·

Direito ·

Direitos Humanos

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas PLATÔ EDITORIAL CURITIBA PR WWWPLATOEDITORIALCOM TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO RESERVADOS À Copyright 2023 dos autores Todos os direitos reservados EDITORCHEFE Geraldo Balduino Horn GESTÃO COMERCIAL Célia Maria de Poli Penteado Antônio Carlos Caron PREPARAÇÃO DE TEXTOS Gian Carlo Teixeira Leite Sabrina Cesar Freitas REVISÃO ORTOGRÁFICA Valdinei José Arboleya PROJETO GRÁFICO Giuliano de Oliveira DIAGRAMAÇÃO Loraine Ferraz DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO Mona Youssef Hammoud CRB 9ª 1393 A666e ARBOLEYA Arilda org et al Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas Curitiba Platô Editorial 2023 345p PTBR ISBN 9786589229278 1 Educação 2 Direitos Humanos 3 Fundamentos e práticas I Título CDD 370115 Arilda Arboleya Geraldo Balduino Horn Sabrina Cesar Freitas Orgs Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas CONSELHO EDITORIAL Ademir Aparecido Pinhelli Mendes CEP Adriana del Valle Pagani IRI Universidad Nacional de La Plata Argentina Adriano Moreira Universidade Técnica de Lisboa Portugal Alécio Donizete da Silva UFMT Aline Tainá Amaral Horn PUBLICATEC Anderson Luiz Tedesco UNOCHAPECÓ Arilda Arboleya UFPI Carmen Lúcia Fornari Diez UNIPAC Claudio Almir Dalbosco UPF Dalton José Alves UNIRIO Edson Teixeira de Rezende FESPPR Elter Manuel Carlos Universidade de Cabo Verde Cabo Verde Filipi Vieira Amorim FURG Geraldo Balduino Horn UFPR Giselle Moura Schnorr UNESPARUV Jorge Fernando Hermida UFPB Jorge Luiz Viesenteiner UFES Marco Sonzogni Victoria University of Wellington Nova Zelândia Maurílo Gadellha IFRN Maurini de Souza Alves Pereira UTFPR Patrícia Del Nero Velasco UFABC Pedro Ângelo Pagani UNEP Regis Clemente da Costa UEPG Renato Epifânio Universidade do Porto Portugal Rodrigo Marcos de Jesus UFMT Rodrigo Pelloso Gelamo UNESP Samuel Dimas Universidade Católica Portuguesa Portugal 7 Sumário Introdução 9 Arilda Arboleya Sabrina Cesar Freitas Geraldo Balduino Horn Parte I Direitos Humanos conceitos e fundamentos Unidade 1 Direitos Humanos conceitos básicos e fundamentos legais 17 André Bakker da Silveira Murillo Amboni Schio Unidade 2 Direitos Humanos Alteridade e Diversidade Cultural 39 Fabiano Atenas Azola Unidade 3 Direitos Humanos Direitos Fundamentais e Dignidade Humana 57 Eneida Desiree Salgado Lígia Melo de Casimiro Parte II Direitos Humanos Cidadania e Violações Unidade 4 Direitos Humanos Cidadania e Democracia 73 Osmir Dombrowski Unidade 5 Direitos Humanos Mídia e Liberdade de Expressão 95 Karoline Strapasson Jambersi Tailaine Cristina Costa Unidade 6 Direitos Humanos Violência Violação e Segurança Pública 113 Mariana Corrêa de Azevedo Parte III Direitos Humanos e Grupos Vulneráveis Unidade 7 Direitos Humanos Imigrantes refugiados e apátridas 135 Ana Paula dos Santos Bittencourt Okamoto Fernando Cesar Mendes Barbosa José Antônio Peres Gediel Unidade 8 Direitos Humanos Criança e Adolescente 149 Carolina Simões Pacheco Kamille Brescansin Mattar Talita Rugeri Unidade 9 Direitos Humanos Pessoas Idosas e com Deficiência 173 Dandara dos Santos Damas Ribeiro Eber Santos da Silva Leonardo Carbonieri Campoy Sumário 8 Sumário Parte IV Direitos Humanos e Diversidade Unidade 10 Direitos Humanos e a Questão ÉtnicoRacial 193 Maria Nilza da Silva Mariana Panta Unidade 11 Direitos Humanos Gênero e Diversidade Sexual 215 Julia Heliodoro Souza Gitirana Victor Romfeld Unidade 12 Direitos Humanos Religião e Diversidade Religiosa 228 Arthur Alexandre Maccdonal Edmar Antonio Brostulim Brustolin Unidade 13 Direitos Humanos e Comunidades Tradicionais 248 Pedro Henrique Frasson Barbosa Ricardo Cid Fernandes Parte V Direitos Humanos Condições de Vida e Trabalho Unidade 14 Direitos Humanos e Meio Ambiente 270 Felipe Bueno Amaral Unidade 15 Direitos Humanos Nutrição e Segurança Alimentar 287 Ana Christina Duarte Pires Diomar Augusto de Quadros Unidade 16 Direitos Humanos e as Condições Contemporâneas de Trabalho 308 Ana Paula Ferreira DÁvila Camila Sailer Rafanhim Kelen Aparecida da Silva Bernardo Maria Aparecida Bridi Sobre Autoras e Autores 333 Organizadores 339 Índice Remissivo 340 10 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas INTRODUÇÃO A Educação em Direitos Humanos deve ser uma pedagogia da admiração perante tudo o que se afirma à vida Comissão Justiça e Paz de São Paulo 19911 Este livro representa um esforço para forta lecer e promover a Educação em Direitos Huma nos no Brasil2 É o resultado da ação de múltiplos agentes que leem a Educação em Direitos Huma nos como uma ferramenta para defesa da vida para o exercício da cidadania e para a criação de personalidades democráticas Mais que tudo as páginas que seguem buscam fornecer algumas 1 CJPSP Educação para os direitos Humanos 1991 Fundo da Comis são Justiça e Paz de São Paulo Arquivo da Cúria Metropolitana Dom Duarte e Silva São Paulo SP A Comissão Justiça e Paz de São Paulo CJPSP é uma instituição paulistana eclesiástica que esteve à frente dos primeiros empreendimentos de Educação em Direitos Humanos EDH no Brasil Até o final do século passado a CJPSP desempenhou um papel importante na defesa dos direitos humanos no Brasil Surgida em 1972 sob liderança de Dom Paulo Arns como uma agência de resistência à ditadura militar a CJPSP trabalhou na busca e defesa de presos políticos exilados torturados e desa parecidos além de produzir dados para comprovar crimes contra a humanidade cometidos durante o regime Sua atuação esteve ligada à Igreja Católica paulistana e contou com pessoas influentes na sociedade civil principalmente nas áreas do direito sociologia e educação Após o fim da ditadura a CJPSP passou a focar em ações educacionais para disseminar uma cultura para a paz e promover a formação em direitos humanos através de uma abordagem pro blematizadora A necessidade e urgência da educação em direitos humanos foram justificadas com base na persistência de práticas autocráticas na sociedade 2 Gostaríamos de expressar nossa gratidão a Gian Carlo Teixeira Leite pela sua significativa participação neste empreendimento educativo Sua colaboração foi essencial para abordarmos de forma abrangente e enriquecedora os diversos temas que permeiam os direitos humanos proporcionando uma valiosa contribuição para essa obra ferramentas para que agentes educativos diver sos se apropriem de princípios básicos relativos ao reconhecimento à proteção e à reivindicação da dignidade humana O objetivo deste material é o de ampliar a variedade de recursos didáticos disponíveis para os educadores e oferecer ferramentas de apoio para enriquecer os trabalhos educativos em direitos humanos O Livro é composto por 16 unidades iné ditas desenvolvidas por escritores que pensam refletem pesquisam avaliam e interpretam a promoção a violação e o reconhecimento dos Direitos Humanos no Brasil e no mundo Dessa forma o conhecimento aqui compartilhado é fruto da reflexão de especialistas nas temáticas que compõem o grande leque reflexivo da Educação em Direitos Humanos O princípio norteador para a formulação deste material paradidático foi o de que a Edu cação em Direitos Humanos não transita como uma disciplina ou um conteúdo a mais no currí culo Ela é antes um tema transversal multi e interdisciplinar que pode permear o processo de ensinoaprendizagem nas diversas áreas do conhecimento bem como nas múltiplas formas Arilda Arboleya Sabrina Cesar Freitas Geraldo Balduino Horn 11 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas INTRODUÇÃO etapas e frentes de formação sejam elas formais ou informais Com efeito como o leitor e a leitora verá nas unidades a seguir quando pensamos em Educação em Direitos Humanos estamos vis lumbrando um conhecimento que se integra à prática pedagógica nos mais diversos espaços e contextos de formação intercruzandoo e com plementandoo com o fito de estimular o desen volvimento de uma cultura da alteridade que faz reconhecer o outro como sujeito de direitos indistintamente Partimos do pressuposto de que Educar em Direitos Humanos é educar para o respeito ao outro em sua diversidade em sua singulari dade e em sua diferença Para tanto os textos sinalizam que a própria prática educativa em qualquer ambiência deve estar permeada por uma postura democrática horizontalizada e res peitosa do outro princípio que deve permear a construção da estratégia de formação e de ensinoaprendizagem Em síntese levando em conta esses prin cípios norteadores esta coletânea oferece um material de referência para educadores e edu cadoras bem como agentes sociais diversos que desejem promover a Educação em Direitos Huma nos em seus contextos de atuação Dessa forma está endereçada a agentes educativos formais e informais agentes comunitários agentes públi cos líderes estratégicos e demais atores sociais potenciais Almejamos que ao final da leitura cada leitora e cada leitor possa ministrar ações edu cativas relacionadas ao conteúdo de Direitos Humanos a partir de um material de referência em diferentes espaços e para os mais diversos públicos Assim nosso intento é duplo a subsi diar todos aqueles que buscam promover ações e instrumentos em favor da promoção da pro teção e da defesa dos Direitos Humanos e b disponibilizar um material que possa ser tomado como fonte de pesquisa e orientação para cada profissional A partir das unidades desse livro mul tiplicadores podem se apoiar em propostas teóricometodológicas desenvolvendo estra tégias didáticas que levam em consideração as especificidades do contexto de atuação os objetivos institucionais de cada espaço e principalmente os saberes construídos pelos participantes do processo formativo Vislum bramos assim favorecer o desenvolvimento da autonomia e a atribuição de sentido e sig nificado dos conteúdos propostos em estudo e ao mesmo tempo oferecer suporte concei tual embasamento sóciohistórico e principal mente instrumentos metodológicos apurados e adequados para o exercício educativo dos direitos humanos Para cumprir esse grande objetivo o material é composto por unidades que abran gem questões sensíveis contemporâneas e emergentes relacionadas à Educação em Direi tos Humanos As unidades estão divididas em cinco seções temáticas I Direitos Humanos conceitos e fundamentos II Direitos Humanos Cidadania e Violações III Direitos Humanos e Grupos Vulneráveis IV Direitos Humanos e Diversidade e V Direitos Humanos Condições de Vida e Trabalho Na Unidade1 Direitos Humanos con ceitos básicos e fundamentos legais no texto que abre a coletânea os autores André Bakker e Murillo Amboni Schio se debruçam sobre os elementos constituintes do conceito de direitos humanos Para isso apresentam os fundamen tos estruturantes da construção sóciohistórica das ideias e ideais de direito dignidade humana e por fim Educação em Direitos Humanos Ao examinar essas interconexões o texto opera como um passaporte e um convite à leitura das unidades seguintes A segunda Unidade Direitos Humanos Alteridade e Diversidade Cultural elaborada por Fabiano Atenas Azola discute a centralidade da alteridade como princípio constituidor da humanidade e sua relação com a diversidade cultural Tendo como ponto de partida os deba 12 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas INTRODUÇÃO tes traçados sobre os ideais de humanidade a partir da segunda metade do século XX o autor explora as noções de direito à diferença e à igualdade além das possibilidades e desafios para a promoção do reconhecimento da diver sidade cultural Na Unidade seguinte intitulada Direitos Humanos Direitos Fundamentais e Dignidade Humana Desiree Salgado e Lígia Melo de Casi miro discutem a interconexão os limites e as pos sibilidades para a materialização da liberdade igualdade e dignidade na sociedade brasileira Esta unidade enfatiza os obstáculos à concretiza ção desses três valores e os caminhos para a sua concretização As autoras tratam dos impasses e dos caminhos para a realização dos direitos fundamentais e das ferramentas disponíveis no sistema jurídico e no campo políticos para a sua efetividade Passando para a segunda seção temática do livro a Unidade 4 Direitos Humanos Cidada nia e Democracia Osmir Dombrowski explora os nexos entre direitos humanos cidadania e democracia apresentando aspectos históricos da cidadania brasileira bem como os impasses para o exercício pleno dessa cidadania O autor resgata os avanços e retrocessos vividos ao longo da história e tece considerações sobre os dilemas e impasses que ainda subsistem desafiando os brasileiros e as brasileiras No texto seguinte Direitos Humanos Mídia e Liberdade de Expressão as pesquisa doras Karoline Strapasson e Tailaine Cristina Costa resgatam o debate teóricoempírico sobre o conceito de liberdade de expressão e sua pre visão em tratados internacionais e na Constitui ção de 1988 Levando em conta esse contorno sóciohistórico as autoras discutem como as diferentes concessões e supressões do direito à liberdade de expressão estão associadas a distin tas interpretações sobre os ideais de liberdade e direitos humanos Na Unidade 6 Direitos Humanos Vio lência Violação e Segurança Pública tecida por Mariana Corrêa de Azevedo destacase a segurança pública como um desafio significativo no contexto dos direitos humanos O foco é dire cionado para a vulnerabilidade das juventudes e as graves violações de direitos humanos enfren tadas por essa faixa etária especialmente em cenários marcados por desigualdades de classe raçaetnia e território A análise da autora expõe as éticas implícitas na sociedade que privam punem e até mesmo tiram a vida dos jovens mais desfavorecidos Compondo a terceira parte do livro no texto Direitos Humanos Imigrantes Refugiados e Apátridas Ana Paula dos Santos Bittencourt Okamoto Fernando Cesar Mendes Barbosa e José Antônio Peres Gediel exploram as oportuni dades e limites da circulação humana no mundo contemporâneo assim como a promoção e a violação dos direitos humanos e da dignidade humana que se relacionam à mobilidade humana Levando em conta os diferentes tratamentos jurídicos e políticas públicas para imigrantes os autores exploram a importância dos direitos humanos na proteção dos imigrantes a preven ção de violências e discriminações e a promoção de direitos fundamentais para uma nova vida em seus destinos A oitava unidade Direitos Humanos Crianças e Adolescentes enfoca a constru ção sóciohistórica da infância e da adolescên cia abordando os marcadores sociais dessas fases da vida As pesquisadoras Carolina Simões Pacheco Kamille Brescansin Mattar e Talita Rugeri analisam à luz do princípio da promoção da dignidade humana os eixos estruturantes dos direitos das crianças e dos adolescentes destacando as violações à infância e à juventude como violações à dignidade humana Também são apresentadas possibilidades educativas para a promoção da dignidade humana entre crianças e adolescentes considerando abuso exploração e abandono No capítulo Direitos Humanos Pessoas Idosas e com Deficiência o nono texto deste livro Dandara dos Santos Damas Ribeiro Eber Santos da Silva e Leonardo Carbonieri Campoy 13 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas INTRODUÇÃO deslindam a definição teóricoconceitual de pessoas com deficiência e pessoas idosas sob o enfoque dos direitos humanos São discu tidas as violações de direitos a discriminação a invisibilidade e a exclusão social enfrentadas por esses grupos Amparados na reflexão sobre essas barreiras a autora e os autores apresentam caminhos e alternativas para a construção de uma cultura de acolhimento e respeito considerando a promoção da dignidade humana Já na quarta parte do livro a Unidade 10 Direitos Humanos e a Questão ÉtnicoRacial tecido por Maria Nilza da Silva e Mariana Panta destaca aspectos das relações étnicas e raciais com foco na população negra e acerca de como o racismo afeta a realidade desse grupo popu lacional No texto as autoras refletem sobre a pluralidade étnicoracial da sociedade brasileira analisando as desigualdades sociais e tecendo reflexões sobre racismo e discriminação Sob esse fio analítico delineiam algumas das possibi lidades e percalços para a promoção da igualdade nas relações étnicoraciais Julia Heliodoro Souza Gitirana e Victor Romfeld na décima primeira unidade deste livro Direitos Humanos Gênero e Diversidade Sexual discutem a construção social e histórica dos papéis de gênero e das desigualdades de gênero abordando as violências de gênero e a LGBTfobia como obstáculos para a promoção da dignidade humana A autora e o autor apresen tam olhares para a igualdade a diversidade e a pluralidade como possibilidades de promoção da dignidade humana A educação é considerada fundamental para o reconhecimento e reversão das violações dos direitos humanos de LGBTs e mulheres A Unidade 12 Direitos Humanos Religião e Diversidade Religiosa elaborada por Arthur Alexandre Maccdonal e Edmar Antonio Bros tulim Brustolin3 in memoriam oferece uma 3 Este livro presta uma homenagem póstuma ao professor Edmar Antonio Brostulim cuja contribuição acadêmica e o compromisso com o ensino e a pesquisa foram inestimáveis Durante sua carreira o professor Brostulim se dedicou intensamente ao estudo de temas como religião laicidade projetos de desenvolvimento e religião na esfera pública Sua paixão pelo conhecimento e seu comprometi análise sobre o vínculo entre a constituição do Estado brasileiro e as manifestações religiosas constituídas e as experiências nesse território Conflitos sociais motivados por intolerância reli giosa também são abordados pelos autores enfatizando a educação como estratégia social para a promoção da tolerância e respeito à diver sidade religiosa Pedro Henrique Frasson Barbosa e Ricardo Cid Fernandes na unidade intitulada Direitos Humanos e Comunidades Tradicionais abor dam a definição teóricoconceitual da ideia de comunidades tradicionais com ênfase em comunidades do Brasil e do Paraná Os autores discorrem sobre a grande diversidade cultural que caracteriza as comunidades tradicionais no Brasil suas diferenças internas suas especificida des regionais e experiências sociais distintas da sociedade nacional São também apresentadas possibilidades educativas para a promoção e o respeito à diversidade étnica Abrindo a última parte do livro na Unidade 14 Direitos Humanos e Meio Ambiente escrito por Felipe Bueno Amaral a reflexão é iniciada com a concepção de um direito socioambiental como direito humano seguida pela ponderação sobre quem estará incluído no futuro do planeta Para desenvolver essa reflexão são exploradas as principais decisões coletivas nacionais e inter nacionais relacionadas ao Desenvolvimento Sus tentável e suas noções fundadoras Em seguida são abordadas as crises socioambientais resul tantes das práticas humanas de exploração de recursos e a relação entre patrimônio natural e cultural Por fim encerrase a discussão com a consideração da possibilidade de promover uma educação que gere uma verdadeira consciência territorial e socioambiental mento em promover um diálogo crítico e esclarecedor nas questões sociais deixaram uma marca duradoura na comunidade acadêmica e nas escolas por onde passou Sua ausência é profundamente sentida mas seu legado permanecerá como fonte de inspiração para todos aqueles que se dedicam à pesquisa e à construção de uma sociedade mais justa e inclusiva Em memória do professor Edmar Antonio Brostulim seu trabalho e dedicação continuarão a ser lembrados e valorizados 14 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas INTRODUÇÃO O texto seguinte Direitos Humanos Nutrição e Segurança Alimentar desenvolvido por Ana Christina Duarte Pires e Diomar Augusto de Quadros explora os conceitos de nutrição segurança alimentar subnutrição e fome Dis cutese o direito à alimentação saudável como um direito humano analisando as violações e promoções relacionadas a esse direito Também são apresentados marcos nacionais e interna cionais para o combate à fome e a promoção da segurança alimentar considerando a produção de alimentos e as possibilidades educativas para a promoção da nutrição adequada e da segurança alimentar Por fim na Unidade 16 intitulada Direitos Humanos e as Condições Contemporâneas de Trabalho o objetivo principal é o de esclarecer a importância do respeito à dignidade da pessoa humana no acesso ao trabalho e nas condições seguras em que ele é realizado conforme esta belecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal de 1988 no Brasil Neste texto as autoras Ana Paula Ferreira DÁvila Camila Sailer Rafanhim Kelen Aparecida da Silva Bernardo e Maria Aparecida Bridi discutem como o desrespeito a esse direito fundamental afeta a vida das pessoas e o acesso e a permanência na escola e no trabalho prote gido e como influencia o exercício da cidadania Aborda ainda os direitos humanos relacionados ao trabalho na sociedade moderna justificando a relevância desta unidade que oferece uma reflexão crítica e ferramentas para a construção de uma cidadania ativa que não se limite apenas ao consumo mas que envolva uma participação plena na vida social Como é possível notar o fio que transpassa todas as unidades é a reflexão sempre pelo viés pedagógico sobre as condições que per mitem inviabilizam ou condicionam a dignidade humana Apresentamos conteúdos em um cará ter dialógico envolvendo dimensões das práticas dos leitores e questões de natureza acadêmica que nos levam a refletir sobre possibilidades de construção e defesa da democracia nos distintos espaços públicos e contextos educativos formais ou informais Por assim entender empreendemos com esta publicação fazer conhecer e fazer circular a cultura dos direitos humanos enquanto direitos que afirmam para todos nós humanos a garantia de condições dignas de vida Nessa conotação disseminar essa cultura é requisito para avan çarmos na solidificação de direitos fixados e protegidos em nossos ordenamentos jurídicos envoltos em ideais de igualdade e de liberdade que precisam ser construídos cotidianamente para fazer frente às exclusões sociais renitentes em diversos níveis Acreditamos que a relevância desse empreendimento pedagógico se revela na medida em que a condição de vulnerabilidade se perfaz na articulação de arranjos materiais e simbólicos de modo que a debilidade dos aces sos a bens estruturais se conjuga com dinâmi cas enraizadas e naturalizadas de inferiorização subjetiva daqueles que já são materialmente desfavorecidos Para romper com esse ciclo que atenta contra a dignidade da pessoa humana é preciso refundar os sensos de justiça que nor teiam as condutas coletivas fazendo reconhecer em cada pessoa um detentor de direitos e de talentos que devem ser protegidos e estimulados pela ação estatal Propiciando esse reconhecimento a presente coletânea concorre portanto para fomentar uma sociabilidade coletiva atenta à igualdade humana com respeito às diferenças interculturais oferecendo uma abordagem que visa fortalecer os alicerces da Educação em Direitos Humanos Ao longo deste livro exploraremos diversas perspectivas e práticas educacionais que promovem o reconhecimento a empatia e a ação em prol dos direitos huma nos buscando contribuir para uma sociedade mais justa e inclusiva Você encontrará nas páginas a seguir um repertório teórico acompanhado de estratégias didáticas criativas de fácil reprodução pelas quais se espera possibilitar boa compreensão 15 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas INTRODUÇÃO de fundamentos e ampla replicação dos sabe res aqui disponibilizados acerca de temas capi tais que intercruzam ambientes pedagógicos de trabalho e de execução de políticas públi cas em geral Esperamos que o material ajude a fomen tar o diálogo entre educadores e educadoras e sirva de fonte para análise e reflexão dos Direi tos Humanos Desejamos uma excelente leitura PARTE I Direitos Humanos conceitos e fundamentos 17 INTRODUÇÃO O material apresentado a vocês leitores e leitoras tem o objetivo de ser uma introdução ao tema dos Direitos Humanos DH Este é por tanto um material que busca educar em direitos humanos A educação em direitos humanos EDH pode ser compreendida de várias formas mas uma maneira bastante difundida de tratála é a partir de três focos TIBBITS 2018b Educação em direitos humanos é educar sobre direitos humanos Educação em direitos humanos é educar com direitos humanos Educação em direitos humanos é educar para os direitos humanos Em conjunto esses três focos buscam a construção de uma cultura de respeito aos Direitos Humanos Além disso pedagogicamente os três focos podem ser tratados em duas dimensões Dimensão instrumental ou cognitiva Dimensão afetiva A primeira dimensão está relacionada à compreensão da história dos fundamentos dos princípios e dos instrumentos jurídicos que com põem os direitos humanos A segunda diz respeito à forma e a finalidade da educação e implica edu car com direitos humanos para que os educandos e educandas se tornem capazes de agir de acordo com e em prol dos direitos humanos CANDAU 2008 FLOWERS 2000 p vi É certo que os focos e dimensões da EDH estão bastante conectados e não podem ser completamente separados mas o escopo desta primeira unidade está na Educação sobre Direi tos Humanos É importante ter em mente que se não soubermos o que são direitos humanos por que existem e qual relação eles têm conosco e com nosso dia a dia dificilmente poderemos internalizar o verdadeiro valor desses direitos e enquanto educadores e educadoras será mais difícil passar adiante a importância dos DH Em outras palavras sem saber sobre os DH a tarefa de educar com e para os DH se torna bastante complicada Por tudo isso nesta unidade tentaremos destrinchar a ideia de direitos humanos e analisar parte de seu significado e sua história Para tanto buscamos caminhar por partes primeiro nos propomos a apresentar um breve debate sobre o que é ser humano Buscaremos mostrar por que somos todos e todas detentores de direitos e que o que está por trás dos direitos humanos é Unidade 01 Direitos Humanos conceitos básicos e fundamentos legais André Bakker da Silveira Murillo Amboni Schio 18 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 a ideia de dignidade humana Em seguida pas samos a analisar o que é o Direito Respondere mos a questões como de onde vem as regras e leis que regem nossa vida em sociedade Elas não deveriam tratar apenas das pessoas de um Estado ou país Como pode haver direitos para todos os seres humanos do mundo E por fim conheceremos essas duas ideias e trataremos do que são os Direitos Humanos Qual sua história especificamente Para quem servem Onde estão escritos Com isso esperamos que você se sinta capaz e motivada ou motivado a seguir para as próximas unidades PARTE 1 O QUE É UM HUMANO Como nos definimos a nós mesmos O que nos distingue dos outros seres vivos Por que somos o que somos Esses são temas recorrentes nas obras de grandes pensadores e pensadoras da humanidade das mais variadas áreas do conhe cimento São questões que nunca atingiram e provavelmente nunca atingirão o consenso total A experiência de ser humano transborda para além de definições e conceitos Justamente por ser uma dúvida tão antiga e tão distinta em suas respostas que se quisermos entender a quem se destinam os direitos humanos é fundamental que nos questionemos o que é um humano O que define a humanidade Se tentarmos encontrar uma resposta defi nitiva para essas questões certamente estaremos em apuros Ainda assim consideramos impor tante que esses problemas sejam abordados ao falar sobre direitos humanos em atividades de formação Ao longo da história desumanizar pes soas e grupos sociais isto é dizer que o outro o diferente não é um humano foi uma forma de oprimir escravizar e eliminar milhões de pessoas Assim ocorreu com povos negros com mulheres com indígenas e tantos outros Ideias como essas persistem até hoje e por isso existem expressões populares como direitos humanos para humanos direitos O que está por trás disso é a ideia de que uns merecem e outros não ou seja de que alguns são humanos e outros não Por isso ao tratar dessa difícil questão o importante é que se demonstre que a própria indefinição é uma chave interessante para explicar o que é um ser humano Nas diferenças que todos nós temos reside nossa principal característica Ser humano independe de raça gênero religião classe cor etnia sexualidade e de qualquer outra característica pessoal E ser humano independe também de qualquer ato que se tenha cometido Essa é a regra fundamental Mas como explicar e convencer as pessoas de que essas ideias fazem sentido Quando esta mos cercados de injustiças diariamente quando vemos notícias sobre violências todos os dias parece muito mais fácil se dobrar à raiva e à indig nação e dizer que certas pessoas não merecem ter direitos Infelizmente não há fórmula mágica a compreensão do valor da humanidade por si própria depende da internalização do valor dos direitos humanos lembrese educar em direitos humanos é educar sobre com e para os DH O que recomendamos é que você ajude os grupos com os quais estiver trabalhando a percorrerem um caminho que leve a essa compreensão Para isso recomendamos algumas atividades Prática 1 Sendo um ser humano Objetivo reconhecer os conhecimentos prévios da turma acerca do tema Sugestão de desenvolvimento 1 Coloque um objeto diante da turma Pode ser um boneco um apagador o cesto de lixo por exemplo 2 Apresenteo como um ser que veio de outro pla neta e que está curioso para aprender sobre esses seres que são denominados humanos 3 Peça sugestões à turma sobre como explicar para esse ser o que é ser humano 4 Discuta com os alunos e alunas sobre o que sig nifica ser humanoa e quais as diferenças entre esse ser e outros serescoisas 19 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida nas disciplinas de Ciências História L E M Artes Ensino Religioso em séries do Ensino Fundamental II ou nas disciplinas de Ciências Humanas Biologia ou LEM em séries de Ensino Médio Outras Possibilidades Na disciplina de Artes você pode sugerir à turma que se expressem sobre o que é ser humanoa a partir das diversas formas de expressão artística e em LEM siga a descrição porém peça à turma que utilize palavras da língua estudada Já no Ensino Religioso e nas Ciências Humanas complemente essa atividade com as Práticas 2 3 4 e 5 Fonte Human Rights Topics for Upper Primary and Lower and Senior Secondary School ONU 2004 p 50 Para complementar a explicação anterior você pode se valer de algumas histórias e ideias clássicas sobre o tema Por exemplo na tradição ocidental é possível retornar a Platão e Aristó teles que já discutiam o assunto no século V a C certamente inspirados em outros que vieram antes deles Com o decorrer da história muitos pensadores e pensadoras tentaram dar suas respostas Elencamos abaixo algumas concepções e citações bastante simplificadas para servir de provocação e estímulo ao debate Estes exemplos não devem ser usados como conceitos definitivos O que recomendamos é que sirvam de apoio às atividades propostas nesta e em outras unidades e que você e sua turma busquem compreender o que estava por trás dessas ideias e por que elas são insuficientes para definir o ser humano QUADRO I CONCEPÇÕES CLÁSSICAS SOBRE A IDEIA DE SER HUMANO Platão 427 347 aC Na história da filosofia é popu lar a anedota de que Platão teria dito a seus discípulos que o ser humano é um animal de duas patas e sem penas Diante disso Diógenes de Sínope o cínico teria capturado uma galinha depenadoa e a apre sentado a Platão O filósofo então teria complementado sua explicação afirmando que o ser humano é um bípede sem penas e com unhas chatas COMTE SPONVILLE 2002 Aristóteles 384 322 aC Segundo Aristóteles a distinção entre os homens e os animais é que estes vivem politicamente auxiliados pela razão que se manifesta através da palavra ARISTÓTELES 2007 Tomás de Aquino 1225 1274 Em sua Suma Teológica Tomás de Aquino diz no homem há quatro coisas a considerar a razão por ela se equipara aos anjos as potências sensitivas pelas quais se equipara aos animais as potências naturais pelas quais se equipara às plan tas o corpo enfim pelo qual se equipara às coisas inanimadas Suma Teológica c 96 art 2 Descartes 1596 1650 A razão é a única coisa que nos torna homens e nos distin gue dos animais DESCARTES 2001 p 6 Rousseau 1712 1778 Segundo Rousseau o que distin gue o homem dos animais são a liberdade a capacidade de se aperfeiçoarem e se adaptarem às circunstâncias em primeiro lugar e não a razão em si pre sente apenas virtualmente no homem ROUSSEAU 2015 20 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 Kant 1724 1804 Para Kant a ideia de humanidade está ligada à autonomia e à digni dade KANT Fundamentação da metafísica dos costumes Marx 1818 1883 Marx afirmou que é o trabalho uma condição de existên cia do homem independente de todas as formas de sociedade eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e portanto da vida humana MARX 2012 p 109 Durkheim 1858 1917 O homem só é humano por que vive em sociedade Sem a sociedade o homem retornaria à condição de animal Com o passar das gerações a sabedo ria humana vai se acumulando indefinidamente elevandonos acima dos animais e de nós mesmo DURKHEIM 1978 Hannah Arendt 1906 1975 as condições da existência humana a vida a natalidade e a mortalidade a mundanidade a pluralidade e a Terra jamais podem explicar o que somos ou responder à pergunta sobre quem somos pela simples razão de que jamais nos condicionam de modo absoluto ARENDT 2016 p 14 Prática 2 Enfoques teóricos Objetivo conhecer diferentes perspectivas sobre a temática e a história dosas pensadoresas Sugestão de desenvolvimento 1 Apresente alguns nomes de pensadoresas impor tantes da filosofia história e sociologia 2 O grupo ou alunoa deve escolher um dos nomes apresentados ou outro que julgue interessante 3 Pesquisar a história de vida dessas pessoas e seus pensamentos sobre o ser humano o homem a mulher buscando compreender o motivo desse pensamento 4 Apresentar para a turma ou em texto o assunto pesquisado e debater Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida nas disciplinas de Filosofia História e Sociologia em séries do Ensino Médio Outras Possibilidades Utilizar essa atividade em conjunto com a Prática 1 Saindo de um âmbito mais abstrato e filosó fico e entrando no campo das Ciências Naturais podemos tentar definir o ser humano a partir de seus atributos biológicos físicos e químicos Essa é uma abordagem interessante pois inclui conhecimentos de outras áreas que não só as Ciências Humanas no debate sobre direitos humanos É importante que não se deixe apenas para as áreas das Ciências Humanas a carga da educação em direitos humanos pois ela deve ser sempre pensada transversalmente Na medida do possível recomendamos que sem pre se tente organizar projetos interdisciplinares e transdisciplinares para se trabalhar a EDH No que diz respeito às Ciências Naturais é possível dizer que sabemos que nós humanos e humanas somos animais mamíferos primatas bípedes da espécie Homo sapiens que surgiram há cerca de 300 mil anos Além disso somos cons tituídos de moléculas átomos e células ordenadas de uma maneira específica o que faz com que nos diferenciemos de outros seres por possuirmos um DNA também específico Esses conhecimentos jamais serão definiti vos e podem sempre se transformar Além disso com o avanço da tecnologia estão surgindo novas formas de intervenção na saúde e na vida humana Essas questões relacionadas à ética da vida e da saúde a Bioética impõem que pensemos em 21 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 como lidar com a clonagem a gravidez in vitro o uso de células tronco e outros tantos assuntos Sem contar outros temas bastante complexos como a eutanásia o aborto e as seleções genéti cas antes do nascimento Todos esses são temas que dizem respeito ao que é ser humano e aos direitos humanos Saiba mais Você conhece os princípios da bioética Toda atividade médica e de pesquisa deve sempre respeitar esses prin cípios autonomia beneficência nãomaleficência e justiça Eles também são parte do que entendemos por direitos humanos e têm o objetivo de garantir o respeito à dignidade Por isso todo o trabalho ou pesquisa que envolve a integridade física e psicológica das pessoas deve seguir esses princípios Para expandir seu reper tório sobre o tema indicamos a leitura da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco Aqui cabem também algumas questões será que esses princípios não deveriam ser respeitados também no tratamento de outros seres Deixamos essa reflexão para você e suas turmas Isso demonstra como os direitos humanos não estão distantes de nossas vidas e nem são garan tias eternas Pelo contrário estão inteiramente conectados ao dia a dia e à história do mundo Em outras palavras são construídos histórica e social mente A evolução da tecnologia gerará situações imprevistas para nós o que fará com que permane çamos constantemente discutindo sobre a extensão dos direitos humanos A próxima prática ajudará a trazer esse tema para a sala de aula Prática 3 Contribuições das ciências naturais Objetivo compreender como as áreas das ciências naturais contribuem no debate sobre a temática Sugestão de desenvolvimento 1 Explique à turma o que é ciência e como funciona o método científico nas ciências da natureza 2 Peça para que pesquisem como as ciências expli cam o ser humano através da química ex quais elementos fazem parte da composição humana da biologia ex qual o Reino Filo Classe Ordem Família Gênero e Espécie dos seres humanos da fisiologia e anatomia ex quais os tipos de células órgãos membros dos seres humanos Como ocorrem os processos de digestão respiração e circulação dos humanos ou outras 3 Peça para que pesquisem quais as diferenças entre seres humanos e outras espécies animais vegetais ou minerais seguindo os mesmos critérios utilizados 4 Considerando os conteúdos desta unidade per gunte à turma quais são os limites desses conceitos e por que podem não ser suficientes para explicar o ser humano em sua totalidade Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida nas disciplinas de Ciências em séries do Ensino Fundamental II ou nas disciplinas de Biologia e Química em séries do Ensino Médio Outras possibilidades Sugerir aos grupos que pesquisem quais foram as diferentes concepções de homem précientíficas présocráticos gregos baseadas nas ideias de ele mentos naturais comparandoas com as concepções científicas atuais Utilize essa atividade em conjunto com a Prática 1 Até agora tentamos refletir sobre o que é ser humano a partir do próprio ser pensando sem pre no indivíduo e no que o distingue de outros seres que existem no planeta terra Mas e se o que define o ser humano não está apenas em um indivíduo mas na relação entre vários E se o que nos define não forem nossos corpos nosso DNA nossa capacidade de pensar e de comunicar mas sim nossa cultura A perspectiva que apresentamos agora é a de que o ser humano pode ser entendido como um ser social ou cultural com habilidades únicas 22 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 como a capacidade de criar fogo por exemplo e que é definido através de sua experiência em comunidade Segundo uma visão da área das Ciências Sociais e Humanas poderíamos dizer que a espécie humana se diferencia anatômica e fisiologicamente através do dimorfismo sexual mas é falso que as diferenças de comportamento existentes entre pessoas de sexos diferentes sejam determinadas biologicamente A Antro pologia tem demonstrado que muitas atividades atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra LARAIA 2001 p 10 Assim o ser humano além de ser biologica mente diferente de outras espécies e de possuir uma forma de pensar única que a filosofia chama de racionalidade é também um ser que possui cultura e que se define a partir dela A ideia de que os humanos são sociais e culturais gera questões muito interessantes para serem tratadas no contexto educativo Podese por exemplo falar sobre a história do garoto Kaspar Hauser um menino que foi mantido preso por 16 anos com o mínimo de contato humano e depois foi solto por um homem desconhecido no meio da cidade de Nuremberg na Alemanha do século XIX Por ter crescido em isolamento Kaspar Hauser não sabia falar não sabia caminhar direito não sabia enfim se comportar social mente A vida de Kaspar Hauser é uma história que nos ajuda a refletir sobre a condição humana pois faltam a Kasper muitos dos elementos que apresentamos até aqui O que aconteceria com um ser humano que jamais conviveu com outros seres humanos Ele seria um novo ser Ou ainda seria humano ou humana A atividade que segue traz essa e outras narrativas que enriquecem nosso debate Prática 4 Cultura e diferenças Objetivo conhecer diferentes narrativas sobre a socialização humana e reconhecer a importância da cultura na constituição do ser humano Sugestão de desenvolvimento 1 Explique à turma o que é a compreensão do ser humano como ser cultural e social 2 Peça que pesquisem e apresentem alguma nar rativa relacionada ao tema fictícia ou não Podese utilizar a internet filmes quadrinhos livros músi cas jogos ou qualquer outro formato Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida na disciplina de Sociologia em séries do Ensino Médio Outras Possibilidades Algumas narrativas que podem ser disponibilizadas às turmas em formação são Rômulo e Remo Amala e Kamala Kaspar Hauser Mogli o menino lobo Tarzan Oxana Malaya Peter o selvagem Rochom Pngieng Victor de Aveyron Blanka do jogo Street Fighter O menino selvagem de Truffaut O quarto de Jack Um lobo na família O senhor das moscas Utilize essa atividade em conjunto com a Prática 1 Para complementar as atividades desta uni dade vale ressaltar que as diferentes religiões religiosidades e culturas trouxeram suas visões sobre o que é humano e quais suas origens Essas perspectivas são muito importantes para com preender a história da humanidade Nas seções seguintes você verá de forma mais aprofundada porque é importante conhecer essas outras for mas não hegemônicas de falar sobre os direitos humanos Por ora sugerimos que agregue a prá tica abaixo em sua ação educativa 23 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 Saiba mais Teorias hegemônicas são aquelas que exercem mais influência e às vezes dominação em nossa cultura e forma de pensar Quando se trata de direitos humanos a perspectiva ocidental é a hegemônica Mas há auto res como o indiano Amartya Sen 1997 que sugerem que princípios que hoje entendemos como de direitos humanos como a liberdade e a tolerância já estavam presentes em culturas orientais há muito tempo como por exemplo no budismo Prática 5 Diversidade de perspectivas Objetivo conhecer diferentes perspectivas sobre a temática Sugestão de desenvolvimento 1 Sugira à turma que pesquisem as concepções de ser humano em diferentes religiões e religiosidades ou mitos e lendas de diferentes culturas A pesquisa pode ser feita através de material trazido pelo pro fessora ou a partir do interesse e curiosidade do grupo ou alunoa 2 Aproveite essa atividade para explicar a importân cia da pesquisa e das fontes como usar a internet por exemplo 3 Apresentar para a turma ou em texto o assunto pesquisado e debater Direcionamento Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida nas disci plinas de Ensino Religioso e História em séries do Ensino Fundamental II ou nas disciplinas de Ciências Humanas em séries do Ensino Médio Outras possibilidades Utilize essa atividade em conjunto com a Prática 1 O filósofo Karl Jaspers nos dá uma síntese do que foi dito até aqui Para ele o ser humano é ao mesmo tempo um ser constituído de matéria e pertencente à natureza e por ser racional atuante e criador é também um ser pertencente à História à qual gera ao mesmo tempo em que é criado por ela Assim como Laraia citado anteriormente é possível perceber em Jaspers o papel que a cul tura para ele denominada História tem para diferenciar os seres humanos de outras espécies Apesar de todas essas definições ainda assim é impossível ter um consenso sobre o que é ser humano Por exemplo a filosofia antiga apontava a racionalidade e a capacidade de falar como características essencialmente humanas Mas será isso suficiente Uma pessoa que sofre um acidente e perde a capacidade de falar ou fica com as capacidades cognitivas prejudicadas ou em estado de coma deixa de ser humana Ou se cientistas descobrirem uma espécie de animal capaz de falar esse animal será um humano E um indivíduo que nasce com uma alteração em sua genética não é humano E se um primata desen volver uma habilidade exclusivamente humana como fazer fogo por exemplo a concepção de humano terá que ser alterada Essas questões nos mostram que há algo muito mais complexo na experiência de ser humano pois mesmo todas essas definições soma das não são capazes de explicar o todo Além disso elas podem mudar a qualquer momento A história ao mesmo tempo em que contribui com o nascimento de grandes mentes que ajudam na inalcançável tarefa de definir o humano tam bém assume o papel de trazer novos elementos que reconfiguram a questão e demandam novas explicações Uma das características da humani dade talvez seja a impossibilidade de limitar o ser humano com simples definições Chegamos então a um ponto crucial Na falta de definições biológicas históricas socio lógicas antropológicas e filosóficas que deem conta de definir de uma vez por todas o que é ser humano podemos recorrer a um conceito que de certo modo abrange todas essas áreas Tratase da ideia de dignidade Certamente a ideia de dignidade não nos traz resposta às questões levantadas até aqui mas nos dá um direciona mento para irmos além Ela nos diz que indepen dentemente do que seja um ser humano todo ser 24 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 humano tem dignidade e deve ter sua dignidade respeitada Sendo assim é a partir da ideia de dignidade e não da ideia de ser humano que poderemos definir o que são direitos humanos Os direitos humanos são os direitos que garantem dignidade à vida humana e tudo aquilo que for necessário para a dignidade é ou poderá vir a ser um direito humano A humanidade é composta por adultos e adultas crianças idosos e idosas de diferentes etnias crenças religiões orientações sexuais gêneros ideologias alturas pesos formas de pensar de agir de se vestir de falar de se com portar de se manifestar de viver A diversidade é inerente à condição humana Respeitála é neces sário a fim de promover e nutrir a convivência De tudo o que dissemos até aqui talvez esse seja o ponto mais importante Diante disso a questão que importa responder é o que pode auxiliar a humanidade a alcançar o verdadeiro respeito à dignidade humana A resposta que apresen taremos a seguir passa pela ideia de direitos e finalmente de direitos humanos Para chegar lá passaremos agora por outras áreas muito pecu liares dos seres humanos os costumes as regras e o Direito Para aprofundar O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos possui uma série de materiais didáticos sobre DH destinados a todas as etapas da educação Essa unidade teve como inspiração algumas das atividades presentes nesses materiais Você pode acessar esses materiais em inglês e espanhol pelo link httpswww ohchrorgENPUBLICATIONSRESOURCESPages TrainingEducationaspx O cineasta e documentarista alemão Werner Herzog adaptou ao cinema a história de vida de Kaspar em 1975 tendo recebido o Prêmio Grand Prix do Festival de Cinema de Cannes no mesmo ano pela película segundo prêmio em importância No mesmo ano também foi selecionado como filme estrangeiro representante da Alemanha Ocidental para a premiação do Oscar apesar de não ter sido nomeado para o páreo O enigma de kaspar hauser direção Werner Herzog 1974 109 min Fonte Imagem httpsuploadwikimediaorgwikipedia pt55aOEnigmadeKasparHauserjpg PARTE 2 O QUE É O DIREITO Alguns conceitos O Direito nasce dos humanos por eles foi gestado criado e nutrido O Direito só adquire sentido na interrelação dos seres humanos e suas instituições O jurista Paolo Grossi 2005 p 7 defende que é impossível pensar o Direito sem as pessoas já que ele não é composto de fenômenos da natureza como a física a biologia e a química mas é construído pelas pessoas Essa é uma noção basilar do que se entende por Direito atualmente Onde quer que haja reunião e cole tivos humanos existe alguma noção referente à organização social Logo ainda que não sejam chamados de Constituição Código ou Leis haverá em qualquer sociedade humana certas regras ou comportamentos ou relações ou acordos ou 25 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 morais que devam ser minimamente seguidos ou observados independentemente da forma pela qual são transmitidos escritos oralmente etc O Direito representa aquilo que se pode ou não fazer segundo as regras que a sociedade em questão tem como hegemônica ou dominante É um dos sinais de que os seres humanos há muito tempo se juntaram em grupos e precisaram defi nir entre outras coisas como seria a convivência e qual seria o papel de cada indivíduo em relação ao grupo Para tanto normas e regras foram sendo estabelecidas a fim de ordenar o convívio em coletividade Partindo desses pressupostos entendemos que toda a sociedade possui alguma forma de organização social correspondente No caso da sociedade moderna capitalista cuja existência e sentido foram construídos ao longo da História e não natural ou divinamente estabelecido o Direito adquire um status de importância na materiali dade e sentido que nossas instituições e relações tomaram É neste longo processo que remonta ao século XV para a discussão aqui proposta que se faz necessário posicionar o Direito como o conhecemos em seu formato atual o Direito também como uma construção histórica Outra característica que se depreende dessa discussão é a sociabilidade da qual depende e necessita o Direito Em outras palavras o Direito só existe e se desenvolve na relação entre as pessoas e nas ins tituições por elas criadas Poderíamos conceber a existência do Direito Penal Civil ou Tributário sem haver pessoas contra quem invocamos o Direito e suas instituições Com esta breve introdução podese resumir aqui três proposições 1 O direito é uma criação humana 2 O direito pertence à História 3 O direito emerge na relação entre sujeitos e é no convívio humano que ganha sentido Vejamos uma prática que pode ajudar suas turmas a entender como acordos podem surgir das relações sociais Prática 6 Criando o Direito Objetivo provocar a reflexão acerca da interpre tação e cumprimento das regras Materiais bexigas barbantes Sugestão de desenvolvimento antes de iniciar a explicação da atividade para a turma converse em segredo com um aluno ou aluna explique como se desenvolverá o trabalho Peça a ele ou ela que ao seu sinal tente fazer com que os demais não estourem as bexigas mas só depois de ter decorrido 1 minuto da atividade Essa pessoa representará o Direito 1 Afaste as carteiras e deixe um espaço no centro da sala que permita o livre deslocamento dê uma bexiga e um pedaço de barbante 30cm para cada participante 2 Peça aos participantes que façam um círculo em pé encham suas bexigas e as amarrem em seus tornozelos 3 Indique a seguinte regra quem resistir 2 minutos com a bexiga cheia vence Não diga nada sobre estourar as bexigas dos outros participantes deixe que interpretem como quiserem Os participantes tendem a começar a estourar as bexigas uns dos outros Terminados os 2 minutos trabalhe os seguintes questionamentos e outros que considerar apropriados Por que estouraram os balões ou por que não estouraram Era possível que todos ganhassem se ninguém estou rasse o balão alheio De onde tiraram a ideia de estourar Qual a relação dessa dinâmica com o direito A pessoa encarregada de representar o Direito foi ouvida Se ela fosse ouvida o que mudaria Direcionamento Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida na disciplina de Educação Física ou em outra qualquer tanto em turmas do Ensino Fundamental II quanto do Ensino Médio 26 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 UM POUCO DE HISTÓRIA Existem muitas teorias sobre a origem da palavra direito Directum é o termo latino que pode ter dado origem ao conceito pois significa direito reto MONTORO 2000 p 33 o que não se desvia SILVA 2014 p 718 Não se pode precisar desde quando mas há muito na história da humanidade existem regras preestabelecidas escritas ou não que definem como as pessoas devem se conduzir porém é importante com preender como isso procedeu Conforme aponta o historiador Fustel de Coulanges 2004 o Direito das sociedades anti gas grecoromanas era compreendido não como obra dos legisladores mas sim como expressão da vontade divina praticado e construído esponta neamente pelas e nas famílias Ao mesmo tempo as leis ou códigos que regiam essas sociedades se confundiam com os mesmos princípios que constituíam a família Nas sociedades gregas e itálicas antigas por exemplo três elementos se encontravam em estrita consonância a religião doméstica a família e o direito de propriedade Importante ressaltar que a própria noção de reli gião já se utilizava da ideia de propriedade que era por sua vez amparada pelas normas que regiam aquela sociedade Entre o solo a família e o altar criavase uma forte noção de propriedade e de pertencimento àquele pedaço específico de terra COULANGES 2004 Nessa mesma perspectiva do desenvolvi mento da ideia de Direito outro aspecto impor tante é que os seres humanos em sociedade por serem criadores de cultura deixam às gerações posteriores práticas usos ritos e costumes que vão sendo transformados e aceitos como regras e normas o que juristas e historiadores passam a chamar de direito de costumes ou direito con suetudinário Os costumes eram resultados de hábitos e usos que um indivíduo ou grupo pos suía e que de diversas formas quer seja pela religião tradição oral ritos práticas de trabalho caça e cultivo etc passavam não apenas para seus descendentes mas para outros membros da comunidade Com o tempo tornavamse práticas obrigatórias ou mais adequadas para a reprodução da vida naquela sociedade É certo que as castas privilegiadas grupos dominantes ou a aristocracia determinaram frequentemente quais tradições deveriam permanecer e quais deveriam pere cer Esse período é mais comumente associado a ausência de códigos e leis escritas da forma como conhecemos hoje Com o tempo e o desenvolvimento da escrita muitos desses costumes passaram a ser escritos servindo de base para se tornarem leis A difusão e o aprimoramento da técnica de escrever somada à compilação desses costumes e ao direito consuetudinário proporcionaram os primeiros códices manuscritos da Antiguidade a coletânea de normas e regras de Hamurábi da Babilônia do século XVIII aC o código de Manu considerado o pai da humanidade na cultura indiana e o mais antigo legislador do mundo que escreveu suas leis entre 1300800 aC a Lei das XII Tábuas de 450 aC publicadas pelos magistrados romanos a fim de amenizar as insatisfações plebeias do período Esses são alguns exemplos dessas codificações Contudo conforme aponta o jurista Antô nio Carlos Wolkmer 2006 esse mesmo Direito além de sua fixação escrita reproduziase majori tariamente através da tradição oral e mesclavase com preceitos civis religiosos e morais como é o caso dos códigos citados anteriormente o que para nossa sociedade atual configura um anacronismo A palavra lei assim como a palavra Direito também não possui consenso sobre seu surgi mento mas uma das possibilidades é que a sua origem esteja no termo latino legere que é enten dido como o que está escrito SILVA 2014 p 1258 Nessa perspectiva hábitos tornaramse costumes e esses costumes foram escritos para que todos pudessem ler e garantidos por alguma instituição tornaremse lei Wolkmer 2006 p19 sintetiza houve três grandes estágios de evolu ção o direito que provém dos deuses o direito confundido com os costumes e finalmente o direito identificado com a lei 27 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 Prática 7 As regras do grupo Objetivo promover uma reflexão sobre os costu mes e hábitos e produzir um código de costumes e regras para o grupo em formação Sugestão de desenvolvimento 1Peça ao grupo que faça um levantamento dos hábitos e costumes presentes na turma Como as pessoas se relacionam O que dá certo nas relações O que dá errado Esses costumes podem virar regrasacordos de convivência da turma Existem regrasacordos da turma ESCRITOS que não são respeitados Por que isso acontece 2A partir desse levantamento redijam em conjunto os novos Direitos e Deveres da sala a partir do que já funciona e do que precisa ser melhorado 3Peça para que repliquem essa tarefa em casa Antes de passarmos ao nosso último item vamos destacar duas correntes do Direito cujo embate forneceu as bases para o sistema jurídico como conhecemos hoje o direito positivo ou o juspositivismo e o direito natural ou o jusnatu ralismo De acordo com o jurista Norberto Bobbio podemos elencar seis critérios de distinção entre o jusnaturalismo e juspositivismo 1 o primeiro é universal enquanto o segundo tem validade local 2 o direito natural é divino imutável e o direito positivo é histórico mutável 3 a fonte do direito natural são os deuses as regras religiosas e eternas já as fontes do direito positivo são a sociedade as instituições e a lei 4 o direito natural é conhecido através da razão inerente ao ser humano como obra divina ao passo que o direito positivo é conhecido através da von tade dos outros promulgado pela sociedade cuja expressão primeira são os teóricos políticos contratualistas 5 o jusnaturalismo entende os comportamentos e as ações que regula como bons ou maus em si mesmo enquanto que o jus positivismo os classifica como legais ou ilegais sem uma valoração primeira 6 por fim o direito natural estabelece aquilo que é bom adequado aos valores divinos enquanto o direito positivo estabelece aquilo que é útil a sociedade BOB BIO 1995 Na busca por aquilo que é justo muitas vezes no passado a resposta foi encontrada na natureza ou seja naquilo que já estava posto no mundo Aquilo que era considerado certo ou errado não era criação humana era uma lei universal Importante salientar que a noção de Direito natural esteve sempre pautada em pre ceitos religiosos Hugo Grócio 2014 p 182 jurista holandês e um dos principais estudiosos do direito natural no período Moderno definiu o jusnaturalismo como um atributo da razão capaz de enquadrar determinado ato humano como moralmente reprovável ou não O valor do justo e moral deveria estar em consonância com Deus criador da natureza A essa forma de pensamento deuse o nome de jusnaturalismo Mesmo após tantos séculos de teorias e debates sobre o tema e apesar da predominância atual do juspositivismo não é possível dizer que o assunto já está esgotado ou resolvido existindo correntes jusnaturalistas dentro do direito até hoje e os próprios Direitos Humanos se valem de noções universais para se afirmar Nesse caso a ideia de direito natural não se justifica mais apenas em uma noção de divindade mas na acei tação de que o simples fato de ser humano de ter dignidade implica ter direitos O respeito à dignidade materializado no Direito independe de condições sejam religiosas políticas econômicas ou sociais Por isso a importância de destacar essas duas correntes para a compreensão do nosso tema Passamos agora para a compreensão do direito na atualidade O DIREITO NO CONTEXTO ATUAL Para situar o Direito nos dias de hoje é pre ciso entender como outro elemento o Estado passou a fazer parte dessa tríade que reúne sociedadeindivíduos direito e Estado A esta tização do Direito ou seja a impossibilidade de se pensar o Direito sem pensar em Estado é segundo Grossi 2005 p 34 consequência da Revolução Francesa de 1789 que possibilitou a 28 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 consolidação da lei como expressão da vontade geral apoiada pelas noções iluministas do con tratualismo séc XVII e XVIII representadas por figuras como Hobbes Locke e Rousseau impor tantes teóricos iluministas do Estado É a partir daí que o Direito passa gradual mente a ser discutido e definido na sociedade agora por meio da representatividade eleitoral ou estamental e indissociável do aparelho do Estado que define o que é permitido proibido ou obrigatório e se propõe a regular e organizar as relações sociais Em outras palavras o Direito é instrumentalizado pelo Estado Será na França de Napoleão 17991815 que surgirão as primeiras codificações do Direito como se conhece hoje Código Penal Código Civil Código Tributário por exemplo modelo que será utilizado mundial mente nos séculos seguintes Com isso chegase uma quarta proposição 4 O direito está originariamente na socie dade não no Estado Prática 8 Juridiquês Objetivo ter contato com as normas e os códi gos escritos assim como ter noção da linguagem específica e das dificuldades de compreensão que o mundo do direito apresenta Sugestão de desenvolvimento Juridiquês é a maneira informal de designar o tipo de palavras e conceitos usados quando se fala sobre direitos e leis Apresente alguns textos legais para a turma e deixe que percebam quais as dificuldades de leitura e porque elas ocorrem Peça para que reescrevam com uma linguagem mais acessível alguns artigos dessas leis e apresentem para turma a versão original e a nova Discuta sobre porque o poder legislativo produz textos complexos e se poderia ser diferente Tentar escrever em Juridiquês as regras da turma e questionar Ficou mais difícil ou mais fácil de entender Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvolvida nas disciplinas de Língua Portuguesa História e Língua Estrangeira Moderna tanto em turmas do Ensino Fundamental II quanto do Ensino Médio Outras Possibilidades Comparar constituição de 1824 e 1988 e perceber os contrastes da lín gua portuguesa do século XIX e do século XX Utilize essa atividade em conjunto com a Prática 8 Aqui vale ressaltar a título de curiosidade que a compilação jurídica ordenada por Justiniano imperador bizantino que governou entre 527 e 565 dC resultou em quatro livros Institutas material voltado para o estudioso de Direito Pandectas e Digesta jurisprudência do período clássico romano Codex reunião das constituições imperiais romanas que posteriormente foram chamados por um estudioso do século XVI de Corpus Juris Civilis Outros códigos de normas e regras também existiam no continente ameri cano como o código asteca apenas um exemplo dentre outros acerca da existência de regras de convívio e conduta social para além da sociedade europeia ocidental Como vimos a história do Direito está muito ligada à história da humanidade Os temas apre sentados dizem respeito à forma como o ocidente desenvolveu seu pensamento jurídico mas isso não quer dizer que outros povos não tivessem também uma forma própria de definir o certo ou errado o justo ou injusto ou qualquer outro tipo de ação sensação ou sentimento para apa ziguar os conflitos que surgiam em suas comuni dades Conhecer essas outras formas de fazer o Direito é essencial para que se possa compreender ainda mais o que foi tratado no tópico anterior o que é humano Por fim sabese que os direitos não são iguais em todo o mundo Cada país possui seu conjunto de códigos leis e normas Porém alguns processos e episódios da história fizeram com que se considerasse importante que alguns direitos 29 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 fossem proclamados comuns e inerentes a todos os seres humanos esses são os Direitos Humanos tema da nossa próxima seção Para aprofundar A DH Net é uma rede eletrônica sem fins lucrativos e também um site na internet criado em 1995 funcionando tanto como uma enciclopédia digital das temáticas de cidadania e direitos humanos quanto como um ponto de encontro entre diversas organizações da sociedade civil Você pode encontrar diversos textos estudos pesquisas e materiais diversos que podem ser acessados gratuitamente Por exemplo todos os códigos citados anteriormente e muitos outros podem ser lidos inte gralmente e com tradução Convidamos vocês leitores e leitoras a visitarem o site httpwwwdhnetorgbr e navegarem PARTE 3 O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS Uma breve recuperação sóciohistórica O que nos interessa aqui é propor uma breve discussão histórica e apresentar alguns dos documentos que serviram de base para a criação do que hoje conhecemos por Direitos Humanos nas sociedades modernas ocidentais Veremos quais foram e quais são hoje os fundamentos jurídicos da proteção da dignidade da pessoa humana Com isso completaremos esta primeira aproximação da temática e esperamos alcançar o objetivo de contribuir com a educação sobre direitos humanos Saiba mais A Magna Carta de 1215 na Inglaterra selou o conflito entre o rei João também conhecido como João Sem Terra a nobreza e o clero Ambos desejavam ter seus direitos assegurados independente do monarca em troca da cobrança de impostos pela coroa Dentre suas principais medidas estava a de reconhecer as liberdades eclesiásticas separando o poder papal do poder régio o reconhecimento que a justiça não é pro priedade do monarca e a limitação legal do confisco real de propriedade privadas Outro documento também inglês mas agora do século XVII foi a Declaração de Direitos também conhecida como Bill of Rights de 1689 Foi elaborada a fim de conter crescentes insatisfações populares relacionadas à monarquia e ao conflito entre católicos e protestantes Esse documento pôs fim ao poder absoluto do monarca atribuindo os poderes de legislar e criar tributos por exemplo ao Parlamento representantes eleitos Essa foi a condição para que Guilherme III Príncipe de Orange fosse alçado ao trono da Inglaterra Voltemos para o século XVIII mais preci samente para 1776 no dia 4 de julho ano da Declaração de Independência dos Estados Unidos A história da colonização norteamericana já trazia em sua origem prenúncios de que este povo não se submeteria por muito tempo à restrição das liberdades individuais e aos privilégios da nobreza amparados pela coroa inglesa Os movimentos iniciais de colonização inclusive já estavam mar cados pela ideia da busca de liberdade de culto e religião já que muitos dos primeiros colonos eram perseguidos por serem dissidentes do angli canismo religião oficial do reinado britânico Encontravase ameaçada as posses de Jaime III e do Parlamento britânico no continente americano Na base da Declaração de Independência dos Estados Unidos estavam 1 a reivindicação por liberdade sobretudo para empreender já que o reino inglês estabelecia os limites do que os colonos poderiam fazer em termos de comércio 2 o respeito ao direito à autodeterminação dos povos 3 e o respeito à igualdade entre todos os homens ainda que se tenha suprimido o trecho relativo ao mal da escravidão Nesta declaração a menção e invocação dos direitos universais de todos os homens foi a visão adotada e recuperava a Declaração de Direitos da Virgínia de 12 de junho que avançava para uma concepção mais particularista dos direitos humanos trazendo uma lista de direitos específicos como a liberdade de imprensa e a liberdade de opinião religiosa além 30 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 de fornecer as bases para a Declaração de Inde pendência e da Constituição dos Estados Unidos HUNT 2007 p75 Esses ideais ajudaram a fundar uma nova ordem social e estabeleceram o que veio a se tornar a primeira democracia moderna Voltando à Europa ainda no final do século XVIII a França vivia sob uma monarquia absolu tista Contudo à época já eram muito influen tes as ideias iluministas que defendiam a razão pondo em xeque o pensamento baseado em crenças religiosas e no misticismo o poder cen tralizado na figura do monarca e a ausência de liberdade e de igualdade O surgimento dos bur gueses enquanto classe social significativa põe em xeque a ordem social baseada no feudalismo Nesse contexto de antagonismo entre o regime de poder e os ideais de fortes setores da socie dade iria eclodir a Revolução Francesa cujo maior símbolo foi a queda da Bastilha onde estavam presos políticos em 14 de julho de 1789 Podemos destacar também que os conta tos entre teóricos políticos e intelectuais fran ceses e americanos era muito estreito Entre os anos de 1776 e 1783 declarações americanas entre elas a da Independência foram traduzidas do inglês para o francês HUNT 2007 p79 Logo ainda que separados espacialmente pelo oceano atlântico as influências iluministas puderam ser sentidas nos EUA e viceversa Aquela sociedade profundamente desigual composta basicamente por três grupos sociais clero nobreza e povo camponeses empregados domésticos artesãos pequenos comerciantes desempregados operários etc daria um basta ao poder absoluto do rei exigindo maior par ticipação política e a superação das profundas desigualdades sociais política e econômicas Foi com este pano de fundo que foi editada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cida dão a partir do slogan Liberdade Igualdade e Fraternidade Esse texto ao longo dos anos deu origem às Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão e das Constituições francesas de 1792 1793 e 1795 para permanecermos no século XVIII Esses outros documentos foram se reconfi gurando conforme se estabelecia a luta de poder entre os grupos que constituíam a Assembleia Nacional assim como expressava a luta entre as classes burguesa e monárquica do período Pressionado pelas crises da colheita pela fome que se alastrava pelas pressões do campo e da cidade pelos ataques de camponeses assa lariados burgueses artesãos e outros tantos gru pos insatisfeitos com as condições de vida gerais em comparação com a opulência da aristocracia pelas crises fiscais e inflação pelas crises políticas pelos gastos desenfreados da corte todas ao mesmo tempo o rei Luís XVI concorda em fazer algo que não era feito desde 1614 a convocação dos Estados Gerais Os Estados Gerais eram uma espécie de parlamento que antecedeu a Assembleia Nacional francesa e a realização de eleições dos deputados de cada um dos três estados clero nobreza e povo comum para decidirem os rumos políticos e legislativos do reino francês O envolvimento dos franceses na Guerra de Independência dos Esta dos Unidos e as derrotas e territórios perdidos na Guerra dos Sete Anos contra a Inglaterra 1756 1763 foram importantes fatores para revoltar a burguesia e amplos setores do campo A título de curiosidade somente no ano de 1785 50 do Tesouro Nacional do reino de Luís XVI era destinado a pagar juros TRINDADE 2011 p43 Em diversas regiões grupos se reuniam e escreviam suas declarações exigindo seus direi tos e listando suas numerosas queixas tendo o rei como destinatário O clima do momento era de que uma grande mudança política e social deve ria tomar forma Os Estados reunidos sentiram a urgência das ruas e dos campos e com eles os deputados do Terceiro Estado acompanhados por deputados clericais em junho de 1789 se declararam independentes dos Estados Gerais e por consequência do regime monárquico e convocaram uma Assembleia Nacional forçando a deliberação sobre uma carta de direitos que ins tituísse uma nova ordem social política e jurídica O grupo majoritário a ordem dos camponeses e trabalhadores assalariados pequenoburgueses e comerciantes pequenos proprietários e arren 31 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 datários apesar de muito mais numerosa tinha apenas ⅓ das cadeiras e exigia representação proporcional assim como a unificação dos Esta dos Gerais demandas que retiravam o poder das mãos da nobreza e do clero em números abso lutos muito menores mas com grandes poderes concentrados Um fato importante a salientar é que a Declaração francesa tinha a pretensão de ser uma declaração universal isto é voltada para todas as pessoas apesar de seu conteúdo ser declaradamente burguês A declaração continha em diversos de seus artigos um forte caráter social pois abominava qualquer tipo de desi gualdade formal entre os cidadãos Havia por outro lado uma noção muito consolidada de pro priedade de segurança pública e de resistência à opressão voltada à proteção daquilo que as classes dominantes possuíam Por isso é possível dizer que a igualdade que se passava a defender era de direitos e não de recursos Apesar disso também foi essa declaração que introduziu os valores da fraternidade e solidariedade na esfera social os quais passariam a ter mais relevância nas lutas e movimentos sociais dos séculos seguintes XIX e XX Na sequência houve a publicação de várias outras declarações e cartas de direitos e foi for mada uma Assembleia Nacional Constituinte que produziu em 1791 a primeira nova Constituição proclamada pela Revolução É importante desta carmos outras omissões observadas o sufrágio universal sequer é mencionado o voto é censi tário a igualdade entre homens e mulheres não foi garantida o colonialismo francês não fora criticado a escravidão foi mantida nas posses alémmar o direito ao trabalho não foi enten dido como tal entre outros fatores TRINDADE 2011 p5963 É válido percebermos como uma declaração escrita há mais de dois séculos con tém elementos hoje ainda fundamentais e atuais assim como é igualmente crucial percebermos o que ela não contém suas lacunas e limites Saiba mais Maria Gouze 17431793 foi uma escritora dramaturga ativista política e feminista filha de um açougueiro e uma lavadeira que ao longo de sua vida se notabilizou pelos seus escritos sob o pseudônimo de Olympe de Gouges 17481793 Foi ela quem em 1791 elaborou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã para ser apresentada à Assembleia Nacional e aprovada nos mesmos termos que a declaração de 1789 mas que se referia somente aos homens e cidadãos Em 1793 foi guilhotinada segundo seus executores por defender uma monarquia moderada Para ler a declaração na íntegra basta acessar o link httpwwwdhnetorgbr direitosanthistmulhereshtm Esta breve síntese serviu para apresentar mos um ponto de partida para compreender a construção histórica dos Direitos Humanos a partir das declarações estadunidense e francesa mas devemos destacar que há autores que se utilizam de outros documentos e momentos que julgam mais significativos Como mencionado anterior mente inúmeras outras demandas foram trans formadas em documentos cartas constituições etc assim como existiram diversos outros textos antes e depois desses dois exemplos Sugerimos aos leitores e leitoras que pesquisem outros docu mentos para enriquecer ainda mais a compreen são sobre a dignidade da pessoa humana O objetivo até aqui foi o de demonstrar que o conceito de direitos humanos é fruto de um complexo processo de transformação do mundo ocidental ao longo de séculos É preciso saber que os fatos históricos não se sucederam e nem se sucedem linearmente e muito menos são encadeamentos já prédeterminados para che gar aonde nós nos encontramos hoje Por esta razão esses fatos têm que ser compreendidos como resultado de lutas intensas por fazer valer determinados interesses sobre outros muitas vezes sangrentas para defender ou recusar os privilégios de determinados estamentos sociais ou para impor uma nova ordem social 32 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Da forma como utilizamos a expressão Direitos Humanos é bem recente na história Nos séculos anteriores era muito comum se referirem aos direitos universais através de outras desig nações que compreendiam outros significados e concepções Saiba mais Outros documentos importantíssimos foram criados ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX A Convenção de Genebra de 1864 produziu um corpo de leis e regras inaugurando aquilo que viria a ser chamado de direito humanitário internacional gérmen histórico das organizações internacionais entre nações Prestouse principalmente a estabelecer proteções a soldados doentes e feridos e civis em situações de guerra Primeiramente foi um acordo assinado somente por nações europeias Outras convenções como a de Haia de 1907 e a de Genebra de 1929 foram realizadas no sentido de aprimorar tais proteções Já no México em 31 de janeiro 1917 após décadas de reeleições con testadas de Porfirio Díaz no poder desde 1876 como um presidenteditador se proclamava uma constituição que ficou reconhecida pela extensão da universalidade de direitos civis e políticos para todos e todas pela incorporação de direitos sociais e econômicos Para os nossos propósitos o termo e seu conteúdo atual se consolidou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH A DUDH foi fruto de uma ação coordenada da Organiza ção das Nações Unidas ONU cujo objetivo foi o de estabelecer uma carta jurídicofilosófica de princípios para servir como norte das rela ções internacionais e da relação dos Estados com seus cidadãos baseandose sempre na liberdade igualdade e dignidade fundamentais de todos os seres humanos O que gerou esse documento foi o contexto conflituoso da primeira metade do século XX e sobretudo as consequências e os horrores da Segunda Guerra Mundial A DUDH buscou estabelecer mesmo que simbolicamente que a humanidade como um todo compartilha alguns valores comuns os quais foram descritos em seus trinta artigos Inicialmente 56 países participaram das reuniões que estabeleceram o texto base da DUDH Em 10 de dezembro de 1948 ela foi apro vada por 48 paísesmembros da Organização das Nações Unidas dentre eles o Brasil Nessa ocasião os direitos humanos passaram a compreender diversas demandas históricas da sociedade A divisão mais comum separa os direitos humanos em direitos políticos e civis e direitos sociais culturais e econômicos Nunca na história todas essas áreas foram consideradas como essenciais para uma vida digna É importante lembrarmos que dentre os países que saíram vencedores na guerra Estados Unidos da América EUA e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS aglutinavam e for mavam cada qual um bloco de influência políti coeconômica As bases da Guerra Fria estavam sendo erigidas neste momento e tais reorgani zações dos centros de poder do mundo também se encontrava presente nas reuniões a respeito da DUDH e de seu conteúdo Como exemplo a noção de propriedade defendida pela maioria dos países se chocava com a noção de propriedade que a URSS pretendia favorecer Entre os países que não assinaram a declaração em 1948 estavam a URSS e os países sob influência soviética do período além de Arábia Saudita e África do Sul todos membros da ONU à época Atualmente a totalidade dos 193 países que fazem parte da ONU são também signatários da DUDH Mas o que tudo isto significa na prática Quando cada país assinou a DUDH ele se compro meteu a elaborar suas respectivas Constituições Códigos Leis órgãos públicos e instituições tendo por base os princípios contidos na declaração Em alguns países a redação de tais direitos é muito parecida com a redação que podemos ler na DUDH No caso do Brasil no art 5º da Consti tuição Federal de 1988 é possível notar a presença do conteúdo dos direitos humanos enumerados na declaração É diretamente por meio da Cons tituição Federal de 1988 portanto e não por meio da DUDH que o povo brasileiro pode exigir 33 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 a garantia e efetivação de tais direitos Lembrese que a DUDH não carrega em si a força de lei ou seja a capacidade de movimentar o aparato do Estado para fazer cumprir a norma Basta pensar caso um Estado não cumpra os direitos humanos quem irá obrigálo Entretanto o fato de a DUDH não ter força de lei não significa que não existam outras formas de reivindicar o respeito aos direitos humanos por meio dela Existem cortes internacionais que julgam países e os consideram culpados o Brasil já foi sentenciado em nove casos na Corte Inte ramericana de Direitos Humanos sobre diversos crimes cujas penas são reparações e recomen dações que devem ser levadas a cabo pelo pró prio Estado considerado culpado O problema das cortes internacionais é que caso um Estado não cumpra com a devida aplicação dos direitos humanos caímos novamente na mesma questão quem irá obrigálo Esse é o limite da Corte Inte ramericana e na verdade um limite do próprio direito internacional pois o respeito à soberania de cada país ainda é um preceito bastante forte Por isso uma vez que nossa Constituição car rega dentro de si os mesmos direitos e princípios que constam da DUDH cabe às instituições do país garantir os direitos humanos e cabe a nós enquanto cidadãos e cidadãs reivindicar per manentemente frente a essas instituições que nossos direitos sejam respeitados assegurados e ampliados a todos e todas Em suma a DUDH é o documento que sin tetiza o que se entende por Direitos Humanos no mundo contemporâneo A partir dele dezenas de outros pactos declarações e convenções cada vez mais específicas foram criadas e se multiplicaram ao longo do século XX Dois de grande relevância foram publicados em 16 de dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômi cos Sociais e Culturais Ambos desenvolveram e detalharam os direitos que constavam na DUDH Outro foi a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 também conhecida como o Pacto de San José da Costa Rica cujo tratado foi construído pelos membros da Organização dos Estados Americanos OEA e entrou em vigor em 1978 estabelecendo uma série de instituições de direito internacional humanitário como fala remos adiante Ainda poderíamos citar a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos em 1981 fruto de uma reunião em Nairóbi Levando em consideração o contexto histórico de libertação dos países africanos da dominação imperialista direta que se inicia na década de 1950 e também os conflitos e guer ras civis que se instauraram e se prolongavam a Carta inovou ao assegurar a autodeterminação dos povos autóctones para além do conceito de nação e cidadania assegurando o direito à dife rença em outras palavras à identidade cultural Na seara ambiental e ecológica é a primeira carta a afirmar os direitos dos povos à preservação do equilíbrio ecológico revelando uma preocupação ambiental que crescia desde a década de 1970 Passemos a uma atividade para firmar os conhecimentos Prática 9 O que são Direitos Humanos Objetivo compreender o conteúdo dos direitos humanos e discutir até que ponto eles são garan tidos ou não Sugestão de desenvolvimento Quais direitos todos devem ter sem exceção Proposta de redação 1 Crie um quadro com duas colunas dividindo entre o que são direitos humanos e o que não são direitos humanos 2 Peça à turma para preencher essas duas colunas com base na sua percepção inicial 3 Depois das contribuições discuta cada posição verificando se o que eles afirmam como direitos são respeitados Use como apoio a DUDH disponível no site httpswwwuniceforgbrazildeclaracao universaldosdireitoshumanos 34 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 Outras Possibilidades Peça à turma que entrevistem e anotem o que parentes amigos vizinhos entendem por Direitos Humanos e realize uma apresentação dos resul tados no grupo Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal essa atividade pode ser bem integrada e desenvol vida nas disciplinas de Língua Portuguesa e Artes tanto em turmas do Ensino Fundamental II quanto do Ensino Médio Agora que temos uma compreensão bas tante atual dos direitos humanos podemos seguir analisando outros desdobramentos Daqui em diante sempre que você for tratar de DH é muito importante lembrar que enquanto um conjunto de princípios e valores os DH possuem caráter histórico Isto é ao longo do tempo ocorreram mudanças muito significativas seja do ponto de vista de sua abrangência as questões relativas aos refugiados por exemplo não se colocavam antes da metade do século XX seja do ponto de vista do monitoramento às violações dos Direitos Humanos a criação do Tribunal Penal Interna cional da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana dos Direitos Humanos são alguns dos exemplos de institui ções originadas pela necessidade de monitorar e punir as violações que ocorrem no continente americano Na próxima seção apresentaremos alguns dos principais marcos jurídicos criados para promoção dos direitos humanos no Brasil OS PRINCIPAIS MARCOS JURÍDICOS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL A política nacional de direitos humanos foi adotada no Brasil de forma mais definida a partir de 1985 e com maior contundência a partir de 1995 no governo do expresidente Fernando Henrique Cardoso quase meio século depois da DUDH É nos anos 19601970 que as primeiras comissões de direitos humanos são formadas para institucionalizar o combate à violência arbitrária do Estado e promover a efetivação dos direitos humanos tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH e a Organização dos Estados Americanos OEA A grande diferença entre o regime militar de 64 e a nova república é a proteção e promoção dos direitos humanos assumidas pelo Estado em seu discurso oficial Também a Constituição Federal de 1988 reco nheceu os tratados internacionais como válidos para aplicação interna Nesse sentido em 1996 o governo de Fernando Henrique Cardoso lan çou o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH Foi o primeiro programa na América Latina e o terceiro do mundo apesar de seu atraso Através dele foram abertos os canais para uma parceria entre a sociedade civil e o estado na promoção na garantia e na proteção dos direitos humanos A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi convidada a vir ao Brasil logo após o lançamento do PNDH para elaborar uma análise da situação dos direitos humanos no país Em razão dessa visita foi lançado em 1998 o Relatório de Direitos Humanos no Brasil Por aqui também foram dados maiores destaques aos direitos civis e políticos em compa ração aos direitos sociais econômicos e culturais Nesse sentido três leis foram aprovadas no Brasil entre 1995 e 1997 a fim de combater execuções sumárias tortura e desaparecimento cometidos principalmente por agentes do próprio Estado Na Conferência de Viena em 1993 o estado assume o compromisso de promover e incentivar ações e políticas públicas nos direitos humanos Tivemos o lançamento do Programa Nacio nal de Direitos Humanos PNDH1 em 1996 com enfoque maior para os direitos civis Porém é importante destacar que esse documento não possuía força vinculante era tido apenas como referencial e base de apoio para a elaboração de propostas Foi construído numa parceria entre o Estado e o NEV Núcleo de Estudos de Violên cia da Universidade de São Paulo comandando pelo professor Paulo Sérgio Pinheiro Suas prin cipais conquistas foram o reconhecimento da participação do Estado em relação às pessoas 35 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 desaparecidas por conta de sua atuação política a transferência do tribunal militar para a justiça comum dos crimes dolosos cometidos por poli ciais a tipificação do crime de tortura a proposta de emenda constitucional para federalizar os crimes contra os direitos humanos Em 2002 esse plano foi reformulado e relançado Ainda sobre os auspícios do expresi dente Fernando Henrique Cardoso surge o PNDH 2 Seu enfoque agora é maior para os direitos sociais Novamente contou com a participação do NEV e ocorreu inclusive uma consulta pública aberta na internet promovida pela Secretaria de Direitos Humanos Já nesse momento foram delineadas propostas voltadas para uma cultura em direitos humanos como mencionamos na intro dução deste material Temas sociais e de grupos vulneráveis ganham destaque neste Programa como direitos dos afrodescendentes dos povos indígenas e relacionados à orientação sexual Tratava da tentativa de construir uma sociedade multiculturalista Em 2009 já sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi lançado o PNDH3 Nesse documento foram incorporados ainda mais fortemente a linguagem os eixos e as diretrizes adotadas e defendidas pelos diversos movimentos de direitos humanos Temas como a descriminalização do aborto a laicização do Estado a responsabilidade social dos meios de comunicação os conflitos sociais no campo e a repressão política da dita dura militar geraram debates intensos Boa parte desses temas espinhosos ou foram modificados textualmente em seu teor e mensagem ou foram suprimidos O PNDH3 encontrou diversas difi culdades para que não fosse apenas mais uma carta de intenções A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NOS PLANOS PROGRAMAS E DIRETRIZES A temática de direitos humanos entrou com mais força na pauta brasileira com a redemocrati zação do país após 21 anos de regime militar Em 1988 com a nova Constituição Federal conhecida como Constituição Cidadã os direitos humanos compreendidos no âmbito dos direitos civis sociais econômicos e culturais passam a ser tratados como direitos constitucionais isto é assegurados pelo Estado No início da década de 1990 iniciaramse as discussões sobre a forma de sistematizar os direitos humanos em um plano nacional que se constituía como base para programas e ações concretas Essas discussões resultaram no Plano Nacional de Direitos Humanos cujas versões 1 e 2 foram publicadas em 1996 e 2002 A terceira versão PNDH3 lançada em 2010 destaca a importância da educação e de uma cultura de direitos humanos Neste contexto iniciouse também uma discussão mais específica sobre direitos humanos na educação o que se materializa pelo lança mento em 2006 do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNEDH Ali estão dados os fundamentos do que a escola deveria incorporar para formular os seus programas de ensino No campo da educação propriamente dita foram lançadas as Diretrizes Curriculares Nacio nais da Educação Básica DCNEB 2013 fruto de ampla discussão nacional aprovada pelo Conselho Nacional de Educação As DCNEB se constituem em um documento referencial dos conteúdos indi cados para a educação básica Educação Infantil Ensino Fundamental e Ensino Médio e são de suma importância pedagógica do ponto de vista teórico e metodológico para o trabalho docente Elas são também os parâmetros oficiais que obje tivam uma mínima unidade curricular para todo território nacional em benefício da qualificação do processo de ensinoaprendizagem Esse documento composto por várias áreas educação ambiental educação indígena educa ção de jovens e adultos dentre outras dedica um capítulo à EDH no qual estão expressos os seguintes princípios dignidade humana igualdade de direitos reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades laicidade do estado democracia na educação transversalidade vivência e globalidade e sustentabilidade socioambiental 36 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 O parágrafo 2º do Artigo 1º das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação em Direitos Humanos DCNEDH regulamenta com objetivi dade que aos sistemas de ensino e suas insti tuições cabe a efetivação da EDH implicando na adoção sistemática dessas diretrizes por todosas osas envolvidosas nos processos educacionais Além disso o artigo 6º estabelece que a EDH de modo transversal deverá ser considerada na construção dos Projetos Político Pedagógicos PPP dos Regimentos Escolares dos Planos de Desenvolvimento Institucionais PDI dos Progra mas Pedagógicos de Curso PPC das Instituições de Educação Superior dos materiais didáticos e pedagógicos do modelo de ensino pesquisa e extensão de gestão bem como dos diferentes processos de avaliação DNEDH 2013 p 61 No componente curricular da educação escolar básica em suas interfaces com a questão dos direitos humanos as DCNEDH pressupõem que o conteúdo seja trabalhado utilizando de ferramentas disciplinares tais como a transver salidade e de maneira individual ou mista com binada com a interdisciplinaridade ou como um conteúdo específico de uma disciplina já existente no currículo escolar Para aprofundar Para saber mais sobre a ONU sua história sua organi zação sua estrutura suas atividades e objetivos visite o site As Nações Unidas no Brasil httpsbrasilunorg Para um repositório virtual de estudos documentos e informações diversas sobre a ONU e os Direitos Humanos indicamos o site httpwwwdhnetorgbr Para aprofundar seus conhecimentos sobre o signifi cado a história e os desafios atuais da Educação em Direitos Humanos recomendados as seguintes aulas e palestras Educação em Direitos Humanos em movimento Encontros sobre educomunicação tecnologia e bioética disponível em httpswwwyoutubecomwatch vfHXCAKrQOUlistPLpBKadtVbCIkeoUpkQikLp SSVfczb1D3OabchannelInstitutoAurora Encontro Nacional de Educação em Direitos Humanos da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos disponível em httpswwwyoutubecomwatchv phhYKxp9TTU abchannelODireitoAchadonaRua CONSIDERAÇÕES FINAIS Nestes parágrafos finais concluímos ape nas o início da caminhada que você poderá per correr daqui em diante Tentamos mostrar como é possível compreender ensinar e debater sobre direitos humanos de maneira simplificada mas não simplista e de forma que os e as estudantes possam trilhar o percurso que passa pelo aprender sobre com e para os direitos humanos Com essa breve abordagem buscamos contextualizar historicamente o surgimento dos textos que pavimentaram a construção de uma cultura voltada aos direitos humanos No Brasil a Constituição Federal assumiu em muitos de seus artigos preceitos humanitários ao restabelecer a inviolabilidade de direitos e liberdades bási cas a igualdade de gêneros a criminalização do racismo a proibição total da tortura e a garantia de direitos sociais como educação trabalho e saúde para todos Estavam dadas as condições tanto do ponto de vista constitucional quanto do ponto de vista político para que alguns anos depois surgissem as primeiras formulações do Plano Nacional de Direitos Humanos 1996 2002 e 2010 mais tarde com o Plano Nacional de EDH 2006 e finalmente com as Diretrizes Curriculares Nacionais de EDH 2013 O maior desafio no entanto ainda está por ser enfrentado Embora com algumas expe riências exitosas não podemos afirmar que a EDH é o paradigma que norteia a ação educativa Este material se constitui em uma contribuição para atingir esse objetivo Para uma compreensão profunda sobre os direitos universais dos humanos seria necessá rio explorarmos como as concepções de pessoa humana liberdade igualdade e democracia surgi ram e se consolidaram ao longo da história Assim 37 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 como a história das instituições que concretizaram tais concepções Ainda seria importantíssimo se lançar sobre a história da formação do Estado moderno e formação das relações sociais pauta das no capitalismo para realizarmos uma ampla análise de tal temática Tal tarefa se mostra inviá vel para tão curto espaço Na primeira e segunda parte introduzimos algumas reflexões que indicam alguns dos cami nhos possíveis para tal empreitada através do direito ou então das problemáticas filosóficas Apresentar todas as vertentes e embates que englobam esses conceitos é um objetivo dema siado longo mas muito recomendado para você leitor ou leitora que tiver tal curiosidade e esforço REFERÊNCIAS ARISTÓTELES A Política São Paulo Ícone Edita 2007 ARENDT Hannah A condição humana 12 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2016 BOBBIO Norberto O positivismo jurídico lições de filosofia do direito São Paulo Ícone 1995 BRASIL Secretaria de Direitos Humanos da Presidên cia da República Educação em Direitos Humanos Diretrizes Nacionais Brasília Coordenação Geral de Educação em SDHPR Direitos Humanos Secre taria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos 2013 CANDAU Vera Educação em Direitos Humanos currículo e estratégias pedagógicas In ZENAIDE M DE N T Direitos Humanos capacitação de edu cadores João Pessoa Editora Universitária 2008 CHAVES Noêmia O conceito de pessoa na antropo logia kantiana uma abordagem prática e pragmática Revista de Filosofia Polymatheia Fortaleza v V nº 7 2009 COMPARATO Fábio Konder A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos São Paulo Saraiva 2015 COMTESPONVILLE André Apresentação da Filo sofia São Paulo Martins Fontes 2002 COULANGES Fustel A Cidade Antiga Rio de Janeiro Ediouro 2004 DESCARTES René Discurso do método São Paulo Martins Fontes 2001 DURKHEIM Émile Educação e Sociologia São Paulo Melhoramentos 1978 FLOWERS Nancy et al The human rights education handbook effective practices for learning action and change Minneapolis Topic Book 2000 GROSSI Paolo Primeira lição sobre direito Rio de Janeiro Forense 2005 ONU Human Rights Topics for Upper Primary and Lower and Senior Secondary School ONU 2004 Disponível em httpwwwohchrorgEN PublicationsResourcesPagesTrainingEd ucation aspx Acesso em 18 jul 2021 HUNT Lynn A Invenção dos Direitos Humanos São Paulo Companhia das Letras 2007 JASPERS Karl Introdução ao pensamento filosó fico São Paulo Cultrix 1971 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropológico 14 ed Rio de Janeiro Zahar 2001 MARÇAL Jairo Antologia de Textos Filosóficos Curitiba SEED 2009 MARX Karl O Capital Joinville Clube dos Autores 2012 MONTORO André Franco Introdução à ciência do direito São Paulo RT 2000 PIOVESAN Flávia Direitos Humanos e Justiça Internacional um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu interamericano e africano São Paulo Saraiva Educação 2019 ROUSSEAU JeanJacques Discurso Sobre a Ori gem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens São Paulo Edipro 2015 SAHD Luiz Felipe Netto de Andrade e Silva Hugo Grotius direito natural e dignidade Cadernos de Ética e Filosofia Política n 15 p 181192 julho 2014 38 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 01 SEN Amartya Human Rights and Asian Values The New Republic 1997 SILVA De Plácido e Vocabulário Jurídico atualiza dores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes 31 ed Rio de Janeiro Forense 2014 TIBBITS F Human Rights Education Encyclopedia of Peace Education v 53 n 9 p 16891699 2018a TIBBITTS F L Human rights education The good surf and reclaiming human rights Netherlands Quar terly of Human Rights v 36 n 1 p 6374 2018b TOMÁS DE AQUINO Suma Teológica c 96 art 2 En el hombre hay que tener presente lo siguiente La razón común con los ángeles las potencias sen sitivas comunes con los animales las naturales comunes con las plantas y el cuerpo que le iguala a los seres inanimados Disponível em httphjg comarsumatac96html Acesso em 23 jul 2021 TRINDADE José Damião de Lima História Social dos Direitos Humanos São Paulo Peirópolis 2011 WOLKMER Antonio Carlos Org Fundamentos de história de direito 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2006 39 INTRODUÇÃO DIREITOS HUMANOS CULTURA E DIVERSIDADE COMO VALORES EM SI MESMOS O Holocausto nazista e os horrores da Segunda Guerra Mundial em meados do século XX colocaram às sociedades ocidentais desa fios que até os dias de hoje estão vivos entre aqueles que tem os valores democráticos e os Direitos Humanos como base para construção de nossas formas de vida coletiva e social Os diver sos eventos de destruição absoluta de povos e populações como foram os casos das bombas de Hiroshima e Nagasaki jogadas pelo exército ame ricano sobre a população japonesa dos campos de concentração e de limpeza étnica do império japonês em territórios asiáticos e principalmente do projeto do partido nazista em construir uma Alemanha soberana ao custo da destruição do genocídio de outros corpos povos e culturas no decorrer da Segunda Guerra mundial levaram os países vencedores da guerra e demais nações a discutirem a criação de políticas e de um órgão transnacional que pudessem mediar e se possível impedir a repetição de tais eventos que levaram à morte e à destruição de milhões de pessoas A Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 são res postas a essas demandas que se colocavam com urgência em um mundo em plena reconstrução Esse contexto será nosso ponto de partida para pensarmos como a questão da cultura e da diversidade cultural se insere nas discussões sobre Direitos Humanos em nossa história porque foi nesse momento que um texto fundamental do século XX apareceu como uma ótima trilha para seguirmos em nossa reflexão Vamos lá PARTE 1 CULTURA COMO PRINCÍPIO DA DIFERENÇA No contexto acima indicado um célebre e importante antropólogo francês Claude LeviS trauss 19082009 foi convidado pela UNESCO United Nations Educational Scientific and Cul tural Organization em português Organização Cultural Científica e Educacional das Nações Unidas ONU para escrever um texto e compor uma coleção organizada por esta agência para discutir os impactos limites e efeitos da noção de raça na ciência moderna de então Assim se a noção de raça foi o lastro e a justificativa fundamental do partido nazista para eliminar e subjulgar outros povos considerados por aqueles Unidade 02 Direitos Humanos Alteridade e Diversidade Cultural Fabiano Atenas Azola 40 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 como raças inferiores e portanto passíveis de serem destruídas uma série de intelectuais das ciências humanas e das ciências biológicas foram convidados pela UNESCO a apresentar sólidas críticas aos pressupostos que pregavam a exis tência de um povo eou de uma raça superior biologicamente e culturalmente aos demais Foi então que LéviStrauss antropólogo especialista no estudo dos povos nativos das Américas escreveu nessa coleção um potente e célebre texto intitulado Raça e História 1952 cujo objetivo primeiro era o de demonstrar que a suposição nazista e de alguns cientistas da primeira metade do século XX de que caracterís ticas raciais determinariam características e tipos culturais era uma falácia fácil de ser desmontada já que ao longo da história da humanidade existi ram poucos tipos raciais em termos fenotípicos e uma infinidade muito maior de culturas e de formas de organização social Ou seja era muito fácil observar que existem e existiram ao longo do tempo muitas culturas extremamente distintas entre povos racialmente similares Portanto a suposição de que uma raça melhor produzi ria uma cultura superior era um devaneio que legitimava o morticínio perpetrado por Hitler já que essa relação etiológica de causa não se sustentaria em nenhuma hipótese No entanto LéviStrauss nos adverte que a demonstração desta falácia não resolve um outro problema que em sua visão lhe parecia também fundamental já que a noção de raça não tem nenhuma relação com as formas culturais e de organização social dos coletivos humanos o que explicaria essa imensa diversidade cultural que constitui nossa espécie Em um movimento que talvez tenha pare cido para alguns de sua época um tanto contrain tuitivo LéviStrauss defendia que as diferenças culturais não são resultado do isolamento dos grupos humanos que fechados em si mesmos produziriam internamente aquilo que chamamos de seus hábitos costumes arte formas de orga nização social etc mas sim da proximidade e da relação com outros coletivos humanos Até por que o antropólogo nos lembra que as sociedades humanas nunca estão sozinhas mesmo as que parecem mais afastadas ainda o são em grupos e ou pacotes LÉVISTRAUSS 2014 1952 p 361 É a partir dessa constatação de que as sociedades humanas sempre estiveram em relação com uma outra diferente da sua que LéviStrauss vai nos dar um potente apontamento acerca da existência da imensa diversidade cultural que nos constitui enquanto humanidade E assim ao lado de outras diferenças decorrentes do isolamento existem aquelas decorrentes da proximidade desejo de se opor de se distinguir de ser o que se é Consequentemente a diversidade das culturas não deve levarnos a uma observação fragmen tar ou fragmentada é menos função do isolamento dos grupos do que das relações que os unem LÉVISTRAUSS 2014 1952 p 362 A diversidade das culturas seria na visão deste antropólogo muito mais uma função ou um efeito das relações que os conectam do que resultantes das situações de isolamento Tratase do desejo de se opor e se distinguir entre os cole tivos humanos que orientaria o desejo de ser o que se é LéviStrauss nos demonstra aqui que sem a existência da diferença de uma relação com outro que é diferente de você não haveria aquilo que chamamos de cultura suas manifestações e seus traços Assim o delírio nazista de trans formar o mundo em um grande império Uno do terceiro Reich e de sua suposta raça superior era acima de tudo um horror que não tinha o menor lastro na história de constituição de nossa espécie e de nossa sociedade As culturas e a diversidade cultural da humanidade são produtos de relações entre diferenças do contato entre alteridades Portanto LéviStrauss nos convida a pensar que as diferenças e a diversidade cultural são valores que devem ser protegidos e valo rizados em si mesmos são o que nos constitui enquanto humanidade Como arremata o autor nas últimas linhas de seu texto a diversidade das culturas está atrás de nós à nossa volta e à nossa frente LÉVISTRAUSS 2014 p 362 41 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 Seguindo as palavras desse que é conside rado como o maior antropólogo do século XX de que a diferença e a relação são as bases que orientam os modos como os coletivos humanos produzem aquilo que na antropologia chamamos de cultura e sendo a antropologia a disciplina acadêmica por excelência que trabalha com esse termo propõese que façamos uma pausa na questão da diversidade cultural e da diferença voltaremos algumas páginas a frente para nos concentrar um pouco sobre essa palavra que é muito popular e que circula por muitas esferas de nossa vida pública de nossas políticas de Estado afinal quando falamos de cultura O que isso quer dizer O que é e o que não é cultura Como esse termo circula em nossa sociedade atual CULTURA COMO IDEIA CATEGORIA E CONCEITO Quando falamos sobre a cultura de nosso país sobre uma série de manifestações hábitos e costumes que parecem nos definir em relação às pessoas de outros países estamos falando exa tamente do que De quais manifestações Afinal vivemos em um país de mais de 200 milhões de habitantes e sabemos que o cotidiano a alimen tação e os hábitos de um cidadão que vive no inte rior do Rio Grande do Norte são bem diferentes do dia a dia de um paulistano que vive na maior cidade da América do Sul Muitas vezes diminuí mos o escopo geográfico no uso dessa palavra para nos referirmos a cultura dos cariocas que é diferente da cultura mineira e da cultura ama zonense Também é bastante comum falarmos sobre como comunidades e grupos identitários inseridos em nosso mundo urbano também têm sua cultura cultura gamer cultura lgbtqi Por fim usamos essa palavra para classificar espa ços de saber e de manifestações artísticas como lugar de cultura o museu o teatro o cinema a biblioteca etc E a partir dessa mesma ideia dizemos que uma certa pessoa tem cultura pelo fato de acumular certos conhecimentos e saberes sobre esses mesmos lugares recém citados e as manifestações que lhes são correlatas aquele que lê muitos livros vê muitas peças sabe muito sobre música e por aí vai Essa polissemia do termo ou seja que contém múltiplos sentidos e usos nos desafia a enfrentar um duplo problema Primeiramente entender minimamente como o significante cul tura foi capaz de englobar toda essa série de ações e manifestações e como pode ser usada a partir de diferentes lugares e acepções e isso obviamente tem uma história que nos ajuda a entender em segundo lugar nos obriga a fazer um recorte a repensar um conceito de cultura que seja assentado a partir das definições dadas pelos antropólogos os grandes especialistas nessa seara e que nos seja útil e operatório para pen sarmos este termo e seus usos em outros espaços como os da política e da educação Vamos ao nosso primeiro passo Em a Invenção da Cultura 1976 o antro pólogo estadunidense Roy Wagner nos lembra que em linhas gerais as sociedades ociden tais usam o termo cultura para se referir à três aspectos Primeiramente é uma palavra que inventamos para tratar do fenômeno do humano Os antropólogos que fazem parte desse time criaram essa palavra mágica para tratar de uma série de manifestações dos cole tivos humanos instrumentos organizações de grupos artes corpo sistemas de pensamento origens e evolução enquanto elementos que constituem um certo padrão geral ou um todo de um coletivo WAGNER 2009 1976 p 37 Em um segundo uso falamos em cultura como tudo aquilo que é produzido pela espécie humana e que se contrapõe a tudo que consi deramos ser natural ou de tudo que vêm da natureza Aquilo portanto que nos diferencia dos demais seres nãohumanos Leslie White 19001975 outro importante antropólogo estadunidense de meados do século XX dizia que para entender o que é cultura bastava se perguntar se um símio ou um macaco consegui ria distinguir um copo com água benta e outro com água potável já que ambos os copos conti nham a mesma substância em termos químicos Por último usamos este termo no plural para 42 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 falarmos sobre as culturas do continente sula mericano ou até mesmo as culturas do Brasil de São Paulo de Minas Gerais do Paraná Em suma as culturas como variações do humano e de seus diferentes grupos Todos estes usos fazem o antropólogo se perguntar sobre a etimologia e genealogia dessa palavra Passear por esta história poderá nos ajudar a entender um pouco melhor essa diversidade de usos Wagner 2009 p 7677 nos mostra que cultura tem sua origem no verbo latino colere cultivar usado muitas vezes no período medieval para se referir ao cultivo do solo Ao longo dos séculos na Europa cul tura passa se referir aos processos de domes ticação de cultivos alimentares no geral o que dá origem aos diversos termos vinculados ao campo que conhecemos hoje agricultura api cultura vinicultura etc Dos usos no meio rural a ideia de domesticação passa a se deslocar no nascimento da era moderna para questões que envolvem o humano e sua espécie É aqui segundo o autor que surge a ideia da cultura como sala de ópera Ou seja cultura como um processo de refinamento e domesticação dos humanos por eles mesmos e é aqui que nasce a ideia de que certa pessoa é educada porque tem cultura É a partir dessa ideia de refinamento e domesticação que a antropo logia disciplina nascida em meados do século XIX vai procurar em certa medida estender democratizar tal noção e dizer que todos os coletivos humanos e seus habitantes têm cul tura e constroem suas vidas a partir da domes ticação do controle e do refinamento daquilo tudo que encontramos na natureza A partir dessa breve história do termo cul tura e de seus usos mais gerais nas sociedades ocidentais podemos agora ir definindo qual será a concepção que nos ajudará a pensar a ques tão da diversidade cultural no espaço público A definição inicial dada por Tylor nos primórdios da antropologia pode nos ajudar a nos afastar de vez da concepção ainda muito presente no senso comum daquilo que Roy Wagner chamou de cultura como sala de ópera a ideia de que certas pessoas por terem acessos a certos sabe res e manifestações artísticas teriam cultura e outras que não acessam estes saberes por con seguinte não A ideia de cultura na antropologia sempre teve como pressuposto fundamental que todos os seres humanos e por consequência todos os cole tivos têm cultura Assim sendo produzem suas formas de vida a partir daquilo que chamamos de cultura Tanto o paulistano de classe média alta que habitualmente frequenta museus e vai ao Teatro Municipal assistir orquestras e óperas quanto o também paulistano que vive nas zonas periféricas da cidade e que por desigualdades socioeconômicas não tem acesso a esses espa ços mas que em sua quebrada organiza suas slams seus torneios de futebol e seus espaços de sociabilidade em sua comunidade produzem cultura Do mesmo modo o Marubo que vive em sua aldeia no coração da floresta amazônica produzindo seus alimentos organizando suas festas e fabricando seus instrumentos de caça também produz cultura Se cultura é tudo aquilo que remete ao fenômeno humano tudo aquilo que as pessoas produzem pensam constroem e organizam essas três pessoas exemplificadas acima aqui estão inseridas em uma cultura e são partici pantes ativas da sua produção Logo um outro pressuposto fundamental é o de que justa mente por todos os coletivos terem e fazerem cultura todas as culturas são equivalentes Todos os seres humanos estão em uma cultura participam de sua feitura e transformação e justamente por isso não é possível estabele cer uma régua única para decidir quem tem e quem não tem cultura ou que uma poderia ser melhor ou pior que a outra Para aprofundar Veja o filme Os deuses devem estar loucos The Gods Must Be Crazy África do Sul 1980 Direção Jamie Uys que vai te ajudar a perceber melhor essa questão da multiplicidade de culturas 43 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 Nesse filme um avião que passa sobre o território dos Bosquímanos Khoisan povos que vivem na região sudoeste da África joga uma garrafa de refrigerante em uma das aldeias deste povo que a classifica como uma espécie de dádiva de um de seus deuses Esta garrafa o que para nós ocidentais tem um valor de uso bem estrito passa a ser significada utilizada e disputada pelas famílias Khoisan das mais variadas formas e com os mais variados objetivos O caráter extrahumano da garrafa na perspectiva deste povo os leva a uma série de conflitos internos pela disputa desse objeto culminando na elaboração de um plano para devolver o objeto ao lugar dos Deuses O ponto central desse filme especialmente em sua cena inicial é uma rica demonstração de como classificamos e significamos os objetos a partir de nossos sistemas de referências e como diferentes culturas possuem suas próprias Roy Wagner leva esse princípio ao limite para nós que vivemos na sociedade capitalista ocidental contemporânea Ele afirma categori camente que a palavra a ideia e o conceito de cultura são meros instrumentos para tornar mais inteligível uma experiência de diferença e alteridade No limite nós nos damos conta que tem uma cultura quando convivemos com pessoas que fazem coisas de um jeito diferente que o nosso Pela razão simples de que quando aprendemos a viver no mundo a pensar de certas formas a fazer certas coisas de certas maneiras tendemos a achar que o que fazemos é natural comemos certa comida e constituí mos família a partir de uma certa configuração porque sempre foi assim assim é o certo ou porque uma certa divindade nos disse que é para ser desse modo A percepção de que dife rentes comunidades fazem e pensam o mundo de maneiras distintas levou a nossa sociedade a criar essa palavra para tornar minimamente inteligível outros modos de existência e de rela ção no mundo Outro fator importante a ser considerado aqui é a enganosa pretensão de dizer que certos grupos têm ou não têm cultura ou a ideia de que minha cultura é superior a dos outros isso porque tendemos a enxergar e a interpretar as ações e os pensamentos daqueles que são dife rentes de nós a partir daquilo que LéviStrauss chamou de sistema de referências Um belo exemplo que podemos citar vêm do próprio antropólogo francês novamente em Raça e História Vejamos LéviStrauss nos lembra que durante o século XIX e parte do século XX parte das ciências humanas estabeleceram uma dupla dicotomia que dividia as sociedades huma nas entre aquelas que eram primitivas vis tas como estacionadas no tempo e que até mesmo não tinham História E do outro lado identificavam as sociedades civilizadas vistas como altamente transformativas no tempo e que possuíam História Pois bem o fato de nós ocidentais modernos enxergarmos uma variedade imensa de sociedades como para das no tempo e incapazes de se transformar evoluir era o termo mais comum se devia ao fato de nosso sistema de referências ter a produção tecnológica e a criação de instituições políticas análogas às nossas da modernidade como o Estado moderno por exemplo como base para perceber e interpretar as transfor mações no tempo Isso nos coloca a sociedade capitalista como modelo a ser seguido pelas demais Seríamos a partir dessa visão limitada o único caminho possível e almejável por aqueles que são diferentes de nós e muitas sociedades não teriam sido capazes de nos seguir a partir deste modelo Contrariando essa visão LéviStrauss nos lembra que nossa sociedade é somente um cami nho entre muitos possíveis e que um bom antro pólogo sabe que todas as sociedades humanas têm História ou seja seus próprios caminhos e lógicas de transformação ao longo do tempo Nesse sentido o autor propõe um ótimo exercício imaginativo se o critério tivesse sido a capaci dade de superar meios geográficos hostis seriam certamente os Esquimós Inuit de um lado e os Beduinos do outro que levariam o prêmio isto é seriam os mais desenvolvidos 44 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 Saiba mais Etnocentrismo Quando nós lidamos com uma situação de estranha mento ou de choque cultural nossas percepções daquilo que é estranho ou diferente são organizadas a partir de nossas próprias formas de ver e viver o mundo Em um primeiro momento achamos que todas as pessoas do mundo fazem e pensam as mesmas coisas que nós e essa préconcepção dá forma à aquilo que chamamos de um olhar etnocêntrico O conceito e a ideia de etnocentrismo são amplamente trabalhados e operados nas ciências sociais e na antropologia e se referem a práticas discursos e opiniões que inferiorizam ou desconsideram formas outras de se pensar e viver o mundo como se apenas o nosso modo de existência ocidental capitalista brasileira etc fosse o único legítimo O etnocentrismo assim é um fechamento à diversidade da humanidade e diferença como valor Todos os povos têm sua história assim como sua própria cultura os modos como per cebemos e interpretamos esses modos outros tendem sempre a partir de nosso próprio sistema de referências o que limita nossa capacidade de entender e lembrar que os coletivos humanos constroem seus próprios caminhos e possuem suas lógicas de transformação Com objetivo jus tamente de deslocar essa limitação falar sobre cultura é ter como pressuposto que todos os coletivos humanos têm as suas culturas as quais possuem seus próprios sistemas de referência o que nos leva a dizer por um prolongamento lógico que todas são equivalentes Falamos sobre culturas e diversidade cultural inseridos em um determinado sistema cultural e isso vale para qualquer sujeito que esteja disposto a operar com essa palavra A partir disso temos mais um passo a percorrer para definirmos minimamente a noção de cultura operada aqui Voltemos a ideia de que as culturas humanas são produtos funções das relações entre os coletivos humanos Aprendemos com LéviStrauss que o desejo de ser o que se é de uma cultura parte do desejo de se distinguir e de marcar alguma diferença Marcar diferença pressupõe a existência de um outro de um grupo diferente do seu Logo grupos humanos sempre se constituíram em relação com outros através de trocas de objetos de conexões através de casamentos de trocas de conhecimen tos e de palavras Apesar do desejo de diferença ser base da produção das culturas humanas Lévi Strauss nos lembra que são as trocas e o interesse por aquilo que é diferente de nós que fundou as sociedades humanas e constituem boa parte de sua lógica Se o incesto é a regra universal que obrigou os grupos a casar e a se aliar para fora de sua comunidade isso veio acompanhado com a construção de todo um circuito de trocas sim bólicas e culturais Assim quando falamos em cultura fala mos também em empréstimos em aprendizados mútuos em imitações em dominação etc Os gru pos humanos estão em constante transformação de suas manifestações e modos de existência pois sempre estiveram e estão em relação com um outro que é diferente em um jogo constante de imitação e diferenciação daqueles com quem temos relações e trocamos pessoas coisas signos A partir dessas considerações podemos definir cultura de uma maneira suscinta e que poderá nos acompanhar nas próximas duas partes desta Unidade A partir dos caminhos apontados por Claude LéviStrauss e Roy Wagner podería mos dizer que cultura é uma palavra que usa mos para pensar diferenças entre os coletivos humanos é o instrumento de pensamento que utilizamos para refletir sobre como os coletivos humanos pensam e criam seus próprios modos de existência é a palavra que usamos para tra duzir uma experiência de alteridade e diferença que temos quando convivemos com aquele que é diferente de mim ou de nós Mas um bom uso desse instrumento demanda a aceitação de certas premissas A pri meira delas é a de que todos os seres humanos têm e vivem em alguma cultura e que todas são equivalentes contendo cada qual seus próprios sistemas de referência A segunda é que como as sociedades humanas nunca estão sozinhas mas sempre em relação com algum outro grupo que é diferente elas estão em constante transforma ção ao longo do tempo Ou seja seus modos de 45 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 existência estão sempre abertos para modificar e ser modificadas a partir do contato e da relação sendo essas lógicas constituídas de diferentes modos Portanto cultura é o instrumento de pensamento que utilizamos para entender como os coletivos humanos pensam e criam seus modos de existência e suas respectivas transformações ao longo do tempo Cultura é o modo como os coletivos se transformam e pensam sua própria transformação Prática 1 História da alimentação Objetivo tratar a história da alimentação no Brasil e suas variações Sugestão de desenvolvimento a alimentação e os pratos regionais são interessantes indicadores que demonstram como as comunidades inventam formas de diferenciação em relação a outros gru pos Tendo isso em vista proponha aos grupos uma pesquisa tanto no âmbito familiar quanto na internet sobre o que se come nas refeições diárias em diferentes Estados e regiões do Brasil O que seria considerado como um café da manhã almoço e jantar comum cotidiano de um baiano de um amazonense de um mineiro e do paranaense Uma boa estratégia para ressaltar variações de pratos e modos de comer é dividir a pesquisa em grupos de modo em que cada um deles seria res ponsável por um Estado eou região Questões vinculadas à história dos alimentos e de sua produção no Brasil assim como movimentos migratórios e de trocas culturais poderão ser res saltados a partir dos resultados destas pesquisas feitas pelos grupos PARTE 2 A INVENÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ENTRE O DIREITO À IGUALDADE E DIREITO À DIFERENÇA Se fizermos uma história da noção de Direi tos Humanos é inevitável que voltemos à segunda metade do século XVIII e aos eventos que mar cam o fim do Antigo Regime e do poder Régio na França em favor das noções de cidadania e da ideia de igualdade perante o Estado A Bill of Rights Declaração dos Direitos da indepen dência dos Estados Unidos 1791 e principal mente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 documento surgido na primeira Assembleia Nacional no período da Revolução Francesa estruturaram politicamente as ideias de liberdade e igualdade como direitos naturais e inalienáveis dos seres humanos Em seus primei ros quatro artigos a Declaração dos Direitos do Homem estabelece que Art1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos As distinções sociais só podem fundamentarse na utilidade comum Art 2º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem Esses direitos são a liberdade a pro priedade a segurança e a resistência à opressão Art 3º O princípio de toda a sobera nia reside essencialmente na nação Nenhuma operação nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente Art 4º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o pró ximo Assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Estes limites apenas podem ser determina dos pela lei Esses quatro artigos delimitam de forma fundamental o horizonte político da construção das democracias ocidentais ao longo dos sécu los XIX e XX e da ideia de Direitos Humanos no século XX Os homens nascem e são livres e iguais em direitos o primeiro artigo da decla ração de 1789 tem como seu oposto o Antigo Regime e os privilégios e prerrogativas do poder do Rei e da aristocracia francesa deposta naquele processo revolucionário A ideia de que a igual dade e liberdade são inerentes ao nascimento do homem já vinha sendo forjada na filosofia 46 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 europeia do século XVII a partir dos chamados contratualistas especialmente nos trabalhos de John Locke 16321704 Neste sentido todos os seres humanos seriam livres em relação ao direito à associação política e à liberdade reli giosa sendo o Estado e às instituições políticas responsáveis pela proteção dessas prerrogativas naturais Seguindo as reflexões de Locke a pro priedade e a segurança também seriam parte destes direitos a serem protegidos Saiba mais Declaração dos Direitos da Mulher No mesmo contexto revolucionário um grupo de mulhe res estabeleceu talvez a primeira crítica da ideia de que homem seria representante de todos os cidadãos ou seja como o universal e assim excluindo as mulheres como sujeito dos mesmos direitos Já em 1791 Marie Gouze e outras mulheres propuseram a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã à Assembleia Nacional Talvez uma das primeiras críticas feministas à ligação entre homem e humanidade crítica esta que seria sistematizada por Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo nos meados do século XX É a partir desse período que a Nação os chamados Estados Nacionais Modernos tornam se o poder soberano responsável em conferir a seus cidadãos a proteção e o usufruto destes direitos Como nos lembra Foucault 1999 1975 se no Antigo Regime a soberania está incor porada na figura do Rei violar a lei seria um ataque direto à figura do soberano Nos Estados Modernos se consolida a ideia de cidadão em que a submissão se desloca da figura do Rei para as leis de Estado que transcendem a figura do governante Ser iguais em direitos aqui é esta belecido pela ideia de que todos somos iguais enquanto submetidos às leis da Nação Assim são as leis que garantiriam a todos os membros da sociedade o pleno gozo de seus direitos naturais de liberdade e igualdade e por consequência determinariam seus limites em um determinado território No entanto os pressupostos e ideias revolu cionários por liberté egalité fraternité liberdade igualdade e fraternidade na França dos fins do século XVIII e sua crescente influência na cons tituição de outros Estados Nacionais na Europa e em outros lugares foram severamente contes tados pelo estabelecimento das desigualdades sociais inerentes ao sistema capitalista bem como pela criação de novas matrizes de desigualdade provenientes do colonialismo e das pretensões de algumas nações do Norte em dominar outros povos e territórios em outros continentes As comunas e as tentativas de sublevação proletária no século XIX o aparecimento de ideologias e sistemas de pensamento críticos ao capitalismo socialismos comunismo anarquismos aponta ram os limites reais das noções de liberdade e igualdade de John Locke e outros pensadores iluministas na construção dos Estados moder nos E principalmente a consolidação da ideia de raça e dos racialismos que se pretendiam científicos como um marcador de diferenças entre grupos povos e culturas colocou em xeque qualquer pretensão universalista de igualdade e liberdade seja nos limites do território nacional ou na relação entre nações e outros territórios Os imperialismos do século XIX na África e na Ásia a consolidação dos Estados Nacionais modernos nas Américas e os processos de geno cídio e de assimilação forçadas dos povos nati vos desses continentes outros casos de morte em massa e genocídio nas primeiras décadas do século XX como o genocídio armênio pelos turcos em 1915 e principalmente as duas grandes guer ras e o horror do Holocausto perpetrado pelos nazistas formataram as condições de possibili dade para a criação de uma nova carta de direitos transnacionais e com pretensões universais que versassem sobre todos os indivíduos da espécie humana para muito além das garantias das leis dos Estados Nacionais O fim da segunda guerra mundial e a criação das Organização das Nações Unidas ONU em 1945 levaram parte de seus países membros a redigirem o documento que serviria de base para todos os documentos transnacionais e internacio 47 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 nais sobre Direitos Humanos no ocidente a partir da segunda metade do século XX a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH adotada pela ONU em 10 de dezembro de 1948 foi pen sada como um mecanismo políticojurídico para evitar a repetição dos horrores da segunda guerra especialmente as experiências de genocídio do Holocausto nazista e a plena promoção da paz e da democracia entre os Estados Nacionais Se o nazismo se ancorou na noção de raça para justificar sua máquina de destruição e mortes já em seu artigo segundo a DUDH estabelecia que Artigo 2 1 Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie seja de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social riqueza nas cimento ou qualquer outra condição 2 Não será também feita nenhuma dis tinção fundada na condição política jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa quer se trate de um território inde pendente sob tutela sem governo próprio quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania A noção de liberdade aqui apresentada se acopla diretamente ao direito de usufruila sem distinção de qualquer espécie seja de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social riqueza nascimento ou outra qualquer condição Doo mesmo modo nenhuma distinção poderia ser estabelecida fundada na condição de cidadania atrelada à alguma nação ou território Portanto a década que se seguiu ao pósse gunda guerra no hemisfério Norte hegemônico reuniu esforços políticos jurídicos e intelectuais para a destruição dos marcadores e discursos que haviam sido utilizados como armas de legitimação para a destruição de povos e comunidades e uma série de minorias étnicas Organizações ligadas à ONU como a UNESCO estabeleceram programas culturais e educacionais de cooperação interna cional com o intuito de promover discussões reflexões e políticas de combate contra a discri minação assim como de divulgação da noção de Direitos Humanos Universais nos países membros É importante lembrar que as décadas subse quentes foram marcadas em termos geopolíticos pela divisão do mundo a partir de dois países e de suas zonas de influência os Estados Unidos e a União Soviética Os modos de vida assentados no capitalismo industrial disputavam então os corações e mentes dos ocidentais com o comu nismo soviético e suas variações nascidas de processos revolucionários em outros países Na Europa as relações entre capital e trabalho eram amortecidas pelas políticas de Bemestar Social em tempos em que a reconstrução infraestrutura e da força de trabalho do continente eram prio ridade Por outro lado na periferia do sistema capitalista especialmente África e Ásia guerras e movimentos revolucionários pela independên cia das excolônias desafiavam o horizonte das garantias de igualdade e liberdade estabelecidos pela DUDH em lugares onde os próprios países que haviam participado da criação da Declaração violavam estes direitos e perpetravam violências de diferentes ordens às populações que lutavam por sua autonomia em relação às antigas metrópo les A Guerra da Argélia 19541962 amplamente descrita e analisada pelos trabalhos do filósofo Frantz Fanon 19251961 pode ser pensada como um exemplo paradigmático desses processos Contudo até mesmo dentro das democra cias capitalistas pretensamente preocupadas com o estabelecimento da paz e da igualdade de todos os cidadãos perante a lei as contradições do sistema capitalista e o legado histórico de discriminação e opressão de algumas minorias levaram a novas convulsões sociais e contesta ções de ordem cultural Foi a partir da década de 1960 com as lutas dos movimentos negros nos Estados Unidos da segunda e da terceira onda dos movimentos feministas dos movimentos contraculturais dos hippies e dos estudantes uni versitários em diversos países sendo o exemplo mais conhecido Maio de 68 em Paris que as discussões sobre o direito à diferença e a outros 48 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 modos de vida que se distinguiam do way of life estilo de vida do capitalismo industrial passam a ganhar mais destaque Os movimentos negros e seus intelectuais apontavam o racismo intrínseco e constitutivo da cultura branca norteamericana que se pretendia como modelo da ideia de liberdade em sua demo cracia Até os anos 1960 alguns estados no país ainda adotavam políticas de segregação racial e as desigualdades sociais e econômicas tinham os marcadores raciais como característica fundamental Grupos que lutavam pela visibilização de outras formas de sexualidade e de vida afetiva também denunciavam a matriz heterossexual que os invisibili zavam e os oprimiam tendo menos acesso à garantia de certos direitos fundamentais descritos na DUDH Nos anos 1970 e 1980 em vários países das Américas e da Oceania povos nativos e tradicio nais passaram a se organizar politicamente na luta pela demarcação e retomada de suas terras originárias e pelo reconhecimento de sua cultura e de sua tradição Na Nova Zelândia os povos Maori passam a acusar o governo da Nova Zelândia de não cumprir na íntegra o direito à autogovernança e ao usufruto integral de suas terras sagradas descritas no documento fundador do país o Tra tado de Waitangi de 1840 selado entre chefes Maori e colonizadores britânicos No Canadá as autodenominadas First Nations Primeiras Nações e nos Estados Unidos os Native Americans Nativos Americanos denunciaram internacionalmente a história de genocídio e colonialismo interno que violentou e retirou as terras desses povos durante os séculos XIX e XX organizando movimentos políticos de luta por reconhecimento coletivo e pela retomada de suas terras JOHNSON 2005 No Brasil na segunda década dos anos 1970 o avanço do projeto desenvolvementista do governo militar sobre a floresta amazônica e os projetos de assimilação forçada perversamente chamada de emancipação dos povos indígenas com o objetivo de explorar suas terras CARNEIRO DA CUNHA 2009 levaram à organização dos pri meiros movimentos e associações panindígenas extremamente ativas na luta pela demarcação de suas terras e pelo direito a sua autodeterminação e organização de seus modos de existência Gran des lideranças políticas e intelectuais indígenas como Ailton Krenak Mario Juruna Angelo Kretã e Raoni Metuktire surgiram neste contexto Nos ecos de 1968 os movimentos negros e feministas e os movimentos indígenas traziam a partir de diferentes lugares novas reivindicações sobre a questão dos direitos humanos e da luta por maior equidade e liberdade As concepções universalistas e centradas no direito do indivíduo da DUDH eram deslocadas por novas discussões que traziam a necessidade de se alargar o Direito para a consideração de políticas e de garantias que superassem os limites colocados pela concepção individualista que marcava as noções de igual dade e liberdade desde a Revolução Francesa O direito à autodeterminação de comunidades o reconhecimento de novas formas de sexualidade e de vida afetiva e o reconhecimento de saberes e fenômenos culturais ameaçados por projetos nacionais assimilacionistas foram deslocando aos poucos o ideal de humanidade e de igualdade perante a lei para a multiplicação de modos de existência Aos poucos a flexão no plural passa a tomar protagonismo nas discussões e reflexões sobre Direitos Humanos culturas minorias diferenças passam a virar palavraschave Essa passagem da posição universalista à uma posição mais pluralista e coletiva das dis cussões sobre direitos pode ser demonstrada a partir do posicionamento dos movimentos polí ticos indígenas ao longo das décadas de 1980 e 1990 do século passado nas quais houve uma interessante inflexão Esse processo foi descrito e analisado pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha nos seguintes termos Em 1984 o Conselho Mundial dos Povos Indígenas ratificou uma declaração de princípios que afirmava que a cultura dos povos indígenas é parte do patrimô nio cultural da humanidade ao passo que em 1992 a Carta dos Povos Indí genas e Tribais das Florestas Tropicais lançada em Penang na Malásia afirmava os direitos de propriedade intelectual sobre tecnologias tradicionais enquanto em um evento panindígena paralela à 49 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 Eco92 no Rio de Janeiro foi aprovada uma Carta da Terra dos Povos Indígenas na qual os direitos culturais apareciam ao lado dos direitos de propriedade inte lectual Ou seja em menos de dez anos passouse da cultura dos povos indíge nas como patrimônio da humanidade à cultura como patrimônio tout court e mais especificamente ainda à cultura como propriedade particular de cada povo indígena CARNEIRO DA CUNHA 2009 p 327 A passagem da década de 1980 para a década de 1990 é um contexto importante para entender tal mudança no Direito internacional e das políticas de Direitos Humanos para questões relacionadas à direitos coletivos e à proteção do patrimônio cultu ral de minorias sociais e dos povos que compõem as populações dos Estados nacionais no Ocidente Em 1989 é lançada a Convenção 169 da Organiza ção Internacional do Trabalho OIT sobre povos indígenas e Tribais com o objetivo de estabelecer um conjunto de normas internacionais que tivesse como paradigma a proteção jurídicopolítica dos direitos dos povos indígenas e de seus modos de existência A Convenção é bem explícita quanto a seus objetivos de inflexão da posição universalista de normas anteriores Considerando que a evolução do direito internacional desde 1957 e as mudanças sobrevindas na situação dos povos indí genas e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhá vel adotar novas normas internacionais nesse assunto a fim de se eliminar a orientação para a assimilação das nor mas anteriores Reconhecendo as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico e manter e fortalecer suas identidades línguas e religiões dentro do âmbito dos Estados onde moram Lembrando a particular contribuição dos povos indígenas e tribais à diver sidade cultural à harmonia social e ecológica da humanidade e à coope ração e compreensão internacionais OIT 1989 A Convenção versa de maneira extensa sobre a obrigação dos Estados Nacionais em protegerem e reconhecerem plenamente a autodeterminação e suas formas próprias de governança e de desenvol vimento social e econômico A diversidade cultural e sua proteção passa a se tornar um fim em si mesmo a ser protegido e entendido como parte fundamental do patrimônio comum daquilo que chamamos de humanidade Isso acontece a tal ponto que em 2002 foi redigida a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO que traz em seu artigo 4º uma frase que demonstra sua centralidade nas discussões atuais sobre direitos humanos A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético inseparável do respeito à dignidade humana Por fim em 2007 foi publicado um outro importante documento gestado a partir da organização política dos povos indígenas ao redor do mundo a Decla ração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas Tal declaração ratifica uma vez mais o direito à autodeterminação e autogestão dos povos autóctones e reitera a necessidade dos Estados Nacionais em desenvolver políticas que protejam e reconheçam o direito à diferença destes coletivos Saiba Mais A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos povos indígenas 2007 estabelece os direitos de auto determinação e autogestão em seus artigos 3 4 e 5 nos seguintes termos Artigo 3 Os povos indígenas têm direito à autodeter minação Em virtude desse direito determinam livre mente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural Artigo 4 Os povos indígenas no exercício do seu direito à autodeterminação têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas Artigo 5 Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas jurídicas econômicas sociais e culturais mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente caso o desejem da vida política econômica social e cultural do Estado 50 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 A partir desse breve histórico dos Direi tos Humanos no Ocidente podemos nos voltar para um outro insight que Claude LéviStrauss nos deixou em Raça e História e assim nos prepararmos para pensar o papel da Educação nas discussões sobre diversidade cultural e Direi tos Humanos Neste referido texto LéviStrauss nos lembra que a sociedade ocidental se constitui a partir de duas lógicas em termos culturais que são contraditórias O capitalismo enquanto sistema para LéviStrauss tem como lógica rela cional predominante uma tendência a homoge neizar os modos de existência a partir daquilo que Karl Marx chamou de forma mercadoria MARX 2015 Nessa matriz todas as relações humanas passam a ser significadas como rela ções de mercado e todos os entes são passíveis de serem transformados em forma mercadoria quantificáveis vendáveis tudo passa a ter um preço monetário No entanto o mesmo autor nos tinha alertado que os coletivos humanos dese jam que a diferença e a história da humanidade enquanto espécie seja marcada pela diferença como lógica relacional entre grupos Quando os povos estabelecem relações de troca simbólica o que emerge é o desejo de ser diferente com aqueles com quem estabelecemos a relação Se o capitalismo tende a transformar todos em iguais forma mercadoria as comunidades humanas que são integradas ao capitalismo também fazem o movimento contrário demandando o reconhe cimento do desejo de ser diferentes Talvez a breve história dos Direitos Huma nos apresentada nesta parte esteja inserida nessa disputa entre lógicas contraditórias Justamente no período em que o Capitalismo se difundiu enquanto a única forma de vida possível pós Guerra Fria inúmeros povos do mundo lutam pelo direito de criar seus próprios modos de exis tência ainda que estejam em contato direto com o sistema capitalista Ou talvez seja justamente por esse contato que a diferença passa a ser um valor mais que fundamental nos dias atuais Para aprofundar Ailton Krenak e as ideias para adiar o fim do mundo Ailton Krenak é um intelectual e liderança do povo Krenak povo de língua MacroJê de Minas Gerais que nos últimos anos vem ganhando o devido reco nhecimento por suas reflexões e escritos críticos sobre o impacto de nossas formas de produção e de nosso sistema de pensamento na destruição da natureza e de outras formas de existência Em livros como Ideias para adiar o fim do mundo 2019 e A vida não é útil 2020 o autor nos chama a atenção para nossa lógica de destruição da diversidade e a necessidade de alargarmos nossa concepção de humanidade para além da espécie humana como é que ao longo dos últimos anos 2 mil ou 3 mil anos nós construímos a ideia de humanidade Será que ela não está na base de muitas das escolhas erradas que fizemos justificando o uso da violência KRENAK 2019 p 1011 Prática 2 Genealogia dos Direitos Humanos Objetivo trabalhar conceitos fundamentais e a genealogia dos Direitos Humanos Sugestão de desenvolvimento para deslocar o senso comum e as noções vulgares do que cha mamos de Direitos Humanos refaça com seus alunos o caminho proposto pela Parte 2 Junto a isso através de pesquisa e trabalho em grupo peça os alunos para pesquisar alguns dos tratados e declarações fundamentais que defi nem jurídica e politicamente estes Direitos no Brasil No intuito de observar continuidades e transfor mações na fase final de atividade organize com sua turma uma linha do tempo e quais noções e termos mudaram ao longo do tempo na criação destas Declarações 51 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 PARTE 3 DIVERSIDADE CULTURAL DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO QUESTÕES FUNDAMENTAIS E PROPOSTAS DE TRABALHO Os ideais de igualdade e liberdade nascidos com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa bem como sua atualização universalista na Declaração Universal dos Direitos Humanos mais de 150 anos depois no pósSegunda Guerra como vimos foram severamente confrontados com as contradições do sistema capitalista e com a continuidade dos horrores da guerra através dos sistemas coloniais que não cessaram de oprimir minorias políticas sociais e étnicas na segunda metade século XX período em que havia a promessa de que os órgãos internacio nais seriam capazes de mitigar essas violações e garantir a paz de forma permanente nos países ocidentais Novos movimentos sociais surgem demandando o reconhecimento da continuidade dessas violências e o direito à construção e à proteção político jurídica de novos modos de existência em nossa sociedade Como Claude LéviStrauss havia pautado em Raça e História o direito à diferença é um valor que deve ser protegido e valorizado em si mesmo já que é constitutivo das sociedades humanas e da própria ideia daquilo que chamamos de Humanidade Dizer que todos são iguais perante a lei ou que todos teriam os mesmos direitos omite e invisibiliza uma série de estru turas de desigualdade e de violência que ainda perpassam as relações sociais Tanto o Direito enquanto linguagem e instrumento do Estado quanto a lógica do capitalismo funcionam a partir de um objetivo de homogeneizar os indivíduos e coletivos em relação a seu discurso No pri meiro caso enquanto indivíduos que têm cer tos direitos e deveres cidadãos brasileiros etc e no segundo caso enquanto consumidores que precisam vender sua força de trabalho ou seja a transformação de seus corpos em forma mercadoria Frente a essas forças homogeneizadoras a realidade de um país como Brasil demonstra como nosso território é habitado por uma multiplici dade de tradições culturas e modos de existência Falando somente dos povos indígenas segundo dados do Censo de 2010 são mais de 305 povos que falam mais de 170 línguas IBGE 2010 É fundamental lembrar também da influência dos povos escravizados que vieram de diferentes regiões do continente africano e que seus descen dentes produziram uma diversa e rica cultura de saberes práticas religiosidades e modos de vida que surgiram a partir da experiência da Diáspora de empréstimos trocas e encontros entre diferen tes povos que foram trazidos para nosso territó rio Somadas a isso estão as políticas de imigração que desde o século XIX fomentaram a entrada de trabalhadores de diferentes países e continentes na construção do Brasil enquanto Nação Assim sendo como discutimos na primeira parte é difícil falar em uma cultura brasileira ou cultura nacional no singular Até mesmo porque o que encontramos no cotidiano de nossas cidades e nas comunidades rurais é um sistema intenso de trocas simbólicas e da constante invenção de novos modos de existência A diversidade cul tural é constitutiva da história de nosso país e justamente por isso é fundamental que professo res e demais trabalhadores da área da Educação formal e informal promovam o reconhecimento dessa diversidade já existente na realidade e tam bém levem em conta os documentos e tratados internacionais das últimas décadas que trazem à questão da diversidade cultural e do direito à diferença como direito humano fundamental As questões que nos são levantadas a partir dessa premissa dizem respeito a como podería mos desenvolver estratégias pedagógicas e pro jetos que levem estudantes e a comunidade como um todo a desenvolver esse valor fundamental da diferença e do valor à diversidade Acreditamos aqui que os caminhos são muitos mas o mais importante é ter em mente certos cuidados e premissas que parecem apontar a relevância de seguir o caminho aqui proposto 52 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 Para aprofundar Dica de filme Entre os muros da escola Entre les murs Direção Laurent Cantet França 2008 Este filme conta a história de um professor de língua francesa François Marin que trabalha em uma escola pública na periferia de Paris As desigualda des sociais e a precariedade das condições de seu trabalho e da vida material de seus alunos se somam à imensa diversidade cultural e de modos de pen sar o mundo destes alunos que são em sua maioria filhos e netos de imigrantes das diversas excolônias francesas na África na Ásia e no Caribe Como lidar e transformar estas diferenças culturais que muitas vezes são fontes de conflito e discriminação em um espaço produtivo de reflexão e transformação do mundo Eis o desafio fundamental que o filme nos coloca A primeira premissa brevemente tratada na Parte 1 deve partir da ideia de que cultura e os fenômenos culturais são direitos humanos fundamentais porque são constitutivos da huma nidade enquanto espécie Todos têm e fazem cultura e portanto o desafio dos educadores está justamente em deslocar a ainda insistente noção de sala de ópera que essa ideia tem no espaço público Logo é importante lembrar aos grupos em formação que eles têm são parte e fazem cultura em suas comunidades e lugares de origem Os saberes de seus avós as brincadei ras de infância e as canções que eles escutam no seu bairro têm o mesmo estatuto cultural que a educação formal e os livros que lhes são apre sentados na escola O ponto fundamental aqui é resgatar mais um dos ensinamentos de Claude LéviStrauss o de que os bens culturais e os artefa tos que produzimos são efeitos desses encontros de diferentes manifestações culturais e artísti cas É no encontro da literatura brasileira com a poesia do Rap e com as letras sobre o prazer e as festas do funk que podemos estabelecer podero sas reflexões sobre a pluralidade as relações de poder e a mútua influência dessas manifestações culturais em nosso território Desde os bairros mais periféricos passando pelas zonas rurais aos bairros classe média de cultura branca de uma metrópole tudo é cultura e compartilha de um mesmo estatuto enquanto fenômeno social É a partir desta base comum que podemos construir reflexões sobre suas diferenças A segunda premissa se encontra na ideia também antropológica de que a cultura é pro duto efeito podemos dizer das relações sociais O que queremos dizer com essa frase Buscamos salientar que os fenômenos culturais e suas carac terísticas distintivas aquilo que muitas vezes usamos para construir nossa identidade e senti mento de pertença não são estáticos e nem nos definem enquanto sujeitos de maneira total e definitiva Há sobre isso um exemplo bastante comum no Brasil que pensa cultura a partir desses termos essencialistas e que é bastante violento em relação à existência e a luta dos povos indíge nas Tratase da ideia equivocada mas comumente replicada de que o fato de os povos indígenas usarem nossas tecnologias e bens de consumo ou o fato de um grande contingente dessa população viver nas cidades e zonas urbanas faz com que percam sua condição de indianidade Dessa forma frases do tipo índio que tem celular e que tem carro não é índio de verdade tem como pressuposto a ideia de que as culturas são estáticas como se as sociedades humanas não trocassem conhecimentos objetos e padrões culturais Mais do que isso essa ideia bastante comum na sociedade brasileira pensa cultura como uma espécie de bolsa ou saco em que acu mulamos ou perdemos uma certa característica distintiva que nos define permanentemente enquanto sujeito ou enquanto comunidade É como se nossa identidade enquanto brasileiro estivesse vinculada ao fato de consumirmos e comermos somente produtos e alimentos que também carregam a mesma classificação étnica brasileiro Acerca dessa questão é muito interessante chamar a atenção dos grupos em formação para o fato de que atualmente por questões geopolíticas e econômicas grande parte dos produtos que usamos e consumimos em nosso dia a dia são provenientes da China mas esse fato do cotidiano não nos faz mais chineses ou menos brasileiros Portanto lembremos sem 53 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 pre cultura é efeito das trocas e das relações entre grupos e está sempre em transformação A terceira premissa que se relaciona dire tamente aos preceitos dos Direitos Humanos no Ocidente está em atentar para o fato que as dis cussões públicas que operam a partir da ideia de cultura estão diretamente vinculadas às relações de poder e à política Se colocarmos aqui como premissa o abandono da ideia de cultura como sala de ópera temos que nos atentar que certas manifestações culturais muitas delas atreladas à certos marcadores sociais da diferença que estru turam historicamente desigualdades profundas no seio da sociedade brasileira são invisibiliza das e vilipendiadas no espaço público Além dos discursos correntes que buscam desindianizar os povos que têm contato e relação com nosso mundo as manifestações culturais oriundas da diáspora afroatlântica e dos descendentes dos povos escravizados no Brasil são alvos constante de violência de discursos que buscam retirar seu estatuto como patrimônio cultural fundamental da história de nosso país As religiões de matriz afro os estilos musi cais saberes tradicionais e outras formas cultu rais provenientes destes grupos sofreram ao longo de nossa história um grande processo de repressão invisibilização e destruição sistemá tica daquilo que teóricos decoloniais chamam de epistemicídio Expressões culturais afro consideradas atualmente como símbolos nacio nais como o samba por exemplo foram alvo de intensa repressão durante as primeiras décadas do Brasil República NETO 2017 E atualmente o funk o rap e a cultura de rua ainda são alvos de caracterizações como sem cultura ou de baixa cultura Nas arquiteturas e museus das cidades é possível chamar a atenção para quais são os agentes e eventos históricos escolhidos para sua monumentalização Quais destes monumen tos se referem à história das populações e das manifestações culturais da afrodiáspora em sua cidade A percepção dessa dinâmica material da cidade pode ser uma interessante via para enten der como a história e a cultura monumentalizada e patrimonializada em um local se ergue a partir da invisibilização de uma série de grupos e de suas manifestações culturais Saiba mais Sobre o conceito de epistemicídio o sociólogo por tuguês Boaventura de Sousa Santos entende como epistemicídio as práticas de não reconhecimento e de destruição de sistemas de conhecimento e de saberes outros que não são oriundas dos sistemas modernos de saberes e conhecimentos das sociedades ocidentais Podemos elencar como exemplos a relação assimétrica entre os saberes médicos de nossa medicina e os saberes tradicionais e ancestrais botânicos e fitoterápicos dos povos indígenas ou das comunidades afro no Brasil deslegitimadas e não reconhecidas pela nossa ciência Também o não reconhecimento do profundo conheci mento ecológico destes povos frente ao atual contexto de colapso climático Sobre esta questão leia SANTOS Boaventura de Sousa Para além do pensamento abissal das linhas globais a uma ecologia de saberes Revista crítica de ciências sociais 78 p 346 2007 A noção de epistemicídio também deve orientar nossas reflexões sobre a construção dos currículos escolares e os conteúdos inseridos nos materiais didáticos aprovados pelo PNLD Pro grama Nacional do Livro Didático e distribuídos nas escolas de que fazemos parte bem como nos materiais que usamos em processo informais de educação Aqui é muito importante destacar a existência da Lei 11645 de 10 de março de 2008 que torna obrigatório nos ensinos Fundamental e Médio o estudo da história e da cultura afro brasileira e indígena O 2º do Art 26A desta lei destaca que estes temas serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras Portanto tratase de um tema transversal que perpassaria todas as áreas de saber que compõem o currículo do ensino básico brasileiro e professores de todas as áreas da matemática às artes devem dar conta de apresentar e refletir a partir das manifestações culturais desses povos A criação dessa lei é produto da luta política e das lutas por reconhecimento dos movimentos 54 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 negro e indígena pela valorização de suas culturas historicamente vilipendiadas pelo próprio Estado brasileiro ao longo de décadas que promoveu políticas de invisibilização domesticação e de apagamento da diversidade em nosso território em favor de sucessivos projetos de construção da Nação A defesa da diversidade cultural em nosso território e a defesa da diferença como um valor em si mesma passa pelo reconhecimento e aplicação integral dessas leis na formação dos docentes nas universidades e na construção dos currículos das disciplinas nos órgãos educacio nais e nas escolas A desmistificação das noções genéricas de índio e do negro constitutivas de narrativas fundadoras do Estado Brasileiro no século XX como a ideia das três raças e da democracia racial passa pela construção de projetos de ensino e de conhecimento que tragam a imensa diversidade de povos e traços culturais das centenas de povos línguas e comunidades que habitam nosso país Por fim é importante destacar e valorizar o espaço escolar e os espaços comunitários de como lugares inseridos culturalmente nas comu nidades bairros e zonas rurais de que fazem parte geograficamente As experiências das pessoas que integram os grupos em formação os bens cul turais que estes grupos compartilham e também consomem as histórias de vida de suas famílias e dos bairros de que fazem parte podem servir como material de reflexão fundamental ao corpo docente formal e informal para aquelas e aqueles que desejam refletir e estudar as dinâmicas e transformações dos processos históricos e cul turais assim como da diversidade de saberes e modos de existência que podem habitar tais espa ços São possibilidades cotidianas e facilmente acessíveis para pensar o fenômeno da cultura com sua complexidade de vida ao mesmo tempo em que deslocam inteiramente a nefasta ideia de que somente certos grupos teriam cultura e outros não É possível assim demonstrar aos grupos em formação aquilo que Roy Wagner nos lembra constantemente em seu livro A Invenção da Cultura de que quando falamos sobre o quanto alguém ou um certo grupo é diferente nos damos conta que nós sempre estamos falando de um certo lugar que também está inserido em uma certa cultura ou culturas Prática 3 Sentidos de identidade Objetivos trabalhar as percepções sobre merca dorias bens culturais e sentidos de identidade Sugestão de desenvolvimento um modo prático e interessante de fazer os grupos em formação pensarem sobre a relação os mecanismos de home geneização do capitalismo globalizado e a lógica da diferenciação das culturas é fazer uma pesquisa rápida sobre a origem de seus bens de consumo Suas vestimentas eletrônicos e materiais escolares foram desenvolvidas por marcas de que países Quais são seus lugares de fabricação made in A partir desta rápida pesquisa discuta com seus alunos a relação ou não relação que nós pode mos fazer entre nosso sentimento de identidade e pertença a nosso país e o uso destas mercadorias CONSIDERAÇÕES FINAIS O fio que nos conduziu durante essa Uni dade teve como ideia uma estruturação em camadas primeiramente observamos como é importante estabelecer um chão conceitual e epistemológico minimamente consistente seguro e amparado nas discussões da antropologia e das ciências sociais acerca do que queremos dizer quando falamos sobre cultura É também impor tante entender seus usos mais comuns no espaço público sua história e genealogia e como o saber antropológico pode nos conferir uma base mais sólida quando formos tratar de taldiscussão com nossas turmas e com a comunidade escolar como um todo Assim vimos que cultura é o termo de que o pensamento ocidental lança mão para entender os diferentes modos de existência e de significação do mundo e de suas mútuas relações Deslocamos a ideia corrente de que somente certos grupos e certos fenômenos teriam cul tura Vimos deste modo que todas os coletivos 55 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 humanos têm e fazem cultura e fomos mais além percebendo que os fenômenos culturais são pro dutos efeitos das relações entre coletivos e sociedades A cultura tem uma lógica dinâmica e está em constante devir e transformação con forme os grupos humanos trocam seus saberes e conhecimentos A partir desta base vimos um pequeno his tórico da noção e das políticas de Direitos Huma nos no Ocidente Nascido como um antídoto à sociedade hierarquizada do Antigo Regime a ideia dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa se constrói com o intuito de instituir a igualdade dos indivíduos perante as leis sendo a ideia de liberdade subsumida a este limite dos Estados Nacionais Os ideais de igualdade e liberdade individual daquele momento foram atualizados no século XX para combater e evitar a repetição dos horrores das grandes guerras e das estruturas de opressão e desigualdade criadas a partir das noções de raça Passa a ser explí cito então que todos são iguais enquanto mem bros da espécie e que todos devem ter acesso às mesmas garantias e direitos Vimos também como os novos movimentos sociais nascidos das discussões sobre colonialismo e liberdade sexual colocam novos desafios aos ideais universalistas da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 O direito à diferença reconhecimento e proteção da possibilidade de se criar modos de existência vão compondo pouco a pouco os tratados e as normativas internacionais sobre Direitos Humanos A diversidade cultural e os direitos coletivos pautados especialmente pelos povos indígenas passam a ser centrais e valores que devem ser protegidos em si mesmos E por fim observamos algumas premissas importantes quando se trabalha a temática da cultura e da diversidade cultural nos processos de ensino São elas 1 a cultura como parte constitu tiva da humanidade enquanto espécie 2 o caráter dinâmico relacional e transformativo dos fenô menos culturais e 3 a intrínseca relação entre a circulação da palavra cultura com a política e as relações de poder Assim percebemos a importân cia de reconhecermos as realidades e os lugares que nossas comunidades diversas ocupam em nossa sociedade e em suas culturas Seguindo os passos do mestre Claude LéviStrauss devemos lutar para que todos tenham o direito e o desejo de se distinguir de ser o que se é A diversidade cultural é pois um valor em si mesmo REFERÊNCIAS ACNUR Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas 2007 Disponível em httpswwwacnurorgfileadminDocumen tosportuguesBDLDeclaracaodas NacoesUni dassobreosDireitosdosPovosIndigenaspdf Acesso em ago 2021 CARNEIRO DA CUNHA Manuela Cultura com aspas e outros ensaios São Paulo Cosac Naify 2009 FOUCAULT Michel Em Defesa da Sociedade Curso no Collège de France 19751976 São Paulo Martins Fontes 1999 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Censo 2010 Disponível em httpscenso2010ibge govbr Acesso em ago 2021 JOHNSON Miranda Honest acts and dangerous supplements Indigenous oral history and historical practice in settler societies Postcolonial Studies 83 p 261276 2005 LÉVISTRAUSS Claude Antropologia estrutural dois São Paulo Cosac Naify 2013 1973 KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo São Paulo Companhia das Letras 2019 MARX Karl O CapitalLivro 1 Crítica da economia política Livro 1 O processo de produção do capital São Paulo Boitempo Editorial 2015 NETO Lira Uma história do samba as origens São Paulo Editora Companhia das Letras 2017 OIT Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho 1989 Disponível em httpswwwoas orgdilport198920ConvenC3A7C3A3o20 sobre20Povos20IndC3ADgenas20e20 Tribais20ConvenC3A7C3A3o20OIT20 n20C2BA20169pdf Acesso em ago 2021 56 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 02 SANTOS Boaventura de Sousa Para além do pen samento abissal das linhas globais a uma ecologia de saberes Revista crítica de ciências sociais 78 p 346 2007 UNICEF Declaração Universal dos Direitos Huma nos 1948 Disponível em httpswwwuniceforg brazildeclaracaouniversaldosdireitoshumanos Acesso em ago 2021 UNESCO Declaração Universal sobre a Diversi dade Cultural 2002 Disponível em httpwww unescoorgnewfileadminMULTIMEDIAHQCLT diversitypdfdeclarationculturaldiversityptpdf Acesso em ago 2021 USP Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 Disponível em httpwwwdirei toshumanosuspbrindexphpDocumentosante rioresC3A0criaC3A7C3A3odaSocie dadedasNaC3A7C3B5esatC3A91919 declaracaodedireitosdohomemedocida dao1789html Acesso em ago 2021 WAGNER Roy A invenção da cultura São Paulo Cosac Naify 2009 57 INTRODUÇÃO Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade Assim começa a Declaração Universal dos Direitos Huma nos adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 É seu artigo primeiro A liberdade a igualdade e a dignidade estão no primeiro artigo desse compromisso entre países para responder às graves violações aos direitos humanos que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial De lá para cá já se passaram mais de setenta anos Nessas décadas o mundo passou por perío dos democráticos e por golpes de Estado por tempos de desenvolvimento social e econômico e por multidões submetidas à fome por progres sos científicos extraordinários e por gente mor rendo por doenças facilmente controladas por medicamentos ou vacinas por níveis de conforto inimagináveis e por gente vivendo em condições absurdamente precárias A promessa do artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos não valeu para todo mundo Nem todo mundo tem condições iguais de viver e se desen volver nem todo mundo tem liberdade de escolha nem todo mundo tem uma vida digna A Constituição de 1988 trouxe os três valo res para o seu texto É para isso que se reúne a assembleia nacional constituinte Para instituir um Estado Democrá tico destinado a assegurar o exercí cio dos direitos sociais e individuais a liberdade a segurança o bemes tar o desenvolvimento a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos fundada na harmo nia social e comprometida na ordem interna e internacional com a solu ção pacífica das controvérsias BRA SIL 1988 Isso já está no preâmbulo no texto de abertura da Constituição A dignidade da pessoa humana está entre os fundamentos da Repú blica Federativa do Brasil no artigo 1º ao lado da soberania da cidadania dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa do pluralismo político e da soberania popular Dessa forma ao trazer os direitos humanos para dentro do texto constitucional o Brasil os reconhece como direitos fundamentais Unidade 03 Direitos Humanos Direitos Fundamentais e Dignidade humana Eneida Desiree Salgado Lígia Melo de Casimiro 58 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 São mais de trinta anos da Constituição de 1988 e de um conjunto grande de direitos funda mentais capazes de promover a liberdade a igual dade e a dignidade mas como no mundo todo aqui nem todo mundo tem uma vida digna liber dade e igualdade A sociedade que deveria ser livre justa e solidária segundo o artigo terceiro do texto constitucional ainda é marcadamente desigual A concentração de riqueza é uma das maiores do mundo O Brasil não é um país pobre mas a maioria da sua população é Há pessoas que nem precisam da Constituição para ter uma vida plena e outras que nem sabem que a Constitui ção impõe ao Estado e aos governos garantir a liberdade e promover a igualdade pelos direitos à educação à saúde à alimentação ao trabalho à moradia ao transporte ao lazer à segurança à previdência social à proteção à maternidade e à infância à assistência aos desamparados e também ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Para que a democracia no Brasil seja efetiva e não apenas um teatro eleitoral é preciso que os direitos fundamentais se concretizem para todas as pessoas e que todas compreendam os valores democráticos e estejam dispostas a defendêlos e a lutar pela garantia dos direitos fundamentais para toda a sociedade Esse é um dos objetivos da Educação em Direitos Humanos fazer com que cada pessoa conheça respeite e saiba acionar os direitos fundamentais não apenas para a garan tia de sua liberdade dignidade e igualdade mas para toda e qualquer pessoa Qualquer mesmo Nesta unidade o foco será nos obstáculos à concretização desses três valores e nos cami nhos para a sua concretização Vamos tratar do que falta do que ainda não foi feito mas tam bém dos caminhos para a realização dos direi tos fundamentais e das ferramentas disponíveis no sistema jurídico e no campo políticos para a sua efetividade Vamos falar de dignidade e de pobreza da dimensão objetiva e subjetiva desse direito fundamental e de sua relação com outros direitos e como podemos agir para vencer essa disparidade entre o que está escrito e o que se vê e se vive PARTE 1 OS DIREITOS HUMANOS E A DIGNIDADE EM DETERMINADO TEMPO E ESPAÇO AS CONSTITUIÇÕES E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Nós costumamos adjetivar os direitos de diferentes formas falamos em direitos naturais direitos humanos direitos fundamentais direitos individuais direitos coletivos direitos difusos direitos de liberdade direitos sociais Esses adjetivos se referem por vezes à dimensão filo sófica ao tempo e ao espaço da previsão desses direitos e à forma de buscar sua concretização outras vezes à titularidade desse direito e outras ainda à sua principal dimensão Para iniciar vamos trabalhar com os três primeiros termos diferen ciando direitos naturais direitos humanos e direi tos fundamentais Quando há referência a direitos naturais o que se afirma é a existência de um conjunto de direitos inatos aos seres humanos que não dependem de nenhuma estrutura política ou jurídica para existirem e para que possam ser reconhecidos Isto é são direitos atemporais não importa o período histórico as condições concre tas de vida o avanço tecnológico as condições econômicas São direitos que derivam de uma leitura filosófica fundamentalmente centrada no ser humano que reconhece a cada pessoa um espaço imune ao poder e aos poderes O principal problema dos direitos naturais é a definição do seu objeto pois não há a previsão desses direi tos em nenhum documento Há sobretudo uma disputa pelo seu conteúdo Os direitos humanos por sua vez alcançam toda a humanidade mas em determinado período histórico A perspectiva aqui apresentada parte do Direito Internacional e está baseada em um reconhecimento de que o estágio civilizatório da sociedade mundial impõe a garantia de um conjunto de direitos a todas as pessoas a ser respeitado por todos os governos em todos os países Ao contrário dos direitos naturais há docu mentos estabelecendo os direitos humanos e há inclusive tribunais para a proteção de pessoas 59 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 contra a atuação de poderes que insistirem em ignorar esses direitos Acerca desse ponto notase dois os pro blemas o primeiro deles se relaciona à baixa efe tividade das decisões dos tribunais e cortes de direitos humanos embora seja possível a conde nação de um Estado pelo desrespeito aos direitos humanos as punições são quase recomendações e dependem muito da boa vontade dos governos para que seja dada alguma resposta concreta O segundo ponto problemático diz respeito a quem afirma quais são esses direitos e qual seu conteúdo há inegavelmente um domínio de determinados países e de determinados grupos na definição desses direitos que acabam por impor uma visão europeia e estadunidense sobre as culturas mundiais Finalmente os direitos fundamentais se referem a um povo específico em um lugar espe cífico e em um tempo específico A perspectiva aqui adotada segue desde o Direito Constitu cional pois os direitos estão previstos em uma Constituição que é a lei máxima de um país e todos os poderes e agentes do Estado têm deve res de respeito observância e concretização dos direitos fundamentais Todas as pessoas podem acionar o Poder Judiciário para ter os seus direitos garantidos Há ainda outros adjetivos que se unem aos direitos Em relação à titularidade falamos dentro da categoria direitos fundamentais em direitos individuais direitos coletivos e direitos difusos Como o próprio nome indica os direitos individuais são aqueles que podem ser exercidos individualmente pelas pessoas que estão subme tidas a um ordenamento jurídico Um exemplo de direito fundamental individual seria a liberdade de expressão e a liberdade de crença Toda e qualquer pessoa tem esse direito e pode exercêlo individualmente Há direitos no entanto que são transindi viduais titularizados por uma coletividade por um conjunto de pessoas e são indivisíveis Esses direitos se classificam em duas espécies a depen der da possibilidade de identificação das pessoas que formam a coletividade se as pessoas as quais o direito se refere podem ser individualizadas estamos então diante de um direito coletivo caso seja impossível determinar exatamente quem são as pessoas que o titularizam estamos diante de um direito difuso É mais fácil entender a diferença quando pensamos no desrespeito aos direitos todas as pessoas têm direito a um meio ambiente saudável e se há um dano ambiental causado por exem plo por um vazamento de óleo nas praias toda a sociedade é atingida inclusive as gerações futu ras Assim o direito ao meio ambiente saudável é um direito difuso Os direitos coletivos estão relacionados a uma categoria de pessoas Imagine a interrupção de fornecimento de energia ou de água aquelas pessoas vinculadas à companhia elétrica ou de água que contrataram o seu ser viço têm coletivamente o direito à prestação de um serviço público de qualidade Muitas vezes os direitos podem ser de titu laridades diferentes a depender do enfoque que se dê a eles Em relação ao direito à saúde uma pessoa individualmente considerada tem o direito individual portanto de acesso aos medicamen tos incorporados ao Sistema Único de Saúde mas não tem o direito individual à construção de um hospital nem à existência de uma autori dade fiscalizadora de medicamentos e vacinas No entanto o direito à saúde engloba os três aspectos e ainda outros Em relação às dimensões é comum a clas sificação dos direitos em 1 direitos de liberdade tidos como direitos de primeira geração ou dimen são 2 direitos sociais ou direitos de igualdade direitos de segunda geração ou dimensão e 3 direitos de solidariedade ou fraternidade direitos de terceira geração ou dimensão Respondendo ao lema da Revolução Francesa e às promessas da modernidade os países democráticos garantem em suas Constituições direitos como 1 a liberdade de expressão a liberdade religiosa a liberdade de profissão a liberdade de consciência a liberdade de imprensa 2 o direito à saúde o direito à educação o direito à assistência social o direito à alimenta ção o direito à moradia o direito ao trabalho 3 o 60 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 direito à autodeterminação dos povos o direito ao meio ambiente equilibrado o direito ao progresso entre tantos outros Costumase afirmar que os direitos de liber dade são direitos que exigem que os poderes públi cos não interfiram no âmbito individual e que os direitos sociais demandam uma atuação dos poderes e agentes públicos para a sua concretização o que implicaria custos para a sua realização Contudo quando partimos de uma percepção mais sofisticada desses direitos vemos que todos eles exigem a um tempo a omissão e a ação dos poderes públicos e que todos eles em alguma medida custam Os direitos políticos são usualmente classifi cados como direitos de primeira geração ou dimen são Seriam assim direitos de liberdade No entanto nem nós e nem você pode exercer seus direitos polí ticos sem que haja um conjunto amplo e custoso de atividades Não podemos votar se a autoridade eleitoral não organizar as eleições convocando e treinando autoridades de mesa disponibilizando urnas e sistemas de apuração organizando a dis tribuição dos materiais mantendo uma estrutura para o recebimento e a análise das candidaturas para as reclamações sobre a campanha eleitoral para verificar a conformidade da eleição e proclamar os resultados Somese a isso os fundos destinados aos partidos políticos às campanhas eleitorais e o volume de recursos envolvidos no exercício de direitos políticos salta aos olhos Ainda vale a pena chamar a atenção para a dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fun damentais na qual o direito que se destaca é a dignidade A Constituição traz a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro ao lado da soberania da cida dania dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político Ser colocado como fundamento significa que toda a legisla ção todas as políticas públicas todas as decisões devem ter como ponto de partida esses valores e os resultados das ações executivas legislativas e judiciárias não podem contrariálos A dignidade da pessoa humana é um prin cípio constitucional estruturante do direito bra sileiro e também de toda a organização política e social e além disso é um direito fundamental Assim pensado na primeira percepção estaríamos diante da dimensão objetiva da dignidade e na segunda relacionada com o direito fundamental nos deparamos com sua dimensão subjetiva A relevância dessas duas abordagens está na pos sibilidade de pensar a proteção e a promoção da dignidade para além das pessoas individualmente consideradas A ausência de condições de vida digna não ofende apenas o direito à dignidade daquela pessoa atingida dimensão subjetiva da dignidade mas também afeta o princípio da dig nidade da pessoa humana como fundamento do Estado dimensão objetiva da dignidade A combinação dessas duas dimensões tem como efeito o reconhecimento de que a superação de condições indignas de vida não é exigida apenas por questões individuais a partir de uma visão de direitos individuais para a melhoria da vida apenas das pessoas que vivem em condições indignas Toda a sociedade é afetada quando estamos diante de condições indignas de vida e a superação dessa situação é dever de todas as pessoas de todos os agentes públicos e de todos os poderes estatais Por um lado essa concepção dupla da digni dade faz com que o problema de algumas pessoas seja o problema de toda a sociedade O estado do sistema prisional a fome a falta de saneamento básico de moradia de saúde de educação a vio lência cotidiana e o medo não ofendem apenas os direitos das pessoas que estão presas que passam fome que moram nas ruas que sofrem violência também o princípio da dignidade da pessoa humana fundamento da República bra sileira é desrespeitado A sociedade brasileira decidiu colocar em sua Constituição que não admite que qualquer pessoa viva em condições indignas definindo como tarefa dos poderes públicos a superação dessas condições A exis tência de prisões superlotadas e sem higiene de pessoas passando fome e sem ter onde morar e a violência que impõe o medo entre tantas outras coisas são inconstitucionais no Brasil Essa dimensão dupla da dignidade da pes soa humana pode ser utilizada também para 61 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 restringir a autonomia individual para impedir o exercício de determinadas atividades Assim a dimensão objetiva da dignidade como algo que está para além da esfera individual teria a capacidade de impedir que determinada pessoa servisse por exemplo como alvo para o arre messo de tortas na rua em troca de moedas ou como um peso a ser arremessado em uma casa noturna casos discutidos em tribunais em outros países ainda que afirmasse ter decidido livre mente praticar essas atividades Aqui cabe um alerta a autonomia individual também faz parte da dignidade Determinar portanto o conteúdo e o alcance da dignidade tanto como princípio quanto como direito não é algo fácil porque não há uma definição constitucional As constituições tra zem pistas sobre isso como a previsão de outros direitos fundamentais de princípios valores e tarefas para os poderes públicos Entretanto as demandas da dignidade são progressivas sempre haverá mais possibilidades de melhorar a vida das pessoas pelo desenvolvimento científico tecnológico e social Saiba mais O Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema da dig nidade da pessoa humana em muitas decisões São destacadas questões de pessoas com deficiência e polí ticas públicas ADI 2649 pesquisa com célulastronco ADI 3510 a anistia aprovada pela ditadura militar ADPF 153 violência doméstica ADI 4424 a condução coercitiva ADPF 395 e ADPF 444 a doação de sangue por homossexuais ADI 5543 o trabalho e os progra mas de reintegração de presos e egressos do sistema carcerário ADI 4729 Vale a pena dar uma olhada na página A Constituição e o Supremo httpsportal stfjusbrconstituicaosupremo e quem tiver mais tempo ler a decisão da ADPF 347 que trata do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro aqui a medida cautelar httpsredirstfjusbrpagina dorpubpaginadorjspdocTPTPdocID10300665 O julgamento também pode ser assistido no canal do STF no Youtube Para aprofundar Há diversos livros e filmes que retratam as condições de vida indigna em distintas épocas históricas Para um retrato desde a Revolução Industrial sugerimos Germinal de Émile Zola O livro foi publicado inicial mente em 1885 e o filme é de 1993 Também no contexto francês há Os Miseráveis de Victor Hugo de 1862 com várias adaptações para o cinema uma delas como musi cal em 2012 Sobre as atrocidades da Segunda Guerra Mundial que provocaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos A Vida é Bela filme de 2007 é mais leve que outros tantos O Diário de Anne Frank publi cado originalmente em 1947 também pode gerar bons debates Ainda vale uma visita ao Museu do Holocausto em Curitiba Prática 1 Mapeando direitos 1 Manuel Bandeira escreveu em 1947 um poema chamado O bicho A partir da leitura do poema convide o grupo a refletir se de fato o bicho era um homem tido como titular de direitos 2 A partir do curtametragem Ilha das Flores de Jorge Furtado lançado em 1989 reflita junto com o grupo sobre o que mudou nessas mais de três déca das e se aquelas pessoas retratadas eram titulares de direitos naturais humanos e fundamentais 3 Com a turma construa democrática e delibe rativamente um catálogo de direitos que seriam essenciais para garantir a existência de uma socie dade livre justa e solidária Peça que apresentem a justificativa para a inclusão ou a exclusão de direitos PARTE 2 UMA APROXIMAÇÃO À NOÇÃO CONSTITUCIONAL DE DIGNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 UMA COMPREENSÃO A PARTIR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Todo o poder emana no povo constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre justa e solidária homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações 62 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante a casa é asilo inviolável do indivíduo é garantido o direito de propriedade a propriedade atenderá a sua função social é garantido o direito de herança a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e l iberdades fundamentais é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral são direitos sociais a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social a política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bemestar e a justiça sociais Todos esses trechos acima estão escritos na Constituição brasileira elaborada entre 1987 e 1988 O texto produto do seu tempo e sem poder antecipar questões que surgiriam com o novo século é muito mais rico em previsões de direitos e de tarefas para os poderes públicos A Constituição cria o mais amplo sistema público de atenção à saúde o SUS trata da proteção de quilombolas de indígenas e de um amplo conjunto de direitos relacionados às relações de traba lho Para entender o que está abrangido na ideia de dignidade tanto em sua dimensão subjetiva quanto em sua dimensão objetiva temos que inserir todos os direitos fundamentais previs tos pelo texto e ainda mais A Constituição de 1988 traz também uma cláusula de abertura no parágrafo segundo do seu artigo 5º segundo a qual os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte Com esse dispositivo o conjunto de direitos fundamentais atribuídos a cada pessoa que vive sob a Constituição de 1988 é ampliado incluindo não apenas aqueles direitos humanos previstos nos tratados internacionais como o Pacto de San José da Costa Rica por exemplo mas também direitos decorrentes do regime político democrá tico e dos princípios adotados pela Constituição Ou seja temos certeza sobre o mínimo que deve compor a dignidade tanto em seu aspecto obje tivo como princípio constitucional quanto em seu aspecto subjetivo como direito fundamental mas o poder público precisa garantir mais do que isso pois a Constituição traz essa promessa Para que as pessoas que vivem sob a Cons tituição de 1988 tenham dignidade é preciso que tenham liberdade de expressão liberdade de crença liberdade religiosa segurança invio labilidade de suas casas sejam tratadas adequa damente inclusive quando estejam cumprindo pena não haja diferenças baseadas em gênero ou raça ou classe proteção ao direito de proprie dade e também garantia do direito de moradia de saúde de educação de alimentação a um sistema tributário justo à justiça social e à igualdade É preciso que tenham possibilidade de levar sua vida com condições para desenvolvimento pes soal sem medo com acesso a serviços públicos de qualidade No Direito Constitucional algumas pessoas se referem a um mínimo existencial que cor responderia àquela parcela dos direitos funda mentais que pode ser demandada judicialmente ou seja se alguém não tiver garantidos esses direitos que compõem o mínimo existencial é cabível uma ação judicial para cobrar dos poderes públicos o atendimento às necessidades daquela pessoa Tratamse de garantias para condições mínimas de existência digna que a partir de pre visões constitucionais estabelecendo a obrigação 63 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 de sua prestação pelos poderes públicos e pela sociedade estariam abarcadas pela definição menos ambiciosa possível da dignidade em suas dimensões objetiva e subjetiva Não basta que as pessoas tenham condi ções mínimas de sobrevivência A Constituição garante mais do que o direito à vida ela garante condições de vida digna Ou seja não apenas impede que os poderes públicos retirem ou afetem elementos integrantes da existência com dignidade como moradia saúde educação alimentação acesso a bens culturais lazer mas também determina que os poderes públicos prestem serviços e forneçam bens para que as pessoas alcancem as condições para uma vida digna Vale lembrar que se alguma pessoa sobre vive em condições indignas estamos diante de uma ofensa a um princípio constitucional a dignidade em sua dimensão objetiva O mínimo existencial não é algo estático pois seu conteúdo é crescente vai se expandindo com o desenvolvimento social econômico cul tural e tecnológico Pensemos sobre o acesso à internet inicialmente com tantas carências em uma sociedade profundamente desigual seria possível pensar que ele não estaria englobado no mínimo existencial naquele conjunto de direi tos em um patamar necessário para uma vida digna No entanto hoje em dia o acesso à infor mação pública os serviços públicos e até mesmo o cadastro para vacinação estão sendo feitos pela internet Assim algo que poderia parecer supérfluo quase um luxo em uma sociedade em que há gente que não tem o que comer deve ser tido como uma das condições para a vida digna ao lado da educação da saúde da alimentação do trabalho da moradia do transporte do lazer da segurança da previdência social da proteção à maternidade e à infância da assistência aos desamparados da segurança da proteção contra tratamento cruel e degradante da representação política dentre outros direitos fundamentais previstos na Constituição Vemos assim que os direitos fundamentais são previstos por um texto constitucional em um determinado país com validade em todo o terri tório alcançando todas as pessoas e contam com uma estrutura para o seu cumprimento e concreti zação Os direitos fundamentais vinculam os três poderes públicos exigindo do Poder Legislativo que as leis levem em consideração os direitos fundamentais e os efetivem do Poder Executivo a elaboração e a execução de políticas públicas para que todas as pessoas tenham a possibilidade de exercer seus direitos e do Poder Judiciário que os direitos fundamentais sejam considerados quando do cumprimento de penas e também que garanta que os demais poderes cumpram suas tarefas em face dos direitos fundamentais A partir dessa descrição alguém poderia pensar que as pessoas que vivem sob uma Cons tituição que foi feita democraticamente têm seus direitos respeitados garantidos e concretizados pelos poderes públicos No entanto é só andar uma ou duas quadras no centro de nossas cidades para descobrir que a realidade está muito distante desta descrição A Constituição brasileira de 1988 é uma das mais generosas na previsão de direitos fundamentais estabelecidos para a construção de uma sociedade livre justa e solidária para garantir o desenvolvimento nacional para a erradicação da pobreza e da marginalização para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a promoção do bem de todas as pessoas O mesmo acontece nos países da Amé rica Latina tanto nos que escreveram sua Cons tituição há mais de cem anos como o México quanto aqueles que fizeram suas Constituições mais recentemente como o Equador e a Bolívia O constitucionalismo social aquele que obriga os países a promoverem direitos para a redução das desigualdades sociais como o direito à edu cação e à saúde foi criado com a Constituição mexicana de 1917 e ainda assim a sociedade mexicana é marcadamente desigual e segundo informações do Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social daquele país 488 das pessoas de lá viviam abaixo na linha da pobreza em 2018 Se vamos para os países que incorporaram direitos ainda mais avançados em seus textos constitucionais encontramos situações seme 64 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 lhantes A Constituição equatoriana de 2008 traz como detentoras de direitos pessoas comunidades povos nacionalidades e coleti vos além de prever a natureza como sujeito de direitos Os direitos a bem viver direito à água e alimentação ambiente são comunica ção e informação cultura e ciência educação moradia saúde trabalho e seguridade social e os direitos da natureza respeito integral à sua existência manutenção regeneração e restau ração estão entre os direitos expressamente estabelecidos No entanto o índice de pobreza multidimensional indicado pelo órgão oficial desse país em 2020 é de 402 A Bolívia em sua Constituição de 2009 instituiu um Estado Plurinacional fundado na pluralidade e no pluralismo político econômico jurídico cultural e linguístico O texto constitu cional boliviano fala em direitos fundamentais das nações e povos indígenas originários fundados no respeito aos seus costumes aos conhecimentos tradicionais e às visões de mundo Ainda assim e apesar de uma legislação específica contra o racismo o país ainda apresenta episódios de discriminação Em todos os países parece haver uma dis tância entre as previsões constitucionais e a vida concreta das pessoas e esse é o principal problema dos direitos fundamentais a falta de efetividade dos dispositivos constitucionais que estabelecem um conjunto cada vez mais ambicioso de direitos que exigem a atuação dos poderes públicos Essa falta de aplicação das previsões constitucionais impacta de maneira mais intensa na vida das pes soas que mais precisam da atuação dos poderes públicos a ausência de uma educação pública de qualidade obviamente prejudica quem não pode pagar educação privada Semelhante lógica também se aplica à saúde Há nitidamente uma concretização sele tiva dos direitos fundamentais A propriedade privada por exemplo é protegida muitas vezes para além dos dispositivos constitucionais que impõem o respeito à função social Essa concep ção absoluta do direito de propriedade impede a concretização de outros como o direito à moradia Outro desvio diz respeito às demais liberdades públicas também mais protegidas que os outros direitos sociais Essa leitura acaba por impor um recorte classista à força normativa dos direitos fundamentais em uma inversão que protege quem tem mais condições de se proteger e deixa ao léu exatamente quem mais precisa de proteção para garantir sua digni dade e como vimos a dignidade como valor constitucional Essa situação que por vezes sugere uma preocupação maior com grandes proprietários do que com quem não tem um pedaço de chão para viver pode ser atribuída à composição e formação dos chamados órgãos de sobera nia o Poder Legislativo o Poder Executivo e o Poder Judiciário A maneira como são forma das e selecionadas as pessoas que vão compor esses órgãos acaba por privilegiar um deter minado perfil social que tem determinados recursos que não estão ao alcance de todas as pessoas As campanhas eleitorais custam tempo e dinheiro e os concursos públicos para os cargos do Poder Judiciário demandam tempo livre para estudo o que não está ao alcance de todas as classes sociais Ainda que possa haver exceções o retrato de nossos parlamentos governos juízos e tribu nais nos mostra um conjunto de pessoas muito mais homogêneo do que aquele que representa a sociedade brasileira Há assim uma tendência a uma visão de mundo compartilhada por agen tes de poder e por uma parcela muito pequena da população brasileira Em uma leitura mais direta os poderes são brancos masculinos pro prietários cristãos cisgêneros e heterossexuais E como todo mundo as pessoas que ocupam esses espaços de poder analisam as situações a partir de suas experiências e seus valores O que se tem assim é uma sobrerrepresentação de um modo de vida e a subrepresentação de todos os outros Isso impacta diretamente na maneira como são considerados os direi tos fundamentais e como são seletivamente concretizados 65 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 Nosso grande desafio para democratizar os direitos fundamentais e para fazer com que a dignidade como direito e como valor constitu cional seja garantida e promovida é trazer as promessas constitucionais para a vida concreta É levar os direitos fundamentais a sério e exigir que nenhuma pessoa seja obrigada a viver em con dições indignas É perceber que todas nós somos pessoas afetadas quando alguém passa fome quando alguém não tem atendimento médico quando não há escola de qualidade quando pes soas são tratadas com desprezo e crueldade em nossas prisões Se alguém vive indignamente a sociedade toda é indigna Saiba mais O Conselho Nacional de Justiça fez uma aná lise sobre o Poder Judiciário brasileiro O Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiro relatório produzido em 2018 usando o masculino neutro mostra quem são as pessoas que tomam as decisões em nome do Estado para resolver proble mas concretos entre partes A partir da análise dos dados é possível compreender por que determinadas respostas judiciais ainda trazem um forte recorte de gênero de raça e de classe o que é marcante nos casos de violência contra as mulheres O relatório está disponível neste link httpswwwcnjjusbr wpcontentuploads2011025d6083ecf7b311a56e b12a6d9b79c625pdf Para aprofundar Há diversos livros e filmes que retratam as condições de vida no Brasil e que apresentam um cenário bas tante distante da ideia de dignidade Um deles é o emocionante Quarto de Despejo diário de Carolina Maria de Jesus que vivia em uma favela na década de 1950 O filme Carandiru de 2003 também é mar cante com seus relatos de violência superlotação e condições indignas Dois documentários tratam do sistema de aplicação do Direito Justiça 2004 e Juízo 2008 ambos de Maria Augusta Ramos A saber o segundo tem como tema adolescentes em conflito com a lei Prática 2 Compreendendo direitos fundamentais Vez ou outra se ouve ou se lê principalmente nas redes sociais a frase Direitos humanos são para humanos direitos Provoque uma discussão sobre como isso se combina com os preceitos fundamen tais que tratam de dignidade como direito funda mental e como princípio constitucional Dois ditados relacionam a sociedade com a dig nidade humana Um deles afirma que é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visi tando suas prisões e o outro bastante aproximado a esse traz que a verdadeira medida de qualquer sociedade pode ser encontrada em como ela trata seus membros mais vulneráveis Considerando as condições das prisões brasileiras e a forma como são tratadas as mulheres as pessoas negras as pessoas com deficiência provoque uma reflexão sobre qual seria nossa medida como sociedade ou nosso grau de civilização Com a turma construa democrática e deliberati vamente um conceito de mínimo existencial para a dignidade da pessoa humana verificando as demandas que surgem do debate PARTE 3 A DIGNIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL E COMO VALOR CONSTITUCIONAL DIREITO À EDUCAÇÃO DIREITO À SAÚDE E DIREITO À MORADIA O direito à moradia à educação e à saúde são condições para a realização da dignidade humana Compõem sem dúvida o mínimo exis tencial aquela concepção mais modesta pos sível da dignidade como direito fundamental e como valor constitucionais Além disso estão nitidamente relacionados com as desigualda des sociais que marcam nossa sociedade o que desafia aquela aplicação seletiva dos dispositivos constitucionais de que tratamos no último ponto O direito à moradia à educação e à saúde são instrumentos que viabilizam a justiça social pro metida pela Constituição e impõem aos poderes públicos tarefas de distribuição redistribuição e serviços de bens materiais 66 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 Os poderes públicos são promotores dos direitos fundamentais com a função de redistri buir a riqueza na sociedade por meio de políticas públicas e prestações de serviços e os direitos sociais são essenciais para definir a promoção e garantia de acesso a todos os direitos sem exce ção O caráter social dos direitos fundamentais se concentra na garantia da igualdade material e a educação a saúde e a moradia são essenciais para a garantia de condições de existência digna para todas as pessoas e da garantia da dignidade para a sociedade em sua dimensão objetiva Os direitos sociais representam uma mudança da postura passiva dos poderes públi cos para uma atuação ativa positiva prestacional impondo obrigações de fazer os poderes públicos a União os Estados e os Municípios protegem direitos e também os promovem implantando serviços e atuando no sentido de não condenar à indignidade quem não consegue dar conta por si só de suas necessidades Essa tarefa não depende de quem está exercendo o poder temporaria mente nem dos resultados eleitorais a exigência de uma atuação dos governos para a promoção e execução de políticas públicas para garantir o acesso de todas as pessoas à saúde à educação e à moradia é imposta pela Constituição O desafio de promover direitos em um país em desenvolvimento como o Brasil é uma árdua tarefa Sua efetivação somente tem condições de ocorrer mediante esforços conjugados por uma ordem jurídica comprometida com valores sociais fortes vontade política atrelada e compromissada com o Estado Constitucional e participação da sociedade como parceira do Poder Público Há por vezes justificativas de falta de recursos finan ceiros para a concretização desses direitos mas como uma das grandes economias do mundo o Brasil tem condições de dar conta dessa dimensão da dignidade para toda a sua população Nem todos os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição receberam o mesmo tra tamento Tanto a saúde quanto a educação além das menções no título dos direitos e garantias fundamentais têm uma seção própria no título sobre a ordem social A saúde é tratada especifica mente entre os artigos 196 e 200 da Constituição com a determinação de que a saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redu ção do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção proteção e recuperação A Constituição de 1988 determina a criação de um sistema único e universal de atendimento à saúde um dos sistemas mais completos do mundo ape sar de seus desafios para dar conta de demandas crescentes de uma população numerosa A educação está tratada entre os artigos 205 e 214 da Constituição cuja seção específica inicia por determinar que a educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidada nia e sua qualificação para o trabalho Ali estão também os princípios do ensino a previsão da autonomia universitária a educação pública e a divisão de obrigações entre União Estados e Municípios a garantia de educação básica gra tuita dos quatro aos dezessete anos como direito público subjetivo que pode ser buscado no Poder Judiciário em caso de não oferecimento entre outros dispositivos Tanto a educação quanto a saúde têm na Constituição a garantia de investi mentos e de reserva de recursos tributários mas a Emenda Constitucional n 95 de 2016 instituiu um Novo Regime Fiscal por vinte anos atingindo fortemente a concretização e garantia desses direitos No caso do direito à moradia a Constituição o prevê como direito social no artigo 6º desde a Emenda Constitucional n 26 de 2000 e estabe lece como competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico artigo 23 IX Além disso há um capítulo sobre política urbana em que estão definidas as diretrizes e os instrumentos especí ficos que garantam o pleno desenvolvimento das 67 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 funções sociais da cidade dentre elas a moradia e o bemestar das pessoas O direito à moradia se constitui em uma pretensão individual e também da coletividade perante os poderes públicos É um direito que exige a ação positiva do Estado mediante a execu ção de políticas públicas habitacionais que podem envolver novas construções ou a regularização dos locais ocupados para tal fim E para além disso é dever do Estado impedir a regressividade do direito à moradia tomando todas as medidas de promoção e proteção deste direito inclusive com impedimento de remoções forçadas Como visto o Estado Democrático e Social de Direito busca garantir por meio de suas fun ções a realização da justiça social que abrange a promoção de acesso às condições mínimas de existência e convivência social Tal modelo remete à proteção e à garantia dos direitos fundamentais no campo material Sendo os poderes públicos res ponsáveis pela proteção e promoção dos direitos fundamentais e de tudo o que os envolve cabe à Administração Pública a elaboração técnica do planejamento de políticas públicas urbanas para que possam ser executadas de acordo com as necessidades da sociedade e o respaldo norma tivo dado não só pela Constituição como também pelo Poder Legislativo A ampliação do papel estatal com a res ponsabilidade em garantir o direito à moradia concretizando um direito fundamental social impõe ações positivas por parte do Estado ela borando projetos de habitação social programas de regularização fundiária colocando à disposi ção da população serviços de assistência jurídica gratuita No que compete à política de acesso à moradia diante dos assentamentos irregulares a ação administrativa se apresenta como ativi dade vinculada aos comandos constitucionais e infraconstitucionais O direito à moradia é portanto um direito vinculado a prestações positivas pelo Estado planejamento e elaboração de políticas públicas destinadas a garantir o pleno desenvolvimento e a redução das desigualdades sociais A tarefa de planejamento urbano e sua materialização são formas de manifestação estatal a serem guiadas por valores que no caso brasileiro estão prede terminados no texto constitucional em especial no artigo 3º que trata dos objetivos da República brasileira A condição econômica leva milhares de pessoas a viverem em habitações precárias há favelas cortiços loteamentos irregulares e clan destinos sem nenhuma infraestrutura de servi ços além da insegurança da posse que assola moradores submetidos a situações desumanas escravizados pela necessidade de ter um abrigo e sendo explorados por quem detém a propriedade ou administra os cortiços uma das alternativas de moradia precária das mais cruéis Para o acesso à moradia é preciso ter acesso à terra urbana ou seja a democratização da terra é instrumental para contribuir com a viabilização do direito de morar bem para exercer a cidadania e ter res peitada a dignidade humana O acesso à terra implica o acesso a um conjunto de equipamentos e serviços urbanos e a dificuldade de acesso implica a ausência do Poder Público A liberdade meramente jurídica simples permissão de fazer ou deixar de fazer algo sem as condições existenciais que a assegurem não passa de um conceito abstrato descolado da realidade Para um indivíduo desempregado sem teto para morar ou morando de maneira indigna faminto doente sem acesso à educação para que servi riam as liberdades civis e políticas ou a previsão de que diante da lei todos são iguais em deveres e direitos A construção de uma sociedade justa e solidária se dá com a redução das desigualdades sociais da pobreza e da marginalização o que não é possível de acontecer sem garantir o acesso à moradia para aquelas pessoas que não possuem condições para por si só alcançálo efetivamente A garantia do direito de morar dignamente faz parte do direito ao pleno desenvolvimento e emancipação econômica social e cultural do povo brasileiro tendo fonte no direito de que toda pessoa tenha um nível adequado de vida A violação do direito de morar leva à viola ção dos demais direitos sendo assim imperioso 68 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 reconhecer que a omissão do Poder Público em garantir o acesso adequadamente impede con sequentemente o acesso a vários outros direi tos dentre eles a saúde e o bemestar de todo o grupo social gerando uma série de prejuízos vitais à existência digna e à boa convivência em sociedade Toda pessoa tem direito a um nível ade quado de vida que inclua moradia alimentação saúde vestimenta trabalho uma combinação de valores que constrói e dá forma aos fun damentos do Estado Democrático de Direito brasileiro dentre eles a dignidade da pessoa humana O direito de morar dignamente está diretamente vinculado à condição econômica que remete ao acesso ao trabalho e a progra mas de geração de renda tornando a pessoa capaz de ter acesso a todos os direitos que lhe são inerentes pela sua condição humana dentro do que está descrito na Constituição como ideal de vida A previsão normativa do direito à moradia não se trata de mera indicação jurídica de eficácia mínima algo como uma sugestão aos poderes públicos mas de uma norma que possui aplicação imediata a ser entendida dentro do contexto constitucional firmada nos instrumentos que a própria Constituição indica e descreve Além do que a promoção de sua acessibilidade apresenta se como verdadeiro interesse público a ser satis feito já que se trata de um direito fundamental social ligado à vida concreta de cada pessoa e ao bemestar geral de toda a sociedade A Constituição de 1988 estabeleceu um papel para o Estado brasileiro que o identifica como Estado Social não pela descrição explícita de tal denominação mas pelo delineamento que lhe concede A submissão dos poderes públicos aos direitos fundamentais é uma condição de validade para sua atuação administrativa o que vincula a promoção do direito à moradia adequada à função administrativa e ao legítimo exercício das atividades estatais Os objetivos da República democrática os princípios fundamentais que têm a função de nortear o comportamento dos poderes públicos a previsão dos direitos fundamentais o princípio da função social da propriedade caracteriza o Estado como verdadeiro fiador do pacto social com a tarefa de intervir na provisão de bens e serviços garantindo o direito ao exercício da cidadania que inclui o acesso à moradia adequada Dentro desse balizamento jurídicopolítico encontrase a previsão do direito social à moradia e as diretrizes para ações estatais que possam pro mover o acesso a tal direito como o planejamento urbano a regulação da atividade privada que inclui a incremento na economia para a produção de habitações e o seu barateamento levando à ampliação da oferta e sua acessibilidade bem como o investimento em regularização fundiária para os casos em que a população buscou realizar seu direito à margem da lei Ao instituir as competências deveres e obrigações dos entes federativos o texto cons titucional indicou a base de ações que podem atender aos objetivos da República brasileira De acordo com tais previsões que se referem ora a políticas públicas a serem implantadas ora a instrumentos jurídicos ora a ações efetivas a serem desenvolvidas pelo Poder Público ou Federal ou Estadual ou Municipal verificase que o dever de atuar descende da Constituição e se especializa por meio de normas infraconsti tucionais indicativas das prestações estatais que podem transpor o ideal e se tornarem realidade A promoção da inclusão social e do desen volvimento econômico que não ocorre esponta neamente possibilita a expansão das capacidades individuais e coletivas das pessoas permitindo que haja correção da desigualdade social Desse modo acessar a moradia adequada ansiada por grande parte da população requer uma gama de serviços equipamentos públicos e infraestru tura que se resumem no exercício da atividade administrativa eficiente e impessoal exigindo do Poder Público investimentos que sem pla nejamento não conseguem ser realizados mas que não podem deixar de ser implementados por tal motivo 69 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 A moradia como a saúde e a educação não é garantida igualmente para todas as pessoas Para algumas delas poucas é verdade sequer precisariam estar previstas como direitos funda mentais pelo menos em seu caráter prestacio nal que exige uma atuação positiva dos poderes públicos para a sua concretização A pobreza e a desigualdade social são marcas da sociedade bra sileira e se refletem na baixa efetividade desses direitos para grande parcela da população Os direitos fundamentais sociais estão longe de serem alcançados por todas as pessoas e essa situação é inconstitucional Aos poderes públicos cabe o papel insubstituível de instân cia promotora desse acesso especialmente os de ordem social permitindo o desenvolvimento humano sustentável que inclui o desenvolvi mento socioeconômico Não é algo que dependa da decisão política de governantes aos poderes públicos cabe assegurar condições reais e está veis para que os indivíduos possam ter acesso a bens e serviços que possibilitem uma vida digna Para cumprirem esta tarefa devem valerse de todos os instrumentos postos à sua disposição pela Constituição e por leis específicas É de se compreender que a Administração Pública e a prática de políticas públicas compõem o arsenal estatal para promover e proteger os direitos fun damentais sociais inegavelmente necessários à liberdade com dignidade Prática 3 Dignidade e direitos sociais 1 Em meio à pandemia de covid19 o número de ações com pedido de despejo aumentou 79 no estado de São Paulo no primeiro trimestre de 2021 HYPERLINK httpswwwboluolcombr noticias20210527acoespedidodedespejos paumentamhtm hhttpswwwboluolcom brnoticias20210527acoespedidodedespe jospaumentamhtm Junto ao grupo a partir dessa notícia analise criticamente as medidas judiciais que envolvem a relação entre direito de propriedade e direito à moradia com base na Constituição brasileira 2 O direito à saúde é garantido de várias manei ras no Brasil Uma delas é a concessão gratuita de medicamentos inclusive de alto custo e para quem não tem condições de pagar por eles Ao mesmo tempo é comum nos depararmos com notícias sobre atendimento precário nos postos de saúde Estimule um debate no grupo sobre qual seria uma solução adequada para essa ques tão referente ao direito à saúde 3 Com a turma construa democrática e delibe rativamente o conteúdo do direito à educação discutindo o que deveria ser garantido gratuita mente e qual deveria ser o conteúdo obrigatório para todas as crianças e adolescentes Saiba mais O Supremo Tribunal Federal recebeu uma argui ção de descumprimento de preceito fundamen tal ADPF 831 contra a Emenda Constitucional n 952016 que estabeleceu o Novo Regime Fiscal e reduziu os gastos com a concretização dos direitos fundamentais sociais O pedido se concentra na imposição aos poderes públicos de ações de combate à fome A ação proposta em abril de 2021 pode ser acompanhada no sítio do Tribunal httpsportalstfjusbrprocessos detalheaspincidente6160211 Buscando sus pender medidas de remoção desocupação reintegrações de posse ou despejos durante a pandemia a arguição de descumprimento de preceito fundamental 828 ADPF 828 também foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal em abril de 2021 buscando resguardar o direito à moradia Em 03 de maio o relator Ministro Luís Roberto Barroso determinou a suspensão por seis meses das medidas contra ocupações que já estavam instaladas quando da decretação do estado de calamidade pela pandemia Para acompanhar as respostas do Tribunal veja esse link httpsportalstfjusbrprocessosdetalhe as pincidente6155697 70 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 Para aprofundar Sobre os direitos fundamentais sociais que são ver dadeiros marcadores da desigualmente da sociedade brasileira vale assistir Sobre o Sistema Único de Saúde há um vídeo curto de um pouco mais de três minutos produzido pelo Programa de Projetos de Monitoria de Graduação da Universidade Federal do Ceará campus Sobral dis ponível em httpswwwyoutubecomwatchveU JXANKpnJ8abchannelConexC3A3oSUS Sobre o direito à moradia vale assistir o filme Aquarius de 2016 E ainda está disponível no Youtube https wwwyoutubecomwatchv3AVSjJ6l3T8 o documen tário Por Um Sonho Urbano que trata da ocupação de um imóvel no centro de Porto Alegre e o documentário À Margem do Concreto httpswwwyoutubecom watchveucSrXW5SdE Por fim vale a leitura de Torto Arado romance de Itamar Vieira Junior de 2019 ganhador do prêmio Jabuti CONSIDERAÇÕES FINAIS Do discurso dos direitos humanos e da previsão dos direitos fundamentais nas Consti tuições às condições concretas da vida das pes soas há um abismo imenso O que está no mundo está devendo muito para o que está nas normas Porém em um Estado Democrático de Direito como o Brasil os dispositivos constitucionais contam com força normativa e a realidade deve ser modificada pela ação dos poderes públicos A igualdade material e a dignidade das pes soas são fundamentos para a existência e para o funcionamento do poder político Não depende de quem venceu as eleições pela Constituição o que fazer já está definido o que pode mudar é o como fazer A Constituição brasileira de 1988 traz a dignidade como direito fundamental dimensão subjetiva e como valor constitucional dimensão objetiva desta forma se qualquer pessoa vive em condições indignas toda a sociedade sofre a indignidade A Constituição também traz os instrumentos para a concretização dos direitos A efetividade dos direitos fundamentais em sociedades profundamente desiguais como o Brasil é atingida por recortes de gênero de classe e de raça As minorias que não são minorias numericamente mas são em relação aos postos de poder enfrentam diversos obstáculos para alcançar o respeito e a concretização de seus direitos como a elaboração de políticas públicas que não levam em consideração sua opinião e suas necessidades e também a composição dos poderes públicos que não compartilham de suas experiências e vivências A falta de conhecimento de seus direitos e dos instrumentos para tornálos realidade afasta parte da população brasileira da Constituição e de suas promessas A educação para os direitos humanos pode dar conta dessa lacuna aproxi mando as pessoas de seus direitos para isso entretanto é preciso que as pessoas se sintam autoras da Constituição tanto para que façam valer seus direitos quanto para defender os valo res constitucionais e democráticos lembrando que as decisões constitucionais estão acima dos governos ainda que democraticamente eleitos A existência de uma nação de uma comu nidade presume que compartilhamos o mesmo passado e o mesmo futuro Ou seja que nossas ações e discursos presumam que estamos todas e todos no mesmo barco Essa é uma das funções das constituições constituir um povo promo ver a integração de um conjunto de pessoas por seus valores E um de nossos valores centrais é a solidariedade Não a solidariedade como cari dade que estabelece uma relação de gratidão individualizada entre quem dá e quem recebe mas uma solidariedade objetiva mediada pelos poderes públicos concretizada pela justiça social Em pleno século XXI com tantos desen volvimentos técnicos e tecnológicos com tanta produção de riqueza não é possível que ainda tenhamos gente sem comida sem serviços de saúde sem acesso à educação e sem um teto todo seu Com tantos avanços já teríamos que ter erradicado a pobreza e reduzido as desigualdades Os poderes públicos têm o dever de observar 71 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 03 e concretizar os direitos fundamentais mas a cidadania também tem deveres em uma socie dade republicana democrática deve conhecer a Constituição e fazêla valer a fim de garantir a dignidade para toda e qualquer pessoa e para todas as pessoas REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 ONU Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas Declaração Universal dos Direitos Huma nos ONU 1948 Disponível em httpswwwoasorg dilport194820DeclaraC3 A7C3A3o20 Universal20dos20Direitos20Humanospdf Acesso em jun 2021 PARTE II Direitos Humanos Cidadania e Violações 73 INTRODUÇÃO A noção de cidadania remete à pertença a uma comunidade política e indica em quais con dições ela se dá Tratase de uma noção que não é inequívoca e apresenta variações ao longo da história e conforme o grupo social que se toma como referência Em sua acepção corrente a cida dania moderna indica o livre pertencimento a uma comunidade política gozando dos mesmos direitos e devendo as mesmas obrigações que os outros participantes Por mais simples que possa parecer essa definição apresenta algumas implicações A primeira e a ordem de exposição delas não reflete nenhuma hierarquia sendo todas igual mente importantes é que ela trata de um pertencimento não compulsório fundado na liberdade Sendo assim diferente de um servo ou de um escravo por exemplo o cidadão ou uma cidadã deve ser livre para deixar a comuni dade no momento em que julgar conveniente Uma comunidade política certamente pode impor determinadas obrigações aos seus mem bros não obstante estes sempre poderão se recusar a cumprilas abdicando da sua condi ção de cidadão ou cidadã Em casos assim a solução extrema é abandonar a comunidade A maior garantia da liberdade entretanto não é a migração Para ser livre aquele ou aquela que participa de uma comunidade deve participar também da tomada das decisões que possam afetar a sua vida e a vida da comunidade como um todo Ou seja para ser livre um cidadão deve participar também do poder político da comunidade Devemos notar também que gozar dos mesmos direitos e estar obrigado aos mesmos deveres implica em uma condição de igualdade Reconhecer uma pessoa como cidadã portanto significa reconhecer que se trata de uma pessoa igual a todas as outras independente do gênero orientação sexual cor de pele origem étnica ou qualquer diferença que possa apresentar Ao contrário do que muitas vezes se postula o reco nhecimento da diferença não é uma negação da igualdade é a sua afirmação A verdadeira nega ção da igualdade é a desigualdade Respeitar as diferenças e reconhecer que pessoas diferentes possuem necessidades diferentes é condição básica para se promover a igualdade e tratar da mesma forma os diferentes desconhecer suas particularidades pode transformar uma diferença em desigualdade Unidade 04 Direitos Humanos Cidadania e Democracia Osmir Dombrowski 74 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 Por fim a filosofia contratualista que oferece os primeiros fundamentos para a ideia de cidadania moderna supõe que as pessoas se organizam em grupos para mais facilmente suprir suas necessidades e tornar suas vidas mais segu ras e confortáveis Este é um postulado presente em autores como Hobbes Locke e Rousseau e não pretendemos nos alongar sobre isto senão para indicar que ele conduz à conclusão de que participar de uma comunidade implica no direito de usufruir em alguma medida dos frutos do trabalho e da vida social Coube ao sociólogo britânico T H Marshall em uma série de palestras realizadas em meados do século XX explicar o desenvolvimento da cida dania moderna na forma de um longo processo de conquista de uma série de direitos que são seus componentes Processo este que Marshall tomando como base a história da Inglaterra esquematizou em três diferentes fases as quais geraram cada uma em seu tempo primeiro os Direitos Civis seguidos pelos Direitos Políticos e finalizado pelos Direitos Sociais Por esta pers pectiva podese dizer que a cidadania é o reco nhecimento expresso em forma de lei de que os seres humanos têm direito aos meios e condições necessários para viver uma vida plena e digna Em outras palavras a cidadania instituída ao longo da história moderna resulta como a positivação dos direitos humanos Na primeira parte desta Unidade são apre sentados os principais elementos que compõem o esquema sugerido por Marshall em desenvolvi mento histórico e sua relação com a democracia Na segunda são abordadas algumas vertentes teóricas críticas da cidadania moderna e por meio delas são expostos alguns dos seus problemas e limites mais importantes Na terceira se faz uma breve incursão pela cidadania no Brasil resga tando os avanços e retrocessos vividos ao longo da história para na última parte tecer algumas considerações sobre os dilemas e impasses que ainda subsistem desafiando os brasileiros e as brasileiras Vamos lá PARTE 1 MARSHALL E OS DIREITOS CIVIS POLÍTICOS E SOCIAIS O processo descrito no esquema proposto por Marshall é ao mesmo tempo um processo de fusão e de separação Uma fusão geográ fica que delimita o espaço físico de vigência da cidadania e que com o estabelecimento das fronteiras entre os países encaminha para a noção de uma cidadania nacional em detri mento dos vínculos locais eou pessoais típicos da sociedade medieval e uma separação funcio nal que condiciona o desenvolvimento de todo um conjunto de instituições especializadas com funções específicas que correspondem aos direitos que as determinam É essa separa ção funcional que permite o desenvolvimento desigual dos três elementos constitutivos da cidadania moderna o civil o político e o social cada um em seu próprio tempo neste esquema os direitos civis se desenvolvem ao longo do século XVIII os direitos políticos no século XIX e os direitos sociais no decorrer do século XX MARSHALL 1967 OS DIREITOS CIVIS Os direitos civis também chamados de direitos de liberdade para o que nos interessa aqui surgem na esteira da Revolução Inglesa e com a assinatura da Declaração dos Direi tos Bill of Rigths de 1689 que submeteu a coroa ao parlamento britânico e deu origem a uma monarquia constitucional São direitos que reafirmam todas as liberdades às quais hoje estamos bem familiarizados liberdade de crença de pensamento de expressão de ir e vir e o direito de propriedade e que a filosofia da época o contratualismo descre via como direitos naturais inerentes aos seres humanos e acessáveis pela razão ou seja cuja vigência dispensa a intervenção de alguma força superior de caráter divino exigindo apenas a racionalidade dos homens 75 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 Saiba mais O contratualismo é uma teoria política baseada na ideia de que as sociedades são fundadas por uma espécie de contrato celebrado entre os homens por meio do qual eles deixam o estado de natureza no qual obedecem apenas às leis da natureza e passam a viver em uma sociedade civil ou política regida pelas leis da moral e do direito Entre seus principais representantes estão os filósofos ingleses Thomas Hobbes 15881679 e John Locke 1632 1704 e o francês JeanJacques Rousseau 17121778 Ao lado dos direitos de liberdade ou acima deles uma vez que se trata da garantia de todos os outros os direitos civis incluem o direito de acesso a uma justiça comum subentendendo com isso uma única lei comum a todos os cidadãos previamente estabelecida e de conhecimento público e um juiz também comum e que julga em conformidade com aquela lei Na história dos direitos civis é paradig mático o instituto do habeas corpus cujo surgi mento na história inglesa retrocede ao século XVII e carrega um simbolismo muito grande Esse instrumento jurídico que tem por objetivo proteger o cidadão contra a arbitrariedade das prisões à revelia de um processo legal repre senta a garantia da liberdade pessoal Para se ter uma ideia bem precisa do significado desse instrumento basta ter em mente os processos levados a termo nos tribunais medievais os quais impunham todo tipo de constrangimentos e torturas físicas e psicológicas aos inquiridos com o objetivo de obter as confissões exigidas para as condenações A instituição dos direitos civis representa portanto um verdadeiro ponto de inflexão na história universal São direitos novos jamais testemunhados em épocas anteriores e cuja vigência determina o surgimento de institui ções igualmente novas cortes judiciais que compõe um poder de Estado independente do poder Executivo e do poder Legislativo Alguém poderá argumentar que os tribunais sempre existiram ao longo da história porém até então a administração da justiça era mais uma das obrigações do poder Executivo Agora a garantia da liberdade dos cidadãos exigia que o próprio poder Executivo fosse exercido em conformidade com leis públicas e previamente estabelecidas e instituía um outro poder inde pendente com a função de moderálo Do ponto de vista dos cidadãos esse novo poder judiciário oferecia a possibilidade de defen der seus direitos em condição de igualdade com os outros e em um processo legal público conhecido por todos e com trâmites previamente estabelecidos OS DIREITOS POLÍTICOS O segundo elemento constitutivo da cida dania de que nos fala Marshall são os direitos políticos Diferentemente dos civis os direitos políticos não significaram a atribuição de novos direitos a um status anterior mas a atribuição de velhos direitos a novos segmentos da sociedade Parlamentos candidaturas votos e elei ções são amplamente conhecidos na história ocidental Todavia com raríssimas exceções a exemplo da democracia ateniense ou dos plebis citos romanos o voto sempre foi monopólio de grupos pequenos e fechados notadamente de grandes proprietários No correr do século XIX a Inglaterra testemunhou uma transformação profunda nesse padrão com a inclusão grada tiva de segmentos de renda cada vez menor Para que isso pudesse ocorrer segundo Mar shall foi preciso que o status de cidadão tivesse sido reconhecido antes de modo que a nenhum cidadão eram negados os direitos políticos apenas exigia uma renda mínima para o seu exercício e todos eram livres para empreender e adquirir propriedades em qualquer momento Não obstante no ano de 1832 menos de um quinto da população masculina adulta tinha garantido o direito de voto na Inglaterra Nessa época e em torno da luta pelo direito de voto o mundo conheceu um dos pri meiros grandes movimentos sociais populares que marcaram a história moderna o movimento 76 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 Cartista que surgiu em 1837 tendo o sufrágio universal masculino como sua principal ban deira Além do sufrágio universal os cartis tas reivindicavam ainda o voto secreto o fim da qualificação do eleitor pela propriedade a equalização na representação dos distritos eleições parlamentares anuais e a remuneração da atividade parlamentar Esta última reivindicação dos operários ingleses merece um comentário à parte pois ainda hoje muitos não compreendem que a remunera ção dos parlamentares é um instrumento impor tante para garantir a participação política dos segmentos mais pobres da cidadania Na ausência de uma remuneração mínima a atividade parla mentar seria exercida exclusivamente por aque les ou aquelas que não precisam trabalhar para viver ou seja pelos que literalmente vivem de renda Na antiga Atenas democrática esse instru mento já era utilizado FINLEY 1988 O cidadão ateniense que fosse designado para o exercício de uma função pública recebia o equivalente ao salário médio de um trabalhador urbano enquanto durasse a sua magistratura Apesar da amplitude da repercussão alcançada pelo movimento cartista que enca minhou uma petição ao parlamento britânico com mais de três milhões de assinaturas em 1842 o direito de voto não seria conquistado pelos trabalhadores ingleses senão na reforma eleitoral de 1867 Naquela reforma estabele ceuse que todos os ingleses do sexo masculino com mais de 35 anos e que fossem proprietá rios ou locatário de casa nas cidades ou vilas teriam direito de voto Essa prerrogativa foi estendida às zonas rurais em 1884 as mulhe res entretanto tiveram que esperar até 1918 e a população adulta com menos de 35 anos até 1928 Não obstante ainda que com algum descompasso todas as reivindicações cartistas foram assimiladas pelo sistema democrático inglês com a única exceção das eleições anuais Saiba Mais Com a ampliação do direito de voto a segunda metade do século XIX conheceria outra grande instituição demo crática os antigos partidos de notáveis dariam lugar aos modernos partidos de massa Antes de 1850 existiam tendências de opiniões clubes populares associações de pensamento grupos parlamentares facções políticas mas segundo o sociólogo Maurice Duverger 1980 p 19 nenhum partido propriamente dito Os partidos políticos diferem de seus antecessores por serem orga nizações burocráticas no sentido sociológico do termo especializadas na competição pelo voto popular OS DIREITOS SOCIAIS Se os direitos civis implicaram a atribui ção de uma nova condição a todos os cidadãos e cidadãs e se os direitos políticos foram a atri buição de velhos direitos novos atores os direi tos sociais transformaram o próprio estatuto da cidadania Com o reconhecimento dos direitos sociais a cidadania adquire uma dimensão mate rial até então inexistente Com eles ser cidadão ou cidadã passou a significar ser livre e desfrutar dos mesmos direitos de liberdade e de sobera nia mas também dispor das condições materiais mínimas para uma vida digna de acordo com os padrões sociais vigentes Dito de outro modo os direitos sociais permitem ao cidadão participar da produção social de uma comunidade Talvez por conta da materialidade que apresentam a história da conquista desses direi tos e da estruturação das instituições estatais correspondentes não poderia ter sido menos complexa e contraditória A narrativa de Mar shall sugere que em um primeiro momento ao afirmarem a superioridade do direito individual perante o coletivo os direitos civis agem contra os sociais A ideia expressa aqui é que o sistema de proteção que envolvia o indivíduo antes do desenvolvimento da cidadania moderna era decor rente da sua participação na comunidade local seja ela uma vila uma cidade ou uma guilda No sistema feudal o indivíduo participava de uma comunidade e cada comunidade era responsável pelos seus membros 77 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 O avanço dos direitos de liberdade com a correspondente instituição de um sistema jurídico unificado retirou os indivíduos das suas comuni dades locais para lançálos em uma comunidade nacional Se antes o indivíduo não tinha a liber dade de viver como e onde escolhesse agora as comunidades locais não podiam mais reservar os empregos para os habitantes locais e guildas e corporações não podiam restringir o direito de um cidadão trabalhar onde e para quem ele decidisse Todas as normas e regulamentações que envolviam o trabalho e o exercício das diferentes atividades econômicas inclusive as que regula vam os salários foram progressivamente sendo suprimidas em nome das liberdades O direito de ir e vir e o trabalho livre estão na base da grande urbanização vivida na Inglaterra na era da revolução industrial Podese dizer que eles estão na base da própria revolução industrial pois garantiram a oferta de mãodeobra por ela exigida Na Inglaterra do século XIX a antiga rede de proteção comunitária havia sido substituída por uma Lei dos Pobres Para aprofundar A condição de vida e a reação política da classe traba lhadora na Europa do século XIX foi brilhantemente descrita pelo escritor francês Émile Zola no romance Germinal que ganhou uma versão cinematográfica homônima igualmente brilhante dirigida por Claude Berri e estrelada por Gerard Depardieu A Lei dos Pobres Poor Law inglesa de 1834 oferecia assistência para aqueles que em virtude da idade ou de alguma doença eram incapazes de garantir a própria sobrevivência e clamavam por misericórdia Todavia esta lei não aparecia como um direito de cidadania pelo contrário sua aceitação implicava em uma renúncia à condição de cidadão Por ela os indigentes perdiam suas liberdades civis ao serem sujeitados a um inter namento compulsório em uma casa de trabalho e eram obrigados a renunciar a todo e qualquer direito político que pudesse ter E não era apenas a Lei dos Pobres que agia contra a ideia de direitos sociais Os primeiros atos que regulavam as atividades fabris na Ingla terra proibiam greves negociações coletivas e associações sindicais sob o pretexto de que eram contrárias à liberdade dos cidadãos e ao direito individual de trabalhar e de firmar contratos Quaisquer reivindicações de melhoria de con dições de trabalho de redução de jornada de trabalho ou regulação de salários eram negadas como manifestas ameaças aos direitos civis uma vez que afrontavam a liberdade do cidadão de estabelecer contratos O argumento usado deixou aberta a perspectiva para a restrição ao trabalho infantil e feminino Embora nesses casos a prote ção trouxesse implícita a negação da cidadania Mulheres e crianças podiam ser protegidas porque não eram consideradas cidadãs livres O preconceito manifesto de uma sociedade que atingia igualmente mulheres crianças pes soas com deficiência doentes idosos miseráveis e andarilhos recusando a cidadania a todos estes grupos ao lado de um individualismo exacerbado que colocava os direitos individuais acima dos coletivos dão uma ideia clara das barreiras que os direitos sociais tiveram que enfrentar para se impor como elementos constituintes da cidadania E isso não poderia acontecer antes que os direitos políticos fizessem valer a sua força Com exceção do direito à educação que se constitui como um capítulo à parte nessa história os direitos sociais ocuparam a cena política do século XX como produto ineludível da represen tação parlamentar dos extratos economicamente inferiores da sociedade Sem se esquecer porém que a liberdade de organização sindical e o direito de greve desempenharam papel de igual relevo nesse processo Embora proibidos greve movi mentos de massas e organizações operárias foram uma constante ao longo da história da revolução industrial e do desenvolvimento do capitalismo e o espectro da revolução socialista que assustava a elite europeia em meados do XIX seguramente contribuiu se não para a formação de uma men talidade mais compreensiva pelo menos para a 78 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 aceitação de muitas das reivindicações populares por parte das classes superiores Entre os direitos sociais a educação ocupa lugar especial porque nunca foi tomada como uma ameaça aos direitos civis Pelo contrário mesmo durante o império do laissezfaire isto é do liberalismo econômico em sua versão mais radical a educação passou a ser reconhecida por liberais de diferentes matizes como objeto apro priado de ação por parte do Estado MARSHALL 1967 p73 Isso acontecia porque segundo nos informa Marshall na época vigorava a ideia de que os direitos civis se destinavam a ser utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso que aprenderam a ler e escrever IDEM A educação aparece pois como um prére quisito necessário para o exercício da liberdade civil e podemos acrescentar imprescindível para o exercício de direitos políticos Nessa perspec tiva quando o Estado garante a educação das crianças ele não está fazendo outra coisa do que moldar um tipo de adulto específico desejado o bom cidadão respeitador das leis conhecedor de seus direitos e sobretudo cumpridor das suas obrigações Assim na Inglaterra já ao final do século XIX a educação primária não apenas era gratuita como obrigatória Sempre será possível afirmar que isto foi feito no melhor interesse das crianças não obstante sobram indícios de que o avanço da cidadania política rumo aos seg mentos inferiores da sociedade tornou evidente para aquela sociedade a necessidade urgente da formação de um corpo de eleitores devidamente doutrinado De uma forma ou de outra Marshall deduz que o desenvolvimento da educação básica pública durante o século XIX na Inglaterra constituiu o primeiro passo decisivo em prol do restabeleci mento dos direitos sociais da cidadania no século XX MARSHALL 1967 p 74 Nesse processo ocorreu uma verdadeira transformação na cons ciência da sociedade a cidadania deixou de ser tomada apenas como um atributo individual para ser considerada um bem social CIDADANIA E DEMOCRACIA Ainda que o eminente sociólogo não trate diretamente desse tema o esquema de Marshall sugere que a própria ideia de democracia resulta transformada com a consolidação da cidada nia moderna A ideia democrática penetra o pensamento liberal ao longo do século XIX Até então o libe ralismo se contentava com a proteção que os direitos civis ofereciam contra os arroubos da coroa tal como expressava o Bill of Rights Decla ração de Direitos Por mais que isso possa causar estranheza a alguns o sistema político que se convencionou chamar de democracia liberal não é o resultado lógico da aplicação dos preceitos teóricos liberais mas da luta dos trabalhadores por direitos políticos Sem reduzir o valor que efetivamente tem o direito de voto e a realização periódica de eleições sob um regime de amplas liberdades civis é impor tante observar que a transformação imposta pela conquista dos direitos sociais à noção de cidadania ampliou também a própria noção de democracia a qual transcendendo uma formulação puramente procedimental eleitoral adquiriu um conteúdo material suficiente para alguns qualificála como democracia social Adjetivos à parte cidadania e democracia adquiriram um sentido novo ao longo do século XX que dialoga com a questão dos direitos huma nos Tanto uma quanto outra não podem mais serem contidas no binômio votoliberdades civis e anunciam cada qual a partir de uma perspec tiva diferente uma nova forma de relação entre Estado e Sociedade Da perspectiva da sociedade o problema deixou de ser apenas a proteção con tra possíveis opressões do governo para ser tam bém o que o governo efetivamente pode fazer no sentido de promover o desenvolvimento moral intelectual e material da população A imagem pueril do bom rei justo e protetor foi substi tuída pela do Estado administrador de políticas e serviços públicos Da perspectiva do governo o cidadão deixou de ser o indivíduo passivo que rei vindica apenas liberdade para trabalhar e passou 79 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 a ser o sujeito ativo que ocupa o espaço público e articula demandas coletivas com potencial para influenciar as políticas e ações governamentais e sobretudo para gerar novos direitos Na Parte 3 desta Unidade veremos as singularidades do caso brasileiro quanto a esse processo de construção da cidadania Mas antes disso precisamos aprender um pouco sobre algu mas de suas controvérsias PARTE 2 PROBLEMAS E LIMITES DA CIDADANIA LIBERDADE IGUALDADE E FRATERNIDADE Os limites territoriais da cidadania Podemos observar no modelo teórico de Marshall que a geração de novos direitos é algo constante e infinito e isso faz com que a cidadania seja um processo em permanente construção o desenvolvimento moral intelectual e material da sociedade suscita novos direitos que promo vem nova fase de desenvolvimento e assim por diante em um ciclo que se retroalimenta indefini damente E assim nos dias de hoje ouvimos reivin dicações de direitos que sequer eram imaginados em tempos passados Algumas como por exemplo as que se referem aos direitos dos animais talvez causem em muitos uma reação semelhante àquela que provocava a luta por direito de voto para os operários e as mulheres ao longo do século XIX ou a da população afrodescendente nos EUA durante os anos 1960 Outras colocam em xeque o próprio modelo de cidadania em pontos vitais É o que ocorre com a ideia de direitos ambientais por exemplo a qual na mesma medida em que cresce a consciência da sociedade global sobre a sua justeza demonstra ser uma questão que extrapola os limites das fronteiras que separam os países e portanto não pode ser resolvida apenas no âmbito das cidadanias nacionais Não à toa os mesmos negacionistas que se recusam a aceitar o aquecimento global como um fato normalmente manipulam elementos de um nacionalismo exa cerbado travestido de patriotismo para funda mentar uma posição contrária ao ambientalismo Por outros caminhos nos ensina o jurista Celso Lafer 1997 em meados do século XX a filósofa Hannah Arendt 19061975 já havia se dado conta dos limites que as fronteiras nacio nais impõem ao desenvolvimento da cidadania A existência de um grande número de refugiados e apátridas pessoas historicamente excluídas ou recém expulsas de territórios nacionais problema potencializado no contexto da ascensão ao poder do nazifascismo demonstrou para esta filósofa que existe uma grande distância entre a ideia de direitos humanos e a sua efetivação na forma de direitos de cidadania Em um mundo completa mente dividido em soberanias nacionais pessoas destituídas de uma cidadania não encontram lugar onde possam se valer dos direitos humanos tor namse desnecessárias eou indesejáveis e acabam confinadas em campos de concentração Arendt apreendeu da existência dos cam pos de concentração que a cidadania é o direito de ter direitos que tem no pertencimento a uma comunidade política um dos requisitos necessá rios para sua existência e terminou por concluir que apenas sob a tutela de um acordo mútuo internacional que transcendesse as soberanias nacionais o direito de ter direitos como todos os direitos humanos poderia se tornar viável para todos LAFER 1997 E os campos de concentração infelizmente não acabaram com a derrota do nazismo na Segunda Guerra Ainda hoje eles são uma reali dade em todos os continentes do globo E pior os dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR indicam que tem crescido significativamente o número de refu giados e deslocados nos últimos anos Segundo o relatório Tendências Globais deslocamento forçado em 2020 publicado por aquela agência o número de refugiados e deslocados no mundo quase dobrou na última década e alcançou a marca recorde de 795 milhões de pessoas sendo quase a metade constituída por crianças e adolescentes muitas delas desacompanhadas ou separadas dos pais ACNUR 2021 Ainda de acordo com a ACNUR o número de pessoas deslocadas dentro de seus próprios 80 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 países em virtude de conflitos armados violência generalizada ou violação contínua dos direitos humanos cresceu pelo terceiro ano seguido e atingiu em 2020 mais de 48 milhões de vítimas Apenas na América Central quase um milhão de pessoas originárias de El Salvador Guatemala e Honduras foram deslocadas à força A agência da Nações Unidas registra também a existência de 42 milhões de apátridas ao redor do mundo número este que deve ser muito maior uma vez que a agência trabalha com informações forne cidas por governos e outras organizações de 94 países e não dispõe de nenhuma informação sobre uma grande quantidade de países Apátridas são impossibilitados de votar acessar educação obter assistência médica e ter um emprego entre outros direitos básicos ACNUR 2021 IGUALDADE E DIFERENÇAS A CRÍTICA IDENTITÁRIA Em muitos países minorias étnicas cultu rais e religiosas surgidas da migração ou for madas por remanescentes de povos originários conquistados e escravizados e até mesmo resul tantes de processos mal resolvidos de unificação nacional lutam pelo reconhecimento de suas identidades e por demandas específicas e as reivindicações apresentadas por estas minorias pressionam a noção de cidadania nacional Analisando esse fenômeno bastante sensí vel na América do Norte os teóricos canadenses Will Kymlicka e Wayne Norman em um instigante estudo sobre o conceito de cidadania se apro priam das reflexões da pensadora feminista Iris Marion Young e propõem o estabelecimento de algumas medidas que conduziriam à transfor mação da cidadania nacional em uma cidadania diferenciada multicultural KYMLICKA e NOR MAN 1996 De acordo com estes pensadores a cidada nia não é simplesmente um status legal definido por um conjunto de direitos e responsabilidades mas é também uma identidade uma expressão de pertença a uma comunidade e quando Mar shall falava de uma identidade nacional compar tilhada por todos em um território sua principal preocupação era a integração da classe trabalha dora Hoje porém é evidente que muitas pessoas continuam excluídas por conta sua identidade étnica religiosa de gênero etc ainda que com partilhando uma mesma identidade nacional e desfrutando de direitos de cidadania a inclusão dessas pessoas precisa levar em conta as especi ficidades que caracterizam os seus grupos É isso que fundamenta a sugestão de que elas sejam incluídas na comunidade política nacional não apenas como indivíduos mas como membro de grupos específicos e que como tal gozem de direitos exclusivos O argumento central dos defensores da cidadania diferenciada é o de que os diferentes grupos excluídos possuem necessidades exclusi vas que apenas podem ser satisfeitas por políti cas que expressem direitos também específicos sejam eles linguísticos territoriais reprodutivos religiosos de costumes etc Segundo sua natureza e objetivos estes direitos propostos são classi ficados como direitos especiais de representação direitos de autogoverno e direitos multiculturais KYMLICKA e NORMAN 1996 p 98100 Os direitos especiais de representação agi riam em benefício de grupos que estejam em clara desvantagem no processo político eleitoral Consiste em prover meios institucionais como fundos públicos para a defesa desses grupos representação garantida nas instituições políticas e o direito de veto sobre políticas que lhes afe tam diretamente Supondo que a sociedade deva trabalhar para eliminar toda causa de opressão poderia se conceber que estes direitos fossem também temporários deixando de vigorar assim que cessar a opressão Os direitos de autogoverno na maioria dos casos atenderiam a minorias que já usufruíam do direito de autogovernarse antes de sua incorpo ração à comunidade política nacional tais como por exemplo os povos indígenas em inúmeros países do continente americano os aborígenes australianos e os maoris neozelandeses e mino rias nacionais como os habitantes do Quebec canadense ou da Catalunha na Espanha São 81 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 comunidades que compartilham uma língua e uma cultura próprias habitam historicamente um território que foi circunscrito no interior dos limites de uma comunidade política maior porém reivindicam o direito de autogoverno como uma forma de proteger sua cultura e os interesses de sua gente Estes grupos reclamam mais auto nomia administrativa local do que uma melhor representação no governo central Os direitos multiculturais atendem a reivin dicações que vão desde o financiamento público de uma educação bilingue e de estudos étnicos até a suspensão de leis que obstaculizam suas práticas religiosas como as relativas ao descanso semanal aos domingos ou normas que regulam o abate ritualístico de animais Kymlicka e Norman 1996 argumentam que virtualmente todas as democracias moder nas reconhecem uma ou outra forma de direito diferenciado e que no geral estes direitos seguem no sentido de integrar os diferentes grupos às comunidades nacionais e não no sen tido da independência deles Mesmo o direito de autogoverno que aparentemente apresenta alguma capacidade de gerar problemas para os Estados nacionais centralizados e para as noções tradicionais de cidadania gera um tipo de pro blema que pode ser perfeitamente equacionado em uma lógica federativa que já é aplicada com maior ou menor profundidade em grande número de Estados modernos LIBERDADE A CRÍTICA NEOLIBERAL A ideia da igualdade entre os homens pros perou na luta contra o antigo regime aristocrático e os privilégios estamentais que caracterizavam a comunidade política feudal e conquistou lugar de destaque na famosa insígnia da Revolução Francesa liberdade igualdade e fraternidade que foi elevada à condição de valor moral universal Pouco depois daquela revolução entre tanto um teórico como Alexis de Tocqueville 19051859 com toda a respeitabilidade que adquiriu ainda em vida se mostrava preocupado com o avanço para ele inevitável e irreversível da igualdade entre os homens A preocupação do autor de A Democracia na América compartilhada desde cedo por liberais de toda a Europa pode ser resumida em uma questão em uma democracia entendendoa como um sistema político onde todos participam do processo decisório em con dição de igualdade um voto por cabeça o que pode garantir que a maioria não use seu poder para oprimir a minoria E o barão de Tocqueville não escondia a quem se referia com as noções imprecisas de maioria e minoria A maioria para ele em qualquer nação do mundo sempre foi constituída pelos pobres e a minoria pelos pro prietários TOCQUEVILLE 1998 A preocupação que o nobre pensador reve lava no momento em que o movimento operário avançava na luta por direitos políticos foi reto mada quase um século depois em termos pra ticamente idênticos pelos que se opunham ao caminho pelo qual a cidadania moderna estava sendo conduzida em meados do século XX Aquele era o caminho da servidão segundo Friedrich Hayek 1990 um dos mais ilustres expoentes do neoliberalismo Como vimos no esquema de Marshall a cada direito conquistado corresponde uma ins tituição estatal especializada Assim o desenvol vimento da cidadania moderna foi acompanhado por uma estrutura primeiro jurídica depois políti coeleitoral e finalmente social responsável pela administração das políticas de educação saúde previdência e assistência social Acompanhando Marshall não falamos sobre o financiamento dessa estrutura Parece suficientemente óbvio que a estrutura estatal resultado do desenvol vimento da cidadania deve ser financiada pela própria cidadania É por isso que se diz que um dos principais deveres do cidadão ou cidadã é pagar seus impostos E é por isso que também se diz que os direitos sociais possuem um caráter redistri butivo por intermédio deles uma parte da renda dos extratos mais ricos chega aos mais pobres O problema entretanto é que arrecadação de impostos e opressão governamental são quase sinônimos na história do pensamento liberal 82 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 Isto é para a crítica liberal cada interven ção do Estado produz efeitos não previstos que levam a outras intervenções o que faz com que o Estado demande sempre e cada vez mais novos poderes em uma espiral crescente O perigo para Hayek 1990 2006 consiste no fato de que uma vez legitimado pela vontade da maioria o Estado possa lançar mão de meios contrários aos princí pios da liberdade o que não quer dizer senão que o Estado democrático pode legitimamente expro priar parte da riqueza da minoria para realizar os anseios da maioria Por isso Hayek e seu séquito neoliberal insistem na necessidade de limitar a ação do Estado mesmo que isto seja feito em detrimento da vontade da maioria dos cidadãos ou seja ao custo de liquidar com a democracia Hayek tinha orgulho de se apresentar como um partidário dos old whigs 2006 p 519 Seu modelo de Estado ideal era a Inglaterra do início do século XIX Era o Estado mínimo uma estru tura jurídicopolicial capaz de manter a ordem e garantir o cumprimento dos contratos versão atualizada dos anseios de segurança e justiça presente nos ideais burgueses do século XVIII A contraface desse modelo de Estado porém é uma cidadania igualmente mínima reduzida aos direitos civis onde os direitos sociais inexistem e os direitos políticos são restritos à uma pequena elite de proprietários É a partir da perspectiva do liberalismo de Hayek que temos assistido nos últimos anos uma série de ataques desferidos contra a cidadania Vitorioso política e ideologicamente nos princi pais centros do capitalismo mundial e a partir de lá imposto ao mundo todo por meio de agentes financeiros internacionais organismos multilate rais de fomento e agências de desenvolvimento o neoliberalismo contrapõese sistematicamente aos direitos sociais e a estrutura do Estado de bemestar conquistados pela cidadania IGUALDADE A CRÍTICA SOCIALISTA Desde meados do século XIX a cidadania moderna tem sido fortemente criticada por teóri cos e ativistas ligados aos movimentos operários Uma das mais conhecidas críticas foi elaborada pelo filosofo alemão Karl Marx 18181883 que desde suas primeiras reflexões filosóficas apon tava que o Estado moderno suprime as distinções oriundas do lugar de nascimento do nível social da educação e da ocupação quando proclama que todos participam em condições de igualdade da soberania popular porém não impede que a propriedade privada a educação e a ocupação façam valer a sua natureza Para o jovem filó sofo socialista a liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que não prejudique o outro mas no Estado moderno a aplicação prática do direito de liberdade corresponde ao direito à propriedade privada isto é o direito de usufruir da proprie dade da forma como julgar conveniente sem se importar com os outros homens E a igualdade é apenas igualdade na liberdade MARX 1989 p 4446 Alguém poderá observar que os escritos marxianos aos quais nos referimos são anterio res à conquista dos direitos políticos pelos não proprietários e que o modelo de Estado por ele criticado é o de um Estado mínimo reduzido à condição de instrumento políticojudicial dedi cado a manter a segurança e a liberdade dos cidadãos ou seja segurança da propriedade e liberdade para usufruir dela Sendo assim também a cidadania que Marx tinha em vista era ainda incipiente e repousava exclusivamente nos direitos civis Esta observação é pertinente Após a conquista dos direitos políticos pelos trabalhadores e a consequente criação dos grandes partidos políticos operários uma parte significativa do movimento socialista europeu acalentou o sonho de alcançar o socialismo por meio de reformas introduzidas no Estado liberal dando vez ao que se convencionou chamar de socialdemocracia Estudiosos de linhagem crítica marxista porém insistem que o desenvolvimento da cidadania moderna e da estrutura burocrática que lhe corresponde não alterou a natureza original do Estado moderno Este tornouse mais complexo porque foi obrigado a incorporar as demandas populares por direitos políticos e 83 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 sociais mas continuaria assentado prioritaria mente sobre a propriedade privada de modo que a igualdade consagrada pelos direitos civis na perspectiva dos não proprietários segue sendo apenas uma igualdade formal Ao fim e ao cabo o trabalhador não seria livre para usufruir da única propriedade da qual dispõe sua força de trabalho Para sobreviver ele esta ria obrigado a vendêla sob as condições que lhes são impostas no mercado capitalista E os direitos políticos e sociais embora tenham potencial para alterar a correlação entre as duas partes em benefício dos trabalhadores e reduzir a desigualdade existente entre eles não lograram êxito em cumprir a promessa feita pelos direitos civis e tornar concreto aquilo que é puramente formal Na visão da crítica socialista portanto uma cidadania plena capaz de garantir a liberdade a todos superando os limites do formalismo jurídico liberal não se mostra possível sob o domínio deste modelo de Estado e a superação destes limites só se daria pelo que vulgarmente é chamado de revolução Marshall nosso primeiro pensador parecia satisfeito com a realização de uma socialdemo cracia Para ele embora a cidadania não tenha suprimido a divisão da sociedade em classes reduziu a diferença entre elas elevando a qua lidade de vida das camadas inferiores para um nível digno O recente trabalho do economista Thomaz Piketty 2014 entretanto indica que otimismo exalado por Marshall após o fim da segunda grande guerra mundial se choca com a realidade A leitura da vasta quantidade de dados empíricos apresentados pelo autor de O Capital do Século XXI sugere que a desigualdade é muito mais resiliente do que se supunha Contrariando a ideia corrente entre eco nomistas de que o desenvolvimento capitalista gerando cada vez mais renda elevaria a qualidade de vida de toda a população em conjunto os dados trazidos por Piketty 2014 demonstram que a renda obtida pelo capital no século XXI predo mina sobre aquela recebida na forma de salários o que implica em dizer que o desenvolvimento capitalista não se dá no sentido de uma maior igualdade Pelo contrário mesmo nas socieda des mais desenvolvidas a desigualdade entre os integrantes das camadas inferiores e superiores da economia é crescente Existiam sim algumas razões para o oti mismo de Marshall em meados do século pas sado Nos Anos Dourados do capitalismo pós segunda guerra predominou um crescimento mais igual no entanto de acordo com Piketty 2014 esta teria sido apenas uma breve exce ção frente a um longo período de acentuadas desigualdades Conforme este autor esta exce ção seria em parte explicada pelo sucesso das mobilizações dos trabalhadores e da conquista dos direitos sociais que resultaram no conhecido modelo de Estado de BemEstar instituído em grande parte da Europa No entanto a partir da crise do petróleo da década de 1970 a desigual dade teria voltado a operar positivamente e na passagem para o século XXI alcançou patama res semelhantes aos encontrados no início do século XX com os 10 mais ricos da população se apropriando de cerca de 50 do total da renda nacional em diferentes países da Europa e nos Estados Unidos A persistência da desigualdade e a concen tração da riqueza nas mãos dos mais ricos atuam contra a igualdade postulada pelo status de cida dão A desigualdade age contra a meritocracia e conduz a situações de flagrantes injustiças nas quais os principais postos de comando tanto pri vados como públicos nem frequentemente não são ocupados por merecedores e detentores de talentos mas por membros de grupos familiares historicamente privilegiados e cerca de 70 de toda riqueza dos países desenvolvidos tem origem nas heranças Frente a isso na perspectiva de Marx 1989 p 45 o Estado moderno proclama a igualdade de todos no plano político mas na vida real per mite que os homens sigam tratando os outros homens como meios degradandose a si mesmo em puro meio e tornandose joguete de poderes estranhos 84 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 FRATERNIDADE A CRÍTICA FEMINISTA Se os socialistas contribuíram positiva mente para revelar o caráter parcial da liber dade e da igualdade manifestadas pelos Direitos Civis e acessíveis apenas para os proprietários desde cedo as mulheres denunciaram a cidada nia moderna como um atributo exclusivo para homens No auge da Revolução Francesa quando a dramaturga e ativista política francesa Olympe de Gouges 17481793 reagiu à consagrada Decla ração dos Direitos do Homem e do Cidadão pro pondo a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã ela estava denunciando a exclusão das mulheres encoberta pelo uso do substantivo masculino homem para designar genericamente toda a humanidade A assembleia revolucionária francesa rejeitou o projeto de Olympe recusan dose a reconhecer que A Mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos como era afirmado em seu artigo primeiro Olympe de Gouges não estava sozinha em seu pleito e a assembleia francesa não estava sozinha em sua recusa Muitas pensadoras em seu tempo e antes dela defenderam a emancipação das mulheres e a igualdade entre os dois sexos e se hoje elas são pouco conhecidas e estudadas isto é resultado do mesmo processo de exclu são e silenciamento que nos faz imaginar que as mulheres são naturalmente incapacitadas para a filosofia para os negócios e para a política Para aprofundar Sobre Olympe de Gouges e outras mulheres filó sofas e filósofos feministas desse período veja o Arqueofeminismo uma excelente coletânea de textos da época organizada por Maxime Rovere 2019 A filósofa feminista Carole Pateman 1995 aponta que as características biológicas femini nas principalmente aquelas ligadas ao sexo e à maternidade serviram como justificativa para aprisionar as mulheres e confinálas ao espaço doméstico Por serem consideradas facilmente levadas pelas paixões e pelos sentimentos as mulheres eram tidas como destituídas de razão e por serem imparciais e pensarem primeiro nos filhos e na família elas foram consideradas inca pazes de pensar na coletividade e portanto inca pazes de atuar na esfera pública E como estes critérios foram estabelecidos com base em ele mentos supostamente naturais os papéis sociais atribuídos a cada um dos sexos se tornaram fixos uma vez que qualquer mudança implicaria em alterar a ordem natural das coisas Com o adendo de que esta suposta ordem natural para muitos ainda hoje significa obra divina portanto fora do alcance da humanidade Segundo Pateman 1995 ao lado da histó ria do contrato social que estrutura a cidadania moderna a partir do princípio de que os homens são iguais em razão e possuem naturalmente a propriedade do próprio corpo existe outra his tória que foi silenciada e ignorada a história do contrato sexual que subordina as mulheres e sujeita seus corpos ao controle masculino Ao expor a relação entre estas duas histórias esta autora indica que as esferas públicas e privada da vida moderna não são coisas tão isoladas como sugere a teoria liberal mas complementares e interdependentes Seriam duas partes de uma única totalidade na qual o domínio masculino na esfera pública dependeria da sujeição das mulheres na esfera privada e da expropriação dos direitos sobre seu próprio corpo O poder dos homens sobre as mulheres perpassaria as duas esferas e o império da lei e do direito masculino abarcaria ambos os reinos Assim o lado cruel da história da cidadania vista como a história da dominação patriarcal estaria inscrito na própria insígnia da revolução francesa liberdade igual dade fraternidade Fraternidade nos lembra a filósofa é uma irmandade masculina um clube do qual as mulheres não participam As reflexões feministas indicam que a inclu são das mulheres não depende apenas da con quista de alguns direitos políticos e da inserção no mercado de trabalho Aceitar isto implica em aceitar que a subordinação das mulheres seja de fato apenas um problema doméstico e que 85 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 o espaço público não esteja desde a sua origem contaminado pelo poder patriarcal O liberalismo como teoria política hege mônica na condução do processo de desenvolvi mento da cidadania moderna jamais aceitou que as diferenças tivessem influência sobre a forma de organizar a esfera pública Como observa Iris Young 2006 2012 sob o pretexto de que deve agir com imparcialidade desconsiderase as diferenças e com isso os grupos minoritários ao longo dos anos não lograram tornaremse objetos de preocupações Pelo contrário as demandas destes grupos são tomadas como manifestações de interesses privados egoístas e contrárias ao princípio da universalidade e imparcialidade da esfera pública De acordo com Young o pressuposto de participação na esfera pública isto é na comu nidade política nacional é a exigência de uma homogeneidade que se expressa na noção da cidadania universal A realidade nos informa entretanto que essa homogeneidade não existe ela é apenas um reflexo do seu criador o homem branco burguês europeu cristão E as mulheres não advogam a inclusão apenas a partir das suas semelhanças com os homens Elas reivindicam uma inclusão que respeite sobretudo suas dife renças e especificidades Isto é elas pleiteiam a inclusão como mulheres e não como indivíduos genéricos PARTE 3 A CIDADANIA NO BRASIL A herança do passado colonial Se é certo que o passado de uma nação exerce influência sobre o seu presente alguns elementos que herdamos do nosso passado colo nial são dignos de destaque pois contribuíram intensamente para traçar os contornos da cida dania no Brasil Primeiro há que se destacar que a conquista da América se deu na forma de um verdadeiro massacre perpetrado contra a popula ção ameríndia Estimase que cerca de 3 milhões de nativos tenham sido exterminados durante o processo de colonização do Brasil E a cidadania nacional e territorial que aqui se desenvolveu jamais incluiu os sobreviventes desta violência que até hoje se encontram em conflito com ela Ao mesmo tempo em que se dava o exter mínio da população indígenas a Colônia teste munhou a tragédia da escravidão do povo negro mais de 10 milhões de homens e mulheres foram trazidos à força da África para a América quase 5 milhões deles para trabalhar nos latifúndios bra sileiros sem contar seus descendentes nascidos aqui já na condição de escravos Pense bem Em um ambiente contaminado pelo genocídio de outros povos e pela escravidão não existe como prosperar valores morais como a igualdade e a liberdade Os escravos eram vítimas de torturas e maustratos permanentes Castigos físicos e morais eram corriqueiros e o estupro era uma regra com a qual as mulheres negras conviviam no cotidiano A ideia de direitos civis portanto só poderia parecer algo muito estranho e distante Sempre houve é claro debates sobre se os direitos naturais se aplicavam ou não aos negros e índios No entanto essa discussão estava muito longe do cotidiano das pessoas e confinada em pequenos círculos esclarecidos Do mesmo modo também a resistência dos negros foi constante e exercida de muitas e diferentes formas Mas nada disso impediu que a desigualdade baseada na crença de uma suposta superioridade racial e cul tural dos europeus corrompesse a mente e o cora ção das pessoas A naturalização da escravidão no cotidiano da colônia portuguesa foi tão intensa que um observador contemporâneo daquele período pode anotar os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho ANTONIL 1982 p 31 Os proprietários de terras e escravos na Colônia se tornaram senhores de tudo e de todos Eles exerciam direitos políticos exclusivos e atre lados à propriedade Eram os homens bons de que nos fala o historiador Caio Prado Jr 1983 e que dividiam entre si o controle e a administração pública local faziam as leis e exerciam o poder 86 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 de polícia e de justiça A educação que durante muito tempo foi monopólio da Igreja Católica nunca foi compreendida como serviço público essencial Os grandes senhores enviavam seus filhos para estudar na Europa e pouco antes da Proclamação da República apenas 16 da popu lação livre era alfabetizada O processo de independência não alterou o panorama desenhado na Colônia Em seu curso uma pequena elite soube preservar seus princi pais interesses notadamente aqueles ligados à propriedade da terra doadas pela Coroa e seus prediletos e de escravos Saiba mais A primeira Constituição Brasileira produzida por uma assembleia convocada por D Pedro I estabelecia que só poderiam ser eleitores ou candidatos os homens que tivessem uma renda equivalente a 150 alqueires de mandioca razão pela qual ficou conhecida como a Constituição da Mandioca Em tempo a mandioca era a base da alimentação dos escravos Essa Carta entretanto foi considerada muito liberal por D Pedro I e não foi promulgada Mesmo a abolição da escravidão o fato mais marcante na história do país não conse guiu promover uma alteração no triste cenário da cidadania brasileira O fim tardio do escravismo nos estertores do século XIX não incluiu o povo negro nos quadros da cidadania pois a abolição não foi acompanhada por um projeto de inclusão que proporcionasse condições mínimas para que os negros tivessem uma vida digna Abandona dos à própria sorte sem que tivesse havido uma reforma agrária que lhes garantisse o acesso à terra na qual trabalhavam e sem qualquer edu cação elementar muitos acabaram se juntando a outros pobres livres para formar aquele con tingente composto por uma espécie de gente diferenciada que ocupa as franjas da sociedade e que até pode ser útil para os trabalhos pesados sujos e humilhantes mas jamais foi aceita como seres humanos iguais em direitos Saiba mais Com a criação da Guarda Nacional pelo governo impe rial em 1831 a patente de coronel foi reservada para os grandes proprietários pela qual ficavam encarregados de recrutar armar e manter o efetivo militar Mesmo depois da extinção da Guarda os coronéis continuaram ostentando o título como forma de reafirmar seu poder que de todo modo seguiu apoiado em exércitos parti culares formados por jagunços O coronelismo como fenômeno político que caracte rizou a chamada República Velha foi estudado pelo conhecido jurista Vitor Nunes Leal no grande clássico da sociologia brasileira Coronelismo Enxada e Voto Também a Proclamação da República não teve efeito transformador no quadro da cidada nia no Brasil O sistema federativo então ado tado introduziu a eleição dos presidentes das províncias transformadas em estados mas não alterou o controle que as oligarquias agrárias exerciam exclusivamente sobre o sistema político O esquema político por meio do qual os chefes locais apoiavam os presidentes das províncias e em troca recebiam as benesses do governo ficou conhecido como coronelismo e preponderou na cena política da Primeira República LEAL 2012 Com este esquema de proteção e apoios os coro néis agiam como ditadores em seus distritos Eles indicavam desde professora da escola primária até o juiz da comarca local passando é claro pelo delegado de polícia A sabedoria popular da época dizia que o coronel mandava prender e mandava soltar A REVOLUÇÃO DE 1930 E A ERA VARGAS A historiografia é quase unanime em indicar a Revolução de 1930 como um marco na história política do país Pela forma como ela ocorreu envolvendo outros segmentos da sociedade que não apenas as elites proprietárias dela partici param setores de classe média notadamente servidores públicos civis e militares segmentos populares urbanos e até mesmo trabalhadores 87 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 rurais Ela também se destaca por seus efeitos diretos apesar de não alterar a estrutura agrária que sustentava a República Velha o movimento liderado por Getúlio Vargas em 1930 produziu uma transformação substancial na estrutura do Estado brasileiro Para aprofundar A Revolução de 1930 foi um movimento armado inte grado por membros dissidentes das oligarquias regionais com forte apoio dos militares de baixa patente os chamados tenentes e das classes médias urbanas que pôs fim à Primeira República depondo o presidente Washington Luiz e impedindo a posse de seu sucessor o paulista Júlio Prestes eleito pelo viciado regime elei toral coronelista Uma exaustiva análise desse evento histórico é encontrada no livro A Revolução de 1930 História e Historiografia 1987 de autoria do célebre historiador Boris Fausto A chamada Era Vargas perdurou 34 anos e durante esse período o aparelho do Estado nacional superou as antigas práticas não inter vencionistas típicas do liberalismo europeu do século XIX e que no Brasil serviam apenas aos interesses das oligarquias agroexportadoras e começou a ganhar corpo com a montagem de uma estrutura burocrática mais adequada para atender as demandas próprias do seu tempo Para ficar apenas em alguns pontos que aqui nos interessam mais diretamente na área dos Direitos Civis tivemos o estabelecimento do mandado de segurança para a defesa dos direitos e liberdades individuais a criação de uma magistratura fede ral e a unificação do direito processual em nível nacional No campo dos direitos políticos assis tiuse à criação do Tribunal Superior Eleitoral e à instituição voto secreto e obrigatório e o direito de voto das mulheres este condicionado à auto rização dos maridos No terreno dos direitos sociais naquele período foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e o ensino primário foi declarado obrigatório e gratuito Os traba lhadores urbanos tiveram reconhecidos seus direitos à organização sindical jornada de trabalho de oito horas diárias saláriomínimo descanso semanal remunerado e férias anuais entre outros direitos reunidos na Consolidação das Leis do Tra balho CLT Foram criados no âmbito do Estado o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio e uma justiça especializada em questões trabalhistas Data daquela época também os primeiros contornos de uma legislação previdenciária com a criação de vários institutos de previdência organizados por categoria profissional e administrados por um conselho composto por representantes dos empregados e dos empregadores Alguns pontos porém merecem alguma ponderação primeiro a modernização varguista manteve a estrutura fundiária nacional baseada em latifúndios de monocultura para a exportação preservando intactos os interesses e o poder das oligarquias agrárias Os trabalhadores rurais na época a imensa maioria não foram beneficia dos com os mesmos direitos trabalhistas e previ denciários que os empregados na indústria e no comércio A massa de trabalhadores do campo estava excluída também dos direitos políticos que permaneceram vetados aos analfabetos e a zona rural concentrava a maior parte deles no país Também nas cidades grande parte da popu lação permaneceu excluída Os direitos decorren tes do emprego formal com registro na carteira de trabalho não alcançavam os empregados domésticos e trabalhadores por conta própria autônomos ambulantes pequenos prestadores de serviços e toda a vasta gama de trabalhadores informais que constituem ainda hoje uma grande parcela da população economicamente ativa Outro ponto que merece destaque é o fato de que em 1937 com a implantação do Estado Novo o presidente Vargas com apoio dos militares instituiu um regime autoritário bem ao gosto da época isto é com fortes influências fascistas Durante a vigência do Estado Novo os cidadãos tiveram as liberdades civis cerceadas e os direitos políticos anulados O presidente Getúlio Vargas foi deposto em 1945 após a derrota do fascismo na segunda guerra e uma nova Constituição foi promulgada 88 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 em 1947 Naquela carta foram preservados os direitos sociais obtidos no período anterior e se avançou bastante na restauração dos direitos civis e políticos Foram garantidas as liberdades de imprensa de associação e de manifestação e os direitos políticos se fizeram valer pela primeira vez no Brasil Partidos políticos nacionais foram organizados com exceção do Partido Comunista do Brasil que teve seu registro cassado Lideranças políticas mobilizaram seguidores apaixonados e a sociedade civil era continuamente chamada a se manifestar publicamente Esse curto período de vida democrática pulsante foi marcado pela ocorrência de grandes comícios eleitorais e atos públicos que aproximavam o debate político do grosso da população inclusive dos trabalhado res do campo A campanha o petróleo é nosso em defesa da criação da Petrobras e a luta por reforma agrária são exemplos que retratam bem o clima político daquela época Para aprofundar O documentário Os Anos JK Uma trajetória política dirigido por Silvio Tendler retrata o clima de entusiasmo com a democracia e o desenvolvimento econômico vivido no país durante a década de 1950 Muito cedo entretanto assustada com a intensidade crescente da mobilização política democrática em torno de reformas estruturais no país as elites nacionais perpetraram um golpe contra a cidadania brasileira Em 1º de abril de 1964 um movimento militar depôs o presidente da república e instalou uma ditadura que vigo rou até 1988 O GOLPE DE 1964 E A DITADURA MILITAR Durante o governo da ditadura militar os direitos civis mais elementares deixaram de exis tir O Judiciário sofreu intervenções e inúmeros juízes foram aposentados compulsoriamente Mandados de segurança e habeas corpus deixa ram de funcionar líderes populares políticos de oposição jornalistas intelectuais estudantes e sindicalistas foram presos e exilados ou mortos Muitos simplesmente desapareceram e até hoje seus corpos não foram encontrados Manifesta ções públicas contrárias ao regime foram rigoro samente reprimidas Os jornais impressos o rádio e a televisão bem como espetáculos teatrais e outras manifes tações artísticas e culturais passaram a operar sob rigorosa censura prévia Músicas discos e livros foram retirados de circulação e em pleno século XX os censores do regime militar no Brasil reto maram um instrumento típico da inquisição medie val criando um tipo particular de Index Librorum Prohibitorum Índice dos Livros Proibidos Os partidos políticos foram extintos líderes da oposição tiveram seus direitos políticos cassa dos ou foram exilados e duas novas organizações partidárias foram criadas uma base de apoio do governo militar a Aliança Renovadora Nacional ARENA e outra a oposição consentida o Movi mento Democrático Brasileiro MDB que atuava dentro dos rigorosos limites estabelecidos pelo regime e ainda assim teve vários senadores deputados federais estaduais e até vereadores cassados Eleições diretas continuaram existindo apenas para o legislativo e para prefeituras de pequenos municípios excluídos aqueles em áreas consideradas de segurança nacional como as fronteiras No que diz respeito aos direitos sociais o quadro se tornou bem mais complexo Baseado na tese de que a economia como um bolo primeiro precisava crescer para depois se dividir o regime militar promoveu um crescimento extremamente concentrador e excludente Entre os anos de 1968 e 1976 período do chamado milagre econômico o PIB nacional brasileiro cresceu cerca de 10 ao ano A divisão entretanto jamais chegou a ser feita de modo que na década de 1980 quando findou o domínio dos militares os 10 mais ricos da população amealhavam mais de 50 de toda a renda gerada no país sendo que 169 dela ficava nas mãos do 1 mais rico 89 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 A euforia do crescimento econômico porém não duraria muito tempo Premidos pela crise do petróleo na metade final dos anos 1970 os índices de desempenho econômico já revela vam que o milagre não era tão grande e a realidade reprimida pela censura do regime mostrava sua face mais cruel Para Aprofundar O Dia que durou 21 anos é um documentário com estética de filme de ação dirigido pelo cineasta Camilo Galli Tavares que conta a história do golpe de 1964 com foco na participação dos EUA no processo Com apenas 77 minutos de duração em ritmo acelerado o filme apresenta entrevistas e depoimentos de vários personagens envolvidos na história do golpe como o próprio presidente norte americano John F Kenedy e o embaixador Lincoln Gordon Além de concentrar riquezas o modelo de desenvolvimento adotado provocou uma signi ficativa transformação na estrutura demográ fica da sociedade O desenvolvimento industrial que vinha sendo fomentado desde a década de 1930 concomitantemente com uma política de modernização conservadora da agricultura for çou o deslocamento de um enorme contingente populacional do campo para as cidades Favelas cortiços e moradias precárias nas periferias se multiplicaram concentrando uma grande quanti dade de mão de obra sobrante ou precariamente assimilada pelo mercado Não tardou para que as demandas por saúde educação saneamento básico transporte público e habitação que não encontravam vazão no limitado sistema político da ditadura adquirissem a forma dos novos movi mentos sociais e encontrassem um sentido político no interior do grande movimento da sociedade civil pela volta da democracia e pelo reestabele cimento do Estado de direito A forma adotada pelo regime para enfren tar a crise preservando os ganhos do capital com uma política econômica recessiva e altamente inflacionária que exterminava empregos e corroía o poder aquisitivo dos salários também contri buiu para colocar os trabalhadores da grande indústria e amplos setores de classe média na oposição Apesar da repressão e do controle estatal exercido sobre os sindicatos as greves e manifestações de trabalhadores se tornaram cada vez mais frequentes Todos aqueles movimentos confluíram para a redemocratização e desaguaram na grande campanha Diretas Já por eleições livres e na ins talação de uma Assembleia Nacional Constituinte Em 1988 encerrando aquele período sombrio foi promulgada uma nova carta a mais abrangente e democrática que o país já conheceu e que por isso ficou conhecida como a Constituição Cidadã A CONSTITUIÇÃO DE 1988 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ No plano dos direitos civis a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 insti tuiu a total independência do Poder Judiciário e o livre acesso de todos e todas à justiça com assistência jurídica gratuita para os pobres Foram consagrados todos os tradicionais direitos de liberdade e garantida a liberdade de expressão e de imprensa sem censura assim como plena liber dade de associação e organização Foi instituído ainda o habeas data uma novidade no âmbito jurídico que confere aos cidadãos o direito de exigir o acesso a todos os dados e informações existentes sobre eles nos registros públicos e o mandado de injunção pelo qual se pode garantir o cumprimento de direitos constitucionais O direito de voto foi universalizado para todas as pessoas adultas e tornado facultativo às analfabetas e maiores de 16 anos e assegurada ampla liberdade para a organização de partidos políticos Além da realização de eleições perió dicas para o legislativo e o executivo a Carta de 1988 instituiu também o referendo o plebiscito e a iniciativa popular como instrumentos de par ticipação direta No campo dos direitos sociais a Constitui ção Cidadã apresentou avanços significativos A educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a 90 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 previdência social a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados foram expressamente reconhecidos como direitos do cidadão Os direitos trabalhistas e previdenciá rios foram tornados iguais para trabalhadores urbanos e rurais e ficou estabelecido o direito a uma pensão equivalente a um saláriomínimo a todos os idosos ou pessoas com deficiência sem a obrigatoriedade de contribuição prévia O dilema da cidadania brasileira entre tanto não foi solucionado com a promulgação da nova carta Em que pese a Constituição lhes reservar lugar de destaque os Direitos Civis ainda padecem de problemas crônicos quase seculares Primeiro ainda que tenha ocorrido um avanço con siderável o acesso à justiça continua muito difícil para a população pobre que não consegue arcar com o valor das custas judiciais e honorários de advogados As pessoas de baixa escolaridade tam bém se sentem intimidadas diante da estrutura suntuosa de determinados espaços como fóruns e tribunais e oprimidas pelas regras burocráticas que lhes são impostas Ademais os Direitos Civis dessa parcela da população são sistemática e continuamente violados pelas forças policiais e militares do próprio Estado que deveriam pro tegêla Dificilmente se passa um dia sem que se tenha notícia de abusos e crimes cometidos por membros das forças policiais contra negros e pobres por todo o Brasil Tudo isso contribui para formar principalmente no seio da população mais pobre e menos escolarizada a ideia de que a justiça existe somente para os ricos No campo dos Direitos Políticos se todos têm exercido regularmente o direito de votar ser votado permanece sendo um problema para grande parte da população Em 2018 menos de um quarto dos deputados federais eleitos se declararam negros ou pardos quando se sabe que essa parcela representa mais da metade do total de brasileiros IBGE 2021a Distorção semelhante ocorre com relação ao gênero Em 2020 as mulhe res eram apenas 148 dos deputados federais a pior proporção em toda a América Latina IBGE 2021b A condição de sub representados vivida pela população negra e pelas mulheres denuncia que o sistema político nacional ainda não conse gue realizar plenamente os direitos políticos de uma parte considerável da população Em relação aos Direitos Sociais construções formidáveis convivem com problemas que ganham contornos de dramaticidade O sistema de saúde universal proposto pela Constituição de 1988 se materializou na forma de um dos maiores sistemas públicos e gratuitos de saúde de todo o mundo e se tornou objeto de reconhecimento internacio nal A imagem disseminada de um SUS precário e inoperante não condiz com a realidade e serve essencialmente a interesses privados Nos últi mos anos testemunhamos avanços extraordiná rios na atenção primária Por exemplo 736 das pessoas que procuraram atendimento de saúde em 2019 conseguiram na primeira procura Entre as pessoas que conseguiram atendimento de saúde 609 tiveram algum remédio receitado e 85 delas conseguiram todos os medicamentos prescritos na própria unidade de atendimento E das 137 milhões de pessoas que ficaram inter nadas no Brasil em 2019 649 tiveram esse atendimento por meio do SUS IBGE 2021c Na educação a maior conquista foi a uni versalização do acesso à escolarização básica Em 2015 mais de 98 das crianças entre 7 e 14 anos estavam matriculadas esse número era cerca de 80 na década de 1980 Entre jovens de 15 a 17 anos nesse período o número saltou de 50 para 84 Contudo o dado negativo é que em 2019 apenas 488 da população com mais de 25 anos havia concluído a educação básica 274 tinham o ensino médio completo e 154 o superior E no mesmo ano tragicamente 66 da popula ção com mais de 15 anos permanecia analfabeta IBGE 2021d Superada a barreira do acesso além da per manência dos estudantes na escola o desempe nho destes é também motivo de preocupação entre os estudiosos A proficiência em leitura matemática e ciências dos estudantes brasileiros aferida pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PISA em 2018 está abaixo da média internacional e é insuficiente para o exer cício pleno da cidadania 681 dos estudantes 91 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 com 15 anos de idade não alcançam o nível espe rado em matemática 55 em ciências e 50 em leitura E o que é mais preocupante estes índices estão estagnados desde 2009 INEP 2019 No 1º semestre de 2021 foram registra dos no Brasil 148 milhões de desempregados e outros 6 milhões de desalentados pessoas que perderam a esperança e desistiram de procurar emprego IBGE 2021e Esses números escondem ainda os precarizados e os trabalhadores por conta própria grande parte deles empreendedores por falta de alternativa A taxa de informalidade no primeiro trimestre de 2021 foi de quase 40 da população economicamente ativa o que equi vale a 342 milhões de pessoas O lado trágico da informalidade e do empreendedorismo forçado é que 366 da população ocupada no Brasil não contribui para a previdência Esta é uma verda deira bomba relógio com data certa para explodir pois nesse ritmo os precarizados de hoje serão os indigentes de amanhã Finalmente como indicativo da qualidade de vida no país dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE informam que em 2019 apenas 622 da população brasileira recebia água de rede geral de distribuição com abastecimento diário e tinha estrutura de armaze namento e quase 10 dos pobres não dispunham de banheiro em casa IBGE 2021f Olhando para os Direitos Sociais portanto podemos dizer que passados 30 anos da promul gação da Constituição Cidadã o Estado ainda não foi devidamente estruturado para cumprir as obrigações impostas pela lei maior e por isso grande parte da população não consegue usufruir todos os seus direitos permanecendo na condição que o sociólogo Jessé Souza 2018 trata como subcidadania brasileira CONSIDERAÇÕES FINAIS O esquema proposto por Marshall para explicar o desenvolvimento da cidadania moderna pode conduzir a alguns equívocos interpretati vos principalmente quando aplicado à realidade brasileira A sucessão de direitos antevista na história inglesa iniciando com os direitos civis vindo depois os políticos e por fim os sociais não pode ser tomada como uma sequência natural e espontânea Não é certo que o exercício dos direitos civis venha a gerar necessária e automa ticamente direitos políticos ou que o exercício dos direitos políticos gere direitos sociais Não é um direito que gera outros direitos O que gera direitos é a ação de sujeitos históricos que em processos quase sempre conflituosos reafirmam suas demandas materiais ou morais Isso significa que a sequência histórica per corrida pela Inglaterra não precisa ser repetida para que a cidadania se estabeleça em outros territórios Principalmente depois que o resul tado final já se tornou amplamente conhecido não existe qualquer razão lógica para esperar que todos os países do globo repitam a trajetória inglesa Apesar de não ser um processo fácil é possível partir de uma situação de ausência com pleta de direitos uma ditadura ou uma monarquia teocrática por exemplo e instituir uma república democrática com cidadãos e cidadãs gozando plenamente de direitos civis políticos e sociais Ainda que se possa imaginar que um processo desse tipo demande uma intensa educação social o único requisito exigido como condição para que ele ocorra é a disposição e a capacidade política dos agentes históricos envolvidos Por outro lado Marshall fala de uma sequên cia aparentemente em sentido único sempre cres cente com a aquisição infinita de novos direitos Porém nada garante que esta sequência não possa ser revertida Fato que inclusive ocorreu na Ingla terra no final do século XX quando os direitos sociais foram duramente atingidos por governos de orientação neoliberal Assim como a geração dos direitos é produto da ação de agentes históricos a sua manutenção ou eliminação também é um fato político e depende da correlação das forças que atuam no interior da comunidade e do grau de consenso que se estabelece em torno deles E a fragilidade do consenso em torno de valores fundamentais parece ser a espada de Dâmocles que paira sobre a cidadania brasileira O modelo de cidadania expresso pela Constituição Cidadã 92 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 jamais foi aceito por uma elite que atua de todas as formas para reverter as conquistas populares nela inseridas como direitos Como resultado até o presente momento a Constituição já recebeu mais de 100 emendas que alteraram sua redação original grande parte delas retirando ou restrin gindo direitos e sem que a população tenha sido consultada por meio de plebiscitos ou referendos Por fim a esta altura muitos leitores e mui tas leitoras poderão estar cobrando algumas pala vras sobre os deveres dos cidadãos uma vez que até aqui se tratou apenas de direitos De fato também Marshall falou pouco sobre deveres em suas palestras Em essência para ele os deveres imediatos dos cidadãos são aqueles relacionados ao pagamento de impostos ao serviço militar à educação e ao trabalho Nas sociedades capitalis tas entretanto tanto o trabalho quanto a educa ção tendem a aparecer mais como atividades com fins privados do que com face cidadãs dedicadas à comunidade A maior parte das pessoas trabalha para suprir suas necessidades e não com o objetivo de produzir algum bem para a comunidade e a educação é percebida mais como uma condição necessária para garantir o acesso ao mercado de trabalho do que por supostos benefícios sociais Sobre o serviço militar existe pouco debate no Brasil No geral se aceita a tese de que o cidadão tem o dever de atuar na defesa da pátria embora pacifistas internacionalistas e até alguns liberais ponderem que a obrigatoriedade deste serviço é uma arbitrariedade que não encontra par na maioria dos países democráticos desenvolvidos e viola a liberdade de consciência por vezes reli giosa dos cidadãos Quanto ao pagamento de impostos para Marshall 1967 p 109 esse dever é tão óbvio que não suscita grandes polêmicas Talvez aqui tam bém pese o fato de Marshall ser inglês No Brasil este é um tema dos mais controversos Temos uma estrutura tributária reconhecidamente injusta e não é necessário reproduzir aqui o debate que se trava sobre ela mas apenas insistir no fato de que nele muitas vezes a lógica das coisas aparece distorcida A baixa qualidade dos servi ços a corrupção e o desvio de recursos púbicos são usados como argumentos contra a cobrança de impostos Esta distorção atende apenas aos interesses de grupos mesquinhos e sonegadores que veem apenas os custos quando olha para os direitos de cidadania Reduzir impostos não eleva a qualidade dos serviços nem elimina a corrup ção mas tem o poder de reduzir sensivelmente a capacidade do Estado de garantir os direitos dos seus cidadãos E como sugere a grande pensadora Simone Weil 2001 a cada direito corresponde uma obrigação a obrigação de garantir o mesmo direito para todos os outros A aversão de alguns grupos da elite ao dever de pagar impostos nos leva a uma última reflexão O Brasil é um dos países que apresentam os maiores índices de desigualdade em todo o planeta Em 2019 segundo o IBGE 2021a quase um quarto da população brasileira vivia com menos de R 436 por mês enquanto o 1 mais rico abocanhava 283 de toda a renda nacional E é sabido que a desigual dade trabalha contra a cidadania a pobreza que é acompanhada da fome da baixa escolarização de moradia precária e da falta de saúde e de segurança se constitui no principal obstáculo para o pleno exercício dos direitos civis e políticos Marshall avaliava que a cidadania não tinha o poder de eliminar completamente as desigualdades mas poderia reduzilas significativamente tornando a sociedade mais justa Entretanto como vimos não apenas a persistência da desigualdade como o seu crescimento desafiam a crença de Marshall e recolocam insistentemente o problema dos limi tes da cidadania em uma sociedade de classes A história parece dar razão aos que pensam que não existe um caminho para uma cidadania plena que não passe pela superação do capitalismo Isto porém não significa que a cidadania não tenha nenhum papel a desempenhar nesse sentido Primeiro a conquista de direitos produz efeitos reais diretos e imediatos na qualidade de vida das pessoas e isso é importante para milhões de pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza E por fim a luta por direitos é também um poderoso processo de educação política e educandose nela quando chegar a hora o povo saberá o que fazer com os limites da cidadania 93 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 Prática Formativa A Mandala dos Direitos Objetivo estimular o debate sobre o conceito de cidadania na perspectiva da conquista e a efetiva ção prática dos direitos que lhe dá forma no Brasil nos dias de hoje Materiais necessários folhas de papel sulfite cortadas em forma de tar jetas com cerca de 10cm de largura pincel atômico ou caneta piloto de ponta grossa fita adesiva lousa e giz e uma mandala desenhada no chão ou recortada conforme esquema abaixo Construindo a mandala A mandala é formada por três círculos concêntricos desenhados no chão ou recortados em papelão papel cartão plástico EVA etc A mandala dever ser grande o suficiente para que todos possam vêla no mínimo um metro de diâme tro e deve ficar preferencialmente no centro da sala Cada círculo deve ter uma cor para facilitar a dife renciação entre eles Abuse de materiais coloridos na sua confecção Duração da atividade o tempo de duração dessa atividade depende do número de participantes e da intensidade dos debates provocados Em uma turma com cerca 20 pessoas pode durar entre 60 e 90 minutos Procedimentos Passo 01 Distribua uma tarjeta de papel em branco para cada participante e peça para que cada participante escreva um direito qualquer direito o que vier à mente Oriente para que escrevam com o pincel atômico e façam letras de forma bem grandes que ocupem toda a extensão da tarjeta Passo 02 Quando todas as pessoas tiverem con cluído algumas demoram para escolherlembrar de um direito peça para que cada uma delas se levante e fixe sua a tarjeta na lousa com fita adesiva e depois diga em voz alta o direito anotado e explique por que escolheu aquele direito entre todos os outros Alguns direitos podem ser repetidos Nesses casos devem ser colados próximos uns dos outros Passo 03 Nesse momento o monitor ou moni tora deve de forma muito breve reforçar ou apresentar a tese de Marshall de que a Cidadania é constituída por Direitos Civis Direitos Políticos e Direitos Sociais e que os Direitos Civis se referem às liberdades os Políticos à participação nos processos de tomada de decisões coletivas da comunidade e os Direitos Sociais apresentam materialidade por se referirem a determinados bens sociais Passo 04 Explique que cada círculo da mandala desenhada corresponde a um conjunto de direitos o círculo central aos Direitos Civis o segundo aos Direitos Políticos e o terceiro aos Direitos Sociais E em seguida solicite a um participante indicado aleatoriamente que escolha uma tarjeta qualquer que não seja a sua explique por que a escolheu e a coloque em um dos círculos da mandala Peça para que cada participantes repita o proce dimento até que todos os direitos estejam aloca dos Nesse momento surgem dúvidas e discussões sobre a correta classificação de alguns direitos Nesses casos o monitor ou monitora deve intervir e dialogar com a turma para que se chegue em um consenso sobre qual é a alocação mais adequada Passo 05 Síntese Depois que todos os direitos estiverem devidamente classificados e as tarjetas alocadas nos seus respectivos círculos o monitor ou monitora deve lembrar que a noção de cidadania é histórica ou seja ela se define politicamente em cada época como resultado da ação das forças em disputa no interior da sociedade e solicitar para que os participantes reflitam sobre aquele conjunto de direitos Qual a real condição de efetivação de cada um deles da perspectiva dos cidadãos Quais são os obstáculos existentes entre os cidadãos e seus direitos Alternativamente podese solicitar que cada participante faça uma avaliação da situação concreta do direito que ele escreveu na tarjeta Veja abaixo o exemplo de uma mandala confec cionada em madeirite encapado 94 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 04 REFERÊNCIAS ACNURUNHCR United Nations High Commissioner for Refugees Global Trends Forced Displacement in 2020 Disponível em httpswwwunhcrorgrefu geestatistics Acesso em ju 2021 ANTONIL André João Cultura e opulência do Brasil Belo Horizonte Itatiaia Edusp 1982 DUVERGER Maurice Os Partidos Políticos Rio Janeiro Zahar Brasília Universidade de Brasília 1980 FAUSTO Boris A Revolução de 1930 história e historiografia São Paulo Brasiliense 1987 FINLEY Moses Democracia Antiga e Moderna Rio de Janeiro Graal 1988 HAYEK Friedrich A O Caminho da Servidão 5 ed Rio de Janeiro Instituto Liberal 1990 HAYEK Friedrich A Los Fundamentos de la Liber tad 7 ed Madrid Unión Editorial 2006 IBGE Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil 2021a Disponível em httpsbibliotecaibge govbrvisualizacaolivrosliv101681informativopdf Acesso em jul 2021 IBGE Estatísticas de gênero indicadores sociais das mulheres no Brasil 2021b Disponível em https cidadesibgegovbrbrasilpesquisa100730 Acesso em jul 2021 IBGE Saúde da Família visitou cerca de 4 em cada domicílios do programa em 2019 2021c Disponível em httpsagenciadenoticiasibgegovbragencia noticias2012agenciadenoticiasnoticias28791sau dedafamiliavisitoucercade4emcada10domici liosdoprogram aem2019 Acesso em jul 2021 IBGE IBGE Educa 2021d Disponível em https educaibgegovbrjovensconhecaobrasilpopula cao18317educacaohtml Acesso em jul 2021 IBGE Painel de indicadores 2021e Disponível em wwwibgegovbrindicadoresdesemprego Acesso em jul 2021 IBGE No prépandemia quase 38 da população tinha alguma dificuldade de acesso à água 2021f Disponível em httpsagenciadenoticiasibgegov bragencianoticias2012agenciadenoticiasnoti cias30986noprepandemiaquase38dapopulacao tinhaalgumadificuldadedeacessoaagua Acesso em jul 2021 INEP Pisa 2018 revela baixo desempenho escolar em leitura matemática e ciências no Brasil 2019 Disponível em httpportalinepgovbrartigoasset publisherB4AQV9zFY7Bvcontent pisa2018revela baixodesempenhoescolaremleituramatematicae cienciasnobrasil21206 Acesso em jul 2021 KYMLICKA Will NORMAN Wayne El retorno del Ciudadano uma revisión de la producción reciente em teoria de la cidadania Cuadernos del CLAEH nº 75 Montevideo 1996 LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos a contribuição de Hannah Arendt Estudos Avançados 11 30 ago 1997 LEAL Victor Nunes Coronelismo enxada e voto o município e o regime representativo no Brasil São Paulo Companhia das Letras 2012 MARSHALL Thomas Humphrey Cidadania Classe Social e Status Rio de Janeiro Zahar 1967 MARX Karl Manuscritos econômicosfilosóficos Textos selecionados por T B Bottomore Trad Artur Mourão Lisboa Edições 70 1989 PATEMAN Carole El contrato sexual Barcelona Anthropos México UNAMIztapalapa 1995 PIKETTY Thomas O capital no século XXI Rio de Janeiro Intrínseca 2014 PRADO Jr Caio Evolução Política do Brasil colônia e império São Paulo Brasiliense 1983 ROUSSEAU JeanJacques Do Contrato Social São Paulo Nova Cultural 1991 Os Pensadores ROVERE Maxime Org Arqueofeminismo mulhe res filósofas e filósofos feministas séculos XVIIXVIII São Paulo N1 Edições 2019 SOUZA Jessé Subcidadania brasileira para enten der o país além do jeitinho brasileiro Rio de Janeiro LeYa 2018 TOCQUEVILLE Alexis de Da democracia na América Traduzido e condensado por José Lívio Dantas Rio de Janeiro Bibliex 1998 WEIL Simone Opressão e Liberdade São Paulo EDUSC 2001 YOUNG Iris Marion O ideal da imparcialidade e o público cívico Revista Brasileira de Ciência Política nº 9 Brasília setembrodezembro de 2012 YOUNG Iris Marion Representação Política identi dade e minorias Lua Nova vol 67 São Paulo 2006 95 INTRODUÇÃO A liberdade de falar o que se pensa Sería mos capazes de medir o seu peso e a sua impor tância Será que existe educação sem liberdade de expressão Sem o questionamento Sem poder expressar as dúvidas ou críticas Existe educação onde paira o medo Cremos que não A liberdade de expressão é uma condição essencial para o diálogo o aprendizado e a convivência com as diferenças A liberdade de se expressar é um direito humano consagrado em tratados internacionais e também um direito fundamental previsto em nossa Constituição Federal Expressarse não se limita ao que falamos mas também aos textos escritos músicas filmes desenhos ou seja a todas as formas de passar uma mensagem de publicações literárias jornalísticas e científicas Fica evidente sua importância nos diferen tes âmbitos da convivência social A liberdade de pensar e se expressar é um elemento impor tante para o desenvolvimento da personalidade humana mas até que ponto podemos dizer tudo o que pensamos É preciso estudar os limites da liberdade de expressão quais discursos não devem ser incentivados e o que ocorre quando uma pessoa se sente ofendida pelo que foi veicu lado em um jornal de grande circulação ou ainda por uma postagem em uma rede social Nesta Unidade analisaremos o que é a liberdade de expressão sua previsão em trata dos internacionais e na Constituição de 1988 a responsabilidade pelo que expressamos o que acontece quando alguém se sente ofendido os malefícios da censura especialmente nos momen tos autoritários vividos no Brasil e a importância da liberdade de expressão para o jornalismo e para a educação Buscamos relacionar esse importante direito humano com momentos históricos demonstrando que a liberdade de expressão é a base para a construção da personalidade do respeito às diferenças e do Estado Democrático de Direito Ouvir a opinião do outro expressarse com liberdade são elementos essenciais a serem aprendidos e vividos nos mais distintos espaços da convivência humana Para que o silêncio seja um momento de reflexão e não um instante cons trangedor para quem não se sente livre para expor suas ideias Unidade 05 Direitos Humanos Mídia e Liberdade de Expressão Karoline Strapasson Jambersi Tailaine Cristina Costa 96 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 PARTE 1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO ENQUANTO DIREITO HUMANO Saiba mais Sócrates foi um dos grandes filósofos gregos apesar de não ter deixado escritos o método socrático ficou conhecido e consiste no diálogo e embate de ideias contrárias para se chegar à verdade Todavia sua postura lhe rendeu inimigos os sofistas que não estavam preocupados com a verdade mas sim com vencer nas discussões Em razão desses embates Sócrates foi perseguido e condenado à morte Na obra Apologia de Sócrates Platão relata o discurso final do filósofo antes de beber cicuta aceitando a morte de modo livre Em um dos trechos o pensador diz Mas nem mesmo agora na hora do perigo eu faria nada de inconveniente nem mesmo agora me arrependo de me ter defendido como o fiz antes prefiro mesmo morrer tendome defendido desse modo a viver daquele outro PLATÃO nd p 25 Legenda Em 1787 JacquesLouis David pintou A morte de Sócrates que retrata a postura corajosa do filósofo momentos antes de sua morte e também a tristeza de seus pares pela condenação Obra repro duzida pela plataforma online Wikiart disponível no link httpswwwwikiartorgptjacqueslouisda vidamortedesocrates1787 Acesso em 10 de julho de 2020 Localização Museu de Arte Metropolitan Fotográfo Gordan Konevski A liberdade de expressão é o direito de manifestar ideias e informações por diferentes formas de expressão como a intelectual a artís tica e a científica para comunicar quaisquer pen samentos ou valores RAMOS 2017 p 617 A repressão à liberdade de expressão é a censura que ocorre quando o Estado ou outra instituição ou pessoa impede ou impossibilita alguém de manifestar suas ideias Um pensador importante para o desenvolvimento da Filosofia Ocidental que sofreu a censura de seus pares foi Sócrates condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude Prática 1 Defensores da liberdade Objetivo conversar e pesquisar sobre persona gens históricos que viveram e foram perseguidos por suas ideias Sugestão de desenvolvimento apresentamos acima o filósofo Sócrates que corajosamente defendeu suas ideias e o desejo de viver de acordo com elas Muitos personagens da História paga ram com suas próprias vidas pelos ideais que acreditavam A atividade consiste em buscar pessoas comuns pensadores cientistas políti cos e artistas que sofreram represálias por seu modo de pensar Materiais a atividade pode ser conduzida por meio de um debate ou de dois momentos em dias diferentes no primeiro momento uma conversa sobre os personagens históricos e em outro dia a pesquisa e apresentação sobre eles após o acesso à biblioteca internet e livros Compreendemos que todas as pessoas têm o direito de se expressar com liberdade no entanto as consequências de dizer aquilo que se gostaria pode até mesmo custar a vida A liberdade de expressão começou a constar em declarações e constituições após o Iluminismo no período de transição entre o Período Moderno e Contemporâneo entre o século XVIII e XIX Farias 2001 coloca a Inglaterra como um dos primeiros países a resguardar esse direito pois em 1695 o Parlamento não manteve o Licensing Act que estabelecia a censura prévia 97 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Fruto da Revolução Francesa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 estabeleceu em seu artigo 11 a livre manifes tação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem todo cidadão pode portanto falar escrever imprimir livre mente à exceção do abuso dessa liberdade pelo qual deverá responder nos casos determinados por lei FRANÇA 1789 A declaração de direitos francesa influenciou a Primeira Emenda da Cons tituição Americana de 1791 que constou o direito de liberdade de palavra e o direito de imprensa ESTADOS UNIDOS 1787 Apesar desse primeiro passo no reconhe cimento do direito de liberdade de expressão a previsão do direito não se traduzia em seu acesso para todas as pessoas Nos anos que precederam esses documentos jurídicos vários países também incluíram esses direitos em suas constituições inclusive o Brasil na Constituição de 1824 art 179 IV mas isso não impediu que várias violações ocorressem Entre as mais sig nificativas estão a Primeira e a Segunda Guerra Mundial Nesses e em outros episódios muitas vezes quem discordava das ideias dominantes ou do modo de condução do Estado acabava sendo perseguido Saiba mais Após a ascensão de Adolf Hitler 18891945 na Alemanha foi empregada a censura e posterior perseguição aberta aos opositores No ano de 1933 iniciouse uma campanha ideológica que chegou ao cume a queima de livros nas bibliotecas públicas na Alemanha Bucherverbrennung Em seu livro Minha luta Adolf Hitler descreveu que os judeus possuíam ideias perigosas que não poderiam ser compactuadas Os livros queimados eram de autores estrangeiros principalmente de origem judaica e publicações con trárias a ideologia nazista OLIVEIRA SILVA CASTRO 2017 Em um dos memoriais na cidade de Berlim consta a frase premonitória do poeta Heinrich Heine Isso foi apenas um prelúdio ali onde se queima vam livros ao final queimavamse também pessoas LUCKWÜ 2018 Legenda Na imagem de 1933 estudantes ale mães queimam escritos e livros nãoalemães em público em uma avenida central Unter den Liden em Berlim Fotografia reproduzida na plataforma online Wikimedia Commons dispo nível no link httpscommonswikimediaorg wikiFileBundesarchivBild10214597Berlin OpernplatzBC3BCcherverbrennungjpg Acesso em 10 de julho de 2021 FonteAktuelleBilder Centrale Fotógrafo Georg Pahl Após o término da Segunda Guerra Mundial foi criada uma instituição internacional com o objetivo de evitar o flagelo de uma nova guerra mundial a Organização das Nações Unidas amplamente conhecida como ONU responsável pela defesa dos direitos humanos No ano de 1948 foi redigida a Declaração Universal dos Direitos Humanos sobre a supervisão de Eleanor Roosevelt A liberdade de expressão consta em seu texto no artigo 19 Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão esse direito inclui a liberdade de sem interferência ter opiniões e de procurar receber e transmi tir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras ONU 1948 O conceito apresentado reforça a ideia de que o direito de liberdade de expressão possui um caráter duplo De um lado o direito de expressar o pensamento com liberdade do outro o direito que possuímos de receber a informação RAMOS 2017 p 618 No ano de 1966 os países membros das Nações Unidas firmaram o Pacto Internacional 98 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 sobre Direitos Civis e Políticos Além do que consta na Declaração de 1948 está disposto que ninguém pode ser molestado por suas opiniões mas que a liberdade de transmitir informações e de recebêlas importa em responsabilidades especiais que devem ser expressamente previs tas em lei para assegurar o respeito aos direitos de reputação e proteger a segurança nacional ordem saúde ou moral pública art 19 Em Bogotá na Colômbia no ano de 1948 foi firmada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e em seu artigo IV consta a liberdade de investigação opinião expressão e difusão do pensamento por qualquer meio Já no ano de 1969 foi realizado o Pacto de São José da Costa Rica que em seu artigo 13 define a proteção à liberdade de pensamento e expres são e determina que não se pode limitála de modo indireto por meio de controles oficiais ou particulares em relação ao papel da imprensa ou para a difusão de informações Seria possível a censura prévia apenas para espetáculos públicos com o objetivo de resguardar a proteção moral da infância e adolescência No ano 2000 foi reali zada a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que aprofundou aspectos des sas duas declarações Prática 2 Podemos falar tudo o que quisermos Objetivo Compreender que somos responsáveis pelas mensagens que expressamos Sugestão de desenvolvimento os participantes são convidados a responder à pergunta podemos falar tudo o que quisermos em uma folha de papel As respostas serão fixadas em um local para que todos possam ver e após a leitura das respostas a pessoa responsável pela condução deverá explicar que somos responsáveis pelo que expressamos especialmente quando ofendemos alguém Materiais folhas de papel e canetas Percebese que as leis possuem a difícil missão de assegurar o fluxo das informações mas também de impedir os abusos A liberdade de expressão é uma condição essencial para o avanço do conhecimento e entendimento em relação às diferenças ela não pode ser considerada uma concessão do Estado mas sim um direito inaliená vel Expressarse livremente é a base para outros direitos fundamentais como a liberdade religiosa a liberdade intelectual artística e científica de comunicação além de se desdobrar para o direito de acessar informações sendo este indispensável para o funcionamento da democracia represen tativa RAMOS 2017 p617 Muitas vezes os direitos fundamentais bem importantes para uma vida digna podem conflitar entre si De um lado temos a liberdade de expressão de outro temos o direito à saúde pública ou a liberdade religiosa Qual desses bens deve prevalecer Todos são igualmente importan tes e será necessário analisar em cada caso qual direito será protegido e qual deixará de ser apli cado pois os direitos fundamentais não absolutos podem ser aplicados de modo gradativo ALEXY 1993 Um quadro humorístico que ofende um credo religioso ou uma informação falsa sobre saúde gera consequências negativas de modo distinto na vida das pessoas Não depõe contra a liberdade de expressão mas nos faz refletir sobre o seu uso Além dos documentos internacionais nossa Constituição também coloca balizas para a liber dade de expressão Segundo o artigo 5º IV é livre a manifestação do pensamento porém é proibido o anonimato pois somos responsáveis pelo que expressamos Desse modo as pessoas são livres para pensar e para manifestar sua opinião tendo também o direito de ficar em silêncio Já o inciso trata sobre os direitos de quem é ofendido pela mensagem Fica assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além de indenização por dano material em razão de perdas financeiras ocasionadas moral sofrimento causado ou à imagem da pessoa ofendida conforme dispõe os incisos V do mesmo artigo RAMOS 2017 p617 99 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Assim sendo arcamos pessoalmente pelos excessos Quando uma pessoa é ofendida tem o direito de resposta para que possa contestar o que foi dito em busca da verdade Quando uma notícia é inverídica ou incorreta o direito de resposta permite que equívocos sejam desfeitos e deve ser proporcional ao agravo realizado No caso de uma notícia deve ser dado o mesmo espaço para a pessoa ofendida se manifestar a respeito do que foi noticiado Muitas vezes apenas o direito de resposta não é suficiente para ressarcir os danos sofridos nesses casos é devida uma indenização em dinheiro devido ao prejuízo causado pela men sagem BULOS 2015 p 127128 Depois da Constituição de 1988 uma revo lução tecnológica aconteceu na época os meios de comunicação de notícias eram os jornais e revistas o rádio e a televisão Com o avanço tec nológico da internet e dos telefones celulares as informações fluem com maior facilidade sendo mais difícil regular a livre expressão das ideias CARVALHO 2009 Afinal qualquer pessoa pode noticiar um fato emitir sua opinião por meio das redes sociais e alcançar um grande número de compartilhamentos Além do Poder Judiciário que garante o direito de resposta e as indeniza ções aos danos causados as empresas privadas que gerenciam redes sociais procuram colocar limites ao conteúdo criado por seus membros para evitar discursos ofensivos e perigosos O tema da liberdade de expressão e o avanço tec nológico é complexo e dinâmico permanecendo como um centro de disputas As empresas que detêm redes sociais Face book Google Twitter escolhem quais conteú dos podem ser publicados e restringidos quem ingressa na rede social concorda com os termos de uso as restrições se dão pelo argumento de serem conteúdos prejudiciais à vida saúde e segurança para evitar que notícias falsas induzam os parti cipantes da rede a comportamentos perigosos BINICHESKI 2021 Sobre isso no ano de 2021 o Facebook começou a testar alertas sobre usuá rios que compartilham conteúdos extremistas e discurso de ódio G1 2021 O Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 procura resguardar a liberdade de expressão e evitar a censura por parte de entes privados no ambiente digital A responsabilidade acerca do conteúdo de um usuário só ocorreria após ordem judicial específica para retirar as infor mações art 19 Discutese até que ponto é lícito que essas empresas realizem o banimento de perfil bloqueiem ou direcionem o tráfego de con teúdo considerado inoportuno ou inapropriado sem dar o direito de defesa a quem publicou a informação BINICHESKI 2021 De outro lado existem perfis que apresen tam informações ou notícias falsas que podem levar a comportamentos nocivos O exercício da liberdade de expressão está ligado à criação de um conteúdo real e verdadeiro especialmente em relação a empresas jornalísticas sem que os fatos sejam manipulados ou alterados O emprego de notícias falsas é uma deformação do direito à informação e consequentemente da liberdade de expressão FAUSTINO 2019 p 132133 A liberdade em sentido amplo possui limites o respeito aos limites legais art5 II CF e a obri gação moral pelo bem do próximo Ao mesmo tempo em que as redes sociais permitem que pessoas compartilhem suas opi niões conhecimento e lazer os efeitos negati vos ocorrem em razão dos julgamentos e ofen sas realizados no ambiente digital No ano de 2020 150 artistas assinaram Uma carta sobre justiça e debate aberto publicado na Harpers Magazine sobre a cultura do cancelamento Segundo a carta a censura está se espalhando sobre a cultura com a intolerância sobre pontos de vista opostos a vergonha pública e o ostra cismo Incidentes particulares ganham gran des proporções nas redes sociais e as pessoas pagam um preço alto como sua reputação e muitas vezes seu emprego Jornalistas escri tores e artistas temem publicar informações que se desviem do consenso por falta de zelo na exposição 100 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Para aprofundar Filme O dilema das redes Direção Jeff Orlowski Produção de Larissa Rhodes Netflix Estados Unidos 2020 Tratase de um documentário que explora o papel das redes sociais manipulação de informações notícias e os riscos da desinformação Música Pela internet de Gilberto Gil Esta música aborda as questões sobre o uso da internet e como esse canal é amplo e cheio de possibilidades um mar de informações Prática 3 Divergência de ideias Objetivo Valorizar o respeito às diferenças e a capacidade de ouvir o próximo Sugestão de desenvolvimento estimular o debate entre os participantes sobre as diferenças existen tes na sociedade e como podemos estabelecer uma cultura de paz e respeito em temas que não há consenso considerando o crescimento da cultura do cancelamento Os participantes são convidados a responder O que seria necessário para que as pessoas pudessem expressar suas ideias sem se sentirem constrangidas Materiais disposição da sala em círculo com um mediador para organizar a ordem das falas PARTE 2 OS EXTREMOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO A CENSURA E OS ABUSOS Conforme vimos no item anterior a liber dade de expressão é um direito fundamental essencial para a produção do conhecimento para a arte e para o debate de ideias Em nosso país é adotada a compreensão de uma liberdade de expressão responsável isto é com limites explí citos proibido o anonimato direito de resposta e indenização proporcional ao dano e implíci tos ponderação entre direitos fundamentais RAMOS 2017 p 622 Não há no Brasil censura prévia isto é não há um julgamento prévio por outra pessoa ou entidade antes da publicação das informa ções mas sim a sua responsabilização posterior A liberdade de expressão não é absoluta isso quer dizer que expressar temas que instigam o preconceito racial religioso ou outras formas de discriminação a violência e a hostilidade é considerado um abuso no direito de liberdade de expressão punido na esfera penal RAMOS 2017 p 621 O Código Penal define como crime o ato de imputar falsamente crime a uma pessoa Calú nia art 138 CP ofender a reputação de uma pessoa Difamação art 139 CP ou ofender sua dignidade ou decoro Injúria art 140 CP ameaçar alguém por palavra escrito ou gesto de lhe causar um mal grave Ameaça art 147 CP incitar publicamente a prática de crime Incitação ao crime art 286 CP ou fazer publicamente apologia à fato criminoso ou ao autor de um crime Apologia ao crime ou criminoso art 287 CP A Lei 77161989 art 20 incluiu como crime prati car induzir ou incitar a discriminação por raça cor etnia religião ou procedência por meio de meios comunicação social ou publicação de qualquer natureza Tal lei também proibiu a confecção comercialização distribuição de símbolos que empreguem a suástica para fins de divulgação do nazismo No ano de 2011 o Supremo Tribunal Fede ral STF analisou a arguição de descumprimento de preceito fundamental n 187 que tratava sobre a possibilidade de realizar a Marcha da Maconha manifestação favorável à descri minalização da droga Além da liberdade de expressão havia outros direitos fundamen tais em questão como o direito de reunião Os ministros ressaltaram que a restrição da liberdade de expressão ocorreria quando hou vesse a incitação ou provocação de ações ilegais iminentes No caso da manifestação procura vase a discussão democrática do modelo de proibição de drogas no Brasil Alguns limites foram discutidos pela Corte como a proibição da participação de crianças e adolescentes e que não houvesse uso ou estímulo ao consumo durante o evento STF 2011 101 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Prática 4 Violações à liberdade de expressão Objetivo Identificar situações de violações à liber dade de expressão Sugestão de desenvolvimento Ao longo desta seção foram apresentados três casos que envol vem represálias às denúncias feitas às autorida des públicas censura a obra cinematográfica e a negativa de acesso às informações pelo ente público Devem ser apresentados estes casos às e aos participantes para que avaliem se conside ram aquelas práticas englobadas na proteção ao direito de liberdade de expressão ou não Após o debate podese apresentar os argumentos de pro teção presentes na Constituição ou em Tratados de Direitos Humanos que demonstrariam a proteção à liberdade de expressão e acesso à informação Materiais disposição da sala em círculo com um mediador para organizar a ordem das falas Em uma sociedade plural buscase comba ter o discurso de ódio ou seja a manifestação de valores discriminatórios que ferem a igualdade ou incitam à intolerância violência ou outros atos de violação aos direitos das pessoas Exemplos dessa situação são discursos nazistas antissemita e islamofóbico Um caso importante analisado pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema foi o Caso Ellwanger Habeas Corpus n 82424 Rio Grande do Sul no qual se discutiu os limites da liberdade de expressão em razão de uma obra de caráter antissemita RAMOS 2017 p 621 Neste caso Siegfried Ellwanger um indus trial escritor e livreiro gaúcho originário do muni cípio de Candelária e reconhecido negacionista do holocausto foi condenado por dois anos de reclusão pela prática de racismo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em virtude de publica ções que questionavam a existência do holocausto na Segunda Guerra Mundial A defesa havia buscado o Supremo Tribunal Federal para argumentar que os judeus não seriam considerados uma raça não se aplicando a imprescritibilidade do crime de racismo art 5º XLII CF A posição majoritária dos minis tros foi no sentido de compreender que o direito de liberdade de expressão não é absoluto e que a liberdade de expressão não poderia confrontar a legislação penal e de que o discurso de ódio viola a dignidade humana e a igualdade não devendo serem divulgadas ideias racistas pois poderiam estimular a violência CARVALHO 2009 Na posição minoritária dois ministros da Corte defenderam que deveriam ser protegidos os discursos minoritários e radicais especialmente se amparados por uma crença religiosa ou convicção política ou filosófica mesmo que conflitem com a lei Em respeito ao princípio da igualdade essas ideias devem ser protegidas em prol do pluralismo político Nesse sentido a avaliação de um discurso como de ódio implicaria em um risco iminente que justifique a intervenção estatal o que não estaria configurado no Caso Ellwanger CARVALHO 2009 Prática 5 O discurso de ódio Objetivo discutir sobre os limites da liberdade de expressão Sugestão de desenvolvimento Em que momento uma fala publicação ou expressão deixa de ser pro tegida pela liberdade de expressão Manifestações que envolvem a incitação à violência ou a intole rância contra grupos sociais são um exemplo dos limites à liberdade de expressão O discurso de ódio somado às redes sociais pode intimidar hostilizar ou causar danos irreparáveis como a incitação ao suicídio Convidar as e os participantes a escrever em papéis pequenos quais seriam os limites à liber dade de expressão e em que momentos do seu dia a dia percebem a ocorrência de abusos como ofen sas A atividade deve ser seguida de uma conversa sobre o malefício do bullying no ambiente escolar ou nas redes sociais Materiais folhas de papel e canetas e tempo para debate O Caso Ellwanger foi paradigmático sobre restrições à liberdade de expressão no Brasil Além do poder judiciário brasileiro há também a Corte Interamericana de Direitos Humanos que acompa nha e analisa as violações realizadas pelos países signatários dos tratados de direitos humanos na região americana Três casos são importantes para 102 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 compreender como ocorrem as violações à liberdade de expressão a última tentação de Cristo vs Chile Ricardo Canese vs Paraguai e Gomes Lund vs Brasil FALSARELLA 2012 O primeiro caso trata da liberdade de expressão artística o segundo sobre a liberdade de expressão no âmbito eleitoral e o terceiro sobre o acesso às informações públicas A última tentação de Cristo é um filme diri gido por Martin Scorsese lançado no ano de 1988 e proibido no Chile em razão do modo como Jesus Cristo é retratado em razão de um dispositivo cons titucional remanescente da ditadura chilena art 19 n 12 o filme foi censurado O país foi condenado pela violação à liberdade de expressão artística e posteriormente o dispositivo constitucional que permitia a censura foi alterado FALSARELLA 2012 Já o caso Ricardo Canese vs Paraguai tra tava sobre um candidato às eleições presidenciais que fez críticas a outro candidato Juan Carlos Was mosy em razão de casos de corrupção envolvendo a construção da hidrelétrica de Itaipu sendo que este último foi eleito Ricardo Canese foi condenado pelo crime de difamação sofrendo restrições para deixar o país Posteriormente ele foi absolvido pelo poder judiciário de seu país por um recurso da defesa tendo por fundamento o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos Apesar da absolvição a Corte Interamericana reconheceu a violação aos Direitos Humanos ocorrida no Para guai condenando o país a pagar uma indenização à vítima FALSARELLA 2012 Gomes Lund vs Brasil trata do desapareci mento forçado de pessoas envolvidas na Guerrilha do Araguaia no ano de 1973 Após os familiares pedirem informações sobre os desaparecidos por meio de processo judicial no ano de 1982 todavia até 1995 não havia sido prolatada a sentença do caso Organizações de defesa dos direitos huma nos levaram o caso para a Comissão de Direitos Humanos da OEA a qual foi analisada pela Corte de Direitos Humanos que condenou o Brasil por não respeitar a liberdade de expressão em relação ao direito de buscar informações considerando o dever do Estado de fornecer informações ou de fundamentar sua recusa Fruto dessa decisão é a Lei n 125272011 lei de acesso à informação que apresenta prazos para que o poder público responda pelos pedidos de informação FALSARELLA 2012 O artigo 5º IX e o artigo 220 da Constituição definem que a manifestação do pensamento não deve sofrer restrições sendo proibida a censura de natureza política ideológica e artística A censura é a impossibilidade de publicação de uma informação impedida por um ato estatal ou de um ente privado A censura também pode ocorrer de modo indireto quando ocorre o uso de pesadas indenizações cíveis e condenações penais em desconformidade com o direito à honra do atingido especialmente se este é uma autoridade pública Também há censura indi reta quando não se combate ataques a jornalistas ou meios de comunicação para intimidar e deses timular o emprego da liberdade de expressão no campo jornalístico RAMOS 2017 p 619 No Brasil viveuse dois momentos históricos em que a censura estatal foi empregada o Estado Novo 19301945 e a Ditadura CivilMilitar 1964 1985 Durante o Estado Novo regime ditatorial liderado por Getúlio Vargas foi criado o Departa mento de Imprensa e Propaganda que atuava tanto no campo da censura determinando temas proi bidos de serem publicados como na propaganda de Estado para a promoção pessoal do presidente PANDOLFI 2018 Em1968 no decurso da Ditadura CivilMilitar a censura se torna oficial por meio do Ato Institu cional n 5 Na data da assinatura do AI5 redações que protestavam contra a medida haviam sido inva didas Entre os temas proibidos estavam ações da oposição ações de repressão problemas do regime problemas sociais e econômicos No campo das artes a produção nacional de cunho político foi predominantemente atingida filmes e novelas passaram sem maiores restrições Era realizada a censura prévia de filmes peças de teatro novelas de televisão e de rádio já no caso dos livros a cen sura ocorria após a publicação SOARES 1989 O Decreto Lei n 10771970 expunha que não seriam toleradas publicações contrárias à moral e aos bons costumes procuravase combater publicações obs cenas e àquelas que ameaçassem os valores morais da sociedade brasileira aptas a pôr em prática um plano subversivo contrário à segurança nacional 103 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Saiba mais Os artistas durante o período da Ditadura busca vam empregar críticas veladas ao regime por meio de metáforas e jogos de palavras Uma das músicas conhecidas por empregar esses recursos é Cálice de Chico Buarque e Gilberto Gil composta em 1973 para Festival Phono 73 que porém foi censurada sendo publicada apenas em 1978 após a revogação do AI5 SILVA GIESEL 2020 A música remete à agonia de Jesus no Horto das Oliveiras onde na iminência de ser preso e crucificado reza ao Pai para evitar o sofrimento da cruz O início da música é um pedido Pai afasta de mim esse cálice GILBERTO HOLLANDA 1973 A palavra cálice guarda semelhança com o calese ou seja a censura realizada pela Ditadura Legenda Na imagem trecho na letra Cálice de Gilberto Gil e Chico Buarque de Hollanda censurada em maio de 1973 Fotografia reproduzida pelo Arquivo Nacional Memórias Reveladas disponível no link httpwwwmemoriasreveladasgovbrindexphp componentphocagallery12detail353imagense documentosdoperiodode64a85 Acesso em 02 de agosto de 2021 Neste período de repressão os opositores políticos foram duramente perseguidos quer sejam artistas pessoas investidas em cargos polí ticos estudantes e também docentes Universi dades passaram a ser vigiadas por informantes e manifestações de insatisfação com o regime poderiam ser compreendidas como ato subversivo e contrário à segurança nacional IKIU 2020 p 36 O DecretoLei n 4771969 impôs infrações disciplinares para quem organizasse atos de parali sação passeatas movimentos ou possuíssem para distribuir material considerado subversivo Estu dantes poderiam ser desligados e proibidos de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por 3 anos Quanto ao corpo docente e cola boradores poderiam ser demitidos ou dispensados com a proibição de serem nomeados contratados ou admitidos pelo prazo de 5 anos BRASIL 1969 Saiba mais No ano de 1969 foi implantada como disciplina obri gatória para todas as séries Educação Moral e Cívica A matéria procurava formar o cidadão com temas que envolviam aspectos históricos morais religiosos o culto à pátria aos seus símbolos às tradições à obediência à lei fidelidade ao trabalho e integração na comunidade Desse modo o regime procurava formar um consenso e aceitação das práticas empregadas para combater os opositores considerados subversivos FILGUEIRAS 2006 Criouse junto ao Ministério da Educação e Cultura a Comissão Nacional de Moral e Civismo a qual deveria convocar as instituições formadoras de opinião jornais revistas teatros cinemas rádio e televisão para cooperar e servir aos ideais propostos pela disciplina BRASIL 1969 Legenda Na imagem uma sala de aula com algumas pessoas sentadas título da obra Manifestação estu dantil contra a Ditadura Militar 3 de abril de 1968 Fotografia reproduzida na Plataforma Wikimedia Commons Disponível no link httpscommonswikimediaorg wikiFileManifestaçãoestudantilcontraaDitadura Militar91tif Acesso em 06 de ago 2021 Fonte Arquivo Nacional Fotógrafo desconhecido 104 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 A educação é essencial para o desenvolvi mento pessoal a escola é um espaço de prepara ção para a cidadania e de qualificação para o traba lho art 205 CF uma missão compartilhada pelo Estado sociedade e família Para isso é necessário que o ambiente escolar não seja marcado pelo medo como relatado anteriormente mas que haja pluralidade de ideias e respeito às diferen ças A Constituição de 1988 em seu art 206 II coloca como princípios a liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber Para Silva 2015 p 258 o ato de conhecer envolve duas dimensões uma objetiva e outra subjetiva a primeira envolve a transmissão do conhecimento relativa à atividade docente já a segunda remete ao direito de receber o conhe cimento ou buscálo própria dos pesquisadores e estudantes Aos docentes cabe a liberdade de escolher ministrar seu curso com liberdade de crítica conteúdo forma e técnica que lhe pareçam corretos sem que haja censura desde que respei tado o currículo escolar e os programas oficiais A atividade docente também deve se pautar na responsabilidade em relação ao que é dito em sala de aula Devese abrir espaço para o diálogo o respeito e a tolerância de acordo com o que consta na Constituição Federal BRITTO 2019 A liberdade para se expressar é uma condi ção assegurada ao indivíduo mas que se sustenta quando é pautada no conhecimento respeito ao próximo honestidade e apreço à verdade A liberdade de expressão sem os pressupostos básicos da educação tornase um campo fértil para dissimulações VIEIRA 2006 Para aprofundar Música MILTINHO HOLLANDA C B Angélica Marola Edições Musicais 1977 Disponível emhttpwwwchi cobuarquecombrconstrucaomestreasppgange lica77htm Chico Buarque na composição homenageou Zuleika de Souza Netto conhecida como Zuzu Angel estilista brasileira reconhecida internacionalmente por seu trabalho e também por denunciar o desaparecimento forçado e morte de seu filho Stuart Angel por razões políticas Apesar da repressão da ditadura realizou um desfile protesto no consulado brasileiro em Nova York com roupas que continham estampas de armas pássaros aprisionados e manchas vermelhas A estilista morreu vítima de um acidente de carro em 1976 poste riormente reconhecido como causado pela repressão do regime ditatorial brasileiro do período pelas denúncias que realizou Filme O vento Será a Tua Herança Direção Daniel Petrie Produção de Dennis Bishop MGM Television Showtimes Networks1999 O filme relata o caso ocorrido em 1925 The State of Tennessee v John Thomas Scopes nos Estados Unidos onde um professor de biologia foi preso por ensinar a teoria do evolucionismo de Charles Darwin violando o Butler Act que proibia o ensino de qualquer teoria que negasse a criação divina do homem Prática 6 Educação e liberdade de expressão Objetivo Ressaltar a importância da educação para cultura de tolerância e respeito às diferenças Sugestão de desenvolvimento a liberdade de expressão é uma condição importante para que haja o debate e a participação na sociedade todavia ela não pode ser usada para disseminar informações prejudiciais à coletividade que fal tem com a verdade ou que incitem a violência Fomentar o debate de como os ambientes de formação humana quer sejam escolas famílias círculos de amizade centros esportivos entida des religiosas dentre outros espaços podem colaborar para a cultura da tolerância e respeito às diferenças Materiais disposição da sala em círculo com um mediador para organizar a ordem das falas 105 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 PARTE 3 LIBERDADE DE IMPRENSA O DEBATE E A DENÚNCIA Como já vimos a liberdade de expressão está ligada ao direito de se informar e de ser informado Nos períodos em que a censura foi amplamente empregada no Brasil os veículos de imprensa foram duramente atingidos Gilmar Ferreira Mendes 2010 p1 afirma que inde pendentemente da consolidação democrática do país a liberdade de imprensa deve ser per manentemente afirmada e concretizada A Lei n 52501967 estabeleceu limitações aos veículos de imprensa e crimes específicos aos veículos que abusassem da liberdade de expressão A publicação de notícias falsas ou deturpadas ou a ofensa à moral e aos bons costumes eram penalizadas pela lei A publicação de injúrias e difamações também eram consideradas cri mes todavia se realizadas contra o presidente e outras autoridades públicas a pena era aumen tada BRASIL 1967 Esta lei ficou vigente no Brasil até o ano de 2009 quando foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 130 BRASIL 2009 A liberdade de imprensa está ligada ao direito de informar que se desdobra na liberdade de se informar e de ser informado A Constituição reitera no art 220 o que já estava estabelecido no art 5º é livre a manifestação do pensamento da criação da expressão e da informação proibindo a edição de leis que limitem a liberdade de infor mação jornalística e de qualquer censura política ideológica ou artística A liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial do povo e condição para a democracia O ministro Celso de Mello assim se manifestou na Arguição de Descumprimento Pre ceito Fundamental n 103 que analisou a recepção da Lei de Imprensa n 52501967 frente ao texto constitucional de 1988 a censura governamen tal emanada de qualquer um dos três Poderes é a expressão odiosa da face autoritária do poder público RAMOS 2017 p 624625 Saiba mais O Pasquim era uma publicação semanal de humor que iniciou suas atividades em 1969 com críticas políticas ao Regime Militar por meio de cartuns e charges Com o uso do humor e de estratégias como neologismos para substituir os palavrões proibidos por ofenderem a moral e os bons costumes o jornal reunia arte humor e opinião para uma reflexão sobre a realidade social NOGUEIRA 2018 Em um relatório confidencial dos anos 1980 o jornal é descrito como de atua ção contestatória ao Governo Federal Divulga artigos com ofensas morais a autoridades e aborda assuntos atentatórios à moral e aos bons costumes Mantém entre seus colaboradores pessoas vinculadas a entidades subversivas Legenda Documento do Serviço Nacional de Informações da Presidência da República listando os órgãos de imprensa em que não deveria ser veiculado anúncios oficiais de 11 de março de 1980 Imagem reproduzida na Plataforma Flirck disponível no link httpswwwflickrcomphotosarquivonacionalbra sil38565085501inalbum 72157687373521446 Acesso em 06 de ago 2021 Fonte Arquivo Nacional do Brasil Fotógrafo desconhecido 106 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Prática 7 Lei de Imprensa Objetivo discutir sobre as restrições dadas ao tra balho da imprensa perante as autoridades públicas Sugestão de desenvolvimento Durante o regime militar os veículos de imprensa e jornalismo esta vam sobre um regime jurídico que penalizada a publicação de injúrias e difamações aumentando a pena se elas fossem dirigidas ao Presidente da República ou outras autoridades Devese ques tionar ao grupo participante Quais seriam as consequências de se dar uma penalidade maior às injúrias e difamações relacionadas às autoridades públicas Como essa medida interfere no controle da atuação estatal Materiais disposição da sala em círculo com um mediador para organizar a ordem das falas O período de censura vivido nas décadas anteriores fez com que a Constituição de 1988 recebesse um capítulo voltado à Comunicação Social para reiterar o que já estava estabelecido no artigo 5º da Constituição a livre a manifes tação do pensamento da criação da expressão e da informação proibindo a edição de leis que limitem a liberdade de informação jornalística e de qualquer censura política ideológica ou artística Aplicadas as mesmas restrições anteriormente vistas a proibição do anonimato direito de res posta direito a indenização por dano material ou moral à intimidade vida privada honra e imagem das pessoas BRASIL 1988 Segundo o ministro Carlos Ayres Britto existe uma relação de mútua dependência entre a democracia e a imprensa pois é por meio da atividade jornalística de diferentes ideias que são colocadas no espaço público para discussão além disso garantem o pluralismo e a virtude democrática de respeito a convivência de ideias contrárias A Constituição proíbe o monopólio e o oligopólio na imprensa pois do contrário para evitar a concentração do poder nas mãos de poucas entidades A imprensa livre permite o questionamento da versão oficial dos fatos inclusive justificando críticas contundentes fei tas por jornalista considerando a importância do interesse público BRASIL 2009 Infelizmente a liberdade de imprensa não é um direito garantido em todos os países De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jorna listas 2019 dez países desrespeitam o padrão internacional de buscar e receber notícias e de expressar a opinião São eles Eritreia Coreia do Norte Turcomenistão Arábia Saudita China Vietnã Irã Guiné Equatorial Bielorrússia e Cuba Entre as restrições empregadas estão a prisão leis repressivas vigilância de jornalistas restrições à internet e à mídia social Na Eritreia Coreia do Norte e Turcomenistão a mídia serve como por tavoz do Estado e o jornalismo independente é realizado em exílio Já na Arábia Saudita China Vietnã e Irã ocorre o monitoramento digital e censura da internet além da prisão de jornalistas e do assédio a eles e suas famílias Percebese a importância dos veículos de imprensa para divulgar as violações aos direitos humanos e contrapor as ilegalidades e abusos de poder Os veículos de comunicação além de denunciarem violações aos direitos também são uma ferramenta para a educação em direitos humanos Isso porque os veículos de imprensa estão a serviço da comunicação das massas e ao tratar de temas de interesse público podem escla recer e aproximar a população dos seus direitos Do acesso de programas assistenciais de saúde pública ou campanhas educativas os veículos de imprensa podem ser ferramentas transformado ras e educativas Para a atividade jornalística ocorrer de modo livre é preciso que os jornalistas e demais profissionais da área de comunicação uma vez que não é exclusivo ao jornalista de formação exercer referido ofício não sejam vítimas de ameaças agressões físicas ou psíquicas ou de outros atos de hostilidade O assassinato de um jornalista é uma das formas mais extremas de cesura e atenta contra o direito da sociedade em geral de rece ber informações Segundo relatoria especial da Organização dos Estados Americanos entre os países signatários durante os anos de 1995 e 2005 foram assassinados 157 jornalistas em 19 107 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 países membros da organização e destes apenas 32 tiveram alguma condenação e 4 a punição dos mentores intelectuais Apesar da imprensa ser um fator fundamental para a luta contra a cor rupção e o abuso de autoridade por outro lado a violência contra os profissionais da comunicação tem aumentado OEA 2013 Prática 8 O ambiente para a atividade da imprensa Objetivo refletir e comparar as dificuldades da imprensa em diferentes períodos históricos Sugestão de desenvolvimento Os participantes são convidados a pesquisar os principais desafios da imprensa em diferentes momentos históricos do Brasil Sugerese a divisão em dois grupos um dedicado aos períodos da década de 60 e 70 período em que foi imposta a censura e os Atos Institucionais pelo Regime Militar e outro grupo voltado às déca das de 90 e 2000 já sobre o advento da Constituição de 1988 Os grupos podem apontar violações desa fios e estratégias empregadas em cada época para o exercício da liberdade de imprensa Materiais acesso à biblioteca internet e livros Entre as questões que circundam a liber dade de imprensa existem diferentes concep ções que são relevantes para estabelecer qual seu âmbito de proteção perante o Estado prin cipalmente diante de conflitos entre liberdade de expressão liberdade de imprensa e direito à informação tem sido enfrentado pelas Cortes Constitucionais com base em um postulado que hoje faz transparecer quase uma obviedade as restrições legislativas são permitidas e até exigi das constitucionalmente quando têm o propósito de proteger garantir e efetivar tais liberdades MENDES 2010 p 10 É justamente a restrição que permite que os direitos não sejam esvaziados uma vez que não há como conceber direitos absolutos afinal nessa hipótese outros valores igualmente relevan tes quedariam esvaziados diante de um direito avassalador absoluto e insuscetível de restrição MENDES 2010 p 20 Nesse sentido quando há extrapolamento da liberdade de imprensa socorre ao ofendido o direito de resposta Saiba mais Em 1992 a Rede Globo de Comunicações divulgou uma reportagem afirmando que o governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola tinha problemas mentais Após ingressar na justiça dois anos depois o governador obteve o direito de resposta sendo que o apresenta dor Cid Moreira leu uma carta do Brizola na íntegra durante o Jornal Nacional Esse direito de resposta ficou conhecido como um marco no exercício deste direito No texto do direito de resposta o qual não pode sofrer qualquer edição o governador teceu comentários sobre a emissora e sobre o proprietário da Rede Globo Esse direito de resposta entrou para a história democrática Legenda imagem do governador Leonel Brizola Imagem reproduzida na Wikimedia Commons dispo nível no link httpscommonswikimediaorgwiki FileBrizolajpg Acesso em 07 de agosto de 2021 Fonte Agência Brasil Fotógrafo desconhecido O direito de estar informado para além de uma atividade de imprensa é um direito do cida dão uma vez que a informação é uma das formas pela qual o sujeito desenvolve suas funções em sociedade Assim o acesso aos canais de comu 108 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 nicação tanto de propagação de informações quanto o conceito de direito de comunicar enten dido como liberdade de opinião e de expressão como um direito humano Ele corresponde ao exercício de cidadania sendo justo que seja estendido a todos os cidadãos e suas organizações representativas PERUZZO 2002 p 78 Saiba mais Vladimir Herzog foi um jornalista que atuou em áreas ligadas à arte cultura cinema e televisão Em 1975 apresentouse voluntariamente para prestar esclareci mentos ao DOICODI Destacamento de Operações de Informação Centro de Operações de Defesa Interna na época era diretor de jornalismo na TV Cultura Vladimir foi duramente torturado e morto no entanto o Serviço Nacional de Informações havia divulgado como causa morte o cometimento de suicídio O jornalista havia sido encontrado amarrado a uma grade cuja altura era baixa os joelhos dobravam e os pés tocavam o chão A morte do jornalista causou grande comoção Um ato solene interreligioso reuniu na Catedral da Sé em São Paulo 8 mil pessoas Vlado 30 anos depois 2005 Em 2018 o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela detenção arbitrária tortura e morte do jornalista Legenda Vladimir Herzog Imagem reproduzida no portal Memórias da Ditadura disponível no link http memoriasdaditaduraorgbrbiografiasdaresistencia vladimirherzog Acesso em 06 de agosto de 2021 Fonte Memórias da Ditadura Fotógrafo desconhecido A não censura é uma forma de que a imprensa atue como denunciadora de viola ções de Direitos Humanos assim a área de comunicação deve ser autônoma não podendo sofrer uma censura prévia Justamente em razão disso o direito de resposta atua como forma de retificar uma situação na qual a liberdade de imprensa foi extrapolada Porém não pode ocorrer um recorte prévio pois isso se carac terizaria censura e essa represália não condiz com o Estado Democrático Além disso para além de propagar informações a liberdade de imprensa assegura o direito a livre manifesta ção e o acesso a informações relevantes para o conhecimento da população Para aprofundar Filme Vlado 30 anos depois Direção João Batista de Andrade Produção de Oeste Filmes Brasileiros Tao Produção Artísticas 2005 O filme descreve aspectos da vida pessoal de Vladimir Herzog por meio de seus familiares e colegas de traba lho Há relatos de outros jornalistas que trabalharam com Herzog e de como ocorriam as detenções arbitrárias e torturas nas dependências do DOICODI Documento FREIRE L N M PELEGRINI E L SILVA V P M THULIN H I Relatório violência contra comunicadores no Brasil um retrato da apuração nos últimos 20 anos Conselho Nacional do Ministério Público Disponível emhttpswwwcnmpmpbrportal imagesPublicacoesdocumentos2019Violenciacontra comunicadoresnoBrasilVERSAOFINALpdf Acesso em 06 ago 2021 O relatório apresenta um levantamento sobre as mor tes de comunicadores do Brasil entre os anos de 1995 e 2018 morreram sessenta e quatro profissionais os casos foram classificados por regiões do país e se foram solucionados ou não De acordo com o relatório o Brasil é um dos países mais violentos acerca do ambiente de atuação para comunicadores atrás de países como Síria Iraque Paquistão México e Somália 109 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 Prática 9 O direito de resposta e os limites Objetivo refletir os limites do direito de resposta Sugestão de desenvolvimento o grupo é convi dado a pesquisar quais os fundamentos do direito de resposta e se existem limites para seu exercício Sugerese a análise de textos que foram objeto de direito de resposta para verificar se o direito de resposta foi exercido com integralidade ou se houve abuso no exercício do direito de resposta de modo a poder ensejar direito de resposta ao direito de resposta Materiais acesso à biblioteca livros e internet CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste capítulo percebemos a importância da liberdade de expressão e como ela se desenvolve em diferentes áreas Em que pese a importância e relevância deste direito não pode ele ser absoluto sob o risco de reprimir outros direitos A liberdade de expressão é um direito humano fundamental inclusive para o correto exercício de outros direitos Com o advento e popularização da internet diversos canais passa ram a ser veiculadores de informações contudo apesar desta popularização e do maior alcance das informações de outro lado se verifica uma proli feração de informações inverídicas o que atua ao contrário do que uma informação deve atender Enquanto direito protegido a liberdade de expressão deve estar em constante desen volvimento Esse direito desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento democrá tico por isso deve ser constantemente vigiado e observado Afinal a liberdade de expressão não é respaldo para que se fale o que bem entender uma vez que existem outros direitos também protegidos no ordenamento jurídico e que não podem ser ofendidos em prol de outro direito Nesse contexto a liberdade de imprensa atua como via de mão dupla se de um lado asse gura a liberdade ao profissional e comunicador para que este não sofra censuras também impõe o dever de se observar os demais direitos bem como ser responsável com a verdade caso contrá rio é assegurado o direito de resposta ao ofen dido Não se pode perder de vista que a liberdade de expressão e de imprensa é um mecanismo de denúncia de violações a Direitos Humanos atuando também como uma via educativa A liberdade de expressão é fundamental para o desenvolvimento democrático REFERÊNCIAS A LETTER ON JUSTICE AND OPEN DEBATE Har pers magazine Disponível em httpsharpers orgaletteronjusticeandopendebate Acesso em 01 ago 2021 ALEXY R Teoria de los derechos fundamentales Madrid Centro de estudios constitucionales 1993 AUTORIA DESCONHECIDA Manifestação estudan til contra a Ditadura Militar 1968 Fotografia preto e branco 5666 3878 pixels Disponível emhttps commonswikimediaorgwikiFileManifestação estudantilcontraaDitaduraMilitar91tif Acesso em 06 ago 2021 AUTORIA DESCONHECIDA O político brasileiro Leonel Brizola 1984 Fotografia preto e branco 1772 x 2580 pixels Disponível em httpscommons wikimediaorgwikiFileBrizolajpg BINICHESCKI P R Liberdade de expressão na era da internet o dilema das redes sociais Consultor jurídico Publicado em 9 de junho de 2021 Dispo nível em httpswwwconjurcombr2021jun09 garantiasconsumoliberdadeexpressaointernetdi lemaredessociaisedn11 Acesso em 02 ago 2021 BULOS U L Constituição Federal anotada 11 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2015 BRASIL Constituição 1824 Constituição Politica do Imperio do Brazil Outorgada em 25 de março de 1824 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03constituicaoconstituicao 24htm Acesso me 30 jul 2021 110 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 BRASIL Constituição 1988 Constituição da Repú blica Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988 Disponível em httpwwwpla naltogovbrccivil03constituicao constituicao htm Acesso em 27 mai2021 BRASIL Decreto Lei n 477 de 26 de fevereiro de 1969 Disponível em httpswww2camaralegbr leginfeddeclei19601969decretolei47726fe vereiro1969367006publicacaooriginal1pehtml Acesso em 02 ago 2021 BRASIL Decreto n 592 de julho de 1992 Dispo nível em httpwwwplanaltogovbrccivil03 decreto19901994d0592htm Acesso em 02 ago 2021 BRASIL DecretoLei n 869 de 12 de setembro de 1969 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03decretolei19651988Del0869impressao htm Acesso em 02 ago 2021 BRASIL DecretoLei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Disponível httpwwwplanaltogovbr ccivil03decretoleidel2848compiladohtm Acesso em 02 ago 2021 BRASIL Lei n 5250 de 9 fevereiro de 1967 Dis ponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03 leisl5250htm Acesso em 06 ago 2021 BRASIL Lei n 7716 de 5 de janeiro de 1989 Dis ponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03 leisl7716htm Acesso em 02 ago 2021 BRASIL Supremo Tribunal Federal Tribunal Pleno Arguição de Descumprimento de Preceito Funda mental n 130 Distrito Federal Arguente Partido Democrático Trabalhista Arguido Presidente da República Congresso Nacional Relator Ministro Carlos Britto Data do julgamento 30 de abril de 2009 Data da Publicação 06 de novembro de 2009 Disponível em httpsredirstfjusbrpaginadorpub paginadorjspdocTPACdocID605411 Acesso em 07 ago 2021 BRITTO T F O que os professores não podem dizer A experiência canadense e a Escola sem Par tido Revista Brasileira de Educação 2019 v 24 Disponível em httpswwwscielobrjrbedua wCKT6h85TjmMySCxkh4knkqlangpt Acesso em 06 ago 2021 CARVALHO L B Justiça e liberdade de expressão uma releitura do caso Ellwanger Revista Brasileira de Estudos Constitucionais Belo Horizonte ano 3 n 10 abrjun 2009 Disponível em httpwww bidforumcombrbidPDI0006aspxpdiCntd57984 Acesso em 28 jul 2021 COMMITTEE TO PROTECT JOURNALIST 10 países mais censurados Disponível em httpscpjorg pt20190910paisesmaiscensurados Acesso em 2 ago 2021 ESTADOS UNIDOS Constituição 1787 Constituição dos Estados Unidos da América Promulgada em 17 de setembro de 1787 Disponível em httpwww direitoshumanosuspbrindexphpDocumentosan terioresC3A0criaC3A7C3A3odaSocie dadedasNaC3A7C3B5esatC3A91919 constituicaodosestadosunidosdaamerica1787 html Acesso em 01 ago 2021 FALSARELLA C M A liberdade de expressão na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Revista da Faculdade de Direito UFMG n61 p149173 juldez 2012 FILGUERAS J M A educação moral e cívica e sua produção didática 19691993 2006211 f Disserta ção Mestrado em Educação Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2006 FAUSTINO A Fake News a liberdade de expressão nas redes sociais na sociedade da informação São Paulo Lura Editorial 2019 FARIAS E P Liberdade de expressão e comuni cação teoria e proteção constitucional 2001 290 f Tese Doutorado em Direito Centro de Ciências Jurídicas Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2001 FRANÇA Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789Disponível em httpwwwdireitoshumanosuspbrindexphp DocumentosanterioresC3A0criaC3A7 C3A3odaSociedadedasNaC3A7C3B5es 111 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 atC3A91919declaracaodedireitosdohomem edocidadao1789html Acesso em 02 ago 2021 G1 Facebook testa alertas para usuários que foram expostos a conteúdo extremista Tecnologia Publicado em 02 de julho de 2021 Disponível em httpsg1globocomeconomiatecnologianoti cia20210702facebooktestaalertasparausua riosqueforamexpostosaconteudoextremista ghtml Acesso em 02 ago 2021 GILBERTO G HOLLANDA C B Cálice Marola Edi ções Musicais 1973 Disponível em httpwww chicobuarquecombrconstrucaomestreasppg calice73htm Acesso em 02 ago 2021 GILBERTO G HOLLANDA C B Reprodução da letra da composição Cálice censurada em maio de 1973 Arquivo Nacional Disponível em httpwww memoriasreveladasgovbrindexphpcomponent phocagallery12detail353imagensedocumentos doperiodode64a85 Acesso em 02 ago 2021 GILBERTO G Pela internet Disponível em https wwwyoutubecomwatchvv2 QvAaBNc9A Acesso em 07 ago 2021 ILKIU J A C As investigações contra os professo res e instituições de ensino do Parana pela Dele gacia de Ordem Política e SocialDOPSPR durante a ditadura militar no Brasil de 1964 a 1985 2020 146 f Dissertação Mestrado em Políticas Públicas e Direitos Humanos Pontifícia Universidade Católica do Paraná Curitiba 2020 JACQUESLOUIS D A morte de Sócrates 1787 óleo sobre tela 130 cm x 196 cm Disponível em https wwwwikiartorgptjacqueslouisdavidamorte desocrates1787 Acesso em 10 jul 2021 LUCKWÜ P Memorial da queima dos livros sutileza e simbolismo lado a lado Agenda Berlim Disponível em httpswwwagendaberlimcommemorialquei malivrosAcesso em 02 ago 2021 MENDES Gilmar Ferreira O significado da liberdade de imprensa no Estado Democrático de Direito e seu desenvolvimento jurisprudencial pelas Cortes Cons titucionais breves considerações Observatório da Jurisdição Constitucional Brasília a4 20102011 Disponível emhttpswwwportaldeperiodicos idpedubrobservatorioarticleview427 Acesso em 06 ago 2021 NOGUEIRA Natania Aparecida da Silva O Pasquim e o papel do humor na resistência contra a dita dura militar Pesquisa Educação à Distância n 11 2018 httprevistauniversoedubrindex phpjournal2013EAD1pagearticleopviewpa th5B5D5970path5B5D3113 nogueira 2018 OLIVEIRA A N SILVA L E F CASTRO J L Narrati vas da censura informacional registrada sob a ótica historiográfica apreciações a partir da influência do terceiro reich alemão Revista IberoAmericana de Ciência da Informação v 11 No 1 n 1 p 333363 2018 DOI 1026512riciv11n120188430 Acesso em 10 jul 2021 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Declaração Universal dos Direitos Humanos Adotada e pro clamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948 Disponível em httpswww uniceforgbrazildeclaracaouniversaldosdireitos humanos Acesso em 30 jul 2021 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS Con venção Americana sobre Direitos Humanos Assi nada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos San José Costa Rica em 22 de novembro de 1969 Disponível em httpswww cidhoasorgbasicosportuguescConvencaoAme ricanahtm Acesso em 01 ago 2021 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem Aprovada na Nona Conferência Inter nacional Americana Bogotá 1948 Disponível em httpswwwcidhoasorgbasicosportuguesb declaracaoamericanahtm Acesso em 01 ago 2021 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS Decla ração de Princípios sobre Liberdade de Expressão Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu 108 período ordinário de sessões celebrado de 16 a 27 de outubro de 2000 Disponível em httpswwwcidhoasorgbasicosportuguess convencaolibertadedeexpressaohtm Acesso em 01 ago 2021 112 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 05 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS Comis são Interamericana de Direitos Humanos Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão Violência contra jornalistas e funcionários de meios de comunicação padrões interamericanos e práticas nacionais de prevenção proteção e realização da justiça Disponível em httpswwwoasorgpt cidhexpressaodocspublicaciones2014200820 2920PROTECAO20JORNALISTAS20finalpdf Acesso em 06 ago 2021 PAHL G Berlin Opernplatz Bücherverbrennung 1933 Fotografia preto e branco 2933 2229 pixels Disponível emhttpscommonswikimediaorg wikiFileBundesarchivBild10214597Berlin OpernplatzBücherverbrennungjpg Acesso em 10 jul 2021 PERUZZO Cicilia M Krohling Ética liberdade de imprensa democracia e cidadania Revista Brasi leira de Ciências da Comunicação Vol XXV nº2 julhodezembro de 2002 p 7188 PANDOLFI Dulce Chaves Censura no Estado Novo Concinnitas a 19 n 22 p104113 2018 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphp concinnitasarticleview398502792 4 Acesso em 30 jul 2021 PLATÃO A apologia de Sócrates Tradução de Maria Lacerda de Souza Disponível em httpwwwdomi niopublicogovbrdownloadtextocv000065pdf Acesso em 10 jul 2021 RAMOS A C Curso de Direitos Humanos 4 ed São Paulo Saraiva 2017 SILVA J A Curso de Direito Constitucional Posi tivo São Paulo Malheiros 2015 SILVA T C GIESEL C C M A música cálice como símbolo de resistência política em um Brasil mar cado pela ditadura uma análise críticodiscursiva Philologus a 26 n 78 Rio de Janeiro CiFEFiL setdez 2020 SOARES G A D Censura durante o regime autori tário Revista Brasileira de Ciências Sociais n 10 v 4 jun 1989 Disponível em httpwwwanpocs comimagesstoriesRBCS10rbcs 1002pdf Acesso em 01 ago 2021 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL STF libera marcha da maconha Disponível em httpsstfjusbrasil combrnoticias2737214stfliberamarchadama conha Acesso em 02 ago 2021 Vlado 30 anos depois Direção João Batista de Andrade Produção de Oeste Filmes Brasileiros Tao Produção Artísticas 2005 VIEIRA E Liberdade de expressão e educação cons titucionalmente um Direito de todos Um paralelo entre educação e a liberdade de expressão Uma proposta de equilíbrio entre as duas forças Revista de Direitos e Ciências Gerenciais v1 n1 2016 Disponível em httpswwwfacbrrevistaindex phprevistaarticleview29 Acesso em 06 ago 2021 113 INTRODUÇÃO Quem já não escutou reverberando em con versas aqui e ali nos meios televisivos e nas redes sociais ou mesmo professou em tom de ativismo achando uma solução justa aquela famosa frase Bandido bom é bandido morto Esse slogan tem algo de bem brasileiro que iremos explorar no decorrer desta unidade De saída é interessante pensar que por muito tempo nos convencemos do perfil pacato e tranquilo do povo brasileiro avesso aos conflitos e aos enfrentamentos diretos Mas quando nos vemos diante de situações de vio lência as reações práticas e discursivas podem ser calorosas considerando a alta reatividade individual e coletiva ao sentimento de medo Um primeiro passo para a nossa reflexão é desconstruir essa imagem reinante de harmonia social e a própria ideia de nação como unidade é problemática num país de proporções continen tais como o Brasil fundado na violência colonial aos povos nativos e na escravização massiva de negras e negros africanos pois esses processos e lutas ecoam nas desigualdades do presente Com uma história densa e diferenças regionais profundas tornase um desafio e tanto falar sobre Direitos Humanos no Brasil e é impossível fazêlo sem levar em conta a temática da violência nos seus aspectos históricos estruturais e cotidianos Este será nosso exercício aqui Por que estamos tão acostumadas e acostu mados a essas sentenças de morte rotineiramente professadas às pessoas que cometem crimes pre vistos no Código Penal Como podemos entender a gênese dessas crenças matadoras disseminadas exaustivamente pela mídia Tendo como base que vivemos num regime democrático em teoria a sentença deveria ser o chamado devido processo legal E em caso de condenação com base em evidências a privação de liberdade Impressiona contudo como nos esquecemos rapidamente dessa premissa constitucional e desse direito básico cedendo espaço a um espetáculo de discursos de ódio que convocam ao extermínio dos temidos criminosos Executar é a palavra de ordem Sem mais questionamentos Tendo isto em mente pensar de forma lúcida acerca das políticas de Segurança Pública deve compor o mosaico de discussões fomentadas pela Educação em Direitos Humanos Nossa cami nhada começa com alguns fundamentos concei tuais e históricos para entendermos a complexa relação entre o Estado e a dimensão da violência repressiva Em seguida vamos conhecer mais elementos do contexto brasileiro e aquilo que Unidade 06 Direitos Humanos Violência Violação e Segurança Pública Mariana Corrêa de Azevedo 114 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 pesquisadoras e pesquisadores dessa área vêm chamando de democracia inacabada Nosso calcanhar de Aquiles é a Segurança Pública isto fica evidente Por fim enfatizaremos a vulnerabi lidade que recai sobre as juventudes e as severas violações de Direitos Humanos nesta faixa etária em cenários particulares desnudando éticas mais ou menos veladas de uma sociedade que priva pune e tira a vida de jovens desfavorecidos do ponto de vista de classe raçaetnia e território Estando o foco no percurso de ensino aprendizagem o convite desta Unidade é para que cultivemos um olhar em Direitos Humanos que transformará quiçá nossas concepções morais e nossas posturas dentro deste eixo nor teador Passear na companhia de uma aborda gem socioantropológica não é muito simples exige fôlego e certo grau de autoconhecimento quase como um mergulhar em si mesmoa Mas é certamente um esforço recompensador que fortalece nosso senso de justiça de diálogo e de acolhimento das diferenças favorecendo a construção de concepções qualificadas sobre o papel das e dos agentes públicos na promoção da Democracia num momento em que seus sentidos e usos são tão conturbados no Brasil e no mundo PARTE 1 AS RELAÇÕES ENTRE ESTADO VIOLÊNCIA E PODER Para localizar as reflexões da unidade sobre violações de direitos na arena da Segu rança Pública é preciso fazer um debate guiado sobre o conceito mesmo de Estado posto que emergem daí diversos significados Isso requer um pouco de paciência das leitoras e dos leitores uma vez que as teorias são densas e por ora dissonantes já que registram a conflitividade social Na produção do pensamento clássico e contemporâneo podemos citar alguns autores e algumas autoras enfatizando o problema da violência para depois relacionar com o contexto do Regime Militar aos dias atuais Então vamos lá Primeiramente é necessário salientar que as teorias científicas sobre o Estado foram fun dadas num contexto europeu o qual costumeira mente chamamos de dupla revolução em curso na segunda metade do século XVIII De um lado a Revolução Industrial que teve forte pioneirismo da Inglaterra de outro a Revolução Francesa de 1789 em seus aspectos políticos que influenciam as instituições públicas até hoje Um novo mundo surgia em contraposição ao período medieval e ao modo de produção agrícola regido então por figuras monárquicas Para facilitar a modernidade deve ser entendida por nós como um processo simultâneo de industrialização e de urbanização As primeiras grandes cidades modernas começam a se sobrepor aos antigos feudos onde a terra e o Rei ditavam as dinâmicas da vida social As contradições econômicas e políticas cer tamente não foram inventadas na modernidade mas nossa ênfase do tópico é neste recorte histó rico Na transição do feudalismo para o capitalismo surgem diferentes grupos e atores sociais sendo um deles o proletariado trabalhadoras e trabalha dores das fábricas cujas condições de vida eram destacadamente precárias Dentre as inúmeras abordagens clássicas sobre a criação do chamado Estado moderno salientamos inicialmente as con siderações dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels 2008 Para eles que estavam par ticipando diretamente das ligas operárias na Europa em fins do século XIX o Estado era a encarnação do poder das classes dominantes sobre as camadas populares reproduzindo a lógica da exploração da maioria pelos poucos detentores do capital Daí deriva o conceito de luta de classes É certo que são feitos muitos questiona mentos sobre essas leituras as quais são de fato ácidas e problematizam de forma radical as bases de desigualdades persistentes Tratamse con tudo de investigações científicas importantes que registram antagonismos de dois séculos atrás que estão longe de serem coisa do passado As obras desses autores são por isso interessantes instrumentos didáticos para estimular a refle xão crítica e fundamentada sobre o Estado as relações de poder e de dominação e podem ser encontradas em adaptações em quadrinhos HQ como a elaborada por Martin Rowson cuja edição 115 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 brasileira foi publicada em 2019 MARX ENGELS e ROWSON 2019 Vale a pena conferir Pela força do hábito nos esquecemos de que naquele período áureo da produção do conheci mento muitas mulheres estavam escrevendo sobre os dilemas e mazelas de seu tempo Infelizmente elas foram colocadas para escanteio e deslegitima das de diversas maneiras Porém um movimento de revisão está em curso nas últimas décadas de forma que temos agora acesso a tais autoras a algumas de suas obras e seus pensamentos Uma dessas pio neiras da teoria social é a escritora francoperuana Flora Tristán 18031844 Já no ano de 1843 ela lançou um texto independente sobre a questão das associações operárias destacando que seria imperativo reconstruir as relações entre homens e mulheres para chegarmos a um nível verdadeiro de igualdade e justiça Para a época essa era uma bandeira bastante avançada que segue viva nas facetas plurais da Educação em Direitos Humanos Outra ideia central nessa matéria é a de monopólio do uso legítimo da violência física WEBER 2004 O conceito foi construído por outro pensador alemão Max Weber 18641920 para definir o poder do Estado e segue ainda muito utilizado em estudos científicos Para este autor a chave de interpretação do Estado moderno reside no problema dos usos da violência e nos seus sentidos O poder para Weber deve ser observado sempre em termos relacionais e nas formas pelas quais se legitimam as instituições e ações humanas No caso moderno tal institucio nalização se dá por meio da racionalidade e dos sistemas da burocracia pública O Estado figura nesta concepção como uma entidade jurídico política de altíssima complexidade mas só pode ser compreendida a partir das interações sociais concretas de suas e de seus múltiplos operadores Não é por acaso que Marianne Weber 1870 1954 companheira de reflexões e esposa de Max Weber também escreveu sobre problemas rela cionados ao Estado e ao Direito Apesar de mais conhecida pelo trabalho biográfico que publicou sobre o marido após sua morte considerada pre coce seus escritos são análises criteriosas sobre os meios de controle da existência feminina pela instituição civil do casamento e as instituições jurídicas de seu tempo como aponta a pesquisa de Giulle Adriana Vieira da Mata 2014 sobre o legado intelectual desta pensadora Saiba mais O século XX não foi menos tumultuado O período da Segunda Grande Guerra 19391945 é de especial atenção para entendermos mais sobre Estado violência e abuso de poder O Nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália são exemplos cruéis de como certos grupos sociais são perse guidos e exterminados por práticas estatais legitimadas e que continham à época seu caráter científico Hannah Arendt 2001 importante filósofa alemã de origem judaica que viveu entre 1906 e 1975 utiliza a ideia de banalização do mal para se referir às atrocidades cometidas neste período e ao processo de julgamento de Eichmann em Jerusalém nos anos 1960 um dos perpetradores do regime antissemita de Adolf Hitler Se amparando nesta ideia o brasileiro Sérgio Adorno 2013 grande nome da sociologia da violência revigora outro conceito arendtiano o de anestesia moral remetendose a insensibilidade moral e política diante do sofrimento dos outros quando se trata da violência policial que assola a vida de jovens negros nas periferias do Brasil Ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1948 prometesse um mundo mais justo e pacífico no pósguerra os desafios de sua implementação são imensos no século XXI Legenda Fotografia da filósofa alemã Hannah Arendt 19061975 uma importante referência para pensar nos regimes totalitários e no autoritarismo Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpssearchcreativecommonsorgphotos8e51fa 412cb24dcbb77e55b9c90f4728 Acesso em 09 de outu bro de 2021 Crédito Hannah Arendt Oct 14 1906 1975 116 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Para seguir em frente na nossa jornada teóricoconceitual tomaremos agora de emprés timo algumas perspectivas contemporâneas as quais dialogam com as produções anteriores mas atualizam seus predecessores para dar ênfase às estratégias de controle estatal reformuladas no decorrer do século XX Não é possível deixar de citar neste ponto da nossa conversa o francês Michel Foucault 19261984 dada a profunda influência de seus conceitos e análises sobre a dimensão do poder os quais seguem sendo utilizados com muito vigor Em sua perspectiva o poder estatal contemporâneo se explicaria por ser um produtor de subjetividades formas de estar no mundo e verdades sobre a vida e a morte Estas tecnologias estatais seriam mecanismos biopolíticos uma vez que atuam não apenas na coerção dos indivíduos mas na classificação de populações a serem administradas FOU CAULT 1999 Muitas e muitos foram inspirados por essa maneira de colocar a relação entre o Estado e a violência mesmo a partir de um olhar crítico Cabe citarmos o trabalho do filósofo italiano Giorgio Agamben 2004 cujas investigações vão no sen tido de um entendimento das democracias como permanentemente recorrentes aos estados de exceção a produção de nãocidadãos e ao que ele chama de vidas matáveis inimigas em potencial A recorrência à violência física e ao extermínio segundo ele são paradigmas de governo e não períodos isolados na história Mas não é só o poder bélico que explica a ampla adesão às normas do Estado Há também a dimensão simbólica que seria a versão introjetada das classificações pro duzidas oficialmente como define o sociólogo francês Pierre Bourdieu 2014 falecido em 2002 Tais fronteiras estão desenhadas nos corpos nos tempos e nas linguagens das e dos diferentes indivíduos e grupos Provocando ainda mais o debate as antro pólogas Veena Das e Deborah Poole 2008 alinhadas à premissa da exceção sem limites nos convocam a pensar o problema do Estado a partir de óticas imprevistas a partir daquilo que concebemos como as margens como se essas estivessem localizadas fora de seu poder Por que afinal o Estado é tão violento nas mar gens e periferias não apenas em nosso país Para essas pesquisadoras da violência contemporânea compreender o poder estatal significa assumir que ele só pode ser estudado em lugares de vida pulsantes e encarnados comunidades reais vilas e bairros pessoas e suas rotinas Não podemos falar sobre o tema se não nos debruçarmos em conhecer a fundo como os governos operam de modos desiguais em cada território Tampouco podemos avançar cientificamente se não estiver mos alertadas e alertados que por mais violento que um contexto possa ser seus habitantes sem pre terão estratégias de resistência que devem ser reconhecidas Bem de nada adiantam as renomadas teo rias estrangeiras do por ora chamado primeiro mundo e esta é uma expressão muito proble mática e repaginada se não as colocarmos em movimento para pensar a realidade brasileira Falar sobre Estado violência e poder em nosso país exige uma revisita ao passado não muito distante Pois é a tal ditadura militar de 1964 Que sabemos sobre ela O que nos contaram Do que lembramos São questionamentos inquietantes É fato que as visões sobre este capítulo da histó ria política do Brasil são dissonantes Alguns são saudosos nostálgicos dizem que é o que falta para consertar tudo o que está errado Outros são críticos ruidosos do que ela significou e significa em termos de violações de Direitos Humanos e de projeto de mundo A maioria de nós é seguro afirmálo não tem uma opinião bem formada e informada sobre o assunto Isso vem de um esquecimento que é um construto social Como já dito ao nos imaginarmos um povo tão pacato não queremos saber muitos detalhes desse governo autoritário de exceção de torturas de mortos de exílios de fantasmas e demônios Ainda reverbera o medo de falar sobre o tema De usar palavras como subversão ou revolução Mas vamos investir um pouquinho nisto porque a memória é um antídoto contra novas violações 117 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Legenda Gerações se passam e o grito Diretas Já continua sendo ecoado evidenciando a participação popular a cada retrocesso democrático Nesta imagem de 2017 mulheres erguem cartaz com figura de um per sonagem do cartunista Henfil 19441988 que foi um importante jornalista e opositor ao Regime Militar Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpscommonswikimedia orgwikiFilePINT796334981016925jpguselangptbr Acesso em 13 de outubro de 2021 Crédito São Paulo 29052017 Ato pelas Diretas Já e lançamento do Plano Popular de Emergência organi zado pela Frente Brasil Popular no teatro TUCA Foto Paulo PintoAgência PT De acordo com o Atlas Histórico do Brasil da Fundação Getúlio Vargas DIAS sd ainda há disputa sobre se 1964 foi um ano de Golpe ou de Revolução Esta nomeação não tem nada de tola ao contrário emerge de cosmovisões muito distantes Todavia é preciso ir além destas dicoto mias para um entendimento das complexidades deste contexto Declarado em 31 de março do ano de 1964 a primeira medida do Regime foi a deposição do então presidente João Goulart 19191976 cujas pautas eram voltadas para as camadas populares e a defesa da reforma agrária o que gerava insatisfação em determinados seto res da sociedade especialmente dos interesses econômicos dominantes Após a deposição de Jango os militares assumem a governança do país sob bases auto ritárias O forte sentimento anticomunista que imperava na década de 1960 como subproduto da Revolução Cubana e da ascensão de Fidel Cas tro 19262016 alimentado de forma ostensiva e belicosa pelos Estados Unidos pós Guerra Fria acabou reverberando no apoio financiado à deposição do governo constitucional que em muitos sentidos influem nas forças de Segurança Nacional até o presente Voltaremos a este ponto nas próximas seções da unidade Foram mais de 20 anos de governo militar toda crítica ao Regime era retaliada de formas brutais e impiedosas Crise econômica velada inflação perseguição política tortura e violência de Estado guerrilha armada desaparecidos civis e políticos exílio toda sorte de violações São algumas palavras bastante significativas para compreendermos sem eufemismos as estratégias objetivas de controle social nos anos de 1964 a 1985 também designados anos de chumbo Naturalmente não foi de um dia para o outro que findou a Ditadura Foram longas esperas muito sangue derramado e diversas negociações para a abertura democrática Convencionamos em chamar este movimento de redemocrati zação Porém já são tecidas pelas estudiosas e pelos estudiosos algumas ponderações se de fato tínhamos e se de fato temos uma Democracia consolidada Em 1984 com enorme participação popular tomou voz o clamor pelo voto direto no movi mento das Diretas Já Diversos atores e atri zes sociais e entidades políticas protagonizaram esta mudança 118 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Legenda Uma das primeiras manifestações pela campa nha da redemocratização brasileira em Brasília Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpscommonswikimediaorgwiki FileDiretasJC3A14977566482jpg Acesso em 13 de outubro de 2021 Crédito Manifestações populares em frente ao Congresso Nacional durante a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral Janeiro de 1985 Fotógrafo Célio Azevedo De forma sintética a então Nova República inicia com a eleição indireta de Tancredo Neves 19101985 via um Colégio Eleitoral Tancredo contudo morreu antes da posse o que gerou grande comoção social Quem assume em 1985 é José Sarney sinalizando o fim da Ditadura pela eleição ainda indireta de um civil como chefe de Estado Apesar das muitas contradições um marco elementar é a Constituição de 1988 ou Constituição Cidadã costurada por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte que foi dirigida pelo advogado e político Ulysses Guimarães 1916 1992 que teve também uma morte trágica Ela é a Carta Magna que rege os princípios legais e jurídicos do nosso país Parece boba gem mas muitas e muitos nunca deram sequer uma passadela de olhos no conteúdo dessa Lei Vamos prestar atenção no Artigo Primeiro que versa sobre Os Princípios Fundamentais BRASIL 1988 nele são citados a soberania a cidada nia a dignidade da pessoa humana os valores do trabalho o pluralismo político e ali se afirma belamente que Todo o poder emana do povo Mirandoo de uma forma mais despojada de preconceitos notamos que são valores que todas e todos almejam para si e para os demais Então por que será que há tanta suspeita com relação aos pilares dos valores democráticos No calor da hora escrevia o engajado soció logo Florestan Fernandes 1988 acerca das con tradições inerentes ao processo da Assembleia Constituinte uma vez que o povo as elites e demais camadas sociais faziam distintas repre sentações sobre a sua função Não deixou de ser um objeto de acentuadas disputas e como tal não fora necessariamente uma ode à inclusão social ampla e generalizada Para Florestan e ele estava fazendo uma previsão assertiva as e os trabalhadores do campo e da cidade ainda teriam que lutar muito para uma guinada real mente democrática As classes populares já eram então desconfiadas com as falsas promessas dos líderes da nação A Constituição Federal completou 30 anos em 2018 e ainda que muito se tenha ganhado sim temos que defendêla como aponta Chris Bueno 2018 nenhum direito conquistado deve ser tomado como irrevogável já que a história dá muitas voltas Saiba mais Você já ouviu falar na Comissão Nacional e Estadual da Verdade Pois é muitos não sabem mas em 2011 foi promulgada a Lei Nº 12528 que criou a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República Responsável por investigar os crimes cometidos durante o Regime Militar o Relatório Final foi entregue em 2014 num momento histórico para o Brasil e para a América Latina como um todo Apesar de muitas críticas aos encaminhamentos frouxos é uma fonte importante de memória política Mantido pelo Centro de Referência Memórias Reveladas do Arquivo Nacional as informa ções obtidas nesta investigação podem ser encontradas no site httpcnvmemoriasreveladasgovbr Cada estado da Federação abriu seus próprios processos de investigação No caso paranaense temos fácil acesso ao Relatório no Acervo Memória e Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC São mais de 900 páginas de relatos de vítimas e familiares de mortos e desaparecidos políticos pelo direito à memória e à justiça de transição com a participação de diversas instituições e entidades regionais 119 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Um filme de ficção brasileiro sobre os desaparecimentos cegos na Ditadura produzido ainda em 1982 e protago nizado por Reginaldo Farias é Pra Frente Brasil Foi um dos primeiros audiovisuais a retratar abertamente o tema Além de material histórico é um bom disparador de conversas sobre violência e violações Em cerimônia realizada em 10 de dezembro de 2014 no Palácio do Planalto foi feita a entrega do Relatório da Comissão Nacional da Verdade à então Presidenta Dilma Rousseff Os membros da Comissão Nacional da Verdade que fizeram tal entrega foram José Carlos Dias José Paulo Cavalcanti Maria Rita Kehl Pedro Dallari Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Cardoso Conflitos e mais conflitos Formas de violência veladas escondidas confidenciais Fomos e somos regidas e regidos pela lógica do inimigo interno da qual nos fala Agamben 2004 Cai portanto a más cara da cordialidade quando estudamos mais sobre o assunto e isso gera algum desconforto moral Ele é necessário para a Educação em Direitos Huma nos Nossas concepções de verdade e justiça são constituídas no seio de elementos culturais de um contexto situado carregando assim certas heranças Neste caso temos o autoritarismo como ethos E o silêncio que se perpetra diariamente numa nação que é uma das mais desiguais e violentas do pla neta Tais características tão duras datam da era colonial reconfiguramse e se transmutam mas não desapareceram Nas periferias do século XXI elas são reais e concretas É o que veremos adiante Para aprofundar Regimes totalitários na América Latina Às vezes a gente não se reconhece assim mas como bra sileiras e brasileiros somos latinoamericanos As décadas de 1960 e 1970 foram particularmente complicadas na América Latina como um todo De acordo com o verbete de Emir Sader sd na Enciclopédia Latino Americana virtual há muitas semelhanças nos governos militares baseados na doutrina da segurança nacional que tive ram força expressiva nestes anos por aqui Brasil Bolívia Chile Argentina e Uruguai colocaram militares no poder e políticas de repressão violentas contra a Democracia Um título literário muito bacana para a gente mergu lhar neste universo é o Livro dos Abraços do Eduardo Galeano 19402015 que trata com delicadeza as violências e contradições sociais comuns aos países latinoamericanos com suas histórias de abuso Não é difícil de localizar e a leitura é um deleite Um filme imperdível é Machuca ficção chilenoespa nhola dirigida por Andrés Wood em 2004 que retrata o incipiente contexto ditatorial de Augusto Pinochet 19152006 a partir da experiência de dois garotos de diferentes origens sociais vivendo na cidade de Santiago Legenda Invertendo a cartografia oficial o artista uruguaio Joaquín Torres García 18741949 desenhou a obra América Invertida em 1943 Esta imagem virou um ícone da identidade do continente acenando para a ideia de que para nós o norte é o sul já que a terra flutua no espaço Fonte Disponível na plataforma online Creative Commons no link httpscommonswikimediaorg wikiFileJoaquC3ADnTorresGarcC3ADa AmC3A9ricaInvertidajpg Acesso em 13 de outubro de 2021 Crédito América Invertida dibujo del pintor uruguayo Joaquín Torres García 1943 Museo Juan Manuel Blanes Montevideo 120 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Prática 1 Colcha de memórias sobre o Regime Militar brasileiro 19641985 Objetivo Promover uma reflexão guiada das dife rentes narrativas sobre o contexto histórico político em questão reforçando a importância dos valores constitucionais Sugestão de desenvolvimento a proposta aqui é num primeiro momento solicitar que as e os participantes recolham relatos orais de pessoas mais velhas perguntando e investigando sobre as suas memórias sobre o período do Regime Militar brasileiro Estes relatos podem ser orais escritos em forma de áudio ou até mesmo vídeo coletados em um aparelho de telefone celular Dado este tempo munidos destas diferentes vozes organizar uma roda de conversa com o tema bus cando entender o conceito de memória e como ela se constrói coletivamente A mediadora ou mediador deve então levantar algumas questões problematizadoras que idade tem a pessoa que você entrevistou Onde ela residia neste período da Ditadura Quais são as memórias que ela traz Quais os aspectos positivos e negativos que pode perceber no relato A pessoa estava se informando por quais meios naquele contexto Qual era a situa ção econômica do país na época Colocadas as questões problematizadoras adequa das para cada grupo e faixas etárias participante finalizar a atividade com a leitura de alguns Artigos da Constituição Federal buscando abordar junto às pessoas em formação quais foram as conquistas para a Democracia e o bemviver no século XXI É bemvinda também uma sondagem sobre quais as visões sobre nossos direitos constitucionais no contexto atual Materiais utilizados Materiais para coletar os relatos orais dentro das possibilidades de cada contexto e pessoa Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 PARTE 2 CIDADANIAS E SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL Para começar as discussões deste segundo momento trataremos do tema das cidadanias Você deve estar se perguntando como assim cidadanias Isso mesmo cidadania no plural Este ajuste parece pequeno de uma única letra mas não o é Vai nos acompanhar no exercício de lei tura crítica dos processos de inclusão e exclusão social em nosso vasto país no que toca às políticas públicas de Segurança Como pudemos perceber no tópico anterior há uma tônica de autoritarismo na gestão nacional e no senso comum majoritário Não é à toa que nosso chamado Sistema de Justiça Criminal já é um consenso entre osas estudio sosas funciona de forma altamente seletiva e desigual É destes estatutos humanos diferentes que precisamos ter notícias para então enten der os mecanismos de controle governamental ligados ao uso da violência no cenário brasileiro São várias as referências que podemos tra zer para rechear nossa abordagem introdutória já contemplada em outras unidades deste Livro Quem deu o tom da conversa lá nas décadas de 1950 e 1960 foi o sociólogo britânico TH Mar shall 18931981 Isto porque ao descrever o caso inglês ele estruturou alguns pontos funda mentais para delimitarmos de forma conceitual a ideia corrente de cidadania Seria o conjunto dos direitos civis políticos e sociais que tornaria completa a sua instituição dizendo respeito a um estatuto concedido aos membros de uma determinada comunidade MARSHALL 1967 Só que há de acordo com ele um dilema que não se revolve entre o postulado formal da igualdade e as disputas derivadas das questões econômicas as quais fomentam as desigualdades de classe social As lógicas de mercado no capitalismo e a dimensão do bemestar coletivo estão em um conflito constante pois o segundo é de alguma maneira amortecido pela construção histórica e política da cidadania Portanto tratase de um movimento sempre inacabado Este clássico já ponderava em meados do século XX sobre as fragilidades da Democracia e da efetivação dos direitos para um maior número de pessoas de uma nação ou de um grupo No que tange ao que podemos chamar aqui de cida dania à brasileira estes desacordos e tensões ficam ainda mais explícitos convocamnos a uma reflexão engajada Pensadoras e pensadores do nosso país enfatizam ainda hoje que a cidadania 121 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 é um processo vivo e em construção Um ele mento importante levantado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz 2012 é que para além da dimensão de classe hoje as chamadas políticas de identidade são incorporadas no delineamento e na luta pelos direitos Seria o caso dos direitos das mulheres e da juventude por exemplo Devemos assim entender a cidadania com uma postura relacional tendo em vista os conflitos de classe raça etnia gênero sexualidade território reli giosidade etc Estes são os chamados marcadores sociais da diferença Quando alguns são portadores de direitos e deveres em seu conjunto isso representa uma vitória parcial para a Democracia Contudo há uma permanente oposição ao cidadão Como já abordado na primeira parte da Unidade as sociedades produzem crenças sobre os outros ou os nãocidadãos BOTELHO SCHWARCZ 2012 Na história brasileira o que difere do contexto europeu a consolidação dos direitos republicanos foi se misturando às formas de domi nação anteriores sendo como que capturados por interesses privados destes setores sociais com o maior poder econômico como mostram Marcos César Alvarez e Fernando Salla 2013 As práticas administrativas estatais dividem frontei ras entre o que é legal e ilegal o que é normal e desviante quem é cidadão e quem é nãocidadão Em resumo as formas de produção da ordem são altamente distintas a depender da origem de cada pessoa Podemos notar isto no nosso cotidiano com facilidade observando os timbres com que frequentemente as ações policiais são dirigidas em relação à população pobre e periférica e como estas são tratadas nos meios de comunicação ou ainda o perfil social dosas encarceradosas no sistema prisional Sobre a problemática modernização do Brasil também o sociólogo Jessé Souza 2012 faz apontamentos relevantes para entendermos as linhas estruturais da construção daquilo que conceitua como a subcidadania Nossas con tradições sociais tão profundas têm muito da herança do período da colonização e se caracte rizam pelo aspecto naturalizado das violências e desigualdades Deste modo o postulado da igualdade mascara as discrepâncias de condições de vida e dignidade entre parcelas da sociedade esconde os abismos sociais objetivos Formase uma legião de sujeitos que são tomados como desimportantes disfuncionais e portanto trata dos como subcidadãos Até aqui o que podemos concluir Bem pelo que vimos fica palpável que não faltam recursos analíticos e leituras para rea firmarmos neste ponto que não é possível falar em cidadania no singular mas sim em cidadanias desiguais que marcam e caracterizam esta tal cidadania à brasileira Saiba mais Sob a ótica do cinema documental Os filmes do gênero documentário abrem portas para a caminhada na Educação em Direitos Humanos Especialmente por trazerem realidades que são jogadas nas valas comuns esquecidas invisibilizadas É o caso da vida cotidiana dentro das prisões brasileiras Apesar de muitas e muitos defenderem políticas mais duras de encarceramento o sistema prisional é um lócus de violações e crueldades inúmeras que evidencia lacunas estruturais em nossa Democracia Selecionamos aqui dois títulos que são um prato cheio para mudarmos nossos discursos e posturas com relação a este assunto tão delicado Será mesmo que a prisão melhora a sociedade e torna nossa vida social mais pacífica Antes de firmar uma resposta veja os seguintes documentários O prisioneiro da grade de ferro Autorretratos de Paulo Sacramento 2003 Premiado filme que se passa na Casa de Detenção do Carandiru em São Paulo um ano antes da sua demolição A partir de relatos e registros audiovisuais dos próprios detentos temos um mosaico de experiências que desnudam a barbárie do modelo de encarceramento no país O cárcere e a Rua de Liliana Sulzbach 2004 Tratando a partir da perspectiva de algumas mulheres presas este documentário aborda de forma muito sensível as dificuldades da vida no cárcere e de retornar para casa depois da pena cumprida Gravado na Penitenciária Madre Pelletier em Porto Alegre mostra uma reali dade bastante velada que são as vivências femininas no sistema penal 122 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Reflita também sobre o gráfico abaixo Legenda No gráfico acima se observa a divergência de percentual da população prisional masculina e feminina Também salta aos olhos o aumento do número total de pessoas encarceradas no período de 2008 a 2020 Fonte Ministério da Justiça e Segurança PúblicaSistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional SISDEPEN Fórum Brasileiro de Segurança Pública Crédito Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 BUENO LIMA 2021 p 199 Foi preciso colocar isso tudo em perspec tiva para dar seguimento ao outro tema desta seção o que são afinal as políticas de Segurança Pública Como elas operam e a partir de quais fundamentos Novamente vamos começar por um clássico de área para termos elementos con ceituais adequados Edmundo Campos Coelho 19392001 foi um sociólogo brasileiro e por muitos anos professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ Em um de seus artigos escrito lá na década de 1970 Coelho 2005 trabalha com a ideia de criminali zação da marginalidade a qual vinha no sentido de desconstruir a crença muito arraigada entre nós de que a maior parte dos crimes são cometi dos por pessoas em situação de marginalidade como o desemprego ou a pobreza O problema é que retroalimentado este imaginário são de fato apenas alguns atores sociais que são punidos por seus crimes A depender do perfil como os chamados crimes fiscais cometidos por membros das elites econômicas e políticas determinada ação é passível ou não de levar um indivíduo ao mundo prisional Em um prisma mais contemporâneo a antropóloga Teresa Caldeira 2000 analisando a metrópole de São Paulo e o aumento da crimi nalidade violenta desde os anos 1980 mostra que a construção de muros de proteção para os espaços de residência lazer e trabalho dos grupos abastados e a ostensiva utilização das forças de vigilância privada são fórmulas que se espalham pelo mundo todo altamente lucrativas Estes muros que deixam de fora os sujeitos consi derados potencialmente perigosos delineiam dinâmicas de segregação espacial brutais Alba Zaluar 2007 pioneira dos estudos sobre vio lência urbana no Brasil questiona precisamente por que nos anos de Redemocratização as taxas de crime e homicídios cresceram tanto particu larmente entre homens jovens de 15 a 29 anos Para esta autora seria sinal de uma democracia inacabada a ser pensada em três aspectos 1 do crime violento e do tráfico ilegal de drogas 2 da inércia institucional e das permanentes violações de direitos e não menos importante 3 das formações subjetivas nas quais se alinham ideais de masculinidade dentro dum vocabulário da violência Falando da cidade do Rio de Janeiro onde há vasta produção científica sobre as políticas de Segurança Pública o saudoso professor Luiz Antonio Machado da Silva 2008 falecido no ano de 2020 aborda o confinamento territorial nas favelas diante das dinâmicas sociais nestas comunidades Os habitantes sofrem duplamente com a demanda das classes abastadas por meca nismos repressivos mais potentes que reforçam a violência policial nos morros e com a atmosfera de silenciamento devido às lógicas criminais espe cialmente vinculadas ao tráfico de drogas Essa experiência sitiada é partilhada por moradoras e moradores de espaços urbanos periféricos não apenas em todo o Brasil mas na cena interna cional como indicado mais acima Pois é não é fácil desconstruir nossas ideias préconcebidas sobre o aumento da punição com relação à crimi nalidade mas começamos a entender que o jeito de operar do Sistema de Justiça não é dos mais eficazes em realmente promover um clima social 123 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 mais seguro para a população em seu conjunto independente da classe da raça e do endereço de moradia como sugere nossa Constituição Federal de 1988 Para aprofundar Masculinidades sociabilidades e violência A gente costuma achar que falar em gênero é sinônimo de falar só de mulheres Só que não é bem assim pois a categoria trata das relações sociais estabelecidas na diferença sexual Veremos neste quadro uma outra perspectiva que tem ganhado força no período recente Em um artigo seminal intitulado Políticas da Masculinidade a cientista social australiana Raewyn Connell 1995 nascida Robert W Connel observa que a masculinidade hegemônica está profundamente arraigada na violência organizada nas tecnologias e na produção das guerras Contudo no seio dos movi mentos de emancipação de mulheres e gays na década de 1970 novas formas de se pensar e de se viver o ser homem vêm se desenhando em diálogo com outros processos de transformação das relações de gênero e da sexualidade Quais seriam os ditos papeis de homem É sobre esta forma naturalizada que os estudos de gênero trabalham comprovando que estas experiências são plurais e diversas e estão em constante mudança de significados Esta mudança é política e cabe a nós fazêla acontecer Mais tarde o já citado Pierre Bourdieu 2009 se dedica ao tema da dominação masculina e reitera que a cons trução dos corpos é social e não algo definido puramente pelo seu aspecto biológico São as sociedades que ele gem as características vinculadas a estas diferenças Uma das constatações deste autor é que a conexão entre masculinidade honra e violência vêm de um princípio de medo de contágio com o universo feminino sendo as mulheres constantemente percebidas como objetos excessivamente emotivas e intelectualmente inferiores Coisas a se pensar Se você se interessa nesta conversa sobre tais identida des masculinas vinculadas à violência a forma como se internalizam e como podem sim ser desconstruídas fica a sugestão do documentário produzido pelo Canal Papo de Homem resultado de extensa pesquisa que contou com mais de 20 mil entrevistados Este material intitulado O silêncio dos homens 2016 está completo no YouTube httpswwwyoutubecomwatchvNRom49UVXCE Legenda Policiais fortemente armados para controle de manifestação popular registro que evidencia a relação do corpo masculino como um corpo feito para a guerra Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpscommonswiki mediaorgwikiFileManifestaC3A7C3A3o 34870455005jpg Acesso em 25 de novembro de 2021 Crédito Manifestação em Brasília contra o Governo Temer e pela convocação de eleições diretas 2017 Foto Jefferson RudyAgência Senado Armas de fogo demonstrações de suposta força e virilidade Mortes violentas Repressão policial Seletividade e desigualdade na execução de veredictos no Sistema Judiciário Encarcera mento em massa de populações periféricas com ênfase aos jovens negros brasileiros ponto chave que aprofundaremos em breve com base em esta tísticas São vários elementos correlacionados e esse cenário é preocupante não há sombra de dúvidas Por isso já foi anunciado este é um debate engajado Na sequência sistematizaremos mais alguns aspectos comuns das nossas forças de Segurança Pública que podem e devem nos mobilizar um pouquinho mais na compreensão das violações e na urgência da defesa dos Direi tos Humanos firme e consciente pelas e pelos agentes públicos No que tange ao Brasil podemos dizer que existimos em um regime de guerrilha urbana posto que as forças de segurança são militariza das Como apontam os estudos de Luís Antônio Francisco de Souza 2015 a principal caracterís tica é o estado de guerra permanente ao inimigo 124 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 interno O clamor social por intervenção militar nutre e é nutrido por esse paradigma que devasta vidas a partir de um modelo de ocupação terri torial violenta nas margens urbanas financiado pelo Estado e com a conivência da sociedade Con fundimos diz o autor a ideia de segurança com a prática da guerra E isto traz perdas inestimáveis mas infelizmente banalizadas Falando especifica mente do estado do Paraná Fábia Berlatto 2011 analisa os discursos oficiais de uma política de Segurança Pública em uma vila curitibana em mea dos dos anos 2000 concluindo que apesar de um verniz humanista e de um aparente contrato com o ideal dos Direitos Humanos os mecanismos de controle social não operam exatamente guiados por tais ideais quando se trata dos pobres Assim identificouse uma tensão dessa abstrata defesa dos direitos de cidadania com a eficiência policial embasada em critérios tecnológicos da guerra ao crime que se faz guerra às camadas populares mais vulneráveis Mas para além da dimensão repressiva institucional e do que professam e fazem essas políticas que estão supostamente agindo ao nosso favor notase que temos uma espécie de hipermilitarização da própria vida Este é o foco dos pesquisadores Marcelo Bordin e Vyctor Grotti 2020 na composição de um ideal de ordem por meio de um ethos guerreiro é no cotidiano das periferias urbanas que ela é vivenciada de modo extremo Saiba mais Um caso exemplar O Canal Globoplay produziu uma série documental cha mada Marielle O Documentário 2020 Nela é abordada a trajetória da socióloga e parlamentar negra Marielle Franco que defendia pautas relacionadas aos direitos das mulheres das pessoas LGBTQIA sigla derivada de Lésbicas Gays Bissexuais TransgênerosTravestis Queer Interssexuais Assexuais e outros e se opunha abertamente às múltiplas violências nas favelas do Rio de Janeiro de onde era moradora na conhecida Favela da Maré Tendo sempre se destacado como liderança comunitária e chegado ao cargo de Vereadora democraticamente eleita foi morta pela violência que combatia A morte dela e de seu motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018 foi trágica e violenta e se tornou um expoente dos fatos por ela denunciados em sua atua ção comunitária O carro em que estavam foi atingido por tiros e ambos perderam a vida quase instantanea mente Muitas mobilizações sociais em âmbito nacional e internacional aconteceram depois Sua história e sua memória se tornaram um emblema poderoso da denún cia de violações nas periferias e da luta pelos Direitos Humanos em muitas outras facetas Legenda Pintura em muro de uma escola em Araçatuba São Paulo em memória deste caso exem plar Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpscommons wikimediaorgwikiFileMurodaEscolaIndustrial emAraC3A7atubaMarielleFrancojpg Crédito Trabalho feito por artistas locais em muro da Escola Vitor Antônio Trindade em Araçatuba retratando a vereadora Marielle Franco assassinada em 2018 Foto Barão de Itararé Todo este caldo nos permite fechar esta segunda parte da Unidade com pelo menos um ponto de interrogação Será que esse modelo de segurança não reforça as desigualdades e potencializa a violência Nosso olhar está impregnado desta segregação social desta aceitação inquestionada das diferentes natu rezas de cidadania Mas o que a pesquisa cientí fica revela vai na contramão do nosso senso de justiça punitivo As mortes violentas no Brasil têm índices avassaladores Mas há como uma 125 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 anestesia no ar pois muitas são tratadas como se fossem vidas desvalidas Por mais confusa que essa dinâmica social possa parecer estudar sobre Segurança Pública demanda um olhar atento para os alvos da violência perpetrada pelo próprio Estado em nome do fim da cri minalidade Quem sofre mais diretamente com essas contradições é a população pobre jovem e negra oriunda das periferias urbanas Como disse o escritor moçambicano Mia Couto sd Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas É o que veremos a seguir Prática 2 Qual é a cara que o medo tem Objetivo Sensibilizar sobre sentimentos rela cionados à cultura do medo e traçar uma análise coletiva de reportagens jornalísticas sobre crimi nalidade e violência Sugestão de desenvolvimento A ideia aqui é iniciar com o grupo uma conversa sobre o que cada um teme sente medo tem arrepios quais são as principais representações acerca deste sen timento Pode ser qualquer tipo de fobia dando abertura ao que for sendo trazido Postos estes comentários conduzir para a questão problema tizadora qual a sua ação diante do medo Pode ser paralisia pode ser ímpeto de atacar para se defender ou outras coisas que possam surgir Num segundo momento começar a enxertar a rodada com os nossos medos relacionados à violência e à cultura do medo O que pensamos e sentimos a este respeito Quais as imagens de um bandido um criminoso um sujeito violento Isto para rela cionar com o debate proposto sobre as políticas de Segurança Pública Dar seguimento com uma atividade de análise conjunta de reportagens jornalísticas policiais Quais os estereótipos com relação aos criminosos Como a mídia retrata estas situações É possível notar um clamor por mais punição nestas notícias Ir construindo estas conversas na medida em que se lê os textos e que se observam as imagens Para encerrar esse debate cujo propósito é demons trar a desigualdade de tratamentos quando o assunto é Justiça sugerese fazer a leitura da con ferência Murar o Medo proferida por Mia Couto disponível no site do escritor moçambicano Materiais utilizados equipamentos para busca de reportagens internet aparelho de celular ou computador jornais impressos ou outros meios de comunicação Texto Murar o Medo de Mia Couto Disponível em httpswwwmiacoutoorg muraromedo PARTE 3 JUVENTUDES E VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS Para começar esta conversa sobre juven tudes também no plural temos que passear um pouco pela literatura científica que estuda a questão juvenil de forma sistemática buscando reconhecer as diferentes maneiras de se viver este período da vida De acordo com a Orga nização Mundial de Saúde OMS jovens são aqueles e aquelas que têm entre 15 e 24 anos Já para a legislação brasileira especialmente no Estatuto da Juventude esta fase seria dos 15 até os 29 de idade Tais flutuações já dei xam antever que há uma grande disputa em torno do que é ou não ser jovem e que tipos de juventudes são possíveis de serem vividas no nosso país Posto este enquadramento das desiguais condições juvenis enfrentaremos a ideia corrente da relação do aumento da puni ção e do encarceramento como fórmula de paz social Dando sequência nos dedicaremos ao olhar cuidadoso das estatísticas de mortes vio lentas nesta faixa etária Por fim vamos então relembrar a importância do marco jurídico que busca definir direitos e deveres do Estado e do conjunto da sociedade para com os e as jovens brasileiras São muitas pesquisadoras e muitos pes quisadores que salientam que não é a simples dimensão biológica e dos anos de vida que define o que é a juventude Isto porque como temos compreendido no decorrer das seções desta Uni dade ela é uma construção social e portanto 126 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 deve ser interpretada a partir das relações de poder e dominação existentes Bourdieu 1983 é um desses autores que pautou essa discussão particularmente numa entrevista concedida na França no final dos anos 1970 em que ele afirma que a juventude é apenas uma palavra O que ele queria dizer com isso Bem mirando as dife rentes experiências entre jovens proletários e de classe média em seu país ele indica para nós que indivíduos de idades iguais podem ter vivên cias muito distintas postas as estruturas que promovem e reproduzem desigualdades sociais brutais Tanto em suas trajetórias quanto em suas aspirações tais descompassos devem ser levados em consideração Entretanto e nas primeiras décadas do século XXI como pensar as juventudes É notável que em termos de tempo histórico transmutamse as formas de vivência desta fase da vida O sociólogo português José Machado Pais 2006 chama a atenção para as fronteiras borradas para a real passagem para a vida adulta Em décadas anteriores esses marcadores eram mais delimitados e até mesmo rígidos como a entrada no mundo do trabalho o casamento heteronormativo a reprodução Contudo em função de questões de larga escala relacionadas à entrada no mundo produtivo a idade de sair de casa é postergada em muitos casos Além dessas ideias o autor também faz apontamentos assertivos sobre a constante marginalização dos e das jovens que se debatem em busca de um lugar de pertencimento e inserção no mundo social A garantia de um bom futuro se desmancha no presente Pois é de se perguntar será que é assim tão fácil ser jovem Seria necessário então olhar para a expe riência do ser jovem como múltipla e desigual em função dos abordados marcadores da dife rença como sexogênero raça e classe mas também o endereço de moradia Para Regina Novaes 2006 seria este último o mais deter minante dentro do processo de discriminação social que dá suporte moral para as práticas violentas e as constantes violações de direi tos nas periferias urbanas Percebidos como sujeitos naturalmente perigosos ainda não superamos a equação equivocada e perversa entre crime e pobreza As conclusões feitas a partir das escutas feitas por esta pesquisadora são também bastante interessantes Elas nos revelam que os principais medos que jovens de periferia têm estão relacionados ao desem prego depois a violência e ao medo de sobrar o que se configura como elementos valiosos para repensarmos os estigmas que envolvem as temáticas deste tópico O medo da morte prematura é coletivo e a depender da condição social da pessoa é um risco concreto e diário De certa maneira os autores e autoras citados e citadas nos convocam a procurar escutar de um jeito mais aberto e mais atento como cada jovem está se construindo enquanto sujeito social em contextos de desesperança Se o ser jovem já é permeado de conflitos de identidade quando o assunto é juventude e pobreza podemos entender um pouco melhor do cenário devastador que se coloca em ter mos de mortalidade violenta Para Elisa Gua raná de Castro 2009 a relação entre jovens e delinquência vem dos anos de 1920 quando se construíram as primeiras imagens de gan gues violentas em grandes cidades dos Esta dos Unidos Desde então teóricos e teóricas sociais ainda debatem para tecer interpretações que desliguem tal premissa de que há sempre perigo envolvendo jovens ou mesmo outras imagens como a rebeldia a apatia ou o senso revolucionário Convoquemos mais uma vez Sérgio Adorno 2010 que afirma que desde que crime e violência se tornaram uma questão pública no país a sociedade e a mídia incluindo a indústria do cinema passaram a retratar o jovem como um ser violento Esta correlação aumenta quando se fala da visão sobre jovens pobres em sua maioria habitantes de periferias e Regiões Metropolitanas Podemos dizer que esses rótulos residem dentro da produção social do medo Tal senti mento generalizado de insegurança passou por diversos inimigos imaginados no decorrer da história como foi o caso das mulheres durante 127 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 a Inquisição Essas constatações de Pedro Bodê de Moraes e Joyce Pescarolo 2008 nos forçam a repensar a eficácia de políticas cada vez mais repressivas nas margens do espaço urbano sendo os jovens pobres e negros os principais suspei tos em potencial Estaríamos diante de técnicas de poder perversas que reproduzem o que cha mamos na parte 2 de cidadanias desiguais Para descortinar esses enigmas societários é preciso renunciar a alguns pressupostos generalizantes pois o que se desenha não apenas no Brasil é um cenário de guerra urbana com alvos bem específicos Sobre a cidade de Curitiba numa pesquisa de grande porte produzida pelo UNESCO e con duzida por Anna Sallas et al 1999 a Segurança Pública apareceu com frequência na fala dos e das jovens da amostragem do estudo Fortes proces sos de segregação socioespacial foram narrados criticando a difícil convivência com a polícia e os abusos de poder por parte dos agentes de segurança Para esta socióloga a violência policial vai adquirindo uma dinâmica de autonomia tão grande que é vinculada como se fosse a finalidade em si mesma da política pública Esquecemos de pensar e repensar o sentido de tais práticas que como está evidente estão na contramão da consolidação dos direitos de cidadania e dos Direitos Humanos Saiba mais Sob a ótica do cinema documental O constante clamor popular por mais polícia e mais prisão atinge de forma virulenta a juventude de cama das pobres Infelizmente medidas como a redução da maioridade penal vão e voltam nas pautas polí ticas Contradizem marcos legais já constituídos e internacionalmente reconhecidos como avançados mecanismos de proteção social para crianças ado lescentes e jovens como o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e o Estatuto da Juventude de 2013 Desta vez a sugestão é de duas produções nacionais imperdíveis Notícias de uma guerra particular 1999 dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund faz um retrato impac tante do cotidiano na favela de Santa Marta na cidade do Rio de Janeiro A violência as armas de fogo as éticas policiais o universo do crime e suas correlações Para quem quer entender melhor nosso tema geral este documentário traça um importante panorama Maria Augusta Ramos dirigiu Justiça 2004 um filme independente que traz à baila a realidade do Sistema Judiciário brasileiro Rodado a partir do registro de audiências criminais no Tribunal de Justiça também do Rio de Janeiro o audiovisual nos coloca a filosofar se nossa justiça é realmente justa Legenda Manifestação pública contra a redução da maioridade penal na cidade de São CarlosSP Nem todos os setores e atores sociais concordam com a eficácia desta política Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpscommonswikimediaorgwikiFile201507 07AtocontraareduC3A7C3A3odamaio ridadepenal15RomeritoPontes20693666160jpg Acesso em 23 de outubro de 2021 Crédito São Carlos 20150707 Ato contra a redução da maioridade penal Foto Romerito Pontes Vamos enfim aos dados estatísticos Dei xamos mais ao final do percurso porque costu mamos olhar os números como se contivessem verdades perfeitas mas é preciso um bocado de boa informação para que essa interpretação seja feita cuidadosamente No Brasil existem algumas publicações confiáveis para dados sobre violência apesar de muitas deficiências na coleta Utiliza remos algumas delas aqui frisando na dinâmica de violações de Direitos Humanos da juventude 128 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 De acordo com o Mapa da Violência Jovens no Brasil publicação coordenada por Julio Jacobo Waiselfisz 2014 é notável a oscilação de mortes por homicídio no decorrer do ciclo da vida Até os 12 anos o índice é baixo mas a partir dos 13 começa a crescer de forma assustadora atingindo seu pico na casa dos 20 anos Para esse sociólogo seriam fatores estruturais da sociedade brasileira que explicariam o fenômeno aliados à banalização des sas mortes que como já conversado figuram como vidas desvalidas Costumeiramente escutamos que os jovens são os que mais matam quando tudo que é produzido no meio científico contradiz tal noção comum tornando escancarado o fenômeno os jovens são os que mais morrem Importante demarcar que mais de 90 são do sexo masculino e mais de dois terços tem a pele negra Legenda Gráfico que aponta o pico dos homicídios como sendo entre a população jovem Fonte SIMSVS MS Crédito WAISELFISZ 2014 p 69 Este padrão é reiterado no Atlas da Violên cia de 2021 coordenado por Daniel Cerqueira et al 2021 o qual possui um capítulo destinado apenas para tratar da violência contra a juventude dada a proporção do problema Reiterase neste material que é um fenômeno de proporções glo bais que os jovens entre 15 e 29 anos são os que mais morrem em decorrência de homicídios em partes pelo crime organizado e em sua grande maioria por armas de fogo Soa até estranho mas vamos repetir a violência é a maior causa de morte entre jovens Em 2019 afirmam os autores uma média de 64 jovens foram assassinados por dia no Brasil São temas espinhosos que preci samos abraçar tomando sempre uma distância crítica dos discursos punitivos que circulam soltos tendo em vista as condições estruturais e simbó licas que agem para a composição desse quadro e os princípios dos Direitos Humanos É ainda imprescindível trazer o mapeamento do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no tocante às mortes fruto de intervenção policial coordenado por Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima 2021 Segundo esse material o ano de 2020 foi o que registrou maior incidência de casos desde que o índice passou a ser estabelecido em 2013 mesmo sendo um ano de pandemia como informam os pesquisadores responsáveis São 50 municípios em 16 regiões do país que lideram este marcador sendo Curitiba o sexto dentre eles isto mesmo a capital do estado do Paraná Ou seja os jovens quase sempre homens além de morrerem em função do crime organizado morrem em abor dagens da polícia cujo olhar frequentemente é o reflexo dos estereótipos sociais que segregam os jovens das periferias urbanas Legenda Gráfico que evidencia a faixa etária jovem quando o tema é mortalidade em função de inter venções policiais Fonte Secretarias Estaduais de Segurança Pública eou Defesa Social PCMG Fórum Brasileiro de Segurança Pública Crédito BUENO LIMA 2021 p 68 Afinal como se produzem fantasmas Finali zando nossa prosa na companhia de Vera Malaguti Batista 2010 do Regime Militar até o contexto 129 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 presente os dispositivos de controle dos jovens pobres permanecem violentos essa dinâmica se intensifica inclusive nas últimas décadas A juven tude é um alvo preferencial das ações repressivas e punitivas das agências de Segurança Pública Temos que assumir assim que sob a promessa de combater o crime a sociedade e o Estado brasileiro oferecem aos e às jovens em questão alternativas pouco férteis para seus projetos de vida A fragilidade das políticas estatais de inclu são a desesperança com a escola e o trabalho a vulnerabilidade a situações violentas e de morte tornam urgente a reflexão sobre as lacunas de nossa Democracia O tratamento penal dado aos adolescentes e jovens apenas reforça os abismos sociais fazendo valer a lógica da guerra como já discutido Mas nem tudo está perdido Precisamos demarcar o compromisso com as políticas de por e para a juventude brasileira que não estejam neste enquadramento punitivo Será que o que a juventude quer e precisa é de mais polícia e de mais prisão Ou será que na entrada do século XXI estão clamando por direitos concretos e um lugar de pertencimento Somente através de uma escuta ativa podemos compreender melhor estes anseios e o compromisso ético que nos aguarda Para aprofundar O racismo estrutural a história que a história não conta Você já ouviu falar em racismo estrutural Este con ceito tem sido mobilizado por diversos movimentos sociais e no meio científico para explicar o fenômeno da desigualdade racial no Brasil Como em outros tipos de preconceito nosso modelo de discriminação pela cor da pele é ainda velado às escondidas no sentido de não enxergarmos nossas próprias ações como sendo racistas Ocorre contudo que estamos diante de um racismo praticado não apenas pela sociedade por bran cos e negros mas infelizmente também pelo Estado e seus dispositivos de controle social como as forças policiais militarizadas como abordamos em diversos momentos de nossa argumentação da Unidade Em um artigo revelador intitulado A presença negra na história do Paraná Brasil a memória entre o esqueci mento e a lembrança Delton Aparecido Felipe 2018 questiona o paranismo que ao buscar uma identidade regional invisibilizou a parte negra da nossa história reproduzindo discursos de branqueamento típicos da virada do século XIX para o século XX Felizmente este apagamento vem sendo repensado e temos hoje formas mais inclusivas de entender a composição étnica e racial do nosso estado graças às lutas dos movimen tos negros e deste debate nos centros de produção de conhecimento O sociólogo Márcio de Oliveira 2007 ao tratar da imi gração e da diferença no Paraná aponta para a ausên cia de monumentos na capital Curitiba que retratem negros e negras que fizeram parte da nossa história Para o autor ao privilegiar as identidades europeias como alemães portugueses e ucranianos o estado se constituiu desde a década de 1950 como um Brasil diferente uma região essencialmente branca Esta imagem forçada reforça ainda mais a discriminação e a exclusão sistemática vividas cotidianamente pela população negra Por trás dos mitos de nação e estado se escondem muitas violências Em resumo é impreterível falar sobre o racismo estru tural para dar conta da discussão sobre Segurança Pública e violações de Direitos Humanos O Estatuto de Igualdade Racial promulgado em 2010 dá a letra para a gente entender o que são os direitos raciais num contexto marcado pela segregação e pela violência de Estado Uma proposta de leitura seminal é o livro Os condena dos da terra 1968 do psiquiatra e ativista negro Franz Fannon 19251961 um intelectual nascido na então colônia francesa da Martinica engajado com a crítica ao imperialismo colonial e o despertar das africanida des como identidades culturais a serem valorizadas Como um instrumento disparador de conversas o terceiro episódio da Série Diz aí Enfrentamento ao Extermínio da Juventude Negra do Canal Futura é dedicado a explorar os duros contornos da relação dos e das jovens negras com a polícia O vídeo tem cerca de 8 minutos de forma que é fácil de ser utilizado Está disponível no link httpswwwyoutubecom watchvbAStHndMc9Q 130 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Vale citar ainda o samba enredo que inspira o título deste quadro no desfile de 2019 da escola Estação Primeira de Mangueira no Rio de Janeiro Dizem os versos sobre A história que a história não conta o avesso do mesmo lugar É um hino à resistência e à força negra no Brasil Legenda Na imagem uma conhecida obra do pintor francês Debret 17681848 onde um homem negro escravizado é amarrado e punido fisicamente Será que estes castigos terminaram mesmo Fonte Imagem reproduzida pela plataforma online Creative Commons no link httpscommonswikime diaorgwikiFileSlaveryinBrazilbyJeanBaptiste Debret17681848jpg Acesso em 23 de outubro de 2021 Crédito Escravidão no Brasil JeanBaptiste Debret JB Derbet Superintendentes punindo escravos em uma propriedade rural 3 vols Paris 18341835 1839 Voyage Pittoresque et historique au Bresil Conrad Robert The Destruction of Brazilian Slavery 18501888 Londres Inglaterra University of California Press Ltd 1972 Prática 3 Sessão de cinema seguida de reconhecimento do Estatuto da Juventude Objetivo A partir do filme O contador de histórias fazer uma leitura crítica sobre o Estatuto da Juventude Sugestão de desenvolvimento Para a prática 3 a proposta é começar com uma sessão de cinema com o uso do filme O contador de histórias dirigido por Luiz Villaça em 2009 Brasil uma biografia de Roberto Carlos Ramos A narrativa se passa nos anos 1970 na cidade de Belo Horizonte Nascido muito pobre sua mãe o leva para uma instituição de internamento antiga FEBEM onde sofre toda a sorte de violências e passa então a ter uma carreira de fugas e pequenos crimes Sob o signo de ser um irrecuperável aos 14 anos sua trajetória dá uma reviravolta quando é adotado por uma pedagoga francesa e pode então se reinventar No segundo momento após a sessão colocar em uma caixinha ou saco de papel ou plástico cada um dos artigos do Estatuto da Juventude dobrados Eles estão separados por conjuntos de direitos que podem ser divididos de acordo com o número de pessoas Cada uma deve pegar um destes papeis e pensar a partir do filme se foi ou não respeitado dialogando em roda sobre o momento presente e sobre situações corriqueiras vividas pelos e pelas participantes do grupo Encerrar a atividade com o questionamento afinal que direitos são estes enfatizando os deveres do Estado e de toda a sociedade brasileira em efetivar e garantir a cidadania plena para jovens homens e mulheres começando pelo primordial direito à vida Materiais utilizados Equipamento para transmis são de filme mídia O contador de histórias dispo nível em sites da internet artigos do Estatuto da Juventude em pedaços de papel caixinha ou saco plástico para colocar os artigos dentro CONSIDERAÇÕES FINAIS Começamos nossa jornada com uma provo cação e retomaremos este ponto nestas conside rações finais Não há outra maneira de conduzir o debate sobre Segurança Pública e violações sem tocar em assuntos tabus e sem propor de saída um deslocamento de olhar Na primeira parte da nossa Unidade abordamos o tema Estado e violên cia na perspectiva de pensadores e pensadoras clássicos e contemporâneos De forma sintética aprendemos que para conhecer mais sobre as políticas públicas de segurança é preciso ter certo arcabouço conceitual que toca num ponto chave a dimensão do conflito na vida social e nas formas de governo Ficou evidente que as práticas de controle social são muito dessemelhantes em 131 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 termos das diferenças de classe raça gênero geração território dentre outros marcadores Por que certas vidas são consideradas dispen sáveis São questionamentos que não se encerram E como visto essa violência se perpetra desde a fundação do Brasil Colônia passando pelo Regime Militar de 1964 e chegando no presente o tumul tuado século XXI Foi importante perceber que ape sar das muitas violências estatais sempre houve agentes de resistência que agiram em nome da Democracia e da inclusão social Passeamos depois disso por um conjunto de leituras que mostram que a cidadania à brasileira é extremamente frágil brutalmente desigual especialmente no direito primordial à vida A construção dos nãocidadãos é um processo perverso que se reverte negati vamente para todas e todos os brasileiros Ainda assim as crenças matadoras continuam ecoando reverberando ressoando alto Tocamos também na tal de criminalização da pobreza a qual orienta ainda que de forma não dita as práticas e veredictos do nosso Sistema de Justiça De bobeira engolimos essa ideia pre conceituosa de que são somente os pobres que cometem crimes e o círculo vicioso de violações em contextos periféricos vai se reproduzindo A construção de muros o inacabamento da demo cratização as vidas sitiadas dos e das moradoras de periferias urbanas Quando estudamos com mais cuidado não há conclusão muito dissonante estamos numa guerra interna com inimigos imagi nados A relação das identidades masculinas com a violência precisa ser repensada isso é urgente Precisamos abrir alas para outras formas de socia bilidades ou o quadro fúnebre só irá aumentar Em nosso terceiro bloco de debate enfa tizamos a vulnerabilidade da população jovem à morte violenta as quais têm cor e têm endereço Apesar da arraigada crença de que são os jovens que praticam as maiores violências conseguimos rever por meio de literatura científica e estatísticas con fiáveis que é justo o oposto Nossos e nossas jovens estão morrendo Na adesão ao universo criminal em situações de intervenções policiais descontroladas na própria mídia de forma simbólica Apesar de toda a fantasia de que a juventude é a melhor fase da vida este devaneio está longe de ser a expe riência de toda e todo jovem de nosso país Sem expectativas de inserção na roda produtiva são angústias e medos que tracejam o cotidiano deste grupo etário Construímos fantasmas e reagimos a eles como se fossem reais Como pensar em projetos de futuro num con texto de violações tão aberrante São tarefas para a vida inteira O mais importante por ora é sairmos da zona de conforto e perguntarmos mais uma vez será que bandido bom é bandido morto Nosso compromisso com uma Educação em Direitos Huma nos deve chacoalhar tais visões de mundo para que possamos caminhar na direção de uma sociedade mais pacífica onde a questão da segurança seja vista como estratégia de bemviver e não de extermínio Uma sociedade em que as políticas em seu conjunto visem a redução da desigualdade e a ampliação das garantias constitucionais Uma certeza fica para nós punir mais não irá melhorar o Brasil REFERÊNCIAS ADORNO Sérgio A banalidade da violência con temporânea o problema da anestesia moral In BREPOHL Marion Eichmann em Jerusalém 50 anos depois Curitiba Editora UFPR 2013 p 79101 ADORNO Sérgio A violência na sociedade brasileira Juventude e delinquência como problemas sociais Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade São Paulo v 2 n 2 p 0111 2010 AGAMBEN Giorgio Estado de exceção São Paulo Boitempo 2004 ALVAREZ Marcos César SALLA Fernando Estado nação fronteiras margens redesenhando os espa ços fronteiriços no Brasil contemporâneo Civitas Porto Alegre v 13 n 1 p 0926 janabr 2013 ARENDT Hannah Eichmann em Jerusalém um relato sobre a banalidade do mal São Paulo Com panhia das Letras 2001 AZEVEDO Célio Manifestações populares em frente ao Congresso Nacional durante a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral Janeiro de 1985 Fotografia pb 1993 x 1324 132 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 BATISTA Vera Malaguti A governamentalização da juventude policizando o social Revista Epos Rio de Janeiro v 1 n 1 jan 2010 BERLATTO Fábia A política dos discursos políticos as duas retóricas da segurança pública do Paraná Revista de Sociologia e Política Curitiba v 19 n 40 p 123134 out 2011 BOTELHO André SCHWARCZ Lilia Cidadania e direitos aproximações e relações In Orgs Cidadania um projeto em construção minorias justiça e direitos São Paulo Claro Enigma 2012 p 627 BOURDIEU Pierre A dominação masculina Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2009 BOURDIEU Pierre A juventude é apenas uma pala vra In Questões de Sociologia Rio de Janeiro Marco Zero 1983 p 112121 BOURDIEU Pierre Sobre o Estado cursos no Collège de France São Paulo Companhia das Letras 2014 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwpla naltogovbrccivil03ConstituicaoConstituicao htm Acesso em 04 mar 2019 BRASIL Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8069 de 13 de julho 1990 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03leisl8069htm Acesso em 15032017 BRASIL Estatuto da Juventude Lei 12852 de 05 de agosto de 2013 Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03Ato201120142013LeiL12852htm Acesso em 15 mar 2017 BRASIL Estatuto de Igualdade Racial Lei 12288 de 20 de julho de 2010 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03ato200720102010lei l12288htm Acesso em 11 nov 2021 BUENO Chris 30 anos da Constituição Cidadã Ciên cia e Cultura São Paulo v 70 n 4 p 1113 out 2018 BUENO Samira LIMA Renato Sérgio de Coords Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 São Paulo Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2021 CALDEIRA Teresa Pires do Rio Cidade de Muros Crime Segregação e Cidadania em São Paulo São Paulo Edusp 2000 CASTRO Elisa Guaraná de Juventude In ALMEIDA Heloisa Buarque de SZWAKO José Eduardo Orgs Diferenças igualdade São Paulo Berlendis Ver tecchia 2009 p 194227 CERQUEIRA Daniel et al Atlas Atlas da Violência 2021 Rio de Janeiro Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaFórum Brasileiro de Segurança Pública 2021 COELHO Edmundo Campos A criminalização da marginalidade e a marginalização da criminalidade In COELHO Magda Prates org A Oficina do diabo e outros estudos sobre criminalidade Rio de Janeiro Record 2005 p 255288 CONNEL Raewyn Políticas da masculinidade Educa ção e Realidade Porto Alegre v 20 n 20 p 185206 juldez 1995 CORRÊA Marcos Rio de Janeiro RJ 14082020 Palavras do Prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella Fotografia color 3506 x 2504 COUTO Mia Murar o medo Discurso proferido por Mia Couto na Conferência de Estoril em 2011 Dispo nível em httpswwwmiacoutoorgmuraromedo Acesso em 09 nov 2021 DA MATA Giulle Adriana Vieira Condição feminina e casamento a partir da obra de Marianne Weber Caderno Espaço Feminino UberlândiaMG v 27 n 2 juldez 2014 DAS Veena POOLE Deborah El estado y sus márge nes Etnografias comparadas Cuadernos de Antro pología Social Buenos Aires n 27 p 1952 2008 DEBRET JeanBaptiste Escravidão no Brasil JB Derbet Superintendentes punindo escravos em uma propriedade rural 3 vols Paris 18341835 1839 Voyage Pittoresque et historique au Bresil Conrad Robert The Destruction of Brazilian Slavery 1850 1888 Londres Inglaterra University of California Press Ltd 1972 3756 x 2717 DIAS Maurício Verbete Ditadura Militar 19641985 In Atlas Histórico do Brasil Rio de Janeiro Fundação 133 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 06 Getúlio Vargas sd Disponível em httpsatlasfgv brverbete6367 Acesso em 13 out 2021 FANON Frantz Os condenados da terra Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1968 FELIPE Delton Aparecido A presença negra na his tória do Paraná Brasil a memória entre o esqueci mento e a lembrança Rev Hist UEG Porangatu v 7 n 1 p 156171 janjun 2018 FERNANDES Florestan A percepção popular da Assembleia Nacional Constituinte AbordagemEstu dos Avançados São Paulo v 2 n 2 p 8688 ago1988 FLICKR Hannah Arendt Oct 14 1906 1975 Foto grafia pb 857 x 1012 pixels FOUCAULT Michel Em defesa da sociedade curso no Collège de France 19751976 São Paulo Martins Fontes 1999 GALEANO Eduardo O livro dos abraços Porto Ale gre LPM 2002 GARCÍA Joaquín Torres América Invertida dibujo del pintor uruguayo Joaquín Torres García 1943 Museo Juan Manuel Blanes Montevideo 726 x 768 MACHADO DA SILVA Luiz Antonio org Vida sob cerco violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira 2008 MACHADO PAIS José Buscas de si expressividades juvenis In ALMEIDA Isabel Mendes de EUGENIO Fernanda orgs Culturas jovens novos mapas do afeto Rio de Janeiro Zahar 2006 p 721 MARSHALL Thomas Humphrey Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar Editores 1967 MARX Karl e ENGELS Friedrich Manifesto do partido comunista São Paulo Editora Expressão Popular 2008 MARX Karl ENGELS Friedrich ROWSON Martin Manifesto comunista em quadrinhos Adaptação e ilustração de Martin Rowson São Paulo Veneta 2019 MÍDIA NINJA Marielle Franco em agosto de 2016 Fotografia color 2736 x 1824 MORAES Pedro Rodolfo Bodê de PESCAROLLO Joyce K Quem tem medo dos jovens Revista Igual dade Curitiba v 42 p 2146 2008 NOVAES Regina Os jovens de hoje contextos dife renças e trajetórias In ALMEIDA Isabel Mendes de EUGENIO Fernanda Orgs Culturas jovens novos mapas do afeto Rio de Janeiro Zahar 2006 p 105120 OLIVEIRA Márcio de Imigração e diferença em um estado do sul do Brasil o caso do Paraná Nuevo Mundo Mundos Nuevos En línea Debates p 112 mai 2007 PINTO Paulo São Paulo 29052017 Ato pelas Dire tas Já e lançamento do Plano Popular de Emer gência organizado pela Frente Brasil Popular no teatro TUCA Fotografia color 5184 x 3456 PONTES Romerito 20150707 Ato contra a redu ção da maioridade penal15Romerito Pontes Fotografia color 5184 x 3456 RUDY Jefferson Manifestação em Brasília contra o Governo Temer e pela convocação de eleições diretas Fotografia color 6016 x 4016 SADER Emir Verbete Ditaduras Militares In Enci clopédia latinoamericana Disponível em http latinoamericanawikibrverbetesdditadurasmili tares Acesso em 09 nov 2021 SALLAS Ana Luisa Fayet et al Os jovens de Curitiba desencantos e esperanças juventude violência e cidadania Brasília UNESCO 1999 SOUZA Jessé A construção social da subcidadania para uma sociologia política da modernidade perifé rica Belo Horizonte Editora UFMG 2012 TRISTÁN Flora União operária São Paulo Editora Fundação Perseu Abramo 2015 WAISELFISZ Julio Jacobo Mapa da violência 2014 os jovens do Brasil Brasília SecretariaGeral da Presidên cia da República Secretaria Nacional de Juventude e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 2014 WEBER Max Ciência e política duas vocações São Paulo Editora Cultrix 2004 ZALUAR Alba Democratização inacabada fracasso da segurança pública Estudos Avançados São Paulo n 21 v 61 p 3149 2007 PARTE III Direitos Humanos e Grupos Vulneráveis 135 INTRODUÇÃO Os Direitos Humanos são instrumentos úteis à proteção dos migrantes para impedir violências para evitar discriminações nos locais de sua pas sagem e para alavancar a promoção de direitos fundamentais que lhes permitam um recomeço de vida no seu local de destino Servem também como parâmetro para avaliar os direitos nacionais e as políticas públicas migratórias de distintos países A compreensão do fenômeno migratório em sua interrelação com os Direitos Humanos exige como ponto de partida o estudo de alguns conceitos determinantes para essa tarefa dentre eles o de território e fronteiras Esses termos que tradicionalmente têm uma conotação ape nas espacial atualmente são estudados como construções humanas dependentes de fatores sociais econômicos e políticos que se encontram presentes nas migrações Do mesmo modo é preciso entender que os migrantes recebem tratamentos jurídicos diversos nas legislações nacionais e são destinatários de políticas públicas específicas com base em defi nições e conceitos estabelecidos pelos Direitos Humanos e pelo direito nacional daí porque ao falarmos em migrações frequentemente são uti lizados termos como refúgio exílio asilo político apatridia imigração e emigração Cabe aos estados impedir a violação dos direitos dos migrantes e garantir que a mobilidade humana seja segura e realizada em melhores con dições materiais Cabe porém aos educadores trabalhar com a educação em Direitos Humanos para difundir e promover o respeito ao direito de migrar despertando na sociedade e sensibilizando os agentes públicos e em especial os agentes educacionais para o acolhimento dos migrantes Esse é o percurso proposto nos textos que integram esta unidade e que podem ser comple mentados com materiais de estudos para todos e todas aqueles e aquelas que queiram contribuir com a defesa dos Direitos Humanos PARTE 1 CONSTRUÇÃO SOCIOPOLÍTICA DOS TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS E FLUXOS MIGRATÓRIOS Todas as migrações se dão com a partida trânsito e destino de pessoas para um determi nado território demarcado por fronteiras nacio nais por isso é importante entender como esses conceitos são construídos se modificam e se apre Unidade 07 Direitos Humanos Imigrantes refugiados e apátridas Ana Paula dos Santos Bittencourt Okamoto Fernando Cesar Mendes Barbosa José Antônio Peres Gediel 136 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 sentam na atualidade Como veremos ao longo das próximas seções há uma estreita relação entre fronteira território migração e Direitos Humanos Assim compreender as migrações significa também nos perguntarmos sobre os modos pelos quais a demarcação de territórios e fronteiras interferem nos fluxos migratórios Um exemplo dessa interdependência se veri fica claramente na fronteira trinacional entre o Brasil a Argentina e o Paraguai a qual é considerada uma das mais movimentadas do Brasil As relações sociais nessa região fronteiriça demonstram que os limites territoriais estabelecidos entre os três países influenciam diretamente as mobilidades humanas em números sentidos e motivações Legenda Mapa Fronteira BrasilArgentinaParaguai Fonte Google Maps is licensed with CC BY 20 Os movimentos transfronteiriços ora se ajustam ora desafiam os controles migratórios e aduaneiros localizados na Ponte Internacional da Amizade entre Foz do Iguaçu no Brasil e Ciudad del Este no Paraguai ou na Ponte Tancredo Neves entre Puerto Iguazú na Argentina e Foz do Iguaçu evidenciando a interrelação entre fronteira e fluxos migratórios Saiba mais A Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 também conhecida como Lei de Migração considera o residente fronteiriço como pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município fronteiriço de país vizinho A diversidade e a permanente alteração dos controles de entrada e saída de pessoas e merca dorias modulam o comportamento daqueles que cruzam esses limites territoriais de acordo com sua maior ou menor rigidez Assim nos limites territoriais entre a Argentina e o Brasil delimita dos pela ponte Tancredo Neves há um rigoroso controle de entrada e saída no lado argentino da fronteira de forma que pessoa alguma entra no país sem que seja detentora de um dos docu mentos exigidos pela autoridade migratória que após analisálo concederá ou não permissão de ingresso Um controle ao qual estão sujeitos argentinos brasileiros paraguaios além de cida dãos de outras nacionalidades que pretendem cruzar aqueles limites Na Ponte Internacional da Amizade na fron teira entre o Brasil e o Paraguai os controles de entrada e saída de pessoas e de mercadorias são diferentes A entrada e a saída em Ciudad del Este não dependem da apresentação de documentos já que o controle e a fiscalização são realizados por amostragem por meio da qual eventualmente pedestres e veículos são parados para vistoria Legenda Posto da Receita Federal em Foz do Iguaçu Créditos Ricardo Preto is licensed with CC BYSA 40 Em relação às duas fronteiras no lado brasileiro os controles são muito semelhan tes aos de entrada em Ciudad del Este sendo exercidos de modo mais efetivo sobre turistas de outros países Nessa fronteira diariamente há intenso fluxo de trabalhadores que cruzam os limites entre Brasil e Paraguai trabalhadores 137 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 paraguaios trabalham no lado brasileiro majo ritariamente na construção civil e em trabalhos domésticos enquanto brasileiros trabalham no lado paraguaio em atividades comerciais Esse exemplo nos permite perceber que fronteira e território são conceitos com vários significados que guardam entre si conteúdos sociais e políticos Assim embora a noção de fronteira tenha seu significado relacionado a limites pensados a partir de territórios gover nos estados e jurisdições outros fatores como povos culturas e línguas também nos ajudam a compreender a fronteira não apenas como um limite mas como lugar de tensões e ambi valências uma vez que os limites que marcam o EstadoNação nem sempre conseguem acom panhar as práticas migratórias que desafiam as fronteiras Para aprofundar O curtametragem Bicitáxi 2013 produzido por estudantes e servidores da Universidade Federal da Integração LatinoAmericana UNILA retrata parte dos fluxos movimentos e trânsitos que ocorrem na Fronteira entre o Brasil e o Paraguai com as cidades de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este Por isso podemos observar que os limites estabelecidos entre os países que compõem a Fronteira Trinacional não são suficientes para impedir que as relações de trabalho ocorram sem vínculo empregatício em ambos os lados da fronteira tampouco esses limites territoriais impedem o intenso fluxo de mercadorias entre os países em condutas que são classificadas muitas vezes pelo direito brasileiro como con trabando e descaminho Nos fluxos migratórios em geral essas tensões também ocorrem e podem se tornar mais expressivas a partir de limites políticos e jurídicos que são impostos pelos Estados e que levam em consideração as características dos grupos e dos indivíduos migrantes e de interesses econômicos entre países de origem e de destino O deslocamento de um migrante e sua chegada à fronteira de um Estado revelam que o ato de migrar guarda em si realidades dis tintas Ao migrar as condições existenciais do migrante são colocadas em discussão e mesmo que a migração se dê por razões diversas na maioria das vezes é o interesse por uma vida digna que o motiva a migrar ou seja migrar está relacionado à sua existência Além disso migrar é também é um ato político que desafia as fronteiras e a noção de cidadania Em relação aos fluxos migratórios pode mos compreender as fronteiras não apenas como limites estabelecidos entre os Estados mas também como limites que podem opor cidadãos de um Estado aos migrantes Nesse contexto o controle de fluxos migratórios nas fronteiras do ponto de vista do migrante aponta para uma lógica de exclusão que resulta na ausência de permissão estatal para que alguém ingresse e possa viver em determinado território É nesse sentido que a noção de fronteira concretiza de maneira pontual e particulari zada para cada migrante o exercício do poder soberano do Estado sobre territórios súditos ou cidadãos que pertencem ou não a uma nacio nalidade que transitam ou se encontram nesse espaço territorial delimitado sobre o qual incide o poder estatal Desse modo a delimitação do espaço territorial de um Estado resulta do reconheci mento do poder político sobre esse espaço e sua fixação pode se originar em relações de força relações econômicas identidades socioculturais e linguísticas que dão contornos a uma comu nidade Essa comunidade ao ser politicamente organizada por esse poder estatal se traduz na ideia de nacionalidade O território contém portanto a expres são do poder político estatal mas também a presença das ações humanas que produzem relações econômicas sociais e culturais que 138 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 influenciam a configuração desse território É nesse sentido que se fala da construção socio política dos territórios para além da sua vincula ção com os elementos tradicionais constitutivos do Estadonação Segundo Milton Santos 1994 o território constitui uma realidade socioespa cial que não está apenas circunscrita ao Estado tampouco corresponde apenas à noção espacial o território também é constituído por relações econômicas por relações de poder e por rela ções sociais O poder político estatal se expressa por meio de legislação que regula as migrações e suas múltiplas situações Na esfera jurídica internacional os Estados estão comprometi dos com a observância dos Direitos Humanos suas premissas postulados princípios e nor mas que pelo direito nacional determinam um tratamento mais adequado e isonômico aos migrantes Legenda Migrantes tentando passar a fronteira entre a Sérvia e a Hungria Fonte REUTERS Créditos Laszlo Balogh Saiba mais A Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 também conhe cida como Lei de Migração dispõe sobre os direitos e os deveres dos migrantes e dos visitantes no Brasil regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para os migrantes No Brasil recentemente uma impor tante transformação na maneira pela qual o Estado brasileiro compreende e organiza as migrações foi realizada a partir da vigên cia da Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 que instituiu a Lei de Migração e revogou o Estatuto do Estrangeiro que havia sido ins tituído pela Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Merece uma especial atenção na questão migratória o tratamento jurídico que é dado aos refugiados que são migrantes vítimas de guerras e graves violações de Direitos Huma nos conforme estabelecido na Lei 947497 de 22 de julho de 1997 Estatuto do Refugiado Saiba mais A Constituição Federal do Brasil estabelece em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade Na próxima seção serão analisadas algumas das categorias migratórias regulamentadas pela legislação brasileira Como indica a nomenclatura das duas leis mencionadas fica evidente a maneira pela qual o Estado Brasileiro concebe aqueles que migram a legislação passou a considerálos migrantes e não mais estrangeiros uma alteração não apenas de vocabulário mas sobretudo de uma concepção que pretende ser inclusiva e não mais refratária àqueles migram Depois de termos analisado a interrela ção entre fronteira território e migrações será necessário enfrentar a questão da maneira como as sociedades se comportam em relação aos migrantes aspecto que pode ser influenciado pela educação em Direitos Humanos Essa prática educacional permite dialogar com tais relações discutindo os limites inerentes às categorias de fronteira e território para reconhecer os migran tes como sujeitos de direito 139 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 Prática 1 Dialogando com um migrante Objetivo Conhecer o dia a dia de um migrante na sociedade brasileira Sugestão de desenvolvimento para esta atividade incentive a aproximação dos grupos em formação com migrantes estabelecidos na sua região Essa aproximação pode ser viabilizada e intermediada por meio de instituições voltadas à migração e aos migrantes Oriente as e os participantes da seguinte forma Como vimos nesta seção o trabalho é um impor tante elemento na vida de muitos migrantes Você conhece um ou uma migrante Pesquise em sua rua em seu bairro ou em sua cidade e tente localizar migrantes e caso seja possível identifique sua pro fissão e que atividades desenvolve para seu sustento e de sua família Após ter realizado a atividade partilhe com a turma os resultados encontrados Prática 2 As fronteiras brasileiras Objetivo Conhecer as fronteiras brasileiras Sugestão de desenvolvimento Para esta ativi dade o elemento visual é importante Por isso para realizála faça uma análise prévia com os e as par ticipantes de um mapa do Brasil destacando suas regiões e os países que compõem a América Latina Oriente a realização da atividade da seguinte forma Você sabia que o Brasil possui fronteiras com 10 países Faça uma pesquisa identificando com quais países o Brasil possui fronteiras e também quais os dois únicos países da América do Sul com os quais o Brasil não possui fronteira Em sua pesquisa identi fique como são os trânsitos de pessoas entre o Brasil e esses países mencionando se essas fronteiras são terrestres ou se há rios e pontes que os separam Se possível escolha alguns desses países e ilustre sua pesquisa com fotos de suas fronteiras com o Brasil Após ter realizado a atividade partilhe com a turma os resultados encontrados Prática 3 Cruzando a fronteira Objetivo Refletir sobre os movimentos migratórios e suas implicações ao cruzar a fronteira Sugestão de desenvolvimento Antes de reali zar esta atividade proponha uma breve conversa com a turma sobre os trânsitos fronteiriços e suas implicações para o migrante Oriente a atividade da seguinte forma Você já teve a oportunidade de cruzar a fronteira do Brasil com algum dos países identificados na pesquisa da Prática 2 Se sim relate sua experiência mencio nando suas observações os lugares visitados e suas impressões sobre o trânsito fronteiriço nessa fronteira Caso não tenha tido essa experiência comente sobre sua experiência ao cruzar outra fronteira ou converse com alguém que teve essa oportunidade e reproduza seu relato Após ter realizado a atividade partilhe com a turma os resultados encontrados PARTE 2 MOBILIDADES HUMANAS A migração ou fluxos migratórios são fenômenos próprios das mobilidades humanas e decorrem de inúmeros fatores econômicos políticos e sociais Podem se dividir em fluxos migratórios internos ou seja deslocamentos em um mesmo país ou fluxos migratórios externos ou internacionais que resultam em trânsitos entre fronteiras com a saída de pessoas do seu país e o decorrente ingresso em um país diverso de seu país de origem Para facilitar a compreensão apresentase uma definição prévia desse fenômeno Migração é uma mudança permanente de residência entre locais distantes Desse modo para que um desloca mento seja considerado como migra ção é preciso que atenda simultanea mente a critérios temporais e espaciais A migração comporta medidas de fluxo e de estoque As medidas de fluxo referemse ao ato de migrar propria mente dito sendo sinônimo do termo migração CAMPOS 2017 p 453 140 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 Do ponto de vista dos motivos que impul sionam a migração podese identificar que uma grande maioria de pessoas deixa seus países em busca de uma vida melhor e em certos casos o que determina esses movimentos migratórios são graves violações de Direitos Humanos vio lências guerras pobreza ou desastres naturais Dependendo dessas motivações ou causas para o Direito Internacional Humanitário e para os direitos nacionais qualificamse juridicamente os migrantes Legenda Na Praça da Sé localizada no centro da cidade de São Paulo refugiados que moram na capital can tam e balançam bandeiras de diferentes países numa coreografia Fonte ACNUR BRASIL Créditos LFGodinho Essa qualificação jurídica leva em consi deração a necessidade de maior ou menor pro teção estatal desses indivíduos Para o direito migrantes podem ser qualificados em migrantes refugiados apátridas migrantes que necessitam de ajuda humanitária exilados e os que buscam asilo político As relações que se estabelecem entre as os migrantes e as sociedades pelas quais tran sitam ou que pretendem permanecer podem ser analisadas não só a partir das qualificações jurídicas enunciadas anteriormente mas tam bém tomando como referência o comportamento de cidadãos dessas sociedades motivado pelo estranhamento causado diante da presença de migrante e do confronto que se estabelece entre eles Os Direitos Humanos oferecem importantes balizas para construir relações respeitosas entre migrantes as sociedades e o Estado atuando de maneira preventiva ou corretiva contra a violência e a xenofobia Enfrentar o debate sobre as migrações na economia globalizada com suas profundas desigualdades regionais e locais que na maioria das vezes resultam em motivos para migrações e busca de refúgio requer o estudo sobre os Direitos Humanos buscando verificar qual sua aplicação e utilidade prática para a proteção de migrantes e quais os papéis que devem e podem ser desempenhados pelo Estado pela sociedade e pelos indivíduos na efetivação desses direitos Legenda Sozinhas crianças migrantes se veem em grande perigo na travessia dos Bálcãs Fonte Radio France Internacionale Créditos United Nations Photo O Brasil tradicionalmente conheceu varia dos tipos de migrantes a começar pelos exila dos que no período colonial de acordo com o Direito Português aplicado ao Brasil sofriam a pena de degredo expulsão da metrópole ou de um dos territórios coloniais para outro O termo degredo embora seja uma forma jurídica de puni ção resulta sempre em uma expulsão territorial e pode ser entendido como expatriação exílio deportação banimento desterro e extradição O exemplo mais famoso de degredo de cidadãos brasileiros e portugueses no período 141 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 colonial pode ser encontrado na Inconfidência Mineira 17891792 movimento no qual civis e militares envolvidos na conspiração contra o Reino de Portugal foram banidos para as colônias portuguesas na África Dentre eles o contratador Domingos de Abreu Vieira o poeta Alvarenga Peixoto e o médico Domingos Vidal Barbosa Lage O exílio também tem sua causa em um evento traumático de natureza política ou em um delito penal A partir da independência política do Brasil ocorrida em 1822 e como consequência das instabilidades políticas nas repúblicas nas centes da América Latina passamos a acolher inúmeros exilados que buscavam asilo político Na atualidade os países latinoamericanos não distinguem asilo de refúgio Saiba mais A Lei 9474 de 22 de julho de 1997 estabelece no artigo 1º que será reconhecido como refugiado aquele que I Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas encontrese fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolherse à proteção de tal país II Não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual não possa ou não queira regressar a ele em função das circunstâncias descritas no inciso anterior III Devido a grave e generalizada violação de Direitos Humanos é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país No Brasil o termo asilo significa apenas asilo político e não refúgio O refúgio designa a situação em que indivíduos deixam involuntaria mente seu país de origem ou o país em que se encontram em virtude de guerra grave ameaça a sua vida ou a vida de sua família discriminação por raça gênero crença ou grupo social Incluise ainda entre as situações que configuram o refú gio de acordo com a legislação brasileira atual a violação permanente de Direitos Humanos Legenda Refugiados na fronteira da Grécia com a Macedônia Fonte Agência Brasil EBC Créditos Valdrin Xhemaj Agência Lusa A formulação do conceito de refugiado se encontra intimamente ligada com a do conceito de apatridia pois a grande massa de pessoas que deixou a Europa fugindo do regime nazista na Alemanha 19331945 era constituída de grupos sociais identificados por raça judeus ciganos ou grupos minoritários eslavos dos quais era retirada a cidadania pelo regime resultando num processo de desnacionalização desses indivíduos A esses indivíduos o Direito Internacional atribuiu a condição jurídica de apátrida sem pátria Saiba mais A Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 também conhe cida como Lei de Migração considera a apátrida como pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado segundo a sua legislação nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 promulgada pelo Decreto nº 4246 de 22 de maio de 2002 ou assim reconhecida pelo Estado brasileiro Para aprofundar Apatridia e refúgio são alguns dos temas explorados no filme e documentário IVAN 2015 de direção de Guto Pasko Nesse filme a vida de Iván Bojko apátrida e refugiado da 2ª Guerra Mundial é retratada 142 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 Atualmente a condição de apátrida pode decorrer da negativa de um determinado Estado nacional em realizar o registro civil de alguém diante da origem étnica da violação de regras relativas ao casamento civil e religioso da crença professada pelos pais ou ainda pela simples apli cação do poder estatal de conferir ou não nacio nalidade a alguém A condição de apatridia retira dos indivíduos os direitos básicos de cidadãos e em não o sendo frequentemente preferem solicitar refúgio perante outros países Muito próximo dos refugiados estão os migrantes que necessitam de proteção especial dos Estados para onde migram pois deixam seus países de origem por graves conflitos sociais e polí ticos violência dos mais variados tipos pobreza fome ou pela ocorrência de fenômenos naturais com efeitos catastróficos Um exemplo recente bem conhecido no Brasil é o caso dos migrantes haitianos que enfrentavam grave crise política em seu país e tiveram essa crise agravada por um terremoto em 2010 Estimase que esse terremoto foi responsável pela morte de aproximadamente trezentas mil pessoas Além de exilados ou asilados políticos refugiados apátridas e migrantes com prote ção humanitária há uma categoria mais ampla de migrantes aqueles que migram por inúmeras razões em busca de melhores condições de tra balho aperfeiçoamento educacional e profissio nal por situações familiares e outras tantas que diferem dessas situações já expostas Para aprofundar O filme Uma Temporada na França 2018 do original Une saison en France 2017 de direção de Mahamat Saleh Haroun apresenta a vida de Abbas migrante que ao fugir de uma guerra civil se estabelece com seus filhos na França Ao ter seu pedido de refúgio negado sua vida muda totalmente A multiplicidade de situações que estão conti das no termo migrações permite ainda reconhecer e tratar como um fenômeno migratório as denomi nadas migrações transfronteiriças que resultam do permanente trânsito de indivíduos que vivem em um país trabalham ou estudam em outro cruzando a fronteira cotidianamente Um exemplo muito ilustrativo dessa migração transfronteiriça pode ser encontrado na cidade de Foz do Iguaçu no Paraná localizada na fronteira trinacional entre Argentina Brasil e Paraguai como vimos na seção anterior Prática 4 Modalidades migratórias Objetivo Compreender os distintos tipos de status migratório Sugestão de desenvolvimento Para esta atividade poderão ser consultadas algumas bases de dados do Governo Federal e instituições de acolhida a migrantes que ofereçam dados sobre o número e a condição migratória de migrantes no Brasil como por exemplo o número de migrantes com visto de trabalho o número de solicitantes de refúgio entre outros Oriente a atividade da seguinte forma Você conhece um ou uma migrante Pesquise em sua rua em seu bairro ou em sua cidade e tente localizar um migrante e caso seja possível converse com ele e identifique sua condição migratória Para essa atividade seria interessante compreender a relação entre a entrada do migrante no país e sua atual condição migratória Prática 5 Sobre refugiados e demais migrantes Objetivo Compreender as principais diferenças entre a categoria migratória de refugiados e as demais categorias migratórias Sugestão de desenvolvimento Para esta atividade poderá ser realizada uma pesquisa exploratória com a turma a fim de identificar os modos pelos quais são classificadas as condições migratórias no Brasil e eventualmente em outros países Oriente a atividade da seguinte forma Agora que já conhecemos as diversas qualificações migratórias identifique as principais diferenças entre os migrantes que solicitam refúgio e as demais categorias de migrantes 143 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 Prática 6 Sobre trajetórias e jornadas Objetivo Analisar e descrever maneiras pelas quais percursos migratórios são descritos pela mídia Sugestão de desenvolvimento Antes de iniciar esta atividade traga textos disponíveis em jornais e revistas sobre trajetórias de migrantes e os apre sente à turma Depois você pode orientar a ativi dade da seguinte forma Pesquise em jornais ou em matérias disponíveis na internet uma notícia que descreva a trajetória de um ou uma migrante principalmente seu percurso e ingresso em outro país proponha um final diferente à matéria que você encontrou e explique à turma as razões pelas quais você propôs esse final PARTE 3 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS PARA O ACOLHIMENTO DA DIVERSIDADE CULTURAL A Educação em Direitos Humanos tem sido considerada uma das importantes estratégias para a construção de sociedades mais justas Desde 2005 com a instituição do Plano Mundial de Edu cação em Direitos Humanos e de 2007 com a publicação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos processos educacionais em diferentes níveis e modalidades de ensino têm sido compreendidos como meios necessários e eficazes para a construção de uma cultura dos Direitos Humanos fundamentada na democracia na diversidade cultural e em ações de cidadania Legenda Alunos migrantes participantes do Projeto Português Brasileiro para Migração Humanitária na Universidade Federal do Paraná Fonte Acervo do Projeto Português Brasileiro para Migração Humanitária PBMIHUFPR Créditos Bruno Covello Por isso é importante que em nossas ati vidades de educadoras e educadores estejamos atentos para que as práticas pedagógicas de cons trução de conhecimentos e de troca de saberes estejam alicerçadas na difusão de informações sobre os valores centrais dos Direitos Humanos como a promoção da igualdade e o respeito à diversidade mas principalmente em estratégias para que esses direitos se tornem realidades pre sentes na vida de cada um de nossos estudantes por meio de aproximações pedagógicas e sociais entre a educação e os Direitos Humanos Um passo importante para a educação em Direitos Humanos é a tomada de consciência tanto nossa como formadores e formadoras quanto dos nossos interlocutores estudantes de que a vida humana importa e que a vida de cada pessoa tem valor de maneira que a luta pela cons trução de uma sociedade mais justa é necessa riamente uma luta pela vida por uma vida digna por uma vida com plenitude É dessa maneira que os Direitos Humanos assumem a função de eixos norteadores para a vida em sociedade A origem desses direitos remonta a perío dos da história nos quais a vida humana foi colo cada em risco tanto nas relações políticas quanto nas relações sociais que compreendem também uma dimensão individual Um desses momentos pode ser identificado na conquista da América pelos colonizadores quando consideraram os povos originários próximos aos animais sem alma sem qualquer direito sobre suas terras ou terri tórios para escravizálos tornando sua sobrevi vência absolutamente inviável Os direitos dos povos originários foram invocados pelos padres católicos diante da Coroa Espanhola para que os conquistadores tratassem os indígenas como seres humanos e detentores de direitos Em um sentido amplo podemos dizer que foram reivindicados Direitos Humanos Essa é uma discussão que pode ser retomada a partir da noção de direito que é atribuída ao homem ou por uma noção de direito subjetivo natural que não é atribuído mas que decorre da condição humana 144 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 Para aprofundar A conquista da América é um dos temas abordados na primeira parte da obra Veias abertas da América Latina de Eduardo Galeano 1971 Outras ameaças à vida e à humanidade em outros períodos históricos foram determi nantes para a adoção e proclamação dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas da Declaração Universal em 1948 quando a ideia de valores inerentes ao humano é concebida como universal e portanto de titularidade de qual quer pessoa de qualquer indivíduo ou sujeito assume a forma de direitos universais Vamos recuperar neste momento algumas das razões pelas quais se tornou necessária a proclamação dessa Declaração Entre os motivos principais constaram a necessidade de reconhecimento da dignidade como valor inerente a todas as pessoas a neces sidade do resgate da liberdade de manifestação como elemento constitutivo da vida o reconheci mento dos direitos fundamentais do ser humano e o reconhecimento da igualdade de direitos entre os homens e as mulheres em um debate que hoje precisa ser atualizado para que discussões sobre o acesso à igualdade de direitos seja exten sivo a todas as orientações sexuais A Declaração Universal dos Direitos Huma nos é um marco político e jurídico importante para fundamentarmos nossa prática pedagógica em Direitos Humanos Apesar disso não se trata de assumirmos esse marco temporal como momento em que surgem os Direitos Humanos O desta que à Declaração aponta para o reconhecimento e para a necessidade de institucionalização de direi tos importantes à humanidade e por isso cons tituem ao mesmo tempo um apelo e um desejo partilhados em comum pelos Estados à época O que hoje comumente chamamos de Direitos Humanos são portanto um conjunto de ideias expressas em documentos e declarações internacionais que indicam as condições de vidas básicas necessárias a todos os seres humanos independentemente do lugar ou do momento em que estão vivendo É a partir dessa elabora ção de direitos inerentes ao humano concebida como universal e portanto de titularidade de qualquer pessoa de qualquer indivíduo ou sujeito que podemos estudar hoje os Direitos Humanos Para aprofundar A maneira pela qual os Direitos Humanos são construí dos ao longo da história é um dos temas da obra A afirmação histórica dos Direitos Humanos 2017 de Fábio Konder Comparato Além de analisar períodos da história nos quais valores dos Direitos Humanos têm espaço a análise do autor dialoga com distintas áreas do conhecimento e com documentos basilares que fundamentam a instituição dos Direitos Humanos Essa universalidade ao propor igualdade de direitos para sujeitos universais também apresenta desafios à educação em Direitos Humanos que será responsável por promover o diálogo entre tais direi tos considerados universais e as especificidades que constituem nossa prática pedagógica Dessa maneira um dos desafios colocados à nossa ação é a atualização desses direitos universalizados à nossa realidade concreta que é construída também pelas desigualdades sociais que estruturam nosso país nosso estado e nossa cidade Assim a prática pedagógica da educação em Direitos Humanos é orientada pelos descom passos que existem entre a promoção da igual dade o respeito à diversidade a construção de uma cultura democrática alicerçada na justiça social e os processos desconstitutivos de direitos como as intolerâncias étnicoracial de gênero de orientação sexual e territorial como vimos na seção anterior Todos esses aspectos sociais agem diretamente sobre os fluxos migratórios e impactam a vida de migrantes refugiados e apátridas Um dos objetivos da educação em Direitos Humanos será portanto contribuir para que o reco nhecimento de direitos ocorra por meio de práticas cotidianas que reconheçam as dificuldades presen 145 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 tes na vida dos sujeitos concretos e que resultam na privação de direitos como pode ocorrer por exemplo em situações de refúgio e migração Compõem a preocupação dos Direitos Humanos situações muito diversas tais como um refugiado que tem sua vida ameaçada mas não consegue solicitar refúgio por dificuldades em acessar o sistema eletrônico para solicita ção de refúgio um migrante que possui curso de graduação em seu país de origem mas não pode trabalhar em sua área de formação porque seu diploma de graduação não foi revalidado no país de acolhida uma família de refugiados que tem dificuldades para alugar uma casa para estabelecer sua residência porque não possui os documentos solicitados pelo proprietário do imó vel um jovem migrante que tem dificuldades em acompanhar as aulas na escola na qual foi matri culado porque todas as aulas são ministradas em língua portuguesa e ele não fala essa língua uma migrante que desempregada há três meses não consegue ser efetivada em um emprego porque não possui Carteira de Trabalho e Previdência Social e não consegue emitir o documento Nesse momento devemos nos perguntar o que as situações descritas têm a ver com nossa prática de educação em Direitos Humanos Todas elas nos demonstram que a privação de direitos tem impactos na vida das pessoas e resultam em violações dos direitos humanos Por isso em nossa prática pedagógica tor nase importante perguntarmos como as relações sociais seriam construídas se não houvesse Direi tos Humanos Para aprofundar Temas como direito à moradia função social da pro priedade e a luta de solicitantes de refúgio e refugiados pela inserção na sociedade brasileira são alguns dos temas explorados no filme Era o Hotel Cambridge 2016 de direção de Eliane Caffé Nesse filme a vida de refugiados e de pessoas que lutam pelo direito à moradia demonstram os descompassos entre os Direitos Humanos e a vida das pessoas Nossa ação pedagógica estabelecerá diá logos entre as ausências que são diariamente materializadas em violações de Direitos Humanos e a necessidade de avançarmos como sociedade na concretização desses direitos por meio da construção de uma cultura dos Direitos Humanos A construção dessa cultura deve estar atenta ao mandato conferido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos a todos os povos a todas as nações e a todos os indivíduos para que ado tem ações e se esforcem por meio do ensino e da educação para que os direitos e liberdades adotados pela Declaração sejam efetivamente reconhecidos e ocupem lugar na construção de sociedades mais justas e democráticas Os Direitos Humanos estão relacionados aos ideais compreendidos como valores dentre eles a igualdade e a liberdade mas que devem ser concre tizados cotidianamente É por isso que em demo cracias recentes como a brasileira que ainda não conseguiram efetivar materialmente valores como a igualdade e a liberdade desigualdades em diversos níveis se sobressaem Nossa ação pedagógica em Direitos Humanos será inclusiva deverá reconhecer essas desigualdades e apontar para a necessidade de consolidação de valores democráticos dentre os quais o acesso a direitos a participação popular e a efetivação de políticas públicas Saiba mais Para André de Carvalho Ramos 2015 p 38 os Direitos Humanos são um conjunto mínimo de direitos neces sários para assegurar uma vida do ser humano baseada na liberdade igualdade e na dignidade Se acima nos perguntamos como seria a vida se não existissem os Direitos Humanos nesse ponto tornase importante nos perguntarmos para que existem os Direitos Humanos Possíveis respostas a essa pergunta nos indicarão a neces sidade de pensarmos ações voltadas à inclusão política e social que podem ser efetivadas por meio de ações que permitam conhecer direi tos e criar condições de acesso a esses direitos sobretudo por migrantes refugiados e apátridas 146 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 Prática 7 Uma conversa sobre os direi tos humanos Objetivo Investigar e compreender a origem e o alcance dos direitos humanos Sugestão de desenvolvimento Para a realiza ção desta atividade é interessante discutir com a turma o contexto no qual a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada Promova essa contextualização antes de realizar a atividade A seguir você pode conduzir a atividade da seguinte forma O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que os homens nascem livres e iguais Hannah Arendt 2012 p 410 em sentido contrário afirmou que os homens não nascem livres e iguais mas eles se tornam iguais Peça aos seus estudantes que realizem uma leitura atenta da Declaração Universal dos Direitos Humanos e discutam possíveis significados para a afirmação proposta por Hannah Arendt na obra As Origens do Totalitarismo Para a discussão permita que os estudantes exponham visões pessoais e distintas sobre o tema considerando ou não o pensamento de Hannah Arendt Lembrese que para essa ativi dade a busca por consenso não é importante nosso objetivo é permitir que os estudantes expressem opiniões e pensamentos sobre o tema Prática 8 Migração e Linguagens Objetivo Discutir e compreender a relação entre línguas e inclusão na jornada migratória Sugestão de desenvolvimento Antes de realizar esta atividade pergunte ao grupo sobre a impor tância da língua para o acesso a direitos tanto por brasileiros quanto por migrantes A seguir você pode conduzir a atividade da seguinte forma Vimos que a educação em Direitos Humanos é uma importante estratégia para o reconheci mento de direitos e para a construção de estra tégias na busca por uma vida plena Preconceitos e intolerâncias agem como barreiras e limita ções a uma vida digna Assim para essa ativi dade convide a turma a ler a obra Preconceito Linguístico 2015 de Marcos Bagno Após a leitura da obra promova um debate entre os participantes destacando as maneiras pelas quais os preconceitos evidenciados na obra impe dem o acesso a direitos por migrantes Ao longo desse debate outras formas de intolerância rela cionadas ao preconceito linguístico surgirão Permita que essas intolerâncias sejam trazidas ao debate pelos participantes provocando que se manifestem sobre possíveis medidas que podem ser adotadas para a construção de uma cultura do respeito à diferença Prática 9 Migração e Violação de Direitos Humanos Objetivo Identificar violações de direitos huma nos relacionadas à migração e aos migrantes Sugestão de desenvolvimento Para esta atividade descreva algumas situações nas quais direitos humanos foram violados Exemplificativamente poderão ser lembradas violações ocorridas em outros países Agora chegou a hora de praticarmos o que dis cutimos até aqui Para isso sugira ao grupo que façam uma pesquisa em jornais físicos ou em portais de notícias brasileiros e identifiquem as principais violações de Direitos Humanos ocor ridas em desfavor de migrantes refugiados e apátridas no Brasil Defina um recorte temporal e a maneira pela qual esses dados serão apresen tados pelas pessoas participantes de maneira que toda a turma possa conhecer os resultados das pesquisas e possa apresentar considerações sobre esse resultado CONSIDERAÇÕES FINAIS Na primeira parte desta Unidade traba lhamos com o conceito de território a partir de dois elementos a soberania estatal que fixa os limites geográficos de sua atuação e a presença humana que dá significados e reconfigura o território já delimitado pelo Estado Questio namos ainda os diversos modos pelos quais a migração se comporta diante da atuação estatal nos territórios especialmente nas fronteiras 147 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 exemplificando essa dinâmica com a Fronteira Trinacional Na segunda parte consideramos a pre sença de pessoas migrantes nos territórios e fronteiras como indivíduos e grupos Destaca mos a presença humana de migrantes refugia dos e apátridas nessas fronteiras e o tratamento político e jurídico a eles dispensado pelos esta dos nacionais pela sua diferença de nacionali dade Ressaltamos as dificuldades encontradas pelos migrantes para sua inclusão na vida social nos países de acolhimento Apontamos a exis tência de preconceitos e discriminações em relação aos migrantes em contrariedade aos direitos humanos Na terceira parte os direitos humanos foram identificados não apenas na sua dimensão normativa que deve ser observada nos proces sos migratórios e nas políticas públicas estatais mas também reconhecidos na sua dimensão educacional de uma cultura que aposte no tratamento igualitário entre migrantes e não migrantes e que possibilite a progressiva retra ção do tratamento discriminatório e xenofóbico em relação às pessoas migrantes Agora que já conhecemos algumas pos sibilidades de compreensão de territórios e fronteiras como categorias delimitadoras da ordem Estatal e avançamos para compreender outros modos pelos quais a pessoa migrante se relaciona com a sociedade de passagem ou de destino é possível refletir sobre a presença e a força dos Direitos Humanos para diminuir a violência em relação a esses sujeitos e contribuir para a elaboração de políticas públicas e proces sos educacionais que facilitem a reconstrução de uma vida desenraizada REFERÊNCIAS ALMEIDA Lúcio Flávio Rodrigues de Estadonação e ideologia elementos para uma discussão In DEL GAUDIO Rogata Soares PEREIRA Doralice Barros Orgs Geografias e ideologias submeter e qua lificar Belo Horizonte Editora UFMG 2014 ARENDT Hannah As origens do totalitarismo São Paulo Companhia das Letras 2012 BAGNO Marcos Preconceito linguístico 56 ed São Paulo Parábola 2015 BRASIL Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos Brasília Secretaria Especial dos Direitos HumanosMinistério da EducaçãoMinistério da JustiçaUNESCO 2007 BRASIL Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 Lei de Migração Brasília Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03Ato201520182017Lei L13445htm Acesso em 20 mar 2021 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl6815htm Acesso em 21 mar 2021 BRASIL Decreto nº 4246 de 22 de maio de 2002 Promulga a Convenção sobre o Estatuto dos Apá tridas Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03decreto2002D4246htm Acesso em 21 mar 2021 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Disponível em httpwwwpla naltogovbrccivil03constituicaoconstituicao htm Acesso em 05 abril 2021 BRASIL Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 195 Brasília Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl9474 htm Acesso em 22 mar 2021 CAMPOS Mardem Barbosa de Migração In CAVALCANTI Leonardo BOTEGA Tuila TONHATI Tânia ARAUJO Dina Orgs Dicionário crítico de 148 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 07 migrações internacionais online Brasília Editora UnB 2017 COMPARATO Fabio Konder A afirmação his tórica dos Direitos Humanos 11 ed São Paulo Saraiva 2017 GALEANO Eduardo As veias abertas da América Latina Tradução de Galeno de Freitas 39 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2000 307 p Título original Las venas abiertas de América Latina Coleção Estudos LatinoAmericanos v 12 ONU Assembleia Geral das Nações Unidas Con venção relativa ao estatuto dos refugiados 1951 RAMOS André de Carvalho Teoria geral dos Direitos Humanos na ordem mundial São Paulo Saraiva 2015 SANTOS Milton O retorno do território SANTOS Milton SOUZA Maria Adélia SILVEIRA Maria Laura Território globalização e fragmentação São Paulo Hucitec 1994 149 INTRODUÇÃO Você saberia explicar o que são os tão fala dos Direitos Humanos Ou ainda o que exata mente esses direitos garantem para as crianças adolescentes e jovens De forma geral esses Direitos tratam de um conjunto de disposições legais internacionais recepcionadas pelo Brasil que estabelecem as condições para que todos os seres humanos possam sobreviver e desenvolver todo seu potencial Em relação às crianças ado lescentes e jovens significa que possuem direitos inerentes às suas necessidades específicas em termos de proteção e desenvolvimento humano São justamente dessas condições dos processos e das formas de garantia implementadas no Brasil que vamos tratar neste material Para tanto esta Unidade está organizada em três eixos principais 1 a construção sóciohis tórica da infância e da juventude 2 a construção dos direitos das crianças e jovens no Brasil e 3 as crianças adolescentes e jovens como portadores culturais dos direitos humanos No primeiro eixo o processo sóciohistórico será abordado em três subtópicos i a construção sóciohistórica da infância e da juventude ii os marcadores sociais da infância e juventude e iii as crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direi tos Desta forma percorreremos as concepções sobre as quais esses sujeitos são construídos nas sociedades modernas ocidentais e especifica mente no Brasil No segundo eixo apresentare mos seus principais marcos legais em especial a Constituição Federal de 1988 CF88 e o Estatuto da Criança e Adolescente ECA de 1991 por meio dos seguintes tópicos i a construção dos direitos das crianças e jovens no Brasil ii o ECA e os marcos brasileiros de proteção iii e Abuso exploração e abandono Por fim no último eixo discutiremos de forma mais específica os direitos humanos em relação às crianças e adolescentes por meio dos tópicos i crianças e jovens como portadores cultu rais dos direitos humanos ii o direito da criança e do adolescente à cultura e iii as possibilidades educa tivas para a promoção da dignidade humana Com isso buscaremos articular como a compreensão desses sujeitos enquanto portadores culturais e de direitos é importante não somente para a garantia desses direitos mas sobretudo para abordar uma prática educativa que os considere enquanto atores e atrizes sociais com capacidade de ações Unidade 08 Direitos Humanos Criança e Adolescente Carolina Simões Pacheco Kamille Brescansin Mattar Talita Rugeri 150 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Por fim vale explicitar como iremos nos referir a esses sujeitos neste material É impor tante termos em mente que estamos discutindo a realidade de três sujeitos crianças adolescentes e jovens Ao tratar da legislação utilizaremos o mesmo termo que aparece na própria lei para referenciálos crianças adolescentes e jovens No entanto também os abordaremos por meio das fases da vida infância e juventude Quanto a este segundo modo atualmente compreendese a infância como a etapa de vida até os 14 anos de idade enquanto a juventude por sua vez é caracterizada como o período entre 15 e 29 anos de forma que a adolescência mesmo com suas especificidades se insere no período da juven tude até os dezoito anos ECA 1991 ESTATUTO DA JUVENTUDE 2013 PARTE 1 A CONSTRUÇÃO SÓCIO HISTÓRICA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE A infância e a juventude são fases singula res da vida social Partiremos em nossa análise da definição da infância e da juventude como etapas de vida caracterizadas por questões bio lógicas mas de maneira igualmente importante por construções sociais que foram se estabele cendo e assumindo aspectos específicos ao longo da história ARIÈS 1986 DAYRELL 2007 Vale destacar inicialmente que a infân cia e a juventude emergiram recentemente nas sociedades ocidentalizadas Você sabia que na Europa não existia infância e juventude até a Idade Média Isso significa dizer que não havia crianças e jovens Não elas e eles estavam lá mas não eram percebidas como tal O historiador francês Philippe Ariès 1914 1984 demonstrou em seu importante estudo intitulado História Social da Criança e da Família 1986 que até a Idade Média as crianças eram paparicadas como define Ariès 1986 ou seja tratadas com cuidados específicos por serem compreendidas como adultos incapazes e depen dentes No entanto ao se aproximar dos sete anos de idade eram enviadas para novas famílias em que se tornavam aprendizes de ofícios onde passavam a ser vistas como adultos em miniatura Não havia assim a percepção social desses fenô menos como os conhecemos hoje A infância era compreendida como uma etapa da vida mar cada por incompletudes e impossibilidades Não existia ainda a juventude como uma etapa entre a infância e a adultez Isso significa dizer que as pessoas começavam a participar das atividades de manutenção da vida e do trabalho à medida que adquiriam autonomia física e cognitiva tor nandose adultas Além disso a conformação das famílias era diferente nessa época A família não se restringia aos cônjuges e prole mães pais filhas e filhos mas eram antes compreendidas como unidades estendidas das quais toda a comunidade fazia parte Certamente os vínculos de afeto não eram pare cidos com os que temos hoje Neste contexto as crianças não recebiam tanta atenção dos pais eou das mães nem eram alvo de tantas preocupações As e os jovens por sua vez tinham a responsabi lidade de formar uma nova família e trabalhar e quanto antes isso acontecesse melhor No caso das jovens por exemplo a entrada na vida adulta era marcada pela menarca a primeira menstruação Para Ariès 1986 a partir do século XVII a mudança de percepção esteve ligada a pelo menos três processos a emergência do capitalismo o surgimento de escolas não atreladas às ordens religiosas e as transformações nos vínculos afe tivos que caracterizavam os sentidos de família Saiba mais Crianças e trabalho no capitalismo O desenvolvimento do capitalismo foi baseado na pro priedade privada das ferramentas necessárias para a produção dos itens básicos para a sobrevivência humana e na exploração do trabalho assalariado Para sobre viver as pessoas que não possuíam as ferramentas de trabalho deveriam dispor do único bem que possuíam sua força de trabalho Nesse contexto as mulheres e as crianças foram consideradas mãodeobra vantajosa pois recebiam salários mais baixos que os homens 151 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Legenda Na imagem acima intitulada Glass works ou Obras de vidro vemos crianças em uma fábrica de vidros em Indiana nos Estados Unidos da América em 1908 trabalhando à meia noite Fonte National Child Labor Committee collection Library of Congress Prints and Photographs Division Library of Congress Prints and Photographs Division Washington DC 20540 USA httpswwwlocgovpicturesitem2018673714 Crédito Fotógrafo Lewis Wickes Hine Nessas sociedades modernas naquele período emergentes na Europa as escolas dei xaram de ser espaços de formação religiosa e pas saram a ser organizadas pelos Estados Nacionais Convencionouse também nesta época a divisão de turmas por idade com o objetivo da aprendiza gem de conhecimentos considerados básicos para o letramento e inserção no mundo do trabalho Posteriormente as escolas assumiram um caráter de formação moral e humanista em que crianças eram educadas para se tornarem cidadãs para além de trabalhadoras A aprendizagem ademais já não era mediada por sacerdotes ou mestres artesãos mas pela figura específica de profes sores ARIÈS 1986 Vale destacar no entanto que essas escolas tinham o papel fundamental de formação das elites políticas e intelectuais da época e portanto não eram acessíveis à toda população Foi ainda nesse período que a juventude se constituiu como uma moratória ou seja uma fase da vida marcada pela concessão de um tempo socialmente doado pela comunidade para que jovens concluíssem a preparação para a fase adulta sem tantas responsabilidades Estudos contemporâneos como o de Helena Abramo 2014 evidenciam no entanto como essa suposta moratória era restrita aos jovens das classes altas e nunca foi vivenciado pela maior parte da população que desde cedo entrava no mundo adulto com responsabi lidades como trabalho e família ABRAMO 2014 p 22 Para aprofundar Sobre o surgimento da infância indicamos o resumo do pensamento de Philippe Ariès intitulado La infancia publicado pela Revista Studio Unidade 3 O material tem 8 páginas e foi publicado em espanhol Você pode consultar o material neste link httpwwwterraseduarbiblioteca5PDGAAries Unidad3pdf As famílias por sua vez passaram a ser compreendidas como núcleos reduzidos basea dos na união heteronormativa ou seja de um homem e uma mulher centrados na criação e cuidado de seus descendentes biológicos ou filhos e filhas consanguíneos Ariès 1986 e Abramo 2014 demonstram assim que a con solidação das categorias infância e juventude aconteceram em meio ao desenvolvimento do capitalismo estruturadas em novas formas de educação e de conformação familiar Podemos concluir ainda que as demandas relacionadas à infância passaram a ser relacionadas com ins tintos biológicos e permeadas por sentimentos de responsabilidade de amor e apego para com as crianças mas que estes foram socialmente construídos nestas sociedades emergentes 152 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Para aprofundar A obra A origem da Família da Propriedade Privada e do Estado 1884 do pesquisador alemão Friedrich Engels 18201895 demonstra como a atual con cepção de família está atrelada à emergência da propriedade privada em que garantir a herança pos sibilita a reprodução material da família Isso porque nas sociedades ocidentalizadas uma nova forma de estruturação social política e econômica estava se consolidando o capitalismo Para saber mais sobre o contexto de emergência do capitalismo indicamos a leitura da obra do histo riador francês Eric Hobsbawm intitulada A Era das Revoluções 17891848 1962 Indicamos também a plataforma Libreflix que é uma plataforma livre de streaming e que tem diversos documentários filmes e curta metragens incluindo produções sobre infância e juventude Você pode acessar em httpslibreflixorg MARCADORES SOCIAIS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE Agora que compreendemos como surgiram as concepções modernas de infância e juventude nos debruçaremos sobre seus marcadores sociais em especial no Brasil A infância corriqueiramente é caracteri zada como a fase da vida em que os seres huma nos são frágeis e dependentes de cuidados Jovens por sua vez são geralmente definidos como impulsivos passionais contraventores e egoístas Essas visões ainda permeiam nos sos imaginários sociais e carregam consigo um teor de incompletude em que a maturidade a sabedoria e a autonomia são relacionadas à adultez BRASIL 2014 A despeito disso estudos e políticas públicas das últimas décadas têm se atentado para as especificidades dessas etapas de vida como a ludicidade e o potencial para aprendi zagem que permeiam as construções sociais acerca da infância BRASIL 1991 A infância é compreendida como a etapa de vida que se estende do nascimento aos 14 anos de idade segundo o Estatuto da Criança e do Adoles cente ECA A juventude por sua vez pode ser caracterizada dos 14 aos 29 anos segundo o Estatuto da Juventude BRASIL 2013 marcada por experimentações e descobertas em geral associadas ao desenvolvimento de identidades individuais e grupais e de sociabilidades das sexualidades da inserção no mundo do trabalho e da participação política Fazse necessário no entanto destacar mos outros aspectos que marcam as vivências de crianças e jovens as desigualdades que estru turam nossa sociedade Nosso país foi fundado com base na exploração das e dos indígenas e negros o que gerou um racismo estrutural ALMEIDA 2018 e exclusões sociais econômi cas culturais e políticas que afetam as vivências individuais e coletivas das crianças e jovens as quais perduram até hoje BRASIL 2014 Alguns exemplos de exclusões que marcam a infância e a juventude no Brasil são o empobrecimento o machismo a violência sexual o capacitismo a violência policial a exclusão relacionada a questões territoriais e geográficas bem como a discriminação contra as comunidades tradi cionais e contra pessoas LGBTQI No caso da juventude destacamos ainda o desemprego e precariedade do trabalho Podemos refletir sobre essas exclusões com base em alguns dados No Brasil três crianças e adolescentes são vítimas de abusos e exploração sexual a cada hora MPPR 2020 Segundo pesquisa da Fundação Abrinq 2019 aproximadamente 363 das crian ças vivem em condição de pobreza no Brasil com até meio saláriomínimo per capta Ademais aproximadamente 44 milhões de crianças vivem em situação de pobreza extrema com até um quarto de saláriomí nimo per capta Entre 2016 e 2019 dois milhões de crianças brasileiras trabalhavam IBGE 2019 153 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Dentre jovens os dados também são alarmantes Nos últimos anos a juventude foi o grupo que mais perdeu renda no Brasil com uma redução média de aproximadamente 146 da renda sendo que dentre estes os mais empobrecidos perderam cerca de 242 NERI 2019 No Brasil há cerca de cinquenta milhões de jovens que abandonaram as escolas a maioria no Ensino Médio devido a neces sidade de trabalhar IBGE 2019 Em 2020 cerca de 314 das e dos jovens estavam desempregados enquanto o per centual nacional de desemprego era de 142 IBGE 2020 A juventude é o segmento mais afetado pela precarização do trabalho UNE 2020 A maior causa de mortalidade da juventude brasileira é o homicídio e as maiores vítimas são homens jovens empobrecidos e negros IPEA 2020 Para aprofundar Infância e juventude no brasil Se você quer saber mais sobre as condições adversas e os desafios enfrentados por crianças e jovens no Brasil hoje indicamos o filmedocumentário Ser criança um olhar para a infância e a juventude diante do trabalho no Brasil 26 minutos de duração O filmedoc foi produzido em 2018 pelo Transe Filmes em parceria com o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul e com apoio do Canal Futura e mostra a realidade das crianças e jovens no Brasil que vivem em meio à entrada precoce e forçada no mundo do trabalho que muitas vezes é permeada de violência abandono escolar e adoecimento A obra pode ser acessada no link httpswwwyoutubecom watchvyZnNN71rs2sabchannelTranseFilmes Legenda Esta foto foi utilizada para a divulgação do filmedocumentário nas redes sociais e mostra uma das jovens entrevistadas que teve um acidente de trabalho e perdeu parte do braço aos quatorze anos de idade Fonte Transe Filmes Ministério do Trabalhado do Rio Grande do Sul e Canal Futura Crédito Divulgação no site da produtora Transe Filmes Podemos concluir assim que não é possível estabelecermos generalizações para tratar de crianças adolescentes e jovens Devemos buscar compreender as condições em que tais sujeitos vivenciam em suas trajetórias DAYRELL 2007 Ao nos atentarmos para as condições das suas vivências de infância e juventude podemos per ceber ainda como a própria sociedade entende e ampara essas etapas de vida Para aprofundar Para refletir sobre a violência que atinge milhares de jovens no Brasil recomendamos o livro Você matou meu filho homicídios cometidos pela polícia militar na cidade do Rio de Janeiro publicado pela Anistia Internacional em 2015 Este livro está dispo nível para download em httpswwwamnestyorg downloadDocumentsAMR1920682015BRAZILIAN20 PORTUGUESEPDF 154 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Para saber mais sobre as juventudes periféricas indica mos a WikiFavelas um dicionário de verbetes organi zado em uma plataforma aberta e gratuita Está dispo nível em httpswikifavelascombrindexphptitle DicionC3A1riodeFavelasMarielleFranco Ainda para aprofundar seus conhecimentos sobre os desafios enfrentados pela juventude brasileira sugeri mos o filme Fora de Série 2018 produzido pelo grupo de pesquisa Observatório Jovem do Rio de Janeiro vinculado ao Programa de PósGraduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense UFF e dirigido por Paulo Carrano O filme tem duração de 91 minutos Legenda Capa do filmepesquisa Fora de série que foi utilizada para a sua divulgação digital e retrata uma sala de aula em perspectiva o que denota uma trilha ou um caminho e ao mesmo tempo um afastamento Fonte Disponível no site Filme Fora de Série https wwwfilmeforadeseriecominicio Crédito Divulgação no site Filme Fora de Série CRIANÇAS ADOLESCENTES E JOVENS ENQUANTO SUJEITOS DE DIREITOS Agora que pudemos compreender como as condições de vivência das infâncias e das juventu des são múltiplas iremos reconstruir de maneira breve o processo pelo qual as crianças adoles centes e jovens se tornaram sujeitos de direitos em nosso país Mas afinal o que significa afirmar que crian ças adolescentes e jovens se tornaram sujeitos de direitos Ser considerado sujeito de direitos significa que o Estado identifica o indivíduo e o grupo do qual faz parte por suas especificidades e neces sidades como portadores de direitos integrais que devem ser garantidos pelo próprio Estado ABRAMO 1997 Esses direitos integrais são compostos por direitos universais como os Direi tos de Cidadania os quais focalizam interesses humanos compartilhados que nas últimas déca das passaram a ser compreendidos como Direi tos Econômicos Sociais Culturais e Ambientais DESCA e os Direitos Humanos que podem ser compreendidos como direitos específicos neste caso de crianças e jovens NOVAES 2009 p 19 Ao longo do século XX as crianças adoles centes e jovens foram reconhecidas e reconhe cidos de distintas formas pela sociedade e pelo Estado Como visto anteriormente com o cres cimento urbano e a industrialização passaram a ser compreendidas como grupos que precisavam ser cuidados e educados para o trabalho ARIÈS 1986 Posteriormente foram identificadas como perigos sociais quando inseridas em contextos de pobreza e vulnerabilidade e vistas como margi nais ou menores infratores ABRAMO 1997 que precisavam ser ressocializadas ou recuperadas por políticas estatais Nessa época as Organizações Não Governamentais ONGs e entidades reli giosas tinham diversos programas filantrópicos e de ressocialização que orientavam as políticas estatais no Brasil como as medidas socioeduca tivas para crianças em situação de rua as quais como veremos perpassavam a reclusão e uma perspectiva moralizante ABRAMO 1997 No entanto neste período diversos órgãos internacionais passaram a organizar eventos para debater e orientar políticas de infância e juven tude Em 1979 por exemplo a Organização das Nações Unidas ONU declarou o Ano Internacio 155 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 nal da Criança e houve então a criação de uma comissão para produção do texto Convenção sobre os Direitos da Criança com o objetivo de efetivar os princípios previstos na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 Essas medidas culminaram na aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança em 1989 que foi assinada pelo Brasil em 1990 GONZÁLEZ 2015 Em 1993 o Brasil se somou ao Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho OIT que deu origem ao Fórum Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil no qual foi elaborado o Programa para Erradicação do Trabalho Infantil norteando as ações contra o trabalho infantil por anos em nosso país GONZÁLEZ 2015 Em relação à juventude a ONU propôs em 1965 a Declaração sobre o Fomento entre a Juventude dos Ideais de Paz Respeito Mútuo e Compreensão entre os Povos que estabeleceu compromissos a serem cumpridos pelos países membros SILVA ANDRADE 2009 Em 1985 por sua vez a ONU declarou o Ano Internacional da Juventude Participação Desenvolvimento e Paz no qual objetivava avançar no Programa Mundial de Ação para a Juventude PMAJ Em 1992 após diversos eventos iberoamericanos foi criada a Organização IberoAmericana de Juventude OIJ organização governamental para a promoção do diálogo e apoio entre iniciativas nacionais no entanto o Brasil só passou a compor formalmente este espaço em 2006 SILVA ANDRADE 2009 Esses documentos e promulgações são importantes porque expressam o avanço na carac terização de crianças e jovens como sujeitos de direitos em instâncias de debate e formulação internacionais e pressionam o Brasil a se adequar a tais normativas Além disso são pautados por orientações teóricas e visam à implementação de políticas públicas específicas e ao mesmo tempo integradas diferenciandose das orientações anteriores que tinham um caráter religioso e voluntarista Em 1988 houve a promulgação da Cons tituição Federal CF do Brasil na qual diversos setores da sociedade civil movimentos sociais e parlamentares pleitearam o reconhecimento de crianças adolescentes e jovens como bene ficiários e beneficiárias do Estado brasileiro A CF foi importante porque estabeleceu assim a demanda por elaboração de políticas públicas voltadas para esses segmentos Destacamos a criação da Comissão Criança e Constituinte de 1986 pois dela partiu a proposta de lei que originou o Estatuto da Criança e do Ado lescente ECA sancionado em 1990 que como veremos adiante instaurou um novo paradigma acerca das crianças e adolescentes O Estatuto se tornou o principal documento norteador de políticas públicas de infância e adolescência inau gurando espaços de formulação e avaliação dessas políticas como Conselhos de Direitos da Criança Conselhos Tutelares e os Fundos de Direitos da Criança e a Ação Civil Pública GONZÁLEZ 2015 Ressaltamos ainda que a adolescência aqui era caracterizada até os dezoito anos e que a noção de juventude como uma etapa de vida mais extensa aconteceu depois do ECA como veremos a seguir Cabe evidenciar ainda que na década de 1990 o Brasil era governado sob princípios neo liberais em que se defendia a redução políticas estatais de assistência social educação saúde e cultura bem como a desregulamentação das relações de trabalho Este projeto se estendeu para outros países latinoamericanos que foram objeto de programas financiados por agências internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento BID NOVAES 2009 Pode mos afirmar portanto que houve uma série de disputas tanto no Brasil quanto no restante da América Latina em que os debates internacio nais incidiram para caracterizar as demandas de crianças adolescentes e jovens como demandas estatais e esses avanços só foram possíveis por conta das orientações internacionais e da atuação de diversos setores da sociedade civil movimen tos sociais e parlamentares que atuaram para efetiválos em nosso país ABRAMO 1997 A partir dos anos 2000 houve um maior avanço dos direitos das crianças e jovens com a formulação e implementação de uma série de polí 156 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 ticas públicas específicas Foi nesse período que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente pautou a criação do Sistema Nacio nal de Atendimento Socioeducativo SINASE A saber o SINASE teve como objetivo a redefinição das orientações para as antigas instituições de reclusão de menores de dezoito anos em que foram instituídas medidas socioeducativas que priorizavam a educação e a formação cidadãs em detrimento do caráter punitivista da reclusão GONZÁLEZ 2015 No que concerne à juventude em 2005 foi aprovada a Política Nacional de Juventude PNJ a qual estabeleceu a necessidade de integração de políticas difusas de moradia educação trabalho e renda saúde cultura e lazer Neste sentido ainda naquele ano foram criadas a Secretaria Nacional de Juventude SNJ e o Conselho Nacio nal da Juventude Conjuve Tanto a PNJ quanto a Secretaria e o Conselho almejavam integrar e formular ações para a efetivação dos direitos das e dos jovens Posteriormente houve ainda diversas Conferências de Juventude municipais regionais estaduais nacionais e livres que reuniram ges tores e sociedade civil com este mesmo intuito Em 2013 foi sancionado por fim o Estatuto da Juventude que estabeleceu direitos específicos das e dos jovens brasileiros BRASIL 2013 SILVA ANDRADE 2009 Cabe destacar ainda Políticas Públicas de Juventude PPJ que foram desenvolvidas ao longo das últimas décadas na tentativa de integração de diferentes iniciativas com vistas à efetivação de direitos juvenis como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens Integrado Pro Jovem Integrado o Programa Nacional de Inte gração da Educação Profissional com a Educação Básica Proeja o Programa Juventude Viva o Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens e o Programa Universi dade para Todos ProUni A elaboração da PNJ o estabelecimento da SNJ do CONJUVE e as políticas e programas supracitados evidenciam essa tentativa de articulação de programas que anteriormente eram difusos As Políticas Públi cas de Juventude passaram a articular políticas de saúde educação trabalho e renda moradia cultura e lazer e se mostraram importantes por tanto porque conectaram demandas até então consideradas distintas consolidando políticas intersetoriais de promoção de direitos de crianças adolescentes e jovens Por fim esperamos que esses exemplos mostrem que nas últimas décadas houve uma série de esforços teóricos e práticos para que a infância e a juventude deixassem de ser carac terizadas pela falta de autonomia e pela incom pletude da condição de cidadania relacionadas às suas faixas etárias O reconhecimento desses grupos enquanto sujeitos de direitos versa assim sobre suas especificidades e potencialidades mas também sobre o dever do Estado de efetivar tais direitos Prática 1 Visita virtual à exposição Levantes de DidiHuberman Objetivo Refletir e dialogar a partir da exposição Levantes sobre contestações e insurgências juvenis Sugestão de desenvolvimento Georges Didi Huberman nascido em 1953 na França é um filósofo e historiador da arte que foi curador da exposição Levantes trazida ao Brasil pelo Sesc em 2017 O material de apresentação da exposição pode ser acessado virtualmente e será a base para este exercício A atividade acontecerá a partir da leitura do material de apoio Posteriormente a turma será dividida em trios ou grupos os quais deverão esco lher uma foto e pesquisar o contexto da manifes tação representada na imagem Esperase ao final da pesquisa que os resultados sejam apresentados para o restante da turma e que os debates tenham como foco a ação das e dos jovens nos contextos analisados Recursos para a realização desta atividade é necessário que tanto oa mediadora quanto os e as participantes tenham acesso à internet Além disso indicamos como referência o Catálogo da exposição Levantes do Sesc Digital Disponível em httpssescdigitalconteudoartesvisuais catalogospretatituderiopreto 157 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 PARTE 2 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS ADOLESCENTES E JOVENS NO BRASIL Para entendermos a situação dos direitos das crianças adolescentes e jovens no Brasil é preciso antes de tudo 1 realizar uma retrospectiva histórica de como esses sujeitos eram e são juridicamente compreendidos 2 compreender quais processos desencadearam o reconhecimento deles como pes soas com direitos próprios e específicos e 3 exami nar quais instrumentos efetivaram essa condição Do império 18221889 à República a partir de 1889 a situação das crianças e adolescentes no país passa por grandes mudanças deixando de ser assunto exclusivo da assistência religiosa para ser respon sabilidade também do Estado Isso ocorreu primei ramente com os Juizados em 1923 depois com os Códigos de Menores em 1927 e 1979 período mar cado pelas instituições de internamento controle e assistência social Em seguida com a Constituição Federal de 1988 e a promulgação do ECA 1991 em que as crianças e os adolescentes passam a ser reconhecidos reconhecidas como sujeitos de direi tos e posteriormente os jovens em 2013 com o Estatuto da Juventude É dentro deste panorama como resultado de processos sóciohistóricos que trataremos os direitos de crianças e de jovens neste material Por isso é necessário entendermos como esses grupos foram tratados antes da Constituição Federal de 1988 e do ECA para dimensionar seu impacto ao reconhecêlos e reconhecêlas enquanto sujeitos de direito A partir daqui aprofundaremos nossa análise sobre as crianças e adolescentes con siderando a faixa de idade até os 18 anos por ser o que consta no ECA Afinal qual é a consequência dessa con quista na concepção sobre as crianças e adolescen tes Esta é a questão que pretendemos responder e discutir neste tópico Para tanto é importante nos atentarmos em como esses sujeitos deixam de ser meros objetos a serem tutelados tal como previsto no Códigos de Menores 1927 e 1979 e passam a ser compreendidos como pessoas com direitos que devem ser garantidos pelo Estado Por isso neste momento vamos tratar das impli cações dessas mudanças Durante o período Imperial 18221889 e início da República a partir de 1889 não há registros de políticas sociais voltadas às crianças e adolescentes enquanto grupos específicos Até meados do século XIX não há sequer referência a esses grupos nos documentos oficiais brasileiros Até então as crianças eram assunto das institui ções religiosas principalmente a Igreja Católica por meio das Santas Casas de Misericórdia e o Sis tema das Rodas dos Expostos as quais consistiam basicamente em uma estrutura de madeira em forma circular por onde se recebiam donativos e crianças eram abandonadas CANTINI 2008 A menção às crianças só aparece com a pro mulgação do Código Criminal do Império de 1830 em que se estabelece uma idade para a distinção entre aquelas que responderiam diretamente por atos criminais daquelas que não responderiam A partir desse período essas menções às crianças aparecem sempre vinculadas à faixa etária Nos termos da justiça criminal os 14 anos marcariam a maioridade penal No plano civil estabeleceuse que até os 21 anos as crianças deveriam estar submetidas ao chamado pátrio poder ou seja à autoridade familiar e em casos de ausência de responsável deveriam ser encaminhadas a um tutor Aqui é interessante pensar que diante dessas distinções são adotadas três formas de classificação das crianças as menores de 14 anos as de família e as órfãs LONDOÑO 1998 Durante a República além da consolidação do termo menor para tratar das crianças e adolescentes iniciouse no Brasil a instauração de um aparato estatal e legislativo direcionado a esse grupo Isso porque o discurso da época enfatiza dois aspec tos a separação desses do processo destinado aos adultos e a ideia de prevenção ao abandono Diante disso com base em modelos europeus de tribunais especializados e estabelecimentos de internamento temse primeiro a criação do Juizado de Menores em 1923 Em seguida como resultado desse pro cesso surge a necessidade da elaboração de um plano nacional de assistência e proteção à infân cia o que implica na promulgação de um código específico o primeiro Código de Menores em 1927 LONDOÑO 1998 RIZZINI e RIZZINI 2004 158 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 O Código de Menores 1927 é reconhecido como o primeiro documento legal específico para a população menor de 18 anos e teve como obje tivo unificar legislações e práticas esparsas até então CANTINI 2008 RIZZINI e RIZZINI 2004 Em seu primeiro artigo traz expresso quais crianças e adolescentes eram considerados como menores isto é as abandonadas ou delinquentes Art 1º O menor de um ou outro sexo abandonado ou delinquente que tiver menos de 18 anos de idade será sub metido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código DECRETO n 1794327 grifo nosso O Código não tinha a intenção de abranger todas as crianças mas somente aquelas que eram consideradas um problema social ou um risco em que a condição de incapacidade dos pais em criálos é o fator determinante para transformar o abandonado em delinquente BUDÓ 2013 p 60 Isso porque se considerava que a ausência de autoridade familiar deixava as crianças entregues à própria sorte e facilmente levadas pelo mundo do crime A problemática do menor aparece vin culada a uma concepção pejorativa por meio do binômio do menor em perigo e do menor peri goso construindo a percepção sobre uma nova infância aquela em que o Estado deve intervir Nas palavras de Londoño 1998 p 135 o menor não era o filho de pai de família sujeito à autoridade paterna ou mesmo o órfão devidamente tutelado e sim a criança ou o adolescente abandonado tanto material quanto moralmente Com isso o discurso sobre a prevenção encobria e ajudava a legitimar práticas de controle e vigilância em relação às crianças e adolescentes principalmente as pobres e marginalizadas que eram consideradas ameaças a si ou à sociedade tendo em vista que a intervenção estatal signifi caria a prevenção do crime Dessa forma o termo que no Império aparecia sempre vinculado à faixa etária tornase na República determinante para justificar a internação em massa das crianças e adolescentes nas instituições que viriam a seguir BUDÓ 2013 Consolidando esse processo de ins titucionalização foram criados durante o Governo de Getúlio Vargas o Serviço de Assistência ao Menor SAM em 1940 e posteriormente na Ditadura Militar a Política Nacional do BemEstar do Menor Lei 451364 em 1964 e seus órgãos de execução a Fundação de BemEstar do Menor FUNABEM Federal e as FEBEMs Estaduais Para aprofundar FEBEMs um retrato das instituições de internamento Para aprofundar a discussão sobre o tratamento das crianças e adolescentes no Brasil é interessante relem brar como instituições de internamento ajudaram a construir concepções pejorativas sobre a infância Para isso indicamos o filme O contador de histórias 106 minutos de duração baseado em uma história real sobre a realidade das FEBEMs órgão instituído durante o período da Ditadura Militar 19641985 O filme que foi lançado em 2009 e dirigido por Luiz Villaça é inspirado na história de vida de Roberto Carlos Ramos que foi um menino que chegou a viver nas ruas em Belo Horizonte e conta a experiência de dor e violên cia sofridas durante o período em que foi internado na FEBEM após ter sido entregue pela mãe à instituição acreditando que ali o filho receberia os cuidados e educação adequados ao seu desenvolvimento longe da pobreza que viviam Atualmente Roberto é pedagogo escritor e contador de histórias Você pode acessar o filme no link httpswwwyoutube comwatchvkRJwQgoavc Legenda Capa do filme O contador de Histórias Fonte Disponível no Youtube através do link https wwwyoutubecomwatchvkRJwQgoavc Crédito Autoria da imagem desconhecida 159 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Apesar das distinções ambas aprofunda ram não somente o discurso sobre a assistência desses menores mas sobretudo as práticas disciplinadoras controladoras e repressoras em relação a eles as quais reforçaram seus este reótipos de altamente perigosos e delinquen tes Segundo declaração da UNESCO 2004 a lógica que fundamentava a Política Nacio nal do menor era a do saneamento social pois a preocupação principal era com a garan tia da ordem social e não com o atendimento das necessidades e direitos desse segmento social Com isso mantémse o entendimento das crianças e adolescentes enquanto objeto de intervenção estatal ao invés de sujeitos que possuem direitos e garantias legais situação que só se altera com a CF88 e com o ECA91 A Constituição Federal e o ECA aponta ram uma nova atitude em relação às crianças e adolescentes Os elementos que marcam essas legislações se referem à concepção desses indi víduos como sujeitos detentores de direitos Mas afinal quais são esses direitos agora garantidos às crianças e adolescentes A descrição desses direitos está nos art 227 da Constituição Federal de 1988 e no art 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente e con sistem no direito à vida à saúde à alimentação à educação ao esporte ao lazer à profissiona lização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária Tais direitos são concebidos e articulados em grupos em que os direitos à vida à saúde e à alimentação se constituem como condições essenciais para a garantia da sobrevivência os direitos à educação à cultura ao lazer e ao esporte e à profissionalização emergem como condições para o desenvolvimento em razão da etapa da vida em que se encontram e por fim os direitos à liberdade ao respeito à dig nidade e à convivência familiar e comunitária são estabelecidos como forma de garantir a integridade humana desses sujeitos O grande impacto dessas considerações está no fato de que ao serem reconhecidos como sujeitos de direitos a intervenção dá lugar à concepção de proteção da infância e da adolescência as quais devem ser efetivadas não somente pelo Estado mas pela família e toda a sociedade Da mesma forma o motivo da proteção a esses grupos deixa de ser o fato de estarem em situação irregular e passa a ser a condição peculiar de serem pessoas em formação Portanto a principal mudança no processo de construção de direitos das crian ças adolescentes e jovens está na forma de concepção desses sujeitos O que implica no reconhecimento destes por características pró prias e inerentes a estes sujeitos e no dever do Estado em garantir a efetivação desses direitos por meio de políticas públicas e sociais O ECA E OS MARCOS BRASILEIROS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE Como já vimos na década de 1980 a partir da mobilização de diversos movimentos sociais em prol de garantias jurídicas mais efetivas às crianças e adolescentes e melhores condi ções de tratamento nas instituições de inter namento é que foi possível abrir a discussão acerca de novos parâmetros sobre o universo infantojuvenil ABRAMO1997 Nesse con texto o ECA se configura como instrumento importante desse processo ao definir que toda criança e adolescente tem proteção integral de seus direitos individuais ou coletivo sendo reconhecidos e reconhecidas enquanto pessoas que estão em fase de formação social e que diante disso devem ter garantias em acordo com este período de vida BUDÓ 2013 Neste tópico vamos nos deter em entender o que significa essa ideia de proteção integral e quais seus impactos no tratamento das crianças e adolescentes no Brasil 160 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Saiba mais A luta por direitos o Eca e o Movimento Meninos e Meninas de Rua O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua MNMMR foi um dos principais protagonistas na luta pela concretização dos direitos das crianças e adoles centes no Brasil nos anos de 1980 que culminou na elaboração do ECA em 1991 O Movimento inicia em 1982 integrando o processo de redemocratização e tinha como objetivo denunciar as práticas desuma nas e cruéis que pautavam a atuação nas institui ções de internamento de menores as FEBEMS O movimento mobilizou atores sociais que integravam as instituições de internamento da época como as crianças internadas os técnicos os educadores os direitos e demais funcionários para se organizarem discutirem e reivindicarem uma política nacional que respeitasse os direitos humanos das crianças e adolescentes NICODEMOS 2020 O princípio da proteção integral tem sua origem na Declaração Universal dos Direitos da Criança 1959 e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente 1989 e e ao ser incorporado na legislação brasileira temse a pretensão de garantir às crianças e aos adoles centes uma forma específica de proteção desses direitos Em decorrência disso de um lado com o ECA ampliouse a responsabilidade em relação à efetivação e garantia dos direitos da criança e do adolescente para a sociedade e a família De outro reforçou o dever do Estado em garantilo ao instituir como orientação obrigatória na execução de políti cas públicas e sociais direcionadas a esses grupos Isso significa que a partir daquele momento essas políticas públicas deveriam ter como foco a promoção do desenvolvimento e a formação das crianças e adolescentes em vez de enfatizar medidas de internação e punição como era feito de forma expressa até então Com isso esses instrumentos legais servem de suporte para o estabelecimento de novas condições na reformulação de políticas públicas em favor da infância e da juventude sendo só a partir disso que a temática começa a ganhar força para se inserir no debate público e gerar res postas por parte do Estado Saiba mais Princípios norteadores do ECA Além da proteção integral outros princípios também são fundamentais para a garantia dos direitos da criança e dos adolescentes entre eles estão o prin cípio do superior ou melhor interesse e o princípio da prioridade absoluta respectivamente previstos nos art 3 da Convenção dos Direitos da Criança e art 3 e 4 do ECA O princípio do superior ou melhor interesse da criança enfatiza a prioridade do interesse da criança isto é das condições que forem melhores a ela em todas as decisões em que ela figurar como parte O princípio da prioridade absoluta estipula que este interesse da criança é absoluto ou seja não pode ser flexibilizado em razão dos interesses de outras pessoas O Estatuto da Criança e do Adolescente está fundado sobre três eixos centrais os chama dos sistemas de garantias o sistema primário de garantia tem como foco toda a população infan tojuvenil voltandose para as políticas sociais O sistema secundário tem como foco as crianças e adolescentes que sofrem restrições de seus direi tos fundamentais não apenas à vida e integridade física mas a liberdade de expressão educação etc Por fim o sistema terciário de garantias trata dos adolescentes em conflito com a lei Ainda seus artigos e diretrizes estão dispostas em duas partes a parte geral e a parte especial a primeira discorre sobre os direitos fundamentais da pessoa em desenvolvimento aqueles já mencionados anteriormente A segunda estabelece as políti cas de atendimento como as políticas universais de saúde educação e outros e os programas e benefícios de assistência social as medidas e dire trizes como a execução municipal e participação popular e os órgãos necessários para a efetivação e proteção desses direitos como os Conselhos Tutelares assim como as medidas cabíveis nos casos de violação destes como veremos adiante Dessa forma o Estatuto prevê o estabeleci mento de uma estrutura capaz de pôr em prática as condições trazidas por ele Os Conselhos de Direitos da Criança e os Conselhos Tutelares são órgãos essenciais para sua viabilização especial 161 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 mente no que se refere à participação da popu lação na formulação e fiscalização das políticas sociais Isso porque são órgãos colegiados deli berativos e fiscalizadores que tem como objetivo acompanhar as diversas etapas de implementação das políticas públicas CANTINI 2008 Os Conse lhos de Direitos são compostos por membros da sociedade e do governo e tem como finalidade específica formular supervisionar e avaliar as polí ticas realizadas Já o Conselho Tutelar é um órgão autônomo e permanente composto apenas por membros da sociedade tendo como finalidade acompanhar e decidir sobre a execução local ou seja é vinculado ao Poder Executivo Municipal Ambos os órgãos integram o Sistema de Garantia de Direitos juntamente com os Con selhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescentes os Juizados e Promotorias da Infância e da Juventude assim como equipes de docentes de coordenação e orientação peda gógica nas escolas e demais sujeitos responsáveis também pelo atendimento e acompanhamento das crianças adolescentes e jovens Esse sistema representa a estrutura da política de atendimento à infância e adolescência no Brasil e é composto por um conjunto de instituições organizações entidades programas e serviços que funcionam de forma articulada e integrada Todos buscam a efetivação dos direitos previsto no ECA e na Constituição Federal de 1988 no que tange à proteção integral PEREZ e PASSONE 2010 Vale destacar alguns marcos legais que aprofundam e estruturam os princípios e dire trizes instituídas pelo ECA como a Lei 82421991 que institui o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA a Lei Orgânica de Assistência Social Loas de 1993 a qual priorizou por meio da assistência social o atendimento à criança e à adolescência previsto nas ações de atendimento às políticas municipais o Programa de Erradicação do Trabalho Infan til Portaria n 458 de 2001 e o Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária Resolução n 1 de 2006Conanda PEREZ e PASSONE 2010 Essas legislações são importantes por regulamentarem e instituírem uma forma de tratar as crianças e jovens por meio da sua proteção e respeito à fase da vida em que estão são portanto exemplos do reco nhecimento dos desafios problemas e condições enfrentadas pelas crianças e jovens no país assim como meios de buscar resoluções para tais ABUSO EXPLORAÇÃO E ABANDONO Tratar dos direitos das crianças e dos ado lescentes através das perspectivas dos direitos humanos implica a responsabilização do Estado na garantia de condições para efetivar as melho res condições para esses sujeitos Não apenas em termos de execução de políticas sociais que são indispensáveis nesse processo mas também na constante formulação de leis que instituam tais ações como direitos constituídos De outro modo é dever do Estado atuar reconhecendo os direitos das crianças e dos adolescentes e criando mecanismos estratégias e ações práticas para sua efetivação inclusive em relação a respostas à sua violação A Constituição Federal e o ECA discor rem sobre a previsão de punição nesses casos no art 277 4 da CF88 está expresso que a lei punirá severamente o abuso a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente Também o art 5 do ECA apresenta essa prescri ção nos seguintes termos Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão punido na forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais BRASIL 1991 Apesar da gama de programas governa mentais e não governamentais que abordam essa situação ainda persistem no Brasil graves pro blemas como a violência que afetam a infância e a juventude Essas violências incluem abusos físicos e psicológicos e se constituem na forma de insultos humilhações discriminação abandono maus tratos exploração sexual e trabalho infantil Ainda são verificados em todos os lugares ou seja se estendem tanto a instituições como a 162 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 escola e demais ambientes educacionais orfana tos de assistência e justiça social locais de traba lho quanto ao lar e ambiente familiar e doméstico e da comunidade em que vivem ONU 2006 Saiba mais Covid19 e a garantia dos direitos previstos pelo ECA A pandemia do novo Coronavírus que teve início em 2020 impactou de forma severa o cotidiano e as con dições de vida das crianças e jovens inclusive sobre suas condições de aprendizado O artigo apresentado pela Insper instituição de ensino superior e de pesquisa sem fins lucrativos com base em pesquisa promovida pela UNICEF aponta como as con dições educacionais de estudantes variam fortemente conforme a inserção socioeconômica Isso porque o estudo aponta que habitações precárias infraestrutura sanitária inadequadas e alta densidade de pessoas afeta no processo de ensino aprendizado Conjugado a isso a falta de acesso à internet de forma estável e de qualidade interfere na possibilidade de acesso e inserção em ambientes educacionais online em um momento que o ensino remoto se tornou a regra O artigo completo está disponível no site do Insper publicado em 02 de março de 2021 na categoria Políticas Públicas e pode ser acessado neste link httpswwwinsperedubrconhecimento politicaspublicaspandemiaameacaaprofundar desigualdadesnobrasilfbclidIwAR3 LwU76zPRVJaldcKyNCawx0E7daGRn9yC yJewZvRxNjxuaaoqtwzvaE O abuso ou a exploração do trabalho infantil pode ser definido com base nas dire trizes do ECA quando crianças e adolescentes são constrangidas e constrangidos a executarem serviços perigosos que as impeçam de estudar que coloquem suas saúdes e desenvolvimento em risco ou que as façam assumir responsa bilidades e funções destinadas aos adultos seja no âmbito familiar ou não É portanto atividade considerada inapropriada à sua etapa de desenvolvimento Já a exploração sexual consiste tanto em submeter crianças à prosti tuição ou exploração sexual com a finalidade de lucro quanto ao abuso pelo constrangimento e imposição de atos de cunho sexuais seja a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso conforme artigos 224A do ECA e 217A do Código Penal Entretanto no Brasil tanto a exploração do trabalho infantil quanto a exploração e os abusos sexuais são uma constante na realidade dado que como vimos a cada hora três crianças e adolescentes são vítimas de abuso sexual em nosso país segundo registro de denúncias do Disque 100 de 2018 MPPR 2020 Além disso entre 2016 e 2019 dois milhões de crianças brasileiras trabalhavam IBGE 2019 Mesmo assim são inegáveis as conquis tas e a relevância do ECA sendo importante reconhecêlas como resultado de lutas e movi mentos sociais Condição essa que fica implícita pela nova terminologia adotada o termo menor desaparece sendo agora tratado no âmbito civil e criminal como sujeitos e a qualificação quando de uma situação irregular se transforma no seu reconhecimento como pessoas em formação A intervenção dá lugar à proteção integral Os crimes são tratados como atos infracionais e as penas se tornam medidas socioeducativas em uma tentativa de responsabilização pelos atos praticados ao invés da mera punição No entanto após 30 anos de sua promulgação permanece a necessidade de amplo debate sobre a efetiva concretização dos direitos pre vistos Isto porque adequaramse os termos e o discurso mas mantevese em muito o caráter seletivo punitivo e excludente das práticas dire cionadas às crianças e adolescentes e pouco se avançou na efetivação dos direitos legalmente estabelecidos É essa inconsistência entre a pretensão teó rica do ECA e a prática cotidiana que muitas vezes é verificada e deve ser cada vez mais debatida 163 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Prática 2 Direitos educação e desi gualdades sociais Objetivo Promover a reflexão sobre os direitos de crianças adolescentes e juventude Sugerese que isso seja feito por meio da discussão sobre como as condições sociais de desigualdade em termos de moradia e renda interferem na efetivação de tais direitos no que tange à educação Sugestão de desenvolvimento Sugerimos abordar o tema através dos impactos da pandemia na realidade escolar de diversos grupos de crianças e jovens Para isso sugerimos que asos partici pantes produzam cartazes representando por meio de texto e imagens quais direitos foram afetados pela pandemia por exemplo direito à educação direito à saúde direito à alimentação etc explicando por que e como esses direitos são definidos Recursos computador para realizar pesquisas sobre o impacto da Covid19 na educação folha de caderno ou cartazes jornais e revistas A ati vidade deve ser realizada por meio de colagem e apresentação aos colegas posteriormente Prática 3 Júri popular sobre a redu ção da maioridade penal Objetivo Refletir e debatera redução da maioridade penal no Brasil Sugestão de desenvolvimento A maioridade penal no Brasil é um tema atual dado que alguns setores da sociedade buscam a redução da idade hoje considerada mínima de 18 anos para 16 anos de idade Enquanto isso ponderase de outro lado que a redução não tem capacidade de incidir na violência e na criminalidade e que na verdade poderia intensificar as desigualdades sociais Nesta atividade é importante que a formação comece com uma contextualização da questão da diferenciação entre maioridade penal e responsabilização penal Ademais devese usar materiais de apoio para as e os participantes estudem e se preparem para o debate divididos entre favoráveis contrários e júri Oa mediadora deve conduzir o debate ou esco lher uma participante para fazêlo controlando os tempos de exposição dos grupos organizando questões e debate entre eles e orientando o júri para que após ouvir as considerações favoráveis e contrárias possam chegar a uma conclusão Recursos Computador para pesquisa e espaço adequado para debate Materiais de apoio sugeridos para preparação dos grupos No site Politize na sessão Direitos Humanos a matéria publicada em 02 de julho de 2015 pode ser acessada em httpswwwpolitizecombr reducaodamaioridadepenalargumentos A Cartilha contra a redução publicada no Site do Ministério Público do Paraná pode ser acessada em httpscriancampprmpbrarquivosFilepubli idadepenalpunireasolucao pdf Prática 4 Reconhecendo os direitos da criança e dos adolescentes na prática Objetivo Proporcionar às pessoas participantes primeiro a aproximação com o ECA e os termos em que seus direitos garantidos e em seguida o reconhecimento desses direitos na vida cotidiana Sugestão de desenvolvimento Simular as discus sões que ocorreram por meio da Comissão Criança e Constituinte de 1986 a qual culminou nos direitos garantidos pelo ECA Criar grupos de discussão em que cada grupo seja responsável por defender um dos direitos elencados no Estatuto justificando qual a relevância e o impacto daqueles direitos na vida dos jovens brasileiros Os direitos se remetem à vida à saúde à alimentação à educação ao esporte ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária Recursos Usar o próprio ECA fazendo a leitura em conjunto com as pessoas participantes em um primeiro momento depois a distribuição dos direi tos por grupos Além de computador para a pes quisa sobre a relação entre o direito e a realidade brasileira 164 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 PARTE 3 CRIANÇAS ADOLESCENTES E JOVENS COMO PORTADORES CULTURAIS DOS DIREITOS HUMANOS Como vimos crianças adolescentes e jovens recentemente passaram a ser consideradas sujeitos de direitos em nosso país Contudo ainda existem muitos desafios na implementação de leis que garantam tais direitos bem como políticas públicas que os efetivem Nos debruçamos neste momento na reflexão sobre como a cultura passa a integrar esses direitos e como podemos trabalhar enquanto educadores e educadoras para efetiválos A cultura é um dos elementos definidores do ser humano por isso podemos dizer que o ser humano é um ser cultural Porém existe uma herança do século XIX ALVES 2009 que aborda a cultura como um conjunto ou acúmulo de cos tumes práticas e hábitos considerados imutáveis de povos ao redor do mundo Essa concepção em geral relaciona a cultura com teorias naturalistas e biológicas desse período Hoje essas perspecti vas são consideradas datadas e ultrapassadas pois assumem a preponderância da natureza sobre a cultura e ainda cristalizam a própria noção de cultura como se fosse imutável CUCHE 2002 No século XX principalmente a partir de pesquisas antropológicas a noção de cultura foi sendo reformulada e ganhou concepções supe rando visões evolutivas e até mesmo preconcei tuosas Já no século XXI a crítica à essa visão da cultura enquanto um conceito estático ganha força e novas teorias nos permitem repensar e reconstruir suas concepções Para aprofundar Para conhecer um pouco mais sobre cultura e diferenças culturais sugerimos a você assistir o seguinte vídeo ADICHIE Chimamanda O Perigo da História Única Vídeo da palestra da escritora nigeriana no evento Tecnology Entertainment and Design TED Global 2009 Você pode acessar este vídeo neste link httpwwwtedcomtalkschimamandaadichiethe dangerofasinglestorylangua gept O que é importante considerarmos é que as culturas são uma parte imprescindível das rela ções humanas e portanto produzidas construí das e reconstruídas elaboradas e pensadas em contextos sóciohistóricos Nos processos históricos de colonização houve também a negação da diversidade e da legitimidade das manifestações culturais não ocidentais chamada etnocentrismo em que uma série de ações discriminatórias e de extermínio a diversas populações se manifestou ao redor do mundo Esse processo por sua vez gerou novos debates e práticas que buscam identificar seres humanos como portadores de culturas sendo a cultura um direito humano que deve ser garan tido a todos os seres Para pensarmos a cultura enquanto um direito podemos destacar portanto a Declaração dos Direitos Humanos surgida no pósguerra em 1948 como podemos observar em seu artigo 27 Art 27 1 Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam 2 Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica literária ou artís tica da sua autoria ONU apud UNI CEF 1948 Isso é importante neste ponto da discussão porque com objetivo de proporcionar outro olhar sobre as relações humanas e combater confli tos políticos e sociais a Declaração dos Direitos Humanos permitiu elaborar uma série de tratados e instrumentos para a garantia de direitos de crianças adolescentes jovens adultos e idosos ao redor do mundo Porém assim como a noção de cultura foi influenciada pelas teorias e ideias naturalistas a concepção de direitos humanos sofreu tais influên cias Com base na ideia da construção do Estado Moderno os Direitos Humanos foram vinculados a teorias jusnaturalistas e reduzidos ao caráter imutável da perspectiva da lei num viés positi vista desconsiderando que tais direitos também são construções das ações humanas de relações 165 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 subjetivas elaborados em conflitos sociais polí ticos econômicos e culturais ESCRIVÃO FILHO e SOUZA JUNIOR 2016 Nesse sentido fica a pergunta como as crianças adolescentes e jovens considerados sujeitos de direitos passaram a ser contemplados pelos Direitos Humanos Para aprofundar Para ampliar o debate histórico sobre a construção dos Direitos Humanos recomendamos ler o livro de Fábio Konder Comparato intitulado A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos São Paulo Saraiva 2018 Para entender melhor a lógica das crianças e adolescen tes como portadores de direitos e a violação de Direitos Humanos recomendamos ver o filme Os Miseráveis 2020 1 hora e 42 min Drama França Direção Ladj Li Legenda Cartaz para divulgação do filme Os miserá veis indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2020 Fonte O trailer do filme pode ser acessado no link httpsfilmowcomlesmiserablest275808trailers Crédito Autoria desconhecida Analisamos anteriormente a construção da categoria da criança adolescente e jovem enquanto sujeitos de direitos A seguir veremos como esses marcadores possibilitam a vinculação destes grupos com a construção e manutenção da dignidade humana Sendo a cultura parte da construção e reconhecimento dessa dignidade podemos analisar brevemente dois pontos 1 O acesso de crianças adolescentes e jovens por tadores de cultura aos direitos humanos e 2 o direito da criança e do jovem à cultura O ACESSO DAS CRIANÇAS ADOLESCENTES E JOVENS AOS DIREITOS HUMANOS Atualmente as crianças e jovens são enten didos como seres portadores e produtores de cultura porém como vimos no início desta uni dade a ideia que predominou por alguns séculos foi que a de que infância era apenas uma fase préadulta sendo as crianças seres incompletos Se a cidadania no processo de socializa ção das crianças e jovens não foi considerada por muito tempo a percepção desses grupos enquanto sujeitos culturais também estava fora de cogitação Nesse sentido quando falamos de crianças e jovens enquanto categorias elaboradas socialmente entendemos que são construídas numa perspectiva histórica mas também socio lógica BELLONI 2009 Quando consideramos o pensamento e a vivência das crianças e jovens elaboramos possi bilidades de ampliação da compreensão enquanto seres portadores e produtores de cultura e não apenas sujeitos que internalizam processos e fatos Isto porque as crianças têm um modo ativo de ser e habitar o mundo elas atuam na criação de relações sociais nos processos de aprendizagem e de produção de conhecimento desde muito pequenas BARBOSA 2007 p 1066 Dessa forma quanto mais cedo crianças adolescentes e jovens acessarem e vivenciarem práticas culturais de maneira ativa maior será sua participação enquanto atores e atrizes sociais com capacidade de ações em grupo ao se reconhe cerem enquanto sujeitos culturais e de direito Por isso é necessário partirmos da premissa de que quando falamos de crianças adolescentes e jovens enquanto sujeitos que devem ter acesso e reconhecimento aos Direitos Humanos estamos 166 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 falando de sujeitos portadores e produtores de cultura importantes para a formação social O DIREITO DAS CRIANÇAS ADOLESCENTES E JOVENS À CULTURA A cultura também é produzida e anun ciada sendo material ou imaterial manifestada como cultura de massa popular erudita que se expressa na pluralidade da nossa sociedade Não existe portanto uma cultura mas vivemos em uma sociedade multiculturalista em que diferen tes expressões culturais existem interagem e se articulam Nessa acepção podemos dizer que o direito à cultura não está apenas em ter acesso a algo pronto mas na participação criação e no reconhecimento de práticas elementos e grupos culturais diversos A possibilidade de entender o multiculturalismo nos permite portanto identi ficar a diversidade cultural e respeitála Os saberes os fazeres as vivências as construções de memórias coletivas e individuais são entendidas como elementos culturais impor tantes que devem ser garantidos como direitos humanos em nossas relações cotidianas e pelo Estado na formulação de políticas públicas Esses elementos também são determinantes e essen ciais no desenvolvimento de crianças e jovens e devem ser entendidos como eixos centrais nas relações sociais e pessoais na formação de crian ças e jovens Como vimos a Declaração dos Direitos Humanos inaugurou instrumentos e mecanismos para a garantia e expansão de direitos No caso do direito à cultura no Brasil as crianças e jovens são respaldados ainda pela Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente 1959 pela Constituição Federal 1988 pela Conven ção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente 1989 assim como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente 1990 e pelo Esta tuto da Juventude 2013 os quais afirmam que o direito à cultura se relaciona com o direito à educação sendo a escola portanto uma institui ção fundamental na garantia do acesso à cultura como podemos observar no artigo 58 da ECA que diz No processo educacional respeitarseão os valores culturais artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente garantindose a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura BRASIL 1991 Por fim reforçamos que a cultura ainda não é plenamente identificada enquanto parte de um direito humano CANDAU 2008 Reiteramos que o acesso à cultura como um direito humano é entendido como parte determinante na forma ção do espírito crítico de elaboração de decisão de ampliação da participação política e de valo res democráticos O acesso e garantia culturais são partes importantes do desenvolvimento das crianças e jovens pois promovem a cidadania o diálogo e o respeito à diversidade e contribuem para a superação dos apartheids socioculturais presentes em nossa sociedade POSSIBILIDADES EDUCATIVAS PARA A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA ENTRE CRIANÇAS E JOVENS Como vimos os ambientes educacionais e formativos são espaços privilegiados de pro moção de direitos humanos e em especial da cultura Não apenas por serem comumente as instituições responsáveis pela transmissão de conteúdos programáticos previstos nas leis de educação mas sobretudo pela relevância que assumem no processo de interação social entre seus atores sociais Nesse sentido teceremos considerações sobre possibilidades educativas de promoção da dignidade humana entre crianças e jovens refletindo também sobre os espaços e instituições nos quais as práticas educativas são elaboradas Inicialmente é impossível dissociar a Edu cação em Direitos Humanos de promoção da dignidade humana Nessa lógica não é apenas ter conhecimento da Declaração dos Direitos Humanos mas também de saber como executála em diversos espaços como podemos perceber do excerto abaixo 167 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 educação em direitos humanos não somente proporciona conhecimentos sobre os direitos humanos e os meca nismos para protegêlos mas além disso transmite as aptidões necessá rias para promover defender e aplicar os direitos humanos na vida cotidiana das pessoas A educação em direitos humanos promove as atitudes e com portamentos necessários para que os direitos humanos para todos os mem bros da sociedade sejam respeitados UNESCO 2006 p 1 A base da promoção da dignidade humana precisa estar fundamentada em práticas que visem à ampliação do debate democrático à valorização da diversidade cultural à institucionalização da importância dos direitos humanos à formação de conselhos e que estimulem a elaboração de materiais didáticos Legenda Na imagem acima vemos a Caravana de Educação em Direitos Humanos que ocorreu no Amapá em 2015 Nessa caravana ocorreram debates análises ampliações de políticas públicas e relatos de práticas educativas em Direitos Humanos Fonte httpssearchcreativecommonsorgphotos a38f3dc208b5479b810fd194311d9c6f A partir disso podemos afirmar que os espaços educacionais e formativos se tornam importantes ambientes para a criação de prá ticas que possibilitem a educação em direitos humanos e portanto promovam a dignidade humana A Educação em Direitos Humanos busca portanto estimular que crianças e jovens sejam conscientes de seus direitos e deveres enquanto cidadãos ampliando o debate democrático e a justiça social Desta forma a a educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos humanos em todos os espaços sociais b a escola como espaço privilegiado para a construção e consolidação da cultura de direitos humanos deve asse gurar que os objetivos e as práticas a serem adotados sejam coerentes com os valores e princípios da educação em direitos humanos c a educação em direitos humanos por seu caráter coletivo democrático e participativo deve ocorrer em espaços marcados pelo entendimento mútuo respeito e responsabilidade d a educação em direitos humanos deve estruturarse na diversidade cul tural e ambiental garantindo a cidada nia o acesso ao ensino permanência e conclusão a eqüidade étnicoracial religiosa cultural territorial físico individual geracional de gênero de orientação sexual de opção política de nacionalidade dentre outras e a qualidade da educação e a educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e permear o cur rículo a formação inicial e continuada dos profissionais da educação o pro jeto político pedagógico da escola os materiais didático pedagógicos o modelo de gestão e a avaliação f a prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos humanos assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os diversos atores sociais BRASIL 2006 p 32 Assim o papel de uma escola na promoção da Educação em Direitos Humanos deve iniciar pelo Projeto Político Pedagógico pois sua fina lidade é direcionar as práticas educativas Para executar tais propostas observadas na citação acima é preciso pensar e reelaborar metodolo gias dentro e fora da sala de aula incentivar o trabalho coletivo ampliar o debate sóciohistó 168 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 rico trabalhar de maneira inter e transdisciplinar possibilitar a investigação a empatia o diálogo e a resolução de conflitos criando um espaço de respeito e valorização da diversidade Dessa forma para consolidar tais propostas é preciso que as pessoas que atuam em ambientes educacionais participem de formações a fim de apreender dados e informações sobre a temá tica O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNEDH de 2012 embasa uma série de metodologias programas projetos aulas e prá ticas para a construção da Educação em Direitos Humanos almejando a criação de uma cultura em direitos humanos Esta cultura em direitos humanos de acordo com o PNEDH é entendida como um processo de introjeção de valores e de comportamentos que promovem a dignidade humana respeitando as diferenças sociais e culturais É ainda uma tentativa de elaborar o olhar e a consciência de que todos e todas são sujeitos de direito uma vez que os direitos humanos ainda não são parte da cultura de muitas sociedades É preciso nesse sentido criar uma compreensão intercultural dos ambientes educacionais e formativos como pro põe Boaventura de Sousa Santos 2009 que se abram para reconhecer e proporcionar os direitos humanos no âmbito global e local respeitando as diferenças e diversidades culturais Saiba mais A noção de inteculturalismo diz respeito a romper com imposição de países principalmente ocidentais que não respeitam a diversidade forjados nos ideários dos Direitos Humanos uma vez que estes são vistos como políticas regulatórias Para isso os direitos precisam ser reconhecidos como multiculturais aspirando que sejam universais mas que cada cultura tem dimensões locais diferentes para pensar a dignidade humana Portanto é necessário o princípio da igualdade e da diferença que reconheçam a distinção entre a luta por igualdade e a luta por reconhecimento das diferenças Nas palavras de Santos 2009 p18 temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza As crianças adolescentes e jovens só foram reconhecidos enquanto sujeitos de direitos após um longo processo sóciohistórico de disputas em torno de suas demandas como vimos ante riormente No entanto seus direitos duramente conquistados ainda são frequentemente violados dificultando o reconhecimento e manutenção de suas dignidades Vale ponderar portanto que para promo vermos e garantirmos a dignidade humana de crianças e jovens fazse necessário compreen dermos quais direitos são esees bem como man termos uma série de práticas educativas em múl tiplos ambientes que impulsionem a Educação em Direitos Humanos na perspectiva proposta pelo PNEDH Prática 5 Respeito à diversidade religiosa como parte da diversidade cultural Objetivo proporcionar que às pessoas participan tes reconheçam a diversidade religiosa como parte das práticas culturais e como as religiões debatem e compreendem temas sociais Sugestão de desenvolvimento pesquisar como as diversas matrizes religiosas entendem e se posi cionam em relação a temas como células tronco eutanásia pesquisa com animais legalização das drogas clonagem e pena de morte Esta atividade permite promover tanto o respeito à diversidade cultural e religiosa quanto fomentar entendimento acerca das relações culturais e sociais Recursos esta atividade pode ser realizada com pesquisa na internet livros e entrevistas com lide ranças religiosas Direcionamento se a atividade for realizada em ambiente escolar pode ser aplicada em discipli nas como Biologia História Sociologia Filosofia Educação Física Geografia Português 169 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Prática 6 Jovens e a cultura popular Objetivo Proporcionar o conhecimento e reco nhecimento de práticas de cultura popular entre crianças e adolescentes em sua localidade Sugestão de desenvolvimento Pode ser realizado uma pesquisa em pequenos grupos de quais são as práticas de cultura popular em sua região Estado ou município se ocorre e como é a participação de crianças e adolescentes É possível realizar uma entrevista com integrantes de grupos culturais Recursos A pesquisa pode ser realizada pela internet Para complementar podese ver o Documentário Fandango dança tradicional no Paraná no link httpswwwyoutubecom watchvGJ80hBI3PAQ Direcionamento se a atividade for realizada em ambiente escolar pode ser aplicada nas discipli nas de História Sociologia Filosofia Educação Física Geografia Português e Línguas Estrangeiras Modernas Prática 7 Realidade brasileira e a efe tividade dos direitos Objetivo Promover a discussão sobre os direitos humanos e assimilar o conceito com a realidade cotidiana dos indivíduos Sugestão de desenvolvimento utilizar a letra da música Mãe do cantor Emicida para discutir as desigualdades brasileiras buscando articular a condição de vida retratada na música com a pos sibilidade de efetivação dos direitos das crianças adolescentes e jovens A ideia é indagar as pessoas participantes sobre qual a realidade descrita na música Qual a relação com os direitos humanos Quais direitos dispostos no ECA estão sendo vio lados É possível criar grupos para os estudantes discutirem entre si sobre as questões e posterior mente apresentar na turma algumas ideias Disso é possível discutir o tema Recursos Utilizar a letra da música Mãe do rapper Emicida Som ou computador para repro dução durante a formação Prática 8 Produção de Fanzine Objetivo ampliar o debate e a compreensão do direito à cultura enquanto direito humano Sugestão de desenvolvimento produzir Fanzines que são colagens feitas com revistas ou jornais podendo utilizar folhas de papel sul fite ou recicláveis trazendo textos e imagens sobre direito à cultura projetos programas e políticas públicas de acesso à cultura de crianças e adolescentes em especial daquelas em situação de vulnerabilidade social A produção pode ser individual ou coletiva Recursos Folhas de caderno sulfite ou recicláveis pesquisa em livros internet revistas podem ser feitas colagens ou impressões Dica para aprender a fazer Fanzines você pode acessar o site Design Culture na sessão Design em matéria publicada por Nataly Rivas em 09 de setembro de 2016 no link httpsdesignculture combrjaouviufalaremfanzine Prática 9 Explorando a diversidade cultural juvenil A dança do Passinho Objetivo refletir sobre a diversidade cultural juvenil através do exemplo da dança do passinho Sugestão de desenvolvimento as juventudes se expressam de diversas formas através da música dança artes plásticas produções audiovisuais e artísticas de maneira geral Nesta atividade estu daremos a expressão cultural juvenil chamada dança do passinho A atividade deve começar com o clipe Todo mundo aperta o play Depois de assistir o vídeo as pessoas participantes devem ser divididas em grupos menores para pesquisar o contexto em que o passinho surgiu as formas com que os grupos se reúnem para dançar as músicas que inspiram as danças bem como as diferenças regionais entre as danças do passinho Após a pes quisa podese fazer uma roda de conversa sobre as aprendizagens alcançadas O clipe Todo mundo aperta o play Está disponível no seguinte link httpswwwyoutubecomwatchvrrtFy5C02P cabchannelBailedoPassinho 170 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 Recursos computadores com internet para pesquisa Materiais de apoio veja a reportagem A História do Passinho e Sua Chegada às Olimpíadas de 2016 disponível em httpsrioonwatchorgbrp21737 Também a reportagem Por dentro do passinho nova febre das favelas do Recife disponível em httpswwwleiajacomcultura20190125por dentrodopassinhonovafebredasfavelasdo recife CONSIDERAÇÕES FINAIS Aprendemos nesta unidade que a infância e a juventude não são apesar de sua caracteri zação ser definida por idade categorias apenas etárias em termos biológicos Elas são também construções sóciohistóricas que surgiram no início do capitalismo e têm se transformado ao longo do tempo No Brasil a infância e a adoles cência foram marcadas por aspectos negativos até o século XX pois as crianças e adolescentes eram considerados seres incompletos e incapazes sempre comparados aos adultos No início do século XX com o crescimento urbano e com o aumento da pobreza e da vulnerabilidade social além desta incapacidade parte das crianças e adolescentes foram relacionados com a margi nalização e tratados social e juridicamente como menores e infratores Como vimos nesta época o Estado tinha como objetivo penalizar e punir estes grupos sociais A categorização de crianças adolescentes e jovens começou a mudar por conta das transfor mações ocorridas em espaços de debate e formu lações internacionais incentivados por entidades como as Nações Unidas baseadas em debates sobre os Direitos Humanos e pela pressão da sociedade civil e dos movimentos sociais que demandavam outra forma de atenção para com as crianças e jovens No Brasil a partir da CF88 e do ECA de 1991 as crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos com direitos integrais Ou seja o Estado passou a considerá los seres que possuíam demandas específicas e que ao mesmo tempo deveriam ter direitos sociais universais garantidos Apesar dos gran des desafios de implementação das normativas desde então as políticas públicas de infância e juventude avançaram em nosso país Por fim compreendemos os ambientes edu cacionais e formativos como espaços privilegiados para lidar com esses desafios Cabe às formadoras e aos formadores compreender as especificidades dos sujeitos com que lidam cotidianamente valo rizar suas expressões culturais bem como buscar incentivar seu desenvolvimento integral com o objetivo de formar cidadãs e cidadãos capazes de interagir com o mundo de maneira autônoma ativa e respeitosa REFERÊNCIAS ABRAMO Helena Wendel Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil In PERALVA Angelina SPOSITO Marilia Orgs Juven tude e contemporaneidade Revista Brasileira de Educação n 5 p 2536 1997 ALMEIDA Silvio Racismo estrutural Coleção femi nismos plurais São Paulo Ed Pólen 2018 ARIÈS Philippe História social da criança e da família 2ª ed Rio de Janeiro Guanabara 1986 BARBOSA Marco Antônio Rodrigues Memória verdade e educação em direitos humanos In SIL VEIRA Rosa Maria Godoy et al Educação em direi tos humanos fundamentos teóricometodológicos João Pessoa Editora Universitária 2007 p 157168 BELLONI Maria Luiza O que é sociologia da infân cia Campinas Autores Associados 2009 BRASIL Presidência da República Casa Civil Consti tuição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília 1988 BRASIL Secretaria Especial dos Direitos Humanos Comitê Nacional de Educação em Direitos Huma nos Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos Brasília 2012 BRASIL Presidência da República Casa Civil Decreto n 17943 de 12 de outubro de 1927 Institui o Código de Menores Brasília 1927 171 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 BRASIL Secretaria Nacional de Juventude Estação juventude conceitos fundamentais ponto de par tida para uma reflexão sobre políticas públicas de juventude Brasília SNJ 2014 BRASIL Presidência da República Casa Civil Lei nº 8069 de 13 de julho de 1991 Institui o Estatuto da Criança e do Adolescente Brasília 1991 BRASIL Presidência da República Casa Civil Lei n 9394 de 1996 Institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasília 1996 BRASIL Presidência da República Casa Civil Lei n º 12852 de 5 agosto de 2013 Institui o Estatuto da Juventude 2013 BRASIL Programa Nacional dos Direitos Humanos Brasília 1996 BUDÓ Marilia Nardin Mídias e discursos de poder A legitimação discursiva do processo de encarcera mento da juventude pobre no Brasil Tese Douto rado em Direito Programa de PósGraduação em Direito Setor de Ciências Jurídicas Universidade Federal do Paraná 2013 CANDAU Vera Maria Ferrão Multiculturalismo diferenças culturais e práticas pedagógicas Petrópolis Rio de Janeiro Editora Vozes 2008 CANTINI Adriana Hartemink A proteção dos direi tos da criança e do adolescente no Brasil Revista Sociais e Humanas v 21 n 2 p 112 2008 CIARALLO Cynthia Rejanne Correa Araujo ALMEIDA Ângela Maria de Oliveira O conflito entre as práticas e leis a adolescência no processo judicial Fractal Revista de Psicologia v 21 n 3 p 613630 set dez 2009 CONJUVE Política Nacional de Juventude diretri zes e perspectivas São Paulo Conselho Nacional de Juventude Fundação Friedrich Ebert 2006 CUCHE Denys O Conceito de Cultura nas Ciências Sociais 2 ed Bauru EDUSC 2002 DAYRELL Juarez A escola faz as juventudes Edu cação Sociedade v 28 n 100 p 11051128 out 2007 Disponível em http wwwscielobrjesa RTJFy53z5LHTJjFSzq5rCPH langptformatpdf Acesso em 11 mar 2021 ELIAS Roberto João Direitos Fundamentais da criança e do adolescente São Paulo Saraiva 2005 ENGELS Friedrich A origem da família da pro priedade privada e do Estado São Paulo Boi tempo 2010 ESCRIVÃO Antônio Sérgio FILHO SOUSA José Geraldo de JUNIOR Para um debate teóricocon ceitual e político sobre os direitos humanos 1 ed Belo Horizonte DPlácido 2016 Coleção Direito e Justiça FUNDAÇÃO ABRINQ Cenário da infância e da ado lescência no Brasil 2019 São Paulo 2019 GONZÁLEZ Rodrigo Stumpf Políticas públicas para a infância no Brasil análise do processo de imple mentação de um novo modelo Pensamento Plural n16 p 2545 2015 Disponível em httpsperiodicos ufpeledubrojs2indexphppensamentoplural articleview54094258 Acesso em 11 mar 2021 IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domi cílios Contínua Educação 2019 IBGE Brasília 2020 Disponível em httpsbibliotecaibgegov brvisualizacaolivrosliv101736infor mativopdf Acesso em 12 mar 2021 IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domi cílios Contínua Trabalho de crianças e adoles centes de 5 a 17 anos de idade 20162019 IBGE Brasília 2020 Disponível em httpsbibliotecaibge govbrvisualizacaolivrosliv101777informativopdf Acesso em 12 mar 2021 IPEA Atlas da violência 2020 Brasília IPEA 2020 Disponível em httpswwwipeagovbratlasvio lenciadownload24atlasdaviolencia2020 Acesso em 13 mar 2021 LONDOÑO Fernando Torres A origem do con ceito menor In PRIORE Mary Del org História da criança no Brasil São Paulo Contexto 1991 p 29145 MPPR CAOP Informa Estatísticas Três crianças ou adolescentes são abusadas sexualmente no Brasil 172 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 08 a cada hora 05 de março de 2020 Disponível em httpcriancampprmpbr202003231ESTATISTI CASTrescriancasouadolescentessaoabusadas sexualmentenoBrasilacadahorahtml Acesso em 18 mar 2021 NERI Marcelo Coord Juventude e trabalho qual foi o impacto da crise na renda dos jovens E nos nemnem Rio de Janeiro FGV Social 2019 Dispo nível em httpscpsfgvbrjuventudetrabalho Acesso em 11 mar 2021 NICODEMOS Alessandra Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua aspectos históricos e conceituais na defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil Revista Brasileira De His tória Amp v 12 n 24 p 170197 2020 Disponível em httpsperiodicosfurgbrrbhcsarticle view11892 Acesso em 19 mar 2021 NOVAES Regina Célia Reyes Prefácio In CASTRO Jorge AQUINO Luseni ANDRADE Carla Orgs Juventude e políticas sociais no Brasil Brasília Ipea 2009 p 1323 ONU Relatório sobre o estudo das Nações Uni das sobre a violência contra crianças ONU 23 ago 2006 Disponível em httpswwwmprsmpbr mediaareasinfanciaarquivosestudopdf Acesso em 20 mar 2021 PEREZ José Roberto Rus Perez PASSONE Eric Fer dinando Políticas sociais de atendimento às crianças e aos adolescentes no Brasil Cad Pesquisa v 40 n 140 p 649673 2010 PINHEIRO Paulo Sérgio Violência contra crianças informe mundial Ciência e saúde coletiva Rio de Janeiro v 11 n supl p 13431350 2006 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS141381232006000500023lngen nrmiso Acesso em 18 mar 2021 PINHEIRO Paulo Sérgio ADORNO Sergio Violência contra a criança e adolescentes violência social e Estado de Direito São Paulo em Perspectiva v 7 n 1 p 106117 janmar 1993 RIZZINI Irene RIZZINI Irma A institucionalização de crianças no Brasil Rio de Janeiro Ed PUCRio São Paulo Loyola 2004 SANTOS Boaventura de Sousa Direitos humanos o desafio Secretaria Especial dos Direitos Humanos Revista Direitos Humanos jun 2009 Acessado em 14 de março de 2021 SILVA Enid Rocha Andrade da ANDRADE Carla Coelho de Política Nacional de Juventude avan ços e dificuldades In CASTRO Jorge AQUINO Luseni ANDRADE Carla Orgs Juventude e polí ticas sociais no Brasil Brasília Ipea 2009 p 4170 UNE Juventude Trabalho e Uberização um Brasil que não nos permite sonhar 25 jan 2021 Disponível em httpswwwuneorgbrnoticiasjuventudetra balhoeuberizacaoumbrasilquenaonospermite sonhar Acesso em 12 mar 2021 UNESCO Programa mundial para educação em Direitos Humanos Genebra ONU 2006 Disponível em httpwwwdhnetorgbrdadostextosedhbr planoacaoprogramamundialedh ptpdf Acesso em 10 mar 2021 UNICEF Declaração Universal dos Direitos Huma nos Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas resolução 217 A III em 10 de dezembro 1948 Disponível em httpswwwunicef orgbrazildeclaracaouniversaldosdireitoshuma nos Acesso em 10 mar 2021 UNICEF Relatório Impactos Primários e Secun dários da COVID19 em Crianças e Adolescentes IBOPE Inteligência 2020 Disponível em https wwwuniceforgbrazilmedia 11331filerelatorio analiseimpactosprimariosesecundariosdaco vid19emcriancaseadoles centespdf Acesso em 12 mar 2021 173 INTRODUÇÃO As temáticas dos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas idosas são de extrema rele vância para a discussão acerca dos direitos humanos os quais têm sentidos abertos e progressivos em relação aos mais diversos grupos sociais que se encontram em situação de desvantagem ou de vulnerabilidade Por meio desse debate objetivase a superação dos preconceitos que em relação às pessoas com deficiência é denominado capaci tismo e em relação às pessoas idosas é denominado idadismo bem como a promoção de uma socie dade inclusiva em que todos sejam considerados sujeitos de direitos de modo pleno Nesse aspecto a educação em direitos huma nos é ferramenta indispensável para que possamos promover diálogos de modo que osas formado resas ou facilitadoresas caminhem juntamente com osas estudantes através dos processos de aprendizagem tendo em vista que ao reconhe cermos vulnerabilidades observamos que certos sujeitos sociais suportam desproporcionalmente situações de fragilidade impondo à sociedade uma proteção específica que justifica a adoção de ações medidas e políticas para sua superação Essas são questões vinculantes e dizem respeito a todas as pessoas e ao interesse social coletivo De maneira mais ampla a proposta de dis cussão sobre os direitos das pessoas com deficiên cia e das pessoas idosas remete à necessidade de fazermos uma revisão sobre as convenções culturais acerca do corpo em nossa sociedade Um corpo que é entendido como dotado de uma estrutura biológica universal individualizado e dividido através do dualismo mente e corpo estrutura herdada principalmente das concep ções filosóficas cartesianas do século XVII Neste sentido o nosso esforço será o de promover uma orientação pedagógica que entenda o corpo numa totalidade que não se reduza ao aspecto biológico mas o compreenda em interação nos diferentes contextos partindo da diversidade sociocultural por meio da qual a deficiência eou a velhice são consideradas enquanto marcadores sociais da diferença A partir de tais marcadores é possível veri ficar as diferentes interfaces e situações em que tais sujeitos têm seus direitos violados muitas vezes com a sobreposição de formas de opressão e discriminação para que se possa viabilizar e garantir que os direitos das pessoas com defi ciência e das pessoas idosas sejam respeitados enquanto direitos fundamentais para a promoção da dignidade humana Unidade 09 Direitos Humanos Pessoas Idosas e com Deficiência Dandara dos Santos Damas Ribeiro Eber Santos da Silva Leonardo Carbonieri Campoy 174 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 PARTE 1 PARA UM COMEÇO DE CONVERSA NADA SOBRE NÓS SEM NÓS Um importante lema tem feito parte do repertório daqueles que atuam na causa dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil e ao redor do mundo tratase do NADA SOBRE NÓS SEM NÓS Conforme o especialista em assuntos relativos às pessoas com deficiência Romeu Kazumi Sassaki 2007 essa expressão foi alçada pela primeira vez por ativistas sulafricanos após uma série de eventos dentre eles quando o governo da África do Sul convenientemente proclamou o Ano Internacional das Pessoas Defi cientes em 1986 após pressão interna Na oca sião o líder Friday Mavuso fez uma leitura em uma importante conferência nacional destacando as injustiças da dupla discriminação do apartheid e das deficiências A experiência desses ativistas na África do Sul não pode ser vista fora do contexto político do apartheid regime de segregação racial que perdurou no país de aproximadamente 1948 a 1994 e que devido à intensa violência deixou um grande contingente de pessoas com seque las e lesões Por esse motivo projetouse um importante movimento organizado em defesa de direitos das pessoas com deficiência naquele país As ações do movimento estavam intima mente ligadas a reivindicações gerais pelo fim do apartheid e à libertação do seu povo dentre as quais estavam incluídas as pautas específicas da deficiência Trazer a participação efetiva de pessoas com deficiência como sugere o princípio Nada sobre nós sem nós é uma perspectiva que defende que quaisquer questões atos políti cas entre outros sejam feitas por ou contem com a participação das próprias pessoas nesta condição Sobretudo esse lema reivindica que se leve em consideração a realidade em que tais pessoas vivem bem como os temas que elas pró prias consideram relevantes suas experiências contexto social e subjetividades Com a intenção de trazer a participação efetiva dos próprios sujeitos destacamos para o leitor ou leitora que uma das vozes narrativas desta Unidade isto é um de seus autores é a de uma pessoa com deficiência que neste momento traz o relato de uma experiência pessoal em for mato autoetnográfico ou seja uma descrição com o foco na interação que o autor tem com as pessoas e que leva em conta dimensões sociais e culturais Essa descrição nos permitirá aprofundar alguns pontos sobre a relação entre deficiência e direitos humanos através de uma vivência con creta conforme relato que segue Em meados de 2018 ao ingressar na turma de mestrado enquanto cir culava por corredores e ambientes da universidade fui convidado por um grupo de estudantes de graduação a participar da fundação de um coletivo que foi batizado como Hawking em homenagem ao grande físico britânico que morreu naquele ano Minhas preocupações naquele momento em relação à militância se limitavam à falta de acessibilidade na universidade No prédio em que eu estudava existia apenas um banheiro acessível e mesmo assim era usado por muitas outras pes soas Alguns dos meus colegas de cole tivo que incluía autistas cadeirantes e cegos tinham reclamações semelhantes falta de recursos e espaços inacessíveis A ideia de um coletivo para pessoas com deficiência que colocava suas pautas específicas foi uma novidade entre os estudantes Desde a minha época de gra duação eram comuns pautas relativas a questões de gênero classe raça etc e pela primeira vez vi o curso de Ciên cias Sociais promover um debate com membros do coletivo sobre as demandas políticas de pessoas com deficiência Ao longo de muitas reuniões do Coletivo fomos nos deparando com situações gra ves desrespeitosas e desumanizantes que ocorriam nas universidades Um exemplo foi o que ocorreu no início de 2018 quando a mídia local circulou que embora a Universidade tivesse imple mentado a política de cotas para pes soas com deficiência ela não contratou 175 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 intérpretes de libras para alunos surdos o que ocasionou desistências e tomada de medidas judiciais Na mesma época o curso de música tentou inviabilizar as cotas para pessoas surdas ou cegas alegando que não teriam recursos para atender ou formação para lidar com essa situação Esse fato chegou a ser discu tido no Conselho Universitário gerando manifestações do Coletivo na reunião O que mais me chamava a atenção em minha experiência no Coletivo era que para quase todos os colegas a principal reclamação era falta de empatia dificul dades de socialização hostilidades entre colegas e os professores Não raramente comentavam situações de exclusão ou falas de teor preconceituoso negação de direitos como o caso de alguns pro fessores que chegaram a dizer que algu mas exigências de acessibilidade ou de recursos especiais seriam na verdade privilégios Para meus colegas essas situações eram gatilhos geradores de sintomas de ansiedade e depressão para alguns resultou em tentativas de suicídio situa ções invisibilizadas mas visualmente marcadas em cicatrizes Adaptado de SILVA 2021 p127 O relato apresentado revela uma tensão aparente pois mensagens contraditórias estão expostas Se por um lado conceitos como inclu são e acessibilidade passaram a ser reconheci dos por um grande público como uma responsa bilidade social de outro a efetivação de práticas que levem à concretização dessa realidade ainda não se faz inteiramente presente A política de cotas para pessoas com deficiência permitiu que minimamente algumas pessoas ingressassem no ensino superior ou conquistassem postos de trabalho em empresas privadas ou órgãos púbi cos no entanto a reivindicação de adequações apropriadas ou de auxílios específicos podem ser taxadas por alguns como um privilégio Por trás de entendimentos como esse estão os fortes valores de independência e igualdade das sociedades modernas por isso esperase das pessoas com deficiência que não obstante todos os obstáculos que se impõem sejam exemplos de superação Tratase da ilusória ideia que diz não importar o ponto de partida pois todos teríamos as mesmas potencialidades de chegar lá de se autorrealizar obter sucesso e encontrando dificuldades bastaria apenas o esforço Conforme se observa na descrição do relato as questões de acessibilidade ou adequa ções embora fossem muito importantes para os grupos de estudantes eram desrespeitadas e vio ladas Além disso conforme o relato o que mais gerava uma inesgotável fonte de ansiedade eram as interações com outras pessoas a hostilidade e a exclusão É preciso compreender que não se trata apenas de ofensas ou ataques diretos sobre a condição de uma pessoa mas de agressões implícitas em falas e atitudes que constituem um tipo específico de violência às quais as pessoas com deficiência estão sujeitas ao que denomina mos de capacitismo aproximandose assim das experiências do racismo idadismo homofobia misoginia O conceito de capacitismo diz respeito à hie rarquização dos corpos em termos de suas capacida des habilidades comportamentos e aparência que estruturam relações e a sociedade como um todo A ideia desse conceito é que existe um corpo padrão saudável normal que serve de única referência para todas as pessoas Assim podemos entender por exemplo que uma simples atividade escolar na aula de educação física como um jogo de futebol ou assistir a um filme podem gerar sentimentos de exclusão naqueles que não andam ou que não enxergam E isso acontece mesmo que às vezes não haja a intencionalidade já que de fato jogos inclusivos a todas às pessoas são desconhecidos por muitos Ou ainda pensando sobre o ambiente escolar temos o caso de pessoas que evitam con versar e socializar com pessoas com deficiência considerandoas incapazes de comportamentos inadequados ou de má aparência A grande questão que o conceito de capaci tismo provoca para a reflexão é o fato de considerar o outro assim como no racismo ou na homofobia como um estado diminuído de humanidade que marcaria sua inferioridade em relação aos demais 176 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 A esse propósito podemos citar as teo rias pseudocientíficas do século XIX conhecidas como eugenia ou teorias do racismo científico as quais tiveram seu início com o antropólogo francês Francis Galton 18221911 cuja principal formulação considerava que o intercruzamento genético com outras raças produziria uma dege nerescência debilidades fraquezas De acordo com este pensamento portanto recomendava se os casamentos de homens e mulheres entre pessoas do mesmo grupo racialmente brancas sem doenças ou deficiências com o objetivo de garantir uma prole geneticamente saudável As ideias eugenistas se espalharam pelo mundo especialmente nos Estados Unidos e na Alemanha mas também foram executadas em menor escala em outros países como o Brasil Além do evidente racismo que essas ideias carre gam postulavase o confinamento em hospitais e instituições de reabilitação a esterilização e o assassinato de pessoas que se supunham física ou mentalmente doentes incuráveis O Holo causto Shóah nazista no século XX foi o ápice das ideias eugenistas e resultou no assassinato de grupos minoritários dentre eles as pessoas com deficiência sendo um dos eventos mais nefastos da nossa história Por esse motivo a discussão sobre o capa citismo embora fale sobre o preconceito contra pessoas com deficiência aplicase indiretamente a todas as pessoas e grupos que divergem de um ideal normativo As ideias eugenistas que inicial mente tinham como tema central as debilidades doenças e fraquezas posteriormente foram a mola propulsora que justificou a perseguição contra negros judeus e homossexuais Em uma sociedade que se sabe profunda mente ligada à sua capacidade de produção e de consumo as pessoas com deficiência vivem na encruzilhada de serem consideradas como inúteis ou inválidas ou ainda cada vez mais chamadas a serem modelos de inspiração heróis únicas possibilidades de se incluírem nesse sistema enquanto lhes é negado o direito a uma vida comum O principal desafio está em como efetiva mente reconhecer as especificidades das pessoas com deficiência e em considerar suas existências validas a partir de suas próprias possibilidades sem jamais comparálas lembrandose sempre do importante lema Nada sobre nós sem nós Saiba mais O Estado da Alemanha nazista foi o único país que levou ofi cialmente a cabo os assassinatos em massa e sistemáticos de pessoas com deficiência A propaganda nazista falava em vidas indignas que não mereciam ser vividas pois geravam um custo financeiro alto para o Estado Alemão FIGURA THE BURDEN OF DISABILITY O FARDO DA DEFICIÊNCIA Legenda Um homem alto aparentemente branco carrega em seus braços dois homens de um lado um homem aparentemente nãobranco e de outro um homem com chapéu Os dois estão em proporções muito menores em relação ao homem que os carrega Lêse no alto em alemão as seguintes palavras Você está dividindo a carga Uma pessoa com doença hereditária custa em média 50000 marcos até os 60 anos Fonte The burden of disability Poster de 1939 Holocaust Encyclopedia United States Holocaust Memorial Museum Em 1939 através do programa conhecido como Atkon 34 o governo Alemão convencia as famílias a interna rem seus membros principalmente crianças em cen tros de curas Inicialmente o programa começou a assassinar com a eutanásia e depois em câmaras de gás esta experiência era realizada em uma antessala que funcionava como um laboratório para a Solução Final onde se executou milhares de judeus e outros grupos Estimase que foram 400 mil vítimas de esterilização e mais de 260 mil assassinadas só na Alemanha 177 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 Prática 1 O capacitismo na linguagem Objetivo Conforme abordamos o capacitismo é um fenômeno estrutural isso significa que nossa educação valores política e até mesmo a linguagem naturalizam a ideia de que a deficiência seja enten dida como uma falta Nesse sentido o objetivo é estimular a identificação de algumas expressões e a criatividade na substituição por outros termos Sugestão de desenvolvimento Apresentamos algumas expressões capacitistas que estão no linguajar informal e sugerimos que sejam substi tuídas por outras expressões similares conforme exemplos abaixo O exercício pode ser realizado individualmente por escrito e compartilhado em dinâmica de grupo a Claudia deu mancada e estou chateado com ela Seria melhor substituir por Claudia vacilou estou chateado com ela b Pedro sempre dá uma de João sem braço Seria melhor substituir por c Infelizmente o Brasil é ainda um país deficiente no que se refere à garantia de oportunidade para todos Seria melhor substituir por d Alceu se comporta como um verdadeiro doente mental um retardado pois não cumpre o que promete Seria melhor substituir por Materiais utilizados Papel e lápiscaneta Prática 2 Representação e protago nismo de pessoas com deficiência Objetivo É incomum vermos na mídia a represen tatividade de pessoas com deficiência Geralmente as narrativas se concentram unicamente na fórmula da superação da deficiência a caridade de terceiros ou suas dificuldades tendo pouco ou nenhuma relevância o trabalho artísticocientíficopolítico ou o legado de tais pessoas à nossa sociedade Por isso nesta atividade o objetivo é conhecer perso nalidades que tiveram trabalhos de destaque e protagonismo na sociedade buscando entender seu papel político na desconstrução da representação de pessoas com deficiência como subalternizadas Sugestão de desenvolvimento Sugerimos promo ver uma pesquisa acerca de ao menos dois persona gens com deficiência abaixo indicados e dissertar sobre suas influências no mundo das artes política ou científico buscando destacar a importância dos seus trabalhos e como sua vivência aparece ou não em suas obras a Frida Kahlo artista pintora mexicana b Stephen Hawking físico britânico c Anita Malfatti artista pintora brasileira Materiais utilizados Dispositivo com acesso à internet livros ou revistas que contenham as infor mações sobre as personalidades indicadas Prática 3 Capacitismo e sexualidade Objetivo A sexualidade das pessoas com deficiência é um tabu em nossa sociedade sendo o capacitismo um definidor que as coloca ora como assexuadas ora como descontroladas e exacerbadas O objetivo deste exercício é indicar possíveis caminhos para estimular o debate deste tema mostrando sua complexidade Sugestão de desenvolvimento Podese escolher dois filmes de fácil disponibilização na internet para que sejam assistidos e depois discutidos e com parados aspectos como a sexualidade de pessoas com deficiência e os desafios vivenciados pelos personagens família e sociedade mais ampla Abaixo você encontra sugestões de filmes que tra tam dessa temática sob diferentes perspectivas 1 Hoje eu quero voltar sozinho Direção Daniel Ribeiro 2 Carne Trêmula Direção Pedro Almodóvar 3 Yes we fuck Direção Antonio Centeno e Raul de la Morena 4 Série Special Netflix Direção Ryan O Connel 5 Como eu era antes de você Direção Thea Sharrock 6 A teoria de tudo Direção James Marsh Materiais utilizados Computador com acesso à internet televisão 178 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 PARTE 2 AS POTENCIALIDADES DA DEPENDÊNCIA Em sociedades como a nossa organizadas de acordo com os princípios políticos da liberdade da igualdade e da justiça social pode parecer estranho e até mesmo equivocado afirmar que pessoas idosas e com deficiência sofrem com as violências verbais e físicas as quais em conjunto denominamos como capacitismo e idadismo Afi nal se nossas leis são regidas pelos princípios da liberdade e da igualdade se o conceito de justiça social orienta políticas públicas promovidas pelo Estado bem como ações de entidades particu lares as desigualdades e hierarquias sociais de diferentes ordens como as econômicas raciais de gênero e sexualidade pertencimento etário e de deficiência não deveriam existir mais ou estariam em vias de desaparecer certo Infelizmente errado É preciso reconhecer que a igualdade a liberdade e a justiça social são ideais que ainda não são realidades sociais efeti vas Muitas pessoas e instituições têm atuado para fazer com que esses princípios sejam mais reco nhecidos observados e respeitados entre nós mas o fato é que as desigualdades e hierarquias ainda determinam as relações sociais contem porâneas Apesar de termos avançado bastante na promoção dos direitos humanos nas últimas décadas sabemos que ainda temos muito a fazer Como as pesquisas sociais produzidas por cientistas sociais isto é profissionais da socio logia da antropologia da ciência política e da história podem contribuir para que a cidadania e os direitos humanos sejam mais efetivos na realidade social As pesquisas sociais estudam as dimensões coletivas do ser humano essas que geralmente denominamos como sociedade cul tura e relações de poder e desse modo podem indicar os modos pelos quais nossas sociedades produzem e reproduzem desigualdades Aliás eis aqui uma primeira indicação racismo sexismo machismo capacitismo idadismo e todos os ismos que usamos para nomear preconceitos não são somente escolhas conscientes de certas pessoas Ou seja conforme revelam as pesquisas sociais as discriminações são muitas vezes resul tados de ideias valores e práticas que por razões históricas organizam os coletivos humanos É exatamente o modo como as sociedades estão organizadas que os cientistas sociais querem sub linhar quando usam a expressão estrutura social Portanto as estruturas sociais ou seja o modo como as sociedades estão organizadas podem sim gerar desigualdades O entendimento dessas estruturas pode ser um importante aliado para a promoção da cidadania e dos direitos humanos Nas linhas que seguem é justamente um pouco deste conhecimento que oferecemos no que diz respeito às desigualdades sofridas pelas pessoas idosas e com deficiência Este conhecimento começa pela história do corpo moderno Aqui está outra reflexão que precisamos ressaltar de acordo com o que as pesquisas sociais revelam o corpo não é autoe vidente O corpo humano assim como outras formas de vida e a própria natureza incluindo animais plantas solo clima oceanos e até mesmo rochas não se explicam totalmente por fato res físicos biológicos genéticos e evolutivos O modo como são culturalmente concebidos assim como as maneiras pelas quais nós socialmente nos relacionamos com eles também participam das definições do que é um corpo uma planta um território e até mesmo um fenômeno climático Esses modos culturais e maneiras sociais têm história isto é passam por mudanças e rupturas as mais variadas As concepções culturais e sociais acerca do corpo humano passaram por uma verdadeira revolução entre os séculos XV e XVIII na Europa ocidental LE BRETON 2012 Acompanhando as transformações modernizadoras que geralmente estudamos como o renascimento a revolução científica e a reforma protestante a concepção sobre o corpo humano passou por duas mudanças determinantes Primeiramente aquela conota ção como sagrado e intocável historicamente defendida pela igreja católica perdeu legitimidade absoluta passando a ser concebido e manuseado como carne ou seja como matéria biológica que pode ser conhecida pela razão esse instrumento 179 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 do intelecto humano que ganhava força naquela época com o desenvolvimento científico Até então proibidas pela autoridade religiosa as dis secções foram autorizadas em algumas universi dades e tornaramse verdadeiros espetáculos Ao abrilo e estudar seus órgãos e seu fun cionamento entendeuse que o corpo era uma máquina Esse é o segundo item da revolução moderna do corpo Assim como Isaac Newton 16431727 na mesma época concebeu as leis da mecânica da natureza pesquisadores e filósofos do corpo o entenderam como um mecanismo regido por engrenagens interdependentes Mais ainda na esteira de René Descartes 15961650 que separou em sua filosofia razão e matéria espírito e carne o corpo foi concebido como uma máquina certamente plena de vida mas indepen dente de seu proprietário De outro modo o ser humano deixou de ser um corpo para ter um corpo como máquina E como toda máquina entendeu se que ele teria um funcionamento ideal Acabamos de sintetizar o surgimento histó rico do conhecimento científico do corpo humano Entretanto podese afirmar que a ciência é neu tra como se seus conceitos fossem imparciais e unicamente devotados ao discernimento da rea lidade Para as ciências sociais nada mais super ficial do que acreditar na neutralidade científica Isto porque as pesquisas e os conhecimentos científicos estão imbuídos de valores morais e acabam mesmo à revelia de quem os produziu promovendo interesses específicos e estimulando percepções parciais acerca do que estudam Afir mar sua parcialidade não significa sugerir que a ciência é ilusória inútil ou descartável Porém por meio das ciências sociais percebemos que os saberes científicos produzem e reproduzem relações de poder que são determinantes da realidade Desse modo ao acreditar na suposta neutralidade científica correse o grave perigo de não perceber essas relações de poder ou ainda de tomálas como naturais como se a realidade fosse assim determinada por discrepâncias e desigualdades contra as quais não é possível lutar No que diz respeito ao conhecimento cien tífico do corpo humano foi exatamente essa naturalização de relações desiguais de poder que identificamos sobretudo a partir dos séculos XVIII e XIX na constituição da medicina moderna FOUCAULT 1977 Ao adotar aquela concepção de corpo como máquina como ponto de partida a medicina moderna acabou estabelecendo sob o estatuto de realidade objetiva indiscutível um ideal de funcionamento desse corpo Tal ideal seria o corpo saudável aquele que todos deveriam ter ou seja o corpo normal Nas ciências sociais denominamos esse processo como normalização a medicina formulou uma norma para o corpo humano um corpocritério a partir do qual todos os demais corpos seriam classificados Para acompanhar nosso argumento é muito importante considerar que os ideais morais não se sustentam em um só termo mas antes são articulados a partir de dicotomias isto é pares de oposição O sim traz consigo o não o certo vem junto com o errado o bonito implica o feio e assim por diante Portanto ao definir um corpo normal a medicina também delineou seus correla tos anormais FOUCAULT 2010 O hermafrodita o anão o louco o cego o surdo o amputado e toda uma série de figuras corporais que destoavam da norma foi enquadrada como anormal Até mesmo os corpos pretos miscigenados femininos infan tis e idosos foram classificados assim uma vez que se entendia que todos eles por serem dema siadamente irascíveis emocionais prematuros e senis estavam aquém ou além da norma Como os corpos também eram entendidos como resultados de comportamentos muitos tipos de conduta foram alocados em categorias anormais o gay e a lésbica foram etiquetadas e etiquetadas sob a rubrica de homossexua lismo os desocupadosas como propensosas ao alcoolismo as pessoas pobres como sujos as preguiçososas desorganizadosas e quase bestiais já que a sensibilidade burguesa e vito riana da época apontava o interesse em dançar e se reproduzir Na verdade ao considerarmos a vasta lista de anormais não podemos deixar de nos perguntar quem não entrava nela não é mesmo Parece que somente o homem branco sem deficiência europeu heterossexual burguês 180 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 empregado e adulto representava o lado normal dessa dicotomia que se fez tão determinante a partir das últimas décadas do século XVIII Os anormais não eram somente diferentes mas sobretudo errados Eis aí o componente moral dessa classificação Ela não só estabelecia que os anormais eram variações da norma mas principalmente que eram espécies de aberrações da natureza monstros grotescos que impossíveis de serem tratados ou curados deveriam ser criminalizados eou confinados em instituições de reclusão como prisões e manicômios Tratouse portanto de um processo que definimos como patologização transformar as diferenças cor porais etárias e comportamentais em doenças indesejáveis Nesse processo a responsabilização pelo infortúnio de ser quem se é recai exclusiva mente sobre a própria pessoa Ou seja não é a sociedade e seus sistemas de classificação que embora muitas vezes cruéis estão errados mas a pessoa categorizada como anormal É a ela que se atribui o dever de pagar pelos seus assim con siderados erros e infortúnios Saiba mais Entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX muitas pessoas com deficiência tornaramse artistas circenses em países como Inglaterra Estados Unidos e França Algumas foram vendidas ou abando nadas pelas famílias e outras juntaramse aos circos por conta própria De todo modo eram pessoas que tinham muita dificuldade de se inserir nas atividades normais de suas comunidades Assim o circo ofereceu a elas uma oportunidade de vida mas por outro lado às custas da espetacularização de seus corpos A medicina certamente foi uma das prin cipais protagonistas na execução desse sistema classificatório que dividia as pessoas em normais e anormais contudo ela tinha poderosos aliados No espírito positivista que imperava no século XIX em que a ciência se tornou tão importante a ponto de ser tomada como índice de organização social diversos saberes instituições e práticas foram lançados oriundos de diferentes origens para fazer a classificação valer isto é para execu tar a patologização dos anormais e garantir que a anormalidade não se espalhasse pelo tecido social DONZELOT 1986 Já leu ou ouviu a palavra disciplinarização No vocabulário das ciências sociais esta palavra pode ser entendida como uma fórmula a um só tempo intelectual e prática para forçar uma ordem específica em um coletivo social humano Foi exatamente essa força que cresceu no século XIX Saberes instituições práticas e poderes que geraram um efeito de realidade isto é trans formaram seus ideais em verdades sociais Com efeito além da medicina e seus hospitais e hos pícios temos o Estado e suas políticas públicas o sistema judiciário e suas criminalizações legais e policiais as escolas e suas pedagogias as empre sas e suas ações econômicas enfim diferentes esferas cada uma com seus saberes e práticas específicas articuladas em torno do objetivo de em suas palavras promover a ordem e o progresso racionais Já em nossas palavras o objetivo era defender ideais para dizer o mínimo muito restri tas de civilização às custas da discriminação e da exploração de uma imensa parcela da população Por que a história se deu dessa maneira Por que os acontecimentos foram assim Perguntas como essas apesar de muito importantes são difíceis de responder com afirmações diretas e simples A história é complexa e para entendêla é preciso elaborar representações complexas De todo modo sinteticamente além dos motivos já indicados isto é a força da razão científica a sensibilidade burguesa a responsabilização individual podemos sugerir que os ideais de utilidade e de produtividade foram determinan tes para que a história social e cultural do corpo na idade moderna se desenrolasse tal como a narramos Afinal capitalismo é o outro nome da modernidade e assim de uma perspectiva estritamente capitalista as pessoas idosas e com deficiência podem ser consideradas duplamente improdutivas além de supostamente produzirem menos podem ser entendidas como passivas econômicos isto é como pessoas que exigem 181 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 cuidados que diminuem por sua vez a produti vidade de terceiros Nos estudos de ciências sociais que se ocu pam dos contextos das pessoas idosas e com deficiência esse sistema de classificação que surgiu em conjunto com a modernidade é conhe cido como modelo médico DINIZ 2007 Nele como vimos atrelase à velhice e à deficiência a suposição de incapacidade por que a senhora não consegue trabalhar Por que o cadeirante não con segue acessar os equipamentos públicos Por que a criança autista não consegue estudar em uma escola normal Para esses casos e vários outros a resposta de acordo com o modelo médico é sempre porque eles são incapazes É preciso repetir o modelo médico baseiase em uma res ponsabilização individual das pessoas Sua lógica é por serem idosas e com deficiência elas são incapazes de realizar certas atividades que as outras pessoas conseguem fazer Esse modelo médico não acabou Apesar de não ser mais tão dominante de ter perdido espaço em práticas em instituições e em discursos médicos estatais legais pedagógicos e empre sariais sua lógica excludente ainda é plenamente presente em edifícios sem acessibilidade em escolas que recusam matrículas para crianças com deficiências na ausência de intérpretes de libras em vários eventos públicos nas dificuldades que pessoas com deficiências enfrentam para conse guir empregos dentre diversas outras limitações A lógica do modelo médico também se encontra na perspectiva de muitas pessoas que ainda insis tem em abandonar parentes idosos em casas de repouso muitas vezes despreparadas para abri gálos ou ainda que desrespeitam verbalmente e discriminam pessoas com deficiência em situa ções cotidianas como no transporte público por exemplo Basta uma conversa com uma pessoa idosa ou com deficiência para perceber essas e múltiplas outras barreiras com as quais elas se deparam cotidianamente O pouco de espaço que o modelo médico perdeu se deve eminentemente às lutas políticas e intelectuais levantadas pelas pessoas idosas e com deficiência É o que aprendemos ao estu dar o surgimento de um modelo contrário ao modelo médico aquele que denominamos como modelo social de deficiência que também pode ser estendido à condição dos idosos Na década de 1970 na Inglaterra um grupo de intelectuais com deficiência fundou a UPIAS sigla para em português a união dos deficientes físicos contra a segregação FRANÇA 2013 Em linhas gerais os argumentos desse movimento social inverte ram a lógica do modelo médico ao afirmar que não eram as pessoas com deficiência que eram incapazes mas antes a própria sociedade que era incapaz de incluílas Seus membros reco nheciam que as pessoas com deficiência tinham lesões mas sublinhavam que elas não deter minavam impedimentos para uma participação autônoma e independente em espaços e relações sociais Ou seja um cadeirante uma pessoa cega ou surda têm plenas condições de frequentar equipamentos públicos desde que estes estejam habilitados para recebêlos Do mesmo modo crianças autistas têm capacidade de aprender em escolas normais desde que esses espaços e seus profissionais estejam capacitados para abrigálas e ensinálas Portanto os intelectuais vinculados à UPIAS articularam uma perspectiva que em ciências sociais denominamos como dessubs tancializadora isto é que retira o entendimento de incapacidade do corpo das pessoas com defi ciência para identificála nos modelos sociais de classificação Novamente não são as pessoas que são incapazes é a ordem social que é excludente Ao longo das últimas décadas o modelo social se tornou a principal bandeira dos diferen tes movimentos sociais que lutam pela inclusão das pessoas com deficiência Lutas essas que sur tiram efeitos por parte do Estado aprovação de leis e implementação de políticas públicas pelas empresas mais iniciativas de contratação das pessoas idosas e com deficiência e também de reconhecimento delas como consumidores nas escolas o encerramento da educação especial e o esforço para a inclusão na medicina e nas diferentes áreas da saúde uma crescente per cepção das particularidades de cada deficiência e sobretudo o entendimento de que elas não 182 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 são patologias Podese afirmar que algumas mudanças aconteceram até mesmo no imaginário popular apesar de ainda ser recorrente a ideia de que a deficiência incapacita a pessoa já não é mais tão comum nas primeiras décadas do século XXI como era no passado Todas essas mudanças devem ser atribuídas aos esforços das pessoas idosas e com deficiência as quais amparadas pelas perspectivas abertas pelo modelo social exigiram e conquistaram mais inclusão Entretanto sabemos que ainda há muito por se fazer Assim escrevemos esse texto com a esperança de que ele possa servir como uma pequena contribuição para aprofundar as mudan ças que tanto almejamos As pessoas idosas e com deficiência não querem e nem precisam de dó pena ou de qualquer sentimento condescen dente Também não precisam e não querem ser entendidas como exemplos de superação O que elas querem e lutam para conseguir é a garantia de seus direitos e uma sociedade mais inclusiva Portanto quem tem que mudar não são eles mas todos nós Permitanos terminar essa parte com uma sugestão do tipo de mudança que precisamos fazer Fazendo ciência social com pessoas com deficiência e seus cuidadores por muitos anos notamos que a vergonha e o preconceito que dizem sentir resultam da impressão de que são entendidos como desajustados Eles não enxer gam não escutam não caminham e não pensam como os outros Para várias pessoas com quem convivem diariamente eles cometeram a falta moral da dependência Tornaramse um peso para a sociedade consumindo recursos públicos demandando privilégios jurídicos e obrigando outras pessoas a cuidarem deles Contudo a vergonha e o preconceito não colonizam suas vidas completamente Por meio de uma série de estratégias prostéticas corporais emocionais e relacionais eles encontram múltiplas formas de viver plenamente à sua maneira Suas táticas não buscam preencher ou substituir o que lhes falta Eis aí o que nos parece ser uma singu laridade das pessoas com deficiência as artes de vida dessas pessoas se fazem por meio de uma aceitação de suas condições para justamente extrair delas potencialidades Dentre elas que são inúmeras a de reconhecer e valorizar sua dependência Para elas ser dependente é ser um humano De acordo com as pessoas com defi ciência os seres humanos não são dependentes somente na infância e na velhice mas em toda sua existência Para elas dependemos do trabalho do conhecimento do carinho e do cuidado de outras pessoas para que possamos viver bem A condição da deficiência permitiu que percebessem a importância da dependência mas na verdade qualquer um mesmo os que se entendem como normais precisam do cuidado dos outros Neste sentido as pessoas com deficiência elaboram uma espécie de crítica cultural à modernidade sugerindo que os princípios da autonomia e da independência ao menos tal como eles são social mente concebidos atualmente são falaciosos e até mesmo danosos Se queremos ser mais inclusivos podemos tomar as pessoas com deficiência como professo res da dependência Elas ensinam que a inclusão não se realiza somente em cuidar do outro mas encontrase também na habilidade de reconhe cer que precisamos ser cuidados pelo outro Os ensinamentos das pessoas com deficiência se forem aprendidos possibilitam que nos sintamos mais dependentes e que o mundo seja um pouco mais deficiente Saiba mais Apesar de geralmente usarmos a expressão pessoas com deficiência no singular é importante considerar que as deficiências são múltiplas e diferentes entre si Na verdade cada deficiência é uma realidade bem diferente da outra a surdez a cegueira as deficiên cias mentais e de locomoção as doenças raras e assim por diante têm todas suas especificidades Portanto se você tem o interesse de aprofundar seus estudos e entendimentos sobre as pessoas com deficiência comece percebendo quais são as particularidades de cada deficiência conhecimento esse que vai te lançar para as singularidades das deficiências 183 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 Prática 4 Será que somos totalmente normais Objetivo Em nossa sociedade as ideias de norma lidade e deficiência são entendidas como opostas e excludentes ou seja se a pessoa é normal ela não é deficiente e viceversa Contudo na realidade as fronteiras e divisões entre a normalidade e a deficiên cia não são tão nítidas e determinantes como essas ideias fazem parecer O objetivo desta dinâmica é perceber exatamente isso ou seja a porosidade entre as ideias de normalidade e de deficiência Sugestão de desenvolvimento Sentese em círculo com sua turma e comece a dinâmica perguntando para as pessoas se elas se veem como normais A partir das respostas faça novamente a pergunta com uma leve modificação será que somos total mente normais Ou seja pergunte se elas conside ram suas visões audições movimentos corporais e cognição totalmente perfeitos e funcionais Se elas tiverem dúvidas pode ser interessante sugerir alguns testes peça para elas tamparem um olho ou um ouvido e verificar se ainda veem e escutam bem com um só ou ainda sugira a elas caminharem e movimentarem os braços prestando atenção aos movimentos Será que não sentem dores nos pés joelhos mãos e cotovelos Será que as pisadas delas não caem muito para fora ou para dentro Além disso peça para elas testarem suas cognições a atenção delas é boa ou será que são dispersas Será que percebem e reconhecem os detalhes dos lugares em que estão e do que lhes foi falado A partir dessas perguntas é muito provável que todas as pessoas participantes indiquem que percebem algo de diferente nelas mesmos Neste momento da atividade é muito importante enfatizar que essa diferença não significa que elas são deficientes mas por outro lado indica que a ideia de normalidade talvez não seja a ideal para descrever suas condições No fim das contas elas perceberão que tal como o ditado sugere de perto ninguém é normal Com essa conclusão em mãos elabore com a turma a ideia de que a separação total e absoluta entre deficiência e normalidade é muito mais ideal do que real Essa percepção pode ajudar as pessoas ao menos cognitivamente a se aproximar da deficiên cia percebendo que não se trata de uma realidade completamente estranha e distante delas Materiais utilizados sala e cadeiras Prática 5 Como não entender as pes soas com deficiência Objetivo Muitas pessoas podem constranger e oprimir pessoas com deficiência mesmo sem que rer Por nunca ter tido contato com pessoas com deficiência por desconhecimento ou até mesmo por querer ajudar enfim seja lá qual for a razão é fácil acabar constrangendo e oprimindo pessoas com deficiência O objetivo desta atividade é per ceber como esses constrangimentos impensados podem acontecer e assim evitálos Sugestão de desenvolvimento Sugerese começar a atividade acompanhando o relato de Dani Amaral neste vídeo httpswwwyoutubecomwatchvW fJKHFWDwY Dani relata um constrangimento pelo qual passou que caracteriza muito bem as situações em que as pessoas querem ajudar ou prestar seu res peito mas acabam constrangendo Assista o vídeo com sua turma e depois proponha um debate Será que a pessoa que constrangeu Dani Amaral queria realmente constranger Como fazer para não repro duzir situações parecidas como a relatada no vídeo A partir do debate gerado por perguntas como essas e outras que você pode elaborar a turma tem a chance de refletir sobre os modos de relacionamento com pessoas com deficiência Materiais utilizados Dispositivo com acesso à internet e se possível televisão ou algum tipo de aparelho reprodutor de material audiovisual para a transmissão do vídeo Prática 6 As potencialidades da deficiência Objetivo Pessoas com deficiência elaboram for mas de ser e estar no mundo que sugerem novas e inusitadas possibilidades de corpo cognição e movi mento Para percebêlas é preciso acompanhar as próprias pessoas com deficiência Assim o objetivo desta atividade é perceber as potencialidades que as pessoas com deficiência oferecem por meio do acompanhamento de um relato de vida instigante e reflexivo Não se trata de assinalar a força de superação das pessoas com deficiência mas antes de entender como elas articularam corpos lógicas e formas de movimentos estratégias que abrem reflexões para todos mesmo para quem entende que não tem deficiência 184 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 Sugestão de desenvolvimento Sugerese come çar a atividade acompanhando o relato de Aimée Mullins sobre seus 12 pares de pernas https wwwtedcomtalksaimeemullinsmy12pairs oflegslanguageptbrt129801 Depois debater com a turma as impressões e per cepções sobre o vídeo O que acharam da história da protagonista e o que se pode aprender sobre os poderes que ela tem ao ter condições de trocar de pernas O objetivo do debate não é identificar o poder de superação de Aimée mas de perceber como ela justamente por ter o poder de trocar de pernas ganha poderes que as pessoas normalmente não têm Materiais utilizados Computador com acesso à internet e se possível televisão ou algum tipo de aparelho reprodutor de material audiovisual para a transmissão do vídeo PARTE 3 POR UMA SOCIEDADE INCLUSIVA ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E ÀS PESSOAS IDOSAS Neste tópico vamos debater o tema dos direitos humanos e o objetivo de construção de uma sociedade inclusiva para pessoas com deficiência e pessoas idosas É muito valiosa a iniciativa de trabalhar essas duas temáticas no âmbito da educação em direitos humanos pois o conhecimento e a empatia são indispensáveis para a superação dos mecanismos de exclusão vigentes em nossa sociedade A Constituição Federal CF BRASIL 1988 promulgada como resultado do esforço de rede mocratização do país após a ditadura militar é o marco fundamental de abertura à sistemática de proteção dos direitos humanos no Brasil Lembra mos que a Constituição é a lei maior de um país de modo que nenhuma outra norma interna pode contrariála por isso é denominada de Carta ou Lei Magna Esta abertura à incorporação de normas de direitos humanos veio expressa no texto consti tucional art 5º 2º da Constituição Federal possibilitando a ampliação do catálogo de direi tos fundamentais nela elencados a partir das previsões dos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja parte Ainda passouse a prever desde 2004 por meio de uma emenda constitucional que os tratados inter nacionais sobre direitos humanos poderão ser incorporados com status equivalente ao da norma constitucional quando estes forem aprovados por um rito especial pelo Congresso Nacional art 5º 3º da Constituição Federal Assim observamos que além da Consti tuição há outras previsões que podem alcançar o patamar hierárquico equitativo ao da norma constitucional passando a compor o denominado bloco de constitucionalidade Foi assim que ocorreu no Brasil com o primeiro tratado de Direitos Humanos DHs a ser adotado no século XXI a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência CDPD ONU 2006 Essa convenção há muito reivindicada pelo movimento de organização das pessoas com deficiência foi adotada em 2006 durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas ONU realizada em Nova Iorque No Brasil foi ratificada dois anos depois em 2008 tendo passado por essa forma especial de aprovação e incorporação ao ordenamento jurídico interno o que demonstra a força normativa que os direitos das pessoas com deficiência alcançaram no país BRASIL 2008 Após essa aprovação houve a devida promulgação da CDPD em 2009 por meio de decreto presidencial de modo a divulgar o texto integral do pacto representando sua sanção definitiva BRASIL 2009 Tratase afinal do primeiro tratado de Direitos Humanos que alcançou tal hierarquia no Brasil reforçando a urgência de que a sociedade brasileira possa alavancar uma série de políticas públicas nas diversas áreas acessibilidade edu cação inclusiva saúde moradia assistência social transporte cultura etc com a finalidade de garantir a igualdade de oportunidades a essas pes soas Ressaltamos neste contexto que quando falamos de convenções de direitos humanos esta mos tratando do patamar mínimo de direitos reconhecidos enquanto consenso internacional 185 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 cabendo a cada Estado definir e expandir esse arcabouço de garantias Neste novo paradigma internacional esta belecido a deficiência passa a ser classificada como um conceito em evolução não mais a partir de um viés estritamente médico Essa mudança de paradigma que altera a compreensão sobre a defi ciência deve ser refletida em todas as leis internas brasileiras as quais necessariamente têm que observar e respeitar o quanto disposto na CDPD A partir da CDPD a deficiência não é mais entendida como uma característica intrínseca à pessoa um infortúnio de ordem individual que gera limitação e demanda assistência percebida apenas como um impedimento nas funções e nas estruturas do corpo Essa nova compreen são busca superar a concepção reducionista em relação às pessoas com deficiência da qual decorre uma série de sentidos classificatórios inferiorizantes O que chamamos aqui de concepção redu cionista parte da ideia de que apesar dos seres humanos estarem naturalmente sujeitos a períodos de dependência a ideia de dignidade pessoal como aponta Kittay 2011 p 49 ainda é predominante mente vista como relacionada à independência e à capacidade para autonomia A partir deste ponto de vista uma parte dos sujeitos sociais como as pessoas com deficiência e as pessoas idosas é rele gada à margem da noção de sujeitos plenos de direitos visto como incapazes inválidos etc Não se percebe desse modo que todos os seres humanos estabelecem trocas recíprocas entre iguais em um modelo de interação que deveria estar pautado na ética da inclusão e do cuidado Aliás nesse modelo determinista para que se possa identificar os corpos entendidos como aqueles com deficiência estes são comparados com os corpos percebidos como sem deficiência Tratase de uma criação discursiva do século XVIII elaborada a partir de quando se toma a concep ção de deficiência como uma variação do normal da espécie humana de modo que ser diferente é experimentar um corpo fora da norma DINIZ 2007 p 08 Por meio do impulso normativo trazido com o advento da CDPD o conceito de deficiência se transforma profundamente passando a articular em seu contorno a relação entre a pessoa e o meio em que ela vive Ou seja na classificação atual da deficiência a existência de impedimen tos de longo prazo de natureza física mental intelectual ou sensorial é tida como inerente à diversidade humana de modo que a deficiência surge quando estes impedimentos em interação com as diversas barreiras existentes no meio obstruem a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com as demais Assim o foco não é a associação desses impedimentos com a ideia de doença ou de incapa cidade da pessoa individualmente mas a condição de interação dessas pessoas frente às atitudes e ao ambiente social os quais impõem obstáculos à participação de forma plena e efetiva com a consequente dificuldade de inserção social do indivíduo Ou seja a sociedade apresenta defi ciência ao não reconhecer adequadamente essa diversidade de indivíduos moldando um con texto que produz exclusão ao invés de corrigir disparidades Para superar essa exclusão a sociedade e o Estado devem garantir entre outras medidas a plena acessibilidade com a eliminação dos dife rentes tipos de barreiras ainda existentes para que se efetive o tão apregoado direito à igualdade e à não discriminação sob pena de ameaçar a dig nidade e o bemestar dessa parcela da sociedade A implementação da acessibilidade deve ocorrer em suas diversas facetas Vejamos um exemplo a garantia da acessibilidade na comunicação de uma pessoa surda que utiliza a Língua Brasi leira de Sinais Libras com uma pessoa ouvinte dependerá da disponibilidade de um intérprete de Libras para realizar a tradução Sendo garan tida a tradução haverá a inclusão desse sujeito de modo equitativo para o acesso à educação e a uma gama de direitos fundamentais Com base na CDPD foi então instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência LBI Lei nº 131462015 BRASIL 2015 também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência 186 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 destinada a assegurar e a promover em condições de igualdade o exercício dos direitos e das liber dades fundamentais das pessoas com deficiência visando à sua inclusão social e cidadania A LBI define o conceito de barreiras como qualquer entrave obstáculo atitude ou com portamento que limite ou impeça a participação social da pessoa bem como o gozo a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade à liberdade de movimento e de expressão à comu nicação ao acesso à informação à compreen são à circulação com segurança entre outros Para que essas barreiras possam ser superadas são necessárias as respectivas respostas com as adequações às normas de acessibilidade a qual deve ser entendida portanto como princípio e direito fundamental sendo considerada um meio indispensável para o exercício dos demais direitos pela pessoa com deficiência Por outro lado se os projetos de produtos ambientes programas e serviços forem pensados a partir desses parâmetros de acessibilidade de modo que possam ser usados por todas as pes soas garantese já de saída o chamado desenho universal universal design Neste caso não será necessária adaptação ou projeto específico sendo incluídos os eventuais recursos de tecnologia assistiva necessários à pessoa com deficiência Saiba mais Este é o símbolo internacional de acessibilidade Na Lei Brasileira de Inclusão LBI as diversas formas de barreiras são classificadas em barreiras urbanísticas barreiras arquitetônicas barreiras nos transportes barreiras nas comunicações e na informação barreiras atitudinais barreiras tecnológicas Saiba mais Norma Técnica de acessibilidade A NBR 9050 elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT traz a abordagem téc nica sobre o tema da Acessibilidade a edificações mobiliário espaços e equipamentos urbanos Foi publicada pela primeira vez em 1985 e passou por três revisões em 1994 em 2004 e a última em 2015 tendo em vista a necessidade de atualização dos parâmetros para as diversas condições de mobilidade e de percep ção do ambiente Neste contexto a acessibilidade é definida na LBI Lei nº 131462015 como Art 3º Para fins de aplicação desta Lei consideramse I possibilidade e condição de alcance para utilização com segurança e autonomia de espaços mobiliários equipamentos urbanos edificações transportes informação e comunica ção inclusive seus sistemas e tecno logias bem como de outros serviços e instalações abertos ao público de uso público ou privados de uso coletivo tanto na zona urbana como na rural por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida É portanto um pressuposto da maior rele vância para as pessoas com deficiência e também para as pessoas idosas as quais são categorizadas no Brasil como aquelas com mais de 60 anos conforme o Estatuto da Pessoa Idosa inscrito pela Lei nº 107412003 BRASIL 2003 tendo em vista que se enquadram muitas vezes no conceito de pessoa com mobilidade reduzida No aspecto da redução da mobilidade em relação às dimensões arquitetônica e urbanística as pessoas idosas frequentemente se encontram obstruídas em seu direito de ir e vir É só observarmos por exemplo as calçadas que encontramos pelas ruas das cidades e as dificuldades em percorrêlas À exclusão desses sujeitos pela deficiência ou pela idade é adicionado o fato de em muitos casos não se enquadrarem na ideia de sujeito produtivo moldada pela lógica do trabalho 187 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 capitalista além de outros fatores que reforçam a marginalização social como a questão de classe gênero raça sobreposição de vulnerabilidades que pode ser compreendida através do conceito sociológico de interseccionalidade Ademais outros temas aproximam as temá ticas referentes a esses dois sujeitos pessoa com deficiência e pessoa idosa como o direito ao exercício da capacidade civil o direito à prioridade no atendimento à vaga preferencial de estacio namento à gratuidade no transporte municipal à meiaentrada ingresso pela metade do preço ao benefício de prestação continuada da assistência social bem como as questões relacionadas às demandas por cuidado e por atenção específica em saúde entre outras Em muitos casos tanto a pessoa com defi ciência quanto a pessoa idosa podem depender de um cuidador para que possam viver contudo esse cuidado e o cuidador são frequentemente estigma tizados e sobrecarregados Importante reconhecer inclusive e especialmente diante do envelhecimento progressivo da população brasileira que essa função do cuidado precisa ser urgentemente valorizada A sociedade se vê diante de um impasse pois essa tarefa já não é mais predominantemente assumida por membros da família geralmente por mulhe res restrita à esfera domiciliar de um trabalho não remunerado e invisível tendo em vista a inserção no mercado de trabalho das pessoas que antes exerciam esse papel Muitas vezes a falta de condições de cui dado faz com que seja necessário o acolhimento institucional dessas pessoas as quais deveriam ter à disposição uma série de políticas alternativas à inserção em uma instituição de longa permanên cia para idosos antes denominadas asilos por exemplo ou no caso das pessoas com deficiência em residências inclusivas conforme prevê a LBI ou em abrigos os quais já não são adequados com as normativas vigentes de garantia do direito à convivência familiar e comunitária Apontamos também neste aspecto para o dever do Poder Público em conjunto com a família e a sociedade de garantir às pessoas com defi ciência e às pessoas idosas o pleno exercício de todos os seus direitos bem como políticas públi cas voltadas à área do cuidado continuado forta lecendo a valoração positiva dessas práticas como um direito elementar Ora como lembrado por Kittay 2011 a ênfase na independência exalta uma idealização que é afinal uma mera ficção não apenas para pessoas com deficiência ou ainda para as pessoas idosas mas para todos nós A partir desses estereótipos que geram classificações excludentes foram definidos con ceitos que visam denunciar tais parâmetros pre conceituosos Assim como foi cunhado o conceito de capacitismo o conceito de idadismo reflete o preconceito baseado na idade como forma de compreensão discriminatória do processo de envelhecimento prática que ainda se mostra muito presente na sociedade atual Em termos de diplomas normativos inter nacionais é importante atentar que apesar de não haver um tratado específico sobre os direitos dos idosos no Sistema ONU Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos é de suma rele vância o advento no Sistema Regional Interameri cano da Convenção sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos OEA 2015 cujo objetivo fixado em seu artigo 1º é promover proteger e assegurar o reconhecimento e o pleno gozo e exercício em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais do idoso a fim de contribuir para sua plena inclusão integração e participação na sociedade Em seus princípios gerais no artigo 3 da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos dentre outros des tacase a dignidade independência protagonismo e autonomia do idoso Detalhase ainda uma série de direitos específicos a esse segmento social incumbindo aos EstadosPartes a sua observância e implementação No entanto até o primeiro semestre de 2023 o Brasil não havia ratificado essa convenção Por fim podemos perceber que há muito para se avançar na implementação desse patamar mínimo de direitos humanos em relação às pes 188 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 soas com deficiência e às pessoas idosas Neces sário lembrarmos e afirmarmos como sociedade afinal que um objetivo fundamental do Estado Brasileiro conforme asseverado na Constituição Federal é o de promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação É essa superação de preconceitos e de qualquer forma de discriminação que almejamos e reforçamos por meio de ações de educação em direitos humanos como um dos importantes caminhos para a cons trução de uma cultura de acolhimento e respeito Para aprofundar Você pode encontrar mais informações sobre os direitos das pessoas com deficiência no seguinte documento Coleção Paraná Inclusivo Direitos das Pessoas com Deficiência Vol II 2016 Disponível em httpswwwjusticaprgovbrsitesdefaultarqui vosrestritosfilesmigradosFiledivulgacaoColecao paranainclusivovolumeIIwebpdf Também sobre os direitos da pessoa idosa recomen damos que você consulte a Cartilha Conhecendo os direitos da Pessoa Idosa 2ª ed 2021 Disponível em httpwwwcediprgovbrsitescedi arquivosrestritosfilesdocumento202010cartilha direitospessoaidosawebpdf Prática 7 Superação de barreiras uma missão coletiva Objetivo esta atividade procura promover interação dos participantes e diálogo sobre os tipos de barreiras que limitam ou impedem a participação social das pes soas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida bem como o gozo a fruição e o exercício de seus direitos de modo a gerar empatia e estímulo ao reconhecimento do outro e da necessidade de construção de uma sociedade inclusiva a partir da leitura do artigo 2º da Lei de Acessibilidade Lei nº 100982000 acerca dos conceitos de acessibilidade barreiras pessoa com deficiência pessoa com mobi lidade reduzida e desenho universal Sugestão de desenvolvimento Sugerir às pessoas participantes que se dividam em 8 grupos para realização de pesquisa por meio da seleção de imagens sobre os 6 diferentes tipos de barreiras encontradas na sociedade barreiras urbanísticas barreiras arquitetônicas barreiras nos transpor tes barreiras nas comunicações e na informação barreiras atitudinais e barreiras tecnológicas A proposta é que debatam o que a imagem escolhida significa se essa é uma situação cotidiana e de que modo tal barreira pode impedir o exercício de direitos por pessoas com deficiência ou por pessoas com mobilidade reduzida como as pessoas idosas Materiais utilizados Impressão de imagens Prática 8 Vermelho como o céu Objetivo Apreciar de forma crítica o filme italiano Vermelho como o céu Direção Cristiano Bortone classificação 12 anos e debater com a turma a impor tância da inclusão de estudantes com deficiência na educação regular de modo integrado com os demais estudantes Ler o artigo 27 da Lei Brasileira de Inclusão Lei nº 131462015 acerca do direito à educação da pessoa com deficiência enfatizando o dever do Estado de garantir o acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas sensoriais intelectuais e sociais segundo suas características interesses e necessidades de aprendizagem Sugestão de desenvolvimento Acessar o filme Vermelho como o céu Direção Cristiano Bortone1h36min disponível em DVD ou na inter net e em seguida sugerir à turma que se divida em grupos para que possam debater as principais questões que chamaram a atenção na história verí dica narrada tendo em vista as experiências do protagonista Mirco Mencacci renomado editor de som italiano Aprofundar questões especialmente quanto às limitações impostas por meio das práticas pedagógicas e do ensino segregado das crianças com deficiência visual na década de 1970 na Itália modelo que já não é mais permitido naquele país A partir do tema é possível propor diversos focos de pesquisa acerca da importância do sistema Braille da educação dos estudantes com deficiência visual atualmente no Brasil do acesso desse público ao cinema por meio da audiodescrição entre outros Materiais utilizados Filme Vermelho como o céu legendado disponível em DVD ou na internet 189 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 Prática 9 Acessibilidade um direito de todos Objetivo Utilização do recurso do cartum abaixo como linguagem e estímulo ao pensamento crítico reflexivo acerca do direito à acessibilidade o qual abrange além das pessoas com deficiência as pes soas com mobilidade reduzida idosos gestantes e pessoas obesas e também outras pessoas como as pessoas que caminham com carrinhos de bebê Legenda Na parte de cima da imagem vêse uma mulher obesa um homem idoso um homem com uma mala de rodinhas e uma mulher com um bebê no carrinho os quais não podem continuar a andar pois se deparam com uma escada Na parte debaixo da imagem vêse uma escada rolante por onde estão passando um homem cadeirante uma mulher com um carrinho de mercado um homem idoso e uma mulher com um bebê no carrinho Lêse Pra quem acha que acessibilidade é coisa só de cadei rante e Acessibilidade um direito de todos Fonte FERRAZ Ricardo Visão e Revisão Conceito e Preconceito 3ª edição 2006 Sugestão de desenvolvimento A partir do recurso imagético do cartum apresentado sugerir aos estu dantes que debatam acerca do tema problema tizado indicando se já puderam observar no seu cotidiano formas por meio das quais a sociedade expressa violência negligência e discriminação em relação à pessoa com deficiência e à pessoa idosa Materiais utilizados cartum CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade vimos que os movimentos das pessoas com deficiência vêm construindo suas pautas mobilizados em torno do lema Nada sobre nós sem nós reforçando a necessidade de protagonismo desses sujeitos nas questões que lhes afetam Assim também em relação às pessoas idosas cujas existências muitas vezes não são levadas em consideração mesmo por aqueles que são incumbidos de protegêlos tendo seus direitos violados o que em uma sociedade que se pretende constituída por valores democráticos e inclusivos não é possível tolerar Violência discriminação invisibilidade e exclusão social de pessoas idosas e de pessoas com deficiência apresentamse não só enquanto situações explícitas como também estão embuti das nos próprios conceitos valores e práticas do nosso cotidiano a exemplo da ideia de corpo de normalidade de independência entre outras as quais nos propomos a questionar para desnatura lizálas sob o enfoque das ciências sociais e dos direitos humanos Assim por meio das expressões capacitismo e idadismo refletimos acerca de como a pessoa com deficiência e a pessoa idosa ainda são percebidas a partir de gradações que as definem enquanto um estado diminuído de humanidade Nosso objetivo assim foi trazer à tona em linhas gerais o debate sobre as concepções culturais e sociais embutidas na estruturação do conhecimento científico acerca do corpo humano as quais sedimentaram na constituição da medi cina moderna a ideia de corpo como máquina Esse sistema classificatório dividiu as pessoas em normais e anormais tendo ganhado status de verdade absoluta Por outro lado abordamos como esse modelo médico é também questio nado e tensionado pelo modelo social no bojo da articulação das lutas políticas e intelectuais levantadas por e com pessoas idosas e com defi ciência Assim elaborouse uma perspectiva por meio da qual se entende que não são as pessoas que são naturalmente incapazes mas é a ordem social que é excludente 190 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 Cabe portanto à sociedade tornarse progressivamente inclusiva para que se possa garantir a igualdade material de direitos para os diferentes sujeitos em suas condições específi cas Destacamos neste sentido a importância da acessibilidade como um direito meio para o exercício dos demais direitos sem a qual não há reconhecimento da diversidade das expressões e das diferentes condições dos seres humanos A legislação brasileira e internacional vem dando significativos passos no sentido da promoção de direitos específicos para as pes soas idosas e para as pessoas com deficiência Ressaltamos neste contexto a importância da Lei nº 107412003 o Estatuto da Pessoa Idosa BRASIL 2003 e da Lei nº 131462015 a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência BRASIL 2015 Para além dos contornos legais já positivados cabe ao Estado a implementação dos direitos e à sociedade pautar e zelar por essa efetivação visando à superação de preconceitos e de qualquer forma de discriminação É preciso considerar as existências de pessoas com deficiência e pessoas idosas como válidas e portanto não como seres especiais dignos de pena ou heróis que superam obstáculos numa sociedade que insiste em se fazer inacessí vel Como viemos demonstrando ao longo desta unidade há significações distintas que caracte rizam as pessoas idosas e pessoas com deficiên cia ao longo do tempo por isso precisamos nos atentar às concepções que limitam e frustram os projetos de vida dessas pessoas Entendemos que por isso é tão importante suas participações efetivas para que decidam sempre que possível sobre os assuntos concernentes às suas vidas como devem ser tratadas nomeadas e conside radas a partir delas mesmas REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS NBR 9050 Acessibilidade a edificações mobiliá rio espaços e equipamentos urbanos Rio de Janeiro 2015 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 10 ago 2021 BRASIL Lei nº 10741 de 1º de outubro de 2003 Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03leis2003l10741htm Acesso em 10 ago 2021 BRASIL Lei nº 14423 de 22 de julho de 2022 Altera a Lei nº 10741 de 1º de outubro de 2003 para substi tuir em toda a Lei as expressões idoso e idosos pelas expressões pessoa idosa e pessoas idosas respectivamente Acesso em 18 mai 2023 BRASIL Decreto Legislativo nº 186 de 2008 Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facul tativo assinados em Nova Iorque em 30 de março de 2007 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03congressodlgdlg1862008htm Acesso em 10 ago 2021 BRASIL Decreto nº 6949 de 25 de agosto de 2009 Promulga a Convenção Internacional sobre os Direi tos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo assinados em Nova York em 30 de março de 2007 Disponível em httpwwwplanaltogov brccivil03ato200720102009decretod6949 htm Acesso em 10 ago 2021 BRASIL Lei nº 13146 de 6 de julho de 2015 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Estatuto da Pessoa com Deficiência Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2015 20182015leil13146htm Acesso em 10 ago 2021 DINIZ Débora O que é deficiência São Paulo Bra siliense 2007 DONZELOT Jacques A polícia das famílias Rio de Janeiro Graal 1986 FERRAZ Ricardo Visão e Revisão Conceito e Pre conceito 3ª edição 2006 FOUCAULT Michel O nascimento da clínica Rio de Janeiro Forense Universitária 1977 191 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 09 FOUCAULT Michel Os anormais curso no Còllege de France 19741975 São Paulo Martins Fontes 2010 FRANÇA Tiago Henrique Modelo social de deficiên cia uma ferramenta sociológica para a emancipação social Lutas Sociais São Paulo v 17 n 31 p 5973 juldez 2013 KITTAY Eva Feder The Ethics of Care Dependence and Disability Ratio Juris v 24 n 1 p 4958 mar 2011 LE BRETON David Antropologia do corpo e da modernidade Petrópolis Editora Vozes 2012 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Assembleia Geral das Nações Unidas 6 de dezem bro de 2006 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS Con venção Interamericana sobre a Proteção dos Direi tos Humanos dos Idosos Assembleia Geral da OEA 15 de junho de 2015 PARANÁ Secretaria da Família e Desenvolvimento Social Direitos das Pessoas com Deficiência Cole ção Paraná Inclusivo Vol II 2016 PARANÁ Secretaria da Família Justiça e Trabalho Conselho Estadual dos Direitos do Idoso Conhe cendo os direitos das pessoas idosas 2ª ed 2021 SASSAKI Romeu Kazumi Nada sobre nós sem nós Da integração à inclusão Parte 1 Revista Nacional de Reabilitação ano X n 57 p 816 julago 2007 SILVA Eber Santos da Todo mundo tem problema deficiência diversidade e cuidado na comunidade quilombola de João Surá Dissertação Mestrado em Antropologia e Arqueologia Programa de Pósgra duação em Antropologia e Arqueologia Universi dade Federal do Paraná Curitiba 2021 VERMELHO COMO O CÉU Direção Cristiano Bor tone Produção de Cristiano Bortone e Daniele Maz zocca Itália Califórnia Filmes 2007 PARTE IV Direitos Humanos e Diversidade 193 INTRODUÇÃO1 A definição da questão étnicoracial é ampla e complexa pois abarca não apenas os grupos raciais ainda que consideremos o conceito de raça como um construto social WIEVIORKA 2007 ou seja apenas como noção e não como objeto A noção conforme Kabengele Munanga 2021 serve como ferramenta e categoria de análise Do ponto de vista étnico também a considera mos como uma noção ligada às questões cultu rais e identitárias Neste sentido esta Unidade abordará alguns aspectos das relações étnicas e raciais com foco na população negra e acerca de como o racismo afeta a realidade desse grupo populacional Como destacava Abdias do Nascimento a população negra luta fortemente há mais de cinco séculos isto é desde os primórdios da for mação do Brasil em favor dos direitos humanos Todavia o segmento negro é nas palavras do autor o povo cujos direitos humanos foram mais 1 Este texto está baseado no artigo A População Negra e o Ensino Superior no Brasil algumas considerações de autoria de Maria Nilza Silva e reproduz em partes seu conteúdo e reflexões publicadas na revista Universidades MontevideoUruguai año LXXII Nueva época n87 p 91111 eneromarzo 2021 Disponível em udualorg principalwpcontentuploads202103Universidades87pdf Acesso em dez 2021 brutalmente agredidos ao longo da história do país o povo que durante séculos não mereceu nem o reconhecimento de sua própria condição humana NASCIMENTO apud PIOVESAN 2006 p 53 Por esta razão na década de 1980 Abdias do Nascimento no exercício de seu mandato como Deputado Federal pelo Partido Democrático Tra balhista PDT 19831987 elaborou o projeto de Lei nº 13321983 que versava sobre medidas compensatórias com vistas à implementação do princípio da isonomia social do negro em relação aos demais segmentos étnicos da população bra sileira BRASIL 1983 delineando pioneiramente na agenda pública o que se tornaria pauta central das lutas dos movimentos negros as Políticas de Ações Afirmativas Porém para que a luta contra as desigual dades raciais e o racismo seja efetiva é urgente compreender a raiz do problema que influencia todos os aspectos sociais Por essa razão preci samos descortinar a situação da população negra brasileira calcada numa história de opressão de exclusão e de violência nos mais diferentes aspec tos Embora represente a maioria ou seja 554 do total da sociedade brasileira PNADC 2020 a população negra ainda necessita lutar para tornar sua realidade visível pois há muito tempo que o Unidade 10 Direitos Humanos e a Questão ÉtnicoRacial1 Maria Nilza da Silva Mariana Panta 194 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 racismo baseado na cor da pele segrega e impõe as piores condições sociais para esse contingente populacional FERNANDES 1955 FERNANDES 1978 HASENBALG 2005 MUNANGA 2008 As desigualdades raciais se mostram tam bém presentes em todos os níveis educacionais elas são no entanto acentuadas a partir do Ensino Médio e sobretudo no Ensino Superior Por assim ser apoiandonos nas contribuições de Carlos Hasenbalg 2005 principalmente na obra Discri minação e Desigualdades Raciais no Brasil enfo caremos nesta Unidade a desigualdade racial e o impacto do racismo em diferentes dimensões da vida da população negra notadamente no acesso ao ensino superior por ser esta uma dimensão muito expressiva de diversas situações relacio nadas às violações de direitos humanos ao longo do curso social de pessoas negras Iniciamos assim com uma breve exposição sobre o racismo científico ou a pseudociência que influenciou todos os aspectos da vida social abordando o racismo como elemento fundante da sociedade brasileira Em seguida passamos a tratar sobre alguns aspectos referentes à desuma nização do negro e as violências desencadeadas por esse processo que fazem com que o racismo e a discriminação racial sejam naturalizados Essa é uma realidade que contribui amplamente para a preservação e aprofundamento das desigual dades e das opressões causadas pelo racismo Na Parte 2 desta Unidade por meio dos tópicos A população brasileira e a realidade negra A edu cação definindo o lugar social e O trabalho e o rendimento apresentamos alguns indicadores sociais que mostram essa condição de desvanta gens da população negra em relação aos demais grupos sociais Abordamos na terceira e última parte desta Unidade alguns aspectos referentes às comunida des tradicionais e quilombolas analisando como o racismo vigente no Brasil impacta profundamente as pessoas de pele negra principalmente por designarlhes um lugar social o da margem e das franjas da sociedade realidade que atinge cruel mente esses grupos mais discriminados Porém em reação destacamos também que é nesse con texto de desigualdades que o Movimento Negro tem representado um importante papel na luta para garantir a inclusão social da população negra de forma mais efetiva especialmente através das Ações Afirmativas tema de nosso último tópico que nas duas últimas décadas têm sido um poderoso contributo para a diminuição das desigualdades e do racismo estrutural SANTOS 2013 PACHECO 2019 SILVA 2019 Apesar da importância dessas políticas constatase constantemente o recrudescimento do racismo manifestado em especial no aumento da violência contra as mulheres e a juventude negra WAISELFISZ 2012 2016 CERQUEIRA e BUENO 2020 Junto a isso percebese que para que as Ações Afirmativas sejam de fato efetivas é necessário que haja vigilância constante capaz de garantir sua aplicabilidade à população negra Outro desafio a ser ainda superado reside na per manência das pessoas negras no ensino superior Diante desse quadro é de grande relevância pensarmos o debate das relações étnicoraciais na ambiência dos direitos humanos especialmente no que se refere ao direito à igualdade de oportu nidades e à não discriminação depreciativa Como analisa Boaventura de Sousa Santos é necessário refletir sobre a concepção multicultural dos Direi tos Humanos buscando identificar as condições em que tais direitos podem contribuir para conso lidação de uma política emancipatória Para esse pensador tal reflexão se inscreve no imperativo de que temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos des caracteriza Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza alimente ou reproduza as desi gualdades SANTOS 2003 p 56 PARTE 1 RACISMO ELEMENTO FUNDANTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA Para compreender as desigualdades raciais contemporâneas que encontram no acesso ao ensino superior é um dos principais expoentes 195 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 práticos é necessário revisitar a trajetória da população negra reprimida pela ideia da inferio ridade racial negra elaborada por parâmetros da pseudociência isto é sustentadas por um conjunto de teorias e afirmações aparentemente científicas porém elaboradas a partir de falsas premissas e ausentes de métodos criteriosos Este chamado racismo científico teve seu auge no século XIX com repercussão até a metade do século XX mas sua influência ultrapassou esse século repercutindo ainda hoje em todos os seto res da sociedade como na economia na saúde na cultura na educação etc Apoiandose nessas ideias as elites domi nantes passaram a difundir como necessárias a eugenia e a higienização da população e dos territórios habitados pelas pessoas negras Tal difusão foi responsável pela desigualdade estrutural da sociedade brasileira sustentada na ideia de superioridade das pessoas autocon sideradas brancas e de inferioridade dos negros indígenas e mestiços SILVA 2006 Convém evi denciar que no Brasil muitas pessoas se auto declaram brancas e são vistas pela sociedade dessa forma contudo em outros países esses mesmos indivíduos podem ser considerados nãobrancos A autoclassificação e a percepção da sociedade brasileira podem ter parâmetros diferenciados na determinação da corraça dos indivíduos e dos valores ligados a esse tipo de classificação em relação a outras sociedades NOGUEIRA 1998 MUNANGA 2008 O pensamento do médico fluminense João Batista de Lacerda 18461915 diretor do Museu Nacional entre os anos 1895 e 1915 é um exemplo das ideias eugenistas que circulavam no Brasil ao final do século XIX Ele acreditava que para eliminar a presença negra do Brasil e apagar seus vestígios seriam necessários alguns séculos Lacerda sustentava essa ideia citando como exemplo os árabes na Península Ibérica cuja influência persistiu mesmo após sua retirada da região LACERDA 2012 p 100101 Saiba mais No Brasil entre o final do século XIX até meados do século XX foi amplamente defendido o projeto de embranquecimento da população do país a partir da entrada massiva de imigrantes europeus e do extermínio da população negra através da mestiçagem MUNANGA 2008 A tela A Redenção de Cam de Modesto Brocos 1895 foi apresentada por João Batista de Lacerda no I Congresso Universal das Raças ocorrido em Londres em 1911 para sustentar a sua tese de branqueamento da população brasileira em três gerações LOTIERZO e SCHWARCZ 2013 Na tela à esquerda a avó negra ao centro a mãe mestiça à direita o pai branco e ao centro o neto bebê fenotipicamente branco retrato do branqueamento progressivo de uma família através da miscigenação Legenda Quadro de Modesto Brocos y Gómez intitu lado A redenção de Cam 1895 Rio de Janeiro Museu Nacional de Belas Artes Fonte Imagem disponível em eduspcombrmaisate laaredencaodecameatesedobranqueamentono brasil Acesso em 12 de dezembro de 2021 No intuito de confirmar esse pensamento Lacerda publicou um diagrama elaborado pelo antropólogo Roquete Pinto que previa o processo de embranquecimento e portanto o desapareci mento completo do negro da população brasileira até o ano de 2012 LACERDA 1911 como você pode conferir abaixo 196 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Legenda Diagrama da configuração racial da popula ção brasileira sob a perspectiva da ideologia do bran queamento Os dados de 1872 a 1890 foram organizados por RoquettePinto e utilizados por João Batista de Lacerda para reforçar a tese defendida no Primeiro Congresso Universal das Raças ocorrido em Londres em 1911 sobre o branqueamento do Brasil no decorrer de um século Fonte Lacerda 1912 p 101 Disponível em https obrasrarasmuseunacionalufrjbro00230023pdf Acesso em 12 de dezembro de 2021 Como se vê durante o século XIX e até metade do século XX a elite dominante ten tou com todas as forças eliminar do cenário nacional o negro considerado a raiz de todos os males da nação A ideia de embranquecer o Brasil era correntemente defendida no exte rior sobretudo nos países europeus e nos Estados Unidos SCHWARCZ 1994 STEPAN 2005 MUNANGA 2008 e essa manifestação do racismo contra os antigos escravizados impac tou todos os aspectos da vida individual e social da sociedade brasileira Sobre isso em estu dos promovidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO no início dos anos de 1950 no Bra sil o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes 1955 assim se expressou De um lado ela a cor permitia distin guir os indivíduos por meio de carac teres exteriores de acordo com sua posição na estrutura social De outro funcionava como um núcleo de con densação e de ativação de uma série de forças sociais que mantinham a unidade e a estabilidade da ordem vigente Pensamos assim que não foi por acaso que a cor foi selecionada cul tural e socialmente como marca racial Passou a indicar mais do que uma diferença física ou uma desigualdade social a supremacia das raças brancas a inferioridade das raças negras e o direito natural dos membros daquelas de violarem o seu próprio código ético para explorar outros seres humanos FERNANDES 1955 p 71 A partir dessa análise é possível compreen der que as desigualdades raciais estão funda mentadas na importância que a cor tem para a sociedade O fato de alguém possuir a cor de pele preta ou parda impõelhe dificuldades por toda a vida Em tal concepção está a base do racismo e a inexistência de políticas públicas para a inclusão das pessoas negras no processo de formação da nação brasileira BASTIDE e FERNANDES 1955 HASENBALG 2005 MUNANGA 2008 Desde que se cogitou a extinção do indivíduo de pele negra considerado símbolo do atraso da sociedade a inacessibilidade da população negra aos direitos básicos fez parte da política nacional brasileira 197 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Saiba mais Diante das consequências da Segunda Guerra Mundial com o genocídio baseado na ideia de superioridade da raça ariana foram muitos os pesquisadores que olha ram o Brasil como um modelo de democracia racial e convivência harmônica entre negros e brancos A ideia de cordialidade existente entre os diferentes grupos raciais era quase uma unanimidade Foi nesse contexto que influenciada por Arthur Ramos antropólogo e médico brasileiro a UNESCO promoveu estudos raciais a fim de que o Brasil pudesse se tornar o modelo para o mundo Mas os estudos empreendidos em diferentes regiões do Brasil diagnosticaram desigualdades violências segrega ção entre outros problemas Esses estudos mormente as pesquisas realizadas por Florestan Fernandes Roger Bastide Oracy Nogueira Thales de Azevedo e Costa Pinto representam um marco para o conhecimento da realidade da população negra brasileira Você pode conferir esses debates em MAIO Marcos Chor O Projeto Unesco e a agenda das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50 Revista Brasileira de Ciências Sociais 14 41 p 141158 1999 Disponível em doiorg101590S0102 69091999000300009 Acesso em 14 de dezembro de 2020 Para aprofundar Você aprofundar seus estudos sobre as questões abor dadas nesse tópico nas seguintes obras No livro Raça Pura uma história da eugenia no Brasil e no mundo São Paulo Contexto 2007 a competente historiadora Pietra Diwan explora a elaboração da ideia de eugenia suas formas de operação e seus adeptos ao longo da história e as ideias de João Batista de Lacerda podem ser verificadas em O Congresso Universal das Raças reunido em Londres 1911 apreciação e comentários Rio de Janeiro Museus Nacional 2012 disponível para con sulta em obrasrarasmuseunacionalufrjbro00230023pdf Uma explicação do processo de construção do racismo pode ser encontrada no blog de Iba Mendes em A origem pseudocientífica do racismo 2010 disponível em ibamendescom201010origempseudocientificadora cismohtml e Lilia Moritz Schwarcz em O Espetáculo das Raças cientistas instituições e questão racial no Brasil 18701930 São Paulo Companhia das Letras 1993 esmiuça as correlações entre as ideias do liberalismo político e racismo científico no final do século XIX no Brasil reconstruindo a mentalidade sociopolítica da época Também Kabengele Munanga traz contribuição funda mental sobre a questão da mestiçagem e do ideal de branqueamento da população na obra Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil identidade nacional versus identidade negra Belo Horizonte Autêntica 2008 Prática 1 Mapeando resquícios e efei tos da ideologia do branqueamento Objetivo Produzir textos sobre a ideologia do branqueamento explorando o projeto de nação sustentado por teorias consideradas científicas entre o final do século XIX até meados do século XX bem como os impactos dessa corrente de pen samento na atualidade Desenvolvimento Proponha ao grupo em forma ção analisar o diagrama da configuração racial da população brasileira apresentado por João Batista de Lacerda no livro O Congresso Universal das Raças reunido em Londres 1911 apreciação e comentários e suas projeções bem como a tela A redenção de Cam de Modesto Brocos 1895 ambos presentes acima e produzir um texto que localize os objetivos da ideologia do branqueamento e discuta se esta vertente de pensamento embora abandonada como projeto oficial de nação após a Segunda Guerra Mundial continua a permear imaginário social e as interações sociais cotidianas na atualidade Materiais necessários diagrama e tela apresen tados neste tópico Prática 2 Debate sobre embranquecimento Objetivo Identificar o modo como o branquea mento ou embranquecimento persiste na conjuntura atual manifestandose de diferentes formas Desenvolvimento A partir do compartilhamento de alguns textos elaborados na atividade acima proponha um debate coletivo sobre como ideologia do branqueamento pode ainda estar permeando as relações de poder e as interações sociais cotidianas influenciando os padrões estéticos pautados em referenciais europeus e os processos de construção identitária de crianças mulheres e homens negros bem como a configuração das cidades brasileiras e os espaços de visibilidade e prestígio social Materiais necessários para estimular a discussão além dos textos produzidos pelo grupo você pode trazer o artigo Foto inédita de Machado de Assis reaquece polêmica sobre embranquecimento do autor de Bolivar Torres no jornal O Globo dispo nível em httpswwwgeledesorgbrfotoinedi tademachadodeassisreaquecepolemicasobre embranquecimentodoautor 198 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 A HUMANIDADE QUESTIONADA A existência do racismo entranhado na sociedade brasileira explica muitos males e opres sões sofridos pela população negra Inúmeros estudiosos alguns aqui mencionados mostraram em suas pesquisas a origem o desenvolvimento e as consequências do racismo Contudo além de considerar o racismo com base nos estudos das relações raciais das desigualdades da discrimina ção e dos aprendizados póscoloniais como os do historiador francês Nicolas Bancel 2010 é neces sário estudar também o fenômeno da animaliza ção desumanização das pessoas negras como comportamento social enraizado e cotidiano Isto porque são recorrentes as manifestações de violência expressas em apelidos xingamentos e estereótipos vistas normalmente por quem assim age como brincadeiras apenas sem perceber que está ferindo geralmente de forma profunda a pessoa alvo dessas manifestações Saiba mais Até metade do século XX especialmente em alguns países da Europa existiram zoológicos humanos um dos retratos mais marcantes dos longínquos processos de desumaniza ção do negro no mundo Nesses locais homens mulheres e crianças negras eram expostos como animais prática desumanizadora que apresenta acentuada repercussão na atualidade Ainda hoje uma das expressões do racismo é a zoomorfiação do negro traduzida em ofensas por meio das quais a pessoa negra é igualada a animal irracional e desvalorizada como ser humano Para ampliar seu conhe cimento sobre esse tema assista o vídeo Zoológicos Humanos conheça os zoológicos da Europa do canal Diário de Biologia História disponível em youtubecom watchvs5TZJzAt6vk acesso em 12 de dezembro de 2021 Você pode conferir também o documentário do historiador Pascal Blanchard intitulado Sauvages Au Coeur des Zoos Humains Selvagens no coração dos zoológicos humanos que trata sobre a construção social econômica e cultural do racismo Este documentário está disponível em youtubecomwatchvpysovxQbfW8 acesso em 12 de dezembro de 2021 Embora seu áudio seja em francês você pode acompanhar as legendas em português Durante o período escravocrata até 13 de maio de 1888 os escravizados eram considerados peças destituídas de humanidade a qual hoje é reivindicada na luta contra a desumanização e a inferiorização de toda população negra decor rentes do racismo expresso nas diversas formas de violência O racismo está presente em todas as instituições privadas ou públicas e impacta a vida da população negra no campo social incluindo os lugares e lócus sociais Não falamos portanto apenas dos lugares físicos nas franjas das cida des onde a maioria dos negros vive em espaços segregados que se estão no interior das grandes cidades são cortiços grotões de pobreza em que a mobilidade urbana é extremamente prejudicada não apenas pelas condições do transporte urbano mas também pelas imensas distâncias SILVA 2006 SILVA e PANTA 2014 PANTA 2018 Esses locais configuram uma tentativa de esconder a população negra e a pobreza e em contrapartida aumentam os enclaves fortificados segundo Teresa Pires do Rio Caldeira 2000 numa confi guração de autossegregação da classe média e da elite na tentativa de se diferenciar de se separar de se distingui da pobreza e da negritude Para aprofundar Você pode aprofundar seus estudos sobre esse pro cesso de desumanização das pessoas negras ao longo da história e sobre sua persistência e seus efeitos na atualidade com as leituras a seguir O livro Racismo Estrutural São Paulo Editora Jandaíra 2020 do filósofo e jurista Silvio Almeida é obra indispensável para entender este conceito e suas operacionalidades em nossa sociedade O sociólogo Sérgio Adorno explica os efeitos da questão racial no acesso diferencial entre brancos e negros à justiça no artigo Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo publicado na Revista Novos Estudos CEBRAP n 43 p 4563 1995 Essa pauta é também explorada no famoso e premiado livro da escritora norteamericana Michelle Alexander intitulado A nova segregação racismo e encarceramento em massa que foi publi cado no Brasil pela editora Boitempo São Paulo 2018 199 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Nele a autora analisa o sistema prisional dos EUA for necendo uma exposição elucidativa de como racismo estrutural institucionalizado atua nas sociedades oci dentais contemporâneas Diretamente relacionado a isso Achille Mbembe na obra Necropolítica 3 ed São Paulo n1 edições 2018 explica este conceito e mapeia os alvos deste mecanismo submetendo populações vulneráveis às condições existenciais de mortosvivos Por fim outra obra fundamental é o clássico livro Pele Negra Máscaras Brancas Salvador Edufba 2008 do psiquiatra e filósofo Franz Fanon Nessa obra o autor oriundo da colônia francesa da Martinica expõe a engenharia pela qual as sociedades colonialistas juntamente ao processo de exploração e desigualdades econômicas e sociais estabeleceram a interiorização de uma inferioridade associada à cor da pele As manifestações do racismo são natura lizadas e aceitas pelas instituições sociais como regra e não exceção Sobre isso o advogado e filósofo Silvio Almeida explica O racismo é uma decorrência da pró pria estrutura social ou seja do modo normal com que se constituem as relações políticas econômicas jurídi cas e até familiares não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional O racismo é estrutural Comportamentos individuais e pro cessos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é a regra e não a exceção O racismo é parte de um processo social que ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição ALMEIDA 2018 p 3839 A naturalização do racismo e das suas manifestações é um obstáculo à superação das desigualdades Na sociedade brasileira muitos não acreditam na existência de pro blemas decorrentes da cor da pele ou da raça como construção social Assim a superação da dificuldade social passa a ser desafiadora sem o reconhecimento dessa realidade e sem a consciência racial Os estudos baseados nos indicadores sociais podem contribuir para o conhecimento dessa realidade social pois qualquer aspecto social a ser analisado no Brasil por meio de dados e estatísticas demonstra as desigual dades estruturais existentes Por isso é impor tante analisar alguns desses indicadores tais como educação renda condições de moradia e violência por exemplo Nesse intuito na próxima seção você conhecerá alguns dados mapeados pelo Insti tuto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE notadamente aqueles referentes à realidade da população negra e à educação superior que aqui destacamos como um filtro das desigualdades e das discriminações vedadas pelas normas e instrumentos legais dos Direitos Humanos Prática 3 Pessoas negras e a humani dade em questão Objetivo Elucidar o modo como historicamente os povos negros de diferentes localidades do mundo tiveram sua humanidade questionada e até mesmo negada buscando refletir sobre os pos síveis efeitos dessas vertentes de pensamento e ações atualmente Desenvolvimento reproduza em sala o vídeo Zoológicos Humanos Conheça os zoológicos da Europa do canal Diário de Biologia História disponível em youtubecomwatchvs5TZJzA t6vk eou o documentário do historiador Pascal Blanchard Sauvages Au Coeur des Zoos Humains sobre a construção social econômica e cultural do racismo disponível em youtubecomwat chvpysovxQbfW8 habilitando as legendas em português para facilitar a compreensão Depois convide o grupo a elencar de modo escrito os principais aspectos observados no vídeo e as possíveis relações com o atual contexto social Materiais necessários tela de reprodução e computador com acesso à internet papel e caneta lousa para sistematização de ideias e resultados 200 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Prática 4 Debate sobre populações negras e desumanização na atualidade Objetivo Discutir o modo como as teorias de hie rarquização racial e negação da humanidade de povos negros em diversas localidades no mundo bem como ações concretas baseadas nesse pen samento continuam a impactar a trajetória da população negra ainda hoje traçando correlação com a pauta dos direitos humanos Desenvolvimento Para o intelectual martinicano Frantz Fanon 2008 a desumanização sistemati zada do negro resultante da opressão colonial e do racismo desencadeia inúmeras experiências de violência que persistem na atualidade Após explorar e fazer conhecer alguns fatos históricos que deram sustentação a desumanização do negro Atividade 3 convide o grupo a realizar uma pes quisa na internet ou em outras fontes e canais de informação e selecionar alguns materiais artigos acadêmicos artigos de notícias matérias de jornais e revistas vídeos entre outros que abordem o modo como os processos de desumanização afe tam a população negra hoje A partir do material levantado realize um debate crítico sobre o tema Sugestões de temas para pesquisa racismo estrutural racismo e desumanização juventude negra e exposição à violência população negra e encarceramento em massa Materiais necessários acesso à internet lousa para sistematização de ideias e resultados PARTE 2 A POPULAÇÃO BRASILEIRA E A REALIDADE NEGRA A população brasileira atual supera os 210 milhões de habitantes segundo a Pesquisa Nacio nal de Amostra de Domicílios Contínua PNADC do IBGE 2020 Dois grupos raciais representam 99 do total e estão subdivididos entre o grupo racial negro somatória de pessoas de cor preta e parda com 554 e o grupo racial branco que alcança com 436 Tabela 1 Em relação aos indígenas o grupo foi incluído na categoria Outros automaticamente pela Tabela Interativa da PNADC Os dados dispo níveis do Censo de 2010 indicavam que naquele momento a população indígena representava 047 do total da população brasileira confor mando um total de 896917 indígenas no Brasil sendo que 517383 viviam em terras indígenas PNADC 2020 Tabela 1 POPULAÇÃO BRASILEIRA POR COR RAÇA Variável População Mil pessoas Total Preta Parda Branca Outros 210869 18235 98766 91914 1954 86 468 436 10 Fonte IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral PNADC 2020 A categoria Outros inclui Amarelos Indígenas e Sem Declaração O Brasil é um país de dimensão continental com 8514876 km² de extensão e sua grandeza territorial também pode ser traduzida na riqueza e diversidade cultural de suas populações pre sentes de norte a sul Vale destacar que segundo o sociólogo Carlos Hasenbalg 2005 até o final do século XIX grande parte da população negra permanecia nas regiões norte e nordeste e se ocupava das atividades rurais Com o desenvolvi mento da sociedade capitalista e urbana houve uma mobilidade dos negros das regiões norte e nordeste para o sudeste todavia ainda hoje a população daquelas regiões é composta por maioria negra Segundo esse mesmo pesquisador a partir do final do século XIX as políticas públicas foram concebidas para promover um maior desenvolvi mento das regiões sul e sudeste o que implicou no acolhimento da maioria dos imigrantes europeus e na aplicação dos investimentos governamentais para a promoção dessas regiões Resultou daí uma polarização a segregação geográfica e a concentração de riquezas ainda hoje marcantes Então não é por acaso que os estados das regiões norte e nordeste são os que possuem a maioria de população negra e com o tempo as desigualdades entre as regiões nortenordeste e sulsudeste foram se acentuando Sobre isso 201 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 e como exemplo a PNADC de 2018 apresentou alguns dados referentes ao acesso da população à rede de água e esgoto nas duas grandes regiões No Norte 589 têm acesso à rede de água contra 924 no Sudeste Mesmo o acesso à rede não é garantia de for necimento constante No Nordeste por exemplo 261 da população ligada à rede de água não consegue usála todos os dias No Sul esse percentual é de 19 No Brasil como um todo o índice é de 102 A discrepância também existe quando se trata de coleta de esgoto No Norte só 218 dos domicílios são ligados à rede geral O maior percentual está no Sudeste 886 Em todo o país 663 dos domicílios têm coleta de esgoto Os índices de domicílios com coleta de esgoto tiveram pouca variação entre 2016 e 2018 BARBOSA 2019 np Esses dados demonstram que a segregação da população negra se manifesta também nas desigualdades urbanas em diferentes cidades mas também nas macrorregiões do país A EDUCAÇÃO DEFININDO O LUGAR SOCIAL Um dos elementos que mais impactam as condições de existência e o desenvolvimento econômico e social é o nível educacional da popu lação sendo este portanto um importante indi cador para pensarmos sobre os direitos humanos das populações negras No caso dos negros são inúmeros os estudos que mostram a realidade de sua exclusão do sistema educacional Em um desses estudos Jerry Dávila 2006 indica que um dos aspectos mais significativos nesse processo foi a utilização do sistema educacional para a eliminação da população negra da sociedade bra sileira mediante práticas de eugenia em vista da construção do tipo ideal do homem brasileiro No início do século XX conforme esse historiador a reforma do sistema educacional brasileiro foi um instrumento desse processo posto em prática por seus agentes Esses reformadores estabeleceram uma visão de valor social que privile giava aparência comportamento hábi tos e valores brancos de classe média Eles transformaram o sistema escolar em uma máquina que de modo tanto deliberado fornecendo aos brasileiros pobres e não brancos as ferramentas da brancura quanto inconsciente esta belecendo barreiras ao reificar seus valores estreitos criou uma hierarquia racial no sistema escolar que espelhava sua própria visão de valor social Essa hierarquia foi especialmente estável eficaz e duradoura porque se fundava em valores inquestionáveis da ciência e do mérito DÁVILA 2006 p 32 As consequências da exclusão da eugeniza ção e do processo de higienização não ocorreram apenas por meio da segregação física das pessoas de pele negra ou mestiças dificultandolhes o acesso à educação mas também através da higie nização do currículo A quase ausência de conhe cimento referente aos povos afrodescendentes e indígenas com raras exceções reforça o estigma com que são marcados como consequência do currículo baseado nos princípios coloniais em que predomina o conhecimento europeu e branco considerado como valor universal SILVA 2008 SILVA GOMES e ARAÚJO 2013 Essa premissa impactou a trajetória educa cional da população negra brasileira demarcando nela os mais baixos níveis sobretudo nas áreas rurais como se poder conferir na tabela 2 Tabela 2 EDUCAÇÃO POR COR OU RAÇA E URBANARURAL BRASIL Taxa de analfabetismo 2 2018 Total Urbano Rural Preta ou Parda 91 68 207 Branca 39 31 110 2 Pessoas de 15 anos de idade ou mais Fonte IBGE Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil Estudos e Pesquisas Informativo Demográfico e Socioeconômico n 41 2019 202 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Como se pode observar a taxa total de anal fabetismo das pessoas negras é de 91 ao passo que em relação as pessoas brancas analfabetas somam percentual bem menor 39 Em relação aos percentuais estratificados por zona de moradia o analfabetismo de indivíduos negros a partir dos 15 anos de idade representa em torno do dobro dos brancos tanto na área urbana quanto na rural Esse é o resultado de uma longa exclusão do negro do sistema educacional reforçado posteriormente pela tentativa de higienização e eugenização A vulnerabilidade da população negra é evi dente em todos os aspectos sociais e em todos os níveis educacionais mas o que mais chama a atenção é a situação dos negros no ensino supe rior pois a realidade em que vivem lhes cerceia acentuadamente a possibilidade de ascensão socioeconômica e cultural constituindose óbice ao aproveitamento de oportunidades Segundo explica a doutora em Administração pública Nara Torrecilha Ferreira 2019 quanto maior o nível de escolaridade maior é a desigualdade entre negros e brancos O Gráfico 1 abaixo baseado em dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPEA 2015 mostra que a diferença entre brancos e negros no acesso ao Ensino Superior é de 526 e quanto ao Ensino Médio atinge a marca de 218 Por outro lado praticamente não existem diferenças entre negros e brancos quanto ao acesso ao Ensino Fundamental Veja o gráfico Gráfico 1 Taxa de escolarização líquida segundo corraça e nível de ensino IPEA2015 Fonte Ferreira 2019 p 480 A elaboração dos dados pela autora considera para o ensino superior estudan tes de graduação mestrado e doutorado para o ensino médio estudantes entre o 10 e o 12 ano e para o ensino fundamental estudantes do primeiro ao 9º ano As desigualdades educacionais influenciam no acesso às diferentes ocupações e condições de vida refreando as possibilidades de mobilidade social e melhoria de renda Sintomaticamente a maioria das pessoas negras está presente nas ocupações de baixo rendimento e baixo prestígio social com profundo impacto em sua qualidade de vida como se verá a seguir O TRABALHO E O RENDIMENTO A sobrevivência das pessoas negras ao longo da história do Brasil teve sua sustentação nas atividades informais menos remuneradas e sem prestígio como demonstrou o sociólogo Carlos Hasenbalg 2005 Tendo sido deixadas à própria sorte após a abolição da escravatura as pessoas negras foram muitas vezes lançadas à condição de vadiagem em decorrência tanto da falta de oportunidades quanto da exclusão e marginalização que sofreram como também evidenciou outro importante sociólogo brasi leiro Florestan Fernandes 1978 A mulher negra continuou submetida à opressão semelhante ao que ocorria no período escravocrata exposta a humilhações trabalho não pago abusos sexuais e tantas outras situações que afrontam os princípios dos direitos humanos Explicando esse processo ao analisar a inserção do negro no mercado de trabalho a sociedade de classes no Brasil Flo restan Fernandes 1978 destaca que O acaso regulava o aproveitamento ocupacional do negro e do mulato e nada restringia a enorme mobilidade que os levava a borboletear de serviço em serviço à cata de uma oportuni dade efetiva de melhor remuneração e também de consideração humana Homens e mulheres começavam a tra balhar na mais tenra idade nas bar bearias nos depósitos de lenha nas oficinas e nas casas de família e traba lhavam duramente até o fim da vida mal ganhando para o próprio sustento e alimentação dos filhos Vários infor mantes indicaram que as mães solteiras trabalhavam onde podiam e quando não encontravam serviço tinham de 203 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 recorrer à mendicância e à prostitui ção ocasional Os filhos auxiliavam no orçamento doméstico como podiam nós negrinhos éramos todos chama dos de moleques As famílias gostavam de nos ter para entregas e recados FERNANDES 1978 p 144145 Como destacam as pesquisadoras em edu cação Ludimila Corrêa Bastos e Carmem Lucia Eiterer 2018 o trabalho doméstico nas casas das antigas sinhás permaneceu chegando a ultrapas sar o século XX Ainda hoje é possível encontrar exemplos de empregadas domésticas que con tinuam a exercer o trabalho sem contar com as garantias das quais gozam outras categorias de trabalhadores muitas vezes em condições análo gas à escravidão Assim conforme demonstram os dados da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas FENATRAD 2021 em que pese o fato de que no contexto atual brasileiro parti cularmente após a reforma trabalhista muitos trabalhadores e trabalhadoras tiveram perdas de direitos as dificuldades para as pessoas negras são ainda mais acentuadas Para exemplificar essa realidade trazemos a seguir a Tabela 3 com alguns dados do IBGE publicados em 2019 Tabela 3 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E CONDIÇÕES DE MORADIA BRASIL Pessoas abaixo das linhas de pobreza por cor 2018 Preta ou Parda Branca Inferior a US 550dia 329 154 Inferior a US 190dia 88 36 Fonte IBGE Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil Estudos e Pesquisas Informativo Demográfico e Socioeconômico n 41 2019 Essa tabela mostra que quase 33 das pes soas negras pretas e pardas viviam abaixo da linha da pobreza em 2018 e recebiam um rendi mento inferior a US 550 por dia Nesse mesmo grupo populacional 88 viviam em situação de extrema pobreza com um rendimento inferior a US 190 Comparativamente vale destacar que estes mesmos dois grupos em relação à popu lação branca representavam 154 e 36 res pectivamente isto é menos da metade Portanto tal desigualdade constatada por todos os indicadores sociais não somente impacta as condições de sobrevivência mas também exerce influência nas condições de vida em especial no que se refere à violência contra a juventude negra notadamente do sexo masculino como destaca o Mapa da Violência WAISELFISZ 2012 Os Mapas e Atlas da Violência têm publicado dados assusta dores sobre a violência no Brasil ao longo dos anos mostrando que a população negra é a mais atingida conforme a Tabela 4 Tabela 4 VIOLÊNCIA POR COR OU RAÇA E SEXO BRASIL Taxa de homicídios por 100 jovens 3 2017 Total Homens Mulheres Preta ou Parda 985 1850 101 Branca 340 635 52 Fonte IBGE Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil Estudos e Pesquisas Informativo Demográfico e Socioeconômico n 41 2017 3 Pessoas de 15 a 29 anos de idade Quando olhamos esses dados e falamos de genocídio praticado contra a população negra principalmente das pessoas entre 15 e 29 anos que estão no auge da vida muitos discordam e afirmam que há exagero Constatase entretanto que a violência contra as pessoas negras é natu ralizada perfazendose como uma das faces do racismo estrutural de que nos fala o jurista Silvio Almeida 2018 Assim ao analisarmos os dados referentes à violência e aos homicídios parece nos que de fato ocorre uma tentativa deliberada de extermínio de parte da população brasileira a população negra e por isso o termo genocídio empregado desde a década de 1970 pelo famoso intelectual negro Abdias do Nascimento 1978 é justificado e coerentemente aplicado para falar dessa realidade Entretanto a violência está presente não ape nas nos homicídios mas também de forma simbólica no sistema educacional no mercado de trabalho 204 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 nas dificuldades de acesso ao sistema de saúde e a bens públicos em geral Todos os aspectos da socie dade são eivados da ideia de que a vida negra vale menos ou até mesmo não tem valor Essa realidade é consequência do processo de desumanização da pessoa negra bem explicado pelo psiquiatra Franz Fanon 2008 O sofrimento e os constrangimen tos causados por todos os tipos de violência ficam encerrados no âmbito dos familiares mais próximos e historicamente percebese que a vida negra não tem valor no imaginário social como já denunciava Abdias do Nascimento 1978 Essa é uma das consequências do racismo rati ficado pela ciência que vimos na Parte 1 desta Uni dade Como explica Nicolas Bancel et al 2000 np Esta ciência obcecada pelas diferenças entre os povos e o estabelecimento de hierarquias dava à noção de raça um caráter predominante nos esquemas de explicação da diversidade humana Através dos zoos humanos assistese ao desen volvimento da construção de uma classificação das raças humanas e da elaboração de uma escala unilínea que permite hierarquizálas de cima a baixo na escala evolucionista Segundo o historiador Pascal Blanchard 2018 essa classificação por meio dos zoos humanos existiu até a metade do século XX e suas consequên cias são perceptíveis na atualidade notadamente no processo de desumanização e desvalorização da vida da população negra no qual o acirramento da violência contra esse contingente é um grande indicador Essa realidade é traçada em números pelo jornalista Caê Vasconcelos 2020 np No contexto histórico de 2008 a 2018 628595 pessoas foram assassinadas no país O perfil das vítimas aponta que 918 eram homens e 8 eram mulhe res Entre os homens 771 foram mor tos por arma de fogo enquanto a taxa das mulheres é de 537 O risco de um homem negro ser assassinado é 74 maior e para as mulheres negras a taxa é de 644 Dessa forma o que vemos contrariando os princípios dos direitos humanos é que a indignação contra o homicídio tende a ser menor quando se trata das pessoas negras devido à naturalização do racismo profundamente entranhado nas insti tuições sociais especialmente no sistema judiciário brasileiro Nessa condição e não por acaso como evidencia o sociólogo Ivair Augusto dos Santos 2017 a cada 17 denúncias de racismo apenas uma se torna ação penal no Brasil Resulta daí também que inúmeras manifestações no Brasil e no exterior têm ocorrido contra a violência letal porém ainda não o suficiente para diminuir os homicídios de negros Tanto que em matéria referente à recente publicação do Atlas da Violência a Agência Brasil órgão de publicidade estatal informa que entre 2008 e 2018 houve um aumento de 115 dos casos de homicídios de pessoas negras Porém no mesmo período houve uma diminuição de 129 desse tipo de violência contra as pessoas nãonegras ou seja aquelas que possuem cor de pele branca amarela ou indígena denotando a urgência em fazer chegar e acontecer a pauta dos direitos humanos para populações negras Sobre isso também o jornalista Paulo Ramos destacou alguns dados importantes O diagnóstico produzido pelo Governo Federal apresentado ao Conselho Nacio nal de Juventude CONJUVE mostra vetores importantes desta realidade para além dos socioeconômicos a con dição geracional e a condição racial dos vitimizados Em 2010 morreram no Brasil 49932 pessoas vítimas de homicídio ou seja 262 a cada 10 mil habitantes 706 das vítimas eram negras Em 2010 26854 jovens entre 15 e 29 foram vítimas de homicídio ou seja 535 do total 746 dos jovens assassinados eram negros e 913 das vítimas de homicídio eram do sexo masculino Já as vítimas jovens ente 15 e 29 anos correspondem a 53 do total e a diferença entre jovens bran cos e negros salta de 4807 para 12190 homicídios entre 2000 e 2009 Os dados foram recolhidos do DataSUSMinistério da Saúde e do Mapa da Violência 2011 RAMOS 2012 np Todos esses indicadores órgão de pesquisa e fontes de dados evidenciam portanto a realidade do fato de que a população negra sofre maior vio lência Assim paradoxalmente sob o prisma da zoo morfização explicada por Pascal Blanchard Nicolas 205 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Bancel e Sandrine Lemaire 2000 ainda é presente no imaginário social ideia da força física do negro como sua maior e mais valorizada característica Contudo todos estes dados e diferentes estudos de diversos institutos de pesquisa têm mostrado que a expectativa de vida da população negra é menor quando comparada a do grupo racial branco Para aprofundar Os dados do IBGE desagregados por corraça podem ser con sultados no Informativo Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socioeconômica n41 Desigualdades por Cor ou Raça no Brasil Ele está disponível em biblioteca ibgegovbrvisualizacaolivrosliv101681informativopdf e bibliotecaibgegovbrindexphpbibliote cacatalogoviewdetalhesid2101681 acesso em out 2021 Veja também o Mapa da Violência 2012 que é dedi cado ao estudo da cor das vítimas de homicídios publi cado em 2013 Ele pode ser consultado em flacsoorgbr files202003mapa2012corpdf acesso em out 2021 Ainda o Atlas da Violência 2020 publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas IPEA é uma impor tante fonte de dado que mostra que em 2018 ocorreram 57956 homicídios perfazendo uma taxa média de 275 por 100 mil habitantes e que os negros representaram 757 dessas vítimas com taxa média de 378 Confira em ipeagovbratlasviolenciadownload24atlasdaviolen cia2020 acesso em out 2021 Para conhecer informações sobre a violência contra a população negra em outros países consulte o site decadaafroonuorg acesso out 2021 no qual você pode saber sobre as ações da Organização das Nações Unidas vinculadas ao programa Década Internacional do Afrodescendente implementada na tentativa de combater as desigualdades e as violências oriundas do racismo presentes no mundo Por fim acerca da situação de vulnerabilidade e das condi ções sociais que impactam profundamente a expectativa de vida das pessoas negras resultando em desvanta gens que variam entre 3 e 7 anos de vida a dependendo da região do país em que se encontra você pode saber mais em A expectativa de vida no Brasil por raçacor e Unidade da Federação em 2017 ao nascer organizado pelo Observatório das desigualdades Está disponível em observatoriodesigualdadesfjpmggovbrsexpec tativadevidacorraC3A7a acesso em out 2021 Prática 5 Pesquisa sobre a população negra e os indicadores sociais Objetivo Discutir o modo como o racismo e a dis criminação racial afetam diretamente a vida da população negra produzindo reproduzindo e pre servando desigualdades e iniquidades em diversas esferas da vida social Desenvolvimento Convide o grupo a realizar uma pesquisa sobre dois ou mais indicadores sociais tais como educação trabalho renda saúde habitação entre outros com recorte da variável raçacor Peça para que o grupo exponha as fontes consultadas e os resultados obtidos e discutaos Pode ser neces sário que você auxilie o grupo para consultar os bancos de dados Materiais necessários aparelho com acesso à internet para consulta aos bancos de dados PARTE 3 ATORES AÇÕES E RESISTÊNCIA Até agora você já conheceu os fundamen tos ideológicos as engenharias operacionais e arranjos históricos do racismo bem como o qua dro contemporâneo dos efeitos dessa trajetória histórica evidenciados por números Podese per ceber como o processo de desumanização das pes soas negras produziu no passado seu alijamento das benesses sociais e da proteção do Estado e se mantém até hoje numa dinâmica de negação verbal e prática recorrente do racismo que se pode reconhecer nos indicadores da desigualdade e nos dados da violência e punição seletivas Entretanto não podemos esquecer também da resistência dos povos negros e de sua luta por reconhecimento e equidade que é alicerçada na plataforma dos direitos humanos de seus princípios e valores Vamos estudar um pouquinho sobre isso COMUNIDADES TRADICIONAIS E QUILOMBOLAS Se as desigualdades raciais são extrema mente visíveis ou perceptíveis na área urbana a situação de pobreza discriminação e opressão é ainda mais profunda nas comunidades tradi 206 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 cionais e comunidades quilombolas A carência e a pobreza são as principais características da situação socioeconômica desses grupos popula cionais Seus territórios não são apenas as áreas rurais ocupadas por descendentes de escravizados que permaneceram no campo conforme ressalta as pesquisadoras da área da saúde e nutrição Renata Carvalho dos Santos e Maria Sebastiana Silva 2014 Desde a Constituição Federal de 1988 cresceu o número de comunidades deno minadas quilombos e das pessoas que assumem a identidade quilombola por autoatribuição Sobre isso estas pesquisadoras anotam o seguinte O termo comunidade quilombola remete à ideia de grupos negros em locais isola dos no meio das florestas No entanto além da fuga das fazendas outras situações favoreceram a constituição destes grupos tais como compra de terras por famílias alforriadas recebi mento de terras como pagamento de serviços prestados a senhores ou ao Estado permanência nas terras depois do abandono pelos proprietários acor dos feitos entre escravos e senhores entre outros fatos Almeida 1998 Atual mente os quilombos não se referem necessariamente à ocupação realizada em determinado período histórico ou a comprovação biológica da descendência Leite 2000 mas envolve a participa ção de grupos étnicoraciais segundo o critério de autoatribuição com relações territoriais específicas e com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica Brasil 2003 SEPPIR 2012 Essa nova denomina ção de quilombo representa um avanço na discussão sobre essas comunidades porque admite a diversidade de forma ção destes agrupamentos tanto durante o período de escravidão como após a abolição Brasil 2009 SANTOS SILVA 2014 p 1050 Vale lembrar que existem quilombos nas áreas urbanas Antes até meados do século XX eles estavam localizados em territórios distantes dos centros urbanos mas com a expansão das cidades tornaramse agregados à região central das cidades como é o caso do Quilombo do Bixiga atual Bairro do Bixiga na região central da cidade de São Paulo SILVA 2006 Acerca disso o jornalista Nicollas Witzel reporta que Segundo um levantamento da Fundação Cultural Palmares são 3524 grupos rema nescentes Desses só 154 foram titulados fase final do processo de reconheci mento e proteção de quilombolas no Bra sil Pelos dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas Conaq outros 1700 grupos estão aguardando a conclusão dos estudos antropológicos ou a emissão de laudos técnicos para conquistar um título Segundo os próprios quilombolas todos esses números estão nivelados por baixo WITZEL 2010 np Nos quilombos em meio a uma realidade extremamente complexa quanto ao acesso aos direitos e garantias do cidadão brasileiro destaca se a baixa escolaridade dessa população mais de 50 dos quilombolas não concluíram o ensino fun damental que corresponde ao mínimo nove anos de escolaridade e a maioria não passou além dos anos iniciais SANTOS e SILVA 2014 Tal realidade influencia profundamente o desenvolvimento ocu pacional dos membros da comunidade segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR 2012 756 das famílias quilombo las brasileiras estão situação de extrema pobreza e 78 562 mil são beneficiárias do Programa Bolsa Família SANTOS e SILVA 2014 p 1054 Contudo cabe destacar que as comunidades quilombolas assim como as demais comunidades tradicionais são símbolos de resistência na luta pela vida Seus territórios são exemplares no cuidado e preservação da natureza É nesta perspectiva que apesar de todas as tentativas para diminuir a presença e a influência da população negra na sociedade brasileira percebese que existem resis tências e algumas conquistas do que dá testemu nho o belo livro organizado por Jackson Gomes Júnior Luís Geraldo Silva e Paulo Afonso Bracarense Costa Paraná Negro Fotografia e pesquisa histórica 2008 que expõe as singularidades dessa resis tência no Paraná destacando a presença negra no estado e contribuindo para a desnaturalização da 207 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 ideia de um Paraná europeu A partir do início do século XXI houve uma maior visibilidade da reali dade desse contingente populacional Saiba mais Conforme destaca a nota técnica do IBGE intitulada Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os indíge nas e quilombolas para enfrentamento à Covid19 maio 2020 np territórios quilombolas Nos termos do Decreto n 4887 de 2003 são as terras ocupadas por remanes centes das comunidades dos quilombos e utilizadas para a garantia de sua reprodução física social econômica e cultural De acordo com o artigo 68º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a proprie dade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos O uso comum da terra pelas comunidades é outra característica marcante desses territórios Confira mais em ibgegovbrgeocienciasorganizacaodoterrito riotipologiasdoterritorio27480basedeinformacoesso breospovosindigenasequilombolashtmltsobre Acesso em out 2021 Somente com o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 as comunidades quilombolas tiveram a sua existên cia reconhecida Porém para que o território quilombola seja definitivamente reconhecido com a posse da terra é necessário passar por um processo de reconhecimento por instituições governamentais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA e a Fundação Cultural Palmares Contudo somente 9 das comunidades receberam o título definitivo da terra e nos últimos anos as dificuldades para a titulação das terras aumentaram Confira em cpisporgbrdireitosquilombolasregulari zacaohistoricoregulamentacoes Acesso em out 2021 No âmbito da administração pública do Paraná segundo informa o site da Secretaria de Justiça Família e Trabalho do governo estadual em consonância com o Decreto Federal 60402007 povos e comunidades tradicionais são definidos como grupos culturalmente diferencia dos e que se reconhecem como tais que possuem for mas próprias de organização social que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural social religiosa ancestral e eco nômica utilizando conhecimentos inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição Confira mais em dedihcprgovbrmodulesconteudoconteudophpcon teudo156textDe20acordo20com20o20 DecretoreproduC3A7C3A3o20cultural2C20 social2C20religiosa2C Acesso em out 2021 Para aprofundar Organizado por Jackson Gomes Júnior Luís Geraldo Silva e Paulo Afonso Bracarense Costa o livro Paraná Negro Fotografia e pesquisa histórica Grupo de Trabalho Clóvis Moura Curitiba UFPRPROEC 2008 desvela icono graficamente a negritude no paraná oferecendo con tranarrativa empírica ao imaginário social do Paraná europeu evidenciando a presença e a contribuição negra no estado Você pode consultar em httpwww historiaseedprgovbrarquivosFilesugestaoleitura parananegropdf acesso em out 2020 O artigo de Renata Carvalho dos Santos e Maria Sebastiana Silva intitulado Condições de vida e itinerários terapêuti cos de quilombolas de Goiás publicado na revista Saúde e Sociedade n 23 3 p 10491063 2014 investiga as condições de vida e os itinerários terapêuticos de popu lações quilombolas frente à falta de atenção pública e a marginalização dessa população pobre Você pode consultar em scielobrscielophpscriptsciarttextpi dS010412902014000301049 acesso em out 2020 Prática 6 Pesquisa sobre comunidades quilombolas do Paraná Objetivo Através de textos e imagens conhecer a história e características das comunidades quilom bolas paranaenses Enunciado Convide o grupo a consultar o livro Paraná Negro Fotografia e pesquisa histórica Grupo de Trabalho Clóvis Moura Curitiba UFPR PROEC 2008 Disponível em httpwwwhis toriaseedprgovbrarquivosFilesugestaolei turaparananegropdf organizado por Jackson Gomes Júnior Geraldo Luiz da Silva e Paulo Afonso Bracarense Costa ou projete suas imagens e con teúdo em sala Após percorrer textos e imagens destaque as principais características culturais dos quilombolas do Paraná buscando evidenciar aspec tos históricos religiosidade formas de organização do trabalho o papel das mulheres nas comunida des entre outros aspectos que considerar relevan tes Convide o grupo a localizar geograficamente comunidades quilombolas no estado e a discutir a presença negra e a contribuição negra entre nós Materiais necessários tela de projeção compu tador acesso à internet 208 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 AÇÕES AFIRMATIVAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR POLÍTICAS QUE FAZEM A DIFERENÇA A educação superior no Brasil sempre foi elitista e a presença negra neste nível de ensino se tornou mais significativa somente a partir da implantação das Ações Afirmativas nos primeiros anos deste século com a reserva de vagas para estudantes oriundos de instituições públicas de educação básica e para os negros originários do mesmo tipo de instituição Em algumas institui ções de ensino superior o acesso à vaga reservada se fez conciliando esse critério de origem e raça ao critério de renda SILVA e PACHECO 2007 2013 A primeira iniciativa de reserva de vagas ocorreu no Rio de Janeiro em 2001 pela promulgação da Lei estadual nº 3708 de 09 de novembro de 2001 que instituiu cotas para as suas universidades públicas locais RIO DE JANEIRO 2001 Saiba mais Sobre a iniciativa histórica do Rio de Janeiro em rela ção às cotas raciais a primeira ação nesse sentido foi a aprovação da Lei nº 3524 no ano 2000 que modifi cou os critérios de acesso às vagas em universidades estaduais fluminenses estabelecendo uma reserva de 50 para candidatos provenientes do ensino público Em 2001 pela Lei nº 3708 avançouse na busca da equidade educacional firmando a reserva de 40 das vagas para estudantes autodeclarados negros e par dos Ambas estas leis foram alteradas em 2003 com a promulgação da Lei nº 4151 à qual se somam ainda outras duas legislações a Lei nº 50742007 e a Lei nº 53462008 conformando o quadro normativo que regula a reserva de vagas naquele estado Você pode conferir outras informações em sobre o Programa de Ação Afirmativa no ensino superior em httpswww uerjbrauerjauniversidadesistemadecotas acesso em out 2020 Saiba mais Segundo o antropólogo José Jorge de Carvalho o termo ações afirmativas inspirado nas políticas de inclusão para os negros nos Estados Unidos a partir da década de 1960 passou a ser usado entre nós em geral para qualificar a discussão sobre políticas de inclusão com o argumento de que as cotas são um tipo entre vários de ações afirmativas CARVALHO 2016 p 16 No que se refere à Educação Básica grande parte das instituições públicas de ensino fundamental até o 9º ano e ensino médio do 10 ao 12º ano estão em desvantagem em relação às instituições privadas nos mesmos níveis de escolaridade Essa realidade geralmente se inverte quando se considera o ensino superior Por isso as instituições públicas de ensino superior são mais concorridas o que aumenta por essa razão as dificuldades de acesso das pessoas pobres e negras que em sua maioria frequentam as escolas públicas do ensino fundamental e médio Convém lembrar que pelo Projeto de Lei nº 13321983 o Teatro Experimental do Negro TEN fundado por Abdias do Nascimento na década de 19 solicitou que fossem criadas vagas para a população negra em diferentes institui ções públicas e privadas do país BRASIL 1983 Entretanto a Lei 12711 de 2012 conhecida como Lei de Cotas foi promulgada somente 11 anos após a adoção das ações afirmativas pelas pri meiras universidades cariocas BRASIL 2012 e atinge apenas as instituições de ensino superior federal sendo que as demais são regulamenta das pelos governos estaduais com diferentes características Para ter uma noção da importância dessas legislações no ano 2000 as pessoas negras pretas e pardas que concluíram o ensino supe rior no país somavam apenas 22 da popula ção Somente com a adoção das ações afirma tivas essa realidade em relação ao acesso ao ensino começou a ser alterada de modo que em 2017 esse percentual de pessoas negras formadas passou para 93 Já o percentual relativo à população branca de pessoas com ensino superior no mesmo período era de 22 209 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 segundo dados publicados pela Agência Brasil com base nas estatísticas do IBGE BRITO 2018 Isso todavia não significa que a inclusão tenha chegado ao nível desejado ou que a desejada equidade entre negros e brancos tenha sido alcançada É preciso também destacar acerca das cotas que praticamente todas as instituições de ensino superior do Brasil que adotam algum tipo de política de ação afirmativa para estu dantes negros procedem da mesma forma com o estudante brancos originários das institui ções de educação básica públicas Ou seja as cotas para a população negra são cotas dentro das cotas existem as cotas para os estudantes oriundos de escolas públicas e a partir destas reservase uma percentagem de cotas para os negros que são as denominadas subcotas Por isso a maioria dos beneficiários das políticas de Ações Afirmativas são ainda os estudantes brancos que representam a maior percenta gem dos ingressantes pelo sistema de cotas nas universidades SILVA 2021 Conforme síntese de indicadores do IBGE publicada em 2019 os estudantes brancos representam 361 de seu contingente populacional ao passo em que estudantes negros representam a metade desse montante 183 da população negra em que pese ainda serem a maioria da população nacional MORENO 2019 np Entretanto é preciso que tomemos atenção à uma questão embora os estudan tes brancos sejam os maiores beneficiários das Ações Afirmativas conforme indicam os dados eles não carregam o estigma da cota como os negros pois quando ingressam nas instituições de ensino superior a sua condição de cotista praticamente desaparece visto que no imagi nário social cotistas são considerados apenas os negros PALLISSER SILVA 2019 p 137 Por outro lado estudantes negros que ingressaram no ensino superior mesmo que não tenham se servido do sistema de cotas são genericamente considerados cotistas na comunidade universi tária de modo que o simples fato de pertence rem ao grupo racial negro faz com que sejam taxados pelo estigma social de cotistas Muitas vezes essa situação pode leválos a desenvolver grupos de sociabilidade específicos ou a criar grupos denominados Coletivos Negros para discutir os problemas peculiares ao grupo racial enfrentados durante a trajetória acadêmica SOUZA 2018 As cotas para negros desde o início dos debates foram atacadas e se tornaram objeto de acaloradas discussões tendo rendido inú meros manifestos como o Manifesto Contra as Cotas 2006 e o Manifesto em Favor da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial 2006 A resistência ao acesso da população negra ao ensino superior sempre foi mais evidenciada É como se o espaço acadêmico fosse reservado a determinadas categorias classes sociais e pes soas que se autoidentificam e se consideram de cor branca de modo que a cor da pele interfere na legitimidade do lugar social ocupado pela população Neste contexto existe a ideia de que o que obsta à população negra o acesso ao ensino superior é o processo seletivo o que não deixa de ser comprovável Contudo não é somente isso visto que após superarem as dificuldades para ingressar na universidade nem todos os estudantes em situação de desvantagem social têm igual acesso às políticas de permanência que na maioria das instituições não conse guem atender a toda demanda SILVA 2014 Dessa forma muitas vezes a responsabilidade pelo fracasso acadêmico resultante da evasão e do baixo rendimento no aprendizado é atri buída ao próprio indivíduo desconsiderando as especificidades que permeiam sua trajetória e seu grupo e as desigualdades provocadas pelo racismo PALLISSER SILVA 2019 Junto a isso devese considerar ainda a resistência do sistema educacional e do ensino superior em inserir as epistemologias oriundas de povos que estiveram por muito tempo excluídos do espaço acadêmico SOUZA 2018 210 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 Para aprofundar Acerca das discussões e manifestações a favor e contra as cotas para negros no ensino superior que chegaram a envolver o Supremo Tribunal Federal você pode conferir a íntegra dos manifestos prós e contra cotas em https www1folhauolcombrfolhaeducacaoult305u18773 shtml acesso em dez 2021 Para conhecer os dispositivos da Lei Federal nº 12711 de 29 de agosto de 2012 a chamada Lei de Cotas você pode consultar em httpwwwplanaltogovbrcci vil03ato201120142012leil12711htm acesso em dez 2020 Para conhecer um pouco mais sobre os argumentos em defesa da política de cotas consulte o artigo de Kabengele Munanga intitulado Políticas de ação afir mativa em benefício da população negra no Brasil um ponto de vista em defesa de cotas que foi publicado na revista Sociedade e Cultura v 4 n 2 p 3143 jul dez 2001 Ele está disponível em httpswwwrevistas ufgbrfcsarticleview515464 acesso em dez 2021 E uma análise que traça o percurso e os fundamentos das políticas afirmativas no ensino superior pode ser encon trada no texto de Maria Nilza Silva e Pires Laranjeira intitulado Do Problema da Raça às Políticas de Ação Afirmativa In PACHECO Jairo Queiroz SILVA Maria Nilza da Orgs O Negro na Universidade o direito à inclusão Brasília DF Fundação Palmares Disponível em httpwwwuelbrneabpagesarquivosLivros20 atualizacao20do20siteO20negro20na20 universidade2020o20direito20a20inclusao pdf acesso em dez 2021 Você pode encontrar mais indicações bibliográficas relevantes na lista de referências ao final dessa Unidade Prática 7 Ações Afirmativas e o com bate às desigualdades raciais Objetivo Discutir o papel das Ações Afirmativas no combate às desigualdades raciais Desenvolvimento Leia a matéria de Débora Brito da Agência Brasil Cotas foram revolução silenciosa no Brasil afirma especialista que apresenta dados do IBGE e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP que evidenciam o aumento da população negra no ensino superior A matéria está disponível em httpsagenciabrasilebc combreducacaonoticia201805cotasforamrevolu caosilenciosanobrasilafirmaespecialista acesso em dez 2021 Tendo como base o texto associado ao seu conhecimento sobre o tema discuta com o grupo o papel das Ações Afirmativas no combate às desigualdades raciais seus avanços e desafios Materiais necessários disponibilização da matéria jornalística seja de modo virtual ou impresso CONSIDERAÇÕES FINAIS Como observado ao longo desta Unidade o racismo persiste cada vez mais visível e violento perpassando todas as instituições sociais sem exceção como mostram todos os indicadores sociais em especial aqueles relativos ao recru descimento da pobreza da população brasileira mormente da parcela negra Destacamse os homi cídios contra a juventude negra o que mostra que a vida das pessoas que possuem a cor da pele negra tem seu valor diminuído numa sociedade estruturalmente racista em que as desigualdades raciais permeiam todas as instituições Não podemos deixar de reconhecer as ini ciativas negras para resistir à violência à nãova lorização ao nãoreconhecimento da sua vida e das suas contribuições em todos os aspectos sociais para a formação e consolidação da socie dade brasileira Nessa trajetória de luta desta case a atuação constante do Movimento Negro no Brasil para uma sociedade menos desigual Foi nessa perspectiva que as Ações Afirmativas foram implementadas e hoje são consideradas por alguns especialistas como as políticas mais significativas para a população negra na história do Brasil Pode ser considerado um avanço o processo de inclusão de conteúdos referentes aos afrobra sileiros e africanos no sistema educacional pois os conhecimentos originários dos povos africanos e de seus descendentes sempre foram desvalo rizados e tidos como nãocultura Este caminho ainda em curso teve início com a modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 211 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 mediante a Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 promulgada pelo Governo Lula 2003 2010 Essas conquistas modificaram as condições de existência e de vida de uma pequena parcela da população negra e possibilitaram que um con tingente de estudantes que jamais ousariam sonhar com o ensino superior pudesse vislumbrar essa perspectiva Essa parcela não está isenta de desafios e dificuldades às vezes intransponíveis mas tornouse uma oportunidade que a maioria dos seus antepassados nem sequer imaginaria Todas essas questões tratadas aqui per passando os fundamentos e as construções sociais e intelectuais históricas do racismo seus efeitos que ainda persistem na conformação das condi ções de vida da população negra no Brasil esta belecendo desvantagens e desigualdades em diversas áreas bem como a luta e a resistência das pessoas negras denunciando e buscando instru mentos sociais e políticos que permitam avançar em direção à equidade são temas inescapáveis de uma ação educadora em direitos humanos É preciso dar visibilidade à essas questões trazê las para o cotidiano da vida do trabalho e das relações sociais fazer conhecer o que é o racismo como ele atua e quais seus efeitos tendo em vista os pressupostos jurídicos da Constituição Federal de 1988 e da Declaração Universal dos Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário Dada a profunda proximidade entre as pautas ensinar sobre a questão racial é ensinar sobre direitos humanos REFERÊNCIAS ALMEIDA Silvio Racismo Estrutural São Paulo Editora Jandaíra 2020 BANCEL Nicolas et al Ruptures postcoloniales Paris La Découverte 2010 BANCEL Nicolas BLANCHA RD Pascal LEMAIRE Sandrine Os jardins zoológicos humanos Le Monde Diplomatique Brasil 01 ago 2020 Disponível em diplomatiqueorgbrosjardinszoologicoshuma nos Acesso em 12 out 2020 BARBOSA Bernardo Número de brasileiros que se declaram pretos cresce no país diz IBGE UOL Notí cias 22 mai 2019 Disponível em httpsnoticias uolcombrcotidianoultimasnoticias20190522 ibgeemtodasasregioesmaisbrasileirossede clarampretoshtmcmpidc opiaecola Acesso em 18 nov 2021 BASTIDE Roger FERNANDES Florestan Relações Raciais Entre Negros e Brancos em São Paulo São Paulo Anhembi 1955 BASTOS Ludimila Corrêa EITERER Carmem Lucia Trabalho Doméstico Relações de Gênero e Educa ção de Adultos Trabalho Educação v 27 n 3 p 223243 2018 Disponível em periodicosufmgbr indexphptrabeduarticleview9810 Acesso em 13 dez 2020 BLANCHARD Pascal et al Film Sauvages Au Coeur Des Zoos Humains 2018 Disponível em youtube comwatchv4xxeuQb6XQabchannelMaGi CRKODocuments Acesso em 12 out 2020 BRASIL Câmara dos Deputados Projeto de Lei nº 1332 apresentado em 14 de junho de 1983 Disponível em httpswwwcamaralegbrproposi coesWebfichadetramitacaoidProposicao 190742 Acesso em 10 jan 2022 BRASIL República Federativa do Lei nº 127112012 de 29 de agosto de 2012 Disponível em https legislacaopresidenciagovbratostipoLEInu mero12711ano2012ato5dcUTRq1kMVpWT502 Acesso em 10 jan 2022 BRITO Débora Cotas foram revolução silenciosa no Brasil afirma especialista Agência Brasil 27 mai 2018 Disponível em agenciabrasilebccombr educacaonoticia201805cotasforamrevolucao silenciosanobrasilafirmaespecialista Acesso em 14 dez 2020 CALDEIRA Teresa Cidade de Muros crime segregação e cidadania em São Paulo São Paulo Ed 34 2000 CARVALHO José Jorge de Ensaio Descritivo e Analítico do Mapa das Ações Afirmativas no Brasil Brasília UNB 2016 212 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 CERQUEIRA Daniel BUENO Samira Coords Atlas da violência 2020 Brasília IPEA 2020 Dis ponível em httpswwwipeagovbratlasviolencia download24atlasdaviolencia2020 Acesso em 10 jan 2022 DÁVILA Jerry Diploma de Brancura Política social e racial no Brasil19181945 Tradução Cláudia SantAna Martins São Paulo UNESP 2006 DIWAN Pietra Raça Pura uma história da eugenia no Brasil e no mundo São Paulo Contexto 2007 FENATRAD Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas Matéria da Folha de S Paulo demons tra informalidade e desemprego em massa das trabalhadoras domésticas na pandemia Notí cias Gerais Fenatrad 22 jan 2022 Disponível em httpsfenatradorgbr202201240313 Acesso em 10 jan 2022 FERNANDES Florestan Prefácio à 2ª Edição In BASTIDE Roger FERNANDES Florestan Negros e Brancos em São Paulo Ensaio sociológico sobre aspectos da formação manifestações atuais e efei tos do preconceito de cor na sociedade paulistana São Paulo Cia Ed Nacional 1955 FERNANDES Florestan A integração do negro na sociedade de Classes São Paulo Ática 1978 FERREIRA Nara Torrecilha Como o acesso à educa ção desmonta o mito da democracia racial Ensaio Avaliação e Políticas Públicas em Educação 27 104 p 476498 Jul 2019 Disponível em https wwwscielobrscielophpscriptsciarttextpi dS010440362019000300476tlngpt Acesso em 02 out 2020 GOMES Júnior Jackson SILVA Luís Geraldo COSTA Paulo Afonso Bracarense Paraná Negro Fotogra fia e pesquisa histórica Grupo de Trabalho Clóvis Moura Curitiba UFPRPROEC 2008 GOMES Nilma Lino Sem perder a raiz corpo e cabelo como símbolos da identidade negra Belo Horizonte Autêntica Editora 2019 HASENBALG Carlos Discriminação e desigualdade raciais no Brasil 2ª edição Belo Horizonte Editora UFMG Rio de Janeiro IUPERJ 2005 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os indígenas e quilombolas para enfrentamento à Covid19 Notas Técnicas Volume Especial Rio de Janeiro 2020 Disponível em httpsgeoftpibge govbrorganizacaodoterritoriotipologiasdo territoriobasedeinformacoessobreospovos indigenasequilombolasindigenasequilombo las2019NotasTecnicasBaseindigenasequi lombolas20200520pdf Acesso em 21 out 2020 IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Atlas da Violência 2020 Disponível em ipeagovbr atlasviolenciadownload24atlasdaviolencia2020 Acesso em 10 out 2020 LACERDA João Batista de O Congresso Universal das Raças reunido em Londres 1911 apreciação e comentários Rio de Janeiro Museus Nacional 2012 Disponível em museunacionalufrjbrobras raraso00230023pdf Acesso em 11 out 2020 LIMA Luísa Filizzola Costa COSTA Bruno Lazzarotti Diniz A expectativa de vida no Brasil por raçacor e Unidade da Federação em 2017 ao nascer Obser vatório das Desigualdades 05 jul 2019 Disponível em httpobservatoriodesigualdadesfjpmggov brp663 Acesso em 15 dez 2021 LOTIERZO Tatiana SCHWARCZ Lilia Raça gênero e projeto branqueador A redenção de Cam de Modesto Brocos In Artelogie n 5 out 2013 Dispo nível em cralin2p3frartelogiespipphparticle254 Acesso em 19 out 2020 MAIO Marcos Chor O Projeto Unesco e a agenda das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50 Revista Brasileira de Ciências Sociais 14 41 p 141158 1999 Disponível em doiorg101590S0102 69091999000300009 Acesso em 14 dez 2020 MENDES Iba A origem pseudocientifica do racismo Blog Iba Mendes Pesquisa Disponível em ibamen descom201010origempseudocientificadora cismohtml Acesso em 14 dez 2020 MORENO Ana Carolina Taxa de jovens negros no Ensino Superior avança mas ainda é metade da taxa dos brancos G1 06 jul 2019 Disponível em httpsg1globocomeducacaonoticia20191106 213 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 taxadejovensnegrosnoensinosuperioravanca masaindaemetadedataxadosbrancosghtml Acesso em 10 jan 2022 MUNANGA Kabengele Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil um ponto de vista em defesa de cotas Sociedade e Cultura v 4 n 2 p 3143 juldez 2001 MUNANGA Kabengele Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil identidade nacional versus identidade negra Belo Horizonte Autêntica 2008 NOGUEIRA Oracy Preconceito de Marca as rela ções raciais em Itapetininga São Paulo Edusp 1998 PACHECO Jairo Queiroz Desafios da inclusão o olhar dos jovens negros sobre a política de cotas da UEL Tese Doutorado em Serviço Social e Política Social Centro de Estudos Sociais Aplicados Pro grama de PósGraduação em Serviço Social e Política Social Universidade Estadual de Londrina Londrina 2019 Disponível em httpwwwbibliotecadigital uelbrdocumentcodevtls000227320 Acesso em 10 dez 2022 PACHECO Jairo Queiroz SILVA Maria Nilza da Orgs O Negro na Universidade o direito à inclusão Brasília DF Fundação Cultural Palma res 2007 Disponível em httpwwwuelbrneab pagesarquivosLivros20atualizacao20do20 siteO20negro20na20universidade2020 o20direito20a20inclusaopdf Acesso em 10 dez 2022 PALLISSER SILVA Nikolas Gustavo As ações Afir mativas como tensão à estrutura universitária o caso da UEL 20042018 175 f Dissertação Mestrado em Sociologia Centro de Educação e Ciências Humanas Programa de Pósgraduação em Sociolo gia Universidade Federal de São Carlos São Carlos 2019 Disponível em httpsrepositorioufscarbr bitstreamhandleufscar11544DissertaC3A7 C3A3o2020nikolas202007052019pdf sequence1isAllowedy Acesso em 14 dez 2020 PANTA Mariana Relações Raciais e Segregação Urbana trajetórias negras na cidade 2018 Tese Ciências Sociais Faculdade de Filosofia e Ciências Programa de Pósgraduação em Ciências Sociais Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Marília 2018 Disponível em httpsrepo sitoriounespbrbitstreamhandle11449157155 pantamasdrmarpdfsequence3isAllowedy Acesso em 10 jan 2022 PIOVESAN Flavia Ações afirmativas e direitos huma nos Revista USP n 69 p 3643 2006 RAMOS Paulo A violência contra jovens negros no Brasil Carta Capital 15 ago 2012 Disponível em cartacapitalcombrsociedadeaviolenciacontra jovensnegrosnobrasil Acesso em 9 out 2020 RIO DE JANEIRO Governo do Estado do Lei nº 3708 de 09 de novembro de 2001 Disponível em httpsgovrjjusbrasilcombrlegislacao90840 lei370801 Acesso em jan 2022 ROLNIK Raquel Territórios Negros nas Cidades Brasileiras etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro 1989 SANTOS Boaventura Reconhecer Para Libertar os caminhos do cosmopolitanismo multicultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 SANTOS Jocélio Teles dos Orgs O impacto das cotas nas universidades brasileiras 20042012 Salvador CEAO 2013 SANTOS Renata Carvalho dos SILVA Maria Sebas tiana Condições de vida e itinerários terapêuticos de quilombolas de Goiás Saúde e Sociedade 233 p 10491063 2014 Disponível em scielobrscielophps criptsciarttextpidS010412902014000301049 Acesso em 10 out 2020 SCHWARCZ Lilia Moritz O Espetáculo das Raças cientistas instituições e questão racial no Brasil 18701930 São Paulo Companhia das Letras 1993 SILVA Maria Nilza A População Negra e o Ensino Superior no Brasil algumas considerações Univer sidades n 87 p 91111 eneromarzo 2021 Dispo nível em httpsudualorgprincipalwpcontent uploads202103Universidades87pdf Acesso em 10 jan de 2022 214 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 10 SILVA Maria Nilza Nem para todos é a Cidade segregação urbana e racial em São Paulo Brasília Fundação Cultural Palmares 2006 SILVA Maria Nilza Uma Década das Ações Afirmati vas na UEL 20042014 Tomo n 24 p 217236 jan jun 2014 Disponível em httpsseerufsbrindex phptomoarticleview3190 Acesso em 10 jan 2022 SILVA Maria Nilza LARANJEIRA Pires Do Pro blema da Raça às Políticas de Ação Afirmativa In PACHECO Jairo Queiroz SILVA Maria Nilza da Orgs O Negro na Universidade o direito à inclu são Brasília Fundação Palmares 2007 p 125137 SILVA Maria Nilza da PACHECO Jairo Queiroz As cotas na Universidade Estadual de Londrina balanço e perspectivas In SANTOS Jocélio Teles dos Orgs O impacto das cotas nas universidades brasileiras 20042012 Salvador CEAO 2013 p 67104 SILVA Maria Nilza da PANTA Mariana Orgs Terri tório e Segregação Urbana o lugar da população negra na cidade Londrina UEL 2014 SILVA Paulo Vinícius Baptista Racismos em Livros Didáticos estudo sobre negros e brancos em livros de língua portuguesa Coleção Cultura Negra e Iden tidades São Paulo Autêntica 2008 SILVA Paulo Vinícius Batista GOMES Nilma Lino ARAÚJO Débora Cristina de Dossiê Relações étnicoraciais e práticas pedagógicas Educar em Revista Curitiba n 47 p 1933 janmar 2013 Dis ponível httpsrevistasufprbreducararticle view31329 Acesso em 01 jun 2021 SOUZA Alexsandro Eleotério Pereira de O engen dramento de uma nova sociabilidade as políticas de ação afirmativa e suas influências no contexto acadêmico Tese Doutorado em Serviço Social e Política Social Centro de Estudos Sociais Aplicados Programa de PósGraduação em Serviço Social e Política Social Universidade Estadual de Londrina Londrina 2018 SOUZA Marcela Fernanda da Paz de SILVA Wagner Luiz Alves da COSTA Luzimar Pereira da Comuni dade Remanescente de Quilombo desigualdade e política pública reflexões sobre um caso par ticular do possível das mulheres quilombolas em uma comunidade na região norteriograndense Interações Campo Grande 20 4 p 10571071 2019 STEPAN Nancy Leys A Hora da Eugenia raça gênero e nação na América Latina Rio de Janeiro Fiocruz 2005 VASCONCELOS Caê Número de homicídios de pessoas negras cresce 115 em onze anos os dos demais cai 13 El País 27 ago 2020 Disponível em brasilelpaiscombrasil20200827numero dehomicidiosdepessoasnegrascresce115em onzeanosodosdemaiscai13html Acesso em 10 out 2020 WAISELFISZ Julio Jacobo Mapa da Violência 2012 a cor dos homicídios no Brasil Rio de Janeiro CEBELA FLACSO Brasília SEPPIRPR 2012 Disponível em ceertorgbrnoticiasviolenciaseguranca3039 mapadaviolencia2012acordoshomicidiosno brasil Acesso em 10 out 2020 WIEVIORKA Michel Racismo uma introdução São Paulo Perspectiva 2007 WITZEL Nicollas Comunidades quilombolas tentam resistir ao avanço de grandes empreiteiras Época 2020 Disponível em epocaglobocomcomunida desquilombolastentamresistiraoavancodegran desempreiteiras23613697 Acesso em 20 out 2020 215 INTRODUÇÃO Falar sobre gênero diversidade e sexua lidade não é tarefa fácil Um dos maiores obs táculos para começarmos essa conversa é lidar com a bagagem que nós enquanto sociedade temos sobre essas temáticas Ao longo de nossas vivências somos influenciados por discursos que escutamos na família na escola e nas religiões que frequentamos E em regra são discursos que procuram tornar simples o que na verdade é bastante complexo recorrendo a noções biná rias tais como certo e errado bom e mau normal e anormal e assim por diante Grande parte do que costumamos aprender sobre gênero e sexua lidade está inserido nessas oposições Se o nosso aprendizado tem essa fonte isso significa que as visões sobre o tema estão contaminadas por muitos preconceitos É por isso que pedimos aos leitores e às leitoras que tenham paciência disposição e abertura para lidar com o conteúdo desta unidade Atualmente quando se coloca em debate questões de gênero e sexualidade não é incomum escutar que a época em que vivemos é chata cheia de mimimi e guiada por uma suposta ditadura do politica mente correto Queremos refletir com vocês que o mimimi verbalizado por alguns pode ser na realidade o menosprezo da dor do outro a ofensa daquilo que é essencial na identidade de determinadas pessoas Precisamos mudar nossas maneiras de pen sar a diversidade Ser gay lésbica bissexual ou transexual por exemplo não é algo que está na moda muito menos uma opção como quem escolhe o que vai comer no seu café da manhã Esses indivíduos sempre existiram no passado e em todos os cantos do mundo A diferença é que hoje falamos abertamente sobre essas questões no sentido de respeitar as pessoas pelo que elas são Afinal se tudo fosse uma escolha ninguém em sã consciência escolheria ser discriminado na família na igreja na escola enfim em todos os lugares nos quais desenvolve suas relações com os outros e com a comunidade Que tal então trocarmos as palavras Opção mimimi politicamente correto entre tantas outras expressões que revelam a intolerância com o diferente podem ser subs tituídas por respeito empatia compreensão e dignidade Pessoas discriminadas não devem continuar sendo discriminadas como se isso fosse natural Ao contrário devem ter seus direitos preservados Por isso fazemos um convite para a desconstrução dos mais variados preconcei Unidade 11 Direitos Humanos Gênero e Diversidade Sexual Julia Heliodoro Souza Gitirana Victor Romfeld 216 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 tos que foram construídos em cada um de nós Somente assim conseguiremos reconstruir uma sociedade verdadeiramente livre justa e solidária PARTE 1 PARA ALÉM DO ROSA E DO AZUL TRAÇOS DA CONSTRUÇÃO SOCIAL E HISTÓRICA DAS REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO Você já ouviu frases como você é homem ou bicha ou assim nenhum homem vai querer casar com você Ou ainda mulheres devem se dar ao respeito Esses são alguns exemplos de frases popu lares que naturalizam em meio ao cotidiano categorias universais e unitárias pelas quais se constroem representações e referências do que supostamente é ser homem e do que é ser mulher e pelas quais se justificam violências segregações e discriminações Tais expressões e pensamentos que também fazem parte do dia a dia das instituições escolares familiares religiosas e signos de diversas mídias de comuni cação são usadas não só para explicar supostas diferenças entre meninos e meninas mas para replicar e reforçar estereótipos de gênero Toda vez que uma pessoa diz isso é coisa de menina homem que é homem não faz esse tipo de coisa ou mulher é assim não está ape nas legitimando comportamentos através das diferenças construídas entre os sexos como está também demonstrando o que julga ser um padrão de normalidade social Nesse ato de eti quetamento social mais do que separar pessoas no cotidiano há ainda uma construção macroes trutural a desigualdade de gênero Mas afinal o que significa falar em desi gualdade de gênero Em linhas gerais é uma tentativa de fazer referência a relações de poder que distribuem sistematicamente privilégios e subordinações entre grupos a partir de dife renças entre homens e mulheres Em outras palavras é uma dinâmica de hierarquias sociais cotidianamente reproduzidas relacionadas a estereótipos de feminilidade e masculinidade Pensemos o seguinte segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua PNAD Continuada IBGE de 2019 a população brasileira é composta por 482 de homens e 518 de mulheres Apesar do número de mulheres ser superior ao dos homens não é essa proporção que observamos na composição institucional de espaços de poder como é o caso por exemplo da política em que as mulheres são subrepresentadas em todo o Brasil Conforme os dados das Eleições Municipais de 2020 orga nizado pelo Tribunal Superior Eleitoral TSE naquele ano foram eleitas 651 121 prefeitas em comparação com 4750 879 prefeitos Em relação às Câmaras Municipais foram 9196 16 vereadoras eleitas frente a 48265 84 vereadores Como explicar essa diferença alarmante entre o número de mulheres eleitas e a com posição populacional brasileira O primeiro ímpeto que temos para responder essa ques tão é reproduzir frases que naturalizam vários estereótipos de feminilidade e de masculini dade como por exemplo mulheres não se interessam por política ou ainda política não é coisa para mulheres a cozinha ou tanque sim Mas o que elas escondem por exemplo são os baixos investimentos dos partidos nas campanhas femininas os ataques machistas que elas enfrentam na campanha além é claro da hiper responsabilização das mulheres por trabalhos domésticos Tal cenário ilustrativo de impedimento da participação das mulheres na política pode ser potencializado quando levamos em conta outras questões para além do gênero como a raça Notamos por exemplo que das mais de 600 mulheres eleitas prefeitas em 2020 apenas 199 são pardas e 10 pretas Segundo um levan tamento da empresa social Gênero e Número realizado junto ao TSE após o prazo final para prestação de contas do primeiro turno de 2020 as candidatas pretas e pardas obtiveram ape nas 24 dos recursos do Fundo Eleitoral que é repassado aos partidos políticos Outro indicador importante coletado ao longo de outubro de 217 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 2020 pelo Instituto Marielle Franco revela que 142 candidatas informaram ter sofrido diversos ataques misóginos racistas e LGBTfóbicos ao longo das candidaturas Há ainda que se destacar que se esse grupo de mulheres é subrepresen tado neste espaço o mesmo não pode ser dito quando observamos indicadores que traçam o perfil do trabalho doméstico e informal no Brasil pois de acordo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada IPEA em 2018 63 do total de trabalhos domésticos eram e são de mulheres pretas e pardas Saiba Mais Este esforço de mesclar diversas categorias analíticas está relacionado com o conceito de interseccionali dade o qual foi sistematizado pela primeira vez pela teórica crítica norte americana Kimberlé Crenshaw 1989 Nas palavras desta autora a interseccionali dade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordina ção Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo o patriarcalismo a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualda des básicas que estruturam as posições relativas de mulheres raças etnias classes e outras Além disso a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos constituindo aspectos dinâmi cos ou ativos do desempoderamento CRENSHAW 2002 p177 Como podemos ver explicações atreladas à associação de um comportamento específico a grupo de pessoas só porque são homens ou mulheres não são capazes de compreender os múltiplos fatores históricos políticos sociais e econômicos que constituem as relações sociais de gênero Pelo contrário mascaram questões extremamente complexas que atravessam a cons tituição das sociedades e transformam diferenças em desigualdades Prática 1 Desigualdades e interseccionalidade Objetivo refletir sobre a subrepresentação das mulheres de modo interseccional envolvendo refle xões sobre desigualdade de gênero classe e raça Sugestão de desenvolvimento promova um debate com as pessoas participantes da formação sobre a obra Quarto do despejo diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus lançado pela primeira vez em 1966 Através dos relatos da autora que apesar de estar situada nos anos 50 na favela do Canindé SP faz parte ainda hoje da realidade de muitos brasileiros e brasileiras você pode estimular o grupo a debater acerca de cami nhos possíveis para que as Carolinas do Brasil se candidatem à vereadora Além de incitar a reflexão sobre as especificidades das experiências das mulhe res negras na articulação entre desigualdades de gênero e raça a obra fornece também um convite no plano fundo para refletir sobre a importância de grupos socialmente minoritários ocuparem espaços políticos institucionais Podemos perceber que conduzir reflexões envolvendo debates de gênero funciona como uma espécie de um convite para romper com ideias que atribuem exclusivamente à biologia ao corpo à genitália dos indivíduos a compreensão da própria estrutura das sociedades Apesar das diversas correntes e teorias que atravessam os debates de gênero o que nos impede de apre sentar um conceito absoluto universal e único de forma essencial este termo atua como uma lente de múltiplas cores para pensar não apenas as diferenças mas as desigualdades cultural e historicamente produzidas em determinados contextos lugares e realidades para construir e atribuir sentido ao que chamamos de homens e mulheres Tanto é assim que esse conceito é comumente acolhido e utilizado por movimen tos sociais que refletem sobre como as relações entre homens e mulheres são construídas e sobre as lutas por igualdade como por exemplo os feminismos 218 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 Para aprofundar Você pode conhecer mais sobre diferentes conceitos e definições de gênero em pesquisas e trabalhos acadê micos como os de Joan Scott Monique Witting Teresa de Lauretis Judith Butler Paul B Preciado Gayatri Spivak Audre Lorde Patricia Hill Collins Sueli Carneiro Lélia Gonzalez Djamila Ribeiro e Oyèrónkẹẹ Oyěwùmí Outra boa fonte de reflexões são os materiais audiovi suais acerca dos quais deixamos as indicações abaixo EKENA Todxs Putxs Disponível em httpswww youtubecomwatchvtVK1tlhIIUE Acessado em 23042021 Outra forma de encontrar o vídeo em caso de dificuldade em localizar o link procurar por música de TodXx Putxs de Ekena no Albúm Nó QUEBRADA Linn da Bixa Preta Disponível em https wwwyoutubecomwatchvZeMa942nYe4 Acesso em 23042021 Outra forma de encontrar o vídeo em caso de dificuldade em localizar o link procurar por música Bixa Preta de Linn da Quebrada single lançado em 2017 TRUTH Sojourner E eu não sou uma mulher Por Kerry Washington Legendado Youtube Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvgTHm Zeok5ct6s Acessado em 23042021 Outra forma de encontrar o vídeo é buscar por discurso Aint I a women de Soujouner Truth legendado Para encerrar essa nossa primeira reflexão é importante mencionar que de fato é impossível discorrer ainda que brevemente sobre debates que envolvam noções de gênero sem mencionar as relações com as diversas pautas e lutas femi nistas Entretanto é preciso ter muito cuidado nesse momento pois não existe uma universa lidade muito menos uma linearidade evolutiva para descrever essas articulações Geralmente quando se aborda essa temá tica a estratégia escolhida é mencionar as três ondas do feminismo um modelo simplificado que divide a atuação e demandas dos feminis mos em fases De um lado essa metodologia é extremamente interessante pois de fato ajuda a sistematizar diversas questões complexas mas de outro ela pode promover o apagamento da diversidade dos feminismos pois é centralizado em um panorama internacional com destaque para Europa e Estados Unidos Em outras palavras é uma estratégia prática mas que pede atenção para não marginalizar vivências e conhecimentos produzidos em realidades diversas e com enfo ques diferentes como por exemplo as questões latinoamericanas andinas raciais etc Feita essa observação apenas para ilustrar algumas trajetórias nos processos de construção dos debates de gênero destacamos algumas poucas referências sobre essas três fases ou ondas do feminismo a chamada primeira onda imersas em questões do século XIX destaca as lutas das mulheres pelos direitos civis direito ao voto à propriedade a educação entre outros direitos capazes de reconhecer as mulheres enquanto sujeitas ativas na vida civil e política Nesse momento conhecido como sufragismo a Nova Zelândia foi o primeiro país a reconhecer o direito ao voto das mulheres em 1893 No Brasil mulheres importantes nessa discussão foram Bertha Lutz 18941976 uma das fundadoras da Federação Brasileira para o Progresso Feminino e Antonieta de Barros 19011952 primeira mulher negra eleita deputada e com uma pauta ligada ao direito à educação para todos A segunda onda por sua vez geralmente é localizada em atuações da década de 1960 e 1970 tendo como alguns dos muitos pleitos questões relativas às condições de vida à sexualidade à reprodução à violência doméstica dentre outras O lema que articulou muitas discussões foi o pes soal é político No contexto brasileiro o que se atribui a essa fase dos feminismos estava imerso nas lutas de oposição da ditadura militar Por fim a terceira onda foi marcada temporalmente na década de 1990 pela consolidação de lutas feministas decoloniais da teoria queer do pós feminismos dos estudos de transgeneridade dentre outras pautas Portanto para além do azul e do rosa os estudos de gênero atuam como um instrumento importante para romper com diversas formas de hierarquização de humanidades disfarçadas por discursos naturalizados seja pelas lentes decolo niais que iluminam pontos da lógica colonial na opressão das mulheres seja pelas lentes da teoria 219 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 queer que contestam conceitos médicolegais que excluem múltiplas formas de ser e existir entre tantas outras formas de reflexão PARTE 2 DESIGUALDADES DE GÊNERO VIOLÊNCIA DE GÊNERO E LGBTFOBIA COMO OBSTÁCULOS PARA PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA Se no tópico anterior entendemos como os papéis de gênero são construídos socialmente neste momento precisamos falar sobre os efeitos que essa dinâmica tem na sociedade A divisão entre o que são coisas de homem e o que são coisas de mulher pressupõe que as pessoas cumpram expectativas sociais A partir do genital identificado no nascimento dos indivíduos esperase comporta mentos distintos homens são racionais objetivos e corajosos mulheres são sentimentais subjetivas e recatadas Nessa construção naturalmente homens se interessam afetiva e sexualmente por mulheres mulheres por sua vez certamente vão manifestar esses interesses por homens Podemos ir além disso e dizer que nesse imaginário homens gostam de carros futebol sair para beber cerveja e eventualmente brigar se se sentirem ameaçados em alguma discussão com um estranho Seguindo este roteiro mulheres gostam de ficar em casa assistir novelas e tomar um chá com suas amigas cumprindo um padrão de que são recatadas e do lar Essas expectativas no entanto são comple tamente artificiais pois aprisionam as pessoas em modelos de comportamentos fundados na divisão entre masculino e feminino É a partir dessa lógica que alguns grupos são discriminados Qualquer pessoa que queira se portar de forma contrária àquelas regras será rotulada e estigmatizada vista como alguém anor mal Em alguns casos este desvio pode ter até a morte como consequência Não por acaso nosso país possui uma série de pesquisas empíricas que contêm dados sobre a violência praticada contra mulheres e pessoas LGBT ou seja lésbicas gays bissexuais e transexuais A lógica que mencio namos apesar de ser interpretada como algo natural tal como a existência do sol da lua e das árvores faz divisões artificiais entre homens e mulheres gerando desigualdades de gênero que definem o funcionamento de nossa sociedade Essas desigualdades têm como resultado a vio lência de gênero e a LGBTfobia fenômeno que atinge inúmeras pessoas Portanto é possível concluirmos sem alarmismo ou exageros que pertencer a esses grupos no Brasil significa estar submetido a uma infinidade de discriminações Se você que está lendo este texto é uma mulher sabe bem que existem chances de ganhar um salário inferior ao de um homem que desem penha a mesma função que você no trabalho O mercado de trabalho é nitidamente hostil para as mulheres que não ocupam cargos de lide rança nas empresas na mesma proporção que os homens Como se isso não bastasse o simples fato de andar na rua sozinha ou sair com a roupa que quiser pode ter repercussões negativas estará exposta desde o assédio verbal o que se chama indevidamente de cantada até a possibilidade de ser estuprada Na família as mulheres tam bém não estão seguras principalmente quando consideramos os índices preocupantes de vio lência praticada pelos maridos e companheiros Tal ciclo pode culminar no que a lei brasileira o Código Penal chama de feminicídio ou seja o assassinato de uma mulher por razões de gênero As múltiplas violências de gênero que des crevemos têm como fundamento o raciocínio per verso de que mulheres são inferiores aos homens Mais do que isso parte da premissa de que estão sob a sua posse Qualquer mulher que tente trans gredir essa ordem supostamente natural das coisas poderá sofrer sanções das mais percep tíveis como a violência física até aquelas mais sutis como comentários desqualificando suas atitudes consideradas como destoantes do que se espera de uma mulher Ao longo da história da humanidade mulheres que ousaram transgre dir esses papéis de gênero foram consideradas loucas criminosas ou prostitutas Estigmas que precisam ser combatidos se quisermos construir uma sociedade em que as diferenças sejam tole radas e respeitadas 220 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 Saiba Mais A exclusão das mulheres ao longo da história é bem explorada pela historiadora Michelle Perrot 2017 p 197 que procura questionar a ideia difundida de que mulhe res seriam aquelas atuando nos bastidores enquanto homens seriam mera marionete na esfera pública Na contramão deste discurso Perrot demonstra que as mulheres em geral foram confinadas ao espaço privado como meras coadjuvantes da história Determinadas categorias de mulheres foram particularmente ainda mais discriminadas e marginalizadas a exemplo das prostitutas sempre encaradas como suspeitas pelas instituições sociais PRADA 2018 Por outro lado se você leitor ou leitora é alguém que se identifica nas letras LGBT com cer teza já passou por diversas situações de discrimina ção sejam elas dentro ou fora de sua comunidade Condutas simples podem se tornar extremamente complicadas e em alguns casos até perigosas Andar na rua de mãos dadas com a pessoa com quem você namora convidar amigos e parentes para sua festa de casamento ter filhos apresentar seu compa nheiro ou sua companheira para a família levar seu companheiro ou sua companheira em um evento social beijar alguém na escola ou na faculdade falar sobre seu relacionamento no ambiente de trabalho todos esses acontecimentos corriqueiros na vida de pessoas heterossexuais podem se tornar uma verdadeira dor de cabeça para quem é homossexual bissexual ou transexual Não raro existem pessoas que fazem questão de verbalizar todos seus precon ceitos contra estes indivíduos mesmo que as vidas particulares de LGBTs não interfiram nas vidas dos demais Pessoas LGBT historicamente lutam por respeito e direitos iguais Seria um privilégio querer viver em paz de acordo com suas essências e com seus planos de vida Aqui é necessário abrir um parêntesis para quem se identifica como bissexual e transexual Ser bissexual basicamente é sentir atração afetiva e sexual tanto por homens quanto por mulheres O que deveria ser simples de se compreender acaba se transformando em um notável estigma se deter minados setores da sociedade já têm dificuldades de entender a homossexualidade o que dizer de indivíduos que se sentem atraídos por ambos os gêneros masculino e feminino Infelizmente não são poucos os que rotulam bissexuais como pessoas mal resolvidas indecisas que ainda não escolheram aquilo de que gostam porque é só uma fase ou ainda que fazem o que fazem para chamar a atenção dos outros Esse tipo de pen samento pode ser considerado bifobia isto é a aversão pelas pessoas que se sentem atraídas tanto por homens quanto por mulheres Provavelmente a letra do conjunto LGBT mais incompreendida quando falamos de diversi dade sexual e de gênero é a letra T referente a travestis e pessoas transexuais Nossa sociedade estabeleceu as regras segundo as quais quem nasce homem necessariamente se identifica com o masculino e sente atração pelo gênero oposto o feminino As pessoas transexuais embaralham todas essas regras porque simplesmente não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascerem Sendo assim um homem trans é aquele que embora tenha nascido mulher se identifica com o gênero masculino Uma mulher trans apesar de ter nascido homem se identifica com o gênero feminino Existem também as pessoas que sequer fazem questão de se identificar com algum dos gêneros masculinofeminino como no caso das travestis e dos indivíduos nãobinários Importante esclarecer que a identidade dessas pessoas com o masculino o feminino ou nenhum dos gêneros colocados nada tem a ver com a orientação sexual pois são departamentos distintos Para além de conceitos como orientação sexual e identidade de gênero pesquisas con duzidas pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais ANTRA entre os anos de 2017 e 2020 comprovam que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo Este ciclo de violências que pode culminar em morte inicia desde a infân cia quando essas pessoas sofrem as mais variadas discriminações no ambiente escolar Se as famílias não costumam estar preparadas para lidar com um filho ou uma filha que se interessa afetiva e sexualmente por pessoas do mesmo gênero quem dirá com uma criança ou um adolescente que não 221 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 se identifica com o gênero atribuído no momento do nascimento A incompreensão generalizada sobre o que é ser uma pessoa trans faz com que os direitos funda mentais desse grupo social sejam violados Apenas para citar dois exemplos pessoas trans ainda são constrangidas quando usam o banheiro em locais de acesso público e acabam não sendo aceitas em nenhum deles masculino ou feminino já que a sociedade as encara como uma aberração Outra questão delicada é o mercado de trabalho que fecha todas as suas portas para os indivíduos transgênero Neste contexto de ampla discriminação o que lhes resta são serviços precarizados nas áreas de tele marketing estética quando não são praticamente obrigadas a ingressar no trabalho sexual Saiba Mais Heterossexual bisexual homosexual cisgênero trans gênero LGBT por que tantas letras e categorias Como dissemos acima é necessário celebrar as diferenças em sociedades civilizadas e democráticas já que cada pessoa é única dentro de suas complexidades Não seria diferente no campo do gênero e da sexualidade Para entender essa diversidade confira um breve glossário com a descrição de cada uma das palavras mencionadas LGBT sigla que engloba lésbicas gays bissexuais e transexuais Heterossexual quem tem interesse afetivo e sexual por pessoas do gênero oposto Homossexual quem tem interesse afetivo e sexual por pessoas do mesmo gênero Bissexual quem tem interesse afetivo e sexual por pessoas de ambos os gêneros Cisgênero quem possui uma identidade de gênero que coincide com o sexo biológico atribuído no nascimento Transgênero quem possui uma identidade de gênero não condizente com o sexo biológico atribuído ao nascimento Todos esses preconceitos que comentamos podem ser agrupados no que se denomina LGBTfo bia que é de forma bastante resumida a aversão a lésbicas gays bissexuais e transexuais É um conceito amplo que contempla todas as opressões que este grupo vulnerável sofre em uma sociedade desigual como a sociedade brasileira Os precon ceitos narrados nesta Unidade seja contra mulhe res seja contra LGBTs comprometem a construção de uma sociedade verdadeiramente justa porque a dignidade humana somente será concretizada a partir do momento em que as diferenças entre as pessoas inerentes à diversidade dos seres humanos não seja um pretexto para segregar discriminar marginalizar e violentar Para aprofundar Para conhecer mais sobre a construção social da homos sexualidade e da LGBTfobia estrutural recomendamos as seguintes obras BORRILLO Daniel Homofobia história e crítica de um preconceito Belo Horizonte Autêntica 2015 FRY Peter MACRAE Edward O que é homossexuali dade São Paulo Brasiliense 1985 PEDRA Caio Benevides Direitos LGBT a LGBTfobia estrutural e a diversidade sexual e de gênero no direito brasileiro Curitiba Appris 2020 PRADO Marco Aurélio Máximo MACHADO Frederico Viana Preconceito contra homossexualidades a hie rarquia da invisibilidade 2 ed São Paulo Cortez 2012 Precisamos assim destacar uma coisa Não é favor é direito É Direito à igualdade e à diferença Reforçamos portanto que quando falamos em combater múltiplas formas de discriminação seja de gênero identidade de gênero orienta ção sexual ou qualquer outra não significa que o objetivo seja apagar as diferenças muito pelo contrário Falar em igualdade entre as pessoas não significa anular as diferenças existentes entre elas mas garantir que a diferença não se traduza em desigualdade hierarquias violências e injustiças Assim é preciso criarmos uma sociedade em que diferença e igualdade caminhem juntas e isso é exatamente o que está assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Ou seja além da igualdade de direitos e deveres a multiplicidade de diversidades de toda e qualquer pessoa é assegurada A Constituição 222 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 Cidadã como é conhecida a nossa Constituição logo nos seus primeiros artigos destaca que com fundamento na dignidade da pessoa humana o bem de todas e todos deve ser garantido sem preconceito de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação O pressuposto constitucional do direito à igualdade e à diferença pode ser encontrado em várias expressões legais como é o caso por exemplo da Lei n 9394 de 1996 que estabelece as Diretrizes da Educação Nacional do Brasil e do Plano Nacional de Educação PNE aprovado pela Lei n 13005 de 2014 A primeira afirma que todo cidadão e toda cidadã tem o direito a uma educação baseada na liberdade na tolerância e na igualdade de condições de acesso e permanência nas escolas BRASIL 1996 já a segunda afirma que se deve buscar a superação de desigualda des educacionais com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação BRASIL 2014 Saiba mais Além da legislação nacional é importante também saber que existem alguns tratados internacionais de Direitos Humanos que se apoiam em lutas antidiscriminatórias ou seja eles são elaborados com o intuito de garantir direito à igualdade e à diferença Dentre tais tratados destacamos Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher também conhecida como Carta Internacional dos Direitos da Mulher ou CEDAW Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher também conhe cida como Convenção de Belém do Pará Princípios de Yogyakarta direcionado para aplicação de legislação de internacional de direitos humanos relativas à orientação sexual e identidade de gênero Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras conhecida como Regras de Bangkok Olhando tanto pelas questões trazidas pela Constituição quanto pelas leis relacionadas à educação podemos verificar que falar em direito à igualdade e à diferença não demanda apenas ações comportamentos e condutas de não fazer do Estado e das pessoas Pelo contrário são necessárias ações condutas e sobretudo políticas públicas afirmativas ou ainda políticas direcionadas para que efetivamente as pessoas sejam iguais mesmo que na diferença Vejamos dois exemplos ilustrativos que movimentam a luta por igualdade e diferenças nesse sentido 1 Cota para as mulheres na polí tica instituído pela Lei 95041997 que estabe lece reserva do percentual de 30 de vagas para mulheres e o máximo de 70 para candidaturas de cada gênero 2 Ação Direta de Inconstitucio nalidade ADIN 5543 julgada pelos Supremo Tribunal Federal em maio de 2020 que julgou inconstitucional normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de vigilância Anvisa que excluíam do rol de habilitados para doação de sangue homens que tiverem relações sexuais com outros homens nos 12 meses antecedentes ou seja discriminava homens gays bissexuais e pansexuais Enquanto no primeiro caso podemos notar a movimentação de uma política afirmativa dire cionada ao rompimento da lógica de subrepre sentação das mulheres na política o segundo caso é um exemplo de uma ação do Estado para a retirada de discursos legais que servem de base para a naturalização de estereótipos discriminan tes direcionados para a população LGBT Assim para falar efetivamente no direito à igualdade e à diferença mais do que pugnar pelo fim de ações discriminatórias negativas dos indivíduos é preciso pensar em promover ações de afirma ção e políticas públicas que se apoiem na busca por uma sociedade integrada pela diversidade e fundada em ideias não só na dignidade da pessoa humana mas também na igualdade material e na justiça social 223 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 Prática 2 Diversidade e dignidade humana Objetivo estimular a reflexão sobre como várias formas de discriminação são reproduzidas e natu ralizadas no cotidiano mas também pensar como promover e celebrar a igualdade e a diferença Sugestão de desenvolvimento além de ações no âmbito políticoestatal é importante pensarmos em pequenas ações no espaço cotidiano voltadas a romper com a lógica da discriminação que se esta belece como um obstáculo real para a efetivação da igualdade e da diferença Para promover essa reflexão você pode convidar as pessoas participan tes da formação para indicar músicas e analisar suas letras Para facilitar o grupo pode ser dividido em equipes de modo que cada uma delas apresente duas músicas uma que demonstre a reprodução de diversas formas de discriminação e outra que afirme identidades e qualidades emancipadoras em relação ao gênero e à diversidade Na divisão das equipes é importante evitar divisões de gênero bem como devese zelar para não as reiterar PARTE 3 EDUCAÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS DE LGBTs E MULHERES Os temas abordados até agora podem ser considerados um diagnóstico de que ao menos em se tratando do Brasil mulheres e pessoas LGBTs têm seus direitos humanos rei teradamente violados Liberdade de ir e vir vida segurança pessoal igualdade intimidade moradia convivência familiar casar e fundar uma família são alguns dos direitos previstos na Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU de 1948 que os grupos mencionados não usufruem de forma plena Apesar desse cená rio os preconceitos construídos socialmente e presentes no imaginário da população impedem que se enxergue a gravidade dessas violações E desse modo se a mentalidade das pessoas em geral está influenciada por estereótipos de gênero então há um obstáculo considerável a ser superado É preciso conscientizar todos os cidadãos sobre a posição vulnerável ocupada por mulheres e LGBTs no sentido de que dis criminações naturalizadas são na verdade o desrespeito de direitos essenciais para o con vívio minimamente pacífico de uma sociedade A necessidade de conscientização nos leva automaticamente a pensar em educação Uma educação antidiscriminatória seria sufi ciente para revertermos o quadro de transgres são de direitos humanos Aqui as dificuldades são imensas embora não impossíveis De qual educação estamos falando Cer tamente da que ocorre ou deveria ocorrer nas instituições de ensino formais escolas facul dades universidades etc mas também dos espaços de educação informal Considerando que incorporamos estereótipos de gênero e de sexualidade ao longo de nossas vidas é razoável pensar que um projeto de educação emancipatória em direitos humanos a longo prazo poderia ser uma das alternativas para conscientizar crianças adolescentes jovens e adultos sobre as condições adversas do ser mulher e do ser LGBT em um país como o nosso mas também para deslegitimar práticas discriminatórias construindo um novo entendi mento social sobre gênero e diversidade Para isso compete principalmente investir em estra tégias pedagógicas voltadas ao combate de preconceitos no sentido de prevenir futuras condutas discriminatórias É importante lem brar a propósito que ninguém nasce preconcei tuoso e praticando discriminações contra gru pos historicamente estigmatizados Discursos desse viés são incorporados gradativamente fazendo com que práticas discriminatórias con tra as mulheres ou contra pessoas LGBT sejam consideradas algo normal praticamente uma fatalidade da natureza humana ao longo do processo de socialização Apesar do potencial que a educação ofe rece para prevenir a reprodução de compor tamentos discriminatórios novamente temos como obstáculos algumas ideias oriundas do senso comum Inclusive parte dessas ideias tem sido transformadas em projetos de lei encam pados por grupos políticos representantes do 224 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 povo na tentativa de impedir que os temas da diversidade sejam abordados em ambientes educacionais pois concebem tais ambientes como espaços que deveriam ser neutros sem partido Outra ideia bastante equivocada que tem circulado consiste na busca pela proibição da chamada ideologia de gênero basicamente nessa chave de compreensão os ambientes edu cacionais e formativos não seriam os lugares adequados para falar de questões tão sensí veis como gênero sexualidade e diversidade pois isso poderia de alguma forma doutrinar crianças e adolescentes ou estimulálas a uma determinada orientação sexual Além de serem obstáculos à realização de uma educação verdadeiramente emancipatória essas ideias estão fundadas em equívocos e distorções que precisam ser desfeitos porque cogitar esse tipo de isenção ou vedação de dis cussões significa que uma escola por exemplo não poderia tratar acontecimentos que hipoteti camente estão fora de seus muros Isto porque seria um ambiente de suposta neutralidade e objetividade isento de qualquer ideologia O maior problema desse pensamento é que tal ideia parte de uma compreensão ultrapassada dos processos educacionais na qual as pessoas em formação são agentes receptivos que escu tam passivamente o que diz o corpo docente armazenando informações como se fossem pequenos computadores ou tão somente para aprovação em exames de múltipla escolha como o vestibular Contudo é preciso ponderar que esse modelo engessado foi praticado durantes anos mantendo o país em péssimas posições nos rankings internacionais de educação de modo que precisamos mudar tal realidade Essa mudança necessária exige que os ambientes de formação se coloquem como espaços de prepa ração não apenas para a inserção no mercado de trabalho mas também e principalmente para a formação de pessoas conscientes dos problemas sociais que afligem o país que se façam efetivamente engajadas na construção de um futuro melhor pautado pelo respeito e pela igualdade Seguindo a mesma linha de raciocínio essa nova compreensão sobre os processos formativos e educacionais exige que determi nados temas sejam necessariamente tratados Crianças adolescentes e demais pessoas em formação precisam conhecer o amplo repertó rio de ideologias que permeiam a sociedade e a política bem como ter contato com temas de gênero e diversidade Isso no entanto não para serem doutrinadas como insinuam algumas vertentes ideológicas mas sim para que se crie um espaço formativo que seja vetor da cultura do respeito à diversidade e de combate à discri minação de grupos vulneráveis que tem produ zido violências e desigualdades historicamente A verdadeira ideologia de gênero é aquela que obriga meninos a usarem azul e meninas a vestirem rosa que determina que meninos são agressivos e meninas são sentimentais O modelo de educação compatível com nossa Constituição Federal que expressa a essência do sentimento nacional é aquele que fomenta a liberdade das pessoas Liberdade para que todas e todos sejam quem quiserem ser e para pen sarem a vida de formas diferentes Liberdade para possam se relacionar afetivamente para viverem a sexualidade com responsabilidade e sem proibições desde que não afete direitos de terceiros Liberdade para professar uma religião ou para não ter crenças religiosas O processo educacional precisa ser espaço de fomento de uma cultura democrática atenta à diversidade do ser humano Os espaços e os processos de ensino e de formação não podem estar alheios à realidade na qual estão inseridos Muito menos podem ser coniventes com a ideologia de gênero historicamente praticada que reforça e natu raliza as violências contra mulheres e LGBTs O avanço nessa direção necessariamente passa pela formação e Educação em Direitos Huma nos engajando formandos formadores e toda a comunidade na construção de uma cultura do respeito e da alteridade 225 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 Prática 3 Interdisciplinaridade contra as violações Objetivos estimular o exercício reflexivo sobre gênero e diversidade em diferentes áreas de saber Se você estiver atuando em um ambiente de educa ção escolar formal algumas disciplinas curriculares podem facilmente incorporar temas relacionados à desigualdade de gênero e à diversidade sexual Pense nas seguintes possibilidades 1 na história geral e do Brasil podese explorar qual a relevância de movimentos de resistência feministas e LGBT que lutaram por sociedades mais justas e igualitárias 2 nas ciências biológicas e exatas em geral podese trabalhar sobre as mulheres que se destacaram em descobertas científicas e como a escola pode ser um fator de incentivo à formação de pesquisadoras e cientistas 3 na literatura podese enfocar a produção femi nina nacional Estes exercícios também podem ser adaptados para atividades de educação informal buscando materiais exemplos históricos materiais informa tivos e obras literárias Também é pertinente considerar a edu cação para o reconhecimento de violações dos direitos humanos em instituições de segurança pública Se a sociedade como um todo está mar cada por preconceitos contra mulheres e LGBTs não é exagero afirmar que órgãos de segurança pública em suas atuações também podem con tribuir indiretamente para reforçar os estereó tipos trabalhados nesta unidade resultando em violência institucional Algumas situações concretas são esclare cedoras da violência institucional que integran tes dos referidos grupos podem sofrer Mulhe res vítimas de violência de gênero não podem ser tratadas com descaso sobretudo porque temos uma lei específica a Lei nº 113402006 conhecida como Lei Maria da Penha que protege essas mulheres exigindo um atendi mento acolhedor e especializado Mulheres encarceradas ainda que tenham cometido cri mes também devem ter seus direitos garanti dos a exemplo da saúde da maternidade e da visita íntima Isso vale para as pessoas LGBT que foram vítimas de algum tipo de violência o atendimento perante os órgãos de segurança pública deve ter como premissa o fato de que ninguém deve ser xingado ou violentado por ser quem é Tal questão ficou ainda mais clara a par tir de 2019 quando o Supremo Tribunal Federal STF decidiu que homofobia e transfobia são crimes puníveis pela legislação brasileira con forme decisão adotada no julgamento conjunto da ADO 26 e do MI 4733 Sofrer violências de ordem física psíquica sexual patrimonial ou moral simplesmente por ser LGBT não pode ser considerado um fenômeno comum pelas instituições de segurança pública Pessoas que praticam essas condutas devem ser responsa bilizadas e as vítimas devem ser acolhidas sob pena de nunca rompermos com esses ciclos de violências Para aprofundar Você pode obter conhecimento mais aprofundado sobre os aspectos históricos da opressão de pessoas LGBT bem como algumas estratégias de combate às discriminações decorrentes de orientação sexual e identidade de gênero nas seguintes obras BIMBI Bruno O fim do armário lésbicas gays bisse xuais e trans no século XXI Rio de Janeiro Garamond 2017 JESUS Jaqueline Gomes de Homofobia identificar a prevenir 2 ed rev e ampl Rio de Janeiro Metanoia 2015 VERAS Elias Ferreira Travestis carne tinta e papel Curitiba Appris 2019 226 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta Unidade procuramos apresentar algumas reflexões sobre a noção de gênero os efeitos das desigualdades sociais na sociedade através de algumas questões sobre discriminações de gênero identidade de gênero e orientação sexual a igualdade e a diferença como direitos a serem perseguidos para a construção de uma sociedade justa e solidária e a educação como ferramenta potente para interromper processos de violência contra minorias sociais Claro que não há como esgotar as discussões aqui e a pretensão destas poucas páginas girou em torno de estimu lar a reflexão contínua acerca das condições e das potencialidades dos processos de formação em direitos humanos Sendo a educação formal e informal um valor e um instrumento central para refletirmos sobre que sociedade que pretendemos construir é importante aproximar os diversos processos e ambientes educacionais bem como as propostas pedagógicas de discussões que envolvam valo res mais humanos para toda e qualquer pessoa Não se trata de doutrinar ninguém tampouco de apresentar verdades absolutas sobre determina das questões Tratase de assumir uma postura constitucional cívica e crítica a favor de um mundo igualitário que abraça a diferença e repudia a desigualdade e a violência Tratase ainda de um convite para que através de nossas diversas atuações cotidianas não repitamos deliberada mente discursos machistas LGBTóbicos racistas dentre outros Para celebrar as diversas formas de ser e existir deixamos por fim duas figuras para estimular o respeito a diversidade nos diversos ambientes cotidianos em que vivemos e nos relacionamos Figura 1 Explorando as diversas formas de ser e estar Fonte os autores 227 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 11 Figura 2 O que significa a sigla LGBTQIA Fonte os autores REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 24 abr 2021 BRASIL Lei n 13005 de junho de 2014 Aprova Plano Nacional de Educação e dá outras providên cias Disponível em httppnemecgovbr18pla nossubnacionaisdeeducacao543planonacional deeducacaolein130052014textdC3A120 outras20providC3AAnciasLEI20NC2 B020130052F2014202D20Aprova20o20 Plano20Nacional20dePNE20e20dC3A120 outras20providC3AAnciastext1o20 C38920aprovado20o21420da20Constitui C3A7C3A3o20Federal Acesso em 23 abr 2021 BRASIL Ministério da Educação Lei de Diretri zes e Base da educação nacional n 9394 de 20 de novembro de 1996 Brasília DF Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl9394htm Acesso em 23 abr 2021 CRENSHAW Kimberlé Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero Estudos Feministas ano 10 v 1 p 171188 2002 Disponível em httpswwwscielo brpdfrefv10n111636pdf Acesso em 23 abr 2021 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua Brasília IPEA 2019 Disponível em httpswwwipeagovbrportalimages storiesPDFsTDstd2528pdf Acesso em 23 abr 2021 INSTITUTO MARIELLE FRANCO A Violência Polí tica Contra Mulheres Negras Eleições 2020 2020 Disponível em httpswwwviolenciapoliticaorg Acesso em 23 abr 2021 JESUS Carolina Maria Quarto do despejo diário de uma favelada São Paulo Ática 2014 PERROT Michelle Os excluídos da história operá rios mulheres e prisioneiros 7 ed Tradução Denise Bottmann Rio de JaneiroSão Paulo Paz e Terra 2017 PRADA Monique Putafeminista São Paulo Veneta 2018 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Estatísticas eleitorais Disponível em httpswwwtsejusbr eleicoesestatisticasestatisticaseleitorais Acesso em 23 abr 2021 228 INTRODUÇÃO Religião não se discute é um dito repetido por aí quando o assunto entra em alguma roda de discussão De fato as liberdades e crenças religio sas de cada um e cada uma devem ser respeitadas em sua integralidade No entanto a religião ou as religiões não ficam restritas ao campo da escolha e da consciência individual Há eventos fatos notícias discursos práticas ritos e instituições sociais que são profundamente influenciados por diferentes modalidades de religiões que existem no país Como então atentando aos princípios dos direitos humanos admitir um debate e uma dis cussão sobre religião que de um lado observea como parte da vida social sem que de outro fira a liberdade de cada pessoa em crer naquilo que melhor convém 1 Sabemos que a trajetória de uma publicação é geralmente difícil e quando se trata de uma publicação relacionada a direitos humanos no Brasil podese esperar uma aventura um pouco mais demorada Publicamos resistimos Acontece que um de nós não está mais por aqui e não poderá prestigiar a vinda de sua publicação ao mundo Edmar Antonio Brostulim Brostulin foi fundamental para que este texto existisse Não apenas porque foi ele quem generosamente me convidou a escrever mas também porque foi ele quem traçou as linhas gerais do que escreveríamos Edmar além de um intelectual generoso foi um professor apaixonado pelo ofício Conhecia muito bem o chão da escola e fez deste lugar motivo de uma educação antropologicamente sensível onde a universalidade abstrata dos direitos humanos encontrava sempre a concretude diversa das vidas minoritárias Obrigado por tanto meu amigo Num primeiro passo convém considerar como a diversidade religiosa no Brasil tem sido objeto de estudos e atenção política desde a rede mocratização Seja para compreendêla por meio das mudanças e oscilações dos dados do Censo seja para analisar conflitos e violências motivadas por discursos religiosos ou ainda para entender a multiplicidade de presenças que a religião assume para fiéis e nãocrentes Em suma se não há consenso sobre os efeitos e as relações que o fenômeno religioso provoca na realidade brasileira igualmente complexa e diversa há pelo menos uma direção na qual é possível reunir um conjunto de olhares para além da expectativa elaborada na modernidade pelo iluminismo a reli gião continua sendo fundamental para pensar e entender as relações sociais no presente Nesse sentido a presente Unidade objetiva traçar algu mas linhas gerais da discussão sobre o fenômeno religioso apresentado aqui em sua diversidade de presenças e multiplicidade de existências Passamos assim pela construção teórica feita por pensadores das ciências humanas buscando entender como tomando por base teoria e dados podese olhar para a história da construção do Brasil e do Estado a partir de sua relação com a religião e as religiões seguindo a trilha de seus desdobramentos e as complexidades que essa relação toma ao longo Unidade 12 Direitos Humanos Religião e Diversidade Religiosa1 Arthur Alexandre Maccdonal Edmar Antonio Brostulim Brustolin 229 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 dos anos intensificandose na contemporaneidade e o debate público sobre questões de acesso e uni versalização de direitos Assim esperase contribuir para a um debate atual e contemporâneo que busca levar a cabo uma reflexão sobre a religião que possa ultrapassar muros combater a intolerância e o pre conceito e sedimentar de fato a valorização da diversidade religiosa e social como parte essencial da sociedade brasileira Este exercício é parte fundamental de uma Educação em Direitos Humanos Vamos lá PARTE 1 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE RELIGIÃO A religião é um fenômeno social importante e muitos estudiosos têm se ocupado dela enquanto objeto de reflexão Neste sentido pensar sobre o conceito de religião abre diferentes perspectivas Aqui são apresentados três caminhos propostos por diferentes estudiosos os quais representam três direções apontadas pelos fenômenos religiosos conhecimento linguagem e pluralismo Tomando a religião como forma de conheci mento o pensador francês Émile Durkheim 1858 1917 é um desses estudiosos que refletem sobre a religião tentando estabelecer sobre ela uma definição que escape às definições de dentro dela No livro As Formas Elementares da Vida Religiosa 1978 publicado em 1912 o autor reflete sobre a religião como uma das expressões das categorias fundamentais do entendimento humano Para isto ele elabora uma definição de reli gião que busca fugir de duas concepções primei ramente Durkheim recusa a ideia de divindade pois em sua na visão muitas expressões da reli gião não conhecem ou reconhecem a ideia de Deus ou deuses Em segundo lugar Durkheim recusa também a ideia de religião como sobrena tural pois do seu ponto vista a separação entre natural e sobrenatural foi elaborada pela ciência não pelas crenças religiosas Neste sentido esse sociólogo francês pro põe que a religião seja encarada a partir do ponto de vista das suas crenças e ritos pois ela é um sis tema solidário de crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral chamada igreja todos os que a ela aderem DURKHEIM 1978 p 79 Assim Durkheim sugere que a religião fornece uma classificação do mundo para os crentes que orientam suas crenças e suas práticas no mundo Pensando a religião como sistema simbólico o antropólogo americano Clifford Geertz 19262006 a explica enquanto um sistema cultural ou seja é um sistema de símbolos que promove um quadro de referência para os fiéis acerca do que é o mundo e como se deve conduzir a existência nele Por isso Geertz propõe analisar os fenôme nos religiosos como uma linguagem que orienta as condutas dos seres humanos e permite traduzir o mundo pois em sua na proposta é importante observar que elas as crenças religiosas repre sentam não apenas o ponto dos quais aspectos disposicionais e conceptuais da vida religiosa convertem para o crente mas também o ponto no qual pode ser melhor examinada pelo observador a interação entre eles GEERTZ 1978 p 83 Saiba Mais Secularização diz respeito ao conceito originalmente atribuído ao sociólogo alemão Max Weber 18641920 no retraimento da religião da esfera pública e no avanço da ciência e da racionalidade no Ocidente Para M Weber a modernidade ocidental se caracteriza pela dominação da ciência e da razão como discursosverdade sobre o mundo colocando outros saberes e discursos como carentes de fundamento racional Já para Peter Berger 19292017 teólogo e sociólogo norteamericano olhar para o fenô meno religioso na modernidade implica pensar no seu choque com paradigma da secularização uma postura clássica das ciências humanas quando se trata de pensar a religião Resumidamente tratase do deslocamento da religião do centro da vida social para o espaço da escolha individual Nesse sentido Berger propõe uma interpretação questionadora de tal processo já que é ponto pacífico que a religião não deixou de influenciar a vida social O interessante na análise Berger está 230 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 em entender a diversidade religiosa ou em seus termos uma perspectiva de análise das religiões que leve em consideração as diferentes formas de exercício das crenças e práticas religiosas em suas relações com a secularização por assim dizer Para tanto o autor evoca o conceito de pluralismo que em suas palavras é uma situação social na qual pessoas de diferentes etnias cosmovisões e moralidades vivem juntas pacificamente e inte ragem amigavelmente BERGER 2017 p 20 A conversa ou a convivência entre diferentes for mas de crença caracterizaria portanto de forma mais adequada a vida social contemporânea múltiplas formas de religião que se interpenetram e entram em diálogo Tal fenômeno segundo Berger produz duas experiências antagônicas porém complementares o fundamentalismo e o relativismo O que o autor quer nos dizer é que o fundamentalismo religioso ou o ceticismo em relação às crenças religiosas não são efeitos de processos de secularização mais ou menos bem acabados e sim modalidades de relação com a experiência da pluralidade que a vida social con temporânea nos proporciona Assim Berger retira o excessivo peso normativo que o paradigma da secularização impõe às análises dos fenômenos religiosos e nos oferece uma forma mais criativa de pensar os diferentes arranjos sociais decorren tes do pluralismo religioso Como veremos os três autores ofereceram caminhos de entrada para a compreensão dos fenômenos religiosos na sociedade brasileira seja a partir da perspectiva de uma comunidade moral seja como um sistema de símbolos que fornecem esquemas para a ação ou como um fenômeno fundamental para compreendermos as possibilidades de experiências pluralistas DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL O portal G1 publicou em abril de 2011 uma notícia com o título Brasil é o 3º país onde mais se crê em Deus Isto faz pensar em duas coisas a primeira é que a relação do Brasil com a religião é algo relevante a ser considerado e a segunda reside no fato de que na maioria das vezes pensar a crença em Deus equivale a pensar em uma crença religiosa Ao olhar para os dados produzidos pelo Censo Demográfico do IBGE o qual existe desde 1872 há algumas tendências gerais que podem ser observadas desde fins do século XIX até o século XXI mesmo com as mudanças que vêm ocorrendo no campo religioso brasileiro A antro póloga Clara Mafra 2013 aponta três pontos em especial que chamam a atenção nessas ten dências o crescimento expressivo dos fiéis evan gélicos que saltaram de 26 milhões em 2000 para 42 milhões em 2010 o abalo e a queda no número de católicos que caiu para 646 e o aumento dos sem religião que chegou à marca de 80 A aposta da autora é que mesmo com essas mudanças que representam de fato uma pouca mobilidade numérica houve um aumento na diversidade religiosa no campo brasileiro como demonstra o gráfico abaixo FIGURA 1 DADOS DO CENSO DEMOGRÁFICO SOBRE RELIGIÃO Fonte IBGE 2010 Disponível em httpscenso2010 ibgegovbrnoticiascensoid3idnoticia2170view noticia Acesso em dez 2021 Mesmo elogiando os dados do censo em aspectos como a sua longevidade e a sua legitimi dade bem como a observação dos usos políticos dos dados a antropóloga levanta uma questão importante sobre eles tal como formulada pelo Censo qual é sua religião a pergunta permite apenas uma única resposta de forma livre que é depois agrupada em categorias gerais Nesta 231 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 configuração se de um lado a pergunta apre senta possibilidades de caracterização do vínculo religioso dos respondentes de outro ela não dá conta de compreender as nuances e os pertenci mentos múltiplos que muitas pessoas adotam ou mesmo a circulação entre diferentes opções do campo religioso brasileiro Nas palavras da autora a circulação de fiéis entre religiões com o abandono do catolicismo tem sido interpretada como religiões em trânsito ou religião em transição Diante destas interpretações eu me pergunto será que mudar de religião de dez em dez anos permite que se afirme que as religiões estão sendo vividas como experiências transitórias MAFRA 2013 p 17 A pergunta levantada pela autora permite desdobrar outras questões importantes dentre as quais podese refletir sobre o fato de que o Censo só ilustra com base nas respostas dadas às tendências do campo da religião no Brasil que ocorrem de dez em dez anos Pensar o Censo como um mapa para Carla Mafra 2013 coloca portanto uma inadequação no retrato da diver sidade religiosa do Brasil já que não conseguiria na maneira pela qual coleta e divulga os dados apresentar as mudanças nuances fluxos e per tencimentos múltiplos que ocorrem nas escolhas religiosas de brasileiras e brasileiros Nessa mesma linha de reflexão o antropó logo Antônio Flávio Pierucci 2011 alerta para os perigos de tomar os dados do Censo como retrato absoluto do campo religioso brasileiro Comen tando o Censo de 2010 este estudioso aponta que tais dados mostram como uma variedade de religiões neste Brasil no fundo no fundo é muito rala apertada bem mais rarefeita e bem menos resistente aos grandes empreendimentos religiosos pósestatais do que a gente normal mente imagina ou acha que consegue enxergar PIERUCCI 2011 p 50 O argumento sustentado por Pierucci 2011 diz respeito ao fato de que ao juntar os percentuais de católicos evangélicos e os sem reli gião temse 96 do percentual Todas as outras expressões como espiritismo umbanda candom blé budismo religiões em trânsito juntas não apontam 5 da população brasileira Tomando portanto em consideração as ponderações de Pierucci 2011 e de Mafra 2013 vale destacar a diversidade religiosa brasileira existe mas ela não é numérica Sendo assim como então olhar para o campo das religiões no Brasil sem deixar de lado os dados numéricos fornecidos pelo Censo A solução apontada por Clara Mafra 2013 seria a de tomar a metáfora do holograma unidades que podem ser lidas a partir de múltiplas dimensões especialmente a do movimento Mafra 2013 pensa na categoria desviado como um exemplo deste fluxo adotando a hipótese proposta pela antropóloga Cecília Mariz apud MAFRA 2013 Desviado seria uma categoria que compreende para muitas religiões evangélicas jovens que estão fora da frequência comum à igreja Assim sendo e criados por mães e avós que têm o sen tido de que crer em Deus e ter religião significa necessariamente ir à igreja esses jovens pardos e de baixa escolaridade em geral seriam desvia dos e na época do Censo provavelmente foram enquadrados na categoria sem religião dentre as alternativas disponíveis para a questão Cabe pensar portanto que a diversidade reli giosa se encontra nas práticas ou nas experiências que os sujeitos promovem circulando entre diversos ritos e crenças promovendo por vezes sínteses pró prias que não invalidam o pertencimento religioso que escolhem ou elegem para responder quando perguntados pelos agentes do Censo Assim cabe levar a sério a diversidade religiosa como algo que faz parte da experiência religiosa mesmo que os números sugiram o contrário Para aprofundar Ouça a música Brasil Mestiço Santuário da Fé 1980 de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte e consulte sua letra para ver como a intérprete a sambista Clara Nunes mostra que a influência das expressões religiosas negras compôs parte dos ritmos musicais brasileiros como o maracatu e o samba 232 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 Saiba mais A lavagem das escadarias da Igreja do Nosso senhor do Bonfim em SalvadorBA é uma das expressões mais mar cantes do pluralismo religioso da sociedade brasileira evidenciando a diversidade e as experiências religiosas múltiplas que os números por si só não mostram Fonte httpscommonswikimediaorgwiki FileLavagemdoBonfim2018FotoTatiana Azeviche396389 99991jpg O CULTO RELIGIOSO COMO DIREITO FUNDAMENTAL NO BRASIL E NO MUNDO A expressão das religiões no mundo se dá principalmente pelos seus cultos e formas rituais É por deles e de seus templos que elas ganham visibilidade e reconhecimento Na contempo raneidade tais formas de expressão ganharam respaldo de lei e garantia nos dispositivos legais Assim podemos perceber que a religião ao invés de sumir da vida moderna como previram alguns pensadores continua tendo suas correntes de fluxo intensas na vida social seja na formação de quadros de referência da vida individual ou nos esforços de grupos religiosos para a defesa de direitos de seus membros para garantia da liberdade religiosa ou ainda na imposição de seus valores como conteúdos de políticas de Estado Com a ascensão da modernidade período histórico cujo prelúdio pode ser localizado a partir do século XVI houve uma progressiva transfor mação do papel da religião da vida social de tal forma que ela passa a ter a sua influência ques tionada e de certa forma limitada Os chamados filósofos iluministas do século XVII por exemplo insistindo na ideia de progresso da razão consi deraram a religião como um dos grandes males da civilização esforçandose para relegála ao plano da consciência individual No entanto essa noção moderna de reli gião tal como abordada no início desta seção tem suas origens em outro evento importante na história ocidental a Reforma Protestante Na visão do antropólogo Klaas Woortmann 1997 é com Martinho Lutero 14831546 que se constrói parte da ideia moderna de indivíduo desdobrada depois pelo calvinismo Também é a partir da reforma diz o autor que com o surgimento de religiões nacionais os poderes laicos libertamse da Igreja WOORTMANN 1997 p 99 Assim podese perceber que com a diversi ficação do cristianismo houve um afrouxamento da relação entre Igreja e Estado Neste sentido podemos notar que os esforços pela laicização dos Estados nacionais colaboraram para a pro gressiva consolidação da ideia de que a religião e as questões religiosas devem ficar restritas às escolhas individuais e à consciência íntima de cada pessoa Desse modo podemos hoje pensar com certa naturalidade que a afirmação da religião e das crenças religiosas de nossa escolha são um direito individual fundamental o qual não deve sofrer a interferência do poder do Estado ou de qualquer outra instituição Contudo isso se deve a um processo histórico de longa duração e que possui diferentes matizes na história de cada sociedade Cabe aqui recuperar uma reflexão que parece bastante oportuna a luta política para que esse direito se consagrasse A separação entre os assuntos do Estado e os assuntos reli giosos é defendida de forma contundente pelo filósofo inglês John Locke 16321704 em seu Tratado Sobre a Tolerância publicado original mente apenas em 1762 Neste ensaio o autor liberal defende a religião como algo da esfera íntima do indivíduo pois não caberia ao Estado promulgar formas de culto a Deus ou ritos reli giosos A relação entre Estado e Religião deveria se dar do ponto de vista desse autor na ideia de tolerância capacidade desenvolvida pela religião 233 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 que tornaria os seres humanos aptos ao diálogo e à defesa dos bens civis Assim é do ponto de vista do liberalismo clássico que se lançam as bases para o que se reconhece em termos modernos como laicidade a defesa do direito de culto religioso e a religião como instituição e prática que deve estar fora do Estado e das questões políticas Nesse sentido ressalvase a liberdade de consciência e crença como direitos fundamentais do ser humano e do indivíduo Prática 1 Pluralismo na prática Objetivo Mapear e reconhecer a existência ou não da diversidade religiosa na realidade social próxima Sugestão de desenvolvimento Na primeira seção do texto discutese brevemente a questão do plura lismo religioso como descrita pelo sociólogo Peter Berger 2017 Encarar o pluralismo significa reco nhecer a diversidade de expressões das diferentes manifestações religiosas Tendo tal perspectiva como norteadora convide o grupo em formação a elaborar uma pesquisa sobre quais manifestações religiosas existem nos bairros onde habitam Para tanto estimule as pessoas participantes a conversar com suas famílias vizinhos ou outros moradores das localidades sobre os lugares que elas frequentam e conhecem Podem ser igrejas e templos Festas Procissões Monumentos ou Eventos de Porte A seguir crie uma lista destas manifestações com os seguintes itens 1 Qual o nome desta manifestação Exemplo Igreja de Nossa Senhora Aparecida 2 Qual sua categoria Templo Religioso Festa ou Evento Monumento 3 Qual a manifestação religiosa desse local ou evento Exemplo Católica Evangélica Umbandista etc 3 Desde quando ele existe ou acontece naquele local 4 As pessoas do bairro frequentam este localativi dade Em que período do ano dia horário Feito este levantamento convide o grupo a com parar as listas com colegas e mapear quais nomes se repetiram Quais não Materiais utilizados Para a construção da lista folhas de caderno canetas ou em formato virtual como uma planilha do google docs por exemplo Para a exposição dos resultados será importante um espaço para sistematização das informações Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em um ambiente de educação formal está atividade pode ser desenvolvida com a colaboração entre docentes de geografia sociologia filosofia e história buscando construir coletivamente com os resultados acumulados um mapa com legen das que identifiquem os lugares de culto religioso identificados Prática 2 Trajetórias das opções religiosas Objetivo Mapear como diferentes gerações fizeram suas escolhas religiosas e perceber as continuidades e rupturas em relação a religião Sugestão de desenvolvimento Busque construir a genealogia das pessoas participantes da formação levando em consideração sua história pessoal e a de seus antepassados Para isso converse sobre a história de vida de seus responsáveis e das gerações anteriores incluindo se houver tios e tias primos e outras pessoas das relações familiares Pergunte sobre a religião ou religiões que eles já frequen taram durante o percurso de sua vida e busque informações sobre a idade e se houve mudança o que motivou esta mudança e em que idade ou período ela ocorreu A intenção é perceber como há permanências e mudanças em relação a religião Materiais necessários cadeiras dispostas em cír culo para favorecer o diálogo 234 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 Prática 3 O Brasil é um país que res peita a liberdade religiosa Objetivo Debater e discutir o respeito à liberdade religiosa Sugestão de desenvolvimento Convide o grupo a reler coletivamente a seção O Culto religioso como direito fundamental no Brasil e do mundo A partir daí crie dois grupos que debaterão a questão proposta no título da atividade Cada grupo terá que montar uma defesa de um ponto de vista sobre a questão que dá título à essa prática SIM ou NÃO A defesa seguirá o seguinte roteiro Cada grupo deve apresentar seu posicionamento fundamentandoo Sugestão de tempo 10 min A seguir cada grupo terá direito a uma réplica e uma tréplica Sugestão de tempo 10 min Ao final das réplicas e das tréplicas cada grupo deverá apresentar uma conclusão Para ajudar a fundamentar o debate os grupos podem verificar as seguintes notícias Do portal Senado Notícias a matéria Senadores lembram Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa Agência Senado Brasília 21 jan 2022 Disponível em httpswww12senadolegbrnoticias materias20220121senadoreslembramdianacio naldecombateaintoleranciareligiosa Acesso em 25 jan 2022 Do portal JusBrasil a matéria Aluna será indenizada por desrespeito à liberdade religiosa em escola pública JusBrasil 2019 Disponível em httpscarvalhoad vocaciajuridicajusbrasilcombrnoticias674571250 alunaseraindenizadapordesrespeitoaliberdade religiosaemescolapublica Acesso em 25 jan 2022 Do portal G1 a matéria RJ registra mil casos de into lerância religiosa em 2 anos e meio G1 18 ago 2015 Disponível em httpsg1globocomriodejaneiro noticia201508rjregistramilcasosdeintoleran ciareligiosaem2anosemeiohtml Acesso em 25 jan 2022 PARTE 2 LIBERDADE DE CRENÇA Tal como apresentado na seção anterior a liberdade de pensamento e de crença funda menta a perspectiva liberal e a defesa da escolha religiosa e de seu culto como liberdades funda mentais No entanto é necessário ponderar que embora esses princípios liberais se apresentem sob a forma de direitos individuais fundamentais o processo de laicização da sociedade isto é da separação entre Estado e Religião é um processo social complexo que na realidade dá início a novas formas de relação e de influência mútua entre a esfera religiosa e a esfera estatal possi bilitando o aparecimento daquilo que chamamos de espaço público Saiba Mais De acordo com os autores Camurça Silveira e Andrade Júnior 2020 p 982 o Espaço Público é o lugar onde se expressa a democracia território onde estão aloca dos grupos indivíduos classes sociais atravessados por fluxos e refluxos manifestações e trânsitos espaço onde conflitam e se constituem as legitimidades sociais Vejamos em especial o caso brasileiro a partir da Proclamação da República e da pro mulgação da Constituição de 1891 criouse efe tivamente um instrumento jurídico de separação entre Estado e Religião inspirado nos modelos francês e norteamericano que delimitou uma série de atribuições a cada uma dessas institui ções A partir de então além do Estado não pos suir mais uma religião oficial declarouse a invio labilidade da liberdade de consciência e crença Junto a isso determinouse que não ocorreriam mais eleições para cargos estatais no interior de instituições religiosas que não haveria ingerência de agentes governamentais na escolha de cargos do clero estabeleceuse o monopólio estatal sobre o registro civil e a anulação dos efeitos civis dos sacramentos como batismo e casamento determinouse a criação de cemitérios públicos e se instituiu a educação pública como sendo de responsabilidade do Estado apartando o ensino religioso das escolas públicas CAMURÇA SIL VEIRA ANDRADE JR 2020 p 982 Porém ainda segundo Camurça Silveira e Andrade Júnior 2020 o caso do Estado brasileiro teve modulações e reformulações em sua relação com a Religião as quais foram inscritas ao longo de suas Constituições Assim se em 1891 como 235 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 vimos houve uma radicalidade na separação entre Estado e religião entendida aqui como a então oficial a Igreja Católica ao longo do século XX essa radicalidade foi se flexibilizando Nesse sen tido a história da relação entre Estado e religião mediada pela laicidade tem matizes específicas na realidade brasileira na qual o peso da religião católica estabeleceu por muito tempo o modelo de pensamento e conduta não só para as práticas religiosas e por consequência as liberdades e os direitos de crença e culto mas para a regulação da religião como parte da vida social Legenda A construção do Cristo redentor na então capital do Brasil e sua inauguração durante o governo Vargas em 1931 pode ser vista como um exemplo da hegemonia da religião católica e do aspecto contra ditório e flutuante do processo de separação entre Igreja e Estado Fonte Disponível em httpsbrasilianafotografica bngovbrbrasilianahandle205001215616128 Quando observamos a Constituição de 1934 por exemplo apesar de seu estatuto laico percebese uma estratégia de colaboração entre Estado e Religião especificamente representada na figura da instituição católica É neste período em que são criados feriados religiosos retornam as permissões para a criação de cemitérios religio sos reconhecemse os efeitos civis do casamento religioso entre outras coisas Além disso neste contexto os privilégios da instituição católica se veem reforçados em sua relação com o Estado através de parcerias financiamentos e isenções de impostos CAMURÇA SILVEIRA ANDRADE JR 2020 p 982983 Portanto não se pode pensar a história do processo de laicização da sociedade brasileira sem levar em consideração o peso e o privilégio de determinadas tradições e instituições religiosas em detrimento de outras Pois se é verdade que a pluralidade religiosa é uma das características da sociedade brasileira também é verdade que essa pluralidade está estruturada de maneira hierarquizada e desigual na justa medida em que a própria formação da sociedade brasileira se dá de maneira hierarquizada e desi gual Assim vista por este prisma a liberdade de crença enquanto um direito historicamente não implicou em liberdade de crença de fato e a história da laicização da sociedade brasileira constituiu um espaço público no qual as expres sões religiosas de nossa sociedade têm peso e representatividade desiguais Saiba Mais Violência institucional pode ser entendida como a vio lência física ou simbólica praticada por agentes estatais no exercício de suas funções e que se apresenta sob as mais diferentes formas como por exemplo na omissão descaso recusa ou seletividade na prestação de serviços ou na garantia de direitos Nesse sentido a violência institucional também se caracteriza pelo uso do poder do Estado para reforçar formas de dominação e desi gualdade estabelecidas na sociedade Quando direcionamos nosso olhar para expressões religiosas nãohegemônicas de nossa sociedade percebemos que o processo de laici zação não pode deixar de ser visto também como uma história de repressão e violência institucional Por isso é importante considerar que em fins do século XIX a construção do Brasil Republicano se deu sob forte influência do discurso positivista que por um lado se caracterizava por ser avesso ao discurso e às instituições religiosas e por outro se destacava pela promoção de um discurso cien tificista e moral que exerceria forte influência no 236 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 modo de reconhecimento e repressão de deter minadas práticas por parte do Estado brasileiro Foi assim que práticas que não eram em fins do século XIX e começo do século XX entendidas ou aceitas como religiosas tais como ritos e reuniões que incorporam a mediunidade transe uso de oráculos e práticas terapêuticas passaram a ser perseguidas e criminalizadas O Código Penal de 1890 em seu capítulo Contra a Saúde Pública transformava em crime diferentes práticas que foram aglutinadas sob o nome de espiritismo e curandeirismo GITIRANA BACH BAGGIO 2019 Dessa forma as religiões de matriz africana acabaram sofrendo não só o preconceito mas também uma forma de não reconhecimento enquanto religião sendo repri midas pela violência policial até meados dos anos 1940 As Constituições de 1934 e 1937 mantive ram a linha de tratamento das anteriores Em 1940 porém o novo Código Penal suprimiu refe rências expressas ao espiritismo magia sortilégios talismãs e cartomancia mas manteve os crimes de charlatanismo e curandeirismo de forma um pouco diferente do Código de 1890 GITIRANA BACH BAGGIO 2019 p 60 É neste contexto que as religiões de matriz africana são diferenciadas do espiritismo conforme reconhecem os sociólogos Roger Bastide As reli giões africanas no Brasil 1973 e Lísias Nogueira Negrão Entre a cruz e a encruzilhada formação do campo umbandista em São Paulo 2001 Ambos apresentam um dado importante para entender mos a presença das religiões no campo brasileiro no momento de sua ruptura com o Estado e da criação da liberdade de crença pensada e firmada apenas para o catolicismo Nesse período houve uma distinção entre o Espiritismo originalmente branco europeu ligado às classes alfabetizadas e o chamado baixo espiritismo que congregava ritos e crenças ligados à magia e práticas de cura Lísias Negrão 2001 aponta como o aparato poli cial e estatal que enquadrava tais práticas como charlatanismo e curandeirismo reprimia e incomo dava terreiros pais de santo adivinhos e outros praticantes de cultos ligados à matriz africana A perseguição policial e o preconceito da imprensa escrita contra as umbandas e os candomblés se estenderam até meados dos anos 1940 quando essas práticas religiosas ganham outros contornos de reconhecimento por parte do Estado Após o fim do Estado Novo a Constituição de 1946 por meio de emenda proposta pelo escri tor Jorge Amado então deputado constituinte pelo PCB estabeleceu em seu artigo 7º a inviola bilidade da liberdade de consciência e de crença assegurando o livre exercício de cultos religiosos De modo formal essa Constituição se assemelhava às anteriores sua diferença porém se caracteriza pelos critérios nela estabelecidos para a autorização de atividades religiosas as quais ficariam a cargo da Secretaria de Segurança Pública dos Estados O impacto sobre as religiões de matriz africana foi evidente para receberem autorização de funcio namento além de se regularizarem civilmente os responsáveis pelos cultos deveriam fazer prova de idoneidade moral bem como comprovar por um laudo psiquiátrico a perfeita sanidade mental GITIRANA BACH BAGGIO 2019 p 61 Isso quer dizer que os adeptos dessas expressões religiosas seriam constantemente associados a práticas e comportamentos de moral duvidosa e estereótipos de expressões perigosas que representavam o risco da loucura da doença mental e do crime Saiba Mais Conforme a cartilha Racismo Institucional uma aborda gem conceitual 2013 organizada pelo instituto Geledés e Cfema O racismo institucional ou sistêmico opera de forma a induzir manter e condicionar a organização e a ação do Estado suas instituições e políticas públicas atuando também nas instituições privadas produzindo e reproduzindo a hierarquia racial Confira em httpsandiorgbrwpcontent uploads202010RacismoInstitucionalumaaborda gemconceitualpdf Como vemos isso implicou não somente num novo ciclo de violência institucional sobre os praticantes de religiões de matriz africana mas também evidenciou os contornos do racismo institu 237 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 cional e do racismo religioso presentes na sociedade brasileira pois a forma de regulação do Estado através das suas leis dos seus serviços e recursos não promoveu o respeito e a tolerância a essas confissões religiosas pelo contrário organizou e reiterou determinados estereótipos sobre elas que já figuravam historicamente em nossa sociedade Para aprofundar Ao refletir sobre os limites do conceito de intolerância religiosa a partir no contexto das religiões tradicionais de matriz africana o doutor em linguística e babalorixá Sidnei Barreto Nogueira afirma que O racismo religioso condena a origem a existência a relação entre uma crença e uma origem preta O racismo não incide somente sobre pretos e pretas praticantes dessas religiões mas sobre as origens da religião sobre as práticas sobre as crenças e sobre os rituais Tratase da alteridade condenada à não existência Uma vez fora dos padrões hegemônicos um conjunto de práticas cul turais valores civilizatórios e crenças não pode existir ou pode desde que a ideia de oposição semântica a uma cultura eleita como padrão regular e normal seja reite radamente fortalecida Intolerância Religiosa Coleção Feminismos Plurais São Paulo Pólen 2020 p 47 Nesse sentido as ações do Estado se não aprofundaram as desigualdades a que estavam sujei tos os grupos sociais que praticavam tais religiões ao menos produziu uma gestão desta desigualdade tornandose muitas vezes o obstáculo que reiterou formas sutis de violência e justificou a presença da intolerância religiosa na própria da sociedade Em resumo quando falamos de liberdade de crença pouco entenderemos sobre o assunto se ficarmos restritos a um princípio abstrato É neces sário observar as condições concretas do processo histórico político e social que reorganizou a socie dade separando Estado e Igreja Pois se isso dá início à formação de uma sociedade laica e secular é certo também que reorganiza as formas de pre sença pública da religião Na sociedade brasileira isso se processou de forma cada vez mais flexível ao longo do século XX de modo que podemos traçar um horizonte em que veremos religiões historica mente hegemônicas na sociedade como a cató lica estabelecendo relações de colaboração com a esfera Estatal e dando forma ao que era tolerado e valorizado numa sociedade laica enquanto reli giões nãohegemônicas não possuíam os mesmos privilégios e poderes Assim se por um lado com o processo de laicização da sociedade houve uma regulação da liberdade religiosa por outro essa regulação se deu de modo tenso e conflituoso pois os modos das relações entre diferentes confissões religiosas com o Estado se apresentam de maneira desigual dado que se processam sob o efeito da própria condição e origem social das religiões na sociedade brasileira Ainda que a presença da Igreja Católica seja um dos traços fundamentais do contorno das rela ções entre as religiões e o Estado durante boa parte do século XX ao pensar nos casos anteriores é pos sível olhar para o verso da moeda a multiplicidade de presenças religiosas na sociedade brasileira e sua permanência permite que vejamos a possibilidade de mais matizes nessa ideia de separação radical entre os domínios da vida pública e política e a esfera íntima de liberdade de crença dos indivíduos Nesse sentido se quisermos pensar as impli cações da pluralidade religiosa em geral para pen sarmos a história da diversidade religiosa no Bra sil talvez seja mais interessante não partirmos de uma compreensão normativa do que vem a ser a laicidade do Estado ou o princípio de liberdade de crença Tomar tais elementos como valores em si mesmos faz com que se perca de vista que existe uma multiplicidade de presenças públicas e sentidos de agentes religiosos que à sua maneira tocam o tema da liberdade de crença dos direitos e da relação com o Estado de maneira a coadunarem a laicidade e as regras legais mas a partir de suas tradições expressões religiosas interesses e pro jetos de sociedade CAMURÇA 2017 Em outras palavras é preciso começar a pensar como os diferentes modos de presença da religião na sociedade brasileira se constituíram e colocaram para si o tema da liberdade de crença da laicidade e de sua presença no espaço público Isso é muito importante se quisermos compreen 238 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 der as formas de violência contemporânea que atravessam as formas de intolerância religiosa para assim estarmos mais bem preparados para lidar com casos de violação de direitos humanos VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS POR MOTIVAÇÕES RELIGIOSAS Como se sabe os direitos humanos não são apenas princípios fundamentais que podem servir de parâmetros para a efetivação e promoção de direitos mas também constituem um marco histó rico e político que resulta de longos processos de transformação social provocados por lutas políticas Como vimos na seção anterior quando se trata de pensar fenômenos religiosos em sua relação com a dimensão dos direitos humanos mais interessante do que focarmos em princípios abstratos é obser varmos como esses princípios e outros elementos foram e são mobilizados na história da nossa socie dade e como moldam à realidade em que vivemos Para aprofundar Para compreender melhor a ideia de que as diferentes expressões religiosas da sociedade brasileira têm modos diferentes de presença no espaço público e estratégias e projetos distintos de expressão e reivindicação do direito de liberdade religiosa em nossa sociedade vale a pena conferir o documentário Cárcere dos Deuses Magia ou memória em tempos de opressão 2021 de Gabriel Sorrentino O filme faz um retrato da campanha Libertem nosso Sagrado vinculada à Assembleia do Estado do Rio de Janeiro e que teve como objetivo res gatar do Museu da polícia civil do RJ um acervo de mais de 200 peças consideradas sagradas para as religiões de matriz africana Como vimos as religiões de matriz africana sofreram períodos de perseguição por parte do Estado ao longo do século XX e o caso retratado no filme faz parte de um longo processo de luta por reconhecimento reparação e memória dessa história Contribuindo assim não só para o registro histórico mas para a promoção valorização e respeito dessas expressões religiosas de nossa sociedade O material está disponível em httpswwwyoutube comwatchvZC1wVGtdygI Quando passamos em vista a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948 vemos que ela toca na questão da liberdade religiosa em seu artigo 17 no qual expõe que Art 17 Toda pessoa tem o direito à liber dade de pensamento consciência e religião este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino pela prática pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente em público ou em particular ONU 1948 Neste sentido vemos não só que aqueles princípios liberais que mencionamos anterior mente estão presentes nesta declaração moderna dos direitos humanos mas também observarmos que ela expressa a condição da presença religiosa no mundo contemporâneo na medida em que apresenta a expressão religiosa sob uma perspec tiva pluralista pois a Declaração só pode estabe lecer que o indivíduo tem o direito de mudar de religião se considerar a diversidade de expressões religiosas como o solo sobre o qual constituir e promover este direito fundamental dando forma assim a um modelo de condição humana e seus modos de relação com a esfera religiosa Esse desenho tem relação como os modos de pensar mos as garantias desses direitos e as suas formas de promoção No caso brasileiro este direito é reconhe cido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º bem como reforçado por documentos e programas dos textos e documentos estatais Destacase dentre esses documentos uma carti lha elaborada pela então Secretaria de Estado dos Direitos Humanos de 2004 que propõe dentre várias ações a criação de uma cultura da paz e do diálogo interreligioso com fins a promover o respeito à diversidade religiosa e alcançar o fim da intolerância e da motivação baseada em crenças religiosas Ainda que o programa tenha sido pensado em termos mais amplos dos direitos humanos localizar o fenômeno religioso como ponto de tensão que gera conflitos sociais que precisam ser 239 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 resolvidos é relevante pois é a partir da expres são concreta dos conflitos religiosos em nossa sociedade que poderemos imaginar o que de fato pode ser uma cultura da paz e o diálogo interreligioso Para além da reparação histórica das violências sofridas pelas religiões de matriz africana reconhecida no preâmbulo do docu mento há um novo panorama no qual a religião aparece nos discursos públicos de atores diversos religiosos ou não Por exemplo como apontam Camurça Sil veira e Andrade Jr 2020 nos últimos anos houve um aumento da presença pública dos atores reli giosos na cena eleitoral e nas discussões sobre a expansão de direitos no Brasil Essa presença pública diz respeito ao modo como as diferentes expressões religiosas da sociedade brasileira se posicionam a respeito de determinados temas da agenda política e social em nosso país e até mesmo promovem estas agendas a partir das demandas de suas comunidades e de seus pró prios interesses e projetos Neste cenário os autores apontam as dife rentes direções em que a presença pública das diversas religiões tensiona debates na sociedade de um lado a expansão do reconhecimento de sujeito de direitos de grupos minoritários e a defesa aberta da diversidade de outro o alinha mento entre alguns grupos religiosos com seto res políticos conversadores Assim vemos que existe um horizonte de perspectivas conflitantes e tensões entre esses dois polos sociopolíticos e religiosos na justa medida em que o avanço de um lado pode ser visto enquanto um retrocesso para o outro O grande impasse é que frequentemente perspectivas conservadoras acabam por atritar com políticas elaboradas em alinhamento com a agenda de promoção dos direitos humanos desa fiando um ajustamento favorável para a atuação dos diversos grupos religiosos no espaço público Como explicam Camurça Silveira e Andrade Jr 2020 p 990 Dentre as várias controvérsias que inse riram os religiosos conservadores no debate público mobilizando mídias e suas parcelas de apoio na sociedade projetos de lei e investidas no execu tivo estão aquelas relacionadas a sua rejeição à extensão de direitos civis aos casais homoafetivos Da mesma maneira os debates em torno da moralsexual envolvendo as igrejas cristãs tradicionais em confronto com instâncias governamentais e ONGs liga das a saúde a sexualidade e direitos reprodutivos Dessa forma as políticas públicas relativas à família e à saúde da mulher tornamse objeto de disputas dos religiosos conservadores empe nhados na defesa de representações naturalizadas da moral da sexualidade e da concepção de vida CAMURÇA SENA E ANDRADE 2020 p 990 Como podemos perceber as controvérsias em torno de temas sensíveis se tornaram um modo bastante produtivo de para determinados setores marcar sua presença pública em nossa sociedade e assim não só disputar os sentidos de determinadas políticas públicas mas promover um projeto de sociedade e buscar atender aos interesses de determinados grupos sociais Prática 4 Podcast e diversidade religiosa Objetivo Elaborar um programa de podcast com algum tema relacionado à promoção do respeito à diversidade religiosa Sugestão de desenvolvimento Muito se fala acerca da importância da divulgação de informações qualificadas para a educação em direitos humanos e a promoção do respeito à diversidade religiosa Uma estratégia interessante é buscar veicular estas informações a partir das diferentes mídias com a finalidade de atingir públicos maiores e mais diver sificados O podcast pode ser uma ferramenta inte ressante para alcançar estes objetivos Ao propor a elaboração de um podcast você está fazendo com que as pessoas participantes se apropriem dos conhecimentos aprendidos durante as formações ampliem seus repertórios através de pesquisa e sistematizem a informação a fim de divulgála Para isso a atividade consiste em 4 etapas 240 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 1ª Etapa Convide as pessoas participantes a formar grupos de até 5 pessoas Na sequência você deverá definir um tema relacionado à ideia respeito à diversidade religiosa para ser desenvolvido em um programa de podcast 2ª Etapa As pessoas participantes devem desen volver um roteiro para o programa definindo o nome do podcast o tempo de duração entre 5 e 10 minutos o formato do programa entrevista informativo discussãodebate etc e por último o próprio conteúdo do programa 3ª Etapa Escolham conjuntamente um aplicativo para o desenvolvimento do podcast sugerimos apps gratuitos como Anchor Podbean e Soundtrap 4ª Etapa Por fim devese compartilhar e divulgar as produções entre si e em suas redes sociais e pro mover um debate em sala de aula comentando o resultado da experiência Materiais necessários Smartphone internet Prática 5 Imagens do Pluralismo Religioso Objetivo Criar uma página do Instagram com ima gens que expressem o pluralismo religioso na sua cidade Sugestão de desenvolvimento As redes sociais têm um grande potencial para a promoção da edu cação em direitos humanos Redes sociais como o Instagram por exemplo permitem a visualização conjunta de uma diversidade de olhares que as pessoas em formação podem produzir acerca de sua realidade Além disso a fotografia se apresenta como um recurso interessante para promover a articulação entre a experiência subjetiva das pes soas e a orientação do olhar que os conteúdos do material podem proporcionar Então juntamente com oa mediadora o grupo deve criar uma conta compartilhada no Instagram e elaborar uma série de posts que possam nos fazer refletir acerca do pluralismo religioso em nossa cidade seja a partir de expressões cotidianas como altares caseiros objetos de uso comum até expressões mais ins titucionalizadas da presença religiosa no espaço público como templos praças monumentos nomes de ruas e lugares ou registros de rituais cultos etc Materiais smartphone internet Prática 6 A materialidade da presença pública das religiões Objetivo Elaborar um infográfico acerca de algum monumento ou espaço que simbolize a presença pública de diferentes expressões religiosas em sua cidadelocalidade Sugestão de desenvolvimento Voltar a atenção à cultura material das religiões é bastante importante se quisermos compreender as diferentes formas de presença pública e a hegemonia de determinadas religiões no interior da nossa diversidade religiosa Infográficos são ferramentas importantes para a sistematização de informações e no caso em questão podem servir de maneira adequada para a composição de um painel que consiga promover a reflexão acerca da presença pública das religiões em nossa sociedade Para isso juntamente com oa mediadora o grupo deve observar e registrar alguma expressão da presença pública de religiões monumentos estatuas placas praças parques e etc Os registros devem ser preferencialmente de sua cidade ou Estado A elaboração do infográfico deve conter imagens e informações a respeito da história e do significado daquela expressão mate rial A ideia é que após a elaboração e exposição do material oa mediadora promova um debate acerca do resultado da atividade no sentido de refletir se a materialidade da presença pública das religiões em sua cidade expressa de fato a diversi dade religiosa de nossa sociedade Materiais Computador ou Smartphone e internet Sugerimos que os infográficos sejam feitos através de plataformas que possuam modelos diversificados de infográficos e permitam a adaptação ou cria ção a partir dos objetivos da atividade Sugestão Plataforma Canva PARTE 3 CONFLITOS MOTIVADOS POR INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL Outros dois exemplos que podemos elen car para compreender melhor a relação entre conflitos motivados por intolerância religiosa e as diferentes estratégias de presença pública das religiões no Brasil são as controvérsias sobre a constitucionalidade do abate de animais em rituais religiosos de religiões afrobrasileiras e 241 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 a controvérsia relativa à Cura Gay Vejamos de modo um pouco mais detalhado cada uma des sas situações para que possamos compreender de que forma a presença pública de expressões religiosas pode se constituir em estratégias de atuação que consistem elas mesmas violações de direitos humanos ou servem como pretensas justificativas para tais violações Em agosto de 2018 o Supremo Tribunal Federal deu início ao julgamento de um Recurso feito pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul MPRS que visava reverter uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado que julgou como improcedente uma ação do próprio Ministério Público o qual exigia o reconheci mento da inconstitucionalidade da Lei Estadual 121312004 Essa lei estabeleceu o acréscimo de um parágrafo único ao artigo 2º de uma outra lei que instituiu no Estado do Rio Grande do Sul o Código Estadual de Proteção aos Animais Lei Estadual 119152003 O projeto de lei que dá início à elaboração do Código Estadual de Proteção aos Animais em seu artigo 2º prevê uma série de vedações nas relações entre humanos e animais dentre as quais o sacrifício de animais sem ressalva alguma GITIRANA BACH BAGGIO 2019 p 489 Algumas lideranças religiosas percebendo que a legislação em questão poderia pôr em risco as práticas rituais das religiões de matriz afri cana articularamse com um representante do legislativo e apresentaram uma proposta que visava garantir o livre exercício da liturgia des sas religiões garantindo a prática do sacrifício animal nesses casos IDEM Tal estratégia foi bemsucedida e se consolidou com a aprovação da Lei 121312004 que inseriu o parágrafo único no artigo 2º do Código Estadual de Proteção aos Animais Segundo o artigo 1º da referida lei Art 1º Fica acrescentado parágrafo único ao art 2º da Lei nº 11915 de 21 de maio de 2003 que institui o Código Estadual de Proteção aos Animais no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul com a seguinte redação Art 2º Parágrafo único Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cul tos e liturgias das religiões de matriz africana É com a inserção dessa pequena ressalva de pouco menos de duas linhas que a controvér sia tem início O procuradorGeral de Justiça do Rio Grande do Sul entrou com uma Ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de justiça do estado com a justificativa dentre outras de que o parágrafo ao fazer alusão exclusiva às religiões de matriz africana violaria o princípio de isonomia isto é o princípio de igualdade de todos perante a lei Segundo essa interpretação com tal redação o parágrafo trataria de maneira diferenciada as religiões de matriz africana O tribunal de justiça do Rio Grande do Sul julgou improcedente a ação do MPRS e declarou a constitucionalidade da lei que garante o livre exercício dos rituais das religiões de matriz afri cana Segundo Gitirana Bach e Baggio 2019 p 5051 o relator da ação no TJRS afirmou que Não é possível presumir que toda morte de animais nos rituais e nos cultos de religiões de matriz africana sejam caracterizadas automatica mente pela crueldade Aponta ainda o relator que se de um lado há a fra gilidade da presunção de uma dita crueldade de outro há a garantia da liberdade de culto expressa no artigo 19 I da CF Constituição federal A partir de então a opção do MPRS de recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Fede ral deu amplitude à controvérsia e acabou por revelar um conflito aberto contra as religiões de matriz africana e uma de suas expressões litúrgicas fundamentais o sacrifício de animais Se observarmos esta situação mais atentamente veremos que a controvérsia se desenha a partir de uma estratégia que gira ao redor de inter pretações conflitantes entre um conjunto de normas referentes aos direitos dos animais e direitos constitucionais básicos Inicialmente tudo se passa como se fosse uma mera questão interpretativa provocada pela demanda de uma exclusividade humana religiosa 242 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 no caso diante da crescente consolidação dos direitos animais No entanto se observarmos os elementos extrajurídicos que compõem o cená rio isto é tudo aquilo que está fora do âmbito estritamente jurídico mas que contribui para que a problemática tenha um sentido para que ela se torne uma controvérsia pública e instigue a sociedade a se posicionar a seu respeito vere mos diversos elementos que representam traços de intolerância religiosa bem como as carac terísticas que marcam expressões de racismo institucional e racismo religioso O modo como o debate público ao redor do tema foi mobilizado recorrentemente abdicou de apontar que outras expressões religiosas presentes em nossa sociedade também possuem rituais de sacrifício animal e no entanto não são alvo de processos judiciais Além disso deixou de apontar que amplos setores do agronegócio exportam toneladas de carne para países de tradição islâmica respeitando todos os seus preceitos religiosos no processo de abate dos animais abate Halal Paralelamente o modo como ativistas políticos e religiosos contrários à prática do sacrifício animal se mostraram insen síveis ao significado cultural que esses rituais possuem para os praticantes das religiões de matriz africana e o modo como os próprios agen tes do sistema de justiça deram continuidade ao processo recorrendo ao STF e amplificando a controvérsia de modo a fazer circular e reiterar uma série de preconceitos acerca das práticas das religiões de matriz africana no espaço público despontam significativamente enquanto expres sões de racismo religioso e racismo institucional justamente pela seletividade em relação aos grupos sociais impactados por essas ações Apesar de tudo no dia 28 de março de 2019 o Supremo Tribunal Federal julgou a impro cedência do recurso extraordinário pleiteado pelo MPRS pondo fim à controvérsia que esta belecia um conflito entre lei de proteção ambien tal e o princípio de liberdade religiosa Para a Suprema Corte é constitucional a lei de proteção animal que a fim de resguardar a liberdade reli giosa permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana BRASIL 2019 p 3 O acórdão ainda afirma que destacar a especificidade das religiões de matriz africana nesta situação tem por finalidade reconhecer o preconceito histórico associado a elas no Brasil Este foi portanto um passo importante para a garantia da liberdade religiosa e o reconheci mento por parte do Estado do longo processo de marginalização a que foram submetidos os grupos sociais geralmente associados a estas expressões religiosas Em se tratando da controvérsia relativa ao que ficou conhecido como Cura Gay podemos observar uma configuração um pouco diferente do caso anterior Neste caso não se trata de um conflito que tenha impacto sobre uma minoria religiosa mas sim uma manifestação de into lerância que parte de grupos religiosos contra expressões de identidade de gênero e sexua lidade de parcelas significativas da população brasileira Um marco importante para compreender mos o início dessa controvérsia é a implementa ção por parte do Conselho Federal de Psicologia CFP da Resolução 0199 em 22 de março de 1999 A resolução do CFP proíbe psicólogos e psicólogas brasileiros de colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades GONÇALVES 2019 p 176 Partir dessa resolução enquanto marco histórico é importante pois foi em disputas ao redor dela que a controvérsia se desenhou nos anos seguintes Como se sabe conselhos profissionais têm por função regular normatizar e fiscalizar o exercício profissional e nesse sentido o peso da resolução do CFP é de fundamental impacto para a atuação do psicólogo Por isso mesmo diante da Resolução 0199 a reação de setores religiosos conservadores se fez bastante intensa uma vez que suas crenças e valores vão em sen tido contrário às prescrições da Resolução e movidos por tais valores investem em práticas combativas às diferentes expressões de iden tidade de gênero e orientação sexual que se distanciam do padrão tradicional preconizado 243 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 por elas como construção divina inquestionável Por assim crerem buscam oferecer atividades de reversão para estas identidades que lhes parecem desviadas Para aprofundar O filme documentário Expajé 2017 do diretor Luiz Bolognesi ganhador da Menção Especial no Festival de Berlim 2018 apresenta uma reflexão bastante interes sante a respeito de como os conflitos religiosos da nossa sociedade impactam as populações indígenas O filme conta a história de Perpera indígena do povo Paiter que se viu obrigado a abandonar a prática xamânica depois que sua comunidade isolada até o ano de 1969 foi ocupada por nãoindígenas A ocupação trouxe consigo ações de intolerância religiosa e violência simbólica ao negar o xamanismo como prática espiritual de seu povo resultando no apagamento gradual da figura do pajé bem como na instituição do cristianismo evangélico na comunidade Demonstra assim os desafios e a urgência de traçarmos um entendimento sobre direitos humanos e religião no Brasil Assim a partir da implementação da Reso lução 0199 observamos no ano de 2013 o início de uma reação mais organizada visando comba ter os efeitos normativos estabelecidos pelo CFP Parlamentares vinculados à grupos religiosos no Congresso Federal apresentaram um projeto de decreto legislativo PDC 23420112 que foi aprovado pela comissão de direitos humanos da câmara de deputados visando suspender os efeitos do parágrafo único que proibia a colabo ração de psicólogos em eventos e serviços que propunham tratamento e cura para homossexua lidade GONÇALVES 2019p 176 A recepção por parte de movimentos sociais ONGs asso ciações científicas foi extremamente crítica e o projeto foi repudiado publicamente reiterando a compreensão científica de que homossexuali dade não é doença Em meio a esse embate sob o efeito das fortes críticas o projeto foi retirado de tramitação distensionando assim o primeiro embate público relacionado à ideia de cura gay Porém já em 2017 um grupo de psicólogos de orientação cristã promoveu uma ação popu lar contra o Conselho Federal de Psicologia e teve sua demanda atendida em caráter liminar pelo judiciário A ação popular visou suspender trechos da Resolução 0199 de modo que a deci são liminar estabeleceu que o CFP não poderia proibir a atuação de psicólogos em temas ou tratamentos relacionados à reorientação sexual Um dos argumentos principais da ação popu lar afirmava que a resolução se tratava de uma censura prévia que impediria o livre exercício da profissão tornandose um obstáculo ao desen volvimento de pesquisas científicas estudos e tratamentos acerca de práticas homoeróti cas limitando assim o direito de liberdade de pesquisa científica conforme estabelecido pela Constituição Federal GONÇALVES 2019p 178 Além disso a estratégia escolhida pela ação popular procurou estabelecer uma distinção que se apresentou crucial para a concessão da liminar Ao utilizarem uma categoria médica cha mada orientação sexual egodistônica os autores da ação conseguiram contornar o teor da Resolu ção 0199 que não fazia menção a essa categoria Assim na decisão liminar o juiz estabeleceu que a ação não visava a inconstitucionalidade da Resolução mas sim que a interpretação do CFP estaria equivocada ao proibir e cercear o direito de pesquisa acerca da condição egodis tônica A distinção formal entre homossexuali dade e orientação sexual egodistônica não é uma invenção a categoria ainda consta na 10ª edição do Código Interacional de Doenças e é um res quício do longo processo de patologização das homossexualidades Em razão disso a categoria serviu portanto de justificativa plausível para o sucesso ao menos temporário da ação popular GONÇALVES 2019 p179 A decisão favorável a essa ação popular também foi duramente criticada por movimentos e associações profissionais além de ser questio nada no STF pelo próprio Conselho Federal de Psicologia Fruto desse movimento o STF em 2019 concedeu liminar mantendo a eficácia inte gral da Resolução 0199 do CFP e suspendendo a ação popular GONÇALVES 2019p 192 244 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 Essa disputa denota as múltiplas dificul dades e desafios para equilibrar todas as dimen sões das relações existentes entre liberdade de crença religiosa e a agenda dos demais direitos humanos bem como o grande desafio de fazer efetivo o princípio da laicidade na sociedade brasileira Isto porque guiados por seus valores religiosos e no intuito fazêlos hegemônicos na sociedade ao ocuparem o espaço público assim orientados tornamse frequentes os conflitos entre tais valores e alguns princípios que regem o Estado voltados a promover uma cultura e um espaço público numa perspectiva secularizada e laica O grande problema é que por vezes as posturas combativas de alguns grupos religiosos em defesa de seus valores morais acabam impac tando contra políticas de proteção e ampliação de direitos para grupos sociais minoritários não apenas os colocando em situações de vulne rabilidade mas ampliando o ciclo de violência a que essas pessoas estão expostas em nossa sociedade Para concluir podemos perceber a partir dessas duas controvérsias como se tensionam a dimensão histórica e social do arranjo institucio nal que dá forma à nossa laicidade a dimensão normativa que estabelece os direitos funda mentais e regula a forma do espaço público e as diferentes estratégias de presença pública da religião concorrendo ora para uma amplifi cação de conflitos que violem ou justifiquem a violação de direitos humanos ora para a garan tia ou ampliação de direitos seja no sentido da garantia de liberdades religiosas ou na garantia e promoção de direitos humanos que consoli dem uma compreensão secularizada da nossa experiência social O certo é que tal como se apresentam hoje esses elementos nos fazem crer que os conflitos estão longe de desapare cer e por isso nos recolocam continuamente a tarefa de pensarmos os desafios da educação em direitos humanos no horizonte de uma sociedade democrática e plural Prática 7 Mapeando controvérsias públicas de motivação religiosa Objetivo Sistematizar uma controvérsia pública de motivação religiosa e debatêla com a turma Sugestão de desenvolvimento Uma atividade de pesquisa exige uma postura ativa diante do conhe cimento do material O recurso à noção de contro vérsia serve como uma forma de situação problema por meio da qual asos participantes irão analisar compreender e sistematizar os diferentes níveis de complexidade da questão em curso de modo a delinear mais facilmente os problemas relacionados à dimensão dos direitos humanos Assim com a mediação doa formadora as pessoas participantes devem dividirse em grupos e inspirandose pelas reflexões da Unidade pesquisar exemplos de outras controvérsias públicas de motivação religiosa A pesquisa deve ser capaz de sistematizar os dife rentes pontos de vista da problemática e levar em consideração a dimensão dos direitos humanos Por fim os grupos devem apresentar o resultado de sua pesquisa e promover um breve debate com a turma Materiais necessários As pesquisas podem ser elaboradas em material impresso e apresentadas por meio de cartazes ou projetores multimídia Prática 8 Controvérsias em debate Objetivo Debater as controvérsias públicas presen tes no material e compreender a sua relação com as violações dos direitos humanos Sugestão de desenvolvimento O debate é uma ferramenta importante para a aprendizagem ativa do conteúdo proposto pois além de fornecer uma experiência de troca diálogo e tolerância exige dos participantes a capacidade de síntese e o exercício de trabalho em equipe Para pôr em execução essa estratégia adote os seguintes passos 1 reler coleti vamente o conteúdo acerca das Violações de direitos humanos e fundamentais por motivações religiosas bem como as controvérsias mapeadas nesta terceira parte da Unidade 2 criar dois grupos que debaterão a partir de posições antagônicas 3 cada grupo terá que montar uma defesa de um ponto de vista sobre a controvérsia A defesa seguirá o seguinte roteiro Cada grupo deve apresentar seu posicionamento fundamentandoo Sugestão de tempo 10 min 245 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 A seguir cada grupo terá direito a uma réplica e uma tréplica Sugestão de tempo 10 min Ao final das réplicas e das tréplicas cada grupo deverá apresentar uma conclusão Materiais Recomendase o uso do próprio texto da unidade mas também referências externas que possam vir a complementar os argumentos em jogo no debate bem como o mapeamento de situações controversas sobre religião de direitos humanos Prática 9 Intolerância religiosa e o ponto de vista do outro Objetivo Compreender episódios de violação de direitos humanos por motivos religiosos a partir da elaboração de narrativas ficcionais Sugestão de desenvolvimento A proposta da ati vidade consiste em fazer com que as pessoas partici pantes se coloquem no lugar da situação de violência por meio de produção de dois relatos ficcionais em primeira pessoa A ideia é partir de uma situação concreta de um caso real para baseado nele criar dois personagens que narrem o episódio tanto do ponto de vista da vítima quanto do ponto de vista do algoz A partir desse exercício recomendase que oa mediadora conduza um batepapo no qual as pessoas presentes possam compartilhar as impres sões que tiveram ao escrever seus relatos ficcionais e assim compreender quais os argumentos que cada personagem foi capaz de produzir para justificar o fato ocorrido Materiais necessários Recomendase utilizar repor tagens fotografias ou imagens de audiovisual que se refiram a situações de violência ou intolerância religiosa de modo a sensibilizar asos participantes e oferecer um suporte para a criação ficcional Também serão necessários materiais para a escrita e produção textual que podem ser impressos ou digitais Direcionamentos Se você estiver desenvolvendo a formação em espaço de educação escolar a atividade pode desenvolverse em diálogo interdisciplinar entre as disciplinas de Língua Portuguesa história geogra fia sociologia filosofia e artes É possível retomar o conteúdo referente aos elementos composicionais da narrativa de ficção dando ênfase ao foco narra tivo Ainda dentro disso compreender como se dá a construção do personagem espaço e tempo para o desenvolvimento do enredo proposto CONSIDERAÇÕES FINAIS Pluralismo religioso e educação em direitos humanos onde nos situamos afinal Começamos esta unidade refletindo acerca do lugar comum em que geralmente o debate acerca do fenômeno religioso tem seu início e lamentavelmente seu fim Religião não se dis cute Se evocamos este dito tão comum entre muitos de nós foi tão somente para provocar mos a curiosidade necessária a todo processo de aprendizado Afinal se um imperativo des ses precisa se manifestar é porque o assunto já tomou conta da vida cotidiana e de maneira tão desconcertante que muitos veem como necessá rio censurálo Como se cruzássemos uma linha polêmica que alguns ainda insistem em traçar para se manter em segurança diante daquilo que consideram com razão um direito seu procura mos traçar um caminho de sensibilização para que pudéssemos falar também com razão daquilo que cada vez mais entendemos ser uma experiên cia fundamental para compreender a sociedade contemporânea Apesar das crenças de muitos estudiosos de que a religião estaria com os dias contados o que observamos quando analisamos o mundo atual é que ela está na ordem do dia e por isso com mais razão ainda devemos poder falar sobre ela Foi assim que ao longo desta Unidade passamos por algumas definições preliminares do fenômeno religioso fizemos um olhar pano râmico sobre a diversidade religiosa brasileira refletimos acerca das origens da liberdade de crença para então compreendermos que mais que uma palavra a laicidade é uma experiên cia concreta da história de cada sociedade e por isso terá características particulares em cada uma delas Nesse sentido este olhar histórico sociológico e antropológico sobre as relações entre Religião e Estado no Brasil permitiu que delineássemos a forma de alguns conflitos de motivação religiosa em nossa sociedade e fez com que entendêssemos que essa configuração do espaço público tem implicações sobre a forma como as diferentes religiões no Brasil construíram 246 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 sua presença pública em nossa sociedade Ao final apresentamos sob a forma de controvérsias dois recentes conflitos de motivação religiosa em nosso país compreendendo que a melhor forma de aprimorar o debate acerca das relações entre religião e direitos humanos é apresentando os diferentes níveis de articulação da religião com a realidade social e política que nos atravessa Nosso intuito foi o de mostrar que é impossível pensar em formas de gerir tais conflitos se não começarmos a reconhecer a dificuldade e a com plexidade histórica política e cultural que envol vem tais temas sobretudo porque o modo como encararmos isso tem e terá impacto sobre a vida de pessoas que hoje se encontram em situação de vulnerabilidade social seja pelas crenças que professam ou pelo modo como se identificam Assim modestamente terminamos por rei terar que não basta reconhecer que vivemos em uma sociedade com diversidade religiosa mas é preciso reconhecer que essa diversidade possui o peso histórico da desigualdade presente em nossa sociedade Por isso só será possível promover o diálogo e a tolerância religiosa se formos capazes não só de sensibilizar os outros com essa história mas também de oferecer condições concretas para o equilíbrio entre a livre expressão religiosa e a garantia e efetivação dos direitos fundamen tais Se existe um caminho para a educação em direitos humanos e a compreensão da diversi dade religiosa este é a nosso ver a urgência de compreendermos a complexidade dos conflitos contemporâneos para que possamos imaginar sob qual forma o nosso pluralismo poderá florescer REFERÊNCIAS BASTIDE Roger As religiões africanas no Brasil 3 ed São Paulo Pioneira 1973 BERGER Peter Os múltiplos altares da moderni dade rumo a um paradigma da religião numa época pluralista Petrópolis Vozes 2017 BRASIL República Federativa do Constituição Federal de 1988 Brasília Senado Federal 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrcci vil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 10 dez 2021 BRASIL Supremo Tribunal Federal Plenário Recurso extraordinário 494601 Rio Grande Do Sul Direito constitucional Recurso extraordinário com repercussão geral Proteção ao meio ambiente Liberdade religiosa lei 119152003 do estado do rio grande do sul Norma que dispõe sobre o sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana Competência concorrente dos estados para legislar sobre florestas caça pesca fauna conser vação da natureza defesa do solo e dos recursos naturais proteção do meio ambiente e controle da poluição Sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos Constitucionalidade Recor rido BrasíliaDF Relator Min Marco Aurelio 28 de março de 2019 Disponível em httpsredirstf jusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTPTPdo cID751390246 Acesso em 15 fev 2022 CAMURÇA Marcelo Ayres SILVEIRA Emerson Jose Sena ANDRADE JÚNIOR Péricles Morais de Estado laico e dinâmicas religiosas no Brasil tensões e disso nâncias Horizonte Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião Belo Horizonte v 18 n 57 p 9751001 setdez 2020 Disponível em http periodicospucminasbrindexphphorizontearticle view2388917872 Acesso em 10 jan 2022 CAMURÇA Marcelo Ayres A questão da laicidade no Brasil mosaico de configurações e arena de con trovérsias Horizonte Revista de Estudos de Teo logia e Ciências da Religião Belo Horizonte v 15 n 47 p 855886 julset 2017 Disponível em http periodicospucminasbrindexphphorizontearticle viewP217558412017v15n47p85512 283 Acesso em 10 jan 2022 DURKHEIM Emile As formas elementares da vida religiosa São Paulo Martins Fontes 1978 G1 Mundo Brasil é o 3º país onde mais se crê em Deus G1 São Paulo 25 abr 2011 Disponível em httpsg1globocommundonoticia201104 brasile3opaisondemaissecreemdeusempes quisahtmltextEstudo20em202320pa C3ADses20indicaou20de20um20ser20 supremotextO20Brasil20foi20o20ter 247 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 12 ceiropesquisa20conduzida20em202320 paC3ADses Acesso em 10 dez 2021 GEERTZ Clifford A interpretação das culturas Rio de Janeiro LTC Editora 1978 GITIRANA Julia BACH Gabriel Henrique Garcia BAGGIO Roberta Tom Entre o Axé e o Direito dos animais o conflito aparente de normas constitu cionais e a convivência intercultural e pluriver sal Revista de Direito da FAE 11 p 4380 2019 Disponível em httpsrevistadedireitofaeedu direitoarticleview3517 Acesso em 11 jan 2022 GONÇALVES Alexandre Oviedo Religião política e direitos sexuais controvérsias públicas em torno da cura gay Religião Sociedade online v 39 n 02 pp 175199 2019 Disponível em https doiorg101590010085872019v39n2cap07 Acesso em 16 fev 2022 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Censo 2010 número de católicos cai e aumenta o de evangélicos espíritas e sem religião Rio de Janeiro IBGE 2010 Disponível em httpscenso2010ibge govbrnoticiascensoid3idnoticia2170view noticia Acesso em dez 2021 MAFRA Clara Números e narrativas Debates do NER Porto Alegre ano 14 n 24 p 1325 jul dez 2013 NEGRÃO Lísias Nogueira Entre a cruz e a encru zilhada formação do campo umbandista em São Paulo São Paulo EDUSP 2001 NOGUEIRA Sidnei Barreto Intolerância Religiosa Coleção Feminismos plurais São Paulo Pólen 2020 Disponível em httpsfilescercompufgbrweby up1154oIntoleranciaReligiosaFeminismosPlu raisSidneiNogueirapdf1599239392 Acesso em 12 jan 2022 ONU Organização das Nações Unidas Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU Genebra 1948 Disponível em httpswwwuniceforgbrazil declaracaouniversaldosdireitoshumanos Acesso em 10 dez 2021 PIERUCCI Antônio Flávio Religiões no Brasil In BOTELHO Andre SCWHARCZ Lilia Cidadania um projeto em construção minorias justiça e direitos São Paulo Claro Engima 2012 RIO GRANDE DO SUL Governo do Estado do Lei Estadual 12131 de 22 de julho de 2004 Institui o Código Estadual de Proteção aos Animais no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul Porto Ale gre Assembleia Legislativa 2003 Disponível em httplprowebprocempacombrpmpaprefpoa sedausudocleiestadual11915pdf Acesso em 10 fev 2022 RIO GRANDE DO SUL Governo do Estado do Lei Estadual 11915 de 21 de maio de 2003 Acrescenta parágrafo único ao artigo 2º da Lei nº 11915 de 21 de maio de 2003 que institui o Código Estadual de Proteção aos Animais no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul Porto AlegreRS Assembleia Legisla tiva 2004 Disponível em httpswwwalrsgovbr filerepositoryreplegisarquivos12131pdf Acesso em 10 fev 2022 WOORTMNANN Klass Religião e ciência no renas cimento Brasília Editora da UNB 1997 248 INTRODUÇÃO Justamente por participarem de um processo global os povos locais continuam a se distinguir entre si pelos modos específicos como o fazem Sahlins 1997 p 57 A despeito das afirmações de que o capi talismo e o fenômeno da globalização acabariam com as culturas locais foi justamente no con texto de avanço das frentes de colonização Brasil afora ao longo do século XX que as comunida des tradicionais povos indígenas quilombolas extrativistas caiçaras ribeirinhos dentre outros surgiram como sujeitos políticos demandando direitos e legislações específicas que garantissem as condições de reprodução de seus modos de vida diferenciados A fim de abordarmos as múltiplas dimen sões da noção de comunidades tradicionais divi dimos esta Unidade em três seções inicialmente apresentamos algumas definições teóricocon ceituais sobre o tema destacando que comuni dades tradicionais é uma categoria histórica por excelência resultado da ação política de grupos que a partir da década de 1970 passaram a se organizar em movimentos sociais e entidades de representação Compreender a trajetória dessa formulação é importante para analisarmos suas diferentes existências ora como termo do uni verso jurídico e administrativo ora como categoria de identificação política dessas populações Na seção seguinte escrevemos sobre a grande diversidade cultural que caracteriza as comunidades tradicionais no Brasil suas dife renças internas suas especificidades regionais e experiências sociais distintas da sociedade nacio nal Para tratar da presença histórica distribuição territorial e manifestações atuais desses coleti vos além de mencionarmos grupos indígenas e quilombolas dedicamos algumas páginas aos grupos que se identificam e têm modos de vida e saberes relacionados com o mar as beiras de rio e mangues como caiçaras ribeirinhos e catadores de caranguejo e também as populações que vivem nas florestas a exemplo das quebradeiras de coco bacaçu seringueiros castanheiros faxi nalenses dentro outros Na terceira e última parte da unidade para discorrermos sobre os direitos garantidos às comunidades tradicionais historicizamos as violências civilizatórias perpetradas pela socie dade nacional e por órgãos estatais como o Ser viço de Proteção ao Índio e a FUNAI temas que Unidade 13 Direitos Humanos e Comunidades Tradicionais Pedro Henrique Frasson Barbosa Ricardo Cid Fernandes 249 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 recentemente foram discutidos e registrados nas Comissões Nacional e Estadual da Verdade Para conhecermos os desafios políticos da atualidade como os conflitos socioambientais e os grandes empreendimentos transcrevemos parte de uma entrevista inédita com Romancil Gentil Kretã liderança política Kaingang do Sul do Brasil PARTE 1 DEFINIÇÃO TEÓRICO CONCEITUAL DE COMUNIDADES TRADICIONAIS Povos e Comunidades Tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais que possuem formas próprias de organização social que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural social religiosa ancestral e econômica utilizando conhecimentos inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição Art 3o do Decreto 60402007 Essa definição de comunidades tradicionais apresentada no artigo 3o do Decreto 60402007 que institui a Política Nacional de Desenvolvi mento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais transporta para o plano do Direito e das Políticas Públicas temas clássicos das ciên cias sociais brasileira como identidade territo rialidade ancestralidade e tradição Todos são conceitos complexos que exigem para sua com preensão uma aproximação cuidadosa e bem informada pela literatura histórica e etnográfica No Brasil a colonização mobilizou popula ções e terras seja com a escravização de indíge nas e pessoas negras seja com a exploração de trabalhadores Durante séculos o ordenamento colonial impôs uma relação de domínio territorial excluindo tanto grupos que previamente ocupa vam vastas regiões quanto trabalhadores rurais despossuídos O avanço sobre os territórios era e ainda é justificado através da ideia de vazio demográfico ou seja terras a serem ocupadas pelo desenvolvimento Mais que uma ausência tratase de um apagamento explícito que assu miu diferentes formas nos diversos períodos da história brasileira Saiba mais O que é tradição Quando falamos em Tradição geralmente pensamos em algo relacionado ao passado e que tenha aspectos formais bem definidos uma festa uma comida uma roupa etc À primeira vista a tradição é sempre con servadora e reproduz um certo modo de ver e de ser no mundo Quando pensamos em populações tradicio nais esta definição precisa ser problematizada afinal estes povos não vivem no passado O historiador Eric Hobesbawn em sua obra A Invenção da Tradição nos ajudar a pensar sobre este conceito Para ele existe uma profunda diferença entre costume e tradição Enquanto o costume é essencialmente conservador a tradição é formada com a escolha de alguns aspectos simbólicos do passado ou não relevantes para o pre sente Neste sentido as tradições são sempre inventa das ensina Hobesbawn Podemos pensar em tradições inventadas no Brasil a partir de diferentes contextos O regime de sesmaria amplamente empregado na colonização a partir do século XVI operava através do reconhecimento desses vazios demográficos As terras do Brasil Colô nia eram públicas isto é pertencentes à Coroa Portuguesa e era a Corte que concedia amplas áreas aos cristãos interessados em ocupálas Aos grupos desprovidos de recursos e relações políticas restava a busca de lugares distantes onde estabeleciam moradia e pequenos roçados garantindo a propriedade por meio da posse uti possedetis O sistema de sesmaria teve fim em 1822 e décadas depois foi substituído pelo regime de propriedade instituído pela Lei de Terras Lei 6011850 Criada em 1850 a Lei de Terras teve como objetivo regulamentar a propriedade fundiária no Brasil Imperial Na época o governo revisou as concessões de sesmarias regularizou as ocu pações dos grandes proprietários e pequenos posseiros Aqueles que não possuíam registro e se recusaram a normalizar suas ocupações perderam o direito sobre as terras que voltaram 250 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 para o Império Para o caso das áreas ocupadas pelos povos indígenas a Lei de Terras transferiu para as províncias a responsabilidade em deter minar quais territórios deveriam ser destinados aos indígenas Neste período estados como o Ceará o Pernambuco e a Paraíba decidiram que não havia mais indígenas portanto não reserva ram terras para essas populações Mais de 150 anos depois no fim do século XX a situação se transformou e os povos indígenas da região Nordeste passaram a reivindicar territórios e a acusar o Estado de ter considerado sua extinção Substancialmente a Lei de Terras não modificou a concentração de grandes proprie dades nas mãos de poucos proprietários Desde então o acesso ao território passou a ser condi cionado às compras e titulações pelo Estado Essa transformação no regime de terras precisa ser analisada à luz da política de branqueamento da população brasileira baseada no estímulo à imigração de agricultores europeus e na proibi ção ao tráfico de pessoas negras escravizadas Lei Eusébio de Queiroz 1850 É preciso sempre lembrar que mesmo com a proibição do tráfico e a abolição da escravatura em 1888 as populações negras nunca foram contempladas por políticas de assentamento como ocorreu com os imigran tes europeus Em grande medida aqueles povos ao lado dos indígenas formaram o contingente de marginalizados despossuídos que sempre lutaram por alternativas de territorialização A partir da Proclamação da República no ano de 1889 tem início uma série de transfor mações nas relações entre povos indígenas e o Estado brasileiro Em 1910 com a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização do Trabalhador Nacional SPILTN o indige nismo de Estado assumiu a compreensão de que a condição de indígena era transitória e portanto os grupos deveriam ser primeiramente pacificados para depois serem integrados à sociedade nacional O caminho principal para a consolidação da civilização era a pedagogia do trabalho agrícola empregado para que as reservas indígenas fossem autossuficientes No início do século XX a organização de áreas reservadas para os indígenas consoli dou no Sul do Brasil não apenas a política de pacificação mas sobretudo o confinamento de grupos indígenas em áreas reduzidas liberando assim terras para a colonização No Paraná entre 1900 e 1915 foram criadas as Terras Indí genas Apucarana FaxinalIvaí Rio das Cobras Xapecó Manguerinha Mococa São Jerônimo e Queimadas Todas estas áreas eram e ainda são ocupadas majoritariamente por indíge nas da etnia Kaingang As terras criadas neste período tiveram suas dimensões dramatica mente reduzidas na década de 1940 através de um decreto do então presidente Getúlio Vargas replicado no estado pelo governo de Moysés Lupion Embora os indígenas das etnias Guarani e Xetá façam parte da história da colo nização do Paraná apenas muito recentemente os Guarani foram contemplados com políticas de regularização fundiária Não apenas as populações indígenas mas todos os demais grupos marginalizados que ocupavam áreas remotas tiveram seus territó rios afetados reduzidos e expropriados pelas políticas de desenvolvimento e ordenamento territorial No sul do Brasil podemos desta car duas iniciativas que contribuíram para o processo de marginalização 1 a implantação das colônias para assentamento de imigrantes e 2 a exploração das florestas e construção de ferrovias A implantação das colônias foi realizada através da atuação de empresas colonizado ras que recebiam concessões do Estado com o compromisso de dividilas em lotes ocupálas com famílias de agricultores abrir estradas e implantar núcleos de socialização Muitas dessas concessões se sobrepuseram a áreas tradicio nalmente ocupadas por indígenas ou outros grupos classificados pelos colonos como bugres ou caboclos e que foram sistematicamente expulsos de seus territórios Nos documentos que tratam do período geralmente relatórios escritos pelas empresas colonizadoras aos órgãos oficiais pouco se fala sobre a presença 251 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 de populações nativas Quando aparecem é sempre de forma indireta e associada a confli tos fundiários A exploração das florestas a indústria madeireira e as construções de estradas de ferro portos e outros equipamentos civiliza tórios foram também uma marca da marginali zação de populações nas primeiras décadas do século XX No Sul do Brasil um dos processos mais dramáticos dessa exclusão foi o movimento conhecido como Guerra do Contestado Neste caso as concessões para a estrada de ferro que ligava os estados do Rio Grande do Sul e São Paulo expulsaram os grupos que viviam naquela região já que os concessionários estavam autori zados a explorar a madeira extraída em uma área de 15 km para cada lado da ferrovia A reação envolveu inclusive o surgimento do movimento messiânico em torno da figura de São João Maria o Monge do Contestado Além dos processos civilizatórios direta mente ligados ao projeto de desenvolvimento econômico as ações de proteção ambiental con tribuíram para a marginalização de populações tradicionais No Brasil a criação de Unidades de Conservação foi baseada no modelo preserva cionista do ambientalismo nos Estados Unidos que não autorizava a presença de populações nas áreas protegidas Desse modo a partir de meados do século XX o governo brasileiro criou espaços de proteção ambiental protegendo a bio diversidade mas impedindo a presença humana Muitas comunidades tradicionais foram assim proibidas de dar continuidade a seus modos de vida intimamente relacionados a estes territó rios Além de não contemplarem as populações na criação das áreas de proteção tais projetos não reconheceram a importância dessas cole tividades seus saberes e fazeres tradicionais na produção e manutenção destas regiões com grande biodiversidade Compartilhavam em síntese o entendimento de que a natureza era algo intocado e intocável Saiba mais Lei do SNUC A Lei No 99852000 que institui Sistema Nacional de Unidades de Conservação incorpora a divisão entre preservacionistas e os conservacionistas classificando as Unidades de Conservação em duas categorias Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável Artigo 7o As Unidades de Proteção Integral incluem as Estações Ecológicas ESEC as Reservas Biológicas os Parques Nacionais os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre Nestas UCs a presença humana é muito restrita sendo autorizada pesquisas científicas e em alguns casos visitação As unidades de Usos Sustentável incluem as Áreas de Proteção Ambiental as Áreas de Relevante Interesse Ecológico as Florestas Nacionais as Reservas Extrativistas as Reservas de Fauna as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural A partir dos anos 1970 teve início uma mudança nas concepções sobre a presença de populações em áreas reservadas à preservação ambiental Associações como a União das Nações Indígenas e as Comissões Pró Índio foram criadas nesse período reagindo a uma escandalosa pro posta governamental de abertura para a comer cialização dos territórios dos chamados índios aculturados Os povos indígenas brasileiros se mobilizaram especialmente os que se localizam na região CentroOeste e Norte do país pressionaram e mais do que conseguirem o veto à proposta do governo tornaramse referências e exemplos para outras populações que também enfrentavam pro blemas relacionados a perda de territórios como os seringueiros e castanheiros do Acre Na mesma década diante da crise na pro dução da borracha o governo do Acre colocou à venda grande parte dos seringais pertencentes aos antigos patrões Expulsos pelos novos pro prietários provenientes da região Sul do Brasil os seringueiros começaram a se organizar em sindi catos rurais para reivindicarem seus direitos Os debates na época gravitavam em torno da ideia de reforma agrária que embora inclua um enten dimento coletivista da propriedade da terra dava 252 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 ainda pouco destaque ao que no futuro os serin gueiros conheceriam como Ecologia Foi apenas em meados dos anos 1980 após a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros sob a liderança de Chico Mendes que a palavra reserva passou a ser empregada pelos serin gueiros em suas reivindicações com um sentido muito preciso a criação de grandes propriedades coletivas de usufruto exclusivo de seus moradores o que por fim ficou conhecido como Reservas Extrativistas Embora possua evidente inspiração na legislação brasileira sobre territórios indígenas o projeto pioneiro das RESEX foi pensado a par tir do contexto bastante específico dos seringais acreanos Naquele momento uma mudança na estra tégia política dos seringueiros e castanheiros se mostrou fundamental Ao invés de submeterem o reconhecimento de seus territórios ao Insti tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA as coletividades encaminharam suas pro postas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA subli nhando o caráter conservacionista das Reservas Extrativistas Estava firmado de vez a partir deste movimento o compromisso de que a floresta conti nuaria de pé nas mãos das populações tradicionais Antes do fim da década de 1980 seringuei ros e castanheiros da Amazônia estabeleceram importantes alianças com organizações ambienta listas nacionais e internacionais A pauta do meio ambiente e do clima estava ganhando cada vez mais espaço e os povos do Acre se tornaram repre sentantes máximos dessas bandeiras modelos do que hoje chamamos de sustentabilidade a biodiversidade a partir da sociodiversidade Entre as conexões políticas consolidadas nessa época está a Aliança dos Povos da Floresta organização conjunta criada em 1988 pelos povos indígenas organizados em torno da União das Nações Indíge nas e os seringueiros que se mobilizavam através do Conselho Nacional dos Seringueiros A primeira Reserva Extrativista foi enfim criada no ano de 1990 após quase 15 anos das primeiras mobilizações por território nos serin gais Com o nome de Reserva Extrativista do Alto Juruá a cooperativa de moradores fundada para gerir a área sedimentou parcerias com os governos estadual e municipal organizações internacionais e universidades brasileiras A partir dessas colabo rações foram realizadas pesquisas capacitação profissional dos moradores além da construção de escolas e postos de saúde equipamentos neces sários à qualidade de vida das populações A despeito de sua origem amazônica o pro jeto das Reservas Extrativistas foi replicado por inúmeras coletividades em outras regiões do país como catadores de caranguejo no Espírito Santo pescadores artesanais no Pará faxinalenses no Paraná caiçaras do litoral paulista dentre outros Deste modo fica visível o quanto a consolidação da categoria de comunidades tradicionais ocorreu através de povos que embora possuam experiên cias sociais muito distintas entre si compartilham também diversas características A primeira delas condição para todas as outras é a vinculação subs tancial com os próprios territórios locais ocupados historicamente nos quais essas populações vivem a vida e exercitam todo o simbolismo de seus mitos causos crenças e religiões Devido a essa presença histórica associada a muita observação e experimentação as comuni dades tradicionais conhecem em profundidade os ambientes onde vivem sua fauna flora rios mares mangues estações e ciclos Esses modos de conhe cer e de fazer geralmente transmitidos por meio da oralidade são empregados nas atividades de plantio caça coleta e extração de matéria prima Não menos importante as escolhas de manejo em seus territórios também são pensadas a partir destes saberes compartilhados Em relação à vida social das comunidades tradicionais a organização se dá em torno da uni dade familiar mobilizada para o trabalho de sub sistência e da pequena produção de excedentes para a comercialização Quando as relações de parentesco são extrapoladas as associações ou cooperativas são os modos coletivos de organi zação adotados por estas populações como por exemplo a Associação de Moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio AMORA no Pará 253 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 a Cooperativa de Pescadores Aquicultures Agricul tores e Extrativistas da Resex Cuniã COOPCUNIÃ em Rondônia e tantas outras Finalmente as comunidades tradicionais são grupos que se reconhecem ou passaram a se reconhecer como detentores de um modo de vida distinto do urbanoindustrial Por meio da criação de associações políticas a produção de lideranças locais e alianças diversas com organismos nacionais e internacionais os povos tradicionais conseguiram traduzir suas demandas em uma categoria jurídica que compreendesse e levasse a sério suas espe cificidades Como resultado perante a sociedade nacional as comunidades tradicionais conquis taram uma identidade pública vinculada a um modelo de relação com a natureza que se caracte riza pela moderação e o baixo impacto ambiental Não é coincidência ou acaso o fato de que no plano do direito a definição de comunidade tradicional está expressa no Decreto 60402007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais Para aprofundar A seguir indicamos alguns materiais que podem te ajudar a ir mais fundo e obter mais conhecimentos sobre essa temática O livro de Roque de Barros Laraia Cultura um conceito antropológico 1989 é uma obra introdutória ao con ceito de Cultura que é central na antropologia desde o final do século XIX Este livro escrito pelo antropólogo e professor da Universidade de Brasília UnB é um dos pioneiros da moderna antropologia no Brasil O artigo de Ralph Linton O cidadão norteamericano 1959 é um texto interessante para refletir sobre o quanto do nosso dia a dia é constituído de bens cultu rais provenientes de outros povos e regiões do planeta Ralph Linton foi um dos mais importantes antropólogos norteamericanos da primeira metade do século XX O website Memorial Chico Mendes que foi criado em 1996 pelo Conselho Nacional dos Seringueiros CNS tem a finalidade de registrar e difundir a importância das lutas de Chico Mendes e dos povos da floresta Você pode consultálo no link httpwwwmemorialchicomendes orgchicomendes Prática 1 Comunidades tradicionais no estado do Paraná Objetivo Apresentar aos grupos em formação quais são os povos tradicionais habitantes do Paraná Sugestão de desenvolvimento Formar grupos de quatro pessoas Cada grupo identifica e apresenta um povo tradicional paranaense a partir de pes quisa nos websites a seguir httpswwwfundobrasilorgbrprojetomovimen todospescadoresartesanaisdolitoraldopara namopearpr httpnovacartografiasocialcombrfasciculos Para sistematizar as informações cada grupo pode escrever um pequeno texto e apresentar aos colegas Materiais utilizados Computador ou celular com acesso à internet papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor Prática 2 Povos indígenas do Brasil e diversidade Objetivo Identificar e apresentar os povos indíge nas que habitam as cinco regiões do Brasil Sugestão de desenvolvimento Formar grupos de quatro pessoas e distribuir responsabilidades entre eles de modo que cada grupo ficará responsável por pesquisar sobre um povo indígena de uma região do país Para tanto os grupos devem realizar a pesquisa no site do Instituto Socioambiental ISA disponível no link httpspibsocioambientalorg ptPC3A1ginaprincipal Após a pesquisa organize uma apresentação aos colegas Materiais utilizados Computador ou celular com acesso à internet papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor 254 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Prática 3 Grupos culturais e diferenças no ambiente urbano Objetivo Despertar a atenção das pessoas em formação para a existência de diferentes grupos sociais nos ambientes urbanos por vezes localizados em regiões próximas e conhecidas Skatistas dan çarinos músicos de rua ciclistas feirantes grupos religiosos trabalhadores urbanos etc Sugestão de desenvolvimento Formar equipes de quatro pessoas que deverão observar e descre ver um grupo cultural existente na região dando especial atenção aos cenários atores e regras dos grupos e ambientes sociais observados Apresentar para a turma os resultados da pesquisa Materiais utilizados Papel lápis ou caneta com putador ou celular com acesso à internet Recursos didáticos Computador e projetor PARTE 2 A EXISTÊNCIA DE COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL E NO PARANÁ Povos Indígenas Embora com alguma imprecisão os dados sobre as populações tradicionais no Brasil mos tram uma incrível diversidade social cultural linguística e ambiental distribuída por todo o território nacional Considerando apenas as refe rências oficiais sobre indígenas e quilombolas há 725 Terras Indígenas reconhecidas pela Fundação Nacional do Índio FUNAI e 3475 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares FCP As informações sobre as outras populações tradicionais não estão organizadas em uma única instituição ou base de dados porém como veremos nesta seção tais comunidades são muito numerosas e estão espalhadas por todo o país Com relação aos povos indígenas é impor tante iniciar destacando que no Brasil atual mente essa população não ultrapassa 1 milhão de indivíduos entretanto estimase que em 1500 os indígenas contavam no mínimo 5 milhões de pessoas Tal depopulação severa revela a face mais cruel da pressão histórica sobre os grupos e territórios indígenas Em muitos sentidos esses povos são sobreviventes da colonização uma vez que diversas coletividades continuam sem acesso as suas terras e seguem enfrentando preconceitos em relação a trabalho estudo saúde e à presença nos centros urbanos Em 1537 no contexto dos primeiros anos da colonização nas Américas o Papa Paulo III editou a Bula Papal Veritas Ipsa condenando a escravi zação dos indígenas Ao longo de todo o período colonial no entanto o tema esteve em debate e ora constrangidos pelos colonos que queriam se valer da mão de obra indígena escravizada ora pela Igreja Católica que concretamente assumia posições ambíguas a legislação indigenista criada pelo governo colonial refletiu essas tensões Entre idas e vindas e através de diferentes recursos e justificativas a escravização de indígenas e de populações negras ocorreu ao longo de toda a colonização No século XX conforme mencionamos brevemente na seção anterior os órgãos esta tais responsáveis pela integração dos povos indígenas à sociedade nacional colocaram em prática um conjunto violento de estratégias de redução na imensa maioria dos casos ignorando completamente as especificidades dessas popu lações Sob pretextos diversos que vão da conso lidação do EstadoNação à inexorável marcha da história do progresso e da civilização os povos originários seguiram enfrentando imposições de diversas ordens Mesmo com essas pressões as coletivida des indígenas mantêm reproduzem e atualizam uma impressionante diversidade cultural repre sentada por mais de 200 etnias e 170 línguas diferentes distribuídas nas famílias linguísticas Tupi Jê Aruaque Pano e Caribe A despeito das semelhanças cada povo indígena fala uma língua própria possui hábitos e costumes específicos e uma vida cerimonial e religiosa particular o que não significa que vivam de maneira isolada Ao contrário os grupos estabelecem contato entre 255 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 si há séculos trocando palavras mitos saberes e bens culturais de todo tipo Ao observarmos o mapa com a distribuição atual das Terras Indígenas no Brasil vemos com clareza um dos efeitos da colonização que extin guiu e empurrou muitos grupos para as regiões mais remotas A maioria 98 das terras está localizada na Amazônia Legal Regiões Norte e CentroOeste enquanto no litoral e outras loca lidades mais desenvolvidas do país as terras indígenas são representadas em pequenos pon tos equivalendo a 2 Ao todo cerca de 13 do território brasileiro é composto de terras desti nadas ao usufruto exclusivo dos povos indígenas A colonização portanto não foi tolerante com a presença destas populações Fonte Povos Indígenas no Brasil Instituto Socioambiental Disponível em httpspibsocioam bientalorg Acessado em 25 de agosto de 2021 O estado do Paraná abriga atualmente 3 povos indígenas Guarani Kaingang e Xetá De acordo com os dados do Censo Demográfico de 2010 essas coletividades somam pouco mais de 25 mil pessoas e vivem em 29 Terras Indígenas que totalizam 124798 hectares ou seja 062 da área do estado do Paraná Em alguns casos a polí tica de demarcação de terras confinou diferentes povos em um mesmo território como nas Terras Indígenas São Jerônimo da Serra Mangueirinha Rio das Cobras Palmas ou mesmo na aldeia urbana Kakané Porã situada na região metropolitana de Curitiba É importante destacar que as terras indígenas no estado se encontram em diferentes situações jurídicas e administrativas Algumas estão plenamente regularizadas ao passo que outras se encontram em processo de regulariza ção Outras ainda aguardam o reconhecimento por parte da FUNAI No contexto brasileiro dos últimos 20 anos impulsionados especialmente pelas mobilizações debates e garantias da Constituição de 1988 os povos indígenas passaram a frequentar o ensino superior e a pósgraduação tornandose médicos enfermeiros advogados escritores jornalistas engenheiros e antropólogos Também disputam eleições em todos os níveis da federação e assu mem cargos legislativos possuem suas próprias organizações políticas e constituem alianças para garantirem seus direitos Mais do que isso pro duzem avaliações críticas sobre suas histórias de contato com a sociedade envolvente Os resulta dos dessas transformações ainda não são sentidos em toda sua intensidade contudo a trajetória de formação e ocupação de espaços públicos rejeita a ideia de que os índios fazem parte do passado e projeta o fortalecimento incontestável de sua presença no futuro do Brasil QUILOMBOLAS O Brasil foi a última nação do mundo oci dental a abolir a escravidão em 1888 Foram quase quatro séculos de escravização de pessoas negras Estimase que durante este período foram trazidas aproximadamente 5 milhões de pessoas escravizadas da África para o Brasil pessoas de diferentes origens regiões línguas e nações Benguela Congo Cabinda Quiloa Mina Moçam bique No regime escravista os negros foram a força de trabalho em todos os ciclos econômi cos seja na extração de paubrasil no cultivo da canadeaçúcar na mineração ou mesmo na cons trução e comércio nas cidades Em todos esses períodos a população escravizada foi controlada 256 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 com a violência dos regramentos do Estado e dos senhores coloniais Kilombo na língua kimbudo dos grupos da África Central tem múltiplos significados todos relacionados ao modo de ser guerreiro por vezes tratase de um acampamento de guerra noutras são rituais de iniciação em outras ainda são ins tituições como as chefias tribais No século XVIII os portugueses se apropriaram e transformaram esse conceito Em 1740 o Conselho Ultramarino da Coroa Portuguesa definiu Quilombo é toda a habitação de negros fugidos que passem de cinco em parte despovoada ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele Naquela época os portugueses já tinham longa experiência com negros fugidos aquilombados tanto na África quanto no Brasil onde o Quilombo dos Palmares foi e ainda é o mais conhecido Por mais de um século esse quilombo foi um núcleo de resistência à escravatura no interior do Nordeste Brasileiro Em 1695 Zumbi dos Palmares foi morto mas o qui lombo ainda resistiu alguns anos depois acabou se desfazendo Palmares foi o mais famoso mas não foi o único quilombo houve muitos outros grupos e muitas outras formas de resistência Onde houve escravidão houve também resistência Os processos de formação dos quilombos no Brasil foram muito diversificados Além do modelo palmarino caracterizado pela formação de núcleos de resistência surgiram quilombos a partir de fugas e instalação em locais de difícil acesso bem como a partir da doação do abandono ou mesmo da compra de terras No Sul do Brasil existem alguns quilombos originados por meio de herança é o caso das comunidades Invernada Paiol de Telha no município de Reserva do Iguaçu PR e Invernada dos Negros no município de Campos Novos Santa Catarina Nessas duas comunidades as terras foram doadas em testamento para alguns escravizados Em 1860 no Paiol de Telha a pro prietária de terras Balbina Siqueira e em 1877 na Invernada dos Negros o proprietário Matheus José de Souza contemplaram seus escravos com partes de suas terras Como era de se esperar tais terras não foram demarcadas na época e os herdeiros viram seu direito à terra ser progressivamente desrespeitado ao longo do século XX Há também quilombos que se originaram com o abandono das terras como no caso da Fazenda Capão Alto no município de Castro PR a qual foi propriedade da Ordem dos Carmelitas e ficou abandonada durante boa parte do século XIX Os escravizados que ali residiam desenvolve ram uma comunidade autônoma marcada pela devoção à Nossa Senhora do Carmo No final do século XIX a Fazenda foi vendida e o quilombo desfeito fazendo com que muitos escravizados se refugiassem nas áreas remotas da região Não é coincidência que nos dias de hoje existam três comunidades quilombolas reconhecidas no muni cípio de Castro Mamãs Serra do Apon e Militão Quilombos como refúgio foram muito comuns por todo o Brasil Geralmente localizados em regiões de difícil acesso constituíram espaços de liberdade que muitas vezes formaram redes de territórios proteção e acolhimento No Vale do Ribeira entre os estados de São Paulo e Paraná existem registros de negros fugidos desde o século XVIII Tratase de uma região de geografia aciden tada cortada por rios sinuosos em que muitas comunidades se formaram e na qual atualmente estão localizadas 34 comunidades quilombolas reconhecidas sendo 26 no estado de São Paulo e 8 no Paraná Na fronteira entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul a comunidade quilombola São Roque também tem sua origem relacionada à fuga pois os escravizados fugiam das fazendas dos Campos de Cima da Serra e se refugiavam nas encostas e escarpas da Serra do Mar Os exemplos se multiplicam em todas as partes do Brasil Os quilombos originados em processos de compra de terra estão relacionados aos libertos do século XIX e ao período pós abolição quando na ausência de políticas de assentamento e inser ção social da população negra muitas famílias se deslocaram em busca de locais para moradia e sustento No Paraná a comunidade Manoel Ciriaco no município de Guaíra está instalada em uma terra comprada pelos antepassados que vieram de Minas Gerais durante o século XX 257 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Mesmo com origens muito diversas todos os processos de formação das comunidades qui lombolas no Brasil têm em comum a luta pela cons trução de espaços de liberdade Durante séculos da Colônia e Império os quilombolas foram tra tados como infratores criminosos que deveriam ser perseguidos e punidos Com a Abolição e especialmente na República o termo quilombo desaparece do ordenamento jurídico De fato a legislação brasileira não faz referência ao con ceito até a promulgação da Constituição Federal de 1988 A primeira referência está expressa no Artigo 216 que ao tratar do patrimônio cultural brasileiro define em seu parágrafo 5º Ficam tom bados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilom bos Ainda no artigo 68o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a Constituição esta belece Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Após 240 anos da definição do Conselho Ultramarino o conceito de Quilombo retornou para o ordenamento jurídico desta vez reconhecendo a relação entre quilombo e cultura brasileira e entre comunidade quilombola e direito territo rial Apesar das referências na Constituição de 1988 o conceito de quilombo só foi redefinido com o Decreto Federal 48872003 que ao tratar da regulamentação dos territórios quilombolas estabelece em seu Artigo 2º Consideramse remanescentes das comunidades dos quilombos para os fins deste Decreto os grupos étnico raciais segundo critérios de autoatri buição com trajetória histórica própria dotados de relações territoriais especí ficas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida Apropriado e alterado pelos portugueses em 1740 o conceito de quilombo vem sendo ressignifi cado pela teoria antropológica e pelos movimentos sociais para acomodar a diversidade de experiên cias resistências e lutas pela liberdade Desde a Constituição Federal de 1988 esse processo de ressignificação tem sido acompanhado pela atuação de instituições como INCRA e Fundação Cultural Palmares que revendo criticamente a territorialidade não respeitada durante séculos reposiciona os quilombos no plano da diversidade cultural brasileira Existem atualmente 2847 comunidades quilombolas certificadas no Brasil e 1533 solicita ções de reconhecimento territorial junto ao Insti tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA Não há números precisos para determi nar a extensão dos territórios das comunidades quilombolas contudo estimase que ao todo tais territórios representem no máximo 5 do território nacional No Paraná de acordo com da Fundação Cultural Palmares são certificadas 38 comunidades quilombolas Fonte Comissão PróÍndio de São Paulo CPISP Disponível em httpscpisporgbr Acessado em 29 de agosto de 2021 COMUNIDADES TRADICIONAIS As comunidades tradicionais não obstante sua longa e antiga presença no território brasileiro passaram a ser reconhecidas como coletividades diferenciadas apenas no fim da década de 1980 quando o Estado e a sociedade brasileira altera ram suas compreensões a respeito desses povos 258 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 não mais os enxergando como grupos em vias de desaparecimento ou entraves ao desenvolvi mento do país mas como sociedades com uma existência no presente Do mesmo modo que os grupos indígenas e quilombolas as populações tradicionais ocupam todas as regiões do Brasil e vivem de maneira muito diversa Para se ter uma ideia dessa diversidade o próprio Conselho Nacional dos Povos e Comu nidades Tradicionais instituído pelo Decreto 87502016 é formado por representantes de 28 categorias de coletividades que se identificam e se definem como povos tradicionais a saber povos indígenas comunidades quilombolas povos e comunidades de terreiropovos e comunidades de matriz africana povos ciganos pescadores arte sanais extrativistas extrativistas costeiros e mari nhos caiçaras faxinalenses benzedeiros ilhéus raizeiros geraizeiros caatingueiros vazanteiros veredeiros apanhadores de flores sempre vivas pantaneiros morroquianos povo pomerano cata dores de mangaba quebradeiras de coco babaçu retireiros do Araguaia comunidades de fundos e fechos de pasto ribeirinhos cipozeiros andi robeiros caboclos Não há dados consolidados sobre a localização e o número exato de todas essas comunidades e as referências se encontram dispersas em publicações de ONGs do Ministério Público Federal e de alguns ministérios e secreta rias estaduais Saiba mais Criado em 2016 o Decreto 8750 institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais cujo objetivo é promover o desenvolvimento sustentável o fortalecimento e a garantia de direitos dos povos e comunidades tradicionais O Decreto 87502016 asse gura extensa margem de participação e proposição de ações às coletividades tradicionais do país a fim de que este envolvimento assegure a melhor elaboração e execução de políticas públicas voltadas a estes grupos Finalmente entre outros pontos o Decreto estimula o monitoramento e a fiscalização por parte dos próprios povos tradicionais dos acordos e tratados internacio nais de que o Brasil é signatário como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT Como estratégia para discorrer sobre essa incrível diversidade escolhemos apresentar uma breve caracterização das comunidades caiçaras pantaneiros fundo de pasto e faxinalenses Não se trata de um inventário da diversidade cultural e territorial das comunidades tradicionais mas apenas de exemplos que ilustram a importância da dimensão coletiva e das ameaças sofridas por essas diferentes formas de ser tradicional no Bra sil A caracterização apresentada está baseada nas informações das cartografias sociais produzidas em cada uma destas comunidades É importante destacar que a metodologia para a elaboração das cartografias sociais coloca em primeiro plano a perspectiva dos próprios membros das comunida des que representam e expressam suas visões de território identidade e conflitos São portanto registros diferentes dos registros oficiais Saiba mais O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia objetiva que as próprias comunidades tradicionais em todo o Brasil junto de universidades pesquisadores entidades não governamentais produzam informações registros e instrumentos de conhecimento de suas realidades sociais como mapas fascículos livros e demais tipos de realizações bibliográficas que tratem da história de ocupação práticas tradicionais e cotidianas deman das e desafios políticos Deste modo além de fortale cer suas bandeiras de luta através do conhecimento e se autoafirmarem interna e externamente enquanto coletividades os materiais elaborados por estes povos são empregados também em projetos educacionais e formativos de diversas ordens CAIÇARAS No Litoral Sul na grande área compreen dida entre o litoral do estado do Rio de Janeiro e do Paraná encontramse as comunidades tra dicionais caiçaras A formação dessa população remonta aos anos de colonização e da mistura de elementos indígenas europeus e negros Embora seja difícil precisar a origem destes povos entre os moradores do litoral a identidade caiçara está 259 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 relacionada ao tempo dos antepassados seus saberes e práticas como a pesca a extração de palmito a caixeta madeiras de diversos tipos e os pequenos cultivos nos sítios Distribuídas em muitas comunidades pelo Litoral Sul a população caiçara enfrentou e ainda hoje enfrenta dificuldades em dar continuidade a seus modos tradicionais de existência em razão da implantação de unidades de conservação do estabelecimento de empreendimentos portuá rios de grande porte e da expansão das cidades e áreas de exploração turística Pressionados pelo ambientalismo e pelo desenvolvimento tais comunidades muitas vezes estão impossibilita das de habitar cultivar pescar ou mesmo trafe gar nessas regiões Destacase que ao longo do processo de reconhecimento por parte do Estado de que essas são coletividades singulares e tradi cionais houve um enfoque na dimensão cultural da tradição com o processo de patrimonialização do Fandango Caiçara Desde 2012 o Fandango Caiçara é reconhecido como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN No litoral do Paraná existem muitas comu nidades tradicionais que se identificam como caiçaras como a Vila de Superagui localizada dentro dos limites do município de Guaraqueçaba no litoral Ocupando a região desde meados do século XIX os moradores de Superagui inicial mente praticavam a agricultura a pesca a criação de animais e a coleta nas áreas de floresta A partir do momento em que a ilha se tornou um Parque Nacional acontecimento sintetizado pelos mora dores como a chegada do IBAMA no final da década de 1980 essa população passou a enfren tar uma série de dificuldades como a necessidade de licenças ambientais para o desenvolvimento de atividades de subsistência a proibição de prá ticas básicas e corriqueiras como o plantio de alimentos e a construção de casas bem como a dificuldade de diálogo com e dos poderes oficiais De acordo com os habitantes da Vila de Superagui os órgãos ambientais não estabelecem distinção entre os moradores da ilha e as grandes empresas pesqueiras as quais provocam estas sim severos impactos ao meio ambiente regional através de práticas predatórias Com o objetivo de enfrentar esses e outros desafios políticos e dar visibilidade aos pescadores da Vila de Superagui surgiu o Movimento dos Pescadores Artesanais do Paraná MOPEAR organização semelhante às entidades de representação criadas por outras populações tradicionais Entre suas demandas atuais está a criação de uma Reserva Extrativista que combine acesso ao território reprodução social e preservação ambiental PANTANEIROS E FUNDO DE PASTO Na região Sul do estado do Mato Grosso entre os rios Cuiabá e São Lourenço localizase o Povoado Pantaneiro de Joselândia formado pelas comunidades de São Pedro Mocambo Pimenteira Retiro São Bento Colônia Santa Isabel Capoei rinha e Lagoa do Algodão Nessas localidades a maior parte das pessoas se apresentam como lavradores e além de desenvolverem a pequena criação de gado cultivam milho mandioca arroz e outros itens A ocupação desta região data de muitas gerações e as atividades acima menciona das são reproduzidas através de vinculações de parentesco que conectam pessoas em diferentes comunidades Elemento central dessa existência social é a figura de pantaneiro oposta em muitos sentidos aos grupos provenientes das cidades da região O pantaneiro leva a vida em meios aos rios lagoas córregos e áreas de várzea Vivem juntos em comunidade algo bastante distinto do modo de vida urbano As situações de conflito apresentadas pelos moradores do Povoado Pantaneiro de Joselândia dizem respeito especialmente ao cercamento das antigas terras de uso coletivo pelos fazendei ros provenientes de outras regiões a legislação ambiental que desconsidera os modos de vida tradicionais dos habitantes locais criando Unida des de Conservação que obrigam suas retiradas e a atuação de grandes empresas de pesca Na região Norte da Bahia localizamse as comunidades Fundo de Pasto especificamente os povoados de Oliveira dos Brejinhos e Brotas 260 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 de Macaúbas De acordo com os moradores em decorrência dos conflitos fundiários iniciados nos anos 1980 em que grandes empreendimen tos fazendeiros mineradores carvoeiros den tre outros deram início à rápida liquidação da caatinga os moradores tiveram a necessidade de se organizar para continuar mantendo um modo de vida singularizado que incluía dentre outras características a criação de bodes e outros animais soltos o não estabelecimento de proprie dades individuais e as relações de parentesco que conectam diferentes localidades Nas comunidades Fundo de Pasto apenas os roçados são cercados para que os animais não adentrem nas plantações familiares Entre os cul tivos desenvolvidos estão o feijão a mandioca o milho a melancia e um grande número de outras espécies Além dos bodes há a criação de abelhas galinhas porcos a caça de animais a pesca e a coleta de frutos na floresta Na atualidade afora as produções para subsistência muitos moradores das comunidades Fundo de Pasto realizam peque nos trabalhos nas regiões vizinhas O êxodo rural nesse sentido é uma das preocupações das lide ranças comunitárias que apontam a necessidade de equipamentos básicos como energia elétrica escolas e postos de saúde como condição para que a reprodução social ocorra de maneira qualitativa FAXINALENSES Também no estado do Paraná nas regiões CentroSul e nos arredores da capital Curitiba encontramse as comunidades Faxinalenses sin gularizadas pela antiga ocupação familiar do ter ritório o usufruto comum das terras o cultivo de pequenos roçados a criação solta de animais para a subsistência o estabelecimento de uma rede de trocas e uma ampla cadeia de solidariedade que vincula os moradores Os faxinais se localizam em regiões de mata nativa e possuem proximidade com rios e córregos As restrições de acesso a esses locais problemas que os nativos se referem como cercos são rea lizadas por novos moradores oriundos tanto dos centros urbanos quanto das áreas rurais A der rubada da floresta por parte das grandes empre sas madeireiras e a transformação do espaço em lavouras para a monocultura também estão entre as dificuldades relatadas pelos habitantes Para aprofundar Para conhecer melhor sobre estes temas você pode consultar os materiais listados a seguir O livro Os índios antes do Brasil 2000 do antropó logo e professor do Museu Nacional da UFRJ Carlos Fausto trata da ampla presença distribuição e diver sidade das populações indígenas no Brasil no período anterior a chegada dos colonizadores europeus Também a coletânea Povos Indígenas no Brasil PIB é uma importante referência publicada pelo Instituto Socioambiental ISA desde o início da década de 1980 Tratase de uma a série de livros que apresentam entre outros temas dados sobre história recente das popu lações indígenas brasileiras Atualizada e relançada periodicamente a coletânea é uma grande fonte de informações sobre as coletividades indígenas do país O documentário Guerras do Brasildoc 2019 episódio 2 As Guerras de Palmares dirigido por Luiz Bolognesi é uma produção importante para nos informarmos e pensarmos as lutas das populações negras do período colonial até os dias atuais Não é possível contar a his tória do Brasil sem contar a história dos quilombos e da resistência das populações negras Prática 4 Cidades paranaenses cujo nome tem origem em uma língua indígena Objetivo Reconhecer a presença indígena na história e no cotidiano brasileiro e paranaense Sugestão de desenvolvimento Pesquisa na internet de cidades paranaenses cujo nome tem origem indí gena Apresentar o nome da cidade explicando como os povos indígenas fazem parte da história do município Materiais utilizados Computador ou celular com acesso à internet papel e caneta Recursos didáticos Papel e caneta 261 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Prática 5 Comunidades quilombolas no estado do Paraná Objetivo Identificar e apresentar as comunidades quilombolas existentes no Paraná Sugestão de desenvolvimento Projetar em telão o mapa das comunidades quilombolas do Paraná que se encontra disponível no site Paraná Quilombola httpsparanaquilombolabrainlaxcommapahtml Materiais utilizados Computador ou celular com acesso à internet papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor Dica O site Paraná Quilombola também contém uma aba intitulada Sala de aula na qual você pode encontrar várias sugestões de atividades pedagógicas sobre essa temática disponibilizadas no link httpsparanaquilombolabrainlaxcom saladeaulahtml Prática 6 Fandango Caiçara e outros patrimônios imateriais reconhecidos IPHAN Objetivo Apresentar a ideia de patrimônio ima terial a partir de exemplos paranaenses Sugestão de desenvolvimento Formar grupos de quatro pessoas Cada grupo ficará responsável por pesquisar um patrimônio imaterial do Paraná escrever duas páginas e apresentar à turma Você pode encontrar uma lista dos bens culturais inventa riados no Paraná através do site oficial do governo do estado disponível no link httpwwwpatrimo nioculturalprgovbrmodulesconteudoconteudo phpconteudo259 Podese recorrer a sites de busca para fazer outras pesquisas Materiais utilizados Computador ou celular com acesso à internet papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor PARTE 3 OS DIREITOS HUMANOS DE POVOS TRADICIONAIS A noção de tradição a dimensão coletiva e a especificidade cultural são simultaneamente o ponto de convergência e de tensão entre as comunidades tradicionais e os direitos humanos Ao longo da história do Brasil vemos diferentes formas de agressão e intolerância à diversidade contrabalanceada com diferentes formas de resis tência cultural e territorial Com a Constituição Federal de 1988 o ordenamento jurídico e admi nistrativo do Estado Brasileiro passou a reconhe cer a opressão histórica sofrida por grupos mino ritários incluindo as comunidades tradicionais É relevante que a proteção das manifestações das culturas populares indígenas e afrobrasilei ras sejam garantidas pelos artigos 215 e 216 Igualmente fundamental são as proteções aos direitos territoriais de indígenas e quilombolas como definem os artigos 231 e 68 do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT O reconhecimento da opressão histórica sofrida não é apenas um posicionamento teóri coconceitual a respeito do relacionamento entre os grupos que formam a sociedade brasileira pois envolve o conhecimento sobre as formas da opressão quem sofreu Quando sofreu O que sofreu Quanto sofreu Tais perguntas precisam ser colocadas para dimensionar os efeitos dos anos de colonização do autoritarismo de Estado da violência e intolerância da sociedade nacional sobre as comunidades tradicionais É preciso não esquecer que comunidade tradicional é uma categoria recente e que antes de serem tradi cionais a maioria dessas pessoas sofreu todo o tipo de violência No Brasil as Comissões Nacional e Esta duais da Verdade desempenham um papel impor tante para conhecer e trazer à tona as faces desta opressão histórica Criada no ano de 2011 atra vés de uma lei sancionada pela então presidente Dilma Rousseff a Comissão da Verdade teve como finalidade averiguar e apresentar as violências e crimes cometidos contra os cidadãos brasileiros entre os anos de 1946 e 1988 dentre os quais 21 anos foram de ditadura militar 19641985 O relatório final desta Comissão data do ano de 2014 A Comissão Estadual da Verdade por sua vez foi instituída no ano de 2012 e teve seu rela tório publicado em 2017 262 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Para o caso dos povos indígenas e tradicionais mesmo nos círculos especializados temse a ideia de que essas coletividades não foram alcançadas pelas violências de Estado uma vez que supostamente não estavam vinculadas a atuações ou organizações político partidárias O que os relatórios das Comis sões Nacional e Estadual da Verdade nos mostram no entanto é que os povos indígenas foram também alvo de violências de Estado sendo a maior parte delas sob o signo do desenvolvimento De acordo com a Comissão Nacional da Verdade mais de 8000 mil indígenas que viviam no Brasil foram vítimas da violência de Estado número que não é maior apenas porque a pesquisa realizada pela Comissão concentrou esforços na averiguação de casos de somente 10 povos indí genas dentre os mais de 200 que vivem no Brasil Especificamente em relação ao Sul do Brasil a Comissão Estadual da Verdade explorou os regis tros do Relatório Figueiredo que apresentou os resultados de uma CPI conduzida no Congresso Nacional nos anos 1960 sobre a atuação do SPI O Relatório Figueiredo confirma as violências praticadas contra os indígenas identificando as seguintes práticas tortura trabalho escravo cárcere privado espancamento exploração ile gal de madeira arrendamentos ilegais tortura através do tronco prisões insalubres exploração do trabalho indígena desvio de recursos Estas violações foram registradas nas terras indígenas Rio das Cobras Mangueirinha Cacique Doble Palmas Nonoai Ivaí Guarita Xapecó Certamente ocorreram em outras terras e em relação àqueles que viviam fora das aldeias ou terras indígenas Mesmo assim mesmo incompleto o Relatório é claro e traz à tona a opressão histórica sofrida dando nomes aos agredidos e agressores O caso do povo Xetá é emblemático quando se trata de violências cometidas contra os povos indí genas Habitantes da Serra dos Dourados na região noroeste do Paraná os Xetá foram expulsos de seus territórios a partir da década de 1950 quando a marcha para o oeste no estado teve início impul sionada pelas lavouras de café Em pouco tempo os indígenas foram desterrados perseguidos mortos e aqueles que suportaram este assimétrico contato foram separados de seus parentes Esse genocídio é absolutamente documentado e denunciado tanto em jornais quanto em publicações acadêmicas A redução populacional dos Xetá foi drástica e durante anos esse povo foi tido como extinto mesmo sem jamais ter desaparecido Na atualidade reconstituí dos demograficamente os Xetá não apenas lutam pela demarcação de seu território a TI Herarekã Xetá mas também para provar que nunca desapa receram enquanto coletividade Para aprofundar Acerca do Fangando Caiçara registrado pelo IPHAN em novembro de 2012 é uma expressão musicalco reográficapoética e festiva cuja área de ocorrência abrange o litoral sul do Estado de São Paulo e o litoral norte do Estado do Paraná Essa forma de expressão é um dos bens imateriais que compõe o Patrimônio Cultural do Brasil Possui uma estrutura bastante complexa e se define em um conjunto de práticas que perpassam o trabalho o divertimento a religiosidade a música e a dança prestígios e rivalidades saberes e fazeres O Fandango Caiçara se classifica em batido e bailado ou valsado cujas diferenças se definem pelos instrumentos utilizados pela estrutura musical pelos versos e toques Mais informações podem ser encon tradas no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN disponível no link http portaliphangovbrpaginadetalhes83 Outro material interessante é o documentário Guerras do Brasildoc 2019 particularmente o episódio 1 Guerras da Conquista produzido sob a direção de Luiz Bolognesi Neste episódio da série são abordados os primeiros séculos da história do Brasil em que as popu lações indígenas foram perseguidas escravizadas e mortas Ao analisarem o contato entre colonizadores e diferentes povos indígenas antropólogos e historiado res evidenciam que a tônica das relações é a violência Acerca da Comissão Nacional da Verdade Comissão Estadual da Verdade muito conhecimento pode ser obtido no site oficial das Comissões Nacional e Estadual da Verdade que disponibilizam informações relativas à criação destes comitês às equipes e grupos de trabalho que conduziram as pesquisas e aos relatórios finais destas investigações Consulte em Comissão Nacional da Verdade httpcnvmemorias reveladasgovbr 263 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Comissão Estadual da Verdade httpswwwjusticapr govbrPaginaComiteEstadualdeMemoriaVerdade eJusticadoEstadodoParana Ainda o site do Movimento dos Pescadores Artesanais do Paraná MOPEAR permite conhecer a história as demandas e bandeiras de luta dos pescadores do litoral paranaense Você pode consultar em https wwwfundobrasilorgbrprojetomovimentodospes cadoresartesanaisdolitoraldoparanamopearpr Também o site da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas CONAQ disponibiliza além de dados sobre as populações quilombolas do Brasil informações relativas as reivindicações e desafios políticos atuais destas coletividades Veja em httpconaqorgbr É neste contexto histórico de agressões e de resistência que os indígenas se posicionam em relação aos direitos humanos A entrevista que apresentamos a seguir mostra a força deste posicionamento enfatiza a violência histórica e contemporânea ao mesmo tempo em que desafia nossa atuação e nos estimula a ampliar nossa com preensão sobre o alcance dos direitos humanos Lutar nós não vamos parar mesmo isso pode ter certeza entrevista com Romancil Kretã Romancil Gentil Kretã é índígena do povo Kain gang e vive na aldeia Tupã Nheé Kretã em São José dos Pinhais Paraná É liderança política do Sul do Brasil e um dos coordenadores da Arti culação dos Povos Indígenas do Brasil APIB Autores O que você enquanto liderança indí gena tem a dizer sobre Direitos Humanos O que os povos indígenas pensam sobre Direi tos Humanos Romancil Gentil Kretã Eu entendo que Direitos Humanos é um termo do infrator daquele que cometeu o crime que matou que expulsou que grilou e continua grilando então eu acho que é uma palavra dele O direito no meu enten dimento é um direito originário é um direito sobre nossos territórios e todo povo indígena independente de qual tem esse direito origi nário a seus territórios Para mim essa palavra Direitos Humanos é mais no sentido de quem fez alguma coisa pra alguém e precisava reparar de alguma maneira O Estado precisa reparar o que ele cometeu contra os povos indígenas as comu nidades tradicionais e quilombolas As pessoas dependem de uma defesa dependem de políticas de um dado município ou estado então eu acre dito que os Direitos Humanos são uma coisa de quem cometeu alguma coisa e precisa reparar de alguma maneira É esse o entendimento que eu tenho de Direitos Humanos Autores Em relação a este direito originário ao território os povos indígenas estão conse guindo exercêlo no Brasil Quais são os atuais problemas e desafios da luta política indígena em torno do território Romancil Gentil Kretã O momento para nós é difícil como todos tão acompanhando A demar cação dos nossos territórios está passando por esse processo difícil nós estamos com quatro PLs quatro Projetos Legistativos Um deles é o PL 490 do Marco Temporal outro o PL 2633 que é aquele PL da grilagem o outro é o projeto do licencia mento ambiental que é o PL 2751 e tem também o projeto da mineração que é PL 191 Esses quatro projetos legislativos são totalmente direcionados aos territórios indígenas a abertura dos territórios indígenas para a invasão do agronegócio para a entrada das mineradoras e dos empreendimentos sem a consulta livre prévia e informada e sem direito a indenização Tudo isso dependendo do interesse do Estado Então os quatro são assim A PL 490 para mim é a maior referência de problemas que nós vamos ter pois é a questão da paralisação dos processos fundiários e a revisão dos territórios já finalizados Então nesses processos já finaliza dos por exemplo se o Estado tiver interesse em minerar expandir para o agronegócio ou para a criação de gado como eles falam nesses territórios serão feitos como aconteceu com nós no Sul no passado pois no Sul foi assim e atualmente esse projeto visa todo o Brasil vai prejudicar todo o Brasil principalmente a Amazônia fazer a revisão das grandes terras na Amazônia O PL 2633 é para 264 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 regularizar a grilagem de terra no Brasil quem grilou quem cometeu crime e quem desmatou hoje tem condições de regularizar as terras São terras roubadas áreas da união áreas de preservação ambiental e Terras Indígenas Então são todos projetos os quatro projetos legislativos direciona dos a nós povos indígenas E agora eu queria falar sobre uma questão que eu entendo que eu vejo mais como liderança Para mim o invasor como ele não é originário desse estado do Brasil e como ele não se reconhece como brasileiro ele precisa a todo tempo estar mostrando através de projetos que a terra é dele mas ele sabe que não é que a terra é nossa dos povos indígenas Porque senão ele não faria todos esses projetos para ele dizer que é dele Ele precisa provar que é dele porque ele não é daqui ele não é originário desse território então a todo tempo ele precisa ficar provando Os projetos são isso pode ser uma coisa ruralista técnica mas se você for ver pelo lado cultural é uma maneira do invasor a todo tempo querer provar que ele é originário daqui e ele não e é por isso que ele tira as possibilidades de quem é originário garantir a demarcação de suas terras Mesmo morando no Estado brasileiro há anos e anos ele não se conscientizou disso Saiba mais A Teoria do Indigenato postula que os povos indígenas em razão de sua presença no território brasileiro anterior a conformação do Estado têm por direito a garantia de suas terras Ao Estado brasileiro é reservado apenas o poder de reconhecer este direito originário A Teoria do Indigenato é um dos pilares dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 dedicado as coletividades e direitos indígenas A Tese do Marco temporal por sua vez advoga que as demarcações territoriais devam ser garantidas apenas aos povos que já em 1988 habitavam seus territórios atuais O problema desta tese é que além de ignorar uma prerrogativa constitucional desconsidera que as comunidades indígenas enfrentaram pressões de toda ordem que as removeram de seus tradicionais locais de ocupação Em outros termos a Tese do Marco Temporal responsabiliza as próprias comunidades indí genas pelos deslocamentos compulsórios a que foram submetidas Autores Os povos indígenas se mobilizam poli ticamente há séculos Junto das adversidades e problemas a luta política parece ser algo regular Quais foram as principais conquistas decorrentes dessas movimentações Romancil Gentil Kretã Lutar nós não vamos parar mesmo isso pode ter certeza Todas as crianças que estão na escola sabem das reto madas e as crianças que tiveram a oportuni dade de estar comigo em outras lutas de outras retomadas também já aprenderam Eu tenho a experiência do meu pai a história do meu pai Eu não convivi muito tempo com ele pois quando ele morreu eu só tinha 8 anos de idade então não tive essa convivência com ele mas acompanhei a história dele mais pra frente e eu acho que a conquista foi essa retomar os territórios Acredito também que uma grande conquista foi durante a Constituinte de 1988 que são os artigos 231 e 232 e é em cima deles que fazemos nossa bandeira de luta a nível nacional e internacional para garantir a demar cação dos territórios indígenas As outras con quistas são principalmente essas mobilizações nacionais que a gente faz hoje A partir de 2004 quando fundamos o Acampamento Terra Livre em Brasília e que se tornou um acampamento internacional No começo éramos poucos ape nas 60 indígenas acampando na Esplanada dos Ministérios depois chegamos na média de 5000 indígenas de todo o Brasil Acho também que a Marcha de Mulheres Indígenas que começou antes da pandemia e agora em setembro tem mais uma são conquistas são maneiras de nós mostrarmos para o Estado que estamos em luta Outro momento importante que construí mos foram essas mobilizações regionais Todas as regiões atendem ao chamado para a luta e todas as regiões se mobilizam fazem suas ações E eu acho que um momento importante também que estamos passando porque aqui não é a primeira conversa que nós estamos falando diretamente com o judiciário eu já par ticipei de uma reunião na Universidade da Bahia onde tinham vários juízes participando que foi uma reunião organizada pelos indígenas que 265 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 estão na universidade e conseguiram fazer essa articulação com vários juízes do Brasil inclusive a Associação Brasileira de Juízes se eu não me engano Porque é muito fácil para um juiz dar uma sentença sem conhecer a nossa história sem conhecer a nossa luta sem conhecer a diversidade cultural de cada povo e incriminar nós por atos por entrar em uma terra Se ama nhã ou depois eu receber uma sentença por invasão de propriedade por exemplo eu vou preso Invasão de propriedade hoje é prisão Se nós estamos em um grupo aqui podem nos acusar de formação de quadrilha como eles sempre fazem de invasão de propriedade cár cere privado se tiver algum não indígena junto então essas são maneiras de nos condenar para o resto da vida e nós estamos fazendo a luta é uma luta que é importante para nós e que não tem nada de criminoso Então eu acho que são a partir dessas conquistas com o judiciário que a gente pode começar a caminhar para um outro momento E sobre a questão política nós tive mos o primeiro vereador indígena da história do Brasil que foi o Angelo Kretã depois tivemos o deputado federal Mário Juruna e hoje temos a Joênia Wapichana que é muito importante dentro do Congresso Nacional Mesmo que a gente saiba que existe uma bancada de 300 parlamentares que são contrários a nós nas votações tem aparecido esse número esta mos lá dentro e isso é uma grande conquista Outra conquista também é nós termos diálogo diretamente com o governo de outros países principalmente parlamentares de outros paí ses Nós não sabemos onde vamos parar mas acredito que a política vai ser um dos nossos caminhos vai ser uma das formas da gente poder avançar e isso já é uma conquista O número de vereadores e prefeitos indígenas que foram eleitos na eleição passada são con quistas As universidades que a gente não pode esquecer a presença indígena massiva não só estudando mas também militando dentro das universidades eu acho que isso é uma das grandes conquistas Agora a gente precisa ter também juízes e procuradores indígenas porque as decisões não são só na política Autores Como a Covid19 tem afetado especi ficamente os povos indígenas Quais os princi pais pontos levantados pelos povos indígenas quando se trata desse período de pandemia Saiba mais A Organização Internacional do Trabalho OIT criada em 1919 como um dos resultados do Tratado de Versalhes tem como propósito estabelecer parâmetros jurídicos de nível internacional que assegurem direitos aos trabalhadores dos países a compõem Em 1957 foi editada uma orientação geral de proteção aos povos nativos dos países independentes que ficou conhecida como Convenção 107 Décadas depois em 1989 uma nova Convenção de número 169 aprofundou estas diretrizes e instituiu dois novos princípios autodeter minação e consultaparticipação O primeiro salienta que estes povos são soberanos quando se trata de definir suas próprias identidades O segundo sublinha a importância da informação opinião e participação destas sociedades em qualquer decisão que as afete enquanto grupo Romancil Gentil Kretã Nesse momento só não teve uma catástrofe maior com os povos indíge nas no Brasil por causa do movimento indígena Por exemplo em 15 de março de 2020 quando explodiu a pandemia no mundo nós tínhamos marcado para abril o Acampamento Terra Livre inclusive eu estava em Brasília porque eu sou um dos coordenadores do Acampamento Terra Livre Estávamos lá para as reuniões para a preparação mas nós cancelamos No dia 15 de março fizemos uma reunião e cancelamos o Acampamento Terra Livre e também todas as atividades nacionais ao mesmo tempo em que já começamos a construir informativos pra mandar para as bases para as regiões Eu acho que fomos a primeira instituição que falou que precisávamos fazer barreiras sanitárias nas Ter ras Indígenas para não deixar ninguém entrar Nós nos pronunciamos antes do governo e a partir dali fizemos campanhas pedimos apoio e os primeiros apoios que chegaram nas Terras 266 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Indígenas foram através de nós os povos indíge nas mesmo Através das organizações cobramos os governadores cobramos o governo federal cobramos a FUNAI e a SESAI que é a Secretaria Especial de Saúde Índígena Até hoje ainda o governo não tem um plano de enfrentamento Nós já estamos vacinados não digo que 100 vacinados deve estar em torno de 50 ou 60 dos indígenas vacinados no Brasil mas os indí genas que não estão com os processos regula rizados provavelmente não estão assim como os indígenas que vivem em áreas urbanas nem todos estão vacinados de acordo com dados dentro do movimento indígena Então eu acre dito que se não fosse o movimento indígena com as campanhas nacionais nas redes sociais nas regionais eu acho que seria pior A gente viu no passado também já teve pandemia epidemias que foram geradas pelo próprio Estado Para quem conhece a história dos uniformes das roupas que levavam para nós para as Terras Indígenas com varíola para que os indígenas vestissem ou com tuberculose de alguém que teve tuberculose para os indígenas usarem para matar os indígenas então não é um modelo diferente Eu acho que no passado foi um modelo de matar os indígenas e usurpar as terras e agora é um modelo também de usurpar terra e de matar os indígenas Tem uma frase que a gente fala e que é muito importante que diz que eles combinaram de nos matar e nós combinamos de ficar vivo então é isso que vai ser nós vamos ficar vivos vamos enfrentar de qualquer jeito e não tem conversa Autores Quando se trata de educar os não indígenas em relação aos povos indígenas o que é mais importante se destacar O que é central quando se trata da educação aos não indígenas sobre os povos indígenas Romancil Gentil Kretã Eu entendo que pri meiro a gente tem que mostrar que os povos indígenas estão em todo o Brasil e que aquela visão que o Brasil tem de que povos indígenas só estão na Amazônia é equivocada Nós esta mos em todos os biomas na Mata Atlântica na Caatinga no Pantanal no Cerrado no Pampa e na Amazônia Nós temos diferenças regionais grandes como povo também diferença de lín gua cultura e também tem a maneira que cada um foi colonizado O Sul foi colonizado de uma maneira o Nordeste de outra maneira então nós não sofremos um processo de colonização único Todos foram processos violentos e hoje esse a colonização está chegando na Amazô nia também de maneira violenta procurando descaracterizar aquela cultura assim como eles tentaram fazer conosco no passado Então eu acho que você tem que mostrar o número de povos que tem no Brasil as línguas faladas onde estão localizados esses povos e deixar bem claro as regiões Mostrar que território indígena não é terra pois terra é pequena e território é gigantesco O território Kaingang por exemplo ele compreende desde o Noroeste de São Paulo Minas Gerais o Norte o Oeste e o Sudoeste do Paraná e as planícies aqui da capital Desce pelo Oeste e Centro de Santa Catarina o Norte do Rio Grande do Sul e a Argentina Esse era o território Kaingang nossa terra era gigantesca As pessoas tem muito aquele conceito de terra porque que os índios querem terra nós não queremos terra nós queremos nosso territó rio de volta É difícil é impossível porque hoje chega o indígena para morar na capital como foi uma das questões mas a quem pertencia essa capital Quem foram os primeiros habitantes da capital Eu acho que talvez isso também mostrar quem eram os habitantes das capitais porque cada capital foi construída em cima de um grande aldeamento indígena onde tinham todos os recursos necessários para sobreviver Então construíram as capitais expulsaram os nativos e a partir disso criaram um novo modelo de vida Este talvez seja o caminho para as pes soas entenderem e a gente começar a quebrar um pouco dessa visão do indígena de filme e substituir por uma compreensão mais realista dos povos indígenas Nós sobrevivemos e sobre vivemos porque resistimos porque alguém resis tiu antes e segue resistindo E no futuro vamos continuar resistindo 267 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Prática 7 Povos indígenas e a Constituição Federal de 1988 Objetivo Apresentar ao grupo de participantes os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 Sugestão de desenvolvimento Projetar os dois artigos em um telão e ler o texto conjuntamente explicando ponto a ponto dando exemplos sobre o significado de cada parágrafo Materiais utilizados Computador papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor Prática 8 O Decreto 48872003 e os dispositivos de demarcação de terras quilombolas Objetivo Apresentar ao grupo de participantes o Decreto 48872003 que regulamenta a identifica ção o reconhecimento a delimitação a demarcação e a titulação dos territórios quilombolas no Brasil Sugestão de desenvolvimento Projetar o Decreto no telão e ler com a turma explicando ponto a ponto o Decreto 48872003 que pode ser acesso através do link httpwwwplanaltogovbrcci vil03decreto2003d4887htm Materiais utilizados Computador papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor Prática 9 Povos indígenas luta política e imprensa Objetivo Atualizar as pessoas participantes dos desa fios políticos atuais dos povos indígenas brasileiros Sugestão de desenvolvimento Formar grupos de quatro pessoas Pesquisar em jornais revistas e sites de internet reportagens notícias e entrevistas a respeito das atuais demandas e desafios políticos dos povos indígenas que vivem no Brasil Escrever um texto de uma página e apresentar os resultados para a turma Materiais utilizados Jornais revistas computador ou celular com acesso à internet papel e caneta Recursos didáticos Computador e projetor CONSIDERAÇÕES FINAIS Existem hoje no Brasil cerca de 725 terras indígenas 5972 territórios quilombolas e 152 áreas de conservação de uso sustentável ocupadas por povos que se identificam como comunidades tradi cionais Qualquer compreensão de Direitos Huma nos sobretudo em um país como o nosso deve ter como premissa o reconhecimento e respeito a essa grande diversidade de culturas línguas e mun dos Os números são variáveis foram diferentes no passado e serão diferentes no futuro Em todas as cifras em qualquer tempo e em qualquer análise a diversidade aparecerá A cada vez que focamos na diversidade a cada vez que olhamos para o Bra sil a partir da diversidade a partir dos Caiçaras a partir dos Kaingang a partir dos Quilombolas compreendemos que a formação da sociedade e do Estado brasileiro está baseada na opressão dessas comunidades tradicionais Ainda que tenham tido seus territórios explorados seus saberes e modos de ser limi tados essas comunidades sempre resistiram Assim a diversidade cultural não é apenas fruto da adaptação à terra e dos simbolismos de cada grupo mas sobretudo é resistência Resistência à violência à imposição de normas e restrições à discriminação ao preconceito e à marginalização Desde a Constituição Federal de 1988 este cenário mudou com novos princípios de inclusão e cidadania As instituições se adaptam e avançam pouco é verdade mas os princípios estão consagra dos no ordenamento jurídico As comunidades tra dicionais sabem disso e lutam também nas esferas do direito Neste sentido para conciliar a natureza universalizante dos direitos humanos com a diversi dade das comunidades tradicionais é fundamental considerar a valorização cultural o reconhecimento conhecimento da opressão histórica sofrida e a interação com as estratégias locais de resistência REFERÊNCIAS ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de Conceito de terras tradicionalmente ocupadas Revista da AGU Brasília Imprensa AdvocaciaGeral da União 268 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 13 Centro de Estudos Victor Nunes Leal v 4 n 8 p 127138 2005 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de MARIN Rosa Acevedo NETO Joaquim de Shiraishi Coord Nova Cartografia a Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil Povoado Pantaneiro de Joselândia Fascículo 10 Brasília 2007 ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de MARIN Rosa Acevedo NETO Joaquim de Shiraishi Coord Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tra dicionais do Brasil Comunidades tradicionais caiça ras da Jureia IguapePeruibe Fascículo 1 Manaus UEA Edições 2013 AZOLA Fabiano Atenas O Relatório Figueiredo e os índios no Sul do Brasil Monografia graduação em Ciências Sociais Departamento de Ciências Sociais Universidade Federal do Paraná Curitiba 2017 BRASIL Decreto 60402007 de 7 de fevereiro de 2007 Institui a Política Nacional de Desenvolvi mento Sustentável dos Povos e Comunidades Tra dicionais Brasília Diário Oficial da União 08 abr 2007 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03ato200720102007decretod6040htm Acesso em 01 jun 2021 CARVALHO Franklin Plessmann VIANA Greice Bezerra Org Nova Cartografia Social dos Povos e Comu nidades Tradicionais do Brasil Fundos de Pasto Nosso jeito de viver no Sertão Oliveira dos Brejinhos e Brotas de Macaúbas Manaus UEA Edições 2012 COELHO Karina Entre ilhas e comunidades arti culações políticas e conflitos socioambientais no Parque Nacional do Superagui Dissertação Mes trado em Antropologia Social Programa de Pós graduação em Antropologia Social Universidade Federal do Paraná Curitiba 2014 CONAQ Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas Terra e território 2021 Disponível em httpconaqorgbr coletivoterraeterritorio Acesso em 26 ago 2021 CUNHA Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cul tura com aspas e outros ensaios São Paulo Cosac Naify 2009 CUNHA Maria Manuela Ligeti Carneiro da Org História dos índios no Brasil São Paulo Cia Das Letras 1992 DIEGUES Antônio Carlos SantAna O mito moderno da natureza intocada São Paulo Hucitec 2001 HOBSBAWN Eric RANGER Terence org A invenção das tradições 2 Ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1997 ISA Instituto Socioambiental Protocolo de con sulta as comunidades quilombolas do Paraná 2021 Disponível em httpsacervosocioambiental orgsitesdefaultfilesdocumentsprov0272 pdf Acesso em 26 ago 2021 LEITE Ilka Boaventura Os Quilombos no Brasil questões conceituais e normativas Etnográfica v IV n 2 p 333354 2000 MOURA Clóvis História do Negro Brasileiro São Paulo Editora Ática 1992 MOURA Clóvis Os quilombos e a rebelião negra São Paulo Editora Ática 1981 NOVAK Éder da Silva MOTA Lúcio Tadeu A política indigenista e os territórios indígenas no Paraná 19001950 Fronteiras Revista de História v 18 8 p 7697 2016 NOZOE Nelson Hideiki Sesmaria e apossamento de terras no Brasil Colônia Economia revista da ANPEC v7 n 3 p 587605 setdez 2006 PARANÁ QUILOMBOLA Apresentação 2021 Dis ponível em httpsparanaquilombolabrainlaxcom indexhtml Acesso em 28 ago 2021 SAHLINS Marshall O pessimismo sentimental e a experiência etnográfica por que a cultura não é um objeto em vias de extinção Mana v 3 n 1 p 4173 1997 SEYFERTH Giralda Concessão de terras dívida colo nial e mobilidade Estudos Sociedade e Agricultura Rio de Janeiro v 7 p 2958 2006 SEYFERTH Giralda Colonização imigração e a ques tão racial no Brasil Revista USP São Paulo v 53 p 117149 2002 PARTE V Direitos Humanos Condições de Vida e Trabalho 270 INTRODUÇÃO Nesta Unidade vamos pensar a relação entre direitos humanos atrelados diretamente aos direitos do ambiente Esses direitos serão pensa dos através dos marcos e conferências nacionais e internacionais que tratam sobre as regulações das práticas humanas visando a um modelo de desenvolvimento econômico que seja sustentável quer dizer um desenvolvimento que não elimine os recursos do mundo de maneira indiscriminada de modo a garantir que as gerações do presente e do futuro possam continuar a desenvolverse Os acordos realizados com as lideranças mundiais entre países com diferentes níveis de poder econômico revelam em primeiro lugar uma desigualdade entre os humanos e o mundo cultura e Natureza que está inscrita no pensa mento ocidental contemporâneo segundo o qual os seres racionais possuem direitos de transfor mar tudo aquilo que não consideram racional Tal desigualdade é originada pela percepção dualista do mundo mentecorpo bommau certoerrado desenvolvida no modelo filosófico clássico na Gré cia antiga conforme analisam os teóricos Castro e LandeiraFernandez 2012 e da qual o pensa mento cristão também é devedor na figura do ser humano que é inserido por último no mundo e ainda assim é responsável por nomear e domi nar todas as coisas existentes DERRIDA 2011 Do mesmo modo esse pensamento que se estruturou ao longo da história e com maior força na parte ocidental do globo mas não somente gera a interpretação de distinção entre os mesmos indivíduos humanos o que vai produzir diferenças profundas entre quem é considerado realmente humano como nos casos de escravidão e coloni zação quem faz parte dos processos de decisão incluindo aí as diferenças de gênero Isso é inte ressante para pensar quando estamos refletindo os direitos humanos e direitos da Natureza como veremos no decorrer dessa Unidade A proposta aqui é iniciar a reflexão tomando a concepção de um direito socioambiental como direito humano para posteriormente pensar o futuro do planeta acerca do qual nos pergun tamos quem estará incluído neste futuro Para desenvolver essa reflexão seguiremos com as principais decisões coletivas nacionais e inter nacionais sobre o Desenvolvimento Sustentável e suas noções fundadoras para então pensar as crises socioambientais produzidas pelas práticas humanas de exploração de recursos e a relação de patrimônio natural e cultural Encerraremos esta breve discussão pensando a possibilidade de Unidade 14 Direitos Humanos e Meio Ambiente Felipe Bueno Amaral 271 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 promoção de uma educação que produza uma ver dadeira consciência territorial e socioambiental PARTE 1 DIREITO SOCIOAMBIENTAL COMO UM DIREITO HUMANO Na segunda metade do século XX foi final mente sistematizada e organizada a ideia em torno dos direitos de cada ser humano do pla neta em uma reunião das Nações Unidas após a segunda guerra mundial e por razão dos atos e consequências daquela guerra Ainda assim as sociedades ocidentais já vinham desenvolvendo e defendendo no plano teórico a temática dos Direitos Humanos nas políticas internas e exter nas das Nações do globo Então para pensar a questão socioambiental como direito humano vamos partir da seguinte ideia na prática vive mos efetivamente em relação inseparável com o mundo então esse direito se estende ao mundo É disso que se tratam as muitas reuniões de países realizadas a cada duas décadas mais ou menos e que tentam garantir que os próximos humanos na terra tenham acesso aos chamados recursos ambientais Atravessamos algumas revo luções vimos a filosofia a ciência a tecnologia e a industrialização promoverem verdadeiras transformações locais mas o mundo Natureza não tinha direito a falar nada porque também na prática vivemos efetivamente em relação de ten são e distanciamento com o mundo Portanto nós humanos criadores do direito temos também de criar direitos para tudo aquilo que não é humano Vivemos no mundo e dependemos dele mas paradoxalmente criamos os limites da nossa relação com ele Mas por quê Vejamos sempre que pensarmos em meio ambiente temos de considerar uma estrutura de pensamento que nos aproxima e afasta do que seja portanto o meio ambiente Cada indivíduo e cada sociedade têm uma ideia sobre o que é a Natureza a partir da qual se relacionam com essa Natureza até mesmo em como se nomeia essa Natureza Vocês percebem que aqui estamos utilizando a palavra natureza com N maiúsculo que é para dar outra noção à ideia comum de natureza humana ou animal por exemplo Mas também porque entendemos e defendemos que a Natureza não é um elemento do mundo mas o próprio mundo É daí que vamos perceber as diferentes formas de nomeála de acordo com a relação que se tem com ela espaço paisagem território meio ambiente casa etc Ou seja nos relacionamos com o mundo de acordo com nossas experiências e afinidades Portanto essa relação tem um sentido histórico que nos antecede e um sentido social que deve ser pensado além das comunidades somente humanas Para ilustrar isso pense numa comu nidade indígena e toda a relação de proximidade e dependência que ela possui com o mundo mas também pense na mesma relação de proximidade muitas vezes inconsciente de um executivo dentro de um escritório em qualquer edifício de alguma cidade grande Em cada um de nós portanto existe uma consciência sobre o que é o mundo que é sempre relacional e que vai determinar o que entendemos quando escutamos ou lemos palavras como meio ambiente natureza ecologia etc Sendo relacio nal ou seja dependendo da relação que temos essa consciência possui parte daquilo que dialoga com o indivíduo aquele Eu subjetivo mas que dialoga também com um conhecimento coletivo Portanto nosso entendimento sobre o mundo é ao mesmo tempo histórico e social Isso é importante porque indica uma cons trução que passa por conhecimentos que se colo cam anteriormente ao indivíduo os quais se ins crevem na linguagem e também no imaginário das pessoas que compartilham um determinado território em um momento histórico específico A história é um elemento importante porque vai estruturando os saberes e a partir deles as for mas de interação entre as comunidades humanas e o meio ambiente Para entender como funciona isto que vamos chamar de estruturação histórica do conhecimento socioambiental empresta mos como exemplo as reflexões do professor israelense Hahari 2020 p 53 quando assinala 272 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 que para entender a aparição do cristia nismo ou da revolução francesa não é suficiente compreender a interação genética hormonal e orgânica É necessário levar em conta também a interação de ideias imagens e fantasias Nesse sentido sem pretender uma fide lidade cronológica mas sim instrumentalizar eventos para pensarmos juntos mencionaremos muito brevemente aspectos que remontam as interações entre grupos humanos no e com o mundo Podemos pensar o período chamado de baixa Idade Média quando a interpretação do mundo de forma unicamente religiosa estava sendo questionada com Descartes 15961650 2006 e Bacon 15611626 1979 e como tais autores fundaram a filosofia e a racionalidade moderna Ou seja fundaram o modo como hoje conhecemos as coisas por meio do conhecimento do mundo através da razão do domínio e controle da Natureza mundo Saiba mais Vamos pensar que hoje na modernidade entendemos por que as árvores de um bosque se movem de maneira assustadora quando está ventando ou o que são os clarões no céu durante as tempestades ou o que são os tremores de terra que transformam a paisagem de áreas inteiras Já não atribuímos esses eventos a um castigo ou mensagem divina pelo menos não exclusivamente Mas então em um processo histórico elaborado por esse conhecimento científico e filosófico que gera a ideia de que as coisas do mundo são para servir os humanos fomos estru turando nossas interpretações sobre o mundo Porém como consequência dessa leitura que temos do mundo nossas práticas produtivas são de degradação e transformação da Natureza do meio ambiente do território da paisagem dos recursos naturais etc Nesse sentido Pergunte a qualquer um da massa de gente obscura qual o propósito das coisas A resposta geral é que todas as coisas foram criadas para nosso auxí lio e uso prático em resumo todo cenário magnífico das coisas é diária e confiantemente visto como destinado em última instância à conveniência peculiar do gênero humano Dessa forma o grosso da espécie humana arrogantemente se eleva acima das inumeráveis existências que o cercam TOULMIN 1824 p 5152 apud THOMAS 1988 p 21 O resultado desse pensamento pode ser visto na filosofia e na ciência contemporâneas pegue a obra de qualquer autora ou autor em uma biblioteca e esse fundo embrionário de separa ção entre humanos e coisas estará lá Ou então sentese um instante e olhe ao seu redor e você perceberá como está afastado do mundo vivendo uma cultura desenraizada como que descolada das coisas que compõem nossa vida social como arcondicionado vidros computadores roupas etc Assim nessa separação as autoras e autores contemporâneos vão localizar o fundamento das diversas crises que vivenciamos e entre elas a ambiental É como sintetiza a sentença do autor mexicano Enrique Leff a crise ambiental é uma crise do conhecimento LEFF 2001 A partir desta introdução ao pensamento que vamos desenvolver citamos o artigo 225 da legislação federal que trata do meio ambiente segundo o qual todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao poder público e à coleti vidade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações Vemos através desta legislação que o direito socioambiental entendido em seu aspecto amplo e difuso garantese a ambos Natureza e sociedade direitos a vida boa equitativa e que se lança para as seguintes gerações Apesar disso as comunidades nacionais conhecem a profunda desigualdade social exis tente e o não cumprimento do direito socioam biental A desigualdade se mostra de maneira efetiva em duas perspectivas gerais exatamente opostas a estabelecida na legislação federal de um lado o povo ali contido não possui acesso igualitário à qualidade de vida plena de outro 273 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 a desigualdade entre os humanos e o mundo advinda daquela estruturação histórica do conhe cimento socioambiental Como vimos a Constituição Federal tam bém expressa aquela interpretação de separação entre humanos e o mundo porque foi constituída naquela estrutura de pensamento ocidental que prima pela razão e pelo bemestar das muitas comunidades nacionais A partir daqui podemos pensar nas chamadas Teorias do Risco que se referem ao não controle dos riscos produzidos pelas práticas científicas e tecnológicas causadas pelas práticas humanas no mundo Ou seja aque las mesmas práticas de dominação e controle do início da modernidade que permanecem até hoje nas interações entre humanos e mundo estru turação histórica Essas teorias defendem que na medida em que alteramos um ecossistema qualquer não podemos saber as consequências Sentimos hoje os resultados dessas práticas no aquecimento global que causa o derretimento das geleiras na transformação e perdas de certos habitats que por sua vez resultam em transformação e perdas em outros habitats Mas e o que mais Vemos a fauna e a flora e a transformação da paisagem e as consequências em outro lugar mas não controlamos todas as consequências dessa transformação em nenhuma esfera Esse é o risco incontrolável em que vivemos resultado dessa separação DIREITO AO FUTURO Se seguirmos o famoso Relatório Brundtland Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desen volvimento publicado em 1987 devemos esta belecer e colocar em prática um desenvolvimento que seja sustentável entendido aí como um processo de transformação no qual a exploração dos recursos a dire ção dos investimentos a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro a fim de atender as necessidades e aspirações humanas RELATÓRIO 1988 p 49 Aqui voltamos àquela estrutura de inte ração com o mundo que prevê o domínio e o controle da natureza A chave para lermos e compreendermos essa definição está na ideia de desenvolvimento ancorada na modernidade e em um tipo de sistema que promove competição entre todos os membros envolvidos A ideia de desigualdade está diretamente ligada à ideia de desenvolvimento mas na outra ponta Pensar em extremos talvez não seja um bom recurso Vamos pensar então em uma presença paralela na qual estão colocadas lado a lado de modo quase fantasmagórico a desigualdade e no par oposto o desenvolvimento Se retomarmos a definição de desenvolvi mento sustentável teremos como elemento cen tral o processo de transformação da exploração de recursos Imediatamente se faz necessário interrogar se essa exploração de recursos é equi tativa ou onde os investimentos resultantes serão aplicados garantindo as necessidades humanas Necessidades humanas De quais humanos Ade mais se o mundo desaparece dessa sentença isso é sustentável No dicionário comum vemos que sustentável é algo que se pode sustentar passivo de sustentação Sendo assim poderíamos acres centar ainda outra questão a exploração desigual de recursos para satisfazer as necessidades e aspirações humanas baseadas na desigualdade socioambiental é sustentável Vimos como a ciência dos riscos nos con fronta e indica nossos limites Acontece que tam bém eles não estão claros e esse é o benefício da incerteza sobre o qual nos valemos para esta belecer direitos sustentáveis que se baseiam na ideia de limites para o desenvolvimento Talvez tenhamos que inverter a sentença e estabelecer limites para as desigualdades sociais e ambientais No livro A grande Transformação Karl Polanyi 2000 demonstra o resultado do pro cesso de dominação da natureza expondo a dinâmica da separação entre humanos e o mundo e a profunda desigualdade entre os grupos de pessoas por estratos Moinho satânico 274 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 é a expressão que o autor utiliza para descrever essa situação em que as pessoas foram arran cadas de seus territórios de referência geográ fica territorial de produção da vida ou seja desterritorializadas na transição do período feudal para o modernocapitalista Em vista disso e olhando somente para o cenário latinoamericano os países deste conti nente atribuem ao Estado o poder de minimizar os riscos e as desigualdades socioambientais garantidas nas legislações regionais nacionais e internacionais Entretanto O caminho da austeridade e da redu ção do Estado tem sido adotado recentemente como estratégia de superação da crise brasileira Sem embargo a experiência histórica mais antiga e o passado recente da América Latina indicam que delegar a tarefa do desenvolvimento exclusi vamente ao livremercado amplifica vulnerabilidades externas econômi cas sociais ambientais e políticas Particularmente diante da dimensão dos desafios domésticos do Brasil e diante das grandes transformações no mundo a agenda da redução do Estado dificulta a tarefa de promover o desenvolvimento com igualdade LEITE 2019 p 11 Para pensar a questão das desigualdades em uma dimensão em que se considere o mundo o meio ambiente a Natureza como parte da relação recorreremos novamente a Leite 2019 para refletir sobre a situação nacional precisa mente sobre as tensões presentes entre os atores Conforme o autor o primeiro pilar é o binômio centroperiferia que expressa as assimetrias internacionais e mais do que isso as relações de poder na economia internacional O enten dimento da condição periférica e subordinada da América Latina é o pilar central do desenvol vimento teórico associado ao estruturalismo LEITE 2019 p 13 A desigualdade que se coloca internamente no Brasil também está colocada em um cenário internacional marcado por relações de poder e nesse caso o poder econômico vai determinando as desigualdades também na esfera ambiental Lembram do desenvolvimento que previa uma sustentabilidade na extração de recursos Em um cenário de competição internacional onde a desigualdade se mostra soberana às vezes até mesmo necessária as condições de um direito ao futuro não são muito promissoras A capacidade coletiva regida por um Estado forte no qual a igualdade é cada vez mais esti mulada seria garantidora de um futuro que resguardasse os direitos socioambientais Sabe mos entretanto que quem está em condições econômicas desfavoráveis não tem muito tempo para pensar além de sua subsistência O acesso ao conhecimento lhes é negado e quem está no vermelho economicamente não pensa no verde ambiental humano vida Para aprofundar Recomendamos a leitura do livro As veias abertas da América Latina de Eduardo Galeano Neste livro Galeano realiza uma genealogia muito pes soalizada da formação dos países da América Latina no processo de colonização Flertando com a História a Filosofia a Geografia a Literatura e as Ciências Sociais o autor nos narra com certa tensão as relações sociais no período de formação da América como a conhecemos hoje a instauração de Estados e a imposição de práticas e modos de pensar assim como seus principais eventos territoriais culturais e históricos Prática 1 Cartografia da separação entre humanos e o mundo Objetivo Entender como se dá na prática a sepa ração entre humanos e meio ambiente Sugestão de desenvolvimento dividindo as pes soas participantes da formação em grupos de 4 caminhar pelas ruas da cidade e observar como a cidade está ocupada em sua distribuição geoe conômica para compreender se a apropriação de espaço se dá em distanciamento e eliminação do meio ambiente 275 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 É claro que todas as cidades em maior ou menor medida estão construídas sobre espaços naturais mas alguns modelos de urbanização procuram dialogar com o espaço de rios conservar o máximo possível espaços de florestas cuidar da relação entre as construções e as margens de rios ou florestas resguardando e controlando o derrame de esgotos enquanto outras eliminam os rios construindo ruas sobre eles e lançando dejetos eliminam montanhas com a ocupação de casas ou extração de minérios etc Também se pode observar as desigualdades sociais que acontecem na cidade e suas características A proposta é que se faça um mapa da parte observada assinalando os pontos críticos e as potencialidades de acordo com as suas áreas de conhecimento e interesse O ideal é que se realize um retrato fiel do local indicando as áreas construídas e ramos de atividade residências praças ruas morros supermercados terrenos baldios etc Essa atividade auxilia a olhar para a cidade e repensar a nossa relação com o espaço e a paisagem Materiais utilizados bloco de notas canetas lápis e cartolina Prática 2 Desenvolvimento sustentá vel na América Latina Objetivo identificar projetos governamentais de Desenvolvimento Sustentável em países da América Latina Sugestão de desenvolvimento para que se com preenda a diversidade das propostas territoriais relacionadas aos direitos humanos e direitos da natureza faça com que as pessoas participantes busquem um projeto de qualquer país latinoameri cano para compreender as diferenças e semelhanças das defesas dos direitos socioambientais em outros territórios Materiais utilizados computador celular tablet ou jornal impresso Prática 3 Pronunciamentos sobre direi tos socioambientais Objetivo identificar a presença dos princípios dos direitos humanos nas manifestações de governantes nacionais ou internacionais Sugestão de desenvolvimento buscar nos discur sos de governantes nacionais ou internacionais as propostas de atuação ou transformação alinhadas com os princípios dos direitos socioambientais A intenção da atividade é que se possa compreender se as diretrizes políticas se baseiam nos acordos internacionais Materiais utilizados e recursos didáticos com putador celular tablet ou jornal impresso PARTE 2 MARCOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE Em razão da complexidade de pensar as relações de tensão entre humanos e natureza e da ampliação ou associação dos direitos humanos aos direitos de todas as coisas do mundo vários encontros foram realizados para estabelecer a maneira como aconteceria essa relação como vimos mais acima na categoria de desenvolvi mento sustentável Nesse sentido O processo histórico de construção e incorporação do problema ambien tal como problema social implica na transformação dos indivíduos e do pró prio Estado que passam a atentar para questões que não se apresentavam como relevantes As sociedades elabo ram um conjunto de problemas sociais tidos como legítimos e dignos de serem discutidos e portanto públicos Fuks salienta que a definição do problema ambiental se dá num espaço público por meio do debate e da ação FUKS 2001 É nesse espaço de disputas que se observa uma pluralidade de visões embora esse autor ressalte as condi ções diferenciadas de participação dos diferentes indivíduos que implicam em resultados também diferenciados FUKS 2001 sobretudo nas questões 276 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 de Direito Ambiental que envolve o próprio direito LIMA e NETO 2015 p 135 Grifos dos autores Entendendo a questão dos direitos huma nos e ambientais desde uma maneira híbrida e complexa vamos apresentar alguns marcos das resoluções nacionais e internacionais de modo a lançar luzes sobre nossos limites e condições de possibilidades quando a questão trata de direitos individuais coletivos ou da Natureza enquanto objeto ou sujeito Em 1972 tivemos a primeira grande confe rência sobre meio ambiente no mundo Realizada em Estocolmo na Suécia essa reunião teve como centro de interesse a redução do uso de pro dutos tóxicos e um acordo de subsídio entre as nações para promover tal proteção A declaração demonstra desde logo uma preocupação genuína em relação ao que na prática havia se transfor mado a interação entre humano e Natureza A cartasíntese revela essa perspectiva O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desen volverse intelectual moral social e espiritualmente Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegouse a uma etapa em que graças à rápida aceleração da ciência e da tec nologia o homem adquiriu o poder de transformar de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes tudo que o cerca Os dois aspectos do meio ambiente humano o natural e o arti ficial são essenciais para o bemestar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais inclusive o direito à vida mesma DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO 1972 n p Observem que apesar de conceber a ine xorável interrelação entre humano e mundo o trecho encerra revelando uma relação assimé trica na qual se conservaria o mundo para o gozo humano O texto mantém portanto a estrutura histórica socioambiental que se asseverou no mundo moderno fruto daquela racionalização iniciada na baixa Idade Média por volta do século XV que ao mesmo tempo em que delimita um lugar de preponderância da ciência e da tecno logia nos afasta das conexões espirituais por exemplo parte fundamental da práxis humana Isso promove o desenvolvimento econômico ao mesmo tempo em que lidamos com os efeitos dos riscos causados pela tecnocracia que causam danos diretos à qualidade de vida Já no primeiro princípio da declaração de Estocolmo vemos como as interrelações entre humanos e mundo está posta O homem tem o direito fundamental à liberdade igualdade e adequadas condições de vida em um ambiente cuja qualidade permita uma vida de dignidade e bemestar e tem solene responsabilidade de proteger e melho rar o meio ambiente para a presente e as futuras gerações A tal respeito as políticas de promover e perpetuar o apartheid a segregação racial a dis criminação a opressão colonial e suas outras formas e a dominação estran geira ficam condenadas e devem ser eliminadas DECLARAÇÃO DE ESTO COLMO 1972 Vejam que nesta primeira conferência está evidenciada a necessidade de se proteger o mundo a natureza o ambiente natural como um direito mas também de garantir que o ser humano possa se desenvolver nesse mundo Há pouco mencionamos que essa compreensão parecia paradoxal mas o processo histórico de conhecimento humano se dá dessa maneira con fusa somos fruto do mundo e por conseguinte seres naturais ou somos produtores do mundo e portanto seres culturais A seguinte conferência temporalmente importante foi a Conferência de Montreal rea lizada em 1987e é mais específica e se relaciona com aquela dupla proteção que estamos assina lando neste texto defendendo uma proteção à camada de ozônio para proteção do mundo Para isso o desenvolvimento deveria ser repensado e os efeitos da industrialização mitigados Lembra da teoria dos riscos Lançar resíduos químicos na 277 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 atmosfera degrada a camada de ozônio mas quais são os efeitos colaterais Vejamos O crescimento industrial sobretudo após a II Guerra Mundial trouxe consigo elementos indesejáveis que resultaram em poluição atmosférica e degrada ção ambiental provocadas pelo uso de combustíveis fósseis e seus subprodu tos gasosos Como são os gases que dis põem de propriedades físicoquímicas propícias à interação com a atmosfera formada por gases também é a matéria sob forma gasosa e combinada a que mais afeta a biosfera que é o conjunto de todos os ecossistemas da Terra Ade mais salvar o planeta Terra de agen tes nocivos tem sido uma bandeira dos movimentos ambientalistas desde os anos 70 cujas atividades às vezes exa geradas foram acolhidas pela mídia e pela sociedade como uma boa causa a adotar e a seguir por todas as nações Considerada atitude politicamente cor reta a se assumir na prática a ideologia ambientalista moldou o pensamento em vários países capitaneado pelos partidos políticos verdes Saiba mais Uma questão importante para se pensar aqui é o con ceito de desenvolvimento Existem muitas discussões aprofundadas a esse respeito mas gostaríamos apenas de chamar atenção para a confusão entre os termos desenvolvimento e crescimento já que a noção de desen volvimento presente na categoria de Desenvolvimento Sustentável se relaciona estritamente com a questão econômica dos países Vamos lembrar que quando pensamos em Desenvolvimento podemos fazêlo em sentido pessoal espiritual cultural etc O termo possui uma noção de processo muito abrangente e quando associada à susten tabilidade se restringe à noção econômica Poderíamos nos desenvolver ao ponto de não necessitar de capital econômico por exemplo Por sua vez o Crescimento está mais alinhando ao objetivo de Desenvolvimento Sustentável dentro do sistema de competição capita lista em um planeta globalizado Por essa razão auto res como Enzo Tiezzi 1988 defendem a categoria de Crescimento Sustentável Poucos anos mais tarde foi realizada no Brasil a ECO92 na cidade do Rio de Janeiro razão pela qual também é conhecida como Rio92 Essa conferência resgatou pontos das anteriores e esteve mais centrada nas práticas individuais como a reciclagem e o turismo ecológico Todas as conferências ressaltam as questões políticas internacionais Já dissemos que humano e mundo são inseparáveis na prática ao mesmo tempo que as práticas humanas no mundo sugiram uma separação Já mencionamos que somos dependentes do mundo das coisas dos objetos das crenças aquilo que Max Weber chamou de racionalidade substantiva Todas essas decisões internacio nais constituem políticas ou seja concepções que temos acerca das coisas e que defendemos enquanto elementos fundamentais Nesse sen tido elas podem ser políticas institucionais nacio nais ou internacionais mas também podem ser políticas de vida que vão revelando os aspectos de importância do mundo para os indivíduos e grupos organizados formalmente como movi mentos ou não As tensões expostas na ECO92 revelam isso Já enfrentando os problemas da reces são e do desemprego num ano de cam panha presidencial os EUA vêemse às voltas também com a necessidade de desmontar parcialmente o complexo industrial militar inviabilizado por falta de objetivos A desmontagem entre tanto agravaria a recessão e o desem prego Não por acaso um Escritório de Conversão criado pelo Congresso e entregue à direção do Pentágono só utilizou em 1991 metade dos 200 milhões de dólares que lhe foram atri buídos Por isso em lugar de desativa ção aprovouse a construção de mais dois submarinos Seawolf ao custo de 3 bilhões de dólares Embora não tenham alvos os submarinos asseguram 20 mil empregos Da mesma forma aprovou se a construção de 5 aviões Stealth ao custo de 4 bilhões de dólares porque asseguram milhares de ocupações na Califórnia Temos de reconhecer que não estamos preparados para a paz 278 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 afirmou dramaticamente um sena dor na primeira página do New York Times ao discutir a impressionante perda de competitividade da econo mia norteamericana diante da alemã e da japonesa nos últimos 30 anos NOVAES 1992 p 79 Dessa forma nos explica Novaes como pensar que o ator principal na questão das mudanças climáticas aceitasse o papel que lhe cabia o da maior quota na redução da emissão de poluentes atmosféricos que con tribuem para o cenário em que se dis cutem as mudanças Como pensar em fixação de níveis e datas para reduzir emissão de poluentes se poucas sema nas antes da abertura da Conferência do Rio de Janeiro a Presidência dos Estados Unidos dera a vitória ao Escri tório de Qualidade liderado pelo vice presidente Dan Quayle em sua disputa com a Agência de Proteção Ambiental na questão do aumento de poluentes da atmosfera A EPA exigia que as indústrias poluidoras continuassem obrigadas a comunicar em audiências públicas seus aumentos na emissão de poluentes Quayle argumentava que numa hora de recessão e desemprego era prioritário aumentar a produção ainda que a certos custos ambientais Ganhou Quayle NOVAES 1992 p 80 O Protocolo de Kyoto produzido em 1997 na mesma linha do acordo de Montreal ocorrido dez anos antes teve como essência a redução dos impactos causados pela industrialização potencia lizada e irrefreável Usamos este termo para lem brar que as práticas humanas no mundo já vinham sendo pensadas em conjunto de modo planetário havia pelo menos 50 anos As responsabilidades e as responsabilizações sobre as emissões dos gases estufa foram divididas de modo desigual entre os países partindo do elemento chave de desenvolvimento desigual e permitindo uma associação entre países através do mecanismo de desenvolvimento limpo MDL Saiba mais A questão aqui é pensar globalmente ou seja global e localmente borrando fronteiras e vendo o mundo como um grande pátio comum O MDL atua nos sistemas de validação das taxas de emissões elaboração e aprovação de projetos de captação de carbono como plantação de florestas e seu monitoramento Esse mecanismo prevê que países ricos possam continuar crescendo e produzindo em suas indústrias compensando a emissão de gases com plantio e manutenção de florestas em outros países Neste sentido precisamos lembrar que o Protocolo de Quioto surge como uma grande oportunidade não só para que o mundo comece a agir efetivamente em prol do meio ambiente mas tam bém como um meio para que os países em desenvolvimento busquem o desen volvimento sustentável estimulando a produção de energia limpa para a redução das emissões de GEEs e com base na cooperação internacional com países desenvolvidos beneficiemse com a transferência de tecnologia e com o comércio de carbono Para o Bra sil em especial o Mecanismo de Desen volvimento Limpo pode ser muito inte ressante já que aproveita um grande potencial brasileiro para a produção de energia limpa e possibilita que o país desempenhe papel importante no contexto ambiental internacional MOREIRA E GIOMETTI 2008 p 11 Depois disso tivemos a Rio10 realizada no ano de 2002 em Johanesburgo na África do Sul onde além das pautas já sabidas relaciona das à noção de Desenvolvimento Sustentável e o controle da emissão de gases houve uma grande concentração sobre a questão da fome e a miséria no mundo Novamente na cidade do Rio de Janeiro revisitando as questões debatidas havia 20 anos pela ECO92 foi realizada a Conferência Rio20 retomando as questões levantadas naquela con ferência e também revisando os efeitos práticos alcançados pelos países membros das Nações Unidas Aqui de modo especial elaborouse como 279 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 um produto da reunião o documento intitulado O futuro que queremos Três anos mais tarde em 2015 realizouse em Paris a reunião que se intitulou Acordo de Paris Novamente foram retomados os pontos centrais que questionam os efeitos da industriali zação como as emissões de gases e seus efeitos na temperatura média do planeta Nestas reu niões os países reforçam acordos entretanto é importante destacar que as questões situacionais de governo acabam se sobrepondo às questões de Estado O efeito disso é que as fronteiras ora borradas ganham muros enquanto chefes momentâneos de nações decidem corroborar ou não as decisões de seus antecessores O governo de Donald Trump nos Estados Unidos da América é um exemplo de que questões ideológicas são determinantes para os compromissos e acordos pelo pacto global para o meio ambiente EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS E CRISES SOCIOAMBIENTAIS Diretamente atrelada à questão de desen volvimento e da desigualdade socioambiental estão as explorações de recursos naturais como vimos Explorar recursos naturais significa trans formar o mundo Aqui como nas questões que envolvem os acordos internacionais para proteção do meio ambiente fazse necessário evidenciar a desigualdade de condições dos países para se desenvolver Relacionamos então a questão do poder de decisão dos países nos acordos estabe lecidos e sua capacidade de pautar o debate ou de apenas participar mas também é necessário observar as questões estruturais que se inscrevem na cosmologia dos povos Para tentar hibridizar a questão e dar ao termo socioambiental a amplitude que ele merece vamos pensar o cenário nacional de ocupação do espaço e de extração dos recursos naturais compreendendo que a própria palavra recurso está relacionada a questão econômica e desenvolvimentista Pensemos por exemplo nos deslizamen tos de terra ocorridos nas primeiras décadas dos anos 2000 no estado de Minas Gerais Uma empresa nacional de capital aberto e de projeção internacional e que tem como atividade central a extração de minérios está instalada em uma região daquele estado A sua prática econômica tem a ver com a terra mas ela impacta também no ar nos alimentos ali produzidos e consumidos na forma da atividade comercial local e global nos rios e espécies de peixes e plantas que dele dependem no trânsito das estradas de elementos da política institucional do espaço da paisagem do relevo da região e por aí vai Podemos ficar horas aqui descrevendo os elementos híbridos que compõe a relação socioambiental de um empreendimento em um lugar específico do planeta e ainda assim quando formos pensar seus aspectos vamos tratar de separar cada etapa até chegar novamente na natureza e na cultura e de forma simples justi ficar as separações E cada vez que fizermos isso vamos produzir mais elementos complexos que são ao mesmo tempo pertencentes a natureza e a cultura De acordo com o antropólogo francês Bruno Latour 1994 1997 o processo de separação o qual denomina como purificação foi fundamen talmente agravado com o estabelecimento da modernidade a partir do século XV Vivenciamos as coisas de maneira integral mas quando somos convidados a descrevêlas as purificamos cultura de um lado natureza de outro Contudo ninguém parece estar preocupado As páginas de economia política ciências livros cultura religião e generalidades dividem o layout como se nada acon tecesse O menor vírus da AIDS nos faz passar do sexo ao inconsciente à África às culturas de células ao DNA a São Francisco mas os analistas os pensadores os jornalistas e todos os que tomam decisões irão cortar a fina rede desenhada pelo vírus em peque nos compartimentos específicos onde encontraremos apenas ciência ape nas economia apenas representações sociais apenas generalidades ape 280 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 nas piedade apenas sexo LATOUR 1994 p 8 De modo que para entendermos as ques tões que se colocam em um deslizamento de terra que arrasa uma cidade matando seus cidadãos e alterando todas as formas de vida temos que pensar nas relações de poder entre capital eco nômico e vidas É aqui que se coloca a questão As atividades de extração de minérios no muni cípio de BrumadinhoMG causaram a morte de 270 pessoas quando a barragem cedeu O des lizamento que destruiu vidas de trabalhadores e residentes do município ocorreu em 2019 e somente 3 anos depois o acordo entre empresa e o Sindicato Metabase Brumadinho foi finalmente firmado PODER 360 10 de Junho de 2021 A questão da indenização paga às famílias é de grande importância já que se acordou no mundo moderno que o dinheiro é uma forma de justificar a culpa na relação entre pessoas e empreendimentos assim como a prisão tem o mesmo efeito nas situações de danos à integri dade física na relação entre pessoas Também aqui conta nos parece uma forma de se respon sabilizar pelos danos causados às práticas huma nas naquele ecossistema como pescadores por exemplo É como se se dissesse esse tanto para os danos à cultura e esse outro para os danos à natureza A questão é que quando nos referimos à vida não estamos somente querendo dizer das pessoas que perderam a vida ou familiares no deslizamento de terra A própria vida foi transfor mada seus territórios suas práticas suas crenças enfim sua cosmologia territorial Notadamente a vida do município tinha sido transformada para se adequar à presença e atividade da empresa mine radora alterando ritmos ritos lugares e pessoas de importância À primeira territorialização houve uma desterritorialização causada pela chegada dessa empresa e depois com o acidente uma nova desterritorialização ainda mais fatal porque a ausência é imperativa dos entes queridos de práticas e costumes de espécies que integravam um esquema simbiótico e rizomático Para aprofundar O filme Avatar do diretor James Cameron se passa em duas perspectivas aonde os habitantes do planeta terra encontram um país habitável e com possibilidade de reproduzir o mesmo desenvolvimento realizado em nosso sistema capitalista de produção em que o solo é o centro de nossas atividades A questão aqui é pensar o choque entre as duas civiliza ções e a tensão evidente entre os habitantes da terra que de um lado percebem a importância e beleza da relação daqueles habitantes com todas as coisas presentes em seu mundo e outra visão mais cartesiana e econômica que vê aquele mundo como recurso Prática 4 Cosmovisões territoriais e práticas híbridas Objetivo conhecer as práticas socioambientais híbridas de comunidades tradicionais Sugestão de desenvolvimento pesquisar nas comunidades tradicionais organizadas indígenas quilombolas ribeirinhas rurais caiçaras etc a dis posição dos materiais e recursos que sustentam as manifestações práticas e espirituais daquela comu nidade ou seja recursos com os quais a comunidade é identificada como tal e que lhes são garantias de direitos Materiais utilizados computador celular tablet jornal ou revista impressa Prática 5 Políticas públicas municipais de Desenvolvimento Sustentável Objetivo Mapear as políticas socioambientais do município Sugestão de desenvolvimento visitar a página da prefeitura de seu município e enumerar as políticas e medidas socioambientais estabelecidas e postas em prática em sua cidade Lembrese que é funda mental mapear as políticas postas em prática e não somente o discurso Materiais utilizados computador celular tablet jornal ou revista impressa 281 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 Prática 6 Participação de Associações da Comunidade Civil Objetivo conhecer a participação de ONGs e insti tuições de direitos socioambientais em seu município ou região Sugestão de desenvolvimento as ações políticas não institucionais desenvolvidas e defendidas por organizações não governamentais são um impor tante ponto de apoio às garantias das pessoas e do território Realize um mapeamento das ações de defesa aos direitos socioambientais promo vidas por essas organizações em seu município ou região Materiais utilizados computador celular tablet jornal ou revista impressa PARTE 3 PATRIMÔNIO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL De acordo com a Convenção sobre a Pro teção do Patrimônio Cultural e Natural da Orga nização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO ocorrida no ano de 1972 em Paris os patrimônios culturais e naturais devem ser preservados como um bem comum de toda a humanidade e suas gerações futuras Esse documento diz que Constatando que o património cultu ral e o património natural estão cada vez mais ameaçados de destruição não apenas pelas causas tradicionais de degradação mas também pela evolução da vida social e económica que as agrava através e fenómenos de alteração ou de destruição ainda mais importantes Considerando que a degradação ou o desaparecimento de um bem do património cultural e natural constitui um empobrecimento efectivo do património de todos os povos do mundo ONU 1972 p 01 Portanto em uma perspectiva que se asse melha a de Desenvolvimento Sustentável a defesa do patrimônio também pretende garantir que as gerações futuras tenham acesso e conhecimento a bens naturais e culturais cremos haver já tor nado consciente essa separação entre cultural e natural afinal no momento em que definimos que uma cachoeira é um patrimônio natural estamos mobilizando a política questões espirituais a ciência a linguagem etc Segundo Tourinho e Rodrigues No universo da prática patrimonialista a criação da categoria patrimônio mundial assemelhase ao derradeiro momento da prevalência da concepção do patrimônio como um conjunto de representações da nação Em tempos de globalização um dos componentes dessa representação a territorialidade tem sido simbolicamente dissolvida pelas possibilidades de comunicação oferecidas por tecnologias que simul taneamente promovem o compartilha mento de fazeres de formas de ser possibilitam o rompimento dos limites geográficos e desnudam a complexi dade e as variações possíveis entre a homogeneização e a diversificação da cultura globalizada TOURINHO e RODRIGUES 2020 p 04 Aqui os autores reforçam a presença de uma territorialidade que se lança através das fronteiras borradas pela globalização Ao termo homoge neização da cultura globalizada entendase aqui a estrutura do conhecimento e práticas que de maneira desigual transcende os territórios e se pasteuriza nas diversas nações e povos do mundo Essa é uma questão interessante se pensamos um mundo onde as coisas estão desconectadas Por exemplo vejamos como se dispõem os objetos que são patrimônios culturais e naturais I Definições do património cultural e natural ARTIGO 1º Para fins da pre sente Convenção serão considerados como património cultural Os monumentos Obras arquitectóni cas de escultura ou de pintura monu mentais elementos de estruturas de carácter arqueológico inscrições gru tas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história da arte ou da ciência os conjuntos Grupos de construções isoladas ou reunidos que em virtude 282 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 da sua arquitectura unidade ou inte gração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da his tória da arte ou da ciência os locais de interesse Obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natu reza e as zonas incluindo os locais de interesse arqueológico com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico estético etnológico ou antropológico ARTIGO 2º Para fins da presente Convenção serão considerados como património natural Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico As formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaça das com valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conser vação Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente delimi tadas com valor universal excepcional do ponto de vista a ciência conservação ou beleza natural ONU 1972 p 03 Podemos assim visitar através da tela do computador as pirâmides do Egito confortavel mente desde o sul do Brasil ou do leste da Aus trália enquanto as poeiras do deserto do Saara enchem de pó algum município venezuelano ou do norte da Colômbia ou do golfo do México ou ainda que uma tribo no meio da África sofra os efeitos da mudança do clima enquanto algum turista do norte do globo aterrissa em algum país subdesenvolvido para aprender a perspectiva ameríndia e evoluir espiritualmente A desigualdade socioambiental e colonial se estabelece também aqui e coloca em xeque o relativismo cultural e socioambiental A floresta que por milhares de anos várias comunidades autóctones concebiam como casa lar mãe e divindade passa a ser patrimônio internacional assim como aqueles artefatos produzidos por seus ancestrais e que agora residem em algum museu em algum rincão da Europa A relação de opressão mercadológica afeta também nossas práticas territoriais em nome do desenvolvimento reproduzindo a dominação desigualdade e desterritorialização Há pouco mencionamos as multinacionais que eliminam nossos territórios físicos ou sagrados em nome do desenvolvimento econômico Por isso falamos em colonização porque essa mesma prática foi desempenhada com a chegada das navegações na América Latina e na África por volta do ano 1500 e que continua acontecendo de maneira indireta ainda hoje A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO NA PROMOÇÃO DE CONSCIÊNCIA AMBIENTAL Entendemos a educação como parte de uma construção dos indivíduos e coletividades de maneira que se incorporem os múltiplos conhecimentos prévios socioambientais e que promova as transformações dos indivíduos livre e autonomamente Nascer nesse sentido já é compor e construir o mundo mas também receber e aprender com os conhecimentos de mundo já adquiridos A educação emancipatória depende dessa recursividade construtora e não de um conhecimento que se adquire de maneira unila teral e de forma vertical Para pensar a educação socioambiental ou uma educação que promova a consciência ambiental temos que pensar o lugar e o papel dos sujeitos territoriais A consciência ambiental passa também por uma consciência de si enquanto elemento efetivo da realidade que conhece e percebe o chão onde pisa Isso passa por uma certa discussão fenomenológica em que o conhe cimento é sempre conhecimento de algo A partir desse aspecto é que emerge uma consciência verdadeiramente ambiental Podemos nos aproximar de muitos estudos de comunidades tradicionais que nos ensinam suas práticas apresentamnos seus deuses res peitos medos e reverências ao que em alguns lugares da nossa América Latina andina costu mam chamar Pachamama Este é um aspecto de 283 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 conhecimento territorial em que se territorializa o espaço de maneira consciente sabendose antes que tudo um membro constituinte e constituidor do mundo Isso implica se reconhecer como parte do mundo o que portanto alteraria a concepção de Desenvolvimento Sustentável mencionada até aqui que reproduz a separação entre humanos e o mundo Vivemos em um território nacional que é globalizado dependente de capitais estrangeiros com as fronteiras tanto mais abertas à entrada de capital econômico que de capital humano como é possível constatar nos casos de migrantes irre gulares ou mesmo regulares mas de baixo poder aquisitivo onde empresas determinam os rumos de nossos territórios e entes queridos Nesse sen tido Floriani e Vergara 2015 nos ensinam que A construção de um pensamento socioambiental consiste portanto em abrir espaço a crítica política à guisa de processar os modelos produtivistas das sociedades modernas que mudaram a noção de desenvolvimento pelo de crescimento econômico submetendo todas as demais dimensões da reali dade acerca da economia das relações sociais e culturais Hoje em dia uma economia que não cresce é vista com desconfiança e julgada pelos meios de comunicação como ineficiente peri gosa e que coloca em risco os atuais níveis de consumo por certo insusten táveis já que objetivam um horizonte de hiperconsumo e de desperdício dos recursos naturais finitos FLORIANI e VERGARA 2015 p 19 Tradução livre A todo momento estamos assinalando o hibridismo e a complexidade do mundo no qual há uma estrutura de conhecimento socioambien tal de separação entre as coisas do mundo e o humano Uma educação voltada para a consciência ambiental pretende despertar esse sujeito que é individual e coletivo natural e cultural ao mesmo tempo e que se reconhece através da luta de seus atores por um lugar real no território Saiba mais Lembramos que essa discussão que envolve pensar o con ceito de sujeito através dos tempos desde o sujeito coletivo da antiga Grécia até o sujeito fragmentado e atomizado da modernidade e contemporaneidade está colocada de maneira transversal na obra de Axel Honneth 2003 Aí a questão está em pensar que a maneira como perce bemos o mundo ou como propriedade ou como parte de um todo também depende de uma educação que valorize as cosmologias territoriais das comunidades e indivíduos Isso pode ser percebido na teoria social póscolonial que abandona a teoria eurocêntrica e estimula um resgate de uma teoria que dialogue com a vida real das pessoas Isto quer dizer que os conceitos e categorias elaborados pelas teorias europeias não representam as práticas das comunidades do chamado Sul Global de comunidades africanas asiáticas ou latino americanas por exemplo É nessa direção que a consciência ambiental passa pela capacidade dos indivíduos de conhecer seu território e de se reconhecer como um sujeito coletivo em sentido amplo isto é que pertence a uma comunidade humana mas também a uma comunidade ambiental Lembramos que a estru tura social atual distancia os indivíduos da per cepção de comunidade e do reconhecimento de seu lugar enquanto indivíduo territorial Mergulhada na esfera do trabalho quer seja por condição de sobrevivência ou acúmulo de capital a sociedade não encontra tempo e significado para exercer a coletividade Desse mergulho brotam a falta de percepção de proble mas claros mesmo daqueles que fazem parte de seu cotidiano como a maioria dos problemas ambientais a sujeição à diminuição da qualidade de vida e consequente comprometimento da saúde a falta de abertura ao outro e de oportunidades de mobilização dentre outros BUCK e MARIN 2005 p 206 A questão da alienação dos indivíduos na modernidade está colocada desde o século XVIII ADORNO 1966 MARX 1975 mas surge agora como ferramenta para pensarmos também as práticas referentes ao mundo natural às nossas cosmologias Em um mundo cada vez mais frag 284 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 mentado e individualizado onde os estímulos para o consumo são cada vez mais desenvolvidos reconhecerse como parte de um meio socioam biental um território e lutar por ele é funda mento básico para o desenvolvimento de uma educação e consciência socioambiental Assim A reflexão por sua vez é o momento em que o ser humano procura o entendi mento das suas percepções questiona e dá forma aos significados do percebido e configura a sua relação com o mundo É nesse contexto que ganham relevância as informações sobre a visão sistêmica onde se insere as imagens constituídas No instante em que se questiona sobre o seu lugar na paisagem percebida é que tornase possível a avaliação de suas ações nesse sistema Mas nesse instante já não trata mais puramente de um ambiente construído conceitual mente a partir de informações científicas precisas mas de um ambiente repleto de significados de magias de mitos e carre gados das nostalgias que lhe atribuímos Já não falamos do funcionamento de um sistema qualquer que garante nossas atividades de sobrevivência mas fala mos do lugar que nos despertou laços topofílicos onde estamos inseridos onde damos vazão aos nossos instintos biofílicos Dessa forma a via racional não se isola não se contrapõe e não reprime a dimensão emotiva da percepção mas abrelhe espaço somase a ela utilizaa como terreno fértil às construções de novas visões de mundo MARIN et al 2003 p 619 O fragmento acima chama nossa atenção para a necessária compreensão de nosso lugar no espaço É uma consciência que escapa aos padrões convencionais de pensamento já que demanda pensarmos de outro modo pensarmos o eu integrado a um lugar e a uma comunidade socioambiental e a partir disso as ações possíveis e necessárias no ambiente Topofilia é o termo que descreve essa percepção e favorece construir definitivamente um mundo cheio de possibilida des no qual a consciência ambiental se torna uma realidade em sentido planetário invertendo o princípio de competição e desigualdade que têm regido as conferências e pactos globais Para aprofundar Acerca desta outra forma de pensar o mundo e a educação o documentário A Educação Proibida do diretor German Doin é um interessante instrumento que nos provoca a refletir sobre os processos de escolarização apresentando diversas experiências educativas inovadoras que propõem a necessidade de um novo modelo educativo Prática 7 Educação ambiental e direi tos socioambientais Objetivo identificar as atividades educacionais formais e informais de ações educativas voltadas para o meio ambiente Sugestão de desenvolvimento realizar um mapea mento das instituições que oferecem formação em Educação Ambiental e inclusiva em seu município e se estão de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD particularmente em relação ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável ODS nº 4 que pode ser consultado no link httpswwwbrundporgcon tentbrazilpthomesustainabledevelopmentgoals goal4qualityeducationhtml Materiais utilizados computador celular tablet jornal ou revista impressa Prática 8 Subpolítica ambiental perse guição e apoio das lideranças Objetivo identificar as lutas sociopolíticas reali zadas por lideranças locais em defesa dos direitos sociais e ambientais Sugestão de desenvolvimento realizar uma entre vista com uma liderança local e conhecer os desafios e as conquistas realizadas Procurar compreender o processo de transformação desta liderança e as ati vidades e ações em que está envolvida Relatar sua experiência para o grupo participante da formação Materiais utilizados bloco de notas e celular 285 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 Prática 9 Patrimônios culturais e naturais Objetivo descobrir os patrimônios cultu rais e ambientais e descrever seu processo de estabelecimento Sugestão de desenvolvimento os patrimônios representam uma nação mas também repre sentam costumes um povo ou características geográficas e territoriais Como são parte da história local é de primeira importância para a consciência ambiental que se conheça e pre serve os patrimônios localizados em sua região Identifique os patrimônios que representam sua região ou o país e socialize a informação em sua comunidade de ensino Materiais utilizados computador celular tablet jornal ou revista impresso CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos ao longo desta Unidade como a questão socioambiental ou seja a relação entre sociedades e ambientes está fundamentada na estrutura histórica de pensamento que desde sua origem é geradora de diferenças e desigual dades Essa estrutura é responsável pela atual situação do planeta no qual a crise socioambiental evidencia uma profunda crise das culturas mas também dos territórios Vimos também que essas questões se ins crevem na linguagem e nas diferentes produ ções de consciência histórica dos indivíduos e na capacidade ou habilidade destes de alçar a voz e assinalar as diversas desigualdades Isso é colo cado em jogo nas práticas individuais e coletivas de corporações e de Estados que vão pautando o debate de acordo com a capacidade de poder dentro de um cenário de competição globalizada Por isso a exigência de se pensar globalmente local e globalmente historicamente enquanto agenda social e não de governos eventuais Então poderemos fazer a crítica a noção de Desenvolvimento Sustentável de uma maneira que o conceito permita a ampliação e o reco nhecimento das vidas e territórios envolvidos e que propicie uma educação que emancipe ple namente propiciando aos indivíduos conhecer defender e transformar suas tradições ancestrais suas capacidades de resistência e fortalecimento coletivas e sobretudo seus limites frente às coi sas do mundo essenciais para a condição de vida boa na e com a terra REFERÊNCIAS ADORNO Theodor Teoría de la pseudocultura In ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Socio lógica Traducción de Víctor Sánchez de Zavala Madrid Taurus 1966 BACON Francis Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza Nova Atlantida 2ed São Paulo Abril Cultural 1979 CASTRO Fabiano S LANDEIRAFERNANDEZ Jessus Notas Históricas acerca do Debate Mente e Cérebro ComCiência 2012 nº 144 DERRIDA Jacques O animal que logo sou a seguir 2ed São Paulo Editora Unesp 2011 DESCARTES René Discurso do método regras para a direção do espírito São Paulo Martin Claret 2006 HONNETH Axel Luta por reconhecimento a gramática moral dos conflitos sociais São Paulo Ed 34 2003 LIMA Rosirene Martins SHIRAISHI Joaquim Socio environmental conflicts environmental law as an instrument for legitimizing the actions of public authorities an intervention in Jardim Icaraí Curitiba PR Ambiente Sociedade online 2015 v 18 n 2 p 129144 jun 2021 Disponível em httpsdoi org10159018094422ASOCEx08V1822015en Acesso em 26 jun 2021 MARIN Andréia Aparecida TORRES OLIVEIRA Haydée COMAR Vito A educação ambiental num contexto de complexidade do campo teórico da per cepção INCI Caracas v 28 n 10 p 616619 oct 2003 Disponível em httpvescieloorgscielophpscrip tsciarttextpid S037818442003001000012ln gesnrmiso Acesso em 26 jun 2021 286 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 14 MARX Karl O capital crítica da economia política 3 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1975 MOREIRA Helena Margarido GIOMETTI Analúcia Bueno dos Reis Protocolo de Quioto e as possi bilidades de inserção do Brasil no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo por meio de projetos em energia limpa Contexto Internacional online v 30 n 1 p 947 2008 Disponível em httpsdoi org101590S010285292008000100001 Acesso em 26 jun 2021 NOVAES Washington Eco92 avanços e interroga ções Estudos avançados v 6 n 15 p 7993 1992 Disponível em httpswwwrevistasuspbreav articleview9582 Acesso em 26 jun 2021 ONU Organização das Nações Unidas Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano In Anais Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano Estocolmo 6p 1972 PODER 360 Vale pagará R 1 milhão por cada trabalhador morto em Brumadinho Brasília 10 de junho de 2021 Disponível em httpswww poder360combrjusticavalepagarar1milhao porcadatrabalhadormortoembrumadinho Acesso em 26 jun 2021 SILVA Darly Henriques da Protocolos de Montreal e Kyoto pontos em comum e diferenças fundamen tais Revista Brasileira de Política Internacional online v 52 n 2 p 155172 2009 Disponível em httpsdoiorg101590S003473292009000200009 Acesso em 26 jun 2021 TIEZZI Enzo Tempos históricos e tempos bioló gicos a terra ou a morte os problemas da nova ecologia São Paulo Nobel 1988 TOURINHO Andréa de Oliveira RODRIGUES Marly Patrimônio ambiental urbano cidade e memória uma dimensão política da preservação cultural na década de 1980 Anais do Museu Paulista História e Cultura Material online v 28 2020 Disponível em httpsdoiorg101590198202672020v28d2e28 Acesso em 26 jun 2021 287 INTRODUÇÃO Sem alimentação não há vida São os ali mentos que fornecem nutrientes e energia para nossas atividades diárias são seus constituintes que formam as estruturas físicas do nosso corpo e que regulam as funções vitais para o funcio namento do nosso organismo Por essa razão o Direito Humano à Alimentação está diretamente ligado ao Direito Humano à Vida nas mais variadas dimensões Assim são numerosas e diversas as interfaces entre Direitos Humanos e Alimentação que compõem esta Unidade Para entender essa rede de relações bus camos aqui articular os aspectos conceituais de alimentação com outros parâmetros para além do biológico entendendo que o Direito à Alimen tação envolve aspectos econômicos territoriais sociais e ambientais Por essa razão nosso obje tivo nesta Unidade é trazer uma visão inter multi e transdisciplinar que constitua parâmetros para uma educação capaz de constituir propostas efe tivas para respeitar proteger promover e prover o acesso real à alimentação adequada e saudável como direito fundamental do ser humano Assim a primeira parte do texto chama a uma reflexão de conceitos fundamentais como nutrição alimentação fome desnutrição sobera nia alimentar e segurança alimentar e nutricional Mesmo em constante alteração acompanhando a história da humanidade esses conceitos podem ser interpretados pelos mais diferentes tipos de interesses que delimitam a organização social e as relações de poder em uma sociedade Esses conceitos constituíram a base para o reconhecimento universal não só do direito de todos e todas à alimentação adequada e saudável mas também a estarem livre da fome A partir daí foram considerados como prérequisitos para a realização de outros direitos humanos Por tanto na segunda parte deste texto é abordada a incorporação do conceito de Direito Humano à Alimentação Adequada e Sustentável DHAAS nas várias estratégias de desenvolvimento social e de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional SSAN Esse entendimento é necessário por cons tituir um caminho eficaz para reverter situações nas quais o direito à alimentação adequada e o direito de estar livre da fome estão distantes da realidade de muitas populações Compreendese que o direito humano à alimentação adequada além de uma alimentação saudável atinge outros aspectos a ele relacionados como o acesso a água e terras livres de poluição e a um sistema de Unidade 15 Direitos Humanos Nutrição e Segurança Alimentar Ana Christina Duarte Pires Diomar Augusto de Quadros 288 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 produção sustentável independente da escassez e da oscilação de mercado Por fim na terceira parte deste texto bus camos entender de que forma iniciativas como a equidade na distribuição de alimentos saudáveis se fazem as melhores bases para programas edu cacionais que visem ao respeito ao meio ambiente e à garantia de segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar para todos e todas Esse é o caminho proposto para o estudo desta Unidade complementada pelo material didático sugerido a fim de que os conceitos e rela ções entre Direitos Humanos e Alimentação sejam geradores de questões chave para contribuir com a construção de propostas de ação efetiva plena e real do Direito Humano à Alimentação como Direito Vital PARTE 1 ASPECTOS CONCEITUAIS DA ALIMENTAÇÃO ENQUANTO UM DIREITO Definição e princípios nutrição alimentação desnutrição fome soberania alimentar segurança alimentar e nutricional A definição conceitual de nutrição alimen tação desnutrição fome soberania alimentar segurança alimentar e nutricional dentre outras nomenclaturas é o primeiro passo que permite a construção de um consenso técnico e político para a elaboração de diferentes políticas públicas entre elas as relacionadas aos Direitos Humanos Porém existem diferentes olhares sobre essas palavras na dimensão biológica Nutrição é a ciência que estuda os alimentos seus nutrien tes bem como sua ação interação e balanço em relação à saúde e à doença além dos processos pelos quais o organismo ingere absorve trans porta utiliza e excreta os nutrientes FISBERG et al 2002 ou seja ao pensarmos em nutrição devemos ter em mente a composição dos ali mentos e a relação com o ser humano levando em consideração as necessidades nutricionais das pessoas em diferentes estados de saúde e doenças e considerando o contexto sociocultural no qual estão inseridas A nutrição do corpo acon tece a partir do momento em que a pessoa pensa ou coloca um alimento na boca a alimentação Nessa mesma perspectiva biológica a Ali mentação é um processo pelo qual o ser humano obtém por meio dos alimentos os nutrientes a energia e a água necessários para sua manutenção FISBERG et al 2002 Saiba mais Observe essas demarcações sobre Nutrição x Alimentação A nutrição é um processo involuntário e inconsciente Ela envolve processos de digestão absorção utilização excreção e independente da vontade do indivíduo A alimentação é um ato voluntário e consciente O indivíduo escolhe o quê quando e de que forma comer desde que ele tenha acesso a esse alimento Conceitualmente a palavra Fome no Bra sil pode ser usada para uma enorme variedade de situações desde a mais simples e fisiológica de estar com vontade de comer até a situação extrema da fome epidêmica que são formas mais brutais de violentação dos direitos humanos ligadas à pobreza e à exclusão social VALENTE 2003 Conforme Freitas 2003 p 33 o enfoque predominantemente biológico da fome distancia progressivamente as questões sociais das vincula das ao corpo fazendo desaparecer ou excluindo a condição humana do organismo Desse modo afirmase que a fome deve ser concebida a partir de diferentes dimensões e ser entendida nas suas faces fortemente sub jetivas que se constroem em um continuum que parte desde a vontade de comer relacionada às necessidades fisiológicas do corpo biológico pela situação de nutrição inadequada causada por desbalanço energético eou de nutrientes chegando às necessidades históricas culturais psicológicas e espirituais do ato de se alimentar que denota a incorporação da noção de dignidade 289 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 humana GUERRA BEZERRA CARNUT 2020 Sendo assim os significados da fome perpassam a imagem corporal da carência de comida indo ao encontro de outras concepções sustentadas por um sistema de símbolos gerados pela insegurança concreta de alimentarse FREITAS 2003 A Desnutrição se refere ao estado orgâ nico nutricional resultante da ingestão insufi ciente de energia e proteínas por um indivíduo é a expressão biológica da carência prolongada da ingestão de energia e de nutrientes essen ciais à manutenção ao crescimento e ao desen volvimento do organismo humano e quando isso acontece a pessoa apresenta a desnutrição energéticoproteica Essa doença é causada pelo não atendimento das necessidades de energia e proteína do organismo determinada por sua vez pela interação entre fatores psicossociais e biológicos e caracterizada por variadas manifes tações no organismo em função da intensidade e duração da deficiência alimentar dos fatores patológicos e fase do desenvolvimento biológico do ser humano Há diferentes graus de desnutri ção dependendo de sua gravidade que pode ser leve moderada ou grave BURITY et al 2010 Dentro da perspectiva de direitos humanos a fome e a desnutrição não podem ser reduzidas nem à sua dimensão econômica nem ao impacto biológico mensurável pois incorporam dimen sões relacionadas a diferentes necessidades his tóricas culturais psicológicas e espirituais dos seres humanos incluindo a questão básica da dignidade E dentro desta perspectiva consti tuemse em manifestações claras de violações do Direito Humano à Alimentação Adequada VALENTE 2003 A Alimentação Adequada e Saudável pode ser entendida como um ato social cultural e biológico que envolve um conjunto de hábitos e substâncias que o ser humano utiliza não só em relação às suas funções vitais mas também como um elemento da sua cultura para manter ou melhorar a sua saúde O ato de se alimentar é permeado pelos princípios aplicados à nutrição como variedade equilíbrio moderação e prazer sabor os quais envolvem a dimensão sensorial e se relacionam diretamente com a construção mais recente do que vem a ser comida de verdade GUERRA BEZERRA CARNUT 2020 Para se aprofundar Acerca da noção de Comida de Verdade durante a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi aprovada a elaboração de um Manifesto à Sociedade Brasileira a fim de mostrar o que é comida de verdade bem como conclamar sociedade e governos a se mobilizarem em torno do DHAAS O Manifesto e a Carta estão disponíveis nos seguintes endereços eletrônicos httpwwwmdsgovbrwebarquivos arquivosegurancaalimentarcaisan5conferen cia5conferenciaManifestoCOMIDADEVERDADE pdf e httpwwwmdsgovbrwebarquivosarquivo segurancaalimentarcaisan5conferencia5confe renciaCartaPolitica5CNSANpdf E onde não existe uma alimentação ade quada há crianças desnutridas com deficiência de micronutrientes ou mal alimentadas há famílias com fome doentes mais suscetíveis a enfermida des e sem autonomia para gerir sua própria vida Ou seja há violações dos seus direitos humanos As primeiras noções de alimentação ade quada e saudável assim como as violações dos direitos humanos que aconteciam no Brasil foram apresentadas ao mundo por Josué de Castro nas décadas de 1930 e 1940 por meio do livro Geogra fia da Fome no qual esse médico denunciou que os problemas alimentares presentes na população brasileira consistem em um complexo simultâneo de manifestações biológicas econômicas e sociais mediado por fatores políticos seja pela omissão do Estado ou da própria sociedade em consentir com tal situação Conforme o médico Flávio Luiz Schieck Valente 2003 o conceito de Direito Humano à Alimentação vem sendo discutido com profun didade no Brasil especialmente desde a criação da Ação da Cidadania Contra a Fome a Miséria e Pela Vida em 1992 que desencadeou um amplo debate sobre o combate à exclusão social no contexto da promoção da cidadania e dos 290 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 direitos humanos Esse movimento culminou em 2004 na criação do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional SAN o qual foi apro vado na II Conferência de SAN realizada em Olinda e reafirmado na Lei Orgânica de Segu rança Alimentar e Nutricional LOSAN apro vada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República em 15 de setembro de 2006 um importante instrumento jurídico que constitui um avanço por considerar a promoção e garantia do DHAAS como objetivo e meta da Política de SAN BRASIL 2006 Associado ao termo SAN temos o termo soberania alimentar que considera que os paí ses devam ser soberanos para garantir a Segu rança Alimentar e Nutricional de seus povos soberania alimentar respeitando suas múlti plas características culturais manifestadas no ato de se alimentar O conceito de soberania alimentar está ligado à ideia de que cada nação tem o direito de definir políticas que garantam a Segurança Alimentar e Nutricional de seus povos incluindo aí o direito à preservação de práticas de produção e alimentares tradicionais de cada cultura Além disso se reconhece que esse processo deva se dar em bases sustentá veis do ponto de vista ambiental econômico e social BURITY et al 2010 Para aprofundar Leia o módulo I Segurança Alimentar e Nutricional SAN e o Direito Humano à Alimentação Adequada DHAA do livro Direito humano à alimentação ade quada no contexto da segurança alimentar e nutri cional Brasília Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos ABRANDH 2010 organizado pela mestra em Ciências Jurídicas e especialista em Direito Humano à alimentação Valéria Burity e outros Disponível em httpswwwredsancplporguploads56875687387 dhaanocontextodasanpdf ou httpwwwmds govbrwebarquivospublicacaosegurancaalimentar DHAASANpdf O DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL COMO UM DIREITO HUMANO Somente há pouco mais de meio século as questões relacionadas com a alimentação nutri ção saúde direitos de cidadania obrigações do Estado e deveres da sociedade passaram a figurar como parte das grandes reflexões e linhas de ação de políticas públicas Por isso mesmo o século XX é considerado o século dos Direitos Humanos desde os mais universais até os mais específicos como os direitos da mulher das crianças dos adolescentes dos trabalhadores das minorias étnicas da liberdade de crença religiosa e exer cício de seus cultos BATISTA FILHO 2010 Como já visto nas outras Unidades em 1948 a Organização das Nações Unidas ONU esta beleceu pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que todos os indivíduos nascem livres e iguais em dignidade e direitos O artigo 25 item 1 dessa Declaração prevê que Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis o direito à segurança em caso de desem prego doença invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle ONU 1948 Conforme abordado por Flávio Valente 2003 p 53 a alimentação humana se dá na interface dinâmica entre o alimento natureza e o corpo natureza humana mas somente se realiza integralmente quando os alimentos são transformados em gente em cidadãos e cidadãs saudáveis Isso nos permite um olhar holístico embasado nos princípios básicos de universali dade equidade indivisibilidade interrelação na realização respeito à diversidade e não discrimi nação Por isso é imprescindível realizar ações e implementar políticas que sejam instrumentos de garantia de acesso da população a uma alimenta ção adequada e saudável BREDA CARNIATTO GARCIA 2020 291 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 A alimentação adequada e saudável é um direito humano básico que envolve a garantia ao acesso permanente e regular de forma social mente justa a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais do indivíduo e que deve estar em acordo com as necessida des alimentares especiais ser referenciada pela cultura alimentar e pelas dimensões de gênero raça e etnia acessível do ponto de vista físico e financeiro harmônica em quantidade e qualidade atendendo aos princípios da variedade equilíbrio moderação e prazer e baseada em práticas pro dutivas adequadas e sustentáveis BRASIL 2014 A expressão Direito Humano à Alimen tação Adequada e Saudável DHAAS tem sua origem no Pacto Internacional dos Direitos Econô micos Sociais e Culturais PIDESC e compreende O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular per manente e irrestrito quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras a alimentos seguros e saudáveis em quantidade e qualidade adequadas e suficientes correspondentes às tra dições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo digna e plena nas dimensões física e mental individual e coletiva BURITY et al 2010 p 27 Saiba mais Internacionalmente e na LOSAN é utilizado o termo Direito Humano à Alimentação Adequada DHAA No Brasil as discussões que ocorreram após a promulgação da Lei em 2006 sobre o tema têm agregado a dimensão referente à promoção da saúde sendo inserida a palavra saudável à nomenclatura original Direito Humano à Alimentação Adequada Saudável DHAAS Conforme a Rede de Apoio à Implementação do SISAN na região CentroOeste RAISCO esta construção é local mas ao utilizála há um fortalecimento enquanto posicionamento político em contraposição à ideia de que qualquer ali mento é alimento para enfatizar que o direito apenas pode ser realizado plenamente quando houver alimen tação adequada e saudável acessível a todas e todos Ainda a FIAN Brasil começou a utilizar o termo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas DHANA para que ao incluir a palavra nutrição ao DHAAS ficasse mais explícita a dimensão nutricional os direitos das mulheres e questões de gênero a soberania alimentar em sua estrutura conceitual e a dimensão étnica e racial para superar a forma reducionista com que a perspectiva dos direitos humanos tem sido apli cada nas políticas públicas de segurança alimentar e nutricional por força da influência de diversos grupos de poder como as elites econômicas e políticas Você pode conhecer mais sobre os avanços e retrocessos na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição ade quadas no Brasil no livro de Mariana Santarelli et al 2017 com acesso livre disponível em httpsfianbrasilorgbr wpcontentuploads201706PublicaC3A7C3A3o CompletaInformeDhanapdf ou assista ao vídeo da FIAN Conceito de direito humano à alimentação e nutrição adequadas também com acesso livre pelo link https wwwyoutubecomwatchvAuuGKRRVXfE Todos os elementos normativos relativos à alimentação são explicados em detalhes no Comentário Geral nº 12 do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais que afirma o direito à alimentação adequada é indivisivelmente ligado à dignidade inerente à pessoa humana e é indispen sável para a realização de outros direi tos humanos consagrados na Carta de Direitos Humanos Ele é também inse parável da justiça social requerendo a adoção de políticas econômicas ambientais e sociais tanto no âmbito nacional como internacional orienta das para a erradicação da pobreza e a realização de todos os direitos huma nos para todos ONU 1999 p 1 Para aprofundar O Comentário Geral nº 12 do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada foi elaborado em 1999 pela ONU fazendo uma interpretação do Artigo 11 do PIDESC Tratase de um documento breve com conteúdo eluci dador fundamental que pode ser consultado no link httpsfianbrasilorgbrwpcontentuploads201609 ComentC3 A1rioGeral12pdf 292 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Em setembro de 2006 foi aprovada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional que instituiu o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional por meio do qual o poder público com a participação da sociedade civil organizada formula e implementa políticas planos progra mas e ações com vistas a assegurar o DHAAS ou seja o direito de cada pessoa ter acesso físico e econômico ininterruptamente à alimentação adequada e saudável ou aos meios para obter essa alimentação sem comprometer os recursos para assegurar outros direitos fundamentais como saúde e educação BRASIL 2014 Neste contexto e a partir dos debates promovidos pelo agora extinto Conselho Nacio nal de Segurança Alimentar e Nutricional CON SEA desde a criação da LOSAN foi aprovado em fevereiro de 2010 a inclusão da alimentação entre os direitos sociais fixados no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 Assim afirmar o direito à alimentação como um dos direitos sociais fundamentais da Constituição do Estado brasi leiro coloca a alimentação ao lado da educação da saúde do trabalho da moradia do lazer da segurança da previdência social da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos desempregados como direito social reconhecido pela Constituição Isso implica assegurar por tanto que todo cidadão brasileiro e toda cidadã brasileira desde o nascimento até seu último dia de vida deve contar com a garantia de acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas para o atendimento pleno de suas necessidades biológicas todos os dias em todos os lugares e sob todas as circunstâncias BATISTA FILHO 2010 Saiba mais Confira a íntegra do trecho da Constituição Federal do Brasil que menciona a alimentação como um dos direitos básicos Art 6º São direitos sociais a educação a saúde a ali mentação o trabalho a moradia o transporte o lazer a segurança a previdência social a proteção à materni dade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição Parágrafo único Todo brasileiro em situação de vulnera bilidade social terá direito a uma renda básica familiar garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei observada a legislação fiscal e orçamentária BRASIL 1988 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 PARTE 2 ASPECTOS LEGAIS DO DIREITO HUMANO A ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL Direito à alimentação adequada e saudável violação e promoção A aprovação da LOSAN e a inclusão da ali mentação enquanto direito social brasileiro se tornou um instrumento importante impondo responsabilidades ao Estado para a efetivação da alimentação adequada de todos os cidadãos brasileiros BATISTA FILHO 2010 A todo direito humano correspondem obrigações do Estado e responsabilidades de diferentes atores sociais indivíduos famílias comunidades locais organizações não gover namentais organizações da sociedade civil bem como as do setor privado em relação à realização do direito Ao ser definido um direito humano deve ser estabelecido um titular de direitos e um portador de obrigações Os titu lares de direitos são aqueles sozinhos ou em comunidade que têm o direito a ter acesso ao serviço ou bem correspondente à realização do direito em questão Nesse caso o Estado como portador da obrigação deve assegurar que todas as pessoas mulheres homens crianças e idosos brancos caboclos negros e índios possam exercer livremente o seu Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável LEÃO 2013 293 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Saiba mais No âmbito da legislação sobre direitos humanos as obrigações são sempre em última instância do Estado por ser ele o responsável pelo exercício dos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário incluindo a aplicação e a utilização dos recursos públicos Dessa forma cabe aos Estados obedecerem à legislação sobre direitos humanos garantindo o respeito a proteção a promoção e o provimento do DHAAS Com base nos termos dos artigos 2º e 11 do PIDESC ONU 1966 no que concerne ao Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável são obrigações dos Estados Obrigação de adotar medidas com o máximo de recursos disponíveis para rea lizar progressivamente o DHAAS Obrigação de adotar as medidas necessárias para assegurar o direito fundamental de todos de estar livre da fome Obrigação de não discriminação Obrigação de cooperar internacionalmente Toda vez que o Estado não cumprir com suas obrigações de respeitar proteger promover e prover o DHAAS ocorre a violação desses direi tos Conforme Valéria Burity et al 2010 e Leão 2013 estas violações podem ser resultado de Ação direta de um Estado ou de outras insti tuições da administração direta ou indireta que resulta em interferência na realização do direito Omissão de um Estado na adoção das medi das necessárias para o cumprimento das obrigações legais O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos utiliza diferentes níveis de obrigações dos Estados Observeos no quadro abaixo Obrigação de respeitar Um Estado não pode adotar quais quer medidas que possam resultar na privação da capacidade de indiví duos ou grupos de prover sua própria alimentação Obrigação de proteger O Estado deve agir para impedir que terceiros indivíduos grupos empre sas e outras entidades interfiram na realização ou atuem no sentido da violação do Direito Humano à Alimentação Adequada das pessoas ou grupos populacionais Obrigação de promover O Estado deve criar condições que per mitam a realização efetiva do Direito Humano à Alimentação Adequada Obrigação de prover O Estado deve prover alimentos dire tamente a indivíduos ou grupos inca pazes de obtêlos por conta própria até que alcancem condições de fazêlo Fonte Leão 2013 Disponível em httpwwwmds govbrwebarquivospublicacaosegurancaalimentar DHAA SANpdf Prática 1 Reconhecendo situações de violações ao DHAAS em nossa realidade Objetivo Identificar violações ao DHAAS em sua realidade Sugestão de desenvolvimento Convide a turma para assistir ao filme Histórias da Fome no Brasil 2017 disponível em httpswwwyoutubecomwatchvk dnlpn1erQ O vídeo produzido pela Ação Brasileira para a Nutrição e Direitos Humanos ABRANDH com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Alimentação FAO dirigido por Renato Barbieri e produzido pela Videografia teve como objetivo contribuir com o apoderamento das comunidades e apoiar ações para exigir e monitorar a realização de seus Direitos Humanos em especial o DHAAS Ele trata da história de duas comunidades que se organi zaram para lutar por seus direitos Entre 2004 e 2006 a ABRANDH com o apoio da FAO desenvolveu dois projetospiloto junto às comunidades de Sururu de Capote MaceióAL e Vila Santo Afonso TeresinaPI 294 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Após assistir ao Filme divida a turma em equipes para observar sua comunidade e as comunidades mais próximas a fim de identificar casos de violações de DHAAS Instigue a turma a identificar quais são eles Conforme Leão 2013 podem ser reconhecidas como violações ao DHAAS a ação eou omissão dos portadores de obrigações que resultem em casos de pessoas em que estão a Passando fome ou seja não têm alimentos em quantidade e qualidade adequada de forma regu lar para satisfazer suas necessidades alimentares e nutricionais ou dos integrantes da sua família b Em situação de insegurança alimentar e nutri cional ou seja não têm a certeza ou garantia de que terão acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequada no momento presente ou no futuro próximo devido a situações de desemprego subemprego baixa remuneração impossibilidade de cultivar etc c Passando sede ou tendo acesso inadequado ou dificultado à água limpa e à saneamento de qualidade d Desnutridas ou seja já apresentam alterações físicas resultantes da falta de alimentação ade quada tais como perda acentuada de peso desace leração ou interrupção do crescimento em crianças alterações na pele anemia alterações da visão entre outros e Malnutridas ou seja apresentam alterações típicas de deficiências de nutrientes anemias hipovitaminoses e outras carências específicas ou decorrentes de alimentação eou modo de vida não saudável obesidade aumento de colesterol pressão alta diabetes doenças do coração f Perdendo sua cultura alimentar eou não estão tendo oportunidade para desenvolver hábitos ali mentares saudáveis pela influência de práticas de marketing eou por insuficiência nas ações de promoção da alimentação saudável e educação alimentar e nutricional g Consumindo alimentos de má qualidade ou con taminados por falta ou insuficiência de controle do poder público sobre a utilização de agrotóxicos sobre a qualidade sanitária dos produtos colocados à venda além da não rotulagem da presença de ingredientes transgênicos h Sendo expulsas de suas terras ou tendo negado o acesso e usufruto a suas terras tradicionais como no caso dos povos indígenas e comunidades quilom bolas por exemplo i Sendo submetidas ao desemprego subemprego trabalho equivalente ao trabalho escravo baixa remuneração ou discriminação no nível de remune ração que lhes dificultem o acesso a uma alimen tação adequada e a outros insumos necessários como água potável saneamento combustível para preparar os alimentos etc j Têm negado o acesso a ações essenciais para a promoção do DHAA tais como reforma agrá ria demarcação e homologação de terras indí genas e quilombolas qualificação profissional e microcrédito que promovam a geração de renda e emprego informação sobre a qualidade dos alimentos acesso aos serviços e às ações de saúde garantia da alimentação escolar de forma regular etc k Tem dificuldade de acesso a mecanismos de recurso contra as violações ou a inexistência e insu ficiência destes mecanismos por meio dos quais a população possa recorrer para denunciar as viola ções exigir os seus direitos e reparação da situação Organize a forma pela qual esses dados serão apre sentados pelas pessoas participantes de maneira que toda a turma possa conhecer os resultados das pesquisas e possa dialogar sobre esse resultado Materiais necessários projetor e computador ou televisor com acesso à internet material para a sistematização dos resultados da observação da turma Para aprofundar Existem outros importantes documentários que tratam de DHAAS Aqui deixamos algumas indicações Histórias da Fome no Brasil 2018 disponível em httpswwwyoutubecomwatchvkdnlpn1erQ Este documentário aborda a trajetória da fome no país de forma cronológica do Brasil Colônia até a saída do país do Mapa da Fome em 2014 divulgado pela ONU O filme também apresenta o trabalho de pessoas que ao longo da história do Brasil lutaram contra a fome e por políticas públicas que atendessem às populações mais vulneráveis 295 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Fome no Brasil 2001 disponível em httpswww youtubecomwatchvAdsrzu59aFk Esta é uma série da TV Globo que foi ao ar no Jornal Nacional em julho de 2001 produzida pelo repórter Marcelo Canellas e pelo cinegrafista Lúcio Alves que viajaram por seis estados e o Distrito Federal Em cada matéria é apresentado uma temática relacionada a fome e desnutrição no início do século XXI no Brasil Garapa 2009 disponível em httpsgloboplayglobo comv9062872 Esse documentário brasileiro lançado em 2009 e dirigido pelo cineasta José Padilha tem como tema a fome no mundo e é fruto de mais de 45 horas de material filmado por uma pequena equipe que durante quatro semanas acompanhou o cotidiano de três famílias no estado do Ceará que viviam em condição de insegurança alimentar grave Por uma vida melhor 2012 disponível em https wwwyoutubecomwatchv1sHrxvC73GE Esse filme de Thereza Jessouroun é uma realização de CECIP CESE e IBASE e retrata segurança alimentar e nutricional no Brasil Todo ser humano tem direito ao acesso perma nente à água e à alimentação adequadas em quantidade e qualidade suficientes que lhe permitam uma vida saudável Apesar disso o Brasil ainda luta para superar deficiências graves nesta área em especial no que se refere ao histórico problema da fome Você pode conferir também o Informe Dhana 2021 pandemia desigualdade e fome que trata das violações ao direito humano à alimentação e à nutrição adequadas Dhana vividas no contexto brasileiro do ano de 2021 O material está disponível para consulta em https fianbrasilorgbrwpcontentuploads202112Informe Dhana2021novoajuste2212pdf Conforme os tratados internacionais de direitos humanos existem duas dimensões indi visíveis do DHAAS o direito de estar livre da fome e da má nutrição e o direito à alimentação adequada e saudável BURITY et al 2010 A promoção do DHAAS demanda a realiza ção de ações específicas para diferentes grupos e passa pela promoção da reforma agrária da agricultura familiar de políticas de abasteci mento de incentivo às práticas agroecológi cas de vigilância sanitária dos alimentos de abastecimento de água e saneamento básico de alimentação escolar do atendimento pré natal de qualidade da não discriminação de povos etnia e gênero entre outros BURITY et al 2010 Os Estados devem desenvolver políticas públicas que tenham como objetivo final a pro moção do DHAAS no contexto da indivisibilidade dos direitos humanos ou seja de uma vida digna de qualidade para todos os habitantes do seu território O Comentário Geral 12 da ONU dei xou claro que o DHAAS é inseparável da justiça social e requer a adoção de políticas econômicas ambientais e sociais tanto no âmbito nacional como internacional orientadas para a erradi cação da pobreza e a realização desses direitos para todos LEÃO 2013 Desta forma a análise de políticas e pro gramas públicos na perspectiva dos DHAAS é um importante instrumento de exigibilidade de direitos humanos Ao firmar tratados inter nacionais de direitos humanos os Estados se comprometem em desenvolver programas e políticas públicas que tenham como objetivo final a promoção dos direitos humanos ou seja a promoção de uma vida digna de qualidade para todos os habitantes do território Um dos aspectos fundamentais para que a exigência ocorra é que os cidadãos os agentes públicos e a sociedade civil estejam informados sobre seus direitos e obrigações BURITY et al 2010 LEÃO 2013 O acesso a informações confiáveis sobre características e determinantes da alimenta ção adequada e saudável contribui para que pessoas famílias e comunidades ampliem a autonomia para fazer escolhas alimentares e para que exijam o cumprimento do direito humano à alimentação adequada e saudável BRASIL 2014 É uma obrigação e um grande desafio do poder público garantir os mecanismos para a exigibilidade do DHAAS a qual está fundamen tada na Constituição Federal e na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional LOSAN Alguns exemplos de instrumentos de exigibi 296 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 lidade que contribuem com a qualificação e o aprimoramento das ações públicas são as ouvi dorias dos diferentes sistemas e políticas como a do Sistema Único de Saúde as ações de controle dos Conselhos de Saúde e de Alimentação Esco lar as inúmeras ações dos Ministérios Públicos Estaduais para garantir a correta alocação e uti lização dos recursos públicos para os programas de alimentação e nutrição Nesse escopo de ação para a promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada é fun damental aumentar a capacidade dos titulares de direitos de exigilo fortalecer os instrumen tos e instituições de exigibilidade e promover a construção de competências continuadas da máquina estatal e dos servidores públicos para o adequado cumprimento de suas obrigações legais LEÃO 2013 Conforme abordado por Leão 2013 para defender e promover o DHAAS temos que conhecer a realidade local identificar e conhecer os grupos que estão mais expostos a riscos de insegurança alimentar e nutricional e violações ao DHAAS e aqueles que têm menos condições de superar esses riscos É também importante identificar os setores e ações que poderão con tribuir para a superação dos quadros de violação pois contextos específicos demandam ações específicas Para aprofundar Para conhecer as Principais instâncias nacionais para exigibilidade do direito humano à alimentação ade quada e saudável no Brasil acesse o documento pro duzido pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional intitulado A exigibilidade do direito humano à alimentação adequada Ampliando a Democracia no SISAN Este documento está dis ponível em httpswwwmdsgovbrwebarquivos arquivosegurancaalimentarcaisanPublicacao CaisanNacionalexigibilidadedireitohumanoali mentacaoadequadapdf MARCOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS PARA COMBATE À FOME E FOMENTO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL A incorporação da abordagem de Direitos Humanos na elaboração de Políticas Públicas de promoção da Segurança Alimentar e Nutricional encontra forte respaldo em tratados internacio nais e na legislação nacional aportando uma nova forma de analisar o tema da fome e da desnutrição VALENTE 2003 O objetivo destas Diretrizes Voluntárias é proporcionar uma orientação prática aos Esta dos para a realização progressiva do DHAAS no contexto da SAN e da invisibilidade dos direitos humanos como meio para alcançar os compro missos e objetivos do Plano de Ação da Cimeira Mundial da Alimentação Para aprofundar As Diretrizes Voluntárias são orientações práticas aos poderes públicos para implementar a realização progressiva do direito à alimentação adequada e saudável Levam em conta uma amplitude princípios importantes como o respeito às diversidades parti cipação e inclusão A diretriz 10 das Diretrizes Voluntárias trata espe cificamente das ações de nutrição Ela pode ser consultada em httpswwwredsancplporg uploads56875687387directrizesvoluntariaspdf Dessa forma a promoção da realização do DHAAS está prevista em diversos tratados e docu mentos internacionais e em vários instrumentos legais vigentes no Estado brasileiro tendo sido também incorporada em vários dispositivos e princípios da Constituição Federal de 1988 A existência desse marco legal estabelece a promo ção da realização do DHAAS como uma obrigação do Estado brasileiro e como responsabilidade de todos nós BURITY et al 2010 297 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 A LOSAN além de estabelecer a alimenta ção adequada como direito humano imprescindí vel à cidadania passou a obrigar o poder público a informar monitorar e avaliar a sua efetivação Avançando nessa direção determina que o con ceito de SAN deve abranger além do acesso aos alimentos conservação da biodiversidade promoção da saúde e da nutrição qualidade sani tária e biológica dos alimentos e promoção de práticas alimentares saudáveis a produção de conhecimento e o acesso à informação BRASIL 2006 IBGE 2020 A partir do estabelecimento do marco legal para a SAN no Brasil várias ações foram promovidas com o objetivo de estruturar um sistema capaz de avaliar e monitorar as várias dimensões de análises de SAN como por exem plo o acesso à alimentação adequada e saudável IBGE 2020 Saiba mais Em setembro de 2020 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE divulgou o resultado da última Pesquisa de Orçamento Familiar POF realizada entre junho de 2017 e julho de 2018 que apontava a volta do Brasil ao Mapa da Fome A insegurança alimentar grave ou seja a falta de alimentos em um domicílio atingia aproximadamente 5 da população brasileira no período mais de 10 milhões de pessoas Esse percen tual é comparado ao de 2013 em que 36 da população estava nessa situação O Mapa da Fome é uma publicação da Organização das Nações Unidas ONU em que são listados os países com mais de 5 de sua população ingerindo menos calorias do que o recomendável O Brasil havia deixado de fazer parte dessa lista em 2014 por reduzir em 82 a fome a desnutrição e a subalimentação no período de 2002 a 2013 segundo o estudo da ONU Para conhecer mais sobre o tema assista ao vídeo O Brasil de Volta ao Mapa da Fome Disponível em httpswwwcanalsaudefiocruzbrcanalvideoAber toobrasildevoltaaomapadafomesdc0546 Saiba mais Desde a última POF 20172018 observase que a situação de insegurança alimentar aumentou no Brasil No final de 2020 já somavam 19 milhões de pessoas passando fome no país e vivendo algum nível de insegurança alimentar mais da metade dos domicílios brasileiros No total 1168 milhões de pessoas foram submetidas à insegurança alimen tar em seus três níveis leve moderado e grave Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid19 no Brasil realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional Rede Penssan O inquérito está disponível em https pesquisassannetbrolheparaafome PARTE 3 PERSPECTIVAS DO DIREITO HUMANO A ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E SAUDÁVEL A produção de alimentos e a segurança alimentar e nutricional Os conceitos referentes à alimentação e nutrição têm sido constantemente repensados É face a esse quadro de atualização que conse guimos perceber o contexto do Direito Humano à Alimentação sob a ótica da produção de ali mentos Vejamos essas imbricações com mais detalhes a seguir Durante a Primeira Guerra Mundial 1914 1918 o termo segurança alimentar tinha estreita ligação com um contexto mais local concentradose na autonomia de cada país em produzir sua própria alimentação Isso conferiria resistência à população a situações de escassez proveniente de embargos e boicotes devido a razões políticas ou militares que compunham o cenário da época Após a Segunda Guerra Mundial a segu rança alimentar passou a ser tratada como uma questão de quantidade fundamentada pelo princípio geral e único que se trataria apenas da produção insuficiente de alimentos nos países 298 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 pobres Como solução foram lançados diversos pacotes tecnológicos para aumentar a produti vidade de alguns alimentos principalmente os energéticos como grãos e cana de açúcar o que caracterizou uma época chamada de Revolução Verde PAZMIÑO CONCHEIRO WAHREN 2017 Saiba mais A Revolução Verde trouxe um modelo de agricultura que se baseia na utilização de sementes transgênicas fertilizantes artificiais e agrotóxicos alta mecanização e uso intensivo dos recursos naturais para a produção em massa de produtos homogêneos e diminuição do uso de mãodeobra Legenda Aplicação mecanizada de agrotóxicos em lavoura de agricultura convencional FONTE Maasaak Own work CC BYSa 40 Disponível em httpscommonswikimediaorgwindexphpcu rid58015468 Acesso em 29 nov 2021 A Revolução Verde pode ter aumentado a produção de alimentos mas isso não significou um aumento da garantia de acesso aos alimentos Com a justificativa de aumentar a produção de alimentos para sanar a fome mundial a produção em larga escala tem causado severos impactos nas sociedades e no meio ambiente OCTAVIANO 2010 No entanto mesmo com a expansão da pro dução os relatórios da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura FAO que desde 2005 já apontavam números acima de 820 milhões de pessoas passando fome no mundo apontaram o incremento de 161 milhões em função da pandemia de Covid19 entre 2019 e 2020 Por essa razão é possível afirmar que o aumento da produção está menos ligado à diminuição da fome e da subnutrição e mais à acumulação privilegiada de lucro por alguns em detrimento da fome de muitos aumentando a desigualdade econômica e social consequente mente refreando o acesso a uma alimentação digna PLOEG 2008 Por todo o visto apesar dos altos inves timentos em produção de larga escala tec nológica e industrializada a persistência da fome mundial não é uma questão puramente de produção Sua origem é o resultado de injus tiças sociais vigentes que impedem de garan tir renda básica para a população ter acesso a alimentos Assim os grandes conglomerados econômicos influenciam a qualidade dos ali mentos pois determinam desde as condições de produção até o tipo de consumo a fim de que se dê prioridade a produtos industrializados e processados pelas indústrias pertencentes aos grupos hegemônicos BORSATTO 2011 que frequentemente primam por interesses priori tariamente monetário Em razão disso o valor nutricional dos alimentos fica para segundo plano o que chega à mesa dos consumidores são alimentos de baixa qualidade nutricional com resíduos dos agrotóxicos e fertilizantes usados na produção de larga escala AUGUSTO et al 2012 Tal sistema de produção de alimentos tam bém pode comprometer outros aspectos que compõem a saúde humana Tanto no processo de produção de matéria prima quanto no processo de transformação a moldagem desse sistema influi na resistência do corpo humano a doenças através da qualidade da alimentação PORTO SOARES 2012 Formas de disposição e de oferta do produto final como por exemplo os alimentos ultra processados refrigerantes salgadinhos 299 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 cereais matinais contribuem com a perda da sua qualidade nutricional BARUTTI 2013 Assim essa base alimentícia pobre em nutrientes des favorece a formação do sistema imunológico de quem a consome A oferta de produtos frescos também é comprometida quando é intermediada pelas empresas agroalimentares É um fato que tam bém sinaliza a precariedade alimentar não só em quantidade mas em qualidade nutricional fundamental quando se trata de manutenção e recuperação da saúde SCHNEIDER et al 2020 Para entender como ocorre esse processo de modificação mesmo de alimentos frescos Barutti 2013 considera que se alimentos mais doces detêm a preferência de consumo a produção convencional produz vegetais com mais açúcar e menores concentrações de vitaminas e alte ram seus sabores naturais que poderiam dar um sabor mais ácido ou amargo Em outras palavras alardeado desde a Revolução Verde como a sal vação para a fome esse sistema de produção de alimento em larga escala acaba por gerar de fato maior adoecimento coletivo de pessoas Junto a isso uma vez que os conglomerados frequente mente englobam tanto as empresas de alimentos quanto de medicamentos esse mecanismo de produção fortalece a acumulação privilegiada e desigual na medida em que estimula a doença e vende a cura Saiba mais Além dessas dimensões que compõe o DHAAS pre cisa ser incluída também a dimensão sustentável que leva em consideração as formas pelas quais os alimentos são produzidos e distribuídos privilegiando aqueles cujo sistema de produção e distribuição seja socialmente e ambientalmente sustentável que é amplamente promovido no Guia alimentar para a população brasileira BRASIL 2014 O Guia Alimentar para a População Brasileira se constitui em uma das estratégias para implementação da diretriz de promo ção da alimentação adequada e saudável que integra a Política Nacional de Alimentação e Nutrição Ele pode ser consultado em httpswwwgovbrsaude ptbrassuntossaudebrasilpublicacoesparapro mocaoasaudeguiaalimentarpopulacaobrasi leira2edpdfview Para sua segurança alimentar procure fazer compras de alimentos em mercados feiras livres e feiras de produtores e em outros locais que comercializam variedades de alimentos in natura ou minimamente processados dando preferência a alimentos de base agroecológica provenientes da agroecologia familiar Participe de grupos de compra de alimentos orgânicos adquiridos diretamente de produtores e da organiza ção de hortas comunitárias Evite fazer compras em locais que só vendem alimentos ultraprocessados A depender de suas características o sistema de produção e distribuição dos alimentos pode pro mover justiça social e proteger o ambiente ou ao contrário gerar desigualdades sociais e ameaças aos recursos naturais e à biodiversidade BRASIL 2014 Veja abaixo os principais contrapontos de um sistema insustentável para um sistema sustentável considerando as etapas percorridas pelo alimento do campo a mesa do consumidor 300 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Principais contrapontos de sistemas alimentares insustentáveis e sustentáveis observados na revisão de literatura Sistemas Insustentáveil Produção Processamento Comercialização Consumo Agricultura Convencional Elevado Processamento Cadeias longas Consumo não sustentável Patronal Retirada de nutrientes Grande número de intermediários Hábitos não saudáveis Monocultura Refinamento Longas distâncias Indisposição para com prar produtos saudáveis Transgênicos Adição de gorduras trans Desvalorização dos produtos locais Elevado consumo de alimentos ultraprocessados Agrotóxicos Adição de aditivos e conservantes Preços elevados Busca por alimentos de rápido preparo Criação inten siva de animais Aditivos baseados em subprodutos de soja e milho Valorização de grandes redes varejistas Alimentação não diversificada Sistemas Sustentáveis Agricultura de base Agroecológica Baixo Processamento Cadeias curtas Consumo sustentável Agricultura familiar Manutenção de nutrientes Nenhum ou pequeno número de intermediários Alimentos frescos orgânicos e de base agroecológica Diversidade de culturas Processamento mínimo Proximidade do produ tor e do consumidor Disponibilidade para comprar produtos sustentáveis Orgânicos Sem adição de gor duras trans Comércio justo e econo mia solidária Compra direta de agri cultores familiares Sazonais Sem adição de conservantes Valorização do produto e do produtor Alimentos regio nais tradicionais e diversificados Integração lavourape cuáriafloresta e bemestar animal Sem outros aditivos alimentares Confiança no produtor Alimentação diversi ficada e habilidade culinárias FONTE Adaptada de Martinelli e Cavalli 2019 Disponível em httpswwwscielobrjcscaz76hs5QXmyTVZDdBD JXHTwzlangpt 301 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Prática 2 Produção de Alimentos Saudáveis e Sustentáveis Objetivo Identificar situações de formas de pro dução de alimentos que podem comprometer sua qualidade nutricional e oferecer risco à saúde de quem os consome Sugestão de desenvolvimento Para essa atividade identifique algumas situações nas quais há risco de danos à saúde por meio do consumo de alimentos Exemplificativamente poderão ser lembradas téc nicas de agricultura prejudiciais ao meio ambiente como por exemplo os agrotóxicos Para essa prática sugira ao grupo que faça uma pesquisa em portais de notícias brasileiros e identifique notícias referentes à poluição de rios e lagos próximos a terras de agri cultura liberação de agrotóxicos uso de maquinário pesado para trabalhar o solo intoxicação de popu lações eou indivíduos por agrotóxicos Organize a forma pela qual esses dados serão apresentados pelas pessoas participantes de maneira que toda a turma possa conhecer os resultados das pesquisas e possa dialogar sobre esse resultado Materiais necessários acesso à internet para pes quisa recursos para sistematização e exposição de resultados LIMITES E POSSIBILIDADES DA SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL E NO MUNDO Por tudo o que vimos até o momento o conceito de DHAAS hoje em 2023 envolve não só quantidade de alimentos mas também qua lidade acesso e cuidados com o meio ambiente Assim além de uma alimentação suficiente e saudável o conceito atinge outros aspectos como o acesso à água e terras com aptidão agrícola e a um sistema de produção independente da escassez da oscilação de mercado dos preços altos dos produtos derivados do petróleo e uso de substâncias tóxicas que prejudicam a saúde e a continuidade da soberania alimentar Por ser uma necessidade sem a qual a vida não é possível cabe ao Estado a responsabilidade de elaborar políticas públicas e ações para garantir uma vida saudável e sustentável a todos e todas as habitantes do território nacional Para a ela boração das políticas públicas que dizem respeito à DHAA os setores da sociedade formados principalmente por produtores e produtoras pelas pessoas que se preocupam com o meio ambiente e pelos consumidores passaram a constituir coletivos que demandam do Estado políticas de sustentabilidade Dessa forma as políticas públicas em DHAAS atendem a realização de ações específicas para cada um dos diversos grupos envolvidos No entanto a preocupação principal dessa diversidade de sujeitos deve ter como prioridade o compromisso com a realidade local É preciso reconhecer as características de cada território população infraestrutura e geografia Nos lugares em que o direito humano já está sendo realizado plenamente é necessário não só preserválo mas protegêlo e onde não há garantia do DHAAS e principalmente onde há graves violações desse direito é preciso ações para promovêlo provê lo e garantir que as propostas sejam planejadas para resultados diretos a curto médio e longo prazo Além disso os programas de promoção dos direitos devem ser planejados de forma que sejam permanentes e resistentes a mudanças de gestão BURITY et al 2010 Por isso o foco principal quando verifica mos as condições de cumprimento do DHAAS em um território é reconhecer se a sua popu lação está sofrendo ou está exposta aos riscos de insegurança alimentar e nutricional riscos ambientais como desmoronamentos enchen tes desabamentos e suas condições de superar essas situações de vulnerabilidade A garantia do DHAAS desses grupos deve ser sempre uma prio ridade com o compromisso com as demandas de cada realidade Para que isso aconteça uma série de ações constituem as práticas que permitem conhecer a realidade de cada local cujo objetivo real é a garantia do DHAAS BURITY et al 2010 Como todo início de percurso é necessário acessar informações que permitam conhecer con ceitos e princípios dos direitos humanos para a partir daí situar o DHAA sua história realidade as formas de exigilos e quem são os e as respon 302 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 sáveis pela sua garantia Por isso chamamos esses conceitos no início desta Unidade Exemplos de fontes sobre essas informações são as Diretrizes Voluntárias em Apoio à Realização Progressiva do Direito à Alimentação ABRANDH 2005 a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricio nal LOSAN e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC A partir daí uma vez que se reconhece que o poder público é responsável pelos DHAA é necessário solicitar agendas a fim de exigir que todas as políticas e programas públicos de segurança alimentar e nutricional sobe rania alimentar e sustentabilidade sejam per manentemente desenvolvidos assim como a garantia de sua durabilidade e a fiscalização de seu cumprimento Também é necessário pressionar o poder público para a realização contínua de oficinas e debates sobre Direito Humano à Alimentação Adequada para todos e todas que atuam nessa área Por tudo isso entendese que a garan tia dos DHAAS é um processo complexo e que precisa do envolvimento de uma diversidade de pessoas para pretender sua plena realiza ção Assim é necessário a elaboração de par cerias entre redes da sociedade civil e privada que possam monitorar a realização garantia e manutenção do DHAA Essas iniciativas podem compor os Conselhos e Comissões de Políti cas Públicas e de Direitos Humanos lutando pela instituição de mecanismos específicos que garantam a incorporação e monitoramento da promoção do DHAAS nas rotinas e procedimen tos de políticas e programas públicos em todos os níveis Devido à gravidade das situações de violação do DHAAS e urgência na sua reversão essas organizações devem ter autonomia em relação ao poder público inclusive no âmbito orçamentário E para que suas ações possam ser concretas e ao tempo certo é necessário exigir a criação de indicadores metas e prazos para a realização de direitos BURITY et al 2010 Para aprofundar Relatos que envolvem o apoderamento de comuni dades em vulnerabilidade de ações para apoiar e exigir a efetivação de seus Direitos Humanos em especial os DHAAS são apresentados no documen tário Peraí É Nosso Direito 2007 de direção de Renato Barbieri O filme contém depoimentos que expressam a emoção indignação e a força de pessoas que vivem marginalizadas e submeti das à violação de seus direitos e está disponível para livre acesso em httpswwwyoutubecom watchvGtCE4EV9w ALTERNATIVAS EDUCATIVAS PARA PROMOÇÃO DA NUTRIÇÃO ADEQUADA E DA SEGURANÇA ALIMENTAR Os dados e conceitos apresentados neste texto nos trouxeram à reflexão que embora seja um Direito Humano garantido constitucio nalmente a Segurança e Soberania Alimentar Nutricional e Sustentável encontra situações de violação e de risco constante Oscilações de mer cado pandemias crises diplomáticas e desastres ambientais podem fazer com que até mesmo em locais onde esse direito resistia seja preca rizada a sua condição ou mesmo provoque seu desaparecimento Uma mudança nesse quadro pode ser pro posta por outras relações quando a educação passa a assumir um vínculo social reconhecen dose como capaz de transformar a realidade de forma a garantir uma vida digna para todos e todas A Educação Alimentar e Nutricional EAN articulada a outras políticas públicas de diferentes campos de ação é reconhecida como uma ação estratégica para o alcance da SAN e do DHAA 303 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 Para Aprofundar O vídeo Falando de Direitos apresenta a rotina de duas nutricionistas do Sistema Único de Saúde SUS na promoção de práticas alimentares saudáveis na prevenção e no controle de problemas causados pela alimentação inadequada Especialistas obser vam a atuação dessas profissionais e comentam as relações entre alimentação saúde e a importância de Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição O vídeo está disponível em httpswwwyoutube comwatchvBleFdv1M8U Para se desenvolver com êxito as infor mações e percepções sobre as questões nutri cionais assim como os indicadores para sua avaliação a proposta de metas e os prazos necessários precisam ser percebidas a partir da realidade da população em um caráter espe cífico para cada região O seu ponto de partida é a população da região onde está inserida Ressaltase assim a realidade do lugar para então iniciar um diálogo que se conecte com a organização e o desenvolvimento de propostas que considerem as realidades efetivas a partir das vivências em uma proposta que considere sujeitos reais com sua bagagem cultural A partir daí a educação passa a constituir uma proposta a fim de transformar realidades de violação do DHAA assim como possibilitar sua garantia e sua permanência a longo prazo Para tanto são necessárias reflexões e iniciativas que se contraponham aos processos de massificação da identidade dos diferentes grupos sociais Essas metodologias compreendem a construção de um canal de mediação compartilhamento e troca de saberes em que as questões e con tribuições trazidas pelas populações locais são ouvidas e incorporadas ao processo educativo Legenda Aula sobre saúde e bem estar na África FONTE Crownkhalifah CC BYSA 40 via Wikimedia Commons Disponível em HealthNutritionjpg 46083456 wikimediaorg Acesso em 29 nov 2021 Conforme ensinam Valéria Burity et al 2010 bem como Gabriela Schenato Bica Rodrigo Rosi Mengarelli e Suzana Marques Rodrigues Alva res 2020 em seu livro sobre educação ambien tal e resgate de saberes populares para esta ação educadora são possibilidades de princípios metodológicos 1 Refletir sobre experiências de educação alimen tar e nutricional a partir dos conceitos e dos princípios dos marcos de referências políticas e planos de garantia dos DHAA 2 Promover rodas de conversa sobre o Sistema Alimentar e suas múltiplas dimensões a partir da noção de sustentabilidade envolvendo sujeitos de toda a comunidade local 3 Promover atividades que tragam a comida o alimento e a culinária como elementos de referência e valorização dos diferentes saberes e culturas 4 Expandir a proposta de educação para o auto cuidado e bem viver de maneira permanente gerando autonomia participação crítica e consciente 5 Conhecer as ações educacionais com a agricul tura familiar e a sustentabilidade como respon sabilidade individual e coletiva para transformar a realidade 304 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 6 Construir cenários participativos com o objetivo de aproximar ciência e sociedade por iniciativas de formação de pesquisadores e pesquisadoras populares entre as pessoas da comunidade local tendo as características físicas a vegetação o relevo e a cultura da população como recursos pedagógicos 7 Promover atividades práticas de interação entre as pessoas e com o meio ambiente Um exemplo é a horta escolar que traz diversas possibilida des como produção e consumo de alimentos agroecológicos e orgânicos atividades ligadas à culinária troca de conhecimentos os hábitos alimentares das pessoas da região e das popu lações tradicionais locais 8 Promover rodas de conversa e atividades lúdicas que conscientizem sobre as consequências das ações do ser humano sobre o meio ambiente 9 Dialogar e organizar atividades práticas sobre alimentação saudável consumo de alimentos orgânicos eou agroecológicos Prática 3 Fome no Brasil Objetivo Conhecer a situação de fome da popu lação brasileira Sugestão de desenvolvimento Para essa ati vidade é importante conhecer as diversidades das regiões brasileiras Por isso para viabilizá la faça uma análise prévia com os e as partici pantes de um mapa do Brasil demarcando suas regiões Oriente a realização da atividade da seguinte forma pela sua extensão o Brasil pos sui 5 regiões cada uma com suas características geográficas populacionais e econômicas pecu liares Para perceber o quanto essa diversidade de características interfere nos dados da fome da população de cada região faça um levanta mento de percentagem do total da população de cada região qual o percentual de população passando fome qual o percentual da população em risco de fome e qual o percentual de popula ção que não está em situação de risco Após ter realizado a atividade compartilhar os resultados encontrados Materiais necessários um mapa do Brasil acesso a dados sobre a fome no Brasil material para sis tematização dos resultados Se houver acesso à tecnologia podese fazer uso de infográficos e mapas de georreferenciamento e projetar seus resultados para a discussão em grupo Prática 4 Educação alimentar e nutricional Objetivos Dialogar sobre o que é educação ali mentar e nutricional e seus princípios Sugestão de desenvolvimento Após a utilização de material de apoio sobre a temática sugerido nos boxes Para Aprofundar desta Unidade realize uma roda de conversa para aproximar as e os parti cipantes dos fundamentos da Educação Alimentar e Nutricional lhes estimulando a expressar seus pontos de vista sobre o assunto A partir daí chame o grupo para organizar sugestões de metodologias para promover a Educação Alimentar e Nutricional na sua região a fim de superar situações de vul nerabilidade e de risco Materiais necessários espaço para disposição de cadeiras em roda CONSIDERAÇÕES FINAIS A mais grave manifestação da insegurança alimentar e nutricional é a fome No entanto o estado de insegurança alimentar e nutricional não diz respeito somente à quantidade de alimentos mas sim ao acesso e garantia de renda para evitar riscos de violação de direitos vitais Por isso é necessária a consolidação de práticas voltadas para indivíduos e coletivos em uma proposta de trabalho multidisciplinar integrado e em redes determinadas pelos contextos social econômico político e cultural da população que promovam o Direito Humano à Alimentação e Nutrição Ade quada e Saudável DHAAS Houve muitos avanços no Brasil em relação aos Direitos Humanos e aos relacionados à alimen tação mas esses precisam continuar a avançar A mobilização social deve se manter forte pelos 305 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 seus direitos mesmo que o avanço seja um pro cesso em constante construção reconstrução e avanços para que a garantia integral do DHAAS seja concebida a partir de duas dimensões estar livre da fome e da desnutrição e ter acesso a uma alimentação adequada e saudável REFERÊNCIAS AUGUSTO L G S et al Dossiê Abrasco Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde Parte 2 Agrotóxicos Saúde Ambiente e Sustentabili dade Rio de Janeiro Abrasco 2012 Disponível em httpswwwabrascoorgbrsitewpcontent uploads201503DossieAbrasco02pdf Acesso em 16 jul 2021 AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS ABRANDH Diretrizes Voluntárias em apoio à realização progressiva do direito à alimentação adequada no contexto da segu rança alimentar nacional Brasília DF 2005 Disponível em httpswwwredsancplporg uploads56875687387directrizesvoluntarias pdf Acesso em 08 dez 2021 BARUTTI Soledad Mal comidos Ciudad Autónoma de Buenos Aires Planeta 2013 BATISTA FILHO Malaquias Direito à alimentação Rev Bras Saúde Matern Infant Recife v 10 n 2 p 153156 abrjun 2010 Disponível em https wwwscielobrjrbsmiabqMwKKHH48HPJZHThHr vqVflangpt Acesso em 10 dez 2021 BICA Gabriela Schenato MENGARELLI Rodrigo Rosi ALVARES Suzana Marques Rodrigues Agroe cologia nas escolas públicas educação ambien tal e resgate dos saberes populares caderno de metodologias UFPR LITORAL 2020 Disponível em httpwwwlitoralufprbrportalwpcontent uploads202006cartilhametodologiasAgroeco logia1pdf Acesso em 08 dez 2021 BORSATTO Ricardo Serra A agroecologia e sua apropriação pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST e assentados da reforma agrária 2011 298f Tese Doutorado em Engenharia Rural Universidade Estadual de Campinas Cam pinas 2011 BRASIL Constituição 1988 Constituição da Repú blica Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 BRASIL Presidência da República Lei nº 11346 de 15 de setembro de 2006 Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimenta ção adequada e dá outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2004 20062006leil11346htm Acesso em 26 jan 2022 BRASIL Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica Guia alimentar para a população brasileira 1 ed 1 Reimpr Brasília Ministério da Saúde 2014 Disponí vel em httpswwwgovbrsaudeptbrassuntos saudebrasilpublicacoesparapromocaoasaude guiaalimentarpopulacaobrasileira2edpdfview Acesso em 16 jan 2022 BREDA Guilherme Kaiser CARNIATTO Irene GARCIA Jaciara Reis Nogueira A importância da educação alimentar nutricional na promoção da sustentabilidade e garantia do direito humano à alimentação adequada International Journal of Environmental Resilience Research and Scienc IJERRS v 2 n 1 p 187203 2020 Disponível em httpserevistaunioestebrindexphpijerrsarti cleview26014 Acesso em 15 jan 2022 BURITY Valéria et al Direito humano à alimen tação adequada no contexto da segurança ali mentar e nutricional Brasília Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos ABRANDH 2010 Disponível em httpswwwredsancplporg uploads56875687387dhaanocontextoda sanpdf Acesso em 08 dez 2021 FISBERG Regina Mara et al Alimentação Equili brada na Promoção da Saúde In CUPPARI L Guia de nutrição nutrição clínica no adulto Barueri Manole 2002 p 4754 FREITAS Maria do Carmo Soares de Agonia da fome Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ Salvador EDUFBA 2003 306 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 GUERRA Lucia Dias da Silva BEZERRA Aída Couto Dinucci CARNUT Leonardo Da fome à palatabili dade estéril espessando ou diluindo o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil Saúde Debate Rio de Janeiro v 44 n 127 p 12311245 outdez 2020 Disponível em httpswwwscielosp orgarticlesdeb2020v44n12712311245 Acesso em 10 jan 2022 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍS TICA IBGE Pesquisa de orçamentos familiares 20172018 análise da segurança alimentar no Brasil Rio de Janeiro IBGE 2020 Disponível em https bibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv101749 pdf Acesso em 10 dez 2021 LEÃO Marília O direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança ali mentar e nutricional Brasília ABRANDH 2013 Disponível em httpwwwmdsgovbrwebarqui vospublicacaosegurancaalimentarDHAASAN pdf Acesso em 10 jan 2022 MARTINELLI Suellen Secchi CAVALLI Suzi Barletto Alimentação saudável e sustentável uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas Ciência Saúde Coletiva v 24 n 11 p 42514261 2019 Disponível em httpswwwscielobrjcscaz76hs 5QXmyTVZDdBDJXHTwzlangpt Acesso em 08 dez 2021 OCTAVIANO Carolina Muito além da tecnologia os impactos da Revolução Verde ComCiência n 120 2010 Disponível em httpcomcienciascielobr pdfccin120a06n120pdf Acesso em 16 nov 2021 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ONU Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais da ONU Comentário Geral nº 12 Genebra 1999 Disponível em httpsfianbrasilorgbrwpcontent uploads201609ComentC3A1rioGeral12pdf Acesso em 19 jan 2022 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ONU Decla ração Universal dos Direitos Humanos Nova Ior que 1948 Disponível em httpswwwuniceforg brazildeclaracaouniversaldosdireitoshumanos Acesso em 19 jan 2022 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ONU Dire trizes voluntárias em apoio à realização progres siva do direito à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional adotadas na 127ª Sessão do Conselho da FAO novembro de 2004 Roma ONU 2015 Disponível em httpsfianbrasil orgbrdiretrizesvoluntariasemapoioarealiza caoprogressivadodireitoaalimentacaoadequa danocontextodasegurancaalimentarnacional Acesso em 25 jan 2022 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ONU Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Nova Iorque 1966 Disponível em httpwwwunfpaorg brArquivospactointernacionalpdf Acesso em 19 jan 2022 PAZMIÑO Carlos Pástor CONCHEIRO Luciano WAHREN Juan Agriculturas alternativaemen Latinoamérica Tipología alcances y viabilidad para la transformación socialecológica Ciudad de México Fundación Friedrich Ebert 2017 Dis ponível em httplibraryfesdepdffilesbueros mexiko13957pdf Acesso em 20 jan 2022 PLOEG Jan Douwe van der Camponeses e Impérios Alimentares lutas por autonomia e sustentabili dade na era da globalização Porto Alegre UFRGS Editora 2008 PORTO Marcelo Firpo SOARES Wagner Lopes Modelo de desenvolvimento agrotóxicos e saúde um panorama da realidade agrícola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa inova dora Revista Brasileira de Saúde Ocupacional São Paulo v 37 n 125 p 1731 2012 Disponível em httpswwwscielobrjrbsoawWKHf9PQ3tscgZg 57nH6rtflangpt Acesso em 15 jan 2022 SANTARELLI Mariana et al Da democratização ao golpe avanços e retrocessos na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição ade quadas no Brasil Brasília FIAN Brasil 2017 Dis ponível em httpsfianbrasilorgbrwpcontent uploads201706PublicaC3A7C3A3oCom pletaInformeDhanapdf Acesso em 20 dez 2021 SCHNEIDER Sergio Impactos da pandemia Estudos Avançados v 34 n 100 setdez 2020 Disponível 307 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 15 em httpswwwscielobrjeaakQdC7V3FxM8WX zvmY5rR3SPlangpt formatpdf Acesso em 16 nov 2021 VALENTE Flávio Luiz Schieck Fome desnutrição e cidadania inclusão social e direitos humanos Saúde e Sociedade v12 n1 p5160 janjun 2003 Dispo nível em httpswwwscielobrjsausocaGXfv6d 4vzZxvwTRrh8pFyzDlangptformatpdftex tFome20e20desnutriC3A7C3A3o20 sC3A3o20evenDireito20Humano20 C3A020Alimen2D20taC3A7C3A3o Acesso em 20 nov 2021 308 INTRODUÇÃO Art 6º Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC 1966 BRASIL 1992 O acesso ao trabalho remunerado é um meio essencial à obtenção de recursos financeiros para a manutenção das necessidades diárias da maioria da população mundial que depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver Além do significado social o trabalho tem como função principal ser fonte de recurso para a sobre vivência e por isso é objeto de atenção tanto por parte do Estado quanto da sociedade em geral O intuito principal deste material consiste em elucidar o respeito à dignidade da pessoa humana no acesso ao trabalho e nas condições seguras de sua realização como define a Decla ração Universal dos Direitos Humanos e a Consti tuição Federal de 1988 no Brasil O desrespeito a esse direito básico impacta na vida das pessoas e influencia o exercício da cidadania bem como o acesso e a permanência à escola e ao trabalho protegido Tratar dos direitos humanos referen tes ao trabalho na sociedade moderna portanto justifica a relevância desta Unidade que propicia a reflexão crítica e os instrumentos para a constru ção de uma cidadania ativa que não se detenha apenas no consumo mas na participação plena na vida social O material está composto por três partes na primeira O trabalho e sua centralidade na sociedade moderna abordamos o trabalho como um direito considerandoo como princípio básico à dignidade da pessoa humana e não como uma mercadoria Na segunda parte definida como Cidadania direito ao trabalho e à vida digna e suas decorrências apresentamos a discussão sobre trabalho cidadania e a legislação do tra balho Já na terceira e última parte chamada Desemprego subemprego e condições subu manas de trabalho analisamos como uma socie dade marcada pela desigualdade pelo trabalho sem direitos em condições subumanas e preca rizado tem tomado diversas formas tal como se observa na permanência do trabalho análogo ao escravo e do trabalho infantil por exemplo O acesso ao trabalho decente como estabelece Unidade 16 Direitos Humanos e as Condições Contemporâneas de Trabalho Ana Paula Ferreira DÁvila Camila Sailer Rafanhim Kelen Aparecida da Silva Bernardo Maria Aparecida Bridi 309 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 a Organização Internacional do Trabalho OIT é a maneira de garantir a justiça social e o cum primento dos direitos humanos ao trabalho na sociedade contemporânea Esses serão os temas abordados nesta Unidade PARTE 1 O TRABALHO E SUA CENTRALIDADE NA SOCIEDADE MODERNA Organização do trabalho como fenômeno social e direito humano O trabalho nem sempre foi visto na socie dade Ocidental da forma que conhecemos hoje Na Antiguidade por exemplo trabalhar estava associado à penalização ao esforço físico Na Grécia Antiga trabalhar equivalia a sujeitarse à necessidade portanto essa função era delegada a mulheres e a escravos no espaço doméstico enquanto os homens se dedicavam ao papel pri mordial daquele tempo a discussão de questões políticas em praça pública Assim ser livre estava diretamente relacionado ao exercício da cidadania como condição para a realização enquanto ser humano Já durante a Idade Média o trabalho se concentrava no campo na agricultura e era desempenhado pelos servos que não eram cida dãos E na época contemporânea período de consolidação do modo de produção capitalista o trabalho sofreu mudanças importantes que alteraram seu sentido Vejamos como aconteceu esse processo O trabalho é fonte da existência humana Por meio do trabalho o ser humano realiza seu potencial e se desenvolve assumindo a condição de sujeito É pelo trabalho que a espécie humana se distingue dos demais animais pois seu tra balho não consiste apenas na realização de um instinto de sobrevivência mas sim na expressão material de algo que foi elaborado mentalmente Ao modificar a natureza para fabricar por exem plo uma mesa a pessoa modifica a si mesma enquanto modifica a madeira e o resultado desse processo a mesa expressa a síntese dessas con tradições Trabalho portanto envolve a força física a habilidade mecânica a criatividade e o esforço intelectual da pessoa para a realização de uma tarefa Nesse sentido o trabalho se torna elemento estruturante da individualidade e da sociedade As revoluções francesa e industrial ocor ridas respectivamente nos séculos XVIII e XIX tiveram um papel central nas transformações econômicas e políticas inclusive do trabalho Significou a passagem de um trabalho na terra no campo marcado pelos vínculos feudais para o trabalho industrial e urbano e que resultou na consolidação de uma classe proprietária dos meios de produção e na formação de uma classe trabalhadora tanto na cidade quanto no campo Assim tal processo ressignificou socialmente as relações de produção nos espaços urbano e rural Contudo é na sociedade capitalista que o trabalho humano passa a ter uma outra finalidade específica a produção de bens socialmente úteis que são denominados de mercadorias E assim também o trabalho adquire um valor em relação às mercadorias que produz Temos portanto a separação entre o trabalhador e o resultado do seu trabalho As pessoas passam a vender sua força de trabalho para a produção de outros bens sob a direção daquele que detém os meios de produção as empresas os bancos a terra Neste contexto a pessoa que trabalha não se apropria do bem que produz mas recebe uma contraprestação pela venda da sua força de traba lho o salário Portanto com a industrialização o sentido original da atividade produtiva se alterou de integrante da vida passou para uma forma de ganhar dinheiro de ganhar a vida GORZ 2005 Contudo perceba que pelo trabalho assala riado e devidamente pago os homens e as mulhe res diferem dos produtos e bens produzidos por eles e elas em virtude da dignidade que é própria aos seres humanos sua essência um valor abso luto Conforme observamos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 todo homem pode empenhar seus serviços seu tempo mas não pode venderse nem ser vendido Sua 310 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 pessoa não é propriedade alheia USP 2021 não paginado Em outras palavras mesmo vendendo sua força de trabalho as pessoas não abdicam de sua vida e subjetividade A vida humana não tem preço não pode ser substituída por coisas por objetos com valor de compra e venda O respeito é um fim em si mesmo RABENHORST 2008 Por meio da razão a dignidade define a pessoa humana enquanto sujeito de direito Por isso toda vez que tratamos alguém como meio para atingir um fim como escada o desrespeitamos porque o igualamos a um objeto Assim o trabalho não pode ser entendido apenas como um meio para produção e obtenção de lucros Desde o nascimento da fábrica da indústria moderna no século XIX os trabalhadores foram reunidos sob um mesmo teto em um mesmo espaço para produzir e o controle do trabalho e das riquezas produzidas pelo trabalho humano passou aos detentores dos meios de produção Os empresários por seu turno passaram a ditar um ritmo de trabalho que gerasse lucro sem que houvesse uma preocupação com condições de trabalho dignas e com direitos Os trabalhadores passaram a dispor somente de sua força de trabalho mas como vimos a produção da mercadoria envolve a pessoa humana que a concretiza A mercadoria é fruto do trabalho dispendido para produzila porém o que o capitalista compra é a força de trabalho tempo do trabalho assalariado pois é impossível comprar a pessoa do trabalhador BRAVERMAN 2012 que como vimos é uma capacidade própria do ser humano dotada de intencionalidade Logo além do produto do trabalho engendrar uma assimetria de poder entre capital e trabalho o que o empregador compra a força de trabalho é infinita em potencial mas sujeita às técnicas à tecnologia e às condições sociais existentes em cada particularidade histórica Você pode perceber assim que o modo de produção capitalista reduz o significado de trabalho a uma forma específica que é a de tra balho assalariado Na esfera pública espaço da empresa ao receberem um salário em troca do seu trabalho as pessoas são também responsá veis pela sua autorreprodução enquanto mer cadoriaforça de trabalho Já a esfera privada quando a produção ocorre na casa dos trabalha dores foi historicamente invisibilizada ignorada enquanto trabalho Ao longo do século XX muitas foram as ações dos trabalhadores para alterar suas condi ções de trabalho Um marco dessas ações foram os acontecimentos em maio de 1968 na França quando o trabalho na esfera doméstica como meio que possibilita o trabalho remunerado foi publicamente reconhecido É nesse sentido que Federici 1974 argumenta em favor da necessi dade de salário para o trabalho doméstico muitas vezes justificado pelo dever de zelar pela família e pelo sentimento de amor o que a fazia afirmar que o que chamam de amor é de fato trabalho não pago Sem dúvida este é um debate ainda não superado Não só quanto ao trabalho doméstico realizado na própria casa da família quanto em relação àquele trabalho doméstico contratado e realizado na casa de outra família e que é também desvalorizado socialmente especialmente em países marcados por grande desigualdade social Somente no momento histórico no qual o trabalhador passou a ser reconhecido como dotado de direitos advindos do trabalho é que ocorre uma valorização e o reconhecimento do trabalho como uma atividade digna e que propicia em tese o acesso à cidadania O processo de criação de um estatuto de direitos e dignidade da pessoa humana possui alguns marcos na história humana como por exemplo a Revolução Francesa 1789 e a filosofia contida no movimento iluminista que tal como expressa na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão do Iluminismo anuncia que o trabalha dor não pode ser tratado pelo empregador como mera mercadoria Outro marco importante foi a criação da Organização Internacional do Trabalho OIT em 1919 que visa à promoção da justiça social mediante à criação de oportunidades de acesso a um trabalho decente e produtivo para homens e mulheres isto é o trabalho em condi ções dignas de liberdade equidade e segurança Vinculada à Organização das Nações Unidas ONU 311 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 em 1946 a OIT é a única das suas agências que é composta por representantes de governos de empregadores e suas organizações Atualmente 187 Estadosmembros participam igualmente da tomada de decisões OIT 2021a não paginado A Declaração de Filadélfia da OIT que ocor reu em 1944 confirmou o reconhecimento do trabalho como não mercadoria diferenciandoo de um produto inanimado semelhante a uma maçã ou a um televisor que pode ser negociado para obter o maior lucro ou o preço mais baixo OIT 2019 p 12 Decorreu desse processo a promulgação da Declaração Universal dos Direi tos Humanos em 1948 que enfatiza o direito do acesso ao trabalho em condições dignas o que inclui a remuneração compatível o direito a férias à paridade salarial por função desempenhada à sindicalização e à proteção contra o desemprego Esses documentos foram muito importan tes na criação de uma agenda internacional que garantisse o cumprimento dos direitos humanos ao e no trabalho a OIT tem 187 países signa tários e o Brasil está entre eles Entretanto a existência de um direito por si só não assegura a sua eficácia ou seja sua realização na prática Nesse sentido é importante que haja legislação e instituições que apliquem a lei Além disso é possível que a sociedade civil se organize em movimentos sociais associações e sindicatos entre outros para reivindicar direitos e para o seu devido cumprimento A ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO NO CAPITALISMO E O TRABALHO Durante o século XX a relação antagônica entre capital e trabalho foi marcada pela con quista de direitos do trabalhador e pela elevação do trabalho ao estatuto de cidadania mediada pelo Estado Isto porque o advento do capita lismo implicou na separação das esferas política e econômica das relações sociais Na prática a separação entre Estado e sociedade deixou à própria sorte o operariado já que durante cem anos 18141915 as relações foram pautadas pelos princípios do mercado POLANYI 2000 Ou seja a sociedade foi modelada para que o sistema econômico funcionasse impondo suas próprias leis à terra ao dinheiro e ao trabalho Durante um século o Estado só intervinha a favor do mercado autorregulado pelos preços e pautado pelo sistema monetário do padrãoouro forma de integração internacional que vigorou de 1896 até 1914 nos países desenvolvidos FRIEDEN 2008 pelo qual o papelmoeda deveria ser convertido em ouro por exemplo Com esse Estado mínimo para o social até meados do século XIX o trabalho era encarado como uma necessidade para não morrer de fome a qual recorriam os pobres os trabalhadores expulsos dos campos e os artesãos arruinados ARAÚJO BRIDI MOTIM 2011 p 52 A classe trabalhadora portanto encontravase destituída de sua dignidade e sujeita a um tra tamento instrumental isto é como mercadoria utilizada para obtenção de um resultado Somente depois da Primeira Guerra Mundial o Estado pas sou a arbitrar os conflitos entre a burguesia e o proletariado e a regular o mercado de trabalho reconhecendo em parte as demandas dos traba lhadores e trabalhadoras Neste contexto surgiu uma nova modalidade de direitos fundamentais os direitos sociais Enquanto as liberdades indivi duais até então resumiamse no direito de cada pessoa de não sofrer interferência estatal na sua esfera de liberdade os direitos sociais consistem na exigência de atuação do Estado para garantir a todos uma vida digna A partir de então o trabalho assalariado tornouse a condição de cidadania Tais processos ocorrem no contexto da organização do sistema produtivo que passava por significativas alterações Nos países industria lizados o começo do século XX foi marcado pela fabricação de automóveis pelo incremento de tecnologia e produção em massa de mercadorias padronizadas e trabalhadores especializados ape nas em uma função Nos Estados Unidos Henry Ford aprimorou o processo de organização do trabalho através da adoção da administração cien tífica sistematizada em 1911 por Frederick Taylor no livro Princípios da Administração Científica Dessa junção de inovações decorreu o tayloris 312 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 mofordismo que fixou o trabalhador num posto de trabalho cujo ritmo era ditado pela esteira rolante como podemos observar no filme Tem pos Modernos 1932 de Charles Chaplin Saiba mais O taylorismofordismo identifica as mudanças imple mentadas por Henry Ford nas suas fábricas de automó veis Esse modelo separou a concepção e execução do trabalho mediante a parcelização das tarefas na linha de montagem e facilitou a decomposição dos tempos e movimentos especializando os trabalhadores numa função que se destinava à produção em série de um tipo de produto o carro Ford modelo T Os trabalhadores foram impossibilitados de interferir no próprio trabalho sendo restringidos apenas a realizar o trabalho de forma mecânica ditados pelas máquinas e fiscalizados pelos geren tes Sujeitos a acidentes sem jornada de trabalho formalmente reconhecida e com a facilidade de rompimento do contrato os trabalhadores perma neciam pouco tempo na empresa ARAÚJO BRIDI MOTIM 2011 Para diminuir a rotatividade nos postos de trabalho Ford estabeleceu em 1914 oito horas de trabalho diário e estipulou cinco dólares ao dia reduzindo a jornada de trabalho e aumentando o salário Essas medidas tiveram um duplo efeito fixou o trabalhador na empresa e por conseguinte aumentou a produção Com o aumento do salário e as novas dinâmicas que se estabeleceram os trabalhadores e trabalhadoras também passaram a acessar o consumo Iniciase a era da produção e consumo em massa O taylorismofordismo se difundiu por outros setores econômicos A organização da empresa em cargos hierárquicos rígidos e defini dos a produção em massa de produtos padroni zados e a disciplinarização e controle dos traba lhadores resultaram na mudança das relações em sociedade Contudo esse modelo aparentemente eficaz entrou em crise A década de 1930 foi marcada pelo crash da Bolsa de Nova Iorque pela superprodução de mercadorias pelo desemprego e pelo traba lho intermitente à mercê da demanda do mer cado A partir desse quadro Franklin Roosevelt que foi presidente dos EUA de 1933 até 1945 optou pela intervenção estatal na infraestru tura incentivando assim a geração de emprego e renda mediante o trabalho no setor industrial e outros setores contrapondose assim ao capi talismo liberal e colocando em xeque o então Estado Mínimo Para enfrentar a crise que se espalhou por diversos países o Estado as empresas e os sindica tos estabeleceram o chamado pacto fordista o Estado passava a mediar a negociação e arbitrar os conflitos a partir do acordo que consistia na regu lamentação do trabalho definindo direitos como jornada de trabalho salários férias organização sindical e coletiva E em troca o sindicato aco lhia a demanda pelo aumento da produtividade Apesar de condições distintas de aplicação deste modelo o fordismo que enfrentou resistências acabou se estabelecendo em vários países Para aprofundar Você pode obter mais informações sobre esse tema no seguinte livro CATTANI Antônio HOLZMANN Lorena Orgs Dicionário Crítico sobre Trabalho e Tecnologia Petrópolis Vozes Porto Alegre Ed Da UFRGS 2011 O filme A classe operária vai ao paraíso Itália 1971 do diretor Elio Petri fornece também um ótimo recurso audiovisual para conhecer o processo de configuração das relações de trabalho Ele está disponível no link httpswwwyoutubecomwatchvmlZV3GC8jg Uma dica para usálo no processo formativo é exibir os 9 minutos iniciais para tratar da inversão de valor entre a máquina e o ser humano Especificamente sobre o taylorismofordismo reco mendamos o filme Tempos Modernos Estados Unidos 1936 do diretor Charles Chaplin Ele está disponível em httpswwwyoutubecomwatchvXLF1JZCxpxw A dica é usar essa cena para trabalhar sobre a importância do direito ao tempo de alimentação dos trabalhadores 313 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 E no Brasil Como revela a história do trabalho no Brasil o regime escravocrata man teve milhões de trabalhadores na condição de mera mercadoria Somente com a passagem de uma mão de obra escrava para o trabalho assalariado e depois de intensas lutas sociais é que a classe trabalhadora alcançou direitos do trabalho protegido e regulado na chamada Era Vargas 19301945 A regulação do mercado de trabalho brasileiro ocorreu de fato a partir de 1930 no governo de Getúlio Vargas 19301945 a criação do Ministério do Trabalho 1930 do direito às férias 1925 da carteira de trabalho 1932 da jornada de trabalho de oito horas diárias 1932 e do saláriomínimo 1936 e no decretolei em 1938 foram sistematizadas na Consolidação das Leis do Trabalho CLT em 1943 BRASIL 1943 Com isso o Estado brasileiro promoveu o reconhecimento de direitos que é fruto de lutas de diversos grupos para asse gurar a sua dignidade Contudo a cidadania estava restrita aos trabalhadores de ativida des reconhecidas pela lei que por seu turno condicionava o acesso à carteira de trabalho assinada excluindo portanto trabalhadores e trabalhadoras rurais e domésticos não só do reconhecimento formal mas do serviço de saúde dentre outros direitos Por isso o modelo fordista como vimos anteriormente não se deu de forma plena no país tanto porque milhões de trabalhadores foram mantidos fora do sistema protetivo como também porque os sindicatos e instituições representativas dos trabalhadores foram mitigados de uma participação efetiva durante grande parte da história do país Para aprofundar Recomendamos os materiais a seguir para você expandir os conhecimentos sobre as dinâmicas de construção da sociedade do trabalho no Brasil Artigo científico BIAVASCHI Magda Barros Direito e justiça do trabalho no Brasil notas sobre uma trajetória com bem mais de 70 anos Rev TST Brasília vol 77 no 2 abrjun 2011 Disponível em httpsjuslaboriststjus brbitstreamhandle205001217825349007 biavaschi pdfsequence4 Filmes Eles não usam black tie Brasil 1981 Direção Leon Hirszman Disponível em httpswwwyoutubecom watchvNtfKqfCXFG8 Dica exiba essa cena para abordar a luta por direitos no contexto brasileiro O Método o que você faria 2005 Direção Marcelo Pineyro Argentina Disponível em httpswwwyou tubecomwatchvl5N7aREQx1w Dica Exiba os 320min do filme para abordar sobre os efeitos globalização para os trabalhadores as Em meados da década de 1970 uma nova crise assolou o sistema econômico o desenvolvi mento de tecnologias da informação e a propa gação de seu uso por empresas propiciou uma das bases para essa mudança Nesse contexto de crise e mudanças tecnológicas o fordismo chegou ao seu limite e o Estado de BemEstar Social apresentava sinais de esgotamento Do ponto de vista da concepção sobre a organização da produção além do fordismo muitas empresas passaram a adotar elementos do modelo toyotista japonês ao introduzirem inovações tecnológi cas buscando uma produção enxuta e flexível com elevados níveis de robotização automati zação diminuindo postos de trabalho Para os trabalhadores tais mudanças significaram novas exigências tendo que assumir várias funções numa linha de montagem trabalhar em equipe tomar decisões produzir e cuidar da qualidade Internamente as empresas reduziram níveis hie rárquicos e terceirizaram grande parte de suas atividades concentrando seu poder decisório nos 314 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 escritórios localizados em países desenvolvidos Esses modelos de produção fordista e toyotista foram adaptados nos diversos países Saiba mais O sistema japonês elaborado por Taiichi Ohno foi apli cado na fábrica da Toyota e por isso ficou conhecido como toyotismo O objetivo desse sistema consiste em evitar o desperdício de recursos por isso há um equi líbrio entre o estoque e a linha de produção kanban A produção por sua vez é acionada pela demanda Just in time mas também há uma preocupação com a qualidade dos produtos e o controle de qualidade é realizado durante a produção não apenas ao final da esteira por exemplo Além disso a própria fábrica foi deslocada para países do sul global América Latina por exemplo que possuem à disposição do emprega dor força de trabalho qualificada pouco organi zada em sindicatos com salários menores e menos direitos trabalhistas Sob o ponto de vista jurídico essa mudança foi facilitada pela desregulamenta ção do trabalho consistente na perda de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras através por exemplo da substituição do contrato de trabalho por tempo indeterminado pelo trabalho tempo rário com contrato por tempo determinado Esse processo denominado flexibilização expressa a diminuição do papel do Estado na relação entre capital e trabalho dinâmica engendrada pela globalização que é acompanhada pela tendên cia em priorizar o desenvolvimento do capital financeiro Se durante uma boa parte do século XX havia abundância de produção a partir da década de 1970 as palavras do dia passam a ser custo zero produção sob demanda Just in time kanban flexibilização polivalência e controle de qualidade Essas transformações rebatem na sociedade e produzem crises que modificaram o sistema de proteção aos trabalhadores e traba lhadoras com o aumento do desemprego e do trabalho informal dentre outras características que compõem o quadro de uma precarização do trabalho a nível mundial Saiba mais A globalização baseiase na microeletrônica a partir da qual a comunicação a organização da produção e do trabalho foram radicalmente transformadas A partir de então a gestão das empresas foi operaciona lizada através de redes de informação globalizadas que garantem a liderança de oligopólios financeiros internacionais A redefinição do papel do Estado a flexibilização da legislação trabalhista e a mudança das plantas produtivas para outros países reconfiguraram a estrutura do mercado de trabalho global resultando no desemprego estrutural DRUCK 1995 Prática 1 Nuvem de palavras Objetivo compreender o significado dos direitos humanos ao trabalho e a sua importância para a dignidade da pessoa humana Sugestão de desenvolvimento Oa mediadora per guntará ao grupo de participantes da formação o que entendem por direitos humanos do trabalho Cada pessoa participante deve indicar uma palavra apenas As respostas serão reunidas na lousa até formar uma nuvem de palavras Em seguida oa mediadora explicará partindo da nuvem o que são os direitos humanos do trabalho utilizando a Parte I Na sequên cia o grupo será dividido em duas partes a primeira formará uma frase sobre o que apreendeu sobre os fundamentos dos direitos humanos ao trabalho a segunda parte apresentará exemplos da conquista de direitos humanos ao trabalho bem como de sua violação Por fim ambas respostas serão reunidas em um quadro ou em power point podendo dispor de imagem ou mesmo uma arte desenvolvida pelo grupo que vise expressar a importância dos direitos humanos ao trabalho e a sua observância para a dignidade da pessoa humana Materiais necessários A elaboração do quadro pode ser adaptada aos materiais disponíveis É possível realizálo na lousa caso não haja outros materiais Podem ser utilizadas cartolinas e imagens retira das de revistas e outros materiais impressos bem como serem criadas pelos próprios participantes artisticamente Se houver disponibilidade de com putador e tela de projeção ou se o encontro estiver sendo realizado de forma remotaonline é possível a utilização de softwares como PowerPoint e imagens diversas para a realização do exercício 315 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Prática 2 Dinâmica do lanche Objetivo Apreender a diferença entre o taylorismo fordismo e o toyotismo bem como suas implicações para o trabalhador Sugestão de desenvolvimento a pessoa respon sável pela mediação da formação apresentará duas imagens a primeira de um trailer comum que trabalhe com lanches a segunda do Subway ou McDonald A turma será dividida em dois grupos cada um com uma imagem para explicar Será soli citado aos participantes que descrevam numa folha os detalhes possíveis da fabricação de um lanche Este material pode ser usado em dois encontros a depender da carga horária Depois de entregue a folha oa mediadora manterá as imagens visíveis e explicará o taylorismofordismo e o toyotismo e as implicações para osas trabalhadoresas em matéria de direito humano ao trabalho Por fim estabelecerá uma comparação entre os dois que será expressa num quadro síntese Materiais necessários imagens impressas papeis e canetas Prática 3 Visibilizando o trabalho invisibilizado Objetivo despertar o reconhecimento acerca dos implicativos das atividades que compõem o chamado trabalho autorreprodutivo bem como a identificação das pessoas que o realizam sem remuneração e a autorresponsabilização Sugestão de desenvolvimento a atividade será realizada em dois momentos Pode ser feita indivi dualmente ou em grupos Num primeiro momento utilize a folha de papel Peça aos participantes para pensarem em todas as atividades do seu dia a dia necessárias para que cada um esteja vivo ou viva e trabalhando ou estudando e que precisam ser realizadas por alguma pessoa Por exemplo o preparo dos alimentos consumidos a limpeza da casa e do ambiente de trabalho ou escola a lavagem das roupas etc Sugira que tentem pensar em um dia normal do cotidiano e listar estas atividades e preencham a primeira coluna da tabela Em seguida peça que tentem identificar quem é a pessoa que realiza cada uma das atividades listadas na primeira coluna e então preencher a segunda coluna com estas informações Podem ser utiliza das respostas como eu mesmo minha mãe meu pai meu namorado ou minha namorada a empregada doméstica um funcionário da escola etc Num segundo momento leve os participantes a refletir sobre os nomes que colocaram na segunda coluna Eles devem observar se se beneficiam do trabalho invisibilizado de outra pessoa para isto Questione também participantes se se percebem realizando este trabalho em benefício de alguém Procure debater o tema e pensar em formas de distribuição mais igualitária destas tarefas por exemplo entre as pessoas do mesmo círculo de convivência Material necessário Uma folha de papel para cada participante contendo uma tabela com duas colunas A primeira com o título tarefaatividade e a segunda com o título responsável PARTE 2 CIDADANIA DIREITO AO TRABALHO E À VIDA DIGNA E SUAS DECORRÊNCIAS Art XXIV Todo ser humano tem direito a repouso e lazer inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas ONU 1948 Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V o pluralismo político Constituição da República Federativa do Brasil 1988 O DIREITO AO TRABALHO E O DIREITO DO TRABALHO Como vimos o trabalho assalariado é uma categoria estruturante da sociedade capitalista e o meio pelo qual a maior parte das pessoas 316 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 pode obter sua subsistência Assim é essencial a garantia do trabalho enquanto um direito Isto tanto na perspectiva de um direito ao trabalho por si só quanto de outras esferas internas a esse direito como a que dá origem ao direito do trabalho que é o ramo do direito do qual fazem parte as leis que reconhecem os direitos da classe trabalhadora e os deveres de quem os emprega como veremos Além de compreender os fun damentos da criação desses direitos que vimos acima é importante saber que eles são assegura dos no Brasil pela Constituição Federal BRASIL 1988 que é a norma mais alta na hierarquia das normas internas da República Federativa do Bra sil e por outras normas abaixo da Constituição Também já vimos que exatamente por sua função estruturante na sociedade capitalista como um todo o trabalho é objeto de debate e proteção por parte de organismos internacionais como a ONU e a OIT O direito ao trabalho é reconhecido expres samente em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário bem como consta de documentos oficiais da ONU como vimos ante riormente Além dos documentos citados na primeira parte contamos ainda com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC de 1966 que teve como objetivo enunciar direitos econômicos sociais e culturais compreendendo que eles são decorren tes da dignidade da pessoa humana E em seu artigo 6º o PIDESC traz o direito ao trabalho como uma possibilidade de toda pessoa ganhar a vida A Constituição do Brasil de 1988 também trata do trabalho em vários artigos O seu artigo 6º elenca direitos fundamentais sociais das pes soas que como vimos são aqueles que visam à uma vida digna O trabalho aparece como um deles e podemos inclusive dizer que o direito ao trabalho é o direito social por excelência o primeiro e mais importante e que serve de porta de acesso aos demais direitos sociais e para uma vida com qualidade WANDELLI 2016 no qual a classe trabalhadora possa acessar dos frutos de seu trabalho e dos bens e tecnologias produzidas socialmente Outra menção importante ao trabalho está em seu art 1º no qual são enumerados os fun damentos da República pautada na soberania cidadania dignidade da pessoa humana e em cujo inciso IV estabelece o trabalho como um valor social Neste artigo não se trata de qualquer tra balho destituído de direitos mas como completa o artigo 7 aquele que proporciona condições dignas de vida de um emprego protegido contra demissão arbitrária ou sem justa causa e um con junto de outros direitos do seguro desemprego a um salário mínimo compatível entre outros Portanto a Constituição reconhece a centralidade do trabalho ao perceber que o trabalho não é meramente uma mercadoria à disposição do sistema de produção capitalista mas é um valor dentro desta sociedade Colocao inclusive antes do valor da livre iniciativa que é a liberdade para o exercício de atividade econômica e empresarial sujeita à livre concorrência Isto significa que o capital privado ao exercer atividade empresa rial está vinculado ao respeito ao valor social do trabalho Significa também que diante da colisão entre o valor social do trabalho e o valor da livre iniciativa o primeiro é que deve prevalecer Isso também tem relação com o fato de a própria Constituição no mesmo art 1º estabe lecer outros fundamentos da República direta mente relacionados às pessoas naturais seres humanos como a cidadania e a dignidade da pes soa humana Dignidade da pessoa humana é um conceito bastante amplo que pode ser resumido na ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma e não pode ser reduzida a um meio para se atingir qualquer finalidade nem ser valorada em comparação com outros bens e valores Desse modo o objetivo do Direito e do Estado é a pro teção do ser humano da pessoa humana como essencial Falar em direitos humanos e trabalho é uma forma de concretizar isto Ainda a Constituição coloca o trabalho humano entre os pilares da ordem econômica e como sua finalidade a de assegurar a todos uma existência digna Vemos que a existência digna portanto depende da garantia de um verdadeiro direito ao trabalho decente É no art 170 que a 317 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Constituição traz essa relação do trabalho com a ordem econômica afirmando que esta última é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social BRASIL 1988 Assim mesmo que o trabalho seja equi parado à noção de mercadoria no sistema de produção o trabalhador não é uma mercadoria e nem se esgota no trabalho que realiza Reco nhecer que a pessoa não se reduz à posição de trabalhador também implica o reconhecimento da sua posição de cidadão Vejamos então o que isto significa CIDADANIA VIDA DIGNA E TRABALHO DECENTE Mas afinal o que é cidadania Cidadania de acordo com o sociólogo Thomas H Marshall é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade MARSHALL 1967 p 76 A partir desse conceito central o autor apresenta três esferas de direitos que comporiam a noção de cidadania quais sejam a esfera civil que compreende as garantias e liberdades indi viduais a esfera política relativa à participação na vida política da comunidade e a esfera social da garantia de condições mínimas de vida digna e participação da herança social da comunidade isto é o acesso aos direitos sociais Nesta última esfera estão o direito ao trabalho e o acesso aos demais direitos sociais reconhecidos como bási cos em uma sociedade em determinado tempo Assim na medida em que a pessoa que trabalha e sua cidadania não se separa do tra balho que realiza a construção de um direito ao trabalho neste contexto não pode se reduzir ao simples direito a um trabalho remunerado No contexto de uma sociedade que busca a proteção de um rol básico de direitos humanos o status de cidadão compreendendo o conjunto de possibi lidades de uma vida digna o direito ao trabalho deve incluir algumas outras dimensões para além da própria subsistência Apesar de a remuneração do trabalho ser um elemento relevante para a garantia da vida do trabalhador e da trabalhadora o direito ao trabalho não se resume a isso Se a contrapres tação paga em forma de salário fosse o único objetivo do direito ao trabalho bastaria que o Estado providenciasse a todas as pessoas a garan tia de uma renda mínima que lhes afiançasse a subsistência A verdade é que o direito ao próprio conteúdo do trabalho deve ser visto enquanto uma forma de realização da pessoa e assim é uma das dimensões deste direito Tanto o é que por exemplo é considerado assédio moral a prática do superior hierárquico que atribui ao trabalhador atividades muito inferiores às suas capacidades e qualificações bem como solicitar ao trabalha dor que realize atividades sem qualquer função ou utilidade Isso se deve justamente à ideia de centralidade do trabalho que já vimos Mesmo quando falamos do trabalho assala riado por si só para que se possa atingir o objetivo do trabalho enquanto um meio de acesso ao status de cidadão e cidadã e assim a uma vida digna é importante falarmos sobre outro conceito impor tante o de trabalho decente Este é um conceito utilizado internacionalmente pela OIT desde 1999 época em que o desemprego alcançava índices elevados no mundo todo e começava a se falar na necessidade de um desenvolvimento econômico que incluísse os mais pobres Foi neste contexto que o Relatório do Diretor Geral da OIT utilizou o termo trabalho decente como o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos a promoção dos direitos fundamentais no tra balho o emprego a proteção social e o diálogo social OIT 1999 É portanto uma forma de trabalho muito ligada com a ideia de cidadania que promova os direitos sociais e que leve a uma vida digna Assim temos como uma das esferas do direito ao trabalho decente o direito a um padrão juridicamente protegido de trabalho assalariado WANDELLI 2012 No Brasil um padrão de con tratação comum é o regime de emprego regido pela CLT BRASIL 1943 Este tipo de contrato de trabalho que é registrado na Carteira de Trabalho 318 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 e Previdência Social CTPS e com vinculação obri gatória ao Regime Geral de Previdência Social o Instituto Nacional do Seguro Social INSS possui algumas modalidades com características esta belecidas na CLT O regime de emprego da CLT é uma das pos síveis formas de exercer trabalho remunerado no Brasil mas não é a única Quando a compreensão de trabalho decente da OIT inclui o respeito aos direitos fundamentais ela se refere a todo traba lhador e toda trabalhadora não apenas àqueles e aquelas que têm um emprego nãotemporário com registro na Carteira de Trabalho Por isto é que a Constituição estabelece uma lista de direitos básicos dos trabalhadores e trabalhadoras no seu art 7º Vários dos direitos ali mencionados se aplicam apenas aos contra tos formais de emprego como os que preveem adicionais salariais ou aspectos da jornada de trabalho E outros ainda que não se aplicam ao emprego doméstico conforme Art 7º parágrafo único Mas também estão listados alguns direitos que não se limitam aos empregados e emprega das como por exemplo quando se trata de meio ambiente do trabalho no inciso XXII que afirma o direito à redução dos riscos inerentes ao tra balho por meio de normas de saúde higiene e segurança BRASIL 1988 É importante percebermos que o texto do caput do artigo 7º afirma que para além dos direitos previstos nos incisos são assegurados aos trabalhadores e trabalhadoras outros direitos que visem à melhoria de sua condição social Ou seja novamente a Constituição reconhece que o trabalho é uma forma de melhorar a condição social das pessoas de integrálas ao status de cidadão e de garantirlhes existência digna Isto necessariamente se dará por meio da efetivação dos direitos fundamentais Ainda neste contexto há direitos funda mentais na esfera coletiva do trabalho como o da liberdade sindical previsto na Constituição de 1988 e em Convenções OIT Em especial a Con venção nº 87 OIT 1948 que trata da liberdade sindical da liberdade de formar sindicatos e de participar ou não de seu sindicato Na Constituição Federal brasileira por sua vez vemos a previ são desse direito coletivo no art 8º em algumas dimensões ou seja o direito dos trabalhadores e trabalhadoras de se organizarem em sindicatos o direito individual de cada pessoa de se filiar ou não ao sindicato representativo da sua categoria a proteção aos dirigentes e candidatos e can didatas a dirigentes sindicais contra despedida arbitrária e também a exigência de participação do sindicato nos processos de negociação cole tiva Do mesmo modo o art 7º que como vimos estabelece uma série de direitos fundamentais aos trabalhadores e trabalhadoras enuncia no inciso XXVI que se garantirá o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho que são os instrumentos de negociação coletiva nos quais o sindicato representa os trabalhadores e trabalhadoras junto ao empregador ou empre gadora ou ao sindicato de empregadores para estabelecer regras específicas de regulação do trabalho para além das previstas na Constituição Federal e na CLT Mas você acredita que esses direitos pre vistos legalmente são garantidos na prática DESREGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DESIGUALDADES E PRECARIZAÇÃO SOCIAL Na verdade e você já pode ter observado na sua realidade o trabalho protegido está sob constante ameaça tanto no que diz respeito aos direitos coletivos quanto aos individuais Desde a promulgação da CLT em 1943 e mesmo após a Constituição de 1988 as normas trabalhistas sofreram diversas alterações no Brasil e passa ram por diferentes processos de flexibilização e desregulamentação que resultaram quase sempre na retirada de direitos da classe tra balhadora Mais recentemente tivemos uma grande alteração ocorrida em 2017 denominada Reforma Trabalhista por meio da Lei 1346717 BRASIL 2017 Quanto aos direitos coletivos essa Reforma fragilizou o movimento sindical brasi 319 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 leiro reduzindo suas fontes de financiamento de modo a diminuir sua capacidade de atuação e ao mesmo tempo ampliou o poder da nego ciação coletiva inclusive para reduzir direitos das categorias profissionais representadas ainda que tenha mantido a limitação para proteger os direitos previstos na Constituição Federal No que diz respeito à esfera individual o regime de emprego foi bastante atingido com o processo de flexibilização em questão mas também por serem ampliadas outras formas de contratação com menos garantias de proteção legal Na prática a Reforma Trabalhista de 2017 legalizou algumas práticas que já aconteciam mesmo que de maneira irregular Isto porque não só no Brasil mas em todo o mundo vemos a expansão de novas formas de trabalho com menos direitos para os trabalhadores e traba lhadoras e consequentemente mais exploração Algumas são absolutamente ilegais e outras se inscrevem entre vácuos da legislação vigente Temos por exemplo as formas de trabalho não enquadradas no regime de emprego chamadas de informais e por isto com menos ou nenhum direito trabalhista Atualmente falase em um processo de uberização palavra cuja origem remonta à empresa de motoristas por aplicativo Uber Os motoristas que trabalham através da plataforma digital Uber não têm contrato de emprego formal com a empresa e nem com os passageiros que transportam São considerados autônomos não usufruem dos direitos reconhecidos aos trabalhadores porém estão sujeitos a cumprir condições específicas de prestação do serviço determinadas pela empresa Na verdade esta não é a única empresa que atua desta maneira subordinando trabalhadores sem direitos por meio do uso da tecnologia da chamada gig eco nomy O uso dos smartphones de aplicativos de transporte e posteriormente o desenvol vimento de aplicativos de entrega de comida despontam diante do desemprego como uma tendência forte a economia dos bicos Você também já deve ter percebido a ampliação da prestação de todo tipo de serviço por meio de aplicativos de smartphone o que demonstra que esta tendência não se restringe aos serviços de transporte e entrega Paradoxalmente os trabalhadores e tra balhadoras passam a ter que usar os próprios meios de produção carro bicicleta telefones celulares pacotes de internet etc para prestar o serviço Ao fazêlo também não oferecem seu tempo de acordo com as suas necessidades mas sim à mercê do aplicativo que decide quan tas horas dias e em que locais será realizado o trabalho Por se tratar de um aplicativo gerido por uma empresa privada nem o ou a cliente e muito menos os trabalhadoresas possuem conhecimento sobre os critérios empregados O vínculo empregatício que garantiria alguns direitos e segurança não é reconhecido e isto é evidentemente a diminuição do papel estatal de mediar as relações de trabalho Mas a informalidade isto é a utilização de outras formas de trabalho sem a regulação e sem os direitos reconhecidos pelo direito do trabalho não é nova Mesmo antes das platafor mas digitais ela já existia e se mantém em outras circunstâncias em que o trabalho contratado pela empresa é realizado todo no ambiente domés tico do trabalhador como se fosse autônomo ou empresário mas se tratando na verdade de precarização de direitos ABÍLIO 2020 Para aprofundar Em vários lugares do Brasil e do mundo a produção de roupas se vale do trabalho exercido em fábricas casei ras nas quais as pessoas têm a aparência e a ilusão da autonomia Isto é retratado em vários filmes e docu mentários Acerca da realidade Brasil recomendamos o documentário Estou me guardando para quando o carnaval chegar Brasil 2019 produzido sob a direção de Marcelo Gomes Trailer disponível em httpswww youtubecomwatchvms84S1JTAYg O trabalho sem a garantia de acesso aos direitos acentua a desigualdade e está ligado ao processo de precarização social Nesse sentido ele é inerentemente fonte de desigualdade 320 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 na medida em que o lucro é apropriado pelos detentores dos meios de produção Mas para além disso o final do século XX foi marcado pela desregulamentação dos mercados e pela perda de direitos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras E a partir da segunda década do século XXI temos outra revolução de ordem tecnológica em que essas formas de trabalho são mediadas pela tecnologia A precariedade no trabalho diz respeito a vários fatores por exemplo ao vínculo temporário a terceirização a falta de condições de trabalho que propiciem um ambiente adequado entre outros Estes fatores não são gerados pela tecnologia em si mas o seu uso tende a facilitar a degradação das condições de trabalho e remuneração quando a regulação dessas formas falha Do ponto de vista coletivo e associativo os vínculos precários fazem com que os e as trabalhadoresas não se identifiquem com uma única demanda pois na medida em que trocam de emprego surge uma diversidade de pautas que embora importantes não são reivindicadas O trabalho não significa somente o acesso à dignidade e a cidadania mas também a inserção em suportes coletivos de proteção e defesa de interesses grupais como o sindicato por exem plo Desse modo a precarização do emprego através da flexibilização dos direitos do traba lho ao mesmo tempo em que amplia o poder de direção do empregador implica na maior insegurança dos cidadãos e na desfiliação da sociedade exemplificada na figura de pessoas vulnerabilizadas que perderam o emprego e não conseguem retornar ao mercado de trabalho formal CASTEL 1999 Um balanço sobre o direito do trabalho no Brasil e em diversas partes do mundo revela uma tendência de diluição eou redução dos direitos ao trabalho e do trabalho ocasionada pelas reformas laborais Com isso fragilizase a cidadania e viola os direitos humanos e funda mentais à medida que remete a classe trabalha dora ao trabalho sem direitos a remunerações aviltantes que não asseguram o acesso aos bens básicos tampouco à educação à saúde e das tecnologias produzidas pela humanidade em favor da maioria Prática 4 A gente não quer só comida a gente quer cidadania Objetivo refletir e debater sobre o conceito de cidadania e assim questionar sobre direitos sociais nos dias de hoje Sugestão de desenvolvimento inicie com um trabalho de sensibilização consultando a letra da canção Comida 1987 dos compositores Marcelo Fromer Arnaldo Antunes e Sergio Britto e se pos sível ouça alguma gravação dela com as pessoas participantes Ressalte que ela foi composta no ano em que se iniciaram os debates na Assembleia Constituinte para a elaboração da Constituição que temos hoje ou seja num momento importante do reconhecimento de direitos sociais no Brasil Convide o grupo então a refletir sobre a letra da canção a partir da noção de cidadania enquanto efetivação de direitos sociais de acordo com o desenvolvimento da sociedade e peça para que procurem analisar o que entendem como necessá rio atualmente para uma vida digna e se isto está acontecendo na prática para os trabalhadores e trabalhadoras no Brasil Para finalizar provoque as pessoas participantes para que reflitam sobre formas de exercerem seu papel de participação popular na sociedade na busca pelo reconhecimento e efetivação dos direitos que concluíram não estarem sendo garantidos Por exemplo pensem sobre possibilidades de fiscaliza ção dos representantes eleitos sobre participação em organizações do seu bairro em coletivos e movi mentos sociais etc Material necessário Letra da canção Comida 1987 Compositores Marcelo Fromer Arnaldo Antunes e Sergio Britto 321 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Prática 5 Tomando decisões difíceis Objetivo sensibilizar as pessoas participantes a respeito das consequências das decisões tomadas em relação ao trabalho humano e provocar a per cepção de que a tecnologia pode ser utilizada de formas distintas sendo que os impactos positivos ou negativos dela para os trabalhadores e trabalhado ras e para a sociedade como um todo dependerão destas decisões Sugestão de desenvolvimento distribua as pes soas participantes em pequenos grupos Cada grupo receberá uma situaçãoproblema para ser anali sada colocandose na condição de gestor de uma empresa Estabeleça um tempo durante o qual o problema será discutido nos grupos para depois serem apresentadas as soluções encontradas O tempo pode ser alterado de acordo com as possi bilidades Sugerese o tempo de 15 a 20 minutos Ao apresentar as soluções encontradas peça aos grupos que indiquem as consequências que serão geradas pela decisão tanto do ponto de vista do lucro individual da empresa como do ponto de vista social e coletivo Após a apresentação das soluções e das consequências todos os grupos devem con juntamente ser provocados a pensar em formas de evitar as consequências negativas As situaçõesproblemas devem envolver decisões difíceis que coloquem o lucro individual em con traposição aos benefícios coletivos para a sociedade e para os trabalhadores e trabalhadoras bem como que as características da situação apresentada sejam se possível próximas da realidade vivida na sua região e envolvam a adoção de novas tecnolo gias Por exemplo decisões sobre automatização da produção que envolvam despedida de trabalhadores ou a adoção de equipamentos e novas tecnologias que gerem um aumento no ritmo de trabalho Finalização ao final do tempo estipulado chame a atenção para o fato de que as consequências da implantação de novas tecnologias dependem de decisões que os seres humanos tomam acerca delas Ou seja o poder de decisão continua sendo das pessoas sobre a adoção e a forma de gerencia mento dos instrumentos tecnológicos Ressalte que a tomada de decisão em si é complexa e que na sociedade capitalista alguns pontos preva leceram o menor custo e maior lucro do empresário ou a proteção dos trabalhadores e trabalhadoras e a redução de consequências sociais prejudiciais Questione as pessoas participantes sobre outras formas de lidar com as consequências sociais deste tipo de decisão como por exemplo alternativas que envolvam os trabalhadores e trabalhadoras seus sindicatos eou o Poder Público Recursos utilizados como forma de sensibilização você pode utilizar no início ou no fim da dinâmica vídeos sobre condições de trabalho Sugerese por exemplo o documentário brasileiro Carne e Osso em especial nos trechos entre 12m05s 17m19s e entre 20m30s e 32m01s Link httpswwwyoutube comwatchv887vSqI35i8t1454s Prática 6 Regulando o trabalho assalariado Objetivo instigar a compreensão sobre o papel do Estado na regulação do trabalho assalariado bem como acerca das disputas que existem por trás destas decisões Sugestão de desenvolvimento Como vimos na sociedade em que vivemos o Estado tem o papel de mediar as relações de trabalho estabelecendo regras a serem seguidas pelos empregadores Mas também sabemos que na realidade a criação e modificação destas regras passam por um processo político em que os diferentes atores sociais ten tam influenciar o Estado em um ou outro sentido Tentar vivenciar esta realidade é o objetivo desta dinâmica Para isso a turma deve ser dividida em três grupos cada um deles representará um dos seguintes atores i o Estado ii os empregadores iii trabalhadores e trabalhadoras Procure separar as pessoas nos grupos de forma aleatória ao invés de permitir que escolham de qual grupo participar pois isto possibilitará o exercício de formulação de argumentos para defender uma posição que não necessariamente é a pessoal de cada um Deve ser colocado algum ponto da regulação do trabalho em debate por exemplo a jornada de trabalho Num primeiro momento apenas o grupo que representa os empregadores irá estabelecer as regras 322 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Depois de alguns minutos inclua o grupo que repre senta os trabalhadores e trabalhadoras para parti cipar do debate na forma de negociação de quais direitos serão ou não reconhecidos Em seguida permita que o grupo que representa o Estado parti cipe do debate mediando a negociação e tomando a decisão final Você pode alternar os momentos em que o grupo que representa o Estado poderá intervir ou não Você também pode ampliar o debate estabelecendo que os votos de cada grupo têm valores diferentes na tomada da decisão Por exemplo o grupo que representa o Estado vota com peso 1 o grupo que representa os trabalha dores vota com peso 1 e o grupo que representa os empregadores vota com peso 2 Também você pode alternar o peso dos votos de cada grupo para que os estudantes percebam se há resultados dife rentes em cada caso Finalização ao final os estudantes terão perce bido que o resultado da regulação será diferente conforme o Estado participe ou não conforme os votos tenham pesos diversos ou iguais etc É importante ressaltar que o Estado na prática não é neutro e vai atuar mediando os conflitos mas também representando alguma visão de mundo específica PARTE 3 DESEMPREGO SUBEMPREGO E CONDIÇÕES SUBUMANAS DE TRABALHO O mercado de trabalho brasileiro desemprego e desigualdades O mercado de trabalho no Brasil apresenta um quadro histórico de desestruturação à medida que o processo de assalariamento em nosso país não se tornou um sistema universal de direitos BALTAR KREIN 2013 O acesso à proteção social desde seu início década de 1930 esteve ligado à condição de trabalho com carteira assinada Entretanto com a grande informalidade significa tivos segmentos da sociedade foram e ainda são excluídos do acesso à seguridade social Ou seja o mercado de trabalho assalariado ainda é pouco estruturado como trabalho formal e protegido e assim a proteção social não alcança a todos Saiba mais A Constituição Federal de 1988 no art 194 estabeleceu que A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos à saúde à previdência e à assistência social BRASIL 1988 Desde então a Seguridade Social é composta por três políticas a política de Saúde que é universal não exige contribuição sendo direito do cidadão e dever do Estado a política de Previdência Social que é contribu tiva e seus benefícios são destinados aos trabalhadores e seus dependentes segurados pela previdência social a política de Assistência Social que não é contributiva e é seletiva destinada a quem dela necessitar Para aprofundar Assista o Filme Eu Daniel Blake O filme que é dirigido por Ken Loach aborda o desemprego e a dificuldade em acessar a seguridade social em momentos de fragilidade social como o acometimento de doenças e incapacidades para o trabalho Resultante do movimento de reestrutu ração produtiva iniciado no final da década de 1970 as configurações do trabalho a maneira de produzir e organizar a produção e o mercado de trabalho vem sofrendo mudanças significativas Os diferentes setores econômicos com vistas a aumentar a lucratividade passaram a buscar a produção de forma enxuta e flexível Isto é produzir mais com menor número de trabalhado res ou trabalhadoras contratados e contratadas diretamente Como parte da reestruturação tais grupos laborais passaram a ter que desempenhar múltiplas tarefas sendo cada vez mais comum acumularem múltiplas funções Por outro lado os avanços tecnológicos como a informática a robó tica e a nanotecnologia acabam contribuindo para efeitos sociais devastadores Segundo Castells 1999 esses elementos não deveriam provocar o desemprego em larga escala uma vez que com as transformações tecnológicas desaparecem muitas ocupações mas outras novas emergem Porém isto se torna problemático especialmente no caso de um país como o Brasil no qual essa 323 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 substituição não acontece por diversos fatores estruturais Quando o país adentra num processo de desindustrialização crescente avança a elimi nação de postos de trabalho de qualidade mais característicos da indústria Isso leva à eliminação de postos de trabalho em uma velocidade maior e sem a criação de outros O país ao não produzir esses bens internamente se torna apenas um consumidor de bens industrializados de outros países agravando o desemprego local Assim o desemprego com suas consequên cias tornase uma assombração que aterroriza os trabalhadores e as trabalhadoras constante mente Sobre isso dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IBGE demonstram que o Brasil convive continuamente com altas taxas de desemprego sendo que de 2012 a 2020 o índice da força disponível para o trabalho flutuou entre 79 a 139 O desemprego é um problema que afeta a classe trabalhadora mas de forma distinta pois questões étnicas raciais e de sexo influenciam o acesso ao trabalho No Brasil o desemprego atinge mais as mulheres que os homens Tomando o ano de 2020 como exemplo as taxas de desocupação das mulheres eram de 168 para as mulheres enquanto para os homens era de 128 Também são as mulheres que obtêm os menores rendimen tos sendo que no primeiro trimestre de 2020 os homens obtiveram um rendimento médio de R257400 e as mulheres R199500 IBGE 2021 Esses dados revelam a desigualdade entre os sexos que são agravadas pelas desigualdades dependendo da cor da pele idade e escolaridade por exemplo Nos dados apresentados pelo IBGE 2021 as mulheres negras são maioria naquelas ocupações menos valorizadas socialmente e de menor remuneração O desemprego tem como reflexo também violações a outros direitos humanos uma vez que sem um salário digno o acesso da pessoa à alimentação de qualidade moradia lazer e vestuário por exemplo ficam prejudicados A falta de trabalho e de renda provocam pobreza desigualdade social e violações de direitos huma nos Além disso a busca pela sobrevivência nesse contexto acaba por contribuir para o surgimento e permanência de condições subumanas de traba lho como o trabalho escravo o tráfico humano e o trabalho infantil As taxas de desemprego são ainda piores quando somadas ao subemprego e outras modalidades de trabalhos precarizados e destituídos de direitos Vamos conhecer um pouco mais sobre essas formas de trabalho e como identificálas O TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO E TRABALHO INFANTIL Como provavelmente você já saiba o traba lho escravo foi abolido em 1888 no Brasil depois de quase quatro séculos período em que cerca de 10 milhões de homens mulheres e até mesmo crianças foram traficados e traficadas do conti nente africano e escravizados DURANS 2014 Desde então o trabalho escravo não é mais aceito jurídica e socialmente no Brasil mas isto não significa que ele deixou de existir É espantoso que ainda no século XXI exista essa modalidade de trabalho mesmo que aparentemente com um caráter diferente Estudiosos afirmam que devido ao fato de muitas pessoas viverem em situação de vulnerabilidade social a tendência a aceitar trabalhos mal pagos e sem direitos trabalhistas como forma de sobreviver é grande A pobreza e a fome as tornam presas fáceis colocandoas em situação de risco quando são aliciadas para o trabalho análogo ao de escravo ou para o tráfico de pessoas Segundo dados da ONU em 2019 havia no mundo 249 milhões de pessoas em situação de trabalho forçado dessas 16 milhões eram exploradas no setor privado em atividades domés ticas construção ou agricultura Como já vimos o Estado tem um papel importante na regulação do trabalho e assim também tem funções de fiscali zação e combate às violações de direitos básicos do trabalhador No Brasil as ações de combate ao trabalho escravo contemporâneo são realizadas principalmente pela Subsecretaria de Inspeção do 324 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Trabalho SIT do Ministério da Economia e pelo Ministério Público do Trabalho MPT Entre os anos de 1995 e 2020 foram encontrados 55712 trabalhadores e trabalhadoras em condições aná logas às de escravo BRASIL 2021 Um número expressivo mas que provavelmente na realidade deve ser muito maior visto que segundo o Índice Global de Escravidão Moderna de 2018 da Walk Free Foundation estimase que 369 mil pessoas eram submetidas ao trabalho escravo contem porâneos em 2016 no Brasil Ano em que o país ocupava a 20ª colocação em uma lista de 27 países nas Américas MINDEROO 2021 MAS O QUE É EXATAMENTE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO E QUAIS AS SUAS CARACTERÍSTICAS A OIT entende que tanto o trabalho for çado a servidão por dívida o tráfico de seres humanos e a escravidão contemporânea estão relacionadas entre si mas não são condições idênticas juridicamente Saiba mais A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas define o tráfico de pessoas como sendo o recrutamento o transporte a transferência o alo jamento ou o acolhimento de pessoas recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação ao rapto à fraude ao engano ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou acei tação de pagamentos ou benefícios para obter o con sentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração A exploração incluirá no mínimo a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual o trabalho ou serviços forçados escravatura ou práticas similares à escravatura a servidão ou a remoção de órgãos BRASIL 2013 p 20 O trabalho análogo ao escravo viola não só o direito humano ao trabalho mas um conjunto de outros direitos individuais pois expõe esses trabalhadores e trabalhadoras a condições degra dantes que atentam contra a dignidade quando são submetidos a alojamentos precários a falta de saneamento básico e água potável a alimenta ção de baixa qualidade a ausência de assistência médica falta de equipamentos individuais de segurança para atividades que oferecem riscos de acidentes e a exposição a agentes químicos como por exemplo no corte de canadeaçúcar na construção civil na mineração O trabalho análogo ao escravo é Dessa forma tais trabalhadores e traba lhadoras são privados dos direitos trabalhistas excluídos da proteção social privados de suas liberdades e da convivência familiar e comunitá ria pois na maioria dos casos identificados os aliciadores os levam para trabalhar em localida des distantes de seus domicílios de origem e os impedem de retornar por meio do uso da violência física financeira psicológica O Brasil reconheceu oficialmente em 1995 a existência de trabalho forçado em seu território e passou a adotar a terminologia trabalho escravo para designálo OIT 2021b Sujeitar alguém a traba lho análogo ao de escravo ou também denominado de trabalho escravo contemporâneo é crime na legislação brasileira Quem o pratica pode ser punido 325 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 com prisão de 2 a 8 anos e receber multa de acordo com o art 149 do Código Penal Os empregadores e as empregadoras identificados são incluídos e incluídas na Lista Suja um cadastro de empre gadores que foram identificados nessa prática Tal identificação se dá após processos investigativos pelas autoridades competentes Saiba mais Alguns critérios servem para identificar o trabalho análogo ao de escravo trabalho não pago restrição da liberdade retenção de documentos pessoais apri sionamento por dívidas Caso você presencie ou saiba de alguém que esteja em situação de trabalho análogo ao de escravo denuncie ligando para o número 100 Para aprofundar Você pode obter mais informações sobre as medidas de combate ao trabalho análogo ao de escravo consultando o link httpswwwgovbrtrabalhoptbrassuntos fiscalizacaocombateaotrabalhoescravo O caminho é acessar o site do Ministério da Economia clicar na opção Secretária do Trabalho depois fiscalizações e por fim combate ao trabalho escravo É a vulnerabilidade social provocada pelo desemprego pela falta de renda e pelo não acesso aos direitos sociais básicos que facilita a exploração do trabalho análogo ao de escravo Essa situação também abre brechas para outras formas de traba lho igualmente proibidas e que também violam os direitos humanos como o trabalho infantil Dados da ONU indicam que em 2019 mais de 150 milhões de crianças estavam sujeitas ao trabalho infantil Isso equivale a quase uma em cada dez crianças em todo o mundo ONU 2021 No Brasil em 2019 havia 18 milhão de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos em situação de trabalho infantil ou seja 46 da população Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PnadC 2020 Mas o que é trabalho infantil O termo trabalho infantil é utilizado para definir o tra balho que priva as crianças de sua infância seu potencial e sua dignidade e que é prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental OIT 2021c não paginado Esse trabalho pode ser remune rado ou não objetivando a geração de lucro ou não sendo que o principal elemento para sua identificação é a continuidade e a responsabili dade da criança e do adolescente pela realização do trabalho Em muitos casos são atividades que são realizadas para a sobrevivência OIT 2021c BRASIL 2019 No Brasil o trabalho é proibido por lei a crianças e adolescentes com idade inferior a 16 dezesseis anos Porém o trabalho a partir dos 14 anos é permitido na condição de Aprendiz que contempla a formação técnicoprofissional O contrato deve ser registrado na Carteira de Trabalho por tempo determinado de até 2 anos e devem ser respeitadas as condições pedagógicas que regem essa modalidade de trabalho Pobreza desigualdade social precariza ção das condições de trabalho e altos índices de desemprego são fatores que empurram crianças e adolescentes para o trabalho infantil A questão cultural também influencia nesse processo pois reproduz o entendimento de que o trabalho é enobrecedor É o popular antes trabalhar que roubar ou usar drogas Você pensa ou conhece alguém que pensa assim Vamos refletir um pouco sobre essas afirmações No Brasil a população impulsionada pela pobreza começa a trabalhar muito cedo Até a década de 1980 era quase consenso em nossa sociedade o entendimento de que o trabalho era positivo para crianças e adolescentes pobres Mesmo depois de muitos avanços essa concepção está presente ainda em alguns setores da sociedade BRASIL 2019 Mas você sabia que o risco de ingresso precoce no mundo do trabalho aumenta quanto menor é a renda e a escolaridade familiar A inser ção precoce no trabalho traz efeitos danosos tanto individuais quanto coletivos Algumas con sequências do trabalho infantil para as crianças e adolescentes são danos à saúde exposição a riscos e lesões intoxicações fadigas doenças respiratórias fraturas amputações deformidades físicas perda da coordenação motora fina danos emocionais abusos físicos sexuais e emocionais 326 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 isolamento social e afastamento do convívio com outras crianças dificuldades para estabelecer vín culos afetivos amadurecimento precoce danos educacionais comprometimento da capacidade de aprendizagem e distorção idadesérie o que leva ao atraso ou desistência escolar e compro metimento do futuro profissional FNPETI 2021 Para aprofundar Existem várias modalidades de trabalho infantil Em 2008 por meio do Decreto nº 64812008 o Brasil insti tuiu a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil Lista TIP elaborada de acordo com a realidade brasileira na qual são indicadas 89 formas de trabalho infantil entendidas como as piores existentes BRASIL 2008 Você pode conhecêlas acessando o seguinte link http wwwplanaltogovbrccivil03Ato200720102008 DecretoD6481htm Nesse link acesse o site do Planalto depois clicar em legislações selecione a opção decretos escolha o ano de 2008 procure o número 6481 de 1262008 e clique no número O analfabetismo e a evasão escolar são frequentes entre os que trabalham na infância E no futuro sem escolaridade as possibilidades de se conseguir um trabalho decente seguro e bem remunerado se reduzem ainda muito mais de modo a contribuir para o ciclo de aumento do desemprego da pobreza e da desigualdade social como mostra a figura a seguir Para aprofundar Assista o filme Oliver Twist Produzido sob a direção de Roman Polanski o filme conta a história de Oliver um órfão que sofrem com a fome trabalho infantil e escravo no contexto da Inglaterra do XIX Você sabe a diferença entre trabalho infantil e atividades educativas Será que ao receber a responsabilidade de arrumar o quarto os pais estão colocando seus filhos em situa ção de trabalho infantil Entenda as diferenças entre trabalho infantil e atividades educativas o trabalho infantil são atividades repetitivas em que a criança ou adolescente é responsável por tal tarefa e está relacionado ao trabalho que prejudica ou é perigoso mental física social ou moralmente Ele afeta a escolarização privando ou limitando a frequência escolar Limita a prá tica das brincadeiras das atividades lúdicas e da socialização Já as atividades educativas são pequenas tarefas com exigências pedagógicas condizentes com a idade e o desenvolvimento psicomotor da criança e do adolescente Tais atividades respeitam a idade não as expõem a riscos e são acompanhadas por um adulto pois sua finalidade é de ensinar e educar as crianças e adolescentes Assim a principal diferença é que o trabalho infantil é repetitivo e a responsabilidade por tal trabalho é sempre da criança ou do adolescente não respeitando a idade e o desenvolvimento psicomotor gerando cansaço e prejudicando a convivência comunitária com outras crianças O trabalho infantil substitui as brincadeiras lúdicas por atividades rotineiras e responsabilidades Ele não rouba só a infância rouba também as possibilidades de um futuro melhor Então ao presenciar uma situação de trabalho infantil você pode denunciar ao Conselho Tutelar de sua cidade ou a uma Delegacia Regional do Trabalho ou também às secretarias de Assistência Social ou diretamente ao Ministério Público do Trabalho 327 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 EDUCAÇÃO E TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE E SUAS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Temos que frisar ainda que a educação formal está muito relacionada ao trabalho na contemporaneidade e que essa compreensão é adotada pela Constituição brasileira Em seu art 6º a Constituição inclui a educação entre os direitos sociais assim como já vimos que faz em relação ao trabalho Ainda ao tratar da educação formal propriamente em seu art 205 estabelece que a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho De um lado temos a ideia de que diante da complexificação da sociedade capitalista da cha mada racionalização da vida e das instituições públi cas e privadas surge a necessidade de qualificação e especialização o que vêm por meio da educação e da profissionalização Por outro lado pensando na educação como processo de preparação para a cida dania e no trabalho como o espaço privilegiado de exercício da cidadania é muito importante preparar as pessoas para que de fato isso aconteça A maior parte das pessoas passa grande parte da sua vida e dos seus dias trabalhando Se não conseguirem exercer sua cidadania neste tempo e espaço de trabalho não lhes restarão muitas oportunidades em outras esferas da vida Sendo o trabalho central na vida das pessoas e a principal ocupação da maior parte da população mundial não é de se estranhar que boa parte da vio lação dos direitos humanos ocorra justamente neste âmbito Daí que a Educação em Direitos Humanos também se faz fundamental para a construção de ambientes menos violadores e mais promotores dos direitos humanos e também para a instrumen talização dos trabalhadores e trabalhadoras para que possam buscar a proteção dos seus direitos Como você pôde ver ao longo deste material temos uma variedade de normas que regulam as garantias dos direitos ao e no trabalho e que proí bem o trabalho análogo ao de escravo e o trabalho infantil No entanto vivemos em uma sociedade pautada por disputas e tensões na qual a depender da conjuntura política econômica e social avançase ou retrocedese em direção às garantias previstas em lei Então não basta que existam leis que asse gurem tais direitos é necessário um conjunto de medidas para se efetivar condições de trabalho decente e a educação é essencial para avançar na promoção e garantia de direitos humanos A Edu cação em Direitos Humanos deve promover a for mação para a vida e para a convivência no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de vida e de organização social política econômica e cultural nos níveis regionais nacionais e planetários BRASIL 2012 art 5º Prática 7 Dinâmica de desconstrução dos mitos da aceitação social do traba lho infantil Objetivo refletir e desconstruir os mitos presentes nas seguintes afirmações a Trabalhar na infância não faz mal a ninguém Eu trabalhei e não me fez mal b É melhor a criança e o adolescente estar traba lhando do que nas ruas c Crianças e adolescentes pobres devem trabalhar para ajudar a família d Crianças e adolescentes que trabalham ficam mais espertos e têm mais chances de vencer pro fissionalmente quando adultas Sugestão de desenvolvimento separe a turma em pequenos grupos de modo que haja simulta neamente grupos que recebam as mesmas frases Distribua as afirmações para os respectivos grupos e solicite que cada grupo construa argumentos contra as afirmações recebidas Estipule um tempo para a reflexão Neste momento oa educador a deverá aprofun dar a discussão tendo como subsídio a discussão sobre os prejuízos que o trabalho infantil traz Ao final do tempo estipulado para reflexões solicite que os grupos verbalizem a resolução da questão que receberam Construa um quadro síntese com as principais ideias e respostas dos grupos 328 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Os grupos podem ter dificuldades mas ao final você pode acionar algumas possibilidades de contraargumentos das afirmações elencadas a Trabalhar na infância não faz mal a ninguém Eu trabalhei e não me fez mal lembre os danos à saúde como exposição a riscos e lesões intoxi cações fadigas doenças respiratórias fraturas amputações deformidades físicas perda da coor denação motora fina b É melhor a criança e o adolescente estarem trabalhando do que nas ruas argumente que fundamental para as crianças e adolescentes frequentarem a escola em condições plenas terem momentos de lazer e brincadeiras lúdicas para poderem crescer seguros e protegidos e desenvolver suas criatividades inovadoras Eles terão muito tempo para trabalhar quando fica rem adultos c Crianças e adolescentes pobres devem tra balhar para ajudar a família pondere que a responsabilidade pelo sustento da família não é da criança e do adolescente e sim dos seus responsáveis d Crianças e adolescentes que trabalham ficam mais espertos e têm mais chances de vencer pro fissionalmente quando adultas ressalte que o trabalho infantil colabora para a reprodução da condição de pobreza compromete a capacidade de aprendizagem levando a atrasos e desistências escolares bem como compromete o futuro pro fissional Pesquisas científicas têm demonstrado que quanto mais cedo se começa a trabalhar menor é o rendimento na vida adulta Atenção São apenas sugestões de contraar gumentação que podem ser complementadas respeitando as características de cada realidade Prática 8 Estudo de caso Objetivo intensificar as violações dos direitos humanos a partir do estudo de caso Sugestão de desenvolvimento leia a reportagem a seguir e a partir dela identifique com o grupo quais direitos humanos foram violados e como essas violações poderiam ser evitadas Mulher é libertada em MG após 38 anos vivendo em condições análogas à escravidão Ela não recebia salário não tinha direitos e vivia reclusa sob a vigilância dos patrões até o fim de novem bro quando foi resgatada de um apartamento no centro de Patos de Minas Uma mulher negra de 46 anos e que desde os 8 anos de idade vivia em condições análogas a escravidão Uma investigação do Ministério Público do Trabalho revelou a história de Madalena uma doméstica explorada por uma família de Minas Gerais Ela não recebia salário não tinha direitos e vivia reclusa sob a vigilância dos patrões até o fim de novembro 2020 quando foi libertada por auditores fiscais do trabalho e pela Polícia Federal de um apartamento no centro de Patos de Minas Os passos ainda são um pouco hesitantes Com cuidado agora ela vai conhecendo novas paisagens e experiências que são cotidianas pra muitos de nós mas inéditas pra ela como andar em um parque livre Madalena Gordiano passou os últimos 38 anos sem poder comandar a própria vida Desde 1995 55 mil pessoas foram resgatadas em situação de escravidão no país a maioria na zona rural Ano passado 14 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo doméstico que é mais difícil de ser identificado Reportagem do G1 em 201220 disponível em httpsg1globocomfantastico noticia20201220mulherelibertadaemmg apos38anosvivendoemcondicoesanalogasa escravidaoghtml Prática 9 As estratégias de trabalho para sobreviver em um contexto de desemprego estrutural Objetivo proporcionar reflexões sobre as alterna tivas encontradas para conseguir trabalho e renda no contexto de desemprego estrutural Sugestão de desenvolvimento Exibir o documen tário Vidas Entregues o qual aborda as condições de trabalho de trabalhadores e trabalhadoras por aplicativos evidenciando os baixíssimos salários obtidos Ao término da exibição dividir as pessoas participantes em grupos propor a reflexão sobre as seguintes questões Qual é o perfil dos trabalhadores e trabalhadores dos entregadores por aplicativo 329 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 Quais são os instrumentos de trabalho De quem é a responsabilidade por pagar os instru mentos necessários para a realização das entregas Qual é a média diária que esses trabalhadores e trabalhadoras ganham por dia Quem estipula as regras de trabalho Quais são as condições de trabalho desses traba lhadores e trabalhadoras Possuem direitos traba lhistas garantidos Esses personagens são empreendedores ou traba lhadores em situações precárias de trabalho Materiais necessários recursos para exibição do documentário disponível em httpswwwyoutube comwatchvcT5iAJZ853c CONSIDERAÇÕES FINAIS Vivemos num modelo de sociedade de produção capitalista no qual o trabalho assa lariado é central tanto para garantir a conti nuidade desse modelo de produção quanto para que haja a subsistência das pessoas Neste sistema a maioria das pessoas sobrevive do rendimento do trabalho Mas além disso vimos que não é só o salário que importa neste con texto mas que o trabalho em si tem uma cen tralidade Na sociedade em que vivemos ter um trabalho assalariado é a principal forma de acesso à cidadania O Estado passa a ter um papel importante de mediador destas rela ções regulando o trabalho assalariado para que atenda este objetivo de acesso à cidadania Foi a partir desta ideia que chegamos ao conceito de direito ao trabalho que é amplo e deve ser visto em todas as suas dimensões Uma concepção que envolve aquilo que é internacionalmente conhecido como trabalho decente e que estabe lece diretrizes civilizatórias comuns aos países Tratamos do direito a um posto de traba lho como a possibilidade de obter um trabalho remunerado Também constatamos que o tra balho que leva à cidadania é um trabalho que no seu conteúdo permite em tese a realização do ser E que o direito ao trabalho para que se trate de um trabalho decente deve reconhecer direitos trabalhistas mínimos Mas depois deste estudo você já se deu conta de que o trabalho decente nestes termos está sob constante ameaça Sofre ataques dentro e fora da lei que se manifestam por movimentos de flexibilização e desregulamentação do trabalho assalariado e isto ocorre de formas diferentes em vários luga res do mundo No Brasil tal desregulamentação começou a acontecer ainda na década de 1990 e foi acelerada recentemente com a Reforma Trabalhista e outras leis coevas E há ainda as violações aos direitos protegidos pela lei ou seja aqueles que não foram retirados da lei mas mesmo assim são descumpridos na prá tica É o que vimos por exemplo em relação às formas de trabalho escravo contemporâneo e ao trabalho infantil Nas duas situações o que acontece é uma violação do direito humano ao trabalho decente Para coibir estas violações e buscarmos a concretização do direito ao traba lho é necessário um esforço coletivo e social Nosso papel como educadoras e edu cadores em direitos humanos é de extrema relevância pois participa da produção de um conhecimento sobre os direitos das pessoas a dignidade e sobre sua cidadania E isto pode ser ressaltado em diferentes atividades educa tivas formais e informais do ensino regular ou de educação popular em diversos ambientes Além disso você enquanto formadora e for mandoa agora é capaz de enxergar violações ao seu redor É seu papel como cidadão e cidadã contribuir para a disseminação desse conhe cimento e para que as violações cheguem ao conhecimento das autoridades responsáveis as fiscalizem e coíbam E como sociedade cabe a todos e todas buscar concretizar este direito exigindo dos representantes do Estado que assegurem direitos básicos presentes na lei e na Constituição promovendo assim o seu cumprimento na prática e fazendo circular estas informações para que todos e todas reconhe çam situações de ofensa ao direito humano do trabalho decente 330 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 REFERÊNCIAS ABILIO Ludimila Costhek Uberização a era do tra balhador justintime Estudos avançados v 34 n 98 São Paulo janabr p 111126 2020 ARAÚJO Silvia M de BRIDI Maria Aparecida MOTIM Benilde L Sociologia um olhar crítico 1 ed São Paulo Contexto 2011 BALTAR Paulo Eduardo de Andrade KREIN José Dari A retomada do desenvolvimento e a regu lação do mercado do trabalho no Brasil Caderno CRH Salvador BA v 26 n 68 p 273292 maio ago 2013 Disponível em httpswwwscielobrpdf ccrhv26n68a05v26n68pdf Acesso em 7 mar 2021 BERNARDO Kelen Aparecida da Silva SILVA Lenir Aparecida Mainarde da A experiência social coti diana como perpetuadora do trabalho infantoju venil doméstico In CONGRESSO INTERNACIO NAL INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADES 1 2012 Niterói RJ Anais Niterói RJ UFF 2012 BRASIL República Federativa do Decretolei nº 5452 de 1º de maio de 1943 Consolidação das Leis Trabalhistas Disponível em httpswwwplanalto govbrccivil03decretoleiDel5452htm Acesso em 01 mar 2021e BRASIL República Federativa do Constituição Federal 1988 Disponível em httpwwwpla naltogovbrccivil03constituicaoconstituicao htm Acesso em 22 fev 2021 BRASIL República Federativa do Decreto 59192 Promulga o Pacto Internacional dos Direitos Eco nômicos Sociais e Culturais 06 jul 1992 Dispo nível em httpwwwplanaltogovbrccivil03 decreto19901994d0591htm Acesso em 24 fev 2021 BRASIL República Federativa do Decreto n 6481 de 12 de junho de 2008 Regulamenta os artigos 3 alínea d e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho OIT que trata da proi bição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação aprovada pelo Decreto Legislativo no 178 de 14 de dezembro de 1999 e pro mulgada pelo Decreto no 3597 de 12 de setembro de 2000 e dá outras providências Disponível em http wwwplanaltogovbrccivil03ato200720102008 decretod6481htm Acesso em 11 mar 2021 BRASIL Ministério da Educação Conselho Nacional de Educação Resolução Nº 1 DE 30 de maio de 2012 Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos Brasília 2012 Disponível em httpportal mecgovbrdmdocumentsrcp00112pdf Acesso em 01 mar 2021 BRASIL Ministério da Economia Inspeção do Trabalho Combate ao trabalho escravo e aná logo ao de escravo Disponível em https sittrabalhogovbrportalindexphpcomba teaotrabalhoescravoviewdefault Acesso em 5 mar 2021 BRASIL Ministério da Economia Subsecretaria de Inspeção do Trabalho SIT Portal da Inspeção do Trabalho Radar SIT Painel de Informações e Esta tísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil Disponível em httpssittrabalhogovbrradar Acesso em 5 mar 2021 BRASIL Ministério da Justiça Secretaria Nacional de Justiça Pesquisa ENAFRON diagnóstico sobre trá fico de pessoas nas áreas de fronteira 2013 Dispo nível em httpswwwjusticagovbrsuaprotecao traficodepessoaspublicacoesanexospesquisas pesquisaenafron202x266mm171019h00web pdf Acesso em 9 mar 2021 BRASIL República Federativa do Lei complementar nº 1502015 Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico altera as Leis no 8212 de 24 de julho de 1991 no 8213 de 24 de julho de 1991 e no 11196 de 21 de novembro de 2005 revoga o inciso I do art 3o da Lei no 8009 de 29 de março de 1990 o art 36 da Lei no 8213 de 24 de julho de 1991 a Lei no 5859 de 11 de dezembro de 1972 e o inciso VII do art 12 da Lei no 9250 de 26 de dezembro 1995 Disponível em httpswww2camaralegbrleginfedleicom2015 leicomplementar1501junho2015780907publica caooriginal147120plhtmltextDados20da20 NormaLEI20COMPLEMENTAR20NC2BA20 1502C20DE201C2BA20DE20JUNHO20 DE202015o20inciso20I20do20arttext12 331 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 20da20Lei20nC2BA20925019953B20 e20dC3A120outras20providC3AAncias Acesso em 5 mar 2021 BRASIL República Federativa do Lei 1346717 Altera a Consolidação das Leis do Trabalho CLT aprovada pelo DecretoLei nº 5452 de 1º de maio de 1943 e as Leis n º 6019 de 3 de janeiro de 1974 8036 de 11 de maio de 1990 e 8212 de 24 de julho de 1991 a fim de adequar a legislação às novas rela ções de trabalho 2017 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03ato201520182017lei l13467htm Acesso em 5 mar 2021 BRASIL Ministério do Trabalho III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador 2019 2022 Disponível em httpswwwgovbrmdh ptbrassuntosnoticias2018novembrolancado 3oplanonacionaldeprevencaoeerradicacaodo trabalhoinfantilcopyofPlanoNacionalversosite pdf Acesso em 6 mar 2021 BRAVERMAN Harry Trabalho e capital mono polista a degradação no século XX 3ed Rio de Janeiro LTR 2012 CASTELLS Manuel A sociedade em rede Rio de Janeiro Paz e Terra 1999 CASTEL Robert As metamorfoses da questão social uma crônica do salário Petrópolis Editora Vozes 1999 DRUCK Maria da Graça Terceirização desfordi zando a fábrica São Paulo Boitempo 1999 DURANS Cláudia Alves Questão social e relações étnicoraciais no Brasil Revista de Políticas Públi cas São Luís MA n esp p 391399 jul 2014 Dispo nível em httpwwwperiodicoseletronicosufma brindexphprppublicaarticleviewFile27313930 Acesso em 5 mar 2021 FEDERICI Silvia Salario contro il lavoro domestico Napoli Collettivo Femminista Napoletano per il Salario al Lavoro Domestico Padova Comitato per il Salario al lavoro Domestico 1974 FNAPET Fórum Nacional de Prevenção e Erradica ção do Trabalho Infantil Formas e consequências do trabalho infantil 2021 Disponível em https fnpetiorgbrformasdetrabalhoinfantil Acesso em 6 mar 2021 FRIEDEN Jeffry O fortalecimento do padrãoouro In Capitalismo global Rio de Janeiro Zahar 2008 p 90119 GORZ Andre Metamorfoses do trabalho crítica da razão econômica São Paulo Annablume 2005 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís tica Agência de Notícias PNAD Contínua traba lho infantil cai em 2019 mas 18 milhão de crianças estavam nessa situação 17 dez 2020 Disponível em httpsagenciadenoticiasibgegovbragenciano ticias2012agenciadenoticiasnoticias29738tra balhoinfantilcaiem2019mas18milhaodecrian casestavamnessasituacaotext12C820 milhC3A3o20de20crianC3A7as20e20 jovens20realizavam20trabalho20infantil mil20em20atividades20de20autoconsu motextA20pesquisa20verificou2C20 tambC3A9m2C20queidade20em20 ocupaC3A7C3B5es20consideradas20 perigosas Acesso em 9 mar 2021 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua PNAD Contínua Séries históricas Rio de Janeiro IBGE 2021 Disponível em httpswww ibgegovbrestatisticassociaistrabalho9173pes quisanacionalporamostradedomicilioscontinua trimestralhtmltserieshistoricasutmsour celandin gutmmediumexplicautmcampaig ndesemprego Acesso em 7 mar 2021 MARSHALL Thomas Humphrey Cidadania classe social e status Trad Metton Porto Gadelha Rio de Janeiro Zahar 1967 MINDEROO Foundation Walk free we can end modern slavery in our generation Disponível em httpswwwminderooorgwalkfreeutm medium301utmsourcewwwminderoocom au Acesso em 10 mar 2021 ONU Organização das Nações Unidas Declaração universal dos direitos humanos 1948 Disponível 332 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas UNIDADE 16 em httpswwwohchrorgENUDHRPagesLan guageaspxLangIDpor Acesso em 24 fev 2021 ONU Organização das Nações Unidas ONU News Perspectiva Global Reportagens Humanas Mundo tem mais de 40 milhões de vítimas da escravi dão moderna 2 dez 2019 Disponível em https newsunorgptstory2019121696261 Acesso em 11 mar 2021 OIT Organização Internacional do Trabalho Con venção nº 87 Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização 09 jul 1948 Disponível em httpswwwiloorgbrasiliatemasnormas WCMS239608langptindexhtm Acesso em 01 mar 2021 OIT Organização Internacional do Trabalho Confe rencia Internacional del Trabajo 87 1999 Ginebra Trabajo decente Ginebra OIT 1999 Memoria del Director General Disponível em httpswwwilo orgpublicspanishstandardsrelmilcilc87repi htmtextCIT87202D20Memoria20del20 Director20General202D20Trabajo20decen tetextLa20presente20Memoria20pro pone20unalas20mujeres20del20mundo20 entero Acesso em 01 mar 2021 OIT Organização Internacional do Trabalho As regras do jogo uma introdução à ação normativa da Organização Internacional do Trabalho Edição do Centenário Genebra Bureau Internacional do Trabalho 2019 OIT Organização Internacional do Trabalho Conheça a OIT 2021a Disponível em encurtadorcombr flvB5 Acesso em 15 de mar 2021 OIT Organização Internacional do Trabalho O trabalho forçado no Brasil 2021b Disponível em httpswwwiloorgbrasiliatemastrabalhoes cravoWCMS393066langptindexhtm Acesso em 11 mar 2021 OIT Organização Internacional do Trabalho Traba lho infantil 2021c Disponível em httpswwwilo orgbrasiliatemastrabalhoinfantillangptindex htm Acesso em 11 mar 2021 POLANYI Karl A grande transformação as origens de nossa época Tradução Fanny Wrobel 2 ed Rio de Janeiro Elsevier 2000 RABENHORST Eduardo R O que são direitos huma nos In ZENAIDE Maria de Nazaré Tavares FER REIRA Lúcia de Fátima Guerra NÁDER Alexandre Antonio Gili Orgs Direitos Humanos capacitação de educadores V 1 João Pessoa Editora Universi tária UFPB 2008 p 1321 USP Universidade de São Paulo Declaração de direitos do homem e do cidadão Biblioteca Vir tual de Direitos Humanos 2021 Disponível em httpwwwdireitoshumanosuspbrindexphp DocumentosanterioresC3A0criaC3A7 C3A3odaSociedadedasNaC3A7C3B5es atC3A91919declaracaodedireitosdohomem edocidadao1789html Acesso em 17 de mar 2021 WANDELLI Leonardo Vieira O direito humano e fundamental ao trabalho Fundamentação e exi gibilidade São Paulo LTr 2012 WANDELLI Leonardo Vieira O direito fundamental ao conteúdo do próprio trabalho uma reconstrução normativa do direito ao trabalho Espaço Jurídico Journal of Law Joaçaba v 17 n 3 p 10131036 setdez 2016 333 ANA CHRISTINA DUARTE PIRES Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR é mestre em Agronomia pela mesma instituição e possui graduação em Enge nharia Agronômica pela Universidade Federal de Pelotas UFPel Atua como professora do quadro permanente da UFPR no Curso de Tec nologia em Agroecologia e desenvolve pesquisas sobre a interface entre educação sociologia e agroecologia especialmente acerca da produção agroecológica desenvolvimento rural sustentá vel educação e políticas públicas de agroecologia É membro do Grupo de Pesquisa em Sociologia e Políticas Públicas e do Núcleo de Estudos em Agroecologia NEA JUçara da UFPR ORCID httpsorcidorg0000000335429926 ANA PAULA DOS SANTOS BITTENCOURT OKAMOTO Mestranda em Direito no Programa de PósGra duação em Direito da Universidade Federal do Paraná PPGDUFPR é graduada em Direito pela Faculdade Curitibana FAC Atua como assistente de pesquisa no Departamento de Direito Civil da UFPR e tem experiência na área de Direito Civil É pesquisadora do Grupo Direito e Biotecnologia da UFPR onde realiza pesquisa sobre direitos reprodutivos ORCID httpsorcidorg0000000190940327 ANA PAULA FERREIRA DÁVILA Pósdoutoranda em Sociologia pela Universi dade Federal de Pelotas UFPEL é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR mestra e licenciada em Ciên cias Sociais também pela UFPEL Integra como pesquisadora o Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade GETSCNPq UFPR e desenvolve estudos sobre sociologia do trabalho ORCID httpsorcidorg0000000221390947 ANDRÉ BAKKER DA SILVEIRA Mestre em Filosofia na linha de Ética e Política pela Universidade Federal do Paraná UFPR tem especialização em Filosofia da Educação pela mesma instituição e em Sociologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR bem como em Gestão Pública com ênfase em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG É graduado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba e licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano Foi Residente Técnico na Escola de Educação em Direitos Humanos da Secretaria de Justiça Família e Trabalho do Governo do Paraná ESEDHSEJUF Atua como gestor de pesquisa e projetos no Instituto Aurora para Educação em Direitos Humanos ORCID httpsorcidorg0000000279324838 ARTHUR ALEXANDRE MACCDONAL Doutorando em Antropologia Social pela Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS é mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pósgraduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná UFPR Foi pesquisador vinculado ao TRANSES Núcleo de Antropologia do Contemporâneo Atuou como professor de sociologia para turmas do ensino médio da rede pública do estado do Paraná ORCID httpsorcidorg0000000185859460 CAMILA SAILER RAFANHIM Doutora em Sociologia pela Universidade Fede ral do Paraná UFPR com período de doutorado sanduíche realizado no International Center of Development and Decent Work ICDD da Universidade de Kassel na Alemanha É mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Sobre Autoras e Autores 334 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas AUTORASAUTORES Centro Universitário Unibrasil especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar e bacharela em Direito pelo Centro Universitário Curitiba Atua como advogada atendendo especialmente sindicatos de servidores públicos e de trabalhadores e é professora licenciada das Faculdades Integradas do Brasil Unibrasil Membro do Grupo de Pes quisa Trabalho e Sociedade GETSCNPq UFPR realizou estágio de pesquisa no Institut für Europäische Arbeitsrecht und Arbeitsbeziehun gen da Universidade de Trier da Alemanha ORCID httpsorcidorg0000000207977004 CAROLINA SIMÕES PACHECO Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR é mestra em Sociolo gia e bacharela e licenciada em Ciências Sociais pela mesma instituição Atua como professora na Educação Básica do Paraná e tem experiência na área de sociologia da juventude atuando principalmente nos seguintes temas juventude participação política ensino de sociologia e protagonismo juvenil ORCID httpsorcidorg0000000337227914 DANDARA DOS SANTOS DAMAS RIBEIRO Mestra em Antropologia pela Universidade Fede ral do Paraná UFPR possui graduação em Direito pela mesma instituição e é especialista em Direi tos Humanos Atuou como assessora jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná MPPR na área de defesa dos direitos da pessoa idosa e da pessoa com deficiência de 2017 a 2021 ORCID httpsorcidorg0000000266472284 DIOMAR AUGUSTO DE QUADROS Doutor em Alimentos e Nutrição pela Universi dade Estadual de Campinas UNICAMP é mestre em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal do Paraná UFPR e possui graduação em Nutrição pelas Faculdades Integradas Espírita É professor titular da UFPR Setor Litoral atuando no curso de Tecnologia em Agroecologia e no Pro grama de PósGraduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável Desenvolve pesquisas na área de Nutrição com ênfase em Alimentação e Nutrição atuando principalmente nos seguintes temas soberania e segurança alimentar e nutri cional agroecologia análise sensorial controle de qualidade de alimentos desenvolvimento de produtos desenvolvimento territorial sustentável e tecnologia de alimentos ORCID httpsorcidorg0000000307144077 EBER SANTOS DA SILVA Mestre em Antropologia Social pela Universi dade Federal do Paraná UFPR possui gradua ção em Ciências Sociais pela mesma instituição Atua como analista em reforma e desenvolvi mento agrário no Instituto Nacional de Colo nização e Reforma Agrária SR 09 Paraná e desenvolve pesquisas sobre territorialidades quilombolas identidade deficiência corpora lidade e dança contemporânea ORCID httpsorcidorg0000000285529100 EDMAR ANTONIO BROSTULIM BRUSTOLIN Com mestrado interrompido em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná UFPR foi bacharel e licenciado em Ciências Sociais bem como técnico em Administração de Empresas pela mesma instituição Atuou como professor nas redes pública e privada de ensino médio do Paraná bem como em cursos técnicos nas áreas de Gestão Ciências Humanas e Sociais Aplicadas Dedicouse aos temas de religião laicidade e esfera pública projetos de desenvol vimento e foi pesquisador do GPER Educação e Religião Serviços Educacionais Deixou um legado de saberes e afetos de estimado valor ORCID httpsorcidorg0000000304174238 ENEIDA DESIREE SALGADO Doutora e mestra em Direito do Estado pela Uni versidade Federal do Paraná UFPR realizou estágio de pósdoutoramento sobre adminis tração e jurisdição eleitoral junto ao Instituto de 335 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas AUTORASAUTORES Investigaciones Jurídicas da Universidad Nacional Autónoma de México e sobre democracia intra partidária junto ao Programa de PósGraduação em Ciência Política da UFPR É professora do Departamento de Direito Público e do Programa de PósGraduação em Direito da UFPR e pesqui sadora líder do Núcleo de Investigações Consti tucionais da UFPR Coordena o Política PorDe Para Mulheres e foi visiting scholar no Jack W Peltason Center for the Study of Democracy da University of California ORCID httpsorcidorg0000000305735033 FABIANO ATENAS AZOLA Mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo USP é bacharel e licenciado em História e bacharel em Ciências Sociais pela Uni versidade Federal do Paraná UFPR Desenvolve pesquisas na área da etnologia indígena acerca das percepções de temporalidade e história dos povos indígenas bem como sobre as relações epistemológicas entre História e Antropologia ORCID httpsorcidorg0000000212062167 FELIPE BUENO AMARAL Doutor e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR é graduado em Gestão Ambiental pela Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESC Foi pesquisador convidado na Universidad El Colegio de La Frontera Sur ECO SUR do México e atualmente é vinculado aos grupos de pesquisa Epistemologia e Sociologia Ambiental da UFPRCNPq e Estudios de Migra ción y Procesos Transfronterizos da ECOSUR CONACYT junto aos quais desenvolve estudos sobre teoria sociológica sociologia ambiental processos transfronteiriços e territorializações ORCID httpsorcidorg0000000266685415 FERNANDO CESAR MENDES BARBOSA Doutorando em Direito na Universidade Federal do Paraná UFPR é mestre em Ciência Jurí dica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP e especialista em Especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Prof Damásio de Jesus FDDJ e em Edu cação Científica e Tecnológica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR Com graduação em Direito pelas Faculdades Unifi cadas de Foz do Iguaçu UNIFOZ e em letras pela Universidade Estadual de Maringá UEM é servidor público na Universidade Federal da Integração LatinoAmericana UNILA e pesqui sador integrado do Grupo de Pesquisa BIOTEC Direito Biotecnologia e Sociedade da UFPR ORCID httpsorcidorg000000023942042X JOSÉ ANTÔNIO PERES GEDIEL Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR é graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Realizou Estágio PósDoutoral na Universidade de Montréal Canadá e atua como professor titular da UFPR vinculado ao Departamento de Direito Civil e Processual Civil da UFPR Foi professor visitante na Universi dade de Buenos Aires AR e na Universidade de Columbia EUA e foi membro titular da Comis são Estadual da Verdade CEVPR 20122014 Coordenou a Cátedra Sérgio Vieira de Mello do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR junto à UFPR e coordena os grupos de pesquisa em Direitos Humanos Democracia e Conflitos Sociais e em Direito Cooperativo e Cidadania cadastrados no CNPQ e vinculados ao PPGDUFPR Desenvolve pes quisas sobre Direito Civil direitos da perso nalidade autonomia corporal biotecnologia direito de propriedade políticas públicas coo perativismo ensino jurídico e direitos humanos ORCID httpsorcidorg0000000241398559 JULIA HELIODORO SOUZA GITIRANA Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná UFPR é mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRJ especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal ICPC e bacharela em Direito 336 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas AUTORASAUTORES pela PUCRJ Atua como professora do Curso de Direito na FAE Centro Universitário coordena o Grupo de Pesquisa Observatório dos Direi tos de Gênero da FAE Centro Universitário e é diretora acadêmica do Instituto Política por depara Mulheres ORCID httpsorcidorg0000000216775180 KAMILLE BRESCANSIN MATTAR Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR é mestre em Socio logia e bacharel e licenciada em Ciências Sociais pela mesma instituição É também bacharel em Direito pela Universidade Positivo UP Atua como professora na Rede Emancipa e desen volve pesquisa sobre direito à educação escola pública sociabilidade juvenil e controle social ORCID httpsorcidorg0000000288737271 KAROLINE STRAPASSON JAMBERSI Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR e graduada em Direito pela mesma instituição Atuou como conciliadora mediadora judicial e professora de Direito Constitucional no Instituto Superior do Litoral do Paraná ISULPAR Tem experiência na área de Direito Público atuando principal mente nos seguintes temas direitos humanos controle social políticas públicas e democracia participativa ORCID httpsorcidorg0000000222170890 KELEN APARECIDA DA SILVA BERNARDO Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR é mestre em Ciências Sociais Aplicadas especialista em Mídia Política e Ato res Sociais e graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG É membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Socie dade GETSCNPqUFPR e possui experiência no Serviço Social com ênfase em Serviço Social na área sociojurídica Desenvolve pesquisas sobre aceitação social e enfretamento do trabalho infan tojuvenil qualificação profissional e trabalho decente condições e relações de trabalho no setor público trabalho remoto e ofício docente ORCID httpsorcidorg0000000312460760 LEONARDO CARBONIERI CAMPOY Doutor em Antropologia pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ mestre em Sociologia com concentração em Antropologia pelo mesma instituição e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná UFPR É professor na Pontifícia Universi dade Católica do Paraná PUCPR e no Programa de Mestrado em Ensino de Sociologia Profsocio da UFPR desenvolvendo pesquisas nas áreas de antropologia urbana antropologia dos meios de comunicação e grupos urbanos formados a partir de estilos musicais antropologia da saúde do autismo e da deficiência ORCID httpsorcidorg0000000226860768 LÍGIA MELO DE CASIMIRO Doutora em Direito Econômico e Desenvolvi mento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR é mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP e especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza UNIFORCE É professora do Departamento de Direito Público e do Departamento de Arqui tetura Urbanismo e Designer da Universidade Federal do Ceará UFC tem ampla trajetória de engajamento público e é membro do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico vicepresi dente do Instituto Brasileiro de Direito Admi nistrativo e presidente do Instituto Cearense de Direito Administrativo ORCID httpsorcidorg0000000179874381 MARIA APARECIDA BRIDI Doutora e mestre em Sociologia pela Universi dade Federal do Paraná UFPR possui graduação em Ciências Sociais pela mesma instituição É pro fessora associada do Departamento de Sociologia e do Programa de PósGraduação em Sociologia 337 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas AUTORASAUTORES da UFPR e coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Sociedade GETSCNPqUFPR Vice Presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho ABET 20202021 é coeditora da Revista da ABET e membro da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista REMIR Desenvolve pesquisas sobre trabalho digitalinformacional relações de traba lho terceirização trabalho e desigualdade traba lho e multinacionais sindicalismo teletrabalho reforma trabalhista ação coletiva e construção do conhecimento em Sociologia na educação básica ORCID httpsorcidorg0000000180041360 MARIA NILZA DA SILVA Doutora mestre e graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP realizou pósdoutoramento no Centre dAnalyse et dIntervention Sociologi ques da École des Hautes Études en Sciences Sociales CADISEHESS Paris É professora Titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina UEL com atuação na graduação e na pósgradua ção É Coordenadora do Núcleo de Estudos AfroBrasileiros NEABUEL e do Laboratório de Cultura e Estudos AfroBrasileiros LEAFRO UEL Foi consultora da UNESCO em 2016 e 2017 para estudos africanos afrobrasileiros e da migração africana recente e desenvolve pesquisas e atividades de extensão nas áreas de relações raciais ações afirmativas população afrobrasileira sociologia urbana e migrações ORCID httpsorcidorg0000000185964965 MARIANA CORRÊA DE AZEVEDO Doutora e mestre em Sociologia pelo Programa de PósGraduação em Sociologia da Universi dade Federal do Paraná UFPR possui bacha relado e licenciatura em Ciências Sociais pela mesma instituição Atuou como docente na Rede Pública Estadual de Educação paranaense e em cursos de formação e capacitação no Ins tituto de Educação para a NãoViolência bem como no Departamento de Teoria e Fundamen tos da Educação da UFPR e nos cursos do Ensino Médio Integrado e da Licenciatura em Ciências Sociais do Instituto Federal do Paraná IFPR É pesquisadora do Centro de Estudos em Segu rança Pública e Direitos Humanos CESPDHU FPR e tem experiência nos temas de educa ção em direitos humanos cidade e segregação urbana direitos da criança e do adolescente juventudes e diferença relações de gênero e sexualidade violência e controle social ORCID httpsorcidorg0000000290352303 MARIANA PANTA Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista UNESPMarília com a reali zação de Estágio de Doutoramento no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Portugal É mestra em Ciências Sociais pela Uni versidade Estadual de Londrina UEL graduada em Sociologia também pela UNESP e em Educa ção Física pela UEL Realizou Estágio PósDou toral junto ao Programa de PósGraduação em Sociologia da UEL e atualmente é professora do Departamento de Educação Física da mesma universidade Desenvolve estudos e pesquisas sobre relações étnicoraciais racismo educação antirracista sociologia urbana políticas públicas trajetórias de personalidades negras pensamento decolonial e educação física sob a perspectiva teóricometodológica das humanidades ORCID httpsorcidorg0000000154763546 MURILLO AMBONI SCHIO Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR Mestre em Sociolo gia pela UFPR possui especialização em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universi dade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS e em Gestão Pública com ênfase em Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPGPR É graduado em História também pela UFPR e atuou como resi dente técnico na Escola de Educação em Direi tos Humanos da Secretaria de Justiça Família e Trabalho Governo do Paraná ESEDHSEJUF 338 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas AUTORASAUTORES Desenvolve pesquisas sobre a repressão política na Era Vargas sociologia do Estado segurança pública violência policial o uso de drones na segurança pública teoria crítica e marxismo ORCID httpsorcidorg0000000231565261 OSMIR DOMBROWSKI Doutor e Mestre em Ciência Política pela Univer sidade de São Paulo USP é professor associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE vinculado ao curso de Ciências Sociais e ao Programa de PósGraduação em Serviço Social Membro do Grupo de Pesquisa Democracia e Desenvolvimento na mesma instituição desen volve estudos e pesquisas sobre teoria política democracia participação e representação ORCID httpsorcidorg0000000270431880 PEDRO HENRIQUE FRASSON BARBOSA Doutorando em Antropologia Social no Pro grama de PósGraduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo USP é mestre em Antropologia pelo Programa de PósGraduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná UFPR e graduado em Ciências Sociais pela mesma ins tituição Tem experiência na área de etnologia indígena e desenvolvendo pesquisas sobre a história a alimentação e a agricultura dos Aché povo indígena guarani residente no Paraguai ORCID httpsorcidorg0000000272115232 RICARDO CID FERNANDES Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo USP é mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Cata rina UFSC e pela University of Cambridge Pos sui licenciatura em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFGRS É profes sor da Universidade Federal do Paraná UFPR e desenvolve pesquisas sobre sociedades tra dicionais relações interétnicas etnohistória política indígena etnologia territorialidade tra dicional e estudos de impacto socioambiental ORCID httpsorcidorg0000000298657080 TAILAINE CRISTINA COSTA Doutoranda em Políticas Públicas pela Univer sidade Federal do Paraná UFPR mestra em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do estado do Paraná PUCPR é especialista em Direito Elei toral e Processo Eleitoral pela Universidade Positivo UP e em Direito Administrativo Apli cado pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar Possui bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR e é membro do Instituto de Direito Parlamentar PARLA e do Observatório de Violência Política Contra a Mulher Integra o projeto de pesquisa Gênero e Políticas Públicas vinculado à Univer sidade Federal do Paraná e desenvolve pesquisa na área de Direito Público e Políticas Públicas ORCID httpsorcidorg0000000342870357 TALITA RUGERI Doutoranda em sociologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR é mestre em educa ção e graduada em licenciatura em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Compõe a comissão executiva da Revista Sociologias Plurais é integrante do grupo de pesquisa em Educação e Bioética PUCPR e atua como professora na Educação Básica Desenvolve pesquisas sobre sociologia da educação ensino de sociologia pensamento social brasileiro ORCID httpsorcidorg0000000283551160 VICTOR ROMFELD Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná UFPR é espe cialista em Direito Homoafetivo e Gênero pela Universidade Santa Cecília UNISANTA e em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal ICPC Possui bacharelado em Direito também pela UFPR e é pesquisador na área de ciências criminais com enfoque em interseccionalidades de classe raça gênero e sexualidade ORCID httpsorcidorg0000000323867080 339 Organizadores ARILDA ARBOLEYA Doutora e mestre em Socio logia pela Universidade Federal do Paraná UFPR com estágio de doutora mento na Universidade Nova de Lisboa UNL é gra duada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE Professora Ajunta do Departa mento de Ciências Sociais e do Programa de Pósgraduação em Sociologia da Universidade Federal do Piauí UFPI é pesquisadora da área de pensamento social brasileiro e integra o Grupo de Pesquisa Pensamento Social Intelec tuais e Circulação de Ideias PPGSOCIOUFPR CNPq Desenvolve pesquisas também sobre educação e sociedade ORCID httpsorcidorg0000000247891483 GERALDO BALDUINO HORN Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo USP é mestre em Edu cação pela Universidade Federal do Paraná UFPR e possui graduação em Filo sofia também pela UFPR Realizou estágio de pósdoutorado em Educação na Universidade Federal de Santa Maria UFSM com ênfase na Educação Filosófica É professor do Programa de PósGraduação em Educação da UFPR editor da Revista do Nesef Filosofia e Ensino e do Jornal O Sísifo do Setor de Educação da UFPR e lidera o Grupo de Pesquisa sobre o Ensino de Filosofia Educação Filosófica credenciado no CNPq desde outubro de 2009 Desenvolveu pesquisas sobre os livros didáticos de Filosofia na Alemanha e coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia desde 1997 ORCID httpsorcidorg0000000310564822 SABRINA CESAR FREITAS Mestra em Sociologia pelo Programa de PósGradua ção em Sociologia da Uni versidade Federal do Paraná UFPR é licenciada em Ciências Sociais pela mesma instituição e em Pedagogia pelo Centro Uni versitário de Maringá CESUMAR Atua como analista de educação no Sesc Paraná e integra além disso o Grupo de Pesquisa em Pensamento Social Intelectuais e Circulação de Ideias do PGSOCIOUFPRCNPq Tem interesse nas áreas de pensamento educacional brasileiro sociologia da educação e pensamento social ORCID httpsorcidorg0000000253073161 340 Índice Remissivo A Acessibilidade 68 174 175 181 184 185 186 188 189 190 Adolescentes 13 65 69 79 100 127 129 149 150 152 153 154 155 156 157 158 159 160 161 162 163 164 165 166 168 169 170 171 172 223 224 290 325 326 327 328 Alimentação 14 41 45 58 59 62 63 64 68 86 89 159 163 202 287 288 289 290 291 292 293 294 295 296 297 298 299 301 303 304 305 306 312 323 324 338 C Censura 88 89 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 111 112 243 Cidadania 9 11 13 15 29 33 45 47 57 60 66 67 68 70 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 88 90 91 92 93 94 104 108 112 118 120 121 124 127 130 131 132 133 137 141 143 154 156 165 166 167 178 186 211 222 247 267 289 290 296 307 308 309 310 311 313 315 316 317 320 327 329 331 333 336 338 Ciência 21 37 39 53 64 94 111 132 134 172 178 179 180 182 196 201 204 229 247 271 272 273 276 279 281 282 288 304 306 335 338 Colonização 29 85 121 164 207 248 249 250 252 254 255 257 258 261 266 268 270 274 282 334 Comunicação 35 64 98 99 100 102 106 107 108 110 112 121 125 185 186 216 281 283 314 337 Constituição 13 14 15 22 24 28 30 31 32 33 34 35 36 40 46 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 86 87 89 90 91 92 95 97 98 99 101 102 104 105 106 107 109 110 118 120 123 132 138 147 149 155 157 159 161 166 170 179 184 188 189 190 206 207 217 211 221 222 224 227 234 235 236 238 241 243 246 255 257 261 264 267 273 292 295 296 305 308 315 316 317 318 319 320 322 327 329 330 Cultura 11 12 13 15 17 21 22 23 26 35 36 37 39 40 41 42 43 44 45 48 49 51 52 53 54 55 56 64 81 94 99 100 103 104 108 125 132 143 144 145 146 147 149 155 156 159 163 164 165 166 167 168 169 170 171 178 184 188 195 196 210 213 214 224 237 238 239 240 244 253 257 266 268 270 272 279 280 281 286 289 290 291 294 304 337 D Declaração Universal 15 21 31 32 39 47 49 51 55 56 57 61 71 97 111 115 144 145 146 155 160 166 172 211 223 238 247 290 306 308 311 Deficiência 9 13 61 65 77 90 173 174 175 176 177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187 188 189 190 191 289 334 335 337 Democracia 9 13 15 30 35 36 47 48 54 58 73 74 75 78 81 82 83 88 89 94 98 105 106 112 114 117 119 120 121 122 129 131 143 197 212 234 296 334 335 336 338 341 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas ÍNDICE REMISSIVO Desemprego 94 122 126 152 153 212 277 278 290 294 308 311 312 314 316 317 319 322 323 325 326 328 331 Desigualdades 13 14 30 42 46 48 52 53 63 65 67 70 83 92 94 113 114 120 121 124 126 140 144 145 152 162 163 169 178 179 193 194 196 197 198 199 200 201 202 203 205 209 210 211 212 217 219 222 224 225 237 273 274 275 285 299 318 322 323 Diferença 12 33 34 39 40 41 43 44 45 47 49 50 51 53 54 55 59 73 83 121 123 126 129 133 146 147 168 173 183 194 196 202 204 208 215 216 221 222 223 226 236 249 266 315 326 338 Dignidade 9 11 12 13 14 15 18 20 21 23 24 27 29 31 32 35 37 49 57 58 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 100 101 118 121 144 145 149 159 163 165 166 167 168 173 185 187 215 219 221 222 223 276 289 290 291 308 309 310 311 313 314 315 316 320 324 325 329 Direito 11 12 13 14 15 18 22 24 25 26 27 28 29 31 32 33 37 38 45 46 47 48 49 50 51 55 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 74 75 76 77 78 79 80 81 82 84 87 89 90 91 92 93 95 96 97 98 99 100 101 102 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 115 118 130 131 135 137 138 139 140 141 143 145 149 157 159 161 163 164 165 166 168 169 171 172 176 185 186 187 188 189 190 194 196 210 213 214 218 221 222 232 233 234 235 238 243 245 246 247 249 250 253 256 257 263 264 267 270 271 272 273 274 276 287 288 289 290 291 292 293 295 296 297 301 302 304 305 306 307 308 309 310 311 312 313 315 316 317 318 319 320 322 324 329 330 332 333 334 335 336 337 338 339 Discriminação 13 14 47 52 62 64 100 126 129 141 152 161 173 174 180 185 188 189 190 194 198 205 212 220 221 222 223 224 227 267 276 290 293 294 295 Ditadura 11 35 61 88 89 91 102 103 104 108 109 111 112 116 117 118 119 120 133 158 184 215 218 261 Diversidade 9 12 14 23 24 39 40 41 42 44 49 50 51 52 54 55 56 136 143 144 164 166 167 168 169 173 185 190 191 192 200 204 206 215 218 220 221 222 223 224 225 226 228 229 230 231 232 233 237 238 239 240 245 246 248 253 254 257 258 260 261 265 267 275 290 300 301 302 304 320 E Educação 5 6 11 12 14 17 19 20 21 22 23 24 25 28 29 34 35 36 37 41 50 51 52 53 58 59 60 62 63 64 65 66 67 69 70 77 78 80 81 82 86 87 89 90 91 92 95 103 104 106 110 111 113 115 119 121 131 132 135 138 143 144 145 146 147 151 154 155 156 158 159 160 163 166 167 168 169 170 171 172 173 175 177 181 184 185 188 194 195 196 199 201 203 205 208 209 210 211 212 213 218 222 223 224 225 226 227 229 233 234 239 240 244 245 246 266 271 281 282 283 284 285 287 292 294 302 303 304 305 320 327 329 330 333 334 335 336 337 338 339 Exploração 13 14 114 149 150 152 161 162 180 199 249 250 251 259 262 270 273 279 319 324 325 F Família 21 22 26 43 66 84 94 104 139 141 145 150 151 152 157 158 159 160 170 171 177 187 191 195 202 206 207 215 219 220 223 239 290 294 310 327 328 333 338 Fome 14 30 57 60 65 69 92 142 278 287 288 289 293 294 295 296 297 298 299 304 305 306 307 311 323 326 G Gênero 9 14 18 21 62 65 70 73 80 90 94 121 123 126 131 141 144 167 174 178 187 211 212 214 215 216 217 218 219 220 221 222 223 224 225 226 227 242 270 272 291 295 336 338 339 342 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas ÍNDICE REMISSIVO I Identidade 33 52 54 80 94 119 121 126 129 197 206 212 213 215 220 221 222 225 242 249 253 258 303 335 Igualdade 12 13 14 15 29 30 31 32 35 36 45 46 47 48 51 55 57 58 59 62 66 70 73 75 79 80 81 82 83 84 85 101 115 120 121 129 132 133 134 138 143 144 145 168 175 178 184 185 186 187 190 194 206 209 217 221 222 223 224 226 241 274 276 Imprensa 29 59 88 89 97 98 102 105 106 107 108 109 111 112 236 267 Inclusão 61 68 75 80 84 85 86 118 120 129 131 145 146 147 156 175 181 182 185 186 187 188 190 191 194 196 208 209 210 213 214 267 292 296 307 340 Indígenas 18 35 48 49 51 52 53 55 62 64 80 85 143 152 195 200 201 207 212 243 248 249 250 251 252 253 254 255 258 260 261 262 263 264 265 266 267 268 280 294 335 340 Infância 13 52 58 62 63 90 98 149 150 151 152 153 154 155 156 157 158 159 160 161 165 170 171 182 220 292 325 326 327 328 340 J Justiça 11 15 21 29 35 37 57 62 65 67 70 75 82 86 87 89 90 99 101 107 112 114 115 118 119 120 122 124 125 127 131 132 144 147 157 162 167 171 178 191 198 207 222 241 242 247 291 295 299 309 310 313 317 330 333 338 340 Juventude 13 96 121 125 126 127 128 129 130 131 132 133 134 149 150 151 152 153 154 155 156 157 160 161 163 166 170 171 172 194 200 203 204 210 334 340 L Liberdade 9 13 15 19 23 29 30 32 36 45 46 47 48 51 55 57 58 59 60 62 67 69 73 74 75 76 77 78 79 81 82 83 84 85 89 92 94 95 96 97 98 99 100 101 102 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 138 144 145 159 160 163 166 178 186 222 223 224 228 232 233 234 235 236 237 238 241 242 243 244 245 246 256 257 276 290 310 311 316 318 325 332 340 M Meio ambiente 58 59 60 246 252 259 271 272 274 275 276 278 279 284 288 298 301 304 318 340 Migrantes 135 137 138 139 140 142 143 144 145 146 147 283 340 Moradia 58 59 60 62 63 64 65 66 67 68 69 70 89 92 123 126 145 156 163 184 199 202 223 249 256 292 323 340 Mulheres 14 18 22 31 46 61 65 76 77 79 84 85 87 90 94 115 117 121 123 124 126 130 144 150 176 187 194 197 198 202 203 204 207 214 216 217 218 219 220 221 222 223 224 225 227 264 291 292 309 310 323 335 336 340 N Natureza 15 20 21 23 24 27 41 42 47 50 64 75 80 82 100 102 138 141 164 178 179 180 185 206 223 246 251 253 267 268 270 271 272 273 274 275 276 279 280 282 285 290 309 340 Negros 18 47 48 85 86 90 113 115 123 127 129 152 153 176 193 195 197 198 199 200 201 202 204 205 206 208 209 210 211 212 213 214 255 256 258 292 340 Nutrição 10 14 206 287 288 289 290 291 293 295 296 297 299 302 303 304 305 306 334 340 O Opressão 31 45 47 55 80 81 94 161 173 193 200 202 205 206 217 218 225 238 257 261 262 267 276 282 340 P Pessoas idosas 9 13 173 178 180 181 182 184 185 186 187 188 189 190 191 340 343 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas ÍNDICE REMISSIVO Pobreza 58 63 64 67 69 70 92 122 126 131 140 142 152 154 158 170 198 203 205 206 210 288 291 295 323 325 326 328 340 Princípios 11 12 17 21 23 26 32 33 34 35 48 61 62 66 68 82 98 104 111 118 128 138 155 160 161 167 178 182 187 201 202 204 205 222 228 234 238 244 265 267 275 288 289 290 291 296 301 303 304 311 340 Proteção 11 12 13 29 31 34 46 49 51 55 58 60 62 63 64 66 67 76 77 78 86 90 98 101 106 107 110 112 122 127 135 140 141 142 149 157 158 159 160 161 162 164 171 173 184 187 191 205 206 241 242 244 246 247 248 250 251 256 261 265 275 276 278 279 281 292 293 311 314 316 317 318 319 320 321 322 324 327 331 332 340 Q Quilombolas 62 194 205 206 207 212 213 214 248 254 255 256 257 258 261 263 267 268 280 294 335 340 R Racismo 14 36 48 64 101 129 152 170 175 176 178 193 194 195 196 197 198 199 200 203 204 205 209 210 211 212 214 217 236 237 242 338 340 Religião 9 14 18 26 29 47 100 141 224 228 229 230 231 232 233 234 235 236 237 238 239 243 244 245 246 247 279 335 340 Resistência 11 31 45 85 111 112 116 130 131 205 206 209 211 225 256 257 260 261 263 267 285 297 298 340 Respeito 12 13 14 15 17 20 21 24 27 28 29 32 33 49 51 59 62 64 70 88 95 98 99 100 101 104 106 120 125 135 143 144 146 155 159 161 163 166 167 168 173 175 178 179 183 188 215 216 220 224 226 229 231 234 237 238 239 240 242 243 257 259 261 267 276 277 288 290 293 296 301 304 308 310 316 318 319 320 321 340 S Saúde 20 36 58 59 60 62 63 64 65 66 68 69 70 81 87 89 90 92 94 98 99 106 125 155 156 159 160 163 172 181 184 187 195 204 205 206 207 213 222 225 236 239 252 254 260 266 283 288 289 290 291 292 294 295 296 298 299 301 303 305 306 307 313 318 320 322 325 328 337 340 Segurança 9 10 13 14 31 45 46 57 58 62 63 82 87 88 89 92 98 99 102 103 113 114 117 119 120 122 123 124 125 127 128 130 131 132 134 138 186 223 225 236 245 287 288 289 290 291 292 295 296 297 299 301 302 305 306 310 318 319 324 334 338 340 Sustentável 14 69 249 251 253 258 267 270 273 275 277 278 280 281 283 284 285 287 288 299 300 301 302 306 333 334 340 T Território 13 14 35 43 46 47 51 52 54 63 80 81 114 116 121 131 135 136 137 138 146 148 178 207 214 234 250 252 254 255 257 258 259 260 262 263 264 266 268 271 272 281 283 284 295 301 324 340 Trabalho 10 11 12 14 15 20 21 25 26 31 35 36 47 49 50 51 52 55 57 58 59 60 61 62 63 64 66 68 74 77 83 84 87 89 92 103 104 106 108 115 116 118 122 124 126 129 137 139 142 145 150 151 152 153 154 155 156 161 162 167 171 172 175 177 182 187 191 194 202 203 204 205 207 211 212 217 219 220 221 224 227 244 250 252 254 255 258 262 265 269 283 292 294 304 308 309 310 311 312 313 314 315 316 317 318 319 320 321 322 323 324 325 326 327 328 329 330 331 332 333 334 336 337 338 U Universidade 4 34 70 94 110 111 118 137 143 154 156 171 174 191 210 213 214 253 264 268 305 332 333 334 335 336 337 338 339 344 Educação em Direitos Humanos fundamentos e práticas ÍNDICE REMISSIVO V Violações 9 12 13 14 34 51 57 72 97 101 102 106 107 108 109 114 116 117 119 121 122 123 124 125 126 127 129 130 131 138 140 145 146 194 223 225 238 241 244 262 289 293 294 295 296 301 323 328 329 Violência 9 11 13 34 50 51 53 60 61 65 80 85 100 101 104 107 108 112 113 114 115 116 117 119 120 122 123 124 125 126 127 128 129 130 131 132 133 134 140 142 147 152 153 156 158 161 163 171 172 174 175 189 193 194 198 199 200 203 204 205 210 212 213 214 218 219 222 225 226 235 236 237 238 243 244 245 256 261 262 263 267 324 338 339 Este livro foi composto em Ubuntu 105 pt pela Platô Editorial wwwplatoeditorialcom