·

Administração ·

Psicologia Social

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 143 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS MEANING OF WORK IN CREATIVE INDUSTRIES SIGNIFICADO DEL TRABAJO EN LAS INDUSTRIAS CREATIVAS Pedro F Bendassolli pbendassolligmailcom Professor do Departamento de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal RN Brasil Jairo Eduardo BorgesAndrade jairoborgesgmailcom Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho Universidade de Brasília Brasília DF Brasil Recebido em 16022010 Aprovado em 26072010 Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico Charles Kirschbaum RESUMO Estudos sobre o trabalhador nas indústrias criativas ainda são escassos na literatura científica da administração Esta pesquisa buscou contribuir para a superação dessa lacuna ao estudar o significado de trabalho para profissionais que atuam nessas indústrias Traduzimos e adaptamos um instrumento canadense de mensuração desse constructo o qual foi aplicado a 451 indivíduos de diversas indústrias criativas no Estado de São Paulo Os dados foram analisados estatisticamente por meio de técnicas psicométricas e de comparação e associação entre médias Os resultados mostram que os fatores mais associados a um trabalho que tenha significado para esses indivíduos são a possibilidade de aprender e se desenvolver pelo trabalho sua utilidade social a oportunidade de identificação e de expressão por meio dele autonomia boas relações interpessoais e respeito às questões éticas O artigo conclui com algumas implicações desses resultados para a literatura sobre indústrias criativas e significado do trabalho PALAVRASCHAVE Significado do trabalho trabalho artístico e cultural carreira artística e cultural indústrias criativas ABSTRACT Studies concerning the worker in creative industries are still scarce in the management scientific literature This study has attempted to reduce this gap by investigating the meaning of work among professionals laboring in these industries We have translated and adapted a Canadian questionnaire into Portuguese for measuring this construct It was responded by 451 individuals from different domains of those industries in São Paulo State Brazil The data was analyzed with use of psychometric techniques and procedures for comparing and correlating means The findings show that the most prominent factors associated to a meaningful work for these individuals are the possibility of learning and developing through work its social function the opportunity of identification with and selfexpression through work autonomy good interpersonal relationships and the respect to ethical issues The paper concludes with some implications from these findings to the creative industries and meaning of working literature KEYWORDS Meaning of work artistic and cultural work artistic and cultural career creative industries creative professionals RESUMEN Estudios sobre el trabajador en las industrias creativas todavía son escasos en la literatura científica de la administración Esta inves tigación ha buscado contribuir para la superación de ese vacío al estudiar el significado del trabajo para profesionales actuantes en esas industrias Traducimos y adaptamos un instrumento canadiense de mensuración de esa percepción el cual fue aplicado a 451 individuos de diversas industrias creativas en el estado de São Paulo Los datos fueran analizados estadísticamente por medio de las técnicas psicométricas y de comparación y asociación entre las medias Los resultados muestran que los factores más asociados a un trabajo que tenga significado para eses individuos son la posibilidad de aprender y se desenvolver por el trabajo su utilidad social la oportunidad de identificación y de expresión por medio de él autonomía buenas relaciones interpersonales y respecto a las cuestiones éticas El artículo concluye con algunas implicaciones de eses resultados para la literatura sobre industrias creativas y el significado del trabajo PALABRAS CLAVE Significado del trabajo trabajo artístico y cultural carrera artística y cultural industrias creativas 144 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS INTRODUÇÃO Existem entre tantas duas representações fortes sobre o significado do trabalho e do trabalhar na tradição de pensamento do Ocidente De um lado o trabalho espe cialmente em sua versão de emprego é criticado como fonte de destruição do corpo e da mente das pessoas MENGER 2002b O influente conceito de alienação exemplifica essa ideia O trabalhador é alienado quan do não possui controle sobre seu próprio trabalho ou então quando a atividade a ser realizada está desconec tada de suas vivências experiências e iniciativas como sujeito Nessa perspectiva o trabalho é uma ameaça a ideais como os de liberdade dignidade e especialmen te à representação do trabalho como confronto criativo do homem com a natureza do qual emerge sua própria existência material e psíquica Em contrapartida o trabalho alienante e alienado pode ser contrastado a uma outra representação dessa vez de cunho emancipatório MENGER 2002a SENNETT 2009 Nessa perspectiva o trabalho aproximase do conceito de práxis uma atividade pela qual o homem engendra seu corpo e sua mente na realização de uma obra e dela extrai significado O trabalho artesanal e logo depois o artístico ou criativo foram usados como exem plos paradigmáticos dessa representação livre do traba lho distante do que muitos trabalhadores vivenciaram ao longo da história do capitalismo Autonomia interação entre sujeito e objetoobra expressão e construção de si essas são algumas das imagens presentes nesse ideário Embora tenha sido utilizado como exemplo paradigmá tico esse tipo de trabalho foi pouco investigado quando comparado com outros tipos Este artigo versa sobre o significado de trabalho para profissionais de indústrias criativas No último século a psicologia e a sociologia do trabalho bem como a admi nistração parecem não ter tido olhos senão para o que acontecia nos domínios do trabalho enquanto emprego no regime das organizações capitalistas formais Pouca atenção foi dada aos setores que estavam à margem desse foco principal Só mais recentemente a cultura foi vista como um manancial de geração de valor econômico de emprego Não falamos aqui em primeiro plano do con ceito de indústria cultural o qual reenvia à sociedade de massas do início do século passado esse sim um con ceito com longa tradição de pesquisa nas ciências sociais ADORNO e HORKHEIMER 1985 Falamos do que seria uma nova fase de captura da cultura pela mentalidade econômica quando vemos surgir o conceito de indústrias criativas CAVES 2000 HARTLEY 2005 BLYTHE 2001 LAWRENCE e PHILLIPS 2002 Nessas últimas a aten ção prioritária é colocada sobre o potencial econômico resultante da aliança entre novas tecnologias criatividade e empreendedorismo observada em distintos campos que lidam com bens simbólicos ou imateriais como o das artes tradicionais teatro dança música pintura o das indústrias culturais de massa rádio televisão jornal e o dos domínios intensivos em conhecimento design moda arquitetura software O objetivo geral de investigar o significado do trabalho para profissionais das indústrias criativas do Estado de São Paulo será desdobrado em três tópicos específicos neste artigo O primeiro é identificar a centralidade do trabalho para esse público ou seja o grau de impor tância absoluta do trabalho em suas vidas O segundo consiste em analisar os fatores que contribuem para que o trabalho tenha significado para os trabalhadores de indústrias criativas em outras palavras quais atribu tos são por eles utilizados para avaliar o seu trabalho O terceiro é verificar as relações entre esses fatores cen tralidade do trabalho e algumas variáveis antecedentes selecionadas Esta introdução é seguida de uma seção em que organizamos e sumariamos contribuições teóri cas sobre significado e características do trabalho e dos trabalhadores de indústrias criativas Apresentamos em seguida os procedimentos metodológicos empregados Seguem então os resultados obtidos juntamente com uma análise geral sobre eles Na sequência promovemos uma discussão mais aprofundada sobre tais resultados a qual é embasada na literatura científica Por fim o artigo é encerrado com algumas implicações dos resultados aqui encontrados para as indústrias criativas e também para futuras pesquisas sobre o tema REFERENCIAL TEÓRICO Esta seção restringese a dois conjuntos de estudos rela cionados às duas questõeschave desta investigação o sig nificado do trabalho e o trabalho realizado nas indústrias criativas No primeiro caso vamos nos ater aos elementos que fundamentam o modelo utilizado para pesquisar esse constructo neste estudo no caso do trabalho em indústrias criativas nosso foco será especificamente no indivíduo enquanto na condição de trabalhador Significado do trabalho O significado do trabalho apresentase como um tema de pesquisa há várias décadas e para várias disciplinas acadêmicas DRENTH 1991 QuINTANILLA 1991 Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 145 QuINTANILLA e ENGLAND 1996 MOW 1987 BRIEF 1995 PRYOR e DAVIES 1989 WEISS e KAHN 1961 FOx 1980 BRIEF e NORD 1990 BORGES 1997 Foi na década de 1980 contudo que o constructo ga nhou seus contornos mais influentes notadamente com o estudo conduzido por um grupo de pesquisadores que veio a ser conhecido como Meaning of Work Team MOW 1987 Tratase da mais ampla pesquisa realizada sobre esse constructo envolvendo uma coleta de dados em oito países com uma amostra total de mais de oito mil pessoas Nesta seção nosso interesse é apresentar sumariamente o modelo heurístico desenvolvido pelo MOW tendo em vista ser ele uma das principais bases teóricas do modelo de Morin 1997 2001 2003 2007 esse último utilizado nesta pesquisa para avaliar o significado do trabalho para trabalhadores de indústrias criativas A equipe do MOW 1987 assinala que o significado do trabalho é um constructo multideterminado sendo um produto sociocultural dinâmico As pessoas não constroem esse significado unicamente pelo fato de terem experiências pessoais com o trabalho e nas condições em que ele é realizado elas também são influenciadas pelas estruturas sociais pelas condições políticas econômicas psicossociais culturais e tecnológicas de uma determinada época Posto isso definem o significado do trabalho como um conhecimento sobre a realidade desse último e como forma de as pessoas se posicionarem de reagirem em relação a ele O modelo heurístico proposto pelo MOW possui três dimensões as quais comentamos na sequência A primeira dimensão é centralidade do trabalho A equipe do MOW revisitando a tradição de pesquisas sobre o assunto define centralidade como a importância do tra balho na vida do indivíduo em um dado momento de sua história pessoal Para pesquisála a equipe incluiu ques tões que mensuravam o grau absoluto em que a pessoa julgava o trabalho importante em sua vida e o peso relativo do trabalho em relação a outros domínios da existência tais como o lazer a comunidade a religião a família Segundo os resultados obtidos o trabalho encontrase em segundo lugar em termos de importância O primeiro é a família o terceiro o lazer A segunda dimensão do modelo são as normas sociais do trabalho No modelo do MOW são compostas por dois tipos de orientações i orientação normativa do trabalho como obrigação ii orientação normativa do trabalho como direito Dizem respeito ao que as pessoas esperam do trabalho e também o que supõem ser o correto ofere cerem e receberem ao trabalhar Como destaca Quintanilla 1991 ambas essas orientações são derivadas do conceito de contrato psicológico o qual pode ser definido como uma forma de entendimento subjetivo do indivíduo acerca das promessas de trocas recíprocas entre ele e a organi zação ou entre ele e a sociedade ROuSSEAu 1995 Por fim a terceira dimensão são os valores do trabalho ou mais especificamente os resultados valorizados do trabalho e a importância das metas laborais Os resulta dos valorizados do trabalho são elementos cognitivos que agem como guias como ideais sobre a postura do indiví duo no trabalho o que ele gostaria de realizar por meio do trabalho e o que ele espera deste Já a importância das metas de trabalho é uma forma de atualização dos valores Esses resultados esperados podem ser classificados como valores intrínsecos ou extrínsecos É importante destacar que na atualidade valores de trabalho tornaramse um dos principais elementos de investigação sobre significado do trabalho ROS SCHWARTz e SuRKISS 1999 BOR GES e TAMAYO 2001 HARPAz e Fu 2002 Além do rico campo de pesquisas aberto pelo MOW sua iniciativa deixou como legado a ideia de que o constructo significado do trabalho é uma atitude e de que ela deve ser incorporada ao campo do conhecimento denominado microcomportamento organizacional Atitude na tradição da psicologia social FISHBEIN e AJzEN 1975 é um constructo formado por três dimensões cognitiva cren ças conhecimentos ideias pensamentos representações e informações relacionadas a um objeto ou fenômeno afetiva valorações emoções motivações sentimentos e necessidades e comportamental a ação propriamente dita Dizer que o significado do trabalho é uma atitude implica portanto a consideração das representações culturais formadas sobre ele dos afetos a ele ligados e do modo como a interação desses elementos repercute na ação no trabalho É contra o pano de fundo da pesquisa desenvolvida pelo MOW 1987 que se situa o modelo de significado de trabalho que será utilizado neste estudo cuja fundamentação teórica detalharemos a seguir Representações valores e coerência Os principais autores do referido modelo são Morin 1997 2001 2003 2007 Morin e Cherré 1999 e especialmen te Morin e Dassa 2006 Além de utilizar elementos do constructo desenvolvido pelo MOW tanto teóricos as dimensões relacionadas às normas sociais do trabalho e aos valores laborais por exemplo quanto metodológicos a adoção de escalas similares a autora e seus colabo radores todos canadenses incluíram novos referenciais para a composição de um modelo próprio Entre esses referenciais podemos citar a perspectiva humanístico fenomenológica de WeisskopfJoelson 1968 a teoria do enriquecimento do cargo de Hackman e Oldham 1976 146 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS e também a teoria dos sistemas sociotécnicos de Emery 1964 e Trist 1981 Especificamente esse modelo canadense propõe que o significado do trabalho seja analisado em função de três dimensões pelas representações formadas sobre ele imagens ideias concepções prévias trazidas pela pessoa ou seja sua dimensão cognitiva pela motivação para trabalhar isto é pelos objetivos ou valores atualizados ou alcançados por meio do trabalho e pela coerência que a pessoa encontra entre o trabalho tal como ela o imagina ou espera elementos valorativos ou ideativos e aquele que efetivamente é levada a realizar ou a perceber em seu dia a dia Tal coerência depende por sua vez de uma sincronia entre aspectos ligados ao indivíduo e as carac terísticas das situações de trabalho vivenciadas por esse último influência do modelo sociotécnico As pesquisas de Morin 1997 2001 2003 2007 Morin e Cherré 1999 e Morin e Dassa 2006 dedicaramse à compreensão de quais características do trabalho real efe tuado pelas pessoas contribuíam para que tal integração fosse alcançada e como consequência produzisse nelas uma percepção de coerência entre aquilo a que aspira vam e o que faziam Por meio dessas pesquisas Morin e seus colaboradores desenvolveram um instrumento para se pesquisar o significado do trabalho Sua ideia geral é de que quanto mais as pessoas avaliarem positivamen te a presença de certas características no trabalho mais significado elas encontrarão nele Esse instrumento será descrito na seção dedicada ao Método Na sequência voltamonos para a análise do trabalho e do trabalhador nas indústrias criativas O trabalho e o trabalhador das indústrias criativas Em uma visão panorâmica da literatura da área são di versos os níveis em que as artes a cultura e os trabalha dores das indústrias criativas são analisados Por razões de escopo daremos atenção especial nesta seção a dois deles O primeiro referese ao nível do indivíduo como tra balhador Nesse caso encontramos estudos que mapeiam as características da carreira e do mercado de trabalho das indústrias criativas ao redor do mundo Fazendo uma síntese de alguns desses estudos encon tramos que os trabalhadores de indústrias criativas como grupo profissional são na média mais jovens do que a força de trabalho geral detêm taxas mais elevadas de de semprego e de diversas formas de subemprego trabalho em tempo parcial trabalho intermitente poucas horas de trabalho por semana e têm uma tendência maior do que a população ativa a ter dois empregos ou mais ao mesmo tempo THROSBY 2001a 2001b FILER 1986 1988 ALPER e WASSALL 1998 2006 GALENSON 2000a 2000b MENGER 2002a 2005 2009 OBRIEN e FEIS 1995 INSTITuTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE 2006 Em termos salariais esses profissionais ganham menos do que os trabalhadores em categorias ocupacionais comparáveis no que se refere a capital humano qualificação experiência posição hie rárquica MOuLIN 1997 TOWSE 2006 Além disso as curvas de ganho são muito discrepantes tendendo a uma distribuição salarial bastante desigual WASSALL e ALPER 1992 MENGER 1999 No geral predomina uma forte cultura de flexibilidade e uma organização do trabalho baseada em projetos FAuLKNER e ANDERSON 1987 Vejamos agora o segundo nível relacionado às repre sentações ou significados sociais associados ao trabalho nas indústrias criativas Segundo Menger 2002a 2009 o trabalho no mundo das artes e da cultura é carregado de um conteúdo expressivo Tratase do ideal do trabalho do artesão intrinsecamente motivador e autônomo Na mesma linha Honneth 2007 demonstra que esse ideal estava também presente na obra de Marx autor que o uti liza como contraponto ao trabalho mecanizado e alienante observado no capitalismo industrial do século dezenove A cultura e as artes supostamente tornaramse repositó rios de um tipo de trabalho com um conteúdo criativo e expressivamente capaz de materializar a identidade do artesãoartista MOuLIN 1997 KRIS e KuRz 1987 MENGER 2009 SENNETT 2009 Já Freidson 1986 analisa a representação de que o artista trabalha orienta do pelo ideal do amor à arte o qual é mantido mesmo sob condições sócioocupacionais às vezes desfavoráveis como baixa remuneração por exemplo Outros estudiosos também se dedicaram à compreensão do vínculo do profissional das indústrias criativas com seu trabalho Por exemplo Heinich 1993 discorre sobre três regimes de atividades observados nesse universo cada um deles com impactos diferenciados sobre a construção da carreira desse profissional O primeiro regime é o da vocação caso em que a atividade depende da percepção de um dom precoce ou de talento O segundo regime é o do emprego circunscrito em organizações formais de trabalho Por último o terceiro registro da atividade é a profissão no sentido estrito do termo a qual depende da aquisição de um diploma ou formação regulamentada Buscatto 2008 observa que em geral as carreiras no mundo das artes e cultura são associadas ao regime da vocação Estudos qualitativos com trabalhadores de in dústrias criativas apontam na mesma direção por exem plo BROOKS e DANILuK 1998 BuSCATTO 2004 JOuVENET 2007 Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 147 MÉTODO Nesta seção descrevemos os procedimentos de coleta e análise de dados Foi utilizado um método quantitativo baseado em um instrumento canadense de medida para o constructo significado do trabalho que foi traduzido adaptado e aplicado a profissionais brasileiros pertencen tes às indústrias criativas paulistas Histórico do instrumento Originalmente o referido instrumento foi desenvolvido e validado no Canadá e fundamentase no modelo de signi ficado do trabalho proposto por Morin 1997 2001 2003 2007 o qual discutimos anteriormente na seção teórica Para tal desenvolvimento Morin 2003 elaborou uma versão preliminar do questionário com 30 itens cada qual avaliado com uma escala de seis pontos Em uma primeira aplicação contou com a participação de 582 profissionais dos serviços de saúde e social do Québec obtendo uma estrutura fatorial rotação oblíqua composta por seis fa tores O primeiro fator foi por ela denominado prazer no trabalho α 076 o segundo de utilidade do trabalho α 083 o terceiro de condições de sucesso no traba lho α 079 o quarto de autonomia no trabalho α 078 o quinto de segurança no trabalho α 065 e o sexto de ética no trabalho α 085 Numa segunda aplicação do instrumento dessa vez com 35 itens res pondidos por 262 funcionários de um hospital também em Québec a autora obteve uma estrutura de oito fatores rotação oblíqua O primeiro fator diz respeito à ética no trabalho α 084 o segundo concerne à autonomia no trabalho α 086 o terceiro reflete a percepção de apoio no trabalho α 079 o quarto referese à utilidade no trabalho α 083 o quinto à aprendizagem no trabalho α 077 o sexto ao reconhecimento no trabalho α 079 o sétimo à importância das relações α 072 e o oitavo ao prazer no trabalho α 074 Mais recentemente Morin e Dassa 2006 encontraram uma estrutura de cinco fatores para explicar as caracte rísticas de um trabalho que tem significado Propuseram então uma versão de 25 itens para o instrumento sendo esta a utilizada em nossa própria pesquisa O primeiro fator é denominado desenvolvimento e aprendizagem α 089 Nele estão os itens que se referem à possibilidade oferecida pelo trabalho para as pessoas alcançarem seus objetivos aprenderem e se desenvolverem O segundo fa tor é chamado de utilidade social do trabalho α 084 referindose ao fato de o trabalho ser útil à sociedade e aos outros O terceiro fator referese à qualidade das relações no trabalho α 085 com itens que dizem respeito à existência de contatos interessantes no trabalho à satis fação de necessidades sociais ao apoio dos colegas O quarto fator é a autonomia no trabalho α 077 cujo conteúdo aponta para a possibilidade de o indivíduo as sumir responsabilidades de exercer seu julgamento para resolver problemas e de tomar decisões com liberdade O quinto fator diz respeito à ética no trabalho α 090 com itens avaliando a existência de justiça e equidade no trabalho A seguir detalhamos os procedimentos para a aplicação e análise de dados obtida nesta pesquisa com o instrumento em questão Procedimentos de coleta de dados O primeiro passo da coleta de dados foi a tradução rever sa PASQuALI 2009 do instrumento desenvolvido por Morin e Dassa 2006 Nesse procedimento ele foi tradu zido para o português e em seguida traduzido novamente para o francês Foi então comparada essa última versão com a original para verificação de compatibilidade e cor reção de potenciais desvios uma vez obtida uma versão final em português do instrumento esta foi enviada a dois pesquisadores brasileiros experientes para que ava liassem a adequação de linguagem As sugestões por eles feitas foram incorporadas na elaboração da versão final do instrumento Acrescentamos ao instrumento questões para determi nar o tipo de atividade artística e cultural realizada domí nio a idade do participante o tempo nessa atividade o sexo do respondente a concomitância de trabalhos ou seja se além de exercer alguma atividade dessa natureza a pessoa também exercia simultaneamente uma atividade remunerada de outra natureza Por último baseandonos no MOW 1987 introduzimos uma questão para verifi car a importância absoluta centralidade absoluta que a pessoa atribuía ao trabalho em sua vida A etapa seguinte consistiu em selecionar a base de participantes O procedimento envolveu localizar pre dominantemente pela Internet comunidades sites insti tuições organizações etc em que pudéssemos encontrar listas de trabalhadores pertencentes ao núcleo criativo das indústrias criativas tal como descrito e recomenda do por Throsby 2001b O resultado dessa varredura foi a obtenção de 2019 nomes e endereços eletrônicos de indivíduos todos localizados no Estado de São Paulo De posse dessa lista enviamos um email a cada um no qual explicávamos os objetivos da pesquisa e nos apre sentávamos enquanto pesquisadores Seguia junto ao email um link para a versão eletrônica do questionário A participação era anônima e a tabulação dos dados feita eletronicamente 148 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS Participantes Ao todo 451 profissionais das indústrias criativas res ponderam validamente o questionário todos residentes no Estado de São Paulo com predomínio de participantes que moravam na capital paulista A restrição a São Paulo devese ao fato de este ser um Estado com forte desenvol vimento das indústrias criativas notadamente sua capi tal o que se reflete em uma vida cultural diversificada com grande oferta de serviços bem como em um amplo contingente de profissionais criativos Em termos demográficos a primeira observação a ser feita com respeito à composição da amostra refere se aos domínios envolvidos Como se nota pela Tabela 1 Música é o domínio com mais respondentes 339 seguida de Artes plásticas 237 Desenho e ilustração 157 e Dança e teatro 155 Apareceram também embora com menor incidência Literatura Fotografia e Outros domínios A segunda constatação referese à idade cuja média é de 42 anos desviopadrão de 128 anos Há na amostra um respondente com 15 anos sendo o mais jovem e um de 78 anos o mais idoso No geral as idades concentramse entre 25 e 55 anos O tempo médio de atuação profissional é de 20 anos desviopadrão de 12 anos A pessoa mais experiente ou seja que está há mais tempo na atividade contabiliza 58 anos A pessoa menos experiente em termos de tempo de atuação na área contabiliza um ano Já quanto ao sexo 70 dos participantes desta pesquisa são homens Neste ponto é importante registrar uma limitação do processo de construção da amostra de participantes A falta de clareza sobre o que são os profissionais de indústrias criativas provavelmente atraiu respondentes que não ne cessariamente o são ou viceversa Isso significa a obten ção de uma amostra de participantes que dependeu de as pessoas se sentirem incluídas como parte do universo da pesquisa para se apresentarem como voluntárias e não dependente de critérios duros Ou seja há uma depen dência de processos de autoclassificação do respondente como pertencente a esse universo e a determinados seto res dentro dele Essa mesma dificuldade é reportada por outros pesquisadores do tema por exemplo THROSBY 2001b ALPER e WASSALL 1998 2006 MENGER 1999 Karttunen 1998 Para contornar essa situação optamos por uma estratégia de agregação mais ampla reunindo atividades que partilhavam de aspectos em comum tais como o fato de terem ou não plateia o tipo de interação do profissional com o público direta ou indireta e a forma de produção da arte em questão se mediada ou não por mídias ou tecnologias Procedimentos de análise de dados As respostas ao questionário foram tabuladas na forma de Banco de Dados do Statistical Package for the Social Sciences SPSS para Windows Primeiramente realiza mos uma análise fatorial com base na técnica dos com ponentes principais seguida de rotação oblíqua Promax com normalização de Kaiser em função do grau de interdependência teórica e empírica que os fatores estabe lecem entre si e também pelo fato de ter sido essa a técnica utilizada originalmente pelos autores do instrumento aqui adotado MORIN e DASSA 2006 Confirmamos a fatorabilidade dos dados disponíveis KMO 091 Teste de esfericidade de Bartlett 662380 p 000 Foram solicitados cinco fatores a fim de con firmar a estrutura encontrada por Morin e Dassa 2006 Contudo os autovalores do scree plot apresentado na Figura 1 sugeriram em contrapartida a presença de qua tro cinco ou seis fatores Como se nota pela Figura 1 é no sexto fator que se forma o cotovelo do gráfico De acordo com o critério do teste scree CATTELL 1966 Tabela 1 Domínios artísticos e culturais representados na amostra DomíNio N FREqUêNCiA PERCENTUAL Artes plásticas 107 237 Dança e teatro 70 155 Música 153 339 Fotografia 6 14 Desenho e ilustração 71 157 Literatura 27 60 Outros 17 38 Total 451 1000 Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 149 o número de fatores a considerar é dado justamente no ponto em que há uma mudança crítica na inclinação da curva dos autovalores em nosso caso seis fatores Ademais da perspectiva teórica como discutiremos mais à frente neste artigo a estrutura de seis fatores revela se interessante por sinalizar diferenças empíricas desta pesquisa com relação à conduzida originalmente pelos pesquisadores canadenses Consideramos o critério de carga fatorial de 040 para que o item pertencesse a um fator No caso do fator 2 decidimos pela eliminação de um item item 4 Meu trabalho me traz bastante satisfação Esse item ainda que tenha uma carga fatorial pouco acima de 040 quan do analisado do ponto de vista teórico revelase discre pante dentro do fator Como veremos adiante o fator 2 diz respeito a aspectos de desenvolvimento no trabalho ao passo que o item eliminado referese à satisfação no trabalho O estudo foi complementado com análises esta tísticas OneWay ANOVA com teste posthoc de Turkey correlação de Pearson e Teste t para explorar a relação entre os escores obtidos em cada um dos seis fatores e determinadas variáveis antecedentes acrescentadas nes te estudo especificamente domínio de atuação Tabela 1 tempo na profissão idade sexo e existência ou não de dupla carreira uma na indústria criativa e outra fora dela Para todas as análises considerouse como nível de significância p 005 RESULTADOS Iniciamos esta seção apresentando e analisando os resulta dos sobre centralidade do trabalho nas indústrias criativas Em seguida as características fatores de um trabalho que têm significado Por fim exploramos as relações entre essas características fatores e as variáveis antecedentes utilizadas na investigação Centralidade do trabalho Do ponto de vista descritivo observamos que para 82 dos respondentes o trabalho na indústria criativa tem uma centralidade máxima em suas vidas valor 6 em uma es cala de 1 nada importante a 6 máximo de importância A centralidade avaliada é a absoluta e não a relativa pois não utilizamos a questão do MOW 1987 que obriga o respondente a comparar a esfera do trabalho com outras que igualmente fazem parte de seu espaço de vida tais como o lazer a família a religião O que podemos afirmar é que o trabalho quando avaliado como atividade em si mesma possui um grande peso na vida dos trabalhadores 0 1 7 2 8 3 9 4 10 16 13 19 23 5 11 17 14 20 24 6 12 18 22 15 21 2 4 6 8 10 Figura 1 Scree Plot dos dados obtidos com o instrumento sobre significado do trabalho Scree Plot Número de componentes Auto valor 150 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS de indústrias criativas estudadas e como consequência pode ser um importante fator de identidade alocação de tempo e significado Quando analisamos a relação entre centralidade do trabalho e variáveis como sexo idade concomitância ou não de carreiras domínio artístico ou cultural e tempo na profissão encontramos a existência de relações signi ficativas apenas entre centralidade e sexo e centralidade e concomitância de carreira conforme se pode encontrar na Tabela 2 No primeiro caso a centralidade do trabalho é maior para mulheres do que para homens t 207 p 003 Esse resultado difere do encontrado por exemplo na pesquisa do MOW 1987 Nesta homens atribuíam significativamente maior centralidade ao trabalho que mu lheres Contudo pouco mais de duas décadas se passaram desde a coleta de dados realizada naquela pesquisa Nesse período assistimos a uma intensa entrada das mulheres no mercado de trabalho fato que deve ter produzido uma transformação no significado desse último em suas vidas No setor culturalcriativo brasileiro de acordo com da dos do IBGE 2006 predominam profissionais homens embora a participação das mulheres nessas atividades seja superior à dos ocupados para o total das ocupações Isso significa que o setor criativo concentra proporcio nalmente maior contingente feminino do que outros setores econômicos O fato de as mulheres considerarem seu trabalho mais importante do que os homens poderia como hipótese ter a ver com esse movimento mais am plo de transformação no valor e no sentido da carreira e do trabalho para as mulheres como também e esta seria uma questão para futuras pesquisas com características específicas do trabalho nas indústrias criativas por exem plo a natureza do trabalho e o tipo de envolvimento do profissional por ela estimulado ou exigido No segundo caso a centralidade é menor para indi víduos com dupla carreira uma vinculada à indústria criativa e outra não t 229 p 002 Faz sentido pensar que a centralidade do trabalho criativo é menor para quem conduz dupla carreira pois o indivíduo precisa dividir seu tempo sua atenção e seus interesses profissionais entre duas formas de trabalho Pode ser inclusive que o trabalho na indústria criativa sequer seja o principal Desse modo e meramente como hipótese se o profissional escolhe livremente a dupla carreira isto é não por neces sidade de sobrevivência então o trabalho nessa indústria pode ser uma atividade secundária ou um hobby ou ainda uma carreira que poderá ser eleita como central quando ela for capaz de sustentar financeiramente o respondente Fatores de significado do trabalho Nesta seção apresentamos e discutimos a estrutura fatorial obtida para os 24 itens do questionário de Morin e Dassa 2006 respondido Tabela 3 No modelo proposto por esses dois autores cada fator aglutina características de um trabalho que tem significado A seguir descrevemos cada um dos seis fatores obtidos O primeiro fator utilidade social do trabalho avalia a função social do trabalho realizado em termos da percep ção sobre sua utilidade a outras pessoas e à sociedade em geral Esse foi o fator com a segunda maior média entre todos 520 e com o segundo item Meu trabalho é útil para a sociedade com a maior carga fatorial de todo o questionário 097 De fato na história da arte e cultura o trabalho é avaliado por seu valor social por exemplo arte como crítica como enriquecimento do espírito como subversão social no sentido de quebra de paradigmas de inovação CHATEAu 2008 MENGER 2002a Nessa linha o próprio profissional é apresentado ora como um dândi ora como um crítico da ordem estabelecida ora como um visionário vanguardista e ora também como um grande homem KRIS e KuRz 1987 GuÉRIN 2007 O segundo fator ética no trabalho contém itens que avaliam a percepção dos respondentes acerca da existência de justiça equidade e respeito no ambiente de trabalho Tabela 2 média desviopadrão e Teste t dos escores de centralidade do trabalho por sexo e presença ou não de dupla carreira iTENS SExo DUPLA CARREiRA m F Sim Não n 314 135 242 210 Média 562 580 559 577 Desviopadrão 094 061 095 072 t 207 229 Todas as diferenças são significativas A α 005 Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 151 Tabela 3 Estrutura fatorial do instrumento de avaliação índices de consistência e média dos fatores iTENS FAToRES h2 1 2 3 4 5 6 02 Meu trabalho é útil para a sociedade 097 002 010 003 004 004 088 05 Meu trabalho traz uma contribuição à sociedade 090 002 000 003 006 001 084 16 Meu trabalho é útil aos outros 087 002 002 012 002 000 085 24 Meu trabalho é importante para os outros 085 006 007 003 003 002 078 12 Trabalho em um ambiente que valoriza a consideração pela digni dade humana 002 093 004 001 001 002 084 11 Trabalho em um ambiente em que todos são tratados com igualdade 005 093 003 006 006 002 084 10 Trabalho em um ambiente que valoriza a justiça que respeita meus direitos 001 086 004 006 002 009 079 18 Trabalho em um ambiente que respeita as pessoas 010 081 009 003 009 004 069 07 Em meu trabalho tenho liberdade para resolver os problemas de acordo com meu julgamento 004 001 091 010 012 008 075 20 Tenho autonomia em meu trabalho 014 005 089 005 005 008 078 25 Tenho liberdade para decidir como realizar meu trabalho 004 001 085 001 004 010 080 23 Meu trabalho me permite tomar decisões 000 001 077 025 001 007 078 13 Meu trabalho me permite aprender 002 002 008 101 003 007 084 09 Meu trabalho permite que eu me aperfeiçoe 007 000 002 083 010 001 073 22 Tenho prazer na realização de meu trabalho 009 003 008 079 006 003 075 15 Meu trabalho me permite desenvolver minhas competências 002 011 009 059 000 039 077 06 Tenho boas relações com meus colegas de trabalho 004 010 009 004 086 005 068 03 Meu trabalho me permite ter bons contatos com meus colegas 002 019 004 018 081 034 073 21 Posso contar com o apoio dos meus colegas de trabalho 003 015 001 013 076 010 068 08 Existe companheirismo entre meus colegas de trabalho e eu 003 019 001 015 074 018 070 01 Realizo um trabalho que corresponde às minhas competências 013 008 011 013 007 075 055 19 Meu trabalho me permite atingir meus objetivos 016 022 006 003 014 070 068 14 Meu trabalho corresponde a meus interesses profissionais 002 003 013 030 005 066 063 17 Meu trabalho permite que eu me faça ouvir 014 014 009 005 000 049 053 Variância dos fatores 914 277 236 140 133 088 da variância total explicada 3808 1156 986 586 554 369 Alfa de Cronbach 092 091 089 087 081 073 média para cada fator 520 409 496 555 475 508 Desviopadrão 101 125 107 104 118 112 Fatores 1 Utilidade social do trabalho 2 Ética no trabalho 3 Autonomia no trabalho 4 Desenvolvimento e aprendizagem 5 Qualidade das relações no trabalho 6 Expressividade e identificação no trabalho Rotação utilizada Promax 152 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS Esse foi o fator com a menor média entre todos 409 chamando a atenção para a possibilidade de os responden tes perceberem menos essa característica no contexto de trabalho em que atuam Mas qual seria esse ambiente de trabalho No caso de outros tipos de indústria ele comu mente referese ao ambiente da empresa ou organização Contudo no caso desses respondentes o ambiente pode ser bastante heterogêneo incluindo o das artes perfor máticas dança e teatro artes plásticas ou então o da música literatura desenho enfim diversos mundos de arte BECKER 1984 com suas distintas regras e formas de organização e divisão do trabalho O ambiente das in dústrias criativas inclui também personagens tão distin tos quanto o público agentes marchands empresários curadores diretores outros profissionais e governo A menor média de avaliação desse fator pelos respondentes sugere uma percepção de que nesse ambiente igualdade de tratamento justiça e respeito podem ser valores pou co praticados Voltaremos a esse ponto mais adiante na seção de Discussão O terceiro fator autonomia no trabalho aglutina itens que avaliam o quanto o profissional percebe controlar seu trabalho no sentido de exercer sobre ele seu próprio dis cernimento e controlar seus meios Esse fator teve a quarta média entre os outros 496 e cargas fatoriais indo de 077 item 23 Meu trabalho me permite tomar decisões a 091 item 07 Em meu trabalho tenho liberdade para resolver os problemas de acordo com meu julgamento Estudos mostram que a autonomia é uma faceta bastante desejada do trabalho nas indústrias criativas sendo uma das razões da escolha por essa carreira MENGER 1999 Adicionalmente essa autonomia remete à própria cons trução histórica desse campo quando se desenvolveu a ideia de que o propósito do trabalho criativo se fecha nele mesmo Isso é ilustrado por aquilo que Chateau 2008 denomina ideal do desinteressamento artístico Porém a história é rica em exemplos de tensões entre trabalhadores de indústrias criativas e detentores do poder econômico como nobreza igreja mecenas e recentemente mercado de modo que é difícil sustentar uma independência ou de sinteresse absolutos do profissional em relação a questões econômicas Talvez seja por essa razão que a média desse fator não esteja entre as mais elevadas Os itens que compõem o quarto fator desenvolvimen to e aprendizagem no trabalho avaliam a percepção dos respondentes sobre o quanto seu trabalho lhes permite se aperfeiçoar desenvolver suas competências e aprender Esse fator teve a maior média 55 entre todos sugerindo sua maior importância na caracterização do significado atribuído ao trabalho pelos respondentes Tabela 3 Dessa forma para esses indivíduos seu trabalho propi cia crescimento por meio de aprendizagem além de ser prazeroso ver item 22 com carga fatorial de 079 Isso é convergente com achados da literatura que destacam a estreita relação entre o trabalho artístico criativo ou cul tural e a própria construção da identidade psicossocial do profissional que o realiza MENGER 1999 2002a 2005 2009 FREIDSON 1990 BuSCATTO 2004 Se pensar mos que o profissional em muitos domínios das indús trias criativas não encontra à sua disposição um sistema formal de ensino aprender e aperfeiçoarse dependem de sua contínua experiência e comprometimento com o autodesenvolvimento O quinto fator qualidade das relações no trabalho possui itens que dizem respeito à existência de contatos interessantes no trabalho à satisfação de necessidades sociais e ao apoio dos colegas Enfatizamse aqui os rela cionamentos interpessoais avaliandose companheirismo no trabalho apoio recíproco nas relações profissionais e qualidade autopercebida das relações É interessante observar que essa característica aponta para um lado so cial da atividade artística e cultural contrariando a ideia de que ela é uma atividade que depende da reclusão ou recolhimento do profissional em seu ateliê ou lugar de trabalho A literatura sobre o tema questiona a visão desse indivíduo como um gênio solitário MENGER 2005 O fator tem a segunda pior média sugerindo que outro aspecto do ambiente de trabalho que poderia melhorar é a qualidade das relações que nele são estabelecidas ao lado do aspecto concernente à ética discutido anteriormente Ofereceremos uma hipótese de interpretação para essa afirmação na Discussão Por fim o sexto fator que denominaremos expressivi dade e identificação no trabalho é um aparecimento iné dito desta pesquisa por comparação à pesquisa original de Morin e Dassa 2006 em que foram encontrados cinco fatores Em nossa pesquisa tal fator reúne itens sobre a correspondência entre o trabalho e as competências e os interesses das pessoas identificação e também sobre o quanto elas julgam que o trabalho pode permitirlhes alcançar seus objetivos e se fazer ouvir expressividade Na pesquisa de Morin e Dassa com trabalhadores de outra natureza tais itens eram aglutinados no fator de senvolvimento e aprendizagem no trabalho A diferença entre a estrutura empírica encontrada em nossa pesquisa e aquela de Morin e Dassa parece coerente com achados da literatura que realçam a importância da dimensão ex pressiva do trabalho para trabalhadores de indústrias cria tivas MENGER 2002a 2009 Nas indústrias criativas podemos pensar na possibilidade de uma identificação Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 153 emocional mais forte com a atividade realizada quando comparada com outros domínios laborais Assim esse trabalho pode ser visto como um componente intrinse camente ligado à identidade psicossocial do trabalhador Considerando os regimes de atividade comentados an teriormente HEINICH 1993 o profissional relaciona se com o trabalho como vocação e menos como em prego Na sequência discutimos as relações entre esses seis fatores e as variáveis antecedentes utilizadas nesta investigação Características do trabalho e suas relações com outras variáveis A fim de se verificar a existência de relações estatistica mente significativas entre os seis fatores anteriormente descritos e determinadas variáveis antecedentes rea lizamos uma série de análises de variância OneWay ANOVA e de testes posthoc Turkey Os resultados mostram relações significativas de cinco desses fatores 1 2 3 5 e 6 com três variáveis a saber domínio de atividade idade e tempo na profissão As outras duas variáveis antecedentes sexo e concomitância de carreira não exercem influência na determinação do significado do trabalho A Tabela 4 mostra todas as combinações significativas em questão Vamos nos ater aqui ao essencial dos dados apresen tados na Tabela 4 Em primeiro lugar quando considera mos a dimensão social do significado do trabalho fator 1 observamos que os profissionais atribuem maior utilidade a seu trabalho quando pertencem a domínios das indústrias criativas em que estabelecem um contato direto com o público Isso pode ocorrer por exemplo quando o profissional se apresenta diante de uma plateia Nesse caso tão logo seu trabalho seja desenvolvido por exemplo em Dança e Teatro e Música o profissional recebe um feedback do público Em hipótese isso serve Tabela 4 Comparações múltiplas da ANoVA teste posthoc de Turkey para fatores de significado do trabalho e domínio artístico e cultural FAToR i DomíNio J DomíNio iJ DiFERENçAS ENTRE AS méDiAS DESVio PADRão P Utilidade social do trabalho Artes plásticas Dança e teatro 054 014 000 Artes plásticas Música 037 012 003 Dança e teatro Desenho e ilustração 059 016 000 Música Desenho e ilustração 042 013 003 Ética no trabalho Dança e teatro Música 086 019 000 Dança e teatro Desenho e ilustração 079 022 001 Música Literatura 108 028 000 Desenho e ilustração Literatura 101 030 001 Autonomia no trabalho Artes plásticas Dança e teatro 050 015 002 Artes plásticas Música 078 012 000 Artes plásticas Desenho e ilustração 104 015 000 Dança e teatro Desenho e ilustração 054 017 002 Música Literatura 068 021 002 Desenho e ilustração Literatura 094 023 000 Qualidade nas relações no trabalho Artes plásticas Dança e teatro 072 014 000 Artes plásticas Música 052 011 000 Dança e teatro Desenho e ilustração 060 015 000 Expressividade e identificação no trabalho Dança e teatro Música 038 012 003 Música Literatura 059 017 001 154 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS como forma de reconhecimento e de percepção do valor da atividade realizada Em segundo lugar é interessante notar que profissio nais pertencentes a domínios mais diretamente submeti dos a exigências comerciais como Música e Desenho e ilustração domínios talvez mais próximos das indústrias culturais ADORNO e HORKHEIMER 1985 tendem a perceber menos ética em seu ambiente de trabalho fator 2 do que os de Dança e teatro e Literatura Em princípio tal constatação pode sinalizar para relações mediadas por fortes interesses econômicos e concorrenciais nesses seto res situação em que se torna mais provável a disputa por recursos e por público entre os profissionais Outra constatação interessante revelada pelos dados da Tabela 4 é a percepção de maior autonomia fator 3 por parte de trabalhadores pertencentes a domínios mais flexíveis quanto ao modo de organizar o trabalho como em Artes plásticas e Literatura do que em domínios hipo teticamente mais expostos a pressões econômicas prazos e performance como Música Dança e teatro e Desenho e ilustração Em contrapartida os de Artes plásticas veem menos qualidade em suas relações interpessoais do que os de domínios mais grupodependentes como Dança e teatro e Música Por último as atividades realizadas em Dança e teatro e Literatura parecem despertar maior identificação e permitir maior expressividade fator 6 do que notaram os respondentes de Música talvez pelas mesmas razões anteriores que sugerem ser esse domínio mais próximo das indústrias culturais com estratégias de produção e comercialização de massa diretamente atrelados a humores de mercado No que diz respeito à relação entre os seis fatores e a idade dos respondentes identificamos relações signifi cativas dessa variável com autonomia no trabalho fator 3 r 023 p 000 desenvolvimento e aprendizagem no trabalho fator 4 r 009 p 003 e qualidade das relações de trabalho fator 5 r 011 p 001 Quanto mais idoso é o profissional mais ele percebe autonomia desenvolvimento e boas relações interpessoais no traba lho A análise de correlação também indicou significância entre autonomia no trabalho fator 3 r 011 p 002 e tempo na profissão Da mesma forma que a idade a ex periência acumulada como profissional contribui a favor da percepção de autonomia no trabalho Por fim nesta etapa também realizamos análises com o intuito de verificar a existência de relações significati vas entre os seis fatores acima descritos e centralidade do trabalho Nesse caso o teste de correlação de Pearson in dicou cinco correlações significativas todas com p 000 utilidade do trabalho fator 1 r 027 autonomia no trabalho fator 3 r 013 desenvolvimento e apren dizagem no trabalho fator 4 r 027 qualidade das relações de trabalho fator 5 r 015 e expressividade e identificação no trabalho fator 6 r 027 Quanto maior a percepção sobre a presença dessas características de um trabalho significativo fatores maior a importância centralidade atribuída ao trabalho O único conjunto de características de um trabalho significativo que não está relacionado com essa centralidade ou importância é o concernente à ética DISCUSSÃO Fazendo uma síntese geral dos resultados encontrados nesta pesquisa dois aspectos principais nos chamam a atenção e será em torno deles que proporemos aqui uma reflexão em diálogo com a literatura consultada Em primeiro lugar a questão da centralidade do trabalho Em segundo a hierarquia de fatores que caracterizam para esse público um trabalho com significado Os achados desta pesquisa apontaram como vimos para uma elevada centralidade do trabalho para os pro fissionais das indústrias criativas De que modo pode ríamos entender essa importância Como hipótese su pomos que o trabalho para esses profissionais demanda um nível elevado de comprometimento afetivo KLEIN BECKER e MEYER 2009 Isso porque em se admitindo a ideia de que a relação do profissional criativo com seu trabalho tem importante cunho vocacional HEINICH 1993 o comprometimento é primeiramente consigo e não com uma organização Na prática essa forma de comprometimento também pode implicar uma dedica ção intensa à própria carreira Nas indústrias criativas conforme destacam Moulin 1997 Menger 2002a e Faulkner e Anderson 1987 há uma vinculação muito estreita entre o desempenho do profissional e o estágio de sua própria carreira Portanto sugerimos interpretar a alta centralidade do trabalho nesse universo ocupacio nal como revelador de forte comprometimento afetivo especificamente com a carreira Outra forma de interpretar a elevada centralidade do trabalho é considerando a natureza do trabalho criativo Apesar de haver grande variação entre setores criativos BECKER 1984 algumas características podem ser apontadas como comuns entre eles Por exemplo as exigências de intenso envolvimento emocional com a representação de um papel no teatro ou então com a performance em dança ou ainda com a construção de enredos e personagens em literatura Podese dizer que Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 155 esse é um tipo de trabalho que exige treino e controle emocional MACÊDO 2010 HOCHSCHILD 1983 de modo que talvez seja mais difícil a possibilidade de distan ciamento afetivo do indivíduo com relação a seu próprio trabalho ou papel profissional Portanto alta centralidade pode significar também alto envolvimento afetivo com a atividade a ser desempenhada Ao contrário de algumas situações tradicionais de emprego o trabalho criativo talvez não possua fronteiras tão bem delineadas Como consequência trabalho e não trabalho lazer e trabalho vida pessoal e vida profissional diversão e trabalho etc podem ser atividades embaralhadas para muitos profis sionais das indústrias criativas O segundo resultado geral que vamos discutir nesta se ção referese à estrutura fatorial encontrada na pesquisa as dimensões do significado do trabalho para os profissionais das indústrias criativas Especificamente discutiremos os dois fatores com as médias mais altas Desenvolvimento e aprendizagem e utilidade social do trabalho e o fator com a menor média comparativa Ética no trabalho Para os profissionais investigados desenvolverse e aperfeiçoarse por meio do trabalho é uma das principais formas de obter significado Tal desenvolvimento envolve de acordo com o questionário utilizado Tabela 3 apren dizagem exercício das próprias competências e prazer Logo podemos supor que o trabalho criativo é uma ati vidade por meio da qual o indivíduo julga transformarse cognitiva e afetivamente Quais características do trabalho criativo dariam suporte a tal percepção Entre as princi pais o fato de esse trabalho variar em grau de complexi dade e também como aponta Menger 2002a 2009 em risco no sentido de que nem sempre o profissional sabe de antemão qual será o resultado de sua atividade Esse risco associado à atividade criativa tornaa desafiadora e instigante pois o indivíduo pode chegar aonde ele quiser desde que haja esforço implicação e aperfeiçoamento contínuo MENGER 2009 O segundo elemento mais importante para que o traba lho tenha significado para os profissionais das indústrias criativas é a percepção de sua utilidade social O item do questionário com maior média é o que sinaliza para a uti lidade do trabalho criativo para a sociedade Tabela 3 De acordo com Morin 2001 todo trabalho para ter signifi cado deve ser percebido como contribuindo para as outras pessoas Observação semelhante é feita por Clot 2008 para quem o trabalho é uma atividade direcionada para si mesmo para os outros e para a própria atividade por exemplo para o aperfeiçoamento de um estilo artístico de uma obra de uma técnica etc Quando direcionada para os outros a atividade concerne ao usuário final do produto do trabalho como também aos pares à cultura de ofício na qual se inscreve o profissional A percepção de utilidade do trabalho é também um componente fun damental para a construção da identidade do trabalhador e para a manutenção de estados de saúde mental e bem estar DEJOuRS 2003 É interessante observar porém que a avaliação positiva desse fator pelos respondentes baseiase provavelmente em condições desejadas Ou seja aqui o trabalho é ava liado em si mesmo enquanto uma atividade escolhida pelo indivíduo como seu eixo de ação profissional Não é avaliada a percepção do respondente sobre o julgamento dos outros sobre a utilidade ou o status de seu trabalho O achado parece coerente com a literatura Por exemplo Menger 1999 observa que a procura pelas carreiras criativas é crescente ao ponto de a oferta de mão de obra de profissionais criativos ser superior à capacidade de absorção pelo mercado A razão aponta o autor é a imagem hipervalorizada dessas carreiras e uma estima tiva exagerada a respeito das possibilidades de ganho e ascensão Nossos dados podem apontar na mesma direção ao revelar avaliação positiva do trabalho nas indústrias criativas paulistas Outro achado desta pesquisa ajudanos a entender melhor as representações do trabalho criativo Tratase do aparecimento de um fator inédito com relação à pesquisa de Morin e Dassa 2006 expressividade e identidade no trabalho Para os profissionais pesquisados seu trabalho tem significado na medida em que lhes permite expressar se fazerse ouvir e pôr em exercício suas competências e aspirações Essa diferença empírica parecenos coerente com o conhecimento acumulado sobre arte artistas e mercado criativo em geral HARTLEY 2005 FRANK e COOK 1995 CHATEAu 2008 MENGER 2002a de que trabalhar nesses setores envolve alguma forma de estética de si quer dizer uma afirmação da própria identidade do indivíduo por meio de suas obras perfor mances atividades encenações etc Talvez não seja sem ra zão encontramos referências a isso na linguagem de senso comum por exemplo na ideia de estrela na associação de qualidades positivas ao nome de um profissional por exemplo um artista Ou seja muitas vezes o profissional das indústrias criativas é ele próprio uma marca Daí se pensar no trabalho como uma expressão de si da própria identidade algo talvez mais proeminente no significado do trabalho nesses setores do que nos tradicionais em que muitas vezes o trabalho consiste em atividades feitas em nome de uma organização ou empresa um último resultado a comentar referese à menor média comparativa observada no fator Ética no traba 156 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS lho Esse fator possui itens que avaliam a percepção de igualdade justiça respeito e consideração pela dignidade humana Tabela 3 O questionamento que nos podemos fazer neste ponto é sobre se a ética estaria perdendo seu espaço entre os fatores que caracterizam um trabalho com significado e também se o próprio trabalho nas in dústrias criativas não se estaria distanciando da imagem de atividade não alienada sugerida no início deste artigo Em parte talvez esse resultado seja reflexo de concep ções específicas sobre a natureza das relações humanas desejadas nas indústrias criativas Como esses setores não foram inteiramente absorvidos pela forma taylorista fordista de divisão e organização do trabalho por exem plo muitos ofícios ainda preservam um modo artesanal de trabalho eles podem conter concepções e práticas de relacionamentos profissionais pautados por valores diferentes dos atribuídos ou efetivamente encontrados em relações profissionais marcadamente mediadas pelo mercado tais como competitividade individualismo oportunismo etc Com isso os profissionais das indús trias criativas podem estar mais propensos a interpretar certas relações profissionais como distantes de seu ideal de relações éticas o que de maneira alguma significa que efetivamente não possa haver distorções Nesse sentido a menor média comparativa desse fator pode ser também interpretada como um alerta para gestores e pesquisadores de indústrias criativas Especificamente um alerta com respeito à dinâmica de certos setores dessas indústrias Por exemplo vimos que em Música e Desenho e ilustração a média no fator Ética foi significativamente mais baixa que em Dança e teatro e Literatura Os primeiros setores estão talvez mais pró ximos das indústrias culturais com pressões comerciais mais pronunciadas que as observadas nesses últimos inclusive com cadeias de valor mais próximas de uma perspectiva tayloristafordista Como recomendação ge ral seria altamente desejável uma análise das consequên cias das diversas tentativas de aliança entre as indústrias criativas e o mercado especialmente se considerarmos os riscos envolvidos na transposição de uma lógica co mercial em um setor tradicionalmente não protegido pela formalização do emprego e suas garantias por exemplo sindicatos fortes negociações coletivas normatização dos contratos de trabalho etc CONCLUSÕES Encerramos este artigo com algumas ponderações sobre o alcance desta pesquisa suas implicações para as indústrias criativas e também com sugestões para novas investigações focadas na mesma temática A primeira observação diz respeito à escolha por pro fissionais das indústrias criativas apenas do Estado de São Paulo Como dito na seção de Método a escolha por São Paulo ocorreu em função de esse Estado apresentar um setor criativo diversificado e rico com um nível de profissionalização que pode ser comparado ao de países desenvolvidos Entendemos que a escolha por São Paulo é oportuna para o início de um exercício de pesquisa so bre os profissionais das indústrias criativas Todavia uma questão que resulta dessa mesma escolha é sobre a per tinência e validade de se generalizarem os achados desta investigação para outras realidades do Brasil As caracte rísticas sócioocupacionais e econômicas das indústrias criativas paulistas certamente condicionam os resultados ali observados de modo que tentativas de generalização devem ser vistas com muita cautela Em vez disso en tendemos mais oportuna a ampliação deste estudo para outras localidades o que de maneira alguma minimiza a importância dessa primeira tomada de consciência sobre a realidade específica do significado do trabalho nas in dústrias criativas paulistas Outra observação é sobre a pertinência da tradução do instrumento de Morin e Dassa 2006 e sua aplica ção no Brasil Na verdade além do Mow 1987 que já possui uma versão de seu instrumento validada no país BORGESANDRADE MARTINS e ABBAD 1995 e da proposta de instrumento por Borges 1997 poucas são as iniciativas de mensurar quantitativamente o signifi cado do trabalho na realidade local Portanto parecenos salutar essa iniciativa de disponibilizar mais uma opção para o estudo do significado do trabalho que não apenas a originalmente proposta pelo Mow Considerando ago ra especificamente o campo de estudos sobre indústrias criativas a iniciativa também nos parece interessante pois pode permitir uma uniformização de medidas para o estu do do significado do trabalho criativo entre profissionais provenientes de distintas realidades sócioocupacionais e culturais Do ponto de vista das implicações desta pesquisa para as indústrias criativas o primeiro aspecto a observar concerne à reflexão sobre os processos de construção do significado do trabalho nesse contexto De fato como dito no início deste artigo estudos sobre tais processos tenderam ao longo da história a privilegiar setores eco nômicos tradicionais normalmente regidos pela lógica do emprego e do vínculo do indivíduo com a organiza ção No caso dos profissionais das indústrias criativas o significado do trabalho é construído com base em ele Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 157 mentos de uma tradição por assim dizer préfordista pois as estratégias de divisão e coordenação do trabalho típicas da sociedade industrial parcelamento de tarefas controle rígido de procedimentos estabelecimento de hierarquia gerencial uso intensivo de tecnologias etc nem sempre são observadas da mesma maneira nos se tores criativos Nestes há uma diversidade maior de gê neros produtivos ou seja diversos arranjos e também distintas formas de operacionalizar a atividade laboral e gerenciar as pessoas Adicionalmente o campo das artes e da cultura possui tradição própria por vezes até mesmo contrária àquela observada no universo industrial tradicional MENGER 2002a 2002b Talvez seja em parte por isso que o mundo das artes é utilizado como contraponto ao tipo de traba lho alienado reputado àquele universo CHIAPELLO 1998 Em nosso entender a iniciativa de estudar os pro cessos de construção de significado do trabalho em con textos diferentes dos tradicionais deve ser cada vez mais estimulada especialmente se considerarmos que esses outros contextos podem oferecer importantes lições para o entendimento do trabalho na atualidade por exem plo no tocante à natureza das relações interpessoais aos arranjos de trabalho orientados por projetos flexíveis ao modo como os profissionais lidam com os riscos inerentes às suas atividades e com a própria autonomia e no tocan te aos processos afetivos e de vínculo com o trabalho e a carreira MENGER 2002b 2009 uma segunda implicação desta pesquisa tem a ver com os gestores das indústrias criativas Mais particularmente as escolas voltadas para a formação Quando pensamos em uma escola de negócios por exemplo não é difícil imaginar seus alunos tendo aulas sobre gestão de pessoas e de carreiras O mesmo deve ocorrer com um aluno de psicologia ou até mesmo de engenharia ao longo de seu curso ele é exposto a várias situações em que deve pensar sua carreira O mesmo talvez não aconteça ou se acontecer provavelmente não com a mesma sistematiza ção com os alunos de escolas voltadas para a formação de profissionais para as indústrias criativas Daí a importância de se entender o que significa trabalhar nesses setores quais os possíveis conflitos entre expectativas pessoais e a realidade ocupacional do mercado criativo paulista ou brasileiro quais os desafios a superar como a questão da ética e dos choques entre mentalidade econômica concor rência luta por reconhecimento afirmação de um nome etc e os desejos de expressividade e de amor à arte pela arte FREIDSON 1990 observados na construção da identidade desse profissional Por fim encerramos o artigo com algumas sugestões para pesquisas futuras envolvendo profissionais das indús trias criativas e significado do trabalho Primeira sugestão seria altamente recomendável a realização desta pesquisa utilizando o mesmo instrumento aqui validado em outras realidades sócioocupacionais e econômicas do Brasil Por exemplo realizar essa pesquisa em outros Estados e de pois comparar os achados e especular sobre as possíveis diferenças eou semelhanças entre eles Segunda testar a estrutura fatorial do significado do trabalho encontrada nesta pesquisa com outras ocupações criativas e como no caso anterior discutir suas diferenças eou semelhanças Ou ainda estudar tal estrutura em ocupações criativas específicas pois em tal caso seria mais fácil apreender as particularidades de cada gênero criativo por exemplo teatro dança pintura etc e interpretar suas influências sobre os processos de atribuição de significado ao traba lho Essas são apenas duas ideias cujo propósito é insti gar outros pesquisadores do campo do comportamento organizacional estudos organizacionais e de gestão de pessoas a se voltarem para esse importante e esquecido setor em nosso país NOTA DE AGRADECIMENTO Agradecemos à professora Clarissa Monteiro Borges do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal de Uberlândia pela ajuda no processo de classificação dos setores criativos aqui pesquisados REFERÊNCIAS ADORNO T W HORKHEIMER M Dialética do esclarecimento Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 AlPER N O WASSAll G Artists labor market experiences a preliminary analysis using longitudinal data In HEIKKINEN M KOSKINEN M Eds Economics of artists and arts policy Arts Council of Finland Helsiaki 1998 AlPER N O WASSAll G H Artistscareer and their labor markets In GINSBURGH V A THROSBy D Eds Handbook of the economics of art and culture Amsterdã NorthHolland 2006 p 813864 BECKER H Art worlds California University of California Press 1984 BlyTHE M The work of art in the age of digital reproduction the significance of the creative industries JADE v 20 n 2 p 144150 2001 BORGESANDRADE J MARTINS M C F ABBAD G Estrutura empírica do significado do trabalho o caso brasiliense In XXV Reunião Anual de Psicologia 1995 Ribeirão Preto Resumos de comunicações científicas Ribeirão Preto Sociedade Brasileira de Psicologia 1995 158 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 ISSN 00347590 artigos SIGNIFICADO DO TRABALHO NAS INDÚSTRIAS CRIATIVAS BORGES l TAMAyO A A estrutura cognitiva do significado do trabalho Revista Psicologia Organizações e Trabalho v 1 n 2 p 1144 2001 BORGES l O Os atributos do significado do trabalho Psicologia Teoria e Pesquisa v 13 p 211220 1997 BRIEF A P e outros Inferring the meaning of work from the effects of unemployment Journal of Applied Social Psychology v 25 n8 p 693 711 1995 BRIEF A P NORD W R Ed Meanings of occupational work lexington MA lexington Books 1990 BROOKS G S DANIlUK J C Creative labors the lives and careers of women artists The career development quarterly v 46 n 3 p 246261 1998 BUSCATTO M lart et la manière ethnographie du travail artistique Ethnologie Française v 38 n 1 p 513 2008 BUSCATTO M De la vocation artistique au travail musical tensions compromis et ambivalences chez les musiciens de jazz Sociologie de lart Paris lHarmattan 2004 p 3556 CATTEll R B The scree test for the number of factors Multivariate Behavioral Research v 1 n 2 p 245276 1966 CAVES R Crative industries Harvard Harvard University Press 2000 CHATEAU D Questce quun artiste Rennes PUR 2008 CHIAPEllO E Artistes versus managers Paris Métailié 1998 ClOT y Travail et pouvoir dagir Paris PUF 2008 DEJOURS C Lévaluation du travail à lépreuve du reel Paris INRA 2003 DRENTH P J D Work meanings a conceptual semantic and developmental approach European Work and Organizational Psychologist v 1 n 23 p 12533 1991 EMERy F Report on the Hunsfoss Project londres Tavistock 1964 FAUlKNER R R ANDERSON A B Shortterm projects and emergent careers evidence from Hollywood American Journal of Sociology V 92 n 4 p 879909 1987 FIlER R K The economic condition of artists in America In Shaw D V e outros Eds Cultural economics 88 an American perspective Akron Association for Cultural Economics 1988 p 6378 FIlER R K The starving artist myth or reality Earnings of artists in the United States Journal of Political Economyv 94 n 1 p 5675 1986 FISHBEIN M AJZEN I Belief attitude intention and behavior New york AddisonWesley 1975 FOX A The meaning of work In ESlAND G SAlAMAN G Eds The politics of work and organizations Milton Keyes Open University Press 1980 FRANK R H COOK P J The winnertakeall society New york The Free Press 1995 FREIDSON E labors of love a prospectus In Erikson K T Vallas S P Eds The nature of work sociological perspectives New Haven yale University Press 1990 p 149161 GAlENSON D Age and the quality of work the case of modern American painters Journal of Political Economy v108 n4 p 761777 2000a GAlENSON D The careers of modern artists evidence from auctions of contemporary art Journal of Cultural Economics v 24 n2 p 87112 2000b GUÉRIN M Lartiste ou la toutepuissance des idées Aixemprovence PUP 2007 HACKMAN J R OlDHAM G R Motivation through the design of work Organizational Behavior and Human Performance v 1 n 16 p 250240 1976 HARPAZ I FU X Work centrality in Germany Israel Japan and the United States CrossCultural Research v 31 n 3 p 171200 1997 HARTlEy J Creative industries london Blackwell 2005 HEINICH N Du peintre à lartiste Paris Minuit 1993 HOCHSCHIlD A R The managed heart los Angeles University of California Press 1983 HONNETH A Travail et agir instrumental Travailler v 18 n 2 p 17 58 2007 INSTITUTO BRASIlEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Sistemas de informações e indicadores culturais Estudos pesquisas v 18 2006 JOUVENET M la carrière des artistes et les transformations de la production musicale Sociologia du travail v 49 n 2 p 145161 2007 KARTTUNEN S How to identify an artist Defining the population for StatusoftheArtist studies Poetics v 26 n 1 p 119 1998 KlEIN H J BECKER T E MEyER J P Commitment in organizations london Routledge 2009 KRIS E KURZ O Limage de lartiste légende mith and magie Marseille Rivages 1987 lAWRENCE T B PHIllIPS N Understanding cultural industries Journal of Management Inquiry v 11 n 4 p 430441 2002 MACÊDO K B Org O trabalho de quem faz arte e diverte os outros Goiânia Editora da PUC Goiás 2010 MENGER PM Artistc labor markets and careers Annual review of sociology v 25 p 541574 1999 Pedro F Bendassolli Jairo eduardo Borgesandrade ISSN 00347590 RAE São Paulo v 51 n 2 marabr 2011 143159 159 MENGER PM Le travail createur Paris Gallimard 2009 MENGER PM Les intermittents du spectacle Paris EHESS 2005 MENGER PM Portrait de lartiste en travailleur Paris Seuil 2002a MENGER PM Travail expressif loisir intensif CADRESCFDT n 403 p 4148 2002b MORIN E Sens du travail définition mesure et validation In VANDENBERGHE C DElOBBE N KARNAS G Eds Dimensions individuelles et sociales de linvestissement professionnel louvain la Neuve UCl 2003 v 2 p 1120 MORIN E le sens du travail pour des gestionnaires francophones Revue Psychologie du Travail et des Organisations v 3 n 23 p 2645 1997 MORIN E Os sentidos do trabalho RAErevista de administração de empresas São Paulo v 41 n 3 p 819 2001 MORIN E Sens du travail santé mentale au travail et engagement organisationnel Cahier de Recherche Montréal n 543 p 99193 2007 MORIN E CHERRÉ B les cadres face au sens du travail Revue Française de Gestion v 126 p 8393 1999 MORIN E M DASSA C Characteristics of a meaningful work Montréal HEC 2006 MOUlIN R Lartiste linstitution et le marche Paris Flammarion 1997 MOW International Research Team The meaning of working New york Academic Press 1987 OBRIEN J FEIS A Employment in the arts and cultural industries an analysis of the 1991 census london Arts Council of England 1995 PASQUAlI l Instrumentação psicológica Porto Alegre Artmed 2009 PRyOR R G l DAVIES R A comparison of conceptualizations of work centrality Journal of Organizational Behavior v 10 n 3 p 283289 1989 QUINTANIllA S A R The practical and theoretical importance of work meanings European Work and Organizational Psychologist v 1 n 23 p 8189 1991 QUINTANIllA S A R ENGlAND G W How working is defined structure and stability Journal of Organizational Behavior v 17 n 1 p 515540 1996 ROS M SCHWARTZ S H SURKISS S Basic individual values work values and the meaning of work Applied Psychology An International Review v 48 p 4971 1999 ROUSSEAU D M Psychological contracts in organizations london SAGE 1995 SENNETT R O artífice Rio de Janeiro Record 2009 THROSBy D Defining the artistic workforce the Australian experience Poetics v 28 p 255271 2001a THROSBy D Economics and culture Cambridge Cambridge University Press 2001b TOWSE R Human capital and artists labour market In Ginsburgh V A Throsby D Eds Handbook of the economics of art and culture AmsterdãNorthHolland 2006 p 865894 TRIST E l The sociotechnical perspective In VAN DE VEN A JOyCE W F Eds Perspectives on Organization Design and Behavior New york Wiley 1981 p 1975 WASSAll G H AlPER N O Toward a unified theory of the determinants of the earning of artists In Towse R Khakee A Eds Cultural economics Berlin Springer 1992 p 187200 WEISS R KAHN R l Definitions of work and occupation Social Problems v 8 n8 p 142151 1961 WEISSKOPFJOElSON E Meaning as an integrating factor In BÜHlER C MASSARIK F Eds The course of human life Oxford Springer 1968 p 359382