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Texto de pré-visualização
1 Lira dos Vinte Anos de Álvares de Azevedo Fonte AZEVEDO Álvares de Lira dos Vinte Anos São Paulo Martins Fontes 1996 ColeçãoPoetas do Brasil Texto proveniente de A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro httpwwwbibvirtfuturouspbr A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais Textobase digitalizado por Marian Nieves Este material pode ser redistribuído livremente desde que não seja alterado e que as informações acima sejam mantidas Para maiores informações escreva para bibvirtfuturouspbr Estamos em busca de patrocinadores e voluntários para nos ajudar a manter este projeto Se você quiser ajudar de alguma forma mande um email para parceirosfuturouspbr ou voluntariofuturouspbr LIRA DOS VINTE ANOS Cantando a vida como o cisne a morte BOCAGE Dieu amour et poésie sont les trois mots que je voudrais seuls graver sur ma pierre si je mérite une pierre LAMARTINE São os primeiros cantos de um pobre poeta Desculpaios As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor É uma lira mas sem cordas uma primavera mas sem flores uma coroa de folhas mas sem viço Cantos espontâneos do coração vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho notas que o vento levou como isso dou a lume essas harmonias São as páginas despedaçadas de um livro não lido E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu amor e da minha solidão agora que ela vai seminua e tímida por entre vós derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu coração ó meus amigos recebeia no peito e amaia como o consolo que foi de uma alma esperançosa que depunha fé na poesia e no amor esses dois raios luminosos do coração de Deus À MINHA MÃE Se a terra é adorada a mãe não é mais digna de veneração Digest of hindu law Como as flores de uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus ramos sem fruto Ó minha doce mãe sobre teu seio Deixa que dessa pálida coroa Das minhas fantasias Eu desfolhe também frias sem cheiro Flores da minha vida murchas flores Que só orvalha o pranto 2 PRIMEIRA PARTE NO MAR Les étoiles sallument au ciel et la brise du soir erre doucement parmi les fleurs rêvez chantez et soupirez GEORGE SAND Era de noite dormias Do sonho nas melodias Ao fresco da viração Embalada na falua Ao frio clarão da lua Aos ais do meu coração Ah que véu de palidez Da langue face na tez Como teus seios revoltos Te palpitavam sonhando Como eu cismava beijando Teus negros cabelos soltos Sonhavas eu não dormia A minhalma se embebia Em tua alma pensativa E tremias bela amante A meus beijos semelhante Às folhas da sensitivas E que noite que luar E que ardentias no mar E que perfumes no vento Que vida que se bebia Na noite que parecia Suspirar de sentimento Minha rola ó minha flor Ó madresilva de amor Como eras saudosa então Como pálida sorrias E no meu peito dormias Aos ais do meu coração E que noite que luar Como a brisa a soluçar Se desmaiava de amor Como toda evaporava Perfumes que respirava Nas laranjeiras em flor Suspiravas que suspiro Ai que ainda me deliro Entrevendo a imagem tua Ao fresco da viração Aos ais do meu coração Embalada na falua Como virgem que desmaia Dormia a onda na praia Tua alma de sonhos cheia 3 Era tão pura dormente Como a vaga transparente Sobre seu leito de areia Era de noite dormias Do sonho nas melodias Ao fresco da viração Embalada na falua Ao frio clarão da lua Aos ais do meu coração SONHANDO Hier la nuit dété que nous prêtait ses voiles Était digne de toi tant elle avait détoiles VICTOR HUGO Na praia deserta que a lua branqueia Que mimo que rosa que filha de Deus Tão pálida ao vêla meu ser devaneia Sufoco nos lábios os hálitos meus Não corras na areia Não corras assim Donzela onde vais Tem pena de mim A praia é tão longa e a onda bravia As roupas de gaza te molha de escuma De noite aos serenos a areia é tão fria Tão úmido o vento que os ares perfuma És tão doentia Não corras assim Donzela onde vais Tem pena de mim A brisa teus negros cabelos soltou O orvalho da face te esfria o suor Teus seios palpitam a brisa os roçou Beijouos suspira desmaia de amor Teu pé tropeçou Não corras assim Donzela onde vais Tem pena de mim E o pálido mimo da minha paixão Num longo soluço tremeu e parou Sentouse na praia sozinha no chão A mão regelada no colo pousou Que tens coração Que tremes assim Cansaste donzela Tem pena de mim Deitouse na areia que a vaga molhou Imóvel e branca na praia dormia Mas nem os seus olhos o sono fechou E nem o seu colo de neve tremia O seio gelou 4 Não durmas assim O pálida fria Tem pena de mim Dormia na fronte que níveo suar Que mão regelada no lânguido peito Não era mais alvo seu leito do mar Não era mais frio seu gélido leito Nem um ressonar Não durmas assim O pálida fria Tem pena de mim Aqui no meu peito vem antes sonhar Nos longos suspiros do meu coração Eu quero em meus lábios teu seio aquentar Teu colo essas faces e a gélida mão Não durmas no mar Não durmas assim Estátua sem vida Tem pena de mim E a vaga crescia seu corpo banhando As cândidas formas movendo de leve E eu via suave nas águas boiando Com soltos cabelos nas roupas de neve Nas vagas sonhando Não durmas assim Donzela onde vais Tem pena de mim E a imagem da virgem nas águas do mar Brilhava tão branca no límpido véu Nem mais transparente luzia o luar No ambiente sem nuvens da noite do céu Nas águas do mar Não durmas assim Não morras donzela Espera por mim CISMAR Falame anjo de luz és glorioso À minha vista na janela à noite Como divino alado mensageiro Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos Do homem que se ajoelha para vêlo Quando resvala em preguiçosas nuvens Ou navega no seio do ar da noite ROMEU Ai quando de noite sozinha à janela Coa face na mão te vejo ao luar Por que suspirando tu sonhas donzela A noite vai bela E a vista desmaia Ao longe na praia Do mar 5 Por quem essa lágrima orvalhate os dedos Como água da chuva cheiroso jasmim Na cisma que anjinho te conta segredos Que pálidos medos Suave morena Acaso tens pena De mim Donzela sombria na brisa não sentes A dor que um suspiro em meus lábios tremeu E a noite que inspira no seio dos entes Os sonhos ardentes Não dizte que a voz Que falate a sós Sou eu Acorda Não durmas da cisma no véu Amemos vivamos que amor é sonhar Um beijo donzela Não ouves no céu A brisa gemeu As vagas murmuraram As folhas sussurram Amar AI JESUS Ai Jesus não vês que gemo Que desmaio de paixão Pelos teus olhos azuis Que empalideço que tremo Que me expira o coração Ai Jesus Que por um olhar donzela Eu poderia morrer Dos teus olhos pela luz Que morte que morte bela Antes seria viver Ai Jesus Que por um beijo perdido Eu de gozo morreria Em teus níveos seios nus Que no oceano dum gemido Minhalma se afogaria Ai Jesus ANJINHO And from her fair and unpolluted flesch May violets spring HAMLET Não chorem que não morreu 6 Era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou Era uma luz peregrina Era uma estrela divina Que ao firmamento voou Pobre criança Dormia A beleza reluzia No carmim da face dela Tinha uns olhos que choravam Tinha uns risos que encantavam Ai meu Deus era tão bela Um anjo dasas azuis Todo vestido de luz Sussurroulhe num segredo Os mistérios doutra vida E a criança adormecida Sorria de se ir tão cedo Tão cedo que ainda o mundo O lábio visguento imundo Lhe não passara na roupa Que só o vento do céu Batia do barco seu As velas douro da poupa Tão cedo que o vestuário Levou do anjo solitário Que velava seu dormir Que lhe beijava risonho E essa florzinha no sonho Toda orvalhava no abrir Não chorem lembrome ainda Como a criança era linda No fresco da facezinha Com seus lábios azulados Com os seus olhos vidrados Como de morta andorinha Pobrezinho o que sofreu Como convulso tremeu Na febre dessa agonia Nem gemia o anjo lindo Só os olhos expandindo Olhar alguém parecia Era um canto de esperança Que embalava essa criança Alguma estrela perdida Do céu croada donzela Toda a chorarse por ela Que a chamava doutra vida Não chorem que não morreu Que era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou Era uma luz peregrina Era uma estrela divina 7 Que ao firmamento voou Era uma alma que dormia Da noite na ventania E que uma fada acordou Era uma flor de palmeira Na sua manhã primeira Que um céu dinverno murchou Não chorem abandonada Pela rosa perfumada Tendo no lábio um sorriso Ela se foi mergulhar Como pérola no mar Nos sonhos do paraíso Não chorem chora o jardim Quando marchado o jasmim Sobre o seio lhe pendeu E pranteia a noite bela Pelo astro ou a donzela Mortos na terra ou no céu Choram as flores no afã Quando a ave da manhã Estremece cai esfria Chora a onda quando vê A boiar um irerê Morta ao sol do meiodia Não chorem que não morreu Era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou Era uma luz peregrina Era uma estrela divina Que ao firmamento voou ANJOS DO MAR As ondas são anjos que dormem no mar Que tremem palpitam banhados de luz São anjos que dormem a rir e sonhar E em leito descuma revolvemse nus E quando de noite vem pálida a lua Seus raios incertos tremer pratear E a trança luzente da nuvem flutua As ondas são anjos que dormem no mar Que dormem que sonham e o vento dos céus Vem tépido à noite nos seios beijar São meigos anjinhos são filhos de Deus Que ao fresco se embalam do seio do mar E quando nas águas os ventos suspiram São puros fervores de ventos e mar São beijos que queimam e as noites deliram E os pobres anjinhos estão a chorar 8 Ai quando tu sentes dos mares na flor Os ventos e vagas gemer palpitar Por que não consentes num beijo de amor Que eu digate os sonhos dos anjos do mar I Tenho um seio que delira Como as tuas harmonias Que treme quando suspira Que geme como gemias II Tenho músicas ardentes Ais do meu amor insano Que palpitam mais dormentes Do que os sons do teu piano III Tenho cordas argentinas Que a noite faz acordar Como as nuvens peregrinas Das gaivotas do alto mar IV Como a teus dedos lindinhos O teu piano gemer Vibrame o seio aos dedinhos Dos anjos louros do céu V Vibra à noite no mistério Se o banha o frouxo luar Se passa teu rosto aéreo No vaporoso sonhar VI Como tremem teus dedinhos O saudoso piano teu Vibramme nalma os anjinhos Os anjos loiros do céu A CANTIGA DO SERTANEJO Love me and leave me not SHAKESPEARE Merch Of Venice Donzela Se tu quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração E se ouviras o desejo Do amoroso sertanejo Que descora de paixão Se tu viesses comigo Das serras ao desabrigo Aprender o que é amar Ouvilo no frio vento 9 Das aves no sentimento Nas águas e no luar Ouvilo nessa viola Onde a modinha espanhola Sabe carpir e gemer Que pelas horas perdidas Tem cantigas doloridas Muito amor muito doer Pobre amor o sertanejo Tem apenas seu desejo E as noites belas do val Só o ponche adamascado O trabuco prateado E o ferro de seu punhal E tem as lendas antigas E as desmaiadas cantigas Que fazem de amor gemer E nas noites indolentes Bebe cânticos ardentes Que fazem estremecer Tem mais na selva sombria Das florestas a harmonia Onde passa a voz de Deus E nos relentos da serra Pernoita na sua terra No leito dos sonhos seus Se tu viesses donzela Verias que a vida é bela No deserto do sertão Lá têm mais aroma as flores E mais amor os amores Que falam do coração Se viesses inocente Adormecer docemente À noite no peito meu E se quisesses comigo Vir sonhar no desabrigo Com os anjinhos do céu É doce na minha terra Andar cismando na serra Cheia de aroma e de luz Sentindo todas as flores Bebendo amor nos amores Das borboletas azuis Os veados da campina Na lagoa entre a neblina São tão lindos a beber Da torrente nas coroas Ao deslizar das canoas É tão doce adormecer Ah Se viesses donzela 10 Verias que a vida é bela No silêncio do sertão Ah morena se quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração Junto às águas da torrente Sonharias indolente Como num seio dirmã Sobre o leito de verduras O beijo das criaturas Suspira com mais afã E da noitinha as aragens Bebem nas flores selvagens Efluviosa fresquidão Os olhos têm mais ternura E os ais da formosura Se embebem no coração E na caverna sombria Tem um ai mais harmonia E mais fogo o suspirar Mais fervoroso o desejo Vai sobre os lábios num beijo Enlouquecer desmaiar E da noite nas ternuras A paixão tem mais venturas E fala com mais ardor E os perfumes o luar E as aves a suspirar Tudo canta e diz amor Ah vem amemos vivamos O enlevo do amor bebamos Nos perfumes do serão Ah Virgem se tu quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração Dreams dreams dreams W COWPER Quando à noite no leito perfumado Lânguida fronte no sonhar reclinas No vapor da ilusão por que te orvalha Pranto de amor as pálpebras divinas E quando eu te contemplo adormecida Solto o cabelo no suave leito Por que um suspiro tépido ressona E desmaia suavíssimo em teu peito Virgem do meu amor o beijo a furto Que pouso em tua face adormecida Não te lembra do peito os meus amores E a febre do sonhar de minha vida 11 Dorme ó anjo de amor no teu silêncio O meu peito se afoga de ternura E sinto que o porvir não vale um beijo E o céu um teu suspiro de ventura Um beijo divinal que acende as veias Que de encantos os olhos ilumina Colhido a medo como flor da noite Do teu lábio na rosa purpurina E um volver de teus olhos transparentes Um olhar dessa pálpebra sombria Talvez pudessem reviverme nalma As santas ilusões de que eu vivia O POETA Un souvenir heureux est peutêtre sur terre Plus vrai que le bonheur A DE MUSSET Era uma noite eu dormia E nos meus sonhos revia As ilusões que sonhei E no meu lado senti Meu Deus por que não morri Por que no sono acordei No meu leito adormecida Palpitante e abatida A amante de meu amor Os cabelos recendendo Nas minhas faces correndo Como o luar numa flor Sentilhe o colo cheiroso Arquejando sequioso E nos lábios que entreabria Lânguida respiração Um sonho do coração Que suspirando morria Não era um sonho mentido Meu coração iludido O sentiu e não sonhou E sentiu que se perdia Numa dor que não sabia Nem ao menos a beijou Soluçou o peito ardente Sentiu que a alma demente Lhe desmaiava a tremer Embriagouse de enleio No sono daquele seio Pensou que ele ia morrer Que divino pensamento 12 Que vida num só momento Dentro do peito sentiu Não sei Dorme no passado Meu pobre sonho doirado Esperança que mentiu Sabem as noites do céu E as luas brancas sem véu Os prantos que derramei Contem do vale as florinhas Esse amor das noite minhas Elas sim que eu não direi E se eu tremendo senhora Viesse pálido agora Lembrarvos o sonho meu Com a fronte descorada E com a voz sufocada Dizervos baixo Sou eu Sou eu que não esqueci A noite que não dormi Que não foi uma ilusão Sou eu que sinto morrer A esperança de viver Que o sinto no coração Riríeis das esperanças Das minhas loucas lembranças Que me desmaiam assim Ou então de noite a medo Choraríeis em segredo Uma lágrima por mim Dorme meu coração Em paz esquece Tudo tudo que amaste neste mundo Sonho falaz de tímida esperança Não interrompa teu dormir profundo Tradução do Dr Octaviano Fui um douto em sonhar tantos amores Que loucura meu Deus Em expandirlhe aos pés pobre insensato Todos os sonhos meus E ela triste mulher ela tão bela Dos seus anos na flor Por que havia de sagrar pelos meus sonhos Um suspiro de amor Um beijo um beijo só eu não pedia Senão um beijo seu E nas horas do amor e do silêncio Juntála ao peito meu Foi mais uma ilusão de minha fronte Rosa que desbotou Uma estrela de vida e de futuro 13 Que riu e desmaiou Meu triste coração é tempo dorme Dorme no peito meu Do último sonho despertei e nalma Tudo tudo morreu Meus Deus por que sonhei e assim por ela Perdi a noite ardente Se devia acordar dessa esperança E o sonho era demente Eu nada lhe pedi ousei apenas Junto dela à noitinha Nos meus delírios apertar tremendo A sua mão na minha Adeus pobre mulher no meu silêncio Sinto que morrerei Se rias desse amor que te votava Deus sabe se te amei Se te amei se minha alma só queria Pela tua viver No silêncio do amor e da ventura Nos teus lábios morrer Mas vota ao menos no lembrar saudoso Um ai ao sonhador Deus sabe se te amei Não te maldigo Maldigo o meu amor Mas não inda uma vez Não posso ainda Dizer o eterno adeus E a sangue frio renegar dos sonhos E blasfemar de Deus Oh Falame de amor eu quero crerte Um momento sequer E esperar na ventura e nos amores Num olhar de mulher Só um olhar por compaixão te peço Um olhar mas bem lânguido bem terno Quero um olhar que me arrebate o siso Me queime o sangue mescureça os olhos Me torne delirante ALMEIDA FREITAS Sur votre main jamais votre front ne se pose Brûlant chargé dennuis ne pouvant soutenir Le poids dun douloureux et cruel souvenir Votre coeur virginal en luimême repose Th Gautier Ricorditi di me DANTE Purgatório Quando falo contigo no meu peito 14 Esqueceme esta dor que me consome Talvez corre o prazer nas fibras dalma E eu ouso ainda murmurar teu nome Que existência mulher se tu souberas A dor de coração do teu amante E os ais que pela noite no silêncio Arquejam no seu peito delirante E quando sofre e padeceu e a febre Como seus lábios desbotou na vida E sua alma cansou na dor convulsa E adormeceu na cinza consumida Talvez terias dó da mágoa insana Que minhalma votou ao desalento E consentirás ó virgem dos amores Descansarme no seio um só momento Sou um doudo talvez de assim amarte De murchar minha vida no delírio Se nos sonhos de amor nunca tremeste Sonhando meu amor e meu martírio E não pude febril e de joelhos Com a mente abrasada e consumida Contarte as esperanças do meu peito E as doces ilusões de minha vida Oh quando eu te fitei sedento e louco Teu olhar que meus sonhos alumia Eu não sei se era vida o que minhalma Enlevava de amor e adormecia Oh nunca em fogo teu ardente seio A meu peito juntei que amor definha A furto apenas eu senti medrosa Tua gélida mão tremer na minha Tem pena anjo de Deus deixa que eu sinta Num beijo esta minhalma enlouquecer E que eu viva de amor nos teus joelhos E morra no teu seio o meu viver Sou um doudo meu Deus mas no meu peito Tu sabes se uma dor se uma lembrança Não queria calarse a um beijo dela Nos seios dessa pálida criança Se num lânguido olhar no véu de gozo Os olhos de Espanhola a furto abrindo Eu não tremia o coração ardente No peito exausto remoçar sentindo Se no momento efêmero e divino Em que a virgem pranteia desmaiando E a croa virginal a noiva esfolha Eu queria a seus pés morrer chorando Adeus Rasgouse a página saudosa 15 Que teu porvir de amor no meu fundia Gelouse no meu sangue moribundo Essa gota final de que eu vivia Adeus anjo de amor tu não mentiste Foi minha essa ilusão e o sonho ardente Sinto que morrerei tu dorme e sonha No amor dos anjos pálido inocente Mas um dia se a nódoa da existência Murchar teu cálix orvalhoso e cheio Flor que respirei que amei sonhando Tem saudade de mim que eu te pranteio NA MINHA TERRA Laissetoi donc aimer Oh lamour cest la vie Cest tout ce quon regrette et tout ce quon envie Quand on voit sa jeunesse au couchant décliner La beauté cest le front lamour cest la couronne Laissetoi couronner V HUGO I Amo o vento da noite sussurrante A tremer nos pinheiros E a cantiga do pobre caminhante No rancho dos tropeiros E os monótonos sons de uma viola No tardio verão E a estrada que além se desenrola No véu da escuridão A restinga dareia onde rebenta O oceano a bramir Onde a lua na praia macilenta Vem pálida luzir E a névoa e flores e o doce ar cheiroso Do amanhecer na serra E o céu azul e o manto nebuloso Do céu de minha terra E o longo vale de florinhas cheio E a névoa que desceu Como véu de donzela em branco seio As estrelas do céu II Não é mais bela não a argêntea praia Que beija o mar do sul Onde eterno perfume a flor desmaia E o céu é sempre azul Onde os serros fantásticos roxeiam Nas tardes de verão 16 E os suspiros nos lábios incendeiam E pulsa o coração Sonho da vida que doirou e azula A fada dos amores Onde a mangueira ao vento que tremula Sacode as brancas flores E é saudoso viver nessa dormência Do lânguido sentir Nos enganos suaves da existência Sentindose dormir Mais formosa não é não doire embora O verão tropical Com seus rubores a alvacenta aurora Da montanha natal Nem tão doirada se levante a lua Pela noite do céu Mas venha triste pensativa e nua Do prateado véu Que me importa se as tardes purpurinas E as auroras dali Não deram luz às diáfanas cortinas Do leito onde eu nasci Se adormeço tranqüilo no teu seio E perfumase a flor Que Deus abriu no peito do poeta Gotejante de amor Minha terra sombria és sempre bela Inda pálida a vida Como o sono inocente da donzela No deserto dormida No italiano céu nem mais suaves São da noite os amores Não tem mais fogo o cântico das aves Nem o vale mais flores III Quando o gênio da noite vaporosa Pela encosta bravia Na laranjeira em flor toda orvalhosa De aroma se inebria No luar junto à sombra recendente De um arvoredo em flor Que saudades e amor que influi na mente Da montanha o frescor E quando à noite no luar saudoso Minha pálida amante Ergue seus olhos úmidos de gozo E o lábio palpitante Cheia da argêntea luz do firmamento 17 Orando por seu Deus Então eu curvo a fronte ao sentimento Sobre os joelhos seus E quando sua voz entre harmonias Sufocase de amor E dobra a fronte bela de magias Como pálida flor E a alma pura nos seus olhos brilha Em desmaiado véu Como de um anjo na cheirosa trilha Respiro o amor do céu Melhor a viração uma por uma Vem as folhas tremer E a floresta saudosa se perfuma Da noite no morrer E eu amo as flores e o doce ar mimoso Do amanhecer da serra E o céu azul e o manto nebuloso Do céu da minha terra ITÁLIA Ao meu amigo o Conde de Fé Veder Napoli e poi morir I Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento Eu podia viver e porventura Nos luares do amor amar a vida Dilatarse minhalma como o seio Do pálido Romeu na despedida Eu podia na sombra dos amores Tremer num beijo o coração sedento Nos seios da donzela delirante Eu podia viver inda um momento Ó anjo de meu Deus se nos meus sonhos Não mentia o reflexo da ventura E se Deus me fadou nesta existência Um instante de enlevo e de ternura Lá entre os laranjais entre os loureiros Lá onde a noite seu aroma espalha Nas longas praias onde o mar suspira Minhalma exalarei no céu da Itália Ver a Itália e morrer Entre meus sonhos Eu vejoa de volúpia adormecida Nas tardes vaporentas se perfuma 18 E dorme à noite na ilusão da vida E se eu devo expirar nos meus amores Nuns olhos de mulher amor bebendo Seja aos pés da morena Italiana Ouvindoa suspirar inda morrendo Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento II A Itália sempre a Itália delirante E os ardentes saraus e as noites belas A Itália do prazer do amor insano Do sonho fervoroso das donzelas E a gôndola sombria resvalando Cheia de amor de cânticos e flores E a vaga que suspira à meianoite Embalando o mistério dos amores Amate o sol ó terra da harmonia Do levante na brisa te perfumas Nas praias de ventura e primavera Vai o mar estender seu véu descumas Vai a lua sedenta e vagabunda O teu berço banhar na luz saudosa As tuas noites estrelar de sonhos E beijarte na fronte vaporosa Pátria do meu amor terra das glórias Que o gênio consagrou que sonha o povo Agora que murcharam teus loureiros Fora doce em teu seio amar de novo Amar tuas montanhas e as torrentes E esse mar onde bóia alcion dormindo Onde as ilhas se azulam no ocidente Como nuvens à tarde se esvaindo Aonde à noite o pescador moreno Pela baía no batel se escoa E murmurando nas canções de Armida Treme aos fogos errantes da canoa Onde amou Rafael onde sonhava No seio ardente da mulher divina E talvez desmaiou no teu perfume E suspirou com ele a Fornarina E juntos ao luar num beijo errante Desfolhavam os sonhos da ventura E bebiam na lua e no silêncio Os eflúvios de tua formosura Ó anjo de meu Deus se nos meus sonhos A promessa do amor me não mentia 19 Concede um pouco ao infeliz poeta Uma hora da ilusão que o embebia Concede ao sonhador que tãosomente Entre delírios palpitou denleio Numa hora de paixão e de harmonia Dessa Itália do amor morrer no seio Oh na terra da vida e dos amores Eu podia sonhar inda um momento Nos seios da donzela delirante Apertar o meu peito macilento Maio 1851 S Paulo A T No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus PROPÉRCIO Amoroso palor meu rosto inunda Mórbida languidez me banha os olhos Ardem sem sono as pálpebras doridas Convulsivo tremor meu corpo vibra Quanto sofro por ti Nas longas noites Adoeço de amor e de desejos E nos meus sonhos desmaiando passa A imagem voluptuosa da ventura Eu sintoa de paixão encher a brisa Embalsamar a noite e o céu sem nuvens E ela mesma suave descorando Os alvacentos véus soltar do colo Cheirosas flores desparzir sorrindo Da mágica cintura Sinto na fronte pétalas de flores Sintoas nos lábios e de amor suspiro Mas flores e perfumes embriagam E no fogo da febre e em meu delírio Embebem na minhalma enamorada Delicioso veneno Estrela de mistério em tua fronte Os céus revela e mostrame na terra Como um anjo que dorme a tua imagem E teus encantos onde amor estende Nessa morena tez a cor de rosa Meu amor minha vida eu sofro tanto O fogo de teus olhos me fascina O langor de teus olhos me enlanguece Cada suspiro que te abala o seio Vem no meu peito enlouquecer minhalma Ah vem pálida virgem se tens pena De quem morre por ti e morre amando Dá vida em teu alento à minha vida Une nos lábios meus minhalma à tua Eu quero ao pé de ti sentir o mundo Na tualma infantil na tua fronte Beijar a luz de Deus nos teus suspiros Sentir as virações do paraíso E a teus pés de joelhos crer ainda 20 Que não mente o amor que um anjo inspira Que eu posso na tualma ser ditoso Beijarte nos cabelos soluçando E no teu seio ser feliz morrendo Dezembro 1851 CREPÚSCULO DO MAR Que rêvestu plus beau sur ces lointaines plages Que cette chaste mer qui baigne nos rivages Que ces mornes couverts de bois silencieux Autels doù nos parfurns sélèvent dans les cieux LAMARTINE No céu brilhante do poente em fogo Com auréola ardente o sol dormia Do mar doirado nas vermelhas ondas Purpúreo se escondia Como da noite o bafo sobre as águas Que o reflexo da tarde incendiava Só a idéia de Deus e do infinito No oceano boiava Como é doce viver nas longas praias Nestas ondas e sol e ventania Como ao triste cismar encanto aéreo Nas sombras preludia O painel luminoso do horizonte Como as cândidas sombras alumia Dos fantasmas de amor que nós amamos Na ventura de um dia Como voltam gemendo e nebulosas Brancas as roupas desmaiado o seio Inda uma vez a murmurar nos sonhos As palavras do enleio Aqui nas praias onde o mar rebenta E a escuma no morrer os seios rola Virei sentarme no silêncio puro Que o meu peito consola Sonharei lá enquanto no crepúsculo Como um globo de fogo o sol se abisma E o céu lampeja no clarão medonho De negro cataclisma Enquanto a ventania se levanta E no ocidente o arrebol se ateia No cinábrio do empíreo derramando A nuvem que roxeia Hora solene das idéias santas Que embala o sonhador nas fantasias Quando a taça do amor embebe os lábios Do anjo das utopias 21 Oceano de Deus Que moribundo A cantiga do nauta mais sentida Tão triste suspirou nas tuas ondas Como um adeus à vida Que nau cheia de glória e desperanças Floreando ao vento a rúbida bandeira Na luz do incêndio rebentou bramindo Na vaga sobranceira Por que ao sol da manhã e ao ar da noite Essa triste canção eterna escura Como um treno de sombra e de agonia Nos teus lábios murmura É vermelho de sangue o céu da noite Que na luz do crepúsculo se banha Que planeta do céu do roto seio Golfeja luz tamanha Que mundo em fogo foi bater correndo Ao peito de outro mundo e uma torrente De medonho clarão rasgou no éter E jorra sangue ardente Onde as nuvens do céu voam dormindo Que doirada mansão de aves divinas Num véu purpúreo se enlutou rolando Ao vento das ruínas CREPÚSCULO NAS MONTANHAS Pálida estrela casto olhar da noite diamante luminoso na fronte azul do crepúsculo o que vês na planície OSSIAN I Além serpeia o dorso pardacento Da longa serrania Rubro flameia o véu sanguinolento Da tarde na agonia No cinéreo vapor o céu desbota Num azulado incerto No ar se afoga desmaiando a nota Do sino do deserto Vim alentar meu coração saudoso No vento das campinas Enquanto nesse manto lutuoso Pálida te reclinas E morre em teu silêncio ó tarde bela Das folhas o rumor E late o pardo cão que os passos vela Do tardio pastor 22 II Pálida estrela o canto do crepúsculo Acordate no céu Erguete nua na floresta morta Do teu doirado véu Erguete eu vim por ti e pela tarde Pelos campos errar Sentir o vento respirando a vida E livre suspirar É mais puro o perfume das montanhas Da tarde no cair Quando o vento da noite agita as folhas É doce o teu luzir Estrela do pastor no véu doirado Acordate na serra Inda mais bela no azulado fogo Do céu da minha terra III Estrela doiro no purpúreo leito Da irmã da noite branca e peregrina No firmamento azul derramas dia Que as almas ilumina Abre o seio de pérola transpira Esse raio de luz que a mente inflama Esse raio de amor que ungiu meus lábios No meu peito derrama IV Lo bel pianeta he ad amar conforta Faceva tutto rider loriente DANTE Purgatório Estrelinhas azuis do céu vermelho Lágrimas doiro sobre o véu da tarde Que olhar celeste em pálpebra divina Vos derramou tremendo Quem à tarde crisólitas ardentes Estrelas brancas vos sagrou saudosas Da fronte dela na azulada croa Como auréola viva Foram anjos de amor que vagabundos Com saudades do céu vagam gemendo E as lágrimas de fogo dos amores Sobre as nuvens pranteiam Criaturas da sombra e do mistério Ou no purpúreo céu doureis a tarde Ou pela noite cintileis medrosas Estrelas eu vos amo E quando exausto o coração no peito Do amor nas ilusões espera e dorme 23 Diáfanas vindeslhe doirar na mente A sombra da esperança Oh quando o pobre sonhador medita Do vale fresco no orvalhado leito Inveja às águias o perdido vôo Para banharse no perfume etéreo E nessa argêntea luz no mar de amores Onde entre sonhos e luar divino A mão do Eterno vos lançou no espaço Respirar e viver DESALENTO Por que havíeis passar tão doces dias A F DE SERPA PIMENTEL Feliz daquele que no livro dalma Não tem folhas escritas E nem saudade amarga arrependida Nem lágrimas malditas Feliz daquele que de um anjo as tranças Não respirou sequer E nem bebeu eflúvios descorando Numa voz de mulher E não sentiulhe a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos Quem nunca te beijou flor dos amores Flor do meu coração E não pediu frescor febril e insano Da noite à viração Ah feliz quem dormiu no colo ardente Da huri dos amores Que sôfrego bebeu o orvalho santo Das perfumadas flores E pôde vêla morta ou esquecida Dos longos beijos seus Sem blasfemar das ilusões mais puras E sem rirse de Deus Mas nesse doloroso sofrimento Do pobre peito meu Sentir no coração que à dor da vida A esperança morreu Que me resta meu Deus aos meus suspiros Nem geme a viração E dentro no deserto do meu peito Não dorme o coração 24 PÁLIDA INOCÊNCIA Cette image du cíel innocence et beauté LAMARTINE Por que pálida inocência Os olhos teus em dormência A medo lanças em mim No aperto de minha mão Que sonho do coração Tremeute os seios assim E tuas falas divinas Em que amor lânguida afinas Em que lânguido sonhar E dormindo sem receio Por que geme no teu seio Ansioso suspirar Inocência quem dissera De tua azul primavera As tuas brisas de amor Oh quem teus lábios sentira E que trêmulo te abrira Dos sonhos a tua flor Quem te dera a esperança De tua alma de criança Que perfuma teu dormir Quem dos sonhos te acordasse Que num beijo tembalasse Desmaiada no sentir Quem te amasse e um momento Respirando o teu alento Recendesse os lábios seus Quem lera divina e bela Teu romance de donzela Cheio de amor e de Deus SONETO Pálida a luz da lâmpada sombria Sobre o leito de flores reclinada Como a lua por noite embalsamada Entre as nuvens do amor ela dormia Era a virgem do mar na escuma fria Pela maré das água embalada Era um anjo entre nuvens dalvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia Era mais bela o seio palpitando Negros olhos as pálpebras abrindo Formas nuas no leito resvalando Não te rias de mim meu anjo lindo Por ti as noites eu velei chorando 25 Por ti nos sonhos morrerei sorrindo ANIMA MEA E como a vida é bela e doce e amável Não presta o espinhal a sombra ao leito Do pastor do rebanho vagaroso Melhor que as sedas do lençol noturno Onde o pávido rei dormir não pode SHAKESPEARE Henrique VI 3ª p Quando nas sestas do verão saudoso A sombra cai nos laranjais do vale Onde o vento adormece e se perfuma E os raios doiro cintilando vivos Como chuva encantada se gotejam Nas folhas do arvoredo recendente Parece que de afã dorme a natura E as aves silenciosas se mergulham No grato asilo da cheirosa sombra E que silêncio então pelas campinas A flor aberta na manhã mimosa E que os estos do sol destio murcham Cerra as folhas doridas e procura Da grama no frescor doentio leito É doce então das folhas no silêncio Penetrar o mistério da floresta Ou reclinado à sombra da mangueira Um momento dormir sonhar um pouco Ninguém que turve os sonhos de mancebo Ninguém que o indolente adormecido Roube das ilusões que o acalentam E do mole dormir o chame à vida E é tão doce dormir é tão suave Da modorra no colo embalsamado Um momento tranqüilo deslizarse Criaturas de Deus se peregrinam Invisíveis na terra consolando As almas que padecem certamente Que são anjos de Deus que aos seios tomam A fronte do poeta que descansa Ó floresta ó relva amolecida A cuja sombra em cujo doce leito É tão macio descansar nos sonhos Arvoredos do vale derramaime Sobre o corpo estendido na indolência O tépido frescor e o doce aroma E quando o vento vos tremer nos ramos E sacudirvos as abertas flores Em chuva perfumada concedeime Que encham meu leito minha face a relva Onde o mole dormir a amor convida E tu Ilná vem pois deixa em teu colo Descanse teu poeta é tão divino 26 Sorver as ilusões dos sonhos ledos Sentindo à brisa teus cabelos soltos Meu rosto encherem de perfume e gozo Tudo dorme não vês dorme comigo Pousa na minha tua face bela E o pálido cetim da tez morena Fecha teus olhos lânguidos no sono Quero sentir os túmidos suspiros No teu seio arquejar morrer nos lábios E no sono teu braço me enlaçando Ó minha noiva minha doce virgem No regaço da bela natureza Anjo de amor reclinate e descansa Neste berço de flores tua vida Límpida e pura correrá na sombra Como gota de mel em cálix branco Da flor das selvas que ninguém respira Além além nas árvores tranqüilas Uma voz acordou como um suspiro São ais sentidos de amorosa rola Que nos beijos de amor palpita e geme Ah nem tão doce a rola suspirando Modula seus gemidos namorados Não trina assim tão longa e molemente Em argentinas pérolas o canto Se exala como as notas expirantes De uma alma de mulher que chora e canta É a voz do sabiá ele dormia Ebrioso de harmonia e se embalava No silêncio na brisa e nos eflúvios Das flores de laranja Ilná ouviste É o canto saudoso da esperança É dos nossos amores a cantiga Que o aroma que exalam teus cabelos Tua lânguida voz talvez lhe inspiram Vem Ilná dáme um beijo adormeçamos A cantilena do sabiá sombrio Encanta as ilusões afaga o sono Ó minha pensativa descuidosa Eu sinto a vida bela em teu regaço Sintoa bela nas horas do silêncio Quando em teu colo me reclino e durmo E ainda os sonhos meus vivem contigo Ah vem ó minha Ilná sei harmonias Que a noite ensina ao violão saudoso E que a lua do mar influi na mente E quando eu vibro as cordas tremulosas Como alma de donzela que respira Coa nas vibrações tanta saudade Tanto sonho de amor esvaecido Que o terno coração acorda e geme E os lábios do poeta inda suspiram Anjo do meu amor se os ais da virgem 27 Têm doçuras têm lágrimas divinas É quando no silêncio e no mistério Sobre o peito do amante se derramam No sufocado alento os moles cantos Cantos de amor de sede e desperanças Que nos lábios febris lhe afoga um beijo Ouves Ilná meu violão palpita Quero lembrar um cântico de amores Fora doce ao poeta teu amante Nos ais ardentes das maviosas fibras Ouvir os teus alentos de mistura E as moles vibrações da cantilena Este meu peito remoçar um pouco Virgem do meu amor vem darme ainda Um beijo um beijo longo transbordando De mocidade e vida e nos meus sonhos Minhalma acordará sopro errabundo Da alma da virgem tremerá meus seios E a doce aspiração dos meus amores No condão da harmonia há de embalarse A HARMONIA Meu Deus se às vezes na passada vida Eu tive sensações que emudeciam Essa descrença que me dói na vida E como orvalho que a manhã vapora Em seus raios de luz a Deus me erguiam Foi quando às vezes a modinha doce Ao sol de minha terra me embalava E quando as árias de Bellini pálido Em lábios de Italiana estremeciam Ó santa Malibran fora tão doce Pelas noites suaves do silêncio Nas lágrimas de amor nos teus suspiros Na agonia de um beijo ouvir gemendo Entre meus sonhos tua voz divina Ó Paganini quando moribundo Inda a rabeca ao peito comprimias Se o hálito de Deus essa alma danjo Que das fibras do peito cavernoso Arquejava nas cordas entornando Murmúrios desperança e de ventura Se a alma de teu viver roçou passando Nalgum lábio sedento de poesia Numa alma de mulher adormecida Se algum seio tremeu ao concebêlo Esse alento de vida e de futuro Foi o teu seio Malibran divina Ah se nunca te ouvi se teus suspiros Desdêmona sentida e moribunda Nunca pude beber no teu exílio Nos sonhos virginais senti ao menos Tua pálida sombra vaporosa 28 Nesta fronte que a febre encandecera Depor um beijo suspirar passando Meu Deus e outrora se um momento a vida De poesia orvalhou meus pobres sonhos Foi nuns suspiros de mulher saudosa Foi abatida a forma desmaiada Uma pobre infeliz que descorando Fazia os prantos meus correrme aos olhos Pobre pobre mulher esses mancebos Que choravam por ti quando gemias Quando sentias a tua alma ardente No canto esvaecer pálida e bela E teu lábio afogar entre harmonias Almas que de tua alma se nutriam Que davamte seus sonhos e amorosas Desfolhavamte aos pés a flor da vida Ai quantas não sentiste palpitantes Nem ousando beijar teu véu desposa Nas longas noites nem sonhar contigo E hoje riem de ti da criatura Que insana profanou as asas brancas Que num riso sem dó uma por uma Na torrente fatal soltava rindo E as sentia boiando solitárias As flores da coroa como Ofélia Que iludida do amor vendeu a glória E deu seu colo nu a beijo impuro Eles riem de ti mas eu coitada Pranteio teu viver e te perdôo Fada branca de amor que sina escura Manchou no teu regaço as roupas santas Por que deixavas encostada ao seio A cabeça febril do libertino Por que descias das regiões doiradas E lançavas ao mar a rota lira Para vibrar tua alma em lábios dele Por que foste gemer na orgia ardente A santa inspiração de teus poetas Perder teu coração em vis amores Anjo branco de Deus que sina escura Manchou no teu regaço as roupas santas Pálida Italiana hoje esquecida O escárnio do plebeu murchou teus louros Tua voz se cansou nos ditirambos E tu não voltas com as mãos na lira Vibrar nos corações as cordas virgens E ao gênio adormecido em nossas almas Na fronte desfolhar tuas coroas 29 VIDA Oh laissemoi taimer pour que jaime la vie Pour ne point au bonheur dire un dernier adieu Pour ne point blasphémer les biens que lhomme envie Et pour ne pas douter de Dieu ALEXANDRE DUMAS I Oh falame de ti eu quero ouvirte Murmurar teu amor E nos teus lábios perfumar do peito Minha pálida flor De tua carta nas queridas folhas Eu sintome viver E as páginas do amor sobre meu peito E quando à noite delirante durmo Deitoas no peito meu Nos delíquios de amor ó minha amante Eu sonho o seio teu A alma que as inspirou que lhes deu vida E o fogo da paixão E derramou as notas doloridas Do virgem coração Eu queroas no meu peito como sonho Teu seio de donzela Para sonhar contigo o céu mais puro E a esperança mais bela II A nós a vida em flor a doce vida Recendente de amor Cheia de sonhos desperança e beijos E pálido langor A tua alma infantil junto da minha No fervor do desejo Nossos lábios ardentes descorando Comprimidos num beijo E as noites belas de luar e a febre Da vida juvenil E este amor que sonhei que só me alenta No teu colo infantil Vem comigo ao luar amemos juntos Neste vale tranqüilo De abertas flores e caídas folhas No perfumado asilo Aqui somente a rola da floresta Das sestas ao calor O tremer sentirá dos longos beijos E verá teu palor À noite encostarei a minha fronte 30 No virgem colo teu Terei por leito o vale dos amores Por tenda o azul do céu E terei tua imagem mais formosa Nas vigílias do val Será da vida meu suave aroma Teu lírio virginal IV Que importa que o anátema do mundo Se eleve contra nós Se é bela a vida num amor imenso Na solidão a sós Se nós teremos o cair da tarde E o frescor da manhã E tu és minha mãe e meus amores E minhalma de irmã Se teremos a sombra onde se esfolham As flores do retiro E a vida além de ti a vida inglória Não me vale um suspiro Bate a vida melhor dentro do peito Do campo na tristeza E o aroma vital ali do seio Derrama a natureza E aonde as flores no deserto dormem Com mais viço e frescor Abre linda também a flor da vida Da lua no palor C Oh não tremas que este olhar este abraço te digam quanto é inefável o de abandono sem receio os inebriamentos de uma voluptuosidade que deve ser eterna GOETHE Fausto Sim coroemos as noites Com as rosas do himeneu Entre flores de laranja Serás minha e serei teu Sim quero em leito de flores Tuas mãos dentro das minhas Mas os círios dos amores Sejam só as estrelinhas Por incenso os teus perfumes Suspiros por oração E por lágrimas somente As lágrimas da paixão Dos véus da noiva só tenhas Dos cílios o negro véu 31 Basta do colo o cetim Para as Madonas do céu Eu soltareite os cabelos Quero em teu colo sonhar Hei de embalarte do leito Seja lâmpada o luar Sim coroemos as noites Da laranjeira coa flor Adormeçamos num templo Mas seja o templo do amor É doce amar como os anjos Da ventura no himeneu Minha noiva ou minhamante Vem dormir no peito meu Dáme um beijo abre teus olhos Por entre esse úmido véu Se na terra és minha amante És a minhalma no céu NO TÚMULO DO MEU AMIGO JOÃO BAPTISTA DA SILVA PEREIRA JÚNIOR EPITÁFIO Perdão meu Deus se a túnica da vida Insano profaneia nos amores Se da croa dos sonhos perfumados Eu próprio desfolhei as róseas flores No vaso impuro corrompeuse o néctar A argila da existência desbotoume O sol de tua gloria abriume as pálpebras Da nódoa das paixões purificoume E quantos sonhos na ilusão da vida Quanta esperança no futuro ainda Tudo calouse pela noite eterna E eu vago errante e só na treva infinda Alma em fogo sedenta de infinito Num mundo de visões o vôo abrindo Como o vento do mar no céu noturno Entre as nuvens de Deus passei dormindo A vida é noite o sol tem véu de sangue Tateia a sombra a geração descrida Acordate mortal é no sepulcro Que a larva humana se desperta à vida Quando as harpas do peito a morte estala Um treno de pavor soluça e voa E a nota divinal que rompe as fibras Nas dulias angélicas ecoa 32 O PASTOR MORIBUNDO CANTIGA DE VIOLA A existência dolorida Cansa em meu peito eu bem sei Que morrerei Contudo da minha vida Podia alentarse a flor No teu amor Do coração nos refolhos Solta um ai num teu suspiro Eu respiro Mas fita ao menos teus olhos Sobre os meus eu queroos ver Para morrer Guarda contigo a viola onde teus olhos cantei E suspirei Só a idéia me consola Que morro como vivi Morro por ti Se um dia tualma pura Tiver saudades de mim Meu serafim Talvez notas de ternura Inspirem o doudo amor Do trovador TARDE DE VERÃO Viens Que larbre pénétré de parfums et de chants Et lobre et le soleil et londe et la verdure Et le rayonnement de toute la nature Fassent épanouir comme une double fleur La beauté sur ton front et lamour dans ton coeur V HUGO Como cheirosa e doce a tarde expira De amor e luz inunda a praia bela E o sol já roxo e trêmulo desdobra Um íris furtacor na fronte dela Deixai que eu morra só enquanto o fogo Da última febre dentro em mim vacila Não venham ilusões chamarme à vida De saudades banhar a hora tranqüila Meu Deus que eu morra em paz não me coroem De flores infecundas a agonia Oh não doire o sonhar do moribundo Lisonjeiro pincel da fantasia Exaurido de dor e desperança 33 Posso aqui respirar mais livremente Sentir ao vento dilatarse a vida Como a flor da lagoa transparente Se ela estivesse aqui no vale agora Cai doce a brisa morna desmaiando Nos murmúrios do mar fora tão doce Da tarde no palor viver amando Unila ao peito meu nos lábios dela Respirar uma vez cobrando alento A divina visão de seus amores Acordar o meu peito inda um momento Fulgura a minha amante entre meus sonhos Como a estrela do mar nas águas brilha Bebe à noite o favônio em seus cabelos Aroma mais suave que a baunilha Se ela estivesse aqui jamais tão doce O crepúsculo o céu embelecera E a tarde de verão fora mais bela Brilhando sobre a sua primavera Da lânguida pupila de seus olhos Num olhar de desdém entorna amores Como à brisa vernal na relva mole O pessegueiro em flor derrama flores Árvore florescente desta vida Que amor beleza e mocidade encantam Derrama no meu seio as tuas flores Onde as aves do céu à noite cantam Vem a areia do mar cobri de flores Perfumei de jasmins teu doce leito Podes suave ó noiva do poeta Suspirosa dormir sobre meu peito Não tardes minha vida no crepúsculo Ave da noite me acompanha a lira É um canto de amor Meu Deus que sonhos Era ainda ilusão era mentira TARDE DE OUTONO Un souvenir heureux est peutêtre sur terre Plus vrai que le bonheur ALFRED DE MUSSET O POETA Ó musa por que vieste E contigo me trouxeste A vagar na solidão Tu não sabes que a lembrança De meus anos de esperança Aqui fala ao coração 34 A SAUDADE De um puro amor a lânguida saudade É doce como a lágrima perdida Que banha no cismar um rosto virgem Volta o rosto ao passado e chora a vida O POETA Não sabes o quanto dói Uma lembrança que rói A fibra que adormeceu Foi neste vale que amei Que a primavera sonhei Aqui minhalma viveu A SAUDADE Pálidos sonhos do passado morto É doce reviver mesmo chorando A alma refazse pura Um vento aéreo Parece que do amor nos vai roubando O POETA Eu vejo ainda a janela Onde à tarde junto dela Eu lia versos de amor Como eu vivia denleio No bater daquele seio Naquele aroma de flor Creio vêla inda formosa Nos cabelos uma rosa De leve a janela abrir Tão bela meu Deus tão bela Por que amei tanto donzela Se devias me trair A SAUDADE A casa está deserta A parasita Nas paredes estampa negra cor Os aposentos o ervaçal povoa A porta é franca Entremos trovador O POETA Derramaivos prantos meus Daime mais prantos meu Deus Eu quero chorar aqui Em que sonhos de ebriedade No arrebol da mocidade Eu nesta sombra dormi Passado por que murchaste Ventura por que passaste Degenerando em saudade Do estio secouse a fonte Só ficou na minha fronte A febre da mocidade A SAUDADE Sonha poeta sonha Ali sentado No tosco assento da janela antiga Apóia sobre a mão a face pálida 35 Sorrindo dos amores à cantiga O POETA Minhalma triste se enluta Quando a voz interna escuta Que blasfema da esperança Aqui tudo se perdeu Minha pureza morreu Com o enlevo de criança Ali amante ditoso Delirante suspiroso Eflúvios dela sorvi No seu colo eu me deitava E ela tão doce cantava De amor e canto vivi Na sombra deste arvoredo Oh quantas vezes a medo Nossos lábios se tocaram E os seios onde gemia Uma voz que amor dizia Desmaiando me apertaram Foi doce nos braços teus Meu anjo belo de Deus Um instante do viver Tão doce que em mim sentia Que minhalma se esvaía E eu pensava ali morrer A SAUDADE É berço de mistério e dharmonia Seio mimoso de adorada amante A alma bebe nos sons que amor suspira A voz a doce voz de uma alma errante Tingemse os olhos de amorosa sombra Os lábios convulsivos estremecem E a vida foge ao peito apenas tinge As faces que de amor empalidecem Parece então que o agitar do gozo Nossos lábios atrai a um bem divino Da amante o beijo é puro como as flores E dela a voz é doce como um hino Dizeio vós dizei ternos amantes Almas ardentes que a paixão palpita Dizei essa emoção que o peito gela E os frios nervos num espasmo agita Vinte anos como tens doirados sonhos E como a névoa de falaz ventura Que se estende nos olhos do poeta Doira a amante de nova formosura O POETA Que gemer não me enganava Era o anjo que velava 36 Minha casta solidão São minhas noites gozadas E as venturas choradas Que vibram meu coração É tarde amores é tarde Uma centelha não arde Na cinza dos seios meus Por ela tanto chorei Que mancebo morrerei Adeus amores adeus CANTIGA I Em um castelo doirado Dorme encantada donzela Nasceu e vive dormindo Dorme tudo junto dela Adormeceua sonhando Um feiticeiro condão E dormem no seio dela As rosas do coração Dorme a lâmpada argentina Defronte do leito seu Noite a noite a lua triste Vem espreitála do céu Voam os sonhos errantes Do leito sob o dossel E suspiram no alaúde As notas do menestrel E no castelo sozinha Dorme encantada donzela Nasceu e vive dormindo Dorme tudo junto dela Dormem cheirosas abrindo As roseiras em botão E dormem no seio dela As rosas do coração II A donzela adormecida É a tua alma santinha Que não sonha nas saudades E nos amores da minha Nos meus amores que velam Debaixo do teu dossel E suspiram no alaúde As notas do menestrel Acorda minha donzela Foise a lua eis a manhã 37 E nos céus da primavera É a aurora tua irmã Abriram no vale as flores Sorrindo na fresquidão Entre as rosas da campina Abramse as do coração Acorda minha donzela Soltemos da infância o véu Se nós morrermos num beijo Acordaremos no céu SAUDADES Tis vain to struggle let me perish young BYRON Foi por ti que num sonho de ventura A flor da mocidade consumi E às primaveras disse adeus tão cedo E na idade do amor envelheci Vinte anos derrameios gota a gota Num abismo de dor e esquecimento De fogosas visões nutri meu peito Vinte anos sem viver um só momento Contudo no passado uma esperança Tanto amor e ventura prometia E uma virgem tão doce tão divina Nos sonhos junto a mim adormecia Quando eu lia com ela e no romance Suspirava melhor ardente nota E Jocelyn sonhava com Laurence Ou Werther se morria por Carlota Eu sentia a tremer e a transluzirlhe Nos olhos negros a alma inocentinha E uma furtiva lágrima rolando Da face dela umedecer a minha E quantas vezes o luar tardio Não viu nossos amores inocentes Não embalouse da morena virgem No suspirar nos cânticos ardentes E quantas vezes não dormi sonhando Eterno amor eternas as venturas E que o céu ia abrirse e entre os anjos Eu ia despertar em noites puras Foi esse o amor primeiro requeimoume As artérias febris de juventude Acordoume dos sonhos da existência 38 Na harmonia primeira do alaúde Meu Deus e quantas eu amei Contudo Das noites voluptuosas da existência Só restamme saudades dessas horas Que iluminou tua alma dinocência Foram três noites só três noites belas De lua e de verão no val saudoso Que eu pensava existir sentindo o peito Sobre teu coração morrer de gozo E por três noites padeci três anos Na vida cheia de saudade infinda Três anos de esperança e de martírio Três anos de sofrer e espero ainda A ti se ergueram meus doridos versos Reflexos sem calor de um sol intenso Voteios à imagem dos amores Pra velála nos sonhos como incenso Eu sonhei tanto amor tantas venturas Tantas noites de febre e desperança Mas hoje o coração parado e frio Do meu peito no túmulo descansa Pálida sombra dos amores santos Passa quando eu morrer no meu jazigo Ajoelha ao luar e entoa um canto Que lá na morte eu sonharei contigo 12 de setembro 1852 ESPERANÇAS Oh si elle meût aimé ALFRED DE VIGNY Chatterton Se a ilusão de minhalma foi mentida E leviana da árvore da vida As flores desbotei Se por sonhos do amor de uma donzela Imolei meu porvir e o ser por ela Em prantos esgotei Se a alma consumi na dor que mata E banhei de uma lágrima insensata A última esperança Oh não me odeies não eu te amo ainda Como dos mares pela noite infinda A estrela da bonança Como nas folhas do Missal do templo Os mistérios de Deus em ti contemplo E na tualma os sinto 39 Às vezes delirante se eu maldigo As esperanças que sonhei contigo Perdoame que minto Oh não me odeies não eu te amo ainda Como do peito a aspiração infinda Que me influi o viver E como a nuvem de azulado incenso Como eu amo esse afeto único imenso Que me fará morrer Rompeste a alva túnica luzente Que eu doirava por ti de amor demente E aromei de abusões Desteme em troco lágrimas aspérrimas Ah que morreram a sangrar misérrimas As minhas ilusões Nos encantos das fadas da ventura Podes dormir ao sol da formosura Sempre bela e feliz Irmã dos anjos sonharei contigo A alma a quem negaste o último abrigo Chora não te maldiz Chora e sonha e espera a negra sina Talvez no céu se apague em purpurina Alvorada de amor E eu acorde no céu num teu abraço E repouse tremendo em teu regaço Teu pobre sonhador VIRGEM MORTA Oh make her a grave where the sunbeams rest When they promise a glorious morrow Theyll shine oer sleep like a smile from the West From her own lovd island of sorrow TH MOORE Lá bem na extrema da floresta virgem Onde na praia em flor o mar suspira Lá onde geme a brisa do crepúsculo E mais poesia o arrebol transpira Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta No leito mole da molhada areia Deitem o corpo da beleza morta Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores Vistamna de cetim e o véu de noiva Lhe desdobrem da face nos palores Vagueie em torno de saudosas virgens Errando à noite a lamentosa turma E entre cânticos de amor e de saudade 40 Junto às ondas do mar a virgem durma Às brisas da saudade soluçantes Aí em tarde misteriosa e bela Entregarei as cordas do alaúde E irei meus sonhos prantear por ela Quero eu mesmo de rosa o leito encherlhe E de amorosos prantos perfumála E a essência dos cânticos divinos No túmulo da virgem derramála Que importa que ela durma descorada E velasse o palor a cor do pejo Quero a delícia que o amor sonhava Nos lábios dela pressentir num beijo Desbotada coroa do poeta Foi ela mesma quem prendeute flores Ungiuas no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores Na minha fronte riu de ti passando Dos sepulcros o vento peregrino Irei eu mesmo desfolharte agora Da fronte dela no palor divino E contudo eu sonhava e pressuroso Da esperança o licor sorvi sedento Ai que tudo passou só resta agora O sorriso de um anjo macilento Ó minha amante minha doce virgem Eu não te profanei tu dormes pura No sono do mistério qual na vida Podes sonhar ainda na ventura Bem cedo ao menos eu serei contigo Na dor do coração a morte leio Poderei amanhã talvez meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio E tu vida que amei pelos teus vales Com ela sonharei eternamente Nas noites junto ao mar e no silêncio Que das notas enchi da lira ardente Dorme ali minha paz minha esperança Minha sina de amor morreu com ela E o gênio do poeta lira eólia Que tremia ao alento da donzela Quesperanças meu Deus E o mundo agora Se inunda em tanto sol no céu da tarde Acorda coração Mas no meu peito Lábio de morte murmurou É tarde É tarde e quando o peito estremecia Sentirme abandonado e moribundo 41 É tarde é tarde ó ilusões da vida Morreu com ela da esperança o mundo No leito virginal de minha noiva Quero nas sombras do verão da vida Prantear os meus únicos amores Das minhas noites a visão perdida Quero ali ao luar sentir passando Por alta noite a viração marinha E ouvir bem junto às flores do sepulcro Os sonhos de sualma inocentinha E quando a mágoa devorar meu peito E quando eu morra de esperar por ela Deixai que eu durma ali e que descanse Na morte ao menos sobre o seio dela HINOS DO PROFETA UM CANTO DO SÉCULO Spiritus meus attenuabitur dies mei Breviabuntur et solum mihi superest Sepulchrum JOB Debalde nos meus sonhos de ventura Tento alentar minha esperança morta E voltome ao porvir A minha alma só canta a sepultura E nem última ilusão beija e conforta Meu suarento dormir Debalde que exauriume o desalento A flor que aos lábios meus um anjo dera Mirrou na solidão Do meu inverno pelo céu nevoento Não se levantará nem primavera Nem raio de verão Invejo as flores que murchando morrem E as aves que desmaiamse cantando E expiram sem sofrer As minhas veias inda ardentes correm E na febre da vida agonizando Eu me sinto morrer Tenho febre meu cérebro transborda Eu morrerei mancebo inda sonhando Da esperança o fulgor Oh cantemos ainda a última corda Inda palpita morrerei cantando O meu hino de amor Meu sonho foi a glória dos valentes De um nome de guerreiro a eternidade Nos hinos seculares Foi nas praças de sangue ainda quentes 42 Desdobrar o pendão da liberdade Nas frontes populares Meu amor foi a verde laranjeira Cheia de sombra à noite abrindo as flores Melhor que ao meiodia A várzea longa a lua forasteira Que pálida como eu sonhando amores De névoa se cobria Meu amor foi o sol que madrugava O canto matinal dos passarinhos E a rosa predileta Fui um louco meu Deus quando tentava Descorado e febril manchar no vinho Meus louros de poeta Meu amor foi o sonho dos poetas O belo o gênio de um porvir liberto A sagrada utopia E à noite pranteei como os profetas Dei lágrimas de sangue no deserto Dos povos à agonia Meu amor foi a mãe que me alentava Que viveu esperou por minha vida E pranteia por mim E a sombra solitária que eu sonhava Lânguida como vibração perdida De roto bandolim E agora o único amor o amor eterno Que no fundo do peito aqui murmura E acende os sonhos meus Que lança algum luar no meu inverno Que minha vida no penar apura É o amor de meu Deus É só no eflúvio desse amor imenso Que a alma derrama as emoções cativas Em suspiros sem dor E no vapor do consagrado incenso Que as sombras da esperança redivivas Nos beijam o palor Eu vaguei pela vida sem conforto Esperei minha amante noite e dia E o ideal não veio Farto de vida breve serei morto Nem poderei ao menos na agonia Descansarlhe no seio Passei como Don Juan entre as donzelas Suspirei as canções mais doloridas E ninguém me escutou Oh nunca à virgem flor das faces belas Sorvi o mel nas longas despedidas Meu Deus ninguém me amou Vivi na solidão odeio o mundo 43 E no orgulho embucei meu rosto pálido Como um astro nublado Rime da vida lupanar imundo Onde se volve o libertino esquálido Na treva profanado Quantos hei visto desbotarem frios Manchados de embriaguez da orgia em meio Nas infâmias do vício E quantos morreram inda sombrios Sem remorso dos negros devaneios Sentindo o precipício Quanta alma pura e virgem menestrel Que adormeceu no tremedal sem fundo No lodo se manchou Que liras estaladas no bordel E que poetas que perdeu o mundo Em Bocage e Marlowe Morrer ali na sombra na taverna A alma que em si continha um canto aéreo No peito solitário Sublime como a nota obscura eterna Que o bronze vibra em noites de mistério No escuro campanário O meus amigos deve ser terrível Sobre as tábuas imundas inda ebrioso Na solidão morrer Sentir as sombras dessa noite horrível Surgirem dentre o leito pavoroso Sem um Deus para crer Sentir que a alma desbotado lírio Dum mundo ignoto vagará chorando Na treva mais escura E o cadáver sem lágrimas nem círio Na calçada da rua desbotando Não terá sepultura Perdoalhes meu Deus o sol da vida Nas artérias inflama o sangue em lava E o cérebro varia O século na vaga enfurecida Mergulha a geração que se acordava E nuta de agonia São tristes deste século os destinos Seiva mortal as flores que despontam Infecta em seu abrir E o cadafalso e a voz dos Girondinos Não falam mais na glória e não apontam A aurora do porvir Fora belo talvez em pé de novo Como Byron surgir ou na tormenta O homem de Waterloo Com sua idéia iluminar um povo Como o trovão da nuvem que rebenta 44 E o raio derramou Fora belo talvez sentir no crânio A alma de Goethe e resumir na fibra Milton Homero e Dante Sonharse num delírio momentâneo A alma da criação e o som que vibra A terra palpitante Mas ah o viajor nos cemitérios Nessas nuas caveiras não escuta Vossas almas errantes Do estandarte medonho nos impérios A morte leviana prostituta Não distingue os amantes Eu pobre sonhador eu terra inculta Onde não fecundouse uma semente Convosco dormirei E dentre nós a multidão estulta Não vos distinguirá a fronte ardente Do crânio que animei Ó morte a que mistério me destinas Esse átomo de luz que inda me alenta Quando o corpo morrer Voltará amanhã aziagas sinas À terra numa face macilenta Esperar e sofrer Meu Deus antes meu Deus que uma outra vida Com teu braço eternal meu ser esmaga E minhalma aniquila A estrela de verão no céu perdida Também às vezes seu alento apaga Numa noite tranqüila II LÁGRIMAS DE SANGUE Taedet animam meam vitae meae JOB Ao pé das aras ao clarão dos círios Eu te devera consagrar meus dias Perdão meu Deus perdão Se neguei meu Senhor nos meus delírios E um canto de enganosas melodias Levou meu coração Só tu só tu podias o meu peito Fartar de imenso amor e luz infinda E uma saudade calma Ao sol de tua fé doirar meu leito E de fulgores inundar ainda A aurora na minhalma Pela treva do espírito lanceime Pras esperanças suicideime rindo Sufocandoas sem dó No vale dos cadáveres senteime 45 E minhas flores semeei sorrindo Dos túmulos no pó Indolente Vestal deixei no templo A pira se apagar na noite escura O meu gênio descreu Volteime para a vida só contemplo A cinza da ilusão que ali murmura Morre tudo morreu Cinzas cinzas Meu Deus só tu podias À alma que se perdeu bradar de novo Ressurgete ao amor Macilento das minhas agonias Eu deixaria as multidões do povo Para amar o Senhor Do leito aonde o vício acalentoume O meu primeiro amor fugiu chorando Pobre virgem de Deus Um vendaval sem norte arrebatoume Acordeime na treva profanando Os puros sonhos meus Oh se eu pudesse amar É impossível Mão fatal escreveu na minha vida A dor me envelheceu O desespero pálido impassível Agoirou minha aurora entristecida De meu astro descreu Oh se eu pudesse amar Mas não agora Que a dor emurcheceu meus breves dias Quero na cruz sanguenta Derramálos na lágrima que implora Que mendiga perdão pela agonia Da noite lutulenta Quero na solidão nas ermas grutas A tua sombra procurar chorando Com meu olhar incerto As pálpebras doridas nunca enxutas Queimarei teus fantasmas invocando No vento do deserto De meus dias a lâmpada se apaga Roeram meu viver mortais venenos Curvome ao vento forte Teu fúnebre clarão que a noite alaga Como a estrela oriental me guie ao menos Té ao vale da morte No mar dos vivos o cadáver bóia A lua é descorada como um crânio Este sol não reluz Quando na morte a pálpebra se engóia O anjo desperta em nós e subitânio Voa ao mundo da luz Do val de Josafá pelas gargantas 46 Uiva na treva o temporal sem norte E os fantasmas murmuram Irei deitarme nessas trevas santas Banharme na friez lustral da morte Onde as almas se apuram Mordendo as clinas do corcel da sombra Sufocado arquejante passarei Na noite do infinito Ouvirei essa voz que a treva assombra Dos lábios de minhalma entornarei O meu cântico aflito Flores cheias de aroma e de alegria Por que na primavera abrir cheirosas E orvalharvos abrindo As torrentes da morte vêm sombrias Hão de amanhã nas águas tenebrosas Vos arrastar bramindo Morrer morrer É voz das sepulturas Como a lua nas salas festivais A morte em nós se estampa E os pobres sonhadores de venturas Roxeiam amanhã nos funerais E vão rolar na campa Que vale a glória a saudação que enleva Dos hinos triunfais na ardente nota E as turbas devaneia Tudo isso é vão e calase na treva Tudo é vão como em lábios de idiota Cantiga sem idéia Que importa quando a morte se descarna A esperança do céu flutua e brilha Do túmulo no leito O sepulcro é o ventre onde se encarna Um verbo divinal que Deus perfilha E abisma no seu peito Não chorem que essa lágrima profunda Ao cadáver sem luz não dá conforto Não o acorda um momento Quando a treva medonha o peito inunda Derramase nas pálpebras do morto Luar de esquecimento Caminha no deserto a caravana Numa noite sem lua arqueja e chora O termo é um sigilo O meu peito cansou da vida insana Da cruz à sombra junto aos meus agora Eu dormirei tranqüilo Dorme ali muito amor muitas amantes Donzelas puras que eu sonhei chorando E vi adormecer Ouço da terra cânticos cânticos errantes E as almas saudosas suspirando 47 Que falam em morrer Aqui dormem sagradas esperanças Almas sublimes que o amor erguia E gelaram tão cedo Meu pobre sonhador aí descansas Coração que a existência consumia E roeu em segredo Quando o trovão romper as sepulturas Os crânios confundidos acordando No lodo tremerão No lodo pelas tênebras impuras Os ossos estalados tiritando Dos vales surgirão Como rugindo a chama encarcerada Dos negros flancos do vulcão rebenta Golfejando nos céus Entre nuvem ardente e trovejada Minhalma se erguerá fria sangrenta Ao trono de meu Deus Perdoa meu Senhor O errante crente Nos desesperos em que a mente abrasas Não o arrojes plo crime Se eu fui um anjo que descreu demente E no oceano do mal rompeu as asas Perdão arrependime III A TEMPESTADE FRAGMENTO Profeta escarnecido pelas turbas Disselhes rindo adeus Vim adorar na serrania escura A sombra de meu Deus O céu enegreceu lá no ocidente Rubro o sol se apagou E galopa o corcel da tempestade Nas nuvens que rasgou Da gruta negra a catarata rola Alaga a serra bronca Esbarra pelo abismo escuma uivando E pelas trevas ronca O chão nu e escarvado plas torrentes Trêmulo se fendeu Da serrania a lomba escaveirada O raio enegreceu Cede a floresta ao arquejar fremente Do rijo temporal Ribomba e rola o raio nos abismos Sibila o vendaval Nas trevas o relâmpago fascina A selva se incendeia 48 Chuva de fogo pelas serras hirtas Fantástica serpeia Amo a voz da tempestade Porque agita o coração E o espírito inflamado Abre as asas no trovão A minhalma se devora Na vida morta e tranqüila Quero sentir emoções Ver o raio que vacila Enquanto as raças medrosas Banham de prantos o chão Eu quero erguerme na treva Saudar glorioso trovão Jeová derrama em chuva Os teus raios incendidos Tua voz na tempestade Reboa nos meus ouvidos É quando as nuvens ribombam E a selva medonha está Que no relâmpago surge A face de Jeová A tuba da tempestade Rouqueja nos longos céus De joelhos na montanha Espero agora meu Deus O caminho rasgouse mil torrentes Rebentam bravejando Rodam na espuma as rochas gigantescas Pelo abismo tombando Como em noite do caos os elementos incandescentes lutam Negra a terra o céu rubro o mar vozeia E as florestas escutam Tudo se escureceu e pela treva No chão sem sepultura Os mortos se revolvem tiritando Na longa noite escura Profeta escarnecido pelas turbas Disselhes rindo adeus Vim fitar ao clarão da tempestade A sombra de meu Deus 49 LEMBRANÇA DE MORRER No more O never more SHELLEY Quando em meu peito rebentarse a fibra Que o espírito enlaça à dor vivente Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto o poento caminheiro Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro Como o desterro de minhalma errante Onde fogo insensato a consumia Só levo uma saudade é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia Só levo uma saudade e dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas E de ti ó minha mãe pobre coitada Que por minhas tristezas te definhas De meu pai de meus únicos amigos Poucos bem poucos e que não zombavam Quando em noites de febre endoudecido Minhas pálidas crenças duvidavam Se uma lágrima as pálpebras me inunda Se um suspiro nos seios treme ainda É pela virgem que sonhei que nunca Aos lábios me encostou a face linda Ó tu que à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores Se vivi foi por ti e de esperança De na vida gozar de teus amores Beijarei a verdade santa e nua Verei cristalizarse o sonho amigo Ó minha virgem dos errantes sonhos Filha do céu eu vou amar contigo Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida À sombra de uma cruz e escrevam nela Foi poeta sonhou e amou na vida Sombras do vale noites da montanha Que minhalma cantou e amava tanto Protejei o meu corpo abandonado E no silêncio derramailhe um canto 50 Mas quando preludia ave daurora E quando à meianoite o céu repousa Arvoredos do bosque abri as ramas Deixai a lua pratearme a lousa Cuidado leitor ao voltar esta página Aqui dissipase o mundo visionário e platônico Vamos entrar num mundo novo terra fantástica verdadeira ilha Baratária de D Quixote onde Sancho é rei e vivem Panúrgio sir John Falstaff Bardolph Fígaro e o Sganarello de D João Tenório a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban A razão é simples É que a unidade deste livro fundase numa binomia duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro verdadeira medalha de duas faces Demais perdoemme os poetas do tempo isto aqui é um tema senão mais novo menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fasbionable desde Werther até René Por um espírito de contradição quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas preferem um conto de Bocaccio uma caricatura de Rabelais uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre divisível até ao extremo dos liliputianos poetastros Antes da Quaresma há o Carnaval Há uma crise nos séculos como nos homens É quando a poesia cegou deslumbrada de fitarse no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro O poeta acorda na terra Demais o poeta é homem Homo sum como dizia o célebre Romano Vê ouve sente e o que é mais sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado Tem nervos tem fibra e tem artérias isto é antes e depois de ser um ente idealista é um ente que tem corpo E digam o que quiserem sem esses elementos que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos não há poesia O que acontece Na exaustão causada pelo sentimentalismo a alma ainda trêmula e ressoante da febre do sangue a alma que ama e canta porque sua vida é amor e canto o que pode senão fazer o poema dos amores da vida real Poema talvez novo mas que encerra em si muita verdade e muita natureza e que sem ser obsceno pode ser erótico sem ser monótono Digam e creiam o que quiserem todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua Depois a doença da vida que não dá ao mundo objetivo cores tão azuladas como o nome britânico de blue devils descarna e injeta de fel cada vez mais o coração Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa vem a sátira que morde É assim Depois dos poemas épicos Homero escreveu o poema irônico Goethe depois de Werther criou o Faust Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan Don Juan que começa como Cain pelo amor e acaba como ele pela descrença venenosa e sarcástica Agora basta Ficarás tão adiantado agora meu leitor como se não lesses essas páginas destinadas a não serem lidas Deus me perdoe assim é tudo até prefácios 51 SEGUNDA PARTE UM CADÁVER DE POETA Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver Tu não pesaste sobre a terra a terra te seja leve L UHLAND I De tanta inspiração e tanta vida Que os nervos convulsivos inflamava E ardia sem conforto O que resta uma sombra esvaecida Um triste que sem mãe agonizava Resta um poeta morto Morrer E resvalar na sepultura Frias na fronte as ilusões no peito Quebrado o coração Nem saudades levar da vida impura Onde arquejou de fome sem um leito Em treva e solidão Tu foste como o sol tu parecias Ter na aurora da vida a eternidade Na larga fronte escrita Porém não voltarás como surgias Apagouse teu sol da mocidade Numa treva maldita Tua estrela mentiu E do fadário De tua vida a página primeira Na tumba se rasgou Pobre gênio de Deus nem um sudário Nem túmulo nem cruz como a caveira Que um lobo devorou II Morreu um trovador morreu de fome Acharamno deitado no caminho 52 Tão doce era o semblante Sobre os lábios Flutuavalhe um riso esperançoso E o morto parecia adormecido Ninguém ao peito recostoulhe a fronte Nas horas da agonia Nem um beijo Em boca de mulher nem mão amiga Fechou ao trovador os tristes olhos Ninguém chorou por ele No seu peito Não havia colar nem bolsa doiro Tinha até seu punhal um férreo punho Pobretão não valia a sepultura Todos o viram e passavam todos Contudo era bem morto desde a aurora Ninguém lançoulhe junto ao corpo imóvel Um ceitil para a cova nem sudário O mundo tem razão sisudo pensa E a turba tem um cérebro sublime De que vale um poeta um pobre louco Que leva os dias a sonhar insano Amante de utopias e virtudes E num templo sem Deus ainda crente A poesia é decerto uma loucura Sêneca o disse um homem de renome É um defeito no cérebro Que doUdos É um grande favor é muita esmola Dizerlhes bravo à inspiração divina E quando tremem de miséria e fome Darlhes um leito no hospital dos loucos Quando é gelada a fronte sonhadora Por que há de o vivo que despreza rimas Cansar os braços arrastando um morto Ou pagar os salários do coveiro A bolsa esvaziar por um misérrimo Quando a emprega melhor em lodo e vício E que venham aí falarme em Tasso Culpar Afonso dEst um soberano Por não lhe dar a mão da irmã fidalga 53 Um poeta é um poeta apenas isso Procure para amar as poetisas Se na França a princesa Margarida De Francisco primeiro irmã formosa Ao poeta Alain Chartier adormecido Deu nos lábios um beijo é que esta moça Apesar de princesa era uma douda E a prova é que também rondós fazia Se Riccio o trovador teve os amores Novela até bastante duvidosa Dessa Maria Stuart formosíssima É que ela sabeo Deus fez tanta asneira Que não admira que a um poeta amasse Por isso adoro o libertino Horácio Namorou algum dia uma parenta Do patrono Mecenas Parasita Só pedia dinheiro no triclínio Bebia vinho bom e não vivia Fazendo versos às irmãs de Augusto E quem era Camões Por ter perdido Um olho na batalha e ser valente Às esmolas valeu Mas quanto ao resto Por fazer umas trovas de vadio Deveriam lhe dar além de glória E essa deramlhe à farta algum bispado Alguma dessas gordas sinecuras Que se davam a idiotas fidalguias Deixemse de visões queimemse os versos O mundo não avança por cantigas Creiam do poviléu os trovadores Que um poema não val meia princesa Um poema contudo bem escrito Bem limado e bem cheio de tetéias Nas horas do café lido fumando Ou no campo na sombra do arvoredo Quando se quer dormir e não há sono 54 Tem o mesmo valor que a dormideira Mas não passe dali do vate a mente Tudo o mais são orgulhos são loucuras Faublas tem mais leitores do que Homero Um poeta no mundo tem apenas O valor de um canário de gaiola É prazer de um momento é mero luxo Contentese em traçar nas folhas brancas De algum Álbum da moda umas quadrinhas Nem faça apelações para o futuro O homem é sempre o homem Tem juízo Desde que o mundo é mundo assim cogita Nem há negálo não há doce lira Nem sangue de poeta ou alma virgem Que valha o talismã que no oiro vibra Nem músicas nem santas harmonias Igualam o condão esse eletrismo A ardente vibração do som metálico Meu Deus e assim fizeste a criatura Amassaste no lodo o peito humano Ó poeta silêncio é este o homem A feitura de Deus a imagem dele O rei da criação Que verme infame Não Deus porém Satã no peito vácuo Uma corda prendeute o egoísmo Oh miséria meu Deus e que miséria III Passou ElRei ali com seus fidalgos Iam a degolar uns insolentes Que ousaram murmurar da infâmia régia Das nódoas de uma vida libertina Iam em grande gala O Rei cismava Na glória de espetar no pelourinho A cabeça de um pobre degolado Era um Rei bonvivant e Rei devoto 55 E como Luís XI ao lado tinha O bobo o capelão e seu carrasco O cavalo do Rei sentindo o morto Tremente de terror parou nitrindo Deu desporas leviano o cavaleiro E disse ao capelão E não enterram Esse homem que apodrece e no caminho Assustame o corcel Depois voltouse E disse ao camarista de semana Conheces o defunto Era inda moço Daria certamente um bom soldado A figura é esbelta Forte pena Podia bem servir para um lacaio Descoberto o faceiro fidalgote Respondelhe fazendo a cortesia Pelas tripas do Papa eu não me engano Leveme Satanás se este defunto Ontem não era o trovador Tancredo Tancredo murmurou erguendo os óculos Um anfíbio um barbaças truanesco Alma de Triboulet que além de bobo Era o vate da corte bem nutrido Farto de sangue mas de veia pobre Caidos beiços volumoso abdoômen Grisalha cabeleira esparramada Tremendo narigão mas testa curta Em suma um glosador de sobremesas Tancredo repetiu imaginando Um asno só cantava para o povo Uma língua de fel um insolente Orgulho desmedido e quanto aos versos Morava como um sapo nágua doce Não sabia fazer um trocadilho 56 O rei passou com ele a companhia Só ficou ressupino e macilento Da estrada em meio o trovador defunto IV Ia caindo o sol Bem reclinado No vagaroso coche madornado Depois de bem jantar fazendo a sesta Roncava um nédio um barrigudo frade Bochechas e nariz em cima uns óculos Vermelho solidéu enfim um bispo E um bispo senhor Deus da idade média Em que os bispos como hoje e mais ainda Sob o peso da cruz bem rubicundos Dormindo bem e a regalar bebendo Sabiam engordar na sinecura Papudos santarrões depois da missa Lançando ao povo a bênção por dinheiro O cocheiro ia bêbado por certo Os cavalos tocou plo bom caminho Mesmo em cima das pernas do cadáver Refugou a parelha mas o sota Que ao sol da glória episcopal enchia De orgulho e de insolência o couro inerte Cuspindo o poviléu como um fidalgo Que em falta de miolo tinha vinho Na cabeça devassa deu de esporas Como passara sobre a vil carniça Raléu de corvos negros foi por cima Mas desgraça maldito aquele morto Desgraça não porque pisasse o coche Aqueles magros ossos mas a roda Na humana resistência abalroando E acorda o fradalhão O que sucede Pergunta bocejando é algum bêbado Em que bicho pisaram 57 Senhor bispo Triunfante responde o bom cocheiro Ao vigário de Cristo ao santo Apóstolom Rebento da fidalga raça nova Que não anda de pé como S Pedro Nem estafa os corcéis de S Francisco Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima É um pobre diabo de poeta Um homem sem miolo e sem barriga Que lembrouse de vir morrer na estrada Abrenúncio rouqueja o santo bispo Leve o Diabo essa tribo de boêmios Não há tanto lugar onde se morra Maldita gente inda persegue os Santos Depois que o Diabo a leva E foi caminho Levete Deus Apóstolo da crença Da esperança e da santa caridade Tu sim és religioso e nos altares Vem cada sacristão e cada monge Agita a teus pés o seu turíbulo E o sangue do Senhor no cálix doiro Da turba na oração te banha os lábios Levete Deus Apóstolo da crença Sem padres como tu que fora o mundo É por ti que o altar apóia o trono É teu olhar que fertiliza os vales Fecunda a vinha santa do Messias Levete Deus ou levete o Demônio V Caiu a noite do azulado manto Como gotas de orvalho sacudindo Estrelas cintilantes Veio a lua 58 Banhando de tristeza o céu profundo Trazer aos corações melancolia E no éter cheiroso derramar Cerúlea chama Dia incerto e pálido Que ao lado da floresta as sombras junta E golfa pelas águas das campinas Alvacentos clarões que as flores bebem A galope de volta do noivado Passa o Conde Solfier e a noiva Elfrida Seguem fidalgos que o sarau reclama Elfrida Não vês Solfier ali da estrada em meio Um defunto estendido Solfier Ó minha Elfrida Voltemos desse lado outro caminho Se dirige ao castelo É mau agouro Por um morto passar em noites destas Mas Elfrida aproxima o seu cavalo Elfrida Tancredo Vede é o trovador Tancredo Coitado assim morrer um pobre moço Sem mãe e sem irmã E não o enterram Neste mundo não teve um só amigo Ninguém senhora respondeu da sombra Uma dorida voz Eu vim há pouco Ao saber que do povo no abandono Jazia como um cão eu vim e eu mesmo Cavei junto do lago a cova dele Elfrida 59 Tendes um coração tomai mancebo Tomai essa pulseira Em ouro e jóias Tem bastante pra erguerlhe um monumento E para longas missas lhe dizerem Pelo repouso dalma O moço riuse O Desconhecido Obrigado guardai as vossas jóias Tancredo o trovador morreu de fome Passaramlhe no corpo frio e morto Salpicaram de lodo a face dele Talvez cuspissem nesta fronte santa Cheia outrora de eternas fantasias De idéias a valer um mundo inteiro Por que lançar esmolas ao cadáver Levaas fidalga tuas jóias belas O orgulho do plebeu as vê sorrindo Missas bem sabe Deus se neste mundo Gemeu alma tão pura como a dele Foi um anjo e murchouse como as flores Morreu sorrindo como as virgens morrem Alma doce que os homens enjeitaram Lírio que a turba imunda profanou Oh não te mancharei nem a lembrança Com o óbolo dos ricos Pobre corpo És o templo deserto onde habitava O Deus que em ti sofreu por um momento Dorme pobre Tancredo eu tenho braços Na cova negra dormirás tranqüilo Tu repousas ao menos No entanto sofreando a custo a raiva Mordendo os lábios de soberba e fúria Solfier da bainha arranca a espada Avança ao moço e bradalhe 60 Insolente Calate doudo Calate mendigo Não vês quem te falou Curva o joelho Tira o gorro vilão O Desconhecido Tu vês não tremo Tu não vales o vento que salpica Tua fronte de pó Porque és fidalgo Não sabes que um punhal vale uma espada Dentro do coração Mas logo Elfrida Acalmate Solfier O triste moço Desespera blasfema e não me insulta Perdoame também mancebo triste Não pensei ofender tamanho orgulho Tua mágoa respeito Só te imploro Que sobre a fronte ao trovador desfolhes Essas flores as flores do noivado De uma triste mulher E quanto às jóias Lançaas no lago Mas quem és teu nome O Desconhecido Quem sou um doudo uma alma de insensato Que Deus maldisse e que Satã devora Um corpo moribundo em que se nutre Uma centelha de pungente fogo Um raio divinal que dói e mata Que doira as nuvens e amortalha a terra Uma alma como o pó em que se pisa Um bastardo de Deus um vagabundo A que o gênio gravou na fronte anátema Desses que a turba com o seu dedo aponta Mas não não hei de sêlo eu juro nalma Pela caveira pelas negras cinzas De minha mãe o juro Agora há pouco Junto de um morto reneguei do gênio 61 Quebrei a lira à pedra de um sepulcro Eu era um trovador sou um mendigo Ergueu do chão a dádiva dElfrida Roçou as flores aos trementes lábios Beijouas Sobre o peito de Tancredo Pousouas lentamente Em nome dele Agradeço estas flores do teu seio Anjo que sobre um túmulo desfolhas Tuas últimas flores de donzela Depois vibrou na lira estranhas mágoas Carpiu à longa noite escuras nênias Cantou banhou de lágrimas o morto De repente parou vibrou a lira Coas mãos iradas trêmulas e as cordas Uma por uma rebentou cantando Tinha fogo no crânio e sufocava Passou a fria mão nas fontes úmidas Abriu a medo os lábios convulsivos Sorriu de desespero e sempre rindo Quebrou as jóias e as lançou no abismo VI No outro dia na borda do caminho Deitado ao pé de um fosso aberto apenas Viuse um mancebo loiro que morria Semblante feminil e formas débeis Mas nos palores da espaçosa fronte Uma sombria dor cavara sulcos Corria sobre os lábios alvacentos Uma leve umidez um ló descuma E seus dentes a raiva constringira Tinha os punhos cerrados Sobre o peito Acharam letras de uma língua estranha E um vidro sem licor fora veneno Ninguém o conheceu mas conta o povo 62 Que ao lançálo no túmulo o coveiro Quis roubarlhe o gibão despiu o moço E viu talvez é falso níveos seios Um corpo de mulher de formas puras VII Na tumba dormem os mistérios dambos Da morte o negro véu não há erguêlo Romance obscuro de paixões ignotas Poema desperança e desventura Quando a aurora mais bela os encantava Talvez rompeuse no sepulcro deles Não pode o bardo revelar segredos Que levaram ao céu as ternas sombras Desfolha apenas nessas frontes puras Da extrema inspiração as flores murchas IDÉIAS ÍNTIMAS Fragmento La chaise où je massieds la natte où je me couche La table ou je técris Mes gros souliers ferrés mon baton mon chapeau Mês libres pêlemêle entassés sur leur planche De cet espace étroit sont tout lameublement LAMARTINE Jocelyn I Ossian o bardo é triste como a sombra Que seus cantos povoa O Lamartine É monótono e belo como a noite Como a lua no mar e o som das ondas Mas pranteia uma eterna monodia Tem na lira do gênio uma só corda Fibra de amor e Deus que um sopro agita Se desmaia de amor a Deus se volta Se pranteia por Deus de amor suspira 63 Basta de Shakespeare Vem tu agora Fantástico alemão poeta ardente Que ilumina o clarão das gotas pálidas Do nobre Johannisberg Nos teus romances Meu coração deleitase Contudo Pareceme que vou perdendo o gosto Vou ficando blasé passeio os dias Pelo meu corredor sem companheiro Sem ler nem poetar Vivo fumando Minha casa não tem menores névoas Que as deste céu dinverno Solitário Passo as noites aqui e os dias longos Deime agora ao charuto em corpo e alma Debalde ali de um canto um beijo implora Como a beleza que o Sultão despreza Meu cachimbo alemão abandonado Não passeio a cavalo e não namoro Odeio o lasquenet Palavra dhonra Se assim me continuam por dois meses Os diabos azuis nos frouxos membros Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso II Enchi o meu salão de mil figuras Aqui voa um cavalo no galope Um roxo dominó as costas volta A um cavaleiro de alemães bigodes Um preto beberrão sobre uma pipa Aos grossos beiços a garrafa aperta Ao longo das paredes se derramam Extintas inscrições de versos mortos E mortos ao nascer Ali na alcova Em águas negras se levanta a ilha Romântica sombria à flor das ondas De um rio que se perde na floresta Um sonho de mancebo e de poeta ElDorado de amor que a mente cria Como um Éden de noites deleitosas Era ali que eu podia no silêncio Junto de um anjo Além o romantismo 64 Borra adiante folgaz caricatura Com tinta de escrever e pó vermelho A gorda face o volumoso abdômen E a grossa penca do nariz purpúreo Do alegre vendilhão entre botelhas Metido num tonel Na minha cômoda Meio encetado o copo inda verbera As águas doiro do Cognac ardente Negreja ao pé narcótica botelha Que da essência de flores de laranja Guarda o licor que nectariza os nervos Ali misturase o charuto havano Ao mesquinho cigarro e ao meu cachimbo A mesa escura cambaleia ao peso Do titâneo Digesto e ao lado dele ChildeHarold entreaberto ou Lamartine Mostra que o romantismo se descuida E que a poesia sobrenada sempre Ao pesadelo clássico do estudo III Reina a desordem pela sala antiga Desce a teia de aranha as bambinelas À estante pulvurenta A roupa os livros Sobre as poucas cadeiras se confundem Marca a folha do Faust um colarinho E Alfredo de Musset encobre às vezes De Guerreiro ou Valasco um texto obscuro Como outrora do mundo os elementos Pela treva jogando cambalhotas Meu quarto mundo em caos espera um Fiat IV Na minha sala três retratos pendem Ali Victor Hugo Na larga fronte Erguidos luzem os cabelos louros Como croa soberba Homem sublime O poeta de Deus e amores puros Que sonhou Triboulet Marion Delorme E Esmeralda a Cigana E diz a crônica 65 Que foi aos tribunais parar um dia Por amar as mulheres dos amigos E adúlteros fazer romances vivos V Aquele é Lamennais o bardo santo Cabeça de profeta ungido crente Alma de fogo na mundana argila Que as harpas de Sion vibrou na sombra Pela noite do século chamando A Deus e à liberdade as loucas turbas Por ele a George Sand morreu de amores E dizem que Defronte aquele moço Pálido pensativo a fronte erguida Olhar de Bonaparte em face austríaca Foi do homem secular as esperanças No berço imperial um céu de agosto Nos cantos de triunfo despertouo As águias de Wagram e de Marengo Abriam flamejando as longas asas Impregnadas do fumo dos combates Na púrpura dos Césares guardandoo E o gênio do futuro parecia Predestinálo à glória A história dele Resta um crânio nas urnas do estrangeiro Um loureiro sem flores nem sementes E um passado de lágrimas A terra Tremeu ao sepultarse o Rei de Roma Pode o mundo chorar sua agonia E os louros de seu pai na fronte dele Infecundos depor Estrela morta Só pode o menestrel sagrarte prantos VI Junto a meu leito com as mãos unidas Olhos fitos no céu cabelos soltos Pálida sombra de mulher formosa Entre nuvens azuis pranteia orando É um retrato talvez Naquele seio Porventura sonhei douradas noites 66 Talvez sonhando desatei sorrindo Alguma vez nos ombros perfumados Esses cabelos negros e em delíquio Nos lábios dela suspirei tremendo Foise a minha visão E resta agora Aquele vaga sombra na parede Fantasma de carvão e pó cerúleo Tão vaga tão extinta e fumacenta Como de um sonho o recordar incerto VII Em frente do meu leito em negro quadro A minha amante dorme É uma estampa De bela adormecida A rósea face Parece em visos de um amor lascivo De fogos vagabundos acenderse E como a nívea mão recata o seio Oh quanta s vezes ideal mimoso Não encheste minhalma de ventura Quando louco sedento e arquejante Meus tristes lábios imprimi ardentes No poento vidro que te guarda o sono VIII O pobre leito meu desfeito ainda A febre aponta da noturna insônia Aqui lânguido à noite debatime Em vãos delírios anelando um beijo E a donzela ideal nos róseos lábios No doce berço do moreno seio Minha vida embalou estremecendo Foram sonhos contudo A minha vida Se esgota em ilusões E quando a fada Que diviniza meu pensar ardente Um instante em seus braços me descansa E roça a medo em meus ardentes lábios Um beijo que de amor me turva os olhos Me ateia o sangue me enlanguece a fronte Um espírito negro me desperta O encanto do meu sonho se evapora 67 E das nuvens de nácar da ventura Rolo tremendo à solidão da vida IX Oh ter vinte anos sem gozar de leve A ventura de uma alma de donzela E sem na vida ter sentido nunca Na suave atração de um róseo corpo Meus olhos turvos se fechar de gozo Oh nos meus sonhos pelas noites minhas Passam tantas visões sobre meu peito Palor de febre meu semblante cobre Bate meu coração com tanto fogo Um doce nome os lábios meus suspiram Um nome de mulher e vejo lânguida No véu suave de amorosas sombras Seminua abatida a mão no seio Perfumada visão romper a nuvem Sentarse junto a mim nas minhas pálpebras O alento fresco e leve como a vida Passar delicioso Que delírios Acordo palpitante inda a procuro Embalde a chamo embalde as minhas lágrimas Banham meus olhos e suspiro e gemo Imploro uma ilusão tudo é silêncio Só o leito deserto a sala muda Amorosa visão mulher dos sonhos Eu sou tão infeliz eu sofro tanto Nunca virás iluminar meu peito Com um raio de luz desses teus olhos X Meu pobre leito eu amote contudo Aqui levei sonhando noites belas As longas horas olvidei libando Ardentes gotas de licor dourado Esquecias no fumo na leitura Das páginas lascivas do romance 68 Meu leito juvenil da minha vida És a página doiro Em teu asilo Eu sonhome poeta e sou ditoso E a mente errante devaneia em mundos Que esmalta a fantasia Oh quantas vezes Do levante no sol entre odaliscas Momentos não passei que valem vidas Quanta música ouvi que me encantava Quantas virgens amei que Margaridas Que Elviras saudosas e Clarissas Mais trêmulo que Faust eu não beijava Mais feliz que Don Juan e Lovelace Não apertei ao peito desmaiando Ó meus sonhos de amor e mocidade Porque ser tão formosos se devíeis Me abandonar tão cedo e eu acordava Arquejando a beijar meu travesseiro XI Junto do leito meus poetas dormem O Dante a Bíblia Shakespeare e Byron Na mesa confundidos Junto deles Meu velho candeeiro se espreguiça E parece pedir a formatura Ó meu amigo ó velador noturno Tu não me abandonaste nas vigílias Quer eu perdesse a noite sobre os livros Quer sentado no leito pensativo Relesse as minhas cartas de namoro Querote muito bem ó meu comparsa Nas doudas cenas de meu drama obscuro E num dia de spleen vindo a pachorra Hei de evocarte dum poema heróico Na rima de Camões e de Ariosto Como padrão às lâmpadas futuras XII Aqui sobre esta mesa junto ao leito 69 Em caixa negra dois retratos guardo Não os profanem indiscretas vistas Eu beijoos cada noite neste exílio Veneroos juntos e os prefiro unidos Meu pai e minha mãe Se acaso um dia Na minha solidão me acharem morto Não os abra ninguém Sobre meu peito Lancemos em meu túmulo Mais doce Será certo o dormir da noite negra Tendo no peito essas imagens puras XIII Havia uma outra imagem que eu sonhava No meu peito na vida e no sepulcro Mas ela não o quis rompeu a tela Onde eu pintara meus dourados sonhos Se posso no viver sonhar com ela Essa trança beijar de seus cabelos E essas violetas inodoras murchas Nos lábios frios comprimir chorando Não poderei na sepultura ao menos Sua imagem divina ter no peito XIV Parece que chorei Sinto na face Uma perdida lágrima rolando Satã leve a tristeza Olá meu pagem Derrama no meu copo as gotas últimas Dessa garrafa negra Eia bebamos És o sangue do gênio o puro néctar Que as almas de poeta diviniza O condão que abre o mundo das magias Vem fogoso Cognac É só contigo Que sintome viver Inda palpito Quando os eflúvios dessas gotas áureas Filtram no sangue meu correndo a vida Vibramme os nervos e as artérias queimam Os meus olhos ardentes se escurecem E no cérebro passam delirosos 70 Assomos de poesia Dentre a sombra Vejo num leito douro a imagem dela Palpitante que dorme e que suspira Que seus braços me estende Eu me esquecia Fazse noite traz fogo e dois charutos E na mesa do estudo acende a lâmpada BOÊMIOS ATO DE UMA COMÉDIA NÃO ESCRITA Totus mundusagit histríonem Provérbio do tempo de SHAKESPEARE A cena passase na Itália no século XVI Uma rua escura e deserta Alta noite Numa esquina uma imagem de Madona em seu nicho alumiado por uma lâmpada Puff dorme no chão abraçando uma garrafa Nini entra tocando guitarra Dão 5 horas NINI Olá que fazes PufF dormes na rua PUFF acordando Não durmo Penso NINI Estás enamorado E deitado na pedra acaso esperas O abrir de uma janela Estás cioso E coa botelha em vez de durindana Aguardas o rival PUFF Ceei à farta Na taverna do Sapo e das TrêsCobras Faço o quilo ao repouso me abandono Como o Papa Alexandre ou como um Turco Me entrego ao far niente e bem a gosto Descanso na calçada imaginando 71 NINI Embalde quis dormir Na minha mente Fermenta um mundo novo que desperta Escuta Puff eu sinto no meu crânio Como em seio de mãe um feto vivo Na minha insônia vela o pensamento Os poetas passados e futuros Vou todos ofuscar Aqui no cérebro Tenho um grande poema Hei de escrevêlo É certa a glória minha PUFF A idéia é boa Toma dez bebedeiras são dez cantos Quanto a mim tenho fé que a poesia Dorme dentro do vinho Os bons poetas Para ser imortais beberam muito NINI Não rias Minha idéia é nova e bela A Musa me votou a eterna glória Não me engano meu Puff enquanto sonho Se aos poetas divinos Deus concede Um céu mais glorioso ali com Tasso Com Dante e Ariosto eu hei de verme Se eu fizer um poema certamente No Pantheon da fama cem estátuas Cantarão aos vindouros o meu gênio PUFF Em estátua meu Nini Estás zombando E impossível que saias parecido Que mármore daria a cor vermelha Desse imenso nariz dessas melenas NINI Estás bêbado Puff Tresandas vinho 72 PUFF O vinho és uma besta só um parvo Pode a beleza desmentir do vinho Tu nunca leste o Cântico dos Cânticos Onde o Rei Salomão como elogio Dizia à noiva Pulchriora sunt Ubera tua vino NINI És sempre um Bobo PUFF E tu és sempre esse nariz vermelho Que ainda aqui na treva desta rua Flameja ao pé de mim Quando te vejo Penso que estou na igreja ouvindo missa Dita por Cardeal NINI És um devasso PUFF Respondote somente o que dizia Sir John Falstaff da noite o cavaleiro Se Adão pecou no estado de inocência Que muito é que nos dias da impureza Peque o mísero Puff Tu bem o sabes Toda a fragilidade vem da carne E na carne se eu tanto excedo os outros Vícios não devem meus causar espanto Minhalma dorme em treva completíssima Pela minha descrença E tu maldito Por que sempre não vens esclarecerme Com esse teu farol aceso sempre Cavaleiro da lâmpada vermelha As trevas de minhalma NINI Que leproso 73 PUFF Sou um homem de peso Entendo a vida Tenho muito miolo e a prova disto É que não sou poeta nem filósofo E gosto de beber como Panúrgio Se tu fosses tonel como pareces Eu te bebera agora de um só trago NINI Querote bem contudo Amigos velhos Deixemonos de histórias Meu poema PUFF Se falas em poema eu logo durmo NINI Uma vez era um Rei PUFF Não vês eu ronco NINI Quero a ti dedicar minha obraprima Irás junto comigo à eternidade Teu retrato porei no frontispício Meu poema será uma coroa Que as nossas frontes engrinalde juntas PUFF Penseite menos doudo O teu poema Seria uma sublime carapuça Mas já que sonhas tanto olha meu Nini Tu precisas de um saco NINI Impertinente PUFF Dáme aqui tua mão Sabes amigo Passei ontem o dia de namoro 74 Minhas paixões voltei à nova esposa Do velho Conde que ali mora em frente Estou adiantado nos amores A cozinheira outrora minha amante Meus passos guia meus suspiros leva Mas preciso com pressa de um soneto Prometesme fazêlo NINI Se me ouvires Recitar meu poema PUFF Eu me resigno Declama teu sermão como um vigário Mas o sono ao rebanho se permite Entra um criado correndo Roame o diabo as tripas se não vejo Ali correr com pernas de cabrita O criado do cônego Tansoni NINI Onde vais Gambioletto GAMBIOLETTO Vou à pressa Ao doutor Fossuário PUFF Acaso agora O carrasco fugiu NINI Quem agoniza GAMBIOLETTO O Reverendo e Santo Sr Cônego Deitandose a dormir depois da ceia 75 No colo de Madona la Zaffeta Umas dores sentiu pela barriga Caiu estrebuchando sobre a sala Morre de apoplexia NINI O diabo o leve GAMBIOLETTO E o médico Srs PUFF Venturoso Sempre é Cônego Nini dulce et decus Pro patria mori É doce e glorioso Morrer de apoplexia Quem me dera Morrer depois da ceia de repente Não vem o confessor contar novelas Não soam cantos fúnebres em torno Nem se força o medroso moribundo A rezar quando só dormir quisera Venturosos os Cônegos e os Bispos E os papudos Abades dos conventos Eles podem morrer de apoplexia E se morrem pensando cousa nova Quem nunca no viver cansouse nisso Se eles morrem pensando ante seus olhos No momento final sem ter pavores Inda corre a visão da bela mesa A não morrerse como o velho Píndaro Cantando sobre o seio amorenado De sua amante Grega oh quem me dera Cair morto no chão beijando ainda A botelha divina NINI Que maluco A estas horas da noite assim no escuro Não temes de lembrarte de defuntos Beijarias até uma caveira 76 Se espumante o Madeira ali corresse PUFF Os cálices doirados são mais belos Inda porém mais doce é nos beicinhos Da bela moça que sorrindo bebe Libar mais terno o saibo dos licores Eu prefiro beijar a tua amante NINI Tens medo de defuntos PUFF Um bocado Sinto que não nasci para coveiro Contudo no domingo à meianoite Pela forca passei vi nas alturas Do luar sem vapor à luz formosa Um vilão pendurado Era tão feio A língua um palmo fora sobre o peito Os olhos espantados boca lívida Sobre a cabeça dele estava um corvo O morto estava nu pois o carrasco Os mortos despe pra vestir os filhos E deixa à noite o padecente à fresca Eu senti pelo corpo uns arrepios Mas depois veio o ânimo trepei Pela escada da forca fui acima E pintei uns bigodes no enforcado NINI Bravo como um Vampiro PUFF Oh antes dontem Passei pelos telhados sem ter medo Para evitar um pátio onde velava Um cão que enorme cão subindo ao quarto Onde dorme Rosina Belvidera 77 NINI Ousaste ao Cardeal depor na fronte Tão pesada coroa PUFF A mitra cobre Dizem que a santidade lava tudo Depois o Cardeal estava bêbado A propósito sabes dos amores Do capitão Tybald O tal maroto Não sei de que milagres tem segredo Que deu volta à cabeça da rainha NINI Por isso o pobre Rei anda tão triste PUFF Spadaro o fidalgote barbaruiva Contoume que espiando pla janela Do quarto da rainha os viu Caluda NINI E o Rei que faz Não tem lá na cozinha Algum pau de vassoura ou um chicote PUFF ElRei Nosso Senhor então ceava NINI Santo Rei PUFF E demais é bem sabido Que ElRei só reina à mesa e nas caçadas NINI Nunca perde um veado quando atira PUFF Ele caça veados Má fortuna 78 Não o cacem também pela ramagem NINI Com língua tão comprida e viperina Irás parar na forca PUFF Nini escuta Assisti esta noite a um pagode Na taverna do Sapo e das TrêsCobras Era já luscofusco e eu entrando Dou com Frei São José e Frei Gregório O Prior do convento dos Bernardos E mais uns dois ou três que só conheço De ver pelas esquinas se encostando Ou dormidos na rua a sono solto Que soberbo painel Faze uma idéia Um banquete fartura que presuntos Que tostados leitões que recendiam Numa enorme caldeira enormes peixes Recheados capões fervendo ainda Perus olhas podridas costeletas Esgotara o talento a cozinheira Abertos garrafões garrafas cheias Vinho em copos imensos transbordando Na toalha já suja debruçados Aqueles religiosos cachaçudos De boca aberta e de embotados olhos Gastrônomos ali é que se via Que é ciência o comer e como um frade Goza pelo nariz e pelos olhos Pelas mãos pela boca e faz focinho E bate a língua ao paladar gostoso Ao celeste sabor de um bom pedaço Depois era bonito Frei Gregório Coa boca de gordura reluzente Farto de vinho esquece o reumatismo Esquece a erisipela já sem cura 79 Canta rondós e dança a tarantela Arrastase caindo e se babando Aos pés da taverneira De joelhos Fazlhe a corte cantando o Miserere Principia sermões engrola textos E a gorda mão estende ao nédio seio Da bela mocetona a mão lhe beija A mão que o cetro cinge de vassoura Chora soluça e cai estende os braços Ainda a chama e cantochão entoa Era de rir os velhos amorosos Uns de joelhos no chão outros cantando Estendidos na mesa entre os despojos Outros beijando a moça outros dormindo E ela no meio delambida e fresca Excitaos mutuamente e os rivaliza Passalhes pelo queixo a mão gorducha Corre o Prior a soco um Barbadinho Atracamse blasfemam se esconjuram Um agarra na barba do contrário Outro tenta apertar o papo alheio Abraçamse na luta os dois volumes E rolam como pipas No oceano Assim duas baleias ciumentas Atracamse na luta Que risadas Que risadas meu Deus arrebentando Soltou o pobre Puff ante a comédia NINI Ouve agora o poema PUFF Espera um pouco A taverna do canto não se fecha Está aberta Compra uma garrafa Bom vinho tu bem sabes Tenho a goela Fidalga como um Rei Não tenho dúvida Mentiu a minha mãe quando contoume 80 Que nasci de um prosaico matrimônio Eu filho de escrivão Para criarme Era senão um Rei preciso um Bispo NINI Vai à taverna e volta Eis aqui uma bela empada fria Uma garrafa e copo PUFF quebrando o copo O Demo o leve Eu sou como Diógenes só quero Aquilo sem o que viver não posso Deitado nesta laje preguiçoso Olhando a lua beijo esta garrafa E o mundo para mim é como um sonho Creio até que teu ventre desmedido Como escura caverna vai abrirse Mostrando no seio iluminado Panoramas de harém sultanas lindas E longas prateleiras de bom vinho NINI Dou começo ao poema Escuta um pouco I Havia um Rei numa ilha solitária Um Rei valente cavaleiro e belo O Rei tinha um irmão era um mancebo Pálido pensativo A sua vida Era nas serras divagar cismando Sentarse junto ao mar dormir no bosque Ou vibrar no alaúde os seus gemidos II Vagabundo uma vez junto das ondas O Príncipe encontrou na areia fria Uma branca donzela desmaiada Que um naufrágio na praia arremessara Revelavamlhe as roupas gotejantes 81 O belo talhe níveo o melindroso Das bem moldadas formas O mancebo Nos braços a tomou e foi com ela Esconderse no bosque Quando a bela Suspirando acordou o belo Príncipe Aos pés dela velava de joelhos Amaramse É a vida Eles viveram Desse desmaio que dá corpo aos sonhos Que realiza visões e aroma a vida Na sua primavera A lua pálida As sombras da floresta e dentre a sombra As aves amorosas que suspiram Viram aquelas frontes namoradas Ouviram sufocandose num beijo Suspiros que o deleite evaporava III O Rei tinha um truão O caso é visto É muito natural Se Reis sombrios Gostam de bobos na doirada corte Não admira decerto que um risonho Em vez de capelão tivesse um Bobo Loriolo o truão do Rei acaso Um dia atravessando pla floresta Foi dar numa cabana de folhagens Ninguém estava ali porém num leito De brandas folhas e cheirosas flores Ele viu estendidas roupas alvas E roupas de mulher e junto um gorro Que pelas jóias e flutuantes plumas E pela firma no veludo negro Denunciava o Príncipe Loriolo Apesar de na corte ser um Bobo Não era um zote Foise remoendo 82 Jurou dar com a história dos namoros E para andar melhor em tal caminho Ele que adivinhava que as Américas Sem proteção de Rei ninguém descobre Madrugou muito cedo inda era escuro E convidou ElRei para o passeio IV Ora por uma triste desventura O Rei entrando na Cabana Verde Achou só a mulher Adormecida No desalinho descuidoso e belo Com que elas dormem soltos os cabelos A face sobre a mão e os seios lindos Batendo à solta na macia tela Da roupa de dormir que os modelava Não digo mais Loriolo pôsse à espreita O Rei de leve despertou a bela Acordoua num beijo V A linda moça Se havia ali raivosa apunhalarse Fazer espalhafato e gritaria Por um capricho voluptuoso assomo Entregouse ao amor do Rei VI Maldito Bradoulhe à porta um vulto macilento Maldito meu irmão aquela moça É minha minha só é minha amante E minha esposa fora O Rei sorrindo Lhe estende a régia mão e diz alegre A culpa é tua Eu disto não sabia Se do teu casamento me falasses 83 Eu respeitara a tua Basta infame Não acrescentes zombaria ao crime Hei de punirte É solitário o bosque Aqui não és um Rei porém um homem Um vil em cujo sangue hei de lavarme Oh sangue quero sangue eu tenho sede VII Despiu tremendo a reluzente espada O mesmo fez o Rei Lutaram ambos Foeminae sacra fames quantum pectora Mortalia cogis E embalde a moça Ajoelhando seminua e pálida Vinha chorando mais gentil no pranto Entre as espadas se lançar gemendo Embalde Longo tempo encarniçada A peleja durou Enfim caíram Rolaram ambos trespassados frios E na treva de morte que o cegava Inda alongando os braços convulsivos Que avermelhava o fratricida sangue Procuravam no sangue o inimigo VIII O Bobo fez as covas Na montanha Enterrou os irmãos E quanto à moça Pelo braço a tomou chorosa e fria Foi ao paço e na gótica varanda De coroa real e longo manto Falou à plebe prometeu franquezas Impostos levantar e dar torneios Falou aos guardas prometeulhes vinho Falou à fidalguia mas no ouvido E prometeulhe consentir nos vícios E depressa fazer uma lei nova Pela qual se um fidalgo assassinasse Algum torpe vilão ficasse impune E nem pagasse mais a vil quantia 84 Que era pena do crime e alto disse Que havia conquistar países novos IX A história infelizmente é muito vista Não sou original É uma desgraça Mas prefiro o caráter verdadeiro De trovador cronista Loriolo Trocou de guizo o boné sonoro Muito leve chapéu pela coroa Só teve uma desgraça o Rei novato Foi que um dia fugiulhe do palácio A tal moça volante nos amores X Muitos anos passaram Loriolo Era um sublime Rei De Rei a Bobo Já tantos têm caído Não admira Que um Bobo sendo Rei primasse tanto Governava tão bem como governam Os Reis de sangue azul e raça antiga Demais gastava pouco e se não fosse Seu amor pelas alvas formosuras Decerto que na lista dos monarcas Ele ficava sendo o ReiSovina Enfim era um monarca de mão cheia Tinha só um defeito vendo sangue Tinha frio no ventre e desmaiava Ao luzir de uma espada Era nervoso Ninguém falava nisso Até a giba A figura de anão a pele escura Aquela boca negra escancarada E que nem dentes amarelos tinha Pra ser de Adamastor as gâmbias finas Eram tipo dos quadros dos pintores Se pintavam Adônis ou Cupido Copiavam o Rei em corpo inteiro E o oiro das moedas que trazia 85 A ventosa bochecha os beiços grossos O porcino perfil e a cabeleira Era beijado com fervor e culto XI Loriolo envelhecia entre os aplausos Dando a mão a beijar à fidalguia Demais um sabichão fizera um livro Em vinte e tantos volumões infólio Obra cheia de mapas e figuras Em que provava que por linha reta De Hércules descendia Loriolo E portanto de Júpiter Tonante E apresentou as certidões em cópia De óbito e nascimento e batistério E até de casamento e para prova De que nas veias puras do Monarca Não correra a mais leve bastardia É inútil dizer que os tais volumes Nada contavam sobre o pai porqueiro Como o do Santo Papa Sixto Quinto E sobre a mãe do Rei a velha Mória Que vendera perus Deus sabe o resto Nos tempos folgazões da mocidade XII Um dia o reino cem navios tocam São piratas do Norte são Normandos Infrene multidão nas praias corre Levando tudo a ferro até os frades Matam queimam saqueiam furtam moças E a infrene turba corre até os paços XIII Enquanto vem a campo a fidalguia Armada pied en cap espada em punho Loriolo sem fala nos apertos Nas adegas se esconde Embalde o chamam 86 Embalde corre voz que dos Normandos Emissário de paz o Rei procura ElRei suou de susto a roupa inteira Nem era de pasmar que a Reis e povo Como ao bicho da seda a trovoada Camisas de onze varas apavorem E façam frio aparições de forca XIV Um soldado normando que buscava Nas adegas reais alguma pinga Mete a verruma numa velha pipa Um grito sai dali mas não licores O soldado feroz destampa o nicho Agarra um vulto dentro mas somente Sente nas mãos vazia cabeleira Desembainha a torva durindana Nas cavernas da pipa e nas cavernas Do coração do Rei reboa o golpe Estalase o tonel de meio a meio Entretanto o bom Rei que não falava Sujo da lia da inosa pipa Mais morto do que vivo já pensando Que seu reino acabava num espeto Como o reino do galo às cambalhotas Rola aos pés do soldado chora e treme Gagueja de pavor nos calafrios E pelo amor de Deus perdão implora XV O soldado maroto e bom gaiato Agarra às costas o real trambolho Como um vilão que à feira leva um porco E no meio do pátio entre despojos De pernas para o ar e cara suja Atira o Bobo ElRei clama um fidalgo XVI 87 Porém o Rei não fala Sua e treme Singofredo o pirata aqui me envia Diz ao Rei o pacífico Mercúrio O Arauto de paz que vem de bordo Eu venho aqui proporvos um tratado Por direito de espada e por herança Singofredo é senhor destes países Ele vem reclamar sua coroa Se o Rei não se opuser não corre sangue Senão hão de fazêlo em sarrabulho Puxado plo nariz o encher de lodo E espetarlhe a careta sobre um mastro Singofredo o feroz exige apenas Que o Rei deixando o cetro deste reino Seja sempre na corte Rei da Lua Loriolo virá ao seu caminho Trajando seu gibão amarelado Com remendos de cor e campainhas Meias roxas e gorro afunilado XVII Loriolo suspira O povo espera Pela face do Bobo corre a furto Uma lágrima trêmula É desgraça Tendo subido a Rei voltar Nem ousa O nome proferir de sua infâmia De repente uma idéia o ilumina Deu uma das antigas gargalhadas Inda em trajes de Rei graceja e pula Foi uma dança cômica fantástica Um riso que doía tão gelado Coava ao coração Estava doudo Dançou a gargalhar caiu exausto Caiu sem movimento sobre o lodo Escutaramlhe o peito Estava morto 88 Ora o pirata o invasor normando Era filho da nossa conhecida Que posto não pudesse com acerto Dizer quem era o pai do seu boêmio Afirmava contudo afoutamente Que em todo o caso tinha jus ao trono Reina pela cidade a bebedeira E bebendose à saúde do bastardo O Bobo que foi Rei ninguém sepulta Bem vês amigo Puff que neste conto Em poucos versos digo histórias longas Amores mortes e no trono um Bobo E sobre o lodo um Rei que não se enterra Muito embora a mulher as roupas façam Eu provo que o burel não faz o monge E um Bobo é sempre um Bobo Mostro ainda De meu estro no vário cosmorama Um Rei que numa pipa o trono perde E um bastardo que o pai dizer não pode E em nome de dois pais ambos em dúvida Vem na sangueira reclamar seu nome Um outro só com isso dera a lume Um poema em dez cantos Sou conciso Não ouso tanto dou somente idéias Esboço aqui apenas meu enredo Mas Puff olá meu Puff estás dormindo Prosaico beberrão Acorda um pouco Bebeu todo o meu vinho a empada foise Não restame esperança Este demônio De um poeta como eu nem vale um murro UM HOMEM DA PLATÉIA Silêncio fora a peça que maçada 89 Até o ponto dorme a sono solto Levantase o pano até o meio Passa por debaixo e vem até a rampa o PRÓLOGO velho de cabeça calva camisola branca carapuça frígia coroada de louros Tem um ramo de oliveira na mão Faz as cortesias do estilo e fala Dom Quixote sublime criatura Tu sim foste leal e cavaleiro O último herói o paladim extremo De Castela e do mundo Se teu cérebro Toldouse na loucura a tua insânia Vale mais do que o siso destes séculos Em que a infâmia Dagon cheio de lodo Recebe as orações mirras e flores E a louca multidão renega o Cristo Tua loucura revelava brio No triste livro do imortal Cervantes Não posso crer um insolente escárnio De cavaleiro andante aos nobres sonhos Ao fidalgo da Mancha cuja nódoa Foi só ter crido em Deus e amado os homens E votado seu braço aos oprimidos Aquelas folhas não me causam riso Mas desgosto profundo e tédio à vida Soldado e trovador era impossível Que Cervantes manchasse um valeroso Em vil caricatura e desse à turba Como presa de escárnio e de vergonha Esse homem que à virtude amor e cantos Abria o coração Estas idéias Servem para desculpa do poeta Apesar de bom moço o autor da peça Tem uns laivos talvez de Dom Quixote 90 E nestes tempos de verdade e prosa Sem Gigantes sem Mágicos medonhos Que velavam nas torres encantadas As donzelas dormidas por cem anos Do seu imaginar esgrime as sombras E dá botes de lança nos moinhos Mas não escreve sátiras apenas Na idade das visões dá corpo aos sonhos Faz trovas e não talha carapuças Nem rebuça no véu do mundo antigo Pra realce maior presentes vícios Não segue Juvenal e não embebe Em venenoso fel a pena escura Para nódoas pintar no manto alheio O tempo em que se passa agora a cena É o século dos Bórgias O Ariosto Depôs na fronte a Rafael gelado Sua croa divina e o segue ao túmulo Ticiano inda vive O rei da turba É um gênio maldito o Aretino Que vende a alma e prostitui as crenças Aretino essa incríivel criatura Poeta sem pudor onda de lodo Em que do gênio profanouse a pérola Vaso doiro que um óxido sem cura Azinhavrou de morte homem terrível Que tudo profanou coas mãos imundas Que latiu como um cão mordendo um século E como diz um epitáfio antigo Só em Deus não mordeu porque o não vira Como ele foi devasso todo o século Os contos de Boccaccio e de Brantôme São mais puros que a história desses tempos Tasso enlouquece O Rei que se diverte O herói de Marignan e de Pavia Que num vidro escrevera do palácio Femme souvent varie mas leviano Com mais amantes que um Sultão vivia 91 Mandava ao Aretino amáveis letras Um colar doiro com sangrentas línguas E davalhe pensões O Vaticano Viu o Papa beijando aquela fronte Carlos V o nomeia cavaleiro Abraçao e inda mais lhe manda escudos O Duque João Médici o adora Dorme com ele a par no mesmo leito É um tempo de agonias a arte pálida Suarenta moribunda desespera E aguarda o funeral de Miguel Ângelo Para com ele abandonar o mundo E angélica voltar ao céu dos Anjos Agora basta Revelei minhalma A cena descrevi onde correra Inteira uma comédia em vez de um ato Se o poeta mais forte se atrevesse A erguer nos versos a medonha Sombra Da loucura fatal do mundo inteiro Boas noites platéia e camarotes O ponto já me diz que deixe o campo O primeiro galã todo empoado Cheio de vermelhão já dentro fala Estão cheios de luz os bastidores Uma última palavra o autor da peça Puxandome da túnica romana Dizme da cena que eu avise às Damas Que desta feita os sais não são precisos Não há de sarrabulho haver no palco É uma peça clássica O perigo Que pode ter lugar é vir o sono Mas dormir é tão bom que certamente Ninguém por esse dom fará barulho O assunto da Comédia e do Poema Era digno sem dúvida Senhores De uma pena melhor mas desta feita 92 Não fala Shakespeare nem Gil Vicente O poeta é novato mas promete Posto que seja um homem barrigudo E tenha por Tália o seu cachimbo Merece aplausos e merece glória SPLEEN E CHARUTOS I Solidão Nas nuvens cor de cinza do horizonte A lua amarelada a face embuça Parece que tem frio e no seu leito Deitou para dormir a carapuça Ergueuse vem da noite a vagabunda Sem xale sem camisa e sem mantilha Vem nua e bela procurar amantes É doida por amor da noite a filha As nuvens são uns frades de joelhos Rezam adormecendo no oratório Todos têm o capuz e bons narizes E parecem sonhar o refeitório As árvores prateiamse na praia Qual de uma fada os mágicos retiros Ó lua as doces brisas que sussurram Coam dos lábios teus como suspiros Falando ao coração que nota aérea Deste céu destas águas se desata Canta assim algum gênio adormecido Das ondas mortas no lençol de prata Minhalma tenebrosa se entristece É muda como sala mortuária Deitome só e triste sem ter fome 93 Vendo na mesa a ceia solitária Ó lua ó lua bela dos amores Se tu és moça e tens um peito amigo Não me deixes assim dormir solteiro À meianoite vem ceiar comigo II Meu Anjo Meu anjo tem o encanto a maravilha Da espontânea canção dos passarinhos Tem os seios tão alvos tão macios Como o pêlo sedoso dos arminhos Triste de noite na janela a vejo E de seus lábios o gemido escuto É leve a criatura vaporosa Como a frouxa fumaça de um charuto Parece até que sobre a fronte angélica Um anjo lhe depôs coroa e nimbo Formosa a vejo assim entre meus sonhos Mais bela no vapor do meu cachimbo Como o vinho espanhol um beijo dela Entorna ao sangue a luz do paraíso Dá morte num desdém num beijo vida E celestes desmaios num sorriso Mas quis a minha sina que seu peito Não batesse por mim nem um minuto E que ela fosse leviana e bela Como a leve fumaça de um charuto III Vagabundo Eat drink and love what can the rest avail us BYRON DON JUAN Eu durmo e vivo ao sol como um cigano Fumando meu cigarro vaporoso 94 Nas noites de verão namoro estrelas Sou pobre sou mendigo e sou ditoso Ando roto sem bolsos nem dinheiro Mas tenho na viola uma riqueza Canto à lua de noite serenatas E quem vive de amor não tem pobreza Não invejo ninguém nem ouço a raiva Nas cavernas do peito sufocante Quando à noite na treva em mim se entornam Os reflexos do baile fascinante Namoro e sou feliz nos meus amores Sou garboso e rapaz Uma criada Abrasada de amor por um soneto Já um beijo me deu subindo a escada Oito dias lá vão que ando cismando Na donzela que ali defronte mora Ela ao verme sorri tão docemente Desconfio que a moça me namora Tenho por meu palácio as longas ruas Passeio a gosto e durmo sem temores Quando bebo sou rei como um poeta E o vinho faz sonhar com os amores O degrau das igrejas é meu trono Minha pátria é o vento que respiro Minha mãe é a lua macilenta E a preguiça a mulher por quem suspiro Escrevo na parede as minhas rimas De painéis a carvão adorno a rua Como as aves do céu e as flores puras Abro meu peito ao sol e durmo à lua Sintome um coração de lazzaroni Sou filho do calor odeio o frio 95 Não creio no diabo nem nos santos Rezo a Nossa Senhora e sou vadio Ora se por aí alguma bela Bem dourada e amante da preguiça Quiser a nívea mão unir à minha Há de acharme na Sé domingo à missa IV A Lagartixa A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha O clarão de teus olhos me dá vida Tu és o sol e eu sou a lagartixa Amote como o vinho e como o sono Tu és meu copo e amoroso leito Mas teu néctar de amor jamais se esgota Travesseiro não há como teu peito Posso agora viver para coroas Não preciso no prado colher flores Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores Vale todo um harém a minha bela Em fazerme ditoso ela capricha Vivo ao sol de seus olhos namorados Como ao sol de verão a lagartixa V Luar de Verão O que vês trovador Eu vejo a lua Que sem lavor a face ali passeia No azul do firmamento inda é mais pálida Que em cinzas do fogão uma candeia O que vês trovador No esguio tronco Vejo erguerse o chinó de uma nogueira Além se entorna a luz sobre um rochedo 96 Tão liso como um pau de cabeleira Nas praias lisas a maré enchente Sespraia cintilante dardentia Em vez de aromas as douradas ondas Respiram efluviosa maresia O que vês trovador No céu formoso Ao sopro dos favônios feiticeiros Eu vejo e treino de paixão ao vêlas As nuvens a dormir como carneiros E vejo além na sombra do horizonte Como viúva moça envolta em luto Brilhando em nuvem negra estrela viva Como na treva a ponta de um charuto Teu romantismo bebo ó minha lua A teus raios divinos me abandono Tornome vaporoso e só de verte Eu sinto os lábios meus se abrir de sono VI O poeta moribundo Poetas amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa Façam dela uma corda e cantem nela Os amores da vida esperançosa Cantem esse verão que me alentava O aroma dos currais o bezerrinho As aves que na sombra suspiravam E os sapos que cantavam no caminho Coração por que tremes Se esta lira Nas minhas mãos sem força desafina Enquanto ao cemitério não te levam Casa no marimbau a alma divina Eu morro qual nas mãos da cozinheira 97 O marreco piando na agonia Como o cisne de outrora que gemendo Entre os hinos de amor se enternecia Coração por que tremes Vejo a morte Ali vem lazarenta e desdentada Que noiva E devo então dormir com ela Se ela ao menos dormisse mascarada Que ruínas que amor petrificado Tão antediluviano e gigantesco Ora façam idéia que ternuras Terá essa lagarta posta ao fresco Antes mil vezes que dormir com ela Que dessa fúria o gozo amor eterno Se ali não há também amor de velha Dêemme as caldeiras do terceiro Inferno No inferno estão suavíssimas belezas Cleópatras Helenas Eleonoras Lá se namora em boa companhia Não pode haver inferno com Senhoras Se é verdade que os homens gozadores Amigos de no vinho ter consolos Foram com Satanás fazer colônia Antes lá que do Céu sofrer os tolos Ora e forcem umalma qual a minha Que no altar sacrifica ao DeusPreguiça A cantar ladainha eternamente E por mil anos ajudar a missa 98 É ELA É ELA É ela é ela murmurei tremendo E o eco ao longe murmurou é ela Eu a vi minha fada aérea e pura A minha lavadeira na janela Dessas águasfurtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado Os vestidos de chita as saias brancas Eu a vejo e suspiro enamorado Esta noite eu ousei mais atrevido Nas telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono Vêla mais bela de Morfeu nos braços Como dormia que profundo sono Tinha na mão o ferro do engomado Como roncava maviosa e pura Quase caí na rua desmaiado Afastei a janela entrei medroso Palpitavalhe o seio adormecido Fui beijála roubei do seio dela Um bilhete que estava ali metido Oh De certo pensei é doce página Onde a alma derramou gentis amores São versos dela que amanhã decerto Ela me enviará cheios de flores Trem de febre Venturosa folha Quem pousasse contigo neste seio Como Otelo beijando a sua esposa Eu beijeia a tremer de devaneio É ela é ela repeti tremendo Mas cantou nesse instante uma coruja Abri cioso a página secreta 99 Oh meu Deus era um rol de roupa suja Mas se Werther morreu por ver Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas Se achoua assim mais bela eu mais te adoro Sonhandote a lavar as camisinhas É ela é ela meu amor minhalma A Laura a Beatriz que o céu revela É ela é ela murmurei tremendo E o eco ao longe suspirou é ela TERCEIRA PARTE MEU DESEJO Meu desejo era ser a luva branca Que essa tua gentil mãozinha aperta A camélia que murcha no teu seio O anjo que por te ver do céu deserta Meu desejo era ser o sapatinho Que teu mimoso pé no baile encerra A esperança que sonhas no futuro As saudades que tens aqui na terra Meu desejo era ser o cortinado Que não conta os mistérios de teu leito Era de teu colar de negra seda Ser a cruz com que dormes sobre o peito Meu desejo era ser o teu espelho Que mais bela te vê quando deslaças Do baile as roupas de escumilha e flores E mirate amoroso as nuas graças Meu desejo era ser desse teu leito De cambraia o lençol o travesseiro Com que velas o seio onde repousas 100 Solto o cabelo o rosto feiticeiro Meu desejo era ser a voz da terra Que da estrela do céu ouvisse amor Ser o amante que sonhas que desejas Nas cismas encantadas de langor SONETO Um mancebo no jogo se descora Outro bêbedo passa noite e dia Um tolo pela valsa viveria Um passeia a cavalo outro namora Um outro que uma sina má devora Faz das vidas alheias zombaria Outro toma rapé um outro espia Quantos moços perdidos vejo agora Oh não proíbam pois no meu retiro Do pensamento ao merencório luto A fumaça gentil por que suspiro Numa fumaça o canto dalma escuto Um aroma balsâmico respiro Oh deixaime fumar o meu charuto SONETO Ao sol do meiodia eu vi dormindo Na calçada da rua um marinheiro Roncava a todo o pano o tal brejeiro Do vinho nos vapores se expandindo Além um espanhol eu vi sorrindo Saboreando um cigarro feiticeiro Enchia de fumaça o quarto inteiro Parecia de gosto se esvaindo 101 Mais longe estava um pobretão careca De uma esquina lodosa no retiro Enlevado tocando uma rabeca Venturosa indolência não deliro Se morro de preguiça o mais é seca Desta vida o que mais vale um suspiro POR QUE MENTIAS Por que mentias leviana e bela Se minha face pálida sentias Queimada pela febre e minha vida Tu vias desmaiar por que mentias Acordei da ilusão a sós morrendo Sinto na mocidade as agonias Por tua causa desespero e morro Leviana sem dó por que mentias Sabe Deus se te amei sabem as noites Essa dor que alentei que tu nutrias Sabe este pobre coração que treme Que a esperança perdeu porque mentias Vê minha palidez a febre lenta Este fogo das pálpebras sombrias Pousa a mão no meu peito Eu morro eu morro Leviana sem dó por que mentias Toda aquela mulher tem a pureza Que exala o jasmineiro no perfume Lampeja seu olhar nos olhos negros Como em noite descuro um vagalume Que suave moreno o de seu rosto A alma parece que seu corpo inflama Simula até que sobre os lábios dela Na cor vermelha tem errante chama 102 E quem dirá meu Deus que a lira dalma Ali não tem um som nem de falsete E sob a imagem de aparente fogo É frio o coração como um sorvete AMOR Quand la mort est si belle Il est doux de mourir V HUGO Amemos quero de amor Viver no teu coração Sofrer e amar essa dor Que desmaia de paixão Na tualma em teus encantos E na tua palidez E nos teus ardentes prantos Suspirar de languidez Quero em teus lábios beber Os teus amores do céu Quero em teu seio morrer No enlevo do seio teu Quero viver desperança Quero tremer e sentir Na tua cheirosa trança Quero sonhar e dormir Vem anjo minha donzela Minhalma meu coração Que noite que noite bela Como é doce a viração E entre os suspiros do vento Da noite ao mole frescor Quero viver um momento Morrer contigo de amor 104 FANTASIA Quanti dolci pensier quanto disio DANTE Cest alors que ma voix Murmure un nom tout bas cest alors que je vois Mapparaître à demi jeune voluptueuse Sur ma couche penchée une femme amoureuse Oh toi que jai rêvée Femme à mes longs baisers si souvent enlevée Ne viendrastu jamais CH DOVALLE À noite sonhei contigo E o sonho cruel maldigo Que me deu tanta ventura Uma estrelinha que vaga Em céu de inverno e se apaga Faz a noite mais escura Eu sonhava que sentia Tua voz que estremecia Nos meus beijos se afogar Que teu rosto descorava E teu seio palpitava E eu te via a desmaiar Que eu te beijava tremendo Que teu rosto enfebrecendo Desmaiava a palidez Tanto amor tua alma enchia E tanto fogo morria Dos olhos na languidez E depois dos meus abraços Tu caíste abrindo os braços Gélida dos lábios meus Tu parecias dormir 105 Mas debalde eu quis ouvir O alento dos seios teus E uma voz uma harmonia No teu lábio que dormia Desconhecida acordou Falava em tanta ventura Tantas notas de ternura No meu peito derramou O soído harmonioso Falava em noites de gozo Como nunca eu as senti Tinha músicas suaves Como no canto das aves De manhã eu nunca ouvi Parecia que no peito Nesse quebranto desfeito Se esvaía o coração Que meu olhar se apagava Que minhas veias paravam E eu morria de paixão E depois num santuário Junto do altar solitário Perto de ti me senti Dormias junto de mim E um anjo nos disse assim Pobres amantes dormi Tu eras inda mais bela O teu leito de donzela Era coberto de flores Tua fronte empalecida Frouxa a pálpebra descida Meu Deus que frio palor Deite um beijo despertaste Teus cabelos afastaste 106 Fitando os olhos em mim Que doce olhar de ternura Eu só queria a ventura De um olhar suave assim Eu deite um beijo sorrindo Tremeste os lábios abrindo Repousaste ao peito meu E senti nuvens cheirosas Ouvi liras suspirarem Rompeuse a névoa era o céu Caía chuva de flores E luminosos vapores Davam azulada luz E eu acordei que delírio Eu sonho findo o martírio E acordo pregado à cruz LÁGRIMAS DA VIDA On pouvait à vingt ans le clouer dans la bière Cadavre sans illusions THÉOPH GAUTIER Je me suis assis en blasphémant sur le bord du chemin Et je me suis dit je nirai pas plus loin Mais je suis bien jeune encore pour mourir nestce pas Jane GEORGE SAND Aldo Se tu souberas que lembrança amarga Que pensamento desflorou meus dias Oh tu não creras meu sorrir leviano Nem minhas insensatas alegrias Quando junto de ti eu sinto às vezes Em doce enleio desvairarme o siso Nos meus olhos incertos sinto lágrimas 107 Mas da lágrima em troco eu temo um riso O meu peito era um templo ergui nas aras Tua imagem que a sombra perfumava Mas ah emurcheceste as minhas flores Apagaste a ilusão que o aviventava E por te amar por teu desdém perdime Tresnoiteime nas orgias macilento Brindei blasfemo ao vício e da minhalma Tentei me suicidar no esquecimento Como um corcel abatese na sombra A minha crença agoniza e desespera O peito e lira se estalaram juntos E morro sem ter tido primavera Como o perfume de uma flor aberta Da manhã entre as nuvens se mistura A minhalma podia em teus amores Como um anjo de Deus sonhar ventura Não peço o teu amor eu quero apenas A flor que beijas para a ter no seio E teus cabelos respirar medroso E a teus joelhos suspirar denleio E quando eu durmo e o coração ainda Procura na ilusão tua lembrança Anjo da vida passa nos meus sonhos E meus lábios orvalha desperança SONETO Os quinze anos de uma alma transparente O cabelo castanho a face pura Uns olhos onde pintase a candura De um coração que dorme inda inocente 108 Um seio que estremece de repente Do mimoso vestido na brancura A linda mão na mágica cintura E uma voz que inebria docemente Um sorrir tão angélico tão santo E nos olhos azuis cheios de vida Lânguido véu de involuntário pranto É esse o talismã é essa a Armida O condão de meus últimos encantos A visão de minhalma distraída LEMBRANÇA DOS QUINZE ANOS Et pourtant sans plaisir je dépense la vie Et souvent quand pour moi les heures de la nuit Sécoulent sans sommeil sans songes sans bruit Il passe dans mon coeur de brillantes pensées Dinvincibles désirs de fougues insensées CH DOVALLE Heureux qui dès les premiers ans A senti de son sang dans ses veines stagnantes Couler dun pas égal les ondes languissantes Dont les désirs jamais nont troublé la raison Pour qui les yeux nont point de suave poison ANDRÉ CHÉNIER Nos meus quinze anos eu sofria tanto Agora enfim meu padecer descansa Minhalma emudeceu na noite dela Adormeceu a pálida esperança Já não sinto ambições e se esvaíram As vagas formas a visão confusa De meus dias de amor nem doces voltam Os sons aéreos da divina Musa 109 Porventura é melhor as brandas fibras Embotadas sentir nessa dormência E viver esta vida e na modorra Repousarse na sombra da existência E que noites de sôfrego desejo Que pressentir de uma volúpia ardente Que noites de esperança e desespero E que fogo no sangue incandescente Minhalma juvenil era uma lira Que ao menor bafejar estremecia A triste decepção rompeulhe as cordas Só vibra num prelúdio dagonia Quanto quanto sonhei como velava Cheio de febre ansioso de ternuras Como era virgem o meu lábio ardente A alma tão santa as emoções tão puras Como o peito sedento palpitava Ao roçar de um vestido à voz divina De uma pálida virgem ao murmúrio De uns passos de mulher pela campina E como tesperei anjo dos sonhos Ideal de mulher que me sorrias E me beijando nesta fronte pálida A um mundo belo de ilusões me erguias O meu peito era um eco de murmúrios De delírio vivi como os insanos Nos meus quinze anos eu sofria tanto Ardi ao fogo dos primeiros anos Agora vivo no deserto dalma Um mundo de saudade ali dormita Não o quero acordar oh não ressurjam Aquelas sombras na minhalma aflita 110 Mas por que volves os teus olhos negros Tão langues sobre mim Ilná suspiras Por que derramas tanto amor nos olhos Eu não posso te amar e tu deliras Também a aurora tem neblina e sombras E há vozes que emudece a desventura Há flores em botão que se desfolham E a alma também morre prematura Repousa no meu peito o meu passado Minhalma adormeceu por um momento Sou a flor sem perfume em sol dinverno Uma lousa que encerra o esquecimento Não me fales de amor um teu suspiro Tantos sonhos no peito me desperta Sintome reviver e como outrora Beijo tremendo uma visão incerta Ah quando as belas esperanças murcham E o gênio dorme e a vida desencanta Dalmas estéreis a ironia amarga E a morte sobre os sonhos se levanta Embora fundo o sono do descrido E o silêncio do peito e seu retiro Inda pode inflamar muitos amores O sussurro de um lânguido suspiro MEU SONHO EU Cavaleiro das armas escuras Onde vais pelas trevas impuras Com a espada sanguenta na mão Por que brilham teus olhos ardentes E gemidos nos lábios frementes 111 Vertem fogo do teu coração Cavaleiro quem és O remorso Do corcel te debruças no dorso E galopas do vale através Oh da estrada acordando as poeiras Não escutas gritar as caveiras E morderte o fantasma nos pés Onde vais pelas trevas impuras Cavaleiro das armas escuras Macilento qual morto na tumba Tu escutas Na longa montanha Um tropel teu galope acompanha E um clamor de vingança retumba Cavaleiro quem és que mistério Quem te força da morte no império Pela noite assombrada a vagar O FANTASMA Sou o sonho de tua esperança Tua febre que nunca descansa O delírio que te há de matar O CÔNEGO FILIPE O cônego Filipe Ó nome eterno Cinzas ilustres que da terra escura Fazeis rir nos ciprestes as corujas Por que tão pobre lira o céu dooume Que não consinta meu inglório gênio Em vasto e heróico poema decantarte Voltemos ao assunto A minha musa Como um falado imperador romano Distraise às vezes apanhando moscas Por estradas mais longas ando sempre Com o cônego ilustre me pareço 112 Quando ele já sentia vir o sono Para poupar caminho até a vela Sobre a vela atirava a carapuça Então no escuro em camisola branca Ia apalpando procurar na sala Para o queijo flamengo da careca Dos defluxos guardar o negro saco À ordem Musa Canta agora como O poeta AliMoon no harém entrando Como um poeta que enamora a lua Ou que beija uma estátua de alabastro Suando de calor de sol e amores Cantava no alaúde enamorado E como ele saiuse do namoro Assunto bem moral digno de prêmio E interessante como um catecismo Que tem ares até de ladainha Quem não sonhou a terra do Levante As noites do Oriente o mar as brisas Toda aquela suave natureza Que amorosa suspira e encanta os olhos Principio no harém Não é tão novo Mas esta vida é sempre deleitosa As almas dhomem ao harém se voltam Ser um dia sultão quem não deseja Quem não quisera das sombrias folhas Nas horas do calor junto do lago As odaliscas espreitar no banho E mais bela a sultana entre as formosas Mas ah o plágio nem perdão merece Digam pega ladrão Confesso o crime Não é Ovídio só que imito e sonho Quando pinta Acteon fitando os olhos Nas formas nuas de Diana virgem Não embora eu aqui não fale em ninfas 113 Essa idéia é do cônego Filipe TRINDADE A vida é uma planta misteriosa Cheia despinhos negra de amarguras Onde só abrem duas flores puras Poesia e amor E a mulher é a nota suspirosa Que treme dalma a corda estremecida É fada que nos leva além da vida Pálidos de langor A poesia é a luz da mocidade O amor é o poema dos sentidos A febre dos momentos não dormidos E o sonhar da ventura Voltai sonhos de amor e de saudade Quero ainda sentir arderme o sangue Os olhos turvos o meu peito langue E morrer de ternura SONETO Já da morte o palor me cobre o rosto Nos lábios meus o alento desfalece Surda agonia o coração fenece E devora meu ser mortal desgosto Do leito embalde no macio encosto Tento o sono reter já esmorece O corpo exausto que o repouso esquece Eis o estado em que a mágoa me tem posto O adeus o teu adeus minha saudade Fazem que insano do viver me prive 114 E tenha os olhos meus na escuridade Dáme a esperança com que o ser mantive Volve ao amante os olhos por piedade Olhos por quem viveu quem já não vive MINHA AMANTE Coração de mulher qual filomela É todo amor e canto ao pé da noite JOÃO DE LEMOS Fulcite me floribus quia amore langueo Cant Canticorum Ah volta inda uma vez foi só contigo Que à noite de ventura eu desmaiava E só nos lábios teus eu me embebia De volúpias divinas Volta minha ventura eu tenho sede Desses beijos ardentes que os suspiros Ofegando interrompem quantas noites Fui ditoso contigo E quantas vezes te embalei tremendo Sobre os joelhos meus Quanto amorosa Unindo à minha tua face pálida De amor e febre ardias Oh volta inda uma vez erguese a lua Formosa como dantes é bem noite Na minha solidão brilha de novo Estrela de minhalma Desmaiome de amor descoro e tremo Morno suor me banha o peito langue Meu olhar se escurece e eu te procuro Com os lábios sedentos 115 Oh quem pudera sempre em teus amores Sobre teu seio perfumar seus dias Beijar a tua fronte e em teus cabelos Respirar ebrioso És a coroa de meus anos breves És a corda de amor díntima lira O canto ignoto que me enleva em sonhos De saudosas ternuras E tu és como a lua inda és mais bela Quando a sombra nos vales se derrama Astro misterioso à meianoite Te revela a minhalma Ó minha lira ó viração noturna Flores sombras do vale à minha amante Dizei que nesta noite de desejos E de ternuras morro EUTANÁSIA Erguete daí velho ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no Oceano onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver onde o simoun do tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião Por que tão lívido ó monge taciturno debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho onde mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta Escuta a lua ergueuse hoje mais prateada nos céus corderosa do verão as montanhas se azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares A hora da tarde é bela quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade Tens os olhares turvos luzemte baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo E por que te abismas em fantasias profundas sentado à borda de um fosso aberto sentado na pedra de um túmulo Por que pensála a noite dos mortos fria e trevosa como os ventos de inverno Por que antes não banhas tua fronte nas virações da infância nos sonhos de moço Sob essa estamenha não arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher Sonha sonha antes no passado no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate em seus mares azuis em suas luas límpidas e suas estrelas românticas 116 O velho ergueu a cabeça Era uma fronte larga e calva umas faces contraídas e amarelentas uns lábios secos gretados em que sobreaguava amargo sorriso uns olhares onde a febre tresnoitava suas insônias E quem to disse que a morte é a noite escura e fria o leito de terra úmida a podridão e o lodo Quem to disse que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância que os perfumes peregrinos e sem flores da adolescência Quem to disse que a vida não é uma mentira que a morte não é o leito das trêmulas venturas DESPEDIDAS Se entrares ó meu anjo alguma vez Na solidão onde eu sonhava em ti Ah vota uma saudade aos belos dias Que a teus joelhos pálido vivi Adeus minhalma adeus eu vou chorando Sinto o peito doer na despedida Sem ti o mundo é um deserto escuro E tu és minha vida Só por teus olhos eu viver podia E por teu coração amar e crer Em teus braços minhalma unir à tua E em teu seio morrer Mas se o fado me afasta da ventura Levo no coração a tua imagem De noite mandareite os meus suspiros No murmúrio da aragem Quando a noite vier saudosa e pura Contempla a estrela do pastor nos céus Quando a ela eu volver o olhar em pranto Verei os olhos teus Mas antes de partir antes que a vida Se afogue numa lágrima de dor Consente que em teus lábios num só beijo Eu suspire de amor 117 Sonhei muito sonhei noites ardentes Tua boca beijar eu o primeiro A ventura negoume mesmo até O beijo derradeiro Só contigo eu podia ser ditoso Em teus olhos sentir os lábios meus Eu morro de ciúme e de saudade Adeus meu anjo adeus TERZA RIMA É belo dentre a cinza ver ardendo Nas mãos do fumador um bom cigarro Sentir o fumo em névoas recendendo Do cachimbo alemão no louro barro Ver a chama vermelha estremecendo E até perdoem respirarlhe o sarro Porém o que há mais doce nesta vida O que das mágoas desvanece o luto E dá som a uma alma empobrecida Palavra dhonra és tu Ó meu charuto PANTEÍSMO MEDITAÇÃO O dia descobre a terra a noite descortina os céus MARQUÊS DE MARICÁ Eu creio amigo que a existência inteira É um mistério talvez mas nalma sinto De noite e dia respirando flores Sentindo as brisas recordando aromas E esses ais que ao silêncio a sombra exala E enchem o coração de ignota pena 118 Como a íntima voz de um ser amigo Que essas tardes e brisas esse mundo Que na fronte do moço entorna flores Que harmonias embebemlhe no seio Têm uma alma também que vive e sente A natureza bela e sempre virgem Com suas galas gentis na fresca aurora Com suas mágoas na tarde escura e fria E essa melancolia e morbideza Que nos eflúvios do luar ressumbra Não é apenas uma lira muda Onde as mãos do poeta acordam hinos E a alma do sonhador lembranças vibra Por essas fibras da natura viva Nessas folhas e vagas nesses astros Nessa mágica luz que me deslumbra E enche de fantasia até meus sonhos Palpita porventura um almo sopro Espírito do céu que as reanima E talvez lhes murmura em horas mortas Estes sons de mistério e de saudade Que lá no coração repercutidos O gênio acordam que enlanguesce e canta Eu o creio Luís também às flores Entre o perfume vela uma alma pura Também o sopro dos divinos anjos Anima essas corolas setinosas No murmúrio das águas no deserto Na voz perdida no dolente canto Da ave de arribação das águas verdes No gemido das folhas na floresta Nos ecos da montanha no arruído Das folhas secas que estremece o outono Há lamentos sentidos como prantos Que exala a pena de subida mágoa E Deus eu creio nele como a alma 119 Que pensa e ama nessas almas todas Que as ergue para o céu e que lhes verte Como orvalho noturno em seus ardores O amor sombra do céu reflexo puro Da auréola das virgens de seu peito Essa terra esse mundo o céu e as ondas Flores donzelas essas almas cândidas Beijaas o senhor Deus na fronte límpida Arreiaas de pureza e amor sem nódoa E à flor dá a ventura das auroras Os amores do vento que suspira Ao mar a viração o céu às aves Saudades à alcion sonhos à virgem E ao homem pensativo e taciturno À criatura pálida que chora Essa flor que ainda murcha tem perfumes Esse momento que suaviza os lábios Que eterniza na vida um céu de enleio O amor primeiro das donzelas tristes São idéias talvez Embora riam Homens sem alma estéreis criaturas Não posso desamar as utopias Ouvir e amar à noite entre as palmeiras Na varanda ao luar o som das vagas Beijar nos lábios uma flor que murcha E crer em Deus como alma animadora Que não criou somente a natureza Mas que ainda a relenta em seu bafejo Ainda influilhe no sequioso seio De amor e vida a eternal centelha Por isso ó meu amigo à meianoite Eu deitome na relva umedecida Contemplo o azul do céu amo as estrelas Respiro aromas e o arquejante peito Parece remoçar em tanta vida Pareceme alentarse em tanta mágoa Tanta melancolia e nos meus sonhos Filho de amor e Deus eu amo e creio 121 DESÂNIMO Estou agora triste Há nesta vida Páginas torvas que se não apagam Nódoas que não se lavam se esquecêlas De todo não é dado a quem padece Ao menos resta ao sonhador consolo No imaginar dos sonhos de mancebo Oh voltai uma vez eu sofro tanto Meus sonhos consolaime distraíme Anjos das ilusões as asas brancas As névoas puras que outro sol matiza Abri ante meus olhos que abraseiam E lágrimas não tem que a dor do peito Transbordem um momento E tu imagem Ilusão de mulher querido sonho Na hora derradeira vem sentarte Pensativa e saudosa no meu leito O que sofres que dor desconhecida Inunda de palor teu rosto virgem Por que tualma dobra taciturna Como um lírio a um bafo dinfortúnio Por que tão melancólica suspiras Ilusão ideal a ti meus sonhos Como os cantos a Deus se erguem gemendo Por ti meu pobre coração palpita Eu sofro tanto meus exaustos dias Não sei por que logo ao nascer manchouos De negra profecia um Deus irado Outros meu fado invejam Que loucura Que valem as ridículas vaidades De uma vida opulenta os falsos mimos De gente que não ama Até o gênio Que Deus lançoume à doentia fronte Qual semente perdida num rochedo Tudo isso que vale se padeço 122 Nessas horas talvez em mim não pensas Pousas sombria a desmaiada face Na doce mão e pendeste sonhando No teu mundo ideal de fantasia Se meu orgulho que fraqueia agora Pudesse crer que ao pobre desditoso Sagravas uma idéia uma saudade Eu seria um instante venturoso Mas não ali no baile fascinante Na alegria brutal da noite ardente No sorriso ebrioso e tresloucado Daqueles homens que pra rir um pouco Encobrem sob a máscara o semblante Tu não pensas em mim Na tua idéia Se minha imagem retratouse um dia Foi como a estrela peregrina e pálida Sobre a face de um lago O LENÇO DELA Quando a primeira vez da minha terra Deixei as noites de amoroso encanto A minha doce amante suspirando Volveume os olhos úmidos de pranto Um romance cantou de despedida Mas a saudade amortecia o canto Lágrimas enxugou nos olhos belos E deume o lenço que molhava o pranto Quantos anos contudo já passaram Não olvido porém amor tão santo Guardo ainda num cofre perfumado O lenço dela que molhava o pranto Nunca mais a encontrei na minha vida Eu contudo meu Deus amavaa tanto 123 Oh quando eu morra estendam no meu rosto O lenço que eu banhei também de pranto RELÓGIOS E BEIJOS TRADUZIDO DE HENRIQUE HEINE Quem os relógios inventou Decerto Algum homem sombrio e friorento Numa noite de inverno tristemente Sentado na lareira ele cismava Ouvindo os ratos a roer na alcova E o palpitar monótono do pulso Quem o beijo inventou Foi lábio ardente Foi boca venturosa que vivia Sem um cuidado mais que dar beijinhos Era no mês de maio As flores cândidas A mil abriam sobre a terra verde O sol brilhou mais vivo em céu desmalte E cantaram mais doce os passarinhos NAMORO A CAVALO Eu moro em Catumbi mas a desgraça Que rege minha vida maldada Pôs lá no fim da rua do Catete Só para erguer meus olhos suspirando A minha Dulcinéia namorada Alugo três mil réis por uma tarde Um cavalo de trote que esparrela A minha namorada na janela Todo o meu ordenado vaise em flores E em lindas folhas de papel bordado Onde eu escrevo trêmulo amoroso Algum verso bonito mas furtado 124 Morro pela menina junto dela Nem ouso suspirar de acanhamento Se ela quisesse eu acabava a história Como toda a comédia em casamento Ontem tinha chovido Que desgraça Eu ia a trote inglês ardendo em chama Mas lá vai senão quando uma carroça Minhas roupas tafuis encheu de lama Eu não desanimei Se Dom Quixote No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo eu mais valente Fui mesmo sujo ver a namorada Mas eis que no passar pelo sobrado Onde habita nas lojas minha bela Por verme tão lodoso ela irritada Bateume sobre as ventas a janela O cavalo ignorante de namoro Entre dentes tomou a bofetada Arrepiase pula e dáme um tombo Com pernas para o ar sobre a calçada Dei ao diabo os namoros Escovado Meu chapéu que sofrera no pagode Dei de pernas corrido e cabisbaixo E berrando de raiva como um bode Circunstância agravante A calça inglesa Rasgouse no cair de meio a meio O sangue pelas ventas me corria Em paga do amoroso devaneio 125 PÁLIDA IMAGEM Jai cru que joublierais mais javais mal sondé Les abîmes du coeur que remplit un seul rêve Le souvenir est là le souvenir se lève Flot toujours renaissant et toujours débordé TURQUÉTY No delírio da ardente mocidade Por tua imagem pálida vivi A flor do coração no amor dos anjos Orvalheia por ti O expirar de teu canto lamentoso Sobre teus lábios que o palor cobria Minhas noites de lágrimas ardentes E de sonhos enchia Foi por ti que eu pensei que a vida inteira Não valia uma lágrima sequer Senão num beijo trêmulo de noite Num olhar de mulher Mesmo nas horas de um amor insano Quando em meus braços outro seio ardia A tua imagem pálida passando A minhalma perdia Sempre e sempre teu rosto as negras tranças Tua alma nos teus olhos se expandindo E o colo de cetim que pulsa e geme E teus lábios sorrindo Nas longas horas do sonhar da noite No teu peito eu sonhava que dormia Pousa em meu coração a mão de neve Treme como tremia Como palpita agora se afogando Na morna languidez do teu olhar 126 Assim viveu e morrerá sonhando Em teus seios amar Se a vida é lírio que a paixão desflora Meu lírio virginal eu conservei Somente no passado tive sonhos E outrora nunca amei Foi por ti que na ardente mocidade Por uma imagem pálida vivi E a flor do coração no amor dos anjos Orvalhei só por ti SEIO DE VIRGEM Quand on te voit il vient à maints Une envie dedans tes mains De te tâter de te tenir CLÉMENT MAROT O que sonho noite e dia E à alma trazme poesia E me torna a vida bela O que num brando roçar Faz meu peito se agitar É o teu seio donzela Oh quem pintara o cetim Desses limões de marfim Os leves cerúleos veios Na brancura deslumbrante E o tremido de teus seios Quando os vejo de paixão Sinto pruridos na mão De os apalpar e conter Sorriste do meu desejo Loucura bastava um beijo Para neles se morrer 127 Minhas ternuras donzela Volteias à forma bela Daqueles frutos de neve Ai duas cândidas flores Que o pressentir dos amores Faz palpitarem de leve Mimosos seios mimosos Que dizem voluptuosos Amai poetas amai Que misteriosas venturas Dormem nessas rosas puras E se acordarão num ai Que lírio que nívea rosa Ou camélia cetinosa Tem uma brancura assim Que flor da terra ou do céu Que valha do seio teu Esse morango ou rubim Quantos encantos sonhados Sinto estremecer velados Por teu cândido vestido Sem ver teu seio donzela Suas delícias revela O poeta embevecido Donzela feliz do amante que teu seio palpitante Seio desposa fizer Que dessa forma tão pura Fizer com mais formosura Seio de bela mulher Feliz de mim porém não Repouse teu coração Da pureza no rosal Tenho no peito um aroma 128 Que valha a rosa que assoma No teu seio virginal MINHA MUSA Minha musa é a lembrança Dos sonhos em que eu vivi É de uns lábios a esperança E a saudade que eu nutri É a crença que alentei As luas belas que amei E os olhos por quem morri Os meus cantos de saudade São amores que eu chorei São lírios da mocidade Que murcham porque te amei As minhas notas ardentes São as lágrimas dementes Que em teu seio derramei Do meu outono os desfolhos Os astros do teu verão A languidez de teus olhos Inspiram minha canção Sou poeta porque és bela Tenho em teus olhos donzela A musa do coração Se na lira voluptuosa Entre as fibras que estalei Um dia atei uma rosa Cujo aroma respirei Foi nas noites de ventura Quando em tua formosura Meus lábios embriaguei E se tu queres donzela Sentir minhalma vibrar 129 Solta essa trança tão bela Quero nela suspirar E dá repousarme teu seio Ouvirás no devaneio A minha lira cantar MALVAMAÇÃ De teus seios tão mimosos Dá que eu goze o talismã Dá que ali repouse a fronte Cheia de amoroso afã E louco nele respire A tua malvamaçã Dáme essa folha cheirosa Que treme no seio teu Dáme a folha hei de beijála Sedenta no lábio meu Não vês que o calor do seio Tua malva emurcheceu A pobrezinha em teu colo Tantos amores gozou Viveu em tanto perfume Que de enlevos expirou Enlanguesceme de gozo Quem pudera no teu seio Morrer como ela murchou Teu cabelo me inebria Teu ardente olhar seduz A flor de teus olhos negros De tualma raia à luz E sinto nos lábios teus Fogo do céu que transluz O teu seio que estremeceme Há um quê de tão suave 130 No colo voluptuoso Que num trêmulo delíquio Fazme sonhar venturoso Descansar nesses teus braços Fora angélica ventura Fora morrer nos teus lábios Aspirar tualma pura Fora ser Deus darte um beijo Na divina formosura Mas o que eu peço donzela Meus amores não é tanto Bastame a flor do seio Para que eu viva no encanto E em noites enamoradas Eu verta amoroso pranto Oh virgem dos meus amores Dáme essa folha singela Quero sentir teu perfume Nos doces aromas dela E nessa malvamaçã Sonhar teu seio donzela Uma folha assim perdida De um seio virgem no afã Acorda ignotas doçuras Com divino talismã Dáme do seio esta folha A tua malvamaçã Quero apertála a meu peito E beijála com ternura Dormir com ela nos lábios Desse aroma na frescura Beijandoa a sonhar contigo E desmaiar de ventura A folha que tens no seio 131 De joelhos pedirei Se posso viver sem ela Não o creio bem o sei Dáma pelo amor de Deus Que sem ela morrerei Pelas estrelas da noite Pelas brisas da manhã Por teus amores mais puros Pelo amor de tua irmã Dáme essa folha cheirosa A tua malvamaçã PENSAMENTOS DELA Talvez à noite quando a hora finda Em que eu vivo de tua formosura Vendo em teus olhos nessa face linda A sombra de meu anjo da ventura Tu sorrias de mim porque não ouso Leve turbar teu virginal repouso A murmurar ternura Eu sei Entre minhalma e tua aurora Murmura meu gelado coração Meu enredo morreu Sou triste agora Estrela morta em noite de verão Prefiro amarte bela no segredo Se foras minha tu verias cedo Morrer tua ilusão Eu não sou o ideal alma celeste Vida pura de lábios recendentes Que teu imaginar de encantos veste E sonhas nos teus seios inocentes Flor que vives de aromas e luar Oh nunca possas ler do meu penar As páginas ardentes 132 Se em cânticos de amor a minha fronte Engrinaldo por ti amor cantando Com as rosas que amava Anacreonte É que alma dormida palpitando No raio de teus olhos se ilumina Em ti respira inspiração divina E ela sonha cantando Não a acordes contudo A vida nela Como a ave no mar suspira e cai Às vezes teu alento de donzela E de teus lábios o morrer de um ai Tua imagem de fada num instante Estremecemna embalamna expirante E lhe dizem sonhai Mas quando o teu amante fosse esposo E tu sequiosa e lânguida de amor O embalasses ao seio voluptuoso E o beijasses dos lábios no calor Quando tremesses mais não te doera Sentir que nesse peito que vivera Murchou a vida em flor POR MIM Teus negros olhos uma vez fitando Senti que luz mais branda os acendia Pálida de langor eu vi te olhando Mulher do meu amor meu serafim Esse amor que em teus olhos refletia Talvez era por mim Pendeste suspirando a face pura Morreu nos lábios teus um ai perdido Tão ébrio de paixão e de ventura Mulher de meu amor meu serafim Por quem era o suspiro amortecido Suspiravas por mim 133 Mas eu sei ai de mim Eu vi na dança Um olhar que em teus olhos se fitava Ouvi outro suspiro desperança Mulher do meu amor meu serafim Teu olhar teu suspiro que matava Oh não eram por mim LÉLIA Passou talvez ao alvejar da lua Como incerta visão na praia fria Mas o vento do mar não escutoulhe Uma voz a seu Deusela não cria Uma noite aos murmúrios do piano Pálida misturou um canto aéreo Parecia de amor tremerlhe a vida Revelando nos lábios um mistério Porém quando expirou a voz nos lábios Ergueu sem pranto a fronte descorada Pousou a fria mão no seio imóvel Sentouse no divã sempre gelada Passou talvez do cemitério à sombra Mas nunca numa cruz deixou seu ramo Ninguém se lembra de lhe ter ouvido Numa febre de amor dizer eu amo Não chora por ninguém e quando à noite Lhe beija o sono as pálpebras sombrias Não procura seu anjo à cabeceira E não tem orações mas ironias Nunca na terra uma alma de poeta Chorosa palpitante e gemebunda Achou nessa mulher um hino dalma E uma flor para a fronte moribunda 134 Lira sem cordas não vibrou denlevo As notas puras da paixão ignora Não teve nunca nalma adormecida O fogo que inebria e que devora Descrê Derrama fel em cada riso Alma estéril não sonha uma utopia Anjo maldito salpicou veneno Nos lábios que tressuam de ironia É formosa contudo Há dessa imagem No silêncio da estátua alabastrina Como um anjo perdido que ressumbra Nos olhos negros da mulher divina Há nesse ardente olhar que gela e vibra Na voz que faz tremer e que apaixona O gênio de Satã que transverbera E o langor pensativo da Madona É formosa meu Deus Desde que a vi Na minhalma suspira a sombra dela E sinto que podia nesta vida Num seu lânguido olhar morrer por ela MORENA Ó Teresa um outro beijo e abandoname a meus sonhos e a meus suaves delírios JACOPO ORTIS É loucura meu anjo é loucura Os amores por anjos bem sei Foram sonhos foi louca ternura Esse amor que a teus pés derramei Quando a fronte requeima e delira Quando o lábio desbota de amor 135 Quando as cordas rebentam na lira Que palpita no seio ao cantor Quando a vida nas dores é morta Ter amores nos sonhos é crime E loucura eu o sei mas que importa Ai morena és tão bela perdime Quando tudo na insônia do leito No delírio de amor devaneia E no fundo do trêmulo peito Fogo lento no sangue se ateia Quando a vida nos prantos se escoa Não merece o amante perdão Ai morena és tão bela perdoa Foi um sonho do meu coração Foi um sonho não cores de pejo Foi um sonho tão puro ai de mim Mal gozeilhe as frescuras de um beijo Ai não cores não cores assim Não suspires por que suspirar Quando o vento num lírio soluça E desmaia no longo beijar E ofegante de amor se debruça Quando a vida lhe foge lhe treme Pobre vida do seu coração Essa flor que o ouvira que geme Não lhe dera no seio o perdão Mas não cores se queres afogo No meu seio o fogoso anelar Calarei meus suspiros de fogo E esse amor que me há de matar Morrerei ó morena em segredo Um perdido na terra sou eu 136 Ai teu sonho não morra tão cedo Como a vida em meu peito morreu 12 DE SETEMBRO I O sol oriental brilha nas nuvens Mais docemente a viração murmura E mais doce no vale a primavera Saudosa e juvenil é toda em rosa Como os ramos sem folhas Do pessegueiro em flor Erguete minha noiva ó natureza Somos sós eu e tu acorda e canta No dia de meus anos II Debalde nos meus sonhos de ventura Tento alentar minha esperança morta E voltome ao porvir A minha alma só canta a sepultura E nem última ilusão beija e conforta Meu ardente dormir III Tenho febre meu cérebro transborda Eu morrerei mancebo inda sonhando Da esperança o fulgor Oh cantemos ainda a última corda Treme na lira morrerei cantando O meu único amor IV Meu amor foi o sol que madrugava O canto matinal da cotovia E a rosa predileta Fui um louco meu Deus quando tentava Descorado e febril nodoar na orgia 137 Os sonhos de poeta V Meu amor foi a verde laranjeira Que ao luar orvalhoso entreabre as flores Melhor que ao meiodia As campinas a lua forasteira Que triste como eu sou sonhando amores Se embebe de harmonia VI Meu amor foi a mãe que me alentava Que viveu e esperou por minha vida E pranteia por mim E a sombra solitária que eu sonhava Lânguida como vibração perdida De roto bandolim VII Eu vaguei pela vida sem conforto Esperei o meu anjo noite e dia E o ideal não veio Farto de vida breve serei morto Não poderei ao menos na agonia Descansarlhe no seio VIII Passei como Don Juan entre as donzelas Suspirei as canções mais doloridas E ninguém me escutou Oh nunca à virgem flor das faces belas Sorvi o mel nas longas despedidas Meu Deus ninguém me amou IX Vivi na solidão odeio o mundo E no orgulho embucei meu rosto pálido Como um astro na treva Senti a vida um lupanar imundo Se acorda o triste profanado esquálido 138 A morte fria o leva X E quantos vivos não caíram frios Manchados de embriaguez da orgia em meio Nas infâmias do vício E quantos morreram inda sombrios Sem remorsos dos loucos devaneios Sentindo o precipício XI Perdoalhes meu Deus o sol da vida Nas artérias ateia o sangue em lava E o cérebro varia Seiva mortal as flores que despontam O século na vaga enfurecida Levou a geração que se acordava E nuta de agonia XII São tristes deste século os destinos Infecta em seu abrir E o cadafalso e a voz dos Girondino Não falam mais na glória e não apontam A aurora do porvir XIII Fora belo talvez em pé de novo Como Byron surgir ou na tormenta O herói de Waterloo Com sua idéia iluminar um povo Como o trovão nas nuvens que rebenta E o raio derramou XIV Fora belo talvez sentir no crânio A alma de Goethe e reunir na fibra Byron Homero e Dante Sonharse num delírio momentâneo A alma da criação e o som que vibra 139 A terra palpitante XV Mas ah o viajor nos cemitérios Nessas nuas caveiras não escuta Vossas almas errantes Do estandarte da sombra nos impérios A morte como a torpe prostituta Não distingue os amantes XVI Eu pobre sonhador em terra inculta Onde não fecundouse uma semente Convosco dormirei E dentre nós a multidão estulta Não vos distinguirá a fronte ardente Do crânio que animei XVII Ó morte a que mistério me destinas Esse átomo de luz que inda me alenta Quando o corpo morrer Voltará amanhã aziagas sinas Da terra sobre a face macilenta Esperar e sofrer XVIII Meu Deus antes meu Deus que uma outra vida Com teu sopro eternal meu ser esmaga E minhalma aniquila A estrela de verão no céu perdida Também às vezes teu alento apaga Numa noite tranqüila 140 SOMBRA DE D JUAN A dream that was not at all a dream LORD BYRON Darkness I Cerraste enfim as pálpebras sombrias E a fronte esverdeou da morte à sombra Como lâmpada exausta E agora no silêncio do sepulcro Sonhas o amor os seios de alabastro Das lânguidas amantes E Haidéia a virgem pela praia errando Aos murmúrios do mar que lhe suspira Com incógnito desejo Te sussurra delícias vaporosas E o formosoestrangeiro adormecido Entrebeija tremendo Ou a pálida fronte libertina Relembra a tez o talhe voluptuoso Da oriental seminua Ou o vento da noite em teus cabelos Sussurra e lembra do passado as nódoas No túmulo sem letras Erguete libertino eu não te acordo Para que a orgia te avermelhe a face Que a morte amarelou Nem para jogo e noites delirantes E do ouro a febre e da perdida os lábios E a convulsão noturna Não ó belo Espanhol Venho sentarme À borda do teu leito porque a febre Minha insônia devora Porque não durmo quando o sonho passa E do passado o manto profanado Me roça pela face 141 Quero na sombra conversar contigo Quero me digas tuas noites breves As febres e as donzelas Que no fogo do viver murchaste ao peito Erguete um pouco da mortalha branca Acorda Don Juan Contigo velarei do teu sudário Nas dobras negras deporei a fronte Como um colo de mãe E como leviano peregrino Da vida as águas saudarei sorrindo Na extrema do infinito E quando a ironia regelarse E a morte me azular os lábios frios E o peito emudecer No vinho queimador no golo extremo Num riso à vida brindarei zombando E dormirei contigo II Mas não não veio na mortalha envolto Don Juan seminu com rir descrido Zombando do passado Só além onde as folhas alvejavam Ao luar que banhava o cemitério Vi um vulto na sombra Cantava ao peito o bandolim saudoso Apertava qual nu e perfumado A Madona seu filho E a voz do bandolim se repassava Mais languidez bebia ressoando No cavernoso peito Do sombrero despiu a fronte pálida Ergueu à lua a palidez do rosto Que lágrimas enchiam 142 Cantava eu o escutei ameilhe o canto Com ele suspirei chorei com ele O vulto era Don Juan III A CANÇÃO DE DON JUAN Ó faces morenas ó lábios de flor Ouvime a guitarra que trina louçã Vos tragou meu peito meus beijos de amor Ó lábios de flor Eu sou Don Juan Nas brisas da noite no frouxo luar Nos beijos do vento na fresca manhã Dizeime não vistes num sonho passar Ao frouxo luar Febril Don Juan Acordem acordem ó minhas donzelas A brisa nas águas lateja de afã Meus lábios têm fogo e as noites são belas Ó minhas donzelas Eu sou Don Juan Ai nunca sentistes o amor despanhol Nos lábios mimosos de flor de romã Os beijos que queimam no fogo do sol Eu sou o espanhol Eu sou Don Juan Que amor que sonhos no febril passado Que tantas ilusões no amor ardente E que pálidas faces de donzela Que por mim desmaiaram docemente Eu era o vendaval que às flores puras Do amor nas manhãs o lábio abria Se murcheias depois é que espedaça As flores da montanha a ventania 143 E tão belas meu Deus as níveas pérolas Mergulheias no lodo uma por uma De meus sonhos de amor nada me resta Em negras ondas só vermelha escuma Anjos que desflorei que desmaiados Na torrente lancei do lupanar Crianças que dormiam no meu peito E acordaram da mágoa ao soluçar E não tremem as folhas no sussurro E as almas não palpitamse de afã Quando entre a chuva rebuçado passa Saciado de beijos Don Juan IV Como virgem que sente esmorecer Num hálito de amor a vida bela Que desmaia que treme Como virgem nas lentas agonias Os seus olhos azuis aos céus erguendo Coas mãos níveas no seio Pressentindo que o sangue lhe resfria E que nas faces pálidas a beija O anjo da agonia Exala ainda o canto harmonioso Casuarina pendida onde sussurra O anoitecer da vida Assim nos lábios e nas cordas meigas Do palpitante bandolim a mágoa Gemia como o vento Como o cisne que bóia que se perde Na lagoa da morte geme ainda O cântico saudoso Mas depois no silêncio uma risada Convulsiva arquejou rompeu as cordas Das ternas assonias 144 Rompeuas e sem dó e noutras fibras Corria os dedos descuidoso e frio Salpicandoas descárnio V Os homens semelham as modas de um dia E velha e passada A roupa manchada Porém quem diria Que é moda de um dia Que é velho Don Juan Os anos que passem nos negros cabelos Branqueiem de neve As croas que teve Dizei anjos belos De negros cabelos Se é velho Don Juan E quando no seio das trêmulas belas De noite suspira E nuta e delira Que digam pois elas As trêmulas belas Se é velho Don Juan Que o diga a sultana a violenta espanhola A loira alemã E grega louçã Que o diga a espanhola Que a noite consola Se é velho Don Juan VI Era longa a canção Cantou e o vento Nos ciprestes com ele esmorecia Pendeu a fronte os lábios 145 Emudeceram como cala o vento Do trópico na podre calmaria Cismava Don Juan NA VÁRZEA Como é bela a manhã Como entre a névoa A cidade sombria ao sol clareia E o manto dos pinheiros se aveluda E o orvalho goteja dos coqueiros E dos vales o aroma acorda o pássaro E o fogoso corcel no campo aberto Sorve dalva o frescor sacode as clinas Respira na amplidão no orvalho rola Cobra em leito de folhas novo alento E galopa nitrindo Agora que a manhã é fresca e branca E o campo solitário e o val se arreia Ó meu amigo passeemos juntos Na várzea que do rio as águas negras Umedecem fecundas O campo é só na chácara florida Dorme o homem do vale e no convento Cintila a medo a lâmpada da virgem Que pálidas vestais no altar acendem Tudo acorda meu Deus nestas campinas Os cantos do Senhor erguemse em nuvens Como o perfume que evapora o leito Do lírio virginal Acorda ó meu amigo quando brilha Em toda a natureza tanto encanto Tanta magia pelo céu flutua E chovem sobre os vales harmonias É descrer do Senhor dormir no tédio É renegar das santas maravilhas O ardente coração não expandirse 146 E a alma não jubilar dentro do peito Lá onde mais suave entre os coqueiros O vento da manhã nas casuarinas Cicia mais ardente suspirando Como de noite no pinhal sombrio Aéreo canto de não vista sombra Que enche o ar de tristeza e amor transpira Lá onde o rio molemente chora Nas campinas em flor e rola triste Alveja à sombra habitação ditosa Coroa os frisos da janela verde A trepadeira em flor do jasmineiro E pelo muro se avermelha a rosa Ali quando a manhã acorda a bela A bela que eu sonhei nos meus amores Ao primeiro calor do sol daurora Entornase da flor o doce aroma Inda mais doce em matutino orvalho Nas tranças negras da donzela pálida Mais bela que o diamante se aveluda Camélia fresca inda em botão tingida De neve e de coral no seio dela Não reluz o colar em negro fio A cruz da infância melhor guarda o seio Que o amor virginal beija tremendo E os ais do coração melhor perfuma Vem comigo mancebo aqui sentemonos Ela dorme a janela inda cerrada Se enche de rosas e jasmins à noite E as flores virgens com o aberto seio Um beijo da donzela ainda imploram Mais doce o canto foge de mistura Coas doces notas do violão divino Anjo da vida te verteu nos lábios O mel dos serafins que a voz serena Que a transborda de encanto e de harmonia E faz no eco propulsar meu peito 147 Suspire o violão nos seus lamentos Murmura essa canção dos meus amores Que este peito sangrento lhe votara Quando a seus pés acesa a fantasia Em doce engano derramei minhalma Quando a brisa seus ais melhor afina Quando a frauta no mar branda suspira Com mais encanto as folhas do salgueiro Debruçamse nas águas solitárias E deixam gota a gota o argênteo orvalho Como prantos nas folhas deslizarse Quando a voz do cantor perderse à noite Na margem da torrente ou nas campinas Ou no umbroso jardim que flores cobrem Mais doce a noite pelo céu vagueia Melhor florescem as noturnas flores E o seio da mulher que a noite embala Pulsa quente e febril com mais ternura Se o anjo de meus tímidos amores Pudesse ouvirte os cândidos suspiros Que a minha dor de amante lhe revelam Se ela acordasse nos cabelos soltos Inda o semblante sonolento e pálido E o seio seminu e os ombros níveos E as trêmulas mãos cobrindo o seio Se esta janela num instante abrisse A fada da ventura embora apenas Um instante sequer Meus pobres sonhos Como saudosos vos murchais sedentos Flores do mar que um triste vagabundo Arrancou de seu leito umedecido E grosseiro apertou nas mãos ardentes Eu morro de saudade e só me nutre Inda nas tristes desbotadas veias O sangue do passado e da esperança 149 O EDITOR A poesia transcrita é de Torquato Desse pobre poeta enamorado Pelos encantos de Leonora esquiva Copieia do próprio manuscrito E para prova da verdade pura Deste prólogo meu basta que eu diga Que a letra era um garrancho indecifrável Mistura de borrões e linhas tortas Trouxema do Arquivo lá da lua E decifrouma familiar demônio Demais infelizmente é bem verdade Que Tasso lastimouse da penúria De não ter um ceitil para a candeia Provo com isso que do mundo todo O sol é este Deus indefinível Ouro prata papel ou mesmo cobre Mais santo do que os Papas o dinheiro Byron no seu Don Juan votoulhe cantos Filinto Elísio e Tolentino o sonham Foi o Deus de Bocage e dAretino Aretino essa incrível criatura Lívida tenebrosa impura e bela Sublime e sem pudor onda de lodo Em que do gênio profanouse a pérola Vaso douro que um óxido terrível Envenenou de morte alma poeta Que tudo profanou com as mãos imundas E latiu como um cão mordendo um século Quem não ama o dinheiro Não me engano Se creio que Satã à noite veio Aos ouvidos de Adão adormecido Na sua hora primeira murmurarlhe Essa palavra mágica da vida 150 Que vibra musical em todo o mundo Se houvesse o DeusVintém no Paraíso Eva não se tentava pelas frutas Pela rubra maçã não se perdera Preferira decerto o louro amante Que tine tão suave e é tão macio Se não faltasse o tempo a meus trabalhos Eu mostraria quanto o povo mente Quando diz que a poesia enjeita e odeia As moedinhas doiradas É mentira Desde Homero que até pedia cobre Virgílio Horácio Calderón Racine Boileau e o fabuleiro LaFontaine E tantos que melhor decerto fora De poetas copiar algum catálogo Todos a mil e mil por ele vivem E alguns chegaram a morrer por ele Eu só peço licença de fazervos Uma simples pergunta na gaveta Se Camões visse o brilho do dinheiro Malfilâtre Gilbert o altivo Chatterton Se o tivessem nas rotas algibeiras Acaso blasfemando morreriam OH NÃO MALDIGAM Oh não maldigam o mancebo exausto Que nas orgias gastou o peito insano Que foi ao lupanar pedir um leito Onde a sede febril lhe adormecesse Não podia dormir nas longas noites Pediu ao vício os beijos de veneno E amou a saturnal o vinho o jogo E a convulsão nos seios da perdida 151 Misérrimo não creu Não o maldigam Se uma sina fatal o arrebatava Se na torrente das paixões dormindo Foi naufragar nas solidões do crime Oh não maldigam o mancebo exausto Que no vício embalou a rir os sonhos Que lhes manchou as perfumadas tranças Nos travesseiros da mulher sem brio Se ele poeta nodoou seus lábios É que fervia um coração de fogo E da matéria a convulsão impura A voz do coração emudecia E quando pla manhã da longa insônia Do leito profanado ele se erguia CHATEAUBRIAND Sentindo a brisa lhe beijar no rosto E a febre arrefecer nos roxos lábios E o corpo adormecia e repousava Na serenada relva da campina E as aves da manhã em torno dele Os sonhos do poeta acalentavam Vinha um anjo de amor unilo ao peito Vinha uma nuvem derramarlhe a sombra E a alma que chorava a infâmia dele Secava o pranto e suspirava ainda DINHEIRO Oh argent Avec toi on est beau jeune adoré on a considération honneurs qualités vertus Quand on na point dargent on est dans la dépendance de toutes choses et de tout le monde Sem ele não há cova quem enterra 152 Assim grátis a Deo O batizado Também custa dinheiro Quem namora Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio Demais as Danáes também o adoram Quem imprime seus versos quem passeia Quem sobe a deputado até ministro Quem é mesmo eleitor embora sábio Embora gênio talentosa fronte Alma romana se não tem dinheiro Fora a canalha de vazios bolsos O mundo é para todos Certamente Assim o disse Deus mas esse texto Explicase melhor e doutro modo Houve um erro de imprensa no Evangelho O mundo é um festim concordo nisso Mas não entra ninguém sem ter as louras ADEUS MEUS SONHOS Adeus meus sonhos eu pranteio e morro Não levo da existência uma saudade E tanta vida que meu peito enchia Morreu na minha triste mocidade Misérrimo votei meus pobres dias À sina doida de um amor sem fruto E minhalma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto Que me resta meu Deus morra comigo A estrela de meus cândidos amores Já que não levo no meu peito morto Um punhado sequer de murchas flores MINHA DESGRAÇA Minha desgraça não é ser poeta Nem na terra de amor não ter um eco 153 E meu anjo de Deus o meu planeta Tratarme como tratase um boneco Não é andar de cotovelos rotos Ter duro como pedra o travesseiro Eu sei O mundo é um lodaçal perdido cujo sol quem mo dera é o dinheiro Minha desgraça ó cândida donzela O que faz que meu peito assim blasfema É ter por escrever todo um poema E não ter um vintém para uma vela PÁGINA ROTA Et pourtant que le parfum dun pur amour est suave GEORGE SAND Meu pobre coração que estremecias Suspira a desmaiar no peito meu Para enchêlo de amor tu bem sabias Bastava um beijo teu Como o vale nas brisas se acalenta O triste coração no amor dormia Na saudade na lua macilenta Sequioso ar bebia Se nos sonhos da noite se embalava Sem um gemido sem um ai sequer E que o leite da vida ele sonhava Num seio de mulher Se abriu tremendo os íntimos refolhos Se junto de teu seio ele tremia E que lia a ventura nos teus olhos É que deles vivia 154 Via o futuro em mágicos espelhos Tua bela visão o enfeitiçava Sonhava adormecer nos teus joelhos Tanto enlevo sonhava Via nos sonhos dele a tua imagem Que de beijos de amor o recendia E de noite nos hálitos da aragem Teu alento sentia Ó pálida mulher se negra sina Meu berço abandonado me embalou Não te rias da sede peregrina Destalma que te amou Que sonhava em teus lábios de ternura Das noites do passado se esquecer Ter um leito suave de ventura E amor onde morrer
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1 Lira dos Vinte Anos de Álvares de Azevedo Fonte AZEVEDO Álvares de Lira dos Vinte Anos São Paulo Martins Fontes 1996 ColeçãoPoetas do Brasil Texto proveniente de A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro httpwwwbibvirtfuturouspbr A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais Textobase digitalizado por Marian Nieves Este material pode ser redistribuído livremente desde que não seja alterado e que as informações acima sejam mantidas Para maiores informações escreva para bibvirtfuturouspbr Estamos em busca de patrocinadores e voluntários para nos ajudar a manter este projeto Se você quiser ajudar de alguma forma mande um email para parceirosfuturouspbr ou voluntariofuturouspbr LIRA DOS VINTE ANOS Cantando a vida como o cisne a morte BOCAGE Dieu amour et poésie sont les trois mots que je voudrais seuls graver sur ma pierre si je mérite une pierre LAMARTINE São os primeiros cantos de um pobre poeta Desculpaios As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor É uma lira mas sem cordas uma primavera mas sem flores uma coroa de folhas mas sem viço Cantos espontâneos do coração vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho notas que o vento levou como isso dou a lume essas harmonias São as páginas despedaçadas de um livro não lido E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu amor e da minha solidão agora que ela vai seminua e tímida por entre vós derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu coração ó meus amigos recebeia no peito e amaia como o consolo que foi de uma alma esperançosa que depunha fé na poesia e no amor esses dois raios luminosos do coração de Deus À MINHA MÃE Se a terra é adorada a mãe não é mais digna de veneração Digest of hindu law Como as flores de uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus ramos sem fruto Ó minha doce mãe sobre teu seio Deixa que dessa pálida coroa Das minhas fantasias Eu desfolhe também frias sem cheiro Flores da minha vida murchas flores Que só orvalha o pranto 2 PRIMEIRA PARTE NO MAR Les étoiles sallument au ciel et la brise du soir erre doucement parmi les fleurs rêvez chantez et soupirez GEORGE SAND Era de noite dormias Do sonho nas melodias Ao fresco da viração Embalada na falua Ao frio clarão da lua Aos ais do meu coração Ah que véu de palidez Da langue face na tez Como teus seios revoltos Te palpitavam sonhando Como eu cismava beijando Teus negros cabelos soltos Sonhavas eu não dormia A minhalma se embebia Em tua alma pensativa E tremias bela amante A meus beijos semelhante Às folhas da sensitivas E que noite que luar E que ardentias no mar E que perfumes no vento Que vida que se bebia Na noite que parecia Suspirar de sentimento Minha rola ó minha flor Ó madresilva de amor Como eras saudosa então Como pálida sorrias E no meu peito dormias Aos ais do meu coração E que noite que luar Como a brisa a soluçar Se desmaiava de amor Como toda evaporava Perfumes que respirava Nas laranjeiras em flor Suspiravas que suspiro Ai que ainda me deliro Entrevendo a imagem tua Ao fresco da viração Aos ais do meu coração Embalada na falua Como virgem que desmaia Dormia a onda na praia Tua alma de sonhos cheia 3 Era tão pura dormente Como a vaga transparente Sobre seu leito de areia Era de noite dormias Do sonho nas melodias Ao fresco da viração Embalada na falua Ao frio clarão da lua Aos ais do meu coração SONHANDO Hier la nuit dété que nous prêtait ses voiles Était digne de toi tant elle avait détoiles VICTOR HUGO Na praia deserta que a lua branqueia Que mimo que rosa que filha de Deus Tão pálida ao vêla meu ser devaneia Sufoco nos lábios os hálitos meus Não corras na areia Não corras assim Donzela onde vais Tem pena de mim A praia é tão longa e a onda bravia As roupas de gaza te molha de escuma De noite aos serenos a areia é tão fria Tão úmido o vento que os ares perfuma És tão doentia Não corras assim Donzela onde vais Tem pena de mim A brisa teus negros cabelos soltou O orvalho da face te esfria o suor Teus seios palpitam a brisa os roçou Beijouos suspira desmaia de amor Teu pé tropeçou Não corras assim Donzela onde vais Tem pena de mim E o pálido mimo da minha paixão Num longo soluço tremeu e parou Sentouse na praia sozinha no chão A mão regelada no colo pousou Que tens coração Que tremes assim Cansaste donzela Tem pena de mim Deitouse na areia que a vaga molhou Imóvel e branca na praia dormia Mas nem os seus olhos o sono fechou E nem o seu colo de neve tremia O seio gelou 4 Não durmas assim O pálida fria Tem pena de mim Dormia na fronte que níveo suar Que mão regelada no lânguido peito Não era mais alvo seu leito do mar Não era mais frio seu gélido leito Nem um ressonar Não durmas assim O pálida fria Tem pena de mim Aqui no meu peito vem antes sonhar Nos longos suspiros do meu coração Eu quero em meus lábios teu seio aquentar Teu colo essas faces e a gélida mão Não durmas no mar Não durmas assim Estátua sem vida Tem pena de mim E a vaga crescia seu corpo banhando As cândidas formas movendo de leve E eu via suave nas águas boiando Com soltos cabelos nas roupas de neve Nas vagas sonhando Não durmas assim Donzela onde vais Tem pena de mim E a imagem da virgem nas águas do mar Brilhava tão branca no límpido véu Nem mais transparente luzia o luar No ambiente sem nuvens da noite do céu Nas águas do mar Não durmas assim Não morras donzela Espera por mim CISMAR Falame anjo de luz és glorioso À minha vista na janela à noite Como divino alado mensageiro Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos Do homem que se ajoelha para vêlo Quando resvala em preguiçosas nuvens Ou navega no seio do ar da noite ROMEU Ai quando de noite sozinha à janela Coa face na mão te vejo ao luar Por que suspirando tu sonhas donzela A noite vai bela E a vista desmaia Ao longe na praia Do mar 5 Por quem essa lágrima orvalhate os dedos Como água da chuva cheiroso jasmim Na cisma que anjinho te conta segredos Que pálidos medos Suave morena Acaso tens pena De mim Donzela sombria na brisa não sentes A dor que um suspiro em meus lábios tremeu E a noite que inspira no seio dos entes Os sonhos ardentes Não dizte que a voz Que falate a sós Sou eu Acorda Não durmas da cisma no véu Amemos vivamos que amor é sonhar Um beijo donzela Não ouves no céu A brisa gemeu As vagas murmuraram As folhas sussurram Amar AI JESUS Ai Jesus não vês que gemo Que desmaio de paixão Pelos teus olhos azuis Que empalideço que tremo Que me expira o coração Ai Jesus Que por um olhar donzela Eu poderia morrer Dos teus olhos pela luz Que morte que morte bela Antes seria viver Ai Jesus Que por um beijo perdido Eu de gozo morreria Em teus níveos seios nus Que no oceano dum gemido Minhalma se afogaria Ai Jesus ANJINHO And from her fair and unpolluted flesch May violets spring HAMLET Não chorem que não morreu 6 Era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou Era uma luz peregrina Era uma estrela divina Que ao firmamento voou Pobre criança Dormia A beleza reluzia No carmim da face dela Tinha uns olhos que choravam Tinha uns risos que encantavam Ai meu Deus era tão bela Um anjo dasas azuis Todo vestido de luz Sussurroulhe num segredo Os mistérios doutra vida E a criança adormecida Sorria de se ir tão cedo Tão cedo que ainda o mundo O lábio visguento imundo Lhe não passara na roupa Que só o vento do céu Batia do barco seu As velas douro da poupa Tão cedo que o vestuário Levou do anjo solitário Que velava seu dormir Que lhe beijava risonho E essa florzinha no sonho Toda orvalhava no abrir Não chorem lembrome ainda Como a criança era linda No fresco da facezinha Com seus lábios azulados Com os seus olhos vidrados Como de morta andorinha Pobrezinho o que sofreu Como convulso tremeu Na febre dessa agonia Nem gemia o anjo lindo Só os olhos expandindo Olhar alguém parecia Era um canto de esperança Que embalava essa criança Alguma estrela perdida Do céu croada donzela Toda a chorarse por ela Que a chamava doutra vida Não chorem que não morreu Que era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou Era uma luz peregrina Era uma estrela divina 7 Que ao firmamento voou Era uma alma que dormia Da noite na ventania E que uma fada acordou Era uma flor de palmeira Na sua manhã primeira Que um céu dinverno murchou Não chorem abandonada Pela rosa perfumada Tendo no lábio um sorriso Ela se foi mergulhar Como pérola no mar Nos sonhos do paraíso Não chorem chora o jardim Quando marchado o jasmim Sobre o seio lhe pendeu E pranteia a noite bela Pelo astro ou a donzela Mortos na terra ou no céu Choram as flores no afã Quando a ave da manhã Estremece cai esfria Chora a onda quando vê A boiar um irerê Morta ao sol do meiodia Não chorem que não morreu Era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou Era uma luz peregrina Era uma estrela divina Que ao firmamento voou ANJOS DO MAR As ondas são anjos que dormem no mar Que tremem palpitam banhados de luz São anjos que dormem a rir e sonhar E em leito descuma revolvemse nus E quando de noite vem pálida a lua Seus raios incertos tremer pratear E a trança luzente da nuvem flutua As ondas são anjos que dormem no mar Que dormem que sonham e o vento dos céus Vem tépido à noite nos seios beijar São meigos anjinhos são filhos de Deus Que ao fresco se embalam do seio do mar E quando nas águas os ventos suspiram São puros fervores de ventos e mar São beijos que queimam e as noites deliram E os pobres anjinhos estão a chorar 8 Ai quando tu sentes dos mares na flor Os ventos e vagas gemer palpitar Por que não consentes num beijo de amor Que eu digate os sonhos dos anjos do mar I Tenho um seio que delira Como as tuas harmonias Que treme quando suspira Que geme como gemias II Tenho músicas ardentes Ais do meu amor insano Que palpitam mais dormentes Do que os sons do teu piano III Tenho cordas argentinas Que a noite faz acordar Como as nuvens peregrinas Das gaivotas do alto mar IV Como a teus dedos lindinhos O teu piano gemer Vibrame o seio aos dedinhos Dos anjos louros do céu V Vibra à noite no mistério Se o banha o frouxo luar Se passa teu rosto aéreo No vaporoso sonhar VI Como tremem teus dedinhos O saudoso piano teu Vibramme nalma os anjinhos Os anjos loiros do céu A CANTIGA DO SERTANEJO Love me and leave me not SHAKESPEARE Merch Of Venice Donzela Se tu quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração E se ouviras o desejo Do amoroso sertanejo Que descora de paixão Se tu viesses comigo Das serras ao desabrigo Aprender o que é amar Ouvilo no frio vento 9 Das aves no sentimento Nas águas e no luar Ouvilo nessa viola Onde a modinha espanhola Sabe carpir e gemer Que pelas horas perdidas Tem cantigas doloridas Muito amor muito doer Pobre amor o sertanejo Tem apenas seu desejo E as noites belas do val Só o ponche adamascado O trabuco prateado E o ferro de seu punhal E tem as lendas antigas E as desmaiadas cantigas Que fazem de amor gemer E nas noites indolentes Bebe cânticos ardentes Que fazem estremecer Tem mais na selva sombria Das florestas a harmonia Onde passa a voz de Deus E nos relentos da serra Pernoita na sua terra No leito dos sonhos seus Se tu viesses donzela Verias que a vida é bela No deserto do sertão Lá têm mais aroma as flores E mais amor os amores Que falam do coração Se viesses inocente Adormecer docemente À noite no peito meu E se quisesses comigo Vir sonhar no desabrigo Com os anjinhos do céu É doce na minha terra Andar cismando na serra Cheia de aroma e de luz Sentindo todas as flores Bebendo amor nos amores Das borboletas azuis Os veados da campina Na lagoa entre a neblina São tão lindos a beber Da torrente nas coroas Ao deslizar das canoas É tão doce adormecer Ah Se viesses donzela 10 Verias que a vida é bela No silêncio do sertão Ah morena se quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração Junto às águas da torrente Sonharias indolente Como num seio dirmã Sobre o leito de verduras O beijo das criaturas Suspira com mais afã E da noitinha as aragens Bebem nas flores selvagens Efluviosa fresquidão Os olhos têm mais ternura E os ais da formosura Se embebem no coração E na caverna sombria Tem um ai mais harmonia E mais fogo o suspirar Mais fervoroso o desejo Vai sobre os lábios num beijo Enlouquecer desmaiar E da noite nas ternuras A paixão tem mais venturas E fala com mais ardor E os perfumes o luar E as aves a suspirar Tudo canta e diz amor Ah vem amemos vivamos O enlevo do amor bebamos Nos perfumes do serão Ah Virgem se tu quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração Dreams dreams dreams W COWPER Quando à noite no leito perfumado Lânguida fronte no sonhar reclinas No vapor da ilusão por que te orvalha Pranto de amor as pálpebras divinas E quando eu te contemplo adormecida Solto o cabelo no suave leito Por que um suspiro tépido ressona E desmaia suavíssimo em teu peito Virgem do meu amor o beijo a furto Que pouso em tua face adormecida Não te lembra do peito os meus amores E a febre do sonhar de minha vida 11 Dorme ó anjo de amor no teu silêncio O meu peito se afoga de ternura E sinto que o porvir não vale um beijo E o céu um teu suspiro de ventura Um beijo divinal que acende as veias Que de encantos os olhos ilumina Colhido a medo como flor da noite Do teu lábio na rosa purpurina E um volver de teus olhos transparentes Um olhar dessa pálpebra sombria Talvez pudessem reviverme nalma As santas ilusões de que eu vivia O POETA Un souvenir heureux est peutêtre sur terre Plus vrai que le bonheur A DE MUSSET Era uma noite eu dormia E nos meus sonhos revia As ilusões que sonhei E no meu lado senti Meu Deus por que não morri Por que no sono acordei No meu leito adormecida Palpitante e abatida A amante de meu amor Os cabelos recendendo Nas minhas faces correndo Como o luar numa flor Sentilhe o colo cheiroso Arquejando sequioso E nos lábios que entreabria Lânguida respiração Um sonho do coração Que suspirando morria Não era um sonho mentido Meu coração iludido O sentiu e não sonhou E sentiu que se perdia Numa dor que não sabia Nem ao menos a beijou Soluçou o peito ardente Sentiu que a alma demente Lhe desmaiava a tremer Embriagouse de enleio No sono daquele seio Pensou que ele ia morrer Que divino pensamento 12 Que vida num só momento Dentro do peito sentiu Não sei Dorme no passado Meu pobre sonho doirado Esperança que mentiu Sabem as noites do céu E as luas brancas sem véu Os prantos que derramei Contem do vale as florinhas Esse amor das noite minhas Elas sim que eu não direi E se eu tremendo senhora Viesse pálido agora Lembrarvos o sonho meu Com a fronte descorada E com a voz sufocada Dizervos baixo Sou eu Sou eu que não esqueci A noite que não dormi Que não foi uma ilusão Sou eu que sinto morrer A esperança de viver Que o sinto no coração Riríeis das esperanças Das minhas loucas lembranças Que me desmaiam assim Ou então de noite a medo Choraríeis em segredo Uma lágrima por mim Dorme meu coração Em paz esquece Tudo tudo que amaste neste mundo Sonho falaz de tímida esperança Não interrompa teu dormir profundo Tradução do Dr Octaviano Fui um douto em sonhar tantos amores Que loucura meu Deus Em expandirlhe aos pés pobre insensato Todos os sonhos meus E ela triste mulher ela tão bela Dos seus anos na flor Por que havia de sagrar pelos meus sonhos Um suspiro de amor Um beijo um beijo só eu não pedia Senão um beijo seu E nas horas do amor e do silêncio Juntála ao peito meu Foi mais uma ilusão de minha fronte Rosa que desbotou Uma estrela de vida e de futuro 13 Que riu e desmaiou Meu triste coração é tempo dorme Dorme no peito meu Do último sonho despertei e nalma Tudo tudo morreu Meus Deus por que sonhei e assim por ela Perdi a noite ardente Se devia acordar dessa esperança E o sonho era demente Eu nada lhe pedi ousei apenas Junto dela à noitinha Nos meus delírios apertar tremendo A sua mão na minha Adeus pobre mulher no meu silêncio Sinto que morrerei Se rias desse amor que te votava Deus sabe se te amei Se te amei se minha alma só queria Pela tua viver No silêncio do amor e da ventura Nos teus lábios morrer Mas vota ao menos no lembrar saudoso Um ai ao sonhador Deus sabe se te amei Não te maldigo Maldigo o meu amor Mas não inda uma vez Não posso ainda Dizer o eterno adeus E a sangue frio renegar dos sonhos E blasfemar de Deus Oh Falame de amor eu quero crerte Um momento sequer E esperar na ventura e nos amores Num olhar de mulher Só um olhar por compaixão te peço Um olhar mas bem lânguido bem terno Quero um olhar que me arrebate o siso Me queime o sangue mescureça os olhos Me torne delirante ALMEIDA FREITAS Sur votre main jamais votre front ne se pose Brûlant chargé dennuis ne pouvant soutenir Le poids dun douloureux et cruel souvenir Votre coeur virginal en luimême repose Th Gautier Ricorditi di me DANTE Purgatório Quando falo contigo no meu peito 14 Esqueceme esta dor que me consome Talvez corre o prazer nas fibras dalma E eu ouso ainda murmurar teu nome Que existência mulher se tu souberas A dor de coração do teu amante E os ais que pela noite no silêncio Arquejam no seu peito delirante E quando sofre e padeceu e a febre Como seus lábios desbotou na vida E sua alma cansou na dor convulsa E adormeceu na cinza consumida Talvez terias dó da mágoa insana Que minhalma votou ao desalento E consentirás ó virgem dos amores Descansarme no seio um só momento Sou um doudo talvez de assim amarte De murchar minha vida no delírio Se nos sonhos de amor nunca tremeste Sonhando meu amor e meu martírio E não pude febril e de joelhos Com a mente abrasada e consumida Contarte as esperanças do meu peito E as doces ilusões de minha vida Oh quando eu te fitei sedento e louco Teu olhar que meus sonhos alumia Eu não sei se era vida o que minhalma Enlevava de amor e adormecia Oh nunca em fogo teu ardente seio A meu peito juntei que amor definha A furto apenas eu senti medrosa Tua gélida mão tremer na minha Tem pena anjo de Deus deixa que eu sinta Num beijo esta minhalma enlouquecer E que eu viva de amor nos teus joelhos E morra no teu seio o meu viver Sou um doudo meu Deus mas no meu peito Tu sabes se uma dor se uma lembrança Não queria calarse a um beijo dela Nos seios dessa pálida criança Se num lânguido olhar no véu de gozo Os olhos de Espanhola a furto abrindo Eu não tremia o coração ardente No peito exausto remoçar sentindo Se no momento efêmero e divino Em que a virgem pranteia desmaiando E a croa virginal a noiva esfolha Eu queria a seus pés morrer chorando Adeus Rasgouse a página saudosa 15 Que teu porvir de amor no meu fundia Gelouse no meu sangue moribundo Essa gota final de que eu vivia Adeus anjo de amor tu não mentiste Foi minha essa ilusão e o sonho ardente Sinto que morrerei tu dorme e sonha No amor dos anjos pálido inocente Mas um dia se a nódoa da existência Murchar teu cálix orvalhoso e cheio Flor que respirei que amei sonhando Tem saudade de mim que eu te pranteio NA MINHA TERRA Laissetoi donc aimer Oh lamour cest la vie Cest tout ce quon regrette et tout ce quon envie Quand on voit sa jeunesse au couchant décliner La beauté cest le front lamour cest la couronne Laissetoi couronner V HUGO I Amo o vento da noite sussurrante A tremer nos pinheiros E a cantiga do pobre caminhante No rancho dos tropeiros E os monótonos sons de uma viola No tardio verão E a estrada que além se desenrola No véu da escuridão A restinga dareia onde rebenta O oceano a bramir Onde a lua na praia macilenta Vem pálida luzir E a névoa e flores e o doce ar cheiroso Do amanhecer na serra E o céu azul e o manto nebuloso Do céu de minha terra E o longo vale de florinhas cheio E a névoa que desceu Como véu de donzela em branco seio As estrelas do céu II Não é mais bela não a argêntea praia Que beija o mar do sul Onde eterno perfume a flor desmaia E o céu é sempre azul Onde os serros fantásticos roxeiam Nas tardes de verão 16 E os suspiros nos lábios incendeiam E pulsa o coração Sonho da vida que doirou e azula A fada dos amores Onde a mangueira ao vento que tremula Sacode as brancas flores E é saudoso viver nessa dormência Do lânguido sentir Nos enganos suaves da existência Sentindose dormir Mais formosa não é não doire embora O verão tropical Com seus rubores a alvacenta aurora Da montanha natal Nem tão doirada se levante a lua Pela noite do céu Mas venha triste pensativa e nua Do prateado véu Que me importa se as tardes purpurinas E as auroras dali Não deram luz às diáfanas cortinas Do leito onde eu nasci Se adormeço tranqüilo no teu seio E perfumase a flor Que Deus abriu no peito do poeta Gotejante de amor Minha terra sombria és sempre bela Inda pálida a vida Como o sono inocente da donzela No deserto dormida No italiano céu nem mais suaves São da noite os amores Não tem mais fogo o cântico das aves Nem o vale mais flores III Quando o gênio da noite vaporosa Pela encosta bravia Na laranjeira em flor toda orvalhosa De aroma se inebria No luar junto à sombra recendente De um arvoredo em flor Que saudades e amor que influi na mente Da montanha o frescor E quando à noite no luar saudoso Minha pálida amante Ergue seus olhos úmidos de gozo E o lábio palpitante Cheia da argêntea luz do firmamento 17 Orando por seu Deus Então eu curvo a fronte ao sentimento Sobre os joelhos seus E quando sua voz entre harmonias Sufocase de amor E dobra a fronte bela de magias Como pálida flor E a alma pura nos seus olhos brilha Em desmaiado véu Como de um anjo na cheirosa trilha Respiro o amor do céu Melhor a viração uma por uma Vem as folhas tremer E a floresta saudosa se perfuma Da noite no morrer E eu amo as flores e o doce ar mimoso Do amanhecer da serra E o céu azul e o manto nebuloso Do céu da minha terra ITÁLIA Ao meu amigo o Conde de Fé Veder Napoli e poi morir I Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento Eu podia viver e porventura Nos luares do amor amar a vida Dilatarse minhalma como o seio Do pálido Romeu na despedida Eu podia na sombra dos amores Tremer num beijo o coração sedento Nos seios da donzela delirante Eu podia viver inda um momento Ó anjo de meu Deus se nos meus sonhos Não mentia o reflexo da ventura E se Deus me fadou nesta existência Um instante de enlevo e de ternura Lá entre os laranjais entre os loureiros Lá onde a noite seu aroma espalha Nas longas praias onde o mar suspira Minhalma exalarei no céu da Itália Ver a Itália e morrer Entre meus sonhos Eu vejoa de volúpia adormecida Nas tardes vaporentas se perfuma 18 E dorme à noite na ilusão da vida E se eu devo expirar nos meus amores Nuns olhos de mulher amor bebendo Seja aos pés da morena Italiana Ouvindoa suspirar inda morrendo Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento II A Itália sempre a Itália delirante E os ardentes saraus e as noites belas A Itália do prazer do amor insano Do sonho fervoroso das donzelas E a gôndola sombria resvalando Cheia de amor de cânticos e flores E a vaga que suspira à meianoite Embalando o mistério dos amores Amate o sol ó terra da harmonia Do levante na brisa te perfumas Nas praias de ventura e primavera Vai o mar estender seu véu descumas Vai a lua sedenta e vagabunda O teu berço banhar na luz saudosa As tuas noites estrelar de sonhos E beijarte na fronte vaporosa Pátria do meu amor terra das glórias Que o gênio consagrou que sonha o povo Agora que murcharam teus loureiros Fora doce em teu seio amar de novo Amar tuas montanhas e as torrentes E esse mar onde bóia alcion dormindo Onde as ilhas se azulam no ocidente Como nuvens à tarde se esvaindo Aonde à noite o pescador moreno Pela baía no batel se escoa E murmurando nas canções de Armida Treme aos fogos errantes da canoa Onde amou Rafael onde sonhava No seio ardente da mulher divina E talvez desmaiou no teu perfume E suspirou com ele a Fornarina E juntos ao luar num beijo errante Desfolhavam os sonhos da ventura E bebiam na lua e no silêncio Os eflúvios de tua formosura Ó anjo de meu Deus se nos meus sonhos A promessa do amor me não mentia 19 Concede um pouco ao infeliz poeta Uma hora da ilusão que o embebia Concede ao sonhador que tãosomente Entre delírios palpitou denleio Numa hora de paixão e de harmonia Dessa Itália do amor morrer no seio Oh na terra da vida e dos amores Eu podia sonhar inda um momento Nos seios da donzela delirante Apertar o meu peito macilento Maio 1851 S Paulo A T No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus PROPÉRCIO Amoroso palor meu rosto inunda Mórbida languidez me banha os olhos Ardem sem sono as pálpebras doridas Convulsivo tremor meu corpo vibra Quanto sofro por ti Nas longas noites Adoeço de amor e de desejos E nos meus sonhos desmaiando passa A imagem voluptuosa da ventura Eu sintoa de paixão encher a brisa Embalsamar a noite e o céu sem nuvens E ela mesma suave descorando Os alvacentos véus soltar do colo Cheirosas flores desparzir sorrindo Da mágica cintura Sinto na fronte pétalas de flores Sintoas nos lábios e de amor suspiro Mas flores e perfumes embriagam E no fogo da febre e em meu delírio Embebem na minhalma enamorada Delicioso veneno Estrela de mistério em tua fronte Os céus revela e mostrame na terra Como um anjo que dorme a tua imagem E teus encantos onde amor estende Nessa morena tez a cor de rosa Meu amor minha vida eu sofro tanto O fogo de teus olhos me fascina O langor de teus olhos me enlanguece Cada suspiro que te abala o seio Vem no meu peito enlouquecer minhalma Ah vem pálida virgem se tens pena De quem morre por ti e morre amando Dá vida em teu alento à minha vida Une nos lábios meus minhalma à tua Eu quero ao pé de ti sentir o mundo Na tualma infantil na tua fronte Beijar a luz de Deus nos teus suspiros Sentir as virações do paraíso E a teus pés de joelhos crer ainda 20 Que não mente o amor que um anjo inspira Que eu posso na tualma ser ditoso Beijarte nos cabelos soluçando E no teu seio ser feliz morrendo Dezembro 1851 CREPÚSCULO DO MAR Que rêvestu plus beau sur ces lointaines plages Que cette chaste mer qui baigne nos rivages Que ces mornes couverts de bois silencieux Autels doù nos parfurns sélèvent dans les cieux LAMARTINE No céu brilhante do poente em fogo Com auréola ardente o sol dormia Do mar doirado nas vermelhas ondas Purpúreo se escondia Como da noite o bafo sobre as águas Que o reflexo da tarde incendiava Só a idéia de Deus e do infinito No oceano boiava Como é doce viver nas longas praias Nestas ondas e sol e ventania Como ao triste cismar encanto aéreo Nas sombras preludia O painel luminoso do horizonte Como as cândidas sombras alumia Dos fantasmas de amor que nós amamos Na ventura de um dia Como voltam gemendo e nebulosas Brancas as roupas desmaiado o seio Inda uma vez a murmurar nos sonhos As palavras do enleio Aqui nas praias onde o mar rebenta E a escuma no morrer os seios rola Virei sentarme no silêncio puro Que o meu peito consola Sonharei lá enquanto no crepúsculo Como um globo de fogo o sol se abisma E o céu lampeja no clarão medonho De negro cataclisma Enquanto a ventania se levanta E no ocidente o arrebol se ateia No cinábrio do empíreo derramando A nuvem que roxeia Hora solene das idéias santas Que embala o sonhador nas fantasias Quando a taça do amor embebe os lábios Do anjo das utopias 21 Oceano de Deus Que moribundo A cantiga do nauta mais sentida Tão triste suspirou nas tuas ondas Como um adeus à vida Que nau cheia de glória e desperanças Floreando ao vento a rúbida bandeira Na luz do incêndio rebentou bramindo Na vaga sobranceira Por que ao sol da manhã e ao ar da noite Essa triste canção eterna escura Como um treno de sombra e de agonia Nos teus lábios murmura É vermelho de sangue o céu da noite Que na luz do crepúsculo se banha Que planeta do céu do roto seio Golfeja luz tamanha Que mundo em fogo foi bater correndo Ao peito de outro mundo e uma torrente De medonho clarão rasgou no éter E jorra sangue ardente Onde as nuvens do céu voam dormindo Que doirada mansão de aves divinas Num véu purpúreo se enlutou rolando Ao vento das ruínas CREPÚSCULO NAS MONTANHAS Pálida estrela casto olhar da noite diamante luminoso na fronte azul do crepúsculo o que vês na planície OSSIAN I Além serpeia o dorso pardacento Da longa serrania Rubro flameia o véu sanguinolento Da tarde na agonia No cinéreo vapor o céu desbota Num azulado incerto No ar se afoga desmaiando a nota Do sino do deserto Vim alentar meu coração saudoso No vento das campinas Enquanto nesse manto lutuoso Pálida te reclinas E morre em teu silêncio ó tarde bela Das folhas o rumor E late o pardo cão que os passos vela Do tardio pastor 22 II Pálida estrela o canto do crepúsculo Acordate no céu Erguete nua na floresta morta Do teu doirado véu Erguete eu vim por ti e pela tarde Pelos campos errar Sentir o vento respirando a vida E livre suspirar É mais puro o perfume das montanhas Da tarde no cair Quando o vento da noite agita as folhas É doce o teu luzir Estrela do pastor no véu doirado Acordate na serra Inda mais bela no azulado fogo Do céu da minha terra III Estrela doiro no purpúreo leito Da irmã da noite branca e peregrina No firmamento azul derramas dia Que as almas ilumina Abre o seio de pérola transpira Esse raio de luz que a mente inflama Esse raio de amor que ungiu meus lábios No meu peito derrama IV Lo bel pianeta he ad amar conforta Faceva tutto rider loriente DANTE Purgatório Estrelinhas azuis do céu vermelho Lágrimas doiro sobre o véu da tarde Que olhar celeste em pálpebra divina Vos derramou tremendo Quem à tarde crisólitas ardentes Estrelas brancas vos sagrou saudosas Da fronte dela na azulada croa Como auréola viva Foram anjos de amor que vagabundos Com saudades do céu vagam gemendo E as lágrimas de fogo dos amores Sobre as nuvens pranteiam Criaturas da sombra e do mistério Ou no purpúreo céu doureis a tarde Ou pela noite cintileis medrosas Estrelas eu vos amo E quando exausto o coração no peito Do amor nas ilusões espera e dorme 23 Diáfanas vindeslhe doirar na mente A sombra da esperança Oh quando o pobre sonhador medita Do vale fresco no orvalhado leito Inveja às águias o perdido vôo Para banharse no perfume etéreo E nessa argêntea luz no mar de amores Onde entre sonhos e luar divino A mão do Eterno vos lançou no espaço Respirar e viver DESALENTO Por que havíeis passar tão doces dias A F DE SERPA PIMENTEL Feliz daquele que no livro dalma Não tem folhas escritas E nem saudade amarga arrependida Nem lágrimas malditas Feliz daquele que de um anjo as tranças Não respirou sequer E nem bebeu eflúvios descorando Numa voz de mulher E não sentiulhe a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos Quem nunca te beijou flor dos amores Flor do meu coração E não pediu frescor febril e insano Da noite à viração Ah feliz quem dormiu no colo ardente Da huri dos amores Que sôfrego bebeu o orvalho santo Das perfumadas flores E pôde vêla morta ou esquecida Dos longos beijos seus Sem blasfemar das ilusões mais puras E sem rirse de Deus Mas nesse doloroso sofrimento Do pobre peito meu Sentir no coração que à dor da vida A esperança morreu Que me resta meu Deus aos meus suspiros Nem geme a viração E dentro no deserto do meu peito Não dorme o coração 24 PÁLIDA INOCÊNCIA Cette image du cíel innocence et beauté LAMARTINE Por que pálida inocência Os olhos teus em dormência A medo lanças em mim No aperto de minha mão Que sonho do coração Tremeute os seios assim E tuas falas divinas Em que amor lânguida afinas Em que lânguido sonhar E dormindo sem receio Por que geme no teu seio Ansioso suspirar Inocência quem dissera De tua azul primavera As tuas brisas de amor Oh quem teus lábios sentira E que trêmulo te abrira Dos sonhos a tua flor Quem te dera a esperança De tua alma de criança Que perfuma teu dormir Quem dos sonhos te acordasse Que num beijo tembalasse Desmaiada no sentir Quem te amasse e um momento Respirando o teu alento Recendesse os lábios seus Quem lera divina e bela Teu romance de donzela Cheio de amor e de Deus SONETO Pálida a luz da lâmpada sombria Sobre o leito de flores reclinada Como a lua por noite embalsamada Entre as nuvens do amor ela dormia Era a virgem do mar na escuma fria Pela maré das água embalada Era um anjo entre nuvens dalvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia Era mais bela o seio palpitando Negros olhos as pálpebras abrindo Formas nuas no leito resvalando Não te rias de mim meu anjo lindo Por ti as noites eu velei chorando 25 Por ti nos sonhos morrerei sorrindo ANIMA MEA E como a vida é bela e doce e amável Não presta o espinhal a sombra ao leito Do pastor do rebanho vagaroso Melhor que as sedas do lençol noturno Onde o pávido rei dormir não pode SHAKESPEARE Henrique VI 3ª p Quando nas sestas do verão saudoso A sombra cai nos laranjais do vale Onde o vento adormece e se perfuma E os raios doiro cintilando vivos Como chuva encantada se gotejam Nas folhas do arvoredo recendente Parece que de afã dorme a natura E as aves silenciosas se mergulham No grato asilo da cheirosa sombra E que silêncio então pelas campinas A flor aberta na manhã mimosa E que os estos do sol destio murcham Cerra as folhas doridas e procura Da grama no frescor doentio leito É doce então das folhas no silêncio Penetrar o mistério da floresta Ou reclinado à sombra da mangueira Um momento dormir sonhar um pouco Ninguém que turve os sonhos de mancebo Ninguém que o indolente adormecido Roube das ilusões que o acalentam E do mole dormir o chame à vida E é tão doce dormir é tão suave Da modorra no colo embalsamado Um momento tranqüilo deslizarse Criaturas de Deus se peregrinam Invisíveis na terra consolando As almas que padecem certamente Que são anjos de Deus que aos seios tomam A fronte do poeta que descansa Ó floresta ó relva amolecida A cuja sombra em cujo doce leito É tão macio descansar nos sonhos Arvoredos do vale derramaime Sobre o corpo estendido na indolência O tépido frescor e o doce aroma E quando o vento vos tremer nos ramos E sacudirvos as abertas flores Em chuva perfumada concedeime Que encham meu leito minha face a relva Onde o mole dormir a amor convida E tu Ilná vem pois deixa em teu colo Descanse teu poeta é tão divino 26 Sorver as ilusões dos sonhos ledos Sentindo à brisa teus cabelos soltos Meu rosto encherem de perfume e gozo Tudo dorme não vês dorme comigo Pousa na minha tua face bela E o pálido cetim da tez morena Fecha teus olhos lânguidos no sono Quero sentir os túmidos suspiros No teu seio arquejar morrer nos lábios E no sono teu braço me enlaçando Ó minha noiva minha doce virgem No regaço da bela natureza Anjo de amor reclinate e descansa Neste berço de flores tua vida Límpida e pura correrá na sombra Como gota de mel em cálix branco Da flor das selvas que ninguém respira Além além nas árvores tranqüilas Uma voz acordou como um suspiro São ais sentidos de amorosa rola Que nos beijos de amor palpita e geme Ah nem tão doce a rola suspirando Modula seus gemidos namorados Não trina assim tão longa e molemente Em argentinas pérolas o canto Se exala como as notas expirantes De uma alma de mulher que chora e canta É a voz do sabiá ele dormia Ebrioso de harmonia e se embalava No silêncio na brisa e nos eflúvios Das flores de laranja Ilná ouviste É o canto saudoso da esperança É dos nossos amores a cantiga Que o aroma que exalam teus cabelos Tua lânguida voz talvez lhe inspiram Vem Ilná dáme um beijo adormeçamos A cantilena do sabiá sombrio Encanta as ilusões afaga o sono Ó minha pensativa descuidosa Eu sinto a vida bela em teu regaço Sintoa bela nas horas do silêncio Quando em teu colo me reclino e durmo E ainda os sonhos meus vivem contigo Ah vem ó minha Ilná sei harmonias Que a noite ensina ao violão saudoso E que a lua do mar influi na mente E quando eu vibro as cordas tremulosas Como alma de donzela que respira Coa nas vibrações tanta saudade Tanto sonho de amor esvaecido Que o terno coração acorda e geme E os lábios do poeta inda suspiram Anjo do meu amor se os ais da virgem 27 Têm doçuras têm lágrimas divinas É quando no silêncio e no mistério Sobre o peito do amante se derramam No sufocado alento os moles cantos Cantos de amor de sede e desperanças Que nos lábios febris lhe afoga um beijo Ouves Ilná meu violão palpita Quero lembrar um cântico de amores Fora doce ao poeta teu amante Nos ais ardentes das maviosas fibras Ouvir os teus alentos de mistura E as moles vibrações da cantilena Este meu peito remoçar um pouco Virgem do meu amor vem darme ainda Um beijo um beijo longo transbordando De mocidade e vida e nos meus sonhos Minhalma acordará sopro errabundo Da alma da virgem tremerá meus seios E a doce aspiração dos meus amores No condão da harmonia há de embalarse A HARMONIA Meu Deus se às vezes na passada vida Eu tive sensações que emudeciam Essa descrença que me dói na vida E como orvalho que a manhã vapora Em seus raios de luz a Deus me erguiam Foi quando às vezes a modinha doce Ao sol de minha terra me embalava E quando as árias de Bellini pálido Em lábios de Italiana estremeciam Ó santa Malibran fora tão doce Pelas noites suaves do silêncio Nas lágrimas de amor nos teus suspiros Na agonia de um beijo ouvir gemendo Entre meus sonhos tua voz divina Ó Paganini quando moribundo Inda a rabeca ao peito comprimias Se o hálito de Deus essa alma danjo Que das fibras do peito cavernoso Arquejava nas cordas entornando Murmúrios desperança e de ventura Se a alma de teu viver roçou passando Nalgum lábio sedento de poesia Numa alma de mulher adormecida Se algum seio tremeu ao concebêlo Esse alento de vida e de futuro Foi o teu seio Malibran divina Ah se nunca te ouvi se teus suspiros Desdêmona sentida e moribunda Nunca pude beber no teu exílio Nos sonhos virginais senti ao menos Tua pálida sombra vaporosa 28 Nesta fronte que a febre encandecera Depor um beijo suspirar passando Meu Deus e outrora se um momento a vida De poesia orvalhou meus pobres sonhos Foi nuns suspiros de mulher saudosa Foi abatida a forma desmaiada Uma pobre infeliz que descorando Fazia os prantos meus correrme aos olhos Pobre pobre mulher esses mancebos Que choravam por ti quando gemias Quando sentias a tua alma ardente No canto esvaecer pálida e bela E teu lábio afogar entre harmonias Almas que de tua alma se nutriam Que davamte seus sonhos e amorosas Desfolhavamte aos pés a flor da vida Ai quantas não sentiste palpitantes Nem ousando beijar teu véu desposa Nas longas noites nem sonhar contigo E hoje riem de ti da criatura Que insana profanou as asas brancas Que num riso sem dó uma por uma Na torrente fatal soltava rindo E as sentia boiando solitárias As flores da coroa como Ofélia Que iludida do amor vendeu a glória E deu seu colo nu a beijo impuro Eles riem de ti mas eu coitada Pranteio teu viver e te perdôo Fada branca de amor que sina escura Manchou no teu regaço as roupas santas Por que deixavas encostada ao seio A cabeça febril do libertino Por que descias das regiões doiradas E lançavas ao mar a rota lira Para vibrar tua alma em lábios dele Por que foste gemer na orgia ardente A santa inspiração de teus poetas Perder teu coração em vis amores Anjo branco de Deus que sina escura Manchou no teu regaço as roupas santas Pálida Italiana hoje esquecida O escárnio do plebeu murchou teus louros Tua voz se cansou nos ditirambos E tu não voltas com as mãos na lira Vibrar nos corações as cordas virgens E ao gênio adormecido em nossas almas Na fronte desfolhar tuas coroas 29 VIDA Oh laissemoi taimer pour que jaime la vie Pour ne point au bonheur dire un dernier adieu Pour ne point blasphémer les biens que lhomme envie Et pour ne pas douter de Dieu ALEXANDRE DUMAS I Oh falame de ti eu quero ouvirte Murmurar teu amor E nos teus lábios perfumar do peito Minha pálida flor De tua carta nas queridas folhas Eu sintome viver E as páginas do amor sobre meu peito E quando à noite delirante durmo Deitoas no peito meu Nos delíquios de amor ó minha amante Eu sonho o seio teu A alma que as inspirou que lhes deu vida E o fogo da paixão E derramou as notas doloridas Do virgem coração Eu queroas no meu peito como sonho Teu seio de donzela Para sonhar contigo o céu mais puro E a esperança mais bela II A nós a vida em flor a doce vida Recendente de amor Cheia de sonhos desperança e beijos E pálido langor A tua alma infantil junto da minha No fervor do desejo Nossos lábios ardentes descorando Comprimidos num beijo E as noites belas de luar e a febre Da vida juvenil E este amor que sonhei que só me alenta No teu colo infantil Vem comigo ao luar amemos juntos Neste vale tranqüilo De abertas flores e caídas folhas No perfumado asilo Aqui somente a rola da floresta Das sestas ao calor O tremer sentirá dos longos beijos E verá teu palor À noite encostarei a minha fronte 30 No virgem colo teu Terei por leito o vale dos amores Por tenda o azul do céu E terei tua imagem mais formosa Nas vigílias do val Será da vida meu suave aroma Teu lírio virginal IV Que importa que o anátema do mundo Se eleve contra nós Se é bela a vida num amor imenso Na solidão a sós Se nós teremos o cair da tarde E o frescor da manhã E tu és minha mãe e meus amores E minhalma de irmã Se teremos a sombra onde se esfolham As flores do retiro E a vida além de ti a vida inglória Não me vale um suspiro Bate a vida melhor dentro do peito Do campo na tristeza E o aroma vital ali do seio Derrama a natureza E aonde as flores no deserto dormem Com mais viço e frescor Abre linda também a flor da vida Da lua no palor C Oh não tremas que este olhar este abraço te digam quanto é inefável o de abandono sem receio os inebriamentos de uma voluptuosidade que deve ser eterna GOETHE Fausto Sim coroemos as noites Com as rosas do himeneu Entre flores de laranja Serás minha e serei teu Sim quero em leito de flores Tuas mãos dentro das minhas Mas os círios dos amores Sejam só as estrelinhas Por incenso os teus perfumes Suspiros por oração E por lágrimas somente As lágrimas da paixão Dos véus da noiva só tenhas Dos cílios o negro véu 31 Basta do colo o cetim Para as Madonas do céu Eu soltareite os cabelos Quero em teu colo sonhar Hei de embalarte do leito Seja lâmpada o luar Sim coroemos as noites Da laranjeira coa flor Adormeçamos num templo Mas seja o templo do amor É doce amar como os anjos Da ventura no himeneu Minha noiva ou minhamante Vem dormir no peito meu Dáme um beijo abre teus olhos Por entre esse úmido véu Se na terra és minha amante És a minhalma no céu NO TÚMULO DO MEU AMIGO JOÃO BAPTISTA DA SILVA PEREIRA JÚNIOR EPITÁFIO Perdão meu Deus se a túnica da vida Insano profaneia nos amores Se da croa dos sonhos perfumados Eu próprio desfolhei as róseas flores No vaso impuro corrompeuse o néctar A argila da existência desbotoume O sol de tua gloria abriume as pálpebras Da nódoa das paixões purificoume E quantos sonhos na ilusão da vida Quanta esperança no futuro ainda Tudo calouse pela noite eterna E eu vago errante e só na treva infinda Alma em fogo sedenta de infinito Num mundo de visões o vôo abrindo Como o vento do mar no céu noturno Entre as nuvens de Deus passei dormindo A vida é noite o sol tem véu de sangue Tateia a sombra a geração descrida Acordate mortal é no sepulcro Que a larva humana se desperta à vida Quando as harpas do peito a morte estala Um treno de pavor soluça e voa E a nota divinal que rompe as fibras Nas dulias angélicas ecoa 32 O PASTOR MORIBUNDO CANTIGA DE VIOLA A existência dolorida Cansa em meu peito eu bem sei Que morrerei Contudo da minha vida Podia alentarse a flor No teu amor Do coração nos refolhos Solta um ai num teu suspiro Eu respiro Mas fita ao menos teus olhos Sobre os meus eu queroos ver Para morrer Guarda contigo a viola onde teus olhos cantei E suspirei Só a idéia me consola Que morro como vivi Morro por ti Se um dia tualma pura Tiver saudades de mim Meu serafim Talvez notas de ternura Inspirem o doudo amor Do trovador TARDE DE VERÃO Viens Que larbre pénétré de parfums et de chants Et lobre et le soleil et londe et la verdure Et le rayonnement de toute la nature Fassent épanouir comme une double fleur La beauté sur ton front et lamour dans ton coeur V HUGO Como cheirosa e doce a tarde expira De amor e luz inunda a praia bela E o sol já roxo e trêmulo desdobra Um íris furtacor na fronte dela Deixai que eu morra só enquanto o fogo Da última febre dentro em mim vacila Não venham ilusões chamarme à vida De saudades banhar a hora tranqüila Meu Deus que eu morra em paz não me coroem De flores infecundas a agonia Oh não doire o sonhar do moribundo Lisonjeiro pincel da fantasia Exaurido de dor e desperança 33 Posso aqui respirar mais livremente Sentir ao vento dilatarse a vida Como a flor da lagoa transparente Se ela estivesse aqui no vale agora Cai doce a brisa morna desmaiando Nos murmúrios do mar fora tão doce Da tarde no palor viver amando Unila ao peito meu nos lábios dela Respirar uma vez cobrando alento A divina visão de seus amores Acordar o meu peito inda um momento Fulgura a minha amante entre meus sonhos Como a estrela do mar nas águas brilha Bebe à noite o favônio em seus cabelos Aroma mais suave que a baunilha Se ela estivesse aqui jamais tão doce O crepúsculo o céu embelecera E a tarde de verão fora mais bela Brilhando sobre a sua primavera Da lânguida pupila de seus olhos Num olhar de desdém entorna amores Como à brisa vernal na relva mole O pessegueiro em flor derrama flores Árvore florescente desta vida Que amor beleza e mocidade encantam Derrama no meu seio as tuas flores Onde as aves do céu à noite cantam Vem a areia do mar cobri de flores Perfumei de jasmins teu doce leito Podes suave ó noiva do poeta Suspirosa dormir sobre meu peito Não tardes minha vida no crepúsculo Ave da noite me acompanha a lira É um canto de amor Meu Deus que sonhos Era ainda ilusão era mentira TARDE DE OUTONO Un souvenir heureux est peutêtre sur terre Plus vrai que le bonheur ALFRED DE MUSSET O POETA Ó musa por que vieste E contigo me trouxeste A vagar na solidão Tu não sabes que a lembrança De meus anos de esperança Aqui fala ao coração 34 A SAUDADE De um puro amor a lânguida saudade É doce como a lágrima perdida Que banha no cismar um rosto virgem Volta o rosto ao passado e chora a vida O POETA Não sabes o quanto dói Uma lembrança que rói A fibra que adormeceu Foi neste vale que amei Que a primavera sonhei Aqui minhalma viveu A SAUDADE Pálidos sonhos do passado morto É doce reviver mesmo chorando A alma refazse pura Um vento aéreo Parece que do amor nos vai roubando O POETA Eu vejo ainda a janela Onde à tarde junto dela Eu lia versos de amor Como eu vivia denleio No bater daquele seio Naquele aroma de flor Creio vêla inda formosa Nos cabelos uma rosa De leve a janela abrir Tão bela meu Deus tão bela Por que amei tanto donzela Se devias me trair A SAUDADE A casa está deserta A parasita Nas paredes estampa negra cor Os aposentos o ervaçal povoa A porta é franca Entremos trovador O POETA Derramaivos prantos meus Daime mais prantos meu Deus Eu quero chorar aqui Em que sonhos de ebriedade No arrebol da mocidade Eu nesta sombra dormi Passado por que murchaste Ventura por que passaste Degenerando em saudade Do estio secouse a fonte Só ficou na minha fronte A febre da mocidade A SAUDADE Sonha poeta sonha Ali sentado No tosco assento da janela antiga Apóia sobre a mão a face pálida 35 Sorrindo dos amores à cantiga O POETA Minhalma triste se enluta Quando a voz interna escuta Que blasfema da esperança Aqui tudo se perdeu Minha pureza morreu Com o enlevo de criança Ali amante ditoso Delirante suspiroso Eflúvios dela sorvi No seu colo eu me deitava E ela tão doce cantava De amor e canto vivi Na sombra deste arvoredo Oh quantas vezes a medo Nossos lábios se tocaram E os seios onde gemia Uma voz que amor dizia Desmaiando me apertaram Foi doce nos braços teus Meu anjo belo de Deus Um instante do viver Tão doce que em mim sentia Que minhalma se esvaía E eu pensava ali morrer A SAUDADE É berço de mistério e dharmonia Seio mimoso de adorada amante A alma bebe nos sons que amor suspira A voz a doce voz de uma alma errante Tingemse os olhos de amorosa sombra Os lábios convulsivos estremecem E a vida foge ao peito apenas tinge As faces que de amor empalidecem Parece então que o agitar do gozo Nossos lábios atrai a um bem divino Da amante o beijo é puro como as flores E dela a voz é doce como um hino Dizeio vós dizei ternos amantes Almas ardentes que a paixão palpita Dizei essa emoção que o peito gela E os frios nervos num espasmo agita Vinte anos como tens doirados sonhos E como a névoa de falaz ventura Que se estende nos olhos do poeta Doira a amante de nova formosura O POETA Que gemer não me enganava Era o anjo que velava 36 Minha casta solidão São minhas noites gozadas E as venturas choradas Que vibram meu coração É tarde amores é tarde Uma centelha não arde Na cinza dos seios meus Por ela tanto chorei Que mancebo morrerei Adeus amores adeus CANTIGA I Em um castelo doirado Dorme encantada donzela Nasceu e vive dormindo Dorme tudo junto dela Adormeceua sonhando Um feiticeiro condão E dormem no seio dela As rosas do coração Dorme a lâmpada argentina Defronte do leito seu Noite a noite a lua triste Vem espreitála do céu Voam os sonhos errantes Do leito sob o dossel E suspiram no alaúde As notas do menestrel E no castelo sozinha Dorme encantada donzela Nasceu e vive dormindo Dorme tudo junto dela Dormem cheirosas abrindo As roseiras em botão E dormem no seio dela As rosas do coração II A donzela adormecida É a tua alma santinha Que não sonha nas saudades E nos amores da minha Nos meus amores que velam Debaixo do teu dossel E suspiram no alaúde As notas do menestrel Acorda minha donzela Foise a lua eis a manhã 37 E nos céus da primavera É a aurora tua irmã Abriram no vale as flores Sorrindo na fresquidão Entre as rosas da campina Abramse as do coração Acorda minha donzela Soltemos da infância o véu Se nós morrermos num beijo Acordaremos no céu SAUDADES Tis vain to struggle let me perish young BYRON Foi por ti que num sonho de ventura A flor da mocidade consumi E às primaveras disse adeus tão cedo E na idade do amor envelheci Vinte anos derrameios gota a gota Num abismo de dor e esquecimento De fogosas visões nutri meu peito Vinte anos sem viver um só momento Contudo no passado uma esperança Tanto amor e ventura prometia E uma virgem tão doce tão divina Nos sonhos junto a mim adormecia Quando eu lia com ela e no romance Suspirava melhor ardente nota E Jocelyn sonhava com Laurence Ou Werther se morria por Carlota Eu sentia a tremer e a transluzirlhe Nos olhos negros a alma inocentinha E uma furtiva lágrima rolando Da face dela umedecer a minha E quantas vezes o luar tardio Não viu nossos amores inocentes Não embalouse da morena virgem No suspirar nos cânticos ardentes E quantas vezes não dormi sonhando Eterno amor eternas as venturas E que o céu ia abrirse e entre os anjos Eu ia despertar em noites puras Foi esse o amor primeiro requeimoume As artérias febris de juventude Acordoume dos sonhos da existência 38 Na harmonia primeira do alaúde Meu Deus e quantas eu amei Contudo Das noites voluptuosas da existência Só restamme saudades dessas horas Que iluminou tua alma dinocência Foram três noites só três noites belas De lua e de verão no val saudoso Que eu pensava existir sentindo o peito Sobre teu coração morrer de gozo E por três noites padeci três anos Na vida cheia de saudade infinda Três anos de esperança e de martírio Três anos de sofrer e espero ainda A ti se ergueram meus doridos versos Reflexos sem calor de um sol intenso Voteios à imagem dos amores Pra velála nos sonhos como incenso Eu sonhei tanto amor tantas venturas Tantas noites de febre e desperança Mas hoje o coração parado e frio Do meu peito no túmulo descansa Pálida sombra dos amores santos Passa quando eu morrer no meu jazigo Ajoelha ao luar e entoa um canto Que lá na morte eu sonharei contigo 12 de setembro 1852 ESPERANÇAS Oh si elle meût aimé ALFRED DE VIGNY Chatterton Se a ilusão de minhalma foi mentida E leviana da árvore da vida As flores desbotei Se por sonhos do amor de uma donzela Imolei meu porvir e o ser por ela Em prantos esgotei Se a alma consumi na dor que mata E banhei de uma lágrima insensata A última esperança Oh não me odeies não eu te amo ainda Como dos mares pela noite infinda A estrela da bonança Como nas folhas do Missal do templo Os mistérios de Deus em ti contemplo E na tualma os sinto 39 Às vezes delirante se eu maldigo As esperanças que sonhei contigo Perdoame que minto Oh não me odeies não eu te amo ainda Como do peito a aspiração infinda Que me influi o viver E como a nuvem de azulado incenso Como eu amo esse afeto único imenso Que me fará morrer Rompeste a alva túnica luzente Que eu doirava por ti de amor demente E aromei de abusões Desteme em troco lágrimas aspérrimas Ah que morreram a sangrar misérrimas As minhas ilusões Nos encantos das fadas da ventura Podes dormir ao sol da formosura Sempre bela e feliz Irmã dos anjos sonharei contigo A alma a quem negaste o último abrigo Chora não te maldiz Chora e sonha e espera a negra sina Talvez no céu se apague em purpurina Alvorada de amor E eu acorde no céu num teu abraço E repouse tremendo em teu regaço Teu pobre sonhador VIRGEM MORTA Oh make her a grave where the sunbeams rest When they promise a glorious morrow Theyll shine oer sleep like a smile from the West From her own lovd island of sorrow TH MOORE Lá bem na extrema da floresta virgem Onde na praia em flor o mar suspira Lá onde geme a brisa do crepúsculo E mais poesia o arrebol transpira Nas horas em que a tarde moribunda As nuvens roxas desmaiando corta No leito mole da molhada areia Deitem o corpo da beleza morta Irmã chorosa a suspirar desfolhe No seu dormir da laranjeira as flores Vistamna de cetim e o véu de noiva Lhe desdobrem da face nos palores Vagueie em torno de saudosas virgens Errando à noite a lamentosa turma E entre cânticos de amor e de saudade 40 Junto às ondas do mar a virgem durma Às brisas da saudade soluçantes Aí em tarde misteriosa e bela Entregarei as cordas do alaúde E irei meus sonhos prantear por ela Quero eu mesmo de rosa o leito encherlhe E de amorosos prantos perfumála E a essência dos cânticos divinos No túmulo da virgem derramála Que importa que ela durma descorada E velasse o palor a cor do pejo Quero a delícia que o amor sonhava Nos lábios dela pressentir num beijo Desbotada coroa do poeta Foi ela mesma quem prendeute flores Ungiuas no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores Na minha fronte riu de ti passando Dos sepulcros o vento peregrino Irei eu mesmo desfolharte agora Da fronte dela no palor divino E contudo eu sonhava e pressuroso Da esperança o licor sorvi sedento Ai que tudo passou só resta agora O sorriso de um anjo macilento Ó minha amante minha doce virgem Eu não te profanei tu dormes pura No sono do mistério qual na vida Podes sonhar ainda na ventura Bem cedo ao menos eu serei contigo Na dor do coração a morte leio Poderei amanhã talvez meus lábios Da irmã dos anjos encostar no seio E tu vida que amei pelos teus vales Com ela sonharei eternamente Nas noites junto ao mar e no silêncio Que das notas enchi da lira ardente Dorme ali minha paz minha esperança Minha sina de amor morreu com ela E o gênio do poeta lira eólia Que tremia ao alento da donzela Quesperanças meu Deus E o mundo agora Se inunda em tanto sol no céu da tarde Acorda coração Mas no meu peito Lábio de morte murmurou É tarde É tarde e quando o peito estremecia Sentirme abandonado e moribundo 41 É tarde é tarde ó ilusões da vida Morreu com ela da esperança o mundo No leito virginal de minha noiva Quero nas sombras do verão da vida Prantear os meus únicos amores Das minhas noites a visão perdida Quero ali ao luar sentir passando Por alta noite a viração marinha E ouvir bem junto às flores do sepulcro Os sonhos de sualma inocentinha E quando a mágoa devorar meu peito E quando eu morra de esperar por ela Deixai que eu durma ali e que descanse Na morte ao menos sobre o seio dela HINOS DO PROFETA UM CANTO DO SÉCULO Spiritus meus attenuabitur dies mei Breviabuntur et solum mihi superest Sepulchrum JOB Debalde nos meus sonhos de ventura Tento alentar minha esperança morta E voltome ao porvir A minha alma só canta a sepultura E nem última ilusão beija e conforta Meu suarento dormir Debalde que exauriume o desalento A flor que aos lábios meus um anjo dera Mirrou na solidão Do meu inverno pelo céu nevoento Não se levantará nem primavera Nem raio de verão Invejo as flores que murchando morrem E as aves que desmaiamse cantando E expiram sem sofrer As minhas veias inda ardentes correm E na febre da vida agonizando Eu me sinto morrer Tenho febre meu cérebro transborda Eu morrerei mancebo inda sonhando Da esperança o fulgor Oh cantemos ainda a última corda Inda palpita morrerei cantando O meu hino de amor Meu sonho foi a glória dos valentes De um nome de guerreiro a eternidade Nos hinos seculares Foi nas praças de sangue ainda quentes 42 Desdobrar o pendão da liberdade Nas frontes populares Meu amor foi a verde laranjeira Cheia de sombra à noite abrindo as flores Melhor que ao meiodia A várzea longa a lua forasteira Que pálida como eu sonhando amores De névoa se cobria Meu amor foi o sol que madrugava O canto matinal dos passarinhos E a rosa predileta Fui um louco meu Deus quando tentava Descorado e febril manchar no vinho Meus louros de poeta Meu amor foi o sonho dos poetas O belo o gênio de um porvir liberto A sagrada utopia E à noite pranteei como os profetas Dei lágrimas de sangue no deserto Dos povos à agonia Meu amor foi a mãe que me alentava Que viveu esperou por minha vida E pranteia por mim E a sombra solitária que eu sonhava Lânguida como vibração perdida De roto bandolim E agora o único amor o amor eterno Que no fundo do peito aqui murmura E acende os sonhos meus Que lança algum luar no meu inverno Que minha vida no penar apura É o amor de meu Deus É só no eflúvio desse amor imenso Que a alma derrama as emoções cativas Em suspiros sem dor E no vapor do consagrado incenso Que as sombras da esperança redivivas Nos beijam o palor Eu vaguei pela vida sem conforto Esperei minha amante noite e dia E o ideal não veio Farto de vida breve serei morto Nem poderei ao menos na agonia Descansarlhe no seio Passei como Don Juan entre as donzelas Suspirei as canções mais doloridas E ninguém me escutou Oh nunca à virgem flor das faces belas Sorvi o mel nas longas despedidas Meu Deus ninguém me amou Vivi na solidão odeio o mundo 43 E no orgulho embucei meu rosto pálido Como um astro nublado Rime da vida lupanar imundo Onde se volve o libertino esquálido Na treva profanado Quantos hei visto desbotarem frios Manchados de embriaguez da orgia em meio Nas infâmias do vício E quantos morreram inda sombrios Sem remorso dos negros devaneios Sentindo o precipício Quanta alma pura e virgem menestrel Que adormeceu no tremedal sem fundo No lodo se manchou Que liras estaladas no bordel E que poetas que perdeu o mundo Em Bocage e Marlowe Morrer ali na sombra na taverna A alma que em si continha um canto aéreo No peito solitário Sublime como a nota obscura eterna Que o bronze vibra em noites de mistério No escuro campanário O meus amigos deve ser terrível Sobre as tábuas imundas inda ebrioso Na solidão morrer Sentir as sombras dessa noite horrível Surgirem dentre o leito pavoroso Sem um Deus para crer Sentir que a alma desbotado lírio Dum mundo ignoto vagará chorando Na treva mais escura E o cadáver sem lágrimas nem círio Na calçada da rua desbotando Não terá sepultura Perdoalhes meu Deus o sol da vida Nas artérias inflama o sangue em lava E o cérebro varia O século na vaga enfurecida Mergulha a geração que se acordava E nuta de agonia São tristes deste século os destinos Seiva mortal as flores que despontam Infecta em seu abrir E o cadafalso e a voz dos Girondinos Não falam mais na glória e não apontam A aurora do porvir Fora belo talvez em pé de novo Como Byron surgir ou na tormenta O homem de Waterloo Com sua idéia iluminar um povo Como o trovão da nuvem que rebenta 44 E o raio derramou Fora belo talvez sentir no crânio A alma de Goethe e resumir na fibra Milton Homero e Dante Sonharse num delírio momentâneo A alma da criação e o som que vibra A terra palpitante Mas ah o viajor nos cemitérios Nessas nuas caveiras não escuta Vossas almas errantes Do estandarte medonho nos impérios A morte leviana prostituta Não distingue os amantes Eu pobre sonhador eu terra inculta Onde não fecundouse uma semente Convosco dormirei E dentre nós a multidão estulta Não vos distinguirá a fronte ardente Do crânio que animei Ó morte a que mistério me destinas Esse átomo de luz que inda me alenta Quando o corpo morrer Voltará amanhã aziagas sinas À terra numa face macilenta Esperar e sofrer Meu Deus antes meu Deus que uma outra vida Com teu braço eternal meu ser esmaga E minhalma aniquila A estrela de verão no céu perdida Também às vezes seu alento apaga Numa noite tranqüila II LÁGRIMAS DE SANGUE Taedet animam meam vitae meae JOB Ao pé das aras ao clarão dos círios Eu te devera consagrar meus dias Perdão meu Deus perdão Se neguei meu Senhor nos meus delírios E um canto de enganosas melodias Levou meu coração Só tu só tu podias o meu peito Fartar de imenso amor e luz infinda E uma saudade calma Ao sol de tua fé doirar meu leito E de fulgores inundar ainda A aurora na minhalma Pela treva do espírito lanceime Pras esperanças suicideime rindo Sufocandoas sem dó No vale dos cadáveres senteime 45 E minhas flores semeei sorrindo Dos túmulos no pó Indolente Vestal deixei no templo A pira se apagar na noite escura O meu gênio descreu Volteime para a vida só contemplo A cinza da ilusão que ali murmura Morre tudo morreu Cinzas cinzas Meu Deus só tu podias À alma que se perdeu bradar de novo Ressurgete ao amor Macilento das minhas agonias Eu deixaria as multidões do povo Para amar o Senhor Do leito aonde o vício acalentoume O meu primeiro amor fugiu chorando Pobre virgem de Deus Um vendaval sem norte arrebatoume Acordeime na treva profanando Os puros sonhos meus Oh se eu pudesse amar É impossível Mão fatal escreveu na minha vida A dor me envelheceu O desespero pálido impassível Agoirou minha aurora entristecida De meu astro descreu Oh se eu pudesse amar Mas não agora Que a dor emurcheceu meus breves dias Quero na cruz sanguenta Derramálos na lágrima que implora Que mendiga perdão pela agonia Da noite lutulenta Quero na solidão nas ermas grutas A tua sombra procurar chorando Com meu olhar incerto As pálpebras doridas nunca enxutas Queimarei teus fantasmas invocando No vento do deserto De meus dias a lâmpada se apaga Roeram meu viver mortais venenos Curvome ao vento forte Teu fúnebre clarão que a noite alaga Como a estrela oriental me guie ao menos Té ao vale da morte No mar dos vivos o cadáver bóia A lua é descorada como um crânio Este sol não reluz Quando na morte a pálpebra se engóia O anjo desperta em nós e subitânio Voa ao mundo da luz Do val de Josafá pelas gargantas 46 Uiva na treva o temporal sem norte E os fantasmas murmuram Irei deitarme nessas trevas santas Banharme na friez lustral da morte Onde as almas se apuram Mordendo as clinas do corcel da sombra Sufocado arquejante passarei Na noite do infinito Ouvirei essa voz que a treva assombra Dos lábios de minhalma entornarei O meu cântico aflito Flores cheias de aroma e de alegria Por que na primavera abrir cheirosas E orvalharvos abrindo As torrentes da morte vêm sombrias Hão de amanhã nas águas tenebrosas Vos arrastar bramindo Morrer morrer É voz das sepulturas Como a lua nas salas festivais A morte em nós se estampa E os pobres sonhadores de venturas Roxeiam amanhã nos funerais E vão rolar na campa Que vale a glória a saudação que enleva Dos hinos triunfais na ardente nota E as turbas devaneia Tudo isso é vão e calase na treva Tudo é vão como em lábios de idiota Cantiga sem idéia Que importa quando a morte se descarna A esperança do céu flutua e brilha Do túmulo no leito O sepulcro é o ventre onde se encarna Um verbo divinal que Deus perfilha E abisma no seu peito Não chorem que essa lágrima profunda Ao cadáver sem luz não dá conforto Não o acorda um momento Quando a treva medonha o peito inunda Derramase nas pálpebras do morto Luar de esquecimento Caminha no deserto a caravana Numa noite sem lua arqueja e chora O termo é um sigilo O meu peito cansou da vida insana Da cruz à sombra junto aos meus agora Eu dormirei tranqüilo Dorme ali muito amor muitas amantes Donzelas puras que eu sonhei chorando E vi adormecer Ouço da terra cânticos cânticos errantes E as almas saudosas suspirando 47 Que falam em morrer Aqui dormem sagradas esperanças Almas sublimes que o amor erguia E gelaram tão cedo Meu pobre sonhador aí descansas Coração que a existência consumia E roeu em segredo Quando o trovão romper as sepulturas Os crânios confundidos acordando No lodo tremerão No lodo pelas tênebras impuras Os ossos estalados tiritando Dos vales surgirão Como rugindo a chama encarcerada Dos negros flancos do vulcão rebenta Golfejando nos céus Entre nuvem ardente e trovejada Minhalma se erguerá fria sangrenta Ao trono de meu Deus Perdoa meu Senhor O errante crente Nos desesperos em que a mente abrasas Não o arrojes plo crime Se eu fui um anjo que descreu demente E no oceano do mal rompeu as asas Perdão arrependime III A TEMPESTADE FRAGMENTO Profeta escarnecido pelas turbas Disselhes rindo adeus Vim adorar na serrania escura A sombra de meu Deus O céu enegreceu lá no ocidente Rubro o sol se apagou E galopa o corcel da tempestade Nas nuvens que rasgou Da gruta negra a catarata rola Alaga a serra bronca Esbarra pelo abismo escuma uivando E pelas trevas ronca O chão nu e escarvado plas torrentes Trêmulo se fendeu Da serrania a lomba escaveirada O raio enegreceu Cede a floresta ao arquejar fremente Do rijo temporal Ribomba e rola o raio nos abismos Sibila o vendaval Nas trevas o relâmpago fascina A selva se incendeia 48 Chuva de fogo pelas serras hirtas Fantástica serpeia Amo a voz da tempestade Porque agita o coração E o espírito inflamado Abre as asas no trovão A minhalma se devora Na vida morta e tranqüila Quero sentir emoções Ver o raio que vacila Enquanto as raças medrosas Banham de prantos o chão Eu quero erguerme na treva Saudar glorioso trovão Jeová derrama em chuva Os teus raios incendidos Tua voz na tempestade Reboa nos meus ouvidos É quando as nuvens ribombam E a selva medonha está Que no relâmpago surge A face de Jeová A tuba da tempestade Rouqueja nos longos céus De joelhos na montanha Espero agora meu Deus O caminho rasgouse mil torrentes Rebentam bravejando Rodam na espuma as rochas gigantescas Pelo abismo tombando Como em noite do caos os elementos incandescentes lutam Negra a terra o céu rubro o mar vozeia E as florestas escutam Tudo se escureceu e pela treva No chão sem sepultura Os mortos se revolvem tiritando Na longa noite escura Profeta escarnecido pelas turbas Disselhes rindo adeus Vim fitar ao clarão da tempestade A sombra de meu Deus 49 LEMBRANÇA DE MORRER No more O never more SHELLEY Quando em meu peito rebentarse a fibra Que o espírito enlaça à dor vivente Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto o poento caminheiro Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro Como o desterro de minhalma errante Onde fogo insensato a consumia Só levo uma saudade é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia Só levo uma saudade e dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas E de ti ó minha mãe pobre coitada Que por minhas tristezas te definhas De meu pai de meus únicos amigos Poucos bem poucos e que não zombavam Quando em noites de febre endoudecido Minhas pálidas crenças duvidavam Se uma lágrima as pálpebras me inunda Se um suspiro nos seios treme ainda É pela virgem que sonhei que nunca Aos lábios me encostou a face linda Ó tu que à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores Se vivi foi por ti e de esperança De na vida gozar de teus amores Beijarei a verdade santa e nua Verei cristalizarse o sonho amigo Ó minha virgem dos errantes sonhos Filha do céu eu vou amar contigo Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida À sombra de uma cruz e escrevam nela Foi poeta sonhou e amou na vida Sombras do vale noites da montanha Que minhalma cantou e amava tanto Protejei o meu corpo abandonado E no silêncio derramailhe um canto 50 Mas quando preludia ave daurora E quando à meianoite o céu repousa Arvoredos do bosque abri as ramas Deixai a lua pratearme a lousa Cuidado leitor ao voltar esta página Aqui dissipase o mundo visionário e platônico Vamos entrar num mundo novo terra fantástica verdadeira ilha Baratária de D Quixote onde Sancho é rei e vivem Panúrgio sir John Falstaff Bardolph Fígaro e o Sganarello de D João Tenório a pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban A razão é simples É que a unidade deste livro fundase numa binomia duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro verdadeira medalha de duas faces Demais perdoemme os poetas do tempo isto aqui é um tema senão mais novo menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fasbionable desde Werther até René Por um espírito de contradição quando os homens se vêem inundados de páginas amorosas preferem um conto de Bocaccio uma caricatura de Rabelais uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre divisível até ao extremo dos liliputianos poetastros Antes da Quaresma há o Carnaval Há uma crise nos séculos como nos homens É quando a poesia cegou deslumbrada de fitarse no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro O poeta acorda na terra Demais o poeta é homem Homo sum como dizia o célebre Romano Vê ouve sente e o que é mais sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado Tem nervos tem fibra e tem artérias isto é antes e depois de ser um ente idealista é um ente que tem corpo E digam o que quiserem sem esses elementos que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos não há poesia O que acontece Na exaustão causada pelo sentimentalismo a alma ainda trêmula e ressoante da febre do sangue a alma que ama e canta porque sua vida é amor e canto o que pode senão fazer o poema dos amores da vida real Poema talvez novo mas que encerra em si muita verdade e muita natureza e que sem ser obsceno pode ser erótico sem ser monótono Digam e creiam o que quiserem todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua Depois a doença da vida que não dá ao mundo objetivo cores tão azuladas como o nome britânico de blue devils descarna e injeta de fel cada vez mais o coração Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa vem a sátira que morde É assim Depois dos poemas épicos Homero escreveu o poema irônico Goethe depois de Werther criou o Faust Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan Don Juan que começa como Cain pelo amor e acaba como ele pela descrença venenosa e sarcástica Agora basta Ficarás tão adiantado agora meu leitor como se não lesses essas páginas destinadas a não serem lidas Deus me perdoe assim é tudo até prefácios 51 SEGUNDA PARTE UM CADÁVER DE POETA Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver Tu não pesaste sobre a terra a terra te seja leve L UHLAND I De tanta inspiração e tanta vida Que os nervos convulsivos inflamava E ardia sem conforto O que resta uma sombra esvaecida Um triste que sem mãe agonizava Resta um poeta morto Morrer E resvalar na sepultura Frias na fronte as ilusões no peito Quebrado o coração Nem saudades levar da vida impura Onde arquejou de fome sem um leito Em treva e solidão Tu foste como o sol tu parecias Ter na aurora da vida a eternidade Na larga fronte escrita Porém não voltarás como surgias Apagouse teu sol da mocidade Numa treva maldita Tua estrela mentiu E do fadário De tua vida a página primeira Na tumba se rasgou Pobre gênio de Deus nem um sudário Nem túmulo nem cruz como a caveira Que um lobo devorou II Morreu um trovador morreu de fome Acharamno deitado no caminho 52 Tão doce era o semblante Sobre os lábios Flutuavalhe um riso esperançoso E o morto parecia adormecido Ninguém ao peito recostoulhe a fronte Nas horas da agonia Nem um beijo Em boca de mulher nem mão amiga Fechou ao trovador os tristes olhos Ninguém chorou por ele No seu peito Não havia colar nem bolsa doiro Tinha até seu punhal um férreo punho Pobretão não valia a sepultura Todos o viram e passavam todos Contudo era bem morto desde a aurora Ninguém lançoulhe junto ao corpo imóvel Um ceitil para a cova nem sudário O mundo tem razão sisudo pensa E a turba tem um cérebro sublime De que vale um poeta um pobre louco Que leva os dias a sonhar insano Amante de utopias e virtudes E num templo sem Deus ainda crente A poesia é decerto uma loucura Sêneca o disse um homem de renome É um defeito no cérebro Que doUdos É um grande favor é muita esmola Dizerlhes bravo à inspiração divina E quando tremem de miséria e fome Darlhes um leito no hospital dos loucos Quando é gelada a fronte sonhadora Por que há de o vivo que despreza rimas Cansar os braços arrastando um morto Ou pagar os salários do coveiro A bolsa esvaziar por um misérrimo Quando a emprega melhor em lodo e vício E que venham aí falarme em Tasso Culpar Afonso dEst um soberano Por não lhe dar a mão da irmã fidalga 53 Um poeta é um poeta apenas isso Procure para amar as poetisas Se na França a princesa Margarida De Francisco primeiro irmã formosa Ao poeta Alain Chartier adormecido Deu nos lábios um beijo é que esta moça Apesar de princesa era uma douda E a prova é que também rondós fazia Se Riccio o trovador teve os amores Novela até bastante duvidosa Dessa Maria Stuart formosíssima É que ela sabeo Deus fez tanta asneira Que não admira que a um poeta amasse Por isso adoro o libertino Horácio Namorou algum dia uma parenta Do patrono Mecenas Parasita Só pedia dinheiro no triclínio Bebia vinho bom e não vivia Fazendo versos às irmãs de Augusto E quem era Camões Por ter perdido Um olho na batalha e ser valente Às esmolas valeu Mas quanto ao resto Por fazer umas trovas de vadio Deveriam lhe dar além de glória E essa deramlhe à farta algum bispado Alguma dessas gordas sinecuras Que se davam a idiotas fidalguias Deixemse de visões queimemse os versos O mundo não avança por cantigas Creiam do poviléu os trovadores Que um poema não val meia princesa Um poema contudo bem escrito Bem limado e bem cheio de tetéias Nas horas do café lido fumando Ou no campo na sombra do arvoredo Quando se quer dormir e não há sono 54 Tem o mesmo valor que a dormideira Mas não passe dali do vate a mente Tudo o mais são orgulhos são loucuras Faublas tem mais leitores do que Homero Um poeta no mundo tem apenas O valor de um canário de gaiola É prazer de um momento é mero luxo Contentese em traçar nas folhas brancas De algum Álbum da moda umas quadrinhas Nem faça apelações para o futuro O homem é sempre o homem Tem juízo Desde que o mundo é mundo assim cogita Nem há negálo não há doce lira Nem sangue de poeta ou alma virgem Que valha o talismã que no oiro vibra Nem músicas nem santas harmonias Igualam o condão esse eletrismo A ardente vibração do som metálico Meu Deus e assim fizeste a criatura Amassaste no lodo o peito humano Ó poeta silêncio é este o homem A feitura de Deus a imagem dele O rei da criação Que verme infame Não Deus porém Satã no peito vácuo Uma corda prendeute o egoísmo Oh miséria meu Deus e que miséria III Passou ElRei ali com seus fidalgos Iam a degolar uns insolentes Que ousaram murmurar da infâmia régia Das nódoas de uma vida libertina Iam em grande gala O Rei cismava Na glória de espetar no pelourinho A cabeça de um pobre degolado Era um Rei bonvivant e Rei devoto 55 E como Luís XI ao lado tinha O bobo o capelão e seu carrasco O cavalo do Rei sentindo o morto Tremente de terror parou nitrindo Deu desporas leviano o cavaleiro E disse ao capelão E não enterram Esse homem que apodrece e no caminho Assustame o corcel Depois voltouse E disse ao camarista de semana Conheces o defunto Era inda moço Daria certamente um bom soldado A figura é esbelta Forte pena Podia bem servir para um lacaio Descoberto o faceiro fidalgote Respondelhe fazendo a cortesia Pelas tripas do Papa eu não me engano Leveme Satanás se este defunto Ontem não era o trovador Tancredo Tancredo murmurou erguendo os óculos Um anfíbio um barbaças truanesco Alma de Triboulet que além de bobo Era o vate da corte bem nutrido Farto de sangue mas de veia pobre Caidos beiços volumoso abdoômen Grisalha cabeleira esparramada Tremendo narigão mas testa curta Em suma um glosador de sobremesas Tancredo repetiu imaginando Um asno só cantava para o povo Uma língua de fel um insolente Orgulho desmedido e quanto aos versos Morava como um sapo nágua doce Não sabia fazer um trocadilho 56 O rei passou com ele a companhia Só ficou ressupino e macilento Da estrada em meio o trovador defunto IV Ia caindo o sol Bem reclinado No vagaroso coche madornado Depois de bem jantar fazendo a sesta Roncava um nédio um barrigudo frade Bochechas e nariz em cima uns óculos Vermelho solidéu enfim um bispo E um bispo senhor Deus da idade média Em que os bispos como hoje e mais ainda Sob o peso da cruz bem rubicundos Dormindo bem e a regalar bebendo Sabiam engordar na sinecura Papudos santarrões depois da missa Lançando ao povo a bênção por dinheiro O cocheiro ia bêbado por certo Os cavalos tocou plo bom caminho Mesmo em cima das pernas do cadáver Refugou a parelha mas o sota Que ao sol da glória episcopal enchia De orgulho e de insolência o couro inerte Cuspindo o poviléu como um fidalgo Que em falta de miolo tinha vinho Na cabeça devassa deu de esporas Como passara sobre a vil carniça Raléu de corvos negros foi por cima Mas desgraça maldito aquele morto Desgraça não porque pisasse o coche Aqueles magros ossos mas a roda Na humana resistência abalroando E acorda o fradalhão O que sucede Pergunta bocejando é algum bêbado Em que bicho pisaram 57 Senhor bispo Triunfante responde o bom cocheiro Ao vigário de Cristo ao santo Apóstolom Rebento da fidalga raça nova Que não anda de pé como S Pedro Nem estafa os corcéis de S Francisco Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima É um pobre diabo de poeta Um homem sem miolo e sem barriga Que lembrouse de vir morrer na estrada Abrenúncio rouqueja o santo bispo Leve o Diabo essa tribo de boêmios Não há tanto lugar onde se morra Maldita gente inda persegue os Santos Depois que o Diabo a leva E foi caminho Levete Deus Apóstolo da crença Da esperança e da santa caridade Tu sim és religioso e nos altares Vem cada sacristão e cada monge Agita a teus pés o seu turíbulo E o sangue do Senhor no cálix doiro Da turba na oração te banha os lábios Levete Deus Apóstolo da crença Sem padres como tu que fora o mundo É por ti que o altar apóia o trono É teu olhar que fertiliza os vales Fecunda a vinha santa do Messias Levete Deus ou levete o Demônio V Caiu a noite do azulado manto Como gotas de orvalho sacudindo Estrelas cintilantes Veio a lua 58 Banhando de tristeza o céu profundo Trazer aos corações melancolia E no éter cheiroso derramar Cerúlea chama Dia incerto e pálido Que ao lado da floresta as sombras junta E golfa pelas águas das campinas Alvacentos clarões que as flores bebem A galope de volta do noivado Passa o Conde Solfier e a noiva Elfrida Seguem fidalgos que o sarau reclama Elfrida Não vês Solfier ali da estrada em meio Um defunto estendido Solfier Ó minha Elfrida Voltemos desse lado outro caminho Se dirige ao castelo É mau agouro Por um morto passar em noites destas Mas Elfrida aproxima o seu cavalo Elfrida Tancredo Vede é o trovador Tancredo Coitado assim morrer um pobre moço Sem mãe e sem irmã E não o enterram Neste mundo não teve um só amigo Ninguém senhora respondeu da sombra Uma dorida voz Eu vim há pouco Ao saber que do povo no abandono Jazia como um cão eu vim e eu mesmo Cavei junto do lago a cova dele Elfrida 59 Tendes um coração tomai mancebo Tomai essa pulseira Em ouro e jóias Tem bastante pra erguerlhe um monumento E para longas missas lhe dizerem Pelo repouso dalma O moço riuse O Desconhecido Obrigado guardai as vossas jóias Tancredo o trovador morreu de fome Passaramlhe no corpo frio e morto Salpicaram de lodo a face dele Talvez cuspissem nesta fronte santa Cheia outrora de eternas fantasias De idéias a valer um mundo inteiro Por que lançar esmolas ao cadáver Levaas fidalga tuas jóias belas O orgulho do plebeu as vê sorrindo Missas bem sabe Deus se neste mundo Gemeu alma tão pura como a dele Foi um anjo e murchouse como as flores Morreu sorrindo como as virgens morrem Alma doce que os homens enjeitaram Lírio que a turba imunda profanou Oh não te mancharei nem a lembrança Com o óbolo dos ricos Pobre corpo És o templo deserto onde habitava O Deus que em ti sofreu por um momento Dorme pobre Tancredo eu tenho braços Na cova negra dormirás tranqüilo Tu repousas ao menos No entanto sofreando a custo a raiva Mordendo os lábios de soberba e fúria Solfier da bainha arranca a espada Avança ao moço e bradalhe 60 Insolente Calate doudo Calate mendigo Não vês quem te falou Curva o joelho Tira o gorro vilão O Desconhecido Tu vês não tremo Tu não vales o vento que salpica Tua fronte de pó Porque és fidalgo Não sabes que um punhal vale uma espada Dentro do coração Mas logo Elfrida Acalmate Solfier O triste moço Desespera blasfema e não me insulta Perdoame também mancebo triste Não pensei ofender tamanho orgulho Tua mágoa respeito Só te imploro Que sobre a fronte ao trovador desfolhes Essas flores as flores do noivado De uma triste mulher E quanto às jóias Lançaas no lago Mas quem és teu nome O Desconhecido Quem sou um doudo uma alma de insensato Que Deus maldisse e que Satã devora Um corpo moribundo em que se nutre Uma centelha de pungente fogo Um raio divinal que dói e mata Que doira as nuvens e amortalha a terra Uma alma como o pó em que se pisa Um bastardo de Deus um vagabundo A que o gênio gravou na fronte anátema Desses que a turba com o seu dedo aponta Mas não não hei de sêlo eu juro nalma Pela caveira pelas negras cinzas De minha mãe o juro Agora há pouco Junto de um morto reneguei do gênio 61 Quebrei a lira à pedra de um sepulcro Eu era um trovador sou um mendigo Ergueu do chão a dádiva dElfrida Roçou as flores aos trementes lábios Beijouas Sobre o peito de Tancredo Pousouas lentamente Em nome dele Agradeço estas flores do teu seio Anjo que sobre um túmulo desfolhas Tuas últimas flores de donzela Depois vibrou na lira estranhas mágoas Carpiu à longa noite escuras nênias Cantou banhou de lágrimas o morto De repente parou vibrou a lira Coas mãos iradas trêmulas e as cordas Uma por uma rebentou cantando Tinha fogo no crânio e sufocava Passou a fria mão nas fontes úmidas Abriu a medo os lábios convulsivos Sorriu de desespero e sempre rindo Quebrou as jóias e as lançou no abismo VI No outro dia na borda do caminho Deitado ao pé de um fosso aberto apenas Viuse um mancebo loiro que morria Semblante feminil e formas débeis Mas nos palores da espaçosa fronte Uma sombria dor cavara sulcos Corria sobre os lábios alvacentos Uma leve umidez um ló descuma E seus dentes a raiva constringira Tinha os punhos cerrados Sobre o peito Acharam letras de uma língua estranha E um vidro sem licor fora veneno Ninguém o conheceu mas conta o povo 62 Que ao lançálo no túmulo o coveiro Quis roubarlhe o gibão despiu o moço E viu talvez é falso níveos seios Um corpo de mulher de formas puras VII Na tumba dormem os mistérios dambos Da morte o negro véu não há erguêlo Romance obscuro de paixões ignotas Poema desperança e desventura Quando a aurora mais bela os encantava Talvez rompeuse no sepulcro deles Não pode o bardo revelar segredos Que levaram ao céu as ternas sombras Desfolha apenas nessas frontes puras Da extrema inspiração as flores murchas IDÉIAS ÍNTIMAS Fragmento La chaise où je massieds la natte où je me couche La table ou je técris Mes gros souliers ferrés mon baton mon chapeau Mês libres pêlemêle entassés sur leur planche De cet espace étroit sont tout lameublement LAMARTINE Jocelyn I Ossian o bardo é triste como a sombra Que seus cantos povoa O Lamartine É monótono e belo como a noite Como a lua no mar e o som das ondas Mas pranteia uma eterna monodia Tem na lira do gênio uma só corda Fibra de amor e Deus que um sopro agita Se desmaia de amor a Deus se volta Se pranteia por Deus de amor suspira 63 Basta de Shakespeare Vem tu agora Fantástico alemão poeta ardente Que ilumina o clarão das gotas pálidas Do nobre Johannisberg Nos teus romances Meu coração deleitase Contudo Pareceme que vou perdendo o gosto Vou ficando blasé passeio os dias Pelo meu corredor sem companheiro Sem ler nem poetar Vivo fumando Minha casa não tem menores névoas Que as deste céu dinverno Solitário Passo as noites aqui e os dias longos Deime agora ao charuto em corpo e alma Debalde ali de um canto um beijo implora Como a beleza que o Sultão despreza Meu cachimbo alemão abandonado Não passeio a cavalo e não namoro Odeio o lasquenet Palavra dhonra Se assim me continuam por dois meses Os diabos azuis nos frouxos membros Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso II Enchi o meu salão de mil figuras Aqui voa um cavalo no galope Um roxo dominó as costas volta A um cavaleiro de alemães bigodes Um preto beberrão sobre uma pipa Aos grossos beiços a garrafa aperta Ao longo das paredes se derramam Extintas inscrições de versos mortos E mortos ao nascer Ali na alcova Em águas negras se levanta a ilha Romântica sombria à flor das ondas De um rio que se perde na floresta Um sonho de mancebo e de poeta ElDorado de amor que a mente cria Como um Éden de noites deleitosas Era ali que eu podia no silêncio Junto de um anjo Além o romantismo 64 Borra adiante folgaz caricatura Com tinta de escrever e pó vermelho A gorda face o volumoso abdômen E a grossa penca do nariz purpúreo Do alegre vendilhão entre botelhas Metido num tonel Na minha cômoda Meio encetado o copo inda verbera As águas doiro do Cognac ardente Negreja ao pé narcótica botelha Que da essência de flores de laranja Guarda o licor que nectariza os nervos Ali misturase o charuto havano Ao mesquinho cigarro e ao meu cachimbo A mesa escura cambaleia ao peso Do titâneo Digesto e ao lado dele ChildeHarold entreaberto ou Lamartine Mostra que o romantismo se descuida E que a poesia sobrenada sempre Ao pesadelo clássico do estudo III Reina a desordem pela sala antiga Desce a teia de aranha as bambinelas À estante pulvurenta A roupa os livros Sobre as poucas cadeiras se confundem Marca a folha do Faust um colarinho E Alfredo de Musset encobre às vezes De Guerreiro ou Valasco um texto obscuro Como outrora do mundo os elementos Pela treva jogando cambalhotas Meu quarto mundo em caos espera um Fiat IV Na minha sala três retratos pendem Ali Victor Hugo Na larga fronte Erguidos luzem os cabelos louros Como croa soberba Homem sublime O poeta de Deus e amores puros Que sonhou Triboulet Marion Delorme E Esmeralda a Cigana E diz a crônica 65 Que foi aos tribunais parar um dia Por amar as mulheres dos amigos E adúlteros fazer romances vivos V Aquele é Lamennais o bardo santo Cabeça de profeta ungido crente Alma de fogo na mundana argila Que as harpas de Sion vibrou na sombra Pela noite do século chamando A Deus e à liberdade as loucas turbas Por ele a George Sand morreu de amores E dizem que Defronte aquele moço Pálido pensativo a fronte erguida Olhar de Bonaparte em face austríaca Foi do homem secular as esperanças No berço imperial um céu de agosto Nos cantos de triunfo despertouo As águias de Wagram e de Marengo Abriam flamejando as longas asas Impregnadas do fumo dos combates Na púrpura dos Césares guardandoo E o gênio do futuro parecia Predestinálo à glória A história dele Resta um crânio nas urnas do estrangeiro Um loureiro sem flores nem sementes E um passado de lágrimas A terra Tremeu ao sepultarse o Rei de Roma Pode o mundo chorar sua agonia E os louros de seu pai na fronte dele Infecundos depor Estrela morta Só pode o menestrel sagrarte prantos VI Junto a meu leito com as mãos unidas Olhos fitos no céu cabelos soltos Pálida sombra de mulher formosa Entre nuvens azuis pranteia orando É um retrato talvez Naquele seio Porventura sonhei douradas noites 66 Talvez sonhando desatei sorrindo Alguma vez nos ombros perfumados Esses cabelos negros e em delíquio Nos lábios dela suspirei tremendo Foise a minha visão E resta agora Aquele vaga sombra na parede Fantasma de carvão e pó cerúleo Tão vaga tão extinta e fumacenta Como de um sonho o recordar incerto VII Em frente do meu leito em negro quadro A minha amante dorme É uma estampa De bela adormecida A rósea face Parece em visos de um amor lascivo De fogos vagabundos acenderse E como a nívea mão recata o seio Oh quanta s vezes ideal mimoso Não encheste minhalma de ventura Quando louco sedento e arquejante Meus tristes lábios imprimi ardentes No poento vidro que te guarda o sono VIII O pobre leito meu desfeito ainda A febre aponta da noturna insônia Aqui lânguido à noite debatime Em vãos delírios anelando um beijo E a donzela ideal nos róseos lábios No doce berço do moreno seio Minha vida embalou estremecendo Foram sonhos contudo A minha vida Se esgota em ilusões E quando a fada Que diviniza meu pensar ardente Um instante em seus braços me descansa E roça a medo em meus ardentes lábios Um beijo que de amor me turva os olhos Me ateia o sangue me enlanguece a fronte Um espírito negro me desperta O encanto do meu sonho se evapora 67 E das nuvens de nácar da ventura Rolo tremendo à solidão da vida IX Oh ter vinte anos sem gozar de leve A ventura de uma alma de donzela E sem na vida ter sentido nunca Na suave atração de um róseo corpo Meus olhos turvos se fechar de gozo Oh nos meus sonhos pelas noites minhas Passam tantas visões sobre meu peito Palor de febre meu semblante cobre Bate meu coração com tanto fogo Um doce nome os lábios meus suspiram Um nome de mulher e vejo lânguida No véu suave de amorosas sombras Seminua abatida a mão no seio Perfumada visão romper a nuvem Sentarse junto a mim nas minhas pálpebras O alento fresco e leve como a vida Passar delicioso Que delírios Acordo palpitante inda a procuro Embalde a chamo embalde as minhas lágrimas Banham meus olhos e suspiro e gemo Imploro uma ilusão tudo é silêncio Só o leito deserto a sala muda Amorosa visão mulher dos sonhos Eu sou tão infeliz eu sofro tanto Nunca virás iluminar meu peito Com um raio de luz desses teus olhos X Meu pobre leito eu amote contudo Aqui levei sonhando noites belas As longas horas olvidei libando Ardentes gotas de licor dourado Esquecias no fumo na leitura Das páginas lascivas do romance 68 Meu leito juvenil da minha vida És a página doiro Em teu asilo Eu sonhome poeta e sou ditoso E a mente errante devaneia em mundos Que esmalta a fantasia Oh quantas vezes Do levante no sol entre odaliscas Momentos não passei que valem vidas Quanta música ouvi que me encantava Quantas virgens amei que Margaridas Que Elviras saudosas e Clarissas Mais trêmulo que Faust eu não beijava Mais feliz que Don Juan e Lovelace Não apertei ao peito desmaiando Ó meus sonhos de amor e mocidade Porque ser tão formosos se devíeis Me abandonar tão cedo e eu acordava Arquejando a beijar meu travesseiro XI Junto do leito meus poetas dormem O Dante a Bíblia Shakespeare e Byron Na mesa confundidos Junto deles Meu velho candeeiro se espreguiça E parece pedir a formatura Ó meu amigo ó velador noturno Tu não me abandonaste nas vigílias Quer eu perdesse a noite sobre os livros Quer sentado no leito pensativo Relesse as minhas cartas de namoro Querote muito bem ó meu comparsa Nas doudas cenas de meu drama obscuro E num dia de spleen vindo a pachorra Hei de evocarte dum poema heróico Na rima de Camões e de Ariosto Como padrão às lâmpadas futuras XII Aqui sobre esta mesa junto ao leito 69 Em caixa negra dois retratos guardo Não os profanem indiscretas vistas Eu beijoos cada noite neste exílio Veneroos juntos e os prefiro unidos Meu pai e minha mãe Se acaso um dia Na minha solidão me acharem morto Não os abra ninguém Sobre meu peito Lancemos em meu túmulo Mais doce Será certo o dormir da noite negra Tendo no peito essas imagens puras XIII Havia uma outra imagem que eu sonhava No meu peito na vida e no sepulcro Mas ela não o quis rompeu a tela Onde eu pintara meus dourados sonhos Se posso no viver sonhar com ela Essa trança beijar de seus cabelos E essas violetas inodoras murchas Nos lábios frios comprimir chorando Não poderei na sepultura ao menos Sua imagem divina ter no peito XIV Parece que chorei Sinto na face Uma perdida lágrima rolando Satã leve a tristeza Olá meu pagem Derrama no meu copo as gotas últimas Dessa garrafa negra Eia bebamos És o sangue do gênio o puro néctar Que as almas de poeta diviniza O condão que abre o mundo das magias Vem fogoso Cognac É só contigo Que sintome viver Inda palpito Quando os eflúvios dessas gotas áureas Filtram no sangue meu correndo a vida Vibramme os nervos e as artérias queimam Os meus olhos ardentes se escurecem E no cérebro passam delirosos 70 Assomos de poesia Dentre a sombra Vejo num leito douro a imagem dela Palpitante que dorme e que suspira Que seus braços me estende Eu me esquecia Fazse noite traz fogo e dois charutos E na mesa do estudo acende a lâmpada BOÊMIOS ATO DE UMA COMÉDIA NÃO ESCRITA Totus mundusagit histríonem Provérbio do tempo de SHAKESPEARE A cena passase na Itália no século XVI Uma rua escura e deserta Alta noite Numa esquina uma imagem de Madona em seu nicho alumiado por uma lâmpada Puff dorme no chão abraçando uma garrafa Nini entra tocando guitarra Dão 5 horas NINI Olá que fazes PufF dormes na rua PUFF acordando Não durmo Penso NINI Estás enamorado E deitado na pedra acaso esperas O abrir de uma janela Estás cioso E coa botelha em vez de durindana Aguardas o rival PUFF Ceei à farta Na taverna do Sapo e das TrêsCobras Faço o quilo ao repouso me abandono Como o Papa Alexandre ou como um Turco Me entrego ao far niente e bem a gosto Descanso na calçada imaginando 71 NINI Embalde quis dormir Na minha mente Fermenta um mundo novo que desperta Escuta Puff eu sinto no meu crânio Como em seio de mãe um feto vivo Na minha insônia vela o pensamento Os poetas passados e futuros Vou todos ofuscar Aqui no cérebro Tenho um grande poema Hei de escrevêlo É certa a glória minha PUFF A idéia é boa Toma dez bebedeiras são dez cantos Quanto a mim tenho fé que a poesia Dorme dentro do vinho Os bons poetas Para ser imortais beberam muito NINI Não rias Minha idéia é nova e bela A Musa me votou a eterna glória Não me engano meu Puff enquanto sonho Se aos poetas divinos Deus concede Um céu mais glorioso ali com Tasso Com Dante e Ariosto eu hei de verme Se eu fizer um poema certamente No Pantheon da fama cem estátuas Cantarão aos vindouros o meu gênio PUFF Em estátua meu Nini Estás zombando E impossível que saias parecido Que mármore daria a cor vermelha Desse imenso nariz dessas melenas NINI Estás bêbado Puff Tresandas vinho 72 PUFF O vinho és uma besta só um parvo Pode a beleza desmentir do vinho Tu nunca leste o Cântico dos Cânticos Onde o Rei Salomão como elogio Dizia à noiva Pulchriora sunt Ubera tua vino NINI És sempre um Bobo PUFF E tu és sempre esse nariz vermelho Que ainda aqui na treva desta rua Flameja ao pé de mim Quando te vejo Penso que estou na igreja ouvindo missa Dita por Cardeal NINI És um devasso PUFF Respondote somente o que dizia Sir John Falstaff da noite o cavaleiro Se Adão pecou no estado de inocência Que muito é que nos dias da impureza Peque o mísero Puff Tu bem o sabes Toda a fragilidade vem da carne E na carne se eu tanto excedo os outros Vícios não devem meus causar espanto Minhalma dorme em treva completíssima Pela minha descrença E tu maldito Por que sempre não vens esclarecerme Com esse teu farol aceso sempre Cavaleiro da lâmpada vermelha As trevas de minhalma NINI Que leproso 73 PUFF Sou um homem de peso Entendo a vida Tenho muito miolo e a prova disto É que não sou poeta nem filósofo E gosto de beber como Panúrgio Se tu fosses tonel como pareces Eu te bebera agora de um só trago NINI Querote bem contudo Amigos velhos Deixemonos de histórias Meu poema PUFF Se falas em poema eu logo durmo NINI Uma vez era um Rei PUFF Não vês eu ronco NINI Quero a ti dedicar minha obraprima Irás junto comigo à eternidade Teu retrato porei no frontispício Meu poema será uma coroa Que as nossas frontes engrinalde juntas PUFF Penseite menos doudo O teu poema Seria uma sublime carapuça Mas já que sonhas tanto olha meu Nini Tu precisas de um saco NINI Impertinente PUFF Dáme aqui tua mão Sabes amigo Passei ontem o dia de namoro 74 Minhas paixões voltei à nova esposa Do velho Conde que ali mora em frente Estou adiantado nos amores A cozinheira outrora minha amante Meus passos guia meus suspiros leva Mas preciso com pressa de um soneto Prometesme fazêlo NINI Se me ouvires Recitar meu poema PUFF Eu me resigno Declama teu sermão como um vigário Mas o sono ao rebanho se permite Entra um criado correndo Roame o diabo as tripas se não vejo Ali correr com pernas de cabrita O criado do cônego Tansoni NINI Onde vais Gambioletto GAMBIOLETTO Vou à pressa Ao doutor Fossuário PUFF Acaso agora O carrasco fugiu NINI Quem agoniza GAMBIOLETTO O Reverendo e Santo Sr Cônego Deitandose a dormir depois da ceia 75 No colo de Madona la Zaffeta Umas dores sentiu pela barriga Caiu estrebuchando sobre a sala Morre de apoplexia NINI O diabo o leve GAMBIOLETTO E o médico Srs PUFF Venturoso Sempre é Cônego Nini dulce et decus Pro patria mori É doce e glorioso Morrer de apoplexia Quem me dera Morrer depois da ceia de repente Não vem o confessor contar novelas Não soam cantos fúnebres em torno Nem se força o medroso moribundo A rezar quando só dormir quisera Venturosos os Cônegos e os Bispos E os papudos Abades dos conventos Eles podem morrer de apoplexia E se morrem pensando cousa nova Quem nunca no viver cansouse nisso Se eles morrem pensando ante seus olhos No momento final sem ter pavores Inda corre a visão da bela mesa A não morrerse como o velho Píndaro Cantando sobre o seio amorenado De sua amante Grega oh quem me dera Cair morto no chão beijando ainda A botelha divina NINI Que maluco A estas horas da noite assim no escuro Não temes de lembrarte de defuntos Beijarias até uma caveira 76 Se espumante o Madeira ali corresse PUFF Os cálices doirados são mais belos Inda porém mais doce é nos beicinhos Da bela moça que sorrindo bebe Libar mais terno o saibo dos licores Eu prefiro beijar a tua amante NINI Tens medo de defuntos PUFF Um bocado Sinto que não nasci para coveiro Contudo no domingo à meianoite Pela forca passei vi nas alturas Do luar sem vapor à luz formosa Um vilão pendurado Era tão feio A língua um palmo fora sobre o peito Os olhos espantados boca lívida Sobre a cabeça dele estava um corvo O morto estava nu pois o carrasco Os mortos despe pra vestir os filhos E deixa à noite o padecente à fresca Eu senti pelo corpo uns arrepios Mas depois veio o ânimo trepei Pela escada da forca fui acima E pintei uns bigodes no enforcado NINI Bravo como um Vampiro PUFF Oh antes dontem Passei pelos telhados sem ter medo Para evitar um pátio onde velava Um cão que enorme cão subindo ao quarto Onde dorme Rosina Belvidera 77 NINI Ousaste ao Cardeal depor na fronte Tão pesada coroa PUFF A mitra cobre Dizem que a santidade lava tudo Depois o Cardeal estava bêbado A propósito sabes dos amores Do capitão Tybald O tal maroto Não sei de que milagres tem segredo Que deu volta à cabeça da rainha NINI Por isso o pobre Rei anda tão triste PUFF Spadaro o fidalgote barbaruiva Contoume que espiando pla janela Do quarto da rainha os viu Caluda NINI E o Rei que faz Não tem lá na cozinha Algum pau de vassoura ou um chicote PUFF ElRei Nosso Senhor então ceava NINI Santo Rei PUFF E demais é bem sabido Que ElRei só reina à mesa e nas caçadas NINI Nunca perde um veado quando atira PUFF Ele caça veados Má fortuna 78 Não o cacem também pela ramagem NINI Com língua tão comprida e viperina Irás parar na forca PUFF Nini escuta Assisti esta noite a um pagode Na taverna do Sapo e das TrêsCobras Era já luscofusco e eu entrando Dou com Frei São José e Frei Gregório O Prior do convento dos Bernardos E mais uns dois ou três que só conheço De ver pelas esquinas se encostando Ou dormidos na rua a sono solto Que soberbo painel Faze uma idéia Um banquete fartura que presuntos Que tostados leitões que recendiam Numa enorme caldeira enormes peixes Recheados capões fervendo ainda Perus olhas podridas costeletas Esgotara o talento a cozinheira Abertos garrafões garrafas cheias Vinho em copos imensos transbordando Na toalha já suja debruçados Aqueles religiosos cachaçudos De boca aberta e de embotados olhos Gastrônomos ali é que se via Que é ciência o comer e como um frade Goza pelo nariz e pelos olhos Pelas mãos pela boca e faz focinho E bate a língua ao paladar gostoso Ao celeste sabor de um bom pedaço Depois era bonito Frei Gregório Coa boca de gordura reluzente Farto de vinho esquece o reumatismo Esquece a erisipela já sem cura 79 Canta rondós e dança a tarantela Arrastase caindo e se babando Aos pés da taverneira De joelhos Fazlhe a corte cantando o Miserere Principia sermões engrola textos E a gorda mão estende ao nédio seio Da bela mocetona a mão lhe beija A mão que o cetro cinge de vassoura Chora soluça e cai estende os braços Ainda a chama e cantochão entoa Era de rir os velhos amorosos Uns de joelhos no chão outros cantando Estendidos na mesa entre os despojos Outros beijando a moça outros dormindo E ela no meio delambida e fresca Excitaos mutuamente e os rivaliza Passalhes pelo queixo a mão gorducha Corre o Prior a soco um Barbadinho Atracamse blasfemam se esconjuram Um agarra na barba do contrário Outro tenta apertar o papo alheio Abraçamse na luta os dois volumes E rolam como pipas No oceano Assim duas baleias ciumentas Atracamse na luta Que risadas Que risadas meu Deus arrebentando Soltou o pobre Puff ante a comédia NINI Ouve agora o poema PUFF Espera um pouco A taverna do canto não se fecha Está aberta Compra uma garrafa Bom vinho tu bem sabes Tenho a goela Fidalga como um Rei Não tenho dúvida Mentiu a minha mãe quando contoume 80 Que nasci de um prosaico matrimônio Eu filho de escrivão Para criarme Era senão um Rei preciso um Bispo NINI Vai à taverna e volta Eis aqui uma bela empada fria Uma garrafa e copo PUFF quebrando o copo O Demo o leve Eu sou como Diógenes só quero Aquilo sem o que viver não posso Deitado nesta laje preguiçoso Olhando a lua beijo esta garrafa E o mundo para mim é como um sonho Creio até que teu ventre desmedido Como escura caverna vai abrirse Mostrando no seio iluminado Panoramas de harém sultanas lindas E longas prateleiras de bom vinho NINI Dou começo ao poema Escuta um pouco I Havia um Rei numa ilha solitária Um Rei valente cavaleiro e belo O Rei tinha um irmão era um mancebo Pálido pensativo A sua vida Era nas serras divagar cismando Sentarse junto ao mar dormir no bosque Ou vibrar no alaúde os seus gemidos II Vagabundo uma vez junto das ondas O Príncipe encontrou na areia fria Uma branca donzela desmaiada Que um naufrágio na praia arremessara Revelavamlhe as roupas gotejantes 81 O belo talhe níveo o melindroso Das bem moldadas formas O mancebo Nos braços a tomou e foi com ela Esconderse no bosque Quando a bela Suspirando acordou o belo Príncipe Aos pés dela velava de joelhos Amaramse É a vida Eles viveram Desse desmaio que dá corpo aos sonhos Que realiza visões e aroma a vida Na sua primavera A lua pálida As sombras da floresta e dentre a sombra As aves amorosas que suspiram Viram aquelas frontes namoradas Ouviram sufocandose num beijo Suspiros que o deleite evaporava III O Rei tinha um truão O caso é visto É muito natural Se Reis sombrios Gostam de bobos na doirada corte Não admira decerto que um risonho Em vez de capelão tivesse um Bobo Loriolo o truão do Rei acaso Um dia atravessando pla floresta Foi dar numa cabana de folhagens Ninguém estava ali porém num leito De brandas folhas e cheirosas flores Ele viu estendidas roupas alvas E roupas de mulher e junto um gorro Que pelas jóias e flutuantes plumas E pela firma no veludo negro Denunciava o Príncipe Loriolo Apesar de na corte ser um Bobo Não era um zote Foise remoendo 82 Jurou dar com a história dos namoros E para andar melhor em tal caminho Ele que adivinhava que as Américas Sem proteção de Rei ninguém descobre Madrugou muito cedo inda era escuro E convidou ElRei para o passeio IV Ora por uma triste desventura O Rei entrando na Cabana Verde Achou só a mulher Adormecida No desalinho descuidoso e belo Com que elas dormem soltos os cabelos A face sobre a mão e os seios lindos Batendo à solta na macia tela Da roupa de dormir que os modelava Não digo mais Loriolo pôsse à espreita O Rei de leve despertou a bela Acordoua num beijo V A linda moça Se havia ali raivosa apunhalarse Fazer espalhafato e gritaria Por um capricho voluptuoso assomo Entregouse ao amor do Rei VI Maldito Bradoulhe à porta um vulto macilento Maldito meu irmão aquela moça É minha minha só é minha amante E minha esposa fora O Rei sorrindo Lhe estende a régia mão e diz alegre A culpa é tua Eu disto não sabia Se do teu casamento me falasses 83 Eu respeitara a tua Basta infame Não acrescentes zombaria ao crime Hei de punirte É solitário o bosque Aqui não és um Rei porém um homem Um vil em cujo sangue hei de lavarme Oh sangue quero sangue eu tenho sede VII Despiu tremendo a reluzente espada O mesmo fez o Rei Lutaram ambos Foeminae sacra fames quantum pectora Mortalia cogis E embalde a moça Ajoelhando seminua e pálida Vinha chorando mais gentil no pranto Entre as espadas se lançar gemendo Embalde Longo tempo encarniçada A peleja durou Enfim caíram Rolaram ambos trespassados frios E na treva de morte que o cegava Inda alongando os braços convulsivos Que avermelhava o fratricida sangue Procuravam no sangue o inimigo VIII O Bobo fez as covas Na montanha Enterrou os irmãos E quanto à moça Pelo braço a tomou chorosa e fria Foi ao paço e na gótica varanda De coroa real e longo manto Falou à plebe prometeu franquezas Impostos levantar e dar torneios Falou aos guardas prometeulhes vinho Falou à fidalguia mas no ouvido E prometeulhe consentir nos vícios E depressa fazer uma lei nova Pela qual se um fidalgo assassinasse Algum torpe vilão ficasse impune E nem pagasse mais a vil quantia 84 Que era pena do crime e alto disse Que havia conquistar países novos IX A história infelizmente é muito vista Não sou original É uma desgraça Mas prefiro o caráter verdadeiro De trovador cronista Loriolo Trocou de guizo o boné sonoro Muito leve chapéu pela coroa Só teve uma desgraça o Rei novato Foi que um dia fugiulhe do palácio A tal moça volante nos amores X Muitos anos passaram Loriolo Era um sublime Rei De Rei a Bobo Já tantos têm caído Não admira Que um Bobo sendo Rei primasse tanto Governava tão bem como governam Os Reis de sangue azul e raça antiga Demais gastava pouco e se não fosse Seu amor pelas alvas formosuras Decerto que na lista dos monarcas Ele ficava sendo o ReiSovina Enfim era um monarca de mão cheia Tinha só um defeito vendo sangue Tinha frio no ventre e desmaiava Ao luzir de uma espada Era nervoso Ninguém falava nisso Até a giba A figura de anão a pele escura Aquela boca negra escancarada E que nem dentes amarelos tinha Pra ser de Adamastor as gâmbias finas Eram tipo dos quadros dos pintores Se pintavam Adônis ou Cupido Copiavam o Rei em corpo inteiro E o oiro das moedas que trazia 85 A ventosa bochecha os beiços grossos O porcino perfil e a cabeleira Era beijado com fervor e culto XI Loriolo envelhecia entre os aplausos Dando a mão a beijar à fidalguia Demais um sabichão fizera um livro Em vinte e tantos volumões infólio Obra cheia de mapas e figuras Em que provava que por linha reta De Hércules descendia Loriolo E portanto de Júpiter Tonante E apresentou as certidões em cópia De óbito e nascimento e batistério E até de casamento e para prova De que nas veias puras do Monarca Não correra a mais leve bastardia É inútil dizer que os tais volumes Nada contavam sobre o pai porqueiro Como o do Santo Papa Sixto Quinto E sobre a mãe do Rei a velha Mória Que vendera perus Deus sabe o resto Nos tempos folgazões da mocidade XII Um dia o reino cem navios tocam São piratas do Norte são Normandos Infrene multidão nas praias corre Levando tudo a ferro até os frades Matam queimam saqueiam furtam moças E a infrene turba corre até os paços XIII Enquanto vem a campo a fidalguia Armada pied en cap espada em punho Loriolo sem fala nos apertos Nas adegas se esconde Embalde o chamam 86 Embalde corre voz que dos Normandos Emissário de paz o Rei procura ElRei suou de susto a roupa inteira Nem era de pasmar que a Reis e povo Como ao bicho da seda a trovoada Camisas de onze varas apavorem E façam frio aparições de forca XIV Um soldado normando que buscava Nas adegas reais alguma pinga Mete a verruma numa velha pipa Um grito sai dali mas não licores O soldado feroz destampa o nicho Agarra um vulto dentro mas somente Sente nas mãos vazia cabeleira Desembainha a torva durindana Nas cavernas da pipa e nas cavernas Do coração do Rei reboa o golpe Estalase o tonel de meio a meio Entretanto o bom Rei que não falava Sujo da lia da inosa pipa Mais morto do que vivo já pensando Que seu reino acabava num espeto Como o reino do galo às cambalhotas Rola aos pés do soldado chora e treme Gagueja de pavor nos calafrios E pelo amor de Deus perdão implora XV O soldado maroto e bom gaiato Agarra às costas o real trambolho Como um vilão que à feira leva um porco E no meio do pátio entre despojos De pernas para o ar e cara suja Atira o Bobo ElRei clama um fidalgo XVI 87 Porém o Rei não fala Sua e treme Singofredo o pirata aqui me envia Diz ao Rei o pacífico Mercúrio O Arauto de paz que vem de bordo Eu venho aqui proporvos um tratado Por direito de espada e por herança Singofredo é senhor destes países Ele vem reclamar sua coroa Se o Rei não se opuser não corre sangue Senão hão de fazêlo em sarrabulho Puxado plo nariz o encher de lodo E espetarlhe a careta sobre um mastro Singofredo o feroz exige apenas Que o Rei deixando o cetro deste reino Seja sempre na corte Rei da Lua Loriolo virá ao seu caminho Trajando seu gibão amarelado Com remendos de cor e campainhas Meias roxas e gorro afunilado XVII Loriolo suspira O povo espera Pela face do Bobo corre a furto Uma lágrima trêmula É desgraça Tendo subido a Rei voltar Nem ousa O nome proferir de sua infâmia De repente uma idéia o ilumina Deu uma das antigas gargalhadas Inda em trajes de Rei graceja e pula Foi uma dança cômica fantástica Um riso que doía tão gelado Coava ao coração Estava doudo Dançou a gargalhar caiu exausto Caiu sem movimento sobre o lodo Escutaramlhe o peito Estava morto 88 Ora o pirata o invasor normando Era filho da nossa conhecida Que posto não pudesse com acerto Dizer quem era o pai do seu boêmio Afirmava contudo afoutamente Que em todo o caso tinha jus ao trono Reina pela cidade a bebedeira E bebendose à saúde do bastardo O Bobo que foi Rei ninguém sepulta Bem vês amigo Puff que neste conto Em poucos versos digo histórias longas Amores mortes e no trono um Bobo E sobre o lodo um Rei que não se enterra Muito embora a mulher as roupas façam Eu provo que o burel não faz o monge E um Bobo é sempre um Bobo Mostro ainda De meu estro no vário cosmorama Um Rei que numa pipa o trono perde E um bastardo que o pai dizer não pode E em nome de dois pais ambos em dúvida Vem na sangueira reclamar seu nome Um outro só com isso dera a lume Um poema em dez cantos Sou conciso Não ouso tanto dou somente idéias Esboço aqui apenas meu enredo Mas Puff olá meu Puff estás dormindo Prosaico beberrão Acorda um pouco Bebeu todo o meu vinho a empada foise Não restame esperança Este demônio De um poeta como eu nem vale um murro UM HOMEM DA PLATÉIA Silêncio fora a peça que maçada 89 Até o ponto dorme a sono solto Levantase o pano até o meio Passa por debaixo e vem até a rampa o PRÓLOGO velho de cabeça calva camisola branca carapuça frígia coroada de louros Tem um ramo de oliveira na mão Faz as cortesias do estilo e fala Dom Quixote sublime criatura Tu sim foste leal e cavaleiro O último herói o paladim extremo De Castela e do mundo Se teu cérebro Toldouse na loucura a tua insânia Vale mais do que o siso destes séculos Em que a infâmia Dagon cheio de lodo Recebe as orações mirras e flores E a louca multidão renega o Cristo Tua loucura revelava brio No triste livro do imortal Cervantes Não posso crer um insolente escárnio De cavaleiro andante aos nobres sonhos Ao fidalgo da Mancha cuja nódoa Foi só ter crido em Deus e amado os homens E votado seu braço aos oprimidos Aquelas folhas não me causam riso Mas desgosto profundo e tédio à vida Soldado e trovador era impossível Que Cervantes manchasse um valeroso Em vil caricatura e desse à turba Como presa de escárnio e de vergonha Esse homem que à virtude amor e cantos Abria o coração Estas idéias Servem para desculpa do poeta Apesar de bom moço o autor da peça Tem uns laivos talvez de Dom Quixote 90 E nestes tempos de verdade e prosa Sem Gigantes sem Mágicos medonhos Que velavam nas torres encantadas As donzelas dormidas por cem anos Do seu imaginar esgrime as sombras E dá botes de lança nos moinhos Mas não escreve sátiras apenas Na idade das visões dá corpo aos sonhos Faz trovas e não talha carapuças Nem rebuça no véu do mundo antigo Pra realce maior presentes vícios Não segue Juvenal e não embebe Em venenoso fel a pena escura Para nódoas pintar no manto alheio O tempo em que se passa agora a cena É o século dos Bórgias O Ariosto Depôs na fronte a Rafael gelado Sua croa divina e o segue ao túmulo Ticiano inda vive O rei da turba É um gênio maldito o Aretino Que vende a alma e prostitui as crenças Aretino essa incríivel criatura Poeta sem pudor onda de lodo Em que do gênio profanouse a pérola Vaso doiro que um óxido sem cura Azinhavrou de morte homem terrível Que tudo profanou coas mãos imundas Que latiu como um cão mordendo um século E como diz um epitáfio antigo Só em Deus não mordeu porque o não vira Como ele foi devasso todo o século Os contos de Boccaccio e de Brantôme São mais puros que a história desses tempos Tasso enlouquece O Rei que se diverte O herói de Marignan e de Pavia Que num vidro escrevera do palácio Femme souvent varie mas leviano Com mais amantes que um Sultão vivia 91 Mandava ao Aretino amáveis letras Um colar doiro com sangrentas línguas E davalhe pensões O Vaticano Viu o Papa beijando aquela fronte Carlos V o nomeia cavaleiro Abraçao e inda mais lhe manda escudos O Duque João Médici o adora Dorme com ele a par no mesmo leito É um tempo de agonias a arte pálida Suarenta moribunda desespera E aguarda o funeral de Miguel Ângelo Para com ele abandonar o mundo E angélica voltar ao céu dos Anjos Agora basta Revelei minhalma A cena descrevi onde correra Inteira uma comédia em vez de um ato Se o poeta mais forte se atrevesse A erguer nos versos a medonha Sombra Da loucura fatal do mundo inteiro Boas noites platéia e camarotes O ponto já me diz que deixe o campo O primeiro galã todo empoado Cheio de vermelhão já dentro fala Estão cheios de luz os bastidores Uma última palavra o autor da peça Puxandome da túnica romana Dizme da cena que eu avise às Damas Que desta feita os sais não são precisos Não há de sarrabulho haver no palco É uma peça clássica O perigo Que pode ter lugar é vir o sono Mas dormir é tão bom que certamente Ninguém por esse dom fará barulho O assunto da Comédia e do Poema Era digno sem dúvida Senhores De uma pena melhor mas desta feita 92 Não fala Shakespeare nem Gil Vicente O poeta é novato mas promete Posto que seja um homem barrigudo E tenha por Tália o seu cachimbo Merece aplausos e merece glória SPLEEN E CHARUTOS I Solidão Nas nuvens cor de cinza do horizonte A lua amarelada a face embuça Parece que tem frio e no seu leito Deitou para dormir a carapuça Ergueuse vem da noite a vagabunda Sem xale sem camisa e sem mantilha Vem nua e bela procurar amantes É doida por amor da noite a filha As nuvens são uns frades de joelhos Rezam adormecendo no oratório Todos têm o capuz e bons narizes E parecem sonhar o refeitório As árvores prateiamse na praia Qual de uma fada os mágicos retiros Ó lua as doces brisas que sussurram Coam dos lábios teus como suspiros Falando ao coração que nota aérea Deste céu destas águas se desata Canta assim algum gênio adormecido Das ondas mortas no lençol de prata Minhalma tenebrosa se entristece É muda como sala mortuária Deitome só e triste sem ter fome 93 Vendo na mesa a ceia solitária Ó lua ó lua bela dos amores Se tu és moça e tens um peito amigo Não me deixes assim dormir solteiro À meianoite vem ceiar comigo II Meu Anjo Meu anjo tem o encanto a maravilha Da espontânea canção dos passarinhos Tem os seios tão alvos tão macios Como o pêlo sedoso dos arminhos Triste de noite na janela a vejo E de seus lábios o gemido escuto É leve a criatura vaporosa Como a frouxa fumaça de um charuto Parece até que sobre a fronte angélica Um anjo lhe depôs coroa e nimbo Formosa a vejo assim entre meus sonhos Mais bela no vapor do meu cachimbo Como o vinho espanhol um beijo dela Entorna ao sangue a luz do paraíso Dá morte num desdém num beijo vida E celestes desmaios num sorriso Mas quis a minha sina que seu peito Não batesse por mim nem um minuto E que ela fosse leviana e bela Como a leve fumaça de um charuto III Vagabundo Eat drink and love what can the rest avail us BYRON DON JUAN Eu durmo e vivo ao sol como um cigano Fumando meu cigarro vaporoso 94 Nas noites de verão namoro estrelas Sou pobre sou mendigo e sou ditoso Ando roto sem bolsos nem dinheiro Mas tenho na viola uma riqueza Canto à lua de noite serenatas E quem vive de amor não tem pobreza Não invejo ninguém nem ouço a raiva Nas cavernas do peito sufocante Quando à noite na treva em mim se entornam Os reflexos do baile fascinante Namoro e sou feliz nos meus amores Sou garboso e rapaz Uma criada Abrasada de amor por um soneto Já um beijo me deu subindo a escada Oito dias lá vão que ando cismando Na donzela que ali defronte mora Ela ao verme sorri tão docemente Desconfio que a moça me namora Tenho por meu palácio as longas ruas Passeio a gosto e durmo sem temores Quando bebo sou rei como um poeta E o vinho faz sonhar com os amores O degrau das igrejas é meu trono Minha pátria é o vento que respiro Minha mãe é a lua macilenta E a preguiça a mulher por quem suspiro Escrevo na parede as minhas rimas De painéis a carvão adorno a rua Como as aves do céu e as flores puras Abro meu peito ao sol e durmo à lua Sintome um coração de lazzaroni Sou filho do calor odeio o frio 95 Não creio no diabo nem nos santos Rezo a Nossa Senhora e sou vadio Ora se por aí alguma bela Bem dourada e amante da preguiça Quiser a nívea mão unir à minha Há de acharme na Sé domingo à missa IV A Lagartixa A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha O clarão de teus olhos me dá vida Tu és o sol e eu sou a lagartixa Amote como o vinho e como o sono Tu és meu copo e amoroso leito Mas teu néctar de amor jamais se esgota Travesseiro não há como teu peito Posso agora viver para coroas Não preciso no prado colher flores Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores Vale todo um harém a minha bela Em fazerme ditoso ela capricha Vivo ao sol de seus olhos namorados Como ao sol de verão a lagartixa V Luar de Verão O que vês trovador Eu vejo a lua Que sem lavor a face ali passeia No azul do firmamento inda é mais pálida Que em cinzas do fogão uma candeia O que vês trovador No esguio tronco Vejo erguerse o chinó de uma nogueira Além se entorna a luz sobre um rochedo 96 Tão liso como um pau de cabeleira Nas praias lisas a maré enchente Sespraia cintilante dardentia Em vez de aromas as douradas ondas Respiram efluviosa maresia O que vês trovador No céu formoso Ao sopro dos favônios feiticeiros Eu vejo e treino de paixão ao vêlas As nuvens a dormir como carneiros E vejo além na sombra do horizonte Como viúva moça envolta em luto Brilhando em nuvem negra estrela viva Como na treva a ponta de um charuto Teu romantismo bebo ó minha lua A teus raios divinos me abandono Tornome vaporoso e só de verte Eu sinto os lábios meus se abrir de sono VI O poeta moribundo Poetas amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa Façam dela uma corda e cantem nela Os amores da vida esperançosa Cantem esse verão que me alentava O aroma dos currais o bezerrinho As aves que na sombra suspiravam E os sapos que cantavam no caminho Coração por que tremes Se esta lira Nas minhas mãos sem força desafina Enquanto ao cemitério não te levam Casa no marimbau a alma divina Eu morro qual nas mãos da cozinheira 97 O marreco piando na agonia Como o cisne de outrora que gemendo Entre os hinos de amor se enternecia Coração por que tremes Vejo a morte Ali vem lazarenta e desdentada Que noiva E devo então dormir com ela Se ela ao menos dormisse mascarada Que ruínas que amor petrificado Tão antediluviano e gigantesco Ora façam idéia que ternuras Terá essa lagarta posta ao fresco Antes mil vezes que dormir com ela Que dessa fúria o gozo amor eterno Se ali não há também amor de velha Dêemme as caldeiras do terceiro Inferno No inferno estão suavíssimas belezas Cleópatras Helenas Eleonoras Lá se namora em boa companhia Não pode haver inferno com Senhoras Se é verdade que os homens gozadores Amigos de no vinho ter consolos Foram com Satanás fazer colônia Antes lá que do Céu sofrer os tolos Ora e forcem umalma qual a minha Que no altar sacrifica ao DeusPreguiça A cantar ladainha eternamente E por mil anos ajudar a missa 98 É ELA É ELA É ela é ela murmurei tremendo E o eco ao longe murmurou é ela Eu a vi minha fada aérea e pura A minha lavadeira na janela Dessas águasfurtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado Os vestidos de chita as saias brancas Eu a vejo e suspiro enamorado Esta noite eu ousei mais atrevido Nas telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono Vêla mais bela de Morfeu nos braços Como dormia que profundo sono Tinha na mão o ferro do engomado Como roncava maviosa e pura Quase caí na rua desmaiado Afastei a janela entrei medroso Palpitavalhe o seio adormecido Fui beijála roubei do seio dela Um bilhete que estava ali metido Oh De certo pensei é doce página Onde a alma derramou gentis amores São versos dela que amanhã decerto Ela me enviará cheios de flores Trem de febre Venturosa folha Quem pousasse contigo neste seio Como Otelo beijando a sua esposa Eu beijeia a tremer de devaneio É ela é ela repeti tremendo Mas cantou nesse instante uma coruja Abri cioso a página secreta 99 Oh meu Deus era um rol de roupa suja Mas se Werther morreu por ver Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas Se achoua assim mais bela eu mais te adoro Sonhandote a lavar as camisinhas É ela é ela meu amor minhalma A Laura a Beatriz que o céu revela É ela é ela murmurei tremendo E o eco ao longe suspirou é ela TERCEIRA PARTE MEU DESEJO Meu desejo era ser a luva branca Que essa tua gentil mãozinha aperta A camélia que murcha no teu seio O anjo que por te ver do céu deserta Meu desejo era ser o sapatinho Que teu mimoso pé no baile encerra A esperança que sonhas no futuro As saudades que tens aqui na terra Meu desejo era ser o cortinado Que não conta os mistérios de teu leito Era de teu colar de negra seda Ser a cruz com que dormes sobre o peito Meu desejo era ser o teu espelho Que mais bela te vê quando deslaças Do baile as roupas de escumilha e flores E mirate amoroso as nuas graças Meu desejo era ser desse teu leito De cambraia o lençol o travesseiro Com que velas o seio onde repousas 100 Solto o cabelo o rosto feiticeiro Meu desejo era ser a voz da terra Que da estrela do céu ouvisse amor Ser o amante que sonhas que desejas Nas cismas encantadas de langor SONETO Um mancebo no jogo se descora Outro bêbedo passa noite e dia Um tolo pela valsa viveria Um passeia a cavalo outro namora Um outro que uma sina má devora Faz das vidas alheias zombaria Outro toma rapé um outro espia Quantos moços perdidos vejo agora Oh não proíbam pois no meu retiro Do pensamento ao merencório luto A fumaça gentil por que suspiro Numa fumaça o canto dalma escuto Um aroma balsâmico respiro Oh deixaime fumar o meu charuto SONETO Ao sol do meiodia eu vi dormindo Na calçada da rua um marinheiro Roncava a todo o pano o tal brejeiro Do vinho nos vapores se expandindo Além um espanhol eu vi sorrindo Saboreando um cigarro feiticeiro Enchia de fumaça o quarto inteiro Parecia de gosto se esvaindo 101 Mais longe estava um pobretão careca De uma esquina lodosa no retiro Enlevado tocando uma rabeca Venturosa indolência não deliro Se morro de preguiça o mais é seca Desta vida o que mais vale um suspiro POR QUE MENTIAS Por que mentias leviana e bela Se minha face pálida sentias Queimada pela febre e minha vida Tu vias desmaiar por que mentias Acordei da ilusão a sós morrendo Sinto na mocidade as agonias Por tua causa desespero e morro Leviana sem dó por que mentias Sabe Deus se te amei sabem as noites Essa dor que alentei que tu nutrias Sabe este pobre coração que treme Que a esperança perdeu porque mentias Vê minha palidez a febre lenta Este fogo das pálpebras sombrias Pousa a mão no meu peito Eu morro eu morro Leviana sem dó por que mentias Toda aquela mulher tem a pureza Que exala o jasmineiro no perfume Lampeja seu olhar nos olhos negros Como em noite descuro um vagalume Que suave moreno o de seu rosto A alma parece que seu corpo inflama Simula até que sobre os lábios dela Na cor vermelha tem errante chama 102 E quem dirá meu Deus que a lira dalma Ali não tem um som nem de falsete E sob a imagem de aparente fogo É frio o coração como um sorvete AMOR Quand la mort est si belle Il est doux de mourir V HUGO Amemos quero de amor Viver no teu coração Sofrer e amar essa dor Que desmaia de paixão Na tualma em teus encantos E na tua palidez E nos teus ardentes prantos Suspirar de languidez Quero em teus lábios beber Os teus amores do céu Quero em teu seio morrer No enlevo do seio teu Quero viver desperança Quero tremer e sentir Na tua cheirosa trança Quero sonhar e dormir Vem anjo minha donzela Minhalma meu coração Que noite que noite bela Como é doce a viração E entre os suspiros do vento Da noite ao mole frescor Quero viver um momento Morrer contigo de amor 104 FANTASIA Quanti dolci pensier quanto disio DANTE Cest alors que ma voix Murmure un nom tout bas cest alors que je vois Mapparaître à demi jeune voluptueuse Sur ma couche penchée une femme amoureuse Oh toi que jai rêvée Femme à mes longs baisers si souvent enlevée Ne viendrastu jamais CH DOVALLE À noite sonhei contigo E o sonho cruel maldigo Que me deu tanta ventura Uma estrelinha que vaga Em céu de inverno e se apaga Faz a noite mais escura Eu sonhava que sentia Tua voz que estremecia Nos meus beijos se afogar Que teu rosto descorava E teu seio palpitava E eu te via a desmaiar Que eu te beijava tremendo Que teu rosto enfebrecendo Desmaiava a palidez Tanto amor tua alma enchia E tanto fogo morria Dos olhos na languidez E depois dos meus abraços Tu caíste abrindo os braços Gélida dos lábios meus Tu parecias dormir 105 Mas debalde eu quis ouvir O alento dos seios teus E uma voz uma harmonia No teu lábio que dormia Desconhecida acordou Falava em tanta ventura Tantas notas de ternura No meu peito derramou O soído harmonioso Falava em noites de gozo Como nunca eu as senti Tinha músicas suaves Como no canto das aves De manhã eu nunca ouvi Parecia que no peito Nesse quebranto desfeito Se esvaía o coração Que meu olhar se apagava Que minhas veias paravam E eu morria de paixão E depois num santuário Junto do altar solitário Perto de ti me senti Dormias junto de mim E um anjo nos disse assim Pobres amantes dormi Tu eras inda mais bela O teu leito de donzela Era coberto de flores Tua fronte empalecida Frouxa a pálpebra descida Meu Deus que frio palor Deite um beijo despertaste Teus cabelos afastaste 106 Fitando os olhos em mim Que doce olhar de ternura Eu só queria a ventura De um olhar suave assim Eu deite um beijo sorrindo Tremeste os lábios abrindo Repousaste ao peito meu E senti nuvens cheirosas Ouvi liras suspirarem Rompeuse a névoa era o céu Caía chuva de flores E luminosos vapores Davam azulada luz E eu acordei que delírio Eu sonho findo o martírio E acordo pregado à cruz LÁGRIMAS DA VIDA On pouvait à vingt ans le clouer dans la bière Cadavre sans illusions THÉOPH GAUTIER Je me suis assis en blasphémant sur le bord du chemin Et je me suis dit je nirai pas plus loin Mais je suis bien jeune encore pour mourir nestce pas Jane GEORGE SAND Aldo Se tu souberas que lembrança amarga Que pensamento desflorou meus dias Oh tu não creras meu sorrir leviano Nem minhas insensatas alegrias Quando junto de ti eu sinto às vezes Em doce enleio desvairarme o siso Nos meus olhos incertos sinto lágrimas 107 Mas da lágrima em troco eu temo um riso O meu peito era um templo ergui nas aras Tua imagem que a sombra perfumava Mas ah emurcheceste as minhas flores Apagaste a ilusão que o aviventava E por te amar por teu desdém perdime Tresnoiteime nas orgias macilento Brindei blasfemo ao vício e da minhalma Tentei me suicidar no esquecimento Como um corcel abatese na sombra A minha crença agoniza e desespera O peito e lira se estalaram juntos E morro sem ter tido primavera Como o perfume de uma flor aberta Da manhã entre as nuvens se mistura A minhalma podia em teus amores Como um anjo de Deus sonhar ventura Não peço o teu amor eu quero apenas A flor que beijas para a ter no seio E teus cabelos respirar medroso E a teus joelhos suspirar denleio E quando eu durmo e o coração ainda Procura na ilusão tua lembrança Anjo da vida passa nos meus sonhos E meus lábios orvalha desperança SONETO Os quinze anos de uma alma transparente O cabelo castanho a face pura Uns olhos onde pintase a candura De um coração que dorme inda inocente 108 Um seio que estremece de repente Do mimoso vestido na brancura A linda mão na mágica cintura E uma voz que inebria docemente Um sorrir tão angélico tão santo E nos olhos azuis cheios de vida Lânguido véu de involuntário pranto É esse o talismã é essa a Armida O condão de meus últimos encantos A visão de minhalma distraída LEMBRANÇA DOS QUINZE ANOS Et pourtant sans plaisir je dépense la vie Et souvent quand pour moi les heures de la nuit Sécoulent sans sommeil sans songes sans bruit Il passe dans mon coeur de brillantes pensées Dinvincibles désirs de fougues insensées CH DOVALLE Heureux qui dès les premiers ans A senti de son sang dans ses veines stagnantes Couler dun pas égal les ondes languissantes Dont les désirs jamais nont troublé la raison Pour qui les yeux nont point de suave poison ANDRÉ CHÉNIER Nos meus quinze anos eu sofria tanto Agora enfim meu padecer descansa Minhalma emudeceu na noite dela Adormeceu a pálida esperança Já não sinto ambições e se esvaíram As vagas formas a visão confusa De meus dias de amor nem doces voltam Os sons aéreos da divina Musa 109 Porventura é melhor as brandas fibras Embotadas sentir nessa dormência E viver esta vida e na modorra Repousarse na sombra da existência E que noites de sôfrego desejo Que pressentir de uma volúpia ardente Que noites de esperança e desespero E que fogo no sangue incandescente Minhalma juvenil era uma lira Que ao menor bafejar estremecia A triste decepção rompeulhe as cordas Só vibra num prelúdio dagonia Quanto quanto sonhei como velava Cheio de febre ansioso de ternuras Como era virgem o meu lábio ardente A alma tão santa as emoções tão puras Como o peito sedento palpitava Ao roçar de um vestido à voz divina De uma pálida virgem ao murmúrio De uns passos de mulher pela campina E como tesperei anjo dos sonhos Ideal de mulher que me sorrias E me beijando nesta fronte pálida A um mundo belo de ilusões me erguias O meu peito era um eco de murmúrios De delírio vivi como os insanos Nos meus quinze anos eu sofria tanto Ardi ao fogo dos primeiros anos Agora vivo no deserto dalma Um mundo de saudade ali dormita Não o quero acordar oh não ressurjam Aquelas sombras na minhalma aflita 110 Mas por que volves os teus olhos negros Tão langues sobre mim Ilná suspiras Por que derramas tanto amor nos olhos Eu não posso te amar e tu deliras Também a aurora tem neblina e sombras E há vozes que emudece a desventura Há flores em botão que se desfolham E a alma também morre prematura Repousa no meu peito o meu passado Minhalma adormeceu por um momento Sou a flor sem perfume em sol dinverno Uma lousa que encerra o esquecimento Não me fales de amor um teu suspiro Tantos sonhos no peito me desperta Sintome reviver e como outrora Beijo tremendo uma visão incerta Ah quando as belas esperanças murcham E o gênio dorme e a vida desencanta Dalmas estéreis a ironia amarga E a morte sobre os sonhos se levanta Embora fundo o sono do descrido E o silêncio do peito e seu retiro Inda pode inflamar muitos amores O sussurro de um lânguido suspiro MEU SONHO EU Cavaleiro das armas escuras Onde vais pelas trevas impuras Com a espada sanguenta na mão Por que brilham teus olhos ardentes E gemidos nos lábios frementes 111 Vertem fogo do teu coração Cavaleiro quem és O remorso Do corcel te debruças no dorso E galopas do vale através Oh da estrada acordando as poeiras Não escutas gritar as caveiras E morderte o fantasma nos pés Onde vais pelas trevas impuras Cavaleiro das armas escuras Macilento qual morto na tumba Tu escutas Na longa montanha Um tropel teu galope acompanha E um clamor de vingança retumba Cavaleiro quem és que mistério Quem te força da morte no império Pela noite assombrada a vagar O FANTASMA Sou o sonho de tua esperança Tua febre que nunca descansa O delírio que te há de matar O CÔNEGO FILIPE O cônego Filipe Ó nome eterno Cinzas ilustres que da terra escura Fazeis rir nos ciprestes as corujas Por que tão pobre lira o céu dooume Que não consinta meu inglório gênio Em vasto e heróico poema decantarte Voltemos ao assunto A minha musa Como um falado imperador romano Distraise às vezes apanhando moscas Por estradas mais longas ando sempre Com o cônego ilustre me pareço 112 Quando ele já sentia vir o sono Para poupar caminho até a vela Sobre a vela atirava a carapuça Então no escuro em camisola branca Ia apalpando procurar na sala Para o queijo flamengo da careca Dos defluxos guardar o negro saco À ordem Musa Canta agora como O poeta AliMoon no harém entrando Como um poeta que enamora a lua Ou que beija uma estátua de alabastro Suando de calor de sol e amores Cantava no alaúde enamorado E como ele saiuse do namoro Assunto bem moral digno de prêmio E interessante como um catecismo Que tem ares até de ladainha Quem não sonhou a terra do Levante As noites do Oriente o mar as brisas Toda aquela suave natureza Que amorosa suspira e encanta os olhos Principio no harém Não é tão novo Mas esta vida é sempre deleitosa As almas dhomem ao harém se voltam Ser um dia sultão quem não deseja Quem não quisera das sombrias folhas Nas horas do calor junto do lago As odaliscas espreitar no banho E mais bela a sultana entre as formosas Mas ah o plágio nem perdão merece Digam pega ladrão Confesso o crime Não é Ovídio só que imito e sonho Quando pinta Acteon fitando os olhos Nas formas nuas de Diana virgem Não embora eu aqui não fale em ninfas 113 Essa idéia é do cônego Filipe TRINDADE A vida é uma planta misteriosa Cheia despinhos negra de amarguras Onde só abrem duas flores puras Poesia e amor E a mulher é a nota suspirosa Que treme dalma a corda estremecida É fada que nos leva além da vida Pálidos de langor A poesia é a luz da mocidade O amor é o poema dos sentidos A febre dos momentos não dormidos E o sonhar da ventura Voltai sonhos de amor e de saudade Quero ainda sentir arderme o sangue Os olhos turvos o meu peito langue E morrer de ternura SONETO Já da morte o palor me cobre o rosto Nos lábios meus o alento desfalece Surda agonia o coração fenece E devora meu ser mortal desgosto Do leito embalde no macio encosto Tento o sono reter já esmorece O corpo exausto que o repouso esquece Eis o estado em que a mágoa me tem posto O adeus o teu adeus minha saudade Fazem que insano do viver me prive 114 E tenha os olhos meus na escuridade Dáme a esperança com que o ser mantive Volve ao amante os olhos por piedade Olhos por quem viveu quem já não vive MINHA AMANTE Coração de mulher qual filomela É todo amor e canto ao pé da noite JOÃO DE LEMOS Fulcite me floribus quia amore langueo Cant Canticorum Ah volta inda uma vez foi só contigo Que à noite de ventura eu desmaiava E só nos lábios teus eu me embebia De volúpias divinas Volta minha ventura eu tenho sede Desses beijos ardentes que os suspiros Ofegando interrompem quantas noites Fui ditoso contigo E quantas vezes te embalei tremendo Sobre os joelhos meus Quanto amorosa Unindo à minha tua face pálida De amor e febre ardias Oh volta inda uma vez erguese a lua Formosa como dantes é bem noite Na minha solidão brilha de novo Estrela de minhalma Desmaiome de amor descoro e tremo Morno suor me banha o peito langue Meu olhar se escurece e eu te procuro Com os lábios sedentos 115 Oh quem pudera sempre em teus amores Sobre teu seio perfumar seus dias Beijar a tua fronte e em teus cabelos Respirar ebrioso És a coroa de meus anos breves És a corda de amor díntima lira O canto ignoto que me enleva em sonhos De saudosas ternuras E tu és como a lua inda és mais bela Quando a sombra nos vales se derrama Astro misterioso à meianoite Te revela a minhalma Ó minha lira ó viração noturna Flores sombras do vale à minha amante Dizei que nesta noite de desejos E de ternuras morro EUTANÁSIA Erguete daí velho ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no Oceano onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver onde o simoun do tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião Por que tão lívido ó monge taciturno debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho onde mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta Escuta a lua ergueuse hoje mais prateada nos céus corderosa do verão as montanhas se azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares A hora da tarde é bela quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade Tens os olhares turvos luzemte baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo E por que te abismas em fantasias profundas sentado à borda de um fosso aberto sentado na pedra de um túmulo Por que pensála a noite dos mortos fria e trevosa como os ventos de inverno Por que antes não banhas tua fronte nas virações da infância nos sonhos de moço Sob essa estamenha não arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher Sonha sonha antes no passado no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate em seus mares azuis em suas luas límpidas e suas estrelas românticas 116 O velho ergueu a cabeça Era uma fronte larga e calva umas faces contraídas e amarelentas uns lábios secos gretados em que sobreaguava amargo sorriso uns olhares onde a febre tresnoitava suas insônias E quem to disse que a morte é a noite escura e fria o leito de terra úmida a podridão e o lodo Quem to disse que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância que os perfumes peregrinos e sem flores da adolescência Quem to disse que a vida não é uma mentira que a morte não é o leito das trêmulas venturas DESPEDIDAS Se entrares ó meu anjo alguma vez Na solidão onde eu sonhava em ti Ah vota uma saudade aos belos dias Que a teus joelhos pálido vivi Adeus minhalma adeus eu vou chorando Sinto o peito doer na despedida Sem ti o mundo é um deserto escuro E tu és minha vida Só por teus olhos eu viver podia E por teu coração amar e crer Em teus braços minhalma unir à tua E em teu seio morrer Mas se o fado me afasta da ventura Levo no coração a tua imagem De noite mandareite os meus suspiros No murmúrio da aragem Quando a noite vier saudosa e pura Contempla a estrela do pastor nos céus Quando a ela eu volver o olhar em pranto Verei os olhos teus Mas antes de partir antes que a vida Se afogue numa lágrima de dor Consente que em teus lábios num só beijo Eu suspire de amor 117 Sonhei muito sonhei noites ardentes Tua boca beijar eu o primeiro A ventura negoume mesmo até O beijo derradeiro Só contigo eu podia ser ditoso Em teus olhos sentir os lábios meus Eu morro de ciúme e de saudade Adeus meu anjo adeus TERZA RIMA É belo dentre a cinza ver ardendo Nas mãos do fumador um bom cigarro Sentir o fumo em névoas recendendo Do cachimbo alemão no louro barro Ver a chama vermelha estremecendo E até perdoem respirarlhe o sarro Porém o que há mais doce nesta vida O que das mágoas desvanece o luto E dá som a uma alma empobrecida Palavra dhonra és tu Ó meu charuto PANTEÍSMO MEDITAÇÃO O dia descobre a terra a noite descortina os céus MARQUÊS DE MARICÁ Eu creio amigo que a existência inteira É um mistério talvez mas nalma sinto De noite e dia respirando flores Sentindo as brisas recordando aromas E esses ais que ao silêncio a sombra exala E enchem o coração de ignota pena 118 Como a íntima voz de um ser amigo Que essas tardes e brisas esse mundo Que na fronte do moço entorna flores Que harmonias embebemlhe no seio Têm uma alma também que vive e sente A natureza bela e sempre virgem Com suas galas gentis na fresca aurora Com suas mágoas na tarde escura e fria E essa melancolia e morbideza Que nos eflúvios do luar ressumbra Não é apenas uma lira muda Onde as mãos do poeta acordam hinos E a alma do sonhador lembranças vibra Por essas fibras da natura viva Nessas folhas e vagas nesses astros Nessa mágica luz que me deslumbra E enche de fantasia até meus sonhos Palpita porventura um almo sopro Espírito do céu que as reanima E talvez lhes murmura em horas mortas Estes sons de mistério e de saudade Que lá no coração repercutidos O gênio acordam que enlanguesce e canta Eu o creio Luís também às flores Entre o perfume vela uma alma pura Também o sopro dos divinos anjos Anima essas corolas setinosas No murmúrio das águas no deserto Na voz perdida no dolente canto Da ave de arribação das águas verdes No gemido das folhas na floresta Nos ecos da montanha no arruído Das folhas secas que estremece o outono Há lamentos sentidos como prantos Que exala a pena de subida mágoa E Deus eu creio nele como a alma 119 Que pensa e ama nessas almas todas Que as ergue para o céu e que lhes verte Como orvalho noturno em seus ardores O amor sombra do céu reflexo puro Da auréola das virgens de seu peito Essa terra esse mundo o céu e as ondas Flores donzelas essas almas cândidas Beijaas o senhor Deus na fronte límpida Arreiaas de pureza e amor sem nódoa E à flor dá a ventura das auroras Os amores do vento que suspira Ao mar a viração o céu às aves Saudades à alcion sonhos à virgem E ao homem pensativo e taciturno À criatura pálida que chora Essa flor que ainda murcha tem perfumes Esse momento que suaviza os lábios Que eterniza na vida um céu de enleio O amor primeiro das donzelas tristes São idéias talvez Embora riam Homens sem alma estéreis criaturas Não posso desamar as utopias Ouvir e amar à noite entre as palmeiras Na varanda ao luar o som das vagas Beijar nos lábios uma flor que murcha E crer em Deus como alma animadora Que não criou somente a natureza Mas que ainda a relenta em seu bafejo Ainda influilhe no sequioso seio De amor e vida a eternal centelha Por isso ó meu amigo à meianoite Eu deitome na relva umedecida Contemplo o azul do céu amo as estrelas Respiro aromas e o arquejante peito Parece remoçar em tanta vida Pareceme alentarse em tanta mágoa Tanta melancolia e nos meus sonhos Filho de amor e Deus eu amo e creio 121 DESÂNIMO Estou agora triste Há nesta vida Páginas torvas que se não apagam Nódoas que não se lavam se esquecêlas De todo não é dado a quem padece Ao menos resta ao sonhador consolo No imaginar dos sonhos de mancebo Oh voltai uma vez eu sofro tanto Meus sonhos consolaime distraíme Anjos das ilusões as asas brancas As névoas puras que outro sol matiza Abri ante meus olhos que abraseiam E lágrimas não tem que a dor do peito Transbordem um momento E tu imagem Ilusão de mulher querido sonho Na hora derradeira vem sentarte Pensativa e saudosa no meu leito O que sofres que dor desconhecida Inunda de palor teu rosto virgem Por que tualma dobra taciturna Como um lírio a um bafo dinfortúnio Por que tão melancólica suspiras Ilusão ideal a ti meus sonhos Como os cantos a Deus se erguem gemendo Por ti meu pobre coração palpita Eu sofro tanto meus exaustos dias Não sei por que logo ao nascer manchouos De negra profecia um Deus irado Outros meu fado invejam Que loucura Que valem as ridículas vaidades De uma vida opulenta os falsos mimos De gente que não ama Até o gênio Que Deus lançoume à doentia fronte Qual semente perdida num rochedo Tudo isso que vale se padeço 122 Nessas horas talvez em mim não pensas Pousas sombria a desmaiada face Na doce mão e pendeste sonhando No teu mundo ideal de fantasia Se meu orgulho que fraqueia agora Pudesse crer que ao pobre desditoso Sagravas uma idéia uma saudade Eu seria um instante venturoso Mas não ali no baile fascinante Na alegria brutal da noite ardente No sorriso ebrioso e tresloucado Daqueles homens que pra rir um pouco Encobrem sob a máscara o semblante Tu não pensas em mim Na tua idéia Se minha imagem retratouse um dia Foi como a estrela peregrina e pálida Sobre a face de um lago O LENÇO DELA Quando a primeira vez da minha terra Deixei as noites de amoroso encanto A minha doce amante suspirando Volveume os olhos úmidos de pranto Um romance cantou de despedida Mas a saudade amortecia o canto Lágrimas enxugou nos olhos belos E deume o lenço que molhava o pranto Quantos anos contudo já passaram Não olvido porém amor tão santo Guardo ainda num cofre perfumado O lenço dela que molhava o pranto Nunca mais a encontrei na minha vida Eu contudo meu Deus amavaa tanto 123 Oh quando eu morra estendam no meu rosto O lenço que eu banhei também de pranto RELÓGIOS E BEIJOS TRADUZIDO DE HENRIQUE HEINE Quem os relógios inventou Decerto Algum homem sombrio e friorento Numa noite de inverno tristemente Sentado na lareira ele cismava Ouvindo os ratos a roer na alcova E o palpitar monótono do pulso Quem o beijo inventou Foi lábio ardente Foi boca venturosa que vivia Sem um cuidado mais que dar beijinhos Era no mês de maio As flores cândidas A mil abriam sobre a terra verde O sol brilhou mais vivo em céu desmalte E cantaram mais doce os passarinhos NAMORO A CAVALO Eu moro em Catumbi mas a desgraça Que rege minha vida maldada Pôs lá no fim da rua do Catete Só para erguer meus olhos suspirando A minha Dulcinéia namorada Alugo três mil réis por uma tarde Um cavalo de trote que esparrela A minha namorada na janela Todo o meu ordenado vaise em flores E em lindas folhas de papel bordado Onde eu escrevo trêmulo amoroso Algum verso bonito mas furtado 124 Morro pela menina junto dela Nem ouso suspirar de acanhamento Se ela quisesse eu acabava a história Como toda a comédia em casamento Ontem tinha chovido Que desgraça Eu ia a trote inglês ardendo em chama Mas lá vai senão quando uma carroça Minhas roupas tafuis encheu de lama Eu não desanimei Se Dom Quixote No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo eu mais valente Fui mesmo sujo ver a namorada Mas eis que no passar pelo sobrado Onde habita nas lojas minha bela Por verme tão lodoso ela irritada Bateume sobre as ventas a janela O cavalo ignorante de namoro Entre dentes tomou a bofetada Arrepiase pula e dáme um tombo Com pernas para o ar sobre a calçada Dei ao diabo os namoros Escovado Meu chapéu que sofrera no pagode Dei de pernas corrido e cabisbaixo E berrando de raiva como um bode Circunstância agravante A calça inglesa Rasgouse no cair de meio a meio O sangue pelas ventas me corria Em paga do amoroso devaneio 125 PÁLIDA IMAGEM Jai cru que joublierais mais javais mal sondé Les abîmes du coeur que remplit un seul rêve Le souvenir est là le souvenir se lève Flot toujours renaissant et toujours débordé TURQUÉTY No delírio da ardente mocidade Por tua imagem pálida vivi A flor do coração no amor dos anjos Orvalheia por ti O expirar de teu canto lamentoso Sobre teus lábios que o palor cobria Minhas noites de lágrimas ardentes E de sonhos enchia Foi por ti que eu pensei que a vida inteira Não valia uma lágrima sequer Senão num beijo trêmulo de noite Num olhar de mulher Mesmo nas horas de um amor insano Quando em meus braços outro seio ardia A tua imagem pálida passando A minhalma perdia Sempre e sempre teu rosto as negras tranças Tua alma nos teus olhos se expandindo E o colo de cetim que pulsa e geme E teus lábios sorrindo Nas longas horas do sonhar da noite No teu peito eu sonhava que dormia Pousa em meu coração a mão de neve Treme como tremia Como palpita agora se afogando Na morna languidez do teu olhar 126 Assim viveu e morrerá sonhando Em teus seios amar Se a vida é lírio que a paixão desflora Meu lírio virginal eu conservei Somente no passado tive sonhos E outrora nunca amei Foi por ti que na ardente mocidade Por uma imagem pálida vivi E a flor do coração no amor dos anjos Orvalhei só por ti SEIO DE VIRGEM Quand on te voit il vient à maints Une envie dedans tes mains De te tâter de te tenir CLÉMENT MAROT O que sonho noite e dia E à alma trazme poesia E me torna a vida bela O que num brando roçar Faz meu peito se agitar É o teu seio donzela Oh quem pintara o cetim Desses limões de marfim Os leves cerúleos veios Na brancura deslumbrante E o tremido de teus seios Quando os vejo de paixão Sinto pruridos na mão De os apalpar e conter Sorriste do meu desejo Loucura bastava um beijo Para neles se morrer 127 Minhas ternuras donzela Volteias à forma bela Daqueles frutos de neve Ai duas cândidas flores Que o pressentir dos amores Faz palpitarem de leve Mimosos seios mimosos Que dizem voluptuosos Amai poetas amai Que misteriosas venturas Dormem nessas rosas puras E se acordarão num ai Que lírio que nívea rosa Ou camélia cetinosa Tem uma brancura assim Que flor da terra ou do céu Que valha do seio teu Esse morango ou rubim Quantos encantos sonhados Sinto estremecer velados Por teu cândido vestido Sem ver teu seio donzela Suas delícias revela O poeta embevecido Donzela feliz do amante que teu seio palpitante Seio desposa fizer Que dessa forma tão pura Fizer com mais formosura Seio de bela mulher Feliz de mim porém não Repouse teu coração Da pureza no rosal Tenho no peito um aroma 128 Que valha a rosa que assoma No teu seio virginal MINHA MUSA Minha musa é a lembrança Dos sonhos em que eu vivi É de uns lábios a esperança E a saudade que eu nutri É a crença que alentei As luas belas que amei E os olhos por quem morri Os meus cantos de saudade São amores que eu chorei São lírios da mocidade Que murcham porque te amei As minhas notas ardentes São as lágrimas dementes Que em teu seio derramei Do meu outono os desfolhos Os astros do teu verão A languidez de teus olhos Inspiram minha canção Sou poeta porque és bela Tenho em teus olhos donzela A musa do coração Se na lira voluptuosa Entre as fibras que estalei Um dia atei uma rosa Cujo aroma respirei Foi nas noites de ventura Quando em tua formosura Meus lábios embriaguei E se tu queres donzela Sentir minhalma vibrar 129 Solta essa trança tão bela Quero nela suspirar E dá repousarme teu seio Ouvirás no devaneio A minha lira cantar MALVAMAÇÃ De teus seios tão mimosos Dá que eu goze o talismã Dá que ali repouse a fronte Cheia de amoroso afã E louco nele respire A tua malvamaçã Dáme essa folha cheirosa Que treme no seio teu Dáme a folha hei de beijála Sedenta no lábio meu Não vês que o calor do seio Tua malva emurcheceu A pobrezinha em teu colo Tantos amores gozou Viveu em tanto perfume Que de enlevos expirou Enlanguesceme de gozo Quem pudera no teu seio Morrer como ela murchou Teu cabelo me inebria Teu ardente olhar seduz A flor de teus olhos negros De tualma raia à luz E sinto nos lábios teus Fogo do céu que transluz O teu seio que estremeceme Há um quê de tão suave 130 No colo voluptuoso Que num trêmulo delíquio Fazme sonhar venturoso Descansar nesses teus braços Fora angélica ventura Fora morrer nos teus lábios Aspirar tualma pura Fora ser Deus darte um beijo Na divina formosura Mas o que eu peço donzela Meus amores não é tanto Bastame a flor do seio Para que eu viva no encanto E em noites enamoradas Eu verta amoroso pranto Oh virgem dos meus amores Dáme essa folha singela Quero sentir teu perfume Nos doces aromas dela E nessa malvamaçã Sonhar teu seio donzela Uma folha assim perdida De um seio virgem no afã Acorda ignotas doçuras Com divino talismã Dáme do seio esta folha A tua malvamaçã Quero apertála a meu peito E beijála com ternura Dormir com ela nos lábios Desse aroma na frescura Beijandoa a sonhar contigo E desmaiar de ventura A folha que tens no seio 131 De joelhos pedirei Se posso viver sem ela Não o creio bem o sei Dáma pelo amor de Deus Que sem ela morrerei Pelas estrelas da noite Pelas brisas da manhã Por teus amores mais puros Pelo amor de tua irmã Dáme essa folha cheirosa A tua malvamaçã PENSAMENTOS DELA Talvez à noite quando a hora finda Em que eu vivo de tua formosura Vendo em teus olhos nessa face linda A sombra de meu anjo da ventura Tu sorrias de mim porque não ouso Leve turbar teu virginal repouso A murmurar ternura Eu sei Entre minhalma e tua aurora Murmura meu gelado coração Meu enredo morreu Sou triste agora Estrela morta em noite de verão Prefiro amarte bela no segredo Se foras minha tu verias cedo Morrer tua ilusão Eu não sou o ideal alma celeste Vida pura de lábios recendentes Que teu imaginar de encantos veste E sonhas nos teus seios inocentes Flor que vives de aromas e luar Oh nunca possas ler do meu penar As páginas ardentes 132 Se em cânticos de amor a minha fronte Engrinaldo por ti amor cantando Com as rosas que amava Anacreonte É que alma dormida palpitando No raio de teus olhos se ilumina Em ti respira inspiração divina E ela sonha cantando Não a acordes contudo A vida nela Como a ave no mar suspira e cai Às vezes teu alento de donzela E de teus lábios o morrer de um ai Tua imagem de fada num instante Estremecemna embalamna expirante E lhe dizem sonhai Mas quando o teu amante fosse esposo E tu sequiosa e lânguida de amor O embalasses ao seio voluptuoso E o beijasses dos lábios no calor Quando tremesses mais não te doera Sentir que nesse peito que vivera Murchou a vida em flor POR MIM Teus negros olhos uma vez fitando Senti que luz mais branda os acendia Pálida de langor eu vi te olhando Mulher do meu amor meu serafim Esse amor que em teus olhos refletia Talvez era por mim Pendeste suspirando a face pura Morreu nos lábios teus um ai perdido Tão ébrio de paixão e de ventura Mulher de meu amor meu serafim Por quem era o suspiro amortecido Suspiravas por mim 133 Mas eu sei ai de mim Eu vi na dança Um olhar que em teus olhos se fitava Ouvi outro suspiro desperança Mulher do meu amor meu serafim Teu olhar teu suspiro que matava Oh não eram por mim LÉLIA Passou talvez ao alvejar da lua Como incerta visão na praia fria Mas o vento do mar não escutoulhe Uma voz a seu Deusela não cria Uma noite aos murmúrios do piano Pálida misturou um canto aéreo Parecia de amor tremerlhe a vida Revelando nos lábios um mistério Porém quando expirou a voz nos lábios Ergueu sem pranto a fronte descorada Pousou a fria mão no seio imóvel Sentouse no divã sempre gelada Passou talvez do cemitério à sombra Mas nunca numa cruz deixou seu ramo Ninguém se lembra de lhe ter ouvido Numa febre de amor dizer eu amo Não chora por ninguém e quando à noite Lhe beija o sono as pálpebras sombrias Não procura seu anjo à cabeceira E não tem orações mas ironias Nunca na terra uma alma de poeta Chorosa palpitante e gemebunda Achou nessa mulher um hino dalma E uma flor para a fronte moribunda 134 Lira sem cordas não vibrou denlevo As notas puras da paixão ignora Não teve nunca nalma adormecida O fogo que inebria e que devora Descrê Derrama fel em cada riso Alma estéril não sonha uma utopia Anjo maldito salpicou veneno Nos lábios que tressuam de ironia É formosa contudo Há dessa imagem No silêncio da estátua alabastrina Como um anjo perdido que ressumbra Nos olhos negros da mulher divina Há nesse ardente olhar que gela e vibra Na voz que faz tremer e que apaixona O gênio de Satã que transverbera E o langor pensativo da Madona É formosa meu Deus Desde que a vi Na minhalma suspira a sombra dela E sinto que podia nesta vida Num seu lânguido olhar morrer por ela MORENA Ó Teresa um outro beijo e abandoname a meus sonhos e a meus suaves delírios JACOPO ORTIS É loucura meu anjo é loucura Os amores por anjos bem sei Foram sonhos foi louca ternura Esse amor que a teus pés derramei Quando a fronte requeima e delira Quando o lábio desbota de amor 135 Quando as cordas rebentam na lira Que palpita no seio ao cantor Quando a vida nas dores é morta Ter amores nos sonhos é crime E loucura eu o sei mas que importa Ai morena és tão bela perdime Quando tudo na insônia do leito No delírio de amor devaneia E no fundo do trêmulo peito Fogo lento no sangue se ateia Quando a vida nos prantos se escoa Não merece o amante perdão Ai morena és tão bela perdoa Foi um sonho do meu coração Foi um sonho não cores de pejo Foi um sonho tão puro ai de mim Mal gozeilhe as frescuras de um beijo Ai não cores não cores assim Não suspires por que suspirar Quando o vento num lírio soluça E desmaia no longo beijar E ofegante de amor se debruça Quando a vida lhe foge lhe treme Pobre vida do seu coração Essa flor que o ouvira que geme Não lhe dera no seio o perdão Mas não cores se queres afogo No meu seio o fogoso anelar Calarei meus suspiros de fogo E esse amor que me há de matar Morrerei ó morena em segredo Um perdido na terra sou eu 136 Ai teu sonho não morra tão cedo Como a vida em meu peito morreu 12 DE SETEMBRO I O sol oriental brilha nas nuvens Mais docemente a viração murmura E mais doce no vale a primavera Saudosa e juvenil é toda em rosa Como os ramos sem folhas Do pessegueiro em flor Erguete minha noiva ó natureza Somos sós eu e tu acorda e canta No dia de meus anos II Debalde nos meus sonhos de ventura Tento alentar minha esperança morta E voltome ao porvir A minha alma só canta a sepultura E nem última ilusão beija e conforta Meu ardente dormir III Tenho febre meu cérebro transborda Eu morrerei mancebo inda sonhando Da esperança o fulgor Oh cantemos ainda a última corda Treme na lira morrerei cantando O meu único amor IV Meu amor foi o sol que madrugava O canto matinal da cotovia E a rosa predileta Fui um louco meu Deus quando tentava Descorado e febril nodoar na orgia 137 Os sonhos de poeta V Meu amor foi a verde laranjeira Que ao luar orvalhoso entreabre as flores Melhor que ao meiodia As campinas a lua forasteira Que triste como eu sou sonhando amores Se embebe de harmonia VI Meu amor foi a mãe que me alentava Que viveu e esperou por minha vida E pranteia por mim E a sombra solitária que eu sonhava Lânguida como vibração perdida De roto bandolim VII Eu vaguei pela vida sem conforto Esperei o meu anjo noite e dia E o ideal não veio Farto de vida breve serei morto Não poderei ao menos na agonia Descansarlhe no seio VIII Passei como Don Juan entre as donzelas Suspirei as canções mais doloridas E ninguém me escutou Oh nunca à virgem flor das faces belas Sorvi o mel nas longas despedidas Meu Deus ninguém me amou IX Vivi na solidão odeio o mundo E no orgulho embucei meu rosto pálido Como um astro na treva Senti a vida um lupanar imundo Se acorda o triste profanado esquálido 138 A morte fria o leva X E quantos vivos não caíram frios Manchados de embriaguez da orgia em meio Nas infâmias do vício E quantos morreram inda sombrios Sem remorsos dos loucos devaneios Sentindo o precipício XI Perdoalhes meu Deus o sol da vida Nas artérias ateia o sangue em lava E o cérebro varia Seiva mortal as flores que despontam O século na vaga enfurecida Levou a geração que se acordava E nuta de agonia XII São tristes deste século os destinos Infecta em seu abrir E o cadafalso e a voz dos Girondino Não falam mais na glória e não apontam A aurora do porvir XIII Fora belo talvez em pé de novo Como Byron surgir ou na tormenta O herói de Waterloo Com sua idéia iluminar um povo Como o trovão nas nuvens que rebenta E o raio derramou XIV Fora belo talvez sentir no crânio A alma de Goethe e reunir na fibra Byron Homero e Dante Sonharse num delírio momentâneo A alma da criação e o som que vibra 139 A terra palpitante XV Mas ah o viajor nos cemitérios Nessas nuas caveiras não escuta Vossas almas errantes Do estandarte da sombra nos impérios A morte como a torpe prostituta Não distingue os amantes XVI Eu pobre sonhador em terra inculta Onde não fecundouse uma semente Convosco dormirei E dentre nós a multidão estulta Não vos distinguirá a fronte ardente Do crânio que animei XVII Ó morte a que mistério me destinas Esse átomo de luz que inda me alenta Quando o corpo morrer Voltará amanhã aziagas sinas Da terra sobre a face macilenta Esperar e sofrer XVIII Meu Deus antes meu Deus que uma outra vida Com teu sopro eternal meu ser esmaga E minhalma aniquila A estrela de verão no céu perdida Também às vezes teu alento apaga Numa noite tranqüila 140 SOMBRA DE D JUAN A dream that was not at all a dream LORD BYRON Darkness I Cerraste enfim as pálpebras sombrias E a fronte esverdeou da morte à sombra Como lâmpada exausta E agora no silêncio do sepulcro Sonhas o amor os seios de alabastro Das lânguidas amantes E Haidéia a virgem pela praia errando Aos murmúrios do mar que lhe suspira Com incógnito desejo Te sussurra delícias vaporosas E o formosoestrangeiro adormecido Entrebeija tremendo Ou a pálida fronte libertina Relembra a tez o talhe voluptuoso Da oriental seminua Ou o vento da noite em teus cabelos Sussurra e lembra do passado as nódoas No túmulo sem letras Erguete libertino eu não te acordo Para que a orgia te avermelhe a face Que a morte amarelou Nem para jogo e noites delirantes E do ouro a febre e da perdida os lábios E a convulsão noturna Não ó belo Espanhol Venho sentarme À borda do teu leito porque a febre Minha insônia devora Porque não durmo quando o sonho passa E do passado o manto profanado Me roça pela face 141 Quero na sombra conversar contigo Quero me digas tuas noites breves As febres e as donzelas Que no fogo do viver murchaste ao peito Erguete um pouco da mortalha branca Acorda Don Juan Contigo velarei do teu sudário Nas dobras negras deporei a fronte Como um colo de mãe E como leviano peregrino Da vida as águas saudarei sorrindo Na extrema do infinito E quando a ironia regelarse E a morte me azular os lábios frios E o peito emudecer No vinho queimador no golo extremo Num riso à vida brindarei zombando E dormirei contigo II Mas não não veio na mortalha envolto Don Juan seminu com rir descrido Zombando do passado Só além onde as folhas alvejavam Ao luar que banhava o cemitério Vi um vulto na sombra Cantava ao peito o bandolim saudoso Apertava qual nu e perfumado A Madona seu filho E a voz do bandolim se repassava Mais languidez bebia ressoando No cavernoso peito Do sombrero despiu a fronte pálida Ergueu à lua a palidez do rosto Que lágrimas enchiam 142 Cantava eu o escutei ameilhe o canto Com ele suspirei chorei com ele O vulto era Don Juan III A CANÇÃO DE DON JUAN Ó faces morenas ó lábios de flor Ouvime a guitarra que trina louçã Vos tragou meu peito meus beijos de amor Ó lábios de flor Eu sou Don Juan Nas brisas da noite no frouxo luar Nos beijos do vento na fresca manhã Dizeime não vistes num sonho passar Ao frouxo luar Febril Don Juan Acordem acordem ó minhas donzelas A brisa nas águas lateja de afã Meus lábios têm fogo e as noites são belas Ó minhas donzelas Eu sou Don Juan Ai nunca sentistes o amor despanhol Nos lábios mimosos de flor de romã Os beijos que queimam no fogo do sol Eu sou o espanhol Eu sou Don Juan Que amor que sonhos no febril passado Que tantas ilusões no amor ardente E que pálidas faces de donzela Que por mim desmaiaram docemente Eu era o vendaval que às flores puras Do amor nas manhãs o lábio abria Se murcheias depois é que espedaça As flores da montanha a ventania 143 E tão belas meu Deus as níveas pérolas Mergulheias no lodo uma por uma De meus sonhos de amor nada me resta Em negras ondas só vermelha escuma Anjos que desflorei que desmaiados Na torrente lancei do lupanar Crianças que dormiam no meu peito E acordaram da mágoa ao soluçar E não tremem as folhas no sussurro E as almas não palpitamse de afã Quando entre a chuva rebuçado passa Saciado de beijos Don Juan IV Como virgem que sente esmorecer Num hálito de amor a vida bela Que desmaia que treme Como virgem nas lentas agonias Os seus olhos azuis aos céus erguendo Coas mãos níveas no seio Pressentindo que o sangue lhe resfria E que nas faces pálidas a beija O anjo da agonia Exala ainda o canto harmonioso Casuarina pendida onde sussurra O anoitecer da vida Assim nos lábios e nas cordas meigas Do palpitante bandolim a mágoa Gemia como o vento Como o cisne que bóia que se perde Na lagoa da morte geme ainda O cântico saudoso Mas depois no silêncio uma risada Convulsiva arquejou rompeu as cordas Das ternas assonias 144 Rompeuas e sem dó e noutras fibras Corria os dedos descuidoso e frio Salpicandoas descárnio V Os homens semelham as modas de um dia E velha e passada A roupa manchada Porém quem diria Que é moda de um dia Que é velho Don Juan Os anos que passem nos negros cabelos Branqueiem de neve As croas que teve Dizei anjos belos De negros cabelos Se é velho Don Juan E quando no seio das trêmulas belas De noite suspira E nuta e delira Que digam pois elas As trêmulas belas Se é velho Don Juan Que o diga a sultana a violenta espanhola A loira alemã E grega louçã Que o diga a espanhola Que a noite consola Se é velho Don Juan VI Era longa a canção Cantou e o vento Nos ciprestes com ele esmorecia Pendeu a fronte os lábios 145 Emudeceram como cala o vento Do trópico na podre calmaria Cismava Don Juan NA VÁRZEA Como é bela a manhã Como entre a névoa A cidade sombria ao sol clareia E o manto dos pinheiros se aveluda E o orvalho goteja dos coqueiros E dos vales o aroma acorda o pássaro E o fogoso corcel no campo aberto Sorve dalva o frescor sacode as clinas Respira na amplidão no orvalho rola Cobra em leito de folhas novo alento E galopa nitrindo Agora que a manhã é fresca e branca E o campo solitário e o val se arreia Ó meu amigo passeemos juntos Na várzea que do rio as águas negras Umedecem fecundas O campo é só na chácara florida Dorme o homem do vale e no convento Cintila a medo a lâmpada da virgem Que pálidas vestais no altar acendem Tudo acorda meu Deus nestas campinas Os cantos do Senhor erguemse em nuvens Como o perfume que evapora o leito Do lírio virginal Acorda ó meu amigo quando brilha Em toda a natureza tanto encanto Tanta magia pelo céu flutua E chovem sobre os vales harmonias É descrer do Senhor dormir no tédio É renegar das santas maravilhas O ardente coração não expandirse 146 E a alma não jubilar dentro do peito Lá onde mais suave entre os coqueiros O vento da manhã nas casuarinas Cicia mais ardente suspirando Como de noite no pinhal sombrio Aéreo canto de não vista sombra Que enche o ar de tristeza e amor transpira Lá onde o rio molemente chora Nas campinas em flor e rola triste Alveja à sombra habitação ditosa Coroa os frisos da janela verde A trepadeira em flor do jasmineiro E pelo muro se avermelha a rosa Ali quando a manhã acorda a bela A bela que eu sonhei nos meus amores Ao primeiro calor do sol daurora Entornase da flor o doce aroma Inda mais doce em matutino orvalho Nas tranças negras da donzela pálida Mais bela que o diamante se aveluda Camélia fresca inda em botão tingida De neve e de coral no seio dela Não reluz o colar em negro fio A cruz da infância melhor guarda o seio Que o amor virginal beija tremendo E os ais do coração melhor perfuma Vem comigo mancebo aqui sentemonos Ela dorme a janela inda cerrada Se enche de rosas e jasmins à noite E as flores virgens com o aberto seio Um beijo da donzela ainda imploram Mais doce o canto foge de mistura Coas doces notas do violão divino Anjo da vida te verteu nos lábios O mel dos serafins que a voz serena Que a transborda de encanto e de harmonia E faz no eco propulsar meu peito 147 Suspire o violão nos seus lamentos Murmura essa canção dos meus amores Que este peito sangrento lhe votara Quando a seus pés acesa a fantasia Em doce engano derramei minhalma Quando a brisa seus ais melhor afina Quando a frauta no mar branda suspira Com mais encanto as folhas do salgueiro Debruçamse nas águas solitárias E deixam gota a gota o argênteo orvalho Como prantos nas folhas deslizarse Quando a voz do cantor perderse à noite Na margem da torrente ou nas campinas Ou no umbroso jardim que flores cobrem Mais doce a noite pelo céu vagueia Melhor florescem as noturnas flores E o seio da mulher que a noite embala Pulsa quente e febril com mais ternura Se o anjo de meus tímidos amores Pudesse ouvirte os cândidos suspiros Que a minha dor de amante lhe revelam Se ela acordasse nos cabelos soltos Inda o semblante sonolento e pálido E o seio seminu e os ombros níveos E as trêmulas mãos cobrindo o seio Se esta janela num instante abrisse A fada da ventura embora apenas Um instante sequer Meus pobres sonhos Como saudosos vos murchais sedentos Flores do mar que um triste vagabundo Arrancou de seu leito umedecido E grosseiro apertou nas mãos ardentes Eu morro de saudade e só me nutre Inda nas tristes desbotadas veias O sangue do passado e da esperança 149 O EDITOR A poesia transcrita é de Torquato Desse pobre poeta enamorado Pelos encantos de Leonora esquiva Copieia do próprio manuscrito E para prova da verdade pura Deste prólogo meu basta que eu diga Que a letra era um garrancho indecifrável Mistura de borrões e linhas tortas Trouxema do Arquivo lá da lua E decifrouma familiar demônio Demais infelizmente é bem verdade Que Tasso lastimouse da penúria De não ter um ceitil para a candeia Provo com isso que do mundo todo O sol é este Deus indefinível Ouro prata papel ou mesmo cobre Mais santo do que os Papas o dinheiro Byron no seu Don Juan votoulhe cantos Filinto Elísio e Tolentino o sonham Foi o Deus de Bocage e dAretino Aretino essa incrível criatura Lívida tenebrosa impura e bela Sublime e sem pudor onda de lodo Em que do gênio profanouse a pérola Vaso douro que um óxido terrível Envenenou de morte alma poeta Que tudo profanou com as mãos imundas E latiu como um cão mordendo um século Quem não ama o dinheiro Não me engano Se creio que Satã à noite veio Aos ouvidos de Adão adormecido Na sua hora primeira murmurarlhe Essa palavra mágica da vida 150 Que vibra musical em todo o mundo Se houvesse o DeusVintém no Paraíso Eva não se tentava pelas frutas Pela rubra maçã não se perdera Preferira decerto o louro amante Que tine tão suave e é tão macio Se não faltasse o tempo a meus trabalhos Eu mostraria quanto o povo mente Quando diz que a poesia enjeita e odeia As moedinhas doiradas É mentira Desde Homero que até pedia cobre Virgílio Horácio Calderón Racine Boileau e o fabuleiro LaFontaine E tantos que melhor decerto fora De poetas copiar algum catálogo Todos a mil e mil por ele vivem E alguns chegaram a morrer por ele Eu só peço licença de fazervos Uma simples pergunta na gaveta Se Camões visse o brilho do dinheiro Malfilâtre Gilbert o altivo Chatterton Se o tivessem nas rotas algibeiras Acaso blasfemando morreriam OH NÃO MALDIGAM Oh não maldigam o mancebo exausto Que nas orgias gastou o peito insano Que foi ao lupanar pedir um leito Onde a sede febril lhe adormecesse Não podia dormir nas longas noites Pediu ao vício os beijos de veneno E amou a saturnal o vinho o jogo E a convulsão nos seios da perdida 151 Misérrimo não creu Não o maldigam Se uma sina fatal o arrebatava Se na torrente das paixões dormindo Foi naufragar nas solidões do crime Oh não maldigam o mancebo exausto Que no vício embalou a rir os sonhos Que lhes manchou as perfumadas tranças Nos travesseiros da mulher sem brio Se ele poeta nodoou seus lábios É que fervia um coração de fogo E da matéria a convulsão impura A voz do coração emudecia E quando pla manhã da longa insônia Do leito profanado ele se erguia CHATEAUBRIAND Sentindo a brisa lhe beijar no rosto E a febre arrefecer nos roxos lábios E o corpo adormecia e repousava Na serenada relva da campina E as aves da manhã em torno dele Os sonhos do poeta acalentavam Vinha um anjo de amor unilo ao peito Vinha uma nuvem derramarlhe a sombra E a alma que chorava a infâmia dele Secava o pranto e suspirava ainda DINHEIRO Oh argent Avec toi on est beau jeune adoré on a considération honneurs qualités vertus Quand on na point dargent on est dans la dépendance de toutes choses et de tout le monde Sem ele não há cova quem enterra 152 Assim grátis a Deo O batizado Também custa dinheiro Quem namora Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio Demais as Danáes também o adoram Quem imprime seus versos quem passeia Quem sobe a deputado até ministro Quem é mesmo eleitor embora sábio Embora gênio talentosa fronte Alma romana se não tem dinheiro Fora a canalha de vazios bolsos O mundo é para todos Certamente Assim o disse Deus mas esse texto Explicase melhor e doutro modo Houve um erro de imprensa no Evangelho O mundo é um festim concordo nisso Mas não entra ninguém sem ter as louras ADEUS MEUS SONHOS Adeus meus sonhos eu pranteio e morro Não levo da existência uma saudade E tanta vida que meu peito enchia Morreu na minha triste mocidade Misérrimo votei meus pobres dias À sina doida de um amor sem fruto E minhalma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto Que me resta meu Deus morra comigo A estrela de meus cândidos amores Já que não levo no meu peito morto Um punhado sequer de murchas flores MINHA DESGRAÇA Minha desgraça não é ser poeta Nem na terra de amor não ter um eco 153 E meu anjo de Deus o meu planeta Tratarme como tratase um boneco Não é andar de cotovelos rotos Ter duro como pedra o travesseiro Eu sei O mundo é um lodaçal perdido cujo sol quem mo dera é o dinheiro Minha desgraça ó cândida donzela O que faz que meu peito assim blasfema É ter por escrever todo um poema E não ter um vintém para uma vela PÁGINA ROTA Et pourtant que le parfum dun pur amour est suave GEORGE SAND Meu pobre coração que estremecias Suspira a desmaiar no peito meu Para enchêlo de amor tu bem sabias Bastava um beijo teu Como o vale nas brisas se acalenta O triste coração no amor dormia Na saudade na lua macilenta Sequioso ar bebia Se nos sonhos da noite se embalava Sem um gemido sem um ai sequer E que o leite da vida ele sonhava Num seio de mulher Se abriu tremendo os íntimos refolhos Se junto de teu seio ele tremia E que lia a ventura nos teus olhos É que deles vivia 154 Via o futuro em mágicos espelhos Tua bela visão o enfeitiçava Sonhava adormecer nos teus joelhos Tanto enlevo sonhava Via nos sonhos dele a tua imagem Que de beijos de amor o recendia E de noite nos hálitos da aragem Teu alento sentia Ó pálida mulher se negra sina Meu berço abandonado me embalou Não te rias da sede peregrina Destalma que te amou Que sonhava em teus lábios de ternura Das noites do passado se esquecer Ter um leito suave de ventura E amor onde morrer