·

Cursos Gerais ·

Psicologia Social

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

Considerações sobre o transtorno parafílico a interface entre a psiquiatria a psicologia e a justiça criminal Fernanda Robert de Carvalho Santos SilvaI Programa de Estudos em Sexualidade ProSex do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta considerações sobre o trans torno parafílico TP cujos estudos etiológicos são insuficien tes e a prevalência na população é estimada em 1 sendo majoritariamente homens Pesquisas realizadas o relacionam com alteração hormonal anomalia cromossômica lesão neurológica sistema límbico e lóbulo temporal uso e abuso de substância alteração no desenvolvimento e traumas12 O comportamento sexual expresso no TP sofre uma refe rência pejorativa o que pode estar associado a dificuldade em lidar com pessoas cuja manifestação do desejo seja diferente Pode levar a prejuízos em outras esferas da vida do indivíduo e ser compreendido na perspectiva psiquiátrica psicológica e criminal comportamento com característica nociva e dano potencial ao outro34 O diagnóstico psiquiátrico do TP necessita da presença do impulso parafílico com ou sem sofrimento disfunção e IPsicóloga mestre em Psicologia como Profissão e Ciência e bacharel em Psicologia com ênfase em pesquisa pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUCCampinas Editor responsável por esta seção Carmita Helena Najjar Abdo Psiquiatra livredocente e professora associada do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade ProSex do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP Endereço para correspondência Rua Dos Tamanás 72 Pinheiros São Paulo SP CEP 05444010 Tel 11 30327411 Cel 997174361 Email drafernandarobertpsicologiacombr Fontes de fomento nenhuma declarada Conflito de interesse nenhum declarado Entrada 9 de maio de 2017 Última modificação 25 de maio de 2017 Aceite 29 de maio de 2017 RESUMO O presente artigo versa sobre o transtorno parafílico TP cuja diferença nas práticas sexuais gera conotação pejorativa na sociedade o que pode estar associado a dificuldade em compreender manifestações de desejo diferente e a relação entre crime sexual hediondo e parafilia Indivíduos com TP apresentam interesse sexual intenso e persistente não voltado para a estimulação genital ou para carícias preliminares com parceiros humanos fenótipo normal e maturidade física e prévio consentimento para a atividade sexual A parafilia está presente no repertório sexual individual da população geral com conteúdo de humilhação dominação fetiche e bondage A prática parafílica não visa à aproximação entre os parceiros e compromete com o tempo o relacionamento íntimo eou interpessoal e o trabalho O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM5 divide o transtorno em voyeurista exibicionista frotteurista masoquismo sexual sadismo sexual pedofílico fetichista transvéstico O comportamento sexual parafílico pode ser dividido do ponto de vista criminal quanto à legalidade e à ilegalidade com o consentimento e o não consentimento em casos de adultos e comportamento parafílico com crianças e crianças prépuberes Ampliar a compreensão da interface entre a psiquiatria a psicologia e a justiça criminal para a parafilia e o transtorno parafilico contribui para o diagnóstico presença ou ausência de sofrimento a avaliação e a punição do comportamento com a presença ou não de vítima e perspectivas psicológicas para o tratamento do transtorno parafílico com a possibilidade de mudança no processo de excitação sexual compreensão sintomatológica e desenvolvimento ampliação do repertório do indivíduo PALAVRACHAVE Transtornos parafílicos direito penal pedofilia exibicionismo sexualidade MEDICINA SEXUAL 127 Diagn Tratamento 201722312733 ou tomada de ação a partir deste conforme os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM54 Avaliase a intensidade do comportamento e a gra vidade das consequências o comportamento está relaciona do à atividade erótica do indivíduo e a alvo erótico45 A significância clínica psiquiátrica da parafilia está asso ciada ao sofrimento acentuado ato do comportamento ou presença de fantasia às dificuldades interpessoais e ao com prometimento no trabalho cujo comportamento sexual ex presso funciona como forma de alívio à ansiedade contenção de agressão e estabilizador da identidade O comportamento sexual e a excitação estão restritos ao estímulo sexual parafí lico associado ou não à parafilia6 O diagnóstico é dividido em TP especificado e não especi ficado A Tabela 1 apresenta os oito identificados mais co muns todavia encontrase associação de parafilias distintas a um mesmo indivíduo A natureza bipartidária do transtor no remete à necessidade de avaliar a intensidade do sintoma parafílico e à gravidade da consequência da expressão do sin toma por meio do comportamento4 DSM5 Os critérios diagnósticos de TP são critério A nature za da parafilia e critério B consequência negativa com a presença dos sintomas por um período de seis meses no mínimo e C ter no mínimo 18 anos Dentre as consequên cias negativas estão a presença ou ausência de sofrimento o prejuízo ao funcionamento social eou profissional e em outras áreas da vida4 Atender exclusivamente o critério A evidencia a parafilia mas não o transtorno parafílico cujo diagnóstico prescinde o cumprimento dos critérios A e B pelo indivíduo4 Sintomas pa rafílicos diferentes são encontrados nas pessoas com ou sem uma relação sintomatológica clara todavia múltiplas parafi lias podem representar coincidência ou vulnerabilidade Para auxiliar na compreensão do transtorno parafílico será descrita abaixo a característica do Critério Diagnóstico A para cada um dos oito identificados pelos DSM54 Esta está relacionada à expressão do comportamento sexual e apresen ta características distintas Voyeurista excitação sexual intensa em observar pessoas em atividade sexual nuas sem consentimento Exibicionista excitação sexual relacionada à exposição do órgão genital a pessoa que não espera e não consentiu Frotteurista excitação sexual ao tocar ou se esfregar em pessoas sem o consentimento Masoquista sexual excitação sexual com ser humilhado es pancado amarrado ou vítima de outros tipos de sofrimento Sadista sexual excitação sexual com ações cujo sofrimen to psicológico ou físico de outra pessoa esteja presente Pedofilia excitação sexual envolvendo atividade sexual com criança ou criança prépubere em geral 13 anos ou menos Atração pelo sexo feminino eou masculino e incesto Fetichista excitação sexual com uso de objetos inanima dos ou com foco específico corporal não genital Transvéstico excitação sexual ao se vestir com trajes típi cos do sexo oposto crossdressing O DSM5 apresenta alguns quadros psiquiátricos como co morbidades clínicas ao TP e seus diferentes tipos Indivíduo com diagnóstico de voyerismo exibicionismo e pedofilia pode apresentar sintoma relacionado a transtorno depressivo bi polar de ansiedade uso de substância hipersexualidade défi cit de atençãohiperatividade antissocial e outros parafílicos sendo o voyer associado também a transtorno de conduta4 O indivíduo com diagnóstico de frotteurimo em geral pode estar apresentando uso de estimulante por exemplo cocaína e anfetaminas e sintoma de hipersexualidade O sadismo se xual evidencia comorbidade com transtorno de personalidade antissocial o fetichismo com hipersexualidade e raramente quadro neurológico e o travestismo com disforia de gênero4 Ressaltase em relação à excitação sexual que nos trans tornos exibicionista expor o genital e voyerista observar a atividade sexual esta é seguida de masturbação sem preten são do contato íntimo e consentimento do outro Mas exposi ção sexual genital associada a crianças e crianças prépúberes sem maturidade física associa o exibicionista à pedofilia5 São formas intensas e repetitivas de excitação e prazer sexual4 PARAFILIA A parafilia é definida como o interesse sexual inten so e persistente não orientado à estimulação genital ou às Tabela 1 Transtorno parafílico versus comportamento parafílico Transtorno parafílico Comportamento parafílico Voyeurista Espiar outras pessoas em atividades privadas Exibicionista Expor os genitais Frotteurista Tocar ou esfregarse em indivíduo que não consentiu Masoquismo sexual Passar por humilhação submissão ou sofrimento Sadismo sexual Infligir humilhação submissão ou sofrimento Pedofílico Foco sexual em crianças Fetichista Usar objetos inanimados ou ter um foco altamente específico em partes não genitais do corpo Transvéstico Vestir roupas do sexo oposto visando excitação sexual 128 Diagn Tratamento 201722312733 Considerações sobre o transtorno parafílico a interface entre a psiquiatria a psicologia e a justiça criminal carícias preliminares típicas do comportamento sexual nor mofílico entre parceiros sexuais com consentimento fenóti po normal e maturidade física47 Indivíduos com parafilia não respondem ao estímulo erótico típico e o comportamento sexual exclui e prejudica a ligação entre as pessoas6 Nos seres humanos o comportamento sexual auxilia a cria ção do vínculo a cooperação a expressão e a estimulação do amor entre os parceiros Mas a parafilia está associada à não completude do desenvolvimento necessário ao ajustamento sexual apresenta falha edípica compromete os relacionamen tos e a capacidade para obter intimidade236 Ora a libido se desloca ao objeto inanimado fetichismo ora lida com a an siedade de castração exibicionismo e voyerismo e compensa a impotência edípica pedofilia e sadismo sexual não canali zando o impulso ao comportamento sexual normofílico6 Para os psicanalistas a diferenciação entre as parafilias está relacionada com o mecanismo para lidar com o conflito2 O comportamento parafílico se reproduz e se repete como forma de preferência devido à ruptura no desenvolvimento sexual gera parada em uma fase específica e bloqueia o de senvolvimento da sequência ideal entre encontro cortejo e ato sexual8 Todo ser humano desenvolve uma forma estímu lo para a excitação sexual uma impressão imprinting com pondo o repertório sexual que pode ser desenvolvido por um objeto não sexual e com conteúdo parafilico8 O indivíduo com parafilia seja o ato ou a fantasia mas respondente ao estímulo erótico normofílico não configura o diagnóstico do transtorno uma vez que o estímulo sexual parafílico é essencial à excitação e ao orgasmo das pessoas com o transtorno sendo sua forma de prazer69 O diagnóstico está relacionado ao aprisionamento e à restrição como forma de preferência repetida na excitação e no prazer sexual2 A parafilia perversão aparece na população geral como parte eventual do repertório sexual individual Adultos e es tudantes universitários relatam fantasia de humilhação bon dage dominação e submissão cujo conteúdo parafílico de voyerismo fetichismo e sadomasoquismo está presente5610 Dentre as fantasias mais comuns estão as parafílicas de do minação feminina e do ato sexual com duas mulheres e um homem e a normofílica o sexo oral10 A troca de casais e o sexo a três são exemplos de vivên cia parafílica em que com o passar do tempo em maior ou menor grau dificultam o relacionamento afetivo Em geral o indivíduo com transtorno parafílico apresenta um padrão de vínculo afetivo cujo desejo e a excitação sexual parafílica geram uma demanda sexual no outro o que dificulta um rela cionamento afetivo estável11 A publicação do Compêndio de Psiquiatria em 2017 aponta que apesar de ser uma prática de pequena parce la da população a característica persistente e repetitiva do comportamento gera grande número de vítimas Isso sugere uma incidência maior que a diagnosticada ao se considerar o amplo material comercializado em especial o pornográfico a ausência de informação de consumidores deste material em relação ao ato eou fantasia parafílica e a resposta ou não ao estímulo sexual normofílico6 A prevalência do interesse e do comportamento parafílico na população geral canadense n 1040 sendo 475 homens e 565 mulheres foi descrita com significância estatística na di ferença entre homens e mulheres as preferências parafílicas em homens voyerismo seguido de fetichismo e exibicionismo script em mulheres de masoquismo e conteúdo parafílico pornográfico na internet prevalência de voyerismo seguido de exibicionismo frouteurismo e fetichismo A fantasia sexual de sexo oral e de dominação feminina foi identificada1012 A prevalência no Brasil em relação à presença de compor tamentos sexuais não convencionais muitos com conteúdo parafílico foi relatada em 523 dos homens de 7022 indiví duos que participaram de pesquisa realizada nas diferentes regiões do Brasil7 A baixa prevalência na mulher para a psica nálise está relacionada à sublimação do impulso prégenital em situações cotidianas por exemplo expor partes do corpo e usar adornos não necessitando externar a perversão1 A parafilia apresenta subdivisões tais como atividade anômala como o sadismo sexual e objetos anômalos como o fetiche Outra subdivisão a presença de vítima em que o comportamento pode gerar vítima e irremediavelmente gera vítima pedofilia sadismo sexual voyeurista exibicio nista frotteurista A maior incidência é de voyeurismo diag nosticado independemente do relato de sofrimento mas com a presença de prejuízo significativo no funcionamento social ocupacional ou outras áreas da vida5 A hipersexualidade parafílica está associada à busca de prazer imediato a despeito de consequências danosas asse melhase a sintoma obsessivocompulsivo e a quadro de ou tras dependências2 Com a ausência de conteúdo parafílico é descrito o desejo sexual específico a multiplicidade de par ceiros a compulsão masturbatória pornográfica e sexual com ato sexual consensual A hipersexualidade com ou sem sintoma parafilico compromete a vida global ambientes e relacionamentos íntimos eou interpessoais413 Contudo a compreensão da parafilia e a diferenciação do transtorno parafílico se fazem necessárias em nossa socieda de uma vez que a convivência com indivíduos parafílicos e a memória parafílica favorece o envolvimento com tais práti cas2 Ressaltase a atenção especial ao adolescente uma vez que o início dos sintomas parafílicos descritos nos critérios diagnósticos do DSM5 critério A está relacionado a essa fase do desenvolvimento humano segundo os relatos de pes quisa com essa população4 129 Diagn Tratamento 201722312733 Fernanda Robert de Carvalho Santos Silva CORRELAÇÃO COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO De todos os desvios de comportamento social os crimes e os delitos sexuais são incontestavelmente aqueles a propósito dos quais na maioria das vezes é feita referência à loucura14 A parafilia envolve interesse em cenários legais e ilegais confor me os critérios diagnósticos do DSM5 Casos ilegais são classi ficados como crime sexual mas nem todo crime desta natureza se associa à parafilia15 O comportamento criminoso principal mente envolvendo violência perpetrado por indivíduos com transtornos mentais é uma questão pública importante16 O caráter heterogêneo do crime sexual é um desafio para a justiça criminal devido às variações nas características do comportamento criminoso em relação ao tipo de comporta mento à motivação da ação ao tipo de vítima ao transtorno psiquiátrico entre eles de personalidade e aos aspectos psi cológicos e psicodinâmicos das teorias16 Questões éticas e legais relacionam o diagnóstico psi quiátrico e a justiça criminal perante o ato criminoso prin cipalmente quanto à capacidade e à incapacidade psíquica do indivíduo ou seja a autonomia Dentre elas quais os limitam quais princípios levam a ação criminosa e como é feita essa avaliação17 Do ponto de vista legal o transtorno parafílico apresenta um padrão de comportamento de relevância criminal alguns relacionados a crimes hediondos como a pedofilia e o sadis mo sexual515 Estes transcendem a noção típica de sexualida de e se degeneram em sociopatia e predação O dano sofrido pela vítima em geral apresenta comorbidade clínica e pode ser compreendido do ponto de vista jurídico com informação sobre elementos da história do paciente observação clínica e avaliação cognitiva Mas raramente solicitase avaliação psi quiátrica e psicológica no Brasil5 Segundo Landy a avaliação da responsabilidade de um cri minoso está relacionada a aspectos morais e sociais e não exclusivamente a uma avaliação psiquiátrica17 A responsabi lidade penal só pode ser aplicada às pessoas responsáveis do ponto de vista moral em que o livrearbítrio esteja associado às ações realizadas pelos indivíduos com consciência e von tade14 Em desacordo com valores e regras morais e sociais estas ações normalmente acarretam culpa O Título VI do Código Penal em 7 de agosto de 2009 na Lei no 12015 altera o termo crime contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual engloba os artigos 215 violação sexual 216 estupro 217 estupro de vulnerável e 16 A assédio sexual18 A nomenclatura anterior datada de 1940 não traduzia a realidade brasileira quanto à proteção prevista no código penal Foi considerada a preocupação com a liber dade sexual dos indivíduos e a compreensão do homem e da mulher tanto como agente do crime quanto como polo pas sivo antes salvaguardado mulher criança e prépúbere18 A alteração da Lei 12015 provocou modificações importan tes na Legislação Penal Brasileira promovendo mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei 8072 de 1990 relacionada aos crimes hediondos ajustandose a terminolo gia à Constituição Federal Brasileira de 1988 Mas a garantia constitucional de retroatividade legal permite a utilização da lei anterior em situações nas quais possa haver o benefício do réu no caso do indivíduo autor do ato criminoso18 Nos ambientes forenses dos Estados Unidos o DSM5 tem sido amplamente utilizado como critério diagnóstico para o transtorno parafílico A avaliação da presença ou ausência de parafilia e o impacto tem sido uma recomendação judicial para crime sexual Isso tem permitido identificar o comportamento sexual predatório mas existe uma dificuldade para integrar as pectos psiquiátricos legais e a sociedade geral por exemplo em relação a parafilia e a possibilidade de integração social19 Em relação ao crime hediondo de pedofilia só se configura crime com a prática do ato sexual em si ou a exposição de imagem e de conteúdo pornográfico à criança e adolescen te20 Exposição genital a criança e prépúbere evidencia sin toma de pedofilia e de exibicionismo Estudos com pedófilos homens com excitação predominante por crianças apon tam correlações com o transtorno de abuso de substância o transtorno de humor e ansiedade21 Alta taxa de alcoolismo é vista em estudos com portadores do transtorno O diagnóstico segundo o DSM5 pode ocorrer em situa ções cujo interesse em crianças e prépúberes não é levado à ação mas os anseios e as fantasias causam sofrimento acen tuado ou dificuldade interpessoal521 Tratar o sofrimento pre sente na excitação sexual por crianças pode auxiliar a não expressão do sintoma por meio do comportamento5 Grandes esforços para identificar o indivíduo parafílico são vistos em casos de pedofilia em decorrência de a vítima ser criança1 A identificação do agressor ocorre com menor frequên cia nos casos de masoquismo e de sadismo uma vez que se re laciona a situações cujo sofrimento impresso na prática sexual deixa sequelas ou resulta em morte do parceiro O exibicionista e o voyer são identificados em situações de flagrante e apreensão1 Em relação ao sadismo sexual a justiça busca identificar pes soas que forçam crianças e adultos sem consentimento a expe rimentar sofrimento físico e psicológico como parte da própria busca por excitação sexual Pode ser associado a transtorno de personalidade antissocial em geral aguardando julgamento5 Landy ressalta o fato de a psiquiatria não ser uma ciência exa ta e em muitos momentos o julgamento clínico não é rigoroso e objetivo do ponto de vista de uma análise semiológica E não há como reduzir aspectos técnicos e complexos relacionados à personalidade de um criminoso a uma linguagem comum14 130 Diagn Tratamento 201722312733 Considerações sobre o transtorno parafílico a interface entre a psiquiatria a psicologia e a justiça criminal CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOTERAPIA Alfred Kinsey descreve em seus estudos a origem do com portamento sexual humano determinada pelo processo de aprendizagem e de condicionamento associado à influência ambiental cultural8 Nesta perspectiva para os teóricos da aprendizagem social o comportamento sexual tido como não convencionalparafílico é aprendido assim como o convencio nal derivase de condicionamentos infantis sendo o ato sexual estabelecido a partir de fantasia sexual e de masturbação1222 Os primeiros estudos das aplicações da terapia compor tamental para essa população estavam relacionados à teoria de condicionamento desenvolvimento e manutenção do comportamento sexual transgressor tendo alcance limita do3 O comportamento parafílico era associado à motivação exclusiva sexual com preferência de natureza aprendida na tureza desviada e após muitos questionamentos substituí do pela abordagem cognitivocomportamental ampla com estratégias interventivas mais complexas terapia aversiva recondicionamento orgástico treino de assertividade desen volvimento de habilidade social3 Para Marshall e Fernández alterar o comportamento transgressor está relacionado a um direcionamento próso cial cuja melhora da autoestima o torne capaz de mudar uma vez que o delito está sob influência de outros fatores tais como dificuldade com solução de problemas uso e abu so de substância psicoativa limitado controle de emoções negativas como a raiva3 O indivíduo é merecedor de afeto e de recompensa proveniente da relação prósocial adulta conforme referido pelos autores em relação ao conceito de autoeficácia de Bandura3 A terapia cognitivocomportamental entende a expressão do comportamento sexual parafílico relacionado à crença e às distorções por exemplo mitos relacionados ao desejo sexual de homens e mulheres3 Estas distorções podem ser vistas no conteúdo de fantasia sexual responsável pelo condicionamen to associado à experiência orgásmica Mudança no pensamen to durante a masturbação altera a resposta a estímulos respon sáveis pela capacidade de excitação e de prazer sexual2324 Na psicoterapia é adotado um tom positivo cujo objetivo é o resgate da virtude e do potencial de desenvolvimento do indivíduo Ampliar as habilidades sociais possibilita criar um ambiente em que se desenvolva uma atividade sexual gratifi cante Aumenta o repertório de intimidade e equidade na re lação afetiva cuja satisfação com a vida esteja presente e a re lação sexual não seja o único caminho para a intimidade32324 Associase nesses casos a avaliação psiquiátrica de risco para distinguir os fatores estáticos e os dinâmicos agudos e estáveis relacionados à parafilia Estáticos são aspectos imutáveis por exemplo a história de vida individual e a cri minológica21 Dinâmicos estáveis são passíveis de alteração por exemplo as crenças as distorções cognitivas e a excita ção sexual desviada e os agudos modificados de forma mais rápida a partir da vontade do indivíduo por exemplo isola mento social uso e abuso de substância21 A não efetividade da psicoterapia sem a combinação com o tratamento psiquiátrico e a prescrição de psicofármaco para indivíduo com transtorno parafílico é apontada por Oliveira Jr com referência aos estudos de Kafka8 Recomendase o uso de antidepressivo e neuroléptico para o tratamento parafílico fluoxetina em altas doses para pedófilo2 Alguns países auto rizam a associação de substância antiandrogênica2 A medi cação visa à diminuição da libido para o controle da parafilia enquanto a psicoterapia identifica aspectos associados e de senvolve alternativas mais adaptadas aos relacionamentos2 Uma proposta de tratamento canadense divide o parafíli cos em três grupos encarcerado durante o tratamento o que esteve preso ou que nunca tenha estado em regime prisional Avaliase o risco de segurança em três níveis e a necessida de de tratamento O detento é encaminhado para a peniten ciária onde haja o tratamento adequado sendo nível 1 alto risco e tratamento intensivo nível 2 baixo risco e programa prévio de saída da prisão e nível 3 programa na comunida de O nível 2 fortalece o indivíduo antes de voltar à comuni dade e a prevenção de recaída3 A proposta de tratamento visa superar a negação e a mini mização em relação ao delito cometido Busca a empatia com a vítima a alteração de crença a distorção cognitiva e fanta sia relacionada ao comportamento expresso desenvolve um plano de prevenção de recaída saudável3 NOVAS PERSPECTIVAS Após a publicação do DSM5 2014 a Organização Mundial de Saúde OMS revisa atualmente a publicação Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento CID10 cujo termo transtorno de preferência sexual F650 a F659 nomeia o eixo de diagnóstico para o transtorno parafílico dividindoo nas categorias fetichismo travestismo fetichista exibicionis mo voyerismo pedofilia sadomasoquismo transtornos múl tiplos de preferência sexual outros transtornos de preferência sexual e transtorno de preferência sexual não identificado25 A proposta de atualização do CID10 para a 11a ver são será apresentada pela comissão The Working Health Classification Sexual Disorders and Sexual Health WGSDSH na Assembleia Mundial da Organização Mundial de Saúde OMS em 2018 As propostas relacionadas ao eixo de diag nóstico de parafilia são 1 Alteração da nomenclatura para Transtorno Parafílico e 131 Diagn Tratamento 201722312733 Fernanda Robert de Carvalho Santos Silva 2 Divisão em cinco nomes específicos Exibicionistic Disorder Voyeuristic Disorders Pedofilic Disorders Coersive Sexual Sadism Disorder Frotteuristic Disorder e duas categorias corroborando presença ou ausência de consentimento in dividual Other Parafilic Disorder Involving NonConsenting Individuals Other Parafilic Disorder Involving Solitary Behavior ou Consenting Individual26 A categoria Coersive Sexual Sadism Disorder visa englo bar as parafilias descritas no DSM5 nas categorias fetichista travestista e sadomasoquista em que há consentimento para a prática da atividade sexual e a característica de ação solitá ria compromete ou não o funcionamento de outras esferas da vida do indivíduo26 A presença de consentimento e a ma turidade física adulto para a prática parafílica distingue esta categoria da outra do transtorno A divisão proposta pelo CID11 quanto ao diagnóstico do comportamento normal e criminal facilita a unificação da compreensão psiquiátrica e jurídica criminal em relação à ação criminosa executada por meio do comportamento sexual do indivíduo Tal perspectiva pode estar associada à avaliação jurídica feita pela OMS em diferentes países com objetivo de aprimorar o CID10 para utilização forense por exemplo em caso de comportamento coercitivo sádico psi cológico eou físico sem consentimento26 Contribui tam bém para não criminalizar o comportamento eou a fantasia sexual parafílica estigmatizada devido ao componente eró tico de excitação sexual atípico não normofílico mas prati cado por adultos com consentimento prévio26 Outra perspectiva científica a ser considerada para uma melhor compreensão da complexidade evidenciada em in divíduos diagnosticados com transtorno parafilico é a rea lização de pesquisas de mapeamento molecular genético com objetivo de tentar compreender os aspectos genéticos associados à expressão ou não do comportamento parafílico Uma das pesquisas mais recentes indicou a necessidade de estudos para identificar parafilia na população geral princi palmente características genéticas de interesse por crianças e prépúberes associadas à pedofilia26 Estudo genético molecular com gêmeos idênticos n 1672 cujo objetivo era apresentar possíveis variantes gené ticas associados à pedofilia e ao interesse sexual em crianças identificou um mecanismo biológico complexo associado a essa forma de excitação sexual presente em variantes gené ticas no SNPs single nucleotide polymorphisms e esteroide 5areductase Foi recomendada a ampliação do estudo na população geral para avaliar 1 O interesse em crianças uma vez que 08 dos homens que compuseram a amostra relataram tal preferência e 2 Investigar histórico de agressão com ou sem queixa na justiça criminal27 CONCLUSÃO A ampliação de estudos relacionados à parafilia em diferentes áreas do conhecimento corrobora a proposta de diálogo deste artigo Compreender em profundidade a expressão do compor tamento de diferentes parafilias em nossa sociedade tanto as relacionadas a indivíduos com padrão normofílico de excitação sexual quanto de padrão parafílico favorece o diagnóstico pre coce do transtorno e a criação de ações públicas efetivas A identificação de conteúdo parafílico como prática presente na atividade sexual seja fantasia ou expressão do comporta mento pode evitar consequências danosas dependendo do tipo de parafilia tanto à parceria quanto à sociedade Evita ainda o comprometimento associado ao transtorno nos diferentes am bientes relacionamento íntimo eou interpessoal e trabalho O fato de o início dos sintomas relatados pelos indivíduos estar na adolescência requer uma atenção especial da psi quiatria psicologia e justiça criminal pois a convivência com pessoas parafílicas e a memória parafílica favorecem o envol vimento com tais práticas Ação psicoeducativa e proposta de tratamento eficaz podem auxiliar o desenvolvimento se xual e a diminuir de forma gradativa da incidência de crime sexual associado a não contenção da excitação sexual parafí lica no ato criminoso mas não criminaliza o comportamento erótico de excitação sexual atípico praticado por adultos com consentimento prévio REFERÊNCIAS 1 Abdo CHN Transtorno de preferência sexual In Abdo CHN editor Sexualidade humana e seus transtornos São Paulo Casa Editora 2015 p 23749 2 Abdo CHN Spizzirri G Scanavino MT Transtorno da sexualidade e da identidade de gênero In Forlenza OV Miguel EC editores Compêndio de clínica psiquiátrica Barueri Manole 2012 p 47691 3 Marshall WL Fernández YM Enfoques cognitivocomportamentais para as parafilias o tratamento da delinquência sexual In Caballo VE editor Tratamento cognitivocomportamental dos transtornos psicológicos São Paulo Santos Editora 2015 p 299331 4 American Psychiatric Association Transtornos parafílicos In American Psychiatric Association Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Porto Alegre ArtMed 2014 p 6856 5 Barnhill JW Transtornos Parafílicos In Barnhill JW editor Casos clínicos do DSM5 Porto Alegre Artmed 2015 p 32932 132 Diagn Tratamento 201722312733 Considerações sobre o transtorno parafílico a interface entre a psiquiatria a psicologia e a justiça criminal 6 Sadock BJ Sadock VA Ruiz P Transtornos parafílicos In Sadock BJ Sadock VA editores Compêndio de psiquiatria ciência do comportamento e psiquiatria clínica Porto Alegre ArtMed 2017 p 5939 7 Moser C DSM5 and the Paraphilic Disorders Conceptual Issue Arch Sex Behav 201645821816 8 Oliveira Junior WM Comportamentos sexuais não convencionais e correlações com parâmetros de saúde física mental e sexual em amostra de 7022 mulheres e homens de cinco regiões brasileiras dissertação São Paulo Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 2007 9 Merrick WA Changes in DSM5 Diagnostic Criteria for Paraphilic Disorders Arch Sex Behavior 201645821739 10 Joyal CC Defining Normophilic and Paraphilic Sexual Fantasies in a PopulationBased Sample On the Importance of Considering Subgroups Sex Med 20153432130 11 Kafka MP Prentsky R A comparative study of nonparaphilic sexual addictions and paraphilias in men J Clin Psychiatry 1992531034550 12 Joyal CC Carpentier J The Prevalence of Paraphilic Insterests and Behaviors in the General Population A Provincial Survey J Sex Res 201754216171 13 American Psychiatric Association Diagnostic and Statistical Manual of mental disorders DSM5 Arlington American Psychiatric Association 2013 Disponível em httpspsicovalerofileswordpress com201406dsmvmanualdiagnc3b3sticoyestadc3adsticode lostrastornosmentalespdf Acessado em 2017 16 mai 14 Landy M O Psiquiatra no Tribunal o processo da perícia psiquiátrica em justiça penal São Paulo EDUSP 1981 15 Fedoroff JP Forensic and diagnostic concerns arising from the proposed DSM5 criteria for sexual paraphilic disorders J Am Acad Psychiatry Law 201139223841 16 Chiswick D Thompson DG The relationship between crime and psychiatry In Shea SC editor Psychiatric Interviewing the art of understanding a practical guide for psychiatrics psychologists counselors social workers nurses and other mental health professionals London Elselvier 1998 p 70127 17 Potts SG Crichton JHM Legal and ethical aspects of psychiatric In Shea SC editor Psychiatric Interviewing the art of understanding a practical guide for psychiatrics psychologists counselors social workers nurses and other mental health professionals London Elselvier 1998 p72840 18 Moura BD Os crimes sexuais e a lei no 120152009 Disponível em wwwjuscombrampartigos375141 Acessado em 2017 16 mai 19 First MB DMS5 and paraphilic disorders J Am Acad Psychiatry Law 2014422191201 20 Serafim AP Saffi F Marques NM Achá MFF Oliveira MC Avaliação neuropsicológica no direito penal In Saffi F Achá MFF Oliveira MC Marques NM Serafim AP editores Avaliação neuropsicológica forense São Paulo Pearson 2017 p 79108 21 Rigonatti SR Baltieri DA Transtornos mentais e comportamento violento In Miguel EC Gentil V Gattaz WF editores Clínica Psiquiátrica Barueri Editora Manole 2011 p 1605 22 Laws DR Marshall WL Masturbatory reconditiong with sexual deviates An evaluative review Advances in Behaviour Research and Therapy 19911311325 Disponível em httpwww sciencedirectcomsciencearticlepii014664029190012Y Acessado em 2017 16 mai 23 McGuire RJ Carlisle JM Young BG Sexual deviations as conditioned behavior a hypothesis Behav Res Ther 196422 418590 24 Marquis JN Orgasmic reconditioning changing sexual object choice through controlling masturbation fantasies Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry 19701426371 25 Organização Mundial de Saúde Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID10 Porto Alegre ArtMed 1993 p 2136 26 Krueger RB Reed GM First MB et al Proposals for Paraphilic Disorders in the International Classification of Diseases and Health Problems Eleventh Revesion ICD11 Arch Sex Behav 2017465152945 27 Alanko K Gunst A Mokros A Santtila P Genetic Variants Associated With Male Pedophilic Sexual Interest J Sex Med 201613583542 133 Diagn Tratamento 201722312733 Fernanda Robert de Carvalho Santos Silva