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LITERATURA COMPARADA Textos fundadores Surge no Brasil no final dos anos 70 grande interesse pela literatura comparada disciplina que vem desde então se desenvolvendo em ritmo acelerado e conquistando espaços no meio acadêmico e intelectual de maneira geral Fazendo parte dos currículos de Letras de diversas universidades brasileiras tanto na graduação quanto na pósgraduação tem gerado preciosos frutos como campo de pesquisas Literatura comparada textos fundadores reúne textos fundamentais para os pesquisadores e interessados poderem penetrar nos meandros da disciplina conhecendo as questões que a fundaram e consolidaram e as propostas que ainda estão na base de muitos trabalhos desenvolvidos hoje ORGANIZAÇÃO EDUARDO F COUTINHO TANIA FRANCO CARVALHAL LITERATURA COMPARADA TEXTOS FUNDADORES I er4t DEDALUS Acervo FFLCHLE Literatura comparada 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 21300092630 f J ri 1 I Organização de EDUARDO F COUTINHO TANIA FRANCO CARVALHAL LITERATURA COMPARADA TEXTOS FUNDADORES ORA flGCPla r v fJ J TOMBO123466 3BDFFLCHUSP O i Rio de Janeiro 1994 p 2 ç 02 I 3 Copyright 1994 by Eduardo F Coutinho e Tania Franco Carvalhal Direitos desta edição reservados à EDITORA ROCCO LTDA Rua Rodrigo Silva 26 5 andar 20011040 Rio de Janeiro RJ Te 5072000 Fax 5072244 Telex 38462 EDRC BR Printed in Brazillmpresso no Brasil preparação de originais EDUARDO F COUTINHO revisão WALTER VERÍSSIMOMAURÍCIO NETTO HENRIQUE TARNAPOLSKY JOÃO H A MACHADO CIPBrasi Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Literatura comparada textos fundadores I organização de 1755 Eduardo F Coutinho e Tania Franco Carvalha Rio de Janeiro Rocco 1994 1 Literatura comparada r Coutinho Eduardo de Faria 1946 lI Carvalhal Tania Franco 1943 CDD 809 940439 CDU 82091 I I SUMÁRIO Introdução Eduardo F Coutinho e Tania Franco Carvalhal 7 O método comparativo e a literatura Hutcheson M Posnett Trad Sonia Zyngier 15v Os estudos de literatura comparada no estrangeiro e na Fran ça Joseph Texte Trad Maria Luiza Berwanger da Silva 26 Observações críticas a respeito da natureza função e signi ficado da história da literatura comparada Louis Paul Betz Trad Sonia Zyngier 44 tA literatura comparada Benedetto Croce Trad Sonia Baleottj 60 Literatura comparada a palavra e a coisa Fernand Balden sperger Trad Ignácio Antônio Neis 65 Critica literária história literária literatura comparada Paul Van Tieghem Trad Cleone Augusto Rodrigues 894 Oieto e método da literatura comparada MariusFrançois Guyard Trad Maria Imerentina Rodrigues Ferreira 97 crise da literatura comparada René Wellek Trad Maria r Lúcia RochaCoutinho 108 nome e a natureza da literatura comparada René Wellek IId Marta de Senna 120 Os IIodos da sociologia literária Robert Escarpit Trad Ceonc Augusto Rodrigues 149 f liI sim do estudo de influências em literatura compara 1 da Claudio Iuillén Trad Ruth Persice Nogueira 157 Literatura comparada definição efunção Henry H H Re mak Trad Monique Balbuena 175 ifiriseda literatura comparada René Etiemble Trad Lúcia 9 Sá Rebelo 191 rjobre o estudo da literatura comparada Victor M Zhir munsky Trad Ruth Persice Nogueira 199 Para uma definição de literatura comparada Claude Pichois André Rousseau Trad Sérgio Rubens B de Almeida 215 Literatura geral e literatura comparada Simon Jeune Trad Beatriz Resende 219 Para o estudo comparativo de literatura Jan Brandt Cors tius Trad Marta de Senna 241 Propósito e perspectivas da literatura comparada A Owen Aldridge Trad Sonia Torres 255 O desafio da literatura comparada Werner Friederich Trad Neusa da Silva Matte 260 Comparando a literatura Harry Levin Trad Monique Balbuena 275 O que é literatura comparada S S Prawer Trad Marta de Senna 295 iLiteratura comparada definição Ulrich Weisstein Trad So nia Torres 308 Umafilosofia das letras François Jost Trad Neusa da Sil va Matte 334 Autores 349 INTRODUÇÃO Os textos a seguir reunidos são designados fundadores por te rem auxiliado a constituição da Literatura Comparada como dis ciplina Movidos todos pela intenção de definiIa discutem ques tões que estão no centro das preocupações comparatistas desde o início até hoje Nesse sentido têm simultaneamente interesse histórico e atualidade permanente pois que anteciparam no tem po a reflexão sobre algumas noções consideradas ainda básicas para a atuação comparatista Desse modo asseguraram sua uti lidade para aqueles que se dedicam à prática do comparatismo literário AgrupáIos em um único volume é iniciativa que intenta mi nimizar lacunas bibliográficas de que se ressente o estudioso da disciplina com dificuldades de acesso a alguns textos que tendo sido traduzidos não são fáceis de localizar ou a outros que apa recem agora pela primeira vez em português Essa disponibilida de de fontes primárias tornase importante sobretudo quando a Iiteratura Comparada alcança ampla difusão no Brasil como modalidade de estudo do literário e campo de investigação espcd ficos Diante disso a natureza histórica e portanto a ordem erollológica do material aqui reunido importa menos do que os e1elllelltosque nele vale identificar e contrapor Assim não se esplla quc esses textos sejam lidos apenas com o intuito de co 1I11lcilllClItO das origens da Literatura Comparada mas para que se saiha como gradativamente e não sem dificuldades ela se foi collsIitIlilltocomo uma modalidade particular dos estudos lite rriose caraclcrizandose pela especificidade dos problemas com os qlllls se oCllpa Se pmklllOs supor a existência de um conjunto específico de problemas como o objeto de estudo do comparatista interes sa examinar quais são eles como foram evoluindo no tempo co mo alimentaram constantemente a curiosidade dos estudiosos como se definiram e redefiniram em situações diversas e ainda por que permanecem no centro das preocupações comparatistas Estamos a aludir a questões bem conhecidas como a teoria dos empréstimos mútuos a relação entre individual nacional e uni versal os conceitos de fontes e influências presentes já nos pri meiros estudos da disciplina Em textos pioneiros como os de Hutcheson M Posnett de Joseph Textee de Louis Paul Betz ques tões como essas surgem a serviço de uma definição da Literatura Comparada e são reiteradas nos demais sob perspectivas diver sas mas sempre com a mesma intenção de compreender essescon ceitos na concepção da disciplina No conjunto desses textos iniciais encontramos o ensaio de Benedetto Croce em que se respira o pensamento arejado do crí tico italiano antecipador da investida contra o comparatismo his tórico de cunho meramente literário e simples testemunho de eru dição a que contrapõe o verdadeiramente histórico e explica tivo O estudo de Fernand Baldensperger no primeiro número da Revue de Littérature Comparée de 1921 procura retraçar as pri meiras contribuições comparatistas sintetizando as duas princi pais direções para que elas apontavam na época a tematologia ou estudo de temas da qual a Stoffgeschichte é um dos ramos e o estudo das interrelações visíveis entre as obras de várias lite raturas Esta última queria precisar os fenômenos de emprésti mos e determinar a zona de influência exterior nos grandes es critores Tratavase como diz o autor não de realizar simples inventários justapostos da literatura européia ou mundial mas de indicar o que G Brandes chamava de as grandes correntes que atravessavam os diversos grupos nacionais Paul Van Tieghem dez anos depois vai sistematizar os prin cípios e as modalidades de atuação comparatistas como se per cebe no capítulo que abre seu clássico manual aqui incluído Ao distinguir Literatura Geral de Literatura Comparada ele confe re a esta última o caráter de disciplina analítica preparatória aos trabalhos que buscariam uma visão sintética mas global de di versas literaturas Dá a ambas um estatuto de disciplinas históri cas traço que perdurará por muito tempo Não será outra a intenção de ME 9Jjar4em manual pos terior no qual insistirá sobre algumas dessas modalidades em particular a que se tornou conhecida como imagologia ou es tudo da imagem que os povos se fazem deles mesmos e dos ou I tros e entenderá a Literatura Comparada como um amplo cam po de relações internacionais O prefácio de J M Carré ao livro de Guyard é também esclarecedor das orientações básicas seguidas pela disciplina na época e de sua configuração como um ramo da história literária Instigante é o ensaio de EslléWellkcuja natureza polêmi ca se inscreve desde o título A crise da literatura comparada Pela crítica incisiva que tece contra o comparatismo de orienta ção históricopositivista e a defesa do primado do texto nos es tudos literários sem deixar de lado contudo a relação deste úl timo com o contexto sociocultural este ensaio constitui um marco no desenvolvimento da disciplina Wellek soube associar também a postura crítica com a inclinação às grandes sínteses descriti vas como a que faz em O nome e a natureza da literatura com parada Ali além de rastrear a designação da disciplina em di ferentes países discute amplamente o conceito de literatura mun dial a JVeltliteratur na expressão cunhada por Goethe Seu tra balho tem ainda o mérito de ao tratar da Literatura Compara da anali8ar o surgimento das demais disciplinas que estudam o literário dandonos um quadro amplo de suas constituições e interações À orientação historicista nos estudos comparatistas Robert Escarpit vai contrapor a sociologia literária como uma espé cie de ciência auxiliar da história literária capaz de revitalizá los e de neutralizar os equívocos existentes imprimindo um novo Iônus à disciplina Claudio Guillén por seu turno quer reavaliar a noção de influências numa perspectiva estética entendendoa como um alorcsc1areeedor do processo criativo Para isso relê os primei ros praticantes de Literatura Comparada identificando a teoria CSlljica subjacente a seus trabalhos Critica na concepção tradi cional de influência a idéia de transmissão a necessidade de colnprovalüoe a confusão entre influências e similaridades tex luais Ik inlcnçào metodológica seu texto propõe diversas alter nal ivas dc cstudos inluilo sislclllatizador move as reflexões de Henry H H 10 LITERATURA COMPARADA INTRODUÇÃO 11 Remak quando se ocupa com a definição e a função da Literatu ra Comparada Nesse texto adota um conceito da disciplina no qual amplia os campos de atuação apontando para estudos in terdisciplinares ou transdisciplinares Em seu trabalho esclare ce alguns aspectos essenciais do comparatismo enriquecendoo ainda com informações preciosas sobre autores obras e perió dicos da área de investigação Tal como a conferência de R Wellek e o texto de B Croce o capítulo de René Etiemble manifesta de imediato uma inten ção polêmica Sabemos que o autor ao assumir a cátedra na Sor bonne preconizou ali uma nova concepção da disciplina ampa rada em uma visão planetária do literário A abertura com re lação a literaturas nãoeuropéias identifica a posição eminente mente descentralizadora na valorização das especificidades de cada povo cultura e literatura sem excessosnacionalistas Ao con trário Etiemble ressalta no comparatismo a consciência su pranacional que ele quer firmar Victor M Zhirmunsky introduz no conjunto a concepção sistêmica de origem formalista ao acreditar que o estudo com parativo de tendências comuns na evolução literária conduz a uma compreensão de algumas leis gerais do desenvolvimento literário e simultaneamente a uma melhor compreensão das peculiari dades históricas e nacionais de cada literatura individual Esta belece a distinção entre analogias tipológicas ou convergên cias do mesmo tipo entre literaturas de povos distantes sem con tacto direto e importações culturais ou influências Os franceses Claude Pichois e André M Rousseau repetem as iniciativas de Van Tieghem e de ME Guyard na elaboração de um manuaL Como todo livro do gênero este registra a histó ria da disciplina descrevendoa ao examinar as formas de atua ção mais freqüentes e seus instrumentos No capítulo retirado da versão original há a preocupação de adotar uma definição de Literatura Comparada bastante ampla mas que ainda privilegia as analogias e as idéias de parentesco e filiação Simon Jeune por sua vez vai centrar as reflexões nos con ceitos de Literatura Geral e Literatura Comparada Para ele esta última será sobretudo o estudo de influências entre autores ou literaJuras de nações diferentes bem como o da propagação des sas influências Já Brandt Corstius insistirá na noção de comunidade lite rária internacional constituída pelas literaturas nacionais Tomaa como ponto de partida de uma reflexão eminentemente didáti ca que se preocupa com a formação do aluno nas universidades As questões básicas do comparatismo que se reiteram nos diversos textos ganham clareza também didática na exposição de A Owen Aldridge que se preocupa em rastrear diferentes posi ções sobre conceitos básicos dandoIhes uma variedade de apre ciações e enfatizando o cunho abrangente e interdisciplinar dos estudos Werner Friederich em O desafio da literatura comparada ocupase em ilustrar as atuações do que tem sido denominado Escola Francesa Embora saibamos que hoje essa designa ção usada para contrastar com uma eventual Escola America na já não tenha mais sentido pois que na França e nos Esta dos Unidos se adotam indistintamente os mesmos e variados prin cípios e procedimentos ela inicialmente distinguia os compara tistas entre os que seguiam uma orientação mais ortodoxa e his toricista perseguindo fontes e influências e os que acom panhavam o pensamento de R Wellek expresso em 1958 Por is so W Friederich os contrapõe aos estudiosos de universidades americanas aludindo também a suas configurações institucionais e curriculares Harry Levin no texto seguinte retoma as considrações so bre as diferentes tendências no comparatismo literário procurando entender a inicial inclinação assumida por estudiosos franceses como E Baldensperger através do contraste entre o contexto his tórico e cultural da França e da América do Norte Levando em conta a situação da disciplina Levin acentua bastante o seu ca rúlcr internacional e questiona a excessiva preocupação metodo lógica tão em voga que deve a seu ver ceder lugar a uma práti ca maior do comparatismo Às preocupações com a designação princípios objetivos e llldllllCllloda disciplina rdornam no estudo de S S Prawer ca pílldll illicial de seu olJlparative Literary Studies an Introduc íOl 1173 Ào disculir definições de uso corrente ressalta nelas o que llllllprllnlk COlllOprincípios básicos da disciplina isto é a cscolh1de PlllllllSde comparação em diversas línguas a análi se lklll de nllla lilnalnra o relacionamento das literaturas entre si COIlIOindispellslvcl 1 avaliação adequada esludo de IIIrich Wcissteinsobre Definição sintetiza as discussões iniciadas nos textos precedentes não só sobre a desig nação da disciplina e suas maiores correntes mas sobre as ques tões essenciais com que elas se defrontaram como por exemplo os problemas que surgem quando se busca uma definição para a essência da literatura nacional e a delimitação de várias litera turas relacionandoas umas com as outras a noção de Weltlite ratu a discussão entre Literatura Geral e Literatura Comparada e o estudo comparado da literatura oral Folclore No último dos textos selecionados e ordenados segundo a data de seu aparecimento François Jost dá um panorama da dis ciplina nos Estados Unidos confrontandoo com a situação de outros países e dizendo que ali tendências teóricas como o New Criticism afetaram profundamente o comparatismo caracterizandoo como uma prática na qual repercutem várias teo rias literárias com uma ausência quase total de preocupações na cionalistas Para ele a Literatura Comparada representa a filo sofia das letras um novo humanismo pois que a contextuali zação internacional na crítica e na história literária se tornaram lei e o comparatismo é mais do que uma disciplina acadêmi ca é uma visão globalizante da literatura do mundo das letras uma ecologia humanística uma Weltanschauung literária uma visão do universo cultural englobante e abrangente Se as palavras de F Jost podem parecer uma espécie de con clusão aos textos anteriores pela forma entusiasta com que se refere à Literatura Comparada não há aí a intenção de adotar esse caráter conclusivo Ao contrário os problemas da discipli na permanecem em discussão e é essa constante reavaliação a que a submetem os estudiosos que se torna responsável por sua vitalidade e renovação Nessa perspectiva é interessante obser var como há nos vários textos conceitos que coincidem e ou tros que se contrapõem Justamente anão uniformidade das idéias é que torna vivo o conjunto permitindo que se identifi quem as diversas tendências e que se avalie a pertinência de cada uma delas Foi com a intenção de deixar ao leitor a tarefa de compa rar os textos aqui reunidos em suas peculiares contribuições à constituição da Literatura Comparada que eles foram cuidado samente selecionados Outro volume em que se agrupam estu dos dos anos 70 até agora deverá complementar este primeiro Ao expressar as tendências contemporâneas da disciplina irá cer Eduardo F Coutinho UFRJ e TaniaFranco Carvalhal UFRGS tamente expor a heterogeneidade crescente que a vem caracteri zando Diante dessa mobilidade permanente importa remontar aos textos pioneiros presentes neste volume para que se possa ter uma idéia clara do percurso da Literatura Comparada em seu pro cesso de constituição e consolidação 13 INTRODUÇÃO LITERATURA COMPARADA 12 o MÉTODO COMPARATIVO E A LITERATURA Hutcheson Macaulay Posnett o método comparativo de adquirir ou comunicar conhecimento é num certo sentido tão antigo quanto o pensamento e em ou tro a glória peculiar do nosso século XIX Toda a razão toda a imaginação operam subjetivamente e passam de indivíduo para indivíduo objetivamente com a ajuda de comparações e diferen ças A proposição mais desbotada do lógico ou é a afirmação de uma comparação A é B ou é a negação de uma comparação A não é B qualquer estudioso do pensamento grego se lembra de como a confusão deste processo simples causada por erros so bre a natureza da cópula wn produziu uma enxurrada das as sim chamadas essências oveJLm que desorientaram mais as filosofias ál1tiga e moderna do que pode ser avaliado à primeira vista Mas não só as proposições desbotadas da lógica como tam bém os vôos mais altos e mais brilhantes da eloqüência oratória ou da imaginação poética são sustentados por esta estrutura ru dimentar de comparação e diferença este primeiro palanque por assim dizer do pensamento humano Se a experiência sensata for mula verdades científicas através das proposições afirmando ou negando comparações a imaginação até em suas cores mais vi vas se utiliza das mesmas formas elementares A inteligência ate niense e a reflexão alexandrina não perceberam esta verdade fun damental e esta falha é atribuída principalmente a certas carac terísticas sociais dos gregos Grupos como indivíduos precisam se projetar além do círculo de suas relações se quiserem entender sua própria natureza mas a grande estrada que desde então tem POSNETT Hutcheson MucalllayThe Comparative Method and Literature In Com parative Literature Ncw York Appleton 1886 p 7386 16 LITERATURA COMPARADA o MÉTODO COMPARATIVO E A LITERATURA 17 levado à filosofia comparada estava fechada ao grego devido ao seu desprezo por qualquer língua que não fosse a sua Ao mes mo tempo as comparações de sua própria vida social em etapas bastante diversas foram reduzidas parcialmente pela falta de mo numentos do seu passado muito mais por desprezo aos gregos menos civilizados como os macedônios e principalmente pela massa de mitos demasiado sagrada para ser tocada pela ciência e por demais emaranhada para ser desembaraçada com proveito pelas mãos de céticos impacientes Desta forma privados do es tudo histórico de seu próprio passado e circunscritos aos limites das comparações e distinções que sua própria língua adulta per mitia não é de se surpreender que os gregos fizessem pouco pro gresso em relação ao pensamento comparativo como um assun to não só de ação inconsciente mas também de reflexão consciente Esta reflexão consciente tem sido o crescimento do pensamento europeu nos últimos cinco séculos inicialmente é certo um tan to frágil mas por razões de origem recente agora florescendo com um vigor saudável Quando escreveu De vulgari eloquio Dante marcou o início de nossa ciência comparativa colocando o problema da natureza da linguagem um problema que não deve ser tratado com levian dade pelos povos da Europa moderna que herdaram diferente mente do grego ou do hebraico uma literatura escrita numa lín gua cuja decomposição simplesmente foi levada a constituir os elementos de sua própria fala viva Foi o Renascimento latino seguido pouco depois do Renascimento grego que estabeleceu as fundações para o método comparativo no espírito da Europa En quanto isso o crescimento das nacionalidades européias criava novos pontos de apoio novos materiais para comparação nas ins tituições e nos modos de pensar ou sentir modernos A descober ta do Novo Mundo colocou esta nova civilização européia face a face com a vida primitiva e despertou os homens para contras tescom suas próprias organizações contrastes estesmais marcantes do que os bizantinos ou sarracenos poderiam oferecer O comér cio também colocava agora as nações européias ascendentes em conflito e as Irazia ao conhecimento mútuo mais do que isso da va mais liberdade pessoal aos habitantes das cidades ocidentais do que elesjamais haviam possuído Junto com o crescimento da riqueza e da liberdade veio um despertar da opinião pessoal entre os homens e mesmo um kvanle da opinião pessoal contra a auto ridade que ganhou o nome de Reforma mas um levante que na época dos conflitos feudais monárquicos e populares em que a educação era um privilégio de poucos e até a transmissão de idéias corriqueiras era tão lenta e irregular quanto as péssi mas estradas e o pior banditismo conseguiam tornáIa pode ria ser facilmente questionado mesmo em países onde se acredi tava que tivesse realizado grandes feitos A indagação individual e com ela o pensamento comparativo questionada nos âmbitos da vida social por choques freqüentes com o dogma teológico voltouse para o mundo material começou a acumular grandes reservas de conhecimento material moderno e somente nos dias mais recentes de liberdade começou a construir a partir deste lado físico perspectivas seculares da origem e do destino do ho mem que do ponto de vista social havia sido previamente repri mido pelo dogma Enquanto isso o conhecimento europeu da vida social do homem nas suas múltiplas variedades atingia pro porções que nem Bacon nem Locke haviam imaginado Missio nários cristãos traziam para o seu país a vida e a literatura da China de uma forma tão vívida para os europeus que nem a arte nem o ceticismo de Voltaire impediram que tomassem emprésti mo da tradução de um drama chinês publicada em 1735 e feita pelo jesuíta Prémare Ingleses na Índia aprendiam aquela antiga língua quSir William Jones no final do século XVIII havia apresentado aos estudiosos europeus e logo os pontos de seme lhança entre esta língua e a dos gregos e italianos teutões e cel tas foram observados e usados como tantos outros elementos que os homens utilizaram em sua imaginação para ultrapassar o vas to tempo que separa os antigos arianos dos seus descendentes oci dentais modernos Desde aquela época o método de compara ção tem sido aplicado a vários assuntos além da linguagem e muitas influências novas foram combinadas para tornar o pen samento da Europa mais pronto do que nunca para comparar e contrastar A máquina a vapor o telégrafo a imprensa diária agora colocam a vida local e central popular e culta de cada país europeu e as ações do mundo inteiro face a face e os hábitos de comparação surgiram e predominaram de uma ma neira ampla e vigorosa como nunca Porém ao chamarmos cons cientemente o pensamento comparativo de a grande glória de nos so século XIX não nos esqueçamos de que tal pensamento se deve principalmente ao progresso mecânico e de que muito an 18 LITERATURA COMPARADA o MÉTODO COMPARATIVO E A LITERATURA 19 tes de nossos filólogos comparados juristas economistas e ou tros estudiosos como Reuchlin usaram o mesmo método de uma forma menos consciente menos precisa porém desde o primei ro momento prenunciando uma visão geral ao invés da perspec tiva exclusivista da crítica grega Eis então aqui um rápido es boço do pensamento comparativo na história européia Como é tal pensamento como são seus métodos ligados ao nosso as sunto Literatura Observouse que a imaginação mais do que a experiência tra balha por meio de comparações mas esquecese com freqüência que o alcance destas comparações está longe de ser ilimitado no espaço e no tempo na vida social e no ambiente físico Se a ima ginação científica como o Professor Tyndall já explicou e ilus trou está muito presa às leis da hipótese a magia do artista lite rário que parece tão livre está igualmente presa nos limites das idéias já estipuladas pela língua deste grupoÀ diferença do ho mem de ciências o homem de literatura não pode cunhar pala vras para novas idéias seus versos ou prosa ao contrário das des cobertas do homem de ciências devem atingir a inteligência mé dia não a especializada As palavras devem passar do uso espe cial para o geral antes de serem usadas por ele e na mesma pro porção em que se desenvolvem tipos especiais de conhecimento legal comercial mecânico e outros afins mais acentuada se torna a diferença entre a linguagem da literatura e a da ciência a linguagem e as idéias da comunidade em contraste com aque las pertencentes às suas partes especializadas Se seguirmos a as censão de qualquer comunidade civilizada a partir dos clãs e tri bos isoladas poderemos observar um desenvolvimento duplo que está intimamente ligado à linguagem e às idéias da literatura a expansão do grupo para fora um processo acompanhado por expansões de pensamento e sentimento e uma especialização das atividades dentro do grupo um processo do qual depende a as censão de uma classe literária religiosa ou secular que desfrute o lazer Este último é um processo conhecido pelos economistas como divisão de trabalho o primeiro conhecido pelos arqueó logos como a fusão de grupos sociais menores em grupos sociais maiores Enquanlo que a gama de comparações aumenta de re lações e afinidades de clã para relações e afinidades nacionais e até mesmo mundiais processo de especialização separa idéias palavras e formas de eSCIlverdo domínio apropriado da litera tura Desta forma na idade homérica a fala da Ágora nada ti nha de profissional ou especializada e é assunto apropriado da poesia mas na época da oratória ateniense profissional a fala se encontra fora de compasso com o drama e tem o sabor demasia damente forte da escola do orador Poetas árabes da Ignorân cia cantam a sua vida de clã Spencer resplandece com senti mentos nacionais cálidos Goethe e Victor Rugo ultrapassam pen samentos do destino nacional É devido a esses dois processos de expansão e especialização que a linguagem e as idéias da lite ratura se transformam gradualmente a partir da linguagem espe cial e idéias especiais de certas classes em qualquer comunidade altamente desenvolvida e a literatura passa a diferir da ciência não só por seu caráter imaginativo mas também pelo fato de que sua linguagem e idéias não pertencem a nenhuma classe especial Na verdade sempre que a linguagem e as idéias literárias deixam de ser propriedade comum a literatura tende para a imitação ou para a especialização para se tornar ciência com vestes literárias como muita da poesia metafísica inglesa tem se apresentado ultimamente Tais fatos destacam a relação do pensamento e do método comparativos com a literatura Será o círculo da fala e do pensamento comuns o círculo do pensamento comparativo do grupo tão estreito quanto uma aliança tribal Ou será que vários desçs círculos se combinaram num grupo nacional Se rão os ofícios de padre e cantor ainda combinados numa espécie de ritual mágico Ou será que as profissões e os ofícios se desen volveram cada qual por assim dizer com seus próprios dialetos por razões práticas Então devemonos lembrar que estas evolu ções externas e internas da vida social acontecem freqüentemen te de forma inconsciente ao formularem comparações e diferen ças sem refletir na sua natureza ou limites devemonos lembrar que cabe à comparação reflexiva ao método comparativo res gatar este desenvolvimento de uma forma consciente e procurar as causas que o produziram Observemos agora o uso literário de tal comparação numa forma menos abstrata e mais viva Quando Matthew Arnold define a função da crítica como sendo um esforço imparcial para se aprender e propagar o que de melhor se sabe e se pensa no mundo ele tem o cuidado de acrescentar que muito deste melhor conhecimento e pensamento não tem origem inglesa e sim estrangeira O crítico inglês nesses tempos de literatura internacional deve lidar em grande parte com 20 LITERATURA COMPARADA O MÉTODO COMPARATIVO E A LITERATURA 21 flores e frutas estrangeiras e por vezes com espinhos Ele não pode se satisfazer com os produtos da cultura de seu próprio país embora possam variar desde as frutas selvagens das vastas regiões solitárias dos saxões à abundância rústica da época elizabetana da elegância aristocrática de Pope aos gostos democráticos de hoje Demogeot publicou recentemente um estudo interessantel sobre a influência da Itália Espanha Inglaterra e Alemanha na literatura francesa nosso crítico inglês deve fazer o mesmo para a sua literatura A cada etapa do progresso da literatura de seu país ele é de fato forçado a olhar para além de suas costas marí timas Será que ele acompanha Chaucer em sua peregrinação e escuta os contos dos peregrinos Os aromas das terras do sul en chem a atmosfera do Tabard Inn e no caminho para Canterbury faz flutuar seu pensamento em direção à Itália de Dante de Pe trarca e de Boccaccio Será que ele observa a tripulação audacio sa de Drake e Frobisher descarregar em porto inglês a riqueza do seu butim espanhol e escuta a conversa dos grandes capitães cheia de expressões aprendidas dos súditos galantes de Felipe lI A Espanha de Cervantes e Lope de Vegacresceperante seus olhos e a nova riqueza física e mental da Inglaterra elizabetana o trans porta nas asas do comércio e da fantasia aos portos barulhentos de Cádiz e aos palácios dos grandes do reino espanhol Através das ruas estreitas e sujas da Londres elizabetana cavalheiros ele gantes com espadas espanholas ao lado e expressões espanholas nas bocas caminham para lá e para cá em vestes ao gosto dos espanhóis Os teatros rústicos ressoam com alusões espanholas E não fosse o conflito mortal entre o inglês e o espanhol nos mares e o temor dos ingleses à Espanha como defensora da in terferência papal o hélicon da Inglaterra poderia vir a esquecer o sol poente das repúblicas italianas e apreciar o resplendor da luz solar das influências espanholas Mas agora nosso crítico se encontra na Whitehall de Carlos 11 ou reclinase nas poltronas de cafés como o Wills ou freqüenta os teatros cuja restauração recente corta o coração de seus amigos puritanos Em todos os lugares a mesma coisa As expressões e modos espanhóis foram esquecidos Na cortc Buckingham e os outros perfumam seu es pírito licencioso com Jouquet francês No Wills Dryden glori fica as tragédias rimadas de Racine os teatros extravagantes com artifícios cênicos desconhecidos por Shakespeare estão repletos de platéias que nos inlervalos lagarelam crítica francesa e aplau dem com igual fervor tanto indecências abusivas quanto a sime tria formal Logo o Boileau inglês irá levar a cultura do exotis mo francês até onde a estufa inglesa comportar logo o ceticis mo que a imoralidade requintada da corte os juízes e o Parla mento consideram de bomtom entre os poucos que ainda orien tam os destinos da nação inglesa passará de Bolingbroke a Vol taire e de Voltaire aos revolucionários Não precisamos acom panhar nosso crítico a Weimar nem procurar com ele algumas fontes da influência alemã na Inglaterra na antipatia inglesa pe la França e a sua revolução Ele provou que a história da litera tura em nosso país não pode ser explicada somente pelas causas inglesas como acontece com a origem da língua inglesa e de seu povo Ele provou que cada literatura nacional é um centro em direção ao qual forças nacionais e internacionais gravitam Nós agradecemos por este vislumbre de um crescimento tão amplo tão variado tão cheio de complexa interação tratase de um as pecto da literatura estudada comparativamente mas apesar de toda sua aparente amplitude é apenas um aspecto A literatura nacional tanto se desenvolveu de dentro como foi influenciada de fora e o estudo comparativo deste desenvolvimento interno é de muito maior interesse do que o do externo porque aquele é menos uma questão de imitação do que de uma evolução dire tamente dependente de causas sociais e físicas Portanto o estudioso se voltará às fontes internas sociais ou físicas do desenvolvimento nacional e ao efeito das diferen tes fases deste desenvolvimento na literatura como o verdadeiro campo do estudo científico Ele observará a expansão da vida social a partir dos círculos restritos dos clãs ou comunidades tri bais possuídos daqueles sentimentos e pensamentos que pode riam existir dentro de tais esferas restritas e expressando em sua poesia rústica um intenso sentimento de fraternidade e débeis conceitos de personalidade Ele observará o aprofundamento de sentimentos pessoais na vida isolada do feudalismo que exclui o comunismo do clã a reflexão de tais sentimentos nas canções de heroísmo pessoal e os novos aspectos que a vida do homem da natureza e dos animais o cavalo o cão o falcão da poesia feudal por exemplo assume quando desta mudança na orga nização social Então ele notará o início de um novo tipo de vi da corporativa nas cidades em cujas ruas os sentimentos de ex clusividade do clã irão perecer a extraordinária importância da pcrsonalidade feudal irá desaparecer novas formas de caráter in 22 LITERATURA COMPARADA O MÉTODO COMPARATIVO E A LITERATURA 23 dividual e coletivo aparecerão e o drama tomará o lugar do can to comunal antigo ou a canção da mansão do chefe tribal A se guir a cena mudará para as cortes da monarquia Aqui os senti mentos das cidades e dos senhores feudais são focalizados a imi tação dos modelos clássicos complementa as influências de união nacional crescente e a literatura refletindo uma sociedade mais expandida um sentido de individualidade mais profundo do que nunca produz suas obrasprimas sob o patrocínio de uma Eliza beth ou um Luís XlV Ao observar tais efeitos de evolução social na literatura o estudioso não irá de modo algum restringir sua perspectiva a este ou àquele país Ele perceberá que se a Ingla terra teve sua época dos clãs a Europa em geral também a teve que se a França teve sua poesia feudal também a Alemanha a Espanha e a Inglaterra a tiveram que apesar do crescimento das cidades ter afetado a literatura de forma diferente por toda a Eu ropa mesmo assim há características gerais que são comuns às suas influências e que o mesmo pode ser dito do centralismo nas nossas nações européias Sigase o curso da influência do púlpi to cristão das instituições judiciais ou da assembléia popular sobre o desenvolvimento da prosa nos diferentes países europeus e logo se perceberá o quanto a evolução social interna se refletiu igualmente na palavra e no pensamento literário o quão essen cial se torna para qualquer estudo preciso de literatura passar da linguagem para as causas que permitiram que a linguagem e o pensamento atingissem condições de sustentar uma literatura e o quão profundamente este estudo deve ser feito em termos de comparação e contraste No entanto não devemos subestimar nos sas dificuldades em traçar os efeitos de tal evolução interna nos versos e prosa de um povo Ao contrário devemos admitir logo de início que tal evolução é passível de se tornar obscura ou to talmente oculta devido à imitação de modelos estrangeiros Mos traremos agora um exemplo de tal imitação Os casos de Roma e da Rússia são suficientes para provar que influências externas levadas além de certo ponto podem con verter a literatura fruto do grupo a que pertence em algo exóti co merecedor de estudo científico somente como produto artifi cial indiretamcntc dependente da vida social Que se forme um instrumento da fala que se estabeleça um centro social que seja dada uma oportunidade para o crescimento de uma classe literá ria capaz de depender de seu trabalho Neste caso somente uma corrente muito forte de idéiasnacionalistas ou uma ignorância total de modelos estrangeiros e antigos podem evitar a produção de trabalho imitativo cujos materiais e composição não importa o quão diferentes sejam daqueles que caracterizam o grupo po dem ser emprestados de climas os mais diversos de condições sociais as mais opostas e das concepções de caráter pessoal per tencendo a épocas totalmente diferentes Esta situação é passível de acontecer quando a minoria erudita de um grupo comparati vamente nãocivilizado passa a conhecer modelos literários de homens que já passaram por muitos níveis de civilização e que podem como parece fazer com que seja economizado o tempo e o trabalho de repetir em âmbito nacional a mesma trabalhosa ascensão A literatura de imitação de Roma é um exemplo co nhecido de tal empréstimo a da Rússia parecia por algum tem po destinada a seguir os modelos franceses da mesma forma que Roma seguiu os dos gregos Não se pode deixar de perceber co mo esta imitação dos modelos franceses invariavelmente iria ocul tar o verdadeiro espírito nacional da vida russa lançar um véu de ignorância desdenhosa sobre seu passado bárbaro e substituir em sua literatura o desenvolvimento da nação pelo capricho de um grupo russogálico Num país cuja vida social era e ainda é baseada principalmente na organização comunitária do Mir ou comunidade da aldeia a literatura francesa altamente indivi dualizada ornouse uma fonte tão favorita de imitação que dei xou em segundo plano aquelas canções folclóricas que finalmente começam agora a ser examinadas devido ao espírito restaurador da literatura nacional na Rússia e ao estudo social na Europa em geral Esta imitação russa da França pode ser ilustrada nos tra balhos do Príncipe Kantemir 17091743 que foi chamado de o primeiro escritor da Rússia o amigo de Montesquieu e o imitador de Boileau e Horácio nas suas epístolas e sátiras nos trabalhos de Lomonossoff 17111765o primeiro escritor clás sico da Rússia aluno de Wolf fundador da Universidade de Mos cou reformador da língua russa que através de seus Panegíri cos acadêmicos sobre Pedro o Grande e Elizabeth tentou suprir a carência daquela prosa verdadeiramente oratória que somente as assembléias livres podem promover tentou um poema épico Petreida em homenagem ao grande Czar e moldou suas odes segundo os poetas líricos franceses e Píndaro2 nos trabalhos de Soumarokoff que adaptou ou traduziu Corneille Racine e Vol taire para lealro de São Petersburgo estabelecido por Elizabeth 24 LITERATURA COMPARADA o MÉTODO COMPARATIVO E A LITERATURA 25 da mesma maneira com que Plauto e Terêncio haviam introduzi do o drama ateniense em Roma Assim como em Roma se havia configurado um conflito entre os sentimentos da antiga família romana e o espírito individualista dos gregos bem como os no bres esclarecidos e de posição se haviam deleitado em substituir os sentimentos arcaicos da vida familiar e medidas arcaicas co mo os versos saturninos pelo pensamento erudito e pela métrica harmoniosa da Grécia também na Rússia configurouse um con flito entre o individualismo francês muito estimado pela corte e pelos nobres e os sentimentos sociais da com una e família Da mesma forma que as Builinas e as canções folclóricas os monu mentos mais antigos do pensamento russo a Crônica do monge Nestor 10561116 e a Canção de Igor certamente não iriam atrair a atenção de tais imitadores e para um povo que nunca havia experimentado o feudalismo ocidental com sua poesia de cavalaria que não havia conhecido a Renascença ou a Reforma chegou uma imitação de progresso ocidental que ameaçou du rante algum tempo ser tão fatal à literatura nacional quanto a imitação das idéias gregas havia sido para Roma Nesta China européia como a Rússia com seus sentimentos de família e de voção filial ao Czar é chamada as influências francesas e pos teriormente alemãs e inglesas ilustram de forma clara as dificul dades a que o trabalho de imitação em descompasso com a vida social expõe um cientista da literatura mas o triunfo crescente da vida nacional russa como a verdadeira fonte da sua literatura caracteriza a necessidade de vitalidade verdadeira para qualquer literatura que dependa de tais imitações estrangeiras Estes aspectos internos e externos do crescimento literário são desta forma objetos da investigação comparativa As lite raturas não são palácios de Aladim construídos por mãos invisí veis num piscar de olhos São resultados concretos de causas que podem ser especificadas e descritas A teoria de que a literatura é uma obra separada de indivíduos que devem ser adorados co mo imagens caídas do céu que não são conhecidos como artífi ces da linguagem e idéias de sua época e de seu lugar e a teoria semelhante de que a imaginação transcende as associações de es paço e tempo muito fizeram para ocultar a relação entre ciência e literatura e prejudicar o trabalho de ambas Porém esta teoria dos grandes homens é na verdade suicida Ao separar a histó ria da literatura em biografias e impedir o reconhecimento de quaisquer linhas de desenvolvimento ordenado esta teoria logi li camente reduz não só aquele que é considerado como gênio ex cepcional mas também todos os homens e mulheres de even tual personalidade ao desconhecido ao infundado Na verdade esta teoria resulta numa negação absoluta do conhecimento li mitado ou ilimitado Por outro lado a teoria de que a imagina ção opera fora dos limites de espaço e tempo Coleridge por exem plo nos diz que Shakespeare está tão desvinculado do tempo quanto Spencer do espaço não deve ser rejeitada por qualquer afirmação igualmente dogmática de que a imaginação é limita da pela experiência humana A teoria deve ser rejeitada ou esta belecida de acordo com critérios de estudos comparativos A questão central destes estudos é a relação do indivíduo com o grupo Encontramos nossas principais justificativas para considerar a literatura passível de explicação científica nas alte rações ordenadas pelas quais esta relação passou da forma co mo nos é revelada pela comparação entre as literaturas perten centes a estados sociais diferentes É bem verdade que há outras perspectivas profundamente interessantes através das quais a ar te e a crítica da literatura também podem ser explicadas a da natureza física a da vida animal Porém estas não são suficien tes para nos revelar os segredos da feitura da obra literária Por tanto com uma modificação adotamos a expansão gradual da vida sociái do clã para a cidade da cidade para a nação de am bos para a humanidade cosmopolita como a ordem adequada de nossos estudos de literatura comparada NOTAS 1 Histoire des littératures étrangeres Paris 1880 2 Não há dúvida de que o filho do pescador de Arcanjo fez muito para criar uma lite ratura nacional principalmente devido a seu rompimento do antigo eslavo da Igreja com a linguagem falada mas seus trabalhos evidenciam a influência francesa apesar de suas preferências nacionais OS ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA 27 OS ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA NO ESTRANGEIRO E NA FRANÇA Joseph Texte Produzse há alguns anos em torno de nós na Alemanha na In glaterra na Itália nos estudos de história literária um movimento voltado para o estudo comparativo das literaturas modernas De nacional ou local como o era geralmente até aqui a história lite rária possui uma tendência manifesta de se tornar européia e in ternacional As relações das diversas literaturas entre elas as ações e reações que elas exercem ou sofrem as influências morais ou simplesmente estéticas que derivam destas trocas de idéias tudo isto constitui um campo de estudos ainda quase novo e que acreditase preocupará cada vez mais os historiadores Talvez haja nisso o gérmen de um novo método em história literária Um es critor inglês Posnett pensou e publicou há alguns anos já em 1886 um tratado sistemático de literatura comparada onde pos tulava as bases da crítica noval Sem dúvida a tentativa é pre matura mas é curioso como o próprio livro somandose a este aspecto o grande número de trabalhos que a literatura compara da suscitou recentemente no estrangeiro nos leva a crer que este campo de nossas pesquisas não é com efeito sem perspectivas Este é também o pensamento de um erudito alemão Wetzz que publicou recentemente no início de um livro sobre Shakespea re uma curiosa síntese da história e dos métodos da crítica com parativa A ocasião pareceme pois conveniente para tratar diante TEXTE Joseph Les études de littérature comparée à létranger et en France Revue nternationale de lEnseignement Paris 25 1893 25369 Primeira aula de um curso proferido na Faculté des Lettres de Lyon sobre o tema a influência das literaturas germâ nicas sobre a literatura francesa desde o Renascimento N de vocês a propósito da literatura francesa de um tema desta natureza para nos perguntarmos qual o objetivo de semelhantes pesquisas sua razão de ser sua legitimidade enfim suas chances de desenvolvimento I o estudo comparado das obras literárias constitui uma novida de Posnett confessao com sinceridade É um dos legados au tênticos da crítica antiga Comparar Homero com Virgílio De móstenes com Cícero Menandro com Terêncio investigar o que tal autor latino deve a tal autor grego perguntarse em que fon te geralmente estrangeira Plauto buscou o tema de suas comé dias Horácio as regras de sua Arte Poética Sêneca as intrigas de suas tragédias estes lugarescomuns da história literária eram familiares à crítica dos antigos Ora todas estas questões corre lacionamse ao primeiro contato com a literatura comparada No entanto a comparação ainda que praticada na época pelos antigos nunca alcançou entre eles a postura de um método por ser pouco rigorosa e isto por duas ou três razões que saltam aos olhos o pequeno número das literaturas conhecidas pelos anti gos é bem verdade que os gregos da época clássica parecem ter conhecido apenas a própria literatura a ausência do ponto de vista crítico e histórico no estudo destas literaturas a estreita de pendência da literatura romana com relação à grega da qual a primazia permanecerá sempre bem estabelecida e a alta origina lidade incontestável Se aliás a idéia do cosmopolitismo introduziuse nos espíritos no declínio das civilizações antigas esta idéia permaneceulhes estranha na época do maior esplen dor destas civilizações A superioridade da cultura helênica ine gável aos olhos de um grego sobre toda civilização bárbara constitui a morte de toda curiosidade referente aos costumes à arte e às literaturas exóticas Além disso e esta constitui uma observação engenhosa de Posnett a própria idéia que os antigos faziam da produção literária valorizava pouco o que compreendemos por literatura comparada Para que ela tenha lugar nos estudos do gênero de que falamos é preciso com efeito que uma literatura seja con cebida como a expressão de um estado social determinado tribo 28 LITERATURA COMPARADA os ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA 29 clã ou nação do qual representa as tradições o gênio e as espe ranças É preciso que ela possua um caráter nitidamente local familiar ou nacional e que a totalidade das obras que a consti tuem apresente um certo número de traços comuns que lhes as segurem urna espécie de unidade moral ou estética É preciso em síntese que ela constitua um gênero bem determinado na grande espécie da literatura da humanidade Somente assim podese dar lugar a aproximações comparações ao estudo das afinidades e diferenças Ora os antigos nunca conceberam esta relatividade de toda literatura Esta foi antes de tudo aos seus olhos a ex pressão das idéias mais gerais mais permanentes e se posso di zer mais constantemente semelhantes a elas próprias Corno ciên cia só havia para elesliteratura geral o relativo o local ou o pas sageiro constituíam tãosomente sombras do quadro ou se qui sermos um receptáculo destinado a tornar mais viva a grande luz das verdades que não passam Assim a idéia de urna litera tura que evolui conforme as modificações lentas de urna socie dade modelandose sobre ela e reagindo à sua época mas sem jamais poder desprenderse dela sempre lhes foi estranha Compreendiase a obra literária menos corno urna obra nacional do que corno urna pedra trazida para a construção por um mo mento mais duradouro Desde então não havia lugar para esta belecer urna comparação entre as diversas literaturas conhecidas a não ser para mostrar que se aproximavam no deprezo do tran sitório e no culto do imperecível E se é verdade corno o demons tra H M Posnett tão enfaticamente que a idéia que um povo faz da literatura é um fator importante de seu desenvolvimento literário vêse suficientemente que conseqüências urna idéia desta natureza pôde ter para a literatura e por conseguinte para a crí tica dos antigos Com efeito a crítica comparativa das obras de arte só pode datar da Idade Moderna Foi o Renascimento latino seguido pouco depois do Renascimento grego que estabeleceu as funda ções para o método comparativo no espírito da Europa Pois é entre o primeiro e o segundo renascimento das letras que as nacionalidades se constituem na Europa corno grupos distintos nitidamente separados pela origem étnica pelas instituições e pela raça Esta transformação do estado político da Europa é de pri meira importância para a concepção da história literária que de universal que era ou que deveria ter sido na Idade Média tornava ili se ou ia tornarse antes de tudo nacional Esta unidade relativa do pensamento que haviam imposto na Idade Média a comuni dade religiosa o uso universal da língua latina e a idéia sempre renascendo do Santo Império rompese portanto para dar lu gar à diversidade das raças dos governos e dos idiomas Vagas e flutuantes até aqui as fronteiras intelectuais seguindo neste aspecto o destino das fronteiras políticas definemse e estruturam se Às vezes erguemse corno barreiras daí urna nova divisão da matéria literária Enquanto em todo o curso da Idade Média esta matéria fosse aliás épica filosófica ou dramática era de domínio comum e indivisível entre as nações subitamente ocor re um certo tipo de divisão Cada urna das nações pretende de terminar sua parte do tesouro estabelecer sua sorte e com base no campo conquistado imprimir sua marca tornandoa sua Tan tos grupos étnicos quantas literaturas e línguas distintas Seguindo a expressão de Posnett quando Dante escrevia seu De vulgari eloquio marcava o ponto de partida de nossa ciência comparati va colocando o problema da natureza da linguagem Ele escre via com efeito a primeira monografia consagrada a urna língua moderna Haverá outros nesta mesma linha de pensamento As sim nasceu na Europa a filologia comparada Com o Renasci mento ela se aplica aos textos profanos Com a Reforma aos textos sagrados Corno ela está na ordem lógica na base da lite ratura comparada encontrase igualmente na ordem cronoló gica no seu ponto de origem A grande revolução política do século XV constitui pois a origem autêntica do método comparativo Ela teve o objetivo de diferenciar as literaturas nacionalizáIas se é lícito dizer configurandoIhes urna personalidade estética Concedeu a cada urna delas a consciência da unidade o sentimento da tradição nacional a idéia clara de urna cadeia ininterrupta de obras no passado e no futuro entre as quais se podia estabelecer o eixo de urna inspiração comum E dando origem às literaturas na cionais tornou igualmente possível seu estudo crítico e compa rativo Mas um estudo semelhante não pode preceder às próprias obras a não ser corno aspiração e corno indicação à maneira de Joachim du Bellay ou de Henri Estienne um dizendo por exem plo aos escritores de seu tempo Imitem os italianos e Petrar ca o outro Desconfiem desses modelos perigosos que os afas 30 LITERATURA COMPARADA lSTUDOS DE LITERATURA COMPARADA 31 tarão de suas nacionalidades Este estudo não teve ainda no século XVI como se aplicar amplamente a um grande número de obras francesas sedentas de coisas estrangeiras italianas e de pois espanholas A parte da literatura italiana é considerável na obra crítica da Plêiade Aliás a própria Antigüidade foi somen te estudada por nossos poetas e críticos através da Itália A in fluência da Espanha não é menos importante na segunda meta de do século como o demonstraram Rathery e MorelFatio3 Se esta curiosidade das literaturas meridionais e sobretudo da literatura espanhola persistiu na França durante os primeiros anos do século XVII se o próprio conhecimento das duas lín guas do Sul permaneceu vivo não menos verdade é o fato de que um dos traços do século XVII francês aferido da época de seu mais alto brilho consiste na indiferença pelo que se refere às lín guas e às literaturas vizinhas Na segunda metade do século pe lo menos ela se basta a si própria A influência da Antigüidade que une todas as admirações fazendoas convergir nas duas lite raturas mais universais dissolve quase toda a curiosidade das obras estrangeiras modernas e a crítica se ressente disto Raros são pois os escritores que compreendem com Fontenelle que as diferentes idéias são como plantas e flores que não vingam em qualquer espécie de clima e que talvez o território francês não seja mais próprio para as reflexões que fazem os egípcios do que para as palmeiras Fontenelle prevê neste sentido o princípio da crítica histórica ou seja comparativa que se refere antes de tudo ao desenvolvimento nacional da arte e às ligações com o solo o movimento e os costumes ambientais O gérmen desta crí tica encontrase na abdicação do falso orgulho que nos faz vol tar toda nossa atenção sobre nós mesmos erguendo uma espécie de muralha chinesa entre nossos vizinhos e nós Ora tal é o esta do de espírito da maior parte dos homens do século XVII A presença do país escrevia La Bruyere em Des jugements acrescentada ao orgulho da nação faznos esquecer que a razão pertence a todos os climas e que se pensa correto em todo lugar onde há homens Nós não gostaríamos de ser tratados deste mo do pelos que denominamos bárbaros e se há em nós alguma bar bárie ela consiste no espanto de ver outros povos refletirem co mo nós No entanto nada mais comum que esta espécie de es panto pueril diante do desconhecido ou esta perplexidade ingê nua diante das produções estrangeiras Os ingleses dizia Le Clerc em Mélanges critiques possuem muitas obras de quali dade É lamentável que os autores ingleses não escrevam senão em sua língua Pois afinal por que saber apenas inglês E pode se ser inglês ou persa Infelizmente este ridículo foi por muito tempo de bomtom na França Em 1786 o napolitano Malasfina escrevia ainda O francês que se acredita o ser pensante por excelência vê com um olhar de compaixão todo o resto do gênero humano e orgulhase cada vez mais das homenagens que lhe prestam os estrangeiros aos seus modos seus encantos à força e à opulência de sua pá tria e também digase à sua literatura universalmente admira da4 É por isso que apesar de algumas curiosas tentativas mas isoladas a crítica comparativa não nasceu na França Ela tem por pátria a Alemanha e nasceu de uma revolta contra o despo tismo do jugo francês Lessing Herder Schiller Tieck os dois Schlegel tais são seus verdadeiros fundadores A luta contra a influência francesa e a substituição desta influência pelos mode los ingleses tais foram as duas forças Era preciso para comba ter o estrangeiro invasor estudálo e conhecêlo e para substituílo por modelos novos se familiarizar com a literatura que repre sentavam Assim a crítica comparativa fazia suas provas ao mes mo tempo como método de pesquisa e de análise de um lado e como força viva e criadora de outro assistiase ao nascimento simultâneo da crítica moderna e de uma das maiores literaturas de nosso tempo Não era mais esta comparação das obras nacio nais com as obras estrangeiras um simples passatempo de erudi os ou de curiosos Era a própria luta pela independência do pen samento nacional Nunca a crítica foi tão fecunda tão verdadei ramente digna de sua função Desde o Renascimento que ela não lssume esta função Herder o verdadeiro fundador da literatura lomparada escrevia estas linhas que parecem hoje banais mas quc marcaram época no seu tempo Todo homem corajoso que só aprendeu a conhecer o mun do na praça do mercado no café ou no máximo no Cor rcspondant de Hambourg espantase da recepção que se faz cm Paris com a chegada de um príncipe indiano quando inicia uma história eacha que o clima a região a naciona lidade mudam a maneira de pensar e o gosto Ele acusa todas 32 LITERATURA COMPARADA lS ISTUDOS DE LITERATURA COMPARADA 33 as nações de loucas e por quê Porque elas pensam diferen temente de sua respeitável mãe de sua amadeleite e de seus veneráveis companheiros5 Sensibilizado pela necessidade de seguir a história das idéias das obras dos gêneros literários em todos os povos sem se es pantar com as formas bizarras ou inesperadas de que se haviam revestido Herder projetava uma história da canção através das idades uma história geral da poesia um paralelo da poesia in glesa com a poesia alemã Estabelecia em uma palavra e ao mes mo tempo esclarecia do ponto de vista filosófico os princípios da literatura comparada Constituiua enquanto estudo distinto ambicioso talvez difícil certamente mas superior à crítica estreita mesquinha e puramente dogmática de um Voltaire ou até mes mo de um Diderot Sentiremos a diferença se quisermos aproxi mar por exemplo as reflexões de Voltaireestabelecendo friamente que o entusiasmo é admitido em todos os tipos de poesia em que entre o sentimento e notadamente na poesia lírica as teo rias de Herder escrevendo como filósofo e como historiador so bre este mesmo tema o que é a ode A ode dos gregos dos romanos dos orien tais dos eslavos dos modernos não é de modo algum a mes ma Qual é a melhor Qual é a que é tãosomente uma for ma degenerada Eu poderia facilmente provar que a maior parte dos críticos decidiu esta questão conforme suas idéias favoritas cada um tendo extraído a idéia que tem dela e as regras que lhe atribui de uma única e mesma espécie conce bida em um único e mesmo povo considerou os demais co mo formas bastardas O crítico imparcial ao contrário olha todas as espécies como igualmente dignas de suas observa ções e procura primeiramente traçar em síntese uma histó ria geral para julgar depois detalhes do todo6 Entre estes dois tipos de críticos há toda uma distância do ponto de vista pura e exclusivamente literário do método históri co filosófico e em uma palavra comparativo Não podemos seguir aqui a história deste método na Ale manha Um de seus continuadores contemporâneos Max Koch7 em uma revista destinada especialmente aos estudos de literatura comparada historiou este aspecto O que interessa ob servar é que esta nova crítica divulgada e consagrada na França por Mmede StaeI produziu sucessivamente e por vezes mesmo em conjunto dois resultados exatamente opostos Suscitoú de um lado e acabamos de ver um exemplo deste aspecto na Ale manha um movimento de cada povo em direção às origens um despertar da consciência coletiva uma concentração de for ças esparsas ou dispersas para a criação de obras verdadeiramente autóctones Provocou de outro lado por um contraste espe rado uma diminuição das fronteiras uma comunicação mais livre entre os povos vizinhos uma inteligência mais aberta e mais completa das obras estrangeiras Foi num sentido um agente de concentração e em outro um fermento de dissolução Ao mes mo tempo que constituía por reação primeiramente e por imita ção depois literaturas nacionais preparava acima do interesse destes grupos estreitos e fechados a vinda de uma literatura in ternacional ou pelo menos européia Um dos que emancipou a literatura alemã A W Schlegel escrevia orgulhosamente em 1804 O cosmopolitismo é o verdadeiro traço nacional da raça alemã Vorlesungen Assim foi possível ver os fundadores da pátria literária alemã atribuíremse o direito da pátria universal Se o nacionalismo nasceu da crítica comparativa o cosmopoli tismo ou o internacionalismo originouse igualmente desta críti ca Primeiramente seguindo a trilha do sonho da hegemonia que perpassa infalivelmente toda superioridade nacional e que fazia Rivaral escrever quando pensava na língua francesa A filoso fia cansada de ver os homens sempre divididos por interesses diversos da política rejubilase agora de vêIos de uma extremi dade da terra a outra formar uma república sob a dominação de uma mesma língua A seguir porque estava na lógica das coi sas que depois de haver tanto comparado e tanto aproximado e digamos tanto misturado obras de origens diversas resultou lima espécie de ideal misto formado por elementos aproxima dos artificialmente com vistas à formação de uma literatura que no futuro não será mais especificamente inglesa nem alemã nem francesa nem italiana mas simplesmente européia O dia em que se formar esta literatura nova da qual a ci vilização moderna os jornais as revistas as vias férreas o telé 11ilo c a rapidez das comunicações apressarão talvez o futuro IIIi do que se pensa toda crítica literária será internacional 34 LITERATURA COMPARADA 11111 lS DI LITERATURA COMPARADA 35 Neste dia com efeito acima das fronteiras políticas se existem ainda serão entrelaçadas as ligações invisíveis que unirão os po vos aos povos e que formarão como antigamente na Idade Mé dia uma alma coletiva para a Europa Se ainda não estamos lá não se deve esconder que estamos nos trilhos desta via de pes quisa A necessidade de exotismo e de cosmopolitismo que nos atormenta constitui a melhor prova disso No seu curioso livro sobre os escritores afrancesados E Hennequin constatavao nestes termos A literatura nacional nunca foi suficiente e hoje menos ain da para expressar os sentimentos dominantes de nossa so ciedade Esta se reconheceu mais intensamente nas produ ções de certos gênios estrangeiros do que nas dos poetas e contistas a que deu origem Assim haveria entre os espíri tos laços eletivos mais livres e mais vivos do que nesta lon ga comunidade do sangue do solo do idioma da história dos costumes que parecia unir e desunir os povos estes não se dividiriam por irredutíveis particularidades como a esco la histórica moderna se empenhou em fazêlo crer8 Se isto é verdade talvez vejamos renascer sob uma outra for ma o Santo Império de nossos pais esta pátria única que devia encerrar num mesmo lugar todos os espíritos e todas as vonta des Se este fenômeno totalmente impossível totalmente quími co ao menos em matéria de arte e de gosto nunca se pro duz uma grande parte de responsabilidade será atribuída à nos sa literatura Pátria do socialismo político a França seria tam bém a pátria do que se poderia denominar socialismo intelectual 11 Esperando a formação do ponto de vista literário como do ponto de vista político dos Estados Unidos da Europa não é permiti do ao historiador literário perder de vista a abordagem sintética mesmo se tratando de uma só das literaturas modernas Duas razões como se acaba de prever autorizam este ponto de vista 1as reações exercidas umas sobre as outras há trezen 111 IIIOSpelas diversas literaturas européias 2 a constituição plO1essivalenta e segura por assimilação e absorção de um IIkd literário internacional análogo na espécie ao da Idade Mé di Se estas duas razões não marcaram há três séculos ou mais a nílica literária na França isto se deve em primeiro lugar co 1110vimos à influência tirânica por longo tempo do ideal antigo l 1 IlIoldagem de nosso espírito clássico pela Antigüidade pos Iniormcnte ao medíocre conhecimento das línguas estrangeiras elllprepouco divulgados e que decorre talvez ao menos para as línguas germânicas de alguma inaptidão orgânica enfim a IInla ecrta falta de curiosidade de crianças mimadas pelo sucesso qlle faz segundo a bela expressão de SainteBeuve com que os rranceses gostem de aprender o que sabem Mas nenhuma destas razões deve prevalecer contra a neces sidade absoluta para estudar qualquer uma das literaturas mo dernas de recolocála no seu meio europeu É preciso nos adverte Brunetiere9 tratar de agora em diante da história da literatura francesa não mais como uma história particular bastandose a si própria mas como uma ramificação da litera tma européia quero dizer que há oito ou dez séculos se realiza de algum modo de uma extremidade a outra da Europa um co nhecimento ou uma troca de idéias e que já seria tempo de to marmos consciência disso e ao fazêlo seria conveniente subor dinarmos a história das literaturas particulares à história geral da literatura da Europa Se nos colocássemos sob este ponto de vista para estudar a história da literatura francesa ela não pa receria nem menos original nem menos clássicae ouso acrescentar seria em parte renovada É que com efeito assim como um organismo animal uma literatura ou uma nação não crescem isoladas das nações e das lileraturas vizinhas O estudo de um ser vivo constitui em gran de parte o estudo das relações que o unem aos seres vivos rela esmúltiplas ações e reações diversas influências de todo gê lIero que nos envolvem como uma cortina invisível Não há uma literatura nem talvez um escritor do qual se possa dizer que a his Iória se encerra nos limites de seu país de origem A história da literatura moderna não constitui ela própria um prolongamento c de certo modo um capítulo da literatura grega A metade da randeza ou no mínimo a glória de Aristóteles não provém da lorlllna póstuma tão curiosa tão inesperadalOSeria fácil sem 36 LITERATURA COMPARADA HSIUDOS DE LITERATURA COMPARADA 37 dúvida provar que Sêneca o Trágico nos interessa menos em suma por suas próprias obras do que pela influência conside rável que estas exerceram através do tempo e notadamente sobre o desenvolvimento da tragédia francesa Semelhante neste aspecto a muitos escritores de segunda ordem ele interessa principalmente pelos erros e malentendidos às vezes fecundos a que deu lugar O que é certo é que uma história do teatro francês em que não se considerasse Sêneca estaria sujeita a grave crítica Sobre a in fluência de Plauto nas literaturas modernas um crítico alemão compôs há alguns anos um interessante trabalho que poderia ser aplicado a quase todos os escritores antigosl1 Sabese qual foi na Idade Média a fortuna das epopéias francesas na Euro pa e que os Niebelungen não existiriam sem elas E no que se refere às literaturas modernas citandose alguns exemplos é incontestável que a história do petrarquismo interessa tanto à literatura francesa ou inglesa quanto à italiana O último capítu lo e não o menos importante a ser escrito sobre Petrarca é um capítulo muito curioso da literatura européia Poderia dizerse o mesmo de Tasso e de Dante Quem negará que a história do Decamerão não interessa no mais alto grau à literatura francesa através de La Fontaine e de todos os contistas à inglesa através de Shakespeare à alemã através de Hans Sachs Os maiores es critores os mais europeus de todos em cada literatura e isto cons titui uma das causas de sua popularidade estão imbuídos do exo tismo Chaucer está repleto de França e Itália Corneille de Es panha Shakespeare e Moliere de Itália Diderot de Inglaterra Ao longo de toda história das literaturas modernas ocorrem so mente empréstimos e trocas sucessivas que obrigam cada uma delas a estabelecer correlações com a vizinha e viceversa Vol taire que não praticou sempre o método comparativo em críti ca postulava o princípio quando escrevia Quase tudo é imita ção Há livros como fogo em nossos lares buscase o fogo no vizinho acendeseo em casa comunicaseo a outros e ele per tence a todos Como compreender a evolução da literatura alemã sem dar as razões da aceitação da influência francesa a que se submete ram os escritores alemães e posteriormente as de sua recusa em proveito da inglesa A história da imitação de Shakespeare na Europa seria por si so um dos capítulos essenciais a serem escri tos sobre a literatura moderna O romantismo constitui primei ramente um acontecimento internacional e que só pode ser ex plicado pela aproximação das literaturas entre si como o demons Irou brilhantemente G Brandes12 Do mesmo modo que o ro mantismo francês não se explica sem a intervenção de elementos estrangeiros o romantismo alemão não teria existido muito me nos sem Rousseau cuja influência constitui uma das maiores e mais profundas que já se viram O próprio Rousseau deve muito à literatura alemã ao menos no tocante à sua educação e à sua religião germânicas E ele não é o único neste século XVIII tão essencialmente cosmopolita a ter tomado de empréstimo o me lhor dele mesmo do estrangeiro Se Voltaire deve muito à Ingla terra Diderot é totalmente inglês13 e de modo mais geral o desenvolvimento da literatura francesa no século passado só se explica através da Inglaterra Parece em definitivo que as litera turas somente se desenvolvem e progridem por meio de emprés timos mútuos É preciso para fazer germinar obras originais prepararIhes uma espécie de húmus composto de resquícios vin dos de fora Como as espécies em história natural as literaturas não possuem limites precisos penetramse mutuamente e transformamse umas em outras em virtude de leis misteriosas ou pelo menos mal definidas Há como uma matéria fluida que escorre sucessivamente em formas diversas sob modos infinita mente variados em cérebros inteiramente diferentes e que pas sando de um a outro leva consigo cada vez um elemento novo e um princípio ativo Se as literaturas podem ser comparadas em certa medida às espécies animais pela natureza de sua evolução é preciso pois estudáIas mediante um método análogo bastante específico e profundo capaz de explicar a complexidade dos fatos aos quais se aplica E este método só pode ser como todo método científi co o método comparativo ponto de ligação entre ciências tão distantes quanto a anatomia e a gramática a zoologia e a lin güística a paleontologia e a ciência das religiões Objetase que a multiplicidade das línguas e o enorme nú mero de conhecimentos necessários tornam a sua aplicação mui to difícil às literaturas às modernas pelo menos Isto diz respei to também às origens literárias dos povos modernos ou à sua li leraura popular em que a simplicidade dos fatos estudados se plesta melhor a aproximações deste tipo e em que a imitação 1illrlllllIcia ou a troca se interrelacionam sabese igualmente 38 LITERATURACOMPARADA S LsrUDOsDELITERATURACOMPARADA 39 que as pesquisas dos folcloristas se voltam em geral para a litera tura comparada e que o estudo das fontes de uma obra constitui para a literatura da Idade Média ao menos um dos capítulos essenciais do trabalho que suscita Mas as literaturas modernas com sua complexidade infinita prestamse a pesquisas dessa na tureza Não nos arriscamos a perdernos na multiplicidade dos nomes e das obras no infinito do detalhe na onda das influên cias indefiníveis e sempre duvidosas A única resposta para isto é que a dificuldade de uma obra não destrói a necessidade que as pesquisas de literatura comparada indispensáveis à total com preensão dos fatos literários já produziram na Alemanha e na Inglaterra trabalhos com tão bons resultados que se pode tentar fazêIos também na França e finalmente que aqui como em to do lugar a divisão do trabalho suprirá a insuficiência dos ho mens Tratase de saber se o método comparativo não fez incur sões em outros campos além do de história literária Ora sem falar das ciências naturais não é verdade que o método compa rativo renovou no século XIX a filologia a história política e a crítica da arte Não é verdade para nos determos neste último exemplo que o estudo das obras de arte impõe a necessidade de não nos confinarmos apenas a uma escola mas a darnos conta da interrelação das várias escolas como a pintura flamenga com a italiana a escultura grega com a arte oriental Um crítico que limitasse seu horizonte a um grupo único de obras e de homens condenarseia à impotência14 A originalidade de um crítico co mo Eugene Fromentin não reside precisamente neste conhecimento exato neste sentimento delicado das analogias e das diferenças que lhe fornece tantas sínteses criadoras ao mesmo tempo que precisas e novas15 Ora o que é verdadeiro dos monumentos fi gurados o é igualmente das obras literárias De fato o destino da crítica comparativa ligase ao da crítica histórica Não se es tuda a função de um homem sem recolocáIo em seu meio e em seu tempo Não se escreve a história do espírito de um grande escritor sem tecer a história de sua educação bem como a de suas leituras Do mesmo modo o conjunto de obras que constitui uma literatura só se compreende e só pode ser explicado se recoloca do no conjunto geral de que se originou Num livro capital e bem pouco popular Mmede Stael dizia justamente Observando as diferenças características identifi cadas nos escritos dos italianos dos ingleses dos alemães e dos franceses pensei poder demonstrar que as instituições políticas e religiosas possuíam a maior parte destas diversidades constan tes De Ialittérature considerée dans ses rapports avec les insti utions sociales Apliquemos pois ao estudo destes escritos o método que aplicaríamos ao das instituições e se não ocorrer a ninguém a idéia de estudar a democracia ou a monarquia repre sentativa na França abstraindo a história da Inglaterra como admitir que a história da tragédia do romance ou do lirismo não se esclareça também pela comparação com esta mesma história entre os povos estrangeiros Talvez sejamos vítimas ainda em his tória literária deste culto dos grandes homens deste heroWorship de que fala Carlyle e que substitui perigosamente as forças len tas da natureza a ação surpreendente de alguns homens de gê nio Se esta ação é inegável se ela constitui de algum modo no desenvolvimento da literatura um elemento imprevisto e pertur bador não menos verdade é o fato de que se mantém excepcio nal A história de uma literatura não é a história de uma suces são de golpes de estado e se certas influências pessoais nos pare cem tão consideráveis é porque não sabemos depreender as ver dadeiras origens É a Inglaterra que penetra na França com Vol taire ou com Diderot é a Alemanha que nos chega através de Rousseau Os alemães com seu espírito filosófico e sintético percebe ram este aspecto é por isso que há vários anos as pesquisas de literatura comparada florescem entre eles Nesta ordem de pes quisa eles nos mostraram o caminho Vejase Hettner na sua bela história geral da literatura do século XVIII na Alemanha na In glaterra e na França obra por vezes paradoxal e arrojada mas rica em sínteses novas e aproximações interessantes 16 Vejase G Brandes o célebre crítico dinamarquês mas do qual a reputação láse sobretudo na Alemanha com sua importante obra sobre as grandes correntes çla literatura européia do século XIX I São obras muito generosas e talvez mesmo demasiado generosas para lIão fornecer matéria à crítica18 Fácil é citar obras desta nature za de caráter mais estritamente científico Neste sentido Th Süp pie legounos em três volumes uma história que nos faltava da influência da Alemanha sobre a França desde a Idade Média lIoladamente em literatura J J Honegger estudou alguns anos Illles a influência da França na Europa na sua Kritische Ges dleile der franzosichen Cultureinflusse19 Mais recentemente 40 LITERATURA COMPARADA OS ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA 41 Schmidt consagrou um livro curioso à influência de Rousseau so bre Byron20Wetz começou há alguns anos um estudo sobre a influência da literatura inglesa sobre a França Die Anfiinge des bürgerlichen Dramas in Frankreich Worms 1885 Uma re vista especial dirigida por Max Koch e por L Geiger dedicase exclusivamente às pesquisas de literatura comparada desde 188721e publica trabalhos que concernem tanto ao Renascimen to quanto à época moderna sobretudo os séculos XVIII e XIX Mais recentemente A Farinelli publicou o primeiro volume de uma história das relações da literatura espanhola com a literatu ra alemã22 Na Inglaterra a literatura comparada deu origem também a pesquisas importantes produziu o primeiro tratado sistemáti co sobre a matéria o de H M Posnett Comparative Literature Londres 1886 imperfeito e incompleto como mencionamos mas repleto de idéias novas e originais Não podemos entrar neste estudo na discussão das idéias pessoais de Posnett Basta afirmar que seu livro que passou quase despercebido na Fran ça constitui uma das mais curiosas tentativas feitas há muito tempo para renovar o estudo das obras literárias tornandoo mais científico É preciso citar igualmente um livro importante de Herford sobre as relações da Alemanha com a Inglaterra no século XVI Studies in the Literary Relations of England and Germany in lhe 16th Century Cambridge 1886 Na França Sayous legounos dois bons livros sobre a litera tura francesa no estrangeiro C Dejob a propósito de Mmede StaeI estudou recentemente a influência francesa na Itália Bonet Maury dedicou uma tese de doutorado a Bürger e às origens in glesas da balada na Alemanha Para a compreensão de nossa literatura nacional é desejá vel que estes exemplos sejam seguidos Há anos que Eugene Gan dar afirmou abrindo um curso sobre Goethe Não é mais possível pensar em escrever a história do gênio de nossa nação sem levar em conta os laços que nos ligam a nossos vizinhos do mesmo modo que aos antigos O estu do das literaturas estrangeiras e da influência que elas exer ceram sobre a nossa fornecenos o segredo de nossos maio res erros às vezes também nos explica a rapidez de nossos progressos Ao mesmo tempo a influência da literatura fran cesa sobre as literaturas estrangeiras progressivamente fe cunda estéril funesta poderia restituir às vezes o sentimento de nossa força mostrandonos a facilidade com que nossas idéias se projetam no mundo às vezes a consciência de nos sos defeitos exagerados por uma imitação inábil 23 Poderseia acrescentar a este testemunho o de Brunetiere de clarando na introdução de seu livro sobre A evolução dos gêne ros que não há obra cuja falta se faça sentir tão vivamente quanto uma história da influência das literaturas estrangeiras sobre a li teratura francesa É que com efeito semelhantes estudos não possuem unica mente um interesse histórico considerável Eles são ainda um dos melhores meios de fortificar o julgamento estético mostrando o Se é verdade conforme a palavra de Joseph de Maistre que cada nação é para a outra uma posteridade contemporânea o melhor procedimento para avaliar uma obra seja contempo rânea seja já antiga no seu justo valor será investigar o que es ta se tornou passando por aquela espécie de filtro que é o julga mento dos estrangeiros Há um interesse de primeira ordem em não nos referirmos a respeito dos autores franceses somente à nossa apreciação mas consultarmos também a avaliação menos suspeita da Europa como um todo Matthew Arnold demons trou antigamente a necessidade para toda crítica séria de não se deter como elemento de comparação nas literaturas antigas que tendo passado de algum modo na nossa carne e no nosso sangue não são mais legitimamente estrangeiras É preciso dizia ele que um crítico literário digno deste nome conheça pelo menos duas literaturas modernas Estamos convencidos de que o futuro dará razão a Matthew Arnold Enfim se a história literária não possui um fim em si mes ma se visa como toda investigação digna do nome de ciência a alguns resultados que a ultrapassam se ela pretende finalmente ser uma forma da psicologia das raças e dos homens toda ambi ção lhe será limitada neste aspecto24pois o estudo de um úni co tipo de homens ou de uma única espécie de literatura se pode ser um passatempo agradável não é um estudo científico Só é verdadeiramente filosófica a análise feita com vistas a uma sÍn Ilse final longínqua talvez mas enfim esperada Quem diz ciência diz comparação A todas estas perguntas O que é a lite ratura Qual é a lei de seu desenvolvimento Qual a relação que estabelece com a sociedade O que é um gênero Quais são as leis da evolução dos gêneros O que é o progresso em literatura Quais são as principais classes de espírito do ponto de vista esté tico A estas questões e a centenas de outras que é fácil tratar como banalidades sem alcance mas que constituem no fundo a única razão de ser de nossas investigações parece só haver res posta pela literatura comparada Toda pesquisa legitimase por meio de uma ambição seja ela desmesurada e por intermédió de uma esperança seja ela quimérica Não será demasiado talvez um dia ou outro para tratar da literatura francesa dotarse de espírito universal e internacional ainda que pouco No momento é preciso aplicarse na obtenção seguindo as palavras de Mme de Stael do espírito europeu 15 Ver por ex em Maftres dAutrefois o que se diz da influência italiana em Rubens 16 HETTNER Geschichte der franz6slichen Literatur des 18 Jahrhunderts O volume que trata da França apareceu em 1856 17 BRANDES G Die Literatur des 19 Jahrhunderts in ihren Haupstr6mungen darges tellt O vol 5 sobre o romantismo francês é de 1881 18 Geschichte des deutschen Cultureinflusses auf Frankreich mit besonderer Berucksichn ligung der literarischen Einwirkung Gotha 188690 19 Kritische Geschichte der franz6sischen Cultureinfusse Berlim 1875 20 Rousseau und Byron ein Beitrag zur vergleichenden Literaturgeschichte des Revolu tionszeitalter Greifswald 1889 21 Zeitschrijt für vergleichende Literaturgeschichte Berlim 22 Die Beziehunqen Zwischen Spanien und Deutschland in der Literatur der beiden Laen der Berlim 1892 1 parte Outro estudioso Reumont já havia publicado um trabalho semelhante sobre a Itália e a Alemanha Relazione delle letteratura italiana e quella di Germania 1853 23 Sourciers dEnseignement p 16 24 Ver POSNETT H M What is Literature livro l capo r 42 LITERATURA COMPARADA os ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA 43 NOTAS I POSNETT H M Comparative Literature Londres 1886 The lntemational Scien tific Series 1 2 WETZ W Shakespeare vom Standpunkt der vergleichenden Literaturgeschichte Worms 1890 t 1 3 RATHERY Influence de IItalie sur les lettres françaises depuis le XIIJe siecle jus quau regne de Louis XlV 1853 e MORELFATIO M Études sur IEspagne 1888 Ver também a respeito da Espanha CHASLES Philarete Études sur IEspagne 1847 e HA NOTAUX G Études historiques sur le XVle et le XVIJe siecles 4 Ver o artigo de G Pinas sobre Malasfina no Journal des Débats de 2 set 1891 5 De Ia diversité du gout et de Ia maniere de penser parmi les hommes Cito JONET em Herder p 351 6 Essai dune histoire de Ia poésie Cito JONET ibid p 350 7 Ver Zeitschrijt für vergleichende Literatur Berlim 1887 t 1 8 Écrivains francisés lU 9 Revue des Deux Mondes 10 de maio 1891 10 Ver por ex GlDEL C Nouvelles études sur Ia littérature grecque moderne 1878 11 REINHARDSTOTTNER K V Plautus Spiilere Bearbeitungen plautinischer Lust spiele Leipzig 188689 12 Les grands courants de Ia littérature européenne au XVle siecle 187276 13 BRUNETIERE Le roman naturaliste p 264 14 Ver PARKER Nature of Fine Arts e HENNEQUlN E La critique scientijique 1ISHRVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 45 OBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA FUNÇÃO E SIGNIFICADO DA HISTÓRIA DA LITERATURA COMPARADA Louis Paul Betz Ao tentar falar sobre esta área vasta e relativamente nova dos es tudos literários estou ciente de que posso parecer um turista que resolve descrever os atalhos e outras características de uma mon tanha alta que ele meramente observou de uma planície próxima embora detalhadamente com muito discernimento e com ex celentes binóculos Em outras palavras as observações que se se guem são o resultado de estudo e ensino só até certo ponto não estão baseadas em muitos anos de experiência São de natureza quase que exclusivamente teórica Tratase de reflexões de um ho mem de letras que tenta no início de sua carreira acadêmica es clarecer e dar conta da disciplina acadêmica pela qual ele optou e que está mais próxima de suas qualificações Sabese bem que muito tem sido escrito principalmente nos últimos anos acerca da posição e da natureza da história da lite ratura comparada bem como sobre a história da literatura co mo tal em oposição à filologia e à estética Nessa guerra pacífi ca tiros de calibre bem grosso têm sido disparados pelos reitores de universidades sob a forma de discursos contra os quais os ata ques mais corajosos dos valentes docentes Privatdozenten têm se mostrado é claro impotentes Hoje as coisas continuam co mo estavam no passado e se eu preciso arriscar opiniões e pro postas desrespeitosas como o tópico deste ensaio naturalmente exige longe de mim apresentar uma nova sabedoria de modo al tivo ou acreditar nas realizações dos mais modestos planos de reforma BETZ Louis Paul Critical Observíltions on the Nature Function and Meaning of Com parative Literary History In SCHULZ Hl RHEIN PH Comparative Literature The Early éars Chapel Hill Univ of North Carolina Press 1973 p 13751 É óbvio que é impossível tratar este assunto de uma manei ra exaustiva ou criticar todos os detalhes desta controvérsia com plicada Darmeei por satisfeito se puder apresentar um quadro claro e sintético deste problema que na verdade não é tão com plicado se for abordado com mais bom senso e menos filosofia A resposta à pergunta principal o que se entende por his tória da literatura comparada é a seguinte tratase de qualquer reflexão sobre uma literatura nacional em termos de literatura ge ral a história do desenvolvimento literário de um povo em com paraçaõêõiiiécol1téêt diUteiàiurasde Outras mSQtsciyi liZiiClãsAssiriicomo O estudo da filologia é inconcebível sem a comparação toda pesquisa literária qllese considrrygjtatem de ser comparativaJãqUeíiêiiliuma Titerâturãeuropéiaà exceção da literatura da Grécia Antiga desenvolveuse em bases ex clusivamente nacionais o conceito de história literária se não for muito restrito e o de história da literatura comparada se não for muito abrangente deveriam ser idênticos Mesmo assim esta definição não é um passo à frente já que são precisamente a na tureza e o objetivo dos estudos literários em relação à filologia e à filosofia que há décadas têm sido o objeto de controvérsias Se procurarmos um leitmotiv nas obras dos defensores da mudança notaremos um movimento generalizado de se partir da superfície para a profundidade de se deduzir leis dos fenôme nos da história das idéias de se buscar princípios e como con seqüência lógica e prática detectarmos a demanda mais ou me nos explícita de se separar a história da literatura comparada do estudo da filologia Em outras palavras um espírito filosófico estético e separatista estáse disseminando pelo antigo e vasto cam po da filologia e podese afirmar com segurança que nos últi mos cinco anos não é o problema das línguas modernas que tem sido alvo das controvérsias mas sim o problema da história lite rária O lema é reforma dos métodos dos estudos literários mo dernos Enquanto a história da literatura estiver confinada à afir mação de fatos históricos e à exposição destes em ordem crç lógica sem se envolver nas explicações sobre os fenômenos e suas leis ela não deveria ser considerada erudita Há pleno acordo noprinCÍpió da oposição ou da rejeição no entanto há muito menos acordo quanto à definição da nova disciplina sua natureza e métodos Alguns atribuem ao histo riador literário o papel fundamental seguemse o psicólogo c por 46 LITERATURA COMPARADA lBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 47 fim o estudioso da estética como um apêndice Outros garan tem primeiro a crítica depois a análise somente a partir daí co meça o trabalho do historiador Um terceiro grupo nos assegura que só há duas disciplinas a filosóficoestética e a filológica para evitar uma abordagem unilateral estas deveriam se complemen tar mutuamente No entanto nesta luta pela clareza e pela reforma da história erudita da literatura dois sintomas podem ser facilmente percebi dos 1a influência deidéias inovadoras que derivam dos trabalhos de H Taine e Émile Hennequin e 2 o surgimento da história da literatura comparada A história internacional da literatura com seus métodos comparativos entra em destaque Os assuntos mais prementes estão ligados a ela e não se pode negar sua validade e atualidade se os estudos históricos de literatura nas universidades alemãs forem considerados objetivamente e sem preconceitos Assim como os trabalhos de Hermann Paul não podem ser deixados de lado quando da avaliação dos princípios da história da linguagem o nome de Wetz deve ser mencionado quando a natureza da história da literatura comparada for investigada não por aquele ter descoberto a filosofia da linguagem e este a his tória da literatura comparada mas pelo fato de tanto o autor de Prinzipien der Sprachgeschichte quanto o autor da famosa in trodução ao seu livro Shakespeare vom Standpunkte der verglei chenden Literaturgeschichte Worms 1890 serem filósofos que com suas obras penetrantes insuflaram vida nova em suas res pectivas disciplinas conservadoras Examinemos as idéias principais de Wetz a fim de tentar mos obter alguns resultados práticos para uma definição do que gostaríamos que fosse entendido por história da literatura com parada a partir de uma breve crítica de algumas de suas teorias e definições O que até agora tem sido aceito sob o título de his tória da literatura comparada de acordo com Wetz não só vai além dos limites da disciplina mas também deixa de definiia de acordo com o sentido apropriado do termo Para ele a natureza da história da literatura comparada encontrase somente no se guinte penetrar na essência dos fenômenos literários individuais através da comparação de fenômenos análogos desvendar as leis que são responsáveis pelas semelhanças bem como pelas diferen ças O que ele exclui de sua concepção de história da literatura comparada é a história das transformações das idéias e das for mas bem como o significado universal de fenômenos particula res e o estudo da troca e da dependência isto é a história uni versal e internacional da literatura Para chegar às leis Wetz começa determinando as caracte rísticas dos fenômenos literários através da comparação e somente a partir daí como ele afirma dáse início ao assunto principal ou seja uma explicação sobre as causas destas características As diferenças de acordo com Wetz são causadas pelos temperamen tos diversos das nações Desta forma ele acredita a história da literatura comparada poderia tornarse psicológica isto é nos forneceria conhecimento sobre o caráter das nações Wetz colo ca o problema psicológico à frente da história da literatura com parada desta forma ele pretende estabelecer uma nova discipli na que ele espera venha a gerar leis de validade geral E ele se defende dos ataques de estar assim revivendo artificialmente a história estética da literatura que felizmente havia sido supera da Não há dúvida de que se pode afirmar aqui Qui sexcuse saccuse Quem escreve um livro inteiro sobre Shakespeare ao qual digase de passagem somente uma inveja pedante pode ne gar espírito e profundidade meramente para explorar a nature za e as leis do trágico através da comparação está lidando no final das contas com estética literária mesmo que não o faça com base em normas estéticas preconcebidas Wetz que consi dera a Über naive und sentimentalische Dichtung de Schiller a realização mais brilhante na área da história da literatura com parada sepreocupa no final das contas embora de maneira mais indutiva do que até agora com aquele tipo de estética que está relacionada à história da literatura da mesma forma que a ética está para a história da política Wetz vê o ideal da história da literatura como uma combinação da chamada história da litera tura comparada estéticopsicológica com a história da literatura puramente tradicional e literária No entanto enquanto a primeira não tiver produzido resultados fartos e convincentes as áreas de verão permanecer separadas Estas são em linhas gerais algumas das idéias básicas das teorias de Wetz Nossa crítica também será formulada de uma IOlllla geral De passagem podemos mencionar a afirmação um 48 LITERATURA COMPARADA OBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 49 tanto audaciosa de Wetz de que com suas teorias ele está desbra vando território virgem Isto pode ser em grande parte verdade em relação à Alemanha embora ali também tenha sido negado a ele o papel de pioneiro de uma maneira ríspida e um tanto in sultuosa De qualquer forma bastaria apenas um pouco de pes quisa comparativa do tipo mais simples para provar que Wetz é um discípulo ávido de Taine e Hennequin Um trecho de sua introdução nos mostra o baixo conceito que Wetz tem da história da literatura comparada que investiga o intercâmbio literário É com desdém que ele afirma que esta história se satisfaz com fatos isto é que numa determinada época muitas obras estrangeiras foram lidas traduzidas e subseqüente mente imitadas Percebemos que ele confunde os resultados dos estudos acima com aqueles de seu próprio método comparativo Ele apresenta a seguinte ilustração de sua postulação de que a história da literatura comparada da forma como ele a codifica ainda tem um longo caminho a percorrer antes de se fundir com a história tradicional de acordo com o ideal da história da litera tura comparada acima mencionado Vários historiadores de li teratura conhecidos ainda acreditam que as divergências de Her der dos romances espanhóis de Cid mostram a mentalidade ale mã do adaptador Gostaria de saber por que precisamos de uma abordagem estéticopsicológica para descobrir que Herder usou uma versão francesa Este exemplo como muitos outros demonstram que a abor dagem filosófica de Wetz à literatura deve sobreporse aos pro blemas da história da literatura comparada geral Esta superpo sição de ambas as abordagens é também provada para citar ou tro exemplo por obras como Die Ãesthetische Naturbeseelung in antiker und moderner Poesiel de Alfred Biese SeparáIas de modo radical seria prejudicial a ambas as variedades de estudo sobre a história das idéias Ten Brink um dos estudiosos que se destacou em ambas as áreas está certo ao defender que um his toriador da literatura ficaria com a casca e jogaria a polpa fora caso deixasse a riqueza das idéias nas obras de Shakespeare Mo liere e Goethe apenas para o filósofo da estética Não existe uma vasta lacuna entre a história da literatura comparada de Wetz e a história da literatura internacional como K Goedeke inicial mente chamava a história da literatura comparada geral mas sim entre os objetivos e métodos do filólogo e os do historiador da literatura que participa do novo espírito nos estudos literários A essência da história da literatura comparada foi expressa pelo crítico francês Brunetiere que nunca se preocupou muito com isso quando propôs 11 serait bon de subordonner lhis toire des littératures particulieres à lhistoire générale de Ia litté rature De um ponto de vista panorâmico livre de preconceito nacional a história da literatura comparada observa as constan tes mudanças o contínuo trocar de idéias e formas Como lite ratura mundial ela caminha passo a passo com a história nacio nal da literatura em direção a um objetivo comum a investiga ção do desenvolvimento do espírito humano Não estudaremos aqui se a famosa controvérsia entre an ciens et modernes isto é a pessoa de Ch Perrault constitui o começo da investigação comparativa com base nas diferenças características nem se precisamos considerar o brilhante Dide rot como precursor de Wetz No entanto não pode haver dúvida de que o pai da história da literatura alemã Daniel Georg Mor hof tinha em mente a essência da abordagem comparativa quan do em seu livro Von der teutschen Poeterey Ursprung und Fort gang 1682 ele afirma Pretendemos discutir a origem e o de senvolvimento da poesia alemã e para esgotarmos o assunto dis cutiremos primeiro a poesia rimada de outros povos a fim de que possamos descobrir se eles a criaram antes de nós Koch Max Zeitschrift fur vergleichende Literaturgeschichte série an tiga I 1Após Gottsched ter realizado algumas investigaçõescom parativas bastante úteis acerca da história do drama europeu Les sing como se sabe lançou as bases para o drama alemão com seus estudos comparativos Sua introdução ao Beitriige zur His tofie und Aufnahme des Theaters 1749 é considerada por Max Koch o primeiro ensaio alemão sobre a natureza os objetivos e o significado da história da literatura comparada As obras ino vadoras de Herder e Schiller deram à disciplina uma base geral e abrangente O primeiro tornouse o Percy alemão por fazer a poesia folclórica acessível aos estudos comparativos No final do século XVIII Schiller no ensaio citado acima Über naive und sentimentalische Dichtung 1795 formula nos moldes clássi cos os conceitos estéticos essenciais da literatura geral através da comparação Em geral acreditase que Goethe sempre conside rou as diversas literaturas de modo comparativo no contexto do desenvolvimentogeral da literatura que esta alma mundial tam ht1II foi a primeira a conceber a natureza da literatura mundial 50 LITERATURA COMPARADA lIlSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 51 que em idade já avançada seguiu avidamente as realizações dos tradutores do Romantismo e que lhe dava profunda satisfação ser capaz de testemunhar o surgimento da Alemanha como se de e órgão da literatura mundial através dos irmãos Schlegel e de Ludwig Tieck No limiar do século XIX encontramos uma mulher como intermediária brilhante da concepção internacional de literatu ra e com ela surge um dos problemas mais interessantes da his tória da literatura comparada O livro de Mme de StaeI De 1A1 lemagne 1810é baseado em comparação do início ao fim Duas décadas mais tarde a poesia de amor provençal chegou à Ale manha e o homem que a introduziu Friedrich Dietz criou a fi lologia românica como irmã gêmea da recémestabelecida histó ria da literatura ambas são filhas do Romantismo Antes disso Friedrich Schlegel havia aberto as ricas fontes do Oriente com sua obra Über die Sprache und weisheit der Indier 1808e com ela fundou a filologia comparativa Mas somente os estudos bri lhantes de Benfey tornaram possíveis as realizações de Landau Reinhold K6hler Gustav Meyer Bédier e outros No início da história da literatura comparada moderna encontrase não Taine como Wetz e outros sustentam mas o in glês Henry Thomas Buckle com seu primeiro volume da History of Civilisation in England 1858 Como nenhum antecessor seu ele sabia como explorar sistematicamente e com base sociológi ca o intercâmbio espiritual entre a Inglaterra a França e a Ale manha com o propósito de chegar a uma compreensão da his tória e da literatura de sua nação De uma maneira exemplar ele escolheu a França como assunto de uma investigação compara tiva e no desenrolar deste estudo possivelmente delineou a me lhor caracterização do classicismo francês A origem e a exten são do vínculo entre os intelectos francês e inglês que surgiu co mo conseqüência é um assunto de enorme importância mas da mesma forma que outros vínculos de valor real este tem sido com pletamente negligenciado pelos historiadores Neste trabalho pre tendo suprir esta deficiência O objetivo desta obra ambiciosa que infelizmente permaneceu inacabada é delinear a história de várias nações de acordo com as peculiaridades intelectuais que a história de seu próprio povo não consegue explicar Ésurpreen dente que todos os teóricos da história da literatura comparada até onde sei ignoram Buckle por completo E Taine Seu trabalho sobre a literatura inglesa cujo méto do se assemelha ao de Buckleem certos aspectos apareceu seis anos depois de History of Civilisation in England Aqui nos deparamos com outro problema da história da literatura com parada As investigações individuais dos últimos trinta anos têm lançado nova luz sobre as relações entre a Inglaterra e a França O que Buckle tem a dizer sobre estas em relação à época ante rior ao século XVII é insuficiente o pouco que ele oferece sobre os períodos literários que antecedem Shakespeare não tem prati camente valor algum Acreditamos que chegou o momento de se tratar detalhada e abrangentemente das relações literárias en tre a Inglaterra e a França Tal estudo seria valioso principal mente tendo em vista o progresso feito desde o livro de Behn Eschenburg sobre as relações entre a literatura inglesa e a litera tura continental antes da época de Shakespeare 1865 mencio namos somente JeanJacques Rousseau et les origines du cos mopolitisme littéraire Étude sur les relations littéraires de Ia France et lAngleterre que Joseph Texte professor em Lyon publicou este ano Até mesmo numa bibliografia resumida os valiosos traba lhos de Sayous um estudioso de Genebra não deveriam ser es quecidos Em sua Histoire de Ia littérature française à létranger 18612ele examina como o espírito francês se transforma no es trangeiro de surprendre au passage ces convois mystérieux qui font dune nation à lautre un commerce invisible didées et de passions de vie intellectuelle et morale Até certo ponto o tra balho de Sayous serve de base para Virgile Rossel e Phillipe Go det da Suíça Ocidental Com a Revue Germanique de Neffzer que começou a apa recer em 1858iniciouse o estudo sistemático das relações franco germânicas Dollfus introduziu o periódico infelizmente desti nado a uma vida breve com um ensaio admirável e de leitura ainda válida De lesprit français et de lesprit allemand em que após uma consideração comparativa a respeito das mentalidades alemãs e francesas ele discute as influências mútuas de ambos os povos Alguns anos mais tarde 1864 William Reymond nos ofereceu uma valiosa contribuição ao estudo da relação do ro mantismo francês com a literatura alemã em seu livro Corneille Shakespeare et Goethe Berlim 1864 Em 1876o professor Brei lilllr dá uma brilhante aula inaugural sobre o Vermittler 52 LITERATURA COMPARADA OBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 53 des deutschen Geistes in Frankreich e em 1881 aparece o pe queno livro de Otto Weddigen em cujas 150 páginas se faz uma tentativa de delinear a história da influência germânicasobre to das as nações culturalmente importantes dos tempos modernos3 e o próprio autor prevê na introdução a importância básica e ino vadora do pequeno livro Em 1886 finalmente Theodor Süpfle que faleceu recentemente começa seu relevante trabalho que em termos bibliográficos é praticamente definitivo Geschichte des deutschen Kultureinflusses auj Frankreich mit besonderer Berück sichtigung der literarischen Einwirkung Gotha 1886 Não hesito também em mencionar aqui o abrangente e inte ligente Die Hauptstromungen der Literatur des neunzehnten Jahr hunderts Berlim 187276 do dinamarquês Georg Brandes Por um lado este livro constitui um passo importante na história da cultura da Dinamarca Por outro me parece que Brandes que inspirado por Hettner continua no espírito do iluminismo do século XVIII aplicou com sucesso a idéia de reação e de su peração da reação à análise das correntes literárias principais do início deste século Uma publicação central para as várias áreas de nossa disci plina foi finalmente estabelecida com o Zeitschrift jür verglei chende Literaturgeschichte de Max Koch que recentemente fundiu se com o Vierteljahrsschrift jür Kultur und Literatur der Renais sance de Geiger É característico da transformação e da abran gência crescente dos estudos literários modernos que as questões sobre estética e psicologia desempenhem um papel importante neste periódico Livros e trabalhos mais curtos monografias folhetos etc que nos últimos trinta anos tentaram lidar com a história da literatura comparada chegam a um número de cer ca de 300 Antes de discutir brevemente algumas tarefas centrais da his tória da literatura comparada eu gostaria de discorrer sobre as qualidades que nossa disciplina deve exigir de todos os que a ela se dedicam La Suisse Française Geneve et votre chere Lausan ne mont toujours paru de parfaits belvéderes pour nous bien ob server et pour nous étudier dans nos vrais rapports avec lAlle magne Esta frase de SainteBeuve pode ser interpretada e con tinuada da seguinte forma quem se dedicar à história da litera tura comparada deve antes de mais nada estar livre de preconcei tos nacionais e de qualquer chauvinismo Efusões patrióticas em bora belas e justificadas devem ser evitadas Quanto mais o es tudioso souber sobre a localidade e o povo mais objetiva e abran gente será sua visão Ele deve também ser capaz de ter empatia com as línguas como um lingüista competente ter participado da vida dos povos estrangeiros por algum tempo e ter imergido nos seus costumes e linguagem Assim como um biógrafo pene tra na vida e na natureza de um indivíduo ele deve através da rica vida de sua própria alma testar e reconhecer almas estran geiras Ele deve ter em mente como lema as belas palavras com que Goethe celebra seu professor e amigo Herder Ein edler Mann begierig zu ergründen Wie überall des Menschen Sinn erspriesst Horcht in die Welt so Ton aIs Wort zu jinden Das tausendquellig durch die Liinder jliesst Und so von Volk zu Volke hort er singen Wasjeden in der Mutterbrust gerührt Ninguém pode questionar a afirmação de Goethe que a li teratura alemã constitui o grande abrigo da literatura mundiaL No entanto a França pode ser considerada a origem acadêmica e o centro da história da literatura comparada moderna A Fran ça exerceu a influência mais antiga e significativa sobre a vida literária dos povos e tem sido de um modo geral o manancial das idéias que marcaram a história nos últimos 250 anos Um exame do gráfico de Flaischlen4 mostra que a Alemanha perma neceu quase que completamente receptiva até a metade do sécu lo XVIII O historiador Hemi Martin estava correto quando disse Le génie de Ia France se résume dans un mot La propagande Este papel propagandístico da literatura francesa pode ser demons trado aqui com dois exemplos característicos e peculiares Sabe se que foi Thomas Carlyle quem primeiro introduziu a literatura alemã e Goethe em particular no seu país e que ele foi o intermediário mais notável e influente do pensamento alemão e da literatura alemã na Inglaterra Menos conhecido no entan to é o fato de um livro francês o De lAllemagne de Madame de StaeI ter cativado Car1yle então um jovem de vinte anos pa ra a literatura alemã Na época ele dedicou dez anos de estudo intenso à literatura alemã Mais característico ainda é o caso da propaganda negativa se eu posso me permitir a expressão Não 54 LITERATURA COMPARADA OBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 55 foi só através da crítica de Voltaire a Dante que os estudos italia nos sobre Dante se reanimaram no século XVIII Também a con trovérsia imprudente entre Voltaire e Bettinelli estimulou a idade de ouro da pesquisa e do entusiasmo sobre Dante no nosso século Investigar como as nações aprenderam umas com as outras como elas se elogiam e criticam se aceitam e rejeitam se imitam ou distorcem se entendem ou interpretam mal como elas abrem os corações ou se fecham umas às outras mostrar que as indivi dualidades como períodos inteiros não são mais do que elos de uma cadeia longa e multifilamentada que liga passado a presen te nação a nação homem a homem estas em termos gerais são as tarefas da história da literatura comparada Passando para as áreas individuais devemos mencionar em primeiro lugar o estudo das fontes Aqui temos de determinar se estamos lidando com dependência ou com mero estímulo A semelhança não deve ser declarada como imitação sem a devida investigação O estudioso deve ter cuidado para não superesti mar a importância do detalhe e avaliar os méritos de um autor demasiadamente em termos de assunto Entre as tarefas mais es timulantes e recompensadoras está o estudo da analogia princi palmente quando ela fornece uma compreensão dos traços pe culiares dos vários poetas ou de movimentos literários Não me nos edificantes são os estudos dos mesmos motivos problemas fábulas etc em autores de nações diferentes Eles nos fornecem as contribuições mais interessantes para a psicologia dos povos e para o nosso conhecimento das peculiaridades poéticas e na cionais Eis dois exemplos diferentes como é que o capitano da commedia dellarte é modificado no palco francês Ou na his tória comparada das idéias uma comparação da idéia de tole rância em Pierre Bayle e Lessing Quão bem poderíamos mos trar aqui se procedermos historicamente a evolução psicológi ca da idéia de tolerância e ao mesmo tempo passar a ter com preensão sobre a natureza destes dois homens do Iluminismo O estudo da transformação dos contos de fada dos mitos e sagas pode ser considerado uma série contínua de paralelos Inúmeros problemas novos indubitavelmente surgem da tabela sincrônica das datas de eventos importantes da literatura mundial isto é de meios puramente externos como já o temos para eventos da história mundial Por exemplo sob o título literatura france sa poderíamos encontrar a Art poétique de Boileau no ano de 1674traria uma pequena descrição das regras para poesia para o drama para o épico etc incluindo no terceiro canto a reco mendação do não tratamento poético da religião cristã e do ma terial bíblico Sob o título literatura inglesa 1667 encontraría mos a primeira edição do poema épico mais magistralmente reli gioso de todos os tempos o Paradise Lost de Milton Ou um ou tro exemplo bem diferente Bayle publicou suas Nouvelles de Ia République des Lettres entre 1684e 1687em 1688Christian Tho masius começará seu Monatsgespriiche Não negamos o fato de que mencionamos tarefas da histó ria da literatura comparada com as quais somente críticos muito competentes e com poderes de empatia podem lidar um Wetz melhor do que um Süpfle sem mencionar um nome que se asse melha muito ao primeiro Mas há também lugar na história da literatura comparada para talento e dedicação Portanto embo ra agora eu me refira somente às investigações deinfluências lo cais e principalmente estrangeiras consideroas no entanto as fontes mais ricas uma das áreas mais importantes de nossa dis ciplina pela simples razão de que não há literatura nacional com limites nacionais e porque a época das literaturas nacionais deve ser considerada definitivamente ultrapassada Não me refiro aqui aos desmembramentos mecânicos a que Shakespeare Moliere e Goethe estão freqüentemente sujeitos mas ao tipo de influência que caracteriza o autor e sua obra que temporariamente domi nou e orientou o espírito de um autor um grupo uma nação O desenvolvimento de formas poéticas como a métrica só pode também ser apresentado comparativamente Sem a definição das influências alemãs e inglesaspor exemplo a poética da decadência não poderia ser explicada Finalmente gostaria de mencionar uma área que até o pre sente recebeu pouca atenção e que pertence essencialmente à his tória da literatura comparada a história comparada da tradu ção Esta não só ilustra a influência de uma literatura em outra mas também permite que tenhamos uma percepção substancial das suas fontes históricas e internas ver Max Koch loc cit Aqui o estudioso deveria começar com a literatura daquela língua que produziu um milhão e um quarto de traduções entre as quais podemos citar a obra de Gottfried von Strassburg Martin Lu fher Fischart Gottsched e Bodmer Klopstock Herder Voss Schillcr e Goethe Tieck e Schlegel Paul Heyse Schack Wilhelm 56 LITERATURA COMPARADA OBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 57 Hertz Bertuch e Fulda e tantos outros Os grandes poetas de todos os tempos e de todos os povos se agregam em torno do nicho hospitaleiro da Bildung alemã As adaptações livres cons tituem rico material para estudos comparados Há critério mais seguro quanto ao gosto do francês do século XVIII do que suas primeiras adaptações de Shakespeare O roubo por tradução praticado pelos ingleses em relação às produções dramáticas fran cesas não ilustram e muito sua influência na literatura dra mática moderna do país de Shakespeare e Ben Jonson Como o puritanismo da Inglaterra explica o fato de que Nana é mais lida em inglês do que em sua língua original A que conclusões devemos chegar quando freqüentemente no mesmo dia adapta ções de peças francesas são encenadas em três ou quatro teatros de Berlim quando um agente de teatro alemão pode ser encon trado em toda premiere em Paris com o contrato nas mãos É uma das tarefas da história da literatura comparada como a dis ciplina mais apropriada investigar o significado e a relevância da tradução Para tanto deveria invocar principalmente o teste munho de Goethe nós nos lembramos do que o mestre disse sobre a tradução de seu Fausto por Nerval e de seu Auswiirtige Literatur que contém a bela parábola poética cujas últimas li nhas são So war mirs ais ich wundersam Mein Kind in jremder Sprache vernahm Afirmo que a este respeito a história da literatura compa rada deveria mais do que nunca depender de Goethe já que em geral se considera um sinal de Bildung estética e filológica me nosprezar a tradução Se agora considerarmos que este campo complexo e vasto de nossa disciplina pertence ao historiador literário que nas uni versidades alemãs deve ser predominantemente um filólogo en tão acredito que a seguinte pergunta só pode ser respondida no sentido de Wetz poderá um filólogo dominar duas áreas tão di ferentes cada qual exigindo a atenção integral da pessoa Na ver dade Wetz diz que geralmente há filólogos que lidam com a his tória literária à parte ou historiadores da literatura que de algu ma forma fizeram as pazes com a filologia Para ser franco e di reto a expansão e a complexidade crescente dos estudos filoló gicos e da história da literatura em combinação com a história da literatura comparada com ou sem ingredientes wetzianos tor nam desejável que se divida o campo que até agora pertencia so mente ao filólogo se por nenhuma outra razão pelo menos por motivos externos e práticos O antigo Privatdozent docente de Strassburg merece o crédito de ter expressado seu pensamento de maneira clara e com indubitável autoridade pela primeira vez A situação não muda pelo fato de haver um pequeno número de filólogos que com grande empenho e extraordinário talento são admiráveis mestres de ambos os campos pelo contrário ao dis persar suas energias o estudo se priva de um trabalho dos mais valiosos A propósito um destes estudiosos afirmou o seguinte a tradição da filologia românica tem dado tanta atenção ao francês antigo que o estudo acadêmico do francês tornouse essencial mente um estudo do francês antigo e do provençal Exceções co mo o autor das linhas acima Ten Brink e outros não mudam o fato de que devemos as realizações mais admiráveis no campo da história da literatura comparada e da história da literatura em geral aos nãofilólogos Devo somente mencionar nomes como os de Hettner Taine Wilhelm Scherer Erich Schmidt cujo es tudo excelente intitulado Richardson Rousseau und Goethe Je na 1875 não deveria ter sido omitido de nosso levantamento his tórico Meio século atrás um Lachmann podia ainda dominar o alemão e a filologia clássica completamente Há uma geração as duas áreas da filologia se separaram e dentro dos estudos ale mães mais uma divisão foi aceita dejacto pela cadeira que havia originalmente sido destinada a Wilhelm Scherer Portanto é so mente uma questão de tempo até que esta divisão se torne fun damental e generalizada Isto é muito verdadeiro já que a idéia de que as histórias da língua e da literatura se complemen tam mas não estão necessariamente ligadas é cada vez mais aceita Nem as premissas nem os objetivos são os mesmos No entanto as duas áreas são mutuamente dependentes em relação à Idade Média e à época até o século XVI Naturalmente estes períodos dizem respeito predominantemente ao filólogo Mas se guindo o exemplo de Gaston Paris o filólogo deveria levar em consideração os produtos literários da Idade Média não só co mo documentos lingüísticos mas também como casos literários Por outro lado temos que afirmar com Karl Weinhold que o historiador literário deveria ser um filólogo treinado O cs 58 LITERATURA COMPARADA OBSERVAÇÕES CRÍTICAS A RESPEITO DA NATUREZA 59 tudo das literaturas modernas também requer um conhecimento crítico da história das línguas Acima de tudo uma compreensão sobre as origens das literaturas é impossível sem um conhecimen to da filologia Antes do historiador da literatura começar a cons truir o primeiro andar ou mesmo o bel étage ele deveria ser ca paz de colocar as fundações e pelo menos os tijolos do subsolo Apesar de nosso ceticismo mais do que justificado acredi tamos que os estudos literários finalmente verseão livres da ne fasta ars literatoria dos gramáticos medievais e ganharão inde pendência nas universidades alemãs Estamos confiantes de que TenBrink cuja obra como a de Gaspary não permaneceria frag mentária se a filologia lhe permitisse mais tempo estava certo quando afirmou A separação de uma nova disciplina do tron co do conhecimento geralmente é seguida após certo tempo do estabelecimento de novas cadeiras em nossas universidades Goethe já resumiu a grande importância da literatura com parada mundial nestes dois termos intermediação entre nações e aceitação mútua Cada nova descoberta na área das relações constantes entre os povos civilizados constitui não somente uma nova realização do conhecimento mas também uma pedra fun damental na futura construção da paz mundial O conheci mento mútuo mais profundo entre as nações pode facilitar o cres cimento de um humanismo de longo alcance que injustamente tem sido acusado de sentimentalismo e falta de senso nacional ou até de enfraquecimento deste VerOUo Weddigen lococit O objetivo final da literatura mundial comparada explorar as principais correntes espirituais do pensamento e da literatura modernos uma vez realizado dará acesso a aspectos comple tamente novos das histórias literárias dos vários povos A histó ria da literatura comparada significa um aprofundamento espi ritual do estudo literário e uma abordagem internacional O que Ten Brink em sua linguagem metafórica diz sobre o estudo lite rário é verdadeiro palavra por palavra em relação à nossa disci plina Ela abre caminhos para nós por entre moitas e matagais até atingirmos panoramas fontes recônditas e locais de descan so ela constrói pontes através de abismos que nos separam dos cumes ela liga o vale onde nossa cabana se encontra ao mundo em volta Através da comparação chegamos com maior clareza e segurança ao conhecimento das peculiaridades de uma dada literatura No entanto podemos assim ver o indivíduo também em sua universalidade Nas literaturas germânicas ele surge com as mesmas paixões vícios e virtudes que nas literaturas români cas em cada página a unidade e a dependência mútua de todas as nações são reveladas em todos os lugares a alegria e a dor a esperança e a desilusão são igualmente compartilhadas Apren demos que todas as literaturas têm as mesmas pequenas e gran des preocupações que Dante e Goethe Shakespeare e Molihe falam essencialmente uma só língua e esta eles falam por todos A história da literatura comparada corrige a unilateralidade in dividual e nacional o perigoso inimigo da civilização moderna Para que perspectiva superior livre de preconceitos esta disci plina pode nos levar deve ser ilustrado pelas palavras de um fi lho de John Bull o Buckle mencionado acima que contem porâneo de Carlyle chamou a França de um grande e admi rável povo e um povo em muitos sentidos superior a nós um povo de quem ainda temos muito o que aprender etc Somente uma abordagem comparada da literatura pode nos levar a uma compreensão das transformações do sentimento das nações in dividuais corrigir nossas visões tradicionais e revelar todos os erros Afinal de contas esta disciplina fornece o material mais valioso não só para a psicologia dos povos mas também para a estética quaisquer limitações ou gradações que impusermos ela sempre tenderá para um objetivo duplo um conhecimento inter no e profundo da riqueza da natureza humana e a realização das palavras do poeta Lasst alle V6lker unter gleichem Himmel Sich gleicher Gabe wohlgemut erjreuen NOTAS I Zeitschriftfür vergleichende Literaturgeschichte I 1 1887 12545 19721340769 2 Histoire de Ia littérature française à létranger depuis le commencement du XVlle sie ce Publ pela 1 vez em Paris em 1853 1 Geschichte der Einwirkungen der deutschen Literatur auf die Literaturen der übrigen I1IlOpuischenKulturv61ker der Neuzeit Leipzig 1886 1 ILA ISCHLEN Casar Die deutsche Literatur und der Einfluss fremder Literaturen 1111illlrll Verlauf vom Beginn einer schriftlichen Überlieferung an bis heute Stuttgart IHt A LITERATURA COMPARADA 61 A LITERATURA COMPARADA Benedetto Croce Recebo de Nova York o prospecto da nova publicação Journal of Comparative Literature que terá a responsabilidade de G E Woodberry J B Fletcher e J E Spingarn além de vasta cola boração de estudiosos estrangeiros entre os quais um grande nú mero de italianos Enquanto isso aqui em Nápoles reestruturase a cátedra de Literatura Comparada que De Sanctis em 1861 en tão Ministro da Educação criou para Giorgio Herwegh que não a pôde ocupar e acabou ele próprio a ocupando de 1871 a 1875 Agora foi designado Torraca que ao reinaugurála fez uma bela preleção recordando a segunda escola de Francesco de Sanctis É oportuno então perguntar OJlue é litatura cOillPé rada A resposta a tal pergunta devecomeçar por descartar ime diatámente a qfinição que primeira e mais facilmentese apre senta a literatllra comparada é a fOJmade pesquisa que se serve do método comparativo O método comparativo sem dúvida por que simples método de pesquisa não pode bastar para traçar um campo de estudo No que consiste este método Delineio a pes quisa referente a um fato tomemos a constituição da família he lênica primitiva e não encontro nos documentos à minha dis posição o fio condutor que lhe explique a verdadeira natureza Busco então casos análogos cujos documentos são mais abun dantes e construo um ou mais tipos de famílias primitivas Através deles deduzo algumas hipóteses das quais me valho para inter pretar os documentos que possuo sobre a família helênica e atra vés do exame comparativo dos fatos e hipóteses com a ajuda dos CROCE Benedetto La letteratura comparata In Problemi di estetica 4 ed BaTi Gins Laterza Figli 1949 p 7176 quais realizo novas pesquisas consigo fixar a conjectura mais pro vável que através de uma ampla documentação pode ser con vertida em fato acertado Não há dúvida de que este método é aplicável também à história literária dele nos servimos para re conhecer o desenvolvimento do epos ou do drama sacro de um determinado povo ou para interpretar o significado de um vo cábulo utilizado ou de um costume aludido em um poema Ora o uso deste método que é bastante comum às vezes de modo ampf6e mais freqüentemente de forma menor não tem nada deexdusivo e de característico nem para a literatura em geral nem pará quaisquer pesquisas em torno da literatura Há uma outra definição que pareceria a verdadeira porque traz em sitambém a tradição histórica deixando claro que o nome de literatura comparada baseouse no da lingüística comparada Esta outra definição é a literatura compétrada busca as idéias ou temas literários e acompanha os acontecimentos as alterações as agregações os desenvolvimentos e as influências recíprocas entre as diferentes literaturas Assim sereleio a advertência exposta pe lo Dr Max Koch em Zeitschrift für vergleichende Literaturges chichtevln 1 1886 vejomediante da seguinteafirmação que a literatura comparada deve seguir o desenvolvimento das idéias e das formas e a sempre nova transformação de matérias idênticas ou similares nas diversas literaturas da Antigüidade e dos tempos modernos e deve descobrir as influências de uma literatura sobre a outra nos seus recíprocos relacionamentos explicase no pró prio nome eaí seacrescenta como apoio um trecho do filósofo Carriere Ou melhor Koch recorda que Goedeke através de sub sídios de Maximiliano II da Baviera começou a trabalhar num Lé xico dos temas de arte Lexicon der Kunstoffe jamais publicado Ora quem pode negar a importância de semelhantes pesquisas Não eu certamente que publiquei entre tantas umas vinte me mórias com a intenção de estudar a difusão ea eficácia da literatu ra e dos costumes espanhóis na Itália Deixemme também fazer uma confissão não exclusivamenteminha pois a identifiquei tam bém nas confidências de estudiosos bem mais intrépidos eespecia listas na matéria não há estudo mais árido do que este tipo de pes quisa o cérebro cansa e experimenta uma sensação de vazio Esta aridez estasensação devazioprovém do fato deseremelaspesquisas de mera erudição qlle por sisós não levam a explicar uffia6bra literária e não fazem penetrar no vivo da criação artística Seu 62 LITERATURA COMPARADA A LITERATURA COMPARADA 63 objeto não é a gênese estéticacla obra literária mas ou a história exterior da obra já formada acontecimentos traduções imita ções etc ou o fragmento do material diverso que ajudou a construíIa tradição literária Os livros que se detêm estritamente nesta ordem de pesquisas tomam necessariamente a forma de catálogo ou de bibliografia muitas vezes oculta das melhores maneiras pela agilidade ou brilho do escritor Falta e não pode faltar o estudo do momento de criação que é o que verdadeira mente importa à história literária e artística Igualmente o estu do filológico das línguas embora fornecendo materiais precio sos seja pela perspicácia das próprias línguas seja pela história das idéias das instituições e dos costumes não traduz jamais a intuição da língua no ato da fala seu resultado é a gramática e o vocabulário Do mesmo modo no estudo das artes figurati vas as pesquisas sobre as transformações dos costumes e dos ti pos figurativos por exemplo o estudo das mudanças sofridas pelo bastão que o Anjo da Anunciação levava na mão e que de sím bolo de mensageiro segundo a tradição bizantina transforma se paulatinamente em bastão florido e posteriormente em sim ples flor uma rosa ou um lírio na pintura toscana têm interesse como iconografia e como Kulturgeschichte mas não nos dizem nada com relação à criação artística do pintor que precisa ser revivida na sua síntese espiritual original se se quer fazer a his tória artística Insisto neste ponto que a literatura comparada no significado acima não traz à luz nem mesmo o material da obra literária porque estuda somente a tradição literária prete rindo os elementos sociais e aqueles psicológicos individuais que têm importância igualou maior na gênese Donde aquela as sombrosa tendência da crítica através da qual os pesqar li ru di cde fontes imaginamhaver explicaelo uma obra literária quando encontram os seus antecedentes e como se os seus úni cosantecedentes fossem aqueles literários Mas a história comparada da literatura tem também um ter ceirQsignificado e dá lugar a uma terceira definição que seen trelaça com a preCedente na citada introdução de Koch De fato Koch observa que a istóriacta literatura alemã nasceu compa rada e recorda o livro de Morhof de 1682 no qual tratando da poesia alemã traz à luz as poesias estrangeiras que a precede ram a obra crítica rica de comparações de Lessing a do verda deiro criador da história literária alemã Herder e ainda as ou tras de Schlegel e de Bouterweck A mesma demonstração e enu meração poderia ser feita com a historiografia da literatura ita liana desde De vulgari eloquentia isto é dó início do século XIV pois nós italianos somos mais velhos que os alemães até os tempos modernos E se após a introdução de Koch leio aquela feita pelo saudoso Textepara o ensaio bibliográfico de Betz so bre Littérature comparée encontro o registro de que também a Antigüidade fazia uso através da crítica da comparação e de que os críticos romanos tinham em mente as obras literárias he lênicas Melhor ainda afirma Koch no programa de sua revista que a história liteláriacomparada devedªf atenção especial ao íntimo vínculo entre história política e história literáriaQ qual talvez em geral não é posto em relevo em toda sua importância e ao vínculo entre história da literatura e história da arte desen volvimento literário e desenvolvimento filosófico usw O und so weiter também é digno de relevo Portanto a história literária comparada neste terceiro significado é aquela que considera to dos os antecedentes da obra literária próximos e longínquos prá ticos e ideais filosóficos e literários deixados soba forma de palavras ou de formas plásticas e figurativas und so weiteri As sim a história comparada é algo inseparável do conceito pró prio de história literária Portanto acrescento eu neste terceiro significado a história comparada da literatura é a história en tendida como explicação completa da obra literária investigada em todas as suas relações posta no campo da história universal e onde mais poderia ser colocada vista em todas aquelas co nexões e preparações que a esclarecem Em outros termos não vejo que outra diferença exista neste terceiro significado entre história literária pura e história literária comparada salvo se com o pleonasmo cQJlpªrªclª se queira exprimir a exigên cia de uma história literªriaqlle seja vrctadeiramenteplena e te nha consciência de toda a extensão de sua função Deixando de lado o primeiro significado que realmente não diz respeito à questão vemonos diante de doislllodos diversos de compreender a história literária comparac1aum meramente literárioerudito e o verdadeiramente histórico e explicativo que contém em si o momento erudito mas tomado em sua totalida de e não em um ou mais fragmentos como na outra tendência Naturalmente ambos os modos são justificados mas em um novo tipo de ensino ou nas páginas de uma nova revista seria desejá 64 LITERATURA COMPARADA vel que o segundo prevalecesse Se repensarmos na cátedra de Ná poles e na vaga que se deve preencher e nas suas tradições e em quem a ocupa que foi nos velhos tempos discípulo preferido de De Sanctis não há dúvida de que a pesquisa erudita de labo ratório será acompanhada pela indagação integral e conclusiva A respeito da revista americana lembro do discurso que um dos seus fundadores Spingarn fez na seção de história literária com parada do Congresso de Paris de 1900 Sobre literatura e erudi ção na América do ponto de vista acadêmico American Scho larship em que se anunciava uma reação contra o método exclu sivamente filológico que era trazido da Alemanha para as uni versidades americanas e que é preciso afirmar domina em to das as universidades da Europa tomando como palavra de or dem desta reação exatamente as palavras Comparative Literatu re Isto faz esperar que a nova revista americana não venha acres centar material amorfo ao enorme número que já se recolheu dos eruditos europeus mas ajudará aquela síntese históricoestética aguardada ainda por todas as áreas da história literária univer sal Os estudiosos do Novo Mundo quererão de vez em quando darnos possibilidade de sair dos gabinetes empoeirados onde a literatura perde o seu frescor e conduzirnos a respirar em sua companhia as doces brisas da vida LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA Fernand Baldensperger No dia em que SainteBeuve em seu estudo sobre JJ Ampere que abria a Revue des Deux Mondes de 1 de setembro de 1868 Nouveaux Lundis tomo XIII empregou a expressão abrevia da literaturacomparada poderíamos dizer que ele prestou ao mes mo tempo um bom e um mau serviço ao gênero de estudos de que aqui se trata Ele lançava entre o grande público culto uma fórmula cômoda a mais cômoda sem dúvida que se possa uti lizar para designar a investigação das vivas relações que ligam as diferentes literaturas observava que o ramo de estudos com preendido pelo nome de literatura comparada data na França apenas do início deste século colocava assim de maneira satis fatória tanto a palavra quanto a coisa Ao mesmo tempo como sói acontecer esta expressão condensada corria o risco de dar mar gem a falsas interpretações foi o que efetivamente ocorreu e eu só vejo a diplomática entre as coisas que se ensinam que te nha fornecido matéria a contrasensos mais caracterizados Daí a necessidade caso se aceite decididamente para facilitar o dis curso a fórmula empregada pelo grande crítico de nos enten dermos bem sobre o sentido mais preciso a lhe ser dado Uma tal explicação permite aliás retraçar a carreira realizada em um século e meio de existência por uma disciplina que na realidade lem atrás de si precedentes de toda espécie e de épocas diversas mas que como variedade consciente de pesquisas é apenas pou co mais que centenária IIAI DENSPERGER Fernand Littérature comparée le mot et Ia chose Revue de Lit 111I111 Comparée Paris 1 I 1921 529 66 LITERATURA COMPARADA ITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 67 I Literatura comparada Comparação literária É muito barulho dizem ainda algumas pessoas para o mais fútil e o mais vão dos exercícios Nós o conhecemos este demasiado engenhoso diver timento que consiste em instituir paralelos entre obras e homens vagamente análogos e em cotejar assim graças a algumas apa rências de similaridade Corneille e Alfieri MmeDesbordes Valmore e Elisabeth Browning Joubert e Coleridge Robin Hood e Sherlock Holmes Entendese ressuscitar com maior pretensão os saltos do cavaleiro do excelente SaintMarc Girardin confron tando sem piedade em seu Cours os Nibelungos com o Roman de IaRose o Paria de Casimir Delavigne com o Dupuis de Col lé Vão lembrarnos que Racine e Shakespeare procedem de es téticas muito diferentes que a epopéia de Milton não é a de Tas so que a fábula segundo Lessing não tem praticamente nada mais que o nome em comum com a fábula segundo La Fontaine Vão competir em engenhosidade para além disso atrair numa con frontação universal os recémchegados à literatura os exóticos mais imprevistos do Velho e do Novo Mundo É evidente que uma literatura comparada entendida assim não mereceria constituirse em método independente ou pelo me nos isso seria atribuir uma importância absurda a um procedi mento instintivo do espírito Este é praticado tão logo se esteja familiarizado com mais de um poeta ou se leia mais de um li vro Já o copioso Marmontel em seus Éléments esperava esse movimento de comparação de qualquer crítico digno deste no me uma vez que somente o crítico inferior desprovido de modelos e de objetos de comparação reduz tudo a si próprio Encontrarseia portanto aqui um estágio prévio a qualquer ver dadeira operação crítica mas com os simples resultados casuais de uma leitura mais ou menos extensa de uma informação mais variada de uma percepção mais fácil de analogias É possível que de uma tal confrontação resulte um benefício comparar pela lem brança Servitude de Vigny com o Príncipe de Homburgo de Kleist é pôr o dedo em duas concepções irredutíveis e quan to uma à outra do dever militar Mas e é preciso repeti I li I 10 pois há aí um litígio aberto tais comparações do ponto de vista do conhecimento dos próprios objetos deixam o mais atento espírito no mesmo lugar em que o encontraram Se eu des cobrir por exemplo que o livro de M Proust À Ia recherche du temps perdu lembra sob muitos aspectos a sinuosa retrospecti va flutuante e florida prolixidade de um JeanPaul Richter com seus incisos seus parênteses seu abandono a qualquer metáfora que se apresente em nada terei avançado Pois é mais do que pro vável que nenhum encontro real jamais criou qualquer depen dência portanto nenhum começo de explicação de um escritor para outro e o paralelo que eu gostaria de instituir não poderia satisfazer a ninguém se ele não permitisse ir mais longe como não poderia fazêlo uma engenhosa comparação por algum bió logo aventureiro do século XVIII entre a forma e a cor de deter minada flor e as de determinado inseto Sabese que não é assim a realidade Nenhuma clareza explicativa resulta de uma compa ração que se contentasse com esse olhar simultâneo lançado so bre dois objetos com essa constatação condicionada pelo jogo das lembranças e das impressõe de semelhanças que podem mui to bem não ser mais que pontos erráticos postos fugazmente em contato por uma simples fantasia do espírito II I icliof7naire de Littré remete não sem razão de uma certa acep IOdo particípio comparé comparado ao adjetivo comparatij colJfIllivo Anatomia comparada observa ele dizse me nos qlll lIlafomia comparativa O mesmo ocorre em suma com li Imo qUl aqui nos ocupa acrescentese que literatura na xpnSSIO lIncviada de SainteBeuve deve entenderse antes co 1110 lIíslúría descrição estudo de literatura e talvez seja de Iullcnlar que o crítico dos Lundis tenha contribuído para a boa sortc de uma fórmula mais fácil mas infinitamente menos exata do que outras francesas ou estrangeiras Vemos claramente que esta expressão literatura compara da suplantou apenas em parte as expressões que aqui aparecem tentemos fazer senão um fastidioso inventário pelo menos al gUlIlas sondagens 68 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 69 Simples comparação que se instala como que em casa no Journal étranger de 1760 ou no Année littéraire de 1754 e que se apresenta quase como um método no Journal des Savants de setembro de 1749 Esta comparação proporciona sempre gran des vantagens Estudo comparado na pena de Garat no Mercure de France de fevereiro de 1780com todo um programa Um estudo comparado dos escritores que honram as nações que possuem uma literatura é sem dúvida o que há de mais apro priado para fecundar e multiplicar os talentos Comparação ainda em Laharpe e em Marmontel com desdém dogmático pe lo ponto de partida Mmede Stael e B Constant pelo contrário parecem evitar um termo tão batido para qualificar estudos que renovam muitos problemas através da aplicação de um método mais histórico da mesma forma a tradutora do Curso de Schle gel exprime por meio de um verbo incidente um substantivo de princípio e traduz die Vergleichung a comparação por Ia criti que compare a crítica compara quando o próprio severo com paratista alemão havia intitulado sua brochura de 1807Compa ração entre a Fedra de Racine e a de Eurzpides Prossigamos nosso levantamento em uma zona vizinha se não idêntica Em 1802 o abade Tressan aventurava a Mytholo gie comparée avec lhistoire Mitologia comparada com a histó ria a Érotique comparée Erótica comparada de Villers em 1806 representa ao mesmo tempo uma audácia e uma inépcia enquanto para Degérando em 1804a Histoire comparée des syste mes de philosophie História comparada dos sistemas de filoso fia se oferece como um elemento desta história literária com pleta e universal com seus princípios de ligação que Bacon buscava com ardor Cours de peinture et de littérature compa rées Curso de pintura e de literatura comparadas de Sobry em 1810 e em 1814 exame comparativo do abade Scoppa Após esses tateamentos descobrese logo uma terminologia que se esboça e ao mesmo tempo um ponto de vista que se afir ma Noel e Laplace começam a publicar em 1816seu Cours de Littérature Comparée Curso de literatura comparada O prefá cio com que Villemain abre seu Tableau du XVIIIe siecle curso de 1827 e 1828 fala de um estudo de literatura comparada JJ Ampere em sua aula inaugural no Ateneu de Marselha 1830 prevê a história comparativa das artes e da literatura em todos os povos da qual deve sair a filosofia da literatura e das artes E na Sorbonne em 1832Nós o faremos senhores este estudo comparativo sem o qual a história literária não écompleta En fim no prólogo de Littérature et voyages onde JJ Ampere reú ne diversos estudos ele observa que todos os seus trabalhos se re ferem à história das literaturas comparadas 1833É nessemomen to que o Bulletin des sciences historiques abre um verbete corrente para a Filologia comparativa Vergleichende Sprachkunde Dois anos mais tarde é Ph Chasles quem proferindo no Ateneu em 17 de janeiro de 1836 sua aula inaugural se escusa por haver escolhido a fórmula de Littérature étrangere compa rée Literatura estrangeira comparada Este título o único que me pareceu conveniente carece de precisão sob vários aspectos Para dar conta da atividade de Chasles neste domínio Chaudes Aigues em seus Écrivains modernes de Ia France em 1841 restringirseá à história das literaturas comparadas Villemain e Puibusque em 1842e 1843 à história comparada das litera turas Da mesma forma Benloew oferece em Dijon em 1849 uma Introdução à história comparada das literaturas No ano anterior Ampere em seu discurso de posse na Academia havia falado uma vez mais do estudo das literaturas comparadas A Duquesnel em 1846 dava à sua Histoire des Lettres o subtí tulo de curso de literaturas comparadas Todas essas diferentes expressões mais completas e mais exa tas não cedem lugar à sua cômoda designação abreviada Em bora Delatouche publique em 1859um Cours de littérature com IJaréeCurso de literatura comparada Zola em 18 de julho de IH61 escreve a seu amigo Baille Da história comparada das literaturas deduzir segundo que lei se revela o grande poeta Mesmo depois da espécie de golpe de estado lingüístico de SainleBcLIvcnão chegaram a desaparecer as fórmulas antigas Se Hd Rod inlitula Da literatura comparada sua aula inaugu raI de IXXCl em Genebra Hennequin mencionando no prefácio de sua ritique scientijique o título do livro de Posnett Compa ralive Literature citao tal e qual em sua forma inglesa J Texte intitula Da história comparada das literaturas o primeiro de seus Études de littérature européenee emprega geralmente os ter mos crítica comparativa e método comparativo Brunetie re igualmente hesita entre expressões diversas mais explícitas e aquela que aproximativa mas simples tinha sobre todas as de mais a grande vantagem de ser breve A Histoire des littératures 70 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 71 comparées História das literaturas comparadas de F Loliée é de 1903 e de 1904 minha reedição da Littérature comparée Li teratura comparada de LP Betz Finalmente as menções ofi ciais do ensino comparativo das literaturas adotam lado a lado Literaturas modernas comparadas e Literatura comparada lU Qual havia sido então sob tal variedade de etiquetas a fortuna de uma tão persistente curiosidade Não se cessa incansavelmente de comparar sem evitar sempre o fútil paralelo o que é que se compara e como se compara ao longo de cento e cinqüenta anos Que figura soubera fazer ao lado dos métodos costumei ros crítica estética dogmática ou psicológica ou histórica ou cronológica esta irmã caçula por vezes julgada ambiciosa e indiscreta por vezes reduzida ao silêncio mas que suas irmãs mais velhas jamais haviam conseguido forçar ao papel de Cin derela Sob este aspecto houve no próprio quadro da história das doutrinas ou das práticas literárias a partir do fim do século XVIII uma evolução curiosa e instrutiva Inicialmente encontrase na maioria dos casos o velho an tagonismo entre doutrinas hábitos e gostos complicado por um acirramento de susceptibilidade patriótica Italianos franceses alemães ingleses com o despertar das literaturas nacionais ha viam todos jogado com um procedimento feito principalmente em última análise para estimular a produção autóctone Agora que esta produziu frutos numerosos e diversos confrontamse acerbamente valores freqüentemente incomensuráveis para provar o quê Que Shakespeare é superior ou inferior a Corneil le que os clássicos modernos são ou não são verdadeiros clássicos que os franceses não conseguem entender nada de Dante Laharpe ou Lessing Johnson ou Baretti com méritos diversos buscam na comparação armas ofensivas ou defensivas Ou então um Fréron um Linguet dandose conta daquilo que de estrangeiro passara para uma obra conhecida entregamse ao brinquedo das pesquisas de fontes não para destacar originalidades mas para diminuir iniciativas e para denunciar pilhagens Impasses tudo isso uma vez atingido o objetivo Algumas noções no entanto aventurosas e contestáveis em certos pontos perigosas quando sistematizadas permitiam aqui e ali confron tações infinitamente mais fecundas Herder e Vico precisando idéias que desde a Renascença jamais haviam sido perdidas de vista englobando num todo a língua a literatura e a mentalida de dos povos e condicionando assim organicamente a vida do espírito por conjuntos de circunstâncias determinantes arranca vam a comparação do estéril dogmatismo das predileções que se afirmavam como razões e argumentos Podiase a partir daí com a crítica histórica aproximar ou opor manifestações literárias cu jos desacordos se explicavam por outra coisa que não bizarrias ou barbáries podiase escapar ao vão exercício do raciocínio ven do nos diferentes gostos indícios sociais e talvez étnicos com is so sentiase a inanidade dos simples paralelos infundados Sem dúvida é vantajoso para a arte escreve em 1808 Sismondi a Mme dAlbany que pessoas hábeis comparem os teatros das diferen tes línguas mas é impossível proferir um julgamento baseado nes sas comparações Cada nação tem uma poética essencialmente diferente para seu teatro ela se propôs um outro objetivo submeteuse a uma legislação distinta A relatividade da arte com todas as aplicações todos os estímulos que dela pode tirar por sua vez o impulso criador deve portanto seu triunfo de 1830 a um novo esforço comparativo é este que se afirma em Mmede StaeI e em B Constant em Stendhal e no Globe em Goethe e em Manzoni enquanto pouco a pouco atraída por um crescente determinismo a teoria dos meios impõe à história da arte sistematizações indiscretas Por outro lado a simpatia do século XVIII pelo primitivo e pelo espontâneo aguçada por argumentos e antipatias de toda espécie resulta por volta de 1800 nas teorias que se conhecem sobre a poética popular sua eminente dignidade e sua imanên cia por trás de qualquer literatura digna deste nome Através de F Schlegel dos Grimm e de seus discípulos românticos através de Fauriel e de sua inestimável descendência toda uma investi gação nova solicitava o esforço dos cientistas A comunidade de origens o parentesco inicial e sempre latente dos grupos arianos o sabor de mito que deve transmitir qualquer dado verdadeira mente primordial ativado pela consciência popular todos esses postulados do romantismo conduziram a uma ordem interessante de Irabalhos aquele folclore ou aquela Stoffgeschichte história dos lemas em torno dos quais veio gravitar toda uma variedade 72 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 73 de literatura comparada constitui uma ordem de investigações que parece mais curiosa pela matéria do que pela arte e para a qual as sobrevivências secretas são mais interessantes do que a iniciativa do artesão é menos viva a preocupação com o carac terístico do que com o desorganizado assim sendo e quando se trata de obras literárias autênticas um Judeu Errante um Enoch Arden até um Fausto ou um Don Juan correriam o risco de se rem estudados para fins mais ou menos inversos daqueles da ati vidade artística Relacionar a literatura com conjuntos sociais ou físicos de sintrincar os fios entrecruzados do tecido poético verseá que pouco a pouco essas duas tendências instaladas quase de comum acordo no início do século XIX na crítica comparatista con duzem a métodos muito distantes entre si os espíritos desejosos de compreender as coisas em certas regiões da criação poética A primeira dessas atividades sobretudo na França não po dia deixar de ser a mais manifesta Firmadas num direito análo go ao da existência as diferentes literaturas nacionais doravante objetos da história literária podiam figurar lado a lado sem des favorecer demais alguma dentre elas nos quadros elaborados aqui e ali sobre os progressos do espírito humano Como vimos re sultavam estímulos imediatos do próprio princípio da relativida de do belo nem Herder nem Mmede Stael nem Stendhal nem Manzoni se privaram de tirar as conclusões que se impunham uma vez admitido o axioma aliás contestável de que a litera tura é a expressão da sociedade uma boa parte do impulso do romantismo como se sabe provém destas premissas críticas A que chegava por outro lado a literatura comparada do início do século XIX quando se tratava de apresentar pontos de vista sobre o passado e não mais de estimular o presente A in ventários compartimentados da literatura universal como efeti vamente conhecemos muitos Justaposição de séries paralelas mais do que interpenetração filiações e seqüências mais ou menos con tínuas na ordem nacional com crises principalmente internas explicadas pelas variações do gosto com períodos procla mados gloriosos ou depreciados como insuficientes conforme um certo ideal fosse manifesto ou esquecido é a maneira de Denina em seu Tableau des révolutions de Ia littérature ancienne et mo derne ou de Guinguené na Histoire littéraire que devia prolon gar seus estudos italianos é a maneira de Eschenburg de Bou terwek e de outros compiladores eruditos Dirseia que no en tusiasmo que seguiu sua libertação do jugo dogmático e tam bém na sua alegria de se verem ligadas efetivamente a naciona lidades nações autênticas ou nações em que há esperança as diferentes literaturas contentamse inicialmente com mostrar suas riquezas e desfilar em sua respectiva posição diante da atenção crescente do mundo Pois até há lugar então neste círculo que se cria para os retardatários os lerdos os oprimidos gregos mo dernos irlandeses finlandeses que não hesitam mais em divul gar seu único bem reconhecido sua literatura popular Morla ques de Nodier e Il1yriens do pastichador Mérimée Por volta de 1825a imagem da literatura européia ou mundial começou cer tamente a refletirse de maneira bastante pitoresca no espírito dos leitores cultos e não é de surpreender que a literatura com parada tenha tirado proveito desta atmosfera tão favorável da Eu ropa da Restauração Mas tudo isso eram apenas visões fragmentárias um espe lho quebrado cujas facetas rigorosamente falando uniamse umas às outras pela noção das mesmas origens ou pela lembrança de algumas disciplinas recebidas em comum Impunhase uma orien tação nova para que fosse organizado de outro modo o resulta do de todos aqueles inventários nacionais IV Ás ciências comparativas em biologia no primeiro terço do SlTldo XIX haviamse constituído em disciplinas especiais nas quais a história literária não podia deixar de inspirarse à sua IlIaueira Cuvier em anatomia comparada 18001805Blainville l1Il fisiologia comparada 1833 Coste em embriogenia compa rada I X17 lodos eles tinham com objetivos diversos publicado seus lrahalhos sob O prisma do estudo comparativo não a sim ples preocupação demasiado evidente para qualquer observa dor de eolcjar os objetos análogos de um mesmo grupo para fins de c1assificação mas a comparação de fenômenos destaca dmsob rIosaspectos do grupo ao qual normalmente perten cem e submetidos a uma confrontação que evidencia um caráter 74 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 75 comum e com isso sugere uma relação de parentesco e de de senvolvimento entre grupos tidos como estranhos até então Importa não perder de vista este ponto de partida que o ter mo comparado por vezes faz esquecer e é bastante significa tivo que a disciplina comparativa em biologia mesmo após os trabalhos dos Owen e dos Gegenbaur tenha precisado muitas ve zes ela também lembrar sua razão de ser essencial Embora evi dentemente não se tratasse no caso da história literária de to mar emprestados às ciências biológicas um método e procedimen tos ela encontrava naquelas ciências uma tendência que tinha o mérito de encorajar por sua vez diversos estudos do passado Littré será um dos eruditos que na França garantirão com a maior constância a legitimidade das visões comparadas em do mínios tão diferentes ele que ao deixar o colégio se apaixonava por lingüística comparada tomava partido em 1830 no conflito criado pela anatomia comparada entre partidários e adversários da unidade do plano e ainda lembrava no prefácio de 1874 de seu último volume Littérature et histoire que as diferentes lite raturas são irmãs a despeito de tudo o que as separa Aliás já se haviam oferecido intermediários em vários pon tos entre o comparatismo das ciências da matéria e o das ciên cias do espírito e o método comparativo em lingüística produ zia após os trabalhos de A W Schlegel os de Bopp e de Diez entre outros Chegava a vez das outras ciências mitografia com parada geografia comparada legislação comparada sem fa lar do folclore comparatista por natureza que celebrava ao abrigo do romantismo alguns de seus mais populares sucessos Eis portanto que se apresentam por volta de 1830 para a história literária condições de renovação e de atividade supe rior mesmo tendo como objeto o período moderno e não mais somente as épocas caras aos Fauriel e aos Raynouard quando a difusão dos temas de inspiração e a precariedade relativa do índice nacional tornavam a matéria poética tão fluida e móvel tão vagabunda e errante quanto possível As justaposições puras e simples de literaturas parecem ser coisas do passado as reivin dicações nacionais por comparação parecem inúteis a interação possível e os contatos evidentes permitem até para épocas de ex pressão nacional e de estilo cristalizado a exposição ligada de certas grandes épocas intelectuais Guizot empreende com este espírito seu Cours dhistoire moderne Villemain em suas lições de 1827 e 1828 aborda o Tableau du XVIIIe siicle através da pesquisa das influências inglesas e sabese com que emoção o velho Goethe desde sua longínqua Weimar acompanhava essas lições retumbantes que lhe pareciam assegurar entre os povos mo dernos um entendimento intelectual promissor de boa vontade geral e humana Apesar dessas esperanças do século XIX em seu berço é certo que no esforço de um Buckle de um Hallam nas histórias lite rárias não obscurecidas por um egocentrismo nacional no Sé culo XVIII de Hettner mais e mais se afirmam pontos de vista favoráveis a uma concepção mais orgânica dos grandes conjun tos literários da Europa Sem dúvida essas amplas apresentações eram demasiadamente rápidas E como não teriam elas sido pre maturas precipitadas superficiais sob inúmeros aspectos Elas tinham pelo menos o mérito de levantar sinteticamente proble mas que a análise a seguir podia resolver precisandoos Seu principal defeito era no próprio plano em que elas se coloca vam submeter os fatos literários a uma espécie de direção pre concebida e fazer convergir coisas em excesso para um objetivo que se via antecipadamente revolução parlamentarismo racio nalismo etc As idéias mais que os modos de expressão as no ções intelectuais mais que as energias eram analisadas nestas am plas enquetes realizadas evidentemente de um ponto de vista que se poderia qualificar como doutrinário JJ Ampere teria sem dúvida constituído mais livremente a literatura comparada se tivesse percorrido toda a carreira que ele se traçara na época das grandes esperanças Com seu gosto pela vida e pelo individual sua curiosidade de viajante e de psi cólogo a consciência hereditária de pesquisador que possuía ele podia ultrapassar o estágio das generalizações sair ousadamen tv dos períodos em que a intercomunicação da Europa é coisa vidcnte ele carregou a pena de uma mobilidade de caráter e de ClIlíosídades que foi o preço de resgate das mais belas faculda des SII1 cração viu não sem preocupação instalaremse na his tória da likralura e da arte as idéias às quais Taine na França POIICO 1 POIICO ligou seu nome Sem dúvida esta poderosa inte ligência 1Il1ahandonava as fecundas visões de conjunto que ul trapassavlIllGltqorias demasiadamente estreitas em todas as par tes de sua ohra a evocação dos conjuntos implícitos solicita 76 LITERATURA COMPARADA IITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 77 engenhosamente o leitor Quantas vezes não se detém ele para opor termos sobre os quais a comparação projetará uma luz mais viva Shakespeare e Racine Musset e Tennyson o homem antigo e o homem moderno Fausto e Manfredo Flandres e a Itália ou para instituir analogias favoráveis à interação dos espíritos Ab solutismo Francês e Restauração Inglesa Renascença Italiana e Reforma GermânicaL Entretanto seu princípio favorito das convergências da concordância das forças e dos efeitos a obra de arte determinada por um conjunto que é o estado geral do espírito e dos costumes a estrutura interna que ele en contra ao mesmo tempo num poema e numa raça todas essas crescentes exigências de suas teorias opunhamse a uma aplica ção mais fecunda dos métodos comparativos Era necessário com efeito que fosse novamente maleabili zado o elo rígido estabelecido por sua doutrina entre todas as manifestações da vida de um povo Para um Descartes um La Bruyere um Fontenelle o meio constituído por um conjunto so cial ou nacional não é tão hermético nem tão fechado que a vida do espírito não possa dele escapar e como dizia o último desses clássicos a leitura dos livros gregos produz em nós o mesmo efeito que se nós somente desposássemos gregas Mas se ao con trário os grupos dos quais emanam criações de arte línguas e literaturas são organismos mais ou menos fechados então as co municações literárias entre estes não passam de episódios inor gânicos Rejeitada tão logo recebida ou então limitada a uma ação superficial uma influência estrangeira em nada afetaria as modalidades essenciais Desta concepção como sabemos pro vêm muitas denegações formuladas por um Nisard na Fran ça e por outros alhures em relação às trocas intelectuais na atualidade ou à sua investigação no passado uma espécie de ego centrismo faz persistir o gênio de uma nação não apenas em seus lineamentos principais o que é evidente mas também em uma irredutível identidade o que realmente não se sustenta diante dos fatos verificados Ora a flexibilidade que nosso classicismo podia trazer aum tão compacto determinismo em razão da dualidade do espírito e da matéria a ciência recente voltou a propôIa em nome da pró pria pluralidade e multiplicidade O maior progresso da fisio logia moderna pôde escrever Renan foi mostrar que a vida da planta e a do animal não passam de uma resultante de outras vi das harmonicamente subordinadas e resultando em um conjun to único A consciência é uma resultante de milhares de outras conscicllcias que convergem para um mesmo objetivo Esten dida às coletividades humanas uma tal concepção leva a admi tir a coexistência em determinado meio de disposições de tendências diversas sobrevivências étnicas heranças diferen ciações sociais e morais sobretudo que condicionam os jogos múltiplos da sensibilidade e com isso as variedades da expres são artística e o vaivém das manifestações literárias Teria a literatura comparada podido avançar um passo se quer se o rigor das teorias às quais o nome de Taine permaneceu ligado não tivesse sido atenuado por noções diferentes É bem pouco provável Em todo caso vemos em diversas partes pelo fim do século XIX um esforço que tende através precisamente de um método comparativo mais direto a justapor e freqüente mente a superpor aos conjuntos de Taine idéias que abrandam a exigência destas Instinto de um certo cosmopolitismo em his toriadores e críticos pertencentes a pequenas pátrias aos quais sua intensidade nacional não pode bastar os nomes de G Bran des de Ed Rod de Marc Monnier de V Rossel estão ligados principalmente a este europeanismo que é em muitos casos a mola propulsora de uma sensibilidade confinada nos limites da pequena pátria Sentido mais imperioso das grandes divisões sociológicas da humanidade Posnett em 1886 baseia sua teo ria da literatura comparada nos estágios sucessivos que as aglo merações humanas atravessam Para ele e para todo um peque no cenáculo que dele procedeu na Inglaterra e nos Estados Uni dos a evolução das sociedades passagem do clã à cidade do grupo feudal ao grupo nacional etc predomina amplamente sobre a filiação étnica ou sobre a determinação pelo meio físico a literatura comparada depende dessas relações mais ou menos conscientes entre as artes e as variações sociais ponto de vista que o livro de Letourneau Lévoution littéraire dans es diver ses races humaines de 1894 representa numa certa medida na França pelo menos para os grupos primitivos Inversamente foi a complexidade dos componentes étnicos que levou 11 1usse rand a retomar do ponto zero a investigação de Taine sobre a his tória literária do povo inglês foi a variedade das afinidades do espírito que se afirmou para E Hennequin 1889 como o gran de fato intelectual uma vez que há entre as sensibilidades elos 78 LITERATURA COMPARADA IITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 79 eletivos mais vivos e mais vivazes do que esta longa comunidade do sangue do solo do idioma da história dos costumes que parece formar e distinguir povos Realizavase assim em diversos lados uma espécie de opera ção centrífuga se assim se pode dizer face às sistematizações de Taine deixando certamente subsistir algumas verdades indis cutíveis alguns fortes relevos mas enfraquecendo as teorias mes tras de sua obra A emoção estética de Guyau e a preeminên cia da expressão na arte cara a B Croce contribuirão à sua ma neira para abrir caminho a uma concepção mais maleável das pos sibilidades literárias Mas logo retomando e armando com uma lógica vigorosa algumas das idéias assim enunciadas Brunetiere propunha para explicar a vida da literatura sua teoria da evolu ção dos gêneros Esta voltava a pôr em movimento e em interco municação diversos grupos nacionais supunha um conjunto eu ropeu cujas principais partes constitutivas podiam realmente agir umas sobre outras graças principalmente a formas superiores ao determinismo estreito das raças e dos meios O momento isto é a velocidade adquirida o legado do precursor ao sucessor o prestígio de um modo de expressão já firmado adquiria aqui um rigor tal que por si só esse terceiro elemento da doutrina de Taine quase bastava para fazer evoluir as literaturas E este movimento do qual a existência dos gêneros era a materializa ção longe de se encontrar confinado em um único grupo nacio nal criava dependências entre as diferentes literaturas de modo que a evolução de um gênero podia ser escrita como um capítulo da influência da Itália sobre a França se se tratasse da tragédia da Inglaterra sobre a França se estivesse em causa o romance histórico da Espanha sobre a França se fosse visado o Gil Blas de Lesage enciclopédia do romance picaresco Como nascem os gêneros e graças a que circunstâncias de tempo ou de meio como se distinguem e como se diferen ciam como se desenvolvem à maneira de um ser vivo e como se organizam eliminando descartando tudo o que pode prejudicálos e inversamente adaptandose ou assimi lando tudo o que pode favorecêlos nutrilos ajudálos a crescer como morrem através de que empobrecimento ou de que desagregação de si próprios e de que transforma ção ou de que gênese de um gênero novo seus destroços se tornam os elementos essas são as questões que o método evolutivo se propõe tratar Sem dúvida esse darwinismo literário podia operar e se ma nifestava muitas vezes no âmbito de uma tradição única mas a luta pela existência aqui invocada levava imperiosamente as ap tidões vitais de um gênero a se reforçarem através do emprésti mo ou da emulação que as fronteiras não podiam impedir v Duas direções mestras solicitavam conseqüentemente a litera tura comparada Duas atividades principais podiam atrair aque les que ao estudarem o passado dirigiam seus olhares para além de uma só tradição de uma linhagem única de monumentos sig nificativos Uma da qual Gaston Paris foi na França o principal re presentantee que a erudição estrangeira cultivou copiosamente esforçavase por reduzir a elementos simples tradicionais os diferentes temas de que vivem as literaturas sem renovação bási ca de sua matéria essencial sem variação outra a não ser combi nações novas e com uma espécie de adulteração contínua de sua simplicidade inicial e de sua significação primeira e com isso mantinhase implicitamente a noção de uma arte outrora secre tada em sua pureza absoluta por uma alma popular coletiva Com uma meticulosidade compartilhada com o folclore e com o estudo dos mitos a literatura comparada entendia procurar deste lado que fontes mais ou menos diretas se ofereciam à aná lise de uma obra literária que análogos dessas fontes se apresen tavam em algum outro ponto do mundo fábulas esópicas ou con tos milésios narrativas populares ou afabulações religiosas trans mitidos passo a passo por uma tradição oral ou por escrito e acabando por aflorar na superfície da literatura após séculos tal vez de uma vida mais ou menos subterrânea A Matrona de Éje so seria a transformação bastante irônica de uma história rela tada pela propaganda moral dos pregadores budistas O conto de Ilarba Azul valorizaria ainda sem se dar conta um antiqüís situo mito solar imaginado pelos arianos antes de sua dispersão 80 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 81 o de Cinderela simbolizaria um costume primitivo que atribuía à caçula da família a guarda do lar Pois sabese que a antropo logia juntamente com a mitografia e o indianismo ofereceram suas sedutoras hipóteses a esta variedade de literatura comparada A outra variedade estendia e precisava as interrelações visí veis entre as séries nacionais das obras literárias em certas evo luções do gosto da expressão dos gêneros e dos sentimentos ela descobria fenômenos de empréstimo determinava a zona de in fluência externa dos grandes escritores Contudo não se tratava mais de organizar simples inventários justapostos da literatura européia ou mundial mas de indicar que G Brandes cha mava as grandes correntes que atravessam os diferentes gru pos nacionais de acompanhar corno fazia E Schmidt em seu Richardson Rousseau e Goethe um modo de sensibilidade que invade um gênero literário transportandose da Inglaterra para a França e da França para a Alemanha de provar pelo detalhe corno se fez com tanta diligência que prestígios italianos lança ram em novos caminhos a França da Renascença de estudar à maneira de Farinelli para Dante urna grande celebridade fora de seu país Brunetiere na França continua sendo o principal ad vogado deste estudo comparativo de nossos grandes séculos lite rários e sua obra crítica demonstra um desejo crescente de su bordinar a história das literaturas particulares à história geral da literatura da Europa Parece que segundo ele a concepção de urna literatura verdadeiramente una cada vez mais extensa no tempo e no espaço ganha na medida em que os estudos de JA Symonds sobre a Renaissance en Italie de Vogué sobre o Roman russe de J Texte sobre as Origines du cosmopolitisme littéraire revelam afinidades mais numerosas entre partes do mundo que mal se suspeitava estarem tão dispostas a participar em comum da mesma vida do espírito Podese dizer que o Congresso de História Comparada das Literaturas promovido em plena Exposição Universal de 1900 pela 6 Seção dos Congressos realizados em Paris marcou o fra terno entendimento entre essas duas maneiras de entender a lite ratura comparada no momento em que ambas não davam mais em suma do que resultados um tanto reduzidos e em que preci savam em todo caso verificar novamente suas respectivas cre denciais Este congresso era presidido por F Brunetiere que apre sentou urna exposição vigorosa e por vezes especiosa do obje to e do método do programa e do campo de ação da literatura comparada considerada corno ahistoriografia da literatura eu ropéil O que eu desejaria ver reconhecida é a situação respec tiva das cinco grandes literaturas em relação urnas com as ou tras é a curva da evolução da literatura européia através da his tória destas literaturas é finalmente a identidade deste tipo de pesquisas com aquelas que constituem o objeto essencial da li teratura comparada E transportando à sua maneira do da do nacional ao plano europeu a antiga concepção de orga nismo coletivo Brunetiere concluía assim Há por assim dizer urna unidade aritmética urna unidade de repetição cujas frações são todas iguais ou idênticas a elas mesmas e há urna unidade orgânica urna unidade de variedade cuja harmonia resulta da própria diferenciação das partes que a constituem Se existe urna literatura euro péia só pode ser neste segundo sentido e supondose que ela ainda esteja em estado inorgânicoentão só se poderá constituíIa com a condição de organizáIa Mas ela só será organizada na exata medida em que forem diferenciados seus elementos sucessivos 2 Por outro lado G Paris presidente de honra lembrou que ao lado da literatura comparada que trata dos monumentos in telectuais dos diferentes povos existia urna ciência nova que toca ao folclore à mitografia e à mitologia comparada que ultra passa as fronteiras da literatura propriamente dita segundo ra mo da literatura comparada que não é menos importante do que o primeiro embora ela não restrinja sua pesquisa às literaturas artísticas pode praticar a comparação estética das literaturas Um pouco mais tarde no prefácio do efêmero Journal of Compara tive Literature G EWoodberry enumerava as diferentes ativi dades oferecidas a seu esforço 1903 e a reedição 1904 da Bi bliographie de L P Betz que se esgotara em menos de três anos comprovava os resultados já obtidos e o interesse que os meios eruditos manifestavam por eles A Zeitschrift de Max Koch tra balhava há algum tempo no mesmo sentido Não dizíamos nós entretanto que nisso também se havia chegado a um ponto morto Melhor dizendo a dois pontos mortos pois na verdade ambas as variedades da história com parada das literaturas viam contestada sua eficácia e questiona X2 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA XJ da aquela espécie de legitimidade interna sem a qual não há la bor que valha Sem dúvida muitos dos resultados conquistados eram incontestáveis páginas e volumes excelentes estavam sendo escritos o impulso dado pelas teorias latentes tivera seu efeito Mas não parecia ser possível sem revisão firmarse nos concei tos preconizados nesses dois grupos de trabalhadores para em preender com confiança pesquisas novas era o desgaste das teo rias implícitas e dos métodos análogo ao empobrecimento dos programas artísticos dos quais o patrimônio total da ciência não sofre mas que obriga os cientistas a trocarem o equipamen to de seus princípios diretores sob pena de trabalharem à mar gem do veio frutuoso Pesquisa da origem e do sentido primeiro dos motivos literários Havia muito tempo que os estudantes do Trinity Col legeem Dublin tinham demonstrado com humor que Max Müller não passava de um mito solar Mais seriamente a fragilidade de tantas hipóteses sobre as origens davam matéria para numerosas contestações O gênero mais familiar escrevera G Paris em 1895o mais natural aparentemente e sem dúvida o mais francês da Idade Média na sua forma e execução o gênero das fábulas satíricas tem sua raízes primeiras bem longe do tempo e do lu gar em que floresceu veio da Ásia da Índia provavelmente pas sando normalmente por Bizâncio Ora o fato é que na mes ma época precisamente J Bédier propunha com muita razão que se aderisse à hipótese mais simples em muitos casos da po ligênese dos contos os quais podiam muito bem tirar seus ele mentos essenciais da combinação sempre renascente e apenas re novada dos incidentes da sociedade humana Mesmo sem esta objeção e considerando apenas as hipóteses de origem tantos contatos interrompidos deixavam incompleta a cadeia a ser re constituída que freqüentemente as relações estabelecidas pela Stojjgeschichte ignorando os intermediários orais e indetermi nados satisfaziam maIos espíritos históricos isto é preocupa dos com séries contínuas daí a pouca segurança oferecida por tantos Ahasverus Griselidisou Sete adormecidos sendo Don Juan o único a oferecer quase pelo menos em sua carreira literária a continuidade desejável Enfim menos preocupada por natu reza em valorizar as formas simples esta variedade da literatura comparada estava sem dúvida fadada a verse prejudicada en quanto se afirmavam de novo na estética os direitos da indivi dualidade expressiva Dirseia que com seus admiráveis méri tos de cientista e de homem G Paris carregava o peso da decla ração registrada por Taine em 1870 Se eu fizesse a história de uma literatura desejaria fazer abstração dos indivíduos considerá los como portavozes escrevêIa como um tratado de química A objeção com relação a Brunetiere era de outra ordem Conferindo aos gêneros literários uma espécie de necessidade atribuindolhes uma existência independente este espírito impe rioso criava entidades às quais o passado estava sujeito por um finalismo que nenhuma realidade justificava O que por outro lado conduzia a um impasse a literatura comparada preconiza da por Brunetiere era que seu mapa da história literária por mais organizado que fosse por mais móvel que pretendesse ser era feito de acordo com as obras mestras e com as grandes correntes atualmente memoráveis O passado ele o via em seus resultados atualmente aceitos e não em sua gênese tateante Já se viu que ele limitava naturalmente a literatura européia às cinco grandes literaturas Seu Panteão internacional igualmente era composto daqueles que a posteridade nele instalara e não daqueles que ti veram a maior participação nas evoluções abolidas ponto de vista excelentesob o prisma social e pedagógico mas pouco eficaz para a reconstrução histórica Com efeito considerandose apenas os resultados filtrados hoje e aliás sempre provisórios da notorie dade e da reputação como saber que Gessner desempenhou um papel na literatura geral que Destouches mais do que Moliere encantou os alemães que Delille foi julgado tão absoluto e su premo quanto mais tarde Victor Hugo que Heliodoro talvez seja tão importante quanto Ésquilo no legado da Antigüidade Co mo impedirse de escrever como o faz Brunetiere que deveriam ser excluídos da literatura européia os autos espanhóis por cau sa da fraca influência que tiveram fraca se se ignora seu prestí gio em todo um distrito do romantismo É aí que se encontra a meu ver o ponto falho da cmcep ção muitas vezes proposta pelo veemente crítico Pareceme que a objeção atinge os principais manuais de literatura compa rada ou de literatura geral que foram tentados até aqui o de F Loliée na França o de R G Moulton nos Estados Unidos o de Mazzoni e Pavolini na Itália o de G M Saintsbury na Inglater ra e o de Engel na Alemanha sua alquimia literária como a denomina C de Lollis opera sobre os resultados aparentes c JlÚ 84 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 85 sobre os fatores verdadeiros É o que G Renard em seu Métho de scientijique de lhistoire littéraire observava com razão e que G Lanson fazia admitir pelo exemplo e pelo preceito nesta ma téria era impossível limitarse às grandes obras classificadas não era de modo algum somente entre estas que devia ser estabele cida a continuidade em que se pudesse basear uma evolução E mais era preciso fazer evoluir isto é simplesmente transformarse não somente os gêneros mas os pontos de vista os públicos o objeto e o sujeito simultaneamente desse modo podiam obterse perspectivas até certo ponto próximas da reali dade do passado Não foi sem razão que P Bourget observou que um livro não permanece o mesmo a vinte anos de intervalo Somente assim o movimento ao qual Brunetiere sentia ser ne cessário submeter retrospectivamente a vida das formas e das idéias tinha condições de não desfigurar demasiadamente a ver dade É por isso que o autor das presentes linhas consagrou mais de cinco anos a examinar ininterruptamente os principais perió dicos franceses jornais e revistas da época de 17701880 para chegar à noção de mobilidade e deixarse levar se possível fosse pela onda Parecelhe que importava reencontrar o dinamismo de que eram animadas não somente as obras relevantes das quais ainda guardamos a lembrança mas a massa das criações indife rentes hoje que sustentavam aquelas reencontrar também a opi nião favorável ou contrária que as cercava e as tendências so ciais igualmente levadas a se posicionarem em torno dessas obras que se tornaram hoje testemunhas mais ou menos verídicas J Texteem seus belos trabalhos começara a citar abundan temente a imprensa os testemunhos secundários as opiniões con temporâneas mesmo medíocres e outros pesquisadores com preenderam quantas visões retrospectivas eram proporcionadas através do levantamento dessas vozes reveladoras O principal be nefício para o espírito será sempre a meu ver uma melhor per cepção da mobilidade do mundo dos gostos das modas dos su cessos e das glórias com a possibilidade de assim se avaliarem com mais justiça manifestações da arte que a seguir para alegria nossa se fixaram ou que se dissolveram no esquecimento mas que participaram todas em dado momento daquelas contínuas associações e dissoluções de formas e tendências Encontravam se aí para a literatura comparada condições novas para sua ati vidade Em vez de considerar as grandes celebridades como as Iras cuja lsccnsão e órbita se podia seguir no meio de um céu fixo illlporlava dar conta da mobilidade dos próprios planos nos quais se dcstacam as estrelas cujo brilho chegará ao futuro r dcsnecessário lembrar aqui que circunstâncias favoreciam essa franca admissão da mobilidade no alvor do século XX Além d1Shipóteses científicas e de suas grandes aplicações práticas alllll do próprio espetáculo das coisas contemporâneas é evidente que as mais recentes estéticas e as mais sedutoras doutrinas do conhecimento estavam abrindo caminho para uma história lite rúria assim entendida A literatura comparada sem cair no erro que seria transpor um método científico para outro domínio não podia deixar de tirar proveito dessas condições tão vizinhas assim como no tempo de Cuvier e de Geoffroy SaintHilaire ti rara partido do comparatismo biológico Com isso ela passava a ser mais e mais uma genética uma morfologia artística quero dizer que recusandose a considerar como acabadas as obras e as reputações ela se instalava mais nos bastidores do que na sala de espetáculo preferia segundo um conselho dado ao mesmo tempo por Montaigne e por Goethe por Descartes e por SainteBeuve surpreender em sua formação e em seu devir as obras que a crítica impressionista ou dogmáti ca via tais e quais definitivas fixadas sólidas em seu brilho ou em sua mediocridade Graças ao benefício tirado de uma viva noção das gêneses intelectuais a literatura comparada podia não se alarmar muito com as objeções que de diversos lados lhe eram formuladas seu interesse aparentemente mais considerável pelas articulações en tre as literaturas do que por seus sucessos parecendo que istmos e estreitos a atraem pelo menos tanto quanto oceanos e conti nentes o perigo de que despreze analogias que entre literaturas diferentes não seriam o resultado de influências D N Smith a importância que em um bom método deve contil1lIarreceben do o estudo das formas lingüísticas E Elster Ela mereceria em contrapartida todas as denegações se se enganasse quanto à importância dos infinitamente pequenos que deve recolher e se pretendesse algum dia fornecer sozinha a chave dos fenô menos do espírito pelo simples jogo das vivas relações entre li leraturas diversamente diferenciadas felizmente ela se abstém de ostentar semelhantes pretensões Idéias imagens emoções tendências que procuram colo 86 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA A PALAVRA E A COISA 87 carse em forma fórmulas quadros excelentes ou simples sobre vivências resíduos das formas consagradas ou invólucros mortos que se aplicam a estados de alma ou a movimentos do espírito nem semprejorram armados para a existêncianuanças da sensibilidade passos da inteligência que são servidos ou traídos satisfeitos ou ultrapassados por determinadas maneiras de dizer por determi nados detalhes da obra de arte momentos da vida social que tes temunham pelo sucesso ou pelo aplauso sua adesão a obras ou a heróis que por isso mesmo os exprimem assim aparece a literatura para quem a considera não um Panteão de celebrida des aceitas mas um campo fechado de energias e aparências subs tância e atributos fundo e formas E é necessário sob pena de se rem apenas memorialistas infiéis que os historiadores literários se preocupem em retraçar os episódios discerníveis desses inces santes movimentos o gênio este Deus ex machina cômodo dos apologistas românticos parece não desempenhar mais um papel absoluto ou melhor presente em doses variáveis em qualquer cria ção ele não basta mais para explicar outra coisa do que urna es pécie de fato vital superior o ponto genético de onde parte urna nova utilização de elementos anteriores Na mobilidade do mun do do espírito onde aliás a tradição a linguagem as idéias ge rais o prestígio dos modelos oferecem pontos fixos análogos ao que são a consciência e a memória na vida da personalidade o esforço pelo individual é a norma assim corno a caracterização do individual deveria ser a regra da crítica Ora neste reino da uni versal variação3 a literatura comparada entende simplesmente permanecer atenta a fatos cuja importância não deixou de aumen tar em urna época de relações incessantes e fáceis no globo Ela sabe conservar mais ou menos o lugar cuja significação seria igualmente inadmissível reduzir ou exagerar que desempenha em economia política ou em história o estudo das relações com o que é externo das iniciativas ou das pressões de alémfronteiras das aventuras ou das fatalidades exteriores com que os grupos hu manos embaralham e complicam sua atividade VI Significará isso extrapolar urna zona legítima de observação e ar riscar um desvio de método Significará introduzir urna nova fi nalidade no estudo do passado Àqueles dentre nós principal mente que roram em sua posição atores no grande drama do qual não é permitido alhearse parece hoje em 1920 que o es tudo dos fatos e das formas literárias não pode restringirse à sim ples crítica dos fenômenos das influências exercidas ou sofridas nem mesmo à determinação dos grandes conjuntos da Cidade do Espírito Na medida em que a substância da história literária parece móvel e diversa limitada unicamente pelas próprias fronteiras do espírito humano não será importante estabelecer um centro es sencial para tanta efervescência de superfície Quanto mais in determinada e fugaz é a matéria das nebulosas em fusão tanto mais o núcleo em torno do qual ela se move deveria ser definido e sólido Da mesma forma seria sobretudo a meu ver a prepa ração de um novo humanismo o resultado de urna prática am pliada da literatura comparada após a crise que ainda nos do mina urna espécie de arbitragem de clearing a que levaria o es forço do comparatismo abriria caminho para certezas novas humanas vitais civilizadoras nas quais poderia novamente as sentar o século em que vivemos E por que não A literatura comparada inicialmente ajudou os dogmatismos pósclássicos a se dissolverem e os pontos de vista nacionais a se definirem Mais tarde graças a ela a idéia da rela tividade do belo armouse de argumentos eficazes Depois os na cionalismos literários que ela contribuíra para formar foram obri gados por ela a confessar muitas analogias e muitos elementos comuns e não poucas dívidas imperceptíveis e contatos secretos Será absurdo esperar que sem se deixar levar por quimeras mais perigosas a literatura comparada concorra para definir tanto os limites quanto as contribuições essenciais daquilo que urna vez mais harmonizaria corno outrora o patrimônio antigo as sensibilidades e as tendências da humanidade esclarecida Saber até onde vai em consciências estrangeiras representadas por sua literatura a fortuna de urna idéia ou de um sentimento verificar onde termina a incredulidade voltairiana o apelo ao super homem o misticismo tolstoiano determinada forma de cômico ou nuança de patético ou audácia de expressão totalizar as ade sões c avaliar os descréditos observar as mutações de valor pelas quais um livro considerado ático por uns é rejeitado por outros devido a seu bizantinismo enquanto urna obra desdenhada aqui 88 LITERATURA COMPARADA é aclamada ali são precisões que permitiriam melhor do que cer tos apostolados fornecer à humanidade desarticulada um fun do mais ou menos precário de valores comuns O campo é imenso e a seara se estende a perder de vista mas isso não é demais para se esperar recolher as mais ricas braça das do esforço comum de todas as boas vontades NOTAS 1 Comparative Literature VergleichendeLiteraturgeschichte storia comparata delle let terature ao lado de letteratura comparata sammenlignende Literaturhistorie literatura comparada etc 2 Annales internationales dhistoire Congrês de Paris 1900 fi section Paris 1901p 37 3 Desconfiemos das analogias demasiadamente fáceis que sempre se podem estabele cer entre objetos essencialmente diferentes do conhecimento É significativo entretanto que no momento em que estas páginas estão sendo preparadas para impressão um arti go da Revue Scientijique de 10 de julho de 1920 apresente pela pena de P Villemin La fonction de Iorganisation des êtres vivants aquilo que é serndúvida o último esta do das hipóteses biológicas O mecanismo da variação outra coisa não é senão a edifi cação de uma construção nova com os destroços de uma construção que desmoronou rejuvenescidos pela mutação A variação é a regra a fixidez é apenas uma interrupção da variação A variação depende da organização é uma expressão habitual da vida A variação produz as diferenças que marcam a personalidade I CRÍTICA LITERÁRIA HISTÓRIA LITERÁRIA LITERATURA COMPARADA Paul Van Tieghem As etapas do conhecimento dos livros leitura crítica história li terária Você se encontra numa casa antiga perdida no fundo de um campo obrigado a passar vários dias sem sair Felizmen te lá você descobre uma ampla biblioteca acumulada por várias gerações de proprietários letrados Amante da leitura nela você mergulha No início procurando apenas um passatempo e guiado somente por sua fantasia você pega nas prateleiras quase ao aca so diversos volumes cujos títulos lhe despertam certo interesse outros cujo autor você conhece de nome Muitas vezes após al gumas páginas o livro lhe cai das mãos ou então ele não de monstra qualquer talento ou é demasiado técnico e não conse gue ao instruílo interessálo Às vezes você fica satisfeito com a escolha sua leitura lhe agrada você a saboreia e tendo aca bado o livro relê certas páginas que o divertiram ou comoveram de modo especial A seguir tenta outro volume Ao fim de algum tempo se o seu espírito já está amadureci do e se você tem certo interesse pelas coisas do intelecto esta simples leitura não lhe basta mais Você sentiu e se deleitou sem mais agora desejaria ter tempo para refletir e julgar Então vai à cata de alguns dos volumes que havia separado como os mais interessantes Compara tal romance tal peça de teatro tal poe ma a outros lidos no passado e evocados pela memória e cons tata preferências instintivas que logo procura justificar Consigo mesmo você critica a verossimilhança de tal cena a justeza de tal idéia Esforçase a fim de compreender por que razão o estilo 90 LITERATURA COMPARADA CRÍTICA LITERÁRIA HISTÓRIA LITERÁRIA 91 deste autor o aborrece e o daquele o encanta Julga os escrito res seja conforme certas regras gerais do gosto e da arte seja conforme suas próprias simpatias Tudo isto pode fazerse pri meiro com a simples reflexão pessoal Depois você encontrará talvez algum comentário explicativo se não histórico alguma no ta algum artigo crítico alguma coletânea de ensaios tratando dos autores que acaba de ler Aí encontrará interpretações enge nhosas reflexões penetrantes impressões e idéias que ora refor çarão as suas ora as contradirão julgamentos frutos da expe riência que lhe ensinarão a julgar por si mesmo Mas enquanto você se entregava a esse trabalho de análise e de julgamento uma curiosidade nova brotava em seu espírito Aquela obra aquele conjunto de obras que você leu com interes se examinou e julgou qual foi a sua origem o que as ocasio nou qual o seu destino em resumo sua história Este escritor que lhe agrada como foi sua carreira breve ou longa brilhante ou obscura abundante em publicações ou marcada por um úni co livro que é uma obraprima Sob que influências se formou como se desenvolveu seu talento que relações manteve com al guns de seus contemporâneos dos quais você também leu certas produções Permaneceu independente ou fez parte de uma esco la Que ação exerceu durante a vida e após a morte Vocêgosta ria também de obter algumas informações a respeito dos gran des períodos literários a fim de ordenar um pouco este amon toado confuso de obras a fim de compreender tantas diferen ças que vão do aspecto exterior do volume passando pela lín gua e pelo estilo até as idéias a própria concepção da vida Vo cê gostaria também de agrupar sua leituras desordenadas em torno de algumas obras mais importantes dramas poemas romances e de seguir através dos séculos graças aos pontos de referência que tiver fixado para seu uso o destino de cada um desses tipos de obras Ora explorando melhor a biblioteca você descobre os Lundis de SainteBeuveas Histórias da literatura francesa de Petit de Julleville de Lanson de Bédier e Hazard certa coleção de mo nografias dos grandes escritores franceses certa coleção de tex tos seja clássica seja rebuscada cheia de notas ou introduções eruditas e precisas Graças a estes novos guias por trás do livro você perceberá o homem que o escreveu e em torno do homem seu meio e seu tempo e por trás dele a tradição literária na qual se vem inserir seu livro não foram por certo todos estes ele mentos que fizeram seu gênio mas determinaram a forma literá ria por meio da qual se expressou Então retomando certa pági na preferida num dos volumes que manteve ao seu alcance você a relê com um prazer jamais experimentado e mais completo não somente ela desperta em sua inteligência em sua sensibilidade consonâncias profundas mas também lhe parece rica de toda a substância de seu autor de seu século e da tradição literária a que pertence Assim explicada ela o faz comungar não mais in conscientemente como ainda há pouco e sim conscientemente com a humanidade pensante em suas obras mais bem acabadas Formas e funções da história literária Este é resumido e simbolizado pelo exemplo acima o movimento natural do es pírito no conhecimento da literatura A primeira operação é uma escolha só é digno do nome de literatura aquilo que oferece um valor e um valor literário isto é um mínimo de arte Tais escri tos oferecem ao espírito ao coração um gozo mais ou menos vivo no qual já entra por vezes a admiração A este primeiro con tato sucede a etapa da crítica literária ora dogmática polêmica ou filosófica com Brunetiere ou Paul Souday ora impressionista com Anatole France ou Jules Lemaítre sempre subjetiva e não propriamente histórica mesmo na pluma de um Émile Faguet Em seguida vem a história literária que reintegra a obra e o au tor no tempo e no espaço e explica sobre ela e sobre ele tudo o que pode ser explicado Esta história literária à qual chegamos agora se apresenta com formas bem diversas A primeira curiosidade que a leitura inspira já o vimos nos leva a nos informarmos sobre a pessoa e a vida do autor Por conseguinte a primeira forma tomada pe la história literária foi a biográfica Nela SainteBeuve se impôs como mestre Ele teve predecessores mas teve sobretudo tantos sucessores que hoje é ela o caminho mais obstruído que o histo riador literário poderá tomar Em todos os países escrevemsebio grafias volumosas de escritores cujas obras não merecem esta hon ra os biógrafos se perdem nos detalhes esquecendo que é devi do à obra que se tem curiosidade pelo autor perdese de vista a obra Uma forma vizinha e anexa da biografia é a bibliografia ou história dos escritos Sua função consiste em recuperar o que lsncveu um autor publicado ou inédito em conheceras reedi locsc suas variantes em datar com o máximo possível de preci SlJ todas as produções dele em examinar se as que lhe são atri 92 LITERATURA COMPARADA I ITI1 LITERÁRIA HISTÓRIA LITERÁRIA 93 buídas realmente lhe pertencem e reciprocamente A crítica de atribuição exige não apenas muita erudição mas também muita sagacidade e acuidade psicológica de que Lanson e Bédier dei xaram exemplos até hoje lembrados Diante de determinada obra literária o historiador encon tra amplo programa a cumprir Estudará sucessivamente as ori gens da obra seja na carreira do próprio autor seja fora dele seus antecedentes suas fontes as influências que o ajudaram a nascer etc sua gênese isto é as etapas sucessivas de sua forma ção desde a primeira concepção às vezes longínqua até o mo mento de sua publicação seu conteúdo fatos idéias sentimen tos etc sua arte composição estilo versificação sua fortuna sucesso junto ao público recepção da crítica reedições influên cia às vezes tardia A primeira e a última dessas questões ultrapassam o livro considerado e constituem por si sós um estudo especial Acaba mos de falar das influências sob as quais este ou aquele livro foi escrito de seus antecedentes depois das influências que exer ceu de sua descendência Com efeito raramente uma produção do espírito é isolada Como um quadro uma estátua uma sona ta um livro também se insere numa série esteja o autor cons ciente ou não de tal fato Ele terá tido precursores e terá suces sores A história literária deve situáIo no gênero na forma de arte na tradição à qual pertence e apreciar a originalidade do autor medindo o que ele herdou e o que criou Para se compreen der bem o que as Méditations de Lamartine ofereciam de novo é preciso conhecer a poesia elegíaca e filosófica anterior Tam bém se percebe melhor o alcance de uma obra examinando sua posteridade As Confessions de Rousseau não têm importância apenas por si mesmas e sim pela multidão de autobiografias sen timentais que sugeriramICertos livros famosos são antes resul tados outros pontos de partida muitos são uma e outra coisa De qualquer modo o jogo de influências sofridas ou exercidas é um elemento essencial da história literária E que não se repita mais que a história literária impede o deleite das obrasprimas sobrecarregandoas devido aos comen tários Ela acrescenta ao prazer sensível dos belos versos e da be la prosa à emoção que inspiram sentimentos e idéias um prazer intelectual o de compreender e tornarse claro Cada um desses prazeres longe de prejudicar o outro o aviva e reforça O mesmo C passa com todas as artes Será que vou apreciar menos a Gio conda por haver estudado sobre a carreira e a arte de Leonardo lU a Nona Sinfonia deixará de me encantar por eu me ter inicia do na elaboração da obra de Beethoven Assim melhor aprecia rei Candide quando houver compreendido a que discussões con temporâneas ele está relacionado que etapa assinala no pensa mento de Voltaire que forma de espírito e de arte representa com excelência As influências nacionais antigas estrangeiras modernas A literatura comparada No entanto um ponto ainda perma nece mal esclarecido Ainda há pouco falávamos das influências sofridas ou exercidas e com isto nos referíamos também às fon tes aos empréstimos de temas de idéias ou de formas Numa determinada literatura estas influências podem já ser importan tes e merecer um estudo detalhado Em seus Pensées Pascal se mostra nutrido por Montaigne a quem segue de perto e contra quem no entanto reage Voltaire e os outros trágicos do século XVIII tomaram Racine por modelo Taine se reconheceu como discípulo de Guizot Paul Bourget de Stendhal Paul Valéry de Mallarmé Mas entre escritores da mesma raça e da mesma lín gua a imitação não é muito fecunda Ou ela se reduz a uma in fluência geral a um despertar de disposições latentes devido ao estudo e à admiração de um precursor tomado por modelo ou então é muito servil e excluitoda originalidade interessante Mes mo neste último caso ela não pode ser muito precisa Em compensação se percorrendo a literatura francesa aten tarmos para seus contatos com outras literaturas veremos de ime diato sua quantidade e importância A história literária tal co mo a descrevemos tem de tratar com freqüência de influências imitações e empréstimos Ela não pode estudar a Pléiade sem di zer o que Ronsard du Bellay e os outros devem aos poetas gre gos latinos italianos Se passa para Montaigne este é alimenta do pelos antigos e sobretudo como ele próprio reconhece por Plutarco e Sêneca Toda a nossa poesia e parte de nossa prosa durante o Renascimento e nos dois séculos clássicos que o seguem estão impregnadas de antigüidade grecoIatina Corneille foi bus car O Cid na Espanha Moliere lhe deveu Don Juan e Lesage Gil Blas Montesquieu Voltaire Diderot Rousseau devem mui to ú Inglaterra nossos poetas românticos a todas as literaturas 1linc ú Inglaterra e à Alemanha Renan especialmente a esta 94 LITERATURA COMPARADA RJIICA LITERÁRIA HISTÓRIA LITERÁRIA 95 última e poderíamos por certo multiplicar os exemplos e pro longáIos até nossos dias Que fará o historiador da literatura francesa tendo chega do a este ponto de suas pesquisas e diante de uma rede quase ilimitada de forças que agiram sobre os escritores estudados por ele Enquanto lhe bastava considerar ações exercidas no interior da literatura francesa ele ainda se sentia em casa Se esta peça de Moliere se inspira num conto de Scarron e aquela numa co média de Cyrano de Bergerac ou numa farsa da Idade Média ele encontra tais textos por assim dizer na mesma sala da bi blioteca eles lhe são acessíveis e inteligíveis Mas para saber o que pertence a Moliere em Létourdi Don Juan ou LAvare cumpre conhecer o que ele encontrou em Beltramo em Tirso de Molina ou Cicognini em Plauto e estudar de perto semelhanças e dife renças Chateaubriand é tributário da Bíblia de Homero de Os sian de Tasso te Milton é também dos apologistas ingleses do Cristianismo NQ que tange a certos escritores franceses o me nor estudo sobre as origens de sua obra leva a percorrer um do mínio muito extenso e às vezes pouco explorado Como pode rá o historiador da literatura francesa resolver tal problema Há que distinguir dois casos O mais simples é o da imita ção das literaturas antigas grega latina e hebraica esta última conhecida entre nós principalmente através da Vulgata latina ou das versões francesas Esses textos são diretamente acessíveis aos humanistas nu tridos pelas línguas clássicas os outros cujo número aumenta a cada dia poderão encontrar facilmente boas traduções supre mo recurso um tanto humilhante e além do mais cheio de in convenientes Mas no que tange aos contatos de nossos escritores com es critores modernos de línguas estrangeiras a questão é mais deli cada Quando e é o que acontece muitas vezes o autor fran cês só tomou conhecimento do texto estrangeiro numa tradução basta consultar esta mesma tradução para fazer todas as pesqui sas necessárias Se Rousseau imitou Richardson e gostou de Gess ner foi através de Prévost e de Huber pois não conhecia nem inglês nem alemão Mas Voltaire Diderot Chateaubriand Vigny sabiam muito bem o inglês e os clássicos franceses do século XVII liam italiano e espanhol Neste caso é conveniente voltar ao tex to Aliás entre as obras estrangeiras que inspiraram nossos 1I I I II liI escritores algumas jamais foram traduzidas para o francês Se ria pois necessário que o historiador da literatura francesa fos se versado em várias línguas estrangeiras Além disso deveria ser iniciado em várias literaturas porque não basta conhecer aque les textos em questão é preciso situáIos nos conjuntos aos quais pertencem Portanto o historiador das letras francesas verá sua tarefa crescer infinitamente E que será caso ele considere como deve os escritores fran ceses que estiver estudando não mais como resultado de diver sas correntes ou influências e sim como ponto de partida de on das que se propagam através das fronteiras e das gerações Um estudo completo de Racine de Rousseau de Zola tem de com preender não apenas a sobrevivência da obra deixada por eles e sua influência na França mas também seu destino em terra es trangeira Para fazer ao menos um esboço deste quadro seriam necessários amplos conhecimentos nas mais diversas literaturas O historiador que estudar em conjunto estes escritores e tantos outros poderá apropriarse dos resultados obtidos por pesqui sadores mais especializados e expôIos dificilmente ele poderá salvo no caso de certos pontos que lhe venham a ser mais acessí veis descobriIos por si mesmo Até agora ficamos e de propósito exclusivamente no cam po da literatura francesa Mas é óbvio que os mesmos argumen tos poderiam ser usados partindose de qualquer outra literatu ra Na Itália na Inglaterra na Alemanha na Rússia o jogo das influências estrangeiras teve no mínimo tanta importância quan to na França Em cada um desses países e mais ainda tratando se de literaturas de difusão limitada como por exemplo a da Holanda da Dinamarca da Suécia da Hungria da Polônia como poderia o especialista da literatura nacional conhecer um número suficiente de idiomas e de literaturas estrangeiras para descobrir para seguir de perto as múltiplas influências sofridas e os empréstimos feitos pelos escritores que ele está estudando É verdade que muitos desses pesquisadores têm sobre seus cole gas franceses a vantagem de uma familiaridade maior com as lín guas estrangeiras No entanto não se pode exigir deles para ca da um dos autores que estudarem uma variedade de conheci mentos precisos que ultrapassam as forças e o tempo que lhe po dem consagrar Ixiste uma única maneira de resolver este problema é fazer 96 LITERATURA COMPARADA intervir a diferenciação de tarefas e a divisão do trabalho Como todas as partes que compõem o estudo completo de uma obra ou de um escritor podem ser tratadas apenas com os recursos da história literária nacional exceto a pesquisa e a análise das in fluências sofridas e exercidas convém reservar esta para uma dis ciplina especial que terá seus objetivos bem definidos seus es pecialistas seus métodos Ela prolongará em todos os sentidos os resultados obtidos pela história literária de uma nação reunindoos com os que por seu lado obtiveram os historiado res das outras literaturas e desta rede complexa de influência se constituirá um domínio à parte Ela não pretenderá de modo al gum substituir as diversas histórias literárias nacionais há de completáIas e uniIas e ao mesmo tempo tecerá entre elas e acima delas as malhas de uma história literária mais geral Esta disciplina existe seu nome é Literatura comparada I ri OBJETO E MÉTODO DA LITERATURA COMPARADA MariusFrançois Guyard A literatura comparada é a história das relações literárias inter nacionais O comparatista se encontra nas fronteiras lingüísti cas ou nacionais e acompanha as mudanças de temas de idéias de livros ou de sentimentos entre duas ou mais literaturas Seu método de trabalho devese adaptar à diversidade de suas pes quisas Há no entanto condições prévias que ele deve preencher não importa qual seja a direção que pretenda tomar um certo equipamento como diz Van Tieghem lhe é indispensável I O equipamento do comparatista a Primeiro ele é ou quer ser historiador historiador das literaturas sem dúvida alguma mas podemos julgar honestamente Bossuet se ignorarmos tudo sobre a situação da Igreja no sécu lo XVII na França O comparatista deve ter portanto uma cul tura histórica suficiente para recolocar no seu contexto geral os fatos literários que ele examina Teria sido impossível a Paul Ha zard fazer o estudo La Révolution jrançaise et le lettres italien nes 1910se não conhecesse e muito bem a história da França e da Itália nos fins dos séculos XVIII e XIX b Mas o comparatista é o historiador das relações literá rias Logo deve estar a par tanto quanto possível das literatu ras de diversos países necessidade evidente c Ele deve ser capaz de as ler na sua língua original A ques JYARD MariusFrançois Objet et méthode La littérafure comparée Paris PUI 1951 J 1226 98 LITERATURA COMPARADA lIlJETO E MÉTODO DA LITERATURA COMPARADA 99 tão se coloca não só por causa do grande número delínguas e limites das forças humanas mas sobretudo porque muitas ve zes as obras estrangeiras foram conhecidas e lidas mesmo pelos escritores profissionais apenas em tradução Uma vez que os maiores escritores românticos franceses citam Goethe e não sa bem alemão não seria suficiente ler as versões francesas que ti veram em suas mãos Isto basta sem dúvida para sabermos o que eles conhecem de Goethe mas não podemos apreciar a in fluência goethiana nestes mesmos escritores sem sermos capa zes de apreciar por nós mesmos a diferença que existe entre o ori ginal e as traduções O comparatista deve portanto ler diversas línguas Ele ganhará com isso pelo fato de poder consultar os trabalhos estrangeiros úteis às suas próprias pesquisas d Ele deve enfim saber onde encontrar os primeiros dados como constituir a bibliografia de um assunto Se for impossível estabelecer regras que sejam válidas para todos os casos poder seá ao menos indicar sempre os instrumentos de trabalho cujo manejo é indispensável 1 Os manuais bibliográficos das diversas literaturas por exemplo as obras de G Lanson J Giraud H P Tieme H Tal vart e J Place para a literatura francesa 2 Para a literatura comparada propriamente dita um livro recente que consolida a Bibliografia de Betz revista pela última vez em 1904 a Bibliography of Comparative Literature de F Baldensperger e W P Friederich 1950 Não são mais seis mil títulos mas trinta e três mil que se encontram aí reunidos 3 O Répertoire chronologique des littératures modernes publicado em 1937 sob a direção de P Van Tieghem apresenta ano por ano o quadro sinóptico de quatro séculos 15001900 da produção literária européia Uma simples consulta a este re pertório poupa muitas pesquisas e incita a imaginação a aproxi mações sugestivas Vejamos por exemplo o ano de 1802 Alemanha Goethe ljigênia morte de Novalis autor de Hinos à noite Inglaterra Fundação da Edinburgh Review Walter Scott Cantos dos menestréis da fronteira escocesa França Mmcde Stael Delphine Chateaubriand Gênio do cristianismo René Itália Foscolo Últimas cartas de Jacopo Ortis I IIi 1I I I I 4 Enfim as bibliografias da Revue de Littérature Com parée da Revue Universitaire das Publications of the Modern Languages Association Estados Unidos da Modern Humani ties Research Association GrãBretanha permitem ao compa ratista conhecer em um dado momento o estado de uma ques tão e os trabalhos em curso II O domínio da literatura comparada Sigamos agora o comparatista no caminho que ele escolheu objeto e método se esclarecerão mutuamente 1 Os agentes do cosmopolitismo Em cada época livros homens contribuem para que se conheçam as letras e os países estrangeiros A literatura comparada encontra neles um primei ro objeto de estudo A Os livros Primeiro pode certificarse com exatidão do conhecimento que um autor ou um grupo ou uma época pos suía de uma língua estrangeira Esta pesquisa oferece um inte resse literário certo entusiasmamonos muitas vezes com um romance traduzido mas só o apreciamos realmente lendoo no original Porém como fazer o levantamento dos conhecimentos lingüísticos de um homem ou um meio Quando se trata de um indivíduo às vezes ele confessa sua ignorância e sua confissão uma vez feita põe fim à enquête Na maior parte das vezes ele tem noções de inglês ou italiano um certo verniz que suas pre tensões transformam em conhecimentos aprofundados O com paratista deve então procurar saber se existem deste escritor obras escritas em uma destas línguas As cartas em inglês de Voltaire permitem seguir os progressos realizados e marcar o nível que ele atingiu As traduções são uma prova mais reveladora ainda Os testemunhos enfim utilizados com a prudência e o método necessários trazem também soluções para estes difíceis proble mas em que tanto amorpróprio esteve em jogo Quando se trata de um grupo social só há um meio estu dar os dicionários as gramáticas as obras pedagógicas que esta vam em uso Assim a existência de um dicionário de latim italianofrancês do Abade Antonini publicado em 1735 e reedi lado até 1763 na França é uma excelente prova da difusão da língua italiana no século XVIII nesse país Mais interessante ainda é a publicação do mesmo autor de uma Grammaire italienne à lusage des dames Além deste estudo bastante ingrato mas necessário temos o das traduções que a qualquer época são a maneira mais usa da de difusão das obras estrangeiras Se o comparatista quiser saber o que os franceses da Revolução e do Império conhecem de Goethe ele deverá primeiro fazer o inventário das versões fran cesas deste autor tarefa de pura erudição que deverá ser seguida por um trabalho de análise e crítica estas traduções são fiéis com pletas Que pensar das modificações feitas Que dizem elas so bre a sensibilidade da época etc As obras críticas são uma outra fonte de informação sobre o estrangeiro O leitor as associa às vezes às obras lidas no ori ginal ou em tradução mas em geral ele se contenta com isso Fa zer o levantamento dos livros dos artigos que foram publicados em uma determinada época na França sobre Shelley ou Keats analisáIos apreciarlhes o valor medirIhes as influências é tam bém um trabalho de comparatista Particularmente importante sob este ponto de vista é a leitura das revistas ejornais que con tribuíram para a difusão das obras estrangeiras revistas especia lizadas como o Journal Étranger no século XVIII na França e mais freqüentemente as publicações de interesse geral acessí veis a um número maior de leitores a Revue des Deux Mondes ou a Nouvelle Revue Française nos séculos XIX e XX Tais tra balhos requerem organização e paciência Apenas eles permitem sérias investigações sobre as influências Malraux descobre Faulk ner é uma aventura pessoal os ensaios de Faulkner se multipli cam nas revistas é um fato social um traço marcante de uma época Enfim nos contentamos normalmente em ler o que os ou tros escreveram sobre países estrangeiros Mais de um assinante da Revue des Deux Mondes por volta de 1840 não tinha lido ncnhuma obra de Goethe nem de Reine mas acompanhou um artigo de JeanJacques Ampere ou de Edgard Quinet narrando sua peregrinação pela Alemanha O conhecimento dos relatos de viagens é capital para compreender a tradição que se formou de um autor ou de um país Das cartas edificantes dos padres jesuítas aos apólogos dos filósofos se forma assim até elevarse ao nível do símbolo o tipo do chinês virtuoso Aqui igual mente o inventário é a primeira tarefa É preciso depois tentar conhecer a difusão de cada livro sua influência catálogos de bi bliotecas contabilidade de editores testemunhos de correspon dcncias serão aos poucos consultados confrontados e criticados 13 Os homens Para facilitar a exposição consideramos até aqui dicionários traduções ou viagens independentemente de seus Illlores Estes em geral não oferecem nenhum interesse certos livros têm apenas inhresse como elemento de uma estatística ou como reflexo de uma opinião corrente Mas quando o autor é Voltaireé inconcebível estudarmos suas 1Rttresanglaises sem pro curarmos saber como ele viveu na Inglaterra o que ele sabia da língua do país e dos homens Entre a multidão de autores desconhecidos e os grandes pa péis da vida literária a literatura comparada se ocupa em geral de personalidades que parecem ter a vocação para intérpretes de seu país junto a um outro ou mais freqüentemente de uma cul Iura estrangeira junto à de sua pátria um Suard zelador francês da literatura inglesa um Georges Moore tentando fazer seus com patriotas adotarem seus gostos franceses e mais perto de nós harles du Bos que mereceria um amplo estudo como divulga dor das grandes obras estrangeiras na França Sob este aspecto IS métodos do comparatista seriam os de todo biógrafo mas para lprccíar a fidelidade de um tradutor a inteligência de um críti co a veracidade de um viajante ele deve também possuir um co nhecimento muito seguro da língua da literatura e do país 2 O destino dos gêneros Os estudos que acabamos de apresentar são indispensáveis uma vez que dizem respeito aos 1I1strumentostraduções viagens ou aos agentes tradutores via jlIllcsdas relações literárias internacionais e não às relações em si mesmas têm portanto apenas um valor intermediário O primeiro fato que nos pode chamar a atenção quando olhamos bem de cima estas relações é o destino dos gêneros que nascem crescem e morrem às vezes sem razão aparente Por que nose compõem mais tragédias de cinco atos em versos Por que 110 início do século XIX em todos os países da Europa se escre Tln romances históricos Por que em todo o Ocidente os poetas Ih Renascença celebram em sonetos seus amores Podemos pen sal que se trata de questões mortas a literatura do século XX 111 rança não fez explodir quadros dos mais veneráveis Porém 1 história é feita de muita mortes e depois será que problemas 111lIoIOS senão semelhantes não se colocam sempre rom1l 100 LITERATURA COMPARADA I II JfIiII z I tII i fI It I 11 1110 H MÉTODO DA LITERATURA COMPARADA 101 102 LITERATURA COMPARADA OBJETO E MÉTODO DA LITERATURA COMPARADA 101 ce francês de 1950 não tem uma forma tão rígida quanto uma tragédia clássica no entanto na falta de gêneros estes roman cistas não empregam certos procedimentos não seguem certas modas Simultaneísmo monólogo interior simbólica dos sonhos são igualmente receitas cujas origens estrangeiras um compara tista futuramente poderá procurar A noção de gênero outrora tão importante se apaga diante da técnica Romancista poeta ou dramaturgo o escritor se preocupa menos em ser fiel às con venções de uma forma bem definida do que em adotar um certo ponto de vista diante dos acontecimentos Seja este ponto de vis ta o da durée ou da psicanálise é preciso para mantêIo nos de termos em certas regras e descobrirmos que o problema dos gê neros foi transposto não abolido O interesse das pesquisas sobre o destino dos gêneros é por tanto histórico mas também atual Supõese que estas pesqui sas preencham duas condições um gênero bem definido um meio receptor nitidamente delimitado no tempo e no espaço A tarefa do comparatista será mais fácil se quiser seguir em apenas um país estrangeiro o destino de uma forma literária cuja origem é bem conhecida estudar por exemplo a comedia espanhola na França no século XVII ou as adaptações inglesas da tragédia clássica francesa Ele pode sonhar mais alto e tentar escrever a história européia do romance histórico no século XIX ou do so neto no século XVI O método consistirá em I Definir o gênero Caso se trate de um modismo muito vago de um estilo mesmo a pesquisa corre o risco de se perder em um deserto Como estudar rigorosamente uma influência de estilo quando por definição se trata de textos estrangeiros na maior parte das vezesconhecidos em tradução Registrar torneios ossianescos em determinado poeta do século XVIII ou XIX é so bretudo observar empréstimos formais a Le Tourneur Em con trapartida um gênero de leis rígidas soneto petrarquista tragé dia raciniana romance histórico pode ser reconhecido em seus adaptadores estrangeiros percebendose com exatidão as imita ções e transformações 2 Tirar aprova do empréstimo O empréstimo pode ser direto ou indireto Há empréstimo direto quando Hugo resolve transplantar para a cena francesa o drama shakespeariano indi reto quando os epígonos de Hugo retomam a fórmula Quanto mais nos distanciamos do primeiro a fazer o empréstimo mCllos o empréstimo é verificável acabando por haver muito de Ilugo e nada de Shakespeare nesse pequeno dramaturgo romântico 3 Apreciar a ação recíproca do gênero e do autor Caso se trate de uma escolha livre por que o autor a fez Que enrique cimento ou que limitações achou nisso Caso se trate de um mo dismo ou da submissão a uma autoridade que partido tirou da situação ernque se encontrava Foi ele esmagado por uma forma tirânica Explorou eletodos os recursos Conhecemos na França o grande combate de Corneille contra as regras ditas de Aristóte lesoA literatura comparada mostrará por exemplo os clássicos ingleses às voltas com a fórmula raciniana de tragédia um tal es tudo deverá permitir abordagens significativas sobre o tempera mento destes autores e mesmo sobre o caráter dos dois povos Estudar o destino de um gênero exige portanto uma análi se rigorosa um método histórico muito sério uma real penetra ção psicológica Longe de serem áridos tais trabalhos podem e devem ser obra de moralista A literatura comparada floresce nes se caso como psicologia comparada 3 O destino dos temas Todas as grandes literaturas oci dentais têm seu Fausto seu Don Juan Giraudoux apresentou seu Anfitrião pela trigésima oitava vez De onde vêm estes tipos que encontramos por toda parte estes mitos cuja significação a ca da época é retomada pelos autores mais diversos O direciona mento da pesquisa é fornecido pelo assunto e não pela forma Os alemães chamam a este tipo de trabalho Stoffgeschichte his tória dos assuntos e colocaram espontaneamente a literatura com parada neste caminho A escola francesa apoiada em Benedetto Croce julga estes estudos por demais áridos e condenados à eru dição pura De fato para serem bemsucedidos não exigem às vezes mais do que enumerações inteiras entremeadas de um comentário mais ou menos fraco Tudo entretanto depende do talento do autor e do tema escolhido Ora isto quase sempre dá à exposição uma unidade artificial a pulga na literatura fran cesa e alemã pode ser o tema de uma dissertação original is to não é comparatismo pois a pulga não é em si um objeto literário mas estudar a presença de Fausto nos escritores alemães e franceses é seguir de Goethe a Valéry um tema essencialmentc literário que pode ajudar a destacar ou a descobrir traços carac terísticos de uma psicologia individual ou nacional 104 LITERATURA COMPARADA OBJETO E MÉTODO DA LITERATURA COMPARADA IO 4 O destino dos autores I Oponto de partida aqui é extremamente preciso as obras de um escritor ou apenas uma de suas obras ou caso se trate de um autor cuja personalidade teve tanta influência quanto seus escritos o conjunto indissolú vel de tudo isso Exemplos destes três casos o teatro de Shakes peare Hamlet Goethe 2 O receptor poderá também ser mais ou menos exten so um país um grupo ou um escritor Teremos assim estudos de princípio idêntico mas de extensão e alcance muito diversos Shakespeare en France Hamlet en France Goethe en France a influência de Schiller sobre os dramaturgos românticos a de Goe the sobre Carlyle 3 Este gênero de pesquisa é sem dúvida alguma o que entre os franceses representa aos olhos do público a literatura com parada porque é ele que na maior parte das vezes foi praticado aqui pelos estudiosos O seu princípio parece simples Mas ao olhar as obras mais de perto os problemas são muito complexos pois é preciso distinguir difusão imitação sucesso influência Um best seller é um livro de sucesso sua influência literária pode ser nula A poesia de Mallarmé teve uma difusão muito restrita ela inspi rou no entanto muitos poetas estrangeiros Estudar a difusão as imitações o sucesso de uma obra é uma tarefa que requer paciên cia e método distinguir uma influência é muito mais delicado Primeiro há diversos tipos de influência pessoal ex o culto de JeanJacques durante sua vida e depois de sua morte técnico ex o prestígio do drama shakespeariano junto aos românticos franceses intelectual ex a difusão do espírito voltairiano influência em relação aos temas ou aos quadros ex o empréstimo dos assuntos ao teatro espanhol pelos dra maturgos franceses do século XVII a moda das paisa gens ossianescas na época préromântica Em segundo lugar é preciso como disse Pio XI a Paul Ha zard não querer ver relações de causa e efeito onde há ape nas interferência Fora o plágio formal quantas influênciasfal sas como a de Dickens sobre Daudet que nunca leu o romancis ta inglês Muitas vezes é preciso saber confessar eis o que co nhecíamos de Goel hc ou de Dostoievski em tal época em tal país e renunciar a provar influências precisas 4 Os métodos deverão adaptarse a pesquisas também variadas Todos entretanto pressupõem preencher as mesmas con dições necessárias conhecimento aprofundado da obra e do ho mem dos quais estudamos o destino bem como do meio recep tor estudo escrupuloso dos livros dos jornais das revistas aten ção constante à cronologia na exposição das conclusões pru dente distinção entre influência e sucesso e entre os diferentes ti pos de influência Le Goethe en France 1904 de Fernand Bal densperger continua sendo o modelo deste tipo de trabalho 5 Fontes Em um raciocínio inverso podemos conside rar um escritor não mais como emissor mas como receptor de influências e distinguir suas fontes estrangeiras Quem já se aven túrou em tais pesquisas conhece sua dificuldade e fica tentado a denunciar sua vaidade tocase aqui no mistério da criação Co mo definir o papel das impressões viagens de Goethe à Itália das fontes orais conversações de Lamartine com Eckstein sobre a Índia das fontes escritas leituras inglesas de Chateaubriand sem chegar ao ridículo de recusar ao gênio toda originalidade abafandoo sob as referências ou o estabelecimento de um ba lanço do qual jamais conheceremos o saldo Se ele tem espírito crítico suficiente o comparatista se limitará ao estabelecimento de um balanço do ponto de vista passivo ele colocará por exem plo as leituras inglesas de Chateaubriand durante seu exílio em Londres do ponto de vista ativo Le génie du christianisme O problema começa quando é preciso decidir se tal analogia de for ma ou pensamento trai o empréstimo é vaga lembrança ou re presenta apenas uma coincidência Na ausência de plágios per turbadores ou de uma confissão formal do escritor a pesquisa das fontes não ultrapassará na maioria das vezes caso seja ho nesta o inventário das leituras 6 Movimento de idéias Desde que não se trate de gêne ros temas ou autores considerados isoladamente mas de idéias ou correntes de sensibilidade o jogo das influências setorna muito difícil de seguir e é através de vários países ou várias literaturas que o comparatista deve seguir o movimento que ele quer estu dar As grandes obras de Paul Hazard mostram que um tal em preendimento pode ser levado ao fim Menos ambiciosos que Paul Van Tieghem que expunha há algum tempo os métodos desta pesquisa de literatura geral digamos simplesmente que sellll Ihantes sínteses somente podem ser tentadas por um estudioSll 106 LITERATURA COMPARADA OBJETO E MÉTODO DA LITERATURA COMPARADA 107 depois de imensas leituras e que seria pretensioso querer dar uma receita para isto Assinalemos entretanto que o perigo consiste nisso mais que em qualquer outra coisa em confundir coinci dência e influência A coincidência pode além do mais ser ins trutiva e pode acrescentar à história de cada literatura um senti do de relatividade que lhe é necessário quando ela se isola Li vros como La crise de Ia conscience européenne de Paul Hazard dão assim ao quadro das letras francesas entre 1680e 1715uma reflexão que faz falta muitas vezes nas obras que lhes são exclu sivamente consagradas Interpretação de um país Cada povo empresta aos outros caracteres mais ou menos duráveis cuja verdade cede normal mente lugar à lenda Um cancioneiro em dificuldades para achar uma rima pode ganhar reputação todo mundo sabe na França que os portugueses Portugais são pessoas alegres gaisHá mui tas vezes causas mais profundas um francês não tem condições de apreciar e compreender os mesmos traços do caráter inglês que um alemão Na elaboração destes tipos nacionais a literatu ra pelos relatos de viagens os romances o teatro desempenha um papel decisivo Quantas pessoas se deram ao trabalho ou ti veram a ocasião de verificar as opiniões de Maurois sobre a In glaterra ou de Mmede Stael sobre a Alemanha É uma tarefa da literatura comparada estudar o nascimento e o desenvolvimento destas interpretações I Através de uma literatura estrangeira Exemplo a GrãBretanha na literatura francesa do século XIX Quais os fran ceses que informaram seus compatriotas sobre a Inglaterra Quais são seus preconceitos seus conhecimentos Eles conheceram o país e o que eles conheceram Há personagens ingleses nos ro mances nos dramas Que traços estes lhes emprestaram Por quê Não se trata mais de influência mas sim de interpretação Um tal estudo ajuda a compreender como nós vemos os ingleses e por que nós os vemos assim Ele supõe uma leitura atenta das obras francesas mas também uma experiência pessoal da Ingla terra Neste ponto a literatura comparada pode ajudar dois paí ses a realizar uma espécie de psicanálise nacional conhecendo melhor a fonte de seus preconceitos mútuos cada um se reco nhecerá melhor e será mais indulgente para com o outro que ali mentou prevençôes análogas às suas 2 Através de um autor estrangeiro Limitado a um es critor um estudo deste gênero procurará também compreender sua interpretação de um país estrangeiro ao invés de distinguir na sua obra as influências sofridas Um Voltaireet lAngleterre analisaria bem o que deve o filósofo francês a Locke mas sobre tudo nos mostraria como o exilado descobriu o país aprendeu a língua estabeleceu laços de amizade depois tendo voltado à França que aspectos da Inglaterra ele fez conhecer por que es tes e não outros Estes trabalhos têm a vantagem de evitar o risco das influên cias Os que a isso se dedicam devem primeiro por um desdo bramento tão extenso quanto possível fazer o levantamento de tudo que na época ou em um dado autor dizia respeito ao país em questão se for a GrãBretanha notas de viajantes de além Mancha personagens ingleses depoimentos sobre a Inglaterra e os ingleses É preciso também conhecer os que criam esses per sonagens ou dão esses depoimentos reunir os resultados obti dos levando em conta a cronologia o sucesso dos autores as interpretações particulares que permitem finalmente chegar pa ra uma determinada época a uma espécie de imagem mediana da Inglaterra cujas origens aparecerão doravante de maneira clara Estas considerações um pouco abstratas são indispensáveis para conhecer as diferentes vias em que se engajam os compara tistas i CRISE DA LITERATURA COMPARADA 10 A CRISE DA LITERATURA COMPARADA Renê Wellek O Illlllldoou melhor nosso mundo encontrase em estado de crise Prmanente pelo menos desde 1914 Os estudos literários em suas formas menos violentas e silenciosas tambémestãódl vididos por conflitos metodológicos desde essa mesma época As vêihas certezas dos estudos do século XIX sua crença ingênua no acúmulo de fatos na esperança de que cada um deles seja usa do na construção da grande pirâmide do conhecimento sua fé na explicação causal segundo o modelo das ciências naturais já haviam sido fortemente questionadas antes por Croce na Itália e por Dilthey e outros na Alemanha Deste modo não se pode afirmar que os últimos anos tenham sido excepcionais ou mes mo que a crise dos estudos literários tenha alcançado em algum lugar do mundo uma solução ou acomodação temporária Ain da assim um reexame de nossos objetivos e métodos fazse ne cessário Há algo de simbólico na morte nos últimos anos de vários dos antigos mestres Van Tieghem Farinelli Vossler Cur tius Auerbach Carré Baldensperger e Spitzer O sinal mais sério do estado precário de nossas pesquisas reside no fato de que 1cªnilose fQÍcapaz de estabelecer um objeto de estudo distinto e uma metodologia específica Eu acre dito que os pronunciamentos de BaldenspergerVanTieghem Car ré e Guyard falharam nesta tarefa essencial Eles sobrecarrega ram a lileratura comparada com uma metodologia obsoleta e lhe atribuíram o lado estéril do factualismo do cientificismo e do relativislllo histórico do século XIX WELLEK Reli Til risis of Comparative Literature In FRIEDERICH Werner ed Comparative Utlratuw lroceedings of the Second Congress of the ICLA 2 vols Chapel Hi11Univ lI NllIllI Carolina Press 1959 v I p 14960 Rep1 em WELLEK René Concepts of CriliâIII New Havcn Yale Univ Press 1963 p 28295 A literatura comparada tem o imenso mérito de cOlllbaln o falso isolamento das histórias literárias nacionais ela está ob viamente correta e produziu um grande número de evidências para corroborar tal fato na sua concepção de uma tradição lite rária ocidental composta de uma rede de inúmeras interrelações Mas duvido que a tentativa de Van Tieghem de distinguir a lite ratura comparada da literatura geral alcance sucesso Para Van Tieghem a literatura comparada restringese ao estudo das interrelações entre duas literaturas enquanto a literatura ge ral se preocupa com os movimentos e estilos que abrangem vá rias literaturas Esta distinção sem dúvida é insustentável e im praticável Por que se poderia por exemplo considerar literatu ra comparada a influência de Walter Scott na França enquanto um estudo do romance histórico durante o período romântico seria visto como literatura geral Por que deveríamos distin guir um estudo sobre a influência de Byron em Heine de um es tudo do byronismo na Alemanha A tentativa de se restringir a literatura comparada a um estudo do comércio exterior entre literaturas é certamente infeliz A literatura comparada seria em seu objeto de estudo um conjunto incoerente de fragmentos não relacionados uma rede de relações constantemente interrompi das e separadas dos conjuntos significativos O comparatista qua comparatista neste sentido limitado só poderia estudar fontes e influências causas e efeitos e seria impedido até mesmo de investigar uma única obra de arte em sua totalidade uma vez que nenhuma obra pode ser inteiramente reduzida a influências ex ternas ou considerada um ponto irradiado r de influência sobre países estrangeiros apenas Imaginemse restrições semelhantes sendo impostas sobre o estudo da história da música das belas artes ou da filosofia Poderia haver um congresso ou mesmo uma publicação inteiramente dedicada a tal mosaico de questões co mo por exemplo a influência de Beethoven na França de Ra fael na Alemanha ou mesmo de Kant na Inglaterra Estas disci plinas foram bem mais sensatas há estudiosos de música de his tória da arte de história da filosofia e nenhum deles tem pre tensões de que haja disciplinas especiais como pintura música ou filosofia comparativas As tentativas de se estabelecer fron teiras especiais entre a literatura comparada e a literatura geral devem desaparecer porque a história literária e as pesquisas lill drias têm um único objeto de estudo a literatura O desejo de 110 LITERATURA COMPARADA i IUSE DA LITERATURA COMPARADA III se restringir a literatura comparada ao estudo do comércio ex terior entre duas literaturas limitaa a uma preocupação com as aparências com escritores secundários com traduções diários de viagem intermediários em suma torna a literatura com Pélmc1allmélmtrasubdiscipliIlªCJlleinvestiiãdacfüsacercaae fontes estrangeiras e reputações de escritores As tentativas de se delimitar não apenas o objeto de estudo como também os métodos da literatura comparada falharam ainda mais seriamente Van Tieghem estabelece dois critérios que su postamente distinguiriam a literatura comparada do estudo das literaturas nacionais A literatura comparada segundo ele interessase pelos mitos e lendas que cercam os poetas e está preo cupada com autores secundários e menores Mas é impossívelima ginar por que o estudioso de uma única literatura nacional não deveria fazer o mesmo a imagem de Byron ou Rimbaud na In glaterra ou na França foi com sucesso descrita sem muita refe rência a outros países e Daniel Mornet na França e Josef Na dler na Alemanha por exemplo nos mostraram que se pode es crever a história literária nacional dandose atenção apenas a es critores secundários e esquecidos Também não convencem as tentativas recentes defªlJée Gu yard de ampliar repentinamente o espectro da literaiuracompa rãêfã afim deiIlclllir ºtgo9ãs ilüsesncínaiscrasidCias fixascjllªsJlªçÕelêlLllll1as dasotrâs Poclé serinuitorntér sante saber o conceito quosfrâncesesfaziam dos alemães ou ingleses mas seria este ainda um estudo literário Não seria este um estudo de opinião pública útil por exemplo para o di retor do programa Vozes da América ou de programas análogos em outros países Isto é psicologia nacional sociologia e como estudo literário nada mais é do que uma revitalização da antiga Südlpeschichte A Inglaterra e o inglês no romance francês não é nem um pouco melhor do que o irlandês no teatro inglês ou o italiano no drama elizabetano Esta ampliação da litera tura cOlllparada implicareconheciJeIltõda esteriüaàªédeseu Objclo de esfudo habituªrIclÍstailoetãIltõaiidissôfüçao do estudo lilerúrio em psicologia sôCialeTs1CSriâcultural Todos estes tropeços só são possíveis porque Van Tieghem seus precursores c seguidores concebem o estudo literário em ter mos do factualislllo positivista do século XIX como um etudo de fontes e influências Eles acreditam em explicações causais i 1 nl r na informação obtida a partir da investigação dos motivos te mas personagens situações enredos etc que são tributários de algum outro trabalho cronologicamente anterior lesacumula ram uma enorme gama de paralelos semelhanças e algumas ve zes identidades mas raramente se perguntaram o que estas rela ções devem mostrar exceto possivelmente o fato de que um es critor conheceu ou leu um outro escritorIObras dearteno en tanto não são simples somatórios de fontes e influências são conjuntos emque amatériaplIma vinda de outro lugar deixa de ser matéria inerte e passa a ser assimilada numa nova estrutura I A explicção callsal leva apenas a um regressus ad fizjinitum e além disso no caso da literatura quase nunca é bemsucedida no estabelecimento do que se poderia considerar o primeiro re quisito de qualquer relação causal quando X ocorre Y deve ocorrer Não estou ciente de nenhum historiador da literatura que nos tenha dado ou nos possa dar provas de tal relação neces sária uma vez que o isolamento de causas é impossível no caso das obras de arte conjuntos concebidos na imagiélªºlivre que ao serem fragmentados em fontes e influências têm sua integri dade e significado violados O conceito de fontes e influências tem sem dúvida preocu pado os mais sofisticados estudiosos da literatura comparada Louis Cazamian por exemplocomentando sobre o livro de Carré Goethe en Angleterre observa que não há nenhuma evidência de que uma ação específica leve a uma diferença determinada Ele argumenta que Carré está errado ao se referir a Goethe co mo tendo indiretamente provocado o movimento romântico inglês simplesmente porque Scott traduziu Goetz von Berlichin gen1 Mas Cazamian pôde apenas acenar para a idéia familiar desde Bergson de fluxo e viraser Ele recomenda o estudo da psicologia individual ou coletiva que a seu ver significa uma teo ria elaborada não verificável das oscilações do ritmo da alma nacional inglesa De forma semelhante Baldensperger em sua introdução ao primeiro número da Révue de littérature comparée 1921 assi nalou a dificuldade dos estudos literários preocupados em tra çar a história dos temas literários Ele admite que tais estudos não podem nunca estabelecer seqüências claras e completas O autor rejeita também o evolucionismo rígido proposto por Bru neticre Mas ele apenas sugeriu em seu lugar que os estudos Ii 112 LITERATURA COMPARADA 1 RISE DA LITERATURA COMPARADA 111 terários fossem ampliados para incluir também escritores secun dários e que prestassem atenção a avaliações contemporâneas Para Baldensperger Brunetiere está muito preocupado com obras primas Como podemos nós saber que Gessner desempenhou um papel na literatura geral que Destouches encantou mais os alemães do que Moliere que Delille foi considerado um poeta tão perfeito e supremo em sua época quanto Victor Hugo mais tarde e que Heliodoro teve tanta importância quanto Ésquilo na tradição da Antigüidade A solução de Baldensperger é nova mente prestar atenção aos autores secundários e às antigas mo das do gosto literário Fica implícito um relativismo histórico deveríamos estudar os padrões do passado a fim de escrevermos uma história literária objetiva A literatura comparada deve ria situarse por trás da cena e não na frente do palco como se a peça não fosse o essencial em literatura Do mesmo modo que Cazamian Baldensperger acena para o viraser de Bergson o movimento incessante o reino da variação universal para o qual cita ele um biólogo como paralelo Na conclusão de seu manifesto Baldensperger proclama abruptamente que a litera tura comparada é uma preparação para um Novo Humanismo Ele nos pede para verificar a amplitude do cepticismo de Voltai re da fé de Nietzsche no superhomem do misticismo de Tols toi para saber por que um livro considerado clássico numa na ção é rejeitado como acadêmico em outra por que uma obra des prezada em um país é admirada em outro Ele espera que tais pesquisas venham fornecer à nossa desarticulada humanidade um núcleo menos incerto de valores comuns Mas por que deve riam tais pesquisas eruditas acerca da difusão geográfica de cer tas idéias conduzir a algo como uma definição do patrimônio da humanidade E mesmo que tal definição do núcleo comum seja bemsucedida e venha a ser amplamente aceita será que is to significaria de fato um Novo Humanismo 11i um paradoxo na motivação psicológica e social da li teralma comparada como vem sendo praticada nos últimos cin qüenta anos A literatura comparada surgiu como uma reação contra o nacionalismo limitado de muitos estudos do século XIX como um proleslo contra o isolacionismo de muitos historiado res da literal ma francesa alemã italiana inglesa etc Foi fre qüentemente cullivada por homens que se posicionavam nas fron teiras entre nações ou pelo menos nos pontos limites de uma nação Louis Betz nasceu em Nova York de pais alcmáes c foi para Zurique estudar e ensinar Baldensperger era de origcm 10 rena e passou um ano decisivo em Zurique Ernst Robert Cur tius era um alsaciano convencido da necessidade de um melhor entendimento entre França e Alemanha Arturo Farinelli era um italiano de Trento na época ainda irridenta que ensinava em Inns bruckMas este desejo gemIÍnode servircomornediador econ ciliador êiitrenaçoesfõi freqüentemente encoberto eciistºrçtQº pelo nacionalismo fervoroso da situação e da época Ao lermos a autobiografia de Baldensperger Une Vieparmi dautres de 1940 mas escrita na verdade em 1935 sentimos um impulso patrió tico básico por trás de toda a sua atividade seu orgulho em des truir a propaganda alemã em Harvard em 1914 em recusarse a encontrar Brandes em Copenhagen em 1915 em ir para a Es trasburgo liberta em 1920 O livro de Carré Goethe en Angle terrecontém uma introdução em que o autor argumenta que Goe the pertence ao mundo em geral e à França em particular como filho da terra do Reno Depois da II Guerra Mundial Carré es creveu LRsÉcrivainsjrançais et le mirage allemand 1947 onde tentou mostrar como os franceses acalentaram ilusões acerca das duas Alemanhas e foram sempre logrados no final Ernst Robert Curtius pensou em seu primeiro livro Die literarischen Jfégbe reiter des neuen Frankreichs 1918 como uma ação política co mo instruções para a Alemanha Num posfácio a uma nova edi ção escrita em 1952 Curtius declarou que seu conceito inicial sobre a França era uma ilusão Romain Rolland não era a voz da nova França como ele pensara Do mesmo modo que Carré Curtius descobriu uma miragem mas desta vez era uma miragem fran cesa Mesmo em seu primeiro livro Curtius já havia definido sua concepção de um bom europeu Ich weiss nur eine Art ein gu ter Europaer zu sein mit Macht die Seele seiner Nation haben und sie mit Macht nahren von allem was es Einzigartiges gibt in der Seele der anderen Nationen der befreundeten oder der feindlichen2 Recomendase uma política de poder cultural tu do serve apenas para fortalecer a nação de alguém Não estou sugerindo que o patriotismo destes estudiosos não era bom correto ou mesmo de princípios elevados Reconheço deveres cívicos e a necessidade de tomar decisões de tomar par tido nas lutas de nosso tempo Conheço a sociologia do conheci mento de Mannheim sua Ideology and Utopia e comprccndo 114 LITERATURA COMPARADA A CRISE DA LITERATURA COMPARADA 11 que uma prova de motivação não invalida a obra de um homem Quero estabelecer uma distinção clara entre estes homens e os corruptores desprezíveis dos estudos da Alemanha nazista ou os doutrinários políticos da Rússia que durante algum tempo con sideraram a literatura comparada tabu e chamaram de cos mopolitas sem raízes reverenciadores do Ocidente a todos aque les que disseram que Pushkin escreveu sua história The Golden Cockerel a partir de Washington Irving Ainda assim esta motivação basicamente patriótica de mui tos estudos de literatura comparada na França Alemanha Itá lia e em outros países levou a um estranho sistema de contabili dade cultural a um desejo de se acumular créditos para seu pró prio país provando o maior número de influências possível so bre outras nações ou mais sutilmente provando que sua própria nação assimilou e compreendeu um grande escritor estrangei ro melhor do que qualquer outra Tal fato é quase que ingenua mente exposto na tabela do pequeno manual para estudantes de Guyard ela contém espaços vazios bem ordenados para as teses que não foram escritas sobre Ronsard na Espanha Corneille na Itália Pascal na Holanda etc3 Este tipo de expansionismo cul tural pode ser visto até mesmo nos Estados Unidos que como um todo mantevese imune a ele em parte porque tinha menos a ostentar e em parte porque estava menos preocupado com a política cultural Ainda assim a excelenteLiterary History of the United States editada por R SpillerW Thorp e outros em 1948 por exemplo afirma com orgulho que Dostoievski foi um segui dor de Poe e até Hawthorne Arturo Farinelli um comparatista de primeira linha descreveuesta situação num artigo escrito para Mélanges Baldensperger 1930 intitulado Glinflussi letterari e Iinsuperbire delle nazioni Farinelli comenta muito apropria damente sobre o absurdo destes cômputos de riquezas culturais de lodos os cálculos de credores e devedores em assuntos de poe sia Isqlleeemosque os destinos da poesia e da arte só são preen chidos na vida íntima e nos acordos secretos da alma 1 273 Em UIll inleressante artigo o professor Chinard declarou muito oportunamcnlc que não há dívidas na comparação de litera tura e citou lima bela passagem de Rabelais sobre um mundo ideal em que não hú dcvedores e credores Uma demarcaçloartificial de seu objeto de estudo e de sua metodologia um conceito mecanicista de fontes e influências uma motivação ligada ao nacionalismo cultural por mais gCIlCJ1 que seja estes me parecem os sintomas da longa crise da lilL ratura comparada Fazse necessária uma cuidadosa e completa reorientação cm todas essas três direções A demarcação artificial das fronteiras entre literatura comparada e literatura geral deve ser aban donada Literatura comparada instituiuse como o termo em pregado para qualquer estudo de literatura que transcenda os li mites de uma literatura nacional Questionar o uso do termo e insistir para que ela fosse chamada de o estudo comparativo da literatura não faz nenhum sentido uma vez que todo mun do entende o uso da elipse O termo literatura geral não foi aceito pelo menos em inglês provavelmente porque ainda está marcado por sua antiga conotação ligada à poética e à teoria Eu particularmente gostaria que pudéssemos apenas falar de es tudo da literatura ou estudos literários e que houvesse como pro pôs Albert Thibaudet professores de literatura do mesmo mo do que há professores de filosofia e de história e não professores de história da filosofia inglesa apesar de que se pode muito bem ser um especialista neste ou naquele período ou país particular ou até mesmo em um autor específico Felizmente ainda não temos professores de literatura inglesa do século XVIII ou da fi lologia de Goethe Mas o nome do nosso objeto de estudo é um assunto institucional de interesse acadêmico no sentido mais li teral O que importa é o conceito de estudos literários como uma disciplillqunificqda não tolhida por restrições lingüísticas As sim não posso concordar com a posição de Friederich de que os comparatistas não podem e não se devem atrever a invadir outros territórios isto é aqueles dos estudiosos de inglês fran cês alemão e de outras literaturas nacionais Tampouco posso entender como é possível seguir seu conselho de não invadir o território alheio 4 Não existem direitos de propriedade e ne nhuIlJinvestimento de capital reconhecido nos estudos literá rios Todos podem investigar qualquer questão mesmo que esta se restrinja a uma única obra ou língua e podem estudar até mes mo história filosofia ou qualquer outro tópico Sem dúvida corrc se o risco de ser alvo de crítica por parte dos especialistas mas este é um risco que se deve correr Nós comparatistas certamcllll não gostaríamos de impedir os professores de inglês de eslllllar as fontes francesas de Chaucer ou os professores de rrancts til IJ LITERATURA COMPARADA CRISE DA LITERATURA COMPARADA 117 estudar as fontes espanholas de Corneille etc uma vez que nós comparatistas não gostaríamos de ser proibidos de publicar a res peito de tópicos confinados a literaturas nacionais específicas Muito tem sido escrito a respeito da autoridade do especialis ta que freqüentemente tem apenas o conhecimento bibliográfico ou a informação material sem necessariamente ter o gosto a sen sibilidade e o raio de ação do não especialista cuja perspectiva mais ampla e discernimento mais agudo podem muito bem su prir anos de intensa dedicação Não há nada de presunçoso ou arrogante em se advogar uma maior mobilidade e uma universa lidade utópica em nossos estudos Toda a concepção de áreas cer cadas por placas de não ultrapasse deve ser rechaçada por uma mente aberta Tal concepção só pode surgir dentro dos limites da metodologia obsoleta preconizada e praticada pelos teóricos clássicos da literatura comparada que supõem que os fatos de vem ser descobertos como pepitas de ouro e que podemos exigir nossos direitos de garimpeiros sobre eles Contudo osstlldosliterários verdadeiros não estão preo cupados com fatos neutros mas sim com valores e qllalidades Esta é a razão pela qual não há distinçãoeninhistória literária e crítica Mesmo o mais simples dos problemas de história lite rária requer um ato de julgamento Mesmo uma afirmação co mo a de que Racine influenciou Voltaire ou de que Herder in fluenciou Goethe requer para ser significativa um conhecimen to das características de Racine e Voltaire Herder e Goethe e por tanto u1Lçºhecimentodoconteto de suastradiçõesllmaati vidade ininterrPlLde peillSQmpªiªanalisar e discrlrIliliªr atividade estaque é essencialmente críticiÃtéagora nenhuma história literária foi esCrItasem umcrItério de seleção e sem al guma tentativa de caracterização e avaliação Os pesquisadores da história literária que negam a importância da crítica são eles 1I1eSlllOS críticos não conscientes geralmente críticos secundários quc apCllas assumiram padrões tradicionais e aceitaram reputa lCSlOuVllIcionaisUma obra de arte não pode ser analisada caraclcriada c avaliada sem que se faça uso de princípios críti cos mCSlllllque assumidos de forma inconsciente e formulados de modo ohscuro Norman Foerster em uma publicação ainda pertinente 111l1CIcan Scholar afirmou de forma muito con vincente que pesquisador da história literária deve ser um crí tico afim de ser 1I1llhisloriaelor5 Nos estudos literários a teo ria a erítica e a história colaboram para se atingir seu objetivo principal a descrição interpretação e avaliação de uma obra ele arte ou de qualquer conjunto de obras de arte A literatura com parada que pelo menos com seus teóricos oficiais se absteve desta colaboração e se apegou a relações factuais fontes e influên cias intermediários e reputações como seus únicos tópicos terá que encontrar seu caminho de volta na grande corrente da críti ca e dos estudos literários contemporâneos Em seus métodos e reflexões metodológicas a literatura comparada está para ser mos claros estagnada Podemos pensar em vários grupos e mo vimentos críticos e acadêmicos ao longo deste século bastante diversos em seus objetivos e métodos Croce e seus seguidores na Itália o formalismo russo e suas ramificações e desenvolvi mentos na Polônia e na Tchecoslováquia a estilística e a Geistes geschichte alemãs que encontraram eco nos países de língua es panhola a crítica existencialista francesa e alemã o New Criti cism americano a crítica mítica inspirada nos padrões arquetí picos de Jung e mesmo a psicanálise freudiana ou o marxismo quaisquer que sejam suas limitações e deméritos todos estão uni dos numa reação comum contra o atomismo e factualismo ex ternos que ainda restringem o estudo da literatura comparada Os estudos de literatura comparada hoje necessitam princi palmente definir seu foco e objeto de estudo Devese distingui los do estudo da história das idéias ou de sentimentos e concei tos religiosos e políticos que freqüentemente se apresentam co mo alternativas aos estudos literários Muitos estudiosos impor tantes envolvidos nos estudos literários como um todo e na lite ratura comparada em particular não estão na verdade interes sados em literatura mas na história da opinião pública em diá rios de viagem nas idéias acerca do caráter nacional isto é na história cultural de modo geral O conceito de estudo literá rio foi por eles tão ampliado que se confunde com toda a histó ria da humanidade No entanto os estudos literários não terão nenhum progresso metodologicamente falando a menos que se proponham a estudar a literatura como um objeto distinto das outras atividades e produções humanas Assim precisamos en frentar o problema da literariedade a questão central da esté tica a natureza da arte e da literatura Em tal concepção dos estudos literários a obra de arte em si será o foco principal e reconheceremos estar estudando pro 118 LITERATURA COMPARADA i CRISE DA LITERATURA COMPARADA li blemas diferentes quando examinamos as relações da obra de ar te com a psicologia do autor ou com a sociologia de sua socieda de Tenho afirmado que a obra de arte pode ser vista como uma estrutura estratificada de signos e significados que é totalmente distinta dos processos mentais do autor no momento da criação e portanto das influências que se podem ter formado em sua mente Há o que corretamente tem sido chamado de lacuna on tológica entre a psicologia do autor e a obra de arte entre a vida e a sociedade de um lado e o objeto estético de outro Cha mei o estudo da obra de arte de intrínseco e o estudo de suas relações com a mente do autor com a sociedade etc de ex trínseco Apesar disto esta distinção não pode significar que as relações genéticas devam ser ignoradas ou mesmo menospre zadas ou que o estudo intrínseco seja mero formalismo ou este ticismo irrelevante O conceito cuidadosamente elaborado de uma estrutura estratificada de signos e significados tenta exatamente ultrapassar a antiga dicotomia entre forma e conteúdo O que geralmente é chamado de conteúdo ou idéia em uma obra de arte é incorporado à estrutura desta obra corno parte de seu mundo de significados projetados Nada estaria mais distan te do que penso do que negar a relevância humana da arte ou levantar uma barreira entre a história e o estudo formal Embo ra tenha aprendido com o formalismo russo e o Stilforscher ale mão não gostaria de restringir o estudo da literatura nem ao es tudo do som do verso e dos recursos composicionais nem aos elementos de dicção e sintaxe tampouco gostaria de equiparar a literatura à língua Para mim estes elementos lingüísticos for mam por assim dizer os dois estratos inferiores o dos sons e o das unidades de significado Mas a partir deles emerge um mundo de situações personagens e acontecimentos que não podcm ser identificados com nenhum dos elementos lingüísticos ou mcnos ainda com nenhum dos elementos da forma orna mental cxterna A única concepção correta me parece ser uma decididamcnte holista que vê a obra de arte como uma totali dade diwrsificada como uma estruturadesIgnas que no entan to prcssupic c requer significados evaIares Tanto um estudo relativisla antiquado quanto um formalismo externo são tentati vas errôncas de desumanizar o estudo literário A crítica não po de e não deve ser excluída dos estudos literários Se tal mudança e liberação tal reorientação em direção à teoria e à crítica em direção à história crítica ocorrer o proble ma da motivação se resolverá Poderemos continuar ainda bons patriotas e até mesmo nacionalistas mas o sistema de créditos e débitos deixará de ser importante As ilusões acerca da expan são cultural bem como aquelas sobre a reconciliação mundial através dos estudos literários devem desaparecer Aqui na Amé rica vendo a Europa como um todo do outro lado do Atlântico podemos facilmente alcançar uma certa imparcialidade embora talvez tenhamos que pagar o preço do desenraizamento e do exí lio espiritual Mas se concebermos a literatura não como um argumento no conflito do prestígio cultural ou como um bem de comércio exterior ou até mesmo como um indicador da psi cologia nacional obteremos a única objetividade verdadeira al cançável pelo homem Não será um cientificismo neutro um re lativismo e historicismo indiferentes mas uma confrontação com os objetos em sua essência uma contemplação imparcial mas in tensa que levará à análise e finalmente a juízos de valores lma vez que captemos a natureza da arte e da poesia sua vitória so 61êa morüüidáde e o destino humanos sua criação de um novo mundo da imaginação as vaidades nacionais desaparecerão O homem o homem universal o homem de qualquer lugar e de qualquer tempo em toda a sua variedade vai emergir e os estu dos literários deixarão de ser um passatempo antiquado um cál culo de créditos e débitos nacionais ou mesmo um mapeamento de redes de relações Os estudos literários tornarseão um ato da imaginªção como a própria arte e portanto um preserador e criàdoidos valores mais elevados da humanidade NOTAS 1 Goethe en Angleterre quelques réflexions sur les problemes dinfluence Revue Ger manique 12 1921 37475 2 Franz6sischer Geist im zwanzigsten Jahrhundert Berna 1952 p 237 3 GUYARD M F La littérature comparée Paris P U F 1951 p 124125 4 La littérature comparée et lhistoire des idées dans létude des relations franco américaines In FRIEDERICH Werner ed Comparative Literature Proceedings li Second Congress of the CLA 2 vols Chapel Hill Univ of North Carolina Prcss II v 2 p 34969 5 Ylurhook of Comparative and General Literature 4 1955 57 o NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 171 o NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA René Wéllek A expressão literatura comparada tem suscitado tanta discus são tem sido interpretada de modos tão diferentes e freqüente mente tão mal interpretada que pode ser útil examinarlhe a his tória e tenüu distinguir seus significados nas principais línguas Somente então se pode esperar definir sua exata extensão e con teúdo Lexicografia e semântica histórica serão nosso ponto de partida Além disso uma breve história dos estudos compa rativos deve levar a conclusões significativas para os nossos dias Literatura Comparada ainda é uma disciplina e uma idéia su jeitas a controvérsia As duas palavras usadas separadamente não parecem causar problema Comparative ocorre no Middle English obviamen te derivado do latim eomparativus Éusado por Shakespeare quan do Falstaff chama Prince Hal de o mais comparativo o mais ve lhaco doce jovem príncipel Francis Meres já em 1598 utiliza o termo no título de A Comparative Discourse of Our English Poets with the Greek Latin and Italian Poets2 O adjetivo apa recenos títulos de vários livros dos séculosXVII e XVIII Em 1602 WiIliam Fulbecke publicou A Comparative Diseourse o the Laws Encontro também A Comparative Anatomy o Brute Animais em 1765 Iogo no ano seguinte seu autor John Gregory publicou A COlllparalive View othe State and Faeulties o Man with Those I lU 1ninal World O bispo Robert Lowth em suas Leetures on lhe Sact1Poelry othe Hebrews escritas eqllatim 1753 for mulou baslanlc bem o ideal do estudo comparativo WELLEK Rcné TIl NIIIlLand Nature of Comparative Literature ln Discrimi nations Further ConCIS lil liiciSJl New Haven YaleUniversity Press 1970p 136 Devemos ver tudo com os olhos deles isto é dos antigos hebreus avaliar tudo por suas opiniões devemos esforçar nos ao máximo para ler hebraico como os hebreus teriam lido Devemos agir como os astrônomos com relação a esse ramo de sua ciência que é chamado comparativo os quais para formar uma idéia mais perfeita do sistema geral e suas diferentes partes se imaginam como se estivessem passan do através de todo o universo e explorandoo migrando de um planeta para outro e tornandose por algum tempo ha bitantes de cada um deles3 Em sua pioneira History o English Poetry Thomas Warton anunciava no prefácio do primeiro volume que apresentaria um levantamento comparativo da poesia de outras nações4 Geor ge Ellis em seu Specimens o Early English Poets 1790 fala de estudiosos de coisas antigas cujo engenho freqüentemente tem tido sucessoem detectar e extrair de crônicas medievais através de crítica comparativa muitas particularidades concernentes ao estado da sociedade e ao progresso das artes e costumes5 Em 1800 Charles Dibdin publicou em cinco volumes A Complete History o the English Stage Introdueed by a Comparative and Comprehensive Review o the Asiatie the Grecian the Roman the Spanish the Italian the Portuguese the German the Freneh and Other Theatres Aí se formula plenamente a idéia principal mas a combinação literatura comparada propriamente dita pa receocorrer pela primeira vez somente numa carta de Matthew Arnold em 1848 na qual diz Quão evidente é agora ainda que a atenção às literaturas comparadas nos últimos cinqüenta anos pudesse têIo ensinado a qualquer um que a Inglaterra está num certo sentido muito aquém do Continente6 Mas isto era uma carta particular publicada somente em 1895 e comparada sig nifica aqui pouco mais do que comparável Em inglês o uso decisivo foi O de Hutcheson Macaulay Posnett um advogado ir landês que mais tarde se tornou professor de Literaturas Clássi cas e Inglesa no University College em Auckland Nova Zelân dia que pôs a expressão no título de seu livro em 1886 Como parte da Série Científica Internacional de Kegan Paul Trench and Trübner o livro despertou algum interesse e recebeu por exem plo uma boa crítica de William Dean Howells7 Posnett em um artigo A Ciência da Literatura Comparada alegava ter sido 122 LITERATURA COMPARADA NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 121 o primeiro a definir e ilustrar o método e os princípios da novà ciência e de não apenas têIo feito no Império Britânico mas no mundo8 É claro que isso é um disparate mesmo se limitar mos literatura comparada ao sentido específico que Posnett lhe atribuiu A expressão inglesa não pode ser discutida indepen dentemente de termos análogos na França e na Alemanha Podese explicar o uso tardio da expressão em inglês se nos dermos conta de que a combinação literatura comparada en contrava resistência na Inglaterra porque o termo literatura ha via perdido seu significado anterior de conhecimento ou estu do de literatura e havia passado a significar produção literá ria em geral ou o conjunto de escritos de um período país ou região Este longo processo está completo hoje o que se evi dencia pelo fato de que o Professor Lane Cooper da Universi dade de ComeU se recusou a denominar o departamento que chefiava nos anos 20 de Literatura Comparada e insistia que devia ser de Estudo Comparativo de Literatura Ele a consi derava uma expressão espúria que não tem sentido nem sin taxe Uma pessoa poderia permitirse igualmente dizer bata tas comparadas ou vagens comparadas9 Mas no uso mais antigo de inglês literatura significa saber e cultura lite rária especificamente conhecimento de latim The 1àtler se ex prime judiciosamente em 1710 É vão tentar esconderse por frivolidade no refúgio das línguas eruditas A literatura apenas torna o homem mais eminentemente aquilo que a natureza o fez1OBosweUdiz por exemplo que Baretti era um italiano de considerável literatural1 Tal uso sobreviveu até o século XIX quando James Ingram deu uma aula inaugural sobre a Utility qf AngloSaxon Literature 1807 querendo dizer a utilidade de sabermos anglosaxão ou quando John Petherham escreveu 1 tl lIistorical Sketeh of the Progress and Present State of Anglo axotlLiterature in England 1840 onde literature deve sig lIificar por certo o estudo da literatura Mas esse uso já era ana crlllico literatura já tinha assumido então o significado atual de colljulIlo de escritos O Oxford English Dietionàry registra a primeira ocorrência em 1812 mas essa data é tardia demais a verdade é que o uso moderno penetrou na Inglaterra no final do século XVIII provindo da França De fato sigllificado de literatura como produção lite rária ou conjullto de escritos fez reviver um uso da Antigüi dade tardia A princípio literatura em latim é simplesmente L1l11a tradução do grego grammatike e às vezes significa a capacidade de ler e escreverou até uma inscrição ou o próprio alfabeto Mas Tertuliano que viveu de cerca de 160 a 240 de e Cassiano con trastam literatura secular com bíblica pagã com cristã literatu ra com seriptura12 Este uso do termo volta à tona somente nos anos 30 do sé culo XVIII competindo com os termos literaelettres letters Um exemplo antigo é a série de François Granet Réflexions sur les ouvrages de littérature 173640 Voltaire em Le Siêcle de Louis XIV 1751 sob o título do capítulo Des Beaux Arts usa litté rature com uma referência imprecisa junto com eloqüência poe tas e livros de moralidade e divertimento e em outro ponto do livro fala em littérature légere e nos gemes de littérature cultivados na Itália13 Em 1759 Lessing começou a publicar Briefe die neueste Literatur betreffend onde claramente literatu ra se refere a um conjunto de escritos O fato de que os Essais sur divers sujets de littérature et morale 173554 de Nicolas Tru blet tenham sido traduzidos para o alemão como Versuehe über versehiedene Gegenstiinde der Sittenlehre und Gelehrsamkeit 177614 ilustra bem que o uso ainda era incomum naquela época Este uso da palavra literatura designando toda produção literária que ainda é um dos significados que lhe atribuímos foi muito cedo nacionalizado e localizado no século XVIII Foi apli cado às literaturas francesa alemã iÚlliana e veneziana e quase ao mesmo tempo o termo perdia sua abrangência original tendo se estreitado o seu significado para nomear o que hoje chama ríamos de literatura da imaginação poesia e prosa imaginati va ficcional O primeiro livro que exemplifica esta dupla mu dança é até onde sei Diseorso sopra le vieende delta letteratura de Carlo Denina 176015 Denina não se propõe discutir o pro gresso das ciências e das artes que não são propriamente uma parte da literatura ele falará de obras de saber somente quan do pertencem a bom gosto e eloqüência quer dizer a literatu ra 16O prefácio do tradutor francês fala de uma literatura ita liana inglesa grega e latina Em 1774 foi publicado em Leghorn um Essai sur Ia littérature russe de N Novikov e há uma refe rência bastante localizada com a Storia delta letteratura venezia lia de Mario Foscarini 1752 11 LITERATURA COMPARADA I O NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA I o processo de nacionalização e se assim posso dizer esteti zação da palavra é belamente ilustrado em Idea della letteratura alemanna de A de GiorgiBertola 1784 uma edição ampliada da anterior Idea della poesia alemanna 1779 tendo a mudança de título sido necessária pelo fato de a posterior incluir um rela tório sobre romances alemães17Em alemão o termo National literatur enfoca a nação como a unidade da literatura aparece pela primeira vez no título Beytriige zur Gesehiehte der teutsehen Spraehe und Nationalliteratur de Leonhard Meister 1777e per siste através do século XIX Algumas das mais conhecidas his tórias literárias alemãs o trazem em seus títulos Wachler Kober stein Gervinus em 1835 e mais tarde A Vilmar e R Gott schall18 No entanto por muito tempo houve uma forte animosida de em relação à limitação estética do termo Philarete Chasles por exemplo comenta em 1847 Tenho pouco apreço pela pala vra literatura que me parece não significar coisa alguma é o resultado de adulteração intelectual A palavra lhe parece liga da à tradição grecoromana de retórica E algo que nem é filo sofia nem história nem erudição nem crítica algo que não sei o que é vago impalpável e enganoso19 Chasles prefere história intelectual a história literária Omesmo processo se verificou em inglês Algumas vezes ain da é difícil distinguir entre o antigo significado de literatura co mo cultura literária e uma referência a um conjunto de escritos Assim já em 1755 o Dr Johnson queria criar Annals of Litera ture Foreign as wellas Domestiek Em 1761George Colman pai pensava que Shakespeare e Milton parecem ser os únicos auto res de primeira linha em meio ao destroço geral da antiga litera lura inglesa20Em 1767Adam Ferguson incluiu um capítulo in Iilulado Sobre a História da Literatura em seu Essay on the llistorv lCivil Society Em 1774 numa carta o Dr Johnson dissc desejar que o que é imerecidamente esquecido de nossa velha lileratura pudesse reviver21e John Berkenhout em 1777 lku lOIIIOsubtítulo à sua Biographia Literaria A Biographieal f istor Iitlrature em que propunha oferecer uma idéia con eisa do lIaseiulclllo c do progresso da literatura O prefácio da Literary listor the Troubadours de De Ia Cume de Sainte Palaye traduzida Clll 1779 por Susanna Dobson referese aos tro vadores como os pais da lileratura moderna e James Beattie em 1783 deseja rastrear o surgimento e a ascensão do romance a fim de lançar luz sobre a história e a política os costumes e a literatura dessas últimas épocas23 Houve livros como I View of Ancient History Including the Progress of Literature and the Fine Arts de William Rutherford 1788 Sketches of a History of Literature de Robert Alves 1794e An Introduetion to the Literary History of the 14th and 15th Centuries de An drew Philpot 1798que reclama que não há nada que faça mais falta na literatura inglesa do que uma história do renascimen to das letras Contudo podenos surpreender o fato de que o primeiro livro com o título A History of English Language and Literature tenha sido um pequeno manual escrito por Robert Chambers em 1836 e que o primeiro professor de língua e litera tura inglesa tenha sido o Reverendo Thomas Dale no University College da Universidade de Londres em 182824 Assim a mudança de significado do termo literatura atra sou a adoção da expressão literatura comparada em inglês ao passo que política comparada manifestamente defendida pe lo historiador EA Freeman em 187325era inteiramente aceitá vel bem como gramática comparada que figurava na página título de uma tradução da Comparative Grammar of Sanskrit Zend Greek ete de Franz Bopp em 1844 Na França a estória foi diferente lá littérature continuou por longo tempo a significar estudo literário Voltaire em seu ar tigo inacabado sobre Littérature para o Dietionnaire philosophi que 176472define literatura como um conhecimento das obras de gosto ligeiras noções de história poesia eloqüência e críti ca e a distingue da belle littérature que se relaciona a ob jetos de beleza a poesia eloqüência e história bem escrita26 Seu seguidor JeanFrançois Marmontel que escreveu os princi pais artigos literários para a grande Eneyclopédie coligidos co mo Eléments de littérature 1787 usa littérature com o signifi cado claro de um conhecimento de belles lettres que ele con trasta com erudição Com espírito talento e gosto declara podemse produzir obras de engenho sem qualquer erudi ção e com pouca literatura27 Dessa forma foi possível no iní cio do século XIX formar a combinação littérature comparée aparentemente sugerida pela famosa Anatomie Comparée de Cu vier 1800 ou pela Histoire comparée des systemes de philoso phie de Degérando 1804 Em 1816dois compiladores NoCle Laplace publicaram uma série de antologias de literatura clássi ca francesa e inglesa tendo por título jamais usado antes sem qualquer explicação Cours de littérature comparée28 Charles Pougens em Lettres philosophiques à Madame sur divers su jets de morale et littérature Paris 1826reclamava não haver obra sobre os princípios da literatura que lhe parecesse recomendável un cours de littérature comme je lentends cestàdire un cours de littérature comparée p 149 Entretanto quem tornou corrente o termo na França foi sem dúvida AbelFrançois Villemain cujo curso sobre a literatura do século XVIII fez um enorme sucesso na Sorbonne no fim dos anos 20 Em 182829esse curso foi publicado em 4 volumes com o título de Tableau de Ia littérature française au XVIIIe siêcle contendo até as reações elogiosas da platéia Calorosos aplau sos Risos Aí ele usa várias vezes tableau comparti études com parées histoire comparée mas também littérature comparée lou vando Chancelier Daguesseau por seus vastes études de philo sophie dhistoire de littérature comparée29 Na segunda série de palestras Tableau de Ia littérature au moyen âge en France en Italie en Espagne et en Angleterre 2 volumes 1830 ele tor na a falar de amateurs de Ia littérature comparée e no prefá cio da nova edição em 1840 Villemain não sem razão se van gloria de que aí pela primeira vez na universidade francesa se fez uma tentativa de análise comparada de várias literaturas modernas3o Depois de Villemain a expressão passou a ser usada com relativa freqüência Philarete Chasles proferiu uma aula inaugu ral na Athénée em 1835 e na versão impressa na Revue de Paris o curso é chamado de Littérature étrangere comparée31 IdolpheLouis de Puibusque escreveuem dois volumes uma His nin comparée de Ialittératurefrançaise et espagnole 1843onde cil1Villcmain o secretário vitalício da Academia Francesa co 1110qlltlll definira a questão O termo comparative contudo pa rlU Inlolllpctido por algum tempo com comparée J J Ampe rc 110SlUfisours sur lhistoire de Iapoésie 1830 fala da his toirc COIlIPIIt1 ive des arts et de Ia littérature32 porém mais tar de usa talllh1I1o outro termo no título de sua Histoire de Ia lit tératurejrallis11 moyen âge comparée aux littératures étran gêres 1841 O texto decisivo em favor da expressão littérature comparée é o artigo hCIIItardio de SainteBeuve um elogio fú nebre a Ampere publicado na Revue des deux mondes elll 186833 Na Alemanha a palavra comparativo foi traduzida por vergleichend em contextos científicos Em 1795Goethe escreveu Erster Entwurf einer allgemeinen Einleitung in die vergleichende Anatomie34 VergleichendeGrammatik foi utilizado por August Wilhelm Schlegel numa resenha em 180335e o livro pioneiro de Friedrich Schlegel Über Sprache und Weisheit der Inder 1808 empregava vergleichende Grammatik36 destacadamente como um programa de uma nova ciência que expressamente evocava o modelo de vergleichende Anatomie O adjetivo se tornou co mum na Alemanha para etnologia e mais tarde para psicologia historiografia e poética Mas exatamente como ocorreu em in glês houve dificuldade em associáIo à palavra literatura Até onde sei Moriz Carriere em 1854 no livro Das Wesen und die Formen der Poesie é quem usa pela primeira vez a expressão ver gleichende Literaturgeschichte37 Surpreendentemente a expres são vergleichende Literatur figura no título de um periódico es quecido editado por Hugo von Meltzl na remota cidade de Klau senburg hoje Cluj na Romênia o seu Zeitschrift für verglei chende Literatur circulou de 1877 a 1888 Em 1886 Max Koch fundou na Universidade de Breslau um Zeitschrift für verglei chende Literaturgeschichte que sobreviveu até 1910Von Meltzl enfatizava que sua concepção de literatura comparada não se li mitava à história e nos últimos números de seu periódico mu dou o título para Zeitschrift für vergleichende Literaturwissen schaft38 Sendo um termo relativamente novo em alemão Lite raturwissenschaft foi adotado no início do século XX significando o que geralmente chamamos crítica literária ou teoria da li teratura O novo periódico alemão Arcadia é chamado de Zeit schrift für vergleichende Literaturwissenschaft Não é necessário traçar a história dos termos em outros lu gares Em italiano a expressão letteratura comparata é clara e facilmente formada a partir do modelo francês O grande crítico Francesco De Sanctis ocupou uma cátedra denominada Della let teratura comparata em Nápoles desde 1872 até sua morte em 188339Arturo Graf tornouse o titular da mesma cátedra em Turim em 1876 Em espanhol a expressão literatura comparada parece ser ainda mais recente Não estou bem certo sobre quando a expressão é usada pela 12 LITERATURA COMPARADA o NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA ID 12X LITERATURA COMPARADA o NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 12 primeira vez nas línguas eslavas Alexander Veselovskyo maior eomparatista russo não a empregou em sua aula inaugural co mo Professor de Literatura Geral em São Petersburgo em 1870 mas fez uma resenha do novo periódico de Koch em 1877 e aí usou a expressão sravnitelnoe literaturovedenie calcado em ver gleiehende Literaturwissensehajt4O Na Universidade de Praga criouse em 1911 uma cátedra chamada srovnávací literatura Ainda que incompleta ou até mesmo levemente incorreta nos detalhes esta história dos termos nas principais línguas poderia tornarse mais significativa se tratada no contexto da competi ção com termos rivais Literatura comparada ocorre naquilo que os semanticistas chamaram de campo de significação Aludiuse aqui a saber letras e belles lettres como ter mos rivais de literatura Literatura universal literatura in ternacional literatura geral e literatura mundial são os que competem com literatura comparada Literatura universal ocorre no século XVIII e é usado bem amplamente em alemão há um artigo de 1776 que discute eine Universalgesehiehte der Diehtkunst e em 1859 um crítico propôs eine Universalgeschichte der modernen Litteratur41 Literatura geral existe em inglês James Montgomery proferiu Leetures on General Literature Poetry ete 1833 nas quais literatura geral significa o que chamaríamos de teoria da literatura ou princípios de críti ca O Reverendo Thomas Dale em 1831 tornouse Professor de Literatura e História Inglesa no Departamento de Literatura Geral e Ciência no Kings College da Universidade de Lon dres42Na Alemanha J G Eichhorn editou uma série de livros intitulada Allgemeine Gesehiehte der Literatur 1788 e anos se guintes Houve compilações similares Johann David Hartmann Versueheiner allgemeinen Gesehiehte der Poesie 2 volumes 1797 c 1798 Ludwig Wachler Versueh einer allgemeinen Gesehiehte der íleratur em 4 volumes 17931801 e a enorme compilação hihliogrífica de Johann Georg Grasse Lehrbueh einer allgemei fl1Iillriirgesehiehte 183757 A cxpressão literatura mundial Weltliteratur foi usada por ocl hc cm 1827 ao comentar uma tradução de sua peça Tas so para o IÚlIlCêse depois diversas vezes algumas das quais em sentidos ligciramcnte diferentes ele pensava numa só literatura mundial uniricada lia qual as diferenças entre as literaturas in dividuais desapareceriam embora soubesse que isto era uma pos 1 sibilidade bastante remota Em um rascunho Goethe iguala lite ratura européia a mundial decerto provisoriamente43Exis te um conhecido poema de Goethe Weltliteratur 1827 que ao contrário enumera os encantos da poesia popular e que na verdade teve seu título adulterado pelo responsável pela edição póstuma de 184044A história do conceito foi bem estudada45 Atualmente literatura mundial pode significar simplesmente to da a literatura como no título de muitos livros tais como o de Otto Hauser ou pode significar uma lista de excelentes obras de muitas línguas como acontece quando se diz que este ou aquele livro ou autor pertence à literatura mundial Ibsen pertence à li teratura mundial enquanto Jonas Lie não Swift pertence à literatura mundial enquanto Thomas Hardy não Da mesma maneira que o uso preciso da expressão litera tura mundial é ainda passível de discussão o uso de literatura comparada tem suscitado debates quanto a sua abrangência exata e a seus métodos exatos que ainda não foram solucionados É inútil ser dogmático em assuntos como este na medida em que as palavras têm o significado que os autores lhes atribuem e nem um conhecimento de história nem o uso comum podem evitar mudanças ou até distorções completas em relação ao significado original Ainda assim clareza em assuntos como este evita con fusão mental ao passo que ambigüidade ou arbitrariedade ex cessivas conduzem a perigos intelectuais que podem não ser tão sérios quanto chamar quente de frio ou comunismo de demo cracia mas que dificultam o entendimento e a comunicação Pode se distinguir primeiramente uma definição estrita estreita Van Tieghem por exemplo a define assim O objeto da literatura comparada é essencialmente o estudo de diversas literaturas em suas interrelações46Guyard em seu manual que segue de per to Vªillem termos de doutrina e conteúdo chama a lite ratura comparada de a históriªge rlações literárias internacio nais47e JM Carré em seu prefácio ao livro de Guyarda de nomina como umªrJliLCjlitclªJlistórialitráriaé o esiuÀo de relações espirituais internacionaisclçQ1JªtQsiatuaisqueeJHs tiram entre Byron e Pushkin Goetl1eÇIIylWalterScQtLe Vigny entre as obras as inspirações e mesmo as vidªs QªlIJQIeB que pertencem a ciiversasliteraturas48 Podemse encontrar for mulações semelhantes em outros lugares como no volume de li teratura comparada da série Problemi ed orientamenti de Mo migliano 1948 onde Anna Saitta Revignas se refere à literatura comparada como uma ciência moderna centrada na pesquisa dos problemas relacionados com as influências exercidas recipro camente por várias literaturas 49Fernand Baldensperger o líder reconhecido da escola francesa no programático artigo introdu tório do primeiro número da Revue de líttérature comparée 1921 não arrisca uma definição mas concorda com uma limitação ine rente ao conceito ele não vê utilidade em comparações que não envolvam um encontro verdadeiro que tenha criado uma de pendência50 Mas seu artigo de fato põe em discussão muitos problemas mais amplos deixados de lado por seus seguidores Num sentido mais abrangente literatura comparada in clui o que Van Tieghem chama de literatura geral Ele limita literatura comparada a relações binárias entre dois elemen tos ao passo que literatura geral diz respeito à pesquisa dos fatos comuns a várias literaturas51 Podese entretanto argu mentar que é impossível traçar uma linha divisória entre litera tura comparada e literatura geral entre por exemplo a influên cia de Walter Scott na França e o nascimento do romance histó rico Além disso a expressão literatura geral se presta a con fusão já foi entendida como teoria literária poética princípios de literatura Literatura comparada no sentido estrito de rela ções binárias não se pode constituir como uma disciplina signi ficativa já que teria de lidar apenas com o comércio exterior entre literaturas e em decorrência com fragmentos de produção literária Não permitiria tratar da obra de arte individual Seria como aparentemente Carré se contenta em pensar uma disci plina estritamente ancilar da história literária com um objeto de estudo fragmentado disperso e sem nenhum método próprio estudo da influência digamos de Byron na Inglaterra não pode lllelodologicamente diferir de um estudo da influência de Byron lIa rança ou de um estudo do byronismo europeu QJUétQC1Q de cOlllparação não é específico da literatura comparada é ubí quo siI prcsente em qualquer éstudoHterálio eertrqualquer cilllcia seja social seja natural Nem tampouco o estudo literá rio I1lSI1lO lia prática dos mais ortodoxos comparatistas utiliza apenas llIllodocomparativo Qualquer autor especializado em literatura núo lICnashaverá de comparar mas de reproduzir ana lisar interpnlar lVOCaravaliar generalizar etc tudo isso em uma única págilla 110 LITERATURA COMPARADA NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARAIlA 111 Existem outras tentativas de defini a abrangência da lillra tura comparada acrescentando algo específicoà definição cslreita Assim Carré e Guyard incluem o estudo de falsas impressões na cionais as idéias que as nações têm umas das outras Carré es creveu um livro interessante sobre Les Écrívaíns françaís et le mí rage allemand 1947 que é psicologia ou sociologia nacional re tirada de fontes literárias mas mal chega a ser história literária Um livro como La Grande Bretagne dans le roman françaís 19141940 de Guyard 1954 é Stoffgeschíchte levemente disfar çada uma lista dos clérigos diplomatas escritores coristas ho mens de negócios ingleses que figuram em romances franceses de uma dada época Menos arbitrária e mais ambiciosa é a tentativa recente de H H H Remak no sentido de expandir a definição de literatura comparada Ele a define como o estudo da literatura além dos limites de um país específico e o estudo das relªçõtstntrªJite ratura de um lado e de outro as outras áreas de saber ede crença tais como as artes a filosofia a história as ciências sociais a ciência a religião etc52Mas Remak é forçado a fazer distin ções artificiais e insustentáveis como entre um estudo da rela ção de Hawthorne com o calvinismo rotulado de comparado e um estudo de seus conceitos de culpa pecado e expiação re servado à literatura americana Todo esse esquema soa a algo engendrado com um propósito puramente prático numa facul dade americana onde uma pessoa pode precisar justificar um tema de tese como pertencente a literatura comparada antes que colegas pouco compreensivos se ressintam de incursões em suas áreas específicas de competência No entanto como defini ção ela não sobrevive a um exame mais rigoroso Numa dada época da história decisiva para o estabelecimen to da expressão em inglês literatura comparada era entendida co mo significando algo ao mesmo tempo muito específico e muito largamente abrangente No livro de Posnett significa a teoria geral da evolução literária a idéia de que a literatura passa por estágios de incipiência culminância e declínio53A literatura comparada seinsere numa história social universal da humanidade a grada tiva expansão da vida social do clã à cidade da cidade à nação destas duas à humanidade cosmopolita54Posnett e seus seguido res são tributários da filosofia evolucionista de Herbert Spcnur hoje quase completamente esquecida nos estudos literários 11 NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPAiRifi I do de literatura história teoria e crítica implicamse 11111 tuamente do mesmo modo que o estudode uma literatura l1a cional não pode ser separado do estudo da totalidade da litera tura pelo menos em tese A literatura comparada pode flores cer e o fará somente ao se desvencilhar de lirnitaçõésartificiais e se transformar simplesmente em estudo de literatura O significado e a origem destas distinções e controvérsias se tornarão mais claros se olharmos para a história dos estudos comparados sem dar importância ao nome ou a definições H H H Remak numa palestra no Congresso de Friburgo Suíça em 1964 corretamente afirmou que não há tarefa mais urgente do que escrever e publicar uma história minuciosa de nossa dis ciplina55É óbvio que não posso pretender dar conta dessa exi gência num espaço tão curto mas como escrevivinte e cinco anos atrás56a primeira e única história da historiografia literária in glesa e venhome dedicando constantemente a escritos sobre his tória literária nos quatro volumes de meu History of Modern Cri ticism posso esboçar com alguma segurança os principais está gios do desenvolvimento da literatura comparada e da literatura geral Se lançarmos o olhar para a Antigüidade ficará evidente que os gregos não poderiam ter sido estudiosos comparatistas no pe ríodo primitivo pois viviam num mundo fechado para o qual todos os outros povos eram bárbaros Mas os romanos eram pro fundamente conscientes de sua dependência em relação aos gre gos No Diálogo sobre oradores de Tácito por exemplo há um sofisticado paralelo entre oradores gregos e romanos no qual cada escritor é equiparado ou contrastado com certo cuidado Na Ins titutio de Quintiliano se oferece um completo desenho da histó ria das literaturas grega e romana que consistentemente dá aten ção aos modelos gregos seguidos pelos romanos Longino ou quem quer que tenha escrito o tratado habitualmente chamado Sobre o sublime compara brevemente o estilo de Cícero ao de Demóstenes e dá como exemplo do Grande Estilo o trecho do Gênese Façase a luz e a luz se fez57Macrobius nos bem posteriores Saturnalia discute longamente a imitação feita por Virgílio de poetas gregos Embora a experiência da variedade da literatura na Antigüidade seja limitada e embora muito de SlJa erudição se tenha perdido durante a Idade Média ela dew ICI sido considerada efêmera ou local e por isso não diglla de Sl1 J J LITERATURA COMPARADA I í I Finalmente prdpôsle a idéia de que a literatura compara da pode ser mais bem gefendida e definida por sua perspectiva e espírito ao invés desêIo por qualquer setorização circunscris ta no interior da literatura Ela estudará qualquer literatura de uma perspectiva internacionafcofifuIlla consciência da unida de de toda criação e experiência literárias Nesta concepção que também é a minha literatura comparada é idêntica ao estudo de literaturaindepcndente de fronteiras lingüísticas étnicas e po líticas Não pode limitarse a um único métocloem seu discur so descrição caracterização interpretação narração explanação avaliação usamse tanto quanto comparação Nem tampouco pode a comparação confinarse a contatos históricos reais Pode ha ver como a experiência da lingüística recente deveria ensinar a estudiosos de literatura tanto valor em comparar fenômenos como línguas ou gêneros historicamente não relacionados quanto em estudar influências que se podem descobrir a partir da evidência da leitura ou de paralelos Um estudo de métodos narrativos ou formas líricas chineses coreanos birmaneses e persas é certamente tão justificável quanto o estudo de contatos fortuitos com o Orien te exemplificados em Orphelin de IaChine de VoltaireNem pode a literatura comparada ficar confinada à história literária excluin do a crítica e a literatura contemporânea A crítica como argu mentei muitas vezes não se pode divorciar da história uma vez que não existem fatos neutros em literatura O simples atode fa zer uma escolha entre milhões de livros impressos é um ato críti co e a escolha dos traços ou aspectos sob os quais um livro pode ser tratado é igualmente um ato de crítica e de julgamento A lcntativa de traçar linhas divisórias precisas entre o estudo de his Iória literária e literatura contemporânea está fadada ao fracas so Por que deveria uma data determinada ou até mesmo a mor ll de um autor decretar repentinamente que um tabu deixou de cxislir É possível impor tais limites no sistema centralizado da edlJcaüo francesa mas em outros lugares eles são irreais Nem pode a abordagem histórica ser considerada o único método pos sível IlllSlllOpara o estudo do passado nebuloso As obras lite rárias SIO1I1011llmentosnão documentos São imediatamente acessíveis hoje em dia desafiamnos a buscar uma compreensão em que pode figllrlr o conhecimento do cenário histórico ou do lugar que ocupam I1l1ll1atradição literária mas não de maneira excludente ou exausliVLAs três principais ramificações do estu 1 1 LITERATURA COMPARADA NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA I 1 copiada não se deve subestimar o espectro e a intensidade da sabedoria literária da Antigüidade Clássica especialmente em Ale xandria e em Roma Havia muita crítica textual observação es tilística e até mesmo algo que poderia agradar um comparatista moderno preservouse uma elaborada comparação do tema de Filoctetes em Ésquilo Sófocles e Eurípides58 O Renascimento fez reviver em grande escala a erudição li terária Há uma nítida consciência histórica na própria idéia de fazer reviver o saber e da ruptura com as tradições intelectuais da Idade Média apesar de tal ruptura não ter sido tão radical nem tão repentina como se pretendeu no século XIX Mesmo as sim procurar precursores de métódos ou perspectivas compara tivas nessa época é pouco profícuo ºgllªªlltoricladedaAnti güiddefez llluüas yzsf9iªJªfarªyariçgvlçQIlçretacllStra ãições literárias medievais e imporpIQ lllIlQsemteoria uma certa uniformidade Em sua Poética Genebra 1561 Scaliger de dica todo um livro V Criticus um termo novo àquela altu ra a uma série de comparações de Homero com Virgílio de Vir gílio com outros gregos de Horácio e Ovídio com os gregos em geral sempre afirmando a superioridade dos romanos em rela ção aos gregos usando trechos de vários poetas sobre os mes mos assuntos A principal preocupação de Scaliger é com o jogo de hierarquização e é motivado por uma estranha espécie de na cionalismo latino interessado em denegrir tudo que fosse grego Etienne Pasquier 15291615 usa o mesmo método ao comparar um trecho de Virgílio com um de Ronsard59Para dar um exem plo inglês do método amplamente difundido de comparações re tóricas Francis Meres em A Comparative Discourse of Our En glish Poets with the Greek Latin and Italian Poets aqui já men cionado equiparava bem superficialmente Shakespeare a Oví dio Plauto e Sêneca6oA motivação da maioria dos eruditos do Rcnascimento era patriótica ingleses compilavam listas de escri t orcs com a finalidade de provar suas gloriosas conquistas em lodos os campos do saber franceses italianos e alemães faziam cxalalllcnlc a mesma coisa lavia lambém uma consciência muito eventual da existên cia de lileralllra fora da tradição ocidental A notável Defence of Rime de Sanlllcl Daniel 1607 demonstra que ele sabia que os turcos e árabes eslavos e húngaros usam a rima Para ele os gregos e os romanos no são uma autoridade absoluta já que mesmo os bárbaros são filhos da natureza tanto quanto eles Só há um saber que omnes gentes habent in cordibus suis um único espírito que trabalha em todos 61Mas esta tolerância e universalidade de Daniel os homens são os mesmos em todos os lugares e em qualquer tempo ainda é completamente nãohistórica Mais ou menos na mesma época uma nova concepção de história literária foi proposta por Francis Bacon em seu Advan cement of Learning 1603 A história literária deveria ser uma história dos florescimentos deteriorações crises extinções de escolas seitas e tradições Sem isto a história do mundo se me afigura como a statua de Polifemo que não tem um olho faltandolhe aquela parte que melhor mostra o espírito e a vida da pessoa62Na versão latina posterior 1623 Bacon acrescen ta a sugestão de que a partir do gosto e observação do argu mento estilo e método dos melhores livros o sábio espírito de uma era como por uma espécie de encanto deveria ser des pertado e levantado dos mortos 63É claro que Bacon não con cebia a história literária primordialmente como uma história da literatura imaginativa era antes uma história do saber que in cluía a poesia64 De qualquer modo a proposta de Bacon ia muito além das enfadonhas listas de autores compilações de vi das de autores e repertórios bibliográficos que estavam sendo organizados naquela época na maioria dos países ocidentais Demorou muito para que o programa de Bacon fosse posto em prática Na Alemanha por exemploPeter Lambeck 16281680 compilou um Prodromus historiae literariae 1659 que reproduz o trecho de Bacon como uma espécie de epígrafe mas cujo con teúdo demonstra que Lambeck não entendeu de modo algum a idéia de Bacon em relação à história intelectual universal Ele co meça com a criação do mundo história bíblica descreve os ensi namentos de Zoroastro compila dados sobre filósofos gregos etc Tudo permanece como uma massa de saber acrítico inerte e não digerido65Se quisermos nos orgulhar do progresso em nossos es tudos recomendo examinarse VersucheinerEinleitung in die his toriam literariam antediluvianam dh in die Geschichte der Ge lehrsamkeit und derer Gelehrten vor der Sündflut de Jakob Fried rich Reimann HalIe 1727 uma exibição de pedantismo infan lil que não demonstra nenhum senso de evidência ou cronologia além daquele que sepode extrair dos relatos do Antigo Testamento IllI LITERATURA COMPARADA NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA IT o acúmulo de depósitos de informação biobibliográfica atin giu proporções enormes no século XVIII Na França os benedi tinos começaram uma Histoire littéraire de Ia France 12 volu mes 173362a qual no século XVIII mal atingia o século XII A Storia della letteratura italiana de Girolamo Tiraboschi 14vo lumes 177281ainda é admirada por sua acuidade e riqueza de informação Um jesuita espanhol Juan Andrés compilou em ita liano um dos mais impressionantes repertórios de todas as lite raturas Dellorigine progresso e stato attuale dogni letteratura 178299 em sete grandes volumes nos quais todo o mundo dos livros é dividido por gêneros disciplinas nações e séculos sem nenhum senso de fluxo narrativo e com pouco senso de conti nuidade A obra inglesa de história literária comparável a essas realizações do Continente é a History of English Poetry de Tho mas Warton 3 volumes 177481Embora na maior parte seja um repertório de excertos um relato de manuscritos e notícias biográficas a obra é permeada por um novo espírito Não pode ria ter sido escrita sem a idéia de progresso sem o novo interesse tolerante pela Idade Média e sem uma idéia ainda que esque mática de desenvolvimento literário 66 A idéia de progresso também em literatura triunfou na Querelle des anciens et des modernes que em inglês é normal mente chamada de A Batalha dos Livros O Parallele des anciens et des modernes de Charles Perrault 168897 argumenta com o contraste e a comparação das orações fúnebres de Péricles Lysias e Isócrates com as de BossuetFléchier e Bourdaloue ou do pa negírico de Plínio ao Imperador Trajano com o elogio de Voitu re a Richelieu ou das cartas de Plínio e CÍCero com as de Guez de Balzac sempre preferindo os franceses aos antigos67 O progresso na literatura como em outras esferas tornouse o te lua obsessivo de todo o século embora nem sempre tenha sido iugclluamente concebido como unilateral e admita a existência de rd rocessos Para dar exemplos ingleses até o conservador Dr JOllllSOIIconcebe a história da poesia inglesa como um avanço regular da rudeza bárbara de Chaucer à perfeita homogeneidade de Popc quc m10 seria passível de aperfeiçoamento nem no fu turo WlIiou quc gostava verdadeiramente de Chaucer e Spen ser semprc prckrc as idéias de sua própria época de discrimi nação propricdadc correção e bom gosto aos encantos irregula res dos elizabelauosHNo entanto Warton demonstra uma no va tolerância em relação à variedade da literatura e uma curiosi dade por suas origens e derivações Ele pertence a todo um gru po de eruditos do século XVIII interessados na instituição da ca valaria e do amor cortês e em seus análogos literários o romance69 e o lirismo cortês Mas o novo interesse pela tradição literária nãolatina era ainda pouco intenso Homens como War ton e os Bispos Percye Hard sustentavam um ponto de vista que exaltavaélépca da RainhaElizabeth como a idade de OllIücra literatura inglesa mas que ao mesmotempolhespetmitia aplau dir o triunfo da razão em sua própria literatura bemeducada Acreditavam no progresso da civilização e até no bom gosto mo derno porém lamentavam a decadência de um mundo de bela fabulação que estudavam como arqueólogos exercitando um hobby fascinante Animavaos um genuíno espírito histórico de tolerância mas permaneceram distanciados e indiferentes e as sim estranhamente estéreis em seu ecletismo70 Em Warton e seus contemporâneos aflorou uma nova ten dência que se vinha preparando há muito tempo A literatura era compreendida principalmente como belles lettres como li teratura imaginativa e não meramente como um ramo do saber no mesmo nível da astronomia ou da jurisprudência Este pro cesso de especialização é ligado a toda a ascensão do sistema mo derno de artes e sua clara distinção em relação às ciências e aos ofícios e à formulação do empreendimento da estética71 Es tética como termo vem da Alemanha inventado por Baum garten em 1735 embora o destaque da poesia e da prosa imagi nativa já houvesse sido conquistado anteriormente em conexão com o problema de gosto bom gosto ou de belles lettres artes elegantes bem educadas ou de qualquer outro nome por que as chamassem naquela época72 Com a ênfase naquilo que denominaríamos arte da literatura veio também a ênfase na na cionalidade pois a poesia era profundamente embebida numa lin guagem nacional e a resistência crescente ao nivelamento cultu ral conquistado pelo Iluminismo acarretou uma nova volta ao pas sado que inevitavelmente era medieval ou no máximo muito in cipientemente moderno Os críticos ingleses e escoceses do sécu lo XVIII prepararam o caminho mas foi na Alemanha que o ideal de história literária nesses novos termos foi proposto e levado a efeito mais consistentemente A figura decisiva foi Johann Gotl fried Herder 17441803que imaginou a história literária como 11 X LITERATURA COMPARADA NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA lI uma totalidade na qual a origem o crescimento as mudanças e a decadência da literatura com os diferentes estilos de regiões períodos e poetas73 seriam evidenciados e na qual cada litera tura nacional se constituiria como a entidade básica que ele de sejava defender em sua pureza e originalidade Q2rimeiro livro importante de Henier Über die neuere deutsche LiteroturFrag mente 1767 condena ill1itaço speciall1leIlttºªsliterªtllras francesa e latina e salitmtãos póderes rêgeneiª4ores4aposia pop1JlarHerder recomenda coletáIa não somente entre os ale mães mas entre os citas e eslavos vênetos e boêmios russos suecos e poloneses 74Desse modo o fervoroso nacionalismo alemão levou paradoxalmente a uma ampla expansãgdo hori zonte literário toda nação toma parte ou deveriátomar com sua voz peculiar no grande concerto da poesia Ao mesmo tem po que Herder delineou um novo ideal que apenas os românti cos realizaram estava ainda muito impregnado dos conceitos de sua época O processo literário é encarado por ele muitas vezes em termos de um determinismo bastante ingênuo de clima pai sagem raça e condições sociais O livro de Madame de Stael De Ia littérature 1800 com sua confiança simplória na perfectibili dade e no contraste do sul alegre e ensolarado com o norte escu ro e melancólico até na literatura pertence ainda à história es quemática do Iluminismo Somente os irmãos Schlegeldesenvolveram as sugestões avan çadas das propostas de Herder e se tornaram os primeiros histo riadores literários que em larga escala e com sólido conhecimento levaram avante a idéia de uma história literária narrativa univer sal num contexto histórico Embora seja compreensível que esti vessem interessados na Europa ocidental expandiram pelo me nos de quando em vez o seu interesse à Europa oriental e foram pioneiros no estudo da literatura sânscrita O Über Sprache und JVeisheitder Inder de Friedrich Schlegel 1808 foi um progra ma ousado a que mais tarde deu parcial continuidade AWSchle gd COIIlsuas edições das epopéias indianas Para Friedrich Schle gd a IiIerallira forma um grand todo completamente coeren te e regularlllente organizado abrangendo em sua unidade mui tos lllUllIoSarl íslieos e constituindose ele próprio em uma óbra de arte específica mas esta poesia universal progressiva é entendida com base na literatura nacional como um organismo como a síntese da lJislória de uma nação a essência de todas as faculdades e produções intelectuais de uma naçãoI Infclil mente a Geschichte der alten und neuen Literatur de Friedrich Schlegel 1815foi escrita depois de sua conversão ao catolicis mo na atmosfera da Viena de 1812e é assim tingida fortemente pelo espírito da restauração antinapoleônica As primeiras pa lestras de AW Schlegel em Berlim 180304 que traçam toda a história da literatura ocidental tendo como princípio organiza dor a dicotomia clássico vs romântico só foram publicadas em 188477e as suas Palestras sobre arte dramática e literatura 180911limitamse a um só gênero e são intensamente polêmi cas Ainda assim em traduções francesa inglesa e italiana elas levaram a mensagem do Romantismo alemão para o resto da Eu ropa78O conceito dos irmãos Schlegel de literatura que é defi nitivamente comparativo tanto no sentido estrito quanto no la to ainda me parece verdadeiro e significativo apesar das defi ciências de suas informações das limitações de seu gosto e da parcialidade de seu nacionalismo Escreveuse em muitos países por todo o século XIX his tória literária schlegeliana Com Sismondi ela penetrou na Fran ça onde Villemain Ampere e Chasles a experimentam Na Itá lia Emiliani Giudici na Dinamarca Brandes com sua política bastante diferente e na Inglaterra Carlylecompartilham de suas idéias Quando Carlyle diz que a história da poesia de uma na ção é a essência de sua história política econômica científica religiosa e quando chama a literatura de o mais verdadeiro emblema do espírito e da maneira de ser de uma nação 79faz eeo aos Schlegel e a Herder Por mais surpreendente que possa parecer até mesmo Taine compartilha de sua percepção básica Obras de arte fornecem documentos porque são monumen toS80 O conceito schlegeliano de história literária precisa ser dis tinguido do conceito a que eu chamaria especificamente român tico a visão baseada na idéia de préhistória uma espécie de reservatório de temas do qual deriva toda a literatura moderna e a cujas glórias ela só se compara como uma fraca luz artificial se compara ao sol Tal visão foi estimulada pelo novo estudo de mitologia religião comparada e filologia Os irmãos GrimJll são os expoentes máximos os primeiros a pôr em prática uma pes quisa comparada da migração de contos de fada lendas e sagas Jakob Grimm acreditava que a poesia natural se compusera no 140 LITERATURA COMPARADA O NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 141 passado remoto e enevoado e vierase deteriorando à medida que se distanciava da fonte divina da revelação Seu patriotismo é pan teutônico mas seu gosto abarca qualquer poesia popular onde quer que se encontrasse velhos romances espanhóis chansons de geste francesas epopéias heróicas sérvias contos folclóricos árabes e indianos81 Os Grimm estimularam por toda parte o estudo do que mais tarde se chamou Stoffgeschichte Vale a pe na ler o prefácio escrito por Richard Price para a nova edição da History of English Poetry de Warton 1824 para se ver co mo a concepção mudou Price defende a idéia de literatura ge ral como um imenso tesouro de temas que se espalham se mul tiplicam e migram de acordo com leis semelhantes às que se es tabeleceram para a língua pela nova filologia comparada Acre dita que a ficção popular é em sua natureza tradicional e re presenta uma sabedoria simbólica milenar82 Na Inglaterra es tudiosos como Sir Francis Palgravee Thómas Wright dedicaramse sistematicamente a esses estudos com grande erudição Na Fran ça Claude Fauriel que traduzira canções populares gregas é uma figura semelhante com a diferença de que aquilo que nos irmãos Grimm era um enevoado passado teutônico é rastreado por Fau riel em sua própria terra natal o sul da França a Provença Por volta de 1850 a atmosfera mudou completamente As concepções românticas caíram em descrédito e ideais importa dos das ciências naturais se tornaram vitoriosos até na maneira de escrever história literária Devese no entanto distinguir en tre o que se poderia chamar fatualismo a enorme prolifera ção da pesquisa de fatos ou de supostos fatos e o cientificis mo que apelava principalmente para o conceito de evolução bio lógica e antevia um ideal de história literária em que se descobri riam as leis da produção e da mudança literárias A transição pode ser ilustrada de modo impressionante por LAvenir de Ia science de Renan que volta os olhos para Herder para a nova mitologia e para o estudo da poesia primitiva O estudo com parativo de literatura afirma ele demonstrou que Homero é um poeta coletivo pôs em relevo o seu mitismo a lenda primitiva que está por trás dele O progresso da história literária se deve inteiramente à sua busca das origens e daí deriva sua atenção a literaturas exóticas O uso do método comparativo esse grande instrumento da crítica é o momento decisivo83 Ao mesmo tem po Renan está como que intoxicado de esperança no futuro da ciência da filologia que fixará a história da mente humana Mas ele ainda é cauteloso e mais cauteloso ficou quando mais velho com respeito a quaisquer tentativas de estabelecer leis em litera tura e em história tais como buscaram Comte Mill Buckle e muitos outros antes de Darwin ou Spencer A idéia de leis de simetrias em literatura retrocede à Anti güidade e foi expressa sob outra forma em esquemas especulati vos do século XVIII porém se torna uma preocupação domi nante com a vitória da filologia comparada com sua idéia de desepvolvimento continuidade e derivação O darwinismo e es quemas filosóficos semelhantes particularmente o de Spencer deram novo ímpeto à idéia de evolução e gênero concebidos com base na analogia a uma espécie biológica em história literária84 Na Alemanha Moriz Haupt defendeu uma poética compara da particularmente uma história natural da épica Estudou o desenvolvimento analógico da épica na Grécia na França na Es candinávia na Alemanha na Sérvia e na Finlândia85 Haupt inspirou Wilhelm Scherer que imaginou a história literária co mo uma morfologia de formas poéticas86Muitas dessas idéias surgiram de um círculo de Berlim em torno deSteinthal que fun dou o Zeitschriftfür Volkerpsychologie em 1864 Tal círculo ser viu de inspiração a Alexander Veselovskyque ao retomar à Rússia em 1870 produziu um fluxo regular de estudos sobre a migração de temas e enredos abrangendo todo o mundo ocidental e oriental desde a mais remota Antigüidade até a literatura romântica Ele visava a uma poética histórica uma história evolutiva univer sal da poesia uma abordagem coletiva que se aproximaria do ideal de uma história sem nomes87 Na Inglaterra a influência de Spencer se fez sentir de maneira um tanto diferente John Ad dington Symonds aplicou uma analogia estritamente biológica ao drama elizabetano e à pintura italiana e defendeu a aplica ção de princípios evolutivos à arte e à literatura também teori camente cada gênero segue um curso predestinado de germina ção expansão florescimento e apodrecimento Deveríamos ser capazes de predizer o futuro da literatura88 O livro de Posnett que foi crucial para o estabelecimento da expressão literatura comparada é outra aplicação do esquema spenceriano de um desenvolvimento social da vida comunitária para a individual Existem muitos livros hoje esquecidos alguns escritos por 111 tores americanos que seguem a mesma tendência Beinnings lI 142 LITERATURA COMPARADA o NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 111 Poetry de Francis Gummere 1901e The Evolution of Literatu re de AS Mackenzie 1911podem servir como exemplos Na França Ferdinand Brunetiere foi o teórico e praticante da evolução Tratava os gêneros como espécies biológicas e es creveu histórias da crítica do drama e da poesia lírica franceses de acordo com este esquema Embora se limitasse a temas fran ceses sua teoria logicamente o levou a um conceito de literatu ra universal e a uma defesa da literatura comparada Quando da Exposição Mundial de Paris em 1900organizouse um Congresso de Estudos Históricos no qual se destinou toda uma seção muito pouco concorrida à Histoire comparée des littératures Bru netiere a inaugurou com um discurso sobre literatura européia que invocava não somente o modelo dos irmãos Schlegele de Am pere mas também o de JA Symonds Ao discurso de Brunetie re seguiuse o de Gaston Paris o grande medievalista francês 89 Ele expôs num dramático choque de pontos de vista a concep ção mais antiga de literatura comparada isto é o conceito fol clórico a idéia da migração de temas e motivos pelo mundo to do Algum tempo mais tarde este estudo ganhou novo impulso a partir da pesquisa do folclore finlandês e se ampliou de modo a constituir um ramo do saber quase independente relacionado à etnologia e à antropologia Em nosso país é hoje raramente confundido com literatura comparada Mas jornais literários mais antigos do século XIX são cheios desses tópicos e nos países es lavos literatura comparada freqüentemente significa simples mente um tal estudo de temas e motivos internacionais Com o declínio do evolucionismo e com a crítica à sua apli cação mecanicista lançada por Bergson Croce e outros e com o predomínio do esteticismo e do impressionismo do fim do sé culo XIX que enfatizavam de novo o criador individual a obra de arte em sua unicidade e a literatura altamente sofisticada es ses conceitos de literatura comparada foram ou abandonados ou empurrados para a margem dos estudos literários que voltou à tona foi de modo amplo o fatualismo her dado da tradição geral do empirismo e do positivismo sustenta do pelo ideal de objetividade científica e explicação causal O em preendimeIlto organizado de literatura comparada na França con seguiu principalmente um enorme acúmulo de provas de rela ções literárias especialmente da história de reputações os inter mediários entre nações viajantes tradutores e propagandis tas O que se presume sem exame crítico em tal pesquisa 6 a existência de um fato neutro que supostamente deve ser ligado como por um fio a outros fatos precedentes Mas toda a COIl cepção de uma causa em estudo literário é singularmente acrí tica ninguém jamais pôde demonstrar que uma obra de arte foi causada por outra mesmo que seja possível acumular parale los e semelhanças Uma obra de arte posterior pode não ter sido possível sem uma que a preceda mas não se pode demonstrar que foi causada por ela Todo o conceito de literatura nessas pes quisas é externo e muitas vezes viciado por um nacionalismo es treito por um cômputo de riquezas culturais um cálculo de cré dito e débito em assuntos da mente Não sou o único a criticar a esterilidade desta concepção Ainda assim minha comunicação sobre A Crise da Literatura Comparada proferida no segundo Congresso da Associação In ternacional de Literatura Comparada em Chapel Hill em 1958 parece ter cristalizado essa oposição90 Tal comunicação formu lava as objeções ao fatualismo das teorias e das práticas seu fra casso em delinear um assunto e uma metodologia específica A comunicação suscitou infindáveis polêmicas e temo eu infindá veis malentendidos91 É especialmente lamentável a tentativa de criar um litígio entre uma concepção francesa de literatura com parada e uma suposta concepção americana É claro que eu não estava argumentando contra um país ou sequer contra uma es cola local de estudiosos Estava argumentando contra um méto do não por mim mesmo ou pelos Estados Unidos nem tampouco com argumentos novos e pessoais simplesmente declarei o que se segue a partir de uma percepção da totalidade da literatura que a distinção entre literatura comparada e literatura geral é ar tificial e que pouco se pode realizar pelo método da explicação causal a não ser um retrocesso infinito O que advogo assim como muitos outros é um distanciamento dos conceitos mecanicistas fatualistas herdados do século XIX em benefício da verdadeira crítica Crítica significa uma preocupação com valores e quali dades com uma compreensão de textos que incorpora sua histo ricidade e assim necessita da história da crítica para tal compreen são e finalmente significa uma perspectiva internacional que contemple um ideal distante de história e erudição literária uni versal A literatura comparada por certo deseja superar precon citos e provincianismos nacionais mas disso não resulta ignorar 144 LITERATURA COMPARADA o NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 145 OU minimizar a existência e a vitalidade das diferentes tradições nacionais Precisamos nos acautelar contra escolhas falsas e des necessárias precisamos tanto da literatura nacional quanto da geral precisamos tanto da história quanto da crítica literárias e ifecisamos da perspectiva ampla que somente a literatura com parada pode oferecer NOTAS 1 Henry IV I 290 2 SMITH Gregory ed Elizabethan Critical Essays Oxford 1904 v 2 p 314 3 Tradução de G Gregory 2 vols Londres 1787 v 1 p 113114 4 Londres 1774 voI 1 p iv 5 2 ed 2 vols Londres 1801 v 1 p 58 6 RUSSEL GWE ed Letters 2 vols Londres 1895 v 1 p 8 7 Harpers Magazine 73 1886 p 318 8 The Contemporary Review 79 1901 p 870 9 Experiments in Education Ithaca NY 1942 p 75 10 The Tatler n 197 13 juI 1710 11 HILL GE ed e POWELL L F rev Life of Samuel Johnson Oxford 1934 v 1 p302 12 WÓLFFLIN Eduard Zeitschrift für lateinische Lexikographie 5 1888 p 49 13 GROOS René ed Paris 1947 v 2 p 113Mais dans léloquence dans Ia poésie dans Ia littérature dans les livres de morale et dagrément Cf v 2 p 132 e 145 14 Comentado por Herder em suas Samtliche Werke Berlim Suphan 1877v 1 p 123 15 Turim 1760 Paris 1776Glasgow 1771 1784A ligação com Glasgow se deve ao fa to de que Denina conheceu Lady Elizabeth Mackenzie filha do Duque de Argyle quan do seu marido exerceu funções diplomáticas em Turim 16 Na página 6 do livro de Denina Non parleremo 00 dei progressi delle scienze e delle arti che propriamente non sono parte di letteratura 00 aI buon gusto ed alla elo qucnza vale a dire alla letteratura 17 Núpoles 1779 Lucca 1784 IS WACHLER Ludwig Vorlesungen über die Geschichte der teutschen Nationallittera lur 1 ed 18182 ed 1834 KOBERSTEIN A Grundriss der Geschichte der deutschen NalionallittemlUl 1827 GERVINUS Georg Gottfried Geschichle der poetischen Na tionallileralllr tier Deutschen 18351842 5 v VILMAR A Vorlesungen über die Ges chichte der delllschen Nationalliteratur 1845GOTSCHALL R Die deutsche National literatur des 9 Jahrhuntierts 1881Este termo parece ter desaparecido depois embora se deva atentar para KÜNNECKE G Bilderatlas zur Geschichte der deutschen Natio nalliteratur 1886 19 Études sur lanliquilé Paris 1846 p 28 Jai peu destime pour le mot littérature Ce mot me parait dénué de sens il est éelos dune dépravation intellectuelle p 30 quel que chose qui nest ni Ia Philosophie ni IHistoire ni lErudition ni Ia Cdliqllc jc ne sais quoi de vague dinsaisissable et délastique 20 Critical Reflections on the Old English Dramatick Writers Extracted from a PrciJ tory Discourse to the New Edition of Massingers Works Londres 1761 21 Carta do Dr lohnson ao Rev Dr Horne datada de 30 de abril de 1774 Catalogue of the Johnsonian Collection of RB Adams Buffalo 1921 22 Romance no original referindose às narrativas medievais sobretudo aos chama dos romances de cavalaria NT 23 BEATTIE lames Dissertations Moral and Critical Londres 1783 p 518 24 Sobre Dale ver PALMER Dl The Rise of English Studies Londres 1965 p 18 e seguintes 25 Londres 1873 Ver The Unity of History Cambridge 1872louvando o método com parativo como um estágio pelo menos tão grande e memorável como o renascimento da sabedoria grega e latina 26 O trabalho só foi publicado em 1819nas Oeuvres Paris Moland 187785 v 19 p 590592Une connaissance des ouvrages de goílt une teinture dhistoire de poésie délo quence de critique aux objets qui ont de Ia beauté à Ia poésie à lhistoire bien écrite 27 Eléments Paris reimpressão de 1856 v 2 p 335 La littérature est Ia connaissance des belles lettres avec de lesprit du talent et du goílt il peut produire des ouvrages ingénieux sans aucune érudition et avec peu de littérature 28 A Bibliotheque Nationale relaciona Leçons françaises de littérature et de morale em 2 volumes de 1816e Leçons latines de littérature et de morale em 2 volumes 1816Le çons anglaises de littérature et de morale em 2 volumes de 18171819tem um outro co autor ChapsaI 29 Nova edição em 4 volumes Paris 1873 v 1 p 2 24 v 2 p 45 v 1 p 225 30 Nova edição em 2 volumes Paris 1875 v 1 p 187 v 1 p 1 31 Segunda série 1835 v 13 ii p 238262 Em versão revista introduzindo Études sur lantiquité 1840Chasles não utiliza a expressão VerPICHOIS Claude Philarete Chasles et Ia vie littéraire au temps du romantisme Paris 1965 v 1 p 483 32 Edição original de Marselha 1830 reimpresso em Mélanges dhistoire littéraire Pa ris 1867 v 1 p 3 33 Reimpresso em Nouveaux Lundis 13 vols Paris 1870 v 13 p 183 e seguintes 34 Samtliche Werke Jubilaumsausgabe 40 vols Stuttgart 19021907v 39 p 137e se guintes vergleichend forma de particípio presente poderia ser traduzido aproximada mente por comparante ou que pode ser comparado N T 35 Resenha crítica de Sprachlehre de Bernhardi in Samtliche Werke editadas por Boc king v 12 p 152 36 Samtliche Ufrke 2 ed 15 vols Viena 1846 v 8 p 291 318 37 Em uma seção intitulada Grundzüge und Winke zur vergleichenden Literaturges chichte des Dramas Uma nova edição de Leipzig em 1884recebeu o nome de Die Poe sie Ihr Ufsenund ihre Formen mit Grundzügen der vergleichenden Literaturgeschichte 38 Ver Á Berczik Eine ungarische Konzeption der Weltliteratur Hugo von Meltzls ver gleichende Literaturtheorie Acta Literaria Academiae Scientiarum Hungaricae 1962 v 5 p 287293 39 A cátedra foi criada em 1861e reservada ao poeta alemão Georg Herwegh que ja mais a ocupou 40 Sobranie sochinenii 8 vols São Petersburgo 1913v 1 p 1829 Veselovskyjá utili za a expressão sravnitelnoe izuchenie estudo comparativo em 1868 Ver ibid v 16 p I 14h LITERATURA COMPARADA NOME E A NATUREZA DA LITERATURA COMPARADA 117 Isravnietelnoe literaturovedenie significa aproximadamente teoria literária compa rada srovnávací literatura quer dizer literatura comparada N T 41 Über die Hauptperioden in der Geschichte der Dichtkunst Gothaisches Magazin der Künste und Wissenschaften 1776v 1p 21 e seguintes p 199e seguintes uma rese nha de Albert Lacroix Histoire de Iinfluence de Shakespeare sur le théâtre français in Jahrbuch für romanische und englische Literatur 1859 v 1 p 3 42 Ver nota 23 acima 43 GOETHE Werke Jubilãumsausgabe v 38 p 97 137 170 278 Cf a discussão e coletânea de trechos STRICH Fritz Goethe und die weltliteraturBerna 1946p 393400 44 Werke Jubilãumsausgabe v 3 p 243 Cf para o título p 373 45 Cf BEIL EIse Zur Entwicklung des Begriffs der weltliteratur Leipzig 1915 BRANDT CORSTIUS J C De Ontwikkeling van het wereldliteratuur De Vlaamse Gids41 1957 p 582600 BENDER Helmut e MELZER Ulrich Zur Geschichte des Begriiffes Weltliteratur Saeculum 9 1958 p 113122 46 La Littérature eomparée Paris Colin 1931p 57 Tobject de Ia littérature compa rée est essentieIlement d étudier les oeuvres des diverses littératures dans leurs rapports les unes avec les autres 47 La Littérature eomparée Paris PUE 1951p 7 Lhistoire des relations littéraires internationales 48 Ibid p 5 Une branche de Ihistorie littéraire eIle est Iétude des relations spirituel les internationales des rapports de fait qui ont existé entre Byron et Pouchkine Goethe et Carlyle Walter Scott et Vigny entre les ouvres les inspirations voire les vies décri vains appartenant à plusieurs littératures 49 Problemi ed orientamenti Notizie introduttive Milão Momigliano 1948p 430 Una scienza moderna rivolta appunto ad indagare i problemi connessi cogli influssi esercitati reciprocamente daIle varie letterature 50 Literature comparée Le Mot et Ia chose Revue de littérature eomparée 1 1921 p 129 p 7 Une rencontre réeIle crée une dépendance 51 Van Tieghem La littérature comparée p 170 rapports binaires entre deux élé ments seulement p 174 Ies faits communs à plusieurs littératures 52 STALLKNECHT N P e FRENZ H ed Comparative Literature Method and Pers peetive Carbondale Southern Illinois Univ Press 1961 p 3 53 GAYLEY Charles M e SCOTT Fred N An Introduetion to the Methods and Mate riaIs of Literary Critieism Boston 1899 p 248 resumindo Posnett 54 POSNETT HM Comparative Literature Londres 1886 p 86 The Impact of Nationalism and Cosmopolitism on Comparative Literature from the IRROsto the Post World War 11Period In Proeeedings ofthe Fourth Congress of the IIIemlllional Comparative Literature Assoeiation Haia Mouton 1966 p 391 t lIRise rlEnglish Literary History Chapel Hill 1941nova ed Nova York 1966 Sobre Iongino ver GILBERT AIlan H Literary Critieism Plato to Dryden Nova York 140 p 157 162 5H Ik awnlo Ill ATKINS JWH Literary Criticism in Antiquity Londres 1924 v 2 p IR7 111 Iralado sobre Filocteto é atribuído ou a Dio de Prusa 40120 dC ou aDio CrisÓSlonll1 59 Reeherches tlr Ia 11lce7 Paris 1643 p xi 60 Ver nota 2 acinla 61 Elizabethan Criliml hsays v 2 p 359 372 62 SPEDDING Ellis ct alii ed 11iorks14 vols Londres 1857 v 3 p 329 J Ibid v 1 p 50204 64 Cf FLÜGEL Ewald Bacons Historia Literaria In Anglia 21 IR p 2S HR 65 Vi a edição de Leipzig e Frankfurt de 1710 Depois do trecho de Bacon de indni declarações semelhantes de Cristopher Mylius De scribenda universitatis historia e de GJ Vossius De philologia 66 Para comentários sobre Warton ver GETTO Giovanni Storia delle storie letterarie Milão 1942 e o meu Rise of English Literary History 67 JAUSS HR ed Munique 1964 p 256 e seguintes 269 e seguintes 279 6S Cf o meu Rise of English Literary History p 139 e 180 e seguintes 69 Ver nota 22 acima NT 70 Cf o meu History of Modern Criticism 4 vols New Haven Yale Univ Press 1955 v 1 p 131132 71 Ver KRISTELLER Paul Oskar The Modern System of the Arts Renaissance Thought 3 vols Nova York 1965 v 2 p 163227 72 Sobre estética e gosto ver além de histórias gerais de estética BAUMLER Alfred Kants Kritik der Urteilskraft HaIle 1923 v 1 e a introdução de SPINGARN JE a Critical Essays of the Seventeenth Century 3 vols Oxford 1908 V 1 73 Sãmtliche werke v 1 p 294 Den Ursprung das Wachstum die Veranderungen und den FalI derselben nebst dem verschiedenen Stil der Gegenden Zeiten und Dichter lehren 74 Ibid p 266 Scythen und Slaven Wenden und Bõhmen Russen Schweden und Po len 75 Lessings Geist aus seinen Schriften 1804 v I p 13 ein grosses durchaus zusam menhangendes und gleich organisirtes in ihrer Einheit viele Kunstwelten umfassendes Ganzes und einiges Kunstwerk 76 Sãmtliehe Werke v 1 p 11 De Inbegriff aIler inteIlectueIlen Fahigkeiten und Her vorbringungen einer Nation 77 Vorlesungen über schone Literatur und Kunst Stuttgart Jakob Minor 1884 78 KÓRNER Josef Die Botschaft der deutsehen Romantik an Europa Augsburgo 1929 79 Works Edição do centenário Londres 18961899Essays v 2 p 34142 Unfinished History of German Literature Lexington Hill Shine 1951p 6 80 Histoire de Ia littérature anglaise 2 ed 5 vols Paris 1866v 1 p xvii Si eIles four nissent des documents cest queIles sont des monuments 81 Ver o meu History of Modern Criticism V 2 p 283 e seguintes 82 Reimpresso em WARTON History of English Poetry 4 vols Londres Hazlitt 1871 V 1 p 3233 83 Paris 1890p 297 Létude comparée des littératures p 296 Ie grand instrument de Ia critique 84 Cf o meu The Concept of Evolution in Literary History Coneepts of Criticism New Haven Yale Univ Press 1963 p 3753 85 Para a resenha crítica de 1835 ver BEWER Christian Moriz Haupt aIs akademis eher Lehrer Berlim 1879 p 323 ver também SCHERER W Kleine Schriften 2 vols Berlim Burdach Schmidt 1893 V 1 p 120 123 130 86 Sobre Scherer especialmente sobre sua Poetik de 1888 ver o meu History of Mo dern Criticism 1965 V 4 p 297 e seguintes 87 Sobre Veselovskyver ibid p 278280 e ZHIRMUNSKY V Introdução a IstoriIs kaya poetika Leningrado 1940 XH Vero meu History v 4 p 40007 Cf SYMONDS JA On the Applieal ion I Iv 14H LITERATURA COMPARADA lulionary Principies to Art and Literature Essays Speculative and Suggestive 2 vols Londres 1890 v 1 p 5283 H9 La Littérature européenne In Annales internationales dhistoire Congres de Pa ris 1900 Paris 1901 v 6 p 528 Résumé de lallocution de M Gaston Paris Ibid p 3941 90 Reimpresso no meu Concepts o Criticism p 282295 91 Discuto alguns desses malentendidos em Comparative Literature Today In Com parative Literature 17 1965 p 325337 OS MÉTODOS DA SOCIOLOGIA LITERÁRIA Robert Escarpit A literatura comparada é um dos mais eficazes esforços dos his toriadores e críticos literários das duas últimas gerações para se libertarem das esmagadoras determinações doutrinais impostas a suas pesquisas por mestres como Taine ou Lanson na França De Sanctis ou Croce na Itália para se libertarem sobretudo da alternativa em que os encerram os dois postulados do formalis mo e do historicismo No entanto é visível que os próprios comparatistas conti nuam parcialmente prisioneiros da alternativa Minha intenção é propor aqui a sociologia da literatura não como um novo mé todo universal de explicação ou de exposição mas como uma es pécie de ciência auxiliar incumbida de limpar e iluminar uma parte do terreno A antinomia formalismohistoricismo data do momento em que por um lado a literatura se desligou como arte autônoma da quilo que outrora chamávamos de letras e hoje chamamos de cultura para ser percebida como fato estético formal e de outro lado a história deixou de ser descritiva para se tornar explicati va deixou de se ater aos acontecimentos políticos para englobar em tentativas de interpretação geral todos os fatos de civilização inclusive precisamente os fatos literários Este momento pode fixarse nos últimos anos do século XVIII A antinomia já existe implicitamente no espírito dos teóricos do grupo de Coppet tanto entre os Schlegel como em Madame de Stael que foram incon testavelmente os fundadores da história literária moderna ESCARPIT Robert Les méthodes de Ia sociologie littéraire In FRIEDERICH Wcr ncr ed Comparative Literature Proceedings othe Second Congress othe TCLA Cha pel Hill Univ of North Carolina Press 1959 p 14249 i LITERATURA COMPARADA OS MÉTODOS DA SOCIOLOGIA LITERÁRIA Ora desde aquele momento o próprio título da grande obra leórica de Madame de Stael indicava a solução sociológica De Ia littérature considerée dans ses relations avec les institutions so dales É claro na verdade que os traços específicos do fenôme no literário se situam no seu aspecto social É por suas relações com a vida coletiva objeto de estudo da sociologia literária que ele se distingue fundamentalmente dos outros fenômenos estéti cos ou históricos De fato enquanto as outras artes apelam para meios de ex pressão universais por natureza embora sua utilização sua res sonância possam variar consideravelmente de acordo com o con texto social como sons formas cores a literatura supõe de iní cio o emprego de uma linguagem inteligível isto é de um siste ma de signos que são formas e sons mas que para uma coletivi dade bem determinada transcendem este simples valor formal e adquirem um valor representativo inteiramente novo e ligado à própria existência desta coletividade Por outro lado se como todo fato histórico o fato literário é uma criação única e insubstituível determinada pelo encontro de fatos anteriores e de vontades individuais ele possui a parti cularidade de não poder existir como tal sem ser posto livremen te em circulação numa coletividade mais ou menos grande Ou seja sem a publicação que esta se faça por meio de repetição oral cópia impressão ou qualquer outro processo o fato lite rário não existe como tal a obra é apenas um fato histórico en tre outros e não tem acesso à existência literária Devido à escassez de tempo não poderei citar outras provas do caráter especificamente sociológico da literatura mas basta lembrar que este caráter nunca foi de todo ignorado Taine o con siderava em sua tripla determinação do fato literário pela raça o meio c o momento Por outro lado certos formalistas russos COlllOIbmachevski afirmaram com ênfase a necessidade de uma sociologia ela literatura Mas tanto num como noutro caso a preocupação socioló gica aparccia como subordinada sujeita à doutrina fundamen tal quer se Iralasse do determinismo tainiano ou do formalismo estilíslieo NI verdade o papel da sociologia literária deve ser ao mesmo tempo IlIais fccundo e mais modesto Ela deve manterse à distância dos prohklllas fundamentais a respeito da natureza do fato literário portanlo dos postulados e doutrinas destina dos a penetrar no segredo desta natureza Em compcnsaçll pode e deve elucidar as circunstâncias sociais em que se prodll o fato literário aclarandoo assim de seu ponto de vista espccí fico Social o fato literário o é em primeiro lugar e principalmenle em razão de seu ponto de chegada a leitura ou para empregar uma linguagem mais geral o consumo Ele é também social mas num sentido mais estreito e mais técnico ível dll distribuição e dacirculação das obras Enfim é social mas de um modo in finitamente delicado e discreto dível da produção das obras domínio por definição secreto e individual Portanto é preciso considerar primeiro todo um conjunto de métodos para o estudo sobre o consumo literário o que se lê e como se lê Enquanto se tratar do presente podese lançar mão dos métodos objetivos da estatística e dos métodos subjeti vos da investigação Na verdade as bases estatísticas são quase inexistentes salvo no que concerne às leituras de bibliotecas pa ra as quais elas continuam bem insuficientes Uma de minhas alu nas acaba de proceder a uma verificação minuciosa em três das sete bibliotecas públicas de Bordeaux e o resultado mais claro de suas pesquisas foi haver posto em evidência o fato de que ur ge instalarse em toda parte um sistema moderno e universal de inscrição e de marcação permitindo acompanhar de modo satis fatório as variações estatísticas do comportamento dos leitores em função do sexo da faixa etária da profissão da renda etc Atualmente meu colega Gilbert Mury está aperfeiçoando uma técnica ela permitirá procederse a enquêtes estatísticas junto às livrarias logo alcançará não o público que faz empréstimo e sim o que compra o livro Esta técnica tem por modelo a que se empregou nas igrejas da França para estudar a freqüência dos fiéis Mas a estatística só poderá dar resultados brutos e somen te a enquête permitirá interpretáIas Nada é mais árduo que uma investigação sobre as leituras pois os pudores e as ilusões que envolvem o comportamento cultural são barreiras dificilmente pe netráveis o próprio Dr Kinsey acharia mais árduo estudar os reading habits do que os sexual habits Portanto será necessário agircom muita paciência e tentar descobrir métodos de interro gatório que permitam desmascarar as mentiras voluntárias 011 uno que provao a experiência são cada vez mais numerosas ú mcdi 152 LITERATURA COMPARADA OS MÉTODOS DA SOCIOLOGIA LITERÁRIA 1 da que aumenta o nível cultural do interessado O único meio de vencer estas dificuldades serão campanhas de interrogatórios concernindo não só à leitura mas a todas as atividades de lazer num território bem vasto e com critérios bem uniformes a fim de permitirem cotejos indispensáveis Na França a Liga do En sino está procedendo agora a uma enquête deste tipo cuja ex ploração exigirá por certo vários anos A partir do momento em que se trata do passado o proble ma se complica ao extremo pois não possuímos estatísticas e não podemos proceder a investigações retrospectivas A imensa mas sa das leituras populares em especial negligenciada pelos letra dos contemporâneos quase não deixou vestígio Se é relativamente fácil estabelecer a Belesenheit de um indivíduo com o auxílio de testemunhos exteriores ou interiores não se pode fazer o mesmo em se tratando de multidões anônimas cujas palavras ou escritos já foram esquecidos e das quais os próprios livros desprovidos de valor comercial desapareceram há muito tempo O único re curso é reconstituir indiretamente o quadro recorrendo ao esta do da instrução aos jornais aos arquivos dos pequenos tipógra fos e livreiros que alimentavam as prateleiras das pequenas livra rias ou o cesto do vendedor ambulante Às vezes com um pouco de sorte podese até chegar a descobrir uma obra como a de Char les Nisard sobre a Littérature de colportage infelizmente trata se de exceções Assim com infinita paciência chegaremos a restituir a fi sionomia desse leitor anônimo desse common reader Quanto a isto o livro admirável de Richard D Altick The English Com mon Reader A Social History of the Mass Reading Public 800900 publicado em Chicago em 1957 constitui um exem plo c um modelo Sem dúvida se aperfeiçoarão ainda os méto dos cmpregados por Altick mas não se pode negar que tenha abcrto um caminho Urge que outros pesquisadores lhe sigam o cxclllplo Ieixo dc lado os problemas propostos pela sociologia da dis tribuiúoc da drculação do livro Neste domínio poderemos com discernimclllo aplicar à edição à livraria e à biblioteconomia mé todos inspirados nos que servem ao estudo dos mercados Preci samos em espcdal o mais rápido possível de uma classificação dos pontos de vcnda ou de empréstimo do livro de acordo com seu status econômico vizinhança clientela etc Nada disto é im possível se ao menos os industriais comerciantes e rcspollsúveis pelo livro entenderem que lhes interessa conhecer melhor o pas sado histórico e social mais remoto de sua própria prorissÚ O fenômeno do sucesso perderá assim finalmente seu irri tante mistério Embora sua irrupção tenha que permanecer im previsível o mecanismo do bestseller tem leis que é preciso elu cidar Graças à excepcional compreensão de um editor o senhor Hassenforder na França pôde recentemente analisar a progres são cronológica e topográfica das vendas de três livros de tipo diferente This análises têm de multiplicarse antes de se chegar a conclusões Será também de especial importância identificar o que denomino os circuitos de distribuição Atualmente quase nove décimos do que em geral se chama de literatura são distribuí dos nos países ocidentais somente a uma minoria de letrados ou semiIetrados Apenas esta minoria exerce uma ação reflexa sobre os escritores e os editores As massas se sujeitam à litera tura que lhes é concedida por meios de difusão menos nobres que o livro revistas folhetos estórias em quadrinhos cinema rádio televisão É impossível perceber a totalidade do fenôme no literário sem levar em conta este fato É impossível perceber os aspectos sociais da história literária sem estender ao passado o estudo da participação das massas não letradas na distribui ção das leituras Com relação a isto um trabalho de fôlego e que só poderia ser coletivo consistiria em refazer a história da literatura reintegrandonos para cada ano no contexto cronológico exa minando que autores que obras eram realmente lidos por quem lli em que condições Obtémse deste modo um quadro totalmente diverso do que nos oferecea perspectiva histórica E assim chego ao terceiro ponto de minha exposição a aplicação do método sociológico à pro dução literária É este ponto que vem sendo objeto de minhas pesquisas nos últimos cinco anos Encaminheime para ele cons tatando justamente o desacordo existente entre a imagem que um contemporâneo cria para si mesmo da produção literária e a que se fixa quase definitivamente desde que o recuo ultrapassa uns trinta anos após a morte de cada escritor Neste trabalho fui oricn tado pelas interessantíssimas pesquisas do psicólogo americano Harvey C Lehman exatamente como foram publicadas em The Scientifie Monthly pouco antes da Segunda Guerra Mundial Assim consegui chegar à noção de uma população literá ria de escritores definidos historicamente em relação com as so ciedades e instituições que lhes permitiram precisamente ser es critores Esta população literária está sujeita às mesmas leis de mográficas de qualquer população mas possui ainda certo nú mero de caracteres específicos Na comunicação que fiz em 1954 em Oxford por ocasião do VI Congresso da Federação Internacional de Línguas e Lite raturas Modernas eu havia esboçado o método estatístico do qual pretendia servirme para estudar esta população Depois retifi quei certas hipóteses arriscadas e aperfeiçoei meu método recor rendo sobretudo à técnica dos cartões perfurados Até agora só me foi possível estudar a população literária francesa e alguns dos primeiros resultados obtidos foram publicados este ano em meu pequeno compêndio de Sociologie de Ia Littérature Agora está em curso o exame da população literária inglesa Uma das conclusões que desde já se podem tirar de tais pes quisas é que se impõe revisar o conceito metodológico de gera ção literária que foi de modo extremamente sumário assimila do ao de geração biológica Propus substituíIo pelo conceito de equipe A equipe se constitui e se fixa em torno de uma institui ção de que a Academia Francesa é o tipo ideal no século XVII em geral graças a um novo reino a uma revolução a um final de guerra Sendo feita esta constatação é preciso esclarecêIa estudan do de que modo estas grandes desordens institucionais modifi clm a situação do escritor donde a necessidade de fazer a histó ria econômicosocial da produção literária Vale dizer que é pre ciso se dedicar a enquête sobre a origem geográfica o círculo fa milia r a formação cultural os recursos financeiros dos escrito res Iksla maneira será possível mostrar por exemplo como fe IIÔllllII0SIú f ipicamente contemporâneos quanto a aparição na Inglalcrra por volta de 1740 do romance do editor do homem de lei ras lsl lO ligados à profunda revolução da economia e da sociedade iIIglls1 Restarú elllio cxaminar o fenômeno que chamo de traição criadora é a COIIStIIhIO do personagem histórico de um escri tor pelos públicos sllccssivos que lhe utilizam as obras de modo insuspeitado e freqüentem ente insuspeitável pelo próprio 11I tor Com efeito à criação literária original ato criador indivi dual que minha análise sociológica não pretende explicar em ne nhum nível se sobrepõe uma nova criação mais ou menos rica mais ou menos prolongada que é a contribuição dos públicos nos quais a obra tem curso sucessivamente sem que o autor o tenha querido ou previsto É em suma uma nova maneira de considerar o clássico problema comparatista da fortuna de um escritor ou de uma obra numa época ou num país diferentes dos seus de origem Este estudo propõe problemas de psicologia social especial mente no que tange às motivações aos tabus às conveniências Propõe problemas de semântica de pedagogia de moral Por tanto não se deve negar que está crivado de dificuldades Mas o resultado justifica o esforço que se fará Na verdade só assim podese esperar vencer o problema fun damental de toda a literatura comparada o do desacordo entre duas coletividades literárias quer se trate de tradução de in fluência de fortuna ou de miragem Será evitado o erro meto dológico que julgo ser a causa de todas as nossas hesitações de todas as nossas querelas aquele que consiste em partir de uma visão pessoal das obras e dos escritores de uma visão cronológi ca e socialmente determinada Não podemos falar normalmente da influência ou da sorte de Shakespeare pois nosso Shakespea re já é uma reconstrução em que a contribuição de públicos an teriores a nós assim como a daquele ao qual pertencemos é pro vavelmente superior à do Shakespeare original O conjunto de métodos coordenados que proponho com o nome de sociologia d literatura tende a evitar este obstáculo ten tando reconstituir primeiro em seus aspectos estáticos bem co mo em seus aspectos dinâmicos os contextos sociais nos quais nasceram e viveram os fatos literários Há que lembrar sempre de que um fato literário não é simplesmente uma obra e sim um homem que viveu em certas circunstâncias tendo uma obra ser vido como traço de união entre este homem e um certo público por meio de uma técnica e enfim uma série mais ou menos lon ga um conjunto mais ou menos vasto de públicos sobressalentes que deram a esta obra uma verdadeira colaboração seja enrique cendoa seja empobrecendoa seja o que constitui o caso mais freqüente relegandoa ao esquecimento 154 LITERATURA COMPARADA OS MÉTODOS DA SOCIOLOGIA LITERÁRIA I 15 LITERATURA COMPARADA Não se trata aqui repitoo para terminar de propor uma nova Literaturwissenschaft uma nova ciência explicativa da literatu ra e sim no máximo e com toda modéstia uma ciência auxiliar da história literária NOTA 1 São obras populares difundidas por vendedores ambulantes do séc XVI ao séc XIX A ESTÉTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS EM LITERATURA COMPARADA Claudio Guillén Aquilo que Brunetiere chamou de le champs presque infini de Ia littérature comparéel evidentemente lida não com um mas com muitos métodos já que examina uma vasta gama de fenô menos de muitos pontos de vista e não de apenas um O caráter tradicionalmente plural tanto dos assuntos quanto dos objetivos do comparatista torna uma discussão metodológica do tipo que será aqui conduzido tão necessária quanto pouco convidativa Será que esta variedade como já foi sugerido expressa a proxi midade do campo com a complexa tessitura da história literária ou da própria história2 o que é em última análise uma quali dade Este pode muito bem ser o caso Mas antes que a hetero geneidade dos estudos comparativos seja avaliada é indispensá vel que ela seja mais uma vez examinada e compreendida Há algum tempo Hemi Peyre sugeriu a necessidade de rea valiar a noção de influência literária3 e é possível que uma con sideração deste problema nos possa fornecer uma abordagem útil à área dos estudos comparativos ou um método que permita ma pear suas várias províqcias O conteúdo de meu trabalho por ittantoserá dedicado a uma análise preliminar do conceito de in fluência Qualquer teoria sobre este assunto implica uma compreen são consciente ou não da natureza do ato criativo em arte Qual era a teoria estética subjacente ao trabalho dos antigos pratican tes de Literatura Comparada autores como Fernand Baldens perger e seus seguidores a quem devemos tanto e sobre cuja vi GUILLÉN Claudio The Aesthetics of Influence Studies in Comparative Literaturc In FRIEDERICH Werner ed Comparative Literature Proceedings othe Second CIII1 gress o the ICLA Chapel Hill Univ of North Carolina Press 1959 p 17592 I LITERATURA COMPARADA i HSTnTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS I são somos levados naturalmente a refletir Só posso responder a essa questão brevemente e grosso modo4 referindome a cer tas idéias que prevaleceram na França e que foram adotadas em outros lugares durante o último quartel do século XIX O pen samento de Taine continua sendo o exemplo mais representativo desse clima intelectual como já foi sugerido por LF Benedetto em sua concisa definição Letteratura comparata Storia gene rale della letteratura due aspirazioni romantiche rifiorite in un clima tainiano5 A interpretação que Taine deu ao ato criativo não é tão ex plícita quanto sua visão da natureza da arte ou da relação entre um trabalho artístico e as pessoas ou o ambiente que o produzi ram indicar um ponto de partida e um resultado final uma causa e um produto não é o mesmo que mostrar como a distância en tre os dois é eliminada ou seja questionar o próprio processo de criação Sabemos que no sistema de Taine cada obra de arte é determinadaporurnél célllséle lyerexplicada por ela mas repeHmosiiiícafque AêntrolaB Ilão é o mesmo que mostàr como o artista foi de A a B Contudo esta própria falta de ênfa se revela a crença de que a intervenção do artista não é tão radi cal tão absolutamente inventiva quanto o termo criação po de levar a pensar Que um coeficiente de criação seja um co rolário da teoria de Taine se torna claro pelo seu atalho metafísi co favorito o atalho biológico sua crítica artística é ellemême une sorte de botanique appliquée non aux plantes mais aux oeu vres humaines 6 Os evIlt9J2Ittllél crnooseventosfí sicosbaseados noprindpio daIlsrvlçoda matéria da tràris mutação e réatlização lçertoselenientos iniciais em produ fos diferentementeproporciollétdos Asim a criação de um poema ou de uma pintura é rigorosamente paralela ao processo de trans formação química responsável pelo crescimento de uma planta TIlÍneestava tão ocupado corrias causas nãoartísticas da arte que fendia a subestimar a importância das causas artísticas ha bitualmente chamadas de influências A arte imita diretamente a natmea e apenas indiretamente a arte Quando se achava diante de um grupo de pintores tão coerentes quanto os flamengos ele preferia aponfar as formas de existência nacionais ou as condi ções históricas por eles compartilhadas do que observar a traje tória de influências esfritamente pictóricas Restou contudo aos comparatistas tentar nll1areconciliação entre de um lado a abor dagem de Taine da obra de arte como documento e um enfoque mais substancial da literatura pela literatura e por outro lado entre a forte ênfase dada por ele à psicologia nacional e às aspi rações cosmopolitas e sintéticas da idade romântica anterior duas aspirações que para parafrasear Benedetto compõem a principal motivação da Literatura Comparada A contribuição de Joseph Texte o fundador da Escola Francesa de Literatura Comparada e uma mente superior é claramente representati va dessa fase de transição A confiança de Joseph Texte na idéia de génie des peuples e na analogia biológica dominava seu pensamento sobre influên cias internacionais quando da publicação de seu JeanJacques Rousseau et les origines du cosmopolitisme littéraire em 1895 e dos Études de littérature européenne em 1898 A posterior con centração da literatura comparada nas influências de uma nação sobre outra enquanto negligenciava fenômenos similares dentro de um mesmo país deveuse principalmente à fusão anterior de dois conceitos o da crença romântica nas originalidades na cionais e o da biologiaevolutiva do tempo de Taine e Brunetiere Pour quil y ait lieu à des études du geme de celles dont nous parIons explicou Taine il faut en effet quune littérature soit conçue comme lexpression dun état social déterminé tri bu clan ou nation dont elle représente lesotraditions le génie et les espérances II faut en un mot quelle constitue un genre bien determiné dans Ia grande espece de Ia littérature de lhuma nité8 Assim cada literatura individual era vista como um ti po de subespécie e a Literatura Companlda cOillestudo de influências recíprocas e contatos entre essas subespécies ou de sua evolução e mutações Cest quen effet pas pltis qUun or sganisme animal une littérature ou une nation ne grandissent iso lées des nations et des littératures voisines Létude dun être vi vant est en grande partie létude des relations que lunissent aux êtres voisins et des influences de tous gemes qui nous envelop pent comme un réseau invisible9 A abordagem biológica e evolucionista de Textepara retor narmos a nosso tópico principal levouo a um conceito de cria ção ainda que implícito similar ao de Taine Na verdade ele ti nha os dons de um crítico psicológico E o que poderíamos cha mar de conceito de transmissão nunca é tão claro como quando a crítica tenta lidar com os estados mentais de um autor e com 160 LITERATURA COMPARADA A ESTÉTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS 111 suas obras ao mesmo tempo ou quando quer mostrar como a substância dos primeiros é incorporada às segundas Em seu en saio sobre Wordsworth por exemplo Texte está interessado so bretudo em indagar como uma poesia feliz pode ser escrita por alguém que não o seja e em seu ensaio sobre Aurora Leigh quer demonstrar como a autora Elizabeth Barrett Browning sy est revelée toute entiere1OA idéia de transmissão implícita nes sa crítica biográfica simplesmente excluià questão que será central neste trabalho quando falamos de influências sobre um escri tQI estanlOSfazendo uma afirmação psicológica ou uma afirma ção literária ou seja estamos investigando fatos biográficos ou obras artísticas A esta pergunta o crítico psicológico respon deria que estados mentais e obras de arte não são apenas indivi síveis mas são também dois estágios de um processo ininterrup to de reorganização formal uma vez que a obra de arte para re lembrar a definição de Taine a pour but de manifester quel que caractere essentiel ou saillant plus clairement et plus com pletement que ne le font les objets réels en employant un en semble de parties liées dont elle modifie systématiquement les rapports p 47 A idéia de influências do século XIX surge desta noção de literatura como o produto de uma reorganização direta da expe riência humana elllarte Tudo se passou como se os estudiosos da literatura simplesmente mudassem seu objetivo sem alterarem a visão do processo criativo que havia sido expressada por histo riadores e filósofos sociais Esses estudiosos procuravam causas literárias em vez de causas humanas uma decorrência natu ral já que os dois tipos de fenômenos eram em sua opinião pra ticamente intercambiáveis Um examinava o fato de que a obra literária transmite não apenas a substância da experiência mas a experiência de obras literárias anteriores A imagem etimológi ca de f7uxo fluere foi usada para dizer que uma influência re conhece a passagem de uma estrutura ou matéria eomum de um poellla para outro 011I0 o objetivo deste trabalho é antes metodológico do que histórico núo posso fazer justiça à evolução da teoria literária desde a época de ThineMeus exemplos não pretendem ser exaus tivos mas develll servir para discutir uma visão teórica e resumir um ponto de visla pertencente a uma grande área da crítica con temporânea É sulicienteindicar portanto uma abordagem que 1 além de ser representativa tenha o mérito de fornecer ullla ViSIO de nosso problema inteiramente diferente A criação artística de acordo com esse ponto de vista deve ser encontrada em algum ponto entre dois extremos o processo de transmissão e reorganização acima mencionado e no outro extremo a idéia basicamente religiosa de criação absoluta ou crea tio ex nihilo Nenhuma das duas crenças capta a natureza pecu liar da arte A primeira parece ser baseada numa analogia bioló gica insatisfatória A emergência de uma obra de arte não é com parável ao aparecimento de um novo membro de uma espécie como apenas uma variação daquela espécieou ao desdobramento gradual de elementosembriônicos ou à simples mutação de es trutura o que faria supor uma separação de conteúdo e for ma A vida ou o biológico termina precisamente onde a arte começa a fim de dar lugar a uma entidade inorgânica dotada com qualidades estéticas capazes por sua vez de estimular um tipo de experiência que é vital mas que tem que ser distingui da com rigor das outras formas de vida Em relação àquela última criação absoluta parece ser uma necessidade da mente e não um fato uma idéialimite ªqllal outras idéias elecriação NC o o ti se devem provavelmente referir 11Criação antes de tudo é um termo particularmente adaptável à arte desde que se exclua dele tanto o extremo da criatio ex nihilo e a suposição de que o pro cesso criativo represente uma passagem de uma entidade a ou tra dentro da mesma ordem de realidade isto é sem uma mu dança básica e completa de espécie O movimento de uma espé cie de realidade para outra é o que a idéia de criação pode razoa velmente significar e é o que o artista precisamente realiza Por que ele torna possívela emergência de um objeto que é novo e sui generis um objeto que não é preexistente e é capaz de rei vindicar sua própria situação vital Ele modela o produto artís tico apartir de uma realidade previamente existente na verdade mas uma realidade que é vida não arte e que está separada do produto final por uma diferença de ser ou distância ontológi ca A criação supera pois esta distância fundamental e não pode ser considerada uma espécie de contínuo O poeta não apenas deflecta ou refrata a experiência ou mesmo a contradiz Ele 6 capaz de suplantar ou substituir tanto a vida quanto as obras dc arte anteriores pelo bem do leitor e do seu próprio O pocllla é o resultado de um processo de suplantação da experiência 162 LITERATURA COMPARADA i USTÉTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS 1 Circunscrever este processo é uma tarefa árdua e wurde uns Grenzenlose gehen como Goethe revelou a Eckennann ao falar das influências que sofreu12 Este processo não inclui a vi da inteira do escritor no sentido de que cada poema em particu lar reúne diferentes camadas de experiência ou de personalidade embora essas camadas possam atravessar a totalidade da ex periência do artista A gênese de um poema é se não um proces so sem fim um processo altamente complexo tão abrangente dentro de certos limites temporais quanto nosso conhecimento da vida interior do indivíduo possa ser Certos eventos ou condi ções têm importância crucial outros são triviais mas certamen te nenhum acontecimento ou condição controla modela ou ex plica sozinha as dimensões finais da obra de arte Nossa idéia de influência seria relevante no contexto estéti co que acabei de indicar Ela definiria uma influência como uma parte reconhecível e signifIcativa da gênese de uma obra de arte literária Ela veria â poesia como parte da experiência do escri tor darnesma maneira que cada source é uma source vécue e distinguiria entre condições genéticas genuínas e a presença no poema acabado daquelas convenções e técnicas pertencentes ao equipamento do escritor ou às possibilidades tradicionalmente transmitidas de seu meio A vida do escritor e seu trabalho cria tivo existem como acabei de lembrar em dois níveis de realida de diferentes Uma vez que as influências se desenvolvem estrita mente no nível anterior elas são experiências individuais de uma natureza particular porque representam um tipo de intromissão ou de modificação no ser do escritor ou a ocasião para tal mo dificação porque seu ponto de partida é a poesia anteriormente cxistente e porque as alterações que elas acarretam não impor ta quão pequenas sejam têm um efeito indispensável nos está gios subseqüentes da genesis do poema Elas são forças que se imiscuem no processo de criação por assim dizer vindas de fora ans c estímulos que carregam o movimento genético pa ra adianle c permitem ao artista prosseguir na sua elaboração do scgundo mundo da poesia Ao mesmo tempo então que as influências tornam possível um poema este as transcende e às demais expcriências Seus efeitos na verdade cessam ou de sapareCClll1rLqiicntcmentedentro da própria dimensão da cons ciência do cscritor O poema para repetir nossos termos é tam bém o produto dc uma série de influências suplantadas E essas precisamente porquc SIO suplantadas e abrem caminho para o que é diferente devem ser distinguidas das técnicas rcconhecidas que se acham presentes no poema concluído e podem ou nüo ser comparáveis às formas responsáveis pelos estímulos gcnéti cos originais 13 Se agora retomarmos ao que foi chamado anteriormente de conceito de transmissão a presente divergência precisaria ser mais bem esclarecida Uma influência seria de acordo com aquele con ceito a transferência de formas literárias e de temas de uma obra para outra Na prática essa noção tem três desvantagens distin tas 1 Ela sugere que uma influência é uma conexão objetiva um evento tangível do qual alguns vestígios materiais deveriam permanecer após o término da obra Isto elimina todos os fenô menos mais sutis genéticos ou psicológicos dos quais o crítico não pode encontrar provas muito objetivas Em alguns casos o crítico positivista se satisfará com localizar a prova na evidên cia externa da fonte ou do produto influenciado tal como uma carta ou notas marginais feitas pelo escritor no seu exemplar de um livro14sempre quando esse rapport de jait possa ser com provado mais tarde na própria obra 2 A idéia de transmissão atribui ao fenômeno de influên cia em muitas ocasiões um tipo de importância de necessidade ou de eficiência tão grande ou tão invejável quanto a do próprio trabalho artístico Como todos os elementos influentes são fi nalmente incorporados no poema terminado nada é realmente perdido e tudo está bem quando acaba bem O comparatista tra dicionalmente otimista não é inclinado a perceber a arbitrarie dade ou o absurdo um termo de abrangência variada ou o que eu gostaria de chamqr de contingência de muitos fenômenos desse tipo Ele observa e anota com satisfação que por exemplo a re putação de Cervantes foi por muitos anos inferior à de muitos de seus contemporâneos espanhóis ou que nenhum francês de acordo com Carlo Pellegrini apreciou Dante realmente antes do século XIX15ou que Antonio de Guevara foi traduzido para o inglês do francês para o alemão do italiano para o húngaro do latim e para o holandês e o sueco do alemão16Por esta atitude complacente a respeito de influências é provável penso eu que as tcorias estéticas mencionadas são responsáveis Ao estabele cer que as influências são suficientes elas superestimam sua pro ximidade com a arte ou as mantêm dentro da área na qual tcm 1M LITERATURA COMPARADA i HSTÉTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS 11 lugar a genuína literatura e na qual o crítico naturalmente en contra acolhida 3 A conseqüência mais notável desta teoria é a persistente confusão entre influências e similaridades textuais e a recusa em apurar com alguma agudeza como esses dois grupos de fatos se relacionamY O conceito de transmissão já que presume que uma influência conduz à presença na obra B de elementos de al gum modo comparáveis a outros em A é equivalente à premissa de que influências e paralelismos são indivisíVeIS Nossa posição ao contrário é de que os estímulos genéticos são parte da expe riência psíquica do escritor enquanto as similaridades textuais pertencem à realidade da literatura Daí a convicção partilhada por numerosos especialistas recentemente18 de que uma influên cia não necessita tomar a forma reconheCÍvel de um paralelismo assim como cada paralelismo não tem que necessariamente pro ceder de uma influência A primeira teoria mais bem manifestada pela metáfora da fonte que é sem utilidade sob qualquer outra perspectiva tem a vantagem de ser empiricamente manuseável e simples Ela tor na em outras palavras o estudo de influências possível A se gunda teoria está acompanhada de dificuldades tanto teóricas quanto práticas na medida em que se aproxima do enigma do ato criativo Por esta razão seria proveitoso discutir um exem plo Sabemos que o processo de criação freqüentemente irrom pe de ou é decisivamente estimulado por um estado emocional favorável particular que pode ser descrito como uma intensa dis posição da vontade ou uma necessidade urgente de escrever ou mais simplesmente de um desejo o desejo seja ele agradável ou 1110de compor um trabalho do qual apenas os delineamentos hISicos ou os mais vagos podem ser percebidos Esta é a condi 10 que Schiller descreveu a Kõrner em 25 de maio de 1792 Ich glallhc es ist nicht immer die lebhafte Vorstellung seines Stoffes solHkrn 011 nm ein Bedürfnis nach Stoff ein ubberstimmter Drallg 1Ilch Ergiessung strebender Gefühle was Werke der BcgcislLruII1crzcugt Das Musikalische eines Gedichtes schwebt mir wcil óflLl vor der Seele wenn ich mich hinsetze es zu ma chen aIs der Idare Bcgriff von InhaIt über den ich oft kaum mit mir einig bin Hsla disposição da vontade pode ser conectada como escreve SchillLl com a visão da qualidade musical do II ji poema o seu tom ritmo ou estrutura É bem conhecido Iam bém que esta disposição pode ser realçada ou nutrida por ou ra obra de arte e parece claro que este estímulo externo vindo el11 momento tão crucial deveria ser chamado de influência Além disso a obra em questão não precisa ser literária Aprendemos com escritores como Alfieri Kleist e Frei Luis de León que a disposição criativa pode ser muito proveitosamente estimulada por uma experiência musical Desta maneira explica Jorge Guillén a influência exercida pelo Bolera de Ravel sobre o poema final de Cântico Cara a ca ra A feição teimosa persistente e obsessiva do ritmo desta mú sica mas só o seu ritmo detonou o desejo inicial do poeta de escrever sua resposta tenaz aos aspectos mais caóticos da vi da Seria correto procurar aqui um paralelismo objetivo Duvi do e não somente porque tal semelhança seria muito vaga mas principalmente porque fazendoo estaríamos transferindo pa ra a obra de Ravel a interpretação extremamente pessoal que o poeta espanhol dela fez Ou para sermos mais precisos estaría mos aplicando a lembrança da experiência original da música vi vida pelo poeta no momento do Stimmung ou desejo Nossa con clusão se persistíssemos em estabelecer um paralelismo seria ba seada essencialmente na evidência fornecida não por uma com paração objetiva entre duas obras de arte mas por nosso conhe cimento do tipo de estado psíquico sobre o qual a música agiu O efeito do Bolera em Jorge Guillén é antes representativo do tipo de influência do qual nenhum eco objetivo pode ser espera do a disposição sendo importante apenas enquanto estiver co nectada com a dinâmica do escrever com a intenção do poeta e enquanto ela prepaa emoções subseqüentes libera forças pre servadas na sensibilidade do poeta etc embora por certo tal eco possa também se dar Não existe uma relação direta em ou tras palavras entre o elemento influente e o texto final Disto a influênciaStimmung é um exemplo extremo No outro extremo encontramos paralelismos que não são influências isto é que desempenham um papel tão limitado no processo genético que não podemos lhes dar um nome reserva do para repercussões significativas de uma obra de arte em ou tra Não estou me referindo a semelhanças fortuitas ou coinci dências válidas apenas enquanto elas se inserem na experi011cia do leitor ou do crítico pois elas não constituem o nosso prohk ma Certas correspondências textuais não são produtos do acaso 166 LITERATURA COMPARADA i ISILiTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS 1 e podem ser encontradas somente nos escritos de um autor em particular ainda assim é possível que não estejam conectadas com a corrente central de desenvolvimento genético à qual as influên cias necessariamente pertencem Isto pode se aplicar a elemen tos maiores ou menores sua função não sua dimensão é o que importa Foi notado que para retomarmos a Jorge Guillén um verso do poema La Florida também de Cântico Todas Ias rosas son Ia rosa reproduz quase exatamente um endecassz7abode Juan Ramón Ji menez Todas Ias rosas son Ia misma rosa Uma comparação textual daria uma vez mais um parco re sultado pois podemos estar certos de que até mesmo o sentido de cada um destes versos é diferente em seus respectivos contex tos Novamente não nos pode o método comparativo fornecer uma conclusão válida já que é possível que a ausência de simi laridade esconda uma influência genuína o que foi o caso do Bolero e de Cara a cara Não passa de mera informação sa ber que esse pequenino eco provém de uma reminiscência invo luntária da qual o autor não teve consciência a não ser vários anos após escrever o poema e que a dívida considerável de Jor ge Guillén para com Juan Ramón é do tipo que afeta somente o vocabulário inicial de um poeta Juan Ramón modelou de maneira ampla o instrumento lingüística que os poetas da gera ção seguinte à sua usaram ainda melhor do que ele Este voca bulário é a soma dos elementos preservados na memória ou na sensibilidade do poeta antes do começo da gênese de um poema em particular e que estão indiferentemente à disposição de toda a sua obra posterior Nele estão contidos elementos de sensibili dade rcminiscências e mesmo contradições intrínsecas Inclui tam h6111proccdimentos lingüísticos ou formais preservados na me IlIúria 16cnica do artista do tipo que é descrito pelos termos COllVlIIÔCSe técnicas Tais artifícios e costumes verbais súo cOlldilcs da produção do poeta São as circunstâncias de scu ofício ou a situação lingüística na qual ele se encontra Mas não POdClll crconsiderados como causas a não ser que eles to quem dirdalllcIIlc o cmergir do poema O fato é que nenhum es tado psíquico sigllificativo dentro dos limites da gênese de La Florida concela todas Ias rosas son Ia rosa com todas Ias rosas son Ia misllla rosa r Somos então levados a reconhecer as seguintcs proposillcs 1 O método comparativo é insuficiente A questão da pos sível influência de A sobre B não pode ser resolvida por uma silll pIes comparação entre A e B Cada estudo de influência é ini cialmente um estudo da gênese de uma obra de arte e deve ser baseado no conhecimento e na interpretação dos componentes desta gênese 2 Estabelecer uma influência éfazer um juízo de valor não é medir um fato O crítico é obrigado a avaliar a função ou a abrangência do efeito de A na formação de B porque não estará fazendo uma lista da soma total desses efeitos que são inúme ros estará ordenandoos Desta maneira influência e influên cia significativa são termos praticamente sinônimos 3 Um estudo de influência quando integralmente realiza do contém duas fases bastante diferentes uma vez que ele cruza a distância entre a origem do processo criativo e o poema pro priamente dito O primeiro passo consiste como já vimos na in terpretação dosfenôrnenos genéticos O segundo passo é textual e comparativo mas inteiramente dependente do primeiro para atingir seu significado Desta forma primeiramente estabelece ríamos que uma influência realmente ocorrera e avaliaríamos a sua relevância ou função genética Em seguida consideraría mos o resultado objetivo que a influência poderia haver produ zido finalmente definiríamos a sua função textual 4 O valor de uma influência não é estético mas psicológi co Ao avaliar uma influência buscamos julgar sua função ge nética A presença adicional ou a ausência de um paralelismo é um assunto diferente pois o reino da estética a área do poe ma deve ser mantido à parte do domínio das influências on de a função é psicológica que também envolve os valores Ob viamente a descoberta de uma influência não modifica nossa apreensão estética de um poema embora as convenções a pos sam modificar e a determinação de tais fenômenos tem muitís simo pouco a ver com qualquer escala absoluta de valor estético tal como a escolha dos trabalhos que devem compor o que é algumas vezes chamado de Weltliteratur Embora muitos sc guindo o exemplo de Goethe não admitam que este termo signi fique um thesaurus artístico Iríamos estar caso contrário re petindo o erro de Brunetire para quem somente aquelas obras ou aquelas literaturas que tivessem exercido influência alllIl dc suas próprias fronteiras seriam consideradas dignas de serem parte da Literatura Européia Sempre que estudiosos de influências perdem essa distinção de vista tendem a se tornar ratificadores do sucesso e do poder internacionais ou historiadores políticos mesmo que esta não tenha sido a sua intenção 19 5 O estudo das convenções e das técnicas modos gêneros mitos temas figuras de estilo estrutura etc é distinto do das influências e do estudo do paralelismo sempre que estes últimos são considerados como estando relacionados O mérito dos es tudos de influência pode consistir no fato de que eles indicam o quanto do equipamento de um escritor permanece intocado em muitos casos pelas influências verdadeiramente valiosas exer cidas sobre ele Como essas investigações analisam as várias li nhas que se entretecem na gênese de um poema elas são capazes de distinguir entre o que é mais convencional e o que é central mente operativo podendo descobrir que convenções setornaram particularmente operativasQuanto aos paralelismos eles eviden temente aumentam a colheita de recorrências e convenções do in vestigador Vou terminar sugerindo uma classificação dos objetivos e matérias da literatura comparada do ponto de vista da natureza das influências tais como estas foram discutidas neste trabalho Tenho em mente quatro perspectivas amplas que embora dis tintas não se exclueme na prática se superpõem freqüentemente As duas primeiras se ocupam das influências e requerem o uso do método genético As duas últimas sem interesse em influên cias baseiamse no método comparativo Todas quatro podem ser consideradas domínios da Literatura Comparada na medida em que esta disciplina cujo espírito ainda que não a metodo logia é bastante claro incorporou através da crítica literária as aspirações sintéticas e cosmopolitas dos últimos cinqüenta anos e devem preencher as esperanças dos futuros Welleks e Warrens de realizar uma história literária como uma síntese história li lerúria elll escala supranacional20 Antes de caracterizar bre vemenle eslas perspectivas contudo será preciso mençionar uma forma adicional de pesquisa que embora não seja estritamente literária fornece ao comparatista muito dos materiais que ele ne cessita I A literal Ir I colllparada estabelece o que poderíamos cha mar de sua própria agbHia de investigaçõesou Hilfswissenschaft quando ela recolhe todos os tipos de informações históricas sem nenhuma intenção de entender o caráter de um período históri co ou de compreender a própria literatura Refirome a por exem plo informações concernentes ao ensino de línguas estrangeiras dicionários viagens reportagens de jornal intermediários e tra duções quando essas não são consideradas literatura o que freqüentemente acontece Este fato tem a virtude de em alguns casos resgatar do esquecimento obras de terceira classe ou lite ratos de terceira categoria que tornaram possíveis realizações de escritores de primeira linha Lidar com tal variedade de fatos pode aumentar consideravelmente nossa faina metodológica Porém isto é inseparável das qualidades de uma disciplina que se vê forçada a prestar atenção a áreas marginais à literatura ainda que essas não sejam literárias porque examina não apenas a gênese da ar te mas também a carreira das relações culturais entre as nações Considerados sob esse aspecto traduções viagens intermediá rios etc explicam por que meios a distância entre poesia e poe sia é eliminada lU Críticos comparatistas podem concentrarse no estudo de influências e interpretar o nascimento de obras de arte indi viduais ou podem ir além disto e interpretar toda a obra de um escritor de uma escola de um movimento ou de uma tradição Com o objetivo de organizar tais grupos de fenômenos os com paratistas têm escolhido uma personalidade e as realizações de um único poeta Goethe e sua experiência da cultura européia a influência de um único escrito sobre uma nação Montaigne na Inglaterra ou ambos Shelley e a França e ainda influências sobre áreas mais limitadas tais como conexões entre escolas e movimentos e autores individuais Esses estudos são freqüente mente mais pretensiosos do que produtivos Hoje em dia por razões bem conhecidas por todos21 costumam despertar mais crítica do que interesse Os críticos contemporâneos se inclinam de preferência a limitar o seu foco e a examinar os contatos entre obras e autores isoladamente A influência de A sobre B sob este ponto de vista geral mente presume que B é uma obra literária ou um escritor ou um grupo de escritores No passado contudo certos comparatistas chegaram a selecionar como ponto de partida como o seu A fatores nãoartísticos tais como miragens nacionais e outras ma nifestações da psychologie comparée des peuples geralmente lima verdade medíocre ainda que operante lendas literárias e pes IK LITERATURA COMPARADA I lSTÉTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS 169 170 LITERATURA COMPARADA i HSTÉTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS III soais etc Essas investigações ainda que não sejam exclusivamente literárias têm a virtude de não fingir que o são Pois todos os usos do método genético tendem a abordar a arte de maneira in direta 2 Os próprios fatos de influência podem ser interpretados globalmente e a posteriori como formando amplos padrões de difusão sucesso ou fortuna Esta abordagem porém não se li mita a amalgamar ou a resumir influências que já tenham sido estabelecidas Esses amplos esquemas são relacionados a mode los históricos e a valores puramente artísticos Eles fazem ampla utilização da natureza particular das influências do extenso papel desempenhado nelas por fatores nãoliterários ficando então em posição de apreender sua contingência com refe rência a uma organização de obras literárias verdadeiramente es tética É fato reconhecido que a poesia é tornada possível e é preparada não somente pela leitura prévia de poemas mas até mesmo por sua interpretação errônea como foi notado por Ale xander Gillies e não somente por ilusões lendas erros de tra dução e outras falácias mas também por todas as situações políticohistóricas preconceitos e ódios nacionais22conquistas exílios etc nas quais tanto nações quanto escritores se envol vem No futuro tais estudos poderão enfatizar que a história não dá forma à arte simplesmente como entendem os histo riadores de idéias ou Geistesgeschichte mas controla também a sua passagem das mãos do poeta às mãos do leitor a poesia não é escrita por homens isentos de preconceitos num universo pacífico onde a grande arte é comunicada de maneira justa e livre e assim atualizada para usar a terminologia de Wellek ela é regida ao contrário por acidentes de natureza social polí Iiea ou econômica Que tais vicissitudes venham a ser chamadas de acidentes é por certo altamente discutível mas parece claro que o comparatista que investiga vastas configurações de 11IovillICntosliterários está certo ao perguntarse o mesmo tipo de qlleslfio relativa a padrão necessidade e sentido que os filósofos da história se fazem sobre a história Como filóso fo da lileralma o comparatista observa a importância da poe sia no lIIulldo da história humana ou uma vez que observamos que artc e vida constituem duas ordens de realidade diferentes a importância de UllIaordem sobre a outra Assim nossa pri meira abordagclII cOllcentrase na gênese do poema e a segunda na carreira do livro dialllc do público leitor Pois se o poema demonstra a experiência pessoal e histórica a biografia do livro significa uma substituição daquela ordem de experiência e lullIa função dela 3 O campo da Literatura Comparada admite cada vez mais aparentemente o estudo do que chamei anteriormente de convenções e técnicas especialmente de temas topoi arqué tipos mitos e imagens Aqui o método é ao mesmo tempo com parativo e histórico e duas tentativas anteriores 8toffgeschichte e Geistesgeschichte são reavaliadas por padrões modernos e in corporadas Tais investigações podem ter uma tendência a trans cender a história e a possuir uma visão de permanência sob a influência da psicologia junguiana ou da antropologia espiritual de um Gaston Bachelard mas geralmente não vão tão longe Tornamse um instrumento útil não um desvio para a busca da originalidade do artista individual ou então se afastam da li teratura Podem também recorrer ao método genético quando per guntam por exemplo que função criativa um certo tratamento do tema de Don Juan teve na composição de outro Esta função contudo é freqüentemente mais limitada do que a continuidade de um topos ou de uma técnica possa levar certos leitores a pen sar e a temática geralmente avalia diferenças e distâncias entre autores mais do que semelhanças e proximidades A crítica con temporânea de modo geral não se inclina a superestimar a in fluência da literatura sobre a literatura Daí o fato de esta pers pectiva ser particularmente apropriada a um tempo em que uma concepção sintéticohistórica de poetas historiadores críticos de arte psicólogos e antropólogos SaintJohn Perse Toynbee Mal raux E R Curtius Auerbach Américo Castro Jung Bache lard Eliade etc cqincide com a de críticos literários tais como Harry Levin e Northrop Frye na América e na prática ou na teoria a recente escola de comparatistas alemães Kurt Wais Wal ter Hõllerer Desta maneira os comparatistas podem continuar a enfatizar simultaneamente a continuidade da literatura e a ori ginalidade do poeta 4 Os estudos comparativos podem pelo menos assumir ou referirsea ou mesmo perseguir academicamente uma quarta perspectiva inteiramente atemporal Tratase da organização pu ramente estética da totalidade da literatura tal como esla se apresenta aos leitores cultos do ocidente em termos de grupos ou padrões ou tradições no sentido deEliot Não 6 IICCCS 172 LITERATURA COMPARADA ISTHTICA DO ESTUDO DE INFLUÊNCIAS 11 sário que seja um retorno ao classicismo uma vez que não ten ciona aplicar nenhuma poética específica Pelo contrário ela amal gama os resultados de nossa terceira perspectiva como nossa se gunda fez com a primeira e se divorcia tanto das considerações históricas quanto das psicológicas e antropológicas Para que is to não pareça demasiadamente abstrato eu sugeriria ao termi nar que tais padrões são familiares a todos uma vez que fazem parte da experiência da leitura As comparações devem ser con sideradas não como um método ou um instrumento sem impor tância mas como fatos conectados com a Erlebnis da arte Quan do lemos um certo poema as comparações que fazemos com ou tros participam diretamente da experiência estética ou apenas pre param ou seguem aquele momento A solução deste problema não precisa nos preocupar de maneira prática Os poemas são relembrados e organizados em aglomerados ou sistemas pela lei tura de poemas desta maneira a literatura se torna vitalmente estruturada e adquire uma realidade supraindividual Este efei to pode ser abordado em termos paralelos aos da lingüística de Ferdinand de Saussure e à sua distinção entre as dimensões sin crônica e diacrônica da linguagem23 A langue da literatura uni versal tornase ao lermos a parole dos sistemas literários reme morados e os laços criados por essa experiência comparativa são similares à interdependência das palavras de uma mesma língua o que Saussure chamava de valeur Assim uma análise da fun ção da memória na experiência da leitura pode ser um funda mento sólido ainda que não seja o único para o estabelecimen to de uma ordem completamente estética das obras literárias NOTAS I 11IHINHTIIRH Fcrdinand La litterature européene Varietés litteraires Paris sd p5 2 Cr SI IIIANO flalo Quelques remarques sur Ia Littérature comparée Lettere Ita liane ti 15h H e especialmente GILLES Alexander Some Thoughts on Comparative Literaturc Yelwoi I olllparative and General Literature 1 1952 17 Esta última publicação scrá 1IsilSIHIIlSdcnominada Yearbook 3 Cf PEYRE Ilcllli A Ballee at Comparative Literature in America Yearbook 1 1952 7 1 Islou consciente da maneira concisa e apressada com que os problemas IIl1is1Ilis 10Iralados neste artigo cujas idéias principais serão desenvolvidas com maior plOllIl1 didadc em um livro já planejado IlENEDETTO Luigi Foscolo La letteratura mondiale Il Ponte 2 1946 129 rcpro duzido em Uomini e tempi MilãoNápoles 1953 TAINE Hippolyte Philosophie de lart 8 ed Paris sdo V 1 p 15 7 Faço distinção entre essas duas aspirações e considero que somente a segunda é pu ramente literária A tendência cosmopolita ou internacional reage contra o nacionalismo c incorpora os sonhos de unidade européia de melhor compreensão internacional de um fundo comum de valores um tipo de revitalização da Idade Média Considera a literatura como uma causa nos dois sentidos da palavra Sem dúvida inspirou não ape nas os contemporâneos de Goethe e de Mazzini mas também comparatistas e estudiosos europeus do tempo de Texte ao tempo de Baldensperger cf Littérature comparée le mot et Ia chose Revue de Littérature Comparée 1 1921 29 ou de Ernst Robert Cur tius A segunda tendência é o grande desejo de se chegar a uma síntese ou a um sistema nascida como a anterior do iluminismo e do romantismo Culmina em primeiro lugar na inclinação romântica alemã a buscar nas palavras de Fausto wie alIes sich zum Ganzen webt no pensamento de críticos tais como Adam Müller e Friedrich Schlegel O último cunhou o termo Sympoesie mas também ironizou esta tendência no aforismo Ue bersichten des Ganzen wie siejetzt Mode sind entstehen wenn einer alies einzelne über sicht und dann summiert CL WELLEK René A History of Modern Criticism 2 vols New Haven Yale Univ Press 1955 8 TEXTE Joseph IHistoire comparée des litteratures Études de litterature européen ne Paris 1898 p 3 9 Ibid p 14 to TEXTE J Elizabeth Browning et lidéalisme Op cit p 240 11 Cf FERRA TER MORA José Diccionario de filosofia 4 ed Buenos Aires 1958 p 291 12 Na conversa de 16 de dezembro de 1828 13 Não quero sugerir que influências tenham lugar somente na mente como alguns leitores podem inferir do sumário conciso de meu artigo Literatura como sistema fei to por Haskell Block em seu ensaio The Concept of Influence in Comparative Literatu re Yearbook 7 1958 33 uma influência seria uma parte do processo pelo qual as obras são criadas e portanto são localizadas na mente do escritor e não em sua obra Minha ênfase como o ProL Block indica está no fato de que influências são uma parte do trabalho em andamento e que elas acontecem ao escritor em primeiro lugar a todo o seu ser E isto pode ter lugar antes mesmo que o artista comece a obra ficando claro neste caso que o produto artístico é afetado de forma indireta Felizmente influências mais significativas parecem fazer parte do processo criativo Se o trabalho artístico já foi começado nosso problema se torna naturalmente mais árduo e eu seria o primeiro a reconhecer a dificuldade de qualquer tentativa de precisar o momento exato no qual uma obra de arte se tornou independente de seu criador e assumiu uma vitalidade estéti ca própria Mas a existência de tal momento deve para propósitos teóricos ser aceita 14 CL um exemplo desta falácia discutido por Harry Levin La Littérature comparée point de vue doutreAtlantique Revue de Littérature Comparée 27 1953 20 1 PELLEGRINI Carlo Relazioni fra Ia letteratura italiana e Ia letteratura francese Le ClI1turecomparate Milão 1948 p 48 Ir Cr CLAVERÍA Carlos Estudios hispanosuecos Granada 1954 p 12 11 Mcncionarei para orientação do leitor alguns artigos a respeito do assunto JIIClIío posso discutir dentro dos limites deste trabalho minhas diferenças com MM Ilalesoll 174 LITERATURA COMPARADA e Stallman já são bastante claras CAZAMIAN Louis Goethe en Angleterre Quelques reflexions sur les problemes dinfluence Revue Germanique 12 1921 371378BATE SON Fw Editorial Commentary Essays in Criticism 4 1954436440 HASSAN Ihab The Problem of Influence in Literary History Notes Toward a Definition Journal of Aesthetics and Art Criticism 14 19556676 STALLMAN RW The Scholars Net Literary Sources College English 17 1955 2027 e BLOCK Haskell art citoConcor do com o Prof Block em relação a sua crítica às práticas mais mecânicas dos compara tistas e também no que diz respeito à sua visão das influências como reais e indispensá veis à compreensão da própria literatura Mas quando ele escreve que substituição de terminologia não irá alterar esta necessidade e que o movimento de influência não é simplesmente de escritor a escritor mas vai também de obra a obra sem nenhuma análise ou explicação posterior pareceme que ele não está lidando com o tipo de ques tões que eu levanto neste trabalho Certamente podemos pensar em exemplos de influên cias do tipo mencionado no artigo do Prof Block que são genuínos e convincentes Mas também reconhecemos a existência de técnicas e convenções recorrentes e de ecos e paralelismos nãoinfluentes E o que é necessário hoje em dia e o Prof Block não nos dá não é apenas uma abordagem empírica e ocasional dessas diferenças mas uma série de termos e conceitos que as esclareçam Aceito á afirmação influências de obras sobre obras existem Mas acredito que ela necessita ser explicitada 18 Cf de modo geral WELLS Henry W New Poetsfrom Old New York 1940 p 25 CLAVERÍA Carlos Cinco estudios de literatura espanola moderna Salamanca 1945 p 7 PEYRE Henri art citop 7 uma influência é raramente uma imitação LEVIN Harry art cit WELLEK René The Concept of Comparative Literature YearbóiJk 2 1953 15ALONSO Amado Estilística de Ias fuentes literárias Rubén Darío y Miguel Angel Materia y forma en poesia Madri 1955PRAZ Mario Rapporti tra Ia letteratu ra italiana e Ia letteratura inglese Letterature comparate e finalmente WAIS Kurt Ver gleichende Literaturbetrachtung Forschungsprobleme der Vergleichenden Literaturges chichte Tübingen 1951 11es empfichlt sich überdies zwisschen Aufnahme und Ein fluss zu unterscheiden und je nachdem das Sprunghafto oder das Kontinuierliche in der Art der Auswirkung festzustellen 19 Cf a distinção entre literatura universal e literatura cosmopolita feita por Guil lermo de Torre em Las metamorfosis de Proteo Buenos Aires 1956 p 284 20 WELLEK René e WARREN Austin Theory of Literature New York 1949 p 42 21 Cf Ibid p 40 22 Tais antagonismos causados pelo poder político nem sempre levam a uma maior com preensão da cultura dos poderosos como foi o caso da Itália do século dezesseis em relação a seus conquistadores espanhóis cf CROCE Alda Relazioni della letteratura italiana con Ia letteratura spagnola Letteratura comparate p 110 23 Cf meu ensaio Literatura como sistema Filologia Romanza 4 1957 2227 LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÇÃO Henry H H Remak A litratura comparada é o estudo da literatura além das frontei ras de um país específico e o estudo das relações entre por um lado a literatura e por outro diferentes áreas do conhecimento e da crença tais como as artes por exemplo a pintura a escul tura a arquitetura a música a filosofia a história as ciências sociais por exemplo a política a economia a sociologia as ciên eiãsa religião etjmsumaé a comparação de uma literatura com outra ou outras e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana Esta definição 1 é provavelmente aceitável para a maioria dos alunos de literatura comparada dos Estados Unidos mas se ria objeto de grande discussão entre um importante segmento de comparatistas que de modo conciso denominaremos a escola francesa2 Para esclarecer estas diferenças de opinião algu mas bem básicas outras mais de ênfase talvez seja sensato tomarmos a primeira parte de nossa definição antes de tratar da segunda Enquanto as escolas americana e francesa concordariam com esta parcela de nossa definição a saber a literatura compa rada como o estudo da literatura além das fronteiras nacionais em sua aplicação prática encontramos variações significativas de importância relativa Os franceses inclinamse a favorecer ques tões que podem ser resolvidas na base da evidência fatual geral mente envolvendo documentos pessoais Tendem a excluir a REMAK Henry H H Comparative Literature its Definition an Function In SIII I NECHT N FRENZ H eds Comparative Literature Method and Perspclil ar IJondale Southern Illinois Univ Press 1961 p 319 176 LITERATURA COMPARADA T lITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÇÃO 177 crítica literária do domínio da literatura comparada olham de soslaio para estudos que simplesmente comparam que sim plesmente apontam analogias e contrastes Carré e Guyard che gam a advertir contra estudos de influência afirmando que são vagos demais incertos demais e nos levariam a nos concentrar mos em questões de recepção intermediários viagens ao estran geiro e atitudes em relação a um determinado país na literatura de outro durante certo período Ao contrário de Van Tieghem estes dois estudiosos se mostram igualmente cautelosos com re lação a vastas sínteses da literatura européia que a seu ver se aproximariam da superficialidade das simplificações perigosas e da falsa metafísica As raízes positivistas dessas reservas são claramente identi ficáveis Em nossa opinião o desejo francês da securité literária é infeliz numa época que como foi apontado por Peyre clama por mais e não menos imaginação Com efeito o problema de influências é muito delicado e requer de quem se dedica a ele mais conhecimento enciclopédico e mais jinesse do que se tem mostrado em algumas dessas diligências no passado Em muitos estudos de influência deuse atenção excessiva à localização de fontes e muito pouca a questões tais como o que foi mantido e o que foi rejeitado epor quê e como o material foi absorvido e integrado e com que sucesso Conduzidos dessa maneira os estudos de influência contribuem não apenas para o nosso co nhecimento da história literária como também para nossa com preensão do processo criativo e da obra de arte literária Na medida em que a preocupação em localizar e provar uma influência pode encobrir questões mais fundamentais de avalia ção e interpretação artística os estudos de influência podem con tribuir menos para a elucidação da essência da obra de arte lite rária do que estudos comparando autores obras estilos tendên cias e literaturas nos quais nenhuma influência consegue ou pre tende revelar se temas puramente comparativos constituem um reservatório inesgotável longe de ser esvaziado pelos estudiosos contemporâneos que parecem ter esquecido que o nome de nos sa disciplina é literatura comparada e não literatura influen te HerdeI e Diderot Novalis e Chateaubriand Musset e Hei ne Balzac e Dickens Moby Dick e Fausto Roger Malvins Burial de Hawthorne e Judenbuche de DrosteHülshoff Hardy e Hauptmann Azorin e Anatole France Baroja e Stendhal Ham sun e Giono Thomas Mann e Gide são eminentemente compa ráveis não importa o quanto influenciaram um ao outro ou mes mo se isso de fato ocorreu3 A falta de inclinação de Carré e Guyard para sínteses de lar ga escala em literatura comparada também nos parece excessiva mente cautelosa Épreciso ter síntese a menos que o estudo de literatura se queira condenar à eterna fragmentação e isolamen to Se temos qualquer ambição de participar na vida intelectual e emocional do mundo devemos de vez em quando reunir as percepções e os resultados alcançados pela pesquisa em literatu ra e tornar significativas conclusões disponíveis para outras dis ciplinas para a nação e para o mundo em geral Os perigos das generalizações apressadas mesmo sendo reais com demasiada freqüência são opostos como um escudo a encobrir a tentação tão humana de não correr riscos Devemos esperar até que te nhamos todos os dados Mas nunca teremos todos os dados e sabemos disso Ainda que uma única geração conseguisse reu nir todos os dados sobre um determinado autor ou tópico os mes mos fatos estariam e deveriam sempre estar sujeitos a dife rentes interpretações por diferentes gerações O estudo e a pes quisa especializada devem tomar justas precauções mas não de vem ficar paralisados por um perfeccionismo ilusório4 Felizmente os franceses têm sido muito menos tímidos e dou trinários na prática efetiva que na teoria5 A literatura compa rada deveuma grande parcela provavelmente a maior parcela dos estudos comparativos importantes aos estudiosos franceses e àqueles que seguem sua orientação Rousseau et les origines du cosmopolitisme littéraire de Texte Goethe en France eLes mou vements des idées dans lemigrationjrançaise 17891815de Bal densperger Goethe en Angleterre de Carré e o admirável pa norama do Iluminismo através da Europa realizado por Hazard são apenas algumas dentre as sínteses francesas percebidas pelo sensível e hábil manejo de comparações e influências pela cons ciência sutil de valores literários e das delicadas nuances do sin gularmente individual assim como por uma estranha habilida de para dirigir uma miríade de observações a lúcidos padrões de desenvolvimento globais As próprias introduções francesas de VanTieghem e Guyard à literatura comparada são síntesesde gran de utilidade Os estudiosos americanos por sua vez develll precaverse contra o levedesprezo dado a certos tópicos esludos 178 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÇÃO 111 de recepção atitudes intermediários viajantes Belesenheit ape nas porque os franceses parecem têIos favorecido à exclusão ou descaso de outros temas comparativos6 Ao examinarmos a segunda parte de nossa definição qual seja a relação entre a literatura e outras áreas nos deparamos com uma diferença não de ênfase mas de distinção básica entre as escolas americana e francesa Nos únicos estudos con temporâneos da área de literatura comparada escritos até hoje em forma de livro Van Tieghem e Guyard não discutem e nem mesmo chegam a listar a relação entre a literatura e outras áreas arte música filosofia política etc Durante os muitos anos em que a Revue de littérature comparée foi dirigi da por Baldens perger e Hazard suas bibliografias trimestrais absolutamente não reconheciam esta categoria de tópicos Essa orientação perma neceu inalterada sob a direção de editores posteriores Já as pu blicações incluindo bibliografias e os currículos americanos de literatura comparada ao contrário geralmente abrangem esse domínio Os franceses com certeza se interessam por tópicos tais co mo as artes comparativas mas não pensam neles como estando na jurisdição da literatura comparada Há razões históricas pa ra esta atitude A despeito da rigidez da compartimentalização acadêmica a literatura comparada foi capaz por mais de meio século de ocupar um lugar preciso e respeitável nas universida des francesas exatamente porque combinava uma cobertura mais ampla da literatura com uma prudente restrição à literatura O estudante ou o professor de literatura que se aventura além das fronteiras nacionais já admite um fardo extra Os franceses pa recem temer que assumir além disso o estudo sistemático da re lação entre a literatura e qualquer outra área do empenho huma no lhes traga a acusação de charlatanismo e seja de qualquer modo prejudicial à aceitação da literatura comparada como um respeitável e respeitado domínio acadêmico8 Uma objeção mais fundamental e a isso relacionada deveria também ser levada em consideração a falta de coerência lógica entre a literatura comparada enquanto o estudo de literatura além das fronteiras nacionais e a literatura comparada enquanto o es tudo das ramificações da literatura além das suas próprias fron teiras9 Além disso embora as conotações geográficas do termo literatura comparada sejam bastante concretas as ramificações genéricas implicadas no conceito americano levantam sérios pro blemas de demarcação que os estudiosos americanos não se lll disposto a encarar honestamente É difícil encontrar critérios firmes de seleção quando se exa mina o conjunto de títulos na Bibliography of Comparative Li terature de BaldenspergerFriederich especialmente naquelas par tes do Livro 1 que incluem Generalidades Tematologia e Gêneros literários e no capítulo sobre Correntes literárias no Livro 3 Estamos falando apenas de verbetes que não são nem pelo título nem sob exame pelos conteúdos comparativos no sentido geográfico senão incidentalmente cuja inclusão na Bi bliography deve portanto ter sido determinada em função da am pliação do objeto de estudo ou em decorrência de uma noção pouco clara de literatura geral Sob os títulos de Motivos in dividuais e Motivos coletivos por exemplo encontramos gran de número de investigações de amor casamento mulheres pais e filhos crianças guerra profissões etc dentro de uma litera tura nacional Será que a incorporação desses temas numa bi bliografia de literatura comparada pode ser justificada pela pre missa de que estamos lidando aqui com dois domínios litera tura e motivos Mas os motivos são parte e parcela da litera tura eles são intrínsecos não estranhos Sob os títulos de Gê neros literários e Correntes literárias encontramos estudos sobre o romance americano o Bildungsroman a Geração Espa nhola de 98 etc etc Mas exposições de gêneros literários mo vimentos e gerações num determinado país ainda que sejam de natureza geral não são comparativas em si mesmas As noções de gêneros movimentos escolas gerações etc estão implíci tas em nossa idéia deliteratura e história literária elas estão den tro não fora da literatura Aceitamos que com um pouquinho de racionalização quase tudo e qualquer coisa no estudo e na crítica literária poderia pretender ser literatura comparada se fossem aceitos os critérios ultraelásticos da Bibliography A li teratura comparada como um termo quase totalmente abrangente não teria muito sentidolO Admitindose que existe uma zona crepuscular onde um caso pode ser usado a favor ou contra a comparatividade de Ulll determinado tópico no futuro teremos de ser mais discrimilla dores quanto à inclusão na literatura comparada de um tópico nessa categoria Devemos assegurar que comparações ellt rl li 180 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÇÃO IXI teratura e outra área que não a literatura sejam aceitas como literatura comparada apenas se forem sistemáticas e se uma disciplina coerente indiscutivelmente separável de fora da lite ratura for estudada enquanto tal Não podemos classificar es forços acadêmicos como literatura comparada simplesmente porque discutem aspectos inerentes à vida e à arte que se devem inevitavelmente refletir em toda a literatura pois do que mais trata a literatura Um trabalho sobre as fontes históricas do dra ma shakespeariano a menos que se concentrasse em outro país só seria literatura comparada se a historiografia e a literatura fossem os principais pólos de investigação se os fatos ou relatos históricos e suas adaptações literárias fossem sistematicamente comparados e avaliados e se se chegasse a conclusões que se re lacionassem aos dois domínios enquanto tais Um tratamento do papel do dinheiro e Pêre Goriot de Balzac somente seria com parativo se sua preocupação principal e não apenas incidental fosse a osmose literária de um sistema financeiro ou conjunto de idéias coerente Uma investigação a respeito das idéias éticas ou religiosas de Hawthorne ou Melville só poderia ser conside rada comparativa se lidasse com um movimento religioso o cal vinismo por exemplo ou conjunto de crenças organizado O de lineamento de um personagem de romance de Henry James só estaria no âmbito da literatura comparada se desenvolvesse uma visão metódica desse personagem à luz das teorias psicológicas de Freud ou Adler Jung etc Tendo em mente esta advertência nossa preferência recai no entanto sobre o conceito americano mais abrangente de literatura comparada Devemos com efeito lutar para alcançar e manter um conjunto mínimo de critérios que demarcam nossa área de eleição mas não nos devemos preocupar tanto com sua unidade teórica de modo a esquecer o talvez mais importante aspecto funcional da literatura comparada Concebemos a lite ratura comparada menos como uma matéria independente que deve a todo custo estabelecer suas próprias e inflexíveis leis do que como uma disciplina auxiliar extremamente necessária um elo entre segmentos menores de literatura paroquial uma ponte entre áreas da criatividade humana organicamente relacionadas mas fisicamente separadas Quaisquer que sejam as discordân cias sobre os aspectos teóricos da literatura comparada existecon senso sobre a sua tarefa dar aos estudiosos aos professores e estudantes e last but not least aos leitores uma compreensão melhor e mais completa da literatura como um todo em vez de um segmento departamental ou vários fragmentos departamen tais de literatura isolados E isso ela pode fazer melhor não ape nas ao relacionar várias literaturas umas às outras mas ao rela cionar a literatura a outros campos do conhecimento e da ativi dade humana especialmente os campos artístico e ideológico ou seja ao estender a investigação literária tanto geográfica quan to genericamente II Diversas áreas e termos são contíguos à literatura comparada ou parecem sobreporse a ela literatura nacional literatura mundial e literatura geral Um esclarecimento dos seus significados é in dispensável à delimitação dos termos da literatura comparada Não há qualquer diferença fundamental entre os métodos de pesquisa em literatura nacional e em literatura comparada en tre por exemplo uma comparação de Racine e Corneille e de Ra cine e Goethe Há contudo certos temas encontrados na pes quisa em literatura comparada que vão além dos estudos de lite ratura nacional o contato ou colisão entre diferentes culturas em geral e os problemas ligados à tradução em particular Ou tros tópicos inerentes ao estudo de literatura nacional ocorrem em padrões algo diferentes e tendem a ocupar um lugar de maior importância na pesquisa em literatura comparada moda suces so recepção e influência da literatura viagens e intermediários Mesmo em termós geográficos uma distinção irrefutável en tre literatura nacional e literatura comparada é por vezes difícil O que fazer com autores que escrevem na mesma língua mas per tencem a nações diferentes Provavelmente jamais hesitaríamos em atribuir à literatura comparada uma comparação entre George Bernard Shaw e H L Mencken ou entre Sean OCasey e Ten nessee Williams mas quando voltamos à literatura inglesa e ame ricana do período colonial o caso como sugeriu Wellek se tor na muito menos claro Maeterlinck e Verhaeren eram belgas que escreviam em francês será que um estudo de suas conexõesínti mas com o simbolismo francês seria classificado como literatura 182 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÇÃO IX 1 comparada E o que dizer de autores irlandeses escrevendo em inglês ou finlandeses compondo em sueco Dificuldades seme lhantes surgem em investigações sobre o lugar do nicaragüense Rubén Darío na literatura espanhola ou sobre as posições emi nentes dos suíços Gottfried Keller e Conrad Ferdinand Meyer e dos austríacos Adalbert Stifter e Hugo von Hofmannsthal na li teratura alemã para não mencionar os casos ainda mais compli cados de Rilke e Kafka Até que ponto a naturalização legal de veria ser levada em consideração Certamente existe uma dife rença nas conseqüências para a sua obra literária entre a cida dania inglesa de T S Eliot e a cidadania americana de Thomas Mann Por outro lado há autores que pertencem à mesma nação mas escrevem em diferentes línguas ou dialetos A literatura ga lesa em relação à inglesa a literatura baixoalemã em relação à alemã a literatura flamenga em relação à francesa na Bélgica a literatura siciliana em relação à italiana a literatura ucraniana em relação à da Grande Rússia a literatura basca e catalã em relação à espanhola ou francesa todas elas levantam questões que devem ser respondidas caso a caso Em geral podemos for mular a regra de que o estudioso que afirma que um tópico tran sicional dessa natureza é comparativo deve assumir o fardo da prova incontestável de que ele está lidando com diferenças signi ficativas de linguagem nacionalidade ou tradição A maioria dos comparatistas embora admitindo complica çõesejustaposições concordará que essasdificuldades não são nem freqüentes nem sérias o bastante para invalidar a distinção entre a literatura estudada dentro das fronteiras nacionais e além delas Entre a literatura comparada e a literatura mundialll exis tem diferenças de grau e também outras mais fundamentais A primeira compreende elementos de espaço tempo qualidade e intensidade A literatura comparada geograficamente falando envolve assim como a literatura mundial um elemento de espa ço mas com freqüência embora não necessariamente um que seja mais restrito A literatura comparada normalmente lida com a relação dc apcnas dois países ou dois autores de nacionalida de diferente ou um autor e outro país por exemplo relações li terárias francoalemãs PoeBaudelaire a Itália nas obras de Goe the O termo mais pretensioso literatura mundial implica re conhecimento em todo o mundo geralmente o mundo ocidental Literatura mundial também sugere um elemento de felll po Normalmente a aquisição de renome mundial exige tcmpo e a literatura mundial em geral lida com literatura consagra da como grande pelo teste do tempo A literatura contemporâ nea portanto é com menos freqüência incluída no termo lite ratura mundial ao passo que a literatura comparada pelo me nos em teoria pode comparar qualquer coisa que seja compará vel não importa o quanto as obras possam ser antigas ou recen tes Mas prontamente devese admitir que na prática muitos talvez a maioria dos estudos de literatura comparada lidam mes mo é com vultos literários do passado que alcançaram fama em todo o mundo Muito do que vimos fazendo e do que estaremos fazendo é na verdade literatura mundial comparada A literatura mundial portanto trabalha predominantemente com produções literárias de qualidade duradoura que obtiveram prestígio ao longo do tempo e em todo o mundo por exemplo a Divina comédia Dom Quixote Paraíso perdido Cândido JiVér ther ou menos marcadamente com autores de nossa própria época que obtiveram grande aprovação no exterior por exem plo Faulkner Camus Thomas Mann os quais em vários ca sos podem se mostrar transitórios como Galsworthy Margaret Mitchell Moravia Remarque A literatura comparada não é de marcada na mesma proporção por critérios de qualidade eou intensidade Estudos comparativos esclarecedores foram feitos e muitos outros possivelmente restam a fazer sobre autores de segunda linha com freqüência mais representativos dos traços epocais de seu tempo do que os grandes autores Investigações como essas incluiriam autores outrora considerados grandes ou conhecidos como muito bemsucedidos por exemplo Lilo Gess ner Kotzebue Dumas pai e filho Scribe Sudermann Pifiero ou até mesmo autores menores que nunca progrediram no exte rior mas cuja produção poderia ilustrar tendências paneuropéias do gosto literário apenas na Alemanha citaríamos nomes como Friedrich de Ia MotteFouqué Zacharias Werner Friedrich Spiel hagen Max Kretzer Além desses certos autores de primeira linha ainda não acla mados pela literatura mundial são eminentemente talhados para os estudos de literatura comparada Tais estudos podem efel íva mente contribuir para sua aceitação enquanto figuras de lilcra lura mundial Dentre os homens de letras do passado rccclJlc 184 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÃO J K mente descobertos ou ressuscitados ou no processo de o se rem pelo mundo ocidental estão Donne Diderot Blake Hõl derlin Büchner Gérard de Nerval Melville Kierkegaard e Hes se Outros igualmente merecedores da atenção mundial ainda esperam por um comensurável reconhecimento em seus próprios países Espronceda Larra Galdós Azorín Baroja Espanha Herder Hebbel Keller Fontane Trakl Hofmannsthal Alema nha Áustria e Suíça Petõfi Hungria Creanga Eminescu Sa doveanu Romênia Jens Peter Jacobsen Johannes V Jensen e Isak Dinesen Dinamarca Frõding Suécia Obstfelder Norue ga Willa Cather F Scott Fitzgerald a lista é infinita A lite ratura báltica e eslávica à exceção da russa e a literatura que não pertence à tradição ocidental permanecem quase intocadas elas provavelmentecontêm muitas e surpreendentes jóias literárias Elementos de espaço tempo qualidade e intensidade esta belecem diferenças de grau entre a literatura mundial e a litera tura comparada Mas há distinções mais fundamentais Em pri meiro lugar o conceito americano de literatura comparada en globa inquirições a respeito da relação entre literatura e outras órbitas a literatura mundial não Em segundo lugar mesmo a definição francesa mais restrita de literatura comparada onde o material a ser estudado é inteiramente literário como na lite ratura mundial especifica um método a literatura mundial não A literatura comparada requer que uma obra autor tendência ou tema sejam realmente comparados a uma obra autor ten dência ou tema de um outro país ou esfera mas uma coleção de ensaios sobre digamos Turgeniev Hawthorne Thackeray e Maupassant sob um único título bem poderia ser chamada Fi guras da Literatura Mundial sem que contivesse quaisquer com parações ou talvez apenas comparações incidentais Webster define comparativa como sendo estudada sistematicamente através da comparação de fenômenos como literatura compa rada Vários cursos dedicados à análise de obrasprimas literá rias de diversos países são oferecidos atualmente nas faculdades americanas e têmse publicado várias antologias elaboradas para tais cursos Esses cursos e livros deveriam ser e normalmente o são designados pelo termo literatura mundial e não li teratura comparada já que de modo geral as obras são estu dadas enquanto obrasprimas individuais e não ao menos não re gularmente comparadas de forma sistemáticaCaberia ao professor ou ao organizador desse curso ou livro tornáIo rcallllclIll COIII parativo desde que a escolha de textos se prestasse a tralallllllo comparativo Um estudo de literatura comparada não tem que ser com parativo a cada página ou a cada capítulo mas o propósito a ênfase e a execução globais devem ser comparativos12 A verifi cação do propósito da ênfase e da execução requer igualmente o julgamento objetivo e o subjetivo Portanto não se pode e nem se deveria estabelecer regras rígidas além desses critérios3 O termo literatura geral tem sido utilizado por cursos e publicações que lidam com literatura estrangeira em tradução in glesa ou de modo ainda mais vago por disciplinas que não se encaixam em compartimentos departamentais e parecem ser do interesse de estudantes fora de uma literatura nacional Este ter mo às vezes se refere a tendências literárias problemas e teorias de interesse geral ou à estética Coleções de textos e de estu dos críticos ou comentários tratando de várias literaturas foram incluídas nesta categoria por exemplo muitas antologias e obras históricas e críticas tais como Laird org The World through Literature Shipley org Dictionary of World Literature e Ency clopedia of Literature Devese lembrar que assim como o ter mo literatura mundial literatura geral não consegue prescre ver um método comparativo de abordagem Embora cursos e pu blicações de literatura geral possam proporcionar uma base excelentepara estudos comparativos eles não são necessariamente comparativos em si mesmos A própria nebulosidade do termo literatura geral parece ter contribuído para a posição vantajosa que ela ocupa nos Es tados Unidos Uma definição muito mais precisa de literatura geral elaborada pelo estudioso francês Paul van Tieghem Sor bonne embora não seja amplamente aceita fora da França me rece a nossa atenção14 Para ele literatura nacional literatura comparada e literatura geral representam três níveis consecuti vos Literatura nacional trata de questões restritas a uma litera tura nacional literatura comparada normalmente lida com pro blemas envolvendo duas literaturas diferentes literatura geral se dedica a desenvolvimentos em um maior número de países com tituindo unidades orgânicas tais como Europa Ocidental Euro pa Oriental Europa América do Norte Europa e América do Norte Espanha e América do Sul o Oriente etc Exprcssa vi 186 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÇÃO IX sualmente a literatura nacional seria o estudo da literatura entre muros a literatura comparada além dos muros e a literatura ge ral acima dos muros15 Num estudo de literatura comparada as literaturas nacionais continuariam a ser fatores primários ser vindo como âncoras de investigação num estudo de literatura geral as literaturas nacionais simplesmente forneceriam exem plos para tendências internacionais Segundo Van Tieghem um estudo sobre o lugar na literatura da Nouvelle Héloise de Rous seau seria parte da literatura nacional um trabalho sobre a in fluência de Richardson na Nouvelle Héloise de Rousseau per tenceria à literatura comparada um exame do romance sentimen tal europeu seria literatura geral O próprio Van Tieghem escre veu uma série de trabalhos ilustrando suas idéias de literatura geral La littérature latine de IaRenaissance Histoire littéraire de lEu rope et de lAmérique de Ia Renaissance à nos jours Preroman tisme Romantisme européen Découverte de Shakespeare dans le continent Outras sínteses desse tipo incluem Europaische Li teratur und Lateinisches Mittelalter de Curtius II Romanticis mo nel mondo latino de Farinelli Outline of Comparative Lite rature de Friederich e as duas magistrais obras geminadas de Hazard La pensée européenne 16801715e La pensée européen ne au XVllIe siêcle As definições de Van Tieghem levantam pelo menos uma questão Não seria arbitrário e mecânico relegar como ele fez o termo literatura comparada a investigações comparativas limi tadas a dois países enquanto estudos envolvendo mais de dois países são reservados à literatura geral Por que uma compara ção entre Richardson e Rousseau deveria ser classificada como literatura comparada ao passo que uma comparação entre Ri chardson Rousseau e Goethe tal como foi feita anos atrás por Erich Schmidt seria atribuída à literatura geral Será que o ter mo literatura comparada não é suficiente para cobrir sínteses englobando qualquer número de países assim como acontece no Outline of Comparative Literature de Friederich Ao estabelecer suas categorias distintivas Van Tieghem pro vavelmente pensava menos em unidades logicamente coerentes do que numa necessária divisão de trabalho O número de obras cria tivas históricas e críticas a serem absorvidas por um especialista antes que ele possa pretender retratar adequadamente um aspec to ou período limitado de uma literatura se tornou tão enorme que não se pode esperar desse mesmo especialista que se dedi que a uma ou mais literaturas adicionais Por outro lado por ra zões de inclinação aptidão e longevidade estudiosos se especia lizando em literatura comparada serão teme Van Tieghem provavelmente incapazes de se reunir e integrar as pesquisas de mais de duas literaturas nacionais Um terceiro grupo de espe cialistas se faz portanto necessário para combinar as descobertas da literatura nacional e da literatura comparada e as incorporar na literatura geral Os perigos de tal arranjo além de sua muito hipotética via bilidade dado o acalentado individualismo da profissão acadê mica são de pronto aparentes Os especialistas em literatura com parada e literatura geral teriam que se contentar com a organiza ção das descobertas de outros em si uma tarefa hercúlea um encargo que tende a expôIos à perda de contato com o texto lite rário e a fazêIos carregar as sementes da mecanização superfi cialização e desumanização da literatura Os próprios livros de Van Tieghem certamente não escaparam desse perigo totalmente ilesos Mas Hazard por outro lado em suas duas sínteses foi magistralmente bemsucedido em apresentar o espírito de uma época préiluminismo e racionalismo sem deixar os ossos descarnados Somos inclinados a pensar que uma rígida divisão de traba lhos entre os especialistas em literatura nacional literatura com parada e literatura geral não é nem possível nem desejável 16 Es pecialistas em literatura nacional deveriam entender e guiarse pela obrigação de ampliar suas perspectivas e deveriam ser encoraja dos a empreender de vez em quando excursões em outras litera turas ou esferas relacionadas à literatura Especialistas em litera tura comparada deveriam ocasionalmente retomar às áreas mais circunscritas da literatura nacional para se certificarem de que pelo menos um pé está bem plantado no chão É exatamente isso o que têm feito com coerência os melhores estudiosos da área de literatura comparada seja nos Estados Unidos seja no exterior 111 Nenhum dos termos discutidos é absolutamente preciso Existem sobreposições entre todos As definições de literatura nacional 188 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO E FUNÃO IX e literatura comparada e as distinções existentes entre elas são contudo suficientemente claras para nos serem úteis Embora subscrevamos o conceito americano mais abrangente de litera tura comparada insistimos em que os tópicos que se diz perten cerem a essa área sejam submetidos a um escrutínio mais rigoro so com base em critérios mais estritos do que tivemos até hoje Literatura mundial no sentido de uma literatura de mérito ou sucesso tão relevante que chegou a ganhar atenção internacio nal é um termo útil mas não deve ser utilizado com indulgên cia como uma espécie de alternativa para literatura comparada ou literatura geral Devese esperar que o termo literatura geral seja evitado sempre que possíveL Ao menos hoje em dia ele sig nifica inúmeras coisas diferentes para inúmeras pessoas Em seu lugar deveríamos usar sinônimos para a conotação pretendida literatura comparada ou literatura mundial ou literatura em tra dução ou literatura ocidental ou teoria literária ou a estrutura da literatura ou só literatura qualquer que seja o caso NOTAS 1 A abordagem escolhida deliberadamente neste ensaio é descritiva e sincrônica e não histórica e genética Uma combinação dessas duas abordagens teria ido além da inten ção e das proporções deste rabalho mas permanece sendo o objetivo último Tampouco este estudo se preocupa com o status da pesquisa e dos programas de literatura compara da em universidades e países específicos a não ser na medida em que mantém relação direta com a questão básica da definição 2 Este segmento é representado por estudiosos tais como Fernand Baldensperger Jean Marie Carré Paul Hazard Paul van Tieghem Hemi Roddier e ainda Marcel Bataillon Charles Dédéyan Basil Munteano MF Guyard Jacques Voisine Claude Pichois Si mon Jeune e outros Embora se tenha tido cuidado para que este ensaio se concentrasse em problemas não abordados em minha contribuição para o Yearbook 1960 há entre eles leves e ocasionais coincidências nos momentos em que se contrastam as tendências ame ricanas e européias 3 Ao pesar a possibilidade da coincidência contra a possibilidade da influência o com paratista poderia aprender bastante com as técnicas do folclorista que há muito teve que confrontar estc problema em seu exame de motivos Muitos estudos sobre o folclore são comparativos por excelência 4 Algumas frases desse parágrafo foram retiradas de minha resenha sobre o ensaio de Fritz Neubert Studien zur vergleichenden Literaturgeschichte em Modern Language Fo rum 39 1954 15455 5 Mesmo na teoria vemos alguns sinais de hesitação Em seu estudo Guyard relata que recentemente tem havido um movimento em direção a uma apreciação não estética da literatura Ele também admite que estudos de influência e vastas sínteses embora perigosos são necessários e chega mesmo a ver lugar para estudos de coineidêucias Vlll Til hem embora excluindo comparações coincidentes da literatura comparada as illlllli algo arbitrariamente na Literatura Geral Alguns estudiosos franceses l3élllOl J IillIl ble etc desafiaram os objetivos tradicionais do comparatismo francês em seus t rahIIIIIS ou já na época dos debates do Primeiro Congresso Francês de Literatura Comparada BOI deaux 1956 e do Segundo Congresso Internacional de Literatura Comparada Chapcl J lill 1958 Além disso conferencistas tão proeminentes no último encontro como Frappier Roddier Munteano Escarpit etc enquanto defendiam a solidez básica da tradição com parativa francesa já conheciam seus abusos passados e potenciais e sugeriam novas apli cações dos seus métodos O trabalho de Etiemble Comparaison nest pas raison assim como os manuais de Claude Pichois AM Rousseau e Simon Jeune ainda que não te nham rompido com a tradição francesa de literatura comparada incorporaram cons trutivamente em suas linhas mestras idéias correntes na teoria e na prática americanas 6 Também na América teoria e prática não são idênticas Parece seguro afirmar que a maioria dos estudiosos americanos inclusive aqueles de literatura comparada fazem sua pesquisa efetiva segundo linhas históricas mais ou menos tradicionais a despeito de sua teórica adesão ou não adesão à crítica 7 No Primeiro Congresso Francês de Literatura Comparada realizado em Bordeaux em março de 1956 Basil Munteano atribui a relação entre literatura e outras artes à li teratura geral Littérature générale et Histoire des idées 1957 p 25 Simon Jeune se guiu seus passos 1968 8 Os conceitos italiano e inglês de literatura comparada acompanham de perto as idéias francesas Os estudos comparativos ingleses que têm pouca Gestalt parecem no entan to algo menos restritivos do que os franceses em sua maior atenção à literatura da Idade Média embora a posição francesa original que excluía a Antigüidade e a Idade Média da literatura comparada tenha sido submetida a uma revisão nos últimos quinze ou vin te anos ver Jean Frappier Littératures médiévales et littérature comparée problemes de recherche et de méthode nos Proceedings do Segundo Congresso da Associação In ternacional de Literatura Comparada Chapel Hill 1959 1 2535 Comparatistas italia nos sem dúvida influenciados por Croce não hesitam em enfatizar o lado estético da literatura apesar de sua adesão geral aos modelos franceses A tendência na Alemanha assim como nos Estados Unidos era decididamente na direção da crítica literária da análise intrínseca da obra até meados da década de 60 O interesse na crítica literária e especialmente na literatura do século XX bem como nos traços contemporâneos da literatura anterior permanece ao lado de preocupações sociais e politicas correntes Por outro lado a orientação do principal corpo de estudos comparativos nesses dois paí ses continua sendo histórica e o órgão de estudos dos comparatistas alemães Arcadia tem uma forte propensão histórica O Japão há muito devedor da tradição francesa se volta agora para a orientação americana Para detalhes sobre a situação da literatura com parada em muitos países ver o Yearbook of Comparative and General Literature o Fors chungsprobleme der Vergleichenden Literaturgeschichte 1 e 2 a Revue de Littérature Com parée e os Anais dos Congressos 9 Para o comparatista americano uma tal falta de coerência lógica seria mais apa rente do que real pois ele veria uma conexão fundamental entre a inclusão da literatura e as artes literatura e música etc na Literatura Comparada e a abordagem analó gica no interior da literatura reconhecida pelos praticantes americanos em ambos os casos a comparação seja pura seja relacionada causalmente salienta características inerentes ou potenciais da literatura 10 As bibliografias trimestrais da Revue de littérature comparée contribuíram para ames ma confusão O que fazem numa bibliografia comparativa títulos como ErziihliJlllll1I ill den Werken Gerhart Hauptmanns ou Zur erlebten Rede im englischen Romall tIs 20 Iahrhunderts 33 janmarço 1959 148149 190 LITERATURA COMPARADA 11 Os termos literatura internacional e literatura universal são mais ou menos si nônimos de literatura mundial mas não conseguiram imporse O holandês J C Brandt Corstius oferece em seu De Muze in her Morgenlicht Zeist 1957 p 14970 um exce lente relato tanto descritivo quanto crítico da evolução do termo literatura mundial desde os primórdios da história passando por Herder e Goethe até o século XX Mais recentemente estudos marxistas da Europa Oriental consideraram Literatura Mundial um termo mais próximo de Literatura Comparada 12 As pioneiras Lectures on Dramatic Art and Literature 1808 de Wilhelm von Schle gel podem servir como ilustração Pertencem à literatura comparada não porque o au tor cobre as literaturas da Grécia e de Roma no primeiro volume e as literaturas da Itá lia França Inglaterra Espanha e Alemanha no segundo Mesmo que se limitassem a discussões independentes destas literaturas seus ensaios continuariam fornecendo rico material para a literatura comparada Eles são literatura comparada porque por exem plo em sua primeira conferência o autor compara não apenas o teatro grego com o lati no mas o teatro clássico com o romântico e comenta o teatro espanhol português e alemão porque ele se refere constantemente às literaturas clássicas quando trata por exem plo da literatura italiana e francesa porque ele aproveita toda oportunidade para esbo çar comparações gerais entre as literaturas dramáticas da Inglaterra e da Espanha da Espanha e de Portugal da França e da Alemanha etc porque ele tem sempre em mente as pelaridades gerais do teatro tragicômico poéticoteatral Ernst und Scherz etc porque sempre que possível ele dirige sua atenção para as artes É a combinação desses fatores que torna esta obra nitidamente comparativa Mas não são todos os capitulos que poderiam ou precisariam ser enquadrados no rótulo globalizante de comparativo sua décima primeira conferência por exemplo limitase completamente à França sua décima terceira à Inglaterra 13 Julius Petersen argumenta que qualquer tratamento de uma literatura estrangeira é de certo modo comparativo uma vez que utiliza consciente ou inconscientemente cri térios derivados do ambiente nacional do próprio autor Die Wissenschaft von der Dich tung Berlim 1939 17Esta observação é válida mas é claro que o ângulo comparativo de um estudo literário deve ser explícito e não implícito se pretende ter algum padrão 14 Às vezes Van Tieghem usa o termo alternativo literatura sintética 15 Esta definição foi sugerida pelo Professor Craig La Driere ao falar na seção de Lite ratura Comparada da Modern Language Association of America em New York em de zembro de 1950e elaborada por ele nos Proceedings do Segundo Congresso da Associa ção Internacional de Literatura Comparada 1 16075 16 Igualmente inaceitável porque artificial é a sugestão de compromisso de Werner P Friederich de que os estudiosos de literatura comparada se deveriam restringir ao siste ma francês no ensino mas poderiam permitirse o ponto de vista americano em suas pesquisas Zur Vergleichenden Literaturgeschichte in den Vereinigten Staaten ERNST WAIS eds Forschungsprobleme der Vergleichenden Literaturgeschichte Tübingen 1958 vol 2 p 186 CRISE DA LITERATURA COMPARADA Renê Etiemble Krise du Komparatistik The Crisis of Comparative Literature Crise de Ia littérature comparée Isso também deve ser dito em sérvio e em japonês Ainda que a palavra crise esteja na moda e que para desafiar o leitor os autores de artigos ou de obras sobre qualquer assunto a utilizem indiscriminadamente em qual quer situação lugarcomum a literatura comparada efeti vamente experimenta pelo menos há vinte anos o que não é mais conveniente chamarmos de crise Eu me proponho fazer aqui o diagnóstico desse fato com a intenção quem sabe de prescrever ou pelo menos sugerir alguns remédios Contra todo chauvinismo MariusFrançois Guyard professor da Faculdade de Letras de Estrasburgo publicou em 1951na coleção Que saisje a pri meira edição de um trabalho destinado sobretudo ao grande pú blico mas muito discutido pelos especialistas La littérature com parée Ainda que tenha sido prefaciado por JeanMarie Carré professor da Sorbonne foi friamente recebido aqui e em outros lugares sobretudo nos Estados Unidos Numa recensão que pu blicou sobre e contra esse trabalho Calvin S Brown observou ironicamente que o nosso compatriota classificaos trabalhos com paratistas sob as seguintes designações Escritores franceses no estrangeiro Escritores estrangeiros na França Influências entre literaturas estrangeiras Assim quem poderia proibir os comparatistas americanos de dar à sua literatura a mesma posi ção central the same central position Da mesma forma quem ETIEMBLE René Crise de Ia littérature comparée Comparaison nest pas raison Paris Gallimard 1963 p 923 ousaria proibir o árabe ou se quisermos o muçulmano de aproveitarse do fato para ele indiscutível de que a sua língua é a língua de Deus e de exigir que uma literatura dotada de tal privilégio prevaleça sobre todas as outras Por que ainda a China favorecida pela enorme população que logo terá favorecida pe los quatro mil anos de uma reconhecida civilização consciente do seu nome o País do Centro o Império Central não rei vindicaria para a sua literatura o ponto de vista que Guyard co mo bom patriota adota para a dele Como cidadãos dos Esta dos Unidos país que tem uma consciência talvez excessiva de seus poderes Calvin S Brown então não age mal em contestar o pos tulado de Guyard esse método é em verdade insensato that way madness lies Quando apresentei minha candidatura para a cátedra de li teraturas comparadas aberta na Sorbonne com a morte de lean Marie Carré nunca escondi que sendo admitido nessa institui ção tentaria introduzir ali uma outra concepção para a nossa dis ciplina Ao ser eleito o Reitor Sarrailh ofereceume os Annales de rUniversité de Paris para neles expor o meu ponto de vista Estando restrito às dimensões de um artigo produzi algumas pá ginas intituladas Littérature comparée ou comparaison nest pas raisonl Pouco tempo antes um número especial da Revue de Littérature comparée Orientações em literatura comparada Ganeiromarço 1953 à sua maneira parecia também responder às teses de Guyard além da concepção francesa apresentava a alemã a americana e a italiana Franco Simone referiase à esté tica de Croce lembrava que Luigi Foscolo Benedetto com razão julgava que a crítica literária e a história literária são duas dis ciplinas distintas e igualmente legítimas Assim se um ameri cano considerava nossa disciplina um pouco centrífuga um alemão chegava quase a confundir literatura ocidental e literatu ra universal É lamentável entretanto que nenhum estudo desse notícias do comparatismo na Rússia É verdade que a tirania de Stalin proibia ali naquele momento essa ciência burguesa Em 1950 o ditador dos escritores Fadaiev condenava no Pravda Georges Lukács julgandoo culpado por praticar o comparatis mo isto é o cosmopolitismo por mostrar um espírito burguês faltando pouco para acusáIo de cumplicidade com o capitalis mo Por sorte os tempos mudaram Desde 1958 a Societas Scien tiarum Lodziensis da Universidade de Lódz na Polônia publi ca sob a direção de Stefania Skwarczynska lan Trzynadiowski c Witold Ostrowski uma revista que já está no sétimo 1l1l1llCIO c cujo título em três línguas por si só configura um progrlIl1a Zaganienia Rodzajów Literackich Voprosy literaturnyh Zanrov Lesproblemes des genreslittérairesEm 1962 a Academia de Ciên cias da Hungria organizou em Budapeste de 26 a 29 de outu bro um Congresso Internacional de Literatura Comparada do qual participaram não apenas representantes do mundo socialis ta com exceção da Albânia e da China como também re presentantes da Bélgica da Suíça dos PaísesBaixos e da Fran ça inclusive ex offido WAP Smit presidente da Associação Internacional de Literatura Comparada Agora que o mundo so cialista fica livre de uma incômoda personalidade e reconhece que a nossa disciplina responde à exigência fundamental do marxis mo a literatura comparada concebida segundo as normas de Gu yard parece ainda mais provinciana Mesmo que os Voprosy Is torii de 1958 tenham censurado os estudiosos soviéticos de se te rem isolado do resto do mundo ainda que não se possa enten der Lomonossov sem recorrer à cultura européia nem os demo cratas revolucionários russos sem conhecer o pensamento dos so cialistas utópicos da França e da Inglaterra é curioso ver reapa recer no mesmo ano uma reedição de La littérature comparée na qual Guyard não altera nada daquilo que escrevera em 1951 e todo provincianismo Atitude ainda mais incompreensível neste momento é ver se que o mundo inteiro ou pelo menos parte dele se dedica cada vez mais às nossas pesquisas Comprovam isso o Centro de In vestigaciones de Literatura Comparada de Ia Universidad de Chile os trabalhos publicados no Peru por Estuardo Nunez Autores germanos en el Perú Lima 1953 e Autores ingleses y nortea 0mericanosen el Perú em Estudios de literatura comparada Li ma 1956 e ainda segundo as normas mais rigorosas da es cola francesa Los viajeros italianos en el Perú de Raúl Porras Barrenechea Lima Ecos 1957 Testemunho ainda mais como vente dadas as circunstâncias políticas é o trabalho de lakob Ben Iechouroun sobre o Lirismo russo e sua influência na poesia hebraica2não somente os temas e as imagens mas até os tor neios frasais da poesia judia contemporânea teriam sofrido grande influência dos clássicos russos Não é tarefa minha então in formar aos japoneses a existência do Hikaku Bunkaku Iournal 11 RISE DA LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA 192 li 194 LITERATURA COMPARADA CRISE DA LITERATURA COMPARADA I ojComparative Literature publicado pela Comparative Litera ture Society of Japan ou dos Hikaku Bunkakukenkyy Études de littérature comparée publicados pelo Instituto de Literatura Comparada da Universidade de Tóquio Política e literatura comparada A primeira tarefa dos comparatistas agora dentre todas as que se impõem é renunciar a todo tipo de chauvinismo e pro vincianismo reconhecendo enfim que a civilização humana on de os valores se intercambiam há milênios não pode ser com preendida nem apreciada sem que se faça constante referência a essas trocas cuja complexidade impede a quem quer que seja de ordenar a nossa disciplina em função de uma língua ou de um país privilegiandoo dentre os demais Não se trata de proibir a um povo ou a um grupo de povos de interessarse por questões que lhes dizem respeito É necessá rio ainda que a política não intervenha excessivamente alteran do o funcionamento dessas pesquisas particulares Vejase por exemplo a conferência com a qual LO Nieoupakoieva abriu depois de Vlanu o Congresso de Budapeste em 1962 Após um elogio à escola francesa e uma crítica à escola americana a qual segundo ela parecia desnacionalizar de forma inoportuna as li teraturas essa influente figura da Academia de Ciências de Mos cou condenou a tendência do mundo capitalista de estudar co mo um conjunto privilegiado a história comparada das literatu ras da Europa Ocidental não obstante tivesse aprovado um dos temas desse congresso o início de um estudo comparado das li teraturas da Europa oriental e balcânica De duas uma respondi lhe resumidamente ou bem se admite e eu admito de bom gra do que por razões geográficas históricas e hoje em dia políti cas o mundo socialista tem bons motivos para estudar particu larmente as relações culturais e especialmente literárias nos paí ses danubianos no leste e no sudeste da Europa ou então é ne cessário admitir que pelas mesmas razões geográficas histó ricas e hoje políticas os povos da Europa ocidental também possuem motivos para estudar as relações culturais e literárias entre os países que foram civilizados por Roma como a Itália a Península Ibérica a França a Inglaterra a Alemanha Ociden tal e por que não a África do Norte Evitemos somente que tanto a leste quanto a oeste esses estudos regionais de literatura comparada não sirvam para instigar ou dissimular manobras dc alta política Pela idéia que alguns alemães têm da literatura comparada eu percebo em certos casos um reflexo do sonho europeu que foi depois de tantos outros o de Hitler e que é motivo de in quietação para nossos colegas soviéticos tanto quanto para nós Certamente a Europa não esperou esse maníaco para se sentir para se querer uma Roma Carlos Magno Carlos V Luís XIV Napoleão e Bismarck provamnos que sob diferentes linguaja res uma Europa se buscou constantemente encontrandose al gumas vezes da Antigüidade à Idade Média da Renascença ao Século das Luzes e do Primeiro Império aos nossos dias Não é necessário contudo que por meio de tentativas hoje esboça das de reconstituir a Europa das quais o Mercado Comum e a Comunidade Européia de Energia Atômica são até o presen te as mais espetaculares não é necessário repito que a litera tura comparada tenda a reconstituir em benefício de uma Euro pa conservadora e católica um novo centro do mundo arbitrá rio e perigoso Não é necessário também que a partir de agora reunidos por uma ideologia comum os países socialistas encon trem nisso um pretexto para negligenciar ou vilipendiar suas an tigas relações e suas relações atuais com a Europa Ocidental Por sorte todos os tipos de comunicações ou de relatos apresentados no Congresso de Budapeste pelos representantes dos países so cialistas sugeriam que as teses de Nieoupakoieva acentuavam uma posição teórica posição essa de que eu já tinha tomado conheci mento através de algumas publicações soviéticas mas que outros representantes nuançavam com discernimento e às vezes com energia Os discursos de encerramento e os termos da resolução final provaram que apesar de certas divergências no emprego do vocabulário divergências essas que poderão ser atenuadas lo go eu penso particularmente no emprego dos termos realismo realismo crítico realismo socialista que não têm o mesmo senti do nas línguas dos países socialistas e nas dos países capitalistas mas que o recente Discurso de Praga pronunciado por Louis Aragon poderia conduzir a um único sentido os compara tistas do mundo capitalista e do mundo socialista concordam sobre o essencial o objeto e a seguir os métodos de sua disciplina comum É necessário então desejar que um artigo como o do ProL Host Rüdiger de Mayence Nationalliteraturen und Europiii sche Literatur publicado em maio de 1962 no Schweizer Mo natshefte não signifique um retorno a qualquer chauvinismo eu ropeu que mesmo restrito não seria preferível ao nacionalismo francês de MariusFrançois Guyard3 Não é portanto inteira mente sem razão que não obstante os seus méritos o ensaio de Ernst Robert Curtius sobre Europiiische Literatur und Lateini sches Mittelalter Literatura européia e Idade Média latina sus cite certa inquietude aos comparatistas dos países socialistas Em contrapartida quando Nieoupakoieva investe contra a exposição de René Wellek no segundo Congresso Internacional de Litera tura Comparada realizado em Chapel Hill 1958 quando con testa o artigo tão moderado e sensato de Henry H H Remak Comparative Literature at the Crossroads Diagnosis Therapy and Prognosis quando também censura a Henri Peyre de afir mar que o traço mais apreciável do comparatismo é sem dúvi da a consciência supranacional que ele consegue dar aos homens não posso evitar de ver aí um sinal evidente de seu patriotismo russo patriotismo esse que não deve degenerar em nova descon fiança contra o espírito cosmopolita não no sentido burguês mas no sentido socrático montanista desse termo A literatura comparada é o humanismo Pareceume útil então lembrar ao Congresso de Budapeste duas fórmulas que eu via como o credo de todo comparatista O antigo isolamento local e nacional em que cada um se bas tava a si próprio dá lugar a uma interdependência universal das nações O que é verdadeiro para a produção material aplicase à produção intelectual As obras de uma nação tornamse pro priedade comum de todas as demais A estreiteza de espírito e o exclusivismo nacionais não podem mais ser admitidos a par tir de numerosas literaturas nacionais e mesmo regionais forma se de agora em diante uma literatura universal Karl Marx Se eu soubesse qualquer coisa que me fosse útil e que fosse pre judicial à minha família eu a excluiria de meu pensamento Se soubesse qualquer coisa de útil para a minha família e que não fosse útil à minha pátria eu procuraria esquecêIa Se soubesse qualquer coisa de útil para a minha pátria e que fosse prejudicial à Europa ou ainda que fosse útil à Europa e prejudicial à hu manidade eu a consideraria um crime Montesquieu Que es candaloso paradoxo se apenas os países capitalistas desejassem e pudessem assegurar hoje em literatura comparada os princípios internacionalistas de Montesquieu e Karl Marx Determinadas essas questões julgueime felizpor ouvir nossa colega da Academia de Ciências de Moscou sustentar que a lite ratura comparada deve estudar não somente as relações entre as diferentes literaturas da época moderna e contemporânea mas no seu conjunto a história dessas relações devendo voltar ao pas sado mais antigo Nieoupakoleva que revela uma grande simpa tia pela escola francesa de literatura comparada me recorda muito a propósito que o ensino de nossa disciplina é ministrado na Sorbonne por um Institut de Littératures modernes et compa rée e que tradicionalmente se estuda aí não mais que as rela ções internacionais a partir dos séculos XVI e XVII dando maior ênfase aos séculos XIX e XX Como se o estudo das relações en tre a literatura grega e a literatura latina não pudessem ou não devessem nos interessar a nós os comparatistas Como se as re lações entre o mundo grego o árabe o judaico o romano o es lavo e o império mongol da Idade Média não fossem dignos de nossa atenção Como se quando ao ocuparse da origem da tra gédia e da comédia o comparatista pudesse negligenciar a par tir de então o livro do cônego Etienne Drioton sobre Le Théâtre Égyptien prelúdio indispensável a toda reflexão sobre o trágico e o cômico dos gregos e conseqüentemente sobre a dramaturgia da Europa Quanto aos comparatistas japoneses se desde a era Meiji eles se interessam com razão pelas relações de seu país com as literaturas da América e da Europa se eles encontram motivo para estudar a influência da poética inglesa sobre a prosódia ja ponesa a influência das letras inglesas e italianas sobre Natsu me Soseki ou ainda a influência da literatura francesa sobre Aku tagava Ryanosuke como sem trair o espírito de nossa discipli na negligenciariam eles as relações antigas e duráveis que os uni ram à China e ao mundo budista Quando Koichi Sakai exami Ila a influência do Rha King sobre o Chashin Monogatari ele se comporta do mesmo modo que o francês que estuda como o llIito de Teseu de Édipo ou de Prometeu são tratados hoje por odeau e por Gide Poderseá objetar de antemão que a literatura compara lil difundida de modo desmesurado no espaço já quc prctell 117 RISE DA LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA 196 198 LITERATURA COMPARADA de cobrir todo o planeta poderá vir a sêIo também no tempo o que não permitiria aos estudiosos da matéria a obtenção de nada mais do que rudimentos ainda que investissem nisso toda a sua vida Eu responderei que me limito até aqui a definir o es pírito de nossa disciplina e que justamente se trata no presen te de verificar se podemos conciliar as exigências de nosso ofí cio com a duração média da vida de um homem mesmo que se ja ele comparatista NOTAS 1 CL Hygiime des Lettres 1 3 Savoir et goUt Paris Gallimard 1958 p 15473 2 O autor cita o título em francês de uma obra editada em TeAviv em hebreu edições Dvir 1955 N da T 3 Tal nacionalismo como bem acentuou Mortier professor da Universidade de Bruxe las apresenta um grande progresso se comparado ao de Louis Raynaud que condenava no romantismo o fato de ser um movimento de origem germânica SOBRE O ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA Victor M Zhirmunsky Tem sido uma prática comum a interpretação do estudo de lite ratura comparlida em termos de influências literárias considerase cada semelhança mais ou menos casual entre os au tores ou entre suas obras como o resultado de influências literá rias exteriores venham estas do mesmo país ou de países estran geiros Esta abordagem aos estudos comparativos ainda bastante difundida nos tempos atuais deu origem a uma atitude geralmen te cética em relação a um método de comparação de fatos literá rios indiscriminado e formal que consistentemente ignora fatos re levantes como por exemplo a personalidade criativa do autor a conexão de sua obra com a vida social que ela reflete sua origem nacional e histórica eas adaptações ao tempo lugar e individuali dade aos quais tais empréstimos necessariamente sesujeitam Porém a despeito desse fato pareceme que em pesquisa li terária bem como em outros estudos sociais a comparação tem sido sempre e assim deverá permanecer o princípio básico da investigação histórica A comparação não destrói a particu laridade do objeto estudado seja este individual nacional ou his tórico pelo contrário são precisamente os pontos de similarida de e diferença entre os objetos comparados que começando com uma justaposição elementar nos levam finalmente à sua explanação histórica Neste sentido o estudo comparativo den tro ou além dos limites de uma literatura nacional deve ser visto como um princípio fundamental da pesquisa literária ZHIRMUNSKY Victor M On the Study of Comparative Literature Oxford Slavonic rs 13 1967 113 Conferência pronunciada na Tay10rInstitution em Oxford a i de abril de 1966 O acadêmico Zhirmunsky recebeu no dia seguinte o título de Dou I Ionoris Causa em Letras no Teatro She1donian 200 LITERATURA COMPARADA lItRH O ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA 201 Movimentos literários em geral e fatos literários em parti cular considerados como fenômenos internacionais são parcial mente baseados em desenvolvimentos históricos similares na vi da social dos respectivos povos e parcialmente em suas relações culturais e literárias recíprocas Quando consideramos as tendên cias internacionais na evolução da literatura devemos distinguir entre analogias tipológicas e importações culturais ou influên cias que são elas mesmas baseadas em similaridades na evolu ção social 1 Neste sentido o estudo comparativo da literatura pressupõe como princípio básico a noção de unidade e reglllaridade na evo lução social da humanidade em geral Semelhanças no domínio das idéias entre povos em estágios de desenvolvimento histórico semelhantes são baseadas nos paralelismos de sua organização social paralelismos que podem ser traçados mesmo entre os povos da Europa Ocidental e da Ásia Central durante o período feudal Analogias tipológicas ou convergências do mesmo tipo entre literaturas de povos distantes sem contacto direto entre si são muito mais comuns do que geralmente se supõe Este fato foi confirmado por meus estudos sobre o folclore e a literatura medieval clássica das nações iranianas árabes e turcas do Orien te Próximo e do Oriente Médio comparadas com as do Ociden te germânico românico e eslavo Certamente as convergências são sempre temperadas como em outras esferas da vida social por divergências específicas causadas por peculiaridades do de senvolvimento histórico local e nacional Os estudos comparati vos dessas tendências comuns na evolução literária conduzem a uma compreensão de algumas das leis gerais do desenvolvimen to literário e de suas precondições sociais e ao mesmo tempo a uma compreensão mais profunda das peculiaridades históri cas e nacionais de cada literatura individual Começarei com dois exemplos que já discuti de maneira mais explícita em russo2 A poesia heróica de tipo essencialmente nar rativo canções e poemas épicos emergiu independentemente entre povos diferentes em um estágio inicial de desenvolvimento social a assim chamada idade heróica Já se demonstrou que exem plos de tal poesia que sobreviveu em forma oral e escrita pos suem numerosos elementos de similaridade como ficou eviden te em obras clássicas da erudição inglesa tais como a Heroic Poetry de Sir Maurice Bowra e The Growth of Literature de H Munro Chadwick e Nora Chadwick Pontos de similaridade tí picos desta espécie são por exemplo o nascimento mÍraculoso do herói sua invulnerabilidade mágica suas proezas na primei ra infância sua conquista de um maravilhoso cavalo de batalha c de uma espada de qualidades sobrenaturais a idealização tra dicional do herói e dos guerreiros que o acompanham de sua força e coragem provadas em uma batalha com inimigos inu meráveis com um dragão ou outros tipos de monstros ou com um gigante de imensa estatura e grande força física e de horrível feiúra Outras características comuns são o costume da frater nidade adotiva entre dois heróis como seqüela a um combate singular no qual eles demonstram igual valor a figura típica da donzela guerreira que o herói derrota em batalha e em seguida toma como noiva episódios na busca por uma noiva a corte heróica envolvendo os concorrentes em competições de cavala ria arco e flecha e luta corporal Estas similaridades foram no princípio estudadas num li mitado contexto indoeuropeu e eram atribuídas a um fundo co mum de mitos e tradições épicas arianas isto é protoindo européias uma teoria que recentemente encontrou novos ad vogados entre os neomitólogos como por exemplo Georges Dumesnil e Jan de Vries Mas existem às vezes tantos pontos de semelhança entre canções épicas turcas e mongólicas e as byiny russas como entre estas últimas e os épicos germânicos Mais tarde foi apresentada uma hipótese envolvendo influências e em préstimos Um grande número de obras interpretam desta ma neira todas as semelhanças que existem entre épicos de diferen tes povos por exemplo entre o alemão e o celta Zimmer e o escandinavo e o russo StenderPetersen Alguns encontram as origens do épico francês e do espanhol na lenda heróica alemã Pio Rajna e Menéndez Pidal das canções junak da Sérvia nas chansons de geste francesas Vaillant ou das byiny russas em fontes persas ou turcomongólicas Vsevolod Miller e V Stasov Mas o caráter universal das analogias observáveis nas literaturas picasde muitos povos que nunca estiveram em contacto direto uns com os outros torna essas hipóteses bastante inconsistentes Os seguintes exemplos servem para ilustrar este ponto de vis Ia Não são apenas os heróis de origem indoeuropéia como Aqui ks Siegfried Isfendiar no Shahnama e Sosruko no épico Os sc Nart que possuem invulnerabilidade mágica a maioria dos 202 LITERATURA COMPARADA I t SOBRE o ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA 203 heróis dos épicos turcos e mongóis tal como por exemplo AI pamysh gozam da mesma qualidade mágica dizse geralmen te deles que lanças não podem penetráIas espadas não podem feriIas e que as flechas ricocheteiam em seus corpos Mesmo as sim a maioria dos heróis são condicionalmente vulneráveis o ponto vulnerável de Siegfried localizase entre suas omoplatas em Aquiles no calcanhar em Isfendiar no seu único olho em Sosru ko no joelho Assim o conceito da mágica invulnerabilidade do herói tornase reconciliável com a história de sua morte trágica A infância heróica enjances dos paladinos das chansons de geste CarIos Magno Roland Vivien etc se parece com a dos heróis da byliny russa como por exemplo acontece com os jovens Konstantinushko e Ermak Timofeevich Os jovens Roland e Aimeri de Narbonne realizam seus primeiros feitos heróicos na ausência dos mais velhos e à testa de um bando de outros jovens Uma história semelhante é cantada na Canção dos três meni nos Kalmyk filhos do Khan Dzhangar e de seus homens que na ausência de seus pais salvam sua terra de uma invasão estran geira épicos usbeques também contam os feitos de Nurali e Raws han os heróicos netos do famoso Gorogli que nas idades de no ve e sete anos respectivamente salvam o pai de Nurali Awaz Khan quando este se encontra cercado por seus inimigos e antes que Gorogli e seus guardacostas possam vir em sua ajuda Jurei pertencer somente àquele que me derrotasse em com bate singular Estas palavras pronunciadas por Khandit a he roína do épico armênio Davi de Sasun são repetidas palavra por palavra por numerosas beldades beligerantes em épicos turcos e mongóis assim como por Nastasyaafilhadorei Nastasya korolevishna a amazona russa polenitsa que é vencida em campo aberto pelo herói Dunay Ivanovich Uma interpretação correta destas e de uma série de outras analogias tipológi cas foi oferecida acredito por A N Veselovski 18381906 o fundador dos estudos comparativos na Rússia em seu livro so bre a poética dos enredos3 Veselovski interpretou motivos poé ticos deste tipo como fórmulas simbólicas determinadas em suas origens por condições semelhantes de vida e psicologia social Queria quc scu livro fosse uma paleontologia de enredos que tentasse revelar suas bases e precondições históricas e suas pecu liaridades psicológicas c sociais por meio de comparações literá rias de amplo alcancc Analogias tipológicas entre os épicos heróicos de povos di ferentes contudo não se limitam a motivos e enredos Elas são mais profundas e mais gerais e incluem todo um complexo de características externas e internas da poesia épica como de um estágio particular de desenvolvimento cultural e literário a subs tância ideológica da narrativa épica e sua estrutura como gênero poético suas figuras e situações típicas seu estilo tradicional fór mulas epítetos fixos repetições épicas de vários tipos as for mas sucessivas na evolução do gênero formação de ciclos bio gráficos e genealógicos desenvolvimento da canção curta ao poe ma longo da forma literária oral à escrita e finalmente o sta tus social dos menestréis épicos o cantor e o seu público canto res populares e cantores das cortes principescas o caráter da can ção oral com sua interação de tradição e improvisação com re criação parcial do texto dentro dos limites de uma herança poé tica coletiva Semelhanças bem como diferenças deste tipo de vem ser consideradas como pertencentes ao campo das analogias tipo lógicas Meu segundo exemplo concerne o estágio seguinte no de senvolvimento da poesia épica e relacionase com as similarida des detectáveis entre os romances de cavalaria da Europa Oci dental dos séculos XII e XIII o roman courtois e o assim cha mado épico romântico nas literaturas do Oriente Próximo de cerca do mesmo período Os poemas persas do poeta Nizami do Azerbaijão c 11401203LayliuMajunun KhrusrowuShirin etc são em muitos aspectos semelhantes aos romances metri ficados de seu equivalente europeu Chrétien de Troyes o funda dor deste gênero na França e de seus numerosos seguidores em toda a Europa medieyal O velho tema heróico é em ambos os casos substituído por uma história de amor romântica a narra tiva se desenvolve em torno do tema psicológico do amor ideal pintado sobre um fundo mais ou menos substancial de aventuras e feitos de cavalaria o amante corteja a sua dama em termos da vassalagem feudal enlanguesce com sua ausência e por vezes desmaia em sua presença o amor é representado como uma es pécie de doença que pode mesmo levar à insanidade Majnun no poema de Nizami e Lancelot ou Yvain nos de Chrétien Tu do isto é expressado em termos de introspecção psicológica solilóquios do herói diálogos epístolas líricas etc Uma comparação dos romances metrificados de Chréticn c 204 LITERATURA COMPARADA SOBRE O ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA 205 Nizami revela aspectos semelhantes de um gênero literário novo e ao mesmo tempo de uma época cultural específica que são inteiramente independentes de qualquer influência ou em préstimo diretos A disseminada popularidade deste gênero tanto no Ocidente quanto no Oriente é testemunho do fato de que ele se tornou a encarnação poética da nova ideologia da sociedade feudal em um estágio avançado de seu desenvolvimento e uma reflexão idealizada de condições sociais semelhantes que inci dentalmente eram mais adiantadas no Oriente do que no Oci dente Poderíamos também comparar as canções de amor dos trou veres e Minnesinger do Ocidente com as dos poetas árabes clás sicos seus predecessores e contemporâneos Sua similaridade no que concerne ao conteúdo psicológico e em parte ao estilo poético que é tão notável por exemplo em O colar da pomba do poeta andaluz IbnHazm primeira metade do século XI é a meu ver não uma indicação de influência literária mas de ana logia tipológica mesmo se admitindo a possibilidade de um intercâmbio cultural entre a Espanha árabe e o sul da França4 O exemplo mais instrutivo de estreita semelhança entre dois entrechos narrativos dentro da moldura de um gênero comum é certamente aquele que se constata entre o romance medieval francês lNstan et Iseult cuja primeira redação data provavelmente de 1150e o poema romântico persa de Gurgani VisuRamin da tado de meados do século XI e com um enredo que pode ser lo calizado em uma fonte persamédia A similaridade entre as duas narrativas é tão notável que o problema das fontes orientais de Tristan foi mais de uma vez debatido por R Zenker e mais re centemente por F R Schroeder embora de maneira não con clusiva5 Por outro lado os canais pelos quais a influência ira niana poderia passar para a literatura francesa antiga não po dem ser identificados dentro de um razoável grau de probabili dade além disso como foi mostrado por G Schoepperle e por A Smirnov6 o romance francês obviamente utiliza fontes cél ticas locais como por exemplo Diarmuid e Gráinne da antiga tradição irlandesa Compartilho inteiramente o ceticismo de V Minorsky sobre este assunto e a mim parece que a semelhan ça entre os enredos é ainda outra instância de analogia tipológi ca determinada por condições sociais semelhantes e por pré requisitos similares na construção do enredo Quando nos voltamos para a história das literaturas euro péias dos tempos modernos podemos traçar do século XVI em diante a mesma sucessão regular de tendências literárias e esti los artísticos que se seguem na mesma seqüência em países dife rentes e que são causados por tendências paralelas na evolução social Renascença barroco classicismo romantismo realismo e naturalismo modernismo usado como termo geral para cor rentes literárias variadas tais como impressionismo simbolis mo expressionismo surrealismo etc e finalmente realismo so cialista como um novo estágio no desenvolvimento da arte rea lista no socialismo As diferenças no ritmo do desenvolvimento social são responsáveis por divergências cronológicas no padrão geral por exemplo a Espanha do século XIX em comparação com a França do mesmo período Condições históricas e tradi ções culturais especiais dão origem ao sabor nacional peculiar das respectivas literaturas As tendências literárias gerais podem possuir um caráter mais ou menos definido ou podem ao con trário desviarse das formas clássicas comparar por exemplo o realismo francês e inglês nas obras de Balzac Flaubert Dic kens ou Thackeray com o caráter provinciano do realismo ale mão o que combina com o nível geral de desenvolvimento so cial daquele país em meados do século XIX Quando falamos desta sucessão de tendências e estilos prin cipais temos em mente mudanças gerais em diferentes literatu ras nacionais que são marcadas por convergências em larga es cala tanto de ideologias quanto de meios de expressão artística convergência em idéias imagens motivos e enredos na represen tação do homem e da natureza de conflitos psicológicos e lutas sociais na formação de novos gêneros literários e de novos esti los poéticos TIpico daera do romantismo é por exemplo o gê nero histórico drama e romance histórico sua voga internacio nal deveuse à elevação do nível de consciência nacional durante os conflitos sociais e internacionais da RevoluçãoFrancesa à qual estava associado um crescente interesse pela ciência pela arte e pelo passado nacional O desenvolvimento de tais gêneros român ticos novos como o poema lírico o drama lírico e o romance lírico está ligado às origens do individualismo moderno ao con flito entre o indivíduo e a sociedade burguesa contemporânea e conseqüentemente ao egocentrismo e à introspecção poética em literatura Por outro lado a escola literária do realismo clássico 206 LITERATURA COMPARADA forjou por toda a Europa e América em meados do século XIX como principal arma de crítica da sociedade contemporânea a forma do romance longo que retrata homens comuns e seus con flitos diários mostrados em suas precondições e ambientes so ciais típicos Mal poderíamos nos justificar se atribuíssemos eventos lite rários que marcaram época tais como a mudança de classicis mo a romantismo de romantismo a realismo ou de realismo a modernismo e assim por diante a uma influência literária es trangeira casual ou se tentássemos explicáIos com os lugares comuns dos recursos literários tradicionais e habituais da litera tura nacional em questão Podemos afirmar que o romantismo inglês e o alemão emergiram na mesma data 1798 como uma reação contra a Revolução Francesa e o Iluminismo do século XVIII o sentido de natureza panteísta de Wordsworth como por exemplo em Tintern Abbey era semelhante ao de seus contemporâneos alemães Tieck e Novalis embora ele não tenha jamais estudado filosofia alemã como fizera seu amigo Cole ridge Mas por outro lado não há dúvida de que o desenvolvi mento do romance histórico e do poema lírico na Europa duran te o período romântico pode ser atribuído em suas formas con cretas às relações literárias internacionais à influência de mo delos literários individuais tais como os romances de Walter Scott e a poesia de Byron tanto quanto os dramas históricos românti cos se inspiraram na herança literária das tragédias e das peças históricas de Shakespeare Sem essesmodelos a literatura român tica na Europa teria desenvolvido tendências similares gerais mas elas teriam tomado outras formas individuais Os exemplos acima citados podem mostrar que convergên cias ou analogias tipo lógicas no desenvolvimento de literaturas são geralmente cruzadas por tendências literárias internacionais contactos e influências um fato que obviamente não pode ser ignorado no estudo de literatura comparada A história da hu manidade não pode mostrar exemplos de um desenvolvimento social cultural e conseqüentemente literário isolado intocado por tais influências entrecruzadas Cada grande literatura desen volveu seu caráter nacional em constante interação com outras literaturas Quando falamos de influências literárias internacionais é preciso ter em mente as seguintes considerações gerais Em primei ro lugar uma influência literária não é um impulso mecânico e acidental vindo do exterior ou um mero acontecimento na vi da de um escritor ou de um grupo de escritores Ela não se origi na com a leitura de um livro ou com o desejo de seguir uma mo da literária ou com um encontro com um transmetteur bilíngüe o viajante ou político émigré tão querido dos comparatistes Cada influência ideológica e daí literária é um fato social his toricamente condicionado e determinado pelo desenvolvimento interno da literatura nacional em questão As precondições para a adoção são a necessidade de importação ideológica e a exis tência de tendências mais ou menos paralelas na sociedade e na literatura adotada Veselovskidescreveu tais tendências paralelas como vstrechnye techeniya contracorrentes e a existên cia dessas contracorrentes freqüentemente complica o problema de distinguir entre influências e analogias tipológicas Assim a questão de saber se o Decamerão influenciou os Contos de Canterbury permanece sem solução8 embora seja provável que Boccaccio e Chaucer que se encontravam já no umbral do Renascimento tenham feito uso independente de contos medievais semelhantes e mesmo idênticos do tipo que era corrente na literatura urbana e no folclore Os contos foram por eles adaptados de maneira a fornecer um quadro realista de suas sociedades tal como o fizera anteriormente o escritor persa Saadi em seu Bustan Tendências similares podem ser detectadas no surgimento do drama e do romance familiar na Inglaterra e na França for mas literárias características da burguesia do século XVIII Aque les que como Gustave Lanson tentaram investigar os gêneros franceses até suas origens na tradição nacional em vez de buscá Ias nas fontes inglesas não estavam provavelmente longe da ver dade pelo menos quanto ao início do desenvolvimento do gêne ro Destouches Nivelle de Ia Chaussée La vie de Marianne de Marivaux mas em data posterior nas teorias e nas peças dra máticas de Diderot bem como em Miss Sarah Thompson de Les sing a influência da Inglaterra a nação que liderou a era do Iluminismo é indisputável Tomemos um outro exemplo de caráter menos geral O ro mance de Alphonse Daudet Le Petit Chose 1868 pinta um qua dro tocante e engraçado de um humilde homenzinho só e desam parado na sua luta contra o egoísmo sem coração que reina su 208 LITERATURA COMPARADA SOBRE O ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA 209 premo na sociedade capitalista Em suas idéias e em seu humor sentimental o romance tem uma grande semelhança com os ro mances de Dickens Mas Daudet insistiu que nunca lera Dickens embora seja certamente possível que as técnicas de um autor tão popular quanto o grande romancista inglês tenham chegado a Daudet por intermédio de outros Mas é bom notar que pelo me nos no que concerne à literatura russa a simpática representa ção da figura do homenzinho de maneira sentimental e hu morística ocorreu pela primeira vez em O chefe da posta 1830 de Pushkin e mais tarde em O capote de Gogol 183941em um período certamente anterior à influência direta exercida por Dickens na escola natural russa e no jovem Dostoievski Em segundo lugar cada influência literária envolve a trans formação social do modelo que é adotado isto é sua reinterpre tação e sua adaptação às condições literárias e sociais que deter minaram sua influência às novas relações de tempo e espaço à tradição literária nacional em geral e à individualidade ideológi ca psicológica e artística do autor em questão Consideremos o seguinte caso A literatura alemã da meta de do século XVIII viu na épica bíblica de Milton o exemplo su premo de arte moral e religiosa em oposição segundo a menta lidade do Bürger alemão do período à literatura secular ga lante e heróica do aristocrático classicismo francês Mas em so lo alemão o Paraíso perdido de Milton deu à luz o Messias de Klopstock Satan a figura central no poema de Milton a encar nação do espírito de rebeldia da Revolução Puritana Blake es creveu que Milton pertencia sem o saber ao partido do Dia bo é substituído por uma imagem lírica de Cristo o herói da nãoresistência cuja grandeza reside em sua humildade e mansi dão diante da carga de sofrimento inevitável Ao mesmo tempo em lugar da narrativa épica encontramos uma sucessão de qua dros líricos que visavam a evocar uma resposta emocional do lei tor Esta transformação social revela não apenas a individuali dade artística e humana de Klopstock em contraste com a de seu grande modelo ela também reflete o caráter de um outro tem po e de uma sociedade diferente o espírito piedoso e concilia dor do Kleinbürger alemão do tempo sentimental e introspecti vo politicamente impotente e regido por sua religião do cora ção Conseqüentemente para o estudioso das influências literá rias diferenças históricas nacionais ou individuais entre os ob jetos de seu estudo são de não menos importância do que simi laridades e afinidades Tentei demonstrar esta tese muitos anos atrás ao comparar Pushkin com Byron reconhecidamente o seu mestre um problema clássico em pesquisa comparatista na li teratura russa antes da Revolução9 O byronismo de Pushkin era importante para mim principalmente em relação a seu desenvol vimento dos primeiros modelos românticos a uma forma clássi ca de realismo A influência de Byron sobre Pushkin foi desde o início uma luta contra esses modelos De uma arte individua lista onde o herói como a voz lírica do poeta era supremo Push kin rapidamente desenvolveu uma visão que reconhecia o valor independente de outras personalidades nos conflitos dramáticos de seus poemas e veio a compreender como a nação e a socieda de compartilham do destino dos indivíduos O desenvolvimento de sua arte madura da forma lírica de proveniência byroniana ao drama histórico ou psicológico ou ao épico em verso ou pro sa é um resultado desta evolução vista em termos de arte e estilo poético Em terceiro lugar as conexões e as influências literárias são categorias históricas que variam em intensidade e em qualidade Já mencionei em outro lugar que a canção ou o poema épico já que o épico é por sua própria natureza uma idealização he róica do passado de um povo estão muito menos sujeitos às in fluências internacionais do que foram os romances e as baladas populares medievais ou os contos folclóricos de caráter miracu loso novelístico ou anedótico pois seus enredos tinham por ob jetivo divertir e não refletir uma realidade histórica e eram por isto muito suscetíveis a influências de todos os tipos 10 É característico dos romances medievais dos romances de Tristão Percival ou Alexandre por exemplo que seus enredos tra dicionais apareçam em uma série de versões e variantes interna cionais Da França a terra clássica do feudalismo eles passaram à Inglaterra e à Alemanha além dos Pireneus e mesmo à Islân dia Tomaram a forma típica de traduções que são no caso de poetas como Gottfried de Estrasburgo ou Wolfran von Eschen bach recriações e adaptações de um modelo francês às exigên cias ideológicas da literatura que os toma de empréstimo e de suas tradições literárias locais e talvez em grau menor da personali dade do autor Assim o Roman de Tristan francês encontra pa 210 LITERATURA COMPARADA SOBRE O ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA 211 raleIo em uma série de versões poéticas pelo menos quatro no Tristan alemão de Eilhart e de Gottfried na Ballad of Sir Tris tram inglesa e na Saga de Tristan e 1soft norueguesa A regularidade tipológica deste fenômeno na literatura me dieval é claramente demonstrada por casos idênticos na literatu ra do oriente islâmico Romances metrificados como Layliu Majnun KhrusrowuShirin e YusufuZuleikha também ocorrem em uma famosa série de recriações e adaptações conhecidas ge nericamente por Nazira literalmente a resposta de um poeta ao tema de outro poetall Poetas clássicos dos séculos XV e XVI como Alisher Navoy na Ásia Central ou Fizuli no Azerbai jão turco não menos do que seus grandes contemporâneos no Ocidente Wolfran e Gottfried jamais teriam pensado em reproduzir em seus poemas a realidade social de seu tempo co mo foi natural para um Dickens ou um Tolstoi eles preferiam adaptar um assunto tradicional de proveniência internacional à sua própria experiência humana e artística No oriente o con servadorismo no desenvolvimento social ajudou essa prática poé tica medieval a sobreviver até o final do século XIX Tudo isto é ainda mais verdadeiro em relação ao conto me dieval Os Schwiinke alemães são freqüentemente traduções mo dificadas dos fabliaux franceses que podem por sua vez ter tido origem em fontes orientais Coleções de contos divertidos e ins trutivos como os Panchatantra os Contos do papagaio Os sete sábios etc fizeram o percurso da Ásia e da Europa viajando de país em país e de literatura em literatura sendo modificados e adaptados em grau maior ou menor para que melhor pudes sem ser inseridos em novos ambientes e pontos de vista A for ma em prosa dos contos folclóricos orais facilitou especialmente sua migração e permitiu substituições que retiraram a cor local e os detalhes peculiares dos originais estrangeiros Encontramos enredos tradicionais de caráter internacional na literatura do Renascimento usados por Boccaccio Arios to e até mesmo por Shakespeare e pelos dramaturgos elizabeta nos embora em suas mãos eles tenham sido transformados e in dividualizados a um grau desconhecido na arte tradicional da Ida de Média Mas esta não é mais a típica forma de influência lite rária internacional nas literaturas da Idade Moderna séculos XVIII e XIX As literaturas das sociedades capitalistas mostram um espírito nacional fortemente pronunciado que não era tão marcado na Idade Média a arte adquire um caráter pessoal co mo a expressão da individualidade em pensamento sentimento e forma artística dentro dos limites históricos da ideologia so cial e da tradição literária O romantismo de Byron e Lermon tov ou o realismo de Dickens e Dostoievski são diferentes tanto em relação a seu caráter nacional quanto no que concerne a seu caráter pessoal Podemos conseqüentemente falar agora da in fluência internacional de autores individuais refletindo uma nova ideologia e criando novas tendências artísticas por exemplo da influência de Byron sobre as literaturas européias durante o pe ríodo romântico da influência de Walter Scott no romance his tórico europeu das influências de Dickens Dostoievski Tolstoi Checov e outros tendo em mente por certo o que já falamos sobre as precondições históricas para tal relacionamento literá rio internacional e considerando a adaptação dos modelos às ne cessidades das literaturas que tomam de empréstimo Assim de mãos dadas com o surgimento do nacionalismo das distinções e das barreiras nacionais das literaturas nacionais altamente diferenciadas desenvolveuse a tendência a uma nova forma de troca literária internacional Nas vésperas da Revolu ção de 1848Marx e Engels escreviam que esta tendência era um dos aspectos característicos da nova era capitalista Em lugar da velha reclusão e da autosuficiência local e na cional temos relacionamentos em todas as direções inter dependência universal de nações E isto tanto na produção material quanto na intelectual As criações intelectuais de nações individuais tornamse propriedade comum e das numerosas literaturas locais e nacionais surge uma literatu ra mundial12 Provavelmente terá sido Goethe na sua velhice entre 1827 e 1830 seguindo e desenvolvendo as idéias de seu grande mestre Herder o primeiro a falar no surgimento de uma literatura mun dial ou universal allgemeine Weltliteratur Ele via nesta litera tura um fenômeno da época baseada em um comércio mais ou menos livre de bens espirituais freier geistiger Handelsver kehr e que se estenderia além de limites nacionais e absorve ria tudo o que existisse de realmente valioso na cultura de todos os povos em todos os níveis de desenvolvimento histórico Goe Ihc disse a Eckermann No momento a literatura nacional não 212 LITERATURA COMPARADA SOBRE o ESTUDO DA LITERATURA COMPARADA 213 tem muito valor Estamos no umbral da era da literatura mun dial e cada um de nós deve trabalhar a fim de apressar o seu surgimento 13 O próprio Goethe foi indubitavelmente o exemplo mais no tável de poeta universal da nova era ao absorver e assimilar à sua personalidade e ao seu caráter nacional a variegada tradi ção da literatura mundial Ele teveo mais vivo interessepela poesia da Europa Ocidental tanto a clássica quanto a moderna por Shakespeare e por Byron por Racine Voltaire e Diderot pelo romantismo francês contemporâneo pela poesia lírica da Pérsia e da China pelas canções folclóricas alemãs e pela poesia épica da Sérvia A herança cultural nacional da Idade Média alemã em Goetz von Berlichingen a cultura e a arte da Antigüidade em Iphigenie a poesia do Oriente Próximo uma descoberta de sua velhice Westostlicher Divan foram estágios sucessivos de seu desenvolvimento poético e da forma de sua arte ao mesmo tempo individual e nacional Algo semelhante a isto pode ser dito sobre Pushkin e sobre o que ele significou na história da literatura russa Pushkin não foi apenas o primeiro poeta russo a ter um papel ativo e proemi nente nos movimentos e tendências gerais da literatura européia de seu tempo a universalidade de seu gênio introduziu a litera tura russa na grande herança cultural da literatura mundial gra ças à sua assimilação criativa do folclore e da literatura clássica oriental eslava e européia ocidental que ele recriou tal como o fizera Goethe em novas composições poéticas de caráter a um tempo nacional e altamente pessoal Os modernos manuais de literatura comparada enfatizam a diferença entre literatura geral ou universal e literatura comparada no sentido estrito da palavra Considerase que a primeira área cubra o estudo da literatura mundial em geral e que a segunda se ocupe em particular das interrelações entre as literaturas individuais Para mim tal dicotomia é o resultado de um estudo da literatura que representa sua história como uma mera soma total de fatos empíricos e não como o resultado de leis e tendências gerais do desenvolvimento histórico e literário A literatura comparada no sentido amplo do termo revela a exis tência de paralelismos regulares na evolução literária e de ana logias tipológicas e convergências entre literaturas que parecem ser sintomas de tendências gerais ela também revela o jogo de interrelações literárias não menos regulares baseadas em contra correntes no sentido de Veselovski Aqui temos dois aspectos dialéticos do mesmo processo literário baseados nas leis gerais da evolução histórica Mas baseada nesses princípios a disciplina história lite rária universal não pode pretender ser geral ou universal no nosso sentido do termo uma vez que ela de fato inclui ape nas as literaturas da Europa Ocidental ou das nações euro péias As literaturas clássicas e modernas do Oriente da Ásia e da África precisam encontrar um lugar nessa grande moldura his tórica Isto exigiria porém que elas perdessem aos nossos olhos aquele tom exótico que tinham ao tempo em que a arte chinesa foi pela primeira vez introduzida na Europa a chinoiserie do século XVIII ou que as esculturas africanas ainda possuem Es sas literaturas a despeito de seu isolamento geográfico e de suas características locais devem tomar o seu lugar histórico no pro cesso de evolução literária e social exatamente como o faz a pro dução da Europa civilizada Tenho o prazer de comunicar que uma história da literatura mundial em doze volumes concebida dentro dessas linhas está no momento sendo planejada em Moscou pela Academia Sovié tica de Ciências na forma de um trabalho coletivo preparada por uma equipe de especialistas em várias áreas da pesquisa lite rária O estudo comparativo da literatura no sentido que tentei expor pode ajudar na realização desse projeto de tanta impor tância NOTAS I Ver ZHIRMUNSKY V M Problemy sravnitelnoistoricheskogo izucheniya literatur Vzaimosuyazi i vzaimodeystvie literatur materialy diskussii 1115yanuarya 1960 g M Izuvo AN SSSR 1961 p 5260 2 Ver ZHIRMUNSKY V M Literaturnye otnosheciya Vostoka i Zapada kak proble lIIa aravbitelnogo literaturovedeniya Trudy yubileyung nauchnoy sessii sektsiya filolo gicl1eskikh nauk Leningrado Leningradsky Gosudarstvenny universitet 1946 p 15278 idem K voprosu o literaturnykh otnosheniyakh Vostoka i Zapada Vestnik Leningrads Iwgo gosudarstvennogo universitets 4 1947 10019 I VISEWVSKI A N Poetika syuzhetov ln Istoricheskaya poetika red vstupi IdlIaya statya i primechaniya V M Zhirmunskogo Leningrado 1940 p 493596 214 LITERATURA COMPARADA 4 Para uma discussão deste assunto controvertido ver meu Literaturnye otosheniya Vos toka i Zapada p 16770 5 ZENKER R Die Tristansage und das persische Epos von Wls und Râmin Romanis che Forschungen 29 191032162 SCHRODER F R Die Tristansage und das persis che Epos Wls und Râmin Germanischromanisehe Monatssehrift N F 11 42 1961 144 6 SCHOEPPERLE G Tristan and Isolt a Study of the Sourees of the Romance 2 ed Nova York 1960 v 2 p 391475 SMIRNOV A A Roman o Tristane i lzolde po keltskim istochnikam In Iz istorii zapadnoeuropeyskikh literatur Leningrado 1965 p 4964 7 MINORSKY V VisuRamin III Bulletin of the School of Oriental and Afriean Studies 16 1954 9192 8 Foi respondido de maneira negativa por M P Alexayevem seu Kenterveriyskie rass kazy i Dekameron Uehenye zapiski Leningradskogo gos pedagogieheskogo institu ta imo A I Gertsena Leningrado 41 1941 57110 9 ZHIRMUNSKY V M Byron i PÍlshkin Leningrado 1924 10 ZHIRMUNSKY V M Narodnyy geroieheskiy epos sravnitelnoistorieheskie oeherki Leningrado 1962 p 16869 17879 11 BERTEL E E Izbrannye trudy Navoy i Dzhali Moscou 1965 p 43435 12 MARX K ENGELS F Manifesto of the Communist Party Moscou 1965 p 4546 13 Gespriiche mit Goethe in den lezten Jahren seines Lebens Leipzig 1948 p 180208 PARA UMA DEFINIÇÃO DE LITERATURA COMPARADA Claude Pichois André M Rousseau Que é literatura comparada perguntávamos Nos dois pontos es senciais objeto e método nossas idéias ganharam em cla reza mas a resposta continua indecisa De que trata a literatura comparada Das relações literárias entre dois três quatro do mínios culturais entre todas as literaturas do globo Sem qual quer contestação tal é hoje seu feudo natural Isto é tudo Por direito de uso ou de conquista para preen cher lacunas na pesquisa e no ensino pelo encaminhamento es pontâneo de sua dialética ela também trata de história das idéias de psicologia comparada de sociologia literária de estética de literatura geral Uma bibliografia como a de O Klapp reflete es sa ambigüidade Da introdução intitulada Generalidades a maior parte dos comparatistas reivindicaria de bom grado a me tade Gêneros e formas Sociologia da literatura Temas e moti vos Literatura regional Traduções Influências e acharia insu ficientes as poucas páginas da rubrica Comparatismo consagra das à teoria apenas Existe então toda uma gama de estudos en tre a interpretação estreita estreita pela simplicidade da defini íçãoe não pela amplitude do domínio explorado pois o estudo das relações literárias internacionais nada tem de estreito e a interpretação ampla Na falta de um campo de pesquisas detém a literatura com parada o monopólio de um método Método histórico genéti co sociológico estatístico estilístico comparativo ela se serve de cada um segundo suas necessidades No final das contas o PICHOIS Claude ROUSSEAU André M Vers une définition ln La litérature eomparée Paris Colin 1967 p 17385 216 LITERATURA COMPARADA PARA UMA DEFINIÇÃO DE LITERATURA COMPARADA 217 método comparativo deveria ser seu forte Entretanto é também o que pior se aplica às relações literárias internacionais exceto quando se trata de tradução Negligenciando o aperfeiçoamento desse instrumento os comparatistas mantiveram o equívoco so bre seu rótulo e finalmente traíram o espírito de uma especialida de que prometia ser muito mais que um simples ramo da crítica literária Uma parte do malestar atual provém dessas hesitações No princípio era o espírito do escritor criador que entre tanto não se manifesta a não ser através dos textos que também precisam do leitor para atingir a plenitude de ser Podese consi derar ainda o texto não como um ato vivo mas como um mo numento erigido às vezes abandonado hic et nunc espécie de objeto único e fechado que por seu estilo comparado ao estilo de objetos análogos se transforma em documento de tal modo que esse Todo se torna Parte o Uno se funde no Múltiplo o Ab soluto admite o Relativo Como os homens cada texto é único incomparável insubstituível o que não abole famílias comuni dades ou raças No centro da dialética que acabamos de esboçar situase a literatura comparada em seus quatro níveis intercâmbios literá rios internacionais história literária geral história das idéias es truturalismo literário A definição seguinte resumeos em uma única fórmula A literatura comparada é a arte metódica pela busca de la ços de analogia de parentesco e de influência de aproxi mar a literatura dos outros domínios da expressão ou do co nhecimento ou então os fatos e os textos literários entre si distantes ou não no tempo ou no espaço desde que perten çam a várias línguas ou culturas que façam parte de uma mesma tradição para melhor descrevêIos compreendêIos e saboreáIos Cada qual não tem mais que suprimir dessa definição o que lhe pareça deslocado ou supérfluo para chegar a seu próprio re trato Por exemplo a supressão do membro da frase desde que pertençam culturas definiria uma posição extrema do com paratismo americano R Wellek pela qual a literatura compa rada se exercetambém no interior de uma literatura nacional en quanto os europeus fazem da passagem da fronteira lingüística ou cultural uma condição sine qua nono Impelida por uma lamentável rivalidade cada nação se apressou em adotar a fórmula literatura comparada inventada pelos franceses para perceber em seguida que já possuía seus elementos sob outro nome e outra forma Sem entrar em dis cussões sobre palavras reconheçamos que há tanto de literatu ras comparadas quanto de combinações entre as quatro va riedades acima Mas considerandoas de perto essas quatro variedades encadeiamse invencivelmente como os graus sucessivos de uma única e mesma reflexão sobre a literatura desde o instante em que se consente em deixar as dependências de um território na cional Querer limitar a literatura comparada a um aspecto em vez de outro podese justificar taticamente em dado momento ante adversários críticos na medida em que por exemplo a pe dagogia força a certos comprometimentos mas essa mutilação pois se trata de uma é um erro contra a lógica e o dinamismo do conjunto Para retomar uma profissão de fé de alémAtlântico este domínio não é uma zona marginal e não deve ser fragmen tado por distinções artificiais A única justificação da literatura comparada é permitir o estudo da literatura em sua totalidade A experiência prova que os comparatistas mais resolutos em acantonarse em tal ou qual setor cederam com freqüência ao que chamavam tentações de fato ao apelo imperioso de uma lógica interna Inversamente os especialistas de uma única lite ratura nacional inscrevem hoje no programa de seus colóquios assuntos que antes teriam sido encaminhados ao comparatista profissional Quer isto dizer que a literatura comparada pouco a pouco diluída na massa dos estudos literários de todos os ti pos não representa seIãouma etapa diaIética e está condenada a desaparecer depois de ter desempenhado seu papel Não é im possível teoricamente mas cremos antes na perenidade do com paratista como especialista das generalidades Para que se realize este aniquilamento por assimilação pro gressiva seria preciso que a literatura comparada fosse imutá vel Ora tudo nela indica uma função no sentido matemático do termo que subsiste por trás do jogo flutuante das variáveis que a compõem Hoje caduca e transitória em aparência ama nhã quando forem preenchidas as condições que a tornariam su pérflua já terá operado a metamorfose necessária a sua sobrevi vência 218 LITERATURA COMPARADA Fazendo agora tabula rasa dos múltiplos distinguo requeridos por uma definição erudita podemos aternos a dois princípios 1 A língua em que está escrita uma literatura ou a unidade espiritual da coletividade da qual ela é a expressão ligada a fron teiras políticas a um passado nacional a uma religião a um PO vo a uma raça etc recortam naturalmente a literatura em célu las restritas Pondose acima dessas restrições o comparatista se esforçará em nunca estudar essas células isoladamente 2 A literatura é uma das manifestações específicas da ati vidade espiritual do homem no mesmo patamar em que a arte a religião a ação política ou social etc Podese então estudá Ia como função fundamental sem consideração de tempo ou lugar Isto posto podemos oferecer uma definição mais lapidar que possa figurar em um repertório Literatura comparada descrição analítica comparação me tódica e diferencial interpretação sintética dos fenômenos lite rários interlingüísticos ou interculturais pela história pela críti ca e pela filosofia a fim de melhor compreender a Literatura como função específica do espírito humano LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA Simon Jeune 1 Gênese da Literatura Comparada Empregamos o termo literatura geral de acordo com a nomenclatura que aparece no programa oficial do Primeiro Ci clo e que conhece apenas a história literária geral É assim que definimos literatura geral como aquela que liga entre si as diversas literaturas nacionais e como aquela que estabelece pon tes entre a literatura e as be1asartes2 Mas há a necessidade de se estudar simultaneamente os dois termos literatura comparada e literatura geral como termos não de duplo emprego mas ao contrário que se completam harmo niosamente Ao invés de buscarmos apoio em definições arbitrárias pa rece preferível pesquisar estes dois termos através das idades lite rárias Ao mesmo tempo em que as palavras irão aparecer des cobriremos o que elas designam Este método genético é ao mes mo tempo mais vivo e mais comprobatório Oferece a vantagem omplementar de evocar certas noções importantes da História literária tradicional e mostrar que não existe nenhuma solução de continuidade entre esta última e a literatura comparada Quando então vemos surgir na história da literatura as no ções de literatura comparada e de literatura geral Grosso modo podemos dizer que a literatura comparada data de cerca de 1830 enquanto que a literatura geral se afirma apenas na aurora do século XX JEUNE Simon Genese de Ia littérature comparée In Littérature genérale et litté rature comparée Paris Lettres Modernes 1968 p 2957 220 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 221 A noção de literatura comparada é estranha à época clássi ca Isto não quer dizer que os séculos XVI e XVII não tenham conhecido trocas entre as literaturas nacionais Pelo contrário essas trocas eram bastante freqüentes Numerosos trabalhos com paratistas estudam nos dias de hoje tais questões de influências Mas os escritores franceses do século XVI por exemplo um Ron sard um Du Bellay não tinham a sensação quando liam os ita lianos petrarquisantes de abordar uma literatura verdadeiramente estrangeira As literaturas italiana espanhola francesa perten cem todas à mesma origem romana à mesma língua mãe a lín gua latina a uma mesma tradição a tradição clássica são irmãs gêmeas Passando de uma a outra os autores os próprios leito res não se sentem expatriados alienados Até pelo contrário o domínio inglês o domínio alemão este ainda pouco desenvolvi do do ponto de vista literário que naquele momento são os ver dadeiros domínios estrangeiros continuam pouco conhecidos pe los povos latinos desta época Não se tem absolutamente idéia de que trocas proveitosas possam ser estabelecidas com estas li teraturas bárbaras que usam línguas ininteligíveis É a partir do século XVIII que a situação se modifica com a descoberta que a França faz da literatura inglesa e em seguida da alemã Já o último quartel do século XVII começa a sacudir o aparelho imponente e pesado das certezas dogmáticas do ab solutismo político do Classicismo racionalista e ordenado Pas sávamos da estabilidade ao movimento3 Esta crise de cons ciência foi estudada em uma das mais notáveis obras de litera tura comparada que a França já produziu La crise de Ia cons cience européenne de Paul Hazard 1935 obra constantemente reeditada O inglês ousado pensador e cientista objetivo tornase um dos fermentos desta revolução intelectual que apaixona a Fran ça Conhecemos a influência de Locke de Newton e dos pensa dores ingleses sobre Voltaire Montesquieu Diderot e os filóso fos franceses4 Do ponto de vista literário os Richardson Fiel ding Sterne parecem dar uma nova dimensão à realidade roma nesca Swift estimula o contista e o satírico Voltaire A poesia da noite dos túmulos é introduzida por Young a das charnecas caledonianas com seus heróis bárbaros e suas soturnas pelejas faz ressoar o nome de Ossian5 Mas sobretudo á descoberta também por Voltaire deste bárbaro genial chamado Shakespeare provoca rumores infindáveis que se vão ampliando e se transfor mam em tempestade no último quartel do século A tradução de Tourneur que aparece entre 1776e 1782provoca a cólera violenta de Voltaireque após haver introduzido e louvado Shakespeare nos anos 30 se debate contra este autor bom para os huguenotes Ao contrário para Tourneur e seus amigos Shakespeare é a na tureza encarnada o dramaturgo do povo um colosso por entre as pernas de quem nós todos passaríamos diz Diderot No último terço do século a descoberta dos alemães vem se juntar à dos ingleses a poesia campestre de Gessner a religio sa de Klopstock e sobretudo o Werther de Goethe objeto de um verdadeiro entusiasmo entre 1776e 1800 Assim se criou um no vo espírito na maneira de ver as literaturas e suas relações Enquanto no século XVII os críticos admitiam de modo ge ral que as diversas literaturas eram expressões mais ou menos im perfeitas de um belo ideal do qual as literaturas antigas se apro ximavam mais do que as outras o século XVIII não apenas se afasta da Antigüidade mas começa a formular um princípio de relatividade do belo Admitimos que não há um belo em si mas múltiplas formas de beleza ligadas aos diferentes climas aos di ferentes povos aos diferentes tempos às diferentes línguas As sim cada literatura à sua maneira poderá dar à beleza uma in terpretação original O Abade Du Bos é o principal teórico desta estética relativista Mesmo um homem de gosto clássico restrito como Voltaire foi tentado em sua juventude por esta amplia ção do gosto sob a influência de sua permanência na Inglaterra escreve no Essais sur Iapoésie épique de 1728 Quase todas as obras dos homens mudam assim como a imaginação que as pro duz Os costumes as línguas o gosto dos povos mais vizinhos fdiferema mesma nação não é mais reconhecível ao fim de três ou quatro séculos Nas artes que dependem puramente da ima ginação existem tantas revoluções quanto nos estados Deste modo no fim do século XVIII e no início do XIX alguns críticos nem todos têm o sentimento de originalidade pro funda de cada literatura nacional Começam mesmo a esboçar reagrupamentos que setornarão uma das idéias fundamentais da crítica romântica Opõem as literaturas do Norte Inglaterra e Ale manha principalmente às do Sul Itália Espanha e eventual mente a França Vemos que se prepara assim a definição das literaturas românticas essencialmente nórdicas que eonser 222 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 223 varam uma ligação orgânica com suas tradições nacionais e me dievais Dentre os pioneiros da crítica romântica é preciso citar Wil helm Schlegel Mmede Stael e seu pequeno grupo de amigos fre qüentadores de seu salão de Coppet próximo a Genebra Além disso Schlegel fez ele próprio durante algum tempo parte des te grupo pois foi o preceptor dos filhos de Mmede StaeI Talvez tenha sido em Coppet que se tenham preocupado mais intensa mente com os Bonstetten Lhomme du nord et lhomme du midi 1824 e os Sismondi em definir os dois grupos étnicos os dois espíritos as duas literaturas do Norte e do Sul Isto não é sur preendente se consideramos que a Suíça representa precisamente o cruzamento vivo do norte com o sul Assim o século XVIII tem o sentimento de irredutível ori ginalidade de cada literatura nacional Mas uma outra idéia vem completar e nuançar esta a da necessidade de influências estran geiras para renovar o patrimônio nacional Dito de outra forma não consideramos esta originalidade como fechada em si mes ma Achamos que ela pode ter uma ação fecunda Já Garat es crevia em fevereiro de 1780 em Le Mercure de France revista que não tinha como maior virtude o cosmopolitismo Um es tudo comparado dos escritores de que se orgulham as nações que têm uma literatura é sem dúvida o que existe de mais propício para fecundar e multiplicar talentos E Frédéric Schlegel sonhando precisamente em fecundar os talentos germânicos declarava em 1803 É preciso exaltar al guns ilustres poetas que pretendem transplantar as belezas da poe sia italiana e espanhola para nosso solo nacional pois as flores de cores frescas e ornamentos artísticos destas produções pare cem realmente próprias para conter e alegrar a seriedade seten trional de nossa velha poesia alemã6 Mmede Stael desempenha neste domínio um papel decisi vo Seu grande livro De lAllemagne publicado em 1810 mas con fiscado por Napoleão e difundido unicamente em 1813 pode ser considerado como uma das primeiras obras comparatistas por sua preocupação em apresentar a mentalidade alemã as menta lidades pois há o Sul e o Norte da Alemanha e a literatura ale mã em paralelo não apenas explícito mas também implícito com a França É nesta obra que encontramos um belo elogio à influên cia intelectual do estrangeiro As nações devem servir de guias umas às outras e todas se enganam ao se privarem das luzes que podem mutuamente se oferecer Há algo de bastante singular na diferença entre um povo e outro o clima o aspecto da natureza a língua o governo enfim em especial os acontecimentos da histó ria poder ainda mais extraordinário que todos os outros contribuem para esta diversidade e nenhum homem por su perior que seja pode adivinhar o que se desenvolve natural mente no espírito daquele que vive sobre outro solo e respi ra um outro ar fazse bem em qualquer país em acolher os pensamentos estrangeiros pois desta maneira a hospita lidade faz a fortuna de quem recebe Página especialmente bela que desemboca em um cosmo politismo otimista e na qual se reencontram as duas idéias fun damentais já assinaladas originalidade de cada povo benefício da influência estrangeira Podemos dizer que essas duas idéias conseqüência de uma curiosidade aberta ao estrangeiro foram verdadeiramente fundadoras da Literatura Comparada Na verdade é em torno de 1830 que vemos nascer a literatura comparada ao mesmo tempo a palavra e a coisa A expressão provavelmente apareceu sob a influência das ciências falavase muito então em anatomia e zoologia comparada8 Estudando por exemplo a poesia da Europa na Idade Média JeanJacques Ampereo filho do grande estudioso e ele mesmo um bom críti co escreve É preciso estabelecer aqui como na botânica e na zoologia nos objetos que classificamos não divisões arbitrárias mas séries e famílias naturais9 Não procederemos por compa rações vagas estudarerpos por exemplo a passagem de um te ma a outro ou as filiações de uma obra a outra Se Ampere é sem dúvida o melhor teórico daquilo que ele mesmo chamava de história comparativa das artes e das litera turas em todos os povos é provavelmente Villemain quem deu à França o primeiro exemplo de um grande livro comparatista baseado num método rigoroso Seu Tableau de Ia littérature au XVIle Siecle redação de um curso proferido em 1828 é impor tante não por seus aspectos ao mesmo tempo oratórios e capri chosos É uma obra rica e historicamente bem informada que pas sa com facilidade da França à Inglaterra e aos países mediterrâ neos na verdade a Alemanha é um tanto negligenciada que se 224 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 225 prende às idéias e segueas em seu caminho através das frontei ras em suas conquistas e suas transformações O jogo de influên cias diretas indiretas recíprocas já está aí bem registrado Nasceu a literatura comparadalO No início ela teve grande dificuldade em se distinguir dos estudos de literatura estrangei ra Na verdade os críticos da época romântica não se especiali zavam em literatura estrangeira mas abriamse a todas as influên cias Seus estudos testemunhavam uma preocupação quase cons tante com a comparação com a França Assim fazem um Jean Jacques Ampere um Philarete Chasles um Edgar Quinet um Xavier Marmier e mais tarde um Émile Montégut Mas à me dida que os estudos de literatura estrangeira vão se fechando ca da qual em um domínio lingüístico especial que vão aparecen do especialistas do inglês alemão ou espanhol a Literatura Com parada assumirá por sua vez uma fisionomia mais distinta mais precisa mais rigorosa e se definirá como o estudo das relações literárias e intelectuais internacionais Será uma realidade no úl timo quartel no século XIX 11 Quanto à expressão literatura geral esta teve um destino curioso Ao que parece era anterior a literatura comparada Nós a encontramos em Népomucene Lemercier autor do Cur so Analítico de Literatura Geral ministrado no Ateneu e publi cado em 181712 Este curso era geral ao tratar de todos os gêne ros literários enunciando as leis gerais de cada gênero e mais ainda ao tentar apresentar o conjunto das literaturas conheci das com uma real abertura de espírito Mas o termo geral en contrava muitos concorrentes em 1830 O lado universal do epí teto que agradava aos ideólogos discípulos dos filósofos era bem menos sedutor aos olhos dos românticos que a proveitosa comparação que deixa intacta a originalidade de cada uma favorecendo as trocasl3 Conservase entretanto várias vezes li teratura geral ao lado de mundial ou de universal para designar o estudo dos grandes autores de todas as literaturas Goe the no final da sua vida era um fervoroso partidário da Weltli teratur14 Na França Edgar Quinet tornase o apóstolo de um vasto Panthéon onde serão admitidas todas as formas do be 1015 Durante a segunda metade do século XIX certas univer sidades forneciam um estudo muito especializado de Literatura grandes cavalgadas históricas que passavam pelos pontos mais altos Mas foi sobretudo nos Estados Unidos que na aurora do século XX se desenvolveu um ensino deste gênero Um fio con dutor ligava trechos tirados das grandes obras da literatura uni versal E esses cursos de vulgarização chamavamse Literatura Geral A literatura geral assim concebida teve pouco sucesso nas universidades européias no século XX Era considerada rápida superficial senão elementar Mas a palavra foi finalmente reto mada para definir certos estudos comparatistas mais amplos ou mais ambiciosos do que os outros Tratase então menos de re sumir a literatura mundial do que de estudar os movimentos as correntes internacionais de envergadura maior ou menor Chegamos deste modo à seguinte divisão às vezes arbitrá ria mas cômoda e bastante expressiva a literatura comparada estuda essencialmente as influências entre autores ou entre lite raturas de diferentes nações assim como a propagação dessas in fluências O ponto de partida nacional nunca é perdido de vista e os estudos freqüentemente são de uma precisão minuciosa por exemplo a influência do teatro espanhol sobre Corneille ou sobre Claudel a fortuna crítica de Baudelaire na Alemanha Os adversários deste gênero de estudos associam o comparatista a um agente alfandegário da literatura que vigia nas fronteiras a passagem dos livros conta as traduções e se empenha em desco brir tudo que possa trazer marcas do estrangeiro Mas esta ima gem nada tem de ofensivo Um bom agente alfandegário mani festa qualidades de destaque observação intuição psicológica engenhosidade e também uma certa humanidade o senso de dis criminação e de nuances Tais são exatamente as qualidades do comparatista inclusive o insubstituível faro Um comparatis ta alemão de renome cqega a intitular uma de suas obras como Nas fronteiras das literaturas nacionais Kurt Wais An den Grenzen der Nationalliteraturen Berlim 1958 A literatura geral ao contrário se ergue acima das frontei ras e do ponto de vista nacional Elabora sínteses Seu ponto de partida não é um autor ou um país mas um elemento em si mes 11I0 internacional um tema ou um tipo um gênero literário um Illovimento Por exemplo o tema do conquistador Fausto Don IlIall o soneto o romantismo Enquanto a literatura comparada Ilce lima espécie de teia de aranha entre os autores de diversas lilllaturas a complexa rede de interconexões literárias a litera 11111 geral utilizando as aquisições da literatura comparada as I i II I I I1 226 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 227 ultrapassa Estende um imenso toldo ou edifica uma vasta cú pula sobre as literaturas nacionais Ocupase deste modo me nos em uniIas do que em incluíIas num grande conjunto cujo coroamento constrói 2 Relações entre escritores estrangeiros Trataremos aqui da literatura comparada propriamente di ta as relações literárias internacionais as que se estabelecem en tre um autor nacional ou um grupo destes autores e um autor ou um público estrangeiro Essas relações essas trocas podem tomar fisionomias diversas Um autor uma obra pode ser a fonte de outra há quem diga por exemplo que Guillén de Castro é a fonte do Cid dizse também que em seu romance histórico Les Chouans Balzac se inspirou em Walter Scott e mais ainda em Fenimore Cooper cujos romances que descreviam a floresta e a pradaria americanas naquela época faziam grande sucesso na Europa Cooper é pois uma fonte de Balzac e os Vendéens deste não estão longe dos moicanos do autor americano Natu ralmente as fontes podem ser mais ou menos claras mais ou me nos evidentes às vezes fragmentárias às vezes contestáveis Nem sempre um autor confessa suas fontes Acontece de até mes mo camufláIas Balzac inventa uma história confusa para expli car a origem de seu conto fantástico LElixir de longue vie quando a influência direta de Hoffman é inegável Ao lado das fontes podemonos interessar pelo sucesso ou pela fortuna crítica de uma obra estrangeira em um dado país Podemos estudar o sucesso arrebatador do Werther no fim do século XVIII na França o dos Bandidos de Schiller um pouco mais tarde ou de uma obra cuja influência foi mais social e hu mana do que literária o romance antiescravagista de Mrs Bee cherStowe A cabana do Pai Tomás em 185211traduções dife rentes em 10meses Esses estudos de sucesso se aplicam freqüen temente a obras de mérito literário modesto mas de grande tira gem o que hoje em dia chamamos de bestseller Um exemplo típico além de A cabana do Pai Tomás seria o romance cristão históricodecorativo e místicoerótico Jean Fabre do polo nês Sienkiewicz Quo Vadis 1896 Num outro gênero o ro mance de guerra pacifista e de horror de Erich Maria Remarque Nada de novo no front 1929 comoveu profundamente a opi nião de todo o Ocidente Percebemos aí uma idéia importante a literatura comparada é levada a se interessar tanto pelas reali dades políticas e sociais pelo movimento das idéias e pela histó ria dos costumes e do gosto em geral quanto pela própria litera tura Também deste ponto de vista a literatura comparada esta belece pontes O termo fortuna crítica tem uma dimensão mais vasta Engloba naturalmente o sucesso bom ou mau ou parcial ou tardio etc mas estuda toda a vida da obra original traduzi da ou criticada em um país estrangeiro Evoca as diversas interpre tações que lhe são dadas freqüentemente até as influências mais ou menos precisas mais ou menos diretas que pôde exercer so bre escritores e pensadores desse país estrangeiro Há portanto em relação ao sucesso noções complementares de duração e de influência Mas sobretudo o sucesso em geral é o de um livro a fortuna crítica é em geral a do conjunto de uma obra Le Goethe en France 1904 de Fernand Baldensperger Goethe en Angleterre 1920de JeanMarie Carré são modelos deste gê nero de estudos Enfim quando a reputação de um autor toma tal dimensão que à sombra que projeta aparece como desmesuradamente am pliada por vezes deformada quando a verdade sobre um autor é substituída correntemente pelo óbvio ou pela lenda podemos falar do mito de um autor Desse modo Etiemble se dedicou durante longos anos ao estudo do mito Rimbaud através da literatura três volumes que apareceram de 1952a 1961Procurou mostrar a elaboração deste mito que ele próprio contribuiu deste modo para des montar desmitificando a opinião avaliando que Rimbaud é ainda maior quando se livra de todas as interpretações convencionais ou partidárias Os estudos de fontes do sucesso da fortuna crítica da re putação do mito podem ser resumidos em uma palavra tomada em seu sentido mais amplo influência Esta noção de influên cia já importante nas literaturas nacionais recebe um valor acen tuado na Literatura Comparada Na verdade no seio de uma só e mesma literatura o problema das influências é relativamente sim ples O contato entre o autor que influencia e o autor que é in 228 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 229 fluenciado os comparatistas dizem às vezes o contato entre o emissor e o receptor se faz da forma mais simples raramente pelo conhecimento direto e pessoal de modo geral pelo texto ori ginal impresso escrito em língua comum aos dois autores Na literatura comparada as questões se multiplicam ao mesmo tem po em que se multiplicam os intermediários O conhecimento di reto e pessoal tornase realmente excepcional seria o caso de um Rilke estabelecendo amizade com Valéry e admirandoo com en tusiasmo ou de Michelet vivendo em comunhão de pensamen to com Mickiewicz Entre autores estrangeiros é muito raro por outro lado que a influência se exerça diretamente através de um texto lido na língua original O conhecimento se faz graças a in termediários muito variados viajantes que redigem um diário ou a narrativa de seus encontros emigrados por razões políticas eco nômicas sociais círculos salões ou associações cosmopolitas que são como encruzilhadas revistas e jornais especializados na des coberta do exterior críticos literários igualmente especializados na apresentação de obras estrangeiras como Philarete Chasles entre 1830 e 1870 um Charles du Bos ou um Edmond Jaloux entre as duas guerras Mas o intermediário mais freqüente con tinua sendo naturalmente o tradutor Ele é tão mais importante quanto mais se coloque inteiramente a serviço daquele de quem traduz Mas por múltiplas razões isto permanece impossível e basta lembrar o provérbio italiano para perceber que tradutor e traidor são doublets são apenas traduções de duas palavras lati nas muito próximas O problema das influências estrangeiras é pois singularmente mais complexo que o das influências autóctones Indiquemos uma conseqüência essencial desta complicação contrariamente ao que se passa no seio de uma influência nacional a influência estran geira comporta necessariamente uma deformação do original e isto por diversas razões 1 Mesmo que não sejamos uns fanáticos da psicologia das raças somos obrigados a admitir que as mentalidades não são exatamente as mesmas de um povo a outro Um autor estrangei ro não está forçosamente de acordo com a sensibilidade france sa Isto não impede que este desacordo seja freqüentemente fe cundo aceitamos do estrangeiro um estranhamento ao país que condenaríamos se o encontrássemos em um compatriota Mus set faz prazerosamente esta observação a propósito do alemão JeanPaul Richter O escritor que os franceses mais amam na qualidade de alemão e que detestariam ainda mais se ele tivesse tido a infelicidade de nascer na França No entanto vemos nas cer aqui uma primeira fonte de deformação Os franceses não compreenderam adequadamente o Fausto que apesar disso fez grande sucesso na França Deste guardouse apenas a atmosfera satânica e o episódio de Margarida 2 Um autor estrangeiro mesmo lido no original nem sem pre é bem compreendido pelo leitor mesmo que este seja uma gran figura e um grande escritor Não é necessário insistir nes te fato Grandes autores não são forçosamente grandes lingüistas Mesmo as ótimas traduções do Paraísoperdido por Chateaubriand e dos Contos de Poe por Baudelaire não são casos de absoluta fidelidade Goethe encontrava prazer em ler o Fausto na tradu ção de Gérard de Nerval porque descobria em sua obra um sa bor novo Não é isso o mesmo que confessar que ele absoluta mente não a reconhecia A distorção aparece pela primeira vez no nível da tradução torna a aparecer pela segunda vez no mo mento da leitura da versão francesa por um alemão mesmo que se trate de Goethe 3 Toda tradução é necessariamente infiel e radicalmente im potente para dar ao texto original todo o seu sabor A escolha que faz o tradutor entre a tradução livre e a tradução literal é algo com que nos conformamos por falta de melhor e que sacri fica alguns aspectos do texto para ressaltar outros O compara tista consagrará uma boa parte de seus esforços à apreciação do valor das traduções Procurará em seguida informarse sobre sua difusão E especialmente quando o autor for influenciado por determinada obra estrangeira buscará determinar através de que tradução poderá tomar conhecimento da obra Desse modo Shakespeare recorreu a Plutarco para escrever seu Júlio César Mas não conhecia grego Na verdade utilizou uma tradução in glesa da tradução francesa de Amyot Somente esta tradução in glesa pode ser considerada como a fonte de Shakespeare Inver samente Musset preparandose para escrever Lorenzaccio utilizouse principalmente da adaptação da História de Florença de Varchi que George Sand tinha redigido sob forma dramáti ca Mas Musset sabia italiano e procurou em Varchi os detalhes que George Sand não tinha mantido ou havia modificado 4 Acontece por vezes que uma obra estrangeira mesmo 230 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 231 importante não seja conhecida senão por fragmentos contra riamente ao que se possa acreditar a condensação não é ab solutamente uma invenção americana nós a encontramos cor rentemente nas revistas européias do século XIX Pode ser co nhecida somente por análises resenhas Aí as oporfllnidades de deformação se multiplicam Os fragmentos podem mostrar os as pectos mais característicos de uma obra As análises são exatas Os resumos tratam do essencial Qual é o valor do crítico que resenha uma obra Qual é a sua inteligência sua competência sua consciência Quais são os seus pressupostos Freqüentemente os leitores tomam como um julgamento original aquilo que não é senão reprodução ou a tradução literal de um texto que apare ceu em uma revista inglesa ou alemã Mesmo críticos famosos como um Philarete Chasles ou um Gustave Planche usaram este subterfúgio Para não falarmos de Stendhal 5 Enfim enquanto no interior de uma literatura nacional o conjunto da obra de um autor é acessíve1a todo momento pe lo menos nas bibliotecas a obra de um autor estrangeiro só é conhecida salvo algumas exceções de forma incompleta É raro que uma obra seja traduzida integralmente Em geral é preciso esperar que um autor tenha atingido notoriedade no seu próprio país para que se pense em traduzilo As primeiras obras traduzi das são portanto muito freqüentemente as da maturidade Se essas obras têm sucesso publicamse em seguida as obras da juventude do autor em questão Daí acontecer com os leitores que não estão advertidos uma certa confusão e impossibilidade de reencontrar o itinerário espiritual e artístico do autor Os estudos sobre influências em sentido amplo são pois muito variados e muito complexos Tratase menos de estudar as grandes obras tomadas em si mesmas do que sua interpretação e sua posteridade mais ou menos bemvinda no estrangeiro As pesquisas levarão portanto freqüentemente a intermediários tra dutores críticos viajantes etc Com exceção de certos casos pri vilegiados não é muito freqüente poder estabelecer uma relação entre duas grandes figuras merece destaque portanto o caso de um Baudelaire admirador apaixonado e tradutor de Poe Por ou tro lado o trabalho do comparatista leva freqüentemente a fa zer aparecerem simplificações distorções falsos sentidos contra sensos Mesmo os maiores autores um Shakespeare um Goethe um Schiller um Dostoicvski não são sempre compreendidos fora de sua pátria ou então percebemse apenas seus aspectos mais exteriores Nada impede que estes erros e até estes contrasensos sejam freqüentes quando os culpados são eles mesmos gran des criadores Estes na verdade não imitam eles se inspiram Musset toma de um conto do alemão Tieck dois amigos opostos e complementares imagina a partir de Shakespeare que a mu lher cortejada por um se apaixona por outro que serviu de inter mediário e eis o esboço de uma obra extremamente original Les caprices de Marianne i Tais são pois os estudos de influências que tratam geral mente de dois autores ou de um autor e uma literatura16 Cer tos trabalhos mais ambiciosos tentam fazer a soma das influên cias de um país sobre o outro Temos assim obras sobre as in fluências alemãs na França e reciprocamente17 ou sobre as tro cas francoinglesas no século XVIII ou no XIX18 Como caso extremo temos as sínteses como o útil livrinho de Philippe Van Tieghem relativo às Influences étrangeres dans Ia littérature fran çaise 1961 A Literatura Comparada tende então a reencontrar a Literatura Geral Não se confunde no entanto com esta na medida em que o ponto de referência é um autor ou um país a perspectiva nacional permanecendo essencial19 3 Imagem de um povo estrangeiro em uma literatura determinada Até aqui as influências evocadas eram exclusivamente literá rias no sentido mais estreito do termo O emissor era um au tor ou um grupo de autores ou seja toda uma literatura Fausto na França Goethe na França os românticos alemães na França ou seja a influência da literatura alemã sobre a literatura france sa Ora o estudo remetia à acolhida feita a um livro estrangeiro à interpretação deste livro pela crítica ou ao número e à impor tância das traduções ora se preocupava mais especialmente com a influência exercidapor este livro sobre os autores autóctones Em nenhum momento abandonamos o mundo dos escritores de suas obras de seus intérpretes jornalistas críticos professores Se ci tamos os viajantes foi a propósito de seus contatos com os escri tores a leitura ou a vida intelectual ou cultural no estrangeiro 233 LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA verdade mas o que conta é o efeito que produz sobre o público Escreve também seu ltineraire de Paris à Jérusalem protótipo de toda uma série de viagens à Grécia à TerraSanta ou mesmo ao Egito Mas o século XIX vê curiosidades surgirem de todos os lados Théophile Gautier e a Espanha Edgar Quinet e a Alema nha ou mesmo Hugo e a Alemanha vejase o pitoresto álbum de viagem Le Rhin Taine e a Inglaterra nos esclarecem sobre as paisagens a arte a psicologia a filosofia a sociedade nesses diversos países O próprio livro de Mmede Stael De lAllemag ne qpe apontamos como um dos primeiros grandes exemplos de uma influência literária estrangeira não éabsolutamente prisio neiro da literatura e dos escritores mas tende a apresentar duas civilizações muito distintas duas psicologias quase opostas a da Alemanha do Norte protestante e a da Alemanha do Sul católi ca Não há uma fronteira estanque entre as diferentes categorias de obras Certos estudos são polivalentes a influência dos ho mens se mistura à dos livros Os autores que acabamos de citar foram diferentemente in fluenciados pelos países estrangeiros Mas pode acontecer que esta influência se torne primordial essencial O que seria de Stend hal sem a Itália Seguramente ele não seria Stendhal Este ho mem se deixou enfeitiçar a ponto de se proclamar milanês em seu próprio epitáfio redigido em italiano Arrigo Beyle mila nese A Itália foi para ele a pátria ideal enquanto que só de monstrava severidade em relação à França país de convenções e vaidades Mas o que lhe agradava na Itália não era exatamente sua literatura ainda que fosse grande admirador de Ariosto e de Tasso eram as belasartes a pintura da Renascença a música da ópera e da óperabufa eram ainda mais o clima e as paisa gens mas antes de mais nada os costumes de um povo que havia sabido descobrir e pôr em prática uma arte de viver arte di go dere feita de simplicidade de sinceridade de naturalidade com uma atenção de uma indulgência toda especial para com as aven turas do coração e da paixão Assim é a Itália inteira sem dúvi da uma Itália mais sonhada do que real que impregna a alma de Stendhal e revive em sua obra Abordemos agora uma segunda categoria de estudos a ima gem de um país estrangeiro em toda uma literatura Não é mais a Espanha vista por Théophile Gautier mas a Espanha na litera tura romântica não é mais a Inglaterra vista por Voltaire ou Tai LITERATURA COMPARADA 232 A influência de que tratamos aqui é diferente Ainda que ela se exerça sempre exclusivamente sobre os escritores não é exa tamente da mesma ordem Não é uma obra literária que exerce uma influência é de todo um povo estrangeiro de um país em seu conjunto que se trata e do qual os escritores de outro país recolhem a imagem ou o reflexo A literatura se apaga portanto por trás de uma idéia de civilização o livro é substituído por um modo de vida Esses estudos podemse dividir em duas grandes categorias a influência de um país pode ser exercida sobre um só autor pri vilegiado Pode ao contrário ser enfocada como remetendo glo balmente ao conjunto de uma determinada literatura isto é de fato ao conjunto dos autores mais ou menos importantes mais ou menos bem informados que falaram deste país Notamos em seguida que no primeiro caso por exemplo Renan na Alema nha o autor receptor tem pelo menos tanta importância quanto o país emissor enquanto que no outro caso por exemplo a ima gem da Alemanha nas letras francesas entre as duas últimas guer ras é o país emissor e a imagem que dele apresentamos de um modo geral que conserva importância essencial em detrimento de autores individuais Examinemos mais de perto essas duas categorias de obras Todos os viajantes na medida em que escrevem e publicam lembranças ou narrativas de viagem de um certo valor literário e humano contribuem para formar a imagem de um país estran geiro Se acontece deste viajante ser um grande escritor sua obra tem ainda mais valor Nos séculos XVII e XVIII estes relatos fre qüentemente são obras de missionários cuja intenção apologéti ca não impedia necessariamente que se mostrassem ao mesmo tempo deliciosos e exatos Às vezes por uma reação inesperada a civilização pagã que descreviam tomava a seus olhos uma ri queza uma autenticidade maior que a sociedade cristã perverti da pelos vÍCiosde uma sociedade evoluída assim nasce o mito tão importante do bom selvagem de que se apossam com na turalidade os filósofos ateus ou anticristãos Mas neste mesmo século XVIII os filósofos fazem também descobertas na Eu ropa Voltaire apresenta de modo favorável a Inglaterra comer ciante e progressista nas Lettres Anglaises No século XIX mar cado pelo exotismo tais relatos se IÍlUltiplicam Chateaubriand conta sua viagem à América em grande parte imaginária é Ir ff t w t 234 LITERATURA COMPARADA IITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 235 ne mas a miragem inglesa na França do século XVIII ou do XIX não é a Alemanha de Edgar Quinet mas o mito da Alemanha no século XIX na França Tratase portanto de estabelecer por toda uma série de estudos particulares uma imagem global obti da se quisermos por superposições sucessivas Bem entendido a contribuição individual de cada autor é avaliada Mas o que conta antes de mais nada é a imagem resultante Não se trata de dar uma imagem completa do país As obras literárias estu dadas pelo comparatista não pretendem rivalizar com os manuais de geografia de antropologia de história de economia política ou de história das instituições Os aspectos mais técnicos são dei xados de lado A vida econômica se pode chamar a atenção do escritor honnête homme o faz por seus lados pitorescos exóti cos ou arcaicos determinado aspecto da vida artesanal ou cam ponesa por exemplo ou pelo desenvolvimento insólito parti cularmente espetacular por sua rapidez e sua amplitude o de senvolvimento industrial dos Estados Unidos depois da segunda metade do século XIX ou posteriormente da URSS Mas a isto se misturam freqüentemente considerações políticas para retomar o exemplo dos Estados Unidos ou da URSS esta pro gressão econômica pode vir reforçar um sentimento de admira ção pelo grande capital ou pela livre empresa ou ao contrário pela economia planificada de um regime socialista A brusca ex pansão econômica e colonial da Alemanha no final do século XIX e no começo do século XX provoca espanto e inquietude nos franceses Os escritores que raramente são especialistas em geografia não retêm do estrangeiro senão aquilo que po de realmente interessar no sentido mais forte do termo ao seu público Ora deixando de lado um certo exotismo superfi cial que convida ao esquecimento ao estranhamento feliz à ob servação divertida daquilo que é diferente pelo prazer da di ferença o que interessa ao público é o que permite confronta ções instrutivas sobre duas maneiras de conceber e viver a vi da individualmente no quadro da família da sociedade oú da nação Finalmente a lição de todo um país se condensa nos ti pos humanos que têm como missão representar um povo e sua maneira de viver esses tipos são tanto mais significativos quan to são simplificados e enrijecidos O século XVIII europeu em geral aceita o mito do bom selvagem da Guiné ou das Ilhas o do gentleman fiel à sua palavra ou tomado pelo spleen O iní cio do século XIX descreve um alemão sentimental e chefe de iiI I família um turco impiedoso cruel sacrílego No fim do mesmo século a atenção se volta para os Estados Unidos com dois tipos completamente novos para o homem de negócios o negócio não é como indica a etimologia latina negotium uma lamentá vel privação de lazer mas a atividade que dá à vida de um ho mem sua plena significação Daí a valorização atribuída ao di nheiro talvez não por ele mesmo mas porque simboliza o suces so de um homem Daí uma moral do trabalho que poderia es candalizar uma sociedade européia ainda ligada ao ideal aristo crático da ociosidade cultivada Frente ao homem que trabalha a jeune jille que lê sai se diverte convive livremente com os jovens de sua idade e escolhe seu próprio noivo oferece também aos europeus do final do sé culo XIX uma ocasião de se encandalizarem mas também de fazê los se voltarem para suas próprias filhas enclausuradas até o dia de um casamento arranjado pelos pais levando mais em consi deração as fortunas a serem reunidas do que os corações que se deveriam juntar Quais são as características deste imaginário com relação aos povos estrangeiros 1 Inicialmente é extremamente simplificado Para alguns paí ses muito próximos de nós o assunto pode ensejar estudos com pesquisa sutis aprofundados Assim é o belo livro de Claude Digion intitulado La crise allemande de Iapensée jrançaise de 1871 à 1914 O próprio título indica que o autor ao contrário do que é mais freqüente se interessa mais pelo debate de idéias do que por sua encarnação em tipos representativos qual o va lor da ciência alemã do militarismo alemão do espírito empreen dedor e colonizador alemão da universidade alemã Quais são os impactos do nietzschianismo e do wagnerianismo sobre a ci vilização Mas tratase de um caso privilegiado pois a Alema nha logo após sua vitória sobre a França em 1871 deu origem a uma profunda crise de consciência dos intelectuais franceses cujo eco é interessante buscar 20 Geralmente em lugar de idéias encontramos imagens colo ridas freqüentem ente com humor e fineza mas que nem por isso deixam de ser típicas Basta que se pense apenas com refe rência à Inglaterra nas figuras criadas por André Maurois do Doutor OGrady Les discours du Docteur QGrady ou do Co ronel Bramble Les silences du Colonel Bramble ou na silhueta 236 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 237 mais recente do Major Thompson que tornou célebre o nome Pierre Daninos Em tais retratos sintéticos as nuances são evi dentemente esquecidas21 2 Esta estilização é ainda mais evidente no teatro do que na narrativa de caráter romanesco Ao mesmo tempo em que ace lera o tempo o teatro reforça os efeitos É conveniente que o es pectador identifique rapidamente como tal um inglês ou um bra sileiro Atribuemse então a estes traços muito evidentes e mui to convencionais razoavelmente ridículos pois o espectador é es pontaneamente patrioteiro mais em todo caso do que um leitor de romance Além disso existeuma tradição muito mais imperativa no teatro do que no romance Daí os eternos ingleses de boné terno xadrez e culotes de golfo ingleses de dentadura protuberante roupas berrantes e rostos assustados 3 Os tipos tendem a se entranhar em seu ser devido a uma preguiça dos autores e mais ainda do público Um dos exem plos mais significativos é o do alemão considerado a partir de Gessner no século XVIII e Mmede Stael no início do século XIX como um ser doce sentimental dado a efusões familiares inclinado ao sonho à especulação filosófica e incapaz de se or ganizar em uma sociedade ativa em uma nação forte Apesar dos gritos de alarme de um homem como Quinet que denuncia va bem antes de 1850o militarismo e um certo imperialismo ale mão os compatriotas de Thine e de Renan continuavam a ver como estes nos alemães metafísicos e músicos pelo menos até a derrota infligida pela Prússia à Áustria em Sadowa em 1866 Os tipos só evoluem portanto com lentidão eles estão sempre atrasados em relação aos costumes e aos acontecimentos A pe quena obra de JeanMarie Carré Les écrivainsjrançais et te mi rage allemand Boivin 1947 é significativa sob este aspecto 4 Se os tipos nacionais são sempre esquemáticos existem possibilidades de correção pelo fato da coexistência possível de dois tipos contraditórios representando ou pretendendo repre sentar um mesmo povo Na verdade o tipo é por definição sim plificado Mas se há alguma opinião vacilante vemos nàscer para representar um mesmo estrangeiro dois tipos igualmente simpli ficados mas apresentando qualidades complementares A massa dos escritores franceses via assim na época român tica os turcos como bárbaros sedentos de sangue lembrança da guerra de independência gregá Mas certos peregrinos do Oriente I f em particular Lamartine os descreviam como humanos e tole rantes Deste modo um certo equilíbrio podiase estabelecer Da mesma forma a jovem americana representada pelos autores fran ceses de comédias Victorien Sardou como uma emancipada pe rigosamente dedicada a esta instituição diabólica chamadajlirt era ao contrário descrita por certos autores de tendência femi nista como o austero Tocqueville como modelos de virtude es clarecida e sabedoria um pouco fria embora livre22 5 Enfim o tipo literário levado ao extremo da simplifica ção dá origem ao tipo gráfico da caricatura E reciprocamente podehaver uma influência do desenhado sobre o descrito Os de senhistas vão até o último limite do símbolo já que uma silhueta é suficiente para indicar todo um povo o grande boneco John Bull tão largo quanto alto representa a Inglaterra o Tio Sam comprido comprido com o queixo enfeitado por um cavanha que e com uma cartola na cabeça é o retrato estilizado do mais célebre presidente dos Estados Unidos Lincoln Este gênero de estudo nos afasta um tanto das belasletras tradicionais Estamos aqui na realidade nos confins da história eda história da literatura Parece entretanto que podemos fa zer uma distinção O historiador estudará por exemplo os Esta dos Unidos frente à opinião francesa no século XIX Ele se preo cupará antes de mais nada com o desenvolvimento da história política das relações diplomáticas com os problemas da emi gração e sua repercussão na opinião isto é através de todos os testemunhos impressos ou não que permitem apreender ou re constituir esta opinião Entre os impressos que constituem a massa da documentação o historiador se interessará pelos comunicados e pelos discursos ofiçiais mas também pela revista especializada pelas memórias de diplomatas ou pelo artigo do cotidiano po pular como o guia do emigrante Assim fez René Rémond em sua grande obra Les États Unis devant lopinion jrançaise 18151852 Colin 1962 O comparatista se preocupará com os reflexos propriamente literários desta imagem da América Irá procuráIos nos relatos de viagem de certo fôlego e das obras de imaginação às vezes poesia mas mais freqüentemente literatura romanesca e teatro Se a imagem é freqüentemente mais defor mada que aquela que emana de um documento oficial ou técnico ela é aureolada de um prestígio e dotada de um poder de influência que a torna particularmente interessante para ser destacada 238 LITERATURA COMPARADA LITERATURA GERAL E LITERATURA COMPARADA 239 Assim tais estudos que não são desprezíveis do ponto de vista literário revestemse de uma grande importância do ponto de vista da história dos costumes e das idéias Conduzem de um lado em direção à sociologia de outro em direção à psicologia dos povos Melhor ainda do que isto pondo em destaque ima gens simplificadas distorcidas falsas mesmo que adquirimos de outros povos através dos séculos procurando e descobrindo as causas destas deformações e distorções a literatura comparada contribui para dissipar o clima de incompreensão e desentendi mento entre os povos Elimina os malentendidos Adquire uma função política dando à palavra seu sentido mais nobre e mais generoso23 NOTAS 1 Literatura geral e história literária geral são expressões vizinhas A primeira se refere a pesquisas de caráter teórico define os gêneros as estruturas ou as tendências sem referência explícita ao fator temporal A segunda introduz uma preocupação crono lógica descreve os movimentos e as evoluções pesquisa as origens valoriza as influên cias e os resultados finais Na realidade a primeira expressão mais simples tende no uso corrente a se generalizar Seguiremos este emprego Notemos que o vocabulário técnico de editoração e catalogaçãb emprega literatura geral em outro sentido tudo que não entra numa categoria definida e especializada de obras por exemplo tudo que não é nem ciência nem religião nem belasartes nem histó ria nem viagens é essencialmente tudo que pertence à literatura pura e à crítica literária 2 A esta literatura geral ligação entre literatura e belasartes os americanos chamam de Comparative Literature Preferimos dar à literatura comparada um sentido mais rigoroso e mais estrito Mas não é preciso nos atermos a essas divergências nunca será demais repetirmos que as fronteiras entre literatura geral e literatura comparada não são e não podem ser traçadas de forma definitiva O que importa é o espírito de abertura para o exterior que anima os dois gêneros de pesquisa 3 La Fontaine é um dos primeiros escritores franceses a ler autores do Norte da mes ma forma que do Sul cL seu Epftre à Huet Este cosmopolitismo indica uma am pliação do gosto e anuncia a literatura comparada 4 Nunca será demais insistir na importância da permanência de Voltaire na Inglaterra AndréMarie Rousseau enfatiza em uma vasta obra as relações entre Voltairee a Inglaterra 5 O fato dos poemas de Ossian serem supervalorizados por Mac Phersõn não muda nada fundamentalmente Os contemporâneps viram em Ossian o bardo do Norte al guém semelhante a Homero cL VAN TIEGHEM Paul Ossian en France 2 vols Rie der 1917 e Le Préromantisme Sfelt 1947 t I 6 O julgamento de Garat é citado por Pierre Moreau em La critique littéraire en Fran ce Paris Colin 1960p 84 e o de Frédéric Schlegel por Paul Van Tieghem em Le mou vement romantique 3 ed Vuibert 1940 p 67 7 Goethe espírito cosmopolita e partidário de uma Weltliteratur aplaudiu o livro de Mffie de Staêl Foi como uma ovelha que abriu uma larga brecha na muralha da China dos velhos preconceitos que cresceram entre nós na França 8 A palavra senão a coisa no seu sentido preciso é encontrada na França em 1817Um universitário Fr Noêl publicou em colaboração com Fr Delaplace em 1804 nas edi ções Le Normant as Leçons de littérature et de morale ou Recuei en prose et en vers des plus beaux morceaux de notre langue dans Ia littérature des deux derniers siecles Em 1816os dois autores publicaram as Leçons latines de littérature et de morale e em 1817Noêl desta vez ajudado por Chapsal publica as Leçons anglaises de littérature et de morale Essa obra assim como as reedições das antologias precedentes recebem o mesmo título geral Cours de Littérature comparée que aparecerá naturalmente nas Le çons italiennes de 1824 e nas Leçons allemandes de 1827 9 JeanJacques Ampere ministrou em 1830no Ateneu de Marselha um curso de litera tura de grande sucesso nossa citação é da aula inaugural de 12de março Foi JeanJacques Ampere que deu na Sorbonne o primeiro curso oficial de Literatura Comparada em 1832 Villemain e Ampere foram precedidos por eruditos como Raynouard e sobretudo Fauriel em quem alguns viam os primeiros comparatistas Vejaseo artigo de SainteBeuve sobre JeanJacqUes Ampere e seus antecessores Revue des Deux Mondes I de setem bro de 1808 incluído em Nouveaux Lundis XIII p 183205 10 A Alemanha desempenha igualmente um papel de primeiro plano na formação de um clima comparatista com suas críticas de uma vasta cultura e de uma prodigiosa cu riosidade que são por exemplo os irmãos Wilhelm e Friedrich Schlegel O primeiro em especial exerceu uma grande influência através de suas aulas em Berlim sobre A litera tura e a arte 18011804e em Viena sobre A literatura e a arte dramática 18091811 O segundo destes cursos que foi rapidamente publicado 18091811e em seguida tradu zido para o francês 1814 tem um papel de importância na batalha romântica Essas obras acrescentam a um cosmopolitismo muito aberto uma hostilidade fundamental com relação ao Classicismo francês e apresentam preconceitos bastante freqüentes 11 Os estudos de literatura comparada se multiplicam na segunda metade do século ini cialmente tipos históricos e legendários depois relações entre autores estrangeiros influência de uma literatura sobre outra ou de uIlgrande autor sobre uma literatura estrangeira As obras mais consideráveis chegam a propor uma história internacional das literaturas Histoire littéraire du XVIJle siecle en Angleterre en France et en Alemagne do alemão Hermann Hettner 18561876eLes grands courants de Ia littérature européene au XIXe siecle do dinamarquês Georg Brandes obra brilhante e apaixonada 18721890 Na França a literatura comparada se constitui como disciplina de ensino rigoroso sob o impulso de Ferdinand Brunetiere Uma primeira cadeira de Literatura Comparada foi criada em Lyon em 1896por Joseph Texteautor de uma tese sobre JeanJacques Rous seau et lesoriginesdu cosmopolitisme littéraireHachette 1895Em 1896começou também a aparecer uma Bibliographie de Littérature Comparée obra do alsaciano LouisPaul Betz autor de Heine in Frankreich Zurique 1895 12 A história da crítica na França na aurora do século XIX ainda não foi sistematica mente traçada Pode dar lugar a descobertas Devo à gentileza de Régaldo fino conhece dor deste período negligenciado as seguintes indicações Sebastien Mercier ministrou de 1799a 1800no Liceu Republicano futuro Ateneu um curso sobre a Literatura Anti ga e Moderna Francesa e Estrangeira Os escritores estrangeiros Shakespeare e em par ticular Schiller eram aí exaltados Por outro lado Ginguené abrindo seu curso de His tória Literária e não de literatura cabe notar a novidade do termo no Ateneu em 1805 anunciava o plano de uma vasta história literária da Europa mas não teve tempo de es crever senão a monumental Histoire littéraire dItalie muito bem informada e com um método bastante moderno 18111819 13 SainteBeuve em 1831 sonhava em se mudar de Paris para Liege onde lhe oferece 240 LITERATURA COMPARADA ram a cátedra de Literatura Comparada ou Geral Finalmente a cátedra criada foi de Literatura Comparada mas SainteBeuve renunciou a ela 14 A literatura nacional não significa grande coisa atualmente chegou o momento da literatura universal e cada um deve se ocupar em acelerar a chegada deste tempo De poimento de Eckerman 31 de janeiro de 1827 Os escritos do ano de 1827 são cheios desses apelos à Weltliteratur 15 De lunité des littératures modernes Revue des Deux Mondes I ago 1838 Cabe ob servar o título característico 16 Eis alguns exemplos deste tipo de obra ESTEVE Edmond Byron et le romantisme français Hachette 1907 2 ed Boivin 1929 MARKOVITCH Milan Rousseau et Tolstoi Champion 1928 DÉDÉYEN Ch Montaigne chez ses amis anglosaxons Boi vin 1947ESCARPIT Robert LAngleterre dans loeuvre de Mme de Stael Didier 1954 VOISINE Jacques JeanJacques Rousseau en Angleterre à lépoque romantique Di dier 1956 PICHOIS Claude Limage de JeanPaul Richter dans les lettres françaises Corti 1963ASSELINEAU Roger ed The Literary Reputation of Hemingway in Euro pe Lettres Modernes 1965 Podemos aproximar este tipo de estudos das pesquisas de fontes que a bem da ver dade raramente atingem as dimensões de um volume BALDENSPERGER Fernand Orientations étrangéres chez H de Balzac Champion 1927 Enfim os intermediários viajantes críticos salões jornais ou periódicos dedicamse a estes estudos de influência em sentido amplo Exemplos BALDENSPERGER F Le mouvement des idées dans lémigrationfrançaise 2 v Plon 1925 CARRÉ J M Voya geurs et écrivansfrançais en Egypte 2 v Le Caire Imprimerie de llnstitut Français dAr chéologie Orientale 1923 nouveIle ed 1956 Encontramos além disso viajantes no capítulo seguinte que evoca a imagem de um povo estrangeiro essas classificações não são rígidas 17 Cf as obras antigas de SÜPFLE T História da influência da civilização alemã so bre a França Gotha 1886em alemão de RAYNAUD Louis Histoire générale de Iin fluence française en Allemagne Hachette 1914 Da influência passamos sem sentir à imagem de todo um povo 18 Assim Minuet de F C Green Londres J M Dent 1939 estuda as afinidades lite rárias francoinglesas no século XVIII e Enid Stakie em From Gautier to Eliot the in fluence of France on English Literature faz o balanço das influências francesas na In glaterra de 1850 a 1939 Londres Hutchinson University Library 1960 19 Inversamente um estudo do tema pode se referir a dois paises Por exemplo o sonho na literatura alemã e francesa Albért Béguin Lâme romantique et le rêve O que defi nimos como literatura geral tomará então uma fisionomia comparatista Notemos entretanto que há neste caso limitação voluntária a dois paises de um estudo que em seu desenvolvimento normal o sonho na literatura teria uma vCaçãomuito geral Quando se trata da influência de um tema estrangeiro sobre um autor nacional o aspecto com paratista o envolve de forma definitiva Por exemplo Le theme du Rhin dans linspira tion dApollinaire Lettres Modernes 1956 20 Para o período romântico dispomos da obra densa e clara de André Monchoux LAI lemagne devant les lettresfrançaises de 1814à 1835 Colin 1953 recentemente reeditada 21 O livro de MariusFrançois Guyard desenha com segurança e vivacidade Limage de Ia Grande Bretagne dans le roman français 1914à 1940 Didier 1954 22 Cf JEUNE Simon De Graindorge à Barnabooth Les types américains dans le ro man et le théâtre français 18601917 Didier 1964 23 Acrescentar no caso da Espanha vista pela França HOFFMAN LéonFrançois Ro mantique Espagne Paris puF 1961e daRússia LORTHOLARY Albert Le miracle russe en France au XVIlIe siecle Boivin 1951e CADOT Michel La Russie dans Ia vie intellectuelle française 18391950 Fayard 1967 PARA O ESTUDO COMPARATIVO DE LITERATURA Jan Brandt Corstius li A literatura ocidental forma uma comunidade histórica de literaturas nacionais que se manifesta em cada uma delas Cada texto lírico épico ou dramático independente de suas características individuais foi em parte retirado de material comum e assim tanto confirma quanto perpetua tal comu nidade Para o criador de arte literária a literatura do passa do e do presente constitui o contexto de idéias e de formas no qual ele se insere Os movimentos literários e a crítica li terária também demonstram essa unidade básica da literatu ra ocidental A literatura comparada se baseia nessa visão da literatura nacional Ao encarar os objetos da pesquisa li terária textos gêneros movimentos crítica nessa pers pectiva internacional é que a literatura comparada contribui para o conhecimento da literatura 1 O leitor vs o estudioso de literatura 1 A força propulsora do estudo de literatura é nosso senso de valores literários que em muitos de nós surge sob a forma de um vivo interesse pela poesia e pela prosa contemporânea Somos cativados por poemas romances e peças modernas que ficamos ansiosos por ler citar e discutir Alguns de nós começam a escre ver sua própria poesia ou prosa São as obras líricas ou de prosa BRANUf CORSTIUS Jan Toward the Comparative Study of Literature In In troduction to the Comparative Study of Literature New York Random House 1968 p 319 Ibidem Prefácio p v 242 LITERATURA COMPARADA í I PARA o ESTUDO COMPARATIVO DE LITERATURA 243 escritas por nossos contemporâneos que mais freqüentemente nos introduzem na natureza e na arte da literatura As primeiras im pressões que nos causam podem determinar nossa atitude em re lação à literatura como um todo e contribuir para darmos à crí tica literária de nossa geração suas feições características Quan do por esse processo a literatura já se tornou parte essencial de nossas vidas não mais nos detemos em suas manifestações mo dernas Fazemos descobertas na poesia e na prosa de inúmeras épocas e povos É claro que existem pessoas que são iniciadas nos mistérios da literatura através da leitura de obras de poetas e prosadores do passado Até esse ponto nossas experiências não diferem das de to dos os leitores interessados Entretanto no momento em que de cidimos fazer da literatura nosso objeto de estudo profissional deixamos de ser membros normais da comunidade de leitores nossa atitude em relação a um poema ou trecho de prosa se tor na bem mais complicada do que a de um mero leitor Passamos a tentar extrair o máximo possível de um texto situandoo histó rica e formalmente num quadro de referência Fortalecemos nossa apreensão intelectual do objeto e nos acostumamos a pensar so bre ele com as categorias operacionais e convencionalmente ro tuladas de uma disciplina científica Assim por exemplo para nós Uma viagem sentimental de Sterne a é um romance da era do sentimentalismo b pertence à tradição rabelaisiana c marca uma fase decisiva do desenvolvimento semântico do ter mo sentimental no século XVIII d é o protótipo de um gê nero romanesco de sucesso Somos treinados para elucidar e interpretar uma obra lite rária na medida em que a tratamos como um modo especial de organização da língua analisamos sua estrutura e pesquisamos seu contexto históricoliterário seu pano de fundo cultural Desse modo as análises frias que são típicas do estudioso em que nos transformamos tendem a interferir nos prazeres sem sofisticação do leitor que éramos anteriormente Cada um de nós forçosa mente passou por essa estranha experiência Sentimonos sujei tos a uma rotina intelectual que ameaça transformar a poesia e a prosa em objetos inanimados de conhecimento Conscientes deste impasse tentamos encontrar o equilíbrio de todas as faculdades de que necessitamos para compreender a natureza desse ato peculiar ao ser humano que é a criação de literatura Esforçamonos para aproximar cérebro e coração in tuição sensibilidade e realização intelectual tal como o fazem de maneira exemplar os grandes mestres da interpretação literária O estudo de literatura além disso pressupõe um contato con tínuo com certo número de grandes obras quer em suas ver sões originais quer em traduções Assim conseguimos perma necer ligados ao espírito e às formas da verdadeira literatura Atra vés desse contato nossa mente retém as normas realmente críti cas que às vezes corremos o risco de perder de vista no trabalho enfadonho de estudar pormenores diminutos mas indispensáveis Todo estudfoso de literatura deve ter a seu alcance uma quanti dade desses grandes livros para que a qualquer momento possa pegálos e lerIhes alguns trechos e assim se dar conta mais uma vez daquilo que seu estudo realmente significa Sempre haverá relações mais ou menos tensas entre o leitor comum e o estudioso de literatura análogas às tradicionais ima gens antitéticas do poeta enquanto criador e do crítico enquanto aquele que disseca a poesia Não devemos contudo nem enfati zar nem negar essa antítese É verdade que os estudiosos de lite ratura podem degenerar em amanuenses e teorizadores há mui to abandonados pelas Musas O leitor comum por outro lado pode tomar a aparência pela essência A autêntica crítica literá ria entretanto é sempre um reflexo da literatura e assim afeta a experiência interior tanto do poeta como do leitor É por isso que a crítica literária determina o caráter da literatura ao mes mo tempo que é determinada por ele Nesta relação não há ques tão de incompatibilidade entre o temperamento do poeta e o do crítico nem tampouco entre o temperamento do leitor e o do es tudioso de literatura 2 Uma comunidade de literaturas Normalmente porém não se entra para a universidade co mo um estudioso de literatura Entrase para a universidade a fim de estudar uma língua e a literatura escrita nessa língua ou en tão um grupo de línguas e literaturas intimamente relacionadas É deste modo tradicional que travamos conhecimento com as con venções técnicas e problemas de história e de crítica literárias 244 LITERATURA COMPARADA PARA o ESTUDO COMPARATIVO DE LITERATURA 245 Adestramonos no conhecimento das origens da literatura em questão e das características específicas dos diferentes períodos pelos quais passou sua história aprendendo a ver esta história em seus contextos político social econômico e cultural Adqui rimos um conhecimento básico dos métodos e termos utilizados em pesquisa literária e somos instruídos sobre como aplicáIos Em pouco tempo dominamos o uso das ferramentas de nosso es tudo tais como bibliotecas manuais dicionários bibliografias edições críticas de textos Enquanto isso damonos conta de que nossa compreensão da história literária que estudamos é em grande parte o resulta do de uma minuciosa interpretação de textos Assim precisamos conhecer os princípios lingüísticos estilísticos prosódicos e es truturais da interpretação literária em seguida precisamos ser treinados na sua aplicação para apreendermos o significado dos termoschaves e das principais formas e temas que figuram nes ses textos E mais precisamos ter consciência daquilo que era en tendido por literatura no decurso de vários períodos históricos É bastante compreensível que durante a fase inicial de nos so estudo tendamos a relacionar as noções literárias que adqui rimos à literatura específica de que nos ocupamos Por exemplo como estudiosos de língua e literatura inglesa podemos ler os Poetas do Lago e seus contemporâneos e consultar atentamente capítulos sobre o Romantismo em manuais de história da litera tura inglesa Ao fazêIopodemos acreditar que os fenômenos com que nos deparamos são exclusivamenteingleses Lemos por exem plo sobre a aspiração de Wordsworth de usar linguagem colo quial e empregar recursos prosódicos simples ao escrever poesia Sabemos que suas baladas líricas assim como as de Colerid ge foram inspiradas em canções populares Shelley por outro lado acreditava na origem sobrenatural da inspiração poética e exaltou ardentemente a imaginação a ponto de consideráIa o elemento principal da criação poética Os mesmos poetas atri buíram à poesia a augusta função de legisladora da humani dade Enquanto isso podemos não estar conscientes de que tan to estas práticas quanto estes tipos de concepção literária têm si milares e podem ocorrer na mesma época fora das Ilhas Britâni cas Em nosso pensamento limitamonos à literatura inglesa ainda que as histórias que consultamos se refiram eventualmente a fe nômenos em outras literaturas por causa de sua semelhança aos ingleses Inclinamonos a pensar que tais referências têm a ver com paralelos fortuitos e deixamos de nos dar conta de que eles podem ao contrário apontar para a existência de uma comuni dade literária internacional Aos poucos todavia tomamos consciência de que como es tudiosos de uma literatura nacional do Ocidente estamos conti nuamente concentrandonos em dados históricos em princípios e métodos de pesquisa que são igualmente operacionais no estu do de outras literaturas Daí resulta que deixamos de encarar nosso campo de estudo como algo desvinculado de outros da mesma espécie A história de uma determinada literatura passa a presu mir a existência de uma comunidade literária e muitas vezes des cobrimos que suas origens são profundamente enraizadas em ou tras literaturas À medida que conseguimos rastrear sua história deparamonos com o impacto de textos e autores de fora de suas fronteiras Assim verificamos que seus períodos receberam ró tulos internacionais não apenas por razões cronológicas como as expressões Antigüidade e Idade Média poderiam levar nos a supor mas porque esses rótulos dão conta de característi cas literárias internacionais Nossa percepção de situações literárias internacionais aumen ta com regularidade à proporção que aumenta nosso conhecimen to de crítica literária Gêneros modos e recursos que a princípio considerávamos como de caráter tipicamente nacional parecem existir também em outras literaturas Uma comunidade de for mas temas e técnicas pode deverse tanto a uma origem comum quanto a relações literárias internacionais quanto ainda a uma combinação desses dois fatores Simultaneamente capacitamonos de que tal comunidade não quer dizer conformidàde Quando reconhecemos o aspecto in ternacional de um determinado fenômeno literário de fato é mais fácil ver através disso suas modificações nacionais ou individuais Podemos então observar que os desvios e as diferenciações em relação ao modelo internacional ao qual pertencem resultaram em algo novo e único Por exemplo um estudioso de língua e literatura alemã lendo Die Leiden des jungen Werther de Goe the poderá tomar como pressuposto que este livro é um roman ce epistolar na tradição do gênero internacional que teve tanto prestígio no século XVIII No entanto é a partir da concentra ção nesta forma ficcional em seu uso específico por Goethe que 246 LITERATURA COMPARADA í PARA o ESTUDO COMPARATIVO DE LITERATURA 247 se faz luz sobre as qualidades essenciais do famoso livro Obser var que o autor alemão abandonou as regras românticas do gê nero tais como estabelecidas primeiramente por Richardson e de pois levadas avante por Rousseau isto é de cartas intercepta das escondidas lidas por pessoas indevidas cartas nunca envia das contidas em outras remetidas para endereços equivocados cartas que serviam como dissertações sobre tópicos sentimentais é abordar Die Leiden des jungen Werther como a criação ori ginal que foi Ao libertarse desses modelos do romance episto lar Goethe foi capaz de atingir a plenitude do uso da carta co mo expressão do indivíduo Mais do que isto uma comparação mais ampla do livro com seus predecessores evidencia que Goethe excluiu de sua obra as costumeiras aventuras motivos incidentes sensacionais do roman ce2 não há pais cruéis não há sedutores empregados malévo los não há raptos aprisionamentos fugas Como resultado a obra foi quase completamente despojada das feições do roman ce do século XVIII que ainda prevaleciam na sua forma episto lar Além disso Goethe não construiu uma correspondência múl tipla nem sequer entre duas pessoas como seria apropriado mas empregou o gênero de um modo inteiramente seu O produto fi nal é um romance altamente poético cujos períodos e estrutura símbolos e seqüências de tempo funcionam todos como meios para a autoexpressão de Werther O estudo de uma literatura nacional do Ocidente em cursos universitários também afeta nossa compreensão do caráter inter nacional da crítica literária Independentemente do setor da lite ratura ocidental que tenhamos escolhido como objeto de estudo inevitavelmente encontramos os nomes de Aristóteles Horácio Scaliger Heinsius Boileau e outros grandes teóricos da poesia O mesmo se aplica a influentes obras críticas e didáticas do pas sado o que aponta para o fato histórico de que a mesma poética formou os modelos que subjazem à arte da poesia em vários paí ses enquanto os mesmos livros importantes embora atualmente muitas vezes nos pareçam obscuros foram durante eras fontes inexauríveis de temas e imagens História e crítica literárias parecem ser agências internacio nalizadoras operando em diversas literaturas que assim consti tuem grupos conexos Regimes militares e políticos e suas con quistas ou supremacia cultural pacífica foi o que determinou a separação entre países que se tornaram parte de uma comuni dade literária e os que não se tornaram Isto também é verdade quanto à teoria e crítica que assumiram um papel internacional predominante 3 A parte e o todo Nosso etudo de qualquer literatura nacional faznos assim constatar que para uma compreensão autêntica das obras gê neros e movimentos dessa literatura devemos ao mesmo tempo encarálos como partes integrantes de um todo internacional Na prática da pesquisa literária esta constatação faz surgirem mui tas dificuldades e portanto demanda cautela Por exemplo um estudioso de literatura francesa há de defrontarse com a defesa do romance epistolar feita por Rousseau no Préfáce de Julie ou entretien sur les romans de Julie ou Ianouvelle Heloise Para uma interpretação correta do texto esse estudioso deve pelo menos ter um conhecimento mínimo de certos fenômenos literários in ternacionais tais como as teorias do século XVIII sobre a imita ção literária da natureza humana a tradição entusiástica da poética as relações então em transformação entre o público e o romance Ainda assim a despeito desse conhecimento sua in terpretação da defesa do gênero efetuada por Rousseau será pre cária se o estudioso simplesmente fizer um diagnóstico do grau em que está presente no texto o pensamento literário tradicional e limitarse a descrever o ambiente social do Prefácio Proceden do assim o estudioso certamente não conseguirá apreender o in teresse individual da defesa Ao fixarse no contexto perde de vista o texto isto é a maneira pela qual o gênio de Rousseau criou algo novo a partir de coisas comuns e com isto por sua vez criou um impulso para substituir o padrão e o característico em litera tura pelo individual e original Falando em termos gerais os estudiosos de literatura devem estar conscientes da individualidade literária e ao mesmo tempo desenvolverum conhecimento de comunidade literária A primeira é a qualidade preciosa que continuamente demanda proteção con tra o perigo de afogarse na correnteza do conhecimento históri co cultural sociológico e filosófico Atualmente os objetivos e 248 LITERATURA COMPARADA PARA O ESTUDO COMPARATIVO DE LITERATURA 249 técnicas do estudo literário enfocam o caráter único de um poe ma ou de um texto de prosa Conseguemse belos resultados nes ta perspectiva especialmente quando se trata de poesia Entre tanto a unicidade é sempre de uma certa espécie nesse caso uni cidade literária que se relaciona com tradições lingüísticas e pro sódicas Mais ainda do que as outras artes a literatura a arte da linguagem ligase a pensamento a significado a idéias Con seqüentemente a unicidade literária também dá forma a uma parte das tradições de conteúdo É óbvio que a individualidade de uma obra literária se manifesta tão mais convincentemente quanto mais as partes entrelaçadas que constituem o todo internacional fo rem cuidadosamente desenredadas pela pesquisa do texto para que suas funções naquele exemplo específico de criatividade pos sam ser observadas Esses componentes na verdade serão prin cipalmente tradições de estrutura idéias e imagens mais do que de sonoridade e ritmo intimamente ligados à língua nacional Ao estudar os movimentos e épocas de uma literatura na cional devese encarálos portanto em relação às escolas e pe ríodos internacionais No caso desses processos históricos hoje em dia aceitamos com bastante facilidade uma atuação interna cional de características Sabemos porém que ainda há estudiosos que traçam o perfil de um movimento literário em linhas estrita mente nacionais isto é tão logo se utiliza o termo romantis mo traduzemno para Romantismo inglês francês alemão etc Sua reação é a mesma com respeito ao Simbolismo ao Surrea lismo etc Para tais estudiosos a noção de um movimento lite rário é mera abstração Esta atitude em relação ao fenômeno aqui discutido é res ponsável bem curiosamente pela confusa identificação de um representante nacional de um movimento literário internacional com aquela abstração que tão freqüentemente encontramos na história e na crítica literárias Por exemplo como é de se es perar o termo romantismo aparece numa discussão em que somente uma de suas cristalizações nacionais é posta em debate A noção abstrata aparentemente ainda de algum valor perde de repente seu pálido rosto e revela uma colorida maquiagem na cional Este manuseio parcial da entidade internacional do mo vimento literário enfraquece a posição erudita da história e da crítica literárias e ainda é responsável por outra falha dessa abor dagem É possível apreender as características individuais nacio nais de uma literatura apenas através do conhecimento de for mas e temas que marcam o modelo literário internacional daquele período Muitas vezes consideramos como característica nacio nal o que evidentemente é uma convenção internacional De mo do análogo não conseguimos avaliar uma qualidade genuinamen te nacional porque não conhecemos sua contrapartida interna cional Tal reserva em relação à noção de um movimento literário como parte de um fenômeno internacional decorre de uma visão defeituosa que têm de sua tarefa alguns estudiosos de uma de terminada literatura nacional Os movimentos e escolas de uma literatura naclonal são o seu principal objeto de estudo 1êm per feito conhecimento desse movimento específico sua linguagem objetivos formas predominantes autores críticos contextos cul turais e sociais Conhecem este mundo pelo avesso mesmo que tenham de depararse com aspectos obscuros e problemas cru ciais É claro que sabem que movimentos semelhantes existem em outros países e eventualmente até se sentem tentados a fazer comparações ou buscar traços comuns Mas por que perguntamse deveríamos trocar o profissionalismo pelo ama dorismo Por que deveríamos abandonar nosso campo de estu do por algo que afinal é território estrangeiro no qual nos ar riscaríamos a nos perder Assim propõem questões irrelevantes e de curto alcance Um historiador ou crítico de uma literatura nacional não pode pres cindir de algum conhecimento de literatura geral e comparada Pre cisa conhecer fenômenos internacionais os principais tópicos de teoria literária tais como as relações entre história e crítica literá ria as características dos gêneros poética e outros Sobretudo como foi mencionadoacima ele somente se tornará um bom es tudioso de uma literatura nacional se buscar os meios de distin guir e conseqüentemente de avaliar as qualidades literárias pro priamente nacionais O esforço para obter tal conhecimento não é nem amadorismo nem invasão de território estrangeiro 4 A dimensão da comunidade Esta relutância em pesquisar fenômenos literários interna cionais é uma precaução prudente dos estudiosos na medida em que faltam linhas gerais definidas da comunidade literária in ternacional Pois o que significa afirmar que os fenômenos de uma literatura nacional devem ser encarados como partes inte grantes de um todo internacional O que significa adquirir co nhecimento de uma comunidade literária internacional As poucas sugestões oferecidas nos parágrafos precedentes apontaram para algumas literaturas da Europa ocidental e para o fato de que jun tas elas formam uma tal comunidade de acordo com a história e com a crítica Pode haver mais do que uma boa razão para que paremos por aqui Contudo antes de fazêIo examinemos um pouco mais a noção de uma comunidade literária internacional Por que razão os argumentos que indicam a existência de uma comunidade de algumas literaturas européias ocidentais não se aplicariam à literatura ocidental como um todo isto é às litera turas européias e suas derivações fora da Europa Avancemos mais um passo não poderia existir uma história e uma crítica comuns a todas as literaturas do mundo A pergunta é pertinente apesar de seu caráter altamente abstrato Algumas questões importantes de crítica e de teoria literá rias têm um caráter universal como a indagação sobre a função de alguns recursos literários e sobre a natureza da literatura e da inspiração literária Qual é o significado dos elementos estrutu rais básicos da poesia metro e ritmo A literatura visa princi palmente a estabelecer a identidade do significante e do signifi cado como têm proposto alguns estudiosos de literaturas bem diferentes A colocação em palavras e a revelação dos mais altos valores da comunidade humana e também ôs da personalidade são em si mesmas transcendentes É correto afirmar como o fez Raymond Schwab em sua introdução à literatura oriental à moins de faire cause commune avecles génies noneuropéens nous naurons jamais quune idée boiteuse de ce que nousmêmes ap pelons Ia littérature O mesmo autor fala da literatura oriental como sendo cette pensée jumelle et antagoniste de Ia nôtre E continua le corpus strictement européen des littératures quon enseigne dans nos écoles a lair dun estropié congénital ou dun mutilé volontaire Schwab acredita poder prever quavant Ia fin de ce siecle on ne pourra plus analyser des grands processus his toriques en littérature grecque française ou américaine sans pui ser des éléments de comparaison dans les séries orientales3 No entanto nenhum estudioso pode sozinho dar conta das exigências feitas pela pesquisa literária numa escala universal E enquanto faltar a cooperação efetiva entre especialistas em lin güística e literatura o estudioso deve manterse à distância de assuntos como este se quiser evitar as armadilhas da hybris A cooperação que se menciona aqui deve tomar a forma de uma colaboração institucionalizada em grande escala quer concen trada em um centro internacional quer organizada por um nú mero de unidades associadas de pesquisa Deve ser patrocinada por um organismo supranacional como a Unesco ou por uma fundação internacional mantida por universidades sociedades acadêmicas etc Recentemente René Etiemble professor de lite ratura comparada na Sorbonne sugeriu enfaticamente estabele cer um centro nestes moldes em Paris4 5 Limitações necessárias Voltemos ao aluno na Universidade Que tipo de organiza ção didática lhe é disponível para o estudo dos aspectos interna cionais da história e da crítica literária Em algumas universida des existe um Departamento de literatura comparada no qual a expressão literatura comparada significa o estudo da literatu ra de um ponto de vista internacional A função deste estudo é apenas em parte a de elucidar as obras gêneros e movimentos de uma literatura colocandoos em seu contexto internacional Na verdade o adjetivo comparada é nesses casos uma relí quia do tempo em que as ciências naturais dominavam o pensa mento das humanidades Comparar é afinal apenas um aspec to da disciplina multifacetada que é a literatura comparada Um tal departamento pode às vezes ser autosuficiente isto é possuir um quadro de profissionais que organizam cursos in dependentemente de outros departamentos Em outros casos pode funcionar como um elo entre professores de vários departamen tos de línguas Algumas universidades têm uma cadeira de lite ratura comparada ou por tradição ou entregue em ocasião es pecial a um erudito de prestígio Um professor pode decidir le cionar tópicos de literatura comparada mesmo se esta não é a sua disciplina principal Faculdades de Letras e cursos de verão oferecem programas sobre relações literárias internacionais Fre 252 LITERATURA COMPARADA PARA o ESTUDO COMPARATIVO DE LITERATURA 253 qüentemente se organizam congressos sobre o estudo compara do de literatura promovidos e patrocinados por um departamento ou por uma universidade e algumas universidades podem man ter institutos de literatura comparada cujo quadro é compos to de professores e pesquisadores Este aparato multiforme está à disposição do aluno A subs tância do que é ensinado em muitos casos se restringe a questões literárias da comunidade cultural internacional à qual a univer sidade pertence Por exemplo exceto por algumas incursões ilu minadoras nas relações literárias entre Oriente e Ocidente os de partamentos de literatura comparada de universidades ocidentais lidam principalmente com a literatura ocidental Desse modo ofe recem ao aluno sobretudo uma introdução a assuntos de histó ria e crítica literárias ocidentais Por sua vez o estudante precisa enfrentar o desafio de saber ler em pelo menos três línguas Alu nos de uma de várias línguas intimamente cognatas como as lín guas românicas eslavas ou árabes já têm um bom ponto de par tida para estudos literários comparativos Isto valerá realmente se o sistema de ensino refletir as relações aí implicadas Até aqui concentramos nossa atenção principalmente em um aspecto do estudo comparativo de literatura a saber sua utili dade na elucidação de fenômenos literários nacionais Vimos que de fato o estudante de literatura comparada provavelmente rece berá seu treinamento inicial em pesquisa literária através do es tudo de uma determinada literatura Somente à medida que pro gride é que gradualmente se vai deparando com questões de li teratura comparada No decorrer de seus estudos ele poderá defrontarse com tópicos que não derivam originariamente do estudo de uma lite ratura específica Poderá interessarse por tradições internacio nais relativas a forma e conteúdo por visões literárias sobre a natureza distinta da prosa e da poesia ou do poeta e do prosa dor ou ainda pela história de idéias e temas Com efeito o cam po é tão vasto que o aluno facilmente pode se perder Assim a primeira coisa que tem de fazer é limitar drasticamente o es pectro de seus estudos em tempo e espaço Literatura compara da é essencialmente um estudo intensivo e certamente não ex tensivo como os leigos muitas vezes supõem A limitação no espaço é uma conseqüência óbvia do núme ro relativamente pequeno de línguas que o estudante domina em bora alguns tópicos como imagística composição e estrutura pos sam ser abordados com a ajuda de traduções A limitação no tem po significa concentrarse nos fenômenos literários internacio nais de uma época ou de um período São necessários anos e anos de estudo para que se conheçam os pressupostos literários inter nacionais de uma época de sua história e crítica literárias de suas palavraschaves e do modo pelo qual formas e conteúdos tradicionais funcionavam nesses períodos Para um conhecimento abrangente de uma época temse de estudar o maior número pos sível de poemas e obras em prosa não apenas os famosos mas principalmente as obras de autores de segunda linha As resenhas literárias e prefácios do período devem também ser estudados assim como dissertações sobre literatura suas tendências de pen samento e suas controvérsias O mesmo se pode aplicar à limita ção ao estudo de um determinado estilo literário internacional como Classicismo Barroco Maneirismo Muitas vezesé deste mo do que tradicionalmente se conduzem os estudos de literatura comparada A necessidade desse tipo de limitação não implica que de vamos perder de vista a literatura e sua história como um assun to pertinente ao mundo todo Infelizmente um certo modo de pensar juntamente com o uso de termos dele resultante tende a obscurecer a perspectiva universal Assim falamos das lín guas e literaturas modernas ou vivas excluindo via de regra as nãoocidentais Lemos histórias da literatura mundial que são na verdade histórias da literatura ocidental Sem criticar aceita mos a asserção de um autor de que seu estudo sobre literatura ocidental trata da história da mente humana Do mesmo modo dizse de um livro famoso que foi de importância inestimável para a humanidade embora seu efeito jamais se tenha irra diado para além da comunidade literária ou cultural internacio nal à qual a obra pertence Esta estreiteza mental pode ser ado tada por certa prática cotidiana de literatura comparada Mas não é necessário que seja assim Dentro de seu raio de ação limi tado essa prática pode até ser louvável especialmente se não iden tificarmos como literatura mundial a comunidade literária in ternacional específica em que nos concentramos Nesse meio tempo precisamos afinal adquirir um conhe cimento básico sobre essa comunidade específica Este texto in trodutório ao estudo comparativo de literatura visa a ajudar os 254 LITERATURA COMPARADA leitores a compreenderem o seguinte seu foco é em poucas pa lavras a literatura ocidental É impossível dizer se se poderia ou não tratar de outras comunidades literárias internacionais de modo semelhante já que não sabemos em que medida a essência dos fenômenos literários é universal ou pelo menos presente em mais de uma dessas comunidades O conhecimento fundamental necessário ao estudo compa rativo da literatura ocidental inclui de qualquer maneira mode los históricos de pensamento literário Além disso lida com con venções de forma e conteúdo suas origens e desdobramentos suas relações com a singularidade da obra individual e com a história literária Finalmente precisamos conhecer minuciosamente os sig nificados de termos operacionais na disciplina como antece dentes5 palavrachave e influência NOTAS I o título em inglês deste primeiro segmento é The Reader vs the Student of Litera ture Preferi traduzir student por estudioso por me parecer mais adequado ao con texto da introdução como um todo embora às vezes a palavra tenha no texto o signifi cado denotativo de estudante ou aluno que usei quando me pareceu pertinente como ocorre especificamente no segmento 5 N da T 2 Romance no original remetendo às narrativas medievais de cavalaria e a seus ar remedos góticos do século XVIII cheios de passagens secretas identidades duvido sas enigmas indecifráveis N da T 3 Enciclopédie de Ia Pléiade Histoire des litteratures Paris Gallimard 1955 v 1 p 104 105 106 108 4 ETIEMBLE René Comparaison nest pas raison Ia crise de Ia littérature comparée Paris Gallimard 1963 5 No original background que em função do contexto preferi traduzir por ante cedentes ao invés de ambiente ou cena de fundo N da T PROPÓSITO E PERSPECTIVAS DA LITERATURA COMPARADA A Owen Aldridge Concordase atualmente que a literatura comparada não cOm para literaturas nacionais no sentido de se contrapor uma a ou tra Ao invés disso ela fornece um método de ampliação da pers pectiva na abordagem de obras literárias isoladas uma manei ra de se olhar para além das estreitas fronteiras nacionais a fim de que sejam discernidos movimentos e tendências nas diversas culturas nacionais e de que sejam percebidas as relações entre a literatura e as demais esferas da atividade humana O estudo da literatura comparada não é fundamentalmente diferente do das literaturas nacionais exceto pelo fato de possuir um objeto de estudo mais vasto uma vez que este provém de mais de uma lite ratura e não exclui qualquer obra literária que o estudante seja capaz de ler O comparatista ao invés de encontrarse limitado aos artigos de uma única nação vai às compras em uma loja de departamentos literária Definida de forma sucinta a literatura comparada pode ser considerada como o estudo de qualquer fe nômeno literário sob a perspectiva de mais de uma literatura na cional ou em conjunção com outra disciplina intelectual ou mes mo com várias Os tennos lei comparada filologia compa rada e folclore comparado são paralelos a literatura com parada e esta última deve ser considerada como nada mais do que um rótulo conveniente para se descrever aqueles estudos li terários que transcendem fronteiras nacionais Os primeiros estudos dessa disciplina foram dedicados pri mordialmente à história literária e às relações entre literatura e ALDRIDGE Owen The Purpose and Perspectives of Comparative Literature The Concept of Influence in Comparative Literature ln ed Comparative LiteratureMatter and Method Urbana Univ of Illinois Press 1969 p 16 256 LITERATURA COMPARADA PROPÓSITO E PERSPECTIVAS DA LITERATURA COMPARADA 257 sociedade Em certo sentido a pioneira dos estudos comparados foi Mmede StaeI que escreveu dois livros mundialmente famo sos acerca das relações literárias internacionais De Ia Littératu re considérée dans ses rapports avec les instituitions sociales 1800 e De lAllemagne 1813 A Revue de littérature comparée publi cou a correspondência de Mmede Stael com Thomas Jefferson em seu segundo volume 1922 e Irving Babbitt comentou nessa mesma época que ela havia feito mais do que qualquer outra pessoa para promover o estudo da literatura comparada como atualmente a entendemos Partindo de um ponto de vista mais estético Friedrich Schle gel em 1798 incorporou o cosmopolitismo associado à literatu ra comparada em seu conceito de Universalpoesie Nas suas pa lavras a poesia romântica é uma poesia universal progressiva Universal no conceito de Schlegel não possui o significado de uniforme isto é que exprime atitudes sentidas por todos ou exerce um apelo tão abrangente a ponto de provocar resposta por parte de todos Possui antes o sentido de um objeto de estudo abran gente que abarque virtualmente todos os aspectos da experiência humana O poeta ou romancista em outras palavras não deve excluir de sua obra qualquer nuance dos personagens ou emo ção que desperte seu interesse Goethe um quarto de século mais tarde enunciou o concei to de Weltliteratur incorporando características geográficas às psicológicas e estéticas Goethe acreditava que as necessidades espirituais de todas as nações poderiam ser satisfeitas através do conhecimento de uma Literatura Mundial Universal Esse seu termo expressa a herança comum representada pelos esforços dos melhores poetas e autores estéticos de todas as nações dirigi da para tudo aquilo que a humanidade possui de universal A lite ratura comparada em seu melhor sentido combina a perspecti va psicológica abrangente da Universalpoesie de Schlegel e a preo cupação com a excelência estética refletida na Weltliteratur de Goethe Na verdade alguns críticos opõemse ao conceito de litera tura mundial baseados no argumento de que ela seria equiva lente ao estudo dos grandes livros ou das obrasprimas mun diais como artefatos individuais sem se levar em consideração suas relações uns com os outros ou as tradições históricas da li teratura e da cultura Outros colocam objeções porque na práti ca a Literatura Mundial tem sido tratada meramente como Lite ratura Ocidental em detrimento das tradições asiática e africa na Essas objeções são válidas entretanto devem referirse ape nas às aplicações inadequadas da teoria de literatura mundial e não ao princípio em si Certamente o estudo da literatura com parada deve abranger todo assunto de importância para a vida humana que tenha sido tratado com sucesso pelas obras escritas da imaginação deve relacionar obras individuais às criações si milares dentro das demais tradições nacionais e deve incluir a literatura do Oriente assim como a do Ocidente A única razão pela qual a maioria dos comparatistas negligencia as literaturas orientais é o fato de faltar a eles a competência lingüística para com elas lidar Tanto na Europa quanto na América os termos literatura geral e literatura comparada são por vezes empregados inter cambiavelmente Existe uma distinção mas como freqüentemente ocorre os estudiosos não chegam a um consenso acerca da na tureza desta distinção Poderseia contudo relacionar a litera tura geral às teorias de Schlegel e Goethe no que diz respeito ao universalismo à do tema em Schlegel e à da resposta estética em Goethe Nesse sentido a literatura geral compreenderia os es tudoS de temas gêneros e obrasprimas sem referência explícita a épocas ou períodos A literatura comparada compreenderia tanto a história literária incluindose os movimentos períodos e in fluências como as relações da literatura com o panorama social político e filosófico De acordo com esta distinção a literatura geral transcenderia completamente as fronteiras nacionais en quanto que a literatura comparada enfocaria as relações entre uma literatura em particular e as literaturas a ela ligadas Mas basta de distinções Na prática as duas tendências em geral se fundem e mesmo quando isso não ocorre o termo literatura comparada é amplamente utilizado para ambas A comparação pode ser utilizada nos estudos literários pa ra indicar afinidade tradição ou influências A afinidade con siste nas semelhanças de estilo estrutura tom ou idéia entre duas obras que não possuem qualquer outro vínculo Como exemplo o romance russo Oblomov pode ser comparado a Hamlet por que cada uma dessas obras é um estudo da indecisão e da pro crastinação dos personagens A tradição ou a convenção consis tem no estudo das semelhanças entre obras que fazem parte de 258 LITERATURA COMPARADA PROPÓSITO E PERSPECTIVAS DA LITERATURA COMPARADA 259 um grande grupo de obras similares interligadas histórica cro nológica ou formalmente aDie Leiden des jungen Werther de Goethe pode ser comparado aos romances epistolares de Richard son e Rousseau por causa do foco narrativo na primeira pessoa e da expressão irrestrita de sentimentos em todas as três narrati vas Como exemplo de influência podemonos voltar para o ro mance histórico italiano I promessi sposi de Manzoni que de muitas maneiras foi diretamente inspirado pelas obras do inglês Walter Scott que o antecederam Para aqueles que advogam a ênfase no ponto de vista histó rico a Era Dourada da Literatura Comparada corresponde à épo ca entre as duas grandes guerras Nos principais estudos publi cados durante aquele período as relações literárias assinaladas eram precisas e concretas e apoiadas em evidência bibliográfica rigorosa as obras de menor destaque eram levadas em conta jun tamente com as mais importantes e o fundo social e filosófico era freqüentem ente trazido à baila Nos estudos históricos da li teratura o conceito de influência constitui interesse primordial e é dada atenção aos emissores receptores e intermediários ter mos um tanto inadequados geralmente reservados aos tópicos bibliográficos Um estudo de Goethe e da Inglaterra por exem plo poderia ser dedicado à influência da vida e da literatura in glesas na obra do autor alemão os autores ingleses seriam con siderados como emissores o próprio Goethe seria o receptor e seus correspondentes ingleses ou amigos anglófilos alemães se riam os intermediários Se fosse invertida a perspectiva em um estudo da influência de Goethe na Inglaterra Goethe seria na turalmente o emissor os autores ingleses e o público leitor in glês seriam os receptores e as traduções edições e resenhas das obras de Goethe seriam os intermediários juntamente com os viajantes ingleses à Alemanha e com os correspondentes ingleses de Goethe Estudos mais gerais concentrandose em temas e ti pos podem demonstrar influências mas isso ocorre apenas in cidentalmente Nos estudos de lendas ou temas clássicos Fausto ou Don Juan por exemplo a ênfase recai na psicologia na moralidade e na filosofia assim como em outros aspectos das obras individuais ao invés de nos autores ou nas origens nacio naIs A ênfase dada às influências tem sido atribuída erronea mente a meu ver à orientação científica do século XIX presu mivelmente dominado por uma preocupação com a genética Os críticos supostamente possuíam uma visão da literatura como organismo científico crescendo e evoluindo como se fosse um espécime biológico Em outras palavras a Literaturwissenschaft teria supostamente adotado os métodos da Naturwissenschaft A busca de influências data do século XVIII entretanto e ao menos na literatura inglesa ela está estreitamente associada à crí tica de textos bíblicos na qual a procura de paralelos entre o An tigo e o Novo Testamentos era procedimento corriqueiro Ade mais o método foi estimulado pela estreita ligação entre a poe sia e os clássicos latinos sendo que os próprios poetas freqüen temente imprimiam passagens paralelas ou apontavam semelhan ças em notas de pé de página As notas de TSEliot em The Waste Land pertencem a esta tradição Em anos recentesa perspectivaestéticatem predominado cada vez mais entre os comparatistas e os estudos que demonstram se melhanças ou afinidades ao invés de influências têm sido privile giados O método de rapprochement que se assemelha à lei com parada ao apontar analogias sem contacto permite que se con centre em obras maiores oferece uma oportunidade de análise es tética epode fornecer uma visão do processo de criação ariÍstica Os estudos de influências podem ser criticados por depen derem demasiadamente de características e obras menores e os estudos de afinidades podem ser criticados por dependerem em demasia da visão subjetiva e impressionista Os primeiros pode rão aparentar rigidez metodológica os segundos poderão dar a impressão de falta de método Segundo alguns estudiosos o es tabelecimento de origens e de influências pode ser comparativo mas não é literatura stgundooutros a revelação de paralelos atra vés do rapprochement pode ser comparação literária mas não é literatura comparada No entanto cada qual possui valor à sua maneira no sentido de promover uma crescente compreensão e a apreciação da literatura Por causa da vastidão do material e da multiplicidade de pro blemas encontrados na literatura comparada não existe um mé todo ideal ou modelo para o estudo A terminologia metodoló gica é quando muito ambígua e inúmeros métodos diferentes podem ser utilizados ainda que se tratando do estudo de um mes mo problema Em outras palavras o método é menos importan te do que a matéria o DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 261 o DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA Werner Friederich Da mesma forma que todo governo bem administrado tem um Departamento de Assuntos Internos para cuidar dos problemas e assuntos internos diversos e um outro departamento o de As suntos Estrangeiros responsável pela análise de suas relações po líticas e culturais com as nações que o cercam penso que toda boa universidade deveria também estabelecer aquilo que é comu mente chamado de Currículo Interdepartamental de Literatura Comparada a fim de se manter sempre informada sobre o cons tante fluxo de idéias trabalhos literários e influências que acon tecem além das fronteiras nacionais e lingüísticas e poder rede finir constantemente a multiplicidade dos créditos e débitos que ocorrem no campo do cosmopolitismo literário As atividades e aspirações dos departamentos de literaturas específicas não nos dizem respeito aqui Eles podem oscilar en tre dois extremos objetáveis e ser ou simplistas enumerativos bio gráficos e prosaicos ou como o New Criticism gostaria que fos sem totalmente subjetivos isolados rapsódicos desconsideran do o aparato e o plano acadêmico e ao invés enfatizando o im pacto pessoal único que exercemsobre a instabilidade de uma obra de arte in vacuo A solução mais adequada entre estes extremos reside é claro em um oportuno meiotermo que tente combinar os fundamentos culturais e fatuais adquiridos durante o apren dizado acadêmico com uma apreciação sempre aguda e atenta do texto da obra de arte em si mesma O comparatista não precisa FRIEDERICH Werncr The Challenge of Comparative Literature In The Chal lenge ojComparative Literalure and Olher Addresses Chape1 Hill Univ of North Ca rolina Press 1970 p 3650 Conferência prOferida na Sessão Plenária do Australasian Language and Literature Congress em Melbourne Austrália em agosto de 1964 necessariamente se envolver com este tipo de disputa puramente departamental embora se deva deixar claro que devido ao seu interesse pelas influências e contracorrentes internacionais é na tural que ele não seja um entusiasta do New Criticism É preciso porém cautela Se devo falar de coisas desagra dáveis já desde o início falo exatamente do problema que deu origem à discussão entre os comparatistas franceses e america nos Basta olhar para a rica produção dos comparatistas france ses desde 1920 para as centenas de artigos da Revue de Littéra ture Comparée e os resultados das monografias da Bibliothêque de Ia Revue de Littérature Comparée para perceber que a ques tão das influências sempre foi a menina dos olhos dos france ses Para os americanos como R Wellek da Universidade de Yaleesta busca incessante de fontes e empréstimos parecia mui to desinteressante prosaica e mecânica já que tendia a perder de vista a grandeza e a especificidade de uma obra de arte per se e a entrar no atoleiro de uma classificação quase pura mente científica de valores espirituais que como Aristófanes em Os sapos afirma a respeito de sua comparação entre Ésquilo e Eurípides não podem ser pesados como meros quilos de quei jos Foi para estabelecer o problema tão importante da abran gênia e dos métodos da literatura comparada e os diferentes pontos de vista dos acadêmicos franceses e americanos que em 1952em continuidade ao trabalho iniciado com o periódico Comparative Literature publicado em Oregon desde 1949 fun dei o Yéarbook of Comparative and General Literature na Ca rolina do Norte no qual se puderam rever definições e rediscu tir pontos de vista Sintome feliz em declarar que um artigo importante sobre as çluas escolas de comparatismo no Year book IX de 1960 escrito por Henri Remak da Universidade de Indiana estabeleceu pelo menos um modus vivendi entre comparatistas franceses e americanos Devo porém acentuar que esta briga familiar ocorre entre internacionalistas dos dois lados do Atlântico i é entre homens e mulheres que acreditam em influências recíprocas e cosmopolitas concordando de bom grado com a perspicaz afirmação de Paul Valéry de que todos temos uns nos outros a morada e o alimento e que mesmo o leão nada mais é do que um cordeiro assimilado Esta briga não ocorre com os adeptos radicais do New Criticism que na contemplação de uma obraprima literária não consideram a 262 LITERATURA COMPARADA O DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 263 requintada variedade da química da criação Tais extremistas ten dem a condenar o comparatismo apriori considerandoo como uma violação de sua fé Não é este o lugar nem a hora para falar das origens do es tudo comparatista de literatura exceto para dizer que ele na ver dade não saiu da estaca zero p ex os ensaios de Dryden On Dramatic Poesy ou de Voltaire Essai sur iepoeme épique en quanto o preconceito neoclássico manteve os autores no cativei ro Somente o préromantismo e o romantismo proporcionaram um entendimento entusiasta universal e intuitivo da poesia e da mentalidade das mais diversas nações e raças livre de falsos na cionalismos e condescendência Talvez tenha sido a Suíça que inaugurou esta fase com a tradução e a defesa de O paraíso per dido feita por Bodmar e com o pioneirismo de seu ensaio Ue ber das dreyfache Gedicht Dantes com o texto muito significati vo de Mmede Stael De iAllemagne e mais tarde sua visão pró italiana em Corinne ou com o trabalho claramente comparatis ta de Sismondi De ia littérature du Midi de LEurope A Alema nha deu continuidade a este processo com o valioso ensaio de Herder sobre Shakespeare sua antologia de folclore Die Stim men der Vdiker in Liedern e seu estudo comparatista sobre Ho mer und Ossian com A W Schlegel e suas boas traduções de Shakespeare Dante e Calderón e sua preocupação crescente com a literatura da Antiga Índia com Goethe que cunhou o termo audaciosamente desafiante Weltliteratur Outras nações seguiram essa tendência p ex De Sanctis na Itália Longfellow na Amé rica Georg Brandes na Dinamarca Depois de tudo dito e feito a nossa dívida maior é com a França e é na França de Joseph Texte a Baldensperger Hazard Van Tieghem Carré Bataillon e Roddier e os que se seguiram que o comparatismo se tornou uma disciplina séria dentro dos estudos acadêmicos O Institut de Littérature Comparée na Sorbonne tem hoje apenas um ir mão mais moço na Europa o Institute for Comparative Litera ture em Utrecht enquanto o comparatismo americano que co meçou no início do século em Columbia Harvard Wisconsin e Carolina do Norte e depois de 1945 se expandiu para outras instituições atingiu hoje provavelmente o seu nível mais alto na Universidade de Yale Não vou discutir o pequeno mas importante manual La Lit térature Comparée do excelente pesquisador Paul Van Tieghem sobre o qual o comparativismo francês se apóia em vez disso vou mencionar três trabalhos de Fernand Baldensperger a fim de ilustrar três modos básicos de abordagem que caracterizam a escola francesa Primeiro seu Goethe en France que aponta para a enorme importância conferi da ao papel do emissor o impacto dos trabalhos de Goethe desde Werther até Faust sobre a literatura e a mentalidade francesa em geral até o século vinte Em segundo lugar o texto de Baldensperger Les orientations étran geres chez Honoré de Baizac que se baseia na importância do receptor na literatura apontando para todas as inspirações lite rárias que Balzac recebeu do mundo latino germânico e eslavo E em terceiro lugar é claro há o valioso papel apresentado pe los intermediários neste caso os refugiados que Baldensperger cita no seu notável Le mouvement des idées pendant ia Révoiu cion française É esta científica e quase mecânica relação de fa tos créditos e débitos que deu origem à ira de Wellek e Jean Marie Carré num livro subseqüente intitulado Le mirage alle mand dans ia littératurefrançaise deu aos americanos ainda mais munição porque não se baseava tanto nos aspectos literários es téticos e artísticos do impacto alemão na França mas nas impli cações claramente sociológicas e políticas entre escritores fran csese jornalistas da propaganda próAlemanha que vai desde Madame de Stael passando por Romain Rolland até a época de Lava Isto de acordo com Wellek não é mais literatura com parada nem mesmo literatura Daí o título alarmante de sua co municação no Congresso da Associação Internacional de Lite ratura Comparada na Universidade de Carolina do Norte em 1958 HThe Crisis of Comparative Literature na qual ele nos previne contra o risco de nos enredarmos em todo tipo de campos peri féricos e perdermos de vista a nossa tarefa central a avaliação artística de uma obraprima Um trabalho simultâneo apresen tado por um colega japonês que mostrou a influência de James Joyce no Japão traduções imitações artigos e livros sobre ele etc através de tabelas estatísticas como se os altos e baixos de Joyce no Japão fossem comparáveis a uma cifra de corretagem de Wall Street só serviu para aumentar a distância entre a escola americana liderada principalmente por Welleke a escola de com paratismo francojaponesa Apesar disto as coisas não estão tão ruins e há muito mais convicções comuns do que diferenças entre os comparatistas Uma breve alusão à Bibliography of Comparative Literature de Baldensperger Friederich uma listagem de mais de 33000itens publicada pela primeira vez em 1950 e suplementada nos Year books of Comparative Literature da Carolina do Norte e de In diana desde 1952 seria suficiente para convencer qualquer leitor da riqueza e do desafio da abordagem comparativa para o estu do da literatura Para ser exato há centenas de páginas dedica das ao emissor p ex Erasme en Espagne de Bataillon ao re ceptor as fontes estrangeiras de Boccaccio ou aos intermediá rios tanto tradutores como Florio viajantes como Camões refugiados como Mickiewicz diplomatas como Paul Claudel ou freqüentadores de salões como aqueles de MmeNecker ou de So phie dHoudetot Mas há ainda muito mais Há o imenso cam po da tematologia da Stoffgeschichte tão caro aos alemães da Ifigênia de Roma dos Alpes de Joana dArc de Don Juan ou dos médicos soldados ou rouxinóis da literatura Há a investi gação internacional dos gêneros e das formas literárias através dos séculos e das barreiras lingüísticas o soneto o romance histórico o romance de aprendizado o drama burguês a épica virgiliana a sátira em várias literaturas Há sobretudo a tenta tiva dos comparatistas de aprender um grande movimento literá rio se não na sua totalidade pelo menos em tantas literaturas quantas forem possíveis como faz Van Tieghem admiravelmen te bem em Le PréRomantisme e em Le Romantisme a ques tão por exemplo do que distingue a Renascença italiana da es panhola e estas duas da Reforma germânica a questão se existe uma literatura internacional barroca que aproxime os chamados poetas metafísicos os preciosistas os marinistas e os gongo ristas e caso exista de quais são os denominadores comuns entre eles a questão do que distingue o classicismo de Racine do de Goethe o romantismo tempestuoso de tantos europeus do transcendentalismo quase ascético da Nova Inglaterra dos bos tonianos o problema do realismo nos diferentes romances regio nalistas de Heimatliteraturen que se estende de Gotthelf na Suí ça e Verga na Itália a Bret Harte na Califórnia e Mikhail Sholo khov na Rússia Comunista a incerteza de que o Naturalismo te nha nascido talvez não com Zola na França ou Dostoievski na Rússia mas muito antes com o livro Celestina de Rojas na Es panha de Fernando e Isabel E na investigação destes movimen tos literários internacionais permitase acrescentar não é tão im portante nos basearmos em influências que sejam demonstráveis mas encontrarmos evidências de um assim chamado Zeitgeist de um espírito de época que tenha produzido independentemente umas das outras mentalidades semelhantes e conseqüentemen te trabalhos e estilos semelhantes nos mais diversos países se jam do rococó ou do impressionismo No entanto mesmo a preocupação do comparatista com as suntos periféricos não exclusivamente literários não me preo cupa tanto quanto preocupa a alguns colegas Com certeza um estudante de literatura que pretenda compreender as coisas hori zontalmente p ex de três a cinco literaturas de um determi nado século ao invés de verticalmente apenas uma literatu ra na íntegra desde Beowulf até T S Eliot ou desde Les Sements de Strasbourg até Proust está em melhor situação do que o profissional monoglota para tecer um julgamento válido a res peito do tremendo irppacto do darwinismo marxismo ou freu dianismo sobre a literatura dos últimos 50 ou 100 anos E pas sando a outros campos periféricos da história da cultura talvez mais aceitáveis e às suas conexões com as belles lettres com que o comparatista está especialmente bem qualificado para lidar há a filosofia e suas relações com a literatura por exemplo o efeito dOcartesianismo sobre a literatura do Iluminismo o impacto de Spinoza sobre o romantismo a importância de Schopenhauer ou de Nietzsche para a nossa época há a história ou historiado res como Plutarco e sua influência frutífera sobre toda a Renas cença de Jacques Amyot e Montaigne a Lord North e Shakes peare ou grandes figuras e eventos históricos tais como Napo leão e a Revolução Francesa com suas enormes reverberações in ternacionais que se fstenderam de Foscolo e Goethe até Carlyle e Guerra epaz de Tolstoi há as BelasArtes pintura arquite tura escultura música e os incontáveis estudos que podem ser feitos por estudiosos como Helmut Hatzfeld ou Calvin Brown na América de seu parentesco com a literatura de um dado pe ríodo sem falar de Laokoon de Lessing Ruskin Pater ou os prérafaelitas E finalmente mas não menos importante há sem dúvida a relação entre Literatura e Religião uma vez mais um campo no qual o comparatista pode abrir perspectivas muito mais amplas do que o especialista de uma só literatura tanto no caso de textos religiosos épicos como A divina comédia ou Der Mes sias como de maneira especial no de místicos desde Thomas à 264 LI1ERATURA COMPARADA O DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 265 266 LITERATURA COMPARADA O DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 267 Kempis para além de Santa Teresa de Jesus do drama jesuíta desde o pai Caussin até Avancini do impacto da Bíblia sobre Cal derón ou sobre MacPherson do jansenismo de Racine ou de Man zoni das batalhas religiosas de Pascal ou de Lessing do purita nismo de Milton ou Hawthorne dos aspectos do ateísmo em Di derot ou Shelley do deísmo de Shaftesbury ou Tom Paine do papel do quakerismo em Voltaire ou em John Greenleaf Whit tier das crises de desespero religioso em Leopardi ou Kafka ou ainda no caso do impacto da Inquisição ou do Index Libro rum Prohibitorum sobre o De Monarehia de Dante O príncipe de Maquiavel a Città dei Sole de Campanella na Itália o Laza rillo de Tormes ou os erasmitas na Espanha Lutero ou Fis chart na Alemanha La Pueelle dOrléans ou Mahomet de Vol taire na França Na enumeração de todas estas possíveis abordagens um as pecto em especial deve têIo impressionado tal como aconte ceu com Baldensperger e comigo quando fizemos a compilação da Bibliography ou seja que há muito poucas comparações reais no campo da literatura comparada Comparações simples co mo por exemplo entre Vico e Herder ou novamente entre Bal zac e Dickens as semelhanças e as dessemelhanças entre vi das características enredos idéias estilos são possíveis mas não muito animadoras e nos deixam com uma certa impressão de insatisfação Os comparatistas em geral procuram ser caute losos nas comparações não relacionadas assim como por ou tro lado evitam investigar a linha metafórica de um poeta para outro ou acumular um grande número de tragédias sobre Cleó patra ou de comédias do tipo Miles Gloriosus em várias literatu ras simplesmente por fazêIo Eles deveriam e devem procurar conexões mais relevantes entre grandes autores tendências e es tilos para tornar seus trabalhos mais significativos e valiosos O nome literatura comparada é portanto até certo ponto uma denominação errônea tanto quanto barroco romantismo e simbolismo Esses termos nos foram impostos e estamos agora presos a eles mas o importante é que possamos definir o que significam quando deles fizermos uso Mas passemos agora do desafio puramente acadêmico de mergulhar nas vastas reverberações e ramificações internacionais da grande figura gênero ou tema literário para as vantagens prá ticas de se ter um Currículo de Literatura Comparada em cada Universidade Notese que digo Currículo e não necessaria mente Departamento de Literatura Comparada porque é muito mais vantajoso ser parte de um grupo de comparatistas bem treinados provenientes de vários departamentos que sob a direção de um comparatista dedicado e de tempo integral e preo cupado em encorajar a abordagem internacional da literatura peça a um membro especialista em Clássicas para preparar se possível um curso sobre as influências do drama grego ou das obras de Ovídio sobre o período da pósRenascença ou a um me dievalista para preparar um curso sobre o Ciclo do Rei Artur na Inglaterra França e Alemanha incluindo também o Amadis de Gaula na Espanha Os comparatistas das literaturas modernas deveriam ser encorajados a dar um curso sobre o período em que sua literatura principal tenha sido mais rica do ponto de vista in ternacional Por exemplo um italianista deveria considerar um privilégio ser solicitado adiscorrer a respeito da enorme influên cia do Trecento e do Cinquento sobre a Espanha do Marquês de Santillana até Garcilaso de La Vega sobre a França de Laurent de Premierfait até Phillipe Desportes sobre a Inglaterra de Chau cer até o período posterior ao Palaee of Pleasure de Painter desta abundância de influências literárias italianas que se esten dem de Fortugal até a Hungria e a Polônia Um hispanista pode fazer o mesmo sobre suas duas Idades de Ouro a primeira sob o domínio dos árabes e a segunda no reinado de Felipe II e III dos quais encontramos traços em Alhambra de Washington Ir ving em Le Dernier des Abencerrages de Chateaubriand no Cid de Corneille em Simplissimus de Grimmelshausen ou mesmo em Hudibras de Butler Um especialista na França podese ba sear na literatura européia imediatamente anterior e posterior a 1700 quando o classicismo francês e o iluminismo eram a inspi ração suprema para todos chegando até à Rússia de Trediakovs ki e Sumarokov O germanista pode enfatizar a vasta significa ção internacional da era de Goethe desde os discípulos de Her der no leste europeu até os hegelianos de St Louis na América e os eslavistascom tendência ao comparatismo podem apoiarse naquilo que o Ocidente deve aos grandes romancistas russos ou viceversa Mesmo que os professores de inglês mais conserva dores não se ponham de acordo eu considero o século XVIII o período de maior contribuição inglesa no exterior mas os especialistas em literatura inglesa podem também ir além e 268 LITERATURA COMPARADA O DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 269 estudar por exemplo as profundas raízes inglesas da literatura americana Além disso se estaria também fazendo comparatis mo se se estudassem as diferentes correntes e peculiaridades lo cais que se imbricam nas várias literaturas da comunidade britâ nica em geral ou ainda se se procedesse a uma análise de como os novos valores presentes nos textos irlandeses desde Goldsmith até Shaw Joyce e Yeats contribuíram para a literatura inglesa Cercado por um grupo de pesquisadores interessados como o da Universidade de Indiana por exemplo o responsável pelo Cur rículo pode coordenar o seu programa oferecer seminários su plementares sobre problemas métodos abrangência e bibliogra fia de literatura comparada e desenvolver um programa de mes trado e doutorado neste campo fascinante Neste Currículo pelo menos e finalmente temse um companheirismo entre os vários departamentos das áreas das ciências humanas e uma próspera cooperação em lugar da indiferença ou pior da inimizade ou do esnobismo que existe infelizmente em tantas universidades E quais são os requisitos para um diploma no nosso cam po Neste particular eu tomaria as Universidades de Indiana e Yale como dois extremos e diria que as de Carolina do Norte Wisconsin e Berkeley ocupam o que eu chamaria de um meio ter mo saudável A Universidade de Indiana além de valorizar enor memente o programa de pósgraduação é conhecida particular mente por estimular os alunos de graduação a obter o bachare lado em literatura comparada e pelas 15 ou 20 disciplinas que oferece anualmente sobre a chamada literatura mundial em tra dução inglesa Yale por outro lado defende o princípio de que definitivamente literatura comparada não é para alunos de gra duação que deveriam em primeiro lugar se especializar em uma ou mais literaturas estrangeiras e é também muito difícil e adian tada para alunos de mestrado portanto oferece apenas um pro grama de doutorado para a elite dos estudantes Nós na Caroli na do Norte não estimulamos alunos de graduação a cursarem disciplinas em literatura comparada e temos na realidade de cin co a oito bacharelandos por ano mas enfatizamos muito o nos so programa de pósgraduação e no momento temos mais de trinta alunos comparatistas trabalhando tanto em nível de mes trado como de doutorado É para estes jovens que dedicamos to da a nossa atenção e não para os alunos degraduação que cer tamente estariam melhor nos departamentos de Grego Espanhol Alemão ou Russo Os requisitos para o doutorado são em média vinte e quatro disciplinas de três horas por semana depois do ba charelado das quais seis devem ser cursadas em três departamen tos de literatura específica enquanto o quarto grupo de seis dis ciplinas deve ser em literatura comparada com cerca de duas sobre a herança grega e latina da literatura ocidental Estas últi mas são as únicas disciplinas que o candidato pode cursar em língua inglesa Nosso jovem doutorando portanto conhece três literaturas no original e geralmente escolhe o período entre a Re nascença e o presente apesar de nos últimos anos termos tido também dois doutorandos em literatura comparada medieval com as literaturas modernas integrando apenas a área de concentra ção menor Se uma das três literaturas é a inglesa isto significa que ele tem que conhecer apenas duas línguas e literaturas es trangeiras se ele é um americano patriota significa também se ele assim optar que pode estudar a literatura inglesa somente a partir de Chaucer até a morte de Shelley e Byron e que nos últi mos cento e quarenta anos podese voltar para a literatura ame ricana de Bryant até Faulkner em vez de se dedicar aos vitoria nos e aos escritores britânicos do séculoxx Há ainda uma outra combinação possível que é a de uma literatura antiga com duas modernas por exemplo grega italiana e inglesa A nossa com binação mais comum entretanto tem sido a literatura inglesa comparada com a francesa e a alemã Dêseum pequeno aviso àqueles comparatistas como nós que podem não encontrar toda a ajuda necessária em seus campi e que portanto têm que lecionar a maioria das disciplinas de lite ratura comparada Foi o que aconteceu conosco em Carolina do Norte onde antes de 1963 somente alguns entre os nossos cole gas das áreas de inglês francês ou espanhol eram capazes ou es tavam dispostos a ministrar disciplinas acerca da vasta influên cia de suas IdadesdeOuro sobre as literaturas vizinhas Nossos alunos então tinham que cursar a maioria de suas disciplinas das três literaturas escolhidas hermeticamente isoladas uma da outra e a tarefa de construir pontes e apontar as muitas in fluências recíprocas que ocorrem entre as literaturas nacionais era deixada nas mãos de um punhado de comparatistas Somos por tanto a única entidade estrangeira na nossa área de literatura e nas disciplinas que ministramos nós nos limitamos ao compa ratismo de forma direta e simples Não gostaríamos de passar 270 LITERATURA COMPARADA DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 271 por cima de outros departamentos analisando a fundo Dante Shakespeare Schiller ou Whitman ao invés disto nos baseamos na contribuição que Dante recebeu de Virgílio e deu a Milton no que Shakespeare aprendeu de Ovídio ou Bandello e em por que foi abominado por Voltaire e aclamado por Baretti e Goe the no que Schiller significou para os dramaturgos românticos franceses e no fato de Whitman muito mais do que Cooper ou Poe ter sido o primeiro americano a inverter o tráfego de mão única das influências literárias da Europa para a América ao lan çar ondas poderosas de volta para as margens européias Anos de experiência valiosa ao mobilizar os comparatistas americanos no sentido de uma organização sólida dentro da Associação de Línguas Modernas MLA esforço este que culminou com a fun dação do nosso período próprio a publicação da Bibliography e do Yearbook e com a fundação da Associação Internacional de Líteratura Comparada me ensinaram que não somos de for ma alguma bemvindos se na nossa escalada ao invés de nos apoiarmos somente nas relações estrangeiras ameaçarmos os pri vilégios de nossos colegas nos diversos departamentos de litera tura dizendolhes que restrinjam seu âmbito de atuação porque agora queremos fazer parte do seu trabalho Isso seria um erro pois nossa tarefa é apenas aquilo que nossos colegas não podem ou não querem fazer devido a suas especializações ou limitações Sempre me preocupei com a sugestão de que todos os nossos tí tulos professores de inglês francês alemão ou na verdade de literatura comparada devessem ser abolidos e de que nós devês semos simplesmente ser chamados professores de literatura por que muitos idealistas sustentam a idéia de que a nossa tarefa de veria ser a de avaliar uma grande obraprima como Dom Qui xote sob todos os seus aspectos nacionais e internacionais Tais professores de literatura com I maiúsculo conhecedores de tu do morreram há muito tempo e devemonos contentar em ser meros especialistas em um ou outro campo do conhecimento De minha parte sempre considerei mais satisfatório deixar as análi ses minuciosas de De Rerum Natura Oparaíso perdido Wilhelm Meister ou Os irmãos Karamazov nas mãos de especialistas mui to mais qualificados e contentarme com detectar certas ramifi cações internacionais nessas obras Somente esta autorestrição nos tornará aceitáveis e aceitos em todos os campi um amigo e aliado valioso e coordenador suplementar mais do queum ri vaI na nossa tarefa comum de explorar a maravilha de um gran de homem ou obra em todas as direções Para concluir tecerei uma breve discussão sobre duas pecu liaridades americanas relevantes que favorecem a literatura com parada peculiaridade que infelizmente só podemos compar tilhar com a Austrália A primeira é a nossa localização geográ fica favorável na encruzilhada dos acontecimentos Há sete anos atrás eu me baseei no futuro promissor do comparatismo ameri cano em uma comunicação que fiz na Universidade de Zurique posteriormente publicada em Tübingen quando achei que de veria explicar por quê no nosso campo a América já tinha mais do que alcançado o mesmo nível de liderança que a França Quan do Paul Van Tieghem em sua 10 littérature comparée acentuou tanto o papel dos intermediários ele tinha em mente países me nores como a Bélgica a Suíça e a Tchecoeslováquia ou talvez até a Áustria e regiões como a Alsácia como intermediários ideais entre as culturas latinas germânicas e eslavas da Europa Os Es tados Unidos naquela época pareciam estar muito distantes eram periféricos e não muito importantes para a visão eurocêntrica do minante Hoje a situação é diferente pois os EUA estão no cen tro do desenvolvimento não só na área política e da ciência mas também no que concerne às grandes correntes literárias que atra vessam os mares A América Latina que se costumava expor di retamente às influências culturais européias atualmente canali za muitas delas via Nova York ou Washington pois com o apa recimento de Franco na Espanha os vínculos de hispanicidade entre a Espanha e o Chile ou o Uruguai antes tão extraordi nariamente fortes se enfraqueceram independentemente do fato de que a terramãe de Whitman Jack London e Hemingway se tinha tornado um emissor cada vez mais importante Com rela ção a um Japão aberto às influências ocidentais há apenas cem anos são novamente os EUA que se tornam a terra intermediá ria imprimindo à sua própria e à literatura geral européia uma velocidade acelerada desde a vitória e a ocupação de 1945 No que concerne à Ásia e à Austrália e ainda a outros países da Co munidade Britânica como a Índia que têm ricas possibilidades culturais e meios militares inadequados de dar pena a crise do Suez de menos de dez anos atrás nos mostrou que o tênue víncu lo com a Europa sempre à mercê de Nasser é na verdade mui to inseguro e que tendo em vista o barril de pólvora que é a África 272 LITERATURA COMPARADA O DESAFIO DA LITERATURA COMPARADA 273 do Sul O caminho mais seguro e conveniente de Londres e Cin gapura ou Christchurch pode bem passar por São Francisco Não a América do Norte de hoje não é mais a periferia um continen te mantido à parte entre dois imensos oceanos para melhor ou para pior por bem ou por mal por Harvard como também por Hollywood devido à sua geografia e ao seu poder é hoje um emissor e um intermediário de primeira grandeza Uma segunda característica que pode ser compartilhada com a Austrália e que aponta grandes esperanças para um começo efetivo da literatura comparada neste país e um desabrochar tar dio que a Inglaterra insular apesar de sua proximidade com o grande continentemãe europeu talvez nunca experimente é o background multirracial do americano e agora também do povo australiano Dificilmente se encontra hoje um americano que não tenha pelo menos um par de ancestrais franceses alemães sue cos italianos tchecos ou judeus e a Austrália da mesma for ma tem sido tão intensamente enriqueci da desde 1945pelo in fluxo de todos os tipos de elementos nacionais e raciais que o impacto benéfico pouco a pouco tem substituído a atitude pro vinciana bitolada e restritiva por uma visão do mundo e da lite ratura mais ampla e mais tolerantemente cosmopolita O menos digno entre os comparatistas europeus freqüentemente abraçava a profissão somente para traíIa para ignorar o fato de que o comparatismo em última análise constitui um credo político uma condenação de todas as formas de racismo porque às vezes estes homens publicam livros chamados comparatistas simples mente para acentuar a pretensa superioridade de suas próprias literaturas nacionais Isto não acontece com os americanos de hoje nem acontecerá com os australianos de amanhã que têm por trás uma linhagem rica e variada e com toda a sua línguamãe o inglês serão justos e imparciais no julgamento dos débitos e créditos literários das terras de seus ancestrais Isto pode fazer com que os nossos alunos sejam melhores lingüistas e melhores comparatistas e uma breve olhada em alguns dos nossos com paratistas mais destacados da América vainos convencer de que a obra de anglosaxões como Lawrence Marsden Price da uni versidade de Berkeley Gilbert Highet de Columbia Chandler Beall de Oregon Haskell Block do Brooklyn College Owen Ald ridge de Maryland ou David Malone da Califórnia do Sul é mais do que amplamente complementada por franceses como Henri Peyre de Yale ou Gilbert Chinar de Princeton por ale mães como Horst Frenz de Indiana Victor Lange de Prince ton ou Oskar Seidlin de Ohio State por italianos como Gian Orsini de Wisconsin ou Giuseppe Fucilla de Nórthwestern por tchecos como René Wellek de Yale suíços como François Jost de Illinois espanhóis como José de Onís do Colorado polone ses como Zbigniew Folejeswski da Pensilvânia russos como Gled Struve de Berkeley Esta mesma riqueza de inspirações pode ser vista entre as figuras literárias da América também desde os fundamentos franceses de Philippe Freneau na época de Jeffer son até os alemães de Theodore Dreiser os ancestrais portugue ses de John dos Passos a natureza anglosaxã pura de Robert Frost as características armênias de William Saroyan as raízes judaicas de Shalom Asch a herança italiana de Frances Winwar aliás Francesca Vinciguerra o rico veio negro de Langston Hug hes Richard Wright e James Baldwin E por falar destes americanos de cor em momentos em que estamos todos profundamente deprimidos com os fatos que ocorreram em Little Rock ou em Birmingham não nos esqueça mos com alegria e talvez uma pitada de orgulho de que a voz do homem negro foi ouvida pela primeira vez na história não na África não às margens do Congo mas às margens do Mississip pi e que foi na sempre revolucionária América que os primei ros escravos através de spirituals comoventes romances dramas e poemas atraentes tiveram a chance de expressar suas esperan ças e angústias seu desespero e a visão de uma raça que aspira com razão a um lugar de respeito no mundo Este é o sangue da nossa vida o extenso campo que os com paratistas podem explorar o desafio com que nos podemos de parar e vencer quando nos sentimos frustrados e desencorajados pela estreiteza em grande parte dos estudos literários concebidos dentro de uma visão meramente nacionalista Eu gostaria de con cluir com uma declaração de R W Emerson contra um partido político antiestrangeiro de mais de cem anos atrás que parece ex tremamente adequada nesta seqüência de idéias odeio a estrei teza do Native American Party diz Emerson em seu Journal de setembro de 1845 É o cachorro na manjedoura É exatamente o oposto de todos os ditames de amor e magnanimidade e por tanto é claro contrário à verdadeira sabedoria o homem é a mais complexa das criaturas Assim como no antigo incêndio 274 LITERATURA COMPARADA do templo de Corinto pela fusão e mistura de prata ouro e ou tros metais uma nova combinação mais preciosa chamada o bronze de Corinto se formou neste continente asilo de todas as nações a energia dos irlandeses alemães suecos polone ses cossacos e todas as tribos européias dos africanos e dos polinésios irá formar uma nova raça uma nova religião um novo estado uma nova literatura que será tão vigorosa quanto a nova Europa que surgiu da fusão da Idade das Trevas La Nature aimeles croisements O que Emerson disse sobre a América de 1850pode da mes ma forma ser dito sobre a Austrália dos anos 60 e é este tipo de pensamento que me leva a mim um homem de três pátrias Suíça Estados Unidos e Austrália a dedicar esta palestra tão es perançosa sobre O desafio da Literatura Comparada aos no vos australianos que se encontram entre nós COMPARANDO A LITERATURA Harry Levin Ao ser chamado em público para dissertar de maneira geral so bre questões profissionais para esticar um batepapo cheio de jargão a um ritual procurase reunir o apoio de um texto Mi nha falta de segurança pode ser aferida pelo fato de para a pre sente ocasião terme armado com dois textos Infelizmente ne nhum dos dois carrega qualquer autoridade real Ambos me fo ram passados pelo ar por ouvir dizer Um foi o mais alegre e casual dos comentários que passaram por mim o outro viola a privacidade dos sonhos de um total estranho Se ilustram algu ma coisa é a dimnsão em que a reputação de nossa disciplina mergulhou ou não no subconsciente coletivo O primeiro de meus textos foime transmitido por meio dos bons ofícios de um cole ga a quem não pretendo embaraçar nomeando aqui Ele gozou do arriscado privilégio de ser apresentado a Dylan Thomas du rante um dos circuitos do talentoso poeta em campi norte americanos Assim que soube que meu informante era como a maioria de nós um professor de literatura comparada Tho mas perguntou A que você a compara E com seu jeito ini mitável desinibido e explosivo tratou de oferecer uma sugestão monossilábica que não pudemos acolher A que então nós a comparamos A nenhum outro modo de expressão humana uma vez que desde o início temos cons ciência de que a literatura é incomparável A repetida tentativa LEVIN Harry Comparing Lheliterature ln Groundsfor Comparison Cambrid ge Mass Harvard Univ Press 1972 p 7590 Discurso do Presidente no lU Encontro da Associação Americana de Literatura Comparada realizado na Universidade de In diana em 19 de abril de 1968 Publicado pela primeira vez no Comparative Literature Yearbook Bloomington 1969 276 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 277 de comparáIa à religião não conseguiu lançar muita luz sobre nenhuma das duas matérias Comparações hostis entre literatu ra e ciência terminaram atoladas em estéreis controvérsias aca dêmicas tais como a discussão britânica sobre duas culturas Ana logias com as artes visuais facilitam conversas agradáveis mas até agora quase não foram além do plano verbal Não se trata aqui de negar as importantes relações que a literatura mantém com a arte a ciência a religião com todos os artefatos e insti tuições do homem nem de desconsiderar a freqüente relevância que têm em nossos estudos Tratase de afirmar que nosso obje to de estudo em sua autonomia básica está além de compara ções Como diria Hamlet seu semelhante é seu espelho em ou tras palavras só pode ser comparado a si mesmo Toda obra lite rária tende para arriscar uma qualificação a ser mais ou menos única Já que devepartilhar certas características com outras obras devemos abordáIa no aspecto relativo ou seja o comparati vo Acreditar na unicidade absoluta é tal como Benedetto Cro ce proibir a comparação e portanto inibir a crítica La littérature comparée nest pas Ia comparaison littérai re escreveuJeanMarie Carré Aqueles que lembram de seu char me sua coragem e sua cortesia devem lamentar o fato de que ele se sentiu constrangido a empreender uma ação de retaguarda con tra uma concepção de história literária que relegava a literatura comparada a uma espécie de suplemento extraterritorial Uma vez que o ato de comparar é central ao processo crítico por que deveríamos nós entre todas as pessoas amarrar nossas pró prias mãos Um comparatista que não faz comparações deve ser comparado a um violinista que desdenha usar um arco e assim limita sua perjormance a uma seqüência de pizzicati Nosso mo delo tradicional é o anatomista que compreenCleãs formas e fun ções de um determinado corpo ao comparál o implicitamente a outros e inumeráveis organismos Comparações semelhantes nos ensinaram tudo que sabemos sobre a evolução dos gêneros e as normas da técnica literária Sem elas não chegaríamos a quais quer julgamentos de valor não poderíamos identificar tendên cias nem registrar desenvolvimentos não seríamos capazes de dis tinguir uma obraprima de uma tarefa diária Não devemos tam pouco esquecer que a comparação final como Dylan Thomas pode ter obscenamente insinuado faz a literatura medir forças com a vida autenticando uma enquanto acentua a outra Mas vejo que prego aos convertidos É claro que isso é par te de nossa liturgia organizacional Freqüentamos esses encon tros e reuniões a fim de termos a confirmação de nossa fé e ser mos fortalecidos em nosso zelo de modo que possamos resistir à suspeição senão oposição de departamentos menos ilu minados que o nosso quando no dia seguinte voltarmos para nos sas respectivas universidades Espero não criar qualquer racha em nossa causa comum se junto a minha lealdade eu expressar alguns receios Meu segundo texto é baseado em uma dessas mí ticas anedotas que oprotagonista é a última pessoa a ouvir Há alguns anos me contaram que a esposa de um estudante de pós graduação sonhou que foram acordados tarde da noite por um barulho de caminhão e uma batida à porta Seu marido se le vantou e desceu para ver o que estava acontecendo Lá de pé havia dois homens de macacão que após maior inspeção conclui se serem Renato Poggioli e eu O estudante reagiu com aquele feliz savoirjaire sempre tão característico dos sonhos Ele sim plesmente voltou a subir as escadas e disse à mulher Os ho mens estão aqui para comparar a literatura O que ela respon deu ou o que pensou que isso fosse ela não conseguia lembrar Seu sonho precisa ainda encontrar seu José e eu não me atrevo a arriscar nenhuma interpretação É um axioma e deveria ser uma lei o fato de ninguém ser responsável pelo papel que ele possa vir a ter nos sonhos de al guém Mesmo assim sintome altamente honrado por ainda que em tão tênue fantasia da mitologia local ser identificado tão ín tima e vigorosamente com a minha área de estudos e com o meu amigo Nãoexistem muitos norteamericanos da minha geração que podem dizer como hoje podem felizmente os nossos alu nos que fizeram o doutorado ou tiveram muita prática de pós graduação em literatura comparada Eu não posso e a essa altu ra presidi tantas bancas de exames em que eu teria dificuldades para passar que quase enrubesço ao admitiIo Como é que se chega a essa associação Meio autodidaticamente Se alguém é iniciado entre os clássicos e se vê perdido em meio aos estranhos deuses da modernidade se as circunstâncias da sua formação lhe permitiram alguma exposição à vida no exterior se tem pai ou mãe naturalizado ou ainda melhor um cônjuge com lem branças constantes de outros mundos se seu aprendizado foi mais útil para escrever como jreeIance em periódicos de crítica do que 278 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 279 para preencher os requisitos de doutor de um departamento de literatura inglesa então foi pura sorte que o colocou no cami nho certo e apontou o seu destino Em contraste com essa formação dessultória meu colabo rador tinha a mais completa e profunda vocação para literatura comparada que tive o privilégio de testemunhar em primeira mão Poggioli era poeta e crítico e ainda um scholar e até o fim de sua carreira tragicamente abreviada ele continuou a publicar tra duções italianas de uma dúzia de línguas Com formação de es lavista na Itália e na Tchecoeslováquia deu conferências sobre as línguas românicas na Polônia e nos Estados Unidos antes de vir para Harvard em 1946 Florentino tendo a tradição cultural como direito nato ele era um modernista entusiástico em suas simpatias estéticas intelectuais e sociais conseqüentemente sua resposta a seu país de adoção foi sincera e impecável De sua ex periência poliglota ele ganhara uma percepção especial da dinâ mica dos movimentos literários e dos princípios da inovação ar tística que formulou em seu último livro completo The Theory of the AvantGarde Uma tradução em língua inglesa realizada por seu exaluno Oerald Fitzgerald e recentemente publicada am pliará sua influência humana e revitalizadora entre os compa ratistas americanos É significativo que o volume seja dedicado a quatro colegas da Europa que desenvolvem sua carreira de pro fessor universitário nos Estados Unidos Herbert Dieckmann Erich Heller Henri Peyre e René Wellek Em meu sonho particular a pessoa que está de pé ao lado de Renato Poggioli comparando a literatura não sou eu mas o Professor Wellek As contribuições estratégicas que fizeram fo ram tão complementares quanto seus diferentes temperamentos o italiano tão intuitivo e evocativo o tcheco tão direto e siste mático Embora eu não seja místico estou inclinado a ver algo providencial na coincidência que trouxe Wellek a Yale no mesmo ano em que Poggioli chegava a Harvard ambos para cadeiras que combinavam línguas eslavas com literatura comparada Vinte anos depois parece bastante claro que seus prenomes sinônimos pres sagiavam um renas cimento Outros chegando de outros países e se estabelecendo em outras universidades contribuíram de for ma vital para essa vida nova O que quero dizer é que uma pro porção muito grande dos que fizeram isso acontecer era de expa triados impelidos nesta direção para nosso eterno benefício pela grande dispersão política dos anos 30 Consideremos o con selho editorial do periódico Comparative Literature hoje em seu vigésimo ano Nosso editor Chandler Beall foi um pioneiro en tre os norteamericanos assim como o editor associado suíço de nascimento Werner Friederich Três dos cinco editores con sultivos ativos desde o início são emigrados Helmut Hatzfeld Victor Lange e mais uma vez René Wellek Um empreendimento como esse ou mais recentemente o Yearbook de Indiana e Comparative Literature Studies de Illi nois não poderia se manter em um período anterior The Jour nal of Comparative Literature patrocinado pela Columbia Uni versity que mereceu uma acolhida mais amigável do que Croce concedeu não durou mais do que o ano em que começou 1903 Columbia estabelecera o primeiro Departamento de Literatura Comparada nos Estados Unidos em 1899 Harvard que já vi nha por alguns anos oferecendo cursos não ofereceu diploma ou título senão em 1906 Sua vaidade institucional pode ser sal va pela lembrança de que o primeiro professor da Columbia OE Woodberry foi aluno de Harvard Seu aluno e colega JE Spin garn surgira como o mais promissor comparatista da América do Norte quando por razões pessoais se demitiu e afastouse da vida acadêmica A literatura comparada em Columbia para seu prejuízo e perda nossa foi então anexada ao departamento de língua e literatura inglesa Ao reconhecer essas mudanças quan titativas e qualitativas que deram novo ímpeto à nossa disciplina durante o período pósguerra enquanto sinalizavam essa inver são transatlântica que americanizou um grupo tão brilhante de intelectuais europeus não pretendemos fechar os olhos ao meio século de desenvolvimepto anterior ou subestimar o esforço e a antevisão de nossos predecessores nativos Voltando no tempo pudemos observar precedentes para a prática da literatura comparada avant Ia lettre Antes que hou vesse professores de inglês ou das línguas modernas um cultiva do homem de letras como James Russell Lowell poderia disser tar sobre bellesIettresmovimentandose com facilidade de Dante e Cervantes a Chaucer e os elizabetanos A antiga tradição pe dagógica da retórica se desenvolveria com Lane Cooper em Cor nell naquilo que ele insistiu em chamar de o estudo compara tivo da literatura Nos departamentos filológicos germâni cos românicos os grupos relacionados de línguas exigidas for 280 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 281 neceram a base para os estudos comparativos ainda que prosai cos Ninguém jamais poderia ser um medievalista sem antes se tornar um comparatista Quanto aos classicistas sentiamse à von tade no duplo domínio do jogo grecoromano de mútuas refe rências e alguns deles estavam curiosos a respeito do contínuo impacto dos antigos A partir de suas análises estilísticas das fór mulas homéricas Milman Parry foi levado a investigar os para lelismos fornecidos pela poesia oral e a comprovar sua demons tração coletando o repertório dos bardos sérvios Sua teoria da composição épica junto ao trabalho de campo que lhe serviu de apoio deve figurar dentre as poucas pesquisas humanísticas de nosso tempo que tiveram o mesmo reconhecimento concedido a uma descoberta científica Tive muita sorte em encontrar Milman Parry como instru tor de calouros e em manter com ele um contato bem próximo ao longo de todo o brevelustro que lhe restava A impressão aguda que ele deixou a fala comedida o pensamento ousado os gos tos parisienses as energias californianas se mostraram impos síveis de erradicar Penso nele sempre que tento entender os fun damentos da literatura do que é feita como opera o papel que tem na vida dos homens Embora eu também tenha estudado com Irving Babbitt e tenha tentado expressar minha admiração por ele em outra parte nunca me incluí dentre seus numerosos disCÍ pulos Se ele mais do que qualquer norteamericano antes dele foi bemsucedido em animar e projetar nossa disciplina foi por que utilizou a literatura comparada como tela de fundo para o drama moral Podiase resistir às suas doutrinas mas não se po dia evitar ser arrebatado por seu panorâmico senso de continui dade sua habilidade enciclopédica em interrelacionar idéias ou questões atuais com tradições clássicas ou mesmo com a sabe doria do Oriente Aqueles para quem os nomes de certos autores não passavam de nomes vão viram mais do que um arrolar de nomes em suas majestosas listas de chamada Era preciso um co nhecimento textual que se aproximasse ao seu para verificar suas justaposições e ligações Homens como Babbitt e Spingarn funcionavam tanto como críticos quanto como comparatistas numa época em que estu diosos nos campos literários mais restritos cultivavam a história à custa da crítica RS Crane já em 1935 ao se transferir de um domínio para o outro declarou que os dois eram mutuamente excludentes ConsideráIos coextensivoscom tanta freqüência tem sido uma atitude tipicamente norteamericana em relação à lite ratura comparada Comparatistas europeus pelo menos até pouco tempo têm sido mais estritamente históricos em seu campo de ação Hesito em esboçar essas distinções hemisféricas porque eu acredito firmemente no princípio ecumênico defendido por Cor nelis de Deugd em sua brochura em holandês De Eenheid van het Comparatisme a unidade da literatura comparada Uma de nossas convicções básicas certamente tem sido a transcendência do nacionalismo Falar de uma escola norteamericana parece par ticularmente de pouca visão quando tantas de nossas luzes mais brilhantes têm origem européia Mas podemos observar que este continente proporcionouIhes uma perspectiva muito mais am pla do que poderiam jamais obter em sua terra natal A precon dição étnica da nossa cultura o próprio fato de que aqui eles se misturam a colegas de diferentes proveniências favorece a mú tua fertilização das idéias Nosso objetivo não é uma escola na cional mas uma perspectiva internacional Nações menores cujas línguas não são faladas amplamen te gozam da vantagem compensadora do multilingüismo Georg Brandes lamentou quea maioria de seus leitores não podia lêIo no original dinamarquês por outro lado seu domínio de litera turas estrangeiras fez dele o mais cosmopolita dos críticos Não é à toa que a Suíça e a AlsáciaLorena produziram comparatis tas que por sua vez concentraram seus esforços pioneiros nas relações francoalemãs especialmente na época romântica Co mo essas áreas foram delimitadas e mapeadas a ênfase tem se deslocado culturalmente para as regiões eslávicas e historicamente para outras épocas Uma cultura imperial como a da Grã Bretanha tendo imposto sua língua em terras tributárias tem si do menos receptiva a culturas rivais De qualquer maneira os britânicos têm tardado a mostrar qualquer interesse na literatura comparada embora alguns deles como HM Chadwick WP Ker e Sir Maurice Bowra a tenham praticado discretamente sob rubricas mais convencionais Os Estados Unidos ainda que se jam predominantemente anglófonos estão numa posição bem diferente Seu passado colonial seu isolamento continental sua contínua série de emigrações para não mencionar a inquietação de seus escritores contemplando a cena americana os condi cio naram a olhar para fora para o leste em direção à Europa 282 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 283 Se a nossa tendência tem sido centrífuga a França tem re solutamente tendido a uma direção centrípeta Muitos caminhos estrangeiros levaram a Paris daí eles terem devolvido as bem sucedidas importações de língua e cultura De forma alguma sur preende que o comparatiste tenha por vezes confundido sua ta refa com a do do uanier Os franceses de sua parte demonstra ram considerável interesse por outras terras o tipo de interesse que atenienses demonstram ter pelos bárbaros e aumentaram o conjunto de seus conhecimentos com lendas exóticas que seus via jantes assim como Heródoto trazem para casa Sua consciên cia de viverem no centro da civilização ocidental foi de modo geral justificada pelo curso dos acontecimentos Mais do que qualquer outro povo eles definiram o ritmo ditaram os termos e forneceram o modelo para a história literária Parece lógico que a França tenha sido o local de nascimento e por longos interva los o principal mantenedor da literatura comparada Esta é uma das várias dívidas intelectuais para com ela que o resto do mun do deveria agradecidamente reconhecer Também parece natural que seus estudiosos e críticos estivessem essencialmente preocu pados com a sua própria literatura e que a sua preocupação com outras literaturas fosse regulada pelo grau do relacionamento que mantinham com as questões da França Durante a era de lentredeuxguerres quando os intelectuais de todas as nações gravitavam em direção à sua segunda pátria e Paris era a capital das artes e das idéias estudantes estrangei ros da área de humanas encontravam um porto seguro no Insti tut de Littérature Comparée na Sorbonne fundado e dirigido por Fernand Baldensperger Compreensivelmente os estudos que de senvolviam quase sempre se centravam em algum ponto de con tato entre a literatura francesa e a sua E quando Leon Edel quis trabalhar em ninguém menos que Henry James não recebeu qual quer incentivo dos cursos de pósgraduação norteamericanos como isso hoje nos parece distante No fim ele teve que escrever suas duas teses precursoras sob a orientação do primeiro profes sor francês de literatura norteamericana Charles Cestre Mas quando Edel chegou à Universidade de Paris ele naturalmente começou consultando Baldensperger Este último embora de for ma alguma sem simpatia explicou que era tarde demais o tópi co acabava de ser coberto Então ele exibiu a tese de MarieReine Garnier Henry James et Ia France Essa conjunção se revelou de fato profícua à qual o Professor Edel acrescentou nuances posteriores É uma pena que seja um número muito pequeno o de escritores que se prestam tão generosamente como James à aplicação automática da fórmula de Baldensperger Muito mais tarde quando estava por um semestre dando aula na Sorbonne pude de relance ver o outro lado da moeda Um estudante de literatura comparada veio consultarme com algum espanto sobre o que lhe coubera como tema para dissertação André Gide e a América Uma vez que Gide nunca visitara os Estados Unidos e não tocara senão marginalmente em sua lite ratura era mais provável que se tratasse de um estudo sobre re cepção e influência Para azar do candidato a reação norte americana fora relativamente superficial e esporádica de forma que dificilmente poderia fornecer o material literário necessário para um breve ensaio crítico A suposição que havia por trás de tarefas como essas não verificada diante dos fatos do lado re ceptor é que de alguma forma todo eminente autor francês deve ter tido uma substancialfortune em todos os países que me rece ser investigada em detalhes O valor da investigação é além disso posto em dúvida quando os méritos do récepteur são sen sivelmente inferiores àqueles do émetteur por exemplo a influên cia de Flaubert em Lafcadio Hearn A abordagem francocêntri ca foi reduzida ao absurdo no pequeno manual de MF Guyard em que um quadro incluído como apêndice indica que reivindi cações foram feitas e que esferas de influência não reivindicadas esperam pelo arrojado prospector O método é facilmente transferido para outras bases de ope ração Como afirma Jan Brandt Corstius na mais recente Intro duction to the Comparative Study of Literature é enorme o nú mero de livros lidando com autor X no país Y Em seu livro concorrente La Littérature comparée Claude Pichois e AM Rousseau usam a mesma formulação Ia formule X et Y Pa rece bastante adequado ao espírito algébrico que por tanto tem po reinou sobre nós Queremos crer que ele esteja sendo suplan tado por um esprit de finesse No entanto devemos ser gratos a Baldensperger por ter reunido as coisas na hora e no lugar cer tos por ter imposto concretude a uma disciplina que até então fora por demais difusa Já sublinhei sua contribuição positiva num estudo biográfico para a faculdade de Harvard à qual ele per tenceu por seis anos devolhe minha gratidão pessoal por ter si 284 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 285 do o primeiro a me incentivar a dar aulas num curso de literatu ra comparada Ele talvez seja mais bem compreendido enquanto um estudioso contemporâneo de Romain Rolland e Jean Girau doux que compartilharam suas boas intenções com respeito a fronteiras especialmente o Reno Academicamente poderseia argumentar que o chauvinismo e o provincialismo dos outros de partamentos literários justificaram a emergência da literatura com parada enquanto uma disciplina limítrofe de fronteiras Grenz wissenschajt O problema é que ela despendeu muito da sua energia pa trulhando essas fronteiras em vez de atravessáIas deu a maior atenção àqueles autores que mais viajaram intermediários em vez de inovadores e por essa avaliação seu maior gênio revelouse ser Madame de StaeI Paul Hazard primordialmente um histo riador literário da França ou Marcel Bataillon essencialmente um hispanista eram capazes de ressaltar um primeiro plano fran cês ou espanhol contra um plano de fundo comparativo Baldens perger comprometido com o profissionalismo do arqui comparatista estava menos interessado na literatura em si mes ma do que em suas orientations étrangêres Ele conseguia tor nar mais vivas certas matérias com alusões tópicas como quan do durante o escândalo da abdicação de Eduardo VIII Baldens perger deu uma palestra na Aliança Francesa sobre Une Amie du Roi dAngleterre uma amante francesa de Carlos lI Quan do seu colaborador Paul Van Tieghem renunciou a essas parti cularidades para compilar um resumo histórico das literaturas eu ropéia e norteamericana este não teve lugar em littérature com parée foi apresentado sob a categoria mais sintética de littératu re génerale Ai desse tão bemintencionado internacionalismo A primeira edição do livro que saiu durante a ocupação alemã de Paris não permitiu que se reconhecesse a existência de Hein rich Heine ou de Thomas Mann Os editores de Van Tieghem deram novo lugar ao seu guia introdutório de 1931juntandoo ao de Pichois e Rousseau Com parar o comparativo em um período de 36 anos é assinalar au mentos na flexibilidade e na amplitude O francocentrismo pa rece ter sido depurado e modificado Não de modo afetado os autores estendemse nas primeiras conquêtes do movimento fran cês mas eles generosamente também reconhecem que O compa ratismo americano sur bien des points désormais a plus de le çons à donner quà recevoir Se o ponto de vista parece ecléti co tanto melhor já tivemos simplicidade demais para um em preendimento que deveria ser mais variado todos os procedimen tos que genuinamente lançam luz sobre o objeto deveriam ser re levantes para ele e conseqüentemente para nós Pichois e Rous seau começam de forma bem tradicional com fontes e influên cias e a antiquada mecânica de intercâmbio Logo passam para a história das idéias o significado dos temas e um depósito de bugigangas dignificado pelo rótulo de estruturalismo Confesso que me sinto um pouco como M Jourdain em suas aulas quan do vejo meu próprio nome listado em lisonjeira companhia sob o título Phenoménologie de Ia transposition littéraire Con tudo exceto por tais aberrações inexplicáveis o volume possui uma qualidade openended que incita ao ressurgimento da lite ratura comparada francesa Isto representaria uma mudança animadora pois se exami narmos candidamente todo o campo nos encontraremos em vão procurando por uma obra importante da França desde 1937 ano que testemunhou a publicação de LAme romantique et le rêve de Albert Béguin assim como de Erasme en Espagne de Marcel Bataillon René Etiemble estava evidentemente erguendo algum tipo de monumento em seu Le Mythe de Rimbaud Mas isso é Überliejerungsgeschichte hagiografia anticlerical um estudo exaustivo e extenuante a partir de uma concepção equivocada O próprio autor o chama de sociologie religieuse documentao ao ponto da obsessão ou da paródia e admite que ele raramente trata de literatura comparada Muito pouco do que é escrito na França hoje sous le titre officiel de littérature comparée sa tisfaz os cânones estabelecidos no panfleto que lançou quando acedeu a uma cadeira em Paris Comparaison nest pas raison Ele é rabugento embora ardente internacionalista que não dei xa de recorrer ao jranglais quando se refere ales yanquis Mas ele tomou sério conhecimento das discussões profissionais tra vadas tanto no leste quanto no oeste da França Os leitores norte americanos não têm motivos para se surpreender com suas reco mendações na medida em que elas envolvem tematologia ima gística tradução e poética O que pode nos surpreender é que essas abordagens encontraram um rosto na Sorbonne O aspecto mais notável da plataforma de Etiemble é o seu vasto cosmopolitismo Existem muitas nações no mundo cuja li 286 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 287 teratura ainda está por ser comparada Nossa disciplina não terá realizado completamente suas potencialidades ou objetivos até que sua rede as tenha abarcado todas Enquanto isso fazemos tudo o que é possível para estabelecer programas de cooperação com o pequeno e altamente qualificado grupo de especialistas em literaturas não ocidentais hoje disponíveis tais como as con ferências realizadas na Indiana University Os elos mais comuns os empréstimos interculturais as imagens e miragens recíprocas embora interessantes são em geral desapontadoramente espar sos e superficiais O desafio estimulante deste primeiro movimento está justamente no fato de abrir uma esfera desconexa de com paração Ainda que o domínio do comparatista ocidental seja mui to amplo e incomparavelmente rico é necessariamente circuns crito ele permanece sendo seja por que for o que o Professor Brandt Corstius em seu modesto e inteligente guia deno mina uma comunidade de literatura Seus elementos conquanto variados são os produtos afins da difusão cultural e lingüística e são influenciados um pelo outro indiretamente senão direta mente enquanto uma literatura de origerptotalmente díspar nos oferece um corpo de formas e temas para comparar no sentido mais importante com a nossa Se soubermos o que o teatro nô tem em comum com a tragédia grega podemos generalizar so bre processos orgânicos Não podemos senão concordar com Etiemble que seria de grande valia para qualquer comparatista europeu se familiarizar com uma língua não européia Mas insistir nisso como requisito é um conselho de perfeição tal como ele certamente deve entendêIo se seu interesse pela China o levou a entrar em con tato com sinólogos que consideram uma familiarização com a literatura chinesa em si mesma um rigoroso trabalho para a vida toda Mais prática é a sua recomendação para fomentar tais con tatos e auxiliar no desenvolvimento de comparatistas asiáticos Ainda assim embora esteja feliz por saber que a Coréia do Sul agora tem uma Sociedade de Literatura Comparada não me sinto culturalmente destituído por causa de minha inabilidade para ler suas transações Eu realmente cuido para que ao oferecer indis criminada simpatia por culturas estranhas não relaxemos as exi gências da literatura comparada européia sucumbindo a nosso risco ocupacional e querendo abarcar o mundo todo com as per nas Que vantagens trará a nossos alunos aprender suahili e não saber nenhum latim Seria paroquial inverter o verso etnocêntrico de Tennyson Better fifty years of Europe than a cycleof Cathay Mas éapenas prudente lembrar com devido respeito à Ásia eà Áfri ca a epígrafe de Marvell que o falecido Eric Auerbach colocou na página de rosto de seu Mimesis Had we but world enough and time Certifiquemonos de que fazemos justiça a essas partes do mundo das letras que definitivamente estão ao nosso alcance O subtítulo de Etiemble Crise de Ia littérature comparée faz ecoar o título da polêmica comunicação apresentada pelo Pro fessor Wellek no Congresso Internacional em Chapell Hill em 1958 uma ocasião da qual se pode afirmar ter dramatizado o amadurecimento dos Estados Unidos na literatura comparada O Professor Wellek usouo para criticar a incômoda e restritiva metodologia associada a Baldensperger e Carré ambos mor tos naquele mesmo ano A maioria dos antigos comparatistas em toda parte inclusive nos Estados Unidos empregara essa meto dologia normalmente com menos distinção que seus expoentes na Sorbonne No entanto a crítica foi interpretada entre certos grupos como um ataque contra uma Escola Francesa cidevant e um manifesto el1 ome de uma soidisant Escola Americana Seria não apenas irônico mas também trágico se um movimen to que visava à união dos hemisférios terminasse provocando opo sição entre eles Já vivemos com crises sociais e políticas demais A crise na literatura comparada longe de ser um conflito franco americano de linhas nacionalistas tem sido uma questão meto dológica entre duas gerações e enquanto tal uma manifesta ção de crescimento Uma década de discussão trouxe sinais de um realinhamento na França que se assemelha a algumas das mudanças pelas quais temos passado Nossos problemas são os mesmos e devemos continuar como parceiros na busca de solu ções Contudo é com tristeza que suspeito não termos escutado o último deste discurso divisor sobre duas escolas ou a última das tentativas em nos manter presos a uma controvérsia com os franceses Alguns dos nossos colegas japoneses foram mal orien tados para se voluntariarem como nossos aliados Henri Peyre um símbolo vivo da concórdia francoamericana descreveuo pon to de vista do comparatista como supranacional Sua descrição conciliadora foi raivosamente atacada por Irina Neupokoeva uma representante russa na conferência sobre literatura comparada con I 288 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 289 vocada pela Academia Húngara de Ciências em 1962 Uma vez que os norteamericanos que não estavam representados em Budapeste foram apontados como uma escola esta polêmica senhora aproveitando a oportunidade tática passou a invecti var contra eles Ela foi tão longe ao ponto de defender a posição obsoleta de Guyard O que se conhece por comparatismo fora oficialmente desaprovado na Rússia tal como o cosmopolitis mo o formalismo ou outros pontos de vista semelhantes Ao avan çarem metade do caminho em direção à literatura comparada os russos não abandonaram seu compromisso com o nacionalis mo ou de qualquer maneira com o paneslavismo o anti ocidentalismo e a propaganda política Madame Neupokoeva está envolvida na história soviética da literatura mundial cujos prin cípios russocêntricos ela expôs num discurso à Associação Inter nacional de Literatura Comparada em Belgrado em 1967 Parte da hostilidade dos marxistas para conosco parece de rivar de uma impressão supersimplificada do New Criticism que consideram antihistórico Um olhar de primeira mão sobre nos sa produção crítica deveria asseguráIos de que o historicismo ain da é preponderante e de que alguns de nós com seriedade dão atenção à sociologia à ideologia e na verdade ao marxismo Tentamos situar nossas comparações no contexto da história Mas Madame Neupokoeva rejeitando o termo comparativo prefere falar de o estudo da interconexão e interação da literatura Is so não passa de história literária à Ia Guyard e Van Tieghem com um desvio de prioridades para as esferas eslávicas e orientais Ao processo de comparação tão essencial a qualquer análise formal ela proporia como substituto um segundo tipo de história Seria diacrônico em vez de sincrônico dito de outra forma em vez de considerar fenômenos simultâneos numa seqüência cronoló gica funcionaria a partir de modelos de desenvolvimento histó rico préorganizados que seriam aplicados a diferentes períodos em diferentes países A préorganização seria é claro determi nada pela doutrina marxista Metodologicamente é bem pareci do com o que ela repreende nas tipologias culturais de Arnold Toynbee Embora ela fale pretensiosamente de ciência o método científico sendo empírico não dogmático não pode operar num sistema fechado de idéias Os estudos marxistas de literatura parecem estar ganhando mais flexibilidade e pragmatismo na Hungria com István Sõtér e seus colegas Suas investidas têm significado imediato para nós já que fomos convidados a colaborar numa história da literatura em línguas européias um projeto internacional a ser coordena do pelo Instituto de Pesquisas Literárias da Academia Húngara Esboços preliminares sugeriram modos de reduzir o tema massi vo a proporções manuseáveis por meio da divisão horizontal em movimentos e da vertical em gêneros Isso teria o efeito de en cerrar considerações formais num tabuleiro histórico uma arma ção tão descontínua que desencorajaria o traçado de formas e algumas das estratégias comparativas Foi proposto que se co meçasse in medias res com o período romântico uma área não imune à auto consciência nacional Estarei curiosamente obser vando o que exala quando chegarmos ao movimento realista tendo percebido para meu desconforto em Belgrado que nossos camaradas da União Soviética ainda se prendem desesperadamen te a esse conceito anistórico de Realismo Socialista que herda ram de Górki Zhdánov e Stálin A cooperação acadêmica que atravessa fronteiras ideológicas é uma perspectiva que devería mos desejar promover Mas será que nossos colaboradores nos pedirão como fizeram os comunistas no verão passado para acei tar seus dogmas ideblógicos Se não somos capazes de começar concordando sobre a de finição de termos então estaremos construindo uma nova 1brre de BabeI No bureau da Associação Internacional de Literatura Comparada confesso havia momentos em que nos sentíamos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas No en tanto deveria haver esperança quanto ao resultado final assim como intermitente frustração nessa analogia Podemos talvez ex trair alguma confirmação do dicionário de termos que está sen do compilado agora soba responsabilidade da AILC e que deve basear nosso uso crítico num sólido fundamento semântico Tais compilações desconjuntadas podem ser mais satisfatórias do que as sínteses difusivas de equipes semianônimas pois apesar de nossos vocabulários literários serem nitidamente irregulares eles contêm muitos artigos cujo valor é garantido pela assinatura do autor individual A literatura comparada oferece diversas opor tunidades para o trabalho em equipe para o encontro de mentes e idéias em jogo dialético se bem que não em Gleichschaltung Porém uma vez que permanece sendo uma busca humanÍstica La littérature comparée cest lhumanisme diz o enfático 290 LITERATURA COMPARADA I COMPARANDO A LITERATURA 291 Etiemble suas realizações devem ser aquelas de indivíduos As obras a serem comparadas devem em cada caso ser abarcadas por uma mente individual O termo comparatista é confessada mente esquisito mas ganha impulso quando o utilizamos para designar um Lukács um Curtius um Brandes ou um Croce ape sar de si mesmo Eu deliberadamente citei exemplos de estatura incontestável que guardam certa distância temporal e geográfica em relação a nós Pode ser que as condições com que nos defrontamos não engendrem polímatas como esses Mas uma associação de com paratistas não está em sua infância quando seus membros erigi ram monumentos no mundo dos estudos acadêmicos tais como MotifIndex o FolkLiterature A History o Modern Criticism A History o Literary Criticism in the Italian Renaissance ou The Singer o Tales O aprendizado moderno não está livre de des temperos quem dera tivéssemos um Bacon para diagnosticáIos Em vez disso temos um William Arrowsmith que abandonou o humanismo pelo obscurantismo adotou a prática da anti erudição e buscou o aplauso dos filisteus ao denunciar indis criminadamente as atividades de seus colegas humanistas numa retórica tão frouxa quanto as suas próprias traduções A maio ria de nós está não menos consciente do que ele da chicanice que tem freqüentem ente trivializado a pesquisa no campo filológico Reagimos contra isso em nosso tempo e a isso opusemos a críti ca construtiva em reuniões intramuros da profissão O que é mais importante nós mesmos deixamos as disciplinas mais especiali zadas pela literatura comparada por causa das possibilidades de alargamento integração e revitalização que ela traz para as hu manidades Que precisamos primeiro arrumar a casa que estamos re pensando nossos conceitos e centrando nosso foco é o que con sidero o significado da nossa assim chamada crise Ela nos deu liberdade para avançar em direções até então evitadas ou ignora das No passado os comparatistas eram às vezes censurados por trabalharem muito distantes do objeto estético Dois proeminen tes Romanisten que passaram o final de suas carreiras nos Esta dos Unidos Leo Spitzer e Erich Auerbach inevitavelmente gra vitaram para a literatura comparada e demonstraram com bri lhantismo o uso que ela poderia fazer da explication de texte Suas interpretações tão exemplares em suas diferenças muito fi i zeram para cobrir a distância entre a estilística e a lingüística Esse rapprochement também ajudaria a aguçar o escrutínio da métrica comparativa A tradução que há muito não era reconhe cida foi redescoberta como um instrumento para revelar traços estilísticos e culturais Os poetas têm trazido inspiração nova à tarefa do tradutor Os comparatistas têm especial responsabili dade em cuidar para que ela seja praticada com escrúpulos No recente caso de O mestre e a margarida de Mikhail Bulgakov eles deveriam ter distinguido entre a escrupulosidade da tradu ção de Mirra Ginsburg e o desleixo de Michael Glenny que des mascarou os revisores que não deram as caras O terreno mais comum entre a história e a crítica foi bastan te ocupado pela história da crítica De forma mais ampla a his tória das idéias o estudo da literatura como meio de expressão fi losófica têm reorientado nossa compreensão das correntes de pon ta e dos ismos artísticos O método caracterizado por EE Stoll como histórico e comparativo trouxe rica e nova luz às formas em mudança e às convenções que persistem no drama Embora ele não seja tão prontamente aplicável a um gênero tão polimorfo co mo o romance vinilosconsolidando e sistematizando nossas per cepções das técnicas da narrativa O folclore antes excluído dos limites da literatura bemeducada agora parece ser seu modelo e não só isso mas também sua matriz O hábito da fabulação po de nos fornecer uma chavepara os processos da imaginação Clau de LéviStrauss vê uma progressão que poderíamos ilustrar du mythe au roman Se nossos críticos de periódicos semostram pro míscuos ao reduzir tudo ao mito ou muito ansiosamente amado rísticos ao seguir o rastro do símbolo até a sua toca então cabe ao comparatista propor e manter padrões mais altos de interpre tação Novos modos de pensamento crítico diariamente nos pres sionam alguns deles amplos em seu alcance externo outros pro curando penetrar profundezas internas Para a literatura compa rada eles oferecem uma extensão da perspectiva em troca do ri gor metodológico que claramente exigem Sob o slogan algo confuso de Néocritique essas tendências se manifestaram na França talvez como reação à Paléocritique que atribuem à Sorbonne Sua palavrachave structure parece tomar emprestado parte do seu uso à lingüística e à antropolo gia Pode sugerir mas não promete uma morfologia da literatu ra está preocupada não com a forma mas com o que era des 292 LITERATURA COMPARADA COMPARANDO A LITERATURA 293 mezado pelos formalistas corno conteúdo A Stojjgeschichte que era tudo menos preterida pela literatura comparada foi revivida com a temática e pode esperar por um luminoso futuro Toman do os motivos topo i ou imagens corno componentes distintivos de estruturas imaginativas podemos observar corno eles são reu nidos ou diferenciar os significados que adotam em contextos va riados A armadilha é a tentação psicanalítica a entregarse a bio grafias subjetivas o objetivo é urna análise orgânica das obras de um autor e do código por meio do qual ele se comunica conosco Considerar essas potencialidades é reconhecer a obsolescência de instrumentos que serviram a seu propósito em particular a biblio grafia de BaldenspergerFriederich Ainda que suas listas possam ser atualizadas indefinidamente suas categorias não mais cobrem o tema de forma pertinente Tendo agora toda a literatura corno 11lOSSO campo de conhecimento e esfera de ação precisamos de bi bliografias especiais e não de um omnium gatherum Somente o Recording Angel poderia ser o bibliógrafo per feito e se ele registrar nossas publicações e ações temo que per ceba um certo desequilíbrio Gastamos muito da nossa energia falando como estou agora sobre literatura comparada e não o bastante comparando a literatura Temos programas de mais e desempenhos de menos um excesso de tamboresmor e insuficientes instrumentalistas gente demais nos dizendo corno fazer coisas que elas nunca fizeram Damos excessiva ênfase a construir ou destruir mecanismos Debatemos interminavelmen te sobre problemas puramente esquemáticos corno a periodiza ção enquanto os períodos são deixados de lado aguardando in vestigação Horas que deveriam ser devotadas à leitura e à con templação são consumidas corno essa aqui em encontros e con ferências Resumindo a substância de nossa busca comum é com prometida por um excesso de ênfase na organização e na meto dologia Sentirei muito se meu candor soar corno desprezo por tanto esforço necessário Sei que novos pontos de partida têm que ser organizados e que não se podem atingir resultados sólidos sem discussão de métodos Urna disciplina que ainda está elabo rando suas relações com disciplinas mais bem estabelecidas nor malmente se envolverá em críticas e autocrítica Tornará o aspecto urna causa abraçará sentimentos evangelizadores se anun ciará com fanfarras heráldicas e promoverá seus interesses com auto propaganda Tudo isso é absolutamente compreensível Além do mais a natureza de nossa matéria é excursiva e gregária estimulanos a viajar e a nos confraternizar e seríamos ingratos se nos afas tássemos com espanto do tipo de intercâmbios sociais e intelec tuais que nos foram proporcionados tão auspiciosamente aqui Pichois e Rousseau ao falar de congressos deram um aviso epi gramático junto a um trocadilho etimológico Se faire carre four ne va pas sans une certaine trivialité Se os comparatis tas resistirem ao perigo de se tornarem homens de organização devem compreender que há muito já passaram do estágio orga nizativo e devem parar de se preocupar com as trivialidades do paracomparatismo Não estou nem mesmo certo se nos devería mos estar congratulando pelo crescimento da Associação Norte Americana de Literatura Comparada Afinal não somos o Ro tary International Nossas faculdades e universidades que Thors tein Veblencomparou a lojas de departamentos competem urnas com as outras instalando novas marcas de produtos populares É o que acontece com a atual expansão da literatura comparada Se urna instituição de fato deve ter um departamento desses a não ser que tenha um grupo forte de departamentos de línguas um certo número de eruditos totalmente experientes e urna gran de biblioteca essa foi a questão colocada a vocês pelo relató rio de nosso comitê sobre normas e critérios profissionais três anos atrás É duvidoso que nossas recomendações estão sendo seguidas de maneira consistente e não ternos qualquer autoridade para forçáIos a isso além do apelo à boa vontade e ao bom senso Mais urna vez correndo o risco de bancar o desmanchaprazeres tenho minhas dúvidas quanto a se a esfoliação de periódicos é em si mesma um sinal de progresso A máxima hegeliana prova ria ser aplicável ao contrário um aumento de quantidade pode ria significar urna diminuição de qualidade Se a literatura com parada promete algum avanço para além das disciplinas vizinhas é porque é mais exigente do que elas pressupõe mais preparação do que elas e diluir suas exigências colocaria em perigo a sua essência Aqueles que a praticam devem continuar a ser especial mente qualificados e mais do que isso a ter um senso de voca ção Hesitase em mencionar a simples noção de elite numa de mocracia onde os piores são tão cheios de apaixonada intensida de O precedente de Henry Adams não é nada estimulante já que 294 LITERATURA COMPARADA apesar de seu considerável feito ele considerou sua carreira acadêmica um fracasso E contudo nos passou um preceito opor tuno em seu Education quando deu ao capítulo final o título de Nunc age Depois de todas as preliminares as propedêuti cas as estimativas as pesquisas e os autoquestionamentos após reavaliar o estado de nossa união o comparatista deveria acon selhar a si mesmo Nunc age Agora vão em frente comparem a literatura o QUE É LITERATURA COMPARADA s S Prawer Admitese há bastante tempo que a expressão literatura com parada corrente na Inglaterra desde sua utilização fortuita por Matthew Arnold por volta de 18401 não é de modo algum uma expressão feliz Aparentemente expressõesanálogas nas ciên cias naturais não estão sujeitas às mesmas objeções anatomia comparada faz sentido porque anatomia é tanto um modo co mo um objeto de estudo ao passo que literatura é atualmen te apenas um objeto de estudo É preciso frisar este atualmen te porque como René Wellek que se dedicou profundamente à história desta é de expressões correlatas demonstrou recente mente a palavra literatura de fato teve seu significado estrei tado2 Um italiano de considerável literatura significava pa ra Boswell um homem sábio e possuidor de cultura literária Tal significado perdurou pelo século XIX adentro mas é hoje obso leto Literatura em nossos dias significa além de o conjun to de livros e artigos que tratam de um assunto específico pro duções literárias como um todo os escritos de um país ou de um período ou do mundo em geral A expressão literatura com parada portanto se apresenta vulnerável a ataques tais como o que lhe fez Lane Cooper nos anos 20 uma expressão absur da que não tem sentido nem sintaxe Uma pessoa poderia permitirse falar em batatas comparadas ou em vagens com paradas3 Por isso prefiro como Lane Cooper a denominação mais incômoda porém mais precisa estudo comparativo de lite ratura embora às vezes em nome da brevidade vá usar a PRAWER s s What is Comparative Literature In Comparative Literary Sfu dies an Infroducfion Londres Duckworth 1973 p 112 296 LITERATURA COMPARADA O QUE É LITERATURA COMPARADA 297 expressão mais consagrada O alemão e o holandês evitaram es ta dificuldade através do uso de um particípio presente e de um substantivo composto vergleichende Literaturwissenschajt des creve nossa atividade com mais precisão do que a formação ad jetiva usada em inglês e também mais satisfatoriamente do que o particípio passado utilizado no francês littérature comparée4 Literatura comparada implica um estudo de literatura que usa a comparação como seu principal instrumento No entanto como Benedetto Croce jamais se cansou de indicar em seu vi goroso ataque à noção de que letteratura compara ta podia ser uma disciplina separada isto se aplica a qualquer estudo de li teratura não se pode apreciar plenamente a individualidade de Wordsworth seu lugar numa tradição e na modificação dessa tra dição sem comparar sua obra explícita ou implicitamente com a obra de Milton e James Thomson com a de Shelley e Keats A literatura comparada então faz suas comparações atravessando jronteiras nacionais Mas aí novamente nos defrontamos com uma dificuldade Se compararmos o maior romance alemão de desenvolvimento e educação Os anos de aprendizado de Wilhelm MeisteJ de Goethe Wilhelm Meisters Lehrjahre com Der Nach sommeJ um romance da mesma tradição escrito pelo austríaco Adalbert Stifter e com outro romance semelhante Der grüne Heinrich do suíço Gottfried Ke11er estamos contribuindo pa ra os estudos literários comparativos De certo modo é claro que sim pois as tradições nacionais da Alemanha da Áustria e da Suíça e os diferentes ambientes políticos e sociais destes países podem ajudarnos a dar conta de importantes diferenças de tom estilo e assunto Stifter e Keller entretanto apesar de uma ínti ma ligação com suas regiões natais consideravamse com razão como escritores inseridos na grande tradição da literatura alemã A avaliação das diferenças entre eles pertence ao domínio da ger manística Estudos literários comparativos tais como são geral mente entendidos e como os entendo operam então atraves sando fronteiras lingüísticas Neste sentido pareceria legítimo tra tar como objeto de tais estudos a obra de um homem que escreve competentemente em mais de uma língua Yvan Go11por exem plo que usava francês e alemão com facilidade quase igual Sa muel Beckett inteiramente à vontade em inglês e francês e Vla dimir Nabokov cuja obra é inicialmente escrita em russo e pos teriormente em inglês Para fazer justiça à realização desses ho mens o crítico tem de ser poliglota num sentido mais amplo do que o crítico que tenta fazer justiça à obra de um poeta anglo irlândes como Yeats ou a poetas angloamericanos como Eliot e Pound Muitas vezes se faz uma distinção entre o que se chama lite ratura comparada e o que se chama literatura geral RA Sayce estabeleceu sucintamente as diferenças entre as duas defi ne literatura geral como o estudo da literatura sem preocu pação com fronteiras lingüísticas literatura comparada co mo o estudo de literaturas nacionais em relação umas com as outras5 Esta distinção é útil na medida em que reconhecemos que o conceito de literatura nacional tem seus problemas e que os dois tipos de estudo devem inevitavelmente matizar um ao outro Quando rastreamos o desenvolvimento do soneto na Eu ropa desde os dias de Petrarca estamos contribuindo para a li teratura geral como sempre o fazemos ao discutir questões de teoria literária poética e princípios de crítica num contexto supranacional Porém quando no decurso de um tal mapeamento comparamos um soneto de Shakespeare com um de Petrarca es tamos na área da literatura comparada O fato de que estas duas atividades são em última instância inseparáveis não de veria precisar de inaior demonstração Começamos agora a fazer o que nos ensinou a lingüística moderna da qual a maioria das disciplinas humanísticas têm al go a aprender prestar atenção às nossas palavraschaves não iso ladamente mas em campos associativos e campos lexicais6 O campo lexical de literatura comparada inclui além da expres são literatura geral o campo da expressão literatura mun dial ou Weltliteratur Este termo consagrado por seu uso na obra tardia de Goethe veió adquirindo muitos sentidos díspares en tre os quais três são importantes no nosso contexto O primeiro é o que advém de sua ocorrência no título de muitas histórias da literatura descreve a tentativa de escrever tal história numa base global ou pelo menos européia justapondo capítulos e se ções sobre as várias literaturas nacionais ou descrevendo vários movimentos correntes ou períodos no maior número possível de países As possibilidades e os perigos deste tipo de historiografia foram belamente analisados por J Brandt Corstius7 Em segun do lugar a expressão literatura mundial tem sido usada para designar grandes livros clássicos o melhor que já se es 298 LITERATURA COMPARADA O QUE É LITERATURA COMPARADA 299 creveu no mundo a Odisséia a Orestia a Eneida a Divina co média Fausto Madame Bovary A montanha mágica todos po dem ser considerados corno pertencentes a esta categoria Mais importante do que estes dois usos da expressão porém é o ter ceiro que devemos a Goethe o que ele entendia por Weltlitera tur era uma consciência de tradições nacionais diferentes da de cada um de nós uma abertura a obras escritas em outros países e em outras línguas trânsito e troca entre as várias literaturas que se igualariam às transações comerciais e as suplementa riams É claro que isto não implica o abandono de tradições na cionais ou o desaparecimento de literaturas nacionais Com efei to André Gide ao comentar num diário em 9 de outubro de 1916 a necessidade de europeizar a cultura chegou bem perto da visão de Goethe sobre o assunto No meio de uma guerra mun dial Gide sentiu a necessidade de mergulhar numa cultura nas cida das várias literaturas de nosso velho mundo cada uma de las poderosamente individualizada E acrescentou num treho que teria merecido o aplauso de Goethe somente a particulari zação da literatura somente sua nacionalização poderia permi tir a europeização da cultura9 A grande diferença é que Goe the cada vez mais olhava para além da Europa que em seus últi mos anos tentou aproximarse da literatura e da cultura do Oriente Pérsia os países árabes a Índia tanto quanto de seu continen te natal Os próprios títulos de seus últimos ciclos de poesia Westostlichen Divan Chinesischdeutsche Jahresund TageszeitenlO falam do esforço por ele empreendido para fe cundar a literatura alemã através do contato com literaturas e cul turas mais remotas Weltliteratur como a entende Goethe é nitidamente ligada a literatura comparada e pode levar os comparatistas a fazerem muitas de suas perguntas mais interessantes como se forma o câ non de grandes autores Por que Dante dá tanta importância a Lucano e a Estácio na Divina comédia Por que aparentemente foi Virgílio e não Homero o grande modelo dos poetas épicos antes do século XVIIl1 Por que Dostoievski se foi tornando ca da vez mais importante na Europa do século XX 12 Por que o General De Gaulle ao responder quais seriam as três maiores fi guras da literatura européia nomeou Dante Goethe e Chateau briand Quão excêntrica e quão significativa é a avaliação de De Gaulle13 Uma busca da resposta a muitas perguntas deste ti po deve levar ao território social e político assim como ao cultu ral Contudo não se precisa ser um sociólogo profundo para apre ciar a diferença entre a alegação de René Etiemble em seu esti mulante Comparaison nest pas raison de 1963 de que devería mos seguir o exemplo de Goethe procurando além da Europa nossos parâmetros de excelência bem como um desafio a uma nova produção literária e a atitude do francês bemintencionado que foi professor de Léopold Senghor quando estudante em Dakar O Reverendo Diretor do Collêge Libermann em Dakar nun ca cessava de repetirnos nossos ancestrais não haviam criado uma civilização Haviamnos deixado apenas uma tabula ra sa na qual tudo ainda estava por ser inscrito Quando em nosso juvenil espírito de oposição pedíamos roupas de li nho ele replicava mandandonos de volta às nossas tangas habituais E acrescentava como argumento irrefutável que nos deixávamos encantar pela música das palavras ao invés de nos atermos à sua substância o significado Aquilo era obviamente uma prova decisiva de nossa falta de civiliza ção14 Expandir seu raio de ação é das tarefas mais importantes da queles que desenvolvem hoje os estudos literários comparativos expandir seu raio de ação e seus termos de referência o suficiente para destruir o que resta desse imperialismo cultural complacen te É uma tarefa que se tornou mais fácil graças ao fato de que Milman Parry Albert B Lord e CM Bowra nos acostumaram a alargar nosso conceito de literatura o suficiente para incluir até material oral É claro que nenhum leitor pode ter na cabeça uma lista pes soal que inclua a totalidade da literatura mundial Cada um pre cisa fazer sua própria seleção encontrar seu próprio caminho descobrir que autores que obras têm a mais profunda afinidade com sua natureza Muitos ainda se inclinarão a concordar com o preceito de SainteBeuve quando discutiu na Causerie du lun di de 24 de outubro de 1850 a questão O que é um clássico A casa de meu Pai tem muitas moradas que isto seja verdade a respeito do Reino da Beleza não menos do que do Reino dos Céus Homero como sempre e em qualquer 300 LITERATURA COMPARADA O QUE É LITERATURA COMPARADA 301 lugar seria o primeiro nesse reino o que mais se assemelha ria a um deus mas atrás dele como a procissão dos magos viriam aqueles três poetas magníficos aqueles três homeros que por tanto tempo nos foram desconhecidos que compu seram epopéias imensas reverenciadas nas nações da Ásia Valmiki e Vyasa os hindus e Firdusi o persa No domínio do gosto é bom pelo menos saber que tais homens existi ram para que a raça humana seja vista como um todo No entanto tendo prestado nossa homenagem não nos deve mos deter nesses climas distantes 15Grifo do autor Há leitores e escritores porém pensese em Hermann Hes se por exemplo ou em Arthur Waley que experimentaram uma espécie de iluminação de choque de reconhecimento ao se de pararem com a literatura e com o pensamento nãoeuropeus pa ra quem a fusão de Oriente e Ocidente é uma necessidade cuja lista pessoal precisa incluir Li Tai Po e Confúcio tanto quanto Goethe e Keats Estes podem então tornarse mediadores entre leitores europeus e escritores de fora da Europa e ajudar a am pliar a gama de escolhas disponíveis para os leitores ocidentais à cata de uma literatura com que tenham afinidade pessoal 16 No capítulo de Discriminations ao qual já me referi aqui René Wellek faz uma lista de outras expressões que entram no campo de significação do qual faz parte literatura comparada termos como saber letras e belles lettres competindo com literatura expressões como literatura universal e litera tura internacional competindo com literatura comparada ou WeltliteraturEntretanto já se disse o bastante para que seja pos sível uma definição operacional de estudo literário comparati vo tal como o entendo aqui Um exame de textos literários incluindo obras de teoria li terária e de crítica em mais de uma língua através de uma investigação de contraste analogia proveniência ou influên cia ou um estudo de relações e comunicações literárias en tre dois ou mais grupos que falam línguas diferentes Embora em outros pontos a ela se assemelhe esta definição difere da de Claude Pichois e AM Rousseau17em dois aspec tos significativos O primeiro desses aspectos é que ela acaba com a noção de que não se pode ser um comparatista a não ser que se lide com mais de uma cultura nacional Esta é uma noção que demonstrará ser muito mais um estorvo do que um auxílio quando se discute a obra de autores bilíngües como Beckett ou regiões multilíngües como a Alsácia e a Suíça Com isso é claro que não tenho a intenção de negar ou diminuir o papel que as tradições nacionais e regionais sempre desempenharam na gênese e no de senvolvimento das literaturas Muitas pessoas hoje em dia re jeitariam concepções de caráter nacional baseadas em diferen ças biológicas mas ninguém pode lucidamente recusarse a re conhecer divergências devidas às forças sociais educacionais geo gráficas e históricas que formaram as várias nações e seus escri tores O segundo aspecto é que minha definição não inclui nc nhuma referência àquela função mais ampla que Henry H Re mak tentou induzir os estudos literários comparativos a desem penharem os estudos das relações entre a literatura por um la do e por outro as demais áreas do saber e da crença tais como as artes a filosofia a história as ciências sociais a ciência a religião etc18A pesquisa destas outras áreas de conhecimen to e de crença é de fato importante para esclarecer fatos literá rios mas não tem lugar numa definição que se proponha dis tinguir entre o território do comparatista e o de outros estu diosos de literatura i Não é que tal território possa mesmo assim ser demarcado com precisão Como definir línguas diferentes Há quem con sidere o inglês britânico e o americano modernos ou o alemão e o alemãosuíço como sistemas lingüísticos diversos enquanto outros tentam distinguir entre situações diglóssicas e bilíngües Quando um habitante de Zurique passa a usar o alemão padrào demonstra sua competência diglóssica mas quando passa para um francês excelente é bilíngüe19Podese admitir uma diversi ficação relativa o inglês de Graham Greene e o americano de Salinger são menos diferentes do que digamos o alemão e o ho landês ou o espanhol e o português E podese muito bem lem brar o epigrama mordaz de Max Weinrich resultante de uma vi da inteira de esforço para ver o ídiche reconhecido como uma língua independente Uma língua é um dialeto que tem um exér cito e uma marinha 20 Esta é uma zona de fronteira e sempre haverá possibilidade de contenda Também é importante assinalar que o termo literatura em nosso contexto não precisa invariavelmente referirse aos melho 302 LITERATURA COMPARADA O QUE É LITERATURA COMPARADA 303 res e mais elevados escritos a obras que já entraram ou prova velmente um dia entrarão para a lista dos clássicos literários de uma nação Como outros estudiosos é aconselhável que os com paratistas não se detenham nesses clássicos e examinem os es critos mais humildes de entretenimento e instrução A obra de Balzac Dickens e Dostoievski por exemplo como Donald Fan ger e outros autores apontaram pode ser significativamente ilu minada pelo estudo do romance gótico do romance de boule vard das historietas de pavor do romance de folhetim do melo drama ou da revistinha policial Como Shakespeare antes deles os grandes romancistas do século XIX souberam apropriarse dos elementos de entretenimento popular e fazêIos revelar potencia lidades até então insuspeitadas Relatos da história dos estudos de literatura comparada mui tas vezes se reduzem a uma história das expressões littérature comparée e literatura comparada o que recua no tempo somente até o início do século XIX quando a expressão france sa passou a ser utilizada como emulação à Anatomie comparée de Cuvier ou se reduzem a uma história do assunto como uma disciplina acadêmica que se inicia isoladamente com uma série de cursos de NoeI e Laplace na Sorbonne Cours de littérature comparée 18161825e ganha ímpeto em meados do século XIX Mas de fato literaturas de várias culturas e de várias línguas têm sido comparadas desde o tempo em que os romanos avalia vam sua própria poesia e oratória em relação às dos gregos E referências a obras em várias línguas ocorreram naturalmente a formadores de opinião que propuseram uma visão geral da lite ratura ocidental no Renascimento21 Quando o latim perdeu seu lugar de língua universal e nacionalismos emergentes dividi ram a Europa cada vez mais os estudos literários comparativos assumiram novas funções a de restaurar uma unidade e uma uni versalidade perdidas ou a de enriquecer tradições nativas estrei tas através de contatos benéficos com outras Também de modo crescenteos comparatistas começaram a lançar os olhos para além do mundo ocidental primeiro para os clássicos indianos com os românticos alemães para a literatura árabe persa e até chine sa com Goethe e na nossa época para outras tradições literá rias e orais do Extremo Oriente e também da África À medida que métodos de análise e classificação novos e mais sutis foram sendo benéficos para os estudos literários de todos os tipos usaramse comparações atravessando fronteiras lingüísticas pa ra formar pelo contraste um conceito de tradições nativas pa ra alterar pelo exemplo o curso de uma literatura nacional es pecífica e para construir com uma irrestrita amplidão de refe rência uma teoria geral da literatura A obra de August Wilhelm Schlegel ilustra o primeiro des ses casos a de Matthew Amold o segundo e a de Friedrich Schle gel o terceiro E de maneira cada vez mais intensa como obser vou SainteBeuve na Revue des Deux Mondes setembro de 1868 os estudos literários comparativos prosseguiram num espírito de curiosidade puramente intelectual que os colocou à parte das polêmicas declaradamente parciais de Lessing ou Voltaire Des de então estes estudos muitas vezes correram o perigo de se afun darem nos pântanos do positivismo ou de degenerarem em uma coleção de fatos não relacionados a qualquer experiência primor dialmente literária Mas por outro lado têm sido salvos por es tudiososcríticos bemdotados dentro das universidades e fora delas e por poetas dramaturgos e romancistas que não apenas foram sensíveis a obras escritas em outras línguas mas também registraram sua reação a elas em ensaios críticos Tais homens de modo geral encararam iil literatura comparada como um objeto mais do que um assunto um objetivo que an glicistas e americanistas compartilharão quando considera rem seus respectivos campos em todas as direções22 Manifestaram a tendência de acreditar com Anthony Thorlby que a literatura comparada em si mesma não obriga ninguém a seguir qualquer outro princípio a não ser o de que a compa ração é uma técnica utilíssima para a análise de obras de ar te e o de que ao invés de limitar as comparações a escritos numa mesma língua uma pessoa pode com proveito esco lher pontos de comparação em outras línguas Examinar um poema ou um quadro ou um edifício é ser pouco sen sível às suas qualidades Examinar outro exemplo da mes ma coisa que sendo outra obra de arte evidentemente não é a mesma mas apenas comparável é dar o primeiro passo na direção de reconhecer o que em cada caso é bom origi nal difícil intencional 23 304 LITERATURA COMPARADA O QUE É LITERATURA COMPARADA 305 Tentaram com Lilian Furst conquistar através dos estudos comparativos uma visão mais equilibrada uma perspectiva mais verdadeira do que é possível pela análise isolada de uma só literatura nacional por mais rica que seja24 Por trás de seu trabalho quase sempre está a convicção que Friedrich Schlege1 foi o primeiro a pôr em palavras em seu célebre ensaio Sobre o estudo de literatura grega 179596 de que retiradas de seu contexto e encaradas como entidades sepa radas que existem por si mesmas as diversas porções na cionais de literatura moderna são inexplicáveis Somente em relação umas às outras podem sua tonalidade e definição25 ser adequadamente avaliadas Porém quanto mais cuidado samente se examina todo o conjunto da literatura moderna mais esse todo parece ser uma simples parte de um todo maior26 Estão tão convencidos quanto Matthew Arnold de que por toda parte existe conexão por toda parte há exemplifi cação nenhum acontecimento isolado nenhuma literatura isolada pode ser adequadamente compreendida a não ser em relação a outros acontecimentos a outras literaturas 27 NOTAS 1 Quão claro está agora ainda que nos últimos 50 anos certa atenção às literaturas comparadas pudesse ternos ensinado que a Inglaterra está num certo sentido muito aquém do continente Carta a sua irmã datada de maio de 1848 Notarseá que Ar nold aqui ainda fala das literaturas comparadas e não de literatura comparada e que tal como Madame de Stael antes dele voltase para outras literaturas como pedras detoque em relação às quais se deveriam avaliar os escritores de seu próprio país 2 WELLEK René Diseriminations Further Coneepts of Criticism New Haven Yale Univ Press 1970 p 1 e seguintes 3 WELLEK op cit p 4 4 A diferença entre as expressões alemã e francesa poderia de fato constituir a base de um exercício de estilística comparada Ilustra uma tendência do francês moderno no tada por Albert Malblanc a usar termos estáticos enquanto o alemão utiliza termos dinâ micos súr em oposição a treffsieher de objetivo preciso e a zielbewuss certo de sua própria meta fatal em oposição a unheilbringend o que traz má sorte pernicio so étrier em oposição a Steigbügel lugar onde se apóia o pé para levantar para par tir Ia mer est grosse em oposição adie See geht hoeh 0 mar está para cima o mar está revolto MALBLANC Albert Stylistique eomparée du français et de lallemand Paris 1961 5 Yearbook of Comparative and General Literature 15 1966 63 6 CL WELLEK op cit p 13 7 BRANDT CORSTIUS J Writing Histories of World Literature Yearbook of Com parative and General Literature 12 1963 514 8 CL STRICH Fritz Goethe und die Weltliteratur Berna 1946 p 1327 O paralelo feito por Goethe entre troca material e cultural é elaborado de modo característico no Manifesto do Partido Comunista composto por Marx e Engels em 1848 A burguesia deu através de sua exploração do mercado mundial um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países Em lugar do antigo isolamento e da antiga auto suficiência locais e nacionais temos agora intercâmbio em todas as direções interde pendência universal de nações E assim como na produção material também na intelec tual As criações intelectuais de cada país se tornaram propriedade comum Parcialismo e estreiteza mentais nacionais se tornam cada vez mais impossíveis e das numerosas lite raturas nacionais e locais surge uma literatura mundial Wéltliteratur In MARX Karl Seleeted Works Londres 1942 v 1 p 209 9 GlDE André Journals 18891949 traduzidos coligidos e editados por Justin OBrien Harmondsworth 1967 p 25758 10 Divan significa reunião ou grupo Poetas persas usavam esta palavra para des crever uma coleção de poemas Coleção ocidentaloriental Estações e horas do dia chinesasalemãs 11 CL WEISSTEIN Ulrich Einfarung in die vergleiehende Literaturwissensehaft Stutt gart 1968 p 109 12 CL TRILLING Lionel The fate of pleasure Wordsworth to Dostoievski In FRYE Northrop ed Romantieism Reeonsidered Seleeted Papers from the English nstitute Nova York 1963 p 73106 13 Cit por George Steiner em The Uncommon Market The Times Saturday Review 14 ago 1971 Steiner acrescenta que quando indagado E Shakespeare De Gaulle respondeu Você falou em literatura européia Steiner comenta Nas preferências de De Gaulle podemos observar uma estética unitária um conjunto de critérios sobre a gra vidade e o decoro de formas literárias e poéticas elevadas características da sensibilida de clássica e do ensino clássico franceses 14 CL SENGHOR Léopold Sédor Anspraehen anldsslieh der Verleihung des Friedens preises der deutsehen Buehhandels Frankfurt 1968 p 4448 Os leitores ingleses possi velmente se lembrarão aqui da famosa explosão de Lord Macaulay contra a idéia de se financiar o estudo de literaturas e culturas árabc c indiana para os súditos da Rainha Vitória Estou pronto a aceitar o saber oriental pela opinião que dele têm os próprios orientalistas Jamais encontrei entrc eles um que pudesse negar que uma única prateleira de uma boa biblioteca européia valia tanto quanto toda a literatura nativa da Índia e da Arábia Com toda certeza jamais encontrei um orientalista que se aventurasse a defender a idéia de que a poesia árabe e sânscrita pudesse compararse à das grandes nações européias Mas quando se passa das obras de imaginação para obras em que se registram fatos a superioridade dos europeus se torna absolutamente imensurável Acre dito que não é exagero dizer que toda a informação histórica coligida em todos os livros escritos em sânscrito tem menos valor do que o que se pode encontrar no mais reles com pêndio usado nas escolas preparatórias da Inglaterra Em qualquer ramo da filosofia 306 LITERATURA COMPARADA O QUE É LITERATURA COMPARADA 307 natural ou moral a posição relativa das duas nações é praticamente a mesma Dizse que o sânscrito e o árabe são línguas em que foram escritos os livros sagrados de cem milhões de pessoas e que tais livros têm em função disso direito a um incentivo espeCÍ fico Seguramente é dever do governo britânico na Índia ser não apenas tolerante mas neutro em todas as questões religiosas Mas encorajar o estudo de uma literatura reco nhecida como de pequeno valor intrínseco apenas porque tal literatura incute os mais sérios erros sobre os mais importantes assuntos é um procedimento incompatível com a razão com a moral ou mesmo com aquela neutralidade que deveria ser como todos estamos de acordo sagradamente preservada Admitese que uma língua é estéril em co nhecimento útil Devemos ensináIa porque ela é fecunda em superstições monstruosas Devemos ensinar falsa história falsa astronomia falsa medicina porque as encontra mos junto com uma falsa religião Eu interromperia de imediato a impressão de livros árabes e sânscritos aboliria o Colégio de Madrassa e Sânscrito em Calcutá Memoran do dirigido por Macaulay a Lord Bentinck Governador Geral da Índia datado de 2 de fevereiro de 1835 No mesmo memorando Macaulay declarava expressamente qual de veria ser o objetivo da educação na Índia Devemos no momento fazer o possível para formar um grupo de pessoas que possam servir de intérpretes entre nós e os milhões de pessoas que governamos um grupo de pessoas indianas de sangue e de cor mas inglesas de gosto de opiniões de costumes e de intelecto A esse grupo podemos delegar o refina mento dos dialetos vernáculos do país o enriquecimento desses dialetos com termos cien tíficos tomados de empréstimo à nomenclatura ocidental e transformálos gradualmente nos veÍCulos para transmitir conhecimento à grande massa da população 15 A tradução que utilizei é de Francis Steegmuller e Norbert Guterman em seu Sainte Beuve Seleeted Essays Londres 1963 p 8 Numa palestra recente Harry Levin fez eco aos sentimentos de SainteBeuve Que benefício trará aos nossos alunos aprender sua hili e abandonar o latim 16 Cf a valiosa distinção feita por Ronald Peacock entre duas funções da literatura Por um lado podemos distinguir uma função pública e social no sentido de que a literatura encerra uma totalidade imensa de pensamento sentimento e experiência adquirida atra vés dos séculos desde que a criação literária teve início e que está à disposição em certa medida mais parcial do que inteiramente de qualquer pessoa e por outro lado uma função individual pessoal porque pode ser tratada seletivamente por indivíduos e assi milada ao processo de seu próprio pensamento sensibilidade e caráter espiritual In Cri ticism and Personal Taste Oxford 1972 p 14 17 La Littérature eomparée 2 ed Paris 1967 p 174176 18 A muito discutida definição de Remak de literatura comparada como a compara ção de uma literatura com uma ou com outras e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana aparece primeiro em STALKNECHT NP FRENZ H Comparative Literature Method and Perspeetive Carbondale Southern Illinois Univ Press 1961 p 3 19 Estas questões são amplamente discutidas em WEINREICH Uriel Languages in Contaet 2 ed Haia 1963e em FORSTER Leonard The Poets TonguesMultilingua lism in Literature Cambridge 1970 20 Cf LYONS John New Horizons in Linguisties Harmondsworth 1970p 19 Ori ginariamente pelo menos uma língua normal é apenas um dialeto que por razões histó rica e lingüisticamente acidentais adquiriu importância política e cultural numa de terminada comunidade 21 As pessoas que se dedicam à pesquisa das literaturas do Renascimento e do Pré Renascimento em qualquer língua européia só podem fazer justiça a seu tema se se tor narem comparatistas O que Keith Whinnom disse sobre distorções em estudos espa nhóis se aplica igualmente ao que ocorre fora das fronteiras da Espanha A primeira forma de distorção de que quero tratar surge do fato de que as pessoas se dedicam com pletamente ao estudo da literatura espanhola De saída ficam prejudicadas por esse conceito espanhola A distorção decorrente é bem menos importante na literatura mo derna na qual as fronteiras lingüísticas embora permeáveis tendem de fato a empare dar as literaturas da Europa separandoas umas das outras Mas para a literatura renas centista e mais ainda para a medieval a distorção é gravíssima Seria uma generali zação imprecisa afirmar que todas as obras substanciais da literatura espanhola medie val são traduções Porém uma grande proporção das principais obras são traduções li vremente adaptadas glosas ampliadas amálgamas de trechos e topo i tomados de em préstimo imitações próximas de obras do latim medieval e em alguns casos do francês medieval ou do árabe Se deixarmos de levar em conta a literatura latina da Idade Mé dia a literatura espanhola medieval se reduz a uma série de milagres In Spanish Lite rary Historiography Three Forms of Distortion Exeter 1967p 69 O estudo Tristan Isolde und Ovide de Peter Ganz serve para demonstrar quanta luz se pode lançar sobre textos medievais em vernáculo se se fizer uma comparação com a literatura latina clássi ca e também medieval In Medievalia Litteraria Munique 1971 p 397412 22 LEVIN Harry Countercurrents in the Study of English Vancouver 1966 p 29 23 Comparative Literature Times Literary Supplement 25 jul 1968 e Yearbook of Comparative and General Literature 18 1968 p 7879 24 Romanticism in Perspeetive A Comparative Study of Aspeets of the Romantie Mo vement in England Franee and Germany Londres 1969 p 277 25 A significação precisa do termo Haltung que Schlegel emprega aqui é discutível A tradução definição foi sugerida pelo Professor Hans Eichner 26 SCHLEGEL Friedrich Samtliehe Werke Viena 1823 v 5 p 4041 27 ARNOLD Matthew On the Modern Element in Literature Aula inaugural na Uni versidade de Oxford em 14 de novembro de 1857 LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO Ulrich Weisstein Uma das tarefas essenciais de um trabalho de introdução à Lite ratura Comparada como o presente deve ser a de se definir um termo que denote este ramo específico do estudo literário Ao bus carmos uma definição seria proveitoso dentro dos limites que estabelecemos para nosso estudo scolher um meiotermo entre o c9nceito um tmto ljll1itªoclopºslIªollºs re1lLutantesQI todoxos da escola dePariSoPaulvan Tieghem JeanMarie Car ré e MariusFrançois Guyard em especial eayisª9mªiiberal adotada pelos expoentes da chamada Esc91aAmeriaIla1âçõ esta escolha não porque desejo colocar grlíhÕesemOnoadisci plina que ainda está longe de ter alcançado um estado de ma turidade mas antes porque no estudo sistemático de um ri co corpus de material a escassez é sempre preferível ao excesso De um extremo temos a definição que aparece no breve pre fácio de Carré aLa Littérature comparée de Guyard onde lemos A literatura comparada é um ramo da história literária ela é o estudo das relações espirituais internacionais dos rap ports de fait entre Byron e Pushkin Goethe e Carlyle Wal ter Scott e Alfred de Vigny e entre as obras as inspirações e até entre as vidas de escritores pertencentes a literaturas diferentes Discutiremos a seguir a noção de literatura comparada co mo um ramo da história literária uma classificação que Carré parece considerar por si só evidente Antes porém consideremos a ênfase dada por ele aos rapports de fait WEISSTEIN Ulrich Definition In Comparative Literature and Literary Theory Survey and Introduction Bloomington Indiana Univ Press 1973 p 328 1 LITERATURACOMPARADk DEFlN1ÇÃO 309 A ênfase dG no fatual isto é nascoxese jnflllên cias passíveis desfrrne4i4ls faz sentido se recordarmos a si tuação dos estudos comparativos em particular e da historiografia literária em geral que prevalecia no final do século XIX de men talidade positivista época em que predominava o interesse pelo folclore e pela tematologia hoje considerados obsoletos ou fal tando complementação Se o estudo da literatura se degrada ao ponto de se tornar mera compilação de material ele perde sua dignidade já que os aspectos estéticos da obra de arte literária deixam de ter valor Por uma série de razões sendo que a mais importante é a falta inevitável de continuidade perfeita o patriarca do compa ratismo francês do nosso século Fernand Baldensperger fazia for tes restrições à compilação folclorística de material Ele era da opinião de que tal procedimento ignorava o elemento individual criativo a personalidade iniciativa e originalidade do escritor Como ele mesmo afirmou essefolklore ou Stoffgeschichte em torno do qual todo um ramo da literatura comparada tende a gra vitar representa um modelo de investigação que se mostra mais interessado no assunto que se tem em mãos do que na arte e pa rao qual os sobreviventes escondidos são de maior interesse do que a iniciativa do artesão2 Adotando uma perspectiva seme lhante e excluindo inteiramente o folclore da literatura compara da por causa do anonimato de seus produtos mesmo no caso destes serem literários como no caso do contodefadas do mi to da lenda e da hagiografia Van Tieghem seguindo o mes mo precedente afirmou que isto é folclore e não história literária pois a última é a his tória da mente humana vista através da arte de escreverNessa subdivisão de tematologia entretanto se leva em considera ção apenas o assunto em questão sua passagem de um país para outro e suas modificações A arte não desempenha qualquer papel nestas tradições anônimas que possuem co mo natureza a impessoalidade enquanto que a literatura comparada estuda as ações e influências exercidas pelos in divíduos3 Essa atitude explica pelo menos em parte o ostracismo a que foi relegada a literatura antiga e medieval que mesmo não possuindo embasamento teórico é estudada de longa data na 310 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 311 Sorbonne Pois nos escritos daquelas épocas o autor do épico homérico ou da Nibelungenlied por exemplo nem sempre pode ser identificado com exatidão A literatura comparada tem como objetivo principal o es tudo das obras de várias literaturas em seu inter relacionamento Concebida em termos gerais ela compreen de para falarmos apenas do mundo ocidental as relações mútuas entre a literatura grega elatina a dívida da literatura moderna desde a Idade Média para com a literatura antiga e finalmente as ligações entre as diversas literaturas moder nas Este último campo de investigação que é o mais extenso e complexo dos três é aquele que a literatura comparada no sentido em que geralmente a entendemos adota para si Van Tieghem p 57f O fato de essa posição não ser mais aceitável e de as litera turas antiga e medieval residirem plenamente dentro do campo da literatura comparada não precisa ser sublinhado em uma época em que se aprendeu a concentrar nas belleslettres propriamente ditas e a se considerar o estudo das matériasprimas da literatu ra e da psicologia do gênio criador como disciplinas auxiliares ao invés de primordiais 4 Contrastando com muitos de seus antecessores e contempo râneos Carréconsidrava o estudo das influênçiasliterMias pe rigoso porque nele se é freqüentem ente forçado a ligar çQIDele mentos intangíveis Ele portanto alertou seus alunos e colegas Talvez tenha havido uma tendência excessiva aos estudos das influências Estes são difíceis de serem administrados e freqüen temente se revelam enganosos já que muitas das vezessomos obri gados a lidar com elementos imponderáveis Guyard p 6 Mais seguro e gratificante continua ele seria o estudo da história do sucesso das obras dos destinos do escritor da sobrevivência de uma grande figura das interpretações mútuas de diferentes povos de viagens e de miragens como nos vemos uns aos ou tros ingleses e franceses franceses e alemães Aqui nos encon tramos do ponto de vista literário em uma estrada que leva à sociologia por um itinerário através do qual os viajantes che gam ao destino final somente pelo estudo da sobrevivência das obras da fama René Etiemble diria o mito do escritor e das imagens que os povos formam uns dos outros por intermé dio de documentos literários e neles baseados5 L Essa concepção pseudoliterária da literatura comparada é rejeitada por René Wellek que em seu adendo perspicaz à no ção postulada por Carré assinala que tal substituição é metodo logicamente questionável já que a psicanálise comparada de mitos nacionais exigida por Carré e Guyard não é uma parte do estudo literário e sim uma matéria pertencente à soCiara gia ou à história geral6 Eu compartilho de seu ponto de vista especialmente porque o próprio Guyard fornece a chave para es ta abordagem em termos essencialmente extraliterários quando ele afirma com referência à genologia o estudo teórico e histó rico de gêneros literários que Estudar o destino de determinado gênero exige uma análise rigorosa um método histórico extremamente rígido e uma visão psicológica genuína Longe de serem áridos tais estu dos podem e devem ser em última instância o trabalho de um moralista A literatura comparada neste caso estende se como freqüentemente ocorre ao terreno da psicologia comparada p 20f IEtranger tel quon le voit é o título do oitavo e último capítulo da pesquisa de Guyard na qual o futuro da literatura comparada é retratado em cores vivas Devese notar que em fa ce do desenvolvimento que se havia verificado nesse entretempo o estudioso francês sentiuse compelido no posfácio à segunda edição revisada de seu livro 1961 a modificar sua postura de maneira a dar conta da posição assumida pelos rebeldes Etiem ble e Escarpit7 Ainda assim o mal já havia sido feito e foi sob alguns aspectos irreparável Desta forma estudos como o de Si mon Jeune sobre a maneira como tipos americanos são delinea dos na literatura francesa moderna parecem anacrônicos em uma época em que suas bases metodológicas já não são válidas 8 Se uma definição de literatura comparada baseada exclusi vamente no estudo dos rapports defait pouco acrescenta seu ou tro extremo a deprecação de vínculos fatuais e o levantamen to de simples analogias passa por cima na minha opinião do objetivo cientificamente justificável Eu concordo em princí pio com a generosidade de Henry H H Remak segundo o qual o desejo francês pela sécurité literária é infeliz em um momen to que exige mais não menos imaginação9 Mas eu também gostaria de sublinhar as desvantagens de tal generosidade mesmo 312 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 313 correndo o risco de ser chamado de reacionário Visando o po tencial e os excessosverdadeiros da mera busca de paralelos não se deve deixar o alerta de Baldensperger passar despercebido Há quase cinqüenta anos ele o fundador da Revue de Littérature comparée ofereceu os seguintes comentários Nenhuma clareza explicatória resulta de comparações que se restringem ao olhar voltado simultaneamente para dois objetos diferentes à recordação condicionada pelo jogo de lembranças e impressões de semelhanças que podem ser pon tos aleatórios furtivamente interligadas pelo capricho da mente 10 Como tantos de seus colegas Carré gostaria de banir da li teratura comparada os estudos de tais analogias enquanto que Van Tieghem os admite ao menos na medida em que apontam uma tendência comum courant communll Mas mesmo assim na sua maneira de ver eles se referem mais apropriadamente à Literatura Geral littérature générale do que à literatura compa rada concebida no seu sentido mais restrito Mais uma vez admiro o entusiasmo de Remak mas não de sejo desertar a terrafirma da segurança acadêmica sem tomar medidas que previnam o deslizamento em direção ao abismo da mera especulação Não nego por exemplo a relevância do apelo de Etiemble para um estudo comparado de aspectos tais como métrica iconologia iconografia estilística hesito contudo em estender o estudo de paralelos para o de fenômenos referentes a duas civilizações diferentes Pareceme que apenas dentro de uma única civilização é possível encontrarse elementos comuns de uma tradição consciente ou inconscientemente mantidos em pensamento emoção e imaginação que podem nos casos de uma emergência razoavelmente simultânea ser vistos como tendên cias comuns significativas e que mesmo para além dos limites do tempo e do espaço freqüentemente constituem espantosos la ços de unidade Isto pode ser ilustrado pelo valor emocional de epítetos de cor pela concepção de paisagem e pode verificarse no que concerne à psicologia individual ou de massa mesmo quando não há dúvida acerca de um Zeitgeist em comum As sim os estudos como os representados por comparações entre Rainer Maria Rilke e Antônio Machado ou entre Rilke e Walla ce Stevens tão populares em nossas universidades são mais fa cilmente defensáveis da perspectiva da literatura comparada do que a tentativa de se descobrir um modelo de semelhança entre a poesia ocidental e a do Médio ou do Extremo Oriente12 A que extremos pode levarnos a comparação entre a poe sia da Ásia Oriental e a européia é demonstrado com impres sionante ingenuidade por Etiemble que conhece bem as duas tradições e que faz questão de assinalar que o estudo compa rado da estrutura de poemas sejam as civilizações em questão ligadas por relações históricas ou não nos permite averiguar as condições sine qua non do poema Etiemble p 102 Estas condições no entanto podem na melhor das hipóteses referir se a características básicas reduzíveis a lugarescomuns tais co mo a resposta à pergunta Quando e sob que circunstâncias um romance deixa de ser romance É com certa reserva por tanto que apóio a visão programática defendida pelo editor de Arcadia Horst Rüdiger que afirma que sua publicação evi tará a discussão de todos os paralelos anistóricos baseados uni camente na especulação e passíveis de causarem dano à reputa ção da literatura comparada no momento em que ela está sen do consolidada13 Para retornarmos mais uma vez brevemente ao problema dos rapports de fait pareceria óbvio que tais ligações fatuais in teressariam sobretudo ao historiador da literatura Dessa for ma nossa disciplina ao rêstringirse voluntariamente ao estudo de tais conexões limitarseia à área da história da literatura com parada Que isso já não corresponde à visão progressista em conformidade com o estado atual em que se encontra o estudo de nossa disciplina fica demonstrado pela mudança de termos por parte dos alemães Conforme se evidencia pelo subtítulo des critivo da Arcadia a tendência já há algum tempo tem sido de se dar preferência ao termo vergleichende Literaturwissenschaft ao invés do termo mais limitado vergleichendeLiteraturgeschichte Apenas os representantes da escola mais antiga de mentalidade filológica como o romanista Werner Krauss no título de seu discurso dirigido à Academia de Berlim OrientaP4 ainda in sistem no termo antigo Fatores políticos também podem ter um papel relevante como pode ser deduzido pelo relatório de Eva maria Nahke sobre o quarto congresso da AILC na revista Wei marer Beitriige15 Nos idiomas mais conhecidos o nome de nossa disciplina 314 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 315 nem sempre corresponde ao assunto de que ela trata e ao méto do que utiliza em seu estudo Em ensaio publicado em 1901 o acadêmico inglês H M Posnett reclamava que o termo litera tura cornpmªºª ilerivadõdoTrancêsaesignaõobletodees thdoao invés do método empregado Dessa maneiraêõnfonne sua própria colocação ele se via compelido a fazer com que o nome do assunto em questão fizesse as vezes do nome ainda não cunhado para o estudo desse assunto 16O termo francês littérature comparée e seus equivalentes em italiano espanhol e português letteratura comparata e literatura comparada são igualmente insatisfatórios do ponto de vista semântico mesmo quando se leva em conta o fato de serem derivados por analo gia das ciências naturais anatomie comparée etc17Litera tura comparável literatura comparativa e literatura compa rada littérature comparée são apenas formas abreviadas de se designar os produtos de determinada literatura nacional com parados àqueles de uma ou diversas outras Como o termo ho landês vergelijkend literatuuronderzoek o rótulo alemão é bem mais descritivo Devese sublinhar que Literaturwissenschajt é muito mais abrangente do que Literaturgeschichte porque envolve além do estudo da história literária o estudo da crítica e da teoria literá rias assim como o da poética enquanto exclui a estética como um ramo da filosofia que utiliza a literatura para ilustrar teore mas a priori18 No quarto capítulo de seu Theory oj Literature René Wellek e Austin Warren lidam bastante extensivamente com as divisões e limitações desses ramos da literatura e oferecem a seguinte visão Dentro de nosso estudo as distinções entre teoria literária crítica e história são claramente as mais importantes Exis te em primeiro lugar a distinção entre uma visão da litera tura sobretudo como uma série de obras organizadas em or dem cronológica e como partes essenciais de um processo histórico Existe em seguida a distinção entre o estudo dos princípios e dos critérios da literatura e o estudo de obras concretas de arte literária quer isoladamente quer em or dem cronológica Parece que o melhor que se tem a fazer é chamar a atenção para estas distinções descrevendo co mo teoria literária o estudo dos princípios da literatura suas categorias critérios e outros elementos similares e dis tinguindo os estudos de obras concretas de arte como crí tica literária essencialmente estática na abordagem ou história literária19 Assim o setor de literatura comparada teria de ser divi dido em segmentos crítica literária comparada e teoria lite rária comparada Se nossa matéria for definida desta maneira a relevância de se comparar por exemplo A W Schlegel e Cole ridge ou Aristóteles e Corneille como faz o autor de Discours sur les trois unités fica tão óbvia quanto a de se examinar a re lação entre digamos Gerhart Hauptmann e Tolstoi Em 1973 somente um indivíduo pedante pode acreditar na necessidade conforme exigiam os teóricos da literatura comparada há duas ou três décadas atrás de se evitar toda e qualquer crítica já que ela nos força a fazer julgamentos de valor20 Ao postular que a literatllrªlm1Jlrld2QuQLn frontar os produtos de literaturas nacionais diversas não afir mamOsespecificâmentequais ascirctiIlsteiqllêãêveriames tar subrºinacúiiªesta atIvidade É cÍlegacfaa horãderepãrar mõsessa omissão primeiramente através da definição dos elos na corrente dos fenômenos conhecidos como literatura nacional literatura comparada e literatura mundial respectivamente A fim de se formar um quadro mais completo deve ser acrescenta do aos termos acima o de literatura geral que conforme já vi mos foi posto em circulação e dotado de um significado especi ficamente comparatista por Van Tieghem Para começar o termo literatura nacional precisa ser de finido de maneira a se associar à literatura comparada já que dada a sua própria natureza ele se refere às unidades formado ras da basede nossªdisciplinf5Assim a questão que se apresen tàeado que preéisarnente constitui a literatura de determinado país e de que limites específicos se impõem a tal entidade É igual mente necessário decidir se tal definição deve ser feita de acordo com critérios políticohistóricos ou lingüísticos Após cuidado sa reflexão é provável que se conclua ser necessário conceder prio ridade ao último critério visto que com o passar do tempo e sob a pressão de circunstâncias históricas as fronteiras políticas tendem a mudar mais freqüentemente e mais rápido do que as lingüísticas Tomemos apenas um exemplo retirado da história 316 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 317 recente a divisão da Alemanha em 1945 separou uma nação lin güisticamente unificada em dois estados possuidores de uma he rança cultural e literária comum Contudo mesmo atualmente vinte e poucos anos depois da divisão hesitamos em chamar de incondicionalmente comparativo o estudo dos escritos produzi dos respectivamente na República Federal Alemã e na Repúbli ca Democrática Alemã A possível irrelevância dos aspectos políticos no estudo da literatura comparada é demonstrada pela relativa indiferença com que teriam de ser tratadas as questões de cidadania ou residên cia na maioria dos casos Basta pensarmos no destino dos escri tores emigrantes alemães das décadas de 30 e 40 Heinrich Mann por exemplo fugiu para a França tornouse cidadão tcheco e pas sou a última década de sua vida nos Estados Unidos Deveria ele então por causa de circunstâncias históricogeográficas ser considerado um autor alemãofrancêstchecoamericano É evi dente que não No entanto com base na sua afinidade com a Fran ça no seu conhecimento íntimo do idioma francês e na sua es colha de um assunto francês para sua obraprima romanesca Hen ri Quatre um esprit gaulois pode ser detectado em sua obra cu jas partes finais estão repletas de expressões trechos e até capí tulos inteiros em francês Em outros escritores o bilingüismo encontrase ainda mais evidente e homens que como Rilke e o poeta português Fernando Pessoa são igualmente versados em duas línguas e duas tradições literárias diferentes tornamse de fato objetos apropriados para o estudo comparado Se juntamente com a maioria dos teóricos dermos prefe rência aos critérios lingüísticos ao invés de políticos e geográfi cos iremos certamente nos deparar com outras dificuldades Por exemplo a questão da incorporação à literatura francesa de obras de autores belgas suíços canadenses e africanos escritas em fran cês nos faz parar para refletir O mesmo se aplica à literatura ale mã que se estende às letras austríacas assim como às obras de autores suíços de fala alemã como Max Frisch e Friedrich Dür renmatt e os membros do círculo de Praga em torno de Max Brod e Franz Kafka E o que fazer quanto à literatura espanhola con tinental em relação às letras da América Central e do Sul com exclusão do Brasil ou quanto à literatura árabe como o reposi tório de uma herança cultural à qual o Egito o Iraque a Síria o Líbano e a Arábia Saudita são igualmente reconhecidos No que diz respeito a essas questões vale ponderarmos os argumentos oferecidos por Wolfgang von Einsiedel no prefácio ao levantamento de cento e trinta literaturas por ele editado Ein siedel relata que as literaturas incluídas em seus livros são de acordo com famílias lingüísticas Sprachgemeinschajten que não coincidem com as nações e apenas em casos excepcionais com famílias religiosas ou étnicas Glaubensgemeinschajten e Bevol kerungsgruppen21 Na sua maneira de ver uma das caracterís ticas básicas de cada entidade estudada em seu livro é o fato de ela possuir uma fisionomia mais ou menos distinta que se tor na claramente reconhecível somente quando tomada como um todo ela é comparada a outras literaturas 22 Cada um dos problemas levantados acima constitui um ca so especial e exige uma solução cuidadosamente adaptada às cir cunstâncias históricas e a seu modo de utilização por historiado res literários Para o comparatista prospectivo o estudo de di versas histórias de uma mesma literatura nacional é portanto especialmente instrutivo já que ele descobrirá na comparação um instrumento prático para a determinação de fronteiras Como ilus tração nos referimos à prática comum entre historiadores literá rios franceses sobre a qual comenta Van Tieghem Na França onde a unidade nacional é tão antiga e o senti do de unidade é1ãoprofundo e vívido a questão é resolvi da com uma timidez freqüentemente desajeitada e por ve zes absurda Por razões óbvias consideramos o genebrês Rousseau e o saboiano Xavierde Maistre como autores fran ceses Geralmente damos carta de cidadania aos escritores suíços A Vinet Edmond Schérer Edouard Rod e Vic tor Cherbuliez e os belgas Georges Rodenbach e Emile Verhaeren visto terem eles gravitado em torno de Paris co mo centro de suas atividades literárias Mas deixamos Ro dolphe Toepffer para a Suíça e Camille Lemonnier para a Bélgica porque eles permaneceram voluntariamente em suas respectivas pátrias Para sermos lógicos é necessário por tanto que se considere a influência de Emile Zola sobre Le monnier como assunto para a Literatura Comparada O mes mo se aplica ao Romantismo em Genebra e em Vaud e à influência francesa sobre as literaturas produzidas em lín gua francesa no Canadá Haiti etc p 58f 318 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 319 A literatura dos países africanos em desenvolvimento mui tas vezes estruturada em idiomas do Ocidente deve também ser levada em conta pelo estudioso de literatura comparada Aqui mais uma vez surge a questão da possibilidade de se considerar uma visão de mundo em particular ou uma característica local específica como produtora de traços literários nacionais Ficará evidente para os leitores da Bibliography of Compa rative Literature de BaldenspergerFriederich na qual a Suíça de Friederich e a Alsácia de Baldensperger ocupam lugares espe ciais enquanto que a Áustria e o Canadá são anexados às li teraturas alemã francesa e inglesa respectivamente que a ques tão levantada aqui não é puramente acadêmica mas ao contrá rio possui aplicações práticas imediatas Seria igualmente questionável separarse em prol de um pu rismo metodológico mal orientado a literatura irlandesa da in glesa pois através de escamoteações desse tipo escritores como Swift Yeatse Shaw teriam suas raízes artísticas arrancadas para beneficiar um princípio nãoliterário Um problema de especial interesse é o que diz respeito ao parentesco íntimo entre as letras inglesas e norteamericanas pois aqui se tem um caso de dois países ou nações que culturalmente e portanto literariamen te têm seguido cada qual seu caminho ao menos desde o início do século XIX Assim apesar de continuarem a utilizar um idio ma em comum com a exceção de pequenas variações lingüísti cas os produtos de suas respectivas literaturas considerados por um consenso geral como nacionais poderiam ser objeto le gítimo de estudos comparados Nossa escolha da diferença lingüística como elemento deci sivo para a resolução da questão de como deve ser tratado deter minado caso se pelas filologias especializadas ou se dentro dos limites da literatura comparada apóiase na observação da situação que prevalece nos países unidos politicamente mas divididos lingüisticamente e que como resultado não possuem um idioma nacional único Este grupo inclui a Suíça com rela ção a cuja produção literária global François Jost prefere falar de letras suíças ao invés de literatura suíça em seu sentido mais comum23Índia e a União Soviética onde as minorias lingüís ticas são abundantes Pareceria evidente para a maioria dos lei tores do Ocidente que uma comparação entre os romances de Gottfried Keller e Charles Ferdinand Ramuz por exemplo per tence inteiramente ao campo da literatura comparada E o mes mo pode ser dito com relação aos estudos que envolvem obras escritas nos diversos idiomas indianos hindu bengali urdu ta mil por exemplo assim como corpus literários produzidos em russo ucraniano estoniano letão georgiano buriata e quirguiz para ficarmos com apenas algumas das inúmeras línguas fa ladas na União Soviética que se podem orgulhar de possuir suas próprias tradições literárias24 Mesmo dentro de uma nação essencialmente monolíngüe como a França ou a Inglaterra no entanto existem misturas es trangeiras e bolsões cuja relação com o koiné do país como um todo pode exigir uma análise verdadeiramente comparada Vêm nos à mente o poeta provençal do século XIX Frédéric Mistral de quem Van Tieghem diz nossas histórias literárias não lhe reservam qualquer lugar e para que se possa apreciar seu víncu lo com os escritores franceses devese portanto recorrer à litera tura comparada p 170 e o poeta escocês Robert Burns cuja cidadania literária foi definida por Louis Cazamian como semiétrangere Esse último caso demonstra que mesmo a literatura escrita no que se denominaria normalmente dialeto isto é uma língua que não pode ser ao menos de imediato compreendida pelos con terrâneos que falam e escrevem o vernáculopadrão pode bem ser considerada como Oportuna para o estudioso da literatura comparada Devese manter em mente contudo que as frontei ras entre dialeto e língua são relativamente fluidas e que na ausência de meios de diferenciação rigorosamente científicos o teste pragmático da inteligibilidade deve determinar a que ca tegoria pertence determirtadapeça Metodologicamente vale notar que os romances de Fritz Reuter em baixoalemão e as comé dias sicilianas de Eduardo de Filippo devem ser vistos como obras estrangeiras já que requerem tradução para o altoalemão e al to italiano respectivamente de maneira a atrair uma platéia ver dadeiramente nacional25 Aqui porém parece que chegamos a um beco sem saída porque ninguém afirmaria seriamente que o Ut de Stromtid de Reuter que a versão original do drama Die Weber de Hauptmann ou que o hilariante Filserbriefe bávaro de Ludwig Thomas não são uma parcela da Nationalliteratur ale mã Ao enfatizar os critérios lingüísticos e sua importância para 320 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 321 a literatura comparadá devemos notar que eles precisam ser uti lizados com o máximo de cautela sempre que se refiram a fases distintas no desenvolvimento orgânico de dado idioma como é o caso do anglosaxão ou do altoalemão antigo que o inglês ou alemão atual têm de aprender como um idioma estrangeiro Uma comparação entre obras originalmente escritas em inglês an tigo médio e moderno digamos entre Beowulj os Canterbury Talesde Chaucer e um romance de Dickens não pode ser consi derada como material de estudo para a nossa disciplina Tendo explicado de forma bastante extensiva quais os pro blemas que surgem quando se busca definir a essência de uma li teratura nacional delimitar várias literaturas e relacionáIas umas com as outras devemos agora examinar as ligações terminológi cas e conceituais entre literatura comparada de um lado e litera tura geral de outro Essa divisão resulta artificial e a ela não deve ser atribuída qualquer significação metodológica Van Tieghem define littérature générale significando história geral da literatu ra na terceira e última parte de seu livro Na sua opinião a litera tura comparada restringese ao estudo de vínculos binários en tre dois elementos sejam eles obras e autores individuais grupos de obras e homens ou literaturas inteiras p 170 Por outro la do os fenômenos literários abarcando três ou mais elementos fi cam ao encargo da literatura geral uma disciplina que se apóia em fatos comuns a diversas literaturas consideradas como tal seja por sua interdependência seja por analogia dans leur coinciden ce p 17426 Claude Pichois e André Rousseau em seu ma nual não rejeitam inteiramente essa distinção mas sabiamente res tringem o campo da literatura geral aos estudos que não envolvem rapports de ait La littérature comparée p 95 Conforme já apontado por Wellek o próprio Van Tieghem deixa na verdade de traçar um limite claro entre os significados dos dois termos Em seu ensaio The Concept of Comparative Literature Wellek observa que Literatura comparada já é um termo estabelecido e com preensível enquanto que literatura geral não o é Lite ratura geral costumava referirse à poética à teoria da li teratura e Van Tieghem tentou dar a este termo um sentido novo e especial Nenhum dos dois significados está claro atualmente Van Tieghem estabeleceu a distinção entre li teratura comparada que estuda as interrelações entre duas ou mais sic literaturas e literatura geral cujo interesse reside nos movimentos internacionais Mas como podemos determinar se por ex o ossianismo é um tópico relativo à literatura geral ou comparada Não se pode estabele cer uma distinção válida entre a influência de Walter Scott no estrangeiro e a moda do romance histórico As literatu ras geral e comparada fundemse inevitavelmente YCGL 2 1953 p 5 Dentre os tópicos a serem estudados sob o título littérature générale Van Tieghem p 176 cita o estudo de correntes inter nacionais tais como o petrarquismo e o rousseauísmo a preo cupação com problemas de Geistesgeschichte e a história das idéias como exemplificado pelo Humanismo pelo Iluminismo e pela Era da Sensibilidade a análise de movimentos literários desconexos como o Naturalismo e o Simbolismo e as chama dasormes communes dart ou de style gêneros como o sone to a tragédia clássica e o romance rústico Mas na Parte 2 Ca pítulo 2 de sua pesquisa ele trata a questão do estilo e do gêne ro como uma área da literatura comparada cancelando explici tamente desta maneira a divisão artificial em duas disciplinas separadas Devese também manter em mente que muitos dos tópicos assinalados por Van Tieghem como pertencentes à lite ratura geral encaixamSe mais apropriadamente na história inte lectual Problemgeschichte A divisão contudo só seria admis sível se os fenômenos verdadeiramente literários fossem separa dos dos elementos filosóficos religiosos e científicos e se a His tória das Idéias fosse classificada como uma disciplina auxiliar porém independente27 A inadequação da definição de Van Tieghem fica sublinha da pelo fato de Guyard contradizer abertamente seu mestre quan do no Capítulo 7 de sua pesquisa intitulado Grands courants européens idées doctrines sentiments ele lamenta essa conta minação e embora a aceite como um mal necessário ridiculari za o erro metodológico de seu antecessor Paul Van Tieghem propõe denominar littérature générale aquela forma superior de comparação que vai além do nível de relações binárias através de um ponto de vista verdadei ramente internacional ou pelo menos europeu com relação 322 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 323 l à história das idéias ou correntes de sensibilidade Mas para ele littérature générale também abarca fatos propriamente literários a história dos gêneros das formas e dos temas Esse livro evita cuidadosamente discussões teóricas freqüen temente inúteis nesse campo Para a testemunha ignoran te ou simplesmente indiferente dessas batalhas verbais deve se ressaltar contudo que se o termo littérature générale possui qualquer significação essa se aplica precisamente às abordagens comparadas discutidas no primeiro capítulo p 96f Tendo passado da literatura nacional para a literatura com parada e daí para a littérature générale de Van Tieghem chega mos agora à literatura mundial Esse termo como seus corres pondentes estrangeiros tais como littérature universelle Weltli teratur é menos controvertido do que literatura geral mas ain da assim oferece uma série de dilemas interpretativos No con texto atual é impossível darmos conta do alcance total de seus possíveis significados e nuances28 Estamos aqui unicamente in teressados em cobrir aquelas nuances de significados que tocam ou que se superpõem à literatura comparada Como pode ser visto por seus comentários sobre o assunto compilados por Fritz Strich Goethe considerava a Weltlite ratur um fenômeno histórico vinculado aos desenvolvimentos so ciais políticos e tecnológicos do passado imediato e condicio nado pelo período atual e extremamente turbulento assim co mo pelos meios de comunicação amplamente aprimorados 29 Esse período extremamente turbulento entretanto foi a he rança deixada por Napoleão pois todas as nações emaranha das umas nas outras nas mais terríveis guerras e depois deixadas novamente a sós perceberam que haviam observado e absorvido muitos elementos desconhecidos e haviam começado a sentir certas necessidades espirituais previamente desconhecidas Assim para todos os fins práticos Weltliteratur significava para Goethe apenas que as diversas nações ou mais precisamente os escritores contemporâneos residindo em países diferentes da Europa deveriam perceber e compreender umas às outras e caso não se quisessem amar umas às outras ao menos aprendessem como se tolerar mutuamente Goethe tinha a sincera esperança de que a singularidade das literaturas nacionais fosse preservada nesse processo de intercâmbio e reconhecimento mútuo Ele afir mou expressamente que não há hipótese de as diversas nações virem a pensar da mesma forma Uma harmonização estava para ocorrer por intermédio dos contactos internacionais dentro das literaturas individuais mas não na forma de um nivelamento geral A 12de outubro de 1827 Goethe escreveu a seu amigo Sulpiz Boisserée Eu também gostaria de observar que o que chama mos de Weltliteratur ocorrerá mais provavelmente quando as di ferenças que prevalecem dentro de determinada nação forem re conciliadas através das perspectivas e julgamentos de outras na ções Goethe sabiamente evitou advogar a uniformidade univer sal Pelo contrário ele odiava completamente esse tipo de sans culottisme cultural cujas conseqüências inevitáveis graças à assustadora eficiência da mass media enfrentamos hoje De fato em épocas de nacionalismo literário de mentalidade taca nha a cidadania literária mundial o cosmopolitismo é bem vinda mas seus extremos devem ser evitados a qualquer preço Como objeto de estudo no contexto da literatura comparada o cosmopolitisme tem gozado sempre ao menos junto aos fran ceses de uma posição privilegiada porque é naturalmente a terra fértil em que nossa disciplina viceja3D Desta forma Van Tieghem sublinha a importância das quatro eras cosmopolitas das letras européias Na Idade Média a identidade da fé religiosa e a cultura la tina um imenso reservatório de lendas populares de de voção e bravura criaram entre o clero e os escribas do Oci dente inúmeros pontos de contacto que os levaram a se ver como cidadãos deuma mesma cidade divina e humana No século XVI o Renascimento ao oferecer como fontes para o pensamento os grandes pensadores gregos e latinos criou uma forte ligação entre os humanistas de todos os países que aderiam às mesmas idéias e delas se alimentavam as sim como entre todos os escritores que tentavam superar os antigos através da imitação No século XVIII a larga dis seminação da língua francesa fez com que a admiração pe los escritores franceses se espalhasse pelas camadas altas da população de toda a Europa e a semelhança de gostos li terários e correntes filosóficas uniu os homens de letras e 324 LITERATURA COMPARADA r LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 325 iluminou o público de todas as nações por meio de um cos mopolitismo racionalista No século XIX finalmente sob a influência de revoluções guerras e emigrações sob a influência dos estudos históricos e filológicos e sobretudo através do impacto do Romantismo muitos críticos consideravam asli teraturas européias modernas como um todo cujas partes di versas oferecem contrastes ou semelhanças p 26 Inspirado por Rousseau Sebastien Mercier aplicou o con ceito de cosmopolitismo à literatura e em seguida Joseph Texte concedeu a esse conceito status pleno na historiografia literá ria31 Como ramo da literatura comparada contudo esse fenô meno ao qual os participantes do congresso da AILC em Fri burgo 1964 dedicaram especial atenção32 deve ser visto com cautela pois ele traz consigo um sabor nitidamente político Na sociologia literária por outro lado o cosmopolitismo opera sob a máscara da erudição Belesenheit como ficará aparente ao lei tor dos Fribourg Proceedings Devido ao fato de enfatizar contactos internacionais e inter relações literárias proveitosas impedindo a erradicação de carac terísticas nacionais distintas o conceito de Weltliteratur de Goe the é extremamente útil para a nossa disciplina Além disso a noção também implica uma ênfase sobre o papel do intermediá rio o que segundo a teoria clássica da literatura comparada é muito bemvisto Nesse sentido tanto os estudiosos franceses quanto os nãofranceses têmse mostrado interessados de longa data pelas atividades dos tradutores viajantes emigrantes e re fugiados políticos e pelos salões e revistas que contribuem para o intercâmbio internacional de produtos literários O conceito extremamente variado e um tanto ambíguo de literatura mundial não se exauriu de forma alguma com nossas reflexões até o presente Como medida de precaução assinalo ainda outra nuance de significado que é bastante comum nos Estados Unidos e popular em nossos meios acadêmicos Trata se de uma ampliação do termo de modo a incluir as obrasprimas da literatura de todas as épocas e lugares conforme são apresen tadas e analisadas mais ou menos profissionalmente em cursos sobre a literatura mundial antologias escolares grandes livros ou na área das humanidades em geral33 A fim de evitar qual quer confusão entre esse emprego e o sentido dado por Goethe a Weltliteratur talvez fosse melhor substituirmos o termo clás sicos neste caso sem restringirmos sua aplicação como faz T S Eliot a um número de obras singularmente seminais tais co mo a Eneida ou a Divina comédia Ao invés disso deveríamos in cluir nesta categoria como faz Matthew Arnold o que de me lhor se conhece e pensa no mundo É metodologicamente signi ficativo o fato de que no contexto pedagógico essas obrasprimas são raramente apresentadas de forma verdadeiramente compara da e de que os métodos comparativos são geralmente aplicados apenas quando existem relações genéricas ou temáticas como em cursos sobre o romance moderno ou o antiherói na ficção mo derna Ademais a apresentação dos Grandes Livros muitas ve zes faz parte de um esforço conjunto que se esconde sob a falsa aparência de uma introdução geral à história da cultura uma prática que frustra qualquer análise verdadeiramente comparada Ao concluir não posso esquecer de mencionar o emprego do termo literatura mundial como forma abreviada de his tória da literatura mundial o que pressupõe uma analogia com literatura comparada história comparada da literatura e com literatura geral história geral da literatura A história da lite ratura mundial deve ser entendida como a história de todas as literaturas do mundo independentemente de seu alcance ou de seus significados históricos ou estéticos No entanto como em uma escala universalas literaturas principais são mais popula res e mais conhecidas que as outras a AILC procurou ter como tarefa especial enfatizar o papel freqüentem ente intermediá rio dessas irmãs mais jovens ou menos afortunadas em seus anais Assim um número significativo de trabalhos lidos no con gresso de Utrecht de 19q1 foi dedicado a esse tópico em particular Apesar do vasto corpus de conhecimento e do vasto âmbito de informação que elas pressupõem não faltam pesquisas glo bais sobre a literatura mundial ver o grande número de itens cita dos na Bibliografia da Literatura Comparada e o levantamento dos itens mais recentes apresentado por Jan Brandt Corstius no ensaio intitulado Writing Histories of World Literature34 Em sua exposição o acadêmico holandês chama atenção para o fato de a grande maioria dos estudos por ele examinados serem de cunho analítico e de em quase todos as literaturas serem tratadas se qüencialmente segundo critérios geográficos lingüísticos ou cronológicos O volume Die Literaturen der Welt de Kindler 324 LITERATURA COMPARADA r LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 325 iluminou o público de todas as nações por meio de um cos mopolitismo racionalista No século XIX finalmente sob a influência de revoluçõesguerras eemigrações sob a influência dos estudos históricos e filológicos e sobretudo através do impacto do Romantismo muitos críticos consideravam asli teraturas européias modernas como um todo cujas partes di versas oferecem contrastes ou semelhanças p 26 Inspirado por Rousseau Sebastien Mercier aplicou o con ceito de cosmopolitismo à literatura e em seguida Joseph Texte concedeu a esse conceito status pleno na historiografia literá ria31Como ramo da literatura comparada contudo esse fenô meno ao qual os participantes do congresso da AILC em Fri burgo 1964 dedicaram especial atenção32 deve ser visto com cautela pois ele traz consigo um sabor nitidamente político Na sociologia literária por outro lado o cosmopolitismo opera sob a máscara da erudição Belesenheit como ficará aparente ao lei tor dos Fribourg Proceedings Devido ao fato de enfatizar contactos internacionais e inter relações literárias proveitosas impedindo a erradicação de carac terísticas nacionais distintas o conceito de Weltliteratur de Goe the é extremamente útil para a nossa disciplina Além disso a noção também implica uma ênfase sobre o papel do intermediá rio o que segundo a teoria clássica da literatura comparada é muito bemvisto Nesse sentido tanto os estudiosos franceses quanto os nãofranceses têmse mostrado interessados de longa data pelas atividades dos tradutores viajantes emigrantes e re fugiados políticos e pelos salões e revistas que contribuem para o intercâmbio internacional de produtos literários O conceito extremamente variado e um tanto ambíguo de literatura mundial não se exauriu de forma alguma com nossas reflexões até o presente Como medida de precaução assinalo ainda outra nuance de significado que é bastante comum nos Estados Unidos e popular em nossos meios acadêmicos Trata se de uma ampliação do termo de modo a incluir as obrasprimas da literatura de todas as épocas e lugares conforme são apresen tadas e analisadas mais ou menos profissionalmente em cursos sobre a literatura mundial antologias escolares grandes livros ou na área das humanidades em gera133A fim de evitar qual quer confusão entre esse emprego e o sentido dado por Goethe a Weltliteratur talvez fosse melhor substituirmos o termo clás sicos neste caso sem restringirmos sua aplicação como faz T S Eliot a um número de obras singularmente seminais tais co mo a Eneida ou a Divina comédia Ao invés disso deveríamos in cluir nesta categoria como faz Matthew Arnold o que de me lhor se conhece e pensa no mundo É metodologicamente signi ficativo o fato de que no contexto pedagógico essas obrasprimas são raramente apresentadas de forma verdadeiramente compara da e de que os métodos comparativos são geralmente aplicados apenas quando existem relações genéricas ou temáticas como em cursos sobre o romance moderno ou o antiherói na ficção mo derna Ademais a apresentação dos Grandes Livros muitas ve zes faz parte de um esforço conjunto que se esconde sob a falsa aparência de uma introdução geral à história da cultura uma prática que frustra qualquer análise verdadeiramente comparada Ao concluir não posso esquecer de mencionar o emprego do termo literatura mundial como forma abreviada de his tória da literatura mundial o que pressupõe uma analogia com literatura comparada história comparada da literatura e com literatura geral história geral da literatura A história da lite ratura mundial deve ser entendida como a história de todas as literaturas do mundo independentemente de seu alcance ou de seus significados históricos ou estéticos No entanto como em uma escala universal as literaturas principais são mais popula res e mais conhecidas que as outras a AILC procurou ter como tarefa especial enfatizar o papel freqüentemente intermediá rio dessas irmãs mais jovens ou menos afortunadas em seus anais Assim um número significativo de trabalhos lidos no con gresso de Utrecht de 191foi dedicado a essetópico em particular Apesar do vasto corpus de conhecimento e do vasto âmbito de informação que elas pressupõem não faltam pesquisas glo bais sobre a literatura mundial ver o grande número de itens cita dos na Bibliografia da Literatura Comparada e o levantamento dos itens mais recentes apresentado por Jan Brandt Corstius no ensaio intitulado Writing Histories of World Literature34 Em sua exposição o acadêmico holandês chama atenção para o fato de a grande maioria dos estudos por eleexaminados seremde cunho analítico e de em quase todos as literaturas serem tratadas se qüencialmente segundo critérios geográficos lingüísticos ou cronológicos O volume Die Literaturen der Tfélt de Kindler 326 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 327 oferece um exemplo convincente dessa prática apesar de as di versas literaturas da Índia por exemplo serem tratadas em um único capítulo procedimento que tende a confundir o leitor e impede uma avaliação adequada dos valores proporcionais As tentativas de se escrever uma história da literatura mun dial de maneira que as interrelações entre as diversas literaturas que participam na construção de determinada tradição sejam tra tadas sinteticamente são ainda escassas A última grande tentati va desse tipo foi o Outline of Comparative Literature from Dante to ONeil de Werner P Friederich e David H Malone mas ela não alcançou inteiramente seus objetivos35 Dessa forma até muito recentemente a crítica da Brandt Corstius era pertinente Depois do que foi dito parece evidente que ainda não che gou a hora de se escrever uma história da literatura mundial de forma sintética Existe alguma dificuldade no emprego do termo literatura mundial em relação à historiografia lite rária O termo certamente não pode ser entendido no senti do dado por Goethe de condições favoráveis ao cosmopoli tismo na literatura Porque a história da literatura mundial não é nem a história dos preliminares de uma literatutra cos mopolita nem tampouco a história daquela literatura em si mesma Ela não pode ser entendida no sentido canônico dos Grandes Livros a história da literatura mundial não pode lançar mão desse conceito como princípio orgânico porque nós não possuímos o conhecimento que tal tarefa exige Tal vez fosse melhor simplesmente falarmos da história da lite ratura36 Nos últimos cinco anos contudo surgiu um novo ponto de partida Restanos saber se é possível ou não a realização plena do plano de se escreverconjuntamente a História Comparada das Literaturas de Línguas Européias esboçado pela AILC e agora prestes a mostrar seus primeiros resultados palpáveis Mas pode se supor que ao menos uma fase preliminar dessa pesquisa a projeção de uma série de estudos analíticos de diferentes perío dos correntes e movimentos internacionais estará completa em um futuro previsível37 Ao discutirmos a literatura geral no sentido dado ao termo por Van Tieghem colocamonos em uma zona fronteiriça uma espécie de no mans land que se estende para além do domínio da literatura propriamente dita e de outros ramos do conhecimento que ora se inclinam em direção à literatura ora são por ela refle tidos de uma forma ou de outra Uma área fronteiriça de interes se considerável para o estudioso é aquela conhecida como histó ria das idéias que liga as belleslettres à filosofia teologia e ou tros modelos sistemáticos de pensamento abstrato Como a lite ratura é um reservatório para a preservação e um veículo para a transmissão de valores intelectuais e ocupa por esse motivo um espaço central em toda cultura existeuma abundância de tais áreas Portanto seja ele ou não um comparatista o estudante de litera tura deve determinar as posições exatas dessas áreas Por razões de ordem eminentemente prática o estudioso deve ademais de cidir entre apoiar a rigorosa concepção francesa de nossa disci plina ou as visões mais generosas expostas por Remak para quem a literatura comparada é o estudo da literatura além dos li mites de um país em particular e o estudo das relações en tre de um lado a literatura e de outro outras áreas do co nhecimento e da crença tais como as artes a filosofia a história e as ciências sociais a ciência a religião etc Em suma é a comparação entre uma literatura e outra ou ou tras e a comparação da literatura com as demais esferas da expressão humana Stalknecht Frenz p 3 Para ser breve deixarei de lado por ora os problemas rela cionados à interação entre a literatura e as demais artes música artes plásticas arquitetura dança cinema por exemplo e a con taminação mútua entre elas Devo dizer contudo que na medi da em que a literatura é uma forma de arte isto é o produto de uma atividade não utilitária e criativa ela tem determinadas afi nidades com os domínios presididos pelas demais Musas o que torna viável e mesmo provável que existam apesar dos meios diferentes empregados denominadores comuns entre elas que por sua vez podem servir como base sólida de comparação Ain da que somente por essa razão me vejo inclinado a qualificar como comparado o estudo das belleslettres em suas relações mútuas com as demais formas de arte especialmente nos casos em que ocorre de fato uma ligação ou fusão como no Gesamt kunstwerk de Wagner ou no Doppelbegabungen talentos múltiplos de artistas individuais trabalhando com dois ou mais meios diferentes A meus colegas puristas que desejam ver a lite 328 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 329 ratura comparada restrita a seus limites estritamente literários posso assegurar que prometo utilizar sempre a literatura como ponto de partida e objetivo final Mesmo nesse caso particular entretanto tendo a duvidar da vantagem de se separar o estudo acadêmico da pedagogia como propõe Friederich a fim de que se possa salvar nossa consciência filológica38 Na minha maneira de pensar a resposta não é tão simples no caso dos estudos que envolvem as relações entre a literatura e esferas da expressão humana nãoestéticas ou basicamente nãoestéticas tais como filosofia sociologia teologia historio grafia e ciências puras ou aplicadas Antes de chegarmos a qual quer conclusão a esse respeito podese levantar a pergunta apa rentemente ingênua o que afinal constitui a literatura Esse pro blema brevemente mencionado por von Einsiedel em sua intro dução aDie Literature der Jlt onde ele assinala que no latim medieval que começa pelo menos com são Jerônimo litteratu ra designava principalmente obras seculares enquanto os escri tos sagrados eram denominados scriptura39foi levantado sig nificativamente por Escarpit na sua contribuição ao ainda iné dito nternational Dictionary of Literary Terms40 Nesse contexto podemos apenas esboçar a etimologia do ter mo e a evolução histórica de seu significado No entanto temse certeza do seguinte em inglês assim como em francês a palavra literatura era originalmente empregada no sentido de apren dizagem Bildung ou erudição Voltairepor exemplo fala de Cha pelain como tendo tido une littérature immense e foi somen te no século XVIII que o foco finalmente mudou do sujeito para o objeto de estudo Mas mesmo nesse estágio relativamente tar dio de seu desenvolvimento a literatura incluía praticamente todos os escritos publicados independentemente de sua nature za como em inglês francês e alemão o substantivo ainda é fre qüentemente usado no sentido de literatura secundária Es pecialmente no século XVIII a escrita nãoutilitária era muitas vezes qualificada como poesy em inglês ou seus corresponden tes em outras línguas Foi somente no século XIX que se iniciou a separação entre os escritos pragmáticos e os nãopragmáticos Éapenas quando essa distinção se torna universal que chegamos à definição de literatura fornecida por Raymond Queneau em seu prefácio à Encyclopédie de Ia Pléiade onde ele nos diz que ela é a maneira de se escrever em oposição ao emprego funcio nal de palavra escrita em uma era em que os técnicos têm gra dativamente elevado suas especialidades à dignidade das ciências Não esqueçamos contudo que já na virada do século o Prê mio Nobel de Literatura foi repetidas vezes conferido a cientis tas naturais e filósofos Uma vez que a divisão entre literatura científica e estéti ca já é hoje fait accompli apesar dos casos fronteiriços co mo a ficção científica a interrelação entre as duas esferas éde finitivamente um dilema metodológico Devesenotar logo de iní cio que aqui como é tantas vezes o caso na esfera intelectual nem sempre se pode traçar uma linha de demarcação perfeita pois somos inevitavelmente confrontados com formas híbridas por exemplo o romance histórico o ensaio o diário a auto biografia e outros gêneros literários ou semiliterários que têm atraído renovada atenção Para sermos mais específicos como por exemplo devemos classificar o EitherOr de Soren Kierke gaard que foi considerado por um crítico contemporâneo co mo um romance psicológicoerótico E o que dizer das Confes sions de Rousseau do Dichtung und Wahrheit de Goethe dos diários de André Gide dos Caracteres de La Bruyere e dos Es sais de Montaigne E será que se pode considerar o estudo do impacto de Sigmund Freud sobre os surrealistas franceses como literário eou um tópico comparativo41 No contexto da his tória cultural alemã por exemplo geralmente não se questiona a classificação de Nietzsche como Dichter não somente por causa dos poemas escritos por ele ou da qualidade literária de sua prosa como também por causa de sua influência sobre inú meros escritores alemães e nãoalemães dentre eles o jovem Gide Gabriele dAnnunzio e os irmãos Reinrich e Thomas Mann Entretanto no caso de místicos como Meister Eckhart e Jakob Boehme assim como no de filósofos como Arthur Schopenhauer e Renri Bergson esse rótulo seria um tanto questionável Final mente os escritos de Kant Hume e Aristóteles pareceriam um tanto técnicos na maioria dos casos para merecer um lugar de destaque na história da literatura Os franceses cuja vida intelectual é mais unificada e mais bemintegrada do que a da Alemanha pois na França quase todas as palavras expressas por escrito são julgadas pelo estilo vêem Descartes juntamente com Montaigne Pascal e Bergson como autores literários de prestígioao passo que nomes como John Locke 330 LITERATURA COMPARADA LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO 331 OU John Stuart Mill estão conspicuamente ausentes da maioria das histórias da literatura inglesa Teoricamente se o meio aca dêmico literário deseja ver resultados teria provavelmentede evitar o estudo de fenômenos que não se ativessem estritamente ao li terário Mas na prática é inevitável estenderse a área de com petência pressuposta como no caso do Lehrstück de Brecht e do poema didático De rerum natura de Lucrécio É claro que ao compararmos obras literárias com outras não literárias abremse as comportas do diletantismo toda vez que o historiador literário ou crítico não tiver um conhecimento incisi vo de primeiramão das disciplinas científicas que proçura utili zar em suas aplicações literárias A proposta de Remak de anexar essa terradeninguém à literatura comparada apóiase na pressu posição benevolente de que em todos os casos se pode e se deve distinguir entre critérios pragmáticos e sistemáticos Em outras pa lavras Devemos considerar literatura comparada apenas as com parações de ordem sistemática entre a literatura e outra área que não seja literatura ou as comparações com uma disciplina que em bora definitivamente separada fora do âmbito da literatura seja estudada como literatura Porém conforme demonstram os pou cos exemplos citados por Remak essa visão é metodologicamente insustentável Ademais ela é única na história de nossa discipli na já que não é endossada pelos principais representantes da Es cola de Literatura Comparada nem francesa nem americana Poucos comparatistas concordariam com a noção de que o estudo das fontes históricas do drama shakesperariano seria com parativo no momento em que a historiografia e a literatura fos sem os pólos principais de investigação ou de que o estudo da função do dinheiro no romance Pêre Goriot de Honoré de Bal zac seria comparativo se estivesse primordialmente preocu pado com a osmose literária de um conjunto de idéias ou siste ma financeiro coerente O primeiro tópico interessaria unica mente ao crítico ou historiador da literatura inglesa e o último somente tem interesse para o estudioso do romance de um lado e para o historiador econômico de outro Para lançarmos mão de uma metáfora faustiana levar a colonização a esse ponto sig nifica na minha opinião minar as próprias forças que requerem consolidação pois enquanto comparatistas não somos um grupo de pessoas a quem falta espaço ao contrário nos sobra espaço Sofremos de uma espécie de agorafobia intelectual NOTAS I Paris PuP 1951 p 5 2 Littérature comparée le mot et Ia chose Revue de Littérature comparée 1 1921 12 Daqui por diante como RLC 3 VAN TIEGHEM La littérature comparée Paris Colin 1931 p 89 4 Os problemas especiais que surgem com a inclusão de estudos medievais na literatu ra comparada foram discutidos por Jean Frappier em seu ensaio altamente informativo Littérature médiévale et littérature comparée problemes de recherche et de méthode Pro ceedings lI vol I p 2535 Ver também os comentários de Horst Rüdiger no primeiro número de Arcadia 5 No entanto Guyard declara que a imprensa desempenha seu papel ao enfatizar as características positivas ou negativas de determinado país mas a tarefa do compara tista se inicia com as transposições literárias que têm sido sugeridas em parte por essa informação e pela conduta de diplomatas e jornalistas p 13 6 The concept of comparative literature Yearbook of Comparative and General Lite rature 21953 4 Daqui por diante como YCGL 7 Essa postura possuía na época 1951e ainda possui elementos sedutores para os jovens acadêmicos Mas existem outras perspectivas novas ou recicladas atualmente dis poníveis 1961para citar um exemplo o estudo comparado de formas e estilos encontrase novamente aberto para eles acrescentese a isso o fato de eles serem levados a criar uma sociologia da literatura Guyard p 22 8 De F T Graindoge à A O Barnabooth les types américains dans le roman et le théâ trefrançais 18611917Paris 1963 Ver lIÚnha resenha desse livro na Arcadia 2 1967 113116 9 A citação foi tirada do ensaio cSomparative literature its definition and function In STALKNECHT P FRENZ H eds Comparative literature Method and Pers pective Carbondale Southern Illinois Univ Press 1961 p 337 10 RLC 1 1921 7 11 A respeito da relação entre Ibsen e George Sand Van Ticghcm comenta que eles se moviam dentro do mesmo círculo mas não eram cndividados um ao outro não havia influência O outro exemplo é o de Daudet que era considerado um imitador de Dic kens Mas ele negava persistentemente têIo lido Por cstranho que pareça não havia in fluência apenas uma corrente comum p 136 12 Tanto o Zeami Basho Yeats Pound a study in lapanese and English poets de Ma koto Ueda resenhado por Ear Mincr na CL 18 1966 p 176f quanto o ensaio de Amiya Kumar Dev Catharsis and Rasa YCGL 15 1966192197 movemse em dire ção à estética 13 Arcadia 1 1966 p 3 14 Probleme der vergleichenden Literaturgeschichte Sitzungsberichte der Deutschen Aka demie der Wissenschaften zu Berin Klasse für Philosophie Geschichte Staats Rechts und Wirtschaftswissenschaften lahrgang 1963 n 1 Berlin 1963 15 Weimarer Beitriige 2 1965 25262 16 The science of comparative literature The Contemporary Review 79 1901 856 17 Na p 7 de seus comentários no primeiro número da RLC Baldensperger declara que Littré em seu Dictionnaire faz objeção ao emprego do particípio comparée assina lando que Anatomie comparée soa pior do que anatomie comparative 18 Com relação à revista Comparative Literature seus editores declaram que ela preten de ser um forum para aqueles estudiosos e críticos envolvidos no estudo da literatura de um ponto de vista internacional Seus editores continuam eles definem a litera tura comparada da forma mais abrangente possível e aceitam artigos que tratam de to do um leque de interrelações literárias da teoria da literatura de movimentos gêneros período e autores desde as épocas mais remotas até os dias de hoje Comparative Literature contempla em particular os estudos mais extensos sobre tópicos abrangentes e problemas de crítica literária 19 N Y Harcourt Brace 1949 p 30 20 Com relação ao tratado de Stendha1 sobre Racine e Shakespeare Guyard observa com desdém que se trata ou de crítica ou de eloqüência p 9 e Carré ridiculariza as práticas retóricas dos críticos literários bid p 6 21 Die Literaturen der Welt in ihrer mündlichen und schriflichen Uberlieferung Beitra ge zu einer Gesamtdarstellung Zurich 1964 p V 22 bid p XIX 23 Ver seu ensaio Y atil une 1ittérature suisse Essais de littérature comparée vol I Fribourg Editions Universitaires 1964 p 315338 24 Assim tornase evidente por que o Professor R K Das Gupta diretor do Departa mento de Línguas Indianas da Universidade de Nova De1hi se considera um comparatis ta ex officio 25 Os possíveis efeitos desse problema sobre o estudo da literatura comparada são tra tados em meu ensaio Dialect as a Barrier to Trans1ationMonatshefte 54 1962233243 26 Ver também o artigo de Van Tieghem La synthese en histoire littéraire littérature comparée et littérature générale Revue de Synthese Historique 3 1921 127 27 Sobre a relação entre literatura comparada e história das idéias ver o ensaio de Hen ri Roddier La Littérature Comparée et Ihistoire des idées RLC 27 19534349 Ver também WIENER Ph ed A Dictionary of the History of deas 4 vo1sNova York Scribners 28 Para esse levantamento recomendase ao leitor interessado que se dirija ao corpus da literatura sobre o assunto citado no apêndice bibliográfico de meu livro Comparative Literature and Literary Theory onde estão citadas as mais importantes contribuições ao estudo histórico e sistemático do conceito de Weltliteratur Em anos recentes os compa ratistas especialmente no leste da Europa começaram a operar com o conceito de zonas literárias como mediadoras entre a literatura nacional e a mundial Ver Anais do Coló quio de Budapeste nov 1971Neohelicon ns 12 1973 11573 29 As citações seguintes foram retiradas do apêndice de STRICH Fritz Goethe und die Weltliteratur Berna 1957 30 O título de um dos capítulos do livro de Van Tieghem p 2328 é Cosmopo1itisme romantique et premiers essais de littérature comparée e o terceiro capitruo do livro de Guyard intitulase Agents du cosmopolitisme littéraire Pichois e Rousseau contudo não abordam esse fenômeno 31 Dignos de nota com relação a esse tópico são os comentários de J Gíllet sobre Cos mopolitanisme et littérature comparée Les Flandres dans les mouvements romantique et symboliste Paris 1958 p 4551 32 As comunicações relevantes constituem um volume inteiro de Proceedings Particu larmente informativa é a apresentação de Kurt Wais Ie cosmopolitanisme littéraire à travers les âges p 1728 33 Esse complexo é tratado pedagogicamente no seguinte simpósio BWCK Haskell M ed The Teaching of World Literature Chapel Híll The University of North Carolina Press 1960 34 YCGL 12 1963 514 35 Chapel Híll The Universíty of North Carolina Press 1954 36 YCGL 12 1963 14 Brandt Corstius e Wellek no primeiro volume de seu History of Modern Literary Criticism acusam injustamente Goethe de ter promovido a causa do cosmopolitismo Weltbürgertum 37 A melhor fonte de informação para esse empreendimento é o volume bilíngüe Rap port relatif au projet dune histoire de Ia littérature europenne Budapeste 1967 divul gado no Congresso de Belgrado Vários participantes do Congresso de Bloomington da AILC expressaram opiniões a respeito do projeto ver YCGL 17 1968 p 8698 En quanto isso o primeiro volume da série Expressionism as an nternational Literary Phe nomenon WEISSTEIN u ed foi publicado conjuntamente pela Publishing House of the Hungarian Academy of Sciences em Budapeste e pela Didier em Paris Os volu mes sobre literatura renascentista OttawaTours Center literatura do fin des lumieres BudapestlParis Center e o uso do folclore na literatura romântica Alberta Center encontramse no prelo 38 Van Tieghem toca brevemente nesse tópico no capítulo de seu livro Idées que ecoa o Capítulo Sete do manual de Guyard 39 Die Literaturen der Welt p VII 40 ESCARPIT Robert La définition du terme littérair Bordeaux Centre de Socio logie des faits littéraires 1961Agora também em Le littéraire et le social elements pour une sociologie de Ia littérature Paris Flammarion 1970 p 259272 Ver também WEL LEK René The Attack on Literature The American Scholar 42 197273 2742 esp 3741 41 Ver os comentários de Anna Balakian a respeito de Influence and Literary Fortune the Equivocal Junctin of two Methods YCGL 11 1962 2431 especialmente p 28 333 LITERATURA COMPARADA DEFINIÇÃO LITERATURA COMPARADA 332 UMA FILOSOFIA DAS LETRAS 335 UMA FILOSOFIA DAS LETRAS François Jost Literatura mundial e literatura comparada não são noções idênticas A primeira é um prérequisito para a segunda e forne ce ao erudito a matériaprima e a informação que ele ordena de acordo com princípios críticos e históricos A literatura compa rada portanto pode ser definida como uma Weltliteratur orgâ nica é um relato articulado histórico e crítico do fenômeno literário visto como um todo O comparatista não somente in corpora as grandes obras de todas as nações à sua lista de livros a serem lidos e analisados mais do que isto ele examina a con catenação dos eventos literários significativos e tenta atribuir aos escritores um lugar na história geral das idéias e da estética Ele não só justapõe mas também coordena Para ele a literatura é um amálgama um complexo e não uma série de obras indivi duais É um ciclo e uma soma Uma realidade cultural está na origem desta disciplina condições interligadas efetivamente ou idealisticamente unem uma literatura às outras O estudioso que leva em consideração esta verdade fundamental concebe o com paratismo como o novum organum da crítica literária A própria expressão literatura comparada é uma fonte de malentendidos um exemplo dos perigos e ciladas da terminolo gia crítica 1 Ela confirma a idéia de que a literatura deve ser comparada mas não indica os termos da comparação Desta for ma Harry Levin pôde ironicamente intitular sua palestra profe rida em 1968 como presidente da Associação Americana de Li teratura Comparada Comparing the Literature2 Geralmen te contudo o termo é entendido por aquilo que ele sugere uma JOST François A Philosophy of Letters In Introduction to Comparative Litera ture Nova York Bobbs Merrill 1974 p 2130 comparação mútua e até mesmo sistemática das literaturas na CIOnaIS Há duas definições do conceito de literatura nacional uma popular a outra acadêmica A primeira é tautológica a literatu ra inglesa é a literatura da Inglaterra e a portuguesa a de Portu gal O adjetivo se refere ao país Quanto à segunda dois crité rios combinados de erudição literária circunscrevem a literatura nacional adequadamente por um lado ela consiste em obras que aderem a códigos de estética idênticos e que são conseqüente mente escritos na mesma língua Por outro lado seus escritores têm a mesma formação cultural É aquele corpus geralmente con siderado como a expressão de uma cultura específica e formado por um vocabulário e uma sintaxe comuns A literatura america na é criada na língua americana que é bem distinta da britâni ca e nos moldes da civilização americana no entanto nenhum crítico excluiria os irlandeses como Yeats ou Joyce Shaw e Synge dos manuais de literatura inglesa Muitos outros nomes poderiam sem dúvida ser acrescentados a esta lista de escritores nascidos na Irlanda Farquhar Sterne Goldsmith Sheridan Swift Par nell Wilde Os alemães se deliciam lendo autores austríacos e suíços que eles consideram com justiça seus compatriotas lite rários Stifter e Grillparzer Keller e Dürrenmatt De forma se melhante a história da literatura francesa deveria incluir Verhae ren de Coster e Maeterlinck assim como Ramuz Blaise Cen dras e Denis de Rougemont Ao contrário Joseph Roumanille e Fréderic Mistral escrevendo na língua provençal são de nacio nalidade francesa mas não são poetas franceses É a comunida de cultural e lingüística dentro da qual regionalismos endêmi cos e independentes se podem desenvolver à vontade que ca racteriza as literaturas individuais Idéias e ideais políticos sozi nhos não constituem fronteiras literárias A literatura da Alema nha Oriental ou a literatura da Alemanha Ocidental por exem plo não são conceitos críticos mas apenas conveniências jorna lísticas A comparação de literaturas individuais ou de partes de las era o objetivo dos primeiros comparatistas no sentido técni co da palavra aqueles que no início do século XX lançaram este novo modo crítico como os críticos franceses Paul Hazard e Fernand Baldensperger Paul Van Tieghem e JeanMarie Carré A confrontação de literaturas individuais não é evidcntc mente um empreendimento recente Baseados em análiscs mais minuciosas vemos que as literaturas sempre foram postas lado a lado com o propósito implícito de encaráIas simultânea e sin teticamente Neste sentido o comparatismo é tão velho quanto a própria literatura Ele nasceu no dia em que um escritor desco briu que tinha um colega além das fronteiras de sua esfera lin güística e cultural A partir do momento em que os dois estabe leceram relações vitais entre si através de suas obras e se deram conta de que suas preocupações e problemas básicos eram idên ticos ou diferentes ou seja comparáveis podese dizer que a li teratura comparada apesar de não ser ainda um sistema crítico surgiu como um ponto de referência para o discernimento e o conhecimento Tal comunhão intelectual existia flntes de Carlos Magno e a influência moura nos dois lados dos Pirineus antes de Apuleius que foi educado em Cartago e em Atenas antes de ensinar Retórica em Roma antes de Heliodoro cuja Aethiopica marcou a entrada da cultura etíope nas literaturas do mediterrâ neo aliás antes de Alexandre que dizem as lendas manteve cor respondências com os brâmanes da Índia ou mesmo antes dos judeus exilados no Egito e na Babilônia E mais especificamen te é possível datar a literatura comparada a partir de Dante co mo Werner P Friederich doutamente nos mostra apesar de que qualquer afirmação precisa seria necessariamente arbitrária3 A Divina comédia em sua inspiração italiana e européia é o pró prio símbolo da literatura comparada A idéia comparatista que pode ser considerada tão velha quanto a Torre de Babel ou co mo Prometeu a quem Settembrini em Der Zauberberg chama de den ersten Humanisten revelase com um brilho especial no final da Idade Média Petrarca escreve que considera todos os li vros do mundo seus fiéis companheiros com os quais gosta de conversar de quando em quando4 No período da Renascença o cosmopolitismo literário estava mais do que nunca florescen do As guerras literárias mais importantes que estouraram no de correr do século XVII foram na realidade causadas por com paratistas Um exemplo muito claro disto é a Querela dos An tigos e dos Modernos cujas fases são testemunhadas e descri tas por listas de obras tais como a Battle o Books de Swift es crito em 1697 e a série de Perrault Parallêles des Anciens et des Modernes primeiro volume 1688 Apesar disto nós estamos sob o ponto de vista técnico muito mais no domínio da Weltlite ratur do que no da literatura comparada que pressupõe a exis tência de conceitos críticos modernos Alegase seguidamente que a literatura comparada tem seus métodos críticos específicos Isto não é bem verdade o procedi mento de investigação é basicamente o mesmo tanto se o assun to pertencer a uma única literatura como a várias Podemos ler o Volksbuch vom Doctor Faust livro de contos populares e ba ladas do DI Fausto impresso por Johannes Spiess 1587 e des cobrir aí elementos comparáveis aos de Klinger 1791 e ao Faus to de Goethe 1808 Poderíamos encontrar analogias similares entre a TragicalHistory o Doctor Faustus de Christopher Mar lowe cuja primeira encenação foi em 1594 e a farsa de William Mountfort Life and Death o Doctor Faustus 1684 Em ambos os casos estaríamos fazendo um estudo literário em nível nacio nal Entretanto caso incluíssemos neste estudo de Fausto as obras alemãs e inglesas ou se ousássemos também levar em considera ção a obra de Imre Madach intitulada Tragedy o Man 1862 estaríamos penetrando o território do comparatismo embora a mesma quantidade de comparação estivesse envolvida ao exa minarmos o Fausto alemão e o inglês separadamente deixando de lado o húngaro Os materiais e as ferramentas sejam eles lingüísticos ou bibliográficos mais do que os procedimentos gerais são diferentes Tornase óbvio então que a denominação da disciplina pode ser enganadora Seria melhor que em vez de literatura comparada ela se chamasse literatura global já que sus diferenças específicas residem na sua natureza abran gente Estes comentários não dizem respeito apenas aos estudos de temática como no caso do Fausto Costumase aceitar por exem plo que a análise da influência de Shakespeare em Ben Jonson pertence à erudição inglesa mas que a análise da influência de Shakespeare em SchiI1er à erudição comparatista É possível e válido investigar o crescimento do romance epistolar na Ingla terra do século XVIII mas também é possível e válido expandir o campo de inquirição à França Alemanha e outras nações tam bém Em breve todos os caminhos que levam à compreensão ge ral da literatura estudos de relações e analogias movimentos e tendências gêneros e formas temas e motivos são os mes mos também conhecidos e escolhidos pelos eruditos em qualquer literatura nacional ou em fragmentos de literaturas nacionas É impossível encontrar em qualquer biblioteca do mundo um úni co livro ou um único ensaio sobre comparatística aplicada que 336 LITERATURA COMPARADA UMA FILOSOFIA DAS LETRAS 337 338 LITERATURA COMPARADA UMA FILOSOFIA DAS LETRAS 339 sustente a asserção feita em tantos artigos e tratados de compa ratística teórica de que não somente o assunto mas também o método é significativamente diferente nos estudos de literatura comparada e de literaturas nacionais Nos dois tipos de estudo podemos usar por exemplo os métodos sincrônico e diacrôni coS Podemos proceder pela dedução ou indução basearnos em documentos ou detectar analogias Os fatos e fatores os meios e técnicas podem variar mas não existe nenhuma metodologia específica e autônoma da literatura comparada A Owen Aldridge afirma que o estudo da literatura comparada não é fundamen talmente diferente do estudo das literaturas nacionais com exce ção de que seu objeto de estudo é muito mais vasto por provir de mais de uma literatura 6 A semelhança ou identidade meto dológica entre ambas as disciplinas literárias está implícita na afir mação de Victor Zhirmunsky o estudo comparatista tanto den tro quanto fora dos limites de uma literatura nacional deve ser visto como um princípio fundamental da pesquisa literária7 Em outras palavras já que todo o estudo literário seja qual for seu assunto tem que ser comparativo e portanto tem que ser necessariamente tratado pelo método comparativo a literatura comparada de acordo com o estudioso soviético é idêntica tan to à crítica literária quanto à própria literatura Embora com uma argumentação diferente René Wellekem seu livro Teoria da Li teratura chegou à mesma conclusãovinte anos antes8 Enquan to Wellek sugere que a literatura comparada é apenas literatura Zhirmunsky afirma que toda literatura nada mais é do que lite ratura comparada As três maiores escolas de comparatistas a francesa a ame ricana e a russa concentraram seus esforços em três aborda gens diferentes da disciplina Hoje estas escolas representam pouco mais do que três aspectos gerais da crítica literária aplica da especificamente à literatura comparada Portanto os com paratistas franceses enquanto sua especialidade estava integra da à vida acadêmica simplesmente seguiram a tendência comum entre os eruditos de seu país combinaram o historicismo e o po sitivismo com um forte sentimento nacionalista A França na verdade tinha uma grande literatura mas os franceses achavam que era a maior de todas Na opinião deles sua literatura forma va a espinha dorsal do sistema literário universal e a tarefa do comparatista consistia em examinar como e por que as costelas inglesa alemã espanhola italiana e russa estavam ligadas a ela Esta anatomia literária se reflete nos trabalhos de mestres emi nentes até meados do presente século eles estavam preocupados principalmente com fontes e influências desenvolvimento crono lógico e evolução Na escola francesa a literatura comparada tem sido antes de mais nada uma disciplina secundária dentro do campo da história da literatura francesa em vez de interna cional ela tem sido desde então apenas transnacional em sua abordagem Há menos de vinte anos JeanMarie Carré susten tava esta idéia A literatura comparada é uma ramificação da história literária9 e vinte anos antes Paul Van Tieghem tinha já declarado Uma idéia clara e distinta de literatura compara da supõe em primeiro lugar uma idéia clara e distinta de histó ria literária da qual ela é uma ramificação 10 Estas afirmações formam um contraste muito forte com as que são feitas em ou tros países Em 1878 Heinrich e Julius Hart declararam em seu Deutsche Monatshejte Mesmo que nosso periódico esteja vol tado antes de qualquer outra coisa para os interesses da litera tura alemã não devemos esquecer que cada literatura nacional é somente um ramo na árvore da Weltliteratur e só pode ser apreendida na sua verdadeira significação em relação a esta últi ma 11 Mais recentemente na França princípios nacionalistas e factográficos têm dado lugar a visões mais amplas e até a um fértil cosmopolitismo A distância percorrida durante estas três ou qua tro décadas pode ser medida por dois livros ambos com o título La Littérature Comparée o de Paul Van Tieghem 1931 um do cumento histórico e o de Claude Pichois e AndréM Rousseau 1967 um livrotexto contemporâneo escrito ao modo novo Enfocar o comparatismo na literatura americana e sua his tória seria uma idéia absurda um século e meio não é o suficien te para construir aquilo que usualmente se entende por tradição literária e a literatura americana deve continuar a ser estudada em contraposição aos seus fundamentos anglosaxões Os com paratistas americanos no entanto têm outras razões para não adotar um preconceito patriótico como os franceses o fizeram Os Estados Unidos são uma nação de imigrantes uma raça de raças para citar W Whitman A maioria dos críticos america nos e isto se aplica também aos canadenses ainda reconhe cem a sua antiga pátria cultural em outros continentes especial mente na Europa mesmo sem nunca ter vivido lá Muitos deles 340 LITERATURA COMPARADA UMA FILOSOFIA DAS LETRAS 341 possuem conseqüentemente uma anima naturaliter comparafis fica Além disto enquanto via de regra se exige de professores de universidades francesas que sejam franceses nos Estados Uni dos a cidadania americana não é necessária para a indicação a uma cátedra e desta forma o corpo docente de suas faculdades pode apresentar um cunho mais cosmopolita Tendências como o New Criticism afetaram o comparatismo mais profundamente nos Estados Unidos do que na França12onde a teoria é aplica da à literatura francesa mais do que à literatura mundial O re sultado é que a literatura comparada como uma disciplina uni versitária e um campo de pesquisa acadêmica na América do Nor te caracterizase por um lado pela multiplicidade de teorias li terárias que surgem da mais absoluta liberdade no ensino acadê mico e por outro lado por uma ausência quase total de preocu pações nacionalistas Estes são os dois únicos denominadores co muns que se detectam entre os comparatistas americanos Os dois princípios permitem uma variedade infinita de tendências na in vestigação e na interpretação literária e quase não há mais coe são na escola americana do que havia por exemplo na La ke School na qual Coleridge Wordsworth e Southey longe de trabalhar por objetivos comuns realizavam seus ideais românti cos individualmente A escola americana de literatura compara da não apresenta um programa ou uma doutrina precisa mas pratica a tolerância e o ecletismo É a escola em que para citar a frase de Wellek é melhor falar simplesmente de literaturaJ3 Nos países chamados burgueses e capitalistas geralmente não se conhece ou reconhece que Marx e Engels foram dos primeiros e mais eloqüentes entusiastas da literatura comparada No Ma nifesto do Partido Comunista 1848 eles falam da interdepen dência universal das nações tanto na esfera material quanto na espiritual As criações intelectuais de cada nação se tornam pro priedade comum eles dizem e das numerosas literaturas na cionais e locais surge uma literatura mundial14 Neste caso en tretanto literatura mundial não é mais como Goethe pensava um conjunto de obras escolhidas de acordo com padrões estéti cos em vez de nacionalistas ela é a epítome do fenômeno literá rio universal considerado como um todo Em outras palavras é literatura comparada Da mesma maneira o Instituto AM Gorki de Literatura Mundial em Moscou é na verdade um Instituto de Literatura Comparada Na União Soviética entretanto de acordo com decisões go vernamentais a literatura tem que servir aos interesses do Esta do que é como diz o primeiro parágrafo da Constituição um estado socialista de trabalhadores e camponeses O utilitarismo literário é sempre árido e sem brilho seja ele racial ou confessio nal filosófico ou teológico econômico ou político Mais do que outras escolas o realismo socialista reforça o realismo social Quanto a este aspecto Victor Zhirmunsky pode ser considerado o portavoz dos comparatistas soviéticos O princípio que domi na e que permeia toda a crítica soviética é o de que a literatura em todas as suas dimensões é essencialmente um produto da so ciedade15 Os movimentos literários em geral ele diz e os fatos li terários em particular considerados como fenômenos inter nacionais são em parte baseados em desenvolvimentos his tóricos similares da vida social dos respectivos povos e em parte no intercâmbio cultural e literário entre eles Ao con siderarmos as tendências internacionais da evolução da lite ratura devemos portanto distinguir entre analogias tipológicas16 e importações culturais ou influências elas mesmas baseadas nas semelhanças da evolução socialY Este conceito da relação entre literatura e sociedade é um corolário da teoria russa do realismo socialista adotado pelo pri meiro congresso de escritores soviéticos em 193418 O realismo socialista se tornou a doutrina literária oficial nos países comu nistas dando um fim a tendências como o formalismo19que era baseado no simbolismo e na análise de estilos e gêneros e que foi fortemente promovido por acadêmicos como Victor Shklovsky Roman Jakopson Boris Eichenbaum Yuri Tynyanov e o jovem Zhirmunsky Embora na Rússia a crítica social e socialista possa remontar pelo menos a Belinski 18111848 ela só constituiu um método coeso de interpretação literária trinta ou quarenta anos atrás A objeção tradicional ao ideal literário soviético é que ele negligencia os aspectos estéticos da cultura parece ignorar a es pontaneidade da mente humana e hesita ou se recusa a valorizar o individual Argumentase que nenhuma inteligênciacoletiva pro duziu beleza e que toda obra de arte tem um caráter pessoal muito acentuado Se a sociedade cria um romance os habitantes de New gate são os autores de Mol Flandres o clã de Harlow de Claris sa os caballeros espanhóis de Dom Quixote o povo russo de Eugény Onégin Nomes de autores no entanto estão ligados a estas obras Alguém teve que ordenar as cinqüenta mil ou qui nhentas mil palavras em uma determinada forma E enquanto estes trabalhos estavam sendo feitos não houve nenhuma elei ção Defoe e Richardson sozinhos Cervantes e Pushkin sozinhos assumiram a responsabilidade destas obrasprimas e cada uma delas tem sua beleza e seus mistérios exclusivos que resistem e vão além de qualquer análise Além de tudo certos hábitos lite rários e certas formas literárias foram claramente impostos ao povo por um autor em particular ou por um grupo de autores Autores individuais e não a sociedade como um todo nem mes mo a sociedade cortesã exclusiva do século XIII foram os cria dores do soneto embora o soneto evidentemente tivesseque agra dar a uma certa classe social Os realistas socialistas não discordariam desta argumenta ção Eles no entanto iriam certamente observar que as circuns tâncias históricas as situações culturais e as condições institu cionais formam a infraestrutura necessária a qualquer trabalho de literatura Estas condições são os dados primários e por as sim dizer geológicos Cada trabalho está profundamente incrus tado em algum tipo particular de solo humano e se concretizou graças principalmente a um meio humano específico Adolphe o herói do romancede Constant e Oblomov o de Goncharov ilustram bem um aspecto semelhante da natureza humana um certo estado de indecisão e de inércia a incapacidade de agir Eles são imagens e símbolos de uma vida passiva um é claramente francês o outro sem dúvida russo E a linguagem também é um produto da sociedade que decide sobre as regras estéticas bási cas Em termos políticos a sociedade é a legislatura o artista retém o poder executivo embora não possa sempre para come çar governar com a maioria Na maior parte do tempo no en tanto seu mérito pessoal é medido de acordo com padrões que ele mesmo não estabeleceu As teorias e doutrinas as opiniões e convicções que pare cem caracterizar as escolas específicas estão longe de ser mo nopolizadas por qualquer um dos países designados pelos adje tivos americano russo e francês Etiemble20pode ser chamado um americano e Robert Escarpit21 um russo en 343 quanto alguns franceses permanecem franceses Deveria ser reconhecido que estas escolas representam atitudes específi cos de comparatistas e aspectos importantes da crítica compara tista A história literária mostra que a grande arte tem de tem pos em tempos sido considerada pessoal impessoal ou coletiva O romantismo o formalismo e o realismo socialista são apenas expressões recentes desta tricotomia Cada uma destas escolas mencionadas contesta ou critica as outras duas por supervalori zar aqueles aspectos da disciplina que seus próprios seguidores não levam suficientemente em consideração Um tom satírico pode ser facilmente detectado neste tipo de crítica circular Os france ses são criticados por fazerem o papel do oficial alfandegário in telectual controlando as importações e exportações culturais e pela avidez em afirmar que seu país ainda tem a moeda literária mais forte Estes gregos dos tempos modernos parecem sempre olhar com condescendência e mesmo com desacato para o mundo bár baro que os rodeia Os americanos são censurados pelo fato de não penetrarem le fond des choses de praticar um esteticismo vago e como uma nação que está ainda em busca de uma tradi ção pelo prazer em não atribuir importância real às literaturas nacionais Os soviéticossão reprovados por seu dogmatismo qual quer verdade contida no credo russo é recebida com ceticismo porque tem o sabor de uma ideologia o realismo socialista foi declarado verdadeiro por uma maioria e serve aos interesses do partido De fato as três teorias se complementam e nenhum dom profético se faz necessário para prever que nas próximas déca das o crisol comparatista irá fundiIas na substância fundamen tal da disciplina Hoje pelo menos teoricamente os princípios gerais e gera dores da literatura comparada são amplamente aceitos na totali dade do mupdo acadêmico O fato de a cultura européia que inclui todas as culturas nacionais de línguas européias formar um todo indivisível já é reconhecido há muito tempo A crítica ocidental no entanto ainda reluta em integrar as literaturas dos chamados continentes exóticos no corpus litterarum por nenhuma outra razão além da simples ignorância destas civilizações e des tas línguas22A China o Japão o Oriente Médio as Indias Oci dentais e a África podem muito bem como qualquer região eu ropéia contribuir para a compreensão da essência da criação li terária para definir suas características e determinar critérios para I 344 LITERATURA COMPARADA UMA FILOSOFIA DAS LETRAS 345 julgamentos de valor A era da hermenêutica nacional terminou mesmo no Oriente No Ocidente acreditase em geral que Ja mes e Proust não podem ser adequadamente estudados nem en tendidos independentemente um do outro nem Poe e Baudelai re Scott e Manzoni Alfieri e Schiller Hauptmann e Miller É raro um estudioso que não se refira a Milton ou a Esopo ao es tudar o Messias de Klopstock ou as fábulas de La Fontaine Nas universidades cujos administradores conhecem literatura Tols toi e Stendhal Shawe Strindberg ONeill e Pirandello nem sempre são interpretados em departamentos e salas de aula diferentes Tem havido muito empenho em investigaremse as cicatrizes no corpo da literatura apesar disto freqüentem ente as marcas que podemos notar em uma análise mais cuidadosa se revelam como mera maquillage A literatura comparada representa uma filosofia das letras um novo humanismo Seu princípio fundamental consiste na cren ça na totalidade do fenômeno literário na negação das autar qui as nacionais na economia cultural e como conseqüência na necessidade de uma nova axiologia A literatura nacional não pode constituir um campo de estud023 inteligível devido à sua perspectiva arbitrariamente limitada a contextualização interna cional na crítica e na história literária se tornaram lei A literatu ra comparada representa mais do que uma disciplina acadêmica É uma visão globalizante da literatura do mundo das letras uma ecologia humanístic uma Weltanschauung literária uma visão do universo culturaC englobante e abrangente Desde a Antigüi dade a educação ideal tem sido um studium generale a escola fundada na Idade Média se chamou Universitas A Universida de do século XX temse transformado numa Diversitas O com paratismo se destina a restaurar e renovar no âmbito das letras o antigo espírito e reconverter as diversidades em universidades Na verdade tratase muito mais do que de uma reconversão já que o comparatismo significa a abolição de qualquer barbari cum antigo ou moderno Na seção Happiness of the Age de Human AIItoo Human Nietzsche descreve o novo horizonte in telectual que o homem pode agora contemplar Ele não somente pode apreciar todas as culturas passadas e seus produtos como também está próximo às forças mágicas que estão fazendo nas cer o que poderia ser chamado de universalismo Enquanto as civilizações anteriores só podiam ter o prazer da sua autocon templação todo o globo terrestre compartilha interesses literá rios idênticos e tem objetivos semelhantesY A história cultural da humanidade apresenta a imagem clássica dos círculos concên tricos Os primeiros são os da família e da tribo seguese o das nações e o da humanidade tem que necessariamente incluir to dos os outros A literatura comparada é o resultado inevitável do desenvolvimento histórico geral NOTAS 1 Durante os últimos vinte e cinco anos do século XIX o termo e seus equivalentes foram usados em grande parte da Europa como anatomia comparada ou lingüísti ca comparada Na França comparatif foi empregado por vezes em lugar de comparé comparatiste comparatisme são termos mais recentes O alemão mudou de vergleichen de Literaturgeschichte para vergleichende Literaturwissenschaft Komparatist e Kompa ratistik antes Komparativistik são palavras relativamente comuns Os ingleses e os americanos antes de dizer comparatist diziam comparativist mas ainda relutam em aceitar comparatism comparativism e agora pela primeira vez creio eu encontramos neste livro comparatistics que é uma expressão bastante prática Isto não significa que o termo comparatistics revele de maneira mais adequada a realidade por trás dele pelo menos ele elimina o confuso comparative No entanto geralmente a terminologia científica permánece simbólica e precisa de interpretação Portanto física que etimo logicamente se refere a ciência da natureza não diz respeito à medicina química biologia agricultura astronomia ou zoologia embora obviamente estas disciplinas se jam ramificações das ciências naturais De maneira semelhante a literatura é excluída das belasartes o que poderia sugerir que a literatura não é bela uma arte uma bela arte ou uma arte bela 2 Yearbook of Comparative and General Literature Bloomington Ind 1968 516 3 FRIEDERICH Werner MALONE David Outline ofComparative Literaturefrom Dante Alighieri to Eugene ONeill Chapel Hill 1954 4 Nunc hos nunc illos percontor multa vississim Respondent et multa canunt et mul ta loquuntur Ad Iacobum Columna da Epystole Metrice 5 r Neupokoeva confirma esta afirmação quando diz um papel significativo na aná lise comparativa diacrônica é desempenhado também pelo elemento nacional interno como por exemplo a comparação entre romances de Anatole France e o romance do Iluminismo francês ou entre o romance épico na literatura russa soviética e os de Leon Tolstoi The Comparative Aspects of Literature in the History of World Literature In BANASEVIé Nikola ed Proceedings ofthe Fifth Congress ofThe International Com parative Literature Association Amsterdam 1969 p 40 6 Comparative Literature Matler and Method Urbana Il 1969p 1 Entretanto Ed win Koppen apesar de relutante responde a sua pergunta afirmativamente Hat die vergleichende Literaturwissenschaft eine eigene Theorie In RÜDIGER Horst ed Zur Theoric der vergleichenden Literaturwissenschaft Berlim 1971 p 4165 7 On the Study of Comparative Literature Oxford Slavonic Papers 13 1967 113 346 LITERATURA COMPARADA UMA FILOSOFIA DAS LETRAS 347 s Alguns autores de definições clássicas insistem mais do que eu na inclusão na disci plina de estudos sobre interrelações entre a literatura e outros ramos do conhecimento humano Henry HH Remak escreve A literatura comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um determinado país e o estudo das relações entre a literatura por um lado e outras áreas e credos tais como as artes cf pintura escultura arquitetu ra música a filosofia a história as ciências sociais cf política economia sociolo gia as ciências a religião etc por outro Em resumo é a comparação de uma literatura com outra ou outras e a comparação da literatura com outras esferas da expressão hu mana Comparative Líterature its Definition and Function ln STALKNECHT N FRENZ H Comparative Literature Method and Perspective p 1 A fórmula con densada de Aldridge diz A literatura comparada pode ser considerada o estudo de qual quer fenômeno literário da perspectiva de mais de uma literatura nacional ou em con junto com outra disciplina intelectual ou mesmo várias Comparative Literature Mat ter and Method p 1O ut pictura poesis pertence ao domínio da teoria da estética geral e à crítica literária em geral Já foi amplamente examinado desde Horácio até Lessing por muitas mentes ilustres Já que a literatura comparada especialmente nos Estados Unidos absorveu a literatura geral a questão é freqüentemente abordada pelos compa ratistas americanos Mas obviamente esta não é uma preocupação exclusiva dos com paratistas Além disto os exemplos práticos de tais relações são geralmente confinados a uma única literatura há estudos sobre pinturas e textos de William Blake pinturas e textos de Eugene Fromentin Estas são questões de literatura inglesa e francesa respecti vamente As pesquisas no campo da história das idéias tendem a incluir várias literatu ras e são portanto mais genuinamente comparativas por natureza 9 GUYARD MariusFrançois La littérature comparée Prefácio de JeanMarie Carré Paris 1951 p 5 10 La littérature comparée Paris 1931 p 23 11 Wenn unsere Zeitschrift sich auch zunãchst den lnteressen der deutschen literatur widmen soll so vergessen wir doch nicht dass jede Nationalliteratur nur ein Zweig am Baum der Weltliteratur ist und allein aus dieser heraus in ihrer wahren Bedeutung erfasst werden kann Deutsche Monatshefte 1 1978 112 12 Este ponto de vísta é claramente afirmado por Van Tieghem e Carré Van Tieghem Le mot comparée doit être vidé de toute valeur esthétique et recevoir une valeur scienti fique Guyard La littérature comparée p 21 Carré La littérature comparée ne con sidere pas essentiellement les oeuvres dans leur valeur originelle mais sattache surtout aux transformations que chaque nation chaque auteur fait subir à ses emprunts Ibid p 6 De acordo com a escola tradicional francesa o New Criticism e a literatura compa rada são duas teorias incompatíveis 13 WELLEK René WARREN Austin Theory of Literature 3 ed rev Nova York 1962 p 49 14 MARX Karl ENGELS Friedrich The Communist Manifesto Trad F Engels No va York 1948 p 13 Ver também idem Über Kunst und Literatur 2 vols Berlim 1967 textos selecionados 15 Anteriormente Louis de Bonald disse La littérature est lexpression de Ia societé Du style et de Ia littérature 1806 ln ABBÉ MIGNE Oeuvres completes de M de Bo nald 13 vols Paris 1859 p 3976 Uma nota explica La société se prend ici pour Ia forme de constitution politique et religieuse Bonald diz que expression significa re présentation production au dehors dun object 16 Tipológica é uma palavrachave no comparatismo soviético Referese a qualquer grupo característico de elementos da literatura a obras por ex que pertençam a um mesmo gênero ou movimento Ver CHRAPCENKO MB Typologische Literaturfors chung und ihren Prinzipien In ZIEGENGEIST Gerhard ed Berlim 1968 p 1746 17 Study of Comparative Literature Oxford Slavonic Papers p 1 A mesma idéia apa rece no Methodologische Probleme der marxistichen historischVergleichenden Litera turforschung de Zhirmunsky que está em Aktuelle Probleme p 1 Wichtigste Voraus sentzung für eine historischvergleichende Erforschung der Literaturen Verschiedener Vól ker bildet die marxistische Auffassung von der Einheit und Gesetzmãssigkeit des Gesamt prozesses der Sozialgeschichtlichen Entwicklung der Menschheit durch die auch die ge zetzmãssige Entwicklung der Líteratur odder der Kunst als einer ideologischen Überbauers cheinung bedingt wird O que Zhirmunsky sustenta é que o desenvolvimento da arte e da literatura ocorre de acordo com leis fixas e é paralelo ao desenvolvimento sócio histórico da humanidade Desta forma a sociedade é o substrato necessário da literatura e a literatura um superestrato acidental Überbauerscheinung da sociedade Uma coleção abundante de estudos sobre a teoria da literatura comparada já existe escrita por autores soviéticos tais como o livro de lrina Grigorevena Neupokoeva intitulado Problemi Vzaimodeistviia Sovremennykh Literatur tri ocherka Problemas da interrelação das literaturas modernas três ensaios Moscou 1963Soviet Literary Theories 19171934 de Herman Ermolaev The Genesis of Socialist Realism Los AngelesBerkeley 1963 e a coleção de artigos intitulada Vzaimosviazi i vzarmodeistvie natsionalnykh Literatur Interrelações e interações das literaturas nacionais Moscou 1901 IS Ver ERMOLAEV Soviet Literary Theories A definição oficial do realismo socialis ta dada pela União dos Escritores Soviéticos de 6 de maio de 1934 diz o seguinte O realismo socialista o método básico da literatura imaginativa de criação e de crítica so viética exige do artista uma descrição fiel e historicamente concreta da realidade no seu desenvolvimento revolucionário Ao mesmo tempo esta fidelidade e concretude históri ca da imagem artística da realidade deve combinarse com a tarefa da moldagem ideoló gica e educação do trabalhador dentro do espírito do socialismo O realismo também é interpretado no artigo de Harry Levin intitulado On the Dissemination of Realism e no de Béla Kõpeczi Le réalisme socialiste en tant que courant littéraire internatio nal ambos publicados em BANASEVIé ed Proceedings of the Fifth Congress of the CLA p 23141 e 37177 respectivamente 19 Ver ERLICH Victor Russian Formalism History Doctrine 2 ed Haia 1965 20 Autor de Comparaison nest pas raison Ia crise de la littérature comparée Paris 1963 21 Autor de Sociologie de la littérature Paris 1964 Ver também GOLDMAN Lucien Pour une sociologie du romano Paris 1964 22 A crítica chinesa e japonesa por incrível que pareça se preocupa bem menos com a literatura européia do que a crítica européia se preocupa com as literaturas da Ásia 23 O testemunho de Friedrich Schlegel em Über das Studium der griechischen Poesie é um dos mais convincentes Wenn die regionellen Theile der modernen Poesie aus ihrem Zusammenhang gerissen undals enzelne für sich bestehende Ganze betracht werden so sind sie unerklãrich 24 Menschliches Allzumenschliches 2 vols Berlim 1967 p 293 AUTORES HUTCHESON MACAULAY POSNETT Irlandês radi cado na Nova Zelândia o Professor Hutcheson Macaulay Posnett declarou certa vez ter sido o primeiro crítico a ela borar os métodos e princípios da Literatura Compara da De fato seu livro cujo título é o nome da disciplina Comparative Literature 1886 foi o primeiro em língua inglesa dedicado exclusivamente ao assunto Influenciado pelos conceitos sociológicos de Herbert Spencer e Sir Henry Maine e baseandose na equação em voga à sua época entre as normas literárias e as de ordem biológica e social Posnett procura aplicar a tese da progres são da vida comunitária para a individual à história da lite ratura e acaba traçando um panorama apressado da evolu ção da literatura num movimento que se estende do parti cular para o geral Apesar das limitações óbvias resultantes da abordagem adotada que fazem de Posnett um típico crítico da segunda metade do século XIX e dão a seu livro o teor de tratado à maneira científica este vale ademais do aspecto históri co como tentativa de construção de uma história da litera tura de âmbito universal O trecho escolhido é um capítulo do livro em questão em que o autor discute o pensamento e o método compara tista e procura estabelecer suas relações com a Literatura JOSEPH TEXTE 18651900 Foi o primeiro crítico fran cês a fazer uso dos princípios métodos e teorias da Litera tura Comparada apresentados por Ferdinand BruneWre no livro Lévolution des genres dans lhistoire de Ia littérature ber Ele é também um dos primeiros europeus a reconhecer a importância dos estudos comparatistas que se vinham de senvolvendo então nos Estados Unidos FERNAND BALDENSPERGER Professor de Literatu ra Comparada na Universidade de Sorbonne e professor vi sitante em diversas universidades norteamericanas Fernand Baldensperger foi fundador junto com Paul Hazard da Re vue de Littérature Comparée 1921 um dos principais ór gãos dedicados às pesquisas comparatistas e autor em co laboração com Werner Friederich da famosa Bibliography of Comparative Literature 1950 tida por muitos como o marco inicial dos modernos estudos de Literatura Compa rada Historiador da literatura e bibliógrafo incansável Bal densperger deu grande impulso ao desenvolvimento do COI11 BENEDETTO CROCE A contribuição de Benedetto Cro ce 18661952para os estudos literários é amplamente co nhecida Além de seus trabalhos sobre estética em geral den tre os quais o volume com este título 1902 em que desen volve sua teoria da intuição como expressão de enorme re percussão em todos os setores de atividades artísticas Cro ce produz textos sobre Dante Ariosto Shakespeare Corneille e Goethe entre outros e grande quantidade de ensaios crí ticos de cunho bastante indagador como os que põem em xeque as teorias tradicionais sobre os gêneros literários Embora os estudos de Croce sobre literatura e estética sejam de natureza eminentemente comparatista e voltados para preocupações que transcendem barreiras nacionais e lin güísticas o autor reagiu ao longo de sua carreira à maneira como a Literatura Comparada vinha sendo praticada so bretudo no que diz respeito aos estudos de Stoffgeschichte e de fontes e influências e procurou inovar a disciplina ques tionando seus métodos e técnicas em curso O presente texto é um dos mais significativos entre aque les que indagam sobre o conceito de Literatura Compara da Aqui Croce discute a questão do método comparatista e a possibilidade de a Literatura Comparada vir a constituir uma disciplina 350 LI1ERATURA COMPARADA r 1890 de grande impacto à época de sua publicação Discí pulo de Brunetiere Texteo ultrapassa contudo tanto no do mínio sistemático dos métodos da Literatura Comparada quanto na aplicação desses métodos ao estudo de literatu ras européias modernas Grande estudioso da interrelação das literaturas Jo seph Textefoi um dos defensores da tese do cosmopolitismo literário orientação que amparou durante muito tempo a Literatura Comparada Embora considerasse essencial a pre servação do aspecto nacional de determinada literatura ele clamava que o historiador literário deveria estender seus co nhecimentos além das fronteiras de seu país e dedicar suas energias ao estudo das influências e atuações recíprocas en tre as diversas literaturas nacionais Seus principais livros voltados primordialmente para a questão das fontes e influên cias são hoje estudos clássicos de crítica e historiografia li terária Joseph Texteinaugurou em 1896 a cátedra de Litera tura Comparada na Universidade de Lyon e ministrou nos anos subseqüentes uma série de conferências sobre o assun to na Sorbonne LOUIS PAUL BETZ Outro grande defensor do cosmo politismo literário o alsaciano Louis Paul Betz 18611904 professor da Universidade de Zurique é o autor de La litté rature comparée essai bibliographique Estrasburgo 1900 que serviu de base à famosa Bibliography of Comparative Literature de Baldensperger e Friederich Mas a contribuição de Betz à Literatura Comparada não se restringe a este trabalho Seus ensaios críticos igual mente importantes abrangem um amplo espectro e voltam se sobretudo para a questão das relações entre as diversas literaturas São estudos na maioria das vezes de fontes e in fluências em especial sobre as literaturas de língua francesa e alemã mas com uma abrangência que aponta inclusivepara a transcendência do âmbito estritamente literário Betz concebia a Literatura Comparada não como um novo método mas como uma nova categoria dos estudos li terários e chamava a atenção para a necessidade de amplia ção desses estudos relacionandoos com outras áreas do sa AUTORES 351 352 LITERATURA COMPARADA AUTORES 353 paratismo na França mas a perspectiva que adotou em seus ensaios foi evidentemente historicista à maneira tradicional e seu método documental voltado para a necessidade de com provação de um contato real entre autores e obras ou entre autores e países Por este método que definiu a linha da Re vue de Littérature Comparée durante todo o período em que foi seu codiretor Baldensperger estimulou grandemente os estudos de fontes e influências e ampliou o interesse já con siderável na época pelo acompanhamento do destino das obras ou melhor de sua fortuna crítica dentro e fora do país de origem Como os demais membros da chamada Escola Fran cesa de Literatura Comparada Baldensperger defendeu o caráter internacional da disciplina mas apenas pela óptica binária que a opõe aos estudos de literaturas nacionais PAUL VANTIEGHEM Foi dos primeiros a procurar sis tematizar a teoria e os métodos da Literatura Comparada em uma espécie de manual normativo intitulado La littéra ture comparée 1931que se tornou um clássico da discipli na tanto na França quanto no exterior De orientação nitidamente historicista em consonân cia com a tradição francesa dos estudos literários a obra de Van Tieghem constituiu um marco nas pesquisas ainda in cipientes de Literatura Comparada e seu autor foi um dos iniciadores da chamada Escola Francesa termo empre gado para designar um grupo representativo de estudos em que predominavam as relações causais entre obras ou en tre autores O autor definiu o objeto da Literatura Comparada co mo o estudo das diversas literaturas em suas relações recí procas e distinguiu Literatura Comparada de Literatura Ge ral considerando a primeira como um ramo tanto da segunda quanto da historiografia literária e restringindo a atuação do comparatista à pesquisa do que chamou de fatos co muns a duas literaturas parecidas A despeito dessa postura que adotou sobre a Literatu ra Comparada a importância de Van Tieghem para o de senvolvimento do comparatismo é inegável e seu livro tra duzido para vários idiomas foi durante muitos anos o ma I nual por excelência da disciplina utilizado pela maioria das universidades da Europa Ocidental MARIUSFRANÇOIS GUYARD Na linha dos manuais de Literatura Comparada que se seguiram ao de Van Tieg hem La littérature comparée 1951de MariusFrançois Gu yard foi dos de maior repercussão tanto na França quanto no exterior tendo sido traduzido para diversos idiomas e se tornado mais um texto clássico sobre o assunto Preocupado com a falta de precisão do âmbito e obje tivos da Literatura Comparada e com o cunho pouco cien tífico que a disciplina vinha adquirindo o autor a define à maneira da Escola Francesa a que pertencia como a história das relações literárias internacionais e acentua a necessidade de o comparatista conhecer diversas línguas e dominar um instrumental bibliográfico básico A definição de Guyard tem o interesse de conferir um tônus mais científico à disciplina e de acentuar seu caráter internacional mas está bastante comprometida com a pers pectiva historicista e o livro peca pelo teor excessivamente normativo e pela ênfase que dá aos estudos de fontes e in fluências Com tudo isso porém é um texto que não pode passar despercebido ao estudioso da Literatura Comparada RENÉ WELLEK Reagindo contra o historicismo causa lista e sobretudo contra o cunho extraliterário dos estudos comparatistas de orientação francesa clássica René Wellek introduz verdadeira ruptura no comparatismo tradicional e oferece uma das contribuições mais significativas para que ele seja repensado e necessariamente reformulado Sua con ferência A crise da Literatura Comparada pronunciada durante o 2 Congresso da Associação Internacional da Li teratura Comparada AILCICLA realizado em Chapel Hill em 1958constitui verdadeiro libelo contra os pronunciamen tos do grupo francês representado por Baldensperger Van Tieghem Carré e Guyard e uma espécie de marco inicial do que viria a ser chamado posteriormente de Escola Ame ricana de Literatura Comparada Influenciado pelo Formalismo russo a Fenomenolo gia e o New Criticism norteamericano Wellek critica com 11 LITERATURA COMPARADA AUTORES 355 veemência os estudos de fontes e influências de ordem ex traliterária e baseados em princípios causalistas e propõe uma análise centrada primordialmente no texto Entretan to ele não se atém à postura imanentista dessas correntes ao contrário considera um complemento fundamental o estudo das relações entre o texto e o contexto em que este fora produzido A Literatura Comparada para Wellek é também uma atividade crítica e como tal não pode pres cindir do elemento histórico Sua crítica incide sobre o his toricismo tradicional mas não sobre a dimensão histórica que não deve ser dispensada na abordagem do fenômeno literário Wellek condena também a distinção entre Literatura Comparada e Literatura Geral e o ressurgimento da velha Stoffgeschichte alemã e aceita a possibilidade de estudos comparatistas no interior de uma só literatura Tais aspec tos somados à sua postura antihistoricista e à defesa do pri mado do texto constituem a base da cisão entre uma supos ta orientação norteamericana e a francesa clássica e fazem do autor uma espécie de epígono da nova Literatura Com parada ROBERT ESCARPIT Adotando uma perspectiva socio lógica que o afastava das tendências em voga do compara tismo francês o professor da Universidade de Bordeaux Ro bert Escarpit conferiu novo ímpeto aos estudos de Litera tura Comparada projetandoos para além das fronteiras es tritamente literárias Embora aceitasse alguns dos conceitos da corrente tradicional representada sobretudo por Van Tieghem e Guyard tais conceitos adquiriram novas luzes nas pesqui sas de Escarpit cujo tônus principal estava sempre volta do para as relações entre o literário e o social Assim noções como as de transmissão e recepção revestem se aqui de novos matizes ao reaparecerem transpostas para a esfera do econômico sob a designação de distribuição e consumo Partindo do pressuposto de que a literatura era um fe nômeno de três dimensões Escarpit promoveu e realiZou através do Instituto de Literatura e de Técnicas Artísticas e de Massas que dirigiu durante anos na Universidade de Bor deaux diversas pesquisas sobre o público ledor e antecipou algumas questões que vieram a ser futuramente retomadas e reelaboradas pelo grupo de Constança da Estética da Re cepção CLAUDIO GUILLÉN Mesmo tendo atuado durante mui to tempo em universidades norteamericanas onde desen volveu a maior parte de suas pesquisas em Literatura Com parada a origem espanhola e a formação anterior à sua ida para os Estados Unidos fazem de Claudio Guillén uma das vozes periféricas mais representativas do comparatismo Dotado de imensa bagagem intelectual e conhecedor de diversas literaturas nacionais Guillén se serve no início de uma perspectiva estéticogenética como a que se observa no texto em questão em que procura classificar os estudos de influência estabelecendo uma distinção entre sources vécues genuinamente genéticas convenções técnicas e técnicas e pa ralelismo Mas em seguida amplia de tal modo o escopo de sua visão que passa a questionar todo método restritivo tornandose um crítico combativo do etnocentrismo Concebendo a Literatura Comparada como certa ten dência ou ramo dos estudos literários que se ocupa da pes quisa sistemática de conjuntos supranacionais e estendendo suas reflexões a conjuntos em um número cada vez maior de obras de diferentes procedências sobretudo asiáticas e latinoamericanas Guillén é um dos que mais têm contri buído para a ampliação das chamadas dimensões lesteoeste e universal nos etudos comparatistas HENRY H H REMAK Na mesma esteira de Wellek Henry H H Remak condena a exclusão da Crítica Literá ria do domínio da Literatura Comparada e qualquer divi são rígida entre Literatura Comparada e Literatura Geral e critica o caráter historicista e extraliterário dos estudos de fontes e influências Mas a contribuição do autor para o comparatismo não pára aí Professor durante longos anos da Universidade de Indiana Remak publicou vários estudos sobre os princípios e a história da Literatura Comparada como disciplina aca 356 LITERATURA COMPARADA AUTORES 357 dêmica e acentuou constantemente o seu cunho abrangen te e interdisciplinar Para ele a Literatura Comparada não tem de ter uma metodologia exclusiva podendo servirse de uma pluralidade de métodos e dos aportes de variadas cor rentes teóricocríticas Do mesmo modo ela inclui a com paração da literatura com outras formas de manifestações artísticas como pintura escultura arquitetura e música e de outras áreas do conhecimento dentre as quais filosofia história ciências sociais política economia sociologia ciências em geral e religião Sua visão da Literatura Comparada ao frisar a varie dade de abordagens e a interdisciplinaridade aponta para novos caminhos que serão trilhados também por outros re presentantes da chamada Escola Americana e lhe asse gura um papel de relevo entre os estudiosos da disciplina RENÉ ETIEMBLE Criticando o etnocentrismo da tra dição comparatista francesa que embora defendesse o ca ráter internacional dos estudos tomava sempre como refe rência a literatura nacional ou a dos demais países da Eu ropa Ocidental Etiemble amplia o escopo do comparatis mo ao chamar atenção para outras literaturas como as asiá ticas e a insistir que elas sejam tratadas em pé de igualdade com relação às européias A partir do conceito de Marx de que as obras de uma nação se tornam propriedade comum de todas as outras o autor questiona a perspectiva hierar quizadora dos estudos de fontes e influências e propõe o que denomina de invariantes literárias isto é a unidade de fundo da literatura como totalidade Professor da Sorbonne onde sucede a Carré Etiemble procede a uma revisão criteriosa dos princípios até então do minantes e critica com veemência o cunho extrínseco do his toricismo que ao se voltar de tal modo para o estudo dos problemas marginais à literatura deixa de lado os textos em si mesmos Em seu livro Comparaison n est pas raison Ia crise de Ia littérature comparée 1963 ele julga duramente os métodos e concepções convencionais que insistem em in vestigar somente questões periféricas e defende a combina ção de dois métodos considerados tradicionalmente incom patíveis o da investigação histórica e o da reflexão crítica i Essa postura combativa e inovadora coloca Etiemble ao lado de Wellek como um dos expoentes da nova Litera tura Comparada VICTOR M ZHIRMUNSKY Os estudos de Literatura Comparada já existiamno mundo eslavodesde o século XIX e a disciplina embora com o título de Literatura Geral co meçou a ser lecionada na Universidade de São Petersburgo em 1870 por Alexander Veselovski Tais estudos de ordem na maioria dos casos sociológica tinham quase sempre co mo princípio básico a compreensão da literatura como pro duto da sociedade Discípulo de Veselovski mas também influenciado pe lo Formalismo que dominou o universo da Teoria e da Crí tica Literárias eslavas na terceira década do século XX Vic tor Zhirmunsky instituise como um dos expoentes do com paratismo russo e seus trabalhos são hoje bastante conheci dos dentro e fora do Leste Europeu Baseado na idéia de que os fatos literários devem ser considerados independentemente de sua gênese e seu contexto histórico ele procurou encarar a literatura a partir de um sistema de analogias tipológicas que correspondiam sempre a situações similares na evolu ção social e distinguiu tais analogias do que chamou de im portações culturais que não passavam na verdade de ou tra forma de designar as influências A proposta desenvolvida por Zhirmunsky embora pe que por certos excessos analógicos e pela preocupação exa gerada com uma tipologia prestou grande contribuição às pesquisas comparatistas sobretudo pela atenção que chamou para os topoi da tradição popular e legendária e seu pensa mento evoluiu no sentido de uma incorporação mais acen tuada do elemento históricocontextua1 CLAUDE PICHOIS E ANDRÉ M ROUSSEAU Outro manual francês de Literatura Comparada de grande reper cussão dentro e fora do país de origem é o de Claude Pi chois e André Michel Rousseau que mantém o título dos de Van Tieghem e Guyard La littérature comparée 1967 Mais rico e atualizado em suas informações bem como mais abrangente nos conceitos e nas propostas o livro dcscnvol ve contudo plano idêntico ao de Guyard acabando por 111 358 LITERATURA COMPARADA AUTORES 359 tar sobretudo de trocas literárias internacionais e ocupandose como aquele com a caracterização dos elemen tos que intermediam esses processos A aceitação que teve esse manual foi tal a segunda edição de 1971 esgotouse com rapidez que deu origem ao surgimento de nova ver são com o título Qu estce que Ia littérature comparée 1983 e a colaboração de um terceiro coautor Pierre Brune A nova formulação ganha em interesse por seu caráter mais diaiético e pela discussão em torno das contribuições teóricas recentes Mas apesar de sua feição mais moderna e da maior explicitação dos conceitos teóricos os princípios firmados nas duas edições anteriores permanecem em vigor Assim já não se estabelece a subserviência da Literatura Comparada à Literatura Geral pois se quer acentuar a com plementaridade entre elas mas ainda se insiste em coinci dências analogias e influências como o interesse central do comparatista Na definição de Literatura Comparada proposta pelos autores no capítulo final da primeira edição aqui incluído que foi mantida na edição da qual Brunel participa per manece a preocupação com certa cientificidade já presente nos manuais anteriores e o cunho internacional dos estu dos comparatistas chamandose atenção também para a re lação da literatura com outras áreas do conhecimento SIMON JEUNE Mais um manual voltado para o ensi no da Literatura Comparada mas também de grande reper cussão sobretudo pelo seu tom acentuadamente didático é o Littérature générale et littérature comparée 1968 de Si mon Jeune Seguindo a tradição historicista francesa de Van Tieg hem e Guyard mas assimilando ao mesmo tempo algumas das inovações introduzidas por Etiemble máxime no que con cerne ao caráter internacional dos estudos literários Jeune situase numa espécie de posição intermediária dentro do quadro do comparatismo francês de meados do século De um lado aceita a distinção entre Literatura Comparada e Literatura Geral declarando que o ensino da história lite rária geral é uma extensão da literatura comparada mas de outro declara que as diferenças entre as duas disciplinas se esfumam e tendem a apagarse Do mesmo modo defende a importância do texto nos estudos de literatura e é um dos grandes entusiastas do método de explicação de textos mas o utiliza na Literatura Comparada com vistas ao esta belecimento de fontes e influências Contraditório em algumas de suas posições mas sim ples e direto em sua abordagem das questões propostas o livro de Jeune marca um momento de transição do compa ratismo francês e é de utilidade ainda hoje para o estudioso da disciplina JAN BRANDT CORSTIUS Baseado na idéia de que a Literatura Ocidental forma uma comunidade histórica de li teraturas nacionais que se manifestam em cada uma delas e de que os movimentos e a crítica literária também demons tram essa unidade básica o professor da Universidade de Utrecht Jan Brandt Corstius defende com veemência o ca ráter internacional da Literatura Comparada Para ele é so mente através da abordagem de objetos da pesquisa literá ria por uma óptica internacional que a disciplina contribui para o conhecimento da literatura Mas a essa perspectiva que o aproxima de Etiemble e dos comparatistas integrantes da chamada Escola Norte Americana e a que não falta boa dose de intertextualida de acrescentase também grande preocupação científica com os objetos da pesquisa literária textos gêneros movimen tos e inclusive a crítica que o autor não exclui dos estudos de Literatura Comparada Brandt Corstius opõese em seus estudos à perspectiva historicista tradicional bem como a toda forma de abordagem puramente extraliterária mas acei ta à maneira de Wellek a dimensão histórica dos estudos comparatistas Seu livro a que pertence o texto em questão é uma in trodução prática e datada para iniciantes da Literatura Com parada mas tem como interesse entre outras coisas discus sões sobre a oposição entre tradição e originalidade em lite ratura A OWEN ALDRIDGE Na esteira da tradição que se vi nha desenvolvendo no meio universitário norteamericano depois da crise desencadeada em 1958pelo pronunciamen to de René Wellek em Chapel Hill o professor da Universi 10 LITERATURA COMPARADA AUTORES 361 dade de Il1inois Owen Aldridge em livro coletivo com o tí tulo Comparative Literature Matter and Method reúne tra balhos de diversos especialistas na área e define a disciplina corno o estudo de qualquer fenômeno literário pela pers pectiva de mais de urna literatura nacional ou em relação com outra disciplina intelectual ou até mesmo várias Embora o caráter internacional do comparatismo con tinue sendo um elemento indispensável para Aldridge a im portância de sua definição reside na ênfase que o autor con fere à perspectiva adotada na abordagem do fenômeno lite rário Para ele a Literatura Comparada não é o mero estu do de obras ou autores de línguas ou nacionalidades dife rentes nem muito menos o simples estabelecimento de con frontos entre literaturas nacionais O que a disciplina visa é à ampliação da perspectiva do crítico na abordagem da obra literária A perspectiva comparatista pode estar voltada pa ra urna única literatura ou até mesmo para urna obra exclu siva mas o olhar do estudioso deve transcender limites es treitos corno os impostos por fronteiras nacionais e encarar o objeto em questão por urna óptica que permita relacioná 10com um contexto mais amplo e com outras esferas da ati vidade humana Para Aldridge a mais importante de todas as relações literárias é a relação entre a literatura e a vida e é com este princípio em mente que ele defende um conceito bastante abrangente de Literatura Comparada WERNER FRIEDERICH Autor em colaboração com Fernand Baldensperger da Bibliography of Comparative Li terature 1950 considerada por muitos corno o marco inicial dos modernos estudos de Literatura Comparada Werner Frie derich é também um dos que mais lutaram pelo desenvolvi mento da disciplina nos Estados Unidos e pela sua consoli dação e autonomia no meio acadêmico norteamericano O 2 Congresso da Associação Internacional de Literatura Com parada AILCICLA que organizou em 1958na Universi dade de Carolina do Norte em Chapel Hill onde lecionava marca sobretudo pelo pronunciamento de Wellek A crise da Literatura Comparada a grande virada nos estudos com paratistas e o início do que veio a ser designado mais tarde de Escola Americana em oposição à Francesa Humanista no sentido pleno do termo Werner Friede rich vê a literatura corno o produto de amplas tradições cul turais que transcendem em muito a história de urna única nação e acredita que não apenas a literatura mas a huma nidade em geral develibertarse de barreiras corno as impostas pelos conceitos de nacionalidade e comunidade específica Assim lutou durante toda a vida pela internacionalização dos estudos literários desde a época de sua formação aca dêmica na Suíça país de origem até seu estabelecimento de finitivo nos Estados Unidos onde transformou a Literatura Comparada de matéria secundária quase relegada ao esque cimento em urna disciplina fundamental e efervescente pre sente na maioria dos currículos universitários A atuação de Werner Friederich no campo da Literatu ra Comparada foi incansável Além da ensaística que pro duziu e de sua atividade corno professor em Chapel Hill e outras universidades americanas européias e orientais ele foi o criador junto com Chandler Beall do periódico Com parative Literature 1949 da Universidade de Oregon e de The Yearbook of Comparative and GeneralLiterature 1952 e um dos fundadores da AILC da qual veio a ser presidente mais tarde HARRY LEVIN Professor de Literatura Comparada du rante cerca de três décadas na Universidade de Harvard e um dos mais pródigos e proeminentes críticos literários norte americanos de sua geração Harry Levin sempre reagiu con tra todo tipo de visão reducionista corno a que requeria urna delimitação rígida entre as atividades do crítico e do com paratista A grande vantagem da perspectiva comparatista para ele reside justamente na possibilidade de encarar a li teratura corno um conjunto orgânico e acumulativo em vez de um aglomerado de produtos isolados e nesse sentido ela deve estar também na base de qualquer atividade crítica Do mesmo modo embora normalmente considerado um representante da chamada Escola Americana de Literatura Comparada Levincontestaesta divisãodeclarando que setrata menos de urna questão de oposição entre franceses ou euro peus em geral e norteamericanos do que urna polêmica legí tima entre duas gerações de comparatistas Os primeiros na maioria francesesestavamsem dúvida mais voltados para uma AUIDRES 363 perspectiva centrípeta e os últimos compartilham uma visão de ordem mais centrífuga mas o que isto assinala é uma mudan ça de orientação nos estudos comparatistas que constitui a seu ver uma saudável manifestação de desenvolvimento A contribuição de Harry Levin para a Literatura Com parada é incalculável e se acha na maioria dirigida para es tudos de textos literários Teórico também da literatura Le vin critica a excessiva preocupação metodológica da parte de seus colegas e clama como no texto em questão pela necessidade de se substituir com mais freqüência essa preo cupação pelo exercício mesmo da comparação S S PRAWER Apesar do cunho pioneiro do livro de Hut cheson Posnett a Literatura Comparada não teve na Grã Bretanha a mesma fortuna que encontrou na França e nos Estados Unidos ou mesmo em outros países europeus co mo a Alemanha e a Itália Avessa ao historicismo francês que constituía a tônica do comparatismo desde o século XIX e voltada para os estudos tradicionais de Filologia Clássica a GrãBretanha só começa a interessarse verdadeiramente pela questão em meados do século quando a disciplina passa a ser discutida em universidades como Aberdeen 1945 e Manchester 1953 e é finalmente introduzi da nos currÍCu los de Essex e Oxford 1964 Mesmo assim os livros que se publicaram sobre o assunto como os de Gifford Compa rative Literature 1969 e de Wrenn The Idea of Compara tive Literature são ainda bastante superficiais e escritos por uma óptica predominantemente impressionista É neste sentido que o livro do professor de Oxford S S Prawer Comparative Literary Studies an Introduction 1973 vem preencher um vazio instituindose como o pri meiro estudo introdutório cientificamente viável sobre a ques tão Reagindo contra a idéia ainda vigente nas universida des britânicas de que a Literatura Comparada adotava uma perspectiva extrínseca e nãoespecífica em oposição por exemplo à Crítica Literária Prawer procura apresentar uma espécie de tipologia descritiva dos estudos comparatistas e descreve os diferentes tipos de investigação operados por pes quisadores e críticos que atuaram na área estabelecendo re lações entre obras e autores de línguas distintas A isto acrescentamse uma discussão sobre a busca do caráter na cional na literatura e o estudo de contactos interculturais representados por questões como a analogia a tradução e a adaptação O texto escolhido é uma amostra do pensamento deste autor que a despeito de algumas simplificações resultantes talvez da parca tradição dos estudos comparatistas na Grã Bretanha prestou valiosa contribuição ao desenvolvimento da área em seu país ULRICH WEISSTEIN O livro do professor da Univer sidade de Indiana Ulrich Weisstein a que pertence o extra to escolhido publicado originariamente em alemão 1968 e traduzido para o inglês em 1973 sob o título Comparative Literature and Literary Theory Survey and Iniroduction foi considerado à época de sua publicação como um dos me lhores estudos de fôlego sobre o assunto e constitui ainda hoje um item indispensável na formação de qualquer com paratista Criticando a concepção estreita dos representantes or todoxos da Escola Francesa mas ao mesmo tempo ques tionando os excessos das versões mais liberais da Escola Americana Weisstein apresenta desde uma tentativa de de finição ou conceituação da disciplina até discussões sobre questões como influência imitação recepção periodização gêneros estilos de época movimentos tematologia e rela ção da literatura com outras formas de atividade artística E sua posição é sempre lúcida e moderada combate o his toricismo tradicional mas defende a necessidade de rela cionarse a abordagem intrínseca de uma obra literária ao estudo do contexto históricocultural em que ela surge de fende a interdisciplinaridade mas requer um rigor na abor dagem interdisciplinar para evitar que se incorra na elabo ração de meros paralelos ou numa espécie de visão impres sionista A contribuição do Professor Weissteinà Literatura Com parada é ampla e dinâmica e como tal vemse reestrutu rando constantemente até o presente através de uma ensaís tica rica e variada 364 LITERATURA COMPARADA FRANÇOIS JOST O livro do Professor François Jost da Universidade de Illinois ntroduction to Comparative Literature 1974 constitui uma espécie de síntese dos pos tulados defendidos pela chamada Escola NorteAmericana de Literatura Comparada Defende o primado do texto lite rário mas levando em conta as relações da obra com o con texto em que emerge retoma a noção de uma comunidade literária internacional que transcende qualquer fronteira lin güística ou nacional rejeita distinções rígidas entre estudos críticos e comparatistas reconhece a necessidade da inter disciplinaridade tanto com relação às demais formas de ati vidade artística quanto no que concerne aos outros cam pos do saber e finalmente prega a abrangência dos estudos comparatistas mas ao mesmo tempo chamando a atenção para a importância de uma metodologia científica que não os deixe incorrer num simples sistema de trocas bilaterais Com este complexo de idéias a que se soma a proposta da Literatura Comparada como uma disciplina quadridimen sional Jost divide seu livro em cinco partes discutindo na primeira a disciplina como um todo e dedicando cada uma das partes subseqüentes a uma de suas abordagens relações analogias e influências gêneros e formas e motivos ti pos e temas Tais abordagens são apresentadas por uma du pla óptica teórica e prática e são acompanhadas de exemplos cuidadosamente escolhidos que levam a conclu sões sempre de ordem genérica A despeito de certos excessos decorrentes da generali zação e da simplicidade de algumas das afirmações o livro constitui relevante contribuição para os estudos de Litera tura Comparada não podendo deixar de figurar em qual quer bibliografia sobre o assunto tiãycl I 2 fíd çy A luJ ti 7 i r2 V t luÍ J Pgfl f DATJ 03 131 i i2JJtCJ1 lIIlIc iL c 0 J