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CAPÍTULO V O PROBLEMA DA BASE EMPÍRICA A questão da falseabilidade das teorias está agora reduzida à da falseabilidade dos enunciados singulares a que chamei de enunciados básicos Que espécie de enunciados singulares são entretanto esses enunciados básicos Como podem eles ser falseados Para quem se dedica à pesquisa prática esses assuntos podem ser de pequeno interesse Contudo as obscuridades e malentendidos que rodeiam o problema tornam conveniente examinálo com algum pormenor 25 EXPERIÊNCIAS PERCEPTUAIS COMO BASE EMPÍRICA PSICOLOGISMO A doutrina segundo a qual as ciências empíricas são reduzíeis a percepções sensórias e conseqüentemente a nossas experiências é por muitos aceita como óbvia Todavia essa doutrina é acolhida ou rejeitada na dependência de aceitarmos ou não a Lógica Indutiva aqui a rejeitamos porque rejeitamos a Lógica Indutiva Não desejo negar a existência de um grão de verdade na concepção de que a Matemática e a Lógica se alicerçam no pensamento ao passo que as ciências factuais se fundamentam em percepções sensórias O que há de verdadeiro nessa concepção tem não obstante pouca relação com o problema epistemológico E sem dúvida seria difícil encontrar no terreno da epistemologia um problema que se tenha ressentido mais severamente da confusão entre Psicologia e Lógica do que esse problema da base dos enunciados da experiência Poucos pensadores se perturbam tão profundamente com o problema da base da experiência quanto Fries 1 Ensinou ele que se 1 J F Fries Neue oder anthropologische Kritik der Vernunft 1828 a 1831 não cabe aceitar dogmaticamente os enunciados da Ciência devemos ter como justificálos Se exigirmos justificação através de argumento que desenvolva razões no sentido lógico seremos levados à concepção segundo a qual enunciados só podem ser justificados por enunciados A exigência de que todos os enunciados devam ser logicamente justificados a que Fries se refere falando em predileção por demonstrações tende portanto a conduzir a uma regressão infinita Ora se quisermos evitar o perigo do dogmatismo ao mesmo tempo que a regressão infinita aparentemente não restará outro recurso que não o psicologismo isto é a doutrina de acordo com a qual enunciados podem encontrar justificação não apenas em enunciados mas também na experiência perceptual Diante desse trilema dogmatismo vs regressão infinita vs psicologismo Fries e com ele quase todos os epistemologistas que desejavam explicar nosso conhecimento empírico optaram pelo psicologismo Na experiência sensória ensinou ele encontramos conhecimento imediato 2 através desse conhecimento imediato podemos justificar nosso conhecimento mediato conhecimento expresso no simbolismo de alguma linguagem E esse conhecimento mediato inclui naturalmente os enunciados da Ciência Habitualmente a questão não é conduzida até este ponto Nas epistemologias do sensualismo e do positivismo dáse por admitido que os enunciados científicos empíricos falam de nossas experiências 3 Com efeito como poderíamos atingir qualquer conhecimento dos fatos se não através da percepção sensória Recorrendo apenas ao pensamento um homem nada pode acrescentar ao seu conhecimento do mundo Assim a experiência perceptual deve constituirse na única fonte do conhecimento de todas as ciências empíricas Tudo o que sabemos acerca do mundo dos fatos deve pois ser suscetível de expressão sob a forma de enunciados acerca de nossas experiências Só podemos chegar à conclusão de que esta mesa é azul ou verde consultando nossa experiência sensorial Pelo imediato sentimento de convicção que ela nos transmite podemos distinguir o enunciado verdadeiro aquele cujos termos estão em concordância com a experiência do enunciado falso aquele cujos termos não concordam com a experiência A Ciência não passa de uma tentativa de classificar e descrever esse conhecimento perceptual essas experiências imediatas de cuja 2 Cf por exemplo J Kraft Von Husserl zu Heidegger 1932 pp 102 e s 2a ed 1957 pp 108 e s 3 Acompanho aqui quase literalmente as exposições feitas por P Frank cf seção 27 nota 4 e H Hahn cf seção 27 nota 1 verdade não podemos duvidar ela é a apresentação sistemática de nossas convicções imediatas Essa doutrina na minha opinião apóiase nos problemas da indução e dos universais Efetivamente não há como emitir um enunciado científico sem ultrapassar de muito aquilo que pode ser conhecido de maneira incontestável com base na experiência imediata A esse fato é cabível aludir como a transcendência inerente a qualquer descrição Toda descrição usa nomes ou símbolos ou idéias universais todo enunciado tem o caráter de uma teoria de uma hipótese O enunciado aqui está um copo com água não admite verificação por qualquer experiência observacional A razão está no fato de os universais que nele ocorrem não poderem ser correlacionados com qualquer experiência sensorial específica Uma experiência imediata é imediatamente dada apenas uma vez ela é única Usando a palavra copo indicamos corpos físicos que exigem certo comportamento legalóide e o mesmo cabe dizer com respeito à palavra água Os universais não admitem redução a classes de experiências não podem ser constituídos 4 26 A PROPÓSITO DAS CHAMADAS SENTENÇAS PROTOCOLARES A concepção a que chamei de psicologismo discutida na seção anterior está subjacente segundo me parece a uma das teorias modernas da base empírica muito embora seus defensores não falem de experiências nem de percepções mas em vez disso de sentenças sentenças que traduzem experiências São as chamadas sentenças protocolares de Neurath 1 e Carnap 2 Teoria semelhante havia sido sustentada anteriormente pelo filósofo Reininger Seu ponto de partida foi a indagação onde reside a correspondência ou concordância entre um enunciado e o fato ou estado de coisas por ele descrito Reininger chegou à conclusão de que enunciados só podem ser comparados a enunciados Segundo ele a correspondência de um enunciado com um fato nada mais é que a correspondência lógica entre enunciados pertencentes a diferentes níveis 4 Cf o texto e a nota 2 da seção 20 Constituído é termo cunhado por Carnap 1 O termo foi proposto por Neurath cf por ex Soziologie in Erkenntnis v 2 1932 p 393 2 Carnap Erkenntnis v 2 1932 pp 432 e ss vol 3 1932 pp 107 e ss de universalidade é 3 a correspondência de enunciados de nível superior com enunciados de conteúdo similar e em última análise com enunciados que registram experiências estes são algumas vezes chamados enunciados elementares na terminologia de Reininger4 Carnap parte de uma questão algo diversa Sua tese é a de que todas as investigações filosóficas se referem a formas de expressão 5 A lógica da ciência cabe investigar as formas da linguagem científica 6 Essa linguagem não fala de objetos físicos mas de palavras não de fatos mas de sentenças Em oposição a esse modo formal de expressão correto Carnap coloca o modo ordinário ou como diz ele o modo material de expressão Para fugir à confusão o modo material de expressão só deveria ser usado quando fosse possível traduzilo no modo formal correto de expressão Ora essa concepção com a qual me ponho de acordo leva Carnap assim como Reininger a asseverar que não devemos dizer no campo da Lógica da Ciência que as sentenças são submetidas a prova através da comparação com estados de coisas ou com experiências só podemos dizer que elas são suscetíveis de prova por meio da comparação com outras sentenças Carnap apesar de tudo está conservando as idéias fundamentais da abordagem psicologística do problema tudo o que faz é traduzilas para o modo formal de expressão Diz ele que as sentenças da Ciência são submetidas a prova através do auxílio de sentenças protocolares 7 Uma vez porém que estas são apresentadas como enunciados ou sentenças que não exigem confirmação mas servem de base para todas as outras sentenças da Ciência isso equivale a dizer no modo ordinário material da expressão que as sentenças protocolares referemse ao dado aos dados sensoriais Descrevem elas como diz o próprio Carnap os conteúdos da experiência imediata ou os fenômenos e assim os fatos mais simples suscetíveis de conhecimento 8 Isso mostra de maneira suficientemente clara que a teoria das sentenças protocolares não passa de psicologismo traduzido no modo formal de expressão Coisa muito semelhante pode ser afirmada acerca da concepção de Neurath 9 quer ele que nas sentenças protocolares palavras tais como perceber ver etc devam ocorrer acompanhadas do nome completo do autor da sentença protocolar Sentenças protocolares como a expressão indica devem ser registros ou protocolos de observações imediatas ou de percepções Tal como Reininger 10 Neurath sustenta que os enunciados perceptuais que registram experiências isto é as sentenças protocolares não são irrevocáveis podendo por vezes admitir rejeição Opõese ele 11 à concepção de Carnap depois revista por ele 12 segundo a qual as sentenças protocolares são definitivas e não exigem confirmação Enquanto porém Reininger apresenta um método de submeter a prova seus enunciados elementares em caso de dúvida através de recurso a outros enunciados este é o método de deduzir e submeter conclusões à prova Neurath não oferece qualquer método semelhante Observa apenas que podemos ou rejeitar uma sentença protocolar que contradiz um sistema ou aceitála e modificar o sistema de maneira tal que incluída a sentença ele permaneça compatível A doutrina de Neurath de acordo com a qual as sentenças protocolares não são invioláveis corresponde a meu ver a notável avanço Contudo desconsiderada a substituição das percepções por enunciadospercepção mera tradução para o modo formal de expressão a doutrina de que as sentenças protocolares admitem revisão é seu único progresso relativamente à teoria de Fries acerca da imediatidade do conhecimento perceptual Tratase de um passo na direção certa mas que a nada conduz se não for acompanhado de outro passo fazse necessário um conjunto de regras para limitar a arbitrariedade na rejeição ou aceitação de uma sentença protocolar Neurath não nos apresenta essas regras e assim involuntariamente compromete o empirismo Com efeito sem essas regras os enunciados empíricos deixam de ser distinguíveis de qualquer outra espécie de enunciado Se a todos se permitir como se permite segundo Neurath simplesmente 9 Otto Neurath Erkenntnis v 3 1933 pp 205 e ss Neurath oferecenos o seguinte exemplo Um enunciado protocolar completo poderia apresentarse desta maneira Protocolo de Otto às 15 hs e 17 m O pensamento verbal de Otto ocorreu às 15 hs e 16 m na sala às 15 hs e 15 m havia uma prancheta que foi observada por Otto 10 Reininger op cit p 133 11 Neurath op cit pp 209 e s 12 Carnap Erkenntnis v 3 1933 pp 215 e ss cf nota 1 da seção 29 rejeitar uma sentença protocolar que se mostre inconveniente qualquer sistema tornase defensável Dessa maneira tornase possível salvar qualquer sistema à semelhança do convencionalismo mais do que isso dado o número elevado de sentenças protocolares seria possível confirmar o sistema recorrendo ao depoimento de testemunhas que tenham atestado ou protocolado o que viram ou ouviram Neurath evita uma forma de dogmatismo porém abre caminho para que qualquer sistema arbitrário tenha pretensões a Ciência empírica Assim não é muito fácil perceber que parte se reserva às sentenças protocolares no sistema de Neurath Segundo a concepção anterior de Carnap o sistema das sentenças protocolares era a pedra de toque com base na qual haveria de ser apreciada toda à asserção de um Ciência empírica Essa a razão por que elas deviam ser irrefutáveis pois só a elas cabia afastar sentenças naturalmente sentenças não protocolares Entretanto se as sentenças protocolares se vêem despidas dessa função podendo elas próprias ser afastadas pela ação de teorias para que servirão Como Neurath não tenta solucionar o problema da demarcação sua idéia de sentenças protocolares parece mero resíduo lembrança remanescente da concepção tradicional defensora de que a Ciência se origina da percepção 27 A OBJETIVIDADE DA BASE EMPÍRICA Proponhome a contemplar a Ciência de modo ligeiramente diverso do advogado pelas várias escolas psicológicas pretendo distinguir nitidamente entre Ciência objetiva de um lado e nosso conhecimento de outro Admito de bom grado que somente a observação pode proporcionarnos um conhecimento concernente aos fatos e que como diz Hahn só tomamos consciência dos fatos pela observação1 Mas essa consciência esse nosso conhecimento não justifica nem estabelece a verdade de qualquer enunciado Não creio conseqüentemente que a Epistemologia deva indagar sobre que se apóia nosso conhecimento ou mais exatamente como posso eu tendo tido a experiência F justificar a descrição que dela faço e preservála da dúvida2 Isso não pode ser feito ainda que substituamos o termo 1 H Hahn Logik Mathematik und Naturerkennen in Einheitswissenschaft v 2 1933 pp 19 e 24 2 Cf Carnap por exemplo Scheinprobleme in der Philosophie 1928 p 15 o original não aparece grifado 104 experiencia por sentença protocolar A meu ver o que a Epistemologia deve indagar é antes como submeter a testes enunciados científicos considerando suas conseqüências dedutivas 1 E que espécie de conseqüências devemos selecionar para esse objetivo se elas por sua vez hão de ser suscetíveis de teste intersubjetivo Atualmente esse tipo de abordagem objetiva e não psicológica é geralmente aceito quando estão em causa enunciados lógicos ou tautológicos Contudo há não muito tempo sustentavase que a Lógica era uma Ciência que manipula os processos mentais e suas leis as leis de nosso pensamento Sob esse prisma não se podia encontrar outra justificação para a Lógica a não ser na alegação de que não nos é dado pensar de outra maneira Uma inferência lógica parecia justificarse pelo fato de ser sentida como uma necessidade de pensamento um sentimento de que somos compelidos a pensar ao longo de certas linhas No campo da Lógica talvez se possa dizer que essa espécie de psicologismo é hoje coisa do passado Ninguém sonharia em justificar a validade de uma inferência lógica ou em defendêla contra possíveis dúvidas escrevendo ao lado na margem a seguinte sentença protocolar protocolo revendo essa cadeia de inferências no dia de hoje experimentei forte sensação de convicção A posição tornase diferente quando passamos aos enunciados empíricos da Ciência Aqui todos acreditam que esses enunciados tal como a percepção fundamentamse em experiências ou passando para o modo formal de expressão em sentenças protocolares A maioria reconhecerá que qualquer tentativa de alicerçar os enunciados lógicos em sentenças protocolares traduz inclinação para o psicologismo Curiosamente porém quando se passa aos enunciados empíricos o mesmo fenômeno recebe hoje o nome de fiscalismo Ora estejam em causa enunciados da Lógica ou enunciados da Ciência empírica entendo que a resposta deva ser a mesma nosso conhecimento que pode ser descrito em termos vagos como um sistema de disposições e que talvez interesse à Psicologia pode em ambos os casos prenderse a sentimentos de crença ou de convicção no primeiro caso prenderse talvez ao sentimento de que somos compelidos a pensar de certa maneira no outro prenderse talvez ao sentimento de segurança perceptual 1 Presentemente eu formularia a questão desta maneira de que modo proceder para melhor criticar nossas teorias nossas hipóteses nossas conjecturas em vez de defendêlas contra a dúvida É claro que a prova sempre constitui no meu entender parte da Crítica Cf meu Postscript seções 7 texto entre notas 5 e 6 e fim da seção 52 105 Tudo isso contudo só interessa ao psicólogo Nem sequer relacionase com problemas como os de conexões lógicas entre enunciados científicos que só interessam ao epistemologista Há uma ampla crença de que o enunciado Vejo que esta mesa é branca possui alguma vantagem misteriosa do ponto de vista da Epistemologia sobre o enunciado Esta mesa é branca Todavia do ponto de vista da apreciação de seus testes objetivos possíveis o primeiro enunciado referindose a mim não parece mais seguro que o segundo enunciado que no caso referese à mesa Só existe um meio de assegurar a validade de uma cadeia de arrazooados lógicos É colocála na forma que a torne mais facilmente suscetível de teste quebramola em muitas porções cada uma passível de fácil verificação por qualquer pessoa que tenha aprendido a técnica lógica ou matemática de transformar sentenças Se depois disso ainda houver quem levante dúvidas o único que podemos fazer é pedirlhe que aponte um erro nas fases de demonstração ou que reflita mais aprofundadamente acerca da questão No que se refere às ciências empíricas a situação é semelhante Todo enunciado científico empírico pode ser apresentado através da descrição de arranjos experimentais etc de maneira tal que todos quantos dominem a técnica adequada possam submetêlo a prova Se como resultado houver rejeição do enunciado não basta que a pessoa nos fale acerca de seu sentimento de dúvida ou a propósito de seu sentimento de convicção no que se refere às suas percepções O que essa pessoa deve fazer é formular uma asserção que contradiga a nossa fornecendonos indicações para submetêla a prova Se ela deixa de agir assim só nos resta pedirlhe que faça novo e mais cuidadoso exame de nosso experimento e que reflita mais demoradamente Uma asserção que devido à sua forma lógica não seja suscetível de prova atuará no campo da Ciência quando muito como um estímulo pode sugerir um problema No campo da Lógica e da Matemática isso pode ser exemplificado pelo problema de Fermat no campo da História Natural digamos pelos relatórios acerca de serpentes marinhas Em casos dessa ordem a Ciência não diz que sejam infundados os relatórios que Fermat estava errado ou que são mentirosos todos os registros de serpentes marinhas observadas mas deixa para mais tarde seu julgamento 3 3 Cf minha anotação acerca de efeitos ocultos na seção 8 106 A Ciência pode ser encarada sob vários prismas e não apenas sob o ângulo da Epistemologia podemos encarála por exemplo como um fenômeno biológico ou sociológico Nesses termos caberia descrevêla como ferramenta ou instrumento comparável talvez a alguns que integram nosso aparelhamento industrial A Ciência pode ser olhada como um meio de produção como a última palavra em produção indireta 4 Mesmo desse ponto de vista a Ciência não se relaciona mais estreitamente com a nossa experiência do que outros instrumentos ou meios de produção E ainda que a vejamos como uma forma de satisfação de nossas necessidades intelectuais sua relação para com nossas experiências não difere em princípio da relação que se manifesta para com qualquer outra estrutura objetiva Reconhecidamente não há incorreção em dizer que a Ciência é um instrumento cujo propósito está em predizer com base em experiências dadas ou imediatas experiências posteriores e tanto quanto possível submetêlas a controle5 Não creio porém que essas alusões a experiências tragam esclarecimento Elas dificilmente encerram maior procedência do que digamos a não incorreta caracterização de uma torre de poço de petróleo pela asseveração de que seu objetivo é proporcionarnos certas experiências não o petróleo mas a vista e o cheiro do petróleo não dinheiro mas a sensação de ter dinheiro 28 ENUNCIADOS BÁSICOS Já foi resumidamente indicado o papel que os enunciados básicos desempenham no campo da teoria epistemológica por mim defendida Precisamos deles para decidir se uma teoria pode ser chamada de falseável isto é de empírica Cf seção 21 Precisamos deles ainda para corroboracão de hipóteses falseadoras e assim para o falseamento de teorias Cf seção 22 Os enunciados básicos conseqüentemente devem satisfazer as seguintes condições a De um enunciado universal desacompanhado de condições iniciais não se pode deduzir um enunciado básico 1 4 A expressão se deve a BöhmBawerk Produktionsumweg 5 Frank Das Kausalgesetz und seine Grenzen 1932 p 1 Acerca do instrumentalismo ver nota 1 antes da seção 12 e meu Postscript especialmente as seções de 12 a 15 1 Ao escrever esta passagem eu acreditava ser perfeitamente claro que da teoria de Newton apenas sem condições iniciais não é possível deduzir qualquer coisa que tenha a natureza de um enunciado observacional e por conse 107 expressa o enunciado básico está ocorrendo no lugar k Deve tratarse de um evento observável ou seja os enunciados básicos hão de ser suscetíveis de teste intersubjetivamente com base em observação Como se trata de enunciados singulares esse requisito naturalmente só se pode referir a observadores adequadamente colocados no espaço e no tempo ponto que não aprofundei Não há dúvida de que poderá parecer agora que exigindo observabilidade eu afinal permiti que o psicologismo se insinuasse subrepticiamente em minha teoria Isso todavia não ocorre Claro está que é possível interpretar o conceito de evento observável em sentido psicologístico Estou entretanto empregando esse conceito em sentido tal que admitiria substituição por um evento que envolve posição e momento de corpos físicos macroscópicos Poderíamos dizer com mais precisão que todo enunciado básico há de ser um enunciado acerca de posições relativas de corpos físicos ou deve equivaler a algum enunciado básico dessa espécie mecanista ou materialista Ser essa estipulação praticável é circunstância que se relacona ao fato de uma teoria que admite testes intersubjetivos admitir ainda testes intersensoriais Equivale isso a dizer que testes que envolvem a percepção de um de nossos sentidos admitem em princípio substituição por testes que envolvem outros sentidos Assim a acusação de que apelando para a observabilidade eu readmiti clandestinamente o psicologismo não teria mais força do que a acusação de que admiti o mecanismo ou o materialismo Isso mostra que minha teoria é realmente neutra e que nenhum desses rótulos pode serlhe aposto Digo tudo isso para livrar o termo observável na forma em que o emprego do estigma de psicologismo Observações e percepções podem ser psicológicas mas a observabilidade não o é Não tenho intenção de definir o termo observável ou evento observável embora me disponha a elucidálo seja por meio de exemplos mecanistas ou psicologísticos Entendo que deva ser introduzido como termo não definido que se torna suficientemente preciso com o uso como conceito primitivo cujo emprego o epistemologista tem de aprender muito à semelhança de como tem de aprender o termo símbolo ou como o físico tem de aprender o termo pontomassa Os enunciados básicos são portanto no modo material da expressão enunciados asseveradores de que um evento observável está ocorrendo em certa região individual do espaço e do tempo Os 1 Carnap Erkenntnis v 2 1932 p 445 vários termos usados nessa definição exceto o termo primitivo observável receberam explicação mais precisa na seção 23 Observável é não definido mas pode também ser esclarecido de modo muito preciso como vimos aqui 29 A RELATIVIDADE DOS ENUNCIADOS BÁSICOS RESOLUÇÃO DO TRILEMA DE FRIES Toda prova de uma teoria resulte em sua corroboracão ou em seu falseamento há de deterse em algum enunciado básico que decidimos aceitar Se não chegarmos a qualquer decisão e não aceitarmos este ou aquele enunciado básico a prova terá conduzido a nada Contudo considerada de um ponto de vista lógico a situação nunca é tal que nos obrigue a interromper a feitura de provas quando chegados a este enunciado básico particular e não àquele nem é tal que nos obrigue a abandonar completamente a prova Com efeito qualquer enunciado básico pode por sua vez ser novamente submetido a provas usandose como pedra de toque os enunciados básicos suscetíveis de serem dele deduzidos com auxílio de alguma teoria seja a teoria em causa seja uma outra Esse processo não tem fim Dessa maneira se a prova há de levarnos a alguma conclusão nada resta a fazer senão interromper o processo num ponto ou noutro e dizer que por ora estamos satisfeitos É muito fácil perceber que desse modo chegamos a um processo segundo o qual só nos detemos numa espécie de enunciado particularmente suscetível de prova Isso quer dizer que nos estamos detendo em enunciados acerca de cuja aceitação ou rejeição é de esperar que os vários investigadores se ponham de acordo Se eles não concordarem simplesmente darão prosseguimento às provas ou as reiniciarão Se isso também não conduzir a qualquer resultado diremos que 1 Cf Carnap Erkenntnis v 3 1933 p 224 Posso aceitar o que Carnap afirma acerca de minha teoria exceto no que diz respeito a alguns pormenores não muito importantes Entre eles em primeiro lugar está a sugestão de que os enunciados básicos que Carnap chama de enunciados protocolares constituem os pontos a partir dos quais se erige o edifício da Ciência em segundo lugar está a observação p 225 segundo a qual um enunciado protocolar poderia ser confirmado com tal ou qual grau de certeza em terceiro lugar está a afirmação de que os enunciados acerca da percepção constituem elos igualmente legítimos da cadeia e de que é a tais enunciados de percepção que recorremos em casos críticos Cf a citação que acompanha o texto junto à próxima nota Uso do ensejo para agradecer as palavras amáveis com que Carnap se refere ao meu trabalho que ainda não havia sido publicado naquela data palavras que estão registradas nesse artigo 111 os enunciados em pauta não eram intersubjetivamente suscetíveis de prova ou que não estávamos afinal manipulando eventos observáveis Caso algum dia não seja mais possível aos observadores científicos chegar a um acordo acerca de enunciados básicos equivaleria isso a uma falha da linguagem como veículo de comunicação universal Equivaleria a uma nova babel a descoberta científica verseia reduzida ao absurdo Nessa nova babel o imponente edifício da ciência logo se transformaria em ruínas Assim como uma prova lógica assumiu feição satisfatória depois de terminado o trabalho difícil proporcionando fácil verificação assim também a ciência depois de ter realizado sua tarefa de dedução ou de explicação leva a enunciados básicos facilmente passíveis de teste Enunciados a propósito de experiências pessoais isto é sentenças protocolares é claro não se filiam a essa espécie dessa forma não se mostram adequados para servir como enunciados em que nos detenhamos Valemonos de registros ou de protocolos tais como os certificados de teste emitidos por um departamento de pesquisa científica e industrial Esses registros e protocolos serão se necessário reexaminados Talvez se torne preciso por exemplo submeter a teste os tempos de reação dos técnicos que realizaram a experiência isto é determinar suas equações pessoais Contudo de modo geral e especialmente em casos críticos detemonos em enunciados facilmente suscetíveis de prova e não como recomenda Carnap em sentenças protocolares ou de percepção Não nos detemos nestas porque a prova intersubjetiva de enunciados relativos a percepções é até certo ponto complexa e difícil Qual a nossa posição agora com respeito ao trilema de Fries escolha entre dogmatismo regressão infinita ou psicologismo Cf seção 25 Os enunciados básicos em que nos detemos que decidimos aceitar como satisfatórios e como suficientemente aprovados pelas provas têm reconhecidamente o caráter de dogmas mas apenas na medida em que desistimos de justificálos por argumentos outros ou por outras provas Essa espécie de dogmatismo é todavia inócua pois que surgida a necessidade os enunciados podem ser facilmente submetidos a provas complementares Admito em princípio que isso torna infinita a cadeia de deduções Contudo essa espécie de regres 2 Cf a nota anterior Esse artigo de Carnap contém o primeiro registro impresso acerca da minha teoria da prova de hipóteses a concepção citada no texto retirada do artigo foi erroneamente considerada como a por mim advocada são infinita é também inócua uma vez que em nossa teoria não se coloca empenho em tentar provar por meio dela qualquer enunciado Finalmente no que concerne ao psicologismo admito que a decisão de aceitar um enunciado básico e dálo por satisfatório está causalmente relacionada com nossas experiências em especial a nossas experiências perceptuais Não tentamos porém justificar enunciados básicos através de recurso a essas experiências As experiências podem motivar uma decisão e conseqüentemente a aceitação ou rejeição de um enunciado mas um enunciado básico não pode verse justificado por elas não mais do que por um murro na mesa 30 TEORIA E EXPERIMENTO Os enunciados básicos são aceitos como resultado de uma decisão ou concordância nessa medida são convenções As decisões são tomadas de acordo com um processo disciplinado por normas Dentre elas é de particular importância a que nos recomenda não aceitar enunciados básicos dispersos isto é logicamente desconexos mas tãosomente enunciados básicos que surjam no decorrer do processo de teste de teorias A regra aconselha ainda que proponhamos acerca dessas teorias questões minuciosas a serem respondidas pelo acolhimento dos enunciados básicos Nessas condições à situação real difere muito da visualizada pelo empirista ingênuo ou pelo adepto da Lógica Indutiva Acreditam eles que partimos da reunião e acomodação de nossas experiências e que dessa maneira ascendemos na escala da Ciência Ou para usar um modo de expressão mais formal dizem que se desejarmos elaborar uma ciência havemos de previamente reunir sentenças protocolares Contudo se me disserem Registre o que está experimentando agora dificilmente saberei como obedecer a essa ordem ambígua Devo registrar que estou escrevendo que estou ouvindo um sino tocar um menino gritar um altofalante zumbir ou devo talvez registrar que 3 Pareceme que a concepção aqui sustentada mais se aproxima das concepções da escola crítica ou kantiana talvez como representada por Fries do que das concepções do Positivismo Fries em sua teoria a propósito de nossa predileção pelas demonstrações enfatiza que as relações lógicas entre enunciados diferem muito das relações vigentes entre enunciados e experiências sensórias O Positivismo de sua parte procura de hábito abolir a distinção ou bem toda a Ciência é tornada parte do meu saber de minha experiência sensória monismo dos dados sensórios ou bem as experiências sensórias se tornam parte da rede científica objetiva de argumentos na forma de enunciados protocolares monismo de enunciados 113 esses ruídos me irritam E ainda que a ordem pudesse ser cumprida por mais rica que seja a coleção de enunciados reunidos dessa maneira ela nunca poderia equivaler a uma ciência Uma ciência requer pontos de vista e problemas teóricos A concordância quanto à aceitação ou rejeição de enunciados básicos é alcançada geralmente na ocasião de aplicar uma teoria a concordância em verdade é parte de uma aplicação que expõe a teoria a prova Chegar à concordância acerca de enunciados básicos é como outras formas de aplicação realizar uma ação intencional orientada por diversas considerações teóricas Estamos agora julgo eu em posição de resolver problemas tais como o de Whitehead por que razão o jantar táctil vem sempre acompanhado do jantar visual e o Times táctil do visível e audivelmente farfalhante O lógico indutivo acreditando que toda ciência se origina de percepções elementares dispersas deve sentirse perturbado por essas coincidências reiteradas elas devem parecerlhe interinamente acidentes Ele está impedido de explicar a regularidade por meio de teorias pois aceitou a concepção de que teorias não são mais do que enunciados de coincidência constante Todavia de acordo com a posição aqui estabelecida as conexões entre nossas várias experiências são explicáveis e deduzíveis em termos de teorias que nos empenhamos em submeter a prova Nossas teorias não nos levam a esperar que a lua visível se acompanhe de uma lua táctil nem a esperar que sejamos perturbados por um pesadelo auditivo Uma pergunta por certo permanece pergunta que obviamente não pode ser respondida por qualquer teoria falseável e que é portanto metafísica como explicar que tão freqüentemente alcançamos êxito com as teorias por nós elaboradas como explicar que existam leis naturais Todas essas considerações são de importância para a teoria do experimento vista do ângulo epistemológico O teórico propõe certas questões bem delimitadas ao experimentador e este através de experimento tenta chegar a uma resposta decisiva para essas questões e não para outras Todas as outras ele se empenha por excluir Neste ponto a relativa independência dos subsistemas de uma teoria pode ganhar relevo Assim ele faz a prova com respeito à uma questão única tão atento quanto possível a ela mas tão insensível quanto possível a todas as demais questões conexas Parte desse trabalho consiste em afastar todas as possíveis fontes de erro Seria erro porém supor que um experimentador procede assim para lançar luz sobre o trabalho do teórico ou talvez para oferecer ao teórico base em que apoiar generalizações indutivas Ao contrário o teórico deve ter muito antes realizado o seu trabalho ou pelo menos a parte mais importante desse trabalho deve ter formulado tão claramente quanto possível sua pergunta Desse modo é ele quem mostra o caminho ao experimentador E o próprio experimentador não está principalmente empenhado em fazer observações exatas seu trabalho é também em grande parte de natureza teórica A teoria domina o trabalho experimental desde o seu planejamento inicial até os toques finais no laboratório O ponto é bem ilustrado por casos em que o teórico alcança êxito no predizer um efeito observável posteriormente conseguido de forma experimental Talvez o mais interessante exemplo disso seja a predição feita por de Broglie acerca do caráter ondulatório da matéria pela primeira vez confirmada experimentalmente por Davisson e Germer Ilustração talvez ainda melhor é dada por casos em que os experimentos exercem decidida influência sobre o progresso da teoria O que nesses casos compele o teórico a buscar um aperfeiçoaento da teoria é quase sempre o falseamento de uma teoria aceita e corroborada até esse momento tratase ainda uma vez de resultados de testes orientados pela teoria Exemplos famosos são os 1 H Weyl Philosophie der Mathematik und Naturwissenschaft 1927 p 113 edição em inglês Philosophy of Mathematics and Natural Science Princeton 1949 p 116 2 Weyl ibid 3 Penso agora que eu deveria ter enfatizado neste local uma concepção que é discutida em outras partes do livro por exemplo no quarto e no último parágrafos da seção 19 Refirome à idéia de que as observações e com mais forte razão os enunciados de observação e enunciados que registram resultados experimentais são sempre interpretações dos fatos observados são interpretações à luz de teorias Ai está um dos principais motivos pelos quais sempre se torna ilusoriamente fácil encontrar verificações de uma teoria e que explica por que devemos adotar uma atitude altamente crítica em relação a nossas teorias se não quisermos raciocinar em círculo porque em suma devemos adotar a atitude de refutação frente às teorias 4 O incidente é relatado de modo breve mas excelente por Max Born no ensaio que preparou para Albert Einstein PhilosopherScientist obra organizada por P A Schilpp 1949 p 174 Há exemplos mais curiosos como a descoberta de Netuno por Adams e Leverrier e a das ondas hertzianas 115 experimentos de MichelsonMorley que levaram à teoria da relatividade e o falseamento por Lummer e Pringsheim da fórmula de radiação de Rayleigh e Jeans e da fórmula de Wien o que levou à teoria quântica Ocorrem ainda é claro descobertas acidentais mas estas são relativamente raras Quanto a esses casos Mach 3 fala procedentemente de uma correção de opiniões científicas por circunstâncias acidentais reconhecendo assim a despeito de si mesmo a significação das teorias Tornase agora possível responder à pergunta como e por que aceitamos esta teoria de preferência a outras A preferência não se deve por certo a algo que se aproxime de uma justificação experiencial dos enunciados que compõem a teoria não se deve a uma redução lógica da teoria à experiência Optamos pela teoria que melhor se mantém no confronto com as demais aquela que por seleção natural mostrase a mais capaz de sobreviver Ela será não apenas a que já foi submetida a severíssimas provas mas também a que é suscetível de ser submetida a provas da maneira mais rigorosa Uma teoria é um instrumento que submetemos a prova pela aplicação e que julgamos quanto à capacidade pelos resultados das aplicações 5 Sob um prisma lógico o teste de uma teoria depende de enunciados básicos cuja aceitação ou rejeição depende por sua vez de nossas decisões Dessa forma são as decisões que estabelecem o destino das teorias Até este ponto a resposta que dou à pergunta como escolhemos uma teoria lembra a dada pelo convencionalista e como ele digo que essa escolha em parte se vê determinada por considerações de utilidade A despeito disso entretanto há enorme diferença entre minhas concepções e as do convencionalista Com efeito sustento que o método empírico caracterizase tãosomente por isto a convção ou decisão não determina de maneira imediata nossa aceitação de enunciados universais mas ao contrário influi em nossa aceitação de enunciados singulares ou seja de enunciados básicos Para o convencionalista a aceitação de enunciados universais é governada pelo princípio da simplicidade ele escolhe o mais simples dos sistemas Eu diferentemente proponho que o primeiro fator a 3 Mach Die Prinzipien der Wärmelehre 1896 p 438 5 Para uma crítica da concepção instrumentalista ver as referências reunidas junto à nota 1 antes da seção 12 e no adendo da nota 1 da mesma seção 12 tomar em consideração seja o rigor das provas Há estreita relação entre o que denomino simplicidade e o rigor das provas contudo minha concepção de simplicidade difere em muito da acolhida pelo convencionalista ver seção 46 Sustento que em última instância decidese do destino de uma teoria pelo resultado de uma prova isto é pela concorrência acerca de enunciados básicos Como o convencionalista afirmo que a escolha de qualquer teoria particular é um ato uma questão prática Contudo a meu ver a escolha é decisivamente influenciada pela aplicação da teoria e pela aceitação dos enunciados básicos ligados a essa aplicação para o convencionalista motivos estéticos são decisivos Dessa forma discordo do convencionalista por sustentar que os enunciados acolhidos em conseqüência de um acordo não são universais mas singulares Discordo do positivista por sustentar que os enunciados básicos não são justificáveis através de recurso a nossas experiências imediatas mas que do ponto de vista lógico eles são aceitos por um ato por uma decisão livre Sob o prisma psicológico isso equivalerá talvez a uma reação intencional e adequada Essa importante distinção entre uma justificacão e uma decisão uma decisão alcançada segundo um procedimento governado por normas se esclarecerá talvez com o auxílio de uma analogia o velho processo de julgamento por um júri O veredito do júri vere dictum dito verdadeiro tal como o do experimentador é uma resposta a uma questão de fato quid facti que deve ser apresentada ao júri da maneira mais clara e definida Contudo a indagação feita e a maneira como é feita dependerão grandemente da situação legal isto é do sistema de direito penal prevalecente que corresponde a um sistema de teorias Decidindo o júri aceita por concordância um enunciado acerca de uma ocorrência factual um enunciado básico por assim dizer O significado dessa decisão reside no fato de que dela combinada com os enunciados universais do sistema de direito penal podem ser deduzidas certas consequências Em outras palavras a decisão forma a base para a aplicação do sistema o veredito desempenha o papel de um enunciado de fato verdadeiro Claro está porém que o enunciado não precisa ser verdadeiro apenas pela circunstância de ter sido aceito pelo júri Essa circunstância é reconhecida pela norma que permite a revogação ou revisão do veredito Chegase ao veredito de acordo com um processo que é governado por normas Essas normas baseiamse em certos princípios fundamen tais que se propõem sobretudo se não exclusivamente a conduzir à descoberta da verdade objetiva Por vezes eles deixam campo não apenas para as convicções subjetivas mas até mesmo para tendenciosidades subjetivas Todavia ainda que afastemos esses aspectos especiais do velho processo e imaginemos um processo apoiado apenas no propósito de promover a descoberta da verdade objetiva continuaria a darse que o veredito do júri nunca justificasse ou fornecesse base para a verdade do que viesse a asseverar Não se pode sustentar que as convicções subjetivas dos jurados justifiquem a decisão tomada há naturalmente uma estreita relação causal entre elas e a decisão tomada conexão que pode ser traduzida em leis psicológicas Assim essas convicções podem ser chamadas de os motivos da decisão O fato de as convicções não serem justificações prendese à circunstância de que o procedimento do júri pode ser regulado por diferentes normas por exemplo maioria simples ou qualificada Isso mostra que as relações entre as convicções dos jurados e o veredito podem variar grandemente Em contraste com o veredito do júri o julgamento do juiz é racional requer e contém uma justificação O juiz tenta justificálo a partir de outros enunciados ou deduzilo logicamente desses enunciados enunciados do sistema legal combinados com o veredito que desempenha o papel desempenhado pelas condições iniciais Essa a razão por que o julgamento pode ser contestado com apelo a argumentos lógicos A decisão do júri de outra parte só pode ser contestada questionandose ter ela sido alcançada de acordo com as regras aceitas de procedimento isto é ela pode ser contestada formalmente mas não quanto a seu conteúdo A justificação do conteúdo de uma decisão é significativamente denominada declaração de motivos e não relatório logicamente justificado A analogia entre o processo referido e aquele pelo qual decidimos acerca dos enunciados básicos é clara Põelhes em evidência por exemplo a relatividade e o modo como dependem de questões provocadas pela teoria No caso do julgamento por júri seria impossível aplicar a teoria a não ser que se houvesse chegado por decisão a um primeiro veredito contudo o veredito há de ser alcançado mediante um processo que se conforma com uma parte do código legal geral e portanto a põe em prática Coisa análoga sucede com os enunciados básicos Aceitálos é parte da aplicação de um sistema teórico e só essa aplicação torna possíveis subseqüentes aplicações do sistema teórico A base empírica da ciência objetiva nada tem portanto de absoluto 4 A ciência repousa em pedra firme A estrutura de suas teorias levantase por assim dizer num pântano Semelhase a um edifício construído sobre pilares Os pilares são enterrados no pântano mas não em qualquer base natural ou dada Se deixamos de enterrar mais profundamente esses pilares não o fazemos por termos alcançado terreno firme Simplesmente nos detemos quando achamos que os pilares estão suficientemente assentados para sustentar a estrutura pelo menos por algum tempo Adendo 1968 Alguns pontos deste capítulo foram mal interpretados 1 A palavra base como em especial se pode notar na última seção do capítulo adquire um tom irônico die Basis schwankt a base vacila N T schwankt significa facécia farsa schwanken é vacilar oscilar 4 Weyl op cit p 83 ou p 116 da versão inglesa escreve este par de opostos absolutosubjetivo e relativoobjetivo pareceme encerrar uma das mais profundas verdades epistemológicas que podem ser alcançadas mediante o estudo da natureza Quem deseja o absoluto precisa dar em troca a subjetividade o egocentrismo e quem anseia por objetividade não pode evitar a questão do relativismo Pouco antes encontramos isto Aquilo que é experimentado de modo imediato é subjetivo e absoluto o mundo objetivo de outra parte que a ciência natural almeja obter como precipitado em forma cristalina pura é relativo Born expressase de maneira semelhante Die Relativitätstheorie Einsteins und ihre physikalischen Grundlagen 3a ed 1922 introdução Basicamente essa concepção aproximase da teoria da objetividade elaborada por Kant coerentemente desenvolvida por ele cf seção 8 e nota 5 desta seção Também Reininger alude à situação Em Das PsychoPhysische Problem 1916 p 29 Reininger escreve A metafísica é impossível como ciência porque embora o absoluto seja efetivamente experimentado e por esse motivo possa ser intuitivamente sentido ele furtase a uma representação em palavras De fato Spricht die Seele so spricht ach schon die Seele nicht mehr Se fala a alma então oh não é mais a alma que fala Este adendo encontrase na edição alemã 5ª ed 1973 com alterações em relação à ed anterior de 1971 A versão inglesa contém um adendo escrito em 1972 que se acha logo a seguir A versão inglesa é de 1972 6 imp rev O Professor Popper remeteunos as duas edições indicando os locais em que havia certas diferenças nos dois textos As diferenças devemse ao desejo dos editores de conservar a paginação das edições precedentes o que acarretou abreviação ora do escrito em alemão ora do escrito em inglês para que se acomodassem nos claros deixados sem perturbar a paginação Os tradutores não julgaram oportuna a fusão das duas versões e preferiram incluílas na íntegra apesar de algumas repetições se tornarem assim inevitáveis N T 2 O capítulo assenta um robusto realismo e revela que ele é compatível com um empirismo novo não dogmático e não subjetivo Esse realismo orientase contra as teorias do conhecimento que se assentam em experiências ou percepções subjetivas contra pois o empirismo subjetivista clássico o idealismo o positivismo o fenomenalismo o sensualismo e o psicologismo inclusive na forma behaviorista e o assim chamado monismo neutro Procuro substituir a clássica idéia de experiência observação pelo exame crítico objetivo e a experienciação observabilidade por uma testabilidade objetiva Ver capítulo VI 3 Nossa linguagem está impregnada de teorias não existem enunciados de pura observação Transcendência da descrição seção 25 Até mesmo numa chamada linguagem fenomenalista que autorrizaria sentença do tipo aqui agora vermelho o vocábulo agora deixaria implícita uma teoria do tempo ainda que rudimentar assim como aqui deixaria implícita uma teoria do espaço e vermelho deixaria implícita uma teoria das cores 4 Não existem observações puras elas estão impregnadas pelas teorias e são orientadas pelos problemas e acompanhadas pelas teorias 5 Enunciados básicos são a enunciados objetivos de teste passíveis de crítica b hipóteses transcendentas tais como os enunciados universais ver também apêndice x e c enunciados básicos serão utilizados no próximo capítulo com o objetivo de introduzir a noção de graus de testabilidade ou de conteúdo empírico Adendo 1972 1 Meu termo base tem conotações irônicas tratase de base que não é firme 2 Endosso um ponto de vista realista e objetivo procuro substituir a percepção como base pelo teste crítico 3 Nossas experiências observacionais nunca estão para além do teste e estão impregnadas de teorias 4 Enunciados básicos são enunciados de teste eles como de resto toda a linguagem estão imersos em teorias Até uma linguagem fenomenalista em que seria admissível um enunciado do tipo agora aqui vermelho estaria impregnada por teorias acerca do tempo do espaço e das cores Como foi referido em nota anterior este adendo é o da edição inglesa de 1973 CAPÍTULO VI GRAUS DE TESTABILIDADE As teorias podem ser submetidas a testes de maior ou menor severidade ou seja são falseáveis com maior ou menor intensidade O grau de testabilidade que apresentam é de importância para a seleção de teorias No presente capítulo compararei os vários graus de testabilidade ou falseabilidade das teorias comparandolhes as classes de falseadores potenciais Essa investigação independe da questão de saber se é ou não possível distinguir de maneira absoluta teorias falseáveis de teorias não falseáveis Em verdade caberia dizer deste capítulo que ele relativiza o requisito de falseabilidade mostrando que ela se reduz a uma questão de grau 31 UM PROGRAMA E UMA ILUSTRAÇÃO Tal como vimos na seção 23 uma teoria será falseável se existir pelo menos uma classe não vazia de enunciados básicos homotípicos por ela proibidos ou seja se a classe de seus falseadores potenciais não for vazia Se como fizemos na seção 23 representarmos a classe de todos os enunciados básicos possíveis por uma área circular e representarmos os possíveis eventos pelos raios do círculo poderemos dizer pelo menos um raio ou o que é talvez melhor um estreito setor cuja amplitude representaria o fato de o evento ser observável deve mostrarse incompatível com a teoria e ser por ela proibido Caberia pois representar os falseadores potenciais das várias teorias por setores de diferentes amplitudes De acordo com a maior ou menor amplitude dos setores por elas rejeitados diríamos que as teorias têm maior ou menor número de falseadores potenciais A questão de saber se é viável dar maior precisão a esses maior número ou menor número não será considerada neste momento Seria possível dizer também que se a classe de falseadores potenciais de uma teoria é maior do que a de outra ampliamse as oportunidades de a primeira teoria ser refutada pela experiência assim comparada com a segunda essa primeira teoria será falseável num grau mais elevado Isso quer dizer ainda que a primeira teoria diz mais acerca do mundo da experiência do que a segunda pois afasta uma classe mais ampla de enunciados básicos Embora com isso a classe de enunciados permitidos se torne mais reduzida nosso argumento não é atingido pois vimos que a teoria nada assevera acerca dessa classe De tal maneira cabe afirmar que a quantidade de informação empírica veiculada por uma teoria ou seja seu conteúdo empírico cresce com seu grau de falseabilidade Imaginemos agora que nos é apresentada uma teoria e que o setor que representa os enunciados básicos por ela proibidos tornase crescentemente mais amplo Ao fim os enunciados básicos não proibidos pela teoria serão representados por um estreito setor remanescente Se a teoria é compatível algum setor permanecerá Uma teoria desse gênero seria obviamente fácil de falsear pois que ela só concede ao mundo empírico uma gama estreita de possibilidades de vez que afasta quase todos os eventos concebíveis isto é logicamente possíveis Ela afirma tanto a propósito do mundo da experiência é tão grande seu conteúdo empírico que há por assim dizer pouca oportunidade de ela escapar à falsificação Ora a ciência teórica busca sobretudo chegar a teorias que sejam facilmente falseáveis nesse sentido Ela objetiva restringir a um mínimo a gama de eventos permitidos e se isso for factível a um grau tal que qualquer restrição posterior levaria a uma efetiva falsificação empírica da teoria Se fosse possível obter uma teoria como essa tal teoria descreveria nosso mundo particular tão precisamente quanto é dado a uma teoria pois distinguiria com a maior precisão atingível o mundo de nossa experiência da classe de todos os mundos de experiência logicamente possíveis e isso com a maior precisão de que é capaz a ciência teórica Todos os eventos ou classes de ocorrências que efetivamente encontramos e observamos e apenas esses se caracterizariam como permitidos 1 1 Para observações adicionais relativas aos objetivos da Ciência ver apêndice x e seção 15 do Postscript além de meu trabalho The aim of science Ratio v 1 1957 pp 2435 122 32 COMO COMPARAR CLASSES DE FALSEADORES POTENCIAIS As classes de falseadores potenciais são classes infinitas O mais e o menos intuitivos que podem ser aplicados sem cautelas especiais às classes finitas não podem ser aplicados a classes infinitas de modo análogo Não é fácil contornar essa dificuldade nem mesmo se ao invés dos enunciados básicos ou ocorrências proibidos considerarmos para efeito de comparação classes de eventos proibidos com o propósito de determinar qual deles contém mais eventos proibidos Pois o número de eventos proibidos por uma teoria empírica é também infinito como se pode depreender do fato de ser a conjunção de um evento proibido com qualquer outro evento seja proibido ou não também um evento proibido Considerarei três maneiras de dar um significado preciso mesmo no caso de classes infinitas aos termos mais ou menos intuitivos a fim de determinar se qualquer deles pode ser utilizado para o fim de comparar classes de eventos proibidos 1 O conceito de cardinalidade ou potência de uma classe Esse conceito não nos pode auxiliar na solução do problema pois é fácil demonstrar que as classes de falseadores potenciais apresentam o mesmo número cardinal para todas as teorias 1 2 O conceito de dimensão A vaga idéia intuitiva de que um cubo de alguma forma contém mais pontos do que digamos uma linha reta pode ser claramente formulada em termos logicamente inatacáveis usandose o conceito de dimensão tal como se apresenta em termos de conceitos da teoria dos conjuntos Isso caracteriza as classes ou conjuntos de pontos segundo a riqueza das relações de vizinhança entre seus elementos conjuntos de maior dimensão têm relações de vizinhança mais abundantes O conceito de dimensão que nos permite comparar classes de maior e menor dimensão será aqui usado para equacionar o problema da comparação de graus de testabilidade Isso é possível porque enunciados básicos combinandose por conjunção com outros enunciados básicos produzem ainda enunciados básicos que são entretanto mais altamente compósitos do 1 Tarski demonstrou que admitindo certos pressupostos toda classe de enunciados é enumerável cf Monatshefte f Mathem u Physik v 40 1933 p 100 nota 10 O conceito de medida é por motivos similares inaplicável isto é porque o conjunto de todos os enunciados de uma linguagem é enumerável 123 13 que seus componentes e esse grau de composição de enunciados básicos pode ser associado ao conceito de dimensão Contudo não é a composição dos eventos proibidos mas a dos permitidos que terá de ser usada A razão está em que os eventos proibidos por uma teoria são passíveis de revestir qualquer grau de composição de outra parte alguns dos enunciados permitidos são permitidos apenas por causa de sua forma ou falando com mais precisão porque seu grau de composição é demasiado baixo para habilitálos a contradizer a teoria em exame e esta circunstância pode ser utilizada para a comparação de dimensões 1 3 A relação de subclasse Sejam todos os elementos de uma classe a também elementos da classe β de sorte que α é uma subclasse de β em símbolos αβ Então ou todos os elementos de β são também por sua vez elementos de α caso em que dizemos que as duas classes têm a mesma extensão ou são idênticos ou há elementos de β que não pertencem a α Neste último caso os elementos de β que não pertencem a α constituem a classediferença ou o complemento de α em relação a β e α é uma subclasse própria de β A relação de subclasse corresponde muito bem ao mais e ao menos intuitivos mas apresenta a desvantagem de que só pode ser usada para comparar duas classes se uma incluir a outra Conseqüentemente se duas classes de falseadores potenciais admitem intersecção não vazia sem que uma delas se inclua na outra ou se elas não apresentam elementos comuns então o grau de falseabilidade das teorias correspondentes não admite comparação com base na relação de subclasse as teorias são não comparáveis com respeito a essa relação 1 A palavra alemã komplex foi traduzida nesta e em passagens análogas por compósito e não por complexo A razão está em que ela não denota tal como o faz a palavra inglesa complex o oposto de simples O antônimo de simples einfach é denotado pela palavra alemã kompliziert Cf primeiro parágrafo da seção 41 onde kompliziert é traduzida por complexo Dado que grau de simplicidade é um dos temas de maior relevo de que se ocupa este livro teria sido impróprio falar aqui e na seção 38 de grau de complexidade Decidi conseqüentemente usar a expressão grau de composição que parece adequarse bem ao contexto 124 33 GRAUS DE FALSEABILIDADE COMPARADOS POR MEIO DA RELAÇÃO DE SUBCLASSE Em caráter provisório introduziremos as definições abaixo que serão aperfeiçoadas mais adiante ao longo de nosso exame das dimensões de teorias 1 1 Dizse que um enunciado x é falseável em maior grau ou mais suscetível de teste do que um enunciado y ou em símbolos Fsvx Fsvy se e somente se a classe de falseadores potenciais de x incluir a classe de falseadores potenciais de y como subclasse própria 2 Se as classes de falseadores potenciais dos dois enunciados x e y forem idênticas eles terão o mesmo grau de falseabilidade isto é Fsvx Fsvy 3 Se nenhuma das classes de falseadores potenciais dos dois enunciados incluir a outra como subclasse própria então os dois enunciados terão graus não comparáveis de falseabilidade Fsvx Fsvy Se 1 for aplicável haverá sempre uma classe complementar não vazia No caso de enunciados universais essa classe complementar há de ser infinita Não é possível portanto que duas teorias estritamente universais difiram pelo fato de uma delas proibir um número finito de ocorrências singulares permitidas pela outra As classes de falseadores potenciais de todos os enunciados tautológicos e metafísicos são vazias De acordo com 2 são conseqüentemente idênticas Com efeito classes vazias são subclasses de qualquer classe e por isso também de classes vazias de modo que todas as classes vazias são idênticas o que pode ser expressado dizendose que existe apenas uma classe vazia Se denotarmos um enunciado empírico por e e uma tautologia ou um enunciado metafísico eg um enunciado puramente existencial por t ou m respectivamente poderemos atribuir a enunciados tautológicos e metafísicos um grau zero de falseabilidade e estaremos habilitados a escrever Fsvt Fsvm 0 e Fsve 0 Podemos dizer que um enunciado autocontraditório que denotamos por c tem a classe de todos os enunciados básicos logicamente possíveis como classe de seus falseadores potenciais Isso quer dizer 1 Ver seção 38 e os apêndices i vii e viii 125 14 que qualquer enunciado é comparável a um enunciado autocontraditório no que respeita a seu grau de falseabilidade Temos Fsvc Fsve 0 2 Se arbitrariamente fizermos Fsvc 1 isto é atribuirmos arbitrariamente o número um 1 ao grau de falseabilidade de um enunciado autocontraditório então poderemos definir um enunciado empírico e pela condição 1 Fsve 0 De acordo com essa fórmula Fsve sempre se colocará num intervalo entre zero e um excluídos esses limites isto é se colocará no intervalo aberto cujas fronteiras são esses números Excluídas a contradição e a tautologia bem como os enunciados metafísicos a fórmula exprime a um só tempo os requisitos de compatibilidade e de falseabilidade 34 ESTRUTURA DA RELAÇÃO DE SUBCLASSE PROBABILIDADE LÓGICA Definimos a comparação de grau de falseabilidade de dois enunciados com o auxílio da relação de subclasse esse grau partilha pois de todas as propriedades estruturais desta relação A questão de comparabilidade pode ser elucidada com auxílio de um diagrama Figura 1 no qual certas relações de subclasse são apresentadas à esquerda figurando as correspondentes relações de testabilidade à direita 2 Convém consultar agora o apêndice vii Os numerais arábicos da direita correspondem aos numerais romanos da esquerda de maneira tal que um numeral romano denota a classe dos falseadores potenciais do enunciado que é denotado pelo correspondente numeral arábico As setas do diagrama traduzindo os graus de testabilidade orientamse dos enunciados mais suscetíveis de prova ou mais falseáveis para os que são menos suscetíveis de prova Correspondem portanto com alguma precisão às setas que indicam deduzibilidade ver seção 35 Vêse no diagrama que várias sequências de subclasses podem ser identificadas e acompanhadas como por exemplo a sequência IIIIV ou IIIIV e que essas sequências podem tornarse mais densas pela introdução de classes intermediárias novas Todas essas sequências começam no caso particular que examinamos em I e terminam com a classe vazia de vez que esta se acha incluída em qualquer classe A classe vazia não pode ser representada em nosso diagrama da esquerda exatamente porque é uma subclasse de todas as classes e desse modo teria de figurar em todos os locais Se decidirmos identificar a classe I com a classe de todos os enunciados básicos possíveis então I se tornará a contradição c e 0 correspondente à classe vazia poderá então denotar a tautologia t É possível por vários caminhos passar de I para a classe vazia ou de c para t alguns desses caminhos tal como se vê no diagrama da direita podem cruzarse Cabe dizer portanto que a estrutura da relação é a de um reticulado um reticulado de sequências ordenado pela seta ou relação de subclasse Há pontos nodais eg os enunciados 4 e 5 onde o reticulado é parcialmente unido A relação só é totalmente unida na classe universal e na classe vazia correspondendo à contradição c e à tautologia t Será possível dispor os graus de falseabilidade dos vários enunciados numa escala isto é correlacionar aos vários enunciados números que os ordenem de acordo com a sua falseabilidade É claro que não se torna possível ordenar todos os enunciados dessa maneira 1 pois se o fizéssemos estaríamos tornando arbitrariamente comparáveis enunciados não comparáveis Nada nos impede entretanto de escolher uma 1 Continuo a pensar que a tentativa de tornar comparáveis todos os enunciados através da introdução de uma dada métrica há de incluir necessariamente um elemento arbitrário extralógico Isso é óbvio no caso de enunciados tais como Todos os homens adultos têm mais de 50 cm de altura ou Todos os homens adultos têm menos de 3 m de altura ou seja de enunciados cujos predicados aludem a uma propriedade mensurável Com efeito é possível demonstrar que a métrica de conteúdo ou de falseabilidade teria de colocarse como função da métrica do predicado e esta última sempre inclui um elemento arbi 126 127 das sequências do reticulado indicando por números a ordem de seus enunciados Se agirmos assim deveremos proceder de maneira tal que um enunciado mais próximo da contradição c receba sempre um número maior do que o número atribuído a um enunciado mais próximo da tautologia t Como já atribuímos os números zero e um à tautologia e à contradição respectivamente teremos de atribuir números fracionários próprios aos enunciados empíricos da sequência empírica Não pretendo entretanto particularizar uma das sequências A atribuição de números aos enunciados da sequência seria inteiramente arbitrária Não obstante o fato de ser possível atribuir esses números fracionários aos enunciados é de grande interesse especialmente porque esclarece a conexão entre grau de falseabilidade e a idéia de probabilidade Sempre que se torna possível comparar os graus de falseabilidade de dois enunciados podemos dizer que o menos falseável é também o mais provável em razão de sua forma lógica A essa probabilidade denomino ² probabilidade lógica¹ Importa não confundila com probabilidade numérica que é usada na teoria dos jogos de azar e em estatística A probabilidade lógica de um enunciado e complementar de seu grau de falseabilidade aumenta com a redução do grau de falseabilidade A probabilidade lógica I corresponde ao grau zero de falseabilidade e viceversa O enunciado mais suscetível de teste isto é aquele com maior grau de falseabilidade é logicamente o menos provável e o enunciado menos suscetível de teste é o logicamente mais provável Tal como se verá na seção 72 a probabilidade numérica pode ser relacionada à probabilidade lógica e assim com o grau de falseabilidade É possível interpretar a probabilidade numérica como aplicável a uma subseqüência retirada da relação de probabilidade lógica para a qual cabe definir um sistema de medida com base em estimativas de freqüência Essas observações a propósito de comparação de graus de falseabilidade não valem apenas para enunciados universais ou para sistemas de teorias elas podem ser estendidas para se aplicar a enunciados singulares Valem por exemplo para teorias conjugadas a condições iniciais Nesse caso a classe de falseadores potenciais não deve ser confundida com uma classe de eventos uma classe de enunciados básicos homotípicos pois tratase de uma classe de ocorrências Essa observação tem algum reflexo sobre a conexão entre probabilidade lógica e numérica o que será objeto de análise na seção 72 35 CONTEÚDO EMPÍRICO ACARRETAMENTO E GRAU DE FALSEABILIDADE Foi dito na seção 31 que o por mim chamado conteúdo empírico de um enunciado aumenta com seu grau de falseabilidade quanto mais um enunciado proíbe mais ele diz acerca do mundo da experiência cf seção 6 O que denomino conteúdo empírico relacionase estreitamente com mas não é idêntico ao conceito de conteúdo tal como é definido por exemplo por Carnap¹ Para designar este último usareia expressão conteúdo lógico a fim de distinguilo de conteúdo empírico Defino o conteúdo empírico de um enunciado p como a classe de seus falseadores potenciais cf seção 31 O conteúdo lógico é definido com o auxílio do conceito de deduzibilidade como a classe de todos os enunciados não tautológicos deduzíveis do enunciado em pauta Podese chamálo de sua classe de conseqüências Assim o conteúdo lógico de p é pelo menos igual isto é maior do que ou igual ao de um enunciado q se q for deduzível de p ou em símbolos se p q¹ Se a deduzibilidade for mútua em símbolos p q² dizse que p e q encerram igual conteúdo² Se q for deduzível de p mas não p de q então a classe das conseqüências de q deve corresponder a um adequado subconjunto da classe das conseqüências de p e p possui portanto uma classe mais ampla de conseqüências e em razão disso maior conteúdo lógico ou maior força lógica² Uma decorrência da definição de conteúdo empírico por mim proposta é a de que a comparação entre os conteúdos lógico e empírico de dois enunciados p e q leva a resultados idênticos se os enunciados comparados não contém elementos metafísicos Colocaremos pois os requisitos seguintes a dois enunciados de igual conteúdo lógico devem também apresentar igual conteúdo empírico b um enunciado p cujo conteúdo lógico seja superior ao de outro enunciado q deve também possuir conteúdo empírico maior ou pelo menos igual ao deste segundo enunciado q e finalmente c se o conteúdo empírico de um enunciado p for maior do que o de um enunciado q seu conteúdo lógico será maior do que o conteúdo lógico de q ou alternativamente p e q não são comparáveis quanto a esse conteúdo lógico Foi necessário incluir em b a ressalva ou pelo menos igual conteúdo empírico porque p poderia por exemplo corresponder a uma conjunção de q com algum enunciado puramente existencial ou com alguma outra espécie de enunciado metafísico ao qual se imporia atribuir certo conteúdo lógico nesse caso o conteúdo empírico de p não seria maior que o de q Considerações análogas tornaram necessário acrescentar a c a ressalva ou alternativamente p e q não são comparáveis³ Comparando graus de testabilidade ou de conteúdo empírico chegaremos portanto em geral isto é no caso de enunciados puramente empíricos aos mesmos resultados que seriam obtidos pela comparação de conteúdos lógicos ou de relações de deduzibilidade Será assim possível em larga medida basear a comparação de grau de falseabilidade em relações de deduzibilidade Essas comparações e estas relações apresentam a forma de reticulados totalmente unidos na autocontadição e na tautologia cf seção 34 O ponto pode ser expresso dizendose que uma autocontadição acarreta qualquer enunciado e que uma tautologia é acarretada por qualquer enunciado Ademais enunciados empíricos tal como vimos podem ser caracterizados como aqueles cujo grau de falseabilidade colocase dentro do intervalo aberto de que são extremidades os graus de falseabilidade das autocontadições por um lado e os graus de falseabilidade das tautologias por outro Analogamente enunciados sintéticos em geral inclusive os não empíricos colocamse por força da relação de acarretamento no intervalo aberto entre a autocontadição e a tautologia Para a tese positivista segundo a qual todos os enunciados não empíricos metafísicos são sem significado corresponderia a tese de que é supérflua a distinção que estabelece entre enunciados empíricos e sintéticos ou entre conteúdo empírico e conteúdo lógico de fato para a tese positivista todos os enunciados sintéticos haveriam de ser empíricos isto é todos os enunciados sintéticos genuínos os que não fossem meros pseudoenunciados Contudo esse modo de empregar as palavras embora cabível pareceme que antes perturba do que esclarece a questão Encaro pois a comparação entre o conteúdo empírico de dois enunciados como equivalendo à comparação entre seus graus de falseabilidade Isso dá lugar à regra metodológica de que se deve preferir as teorias capazes de serem submetidas a provas mais rigorosas cf as regras anticonvencionalistas que figuram na seção 20 o que equivale a adotar uma regra pela qual se dá preferência a teorias que encerram o mais alto conteúdo empírico possível 36 NÍVEIS DE UNIVERSALIDADE E GRAUS DE PRECISÃO Há outras exigências metodológicas suscetíveis de se verem reduzidas à exigência do maior conteúdo empírico possível Duas delas são relevantes a exigência do mais alto nível ou grau de universalidade possível de atingir e a exigência do mais alto grau de precisão possível de atingir Com isso em mente examinemos as seguintes imagináveis leis naturais p Todos os corpos celestes que se movem em órbitas fechadas movemse em círculos ou de modo mais resumido Todas as órbitas de corpos celestes são circulares q Todas as órbitas dos planetas são circulares r Todas as órbitas dos corpos celestes são elípticas s Todas as órbitas de planetas são elípticas As relações de deduzibilidade vigentes entre esses quatro enunciados são no diagrama indicadas pelas setas De p decorrem todas as outras de q decorre s que também decorre de r assim s decorre de todas as demais Se passarmos de p para q decresce o grau de universalidade q diz menos que p porque as órbitas dos planetas formam uma subclasse própria das órbitas dos corpos celestes Conseqüentemente p pode ser mais facilmente falseada do que q se q for falseada p também o será mas não reciprocamente Se passarmos de p para r decresce o grau de precisão do predicado os círculos são uma subclasse própria das elipses se r for falseada p também o será mas não viceversa Observações análogas aplicamse às outras passagens passando de p para s decrescem tanto o grau de precisão como o de universalidade passando de q para s decresce a precisão e passando de r para s decresce a universalidade A um grau mais alto de universalidade ou precisão corresponde um conteúdo empírico ou lógico maior conseqüentemente um grau mais alto de testabilidade Tanto os enunciados universais quanto os singulares podem ser expressos sob a forma de um enunciado condicional universal ou de implicação geral como habitualmente se diz Se dermos essa forma a nossas quatro leis talvez possamos perceber mais fácil e acuradamente como comparar os graus de universalidade e os graus de precisão de dois enunciados Um enunciado condicional universal cf nota 6 da seção 14 pode ser expresso sob a forma x φx f x ou em palavras todos os valores de x que satisfazem a funçãoenunciado φx satisfazem também a funçãoenunciado f x O enunciado s de nosso diagrama fornece o seguinte exemplo x x é a órbita de um planeta x é uma elipse o que significa seja x o que for se x for a órbita de um planeta então x será uma elipse Sejam p e q dois enunciados escritos dessa forma normal caberá dizer que p é de maior universalidade do que q se a funçãoenunciado antecedente de p que pode ser denotada por φpx for tautologicamente implicada ou acarretada pela função antecedente correspondente de q que pode ser denotada por φqx sem ser a ela equivalente Dito de outra maneira isso ocorre se x φqx φpx for uma tautologia ou um enunciado logicamente verdadeiro Em termos similares diremos que p tem precisão maior do que q se x fpx fqx for tautológica ou seja se o predicado ou conseqüente funçãoenunciado de p for menos amplo do que o predicado de q significando isso que o predicado de p acarreta o predicado de q¹ Essa definição pode ser ampliada a funçõesenunciado com mais de uma variável Transformações lógicas elementares conduzem dela às relações de deduzibilidade que estabelecemos e que podem ser expressas pela regra seguinte¹ se dois enunciados forem suscetíveis de comparação quanto à universalidade e à precisão o menos universal ou menos preciso será deduzível do mais universal ou mais preciso Isso não se aplica naturalmente ao caso de um dos enunciados ser mais universal e o outro ser mais preciso como se dá em relação a q e r no diagrama anterior² Podemos agora dizer que nossa decisão metodológica por vezes interpretada metafisicamente como equivalendo ao princípio da causalidade consiste em nada deixar inexplicado isto é em sempre tentar deduzir enunciados de outros enunciados de mais alta universalidade ¹ Veremos que na presente seção em oposição ao que se faz nas seções 18 e 35 a seta é usada para traduzir uma relação condicional e não a relação de acarretamento cf também nota 1 da seção 18 ¹ Podemos escrever φqx φpx fpx fqx fpx fqx φqx φpx ou abreviadamente φp φp fp fq p q O caráter elementar dessa fórmula asseverado no texto tornase claro quando escrevemos a b c d b c a d Depois de conformidade com o texto escrevemos p em lugar de b c e q no lugar de a d etc 2 O que chamo de maior universalidade de um enunciado corresponde grosseiramente ao que a lógica tradicional denominava maior extensão do sujeito e o que chamo de maior precisão corresponde à menor extensão ou restrição do predicado A regra concernente à relação de derivabilidade por nós examinada pode ser vista como algo que esclarece e combina o clássico dictum de omni et nullo e o princípio notanotae o princípio fundamental da predicação mediata Cf Bolzano Wissenschaftslehre II 1837 263 n 1 e 4 Külpe Vorlesungen über Logik editada por Selz 1923 34 n 5 e 7 Essa decisão decorre da exigência do mais alto grau de universalidade e precisão atingíveis e pode ser reduzida à exigência ou regra de se preferirem as teorias suscetíveis de se serem submetidas às provas mais severas 2 37 ABRANGÊNCIAS LÓGICAS NOTAS A PROPÓSITO DA TEORIA DA MEDIÇÃO Se um enunciado p for mais fácil de falsear do que um enunciado q em virtude de apresentar mais alto nível de universalidade ou de precisão a classe de enunciados básicos permitidos por p será uma subclass própria da classe dos enunciados básicos permitidos por q A relação de subclasse vigente entre classes de enunciados permitidos é o oposto da vigente entre classes de enunciados proibidos por falseadores potenciais é possível dizer que as duas relações são inversas ou talvez complementares A classe de enunciados básicos permitidos por um enunciado podemos denominar abrangência1 A abrangência que um enunciado permite à realidade é por assim dizer a extensão de livre jogo ou grau de liberdade que permite à realidade Abrangência e conteúdo empírico cf seção 35 são conceitos inversos ou complementares Por conseguinte as abrangências de dois enunciados relacionamse entre si tal como se relacionam suas probabilidades lógicas cf seções 34 e 72 Introduzi o conceito de abrangência porque ele facilita a manipulação de certas questões ligadas ao grau de precisão en medição Admitamos que as consequências de duas teorias diferem tão pouco em todos os campos de aplicação que as pequenas diferenças entre os eventos observáveis calculados não podem ser identificados devido a não ser suficientemente alto o grau de precisão atingível nas mensurações Nessa hipótese será impossível decidir entre as duas teorias através de recurso ao experimento sem antecipadamente aperfeiçoar 2 Consultar ainda seção 15 e cap iv de meu Postscript especialmente a seção 76 texto correspondente à nota 5 1 O conceito de abrangência spielraum foi introduzido por Von Kries 1886 idéias análogas são encontradas em obras de Bolzano Waismann Erkenntnis v 1 1930 pp 228 e ss tenta combinar a teoria da abrangência com a teoria da frequência cf seção 72 Keynes usa Treatise p 88 campo como tradução de spielraum aqui traduzida por abrangência ele usa também p 224 escopo com o propósito de significar o que a meu ver corresponde precisamente à mesma coisa a técnica de medição 1 Isso mostra que a técnica de medição prevalecente determina certa abrangência região dentro da qual são permitidas pela teoria discrepâncias entre as observações Dessa forma a regra segundo a qual as teorias devem apresentar o maior grau de testabilidade possível de atingir permitindo assim apenas a menor abrangência possível acarreta a exigência de que o grau de precisão na medição seja elevado tanto quanto possível Com frequência dizse que toda medição consiste na determinação de coincidências de pontos Contudo qualquer determinação dessa espécie só pode ser correta dentro de limites Não há no sentido estrito coincidência de pontos 2 Dois pontos físicos um sinal no instrumento de medição e outro no corpo a ser medido podem quando muito ser colocados em estreita proximidade não podem coexistir isto é não podem fundirse em um ponto Por mais corriqueira que essa observação pudesse parecer noutro contexto ela é importante no que se refere à questão de precisão na medição Pois ela lembranos que a medição deve ser descrita nos termos seguintes verificamos que o ponto do corpo a ser medido colocase entre dois pontos ou marcas do instrumento de medição ou digamos que o ponteiro de nosso aparelho de mensuração se põe entre dois determinados graus de certa escala Podemos então ou encarar essas gradações ou marcas como dois limites ótimos de erro ou passar a estimar a posição do digamos ponteiro dentro do intervalo das graduações chegando assim a resultado mais acurado Poderíamos referirnos a essas gradações ou marcas considerandoas dois limites ótimos de erro ou ir adiante para estabelecer a posição do digamos ponteiro dentro do intervalo das gradações obtendo assim resultado mais preciso É procedente aludir a este último caso dizendo que admitimos colocarse o ponteiro entre duas gradações imaginárias Dessa maneira sempre permanece um intervalo uma abrangência É hábito dos físicos avaliar esse intervalo a cada medida Assim segundo Milikan eles consideram por exemplo a carga elementar do elétron medida em unidades eletrostáticas como equivalendo a e 47741010 acrescentando que a margem de imprecisão é 00051010 Isso contudo faz surgir um problema Qual seria o propósito de substituir digamos assim um 1 Tratase de ponto que segundo creio foi erradamente interpretado por Duhem Ver sua Aim and Structure of Physical Theory p 137 e ss 2 Notese que falo de medir e não de contar A diferença entre as duas noções relacionase estreitamente com a diferença entre números reais e racionais 134 135 136 137 grau da escala por dois ou seja os dois extremos do intervalo quando para cada um de tais extremos há de surgir a mesma indagação quais são os limites de precisão para os extremos do intervalo Fornecer os extremos do intervalo é evidentemente inútil a menos que esses dois extremos possam ser estabelecidos um grau de precisão muito maior do que o grau de precisão possível de atingir com a medição original Eles devem ser fixados dentro de seus próprios intervalos de imprecisão que hão de ser menores por várias ordens de grandeza do que o intervalo que eles determinam para o valor da medição original Em outras palavras os extremos do intervalo não são perfeitamente determinados mas correspondem realmente a intervalos muito pequenos cujos extremos são por sua vez intervalos muito menores e assim por diante Ao longo dessas linhas chegamos à idéia do que pode ser chamado extremos imprecisos ou extremos de condensação do intervalo Essas considerações não pressupõem a teoria matemática dos erros nem a teoria da probabilidade Na verdade ocorre o contrário através da análise da idéia de intervalo de medição elas fornecem a base sem a qual a teoria estatística dos erros pouco significa Se medimos repetidamente uma grandeza obtemos valores que se distribuem com diferentes concentrações ao longo de um intervalo e o intervalo de precisão depende da medição técnica prevalecente Só quando sabemos o que procuramos ou seja os extremos de condensação desse intervalo temos condição de aplicar a esses valores a teoria dos erros determinando os extremos do intervalo 3 Ora tudo isso creio eu fala de algum modo a respeito da superioridade dos métodos que empregam medições sobre métodos puramente qualitativos É verdade que mesmo no caso de apreciações qualitativas tal como a do timbre de um som musical tornase possível algumas vezes determinar um intervalo de precisão para as estimativas contudo na ausência de medições qualquer desses intervalos há de ser muito impreciso pois nessa circunstância não pode ser aplicado o conceito de extremos de condensação Só é aplicável esse conceito quando podemos falar de ordens de grandeza e consequentemente só quando sejam definidos métodos de medição Farei mais amplo uso do conceito de extremos de condensação dos intervalos de precisão na seção 68 ao discutir a teoria da probabilidade 38 GRAUS DE TESTABILIDADE COMPARADOS EM TERMOS DE DIMENSÕES Até agora debatemos a comparação de teorias relativamente a seus graus de testabilidade tãosomente no que concerne à possibilidade de aproximálas recorrendo ao auxílio da relação de subclasse Em alguns casos esse método é muito conveniente para orientar nossa escolha de uma entre várias teorias Dessa maneira podemos dizer a esta altura que o princípio de exclusão de Pauli mencionado à guisa de exemplo na seção 20 mostrase indubitavelmente de grande conveniência como hipótese auxiliar Pois ele aumenta sensivelmente o grau de precisão e a par deste o grau de testabilidade da antiga teoria quântica à semelhança do enunciado correspondente da nova teoria quântica pelo qual se assevera que os estados antisimétricos são concretizados por elétrons e os estados simétricos são concretizados por partículas não carregadas e por certas partículas de carga múltipla De acordo com os propósitos entretanto não basta a comparação por meio da relação de subclasse Assim Frank por exemplo assinalou que enunciados de alto nível de universalidade como o princípio da conservação da energia na formulação de Planck mostramse suscetíveis de se tornarem tautológicos e de perderem seu conteúdo empírico a menos que possam ser determinadas as condições iniciais através de umas poucas medições isto é por meio de reduzido número de grandezas características do estado do sistema1 O problema relativo ao número de parâmetros que devem ser determinados e substituídos nas fórmulas não pode ser elucidado com auxílio da relação de subclasse a despeito do fato de evidentemente manter conexão estreita com o problema da testabilidade da falseabilidade e respectivos graus Quanto menor o número das grandezas necessárias para determinar as condições iniciais menos compósitos 1 serão os enunciados básicos suficientes para o falseamento da teoria pois um enunciado básico falseador consiste da conjunção das condições iniciais com a negação da predição deduzida cf seção 28 Assim poderá ser possível comparar teorias quanto a seus graus de testabilidade de 1 Cf Frank Das Kausalgesetz und seine Grenzen 1931 eg p 24 1 Com respeito ao termo compósito ver nota 1 na seção 32 136 137 terminando o grau mínimo de composição que um enunciado básico deve apresentar para ter condições de contradizer a teoria isso sempre contanto que haja como comparar enunciados básicos a fim de determinar se são mais ou menos compósitos isto é constituídos de maior ou menor número de enunciados básicos de espécie mais simples Todos os enunciados básicos independentemente de seu conteúdo cujo grau de composição não alcance o mínimo fixado serão permitidos pela teoria simplesmente em razão de seu baixo grau de composição Qualquer programa dessa ordem defrontase entretanto com dificuldades Pois em geral não é fácil dizer por simples inspeção se um enunciado é compósito isto é equivalente a uma conjunção de enunciados mais simples Em todos os enunciados ocorrem nomes universais e analisando esses nomes podese com frequência dividir o enunciado em seus componentes por conjunção Por exemplo o enunciado Há um copo com água no local k poderia talvez ser analisado e dividido em dois enunciados Há um copo contendo um fluido no local k e Há água no local k Por esse método fica afastada a esperança de encontrar qualquer fim natural para a dissecção de enunciados especialmente considerando que sempre cabe introduzir novos universais definidos com o propósito de tornar possível uma dissecção adicional Com o objetivo de tornar comparáveis os graus de composição de todos os enunciados básicos viria ao caso sugerir escolhêssemos certa classe de enunciados dandoos como elementares ou atômicos2 deles obtendo por conjunção e por outras operações lógicas todos os demais enunciados Se bem sucedidos teríamos definido dessa forma um zero absoluto de composição e a composição de qualquer enunciado passaria a poder ser expressa por assim dizer em graus absolutos de composição 2 Contudo pela razão mencionada acima esse processo deve ser encarado como altamente inadequado pois que imporia sérias restrições ao livre uso da linguagem científica 3 Sem embargo é possível comparar os graus de composição dos enunciados básicos e também de outros enunciados a partir dessa comparação de enunciados básicos Isso pode ser feito através da seleção arbitrária de uma classe de enunciados relativamente atômicos por nós tomados como base de comparação Essa classe de enunciados relativamente atômicos pode ser caracterizada por meio de um esquema gerador ou matrix por exemplo Há um aparelho de medição para no local cujo ponteiro se coloca entre as gradações e Caberá então definir como relativamente atômica e assim como equicompósita a classe de todos os enunciados obtidos a partir desse tipo de matriz ou funçãoenunciado através de substituição de valores apropriados A classe desses enunciados combinada com todas as conjunções que deles podem ser obtidas admite o nome de campo Uma conjunção de n enunciados relativamente atômicos de um campo pode ser denominada uma npla leiase enupla do campo cabendo dizer que seu grau de composição é igual ao número n Se existir para uma teoria t um campo de enunciados singulares mas não necessariamente básicos tal que para algum número d a teoria t não possa ser falseada por qualquer dpla do campo embora possa ser falseada por certas d1plas diremos que d é o número característico da teoria com respeito a esse campo Todos os enunciados do campo cujo grau de composição for menor do que d ou igual a d serão compatíveis com a teoria e por ela permitidos independentemente do conteúdo que apresentem atômicos já havia recebido a atenção de Wittgenstein mas foi recentemente desenvolvido por Carnap com o objetivo de elaborar uma teoria da indução cf seu Logical Foundations of Probability 1950 Ver contudo o prefácio da versão inglesa 1958 a que aludi acima onde saliento que a terceira linguagemmodelo de Carnap o sistema linguístico de Carnap não admite propriedades mensuráveis como não admite na sua presente forma a introdução de ordem espacial ou de ordem temporal 3 A expressão linguagem científica foi usada aqui de maneira intuitiva e não deve ser interpretada no sentido técnico que hoje se associa à expressão sistema lingüístico Ao contrário meu alvo principal era salientar que os cientistas não podem valerse de um sistema linguístico porquanto são obrigados constantemente a alterar a linguagem que usam em função de cada progresso alcançado Matéria ou átomo depois de Rutherford assim como energia ou matéria depois de Einstein adquiriram significados bem diversos dos que anteriormente possuíam O significado de tais palavras é função de teorias em permanente mutação 138 139 Ora é possível apoiar a comparação do grau de testabilidade de teorias nesse número característico d Contudo para evitar incoerências que poderiam surgir em razão do uso de campos diferentes tornase preciso recorrer a um conceito mais estrito que o de campo ou seja ao conceito de campo de aplicação Dada uma teoria t dizemos que um campo é o campo de aplicação da teoria t se existir um número característico d da teoria t com respeito a esse campo e se além disso esse número satisfizer outras condições que são apresentadas no apêndice I Ao número característico d de uma teoria t com respeito a um campo de aplicação denomino dimensão de t com respeito a esse campo de aplicação A expressão dimensão surge com naturalidade pois podemos conceber todas as possíveis nplas do campo como espacialmente acomodadas num espaço de configuração de dimensões infinitas Se por exemplo d 3 então os enunciados admissíveis porque sua composição é baixa formam um subespaço tridimensional dessa configuração A transição de d 3 para d 2 corresponde à transição de um sólido para uma superfície Quanto mais reduzida à dimensão d mais severamente se restringe a classe dos enunciados permitidos que independentemente do conteúdo que apresentem estão impossibilitados de contraditar a teoria devido a seu baixo grau de composição e mais alto será o grau de falseabilidade da teoria O conceito de campo de aplicação não se limita a enunciados básicos mas temse admitido que enunciados singulares de todas as espécies sejam enunciados pertencentes a um campo de aplicação Comparando suas dimensões com recurso ao campo podemos avaliar o grau de composição dos enunciados básicos Presumimos que a enunciados singulares altamente compósitos correspondam enunciados básicos altamente compósitos Podese admitir assim que a uma teoria de mais alta dimensão corresponda uma classe de enunciados básicos de mais alta dimensão de tal modo que todos os enunciados dessa classe independentemente do que asseverem sejam permitidos pela teoria Isso responde à indagação de como se relacionam os dois métodos de comparação de graus de testabilidade um que se apóia na dimensão da teoria e outro que se apóia na relação de subclasse Haverá casos em que nenhum ou apenas um dos métodos se mostre aplicável Em tais situações é claro não surgirá conflito entre os dois métodos Contudo num caso particular em que ambos os métodos sejam aplicáveis poderá ocorrer que duas teorias de iguais dimensões apresentem apesar disso diferentes graus de falseabilidade se aferidos pelo método baseado na relação de subclasse Em casos desse gênero o resultado apresentado pelo último desses métodos deve ser aceito pois que este se mostra o método mais preciso Em todos os outros casos em que ambos os métodos sejam aplicáveis deverão eles conduzir a resultados idênticos pois é possível demonstrar com o auxílio de um teorema simples da teoria da dimensão que a dimensão de uma classe há de ser superior ou igual à dimensão de suas subclasses 39 DIMENSÃO DE UM CONJUNTO DE CURVAS Por vezes podemos simplesmente identificar o que chamei de campo de aplicação de uma teoria com o campo de sua representação gráfica isto é com a área delimitada em uma folha de papel pela representação da teoria através de gráfico cada ponto desse campo de representação gráfica corresponderá a um enunciado relativamente atômico A dimensão da teoria com respeito a esse campo definido no apêndice I é idêntica à dimensão do conjunto de curvas que correspondem à teoria Discutirei essas relações recorrendo aos dois enunciados q e s mencionados na seção 36 Nossa comparação de dimensões aplicase a enunciados com predicados diferentes A hipótese q a de todas as órbitas planetárias serem circulares é tridimensional para seu falseamento fazemse necessários pelo menos quatro enunciados singulares do campo correspondendo a quatro pontos de sua representação gráfica A hipótese s a de todas as órbitas planetárias serem elípticas é pentadimensional pois para seu falseamento fazemse necessários pelo menos seis enunciados singulares correspondendo a seis pontos do gráfico Vimos na seção 36 que q é mais facilmente falseável do que s devido ao fato de todos os círculos serem elipses foi possível apoiar a comparação da relação de subclasse O uso de dimensões habilitanos entretanto a estabelecer comparação entre teorias que antes não podíamos comparar Agora por exemplo podemos comparar uma hipótesecírculo com uma hipóteseparábola que é tetradimensional Cada uma das palavras círculo elipse parábola denota uma classe ou conjunto de curvas e cada um desses conjuntos tem a dimensão d se d pontos forem necessários e suficientes para singularizar ou caracterizar determinada curva do conjunto Em representação algébrica a dimensão do conjunto de curvas depende 3 Cf Menger Dimensionstheorie 1928 p 81 As condições impostas para que esse teorema seja válido podem ser dadas como verificadas nos espaços que aqui importa considerar 140 141 do número de parâmetros cujos valores podemos escolher livremente Podemos dizer portanto que o número de parâmetros livremente determináveis de um conjunto de curvas pelo qual a teoria se representa é característico para o grau de falseabilidade ou testabilidade dessa teoria Tendo em vista os enunciados q e s de meu exemplo eu gostaria de tecer alguns comentários metodológicos acerca de como Kepler descobriu suas leis 1 Não me abalanço a sugerir que a crença na perfeição o princípio heurístico que levou Kepler à sua descoberta foi inspirada consciente ou inconscientemente por considerações de ordem metodológica concernentes a graus de falseabilidade Creio porém que Kepler deveu parcialmente seu êxito ao fato de a hipótesecírculo da qual partiu ser relativamente fácil de falsear Tivesse Kepler partido de uma hipótese que devido a sua forma lógica não fosse tão facilmente suscetível de teste como a hipótesecírculo ele talvez não teria atingido qualquer resultado ainda mais considerando as dificuldades de cálculo cuja base estava no ar vagando nos céus por assim dizer e movendose de maneira desconhecida O inequívoco resultado negativo alcançado por Kepler com o falseamento da hipótesecírculo consistiu na verdade no seu primeiro êxito real Seu método achavase suficientemente justificado para autorizálo a prosseguir especialmente porque a primeira tentativa já havia conduzido a certas aproximações Não há dúvida de que as leis de Kepler poderiam ter sido elaboradas por outra via Acredito contudo não ter sido mero acidente o fato de esse caminho haver conduzido a bom termo Ele corresponde ao método de eliminação só aplicável se a teoria for suficientemente fácil de falsear suficientemente precisa para ser suscetível de conflitar com a experiência observacional 40 DUAS MANEIRAS DE REDUZIR O NÚMERO DE DIMENSÕES DE UM CONJUNTO DE CURVAS Diferentes conjuntos de curvas podem apresentar a mesma dimensão O conjunto de todos os círculos por exemplo é tridimensional mas o conjunto de todos os círculos que passam por um ponto dado é um conjunto bidimensinal tal como o conjunto de linhas retas Se exigirmos que todos os círculos passem por dois pontos dados teremos um conjunto unidimensional e assim por diante Cada exigência adicional feita no sentido de que todas as curvas de um conjunto passem por mais de um ponto dado reduz de uma unidade a dimensão do conjunto Classes Classes Classes Classes Classes zerodimen unidimen bidimen tridimen tetradimen sionais sionais sionais sionais sionais linha reta círculo parábola linha reta círculo parábola cônica passando passando passando passando passando por um por um por um por um por um ponto dado ponto dado ponto dado ponto dado ponto dado linha reta círculo parábola cônica passando passando passando por dois por dois por dois por dois pontos dados pontos dados pontos dados pontos dados círculo parábola cônica passando passando passando por três por três pontos dados pontos dados pontos dados O número de dimensões pode também ser reduzido por métodos outros que não o do aumento de número de pontos dados Por exemplo o conjunto de elipses em que é determinada a razão dos comprimentos dos eixos tal como o das parábolas é tetradimensional assim como também o é o conjunto de elipses com dada excentricidade A transição da elipse para o círculo equivale naturalmente a especificar uma excentricidade a excentricidade zero ou uma particular razão entre os comprimentos dos eixos unidade Como estamos interessados em avaliar os graus de falseabilidade das teorias indagaremos agora se os vários métodos de reduzir o número de dimensões são equivalentes tendo em vista nossos propósitos ou se importa examinar mais de perto seus méritos relativos 1 As concepções aqui introduzidas foram acolhidas com a apropriada alusão aos meus trabalhos por W C Kneale Probability and Induction 1949 p 230 e por J G Kemeny The Use of Simplicity in Induction Philos Review v 57 1953 cf nota de pé de página p 404 142 143 Ora a estipulação de que uma curva deva passar por determinado ponto singular ou pequena região estará ligada com frequência ou corresponderá à aceitação de determinado enunciado singular isto é de uma condição inicial De outra parte a transição de digamos uma hipóteseelpse para uma hipótesecírculo corresponderá obviamente à redução da dimensão da própria teoria De que forma todavia manter apartados esses dois métodos de reduzir as dimensões Podemos chamar de redução material o método de reduzir dimensões que não opera com estipulações relativas à forma ou configuração da curva através de reduções que se processam por exemplo pela especificação de um ou mais pontos ou por alguma especificação análoga O outro método no qual a forma ou configuração da curva tornase mais estritamente especificada como se dá por exemplo ao passarmos da elipse para o círculo do círculo para a reta etc será chamado de redução formal do número de dimensões Não é fácil porém traçar de maneira nítida essa distinção Isto se constata nos comentários seguintes Reduzir as dimensões de uma teoria significa em termos algébricos substituir um parâmetro por uma constante Ora não é clara a maneira de distinguir entre diferentes métodos para substituir um parâmetro por uma constante A redução formal levando a passar de uma equação geral de elipse para a equação de um círculo pode ser descrita pela asserção de que um dado parâmetro foi igualado a zero e outro parâmetro foi igualado à unidade Se contudo outro parâmetro o termo absoluto for igualado a zero surgirá uma redução material ou seja a especificação de um ponto da elipse Creio todavia que seria possível tornar clara a distinção se tivermos em mente sua conexão com o problema dos nomes universais Com efeito a redução material introduz um nome individual e a redução formal introduz um nome universal na definição do conjunto de curvas em pauta Imaginemos que nos é dado certo plano talvez por meio de definição ostensiva O conjunto de todas as elipses desse plano pode ser definido por meio da equação geral da elipse o conjunto dos círculos pela equação geral do círculo Essas definições independem de onde no plano tracemos as coordenadas cartesianas a que elas se reportam Elas independem conseqüentemente da escolha da origem e da orientação dada aos eixos coordenados Um sistema específico de coordenadas só pode ser determinado por nomes individuais digamos que especificando ostensivamente sua origem e orientação Uma vez que a definição do conjunto de elipses ou círculos seja a mesma para todos os sistemas de coordenadas cartesianas ela independe da especificação desses nomes individuais é invariante com respeito a todas as transformações de coordenadas do grupo euclidiano deslocamento e transformações de similaridade Se por outro lado desejarmos definir um conjunto de elipses ou círculos que tenham um ponto específico individual em comum no plano deveremos operar com uma equação que não seja invariante relativamente às transformações do grupo euclidiano mas que se relacione com um sistema de coordenadas singular isto é individualmente ou ostensivamente especificado Assim ele se relaciona a nomes individuais 2 As transformações admitem acomodação hierárquica Uma definição invariante com respeito a um grupo mais geral de transformações é também invariante com respeito a transformações mais restritas Para cada definição de um conjunto de curvas existe um grupo de transformação o mais geral que é dela característico Abrese agora a possibilidade de dizer a definição D1 de um conjunto de curvas é tão geral quanto uma definição D2 de um conjunto de curvas se ela for invariante com respeito ao mesmo grupo de transformações de que D2 é invariante a definição será mais geral do que se for invariante com respeito a um grupo mais geral do que aquele de que D2 é invariante Podemos agora chamar de formal a redução de dimensão de um conjunto de curvas se essa redução não diminuir a generalidade da definição caso contrário ela será chamada de material Se compararmos os graus de falseabilidade de duas teorias considerando as suas dimensões teremos evidentemente de levar em conta sua generalidade isto é sua invariância com respeito às transformações de coordenadas ao mesmo tempo que suas dimensões O procedimento diferirá naturalmente conforme a teoria tal como a teoria de Kepler emita enunciados geométricos acerca do mundo ou conforme se apresente como geométrica tãosomente no sentido de poder ser representada por um gráfico tal como ocorre por exemplo com o gráfico representativo da pressão em relação à temperatura Não seria procedente exigir dessa última espécie de teoria ou do correspondente conjunto de curvas que sua definição fosse inva 2 Acerca das relações entre grupos de transformação e individuação cf Weyl Philosophie der Mathematik u Naturwissenschaft 1927 p 59 ou p 73 e s na versão inglesa dessa obra onde se faz alusão ao Erlanger Programm traçado por F Klein 144 145 rungswissenschaft em Ratio v 1 1957 n 1 p 21 e em Theorie und Realität obra editada por Hans Albert Tübingen 1964 p 73 Obs dos tradutores A revista Ratio foi editada em alemão Frankfurt am Mein e em inglês Oxford Na edição alemã o artigo de Popper está nas pp 2123 O artigo em sua versão inglesa The Aim of Science aparece nas pp 2435 da publicação de Oxford Adendo 1972 da edição em inglês Uma das idéias mais importantes deste livro é a de conteúdo empírico ou informativo de uma teoria Nem é por acaso que chamamos de leis às leis da natureza quanto mais proíbem mais dizem Cf o segundo parágrafo após a nota 3 na seção 6 bem como o início da seção 31 Dois pontos foram ressaltados no capítulo anterior 1 o conteúdo ou a testabilidade ou a simplicidade cf cap VII de uma teoria admite gradação o que nos leva a considerar relativizada a idéia de falseabilidade cuja base lógica ainda é o modus tollens e 2 o objetivo da ciência a saber a ampliação do conhecimento pode ser identificado à ampliação do conteúdo de nossas teorias A esse respeito ver meu artigo The Aim of Science Ratio v 1 1957 pp 2135 e a versão refundida desse mesmo artigo estampada no livro Contemporary Philosophy organ por R Klibanski 1969 pp 129142 que é agora o capítulo 5 de meu livro Objective knowledge an Evolutionary Approach Clarendon Press 1973 Recentemente desenvolvi mais os citados pontos Vejase a propósito o capítulo 10 de meu Conjectures and Refutations 1963 e edições posteriores com novos Adenda Dois aspectos novos de interesse podem ser lembrados 3 ulterior relativização da idéia de conteúdo ou de testabilidade com respeito ao problema ou problemas em discussão Já em 1934 eu havia relativizado essa idéia com respeito a um campo de aplicação ver meu antigo apêndice i E 4 a introdução da idéia de conteúdoverdade de uma teoria sua aproximação ou proximidade em face da verdade verossimilhança O adendo escrito em 1972 afirmava que a obra seria lançada pela Clarendon Press a obra já foi dada a público N T riante com respeito digamos a rotações do sistema de coordenadas pois nesses casos as diferentes coordenadas podem representar coisas inteiramente diversas uma a pressão e outra a temperatura Assim concluo minha exposição acerca dos métodos pelos quais podem ser comparados os graus de falseabilidade Creio que esses métodos são capazes de ajudarnos a elucidar questões epistemológicas tais como o problema da simplicidade com que nos preocuparemos a seguir Há contudo outros problemas que recebem nova luz do exame dos graus de falseabilidade especialmente o problema da chamada probabilidade das hipóteses ou da corroboração Adendo 1968 da versão alemã Uma das idéias básicas deste livro é a de conteúdo empírico de uma teoria a de que um enunciado tanto mais se refere ao nosso mundo quanto mais ele proíbe cf trecho que segue a nota 3 na seção 6 e ainda o início da seção 31 Aqui estão dois pontos importantes ressaltados em 1934 1 o grau de conteúdo ou a verificabilidade ou demonstrabilidade ou simplicidade relativizam a falseabilidade o objetivo do conhecimento a ampliação do conhecimento é a ampliação do conteúdo Essas idéias foram retrabalhadas posteriormente e dois pontos merecem destaque 3 nova relativização da idéia de conteúdo ou simplicidade agora com respeito à discussão de problemas ou classes de problemas cf o adendo de 1968 ao final do apêndice viii e 4 formulação das relações entre conteúdo e conteúdoverdadeiro de uma teoria e sua proximidade da verdade ou semelhança com a verdade verossimilhança Estes dois aspectos foram discutidos pela primeira vez no capítulo 10 de Conjectures and Refutations e nos adendos desse capítulo cf ainda o adendo de 1968 ao final da sec 85 o final do apêndice viii bem como os trechos que acompanham o corolário 6 e a nota 8 no apêndice ix Adendo 1971 da edição alemã Para exame desta relação mencionada acima no fim do adendo anterior ver também meu artigo Uber die Zielsetzung der Ehrfah A propósito dos adendos ver nota que acompanha os adendos do capítulo anterior ao final do capítulo como aqui 146 147 Popper e o empirismo x ceticismo como busca de verdades O empirismo é uma base filosófica que utiliza a experimentação como fundamentação para criação e embasamento de teorias Ou seja qualquer doutrina que tenha como base a premissa empírica significa que algum experimento sensorial foi elaborado e testado para que se tenha chegado a alguma conclusão O principal problema encontrado em teorias cujo fulcro tenha sido determinado por uma impressão individual é o questionamento que abre para os demais pensadores principalmente aqueles que discordem daquela ideia Mas ao contrario do que podese pensar o empirismo não busca fundamentar teorias com vagos argumentos muito ao contrario disso busca se facilitar os testes para as gerações futuras deixando margem para que questionamentos complementem o pensamento e embasem de forma coerente aquilo que já havia sido determinado Para isso a razoabilidade de quem questiona deve vogar não apenas em perguntas que refutem um dispositivo mas sim elaborar um estudo detalhado onde o que ainda não foi comprovado de fato ou tenha sido experimentado por poucos possa ser novamente colocado em dúvida e então alcance conclusões parecidas ou norteiem novas buscas pois a fonte do conhecimento é inesgotável Por isso a decisão racional é sempre esta adotar métodos críticos que tenham resistido eles mesmos a críticas severas É claro que existe aí uma regressão infinita mas ela é evidentemente inofensiva POPPER 1974 p 114 Sob a logica da ciência como exemplo observase a continuidade dos testes elaborados permanentemente a cerca dos mais diversos tópicos Pois mais que um assunto já tenha obtido uma resposta satisfatória as dúvidas permanecem e muitas vezes são elucidadas justamente nessa busca constante não de criticar mas de rever dados e novamente aceitar sua confiabilidade pois não vem ao caso discutir uma falsidade mas sim novos meios de certificar que um estudo possa chegar ao mesmo conceito tornando aquele determinado objeto de revisão uma certeza com novos seguros Não se pode dizer com absoluta e concreta afirmativa que qualquer teoria segundo Popper não possa ser alvo de novas indagações Talvez o ceticismo ao qual o autor se tornou portador seja exatamente o principal componente dos grandes estudiosos e filósofos Assim como os cientistas precisam firmar seus posicionamentos com sequencias de experimentos para ao final ter uma tese Um pensador deve continuar questionando os mais diversos assuntos pois não há dogmatismo que hoje não esteja apto para abertura de uma discussão Se colocassem uma turma com as mais diversas áreas para abordar determinado assunto cada qual iria formular um parecer final onde o fundamento e argumento de defesa puxasse para o seu campo de atuação Ao final aquele questionamento teria diversos posicionamentos e uso de palavras para ser descrito no entanto ao juntar as linhas estaria ali o mesmo tópico sendo corroborado e elucidado
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CAPÍTULO V O PROBLEMA DA BASE EMPÍRICA A questão da falseabilidade das teorias está agora reduzida à da falseabilidade dos enunciados singulares a que chamei de enunciados básicos Que espécie de enunciados singulares são entretanto esses enunciados básicos Como podem eles ser falseados Para quem se dedica à pesquisa prática esses assuntos podem ser de pequeno interesse Contudo as obscuridades e malentendidos que rodeiam o problema tornam conveniente examinálo com algum pormenor 25 EXPERIÊNCIAS PERCEPTUAIS COMO BASE EMPÍRICA PSICOLOGISMO A doutrina segundo a qual as ciências empíricas são reduzíeis a percepções sensórias e conseqüentemente a nossas experiências é por muitos aceita como óbvia Todavia essa doutrina é acolhida ou rejeitada na dependência de aceitarmos ou não a Lógica Indutiva aqui a rejeitamos porque rejeitamos a Lógica Indutiva Não desejo negar a existência de um grão de verdade na concepção de que a Matemática e a Lógica se alicerçam no pensamento ao passo que as ciências factuais se fundamentam em percepções sensórias O que há de verdadeiro nessa concepção tem não obstante pouca relação com o problema epistemológico E sem dúvida seria difícil encontrar no terreno da epistemologia um problema que se tenha ressentido mais severamente da confusão entre Psicologia e Lógica do que esse problema da base dos enunciados da experiência Poucos pensadores se perturbam tão profundamente com o problema da base da experiência quanto Fries 1 Ensinou ele que se 1 J F Fries Neue oder anthropologische Kritik der Vernunft 1828 a 1831 não cabe aceitar dogmaticamente os enunciados da Ciência devemos ter como justificálos Se exigirmos justificação através de argumento que desenvolva razões no sentido lógico seremos levados à concepção segundo a qual enunciados só podem ser justificados por enunciados A exigência de que todos os enunciados devam ser logicamente justificados a que Fries se refere falando em predileção por demonstrações tende portanto a conduzir a uma regressão infinita Ora se quisermos evitar o perigo do dogmatismo ao mesmo tempo que a regressão infinita aparentemente não restará outro recurso que não o psicologismo isto é a doutrina de acordo com a qual enunciados podem encontrar justificação não apenas em enunciados mas também na experiência perceptual Diante desse trilema dogmatismo vs regressão infinita vs psicologismo Fries e com ele quase todos os epistemologistas que desejavam explicar nosso conhecimento empírico optaram pelo psicologismo Na experiência sensória ensinou ele encontramos conhecimento imediato 2 através desse conhecimento imediato podemos justificar nosso conhecimento mediato conhecimento expresso no simbolismo de alguma linguagem E esse conhecimento mediato inclui naturalmente os enunciados da Ciência Habitualmente a questão não é conduzida até este ponto Nas epistemologias do sensualismo e do positivismo dáse por admitido que os enunciados científicos empíricos falam de nossas experiências 3 Com efeito como poderíamos atingir qualquer conhecimento dos fatos se não através da percepção sensória Recorrendo apenas ao pensamento um homem nada pode acrescentar ao seu conhecimento do mundo Assim a experiência perceptual deve constituirse na única fonte do conhecimento de todas as ciências empíricas Tudo o que sabemos acerca do mundo dos fatos deve pois ser suscetível de expressão sob a forma de enunciados acerca de nossas experiências Só podemos chegar à conclusão de que esta mesa é azul ou verde consultando nossa experiência sensorial Pelo imediato sentimento de convicção que ela nos transmite podemos distinguir o enunciado verdadeiro aquele cujos termos estão em concordância com a experiência do enunciado falso aquele cujos termos não concordam com a experiência A Ciência não passa de uma tentativa de classificar e descrever esse conhecimento perceptual essas experiências imediatas de cuja 2 Cf por exemplo J Kraft Von Husserl zu Heidegger 1932 pp 102 e s 2a ed 1957 pp 108 e s 3 Acompanho aqui quase literalmente as exposições feitas por P Frank cf seção 27 nota 4 e H Hahn cf seção 27 nota 1 verdade não podemos duvidar ela é a apresentação sistemática de nossas convicções imediatas Essa doutrina na minha opinião apóiase nos problemas da indução e dos universais Efetivamente não há como emitir um enunciado científico sem ultrapassar de muito aquilo que pode ser conhecido de maneira incontestável com base na experiência imediata A esse fato é cabível aludir como a transcendência inerente a qualquer descrição Toda descrição usa nomes ou símbolos ou idéias universais todo enunciado tem o caráter de uma teoria de uma hipótese O enunciado aqui está um copo com água não admite verificação por qualquer experiência observacional A razão está no fato de os universais que nele ocorrem não poderem ser correlacionados com qualquer experiência sensorial específica Uma experiência imediata é imediatamente dada apenas uma vez ela é única Usando a palavra copo indicamos corpos físicos que exigem certo comportamento legalóide e o mesmo cabe dizer com respeito à palavra água Os universais não admitem redução a classes de experiências não podem ser constituídos 4 26 A PROPÓSITO DAS CHAMADAS SENTENÇAS PROTOCOLARES A concepção a que chamei de psicologismo discutida na seção anterior está subjacente segundo me parece a uma das teorias modernas da base empírica muito embora seus defensores não falem de experiências nem de percepções mas em vez disso de sentenças sentenças que traduzem experiências São as chamadas sentenças protocolares de Neurath 1 e Carnap 2 Teoria semelhante havia sido sustentada anteriormente pelo filósofo Reininger Seu ponto de partida foi a indagação onde reside a correspondência ou concordância entre um enunciado e o fato ou estado de coisas por ele descrito Reininger chegou à conclusão de que enunciados só podem ser comparados a enunciados Segundo ele a correspondência de um enunciado com um fato nada mais é que a correspondência lógica entre enunciados pertencentes a diferentes níveis 4 Cf o texto e a nota 2 da seção 20 Constituído é termo cunhado por Carnap 1 O termo foi proposto por Neurath cf por ex Soziologie in Erkenntnis v 2 1932 p 393 2 Carnap Erkenntnis v 2 1932 pp 432 e ss vol 3 1932 pp 107 e ss de universalidade é 3 a correspondência de enunciados de nível superior com enunciados de conteúdo similar e em última análise com enunciados que registram experiências estes são algumas vezes chamados enunciados elementares na terminologia de Reininger4 Carnap parte de uma questão algo diversa Sua tese é a de que todas as investigações filosóficas se referem a formas de expressão 5 A lógica da ciência cabe investigar as formas da linguagem científica 6 Essa linguagem não fala de objetos físicos mas de palavras não de fatos mas de sentenças Em oposição a esse modo formal de expressão correto Carnap coloca o modo ordinário ou como diz ele o modo material de expressão Para fugir à confusão o modo material de expressão só deveria ser usado quando fosse possível traduzilo no modo formal correto de expressão Ora essa concepção com a qual me ponho de acordo leva Carnap assim como Reininger a asseverar que não devemos dizer no campo da Lógica da Ciência que as sentenças são submetidas a prova através da comparação com estados de coisas ou com experiências só podemos dizer que elas são suscetíveis de prova por meio da comparação com outras sentenças Carnap apesar de tudo está conservando as idéias fundamentais da abordagem psicologística do problema tudo o que faz é traduzilas para o modo formal de expressão Diz ele que as sentenças da Ciência são submetidas a prova através do auxílio de sentenças protocolares 7 Uma vez porém que estas são apresentadas como enunciados ou sentenças que não exigem confirmação mas servem de base para todas as outras sentenças da Ciência isso equivale a dizer no modo ordinário material da expressão que as sentenças protocolares referemse ao dado aos dados sensoriais Descrevem elas como diz o próprio Carnap os conteúdos da experiência imediata ou os fenômenos e assim os fatos mais simples suscetíveis de conhecimento 8 Isso mostra de maneira suficientemente clara que a teoria das sentenças protocolares não passa de psicologismo traduzido no modo formal de expressão Coisa muito semelhante pode ser afirmada acerca da concepção de Neurath 9 quer ele que nas sentenças protocolares palavras tais como perceber ver etc devam ocorrer acompanhadas do nome completo do autor da sentença protocolar Sentenças protocolares como a expressão indica devem ser registros ou protocolos de observações imediatas ou de percepções Tal como Reininger 10 Neurath sustenta que os enunciados perceptuais que registram experiências isto é as sentenças protocolares não são irrevocáveis podendo por vezes admitir rejeição Opõese ele 11 à concepção de Carnap depois revista por ele 12 segundo a qual as sentenças protocolares são definitivas e não exigem confirmação Enquanto porém Reininger apresenta um método de submeter a prova seus enunciados elementares em caso de dúvida através de recurso a outros enunciados este é o método de deduzir e submeter conclusões à prova Neurath não oferece qualquer método semelhante Observa apenas que podemos ou rejeitar uma sentença protocolar que contradiz um sistema ou aceitála e modificar o sistema de maneira tal que incluída a sentença ele permaneça compatível A doutrina de Neurath de acordo com a qual as sentenças protocolares não são invioláveis corresponde a meu ver a notável avanço Contudo desconsiderada a substituição das percepções por enunciadospercepção mera tradução para o modo formal de expressão a doutrina de que as sentenças protocolares admitem revisão é seu único progresso relativamente à teoria de Fries acerca da imediatidade do conhecimento perceptual Tratase de um passo na direção certa mas que a nada conduz se não for acompanhado de outro passo fazse necessário um conjunto de regras para limitar a arbitrariedade na rejeição ou aceitação de uma sentença protocolar Neurath não nos apresenta essas regras e assim involuntariamente compromete o empirismo Com efeito sem essas regras os enunciados empíricos deixam de ser distinguíveis de qualquer outra espécie de enunciado Se a todos se permitir como se permite segundo Neurath simplesmente 9 Otto Neurath Erkenntnis v 3 1933 pp 205 e ss Neurath oferecenos o seguinte exemplo Um enunciado protocolar completo poderia apresentarse desta maneira Protocolo de Otto às 15 hs e 17 m O pensamento verbal de Otto ocorreu às 15 hs e 16 m na sala às 15 hs e 15 m havia uma prancheta que foi observada por Otto 10 Reininger op cit p 133 11 Neurath op cit pp 209 e s 12 Carnap Erkenntnis v 3 1933 pp 215 e ss cf nota 1 da seção 29 rejeitar uma sentença protocolar que se mostre inconveniente qualquer sistema tornase defensável Dessa maneira tornase possível salvar qualquer sistema à semelhança do convencionalismo mais do que isso dado o número elevado de sentenças protocolares seria possível confirmar o sistema recorrendo ao depoimento de testemunhas que tenham atestado ou protocolado o que viram ou ouviram Neurath evita uma forma de dogmatismo porém abre caminho para que qualquer sistema arbitrário tenha pretensões a Ciência empírica Assim não é muito fácil perceber que parte se reserva às sentenças protocolares no sistema de Neurath Segundo a concepção anterior de Carnap o sistema das sentenças protocolares era a pedra de toque com base na qual haveria de ser apreciada toda à asserção de um Ciência empírica Essa a razão por que elas deviam ser irrefutáveis pois só a elas cabia afastar sentenças naturalmente sentenças não protocolares Entretanto se as sentenças protocolares se vêem despidas dessa função podendo elas próprias ser afastadas pela ação de teorias para que servirão Como Neurath não tenta solucionar o problema da demarcação sua idéia de sentenças protocolares parece mero resíduo lembrança remanescente da concepção tradicional defensora de que a Ciência se origina da percepção 27 A OBJETIVIDADE DA BASE EMPÍRICA Proponhome a contemplar a Ciência de modo ligeiramente diverso do advogado pelas várias escolas psicológicas pretendo distinguir nitidamente entre Ciência objetiva de um lado e nosso conhecimento de outro Admito de bom grado que somente a observação pode proporcionarnos um conhecimento concernente aos fatos e que como diz Hahn só tomamos consciência dos fatos pela observação1 Mas essa consciência esse nosso conhecimento não justifica nem estabelece a verdade de qualquer enunciado Não creio conseqüentemente que a Epistemologia deva indagar sobre que se apóia nosso conhecimento ou mais exatamente como posso eu tendo tido a experiência F justificar a descrição que dela faço e preservála da dúvida2 Isso não pode ser feito ainda que substituamos o termo 1 H Hahn Logik Mathematik und Naturerkennen in Einheitswissenschaft v 2 1933 pp 19 e 24 2 Cf Carnap por exemplo Scheinprobleme in der Philosophie 1928 p 15 o original não aparece grifado 104 experiencia por sentença protocolar A meu ver o que a Epistemologia deve indagar é antes como submeter a testes enunciados científicos considerando suas conseqüências dedutivas 1 E que espécie de conseqüências devemos selecionar para esse objetivo se elas por sua vez hão de ser suscetíveis de teste intersubjetivo Atualmente esse tipo de abordagem objetiva e não psicológica é geralmente aceito quando estão em causa enunciados lógicos ou tautológicos Contudo há não muito tempo sustentavase que a Lógica era uma Ciência que manipula os processos mentais e suas leis as leis de nosso pensamento Sob esse prisma não se podia encontrar outra justificação para a Lógica a não ser na alegação de que não nos é dado pensar de outra maneira Uma inferência lógica parecia justificarse pelo fato de ser sentida como uma necessidade de pensamento um sentimento de que somos compelidos a pensar ao longo de certas linhas No campo da Lógica talvez se possa dizer que essa espécie de psicologismo é hoje coisa do passado Ninguém sonharia em justificar a validade de uma inferência lógica ou em defendêla contra possíveis dúvidas escrevendo ao lado na margem a seguinte sentença protocolar protocolo revendo essa cadeia de inferências no dia de hoje experimentei forte sensação de convicção A posição tornase diferente quando passamos aos enunciados empíricos da Ciência Aqui todos acreditam que esses enunciados tal como a percepção fundamentamse em experiências ou passando para o modo formal de expressão em sentenças protocolares A maioria reconhecerá que qualquer tentativa de alicerçar os enunciados lógicos em sentenças protocolares traduz inclinação para o psicologismo Curiosamente porém quando se passa aos enunciados empíricos o mesmo fenômeno recebe hoje o nome de fiscalismo Ora estejam em causa enunciados da Lógica ou enunciados da Ciência empírica entendo que a resposta deva ser a mesma nosso conhecimento que pode ser descrito em termos vagos como um sistema de disposições e que talvez interesse à Psicologia pode em ambos os casos prenderse a sentimentos de crença ou de convicção no primeiro caso prenderse talvez ao sentimento de que somos compelidos a pensar de certa maneira no outro prenderse talvez ao sentimento de segurança perceptual 1 Presentemente eu formularia a questão desta maneira de que modo proceder para melhor criticar nossas teorias nossas hipóteses nossas conjecturas em vez de defendêlas contra a dúvida É claro que a prova sempre constitui no meu entender parte da Crítica Cf meu Postscript seções 7 texto entre notas 5 e 6 e fim da seção 52 105 Tudo isso contudo só interessa ao psicólogo Nem sequer relacionase com problemas como os de conexões lógicas entre enunciados científicos que só interessam ao epistemologista Há uma ampla crença de que o enunciado Vejo que esta mesa é branca possui alguma vantagem misteriosa do ponto de vista da Epistemologia sobre o enunciado Esta mesa é branca Todavia do ponto de vista da apreciação de seus testes objetivos possíveis o primeiro enunciado referindose a mim não parece mais seguro que o segundo enunciado que no caso referese à mesa Só existe um meio de assegurar a validade de uma cadeia de arrazooados lógicos É colocála na forma que a torne mais facilmente suscetível de teste quebramola em muitas porções cada uma passível de fácil verificação por qualquer pessoa que tenha aprendido a técnica lógica ou matemática de transformar sentenças Se depois disso ainda houver quem levante dúvidas o único que podemos fazer é pedirlhe que aponte um erro nas fases de demonstração ou que reflita mais aprofundadamente acerca da questão No que se refere às ciências empíricas a situação é semelhante Todo enunciado científico empírico pode ser apresentado através da descrição de arranjos experimentais etc de maneira tal que todos quantos dominem a técnica adequada possam submetêlo a prova Se como resultado houver rejeição do enunciado não basta que a pessoa nos fale acerca de seu sentimento de dúvida ou a propósito de seu sentimento de convicção no que se refere às suas percepções O que essa pessoa deve fazer é formular uma asserção que contradiga a nossa fornecendonos indicações para submetêla a prova Se ela deixa de agir assim só nos resta pedirlhe que faça novo e mais cuidadoso exame de nosso experimento e que reflita mais demoradamente Uma asserção que devido à sua forma lógica não seja suscetível de prova atuará no campo da Ciência quando muito como um estímulo pode sugerir um problema No campo da Lógica e da Matemática isso pode ser exemplificado pelo problema de Fermat no campo da História Natural digamos pelos relatórios acerca de serpentes marinhas Em casos dessa ordem a Ciência não diz que sejam infundados os relatórios que Fermat estava errado ou que são mentirosos todos os registros de serpentes marinhas observadas mas deixa para mais tarde seu julgamento 3 3 Cf minha anotação acerca de efeitos ocultos na seção 8 106 A Ciência pode ser encarada sob vários prismas e não apenas sob o ângulo da Epistemologia podemos encarála por exemplo como um fenômeno biológico ou sociológico Nesses termos caberia descrevêla como ferramenta ou instrumento comparável talvez a alguns que integram nosso aparelhamento industrial A Ciência pode ser olhada como um meio de produção como a última palavra em produção indireta 4 Mesmo desse ponto de vista a Ciência não se relaciona mais estreitamente com a nossa experiência do que outros instrumentos ou meios de produção E ainda que a vejamos como uma forma de satisfação de nossas necessidades intelectuais sua relação para com nossas experiências não difere em princípio da relação que se manifesta para com qualquer outra estrutura objetiva Reconhecidamente não há incorreção em dizer que a Ciência é um instrumento cujo propósito está em predizer com base em experiências dadas ou imediatas experiências posteriores e tanto quanto possível submetêlas a controle5 Não creio porém que essas alusões a experiências tragam esclarecimento Elas dificilmente encerram maior procedência do que digamos a não incorreta caracterização de uma torre de poço de petróleo pela asseveração de que seu objetivo é proporcionarnos certas experiências não o petróleo mas a vista e o cheiro do petróleo não dinheiro mas a sensação de ter dinheiro 28 ENUNCIADOS BÁSICOS Já foi resumidamente indicado o papel que os enunciados básicos desempenham no campo da teoria epistemológica por mim defendida Precisamos deles para decidir se uma teoria pode ser chamada de falseável isto é de empírica Cf seção 21 Precisamos deles ainda para corroboracão de hipóteses falseadoras e assim para o falseamento de teorias Cf seção 22 Os enunciados básicos conseqüentemente devem satisfazer as seguintes condições a De um enunciado universal desacompanhado de condições iniciais não se pode deduzir um enunciado básico 1 4 A expressão se deve a BöhmBawerk Produktionsumweg 5 Frank Das Kausalgesetz und seine Grenzen 1932 p 1 Acerca do instrumentalismo ver nota 1 antes da seção 12 e meu Postscript especialmente as seções de 12 a 15 1 Ao escrever esta passagem eu acreditava ser perfeitamente claro que da teoria de Newton apenas sem condições iniciais não é possível deduzir qualquer coisa que tenha a natureza de um enunciado observacional e por conse 107 expressa o enunciado básico está ocorrendo no lugar k Deve tratarse de um evento observável ou seja os enunciados básicos hão de ser suscetíveis de teste intersubjetivamente com base em observação Como se trata de enunciados singulares esse requisito naturalmente só se pode referir a observadores adequadamente colocados no espaço e no tempo ponto que não aprofundei Não há dúvida de que poderá parecer agora que exigindo observabilidade eu afinal permiti que o psicologismo se insinuasse subrepticiamente em minha teoria Isso todavia não ocorre Claro está que é possível interpretar o conceito de evento observável em sentido psicologístico Estou entretanto empregando esse conceito em sentido tal que admitiria substituição por um evento que envolve posição e momento de corpos físicos macroscópicos Poderíamos dizer com mais precisão que todo enunciado básico há de ser um enunciado acerca de posições relativas de corpos físicos ou deve equivaler a algum enunciado básico dessa espécie mecanista ou materialista Ser essa estipulação praticável é circunstância que se relacona ao fato de uma teoria que admite testes intersubjetivos admitir ainda testes intersensoriais Equivale isso a dizer que testes que envolvem a percepção de um de nossos sentidos admitem em princípio substituição por testes que envolvem outros sentidos Assim a acusação de que apelando para a observabilidade eu readmiti clandestinamente o psicologismo não teria mais força do que a acusação de que admiti o mecanismo ou o materialismo Isso mostra que minha teoria é realmente neutra e que nenhum desses rótulos pode serlhe aposto Digo tudo isso para livrar o termo observável na forma em que o emprego do estigma de psicologismo Observações e percepções podem ser psicológicas mas a observabilidade não o é Não tenho intenção de definir o termo observável ou evento observável embora me disponha a elucidálo seja por meio de exemplos mecanistas ou psicologísticos Entendo que deva ser introduzido como termo não definido que se torna suficientemente preciso com o uso como conceito primitivo cujo emprego o epistemologista tem de aprender muito à semelhança de como tem de aprender o termo símbolo ou como o físico tem de aprender o termo pontomassa Os enunciados básicos são portanto no modo material da expressão enunciados asseveradores de que um evento observável está ocorrendo em certa região individual do espaço e do tempo Os 1 Carnap Erkenntnis v 2 1932 p 445 vários termos usados nessa definição exceto o termo primitivo observável receberam explicação mais precisa na seção 23 Observável é não definido mas pode também ser esclarecido de modo muito preciso como vimos aqui 29 A RELATIVIDADE DOS ENUNCIADOS BÁSICOS RESOLUÇÃO DO TRILEMA DE FRIES Toda prova de uma teoria resulte em sua corroboracão ou em seu falseamento há de deterse em algum enunciado básico que decidimos aceitar Se não chegarmos a qualquer decisão e não aceitarmos este ou aquele enunciado básico a prova terá conduzido a nada Contudo considerada de um ponto de vista lógico a situação nunca é tal que nos obrigue a interromper a feitura de provas quando chegados a este enunciado básico particular e não àquele nem é tal que nos obrigue a abandonar completamente a prova Com efeito qualquer enunciado básico pode por sua vez ser novamente submetido a provas usandose como pedra de toque os enunciados básicos suscetíveis de serem dele deduzidos com auxílio de alguma teoria seja a teoria em causa seja uma outra Esse processo não tem fim Dessa maneira se a prova há de levarnos a alguma conclusão nada resta a fazer senão interromper o processo num ponto ou noutro e dizer que por ora estamos satisfeitos É muito fácil perceber que desse modo chegamos a um processo segundo o qual só nos detemos numa espécie de enunciado particularmente suscetível de prova Isso quer dizer que nos estamos detendo em enunciados acerca de cuja aceitação ou rejeição é de esperar que os vários investigadores se ponham de acordo Se eles não concordarem simplesmente darão prosseguimento às provas ou as reiniciarão Se isso também não conduzir a qualquer resultado diremos que 1 Cf Carnap Erkenntnis v 3 1933 p 224 Posso aceitar o que Carnap afirma acerca de minha teoria exceto no que diz respeito a alguns pormenores não muito importantes Entre eles em primeiro lugar está a sugestão de que os enunciados básicos que Carnap chama de enunciados protocolares constituem os pontos a partir dos quais se erige o edifício da Ciência em segundo lugar está a observação p 225 segundo a qual um enunciado protocolar poderia ser confirmado com tal ou qual grau de certeza em terceiro lugar está a afirmação de que os enunciados acerca da percepção constituem elos igualmente legítimos da cadeia e de que é a tais enunciados de percepção que recorremos em casos críticos Cf a citação que acompanha o texto junto à próxima nota Uso do ensejo para agradecer as palavras amáveis com que Carnap se refere ao meu trabalho que ainda não havia sido publicado naquela data palavras que estão registradas nesse artigo 111 os enunciados em pauta não eram intersubjetivamente suscetíveis de prova ou que não estávamos afinal manipulando eventos observáveis Caso algum dia não seja mais possível aos observadores científicos chegar a um acordo acerca de enunciados básicos equivaleria isso a uma falha da linguagem como veículo de comunicação universal Equivaleria a uma nova babel a descoberta científica verseia reduzida ao absurdo Nessa nova babel o imponente edifício da ciência logo se transformaria em ruínas Assim como uma prova lógica assumiu feição satisfatória depois de terminado o trabalho difícil proporcionando fácil verificação assim também a ciência depois de ter realizado sua tarefa de dedução ou de explicação leva a enunciados básicos facilmente passíveis de teste Enunciados a propósito de experiências pessoais isto é sentenças protocolares é claro não se filiam a essa espécie dessa forma não se mostram adequados para servir como enunciados em que nos detenhamos Valemonos de registros ou de protocolos tais como os certificados de teste emitidos por um departamento de pesquisa científica e industrial Esses registros e protocolos serão se necessário reexaminados Talvez se torne preciso por exemplo submeter a teste os tempos de reação dos técnicos que realizaram a experiência isto é determinar suas equações pessoais Contudo de modo geral e especialmente em casos críticos detemonos em enunciados facilmente suscetíveis de prova e não como recomenda Carnap em sentenças protocolares ou de percepção Não nos detemos nestas porque a prova intersubjetiva de enunciados relativos a percepções é até certo ponto complexa e difícil Qual a nossa posição agora com respeito ao trilema de Fries escolha entre dogmatismo regressão infinita ou psicologismo Cf seção 25 Os enunciados básicos em que nos detemos que decidimos aceitar como satisfatórios e como suficientemente aprovados pelas provas têm reconhecidamente o caráter de dogmas mas apenas na medida em que desistimos de justificálos por argumentos outros ou por outras provas Essa espécie de dogmatismo é todavia inócua pois que surgida a necessidade os enunciados podem ser facilmente submetidos a provas complementares Admito em princípio que isso torna infinita a cadeia de deduções Contudo essa espécie de regres 2 Cf a nota anterior Esse artigo de Carnap contém o primeiro registro impresso acerca da minha teoria da prova de hipóteses a concepção citada no texto retirada do artigo foi erroneamente considerada como a por mim advocada são infinita é também inócua uma vez que em nossa teoria não se coloca empenho em tentar provar por meio dela qualquer enunciado Finalmente no que concerne ao psicologismo admito que a decisão de aceitar um enunciado básico e dálo por satisfatório está causalmente relacionada com nossas experiências em especial a nossas experiências perceptuais Não tentamos porém justificar enunciados básicos através de recurso a essas experiências As experiências podem motivar uma decisão e conseqüentemente a aceitação ou rejeição de um enunciado mas um enunciado básico não pode verse justificado por elas não mais do que por um murro na mesa 30 TEORIA E EXPERIMENTO Os enunciados básicos são aceitos como resultado de uma decisão ou concordância nessa medida são convenções As decisões são tomadas de acordo com um processo disciplinado por normas Dentre elas é de particular importância a que nos recomenda não aceitar enunciados básicos dispersos isto é logicamente desconexos mas tãosomente enunciados básicos que surjam no decorrer do processo de teste de teorias A regra aconselha ainda que proponhamos acerca dessas teorias questões minuciosas a serem respondidas pelo acolhimento dos enunciados básicos Nessas condições à situação real difere muito da visualizada pelo empirista ingênuo ou pelo adepto da Lógica Indutiva Acreditam eles que partimos da reunião e acomodação de nossas experiências e que dessa maneira ascendemos na escala da Ciência Ou para usar um modo de expressão mais formal dizem que se desejarmos elaborar uma ciência havemos de previamente reunir sentenças protocolares Contudo se me disserem Registre o que está experimentando agora dificilmente saberei como obedecer a essa ordem ambígua Devo registrar que estou escrevendo que estou ouvindo um sino tocar um menino gritar um altofalante zumbir ou devo talvez registrar que 3 Pareceme que a concepção aqui sustentada mais se aproxima das concepções da escola crítica ou kantiana talvez como representada por Fries do que das concepções do Positivismo Fries em sua teoria a propósito de nossa predileção pelas demonstrações enfatiza que as relações lógicas entre enunciados diferem muito das relações vigentes entre enunciados e experiências sensórias O Positivismo de sua parte procura de hábito abolir a distinção ou bem toda a Ciência é tornada parte do meu saber de minha experiência sensória monismo dos dados sensórios ou bem as experiências sensórias se tornam parte da rede científica objetiva de argumentos na forma de enunciados protocolares monismo de enunciados 113 esses ruídos me irritam E ainda que a ordem pudesse ser cumprida por mais rica que seja a coleção de enunciados reunidos dessa maneira ela nunca poderia equivaler a uma ciência Uma ciência requer pontos de vista e problemas teóricos A concordância quanto à aceitação ou rejeição de enunciados básicos é alcançada geralmente na ocasião de aplicar uma teoria a concordância em verdade é parte de uma aplicação que expõe a teoria a prova Chegar à concordância acerca de enunciados básicos é como outras formas de aplicação realizar uma ação intencional orientada por diversas considerações teóricas Estamos agora julgo eu em posição de resolver problemas tais como o de Whitehead por que razão o jantar táctil vem sempre acompanhado do jantar visual e o Times táctil do visível e audivelmente farfalhante O lógico indutivo acreditando que toda ciência se origina de percepções elementares dispersas deve sentirse perturbado por essas coincidências reiteradas elas devem parecerlhe interinamente acidentes Ele está impedido de explicar a regularidade por meio de teorias pois aceitou a concepção de que teorias não são mais do que enunciados de coincidência constante Todavia de acordo com a posição aqui estabelecida as conexões entre nossas várias experiências são explicáveis e deduzíveis em termos de teorias que nos empenhamos em submeter a prova Nossas teorias não nos levam a esperar que a lua visível se acompanhe de uma lua táctil nem a esperar que sejamos perturbados por um pesadelo auditivo Uma pergunta por certo permanece pergunta que obviamente não pode ser respondida por qualquer teoria falseável e que é portanto metafísica como explicar que tão freqüentemente alcançamos êxito com as teorias por nós elaboradas como explicar que existam leis naturais Todas essas considerações são de importância para a teoria do experimento vista do ângulo epistemológico O teórico propõe certas questões bem delimitadas ao experimentador e este através de experimento tenta chegar a uma resposta decisiva para essas questões e não para outras Todas as outras ele se empenha por excluir Neste ponto a relativa independência dos subsistemas de uma teoria pode ganhar relevo Assim ele faz a prova com respeito à uma questão única tão atento quanto possível a ela mas tão insensível quanto possível a todas as demais questões conexas Parte desse trabalho consiste em afastar todas as possíveis fontes de erro Seria erro porém supor que um experimentador procede assim para lançar luz sobre o trabalho do teórico ou talvez para oferecer ao teórico base em que apoiar generalizações indutivas Ao contrário o teórico deve ter muito antes realizado o seu trabalho ou pelo menos a parte mais importante desse trabalho deve ter formulado tão claramente quanto possível sua pergunta Desse modo é ele quem mostra o caminho ao experimentador E o próprio experimentador não está principalmente empenhado em fazer observações exatas seu trabalho é também em grande parte de natureza teórica A teoria domina o trabalho experimental desde o seu planejamento inicial até os toques finais no laboratório O ponto é bem ilustrado por casos em que o teórico alcança êxito no predizer um efeito observável posteriormente conseguido de forma experimental Talvez o mais interessante exemplo disso seja a predição feita por de Broglie acerca do caráter ondulatório da matéria pela primeira vez confirmada experimentalmente por Davisson e Germer Ilustração talvez ainda melhor é dada por casos em que os experimentos exercem decidida influência sobre o progresso da teoria O que nesses casos compele o teórico a buscar um aperfeiçoaento da teoria é quase sempre o falseamento de uma teoria aceita e corroborada até esse momento tratase ainda uma vez de resultados de testes orientados pela teoria Exemplos famosos são os 1 H Weyl Philosophie der Mathematik und Naturwissenschaft 1927 p 113 edição em inglês Philosophy of Mathematics and Natural Science Princeton 1949 p 116 2 Weyl ibid 3 Penso agora que eu deveria ter enfatizado neste local uma concepção que é discutida em outras partes do livro por exemplo no quarto e no último parágrafos da seção 19 Refirome à idéia de que as observações e com mais forte razão os enunciados de observação e enunciados que registram resultados experimentais são sempre interpretações dos fatos observados são interpretações à luz de teorias Ai está um dos principais motivos pelos quais sempre se torna ilusoriamente fácil encontrar verificações de uma teoria e que explica por que devemos adotar uma atitude altamente crítica em relação a nossas teorias se não quisermos raciocinar em círculo porque em suma devemos adotar a atitude de refutação frente às teorias 4 O incidente é relatado de modo breve mas excelente por Max Born no ensaio que preparou para Albert Einstein PhilosopherScientist obra organizada por P A Schilpp 1949 p 174 Há exemplos mais curiosos como a descoberta de Netuno por Adams e Leverrier e a das ondas hertzianas 115 experimentos de MichelsonMorley que levaram à teoria da relatividade e o falseamento por Lummer e Pringsheim da fórmula de radiação de Rayleigh e Jeans e da fórmula de Wien o que levou à teoria quântica Ocorrem ainda é claro descobertas acidentais mas estas são relativamente raras Quanto a esses casos Mach 3 fala procedentemente de uma correção de opiniões científicas por circunstâncias acidentais reconhecendo assim a despeito de si mesmo a significação das teorias Tornase agora possível responder à pergunta como e por que aceitamos esta teoria de preferência a outras A preferência não se deve por certo a algo que se aproxime de uma justificação experiencial dos enunciados que compõem a teoria não se deve a uma redução lógica da teoria à experiência Optamos pela teoria que melhor se mantém no confronto com as demais aquela que por seleção natural mostrase a mais capaz de sobreviver Ela será não apenas a que já foi submetida a severíssimas provas mas também a que é suscetível de ser submetida a provas da maneira mais rigorosa Uma teoria é um instrumento que submetemos a prova pela aplicação e que julgamos quanto à capacidade pelos resultados das aplicações 5 Sob um prisma lógico o teste de uma teoria depende de enunciados básicos cuja aceitação ou rejeição depende por sua vez de nossas decisões Dessa forma são as decisões que estabelecem o destino das teorias Até este ponto a resposta que dou à pergunta como escolhemos uma teoria lembra a dada pelo convencionalista e como ele digo que essa escolha em parte se vê determinada por considerações de utilidade A despeito disso entretanto há enorme diferença entre minhas concepções e as do convencionalista Com efeito sustento que o método empírico caracterizase tãosomente por isto a convção ou decisão não determina de maneira imediata nossa aceitação de enunciados universais mas ao contrário influi em nossa aceitação de enunciados singulares ou seja de enunciados básicos Para o convencionalista a aceitação de enunciados universais é governada pelo princípio da simplicidade ele escolhe o mais simples dos sistemas Eu diferentemente proponho que o primeiro fator a 3 Mach Die Prinzipien der Wärmelehre 1896 p 438 5 Para uma crítica da concepção instrumentalista ver as referências reunidas junto à nota 1 antes da seção 12 e no adendo da nota 1 da mesma seção 12 tomar em consideração seja o rigor das provas Há estreita relação entre o que denomino simplicidade e o rigor das provas contudo minha concepção de simplicidade difere em muito da acolhida pelo convencionalista ver seção 46 Sustento que em última instância decidese do destino de uma teoria pelo resultado de uma prova isto é pela concorrência acerca de enunciados básicos Como o convencionalista afirmo que a escolha de qualquer teoria particular é um ato uma questão prática Contudo a meu ver a escolha é decisivamente influenciada pela aplicação da teoria e pela aceitação dos enunciados básicos ligados a essa aplicação para o convencionalista motivos estéticos são decisivos Dessa forma discordo do convencionalista por sustentar que os enunciados acolhidos em conseqüência de um acordo não são universais mas singulares Discordo do positivista por sustentar que os enunciados básicos não são justificáveis através de recurso a nossas experiências imediatas mas que do ponto de vista lógico eles são aceitos por um ato por uma decisão livre Sob o prisma psicológico isso equivalerá talvez a uma reação intencional e adequada Essa importante distinção entre uma justificacão e uma decisão uma decisão alcançada segundo um procedimento governado por normas se esclarecerá talvez com o auxílio de uma analogia o velho processo de julgamento por um júri O veredito do júri vere dictum dito verdadeiro tal como o do experimentador é uma resposta a uma questão de fato quid facti que deve ser apresentada ao júri da maneira mais clara e definida Contudo a indagação feita e a maneira como é feita dependerão grandemente da situação legal isto é do sistema de direito penal prevalecente que corresponde a um sistema de teorias Decidindo o júri aceita por concordância um enunciado acerca de uma ocorrência factual um enunciado básico por assim dizer O significado dessa decisão reside no fato de que dela combinada com os enunciados universais do sistema de direito penal podem ser deduzidas certas consequências Em outras palavras a decisão forma a base para a aplicação do sistema o veredito desempenha o papel de um enunciado de fato verdadeiro Claro está porém que o enunciado não precisa ser verdadeiro apenas pela circunstância de ter sido aceito pelo júri Essa circunstância é reconhecida pela norma que permite a revogação ou revisão do veredito Chegase ao veredito de acordo com um processo que é governado por normas Essas normas baseiamse em certos princípios fundamen tais que se propõem sobretudo se não exclusivamente a conduzir à descoberta da verdade objetiva Por vezes eles deixam campo não apenas para as convicções subjetivas mas até mesmo para tendenciosidades subjetivas Todavia ainda que afastemos esses aspectos especiais do velho processo e imaginemos um processo apoiado apenas no propósito de promover a descoberta da verdade objetiva continuaria a darse que o veredito do júri nunca justificasse ou fornecesse base para a verdade do que viesse a asseverar Não se pode sustentar que as convicções subjetivas dos jurados justifiquem a decisão tomada há naturalmente uma estreita relação causal entre elas e a decisão tomada conexão que pode ser traduzida em leis psicológicas Assim essas convicções podem ser chamadas de os motivos da decisão O fato de as convicções não serem justificações prendese à circunstância de que o procedimento do júri pode ser regulado por diferentes normas por exemplo maioria simples ou qualificada Isso mostra que as relações entre as convicções dos jurados e o veredito podem variar grandemente Em contraste com o veredito do júri o julgamento do juiz é racional requer e contém uma justificação O juiz tenta justificálo a partir de outros enunciados ou deduzilo logicamente desses enunciados enunciados do sistema legal combinados com o veredito que desempenha o papel desempenhado pelas condições iniciais Essa a razão por que o julgamento pode ser contestado com apelo a argumentos lógicos A decisão do júri de outra parte só pode ser contestada questionandose ter ela sido alcançada de acordo com as regras aceitas de procedimento isto é ela pode ser contestada formalmente mas não quanto a seu conteúdo A justificação do conteúdo de uma decisão é significativamente denominada declaração de motivos e não relatório logicamente justificado A analogia entre o processo referido e aquele pelo qual decidimos acerca dos enunciados básicos é clara Põelhes em evidência por exemplo a relatividade e o modo como dependem de questões provocadas pela teoria No caso do julgamento por júri seria impossível aplicar a teoria a não ser que se houvesse chegado por decisão a um primeiro veredito contudo o veredito há de ser alcançado mediante um processo que se conforma com uma parte do código legal geral e portanto a põe em prática Coisa análoga sucede com os enunciados básicos Aceitálos é parte da aplicação de um sistema teórico e só essa aplicação torna possíveis subseqüentes aplicações do sistema teórico A base empírica da ciência objetiva nada tem portanto de absoluto 4 A ciência repousa em pedra firme A estrutura de suas teorias levantase por assim dizer num pântano Semelhase a um edifício construído sobre pilares Os pilares são enterrados no pântano mas não em qualquer base natural ou dada Se deixamos de enterrar mais profundamente esses pilares não o fazemos por termos alcançado terreno firme Simplesmente nos detemos quando achamos que os pilares estão suficientemente assentados para sustentar a estrutura pelo menos por algum tempo Adendo 1968 Alguns pontos deste capítulo foram mal interpretados 1 A palavra base como em especial se pode notar na última seção do capítulo adquire um tom irônico die Basis schwankt a base vacila N T schwankt significa facécia farsa schwanken é vacilar oscilar 4 Weyl op cit p 83 ou p 116 da versão inglesa escreve este par de opostos absolutosubjetivo e relativoobjetivo pareceme encerrar uma das mais profundas verdades epistemológicas que podem ser alcançadas mediante o estudo da natureza Quem deseja o absoluto precisa dar em troca a subjetividade o egocentrismo e quem anseia por objetividade não pode evitar a questão do relativismo Pouco antes encontramos isto Aquilo que é experimentado de modo imediato é subjetivo e absoluto o mundo objetivo de outra parte que a ciência natural almeja obter como precipitado em forma cristalina pura é relativo Born expressase de maneira semelhante Die Relativitätstheorie Einsteins und ihre physikalischen Grundlagen 3a ed 1922 introdução Basicamente essa concepção aproximase da teoria da objetividade elaborada por Kant coerentemente desenvolvida por ele cf seção 8 e nota 5 desta seção Também Reininger alude à situação Em Das PsychoPhysische Problem 1916 p 29 Reininger escreve A metafísica é impossível como ciência porque embora o absoluto seja efetivamente experimentado e por esse motivo possa ser intuitivamente sentido ele furtase a uma representação em palavras De fato Spricht die Seele so spricht ach schon die Seele nicht mehr Se fala a alma então oh não é mais a alma que fala Este adendo encontrase na edição alemã 5ª ed 1973 com alterações em relação à ed anterior de 1971 A versão inglesa contém um adendo escrito em 1972 que se acha logo a seguir A versão inglesa é de 1972 6 imp rev O Professor Popper remeteunos as duas edições indicando os locais em que havia certas diferenças nos dois textos As diferenças devemse ao desejo dos editores de conservar a paginação das edições precedentes o que acarretou abreviação ora do escrito em alemão ora do escrito em inglês para que se acomodassem nos claros deixados sem perturbar a paginação Os tradutores não julgaram oportuna a fusão das duas versões e preferiram incluílas na íntegra apesar de algumas repetições se tornarem assim inevitáveis N T 2 O capítulo assenta um robusto realismo e revela que ele é compatível com um empirismo novo não dogmático e não subjetivo Esse realismo orientase contra as teorias do conhecimento que se assentam em experiências ou percepções subjetivas contra pois o empirismo subjetivista clássico o idealismo o positivismo o fenomenalismo o sensualismo e o psicologismo inclusive na forma behaviorista e o assim chamado monismo neutro Procuro substituir a clássica idéia de experiência observação pelo exame crítico objetivo e a experienciação observabilidade por uma testabilidade objetiva Ver capítulo VI 3 Nossa linguagem está impregnada de teorias não existem enunciados de pura observação Transcendência da descrição seção 25 Até mesmo numa chamada linguagem fenomenalista que autorrizaria sentença do tipo aqui agora vermelho o vocábulo agora deixaria implícita uma teoria do tempo ainda que rudimentar assim como aqui deixaria implícita uma teoria do espaço e vermelho deixaria implícita uma teoria das cores 4 Não existem observações puras elas estão impregnadas pelas teorias e são orientadas pelos problemas e acompanhadas pelas teorias 5 Enunciados básicos são a enunciados objetivos de teste passíveis de crítica b hipóteses transcendentas tais como os enunciados universais ver também apêndice x e c enunciados básicos serão utilizados no próximo capítulo com o objetivo de introduzir a noção de graus de testabilidade ou de conteúdo empírico Adendo 1972 1 Meu termo base tem conotações irônicas tratase de base que não é firme 2 Endosso um ponto de vista realista e objetivo procuro substituir a percepção como base pelo teste crítico 3 Nossas experiências observacionais nunca estão para além do teste e estão impregnadas de teorias 4 Enunciados básicos são enunciados de teste eles como de resto toda a linguagem estão imersos em teorias Até uma linguagem fenomenalista em que seria admissível um enunciado do tipo agora aqui vermelho estaria impregnada por teorias acerca do tempo do espaço e das cores Como foi referido em nota anterior este adendo é o da edição inglesa de 1973 CAPÍTULO VI GRAUS DE TESTABILIDADE As teorias podem ser submetidas a testes de maior ou menor severidade ou seja são falseáveis com maior ou menor intensidade O grau de testabilidade que apresentam é de importância para a seleção de teorias No presente capítulo compararei os vários graus de testabilidade ou falseabilidade das teorias comparandolhes as classes de falseadores potenciais Essa investigação independe da questão de saber se é ou não possível distinguir de maneira absoluta teorias falseáveis de teorias não falseáveis Em verdade caberia dizer deste capítulo que ele relativiza o requisito de falseabilidade mostrando que ela se reduz a uma questão de grau 31 UM PROGRAMA E UMA ILUSTRAÇÃO Tal como vimos na seção 23 uma teoria será falseável se existir pelo menos uma classe não vazia de enunciados básicos homotípicos por ela proibidos ou seja se a classe de seus falseadores potenciais não for vazia Se como fizemos na seção 23 representarmos a classe de todos os enunciados básicos possíveis por uma área circular e representarmos os possíveis eventos pelos raios do círculo poderemos dizer pelo menos um raio ou o que é talvez melhor um estreito setor cuja amplitude representaria o fato de o evento ser observável deve mostrarse incompatível com a teoria e ser por ela proibido Caberia pois representar os falseadores potenciais das várias teorias por setores de diferentes amplitudes De acordo com a maior ou menor amplitude dos setores por elas rejeitados diríamos que as teorias têm maior ou menor número de falseadores potenciais A questão de saber se é viável dar maior precisão a esses maior número ou menor número não será considerada neste momento Seria possível dizer também que se a classe de falseadores potenciais de uma teoria é maior do que a de outra ampliamse as oportunidades de a primeira teoria ser refutada pela experiência assim comparada com a segunda essa primeira teoria será falseável num grau mais elevado Isso quer dizer ainda que a primeira teoria diz mais acerca do mundo da experiência do que a segunda pois afasta uma classe mais ampla de enunciados básicos Embora com isso a classe de enunciados permitidos se torne mais reduzida nosso argumento não é atingido pois vimos que a teoria nada assevera acerca dessa classe De tal maneira cabe afirmar que a quantidade de informação empírica veiculada por uma teoria ou seja seu conteúdo empírico cresce com seu grau de falseabilidade Imaginemos agora que nos é apresentada uma teoria e que o setor que representa os enunciados básicos por ela proibidos tornase crescentemente mais amplo Ao fim os enunciados básicos não proibidos pela teoria serão representados por um estreito setor remanescente Se a teoria é compatível algum setor permanecerá Uma teoria desse gênero seria obviamente fácil de falsear pois que ela só concede ao mundo empírico uma gama estreita de possibilidades de vez que afasta quase todos os eventos concebíveis isto é logicamente possíveis Ela afirma tanto a propósito do mundo da experiência é tão grande seu conteúdo empírico que há por assim dizer pouca oportunidade de ela escapar à falsificação Ora a ciência teórica busca sobretudo chegar a teorias que sejam facilmente falseáveis nesse sentido Ela objetiva restringir a um mínimo a gama de eventos permitidos e se isso for factível a um grau tal que qualquer restrição posterior levaria a uma efetiva falsificação empírica da teoria Se fosse possível obter uma teoria como essa tal teoria descreveria nosso mundo particular tão precisamente quanto é dado a uma teoria pois distinguiria com a maior precisão atingível o mundo de nossa experiência da classe de todos os mundos de experiência logicamente possíveis e isso com a maior precisão de que é capaz a ciência teórica Todos os eventos ou classes de ocorrências que efetivamente encontramos e observamos e apenas esses se caracterizariam como permitidos 1 1 Para observações adicionais relativas aos objetivos da Ciência ver apêndice x e seção 15 do Postscript além de meu trabalho The aim of science Ratio v 1 1957 pp 2435 122 32 COMO COMPARAR CLASSES DE FALSEADORES POTENCIAIS As classes de falseadores potenciais são classes infinitas O mais e o menos intuitivos que podem ser aplicados sem cautelas especiais às classes finitas não podem ser aplicados a classes infinitas de modo análogo Não é fácil contornar essa dificuldade nem mesmo se ao invés dos enunciados básicos ou ocorrências proibidos considerarmos para efeito de comparação classes de eventos proibidos com o propósito de determinar qual deles contém mais eventos proibidos Pois o número de eventos proibidos por uma teoria empírica é também infinito como se pode depreender do fato de ser a conjunção de um evento proibido com qualquer outro evento seja proibido ou não também um evento proibido Considerarei três maneiras de dar um significado preciso mesmo no caso de classes infinitas aos termos mais ou menos intuitivos a fim de determinar se qualquer deles pode ser utilizado para o fim de comparar classes de eventos proibidos 1 O conceito de cardinalidade ou potência de uma classe Esse conceito não nos pode auxiliar na solução do problema pois é fácil demonstrar que as classes de falseadores potenciais apresentam o mesmo número cardinal para todas as teorias 1 2 O conceito de dimensão A vaga idéia intuitiva de que um cubo de alguma forma contém mais pontos do que digamos uma linha reta pode ser claramente formulada em termos logicamente inatacáveis usandose o conceito de dimensão tal como se apresenta em termos de conceitos da teoria dos conjuntos Isso caracteriza as classes ou conjuntos de pontos segundo a riqueza das relações de vizinhança entre seus elementos conjuntos de maior dimensão têm relações de vizinhança mais abundantes O conceito de dimensão que nos permite comparar classes de maior e menor dimensão será aqui usado para equacionar o problema da comparação de graus de testabilidade Isso é possível porque enunciados básicos combinandose por conjunção com outros enunciados básicos produzem ainda enunciados básicos que são entretanto mais altamente compósitos do 1 Tarski demonstrou que admitindo certos pressupostos toda classe de enunciados é enumerável cf Monatshefte f Mathem u Physik v 40 1933 p 100 nota 10 O conceito de medida é por motivos similares inaplicável isto é porque o conjunto de todos os enunciados de uma linguagem é enumerável 123 13 que seus componentes e esse grau de composição de enunciados básicos pode ser associado ao conceito de dimensão Contudo não é a composição dos eventos proibidos mas a dos permitidos que terá de ser usada A razão está em que os eventos proibidos por uma teoria são passíveis de revestir qualquer grau de composição de outra parte alguns dos enunciados permitidos são permitidos apenas por causa de sua forma ou falando com mais precisão porque seu grau de composição é demasiado baixo para habilitálos a contradizer a teoria em exame e esta circunstância pode ser utilizada para a comparação de dimensões 1 3 A relação de subclasse Sejam todos os elementos de uma classe a também elementos da classe β de sorte que α é uma subclasse de β em símbolos αβ Então ou todos os elementos de β são também por sua vez elementos de α caso em que dizemos que as duas classes têm a mesma extensão ou são idênticos ou há elementos de β que não pertencem a α Neste último caso os elementos de β que não pertencem a α constituem a classediferença ou o complemento de α em relação a β e α é uma subclasse própria de β A relação de subclasse corresponde muito bem ao mais e ao menos intuitivos mas apresenta a desvantagem de que só pode ser usada para comparar duas classes se uma incluir a outra Conseqüentemente se duas classes de falseadores potenciais admitem intersecção não vazia sem que uma delas se inclua na outra ou se elas não apresentam elementos comuns então o grau de falseabilidade das teorias correspondentes não admite comparação com base na relação de subclasse as teorias são não comparáveis com respeito a essa relação 1 A palavra alemã komplex foi traduzida nesta e em passagens análogas por compósito e não por complexo A razão está em que ela não denota tal como o faz a palavra inglesa complex o oposto de simples O antônimo de simples einfach é denotado pela palavra alemã kompliziert Cf primeiro parágrafo da seção 41 onde kompliziert é traduzida por complexo Dado que grau de simplicidade é um dos temas de maior relevo de que se ocupa este livro teria sido impróprio falar aqui e na seção 38 de grau de complexidade Decidi conseqüentemente usar a expressão grau de composição que parece adequarse bem ao contexto 124 33 GRAUS DE FALSEABILIDADE COMPARADOS POR MEIO DA RELAÇÃO DE SUBCLASSE Em caráter provisório introduziremos as definições abaixo que serão aperfeiçoadas mais adiante ao longo de nosso exame das dimensões de teorias 1 1 Dizse que um enunciado x é falseável em maior grau ou mais suscetível de teste do que um enunciado y ou em símbolos Fsvx Fsvy se e somente se a classe de falseadores potenciais de x incluir a classe de falseadores potenciais de y como subclasse própria 2 Se as classes de falseadores potenciais dos dois enunciados x e y forem idênticas eles terão o mesmo grau de falseabilidade isto é Fsvx Fsvy 3 Se nenhuma das classes de falseadores potenciais dos dois enunciados incluir a outra como subclasse própria então os dois enunciados terão graus não comparáveis de falseabilidade Fsvx Fsvy Se 1 for aplicável haverá sempre uma classe complementar não vazia No caso de enunciados universais essa classe complementar há de ser infinita Não é possível portanto que duas teorias estritamente universais difiram pelo fato de uma delas proibir um número finito de ocorrências singulares permitidas pela outra As classes de falseadores potenciais de todos os enunciados tautológicos e metafísicos são vazias De acordo com 2 são conseqüentemente idênticas Com efeito classes vazias são subclasses de qualquer classe e por isso também de classes vazias de modo que todas as classes vazias são idênticas o que pode ser expressado dizendose que existe apenas uma classe vazia Se denotarmos um enunciado empírico por e e uma tautologia ou um enunciado metafísico eg um enunciado puramente existencial por t ou m respectivamente poderemos atribuir a enunciados tautológicos e metafísicos um grau zero de falseabilidade e estaremos habilitados a escrever Fsvt Fsvm 0 e Fsve 0 Podemos dizer que um enunciado autocontraditório que denotamos por c tem a classe de todos os enunciados básicos logicamente possíveis como classe de seus falseadores potenciais Isso quer dizer 1 Ver seção 38 e os apêndices i vii e viii 125 14 que qualquer enunciado é comparável a um enunciado autocontraditório no que respeita a seu grau de falseabilidade Temos Fsvc Fsve 0 2 Se arbitrariamente fizermos Fsvc 1 isto é atribuirmos arbitrariamente o número um 1 ao grau de falseabilidade de um enunciado autocontraditório então poderemos definir um enunciado empírico e pela condição 1 Fsve 0 De acordo com essa fórmula Fsve sempre se colocará num intervalo entre zero e um excluídos esses limites isto é se colocará no intervalo aberto cujas fronteiras são esses números Excluídas a contradição e a tautologia bem como os enunciados metafísicos a fórmula exprime a um só tempo os requisitos de compatibilidade e de falseabilidade 34 ESTRUTURA DA RELAÇÃO DE SUBCLASSE PROBABILIDADE LÓGICA Definimos a comparação de grau de falseabilidade de dois enunciados com o auxílio da relação de subclasse esse grau partilha pois de todas as propriedades estruturais desta relação A questão de comparabilidade pode ser elucidada com auxílio de um diagrama Figura 1 no qual certas relações de subclasse são apresentadas à esquerda figurando as correspondentes relações de testabilidade à direita 2 Convém consultar agora o apêndice vii Os numerais arábicos da direita correspondem aos numerais romanos da esquerda de maneira tal que um numeral romano denota a classe dos falseadores potenciais do enunciado que é denotado pelo correspondente numeral arábico As setas do diagrama traduzindo os graus de testabilidade orientamse dos enunciados mais suscetíveis de prova ou mais falseáveis para os que são menos suscetíveis de prova Correspondem portanto com alguma precisão às setas que indicam deduzibilidade ver seção 35 Vêse no diagrama que várias sequências de subclasses podem ser identificadas e acompanhadas como por exemplo a sequência IIIIV ou IIIIV e que essas sequências podem tornarse mais densas pela introdução de classes intermediárias novas Todas essas sequências começam no caso particular que examinamos em I e terminam com a classe vazia de vez que esta se acha incluída em qualquer classe A classe vazia não pode ser representada em nosso diagrama da esquerda exatamente porque é uma subclasse de todas as classes e desse modo teria de figurar em todos os locais Se decidirmos identificar a classe I com a classe de todos os enunciados básicos possíveis então I se tornará a contradição c e 0 correspondente à classe vazia poderá então denotar a tautologia t É possível por vários caminhos passar de I para a classe vazia ou de c para t alguns desses caminhos tal como se vê no diagrama da direita podem cruzarse Cabe dizer portanto que a estrutura da relação é a de um reticulado um reticulado de sequências ordenado pela seta ou relação de subclasse Há pontos nodais eg os enunciados 4 e 5 onde o reticulado é parcialmente unido A relação só é totalmente unida na classe universal e na classe vazia correspondendo à contradição c e à tautologia t Será possível dispor os graus de falseabilidade dos vários enunciados numa escala isto é correlacionar aos vários enunciados números que os ordenem de acordo com a sua falseabilidade É claro que não se torna possível ordenar todos os enunciados dessa maneira 1 pois se o fizéssemos estaríamos tornando arbitrariamente comparáveis enunciados não comparáveis Nada nos impede entretanto de escolher uma 1 Continuo a pensar que a tentativa de tornar comparáveis todos os enunciados através da introdução de uma dada métrica há de incluir necessariamente um elemento arbitrário extralógico Isso é óbvio no caso de enunciados tais como Todos os homens adultos têm mais de 50 cm de altura ou Todos os homens adultos têm menos de 3 m de altura ou seja de enunciados cujos predicados aludem a uma propriedade mensurável Com efeito é possível demonstrar que a métrica de conteúdo ou de falseabilidade teria de colocarse como função da métrica do predicado e esta última sempre inclui um elemento arbi 126 127 das sequências do reticulado indicando por números a ordem de seus enunciados Se agirmos assim deveremos proceder de maneira tal que um enunciado mais próximo da contradição c receba sempre um número maior do que o número atribuído a um enunciado mais próximo da tautologia t Como já atribuímos os números zero e um à tautologia e à contradição respectivamente teremos de atribuir números fracionários próprios aos enunciados empíricos da sequência empírica Não pretendo entretanto particularizar uma das sequências A atribuição de números aos enunciados da sequência seria inteiramente arbitrária Não obstante o fato de ser possível atribuir esses números fracionários aos enunciados é de grande interesse especialmente porque esclarece a conexão entre grau de falseabilidade e a idéia de probabilidade Sempre que se torna possível comparar os graus de falseabilidade de dois enunciados podemos dizer que o menos falseável é também o mais provável em razão de sua forma lógica A essa probabilidade denomino ² probabilidade lógica¹ Importa não confundila com probabilidade numérica que é usada na teoria dos jogos de azar e em estatística A probabilidade lógica de um enunciado e complementar de seu grau de falseabilidade aumenta com a redução do grau de falseabilidade A probabilidade lógica I corresponde ao grau zero de falseabilidade e viceversa O enunciado mais suscetível de teste isto é aquele com maior grau de falseabilidade é logicamente o menos provável e o enunciado menos suscetível de teste é o logicamente mais provável Tal como se verá na seção 72 a probabilidade numérica pode ser relacionada à probabilidade lógica e assim com o grau de falseabilidade É possível interpretar a probabilidade numérica como aplicável a uma subseqüência retirada da relação de probabilidade lógica para a qual cabe definir um sistema de medida com base em estimativas de freqüência Essas observações a propósito de comparação de graus de falseabilidade não valem apenas para enunciados universais ou para sistemas de teorias elas podem ser estendidas para se aplicar a enunciados singulares Valem por exemplo para teorias conjugadas a condições iniciais Nesse caso a classe de falseadores potenciais não deve ser confundida com uma classe de eventos uma classe de enunciados básicos homotípicos pois tratase de uma classe de ocorrências Essa observação tem algum reflexo sobre a conexão entre probabilidade lógica e numérica o que será objeto de análise na seção 72 35 CONTEÚDO EMPÍRICO ACARRETAMENTO E GRAU DE FALSEABILIDADE Foi dito na seção 31 que o por mim chamado conteúdo empírico de um enunciado aumenta com seu grau de falseabilidade quanto mais um enunciado proíbe mais ele diz acerca do mundo da experiência cf seção 6 O que denomino conteúdo empírico relacionase estreitamente com mas não é idêntico ao conceito de conteúdo tal como é definido por exemplo por Carnap¹ Para designar este último usareia expressão conteúdo lógico a fim de distinguilo de conteúdo empírico Defino o conteúdo empírico de um enunciado p como a classe de seus falseadores potenciais cf seção 31 O conteúdo lógico é definido com o auxílio do conceito de deduzibilidade como a classe de todos os enunciados não tautológicos deduzíveis do enunciado em pauta Podese chamálo de sua classe de conseqüências Assim o conteúdo lógico de p é pelo menos igual isto é maior do que ou igual ao de um enunciado q se q for deduzível de p ou em símbolos se p q¹ Se a deduzibilidade for mútua em símbolos p q² dizse que p e q encerram igual conteúdo² Se q for deduzível de p mas não p de q então a classe das conseqüências de q deve corresponder a um adequado subconjunto da classe das conseqüências de p e p possui portanto uma classe mais ampla de conseqüências e em razão disso maior conteúdo lógico ou maior força lógica² Uma decorrência da definição de conteúdo empírico por mim proposta é a de que a comparação entre os conteúdos lógico e empírico de dois enunciados p e q leva a resultados idênticos se os enunciados comparados não contém elementos metafísicos Colocaremos pois os requisitos seguintes a dois enunciados de igual conteúdo lógico devem também apresentar igual conteúdo empírico b um enunciado p cujo conteúdo lógico seja superior ao de outro enunciado q deve também possuir conteúdo empírico maior ou pelo menos igual ao deste segundo enunciado q e finalmente c se o conteúdo empírico de um enunciado p for maior do que o de um enunciado q seu conteúdo lógico será maior do que o conteúdo lógico de q ou alternativamente p e q não são comparáveis quanto a esse conteúdo lógico Foi necessário incluir em b a ressalva ou pelo menos igual conteúdo empírico porque p poderia por exemplo corresponder a uma conjunção de q com algum enunciado puramente existencial ou com alguma outra espécie de enunciado metafísico ao qual se imporia atribuir certo conteúdo lógico nesse caso o conteúdo empírico de p não seria maior que o de q Considerações análogas tornaram necessário acrescentar a c a ressalva ou alternativamente p e q não são comparáveis³ Comparando graus de testabilidade ou de conteúdo empírico chegaremos portanto em geral isto é no caso de enunciados puramente empíricos aos mesmos resultados que seriam obtidos pela comparação de conteúdos lógicos ou de relações de deduzibilidade Será assim possível em larga medida basear a comparação de grau de falseabilidade em relações de deduzibilidade Essas comparações e estas relações apresentam a forma de reticulados totalmente unidos na autocontadição e na tautologia cf seção 34 O ponto pode ser expresso dizendose que uma autocontadição acarreta qualquer enunciado e que uma tautologia é acarretada por qualquer enunciado Ademais enunciados empíricos tal como vimos podem ser caracterizados como aqueles cujo grau de falseabilidade colocase dentro do intervalo aberto de que são extremidades os graus de falseabilidade das autocontadições por um lado e os graus de falseabilidade das tautologias por outro Analogamente enunciados sintéticos em geral inclusive os não empíricos colocamse por força da relação de acarretamento no intervalo aberto entre a autocontadição e a tautologia Para a tese positivista segundo a qual todos os enunciados não empíricos metafísicos são sem significado corresponderia a tese de que é supérflua a distinção que estabelece entre enunciados empíricos e sintéticos ou entre conteúdo empírico e conteúdo lógico de fato para a tese positivista todos os enunciados sintéticos haveriam de ser empíricos isto é todos os enunciados sintéticos genuínos os que não fossem meros pseudoenunciados Contudo esse modo de empregar as palavras embora cabível pareceme que antes perturba do que esclarece a questão Encaro pois a comparação entre o conteúdo empírico de dois enunciados como equivalendo à comparação entre seus graus de falseabilidade Isso dá lugar à regra metodológica de que se deve preferir as teorias capazes de serem submetidas a provas mais rigorosas cf as regras anticonvencionalistas que figuram na seção 20 o que equivale a adotar uma regra pela qual se dá preferência a teorias que encerram o mais alto conteúdo empírico possível 36 NÍVEIS DE UNIVERSALIDADE E GRAUS DE PRECISÃO Há outras exigências metodológicas suscetíveis de se verem reduzidas à exigência do maior conteúdo empírico possível Duas delas são relevantes a exigência do mais alto nível ou grau de universalidade possível de atingir e a exigência do mais alto grau de precisão possível de atingir Com isso em mente examinemos as seguintes imagináveis leis naturais p Todos os corpos celestes que se movem em órbitas fechadas movemse em círculos ou de modo mais resumido Todas as órbitas de corpos celestes são circulares q Todas as órbitas dos planetas são circulares r Todas as órbitas dos corpos celestes são elípticas s Todas as órbitas de planetas são elípticas As relações de deduzibilidade vigentes entre esses quatro enunciados são no diagrama indicadas pelas setas De p decorrem todas as outras de q decorre s que também decorre de r assim s decorre de todas as demais Se passarmos de p para q decresce o grau de universalidade q diz menos que p porque as órbitas dos planetas formam uma subclasse própria das órbitas dos corpos celestes Conseqüentemente p pode ser mais facilmente falseada do que q se q for falseada p também o será mas não reciprocamente Se passarmos de p para r decresce o grau de precisão do predicado os círculos são uma subclasse própria das elipses se r for falseada p também o será mas não viceversa Observações análogas aplicamse às outras passagens passando de p para s decrescem tanto o grau de precisão como o de universalidade passando de q para s decresce a precisão e passando de r para s decresce a universalidade A um grau mais alto de universalidade ou precisão corresponde um conteúdo empírico ou lógico maior conseqüentemente um grau mais alto de testabilidade Tanto os enunciados universais quanto os singulares podem ser expressos sob a forma de um enunciado condicional universal ou de implicação geral como habitualmente se diz Se dermos essa forma a nossas quatro leis talvez possamos perceber mais fácil e acuradamente como comparar os graus de universalidade e os graus de precisão de dois enunciados Um enunciado condicional universal cf nota 6 da seção 14 pode ser expresso sob a forma x φx f x ou em palavras todos os valores de x que satisfazem a funçãoenunciado φx satisfazem também a funçãoenunciado f x O enunciado s de nosso diagrama fornece o seguinte exemplo x x é a órbita de um planeta x é uma elipse o que significa seja x o que for se x for a órbita de um planeta então x será uma elipse Sejam p e q dois enunciados escritos dessa forma normal caberá dizer que p é de maior universalidade do que q se a funçãoenunciado antecedente de p que pode ser denotada por φpx for tautologicamente implicada ou acarretada pela função antecedente correspondente de q que pode ser denotada por φqx sem ser a ela equivalente Dito de outra maneira isso ocorre se x φqx φpx for uma tautologia ou um enunciado logicamente verdadeiro Em termos similares diremos que p tem precisão maior do que q se x fpx fqx for tautológica ou seja se o predicado ou conseqüente funçãoenunciado de p for menos amplo do que o predicado de q significando isso que o predicado de p acarreta o predicado de q¹ Essa definição pode ser ampliada a funçõesenunciado com mais de uma variável Transformações lógicas elementares conduzem dela às relações de deduzibilidade que estabelecemos e que podem ser expressas pela regra seguinte¹ se dois enunciados forem suscetíveis de comparação quanto à universalidade e à precisão o menos universal ou menos preciso será deduzível do mais universal ou mais preciso Isso não se aplica naturalmente ao caso de um dos enunciados ser mais universal e o outro ser mais preciso como se dá em relação a q e r no diagrama anterior² Podemos agora dizer que nossa decisão metodológica por vezes interpretada metafisicamente como equivalendo ao princípio da causalidade consiste em nada deixar inexplicado isto é em sempre tentar deduzir enunciados de outros enunciados de mais alta universalidade ¹ Veremos que na presente seção em oposição ao que se faz nas seções 18 e 35 a seta é usada para traduzir uma relação condicional e não a relação de acarretamento cf também nota 1 da seção 18 ¹ Podemos escrever φqx φpx fpx fqx fpx fqx φqx φpx ou abreviadamente φp φp fp fq p q O caráter elementar dessa fórmula asseverado no texto tornase claro quando escrevemos a b c d b c a d Depois de conformidade com o texto escrevemos p em lugar de b c e q no lugar de a d etc 2 O que chamo de maior universalidade de um enunciado corresponde grosseiramente ao que a lógica tradicional denominava maior extensão do sujeito e o que chamo de maior precisão corresponde à menor extensão ou restrição do predicado A regra concernente à relação de derivabilidade por nós examinada pode ser vista como algo que esclarece e combina o clássico dictum de omni et nullo e o princípio notanotae o princípio fundamental da predicação mediata Cf Bolzano Wissenschaftslehre II 1837 263 n 1 e 4 Külpe Vorlesungen über Logik editada por Selz 1923 34 n 5 e 7 Essa decisão decorre da exigência do mais alto grau de universalidade e precisão atingíveis e pode ser reduzida à exigência ou regra de se preferirem as teorias suscetíveis de se serem submetidas às provas mais severas 2 37 ABRANGÊNCIAS LÓGICAS NOTAS A PROPÓSITO DA TEORIA DA MEDIÇÃO Se um enunciado p for mais fácil de falsear do que um enunciado q em virtude de apresentar mais alto nível de universalidade ou de precisão a classe de enunciados básicos permitidos por p será uma subclass própria da classe dos enunciados básicos permitidos por q A relação de subclasse vigente entre classes de enunciados permitidos é o oposto da vigente entre classes de enunciados proibidos por falseadores potenciais é possível dizer que as duas relações são inversas ou talvez complementares A classe de enunciados básicos permitidos por um enunciado podemos denominar abrangência1 A abrangência que um enunciado permite à realidade é por assim dizer a extensão de livre jogo ou grau de liberdade que permite à realidade Abrangência e conteúdo empírico cf seção 35 são conceitos inversos ou complementares Por conseguinte as abrangências de dois enunciados relacionamse entre si tal como se relacionam suas probabilidades lógicas cf seções 34 e 72 Introduzi o conceito de abrangência porque ele facilita a manipulação de certas questões ligadas ao grau de precisão en medição Admitamos que as consequências de duas teorias diferem tão pouco em todos os campos de aplicação que as pequenas diferenças entre os eventos observáveis calculados não podem ser identificados devido a não ser suficientemente alto o grau de precisão atingível nas mensurações Nessa hipótese será impossível decidir entre as duas teorias através de recurso ao experimento sem antecipadamente aperfeiçoar 2 Consultar ainda seção 15 e cap iv de meu Postscript especialmente a seção 76 texto correspondente à nota 5 1 O conceito de abrangência spielraum foi introduzido por Von Kries 1886 idéias análogas são encontradas em obras de Bolzano Waismann Erkenntnis v 1 1930 pp 228 e ss tenta combinar a teoria da abrangência com a teoria da frequência cf seção 72 Keynes usa Treatise p 88 campo como tradução de spielraum aqui traduzida por abrangência ele usa também p 224 escopo com o propósito de significar o que a meu ver corresponde precisamente à mesma coisa a técnica de medição 1 Isso mostra que a técnica de medição prevalecente determina certa abrangência região dentro da qual são permitidas pela teoria discrepâncias entre as observações Dessa forma a regra segundo a qual as teorias devem apresentar o maior grau de testabilidade possível de atingir permitindo assim apenas a menor abrangência possível acarreta a exigência de que o grau de precisão na medição seja elevado tanto quanto possível Com frequência dizse que toda medição consiste na determinação de coincidências de pontos Contudo qualquer determinação dessa espécie só pode ser correta dentro de limites Não há no sentido estrito coincidência de pontos 2 Dois pontos físicos um sinal no instrumento de medição e outro no corpo a ser medido podem quando muito ser colocados em estreita proximidade não podem coexistir isto é não podem fundirse em um ponto Por mais corriqueira que essa observação pudesse parecer noutro contexto ela é importante no que se refere à questão de precisão na medição Pois ela lembranos que a medição deve ser descrita nos termos seguintes verificamos que o ponto do corpo a ser medido colocase entre dois pontos ou marcas do instrumento de medição ou digamos que o ponteiro de nosso aparelho de mensuração se põe entre dois determinados graus de certa escala Podemos então ou encarar essas gradações ou marcas como dois limites ótimos de erro ou passar a estimar a posição do digamos ponteiro dentro do intervalo das graduações chegando assim a resultado mais acurado Poderíamos referirnos a essas gradações ou marcas considerandoas dois limites ótimos de erro ou ir adiante para estabelecer a posição do digamos ponteiro dentro do intervalo das gradações obtendo assim resultado mais preciso É procedente aludir a este último caso dizendo que admitimos colocarse o ponteiro entre duas gradações imaginárias Dessa maneira sempre permanece um intervalo uma abrangência É hábito dos físicos avaliar esse intervalo a cada medida Assim segundo Milikan eles consideram por exemplo a carga elementar do elétron medida em unidades eletrostáticas como equivalendo a e 47741010 acrescentando que a margem de imprecisão é 00051010 Isso contudo faz surgir um problema Qual seria o propósito de substituir digamos assim um 1 Tratase de ponto que segundo creio foi erradamente interpretado por Duhem Ver sua Aim and Structure of Physical Theory p 137 e ss 2 Notese que falo de medir e não de contar A diferença entre as duas noções relacionase estreitamente com a diferença entre números reais e racionais 134 135 136 137 grau da escala por dois ou seja os dois extremos do intervalo quando para cada um de tais extremos há de surgir a mesma indagação quais são os limites de precisão para os extremos do intervalo Fornecer os extremos do intervalo é evidentemente inútil a menos que esses dois extremos possam ser estabelecidos um grau de precisão muito maior do que o grau de precisão possível de atingir com a medição original Eles devem ser fixados dentro de seus próprios intervalos de imprecisão que hão de ser menores por várias ordens de grandeza do que o intervalo que eles determinam para o valor da medição original Em outras palavras os extremos do intervalo não são perfeitamente determinados mas correspondem realmente a intervalos muito pequenos cujos extremos são por sua vez intervalos muito menores e assim por diante Ao longo dessas linhas chegamos à idéia do que pode ser chamado extremos imprecisos ou extremos de condensação do intervalo Essas considerações não pressupõem a teoria matemática dos erros nem a teoria da probabilidade Na verdade ocorre o contrário através da análise da idéia de intervalo de medição elas fornecem a base sem a qual a teoria estatística dos erros pouco significa Se medimos repetidamente uma grandeza obtemos valores que se distribuem com diferentes concentrações ao longo de um intervalo e o intervalo de precisão depende da medição técnica prevalecente Só quando sabemos o que procuramos ou seja os extremos de condensação desse intervalo temos condição de aplicar a esses valores a teoria dos erros determinando os extremos do intervalo 3 Ora tudo isso creio eu fala de algum modo a respeito da superioridade dos métodos que empregam medições sobre métodos puramente qualitativos É verdade que mesmo no caso de apreciações qualitativas tal como a do timbre de um som musical tornase possível algumas vezes determinar um intervalo de precisão para as estimativas contudo na ausência de medições qualquer desses intervalos há de ser muito impreciso pois nessa circunstância não pode ser aplicado o conceito de extremos de condensação Só é aplicável esse conceito quando podemos falar de ordens de grandeza e consequentemente só quando sejam definidos métodos de medição Farei mais amplo uso do conceito de extremos de condensação dos intervalos de precisão na seção 68 ao discutir a teoria da probabilidade 38 GRAUS DE TESTABILIDADE COMPARADOS EM TERMOS DE DIMENSÕES Até agora debatemos a comparação de teorias relativamente a seus graus de testabilidade tãosomente no que concerne à possibilidade de aproximálas recorrendo ao auxílio da relação de subclasse Em alguns casos esse método é muito conveniente para orientar nossa escolha de uma entre várias teorias Dessa maneira podemos dizer a esta altura que o princípio de exclusão de Pauli mencionado à guisa de exemplo na seção 20 mostrase indubitavelmente de grande conveniência como hipótese auxiliar Pois ele aumenta sensivelmente o grau de precisão e a par deste o grau de testabilidade da antiga teoria quântica à semelhança do enunciado correspondente da nova teoria quântica pelo qual se assevera que os estados antisimétricos são concretizados por elétrons e os estados simétricos são concretizados por partículas não carregadas e por certas partículas de carga múltipla De acordo com os propósitos entretanto não basta a comparação por meio da relação de subclasse Assim Frank por exemplo assinalou que enunciados de alto nível de universalidade como o princípio da conservação da energia na formulação de Planck mostramse suscetíveis de se tornarem tautológicos e de perderem seu conteúdo empírico a menos que possam ser determinadas as condições iniciais através de umas poucas medições isto é por meio de reduzido número de grandezas características do estado do sistema1 O problema relativo ao número de parâmetros que devem ser determinados e substituídos nas fórmulas não pode ser elucidado com auxílio da relação de subclasse a despeito do fato de evidentemente manter conexão estreita com o problema da testabilidade da falseabilidade e respectivos graus Quanto menor o número das grandezas necessárias para determinar as condições iniciais menos compósitos 1 serão os enunciados básicos suficientes para o falseamento da teoria pois um enunciado básico falseador consiste da conjunção das condições iniciais com a negação da predição deduzida cf seção 28 Assim poderá ser possível comparar teorias quanto a seus graus de testabilidade de 1 Cf Frank Das Kausalgesetz und seine Grenzen 1931 eg p 24 1 Com respeito ao termo compósito ver nota 1 na seção 32 136 137 terminando o grau mínimo de composição que um enunciado básico deve apresentar para ter condições de contradizer a teoria isso sempre contanto que haja como comparar enunciados básicos a fim de determinar se são mais ou menos compósitos isto é constituídos de maior ou menor número de enunciados básicos de espécie mais simples Todos os enunciados básicos independentemente de seu conteúdo cujo grau de composição não alcance o mínimo fixado serão permitidos pela teoria simplesmente em razão de seu baixo grau de composição Qualquer programa dessa ordem defrontase entretanto com dificuldades Pois em geral não é fácil dizer por simples inspeção se um enunciado é compósito isto é equivalente a uma conjunção de enunciados mais simples Em todos os enunciados ocorrem nomes universais e analisando esses nomes podese com frequência dividir o enunciado em seus componentes por conjunção Por exemplo o enunciado Há um copo com água no local k poderia talvez ser analisado e dividido em dois enunciados Há um copo contendo um fluido no local k e Há água no local k Por esse método fica afastada a esperança de encontrar qualquer fim natural para a dissecção de enunciados especialmente considerando que sempre cabe introduzir novos universais definidos com o propósito de tornar possível uma dissecção adicional Com o objetivo de tornar comparáveis os graus de composição de todos os enunciados básicos viria ao caso sugerir escolhêssemos certa classe de enunciados dandoos como elementares ou atômicos2 deles obtendo por conjunção e por outras operações lógicas todos os demais enunciados Se bem sucedidos teríamos definido dessa forma um zero absoluto de composição e a composição de qualquer enunciado passaria a poder ser expressa por assim dizer em graus absolutos de composição 2 Contudo pela razão mencionada acima esse processo deve ser encarado como altamente inadequado pois que imporia sérias restrições ao livre uso da linguagem científica 3 Sem embargo é possível comparar os graus de composição dos enunciados básicos e também de outros enunciados a partir dessa comparação de enunciados básicos Isso pode ser feito através da seleção arbitrária de uma classe de enunciados relativamente atômicos por nós tomados como base de comparação Essa classe de enunciados relativamente atômicos pode ser caracterizada por meio de um esquema gerador ou matrix por exemplo Há um aparelho de medição para no local cujo ponteiro se coloca entre as gradações e Caberá então definir como relativamente atômica e assim como equicompósita a classe de todos os enunciados obtidos a partir desse tipo de matriz ou funçãoenunciado através de substituição de valores apropriados A classe desses enunciados combinada com todas as conjunções que deles podem ser obtidas admite o nome de campo Uma conjunção de n enunciados relativamente atômicos de um campo pode ser denominada uma npla leiase enupla do campo cabendo dizer que seu grau de composição é igual ao número n Se existir para uma teoria t um campo de enunciados singulares mas não necessariamente básicos tal que para algum número d a teoria t não possa ser falseada por qualquer dpla do campo embora possa ser falseada por certas d1plas diremos que d é o número característico da teoria com respeito a esse campo Todos os enunciados do campo cujo grau de composição for menor do que d ou igual a d serão compatíveis com a teoria e por ela permitidos independentemente do conteúdo que apresentem atômicos já havia recebido a atenção de Wittgenstein mas foi recentemente desenvolvido por Carnap com o objetivo de elaborar uma teoria da indução cf seu Logical Foundations of Probability 1950 Ver contudo o prefácio da versão inglesa 1958 a que aludi acima onde saliento que a terceira linguagemmodelo de Carnap o sistema linguístico de Carnap não admite propriedades mensuráveis como não admite na sua presente forma a introdução de ordem espacial ou de ordem temporal 3 A expressão linguagem científica foi usada aqui de maneira intuitiva e não deve ser interpretada no sentido técnico que hoje se associa à expressão sistema lingüístico Ao contrário meu alvo principal era salientar que os cientistas não podem valerse de um sistema linguístico porquanto são obrigados constantemente a alterar a linguagem que usam em função de cada progresso alcançado Matéria ou átomo depois de Rutherford assim como energia ou matéria depois de Einstein adquiriram significados bem diversos dos que anteriormente possuíam O significado de tais palavras é função de teorias em permanente mutação 138 139 Ora é possível apoiar a comparação do grau de testabilidade de teorias nesse número característico d Contudo para evitar incoerências que poderiam surgir em razão do uso de campos diferentes tornase preciso recorrer a um conceito mais estrito que o de campo ou seja ao conceito de campo de aplicação Dada uma teoria t dizemos que um campo é o campo de aplicação da teoria t se existir um número característico d da teoria t com respeito a esse campo e se além disso esse número satisfizer outras condições que são apresentadas no apêndice I Ao número característico d de uma teoria t com respeito a um campo de aplicação denomino dimensão de t com respeito a esse campo de aplicação A expressão dimensão surge com naturalidade pois podemos conceber todas as possíveis nplas do campo como espacialmente acomodadas num espaço de configuração de dimensões infinitas Se por exemplo d 3 então os enunciados admissíveis porque sua composição é baixa formam um subespaço tridimensional dessa configuração A transição de d 3 para d 2 corresponde à transição de um sólido para uma superfície Quanto mais reduzida à dimensão d mais severamente se restringe a classe dos enunciados permitidos que independentemente do conteúdo que apresentem estão impossibilitados de contraditar a teoria devido a seu baixo grau de composição e mais alto será o grau de falseabilidade da teoria O conceito de campo de aplicação não se limita a enunciados básicos mas temse admitido que enunciados singulares de todas as espécies sejam enunciados pertencentes a um campo de aplicação Comparando suas dimensões com recurso ao campo podemos avaliar o grau de composição dos enunciados básicos Presumimos que a enunciados singulares altamente compósitos correspondam enunciados básicos altamente compósitos Podese admitir assim que a uma teoria de mais alta dimensão corresponda uma classe de enunciados básicos de mais alta dimensão de tal modo que todos os enunciados dessa classe independentemente do que asseverem sejam permitidos pela teoria Isso responde à indagação de como se relacionam os dois métodos de comparação de graus de testabilidade um que se apóia na dimensão da teoria e outro que se apóia na relação de subclasse Haverá casos em que nenhum ou apenas um dos métodos se mostre aplicável Em tais situações é claro não surgirá conflito entre os dois métodos Contudo num caso particular em que ambos os métodos sejam aplicáveis poderá ocorrer que duas teorias de iguais dimensões apresentem apesar disso diferentes graus de falseabilidade se aferidos pelo método baseado na relação de subclasse Em casos desse gênero o resultado apresentado pelo último desses métodos deve ser aceito pois que este se mostra o método mais preciso Em todos os outros casos em que ambos os métodos sejam aplicáveis deverão eles conduzir a resultados idênticos pois é possível demonstrar com o auxílio de um teorema simples da teoria da dimensão que a dimensão de uma classe há de ser superior ou igual à dimensão de suas subclasses 39 DIMENSÃO DE UM CONJUNTO DE CURVAS Por vezes podemos simplesmente identificar o que chamei de campo de aplicação de uma teoria com o campo de sua representação gráfica isto é com a área delimitada em uma folha de papel pela representação da teoria através de gráfico cada ponto desse campo de representação gráfica corresponderá a um enunciado relativamente atômico A dimensão da teoria com respeito a esse campo definido no apêndice I é idêntica à dimensão do conjunto de curvas que correspondem à teoria Discutirei essas relações recorrendo aos dois enunciados q e s mencionados na seção 36 Nossa comparação de dimensões aplicase a enunciados com predicados diferentes A hipótese q a de todas as órbitas planetárias serem circulares é tridimensional para seu falseamento fazemse necessários pelo menos quatro enunciados singulares do campo correspondendo a quatro pontos de sua representação gráfica A hipótese s a de todas as órbitas planetárias serem elípticas é pentadimensional pois para seu falseamento fazemse necessários pelo menos seis enunciados singulares correspondendo a seis pontos do gráfico Vimos na seção 36 que q é mais facilmente falseável do que s devido ao fato de todos os círculos serem elipses foi possível apoiar a comparação da relação de subclasse O uso de dimensões habilitanos entretanto a estabelecer comparação entre teorias que antes não podíamos comparar Agora por exemplo podemos comparar uma hipótesecírculo com uma hipóteseparábola que é tetradimensional Cada uma das palavras círculo elipse parábola denota uma classe ou conjunto de curvas e cada um desses conjuntos tem a dimensão d se d pontos forem necessários e suficientes para singularizar ou caracterizar determinada curva do conjunto Em representação algébrica a dimensão do conjunto de curvas depende 3 Cf Menger Dimensionstheorie 1928 p 81 As condições impostas para que esse teorema seja válido podem ser dadas como verificadas nos espaços que aqui importa considerar 140 141 do número de parâmetros cujos valores podemos escolher livremente Podemos dizer portanto que o número de parâmetros livremente determináveis de um conjunto de curvas pelo qual a teoria se representa é característico para o grau de falseabilidade ou testabilidade dessa teoria Tendo em vista os enunciados q e s de meu exemplo eu gostaria de tecer alguns comentários metodológicos acerca de como Kepler descobriu suas leis 1 Não me abalanço a sugerir que a crença na perfeição o princípio heurístico que levou Kepler à sua descoberta foi inspirada consciente ou inconscientemente por considerações de ordem metodológica concernentes a graus de falseabilidade Creio porém que Kepler deveu parcialmente seu êxito ao fato de a hipótesecírculo da qual partiu ser relativamente fácil de falsear Tivesse Kepler partido de uma hipótese que devido a sua forma lógica não fosse tão facilmente suscetível de teste como a hipótesecírculo ele talvez não teria atingido qualquer resultado ainda mais considerando as dificuldades de cálculo cuja base estava no ar vagando nos céus por assim dizer e movendose de maneira desconhecida O inequívoco resultado negativo alcançado por Kepler com o falseamento da hipótesecírculo consistiu na verdade no seu primeiro êxito real Seu método achavase suficientemente justificado para autorizálo a prosseguir especialmente porque a primeira tentativa já havia conduzido a certas aproximações Não há dúvida de que as leis de Kepler poderiam ter sido elaboradas por outra via Acredito contudo não ter sido mero acidente o fato de esse caminho haver conduzido a bom termo Ele corresponde ao método de eliminação só aplicável se a teoria for suficientemente fácil de falsear suficientemente precisa para ser suscetível de conflitar com a experiência observacional 40 DUAS MANEIRAS DE REDUZIR O NÚMERO DE DIMENSÕES DE UM CONJUNTO DE CURVAS Diferentes conjuntos de curvas podem apresentar a mesma dimensão O conjunto de todos os círculos por exemplo é tridimensional mas o conjunto de todos os círculos que passam por um ponto dado é um conjunto bidimensinal tal como o conjunto de linhas retas Se exigirmos que todos os círculos passem por dois pontos dados teremos um conjunto unidimensional e assim por diante Cada exigência adicional feita no sentido de que todas as curvas de um conjunto passem por mais de um ponto dado reduz de uma unidade a dimensão do conjunto Classes Classes Classes Classes Classes zerodimen unidimen bidimen tridimen tetradimen sionais sionais sionais sionais sionais linha reta círculo parábola linha reta círculo parábola cônica passando passando passando passando passando por um por um por um por um por um ponto dado ponto dado ponto dado ponto dado ponto dado linha reta círculo parábola cônica passando passando passando por dois por dois por dois por dois pontos dados pontos dados pontos dados pontos dados círculo parábola cônica passando passando passando por três por três pontos dados pontos dados pontos dados O número de dimensões pode também ser reduzido por métodos outros que não o do aumento de número de pontos dados Por exemplo o conjunto de elipses em que é determinada a razão dos comprimentos dos eixos tal como o das parábolas é tetradimensional assim como também o é o conjunto de elipses com dada excentricidade A transição da elipse para o círculo equivale naturalmente a especificar uma excentricidade a excentricidade zero ou uma particular razão entre os comprimentos dos eixos unidade Como estamos interessados em avaliar os graus de falseabilidade das teorias indagaremos agora se os vários métodos de reduzir o número de dimensões são equivalentes tendo em vista nossos propósitos ou se importa examinar mais de perto seus méritos relativos 1 As concepções aqui introduzidas foram acolhidas com a apropriada alusão aos meus trabalhos por W C Kneale Probability and Induction 1949 p 230 e por J G Kemeny The Use of Simplicity in Induction Philos Review v 57 1953 cf nota de pé de página p 404 142 143 Ora a estipulação de que uma curva deva passar por determinado ponto singular ou pequena região estará ligada com frequência ou corresponderá à aceitação de determinado enunciado singular isto é de uma condição inicial De outra parte a transição de digamos uma hipóteseelpse para uma hipótesecírculo corresponderá obviamente à redução da dimensão da própria teoria De que forma todavia manter apartados esses dois métodos de reduzir as dimensões Podemos chamar de redução material o método de reduzir dimensões que não opera com estipulações relativas à forma ou configuração da curva através de reduções que se processam por exemplo pela especificação de um ou mais pontos ou por alguma especificação análoga O outro método no qual a forma ou configuração da curva tornase mais estritamente especificada como se dá por exemplo ao passarmos da elipse para o círculo do círculo para a reta etc será chamado de redução formal do número de dimensões Não é fácil porém traçar de maneira nítida essa distinção Isto se constata nos comentários seguintes Reduzir as dimensões de uma teoria significa em termos algébricos substituir um parâmetro por uma constante Ora não é clara a maneira de distinguir entre diferentes métodos para substituir um parâmetro por uma constante A redução formal levando a passar de uma equação geral de elipse para a equação de um círculo pode ser descrita pela asserção de que um dado parâmetro foi igualado a zero e outro parâmetro foi igualado à unidade Se contudo outro parâmetro o termo absoluto for igualado a zero surgirá uma redução material ou seja a especificação de um ponto da elipse Creio todavia que seria possível tornar clara a distinção se tivermos em mente sua conexão com o problema dos nomes universais Com efeito a redução material introduz um nome individual e a redução formal introduz um nome universal na definição do conjunto de curvas em pauta Imaginemos que nos é dado certo plano talvez por meio de definição ostensiva O conjunto de todas as elipses desse plano pode ser definido por meio da equação geral da elipse o conjunto dos círculos pela equação geral do círculo Essas definições independem de onde no plano tracemos as coordenadas cartesianas a que elas se reportam Elas independem conseqüentemente da escolha da origem e da orientação dada aos eixos coordenados Um sistema específico de coordenadas só pode ser determinado por nomes individuais digamos que especificando ostensivamente sua origem e orientação Uma vez que a definição do conjunto de elipses ou círculos seja a mesma para todos os sistemas de coordenadas cartesianas ela independe da especificação desses nomes individuais é invariante com respeito a todas as transformações de coordenadas do grupo euclidiano deslocamento e transformações de similaridade Se por outro lado desejarmos definir um conjunto de elipses ou círculos que tenham um ponto específico individual em comum no plano deveremos operar com uma equação que não seja invariante relativamente às transformações do grupo euclidiano mas que se relacione com um sistema de coordenadas singular isto é individualmente ou ostensivamente especificado Assim ele se relaciona a nomes individuais 2 As transformações admitem acomodação hierárquica Uma definição invariante com respeito a um grupo mais geral de transformações é também invariante com respeito a transformações mais restritas Para cada definição de um conjunto de curvas existe um grupo de transformação o mais geral que é dela característico Abrese agora a possibilidade de dizer a definição D1 de um conjunto de curvas é tão geral quanto uma definição D2 de um conjunto de curvas se ela for invariante com respeito ao mesmo grupo de transformações de que D2 é invariante a definição será mais geral do que se for invariante com respeito a um grupo mais geral do que aquele de que D2 é invariante Podemos agora chamar de formal a redução de dimensão de um conjunto de curvas se essa redução não diminuir a generalidade da definição caso contrário ela será chamada de material Se compararmos os graus de falseabilidade de duas teorias considerando as suas dimensões teremos evidentemente de levar em conta sua generalidade isto é sua invariância com respeito às transformações de coordenadas ao mesmo tempo que suas dimensões O procedimento diferirá naturalmente conforme a teoria tal como a teoria de Kepler emita enunciados geométricos acerca do mundo ou conforme se apresente como geométrica tãosomente no sentido de poder ser representada por um gráfico tal como ocorre por exemplo com o gráfico representativo da pressão em relação à temperatura Não seria procedente exigir dessa última espécie de teoria ou do correspondente conjunto de curvas que sua definição fosse inva 2 Acerca das relações entre grupos de transformação e individuação cf Weyl Philosophie der Mathematik u Naturwissenschaft 1927 p 59 ou p 73 e s na versão inglesa dessa obra onde se faz alusão ao Erlanger Programm traçado por F Klein 144 145 rungswissenschaft em Ratio v 1 1957 n 1 p 21 e em Theorie und Realität obra editada por Hans Albert Tübingen 1964 p 73 Obs dos tradutores A revista Ratio foi editada em alemão Frankfurt am Mein e em inglês Oxford Na edição alemã o artigo de Popper está nas pp 2123 O artigo em sua versão inglesa The Aim of Science aparece nas pp 2435 da publicação de Oxford Adendo 1972 da edição em inglês Uma das idéias mais importantes deste livro é a de conteúdo empírico ou informativo de uma teoria Nem é por acaso que chamamos de leis às leis da natureza quanto mais proíbem mais dizem Cf o segundo parágrafo após a nota 3 na seção 6 bem como o início da seção 31 Dois pontos foram ressaltados no capítulo anterior 1 o conteúdo ou a testabilidade ou a simplicidade cf cap VII de uma teoria admite gradação o que nos leva a considerar relativizada a idéia de falseabilidade cuja base lógica ainda é o modus tollens e 2 o objetivo da ciência a saber a ampliação do conhecimento pode ser identificado à ampliação do conteúdo de nossas teorias A esse respeito ver meu artigo The Aim of Science Ratio v 1 1957 pp 2135 e a versão refundida desse mesmo artigo estampada no livro Contemporary Philosophy organ por R Klibanski 1969 pp 129142 que é agora o capítulo 5 de meu livro Objective knowledge an Evolutionary Approach Clarendon Press 1973 Recentemente desenvolvi mais os citados pontos Vejase a propósito o capítulo 10 de meu Conjectures and Refutations 1963 e edições posteriores com novos Adenda Dois aspectos novos de interesse podem ser lembrados 3 ulterior relativização da idéia de conteúdo ou de testabilidade com respeito ao problema ou problemas em discussão Já em 1934 eu havia relativizado essa idéia com respeito a um campo de aplicação ver meu antigo apêndice i E 4 a introdução da idéia de conteúdoverdade de uma teoria sua aproximação ou proximidade em face da verdade verossimilhança O adendo escrito em 1972 afirmava que a obra seria lançada pela Clarendon Press a obra já foi dada a público N T riante com respeito digamos a rotações do sistema de coordenadas pois nesses casos as diferentes coordenadas podem representar coisas inteiramente diversas uma a pressão e outra a temperatura Assim concluo minha exposição acerca dos métodos pelos quais podem ser comparados os graus de falseabilidade Creio que esses métodos são capazes de ajudarnos a elucidar questões epistemológicas tais como o problema da simplicidade com que nos preocuparemos a seguir Há contudo outros problemas que recebem nova luz do exame dos graus de falseabilidade especialmente o problema da chamada probabilidade das hipóteses ou da corroboração Adendo 1968 da versão alemã Uma das idéias básicas deste livro é a de conteúdo empírico de uma teoria a de que um enunciado tanto mais se refere ao nosso mundo quanto mais ele proíbe cf trecho que segue a nota 3 na seção 6 e ainda o início da seção 31 Aqui estão dois pontos importantes ressaltados em 1934 1 o grau de conteúdo ou a verificabilidade ou demonstrabilidade ou simplicidade relativizam a falseabilidade o objetivo do conhecimento a ampliação do conhecimento é a ampliação do conteúdo Essas idéias foram retrabalhadas posteriormente e dois pontos merecem destaque 3 nova relativização da idéia de conteúdo ou simplicidade agora com respeito à discussão de problemas ou classes de problemas cf o adendo de 1968 ao final do apêndice viii e 4 formulação das relações entre conteúdo e conteúdoverdadeiro de uma teoria e sua proximidade da verdade ou semelhança com a verdade verossimilhança Estes dois aspectos foram discutidos pela primeira vez no capítulo 10 de Conjectures and Refutations e nos adendos desse capítulo cf ainda o adendo de 1968 ao final da sec 85 o final do apêndice viii bem como os trechos que acompanham o corolário 6 e a nota 8 no apêndice ix Adendo 1971 da edição alemã Para exame desta relação mencionada acima no fim do adendo anterior ver também meu artigo Uber die Zielsetzung der Ehrfah A propósito dos adendos ver nota que acompanha os adendos do capítulo anterior ao final do capítulo como aqui 146 147 Popper e o empirismo x ceticismo como busca de verdades O empirismo é uma base filosófica que utiliza a experimentação como fundamentação para criação e embasamento de teorias Ou seja qualquer doutrina que tenha como base a premissa empírica significa que algum experimento sensorial foi elaborado e testado para que se tenha chegado a alguma conclusão O principal problema encontrado em teorias cujo fulcro tenha sido determinado por uma impressão individual é o questionamento que abre para os demais pensadores principalmente aqueles que discordem daquela ideia Mas ao contrario do que podese pensar o empirismo não busca fundamentar teorias com vagos argumentos muito ao contrario disso busca se facilitar os testes para as gerações futuras deixando margem para que questionamentos complementem o pensamento e embasem de forma coerente aquilo que já havia sido determinado Para isso a razoabilidade de quem questiona deve vogar não apenas em perguntas que refutem um dispositivo mas sim elaborar um estudo detalhado onde o que ainda não foi comprovado de fato ou tenha sido experimentado por poucos possa ser novamente colocado em dúvida e então alcance conclusões parecidas ou norteiem novas buscas pois a fonte do conhecimento é inesgotável Por isso a decisão racional é sempre esta adotar métodos críticos que tenham resistido eles mesmos a críticas severas É claro que existe aí uma regressão infinita mas ela é evidentemente inofensiva POPPER 1974 p 114 Sob a logica da ciência como exemplo observase a continuidade dos testes elaborados permanentemente a cerca dos mais diversos tópicos Pois mais que um assunto já tenha obtido uma resposta satisfatória as dúvidas permanecem e muitas vezes são elucidadas justamente nessa busca constante não de criticar mas de rever dados e novamente aceitar sua confiabilidade pois não vem ao caso discutir uma falsidade mas sim novos meios de certificar que um estudo possa chegar ao mesmo conceito tornando aquele determinado objeto de revisão uma certeza com novos seguros Não se pode dizer com absoluta e concreta afirmativa que qualquer teoria segundo Popper não possa ser alvo de novas indagações Talvez o ceticismo ao qual o autor se tornou portador seja exatamente o principal componente dos grandes estudiosos e filósofos Assim como os cientistas precisam firmar seus posicionamentos com sequencias de experimentos para ao final ter uma tese Um pensador deve continuar questionando os mais diversos assuntos pois não há dogmatismo que hoje não esteja apto para abertura de uma discussão Se colocassem uma turma com as mais diversas áreas para abordar determinado assunto cada qual iria formular um parecer final onde o fundamento e argumento de defesa puxasse para o seu campo de atuação Ao final aquele questionamento teria diversos posicionamentos e uso de palavras para ser descrito no entanto ao juntar as linhas estaria ali o mesmo tópico sendo corroborado e elucidado