte httpwwwmultiriorjgovbrhistoriamodulo01top05html Figura 115 Jesuítas catequizando índios 36 na Europa com as reformas religiosas especialmente a luterana que exigiu a frequência de meninos e meninas nos bancos escolares sem distinção de classe Esse princípio forçou a iniciativa estatal a criar e manter escolas sob sua respon sabilidade colocando os países reformados à frente dos católicos O caminho do futuro escola para todos começava ali 18 Estudos complementares 181 Saiba mais Paideia é um termo grego que significa cultura mas não no sentido em que ela é empregada hoje e sim de um ideal próprio e consciente de formação humana Werner Jaeger em seu monumental livro intitulado Paidéia a formação do homem grego afirma Foi sob a forma de Paidéia de cultura que os Gregos consideraram a totalidade da sua obra criadora em relação aos outros povos da Antigüidade de que foram herdeiros17 Este livro deve compor a biblioteca de todos aqueles que se interessam pela história da educação da cultura e da filo sofia Você estudante de Pedagogia não deixe de conhecêlo Para saber mais sobre os assuntos tratados nesta Unidade consulte os livros História da Educação da Antigüidade aos nossos dias de Mario Alighiero Manacorda e História da Pedagogia de Franco Cambi Especialmente sobre a ação pedagógica jesuítica no Brasil consulte 1 FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa Pluralidade lingüística escola de bê ábá e teatro jesuítico no Brasil do século XVI Educação Sociedade Campinas v 25 n 86 p 171195 abr 2004 Disponível em httpwwwscielobrpdfesv25n86v25n86a09pdf 2 BITTAR Marisa FERREIRA Jr Amarilio Casas de bêábá e colégios jesuíti cos no Brasil do século 16 Em Aberto Brasília v 21 n 78 p 3357 dez 2007 Disponível em httpwwwpublicacoesinepgovbrarquivos7B2FCF6D7F6D854626B0A0 A5DD3A1BBD367Dmiolocompleto78pdf 17 JAEGER Werner Paidéia a formação do homem grego São Paulo Martins Fontes 1989 p 6 37 Quadro 1 A educação da Antiguidade ao fim da Idade Média Antiguidade Clássica Alta Idade Média Baixa Idade Média O dizer e o fazer 496 aC escola do alfabeto na Grécia Aristóteles escola de Estado formação do cidadão 230 aC escola do tipo grego em Roma Criança sem afeto Mestres do alfabeto sem valor Feudalismo e descen tralização política Decadência da cultura grecolatina substitui ção da paideia grega pela cristã Ascensão do cristia nismo Igreja assume educa ção formação do cristão Ideia de escola de Estado submerge Prenúncio de relações mercantis Nascimento das uni versidades Corporações de Ofício Surgimento dos mes tres livres Humanismo séc XIV XV críticas à escola consideração pela criança 182 Referências ARIÈS Philippe História social da criança e da família Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 ARISTÓTELES Política Tradução introdução e notas de Mário da Gama Kury 2 ed Brasília Editora da UnB 1988 CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Editora da UNESP 1999 COMPANHIA DE JESUS Ratio Studiorum In FRANCA Leonel O método pedagógico dos jesuítas Rio de Janeiro Agir 1957 JAEGER Werner Paidéia a formação do homem grego Tradução de Artur M Parreira Adaptação do texto para a edição brasileira Mônica Stahel M da Silva São Paulo Livraria Martins Fontes Editora 1989 MAFRE JeanJacques A vida na Grécia clássica Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1989 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez 1989 MORE Thomas A Utopia Tradução de Luís de Andrade 2 ed São Paulo Abril Cultural 1979 Os pensadores VERNANT JeanPierre As origens do pensamento grego Tradução de Ísis Borges B da Fonseca 6 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 UNIDADE 2 Escola e pensamento pedagógico nos séculos XVI e XVII 41 21 Primeiras palavras Nesta Unidade vamos estudar a transição do mundo feudal para o capitalismo e as mudanças que ocorreram na educação seja nas novas concepções que pro curaram interpretar o papel da escola seja nas iniciativas à sua expansão para as camadas populares a partir das iniciativas reformadoras O processo de transição ao qual estamos nos referindo foi bastante longo e de modo geral o seu traço essencial foi a tendência à superação do modo de produção feudal e por consequência do modo de viver e pensar que prevalecia no feudalismo Assim a primeira instituição re quisitada a mudar internamente foi a Igreja Católica que resistiu ao apelo de reforma Foi por essa razão que aconteceram os movimentos reformistas e logo em seguida a cisão da cristandade ocidental em várias outras igrejas Esse processo influenciou a educação pois foi então que ela começou a deixar de ser um privilégio de classe para tomar a feição que hoje tem No entanto vamos perceber que a intenção de tornar a escola uma instituição para todas as crianças e jovens não foi unânime ou seja houve resistência à extensão desse direito Assim é importante que você perceba que o processo de construção de uma escola de Estado para todos foi conflituoso e tenso Vamos conhecer esse percurso dando atenção aos seguintes aspectos as concepções pedagógicas da época e as primeiras iniciativas práticas para a expan são da escola no mundo ocidental 22 Problematizando o tema A educação ocidental durante os séculos XVI e XVII acompanha os traços gerais da época ou seja ela está como sempre impregnada de elementos so ciais e culturais do contexto histórico e além disso determinada pelas circuns tâncias da base econômica Essa base econômica foi caracterizada pela lenta substituição do modo de produção feudal pelo capitalista que desde o século XV vinha se consolidando na Europa As sociedades europeias dessa época es tavam vivenciando a longa transição do feudalismo para o capitalismo processo histórico que foi marcado pelos seguintes traços o mercantilismo as reformas religiosas o renascimento cultural e a formação dos Estados Nacionais Nesta Unidade porém vamos tratar mais especificamente das reformas religiosas e de suas proposições pedagógicas e da influência do Humanismo sobre a educação deixando assim a formação dos Estados Nacionais para a próxima Unidade No âmbito desses movimentos históricos de longa duração a educação começou a ganhar impulso para se expandir além de adquirir nova feição As classes divididas por idades e a proposta de meninos e meninas frequentarem a escola foram conquistas dessa época e serão temas que abordaremos aqui Você sabia que a classe essa unidade estrutural da escola contemporânea que agrupa 42 alunos por idade e com a qual estamos tão familiarizados só passou a vigorar no fim do século XVI Pois bem durante toda a Idade Média a mistura de escolares por idades não era algo que causasse estranheza mas no século XVII passou a repugnar os educadores e a incomodar o senso comum 23 Crise de religiosidade reformas e educação Inicialmente lembremos que no século XVI haviam ocorrido as reformas religiosas que promoveram uma fratura na Igreja Católica até então hegemônica no campo cultural no pensamento ocidental e na mentalidade da época Esse fato de extrema importância na história influenciou diretamente a educação uma vez que ela vinha sendo ministrada nos mosteiros e nas catedrais pela Igreja As reformas enfraqueceram o catolicismo mas mesmo com a fragmentação que aconteceu no seu interior a Igreja Católica continuou a ter forte presença na educação recordemos que a Companhia de Jesus foi fundada exatamente para propagar a fé católica inclusive por meio de escolas Ao mesmo tempo as Igrejas criadas pelas reformas religiosas também passaram a desempenhar papel na educação principalmente a luterana com a sua ênfase na obrigatoriedade da família enviar seus filhos à escola Desse modo compreendemos que durante o século XVII embora a tendência fosse a crescente passagem da educação para o âmbito estatal a religião ainda mantém a sua hegemonia nela A educação dessa época portanto ainda é marcada pela presença religiosa de um lado as escolas jesuíticas em toda a Europa e também fora dela como era o caso da colônia portuguesa americana o Brasil de outro as escolas dos religio sos reformados O pensamento educacional da época foi marcado por essas duas influências Duas experiências pedagógicas portanto transcorreram de forma pa ralela e cada qual observando princípios distintos 1 as escolas católicas seguiram o Ratio Studiorum isto é o método pedagógico dos jesuítas 2 as escolas dos países reformados adotaram princípios das diversas religiões originadas a partir do início do século XVI quando Lutero rompeu com a Igreja Católica mas a obra que melhor sistematizou esses princípios foi a Didática Magna 1657 de Comenius 231 Duas experiências educativas dois pensamentos pedagógicos O Ratio Studiorum aprovado em 1599 pela Companhia de Jesus previa regras absolutamente compatíveis com o pensamento escolástico baseandose principalmente em Tomás de Aquino e prescrevendo normas padronizadas de conduta em suas escolas onde quer que elas se localizassem Desde o horário das aulas a conduta dos professores e dos alunos a forma de arguir a aplicação 43 das sabatinas até as questões de caráter mais filosófico como a concepção de mundo que deveria perpassar o ato pedagógico estavam rigorosamente previs tos nesse manual Escrito em linguagem objetiva e clara foi o Ratio Studiorum que normatizou a ação pedagógica jesuítica na época A Igreja Católica de então estava firmemente apegada ao propósito de pre servar a sua prerrogativa sobre a educação uma vez que ela era hegemônica nessa atuação desde que o catolicismo foi implantado no Império Romano por tanto há mais de dez séculos Nos países que permaneceram católicos o Estado não interveio na educa ção que foi ministrada por particulares e principalmente pelas ordens religiosas Entre elas continuou figurando em primeiro plano a Companhia de Jesus ainda muito poderosa no século XVII Mas ao lado dela surgem outras ordens e insti tuições religiosas dedicadas à educação que dão caráter particular ao século e divergem de certo modo das anteriores sobretudo da dos jesuítas Nessa perspectiva aparece em primeiro lugar a ordem dos Irmãos das es colas cristãs fundada em 1684 por João Batista de La Salle 16511719 na Fran ça A ela se deveu a difusão da educação primária popular nos países católicos e a ideia da formação de mestres com essa finalidade Foi ele também segundo Luzuriaga 1980 o criador da escola sem latim e do ensino gratuito na França Quando da morte de La Salle a Ordem contava com quatro Escolas Normais três escolas práticas trinta e três escolas primárias e uma de aperfeiçoamento As escolas da Ordem se estenderam pouco a pouco pela França pela Europa e pela América nos séculos posteriores e foram as mais difundidas no campo do ensino primário como as dos jesuítas o eram no ensino secundário La Salle escreveu o Guia das Escolas cristãs no qual regulou minuciosa mente o funcionamento das escolas Manacorda 1989 nos informa que a primei ra parte desse Guia trata de Os exercícios que se fazem nas escolas cristãs e a maneira como se devem fazer bem como a segunda é sobre Os meios para estabelecer e manter a ordem O sumário já nos diz muitas coisas 1 a entrada na escola e o início das aulas disciplina e horários 2 desjejum e almoço em que se fala pouco de comer e muito de oração 3 as lições 4 a escrita 5 a aritmética O autor esclarece que por lições devemos entender ensino do ler Quanto à disciplina segundo ele confundese com o chicote Cinco golpes no tra seiro nu eram previstos tanto nas correções ordinárias como nas extraordinárias Pelo que consta as punições eram uma das principais causas das ausências e do abandono da escola Quanto ao pensamento pedagógico dos reformados observemos alguns ex certos de cartas e exortações de Lutero Em uma carta de 1524 aos conselheiros de todas as cidades da nação alemã o então padre agostiniano escreveu 44 Caros senhores cada ano gastase tanto em espingardas estradas cami nhos diques e tantas outras coisas desse tipo para dar a uma cidade paz e conforto mas por que não se investe muito mais ou pelo menos o mesmo para a juventude pobre e necessitada de modo que possam surgir entre eles um ou dois homens capazes que se tornem mestres de escola18 Sobre a educação como dever dos pais Lutero escreveu De que adiantaria se tivéssemos e fizéssemos e fôssemos todos santos mas deixássemos de fazer aquilo que é a razão principal de nossa existên cia a educação da juventude Em minha opinião nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo perante Deus Nenhum pecado merece castigo maior do que justamente aquele que cometemos contra as crianças quando não as educamos19 Mas essa seria uma obrigação apenas dos pais O que teriam os conse lheiros e as autoridades a ver com isso É o próprio Lutero quem responde após cogitar sobre as razões que poderiam impedir os pais de cumprirem essa obri gação entre as quais a falta de tempo e espaço por causa de outras atividades e dos serviços domésticos Por isso certamente caberá ao conselho e às autoridades dedicarem o maior esforço à juventude Sendo curadores foram confiados a eles os bens a honra o corpo e a vida de toda a cidade Portanto eles não agiriam res ponsavelmente perante Deus e o mundo se não buscassem com todos os meios dia e noite o progresso e a melhoria da cidade Agora o progresso de uma cidade não depende apenas do ajuntamento de grandes tesouros da construção de grandes muros de casas bonitas de muitos canhões e da fabricação de muitas armas Muito antes o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando ela tem muitas pessoas bem instruídas muitos cidadãos sensatos honestos e bem educados LUTERO 2000 p 19 Essa carta foi escrita em 1524 Anos depois em 1530 também na cidade de Wittenberg Lutero escreveu Uma prédica para que se mandem os filhos à escola pequeno livro dedicado a Lázaro Spengler um dos responsáveis pelos avanços no sistema escolar de Nürnberg Assim como seis anos antes ele não teve por objetivo desenvolver uma teoria educacional mas estimular a socieda de a empenharse por uma educação formal para todas as crianças meninos e meninas É importante esse apelo incluindo meninas porque até o século XVII a escolarização era monopólio dos homens 18 LUTERO Martim Carta 1524 In MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 209 19 Ibid p 209 45 Observamos por esses excertos que o papel da cidade isto é do poder públi co era fundamental para o sucesso da proposta educacional de Lutero e por essa razão dissemos anteriormente que ela estava muito mais direcionada para o futuro do que a proposta da Companhia de Jesus Já no século XVII seguindo a ten dência reformista o maior nome foi Jan Amos Comenius 15921670 em cuja obra sintetizase o velho e o novo da pedagogia A reelaboração de toda a enciclo pédia do saber e a sua sistemática ade quação às capacidades infantis são o grande tema da pedagogia de Comenius Expressando uma concepção de educa ção como instrumento de uma reforma de toda a condição humana ele propõe uma escola para a vida toda que dividida em graus ensinasse tudo a todos total mente Seu projeto inicialmente livresco foi se enriquecendo de temas práticos a experimentação concreta das coisas inclusive com a sugestão para se frequentar os estaleiros navais e até os lugares de comércio e de câmbio visando não só pensar e falar mas também agir e negociar No plano da prática didática é mérito de Comenius a pesquisa e a valorização de todas as me todologias que hoje chamaríamos de ativas e que desde o humanismo começaram a ser experimentadas especialmente a elaboração de um manual ilustrado a fim de que junto com as palavras chegassem às crianças senão as coisas pelo menos as imagens das coisas Entre seus numerosos escritos constam desde a didática das línguas e das ciências até a organização das escolas ou o plano ambicioso de uma reforma ge ral da sociedade partindo da reforma escolar Sobre este último aspecto postulou o princípio segundo o qual uma profunda reforma de todas as coisas deveria ser precedida por uma reforma escolar E mais fora dessa reforma seria verdadeira perda de tempo querer reformar as demais coisas Para Luzuriaga Comenius foi o fundador da didática e em parte da peda gogia moderna Mas foi ainda um pensador um místico um reformador social Para ele seu nome figura no mesmo nível dos de Rousseau Pestalozzi e Froe bel isto é dos maiores nomes da educação e da pedagogia ocidental Na mesma linha para Manacorda 1989 ele foi utópico não um revolucionário estava pleno de saudosismos medievais Foi um grande sistematizador que chegou um pouco Figura 21 Jan Amos Comenius 46 atrasado quando o mundo já havia mudado mais do que ele pensava a começar pelo latim que estava em desuso Já para Abbagnano o fundamento da pedagogia de Comenius é essen cialmente religioso de uma religiosidade ardente e aberta que acolhe em si e funde ao mesmo tempo os motivos humanísticorenascentistas mais fecundos e a nova mentalidade científica baseada em Bacon Ele realça a determinação de Comenius em defender escolas de massa de preferência às escolas de elite De fato Comenius se indaga Como pode um só professor ser suficiente para qual quer número de alunos E responde Não só afirmo que é possível que um só professor ensine algumas centenas de alunos mas sustento que deve ser assim pois é muito mais vantajoso para o professor e para os alunos20 Abbagnano realça também a confiança no método que segue a natureza isto é um método intuitivo baseado na visão direta dos objetos ou das suas ima gens Para ele Comenius não é o precursor da escola ativa na qual a criança experimenta ela própria inventivamente mas é o precursor da escola das lições de coisas do método objetivo21 dos materiais didáticos os mais aperfeiçoados possível e talvez das experiências executadas diretamente pelo professor Ele conclui dizendo que isso não é pouco mas chama a atenção para a discrepân cia entre a crença no método objetivo e nas lições de coisas e a sua obsessiva confiança na organização escolar que o faz sonhar com uma espécie de escola relógio e que estaria em contraste com os louvores que tece à capacidade de ini ciativa A conclusão do autor é a de que a justificativa para tal organização estava justamente na sua defesa da escola para todos De todo modo esses traços que revelam contrastes em seu pensamento exemplificam a síntese do velho e do novo na sua pedagogia A seguir transcreveremos excertos da obra Didática Magna Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos publicada em 1657 que é composta de 33 pe quenos capítulos escritos de forma muito clara e precisa No capítulo intitulado Nas escolas a formação universal Comenius defen deu a famosa tese segundo a qual Importa agora demonstrar que nas escolas se deve ensinar tudo a todos Isto não quer dizer todavia que exijamos a todos o conhecimento de todas as ciências e de todas as artes sobretudo se se trata de um conhecimento exato e profundo Com efeito isso nem de sua natureza é útil nem pela brevidade de nossa vida é possível a qualquer dos homens Pretende mos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos as razões 20 COMENIUS Jan Amos Didática Magna tratado da arte universal de ensinar tudo a todos Lisboa Calouste Gulbenkian 1987 p 279 21 ABBAGNANO Nicola VISALBERGHI Aldo História da Pedagogia Lisboa Livros Horizonte 1981 v 2 p 384 47 e os objetivos de todas as coisas principais das que existem na natureza como das que se fabricam pois somos colocados no mundo não somente para que nos façamos de espectadores mas também de atores22 No capítulo As escolas podem ser reformadas lemos Prometemos uma organização das escolas através da qual 1 Toda a juven tude exceto a quem Deus negou a inteligência seja formada 2 Em todas aquelas coisas que podem tornar o homem sábio probo e santo 3 Que essa formação enquanto preparação para a vida esteja terminada antes da idade adulta 4 Que essa formação se faça sem pancadas sem violências e sem qualquer constrangimento com a máxima delicadeza com máxima doçura e como que espontaneamente 5 Que todos se formem com uma instrução não aparente mas verdadeira não superficial mas sólida ou seja que o homem enquanto animal racional se habitue a deixarse guiar não pela razão dos outros mas pela sua e não apenas a ler nos livros e a entender ou ainda a reter e recitar de cor as opiniões dos outros mas a penetrar por si mesmo até o âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos e utilidade 6 Que essa formação não seja penosa mas facílima isto é não consagrando senão quatro horas por dia aos exercícios públicos e de tal maneira que um só professor seja suficiente para instruir ao mesmo tempo centenas de alunos com um esforço dez vezes menor que aquela que atualmente costuma dispenderse para ensinar cada um dos alunos23 No capítulo Fundamentos para ensinar e aprender solidamente encontra mos o seguinte As lamentações de muitos e os próprios fatos atestam que são poucos os que trazem da escola uma instrução sólida e numerosos os que de lá saem apenas com um verniz ou uma sombra de instrução Se procurarmos as causas disso encontramos duas ou porque as escolas descurando as coi sas mais importantes se ocupam de banalidades e de frivolidades ou então porque os alunos tendo passado a correr por cima de muitas matérias mas não se tendo detido demoradamente em nenhuma delas voltaram a desa prender aquilo que haviam aprendido Mas haverá remédio para este mal Sem dúvida se introduzidos de novo na escola da natureza investi garmos por que vias ela produz criaturas de longa duração Conseguir seá isso 1 Se não se estudar senão assuntos que virão a ser de sólida utilidade 2 E se todos esses assuntos forem estudados sem os separar 3 E se todos eles repousarem em fundamentos sólidos 4 E se esses fun damentos mergulharem bem fundo 5 E se depois todas as coisas não se apoiarem senão sobre esses fundamentos 6 Se todas as coisas que devem ser distinguidas forem minuciosamente distinguidas 7 Se todas as coisas que vêm a seguir se baseiam nas que estão antes 8 Se todas as 22 COMENIUS Jan Amos Didática Magna Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos Lisboa Calouste Gulbenkian 1987 p 145146 23 Ibid p 163165 48 coisas que têm entre si uma relação estreita se mantêm constantemente relacionadas 9 Se todas as coisas forem ordenadas em proporção da inte ligência da memória e da língua 10 Se todas as coisas forem consolidadas com exercícios contínuos24 232 A renovação pedagógica no século XVII Conquanto a religião ainda exercesse forte influência na educação foi pre cisamente nesse século que começou a renovação pedagógica inaugurando o que hoje chamamos de pensamento pedagógico moderno A pedagogia de Co menius mesmo que fortemente inspirada na religião como vimos está na base dessa renovação uma vez que continha elementos inovadores como o aprendi zado pela observação das coisas Que fatores determinaram essa renovação pedagógica afinal Ora nada mais nada menos do que os novos problemas surgidos no campo educativo os quais por sua vez tinham origem nas transformações estruturais que já mencio namos Esses problemas exigiram novos métodos pedagógicos que não deixa vam de estar embasados nos então recentes rigorosos e fecundos métodos da própria filosofia Essencialmente os novos problemas do campo educativo vinham se deli neando desde as reformas religiosas que ocasionaram uma nova situação educa tiva conforme mencionamos anteriormente o surgimento das escolas populares as quais impulsionaram as escolas humanísticas médias Escolas profissionais propriamente não existiam na Europa Lutero havia sublinhado a importância e a dignidade do trabalho e considerava necessário que jovens de origem modesta aprendessem um ofício mas acreditava que para isso bastava a iniciativa fami liar Nas escolas clássicas frequentadas pelos filhos da burguesia e da pequena nobreza faltava o ensino das ciências de geografia história etc Como escreveu Abbagnano 1981 o mundo das indústrias e do comércio sobre o qual a burgue sia construía as suas fortunas não penetrava de fato nas suas escolas Mas se os progressos técnicos nos vários campos navegação artilha ria fortificações tecelagem imprensa etc eram reais e estavam ligados aos progressos na geografia na cosmografia na astronomia na mecânica na óp tica etc acabamos concluindo que havia uma defasagem entre a educação corrente e as exigências da ciência e da vida econômica que não escapava às críticas realistas isto é de um ensino com base empírica menos verbalísti co Essas críticas em momentos de crise como o século das reformas tinham caráter utópico Além disso a sátira também foi um estilo frequente De acordo 24 Ibid p 249250 49 com Manacorda 1989 François Rabelais 14941553 por exemplo lançou a sua polêmica contra a velha escola associando sátira e utopia Em sua obra so bre este tema ele imagina livrar seu personagem do entulho das velhas noções ministrandolhe uma grande dose de purgante Livre desse entulho ele receberia uma educação humanística voltada aos cuidados da mente e do corpo rica de conhecimentos teóricos e de práticas sobre os ofícios as indústrias as ciências reais as línguas clássicas o direito e a moral sem excluir o trabalho manual Esse era o programa de estudos proposto por Rabelais Já Thomas More 1478 1535 o primeiro autor do gênero quando idealizou a sua Utopia como vimos falava de um lugar inexistente onde deveria haver uma instrução para o trabalho agrícola e artesanal Além disso preconizou o ensino das ciências na sua própria língua ou seja estabelecendo uma polêmica contra o latim Depois de More as utopias tiveram considerável desenvolvimento como em Rabelais e no início do século XVII outras do gênero dispensaram gran de espaço à educação especialmente a Cidade do Sol de Tomás Campanella 15681639 e a Nova Atlântida de Francis Bacon 15611626 Os cidadãos da Cidade do Sol criticam fortemente o ensino servil da gramática e da lógica aristotélicas no lugar dessas coisas mortas ensinam as ciências a geografia os costumes e as histórias pintadas nas paredes da cidade Conforme analisou Manacorda 1989 tratase de uma das páginas mais profundas e inovadoras da história da educação A universalidade do conteúdo da instrução o seu caráter moderno e científico a didática revolucionária a articulação da instrução com o trabalho a importância do trabalho agrícola sempre marginalizado na reflexão dos filósofos e pedagogos o reconhecimento da nobreza do fazer são motivos que revolucionam a tradição pedagógica Em Bacon encontramos uma crítica sobre os erros tradicionais a insis tência sobre a experiência concreta e a pesquisa sobre uma nova classifica ção das ciências Ele idealiza uma Casa de Salomão dedicada ao estudo e à observação das obras e das criaturas de Deus para a qual evoca uma passagem da Bíblia uma academia colocada no centro da cidade ideal do filósofo inglês uma espécie de grande instituto de pesquisa científica25 de acordo com Franco Cambi Sua imagem de uma nova sociedade é revolucio nada por três grandes invenções imprensa bússola e pólvora para tiro que condicionaram a difusão da cultura à exploração e conquista de novas terras É a futura sociedade industrial na qual ciência e técnica predominam e mudam o mundo Nesta última utopia do Renascimento ainda segundo ele o que é valorizado não é tanto a temática da liberdade e de uma harmoniosa formação espiritual mas um eficiente progresso tecnológico Esse autor assinala ainda que foi naquele século contraditório e cheio de tensões marcado pela revolução 25 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 301 50 cultural e educativa do humanismo pelas tensões da Reforma e da Contrarrefor ma pela crise da tradição escolástica assim como pela revolução burguesa e pela ascensão do Estado centralizado que a escola também foi se renovando profundamente e assumindo a feição da escola moderna minuciosamente organizada administrada pelo Estado capaz de formar o homemcidadão o homem técnico o intelectual e não mais o perfeito cristão ou o bom católico como ocorria ainda na escola do século XVI quase toda nas mãos da Igreja26 Adiante veremos que essas tendências se aprofundaram a partir do século XVIII especialmente a permanência da escola no centro da vida dos Estados mo dernos processo que não foi totalmente realizado sem conflitos e lutas Que papel assumem as tradicionais instituições educativas no século XVII Vejamos a família se torna cada vez mais o lugar central da formação moral a escola se renova por meio do colégio das classes organizadas por idade da so cialização dos programas e dos métodos da modernização dos currículos a Igre ja se organiza cada vez mais como espaço educativo e instrutivo desenvolvendo uma função social cada vez mais extensa De acordo com Franco Cambi outra instituição educativa e deseducativa será depois a fábrica que veio transformar a mente do trabalhador a sua ideologia a própria consciência de si vindo a de senvolver uma função de formação27 Mais à frente daremos atenção à relação entre escola e fábrica Por en quanto devemos reter os traços gerais que marcaram a educação no século XVII 1 acentuação do aspecto religioso tanto no caso da Reforma como no da Con trarreforma 2 aumento da intervenção do Estado na educação dos países que realizaram a Reforma protestantes 3 introdução gradativa das novas ideias filosóficas tanto da corrente idealista Descartes Leibiniz como da empirista Bacon Locke 4 nascimento da nova didática Ratke e Comenius 5 instrução com conteúdo real e mecânico isto é científicotécnico em vista de atividades trabalhistas ligadas às mudanças que vinham acontecendo nos modos de produ ção Enfim a pedagogia desse século principalmente marcada por Ratke Come nius e Locke é uma pedagogia realista na qual há superioridade do domínio do mundo exterior sobre o domínio do mundo interior Uma importante mudança na história da educação ocidental ocorreu também durante os séculos XVI e XVII a tendência a agrupar os alunos por idades Esse procedimento segundo Philippe Ariès 1978 foi inspirado nas ordens monásticas do século XIII dos dominicanos e dos franciscanos com 26 Ibid p 305 27 Ibid p 270 51 o objetivo de proteger os estudantes da vida leiga Não se tratava contudo de uma preocupação em separálos dos adultos e instituir um regime realmente infantil ou juvenil aliás não se conhecia nem a natureza nem o modelo de um tal regime28 Assim a prática daquelas ordens monásticas em separálos não os atingia enquanto crianças mas enquanto estudantes Entretanto entre os séculos XV e XVIII com a crescente instituição de colégios não destinados exclusivamen te a um pequeno número de clérigos evoluiu a tendência a não mais se aceitar a promiscuidade das idades Foi então que se começou a separar as crianças da sociedade dos adultos e que progrediu o sentimento de infância Mas essa evolução segundo o mesmo autor não se deu sem resistências pois os traços comuns da Idade Média persistiram no interior dos colégios por longo tempo e durante esse extenso período era comum a convivência entre escolares velhos e jovens Na cidade de Paris no século XII por exemplo havia uma schola sala de aula na qual estudavam mais de 200 homens de idades diversas pueros adolescentes juvenes senes29 ou seja crianças adolescentes jovens e velhos todos entre 6 e 20 anos Notemos que o termo sene velho era empregado por que não havia uma palavra para designar o adulto então passavase sem transição de jovem a velho Outro aspecto importante é compreendermos que a escola per maneceu por todos esses séculos indiferente à repartição e à distinção das idades porque conforme Ariès o seu objetivo essencial não era a educação da infância a escola medieval não era destinada à instrução das crianças era uma espécie de escola técnica destinada à instrução dos clérigos jovens ou velhos30 Em matéria de expansão escolar as iniciativas mais inovadoras foram a dos reformados onde cresceu a presença do Estado de modo particular dos credos não oficiais menos ligados ao poder político Inglaterra e Alemanha Na Inglaterra por exemplo as autoridades quase não intervieram nesse assunto Na Alemanha além de iniciativas de grupos religiosos como o pietismo renovação da reforma luterana a instrução popular auspiciada pela Reforma foi se concre tizando com a primeira instituição em 1642 de escolas de vila Dorfschulen no estado de Gotha Essas mesmas escolas de vila foram instituídas no estado da Prússia em 1717 Depois foram implantadas as escolas científicotécnicas em Berlim em 1747 Em síntese essas iniciativas especialmente na Alemanha são as premissas políticas do sistema moderno de instrução estatal obrigatória orientado para os estudos científicotécnicos A Prússia de Frederico II e a Áustria de Maria Teresa e de José II serão nesse campo em nome do despotismo esclarecido os pioneiros 28 ARIÈS Philippe História social da criança e da família Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 p 170 29 Ibid p 167 30 Ibid p 187 52 24 Considerações finais Aprendemos assim que as primeiras iniciativas para a expansão da escola estiveram ligadas aos movimentos reformistas religiosos pois exigiram que me ninos e meninas a frequentassem forçando a ação estatal a construir e manter escolas Desse modo os países que mais avançaram foram os que seguiram esse caminho o qual conforme vimos era o caminho do futuro Em contraparti da os países católicos se atrasaram na construção da escola de Estado Vimos também que aconteceu uma renovação pedagógica no século XVII especial mente por meio da proposição de Comenius de ensinar tudo a todos e de sua pedagogia inspirada na observação direta das coisas empirismo A pedagogia do século XVII sofreu a influência das duas grandes correntes filosóficas desse tempo a empírica representada principalmente por Bacon e a idealista fundada por Descartes Nenhum deles escreveu diretamente sobre educação mas suas ideias repercutiram fortemente nesse campo Como estudamos ao mesmo tempo em que começa a ocorrer a expansão escolar ainda prevalece a influência religiosa sobre a educação pois de um lado as pedagogias dos países reformados seguem a inspiração das novas igrejas pro testantes e de outro a pedagogia dos países que permaneceram católicos segue fortemente a pedagogia jesuítica até o século XVIII Mas a despeito da influência religiosa foi nessa época que a escola começou a adquirir as feições que tem hoje minuciosamente organizada e administrada pelo Estado Quanto à organização vimos que surgiram as primeiras preocupações em agrupar as crianças por faixas etárias graus diferentemente da Idade Média período no qual conforme escre veu Philippe Ariès 1978 havia indiferença sobre a idade das crianças 25 Estudos complementares Conheça um pouco mais sobre o assunto tratado nesta Unidade consultan do os livros História da Pedagogia de Franco Cambi e História da Educação da Antigüidade aos nossos dias de Mario Manacorda As referências completas destes livros encontramse no ítem Referências 251 Saiba mais Comenius 15921670 No livro História da educação e da pedagogia escrito por Luzuriaga 1980 lemos que Comenius nascido na Morávia em 1592 foi o maior educador e pe dagogo do século XVII Comenius é a forma latina do nome tcheco Komensky 53 que significa habitante de Komna localidade de onde era originária a sua família Quem foi afinal esse grande nome do pensamento pedagógico moderno Na universidade foi influenciado pelo pensamento de Bacon e Ratke empirismo Embora não fosse alemão nem mesmo luterano pois pertencia a uma seita evan gélica reformada cujas origens provinham da pregação de Jan Huss absorveu do mais avançado luteranismo alemão a consciência da necessidade de profundas reformas didáticas Durante a Guerra dos Trinta Anos 16181648 peregrinou de um lado para outro até encontrar asilo na Polônia Foi ali que pôde se dedicar in teiramente ao ensino e escrever algumas de suas obras principais tais como Ja nua Linguarum Pórtico das Línguas e Didática Magna Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos Seus trabalhos chamaram a atenção do mundo contem porâneo especialmente do Parlamento inglês que em 1641 convidouo para ir a Londres aplicar suas ideias mas as dificuldades impediramno Esteve na Suécia e na Hungria onde publicou outras de suas obras e voltou à Polônia Entretanto por força da guerra entre Suécia e Polônia finalmente dirigiuse a Amsterdam onde encontrou asilo como tantos refugiados europeus Ali publicou em 1657 a edição completa de suas obras e ali faleceu aos 78 anos em 1670 Wolfgang Ratke 15711635 Elaborou um ideal de formação que se apóia sobre três pilares graça na tureza e línguas e exprime uma coerente formação humana cristã Na sua obra Memoriale 1612 defende que deve se ensinar seguindo o curso da natureza e procedendo do simples ao complexo do conhecido ao desconhecido Opõese à aprendizagem mnemônica passiva e estéril em nome de um procedimento não constritivo da aprendizagem Como citamos anteriormente exerceu influência so bre Comenius John Locke 16321704 Foi o fundador do empirismo em nível gnoseológico e metafísico mas foi também o representante de um pensamento crítico que pretende submeter toda afirmação à prova da experiência e portanto colocar no centro do próprio trabalho os princípios da verificação experimental e da interferência empiricamente provada Também em pedagogia tratada em 1693 na obra Alguns pensamentos sobre a educação Locke desenvolve um empirismo explícito e radical contrapondose também aqui a todo inatismo e a toda predestinação tão caros ao pensamento tradicional31 31 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 316 54 Tendo como contexto histórico a sociedade inglesa na qual emergiam novos grupos sociais a começar pela burguesia que na segunda metade do século foi assumindo papel cada vez mais relevante até conquistar o poder Locke coloca no centro de sua reflexão educativa a figura do gentleman gentil homem visto como modelo ideal para a nova classe dirigente e para a qual ele elabora um plano reno vado de estudos O jogo a utilidade prática a persuasão racional os métodos não constritivos e o autogoverno são os instrumentos de sua pedagogia que objetiva a liberdade de pensamento Além disso acrescentese a educação física e o traba lho que todavia servem especialmente para o fortalecimento moral e como hobby útil ao gentleman também para o controle do trabalho dos dependentes Descartes 15961650 Os temas fundamentais de sua filosofia são o reconhecimento da subjetivi dade humana e a necessidade de aprofundalá e a esclarecer o reconhecimento da relação do homem com o mundo e a exigência de resolver essa relação em favor do homem aumentando o seu domínio sobre o mundo Duas orientações metodológicas marcaram o pensamento moderno a pers pectiva empirista proposta por Francis Bacon preconizando uma ciência susten tada pela observação e pela experimentação e o racionalismo de Descartes que busca na razão os recursos para a recuperação da certeza científica 252 Referências ABBAGNANO Nicola VISALBERGHI Aldo História da Pedagogia Tradução de Glicí nia Quartin Lisboa Livros Horizonte 1981 v 2 ARIÈS Philippe História social da criança e da família Tradução de Dora Flaksman Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Editora da UNESP 1999 LUTERO Martim Educação e reforma Aos Conselhos de todas as cidades da Ale manha para que criem e mantenham escolas e Uma prédica para que se mandem os filhos à escola São Leopoldo Sinodal Porto Alegre Concórdia 2000 LUZURIAGA Lorenzo História da educação e da pedagogia Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J B Damasco Penna 12 ed São Paulo Companhia Editora Nacio nal 1980 Atualidades Pedagógicas v 59 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez 1989 RUGIU Antonio Santoni Nostalgia do mestre artesão Tradução de Maria de Lourdes Menon Campinas Autores Associados 1998 UNIDADE 3 O Estado burguês as lutas sociais e a educação nos séculos XVIII e XIX 57 31 Primeiras palavras Nesta Unidade estudaremos as lutas sociais pela expansão das oportuni dades escolares nos séculos XVIII e XIX e as concepções pedagógicas subjacen tes a essa tendência Inicialmente a tendência à expansão da escola foi motivada pelos movimentos religiosos que estudamos anteriormente e que impulsionaram os Estados a assumir essa responsabilidade Depois não apenas os Estados dos países reformados mas todos da Europa Ocidental foram cada vez mais pressio nados a tomar iniciativas práticas para a construção e manutenção de escolas Como isso ocorreu Que movimentos sociais elegeram a educação como um direito Que condições favoreceram e impulsionaram tais movimentos Foi também nesse período que ocorreram as revoluções burguesas contra a nobreza feudal levando ao poder a burguesia classe economicamente dominante que então passa a edificar o Estado Nacional Nesse contexto também ocorre a revolução industrial determinando uma nova organização social do trabalho con centrando os trabalhadores nas cidades perto das fábricas e em consequência inaugurando novas formas de vida em sociedade com novos hábitos nova organi zação e sobretudo uma disciplina até então desconhecida O tempo passou a ter uma nova dimensão na vida das pessoas pois a rotina do trabalho fabril determi nada por rígidas exigências interferiu totalmente na sua forma de viver Figura 31 Uma rua de um bairro pobre de Londres Gravura de Gustave Doré 1872 58 É importante que você compreenda que essa foi a época da consolidação do capitalismo e no plano político da construção do Estado que representa os interesses da classe economicamente mais poderosa desse sistema a burgue sia Esse processo não foi edificado sem conflitos e contradições uma vez que outras classes também lutaram pelo fim do feudalismo e do Estado absolutista portanto na sua luta contra a nobreza feudal a burguesia revolucionária não es teve sozinha Entretanto a burguesia não fez jus ao ideário clássico que havia ins pirado as suas revoluções de modo que as três palavras que compunham a sua bandeira revolucionária igualdade liberdade e fraternidade ficaram restritas aos seus frios interesses de classe ou como escreveu Marx ao vil metal isto é o poder do capital Isso fez com que a classe trabalhadora passasse a lutar pela concretização daqueles lemas e até mesmo a propor o fim do sistema capitalista Portanto interesses contraditórios permearam a construção do Estado burguês e o forçaram a atender mesmo que parcialmente às reivindicações das classes sociais que historicamente haviam sido privadas do direito à escola De que forma a educação foi influenciada por esse processo Por que a escola passou a ser mais importante nesse contexto Seria ela um requisito fun damental da sociedade urbanoindustrial São desses temas que iremos tratar nesta Unidade 32 Problematizando o tema Você sabia que a educação ganhou grande impulso durante a construção do Estado burguês Que esse Estado baseado nos direitos individuais contrapondo se aos interesses da nobreza parasitária ao ser edificado trouxe consigo ideais educacionais que ainda hoje têm validade Por exemplo a educação como um Figura 32 Sala de aula do século XIX 59 direito de todos universalidade a obrigação do Estado de manter escolas estata lidade o direito à educação pública gratuidade a garantia de que a escola públi ca não esteja sob domínio de nenhum credo religioso laicidade foram bandeiras defendidas pela burguesia revolucionária mas que não foram colocadas totalmente em prática depois que ela se tornou classe dominante Por essa razão é que as lutas pelos direitos de todas as classes e segmentos sociais à educação prosse guiram pois embora proclamada como universal ela não se estendeu a todos Foi essa nova situação histórica a da existência do Estado burguês que fez emergir a partir das décadas de 1830 e 1840 os movimentos anarquistas e socialistas que trouxeram para o primeiro plano as condições de vida dos trabalhadores e as suas reivindicações de classe entre as quais o direito à escola 33 As revoluções burguesas e a educação no século XVIII A educação no século XVIII foi marcada pelas revoluções burguesas ocor ridas na Europa pois a concepção burguesa de mundo e a própria configuração socioeconômica decorrente dessas revoluções requeria a expansão da escola Vejamos como isso aconteceu De um lado a sociedade europeia assistia ao nascimento da fábrica e por tanto de novas relações de trabalho que passaram a ter as cidades como palco suplantando o modo de vida feudal concentrado no campo A nova forma de produção mecanizada rápida baseada na ciência na divisão social do traba lho ia deixando para trás a antiga aprendizagem artesanal que vigorou desde a Idade Média como única forma popular de instrução O nascimento da fábri ca gerou espaço para o surgimento da moderna instituição escolar pública Por essa razão Manacorda assinala que fábrica e escola nascem juntas as leis que criam a escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimem a aprendizagem corporativa32 Além disso começou a declinar a influência católica na educação processo crescente no século XIX e um sinal dessa tendência foi a supressão da ordem dos jesuítas A esse conjunto de mudanças inauguradas pela revolução industrial que consolidou o modo de produção capitalista no mundo Ocidental damos o nome de mudanças estruturais isto é que ocorreram na base produtiva da sociedade E foram essas mudanças que engendraram uma nova concepção de vida em sociedade na qual a educação ocupava lugar importante 32 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 249 60 Além dessas transformações estruturais ocorriam também mudanças polí ticas e sociais intimamente ligadas ao processo de consolidação do capitalismo que apontamos em breves linhas no parágrafo anterior Nesse sentido podemos afirmar que o século XVIII foi marcado por três grandes revoluções que influen ciaram todo o mundo ocidental 1 a independência americana 2 a burguesa e jacobina na França 3 a econômicoindustrial inglesa Para Franco Cambi 1999 a nova ordem resultante desse processo revolucionário criou um novo sujeito social o homemindivíduo além de uma nova imagem do Estado e da economia que rompeu definitivamente com a sociedade do Ancien Régime absolutismo realizando pela primeira vez uma sociedade moderna no sentido próprio bur guesa dinâmica estruturada em torno de muitos centros econômicos políticos culturais etc Esse mesmo autor assinala O século XVIII é a justo título o di visor de águas entre o mundo moderno e o mundo contemporâneo33 Foi um sé culo reformador que pôs em crise o Antigo Regime segundo um duplo proces so político por meio da afirmação de novas classes de novos povos de novos modelos de Estado e de governos e cultural por meio da obra dos intelectuais que criaram o pensamento conhecido como Iluminismo Nesse novo ambiente cultural a educação também foi se transformando no sentido laico ou seja ela se emancipa dos modelos religiosos do passado e visa a formação de um homem como cidadão capaz de ser o construtor de suas próprias virtudes que não atribui 33 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 324 Figura 33 A liberdade guiando o povo tela de Eugène Delacroix simbolizando a Revolução Francesa 61 a outros castas sacerdotais ordens sociais o papel de guia de sua formação mas o reivindica para si próprio Já vimos que a ideia de formar o cidadão foi um dos pontos centrais da filo sofia de Aristóteles mas agora o conceito de cidadania ganha novos contornos ele não mais se restringe como na Antiguidade GrecoRomana aos direitos e privilégios de quem era possuidor de terras e escravos Como entender que esse aspecto volte a estar presente na educação De forma sintética podemos dizer que a formação do cidadão princípio da paideia grega foi suplantada pela con cepção cristã de educação que vigorou durante toda a Idade Média e parte da Idade Moderna períodos nos quais como vimos o importante era formar o cris tão Mas tanto o princípio de formação do cidadão quanto o papel do Estado na criação e manutenção das escolas voltaram a fazer parte da história da educação depois que terminou a longa hegemonia da concepção religiosa de mundo Se na Antiguidade o conceito de cidadão abrangia exclusivamente homens da classe dominante a partir do século XVIII de modo geral constataremos que novos sujeitos da educação se impõem em particular as mulheres e o povo Para elas foi reconhecido o direito a uma educação específica que não desfigurasse o seu universo moral para o povo reclamase uma educaçãoinstrução que o libertasse das condições de atraso e marginalidade psicológica e cognitiva e que o colocasse como elemento produtivo no âmbito da sociedade nem sempre direitos verbalizados por esses próprios sujeitos Se lembrarmos que essa so ciedade passava por processos de transformação econômica que requeriam um trabalhador no mínimo alfabetizado capaz de operar as máquinas que eram o símbolo da revolução industrial entenderemos por que Manacorda assinalou que fábrica e escola nasceram juntas Figura 34 Trabalho de crianças na Revolução Industrial 62 No século XVIII o processo de laicização da educação foi avançando isto é ela foi cada vez mais subtraída do poder eclesiástico e da influência religiosa embora tal processo não tenha ocorrido de forma igual em todos os países Ao contrário na Itália a resistência da Igreja Católica à laicização foi bastante forte até o final do século XIX Mas de modo geral como frisou Franco Cambi a es cola se renovou radicalmente nesse século pois se torna laica e se estatiza já que visa formar sobretudo o cidadão deixando para o indivíduo particular para o âmbito íntimo o problema da educação moral e religiosa Essa renovação de acordo com o autor se realizou nos seguintes níveis 1 no nível da organização dando vida a um sistema escolar orgânico e sub metido ao controle público articulado em graus funcionais para operar a re produção da ideologia social e das competências laborativas 2 no nível dos programas de ensino acolhendo as novas ciências as línguas nacionais os saberes úteis e afastandose nitidamente do modelo humanístico de escola 3 no nível da didática dando lugar a processos de ensino bastante inovadores mais científicos Condillac mais empíricos Locke Rousseau ou mais práti cos Pestalozzi Seja como for a escola contemporânea com suas caracterís ticas públicas estatais e civis com sua estrutura sistemática com seu diálogo com as ciências e os saberes em transformação nasceu no século XVIII já envolvendo também aquela confiança na alfabetização e na difusão da cultura como processo de crescimento democrático coletivo que permaneceu durante muito tempo até ontem ou talvez até hoje como uma crença sem incertezas da sociedade contemporânea34 Percebemos assim que Cambi sintetiza a renovação da escola durante o século XVIII nos níveis da organização dos programas de ensino e da didática Ao mesmo tempo segundo ele esse século produziu o mito da educação que persistiu até pelo menos as décadas de 5060 do século XX Além disso podemos afirmar que no século XVIII desenvolvese uma ima gem nova da pedagogia moderna laica racional científica orientada para valo res sociais e civis crítica em relação a tradições instituições crenças e práticas educativas empenhada em reformar a sociedade sobretudo a partir da verten te educativa conforme escreveu esse mesmo autor Tratase de uma pedagogia críticoracionalista que elaborada segundo ideais burgueses se espalha por toda a Europa Para Cambi em síntese essa é a pedagogia do Iluminismo Mas ele pró prio adverte para o fato de que o século XVIII não pode ser compreendido em sua integridade somente pelo Iluminismo ou seja existiu também a oposição a essa corrente conforme assinalamos a respeito da resistência católica na Itália É importante observarmos que no século XVIII as teorias mais avançadas sobre educação foram elaboradas na França país que em contraste com sua 34 Ibid p 328 63 efervescente criação filosófica foi pouco ativo nas iniciativas práticas para trans formar a escola A seguir abordaremos esses dois aspectos da educação da época 1 a elaboração das teorias inovadoras no século XVIII que tiveram como principal berço o solo francês 2 as iniciativas práticas pela expansão escolar nesse século 331 JeanJacques Rousseau o pai da pedagogia contemporânea Para ilustrar o primeiro aspecto que mencionamos isto é a elaboração das teorias inovadoras no século XVIII que tiveram como principal berço o solo fran cês escolhemos JeanJacques Rousseau por representar o pensamento mais avançado e marcante da pedagogia do século XVIII De fato é consenso entre os estudiosos que Rousseau foi uma das perso nalidades mais destacadas da história da educação a figura que a influenciou de modo decisivo e radical o autor que executou a virada mais explícita da sua história moderna Diferentemente de Comenius Pestalozzi ou Fröebel não foi propriamente educador mas suas ideias pedagógicas influenciaram decisiva mente a educação moderna Para Manacorda 1989 ele revolucionou totalmente a abordagem da pedagogia privilegiando a interpretação antropológica isto é focalizando o sujeito a criança e dando um golpe feroz na abordagem epistemo lógica centrada na reclassificação do saber e na sua transmissão à criança mas não deixou de ser contraditório ao conceber a educação tal como está exposta na sua obraprima Emílio ou Da Educação As frequentes contradições a rejeição à sistematização conceitual e a per manente vinculação entre as ideias e conflitos pessoais vividos pelo autor tornam difícil uma exposição sintética de sua obra Entretanto é possível destacar os te mas dominantes de seu pensamento relações entre natureza e sociedade moral fundada na liberdade primazia do sentimento sobre a razão teoria da bondade natural do homem e doutrina do contrato social Dois aspectos ocupam o centro da reflexão filosófica de Rousseau em primeiro lugar não é a razão mas o sen timento o verdadeiro instrumento do conhecimento em segundo lugar não é o mundo exterior o objeto a ser visado mas o mundo humano Ambos os aspectos implicam na passagem da atitude teórica para o plano da valorização moral Dessa forma o traço mais significativo de seu pensamento passa a residir nos caminhos práticos que ele procurou apontar para o homem alcançar a feli cidade tanto no que se refere ao indivíduo quanto no que se relaciona à socie dade No primeiro caso formulou uma pedagogia que se encontra em Emílio no segundo teorizou sobre o problema político e escreveu o Contrato Social Assim política e pedagogia estão estreitamente ligadas em Rousseau uma é 64 pressuposto e complemento da outra e juntas segundo Cambi tornam possível a reforma integral do homem e da sociedade reconduzindoa para a recupera ção da condição natural Ainda segundo ele Rousseau realizou uma revolução copernicana em pedagogia colocando no centro de sua teorização a criança opôsse a todas as ideias correntes em matéria educativa elaborou uma nova imagem da infância vista como próxima do homem por natureza bom e animado pela piedade sociável mas também autônomo como articulada em etapas sucessivas da primeira infância à adolescência bastante diversas entre si por capacidades cognitivas e comportamentos morais teorizou uma série de modelos educativos dois sobretudo um des tinado ao homem e outro ao cidadão colocados ao mesmo tempo como alternativos e complementares e como vias possíveis para operar a renatu ralização do homem isto é a restauração de um homem subtraído à alie nação e à desorientação interior que assumiu nas sociedades opulentas ricas e dominadas por falsas necessidades35 Passemos agora à sua obra Emílio que nos interessa mais de perto Emílio é o nome de um aluno ideal criado por Rousseau Na sua definição podemos ler Quanto ao meu aluno ou antes ao aluno da natureza desde cedo treinado a bastar a si mesmo tanto quanto possível ele não se habitua a recorrer continuamente aos outros e muito menos a lhes exibir seu grande saber Em compensação julga prevê raciocina sobre tudo o que se relaciona ime diatamente com ele mesmo Não fala muito mas age não sabe uma palavra do que se faz na sociedade mas sabe muito bem o que lhe convém cedo adquire uma grande experiência toma aulas de natureza e não dos homens por não ver em nenhuma parte a intenção de instruílo instruise melhor36 Tratase de um ensaio pedagógico sob forma de romance no qual Rousseau traça as linhas que deveriam ser seguidas com o objetivo de fazer da criança um adulto bom Já que o seu pressuposto é a crença na bondade natural do homem nessa obra ele trata dos princípios para evitar que a criança se torne má Os objetivos da educação para ele comportam portanto dois aspectos o desen volvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais37 O aspecto negativo de sua concepção pedagógica está expresso em tudo aquilo que não deve ser feito pela criança Quanto à educação positiva deve 35 Ibid p 343 36 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 p 131 37 ARBOUSSEBASTIDE Paulo MACHADO Lourival Gomes Introdução In ROUSSEAU JeanJacques Do Contrato Social Ensaio sobre a origem das línguas Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Discurso sobre as ciências e as artes São Paulo Abril Cultural 1978 p XVII Os pensadores 65 iniciarse quando ela adquire consciência de suas relações com os semelhantes Este último aspecto indica a passagem do terreno da pedagogia propriamente dita para a teoria da sociedade e da organização política De acordo com Franco Cambi estudos mais re centes sobre a pedagogia de Rousseau têm colocado em destaque a existência na sua obra de maturidade de dois modelos educativos distintos e às vezes até mesmo opostos De um lado a educação natural e libertária que privilegia a formação do homem típica de Emílio do outro o modelo de uma educação social e política desenvolvida pelo Estado e ligada mais ao princípio da conformação social do que ao da liber dade O mesmo autor assinala a distinção entre edu cação do homem e educação do cidadão lembrando que logo no início da obra Emílio a segunda vem desvalorizada pois Rousseau afirma que a instrução pública não existe e nem deve mais existir já que onde não há mais pátria não pode haver cidadãos Ainda segundo Cambi os dois modelos pedagógicos representam duas fa ses do seu pensamento mas também duas vias para operar o saneamento da sociedade e o renascimento do homem moral A via de Emílio aplicase a socie dades complexas e já corrompidas que não possam empreender o retorno a um Estado regido segundo ditames do Contrato social o segundo modelo resulta praticável por aqueles países ainda não centralizados demais ou não vastos de mais que tenham uma economia mais primitiva e uma forte coesão interna entre os vários grupos sociais aqui ele se inspira em Genebra e na sua administração centralizada nos estudos Esses dois modelos são alternativos entre si conforme as condições his tóricas dos países mas é certo que a preferência de Rousseau vai para a educação pública dos cidadãos pois é aquela que profundamente se har moniza com a orientação do seu pensamento político e acompanha e sus tenta sua transcrição historicamente operativa38 Todavia foi o Rousseau de Emílio que influenciou mais profundamente o pensamento pedagógico moderno oferecendo à tradição pedagógica alguns no vos mitos a bondade da infância a não intervenção educativa etc que tiveram projeção prolongada segundo Cambi 38 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 354 Figura 35 JeanJacques Rousseau 66 Como vimos na pedagogia de Rousseau a natureza tem papel primordial No aspecto externo ele elabora o oposto das convenções sociais tão em voga ao seu tempo pois busca o homem primitivo natural anterior a tudo quanto é social Para Manacorda esse aspecto é ahistórico uma vez que o ser humano só se faz humano em sociedade Para ele ainda além desse limite foi exatamente ao estabelecer a relação entre educação e sociedade aliás um aspecto inovador na sua pedagogia que esse grande pensador revelou outras contradições O papel que ele atribui ao trabalho na instrução é baseado em uma concepção atrasada do desenvolvimento real das forças produtivas que fica muito aquém da realidade da revolução industrial pois ele presume a existência de um trabalho natural e o associa à suposta possibilidade de escolha que a história concede ao privile giado Emílio Ao tecer essa crítica o autor indaga se o operário poderia dispor da liberdade de opção de que falava Rousseau quando alertava o seu Emílio para consultar o prazer e a inclinação quando fosse escolher uma profissão Mana corda compara as suas alusões ao trabalho estúpido de operários reduzidos a autômatos às observações de Diderot exaltando as artes mecânicas concluindo em favor de Diderot Quanta distância das sátiras dos ofícios das desdenhosas opiniões de Aristóteles Cícero ou Píer Paolo Vergerio Quanta água pedagógica passou debaixo das pontes dos milênios39 O fato é que depois de Rousseau a pedagogia tomou outro curso tornando se sensível a toda uma série de problemas antes considerados marginais e até mesmo ignorados Além disso o autor passou a ser uma referência obrigatória de todo pedagogo posterior seja para associarse às suas teses seja para opor se ao seu libertarismo A partir das suas lições houve uma mudança profunda na visão da infância e no papel do educador enquanto a pedagogia no seu con junto adquiriu uma dimensão mais antropológica e filosófica conforme escreveu Manacorda Já para Franco Cambi ao lado de Comenius mas com posições nitidamente diferentes Rousseau é de fato uma chave mestra do pensamento pedagógico e além disso é o primeiro artífice do seu mais inquieto e contraditório percurso contemporâneo40 A seguir transcreveremos trechos da obra Emílio ou Da Educação a Sobre o respeito à criança Respeita a infância e não vos apressai em julgála quer para o bem quer para o mal Deixai as exceções se revelarem se provarem se confirmarem muito tempo antes de adotar para elas métodos particulares Deixai a natu reza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu lugar temendo con trariar suas operações Dizeis que conheceis o valor do tempo e não quereis perdêlo Não vedes que o perdeis muito mais empregandoo mal do que não 39 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 241 40 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 355 67 fazendo nada e que uma criança mal instruída está mais distante da sabedoria do que aquela que não foi absolutamente instruída Ficais alarmados por vêla consumir seus primeiros anos sem fazer nada Como Não é nada ser feliz Não é nada saltar brincar correr o dia todo Em toda a sua vida nunca estará tão ocupada41 b Sobre a escolha das profissões Não é necessário exercer todas as profissões úteis para honrálas todas basta não considerar que alguma esteja abaixo de nós Quando temos a escolha e por outro lado nada nos determina por que não consultarmos o prazer a inclinação e a conveniência entre as profissões de um mesmo es tado Os trabalhadores metalúrgicos são úteis e até mesmo os mais úteis de todos no entanto a menos que uma razão particular me leve a eles não farei de vosso filho um ferrador um serralheiro um ferreiro não gostaria de vêlo em sua forja com a aparência de um ciclope Da mesma forma não farei dele um pedreiro e ainda menos um sapateiro Todos os ofícios devem ser feitos mas quem pode escolher deve considerar a limpeza pois aí não se trata de opinião sobre este ponto os sentidos é que nos fazem decidir Enfim não gostaria dessas estúpidas profissões cujos trabalhadores sem indústria e quase como autômatos só aplicam as mãos num mesmo tra balho os alfaiates os costureiros de meias os que talham pedras de que serve empregar nessas profissões homens de senso É uma máquina que leva outra42 c Sobre a natureza e o gênero humano Mas quando para depois conhecer meu lugar individual em minha espécie considero as diversas posições sociais e os homens que as ocupam que acontece comigo Que espetáculo Onde está a ordem que observei O quadro da natureza só me oferecia harmonia e proporções o do gênero humano só me oferece confusão e desordem O concerto reina entre os elementos e os homens estão no caos Os animais são felizes só seu rei é miserável Ó sabedoria onde estão suas leis Ó providência assim regerá o mundo Ser beneficente em que se transformou teu poder Vejo o mal sobre a terra43 41 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 p 113 42 Ibid p 258 43 Ibid p 374 68 332 Propostas e atuações para uma escola estatal Enquanto Diderot lutava contra os ataques da Igreja e as proibições do Esta do para levar adiante a sua Enciclopédia e enquanto Rousseau idolatrava o seu Emílio propondo uma educação natural e livre outras vozes se levantavam solici tando a intervenção do Estado no campo da instrução tradicionalmente entregue à Igreja Estamos ainda em solo francês onde a revolução de 1789 colocou a educação na ordem do dia Seja pelo trabalho crítico e pelas propostas reforma doras dos filósofos Diderot seja pela reivindicação de uma educação nacional defendida pelos pedagogos burgueses La Chalotais a onda que atinge a escola e a educação na França após 1789 modificou a sua tradição escolareducativa colocandoa quase como um modelo europeu sobretudo na fase jacobina da revolução 17931795 e depois na napoleônica após 1799 Durante a Revolução devem ser observadas três fases de intervenção so bre a escola caracterizadas por perspectivas diferentes e por um grau diferente de radicalismo Numa primeira fase realizase um quadro orgânico de reorgani zação da instrução Foi quando Talleyrand apresentou à Constituinte 1791 um relatório propondo uma instrução útil à sociedade e ao seu progresso por meio de uma escola popular e gratuita embora não obrigatória Mas seu relatório não teve sequência No final do mesmo ano foi criado um Comitê de Instrução Pública que devia elaborar um projeto orgânico de reordenamento redigido por Condor cet 17431794 Matemático filósofo e político francês Condorcet foi Presidente da Assembleia Legislativa e depois deputado da Convenção No seu Relatório tem em mira uma escola que desenvolva as capacidades do aluno que esta beleça uma verdadeira igualdade entre os cidadãos que realize uma completa liberdade de ensino que valorize a cultura científica O Relatório fixou cinco graus de escolas primárias secundárias institutos liceus e a sociedade nacional para as ciências e as artes universidades A turbulência revolucionária impediu a execução desse projeto mas ainda nessa primeira fase fixaramse os princípios da pedagogia revolucionária instrução pública para todos administrada pelo Es tado de caráter laico e livre destinada a formar o cidadão fiel às leis e ao Estado A radicalização revolucionária resultou em que depois de ter apresentado um projeto de organização da instrução pública Condorcet fosse preso como giron dino vindo a suicidarse tomando veneno Em 1793 é apresentado à Assembleia o projeto de Le Peletier que exprime o ponto de vista dos jacobinos pequena burguesia radical e teoriza uma educação masculina dos cinco aos doze anos e uma feminina dos cinco aos onze anos em colégios de Estado separando as crianças das famílias e pondoas numa co munidade que deveria formálas segundo modelos de virtude civil Essa proposta nos lembra a educação da Antiguidade Clássica praticada em Esparta onde os 69 meninos eram apartados dos pais para serem educados segundo as leis da cida de Franco Cambi afirma que a proposição de Le Peletier foi criticada mas expri mia bem o radicalismo da pedagogia jacobina herdeira também de Rousseau do Contrato social e se punha em total sintonia com aquele programa de educação civil para operar na sociedade uma completa regeneração44 Em 1795 davase à escola francesa uma ordem nova a escola primária era confiada às comunas e negavase a gratuidade e a obrigação da frequência escolar mas fixavase um programa mínimo ler escrever calcular e moral republicana Criouse uma Escola Normal para preparar professores de que o Estado necessitava Ao lado dessa elaboração de programas de reforma escolar e de interven ções legislativas a Revolução Francesa também pôs em ação um intenso trabalho educativo que devia desenvolver nos indivíduos a consciência de pertencer ao Estado de sentirse cidadão de uma nação ativamente partíci pes dos seus ritos coletivos e capazes de reviver seus ideais e valores45 Finalmente a partir de 1799 a política expansionista de Napoleão Bonapar te não apenas impõe os interesses franceses no continente europeu mas difunde os ideais burgueses relativos às orientações laicas estatais e civis na reorgani zação dos sistemas escolares Na Itália por exemplo a lei de 1802 relativa à instrução pública coloca todas as escolas sob controle do Estado e elabora uma intervenção orgânica dividida em nacional departamental e comunal que atinge a instrução elementar média e superior São nacionais as academias e universi dades departamentais os liceus comunais os ginásios e escolas elementares Apesar da força revolucionária que emanava da França propostas de ação estatal no campo da educação já vinham ocorrendo antes de 1789 Nesse sentido podemos entender o porquê de Franco Cambi afirmar que a França foi rica na elaboração de teorias mas fraca na atuação efetiva pela expansão escolar nessas décadas do século XVIII A propósito observemos as ações estatais apontadas por Manacorda Ele destaca uma frase pronunciada em 1760 pela imperatriz da Áustria Maria Teresa que sintetizaria a mudança de visão sobre a educação que transitava da órbita religiosa para a política A educação é e sempre foi em cada época um fato polí tico Ou seja a educação agora passava a ser assunto do Estado A reforma aus tríaca se valeu da experiência realizada na Prússia no governo de Frederico II o primeiro a instituir a obrigatoriedade escolar Às reformas austríacas seguiramse reformas análogas em outros Estados que viriam a constituir a atual Alemanha a da Prússia 1763 preparada antes mesmo da reforma austríaca e a da Saxô nia 1773 Na Polônia foi constituída uma Comissão para a educação nacional 44 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 366367 45 Ibid p 367 70 para cujos trabalhos Rousseau sugerira ideias por meio de suas Considérations sur le gouvernement de la Pologne escritas dois anos antes Ainda em 1773 na Rússia Catarina II escrevia a Diderot que lhe indicou a reforma austríaca de Maria Teresa A respeito da influência de Diderot sobre a czarina é interessante notar que ele a orientava a criar escolas públicas e nunca a confiar a educação das crianças a preceptores Já na Itália segundo Manacorda predominou um reformismo moderado Ainda para esse autor ao lado das mudanças que se operavam na base pro dutiva da sociedade ou seja na sua estrutura os fatos superestruturais também atuavam no processo de politização democratização e laicização da educação cuja origem se encontrava na consciência dos indivíduos e na prática dos Esta dos Com as revoluções da América processo de independência das colônias americanas e da França a exigência de uma instrução universal e de uma reor ganização do saber que acompanhara o surgimento da ciência e da indústria mo derna tornouse de problema dos filósofos ou dos déspotas esclarecidos como Maria Teresa objeto de discussões políticas Desse modo segundo Manacorda os políticos são os novos protagonistas da instrução ainda que Locke e Rous seau sejam seus inspiradores46 Tanto Benjamin Franklin 17061790 um dos iniciadores da independência das colônias inglesas da América quanto Thomas Jefferson 17431826 um dos fundadores do Partido Democrata e presidente dos Estados Unidos da América 18011809 em nome dos direitos naturais do homem e convictos de que a liberdade exige um povo com um certo grau de instrução solicitavam uma cruzada contra a ignorância Franklin em especial propunha uma instrução cujos objetivos fossem as boas maneiras preconizadas por Locke a moralidade as línguas vivas e mortas e todos os ramos úteis da ciência e das artes liberais Jefferson propugnava uma escola elementar gratuita para todas as crianças dos sete aos dez anos Entre essas as melhores deveriam ser selecionadas para as escolas secundárias e os melhores alunos destas para a universidade Nesse programa estão contidos em estado embrionário ou em projeto todos os elementos de expansão quantitativa e de renovação qualitativa característicos da pedagogia liberaldemocrática Veremos em nossa próxima Unidade por que viria a ocorrer exatamente nos Estados Unidos da América o nascimento de uma das correntes pedagógicas que mais influenciaria a pedagogia do século XX a Escola Nova Mas por enquanto dediquemonos a compreender o processo inicial de expansão escolar Os mesmos objetivos presentes na formação dos Estados Unidos da América embora com ma trizes culturais diferentes enciclopedistas e Rousseau mais do que John Locke são repropostos na França revolucionária após 1789 como vimos O desfecho do processo revolucionário francês com o advento da época napoleônica 46 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 249 71 difundiu na Europa os princípios de instrução pública obrigatória e gratuita rea lizando um sistema escolar orgânico e uniforme caracterizado pelos princípios de laicidade e de engajamento civil como inspiradores supremos de toda a vida escolar47 Por fim o processo de expansão da escola só se efetivou no século XIX E mesmo na Inglaterra país onde primeiramente ocorreu a revolução industrial a expansão foi lenta Na primeira parte do século foram as escolas privadas de en sino mútuo que asseguraram o ensino das primeiras letras conforme trataremos no tópico seguinte Somente na segunda metade do século após a regulamenta ção do trabalho infantil e a fixação da idade mínima para o início desse tipo de tra balho aos nove anos na Inglaterra de 1833 é que se operou uma escolarização mais difundida tendo em vista a alfabetização popular Mas segundo Cambi foi só em 1870 que se delineou um sistema completo de instrução nacional tornado obrigatório em 1880 enquanto em 1891 foram abolidas as taxas para a escola elementar 34 Duas experiências concretas entre o século XVIII e XIX A expansão escolar na Europa vinha ocorrendo desde longa data mas de forma lenta e desigual A partir do século XVI com as reformas religiosas inicia das na Alemanha países ao leste deram uma arrancada inicial nessa direção Já na França o impulso se deu muito mais tarde com a revolução burguesa de 1789 A Inglaterra por sua vez começou a vivenciar a pressão por educação escolar com o processo de revolução industrial que requeria trabalhadores pelo menos alfabetizados Esse processo acelerou a universalização da escola o que exigiu novos métodos de ensino pois a escola deixava de ser destinada a poucas crianças e jovens Dessa forma a própria didática sofreu profundas mudanças no século XIX na medida em que passou a ser elemento fundamental no processo de expansão da escolarização e conforme escreveu Manacorda não foi por aca so que os dois fatos novos da pedagogia o ensino mútuo e as escolas infantis nascessem exatamente na Inglaterra industrializada É importante compreendermos que a expansão escolar iniciada séculos antes irá se consolidar na segunda metade do XIX quando finalmente o interes se pela instrução como elemento de valorização de uma nação se torna evidente aos olhos dos governantes De acordo com JeanClaude Chesnais a evolução foi muito demorada Até o século XVIII os progressos são muito lentos e irregulares Apenas no século XIX é que surge um movimento forte contínuo e irreversível Segundo estatísticas disponíveis por volta de 1850 a 47 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 369 72 taxa de analfabetismo adulto na Europa Ocidental incluindo Itália e a Penín sula Ibérica ainda é da ordem de 40 a 45 Para o conjunto do continente europeu inclusive a Rússia a proporção de adultos iletrados gira em torno de 60 À frente da luta contra o analfabetismo encontramos a Escócia Prússia Suécia e a população branca dos Estados Unidos com taxas de analfabetismo adulto indo apenas de 10 a 20 em seguida vêm três conjuntos relativamente instruídos 30 a 40 de analfabetos Inglaterra França e Império Austríaco Um terceiro grupo é formado pelos países pe riféricos da Europa Meridional Itália Espanha Portugal Grécia com uma incidência de analfabetismo da ordem de 60 a 70 Em última posição por fim a Europa Oriental Bálcãs Polônia e a Rússia com uma proporção de iletrados entre 90 e 9548 Esses números confirmam a nossa análise segundo a qual a consolidação da escola e a sua expansão para as camadas populares resultaram de uma longa trajetória de lutas A propósito observemos no excerto citado a respeito da alta escolaridade nos EUA que o contingente alfabetizado era referente à população branca uma vez que no sul daquele país no final do século XIX eclodiram fortes obstáculos que se expressaram na violência contra a escola para negros e contra os seus professores A seguir apresentaremos duas experiências educativas cuja finalidade foi expandir a escola no período que estamos estudando o ensino mútuo e a ativi dade pedagógica de Pestalozzi 341 O ensino mútuo No final do século XVIII enquanto a França vivia os turbulentos anos da re volução firmavase na Inglaterra uma nova iniciativa educacional promovida por particulares o chamado ensino mútuo ou monitorial no qual adolescentes instruídos diretamente pelo mestre atuando em tarefas como auxiliares ou monitores en sinavam por sua vez outros adolescentes supervisionando a conduta deles e administrando os materiais didáticos 48 CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 p 146 Figura 36 Gravura sobre ensino mútuo século XIX 73 Segundo Manacorda a sistematização didática rigorosa e a difusão tendo em vista um plano nacional de instrução popular começou por obra do pas tor anglicano Andrew Bell 17531832 que a partir de 1789 dirigiu na Índia uma escola para os filhos de soldados europeus e de Joseph Lancaster 1778 1836 membro do grupo religioso quaker que abriu em Londres uma escola para crianças pobres As duas iniciativas deram origem ao conflito de interpre tações Lancaster propunha uma educação religiosa aconfessional sem vínculo com uma determinada crença enquanto o anglicano Andrew Bell defendia uma educação no espírito da Igreja oficial anglicana e que acabou prevalecendo Apesar das rivalidades a iniciativa do ensino mútuo espalhouse rapidamente por obra de Lancaster tanto na Inglaterra como em todo o mundo de língua inglesa em 1806 já existiam centros de ensino mútuo em Nova Iorque na Filadélfia em Boston e em seguida em Serra Leoa na África do Sul na Índia e na Austrália Em 1811 na Inglaterra contavamse quinze escolas com trinta mil alunos Embo ra sem sucesso também o Brasil importou o método lancasteriano adotado pelo Estado oficialmente a partir de 1820 Voltemos porém à Inglaterra onde do ensino elementar masculino logo o método se estendeu para o feminino para a educação de adultos e para as escolas de nível superior Percebemos assim que se tratava de uma tendência inglesa baseada na iniciativa privada que emergia perante a tendência alemã e napoleônica baseada na iniciativa estatal do absolutismo esclarecido Por essa razão Manacorda conclui que se tratou não somente de um método didático mas de uma opção política sujeita a encontrar defensores e críticos Ou seja a difusão da educação escolar em um país pioneiro na revolução industrial não foi empre endida por uma política estatal e nem mesmo dotada das condições ideais como professores formados salas por grupos etários etc mas sim pela iniciativa priva da e pelo método de ensino mútuo o que demonstra que na história da educação a universalização foi um processo difícil O ensino mútuo instruía até mil alunos com um só mestre frente aos cinquenta em média instruídos nas classes tradi cionais Os alunos divididos em colunas segundo o mérito e o aproveitamento eram confiados a monitores supervisionados por um mestre que além de vigiar essas divisões examinava duas ou três vezes por semana cada classe assistin do às repetições dirigidas pelos monitores A nova prática do ensino mútuo teve a vantagem de associar leitura e es crita mas não modificou os antigos procedimentos didáticos com sua sequência de silabar e soletrar Por outro lado a disciplina de inspiração meio militar e meio industrial segundo Manacorda era acompanhada por um sistema contínuo de avaliação do aproveitamento além do comportamento A competição era o prin cípio ativo dessas escolas que solicitavam a participação do aluno embora ex trínseca a este e não aplicavam punições físicas mas mantinham o grave defeito do excesso de espírito militarista e de mecanicidade na didática ou seja a 74 iniciativa privada na expansão escolar revelouse tão austera quanto a estatal Apesar desses defeitos o ensino mútuo com todos os seus limites foi uma resposta prática ao perpétuo medo dos conservadores o medo de que a instru ção pudesse perturbar o Estado49 342 A pedagogia de Pestalozzi No século XIX denominado por Cambi século das pedagogias além de Fröebel idealizador dos jardins de infância e de Herbart um dos pioneiros da psicologia científica que difundiram a pedagogia alemã na Europa temos a figu ra singular de Pestalozzi Esse educador revive em primeira pessoa o drama da educação os projetos as dificulda des as derrotas reativa uma noção espiritual de educação animada pelo amor mas também se engaja na problemática social e política da própria educação construindo um modelo complexo e problemático inquieto e agu díssimo de pedagogia50 Sua pedagogia exerceu influência nos meios anglosaxões e protestantes ou seja em toda a Europa setentrional desde a Inglaterra até a Holanda a Escandinávia e a Prússia Para Cambi a sua pedagogia está no cruzamento entre posições setecentistas a ideia da educação da humanidade o governo iluminado a adesão aos ideais revolucionários embora condenando o extre mismo e comportamentos românticos a atenção ao povo a visão orgânica da sociedade o papel do sentimento e a referência à formação espiritual Como escreveu Manacorda enquanto inovadores ingleses experimentavam o ensino mútuo Pestalozzi atuava na Suíça seguindo a trilha de Rousseau mas diferente deste especialmente pelo seu operoso filantropismo e sua capacidade de traduzir os princípios em prática Sua ambição foi a de juntar aquilo que Rousseau separara isto é o homem natural e a realidade histórica e o fez fechandose den tro dos limites de uma sociedade predominantemente préindustrial Dirigindo um instituto para órfãos em 1798 Pestalozzi desenvolveu os princípios fundamentais do seu ensino o método intuitivo e o ensino mútuo Quanto ao ensino mútuo as crianças mais velhas deveriam ensinar as mais novas Leitura escrita e cálculo alternavamse com trabalho manual Franco Cambi assinala que no centro do seu pensamento pedagógico inseremse três teorias 1 a da educação que deve se guir a natureza retomada de Rousseau segundo a qual o homem é bom e deve apenas ser assistido no seu desenvolvimento 2 a da formação espiritual do 49 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 259 50 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 415 75 homem como unidade de coração mente e mão ou arte que deve ser de senvolvida por meio da educação moral intelectual e profissional estreitamente ligadas entre si 3 a da instrução à qual Pestalozzi dedicou a mais ampla atenção e segundo a qual no ensino é necessário sempre partir da intuição do contato direto com as diversas experiências que cada aluno deve concretamente realizar no próprio meio 35 Sociedade industrial e educação entre as propostas positivistas e as socialistas Por volta da metade do século XIX com a consolidação da sociedade indus trial que engendrou as contradições entre burguesia e proletariado nasce a So ciologia área de conhecimento surgida com o propósito de interpretar essa nova situação históricosocial De forma resumida podemos afirmar que uma teoria legitimadora dessa situação positivismo e uma contestadora socialismo irão balizar as interpretações a partir de então Esses dois modelos ideológicos e epistemológicos que interpretam a oposição de classe que está no centro dessa sociedade irão se contrapor e influenciar a educação O primeiro exalta a ciência e a técnica a ordem burguesa e seus valores o progresso em primeiro lugar nutrese de mentalidade laica e valoriza os saberes experimentais é a ideologia de uma classe produtiva na época de seu triunfo que sanciona seu domínio e fortalece sua visão do mundo51 Quanto ao socialismo é a posição teórica da classe antagonista que remete aos valores negados pela ideologia burguesa a solidariedade e a igualdade a participação popular no governo e delineia estratégias de conquista do poder ba seadas nas contradições insanáveis da sociedade burguesa principalmente entre capital e trabalho Conforme escreveu Engels os socialistas logo compreenderam que os representantes da burguesia não colocariam o mundo fora dos eixos com a sua fórmula mágica de liberté egalité fraternité52 por isso passaram a estabe lecer a crítica radical à burguesia e ao mundo que ela edificara à sua imagem e semelhança O positivismo desenvolveuse primeiro na França com Auguste Comte 1798 1857 mas foi com Èmile Durkheim 18551917 expoente da sociologia positi vista que essa corrente teórica se difundiu na área educacional Para Durkheim a educação é um aprendizado social e um meio para conformar os indivíduos às normas e valores coletivos por parte das sociedades No início do século XX 51 Ibid p 466 52 ENGELS Friedrich A Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx In MARX e ENGELS Textos São Paulo AlfaOmega 197 v 3 p 304 76 escrevendo artigos e verbetes para um dicionário pedagógico sobre Educação Infância e Pedagogia ele desenvolveu um projeto pedagógico adequado às exigências da sociedade valorizando os aspectos laicos e racionais da formação juvenil e priorizando a educação moral promovida em idade infantil pelo espírito de disciplina ligado a um sistema de mandamentos e desenvolvido depois numa ideia precisa de dever Segundo Cambi com Durkheim estamos bem além das afirmações genéricas de positivistas e também claramente orientados para uma consciência da riqueza e complexidade do fenômeno educativo que o coloca com pleno direito no limiar da reflexão pedagógica contemporânea53 Foi Durkheim quem definiu a educação como ação exercida pelas gerações adultas sobre as que não estão ainda maduras para a vida social Mas é necessário considerar também que para Durkheim nem todos somos feitos para refletir54 cabendo a cada indivíduo receber um tipo de educação adequado às expectativas de sua classe social pois à educação caberia a função de adaptar de formar cada um para exercer funções sociais e profissionais conforme a sua classe social 53 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 470 54 DURKHEIM Èmile Educação e sociologia 2 ed São Paulo Melhoramentos 197 p 26 Figura 37 Trabalho infantil 77 Quanto às ideias socialistas tiveram início bem antes pois nasceram exata mente no momento em que a sociedade industrial se consolidava inaugurando a contradição social entre burguesia e proletariado Inicialmente o proletariado teve Charles Fourrier e Robert Owen como seus representantes teóricos na corrente conhecida como socialismo utópico Depois Karl Marx 18181883 e Friedrich Engels 18201895 elaboraram o socialismo científico em obra que fixou princí pios pedagógicos conscientemente opostos aos elaborados pela reflexão burgue sa e pelo positivismo em particular Segundo Cambi isso não impede porém que entre os dois modelos antagonistas venham a se criar interferências e superposi ções fusões e entrelaçamentos especialmente considerando o clima político do final do século XIX com a atuação da socialdemocracia Já para Manacorda o marxismo não rejeita mas incorpora os ideais de laicidade universalidade estata lidade gratuidade e de coeducação acrescentandolhes a assunção do trabalho e a renovação cultural ao mesmo tempo em que estabeleceu a crítica rigorosa sobre a não realização desses ideais pelos governos burgueses Nos escritos de Marx e de Engels está contida uma perspectiva pedagógi ca às vezes de forma explícita como elaboração de propostas sobre instrução outras vezes de forma implícita e destinada a desenvolver temas da filosofia mar xista reunidos em torno do problema antropológico e da análise dos mecanismos sociais e ideológicos do mundo capitalista moderno De forma abreviada vamos expor a concepção de educação dos dois autores que desde o Manifesto do Par tido Comunista 1848 deixam claro que para eles educação significa três coisas formação intelectual educação física e instrução tecnológica Após se exilarem Figura 38 Karl Marx com suas filhas e o amigo Engels 78 de seu país de origem Alemanha por razões políticas Marx e Engels viveram na Inglaterra na época em que a revolução industrial mudava inteiramente a base produtiva da sociedade e com ela todas as relações sociais Naquele momento a mão de obra infantil nas fábricas era uma das formas de exploração do trabalho o que levou Marx a examinar relatórios de inspetores governamentais constatan do a ausência da escola para as crianças trabalhadoras Foi do sistema fabril que suscitava a distinção entre a condição de vida de crianças trabalhadoras e crian ças da burguesia que Marx e Engels formularam o princípio geral que rege a sua concepção de educação isto é o de que a atividade laborativa deve ser aliada à formação intelectual de todas as crianças dos 9 aos 17 anos Segundo Franco Cambi o modelo pedagógico elaborado por eles introduziu na pedagogia contemporânea pelo menos dois princípios que podem ser con siderados revolucionários a referência ao trabalho produtivo que se colocava em contraste com toda uma tradição intelectualista e espiritualista e a ideia de homem omnilateral isto é o ser humano completo cuja formação deveria prever os dois momentos da educação o falar e o fazer o ideal de formação humana visando a não separação entre uma educação dos dominantes para o dizer in telectual e dos dominados para o fazer produtivo Contra o indivíduo unilateral seja ele o proletário ou o capitalista caracte rizado pelo desenvolvimento de capacidades apenas setoriais manuais ou intelectuais Marx mostra o ideal da formação de um homem novo que reúna em si as atividades tanto manuais quanto intelectuais e supere as sim a divisão do trabalho dando vida a uma personalidade harmônica e completa que se exprime como universalidade e omnilateralidade das rela ções e capacidades humanas voltadas tanto para o plano produtivo quanto para o do consumo e da fruição harmonizando assim tempo de trabalho e tempo livre55 Desse modo o conceito de omnilateralidade é retomado da Grécia Antiga mas em perspectiva totalmente nova pois enquanto o conceito que nasceu com Homero previa a formação do homem completo em dois momentos que se rea lizariam apenas para os indivíduos da classe dominante em Marx ele é previsto para todos Além disso a teoria de Marx e Engels afirma uma constante relação entre educação e sociedade que se manifesta na função ideológica da primeira No sé culo seguinte essa interpretação exerceria maior influência no meio educacional constituindose em alguns casos como divisor de águas em relação à interpreta ção idealista anteriormente dominante e segundo a qual é por meio da educação que se transforma a sociedade A concepção de Marx e Engels ao condicionar 55 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 483 79 a possibilidade de transformação social ao fim da contradição entre capital e tra balho permitiu desnudar a escola de seus aspectos idealistas e relativizar o seu papel na medida em que ela passou a ser encarada como uma instituição legiti madora da ideologia dominante Vivendo numa época em que a escola transitava da influência religiosa para a estatal os dois autores não transigiram a escola segundo eles deveria ser inteiramente laica e livre da influência da Igreja e do Es tado Nesse aspecto defenderam que a sua criação e manutenção deveriam ficar a cargo do Estado mas não a sua direção o que constitui um traço bastante atual se levarmos em conta os debates de hoje sobre gestão e autonomia escolar 36 Considerações finais Vimos que a expansão da escola na sociedade europeia foi um processo longo cujo início remonta às reformas religiosas do século XVI mas que efetiva mente ganhou impulso nos séculos XVIII e XIX como resultado das revoluções que edificaram o Estado Nacional de caráter burguês Tendo sido fruto de uma época revolucionária o processo de universalização foi pensado por filósofos que também propuseram ações práticas para a sua concretização como foi o caso dos enciclopedistas franceses no século XVIII Além disso também nesse mes mo século as ideias de Rousseau operaram uma verdadeira revolução no pensa mento pedagógico ao colocar a criança no centro da reflexão sobre a educação preconizando que ela fosse aluna da natureza Para Manacorda no momento em que a escola se tornou assunto político acirrou também a disputa entre as posições conservadoras e de mudança dispu ta que atingiu todos os níveis da educação a as escolas infantis que começaram a difundirse a partir dessa época e tiveram em Friedrich Fröebel 17821852 o criador dos Kindergarten jardins de infância b as escolas elementares para as quais se discute o novo método do ensino mútuo c as escolas secundárias que já vinham se articulando em humanísticas e científicotécnicas d as universida des com suas novas faculdades correspondentes às transformações das forças produtivas e suas especializações Tudo isso segundo o autor constituiu uma batalha pedagógica cujo ponto central era exatamente a tendência à expansão da educação escolarizada O processo de universalização da escola foi lento e desigual só se completan do no século XIX e em alguns países somente no século XX Conforme escreveu Franco Cambi a institucionalização da escola foi um processo dividido em etapas não homogêneas e manifestado de formas diferentes nos vários países europeus e americanos Superadas as divisões entre iniciativas diversas Igreja Estado e particulares ocorreu um crescimento social da escola um desenvolvimento na 80 sua organização um papel político mais forte A cultura escolar foi renovada as sumindo caráter laico e sendo organizada em um programa didático preciso que deu nova feição à vida escolar Esta por sua vez assumiu cada vez mais um aspecto abertamente disciplinar de controle de sanção e ao mesmo tempo de produção de comportamentos padronizados Para o mesmo autor estamos muito distantes da escola do Antigo Regime e caminhando em direção a uma escola mais uniforme mais conformadora mais rígida nas estruturas e nos comportamentos mais programada e mais laica uma escola mais racional por um lado e mais democrática mais aberta às vá rias classes sociais por outro56 Ainda segundo Cambi desde o início da época contemporânea 1789 mas principalmente no século XIX o mito da educação se fortalece Em razão de sua centralidade política e social a educação foi vista como fatorchave do desenvol vimento social Quando estudamos História é importante estabelecermos relações Pois bem observemos que enquanto esse processo acontecia na Europa e nos Es tados Unidos da América o Brasil vivia sob regime monárquico e escravidão A educação escolar estava restrita a poucas crianças e como a economia era agrária e o país rural as escolas eram muito poucas Tal panorama fez com que as famílias abastadas da aristocracia rural contratassem preceptores europeus para educar seus filhos e isso em um momento em que na Europa como vimos a educação por obra de preceptores era criticada tal como escreveu Diderot à czarina da Rússia aconselhandoa a criar escolas públicas para todas as crian ças O processo de universalização escolar entre nós só começou a ocorrer na segunda metade do século XX durante o regime militar 19641985 Mas esse é um assunto que ficará para outra disciplina 56 Ibid p 493 81 37 Estudos complementares 371 Saiba mais JeanJacques Rousseau 17121778 Nasceu em Genebra Suíça em 1712 Nessa época já haviam acontecido as reformas religiosas que resultaram no rompimento de muitos países europeus com a Igreja Católica Foi o caso da Suíça que passara pela profunda reforma liderada por Calvino De família calvinista logo que Rousseau nasceu ficou órfão de mãe Quanto ao pai obrigado a abandonar Genebra deixou o filho aos 10 anos de idade a cargo de tios que confiaram a sua educação a um pastor pro testante no campo Voltando a Genebra exerceu trabalhos manuais encontrando compensações apenas em leituras Segundo Luzuriaga em História da Educa ção e da pedagogia Rousseau então fugiu dessa vida difícil e começou uma vida de vagabundo que durou vários anos Nessa época conheceu Madame de Warens que o converteu ao catolicismo e exerceu influência decisiva em toda a sua vida Depois de residir em várias cidades da França Itália e Suíça estabe leceuse em Paris em 1741 momento em que já havia recebido a influência de Montaigne e Locke Na capital francesa se relacionou com pensadores da época entre os quais Condillac e Diderot Este último lhe encomenda artigos para a Enciclopédia Em 1745 ligase a Thérèse Levasseur com quem teria cinco filhos todos entregues a orfanatos pois Rousseau julgava não poder cuidar deles sen do pobre e doente o que lhe causou remorsos para o resto da vida Em 1750 publicou em Paris o Discurso sobre as ciências e as artes que o tornou famoso e mais tarde em 1755 o Discurso sobre a desigualdade dos homens que também alcançou grande repercussão Em 1762 escreveu o Contrato social que serviu de inspiração à Revolução Francesa e o Emílio ou Da Educação que inspirou a pedagogia moderna Os dois livros que marcarão toda a história da teoria política e da pedagogia foram considerados altamente ofensivos às autoridades O livro Emílio foi condenado pelo arcebispo de Paris e Rousseau ameaçado de prisão fugiu para a Suíça 1762 Assim iniciase o período mais difícil da vida do autor Retorna à vida errante não parando de mudar de esconderijo Em 1765 dirigese à Inglaterra onde o filósofo David Hume lhe oferece asilo mas Rousseau acaba se desentendendo com seu hospedeiro e deixa o país em 1770 retornando a Paris Morreu em Ermenonville em 2 de julho de 1778 82 Johann Heinrich Pestalozzi 17461827 Pedagogo suíço discípulo de JeanJacques Rousseau esforçouse por me lhorar a educação e a instrução das crianças pobres Como Rousseau aceitava a tese da bondade inata por isso dedicou de preferência cuidados especiais com a educação das crianças de mais tenra idade e das mais deserdadas entre elas Inicialmente em Neuhof transformou uma propriedade sua em asilo para crian ças pobres que no verão deveriam cultivar os campos e no inverno tecer e fiar A instrução seria dada nas horas de recreio Contudo esse ensaio pedagógico falhou Posteriormente dirigiu o asilo de Stanz para crianças órfãs ou abandona das Aí ensaiou o método mútuo as crianças mais velhas deveriam ensinar as mais novas Leitura escrita e cálculo alternavamse com trabalho manual En tretanto circunstâncias políticas transformaram o asilo em hospital militar Com mais de 50 anos de idade Pestalozzi abriu em Berthoud um novo instituto de educação que com início modesto cresceu rapidamente e contou com numero sos educadores competentes Mais tarde o instituto foi transferido para Yverdum onde Pestalozzi colheu as glórias máximas de sua carreira de educador Entre aulas e passeios convivendo com os mestres sem prêmios nem castigos os alu nos iam plasmando a própria personalidade No entanto mais uma vez também essa casa de ensino teve de ser fechada por insuficiência de receitas financeiras Assim aos 80 anos Pestalozzi voltou a Neuhof tentando ainda fazer dela uma casa de educação para crianças pobres Ele foi um democrata e recebeu da Assembléia Constituinte o título de cidadania francesa 1792 mas em seu país Suíça sofreu a oposição dos conservadores contra suas iniciativas humanitá rias Quando morreu aos 81 anos de idade era a mais importante personalidade europeia no âmbito educacional Entre suas obras numerosas deixou Leonardo e Gertrudes 1781 uma das mais conhecidas ao lado de Como Gertrudes ensina seus filhos 1801 83 Quadro 2 Institucionalização expansão e consolidação da escola na Europa Séc XVI Séc XVII Séc XVIII Séc XIX Reformas religiosas Lutero 1517 Companhia de Jesus 1540 Concílio de Trento 1545 1564 Jesuítas no Brasil 1549 Matriz das duas pedago gias que iriam marcar o séc XVII Humanismo crítica à es cola consi deração pela criança Conflito entre as concep ções da Companhia de Jesus e dos reforma dores Comenius 15921670 Início da expansão escolar na Europa Absolutismo Iluminismo e propostas educa cionais Diderot Condorcet e Rousseau Revoluções bur guesas 1774 EUA 1760 Início da Revolução Indus trial Inglesa 1789 Revolução Francesa Expansão da escola elementar duas experiências educativas na passagem para o séc XIX ensino mútuo e Pesta lozzi Estados Nacio nais e sistemas escolares Capitalismo industrial pressão sobre a escola Utopias socia listas A concepção marxista de educação O nascimento dos métodos ativos e da Escola Nova 372 Referências ARBOUSSEBASTIDE Paulo MACHADO Lourival Gomes Introdução In ROUSSE AU JeanJacques Do Contrato Social Ensaio sobre a origem das línguas Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Discurso sobre as ciências e as artes São Paulo Abril Cultural 1978 p XVII Os pensadores BASTOS Maria Helena Câmara O ensino monitorialmútuo no Brasil 18271854 In STEPHANOU Maria BASTOS Maria Helena Câmara Orgs Histórias e memórias da Educação no Brasil Petrópolis Vozes 2005 v 2 século XIX CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Tradução de A Bastos Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Editora da UNESP 1999 DURKHEIM Èmile Educação e sociologia Tradução de Lourenço Filho 2 ed São Pau lo Melhoramentos 197 ENGELS Friedrich A Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx In MARX e ENGELS Textos São Paulo Editora AlfaOmega 197 v 3 84 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez 1989 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação Tradução de Roberto Leal Ferreira 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 UNIDADE 4 A escola de Estado as novas teorias e as novas práticas educativas no século XX 87 41 Primeiras palavras Chegamos finalmente ao século XX século marcante e de acontecimentos decisivos para a história da humanidade século em que a revolução técnico científica ao mesmo tempo em que potencializou a comunicação a obtenção da informação e a democratização do conhecimento operou uma profunda mu dança na noção de tempo na medida em que acelerou todos os processos Em vez de uma mera cronologia o historiador Eric Hobsbawm elegeu como início do século XX a Primeira Guerra Mundial 19141918 e como seu final o colap so da experiência soviética denominada socialismo real 1991 portanto para ele tratouse de um breve século marcado sobretudo pelas contradições entre capitalismo e socialismo As transformações que a educação sofreu nesse século foram muitas e es tiveram condicionadas às transformações socioeconômicas pelas quais o mundo passou e também pela mudança de mentalidade que vem acompanhando o pro cesso da revolução técnicocientífica A escola sofreu processos de profunda e radical mudança nesse século expandiuse e ao mesmo tempo adquiriu caráter mais ideológico Afirmouse como central na sociedade e essa centralidade só foi ofuscada no final do século pela revolução técnicocientífica pelo advento da indústria cultural e a preponderância da mídia fazendo com que diferentemente do passado a primeira formação do imaginário não passe mais pelo mundo fami liar ou das culturas locais mas seja dominada pelos meios de comunicação im prensa rádio televisão cinema rede mundial de computadores A televisão no Brasil por exemplo é absorvida pelas crianças mais de 5 horas por dia ou seja mais do que o tempo que muitas delas passam na escola Desse modo se no sé culo XX o direito à educação foi reconhecido e a escola foi a instituição central da vida em sociedade no final desse mesmo século decresceu a sua importância e ela deixou de ocupar a centralidade que antes exercia 88 57 42 Problematizando o tema O século XX foi um século de contradições de conflitos de duas guerras mundiais da Revolução Russa de disputas ideológicas da ascensão do fascis mo e do nazismo e de guerras localizadas que se prolongam ainda hoje O mundo viveu desde o final da Segunda Guerra Mundial 1945 até os anos 1980 a pola rização política entre capitalismo e socialismo além disso ocorreu a descoloniza ção da África e da Ásia a criação do Estado de Israel e eclodiram os conflitos in termináveis no Oriente Médio Todo esse ambiente de tensões e transformações influenciou fortemente a educação Mas o século XX foi também o século das conquistas de direitos das lutas operárias e estudantis das vozes antipedagógicas dos jovens Novas emergências se fizeram presentes na educação o feminismo a questão ecológica a questão das etnias Concordemos ou não com a tese sobre o mito da educação o certo é que no século XX houve uma forte aspiração por educação que prossegue hoje Prova disso é a questão da educação da terceira idade que vem se expandindo no Brasil por exemplo Ao estudar esta Unidade sendo você sujeito histórico do presente e sendo portador de uma determinada trajetória escolar procure obser var as diversas práticas e teorias educativas que o século XX produziu Depois quando você estudar a história da educação brasileira esse conhecimento será importante para que entre outros objetivos você possa compreender a situação da educação brasileira dentro desse contexto geral Nesta Unidade o nosso objetivo é que você compreenda que ao lado do avanço da escola de Estado ou seja da escola pública que vinha se desenvolven do desde séculos anteriores ocorreu também uma renovação pedagógica com a elaboração de novas teorias e práticas educacionais Daremos ênfase a duas 57 Fonte United States Holocaust Memorial Museum Washington DC Figura 41 Crianças libertadas do campo de con centração nazista de Auschwitz 1945 89 dessas renovações a o surgimento da Escola Nova que se contrapôs à velha es cola b as iniciativas inspiradas no marxismo Tanto uma como outra não chegaram a se concretizar inteiramente de acordo com seus formuladores mas influenciaram todo o debate educacional do século XX e a própria escola tradicional 43 A escola de Estado e o debate educacional O século XX marcado por duas guerras mundiais apenas na sua primeira metade pela Revolução Russa de 1917 pela Guerra Fria que dividiu o mundo em dois blocos antagônicos socialismo e capitalismo e ainda que assistiu à derrocada da União Soviética e dos demais regimes que seguiam a orientação do chamado socialismo real foi um século de contradições de conflitos mas tam bém um século de inovações Foi um século que aprofundou a luta por direitos cujo início marcou a época contemporânea direitos do homem do cidadão da criança da mulher do trabalhador das etnias das minorias dos animais e da natureza e cujo processo desde 1789 vem se expandindo Para Franco Cambi tratase so bretudo do século das crianças e das mulheres das massas e da técnica58 Quanto ao debate educacional foi orientado por duas grandes correntes teóricas a Escola Nova e a concepção marxista Segundo Manacorda esses dois pensamentos embora identificados respectivamente com o capitalismo e o socialismo ora se afastam ora confluem O século segundo ele assistiu e ainda assiste a um fecundo diálogo direto ou a distância entre pensadores liberalde mocráticos ou burgueses e pensadores e pedagogos socialistas diálogo em que há momentos de encontro e momentos de choque Ainda segundo o autor ne nhuma das duas correntes foi integralmente aplicada pois se é lícito afirmar que os regimes socialistas não conseguiram concretizar as teses de Marx sobre edu cação o mesmo se pode dizer sobre os países capitalistas que também falharam na concretização das teses burguesas No tocante a tais teses universalização laicização estatização gratuidade e obrigatoriedade coeducação o socialismo assumiu criticamente todas as instâncias da burguesia pro gressista censurandoa por não têlas aplicado conseqüentemente acres centoulhes de próprio uma concepção nova da relação instruçãotrabalho o grande tema da pedagogia moderna e tende a propor a formação de um homem omnilateral Tudo isso em hipótese como proposição ideal porque no socialismo real é extremamente árduo aplicar esse ideal Assim como é árduo no liberalismo e na democracia reais aplicar os ideais liberais e democráticos59 58 Ibid p 509 59 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 313 90 Antes de abordarmos as duas concepções e suas propostas é preciso ter mos claro que ao começar o século XX a chamada escola tradicional estava consolidada no mundo ocidental sendo que para isso o Estado havia disputado o espaço ocupado pela Igreja Católica embora nas primeiras décadas do século em países como a Itália ainda prosseguisse o conflito entre Estado e Igreja pela hegemonia da educação Desse modo em linhas gerais podemos afirmar que as grandes tendências iniciais do século eram 1 a afirmação da autoridade do Estado sobre o aparelho escolar 2 as críticas à velha escola isto é à escola de Estado construída a partir das revoluções burguesas Essas críticas ficaram consubstanciadas nas duas correntes que trataremos a seguir 431 A Escola Nova Quando a escola de Estado isto é a escola pública estava no auge de sua consolidação no mundo ocidental sofreu a crítica contundente ao seu método de aprendizagem e objetivo Essa crítica seguida de novas práticas pedagógicas vi nha ocorrendo desde o final do século XIX com a introdução dos métodos ativos mas teria no século XX o seu amadurecimento com a Escola Nova A Escola Nova foi a corrente pedagógica de maior influência na história da educação do século XX e John Dewey 18591952 o seu maior teórico As suas ideias encontraram ampla aceitação no mundo todo inclusive no Brasil onde Aní sio Teixeira foi seu mais destacado seguidor Mas o que devemos entender por Escola Nova Talvez pudéssemos começar citando o próprio Dewey em sua obra Experiência e educação 1937 quando escreveu que o nascimento do que se chama nova educação e escolas progressivas é em si um produto do descontente respeito à educação tradicional Com efeito é uma crítica desta última60 Conforme assinalamos experiências de ativismo pedagógico ocorridas na Europa desde o século XIX Decroly Claparède Ferrière Maria Montessori Tolstoi já sinalizavam a necessidade de renovação da escola quer do ponto de vista do método quer do conteúdo ou seja a sua finalidade vinha sendo posta em questão à medida que o capitalismo amadurecia Mas independentemente das escolas novas europeias desenvolviamse nos EUA muitas escolas inovadoras nascidas do espírito experimental que marcou as reformas desse país uma vez que as tendências para a prática já vinham caracterizando o sistema educacional norteamericano A primeira delas foi a famosa escola primária anexa à Universi dade de Chicago criada por Dewey em 1896 e cujo funcionamento baseavase nas atividades dos alunos desde a economia doméstica tecelagem e fiação até atividades mais elevadas de literatura geografia e história Dewey rompeu com o 60 DEWEY John 1937 apud ROSA Maria da Glória de A história da educação através dos textos São Paulo Cultrix 1971 p 299 91 plano tradicional de estudos e com a classificação dos alunos pelo desenvolvimento físico e mental agrupandoos pelos interesses e aptidões Essa ex periência durou só quatro anos mas dela surgiram algumas das ideias e métodos característicos da educação norteamericana Na impossibilidade de tratarmos pormenoriza damente de todas as experiências da pedagogia ativa indicaremos alguns aspectos dos seus diver sos métodos e depois daremos maior atenção ao de Dewey Do ponto de vista histórico podese dizer que em geral os métodos que primeiro surgiram na educação nova acentuaram o caráter individual do trabalho escolar Montessori para depois caminharem para o aspecto coletivo e social Decroly e método dos projetos Freinet Quanto à idade dos escolares uns métodos se referem mais à primeira infância como o de Montessori outros à segunda infância como o de Decroly e outros à adoles cência como o de Dalton e o de projetos A pedagogia ativa segundo Luzuriaga também pode ser classificada pela inspiração teórica subjacente a cada um des ses métodos como a pedagogia pragmática William James Dewey Kilpatrick a pedagogia da escola do trabalho Kerschensteiner a pedagogia da escola ativa Claparède Ferrière Piaget a pedagogia dos métodos ativos Montes sori Decroly Quanto a John Dewey inicialmente estabeleceu uma crítica à escola ameri cana que segundo ele estava defasada em relação ao desenvolvimento econô mico dos EUA e assim passou a elaborar uma pedagogia extremamente atenta aos problemas da sociedade industrial moderna Já na sua primeira grande obra A escola e a sociedade 1899 escrita em um momento de transformação pro dutiva e de crescimento econômico que os Estados Unidos estavam vivendo Dewey preconizou que a escola não podia ficar alheia a tal transformação mas ligarse intimamente ao progresso social Depois em Democracia e educação 1916 pôs em destaque a função democrática da educação e valorizou a ciên cia como método específico de uma educação democrática A escola para ele não deve apenas adequarse às transformações ocorridas no âmbito social mas promover na sociedade um incremento progressivo da democracia Desse modo é confiado à escola o papel de transformar politicamente a face da sociedade de forma a tornála cada vez menos repressiva e autoritária e de desenvolver os momentos de participação e de colaboração conforme analisou Franco Cambi De acordo com ele em Democracia e educação Dewey já havia atingido a plena maturidade do seu pensamento pedagógico e chegava a evocar a importância fundamental da formação intelectual no que se refere à valorização do fazer e Figura 42 John Dewey 92 das atividades práticas exaltadas porém como radicalmente inovadoras em A escola e a sociedade Entretanto como no interior do movimento ativista prevaleciam interpreta ções de tipo individualista espontaneísta e antiintelectualista sobre a sua obra o próprio Dewey interveio para corrigir essas interpretações escrevendo um outro livro Experiência e educação 1937 Nele explicou a sua teoria de educação me diante a experiência e expôs o sentido e a orientação que devem ter no ensino os programas e planos de estudo tomando equidistância entre os que pretendiam sua supressão e os que preconizavam sua vigência Dewey procurou demonstrar que a escola tradicional é algo de fora para dentro de cima para baixo além do alcance da experiência do educando e lembrou que a atividade livre e o aprender mediante experiência foram dois pontos que a educação nova tomou empresta dos de Rousseau A unidade da nova pedagogia segundo ele fundamentase na relação entre experiência e educação daí a necessidade de um conceito correto de experiência Se a escola tradicional diverge em muito da escola ativa isso não significa contudo que deva haver entre ambas uma oposição radical A pedagogia de Dewey de acordo com Cambi caracterizase 1 como ins pirada no pragmatismo e portanto num permanente contato entre o momento teórico e o prático de modo tal que o fazer do educando se torne o momento central da aprendizagem 2 como entrelaçada intimamente com as pesquisas das ciências experimentais às quais a educação deve recorrer para definir corre tamente seus próprios problemas e em particular à psicologia e à sociologia 3 como empenhada em construir uma filosofia da educação que assume o papel muito importante também no campo social e político enquanto a ela é delegado o desenvolvimento democrático da sociedade e a formação de um cidadão dotado de mentalidade moderna científica e aberta à colaboração Tais características gerais segundo o autor tornaram a pedagogia de Dewey uma espécie de mo deloguia dentro do amplo movimento conhecido como escolaativa ou escola nova que desde o final do século XIX até os anos 30 do século XX teve um rico florescimento de posições teóricas e de iniciativas práticas todas elas destinadas a valorizar a criança como protagonista do proces so educativo e também a colocála no centro de toda iniciativa didática opondose às características mais autoritárias e intelectualistas da escola tradicional61 O aprender fazendo aspecto importante da pedagogia de Dewey é anali sado por Antonio Rugiu como um saudosismo do aprendizado que perdurou du rante séculos e cuja origem vem da era neolítica um aprendizado que encontrou desprezo junto ao saber oficial que distinguia o saber falar e raciocinar do saber 61 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 549 93 fazer porque o primeiro era visto como o saber do homem livre e o segundo do trabalhador Essa antiga pedagogia segundo ele ensinava a produzir as coisas de um certo modo mas também transmitia um comportamento humano no âm bito privado e no social em resumo uma visão de mundo Ainda de acordo com esse autor foi exatamente no momento em que a Europa se industrializou que se começou a sentir saudades do artesanato e de sua pedagogia E desde Locke muitos foram os autores que evocaram o fazer artesanal e Dewey não é o último mas certamente o mais eminente dos recentes nostálgicos62 Quando se trata de analisar o pensamento de Dewey a polêmica se ins taura De um lado ele é acusado de ter empobrecido os processos formativos pela valorização excessiva das atividades manuais De outro é criticado pela sua visão da escola como um território neutro da sociedade onde se efetua o expe rimentochave para a sua progressiva democratização ao passo que ela é de fato permeada por todas as contradições sociais Nessa perspectiva depois de realçar a sua rica contribuição designandoo como o maior nome da pedagogia do século XX e reconhecendo que raramente um pensador mostrou tal coerência entre as premissas teóricas e as opções práticas Manacorda assinala que lhe faltou porém a visão dialética sobre o Estado capitalista uma vez que ele não o compreendeu como negativo em si mesmo enquanto que em Marx é esse Esta do que precisa ser superado Eis as suas palavras Dewey como Marx baseiase no desenvolvimento econômico e produtivo mas faltalhe aquela análise dialética do real e de suas contradições cujas explosões segundo Marx provocariam as mudanças e aquela perspectiva talvez utópica mas fortemente estimulante de uma totalidade de indivíduos totalmente desenvolvidos no lugar dessa análise há nele a conclamada fi nalidade de educar o indivíduo para participar da mudança concebida como a progressiva evolução de um estado de coisas em si positivo63 A seguir reproduziremos trechos da obra Experiência e educação de John Dewey transcritos do livro A história da educação através dos textos de Maria da Glória de Rosa a Sobre o problema dos conteúdos e da experiência O problema para a educação progressiva é qual o lugar e sentido das matérias e da organização da experiência Como funcionam as matérias Existe algo inerente na experiência que tenda até a organização progressiva de seu con teúdo Que resultados se produzem quando os materiais da experiência não se organizam progressivamente Uma filosofia que procede sobre a base do revide ou da pura oposição descuidarseá dessas questões Tenderá a supor 62 RUGIU Antonio Nostalgia do mestre artesão Campinas Autores Associados 1998 p 18 63 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 320 94 que porque a velha educação baseavase em uma organização confecciona da previamente bastará revidar o princípio da organização em si em lugar de esforçarse para descobrir o que ele significa e como se o há de alcançar sobre a base da experiência Poderíamos seguir com todos os pontos de diferença entre a nova e a velha educação e alcançaríamos conclusões semelhantes Quando se revida o controle externo surge o problema de encontrar os fatores de controle que são inerentes à experiência Quando se revida a autoridade externa não se segue que se deva revidar toda autoridade senão que é ne cessário buscar uma fonte de autoridade mais eficaz Porque a velha educação impusera o conhecimento os métodos e as regras de conduta da pessoa adulta ao jovem não se segue exceto sobre a base da filosofia extremista do um ou outro que o conhecimento e a destreza da pessoa madura não tenha valor para a experiência da imatura Pelo contrário basear a educação sobre a expe riência pessoal pode significar contactos mais numerosos e mais inéditos entre o ser maduro e imaturo que os que existem na escola tradicional O proble ma é pois ver como podem estabelecerse esses contactos sem violentar os princípios do aprender mediante a experiência pessoal64 b Sobre o conhecimento do passado e sua relação com o futuro Precisamente qual é o papel do mestre e dos livros ao fomentar o desenvol vimento educativo do ser imaturo Admitamos que a educação tradicional empregava como matéria de estudo fatos e idéias tão correlacionadas com o passado que davam pouca ajuda para tratar dos sucessos do presente e do futuro Muito bem Agora temos o problema de descobrir a conexão que existe atualmente dentro da experiência entre os fatos do passado e os sucessos do presente Temos o problema de descobrir como o conhe cimento do passado pode converterse em um instrumento potente para tratar eficazmente do futuro Podemos revidar o conhecimento do passado com o fim da educação e portanto realçar sua importância só como meio Ao fazer isto nos encontramos com um problema que é novo em história da educação como chegará o jovem a conhecer o passado de modo que este conhecimento seja um poderoso agente na apreciação da vida presente65 c Sobre o caminho da nova educação Como afirmei mais de uma vez o caminho da nova educação não pode ser seguido tão facilmente como o velho caminho senão que é muito penoso e difícil Assim o continuará sendo até sua maioridade e isso exigirá muitos anos de sério trabalho cooperativo por parte de seus adeptos O maior peri 64 DEWEY John 1937 apud ROSA Maria da Glória de A História da Educação através dos textos São Paulo Cultrix 1971 p 296306 65 Ibid loc cit 95 go que ameaça seu futuro é creio eu a idéia de que seja um caminho fácil tão fácil que se possa improvisar seu curso senão de maneira repentina pelo menos de um dia para o outro ou de uma semana para a outra66 432 A educação no socialismo Enquanto a Escola Nova tornavase referência pedagógica nos países ca pitalistas o marxismo influenciava a educação na Rússia pósrevolucionária e depois nos países que se alinharam à União Soviética Essas duas correntes representativas dos blocos antagônicos porém não foram aplicadas inteiramente em concordância com seus princípios fundamentais Em outras palavras nem foi construída uma rede de escolas novas capaz de substituir a velha escola nos países capitalistas nem a pedagogia marxista se concretizou fielmente de acordo com as formulações de seus criadores No primeiro caso vimos que Dewey aler tava para o fato de que o caminho da nova educação não poderia ser facilmente seguido como o velho caminho Conforme suas palavras no trecho que transcre vemos o maior perigo que ameaçava o futuro da nova educação era a ideia de que fosse um caminho fácil Quanto aos países do socialismo real a começar pela Rússia revolucioná ria buscaram seguir os princípios da pedagogia marxista que de acordo com Cambi pode ser definida pelos seguintes aspectos 1 uma conjugação entre educação e sociedade segundo a qual toda prática educativa carrega valores e interesses ideológicos ligados à estrutura econômicopolítica da sociedade 2 um vínculo estreito entre educação e política tanto no nível de interpretação das vá rias doutrinas pedagógicas quanto em relação às estratégias educativas voltadas para o futuro que recorrem ou devem recorrer à ação política 3 a centralidade do trabalho na formação do homem e o papel prioritário que ele deve assumir na escola caracterizada por finalidades socialistas 4 o valor de uma educação inte gralmente humana de todas as pessoas homem omnilateral libertadas de con dições de submissão e de alienação 5 oposição a toda forma de espontaneísmo e de naturalismo ingênuo enfatizando pelo contrário a disciplina e o esforço Mas como analisou Manacorda as dificuldades para se edificar a nova es cola foram de toda ordem inclusive as altíssimas taxas de analfabetismo que vigoravam na Rússia em 1917 denotando a ausência de escolaridade no país e portanto a gigantesca tarefa que caberia à revolução de construir uma escola de acordo com os princípios marxistas Com isso percebemos que naquele país não havia ocorrido a consolidação da escola de Estado durante o século XIX tal como ocorrera nos países europeus ocidentais até porque a Rússia não realizara a sua 66 Ibid loc cit 96 revolução burguesa Caberia portanto à revolução socialista de 1917 construir a escola para todos Considerando essa peculiaridade Manacorda afirmou que as dificuldades e contradições as retomadas e recuos os passos à frente e atrás foram muitos na história da escola da União Soviética e desde o início se constataram as dificuldades da mudança e as resistências objetivas das velhas estruturas e dos velhos homens67 Para ilustrar essas dificuldades o autor transcreve na mesma página aqui mencionada um diálogo entre Lênin 18701924 líder da revolução bolchevique e um menino seu conhecido de doze anos que começou com a pergunta Que tarefas tiveste e qual foi a aula O menino respondeu Tivemos três horas E quais Matemática E depois Depois história E que história Do Egito E depois E depois língua alemã Lênin então começou a rir e disse para sua esposa a pedagoga Krupskaia Tudo é ainda como antes68 Ou seja enquanto o país atravessava uma revolução de caráter socialista a escola privilegiava o ensino de história do Egito e da língua alemã em detrimento da sua própria realidade além de consagrar apenas três horas aos estudos o que certamente se devia à escassez de vagas para todas as crianças Na Rússia pósrevolucionária 19171930 caracterizada por um forte en tusiasmo construtivo e por uma vontade de profunda renovação das instituições foi se efetuando uma atualização pedagógica e didática baseada na escola do trabalho que por princípio conjugava trabalho intelectual e manual produtivo mas que raramente conseguiu ir além de uma organização do trabalho artesa nal e portanto não conjugou realmente o trabalho intelectual com o produtivo conforme previra Marx As conquistas foram conseguidas mais na batalha contra a velha escola foram abolidos o seu conteúdo religioso e nacionalista seus mé todos de ensino e seus livros de texto embora nesse campo muitas vezes tenha sido necessário corrigir tendências extremistas que exaltavam uma exclusiva fi nalidade prática da educação Nos primeiros anos da revolução Lênin em um discurso que proferiu aos jo vens chamou a atenção sobre esse aspecto adotando uma posição equidistante de qualquer extremismo em matéria de educação ao afirmar que o socialismo de veria abolir da escola tradicional apenas o que dela não servisse aos propósitos revolucionários como o seu caráter elitista e o método autoritário aproveitando da experiência americana Dewey tudo o que fosse útil para a propagação de uma escola para todos na Rússia soviética Criticando o espírito de classe da velha escola que só transmitia conhecimentos aos filhos da burguesia ele acrescen 67 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 315 68 LÊNIN Vladimir Ilitch apud MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 315 97 tava que a escola do estudo livresco obrigava as pessoas a assimilar uma quantidade de co nhecimentos inúteis supérfluos mortos que atulhavam a cabeça e transformavam a jovem geração num exército de funcionários talhados todos na mesma medida mas disso não era lícito concluir que a educação socialista pode ria prescindir dos conhecimentos acumulados pela humanidade pois seria um enorme erro supor que assimilando apenas palavras de or dem os jovens se tornassem verdadeiros revo lucionários Afirmando que não precisavam da aprendizagem de cor mas de adquirir todos os conhecimentos fundamentais não apenas assimilandoos mas reelaborando os de forma crítica sem o que nenhum jovem se tornaria um homem moderno culto ou seja apenas na base de conclusões já prontas sem ter realizado um trabalho muito sério muito difícil e muito grande sem compreender os fatos em relação aos quais tem a obrigação de adotar uma atitude crítica69 Mais adiante em seu discurso enfatizou que a velha escola produzia os servidores necessários aos capitalistas que ti nham de falar e escrever ao gosto dos capitalistas isso quer dizer que deve mos suprimila Mas se devemos suprimila se devemos destruíla quer isso dizer que não devemos tomar dela tudo aquilo que a humanidade acumulou e que é necessário para o homem Quer isso dizer que não devemos saber distinguir aquilo que era necessário para o capitalismo daquilo que é neces sário para o comunismo70 E tomando um exemplo prático mostrou que a tarefa de cunho econômico que tinham pela frente requeria a restauração da indústria e da agricultura e que não seria possível restaurálas à maneira antiga mas sim em bases modernas segundo a última palavra da ciência a eletricidade Esta por sua vez jamais po deria ser obra de analfabetos e para alcançála não bastaria uma instrução ele mentar Constatamos assim que nos primeiros anos da revolução predominou uma postura de observância aos princípios marxistas de educação e ao mesmo tempo uma crítica à velha escola Essa última bem ao estilo praticado nos países capitalistas ocidentais 69 LÊNIN Vladimir Ilitch As tarefas das Uniões da Juventude In Lenine Obras escolhidas São Paulo Editora AlfaOmega sd p 388389 70 Ibid p 389 Figura 43 Lênin líder da Revolução Russa lendo o Jornal Pravda 98 Depois da morte de Lênin com o advento de Stalin ao poder foi condena da a tentativa de se elaborar uma teoria pedagógica que tivesse como base ao mesmo tempo o materialismo e o ativismo e que antes havia alcançado ampla aceitação Nasce assim segundo Cambi uma pedagogia sem criança funda mentalmente intelectualista e também conformista que de 1931 a 1953 domi nou o sistema escolar soviético Na época préstalinista a escola soviética foi profundamente marcada pela figura de Anton Makarenko 18881939 maior pedagogo russo desse século e cuja atividade pedagógica se inseriu diretamente no ambiente carregado de tensões e de esperanças da Rússia revolucionária Tornandose uma espécie de pedagogo oficial dela Makarenko viveu as contradições da pedagogia soviética dos anos 20 isto é a oposição entre tradicionalismo e ativismo pedagógico Ini cialmente aderiu à segunda tendência mas nos anos 30 rejeitoua drasticamen te Nessa perspectiva reviu os problemas que ocuparam a pesquisa pedagógica soviética o problema do trabalho e o papel dos grupos na atividade escolar o problema do antiindividualismo e a formação de uma nova moralidade social Seu pensamento tem uma base experimental no sentido de que foi elaborado no interior de experiências concretas em contato com meninos abandonados que deviam ser reeducados dentro de colônias E foi na Colônia Gorki que ele elabo rou os aspectos fundamentais de sua pedagogia caracterizada pelo princípio do coletivo do trabalho e do trabalho produtivo Segundo Manacorda o trabalho o coletivo a colaboração a perspectiva da alegria do amanhã e da felicidade para todos e não apenas a felicidade do indivíduo expressada por Rousseau e pelos revolucionários iluministas eram os temas da pedagogia de Makarenko tão exigente quanto otimista Em suas palestras enfatizava sempre Considero a coletividade a forma principal do trabalho educativo Nada ensina tanto ao homem como a experiência71 71 MAKARENKO Anton Semionovitch Problemas da educação escolar Moscou Edições Progresso 1986 p 6063 Figura 44 Anton Makarenko selo comemorativo russo 99 72 As posições pedagógicas de Makarenko resultaram do entrelaçamento com a ideologia da Revolução Russa do pós1917 explicitando aspectos originais mas depois diminuindo também seu significado de atualidade tanto pelas trans formações ocorridas na sociedade russa quanto pelas problemáticas novas que caracterizam hoje as pedagogias de orientação revolucionária73 De acordo com Cambi na União Soviética sob o período de Stalin e sua reforma escolar a pedagogia do coletivo Makarenko e o papel organizativo assumido pelo Partido Comunista em relação ao tempo livre juvenil o socialismo soviético manifestou tendências totalitárias mas no seu conjunto ele manteve viva uma escola de cultura e não de ideologia apenas e um sistema educativo extra escolar menos sufocante e menos ideológico quando comparados com a educação nos países de regimes totalitários como a Itália e a Alemanha Para ele se o fascis mo italiano 19221943 foi o primeiro a esboçar um sistema de início conservador depois abertamente ideológicototalitário da educação nacional foi porém o na zismo que delineou o sistema mais orgânico e coerente de educação ideológica de massa inspirada em princípios racistas e militaristas No tocante à União 72 Fonte Agência de Imprensa Nóvosti Moscou 1989 73 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 561 Figura 45 Crianças soviéticas na escola de instrução elementar após a Revolução de 1917 100 Soviética além de fazer a ressalva sobre a escola de cultura ele assinala que foi também nesse período até aproximadamente 1955 que houve uma forte expan são da escolaridade um melhoramento da eficiência das estruturas da escola so viética e a afirmação de vozes pedagógicas originais Quanto à expansão escolar data de 1919 sob a influência e prestígio de Lênin uma resolução consagrando a educação gratuita laica e obrigatória para todas as crianças e adolescentes até os 17 anos o que significou uma verdadeira revolução educacional no país A esse respeito ao analisar a influência da Escola Nova durante o século XX escreveu Dermeval Saviani O lançamento do Sputnik em 1956 saindo à frente dos Estados Unidos na corrida espacial provocou uma onda de questionamentos à educação nova A propaganda ocidental vinha empenhandose em convencer que a edu cação na Rússia além de autoritária e antidemocrática era de qualidade inferior à americana Como entender então o êxito científico e tecnológico dos russos74 44 A contribuição de Gramsci para a concepção marxista de educação Dentro da tradição marxista foi Antonio Gramsci 18911937 quem elabo rou um modelo pedagógico mais rico repensando os princípios do marxismo a relação estruturasuperestrutura a dialética a crítica da ideologia e a sua visão de história como luta de classes para a emancipação humana e como sucessão de modelos econômicopolíticos cada vez mais complexos no interior de uma condição histórica precisa um país capitalista como a Itália com forte liderança intelectual da Igreja Católica em um contexto de não difusão da revolução prole tária na Europa ao contrário de contrarrevoluções autoritárias nos vários países europeus a começar pela própria Itália com o fascismo Foi nessas condições novas às quais se acrescentam a industrialização e a sociedade de massas preso pelo regime fascista com a saúde extremamente de bilitada e com escassos meios bibliográficos à sua disposição que Gramsci empre endeu esse esforço intelectual deixando uma enorme contribuição ao pensamento marxista Em sua teorização valorizou a atividade humana práxis que interpreta e transforma a realidade Nesse sentido de acordo com Cambi acreditava que em torno de uma revolução da mentalidade é possível agregar classes ou grupos sociais interessados na mudança para construir uma hegemonia cultural e depois 74 SAVIANI Dermeval História da idéias pedagógicas no Brasil Campinas Autores Associa dos 2007 p 337 101 política contrária ao capitalismo Nesse repen sar o aspecto pedagógico é dominante pois a hegemonia cultural se constrói pela ação de muitas instituições educativas por uma organi zação da cultura que deve abranger cada cida dão incorporandoo ao projeto políticocultural em construção Já para Manacorda Gramsci como indagador crítico dos aspectos culturais na história do desenvolvimento social relacio na sempre o fato educativo não apenas ao fato político mas também ao fato da produção e do trabalho ou como ele próprio dizia do in dustrialismo do qual reconhece como o centro mais dinâmico o americanismo defendendo todavia um americanismo não de tipo americano ou seja um desenvolvimento industrial de tipo socialista Esse industrialismo é para ele também a medida da re lação pedagógica não rousseauniana espontaneísta e permissiva mas exigente e severa para poder educar ou melhor transformar cada cocciollouomo menino criança num contemporâneo de nossa época75 Segundo esse projeto formativo e tendo como base as contradições da es cola soviética que ele acompanhava do cárcere com enorme interesse até por que seus dois filhos estudavam nela Gramsci elaborou a proposta pedagógica da escola única procurando equacionar os dois momentos da formação trabalho intelectual e trabalho produtivo Reconhecendo na escola humanística o tipo de escola tradicional mais antigo que visa desenvolver em cada indivíduo a cultura geral indiferenciada a capacidade de pensar e o saber dirigirse na vida ele acrescenta que conforme o capitalismo se fortaleceu foi sendo criado todo um sistema de escolas particulares de vários graus para os vários ramos profissio nais ou para profissões especializadas e propõe Hoje a tendência é abolir toda escola desinteressada e formativa ou deixar dela somente um reduto exemplar para uma pequena elite de senhores e de mulheres que não precisam preocuparse com a preparação para o futuro profissional e difundir sempre mais as escolas profissionais especializa das em que o destino do aluno e a sua futura atividade são determinados desde o início A crise terá uma solução que racionalmente deveria seguir esta trajetória escola única inicial de cultura geral humanística formativa que saiba dosar justamente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente tecnicamente industrialmente e o desenvolvimento das ca pacidades do trabalho intelectual Deste tipo de escola única através de 75 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 334 Figura 46 Antonio Gramsci provavelmente em 1922 102 experiências repetidas de orientação profissional se passará para uma das escolas especializadas ou para o trabalho produtivo76 Manacorda acrescenta que as previsões de Gramsci sobre a organização da escola foram em parte se realizando na Itália a partir da aprovação da lei de 1962 sobre a escola média estatal Quanto ao princípio educativo e aos con teúdos procurou definir qual poderia ser o novo humanismo ou o humanismo socialista que deveria substituir o humanismo grecolatino tradicional ou seja o princípio pedagógicodidático da história da ciência e da técnica como base da educação formativohistórica da nova escola77 É importante observar que Gramsci por ter vivido em uma época mais ma dura e complexa do capitalismo diferentemente de Marx não propôs tempo de escola e tempo de fábrica mas sim a escola única inicial de cultura geral trabalho intelectual e trabalho manual seguida de escolas especializadas profissionais Entretanto é importante compreendermos também o porquê de Marx ter previsto aqueles dois momentos é que na primeira metade do século XIX as crianças das classes populares estavam exclusivamente submetidas ao mundo do trabalho A proposta de Marx exigiu um período de escola para todas as crianças o que foi revolucionário Pois no contexto da revolução industrial inglesa a fábrica chegou a exercer papel contra a escola Conforme analisou Chesnais o trabalho nas manufaturas ao exigir mulheres e crianças tornou a escola supérflua e durante quase um século a procura escolar diminui a expansão industrial impede o desenvolvimento da escola começa a faltar braço e a escola não resiste à atração das manufaturas Fora do meio rural os progressos da instrução param até os anos 1840 vindo se juntar à concor rência da indústria a rapidez e principalmente o caráter anárquico da urbani zação complicam o trabalho de implantação das escolas78 45 A segunda metade do século renovação e vozes antipedagógicas Após a Segunda Guerra Mundial 19391945 quando o mundo se polari zou em dois blocos políticos antagônicos capitalismo e socialismo a educação seguiu as tendências políticas gerais Nos países capitalistas a pedagogia no 76 GRAMSCI Antonio Caderno 12 In GRAMSCI Antonio Cadernos do cárcere Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 p 3334 v 2 77 GRAMSCI Antonio apud MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüi dade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 334 78 CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 p 142143 103 âmbito da pesquisa e não da prática continuou a inspirarse nos movimentos inovadores dos quais Dewey foi o maior sistematizador Nos socialistas cresci dos ao redor da União Soviética a inspiração é sempre nas teses de Marx sobre a união entre instrução e trabalho Experiências marxistas além desses países ocorreram na Itália e na França percorrendo um caminho pedagógico baseado na hipótese comum ao marxismo e às escolas novas autogoverno cooperação par ticipação democrática trabalho diretamente produtivo com pequenas tipografias escolares segundo Manacorda Mas o fato é que a escola chegou aos nossos dias submetida a duas instâncias por um lado difundir a cultura desinteressada humanística que forma e nutre a inteligência e a pessoa por outro criar per fis profissionais Esse dilema como vimos está na origem da educação escolar desde os antigos gregos Como escreveu Cambi são duas instâncias conflitantes entre si que alimentaram os debates em torno da identidade da escola secundária em quase todos os países e levaram a soluções diferentes sublinhando como as duas exigências não são elimináveis e como esse problema permanecerá duran te muito tempo como um problema aberto a ser resolvido Outro fenômeno da época foi a progressiva mudança das orientações católi cas no campo da educação Desde o final do século XIX Estado moderno e Igre ja Católica aparecem em duas frentes opostas no aspecto da universalização e laicização da educação A tendência dominante era a da expansão e estatização da escola o que subtraía o tradicional espaço da Igreja Católica No contexto da expansão da escola e do papel do Estado a sua presença foi bastante reduzida mas poderíamos citar como testemunho da vitalidade dessa tradição a obra edu cativa de Dom Bosco que iniciada modestamente impôs por meio da Congrega ção Salesiana a presença católica no panorama educativo do mundo moderno A sua obra destacase tanto pela reflexão pedagógica como pela iniciativa de educação popular profissional Para Manacorda o sucesso de sua escola talvez se deva ao método misto de antigo e novo isto é de intransigência teológica e de bondade conjugada com severidade religiosa Em termos de orientação teológica já no século XX enquanto a encíclica de Pio XI 1929 declarava que a educação pertence de modo eminente à Igreja o Concílio Vaticano II 19611965 anunciava uma posição mais aberta admitin do que todos os homens de qualquer raça condição e idade têm direito a uma educação que corresponda ao seu próprio fim e seja adequada à sua índole à diferença de sexo à cultura e às tradições de seu país79 Essa orientação coin cidia com o pensamento de expoentes do catolicismo como Jacques Maritain e Emmanuel Mounier 79 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 337 104 À expansão escolar na segunda metade do século XX devem ser associa dos os diversos movimentos que especialmente na década de 1960 colocaram acento em antigas discriminações educacionais que ainda persistiam Estamos nos referindo especificamente a 1968 com as suas rebeliões estudantis Segun do Cambi o exemplo talvez mais alto da revolução cultural juvenil foi o maio francês isto é as lutas estudantis para conquistar transformações na escola na universidade e na política A crítica à ideologia escolar na França ficou expres sa principalmente na teoria de Louis Althusser cuja influência ultrapassou as fronteiras francesas Na Alemanha o movimento foi influenciado pela releitura do marxismo realizada pela Escola de Frankfurt e se colocou aberto a experiências mais libertárias como as de Wilhelm Reich que visava uma síntese entre psica nálise e marxismo Na Itália segundo Manacorda desde 1967 com a Lettera a una professoressa carta a uma professora uma crítica racional da escola foi escrita em primeira pessoa isto é pelos seus escolares constituindose antes de tudo em uma polêmica contra os professores como corporação Não poderíamos deixar de acrescentar aqui o movimento estudantil brasilei ro que também eclodiu em 1968 mas cujas condições amadureciam muito antes estavam vinculadas às lutas por democratização da universidade pública brasi leira desde o final da década de 1950 Com a instauração da ditadura militar em 1964 e com a iniciativa do governo em editar a reforma universitária sob ambiente de repressão os estudantes saíram às ruas Assim o que distingue o Brasil é o fato de que aqui o movimento estudantil ocorreu contra um regime ditatorial en quanto na Europa ele eclodia no momento de aprofundamento da democracia Para Cambi 1968 alimentou um amplo movimento no campo educativo es colar e pedagógico que incidiu em profundidade sobre a identidade da pedago gia segundo três direções Figura 47 Estudantes brasileiros protestam contra a ditadura militar 1968 105 1 trouxea de volta à sua fundamental politicidade já que a pedagogia é um saber também político e deve colocarse em sintonia com as forças sociais mais progressistas que trabalham para a emancipação do homem Política e utopia vêm conjugarse na pedagogia 2 a pedagogia deve ser revista criticamente na sua tradição pondo às claras suas insuficiências e condicionamentos sobretudo ideológicos desmascarandoos e projetando um pensarfazer educação que se emancipe dessa condição de subalterni dade sem cair porém no mito da ciência de uma neutralidade da ciência 3 a focalização de novos modelos formativos antropológicos sociais culturais que visam a uma condição desalienada da vida individual e social caracterizandoa no sentido libertário antiautoritário erótico e criativo que se colocam numa trajetória explicitamente utópica80 Nesse clima de revisão radical segundo o autor vieram se afirmando mode los alternativos que se orientavam sobretudo para princípios e valores outros em relação aos burgueses e capitalistas saturados de ideologia conformistaau toritária e repressiva Entre eles podem ser mencionados as pedagogias de au togestão na França da desescolarização Ivan Illich e ainda da experiência de contraescola na Itália 1967 Fora da Europa e atuando em um país cuja edu cação escolar ainda era destinada às elites devemos acrescentar Paulo Freire 19241998 com a elaboração de um método original de alfabetização de adultos centrado no princípio da educação como prática da liberdade 81 Uma das mais novas características da pedagogia do século XX foi a sua abertura para os problemas mundiais e nesse sentido foi nos países não eu ropeus onde se desenvolveu um complexo e inovador movimento de ideias e de práticas educativas renovando as teorizações pedagógicas De modo geral foram três os âmbitos em que se manifestaram a inovação e o alargamento da consciência pedagógica no século XX 80 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 624625 81 Fonte httpfotossapoptmZ6GkrwP6gR3Yk3f7Z5B Figura 48 Estudantes franceses em passeata pelas ruas de Paris maio de 1968 106 1 por meio dos estudos antropológicoculturais dedicados às práticas edu cativas junto a culturas não ocidentais 2 por meio das inovações peda gógicas nos países em desenvolvimento com processos de alfabetização mas também com práticas pedagógicas originais que tiveram ressonância também na Europa e nos EUA como ocorreu com Gandhi e a sua pedago gia da nãoviolência 3 por meio das campanhas de educação de adultos aplicando modelos de conscientização como fizeram Dolci e Capitini na Itália ou Paulo Freire no Brasil mas em anos sucessivos82 Para Franco Cambi a reviravolta que 1968 provocou ainda nos condiciona De fato continuamos às voltas com as questões teóricas sobre a finalidade da educação em nossa época e com as questões práticas que especialmente em países como o Brasil com graves desigualdades sociais ainda não encontraram solução Se o grande tema de 1968 era o da democratização da educação ele mantém a sua atualidade neste começo do século XXI 46 Considerações finais Ao encerrarmos essa trajetória da história da educação tendo por objetivo demonstrar como a escola se expandiu e se consolidou tornandose um direito de todos é necessário salientar que mesmo na Europa foi só com o segundo pósguerra 1945 que a escola se tornou de fato acessível a todas as crian ças Apesar dos grandes avanços da educação nesse século em extensas áreas do planeta ainda predominam a discriminação as dificuldades para frequentar a escola e até mesmo a exclusão de milhões de crianças do direito à educação escolarizada 83 82 Ibid p 588 83 Fonte httpwwwmstorgbr Figura 49 Crianças na escola do MST 107 Se retomarmos a tendência que vinha se delineando na Europa principal mente desde o século XVIII no sentido da estatização da instituição escolar cons tataremos que no século XX essa tendência se efetivou De fato se no passado a escola foi monopolizada pela Igreja Católica coube ao Estado moderno res ponsabilizarse por ela para que o direito a frequentála se estendesse a todas as crianças Mesmo assim essa foi uma passagem longa difícil e bastante desigual de país para país Vimos que após a não concretização do programa burguês no campo da educação universalidade estatalidade gratuidade laicidade renova ção cultural incorporação da temática do trabalho coube ao movimento socia lista a luta pelo direito à escola para todas as crianças pois conforme Engels as palavras mágicas de liberdade igualdade e fraternidade não mudaram o eixo do mundo ou seja a igualdade não passou de uma bandeira Por essa razão confor me estudamos o marxismo não rejeitou mas assumiu esses ideais endereçando à burguesia uma dura crítica pela incapacidade de realizar o seu programa além de dar um caráter mais radical e consequente dessas premissas e acrescentar uma concepção mais orgânica da união entre trabalho e formação intelectual na perspectiva de uma formação total omnilateral de todos os homens No século XX ao mesmo tempo em que a escola se expandiu tornouse mais suscetível ao controle ideológico o que a princípio pode parecer uma con tradição Mas foi também o processo de sua expansão aliado à prática de vida democrática que possibilitou o reconhecimento das suas contradições e depois a sua condenação Pois foi isso que 1968 mesmo com seus excessos e extremis mos significou Para Cambi esse foi um ponto de honra mesmo com todas as suas distorções riscos e desvios da escola contemporânea e que a diferenciou profundamente da tradicional passiva e autoritária84 O fato é que hoje submetida aos valores da sociedade de consumo da in dústria cultural da sociedade do espetáculo do poder da mídia a escola contem porânea se encontra em crise Mas olhando retrospectivamente será que algum dia em sua longa trajetória a escola viveu sem passar por crises Não esteve ela constantemente oscilando entre posições conservadoras e progressistas desde a Grécia Antiga Entretanto precisamos compreender os traços da crise atual A peculiaridade do presente além do que já expusemos nas linhas anteriores é que se no século XIX a escola ocupou a centralidade da vida social hoje parece não ser mais assim O progresso tecnológico ao qual já nos referimos ao mesmo tempo em que facilitou a difusão do conhecimento obscureceu a centralidade da escola de modo que ela hoje se defronta com a crise específica de definir seu papel em um mundo de economia globalizada numa sociedade informatizada e de consumo Começamos nosso texto didático chamando a atenção para o fato de que a escola não é a única instituição o único locus que transmite o saber 84 Ibid p 627 108 85 Hoje mais do que nunca o princípio de Platão segundo o qual não apenas a escola mas a sociedade como um todo educa é um princípio verdadeiro Mas então que papel lhe cabe Talvez como preconizou Manacorda caiba à esco la exatamente aquilo que ela ainda não cumpriu a formação humana plena tal como escreveu Pareceme que o caminho do futuro seja aquele que o passado nunca soube percorrer mas que nos mostrou em negativo descortinando suas contradi ções E estas foram e são entre a instrução dos dominantes para o dizer intelectual e dos dominados para o fazer produtivo entre a exigência de uma formação geral humana e a preparação de cada um para competências distintas como as do dizer e as do fazer entre máxima reverência que se deve à criança e o perpétuo recurso ao sadismo pedagógico com as inevi táveis conseqüências contestadoras entre a persistente predominância de um ensino lógicoverbal e a necessidade humana especialmente dos adolescentes de uma plenitude de vida instintiva emotiva e afetiva através de uma vida escolar que não exclua mas corresponda à sua vida real quer do corpo quer da mente com suas atividades artísticas produtivas e físicas colocadas no mesmo nível das atividades pseudo intelectuais Em suma a exigência de uma escola que de lugar de separação e de privações se transforme num lugar e numa plenitude de vida86 Franco Cambi por sua vez ao encerrar a análise sobre a educação do sé culo XX e apontar perspectivas para a atualidade assinalou que a escola contem 85 Fonte httpfotosdochongaswordpresscom20070112criancasnaguerra 86 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 360 Figura 410 Crianças africanas Angola mobilizadas para a guerra 109 porânea assume o perfil complexo que lhe é próprio nas sociedades industriais avançadas e democráticas e ainda hoje atravessa a oposição entre escola de massa e escola de elite entre escola de todos e escola profissionalizante orientada para um objetivo a oposição entre escola livre caracterizada pela liberdade de ensino como quer uma instância de verdadeira cultura na escola e escola conformativa a papéis sociais a papéis produtivos São justamente problemas abertos que ainda caracterizarão por muito tempo a escola de decênios vindouros é previsível e que devem ser enfrentados sem exclusivismos e sem fechamentos com a nítida consciência de que a escola contemporânea é ainda uma escola em transformação que procura dar resposta a situações sociais culturais e de mercado de trabalho profundamente novas e em contínuo devenir87 47 Estudos complementares Para conhecer um pouco mais sobre a concepção marxista de educação leia o artigo FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa A educação na perspectiva marxista uma abordagem baseada em Marx e Gramsci Interface Comunicação Saúde Educação Botucatu v 12 n 26 p 635646 julset 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdficsev12n26a14pdf Acesso em 28 jul 2009 471 Saiba mais John Dewey 18591952 Nasceu em Burlington Vermont EUA Em 1884 doutorouse em Filosofia e Pedagogia Foi nomeado instrutor de Filosofia na Universidade de Michigan onde sofreu influência das teorias de Hegel idealismo e William James pragmatismo individualismo Elevado a professor titular aí permaneceu até 1894 A partir des sa data foi nomeado professor de Filosofia e Pedagogia na Universidade de Chi cago Nessa universidade realizou uma das mais importantes experiências para a pedagogia contemporânea a criação em 1896 de uma escolalaboratório que durante sete anos serviu de experimentação às suas ideias pedagógicas para crianças de 4 a 13 anos Em 1904 passou a lecionar na Universidade de Colúmbia em Nova Iorque onde permaneceu até sua jubilação No primeiro 87 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 628 110 pósguerra iniciou uma série de viagens Japão China Turquia México URSS Escócia pelas quais o seu pensamento filosófico e pedagógico se difundiu e se afirmou como um dos instrumentos mais eficazes para enfrentar e superar a crise pósbélica Deixou uma obra extensa que teve começo com a publicação de Meu credo pedagógico 1897 A escola e a sociedade 1899 e Como pensamos 1910 O extenso rol de suas publicações foi intensificado nos anos 2030 e con cluído em 1949 com a sua última grande e original obra teórica Conhecimento e transação Além de um grande pedagogo teórico e prático foi também um grande filósofo que desenvolveu o pragmatismo americano buscando resultados racionalistacríticos metodológicos e éticopolíticos Morreu em 1952 Quadro 3 Século XX o século das crianças das mulheres da técnica e da democrati zação da educação Tendências Gerais Expansão dos sistemas educacionais na Europa e nos EUA Pensamento pedagógico marcado pelo debate entre a concepção marxista e a Escola Nova Primeira metade do século Segunda metade do século O pensamento de John Dewey learning by doing A concepção marxista de educa ção a formação omnilateral Desenvolvimento das experiências educativas baseadas na Escola Nova O socialismo e a educação a expe riência russa Pedagogia católica tentativa de renovação Os regimes totalitários a Segunda Guerra Mundial 19391945 e a educação O pósguerra e o papel da educação Anos 60 lutas operárias feminismo inovações católicas Concílio Vaticano II No Brasil movimento popular de alfa betização de adultos método Paulo Freire 1968 ano da revolta estudantil e juvenil Tomada de consciência da desigualdade educativa como aspecto da desigualdade social O fim da União Soviética 1991 e do socialismo real A educação na passagem do século XX para o XXI o neoliberalismo e os desafios da educação 111 472 Referências ABBAGNANO Nicola VISALBERGHI Aldo História da Pedagogia Tradução de Glicí nia Quartin Lisboa Livros Horizonte 1981 v 2 ARBOUSSEBASTIDE Paulo MACHADO Lourival Gomes Rousseau 17121778 Vida e Obra In ROUSSEAU JeanJacques 17121778 Do Contrato Social Ensaio so bre a origem das línguas Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Discurso sobre as ciências e as artes Tradução de Lourdes Santos Machado e notas de Paulo ArbousseBastide e Lourival Gomes Machado 2 ed São Paulo Abril Cultural 1978 Os pensadores CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Edito ra da UNESP 1999 CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Tradução de A Bastos Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 DEWEY John Vida e obra Experiência e natureza Lógica a teoria da investigação A arte como experiência Vida e educação Teoria da vida moral Traduções de Murilo Octávio Paes Leme Anísio S Teixeira Leônidas Gontijo de Carvalho 2 ed São Paulo Abril Cultural 1985 Os pensadores FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa A educação na perspectiva marxista uma abordagem baseada em Marx e Gramsci Interface Comunicação Saúde Educação Botucatu v 12 n 26 p 635646 julset 2008 GRAMSCI Antonio Caderno 12 1932 Apontamentos e notas dispersas para um gru po de ensaios sobre a história dos intelectuais In GRAMSCI Antonio Cadernos do cárcere Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 v 2 LÊNIN Vladimir Ilitch As tarefas das Uniões da Juventude In Lenine Obras escolhidas São Paulo AlfaOmega sd v 3 LUZURIAGA Lorenzo História da educação e da pedagogia Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J B Damasco Penna 12 ed São Paulo Companhia Editora Nacio nal 1980 Atualidades Pedagógicas v 59 MAKARENKO Anton Semiónovitch Problemas da educação escolar Tradução de Ma ria Pais Moscou Edições Progresso 1986 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez Editora 1989 MANACORDA Mario Alighiero Aos educadores brasileiros Tradução de Paolo Nosella e Patrícia Polizei Culhari Campinas HISTEDBRFEUNICAMP 2007 Entrevista conce dida a Paolo Nosella DVD Gravado na Itália em julho de 2006 ROSA Maria da Glória de A História da Educação através dos textos São Paulo Cul trix 1971 112 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação Tradução de Roberto Leal Ferrei ra 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 RUGIU Antonio Santoni Nostalgia do mestre artesão Tradução de Maria de Lourdes Menon Campinas Autores Associados 1998 SAVIANI Dermeval História das idéias pedagógicas no Brasil Campinas Autores As sociados 2007 Coleção memória da educação SOBRE A AUTORA Marisa Bittar Marisa Bittar é graduada em História pelas Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso professora titular de História da Educação na Universidade Federal de São Carlos atuando no ensino dessa disciplina desde 1993 É doutora em His tória Social pela USP e mestra em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul instituição na qual em 1987 iniciou sua carreira acadêmica atu ando no Departamento de História Antes de se tornar professora universitária exerceu a docência no ensino de História para o nível médio na cidade de Cam po Grande MS No Programa de PósGraduação em Educação da UFSCar âmbito no qual desde 2007 exerce o cargo de coordenadora já orientou treze mestrados e oito doutorados tendo recebido o prêmio CAPES 2008 de melhor tese orientada na área da Educação É autora de diversos artigos e coautora do livro Sindicalismo e proletarização de professores na ditadura militar 1964 1985 Desde 2008 é pesquisadora Produtividade em Pesquisa do CNPq Este livro foi impresso em março de 2012 pelo Departamento de Produção Gráfica UFSCar
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Coleção UABUFSCar da Antiguidade à época contemporânea História da Educação Marisa Bittar História da Educação Pedagogia História da Educação da Antiguidade à época contemporânea Coordenadora do Curso de Pedagogia Maria Iolanda Monteiro Reitor Targino de Araújo Filho ViceReitor Pedro Manoel Galetti Junior PróReitora de Graduação Emília Freitas de Lima UABUFSCar Universidade Federal de São Carlos Rodovia Washington Luís km 235 13565905 São Carlos SP Brasil Telefax 16 33518420 wwwuabufscarbr uabufscarbr Secretária de Educação a Distância SEaD Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali Coordenação UABUFSCar Claudia Raimundo Reyes Daniel Mill Denise AbreueLima Joice Otsuka Marcia Rozenfeld G de Oliveira Sandra Abib Conselho Editorial José Eduardo dos Santos José Renato Coury Nivaldo Nale Paulo Reali Nunes Oswaldo Mário Serra Truzzi Presidente Secretária Executiva Fernanda do Nascimento EdUFSCar Universidade Federal de São Carlos Rodovia Washington Luís km 235 13565905 São Carlos SP Brasil Telefax 16 33518137 wwweditoraufscarbr edufscarufscarbr História da Educação da Antiguidade à época contemporânea Marisa Bittar 2009 Marisa Bittar Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônicos ou mecânicos incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qual quer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar B624he Bittar Marisa História da educação da antiguidade à época contemporânea Marisa Bittar São Carlos EdUFSCar 2009 113 p Coleção UABUFSCar ISBN 9788576001683 1 Educação história 2 Civilização ocidental 3 Idéias pedagógicas 4 Democratização da educação I Título CDD 3709 20a CDU 37 091 Concepção Pedagógica Daniel Mill Supervisão Douglas Henrique Perez Pino Assistente Editorial Letícia Moreira Clares Equipe de Revisão Linguística Bruna Stephani Sanches Grassi Daniel William Ferreira de Camargo Daniela Silva Guanais Costa Francimeire Leme Coelho Jorge Ialanji Filholini Lorena Gobbi Ismael Luciana Rugoni Sousa Marcela Luisa Moreti Paula Sayuri Yanagiwara Priscilla Del Fiori Rebeca Aparecida Mega Sara Naime Vidal Vital Equipe de Editoração Eletrônica Edson Francisco Rother Filho Izis Cavalcanti Equipe de Ilustração Eid Buzalaf Jorge Luís Alves de Oliveira Nicole Santaella Priscila Martins de Alexandre Capa e Projeto Gráfico Luís Gustavo Sousa Sguissardi APRESENTAÇÃO 9 UNIDADE 1 Da primeira concepção de uma escola de Estado à hegemonia da Igreja Católica 11 Primeiras palavras 15 12 Problematizando o tema 15 13 A educação nas sociedades antigas Grécia e Roma 16 14 Mosteiros e catedrais as escolas cristãs da Idade Média 25 15 Humanismo e educação 30 16 A educação no século XVI as reformas religiosas e a escola 31 161 A Reforma e a escola 32 162 A Contrarreforma e a escola 33 17 Considerações finais 35 18 Estudos complementares 36 181 Saiba mais 36 182 Referências 37 SUMÁRIO UNIDADE 2 Escola e pensamento pedagógico nos séculos XVI e XVII 21 Primeiras palavras 41 22 Problematizando o tema 41 23 Crise de religiosidade reformas e educação 42 231 Duas experiências educativas dois pensamentos pedagógicos 42 232 A renovação pedagógica no século XVII 48 24 Considerações finais 52 25 Estudos complementares 52 251 Saiba mais 52 252 Referências 54 UNIDADE 3 O Estado burguês as lutas sociais e a educação nos séculos XVIII e XIX 31 Primeiras palavras 57 32 Problematizando o tema 58 33 As revoluções burguesas e a educação no século XVIII 59 331 JeanJacques Rousseau o pai da pedagogia contemporânea 63 332 Propostas e atuações para uma escola estatal 68 34 Duas experiências concretas entre o século XVIII e XIX 71 341 O ensino mútuo 72 342 A pedagogia de Pestalozzi 74 35 Sociedade industrial e educação entre as propostas positivistas e as socialistas 75 36 Considerações finais 79 37 Estudos complementares 81 371 Saiba mais 81 372 Referências 83 UNIDADE 4 A escola de Estado as novas teorias e as novas práticas educativas no século XX 41 Primeiras palavras 87 42 Problematizando o tema 88 43 A escola de Estado e o debate educacional 89 431 A Escola Nova 90 432 A educação no socialismo 95 44 A contribuição de Gramsci para a concepção marxista de educação 100 45 A segunda metade do século renovação e vozes antipedagógicas 102 46 Considerações finais 106 47 Estudos complementares 109 471 Saiba mais 109 472 Referências 111 9 APRESENTAÇÃO Apresentar este livro didático elaborado por Marisa Bittar tem para mim um significado especial ele coroa de forma emblemática uma dedicação ao ma gistério na área de História da Educação por mais de 15 anos pois acompanho a sua docência no âmbito do Curso de Pedagogia desde 1993 Durante esse interregno testemunhei a paixão pela qual se dedica tanto ao ensino quanto à pesquisa relacionada à disciplina forjada na Oficina de Clio a musa da História Assim esta História da Educação da Antiguidade à época contemporânea sin tetiza o seu orgânico apego acadêmico ao processo de formação dos educadores egressos da UFSCar e destinados em grande maioria à escola pública paulista Filiada epistemologicamente à concepção de História propugnada pelo edu cador italiano Mario Alighiero Manacorda a nossa professorapesquisadora in terpreta a sua História da Educação da Antiguidade Clássica ao século XX por meio de pontos de agulha que perfazem um alinhavo dialético entre os grandes acontecimentos revoluções abruptas e passivas que marcaram a História da chamada civilização ocidental com os episódios extraordinários que transforma ram o processo educativo de gerações e gerações de homens ao longo de quase 3000 anos ou seja da Ilíada de Homero à Era dos extremos tal como ficou designada a última centúria pelo historiador Eric Hobsbawm Portanto Marisa Bittar concebe a sua História da Educação mediante as complexas e contraditó rias relações que se manifestam entre o universal acontecimentos e o singular episódios Dito de outra forma a sua interpretação da História da Educação toma a particularidade do fenômeno educacional por meio da mediação que se estabelece entre o universal e o singular cosendo de maneira sistêmica tanto a estrutura e o acontecimento ápice de processos históricos como o episódico sob medida exercício análogo ao artesão que cinzela meticulosamente o objeto do seu ofício Mas tal qual seu mestre Manacorda Marisa costura a sua História da Edu cação com um fio condutor de cor vermelha Melhor ela está preocupada o tempo todo em explicar os caminhos tortuosos pelos quais a concepção de ho mem completo omnilateral formulada por Homero na sua epopeia percorreu depois do fim da Antiguidade grecoromana ou seja a sua concepção humanista de educação fundamentada nas artes do fazer base de sustentação material dos homens e do falar a expressão política das relações que os homens travam entre si plasma o seu texto de ponta a ponta Na mitologia grega quando Teseu chegou para lutar contra o Minotauro no intrincado Labirinto a filha do rei de Creta Ariadne apaixonouse pelo herói ateniense Para impedir que seu amado se perdesse nas entranhas do emaranhado covil após liquidar o monstro antropó fago a princesa minoica por recomendações de Dédalos o arquiteto construtor 10 do Labirinto ensinou como o príncipe ateniense deveria se aproximar do horrendo Minotauro para ferilo de morte e ao mesmo tempo entregoulhe um novelo de fios que ele ia desenrolando para marcar a volta dos caminhos tortuosos e esca par da formidável teia que formava o Labirinto do palácio de Minos Deste modo o fio de Ariadne salvou o herói Teseu depois de ele ter matado o Minotauro Para não se perder no imenso labirinto da História da Educação ocidental Marisa Bittar estabeleceu como seu fio de Ariadne tal como já foi dito o processo educativo que concebe o ser humano da mesma maneira que foi formulada pela tradição homérica e resgatada por Karl Marx durante a Revolução Industrial inglesa do século XIX ou seja o homem integral corpo e anima com base na escolaridade humanística tecnológica e física Para além do tom vermelho estabelecido para tecer o fio condutor quais são os traços educacionais significativos que saltam à vista na leitura desta História da Educação Dois merecem destaque a escola de Estado e o combate siste mático ao sadismo pedagógico O conceito de escola de Estado é utilizado por Marisa Bittar com o mes mo sentido que Marx empregou em a Crítica do Programa de Ghota isto é no âmbito de uma sociedade estruturada na propriedade privada dos instrumentos de produção e por consequência com a população dividida em classes sociais antagônicas os explorados não devem aceitar o Estado como educador do povo mas ao contrário a sociedade civil é que deve educar o Estado Com base nesse preceito Marx 1985 p 27 afirmava que uma educação do povo a cargo do Estado é absolutamente inadmissível Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias as aptidões exigidas ao pessoal docente as disciplinas ensinadas etc e como acontece nos Estados Unidos fiscalizar por meio de inspetores do Estado a execução destas prescrições legais é completamente di ferente de fazer do Estado o educador do povo Pelo contrário é preciso pelas mesmas razões banir da escola qualquer influência do governo e da Igreja As sim sendo a escola de Estado desde a sua origem até o século XX atravessou uma longa trajetória marcada por conjunturas históricas nas quais nem sempre pôde concretizar os ideais mais radicais de universalização estatização laicidade e gratuidade inscritos nos movimentos revolucionários burgueses Neste sentido no final do século XIX quando Marx formulou sua crítica ao capitalismo assinalou que a burguesia não fora capaz de concretizar os próprios princípios que havia preconizado para a educação Ou seja Marx não rejeitou esses ideais mas os incorporou como válidos estabelecendo a crítica à burguesia não por têlos for mulado mas sim por não têlos cumprido integralmente Por isso é importante reconstruir os caminhos que a escola de Estado percorreu na forma de uma sín tese explicativa das múltiplas condicionantes históricas que a perpassaram desde a Antiguidade Clássica aos dias atuais 11 Já em relação ao sadismo pedagógico Marisa manifesta a mesma crítica demonstrada por Mario Manacorda a respeito da violência cometida particular mente pelos mestres contra os seus alunos Derivado entre outras consequên cias do método mnemônico de ensino o sadismo pedagógico foi um triste traço que marcou a História da Educação da Antiguidade grecoromana ao século XX Referindose a esse nefasto procedimento pedagógico Manacorda 1989 p 92 observou Além do sadismo pedagógico generalizado e do enfado de uma didáti ca repetitiva pelo menos no que diz respeito aos primeiros níveis de instrução é exatamente o abismo que separa a escola da vida a insignificância de seus con teúdos que coloca essa escola em discussão não somente entre os incultos que não chegam a ver seus aspectos positivos mas também entre os filósofos sérios e entre os melhores Em síntese essa História da Educação com a qual Marisa Bittar nos brinda inscrevese na tendência pedagógica que defende a escola pú blica laica e para todos como um dos principais locus societários de produção e reprodução do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade mas ao mesmo tempo vinculase também à tradição humanista que estabelece a crí tica radical às pedagogias que usaram e abusaram da violência física e simbólica engendrada no transcorrer do processo histórico que institucionalizou a escola Por fim gostaria de salientar a importância da História da Educação para o processo de formação dos educadores Parto do princípio de que o cotidiano escolar contemporâneo só pode ser compreendido se os seus protagonistas e os professores em particular possuírem uma sólida fundamentação na História da totalidade societária na qual o próprio fazer pedagógico se encontra inserido Assim sendo a Oficina de Clio se constitui num verdadeiro oráculo para a prá xis educacional de todos aqueles que estão envolvidos cotidianamente com os processos de ensino e de aprendizagem das novas gerações de seres humanos Entender a essência do ofício de ensinar passa necessariamente pela reflexão crítica do pretérito no qual o acontecimento do momento está profundamente entranhado pois a educação dos protagonistas do tempo que há de vir depende da dialética que se estabelece entre o presente e o passado É com base neste entendimento que considero a História da Educação da Antiguidade à época contemporânea produzida por Marisa Bittar um instrumento teórico importante para a formação dos alunos do Curso de Pedagogia da UFSCar Amarilio Ferreira Jr São Carlos 10 de agosto de 2009 UNIDADE 1 Da primeira concepção de uma escola de Estado à hegemonia da Igreja Católica 15 11 Primeiras palavras Este texto trata das primeiras formas de educação que as sociedades ociden tais praticaram especialmente gregos e romanos de quem herdamos princípios e ideias Pelo fato de fazermos parte do mundo ocidental iniciamos o nosso es tudo por essas matrizes do pensamento grecoromano as quais depois mesmo suplantadas pelo cristianismo foram em parte incorporadas por ele resultando num amálgama entre a matriz originária com a concepção monoteísta religiosa derivada do judaísmo ou seja o cristianismo Essa nova forma de conceber o mundo se expandiu por todo o antigo Império Romano a partir do século I depois de Cristo tornandose hegemônica por volta do século V e vindo a se configurar na identidade cultural do Ocidente Nas sociedades escravistas da Antiguidade a educação escolar não era um direito de todos mas sim privilégio de poucos Dessa forma foi de grande importância a primeira proposição de uma escola de Estado preconizada pelo filósofo Aristóteles A partir daí a educação contou com defensores que a enten diam como um direito de todos e teve contra si os que temiam a sua expansão por acreditarem que ao se tornar de todos ela seria rebaixada ao nível das mul tidões perdendo qualidade Nesta Unidade percorreremos o caminho iniciado no mundo antigo até o século XVI quando ocorreram as primeiras iniciativas para a construção de uma escola estatal Nesse longo percurso será fundamental compreendermos o sur gimento da escola no mundo ocidental a concepção de uma escola de Estado a cargo do poder público a substituição dessa concepção no momento em que o cristianismo se torna pensamento hegemônico no mundo ocidental as formas de escola mantidas pela Igreja Católica durante a Idade Média e por fim a ruptura interna no mundo cristão ocasionada pelas chamadas Reformas Protestantes século XVI que irão resultar em importantes mudanças na concepção e prática da educação no mundo ocidental Permeando esses temas também nos preocu pamos em mostrar quem eram os mestres e os alunos como eram tratadas as crianças e o que era importante aprender 12 Problematizando o tema Você sabia que nem sempre a escola utilizou a escrita como meio de apren dizagem Que antes da sua institucionalização a aprendizagem se baseava na música e na ginástica Que a concepção que temos hoje de escola é diferente daquela praticada pelos povos antigos e que houve um tempo no qual nem mes mo havia separação dos estudantes por grupos etários Bem se isso lhe era des conhecido certamente você sabia que nem sempre meninos e meninas puderam 16 conviver no mesmo espaço escolar não é mesmo Esta Unidade tratará de temas como esses procurando contribuir para que você compreenda que tudo isso foi e continua sendo um processo construído historicamente ou seja que nem sempre existiu Por exemplo como e quando surgiram as primeiras ideias sobre meninos e meninas frequentarem o mesmo espaço escolar Por que durante longos séculos não era importante separar as crianças e jovens por grupos etários E a expansão da escola para as camadas populares como e onde começou 13 A educação nas sociedades antigas Grécia e Roma Desde que os homens passaram a viver em sociedade a educação esteve presente ou seja todos os agrupamentos humanos em qualquer nível de seu desenvolvimento praticaram e praticam a educação primeiramente no ambiente familiar Foi assim que aconteceu nas sociedades da Antiguidade que existiram milênios antes do nascimento de Jesus Dessa forma educação não é o mesmo que escola Esta última é uma invenção da humanidade no seu processo histórico para difundir o conhecimento de forma sistematizada As primeiras notícias que temos sobre a escola nos mostram que só tinham direito a frequentála os filhos das classes sociais privilegiadas Foi assim no Egi to cuja supremacia foi reconhecida pelos gregos educadores dos romanos e pelas posteriores manifestações cristãs As duas culturas grecoromana e cris tã incorporaram elementos do Oriente Próximo reconhecendo nos egípcios a origem da cultura da sabedoria da instrução Testemunhos históricos de aproximadamente 2450 aC registram o valor político da educação egípcia na qual o falar bem era o conteúdo e o objetivo do ensino A primeira experiência educativa sobre a formação do homem político provém do Egito e pode ser resumida da seguinte forma a palavra que convence Ou seja não se referia à instrução intelectual do escriba ou do sacerdote mas sim à do futuro governante Assim o falar bem era prerrogativa da ação política Da palavra às letras aparecia claramente a profissão de escriba que perante os jovens se apresentava com uma perspectiva de ascensão social pois consistia essencialmente em dar ordens e ser enviado como mensageiro Isso significa va transmitir ordens uma função de prestígio e autoridade que pressupunha a aquisição de habilidades adquiridas em uma verdadeira escola que não existia para os demais ofícios Por ser uma profissão não sujeita a receber ordens de ninguém ficou registrado nos papiros antigos que quem soubesse escrever es taria melhor do que em todos os demais ofícios Ser escriba significava estar a salvo da fadiga da enxada dos patrões e superiores Entre as especializações do escriba sobressaía a função de ensinar a escrita a algum filho assim geralmente o escriba se tornava também mestre dos filhos do rei 17 Adiante na época de Ramsés cerca de 15521069 aC alguns documen tos informam melhor sobre o segundo aspecto da formação dos dirigentes a preparação física em vista da guerra além da natação eram praticados tiro com arco corrida caça e pesca Outra característica educativa oriunda do antigo Egito e passada ao mundo ocidental foi a hipótese do aluno indisciplinado e a prática das punições corporais Os papiros nos revelam Não passes o dia na ociosida de ou serás surrado Disseramme que abandonaste a escritura e ficas andan do à toa Teu ouvido é surdo e te tornaste como um asno que precisa ser puni do Mas eu farei parar que teus pés vadiem pelas ruas quando te surrar com chicote de hipopótamo1 Andar à toa cair na gandaia e vadiar pelas ruas eram motivos recorrentes de castigos enquanto a destreza da mão na escrita era sinal de maturidade intelectual Era essa a tradição dos ensinamentos egípcios e que continuou após a conquista grega e a institucionalização de um grande centro de cultura helênica em todo o Oriente conquistado por Alexandre Magno Aspectos da educação egípcia embora com características próprias serão encon trados na Grécia Antiga segundo nos tes temunham autores como Heródoto Platão e Diodoro de Sicília Antes de tudo predomi nava a separação dos processos educativos segundo as classes sociais porém menos rígidos e com tendência à democracia Tam bém nessa sociedade de base escravista encontraremos um modelo educativo para a classe dominante com objetivo de formála para as tarefas do poder Em contrapartida para os trabalhadores nenhuma escola só o treinamento para o trabalho Nessa sociedade a concepção de educação que vigorou durante séculos foi formulada pelo poeta Homero e depois incorporada pelos filósofos Platão 427 aC348 aC e Aristóteles 384 aC322 aC Ela previa dois momentos educativos na vida das crianças e jovens das classes so ciais dominantes o fazer e o falar O primeiro dizia respeito à preparação para a guerra o segundo à política Ou seja os indivíduos dessas classes deveriam ser guerreiros na juventude e governantes na velhice Esses dois momentos eram realizados apenas pelos componentes da classe dominante e a sua prática era entendida como necessária para formar o homem omnilateral completo um modelo de educação que previa a formação intelectual e física Entretanto pou cos tinham esse privilégio Toda a educação deveria ter como objetivo o futuro exercício do poder político Essa ideia embora tenha sido preconizada há mais 1 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 32 Figura 11 Instrução de menino grego 18 de cinco séculos antes de Cristo ainda é muito presente na associação que se faz hoje entre saber e poder Além da educação familiar a forma que primeiramente predominou na Gré cia Antiga foi a ginástica e a música Por que isso Porque a escrita ainda não era utilizada como meio de aprendizagem Quando surgiu ela era reservada para ou tros fins como o registro de acontecimentos importantes e épicos por exemplo as guerras Por essa razão mesmo entre os soberanos era comum o não saber ler e escrever Para suprir essa necessidade havia os escribas tal como no Egito Antigo Ora não sendo a escrita utilizada para fins escolares a maneira de adqui rir o conhecimento ocorria por meio da memorização Nesse caso as cantilenas tinham um papel importante Já a ginástica tinha função mais específica nessa sociedade em que os jovens deveriam se exercitar para a guerra Desse modo os mestres mais prestigiados no início da história da educação eram os de música citarista e os de ginástica pedotriba 2 Na Grécia Antiga o aparecimento da polis entre os séculos VIII e VII aC constitui um acontecimento decisivo analisado por JeanPierre Vernant como uma verdadeira invenção por meio da qual a vida social e todas as relações entre os homens tomam uma forma nova O que caracteriza o sistema de polis é primeira mente segundo ele uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder O poder da palavra a força da persuasão supera a antiga forma ritual religiosa ou os ditos do rei de outras civilizações e passa a ser o debate contraditório a discussão a argumentação com exceção de Espar ta onde os lacedemônios preferirão exercitarse nos combates mais do que nas controvérsias A arte política entre os gregos era essencialmente o exercício da linguagem Uma segunda característica da polis era o cunho de plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social 2 Fonte httpimagesgooglecombrimagesgbv2hlptBRqeducaC3A7C3A3o nagreciaantigasaNstart60ndsp20 Figura 13 Prática de esporte em desenho de vaso grego Figura 12 Educação intelectual na Grécia Antiga 19 Podese mesmo dizer que a polis existe apenas na medida em que se distinguiu um domínio público nos dois sentidos diferentes mas solidários do termo um setor de interesse comum opondose aos assuntos priva dos práticas abertas estabelecidas em pleno dia opondose a processos secretos3 Observamos então que na Grécia Antiga havia uma relação entre a polis o poder da palavra e a escrita Essa relação não estava posta no mundo de Homero ou Hesíodo que são anteriores ao regime da cidade No quadro da cidade era a palavra que consistia no instrumento da vida política Quanto à escrita era ela que poderia possibilitar uma cultura comum e permitir uma divulgação de conhe cimentos previamente reservados ou mesmo interditados Tomada dos fenícios e modificada por uma transcrição mais precisa dos sons gregos a escrita poderá satisfazer a essa função de publicidade por que ela própria se tornou quase com o mesmo direito da língua falada o bem comum de todos os cidadãos4 Ainda segundo o autor as mais antigas inscrições em alfabeto grego que conhecemos mostram que desde o século VIII aC a escrita não mais se consti tui de um saber especializado reservado a escribas mas de uma técnica de am plo uso livremente difundida no público Assim ao lado da recitação decorada de textos de Homero ou de Hesíodo que continuava sendo tradicional a escrita passa a constituir o elemento de base da paideia grega Dessa forma é possível compreender o alcance da reivindicação que surgiu desde o nascimento da cida de a redação das leis Pois ao escrevêlas o que se pretendeu foi assegurarlhes permanência e fixidez Escapavam da autoridade dos que diziam o direito para tornarse bem comum regra geral O advento da polis se associa ao nascimento da filosofia revelando que o estreito vínculo entre essas duas ordens de fenôme nos é que faz com que o pensamento racional apareça em suas origens cau datário das estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega e recolocada na história a filosofia se despoja do caráter de revelação absoluta que às vezes lhe foi atribuído A escola do alfabeto começou a ser praticada na Grécia Antiga por volta do século V aC atraindo para si a resistên cia dos conservadores Segundo estes introduzir a escrita na escola poderia resultar em que os jovens negligenciassem a memória Era esse o temor de Platão 427 aC348 aC E só podemos compreender a razão dessa resistência porque 3 VERNANT JeanPierre As origens do pensamento grego 6 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 p 35 4 Ibid p 36 Figura 14 Homero 20 tradicionalmente se fazia grande apelo à memória auditiva por meio da qual os alunos aprendiam de cor principalmente a Ilíada e a Odisseia já que Homero era tido apesar das críticas de Platão como uma fonte de sabedoria Ainda segundo ele a educação dos filhos da aristocracia não deveria conter qualquer aspecto prático no sentido de profissionalização mas tão somente visar a sua própria formação cultural Quanto a Aristóteles 384 aC322 aC ele não combateu a escrita com finalidade escolar mas herdou do mestre o princípio segundo o qual qualquer educação com finalidade prática isto é que visasse profissionalização seria indigna de um cidadão Só eram considerados cidadãos os homens os não estrangeiros e os proprietários A educação com finalidade prática não era digna do cidadão porque o trabalho numa sociedade escravista era associado à condi ção de escravo Para Aristóteles o escravo era um instrumento de produção e um ser humano pertencente não a si mesmo mas a outra pessoa É um escravo por natureza quem é suscetível de pertencer a outrem e por isto é de outrem e participa da razão somente até o ponto de apreen der esta participação mas não a usa além deste ponto os outros animais não são capazes sequer desta apreensão obedecendo somente a seus instintos5 Segundo o filósofo no que diz respeito ao ofício dos mestres quem ensi nasse por dinheiro isto é para receber um salário era indigno vil e mercenário Para um homem livre era digno apenas ensinar a parentes ou a amigos mas vergonhoso ensinar por dinheiro O próprio Aristóteles praticou este princípio pois foi preceptor de Alexandre o futuro rei da Macedônia a quem ensinou filosofia Nesse contexto histórico o mestre de bêábá era o menos prestigiado pois na carreira educativa tal como ensinar música e ginástica ser mestre de retórica filosofia também era importante Vemos aqui um aspecto que na história da educação perpassou os séculos na carreira docente ainda hoje pelo menos no Brasil os professores das primeiras letras aqueles que exercem a importante tarefa de alfabetizar ainda não tiveram o seu trabalho devidamente reconhecido Apesar de ser uma sociedade escravista dividida em classes sociais anta gônicas foi na Grécia Antiga que surgiu a primeira ideia de uma escola de Esta do e quem a elaborou foi o filósofo Aristóteles Preocupado com o bem comum da polis a cidadeEstado ele entendia que se a finalidade do Estado era única isto é propiciar o bem comum só uma educação igual para todos os cidadãos a cargo do Estado e pública seria capaz de atingir esse fim único Assim ele se posicionou contrário à educação privada isto é a cargo da família Na sua época fim do século IV aC ele informa que na maioria das cidades a educação era 5 ARISTÓTELES Política 2 ed Brasília Editora da UnB 1988 p 19 21 privada mas mostrase favorável a que a educação fosse uma preocupação dos legisladores pois a responsabilidade de educar deveria ser pública e não particu lar como cada um fazia dando aos filhos a educação que lhe agradasse Vejamos exatamente como ele formulou esse princípio Mas como há um fim único para a cidade toda é óbvio que a educação deve ser um encargo público e não privado à maneira de hoje atualmente cada homem supervisiona a educação de seus próprios filhos ensinandolhes em caráter privado qualquer ramo especial de conhecimento que lhe pareça conveniente Ora o que é comum a todos deve ser aprendido em comum Não devemos pensar tampouco que qualquer cidadão pertence a si mesmo mas que todos pertencem à cidade pois cada um é parte da cidade e é na tural que a superintendência de cada parte deve ser exercida em harmonia com o todo Quanto a este aspecto devese louvar os lacedemônios pois eles dão a máxima atenção à educação das crianças e fazem dela um en cargo público É claro portanto que tem de haver uma legislação pertinente à educação e que ela deve ser um encargo público6 Depois de tratar das funções do Estado o filósofo assinala que deveria ser motivo de preocupação o que ensinar aos jovens as matérias úteis à vida ou os co nhecimentos mais elevados Ele trata ainda da educação para as artes e do trei namento do escravo distinguindo o que se faz para a utilização e o que se faz para o conhecimento Distingue razão prática e razão teórica discutindo por fim as qua tro disciplinas já consolidadas na escola gramática ginástica música e desenho As letras não consideradas por Platão aparecem em primeiro lugar O mais im portante contudo é que ele exclui na educação dos cidadãos toda disciplina que objetive o exercício profissional pois o homem livre deve visar a própria cultu ra Manacorda nos adverte que aqui ele segue o seu mestre pois Platão já disse ra Não para o ofício téchne mas para a educação paidéia7 Em resumo o princípio da escola estatal foi uma grande conquista do pen samento ocidental mesmo que relacio nado aos filhos dos cidadãos ou seja para a classe social proprietária de terras 6 Ibid p 267268 7 PLATÃO apud MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 57 Figura 15 Platão e Aristóteles detalhe da tela A Escola de Atenas de Rafael 22 e de escravos Esse foi um limite resultante da própria condição estrutural daquela sociedade escravista mas mesmo assim foi uma concepção de enorme valor para a história da educação pois foi a partir dela que o princípio de escola mantida pelo Estado com finalidade cívica política passou a fazer parte da preocupação de todos aqueles que se empenharam para que o direito à educação se estendes se a todos O modelo de educação grega como vimos tinha como objetivo a formação do cidadão Por essa razão dizemos que ela apresentava um caráter político Mas isso no sentido de que na sociedade humana as pessoas atuam e vivem esta belecendo relações e para Aristóteles esse viver em sociedade deveria buscar o bem comum Nesse sentido é que a educação tinha caráter político Quando Roma conquistou a Grécia acabou incorporando a sua cultura e com isso o seu modelo de escola Isso nos mostra que apesar de os romanos terem sido ven cedores na sua política expansionista a cultura do povo vencido acabou prevale cendo A partir de então essa cultura passou a ser chamada de grecoromana E foi por meio do imperialismo romano que as concepções filosóficas gregas se tor naram comuns a todos os povos conquistados permanecendo como princípios que séculos mais tarde voltariam a influenciar todo o mundo ocidental Antes de deixarmos a Antiguidade vale a pena observarmos como era a vida nas escolas Tratemos agora do método que era baseado na memorização e na repetição método mnemônico A criança era tratada como um adulto não existindo um método específico para a sua aprendizagem e quando ela não cor respondia às expectativas do mestre era comum o castigo físico denominado por Manacorda de sadismo pedagógico Mas segundo esse autor as agressões ocorriam também de alunos contra mestres especialmente se considerarmos que a maioria dos mestres de bêábá era de origem popular escravos ou exescravos Nesse contexto o pedagogo cujo tra balho consistia em acompanhar a criança até o local de sua aprendizagem também era a princípio um escravo A educação das crianças e jovens seguia a seguinte trajetória a partir do século V aC primeiro os pais depois nutriz ama e pedagogo em seguida a figura do gramático que ensinava o bêábá o citarista professor de música e o pedotriba professor de ginástica enfim aos cuidados da cidade a aprendizagem das leis isto é dos deveres e direitos do cidadão A influência grega de uma educação não familiar mas institucionalizada na escola será muito marcante em Roma A esse respeito Manacorda afirma que as resistências contra essa aculturação foram vãs porque o modelo grego de escola acabou prevalecendo e cita as palavras de Horácio para quem a Grécia conquistada conquistou o seu rude vencedor 23 A vitória da escola de tipo grego em Roma representa afinal um fato his tórico de valor incalculável mediante o qual a cultura grega tornouse patri mônio comum dos povos do império romano e depois foi transmitida durante milênios à Europa medieval e moderna e enfim à nossa civilização como premissa e componente indispensável à sua história8 No final do século IV aC e início do III aC a escola em Roma era uma instituição normalmente difundida embora uma verdadeira escola de nível mais elevado gramática e retórica surgisse somente em 169 aC De acordo com o autor a introdução desse novo nível de instrução encontrou obstáculos pois não se tratava mais só de aprender as letras do alfabeto para fins práticos de um povo de cidadãossoldados A gramática que inicialmente era apenas a arte de ler e escrever evoluiu para um aprendizado de cultura geral crítica aos textos literatura Ela não era utilizada em Roma e muito menos ainda honrada porque o seu povo era rude e belicoso e pouco se dedicava às disciplinas liberais segundo registrou o escritor Suetônio e também a retórica exatamente como a gramática foi aceita tardiamente e com dificuldade ainda maior Quanto ao preconceito contra a educação com finalidade prática a mesma teorização de Platão e Aristóteles aconteceu em Roma um cidadão livre poderia dedicarse a atividades artísticas e literárias não como exercício de uma profissão mas somente como uma atividade cultural desinteressada Cícero 10643 aC por exemplo distinguiu as profissões liberais das indignas não reconhecendo po rém nem nas primeiras alguma dignidade civil Aliás a esse respeito ainda era marcante o que escrevera o poeta Virgílio 7019 aC ao romano só cabia a arte de governar e impor a paz ao mundo 8 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 83 Figura16 Educação de meninos romanos aproximadamente ano 200 da era cristã 24 Mas depois Quintiliano aproximadamente 3595 dC fará a sistematização das disciplinas propondo um programa ideal de estudos que após a aprendizagem inicial do alfabeto tinha na escola de gramática uma escola de cultura geral con dição para prosseguir com o ensino da retórica para ele o mais importante Sendo a escola de retórica uma criação dos gregos é possível avaliarmos o quanto a es cola romana tinha de próprio Na concepção de Quintiliano a escola de gramática formaria o homem culto capaz de falar bem e entender os autores Para isso se riam necessárias outras disciplinas fundamentais como a música a astronomia a filosofia natural ciências e a eloquência cujo estudo se completaria com um nível mais elevado a escola de retórica Quintiliano não era romano de nascimento mas recebeu parte de sua educação em Roma ouvindo assiduamente os oradores da época e foi o primeiro a receber um salário oficial como professor conquistando ri queza e fama A sua concepção sobre o objetivo da educação formar um homem de caráter elevado e cultura geral e não um pedante viria a se harmonizar com a dos humanistas do século XVI Por essa razão sua obra granjearia considerável reputação na época do Renascimento Foi na Roma Antiga que surgiu a primeira iniciativa governamental em favor dos mestres No ano 6 aC na ocasião de uma carestia o imperador Augusto ao expulsar da cidade para poupar alimentos todos os estrangeiros e parte dos escravos em serviço excluiu dessa expulsão médicos e mestres Ainda na Roma Antiga foi fixado o primeiro salário estatal para uma cá tedra de retórica Para termos uma ideia do grau de prestígio das profissões em 301 dC um pedagogo recebia por cada criança 50 denários mensais o mesmo salário do mestre que ensinava o alfabeto já o orador ou sofista 250 denários mensais por cada discípulo enquanto o advogado recebia por causa 1000 denários É importante compreendermos que no período de decadência do Império Romano começou a se fortalecer o cristianismo a princípio combatido por Roma mas que acabou se tornando religião oficial em 391 substituindo as antigas re ligiões do mundo grecoromano e estabelecendo o princípio de uma divindade única onipresente e onipotente princípio este originariamente judaico Nos pri meiros séculos quando o cristianismo ainda era judaísmo já se estabeleceu o conflito entre as duas concepções de mundo no interior do Império Romano a judaicocristã e a grecoromana Esse conflito se estendeu a todas as formas de manifestação cultural incluindo a educação e o resultado será a substituição da paideia grega pela cristã por volta do século V dC Esse foi um longo processo marcado inicialmente pelo diálogo entre a tradição grega e a nova religião que incorporou elementos da paideia antiga mas pregou uma visão de educação antiintelectual uma vez que o curriculum passou a se basear na aprendizagem dos textos considerados sagrados para os cristãos 25 14 Mosteiros e catedrais as escolas cristãs da Idade Média A transição da Antiguidade para a Idade Média se deu com a implantação do sistema feudal de produção e com a consolidação do cristianismo como uma nova visão de mundo Esse processo foi longo e resumidamente teve os se guintes passos 1 desde a morte de Jesus acontecimento que se convencionou datar de século I dC as suas ideias e pregações especialmente por meio do apóstolo Paulo se expandiram por todo o território do Império Romano vindo a se constituir no cristianismo que se tornou religião oficial do mundo romano em 391 2 devido às sucessivas crises políticas econômicas escravismo e sociais cristianismo em 395 ocorrerá a divisão do Império em Ocidente e Oriente e em 476 dC será deposto o último imperador do Ocidente 3 a partir do século VI alguns reinos romanobárbaros já se implantavam em território do Império Roma no do Ocidente onde a única autoridade política autenticamente romana passou a ser o papado 4 ao contrário do Ocidente região na qual o modo de produção escravista evoluirá para o feudalismo com descentralização política o Império Romano do Oriente conservará a sua unidade e força Desse modo durante a chamada Idade Média três centros de poder tão diferentes entre si se enfren tarão numa complexa luta ideológica e militar o papado a autoridade política do Império Romano do Oriente e a nobreza feudal dos reinos romanobárbaros Nos primeiros séculos desse período a paideia grega é substituída pela cristã e essa nova concepção de mundo centrada na ideia de um Deus único onipotente e onipresente passou a determinar o traço fundamental da educa ção medieval a formação do cristão A educação perde o caráter político herda do dos gregos e que visava a formação do cidadão passando a ser ministrada pelos padres da Igreja Católica Eram eles os poucos letrados em uma Euro pa quase toda analfabeta dessa forma todo o conhecimento ficou sob controle da Igreja que determinava o que podia e o que não podia ser lido por exemplo Aliás o empobrecimento cultural nessa época foi geral atingindo também o Im pério do Oriente onde em 529 Justinia no fechou a gloriosa escola filosófica de Atenas golpeando a já vacilante tradição clássica dos estudos liberais Mas foi no Império do Ocidente que a cultura clássi ca sofreu maior repúdio e esquecimento Conforme Manacorda 1989 ali entre Figura 17 Escritor medieval 26 os homens de igreja chegou um momento em que foi necessário proibir o ingres so ao sacerdócio daqueles que não conhecessem as letras Assim se o Concílio de Cartago 400 dC se preocupara em proibir aos bispos a leitura de textos clássicos o concílio de Roma 465 dC enfrentou um problema elementar não é mais a disputa entre a paideia de Aquiles grecoromana e a paideia de Cristo mas o problema da total ignorância dos eclesiásticos Como prova dessa igno rância no sínodo romano de 499 observouse que havia bispos que não sabiam assinar o próprio nome Nesse contexto o ensino da gramática que no passa do conforme vimos com Quintiliano tinha finalidade de propiciar cultura geral ao educando passou a ter caráter instrumental ou seja era necessário conhecer as letras exclusivamente para ler as Sagradas Escrituras 9 O aspecto novo da pedagogia cristã foi herdado da cultura judaica da qual ela descendia e consistia em não considerar a educação um direito apenas dos filhos da classe dominante Por princípio o cristianismo não aceitou a antiga tra dição que excluía as classes populares da instrução Mas isso em tese devemos frisar pois na prática poucas delas chegaram à escola E que escola era essa Ora numa sociedade que vivia uma transição do escravismo para o feudalismo e na qual a vida urbana declinava em favor das atividades no campo produção feu dal eram muito poucas as cidades e o empobrecimento cultural enorme Assim dois tipos de escola foram predominantes 1 nos centros urbanos as catedrais onde se ensinava o alfabeto e nas quais as crianças de classes sociais populares antes segregadas passavam a aprender o alfabeto 2 nos mosteiros cenóbios longe da vida urbana e nos quais viviam reclusas as ordens religiosas praticava se a formação para os próprios quadros da Igreja Nesta última modalidade de 9 Fonte httpimagesgooglecombrimageshlptBRqcenobiomedievalbtnGPesquisar imagensgbv2aqfoq Figura 18 Cenóbio beneditino de São Salvador de Travanca fundado em meados do século XII 27 educação era frequente que crianças de origem humilde escravas de ultramar fossem resgatadas pelos mosteiros além daquelas que lhes eram oferecidas pe los pais chamadas oblatos Em ambos os casos a educação tinha caráter de aculturação isto é o seu objetivo era formar o cristão Quanto ao método a escola cristã herdou do costume hebraico a enfado nha e obsessiva didática da memorização e repetição coral do aprender de cor acrescidos do ler em voz alta embora São Bento Agostinho 354430 dC e mais tarde Isidoro de Sevilha recomendassem a leitura silenciosa como mais aceitável aos ouvidos Grande parte do ensino efetuavase de forma catequética isto é em forma de diálogo entre mestre e discípulo tudo em latim mas cujas respostas deveriam ser exclusivamente aquelas esperadas pelos mestres com pouca ou nenhuma atenção ao ensino da escrita segundo Manacorda Para as transgressões e deficiências no estudo ou nos erros cometidos no canto das orações o de sempre a correção não era realizada somente com palavras mas com castigos O feudalismo e a cultura cristã operaram uma distinção no antigo binômio re presentado pelo dizer e o fazer herdado da Antiguidade Agora esses dois mo mentos que haviam sido pensados para a formação dos filhos da classe dominan te estão separados pois o dizer no contexto medieval cristão era exercido pelo clero que detinha o saber já o governo era prerrogativa dos nobres Considerando que a guerra ainda era importante meio político de domínio surgirá uma educação cavaleiresca destinada a preparar para o fazer das classes dominantes Figura 19 Educação intelectual de menino na Idade Média 28 A Idade Média às vezes é tida como o período das trevas mas se assim fosse como entender o nascimento da universidade em pleno ano 1000 Pois foi numa Europa cujo comércio e vida urbana começavam a se revigorar que a con fluência entre mestres doutores e clérigos vagantes ou goliardos estudantes que deixavam temporariamente os mosteiros deu origem à universidade uma das heranças culturais mais significativas da Idade Média As universidades a princípio eram simplesmente encontros entre as duas partes interessadas no conhecimento uma corporação de estudantes e mestres funcionando no interior das catedrais portanto houve uma continuidade entre escolas episcopais nas catedrais e universidades que também nasceram sob o poder da Igreja Católica Era ela que concedia com exame prévio dos títulos de estudo a autorização para ensinar licença docente Os três primeiros campos de conhecimento que se constituíram em faculda des na Idade Média foram artes liberais medicina e jurisprudência Esta última que inicialmente continha apenas o direito romano ou civil incluiu o direito canôni co a partir de 1140 Mais tarde foi acrescentada a teologia Essas foram as quatro faculdades típicas embora não exclusivas das universidades e representavam a continuidade da instrução medieval Além disso tais faculdades decorriam da sis tematização das ciências ou disciplinas que desde Platão e Aristóteles suscitava reflexões e disputas Na Idade Média essa sistematização foi feita tomando como base as sete artes liberais uma herança grecoromana o currículo composto de aritmética música geometria e astronomia constituía o quadrivium conjunto de matérias científicas que deveriam introduzir ao estudo da filosofia O trivium por Figura 110 Uma aula na Idade Média 29 sua vez era composto de gramática retórica e dialética O conjunto dos dois cur rículos constituía o estudo de humanidades mas na Idade Média as Sagradas Escrituras são colocadas no vértice dessa tradicional enciclopédia pagã10 Além das universidades outra modalidade de ensino surgiu na Idade Média a partir dos anos 1000 as corporações de ofício Seu nascimento está relacionado aos novos modos de produção em que a relação entre ciência e operação manual é mais desenvolvida e a especialização é mais avançada para isso era necessá rio um processo de formação no qual o simples observar e imitar deixam de ser suficientes Dessa forma tanto nos ofícios mais manuais quanto naqueles mais intelectuais é exigida uma formação que pode parecer mais próxima da escolar embora continue a se distinguir dela pelo fato de não se realizar em um lugar des tinado a adolescentes mas no trabalho pela convivência de adultos e adolescen tes Os adolescentes confiados por seus pais a essas corporações de sapateiros joalheiros padeiros etc passavam a ser aprendizes e ficavam sob total tutela dos mestres devendolhes obediência absoluta durante os longos anos de aprendizado do ofício Surge assim um novo tipo de aprendizagem em que trabalho e ciência se encontram e que tende a se aproximar da escola Para Manacorda 1989 é o tema fundamental da educação moderna que apenas começa a delinearse Mas ele acrescenta que de todas as artes manuais apenas a cirurgia médica e a arquitetura vieram a se transformar em ciências e deram origem à discussão sobre as relações entre ciência e produção pois os demais campos chamados pelos antigos de artes sórdidas não sistematizaram a sua ciência 11 10 Ibid p 127 11 Fonte httpptwikipediaorgwikiCatedraldeNotreDamedeParis Figura 111 Catedral de Notre Dame Paris uma das primeiras universidades europeias 30 Ao lado das escolas paroquiais cenobiais universidades e corporações de ofício foram surgindo a partir do século XIII os mestres livres oriundos de uma sociedade que vai se diversificando com o surgimento de mercadores e artesãos que têm como centros de vida as cidades Os mestres livres são os protagonistas da nova escola dessa camada social o terceiro estado burguesia No início com exceção dos mestres elementares isto é que ensinavam a ler e a escrever o seu ofício era ocasional e ligado à profissão de tabelião por exemplo Em seguida invadiram o campo tradicionalmente reservado aos clérigos e alguns desses mes tres tornaramse famosos Essas escolas eram livres nas grandes cidades onde os pais remuneravam os mestres e administradas pelas comunas nas pequenas cidades onde o número limitado de alunos não permitia ao mestre viver com as cotas por eles pagas Assim a própria comuna lhes destinava um salário anual Outro aspecto peculiar desse tipo de escola consistia em que cada mestre tinha um monitor ou repetidor que morava em sua casa para ensinar aos meninos No final da Idade Média temos então uma variedade de mestres mestres autônomos mestres com monitores mestres associados em cooperativas mestres capitalistas que as salariavam outros mestres mestres pagos por corporações mestres pagos pelas co munas Essa variedade reflete uma escola de uma sociedade mercantil que começa a ficar quase totalmente livre da Igreja e do Império vende a sua ciência renovaa e revoluciona os métodos de ensino 15 Humanismo e educação Contemporaneamente a essa escola de uma sociedade mercantil e de cultu ras novas originadas das relações mercantis de produção surge um movimento inovador mas de cunho aristocrático que dedica grande atenção aos problemas do homem e da sua educação o humanismo Esse movimento filosófico que busca contato com os clássicos antigos tinha aversão pela cultura medieval e pela sua forma de transmissão a escola De suas críticas à escola medieval ressaltamos a pedagogia contrária aos castigos físicos a necessidade de se ter em conta a natureza da criança no seu duplo sentido de considerar a sua tenra idade e de educála de acordo com a sua própria índole Este segundo tema frequentemente contra as intenções de quem o invoca se levado ao extremo ou seja o de ensinar apenas o que a criança desejar pode se prestar a uma renúncia a educar ou a uma Figura 112 Aprendizagem de oblatos em mosteiro franciscano 31 subestimação do poder da educação Por essa razão merece uma reflexão espe cialmente se considerarmos uma tendência futura de renúncia a qualquer caráter diretivo da educação deixando a criança vulnerável a outros interesses e tipos de educação pois se a escola não educar outras instâncias da sociedade educarão Outros temas comuns aos tratados pedagógicos humanistas são a leitura direta dos textos inclusive os da literatura grega até então ignorada o amor pela poesia uma vida comum entre mestre e discípulo na qual os estudos são acom panhados de passeios diversões jogos e brincadeiras uma disciplina baseada no respeito pelos adolescentes que exclui as tradicionais punições corporais Em síntese o caráter aristocrático dessa corrente não exclui a procura de uma peda gogia mais humana que afaste os castigos e o rigor tradicionais Foram os pensadores humanistas por meio da idealização de sociedades utópicas que valorizaram o trabalho como atividade que deveria ser praticada por todos como Thomas More 14781535 que escreveu a respeito de uma cidade ideal um lugar inexistente onde deveria haver uma instrução para o trabalho agrícola e artesanal Há uma arte comum a todos os utopianos homens e mulheres e da qual ninguém tem o direito de isentarse é a agricultura As crianças aprendem a teoria nas escolas e a prática nos campos vizinhos da cidade aonde são levadas em passeios recreativos Aí assistem ao trabalho e trabalham tam bém e este exercício traz ainda a vantagem de desenvolver as suas forças físicas12 16 A educação no século XVI as reformas religiosas e a escola No século XVI já na transição para a consolidação do capitalismo com o estabelecimento de modos de vida mais mundanos no contexto do Humanismo do Renascimento e com a crise que o cristianismo vinha sofrendo internamente eclodirão movimentos reformistas que acabarão influenciando fortemente a educa ção resultando em iniciativas que darão início à expansão quantitativa da escola Esses movimentos originados de uma profunda crise de religiosidade resultaram na cisão da Igreja organizada pelo cristianismo e assim sendo que a partir do século XVI os cristãos reformados passaram a constituir as suas próprias Igrejas enquanto os demais permaneceram sob a autoridade do papa ou seja na Igreja Católica Apostólica Romana até então a única que congregava e representava os cristãos do Ocidente desde o fim do Império Romano no século V Vamos conhecer agora as duas propostas de educação originadas dos mo vimentos religiosos a da Reforma também conhecida como Protestante e a da 12 MORE Thomas A Utopia 2 ed São Paulo Abril Cultural 1979 p 225 32 Contrarreforma isto é da Igreja Católica Ambas são consideradas as principais concepções de educação que irão vigorar nos séculos seguintes e cuja matriz nasceu no século XVI 161 A Reforma e a escola O movimento religioso mais vigoroso que exerceu influência sobre a escola foi o luteranismo no início do século XVI embora movimentos considerados heré ticos já tivessem eclodido bem antes Inglaterra e Boêmia Depois de tentar uma reforma interna na Igreja Católica à qual pertencia como monge agostiniano Martim Lutero 14831546 foi duramente combatido pelo papado acabou rom pendo com o catolicismo e criando na Alemanha a sua própria Igreja Para ele entre outras práticas cada cristão deveria ler e interpretar por si mesmo a Bíblia sem mediação do clero Para tanto seria necessário traduzila para o alemão mas além disso quem a leria se a maioria da população era analfabeta Lutero passa então a defender que todas as crianças meninos e me ninas frequentassem a escola sendo obrigação dos pais enviálas pelo menos uma parte do dia para aprender as letras Criticando enfaticamente os governos que gastavam tanto em espingardas estradas caminhos e tantas outras coisas desse tipo para dar mais conforto às cidades indagava por que não investir muito mais ou pelo menos o mesmo para a juventude pobre Segundo ele era neces sário que meninos e meninas fossem bem educados e instruídos desde a infân cia Como assinalamos a alfabetização nesse caso era importante para que todos pudessem ler e interpretar as Sagradas Escrituras Mas não só Criticando a escola de então Lutero colocou acento na utilidade social da instrução tentando conciliar o respeito pelo trabalho manual produtivo com o tra dicional prestígio do trabalho intelectual Para tanto evocava o exemplo do próprio Cristo que trabalhou de carpinteiro o de Maria que ordenhava vacas areava as panelas e varria a casa e o de Pedro que trabalhou como pescador e era orgulho so de sua habilidade Dessa forma ele toca na importante relação entre instrução e trabalho Além disso outro aspecto inovador de sua pedagogia era a insistên cia na obrigatoriedade dos pais de enviarem seus filhos à escola sem distinção entre meninos e meninas Ora mas de que maneira os pais deveriam cumprir tal obrigação se quase não existiam escolas A pregação de Lutero acabou forçan do a autoridade imperial a assumir essa nova concepção de uma escola pública para a formação dos cidadãos Em 1549 o imperador Carlos V decretou que as escolas não deveriam ser negligenciadas pois se tal acontecesse e elas se cor rompessem inevitavelmente as Igrejas e os Estados estariam em perigo portan to era preciso ter muito zelo em instituílas Esse decreto antecipa as iniciativas 33 dos soberanos iluminados do século XVIII preconizando que as escolas fossem mantidas pelo Estado A tradição escolar dos países reformados tem raízes profundas pois an tes mesmo do prenúncio da reforma luterana em 1501 em meio a profundos levantes sociais um projeto de ginásio foi proposto para a cidade de Strasburgo enquanto na Suíça Ulrich Zwinglio publicava seu Livreto para a instrução e a edu cação cristã das crianças 1523 Assim embora as propostas de Lutero sejam posteriores foram elas que deram impulso prático e força política à programação de um novo sistema escolar voltado também à instrução de meninos destinados não à continuação dos estudos mas ao trabalho13 Desse modo a Alemanha se adiantou na tare fa de instituir escolas para meninos e meninas pra ticando a coeducação que em muitos países como o Brasil só veio a ser implantada no século XX Nas colônias de origem alemã instaladas no sul do Bra sil o princípio de Lutero foi observado Segundo esse princípio quando se funda um agrupamento humano duas instituições devem ser imediatamente criadas Figura 113 Martinho Lutero14 a igreja e a escola 162 A Contrarreforma e a escola Tão logo os ventos da Reforma começaram a agitar toda a Europa o papado tratou de tomar providências mantendo os dogmas questionados pelos reformistas e defendendo de forma intransigente a sua prerrogativa sobre a educação que acabou envolvendo a condenação tanto das iniciativas alheias à extensão da instru ção às classes populares como de toda inovação cultural Como alerta Manacorda 1989 seria errado subestimar todo o esforço realizado nos países católicos e em particular pela Igreja Católica nesse período mas é preciso reconhecer porém que os caminhos do futuro são bem diferentes daqueles trilhados por eles O que quis dizer o autor com essa afirmação Qual era o caminho do futuro Vamos ten tar entender isso à medida que conhecermos as propostas e ações católicas para a educação pois só assim teremos condições de comparar as duas concepções e concluir sobre qual das duas iniciativas estava em direção ao caminho do futuro A orientação educativa da Igreja Católica como resposta ao movimento re formador foi fixada pelo Concílio de Trento 15451564 Concílio é a reunião de 13 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 196 14 Fonte httpptwikipediaorgwikiLutero 34 bispos e doutores em teologia que decidem sobre questões de doutrina e de disciplina eclesiásticas Em suas deliberações esse Concílio insistiu sobre os livros e a escola En tretanto a censura a livros vinha sendo exercida desde 1515 portanto antes de Lutero começar o seu movimento Além disso instituiu os seminários destinados a educar religiosamente e a instruir nas disciplinas eclesiásticas as novas levas de sacerdotes No programa de estudos dos jovens as Sagradas Escrituras eram a principal aprendizagem À parte os seminários para a formação do clero o exemplo mais bem sucedido de novas escolas para leigos foi o das escolas dos jesuítas lí deres na luta da Igreja Católica contra o protestantismo No fim do século XVI mais precisamente em 1599 foi aprovado o plano de estudos da Companhia de Jesus o Ratio Studiorum que regulamentou todo o sistema escolástico jesuítico a organização em classes os horários a metodologia e os progra mas de ensino a disciplina e até o modo de cas tigar conforme previa a regra no 40 Ao prefeito de estudos deixe os castigos mais severos ou menos costumados sobretudo por faltas come tidas fora da aula como a ele remeta os que se recusam a aceitar os castigos físicos15 Tudo foi minuciosamente previsto nesse plano para ser aplicado em todas as escolas da Companhia inclusive nas do Brasil Os primeiros mestres no Brasil foram os padres da Companhia de Jesus Eles vieram para cá juntamente com a missão colonizadora de Portugal e chegaram na década de 1540 Inicialmente eles ten taram alfabetizar os índios adultos com a finalidade de catequizálos mas in satisfeitos com os resultados passaram a dirigir a sua ação educativa para as crianças os curumins Observamos assim que enquanto os movimentos reformadores impulsio naram a criação das escolas mantidas pelo Estado a Igreja Católica com a Com panhia de Jesus atuou para manter as escolas sob seu controle Podemos con cluir portanto que o caminho do futuro na história da educação não foi trilhado pela Igreja Católica pois esse caminho era o das escolas públicas estatais 15 COMPANHIA DE JESUS Ratio Studiorum In FRANCA Leonel O método pedagógico dos jesuítas Rio de Janeiro Agir 1957 p 27 Figura 114 Inácio de Loyola 35 16 17 Considerações finais Vimos então que a educação escolarizada nasceu com os povos antigos especialmente gregos e romanos mas com objetivo de educar apenas as crian ças e jovens da elite A primeira ideia de uma escola de Estado nasceu na Grécia e foi formulada pelo filósofo Aristóteles para ele a formação do cidadão não de veria ser realizada pela família mas sim pela cidade polis porque só ela poder público poderia fornecer uma educação igual para todos os cidadãos e garantir o bem comum enquanto a cargo da família seria realizada segundo as crenças e valores de cada uma Roma herdou esse princípio dos gregos e avançou em alguns aspectos como o do reconhecimento dos mestres pelo Estado Mas man teve o mesmo método repetitivo de aprendizagem e o sadismo pedagógico ou seja as punições físicas Já na Idade Média com a consolidação do cristianismo a educação perdeu seu caráter político e cívico passando a ter função de acultu ração o importante passou a ser formar o cristão e não mais o cidadão Embora o cristianismo por princípio pregasse a não discriminação das crianças pobres a educação continuou sendo destinada a poucas crianças e adolescentes Encer rando a nossa primeira Unidade aprendemos que a expansão da escola começou 16 Fonte httpwwwmultiriorjgovbrhistoriamodulo01top05html Figura 115 Jesuítas catequizando índios 36 na Europa com as reformas religiosas especialmente a luterana que exigiu a frequência de meninos e meninas nos bancos escolares sem distinção de classe Esse princípio forçou a iniciativa estatal a criar e manter escolas sob sua respon sabilidade colocando os países reformados à frente dos católicos O caminho do futuro escola para todos começava ali 18 Estudos complementares 181 Saiba mais Paideia é um termo grego que significa cultura mas não no sentido em que ela é empregada hoje e sim de um ideal próprio e consciente de formação humana Werner Jaeger em seu monumental livro intitulado Paidéia a formação do homem grego afirma Foi sob a forma de Paidéia de cultura que os Gregos consideraram a totalidade da sua obra criadora em relação aos outros povos da Antigüidade de que foram herdeiros17 Este livro deve compor a biblioteca de todos aqueles que se interessam pela história da educação da cultura e da filo sofia Você estudante de Pedagogia não deixe de conhecêlo Para saber mais sobre os assuntos tratados nesta Unidade consulte os livros História da Educação da Antigüidade aos nossos dias de Mario Alighiero Manacorda e História da Pedagogia de Franco Cambi Especialmente sobre a ação pedagógica jesuítica no Brasil consulte 1 FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa Pluralidade lingüística escola de bê ábá e teatro jesuítico no Brasil do século XVI Educação Sociedade Campinas v 25 n 86 p 171195 abr 2004 Disponível em httpwwwscielobrpdfesv25n86v25n86a09pdf 2 BITTAR Marisa FERREIRA Jr Amarilio Casas de bêábá e colégios jesuíti cos no Brasil do século 16 Em Aberto Brasília v 21 n 78 p 3357 dez 2007 Disponível em httpwwwpublicacoesinepgovbrarquivos7B2FCF6D7F6D854626B0A0 A5DD3A1BBD367Dmiolocompleto78pdf 17 JAEGER Werner Paidéia a formação do homem grego São Paulo Martins Fontes 1989 p 6 37 Quadro 1 A educação da Antiguidade ao fim da Idade Média Antiguidade Clássica Alta Idade Média Baixa Idade Média O dizer e o fazer 496 aC escola do alfabeto na Grécia Aristóteles escola de Estado formação do cidadão 230 aC escola do tipo grego em Roma Criança sem afeto Mestres do alfabeto sem valor Feudalismo e descen tralização política Decadência da cultura grecolatina substitui ção da paideia grega pela cristã Ascensão do cristia nismo Igreja assume educa ção formação do cristão Ideia de escola de Estado submerge Prenúncio de relações mercantis Nascimento das uni versidades Corporações de Ofício Surgimento dos mes tres livres Humanismo séc XIV XV críticas à escola consideração pela criança 182 Referências ARIÈS Philippe História social da criança e da família Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 ARISTÓTELES Política Tradução introdução e notas de Mário da Gama Kury 2 ed Brasília Editora da UnB 1988 CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Editora da UNESP 1999 COMPANHIA DE JESUS Ratio Studiorum In FRANCA Leonel O método pedagógico dos jesuítas Rio de Janeiro Agir 1957 JAEGER Werner Paidéia a formação do homem grego Tradução de Artur M Parreira Adaptação do texto para a edição brasileira Mônica Stahel M da Silva São Paulo Livraria Martins Fontes Editora 1989 MAFRE JeanJacques A vida na Grécia clássica Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1989 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez 1989 MORE Thomas A Utopia Tradução de Luís de Andrade 2 ed São Paulo Abril Cultural 1979 Os pensadores VERNANT JeanPierre As origens do pensamento grego Tradução de Ísis Borges B da Fonseca 6 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 UNIDADE 2 Escola e pensamento pedagógico nos séculos XVI e XVII 41 21 Primeiras palavras Nesta Unidade vamos estudar a transição do mundo feudal para o capitalismo e as mudanças que ocorreram na educação seja nas novas concepções que pro curaram interpretar o papel da escola seja nas iniciativas à sua expansão para as camadas populares a partir das iniciativas reformadoras O processo de transição ao qual estamos nos referindo foi bastante longo e de modo geral o seu traço essencial foi a tendência à superação do modo de produção feudal e por consequência do modo de viver e pensar que prevalecia no feudalismo Assim a primeira instituição re quisitada a mudar internamente foi a Igreja Católica que resistiu ao apelo de reforma Foi por essa razão que aconteceram os movimentos reformistas e logo em seguida a cisão da cristandade ocidental em várias outras igrejas Esse processo influenciou a educação pois foi então que ela começou a deixar de ser um privilégio de classe para tomar a feição que hoje tem No entanto vamos perceber que a intenção de tornar a escola uma instituição para todas as crianças e jovens não foi unânime ou seja houve resistência à extensão desse direito Assim é importante que você perceba que o processo de construção de uma escola de Estado para todos foi conflituoso e tenso Vamos conhecer esse percurso dando atenção aos seguintes aspectos as concepções pedagógicas da época e as primeiras iniciativas práticas para a expan são da escola no mundo ocidental 22 Problematizando o tema A educação ocidental durante os séculos XVI e XVII acompanha os traços gerais da época ou seja ela está como sempre impregnada de elementos so ciais e culturais do contexto histórico e além disso determinada pelas circuns tâncias da base econômica Essa base econômica foi caracterizada pela lenta substituição do modo de produção feudal pelo capitalista que desde o século XV vinha se consolidando na Europa As sociedades europeias dessa época es tavam vivenciando a longa transição do feudalismo para o capitalismo processo histórico que foi marcado pelos seguintes traços o mercantilismo as reformas religiosas o renascimento cultural e a formação dos Estados Nacionais Nesta Unidade porém vamos tratar mais especificamente das reformas religiosas e de suas proposições pedagógicas e da influência do Humanismo sobre a educação deixando assim a formação dos Estados Nacionais para a próxima Unidade No âmbito desses movimentos históricos de longa duração a educação começou a ganhar impulso para se expandir além de adquirir nova feição As classes divididas por idades e a proposta de meninos e meninas frequentarem a escola foram conquistas dessa época e serão temas que abordaremos aqui Você sabia que a classe essa unidade estrutural da escola contemporânea que agrupa 42 alunos por idade e com a qual estamos tão familiarizados só passou a vigorar no fim do século XVI Pois bem durante toda a Idade Média a mistura de escolares por idades não era algo que causasse estranheza mas no século XVII passou a repugnar os educadores e a incomodar o senso comum 23 Crise de religiosidade reformas e educação Inicialmente lembremos que no século XVI haviam ocorrido as reformas religiosas que promoveram uma fratura na Igreja Católica até então hegemônica no campo cultural no pensamento ocidental e na mentalidade da época Esse fato de extrema importância na história influenciou diretamente a educação uma vez que ela vinha sendo ministrada nos mosteiros e nas catedrais pela Igreja As reformas enfraqueceram o catolicismo mas mesmo com a fragmentação que aconteceu no seu interior a Igreja Católica continuou a ter forte presença na educação recordemos que a Companhia de Jesus foi fundada exatamente para propagar a fé católica inclusive por meio de escolas Ao mesmo tempo as Igrejas criadas pelas reformas religiosas também passaram a desempenhar papel na educação principalmente a luterana com a sua ênfase na obrigatoriedade da família enviar seus filhos à escola Desse modo compreendemos que durante o século XVII embora a tendência fosse a crescente passagem da educação para o âmbito estatal a religião ainda mantém a sua hegemonia nela A educação dessa época portanto ainda é marcada pela presença religiosa de um lado as escolas jesuíticas em toda a Europa e também fora dela como era o caso da colônia portuguesa americana o Brasil de outro as escolas dos religio sos reformados O pensamento educacional da época foi marcado por essas duas influências Duas experiências pedagógicas portanto transcorreram de forma pa ralela e cada qual observando princípios distintos 1 as escolas católicas seguiram o Ratio Studiorum isto é o método pedagógico dos jesuítas 2 as escolas dos países reformados adotaram princípios das diversas religiões originadas a partir do início do século XVI quando Lutero rompeu com a Igreja Católica mas a obra que melhor sistematizou esses princípios foi a Didática Magna 1657 de Comenius 231 Duas experiências educativas dois pensamentos pedagógicos O Ratio Studiorum aprovado em 1599 pela Companhia de Jesus previa regras absolutamente compatíveis com o pensamento escolástico baseandose principalmente em Tomás de Aquino e prescrevendo normas padronizadas de conduta em suas escolas onde quer que elas se localizassem Desde o horário das aulas a conduta dos professores e dos alunos a forma de arguir a aplicação 43 das sabatinas até as questões de caráter mais filosófico como a concepção de mundo que deveria perpassar o ato pedagógico estavam rigorosamente previs tos nesse manual Escrito em linguagem objetiva e clara foi o Ratio Studiorum que normatizou a ação pedagógica jesuítica na época A Igreja Católica de então estava firmemente apegada ao propósito de pre servar a sua prerrogativa sobre a educação uma vez que ela era hegemônica nessa atuação desde que o catolicismo foi implantado no Império Romano por tanto há mais de dez séculos Nos países que permaneceram católicos o Estado não interveio na educa ção que foi ministrada por particulares e principalmente pelas ordens religiosas Entre elas continuou figurando em primeiro plano a Companhia de Jesus ainda muito poderosa no século XVII Mas ao lado dela surgem outras ordens e insti tuições religiosas dedicadas à educação que dão caráter particular ao século e divergem de certo modo das anteriores sobretudo da dos jesuítas Nessa perspectiva aparece em primeiro lugar a ordem dos Irmãos das es colas cristãs fundada em 1684 por João Batista de La Salle 16511719 na Fran ça A ela se deveu a difusão da educação primária popular nos países católicos e a ideia da formação de mestres com essa finalidade Foi ele também segundo Luzuriaga 1980 o criador da escola sem latim e do ensino gratuito na França Quando da morte de La Salle a Ordem contava com quatro Escolas Normais três escolas práticas trinta e três escolas primárias e uma de aperfeiçoamento As escolas da Ordem se estenderam pouco a pouco pela França pela Europa e pela América nos séculos posteriores e foram as mais difundidas no campo do ensino primário como as dos jesuítas o eram no ensino secundário La Salle escreveu o Guia das Escolas cristãs no qual regulou minuciosa mente o funcionamento das escolas Manacorda 1989 nos informa que a primei ra parte desse Guia trata de Os exercícios que se fazem nas escolas cristãs e a maneira como se devem fazer bem como a segunda é sobre Os meios para estabelecer e manter a ordem O sumário já nos diz muitas coisas 1 a entrada na escola e o início das aulas disciplina e horários 2 desjejum e almoço em que se fala pouco de comer e muito de oração 3 as lições 4 a escrita 5 a aritmética O autor esclarece que por lições devemos entender ensino do ler Quanto à disciplina segundo ele confundese com o chicote Cinco golpes no tra seiro nu eram previstos tanto nas correções ordinárias como nas extraordinárias Pelo que consta as punições eram uma das principais causas das ausências e do abandono da escola Quanto ao pensamento pedagógico dos reformados observemos alguns ex certos de cartas e exortações de Lutero Em uma carta de 1524 aos conselheiros de todas as cidades da nação alemã o então padre agostiniano escreveu 44 Caros senhores cada ano gastase tanto em espingardas estradas cami nhos diques e tantas outras coisas desse tipo para dar a uma cidade paz e conforto mas por que não se investe muito mais ou pelo menos o mesmo para a juventude pobre e necessitada de modo que possam surgir entre eles um ou dois homens capazes que se tornem mestres de escola18 Sobre a educação como dever dos pais Lutero escreveu De que adiantaria se tivéssemos e fizéssemos e fôssemos todos santos mas deixássemos de fazer aquilo que é a razão principal de nossa existên cia a educação da juventude Em minha opinião nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo perante Deus Nenhum pecado merece castigo maior do que justamente aquele que cometemos contra as crianças quando não as educamos19 Mas essa seria uma obrigação apenas dos pais O que teriam os conse lheiros e as autoridades a ver com isso É o próprio Lutero quem responde após cogitar sobre as razões que poderiam impedir os pais de cumprirem essa obri gação entre as quais a falta de tempo e espaço por causa de outras atividades e dos serviços domésticos Por isso certamente caberá ao conselho e às autoridades dedicarem o maior esforço à juventude Sendo curadores foram confiados a eles os bens a honra o corpo e a vida de toda a cidade Portanto eles não agiriam res ponsavelmente perante Deus e o mundo se não buscassem com todos os meios dia e noite o progresso e a melhoria da cidade Agora o progresso de uma cidade não depende apenas do ajuntamento de grandes tesouros da construção de grandes muros de casas bonitas de muitos canhões e da fabricação de muitas armas Muito antes o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando ela tem muitas pessoas bem instruídas muitos cidadãos sensatos honestos e bem educados LUTERO 2000 p 19 Essa carta foi escrita em 1524 Anos depois em 1530 também na cidade de Wittenberg Lutero escreveu Uma prédica para que se mandem os filhos à escola pequeno livro dedicado a Lázaro Spengler um dos responsáveis pelos avanços no sistema escolar de Nürnberg Assim como seis anos antes ele não teve por objetivo desenvolver uma teoria educacional mas estimular a socieda de a empenharse por uma educação formal para todas as crianças meninos e meninas É importante esse apelo incluindo meninas porque até o século XVII a escolarização era monopólio dos homens 18 LUTERO Martim Carta 1524 In MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 209 19 Ibid p 209 45 Observamos por esses excertos que o papel da cidade isto é do poder públi co era fundamental para o sucesso da proposta educacional de Lutero e por essa razão dissemos anteriormente que ela estava muito mais direcionada para o futuro do que a proposta da Companhia de Jesus Já no século XVII seguindo a ten dência reformista o maior nome foi Jan Amos Comenius 15921670 em cuja obra sintetizase o velho e o novo da pedagogia A reelaboração de toda a enciclo pédia do saber e a sua sistemática ade quação às capacidades infantis são o grande tema da pedagogia de Comenius Expressando uma concepção de educa ção como instrumento de uma reforma de toda a condição humana ele propõe uma escola para a vida toda que dividida em graus ensinasse tudo a todos total mente Seu projeto inicialmente livresco foi se enriquecendo de temas práticos a experimentação concreta das coisas inclusive com a sugestão para se frequentar os estaleiros navais e até os lugares de comércio e de câmbio visando não só pensar e falar mas também agir e negociar No plano da prática didática é mérito de Comenius a pesquisa e a valorização de todas as me todologias que hoje chamaríamos de ativas e que desde o humanismo começaram a ser experimentadas especialmente a elaboração de um manual ilustrado a fim de que junto com as palavras chegassem às crianças senão as coisas pelo menos as imagens das coisas Entre seus numerosos escritos constam desde a didática das línguas e das ciências até a organização das escolas ou o plano ambicioso de uma reforma ge ral da sociedade partindo da reforma escolar Sobre este último aspecto postulou o princípio segundo o qual uma profunda reforma de todas as coisas deveria ser precedida por uma reforma escolar E mais fora dessa reforma seria verdadeira perda de tempo querer reformar as demais coisas Para Luzuriaga Comenius foi o fundador da didática e em parte da peda gogia moderna Mas foi ainda um pensador um místico um reformador social Para ele seu nome figura no mesmo nível dos de Rousseau Pestalozzi e Froe bel isto é dos maiores nomes da educação e da pedagogia ocidental Na mesma linha para Manacorda 1989 ele foi utópico não um revolucionário estava pleno de saudosismos medievais Foi um grande sistematizador que chegou um pouco Figura 21 Jan Amos Comenius 46 atrasado quando o mundo já havia mudado mais do que ele pensava a começar pelo latim que estava em desuso Já para Abbagnano o fundamento da pedagogia de Comenius é essen cialmente religioso de uma religiosidade ardente e aberta que acolhe em si e funde ao mesmo tempo os motivos humanísticorenascentistas mais fecundos e a nova mentalidade científica baseada em Bacon Ele realça a determinação de Comenius em defender escolas de massa de preferência às escolas de elite De fato Comenius se indaga Como pode um só professor ser suficiente para qual quer número de alunos E responde Não só afirmo que é possível que um só professor ensine algumas centenas de alunos mas sustento que deve ser assim pois é muito mais vantajoso para o professor e para os alunos20 Abbagnano realça também a confiança no método que segue a natureza isto é um método intuitivo baseado na visão direta dos objetos ou das suas ima gens Para ele Comenius não é o precursor da escola ativa na qual a criança experimenta ela própria inventivamente mas é o precursor da escola das lições de coisas do método objetivo21 dos materiais didáticos os mais aperfeiçoados possível e talvez das experiências executadas diretamente pelo professor Ele conclui dizendo que isso não é pouco mas chama a atenção para a discrepân cia entre a crença no método objetivo e nas lições de coisas e a sua obsessiva confiança na organização escolar que o faz sonhar com uma espécie de escola relógio e que estaria em contraste com os louvores que tece à capacidade de ini ciativa A conclusão do autor é a de que a justificativa para tal organização estava justamente na sua defesa da escola para todos De todo modo esses traços que revelam contrastes em seu pensamento exemplificam a síntese do velho e do novo na sua pedagogia A seguir transcreveremos excertos da obra Didática Magna Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos publicada em 1657 que é composta de 33 pe quenos capítulos escritos de forma muito clara e precisa No capítulo intitulado Nas escolas a formação universal Comenius defen deu a famosa tese segundo a qual Importa agora demonstrar que nas escolas se deve ensinar tudo a todos Isto não quer dizer todavia que exijamos a todos o conhecimento de todas as ciências e de todas as artes sobretudo se se trata de um conhecimento exato e profundo Com efeito isso nem de sua natureza é útil nem pela brevidade de nossa vida é possível a qualquer dos homens Pretende mos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos as razões 20 COMENIUS Jan Amos Didática Magna tratado da arte universal de ensinar tudo a todos Lisboa Calouste Gulbenkian 1987 p 279 21 ABBAGNANO Nicola VISALBERGHI Aldo História da Pedagogia Lisboa Livros Horizonte 1981 v 2 p 384 47 e os objetivos de todas as coisas principais das que existem na natureza como das que se fabricam pois somos colocados no mundo não somente para que nos façamos de espectadores mas também de atores22 No capítulo As escolas podem ser reformadas lemos Prometemos uma organização das escolas através da qual 1 Toda a juven tude exceto a quem Deus negou a inteligência seja formada 2 Em todas aquelas coisas que podem tornar o homem sábio probo e santo 3 Que essa formação enquanto preparação para a vida esteja terminada antes da idade adulta 4 Que essa formação se faça sem pancadas sem violências e sem qualquer constrangimento com a máxima delicadeza com máxima doçura e como que espontaneamente 5 Que todos se formem com uma instrução não aparente mas verdadeira não superficial mas sólida ou seja que o homem enquanto animal racional se habitue a deixarse guiar não pela razão dos outros mas pela sua e não apenas a ler nos livros e a entender ou ainda a reter e recitar de cor as opiniões dos outros mas a penetrar por si mesmo até o âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos e utilidade 6 Que essa formação não seja penosa mas facílima isto é não consagrando senão quatro horas por dia aos exercícios públicos e de tal maneira que um só professor seja suficiente para instruir ao mesmo tempo centenas de alunos com um esforço dez vezes menor que aquela que atualmente costuma dispenderse para ensinar cada um dos alunos23 No capítulo Fundamentos para ensinar e aprender solidamente encontra mos o seguinte As lamentações de muitos e os próprios fatos atestam que são poucos os que trazem da escola uma instrução sólida e numerosos os que de lá saem apenas com um verniz ou uma sombra de instrução Se procurarmos as causas disso encontramos duas ou porque as escolas descurando as coi sas mais importantes se ocupam de banalidades e de frivolidades ou então porque os alunos tendo passado a correr por cima de muitas matérias mas não se tendo detido demoradamente em nenhuma delas voltaram a desa prender aquilo que haviam aprendido Mas haverá remédio para este mal Sem dúvida se introduzidos de novo na escola da natureza investi garmos por que vias ela produz criaturas de longa duração Conseguir seá isso 1 Se não se estudar senão assuntos que virão a ser de sólida utilidade 2 E se todos esses assuntos forem estudados sem os separar 3 E se todos eles repousarem em fundamentos sólidos 4 E se esses fun damentos mergulharem bem fundo 5 E se depois todas as coisas não se apoiarem senão sobre esses fundamentos 6 Se todas as coisas que devem ser distinguidas forem minuciosamente distinguidas 7 Se todas as coisas que vêm a seguir se baseiam nas que estão antes 8 Se todas as 22 COMENIUS Jan Amos Didática Magna Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos Lisboa Calouste Gulbenkian 1987 p 145146 23 Ibid p 163165 48 coisas que têm entre si uma relação estreita se mantêm constantemente relacionadas 9 Se todas as coisas forem ordenadas em proporção da inte ligência da memória e da língua 10 Se todas as coisas forem consolidadas com exercícios contínuos24 232 A renovação pedagógica no século XVII Conquanto a religião ainda exercesse forte influência na educação foi pre cisamente nesse século que começou a renovação pedagógica inaugurando o que hoje chamamos de pensamento pedagógico moderno A pedagogia de Co menius mesmo que fortemente inspirada na religião como vimos está na base dessa renovação uma vez que continha elementos inovadores como o aprendi zado pela observação das coisas Que fatores determinaram essa renovação pedagógica afinal Ora nada mais nada menos do que os novos problemas surgidos no campo educativo os quais por sua vez tinham origem nas transformações estruturais que já mencio namos Esses problemas exigiram novos métodos pedagógicos que não deixa vam de estar embasados nos então recentes rigorosos e fecundos métodos da própria filosofia Essencialmente os novos problemas do campo educativo vinham se deli neando desde as reformas religiosas que ocasionaram uma nova situação educa tiva conforme mencionamos anteriormente o surgimento das escolas populares as quais impulsionaram as escolas humanísticas médias Escolas profissionais propriamente não existiam na Europa Lutero havia sublinhado a importância e a dignidade do trabalho e considerava necessário que jovens de origem modesta aprendessem um ofício mas acreditava que para isso bastava a iniciativa fami liar Nas escolas clássicas frequentadas pelos filhos da burguesia e da pequena nobreza faltava o ensino das ciências de geografia história etc Como escreveu Abbagnano 1981 o mundo das indústrias e do comércio sobre o qual a burgue sia construía as suas fortunas não penetrava de fato nas suas escolas Mas se os progressos técnicos nos vários campos navegação artilha ria fortificações tecelagem imprensa etc eram reais e estavam ligados aos progressos na geografia na cosmografia na astronomia na mecânica na óp tica etc acabamos concluindo que havia uma defasagem entre a educação corrente e as exigências da ciência e da vida econômica que não escapava às críticas realistas isto é de um ensino com base empírica menos verbalísti co Essas críticas em momentos de crise como o século das reformas tinham caráter utópico Além disso a sátira também foi um estilo frequente De acordo 24 Ibid p 249250 49 com Manacorda 1989 François Rabelais 14941553 por exemplo lançou a sua polêmica contra a velha escola associando sátira e utopia Em sua obra so bre este tema ele imagina livrar seu personagem do entulho das velhas noções ministrandolhe uma grande dose de purgante Livre desse entulho ele receberia uma educação humanística voltada aos cuidados da mente e do corpo rica de conhecimentos teóricos e de práticas sobre os ofícios as indústrias as ciências reais as línguas clássicas o direito e a moral sem excluir o trabalho manual Esse era o programa de estudos proposto por Rabelais Já Thomas More 1478 1535 o primeiro autor do gênero quando idealizou a sua Utopia como vimos falava de um lugar inexistente onde deveria haver uma instrução para o trabalho agrícola e artesanal Além disso preconizou o ensino das ciências na sua própria língua ou seja estabelecendo uma polêmica contra o latim Depois de More as utopias tiveram considerável desenvolvimento como em Rabelais e no início do século XVII outras do gênero dispensaram gran de espaço à educação especialmente a Cidade do Sol de Tomás Campanella 15681639 e a Nova Atlântida de Francis Bacon 15611626 Os cidadãos da Cidade do Sol criticam fortemente o ensino servil da gramática e da lógica aristotélicas no lugar dessas coisas mortas ensinam as ciências a geografia os costumes e as histórias pintadas nas paredes da cidade Conforme analisou Manacorda 1989 tratase de uma das páginas mais profundas e inovadoras da história da educação A universalidade do conteúdo da instrução o seu caráter moderno e científico a didática revolucionária a articulação da instrução com o trabalho a importância do trabalho agrícola sempre marginalizado na reflexão dos filósofos e pedagogos o reconhecimento da nobreza do fazer são motivos que revolucionam a tradição pedagógica Em Bacon encontramos uma crítica sobre os erros tradicionais a insis tência sobre a experiência concreta e a pesquisa sobre uma nova classifica ção das ciências Ele idealiza uma Casa de Salomão dedicada ao estudo e à observação das obras e das criaturas de Deus para a qual evoca uma passagem da Bíblia uma academia colocada no centro da cidade ideal do filósofo inglês uma espécie de grande instituto de pesquisa científica25 de acordo com Franco Cambi Sua imagem de uma nova sociedade é revolucio nada por três grandes invenções imprensa bússola e pólvora para tiro que condicionaram a difusão da cultura à exploração e conquista de novas terras É a futura sociedade industrial na qual ciência e técnica predominam e mudam o mundo Nesta última utopia do Renascimento ainda segundo ele o que é valorizado não é tanto a temática da liberdade e de uma harmoniosa formação espiritual mas um eficiente progresso tecnológico Esse autor assinala ainda que foi naquele século contraditório e cheio de tensões marcado pela revolução 25 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 301 50 cultural e educativa do humanismo pelas tensões da Reforma e da Contrarrefor ma pela crise da tradição escolástica assim como pela revolução burguesa e pela ascensão do Estado centralizado que a escola também foi se renovando profundamente e assumindo a feição da escola moderna minuciosamente organizada administrada pelo Estado capaz de formar o homemcidadão o homem técnico o intelectual e não mais o perfeito cristão ou o bom católico como ocorria ainda na escola do século XVI quase toda nas mãos da Igreja26 Adiante veremos que essas tendências se aprofundaram a partir do século XVIII especialmente a permanência da escola no centro da vida dos Estados mo dernos processo que não foi totalmente realizado sem conflitos e lutas Que papel assumem as tradicionais instituições educativas no século XVII Vejamos a família se torna cada vez mais o lugar central da formação moral a escola se renova por meio do colégio das classes organizadas por idade da so cialização dos programas e dos métodos da modernização dos currículos a Igre ja se organiza cada vez mais como espaço educativo e instrutivo desenvolvendo uma função social cada vez mais extensa De acordo com Franco Cambi outra instituição educativa e deseducativa será depois a fábrica que veio transformar a mente do trabalhador a sua ideologia a própria consciência de si vindo a de senvolver uma função de formação27 Mais à frente daremos atenção à relação entre escola e fábrica Por en quanto devemos reter os traços gerais que marcaram a educação no século XVII 1 acentuação do aspecto religioso tanto no caso da Reforma como no da Con trarreforma 2 aumento da intervenção do Estado na educação dos países que realizaram a Reforma protestantes 3 introdução gradativa das novas ideias filosóficas tanto da corrente idealista Descartes Leibiniz como da empirista Bacon Locke 4 nascimento da nova didática Ratke e Comenius 5 instrução com conteúdo real e mecânico isto é científicotécnico em vista de atividades trabalhistas ligadas às mudanças que vinham acontecendo nos modos de produ ção Enfim a pedagogia desse século principalmente marcada por Ratke Come nius e Locke é uma pedagogia realista na qual há superioridade do domínio do mundo exterior sobre o domínio do mundo interior Uma importante mudança na história da educação ocidental ocorreu também durante os séculos XVI e XVII a tendência a agrupar os alunos por idades Esse procedimento segundo Philippe Ariès 1978 foi inspirado nas ordens monásticas do século XIII dos dominicanos e dos franciscanos com 26 Ibid p 305 27 Ibid p 270 51 o objetivo de proteger os estudantes da vida leiga Não se tratava contudo de uma preocupação em separálos dos adultos e instituir um regime realmente infantil ou juvenil aliás não se conhecia nem a natureza nem o modelo de um tal regime28 Assim a prática daquelas ordens monásticas em separálos não os atingia enquanto crianças mas enquanto estudantes Entretanto entre os séculos XV e XVIII com a crescente instituição de colégios não destinados exclusivamen te a um pequeno número de clérigos evoluiu a tendência a não mais se aceitar a promiscuidade das idades Foi então que se começou a separar as crianças da sociedade dos adultos e que progrediu o sentimento de infância Mas essa evolução segundo o mesmo autor não se deu sem resistências pois os traços comuns da Idade Média persistiram no interior dos colégios por longo tempo e durante esse extenso período era comum a convivência entre escolares velhos e jovens Na cidade de Paris no século XII por exemplo havia uma schola sala de aula na qual estudavam mais de 200 homens de idades diversas pueros adolescentes juvenes senes29 ou seja crianças adolescentes jovens e velhos todos entre 6 e 20 anos Notemos que o termo sene velho era empregado por que não havia uma palavra para designar o adulto então passavase sem transição de jovem a velho Outro aspecto importante é compreendermos que a escola per maneceu por todos esses séculos indiferente à repartição e à distinção das idades porque conforme Ariès o seu objetivo essencial não era a educação da infância a escola medieval não era destinada à instrução das crianças era uma espécie de escola técnica destinada à instrução dos clérigos jovens ou velhos30 Em matéria de expansão escolar as iniciativas mais inovadoras foram a dos reformados onde cresceu a presença do Estado de modo particular dos credos não oficiais menos ligados ao poder político Inglaterra e Alemanha Na Inglaterra por exemplo as autoridades quase não intervieram nesse assunto Na Alemanha além de iniciativas de grupos religiosos como o pietismo renovação da reforma luterana a instrução popular auspiciada pela Reforma foi se concre tizando com a primeira instituição em 1642 de escolas de vila Dorfschulen no estado de Gotha Essas mesmas escolas de vila foram instituídas no estado da Prússia em 1717 Depois foram implantadas as escolas científicotécnicas em Berlim em 1747 Em síntese essas iniciativas especialmente na Alemanha são as premissas políticas do sistema moderno de instrução estatal obrigatória orientado para os estudos científicotécnicos A Prússia de Frederico II e a Áustria de Maria Teresa e de José II serão nesse campo em nome do despotismo esclarecido os pioneiros 28 ARIÈS Philippe História social da criança e da família Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 p 170 29 Ibid p 167 30 Ibid p 187 52 24 Considerações finais Aprendemos assim que as primeiras iniciativas para a expansão da escola estiveram ligadas aos movimentos reformistas religiosos pois exigiram que me ninos e meninas a frequentassem forçando a ação estatal a construir e manter escolas Desse modo os países que mais avançaram foram os que seguiram esse caminho o qual conforme vimos era o caminho do futuro Em contraparti da os países católicos se atrasaram na construção da escola de Estado Vimos também que aconteceu uma renovação pedagógica no século XVII especial mente por meio da proposição de Comenius de ensinar tudo a todos e de sua pedagogia inspirada na observação direta das coisas empirismo A pedagogia do século XVII sofreu a influência das duas grandes correntes filosóficas desse tempo a empírica representada principalmente por Bacon e a idealista fundada por Descartes Nenhum deles escreveu diretamente sobre educação mas suas ideias repercutiram fortemente nesse campo Como estudamos ao mesmo tempo em que começa a ocorrer a expansão escolar ainda prevalece a influência religiosa sobre a educação pois de um lado as pedagogias dos países reformados seguem a inspiração das novas igrejas pro testantes e de outro a pedagogia dos países que permaneceram católicos segue fortemente a pedagogia jesuítica até o século XVIII Mas a despeito da influência religiosa foi nessa época que a escola começou a adquirir as feições que tem hoje minuciosamente organizada e administrada pelo Estado Quanto à organização vimos que surgiram as primeiras preocupações em agrupar as crianças por faixas etárias graus diferentemente da Idade Média período no qual conforme escre veu Philippe Ariès 1978 havia indiferença sobre a idade das crianças 25 Estudos complementares Conheça um pouco mais sobre o assunto tratado nesta Unidade consultan do os livros História da Pedagogia de Franco Cambi e História da Educação da Antigüidade aos nossos dias de Mario Manacorda As referências completas destes livros encontramse no ítem Referências 251 Saiba mais Comenius 15921670 No livro História da educação e da pedagogia escrito por Luzuriaga 1980 lemos que Comenius nascido na Morávia em 1592 foi o maior educador e pe dagogo do século XVII Comenius é a forma latina do nome tcheco Komensky 53 que significa habitante de Komna localidade de onde era originária a sua família Quem foi afinal esse grande nome do pensamento pedagógico moderno Na universidade foi influenciado pelo pensamento de Bacon e Ratke empirismo Embora não fosse alemão nem mesmo luterano pois pertencia a uma seita evan gélica reformada cujas origens provinham da pregação de Jan Huss absorveu do mais avançado luteranismo alemão a consciência da necessidade de profundas reformas didáticas Durante a Guerra dos Trinta Anos 16181648 peregrinou de um lado para outro até encontrar asilo na Polônia Foi ali que pôde se dedicar in teiramente ao ensino e escrever algumas de suas obras principais tais como Ja nua Linguarum Pórtico das Línguas e Didática Magna Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos Seus trabalhos chamaram a atenção do mundo contem porâneo especialmente do Parlamento inglês que em 1641 convidouo para ir a Londres aplicar suas ideias mas as dificuldades impediramno Esteve na Suécia e na Hungria onde publicou outras de suas obras e voltou à Polônia Entretanto por força da guerra entre Suécia e Polônia finalmente dirigiuse a Amsterdam onde encontrou asilo como tantos refugiados europeus Ali publicou em 1657 a edição completa de suas obras e ali faleceu aos 78 anos em 1670 Wolfgang Ratke 15711635 Elaborou um ideal de formação que se apóia sobre três pilares graça na tureza e línguas e exprime uma coerente formação humana cristã Na sua obra Memoriale 1612 defende que deve se ensinar seguindo o curso da natureza e procedendo do simples ao complexo do conhecido ao desconhecido Opõese à aprendizagem mnemônica passiva e estéril em nome de um procedimento não constritivo da aprendizagem Como citamos anteriormente exerceu influência so bre Comenius John Locke 16321704 Foi o fundador do empirismo em nível gnoseológico e metafísico mas foi também o representante de um pensamento crítico que pretende submeter toda afirmação à prova da experiência e portanto colocar no centro do próprio trabalho os princípios da verificação experimental e da interferência empiricamente provada Também em pedagogia tratada em 1693 na obra Alguns pensamentos sobre a educação Locke desenvolve um empirismo explícito e radical contrapondose também aqui a todo inatismo e a toda predestinação tão caros ao pensamento tradicional31 31 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 316 54 Tendo como contexto histórico a sociedade inglesa na qual emergiam novos grupos sociais a começar pela burguesia que na segunda metade do século foi assumindo papel cada vez mais relevante até conquistar o poder Locke coloca no centro de sua reflexão educativa a figura do gentleman gentil homem visto como modelo ideal para a nova classe dirigente e para a qual ele elabora um plano reno vado de estudos O jogo a utilidade prática a persuasão racional os métodos não constritivos e o autogoverno são os instrumentos de sua pedagogia que objetiva a liberdade de pensamento Além disso acrescentese a educação física e o traba lho que todavia servem especialmente para o fortalecimento moral e como hobby útil ao gentleman também para o controle do trabalho dos dependentes Descartes 15961650 Os temas fundamentais de sua filosofia são o reconhecimento da subjetivi dade humana e a necessidade de aprofundalá e a esclarecer o reconhecimento da relação do homem com o mundo e a exigência de resolver essa relação em favor do homem aumentando o seu domínio sobre o mundo Duas orientações metodológicas marcaram o pensamento moderno a pers pectiva empirista proposta por Francis Bacon preconizando uma ciência susten tada pela observação e pela experimentação e o racionalismo de Descartes que busca na razão os recursos para a recuperação da certeza científica 252 Referências ABBAGNANO Nicola VISALBERGHI Aldo História da Pedagogia Tradução de Glicí nia Quartin Lisboa Livros Horizonte 1981 v 2 ARIÈS Philippe História social da criança e da família Tradução de Dora Flaksman Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Editora da UNESP 1999 LUTERO Martim Educação e reforma Aos Conselhos de todas as cidades da Ale manha para que criem e mantenham escolas e Uma prédica para que se mandem os filhos à escola São Leopoldo Sinodal Porto Alegre Concórdia 2000 LUZURIAGA Lorenzo História da educação e da pedagogia Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J B Damasco Penna 12 ed São Paulo Companhia Editora Nacio nal 1980 Atualidades Pedagógicas v 59 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez 1989 RUGIU Antonio Santoni Nostalgia do mestre artesão Tradução de Maria de Lourdes Menon Campinas Autores Associados 1998 UNIDADE 3 O Estado burguês as lutas sociais e a educação nos séculos XVIII e XIX 57 31 Primeiras palavras Nesta Unidade estudaremos as lutas sociais pela expansão das oportuni dades escolares nos séculos XVIII e XIX e as concepções pedagógicas subjacen tes a essa tendência Inicialmente a tendência à expansão da escola foi motivada pelos movimentos religiosos que estudamos anteriormente e que impulsionaram os Estados a assumir essa responsabilidade Depois não apenas os Estados dos países reformados mas todos da Europa Ocidental foram cada vez mais pressio nados a tomar iniciativas práticas para a construção e manutenção de escolas Como isso ocorreu Que movimentos sociais elegeram a educação como um direito Que condições favoreceram e impulsionaram tais movimentos Foi também nesse período que ocorreram as revoluções burguesas contra a nobreza feudal levando ao poder a burguesia classe economicamente dominante que então passa a edificar o Estado Nacional Nesse contexto também ocorre a revolução industrial determinando uma nova organização social do trabalho con centrando os trabalhadores nas cidades perto das fábricas e em consequência inaugurando novas formas de vida em sociedade com novos hábitos nova organi zação e sobretudo uma disciplina até então desconhecida O tempo passou a ter uma nova dimensão na vida das pessoas pois a rotina do trabalho fabril determi nada por rígidas exigências interferiu totalmente na sua forma de viver Figura 31 Uma rua de um bairro pobre de Londres Gravura de Gustave Doré 1872 58 É importante que você compreenda que essa foi a época da consolidação do capitalismo e no plano político da construção do Estado que representa os interesses da classe economicamente mais poderosa desse sistema a burgue sia Esse processo não foi edificado sem conflitos e contradições uma vez que outras classes também lutaram pelo fim do feudalismo e do Estado absolutista portanto na sua luta contra a nobreza feudal a burguesia revolucionária não es teve sozinha Entretanto a burguesia não fez jus ao ideário clássico que havia ins pirado as suas revoluções de modo que as três palavras que compunham a sua bandeira revolucionária igualdade liberdade e fraternidade ficaram restritas aos seus frios interesses de classe ou como escreveu Marx ao vil metal isto é o poder do capital Isso fez com que a classe trabalhadora passasse a lutar pela concretização daqueles lemas e até mesmo a propor o fim do sistema capitalista Portanto interesses contraditórios permearam a construção do Estado burguês e o forçaram a atender mesmo que parcialmente às reivindicações das classes sociais que historicamente haviam sido privadas do direito à escola De que forma a educação foi influenciada por esse processo Por que a escola passou a ser mais importante nesse contexto Seria ela um requisito fun damental da sociedade urbanoindustrial São desses temas que iremos tratar nesta Unidade 32 Problematizando o tema Você sabia que a educação ganhou grande impulso durante a construção do Estado burguês Que esse Estado baseado nos direitos individuais contrapondo se aos interesses da nobreza parasitária ao ser edificado trouxe consigo ideais educacionais que ainda hoje têm validade Por exemplo a educação como um Figura 32 Sala de aula do século XIX 59 direito de todos universalidade a obrigação do Estado de manter escolas estata lidade o direito à educação pública gratuidade a garantia de que a escola públi ca não esteja sob domínio de nenhum credo religioso laicidade foram bandeiras defendidas pela burguesia revolucionária mas que não foram colocadas totalmente em prática depois que ela se tornou classe dominante Por essa razão é que as lutas pelos direitos de todas as classes e segmentos sociais à educação prosse guiram pois embora proclamada como universal ela não se estendeu a todos Foi essa nova situação histórica a da existência do Estado burguês que fez emergir a partir das décadas de 1830 e 1840 os movimentos anarquistas e socialistas que trouxeram para o primeiro plano as condições de vida dos trabalhadores e as suas reivindicações de classe entre as quais o direito à escola 33 As revoluções burguesas e a educação no século XVIII A educação no século XVIII foi marcada pelas revoluções burguesas ocor ridas na Europa pois a concepção burguesa de mundo e a própria configuração socioeconômica decorrente dessas revoluções requeria a expansão da escola Vejamos como isso aconteceu De um lado a sociedade europeia assistia ao nascimento da fábrica e por tanto de novas relações de trabalho que passaram a ter as cidades como palco suplantando o modo de vida feudal concentrado no campo A nova forma de produção mecanizada rápida baseada na ciência na divisão social do traba lho ia deixando para trás a antiga aprendizagem artesanal que vigorou desde a Idade Média como única forma popular de instrução O nascimento da fábri ca gerou espaço para o surgimento da moderna instituição escolar pública Por essa razão Manacorda assinala que fábrica e escola nascem juntas as leis que criam a escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimem a aprendizagem corporativa32 Além disso começou a declinar a influência católica na educação processo crescente no século XIX e um sinal dessa tendência foi a supressão da ordem dos jesuítas A esse conjunto de mudanças inauguradas pela revolução industrial que consolidou o modo de produção capitalista no mundo Ocidental damos o nome de mudanças estruturais isto é que ocorreram na base produtiva da sociedade E foram essas mudanças que engendraram uma nova concepção de vida em sociedade na qual a educação ocupava lugar importante 32 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 249 60 Além dessas transformações estruturais ocorriam também mudanças polí ticas e sociais intimamente ligadas ao processo de consolidação do capitalismo que apontamos em breves linhas no parágrafo anterior Nesse sentido podemos afirmar que o século XVIII foi marcado por três grandes revoluções que influen ciaram todo o mundo ocidental 1 a independência americana 2 a burguesa e jacobina na França 3 a econômicoindustrial inglesa Para Franco Cambi 1999 a nova ordem resultante desse processo revolucionário criou um novo sujeito social o homemindivíduo além de uma nova imagem do Estado e da economia que rompeu definitivamente com a sociedade do Ancien Régime absolutismo realizando pela primeira vez uma sociedade moderna no sentido próprio bur guesa dinâmica estruturada em torno de muitos centros econômicos políticos culturais etc Esse mesmo autor assinala O século XVIII é a justo título o di visor de águas entre o mundo moderno e o mundo contemporâneo33 Foi um sé culo reformador que pôs em crise o Antigo Regime segundo um duplo proces so político por meio da afirmação de novas classes de novos povos de novos modelos de Estado e de governos e cultural por meio da obra dos intelectuais que criaram o pensamento conhecido como Iluminismo Nesse novo ambiente cultural a educação também foi se transformando no sentido laico ou seja ela se emancipa dos modelos religiosos do passado e visa a formação de um homem como cidadão capaz de ser o construtor de suas próprias virtudes que não atribui 33 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 324 Figura 33 A liberdade guiando o povo tela de Eugène Delacroix simbolizando a Revolução Francesa 61 a outros castas sacerdotais ordens sociais o papel de guia de sua formação mas o reivindica para si próprio Já vimos que a ideia de formar o cidadão foi um dos pontos centrais da filo sofia de Aristóteles mas agora o conceito de cidadania ganha novos contornos ele não mais se restringe como na Antiguidade GrecoRomana aos direitos e privilégios de quem era possuidor de terras e escravos Como entender que esse aspecto volte a estar presente na educação De forma sintética podemos dizer que a formação do cidadão princípio da paideia grega foi suplantada pela con cepção cristã de educação que vigorou durante toda a Idade Média e parte da Idade Moderna períodos nos quais como vimos o importante era formar o cris tão Mas tanto o princípio de formação do cidadão quanto o papel do Estado na criação e manutenção das escolas voltaram a fazer parte da história da educação depois que terminou a longa hegemonia da concepção religiosa de mundo Se na Antiguidade o conceito de cidadão abrangia exclusivamente homens da classe dominante a partir do século XVIII de modo geral constataremos que novos sujeitos da educação se impõem em particular as mulheres e o povo Para elas foi reconhecido o direito a uma educação específica que não desfigurasse o seu universo moral para o povo reclamase uma educaçãoinstrução que o libertasse das condições de atraso e marginalidade psicológica e cognitiva e que o colocasse como elemento produtivo no âmbito da sociedade nem sempre direitos verbalizados por esses próprios sujeitos Se lembrarmos que essa so ciedade passava por processos de transformação econômica que requeriam um trabalhador no mínimo alfabetizado capaz de operar as máquinas que eram o símbolo da revolução industrial entenderemos por que Manacorda assinalou que fábrica e escola nasceram juntas Figura 34 Trabalho de crianças na Revolução Industrial 62 No século XVIII o processo de laicização da educação foi avançando isto é ela foi cada vez mais subtraída do poder eclesiástico e da influência religiosa embora tal processo não tenha ocorrido de forma igual em todos os países Ao contrário na Itália a resistência da Igreja Católica à laicização foi bastante forte até o final do século XIX Mas de modo geral como frisou Franco Cambi a es cola se renovou radicalmente nesse século pois se torna laica e se estatiza já que visa formar sobretudo o cidadão deixando para o indivíduo particular para o âmbito íntimo o problema da educação moral e religiosa Essa renovação de acordo com o autor se realizou nos seguintes níveis 1 no nível da organização dando vida a um sistema escolar orgânico e sub metido ao controle público articulado em graus funcionais para operar a re produção da ideologia social e das competências laborativas 2 no nível dos programas de ensino acolhendo as novas ciências as línguas nacionais os saberes úteis e afastandose nitidamente do modelo humanístico de escola 3 no nível da didática dando lugar a processos de ensino bastante inovadores mais científicos Condillac mais empíricos Locke Rousseau ou mais práti cos Pestalozzi Seja como for a escola contemporânea com suas caracterís ticas públicas estatais e civis com sua estrutura sistemática com seu diálogo com as ciências e os saberes em transformação nasceu no século XVIII já envolvendo também aquela confiança na alfabetização e na difusão da cultura como processo de crescimento democrático coletivo que permaneceu durante muito tempo até ontem ou talvez até hoje como uma crença sem incertezas da sociedade contemporânea34 Percebemos assim que Cambi sintetiza a renovação da escola durante o século XVIII nos níveis da organização dos programas de ensino e da didática Ao mesmo tempo segundo ele esse século produziu o mito da educação que persistiu até pelo menos as décadas de 5060 do século XX Além disso podemos afirmar que no século XVIII desenvolvese uma ima gem nova da pedagogia moderna laica racional científica orientada para valo res sociais e civis crítica em relação a tradições instituições crenças e práticas educativas empenhada em reformar a sociedade sobretudo a partir da verten te educativa conforme escreveu esse mesmo autor Tratase de uma pedagogia críticoracionalista que elaborada segundo ideais burgueses se espalha por toda a Europa Para Cambi em síntese essa é a pedagogia do Iluminismo Mas ele pró prio adverte para o fato de que o século XVIII não pode ser compreendido em sua integridade somente pelo Iluminismo ou seja existiu também a oposição a essa corrente conforme assinalamos a respeito da resistência católica na Itália É importante observarmos que no século XVIII as teorias mais avançadas sobre educação foram elaboradas na França país que em contraste com sua 34 Ibid p 328 63 efervescente criação filosófica foi pouco ativo nas iniciativas práticas para trans formar a escola A seguir abordaremos esses dois aspectos da educação da época 1 a elaboração das teorias inovadoras no século XVIII que tiveram como principal berço o solo francês 2 as iniciativas práticas pela expansão escolar nesse século 331 JeanJacques Rousseau o pai da pedagogia contemporânea Para ilustrar o primeiro aspecto que mencionamos isto é a elaboração das teorias inovadoras no século XVIII que tiveram como principal berço o solo fran cês escolhemos JeanJacques Rousseau por representar o pensamento mais avançado e marcante da pedagogia do século XVIII De fato é consenso entre os estudiosos que Rousseau foi uma das perso nalidades mais destacadas da história da educação a figura que a influenciou de modo decisivo e radical o autor que executou a virada mais explícita da sua história moderna Diferentemente de Comenius Pestalozzi ou Fröebel não foi propriamente educador mas suas ideias pedagógicas influenciaram decisiva mente a educação moderna Para Manacorda 1989 ele revolucionou totalmente a abordagem da pedagogia privilegiando a interpretação antropológica isto é focalizando o sujeito a criança e dando um golpe feroz na abordagem epistemo lógica centrada na reclassificação do saber e na sua transmissão à criança mas não deixou de ser contraditório ao conceber a educação tal como está exposta na sua obraprima Emílio ou Da Educação As frequentes contradições a rejeição à sistematização conceitual e a per manente vinculação entre as ideias e conflitos pessoais vividos pelo autor tornam difícil uma exposição sintética de sua obra Entretanto é possível destacar os te mas dominantes de seu pensamento relações entre natureza e sociedade moral fundada na liberdade primazia do sentimento sobre a razão teoria da bondade natural do homem e doutrina do contrato social Dois aspectos ocupam o centro da reflexão filosófica de Rousseau em primeiro lugar não é a razão mas o sen timento o verdadeiro instrumento do conhecimento em segundo lugar não é o mundo exterior o objeto a ser visado mas o mundo humano Ambos os aspectos implicam na passagem da atitude teórica para o plano da valorização moral Dessa forma o traço mais significativo de seu pensamento passa a residir nos caminhos práticos que ele procurou apontar para o homem alcançar a feli cidade tanto no que se refere ao indivíduo quanto no que se relaciona à socie dade No primeiro caso formulou uma pedagogia que se encontra em Emílio no segundo teorizou sobre o problema político e escreveu o Contrato Social Assim política e pedagogia estão estreitamente ligadas em Rousseau uma é 64 pressuposto e complemento da outra e juntas segundo Cambi tornam possível a reforma integral do homem e da sociedade reconduzindoa para a recupera ção da condição natural Ainda segundo ele Rousseau realizou uma revolução copernicana em pedagogia colocando no centro de sua teorização a criança opôsse a todas as ideias correntes em matéria educativa elaborou uma nova imagem da infância vista como próxima do homem por natureza bom e animado pela piedade sociável mas também autônomo como articulada em etapas sucessivas da primeira infância à adolescência bastante diversas entre si por capacidades cognitivas e comportamentos morais teorizou uma série de modelos educativos dois sobretudo um des tinado ao homem e outro ao cidadão colocados ao mesmo tempo como alternativos e complementares e como vias possíveis para operar a renatu ralização do homem isto é a restauração de um homem subtraído à alie nação e à desorientação interior que assumiu nas sociedades opulentas ricas e dominadas por falsas necessidades35 Passemos agora à sua obra Emílio que nos interessa mais de perto Emílio é o nome de um aluno ideal criado por Rousseau Na sua definição podemos ler Quanto ao meu aluno ou antes ao aluno da natureza desde cedo treinado a bastar a si mesmo tanto quanto possível ele não se habitua a recorrer continuamente aos outros e muito menos a lhes exibir seu grande saber Em compensação julga prevê raciocina sobre tudo o que se relaciona ime diatamente com ele mesmo Não fala muito mas age não sabe uma palavra do que se faz na sociedade mas sabe muito bem o que lhe convém cedo adquire uma grande experiência toma aulas de natureza e não dos homens por não ver em nenhuma parte a intenção de instruílo instruise melhor36 Tratase de um ensaio pedagógico sob forma de romance no qual Rousseau traça as linhas que deveriam ser seguidas com o objetivo de fazer da criança um adulto bom Já que o seu pressuposto é a crença na bondade natural do homem nessa obra ele trata dos princípios para evitar que a criança se torne má Os objetivos da educação para ele comportam portanto dois aspectos o desen volvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais37 O aspecto negativo de sua concepção pedagógica está expresso em tudo aquilo que não deve ser feito pela criança Quanto à educação positiva deve 35 Ibid p 343 36 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 p 131 37 ARBOUSSEBASTIDE Paulo MACHADO Lourival Gomes Introdução In ROUSSEAU JeanJacques Do Contrato Social Ensaio sobre a origem das línguas Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Discurso sobre as ciências e as artes São Paulo Abril Cultural 1978 p XVII Os pensadores 65 iniciarse quando ela adquire consciência de suas relações com os semelhantes Este último aspecto indica a passagem do terreno da pedagogia propriamente dita para a teoria da sociedade e da organização política De acordo com Franco Cambi estudos mais re centes sobre a pedagogia de Rousseau têm colocado em destaque a existência na sua obra de maturidade de dois modelos educativos distintos e às vezes até mesmo opostos De um lado a educação natural e libertária que privilegia a formação do homem típica de Emílio do outro o modelo de uma educação social e política desenvolvida pelo Estado e ligada mais ao princípio da conformação social do que ao da liber dade O mesmo autor assinala a distinção entre edu cação do homem e educação do cidadão lembrando que logo no início da obra Emílio a segunda vem desvalorizada pois Rousseau afirma que a instrução pública não existe e nem deve mais existir já que onde não há mais pátria não pode haver cidadãos Ainda segundo Cambi os dois modelos pedagógicos representam duas fa ses do seu pensamento mas também duas vias para operar o saneamento da sociedade e o renascimento do homem moral A via de Emílio aplicase a socie dades complexas e já corrompidas que não possam empreender o retorno a um Estado regido segundo ditames do Contrato social o segundo modelo resulta praticável por aqueles países ainda não centralizados demais ou não vastos de mais que tenham uma economia mais primitiva e uma forte coesão interna entre os vários grupos sociais aqui ele se inspira em Genebra e na sua administração centralizada nos estudos Esses dois modelos são alternativos entre si conforme as condições his tóricas dos países mas é certo que a preferência de Rousseau vai para a educação pública dos cidadãos pois é aquela que profundamente se har moniza com a orientação do seu pensamento político e acompanha e sus tenta sua transcrição historicamente operativa38 Todavia foi o Rousseau de Emílio que influenciou mais profundamente o pensamento pedagógico moderno oferecendo à tradição pedagógica alguns no vos mitos a bondade da infância a não intervenção educativa etc que tiveram projeção prolongada segundo Cambi 38 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 354 Figura 35 JeanJacques Rousseau 66 Como vimos na pedagogia de Rousseau a natureza tem papel primordial No aspecto externo ele elabora o oposto das convenções sociais tão em voga ao seu tempo pois busca o homem primitivo natural anterior a tudo quanto é social Para Manacorda esse aspecto é ahistórico uma vez que o ser humano só se faz humano em sociedade Para ele ainda além desse limite foi exatamente ao estabelecer a relação entre educação e sociedade aliás um aspecto inovador na sua pedagogia que esse grande pensador revelou outras contradições O papel que ele atribui ao trabalho na instrução é baseado em uma concepção atrasada do desenvolvimento real das forças produtivas que fica muito aquém da realidade da revolução industrial pois ele presume a existência de um trabalho natural e o associa à suposta possibilidade de escolha que a história concede ao privile giado Emílio Ao tecer essa crítica o autor indaga se o operário poderia dispor da liberdade de opção de que falava Rousseau quando alertava o seu Emílio para consultar o prazer e a inclinação quando fosse escolher uma profissão Mana corda compara as suas alusões ao trabalho estúpido de operários reduzidos a autômatos às observações de Diderot exaltando as artes mecânicas concluindo em favor de Diderot Quanta distância das sátiras dos ofícios das desdenhosas opiniões de Aristóteles Cícero ou Píer Paolo Vergerio Quanta água pedagógica passou debaixo das pontes dos milênios39 O fato é que depois de Rousseau a pedagogia tomou outro curso tornando se sensível a toda uma série de problemas antes considerados marginais e até mesmo ignorados Além disso o autor passou a ser uma referência obrigatória de todo pedagogo posterior seja para associarse às suas teses seja para opor se ao seu libertarismo A partir das suas lições houve uma mudança profunda na visão da infância e no papel do educador enquanto a pedagogia no seu con junto adquiriu uma dimensão mais antropológica e filosófica conforme escreveu Manacorda Já para Franco Cambi ao lado de Comenius mas com posições nitidamente diferentes Rousseau é de fato uma chave mestra do pensamento pedagógico e além disso é o primeiro artífice do seu mais inquieto e contraditório percurso contemporâneo40 A seguir transcreveremos trechos da obra Emílio ou Da Educação a Sobre o respeito à criança Respeita a infância e não vos apressai em julgála quer para o bem quer para o mal Deixai as exceções se revelarem se provarem se confirmarem muito tempo antes de adotar para elas métodos particulares Deixai a natu reza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu lugar temendo con trariar suas operações Dizeis que conheceis o valor do tempo e não quereis perdêlo Não vedes que o perdeis muito mais empregandoo mal do que não 39 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 241 40 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 355 67 fazendo nada e que uma criança mal instruída está mais distante da sabedoria do que aquela que não foi absolutamente instruída Ficais alarmados por vêla consumir seus primeiros anos sem fazer nada Como Não é nada ser feliz Não é nada saltar brincar correr o dia todo Em toda a sua vida nunca estará tão ocupada41 b Sobre a escolha das profissões Não é necessário exercer todas as profissões úteis para honrálas todas basta não considerar que alguma esteja abaixo de nós Quando temos a escolha e por outro lado nada nos determina por que não consultarmos o prazer a inclinação e a conveniência entre as profissões de um mesmo es tado Os trabalhadores metalúrgicos são úteis e até mesmo os mais úteis de todos no entanto a menos que uma razão particular me leve a eles não farei de vosso filho um ferrador um serralheiro um ferreiro não gostaria de vêlo em sua forja com a aparência de um ciclope Da mesma forma não farei dele um pedreiro e ainda menos um sapateiro Todos os ofícios devem ser feitos mas quem pode escolher deve considerar a limpeza pois aí não se trata de opinião sobre este ponto os sentidos é que nos fazem decidir Enfim não gostaria dessas estúpidas profissões cujos trabalhadores sem indústria e quase como autômatos só aplicam as mãos num mesmo tra balho os alfaiates os costureiros de meias os que talham pedras de que serve empregar nessas profissões homens de senso É uma máquina que leva outra42 c Sobre a natureza e o gênero humano Mas quando para depois conhecer meu lugar individual em minha espécie considero as diversas posições sociais e os homens que as ocupam que acontece comigo Que espetáculo Onde está a ordem que observei O quadro da natureza só me oferecia harmonia e proporções o do gênero humano só me oferece confusão e desordem O concerto reina entre os elementos e os homens estão no caos Os animais são felizes só seu rei é miserável Ó sabedoria onde estão suas leis Ó providência assim regerá o mundo Ser beneficente em que se transformou teu poder Vejo o mal sobre a terra43 41 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 p 113 42 Ibid p 258 43 Ibid p 374 68 332 Propostas e atuações para uma escola estatal Enquanto Diderot lutava contra os ataques da Igreja e as proibições do Esta do para levar adiante a sua Enciclopédia e enquanto Rousseau idolatrava o seu Emílio propondo uma educação natural e livre outras vozes se levantavam solici tando a intervenção do Estado no campo da instrução tradicionalmente entregue à Igreja Estamos ainda em solo francês onde a revolução de 1789 colocou a educação na ordem do dia Seja pelo trabalho crítico e pelas propostas reforma doras dos filósofos Diderot seja pela reivindicação de uma educação nacional defendida pelos pedagogos burgueses La Chalotais a onda que atinge a escola e a educação na França após 1789 modificou a sua tradição escolareducativa colocandoa quase como um modelo europeu sobretudo na fase jacobina da revolução 17931795 e depois na napoleônica após 1799 Durante a Revolução devem ser observadas três fases de intervenção so bre a escola caracterizadas por perspectivas diferentes e por um grau diferente de radicalismo Numa primeira fase realizase um quadro orgânico de reorgani zação da instrução Foi quando Talleyrand apresentou à Constituinte 1791 um relatório propondo uma instrução útil à sociedade e ao seu progresso por meio de uma escola popular e gratuita embora não obrigatória Mas seu relatório não teve sequência No final do mesmo ano foi criado um Comitê de Instrução Pública que devia elaborar um projeto orgânico de reordenamento redigido por Condor cet 17431794 Matemático filósofo e político francês Condorcet foi Presidente da Assembleia Legislativa e depois deputado da Convenção No seu Relatório tem em mira uma escola que desenvolva as capacidades do aluno que esta beleça uma verdadeira igualdade entre os cidadãos que realize uma completa liberdade de ensino que valorize a cultura científica O Relatório fixou cinco graus de escolas primárias secundárias institutos liceus e a sociedade nacional para as ciências e as artes universidades A turbulência revolucionária impediu a execução desse projeto mas ainda nessa primeira fase fixaramse os princípios da pedagogia revolucionária instrução pública para todos administrada pelo Es tado de caráter laico e livre destinada a formar o cidadão fiel às leis e ao Estado A radicalização revolucionária resultou em que depois de ter apresentado um projeto de organização da instrução pública Condorcet fosse preso como giron dino vindo a suicidarse tomando veneno Em 1793 é apresentado à Assembleia o projeto de Le Peletier que exprime o ponto de vista dos jacobinos pequena burguesia radical e teoriza uma educação masculina dos cinco aos doze anos e uma feminina dos cinco aos onze anos em colégios de Estado separando as crianças das famílias e pondoas numa co munidade que deveria formálas segundo modelos de virtude civil Essa proposta nos lembra a educação da Antiguidade Clássica praticada em Esparta onde os 69 meninos eram apartados dos pais para serem educados segundo as leis da cida de Franco Cambi afirma que a proposição de Le Peletier foi criticada mas expri mia bem o radicalismo da pedagogia jacobina herdeira também de Rousseau do Contrato social e se punha em total sintonia com aquele programa de educação civil para operar na sociedade uma completa regeneração44 Em 1795 davase à escola francesa uma ordem nova a escola primária era confiada às comunas e negavase a gratuidade e a obrigação da frequência escolar mas fixavase um programa mínimo ler escrever calcular e moral republicana Criouse uma Escola Normal para preparar professores de que o Estado necessitava Ao lado dessa elaboração de programas de reforma escolar e de interven ções legislativas a Revolução Francesa também pôs em ação um intenso trabalho educativo que devia desenvolver nos indivíduos a consciência de pertencer ao Estado de sentirse cidadão de uma nação ativamente partíci pes dos seus ritos coletivos e capazes de reviver seus ideais e valores45 Finalmente a partir de 1799 a política expansionista de Napoleão Bonapar te não apenas impõe os interesses franceses no continente europeu mas difunde os ideais burgueses relativos às orientações laicas estatais e civis na reorgani zação dos sistemas escolares Na Itália por exemplo a lei de 1802 relativa à instrução pública coloca todas as escolas sob controle do Estado e elabora uma intervenção orgânica dividida em nacional departamental e comunal que atinge a instrução elementar média e superior São nacionais as academias e universi dades departamentais os liceus comunais os ginásios e escolas elementares Apesar da força revolucionária que emanava da França propostas de ação estatal no campo da educação já vinham ocorrendo antes de 1789 Nesse sentido podemos entender o porquê de Franco Cambi afirmar que a França foi rica na elaboração de teorias mas fraca na atuação efetiva pela expansão escolar nessas décadas do século XVIII A propósito observemos as ações estatais apontadas por Manacorda Ele destaca uma frase pronunciada em 1760 pela imperatriz da Áustria Maria Teresa que sintetizaria a mudança de visão sobre a educação que transitava da órbita religiosa para a política A educação é e sempre foi em cada época um fato polí tico Ou seja a educação agora passava a ser assunto do Estado A reforma aus tríaca se valeu da experiência realizada na Prússia no governo de Frederico II o primeiro a instituir a obrigatoriedade escolar Às reformas austríacas seguiramse reformas análogas em outros Estados que viriam a constituir a atual Alemanha a da Prússia 1763 preparada antes mesmo da reforma austríaca e a da Saxô nia 1773 Na Polônia foi constituída uma Comissão para a educação nacional 44 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 366367 45 Ibid p 367 70 para cujos trabalhos Rousseau sugerira ideias por meio de suas Considérations sur le gouvernement de la Pologne escritas dois anos antes Ainda em 1773 na Rússia Catarina II escrevia a Diderot que lhe indicou a reforma austríaca de Maria Teresa A respeito da influência de Diderot sobre a czarina é interessante notar que ele a orientava a criar escolas públicas e nunca a confiar a educação das crianças a preceptores Já na Itália segundo Manacorda predominou um reformismo moderado Ainda para esse autor ao lado das mudanças que se operavam na base pro dutiva da sociedade ou seja na sua estrutura os fatos superestruturais também atuavam no processo de politização democratização e laicização da educação cuja origem se encontrava na consciência dos indivíduos e na prática dos Esta dos Com as revoluções da América processo de independência das colônias americanas e da França a exigência de uma instrução universal e de uma reor ganização do saber que acompanhara o surgimento da ciência e da indústria mo derna tornouse de problema dos filósofos ou dos déspotas esclarecidos como Maria Teresa objeto de discussões políticas Desse modo segundo Manacorda os políticos são os novos protagonistas da instrução ainda que Locke e Rous seau sejam seus inspiradores46 Tanto Benjamin Franklin 17061790 um dos iniciadores da independência das colônias inglesas da América quanto Thomas Jefferson 17431826 um dos fundadores do Partido Democrata e presidente dos Estados Unidos da América 18011809 em nome dos direitos naturais do homem e convictos de que a liberdade exige um povo com um certo grau de instrução solicitavam uma cruzada contra a ignorância Franklin em especial propunha uma instrução cujos objetivos fossem as boas maneiras preconizadas por Locke a moralidade as línguas vivas e mortas e todos os ramos úteis da ciência e das artes liberais Jefferson propugnava uma escola elementar gratuita para todas as crianças dos sete aos dez anos Entre essas as melhores deveriam ser selecionadas para as escolas secundárias e os melhores alunos destas para a universidade Nesse programa estão contidos em estado embrionário ou em projeto todos os elementos de expansão quantitativa e de renovação qualitativa característicos da pedagogia liberaldemocrática Veremos em nossa próxima Unidade por que viria a ocorrer exatamente nos Estados Unidos da América o nascimento de uma das correntes pedagógicas que mais influenciaria a pedagogia do século XX a Escola Nova Mas por enquanto dediquemonos a compreender o processo inicial de expansão escolar Os mesmos objetivos presentes na formação dos Estados Unidos da América embora com ma trizes culturais diferentes enciclopedistas e Rousseau mais do que John Locke são repropostos na França revolucionária após 1789 como vimos O desfecho do processo revolucionário francês com o advento da época napoleônica 46 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 249 71 difundiu na Europa os princípios de instrução pública obrigatória e gratuita rea lizando um sistema escolar orgânico e uniforme caracterizado pelos princípios de laicidade e de engajamento civil como inspiradores supremos de toda a vida escolar47 Por fim o processo de expansão da escola só se efetivou no século XIX E mesmo na Inglaterra país onde primeiramente ocorreu a revolução industrial a expansão foi lenta Na primeira parte do século foram as escolas privadas de en sino mútuo que asseguraram o ensino das primeiras letras conforme trataremos no tópico seguinte Somente na segunda metade do século após a regulamenta ção do trabalho infantil e a fixação da idade mínima para o início desse tipo de tra balho aos nove anos na Inglaterra de 1833 é que se operou uma escolarização mais difundida tendo em vista a alfabetização popular Mas segundo Cambi foi só em 1870 que se delineou um sistema completo de instrução nacional tornado obrigatório em 1880 enquanto em 1891 foram abolidas as taxas para a escola elementar 34 Duas experiências concretas entre o século XVIII e XIX A expansão escolar na Europa vinha ocorrendo desde longa data mas de forma lenta e desigual A partir do século XVI com as reformas religiosas inicia das na Alemanha países ao leste deram uma arrancada inicial nessa direção Já na França o impulso se deu muito mais tarde com a revolução burguesa de 1789 A Inglaterra por sua vez começou a vivenciar a pressão por educação escolar com o processo de revolução industrial que requeria trabalhadores pelo menos alfabetizados Esse processo acelerou a universalização da escola o que exigiu novos métodos de ensino pois a escola deixava de ser destinada a poucas crianças e jovens Dessa forma a própria didática sofreu profundas mudanças no século XIX na medida em que passou a ser elemento fundamental no processo de expansão da escolarização e conforme escreveu Manacorda não foi por aca so que os dois fatos novos da pedagogia o ensino mútuo e as escolas infantis nascessem exatamente na Inglaterra industrializada É importante compreendermos que a expansão escolar iniciada séculos antes irá se consolidar na segunda metade do XIX quando finalmente o interes se pela instrução como elemento de valorização de uma nação se torna evidente aos olhos dos governantes De acordo com JeanClaude Chesnais a evolução foi muito demorada Até o século XVIII os progressos são muito lentos e irregulares Apenas no século XIX é que surge um movimento forte contínuo e irreversível Segundo estatísticas disponíveis por volta de 1850 a 47 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 369 72 taxa de analfabetismo adulto na Europa Ocidental incluindo Itália e a Penín sula Ibérica ainda é da ordem de 40 a 45 Para o conjunto do continente europeu inclusive a Rússia a proporção de adultos iletrados gira em torno de 60 À frente da luta contra o analfabetismo encontramos a Escócia Prússia Suécia e a população branca dos Estados Unidos com taxas de analfabetismo adulto indo apenas de 10 a 20 em seguida vêm três conjuntos relativamente instruídos 30 a 40 de analfabetos Inglaterra França e Império Austríaco Um terceiro grupo é formado pelos países pe riféricos da Europa Meridional Itália Espanha Portugal Grécia com uma incidência de analfabetismo da ordem de 60 a 70 Em última posição por fim a Europa Oriental Bálcãs Polônia e a Rússia com uma proporção de iletrados entre 90 e 9548 Esses números confirmam a nossa análise segundo a qual a consolidação da escola e a sua expansão para as camadas populares resultaram de uma longa trajetória de lutas A propósito observemos no excerto citado a respeito da alta escolaridade nos EUA que o contingente alfabetizado era referente à população branca uma vez que no sul daquele país no final do século XIX eclodiram fortes obstáculos que se expressaram na violência contra a escola para negros e contra os seus professores A seguir apresentaremos duas experiências educativas cuja finalidade foi expandir a escola no período que estamos estudando o ensino mútuo e a ativi dade pedagógica de Pestalozzi 341 O ensino mútuo No final do século XVIII enquanto a França vivia os turbulentos anos da re volução firmavase na Inglaterra uma nova iniciativa educacional promovida por particulares o chamado ensino mútuo ou monitorial no qual adolescentes instruídos diretamente pelo mestre atuando em tarefas como auxiliares ou monitores en sinavam por sua vez outros adolescentes supervisionando a conduta deles e administrando os materiais didáticos 48 CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 p 146 Figura 36 Gravura sobre ensino mútuo século XIX 73 Segundo Manacorda a sistematização didática rigorosa e a difusão tendo em vista um plano nacional de instrução popular começou por obra do pas tor anglicano Andrew Bell 17531832 que a partir de 1789 dirigiu na Índia uma escola para os filhos de soldados europeus e de Joseph Lancaster 1778 1836 membro do grupo religioso quaker que abriu em Londres uma escola para crianças pobres As duas iniciativas deram origem ao conflito de interpre tações Lancaster propunha uma educação religiosa aconfessional sem vínculo com uma determinada crença enquanto o anglicano Andrew Bell defendia uma educação no espírito da Igreja oficial anglicana e que acabou prevalecendo Apesar das rivalidades a iniciativa do ensino mútuo espalhouse rapidamente por obra de Lancaster tanto na Inglaterra como em todo o mundo de língua inglesa em 1806 já existiam centros de ensino mútuo em Nova Iorque na Filadélfia em Boston e em seguida em Serra Leoa na África do Sul na Índia e na Austrália Em 1811 na Inglaterra contavamse quinze escolas com trinta mil alunos Embo ra sem sucesso também o Brasil importou o método lancasteriano adotado pelo Estado oficialmente a partir de 1820 Voltemos porém à Inglaterra onde do ensino elementar masculino logo o método se estendeu para o feminino para a educação de adultos e para as escolas de nível superior Percebemos assim que se tratava de uma tendência inglesa baseada na iniciativa privada que emergia perante a tendência alemã e napoleônica baseada na iniciativa estatal do absolutismo esclarecido Por essa razão Manacorda conclui que se tratou não somente de um método didático mas de uma opção política sujeita a encontrar defensores e críticos Ou seja a difusão da educação escolar em um país pioneiro na revolução industrial não foi empre endida por uma política estatal e nem mesmo dotada das condições ideais como professores formados salas por grupos etários etc mas sim pela iniciativa priva da e pelo método de ensino mútuo o que demonstra que na história da educação a universalização foi um processo difícil O ensino mútuo instruía até mil alunos com um só mestre frente aos cinquenta em média instruídos nas classes tradi cionais Os alunos divididos em colunas segundo o mérito e o aproveitamento eram confiados a monitores supervisionados por um mestre que além de vigiar essas divisões examinava duas ou três vezes por semana cada classe assistin do às repetições dirigidas pelos monitores A nova prática do ensino mútuo teve a vantagem de associar leitura e es crita mas não modificou os antigos procedimentos didáticos com sua sequência de silabar e soletrar Por outro lado a disciplina de inspiração meio militar e meio industrial segundo Manacorda era acompanhada por um sistema contínuo de avaliação do aproveitamento além do comportamento A competição era o prin cípio ativo dessas escolas que solicitavam a participação do aluno embora ex trínseca a este e não aplicavam punições físicas mas mantinham o grave defeito do excesso de espírito militarista e de mecanicidade na didática ou seja a 74 iniciativa privada na expansão escolar revelouse tão austera quanto a estatal Apesar desses defeitos o ensino mútuo com todos os seus limites foi uma resposta prática ao perpétuo medo dos conservadores o medo de que a instru ção pudesse perturbar o Estado49 342 A pedagogia de Pestalozzi No século XIX denominado por Cambi século das pedagogias além de Fröebel idealizador dos jardins de infância e de Herbart um dos pioneiros da psicologia científica que difundiram a pedagogia alemã na Europa temos a figu ra singular de Pestalozzi Esse educador revive em primeira pessoa o drama da educação os projetos as dificulda des as derrotas reativa uma noção espiritual de educação animada pelo amor mas também se engaja na problemática social e política da própria educação construindo um modelo complexo e problemático inquieto e agu díssimo de pedagogia50 Sua pedagogia exerceu influência nos meios anglosaxões e protestantes ou seja em toda a Europa setentrional desde a Inglaterra até a Holanda a Escandinávia e a Prússia Para Cambi a sua pedagogia está no cruzamento entre posições setecentistas a ideia da educação da humanidade o governo iluminado a adesão aos ideais revolucionários embora condenando o extre mismo e comportamentos românticos a atenção ao povo a visão orgânica da sociedade o papel do sentimento e a referência à formação espiritual Como escreveu Manacorda enquanto inovadores ingleses experimentavam o ensino mútuo Pestalozzi atuava na Suíça seguindo a trilha de Rousseau mas diferente deste especialmente pelo seu operoso filantropismo e sua capacidade de traduzir os princípios em prática Sua ambição foi a de juntar aquilo que Rousseau separara isto é o homem natural e a realidade histórica e o fez fechandose den tro dos limites de uma sociedade predominantemente préindustrial Dirigindo um instituto para órfãos em 1798 Pestalozzi desenvolveu os princípios fundamentais do seu ensino o método intuitivo e o ensino mútuo Quanto ao ensino mútuo as crianças mais velhas deveriam ensinar as mais novas Leitura escrita e cálculo alternavamse com trabalho manual Franco Cambi assinala que no centro do seu pensamento pedagógico inseremse três teorias 1 a da educação que deve se guir a natureza retomada de Rousseau segundo a qual o homem é bom e deve apenas ser assistido no seu desenvolvimento 2 a da formação espiritual do 49 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 259 50 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 415 75 homem como unidade de coração mente e mão ou arte que deve ser de senvolvida por meio da educação moral intelectual e profissional estreitamente ligadas entre si 3 a da instrução à qual Pestalozzi dedicou a mais ampla atenção e segundo a qual no ensino é necessário sempre partir da intuição do contato direto com as diversas experiências que cada aluno deve concretamente realizar no próprio meio 35 Sociedade industrial e educação entre as propostas positivistas e as socialistas Por volta da metade do século XIX com a consolidação da sociedade indus trial que engendrou as contradições entre burguesia e proletariado nasce a So ciologia área de conhecimento surgida com o propósito de interpretar essa nova situação históricosocial De forma resumida podemos afirmar que uma teoria legitimadora dessa situação positivismo e uma contestadora socialismo irão balizar as interpretações a partir de então Esses dois modelos ideológicos e epistemológicos que interpretam a oposição de classe que está no centro dessa sociedade irão se contrapor e influenciar a educação O primeiro exalta a ciência e a técnica a ordem burguesa e seus valores o progresso em primeiro lugar nutrese de mentalidade laica e valoriza os saberes experimentais é a ideologia de uma classe produtiva na época de seu triunfo que sanciona seu domínio e fortalece sua visão do mundo51 Quanto ao socialismo é a posição teórica da classe antagonista que remete aos valores negados pela ideologia burguesa a solidariedade e a igualdade a participação popular no governo e delineia estratégias de conquista do poder ba seadas nas contradições insanáveis da sociedade burguesa principalmente entre capital e trabalho Conforme escreveu Engels os socialistas logo compreenderam que os representantes da burguesia não colocariam o mundo fora dos eixos com a sua fórmula mágica de liberté egalité fraternité52 por isso passaram a estabe lecer a crítica radical à burguesia e ao mundo que ela edificara à sua imagem e semelhança O positivismo desenvolveuse primeiro na França com Auguste Comte 1798 1857 mas foi com Èmile Durkheim 18551917 expoente da sociologia positi vista que essa corrente teórica se difundiu na área educacional Para Durkheim a educação é um aprendizado social e um meio para conformar os indivíduos às normas e valores coletivos por parte das sociedades No início do século XX 51 Ibid p 466 52 ENGELS Friedrich A Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx In MARX e ENGELS Textos São Paulo AlfaOmega 197 v 3 p 304 76 escrevendo artigos e verbetes para um dicionário pedagógico sobre Educação Infância e Pedagogia ele desenvolveu um projeto pedagógico adequado às exigências da sociedade valorizando os aspectos laicos e racionais da formação juvenil e priorizando a educação moral promovida em idade infantil pelo espírito de disciplina ligado a um sistema de mandamentos e desenvolvido depois numa ideia precisa de dever Segundo Cambi com Durkheim estamos bem além das afirmações genéricas de positivistas e também claramente orientados para uma consciência da riqueza e complexidade do fenômeno educativo que o coloca com pleno direito no limiar da reflexão pedagógica contemporânea53 Foi Durkheim quem definiu a educação como ação exercida pelas gerações adultas sobre as que não estão ainda maduras para a vida social Mas é necessário considerar também que para Durkheim nem todos somos feitos para refletir54 cabendo a cada indivíduo receber um tipo de educação adequado às expectativas de sua classe social pois à educação caberia a função de adaptar de formar cada um para exercer funções sociais e profissionais conforme a sua classe social 53 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 470 54 DURKHEIM Èmile Educação e sociologia 2 ed São Paulo Melhoramentos 197 p 26 Figura 37 Trabalho infantil 77 Quanto às ideias socialistas tiveram início bem antes pois nasceram exata mente no momento em que a sociedade industrial se consolidava inaugurando a contradição social entre burguesia e proletariado Inicialmente o proletariado teve Charles Fourrier e Robert Owen como seus representantes teóricos na corrente conhecida como socialismo utópico Depois Karl Marx 18181883 e Friedrich Engels 18201895 elaboraram o socialismo científico em obra que fixou princí pios pedagógicos conscientemente opostos aos elaborados pela reflexão burgue sa e pelo positivismo em particular Segundo Cambi isso não impede porém que entre os dois modelos antagonistas venham a se criar interferências e superposi ções fusões e entrelaçamentos especialmente considerando o clima político do final do século XIX com a atuação da socialdemocracia Já para Manacorda o marxismo não rejeita mas incorpora os ideais de laicidade universalidade estata lidade gratuidade e de coeducação acrescentandolhes a assunção do trabalho e a renovação cultural ao mesmo tempo em que estabeleceu a crítica rigorosa sobre a não realização desses ideais pelos governos burgueses Nos escritos de Marx e de Engels está contida uma perspectiva pedagógi ca às vezes de forma explícita como elaboração de propostas sobre instrução outras vezes de forma implícita e destinada a desenvolver temas da filosofia mar xista reunidos em torno do problema antropológico e da análise dos mecanismos sociais e ideológicos do mundo capitalista moderno De forma abreviada vamos expor a concepção de educação dos dois autores que desde o Manifesto do Par tido Comunista 1848 deixam claro que para eles educação significa três coisas formação intelectual educação física e instrução tecnológica Após se exilarem Figura 38 Karl Marx com suas filhas e o amigo Engels 78 de seu país de origem Alemanha por razões políticas Marx e Engels viveram na Inglaterra na época em que a revolução industrial mudava inteiramente a base produtiva da sociedade e com ela todas as relações sociais Naquele momento a mão de obra infantil nas fábricas era uma das formas de exploração do trabalho o que levou Marx a examinar relatórios de inspetores governamentais constatan do a ausência da escola para as crianças trabalhadoras Foi do sistema fabril que suscitava a distinção entre a condição de vida de crianças trabalhadoras e crian ças da burguesia que Marx e Engels formularam o princípio geral que rege a sua concepção de educação isto é o de que a atividade laborativa deve ser aliada à formação intelectual de todas as crianças dos 9 aos 17 anos Segundo Franco Cambi o modelo pedagógico elaborado por eles introduziu na pedagogia contemporânea pelo menos dois princípios que podem ser con siderados revolucionários a referência ao trabalho produtivo que se colocava em contraste com toda uma tradição intelectualista e espiritualista e a ideia de homem omnilateral isto é o ser humano completo cuja formação deveria prever os dois momentos da educação o falar e o fazer o ideal de formação humana visando a não separação entre uma educação dos dominantes para o dizer in telectual e dos dominados para o fazer produtivo Contra o indivíduo unilateral seja ele o proletário ou o capitalista caracte rizado pelo desenvolvimento de capacidades apenas setoriais manuais ou intelectuais Marx mostra o ideal da formação de um homem novo que reúna em si as atividades tanto manuais quanto intelectuais e supere as sim a divisão do trabalho dando vida a uma personalidade harmônica e completa que se exprime como universalidade e omnilateralidade das rela ções e capacidades humanas voltadas tanto para o plano produtivo quanto para o do consumo e da fruição harmonizando assim tempo de trabalho e tempo livre55 Desse modo o conceito de omnilateralidade é retomado da Grécia Antiga mas em perspectiva totalmente nova pois enquanto o conceito que nasceu com Homero previa a formação do homem completo em dois momentos que se rea lizariam apenas para os indivíduos da classe dominante em Marx ele é previsto para todos Além disso a teoria de Marx e Engels afirma uma constante relação entre educação e sociedade que se manifesta na função ideológica da primeira No sé culo seguinte essa interpretação exerceria maior influência no meio educacional constituindose em alguns casos como divisor de águas em relação à interpreta ção idealista anteriormente dominante e segundo a qual é por meio da educação que se transforma a sociedade A concepção de Marx e Engels ao condicionar 55 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 483 79 a possibilidade de transformação social ao fim da contradição entre capital e tra balho permitiu desnudar a escola de seus aspectos idealistas e relativizar o seu papel na medida em que ela passou a ser encarada como uma instituição legiti madora da ideologia dominante Vivendo numa época em que a escola transitava da influência religiosa para a estatal os dois autores não transigiram a escola segundo eles deveria ser inteiramente laica e livre da influência da Igreja e do Es tado Nesse aspecto defenderam que a sua criação e manutenção deveriam ficar a cargo do Estado mas não a sua direção o que constitui um traço bastante atual se levarmos em conta os debates de hoje sobre gestão e autonomia escolar 36 Considerações finais Vimos que a expansão da escola na sociedade europeia foi um processo longo cujo início remonta às reformas religiosas do século XVI mas que efetiva mente ganhou impulso nos séculos XVIII e XIX como resultado das revoluções que edificaram o Estado Nacional de caráter burguês Tendo sido fruto de uma época revolucionária o processo de universalização foi pensado por filósofos que também propuseram ações práticas para a sua concretização como foi o caso dos enciclopedistas franceses no século XVIII Além disso também nesse mes mo século as ideias de Rousseau operaram uma verdadeira revolução no pensa mento pedagógico ao colocar a criança no centro da reflexão sobre a educação preconizando que ela fosse aluna da natureza Para Manacorda no momento em que a escola se tornou assunto político acirrou também a disputa entre as posições conservadoras e de mudança dispu ta que atingiu todos os níveis da educação a as escolas infantis que começaram a difundirse a partir dessa época e tiveram em Friedrich Fröebel 17821852 o criador dos Kindergarten jardins de infância b as escolas elementares para as quais se discute o novo método do ensino mútuo c as escolas secundárias que já vinham se articulando em humanísticas e científicotécnicas d as universida des com suas novas faculdades correspondentes às transformações das forças produtivas e suas especializações Tudo isso segundo o autor constituiu uma batalha pedagógica cujo ponto central era exatamente a tendência à expansão da educação escolarizada O processo de universalização da escola foi lento e desigual só se completan do no século XIX e em alguns países somente no século XX Conforme escreveu Franco Cambi a institucionalização da escola foi um processo dividido em etapas não homogêneas e manifestado de formas diferentes nos vários países europeus e americanos Superadas as divisões entre iniciativas diversas Igreja Estado e particulares ocorreu um crescimento social da escola um desenvolvimento na 80 sua organização um papel político mais forte A cultura escolar foi renovada as sumindo caráter laico e sendo organizada em um programa didático preciso que deu nova feição à vida escolar Esta por sua vez assumiu cada vez mais um aspecto abertamente disciplinar de controle de sanção e ao mesmo tempo de produção de comportamentos padronizados Para o mesmo autor estamos muito distantes da escola do Antigo Regime e caminhando em direção a uma escola mais uniforme mais conformadora mais rígida nas estruturas e nos comportamentos mais programada e mais laica uma escola mais racional por um lado e mais democrática mais aberta às vá rias classes sociais por outro56 Ainda segundo Cambi desde o início da época contemporânea 1789 mas principalmente no século XIX o mito da educação se fortalece Em razão de sua centralidade política e social a educação foi vista como fatorchave do desenvol vimento social Quando estudamos História é importante estabelecermos relações Pois bem observemos que enquanto esse processo acontecia na Europa e nos Es tados Unidos da América o Brasil vivia sob regime monárquico e escravidão A educação escolar estava restrita a poucas crianças e como a economia era agrária e o país rural as escolas eram muito poucas Tal panorama fez com que as famílias abastadas da aristocracia rural contratassem preceptores europeus para educar seus filhos e isso em um momento em que na Europa como vimos a educação por obra de preceptores era criticada tal como escreveu Diderot à czarina da Rússia aconselhandoa a criar escolas públicas para todas as crian ças O processo de universalização escolar entre nós só começou a ocorrer na segunda metade do século XX durante o regime militar 19641985 Mas esse é um assunto que ficará para outra disciplina 56 Ibid p 493 81 37 Estudos complementares 371 Saiba mais JeanJacques Rousseau 17121778 Nasceu em Genebra Suíça em 1712 Nessa época já haviam acontecido as reformas religiosas que resultaram no rompimento de muitos países europeus com a Igreja Católica Foi o caso da Suíça que passara pela profunda reforma liderada por Calvino De família calvinista logo que Rousseau nasceu ficou órfão de mãe Quanto ao pai obrigado a abandonar Genebra deixou o filho aos 10 anos de idade a cargo de tios que confiaram a sua educação a um pastor pro testante no campo Voltando a Genebra exerceu trabalhos manuais encontrando compensações apenas em leituras Segundo Luzuriaga em História da Educa ção e da pedagogia Rousseau então fugiu dessa vida difícil e começou uma vida de vagabundo que durou vários anos Nessa época conheceu Madame de Warens que o converteu ao catolicismo e exerceu influência decisiva em toda a sua vida Depois de residir em várias cidades da França Itália e Suíça estabe leceuse em Paris em 1741 momento em que já havia recebido a influência de Montaigne e Locke Na capital francesa se relacionou com pensadores da época entre os quais Condillac e Diderot Este último lhe encomenda artigos para a Enciclopédia Em 1745 ligase a Thérèse Levasseur com quem teria cinco filhos todos entregues a orfanatos pois Rousseau julgava não poder cuidar deles sen do pobre e doente o que lhe causou remorsos para o resto da vida Em 1750 publicou em Paris o Discurso sobre as ciências e as artes que o tornou famoso e mais tarde em 1755 o Discurso sobre a desigualdade dos homens que também alcançou grande repercussão Em 1762 escreveu o Contrato social que serviu de inspiração à Revolução Francesa e o Emílio ou Da Educação que inspirou a pedagogia moderna Os dois livros que marcarão toda a história da teoria política e da pedagogia foram considerados altamente ofensivos às autoridades O livro Emílio foi condenado pelo arcebispo de Paris e Rousseau ameaçado de prisão fugiu para a Suíça 1762 Assim iniciase o período mais difícil da vida do autor Retorna à vida errante não parando de mudar de esconderijo Em 1765 dirigese à Inglaterra onde o filósofo David Hume lhe oferece asilo mas Rousseau acaba se desentendendo com seu hospedeiro e deixa o país em 1770 retornando a Paris Morreu em Ermenonville em 2 de julho de 1778 82 Johann Heinrich Pestalozzi 17461827 Pedagogo suíço discípulo de JeanJacques Rousseau esforçouse por me lhorar a educação e a instrução das crianças pobres Como Rousseau aceitava a tese da bondade inata por isso dedicou de preferência cuidados especiais com a educação das crianças de mais tenra idade e das mais deserdadas entre elas Inicialmente em Neuhof transformou uma propriedade sua em asilo para crian ças pobres que no verão deveriam cultivar os campos e no inverno tecer e fiar A instrução seria dada nas horas de recreio Contudo esse ensaio pedagógico falhou Posteriormente dirigiu o asilo de Stanz para crianças órfãs ou abandona das Aí ensaiou o método mútuo as crianças mais velhas deveriam ensinar as mais novas Leitura escrita e cálculo alternavamse com trabalho manual En tretanto circunstâncias políticas transformaram o asilo em hospital militar Com mais de 50 anos de idade Pestalozzi abriu em Berthoud um novo instituto de educação que com início modesto cresceu rapidamente e contou com numero sos educadores competentes Mais tarde o instituto foi transferido para Yverdum onde Pestalozzi colheu as glórias máximas de sua carreira de educador Entre aulas e passeios convivendo com os mestres sem prêmios nem castigos os alu nos iam plasmando a própria personalidade No entanto mais uma vez também essa casa de ensino teve de ser fechada por insuficiência de receitas financeiras Assim aos 80 anos Pestalozzi voltou a Neuhof tentando ainda fazer dela uma casa de educação para crianças pobres Ele foi um democrata e recebeu da Assembléia Constituinte o título de cidadania francesa 1792 mas em seu país Suíça sofreu a oposição dos conservadores contra suas iniciativas humanitá rias Quando morreu aos 81 anos de idade era a mais importante personalidade europeia no âmbito educacional Entre suas obras numerosas deixou Leonardo e Gertrudes 1781 uma das mais conhecidas ao lado de Como Gertrudes ensina seus filhos 1801 83 Quadro 2 Institucionalização expansão e consolidação da escola na Europa Séc XVI Séc XVII Séc XVIII Séc XIX Reformas religiosas Lutero 1517 Companhia de Jesus 1540 Concílio de Trento 1545 1564 Jesuítas no Brasil 1549 Matriz das duas pedago gias que iriam marcar o séc XVII Humanismo crítica à es cola consi deração pela criança Conflito entre as concep ções da Companhia de Jesus e dos reforma dores Comenius 15921670 Início da expansão escolar na Europa Absolutismo Iluminismo e propostas educa cionais Diderot Condorcet e Rousseau Revoluções bur guesas 1774 EUA 1760 Início da Revolução Indus trial Inglesa 1789 Revolução Francesa Expansão da escola elementar duas experiências educativas na passagem para o séc XIX ensino mútuo e Pesta lozzi Estados Nacio nais e sistemas escolares Capitalismo industrial pressão sobre a escola Utopias socia listas A concepção marxista de educação O nascimento dos métodos ativos e da Escola Nova 372 Referências ARBOUSSEBASTIDE Paulo MACHADO Lourival Gomes Introdução In ROUSSE AU JeanJacques Do Contrato Social Ensaio sobre a origem das línguas Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Discurso sobre as ciências e as artes São Paulo Abril Cultural 1978 p XVII Os pensadores BASTOS Maria Helena Câmara O ensino monitorialmútuo no Brasil 18271854 In STEPHANOU Maria BASTOS Maria Helena Câmara Orgs Histórias e memórias da Educação no Brasil Petrópolis Vozes 2005 v 2 século XIX CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Tradução de A Bastos Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Editora da UNESP 1999 DURKHEIM Èmile Educação e sociologia Tradução de Lourenço Filho 2 ed São Pau lo Melhoramentos 197 ENGELS Friedrich A Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx In MARX e ENGELS Textos São Paulo Editora AlfaOmega 197 v 3 84 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez 1989 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação Tradução de Roberto Leal Ferreira 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 UNIDADE 4 A escola de Estado as novas teorias e as novas práticas educativas no século XX 87 41 Primeiras palavras Chegamos finalmente ao século XX século marcante e de acontecimentos decisivos para a história da humanidade século em que a revolução técnico científica ao mesmo tempo em que potencializou a comunicação a obtenção da informação e a democratização do conhecimento operou uma profunda mu dança na noção de tempo na medida em que acelerou todos os processos Em vez de uma mera cronologia o historiador Eric Hobsbawm elegeu como início do século XX a Primeira Guerra Mundial 19141918 e como seu final o colap so da experiência soviética denominada socialismo real 1991 portanto para ele tratouse de um breve século marcado sobretudo pelas contradições entre capitalismo e socialismo As transformações que a educação sofreu nesse século foram muitas e es tiveram condicionadas às transformações socioeconômicas pelas quais o mundo passou e também pela mudança de mentalidade que vem acompanhando o pro cesso da revolução técnicocientífica A escola sofreu processos de profunda e radical mudança nesse século expandiuse e ao mesmo tempo adquiriu caráter mais ideológico Afirmouse como central na sociedade e essa centralidade só foi ofuscada no final do século pela revolução técnicocientífica pelo advento da indústria cultural e a preponderância da mídia fazendo com que diferentemente do passado a primeira formação do imaginário não passe mais pelo mundo fami liar ou das culturas locais mas seja dominada pelos meios de comunicação im prensa rádio televisão cinema rede mundial de computadores A televisão no Brasil por exemplo é absorvida pelas crianças mais de 5 horas por dia ou seja mais do que o tempo que muitas delas passam na escola Desse modo se no sé culo XX o direito à educação foi reconhecido e a escola foi a instituição central da vida em sociedade no final desse mesmo século decresceu a sua importância e ela deixou de ocupar a centralidade que antes exercia 88 57 42 Problematizando o tema O século XX foi um século de contradições de conflitos de duas guerras mundiais da Revolução Russa de disputas ideológicas da ascensão do fascis mo e do nazismo e de guerras localizadas que se prolongam ainda hoje O mundo viveu desde o final da Segunda Guerra Mundial 1945 até os anos 1980 a pola rização política entre capitalismo e socialismo além disso ocorreu a descoloniza ção da África e da Ásia a criação do Estado de Israel e eclodiram os conflitos in termináveis no Oriente Médio Todo esse ambiente de tensões e transformações influenciou fortemente a educação Mas o século XX foi também o século das conquistas de direitos das lutas operárias e estudantis das vozes antipedagógicas dos jovens Novas emergências se fizeram presentes na educação o feminismo a questão ecológica a questão das etnias Concordemos ou não com a tese sobre o mito da educação o certo é que no século XX houve uma forte aspiração por educação que prossegue hoje Prova disso é a questão da educação da terceira idade que vem se expandindo no Brasil por exemplo Ao estudar esta Unidade sendo você sujeito histórico do presente e sendo portador de uma determinada trajetória escolar procure obser var as diversas práticas e teorias educativas que o século XX produziu Depois quando você estudar a história da educação brasileira esse conhecimento será importante para que entre outros objetivos você possa compreender a situação da educação brasileira dentro desse contexto geral Nesta Unidade o nosso objetivo é que você compreenda que ao lado do avanço da escola de Estado ou seja da escola pública que vinha se desenvolven do desde séculos anteriores ocorreu também uma renovação pedagógica com a elaboração de novas teorias e práticas educacionais Daremos ênfase a duas 57 Fonte United States Holocaust Memorial Museum Washington DC Figura 41 Crianças libertadas do campo de con centração nazista de Auschwitz 1945 89 dessas renovações a o surgimento da Escola Nova que se contrapôs à velha es cola b as iniciativas inspiradas no marxismo Tanto uma como outra não chegaram a se concretizar inteiramente de acordo com seus formuladores mas influenciaram todo o debate educacional do século XX e a própria escola tradicional 43 A escola de Estado e o debate educacional O século XX marcado por duas guerras mundiais apenas na sua primeira metade pela Revolução Russa de 1917 pela Guerra Fria que dividiu o mundo em dois blocos antagônicos socialismo e capitalismo e ainda que assistiu à derrocada da União Soviética e dos demais regimes que seguiam a orientação do chamado socialismo real foi um século de contradições de conflitos mas tam bém um século de inovações Foi um século que aprofundou a luta por direitos cujo início marcou a época contemporânea direitos do homem do cidadão da criança da mulher do trabalhador das etnias das minorias dos animais e da natureza e cujo processo desde 1789 vem se expandindo Para Franco Cambi tratase so bretudo do século das crianças e das mulheres das massas e da técnica58 Quanto ao debate educacional foi orientado por duas grandes correntes teóricas a Escola Nova e a concepção marxista Segundo Manacorda esses dois pensamentos embora identificados respectivamente com o capitalismo e o socialismo ora se afastam ora confluem O século segundo ele assistiu e ainda assiste a um fecundo diálogo direto ou a distância entre pensadores liberalde mocráticos ou burgueses e pensadores e pedagogos socialistas diálogo em que há momentos de encontro e momentos de choque Ainda segundo o autor ne nhuma das duas correntes foi integralmente aplicada pois se é lícito afirmar que os regimes socialistas não conseguiram concretizar as teses de Marx sobre edu cação o mesmo se pode dizer sobre os países capitalistas que também falharam na concretização das teses burguesas No tocante a tais teses universalização laicização estatização gratuidade e obrigatoriedade coeducação o socialismo assumiu criticamente todas as instâncias da burguesia pro gressista censurandoa por não têlas aplicado conseqüentemente acres centoulhes de próprio uma concepção nova da relação instruçãotrabalho o grande tema da pedagogia moderna e tende a propor a formação de um homem omnilateral Tudo isso em hipótese como proposição ideal porque no socialismo real é extremamente árduo aplicar esse ideal Assim como é árduo no liberalismo e na democracia reais aplicar os ideais liberais e democráticos59 58 Ibid p 509 59 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 313 90 Antes de abordarmos as duas concepções e suas propostas é preciso ter mos claro que ao começar o século XX a chamada escola tradicional estava consolidada no mundo ocidental sendo que para isso o Estado havia disputado o espaço ocupado pela Igreja Católica embora nas primeiras décadas do século em países como a Itália ainda prosseguisse o conflito entre Estado e Igreja pela hegemonia da educação Desse modo em linhas gerais podemos afirmar que as grandes tendências iniciais do século eram 1 a afirmação da autoridade do Estado sobre o aparelho escolar 2 as críticas à velha escola isto é à escola de Estado construída a partir das revoluções burguesas Essas críticas ficaram consubstanciadas nas duas correntes que trataremos a seguir 431 A Escola Nova Quando a escola de Estado isto é a escola pública estava no auge de sua consolidação no mundo ocidental sofreu a crítica contundente ao seu método de aprendizagem e objetivo Essa crítica seguida de novas práticas pedagógicas vi nha ocorrendo desde o final do século XIX com a introdução dos métodos ativos mas teria no século XX o seu amadurecimento com a Escola Nova A Escola Nova foi a corrente pedagógica de maior influência na história da educação do século XX e John Dewey 18591952 o seu maior teórico As suas ideias encontraram ampla aceitação no mundo todo inclusive no Brasil onde Aní sio Teixeira foi seu mais destacado seguidor Mas o que devemos entender por Escola Nova Talvez pudéssemos começar citando o próprio Dewey em sua obra Experiência e educação 1937 quando escreveu que o nascimento do que se chama nova educação e escolas progressivas é em si um produto do descontente respeito à educação tradicional Com efeito é uma crítica desta última60 Conforme assinalamos experiências de ativismo pedagógico ocorridas na Europa desde o século XIX Decroly Claparède Ferrière Maria Montessori Tolstoi já sinalizavam a necessidade de renovação da escola quer do ponto de vista do método quer do conteúdo ou seja a sua finalidade vinha sendo posta em questão à medida que o capitalismo amadurecia Mas independentemente das escolas novas europeias desenvolviamse nos EUA muitas escolas inovadoras nascidas do espírito experimental que marcou as reformas desse país uma vez que as tendências para a prática já vinham caracterizando o sistema educacional norteamericano A primeira delas foi a famosa escola primária anexa à Universi dade de Chicago criada por Dewey em 1896 e cujo funcionamento baseavase nas atividades dos alunos desde a economia doméstica tecelagem e fiação até atividades mais elevadas de literatura geografia e história Dewey rompeu com o 60 DEWEY John 1937 apud ROSA Maria da Glória de A história da educação através dos textos São Paulo Cultrix 1971 p 299 91 plano tradicional de estudos e com a classificação dos alunos pelo desenvolvimento físico e mental agrupandoos pelos interesses e aptidões Essa ex periência durou só quatro anos mas dela surgiram algumas das ideias e métodos característicos da educação norteamericana Na impossibilidade de tratarmos pormenoriza damente de todas as experiências da pedagogia ativa indicaremos alguns aspectos dos seus diver sos métodos e depois daremos maior atenção ao de Dewey Do ponto de vista histórico podese dizer que em geral os métodos que primeiro surgiram na educação nova acentuaram o caráter individual do trabalho escolar Montessori para depois caminharem para o aspecto coletivo e social Decroly e método dos projetos Freinet Quanto à idade dos escolares uns métodos se referem mais à primeira infância como o de Montessori outros à segunda infância como o de Decroly e outros à adoles cência como o de Dalton e o de projetos A pedagogia ativa segundo Luzuriaga também pode ser classificada pela inspiração teórica subjacente a cada um des ses métodos como a pedagogia pragmática William James Dewey Kilpatrick a pedagogia da escola do trabalho Kerschensteiner a pedagogia da escola ativa Claparède Ferrière Piaget a pedagogia dos métodos ativos Montes sori Decroly Quanto a John Dewey inicialmente estabeleceu uma crítica à escola ameri cana que segundo ele estava defasada em relação ao desenvolvimento econô mico dos EUA e assim passou a elaborar uma pedagogia extremamente atenta aos problemas da sociedade industrial moderna Já na sua primeira grande obra A escola e a sociedade 1899 escrita em um momento de transformação pro dutiva e de crescimento econômico que os Estados Unidos estavam vivendo Dewey preconizou que a escola não podia ficar alheia a tal transformação mas ligarse intimamente ao progresso social Depois em Democracia e educação 1916 pôs em destaque a função democrática da educação e valorizou a ciên cia como método específico de uma educação democrática A escola para ele não deve apenas adequarse às transformações ocorridas no âmbito social mas promover na sociedade um incremento progressivo da democracia Desse modo é confiado à escola o papel de transformar politicamente a face da sociedade de forma a tornála cada vez menos repressiva e autoritária e de desenvolver os momentos de participação e de colaboração conforme analisou Franco Cambi De acordo com ele em Democracia e educação Dewey já havia atingido a plena maturidade do seu pensamento pedagógico e chegava a evocar a importância fundamental da formação intelectual no que se refere à valorização do fazer e Figura 42 John Dewey 92 das atividades práticas exaltadas porém como radicalmente inovadoras em A escola e a sociedade Entretanto como no interior do movimento ativista prevaleciam interpreta ções de tipo individualista espontaneísta e antiintelectualista sobre a sua obra o próprio Dewey interveio para corrigir essas interpretações escrevendo um outro livro Experiência e educação 1937 Nele explicou a sua teoria de educação me diante a experiência e expôs o sentido e a orientação que devem ter no ensino os programas e planos de estudo tomando equidistância entre os que pretendiam sua supressão e os que preconizavam sua vigência Dewey procurou demonstrar que a escola tradicional é algo de fora para dentro de cima para baixo além do alcance da experiência do educando e lembrou que a atividade livre e o aprender mediante experiência foram dois pontos que a educação nova tomou empresta dos de Rousseau A unidade da nova pedagogia segundo ele fundamentase na relação entre experiência e educação daí a necessidade de um conceito correto de experiência Se a escola tradicional diverge em muito da escola ativa isso não significa contudo que deva haver entre ambas uma oposição radical A pedagogia de Dewey de acordo com Cambi caracterizase 1 como ins pirada no pragmatismo e portanto num permanente contato entre o momento teórico e o prático de modo tal que o fazer do educando se torne o momento central da aprendizagem 2 como entrelaçada intimamente com as pesquisas das ciências experimentais às quais a educação deve recorrer para definir corre tamente seus próprios problemas e em particular à psicologia e à sociologia 3 como empenhada em construir uma filosofia da educação que assume o papel muito importante também no campo social e político enquanto a ela é delegado o desenvolvimento democrático da sociedade e a formação de um cidadão dotado de mentalidade moderna científica e aberta à colaboração Tais características gerais segundo o autor tornaram a pedagogia de Dewey uma espécie de mo deloguia dentro do amplo movimento conhecido como escolaativa ou escola nova que desde o final do século XIX até os anos 30 do século XX teve um rico florescimento de posições teóricas e de iniciativas práticas todas elas destinadas a valorizar a criança como protagonista do proces so educativo e também a colocála no centro de toda iniciativa didática opondose às características mais autoritárias e intelectualistas da escola tradicional61 O aprender fazendo aspecto importante da pedagogia de Dewey é anali sado por Antonio Rugiu como um saudosismo do aprendizado que perdurou du rante séculos e cuja origem vem da era neolítica um aprendizado que encontrou desprezo junto ao saber oficial que distinguia o saber falar e raciocinar do saber 61 CAMBI Franco História da Pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 549 93 fazer porque o primeiro era visto como o saber do homem livre e o segundo do trabalhador Essa antiga pedagogia segundo ele ensinava a produzir as coisas de um certo modo mas também transmitia um comportamento humano no âm bito privado e no social em resumo uma visão de mundo Ainda de acordo com esse autor foi exatamente no momento em que a Europa se industrializou que se começou a sentir saudades do artesanato e de sua pedagogia E desde Locke muitos foram os autores que evocaram o fazer artesanal e Dewey não é o último mas certamente o mais eminente dos recentes nostálgicos62 Quando se trata de analisar o pensamento de Dewey a polêmica se ins taura De um lado ele é acusado de ter empobrecido os processos formativos pela valorização excessiva das atividades manuais De outro é criticado pela sua visão da escola como um território neutro da sociedade onde se efetua o expe rimentochave para a sua progressiva democratização ao passo que ela é de fato permeada por todas as contradições sociais Nessa perspectiva depois de realçar a sua rica contribuição designandoo como o maior nome da pedagogia do século XX e reconhecendo que raramente um pensador mostrou tal coerência entre as premissas teóricas e as opções práticas Manacorda assinala que lhe faltou porém a visão dialética sobre o Estado capitalista uma vez que ele não o compreendeu como negativo em si mesmo enquanto que em Marx é esse Esta do que precisa ser superado Eis as suas palavras Dewey como Marx baseiase no desenvolvimento econômico e produtivo mas faltalhe aquela análise dialética do real e de suas contradições cujas explosões segundo Marx provocariam as mudanças e aquela perspectiva talvez utópica mas fortemente estimulante de uma totalidade de indivíduos totalmente desenvolvidos no lugar dessa análise há nele a conclamada fi nalidade de educar o indivíduo para participar da mudança concebida como a progressiva evolução de um estado de coisas em si positivo63 A seguir reproduziremos trechos da obra Experiência e educação de John Dewey transcritos do livro A história da educação através dos textos de Maria da Glória de Rosa a Sobre o problema dos conteúdos e da experiência O problema para a educação progressiva é qual o lugar e sentido das matérias e da organização da experiência Como funcionam as matérias Existe algo inerente na experiência que tenda até a organização progressiva de seu con teúdo Que resultados se produzem quando os materiais da experiência não se organizam progressivamente Uma filosofia que procede sobre a base do revide ou da pura oposição descuidarseá dessas questões Tenderá a supor 62 RUGIU Antonio Nostalgia do mestre artesão Campinas Autores Associados 1998 p 18 63 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 320 94 que porque a velha educação baseavase em uma organização confecciona da previamente bastará revidar o princípio da organização em si em lugar de esforçarse para descobrir o que ele significa e como se o há de alcançar sobre a base da experiência Poderíamos seguir com todos os pontos de diferença entre a nova e a velha educação e alcançaríamos conclusões semelhantes Quando se revida o controle externo surge o problema de encontrar os fatores de controle que são inerentes à experiência Quando se revida a autoridade externa não se segue que se deva revidar toda autoridade senão que é ne cessário buscar uma fonte de autoridade mais eficaz Porque a velha educação impusera o conhecimento os métodos e as regras de conduta da pessoa adulta ao jovem não se segue exceto sobre a base da filosofia extremista do um ou outro que o conhecimento e a destreza da pessoa madura não tenha valor para a experiência da imatura Pelo contrário basear a educação sobre a expe riência pessoal pode significar contactos mais numerosos e mais inéditos entre o ser maduro e imaturo que os que existem na escola tradicional O proble ma é pois ver como podem estabelecerse esses contactos sem violentar os princípios do aprender mediante a experiência pessoal64 b Sobre o conhecimento do passado e sua relação com o futuro Precisamente qual é o papel do mestre e dos livros ao fomentar o desenvol vimento educativo do ser imaturo Admitamos que a educação tradicional empregava como matéria de estudo fatos e idéias tão correlacionadas com o passado que davam pouca ajuda para tratar dos sucessos do presente e do futuro Muito bem Agora temos o problema de descobrir a conexão que existe atualmente dentro da experiência entre os fatos do passado e os sucessos do presente Temos o problema de descobrir como o conhe cimento do passado pode converterse em um instrumento potente para tratar eficazmente do futuro Podemos revidar o conhecimento do passado com o fim da educação e portanto realçar sua importância só como meio Ao fazer isto nos encontramos com um problema que é novo em história da educação como chegará o jovem a conhecer o passado de modo que este conhecimento seja um poderoso agente na apreciação da vida presente65 c Sobre o caminho da nova educação Como afirmei mais de uma vez o caminho da nova educação não pode ser seguido tão facilmente como o velho caminho senão que é muito penoso e difícil Assim o continuará sendo até sua maioridade e isso exigirá muitos anos de sério trabalho cooperativo por parte de seus adeptos O maior peri 64 DEWEY John 1937 apud ROSA Maria da Glória de A História da Educação através dos textos São Paulo Cultrix 1971 p 296306 65 Ibid loc cit 95 go que ameaça seu futuro é creio eu a idéia de que seja um caminho fácil tão fácil que se possa improvisar seu curso senão de maneira repentina pelo menos de um dia para o outro ou de uma semana para a outra66 432 A educação no socialismo Enquanto a Escola Nova tornavase referência pedagógica nos países ca pitalistas o marxismo influenciava a educação na Rússia pósrevolucionária e depois nos países que se alinharam à União Soviética Essas duas correntes representativas dos blocos antagônicos porém não foram aplicadas inteiramente em concordância com seus princípios fundamentais Em outras palavras nem foi construída uma rede de escolas novas capaz de substituir a velha escola nos países capitalistas nem a pedagogia marxista se concretizou fielmente de acordo com as formulações de seus criadores No primeiro caso vimos que Dewey aler tava para o fato de que o caminho da nova educação não poderia ser facilmente seguido como o velho caminho Conforme suas palavras no trecho que transcre vemos o maior perigo que ameaçava o futuro da nova educação era a ideia de que fosse um caminho fácil Quanto aos países do socialismo real a começar pela Rússia revolucioná ria buscaram seguir os princípios da pedagogia marxista que de acordo com Cambi pode ser definida pelos seguintes aspectos 1 uma conjugação entre educação e sociedade segundo a qual toda prática educativa carrega valores e interesses ideológicos ligados à estrutura econômicopolítica da sociedade 2 um vínculo estreito entre educação e política tanto no nível de interpretação das vá rias doutrinas pedagógicas quanto em relação às estratégias educativas voltadas para o futuro que recorrem ou devem recorrer à ação política 3 a centralidade do trabalho na formação do homem e o papel prioritário que ele deve assumir na escola caracterizada por finalidades socialistas 4 o valor de uma educação inte gralmente humana de todas as pessoas homem omnilateral libertadas de con dições de submissão e de alienação 5 oposição a toda forma de espontaneísmo e de naturalismo ingênuo enfatizando pelo contrário a disciplina e o esforço Mas como analisou Manacorda as dificuldades para se edificar a nova es cola foram de toda ordem inclusive as altíssimas taxas de analfabetismo que vigoravam na Rússia em 1917 denotando a ausência de escolaridade no país e portanto a gigantesca tarefa que caberia à revolução de construir uma escola de acordo com os princípios marxistas Com isso percebemos que naquele país não havia ocorrido a consolidação da escola de Estado durante o século XIX tal como ocorrera nos países europeus ocidentais até porque a Rússia não realizara a sua 66 Ibid loc cit 96 revolução burguesa Caberia portanto à revolução socialista de 1917 construir a escola para todos Considerando essa peculiaridade Manacorda afirmou que as dificuldades e contradições as retomadas e recuos os passos à frente e atrás foram muitos na história da escola da União Soviética e desde o início se constataram as dificuldades da mudança e as resistências objetivas das velhas estruturas e dos velhos homens67 Para ilustrar essas dificuldades o autor transcreve na mesma página aqui mencionada um diálogo entre Lênin 18701924 líder da revolução bolchevique e um menino seu conhecido de doze anos que começou com a pergunta Que tarefas tiveste e qual foi a aula O menino respondeu Tivemos três horas E quais Matemática E depois Depois história E que história Do Egito E depois E depois língua alemã Lênin então começou a rir e disse para sua esposa a pedagoga Krupskaia Tudo é ainda como antes68 Ou seja enquanto o país atravessava uma revolução de caráter socialista a escola privilegiava o ensino de história do Egito e da língua alemã em detrimento da sua própria realidade além de consagrar apenas três horas aos estudos o que certamente se devia à escassez de vagas para todas as crianças Na Rússia pósrevolucionária 19171930 caracterizada por um forte en tusiasmo construtivo e por uma vontade de profunda renovação das instituições foi se efetuando uma atualização pedagógica e didática baseada na escola do trabalho que por princípio conjugava trabalho intelectual e manual produtivo mas que raramente conseguiu ir além de uma organização do trabalho artesa nal e portanto não conjugou realmente o trabalho intelectual com o produtivo conforme previra Marx As conquistas foram conseguidas mais na batalha contra a velha escola foram abolidos o seu conteúdo religioso e nacionalista seus mé todos de ensino e seus livros de texto embora nesse campo muitas vezes tenha sido necessário corrigir tendências extremistas que exaltavam uma exclusiva fi nalidade prática da educação Nos primeiros anos da revolução Lênin em um discurso que proferiu aos jo vens chamou a atenção sobre esse aspecto adotando uma posição equidistante de qualquer extremismo em matéria de educação ao afirmar que o socialismo de veria abolir da escola tradicional apenas o que dela não servisse aos propósitos revolucionários como o seu caráter elitista e o método autoritário aproveitando da experiência americana Dewey tudo o que fosse útil para a propagação de uma escola para todos na Rússia soviética Criticando o espírito de classe da velha escola que só transmitia conhecimentos aos filhos da burguesia ele acrescen 67 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 315 68 LÊNIN Vladimir Ilitch apud MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 315 97 tava que a escola do estudo livresco obrigava as pessoas a assimilar uma quantidade de co nhecimentos inúteis supérfluos mortos que atulhavam a cabeça e transformavam a jovem geração num exército de funcionários talhados todos na mesma medida mas disso não era lícito concluir que a educação socialista pode ria prescindir dos conhecimentos acumulados pela humanidade pois seria um enorme erro supor que assimilando apenas palavras de or dem os jovens se tornassem verdadeiros revo lucionários Afirmando que não precisavam da aprendizagem de cor mas de adquirir todos os conhecimentos fundamentais não apenas assimilandoos mas reelaborando os de forma crítica sem o que nenhum jovem se tornaria um homem moderno culto ou seja apenas na base de conclusões já prontas sem ter realizado um trabalho muito sério muito difícil e muito grande sem compreender os fatos em relação aos quais tem a obrigação de adotar uma atitude crítica69 Mais adiante em seu discurso enfatizou que a velha escola produzia os servidores necessários aos capitalistas que ti nham de falar e escrever ao gosto dos capitalistas isso quer dizer que deve mos suprimila Mas se devemos suprimila se devemos destruíla quer isso dizer que não devemos tomar dela tudo aquilo que a humanidade acumulou e que é necessário para o homem Quer isso dizer que não devemos saber distinguir aquilo que era necessário para o capitalismo daquilo que é neces sário para o comunismo70 E tomando um exemplo prático mostrou que a tarefa de cunho econômico que tinham pela frente requeria a restauração da indústria e da agricultura e que não seria possível restaurálas à maneira antiga mas sim em bases modernas segundo a última palavra da ciência a eletricidade Esta por sua vez jamais po deria ser obra de analfabetos e para alcançála não bastaria uma instrução ele mentar Constatamos assim que nos primeiros anos da revolução predominou uma postura de observância aos princípios marxistas de educação e ao mesmo tempo uma crítica à velha escola Essa última bem ao estilo praticado nos países capitalistas ocidentais 69 LÊNIN Vladimir Ilitch As tarefas das Uniões da Juventude In Lenine Obras escolhidas São Paulo Editora AlfaOmega sd p 388389 70 Ibid p 389 Figura 43 Lênin líder da Revolução Russa lendo o Jornal Pravda 98 Depois da morte de Lênin com o advento de Stalin ao poder foi condena da a tentativa de se elaborar uma teoria pedagógica que tivesse como base ao mesmo tempo o materialismo e o ativismo e que antes havia alcançado ampla aceitação Nasce assim segundo Cambi uma pedagogia sem criança funda mentalmente intelectualista e também conformista que de 1931 a 1953 domi nou o sistema escolar soviético Na época préstalinista a escola soviética foi profundamente marcada pela figura de Anton Makarenko 18881939 maior pedagogo russo desse século e cuja atividade pedagógica se inseriu diretamente no ambiente carregado de tensões e de esperanças da Rússia revolucionária Tornandose uma espécie de pedagogo oficial dela Makarenko viveu as contradições da pedagogia soviética dos anos 20 isto é a oposição entre tradicionalismo e ativismo pedagógico Ini cialmente aderiu à segunda tendência mas nos anos 30 rejeitoua drasticamen te Nessa perspectiva reviu os problemas que ocuparam a pesquisa pedagógica soviética o problema do trabalho e o papel dos grupos na atividade escolar o problema do antiindividualismo e a formação de uma nova moralidade social Seu pensamento tem uma base experimental no sentido de que foi elaborado no interior de experiências concretas em contato com meninos abandonados que deviam ser reeducados dentro de colônias E foi na Colônia Gorki que ele elabo rou os aspectos fundamentais de sua pedagogia caracterizada pelo princípio do coletivo do trabalho e do trabalho produtivo Segundo Manacorda o trabalho o coletivo a colaboração a perspectiva da alegria do amanhã e da felicidade para todos e não apenas a felicidade do indivíduo expressada por Rousseau e pelos revolucionários iluministas eram os temas da pedagogia de Makarenko tão exigente quanto otimista Em suas palestras enfatizava sempre Considero a coletividade a forma principal do trabalho educativo Nada ensina tanto ao homem como a experiência71 71 MAKARENKO Anton Semionovitch Problemas da educação escolar Moscou Edições Progresso 1986 p 6063 Figura 44 Anton Makarenko selo comemorativo russo 99 72 As posições pedagógicas de Makarenko resultaram do entrelaçamento com a ideologia da Revolução Russa do pós1917 explicitando aspectos originais mas depois diminuindo também seu significado de atualidade tanto pelas trans formações ocorridas na sociedade russa quanto pelas problemáticas novas que caracterizam hoje as pedagogias de orientação revolucionária73 De acordo com Cambi na União Soviética sob o período de Stalin e sua reforma escolar a pedagogia do coletivo Makarenko e o papel organizativo assumido pelo Partido Comunista em relação ao tempo livre juvenil o socialismo soviético manifestou tendências totalitárias mas no seu conjunto ele manteve viva uma escola de cultura e não de ideologia apenas e um sistema educativo extra escolar menos sufocante e menos ideológico quando comparados com a educação nos países de regimes totalitários como a Itália e a Alemanha Para ele se o fascis mo italiano 19221943 foi o primeiro a esboçar um sistema de início conservador depois abertamente ideológicototalitário da educação nacional foi porém o na zismo que delineou o sistema mais orgânico e coerente de educação ideológica de massa inspirada em princípios racistas e militaristas No tocante à União 72 Fonte Agência de Imprensa Nóvosti Moscou 1989 73 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 561 Figura 45 Crianças soviéticas na escola de instrução elementar após a Revolução de 1917 100 Soviética além de fazer a ressalva sobre a escola de cultura ele assinala que foi também nesse período até aproximadamente 1955 que houve uma forte expan são da escolaridade um melhoramento da eficiência das estruturas da escola so viética e a afirmação de vozes pedagógicas originais Quanto à expansão escolar data de 1919 sob a influência e prestígio de Lênin uma resolução consagrando a educação gratuita laica e obrigatória para todas as crianças e adolescentes até os 17 anos o que significou uma verdadeira revolução educacional no país A esse respeito ao analisar a influência da Escola Nova durante o século XX escreveu Dermeval Saviani O lançamento do Sputnik em 1956 saindo à frente dos Estados Unidos na corrida espacial provocou uma onda de questionamentos à educação nova A propaganda ocidental vinha empenhandose em convencer que a edu cação na Rússia além de autoritária e antidemocrática era de qualidade inferior à americana Como entender então o êxito científico e tecnológico dos russos74 44 A contribuição de Gramsci para a concepção marxista de educação Dentro da tradição marxista foi Antonio Gramsci 18911937 quem elabo rou um modelo pedagógico mais rico repensando os princípios do marxismo a relação estruturasuperestrutura a dialética a crítica da ideologia e a sua visão de história como luta de classes para a emancipação humana e como sucessão de modelos econômicopolíticos cada vez mais complexos no interior de uma condição histórica precisa um país capitalista como a Itália com forte liderança intelectual da Igreja Católica em um contexto de não difusão da revolução prole tária na Europa ao contrário de contrarrevoluções autoritárias nos vários países europeus a começar pela própria Itália com o fascismo Foi nessas condições novas às quais se acrescentam a industrialização e a sociedade de massas preso pelo regime fascista com a saúde extremamente de bilitada e com escassos meios bibliográficos à sua disposição que Gramsci empre endeu esse esforço intelectual deixando uma enorme contribuição ao pensamento marxista Em sua teorização valorizou a atividade humana práxis que interpreta e transforma a realidade Nesse sentido de acordo com Cambi acreditava que em torno de uma revolução da mentalidade é possível agregar classes ou grupos sociais interessados na mudança para construir uma hegemonia cultural e depois 74 SAVIANI Dermeval História da idéias pedagógicas no Brasil Campinas Autores Associa dos 2007 p 337 101 política contrária ao capitalismo Nesse repen sar o aspecto pedagógico é dominante pois a hegemonia cultural se constrói pela ação de muitas instituições educativas por uma organi zação da cultura que deve abranger cada cida dão incorporandoo ao projeto políticocultural em construção Já para Manacorda Gramsci como indagador crítico dos aspectos culturais na história do desenvolvimento social relacio na sempre o fato educativo não apenas ao fato político mas também ao fato da produção e do trabalho ou como ele próprio dizia do in dustrialismo do qual reconhece como o centro mais dinâmico o americanismo defendendo todavia um americanismo não de tipo americano ou seja um desenvolvimento industrial de tipo socialista Esse industrialismo é para ele também a medida da re lação pedagógica não rousseauniana espontaneísta e permissiva mas exigente e severa para poder educar ou melhor transformar cada cocciollouomo menino criança num contemporâneo de nossa época75 Segundo esse projeto formativo e tendo como base as contradições da es cola soviética que ele acompanhava do cárcere com enorme interesse até por que seus dois filhos estudavam nela Gramsci elaborou a proposta pedagógica da escola única procurando equacionar os dois momentos da formação trabalho intelectual e trabalho produtivo Reconhecendo na escola humanística o tipo de escola tradicional mais antigo que visa desenvolver em cada indivíduo a cultura geral indiferenciada a capacidade de pensar e o saber dirigirse na vida ele acrescenta que conforme o capitalismo se fortaleceu foi sendo criado todo um sistema de escolas particulares de vários graus para os vários ramos profissio nais ou para profissões especializadas e propõe Hoje a tendência é abolir toda escola desinteressada e formativa ou deixar dela somente um reduto exemplar para uma pequena elite de senhores e de mulheres que não precisam preocuparse com a preparação para o futuro profissional e difundir sempre mais as escolas profissionais especializa das em que o destino do aluno e a sua futura atividade são determinados desde o início A crise terá uma solução que racionalmente deveria seguir esta trajetória escola única inicial de cultura geral humanística formativa que saiba dosar justamente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente tecnicamente industrialmente e o desenvolvimento das ca pacidades do trabalho intelectual Deste tipo de escola única através de 75 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 334 Figura 46 Antonio Gramsci provavelmente em 1922 102 experiências repetidas de orientação profissional se passará para uma das escolas especializadas ou para o trabalho produtivo76 Manacorda acrescenta que as previsões de Gramsci sobre a organização da escola foram em parte se realizando na Itália a partir da aprovação da lei de 1962 sobre a escola média estatal Quanto ao princípio educativo e aos con teúdos procurou definir qual poderia ser o novo humanismo ou o humanismo socialista que deveria substituir o humanismo grecolatino tradicional ou seja o princípio pedagógicodidático da história da ciência e da técnica como base da educação formativohistórica da nova escola77 É importante observar que Gramsci por ter vivido em uma época mais ma dura e complexa do capitalismo diferentemente de Marx não propôs tempo de escola e tempo de fábrica mas sim a escola única inicial de cultura geral trabalho intelectual e trabalho manual seguida de escolas especializadas profissionais Entretanto é importante compreendermos também o porquê de Marx ter previsto aqueles dois momentos é que na primeira metade do século XIX as crianças das classes populares estavam exclusivamente submetidas ao mundo do trabalho A proposta de Marx exigiu um período de escola para todas as crianças o que foi revolucionário Pois no contexto da revolução industrial inglesa a fábrica chegou a exercer papel contra a escola Conforme analisou Chesnais o trabalho nas manufaturas ao exigir mulheres e crianças tornou a escola supérflua e durante quase um século a procura escolar diminui a expansão industrial impede o desenvolvimento da escola começa a faltar braço e a escola não resiste à atração das manufaturas Fora do meio rural os progressos da instrução param até os anos 1840 vindo se juntar à concor rência da indústria a rapidez e principalmente o caráter anárquico da urbani zação complicam o trabalho de implantação das escolas78 45 A segunda metade do século renovação e vozes antipedagógicas Após a Segunda Guerra Mundial 19391945 quando o mundo se polari zou em dois blocos políticos antagônicos capitalismo e socialismo a educação seguiu as tendências políticas gerais Nos países capitalistas a pedagogia no 76 GRAMSCI Antonio Caderno 12 In GRAMSCI Antonio Cadernos do cárcere Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 p 3334 v 2 77 GRAMSCI Antonio apud MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüi dade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 334 78 CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 p 142143 103 âmbito da pesquisa e não da prática continuou a inspirarse nos movimentos inovadores dos quais Dewey foi o maior sistematizador Nos socialistas cresci dos ao redor da União Soviética a inspiração é sempre nas teses de Marx sobre a união entre instrução e trabalho Experiências marxistas além desses países ocorreram na Itália e na França percorrendo um caminho pedagógico baseado na hipótese comum ao marxismo e às escolas novas autogoverno cooperação par ticipação democrática trabalho diretamente produtivo com pequenas tipografias escolares segundo Manacorda Mas o fato é que a escola chegou aos nossos dias submetida a duas instâncias por um lado difundir a cultura desinteressada humanística que forma e nutre a inteligência e a pessoa por outro criar per fis profissionais Esse dilema como vimos está na origem da educação escolar desde os antigos gregos Como escreveu Cambi são duas instâncias conflitantes entre si que alimentaram os debates em torno da identidade da escola secundária em quase todos os países e levaram a soluções diferentes sublinhando como as duas exigências não são elimináveis e como esse problema permanecerá duran te muito tempo como um problema aberto a ser resolvido Outro fenômeno da época foi a progressiva mudança das orientações católi cas no campo da educação Desde o final do século XIX Estado moderno e Igre ja Católica aparecem em duas frentes opostas no aspecto da universalização e laicização da educação A tendência dominante era a da expansão e estatização da escola o que subtraía o tradicional espaço da Igreja Católica No contexto da expansão da escola e do papel do Estado a sua presença foi bastante reduzida mas poderíamos citar como testemunho da vitalidade dessa tradição a obra edu cativa de Dom Bosco que iniciada modestamente impôs por meio da Congrega ção Salesiana a presença católica no panorama educativo do mundo moderno A sua obra destacase tanto pela reflexão pedagógica como pela iniciativa de educação popular profissional Para Manacorda o sucesso de sua escola talvez se deva ao método misto de antigo e novo isto é de intransigência teológica e de bondade conjugada com severidade religiosa Em termos de orientação teológica já no século XX enquanto a encíclica de Pio XI 1929 declarava que a educação pertence de modo eminente à Igreja o Concílio Vaticano II 19611965 anunciava uma posição mais aberta admitin do que todos os homens de qualquer raça condição e idade têm direito a uma educação que corresponda ao seu próprio fim e seja adequada à sua índole à diferença de sexo à cultura e às tradições de seu país79 Essa orientação coin cidia com o pensamento de expoentes do catolicismo como Jacques Maritain e Emmanuel Mounier 79 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 337 104 À expansão escolar na segunda metade do século XX devem ser associa dos os diversos movimentos que especialmente na década de 1960 colocaram acento em antigas discriminações educacionais que ainda persistiam Estamos nos referindo especificamente a 1968 com as suas rebeliões estudantis Segun do Cambi o exemplo talvez mais alto da revolução cultural juvenil foi o maio francês isto é as lutas estudantis para conquistar transformações na escola na universidade e na política A crítica à ideologia escolar na França ficou expres sa principalmente na teoria de Louis Althusser cuja influência ultrapassou as fronteiras francesas Na Alemanha o movimento foi influenciado pela releitura do marxismo realizada pela Escola de Frankfurt e se colocou aberto a experiências mais libertárias como as de Wilhelm Reich que visava uma síntese entre psica nálise e marxismo Na Itália segundo Manacorda desde 1967 com a Lettera a una professoressa carta a uma professora uma crítica racional da escola foi escrita em primeira pessoa isto é pelos seus escolares constituindose antes de tudo em uma polêmica contra os professores como corporação Não poderíamos deixar de acrescentar aqui o movimento estudantil brasilei ro que também eclodiu em 1968 mas cujas condições amadureciam muito antes estavam vinculadas às lutas por democratização da universidade pública brasi leira desde o final da década de 1950 Com a instauração da ditadura militar em 1964 e com a iniciativa do governo em editar a reforma universitária sob ambiente de repressão os estudantes saíram às ruas Assim o que distingue o Brasil é o fato de que aqui o movimento estudantil ocorreu contra um regime ditatorial en quanto na Europa ele eclodia no momento de aprofundamento da democracia Para Cambi 1968 alimentou um amplo movimento no campo educativo es colar e pedagógico que incidiu em profundidade sobre a identidade da pedago gia segundo três direções Figura 47 Estudantes brasileiros protestam contra a ditadura militar 1968 105 1 trouxea de volta à sua fundamental politicidade já que a pedagogia é um saber também político e deve colocarse em sintonia com as forças sociais mais progressistas que trabalham para a emancipação do homem Política e utopia vêm conjugarse na pedagogia 2 a pedagogia deve ser revista criticamente na sua tradição pondo às claras suas insuficiências e condicionamentos sobretudo ideológicos desmascarandoos e projetando um pensarfazer educação que se emancipe dessa condição de subalterni dade sem cair porém no mito da ciência de uma neutralidade da ciência 3 a focalização de novos modelos formativos antropológicos sociais culturais que visam a uma condição desalienada da vida individual e social caracterizandoa no sentido libertário antiautoritário erótico e criativo que se colocam numa trajetória explicitamente utópica80 Nesse clima de revisão radical segundo o autor vieram se afirmando mode los alternativos que se orientavam sobretudo para princípios e valores outros em relação aos burgueses e capitalistas saturados de ideologia conformistaau toritária e repressiva Entre eles podem ser mencionados as pedagogias de au togestão na França da desescolarização Ivan Illich e ainda da experiência de contraescola na Itália 1967 Fora da Europa e atuando em um país cuja edu cação escolar ainda era destinada às elites devemos acrescentar Paulo Freire 19241998 com a elaboração de um método original de alfabetização de adultos centrado no princípio da educação como prática da liberdade 81 Uma das mais novas características da pedagogia do século XX foi a sua abertura para os problemas mundiais e nesse sentido foi nos países não eu ropeus onde se desenvolveu um complexo e inovador movimento de ideias e de práticas educativas renovando as teorizações pedagógicas De modo geral foram três os âmbitos em que se manifestaram a inovação e o alargamento da consciência pedagógica no século XX 80 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 624625 81 Fonte httpfotossapoptmZ6GkrwP6gR3Yk3f7Z5B Figura 48 Estudantes franceses em passeata pelas ruas de Paris maio de 1968 106 1 por meio dos estudos antropológicoculturais dedicados às práticas edu cativas junto a culturas não ocidentais 2 por meio das inovações peda gógicas nos países em desenvolvimento com processos de alfabetização mas também com práticas pedagógicas originais que tiveram ressonância também na Europa e nos EUA como ocorreu com Gandhi e a sua pedago gia da nãoviolência 3 por meio das campanhas de educação de adultos aplicando modelos de conscientização como fizeram Dolci e Capitini na Itália ou Paulo Freire no Brasil mas em anos sucessivos82 Para Franco Cambi a reviravolta que 1968 provocou ainda nos condiciona De fato continuamos às voltas com as questões teóricas sobre a finalidade da educação em nossa época e com as questões práticas que especialmente em países como o Brasil com graves desigualdades sociais ainda não encontraram solução Se o grande tema de 1968 era o da democratização da educação ele mantém a sua atualidade neste começo do século XXI 46 Considerações finais Ao encerrarmos essa trajetória da história da educação tendo por objetivo demonstrar como a escola se expandiu e se consolidou tornandose um direito de todos é necessário salientar que mesmo na Europa foi só com o segundo pósguerra 1945 que a escola se tornou de fato acessível a todas as crian ças Apesar dos grandes avanços da educação nesse século em extensas áreas do planeta ainda predominam a discriminação as dificuldades para frequentar a escola e até mesmo a exclusão de milhões de crianças do direito à educação escolarizada 83 82 Ibid p 588 83 Fonte httpwwwmstorgbr Figura 49 Crianças na escola do MST 107 Se retomarmos a tendência que vinha se delineando na Europa principal mente desde o século XVIII no sentido da estatização da instituição escolar cons tataremos que no século XX essa tendência se efetivou De fato se no passado a escola foi monopolizada pela Igreja Católica coube ao Estado moderno res ponsabilizarse por ela para que o direito a frequentála se estendesse a todas as crianças Mesmo assim essa foi uma passagem longa difícil e bastante desigual de país para país Vimos que após a não concretização do programa burguês no campo da educação universalidade estatalidade gratuidade laicidade renova ção cultural incorporação da temática do trabalho coube ao movimento socia lista a luta pelo direito à escola para todas as crianças pois conforme Engels as palavras mágicas de liberdade igualdade e fraternidade não mudaram o eixo do mundo ou seja a igualdade não passou de uma bandeira Por essa razão confor me estudamos o marxismo não rejeitou mas assumiu esses ideais endereçando à burguesia uma dura crítica pela incapacidade de realizar o seu programa além de dar um caráter mais radical e consequente dessas premissas e acrescentar uma concepção mais orgânica da união entre trabalho e formação intelectual na perspectiva de uma formação total omnilateral de todos os homens No século XX ao mesmo tempo em que a escola se expandiu tornouse mais suscetível ao controle ideológico o que a princípio pode parecer uma con tradição Mas foi também o processo de sua expansão aliado à prática de vida democrática que possibilitou o reconhecimento das suas contradições e depois a sua condenação Pois foi isso que 1968 mesmo com seus excessos e extremis mos significou Para Cambi esse foi um ponto de honra mesmo com todas as suas distorções riscos e desvios da escola contemporânea e que a diferenciou profundamente da tradicional passiva e autoritária84 O fato é que hoje submetida aos valores da sociedade de consumo da in dústria cultural da sociedade do espetáculo do poder da mídia a escola contem porânea se encontra em crise Mas olhando retrospectivamente será que algum dia em sua longa trajetória a escola viveu sem passar por crises Não esteve ela constantemente oscilando entre posições conservadoras e progressistas desde a Grécia Antiga Entretanto precisamos compreender os traços da crise atual A peculiaridade do presente além do que já expusemos nas linhas anteriores é que se no século XIX a escola ocupou a centralidade da vida social hoje parece não ser mais assim O progresso tecnológico ao qual já nos referimos ao mesmo tempo em que facilitou a difusão do conhecimento obscureceu a centralidade da escola de modo que ela hoje se defronta com a crise específica de definir seu papel em um mundo de economia globalizada numa sociedade informatizada e de consumo Começamos nosso texto didático chamando a atenção para o fato de que a escola não é a única instituição o único locus que transmite o saber 84 Ibid p 627 108 85 Hoje mais do que nunca o princípio de Platão segundo o qual não apenas a escola mas a sociedade como um todo educa é um princípio verdadeiro Mas então que papel lhe cabe Talvez como preconizou Manacorda caiba à esco la exatamente aquilo que ela ainda não cumpriu a formação humana plena tal como escreveu Pareceme que o caminho do futuro seja aquele que o passado nunca soube percorrer mas que nos mostrou em negativo descortinando suas contradi ções E estas foram e são entre a instrução dos dominantes para o dizer intelectual e dos dominados para o fazer produtivo entre a exigência de uma formação geral humana e a preparação de cada um para competências distintas como as do dizer e as do fazer entre máxima reverência que se deve à criança e o perpétuo recurso ao sadismo pedagógico com as inevi táveis conseqüências contestadoras entre a persistente predominância de um ensino lógicoverbal e a necessidade humana especialmente dos adolescentes de uma plenitude de vida instintiva emotiva e afetiva através de uma vida escolar que não exclua mas corresponda à sua vida real quer do corpo quer da mente com suas atividades artísticas produtivas e físicas colocadas no mesmo nível das atividades pseudo intelectuais Em suma a exigência de uma escola que de lugar de separação e de privações se transforme num lugar e numa plenitude de vida86 Franco Cambi por sua vez ao encerrar a análise sobre a educação do sé culo XX e apontar perspectivas para a atualidade assinalou que a escola contem 85 Fonte httpfotosdochongaswordpresscom20070112criancasnaguerra 86 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias 4 ed São Paulo Cortez 1989 p 360 Figura 410 Crianças africanas Angola mobilizadas para a guerra 109 porânea assume o perfil complexo que lhe é próprio nas sociedades industriais avançadas e democráticas e ainda hoje atravessa a oposição entre escola de massa e escola de elite entre escola de todos e escola profissionalizante orientada para um objetivo a oposição entre escola livre caracterizada pela liberdade de ensino como quer uma instância de verdadeira cultura na escola e escola conformativa a papéis sociais a papéis produtivos São justamente problemas abertos que ainda caracterizarão por muito tempo a escola de decênios vindouros é previsível e que devem ser enfrentados sem exclusivismos e sem fechamentos com a nítida consciência de que a escola contemporânea é ainda uma escola em transformação que procura dar resposta a situações sociais culturais e de mercado de trabalho profundamente novas e em contínuo devenir87 47 Estudos complementares Para conhecer um pouco mais sobre a concepção marxista de educação leia o artigo FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa A educação na perspectiva marxista uma abordagem baseada em Marx e Gramsci Interface Comunicação Saúde Educação Botucatu v 12 n 26 p 635646 julset 2008 Disponível em httpwwwscielobrpdficsev12n26a14pdf Acesso em 28 jul 2009 471 Saiba mais John Dewey 18591952 Nasceu em Burlington Vermont EUA Em 1884 doutorouse em Filosofia e Pedagogia Foi nomeado instrutor de Filosofia na Universidade de Michigan onde sofreu influência das teorias de Hegel idealismo e William James pragmatismo individualismo Elevado a professor titular aí permaneceu até 1894 A partir des sa data foi nomeado professor de Filosofia e Pedagogia na Universidade de Chi cago Nessa universidade realizou uma das mais importantes experiências para a pedagogia contemporânea a criação em 1896 de uma escolalaboratório que durante sete anos serviu de experimentação às suas ideias pedagógicas para crianças de 4 a 13 anos Em 1904 passou a lecionar na Universidade de Colúmbia em Nova Iorque onde permaneceu até sua jubilação No primeiro 87 CAMBI Franco História da pedagogia São Paulo Editora da UNESP 1999 p 628 110 pósguerra iniciou uma série de viagens Japão China Turquia México URSS Escócia pelas quais o seu pensamento filosófico e pedagógico se difundiu e se afirmou como um dos instrumentos mais eficazes para enfrentar e superar a crise pósbélica Deixou uma obra extensa que teve começo com a publicação de Meu credo pedagógico 1897 A escola e a sociedade 1899 e Como pensamos 1910 O extenso rol de suas publicações foi intensificado nos anos 2030 e con cluído em 1949 com a sua última grande e original obra teórica Conhecimento e transação Além de um grande pedagogo teórico e prático foi também um grande filósofo que desenvolveu o pragmatismo americano buscando resultados racionalistacríticos metodológicos e éticopolíticos Morreu em 1952 Quadro 3 Século XX o século das crianças das mulheres da técnica e da democrati zação da educação Tendências Gerais Expansão dos sistemas educacionais na Europa e nos EUA Pensamento pedagógico marcado pelo debate entre a concepção marxista e a Escola Nova Primeira metade do século Segunda metade do século O pensamento de John Dewey learning by doing A concepção marxista de educa ção a formação omnilateral Desenvolvimento das experiências educativas baseadas na Escola Nova O socialismo e a educação a expe riência russa Pedagogia católica tentativa de renovação Os regimes totalitários a Segunda Guerra Mundial 19391945 e a educação O pósguerra e o papel da educação Anos 60 lutas operárias feminismo inovações católicas Concílio Vaticano II No Brasil movimento popular de alfa betização de adultos método Paulo Freire 1968 ano da revolta estudantil e juvenil Tomada de consciência da desigualdade educativa como aspecto da desigualdade social O fim da União Soviética 1991 e do socialismo real A educação na passagem do século XX para o XXI o neoliberalismo e os desafios da educação 111 472 Referências ABBAGNANO Nicola VISALBERGHI Aldo História da Pedagogia Tradução de Glicí nia Quartin Lisboa Livros Horizonte 1981 v 2 ARBOUSSEBASTIDE Paulo MACHADO Lourival Gomes Rousseau 17121778 Vida e Obra In ROUSSEAU JeanJacques 17121778 Do Contrato Social Ensaio so bre a origem das línguas Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Discurso sobre as ciências e as artes Tradução de Lourdes Santos Machado e notas de Paulo ArbousseBastide e Lourival Gomes Machado 2 ed São Paulo Abril Cultural 1978 Os pensadores CAMBI Franco História da Pedagogia Tradução de Álvaro Lorencini São Paulo Edito ra da UNESP 1999 CHESNAIS JeanClaude A vingança do Terceiro Mundo Tradução de A Bastos Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1989 DEWEY John Vida e obra Experiência e natureza Lógica a teoria da investigação A arte como experiência Vida e educação Teoria da vida moral Traduções de Murilo Octávio Paes Leme Anísio S Teixeira Leônidas Gontijo de Carvalho 2 ed São Paulo Abril Cultural 1985 Os pensadores FERREIRA Jr Amarilio BITTAR Marisa A educação na perspectiva marxista uma abordagem baseada em Marx e Gramsci Interface Comunicação Saúde Educação Botucatu v 12 n 26 p 635646 julset 2008 GRAMSCI Antonio Caderno 12 1932 Apontamentos e notas dispersas para um gru po de ensaios sobre a história dos intelectuais In GRAMSCI Antonio Cadernos do cárcere Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 v 2 LÊNIN Vladimir Ilitch As tarefas das Uniões da Juventude In Lenine Obras escolhidas São Paulo AlfaOmega sd v 3 LUZURIAGA Lorenzo História da educação e da pedagogia Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J B Damasco Penna 12 ed São Paulo Companhia Editora Nacio nal 1980 Atualidades Pedagógicas v 59 MAKARENKO Anton Semiónovitch Problemas da educação escolar Tradução de Ma ria Pais Moscou Edições Progresso 1986 MANACORDA Mario Alighiero História da Educação da Antigüidade aos nossos dias Tradução de Gaetano Lo Mônaco 4 ed São Paulo Cortez Editora 1989 MANACORDA Mario Alighiero Aos educadores brasileiros Tradução de Paolo Nosella e Patrícia Polizei Culhari Campinas HISTEDBRFEUNICAMP 2007 Entrevista conce dida a Paolo Nosella DVD Gravado na Itália em julho de 2006 ROSA Maria da Glória de A História da Educação através dos textos São Paulo Cul trix 1971 112 ROUSSEAU JeanJacques Emílio ou Da Educação Tradução de Roberto Leal Ferrei ra 2 ed São Paulo Martins Fontes 1999 RUGIU Antonio Santoni Nostalgia do mestre artesão Tradução de Maria de Lourdes Menon Campinas Autores Associados 1998 SAVIANI Dermeval História das idéias pedagógicas no Brasil Campinas Autores As sociados 2007 Coleção memória da educação SOBRE A AUTORA Marisa Bittar Marisa Bittar é graduada em História pelas Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso professora titular de História da Educação na Universidade Federal de São Carlos atuando no ensino dessa disciplina desde 1993 É doutora em His tória Social pela USP e mestra em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul instituição na qual em 1987 iniciou sua carreira acadêmica atu ando no Departamento de História Antes de se tornar professora universitária exerceu a docência no ensino de História para o nível médio na cidade de Cam po Grande MS No Programa de PósGraduação em Educação da UFSCar âmbito no qual desde 2007 exerce o cargo de coordenadora já orientou treze mestrados e oito doutorados tendo recebido o prêmio CAPES 2008 de melhor tese orientada na área da Educação É autora de diversos artigos e coautora do livro Sindicalismo e proletarização de professores na ditadura militar 1964 1985 Desde 2008 é pesquisadora Produtividade em Pesquisa do CNPq Este livro foi impresso em março de 2012 pelo Departamento de Produção Gráfica UFSCar