·
Letras ·
Literatura
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
17
A História Profética em 'Mensagem' de Fernando Pessoa
Literatura
UFAM
14
Análise Comparativa entre 'Os Lusíadas' e 'Mensagem'
Literatura
UFAM
17
Álvaro de Campos e a Poética da Existência
Literatura
UFAM
13
O Sagrado e o Profano na Obra de Alberto Caeiro
Literatura
UFAM
23
Análise Comparativa entre Os Lusíadas e Mensagem: As Quinas e a Ínclita Geração
Literatura
UFAM
11
Metapersonalidade e Metalinguagem na Obra de Fernando Pessoa
Literatura
UFAM
11
Ricardo Reis e a Disciplina do Verso
Literatura
UFAM
21
O Indianismo na Prosa Romântica
Literatura
UNILAB
64
Ubirajara: A Terra e Seus Guerreiros
Literatura
UNILAB
10
Excertos de Álvaro de Campos: Reflexões sobre a Vida e o Ópio
Literatura
UNILAB
Preview text
DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 66 MENSAGEM DE PESSOA UMA EPOPEIA DA MODERNIDADE José Clécio Quesado1 Recebido 24102015 Aprovado 28032016 Resumo O presente trabalho objetiva mostrar a Mensagem de Fernando Pessoa como manifestação do Modelo Épico Moderno que parte do vazio histórico do sonhado Quinto Império para o seu preenchimento com o mito do Encoberto Para tanto observa a sua articulação da temática da alteridade transcendente a partir de algumas ocorrências semânticas como naus mares e o pronome outro com suas consequentes proposições messiânicas Na série literária observase a articulação dialogal com o Modelo Épico Renascentista dOs lusíadas de Camões Palavraschave Literatura Portuguesa Fernando Pessoa Mensagem Epopeia Modernidade MENSAGEM BY PESSOA A MODERN EPIC Abstract This article aims at presenting Fernando Pessoas Message Mensagem as a manifestation of the Modern Epic Model which starts from the historic void of the longedfor Fifth Empire and fills it with the myth of The Hidden One O Encoberto In order to do so the paper looks into the way the transcendent alterity theme is articulated with its consequent messianic propositions by means of the occurrence of semantic forms like naus ships mares seas and the pronoun outro other Taking the literary sequence into consideration the article reveals the poems dialogical articulation with the Renaissance Epic Model of The Lusiads Os lusíadas by Camões Keywords Portuguese Literature Fernando Pessoa Message Epic Modernity Screvo meu livro à beiramágoa Meu coração não tem que ter Como elaboração estética dentro do processo literário o discurso épico é único desde o seu primeiro registro na história ocidental com Homero sistematizado por Aristóteles até os tempos atuais O que difere contudo é a sua forma de manifestação que é modulada pela imagem de mundo construída no momento em que ela se produz e pela articulação do seu 1 Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 67 sujeito enunciador A sua forma de manifestação discursiva é também um elemento modelar Na Antiguidade quando os deuses ou semideuses eram evocados para consubstanciar essa imagem de mundo e o lugar da existência do homem nele situado é de se entender que o herói divino fosse eleito para dimensionar o sentido de realidade Essa é a formulação do Modelo Épico Clássico com exemplos em Homero e Virgílio No contexto antropocêntrico do Renascimento o homem real sujeito de sua história obviamente passa a ser o herói histórico a caminho da divinização como é o caso de Vasco da Gama nOs lusíadas que no seu caminho de agruras pelo mar alcança a Ilha dos Amores Essa é a formulação do Modelo épico Renascentista que resgatando o clássico superao e o transforma Na modernidade contudo perdida a imagem de mundo e também a integralidade do indivíduo que a possa sustentar resta a concepção fragmentária do sujeito e a consciência do vazio do real Vem daí que a manifestação épica mesmo sendo por sua própria índole discursiva o produto de um resgate da história dos deuses ou dos homens e ainda do próprio discurso que a precede tem de partir do vazio ou seja da descontinuidade e da fragmentação É este o posicionamento epistemológico do Modelo Épico Moderno e se formos mais longe ainda de modo mais radical do pósmoderno Para os de Orpheu já não havia mais uma realidade histórica sustentável desde a consciência crítica genialmente expressa pela poesia secamente prosaica de um Cesário Verde ou da visão vagamente saudosista da poética já dispersa de um Antônio Nobre Assim é a Mensagem de Fernando Pessoa uma epopeia que tanto na série histórico social quanto na literária parte do arquétipo vazio do mito do Quinto Império e da falência do próprio discurso épico precedente na busca de suprilos com uma nova dicção de feição tão somente messiânica e subjetivadora E por isso ela se enquadra no rol das utopias regressivas Tomando pois como ponto de partida a consciência do fim da história e dos limites do sentido do discurso que a fala esse poema pessoano se propõe o resgate desses discursos o histórico e o literário buscando construir os nãolimites de uma outra dimensão a dimensão transcendente Mensagem também é uma epopeia de viagem e nesse ponto a princípio em nada se distancia daquilo que é uma das propriedades básicas dessa manifestação discursiva Igualmente à Odisseia e aOs lusíadas o espaço de sua referenciação é principalmente o mar e o DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 68 instrumento de navegação é a nau Não se trata porém de uma navegação dimensionada no plano da realidade mítica antiga ou históricorenascentista mas de uma trajetória extraída dele e projetada numa dimensão transcendente já que o seu ponto de partida é justamente o fim da história do Império dos mares Não é por acaso que nau e mar se fazem presentes como verdadeiros metassemas ao longo de todo esse poema de poemas como que a estruturar seu arcabouço de sentido É prova disso o fato de esses dois termos estarem presentes nas três partes que o compõem Brasão Mar português e O Encoberto E os termos nau e mar aparecem referenciados de modo direto em 18 dos seus 44 breves poemas num total de mais de meia centena de ocorrências Naus e mares aparecem desde as naus a haver do poema D Dinis sexto castelo do Brasão primeira parte da Mensagem até o fim do mar de Antemanhã penúltimo de todos eles E são mais que naus concretas de um oceano por achar Na Mensagem buscase essencialmente o resgate mítico da última nau penúltimo poema de Mar português no mar da idade Noite isto é na utopia do Encoberto a desvelarse na transcendência de uma Distância Do mar ou outra mas que seja nossa Prece Esta outra Distância miticamente marcada pela maiúscula alegorizante é precisamente o objeto da busca transcendente configurando assim uma proposta de alteridade que se projeta a partir da História sim mas para além dela Numa elaboração estética magistralmente construída como é o caso dessa obraprima de Pessoa e de todas as literaturas de língua portuguesa a totalidade de seu sentido se encontra por vezes identificável até mesmo através de certas particularidades que sob a forma de ícones estruturam sua significação Assim se perseguirmos as demais ocorrências desse pronome indefinido outro nesta mesma acepção de alteridade transcendente perceberemos que como naus e mares elas também pontilham todo o texto da Mensagem Sua primeira incidência acontece logo no poema de D Tareja o segundo dos castelos do Brasão Essa princesa castelhana juntamente com o conde D Henrique forma emblematicamente na condição de pais do fundador do Reino os pilares da história portuguesa E esse pronome indefinido se faz aí presente na forma do primeiro dos apelos messiânicos que perpassam toda essa epopéia Dê tua prece outro destino A quem fadou o instinto teu DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 69 O homem que foi o teu menino Envelheceu A alteridade do novo destino suplicado se dá a partir da constatação do envelhecimento daquele que foi o fundador do Reino D Afonso Henriques isto é a partir do fim da história do próprio império Esse outro destino é o objeto nodal do sonho messiânico da Mensagem Uma nova ocorrência do termo aparece no poema que simboliza a quinta e última quina do Brasão primeira parte desse livropoema em cujo texto fala aquele que para o enunciador da Mensagem é o verdadeiro sujeito da história portuguesa D Sebastião Nessa dicção confessional de autoassunção do delírio transcendente o rei cuja morte prematura aos 24 anos consumou também o fim do sonho imperial apela para que outros retomem a sua loucura Não ela só mas principalmente o que nela ia ou seja a unção metafísica do querer grandeza qual a sorte a não dá porque o sonho transpõe os limites do sentido de se ser somente a besta sadia Cadáver adiado que procria E o texto se encerra messiânica e conceitualmente Minha loucura outros que me a tomem Com o que nela ia Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia Cadáver adiado que procria Mais adiante e já no poema Prece último de Mar português segunda parte dessa epopeia pessoana o sujeito enunciador agora investido da condição coletiva de um nós e consciente de que Restamnos hoje no silêncio hostil O mar universal e a saudade apela àquele mesmo senhor do fim da História para que ele seja o agente da transmutação espiritual dela Dá o sopro a aragem ou desgraça ou ânsia Com que a chama do esforço se remoça DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 70 E outra vez conquistemos a Distância Do mar ou outra mas que seja nossa Quase ao final d O Encoberto terceira e última parte da Mensagem mais precisamente no poema Calma que medeia a passagem d Os Tempos do caos dos poemas Noite e Tormenta para os da epifania dos poemas finais Antemanhã e Nevoeiro surge a derradeira marcação semântica dessa opção por uma alteridade transcendente E tudo ocorre na forma de uma angustiada e duvidosa espera por um espaço utópico em que o Rei já agora mais idealizado possa exercer o seu domínio espiritual Haverá rasgões no espaço Que dêem para outro lado E que um deles encontrado Aqui onde há só sargaço Surja uma ilha velada O país afortunado Que guarda o Rei desterrado Em sua vida encantada Essa busca por uma alteridade transcendente que esteja para além dos limites do sentido real se dá pois a partir de uma melancólica consciência do fim da História e apresenta para com ela uma articulação veladamente dialética e expressamente elegíaca É o que constitui a significação na série social da Mensagem de Fernando Pessoa que dialoga com a história do império do ultramar sabendoa finda e a evocando sob a forma de um verdadeiro réquiem Na série literária igualmente ocorre na Mensagem um diálogo velado e de certa inversão modelar para com Os lusíadas de Camões e toda a tradição épica Não se trata de um resgate intertextual senão no plano da enunciação E podese mesmo dizer que a epopeia pessoana é uma negação uma desrealização daquela do poeta renascentista na sua forma de manifestação do Modelo Épico Moderno E ainda é visível que Camões é expressa e intencionalmente o grande esquecido de Pessoa Haja vista o fato de que em nenhum dos versos da Mensagem se DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 71 pode dizer que ecoam de modo explícito referências camonianas E isso até seria o normal em se tratando de uma realização épica como é o caso que ocorre por exemplo com o próprio vate renascentista em relação a Virgílio Camões não se encontra como era de se esperar entre os Avisos d O Encoberto por mais que ele tenha visto D Sebastião o rei do seu momento histórico como a Maravilha fatal da nossa idade Dada ao Mundo por Deus que todo o mande Para do mundo a Deus dar parte grande Dois dos avisos são um o Bandarra que antecede no tempo a D Sebastião e outro Antônio Vieira que o sucede O terceiro é o próprio sujeito enunciador que de instância líriconarrativa passa a ser o próprio sujeito autoral do seu livro à beiramágoa É o próprio Fernando Pessoa E nisso consiste mais um caráter de modernidade dessa epopeia pessoana qual seja a dominância da instância lírica sobre um discurso que é apenas fragmentária e descontinuamente uma narrativa Com efeito essa instância enunciadora se apresenta explicitamente em 17 dos 44 poemas numa atmosfera de absoluta subjetivação Isso se dá ora pela fala do personagem ora sob a forma de agente articulador do mito de renovação como ocorre no poema A última nau até chegar ao minúsculo verso final quando tendo constatado que Portugal hoje é nevoeiro evoca messianicamente que É a Hora Bibliografia PESSOA Fernando Mensagem Poemas esotéricos Edição crítica José Augusto Seabra coord Madrid Edições Unesco Coleção Archivos n o 28 1993 QUESADO Clécio Mensagem de Pessoa labirintos de um poema Rio Bonito Almádena 2014 SILVA Anazildo Vasconcelos da Semiotização literária do discurso Rio de Janeiro ELO 1984
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
17
A História Profética em 'Mensagem' de Fernando Pessoa
Literatura
UFAM
14
Análise Comparativa entre 'Os Lusíadas' e 'Mensagem'
Literatura
UFAM
17
Álvaro de Campos e a Poética da Existência
Literatura
UFAM
13
O Sagrado e o Profano na Obra de Alberto Caeiro
Literatura
UFAM
23
Análise Comparativa entre Os Lusíadas e Mensagem: As Quinas e a Ínclita Geração
Literatura
UFAM
11
Metapersonalidade e Metalinguagem na Obra de Fernando Pessoa
Literatura
UFAM
11
Ricardo Reis e a Disciplina do Verso
Literatura
UFAM
21
O Indianismo na Prosa Romântica
Literatura
UNILAB
64
Ubirajara: A Terra e Seus Guerreiros
Literatura
UNILAB
10
Excertos de Álvaro de Campos: Reflexões sobre a Vida e o Ópio
Literatura
UNILAB
Preview text
DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 66 MENSAGEM DE PESSOA UMA EPOPEIA DA MODERNIDADE José Clécio Quesado1 Recebido 24102015 Aprovado 28032016 Resumo O presente trabalho objetiva mostrar a Mensagem de Fernando Pessoa como manifestação do Modelo Épico Moderno que parte do vazio histórico do sonhado Quinto Império para o seu preenchimento com o mito do Encoberto Para tanto observa a sua articulação da temática da alteridade transcendente a partir de algumas ocorrências semânticas como naus mares e o pronome outro com suas consequentes proposições messiânicas Na série literária observase a articulação dialogal com o Modelo Épico Renascentista dOs lusíadas de Camões Palavraschave Literatura Portuguesa Fernando Pessoa Mensagem Epopeia Modernidade MENSAGEM BY PESSOA A MODERN EPIC Abstract This article aims at presenting Fernando Pessoas Message Mensagem as a manifestation of the Modern Epic Model which starts from the historic void of the longedfor Fifth Empire and fills it with the myth of The Hidden One O Encoberto In order to do so the paper looks into the way the transcendent alterity theme is articulated with its consequent messianic propositions by means of the occurrence of semantic forms like naus ships mares seas and the pronoun outro other Taking the literary sequence into consideration the article reveals the poems dialogical articulation with the Renaissance Epic Model of The Lusiads Os lusíadas by Camões Keywords Portuguese Literature Fernando Pessoa Message Epic Modernity Screvo meu livro à beiramágoa Meu coração não tem que ter Como elaboração estética dentro do processo literário o discurso épico é único desde o seu primeiro registro na história ocidental com Homero sistematizado por Aristóteles até os tempos atuais O que difere contudo é a sua forma de manifestação que é modulada pela imagem de mundo construída no momento em que ela se produz e pela articulação do seu 1 Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 67 sujeito enunciador A sua forma de manifestação discursiva é também um elemento modelar Na Antiguidade quando os deuses ou semideuses eram evocados para consubstanciar essa imagem de mundo e o lugar da existência do homem nele situado é de se entender que o herói divino fosse eleito para dimensionar o sentido de realidade Essa é a formulação do Modelo Épico Clássico com exemplos em Homero e Virgílio No contexto antropocêntrico do Renascimento o homem real sujeito de sua história obviamente passa a ser o herói histórico a caminho da divinização como é o caso de Vasco da Gama nOs lusíadas que no seu caminho de agruras pelo mar alcança a Ilha dos Amores Essa é a formulação do Modelo épico Renascentista que resgatando o clássico superao e o transforma Na modernidade contudo perdida a imagem de mundo e também a integralidade do indivíduo que a possa sustentar resta a concepção fragmentária do sujeito e a consciência do vazio do real Vem daí que a manifestação épica mesmo sendo por sua própria índole discursiva o produto de um resgate da história dos deuses ou dos homens e ainda do próprio discurso que a precede tem de partir do vazio ou seja da descontinuidade e da fragmentação É este o posicionamento epistemológico do Modelo Épico Moderno e se formos mais longe ainda de modo mais radical do pósmoderno Para os de Orpheu já não havia mais uma realidade histórica sustentável desde a consciência crítica genialmente expressa pela poesia secamente prosaica de um Cesário Verde ou da visão vagamente saudosista da poética já dispersa de um Antônio Nobre Assim é a Mensagem de Fernando Pessoa uma epopeia que tanto na série histórico social quanto na literária parte do arquétipo vazio do mito do Quinto Império e da falência do próprio discurso épico precedente na busca de suprilos com uma nova dicção de feição tão somente messiânica e subjetivadora E por isso ela se enquadra no rol das utopias regressivas Tomando pois como ponto de partida a consciência do fim da história e dos limites do sentido do discurso que a fala esse poema pessoano se propõe o resgate desses discursos o histórico e o literário buscando construir os nãolimites de uma outra dimensão a dimensão transcendente Mensagem também é uma epopeia de viagem e nesse ponto a princípio em nada se distancia daquilo que é uma das propriedades básicas dessa manifestação discursiva Igualmente à Odisseia e aOs lusíadas o espaço de sua referenciação é principalmente o mar e o DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 68 instrumento de navegação é a nau Não se trata porém de uma navegação dimensionada no plano da realidade mítica antiga ou históricorenascentista mas de uma trajetória extraída dele e projetada numa dimensão transcendente já que o seu ponto de partida é justamente o fim da história do Império dos mares Não é por acaso que nau e mar se fazem presentes como verdadeiros metassemas ao longo de todo esse poema de poemas como que a estruturar seu arcabouço de sentido É prova disso o fato de esses dois termos estarem presentes nas três partes que o compõem Brasão Mar português e O Encoberto E os termos nau e mar aparecem referenciados de modo direto em 18 dos seus 44 breves poemas num total de mais de meia centena de ocorrências Naus e mares aparecem desde as naus a haver do poema D Dinis sexto castelo do Brasão primeira parte da Mensagem até o fim do mar de Antemanhã penúltimo de todos eles E são mais que naus concretas de um oceano por achar Na Mensagem buscase essencialmente o resgate mítico da última nau penúltimo poema de Mar português no mar da idade Noite isto é na utopia do Encoberto a desvelarse na transcendência de uma Distância Do mar ou outra mas que seja nossa Prece Esta outra Distância miticamente marcada pela maiúscula alegorizante é precisamente o objeto da busca transcendente configurando assim uma proposta de alteridade que se projeta a partir da História sim mas para além dela Numa elaboração estética magistralmente construída como é o caso dessa obraprima de Pessoa e de todas as literaturas de língua portuguesa a totalidade de seu sentido se encontra por vezes identificável até mesmo através de certas particularidades que sob a forma de ícones estruturam sua significação Assim se perseguirmos as demais ocorrências desse pronome indefinido outro nesta mesma acepção de alteridade transcendente perceberemos que como naus e mares elas também pontilham todo o texto da Mensagem Sua primeira incidência acontece logo no poema de D Tareja o segundo dos castelos do Brasão Essa princesa castelhana juntamente com o conde D Henrique forma emblematicamente na condição de pais do fundador do Reino os pilares da história portuguesa E esse pronome indefinido se faz aí presente na forma do primeiro dos apelos messiânicos que perpassam toda essa epopéia Dê tua prece outro destino A quem fadou o instinto teu DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 69 O homem que foi o teu menino Envelheceu A alteridade do novo destino suplicado se dá a partir da constatação do envelhecimento daquele que foi o fundador do Reino D Afonso Henriques isto é a partir do fim da história do próprio império Esse outro destino é o objeto nodal do sonho messiânico da Mensagem Uma nova ocorrência do termo aparece no poema que simboliza a quinta e última quina do Brasão primeira parte desse livropoema em cujo texto fala aquele que para o enunciador da Mensagem é o verdadeiro sujeito da história portuguesa D Sebastião Nessa dicção confessional de autoassunção do delírio transcendente o rei cuja morte prematura aos 24 anos consumou também o fim do sonho imperial apela para que outros retomem a sua loucura Não ela só mas principalmente o que nela ia ou seja a unção metafísica do querer grandeza qual a sorte a não dá porque o sonho transpõe os limites do sentido de se ser somente a besta sadia Cadáver adiado que procria E o texto se encerra messiânica e conceitualmente Minha loucura outros que me a tomem Com o que nela ia Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia Cadáver adiado que procria Mais adiante e já no poema Prece último de Mar português segunda parte dessa epopeia pessoana o sujeito enunciador agora investido da condição coletiva de um nós e consciente de que Restamnos hoje no silêncio hostil O mar universal e a saudade apela àquele mesmo senhor do fim da História para que ele seja o agente da transmutação espiritual dela Dá o sopro a aragem ou desgraça ou ânsia Com que a chama do esforço se remoça DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 70 E outra vez conquistemos a Distância Do mar ou outra mas que seja nossa Quase ao final d O Encoberto terceira e última parte da Mensagem mais precisamente no poema Calma que medeia a passagem d Os Tempos do caos dos poemas Noite e Tormenta para os da epifania dos poemas finais Antemanhã e Nevoeiro surge a derradeira marcação semântica dessa opção por uma alteridade transcendente E tudo ocorre na forma de uma angustiada e duvidosa espera por um espaço utópico em que o Rei já agora mais idealizado possa exercer o seu domínio espiritual Haverá rasgões no espaço Que dêem para outro lado E que um deles encontrado Aqui onde há só sargaço Surja uma ilha velada O país afortunado Que guarda o Rei desterrado Em sua vida encantada Essa busca por uma alteridade transcendente que esteja para além dos limites do sentido real se dá pois a partir de uma melancólica consciência do fim da História e apresenta para com ela uma articulação veladamente dialética e expressamente elegíaca É o que constitui a significação na série social da Mensagem de Fernando Pessoa que dialoga com a história do império do ultramar sabendoa finda e a evocando sob a forma de um verdadeiro réquiem Na série literária igualmente ocorre na Mensagem um diálogo velado e de certa inversão modelar para com Os lusíadas de Camões e toda a tradição épica Não se trata de um resgate intertextual senão no plano da enunciação E podese mesmo dizer que a epopeia pessoana é uma negação uma desrealização daquela do poeta renascentista na sua forma de manifestação do Modelo Épico Moderno E ainda é visível que Camões é expressa e intencionalmente o grande esquecido de Pessoa Haja vista o fato de que em nenhum dos versos da Mensagem se DESASSOSSEGO 15 JUN2016 ISSN 21753180 DOI httpdxdoiorg1011606issn21753180v8i15p6671 71 pode dizer que ecoam de modo explícito referências camonianas E isso até seria o normal em se tratando de uma realização épica como é o caso que ocorre por exemplo com o próprio vate renascentista em relação a Virgílio Camões não se encontra como era de se esperar entre os Avisos d O Encoberto por mais que ele tenha visto D Sebastião o rei do seu momento histórico como a Maravilha fatal da nossa idade Dada ao Mundo por Deus que todo o mande Para do mundo a Deus dar parte grande Dois dos avisos são um o Bandarra que antecede no tempo a D Sebastião e outro Antônio Vieira que o sucede O terceiro é o próprio sujeito enunciador que de instância líriconarrativa passa a ser o próprio sujeito autoral do seu livro à beiramágoa É o próprio Fernando Pessoa E nisso consiste mais um caráter de modernidade dessa epopeia pessoana qual seja a dominância da instância lírica sobre um discurso que é apenas fragmentária e descontinuamente uma narrativa Com efeito essa instância enunciadora se apresenta explicitamente em 17 dos 44 poemas numa atmosfera de absoluta subjetivação Isso se dá ora pela fala do personagem ora sob a forma de agente articulador do mito de renovação como ocorre no poema A última nau até chegar ao minúsculo verso final quando tendo constatado que Portugal hoje é nevoeiro evoca messianicamente que É a Hora Bibliografia PESSOA Fernando Mensagem Poemas esotéricos Edição crítica José Augusto Seabra coord Madrid Edições Unesco Coleção Archivos n o 28 1993 QUESADO Clécio Mensagem de Pessoa labirintos de um poema Rio Bonito Almádena 2014 SILVA Anazildo Vasconcelos da Semiotização literária do discurso Rio de Janeiro ELO 1984