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Ciências Econômicas ·

Economia Monetária

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Economia Monetária Prof Dr Fábio José Esguícero CAPÍTULO 8 ECONOMIA MONETÁRIA DE KEYNES Livro Economia Monetária Autores JOÃO SICSÚ et al Segunda edição ano 2012 Editora Campus Capítulo 4 A DEMANDA POR MOEDA A ESCOLHA DE ATIVOS E A PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ EM KEYNES 1 ECONOMIA MONETÁRIA DE KEYNES Na economia monetária desenvolvida por Keynes ao contrário do que preceituava a teoria quantitativa da moeda não é possível definir posições de equilíbrio seja no curto ou no longo prazo sem se considerar o comportamento da moeda e da política monetária Isto porque a moeda nesta concepção não é apenas um meio de troca mas também uma reserva de valor pelo seu atributo de transportar a riqueza no tempo Portanto ela é mais do que uma forma conveniente de estabelecer a ponte entre os fluxos de entrada e saída de recursos como estabelecia a teoria clássica Para Keynes a moeda desempenha um papel duplo de meio de pagamento e forma de riqueza Seu retorno vem na forma de um prêmio de liquidez em vez de uma compensação pecuniária já que possui o maior prêmio de liquidez entre os ativos Neste sentido o insight fundamental do novo paradigma que Keynes em relação à teoria clássica vigente na época em que escreveu sua Teoria Geral procurou desenvolver é o reconhecimento de que em uma economia monetária a moeda tornase um ativo ainda que dotada de atributos que lhe são específicos pelo seu atributo de liquidez por excelência a moeda acalma as inquietações dos agentes diante das incertezas do futuro que são características de uma economia monetária Assim quanto maior a incerteza percebida pelos agentes maior tenderá a ser a retenção de moeda por parte deles para fazer frente à imprevisibilidade de um futuro que depende das decisões e comportamentos de todos os outros agentes que operam nesta economia Quando as expectativas dos agentes são pessimistas eles podem demandar segurança e flexibilidade no presente para enfrentar o futuro representadas por um ativo seguro que é a moeda A posse da moeda permite aos agentes manter opções abertas perante a incerteza do futuro Logo coeteris paribus quanto mais incerto é o futuro maior é a preferência pela liquidez dos agentes Notese que para Keynes incerteza não se confunde com risco probabilístico pois referese a determinados fenômenos econômicos para os quais não existe qualquer base científica para formar cálculos probabilísticos Para Keynes a moeda não é um mero véu nas transações feitas com mercadorias pois ela afeta os próprios motivos e decisões dos agentes Caso a renda não consumida seja usada para comprar riqueza não reprodutível como no caso da moeda e outros ativos líquidos pode haver deficiência na demanda efetiva na economia Consequentemente a não neutralidade da moeda mesmo no longo período proposta por Keynes repousa na proposição de que a moeda e ativos não reprodutíveis são formas de acumulação de riqueza alternativas à acumulação de bens de capital e que portanto o agente reter moeda e outros ativos líquidos como um ativo em momento de maior incerteza é um ato racional Keynes ao elaborar o que ficou conhecido como teoria da preferência pela liquidez criticou a tradição clássica segundo a qual a taxa de juros é o preço que equilibra a demanda por recursos para investir determinada pela produtividade marginal do investimento e a propensão de absterse do consumo imediato Em outras palavras a taxa de juros seria o fator equilibrante que determina a igualdade entre a demanda de poupança resultante do investimento novo que pode ser realizado a uma determinada taxa de juros e a oferta de poupança estabelecida a partir da propensão da comunidade a poupar A taxa de juros portanto ao invés de ser a recompensa pela espera pelo adiamento do consumo é segundo Keynes a recompensa por não entesourar ou seja a taxa de juros é o que se ganha não porque se poupa mas porque se aplica esta poupança em outros ativos como por exemplo ativos financeiros que não a moeda Neste sentido a determinação da taxa de juros é tomada como um fenômeno eminentemente monetário determinado pela preferência pela liquidez dos agentes e pela política das autoridades monetárias enquanto gestoras da política monetária ao invés de ser explicada por fatores reais tais como as preferências intertemporais dos agentes e a produtividade do capital como estabelecia a teoria clássica A preferência pela liquidez portanto determina a quantidade de moeda que o público desejará reter quando a taxa de juros for dada Como veremos nas seções seguintes as expectativas quanto ao futuro da taxa de juros fixadas pela psicologia dos agentes têm reflexos na preferência pela liquidez A condição necessária para a existência de preferência pela liquidez por parte dos agentes é a existência da incerteza quanto ao futuro da própria taxa de juros Mudanças na preferência pela liquidez devidas por exemplo a uma alteração nas informações disponíveis que ocasionem uma revisão nas expectativas dos agentes são frequentemente descontínuas causando consequentemente mudanças também descontínuas na taxa de juros Assim a cada conjunto de circunstâncias e de expectativas corresponderá uma taxa de juros apropriada Em síntese a moeda para Keynes é uma forma de riqueza e a taxa de juros o preço que guia a escolha entre as formas líquida e ilíquida de riqueza ao invés da escolha entre consumo presente e consumo futuro concebida pela teoria clássica Dado que a taxa de juros a qual como vimos é o que se recebe quando se adquire títulos financeiros ao invés de acumular moeda nunca é negativa por que alguém preferiria guardar sua riqueza de forma que rende pouco ou nenhum juro ao invés de conservála de outra forma que renda algo TG p 138 Foi procurando responder esta pergunta que Keynes desenvolveu sua teoria monetária 2 DEMANDA POR MOEDA E PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ a Circulação industrial Referese à quantidade de moeda necessária para dar suporte ao giro de bens e serviços produzidos na economia Esta quantidade por sua vez depende do intervalo médio durante o qual a moeda é retida entre transações por parte do público isto é da velocidade da moeda A circulação industrial incorpora uma visão de moeda e suas funções muito próximas às da TQM ao destacar a necessidade da existência de meios de circulação na economia para permitir que as transações com bens e serviços ocorram b Circulação financeira Inclui operações com ativos financeiros isto é cobre as necessidades de moeda para a realização de compras de ações títulos de dívida etc não relacionadas ao giro da renda corrente Neste circuito porém ao contrário do anterior a moeda não é apenas um meio de circulação podendo tornarse ela própria objeto de retenção como um ativo Confrontados com a expectativa de perdas de capital sobre os ativos financeiros caso se espere uma alta das taxas de juros no horizonte de decisão os agentes preferirão reter moeda a títulos de modo a evitar as perdas esperadas de capital enquanto aqueles que esperam uma queda nas taxas futuras de juros preferem comprar títulos agora ao invés de reter moeda para obter ganhos de capital mesmo que tenham que se endividar para fazêlo O circuito financeiro não tem lugar na TQM uma vez que a abordagem clássica ignorava a possibilidade de entesouramento ou retenção de saldos inativos por duração indefinida sendo a moeda vista somente como uma forma temporária de riqueza uma conveniência mas não como um ativo A característica mais distintiva deste circuito é seu descolamento da circulação de bens e serviços já que os motivos por detrás das operações financeiras têm pouco a ver com as atividades geradoras de renda quebrando qualquer relação de proporcionalidade entre a quantidade total de moeda em circulação e a renda agregada que é a pedra angular da TQM O reconhecimento de que reter moeda é uma alternativa em relação à retenção de outros ativos é a base da teoria monetária que Keynes iria desenvolver em sua A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda publicada em 1936 segundo a qual a moeda não é neutra mesmo no longo período 3 MOTIVOS PARA DEMANDAR MOEDA 31 Motivo transação Relacionado ao intervalo entre recebimentos e despesas de renda pagamentos contratuais como pagamentos de salários pelas empresas os juros e aluguéis ou despesas relacionadas à aquisição de bens ou serviços o motivo transação referese à retenção de moeda para realização de um ato definido de compra numa data especificada O volume de moeda demandado para a realização de transações depende do montante da renda e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e o seu desembolso ou seja das compras projetadas e dos hábitos de pagamento dos agentes daí sua natureza rotineira A frequência destas despesas pode variar mas o padrão global é bastante previsível podendo ser planejadas sem grandes riscos para serem saldadas com o fluxo monetário de entrada de acordo com um período de renda intervalo entre recebimentos e despesas Em termos agregados estas despesas podem ser aproximadas pelo nível de renda corrente Por isso o motivo transação tal como na circulação industrial incorpora uma visão de moeda e de suas funções muito próxima da TQM ou seja de que a moeda é necessária para que se façam compras e vendas de bens e serviços sendo a demanda por moeda para tais fins uma fração da renda 32 Motivo Precaução Os agentes podem reter moeda por precaução para atender às contingências inesperadas e às oportunidades imprevistas na realização de negócios vantajosos já que a moeda é um ativo seguro que serve para atravessar um futuro incerto e nebuloso Enquanto todos os saldos mantidos para o motivo transação são gastos dentro do período em que a renda é recebida e por isso não são considerados poupança a característica distintiva dos saldos por precaução é que eles não são gastos no mesmo período de renda em que são acumulados Em outras palavras a intenção de acumular saldos monetários por motivo precaução é uma intenção de transportar a moeda de um período de renda para outro A quantidade de moeda demandada para o motivotransação depende da renda nominal enquanto aquela relativa ao motivo precaução depende das incertezas em relação ao futuro 33 Motivo especulação A demanda por moeda para satisfazer o motivo especulação varia de modo mais ou menos contínuo sob o efeito de alterações graduais na taxa de juros de mercado Como uma primeira aproximação ao motivo especulação tracemos na Figura 1 uma curva relacionando as variações na demanda por moeda para satisfazer o motivo especulação com aquelas que ocorrem na taxa de juros devidas às variações no preço dos títulos e nas dívidas de vencimento diversos A curva de preferência pela liquidez mostra que a demanda por moeda aumenta à medida que a taxa de juros se reduz Notese contudo que a curva de preferência pela liquidez a partir de um determinado ponto tornase horizontal ou seja a demanda por moeda tornase infinitamente elástica a algum patamar baixo da taxa de juros fenômeno que ficou conhecido como armadilha da liquidez Isto pode ocorrer porque há a possibilidade de que tão logo a taxa de juros tenha baixado a certo nível a preferência pela liquidez dos agentes se torne absoluta no sentido de que os mesmos provavelmente irão preferir manter recursos líquidos a conservar uma dívida que rende uma taxa de juros tão baixa A incerteza quanto às variações futuras na taxa de juros é o fator determinante que explica a demanda especulativa por moeda e consequentemente justifica a conservação de recursos líquidos Para Keynes o que importa não é o nível absoluto da taxa de juros mas o seu grau de divergência quanto ao que se considera um nível razoavelmente seguro dos juros O valor observado deste por sua vez depende em boa medida do valor futuro que se lhe prevê Neste contexto os agentes formam expectativas específicas a respeito do futuro da taxa de juros mas que não são necessariamente corretas Todo agente que opera com ativos no mercado financeiro tem uma avaliação subjetiva dada sua própria experiência e seu acesso à informação do que constitui uma taxa normal de juros que ele espera que prevaleça depois que se descontem as flutuações observadas nessa variável no curto prazo Essa taxa funciona como uma âncora para suas expectativas com relação aos movimentos futuros da taxa de juros de mercado ou corrente Figura 1 Demanda por moeda no motivo especulação Considere um agente que tenha dois ativos a escolher para aplicar seus recursos moeda que é um ativo seguro e títulos que não são tão seguros mas rendem juros Conforme a taxa de juros corrente esteja situada acima ou abaixo da taxa normal os agentes procurarão vender ou comprar títulos Para estabelecer uma função demanda por moeda Keynes simplificou o problema usando o nível corrente da taxa de juros o que chamamos de taxa de juros de mercado como um indicador das mudanças esperadas da taxa o que é válido evidentemente enquanto as avaliações a respeito de qual seja a taxa normal mantiveremse inalteradas Portanto sejam M1 o montante de recursos líquidos conservado para satisfazer o motivo transação M2 o montante conservado para satisfazer o motivo especulação e M3 o montante para satisfazer o motivo precaução correspondente a três funções de liquidez L1 L2 e L3 em que a primeira depende principalmente do nível da renda a segunda da relação entre a taxa corrente de juros e o estado de expectativas quanto ao comportamento futuro da taxa de juros e a terceira das incerteza quanto ao futuro Assim temos que Md M1 M2 M3 L1 Y L2 r L3 I Onde L1 demanda por moeda para fins de transação é a função de liquidez correspondente à renda Y que determina M1 L2 demanda por moeda para fins especulativos a função de liquidez referente à taxa de juros r que determina M2 e L3 demanda de moeda para fins precaucionais a função de liquidez relacionada diretamente à incerteza quanto ao futuro aqui representada por I que determina M3 4 PRECIFICAÇÃO DE ATIVOS E PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ No capítulo 17 da Teoria Geral Keynes elaborou uma teoria de precificação de ativos utilizando uma estrutura mais diversificada de ativos em que uma dada quantidade de ativos é demandada de acordo com sua taxa própria de juros calculada segundo o preço corrente à vista dos ativos A taxa própria de juros de cada ativo é uma medida de seu retorno total esperado medido não somente em termos do direito de renda implícito nele mas também em termos da conveniência de sua posse e dos ganhos de capital que podem ser obtidos com sua venda Assim cada ativo oferecerá uma dada taxa própria de juros e os investidores escolherão aqueles que oferecerem as mais altas taxas de retorno possíveis A competição entre os possuidores de riqueza para obter os melhores ativos determinará os preços destes ativos que por sua vez sinalizarão quais ativos são relativamente escassos e quais estão com oferta excedente determinando assim a composição da riqueza total acumulada por uma comunidade em um determinado período O retorno total esperado oferecido por um ativo a sua taxa própria de juros é calculado através dos valores assumidos por quatro atributos a Taxa esperada de quaserenda ou mais simplesmente taxa de rendimentos que se espera ganhar pela posse ou uso do ativo como por exemplo máquinas dando origem a bens negociáveis que gerarão lucros os juros pagos nos títulos dividendos de ações etc b Custo de carregamento incorrido na retenção dos ativos como estocagem custos de seguro etc de modo a manter o ativo em seu estado original c Prêmio pela liquidez que mede a facilidade de negociação de um ativo no caso de desejo de mudança da composição do portfólio já que alguns ativos são mais facilmente negociáveis do que outros dando ao seu possuidor um retorno importante na forma de flexibilidade diante das mudanças inesperadas na economia d Taxa esperada de apreciação do ativo ao final de um período uma vez que o possuidor de riqueza pode ganhar ou perder com a apreciação ou depreciação dos preços de mercado daquele ativo entre a compra e o fim do período de retenção do mesmo Partindo portanto da hipótese de que cada classe de ativos possui sua taxa própria de juros ra o retorno total esperado de um ativo durante um certo período pode ser definido como a soma das seguintes taxas esperadas ra a q c l a apreciação do valor de mercado do ativo taxa de apreciação q rendimento do ativo c custo de carregamento incorrido na conservação do ativo l prêmio pela liquidez Nesta abordagem a preferência pela liquidez é refletida em termos do tradeoff entre retornos esperados aqc e o prêmio pela liquidez l causando substituições na estrutura de demanda por ativos que se diferenciam de acordo com combinações de retornos esperados e prêmio de liquidez que eles oferecem sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta A fórmula acima permite a comparação e escolha entre ativos que oferecem algum rendimento q c ganhos de capital a ou simplesmente segurança e flexibilidade conferida pela liquidez l De fato o mais original dos atributos identificados acima por Keynes é o prêmio pela liquidez Liquidez é um conceito bidimensional pois se refere simultaneamente à duração de tempo requerido para se negociar um ativo e à capacidade deste ativo de conservar seu valor ao longo do tempo Portanto um ativo é líquido quando o tempo requerido para o negociar é pequeno e a mudança esperada em seu valor também é pequena Combinando os atributos acima podese simplificadamente estabelecer a seguinte análise de ativos Bens de capital têm nos rendimentos sua principal característica mas são em geral ilíquidos e apresentam normalmente uma taxa de apreciação de capital negativa Moeda tem rendimento nulo e seu custo de carregamento é insignificante uma taxa de valorização também nula porém um prêmio de liquidez substancial Por fim os títulos e outros ativos financeiros são retidos por gerarem renda e possibilidade de apreciação de capital o que não é garantido mas com grau de liquidez variável dependente da existência de mercados secundários organizados ainda que maior que a dos bens de capital e menor que o da moeda A ideia central é que em equilíbrio os rendimentos esperados a serem obtidos pelos proprietários dos ativos não monetários devem ser iguais à sua liquidez relativa quando comparados à moeda de modo a igualar as vantagens marginais entre os ativos Os preços se moverão até que as vantagens relativas de um ativo sobre qualquer outro desapareçam Em termos da fórmula da taxa própria de juros para aqueles ativos que oferecem melhores retornos prospectivos os preços correntes que são o denominador de todos os elementos aumentarão até que a e qc sejam então reduzidos de forma que os ganhos extras que eram antecipados desapareçam Naturalmente o oposto ocorre com ativos de baixo rendimento os preços caem de forma que os valores de a e q c se elevem Em geral quando as expectativas dos agentes estão otimistas e a incerteza é baixa o atributo de liquidez não é tão importante quanto a possibilidade de ter ganhos monetários A taxa própria de juros de ativos líquidos tornase mais baixa que as taxas próprias daqueles ativos que são esperados render ganhos em a ou em qc tais como bens de capital Os agentes econômicos tentarão se livrar de moeda para obter bens de investimento os preços à vista destes se elevarão e nova produção será estimulada Alternativamente se a incerteza é alta o prêmio de liquidez da moeda será provavelmente mais alto que os rendimentos monetários oferecidos para outros ativos tais como bens de capital e títulos Agentes tentarão manter portfólios líquidos deprimindo os preços dos bens de capital e levando a uma contração no setor produtor deste bem