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A REPUBLICA A REPÚBLICA Platão Introdução Tradução e notas de MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA 9 edição FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Tradução do texto grego I1AA TQNm IlOAITEIA A edição utilizada foi a de J Burnet Platonis Opera T IV Oxonii e typographeo Clarendorúano 1949 Reservados todos os direitos de harmonia com a lei Edição da Fundação Calouste Gulbenkian Av de Berna Lisboa INTRODUÇÃO As páginas que vão lerse não são um estudo completo e sistemático da República de Platão pois um trabalho desses só poderia ser feito por um historiador da filosofia Não faltam aliás excelentes ensaios em línguas modernas acessíveis que indicaremos no final e para os quais remetemos os leitores espedalizados Para aqueles porém que não dispondo ainda de uma preparação específica pretendem simplesmente uma in formação geral e actualizada sobre a matéria escrevemos estas linhas esperando que possam servirlhes de guia na leitura de uma das obras maiores do pensamento europeu A forma de diálogo narrado Uma primeira camcterística salta aos olhos de quem abrir este tratado a sua forma de diálogo não dramaticamente expressa como no Górgias Ménon ou Fedro mas sob a aparência de uma narrativa feita por Sócrates a um auditório anónimo 1 1 Noutros diálogos o interlocutor é nomeado Assim e para só citar o mais conhecido na abertura do Fédon é o discípulo de Sócrates com este nome que conta a Equécrates a conversa final e os últimos momentos do Mestre V ou seja exactamente o mesmo processo adoptado no Protágo ras Cármides e Lísis 2 O facto tem sido explorado era inevitável como base para estabelecer a tão discutida cronologia relativa da obra de Platão tanto mais que no Teeteto 3 o processo é explicitamente declarado incómodo e como tal abandonado Mas o passo em questão não é de molde a excluir a possibilidade de a forma narrativa ter sido retomada posteriormente a esse diálogo e de um modo geral a crítica moderna tende a desvalorizar este crité rio de datação 4 Permanece certa porém a vantagem proporcionada pela narrativa de permitir uma caracterização mais acentuada das figuras e de reconstituir com mais relevo o ambiente em que se movimentam 5 Basta atentar em certos pormenores da A forma de diálogo em si não é como se sabe novidade pla tónica pois outros disápulos de Sócrates o usaram Mas só Platão elevou o diálogo filosófico a género literário 2 Além destes são também diálogos narrados o Eutidemo o Fédon citado na nota anterior o Banquete e o Parménides A relação pormenorizada das variantes usadas para os introduzir pode verse em Paul Shorey What Plato Said pp 6364 143bc 4 Estamos longe portanto das posições extremas assumidas no séc xrx como a de Schõne 1862 que considerava os diálogos narrados comÓ os últimos ou como a de Teichmüller 1879 que sustentava a tese oposta No entanto um especialista como Holger Thesleff Studies in the Styles of Plato Helsinki 1967 p 19 continua a entender que as diferenças entre as duas modalidades são notáveis e incluem modos de composição e estilo que parecem tornar difícil de aceitar a passagem de uma para outra O mesmo especialista nos seus recentes Studies in Platonic Chronology Helsinki defende a teoria de que essas diferenças se reflectem na aplicabilidade do critério estilométrico como mdice de datação 5 Cf entre outros P Shorey What Plato Said p 64 VI República para obtermos uma brilhante confirmação do facto logo na entrada o escravo de Polemarco que chega a correr ao pé de Sócrates e lhe agarra o manto por detrás a fim de lhe pedir da parte do amo que se não retire já e o voltar do mestre para saber de quem se trata 6 depois a inesquecível agitação de Trasímaco que não pode mais dominar a indignação que lhe causa o método de investigação seguido por Sócrates 7 o suor e o rubor do Sofista ao sentirse derrotado 8 mais adiante no co meço do Livro v o estender da mão de Polemarco que estava sentado longe de Adimanto e lhe puxa pela veste inclinandose para a frente para lhe segredar umas palavras de que os cir cunstantes só ouvem a resposta a resposta que vai alterar o curso do diálogo 9 Figuras Sob a forma narrativa ou dramática em todos 10 temos sempre a considerar tal como no teatro a presença de figuras cuja caracterização importa fazer e que são geralmente pessoas históricas 11 A conversa tem lugar no Pireu na casa de Polemarco A parte deste no diálogo para além do Livro I onde depois de mandar convidar e insistir com Sócrates para que fique é 6 I 327b 7 I 336b s I 35ocd 9 v 449bc 10 Não é necessário excluir a Apologia de Sócrates que embora contenha algum diálogo é pelo seu teor de apresentação funda mentalmente um monólogo u Como escreveu R L Nettleship Lectures on the Republíc of Plato p 7 as figuras do diálogo são por um lado simplesmente expressões ideais de certos princípios por outro lado trazem con sigo muito do seu carácter real VII o segundo interveniente na argumentação 12 limitase à cena do Livro v que citámos acima 13 Estão presentes dois irmãos seus Lísias e Eutidemo que são aqui figuras mudas e seu pai o idoso Céfalo que aparece coroado pois acabara de fazer um sacrifício sentado em almofadas com a dignidade que lhe confere uma longa vida justa Afável e sereno é ele que convida Sócrates a visitálos mais vezes para conversar com os filhos É sua a primeira definição de justiça dada de acordo com a sua experiência e simplicidade Abandona porém a discussão em 331d deixandoa ao seu herdeiro Estão também presentes Carmantidas e Clítofonte 14 dos quais apenas o segundo fala uma vez no Livro I figuras des conhecidas talvez discípulos de Trasímaco o célebre Sofista que também já se encontrava no grupo É todo um círculo 15 a que se juntam Adimanto irmão de Platão e Nícérato filho de Nícias que juntamente com os outros jovens regressados da procissão foram com Polemarco convidar Sócrates e Gláucon também irmão de Platão a permanecerem com eles Temos portanto uma galeria de figuras das quais umas são actívas outras simples ouvintes Quase todas são conheci das Em primeiro plano Sócrates sem dúvida a pessoa central da discussão dilléctica Embora não vamos renovar a questão da 12 Mediante uma citação de Simónídes a partir de I 331d com a qual se introduz a segunda definição de justiça dar a cada um o que se lhe deve 13 Vide supra p vn e n 9 14 Clitofonte dá o nome a um diálogo platónico de antenrici dade duvidosa 15 A designação é de P Friedlander Plato 2 p 52 que vê o centro em Polemarco e seus irmãos VIII historicidade deste seu retrato 16 podemos recordar à passagem a hipótese de F M Cornford seguida por outros de que é neste diálogo que se desenha a bifurcação entre o método de Sócrates e o de Platão no Livro I evidenciase a falência daquele a continuação mostra os novos caminhos segundo os quais não é cada um a organizar a sua busca do bem mas a ordem social é que háde tirar de cada um o melhor 17 A família do hospedeiro está longe de ser estranha aos estudiosos da literatura e da história gregas Lísias o estudante de retórica que se conserva silencioso todo o tempo 18 é uma das figuras maiores de eloquência antiga que havia de ser modelo juntamente com Demóstenes e oposto a ele 19 dos apren dizes da arte de bem falar Entre os muitos discursos seus que 16 Um resumo do estado actual da questão da historicidade da figura de Sócrates em Platão e noutros autores pode verse no nosso livro Estudos de História da Cultura Clássica I Lisboa 3 1970 pp 343351 Na 8ª ed 1998 pp 456466 17 Por isso A Sesonske intitulou o artigo em que defendeu esta doutrina Platos Apology Republic Phronesis VI 1961 2936 reimpresso na colectânea organizada pelo mesmo Platos Republic Interpretation and Criticism pp 4047 18 Embora não esteja presente no Pedro Lísias tem aí grande relevo pois o ponto de partida desse diálogo é o entusiasmo cau sado por um discurso seu no disópulo de Sócrates de cujo nome deriva o título da obra Se o discurso é autêntico ou mais uma das admiráveis paródias de Platão é discutível O Pedro menciona tam bém Polemarco como estudioso da filosofia 257b Sobre a discus são em volta do pouco apreço de Platão por Lísias vide P Shorey What Plato Said pp 3132 19 Lísias era o protótipo da sobriedade modelo de aticismo ao passo que Demóstenes o era da exuberância de expressão A contenda entre os admiradores de um e de outro atingiu o máximo na época de Cícero que pretendia conciliar as virtuali dades de ambos como disópulo da Escola de Rodes que era IX se conservam 20 figura um que é precisamente o melhor e mesmo o único em que defende um caso pessoal 21 o Contra Eratós tenes Essa oração contanos como o sicarusano Céfalo se estabele cera em Atenas como meteco e aí residira trinta anos em grande prosperidade A família possuía uma fábrica de escudos que chegou a empregar cento e vinte escravos Porém em 404 a C quando os Trinta Tiranos subiram ao poder em Atenas os bens foramlhe confiscados e Polemarco e Lísias feitos prisioneiros Depois de derrubado esse regime o orador que conseguira escapar acusa veementemente neste discurso o responsável pela execução do irmão Eratóstenes Outra figura célebre é Trasímaco de Calcedónia um Sofista que partilha com Górgias a honra de ter sido o criador da prosa artística em ático Para além dos curtos fragmentos que nos restam a longa discussão que sustenta no Livro I mostrao um opositor truculento dotado de uma habilidade dialéctica comparável à dos demais Sofistas e como eles alheia a qualquer preocupação de conciliar a eloquência com a ética e inclinado a tirar proveito mate rial do seu ensino 22 De Trasímaco não volta a falarse senão de passagem no 23 Temos hoje trinta e quatro de mais de duzentos que existiram O PseudoPlutarco Vita Decem Oratorum 3 que tinha conhecimento de quatrocentos e vinte e cinco confessa que já só duzentos e trinta e três eram considerados autênticos 21 Lísias era como os demais oradores áticos de nomeada um logógrafo isto é uma pessoa que fazia profissão de compor discursos para os outros se defenderem no tribunal 22 Em I 337d Trasímaco diz que só continuará a falar se lhe pagarem Ao que Gláucon responde que todos estão dispostos a coti zarse para que Sócrates possa aprender com ele Platão insiste com frequência na ganância dos Sofistas Apologia 19e20a G6rgias 519c Hípias Maior 2826e Laques 186c Crátilo 3486 3916c X Livro VI 23 Em contrapartida há duas figuras que embora no meadas logo nas primeiras linhas se mantêm silenciosas na pri meira fase da discussão Gláucon e Adimanto os dois innãos mais velhos do autor 24 O primeiro é o interlocutor principal de Só crates 25 Não é certamente por acaso que era ele o companheiro do filósofo quando iam regressar a Atenas no começo do livro Não tem passado despercebido aos críticos que entre estas figuras há nada menos que três que acabariam por ser condena das a beber a cicuta pois tanto Polemarco como Nicérato 26 foram 23 498cd Discutese até que ponto são caricaturais os traços que Platão dá à figura de Trasímaco Parecenos na esteira de G B Kerferd Durham University ournal 1947 apud D J Allan Plato Re public 1 p x que o que temos aqui não é uma deformação burlesca do Sofista Por sua vezJulia Armas An Introduction to Platos Republic pp 3457 observa que não temos dados seguros sobre a figura histórica de Trasímaco para dizer se as suas ideias eram algo de parecido com as da República ou se Platão está a criar uma atitude delibera damente confusa para lhe atribuir e que tal processo seria de qual quer modo inútil para a finalidade em vista pp 3536 24 O mais velho era Adimanto Platão tinha ainda uma irmã Potone e um meioirmão Antifonte que põe em cena no Parméni des 126b127a como narrador de um diálogo havido em tempos entre os dois filósofos eleatas e Sócrates De Gláucon e Adimanto fala muitas vezes com admiração inclusivamente neste mesmo diá logo II 367e368a Em II 357a elogia a coragem de Gláucon em todas as circunstâncias 25 A Diês na introdução à edição Budé da República Tomo VI p xxm avalia em dois terços a parte que cabe a Gláucon O mesmo especialista de Platão observa ainda ibidem p xxv1 n r que Adimanto é mais penetrante do que o irmão e faz objecções mais graves 26 Este Ateniense filho do famoso Nícias figura no Banquete de Xenofonte III 5 num passo célebre em que se gabava de saber ainda de cor todos os Poemas Homéricos que o pai lhe man dara fixar em pequeno Além disso no Laques de Platão é aquele XI vítimas dos Trinta Tiranos Com a sua sobriedade habitual Platão não alude ao destino que aguarda essas pessoas a não ser na breve reJerência de 516e517a em que se prefigura o easo de Sócrates 21 Data dramática Estamos por conseguinte perante uma série de pessoas his toricamente situadas que nos permitem calcular com alguma aproximação a data dramática do diálogo O pai de Polemarco é muito avançado em anos 28 Trasí maco já alcançou grande fama Sócrates parece ser de meia idade Estes são talvez os melhores indícios cronológicos 29 Sócrates tinha cinquenta anos em 420 aC a acme de Tra símaco da chamada segunda geração dos Sofistas colocase no último quartel do séc v aC e Cefalo estabelecerase em Atenas por trinta anos como vimos a convite de Péricles aí jovem de cuja educação Sócrates não aceitou encarregarse P Friedlander conjectura Plato 2 p 52 que seria essa a causa da relu tância de Sócrates em aceitar o convite de Polemarco para ficar 27 Vide entre outros D J Allan Plato Republic Book I p 19 Acrescentemos ainda que ocorre um caso semelhante no Górgias onde se alude mais de uma vez à probàbilidade de Sócrates vir a ser citado em tribunal 28 Estava lá dentro também o pai de Polemarco Céfalo Pareceume bastante envelhecido pois há tempos que não o via 1 328bc Com certeza ó Céfalo disse eu pois é para mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avançada 1 328d 29 Assim pensa D J Allan Plato Republic Book I pp 1920 que aceita a cronologia de A E Taylor segundo a qual o diálogo se si tua cerca de 421 a C por alturas da Paz de Nícias quando acabara a Guerra de Arquidamo e o império ateniense estava ainda intacto XII nascera Lísias em 459 aC segundo uns ou mais provavel mente em 445 segundo outros 3 Diversas outras referências esparsas pelo diálogo só servi ram efectivamente para causar perplexidade Está neste caso o elogio à coragem de Gláucon e Adimanto na batalha de Mé gara que se deu talvez em 409 a C 31 e a alusão ao atleta Po lidamas 32 vencedor das Olimpíadas de 408 a C Quanto ao suborno de Isménias de Tebas 33 data de 395 aC ou seja é posterior à condenação de Sócrates A indicação decisiva devia ser a que é fornecida pelo próprio autor logo nas primeiras linhas ao pôr na boca de Sócrates que fora na véspera ao Pireu a fim de dirigir preces à deusa e ao mesmo tempo com o desejo de ver de que maneira celebravam a festa pois era a primeira vez que a faziam Sucede porém que embora o próprio texto nos diga mais adiante que as Bendideias se realizavam no verão 34 e Proclo informe que no seu tempo eram no mês de Thargelion üunho ignoramos a data do primeiro festival ºTemos a primeira data se aceitarmos a cronologia da Vita anónima de Lísias que supõe a ida do orador para Túrios aos quinze anos após a fundação desta cidade em 444 aC e o seu re gresso a Atenas em 411 o que baixaria a data dramática da Repú blica para depois desse ano Mas a tendência actual é para dar a pre ferência a 445 aC para o nascimento pois nada obriga a supor que a partida para a Itália do Sul fosse no ano da fundação daquela colónia o regresso colocase em 418416 aC Cf K J Dover Lysias and the Corpus Lysiacum Berkeley 1968 cap III Chrono logy De toda a maneira Céfalo já não seria vivo como no diálogo 31 O passo encontrase em u 368a A data apontada por J Adam romm ad locum é baseada em Diodoro Sículo xm 65 32 I 338c 33 I 336a 34 1 350d Esta referência bem como a de Proclo que vem a seguir é de D J Allan romm ad 327 a 2 XIII Data real da composição Mais difícil ainda é estabelecer a data real da composição da obra embora a maior parte dos especialistas concorde actualmente em que a República pertence juntamente com o Banquete o Fédon e o Fedro ao período da maturidade do autor 35 O texto em si apenas contém referências como a da morte de Téages em VI 496be que a Apologia 33e faz supor ante rior à de Sócrates e o que parece ser uma exortação e elogio ao jovem Dionísio de Siracusa em VI 499bc36 É com base em razões externas que se tenta resolver a questão designadamente na cronologia relativa dos diálogos ou na prioridade em relação a outros autores Entre as principais apresentadas 37 salientamos que a República pressupõe uma fase na elaboração da teoria das ideias posterior ao Ménon e ao Fédon e anterior ao Parménides que a doutrina do filósoforei é referida na Carta VII 326ab como estando já na mente do filósofo quando visitou a Sicília em 387 aC que o Timeu principiando por o que parece ser um resumo 35 Não incluímos aqui a questão do Livro 1 geralmente consi derado mais antigo Dela trataremos adiante 36 Sobre as dificuldades cronológicas suscitadas por esta possí vel alusão vide infra IL 25 no Livro VI 37 A lista já feita entre outros por M Pohlenz Aus Platos Werdezeit 1913 p 209 n 1 é citada por A Dies na introdução à edição Budé da República Tome VI p CXXIV e seguidamente discu tida Mais recentemente J Ferguson Plato Republic Book X pp 27 29 alinha doze argumentos analisados os quais opta pelos anos a seguir à viagem à Siália em 387 aC Uns trinta a quarenta anos de diferença entre a data dramática e a data real é o que supõem R C Cross e A D W oozley Platos Republic A Philosophical Commentay p xm que aceitam seguindo G C Field c 375 aC como provável para a segunda XIV incompleto da República como conversa havida na véspera deve serlhe posterior que a Ciropedia de Xenofonte seria uma contrapartida desta obra a darmos crédito à anedota con tada por Aula Célia 38 que há uma relação inegável entre as doutrinas expostas no Livro V e As Mulheres na Assembleia comédia de Aristefanes que não pode ser posterior a 392 aC 39 Pessoalmente acrescentaremos que o estudo comparativo entre os quatro grandes mitos escatológicos o do Górgias do Fé don da República e do Fedro leva a colocar os diálogos em causa na ordem em que acabam de ser citados 40 Sem pretender discutir rm pormenor a questão da qual in tentamos somente sugerir a complexidade observaremos pela nossa parte que não nos parece sequer viável alcançar uma data única Uma obra da extensão e profundidade da República é certamente produto de uma demorada elaboração ao longo de vários anos Além disso a partir dos critérios estilométricos não poderemos obter dados seguros ante a variedade que aqui se encontra 41 Por outro lado a conhecida qfirmação de Dionísio de Halicamasso 42 segundo o qual Platão continuou sempre a rever os diálogos dificulta a questão Mesmo assim distinguire mos a seguir alguns dos seus aspectos principais 38 Noctes Atticae x1v 32 que traduzimos adiante p xvn 39 Este terminus ante quem é estabelecido pela informação de Filócoro de que a peça foi estreada dois anos após a celebração do tratado de aliança entre Atenas e Esparta 40 Vide o nosso trabalho Concepções Helénicas de Feliddade no Além de Homero a Platão Coimbra 1955 pp 7791 169184 e 198201 41 H Thesleff Studies in the Styles of Plato cit após diferenciar dez estilos na obra de Platão p 63 observa a presença de todos menos um e de todas as formas de exposição na República pp 95n6 42 De compositione verborum 208209 XV a RELAÇÃO CRONOLÓGICA COM AS MULHERES NA ASSEMBLEIA DE ARISTÓFANES O caso há pouco dtado da penúltima das comédias con servadas de Aristcifanes é um dos mais intrigantes pois um dos raros factos seguros é que a República não podia estar publicada c 392 a C e por outro lado as semelhanças entre o Livro V e a peça são iniludíveís Talvez como supôs G Murray43 as nossas dúvidas sejam consequênda do escasso conhedmento que temos do processo de divulgação das obras literárias na antiguidade Veremos este ponto em relação com o seguinte b O PRINCÍPIO DO TIMEU Acrescentaremos que o começo do Timeu que tem cau sado grande embaraço aos críticos poderá segundo julgamos contribuir para o esclaredmento da questão anterior Efectiva mente nesse diálogo Sócrates prindpia por resumir a conversa da véspera sobre a divisão do trabalho e das classes a educação dos guardiões incluindo a das mulheres e a sua vida em co mum e os estranhos preceitos que regulariam o casamento e ge ração daqueles Tenninado este resumo de duas páginas pergunta se estará completo o que os interlocutores confirmam Porém 43 Aristophanes Oxford 1933 pp 186189 V Coulon na edição Budé de Aristófanes Tomo v Paris 1954 pp 1112 supõe que oco mediógrafo atacava simplesmente doutrinas semelhantes de outros filósofos para o que se abona com dois passos da Política de Aristó teles 1266a3436 e 12746911 Mas a verdade é que o Estagirita embora cite doutrinas de filosofia política de outros autores atribui expressamente a Platão e só a ele a parte em causa A bibliografia da questão até 1947 pode verse no prefácio de A Dies ao Tomo VI de Platão na colecção Budé pp Lnun n 2 XVI estes não são os da República mas Timeu de Locros Hermó crates e Crítias além disso o sumário tem omissões Estas semelhanças e diferenças têm servido de argumento para o problema da cronologia relativa para a hipótese de uma primeira edição ou para a de um diálogo perdido 44 Julgamos encontrar aqui simplesmente uma prova de que temas destes eram correntes nas discussões da Academia Sendo assim não surpreende que se tornassem conhecidos no exterior e A HIPÓTESE DE UMA PRIMEIRA EDIÇÃO A possibilidade de ter havido uma primeira edição do diá logo colhe o seu fundamento principal na informação de Aulo Gélio atrás citada 45 que seguidamente traduzimos Supuseram também que não era indício de disposição sincera nem amiga o facto de Xenofonte para contraditar aquela obra ilustre de Platão acerca da melhor constituição e administração da cidade depois de ler aproximadamente dois livros que primeiro haviam saído a público ter escrito um tratado diferente sobre o governo de um monarca intitu lado Ciropedia Aproximadamente dois livros duo fere libri é uma maneira vaga de falar mas suficiente para suscitar o problema de uma primeira edição da República Teria havido como demonstrou Hirmer 46 uma antiga divisão em seis livros em 44 Para a interpretação diferente das enunciadas vide F M Cornford Platos Cosmology London 11937 repr 1956 pp 36 45 Supra p xv e n 38 46 Entstehung und Komposition der platonischen Politeía apêndice 1 apud A Dies introd p XLI XVII vez dos dez actuais mediante a qual dois corresponderiam aos três primeiros Assim se explicaria a parte rejerente a Xenofonte Mas a questão de As Mulheres na Assembleia só poderá admitir se com o conhecimento de uma frase do Livro w 423e424a frase que para Stein e outros era suficiente para inspirar Aristó fanes por sua vez o Livro V com as múltiplas precauções de que rodeia a exposição sobre a comunidade de mulheres e filhos sublinhando a cada passo o que há de insólito e escandaloso nessa doutrina entendese melhor se tivesse sido escrito como ré plica à comédia 47 Estrutura da obra aOLIVRO I O problema complicase ainda com um outro que igual mente tem desafiado a argúcia dos críticos Seria o Livro I in dependente a princípio e só mais tarde retocado para seroir de proémio à República Justamente a palavra proémío aparece na primeira frase do Livro II para classificar a conversa anterior Esta forma um conjunto ordenado e completo comparável aos chamados diálogos aporéticos que se atribuem à primeira fase da obra do filósofa e cujo esquema é fundamentalmente o mesmo pro põese uma definição de uma virtude que vai sendo substituída por outras à medida que Sócrates demonstra a sua insuficiên cia de modo que quando termina a discussão a conclusão é negativa Assim o Lísis falha em definir a amizade o 47 Apud A Dies introd pp XLIXLII Também aceita a priori dade de As Mulheres na Assembleia supondo a doutrina nelas parodia da uma das excentricidades correntes do séc IV aC J Adam que na sua edição no apêndice ao Livro v pp 345355 analisa porme norizadamente os diversos argumentos Vide supra p XVI n 43 XVIII Cármides a temperança sophrosyne o Laques a coragem o Êutifron a piedade A coragem a temperança a piedade for mavam com a justiça o grupo das virtudes cardiais já esboçado desde Ésquilo e Píndaro pelo menos 48 Ora definir a justiça é o que tenta Jazer sem o conseguir o Livro 1 da República Seria esse o livro que faltava para completar o conjunto pois não era de supor que Platão que durante o período dos diálogos aporéticos investigou todas as outras virtudes omitisse esta O argumento é de um dos melhores especialistas Paul Fried lánder e de uma obra recente a última que escreveu 49 Mas desde 1891 que Dümmler 50 havia notado as relações deste livro com os primeiros diálogos e o denominou Trasímaco do nome do Sofista que é o principal interlocutor de Sócrates 51 A hipó tese de Dümmler continua a ter defensores salvo quanto à suposição que também formulou de o livro se completar origi nariamente com o mito terminal da obra o que inutilizaria 48 Respectivamente VIII Ode Istmica 2425a e Os Sete contra Tebas 610 Vide infra n 16 ao Livro 1v 49 Plato 3 p 63 onde retoma o que dissera no volume anterior Plato 2 p 50 ao estudar o Livro I entre os diálogos do primeiro período pp 5066 Notese que nesse mesmo vol 2 p 50 Fried lander tomou como base a sistematização de virtudes do Protágoras que abrange além daquelas quatro a sabedoria sophia que em seu entender não poderia servir de tema para um diálogo aporético no primeiro período de Platão A pergunta ficaria para o Teeteto 50 Zur Komposition des platonischen Staatesi Kleine Schriften 1 7 pp 229 seqq Dürnmler teve aliás precursores como Schleier macher e sobretudo Hermann conforme observa P Friedlander Plato 2 p 305 n I 51 Assim se criaria um paralelo com os outros grandes Sofis tas que dão cada um o título a um diálogo Protágoras Górgias Hípias esse com dois o Maior e o Menor Crítias A hipó tese teria certo poder convincente se existisse também um Pródico tanto mais que Sócrates se declara discípulo ou ouvinte deste XIX o argumento da antiguidade baseada no final aporético 52 Aceitaa como provável um dos mais recentes e mais autorizados ensaios sobre a República 53 De qualquer modo as diferenças de estilo 54 e de vocabulário em relação ao resto da obra são sufidentes para levar os partidários da tese unitária a analisar a estrutura do pre tenso Trasúnaco junto com a dos primeiros diálogos 55 Mas te mos de reconhecer que o Livro I desempenha admiravelmente as funções de pórtico de um tão extenso tratado e que as potenciali dades de dramaturgo aqui tão exuberantemente reveladas não o afastam das outras três obrasprimas que como já referimos é último Ménon 96d e o denomina seu companheiro Hípias Maior 282c Cf ainda Teeteto 151b Notese também que no Protágoras estão presentes tantos desses mestres que E R Dodds pôde falar ironicamente de um Congresso de Sofistas nesse diálogo na sua edição do Górgias Oxford 1959 p 7 52 A história do debate que nalguns casos se alarga à teoria de que o Livro I retrata o Sócrates real foi feita por G Giannantoni 11 primo libro della Reppubblica di Platone Rivista Critica di Storia della Filosofia 12 1957 123145 citado por H Cherniss no vol 4 1959 de Lustrum pp 3334 e 162 53 R C Cross and A D W oozley Platos Republic A Philosophical Commentary p 42 54 Inclusivamente o tratamento das figuras que como já notou Wilamowitz Platon Berlin 1929 p 445 se esfumam progressiva mente a partir do Livro u 55 Assim faz e g V Goldschmidt Les Dialogues de Platon que o estuda entre os aporéticos O mesmo autor chama a atenção p 135 para uma diferença subtil os diálogos daquele tipo terminam por uma nota de esperança apesar de não se ter conseguido a definição Mas neste a aporia final não é definitiva Isso não o disse Sócrates É Gláucon que o diz por ele Significando assim que o diálogo pre cedente não forma senão um prelúdio o primeiro livro da Repú blica DJ Allan Plato RepublicBook 1 p vm notara também uma particularidade nenhum dos diálogos mais antigos era tão nega tivo como este se tomado isoladamente Este mesmo especialista apresenta um argumento de economia dramática que não pode XX costume considerar como compostas no mesmo período o Banquete o Fédon e o Fedro 56 Em qualquer caso o Livro I corresponde a uma parte da obra que além de ter a finalidade de apresentar as figuras e si tuar a discussão fornece o tema da mesma o que é a justiça e refuta as definições propostas a de Céfalo dizer a verdade e restituir o que se tomou 331b a de Polemarco dar a cada um o que se lhe deve segundo Símónides 331e e a de Trasí maco o que está no interesse do mais forte 338c b OS LIVROS II III E IV Entre a concepção crematística de Céfalo e o paradoxo do Sofista ficaram sem consistênda os alicerces morais da Justiça menosprezarse o silêncio durante a discussão dos irmãos de Platão salvo em 347a certamente poque os aguardava um papel maior pp v11vm 56 P Shorey What Plato Said conclui negativamente im possível provar que o Livro I se destinava a ser publicado separada mente A reconstituição feita por Dümmler de um Trasímaco anterior em data ao Górgias permanece simplesmente uma engenhosa con jectura pp 214215 A Dies na introdução à edição Budé da Re pública vai mais longe ainda na destruição do paralelo ao notar que se o Górgias acabasse com a discussão entre Sócrates e Polo ninguém suspeitaria que o diálogo tinha uma segunda parte p x1x Entre os comentadores mais recentes pensa do mesmo modo N P White A Companion to Platos Republic pp 61 e 69 que entende não ser possível que este livro tivesse sido escrito como um diálogo separado pois contém muitas indicações e conceitos que reaparecerão nos outros Porém Julia Annas An Introductíon to Platos Republic aceita como provável a hipótese com base na com paração com o Clitefonte que considera autêntico não lhe parece contudo relevante para a interpretação global da obra uma vez que forma uma introdução perfeitamente adequada à discussão principal p 17 XXI Por isso no prinápio do Livro II se insiste em querer saber a natureza da justiça e da injustiça sem ligar importância a salá rios nem a consequências 57 Os dois irmãos de Platão querem portanto a demonstra ção de que a justiça é intrinsecamente boa 58 Para tanto Sócrates propõese apreciar os factos em grande escala 59 o que lhe facili tará a tarefa Por conseguinte transfere a sua análise do indiví duo para a cidade Descrevemse então as transformações de uma cidade que de primitiva se torna em luxuosa motivo por que começa a precisar de uma especialização de tarefas cada vez maior Essa cidade carece de soldados que a defendam e preservem de guardiões com um treino próprio A educação deve darselhes pela música e pela ginástica à maneira tradicional grega 60 prin cipia a ser estudada em 376c Mas música para os Helenos é a arte das Musas em que a poesia não se dissocia dos sons Ora as fábulas dos poetas que costumam ensinarse às crianças es tão repletas de falsidades sobre os deuses a quem atribuem todos os defeitos em vez de revelarem a divindade na perfeição dos seus atributos No começo do livro já se haviam feito citações 57 II 358b 58 n 366b367e especiahnente 367b 59 n 368d Entendo que devemos conduzir a investigação da mesma forma que o faríamos se alguém mandasse ler de longe le tras pequenas a pessoas de vista fraca e então algumas delas dessem conta de que existiam as mesmas letras em qualquer outra parte em tamanho maior e numa escala mais ampla Parecerlhesia penso eu um autêntico achado que depois de lerem primeiro estas pudessem então ver as menores a ver se eram a mesma coisa 60 Durante a época arcaica havia apenas dois mestres o paido tribes que exercitava na ginástica e o kitharistes que ensinava mú sica Nos prindpios do séc v aC juntouselhes o grammatistes ou mestre das primeiras letras XXII de versos que sugeriam que os deuses não eram garantia de jus tiça agora declarase abertamente que os poetas não servem para instruir a juventude O Livro III prossegue o libelo acusatório e depois de man dar embora os que imitam o mal retoma o tema da educação pela música e pela ginástica 401d Outros aspectos da vida da comunidade são regulamentados no Livro IV até que depois de relegar para o oráculo de Delfos a superintendênda em matéria religiosa Sócrates declara que fundada a cidade estão agora aptos a procurar onde poderia estar a justiça e onde a injustiça 61 Ora se a ddade é perfeita terá de possuir as quatro virtudes sabedoria sophia wragem andreia temperança sophro syne e justiça dikaiosyne Definidas as três primeiras atingirseá a quarta por exclusão de partes Se a primeira se enwntra nos guardiões a segunda nos guerreiros e a terceira na harmonia geral de todas as classes a justiça será que cada um exerça uma só função na sociedade aquela para a qual por natureza foi mais dotado 433a Resta verificar se estas wnclusões vistas nas letras grandes são aplicáveis ao indiví duo Ora a ddade tinha três classes os guardiões os militares e os artfices Também a alma do indivíduo tem três elementos 62 apetitivo espiritual e racional Aos apetites cabe obedecer às emoções assistir à razão governar E assim assentámos suficien temente em que existem na cidade e na alma dos indivíduos os 61 IV 472d 62 É ponto controverso se Platão dividiu a alma em partes A palavra elementos por mais vaga é preconizada por Cross e Woozley Platos Republic A Philosophical Commentay pp 127128 tanto mais que como notam esses autores a psicologia tinha adi ficuldade enorme de se exprimir numa linguagem que tinha sido primariamente destinada ou tinha sido principalmente desenvol vida para a finalidade completamente diferente de falar sobre o mundo exterior p 128 XXIII mesmos elementos e no mesmo número 63 O seu equilíbrio ou desequilíbrio conduzem à justiça ou à injustiça É esse o aspecto que falta estudar e O LIVRO V Aqui porém inserese o que tem sido chamado a grande digressão 64 da República e como tal considerado por vezes uma parte mais tardia do diálogo O que sucede é que na melhor tradição literária grega 651 a discussão é interrompida no começo 63 IV 441c Tem sido objecto de acesa discussão saber até onde Platão aceitava esta identidade e se para ele o ponto de partida era da cidade para o indivíduo ou do indivíduo para a cidade Apesar de a ordem seguida na República ser a primeira supomos como Cross e W oozley op cit p 131 que era a segunda que ele tinha em mente 64 V Goldschmidt que divide a obra platónica sob o ponto de vista estrutural em diálogos aporéticos e diálogos acabados consi dera característica destes últimos o que denomina détour essen tiel e especifica Les Dialogues de Platon p 163 Estes diálogos apresentam alongamentos cujo acesso nos fica vedado se os con siderarmos como digressões Cada diálogo propõese tratar um as sunto do qual o desvio não se afasta se não para o delimitar me lhor Também P Shorey What Plato Said p 225 considera esses passos como a pedra angular da construção completa 65 No Canto XI da Odisseia a narrativa dos errares de Ulisses perante a corte dos reis dos Feaces principiada no Canto rx é inte rompida porque observa o herói não é possível contar tudo e são horas de descansar 328332 Mas Alcínoo pedelhe que a continue 362376 o que ele faz até a deixar completa no final do Canto xu Pomos de parte naturalmente as múltiplas e justificadas dúvidas levantadas pela crítica homérica quanto às interpolações deste Canto XI pois são irrelevantes para a época de Platão Por outro lado o segundo prólogo nas tragédias é uma prática conhecida dos leitores de Eurípides XXIV do Livro v e voltamos a ver o agrupamento de figuras do proémio e a mesma arte de movimentar É a ocasião em que Polemarco combina com Adimanto interromper Sócrates para o forçar a explicarse melhor sobre a comunidade de mulheres e filhos anunciada em IV 423e424a 66 É esse ponto que vai ser esclarecido com grandes rodeios e precauções expressas na metáfora das vagas marinhas ao longo do Livro V PrimeiroJàrseá a proposta de que as mulheres podendo ter a mesma capacidade dos homens devem tomar parte nos cargos directivos da cidade segundo exporseá o com plicado sistema pelo qual se realizarão os casamentos e a procria ção na classe dos guardiões de molde a obter o mais alto grau de eugenia a terceira a mais temível das vagas consiste em procla mar a condição necessária para que tal Estado se torne realizável que seja governado por filósofas 67 A afirmação conduz natural mente à definição do que seja um filósofa e à distinção com que encerra o livro entre saber e opinião entre o amigo do saber philosophos e o amigo da opinião plúlodoxos 68 66 Vide supra p XVIII 67 A bibliografia sobre a posição dos historiadores e sociólogos modernos quanto ao filósoforei philosophosbasileus pode verse em P Friedlander Plato 3 pp 482483 n 41 68 Em grego a oposição dos dois conceitos é mais clara pois se exprimem ambos por compostos cujo primeiro elemento é co mum philo Não é demais acentuar a importância desta definição de filósofo tanto mais que há boas razões para crer que o com posto não ascende a Pitágoras como uma tradição numerosa mas tardia fazia crer até há pouco tempo mas que se originou no ensino da Academia Sobre este assunto vejase a n 26 ao Livro v infra e o que escrevemos em Estudos de História da Cultura Clássica I p 187 e bibliografia citada na n 8 da p 185 Na 8 ed 1998 pp 245247 e bibliografia citada na nota 8 da p 212 Notese que o filósofo que aqui se define não é como diz E Havelock Preface to Plato p 281 um membro de uma escola de XXV d OS LIVROS VI E VII Os dois livros seguintes ocuparseão logicamente da pre paração do filósofo Depois de enumerar as qualidades que o recomendam para ocupar os lugares de chefia e de analisar as causas do deifavor em que geralmente é tido prindpia a esboçar a maneira de formar os guardiões 502cd a fim de eles procu rarem alcançar o saber mais elevado megiston mathema 505a cujo objecto é a ideia do bem a ideia 69 suprema que torna inteligível o mundo pensamento entre outras escolas equipado com doutrinas expressas em fórmulas convenientemente sistematizadas mas no fundo um homem com capacidade para o abstracto ibidem p 282 ou melhor ainda na expressão de J E Raven Platos Thought in the Making p 128 nada menos do que o homem perfeito que une na sua pessoa todas as virtudes humanas que possam conceberse 69 Mantemos apesar de todos os seus inconvenientes a versão tradicional que é afinal uma transliteração da palavra grega idea ou eidos uma excepção em 486d cf n I ao Livro VI A moderna crítica inglesa prefere geralmente dizer forma lform para salien tar o aspecto visual que determinou a escolha desse vocábulo eg J Ferguson Platos Republic Book x p 127 eidos significa basica mente o aspecto que uma coisa tem N R Murphy The Interpre tation of Platos Republic p 130 entende que Platão usou a palavra como simples meio abreviado de se referir à coisa em si o que cada coisa é Mas talvez a definição mais rigorosa continue a ser a que deu R L Nettleship em 1880 The Theory ofEducation in Platos Republic p rn9 Ao elemento de realidade que o seu espírito des cobria ou supunha em toda a parte por trás das aparências e altera ções que a sensação nos mostra deu o nome de forma Para uma discussão clara e precisa sobre as dificuldades do problema leiase R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentary pp 178179 XXVI Toda esta parte constituí o que E Raven designou por o Ensaio sobre o Bem definido este último do seguinte modo 0 Bem para Platão i em primeiro lugar e com mais evidên cia a finalidade ou alvo da vida o objecto supremo de todo o desígnio e toda a aspiração Em segundo lugar e mais surpreen dentemente é a condição do conhecimento o que torna o mundo inteligível e o espírito inteligente E em terceiro último e mais importante lugar é a causa criadora que sustenta todo o mundo e tudo o que ele contém aquilo que dá a tudo o mais a sua pró pria existência 70 Um tríplice símile 71 vai tornar a doutrina mais compreensível explicando a relação entre o mundo visível e o mundo inteligível Poucos passos da República têm sido tão vivamente discutidos como estes quer em si mesmos quer nas relações en tre os três Essa longa discussão não a vamos renovar aqui 72 70 Platos Thought in the Making p 130 71 O processo é tradicionalmente designado por símile nos dois primeiros exemplos embora N R Murphy The Interpretation of Platos Republíc pp 156158 negue energicamente a propriedade dessa nomenclatura em relação ao segundo Outros preferem dizer alegoria mas o nome só se aplica perfeitamente ao terceiro exem plo Notese que Platão chama eikon imagem à alegoria da Ca verna vu 517ad 72 A discussão dos principais pontos de vista designadamente o tradicional de R L Nettleship e outros o ataque a este por J Ferguson in Classical Quarley 1921 e mais recentemente o de N R Murphy na mesma revista 1934 retomado no seu livro The Interpre tation of Platos Republic e o de J E Raven também naquela publica ção periódica 1953 e depois no livro Platos Thought in the Making encontrase exposta com toda a clareza em R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentay pp 196230 Sintomático da dificuldade de chegar a uma conclusão segura é como esses professores de filosofia reconheceram ser essa a única parte do livro em que os dois autores não estão de acordo p 227 XXVII De acordo com a orientação exposta inicialmente procuraremos apontar elementos que facilitem a reflexão pondo em evidência os dados do texto em que o estudioso precisa de atentar para basear a sua interpretação É o próprio texto efectivamente que afirma a relação entre os três símiles do do Sol com o da Linha Dividida em VI 509c e deste último com o da Caverna em VIL 517 ac Esta segunda equi valência tem sido ela mesma objecto de grandes discordâncias até porque principia por se declarar de uma forma um tanto vaga que este quadro deve agora aplicarse a tudo quanto dissemos anteriormente 517ab o que na verdade podia dizer respeito em prinápio tanto a um como a outro dos símiles Mas a conti nuação explicita que se deve comparar o mundo visível à caverna e o inteligível à ascensão dos prisioneiros ao mundo superior73 Para empregar uma imagem tirada da própria República diríamos que estes símiles encaixam uns nos outros como os con trapesos do fuso da Necessidade no mito de Er x 616de que na parte superior tinham o rebordo visível como outros tantos círculosformando um plano contínuo de um só fuso em volta da haste Em primeiro lugar temos pois a metáfora do Sol que mostra que esse astro está para o mundo visível como o Bem para o sensívd VI 507b509d 74 73 A interconexão é aceite por exemplo por J E Raven Platos Thought in the Making p 175 que acaba mesmo por afirmar As três grandes alegorias de Rep VI e vu não são três todos relacionados mas independentes como os três quadros de um trfptico são antes as três partes complementares e interdependentes de um só todo como os três pés de uma tripode Juntos constroem a base metafi sica da teoria e currículo da educação superior em Platão 74 O pormenor da correspondência está explicado no comen tário a VI 508e infra n 38 ao Livro VI xxvm O segundo v1 509d511e consiste em imaginar uma linha para ser dividida em duas partes desiguais cada uma das quais seria ainda seccionada segundo a mesma proporção Se designar mos a linha por AB o primeiro corte por C e os outros por D e E e indo buscar ao texto as equivalências dos segmentos assim obtidos podemos traçar o seguinte diagrama B noeta superiores noesis E Q o e noeta inferiores dianoia e zoi pistis IU D IU X o eikones tl eikasia A Portanto o mundo visível horata ou doxasta tem em primeiro lugar uma zona de eikones imagens reflexos nas águas conhecidos pela eikasia suposição ou como outros preferem ilusão Num nível mais elevado temos todos os XXIX seres vivos zoa e objectos do mundo conhecidos através de pistis fé O mundo inteligível noeta tem também dois sectores proporcionais a estes o inferior e o superior o primeiro apreendido através da dianoia entendimento ou razão discursiva Nesta última distinção poderá residir como alguns supõem a finalidade principal da analogia o contraste entre o conhecimento pela dianoia que é o das ciências e o que é pela noesis que é o da filosofia Mas não é menos importante a antinomia entre opinião e saber entre doxa e sophia que tínhamos visto ao terminar do Livro IV e vai tomar forma nítida na alegoria da Caverna vn 514a518b Homens algemados de pernas e pescoços desde a infância numa caverna e voltados contra a abertura da mesma por onde entra a luz de uma fogueira acesa no exterior não conhecem da realidade senão as sombras das figuras que passam projectadas na parede e os ecos das suas vozes Se um dia soltassem um des ses prisioneiros e o obrigassem a voltarse e olhar para a luz es ses movimentos serlheiam penosos e não saberia reconhecer os objectos Mas se o fizessem vir para fora subir a ladeira e olhar para as coisas até vencer o deslumbramento acabaria por conhe cer tudo peif eitamente e por desprezar o saber que se possuía na caverna Se voltasse para junto dos antigos companheiros seria por eles troçado como um visionário e quem tentasse tirálos daquela escravidão arriscarseia mesmo a que o matassem Antes de iniciar a alegoria no começo do Livro VII Platão dissera expressamente que se tratava de dar a conhecer o com portamento da natureza humana coriforme ela é ou não sub metida à educação VII 514a Ora o modo como esta háde processarse constitui o tema central do Livro Deve notarse em primeiro lugar que o curriculum que se propõe visa a disciplina mental e o desenvolvimento do poder XXX de pensamento abstracto 75 Por isso temos em sucessão os vá rios ramos então conhecidos 76 da matemática incluindo um acabado de criar e ainda sem nome a futura estereometria des ligados como sublinha o próprio texto das suas aplicações prá ticas VII 525bd Temos assim como base a aritmética que Jacilita a passagem da própria alma da mutabilidade à ver dade e à essência VII 525c a seguir o espaço a duas dimen sões ou geometria plana em terceiro lugar o espaço a três di mensões por meio da estereometria a astronomia estuda os corpos sólidos em movimento e a harmonia o som que eles en tão produzem Tratase portanto de um ensino essencialmente formativo Todas estas ciências têm por missão preparar o espí rito para atingir o plano mais elevado a dialéctíca cujo fim é o conhecimento do Bem VII 533be Para o seu aprendizado se leaionaramse os mais bem dotados quando atingem a idade de trinta anos VII 537d como anteriormente tinham sido escolhi dos aos vinte anos os que haviam de encetar uma educação su perior VII 537bc Eis o modo como Platão a define O método da dialéctica é o único que procede por meio da destruição das hipóteses a caminho do autêntico prinápio a fim de tornar seguros os seus resultados e que realmente arrasta aos poucos os olhos da alma da espéde de lodo bárbaro em que está atolada e elevaos às alturas utilizando como auxiliares para ajudar a conduzilos as artes que analisámos vu533cd 75 A frase é de P Shorey What Plato Said p 236 76 Os fundamentos da álgebra só foram lançados no séc m d C por Diofanto numa obra intitulada aliás Aritmética O nome e a notação que lhe é própria foramlhe dados posteriormente pelos Arabes XXXI E para nos tirar quaisquer dúvidas sobre a relação entre esta or denação dos estudos e os quatro graus de entendimento anterior mente referidos explica de novo Bastará pois que como anterionnente chamemos ciência à primeira divisão entendimento à segunda fé à terceira e suposi ção à quarta e opinião às duas últimas inteligência às duas pri meiras sendo a opinião relativa à mutabilidade e a inteligência à essência vu 533e534a É próprio do saber dialéctico apreender a essência de cada coisa VIL 534b Deve ser capaz de distinguir a natureza es sencial do Bem isolandoo de todas as outras ideias VII 534c Demorámos um pouco na noção de dialéctica porque é uma das várias palavraschave 77 deste diálogo que mudaram de tal modo de sentido que o seu emprego sem advertência pré via pode induzir em erro 78 Derivada de dialegesthai falar com discorrer raciocinar79 pressupõe interlocutores exac tamente como ocorre no modo de filosofar da obra platónica designada aliás por uma palavra da mesma família diálogo n Outras são ídea ou eidos supra n 69 p XXVI e philosophia e philosophos supra n 68 pp xxvxxvr Adiante veremos mais exemplos 78 O principal seria conforme foi notado por F M Cornford The Republic of Plato p 223 atribuirlhe o sentido que tomou a partir de Hegel 79 R L Nettleship Lectures on the Republic of Plato p 279 cita o passo dos Memoráveis rv 51112 em que Xenofonte põe na boca de Sócrates a explicação de que o verbo provém da prática de os ho mens se encontrarem para deliberar pondo de lado os assuntos que discutiam segundo a sua espécie que é o que tomou os ho mens melhores mais capazes de governar e de discorrer XXXII Por esse motivo Nettleship pôde escrever O termo dialéctica que desempenha um papel quase tão proeminente na filosofia platónica como forma não significa originariamente nada mais do que o processo de discussão oral por meio de pergunta e resposta 80 E ainda a palavra passou do simples significado de discorrer para o de discorrer com o fim de atingir a verdade e este discorrer pode executarse através de palavras entre duas pessoas ou ser o diálogo silenciosamente conduzido pela alma consigo mesma Sofista 263e 81 Da designação do mé todo fJ füaÃxnx11 µé0oõoç VIL 533c passa a identificarse com o próprio objecto a alcançar por essa via que é o saber filosófico e OS LIVROS VIII E IX Ao principiar o Livro VIII Sócrates recapitula a legislação estabelecida para a cidade ideal e os seus guardiões e propõese regressar ao caminho anterior vm 543c Recorda ainda que Gláucon estava a referirse às outras quatro espécies de governo quando foram interrompidos por Polemarco e Adimanto VIII 544ab Retomada a discussão neste ponto vãose descrever essas quatro espécies e a maneira antihistórica mas convincente como degeneraram umas nas outras Deste modo se traça o quadro da tímocracia ou governo que preza as honrarias oligarquia demo cracia e tirania bem como do homem que corresponde a cada uma A descrição do ponto mais baixo a que chegou a degradação humana põe de novo a questão inicial da felicidade e virtude de cada uma destas espécies em relação com as qualidades que predominam na cidade82 com a conclusão de que o tirano escravo dos mais sórdidos prazeres e apetites é o que mais se opõe ao 80 The Theory of Education in Platos Republic p n5 81 Lectures on Platos Republic p 280 82 IX 577c XXX1II filósoforei que tem acesso aos prazeres puros e reais e de que é a justiça e não a injustiça que traz vantagens a quem a pratica Ao terminar o Livro IX Gláucon reconhece que a cidade que acabam de delinear é utópica Mas objecta Sócrates fica o paradigma no céu para quem quiser contemplálo e estabelecer por ele o seu teor de vida Quer a cidade exista quer não é só a esse modelo que o filósofo seguirá 83 f O LIVRO X O Livro x tem aparecido à maioria dos comentadores como um suplemento ou um apêndice 84 A discussão tinha já termi nado com o contraste entre a vida do homem justo e a do in justo e conclusão sobre a superioridade daquela respondendo portanto à asserção de Trasímaco em L 343a344c 347e retomada em II 36oe361d Mas Sócrates reabre o diálogo para precisar a importância das disposições sobre a poesia que hãode obseroarse na cidade fundada x 595a 83 IX 529b 84 Exemplo representativo dessa posição é R L Nettleship que chega a encontrar vestígios de mais de uma redacção do mesmo tó pico Lectures on the Republic of Plato p 341 e a supor que Platão teria dois planos em mente para acabar o diálogo ibidem p 355 V Goldschmidt ainda é mais incisivo quando afirma que se a seguir ao Livro IX estivessem as conclusões de x 612a seqq ninguém sus peitaria de uma lacuna Les Dialogues de Platon p 300 Mais recen temente ainda R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophícal Commentay p 263 observam que apesar da sua im portância o Livro x deve ser considerado um apêndice No mesmo sentido mas numa atitude muito crítica se pro nunciou Julia Annas An Introductíon to Platos Republic cap 14 que classifica este livro de gratuito e confuso e muito abaixo dos outros quer no nível de argumentação quer no da arte literária p 355 Dife rentemente N P White A Companíon to Platos Republíc p 29 consi derao ao mesmo tempo um epílogo e uma contrapartida do Livro 1 destinados a completar ideias que ficaram de lado nos Livros n a ix XXXIV Deste modo se retoma agora em larga escala o tema da condenação da poesia que consiste na imitação 85 esboçado nos Livros II e III Podemos supor como P Shorey e F M Cornford que Platão se viu na necessidade de se defender contra a celeuma le vantada pelas afirmações sobre o tema feitas naqueles mesmos livros 86 Mas a importância da poesia na vida grega justifica a expansão dada a este ataque Embora desde os finais do séc VI aC a escrita estivesse divulgada e desde o séc v hou vesse um comércio de livros apreciável 87 a verdade é que era a poesia oralmente transmitida quer pelos rapsodos quer pelos actores dramáticos o principal meio de educação e veículo de conhecimentos Esta transmissão intersubjectiva do saber é um aspecto característico e fundamental da cultura grega bem visí vel aliás nos próprios diálogos de Platão E não esqueçamos que mesmo para extensas narrativas em prosa como eram as 85 Damos à palavra grega mimesis a sua tradução habitual Di versos comentadores de Platão insistem em substituíla por outra menos enganadora como representação e g F M Comford The Republic of Plato p 323 J Ferguson Plato Republic Book X p 140 para tomar clara a participação do sujeito no acto de imitar Sobre a dificuldade da questão e razões que aconselham apesar de tudo a manutenção da equivalência tradicional vide R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentary pp 271272 86 P Shorey What Plato Said p 248 e F M Comford The Re public of Plato p 321 Seria portanto uma explicação paralela à da relação entre o Livro v e As Mulheres na Assembleia de Aristófanes nos moldes em que alguns a imaginam vide supra pp XVIXVIII e n 43 p XVI 87 As provas de um e outro facto encontramse nos nossos Es tudos de História da Cultura Clássica I pp 1819 Mesma paginação na 8 ed 1998 XXXV eram as Histórias de Heródoto não estava excluída a prática da recitação perante um grande auditório 88 Um passo de Xenofonte posto na boca do mesmo Nícérato que já referimos atrás por ser também umas das figuras da Repú blica é extremamente elucidativo quanto ao valor atribuído em especial ao conhecimento dos Poemas Homéricos 89 Podeis ouvir de mim como haveis de vos tomardes melho res se comigo conviverdes Sabeis sem dúvida que Homero o mais sábio de todos poetou sobre quase todas as actividades humanas Portanto quem quiser tomarse um bom administrador da sua casa orador público ou general ou semelhante a Aquiles Ájax Nestor ou Ulisses que fale comigo porque eu sei disso tudo É precisamente este ponto que Platão ataca quando em li gação com a teoria da imitação que acaba de expor e a conclu são a que chegara de que ela estava três pontos afastada da rea lidade imagina que se dirige a Homero e lhe pergunta 9 Meu caro Homero se relativamente à virtude não estás afastado três pontos da verdade nem és um fazedor de imagens a quem definimos como um imitador mas estás afastado apenas 88 A tradição biográfica de Heródoto fala de um recital em Ate nas e outro em Olímpia Admitese actualmente que foi a necessidade de preservar obras que pelo seu conteúdo e forma de expressão não tinham condições para serem aprendidas de cor nomeadamente os escritos dos pri meiros filósofos a partir de Anaximandro que motivou o uso do livro na Grécia arcaica Notese contudo que como é sabido Platão mantém o primado da oralidade sobre a escrita Pedro 274c277a 89 Banquete IV 6 Esta maneira de ver perdurou através da An tiguidade toda na época romana vamos encontrála em Estrabão 1 12 e em Pausânias 1v 2878 Sobre este assunto em geral veja se o nosso livro citado na p anterior n 87 90 x 599de Não tentaremos sequer pôr o problema da crono logia relativa das duas obras de que de resto aqui só nos interessa confrontar estes passos como representativos de tendências opostas XXXVI dois e se foste capaz de conhecer quais são as actividades que tor nam os homens melhores ou piores na vida particular ou pública diznos que cidade foi graças a ti melhor administrada como su cedeu com a Lacedemónia graças a Licurgo e com muitas outras cidades grandes e pequenas devido a muitos outros Que Estado te aponta como um bom legislador que veio em seu auxílío A Itália e a Sicília indicam Carondas e nós Sólon E a tí quem Esta condenação da poesia já há muito que foi vista como tendo um sentido mais profundo que a simples exclusão do ele mento lúdico da psicologia humana e a negação do valor para digmático das figuras que retrata 91 Assim Adam reconhece que a República é em certo sentido um requerimento para que a Filosofia tome o lugar que a Poesia até aí tinha preenchido na teoria e na prática educativa 92 91 O passo desencadeou como é sabido uma longa série de defesas da poesia de que as mais célebres são a Poética de Aristóte les e a Defence of Poetry de Shelley 92 No seu comentário a 598d vol 11 p 396 onde cita Munk Die naturalische Ordnung der Platonischen Schrifien pp 313 seqq Temse notado e procurado explicar a razão pela qual a influência que Platão atribui às artes varia tanto de umas para outras Assim além da poesia preocupase com o papel da música m 398c401a recordando até a frase de Dâmon de que nunca se abalam os géneros musicais sem abalar as mais altas leis da cidade 1v 424c E por outro lado as artes plásticas cujo esplendoroso desenvol vimento na Grécia não precisa de ser lembrado são quase passa das em silêncio uma referência à pintura em 601c seqq e espe cialmente em 602cd Talvez a razão seja a que aduziu R L Nettleship The Theory oJ Education in Platos Republic p 69 O es tado de espírito em que quadros e estátuas e mais ainda edifícios são mais apreciados e gozados é mais de receptividade aberta e inalterada do que de emoção activa O mesmo helenista em Lec tures on the Republic of Plato p 117 recorda a propósito um passo da Política de Aristóteles 134oa28 seq que comprova a suposição XXXVII Mais recentemente é esta também a intepretação de E A Havelock 93 que considera mesmo que todo o diálogo é um ataque ao sistema educativo grego então em vigor 93 ataque esse que ao mesmo tempo constituí o melhor documento da crise da cultura grega que viu a substituição de uma tradição oral decorada por um sistema de instrução e educação completamente diferente 94 Tornaremos mais adiante à discussão desta teoria Antes disso porém temos de voltar a nossa atenção para o outro tema maior deste grandioso finale o mito de Er Examinemos pri meiro o modo de transição Logo a seguir ao celebérrimo passo da condenação da poesia o próprio texto proclama as razões que teve para tanto x 607b Aqui está o que tínhamos a dizer ao lembrarmos de novo a poesia por justificadamente excluirmos da ddade uma arte desta espécie Era a razão que a isso nos impelia A cidade ideal quer preservar a justiça a todo o custo x 6o8b É um grande combate meu caro Gláucon é grande e mais do que parece o que consiste em nos tomarmos bons ou maus De modo que não devemos deixarnos arrebatar por honrarias rique zas nem poder algum nem mesmo pela poesia descurando a jus tiça e as outras virtudes de que os Gregos consideravam relativamente pequena a influência das artes plásticas 93 Preface to Plato cap 1 especialmente pp 1213 94 Op cit p 198 P Friedlander Plato 3 p 87 supõe mesmo que no Livro m 392c398b ao atacar a poesia mimética Platão está a sugerir que lugar deve destinarse no seu Estado ideal à sua própria obra literária aos seus diálogos onde narração e mimese assim como tragédia e comédia estão combinados e são superados pela filosofia XXXVIII A grande virtude que se tem estado a definir proporciona altos prémios e recompensas de uma magnitude que ultrapassa a curta duração da vida humana Deste modo Sócrates introduz a doutrina da imortalidade da alma já expressa no Fédon 95 e ao mesmo tempo preparanos tpara uma réplica às grosseiras doutrinas de felicidade no além a que fizera despectiva alusão no Livro II 363ce Essa réplica vai ser dada sob a forma de um mito pro cesso literário que estava fortemente enraizado na tradição grega quer na épica quer na lírica e que surge nos diálogos a substituir a discussão dialéctica quando se passa da esfera do certo para a do provável 96 Expor d está forma doutrinas escatológicas foi além disso praticado mais vezes por Platão no Górgias no Fédon e no Pedro E se no primeiro destes diá logos se mantém ainda bastante próximo da tradição sobre o além excepto num ponto essencial que é a definitiva vincula ção do destino último das almas ao seu procedimento moral em vida nos outros a descrição enquadrase numa visão cósmica a 95 Sobre as diferenças entre as provas da imortalidade da alma apresentadas no Fédon República e Fedro que justamente levam a su por a sua composição na ordem em que as enumerámos e ainda noutros diálogos vejase entre outros R Hackforth Platos Phaedo Cambridge repr 1972 pp 11 e 2122 96 Esta é a interpretação tradicional representada por A Ri vaud Histoire de la Phílosophie Paris 1 21960 p 179 Uma análise do mito em Platão pode verse em P Friedlander Plato 1 cap 9 que o descreve como um processo de levar o logos para além dos seus li mites e na obra mais recente que em parte desenvolve a anterior de W Hirsch Platons Weg zum Mythos Berlin 1971 Pelas razões expostas supra p XXVII e n 71 não estamos a considerar nesta rubrica a alegoria da Caverna nem outras histórias menores como a do anel de Giges 11 35963606 ou a das raças humanas 111 415ac XXXIX que não deve ser estranho sobretudo na República e no Fedro o crescente interesse do Filósofo pela astronomia Pressupõem a doutrina da metempsicose 97 e nos dois últi mos a teoria da reminiscênda que é um dos aspectos da teoria das ideias presente também no Fédon a qual no Fedro ocupa um lugar preponderante O mito de Er apresenta a estrutura tripartida que é comum aos três 98 uma breve introdução x 614a a extensa narrativa x 614b62rb e a conclusão que neste caso é uma exortação à virtude x 621cd Ao prindpiar essa narrativa Platão alude a um modelo homérico os Contos de Alcínoo designação genérica dada os Cantos IX a xn da Odisseia em que o herói dos mil expe dientes desenrola perante os reis dos Feaces as suas fantásticas aventuras A ref erênda ao padrão homérico ao tratar de escato logia era nossa conhedda do Górgias cujo mito era posto sob essa autoridade 99 Mas agora o nome de Alcínoo é utilizado para formar um jogo de palavras com o adjectivo alkimos valoroso que qualifica o imaginário infannador Er filho de Annénio natural de Panfilia Sob o gracioso contraste tão ao gosto do autor do Crátilo escondese outro de significado muito mais profundo a história que vai contarse não é uma daquelas que umas páginas atrás 10º tinham sido excluídas por 97 Se ela está implícita ou não no Gógias é discutível Vejase a n 1 da p 83 do nosso estudo Concepções Helénicas de Felicidade no Além de Homero a Platão 98 Deste e dos restantes mitos escatológicos de Platão tratámos já na dissertação citada na nota anterior pp 7791 169184 198201 99 5231 Cf H W Thomas Epekeina Untersuchungen über das Überlieferungsgut in den Jenseitsmythen Platons diss München 1938 pp 6 8 seqq 100 x 606e607a XL impróprias da ddade ideal pelo contrário diz respeito ao grande combate megas agon 101 que já referimos O que consiste em nos tornarmos bons ou maus É 1fm primeiro exemplo da lite ratura que merece ser admitida na cidade ideal Er fora protagonista de uma estranha experiência tendo mor rido numa batalha quando ao fim de doze dias o seu cotpo es tava na pira para ser cremado tomou à vida e pôde contar as cenas maravilhosas a que tinha assistido no além durante esse tempo A primeira era o julgamento das almas num lugar entre as duas aberturas que conduziam ao céu e outras duas que comunicavam com a terra Pelo caminho ascendente da direita seguiam os justos pelo oposto os injustos Pela outra abertura celeste vinham as almas que desciam purificadas pela terrestre surgiam as que regressavam de uma viagem subterrânea de mil anos cheia de sofamento Entre estes dtase o exemplo de um tirano da Panfilia Ardieu o Grande a quem nunca seria permitido acabar a expia ção tantos eram os seus crimes Esta cena culmina no momento dramático em que a Ardieu e outros grandes culpados é recusada a passagem pela abertura ao som de um terrível mugido e homens selvagens que pareciam de fogo 615e agarram neles e os levam A segunda cena contém o quadro da estrutura do universo com a grande luz direita como uma coluna muito semelhante ao arcoíris mas mais brilhante e mais pura 616b que segura a esfera em movimento Das suas extremidades pendia o fuso da Necessidade cuja complexa estrutura é descrita quanto à forma e à cor em termos tais que nos permitem adivinhar neles a correspondência com o Sol a Lua os cinco planetas então conhecidos e as estrelas fixas O fuso repousa nos joelhos da Necessidade e no cimo do rebordo circular de cada um dos seus contrapesos uma Sereia girando com ele emite uma nota musical 1º1 x 6o8b XLl Do acorde dessas oito notas resulta a harmonia das eif eras Além dessas figuras femininas estão lá também as três Parcas ou Moirai que cantam o passado Láquesis o presente Cloto e o futuro Átroposfazendo girar o fuso No mesmo augusto lugar se realiza a proclamação do hiero fante para que cada uma das almas ali chegadas ao fim de oito dias de viagemf aça a sua eswlha Er assiste a esse acto em que to mam parte figuras célebres da mitologia wmo Of eu Ájax Aga mémnom Ulisses cada um dos quais dá preferência a um modelo oposto ao género de vida que anteriormente tinha seguido O wn traste maior é entre um homem nãonomeado que se precipita para apanhar a sorte de um tirano sem reparar a tempo nos hor rores que ela wmportava e Ulisses que levanta do chão uma sorte por todos desdenhada a de uma vida simples e sem ambições Ratificada a eswlha do destino pelas Parcas atingimos o último quadro através de uma planura escaldante e desprovida de vegeta ção Tanto o nome da planura Letes esquecimento wmo o do rio de que as almas bebem antes de reincarnarem Ameies des preocupação são significativos da função desta cena final que ter mina wm um trovão e a fuga das almas cintilando wmo estrelas 621b para nascerem nos lugares que lhes estavam determinados As fontes de uma parte do mito de Er são identificáveis Podemos ter algumas dúvidas quanto às que se têm en contrado para certos motivos como os duplos chasmata que conduzem do céu à terra a ida e vinda e saudações das almas que figuram de modo semelhante em mitos iranianos do Avesta e wmo as cores dos wntrapesos do fuso que wrrespondem apro ximadamente aos símbolos dos planetas do Sol e da Lua entre os sacerdtes caldaicos 102 Mas teremos de reconhecer por outro 102 A hipótese das origens orientais desta parte do mito foi de fendida por J Bidez Eos ou Platon et lOrient Bruxelles 1943 cap VI XLII lado que há certa relação entre experiência de Er e a revelação xamanística 103 O motivo repetido do trovão 104 os movimentos dos contrapesos e o canto harmonioso das Sereias 105 a reincarna ção e a noção de Necessidade Ananke são pitagóricas 106 e provavelmente também o beber das águas do rio do esqueci mento Quanto à patte cosmológica do mito supõese geralmente que descreve uma representação mecânica do céu 107 A coluna de luz é identificada desde a Antiguidade ora com a Via Láctea ora com o eixo do mundo 108 Deve notarse no entanto que apesar da minúcia com que Platão imagina em pormenores a estrutura do universo tamanhos relativos e cores dos contrape sos não deverá insistirse demasiado na correspondência de Le Mythe dEr e Les Couleurs des Planetes dans le Mythe dEr Bulletin de lAcadémíe de Belgique 1935 10 O facto foi notado por E R Dodds The Greeks and the Irra tional Berkeley 1951 pp 2IO e 225 n 8 que supõe como intermediá rios os Pitagóricos que Platão conheceu na sua viagem ao ocidente grego cerca de 390 ae 104 Sabese através de uma informação de Eliano Varia Historia IV17 VS 58 45 C2 que os Pitagóricos explicavam os tremores de terra como assembleias dos mortos 105 Jâmblico Vita Pythagorea 82 VS 58 45 C4 106 A Ananke figura em Diels Doxographi Graed 321 e também no fr 115 Diels das Purificações de Empédocles 101 E g E Frank Plato und die sogenannten Pythagoreer Halle 1923 p 344 n 69 apud H W Thomas Epekeina p rn3 F M Cornford The Republíc of Plato p 350 onde remete para o seu livro anterior Platos Cosmology 1937 e para J A Stewart The Myths of Plato p 165 108 H W Thomas op dt p rn3 reconcilia as duas teorias su pondo que o eixo do cosmos centro da ordem do universo to mava o aspecto de uma coluna de luz para os que se aproximavam XLlll todos eles A interpretação alegórica exaustiva é tarefa arriscada que é prejerível deixar à argúcia de cada um 109 Um ponto deve ser salientado como central em todo este mito a escolha de destinos sobretudo porque aqui se concilia a responsabilidade com a predeterminação 11º O facto notado já por R L Nettleship 111 e outros exprimese na proclamação do h r fi l 112 ierCJante numa rase conasa e so ene A responsabilidade é de quem escolhe O deus não é cul pado Mas além disso temos o simbolismo de Ananke e das Parcas ou Moirai essas velhas entidades mitológicas que signi ficam a porção ou lote destinado a cada um na vida o qual 109 Um exemplo feliz é este de R L Netdeship Lectures on the Republic oJ Plato p 362 A haste e o gancho do fuso são de aço quer dizer são imperedveis e inalteráveis mas o peso o sistema de esferas isto é a totalidade do universo visível é parte de aço e parte de outras substâncias o que quer dizer que o universo em parte apresenta uma lei uniforme e eterna e em parte irregulari dade e mutação P Friedlander Plato 3 p 137 interpreta outro as pecto da alegoria O fuso do mundo representa numa imagem vi sível o mais alto objecto de conhecimento 110 Preferimos dizer responsabilidade em vez de livre arbítrio porque esta noção é postplatónica conforme foi de monstrado por M Pohlenz Die Stoa 1 Gõttingen 1948 e Griechische Freiheit Heidelberg 1955 que a data de Zenão de Chipre 111 Lectures on the Republic oJ Plato p 363 Vejase também R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophícal Commen tary p 288 112 x 617e Em grego são apenas quatro palavras dispostas em quiasmo Altla éÃoµévou Eeo vaino XIN em Homero era inalterável até para os deuses 113 A noção de irre versibilidade mantémse quando após a escolha a alma tem de passar por Láquesis para que lhe conceda um daimon que a faça levar a cabo o empreendimento por Cloto para que lhe ratifique a decisão e por Átropos para que a torne irrevogável funções estas que estavam já preludiadas na etimologia do nome de cada uma O elemento novo é portanto a possibilidade de opção entre um elevado número de modelos Nessa ocasião é o grande perigo para o homem e por esse motivo se deve ter o máximo cuidado em que cada um de nós ponha de parte os outros estudos para investigar e se aplicar a este 114 Assim o problema da responsabilidade e predeterminação115 que começara a esboçarse vagamente em Homero e fora tema central nas grandes tragédias áticas do séc V a C fica equadonado no plano escatológico em ligação com a teoria da metempsicose O tema principal Apreciámos através desta sucinta análise a ordenação dos motivos ao longo do diálogo Tivemos assim ocasião de ver que um grande número de temas foi abordado A propósito das origens da ddade no Livro II discutiuse teoria política ao formular a chamada Teoria Orgânica que vê no Estado uma pessoa política dotada de vida e carácter próprio 116 Outros 113 Sobre as restrições que podem fazerse a esta afirmação vide os nossos Estudos de História da Cultura Clássica I pp 99101 Na 8 ed 1998 pp 131135 114 X 618bc 115 Sobre a evolução do conceito de Moira vejase o nosso ar tigo na Endclopédia Verbo s v 116 A teoria foi analisada por T D Weldon States and Morais cap 2 apud R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentary p 76 XLV encontraram na tese de Gláucon de que é natural ao homem explorar os seus semelhantes mas deixa de o fazer logo que des cobre que tem mais vantagem em chegar a acordo com os outros uma primeira exposição da Teoria do Contrato Sodal 117 À teoria política é também indubitavelmente consagrado o Livro I assim como os Livros VIII e IX que descrevem o modo como se origi nam as várias formas de governo A psicologia tem um lugar de relevo no Livro Ir7 onde se analisam os elementos da alma e no Livro x onde se apresentam provas da sua imortalidade Nos Livros VI e VII assume grande papel a Teoria das Ideias que é fundamental na epistemologia platónica mas além disso não pode dissociarse da sua metafísica e ética 118 Não esqueçamos que é para a ideia suprema do Bem que se orienta a formação do filósofarei O Livro VII formula uma teoria da educação ilustrada com um esquema de curriculum de estudos superiores que vem contemplar a formação elementar que se preconizara no Livro m Além disso ao enumerar as diversas ciências que compõem esse plano referemse os principais problemas que têm a resol ver O facto é mais evidente quando se trata da astronomia mas não deve deixar de se atentar sem olvidar o que representava de arrojada novidade para a época no elogio da estereometria Ocasionalmente também se fala do papel que deve ter a medi cina na sociedade m 405d408e Definese além disso o que seja filósofa e filosofia v 474d 48oa VI 484a487a e o método desta última e g VII 533ce 117 É esta a interpretação de F M Cornford The Republic of Plato p 41 e outros Negamna R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentay pp 7174 118 Cf R C Cross and A D W oozley op cit pp 186187 e 193 XLVI Depois desta enumeração aliás nãoexaustiva poderseá perguntar ante tal variedade se existe um tema prindpal e no caso afirmativo se ele é ou não o que o título da obra indica Tivemos anteriormente oportunidade de verificar que certas palavraschave da República podiam induzir o leitor em erro se não soubesse previamente o que elas signiflcavam no séc IV a C em geral e para o autor em particular Ora uma dessas é predsamente o título da obra Politeia cujo sentido etimológico é constituição ou forma de governo de uma polis ou ddade estado É tudo o que diz respeito à vida pública de um Estado incluindo os direitos dos cidadãos que o constituem Este aspecto público comunitário traduzse claramente na equivalência que os Romanos deram ao termo empregando o composto que ainda hoje usamos respublica Não designa por conseguinte uma forma de governo determinada mas todas em geral 119 Ora num livro com este título a pergunta fundamental 119 O facto que tem sido repetidamente apontado é expresso com grande clareza por J Ferguson Platos Republic Book X p 29 A República é um livro de filosofia moral nisso é enganador o seu título habitual porquanto esperamos encontrar uma obra de filoso fia política e ficamos desconcertados pela grande amplitude do seu tema que inclui problemas de política educação estética sexo filosofia social psicologia ética metafísica e religião Isto compre endese prontamente se nos dermos conta de que Homem para os Gregos significa Homem na Sociedade A Dies na introdução à edição Budé de Platão Tomo vr não é menos claro Efectiva mente depois de considerar que a justiça é uma virtude social que só se forma bem no indivíduo pelo modelo de uma cidade bem administrada concluiu p xn Por isso justiça social e justiça in dividual ordem da cidade e ordem da alma se misturarão entre si sem cessar através de todo este diálogo Não temos pois de nos interrogarmos qual o tema primário e qual o tema secundário o tema é um é a República perfeita ou a Justiça XLVII que vai servir de base a todo o diálogo é Que é Dikaiosyne Esta bem como o adJectivo de onde deriva dikaios constituem dificuldade idêntica à anterior porquanto é como escreveu R L Nettleship o mais genérico dos nomes gregos para a virtude e no seu sentido mais lato diznos Aristóteles equivalente a a to talidade de virtudes tal como se mostra no nosso trato com os outros Eth Nic VII5 e 20 12º É em resumo proceder b d 121 em para com os emais Sendo assim e tendo presente a equivalência fá referida mais de uma vez e fortemente sublinhada ao longo dos Livros vmIX entre Estado e indivíduo compreendemos o âmbito da Dikaiosyne e sua relevância na estrutura da cidade na Poli teia Não precisamos de supor como E A Havelock que a República é primariamente um ataque ao aparelho educativo existente na Grécia 122 Antes nos parece que o problema deve formularse ao contrário porque o sistema educativo é essencial na formação dos cidadãos cabelhe um papel de relevo numa obra que trata da cidade 123 12º Lectures on the Republic of Plato pp 45 121 Vide entre outro F M Cornford The Republic ef Plato p 1 H S Thayer Plato the Theory and Language of Function in Platos Republic Interpretatíon and Critidsm ed A Sesonske pp 2129 R C Cross and A D Woozley Platos Republic A Philosophical Commentay pp VIVII 122 Preface to Plato cap 1 especialmente p 13 Havelock foi mesmo ao ponto de fazer a contagem das páginas consagradas à teoria política para além do Livro 1 e verificou que eram cerca de 81 em 239 p 18 n 37 efectuando o cálculo pela numeração de Stephanus sobre a qual vide infra p uu 123 Este modo de encarar a unidade da República não diverge essencialmente da do célebre ensaio de HG Gadamer Platos Staat der Erziehung Das neue Bild der Antike herausgegeben von H Berve Leipzig 1942 1 pp 317333 que H Cherniss resume em XLVIII O mesmo helenista pensa que assim se explica o lugar des tacado conferido à condenação da poesia no último Livro Re cordese contudo que não é esse o fecho da obra mas sim o mito de Er cuja finalidade é demonstrar com todo o aparato imagi nativo de que se reveste a necessidade de proceder bem durante a vida ou seja de ser justo Influência da obra na Antiguidade Do mais antigo ensaio de teoria política utópica como se tem chamado à República pode dizerse paradoxalmente que Lustrum rv 1959 p 156 do seguinte modo Tratase de uma ex posição da relação da justiça como saúde do Estado com a justiça como saúde da alma e da consequente unidade da República como um tratado que estabelece a necessidade de educação filosófica para a realização e manutenção da virtude política A seguir e na mesma página daquela revista bibliográfica H Cherniss refere a tese sustentada por R G Hoerber The Theme of Platos Republic St Louis 1944 de que o diálogo em causa diz res peito exclusivamente aos efeitos da justiça e da injustiça na alma do indivíduo sendo o esboço do Estado destinado apenas a ilustrar a alma individual e não a ter qualquer significado político prático Tão errada concepção comenta o recensor poderia ter sido evitada por uma leitura cuidadosa de estudos como o de Gadamer Que o quadro da cidade ideal não é moldura apenas provao a resposta de Sócrates a Gláucon quando este lhe declara a impos sibilidade de a realizar neste mundo Mas talvez haja um modelo no céu para quem quiser contemplála e contemplandoa fundar uma para si mesmo De resto nada importa que a cidade exista em qualquer lugar ou venha a existir porquanto é pelas suas normas e pelas de mais nenhuma que ele pautará o seu comportamento rx 592b XLIX começou cedo a exercer grande influência Apesar de criticada por Aristóteles 124 já na época helenística vemos postas em prá tica duas novidades ensinadas por este diálogo e confirmadas pelas Leis as escolas públicas sustentadas pelo Estado e a educação das raparigas 125 E também a orientação dos estudos para a Filosofia a rivalizar com a direcção oposta ensinada por Isócrates que consistia em ver na Retórica o coroamento natural do desenvolvimento intelectual dos seus alunos Tãopouco deve esquecerse o papel do mito de Er bem como dos outros três so bre o mesmo tema na fixação de uma escatologia com castigos e recompensas de acordo com o procedimento moral de cada um Tal como sucede em todos os domínios da cultura grega também neste a máxima difusão é alcançada através dos Ro manos Bom conhecedor dos filósofos helénicos e seu principal divulgador Cícero devotava culto especial a Platão 126 cujos diálogos quis imitar sobretudo os dois maiores escrevendo um De Republica e um De Legibus Na primeira destas obras havia até uma parte a que se conserva intacta chamada Sonho de Cipião que cons tituía uma réplica ao mito de Er É extremamente significativa 124 Política 1261141265a Quando não cada cidade é uma meia cidade em vez de duas dizem as Leis 805a com menos rigor aritmético do que po der de sugestão 126 A frase mais expressiva será talvez esta que Cícero põe na boca de Atico Pois bem se queres saber o que espero de ti já que es creveste sobre a constituição da República parece lógico que faças outro tanto sobre as Leis É assim que eu vi fazer o teu querido e famoso Platão que tanto admiras que colocas acima de todos que estimas mais que ninguém De Legibus 11 4 L a escolha do destruidor de Cartago para ouvinte da revelação que lhe faz o seu antepassado por adopção Cipião o Africano pois com estas figuras estamos no ponto de intersecção entre a virtus romana e a sophia grega 127 Inspirado no modelo de Platão Cícero descreveu uma cidade que é uma idealização de Roma e que por sua vez seroirá de modelo ao principado de Augusto 128 Desse modo se pode afirmar que embora indirecta mente ela passou do património da literatura utópica para o da história universal Prosseguir na apreciação destas influências com a ampli tude que o tema merece estaria fora da nossa competência e além disso incorreria no perigo de transformar uma simples introdução numa história das doutrinas políticas 129 e talvez 127 Alguns factos bem documentados evidenciam a importân cia desta influente família romana nesse momento capital da histó ria da cultura do Ocidente em que a sophia helénica ganha foros de cidade entre os Latinos Segundo o testemunho de Cícero o pró prio Cipião Emiliano não largava de mão a Ciropedia de Xenofonte Ad Quíntum Fratrem 1123 e tanto ele como os amigos sempre ti veram junto de si bem às claras os mais eruditos varões da Grécia De Oratore 11 154 12 A observação partida de Eduard Meyer foi retomada por P Friedlander Plato 3 p 140 o qual conclui Assim a cidade ideal de Platão teve indirectamente um efeito muito grande na his tória política real 129 É tema não menos amplo a história das interpretações da República e sua relação com o mundo moderno este último as pecto foi encarado por R H S Crossman Plato Today London 21963 Recordese que o tratado tem sido acusado de totalita rista e comunista Quanto a esta última classificação a diferença já foi claramente definida por R L Nettleship Lectures on the Republic of Plato p 168 e sobretudo por E Barker Communism in Platos Republic pertencente ao seu livro The Political Thought of u mesmo num compêndio de história da filosofia É um pensador actual quem o sugere ao escrever 13 Toda a filosofia ocidental é um platonismo Metafísica idealismo platonismo signifcam essencialmente a mesma coisa A tradução e anotações Para a versão que agora se apresenta seguiuse escrupulo samente o texto estabelecido por J Burnet no quarto volume da sua edição dos Platonis Opera para a Scriptornm Classícornm Plato and Aristotle New York 1906 mais tarde refundido com o nome de Greek Politícal Theory London 1918 ensaio esse reim presso em A Sesonske ed Platos Republic Interpretation and Criticism pp 8997 que observa p 83 dessa colectânea Sem negar que o socialismo tenha os seus últimos fins espirituais podemos afumar sem injustiça que parte de concepções materiais para obter um re sultado material Requer uma divisão igual de bens materiais em ordem à difusão equitativa da felicidade material Platão reclama igual abstenção de bens materiais em ordem àquela felicidade ideal que provém do verdadeiro desempenho de uma função Onde o socialismo moderno é positivo Platão é negativo enquanto nos seus princípios há algo de hedonismo nos dele há só ascetismo em demasia Na p 84 nota ainda que o filósofo grego não se ocupa sequer da estrutura económica da sociedade Sobre este assunto vejase também Victor Raul da Costa Ma tos O Acesso à Filosofia Platónica Coimbra 1963 pp 183185 e biblio grafia indicada na n 49 da p 184 Recentemente R C Cross and A D Woozley Platos Repu blic A Philosophical Commentary notam também que Platão nem se quer teve em vista definir o homo oeconomícus p 80 e que qualquer tentativa de lhe atribuir uma interpretação económica da história é errada p 83 130 A frase é de Heidegger Nietzsche t u p 221 apud v Des combes Le Platonísme Paris 1971 p 6 n 1 UI Bibliotheca Oxoniensis Oxford University Press reimpressão de 1949 Como única derrogação a este prinápio de fidelidade há apenas a assinalar a supressão não total mas frequente das formas verbais que sublinham a mudança de interlocutor pois a sua continuada repetição confere ao discurso uma monotonia in tolerável como é sabido de todos os tradutores de Platão Espe ramos de resto que a manutenção de várias dessas formas e a presença do travessão a preceder cada nova fala serão suficientes para manter a clareza Servimonos ainda de edições comentadas referidas adiante na bibliografia principalmente da de James Adam para a tota lidade da obra da de T Tucker para os dois primeiros livros da de D Allan para o primeiro e da de Ferguson para o décimo Mantivemos na margem a paginação da edição in folio de H Stephanus impressa em Paris em 1578 por ser aquela de que todos ainda hoje nos servimos para referenciar o texto As notas que acompanham esta tradução destinamse umas a justificála ou esclarecêla outras a fornecer os dados de carácter históricocultural necessários ao seu entendimento Li mitadas ao mínimo indispensável pretendem ajudar a recriar o ambiente do diálogo que para além de ser como já dissemos no prinápio uma das obras maiores do pensamento filosófico é também um quadro inesqueável da vida ateniense Porto Setembro de 1972 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA LIII Platão NOTA À 5 EDIÇÃO Só agora catorze anos volvidos sobre o aparecimento da primeira edição é que por razões de ordem vária foi possível preencher uma lacuna que se fazia sentir num livro destinado a estudiosos como este a de um índice de assuntos É evidente que numa obra tão vasta e tão rica tal índice não é exaustivo embora procure incluir os pontos principais de interesse para os filósofos sem deixar de referir muitos dados de pormenor que importam de preferência aos historiadores da cultura ou aos sociólogos Tendo em atenção os interesses dos primeiros é que nele figuram não só os grandes tópicos como também palavras chave em transliteração do grego seguida do respectivo signifi cado e com remissão para o equivalente português que lhes de mos v g dianoia doxa eidos ou idea eikasia episteme noesis aos segundos destinamse entradas como divindade educação mito poesia provérbios eugenia mulheres planeamento populacional princípio da divisão natural do trabalho propriedade e tantos outros Além disso foram corrigidos diversos erros tipográficos dos quais o maior era a omissão de uma linha na pág 156 que al terava a distribuição do diálogo transferindo para Gláucon dou trina posta na boca de Sócrates Para algumas dessas correcções foinos muito útil a colaboração da Dr Maria Teresa Schiappa de Azevedo Ao Prof Doutor Miguel Baptista Pereira agrade cemos também uma leitura atenta dos índices e a sugestão para incluir alguns termos LV Sabem todos os leitores de Platão que a bibliografia sobre o filósofo tem continuado a aumentar significativamente e que a parte consagrada a A República não é excepção Actualizámos também esses dados limitando no entanto a escolha tal como anteriormente aos trabalhos mais autorizados e mais úteis De algumas das teses por eles apresentadas demos conhedmento nos lugares próprios da Introdução intercalando entre parêntesis rectos esses acrescentos MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA NOTA À 9 EDIÇÃO Também nesta edição foram corrigidos erros tipográfi cos só agora detectados e melhorada a tradução de um ou outro passo Para esta revisão foramnos da maior utilidade as sugestões do Doutor J G Trindade Santos designa damente na interpretação de pontos específicos em 342 b 369a 510de 518c 524c e 614b A bibliografia selecta foi novamente actualizada bem como algumas notas à tradução MHRP LVI BIBLIOGRAFIA A bibliografia moderna de Platão elaborada por H Cherniss para a publicação periódica Lustrum de Gottingen é de tal modo extensa que preenche quase completamente dois volumes o quarto de 19591 o quinto de 1960 A mesma publicação cofiou anos depois a L Brisson o período de 19581975 que abrange todo o volume vigésimo de 1977 O mesmo espeda listajuntamente com H Ioannidi ocupouse de obras saídas entre 19751980 no volume vigésimo quinto de 1983 A estas vieram juntarse alguns corri gencla por L Brisson vols vigésimo sexto de 1984 e trigésimo primeiro de 1989 O mesmo helenistajuntamente com H Ioannidi publicou no vol tri gésimo quarto de 1992 não só os novos addenda referentes ao período de 1950 a 1985 como a bibliografia crítica das obras saídas entre 1985 e 1990 Para aí remetemos o leitor que queira obter uma informação de grande ampli tude que mesmo assim ainda não será exaustiva Aqui limitarnosemos à enumeração dos trabalhos mais úteis e mais autorizados dtando primeiro os co mentários e depois monografias sobre A República ou dentre os estudos gené ricos sobre Platão aqueles que consagram importantes capítulos a este diálogo a COMENTÁRIOS The Republic of Plato Edited with critical notes commentary and appendices by JAMES ADAM 11902 With a new introduction by D A REES Cambridge University Press 2 vols 1965 LVII The Proem to the Ideal Commonwealth of Plato With an introduction and criticai and explanatory notes by T G TUCKER London Bell 1900 Plato Republíc Book I Edited by D J ALLAN London Methuen 11940 repr 1962 Plato Republic Book x Edited by JOHN FERGUSON London Methuen 1957 Platon Oeuvres Completes Tome VI Texte établi et traduit par EMILE CHAMBRY avec lntro duction dAUGUSTE Dres Paris Les Belles Lettres 1947 Tome VII 1re Partie 1949 Tome VII 2 Partie 1948 The Republic of Plato Translated with Introduction and Notes by F M CORNFORD Oxford University Press 11941 repr 1969 Platone La Repubblica Traduzione e Commento a cura di MARIO VEGETTI Libri IIV Napoli Bi bliopolis 1998 b ESTUDOS JULIA ANNAS An Introduction to Platos Republic Oxford University Press 11981 11991 trad fr Paris Presses Universitaires de France 1994 N BLôSSNER Dialogform und Argument Studien zu Platons Politeia Mainz Akademie der Wissen schaften und der Literatur Stuttgart Franz Steiner 1997 LVIll R C CROSS and A D W OOZLEY Platos Republic A Philosophical Commentary London Mac Millan 11964 repr 1971 G C FIELD Plato and his Contemporaries London Methuen 11930 31967 G C FIELD The Philosophy of Plato Oxford Uni versity Press 11949 repr 1969 PAUL FRIEDLANDER Plato Pantheon Books Bol lingen Series New York vol I 1958 vol 2 1964 vol 3 1969 citase a tradução inglesa em vez do original alemão porque foi revista e aperfeiçoada pelo autor V GOLDSCHMIDT Les Dialogues de Platon Structure et Méthode Dialectique Paris Presses Univer sitaires de France 11947 21963 ERIC A HAVELOCK Prejace to Plato Oxford Black well 1963 RICHARD KRAuT The defense of justice in Platos Republic ln R Kraut ed The Cambridge Com panion to Plato Cambridge University Press 1992 RICHARD KRAUT ed Platos Republic Criticai Essays Lanham Boulder New York and Oxford Rowman and Littlefield 1997 R MAURER Platons Staat und die Demokratie Histo rischsystematische Ueberlegungen zur politischen Ethik Berlin Walter de Gruyter 1970 LIX N R MURPHY The Interpretation of Platos Republic Oxford University Press 11951 repr 1967 R L NETTLESHIP Lectures on the Republic of Plato London MacMillan 11897 repr 1964 R L NETTLESHIP The Theory of Education in Platos Republic Oxford University Press 11935 repr 1966 E N OSTENFELD ed Essays on Platos Republic Aarhus University Press 1998 K R POPPER The Open Society and Its Enemies Vol I London Routledge and Kegan Paul 11945 51966 repr 1974 J E RAVEN Platos Thought in the Making Cam bridge U niversity Press 1965 C D C REEVE PhilosopherKings The Argument of Platos Republic Princeton University Press 1988 D H R1cE A Cuide to Platos Republic Oxford University Press 1997 A SES0NSKE ed Platos Republic Interpretation and Criticism W adsworth Publishing Company Belmont California 1966 PAUL SH0REY What Plato Said The University of Chicago Press 11933 repr 1968 NICH0LAS P WHITE A Companion to Platos Republic Oxford Blackwell 1979 LX A REPÚBLICA LIVRO I SÓCRATES Ontemfuiaté ao Pireu com Gláucon 1 filho de 327a Aríston a fim de dirigir as minhas preces à deusa 2 e ao mesmo tempo com o desejo de ver de que maneira celebravam a festa pois era a primeira vez que a faziam Ora a procissão dos habitantes dessa terra pareceume linda contudo não me pareceu menos aprimorada a que os Trácios montavam Depois de termos feito preces e contemplado a cerimónia íamos regressar à cidade b Entretanto Polemarco 3 filho de Céfalo que de longe 1 Gláucon bem como Adimanto que surge umas linhas mais abaixo eram irmãos mais velhos de Platão 2 Para um Ateniense a deusa era usualmente Atena Mas a referência aos Trácios que vem a seguir e a menção expressa da celebração das Bendideias em 354a levam os comentadores a identificála com Bêndis deusa trácia que se confundia com Árternis 3 Polemarco era filho de Céfalo que possuía uma fábrica de escudos muito próspera e irmão do famoso orador Lísias No governo dos Trinta Tiranos foi preso e obrigado a beber a cicuta Lísias que lograra escapar regressou a Atenas após a restauração da democracia e conseguiu processar Eratóstenes um dos Trinta pela morte do irmão proferindo então um dos seus mais célebres discursos o Contra Eratóstenes que se conserva 1 observou que estávamos de abalada mandou o escravo a correr para nos pedir que esperássemos por ele Agarrando me no manto por detrás o escravo disse Polemarco pedevos que espereis Eu volteime e pergunteilhe onde estava o seu senhor Está já aí replicou vem mesmo atrás de mim esperai Esperamos com certeza disse Gláucon e E pouco depois chegou Polemarco e Adimanto irmão de Gláucon Nicérato 4 filho de Nícias e outros mais com ar de quem vinha da procissão Disse então Polemarco Ó Sócrates pareceme que vos estais a pôr a caminho para regressar à cidade E não conjecturas mal declarei Ora tu estás a ver quantos somos perguntou ele Pois não Pois então replicou ou haveis de ser mais fortes do que estes amigos ou tendes de permanecer aqui Bem disse eu ainda nos resta uma possibilidade a de vos persuadirmos de que deveis deixarnos partir Porventura seríeis capazes replicou ele de nos persuadir se nos recusarmos a ouvirvos De modo algum declarou Gláucon Então compenetraivos de que não vos ouviremos 328a E Adimto acrescentou Acaso não sabeis que logo à tarde vai haver uma corrida de archotes a cavalo em honra da deusa 4 Nicérato que também conhecemos do Banquete de Xeno fonte er filho do famoso Nícias o político e general ateniense que em 421 aC concluiu o tratado de paz que tem o seu nome e que pôs termo à primeira fase da Guerra do Peloponeso Também Nicérato teve de beber a cicuta por ordem dos Trinta Tiranos 2 A cavalo perguntei É coisa nova É a cavalo que eles vão competir a passar os archotes uns aos outros Ou que queres dizer É assim mesmo disse Polemarco E além disso vão celebrar uma festa nocturna que merece ser vista Portanto vamos sair depois do jantar para ver a festa Estaremos lá com muitos jovens e conversaremos Fiquem e não façam outra coisa b Bem parece que temos de ficar confirmou Gláucon Se assim te parece observei eu assim deve fazerse Fomos pois a casa de Polemarco e aí encontrámos Lísias e Eutidemo irmãos de Polemarco e também além deles Trasímaco de Calcedónia 5 e Carmantidas de Paianieu e Clitofonte filho de Aristónimo Estava lá dentro também o pai de Polemarco Céfalo Pareceume bastante envelhecido pois há tempos que não o via Estava sentado numa cadeira e almofadada com uma coroa na cabeça pois davase o caso de ele ter acabado de fazer um sacrifício no pátio 6 Sen támonos então junto dele porquanto havia ali algumas cadeiras dispostas em círculo Logo que me viu Céfalo saudoume com estas 5 Deste grupo de figuras apenas Trasímaco e Clitofonte entrarão em diálogo Carmantidas não é nomeado em nenhum outro texto Trasímaco era um dos maiores Sofistas e a ele cabe a honra juntamente com Górgias de ser considerado o criador da prosa artística É provável que fosse no diálogo um convidado de Lísias que então era estudante de retórica 6 A Zeus Herkeios protector da casa Por esse motivo é que Céfalo se encontra coroado 3 palavras Ó Sócrates tu também não vens lá muitas vezes ao Pireu para nos veres Mas devias fazêlo porque se eu ainda tivesse forças para ir facilmente até à cidade d não seria preciso tu vires cá mas nós é que íamos visitarte Agora porém tu é que deves aparecer cá mais vezes Fica a sabêlo bem na medida em que vão murchando para mim os prazeres físicos nessa mesma aumentam o desejo e o prazer da conversa Não deixes de estar na companhia des tes jovens mas vem também aqui a nossa casa como a casa de amigos e de amigos muito íntimos Com certeza ó Céfalo disse eu pois é para e mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avançada Efectivamente pareceme que devemos infor marnos junto deles como de pessoas que foram à nossa frente num caminho que talvez tenhamos de percorrer sobre as suas características se é áspero e difícil ou fácil e transitável Teria até gosto em te perguntar qual o teu parecer sobre este assunto uma vez que chegaste já a esse período da vida a que os poetas chamam estar no limiar da velhice 7 se é uma parte custosa da existência ou que declarações tens a fazer 329a Por Zeus que te direi ó Sócrates qual é o meu ponto de vista Na verdade muitas vezes nos juntamos num grupo de pessoas de idades aproximadas respei tando o velho ditado 8 Ora nessas reuniões a maior 7 Uma das muitas frases homéricas citadas neste diálogo Esta constitui uma fórmula que se encontra v g em Ilíada xxn 60 xx1v 487 e Odisseia xv 246 348 xxm 212 8 O ditado citado expressamente no Fedro 240c era fiÃtç fiÃtxa répmt quem é de uma idade agrada a quem é da mesma idade cujo correspondente mais próximo em português seria cada qual com seu igual 4 parte de nós lamentase com saudades do prazer da juventude ou recordando os gozos do amor da bebida da comida e de outros da mesma espécie e agastamse como quem ficou privado de grandes bens e vivesse bem então ao passo que agora não é viver Alguns lamentamse b ainda pelos insultos que um ancião sofre dos seus parentes e em cima disto entoavam uma litania de quantos males a velhice lhes é causa A mim afiguraseme ó Sócrates que eles não acusam a verdadeira culpada Porque se fosse ela a culpada também eu havia de experimentar os mesmos sofrimentos devido à velhice bem todos quantos chega ram a esta fase da existência Ora eu já encontrei outros anciãos que não sentem dessa maneira entre outros o poeta Sófocles 9 com quem deparei quando alguém lhe perguntava Como passas ó Sófocles em questões de e amor Ainda és capaz de te unires a uma mulher Não digas nada meu amigo replicou Sintome felicíssimo por lhe ter escapado como quem fugiu a um amo delirante e selvagem Pareceume que ele disse bem nessa altura e hoje não me parece menos Pois grande paz e libertação de todos esses sentimentos é a que sobrevém na velhice Quando as paixões cessam de nos repuxar e nos largam acontece exactamente o que Sófocles disse somos libertos d de uma hoste de déspotas furiosos Mas quer quanto a estes sentimentos quer quanto aos relativos aos parentes há uma só e única causa não a velhice ó Sócrates mas o carácter das pessoas Se elas forem sensatas e bem dispostas tam bém a velhice é moderadamente penosa caso contrário Tratase do famoso tragediógrafo ateniense do séc v a C 5 ó Sócrates quer a velhice quer a juventude serão pesadas a quem assim não for Admirado com estas palavras e querendo que ele e continuasse a falar inciteio dizendo Ó Céfalo penso que a maior parte das pessoas ao ouvirte essas afirmações não as aceita mas supõe que suportas bem a velhice não devido ao teu carácter mas por possuíres muitos haveres Pois os ricos têm dizse muitas consolações Dizes a verdade não as aceitam E têm alguma razão porém não tanta quanta julgam Está bem certo aquele dito de Temístocles 10 que como um habitante de Serifo o 330a ofendesse dizendo que a sua celebridade lhe viera não de si mesmo mas da sua cidade lhe respondeu que nem ele se tornaria ilustre se nascesse em Serifo nem aquele se em Atenas Adaptase bem esta mesma história aos que não sendo ricos suportam a custo a velhice porque nem o homem comedido aguentará facilmente a velhice na pobreza nem o que o não é ainda que rico se tornará então cordato 10 Esta anedota relativa ao vencedor da Salamina énos conheàda através de Heródoto vm 125 numa versão um pouco diferente Por um seu amigo Timodeno de Afidnas lhe ter dito que as honras que ele recebera na Lacedemónia eram prestadas não a ele mas à sua àdade Temístocles retorquiu Está certo nem eu se fosse de Belbina seria assim honrado pelos Espartanos nem tu ó homem se fosses Ateniense Em qualquer das versões se contrapõe uma pequena ilha insignificante à cidade mais ilustre da Grécia A do nosso texto porém que também se encontra em Plutarco Temístocles 18 tornouse mais conhecida por ter sido divulgada por Cícero no seu tratado Sobre a Velhice m 8 onde a inspiração colhida neste livro é de resto visível em vários passos 6 A maior parte dos teus haveres ó Céfalo obtivestea por herança ou por aquisição Quanto é que eu obtive por aquisição ó Sócrates b Como homem de negócios fiquei a meio caminho entre o meu avô e o meu pai Com efeito o meu avô que tinha o mesmo nome que eu herdou uma fortuna aproximada mente igual à que eu agora tenho e aumentoua umas pou cas de vezes ao passo que Lisânias o meu pai ainda a tor nou mais pequena do que é presentemente Eu doume por satisfeito se não a deixar menor a estes moços mas sim li geiramente superior à que herdei Se te fiz esta pergunta disse eu foi porque me pareceste não prezar muito as riquezas e isso fazemno e geralmente aqueles que não as adquirem por si Os que as granjearam pessoalmente estimamnas o dobro das outras pessoas Tal como os poetas amam os seus próprios versos e os pais e os filhos assim também os homens de negócios se interessam pelas suas riquezas como obra sua e também de vido à sua utilidade como os demais Por isso é difícil o convívio com eles pois nada mais querem exaltar senão a sua nqueza Dizes a verdade confirmou ele Absolutamente concordei eu Mas dizme ainda d mais isto qual é o maior benefício de que julgas ter usu fruído graças à posse de uma abastada fortuna É tal que não seria capaz de convencer dele muita gente por mais que dissesse Tu bem sabes ó Sócrates que depois que uma pessoa se aproxima daquela fase em que pensa que vai morrer lhe sobrevém o temor e preocupação por questões que antes não lhe vinham à mente Com efeito as histórias que se contam relativa 7 mente ao Hades 11 de que se têm de expiar lá as injustiças e aqui cometidas histórias essas de que até então troçava abalam agora a sua alma com receio de que sejam verda deiras E essa pessoa ou devido à debilidade da velhice ou porque avista mais claramente as coisas do além como quem está mais perto delas seja qual for a verdade enchese de desconfianças e temores e começa a fazer os seus cálculos e a examinar se cometeu alguma injustiça para com alguém Portanto aquele que encontrar na sua vida muitas injustiças atemorizase quer despertando muitas vezes 33 la no meio do sono como as crianças quer vivendo na expec tativa da desgraça Porém aquele que não tem consciência de ter cometido qualquer injustiça esse tem sempre junto de si uma doce esperança bondosa ama da velhice como diz Píndaro São cheias de encanto aquelas suas palavras 12 ó Sócrates de que quem tiver passado uma vida justa e santa a doce esperança que lhe acalenta o coração acompanhao qual ama da velhice a esperança que governa mais que tudo os espíritos vadiantes dos mortais Palavras certas e muito para admirar Em face disto tenho em grande apreço a posse das riquezas não para 11 O Hades era a região subterrânea onde ficava a mansão dos mortos A noção de expiação das faltas cometidas em vida depois de um julgamento post mortem forase coiistituindo entre os Gregos ao longo dos séculos mas recebeu a sua forma definitiva em Platão mitos escatológicos do Górgias Fédon Pedro e deste mesmo diálogo no Livro x 12 Fr 214 Snell de Píndaro 8 todo o homem mas para aquele que é comedido e b prudente Não ludibriar ninguém nem mentir mesmo involuntariamente nem ficar a dever sejam sacrifícios aos deuses seja dinheiro a um homem e depois partir para o além sem temer nada para isso a posse das riquezas con tribui em alto grau Tem ainda muitas outras vantagens Mas acima de tudo ó Sócrates é em atenção a este fim que eu teria riqueza na conta de coisa muito útil para o homem sensato Falas maravilhosamente ó Céfalo disse eu e Mas essa mesma qualidade da justiça diremos assim sim plesmente que ela consiste na verdade e em restituir aquilo que se tomou de alguém ou diremos antes que essas mesmas coisas umas vezes é justo outras injusto fazêlas Como este exemplo se alguém recebesse armas de um amigo em perfeito juízo e este tomado de loucura lhas reclamasse toda a gente diria que não se lhe deviam entregar e que não seria justo restituirlhas nem tão pouco consentir em dizer toda a verdade a um homem nesse estado Dizes bem d Portanto não é esta a definição de justiça dizer a verdade a restituir aquilo que se tomou Éo absolutamente ó Sócrates interveio Pole marco se na verdade se deve dar crédito a Simónides 13 Eu por mim façovos entrega da discussão disse Céfalo Pois tenho de ir já tratar do sacrifício 13 Fr 137 Page Simónides o maior poeta lírico grego depois de Píndaro é conhecido como um moralista austero Platão que a seguir lhe chama homem sábio e divino citao também no Protágoras 339a347a 9 Então não sou eu perguntou Polemarco o teu herdeiro 14 Sem dúvida absolutamente replicou ele a rir ao mesmo tempo que se dirigia para o sacrifício e Explica então disse eu tu que és o herdeiro da discussão que é que afirmas que Simónides disse tão acer tadamente acerca da justiça Que é justo restituir a cada um o que se lhe deve 15 Pareceme que diz bem ao fazer esta afirmação Sem dúvida declarei que não é fácil deixar de dar crédito a Simónides pois é homem sábio e divino Em todo o caso tu Polemarco sabes talvez o que ele quer dizer com isso ao passo que eu ignoroo Pois é evidente que não se refere ao exemplo de que há pouco falávamos de restituir a alguém aquilo que lhe foi entregue em de pósito quando esse alguém se encontra privado da razão 332a E contudo ficase a dever penso eu uma coisa que foi entregue em depósito Ou não Fica Mas de modo algum se deve restituir quando al guém que esteja privado da razão reclamar É verdade disse ele Então não é isto mas outra coisa ao que parece que Simónides qur dizer relativamente a ser justo restituirse o que se deve É seguramente outra coisa por Zeus O parecer dele é que aos amigos se deve fazer bem e nunca mal Compreendo disse eu não é restituir o que se deve entregar a uma pessoa o ouro que ela nos 14 Jogo de palavras baseado no facto de Polemarco ser o filho mais velho de Céfalo 15 Fr 137 Page de Simónides 10 confiou se essa entrega e recuperação se lhe tornar pre b judicial e se forem amigos aquele que recebe e aquele que restitui Não é isto que afirmas que Simónides quis dizer Exactamente E então E aos inimigos deve restituirse aquilo que acaso lhes devemos Sem dúvida alguma restituirlhes aquilo que se lhes deve ora o que um inimigo deve a outro é em meu enten der o que lhe convém o mal Por conseguinte Simónides falou ao que parece enigmaticamente à maneira dos poetas ao dizer o que era a justiça O pensamento dele era aparentemente que a e justiça consistia em restituir a cada um o que lhe convém e a isso chamou ele restituir o que é devido Sem dúvida Oh Céus disse eu Então se alguém lhe per guntasse Ó Simónides a arte a que chamam da medicina a que é que dá o que é devido e conveniente Que supões que ele nos responderia É evidente que dá aos corpos os remédios a comida e a bebida E a arte a que chamam da culinária a que é que dá o que é devido e conveniente Dá aos alimentos os temperos d Bem E a arte a que chamam da justiça a que é que dá o que é devido Se temos de ser consequentes com o que se disse antes dá ajuda aos amigos e prejuízo aos inimigos Portanto ele diz que a justiça consiste em fazer bem aos amigos e mal aos inimigos Assim me parece 11 E agora quem é mais capaz de fazer bem a amigos doentes e mal a inimigos em questões de doença e de saúde 0 médico e E aos navegantes relativamente aos perigos do mar O piloto E o justo Em que actividade e para que serviço é mais capaz de ajudar os amigos e prejudicar os inimigos No combate contra uns e a favor de outros me parece Bem Mas na verdade meu caro Polemarco para quem não estiver doente o médico é inútil É verdade E o píloto para quem não andar embarcado Sim Logo também é inútil o justo para quem não estiver em guerra Não me parece lá muito Então a justiça é útil também em tempo de paz 333a É E a agricultura também Ou não Também Para adquirir os seus produtos certamente Sim E sem dúvida a arte do sapateiro Sim Dirias com certeza julgo eu que para o efeito de adquirir sapatos Precisamente E então A justiça para que utílidade ou aquisição dirias que é vantajosa em tempo de paz Para os contratos Sócrates 12 Refereste a parcerias ou qualquer outra espécie de contratos A parcerias sem dúvida Sendo assim o parceiro bom e útil para colocar as b pedras do xadrez é o homem justo ou jogador profissional O jogador profissional E para colocar tijolos e pedras é um parceiro mais útil e melhor o homem justo do que o pedreiro De modo nenhum E em que parceria é que o homem justo é melhor companheiro do que o citarista tal como este é melhor do que aquele a quem se associar para tocar Na de dinheiro em minha opinião A não ser talvez ó Polemarco para o efeito de fazer uso do dinheiro quando fosse preciso comprar ou vender um cavalo em comum Nesse caso seria o tratador de e cavalos Ou não Parece que assim é E se for um barco o armador de navios ou o piloto Acho que sim Então quando é que sendo preciso fazer uso de ouro ou prata em comum o justo será mais útil do que os outros Quando se trata de fazer um depósito que fique a salvo ó Sócrates Queres dizer portanto quando não houve necessi dade de utilizar o dinheiro mas sim de o deixar estar Exactamente Logo quando o dinheiro está sem se utilizar é que a justiça por isso mesmo é útil d 13 É possível Então quando for preciso guardar uma podoa é a justiça que é útil quer de parceria quer individualmente quando for preciso utilizála é a viticultura Assim parece Afirmarás também que para o escudo e a lira quando se tratar de os guardar e de não os utilizar para nada é útil a justiça quando for para se servir deles é a arte dclípliti 16 e a do músico É forçoso E em tudo o mais e para cada coisa a justiça é inútil quando nos servimos dela e útil quando nos não servimos Provavelmente e Então meu amigo a justiça não poderia ser uma coisa lá muito séria se se dá o caso de ser útil para as coisas que não são utilizadas Mas vamos examinar o seguinte acaso o mais hábil a baterse na luta quer no pugilato quer em qualquer outra modalidade o não é também para se defender Inteiramente Logo quem é capaz de se defender de uma doença é também o mais capaz de a transmitir despercebidamente É o que me parece 334a Mas na verdade será um bom guardião do exército aquele mesmo que roubar os planos do inimigo e o lograr nas suas operações Exactamente 16 O hoplita era o soldado de infantaria pesada 14 Logo se uma pessoa for um hábil guardião de uma coisa é também um hábil ladrão da mesma Assim parece Portanto se o homem justo é hábil para guardar dinheiro é também hábil para o roubar Assim o dá a entender o raciocínio Logo o homem justo revelasenos ao que parece como uma espécie de ladrão e isso é provável que o tenhas aprendido em Homero Efectivamente ele tem grande estima pelo avô materno de Ulisses Autólico e b afirma que ele excedia todos os homens em roubar e em fazer juras 17 Parece pois que a justiça segundo a tua opinião segundo a de Homero e a de Simónides é uma espécie de arte de furtar mas para vantagem de amigos e dano de inimigos não era isso que dizias Por Zeus que não replicou Já não sei o que dizia No entanto ainda continua a parecerme que a justiça é auxiliar os amigos e prejudicar os inimigos A quem chamas amigos aos que parecem honestos a e uma pessoa ou aos que o são de facto ainda que o não pareçam E outro tanto direi dos inimigos É natural disse ele amar a quem nos parece honesto e odiar quem nos parece mau Mas os homens não se enganam a esse respeito de maneira que lhes parecem honestos muitos que o não são e viceversa Enganam 17 Odisseia x1x 395396 15 Logo para esses os bons são inimigos e os maus amigos Precisamente d Não obstante para essas pessoas a justiça é ajudar os maus e prejudicar os bons Assim parece E contudo os bons são justos e incapazes de cometer injustiças É verdade Segundo o teu raciocínio é então justo fazer mal a quem não cometeu qualquer injustiça De modo algum Sócrates Isso pareceme um racio cínio perverso Então disse eu é justo prejudicar os injustos e ajudar os justos Esse raciocínio já me parece mais perfeito do que o anterior Logo ó Polemarco acontecerá que para muitos e quantos errarem no seu juízo sobre os homens será justo prejudicar os amigos pois não são maus a seus olhos e aju dar os inimigos pois os têm por bons E assim afirmaremos exactamente o contrário do que fizemos dizer a Simónides É mesµio assim que acontecerá Mas vamos corrigir nos Pois é provável que não tenhamos definido correcta mente o que é amigo e o que é inimigo Como o definimos Polemarco O que parece honesto esse é que é o amigo E agora disse eu como corrigiremos a defini ção Amigo é o que parece e é na realidade honesto 335a O que parece mas não é aparenta ser amigo sem o ser E sobre o inimigo a definição é a mesma 16 Logo segundo este raciocínio parece que amigo é o homem de bem e inimigo o malvado Sim Queres que acrescentemos à definição de justiça tal como a formulámos primeiro de que é justo fazer bem ao amigo e mal ao inimigo que acrescentemos agora que é justo fazer bem a um amigo bom e mal a um inimigo mau Exactamente disse ele pareceme que isso seria b falar com propriedade Então prosseguiu é próprio de um homem justo fazer mal a qualquer espécie de homem Precisamente Deve fazerse mal aos malvados e ini rmgos Quando se faz mal a cavalos eles tomamsemelho res ou piores Piores Em relação à perfeição dos cães ou à dos cavalos À dos cavalos Mas se se fizer mal a cães eles tomamse piores rela tivamente à perfeição dos cães e não à dos cavalos Forçosamente E quanto aos homens ó companheiro não teremos e de dizer o mesmo que se se faz mal se tomam piores em relação à perfeição humana Exacto Mas ajustiça não é a perfeição dos homens Também isso é forçoso E se se fizer mal aos homens meu amigo é forçoso que eles se tornem mais injustos Assim parece Acaso os músicos podem tomar outrem ignorante na música por meio da sua arte 17 Impossível E os tratadores de cavalos podem tomar outrem in capaz de montar por meio da sua arte Não pode ser Mas os justos podem tornar outrem injusto por d meio da justiça Ou de um modo geral os bons podem tomar outrem mau por meio da sua perfeição Mas é impossível Efectivamente a acção do calor não é me parece refrescar mas o contrário Sim Nem a da secura humedecer mas o contrário Exactamente Nem tãopouco a do homem bom fazer mal mas o contrário Assim parece Então o homemjusto é bom Absolutamente Logo ó Polemarco fazer mal não é a acção do ho mem justo quer seja a um amigo quer a qualquer outra pessoa mas pelo contrário é a acção de um homem injusto Pareceme inteiramente verdade o que dizes ó Sócrates e Portanto se alguém disser que a justiça consiste em restituir a cada um aquilo que lhe é devido e com isso quiser significar que o homem justo deve fazer mal aos inimigos e bem aos amigos quem assim falar não é sábio porquanto não disse a verdade Efectivamente em caso algum nos pareceu que fosse justo fazer mal a alguém Concordo disse ele Logo prossegui eu lutaremos em conjunto tu e eu se alguém pretender que tal afirmação foi feita por 18 Simónides Bias 18 ou Pítaco 19 ou qualquer outro dos bem aventurados sábios E eu estou pronto a tomar parte na luta Mas sabes de quem me parece que é essa senten 336a ça que diz que é justo fazer bem aos amigos e mal aos inimigos De quem é Penso que é de Periandro 2º de Perdicas 21 ou de Xerxes 22 de Isménias de Tebas 23 ou de qualquer outro homem rico que se tinha na conta de poderoso Dizes uma grande verdade Bem continuei eu Mas uma vez que parece que a justiça e o que é justo não eram nada disto que outra coisa poderá dizerse que são Ora muitas vezes mesmo enquanto conversávamos b Trasímaco tentara assenhorearse da argumentação mas logo os circunstantes o haviam impedido pois queriam ouvila até ao fim Assim que parámos e eu disse aquelas pa lavras não mais ficou sossegado mas formando salto lan çouse sobre nós como uma fera para nos dilacerar 18 Bias de Priene era um dos Sete Sábios Viveu entre o séc VII e VI aC 19 Pítaco de Mitilene era outro dos Sete Sábios contemporâ neo do anterior 20 Também este apesar de ter sido tirano de Corinto no séc vn aC foi contado entre os Sete Sábios 21 Pelo nome supõese que teria sido um rei da Macedónia talvez o que morreu cerca de 413 aC 22 O famoso rei da Pérsia filho de Dario 23 Um Tebano que segundo Xenofonte Hellenica III 5 1 foi muito subornado pelos Persas 19 Tanto eu como Polemarco ficámos tomados de pânico E ele voltandose para todos exclamou Que estais para e aí a palrar há tanto tempo ó Sócrates Porque vos mostrais tão simplórios cedendo alternadamente o lugar um ao outro Se na verdade queres saber o que é a justiça não te limites a interrogar nem procures a celebridade a refutar quem te responde reconhecendo que é mais fácil perguntar do que dar a réplica Mas responde tu mesmo e diz o que d entendes por justiça E vê lá não me digas que é o dever ou a utilidade ou a vantagem o proveito ou a conveniência Mas o que disseres dizmo clara e concisamente pois se te exprimires por meio de frivolidades desta ordem não as aceitarei Ao ouvir isto fiquei estarrecido volvi os olhos na sua direcção atemorizado e pareceume que se eu não tivesse olhado para ele antes de ter ele olhado para mim teria fica do sem voz 24 Mas neste caso quando começou a irritarse e com a nossa discussão fui eu o primeiro a olhálo de maneira que fui capaz de lhe responder Disse pois a tremer Ó Trasímaco não te zangues connosco Se come temos qualquer erro ao examinar os argumentos tanto ele como eu fica sabendo claramente que o nosso erro foi involuntário Pois não julgues que se estivéssemos a pro curar ouro cederíamos voluntaríamente o lugar um ao outro na pesquisa arruinando a descoberta Ora quando procuramos a justiça coisa muito mais preciosa que todo o 24 Os antigos acreditavam que quando encontravam um lobo e a fera os via primeiro a eles ficavam sem voz A este propósito D J Allan cita os versos de Virgílio Bucólicas IX 5354 vox quoque Moerim iam fugit ipsa lupí Moerim vídere priores Cf também Plínio o Antigo XIII 80 20 ouro seríamos tão insensatos que cedêssemos um ao outro em vez de nos esforçarmos por a pôr a claro Acreditame meu amigo Mas pareceme que não temos forças para tanto Por conseguinte é muito mais natural que vós os que 337a sois capazes tenhais compaixão de nós em vez de irritação Ao ouvir estas palavras desatou num riso sardónico e exclamou Ó Hércules Cá está a célebre e costumada ironia 25 de Sócrates Eu bem o sabia e tinha prevenido os que aqui estão de que havias de te esquivar a responder que te fingirias ignorante e que farias tudo quanto há para não responder se alguém te interrogasse É que tu és um homem esperto ó Trasímaco disse eu Pois sabias perfeitamente que se perguntasses a alguém quantos são doze e ao fazer a pergunta prevenisses Vê b lá homem não me digas que são duas vezes seis nem que são três vezes quatro nem seis vezes dois nem quatro vezes três que eu não aceito tais banalidades creio que se tornaria evidente para ti que ninguém daria a resposta a uma pergunta assim formulada Mas se essa pessoa te dissesse Ó Trasímaco que estás a dizer Que não posso responder a nada do que disseste És espantoso Ainda que se dê o caso de a resposta ser uma dessas terei de àfirmar outra coisa diferente da verdade Ou não é isto que queres e dizer Que responderias a isto Ora bem Exclamou ele Como se isso fosse se melhante ao que eu disse 25 A palavra grega etpcoveta significa ignorância simulada e como tal opõese a cDaÇovda jactância como ensina Aris tóteles Ética a Nícómaco no8a 2123 21 Nada impede que o seja repliquei Ainda que não haja semelhança se os casos parecerem iguais àquele que interroga julgas que ele desdenhará responder o que lhe parecer bem quer lho proibamos quer não De certeza que também vais proceder desse modo Vais dar uma das respostas que eu recusei Não me surpreenderia repliquei se depois de reflectir houvesse por bem fazer assim d Ora pois continuou se eu te revelar outra resposta melhor do que essas para além de todas as que deste sobre ajustiça Que pena mereces Que outra pena respondi eu senão aquela que deve sofrer o ignorante Devo aprender junto de quem sabe É isso portanto o que eu julgo merecer És muito engraçado Mas além de aprender terás de pagar também dinheiro 26 Nesse caso quando o tiver respondi Mas tu temlo disse Gláucon Se é por causa do dinheiro fala ó Trasímaco porque todos nós contribui remos para ajudar Sócrates e Bem me parece respondeu ele Para Sócrates fazer como é seu costume Ele não responde mas quando outro responder pode pedirlhe uma explicação e refutálo Mas meu excelente amigo repliquei como 26 Tal como em certos processos atenienses Sócrates acabara de ser interrogado sobre a pena que teria de pagar e respondera ironicamente que o castigo consistiria em ter de aprender o que ignorava Mas o Sofista aproveita a ocasião para exigir também dinheiro Platão não se cansa de criticar os Sofistas por só ensina rem mediante remuneração Cf Apologia 20a Górgias 519c Hípias Maior 2826e Laques 186c Crátílo 3846 3916c 22 é que uma pessoa háde responder em primeiro lugar sem saber e declarando não saber seguidamente ainda que julgue saber qualquer coisa se lhe foi interdito por alguém que não é de pouca monta dar qualquer das respostas que entende Mas tu é que naturalmente deves falar Pois tu é que dizes saber e ter que dizer 338a Não deixes de o fazer mas fazme o favor de responder e não te negues a ensinar Gláucon aqui presente e os restan tes também Depois de eu proferir estas palavras Gláucon e os outros suplicaramlhe que não deixasse de fazer assim E Trasímaco era evidente que desejava falar para se cobrir de glória pois supunha que daria uma resposta admirável Mas fingia insistir para que fosse eu a responder Por fim acedeu e disse em seguida Cá está a esperteza de b Sócrates Não quer ser ele a ensinar mas vai a toda a parte para aprender com os outros sem sequer lhes ficar grato Que eu aprendo com os outros é uma verdade que tu dizes ó Trasímaco Porém dizeres que eu não lhes pago o benefício é mentira Pago tanto quanto posso Mas o que eu posso é apenas elogiar pois não tenho dinheiro Com que entusiasmo o faço quando alguém me parece ter falado bem sabêloás perfeitamente e em breve depois de teres respondido Pois julgo que vais falar bem Ouve então Afirmo que a justiça não é outra coisa e senão a conveniência do mais forte Mas porque não apro vas Não quererás fazêlo Desde que eu compreenda primeiro o que queres dizer pois por agora ainda não sei Afirmas tu que na conveniência do mais forte está a justiça Que queres tu significar com isso ó Trasímaco Pois suponho que 23 não é deste género o que queres dizer se Polidamas o lutador de pancrácio que é mais forte que nós se a ele lhe convém para o seu físico comer carne de vaca tal d alimento será também para nós que lhe somos inferiores conveniente e justo ao mesmo tempo Não tens vergonha nenhuma Sócrates e interpretas as coisas de maneira a desvirtuares o meu argumento De modo algum meu excelente amigo Mas explica mais claramente o que queres dizer Pelo visto não sabes prosseguiu ele que dentre os Estados há os que vivem sob o regime da monarquia ou tros da democracia e outros da aristocracia Como não havia de sabêlo Ora em cada Estado não é o governo que detém a força Exactamente e Certamente que cada governo estabelece as leis de acordo com a sua conveniência a democracia leis demo cráticas a monarquia monárquicas e os outros da mesma maneira Uma vez promulgadas essas leis fazem saber que é justo para os governos aquilo que lhes convém e casti gam os transgressores a título de que violaram a lei e co meteram uma injustiça Aqui tens meu excelente amigo 339a aquilo que eu quero dizer ao afirmàr que há um só modelo de justiça em todos os Estados o que convém aos poderes constituídos Ora estes é que detêm a força De onde re sulta para quem pensar correctamente que a justiça é a mesma em toda a parte a conveniência do mais forte Agora disse eu percebi o que queres dizer Se é verdade ou não tentarei compreendêlo Que a justiça era a conveniência foi pois a resposta que deste tu também ó Trasímaco Contudo proibisteme que 24 desse essa resposta É certo que tem a mais o do mais forte Pequeno acrescento se calhar b Por enquanto não é evidente se é grande Mas que deve examinarse se dizes a verdade isso é que é evidente Uma vez que tu e eu concordamos em que ajustiça é algo de conveniente e que tu acrescentas a esta definição que essa conveniência é a do mais forte e eu ignoro se é assim temos de examinar a questão Examina disse ele Assim farei respondi Ora dizme lá não man téns que obedecer aos que governam é acto de justiça Sim senhor E os governantes em cada um dos Estados são infa e líveis ou capazes de cometer algum erro Certamente que são capazes de cometer algum erro Portanto quando experimentam formular leis for mulam umas bem outras não Julgo bem que sim Mas fazer bem leis é naturalmente promulgar aquilo que lhes convém não as fazer bem aquilo que é prejudicial Não achas Acho Mas o que eles promulgaram tem de ser feito pelos súbditos e isso é que é a justiça Como não Segundo o teu raciocínio não só é justo fazer aquilo d que convém ao mais forte mas também inversamente aquilo que lhe é prejudicial Que queres tu dizer Aquilo que tu dizes segundo me parece Mas exa minemos melhor a questão Não assentámos em que os governantes ao prescreverem certos actos aos seus súbditos 25 por vezes se enganam no que é melhor para eles e ainda em que é justo que os súbditos façam o que os governantes lhes prescrevem Não foi nisto que assentámos Assim o creio disse ele e Tem presente portanto continuei eu que concordaste que também é justo cometer actos prejudiciais aos governantes e aos mais poderosos quando os gover nantes involuntariamente tomam determinações inconve nientes para eles uma vez que declaras ser justo que os súbditos executem o que prescreveram os governantes Ora pois ó sapientíssimo Trasímaco não será forçoso que resulte daí a seguinte situação que é justo fazer o contrário do que tu dizes Pois não há dúvida que se prescreve aos mais fracos que façam o que é prejudicial aos mais fortes 340a Por Zeus que sim Sócrates exclamou Polemar co É o que há de mais claro Pelo menos se deres testemunho a favor dele in terveio Clitofonte E para que precisa ele de testemunhos O próprio Trasímaco concorda que os governantes por vezes dão or dens que lhes são prejudiciais e que é justo que os súbditos as cumpram De facto ó Polemarco Trasímaco estabeleceu que é justo cumprir as ordens dadas pelos governantes b E também estabeleceu ó Clitofonte que a justiça é a conveniência do mais poderoso Depois de ter proposto ambos estes princípios concordou por outro lado que por vezes os mais poderosos dão ordens para os que lhes são inferiores e súbditos executarem que a eles mesmos são prejudiciais Destas concessões resulta que a justiça em nada é mais o que convém ao mais forte do que o que não lhe convém 26 Mas replicou Clitofonte por a conveniêncía do mais forte ele entendia o que o mais forte julgava ser a sua conveniência É isso que deve fazer o maís fraco e foi isso que ele apresentou como sendo justo Mas não foí assim que se disse retrucou Pole marco Não faz diferença nenhuma Polemarco disse eu e Mas se é assim que Trasímaco se exprime agora aceitemo lo dessa maneira Ora dizme ó Trasímaco era assim que querias definir a justiça aquilo que parece ao mais forte serlhe vantajoso quer o seja quer não É assim que dire mos que te exprimes De modo algum respondeu Julgas que eu cha mo mais forte ao que erra quando ele erra Julgava eu que era isso que querias dizer quando concordaste que os governantes não eram infalíveis mas po diam cometer algum erro Estás de máfé a discutir ó Sócrates Chamas por d exemplo médico àquele que se engana relativamente aos doentes precisamente pelo facto de se enganar Ou cha mas hábil calculador àquele que erra os seus cálculos preci samente por esse erro Pareceme que são formas de dizer que usamos de que o médico se enganou ou o calculador ou o mestreescola Quando na realidade cada um destes na medida em que lhes damos estes nomes jamais erra De e maneira que em rigor uma vez que também gostas de falar com precisão nenhum artífice se engana Efectivamente só quando o seu saber o abandona é que quem erra se engana e nisso não é um artífice Por consequência artífice sábio ou governante algum se engana enquanto estiver nessa função mas toda a gente dirá que o médico errou ou que o governante errou Tal é a acepção em que deves tomar a 27 minha resposta de há pouco Precisando os factos o mais 341a possível o governante na medida em que está no governo não se engana se não se engana promulga a lei que é me lhor para ele e é essa que deve ser cumprida pelos súbditos De maneira que tal como declarei de início afirmo que a justiça consiste em fazer o que é conveniente para o mais poderoso Pois bem Trasímaco repliquei Parecete que estou de máfé Inteiramente respondeu ele Supões que foi propositadamente que te interroguei deste modo para te prejudicar na discussão Sei bem que sim replicou Mas de nada te b servirá Não me passam despercebidas as tuas manobras malfazejas nem se não me apanhares de surpresa serás capaz de me dominar na argumentação Tãopouco quereria tentálo declarei ó afortuna do homem Mas para não nos tomar a acontecer uma coisa assim define claramente o que queres significar com o go vernante e o mais forte se é em geral ou no sentido que agora mesmo intitulaste rigoroso esse mais forte cuja con veniência uma vez que ele é o mais poderoso é justo que o mais fraco sirva Quero significar o governante no sentido mais rigo roso do termo Perante isto põete de má parte e de máfé tanto quanto puderes Não te peço mercê Mas não serás capaz e Julgasme tão delirante que tente fazer a tosquia de um leão pondome de mau partido contra Trasímaco Pois ainda agora experimentaste embora também neste aspecto pouco valhas 28 Basta destas questões Mas dizme o médico no sentido rigoroso que há pouco definias é seu objectivo ganhar dinheiro ou tratar os doentes Referete ao médico de verdade Tratar os doentes respondeu E o piloto O piloto como deve ser é chefe dos marinheiros ou marinheiro É chefe dos marinheiros Não é preciso tomar em linha de conta para nada o d facto de ele estar embarcado no navio não é por isso que se deverá chamarlhe marinheiro pois não é pelo facto de ele navegar que se lhe chama piloto mas pela sua arte e pelo comando dos marinheiros É verdade disse ele Nesse caso cada um deles tem a sua própria conve niência Exactamente E a sua arte foi feita para procurar e fornecer a cada um o que lhe convém Foi Cada uma das artes tem qualquer outra vantagem para além da maior perfeição possível Que queres dizer com a tua pergunta e Por exemplo Se me perguntasses se ao corpo basta ser corpo ou se tem necessidade de alguma coisa eu responderia Tem necessidade absoluta E por isso é que se inventou agora a arte da medicina porque o corpo é sujeito a defeitos e de tais defeitos carece de ser curado Para lhe fornecer o que lhe é vantajoso para isso é que se concertou esta arte Parecete que é certo o que estou a dizer ou não É confirmou ele 29 342a E então É sujeita a defeitos a própria arte da medicina ou há qualquer outra que tenha necessidade de uma certa qualidade como os olhos da vista e os ouvidos da audição e por esse motivo além desses órgãos carece mos de uma arte apropriada para examinar e para fornecer o que é útil para essas finalidades Acaso na própria arte há qualquer defeito e cada arte precisa de outra arte que procure o que lhe é útil e esta por sua vez de outra e b assim até ao infinito Ou ela mesma examinará o que lhe é vantajoso Ou então não precisa de si mesma nem de nenhuma outra para procurar o que é conveniente para a sua própria imperfeição Efectivamente nenhuma arte possui imperfeição ou falha alguma nem cabe a uma arte examinar o que é útil senão aquilo de que é arte Ao passo que cada arte se o for de verdade é incorrup tível e pura enquanto que tomada no seu sentido exacto é inteiramente o que é E examina da tal maneira rigorosa é assim ou de outro modo É assim que parece ser e Portanto disse eu a medicina não procura a conveniência da medicina mas a do corpo Pois não Nem a equitação a da equitação mas a dos cavalos Nem nenhuma outra arte a sua pàis de nada carece mas a daquele a quem pertence Assim parece Mas então ó Trasímaco as artes governam e domi nam aquele a quem pertencem Concordou neste ponto mas muito a custo Portanto nenhuma ciência procura ou prescreve o que é vantajoso ao mais forte mas sim ao mais fraco e ao d que é por ela governado 30 Por fim concordou também com isto mas tentou a disputa Depois de ele dar o seu assentimento continuei Ora nenhum médico na medida em que é médico pro cura ou prescreve o que é vantajoso ao médico mas sim ao doente Pois concordámos que médico no sentido rigoroso é o que governa os corpos e não o que faz dinheiro com eles Ou não concordámos Concordámos Logo também o piloto no sentido rigoroso é o chefe dos marinheiros mas não um marinheiro De acordo e Por ventura um piloto e chefe assim háde examinar e prescrever não o que é vantajoso ao piloto mas sim ao marinheiro e ao súbdito Concordou a custo Portanto Trasímaco nenhum chefe em qualquer lu gar de comando na medida em que é chefe examina ou prescreve o que é vantajoso a ele mesmo mas o que o é para o seu subordinado para o qual exerce a sua profissão e é tendo esse homem em atenção e o que lhe é vantajoso e conveniente que diz o que diz e faz tudo quanto faz Depois que chegámos a esse ponto da discussão e se 343a tornara evidente para todos que a definição de justiça se tinha voltado ao contrário Trasímaco em vez de responder perguntou Dizme lá 6 Sócrates tens uma ama O quê repliquei eu Não era melhor respon deres do que estares a fazer semelhantes perguntas É que não repara que estás ranhoso e não te assoa quando precisas De modo que nem sequer te soube ensinar a distinguir as ovelhas do pastor Que é que tu queres saber ao certo perguntei 31 b É que tu julgas que os pastores ou os boieiros velam pelo bem das ovelhas ou dos bois e que os engordam e tratam deles com outro fim em vista que não seja o bem dos patrões ou o próprio E mesmo os que governam os Estados aqueles que governam de verdade supões que as suas disposições para com os súbditos são diferentes das que se têm pelos carneiros e que velam por outra coisa dia e e noite que não seja tirarem proveito deles E és tão pro fundamente versado em questões de justo e justiça de in justo e injustiça que desconheces serem a justiça e o justo um bem alheio que na realidade consiste na vantagem do mais forte e de quem governa e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo enquanto a injustiça é o con trário e é quem manda nos verdadeiramente ingénuos e justos e os súbditos fazem o que é vantajoso para o mais d forte e servindoo tornamno feliz a ele mas de modo algum a si mesmos E assim ó meu simplório basta reparar que o homem justo em toda a parte fica por baixo do in justo Em primeiro lugar nos consórcios que fazem uns com os outros quando uma pessoa de uma destas espécies se associa com uma da outra jamais se verificará por ocasião da dissolução da sociedade que o justo tenha mais do que o injusto mas sim menos Depois nas questões civis onde quer que haja contribuição a pagar o justo em condições iguais paga uma contribuição maior e o outro e menor Quando se tratar de receber um não lucra nada e o outro muito E se algum dos dois ocupar um posto de comando o justo pode contar ainda que não tenha outro prejuízo com ficar com os seus bens pessoais em má posição por incúria e com não ganhar coisa alguma dos do Estado por ser justo Em cima disto ainda com criar inimizades com parentes e conhecidos por se recusar 32 a servilos contra a justiça Ao passo que o homem injusto pode contar com o inverso de tudo isto Refirome àquele que há pouco mencionei ao que pode ter grandes ambições 344a de supremacia Repara pois neste homem se queres julgar quanto mais vantagem tem para um particular ser injusto do que ser justo Mas a maneira mais fácil de aprenderes é se chegares à mais completa injustiça aquela que dá o máximo de felicidade ao homem iajusto e a maior das desditas aos que foram vítimas de injustiças e não querem cometer actos desses Tratase da tirania que arrebata os bens alheios a ocultas e pela violência quer sejam sagrados ou profanos particulares ou públicos e isso não aos poucos mas de uma só vez Se alguém for visto a cometer qualquer destas b iajustiças de per si é castigado e recebe as maiores injúrias Efectivamente a quem comete qualquer destes malefícios isoladamente chamase sacrílego negreiro gatuno espo liador ladrão Mas se um homem além de se apropriar dos bens dos cidadãos faz deles escravos e os torna seus servos em vez destes epítetos injuriosos é qualificado de feliz e bemaventurado não só pelos seus concidadãos mas e por todos os demais que souberam que ele cometeu essa in justiça completa É que aqueles que criticam a injustiça não a criticam por recearem praticála mas por temerem sofrê la Assim ó Sócrates a injustiça quando chega a um certo ponto é mais potente mais livre e mais despótica do que a justiça e como eu dizia a princípio a vantagem do mais forte é a justiça ao passo que a injustiça é qualquer coisa de útil a uma pessoa e de vantajoso Depois de assim ter falado Trasímaco tinha em d mente retirarse como se fosse um empregado do bal neário que nos tivesse despejado nos ouvidos uma ar gumentação compacta e abundante Porém os presentes não lho consentiram mas forçaramno a ficar para prestar 33 contas das suas palavras Eu pela minha parte também lho pedi muito dizendo Ó divino Trasímaco então depois de lançares tal argumentação projectas retirarte antes de ensinares o bastante ou de aprenderes se é assim ou não e Ou pensas que é coisa de pouca monta o que te abalançaste a definir o curso de toda a vida que devemos seguir para cada um de nós viver a mais útil das existências E acaso eu penso de outro modo perguntou Tra símaco Assim parece respondi eu Ou então não queres saber de nós e não te importas que vivamos pior ou melhor por desconhecermos o que tu declaras saber Mas meu bom 345a amigo esforçate por nolo revelar a nós também não será um mau investimento para ti prestares um beneficio a este nosso grupo que é tão grande Eu por mim declarote qual é a minha opinião não estou convencido nem creio que a injustiça seja mais vantajosa do que a justiça ainda que al guém deixe aquela à solta sem a impedir de fazer o que quiser Mas meu bom amigo que uma pessoa seja injusta que possa cometer injustiças ou a ocultas ou em luta aberta mesmo assim o seu exemplo não me convence que isso é b mais proveitoso para ela do que a justiça Esta mesma impressão é talvez a de outros dentre nós e não minha apenas Convencenos portanto ó meu bemaventurado e de maneira suficiente que não pensamos bem quando damos maior valor à justiça do que à injustiça E como heide eu convencerte replicou Se não ficaste persuadido com o que eu disse há pouco que mais heide fazerte Ou heide pegar nos argumentos e metêlos no teu espírito Não por Zeus não faças tal exclamei Mas em primeiro lugar persiste nas afirmações que fizeste ou então 34 se fizeres alguma alteração fála abertamente e não estejas a iludirnos Ora repara ó Trasímaco examinando ainda o e que anteriormente tratámos que embora desejasses defi nir primeiro o verdadeiro médico não achaste necessário prestar depois rigorosa atenção ao exemplo do verdadeiro pastor mas supões que ele trata de engordar as ovelhas na medida em que é um pastor não porque tenha em vista o que é melhor para elas mas como um conviva ou uma pes soa que quer dar um banquete para se regalar ou então para as vender como se fosse um homem de negócios e d não um pastor Ora a finalidade da arte do pastor não é ou tra sem dúvida senão aquela para que foi destinada conse guir para o seu objecto o máximo de bemestar uma vez que seguramente está já dotado o bastante das qualidades especificas que lhe darão a supremacia na medida em que nada lhe falte da sua essência de arte do pastoreio Por estas razões eu concluí há pouco que é forçoso que concordemos que todo o governo como governo não tm por finalidade velar pelo bem de mais ninguém senão do súbdito de que e cuida quer este seja uma pessoa pública ou particular Ora tu pensas que os governantes dos Estados aqueles que são verdadeiros governantes governam por prazer Por Zeus que não Bem o sei E então Trasímaco repliquei Não reparas que os restantes cargos ninguém quer exercêlos por sua vontade mas exigem um salário pensando que do seu exer cício nenhum proveito pessoal lhes advirá mas sim para os seus súbditos E depois dizme não afirmamos nós sem 346a pre que cada uma das artes se diferencia das outras pelo facto de ter uma potência específica E não respondas meu caro contra a tua opinião real a ver se adiantamos alguma coisa Diferenciamse por isso sim 35 E não é verdade que cada uma das artes nos propor ciona qualquer vantagem específica e não comum como a da medicina a saúde a do piloto a segurança de navegação e assim por diante Exactamente b Portanto também a arte dos lucros tem o seu salário Pois é esse o efeito que lhe é peculiar Ou dás a mesma de signação à arte de curar e à arte de pilotar Ou se na ver dade queres formular uma definição rigorosa conforme propuseste inicialmente no caso de um piloto ficar são pelo facto de lhe ser benéfico andar embarcado no mar não irás chamar por causa disso medicina à sua arte Certamente que não replicou Tãopouco chamarás assim à arte dos lucros segundo julgo se alguém ficar são ao exercer uma profissão lucrativa Com certeza que não E então Chamarás à medicina arte dos lucros se al guém ao curar uma pessoa ganhar um salário e Não Acaso não concordámos que há uma vantagem pecu liar a cada arte Seja Se há uma vantagem de que gozam todos os artífices em comum é manifesto que devem empregar alguma facul dade adicional comum a todos e daí derivarem a vantagem Assim parece Ora nós afirmamos que a vantagem dos artífices quando ganham um salário lhes advém de empregarem uma faculdade adicional à arte dos lucros Concordou a custo d Por conseguinte não é da sua própria arte que advém a cada um esta vantagem que é a obtenção de um salário 36 mas se devemos examinar a questão com rigor a medicina produz a saúde a arte dos lucros o salário e a do arqui tecto uma casa ao passo que a arte dos lucros que a acom panha dá o salário E as outras todas igualmente produz cada uma o seu efeito e são vantajosas àquele a quem se aplicam Se porém não se lhe juntar um salário é possível o artífice auferir alguma vantagem da sua arte Não me parece Mas acaso ele não é útiL quando trabalha de graça e Com certeza assim o creio Portanto Trasímaco é desde já evidente que ne nhuma arte nem governo proporciona o que é útil a si mes mo mas como dissemos há muito proporciona e prescreve o que o é ao súbdito pois tem por alvo a conveniência deste que é o mais fraco e não a do mais forte Ora é por isso meu caro Trasfmaco que eu disse há bocado que nin guém quer espontaneamente governar e tratar e curar os males alheios mas antes exige um salário porquanto aquele 347a que pretende exercer bem a sua arte jamais faz ou prescre ve no exercício da sua especialidade o que é melhor para si mesmo mas para o cliente É por esse motivo ao que pare ce que é preciso proporcionar aos que querem consentir em governar um salário dinheiro ou honrarias ou um castigo se não consentirem Que queres dizer ó Sócrates interveio Gláucon O que são os dois salários seio Mas o castigo a que te refe res e em que sentido é que o incluíste no grupo dos salários não compreendo Na verdade não entendes o que seja o salário das boas pessoas aquele devido ao qual os mais perfeitos governam quando consentem em fazêlo Ou não sabes b que o amor das honrarias e das riquezas é considerado uma vergonha e o é de facto 37 Bem o sei retorquiu Por este motivo por conseguinte os homens de bem não querem governar nem por causa das riquezas nem das honrarias porquanto não querem ser apodados de mercená rios exigindo abertamente o salário do seu cargo nem de la drões tirando vantagem da sua posição Tãopouco querem governar por causa das honrarias uma vez que não as esti e mam Força é pois que sejam constrangidos e castigados se se pretende que eles consintam em governar de onde vem que se arrisca a ser considerado uma vergonha ir volun tariamente para o poder sem aguardar a necessidade de tal passo Ora o maior dos castigos é ser governado por quem é pior do que nós se não quisermos governar nós mesmos É com receio disso me parece que os bons ocupam as magistraturas quando governam e então vão para o poder não como quem vai tomar conta de qualquer benefício nem para com ele gozar mas como quem vai para uma d necessidade sem ter pessoas melhores do que eles nem mesmo iguais para quem possam relegálo Efectivamente arriscarnosíamos se houvesse um Estado de homens de bem a que houvesse competições para não governar como agora as há para alcançar o poder e tomarseia então evi dente que o verdadeiro chefe não nasceu para velar pela sua conveniência mas pela dos seus súbditos De tal maneira que todo aquele que fosse sensato preferiria receber benefícios de outrem a ter o trabalho de ajudar ele os outros Portanto de e modo algum concordo com Trasímaco em que a justiça seja a conveniência do mais forte Mas esse ponto havemos de o examinar de novo Pareceme valer muito mais a afirmação que agora fez Trasímaco ao declarar que é melhor a vida do injusto do que a do justo Ora tu qual é que escolhes ó Gláu con Qual das duas afirmações te parece mais verídica 38 Eu por mim acho que a vida do justo é a mais van tajosa Ouviste perguntei quantos benefícios Trasírnaco 348a enumerou há pouco como sendo os da vida do injusto Ouvi replicou mas não fiquei convencido Queres então que o convençamos se formos capazes de encontrar maneira disso de que não diz a verdade Como não o quereria perguntou ele Se por conseguinte continuei fazendo força contra ele opondo um argumento a outro argumento enu merarmos quantos benefícios traz o ser justo e ele falar por sua vez e nós respondermos será necessário contar os bens e medir o que cada um de nós disser em cada um dos seus b argumentos e até já precisaremos de juízes para resolverem a questão Se porém como há momentos examinarmos as coisas chegando a um acordo um com o outro seremos nós mesmos simultaneamente juízes e causídicos Precisamente disse ele Agradate mais desta maneira ou daquela Desta Anda lá disse eu ó Trasírnaco Respondenos desde o começo afirmas que a perfeita injustiça é mais útil do que a perfeita justiça É precisamente isso o que eu afirmo e dei as minhas e razões Vamos lá como qualificas estas coisas Dás a uma delas o nome de virtude e a outra o de vício Como não Portanto à justiça chamas virtude e à injustiça vício É natural meu caríssimo amigo não há dúvida uma vez que afirmo que a injustiça é proveitosa ao passo que a justiça não 39 Então É ao contrário respondeu Acaso ajustiça é que é um vício Não mas uma sublime ingenuidade d Então à irtjustiça chamas mau carácter Não mas sim prudência Acaso te parecem sensatos e bons os irtjustos Sem dúvida os que são capazes de ser perfeitamente injustos com força para submeterem à sua autoridade Estados e nações Julgas talvez que me refiro aos que tiram as bolsas de dinheiro É que também isso é proveitoso se passar despercebido Mas não vale a pena falar do assunto mas sim daquilo de que há pouco fiz menção e O que tu queres dizer não o ignoro Mas o que me surpreende é que tu coloques a injustiça no grupo da vir tude e da sabedoria e a justiça no grupo contrário Mas é que coloco mesmo Isso disse eu é uma posição ainda mais irredu tível companheiro e já não é fácil arranjar maneira de a refutar Porquanto se punhas a hipótese de a injustiça ser vantajosa mas concordas contudo com alguns outros que ela é um vício ou uma coisa vergonhosa poderíamos responderte de acordo com a opinião geral Porém a verdade é que é evidente que vais afirmar que ela é bela e forte e lhe atribuirás todas as demais qualidades que nós 349a estávamos habituados a atribuir à justiça uma vez que ousaste colocála ao lado da virtude e da sabedoria Adivinhaste a pura verdade disse ele Contudo retorqui não devemos recuar na pros secução do exame enquanto eu supuser que estás a dizer o que pensas Pois me parece ó Trasímaco que realmente não estás a zombar agora mas a dizer o que julgas ser a verdade 40 Que diferença te faz se é o que eu penso ou não desde que não refutes a minha argumentação Nenhuma respondi Mas tenta responder ainda b à pergunta seguinte parecete que um homem justo que reria exceder o homem justo em qualquer coisa De modo algum retorquiu Porque nesse caso não seria educado como é de facto nem de boa índole E então Se fosse um acto justo Nem num acto justo Mas considerarseia digno de exceder o injusto e julgaria isso justo ou não Julgáloia retorquiu ele consideráloia mas não o poderia Mas não é isso que eu estou a perguntar observei eu mas se o homem justo não se consideraria digno ou e quereria exceder o homem justo mas sim o injusto Mas é assim mesmo respondeu E quanto ao homem injusto Porventura se consi deraria digno de exceder o justo e a acção justa E como não seria assim Se ele de facto se considera digno de exceder toda a gente Portanto o homem injusto quererá exceder o homem injusto e a acção injusta e lutará para ser ele quem tem mais que todos É isso Digamos pois assim o justo não quer exceder o seu semelhante mas o seu oposto ao passo que o injusto quer exceder tanto o seu semelhante como o seu oposto d Falaste na perfeição O injusto continuei é inteligente e bom e o justo não é uma coisa nem outra Também está certo 41 Portanto prossegui o homem injusto parecese com o inteligente e bom e o justo não se parece Pois como não háde um homem com uma certa qualidade ser semelhante aos que a têm e o que a não pos sui ser diferente Perfeitamente Cada um deles tem então a qualidade daqueles com quem se parece E depois Ora bem Trasímaco Podes dizer de uma pessoa que e é um músico e de outra que o não é Com certeza Qual dos dois é sábio e qual é ignorante Sem dúvida que o músico é o sábio e o nãomúsico o ignorante Portanto um é também bom naquilo em que é sábio e o outro mau naquilo em que é ignorante Sim E quanto ao médico Não é da mesma maneira É Parecete pois excelente criatura que um músico quando afina a lira pretende exceder outro músico na tensão ou distensão das cordas e se considera digno de o ultrapassar Amimnão E então se for a um nãomúsico Forçosamente que sim 350a E quanto ao médico Na dieta de comida ou de bebida quereria ele exceder outro dmico ou outra regra Sem dúvida que não E a um que não fosse médico Sim Observa relativamente a toda a espécie de ciência ou de ignorância se te parece que qualquer sábio quereria 42 exceder os actos e palavras de outro sábio e não fazer em caso igual o mesmo que o que é semelhante a ele Será forçoso talvez que seja assim E agora o ignorante Não pretenderia ele igualmente exceder o sábio e o ignorante b Talvez Mas o sábio é sensato Afirmoo E quem é sensato é bom É Ora o homem bom e sábio não quererá exceder o que lhe é semelhante mas sim o que é diverso e oposto a ele Parece que sim E o que é mau e ignorante quererá exceder o que lhe é semelhante e o seu contrário Afiguraseme Ora Trasímaco disse eu o injusto para nós não quer exceder tanto o seu contrário como o que lhe é seme lhante Ou não foi assim que disseste Certamente respondeu Ao passo que o justo não quererá exceder o que lhe é e semelhante mas sim o seu contrário Sim Logo o justo assemelhase ao homem sábio e bom e o injusto ao mau e ignorante É provável Mas nós concordámos que cada um deles tem as qualidades daquele a quem se assemelha Concordámos com efeito Logo o justo revelasenos como bom e sábio e o injusto como ignorante e mau 43 Trasímaco então concordou com tudo isto não com a d facilidade com que agora estou a contálo mas arrasta damente e a custo suando espantosamente tanto mais que era no verão Foi então que vi uma coisa que nunca antes vira Trasímaco a corar Assim pois que concordámos que a justiça é virtude e sabedoria e a injustiça maldade e igno rância exclamei Bem deixemos este ponto assente Mas afirmámos também que a injustiça era a força Ou não te recordas ó Trasímaco Recordome Mas o que acabas de dizer não e me apraz e tenho resposta a darlhe Se eu falasse sei perfeitamente que afirmarias que eu estava a discursar como um demagogo Deixame pois falar à minha vontade ou se quiseres interrogar interroga E eu dirteei como às velhinhas que estão a contar histórias Bem e farei com a cabeça que sim ou que não Mas nunca observei contra a tua própria opi nião De maneira a poder agradarte retorquiu uma vez que não consentes que eu fale Que mais queres Mais nada por Zeus respondi Mas se queres fazer assim faz que eu interrogo Interroga então Farteei portanto exactamente a mesma pergunta de há pouco a fim de levarmos metodicamente ao fim a 35 la argumentação que é a justiça em relação à injustiça Disse se a certa altura que a iajustiça era mais poderosa e mais forte do que a justiça Agora prossegui se na verdade a justiça é sabedoria e virtude julgo que facilmente se de monstrará que é mais forte do que a injustiça uma vez que a injustiça é ignorância ninguém deixaria de o reconhecer Mas não é assim tão simplesmente ó Trasímaco que eu 44 desejo resolver o caso mas antes examinálo por outro lado Concordarias que seria injusto para um Estado tentar b submeter injustamente outros Estados e reduzilos à escra vatura ou ter diversos sajeitos ao seu império Como não E isso é o que fará acima de todos o melhor dos Estados e o mais perfeitamente injusto Compreendo que era esse o teu argumento Mas relativamente a ele só quero examinar este ponto um Estado que se assenhoreia de outro exercerá a sua domina ção sem a justiça ou será forçado a usar dela Se é como há pouco afirmavas a justiça é a sabe e doria com a justiça Mas se é como eu disse com a in justiça Estou satisfeitíssimo ó Trasímaco disse eu por que não te limitas a dizer que sim e que não com a cabeça mas respondes muito bem É para te ser agradável replicou Fazes muito bem Mas fazme o favor de responder ainda a esta pergunta parecete que um Estado ou um exército piratas ladrões ou qualquer outra classe poderiam executar o plano ilegal que empreenderam em comum se não observassem a justiça uns com os outros Certamente que não respondeu d E se a observassem Não seria melhor Absolutamente Decerto Trasímaco é porque a injustiça produz nuns e noutros as revoltas os ódios as contendas ao passo que ajustiça gera a concórdia e a amizade Não é assim Seja respondeu só para não discutir contigo Fazes bem meu excelente amigo Mas dizme o seguinte se portanto é este o resultado da injustiça 45 causar o ódio onde quer que surja quando ela se formar entre homens livres e escravos não fará também com que se odeiem uns aos outros com que se revoltem e fiquem in e capazes de empreender qualquer coisa em comum Precisamente E se se originar entre duas pessoas Não ficarão di vididas odientas e adversárias uma da outra e dos que são justos Ficarão respondeu E se a injustiça meu espantoso amigo se originar numa só pessoa com certeza não perderá a sua própria força ou mantêlaá tal qual Que a mantenha tal qual respondeu Portanto a injustiça parece ter uma força tal em qualquer entidade em que se origine quer seja um Estado 352a qualquer nação exército ou qualquer outra coisa que em primeiro lugar a incapacita de actuar de acordo consigo mesma devido às dissensões e discordâncias e além disso tomamna inimiga de si mesma e de todos os que lhe são contrários e que são justos Não é assim Exactamente E se existir num só indivíduo produzirá segundo julgo os mesmos efeitos que por natureza opera Em pri meiro lugar tomáloá incapaz de actuar por suscitar a re volta e a discórdia em si mesmo seguidamente fazendo dele inimigo de si mesmo e dos justos Não é verdade Sim E os deuses meu amigo são também justos certa mente Seja replicou b Logo o injusto será também odioso aos deuses ó Trasímaco e o justo será seu amigo 46 Banqueteiate à vontade com a tua argumentação disse ele que não serei eu quem te contradiga a fim de não me tomar odioso aos presentes V amos lá repliquei E saciame com o resto da ceia respondendome como tens feito Porque os justos mostram ser mais sábios melhores e mais capazes de actuar ao passo que os injustos nem sequer são capazes de actuar em conjunto mas se dissermos injustos aqueles que alguma e vez levaram a cabo solidamente uma empresa em comum estamos a fazer uma afirmação que de modo algum é ver dadeira pois não se poupariam uns aos outros se fossem totalmente injustos pelo contrário é evidente que havia neles qualquer vislumbre de justiça que os obrigava pelo menos a não praticarem injustiças uns com os outros en quanto atacavam as suas vítimas e graças à qual faziam o que faziam e ao lançaremse em actos injustos eram semi maus na sua injustiça uma vez que os que são comple tamente maus e inteiramente injustos são também intei ramente incapazes de actuar assim é que eu entendo que d é e não como tu expuseste de início Se os justos têm uma vida melhor e são mais felizes do que os iitjustos como pre cisamente nos propusemos examinar depois é o que vamos analisar É portanto desde já evidente que o são em meu entender em consequência do que nós dissemos Seja como for é melhor examinar a questão porquanto a discussão não é à deriva mas sobre a regra de vida que devemos adoptar Examina então Vou examinar Ora dizme Parecete que há uma função própria do cavalo Com certeza e Aceitarias portanto que a função do cavalo ou de qualquer outro animal é aquela que se pode exercer por 47 meio daquele animal unicamente ou pelo menos com mais perfeição Não compreendo objectou Mas vejamos de outra maneira é possível ver com outra coisa que não sejam os olhos Sem dúvida que não E então É possível ouvir com outra coisa que não sejam os ouvidos De modo algum Portanto diremos justamente que é essa a sua função Exactamente 353a E então Poderseiam talhar os sarmentos da vinha com uma faca uma lanceta ou muitos outros instrumentos Como não Mas com coisa alguma se executaria tão perfeitamente a tarefa segundo julgo como com uma podoa manufactu rada para o efeito É verdade Então não aceitaremos que é esta a sua função Aceitaremos portanto Penso que agora entenderás melhor o que há pouco te perguntavi ao interrogar se a função de cada coisa não era aquilo que ela executava ou só ela ou melhor do que as outras b Entendo respondeu e pareceme que é essa a função de cada coisa Bem disse eu Portanto não te parece ter uma virtude que lhe é própria tudo aquilo que está encarregado de uma função Tornemos ao mesmo ponto os olhos di zíamos nós têm uma função Têm 48 Portanto têm também uma virtude Têm também uma virtude E então Tínhamos dito que os ouvidos tinham uma função Tínhamos Portanto uma virtude também E uma virtude também E relativamente a todas as outras coisas Não é igual É Ora bem Porventura os olhos cumpririam bem a sua função se não tivessem a sua virtude própria mas um e defeito em vez dela Como poderiam fazêlo retorquiu Refereste talvez à cegueira em vez da vista A virtude deles seja ela qual for respondi Não é isso que eu estou a perguntar mas se a sua função se desem penha bem graças à virtude que lhes é própria ou mal de vido ao defeito Falas verdade Logo também os ouvidos privados da sua virtude própria desempenham mal a sua função Exactamente Englobaremos portanto todas as outras coisas no d mesmo raciocínio É o que me parece Ora vamos lá depois disto a examinar este ponto A alma tem uma função que não pode ser desempenhada por toda e qualquer outra coisa que exista que é a seguinte superintender governar deliberar e todos os demais actos da mesma espécie Será justo atribuir essas funções a qual quer outra coisa que não seja a alma ou deveremos dizer que são específicas dela 49 À alma e a nenhuma outra coisa E agora quanto à vida Não diremos que é uma fim ção da alma Acima de tudo respondeu Logo diremos também que existe uma virtude da alma Diloemos e Então ó Trasímaco a alma algum dia desempenhará bem as suas funções se for privada da sua virtude própria ou é impossível É impossível Logo é forçoso que quem tem uma alma má governe e dirija mal e quem tem uma boa faça tudo isso bem É forçoso Não concordámos que a justiça é uma virtude da alma e a injustiça um defeito Concordámos efectivamente Logo a alma justa e o homem justo viverão bem e o injusto mal Assim parece segundo o teu raciocínio 354a Mas sem dúvida o que vive bem é feliz e venturoso e o que não vive bem inversamente Como não Logo o homem justo é feliz e o injusto é desgra çado Seja respondeu Contudo não há vantagem em se ser desgraçado mas sim em se ser feliz Como não Então jamais a injustiça será mais vantajosa do que a justiça ó bemaventurado Trasímaco 50 Regalate lá com este manjar ó Sócrates para o festi val das Bendideias 27 Graças a ti sem dúvida ó Trasímaco respondi pois te tornaste cordato e deixaste de ser desagradável Contudo a ceia não é opípara por culpa minha e não tua b Mas pareceme que fiz como os glutões que agarram numa prova de cada um dos pratos à medida que os servem antes de terem gozado suficientemente o primeiro também eu antes de descobrir o que procurávamos primeiro o que é a justiça largando esse assunto precipiteime para examinar a esse propósito se ela era um vício e igno rância ou sabedoria e virtude depois como surgisse novo argumento que é mais vantajosa a injustiça do que a justiça não me abstive de passar daquele assunto para este de tal maneira que daí resultou agora para mim que nada e fiquei a saber com esta discussão Desde que não sei o que é a justiça menos ainda saberei se se dá o caso de ela ser uma virtude ou não e se quem a possui é ou não feliz 27 Sobre este festival vide supra nota 2 Aqui Trasímaco retoma a metáfora de 3526 51 LIVRO II Ditas portanto estas palavras julgava eu que estava 357a livre da discussão Mas de facto era apenas o prelúdio ao que parece Efectivamente Gláucon que é sempre o mais destemido em tudo também nessa altura não acei tou a retirada de Trasímaco e disse Ó Sócrates queres aparentar que nos persuadiste ou persuadirnos de verdade b de que de toda a maneira é melhor ser justo do que injusto Queria persuadirvos de verdade respondi se estivesse ao meu alcance Então não fazes o que queres Ora dizme não te parece que há uma espécie de bem que gostaríamos de possuir não por desejarmos as suas consequências mas por o estimarmos por si mesmo como a alegria e os prazeres que forem inofensivos e dos quais nada resulta de futuro senão o prazer de os possuirmos Pareceme disse eu que existe um bem dessa espécie E aquele bem de que gostamos por si mesmo e pelas e suas consequências como por exemplo a sensatez a vista a saúde Pois tais bens apreciamolos por ambos os motivos É sim repliquei E vês uma terceira espécie de bem no qual se compreende a ginástica e o tratamento das doenças e a 53 prática clínica e outras maneiras de obter dinheiro De tais bens diríamos que são penosos mas úteis e não aceita d ríamos a sua posse por amor a eles mas sim ao salário e a outras consequências que deles derivam Existe com efeito esta espécie ao lado das outras duas Mas que queres tu dizer Em qual delas colocas ajustiça 358a Acho que na mais bela a que deve estimar por si mesma e pelas suas consequências quem quiser ser feliz Ora bem O parecer da maioria não é esse mas sim que pertence à espécie penosa a que se pratica por causa das aparências em vista do salário e da reputação mas que por si mesma se deve evitar como sendo dificultosa Eu sei que é esse o seu parecer e há muito que Tra símaco censura a justiça por esse motivo e elogia a injustiça Mas sou duro de entendimento ao que parece h Vamos então prosseguiu ele Presta atenção a mim também a ver se ainda chegas a ter a mesma opinião Afiguraseme na verdade que Trasfmaco ficou fascinado por ti mais cedo do que devia como se fosse uma serpente Quanto a mim a argumentação de um e de outro lado não me satisfez Desejo ouvir o que é cada uma delas e que faculdade possui por si quando existe na alma sem ligar importância salários nem a consequências Farei pois da e seguinte maneira e se também achares bem retomarei o argumento de Trasímaco e em primeiro lugar direi o que se afirma ser a justiça e qual a sua origem seguidamente que todos os que a praticam o fazem contra vontade como coisa necessária mas não como boa em terceiro lugar que é natural que procedam assim porquanto afinal de contas a vida do injusto é muito melhor do que a do justo no dizer deles Porque a mim ó Sócrates não me parece 54 que seja desse modo Contudo sintome perturbado com os ouvidos azoratados de ouvir Trasímaco e milhares de outros ao passo que falar a favor da justiça como sendo superior à injustiça ainda não o ouvi a ninguém como é d meu desejo pois desejava ouvir elogiála em si e por si Contigo sobretudo espero aprender esse elogio Por isso vou fazer todos os esforços por exaltar a vida injusta depois mostrarteei de que maneira quero por minha vez ouvir te censurar a injustiça e louvar a justiça Mas vê se te apraz a minha proposta Mais do que tudo respondi Pois de que outro assunto terá mais prazer em falar ou ouvir falar mais vezes uma pessoa sensata Falas à maravilha disse ele Escuta então o que e eu disse que iria tratar primeiro qual a essência e a origem dajustiça Dizem que uma injustiça é por natureza um bem e sofrêla um mal mas que ser vítima de injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometêla De maneira que quando as pessoas praticam ou sofrem injustiças umas das outras e provam de ambas lhes parece vantajoso quando não podem evitar uma coisa ou alcançar a outra chegar a 359a um acordo mútuo para não cometerem injustiças nem serem vítimas delas Daí se originou o estabelecimento de leis e convenções entre elas e a designação de legal e justo para as prescrições da lei Tal seria a génese e essência da justiça que se situa a meio caminho entre o maior bem não pagar a pena das injustiças e o maior mal ser incapaz de se vingar de uma injustiça Estando a justiça colocada entre estes dois extremos deve não preitearse como um bem mas honrarse devido à impossibilidade de b praticar a injustiça Uma vez que o que pudesse cometêla e 55 fosse verdadeiramente um homem nunca aceitaria a con venção de não praticar nem sofrer injustiças pois seria lou cura Aqui tens ó Sócrates qual é a natureza da justiça e qual a sua origem segundo é voz corrente Sentiremos melhor como os que observam a justiça o fazem contra vontade por impossibilidade de cometerem injustiças se imaginarmos o caso seguinte Dêmos o poder e de fazer o que quiser a ambos ao homem justo e ao injusto depois vamos atrás deles para vermos onde é que a pai xão leva cada um Pois bem Apanháloemos ao justo a caminhar para a mesma meta que o injusto devido à ambi ção coisa que toda a criatura está por natureza disposta a procurar alcançar como um bem mas por convenção é forçada a respeitar a igualdade E o poder a que me refiro seria mais ou menos como o seguinte terem a faculdade d que se diz ter sido concedida ao antepassado do Lídio Giges Era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia Devido a uma grande tempestade e tremor de terra rasgouse o solo e abriuse uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho Admirado ao ver tal coisa desceu por lá e contemplou entre outras maravilhas que para aí fantasiam um cavalo de bronze oco com umas aberturas espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver aparentemente maior do que um homem e que e não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão Arrancoulho e saiu Ora como os pastores se tivessem reunido da maneira habitual a fim de comunicarem ao rei todos os meses o que dizia respeito aos rebanhos Giges foi lá também com o seu anel Estando ele pois sentado no meio dos outros deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro em direcção à parte interna da mão e ao 360a fazer isso tomouse invisível para os que estavam ao lado 56 os quais falavam dele como se se tivesse ido embora Admirado passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste Assim que o fez tomouse visível Tendo observado estes factos experimentou a ver se o anel tinha aquele poder e verificou que se voltasse o engaste para dentro se tornava invisível se o voltasse para fora ficava visível Assim senhor de si logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei Uma vez lá chegado seduziu a mulher do soberano e com o auxílio dela atacouo b e matouo e assim se assenhoreou do poder 1 Se portanto houvesse dois anéis como este e o homem justo pusesse um e o injusto outro não haveria ninguém ao que parece tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça e que fosse capaz de se abster dos bens alheios e de não lhes tocar sendolhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado entrar nas casas e unir e se a quem lhe apetecesse matar ou libertar das algemas a quem lhe aprouvesse e fazer tudo o mais entre os homens como se fosse igual aos deuses Comportandose desta maneira os seus actos em nda difeririam dos do outro mas ambos levariam o mesmo caminho E disto se poderá afirmar que é uma grande prova de que ninguém é justo por sua vontade mas constrangido por entender que a justiça não é un bem para si individualmente uma vez 1 Giges foi rei da Lídia c 687651 aC depois de ter assassi nado o monarca anterior Candaules e de ter desposado a viúva deste As circunstâncias romanescas da história foram narradas por Heródoto I 812 e serviram também de tema a uma tragé dia de que se recuperou num papiro um fragmento de 16 ver sos mas que se não sabe datar A parte relativa ao anel é exclu siva de Platão 57 que quando cada um julga que lhe é possível cometer injustiças cometeas Efectivamente todos os homens d acreditam que lhes é muito mais vantajosa individualmente a injustiça do que a justiça E pensam a verdade como dirá o defensor desta argumentação Uma vez que se alguém que se assenhoreasse de tal poder não quisesse jamais cometer injustiças nem apropriarse dos bens alheios pareceria aos que disso soubessem muito desgraçado e insensato Con tudo haviam de elogiálo em presença uns dos outros en ganandose reciprocamente com receio de serem vítimas de alguma injustiça Assim são pois estes factos e Quanto à escolha em si entre as vidas de que estamos a falar se considerarmos separadamente o homem mais justo e o mais injusto seremos capazes de julgar correcta mente Caso contrário não Qual é então essa separação É a seguinte nada tiremos nem ao injusto em injustiça nem ao justo em justiça mas suponhamos que cada um deles é perfeito na sua maneira de viver Em primeiro lugar que o injusto faça como os artistas qualificados como um piloto de primeira ordem ou um médico repara no que é impossível e no que é possível fazer 361a com a sua arte e mete ombros a esta tarefa mas abandona aquela E ainda se vacilar nalgum ponto é capaz de o corri gir Assim também o homem injusto deve meter ombros aos seus injustos empreendimentos com correcção pas sando despercebido se quer ser perfeitamente injusto Em pouca conta deverá terse quem for apanhado Pois o suprasumo da injustiça é parecer justo sem o ser Dêmos portanto ao homem perfeitamente injusto a mais completa injustiça não lhe tiremos nada mas deixemos que ao b cometer as maiores injustiças granjeie para si mesmo a mais excelsa fama de justo e se acaso vacilar nalguma coisa seja 58 capaz de a reparar por ser suficientemente hábil a falar para persuadir e se for denunciado algum dos seus crimes que exerça a violência nos casos em que ela for precisa por meio da sua coragem e força ou pelos amigos e riquezas que tenha graajeado Depois de imaginarmos uma pessoa destas coloquemos agora mentalmente junto dele um homem justo simples e generoso que segundo as palavras de Ésquilo 2 não quer parecer bom mas sêlo Tiremoslhe pois essa aparência Porquanto se ele parecer justo terá e honrarias e presentes por aparentar ter essas qualidades E assim não será evidente se é por causa da justiça se pelas dádivas e honrarias que ele é desse modo Deve pois despojarse de tudo excepto a justiça e deve imaginarse como situado ao invés do anterior Que sem cometer falta alguma tenha a reputação da máxima injustiça a fim de ser provado com a pedra de toque em relação à justiça pela sua recusa a vergarse ao peso da má fama e suas consequências Que caminhe inalterável até à morte parecendo injusto d toda a sua vida mas sendo justo a fim de que depois de te rem atingido ambos o extremo limite um da justiça outro da injustiça se julgue qual deles foi o mais feliz Céus Meu caro Gláucon exclamei eu Com que vigor te empenhas em limpar e avivar como se fosse uma estátua cada um dos dois homens a fim de os subme ter a julgamento O mais que posso respondeu ele Sendo eles assim já não há dificuldade alguma segundo creio em prosseguir na discussão relativa ao género de vida que e aguarda cada um Digamos pois E se for dito de maneira um pouco rude pensa que não sou eu que falo ó Sócrates 2 Os Sete contra Tebas 592 59 mas aqueles que honram a injustiça em vez da justiça Dirão eles o seguinte que o justo que delineei desta maneira será 362a chicoteado torturado feito prisioneiro queimarlheão os olhos e por último depois de ter sofrido toda a espécie de males será empalado e compreenderá que se deve querer não ser justo mas parecêlo O dito de Ésquilo aplicarseia muito melhor ao injusto Efectivamente dirão que o injusto preocupandose com alcançar uma coisa real e não vivendo para a aparência não quer parecer iajusto mas sêlo3 colhendo em espírito o fruto do sulco profundo b do qual germinam as boas resoluções Em primeiro lugar manda na cidade por parecer justo em seguida pode desposar uma mulher da família que qui ser dar as filhas em casamento a quem lhe aprouver fazer alianças formar empresas com quem desejar e em tudo isto ganha e lucra por não se incomodar com a injustiça De acordo com isto quando entra em conflito público ou pri vado é ele que prevalece e leva vantagem aos adversários e essa vantagem fálo enriquecer e fazer bem aos amigos e mal aos inimigos e efectuar sacrifícios aos deuses e fazer lhes oferendas numerosas magníficas mesmo e prestar honras aos déuses e àqueles dentre os homens que lhe aprouver muito melhor do que o justo de tal maneira que é natural segundo todas as probabilidades que ele seja mais favorecido pelos deuses do que o homem justo É assim que se afirma ó Sócrates que junto dos deuses e dos homens o homem injusto granjeia melhor sorte do que o justo 3 Os Sete contra Tebas 593594 60 Ditas estas palavras por Gláucon eu tinha em mente d replicarlhe por minha vez mas o irmão dele Adimanto perguntou Tu não pensas ó Sócrates que já se discutiu suficientemente a questão E porque não respondi Não se disse aquilo que mais importava discutir Pois bem continuei é como no provérbio um irmão vem em socorro do outro De modo que acodelhe tu também se ele deixou a desejar nalguma coisa Contudo o certo é que o que ele disse bastou para me pôr fora de combate e me incapacitar de defender a justiça Estás a dizer coisas sem sentido retrucou ele e Mas ouve ainda mais isto que te vou dizer Pois é preciso que examinemos também as afirmações contrárias às que ele fez as daqueles que honram a justiça e vituperam a in justiça a fim de tornar mais claro aquilo que Gláucon me parece querer dizer Os pais apregoam e recomendam aos filhos bem como todos aqueles que têm alguém a seu car 363a go a necessidade de se ser justo sem elogiarem a coisa em si a justiça mas o bom nome que dela advém a fim de que aquele que parece ser justo receba dessa fama magistraturas desposórios e quantas outras vantagens Gláucon há pouco enumerou e que o justo tem devido à sua reputação Mas esses homens ainda encarecem as vantagens do renome Atiram para a qalança o favor dos deuses e ficam com um sem número de bens para apregoar que afirmam serem ou torgados pelos deuses aos homens piedosos Como dizem o bom do Hesíodo e Homero Aquele afirmando que para os justos fazem os deuses com que os carvalhos dêem glandes b lá no cimo e abelhas no meio e acrescenta que as lanígeras ovelhas se carregam com o seu velo 4 e muitos outros bens Hesíodo Trabalhos e Dias 232233 61 dessa espécie O outro fala também de maneira semelhante quando diz 5 como a de um rei ilustre que sendo temente aos deuses e obedece ao direito A terra negra produz trigo e aveia as árvores carregamse de frutos as ovelhas dão sempre crias e o mar fornece peixe Museu e o seu filho 6 outorgam aos justos por parte dos deuses bens ainda mais esplendorosos do que estes Efectivamente levamnos em imaginação ao Hades ins talamnos à mesa preparamlhes um banquete dos bem d aventurados coroandoos de flores e fazemnos passar todo o tempo daí em diante a embriagarse imaginando que o mais formoso salário da virtude é uma embriaguez 5 Odisseia x1x 109rr3 O texto omite as palavras iniciais desta conhecida fala de Ulisses disfarçado a Penélope Senhora não há na terra imensa mortal que vos exceda Ao vasto céu chega a vossa glória 6 Museu era como seu mestre Orfeu um poeta nútico da Trá cia Os dois são mencionados como poetas úteis nos versos 1031 33 de A Rãs de Aristófanes Quanto ao filho de Museu referido neste texto deverá identificarse como Eumolpo Sobre esta ques tão vide M L W est The Orphic Poems Oxford 1983 cap 1 e 2 Antigamente e seguindo aliás na esteira de Plutarco Cimon et Lucullus 2 viase neste passo uma crítica ao Orfismo e suas crenças escatológicas Porém há motivos para supor que devem estar abrangidos rituais de mais do que uma seita Cf E R Dodds The Greeks and the Irrational Berkeley 1951 p 234 n 82 Por outro lado os sucessivos achados de inscrições em lâminas de ouro em Hipponion e na Tessália de grafitti em Olbia e sobretudo do Papiro de Derveni têm sido objecto de numerosos estudos que não conduziram ainda a conclusões seguras 62 perpétua 7 Outros alargam ainda mais do que estes os benefícios por parte dos deuses pois afirmam que do homem puro e fiel aos seus juramentos permanecem os filhos dos jjtos e a raça vindoura 8 São estes e outros elogios no género os que eles fazem à justiça Quanto aos homens ímpios e injustos esses pelo contrário enterram nos no lodo no Hades e obrigamnos a transportar água num crivo e ainda em vida lhes imputam má fama 9 E e todos os castigos que Gláucon enumerou relativamente aos justos que aparentam serem injustos esses atribuemnos aos injustos nem têm mais que lhes aplicar Eis aqui portanto louvor e vitupério para cada uma das classes A acrescentar a estas opiniões examina ainda ó Sócra tes uma outra espécie de argumentos sobre a justiça e a injustiça proferidos quer por leigos quer por artistas do verso Todos em uníssono entoam hinos sobre a beleza da 364a temperança e da justiça embora difíceis e trabalhosas ao passo que a intemperança e a injustiça são coisa suave e fácil de alcançar odiosas apenas à fama e à lei Proclamam que a injustiça é em geral mais vantajosa do que a justiça e estão prontos a pretender que são felizes os maus se forem ricos 7 Cf Aristofonte CGF m 364 e as observações que sobre esse fragmento cónúco fizemos em Concepções Helénicas de Felicidade no Além de Homero a Platão pp 5859 Cf Hesíodo Trabalhos e Dias 285 Sobre as origens desta crença popular também referida por Platão no Fédon 69c relativa aos castigos no Hades vejase o nosso estudo acima citado pp 4952 Quanto ao transporte de água em vasos perfurados figurava como castigo dos nãoiniciados nas pin turas que Polignoto fez para a Lescbe dos Cnídios em Delfos des critas por Pausânias x31911 63 ou possuidores de outras formas de poder e a honrálos em público e em particular ao passo que desprezam e olham b com sobranceria os que forem fracos e pobres embora concordem que são melhores do que os outros Mas de todos os argumentos os que tomam forma mais surpreen dente são os que dizem respeito aos deuses e à virtude que os próprios deuses atribuíram a muitos homens de bem infelicidades e uma vida desgraçada e aos maus o contrá rio Mendigos e adivinhos vão às portas dos ricos tentar persuadilos de que têm o poder outorgado pelos deuses devido a sacrifícios e encantamentos de curar por meio de e prazeres e festas com sacrifícios qualquer crime cometido pelo próprio ou pelos seus antepassados e por outro lado se se quiser fazer mal a um inimigo mediante pequena des pesa prejudicar com igual facilidade justo e iajusto persua dindo os deuses a serem seus servidores dizem eles gra ças a tais ou quais inovações e feitiçarias Para todas estas pretensões invocam os deuses como testemunhas uns so bre o vício garantindo facilidades como1º Mat pode colherse em abundânda e com fadlidade d O caminho é plano e mora junto de nós Mas ante a virtude puseram os deuses o suor e um caminho longo escarpado e íngreme Outros para mostrar como os deuses são influenciados pelos homens in vocam o testemunho de Homero pois também ele disse11 Flexíveis até os deuses o são Com as suas preces por meio de sacrifícios 10 Hesíodo Trabalhos e Dias 287289 11 Eíada IX 497501 64 votos aprazíveis libações gordura de vítimas os homens e tornamllt propícios quando algum saiu do seu caminho e errou Além disso apresentam um monte de livros de Museu e Orfeu 12 filhos da Lua e das Musas ao que dizem É por eles que executam os sacrifícios persuadindo não só par ticulares como também cidades de que é possível a li bertação e purificação dos crimes por meio de sacrifícios e de folguedos aprazíveis quer em vida quer depois da morte 365a Ora isso é o que chamam iniciação que nos liberta dos males no além ao passo que a quem não executar esses sacrifícios terríveis desgraças o aguardam Toda a espécie de afirmações meu caro Sócrates proferidas desta forma e com tais garantias que se fazem so bre a virtude e o vício sobre o valor que homens e deuses lhes atribuem ao ouvilas que pensamos que fazem as al mas dos jovens que forem bem dotados e capazes de an dando como que a volitar em tomo de todas extrair delas uma noção do comportamento que uma pessoa deve ter e da espécie de caminho por que deve seguir a fim de passar b 12 Sobre Museu e Orfeu vide supra n 6 Este passo é um dos poucos dados seguros para a época clássica sobre a existência de uma literatura órfica e sobre a parte da doutrina dessa seita rela tiva às purificações rituais vide o nosso trabalho Concepções Heléni cas de Felíddade no Além de Homero a Platão pp 5455 A promessa de um destino melhor no além aos iniciados encontravase em várias religiões de mistérios designadamente nos dionimacos como o confirma a lâmina de ouro de Hipponion ct W Burkert Andent Mystey Cults Cambridge Mass 1987 65 a existência o melhor possível Na verdade dirá provavel mente para si mesmo aquela famosa sentença de Píndaro 13 Heide subir ao bastião mais elevado pela justiça ou pelo dolo tortuoso para assim me acolher a esse reduto e lá passar a minha vida Pois segundo dizem se eu for justo mas não o parecer não tiro proveito nenhum mas sim penas e castigos evidentes Para o homem injusto que saiba granjear fama de justiça a sua vida dizse que é divinamente boa Portanto e uma vez que a aparência como me demonstram os sábios subjuga a verdade e é senhora da felicidade é para esse lado que devemos voltarnos por completo Tenho de traçar em círculo à minha volta como uma fachada e frontaria uma imagem da virtude e arrastar atrás de mim a raposa matreira e astuciosa do muito sapiente Ar quíloco 14 Mas dirá alguém não é fácil passar sempre d despercebido quem é mau Mas não há nada de grandioso que não tenha dificuldades Seja como for se quisermos ser felizes temos de seguir nesta direcção por onde nos levam as pegadas destes argumentos Para o fazermos passando despercebidos reuniremos cabalas e clubes temos mestres de persuasão para nos darem a ciência das arengas e do foro com cujos recursos havemos ora de persuadir ora de exercer violência de tal maneira que satisfaremos as nossas ambições sem termos de pagar a pena Mas aos deuses não é possível passar despercebido nem fazer violência Ora se 13 Fr 213 Snell de Píndaro 14 Embora já se encontre uma fábula em Hesíodo é a partir de Arquíloco meados do séc vn aC que a raposa aparece nessas historietas como símbolo da astúcia frs 174 176 e 185 West 66 eles não existem ou não se preocupam com as coisas dos homens para que havemos de importarnos com o passar e despercebido Se porém existem e se preocupam nós não sabemos nem ouvimos falar deles a mais ninguém senão através das leis e dos poetas que trataram da sua genealogia e são esses mesmos que dizem que eles são de molde a deixaremse flectir por meio de sacrifícios preces brandas e oferendas Ou se acredita em ambas as coisas ou em nenhuma Se portanto se deve acreditar neles devese ser injusto e fazerlhes sacrifícios com o produto das nossas injustiças Efectivamente se formos justos só estaremos 366a livres de castigo por parte dos deuses mas afastaríamos assim os lucros provenientes da injustiça Ao passo que na qualidade de homens injustos não só teremos lucros como também se houvermos feito transgressões e cometido faltas por meio das nossas preces os persuadiremos a deixarem nos escapar incólumes Mas é que no Hades pagaremos a pena das injustiças aqui cometidas nós ou os filhos dos nossos filhos Mas meu amigo dirá esse jovem conti nuando o seu raciodnio as iniciações podem muito aqui bem como os deuses libertadores conforme proclamam as b maiores dentre as cidades e os filhos de deuses 15 que setor naram poetas e profetas da divindade e que nos revelam que assim é Depois destes argumentos havíamos de escolher a justiça de preferência a uma injustiça de maior amplitude uma vez que se assegurarmos os resultados desta com uma falsa respeitabilidade procederemos a nosso belprazer junto ds deuses e dos homens quer em vida quer depois de mortos tal como diz a afirmação feita pelo povo em 15 Referência a Museu e Orfeu 67 geral e pelas pessoas de categoria mais elevada Segundo e tudo quanto dissemos como será ó Sócrates que háde querer honrar a justiça uma pessoa que tenha a vantagem de possuir força de ânimo capacidade económica ou física ou nobreza de nascimento sem que se ria ao ouvir elogiá la A verdade é que como admites se alguém puder demonstrar que é mentira o que dissemos e estiver seguro de saber bem que a justiça é o maior dos bens tem sempre uma larga compreensão e não se encoleriza com as pessoas injustas mas sabe que a menos que alguém por um d instinto divino tenha aversão à injustiça ou dela se abstenha devido ao saber que alcançou ninguém mais é justo vo luntariamente mas que devido à covardia à velhice ou a qualquer outra fraqueza censurará a injustiça por estar incapacitado de a cometer Que assim é é evidente uma pessoa dessa espécie que alcance essa capacidade é o pri meiro a praticar a injustiça até onde for capaz E a causa de tudo isto não é senão aquela da qual toda esta discussão contigo do meu irmão e minha partiu ó Sócrates o dizer e Meu caro amigo de todos vós que vos proclamais defensores da justiça começando nos heróis de antanho cujos discursos se conservaram até aos contemporâneos ninguémjamais censurou a injustiça ou louvou ajustiça por outra razão que não fosse a reputação honrarias presentes dela derivados Quanto ao que são cada uma em si e o efeito que produzem pela sua virtude própria pelo facto de se encontrarem na alma do seu possuidor ocultas a homens e deuses ninguém jamais demonstrou suficientemente em prosa ou em verso até que ponto uma é o maior dos males que uma alma pode albergar ao passo que a outra a justiça 367a é o maior dos bens Se portanto todos vós nos falásseis assim desde o começo e nos persuadissem desde novos não andaríamos a guardarnos uns aos outros para não 68 praticarmos injustiças mas cada um seria o melhor guar dião de si mesmo com receio de coabitar com o maior dos males se praticasse a injustiça Seria isto ó Sócrates ou talvez ainda mais do que isto o que Trasímaco ou qualquer outro teria a dizer sobre as relações entre a justiça e a injustiça confundindo gros seiramente em meu entender os seus atributos Mas eu já que nada devo ocultarte empenheime em b discutir com todas as minhas forças no desejo de te ouvir sustentar o contrário Não nos demonstres pois unicamente com a tua argumentação que vale mais a justiça do que a injustiça mas os efeitos que cada uma delas produz em quem as possui e graças aos quais uma é um mal e a outra um bem Põe de parte a questão da reputação como Gláucon te desafiou a fazer Pois se não puseres de parte de ambos os lados a verdadeira e lhe acrescentares a enganadora não diremos que exaltas a justiça mas as aparências nem que censuras a injustiça mas e a sua exteriorização e que nos exortas a ocultar a nossa in justiça mas concordas com Trasímaco que a justiça é um bem alheio útil ao mais forte ao passo que a injustiça é útil e proveitosa a ela mesma mas prejudicial ao mais fraco Uma vez pois que concordaste que ajustiça figura entre os maiores ben os que são dignos de se possuírem em virtude das consequências que deles derivam mas muito mais ainda por eles mesmos tais como a vista o ouvido d o bom senso a saúde e quantos outros bens há aí pro dutivos pela sua própria natureza e não resultantes da reputação exalta então na justiça o que ela tem de vantajoso por si mesma para quem a possui e na injustiça o que ela tem de prejudicial deixando a outros o cuidado de elogiar os ganhos e a reputação Já que eu poderia aceitar 69 de outras pessoas que honrassem desse modo a justiça e censurassem a injustiça elogiando e vituperando a pro pósito de cada uma a sua fama e lucros mas não de ti a menos que a tal me obrigasses porque tens passado toda a e tua vida a examinar esta questão e só esta Portanto não nos demonstres apenas com a tua argumentação que a justiça vale mais do que a injustiça mas também por que motivo pelos efeitos que cada uma produz por si mesma em quem a possui quer passe despercebida a deuses e homens quer não uma é um bem e a outra um mal Ao ouvir estas palavras eu que sempre admirei as qualidades de Gláucon e de Adimanto senti então um 368a imenso deleíte e disse Não estava nada mal ó filhos de um homem ilustre o começo daquela elegia que vos dedi cou o amante de Gláucon quando ao elogiar o vosso papel na batalha de Mégara disse Filhos de Anston raça divina de um varão glorioso Estas palavras amigos parecemme bem adequadas Há em vós algo de divino se não estais convencidos de que a injustiça é superior à justiça sendo capazes de falar sobre ela b desta maneiia Ora a verdade é que não me pareceis per suadidos deduzoo do vosso carácter em geral pois pelas vossas palavras em si eu ficaria a desconfiar de vós mas quanto mais confio em vós mais me sinto embara çado com o que heide fazer Pois não tenho maneira de defender a justiça Pareceme que sou incapaz E a prova disso é que não aceitastes as palavras com as quais eu supunha demonstrar a Trasímaco que a justiça é melhor do que a iajustiça E por outro lado não posso deixar de a de fender Com efeito tenho receio que seja impiedade que 70 atacandose a justiça na minha presença eu não a defenda e nem lhe acuda enquanto puder respirar e for capaz de falar O melhor portanto é socorrêla dentro dos limites da mi nha capacidade Então Gláucon e os outros pediramme que lhe acudisse com todos os meios e não deixasse ir abaixo a discussão mas que investigasse até ao fim qual a natureza de cada unia delas e qual a verdade acerca das respectivas vantagens Disselhes então qual era o meu parecer que a pesquisa que íamos empreender não era coisa fácil mas exigia a meu ver acuidade de visão Ora uma vez que nós não somos especialistas entendo prossegui que d devemos conduzir a investigação da mesma forma que o faríamos se alguém mandasse ler de longe letras pequenas a pessoas de vista fraca e então alguma delas desse conta de que existiam as mesmas letras em qualquer outra parte em tamanho maior e numa escala mais ampla Parecerlhesia penso eu um autêntico achado que depois de lerem pri meiro estas pudessem então observar as menores a ver se eram a mesma c01sa Absolutamente disse Adimanto Mas que se melhança vês tu ó Sócrates com a investigação sobre a e justiça Vou dizerto respondi Diremos que a justiça é de um só indivíduo ou que é também de toda a cidade Também é replicou Logo a cidade é maior do que o indivíduo É maior Portanto talvez exista uma justiça numa escala mais ampla e mais fácil de apreender Se quiserdes então investigaremos primeiro qual a sua natureza nas cidades 369a Quando tivermos feito essa indagação executálaemas em 71 relação ao indivíduo observando a semelhança com o maior na forma do menor Pareceme que falas bem respondeu ele Ora pois disse eu se quiséssemos fazer um de bate sobre a formação de uma cidade veríamos também a justiça e a injustiça a surgir nela Em breve o veríamos retorquiu ele Portanto se assim sucedesse havia esperança de mais facilmente vermos o que indagamos b Muito mais com certeza Parecevos então que devemos tentar levar a cabo esta empresa É que se me afigura que não é trabalho de pe quena monta Vede pois Já está visto respondeu Adimanto E não faças de outro modo Ora disse eu uma cidade tem a sua origem se gundo creio no facto de cada um de nós não ser autosufi ciente mas sim necessitado de muita coisa Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra razão Por nenhuma outra respondeu e Assim portanto um homem toma outro para uma necessidade e outro ainda para outra e como precisam de muita coisa reúnem numa só habitação companheiros e ajudantes A essa associação pusemos o nome de cidade Não é assim Absolutamente Mas se uma pessoa participa numa sociedade com outra se dá ou recebe algo é na convicção de que isso é melhor para ela Certamente Ora vamos lá dise eu Fundemos em imagina ção uma cidade Serão ao que parece as nossas necessidades que hãode fundála 72 Como não Mas por certo que a primeira e a maior de todas as d necessidades é a obtenção de alimentos em ordem a existir mos e a vivermos Inteiramente A segunda é a habitação a terceira o vestuário e coi sas no género Assim é Ora vamos prossegui Como é que a cidade bas tará para a obtenção de tantas coisas Existirá outra solução que não seja haver um que seja lavrador outro pedreiro outro tecelão AcrescentarIhesemos também um sapateiro ou qualquer outro artífice que se ocupe do que é relativo ao corpo Com toda a certeza Logo o mínimo a que se pode chamar uma cidade compõese de quatro ou cinco homens Assim parece e E agora Deve cada um destes homens executar o seu trabalho próprio para ser comum a todos Por exem plo o lavrador sozinho fornecerá trigo para quatro e gas tará o quádruplo do tempo e do esforço com a obtenção do trigo para o partilhar com os outros ou preocuparseá apenas consigo e preparará a quarta parte deste trigo na 370a quarta parte do tempo e os outros três quartos gastálosá um na construção de uma casa outro na confecção de um manto outro ainda de calçado e sem as partilhar com os outros terá as suas coisas fazendo por si mesmo o que é seu Adimanto declarou Talvez seja mais fácil do pri meiro modo que do segundo ó Sócrates 73 Por Zeus que nada me admira disse eu Ao ouvirte falar penso também que em primeiro lugar cada b um de nós não nasceu igual a outro mas com naturezas diferentes cada um para a execução de sua tarefa Ou não te parece Pareceme Como assim Uma pessoa fará melhor em trabalhar sozinho em muitos ofícios ou quando for só um a executar um Quando for um só a executar um Mas julgo eu que é também evidente que se alguém deixar fugir a oportunidade de fazer uma coisa perdea É evidente É que creio eu a obra não espera pelo lazer do obreiro mas força é que o obreiro acompanhe o seu e trabalho sem ser à maneira de um passatempo É forçoso Por conseguinte o resultado é mais rico mais belo e mais fácil quando cada pessoa fizer uma só coisa de acordo com a sua natureza e na ocasião própria deixando em paz as outras Absolutamente Logo ó Adimanto são precisos mais de quatro ci dadãos para 9s fornecimentos de que falámos Com efeito não será o lavrador em pessoa ao que parece que fará o arado para si se quer que seja perfeito nem a enxada nem d os demais utensílios de lavoura Nem por sua vez o pedreiro também esse precisa de muita coisa E do mesmo modo o tecelão e o sapateiro Ou não É verdade Ora os carpinteiros ferreiros e tantos outros artífices desta espécie associandose à nossa pequena cidade tor namna mais povoada 74 Absolutamente Mas não seria mesmo grande se lhe acrescentás semos boieiros pastores e os outros guardadores de gado a fim de que os lavradores tivessem bois para lavrar e os e pedreiros juntamente com os lavradores pudessem servir se de animais de tiro para os transportes e os tecelões e sapateiros de peles e de lãs Não seria de modo algum uma cidade pequena se tivesse isso tudo replicou ele Mas disse eu fundar esta mesma cidade num lugar tal que não precisasse de importar nada é quase im possível Efectivamente é impossível Precisará pois de outras pessoas ainda que lhe tra gam de outra cidade aquilo de que carece Precisará Mas certamente esse mensageiro se for de mãos va zias sem nada levar daquilo que precisam as pessoas de junto das quais háde trazer o necessário para a sua cidade 371a regressará de mãos vazias Não é assim Assim me parece Portanto é preciso não só que se produza o suficiente nessa cidade mas também produtos na qualidade e quanti dade que eles necessitarem É preciso Então a nossa cidade carece de mais lavradores e de mais dos restantes artífices De mais com efeitó E em especial de mais mensageiros dos que expor tam e importam os produtos Esses são os comerciantes não é assim É 75 Então precisaremos também de comerciantes Absolutamente E se o comércio se fizer por mar haverá ainda neces b sidade de muitos outros homens instruídos na labuta marí tima De muitos sim E então Na mesma cidade de que modo trocarão eles entre si os seus produtos Por causa deles é que estabe lecemos uma sociedade e fundámos uma cidade É evidente respondeu ele que por meio de com pra e venda Daí resultará para nós um mercado e a moeda sinal dos resultados das trocas comerciais Absolutamente e Mas se o lavrador ou qualquer outro trabalhador ti ver trazido ao mercado algum dos seus produtos e não che gar ao mesmo tempo que os que precisam de adquirir a sua mercadoria háde ficar sentado na praça pública sem se ocupar da sua actividade De modo algum respondeu ele Mas há pessoas que ao verem isto se colocam neste serviço Nas cidades bem administradas são geralmente os mais débeis fisica mente e inúteis para qualquer outro trabalho De facto têm d de permanecer ali pela praça pública para comprar por di nheiro aos que precisam de vender alguma coisa e nova mente para vender por dinheiro aos que necessitam fazer alguma compra É então essa necessidade disse eu que fará surgir os retalhistas na nossa cidade Ou não chamaremos re talhistas aos que se instalam no mercado para serem inter mediários na compra e venda ao passo que os que andam a viajar pelas cidades são os negociantes 76 Absolutamente Há ainda uns outros servidores segundo julgo que e pelo seu intelecto não seriam muito dignos de serem admitidos na nossa comunidade mas são possuidores de uma força física suficiente para trabalhos pesados Esses vendem a utilidade da sua força e como chamam ao seu preço salário designamse julgo eu por assalariados Não é assim Certamente São um complemento da cidade estes assalariados ao que parece Acho que sim Ora então ó Adimanto já a nossa cidade aumentou até ficar completa Talvez Onde existiriam então dentro dela a justiça e a injus tiça E com qual das coisas que examinámos se teria for mado Cá por mim não vejo ó Sócrates a não ser acaso em 372a qualquer dessas transacções que eles fazem uns com os outros Talvez estejas a dizer bem retorqui Mas exami nemos a questão sem hesitar Examinemos pois em primeiro lugar de que maneira irão viver as pessoas assim organizadas Será de outro modo que não seja produzir trigo vinho vestuá rio e calçado E depois qe terem construído casas traba lharão no verão quase nus e descalços mas no inverno suficientemente vestidos e calçados Alimentarseão com b farinha preparada uma com cevada outra com trigo esta cozida e aquela amassada com isso farão uma boa massa e 77 pães que serão servidos em juncos ou em folhas limpas reclinarseão em leitos de folhagem de alegracampo e mirto banquetearseão eles e os filhos bebendo por cima vinho coroados de flores e cantando hinos aos deuses num e agradável convívio uns com os outros sem terem filhos acima da proporção dos seus haveres com receio da penúria ou da guerra Tomando a palavra Gláucon disse Pões os homens a banquetearse sem conduto 16 ao que parece Falas verdade repliquei Tinhame esquecido que também hãode ter um conduto É evidente que hãode fazer cozidos com sal azeitona queijo bolbos 17 e legumes coisas que há no campo Havemos mesmo de servirlhes d sobremesa de figos grãodebico e favas e torrarão ao fogo bagas de murta e bolotas enquanto bebem moderadamente E assim passarão a vida em paz e com saúde morrerão ve lhos como é natural e transmitirão aos seus descendentes uma vida da mesma qualidade Se estivesses a organizar ó Sócrates interveio ele uma cidade de porcos não precisavas de outra forragem para eles Mas então como háde ser ó Gláucon 16 No original está ÕIJov que designa carne ou peixe Por isso lhe demos esta equivalência com base no Dicionário de Morais que define conduto como carne pescado etc com que se come o pão e que vai para o estômago juntamente com ele abonandose em Frei Luís de Sousa História de S Domingos 1415 17 Segundo o Dicionário de LiddellScott fazse aqui referên cia ao Muscari comosum embora a palavra possa aplicarse a outras plantas bolbosas Adam comm ad locum entende que 303mí se refere a vegetais bravios e áxovo que vem a seguir aos culti vados 78 O costume respondeu ele Acho que devem re clinarse em leitos se não quiserem que se sintam infelizes e que jantem à mesa iguarias como hoje há e sobremesas e Seja disse eu Compreendo Não estamos apenas a examinar ao que parece a origem de uma cidade mas uma cidade de luxo Talvez não seja mau Efectivamente ao estudarmos uma cidade dessas depressa podemos descobrir de onde surgem nas cidades a justiça e a injustiça A ver dadeira cidade pareceme ser aquela que descrevemos como uma coisa sã mas se quiserdes observaremos também a que está inchada de humores Nada o impede Bem estas determinações não bastam ao que parece a certas pessoas 3 73a nem este passadio mas acrescentarlhesão leitos mesas e outros objectos e ainda iguarias perfumes e incenso cor tesãs e guloseimas e cada uma destas coisas em toda a sua variedade Em especial não mais se colocará entre as coisas necessárias o que dissemos primeiro habitações vestuário e calçado irseá buscar a pintura e o colorido e enten derseá que se deve possuir ouro marfim e preciosidades dessa espécie É ou não É respondeu ele b Portanto temos de tomar a cidade maior A que era sã não é bastante mas temos de a encher de uma multidão de pessoas que já não se encontra na cidade por ser neces sária como os caçadores de toda a espécie e imitadores muitos dos quais são os que se ocupam de desenho e cores muitos outros da arte das Musas ou seja os poetas e seus servidores 18 rapsodos actores coreutas empresários 18 Nos servidores dos poetas estão incluídos os profissionais da reàtação rapsodos e os que intervinham nas representações dramáticas actores coreutas empresários 79 artífices que fabriquem toda a espécie de utensílios so e bretudo adereços femininos E em especial precisaremos de mais servidores Ou não te parece que careceremos de pedagogos amas governantes açafatas cabeleireiros e ainda cozinheiros e marchantes E vamos precisar ainda de porqueiras Isto era coisa que na nossa primeira cidade não existia pois não era precisa para nada mas nesta tam bém necessitamos deles E ainda careceremos de todas as outras espécies de gado não vá alguém querer comer delas Não é assim Como não d Portanto também sentiremos muito mais a necessi dade de médicos levando esta vida do que anteriormente Muito mais certamente E a região que então fora suficiente para alimentar a população de outrora de bastante que era se tomará exígua Ou que havemos de dizer É isso Portanto não teremos de ir tirar à terra dos nossos vizinhos se queremos ter o suficiente para as pastagens e lavoura e aqueles por sua vez não terão de tirar à nossa se também eles se abandonarem ao desejo da posse ilimitada de riquezas ultrapassando a fronteira do necessário e Será inteiramente forçoso ó Sócrates Havemos então de fazer guerra depois disso ó Gláu con Ou como háde ser Tem de ser assim respondeu E não digamos seja o que for declarei se a guerra faz qualquer bem ou mal mas somente isto que descobri mos a origem da guerra de onde derivam sobretudo as des graças particulares e públicas para as cidades cada vez que ela se origina 80 É inteiramente assim Então meu amigo é preciso uma cidade ainda maior com um exército não exíguo mas completo que 374a saia a dar combate lutando contra o invasor por todos os bens da cidade e quanto acabámos de dizer Quê perguntou ele Os próprios cidadãos não bastam Não repliquei se está certo o princípio em que tu e nós todos assentámos quando modelámos a cidade As sentámos se bem te lembras em que era impossível que uma só pessoa exercitasse na perfeição diversas artes Falas verdade respondeu E então prossegui A luta da guerra não te b parece ser uma arte Sim e muito replicou Devemos então preocuparnos mais com a arte do sapateiro do que com a da guerra De modo algum Mas nós impedimos o sapateiro de tentar ser ao mesmo tempo lavrador ou tecelão ou pedreiro e só o deixámos ser sapateiro a fim de que a obra de sapateiro resultasse perfeita e do mesmo modo a cada um dos outros atribuímos uma única arte aquela para a qual cada um nascera e que havia de exercitar toda a vida com e exclusão das outras sem postergar as oportunidades de se tomar um artífice perfeito E no que respeita à guerra não deve ligarse ainda mais importância ao seu aperfeiçoa mento Ou é assim tão fácil que será ao mesmo tempo guerreiro qualquer lavrador ou quem trabalhar de sapateiro ou em qualquer outra arte ao passo que ninguém pode tornarse um bom jogador de damas ou dados se não se dedicar a isso desde a infância e se só o pratica como passa 81 d tempo Se uma pessoa pegar num escudo ou em qualquer outra arma ou instrumento de guerra tomarseá no pró prio dia um lutador satisfatório com armas pesadas ou em qualquer outra espécie de combates ao passo que o facto de tomar nas mãos qualquer outro instrumento não fará de ninguém um artífice ou um atleta nem será útil àquele que não tiver adquirido o conhecimento de cada arte nem ob tido a prática suficiente Nesse caso os instrumentos seriam bem caros Portanto continuei quanto maior for o trabalho e dos guardiões tanto mais necessitará de vagar do que os ou tros e da maior arte e cuidado Assim suponho respondeu ele E para esta finalidade acaso não é necessário tam bém uma natureza apropriada Como não Portanto é tarefa nossa segundo parece e se na ver dade formos capazes disso proceder à escolha daqueles de qualidades e natureza apropriadas para a custódia da cidade É realmente tarefa nossa Por Zeus disse eu Tomámos conta de um negócio que não é de pouca monta Mesmo assim não devemos vacilar até onde as nossas forças o permitirem 375a Não devemos de facto Ora tu pensas prossegui que para efeitos de ser vir de guarda há alguma diferença entre a natureza de um bom cachorrinho e a de um jovem bem nascido Que queres tu dizer Que um e outro precisa de ser perspicaz a sentir o inimigo e rápido na perseguição desde o momento em que se apercebeu dele e além disso forte para combater se for apanhado 82 Precisa efectivamente de todas essas qualidades E além disso de ser valente para lutar com energia Como não Mas poderá ser valente quem não for animoso quer seja cavalo ou cão ou qualquer outra espécie de animal Ou não reparaste como o ânimo é invencível e indomável e b como uma alma possuída por ele não conhece medo nem derrota em qualquer circunstância Reparei Portanto são já evidentes as qualidades físicas que deve ter o guardião São E quanto às psíquicas que é o ânimo Também Ora pois prossegui eu como é que eles não hão de ser ó Gláucon selvagens entre si e para com os outros concidadãos se forem possuidores de um temperamento assim Por Zeus respondeu ele não será fácil Contudo é sem dúvida necessário que eles sejam e brandos para os compatriotas embora acerbos para os ini migos caso contrário não terão de esperar que outros os destruam mas eles mesmos se anteciparão a fazêlo É verdade disse ele Então que havemos de fazer Onde acharemos um feitio doce e impetuoso ao mesmo tempo É que um tem peramento brando é o contrário do arrebatado Assim parece E contudo aquele a quem faltar um ou outro não poderá ser um bom guardião Ora tal coisa parece impossível e daí decorre que não se pode ser um bom d guardião 83 Arriscamonos a isso Sentime embaraçado e depois de passar em revista o que disséramos antes prossegui É bem feito que estejamos atrapalhados meu amigo pois nos afastámos do modelo que nos propusemos Que queres dizer Não reparámos que afinal há temperamentos que não imaginámos dotados destas qualidades opostas Onde Poderá verse em outros animais mas não menos e naquele que nós comparámos com o guardião Sabes certamente que nos cães de boa raça é seu feitio natural serem o mais mansos que é possível para com as pessoas da casa e conhecidas mas o inverso para com os desconhe cidos Bem sei Afinal isso é possível disse eu e quando pro curamos um guarda dessa espécie não vamos contra a na tureza Parece que não Ora não se te afigura que o futuro guardião precisará ainda de acrescentar ao seu temperamento fogoso um ins tinto de filósofo 376a Como assimretorquiu ele Não compreendo Essa qualidade respondi vêlaás também nos cães coisa que é digna de admiração num animal Que qualidade O facto de quando vêem algum desconhecido o su portarem a custo sem que antes lhes tenha feito qualquer mal Ao passo que se virem um conhecido o acolhem bem ainda que nunca lhes tenha feito qualquer benefício Ou ainda não te surpreendeste com este procedimento 84 Até agora mal tinha prestado atenção a esse facto Mas é manifesto que procedem desse modo Mas sem dúvida que demonstra a engenhosa con formação da sua natureza que é verdadeiramente amiga de b saber Em quê No facto de não distinguir uma visão amiga e ini miga senão pela circunstância de a conhecer ou não E como não terá alguém o desejo de aprender quando é pelo conhecimento e pela ignorância que se distinguem os fami liares dos estranhos Não pode ser de outro modo Ora disse eu ser amigo de aprender e ser filósofo é o mesmo É o mesmo respondeu ele Portanto admitamos confiadamente que também o homem se quiser ser brando para os familiares e conhe cidos tem de ser por natureza filósofo e amigo de saber e Admitamos redarguiu ele Por conseguinte será por natureza filósofo fogoso rápido e forte quem quiser ser um perfeito guardião da nossa cidade Inteiramente confirmou ele É pois asim que ele terá de ser Mas de que manei ra é que se hãode criar e educar estes homens E porven tura avançaremos se examinarmos a questão na descoberta do motivo de todas as nossas indagações a maneira como d a justiça e a injustiça se originam na cidade Pois não que remos omitir o necessário ou deixar por dizer o bastante O irmão de Gláucon interveio Eu por mim sou in teiramente de opinião que este exame nos fará avançar na investigação 85 Por Zeus meu caro Adimanto exclamei Não devemos abandonálo ainda que se dê o caso de ser um pouco demorado Pois não Ora vamos lá Eduquemos estes homens em imagi nação como se estivéssemos a inventar uma história e como se nos encontrássemos desocupados e É o que nós devemos fazer Então que educação háde ser Será difícil achar uma que seja melhor do que a encontrada ao longo dos anos a ginástica para o corpo e a música para a alma Será efectivamente Ora começaremos por ensinar primeiro a música do que a ginástica Pois não Incluis na música a literatura ou não Decerto Mas há duas espécies de literatura uma verdadeira e outra falsa Há 377a E ambas serão ensinadas mas primeiro a falsa Não entendo o que queres dizer Não compreendes disse eu que primeiro ensi namos fábulas às crianças Ora no conjunto as fábulas são mentiras embora contenham algumas verdades E servimo nos de fábulas para as crianças antes de as mandarmos para os ginásios Assim é Pois era isso o que eu dizia que se deve começar pela música antes da ginástica Perfeitamente 86 Ora tu sabes que em qualquer empreendimento o mais trabalhoso é o começo sobretudo para quem for novo e tenro Pois é sobretudo nessa altura que se é moldado e b se enterra a matriz que alguém queira imprimir numa pessoa Absolutamente Ora pois havemos de consentir sem mais que as crianças escutem fábulas fabricadas ao acaso por quem calhar e recolham na sua alma opiniões na sua maior parte contrárias às que quando crescerem entendemos que de verão ter Não consentiremos de maneira nenhuma Logo devemos começar por vigiar os autores de fábulas e seleccionar as que forem boas e proscrever as e más As que forem escolhidas persuadiremos as amas e as mães a contálas às crianças e a moldar as suas almas por meio das fábulas com muito mais cuidado do que os corpos com as mãos Das que agora se contam a maioria deve rejeitarse Quais Pelas fábulas maiores avaliaremos das mais pequenas Pois é forçoso que a matriz seja a mesma e que grandes e d pequenas tenham o mesmo poder Ou não achas Acho Mas não entendo quais são essas maiores que dizes As que nos contaram Hesíodo e Homero esses dois e os restantes poetas Efectivamente são esses que fizeram para os homens essas fábulas falsas que contaram e conti nuam a contar Quais são elas então perguntou e em que as cen suras Aquilo disse eu que se deve censurar antes e acima de tudo que é sobretudo a mentira sem nobreza 87 Que é isso e É o que acontece quando alguém delineia errada mente numa obra literária a maneira de ser de deuses e heróis tal como um pintor quando faz um desenho que nada se parece com as coisas que quer retratar Está certo que se censurem tais erros Mas então como e em quê os acusaremos Em primeiro lugar respondi a maior das men tiras e acerca dos seres mais elevados que foi feita sem nobreza é que Uranos tenha tido o procedimento que 378a Hesíodo lhe atribui e depois como Cronos se vingou dele 19 E os actos de Cronos e o que sofreu por parte do filho 20 ainda que supuséssemos ser verdade não deviam contarse assim descuidadamente a gente nova ainda privada de ra ciocúúo mas antes passarse em silêncio mas se fosse for çoso referilo escutáloiam em segredo o menor número possível de pessoas depois de terem sacrificado não um porco 21 mas uma vítima enorme e impossível de encontrar a fim de que fosse dado ouvilo a muito poucos Realmente disse ele essas histórias são sem dú vida desagradáveis 19 Teogonia 154181 onde se conta como Uranos que escondia nas profundezas da Terra os seus filhos foi mutilado e destronado por Cronos 20 Teogonia 453506 Do mesmo modo Cronos pretendia des truir todos os seus filhos mas Reia subtraiulhe Zeus dandolhe uma pedra a engolir em vez do filho recémnascido quando cres ceu Zeus dominou o pai fêlo vomitar os outros filhos e alcançou o poder supremo 21 O porco era o animal sacrificado nos Mistérios de Elêusis cujas cerimónias rituais são evocadas pela linguagem usada em todo este trecho 88 E não devem contarse ó Adimanto na nossa cidade b Nem deve dizerse a um jovem que nos escuta que ao co meter os maiores ultrajes não faz nada de surpreendente nem tãopouco ao castigar por todos os modos um pai que lhe fez mal mas estaria a fazer o mesmo que os primeiros e os maiores dentre os deuses Não por Zeus respondeu também a mim não me parece que seja conveniente contálo Nem de modo algum prossegui eu que os deu ses lutam com os deuses que conspiram e combatem pois e nada disso é verdade se queremos que os futuros guar diões da nossa cidade considerem uma grande vileza o odia remse uns aos outros por pouca coisa Não se lhes devem contar ou retratar 22 lutas de gigantes e outras inimizades múltiplas e variadas de deuses e heróis para com parentes ou familiares seus Mas se de algum modo queremos per suadilos de que jamais um cidadão teve ódio a outro nem isso é sancionado pela lei divina é isto que deve ser dito de preferência às crianças por homens e mulheres de idade e d quando elas forem mais velhas também os poetas devem compelirse a fazerlhes composições próximas deste teor Mas que Hera foi algemada pelo filho e Hefestos projecta do a distância pelo pai quando queria acudir à mãe a quem aquele estava a bater 2 e que houve combates de deuses quantos Homero forjou 24 é coisa que não deve aceitarse na cidade quer essas histórias tenham sido inventadas com 22 Exactamente pintar em cores variegadas o que repre senta decerto uma alusão ao peplos ofertado a Atena por ocasião das Panateneias pois o motivo do seu bordado era precisamente o triunfo dos deuses olímpicos sobre os gigantes 23 Ilíada r 586596 24 Ilíada xx 174 xxr 385513 89 um significado profundo quer não É que quem é novo não é capaz de distinguir o que é alegórico do que o não é Mas e a doutrina que aprendeu em tal idade costuma ser indelével e inalterável Por causa disso talvez é que devemos procu rar acima de tudo que as primeiras histórias que ouvirem se jam compostas com a maior nobreza possível orientadas no sentido da virtude Está certo disse ele Mas se alguém nos pergun tar ainda o que é isso e quais são essas fábulas quais diremos que são 379a E eu respondi Ó Adimanto de momento nem eu nem tu somos poetas mas fundadores de uma cidade Co mo fundadores cabenos conhecer os moldes segundo os quais os poetas devem compor as suas fábulas e dos quais não devem desviarse ao fazerem versos mas não é a nós que cumpre elaborar as histórias Está certo declarou Mas isso mesmo dos moldes respeitantes à teologia queria eu saber quais seriam Seriam do teor seguinte respondi Deus é realmente assim é que se deve sem dúvida repre sentar ciiiirSeirifuoopoeskpica lírica ou trágica Assim deve ser b Ora Deus não é essencialmente bom e não é assim que se deve falar dele Sem dtlvida Mas nada que seja bom é prejudicial pois não Não me parece que seja Ora o que não é prejudicial é nocivo De modo algum Mas o que não é prejudicial faz algum mal Também não E aquilo que não faz mal algum não poderia ser causa de nenhum mal 90 Como havia de sêlo Mas então o que é bom não é vantajoso É Então é causa de benefício É Ora então o bem não é a causa de tudo mas causa de bens e sem culpa nos males Com toda a certeza e Logo prossegui eu Deus uma vez que é bom não poderia ser a causa de tudo como diz a maioria das pessoas mas causa apenas de um pequeno número das coisas que acontecem aos homens e sem culpa do maior número delas Com efeito os nossos bens são muito menos do que os males e se a causa dos bens a ninguém mais se deve atribuir dos males têm de se procurar outros motivos mas não o deus Parecemme muito exactas as tuas palavras Então prossegui eu não deve aceitarse o erro cometido por Homero ou qualquer outro poeta ao dizer este absurdo acerca dos deuses 25 d que no limiar de Zeus repousam duas vasilhas cheias de destinos uns bons outros maus 25 Os manusritos da Ilíada lêem neste passoxx1v 527528 em vez de XTpiiív que traduzimos por destinos Bwpwv que sigrufica dons É impossível dizer se esta e outras divergências nas citações homéricas de Platão provêm do facto de ele as fazer de cor se de diferenças em edições de Homero anteriores à época alexandrina As duas citações seguintes xx1v 529 e 531 também não são literais A terceira ou é de um verso perdido ou de um poeta des conhecido 91 e que aquele a quem Zeus der uma mistura de ambas umas vezes competelhe o mat outras o bem mas aquele a quem não der essa mas apenas a segunda sem mistura a esse a fome terrível o perseguirá sobre a divina terra e ou que para nós Zeus é o distribuidor quer de bens quer de males E quanto à violação dos juramentos e das tréguas que foram quebradas por Pândaro 26 se alguém disser que isso sucedeu por causa de Atena e de Zeus não o louvaremos tãopouco louvaremos a disputa e julgamento imputados a 380a Témis e a Zeus 27 Nem ainda se deverá consentir que os jovens ouçam que como afirma Ésquilo 28 Deus faz surgir uma falta no homem quando quer arruinar por completo uma casa Mas se alguém tratar dos sofrimentos de Níobe aos quais pertencem estes versos iâmbicos ou dos dos Pelópidas ou de Tróia ou qualquer tema desta espécie ou não lhe devemos consentir que diga que isso é obra de um deus 26 Ilíada 1v 69126 27 Referência ao poema perdido do Ciclo Épico intitulado Cypria Outros admitem com menos probabilidade que o passo seja da Ilíada xx 174 28 Fr 273 Mette vv 1516 92 ou se diz que é dele tem de descobrir a razão do facto aproximadamente como nós estamos agora a procurála e de dizer que o deus procedeu de modo justo e bom e que b os culpados lucraram com o castigo Que o poeta diga que quem expia a pena é desgraçado e que o autor da desgraça foi a divindade não devemos consentilo Mas devemos consentir sim se disserem que precisavam de castigo os maus por serem desgraçados e que expiando o seu crime estavam a receber um benefício de deus Que se diga que o deus sendo bom foi causa de desgraça para alguém é coisa que se deve combater por todos os processos para que ninguém faça afirmações dessas na sua própria cidade se quer que ela tenha uma boa legislação nem pessoa alguma e velha ou nova oiça contar tais histórias em verso ou em prosa pois quem assim falasse diria impiedades sem utili dade para nós e em desacordo uns dos outros Votarei contigo essa lei interveio ele pois agra dame Esta seria pois prossegui eu ª primeira das leis e os moldeselativos aos deuses segundo a qual deerão falar os oradores e poetar os vates que Deus não é a causa de tudo mas só dos bens E é perfeitamente suficiente declarou ele E agora quanto ao segundo Supões que Deus é um d feiticeiro e capaz de traiçoeiramente aparecer de cada vez com sua forma ora assumindo figuras muito variadas es tando ele mesmo presente e mudando o seu aspecto ora iludindonos e simulando uma aparição dessa espécie Ou que é um Ser simples e o menos capaz de todos de sair da sua própria forma De momento não sei que resposta te heide dar 93 E se for da seguinte maneira não é forçoso se e alguém sair da forma que lhe é própria que se transforme a si mesmo ou seja transformado por outrem É forçoso Mas as coisas melhores não são as menos sujeitas a metamorfoses e alterações por influência alheia Por exemplo o corpo mais saudável e mais forte não é o que menos se altera pela acção da comida da bebida e do es forço bem como qualquer planta sujeita ao calor do sol 381a ao vento ou a qualquer acidente dessa espécie Como negálo E quanto à alma não será a mais corajosa e mais sen sata a que é menos abalada e alternada por qualquer aciden te externo Sim E certamente que pela mesma razão todos os objec tos compostos utensílios edificações vestuário se forem bem confeccionados e em bom estado alterarseão o mí nimo por efeito do tempo e dos demais acidentes É isso Portanto tudo o que se encontrar em bom estado b por efeito da natureza da arte ou de ambas receberá o mínimo de alterações por efeito de outrem Assim parece Ora Deus e quanto lhe diz respeito é em tudo o melhor Como negálo E desse modo certamente Deus é quem poderá ter menos formas Sem dúvida que é quem terá menos Mas não poderá ele metamorfosearse e alterarse É evidente que sim se de facto se altera Então transformase em melhor e mais belo ou em pior e mais feio do que é 94 É forçoso que em pior se de facto se transforma e porquanto não havemos de dizer que Deus carece de qual quer parte da beleza ou da virtude Dizes muito bem respondi Mas sendo assim parecete ó Adimanto que alguém de sua livre vontade seja deus ou homem queira de qualquer modo tornarse inferior É impossível Logo é impossível continuei até a um deus que rer transformarse mas segundo parece cada uma das divin dades sendo a mais bela e melhor que é possível permanece sempre e de uma só maneira com a forma que lhe é própria Pareceme inteiramente necessário disse ele Então meu caro prossegui eu que nenhum dos d poetas nos venha dizer que 29 os deuses semelhantes a forasteiros de outras terras sob aspectos variados percorrem as ddades e que ninguém venha contar mentiras sobre Proteu 30 e Tétis 31 nem ponha em cena nas tragédias ou noutros poe mas Hera metamorfoseada em sacerdotisa a mendigar 32 para os filhos vivificantes do argivo rio Ínaco 29 Odisseia xvn 485486 30 Por exemplo em Odisseia IV 456458 onde se referem as metamorfoses de Proteu 31 As metamorfoses de Tétis para escapar ao casamento com Peleu foram narradas entre outros por Píndaro Nemeias IV 6265 e Sófocles frs 150 e 618 Radt Ésquilo escreveu um drama satírico Proteu que completava a Oresteia 32 Fr 355 Mette v 17 da peça perdida de Ésquilo Sémele 95 e E que não nos digam tantas outras mentiras deste género E que por sua vez as mães convencidas pelos poetas não atemorizem os filhinhos contandolhes histórias erróneas de como certos deuses vagueiam de noite com a aparência variada de estrangeiros ou forasteiros a fim de que ao mesmo tempo nem blasfemem contra os deuses nem tor nem os filhos mais medrosos Que não façam tal Porém continuei eu os deuses por si não são capazes de se metamorfosear mas fazemnos crer que apa recem sob toda a espécie de formas por meio de ilusões e feitiçarias Talvez respondeu 382a Pois quê Um deus quereria mentir por palavras ou por acções apresentandonos um fantasma Não sei disse ele Não sabes tomei eu que a verdadeira mentira se é lícito falar assim todos os deuses e homens a de testam Que queres tu dizer O seguinte que ninguém aceita de livre vontade ser enganado na parte principal de cada um e sobre os assuntos principais mas receia acima de tudo que a mentira aí se instale Nem agora compreendo b É que julgas que estou a dizer algo de muito solene Mas o que eu digo é que o que ninguém quereria aceitar era ser enganado e ficar no erro na sua alma em relação à verdade permanecer na ignorância tendo e conservando aí a mentira e que a detesta sobretudo nesse caso Muito sem dúvida 96 Mas mais correctamente como há pouco referia chamarseia verdadeira mentira à ignorância que existe na alma da pessoa enganada Uma vez que 91 consiste em palavras éumaimitação do que a alma exprimta e umã imagem que surge posteriormente Não é uma mentira e completamente isenta de mistura não é assim Inteiramente Por conseguinte a mentira autêntica é detestada não só pelos deuses mas também pelos homens Assim me parece E quanto à mentira por palavras Quando e a quem é útil a ponto de não merecer o desprezo Não será em relação aos inimigos e aos chamados amigos quando devido a um delírio ou a qualquer loucura intentam praticar qualquer má acção que ela se torna útil como um remédio a fim de os desviar E na composição de fábulas d que ainda há pouco referíamos por não sabermos onde está a verdade relativamente ao passado ao acomodar o mais possível a mentira à verdade não estamos a tornar útil a mentira É inteiramente assim Mas por qual destes motivos é que a mentira é útil à divindade Será porque desconhecendo o passado teria de o acomodar a eJe através da mentira Seria ridículo sem dúvida Não há nada do poeta mentiroso em Deus Não me parece Mas mentiria por temor aos inimigos Longe disso e Então seria por delírio ou loucura dos amigos Mas é que não há amigos dos deuses entre delirantes e loucos 97 Então não há motivo para um deus mentir Não há Logo tudo o que é relativo a divindades e deuses é totalmente alheio à mentira Totalmente sim Por conseguinte Deus é absolutamente simples e verdadeiro em palavras e actos e nem ele se altera nem ilude os outros por meio de aparições falas ou envio de sinais quando se está acordado ou em sonhos 383a Assim me parece a mim também à fé do que dizes Concordas portanto continuei que haverá um segundo modelo de acordo com o qual se deve escrever em prosa e em verso acerca dos deuses como não sendo feiti ceiros que mudam de forma nem seres que nos iludem com mentiras em palavras e actos Concordo Ora nós que elogiamos muita coisa em Homero não louvaremos uma que é o envio do sonho por Zeus a Agamémnon 33 Nem Ésquilo quando faz dizer a Tétis que b Apolo ao cantar nos seus esponsais exaltara a sua bela progénie 34 de vida isenta de doenças e de longa duração Depois que anunciou que de tudo no meu destino cuidariam os deuses entoou o péan para minha alegria Julgava eu que era sem dolo de Febo a boca imortal plena da arte dos oráculos 33 Ilíada n 134 34 Fr 284 Mette provavelmente da tragédia perdida OTlwv xplcrv O julgamento das armas 98 E ele o mesmo que cantou este hino que estava presente à festa o mesmo que tais wisas disse ele mesmo é o que matou esse filho que é o meu Quando alguém disser tais coisas dos deuses leválo e emos a mal e não lhe daremos um coro 35 e não consenti remos que os mestres as usem na educação dos jovens se queremos que os nossos guardiões sejam tementes aos deu ses e semelhantes a eles na máxima medida em que isso for possível ao ser humano Eu por mim concordo em tudo com esses padrões declarou e seria capaz de os tomar como leis 35 Referese ao costume de os poetas trágicos quando que riam encenar as suas obras principiarem por pedir um coro ao ar conte epónimo 99 LIVRO III Quanto aos deuses aqui temos pois disse eu 386a aquilo que em meu entender aqueles que hãode honrar as divindades e os pais e que hãode ter em não pequena con ta a amizade uns dos outros devem ouvir desde a infância e aquilo que não devem E a nossa opinião é coÍrecta segundo julgo afirmei E para eles serem corajosos Porventura não se lhes devem dizer palavras tais que façam com que temam a mor te o menos possível Ou julgas que jamais será corajoso al b guém que albergue em si esse temor Eu não por Zeus Pois quê Quem acreditar no Hades e nos seus terro res julgas que não teme a morte e que em combate a pre fere à derrota e à escravidão De modo algum Por conseguinte temos pareceme de exercer vigi lância também sobre os que tentam narrar estas fábulas e de lhes pedir que não caluniem assim sem mais o que respeita ao Hdes mas que antes o louvem quando não as suas his tórias não são verídicas nem úteis aos que se destinam ao e combate Seguramente que sim 101 d Logo teremos de irradiar a começar nestes versos todas as afirmações desta espécie 1 ou 3 ou 5 Antes queria ser servo da gleba em casa de um homem pobre que não tivesse recursos do que ser agora rei de quantos mortos pereceram que aparecesse ante mortais e imortais a pavorosa mansão bolorenta que os deuses abominam Ah é então verdade que existe na mansão do Hades uma alma e uma imagem que não tem contudo espírito algum só a ele é dado entendimento os demais são sombras que se agitam a alma evolase dos seus membros para a mansão do Hades gemendo a sua sorte ao deixar a força da juventude 1 Odisseia xi 489491 palavras da sombra de Aquiles no Hades a Ulisses 2 Ilíada xx 6465 palavras de Hades deus dos infernos receoso de que ante os abalos de terra provocados por Poséidon o reino dos mortos apareça à luz do dia 3 Ilíada xxm 103104 exclamação de Aquiles ao despertar do sonho em que lhe apareceu o fantasma de Pátroclo O vocábulo do texto homérico que traduzimos por alma iroxTJ tem aqui o seu sentido primitivo pois designa aquilo que sobrevive no Hades e que é definido pelas restantes palavras do verso 4 Odisseia x 495 O verso referese ao adivinho Tirésias o único morto a quem Perséfone a rainha do Hades conservou o entendimento Efada XVI 856857 descrição da morte de Pátroclo 102 ou então 6 como o fumo a alma partira para debaixo da terra soltando um pequeno grito Tal como os morcegos no recesso de espantosa gruta esvoaçam aos gritos quando algum cai da fila suspensa da rocha e se seguram uns aos outros assím elas partiam juntas soltando pequenos gritos 387a Palavras como estas e todas as outras da mesma espécie b pediremos vénia a Homero 8 e aos outros poetas para que não se agastem se as apagarmos não que não sejam poéticas e doces de escutar para a maioria mas 1 menos devidas pQrqians por homyqle devemserJivrese temer a escrayatura mais do que a mort Absolutamente Portanto devem ainda rejeitarse todos os nomes terríveis e medonhos relativos a estes lugares Cocito 9 e Estige 10 espíritos dos mortos 11 e espectros e outras e designações do mesmo jaez que fazem arrepiar quem as escuta Talvez estejam certas para outros efeitos Mas nós 6 Ilíada xxm 100101 pertence ao mesmo episódio da nota 3 no momento em que Aquiles pretende abraçar a psyche de Pátrodo e esta se desvanece 7 Odisseia xxrv 69 Comparação entre os morcegos e as psychai dos pretendentes de Penélope que Hermes conduz ao Hades 8 Notese que os exemplos escolhidos são todos homéricos 9 Um dos rios do Hades 10 Outro rio ou lagoa do Hades 11 A palavra grega significa literalmente os que estão debaixo da terra por oposição aos vivos que habitam por cima 103 receamos que os nossos guardiões devido a tais arrepios fi quem com febre e amolecidos mais do que convém E tem fundamento esse receio Por conseguinte os nomes devem eliminarse Devem E devemos ter um modelo contrário a este em con versas ou em poemas É evidente que sim d Eliminaremos também por conseguinte gemidos e lamentos dos homens célebres Forçosamente que sim tal como no caso anterior Repara bem retorquiu se faremos bem em os eliminar ou não Nós afirmamos que o homem honesto não considera terrível a morte de outro homem honesto de quem é companheiro Afirmamos efectivamente Logo não o lamentaria como se lhe tivesse aconteci do uma desgraça Sem dúvida que não Mas diremos também o seguinte que um homem as sim se basta perfeitamente a si mesmo para viver feliz e que e diferentemente dos outros precisa muito pouco de outrem É verdade respondeu Logo para ele é menos terrível ser privado de um fi lho ou de um irmão ou de riquezas ou de qualquer bem desta espécie É menos terrível seguramente Logo lamentarseá menos e suportará com mais doçura uma desgraça destas quando ela o atingir Com muito mais sem dúvida Por conseguinte teremos razão em arrancar as la mentações aos homens célebres e em as entregar às mulhe 104 res e ainda assim só às que não tiverem mérito e dentre os homens aos que forem cobardes a fim de que não supor tem um procedimento semelhante aqueles que proclama mos estarmos a criar para a guarda do país 38 Teremos sim afirmou Então pediremos novamente a Homero e aos outros poetas que não apresentem Aquiles que era filho de uma deusa ora deitado de lado ora de costas ora de cabeça para baixo ou então a pôrse em pé agitado para vaguear ao longo da praia do pélago estéril 12 nem a erguer com as mãos aro b bas o pó calcinado e a espalhálo pela cabeça 13 nem acho rar e a lamentarse tantas vezes e em tais termos como ele o imaginou nem tãopouco Príamo próximo dos deuses pelo nascimento 14 a fazer súplicas e 15 a rolarse na imundície e a chamar cada um dos guerreiros pelo seu nome 12 A citação de Homero níada xxrv 1011 que nas linhas an teriores fora exacta prossegue agora substituindo õweocax an dar às voltas por ITÀwTÇv que parece estar empregado metafori camente para sugerir a agitação de Aquiles comparável à de um barco ao sabor das ondas O passo descreve o desespero do rei dos Mirmidões pela morte de Pátroclo 13 Ilíada xvm 2324 Decrevese a reacção de Aquiles ao sa ber que Pátroclo tombara no campo de batalha 14 Príamo era segundo Apolodoro 312 descendente de Zeus na sétima geração 15 Ilíada xxn 414415 Príamo acaba de assistir das muralhas de Tróia à morte de Heitor e aos ultrajes ao seu cadáver por Aquiles 105 e E muito mais ainda do que isto lhe pediremos que não re presente os deuses a lamentarse e a dizer 16 Ai de mim Desgraçada Ai Mãe infeliz do mais valente dos homens E se assim falam dos deuses ao menos ao maior de todos que não ousem desfigurálo de tal maneira que diga 17 Ah É um guerreiro que eu estimo que vejo com meus olhos ser perseguido à volta da ddade e o meu coração geme e 1s Aí de mim Que é destino de Sarpédon o mais caro d dos homens ser derrubado por Pátroclo o filho de Menédo É que meu caro Adimanto se os nossos jovens escutas sem a sério tais palavras e não troçassem delas como indig nas dos seres a quem se referem dificilmente algum deles sendo homem apenas se julgaria indigno de proceder assim e se censuraria se lhe acontecesse a ele também dizer ou fazer alguma coisa neste género mas muitos deles por qualquer pequeno sofrimento entoariam sem vergonha nem energia trenos e lamentos e É uma grande verdade o que tu dizes confirmou ele 16 Ilíada xvm 54 Tétis lamenta o fun próximo de Aquiles seu filho 17 Ilíada xxn 168169 Zeus avista Heitor a ser perseguido por Aquiles em volta das muralhas de Tróia 18 Ilíada XVI 433434 Zeus lamenta para Hera o destino de seu filho Sarpédon 106 Mas isso não deve ser assim como acaba de nos de monstrar a argumentação E temos de acreditar nela até que alguém nos convença de que há outra melhor Não deve ser portanto Mas na verdade também não devem ser amigos de rir porquanto quase sempre que alguém se entrega a um riso violento tal facto causalhe uma mudança também vio lenta Assim me parece respondeu Por conseguinte não é admissível que se represen tem homens dignos de consideração sob a acção do riso e 389a muito pior ainda se se tratar de deuses Pior seguramente replicou ele Portanto não admitiremos aquelas palavras de Ho mero acerca dos deuses 19 Um riso inextinguível se ergueu entre os deuses bemaventurados ao verem Hejestos afadigarse pelo palácio fora Isto não pode admitirse segundo a tua argumentação Se queres pôla à minha conta redarguiu ele Não pode de facto aprovarse b Mas é que realmente deve terse em alto apreço a verdade Se de facto dissemos bem há poucotse na realida de a mentira é inútil aos deuses mas útil aos homens sob a forma de remédio é evidente que tal remédio se deve dar aos médicos mas os particulares não devem tocarlhe É evidente respondeu 19 Ilíada 1 599600 A cena passase no Olimpo onde Hefestos que é coxo anda a servir néctar aos outros deuses 107 Portanto se a alguém compete mentir é aos chefes da cidade por causa dos inimigos ou dos cidadãos para be nefício da cidade todas as restantes pessoas não devem pro e var deste recurso Mas se um particular mentir a tais chefes diremos que isso é um erro da mesma espécie mas maior ainda do que se um doente não dissesse a verdade ao médi co ou um aluno não revelasse ao mestre de ginástica os seus sofrimentos físicos ou um marinheiro não referisse a verda de ao piloto sobre o navio e a tripulação quanto à sua situa ção e à dos seus companheiros de viagem É bem verdade confirmou ele d Logo se apanhar alguém a mentir na cidade 20 daqueles que são artifices ou adivinho ou médico que cura os males ou construtor de lanças castigáloá a título de que introduz costumes capazes de derrubar e deitar a perder uma cidade tal como se fosse um navio Se na verdade as palavras dele se seguirem às obras Como assim Então a temperança não será necessária aos nossos jovens Como não háde sêlo Para a grande massa os pontos cardiais da temperan e ça não são obedecer aos chefes e ser senhor de si relativa mente aos prazeres da bebida de Afrodite e da comida Pareceme bem que sim Por conseguinte acharemos bem segundo julgo pa lavras como estas que Diomedes profere em Homero 21 20 Odisseia XVII 383384 21 Ilíada 1v 412 fala de Diomedes a Esténelo 108 Amigo calate sentate e obedece às minhas ordens e o que vem a seguir 22 Os Aqueus avançavam respirando força mostrando no sílêndo o temor pelos chefes e todos os passos da mesma espécie Perfeitamente Sim E agora esta 23 o vinho te pesa tens cara de cão coração de veado e o que vem a seguir será belo essa e todas as outras rapa 390a ziadas que em prosa ou em verso os particulares disseram aos seus chefes Não terão nada de belo A meu ver não são coisas próprias para inclinar os jovens que as ouvem à temperança Mas não me surpreende que lhes proporcionem qualquer outro prazer Ou que te parece Acho que sim E esta Pôr o mais sensato dos homens a dizer que a coisa que lhe parece mais bela no mundo é 24 22 Os dois versos não só não se seguem ao anterior como per tencem a passos distintos da Ilíada respectivamente m 8 e IV 431 Leiase a este respeito o que ficou dito na n 25 do Livro II 23 Ilíada 1 225 fala de Aquiles a Agamémnon seu superior 24 Odisseia 1x 810 fala de Ulisses ao rei dos Feaces que ter mina Eis a meu ver a mais bela das vidas 109 b estar junto de mesas repletas de pão e carnes e o escansão haurir o vinho dos crateres para o vír deitar nas taças Parecete isto apropriado para que um jovem ao ouvi lo se incline ao domínio de si mesmo Ou ainda 25 mas o mais lamentável é morrer à fome cumprindo assim o seu destino ou que Zeus enquanto os restantes deuses e homens dor miam estando só ele desperto se esqueceu facilmente de to e dos os seus desígnios devido ao desejo amoroso e que ficou tão aturdido à vista de Hera que nem sequer quis entrar no seu palácio mas determinou unirse a ela ali mesmo no chão declarando que jamais estivera sob o império de ta manho desejo nem mesmo quando se tinham encontrado pela primeira vez a ocultas dos pais queridos26 Ou que Ares e Afrodite foram aprisionados por Hefestos por moti vos semelhantes 27 Por Zeus que não respondeu ele não me parece apropriado 25 Odisseia xn 342 argumento usado por Euríloco para du rante o sono de Ulisses persuadir os companheiros a sacrificar as vacas do Sol 26 A história pertence ao célebre episódio do Dolo de Zeus nome por que é conhecido o Canto XIV da Ilíada A expressão final entre aspas corresponde aproximadamente ao verso 296 desse can to Porém a referência do início à vigília de Zeus enquanto todos dormiam provém do Canto II do mesmo poema 12 27 Os amores de Ares e Afrodite são celebrados pelo aedo Demódoco no Canto vm da Odisseia 266366 110 Mas continuei eu quando são descritos ou exe d cutados actos de firmeza ante todos os perigos por homens ilustres isso deve verse e ouvirse como quando 28 batendo no peito censurou o seu coração aguenta coração que já sofreste bem pior Absolutamente respondeu Tãopouco se deve consentir que os guerreiros rece bam prendas nem que sejam ambiciosos De modo nenhum e Nem se deve cantar diante deles que 29 os presentes convencem os deuses convencem os reis veneráveis nem se deve louvar Fénix pedagogo de Aquiles como se ele estivesse a aconselhálo sensatamente ao dizerlhe que se recebesse presentes dos Aqueus os defendesse mas sem presentes não renunciasse à sua cólera 30 nem prezaremos Aquiles nem concordaremos que ele seja tão ambicioso que aceite dádivas de Agamémnon 31 e que entregue um cadá ver depois de receber o resgate sem que de outro modo es 391a tivesse disposto a fazêlo 32 28 Odisseia xx 1718 Ulisses exortase a si mesmo a ter cora gem 29 A Suda atribui o verso a Hesíodo fr 361 Merkelbach West Eurípides Medeia 964 cita um provérbio segundo o qual os presentes até aos deuses convencem 30 Ilíada IX 515519 31 Ilíada XIX 278281 32 Ilíada xx1v 502 555556 594 111 Não é justo concordou louvar tais acções Hesito continuei por consideração por Homero em dizer que é uma impiedade que tais sentimentos se re velem em Aquiles e que se acredite nos que o afirmam e mais ainda quando diz para Apolo 33 Prejudicasteme deus que acertas ao longe o mais funesto de todos Bem me vingava eu de ti se tal poder me fosse dado b E que fosse desobediente ao rio que era um deus e estives se pronto a contender com ele 34 e depois que quisesse ofertar o cabelo consagrado a outro rio o Esperqueio ao herói Pátroclo estando este já morto e o modo como o fez 35 não deve acreditarse E quanto ao arrastar de Heitor à volta do túmulo de Pátroclo 36 e ao sacrificar dos prisionei ros na pira 37 em tudo isso não diremos que falou verdade e nem consentiremos que os nossos homens acreditem que Aquiles sendo filho de uma deusa e de Peleu que era tão sensato e descendia de Zeus na terceira geração 38 e tendo sido educado pelo sapientíssimo Quíron tivesse um espírito tão desordenado que albergasse no seu íntimo dois ma les contrários um ao outro uma grosseira ambição e por 33 níada XXII 15 20 34 níadaxx1 130132 212226 233382 35 Ilíada xxm 140151 36 Ilíada xx1v 1418 37 Ilíada xxm 175177 Aristóteles fr 166 Rose soube explicar este passo como sendo um resto de primitivismo observável ainda em tribos da Trácia do seu tempo 38 Peleu era filho de Éaco o qual o era de Zeus 112 outro lado um sobranceiro desprezo pelos deuses e pelos homens Tens razão Portanto não acreditemos nem consintamos que se diga que Teseu filho de Poséidon e Pirítoo filho de Zeus se entregaram a tão terríveis raptos 39 nem que qualquer ou d tro filho de deus e herói ousaria cometer os feitos tremen dos e ímpios de que agora os acusam Pelo contrário force mos os poetas a dizer que não cometeram tais acçs oü então quenão eram filhos de deuses mas que não afumem as duas coisas a um tempo1 nem tentem convencer os nos sos jovens de que os deuses são causadores do mal e de que os heróis não são em nada melhores do que os homens Tal como anteriormente 40 dissemos isso é ímpio e falso e pois demonstrámos que é impossível que o mal venha dos deuses Como não Além disso é prejudicial a quem os ouve Efectiva mente cada um arranjará desculpa para a sua maldade na convicção de que assim procedem e procederam também41 os descendentes dos deuses parentes de Zeus a quem pertence o altar de Zeus ancestral no Monte Ida lá nas alturas 39 Pirítoo ajudou Teseu a raptar Helena e este aquele a tentar arrebatar Perséfone do Hades A alusão do texto é provavehnente à Teseida um dos poemas do Ciclo Épico embora existisse tam bém uma tragédia Teseu de Sófocles e outra de Eurípides ambas perdidas 40 Supra Livro n 378b e 380c 41 Os excertos são ambos de um fragmento da Níobe de Ésqui lo fr 278b Mette 113 e que não se extingue neles o sangue divino Motivo por que se deve pôr termo a semelhantes histórias 392a não vão elas desencadear nos nossos jovens uma propensão para o mal Exactamente corroborou ele Ora pois prossegui eu que outra espécie de his tórias nos resta ainda para distinguir as que se devem das que se não devem narrar Com efeito já se disse como se deve falar acerca dos deuses das divindades dos heróis e das coisas do Hades Absolutamente Portanto o que falta seria o que diz respeito aos ho mens É evidente Mas é impossível meu amigo regularmos esse as sunto nas presentes circunstâncias Como assim Porque segundo julgo diríamos que os poetas e pro b sadores proferem os maiores dislates acerca dos homens que muitas pessoas injustas são felizes e desgraçadas as jus tas e que é vantajoso cometer injustiças se não forem des cobertas que a justiça é um bem nos outros mas nociva para o próprio Tais opiniões dirlhesíamos que se abstives sem delas e prescreverlhesíamos que cantassem e narras sem o contrário Não achas Bem sei que é assim Portanto se concordas que digo bem concluirei que chegaste a acordo comigo sobre aquilo que há muito procu ramos 114 Está certa a tua suposição Por conseguinte chegaremos a acordo quanto ao que e se deve dizer acerca dos homens quando descobrirmos que coisa é a justiça e se por natureza é útil a quem a possui quer pareça sêlo ou não Perfeitamente exacto respondeu ele Quanto às histórias ponhamoslhes termo A seguir a isso deve estudarse a questão do estilo em meu enten der e então teremos examinado por completo os temas e as formas Mas interveio Adimanto não compreendo o que estás a dizer Ora a verdade é que é preciso que compreendas d repliquei Talvez desta maneira entendas melhor Acaso tudo quanto dizem os prosadores e poetas não é wna narra tiva de acontecimentos passados presentes ou futuros Pois que outra coisa poderia ser Porventura eles não a executam por meio de simples narrativa através da imitação ou por meio de ambas Aí está outra afirmação que ainda preciso de enten der mais claramente Parece que sou um professor ridículo e pouco claro Por isso tal como os que são incapazes de expor vou tentar demonstrarte o que quero dizer com isto tomando não o todo mas parte Ora dizme sabes o começo da Ilíada e quando o poeta diz que Crises implorou a Agamémnon que lhe libertasse a filha mas este lhe foi hostil e aquele uma vez que não alcançou o seu fim fez uma invocação à divin 393a dade contra os Aqueus Sei sim 115 Sabes portanto que até este ponto da epopeia 42 E dirigiu súplicas a todos os Aqueus especialmente aos dois Atrídas comandantes dos povos é o próprio poeta que fala e não tenta voltar o nosso pensa mento para outro lado como se fosse outra pessoa que dis sesse e não ele E depois disto fala como se Crises fosse ele b mesmo e tenta o mais possível fazernos supor que não é Homero que fala mas o sacerdote que é um ancião E qua se todo o resto da narrativa está feito deste modo sobre os acontecimentos em Ílion em Ítaca e as provações em toda a Odisseia 43 Absolutamente declarou Portanto há narrativa quer quando refere os discur sos de ambas as partes quer quando se trata do intervalo entre eles Como não seria assim Mas quando ele profere um discurso como se fosse outra pessoa acaso não diremos que ele assemelha o mais possível o seu estilo ao da pessoa cuja fala anunciou Diremos pois não Ora tomarse semelhante a alguém na voz e na apa rência é imitar aquele com quem quererpos parecernos Sem dúvida 42 Ilíada 1 1516 43 Segundo Adam não será redundante falar do que se passa em Ítaca como distinto da Odisseia a primeira referência seria ao conteúdo dos Cantos xm a xx1v ou seja a vingança do herói de pois de ter regressado à sua ilha a segunda à parte do poema so bre os errores de Ulisses v a xn 116 Num caso assim pareceme este e os outros poetas fazem a sua narrativa por meio da imitação Absolutamente Se porém o poeta não se ocultasse em ocasião algu ma toda a sua poesia e narrativa seria criada sem a imitação d Mas não vás tu dizer outra vez que não entendes vou ex plicarte como é que isso aconteceria Se Homero depois de ter dito que Crises veio trazer o resgate da filha na qua lidade de suplicante dos Aqueus sobretudo dos reis em se 4 guida falasse não como se se tivesse transformado em Cri ses mas ainda como Homero sabes que não se tratava de imitação mas de simples narração Seria mais ou menos assim exprimome sem metro porque não sou poeta O sacerdote chegou e fez votos por que os deuses lhes conce e dessem conquistar Tróia e salvarse mas que lhe libertas sem a filha mediante resgate por temor aos deuses A estas palavras os outros respeitaramno e concordaram porém Agamémnon enfurecido ordenoulhe que se retirasse ime diatamente e não voltasse sob pena de de nada lhe valerem o ceptro e as bandas do deus Antes de libertar a filha havia de envelhecer em Argos junto dele E mandoulhe que se retirasse e não o excitasse a fim d que pudesse regressar a 394a casa a salvo O ancião ao ouvir estas palavras teve receio e partiu em silêncio e afastandose do acampamento dirigiu muitas preces a Apolo invocando os atributos do deus re cordando e pedindo retribuição se jamais ou construindo templos ou sacrificando vítimas lhe tinha feito oferendas do seu agrado Como retribuição pedia que os Aqueus pa gassem as suas lágrimas com os dardos do deus 44 É assim ó 44 Todo este trecho parafraseia os versos 18 a 42 do Canto 1 da Ilíada 117 b companheiro que se faz uma narrativa simples sem imita ção concluí eu Compreendo Compreende portanto prossegui que há por sua vez o contrário disto que é quando se tiram as palavras do poeta no meio das falas e fica só o diálogo E compreendo também que é o que sucede nas tra v gédias Percebeste muito bem e creio que já se tornou bem evidente para ti o que antes não pude demonstrarte qu e em poesia e em prnahá uma espécie que é toda de imita ção como tu dizes que é a tragédia e a comédia outra dé narração pelo própriopoeta é nos ditirambos que pode encontrarse de preferência e outra ainda constituída por ambas que se usa na composição da epopeia e de muitos outros géneros se estás a compreenderme Compreendo o que há pouco querias dizerme Recordate ainda do que dissemos antes disso quan do afirmámos que já tínhamos tratado do tema mas nos fal tava ainda examinar a forma Recordome sim d Ora o que eu dizia era ser necessário decidir se con sentiríamos que os poetas compusessem narrativas imitati vas ou que imitassem umas coisas e outras não e quais de cada espécie ou se não haviam de imitar nada Adivinho já disse ele que queres examinar se ha vemos de recber na cidade a tragédia e a comédia ou não Talvez declarei talvez até ainda mais do que isso Ainda não sei ao certo mas por onde a razão como uma brisa nos levar é por aí que devemos ir Dizes bem 118 Considera pois ó Adimanto o seguinte se os guar e diões devem ser imitadores ou não Ou resulta do que dis semos anteriormente que cada um só exerce bem uma pro fissão e não muitas mas se tentasse exercer muitas falharia em alcançar qualquer reputação Como deixaria de ser assim E não é válido o mesmo raciocínio para a imitação de que a mesma pessoa não é capaz de imitar muitas coisas tão bem como uma só Claro que não Logo dificilmente exercerá ao mesmo tempo uma 395a das profissões de importância e imitará muitas coisas e será imitador uma vez que nem sequer as mesmas pessoas imi tam bem ao mesmo tempo duas artes miméticas que pare cem próximas uma da outra a comédia e a tragédia 45 Ou não chamaste há pouco imitações a ambas Chamei sim E dizes a verdade as mesmas pessoas não são capazes disso Tãopouco se pode ser ao mesmo temporapsodo 46 e actor É verdade 45 Na Grécia não há exemplos de um autor de tragédia culti var a comédia O final do Banquete de Platão sugere essa possibili dade como uma ideia extraordinária É curioso notar que os poetas dramáticos latinos que primeiro traduzem e imitam os originais gregos escolhem para modelo tanto tragédias como comédias Mas a partir de Plauto já começa a separação 46 Sobre o rapsodo vide supra n 18 ao Livro 11 O princípio do Íon de Platão oferecenos uma deliciosa caricatura do rapsodo que dá o nome ao diálogo Esses profissionais podem também ver se representados em diversos vasos gregos 119 Nem sequer os actores são os mesmos nas comédias b e nas tragédias 47 Ora tudo isso são imitações ou não São imitações Pareceme Adimanto que a natureza humana está fragmentada em partes ainda mais pequenas de modo que é incapaz de imitar bem muitas coisas ou de executar bem aquelas mesmas de que as imitações são cópia Absolutamente respondeu Por conseguinte se conservarmos o primeiro argu mento de que os nossos guardiões isentos de todos os ou e tros ofícios devem ser os artífices muito escrupulosos da li berdade 48 do Estado e de nada mais se devem ocupar que não diga respeito a isso não hãode fazer ou imitar qualquer outra coisa Se imitarem que imitem o que lhes convém desde a infância coragem sensatez pureza liberdade e todas as qualidades dessa espécie Masabaixeza não devw praticála nem ser capazes de a imitar nem nenhum dos ou tros vícios a fim de que partindo da imitação passem ao d gozo da realidade Ou não te apercebeste de que as imita ções se se perseverar nelas desde a infância se transformam em hábito e natureza para o corpo a voz e a inteligência Transformam e muito Logo não ordenaremos a um daqueles de quem que remos ocuparnos e que é preciso que se tomem homens 47 Sabemos por outras fontes da existência desta separação Nas Grandes Dionísias por exemplo havia concursos de actores trágicos e de actores cómicos Notese como todo este passo é pre cioso para a história do teatro grego 48 Esta liberdade sÃev6epta consiste como observa Adam na subordinação do inferior ao superior quer na vida particular quer na pública 120 superiores que sendo homens imitem uma mulher 49 nova ou velha ou a injuriar o marido ou a criticar os deuses ou a gabarse por se supor feliz ou dominada pela desgraça pelo e desgosto e pelos gemidos muito menos quando está doen te ou apaixonada ou com as dores da maternidade 50 Absolutamente Nem que imitem escravas e escravos procedendo como tais Nem isso Nem homens perversos e cobardes me parece que fazem o contrário do que há pouco dissemos que falam mal e troçam uns dós outros e dizem coisas vergonhosas tanto quando estão embriagados como sóbrios e toda a espécie de erros que tais pessoas cometem em palavras e em acções contra si mesmos e contra os outros entendo ainda que não devem habituarse a assemelharse aos loucos em palavras nem em actos Pois devem conhecerse os loucos e os maus homens ou mulheres mas não fazer nem imitar nada que seja deles É assim mesmo Pois bem prossegui Deverão eles imitar os fer 396a reiros ou quaisquer outros artífices os remadores das trirre b mes ou os seus capitães ou qualquer outra coisa referente a estas profissões 49 Tal como sucederá no teatro isabelino só homens intervi nham nas representações dramáticas gregas 50 A mulher a criticar os deuses exultando com a sua suposta felicidade tem sido identificada com a perdida Níobe de Ésquilo Mas as restantes alusões parecem ser todas a Eurípides o último exemplo segundo o escoliasta ao verso rn8o de As Rãs de Aristófa nes seria da Auge cf Adam comm ad locum 121 E como poderia ser isso se nem sequer lhes é lícito aplicaremse a qualquer destes ofícios E o relinchar dos cavalos o mugir dos touros o mur múrio dos rios o bramir do mar os trovões e todos os ruí dos dessa espécie acaso deverão imitálos Mas é que lhes foi proibido estarem loucos ou imitar a loucura Ora pois se eu percebo o que dizes há uma maneira de falar e de narrar pela qual se exprime o verdadeiro ho c ruem de bem quando é oportunidade de o fazer e outra maneira distinta desta à qual está ligado e na qual se expri me o homem nado e criado ao invés daquele Quais são essas maneiras O homem que julgo moderado quando na sua nar rativa chegar à ocasião de contar um dito ou feito de uma pessoa de bem quererá exprimirse como se fosse o pró prio e não se envergonhará dessa imitação sobretudo ao re d produzir actos de firmeza e bom senso do homem de bem querêloá em menos coisas e em menor grau quando essa pessoa tiver tergiversado devido à doença ou à paixão ou mesmo à embriaguez ou qualquer outro acidente Quando porém se tratar de algum exemplo indigno dele não quere rá copiálo afanosamente quem lhe é inferior a não ser ao de leve quando ele tiver praticado algum acto honesto e mesmo assim sentirseá envergonhado ao mesmo tempo por não ter prática de imitar seres dessa espécie e por se aborrecer de se modelar e de se formar sobre um tipo de e gente que lhe é inferior desprezandoo no seu espírito a não ser como entretenimento É natural respondeu ele Portanto servirseá de uma forma de exposição no género da que nós abordámos há pouco a propósito das 122 epopeias de Homero e o seu estilo participará de ambos os processos a imitação e as outras formas de narração 51 mas num discurso extenso pouco lugar haverá para a imitação Não está certo o que eu digo Está e muito pelo que respeita à necessidade desse tipo de orador Logo prossegui eu o orador que não for dessa es 397a pécie quanto maior for a sua mediocridade mais imitará tudo e não considerará coisa alguma indigna de si a ponto de tentar imitar tudo com grande aplicação e perante nume roso auditório mesmo até o que dizíamos há momentos trovões o ruído do vento da saraiva dos eixos e roldanas trombetas flautas e siringes e os sons de todos os instru mentos e ainda os ruídos dos cães das ovelhas e das aves Todo o discurso deste homem será feito por meio de imita b ção com vozes e gestos e conterá pouca narração Também isso é forçoso que seja assim replicou São estas as duas espécies dt narração que eu dizia São efectivamente Por conseguinte destas duas uma experimenta pe quenas alterações e desde que se dê à narração a harmonia e ritmo convenientes é fácil ao orador manter essa correc ção e harmonia única pois pequenas são as mudanças e também o ritmo igualmente aproximado e É exactamente assim E agora quanto à outra espécie Não precisa do opos to de todas as harmonias de todos os ritmos se quer expri 51 Seguimos na tradução deste passo como habitualmente o texto de Bumet embora reconheçamos a superioridade da correc ção de Adam áTMjc por dXJ1Tc que é preferível quanto ao senti do e é paleograficamente simples Ficaria a imitação e a narração simples 123 mirse convenientemente devido ao facto de comportar to das as formas de variações Forçosamente que sim Mas todos os poetas e aqueles que querem contar al guma coisa não vão dar a uma ou outra destas formas de ex pressão ou a uma mistura das duas É forçoso disse d Então que havemos de fazer Havemos de receber na cidade todas estas formas ou uma e outra das formas pu ras ou a mistura Se prevalecer a minha opinião receberemos a forma sem mistura que imita o homem de bem Mas na verdade ó Adimanto também a forma mista tem o seu encanto e é muito mais aprazível para crianças e preceptores e para a multidão em geral a inversa da que tu preferes De facto é a mais aprazível No entanto talvez me digas que ela não se adapta ao e nosso governo porquanto não existe entre nós homem duplo nem múltiplo uma vez que cada um executa uma só tarefa Efectivamente não se adapta Não é por esse motivo que só numa cidade assim en contraremos um sapateiro que é sapateiro e não piloto além da arte de talhar calçado e um lavrador lavrador e não juiz além da agricultura e um guerreiro guerreiro e não comerciante além da arte militar e assim por diante De facto respondeu ele 398a Se chegasse à nossa cidade um homem aparente mente capaz devido à sua arte de tomar todas as formas e imitar todas as coisas ansioso por se exibir juntamente com 124 os seus poemas prosternávamonos diante dele 52 como de um ser sagrado maravilhoso encantador mas dirlheíamos que na nossa cidade não há homens dessa espécie nem se quer é lícito que existam e mandáloíamos embora para outra cidade depois de lhe termos derramado mirra sobre a cabeça e de o termos coroado de grinaldas 53 Mas para nós ficaríamos com um poeta e um narrador de histórias mais b austero e menos aprazível tendo em conta a sua utilidade a fim de que ele imite para nós a fala do homem de bem e se exprima segundo aqueles modelos que de início regulámos quando tentávamos educar os militares Era assim mesmo que faríamos se estivesse no nosso poder Ora agora meu amigo disse eu estamos em ris cos de ter completado em absoluto o que se refere a discur sos e histórias na arte das Musas o que se deve e como se deve dizer Também me parece respondeu Depois disto não nos falta tratar do carácter do canto e da melodia 52 O verbo grego 1Tpocncuveív designa a atitude de reverência para com os deuses que consistia em se prosternar O emprego do termo referido relativamente a seres humanos é irónico a 1TpoOxÚV1JOL para com um rei ou superior só a praticavam os bár baros cf Aristóteles Rhet 1361a 36 53 O tom irónico que transparece nesta transferência de hon rarias divinas para seres humanos que delicadamente embora se expulsam da cidade como prejudiciais mantémse nesta alusão ao costume de ungir e coroar as imagens dos deuses Adam cita a este propósito o comentário de Proclo e ainda Pausânias x 24 6 O mesmo helenista recorda também os paralelos propostos por Ast com as manifestações feitas à chegada das andorinhas embora sensatamente os rejeite Pela nossa parte parecenos que a ironia 125 É evidente que sim Mas não é verdade que toda a gente descobriria logo o que devemos declarar sobre a maneira como hãode ser se quisermos estar de acordo com o que dissemos anterior mente Gláucon sorriuse e disse Eu por mim Sócrates cor ro o risco de estar excluído desse toda a gente porque de momento não sou capaz de conjecturar o que devemos di zer suspeitoo contudo d Mas sem dúvida que és capaz de dizer que a melodia se compõe de três elementos as palavras a harmonia e o ritmo 54 Pelo menos isso sou E pelo que respeita às palavras sem dúvida que não diferem nada do discurso não cantado quanto a deverem ser expressas segundo os modelos que há pouco referimos e da mesma maneira É exacto E certamente a harmonia e o ritmo devem acompa nhar as palavras de Platão aqui deve visar sobretudo o fr 112 Diels de Empédocles nomeadamente Amigos que habitais a falva ddade de Agrigento salve Eu venho a vós como um deus imortal não já como um mortal Vagueio honrado entre todos tal o conceito que mereço adornado com as fitas da vitória e coroas virentes 54 A poesia lírica grega era acompanhada de música composta pelo próprio autor dos versos Este passo é um dos muitos que provam a indissolubilidade das duas artes 126 Como não Contudo afirmámos que não queríamos lamentos e gemidos nos discursos Pois não Quais são então as harmonias lamentosas Dizmejá e que és músico São a mixolídia a sintonolídia 55 e outras que tais Portanto essas são as que se devem excluir visto que são inúteis para as mulheres que convém que sejam hones tas para já não falar dos homens Absolutamente Mas na verdade nada convém menos aos guardiões do que a embriaguez a moleza e a preguiça Como não Quais são pois dentre as harmonias as moles e as dos banquetes Há umas variedades da iónia e da lídia a que cha mam efeminadas E essas poderás utilizálas na formação de guerreiros 399a meu amigo De modo algum respondeu Mas arriscaste a que fi quem apenas a dória e a frígia 56 55 As hannonias ou modos musicais gregos têm o seu equi valente moderno mais próximo nas nossas escalas maiores e meno res Contavam sete espécies a mixolídia ou lídia mista lfdia que se identifica com a sintonolídia do texto hipolídia frigia hipofri gia ou iónia dória hipodória talvez idêntica à eólia Esta última não é mencionada por Platão Sobre todo este assunto vejase E Moutsopoulos La Musique dans lOeuvre de Platon Paris 1959 56 No Laques 188d só é aceite o modo dório 127 Não entendo de harmonias prossegui eu Mas deixanos ficar aquela que for capaz de imitar convemente mente a voz e as inflexões de um homem valente na guerra e em toda a acção violenta ainda que seja mal sucedido e caminhe para os ferimentos ou para a morte ou incorra em b qualquer outra desgraça e em todas estas circunstâncias se defenda da sorte com ordem e com energia E deixanos ainda outra para aquele que se encontra em actos pacíficos não violentos mas voluntários que usa do rogo e da persua são ou por meio da prece aos deuses ou pelos seus ensina mentos e admoestações aos homens ou pelo contrário se submete aos outros quando lhe pedem o ensinam ou o per suadem e tendo assim procedido a seu gosto sem sobrance c ria se comporta com bom senso e moderação em todas es tas circunstâncias satisfeito com o que lhe sucede Estas duas harmomas a violenta e a voluntária que imitarão admira velmente as vozes de homens bem e mal sucedidos sensa tos e corajosos essas deixaas ficar Mas não me estás a pedir que deixe ficar senão as que agora mesmo enumerei Portanto não precisaremos para os nossos cantos e melodias de instrumentos com muitas cordas e com muitas harmonias Não me parece Logo não teremos de sustentar artífices para fabrica d rem harpas trigorros 57 e toda a espécie de instrumentos de muitas cordas e de muitas harmomas 57 Tratase de um tipo de harpa diferente do anterior e de forma triangular como o nome indica Sobre as duas variedades de harpa aqui citadas TTTJXTlc e Tptywvov vejase M Wegner Das Musikleben der Griechen Berlin 1949 pp 4849 e M L W est Ancient Greek Music Oxford 1992 pp 7077 128 Acho que não E então Os fabricantes de flautas 58 e os flautistas re cebelos na cidade Ou não é este o instrumento que emite mais sons E os próprios instrumentos de muitas harmonias não se dá o caso de serem imitações da flauta É evidente respondeu ele Restate a lira e a cítara para se utilizarem na cidade e nos campos por sua vez os pastores terão a siringe Como o indica o nosso raciocínio Certamente meu amigo que não fazemos nada de novo ao preferirmos Apolo e os instrumentos de Apolo a Mársias 59 e aos seus instrumentos Não por Zeus não julgo tal Mas pelo Perro 60 Sem nos darmos conta disso puri ficámos de novo a cidade que há pouco dizíamos estar efe minada E fomos bem sensatos nisso replicou ele V amos lá então purificar o resto A seguir às harmo nias deveremos tratar dos ritmos não os procurar varia dos nem pés de toda a espécie mas observar quais são os correspondentes a uma vida ordenada e corajosa Depois de 58 Traduzimos xu6 por flauta como habitualmente vem nos dicionários Mas convém ter presente que o seu equivalente moderno mais próximo é o oboé 59 Era famoso na mitologia grega o desafio feito pelo sátiro Mársias a Apolo com a condição de que o vencedor trataria o ven cido como lhe aprouvesse As Nove Musas proclamaram a vitória do deus que atou Mársias a uma árvore e o esfolou A história deve reflectir precisamente a oposição entre dois tipos de música 60 O juramento pelo cão o deus egípcio Ânubis que tinha ca beça de cão aparece muitas vezes na boca de Sócrates embora não seja exclusivo dele Cf E R Dodds Plato Gorgias Oxford 1959 pp 262263 129 os distinguir devem forçarse os pés e a melodia a seguirem as palavras e não estas aqueles Quais seriam esses ritmos pertencete explicálo como fizeste para as harmonias Mas por Zeus não sei que heide dizer Que exis tem três espécies dessas 61 tal como há quatro tons 62 a partir das quais se entretecem todas as harmonias é coisa que po derei afirmar por a ter observado mas que espécie de vida imita cada um não sei dizêlo b Sobre esse assunto disse eu pediremos conselho a Dâmon 63 sobre os pés adequados à baixeza à insolência à loucura e aos outros defeitos e os ritmos que devem deixar se aos seus contrários Tenho ideia mas não muito clara de lhe ter ouvido chamar a qualquer coisa enóplio 64 composto dáctilo e heróico mas não sei como os distribuía igualando a arse e a tese de maneira a acabar numa breve e uma lon ga E segundo julgo chamava a um iambo e a outro tro e queu e atribuíalhes longas e breves E em certos destes metros pareceme que não censurava ou louvava menos os tempos destes pés do que os ritmos em si Mas estas 61 Segundo Aristides Quintiliano 1 34 apud Adam as espé cies eram To tcrov To fi1uóXLov e To ÕLlTÀÓCTLov A primeira com preendia os dáctilos espondeus e anapestos a segunda péons cré ticos e baquios a terceira troqueus ibos e iónicos 62 Entre muitas hipóteses lembraremos a de Monro perfilha da por Adam de que os TÉTiapa etõTJ seriam as quatro proporções que dão os principais quatro intervalos musicais 63 Célebre mestre de música ateniense do séc v aC Ocupou se esgecialmente das relações entre a ética e a música Esta é urna das mais antigas referências à categoria rítmica do enóplio a outra encontrase em Aristófanes Nuvens 651 Os modernos não estão de acordo quanto ao esquema métrico a que deve aplicarse a designação e um autor como M L W est Greek Metre Oxford 1982 p 195 declara mesmo que evitou usála nesse seu tratado 130 questões como disse reservemolas para Dâmon Para as deslindar não seria pequena a discussão não achas Por Zeus que não seria Mas ao menos isto podes decidilo já que a beleza ou fealdade de forma dependem do bom ou do mau ritmo Como não Mas na verdade o bom e o mau ritmo seguem imi d tandoo aquele o estilo bom este o inverso e do mesmo modo sucede com a boa e a má harmonia se o ritmo e a harmonia se adaptam à palavra como há pouco se disse e não a palavra a esses Realmente são eles que devem adaptarse às palavras Mas o modo de expressão e a palavra não dependem do carácter da alma Como não E da expressão tudo o mais Sim Logo a boa qualidade do discurso da harmonia da graça e do ritmo depende da qualidade do carácter não da e quele a que sendo debilidade de espírito chamamos fami liarmente ingenuidade mas da inteligência que verdadeira mente modela o carácter na bondade e na beleza Exactamente disse Portanto não devem os jovens procurar por toda a par te estas qualidades se querem executar o que lhes incumbe Devem procurálas sim Mas também a pintura está cheia delas bem como 401a todas as artes desta espécie Cheia está a arte de tecelagem de bordar de construir casas e o fabrico dos demais objectos Em todas estas coisas há com efeito beleza ou fealdade E a feal dade a arritmia a desarmonia são irmãs da linguagem perver sa e do mau carácter ao passo que as qualidades opostas são irmãs e imitações do inverso que é o carácter sensato e bom 131 Absolutamente disse b Mas então só aos poetas é que devemos vigiar e for çálos a introduzirem nos seus versos a imagem do carácter bom ou então a não poetarem entre nós Ou devemos vi giar também os outros artistas e impedilos de introduzir na sua obra o vício a licença a baixeza o indecoro quer na pintura de seres vivos quer nos edifícios quer em qualquer outra obra de arte E se não forem capazes disso não deve rão ser proibidos de exercer o seu mester entre nós a fim de que os nossos guardiões criados no meio das imagens do e mal como no meio de ervas daninhas colhendo e pastando aos poucos todos os dias porções de muitas delas inadverti damente não venham a acumular um grande mal na sua alma Devemos mas é procurar aqueles dentre os artistas cuja boa natureza habilitou a seguir os vestígios da natureza do belo e do perfeito a fim de que os jovens tal como os habitantes de um lugar saudável tirem proveito de tudo de onde quer que algo lhes impressione os olhos ou os ouvi dos procedente de obras belas como uma brisa salutar de d regiões sadias 65 que logo desde a infância insensivelmente os tenha levado a imitar a apreciar e a estar de harmonia com a razão formosa Seria essa de longe a melhor educação Não é então por este motivo ó Gláucon que a edu cação pela música 66 é capital porque o ritmo e a harmonia 65 A propósito deste passo que tão bem define o ambiente cultural helénico vale a pena traduzir o comentário de Adam Nenhum Grego podia ler estas palavras sem pensar em Olímpia nenhum Ateniense sem recordar os esplendores da Acrópol 66 A música é para os Gregos a arte das Musas na qual como já vimos atrás os sons e as palavras não podem ser dissociados 132 penetram mais fundo na alma e afectamna mais fortemen te67 trazendo consigo a perfeição e tomando aquela perfeita se se tiver sido educado E quando não o contrário E por e que aquele que foi educado nela como devia sentiria mais agudamente as omissões e imperfeições no trabalho ou na conformação natural e suportandoas mal e com razão honraria as coisas belas e acolhendoas jubilosamente na sua alma com elas se alimentaria e tomarseia um homem perfeito 68 ao passo que as coisas feias com razão as censura 402a ria e odiaria desde a infância antes de ser capaz de racioci nar e quando chegasse à idade da razão haveria de saudála e reconhecêla pela sua afinidade com ela sobretudo por ter sido assim educado A mim afiguraseme que é por razões dessas que se deve fazer a educação pela música É como quando aprendemos as letras e só achávamos que as sabíamos o suficiente quando os caracteres apesar de poucos não nos passavam despercebidos em todas as com posições em que entravam e fossem elas grandes ou peque b nas não as desprezávamos como se não devessem ser notadas mas em todo o lado nos esforçávamos por as distin guirmos na convicção de que não deixaríamos de ser anal fabetos antes de atingir essa fase É verdade Portanto não reconheceríamos as imagens das letras se nos aparecessem reflectidas na água ou em espelhos an tes de as conhecermos a elas pois pertencem à mesma arte e ao mesmo estudo 67 A mesma opinião no Protágoras 326b 68 No texto lêse a famosa expressão xaÀÓ TE xya0Ó lite ralmente belo e bom que no séc v aC traduzia o ideal de per feição física e moral 133 Absolutamente Ora pois pelos deuses Digo do mesmo modo que e não seremos músicos nem nós mesmos nem aqueles que nos propusemos educar para serem guardiões antes de co nhecermos as formas 69 da temperança da coragem da ge nerosidade da grandeza de alma e de quantas qualidades forem irmãs destas e por sua vez os vícios que lhes são con trários onde quer que andem e de sentirmos a sua presença onde elas se encontram elas e as respectivas imagens sem as desprezarmos nas pequenas ou nas grandes coisas pois acreditaremos que pertencem à mesma arte e ao mesmo estilo É muito necessário que assim seja d Logo prossegui eu quem fizer convergir intima mente na sua alma boas disposições que no seu aspecto externo condigam e se harmonizem com aquelas por parti ciparem do mesmo modelo tal pessoa será a mais bela visão para quem puder contemplála A mais bela sem dúvida Ora o mais belo é o mais desejável Como não Eis porque o músico se encantaria o mais possível com homens dessa espécie e se fosse privado de harmonia não se encantaria Não se pelo menos for a alma que deixe algo a de sejar se em todo o caso for o corpo manterseá até ser ca e paz de lhe ter afeição 69 Supomos como Adam que a palavra ethJ do original não deve aqui interpretarse à luz do Livro vn e portanto o texto não se refere neste ponto às ideias transcendentes mas simplesmente a formas ou espécies 134 Compreendo disse eu que tens ou já sentiste um amor desses e estou de acordo contigo Mas dizme uma coisa pode haver relações entre a temperança e o prazer excessivo Como poderia Se este não excita menos o espírito do que a dor E com as outras virtudes De modo algum 403a Como assim E com a insolência e a licença Acima de tudo Sabes de alguns prazeres maiores e mais penetrantes que os afrodisíacos Não sei respondeu ele nem que sejam de maior fúria Porém o amor verdadeiro por sua natureza ama com moderação e harmonia a ordem e a beleza Absolutamente confirmou ele Logo nada de furioso ou de aparentado com a liber tinagem deve aproximarse do amor verdadeiro Não se deve aproximar Nem deve por conseguinte aproximarse aquele b prazer nem deve ter relação alguma com ele o amante e a criança que amam e são amados como se deve Por Zeus que não deve aproximarse ó Sócrates Assim pois ao que parece estabelece como lei na cidade que vamos construir que o amante pode beijar o jovem estar com ele tocarlhe como a um filho tendo em vista acções belas e se for por meio da persuasão mas em tudo o mais o seu convívio com o objecto do seu interesse deve ser tal que nunca pensem dele que as suas relações e 135 vão além disso caso contrário incorrerá na censura de ignorante 10 e grosseiro É isso confirmou ele Não te parece também que a nossa discussão acerca da música está terminada Acabou onde devia Pois a músi ca deve acabar no amor do belo Concordo Depois da música é na ginástica que se devem edu car os Jovens Sem dúvida Devem pois ser educados nela cuidadosamente desde d crianças e pela vida fora Será mais ou menos assim se gundo penso Examina tu também A mim não me parece ser o corpo por perfeito que seja que pela sua excelência torne a alma boa mas pelo contrário a alma boa pela sua excelência permite ao corpo ser o melhor possível Que te parece O mesmo que a ti Logo se depois de termos tratado suficientemente do espírito lhe entregarmos o cuidado de rectificar o corpo e explicandolhe só quais são os modelos para não nos alon garmos faríamos bem Absolutamente Nós dissemos que eles devem absterse de embria guez Pois a ninguém é menos lícito do que a um guardião estar embriagado e não saber em que lugar da terra se en contra Seria ridículo efectivamente que um guardião preci sasse de outro 70 A palavra do original µ01Jta é a negação da quahdad de músico empregado no sentido que já vimos supra n 66 136 E agora quanto à alimentação Porque estes homens são atletas da maior das lutas Ou não São Então o passadio destes profissionais seria convenien te para eles 404a Talvez Mas objectei eu ele é um tanto ou quanto sono lento e precário para a saúde Ou não vês que passam a vida a dormir e que se se afastam um bocado da dieta prescrita esses atletas adoecem muito gravemente Vejo sim É preciso uma dietamais apurada para os nossos atle tas guerreiros que têm de estar sempre vigilantes como cães e porque precisam de ver e ouvir com toda a acuidade e apesar de experimentarem nas suas campanhas muitas mudanças de líquidos e de alimentação solheira e intempé b ries não devem ser de saúde vacilante Assim me parece Ora pois a melhor ginástica não seria irmã da música simples de que tratámos pouco antes Que queres dizer Que a ginástica conveniente é simples e acima de tudo a dos guerreiros De que maneira Também isso se poderia aprender com Homero disse eu Pois sabes que em campanha durante os festins dos heróis não os trata a peixe apesar de estarem à beira mar nas margens do Helesponto 71 nem a carne cozida c 71 O Helesponto embora corresponda exactamente ao estreito que dava acesso à Propôntida hoje chamado dos Dardanelos po dia designar por extensão toda a costa desde o Ponto Euxino hoje MaiNegro ao Mar Egeu 137 mas só a carne assada que é o mais fácil de preparar para os soldados Na verdade em toda a parte é mais fácil fazer por assim dizer o serviço com o fogo do que carregar com as panelas Absolutamente Tãopouco Homero faz alguma vez referência a con dimentos segundo julgo Os outros atletas sabem isso bem que um corpo que queira estar em forma tem de se abster de tudo isso É com razão que o sabem e se abstêm d Não honrarás amigo ao que parece a mesa de Sira cusa e a variedade de pratos siciliana uma vez que te pare cem certos estes princípios Julgo que não Censurarás portanto que homens que querem estar em boa forma tenham por amigas as jovens de Corinto 72 Absolutamente E também o celebrado gozo da doçaria ática É forçoso E se comparássemos julgo eu toda esta qualidade de alimentação e dieta com a melopeia e o canto composto de e toda a espécie de harmonias e de ritmos era uma compara ção bem feita Como não Por conseguinte acolá a variedade produz a licença aqui a doença ao passo que a simplicidade na música gera a temperança na alma e a ginástica a saúde no corpo É assim mesmo respondeu ele 72 Eram célebres as cortesãs de Corinto ligadas ao culto de Afrodite 138 Mas se a libertinagem e as doenças se multiplicarem 405a na cidade porventura não abrirão numerosos tribunais e en fermarias 73 e as chicanas e a medicina não serão veneradas quando muitos homens livres se aplicarem energicamente a elas Como não havia de ser assim E acaso se arranjará prova maior do vício e da educa ção vergonhosa numa cidade do que serem necessários mé dicos e juízes eminentes não só para as pessoas de pouca monta e os artífices mas também para os que se dão ares de terem sido criados em grande estadão Ou não julgas uma b vergonha e um grande sinal de falta de educação serse for çado a recorrer a uma justiça importada de outrem como se eles fossem amos e juízes por falta de justiça própria É a vergonha das vergonhas Mas não te parece prossegui eu que a vergonha ainda será maior do que esta se uma pessoa não só passar a maior parte da vida nos tribunais como réu ou como acusa dor mas ainda pela sua grosseria for levada a gabarse pre cisamente da sua habilidade para cometer injustiças e capaz e de arquitectar todas as partidas de se escapar por todas as saídas e de se dobrar como uma cana para não apanhar o castigo e isso por amor de coisas mesquinhas e insignifi cantes ignorando até que pnto é mais belo e melhor mo delar a sua vida de maneira a dispensar em absoluto um juiz sonolento Pois É que essa vergonha ainda é maior do que a an terior 73 Espécie de consultórios ou dispensários onde por vezes os doentes eram internados para tratamento segundo Adam que cita a obra clássica de Haser Lehrbuch der Geschichte der Medizín I p 86 seqq 139 Porém precisar da medicina sem ser para curar feri mentos ou qualquer daquelas enfermidades que ocorrem d com as estações mas quando devido à indolência ou à dieta que descrevemos nos enchemos de humores e de ventosi dades como se fôssemos um pântano e obrigamos os ele gantes filhos de Asclépios a dar a estas doenças o nome de flatulências e de catarros isso não te parece uma vergonha Parece e grande Realmente esses nomes de doenças são novos e estranhos 74 São tais que não existiam segundo julgo no tempo de e Asclépios 75 Calculo que assim seja porque os filhos dele 76 em Tróia não censuraram a mulher que deu a beber a Eu rípilo ferido vinho de Pramnos polvilhado com muita fari 406a nha de cevada e queijo ralado produtos que parecem causar inflamação nem verberaram Pátrodo pelo tratamento 77 74 Em todo este passo se nota como a terminologia médica es tava ainda em formação No Protágoras Platão alude a Hipócrates de Cós dos Asclepíades como o grande médico do tempo de Só crates 311b 75 Considerado ainda um mortal filho de Apolo na Ilíada Asclépios passou depois à categoria de herói e por último foi di vinizado A sua habilidade para curar já é famosa em Homero que o diz pai de Macáon e Podalírio os dois médicos aqueus Em mais de trezentos templos lhe era prestado culto em toda a Grécia em bora o principal fosse o de Epidauro A relação entre o seu templo de Cós e a escola médica dessa ilha não está ainda bem clara mas sabese pelo texto do Protágoras citado na nota anterior que Hipó crates o mais célebre dos seus membros era um Asclepíade 76 Podalírio e Macáon citados na nota anterior níada XI 833 77 Parece haver aqui uma sobreposição de passos da llíada pois a poção é dada no poema a Macáon e não a Eurípilo por Heca mede escrava de Nestor xI 624 A cura de Eurípilo por Pátrodo é mencionada em XI 844848 e xv 390394 140 E contudo era uma estranha beberagem para quem se encontrava em tal estado Não o era se pensares que os Asclepíades não exer ciam a medicina que agora se pratica que acompanha a doença passo a passo antes de Heródico 78 Heródico que era mestre de ginástica tornouse enfermeiro e misturando o exercício básico com a medicina atormentouse primeiro h e acima de tudo a si mesmo e depois a muitos outros Como assimperguntou ele Dilatando a sua própria morte respondi eu Acompanhando passo a passo a sua doença que era mortal sem ser ao que parece capaz de se curar atravessou a vida a tratarse sem se ocupar de mais nada estafandose a ver que não se desviasse da dieta habitual custandolhe a morrer devido ao seu saber até que atingiu a velhice Assim alcançou um belo prémio da sua arte Aquele que lhe competia ripostei por não perce e ber que não foi por ignorância nem por inexperiência desta forma de medicina que Asclépios a não revelou aos seus descendentes mas por saber que em todas as cidades bem governadas incumbe a cada um uma tarefa que é forçoso realizar e a ninguém é dado vagar para passar a vida doente a tratarse O ridículo desta situação sentimolo nos artífi ces mas não o sentimos nos ricos e nos que aparentam ser felizes Como perguntou ele Um carpinteiro quando está doente pretende do d médico que lhe dê a beber um remédio que o faça vomitar a causa da doença ou que o liberte purgandoo ou usando 78 Heródico de Mégara foi dos primeiros a combinar científi camente o exercício físico com a dieta como meios terapêuticos 141 de cautérios ou praticando uma incisão Mas se alguém lhe prescrever uma dieta a longo prazo pondolhe um barrete 79 na cabeça e o mais que se segue em breve lhe diz que não tem vagar para estar doente nem lhe serve de nada viver as sim com o espírito entregue a doenças descurando o traba lho que tem na frente E depois disso manda embora um e médico desses entra na sua dieta normal e fica são vivendo para o seu trabalho E se o seu corpo não é capaz de resistir a morte libertao de dificuldades É realmente essa a terapêutica que parece servir a um homem assim 407a Acaso porque tinha uma ocupação que se a não exercesse não lhe valia a pena viver É evidente Ao passo que quem é rico como dizíamos não tem nenhuma ocupação premente dessa espécie de que possa ser forçado a absterse sem que a vida se lhe tome impóssível É o que se diz Nunca ouviste o dito de Focílides 80 de que quando se tem com que viver se deve praticar a virtude E antes disso também entendo eu Não vamos contender com ele sobre este ponto Mas vamos ser os nossos próprios mestres nesta matéria se o b rico deve ter ésta preocupação e ses no caso de a não ter a vida se lhe torna impossível ou se a mania de cultivar as doenças é um entrave para uma pessoa se concentrar no 79 Espécie de barrete de feltro que os médicos antigos por ve zes mandavam usar Para o leitor moderno seria mais sugestiva a equivalência de emplastros mas é menos exacta ªº Poeta gnómico grego do séc v1 aC muito apreciado pelos antigos mas de quem só se conhecem citações como esta 142 ofício de carpinteiro e nas demais artes mas não o impede de seguir a sentença de Focílides Sim por Zeus respondeu ele E talvez de tudo o que mais o impede é esse excessivo cuidado com o corpo que ultrapassa o regime físico saudável De facto é inconveniente na administração da casa em campanha e nos cargos políticos sedentários Mas o pior de tudo é que dificulta toda a espécie de estudo de pensamento ou de reflexão interior pois é sem e pre suspeitada e acusada de provocar fadiga cerebral e verti gens devidas à filosofia de tal modo que onde quer que se pratique e se ponha à prova a virtude surge este entrave porquanto faz com que se julgue sempre que se está doente e que nunca cessem as queixas sobre o estado físico É natural Por conseguinte afumaremos que também Asclépios sabia isto e que para os que gozam de saúde fisica graças à sua natureza e à sua dieta mas têm qualquer doença loca d lizada para os que têm essa constituição ensinou a medici na que expulsa as suas enfermidades por meio de remédios e incisões prescrevendolhes a dieta a que estão habituados a flm de não prejudicarem os negócios políticos Quanto aos corpos todos minados pela doença não tentou sujeitando os a um tratamento paulatino de infusões e purgas tomar a vida desses homens longa e dolorosa nem que gerassem fi lhos semelhantes a eles como é natural mas àquele que é incapaz de viver no circulo de acção que lhe foi adstrito en e tendia que não se devia aplicar terapêutica uma vez que nada lucrava com isso nem o próprio nem o Estado O Asclépios de que falas é um político objectou ele É evidente confirmei eu E os filhos porque ele era assim não vês como em Tróia se mostraram valentes no 408a 143 combate e praticavam a medicina como digo Ou não te lembras do que eles fizeram a Menelau quando do feri mento que Pândaro lhe fez ao atingilo ª1 chuparam o sangue espalhando por cima mezinhas cal mantes e não lhe prescreveram o que havia de beber ou de comer depois como não o haviam feito a Eurípilo entendendo que os remédios eram suficientes para curar homens que b antes de serem feridos eram saudáveis e de regime modera do embora se desse o caso de naquele momento terem to mado a poção ao passo que para os enfermiços por nature za e libertinos entendiam que não lhes aproveitava viver nem para eles nem para os outros e que não valia a pena para eles existir a arte de curar nem tratálos ainda que fos sem mais ricos do que Midas 82 Fazes dos filhos de Asclépios pessoas muito subtis É assim que deve ser respondi embora não acre ditem em nós os trágicos 83 e Píndaro 84 que dizem que As clépios era um filho de Apolo que se deixou persuadir pelo 81 Ilíada 1v 218 onde aliás o sujeito da frase é só Macáon 82 O rei frígio Midas era conhecido entre os Gregos pelo me nos desde o séc vn aC cf Tirteu fr 12 6 West como um exem plo proverbial de riqueza Em riscos de morrer à fome por lhe ter sido concedido o seu desejo de transformar em ouro tudo aquilo em que tocasse só conseguiu libertarse dessa situação banhando se no rio Pactolo que passou a conter o precioso metal nas suas areias 83 Ésquilo Agamémnon 10224 Eurípides Alceste 34 84 Píticas III 5558 144 ouro a curar um homem rico que estava já para morrer e motivo por que foi fulminado Quanto a nós de acordo com o que afirmámos anteriormente não acreditamos em ambas as coisas se era filho de um deus não pretendia lu cros sórdidos se pretendia lucros sórdidos não era filho de um deus Isso está muito certo Mas que dizes acerca deste ponto ó Sócrates porventura não é preciso que tenhamos bons médicos na cidade E eles serão em tanto maior nú d mero quantas mais pessoas sãs e doentes tiverem tratado e da mesma maneira serão os juízes que tiverem convivido com a maior variedade de naturezas Certamente que sim respondi se forem bons Mas sabes quais são os que eu tenho nessa conta Se mo disseres Vou tentar Mas incluíste no mesmo argumento ques tões que não são similares Comoperguntou ele Os médicos atingiriam o cume da perícia se come çando desde crianças a aprender a sua arte tivessem contac to com o maior número possível de corpos e dos piores e se eles mesmos sofressem de todas as enfermidades e não e gozassem devido à sua compleição de perfeita saúde Efec tivamente julgo que o corpo não se trata por meio do corpo pois não seria possível que eles fossem ou se tomassem doen tes mas o corpo por meio da alma à qual se já estiver ou ficar doente não é possível tratar com êxito seja do que for Exacto disse ele Porém o juiz meu amigo governa a alma por meio 409a da alma à qual não convém desde nova ser criada no convívio com as almas perversas nem ter percorrido todas as injusti ças cometendoas ela mesma de modo a poder conjecturar 145 com precisão pelo seu próprio exemplo os crimes dos outros tal como avaliava das doenças pelo seu corpo Deve antes ser inexperiente e estar intacta dos maus costumes na juventude se quer tomarse perfeita 85 para julgar escorrei tamente o que é justo Por esse motivo é que as pessoas de bem quando jovens se mostram simples e fáceis de ludi b briar pelos injustos por não terem em si modelos com sen timentos iguais aos dos perversos Sem dúvida é isso que muitas vezes têm de sofrer Por isso prossegui o bom juiz não deve ser novo mas idoso tendo aprendido tarde o que é a injustiça tendo se apercebido dela sem a ter alojado na sua própria alma mas tendoa observado como coisa alheia nos outros duran c te muito tempo para que servindose do saber e não da ex periência própria compreenda o mal que ela é Um juiz assim pareceme que será o mais nobre de todos E também o bom juiz por quem perguntas res pondi Porquanto é bom quem tiver uma alma boa Mas aquele habilidoso e desconfiado que cometeu muitas injus tiças e se tem na conta de pessoa cheia de aptidões e sábia quando convive com os seus pares revela a sua extrema as túcia examinmdo à distância os modelos que existem nele mesmo Porém quando se aproxima de homens bons e já d mais velhos parece tolo desconfiado fora de propósito e desconhecedor do que seja um carácter são por não ter em si o modelo respectivo Mas como se encontra mais vezes com os maus do que com os bons parece mais sábio do que ignorante aos seus olhos e aos dos outros 85 Traduzimos assim a expressão caÂTJ ya01i cujo sentido exacto explicámos na nota 68 146 É tudo verdade Não é portanto este o juiz bom e sábio que temos de procurar mas o anterior Efectivamente o vício não po derá jamais conhecerse a si e à virtude ao passo que com o tempo a virtude se as qualidades naturais forem aperfeiçoa das pela educação atingirá o conhecimento científico de si e mesma e do vício Tal será o sábio em meu entender mas não o perverso Também assim entendo Portanto estabelecerás na cidade médicos e juízes da espécie que dissemos que hãode tratar dentre os cidadãos os que forem bem constituídos de corpo e de alma deixarão morrer os que fisicamente não estiverem nessas condições e 410a mandarão matar os que forem mal conformados e incurá veis espiritualmente Pareceme que é o melhor quer para os próprios pa cientes quer para a cidade No entanto é evidente que os jovens se precatarão da necessidade de justiça se cultivarem aquela música sim ples da qual dissemos que gerava a moderação Sem dúvida respondeu Porventura se o músico exercitar a ginástica seguin b do no mesmo rasto não alcançará o mesmo resultado a ponto de não precisar da medicina para nada a não ser em caso de força maior Pareceme que sim Nos seus exercícios gímnicos e nos seus trabalhos terá em atenção e quererá despertar a coragem natural es forçandose mais por a obter do que por aumentar a força e não regulará a sua alimentação e os esforços em vista do vi gor como os outros atletas Exactamente confirmou ele 147 Ora pois Gláucon aqueles mesmos que assentaram e na educação pela música e pela ginástica não o fizeram pela razão que alguns supõem de tratar o corpo por meio de uma e a alma de outra Mas porquê perguntou ele É provável respondi que ambas tenham sido es tabelecidas sobretudo em atenção à alma Como assim Não reparaste na disposição de espírito que adqui rem os que passam a vida a fazer ginástica sem contacto al gum com a música Ou dos que adquirem a disposição contrária A que estás a referirte d À grosseria e dureza por um lado e à moleza e doçu ra por outro expliquei eu É isso mesmo Os que praticam exclusivamente a gi nástica acabam por ficar mais grosseiros do que convém e os que se dedicam apenas à música tomamse mais moles do que lhes ficaria bem E contudo o que há de corajoso na sua natureza é que poderá dar lugar à grosseria e se fosse bem cultivado daria a coragem mas demasiado tenso origina a dureza e a irascibilidade como é natural Assim me parece e Pois então A doçura não é apanágio de um natural dado à filosofia Mas se ela afrouxa tomao mais mole do que convém se é bem dirigida ficará doce e ordenado É isso Ora nós afirmamos que os guardiões precisam de ter ambas estas naturezas Precisam de facto Então não é necessário conciliálas uma com a outra 148 Como não seria E dessa harmonia não resulta uma alma moderada e 411a corajosa Absolutamente E da desarmonia uma cobarde e grosseira Mesmo muito Portanto se uma pessoa permitir à música que o en cante com os seus sons e que lhe derrame na alma através dos ouvidos como de um funil as harmonias doces moles e lamentosas a que há pouco nos referíamos e se passar a vida inteira a trautear canções de coração jubiloso uma pessoa assim primeiro que tudo se tinha alguma irascibilidade amoleceu como quem amolece o ferro e de inútil e duro o b toma proveitoso porém se perseverou nessa atitude e não a deixar mas ficar fascinado em breve funde e se dissolve até aniquilar o seu espírito e ser arrancado da alma por excisão como um nervo fazendo dele um amolecido lanceiro 86 Absolutamente E se ele desde início recebeu da natureza uma alma sem coragem em breve se darão estes factos Se porém ti ver uma que seja impetuosa enfraquecea torna o seu espí rito maleável e por qualquer ninharia pronto a exaltarse e e a apaziguarse de novo De corajoso que era tornouse írri táveL colérico e cheio de mau humor Exactamente E agora se ele praticar a ginástica em grande escala e se banquetear à larga sem tocar sequer na música e na filo sofia Primeiro que tudo como passa bem do seu físico não se encherá de sobranceria e ardor e não se tomará mais co rajoso do que era 86 O epíteto é dado a Menelau na Ilíada xvu 588 149 Absolutamente Pois então Visto que nada mais faz nem convive d com a Musa Ainda que existisse dentro da sua alma qual quer desejo de aprender uma vez que não toma o gosto a ciência alguma nem investigação nem participa em ne nhuma discussão ou em qualquer outra exercitação da mú sica tornase débil surdo e cego em vista de não ser des pertado nem acalentado nem purificado no acervo das suas sensações É isso Uma pessoa assim tornase um inimigo da razão e das Musas e já não se serve de palavras para persuadir leva e a cabo todas as suas empresas pela violência e pela rudeza como um animal selvagem e vive na ignorância e na inapti dão sem ritmo nem graciosidade É exactamente assim Para estas duas faces da alma a corajosa e a filosófica ao que parece eu diria que a divindade concedeu aos ho mens duas artes a música e a ginástica não para a alma e o corpo a não ser marginalmente mas para aquelas faces a 412a fim de que se harmonizem uma com a outra retesandose ou afrouxando até onde lhes convier Também me parece Por conseguinte aquele que melhor caldear a ginásti ca com a música e as aplicar à alma na melhor medida de um homem assim diríamos com toda a razão que seria o mais consumado músico e harmonista muito mais do que o que afina as cordas umas pelas outras Com toda a razão ó Sócrates Não é de um governante assim ó Gláucon que a nossa cidade sempre precisará se queremos salvar a nossa administração 150 Precisará seguramente e o mais hábil que possa ser b Quanto aos tipos de ensino e de educação seriam es tes Para que serviria especificar o que diz respeito às suas danças caçadas com ou sem matilha competições gímnicas e líricas É suficientemente claro que estas prescrições de vem seguir as outras e já não será difícil encontrálas Talvez não seja difícil disse ele Suponhamos concordei eu E depois disto que temos nós de delimitar Não será porventura quais dentre estes hãode governar e quais ser governados Sem dúvida e Não é evidente que os governantes têm de ser os mais velhos e os governados os mais novos É E que dentre esses serão os melhores Também Mas os melhores dentre os lavradores não são os mais aptos para o seu ofício São Ora se eles devem ser os melhores dentre os guar diões não são os mais aptos para guardar a cidade São Portanto nao é necessário para este efeito que pos suam inteligência autoridade e sentimentos patrióticos d Certamente que uma pessoa se preocupa acima de tudo com aquilo que porventura amar Forçosamente Com certeza que amará sobretudo aquilo que julga vantajoso a si e aos seus interesses e que quando corre bem entende que também lhe traz prosperidade se não será o contrário 151 É isso respondeu Portanto há que escolher dentre os outros guar diões homens tais que depois de os examinarmos nos pa e reçam durante toda a vida executar com todo o empenho aquilo que em seu entender será útil à cidade e o que o não for não aceitem de modo algum fazêlo São esses os que convêm Pareceme por conseguinte que é preciso observá los em todas as idades a ver se se mantêm firmes nesta dou trina e se levados pela impostura ou pela violência não se esquecem e abandonam a opinião de que devem fazer o que há de melhor para a cidade Que abandono é esse de que falas Já te digo Em meu entender uma opinião sai do es pírito voluntária ou involuntariamente voluntariamente a 413a que é falsa quando a pessoa se desiludiu involuntariamente toda a que for verdadeira O que se refere à que sai voluntariamente entendo mas quanto à que sai involuntariamente preciso de aprender Pois então Não achas também que os homens se pri vam dos bens involuntariamente e dos males voluntaria mente Ou serse iludido sobre a verdade não é um mal e estar na verdade um bem Ou não te parece que é estar na verdade ter opiniões certas Dizes bem e pareceme qu é contra vontade que se é privado da opinião verdadeira b E não é pelo roubo pela impostura ou pela violência que isso lhes sucede Agora não percebo nada Estou quase a falar à maneira dos poetas trágicos Chamo roubados aos que foram dissuadidos ou se esquece ram porque a uns os arrebata o tempo a outros a razão sem que se apercebam disso E agora já percebes 152 Já Além disso digo que sofreram violência aqueles a quem qualquer desgosto ou sofrimento fez mudar de opi nião Também compreendo e falas acertadamente Quanto às vítimas de impostura também dirás se e gundo eu creio que são aqueles que mudaram de opinião ou fascinados pelo prazer ou atemorizados por qualquer receio Pareceme realmente que é impostura tudo quanto nos ilude Pois bem Como eu dizia há momentos devemse procurar os guardiões mais estrénuos da doutrina que vigora entre eles de que é seu dever fazer aquilo que em cada oca sião pensarem que é melhor fazerem no interesse da cidade Devem pois vigiarse logo desde a infância propondolhes empreendimentos em que mais facilmente poderiam esque cerse de tal doutrina e deixarse iludir de maneira a poder se escolher quem se lembra e quem é difícil de ludibriar e d excluir quem o não é Não é assim É Devem além disso imporselhes trabalhos sofri mentos e lutas através dos quais devem ser observadas as mesmas reacções Exactamente Ora nós devemos também montarlhes uma terceira espécie de prova a da impostura e observálos Tal como se levam os potros para o meio dos ruídos e da agitação para ver se são assustadiços do mesmo modo quando novos de vem transportarse para o meio de terrores e depois trans ferilos novamente para os prazeres para os pôr à prova e muito mais do que o ouro ao fogo a ver se são difíceis de ludibriar e revelam compostura em todas as circunstâncias 153 se são bons guardiões de si mesmos e da música que apren deram evidenciando em tudo a boa qualidade do seu ritmo e harmonia tendo um comportamento tal que será o mais útil a eles mesmos e à cidade E quem tiver sido sempre posto à prova na infância na juventude e na idade viril e 414a sair dela inalterável deve ser posto no lugar de chefe e guar dião da cidade devem prestarselhe honrarias quer em vida quer depois de morto e caberlheão as mais altas dis tinções na sepultura e demais monumentos à sua memória Quem assim não for deve excluirse É mais ou menos esta me parece ó Gláucon a escolha e nomeação de chefes e guar diões para me exprimir de um modo geral e não com rigor Também eu sou do mesmo parecer h Ora para verdadeiramente os designar com exacti dão serão guardiões perfeitos os que cuidam dos inimigos externos e dos amigos internos a fim de que uns não quei ram os outros não possam fazer mal e os novos que há pouco apelidávamos de guardiões serão os auxiliares e de fensores da doutrina dos chefes Acho bem E agora como arranjaremos maneira de com uma nobre mentira daquelas que se forjam por necessidade e de e que há pouco falávamos convencer disso sobretudo os pró prios chefes e se não for possívei o resto da cidade Que espécie de mentira perguntou ele Não é nenhuma mentira nova mas da Fenícia 87 coisa já sucedida anteriormente em muitas partes segundo 87 A expressão tomouse proverbial certamente devido a este passo A alusão deve ser ao mito dos Espartos que nasceram arma dos da terra a partir dos dentes de dragão semeados no solo de Tebas pelo fenício Cadmo 154 contam e fazem crer os poetas mas que não aconteceu en tre nós nem sei se sucederá e só se pode acreditar à custa de um sólido poder de persuasão Estás com ar de quem hesita em dizer A minha hesitação parecerteá muito natural quan do eu falar Fala sem medo Falarei pois e contudo não sei de que coragem d nem de que palavras me servirei para me exprimir e ten tarei persuadir em primeiro lugar os próprios chefes e os soldados e seguidamente também o resto da cidade de que quanta educação e instrução lhes demos todas essas coisas eles imaginavam que as experimentavam e lhes sucediam como em sonhos quando na verdade tinham sido molda dos e criados no interior da terra tanto eles como as suas armas e o restante equipamento e que depois de eles es e tarem completamente forjados a terra como sua mãe que era os deu à luz e que agora devem cuidar do lugar em que se encontram como de uma mãe e ama e defendêla se al guém for contra ela e considerar os outros cidadãos como irmãos nascidos da terra 88 Não era sem razão que há pouco te envergonhavas de dizer esta mentira É muito natural respondi Ouve no entanto o 415a resto do mito Vós sois efectivamente todos irmãos nesta 88 Entre os Gregos os Atenienses e os Arcádios considera vamse nascidos da terra ou autóctones Por trás desta convicção os historiadores modernos reconhecem como válida a reminiscên cia de que só eles não tinham sido expulsos do território pela cha mada invasão dórica O mito da origem do homem no interior da terra figura também no Protágoras 320d e no Político 269b 155 cidade como diremos ao contarlhes a história mas o deus que vos modelou àqueles dentre vós que eram aptos para governar misturoulhes ouro na sua composição moti vo por que são mais preciosos aos auxiliares prata ferro e bronze aos lavradores e demais artífices 89 Uma vez que sois todos parentes na maior parte dos casos gerareis filhos se b melhantes a vós mas pode acontecer que do ouro nasça uma prole argêntea e da prata uma áurea e assim todos os restantes uns dos outros Por isso o deus recomenda aos chefes em primeiro lugar e acima de tudo que aquilo em que devem ser melhores guardiões e exercer mais aturada vigilância é sobre as crianças sobre a mistura que entra na composição das suas almas e se a sua própria descendência tiver qualquer porção de bronze ou de ferro de modo al e gum se compadeçam mas lhes atribuam a honra que com pete à sua conformação atirando com eles para os artífices ou os lavradores e se por sua vez nascer destes alguma criança com uma parte de ouro ou de prata que lhes dêem as devidas honras elevandoos uns a guardiões outros a au xiliares como se houvesse um oráculo segundo o qual a ci dade seria destruída quando um guardião de ferro ou de bronze a defendesse Sabes de algum expediente para fazer acreditar neste mito 89 Todo o Grego que lesse este passo reconheceria aqui wna curiosa variante do mito das idades do homem contado pela pri meira vez por Hesíodo Trabalhos e Dias 109201 que aliás acres centa às quatro idades designadas por nomes de metais ouro pra ta bronze e ferro a idade dos heróis no mito de Hesíodo predo minantemente etiológico misturase assim uma preocupação his toricista pois os heróis são a geração que o precedeu e que se co briu de glória em Tebas e Tróia Quanto ao de Platão não contém qualquer perspectiva histórica pois as várias espécies coexistem 156 Nenhum para que esses homens creiam nele mas d talvez para os filhos deles para os que vierem após eles e os demais homens Isso até seria óptimo para lhes aumentar a dedicação pela cidade e de uns pelos outros Compreendo mais ou menos as tuas palavras Será conforme os caminhos por onde a fama quiser conduzir esta história Quanto a nós depois de armarmos esses filhos da terra levemolos para a frente sob o coman do dos chefes Que venham examinar o lugar da cidade onde acamparão melhor de onde poderão conter perfeita e mente os de dentro dela se alguém não quiser obedecer às leis e defenderse contra os de fora se algum inimigo avan çar como um lobo contra o rebanho Depois de terem acampado e feito os devidos sacriflcios que erijam as tendas Não é assim É Devem portanto ser tais que sejam capazes de pro teger da invernia e da canícula Pois não Refereste às habitações segundo me parece Sim respondi eu e serão do tipo próprio de mili tares e não de homens de negócios Que diferença é essa agora que fazes entre umas e 416a outras Tentarei explicarte Para os pastores a coisa mais tremenda e mais vergonhosa de todas é criar cães para os ajudarem a cuidar do rebanho de tal modo que devido à falta de disciplina à fome ou a qualquer outro mau costu me se pusessem eles mesmos a tentar fazer mal às ovelhas e a assemelharse a lobos em vez de cães É tremendo como não háde sêlo Logo não devemos vigiar por todos os modos não b vão os nossos auxiliares fazer assim aos seus concidadãos 157 visto serem mais fortes do que eles e em vez de aliados be nevolentes assemelharemse a déspotas selvagens Devemos vigiar confirmou ele Ora eles não estariam apetrechados com a melhor das precauções se tivessem sido educados de modo real mente perfeito Mas já o foram objectou ele E eu respondi Isso não é conveniente sustentálo meu caro Gláucon Mas sim aquela afirmação que há pouco e fizemos de que devem receber a educação correcta seja ela qual for se querem atingir o cume da perfeição no que toca a serem cordatos para com eles mesmos e para com os que estão sob a sua guarda E com razão confirmou ele Além desta educação uma pessoa que tem cabeça dirá que devem fornecerselhes habitações e outros bens tais que não os impeçam de serem os melhores guardiões possí d veis e não os incitem a fazer mal aos demais concidadãos E dirá a verdade Ora vê lá prossegui eu se será mais ou menos desta maneira que eles devem viver e habitar para virem a ter essas qualidades Em primeiro lugar nenhum possuirá quais quer bens próprios a não ser coisas de primeira necessidade em seguida nenhum terá habitação ou depósito algum em que não possa entrar quem quiser Quanto a víveres de que necessitarem atletas guerreiros sóbrios e corajosos serlhes e ão fixados pelos outros cidadãos como salário da sua vigi lância em quantidade tal que não lhes sobre nem lhes falte para um ano As suas refeições serão em comum 90 e em co munidade viverão como soldados em campanha 90 Em todo este regime e particularmente neste ponto trans parece o modelo espartano 158 Quanto ao ouro e à prata dirselhesá que os têm sempre e na sua alma divinos e de procedência divina e para nada carecem do humano e que seria impiedade po luir aquele que já possuem misturandoo com a pertença dos mortais porquanto já muitos crimes ímpios se produzi ram por causa da moeda do vulgo ao passo que a deles é 417a pura Mas unicamente a eles dentre os habitantes da cidade não é lícito manusear e tocar em ouro e prata nem ir para debaixo do mesmo tecto onde os haja nem trazêlos consi go nem beber por taças de prata ou de ouro e assim se sal varão a si e à cidade Porém se possuírem terras próprias habitações e dinheiro serão administradores dos seus bens e lavradores em lugar de guardiões volverseão em déspotas inimigos dos outros cidadãos em vez de aliados passarão b toda a vida a odiar e a ser odiados a preparar conspirações e a ser objecto delas muito mais receosos dos inimigos inter nos do que dos externos e a precipitarse eles e o resto da cidade para a beira da ruína Portanto por todos estes moti vos prossegui eu diremos que é necessário prover deste modo os guardas de habitação e do resto e legislaremos so bre o assunto ou não Absolutamente confirmou Gláucon 159 LIVRO IV Tomando a palavra Adimanto perguntou Que dirás 419a então em tua defesa ó Sócrates se alguém afirmar que não tomarás estes homens nada felizes precisamente por culpa deles umi vez que a cidade lhes pertence de facto mas sem que eles usufruam qualquer bem da sua parte como os ou tros 1 que possuem campos e constroem casas bonitas e grandes para as quais adquirem mobiliário à altura que fa zem os seus sacrifícios aos deuses recebem hóspedes e que têm em especial aquilo que há momentos referias o ouro e a prata e quanto se julgue que constitui a felicidade Pura e simplesmente dirseá que parecem uma espécie de guar diõe assalariados instalados na cidade sem fazerem mais 420a nada senão estar de vigia Sim confirmei eu e ainda por cima ganham o seu sustento mas não recebem salário nenhum além da ali mentação como os restantes de tal modo que não lhes será lícito viajar por conta própria se quiserem nem dar dinhei ro a cortesãs nem efectuar em qualquer outro lado que lhes apeteça aquelas despesas que fazem os homens que são considerados felizes Estas e outras queixas em grande nú mero deixasteas ficar de fora da tua acusação 1 Entendase os outros chefes e não os outros cidadãos 161 Mas acrescentemse essas acusações também b Perguntas então que diremos em nossa defesa Pergunto Seguindo pelas mesmas veredas encontraremos jul go eu a resposta a dar Diremos que não seria nada para ad mirar se estes homens fossem muito felizes deste modo nem de resto tínhamos fundado a cidade com o fito de que esta raça apenas fosse especialmente feliz mas que o fosse tanto quanto possível a cidade inteira Supúnhamos na ver dade que seria numa cidade desta espécie que se encontra ria mais a justiça e na mais mal organizada que inversamen c te se acharia a injustiça observandoas determinaríamos o que há muito estamos a procurar Ora presentemente esta mos a modelar segundo cremos a cidade feliz não toman do à parte um pequeno número para os elevar a esse esta do mas a cidade inteira Seguidamente examinaremos o caso contrário Era como se estivéssemos a pintar uma está tua 2 e alguém nos abordasse para nos censurar dizendo que não aplicávamos as tintas mais belas nas partes mais formo sas do corpo de facto os olhos sendo a coisa mais linda não seriam sombreados com cor de púrpura mas a negro d Parece que nos defenderíamos convenientemente repli cando Meu caro amigo não julgues que devemos pintar os olhos tão lindos que não pareçam olhos nem as restantes partes mas considera se atribuindo a cada uma o que lhe pertence formamos um todo belo E em particular neste caso não nos forces a atribuir aos guardiões uma ventura tal que os transforme em tudo quando há excepto em guar 2 As estátuas gregas eram pintadas pelo menos parcialmente na época clássica Que o eram na arcaica provamno vários dos es pécimes encontrados 162 diões Bem sabemos como revestir os lavradores com trajes e sumptuosos 3 coroandoos de ouro e mandandoos lavrar a terra conforme lhes apetecer e como reclinar os oleiros na devida ordem 4 junto do fogo a beberem regalados com a roda ao lado para quando desejarem trabalhar o barro e como tornar felizes todos os restantes de maneira idêntica a fim de que toda a cidade esteja contente Mas não nos acon selhes a tal De maneira que se te obedecêssemos nem o la vrador será lavrador nem o oleiro oleiro nem ninguém 421a mais ocupará o seu lugar e nessa ordenação é que a cidade se origina Mas dos outros faremos menor conta porquanto se os sapateiros se tornarem negligentes e se estragarem aparentando ser o que não são não é desgraça nenhuma para a cidade porém se os guardiões das leis e da cidade só o forem na aparência vês bem que a deitam toda a perder de lés a lés e que inversamente só eles detêm o poder de a administrarem bem e de a fazerem feliz Portanto se so mos nós que formamos guardiões a valer que de modo al gum façam mal ao Estado quem vier cá falar daquela histó b ria dos lavradores e dos que se banqueteiam como se estivessem a gozar numa festa e não numa urbe poderá es tar a falar de outra coisa mas não de uma cidade Deve por tanto observarse se estabelecemos os guardas tendo em vista proporcionarlhes o máximo de felicidade ou se se deve ter em consideração a cidade inteira para que ela a al cance e forçar os auxiliares e os guardiões a proceder assim e A ÇOOTLc de que fala o texto era uma veste ou manto de púrpura usada por reis ou cavaleiros nas procissões 4 A expressão do original significa literalmente da esquerda para a direita ordem pela qual era servido o vinho nos banquetes gregos Este pormenor de etiqueta acentua o ridículo da situação imaginada 163 e persuadilos a fun de que sejam os melhores artistas no seu mester e assim em todas as profissões e deste modo quando toda a cidade tiver aumentado e for bem adminis trada consentir a cada classe que participe da felicidade con forme a sua natureza Pareceme que dizes bem Acaso te parece conveniente prossegui eu expri mir uma opinião irmã destas Qual é ela d Observa os outros artífices se é isso que os corrom pe de molde a tomaremse maus Isso quê A riqueza respondi e a pobreza Como assim Da seguinte maneira Se um oleiro enriquecer achas que ainda quererá cuidar da sua arte De modo algum replicou Tomarseá preguiçoso e descuidado mais do que era Muito mais sem dúvida Portanto tomase um oleiro pior Muito pior Além disso se devido à sua pobreza não tiver à mão utensílios ouqualquer outro objecto para o seu mester exe e cutará obras piores e ensinará a serem piores artífices os fi lhos ou quaisquer outros que aprendam com ele Como não Pelas duas razões por conseguinte a pobreza e a ri queza são piores as obras e sãono os próprios artífices Assim parece E descobrimos outra coisa pela qual os artistas têm de estar de atalaia com todo o empenho a fun de que se não introduza na cidade sem eles darem conta disso 164 Que coisa é A riqueza respondi e a pobreza Uma porque dá 422a origem ao luxo à preguiça e ao gosto pelas novidades e ou tra à baixeza e à maldade além do gosto pela novidade Exactamente confirmou ele Considera no en tanto ó Sócrates como é que a nossa cidade será capaz de entrar em combate visto que não possui riqueza especial mente se se vir forçada a lutar contra um Estado grande e rico É evidente respondi que lutar contra uma cidade destas é assaz difícil mas contra duas é mais fácil b Como dizes Em primeiro lugar disse eu se for necessário combater acaso não terão de lutar contra homens abastados sendo eles mesmos atletas guerreiros Pois claro Ora bem Adimanto Não te parece que um só pugi lista treinado para esse efeito o melhor possível facilmente combaterá contra dois pugilistas ricos e gordos Talvez não pelo menos se for ao mesmo tempo Nem que lhe fosse possível fugir ao primeiro e vol tandose bater no que vai em sua perseguição e repetir este e feito amiúde com sol e com um calor abrasador Porventura um homem destes não dominaria até mais daquela espécie Sem dúvida que não seria nada de admirar Mas não achas que os ricos têm mais conhecimento da teoria e da prática da luta do que da guerra Acho sim É verosímil por conseguinte que os nossos atletas fa cilmente lutarão contra o dobro e até o triplo deles Concordo contigo respondeu pois me parece que falas acertadamente 165 d E se eles mandassem uma embaixada à outra cidade dizendo com verdade Nós não nos servimos do ouro nem da prata para nada nem isso nos é lícito mas a vós éo Combatei pois ao nosso lado e ficai com o que é dos ou tros supões que alguém ao ouvir isto preferiria lutar contra cães fortes e esguios a guerrear com auxílio destes cães contra ovelhas pingues e tenras Não me parece No entanto se amontoarem numa e só cidade as riquezas das restantes repara que daí não ad venha perigo para a que não é abastada Tens sorte repliquei em achares que vale a pena dirigirmonos a outra cidade sem ser esta tal como nós está vamos a organizála Então porque não perguntou ele É mais amplo respondi o nome que deve darse às outras cidades Porquanto cada uma delas é como diz o provérbio não uma cidade mas muitas 5 São pelo menos duas inimigas uma da outra uma dos pobres e outra dos ri 423a cos Em cada uma destas duas há muitas outras Se as trata res como sendo uma só enganaste redondamente se as tratares como sendo numerosas dando a umas os haveres a força ou mesmo as pessoas das outras terás sempre muitos aliados mas poucos inimigos E enquanto a tua cidade for sensatamente administrada como determinámos há pouco será a maior não digo quanto à forma mas grande no ver dadeiro sentido da palavra ainda que conste apenas de mil 5 Segundo o escoliasta e de acordo com lexicógrafos antigos este provérbio alude a um jogo do tipo do das damas cujo tabulei ro estava dividido em sessenta sectores cada um dos quais repre sentava uma cidade 166 guerreiros Na verdade não encontrarás facilmente uma ci dade assim grande nem entre os Gregos nem entre os bár baros embora pareça haver muitas muito maiores ainda b do que esta Ou é outra a tua opinião Por Zeus que não Este seria portanto prossegui eu o mais belo li mite para os nossos chefes imporem à grandeza que a cida de deve ter e uma vez atingida ela para a quantidade de território que devem reservar deixando o restante Que limite Em minha opinião o seguinte até onde puder au mentar permanecendo unida até aí pode crescer para além disso não Muito bem e Por conseguinte imporemos ainda outro preceito aos guardiões que velem com todo o empenho por que a cidade não seja pequena nem grande só de aparência mas suficiente e unida E talvez seja de pouca monta o preceito que lhes im pomos De menor monta ainda será aquele de que anterior mente fizemos menção quando dissemos que se nascer al gum filho inferior aos guardiões deve ser relegado para as outras classes e se nascer um superior das outras deve ser d levado para a dos guardiões Isto queria demonstrar que mesmo os outros cidadãos devem ser encaminhados para a actividade para que nasceram e só para ela a fim de que cada um cuidando do que lhe diz respeito não seja múlti plo mas uno e deste modo certamente a cidade inteira crescerá na unidade e não na multiplicidade Aí está de facto um preceito mais diminuto do que o outro 167 Os preceitos que lhes impomos meu bom Adiman to não são como poderia julgarse numerosos nem gran e diosos mas todos muito reduzidos desde que guardem a grande norma proverbial ou melhor uma norma que não é grande mas adequada Qual é ela perguntou A instrução respondi e a educação Efectivamen te se tiverem sido bem educados e se tornarem homens co medidos facilmente perceberão tudo isto assim como ou tras questões que de momento deixamos à margem como a posse das mulheres casamentos e procriação pois todas es 424a sas coisas devem ser o mais possível comuns entre amigos como diz o provérbio Seria perfeitíssimo Ora pois continuei a república uma vez que esteja bem lançada irá alargando como um círculo Efecti vamente urna educação e instrução honestas que se conser vam tornam a natureza boa e por sua vez naturezas ho nestas que tenham recebido uma educação assim tornamse ainda melhores que os seus antecessores sob qualquer b ponto de vista bem como sob o da procriação tal como sucede com os outros animais É natural confirmou ele Portanto resumindo em poucas palavras devem os encarregados da cidade apegarse a este sistema de educação a fim de que não lhes passe despercebida qualquer alteração mas que a tenham sob vigilância em todas as situações para que não haja inovações contra as regras estabelecidas na ginástica nem na música Acautelemse o mais possível com receio de se alguém disser que 6 6 Odisseia I 351352 com ligeira alteração do texto homérico cf supra n 25 ao Livro 11 As palavras são ditas por Telémaco a sua mãe em defesa do aedo que ao improvisar sobre o regresso dos heróis de Tróia avivara a mágoa de Penélope 168 os homens apredam adma de tudo o canto que tiver mais novidade se julgar talvez que o poeta quer referirse não a cantos no e vos mas a uma maneira nova de cantar e que a elogia Tal coisa não deve louvarse nem entenderse assim porquanto deve terse cuidado com a mudança para um novo género musical que pode pôr tudo em risco É que nunca se aba lam os géneros musicais 7 sem abalar as mais altas leis da ci dade como Dâmon 8 afirma e eu creio Incluime também interrompeu Adimanto entre os que estão persuadidos disso Logo o posto de guarda devem eles erigilo ao que d parece nesse lugar na música Não é por aí que a inobservância das leis facilmente se infiltra passando despercebida É confirmei eu a modo de brincadeira e como quem não faz nada de mal Nada mais faz na realidade do que introduzirse aos poucos deslizando mansamente pelo meio dos costumes e usanças Daí deriva já maior para as convenções sociais das convenções passa às leis e às constituições com toda a e 7 Discutese se os Tpó1roL musicais de que se fala no texto seriam como no tempo de Aristides Quintiliano as três espécies de composição nómica ditirâmbica trágica ou se tal divisão não estaria ainda estabelecida A conotação ética dos géneros musicais entre os Gregos a despeito de algumas tentativas mo dernas para a negar está amplamente documentada em textos do próprio Platão cf Leis 7ooa701d bem como em outros au tores antigos 8 Sobre Dâmon vide supra n 63 ao Livro m 169 insolência ó Sócrates até que por último subverte todas as coisas na ordem pública e na particular Seja disse eu É assim mesmo Pareceme repliquei Portanto como dizíamos de início os nossos filhos devem logo participar em jogos mais conformes com a lei 425a pensando que se eles lhe forem contrários é impossível que daí se formem homens cumpridores da lei e honestos Como não Quando portanto as crianças principiam por brincar honestamente adquirem através da música a boa ordem e ao contrário daqueles 9 ela acompanhaos para toda a parte e com o seu crescimento endireita qualquer coisa que ante riormente tenha decaído na cidade É verdade E sem dúvida descobrirão aquelas leis que pareciam pequenas e que os seus antecessores tinham deitado todas a perder Quais b As seguintes o silêncio que os mais novos devem guardar perante os mais velhos o darlhes lugar e levanta remse os cuidados para com os pais o corte de cabelo o traje o calçado e toda a compostura do corpo e demais questões desta espécie 10 Ou não achas Acho sim Legislar sobre o assunto seria ingénuo a meu ver porquanto as disposições estabelecidas não se realizariam nem se manteriam oralmente nem por escrito 9 Entendase do caso mencionado em 424d 10 Comparese este trecho com Aristófanes Nuvens 9611023 onde se exprimem opiniões semelhantes 170 Como o fariam efectivamente Pareceme Adimanto que o impulso que cada um tomar com a educação determinará o que háde seguir Ou e cada ovelha não busca sempre sua parelha 11 Sem dúvida E segundo julgo poderíamos dizer que por último atingirá um ponto perfeito e sólido seja bom ou o contrário disso Porque não Portanto insisti eu não tentarei por esse motivo legislar sobre tais questões É natural Olha ainda em nome dos deuses disse eu Essas questões de negócio relativas a contratos que fazem as dife rentes classes na praça umas com as outras e se quiseres os d contratos de mãodeobra as ofensas e tratamentos injurio sos instauração de processos e nomeação de jurados e se acaso for necessário a exacção e pagamento de impostos na praça ou no porto ou em geral a regulamentação do mercado da cidade do porto e tudo o mais dessa espécie aventurarnosemos a propor qualquer legislação sobre essas questões Não vale a pena estabelecer preceitos para homens de bem 12 porque facilmente descobrirão a maior parte das e leis que é preciso formular em tais assuntos Sim meu amigo se o deus lhes conceder a preserva ção das leis que anteriormente analisámos 11 Literalmente ou o igual não chama sempre pelo que é igual 12 Mais uma vez traduzimos assim a expressão xaÀo xya0ó cf supra nn 68 e 85 ao Livro m 171 Se não contrapôs ele passarão a vida sempre a fa zer leis dessa espécie e a corrigilas supondo que atingem a perfeição Queres dizer que tais pessoas viverão como aqueles doentes que por falta de temperança não querem sair de uma dieta que faz mal Exactamente 426a Ora pois essas pessoas passam sem dúvida uma vida encantadora Tratamse sem conseguir nenhum resultado a não ser tornar os seus padecimentos mais variados e maio res e sempre com a esperança de que se alguém lhes acon selhar um remédio ficarão sãos graças a ele São assim tal qual efectivamente os padecimentos de tais doentes Pois então tornei eu Não é encantador da parte deles o facto de considerarem o seu maior inimigo quem lhes disser a verdade que enquanto não deixarem de se embriagar de comer à farta de se entregarem à luxúria e à ociosidade de nada lhes valerão remédios nem cautérios b operações cantilenas amuletos ou outras coisas da mesma espécie Encantador não é nada replicou ele Porque zangarse com quem fala para nosso bem não tem qualquer encanto Não és apologeta ao que parece de homens desta espécie Por Zeus que não Tãopouco colherá os teus louvores a cidade que proceder toda ela como há pouco referimos Ou não te pa rece que fazem o mesmo que esses doentes todas aquelas ci dades mal administradas que proclamam publicamente aos e seus cidadãos que não podem tocar no conjunto da consti 172 tuição da urbe sob pena de morte se o fizerem mas que quem tratar de modo muito agradável os seus concidadãos que vivem nesse regime e se precipitar a serlhes agradável e a antecipar a realização dos seus desejos e for hábil em lhes dar cumprimento esse será um homem de valor de grande saber e honrado por eles É isso mesmo que elas me parecem fazer e em nada lhes concedo os meus louvores E os que querem e se empenham em servir cidades d destas Não admiras a sua coragem e complacência Admiro sim excepto aqueles que são enganados por eles e julgam que são políticos de verdade só porque go zam dos louvores da maioria Que queres dizer Não perdoas a esses homens Ou pensas que é possível que um homem que não saiba medir se muitas outras pessoas do mesmo jaez lhe disserem que e tem quatro côvados 13 não forme tal opinião sobre si mesmo Eu cá penso que não Logo não te zangues com eles É que na verdade tais homens são as pessoas mais encantadoras que há quando estabelecem leis sobre as questões que há pouco analisámos e as corrigem sempre na convicção de que encontrarão um termo para as fraudes nos contratos e nos assuntos que aca bo de referir sem perceberem que na realidade estão a tentar cortar as cabeças da Hidra 14 13 A medida de comprimento que em ático se chama irííxu equivale a 32 pés o pé oscilava entre 0297 me 0355 m Adam supõe que Platão não quis propositadamente supor uma altura demasiado fora do comum 14 A famosa Hidra de Lema era uma cobra venenosa com mui tas cabeças Cada vez que uma era cortada nasciam duas Um dos trabalhos de Hércules consistiu em livrar a Grécia desse monstro 173 427a Realmente não fazem outra coisa Eu por conseguinte não pensaria que um legislador autêntico devesse ocuparse desta espécie de leis e de admi nistração quer numa cidade mal governada quer numa que o seja bem naquela porque são inúteis e sem alcance nes ta porque qualquer pessoa descobrirá parte delas e o resto surgirá espontaneamente dos costumes tradicionais b Então que é que nos resta ainda fazer em matéria de legislação E eu respondi A nós nada mas a Apolo de Delfos competem as mais elevadas mais belas e mais importantes das disposições legais Quais perguntou ele A edificação de templos sacrifícios e outros actos de culto aos deuses divindades e heróis E ainda a sepultura dos finados e toda a assistência que deve prestarselhes para tomar propícios os que estão no além Sobre estes as suntos nada sabemos e ao fundarmos a cidade a ninguém e mais obedeceremos se tivermos senso nem seguiremos ou tro guia senão o da nossa pátria Pois sem dúvida é este deus que em todos estes assuntos é o intérprete nacional para todos os homens quando profetiza sentado no omphalos no centro da terra 15 15 Estamos perante um dos mais impressionantes testemunhos sobre a importância do oráculo de Delfos e até sobre a sua univer salidade Segundo uma lenda transmitida por Estrabão 1x 3 6 duas águias mandadas por Zeus do extremo oriente e do ocidente tinhamse encontrado nesse local o que provava ser aí o centro da terra O facto era assinalado pela presença do omphalos ou umbi go de que fala o nosso texto Era uma pedra cónica de mármore referida também por Pausânias X 16 3 de que se conserva cópia no Museu de Delfos 174 Dizes bem E é assim que se deve fazer Temos portanto a tua cidade já fundada ó filho de d Aríston E agora depois disto repara bem nela Arranja em qualquer parte a luz suficiente chama o teu irmão Pole marco e os outros a ver se conseguimos descortinar onde poderá estar a justiça e onde a iajustiça e em que diferem uma da outra e qual das duas deve possuir quem quiser ser feliz quer passe ou não despercebido a todos os deuses e homens Estás a falar sem sentido disse Gláucon Pois pro meteste que tu é que havias de investigar e a título de que não seria piedoso da tua parte não socorrer a justiça com e toda a tua capacidade Lembras uma coisa que é verdadeira e assim se deve fazer mas é preciso que vós ajudeis Assim faremos Espero por conseguinte prossegui eu descobrilo deste modo Creio que a nossa cidade se de facto foi bem fundada é totalmente boa É forçoso que sim É portanto evidente que é sábia corajosa temperan te e justa 16 É evidente Logo se encontrarmos nela qualquer destas virtudes o que resta será o que não encontrarmos Claro 16 O passo é geralmente considerado como a mais antiga enu meração das quatro virtudes cardiais embora a doutrina em si pos sa ser pitagórica lotese no entanto que algo de semelhante está já em Píndaro Istmícas vm 2425a e em Esquilo Os Sete contra Tebas 610 175 428a Portanto é como se dentre quatro coisas procurás semos uma delas em qualquer lado e logo que a reconhe cêssemos darnosíamos por satisfeitos Mas se anterior mente conhecêssemos as três devido a isso mesmo descobriríamos o que procurávamos Pois é manifesto que já não havia mais por onde escolher senão o que restava Dizes bem Logo também neste assunto uma vez que se dá o caso de serem quatro as coisas não deveremos conduzir a nossa investigação desta maneira É evidente que sim Ora nesta questão pareceme que se evidencia em b primeiro lugar a sabedoria E algo de estranho se manifesta a seu respeito O quêperguntou ele A cidade que analisámos pareceme ser realmente sábia uma vez que é ponderada não é É Ora pois essa mesma qualidade a ponderação é evidente que é uma espécie de ciência Efectivamente não é pela ignorância mas pela ciência que se delibera bem É evidente Mas na cidade há muitas e variadas espécies de ciências Como não háde haver Porventura será devido à ciência dos carpinteiros que a cidade deve proclamarse sábia e ponderada e De modo algum deverá sêlo devido a ela mas dir seá que possui a ciência da construção Então é graças à ciência dos utensílios de madeira quando delibera sobre a maneira de os trabalhar o melhor possível que a cidade deve apelidarse de sábia 176 Seguramente que não Pois então É devido à ciência de trabalhar objectos de bronze ou de qualquer substância semelhante De nenhuma delas Nem devido à que diz respeito à produção dos frutos da terra que seria o saber agrícola Acho que sim E então continuei eu Existe alguma ciência na cidade que há pouco fundámos em alguns dos seus cidadãos pela qual delibere não sobre qualquer pormenor d que nela se encontre mas sobre a sua totalidade sobre a melhor maneira de se comportar consigo mesma e perante as outras cidades Existe sim senhor Qual é elaperguntei eu E em quem existe Essa ciência é a da vigilância respondeu ele e encontrase naqueles chefes que agora mesmo classificámos de guardiões perfeitos Devido então a essa ciência como denominas a cidade Ponderada e sábia de verdade Crês que teremos na cidade mais ferreiros ou verda e deiros guardiões Ferreiros e muitos mais Logo de todos aqueles que por serem possuidores de uma ciência dela tiram a sua denominação os menos numerosos de todos seriam os guardiões Muito menos sem dúvida Por conseguinte é graças à mais diminuta classe e sector e à ciência que encerra ao que ocupa a sua pre sidência e chefia que uma cidade fundada de acordo com a natureza pode ser toda ela sábia E é ao que parece por natureza extremamente reduzida esta raça a quem 429a 177 compete participar desta ciência a única dentre todas as ciências que deve chamarse sabedoria É exactamente como dizes É esta então uma das quatro virtudes Descobrimola não sei de que maneira a ela e ao lugar da cidade onde mora A mim afiguraseme que está satisfatoriamente descoberta Mas realmente a coragem e o ponto onde reside essa virtude pela qual a cidade merece o nome de corajosa não é nada difícil de discernir Como assim b Quem diria que uma cidade é cobarde ou corajosa atendendo a qualquer outra coisa que não srja aquele sector que luta e combate por ela Ninguém atentaria noutra coisa Não julgo com efeito que os outros habitantes quer sejam cobardes ou corajosos possam ser senhores de lhe atribuir uma ou outra dessas propriedades Pois não Logo a cidade é corajosa numa das suas partes pelo facto de aí armazenar energia tal que preservará através de e todas as vicissitudes a sua opinião sobre as coisas a temer que são tais e quais as que o legislador proclamar na edu cação Ou não chamas a isto coragem Não entendi completamente o que disseste Ora diz outra vez Afirmo que a coragem é uma espécie de salvação Mas que espécie de salvação A cfa opinião que se formou em nós por efeito da lei graças à educação sobre as coisas a temer que existem e a sua qualidade Por salvação através de todas as vicissitudes entendia eu o facto de uma pessoa a conservar no meio dos 178 desgostos dos prazeres dos desejos e dos temores sem a d abandonar Se quiseres vou explicarte por meio de uma comparação Quero sim Ora tu sabes que os tintureiros quando querem tingir a lã para ficar de cor de púrpura primeiro escolhem dentre todos os coloridos uma só espécie a branca seguidamente preparamna aplicandolhe não pequeno tratamento a fim de que se imbua dessa cor o mais possível E então é que a mergulham no tinto E se alguma coisa for tingida segundo este processo o tinto tomase indelével e a e lavagem com ou sem detergentes não é capaz de lhe tirar a cor Aquilo que o não for sabes como fica quando se tingem lãs de outras cores ou até quando mesmo a que é branca não foi preparada Sei que desbota e fica ridícula Supõe portanto que também nós realizámos uma coisa parecida na medida das nossas forças quando seleccionámos os guerreiros e os educámos pela música e 430a pela ginástica Não julgues que planeámos outra coisa que não fosse imbuílos das leis o melhor possível a fim de que as recebessem como um tinto para que a sua opinião se tomasse indelével quer sobre as coisas a temer quer sobre as restantes devido a terem tido uma natureza e uma educação adequadas E também para que o seu tinto não desbote com aqueles detergentes que são terríveis para tirar a cor o prazer de efeito mais temível do que qualquer soda 17 ou barrela 18 o desgosto o temor e o desejo que o b 17 Era uma espécie de bicarbonato de soda natural cujo nome em grego deriva de XaÀÉCTlpa um lago da Macedónia junto do qual se encontrava o produto Fazia as vezes do sabão 18 Mais exactamente as cinzas com que se preparava a barrela 179 são mais do que qualquer outro detergente É pois a uma força desta ordem salvação em todas as circunstâncias de opinião recta e legítima relativamente às coisas temíveis e às que não o são que eu chamo coragem e tenho nessa conta se não tens nada a opor Não tenho nada Pareceme efectivamente que não consideras nada legítima 19 a opinião recta acerca destes mesmos assuntos quando formada sem o auxílio da educação como é o caso da dos animais e dos escravos e achas que deve darselhe qualquer outro nome menos o de coragem e É exactamente como dizes Aceito por conseguinte que seja isso a coragem Aceitaa então como sendo a coragem política e terás razão em fazêlo Mas para outra vez se quiseres havemos de analisála ainda melhor Porque agora não é esse o objecto da nossa investigação mas sim a justiça Rela tivamente pois àquela indagação basta em meu entender Dizes bem Há portanto ainda duas virtudes a examinar na d cidade a temperança e a que é causa de toda esta inves tigação a justiça Absolutamente Como havemos pois de descobrir a justiça sem tratarmos da temperança Eu por mim não sei nem queria que ela nos aparecesse antes de estudarmos a temperança Se queres serme agradável examina esta antes daquela 19 Esta tradução que corresponde ao texto de Burnet não dá um sentido muito satisfatório Adam e outros editores preferem ao v61uµov legítimo dos manuscritos a variante µ6viµov estável de Estobeu 180 Claro que quero se não seria injusto e Repara então Vamos ver disse eu Vista de onde estamos assemelhase ainda mais que nos casos anteriores a um acorde 20 e a uma harmonia Como A temperança é uma espécie de ordenação e ainda o domínio de certos prazeres e desejos como quando dizem não entendo bem de que maneira ser senhor de si e empregam outras expressões no género que são como que vestígios desta virtude Não é assim Exactissimamente Ora a expressão ser senhor de si não é ridícula Com efeito quem é senhor de si será também sem dúvida escravo de si e o que é escravo senhor porquanto é à 431a mesma pessoa que se faz referência em todos estes casos Pois não Mas esta expressão pareceme significar que na alma do homem há como que uma parte melhor e outra pior quando a melhor por natureza domina a pior chamase a isso ser senhor de si o que é um elogio sem dúvida porém quando devido a uma má educação ou companhia a parte melhor sendo mais pequena é dominada pela superabundância da pior a tal expressão censura o facto como coisa vergonhosa e chama ao homem que se b encontra nessa situação escravo de si mesmo e libertino 20 A palavra grega que assim traduzimos crvµflwvla pode designar a consonância das notas da oitava e bem assim de outros intervalos musicais O filósofo servese desta imagem para preparar a definição de temperança awflpOCTÚVTJ que apresenta a seguir 181 Também me parece que deve ser isso Olha então para a nossa nova cidade e descobrirás nela a presença de uma destas condições Dirás que é com justiça que ela é proclamada senhora de si se realmente se deve denominar temperante e senhor de si tudo aquilo cuja parte melhor governa a pior Estou a olhar e acho que dizes a verdade Ora desejos prazeres e penas em grande número e de todas as espécies seria coisa fácil de encontrar e sobretudo nas crianças mulheres criados e nos muitos homens de pouca monta a que chamam livres 21 Absolutamente Mas sentimentos simples e moderados dirigidos pelo racioánio conjugado com o entendimento e a recta opinião em pouca gente os encontrarás e só nos de natureza supe rior e formados por uma educação superior É verdade Não vês também que na tua cidade os desejos da d multidão dos homens de pouca monta são subjugados pelos desejos e pelo bom senso dos que são menos e melhores Vejo sim Se por conseguinte se deve classificar alguma cidade como senhora dos seus prazeres e desejos e de si mesma é esta que assim se deve denominar Absolutamente na verdade Acaso não lhe chamaremos também temperante devido a todos estes factos Claro que sim Ora se noutra cidade existir o mesmo parecer em e governantes e governados sobre a espécie de pessoas que 21 O epíteto é irónico porquanto o autor só declara livre quem não serve os seus desejos 182 devem exercer o poder também na nossa isso seria possível Ou não te parece Seguramente que sim Em quais dos cidadãos dirás então que existe a tem perança quando eles se comportam deste modo Nos go vernantes ou nos governados Nuns e noutros respondeu ele Vês então repliquei eu que adivinhámos correc tamente há bocado ao dizer que a temperança se assemelha a uma harmonia E porquê Porque não é como a coragem e a sabedoria que existindo cada uma só num lado da cidade a tornavam uma sábia a outra corajosa que a temperança actua Esta esten dese completamente por toda a cidade pondoos todos a cantar em uníssono na mesma oitava 22 tanto os mais fracos como os mais fortes como os intermédios no que toca ao bom senso ou se quiseres à força ou se quiseres à abun dância riquezas ou qualquer outra coisa desta espécie De maneira que poderíamos dizer com toda a razão que a tem perança é esta concórdia harmonia entre os naturalmente piores e os naturalmente melhores sobre a questão de saber quem deve comandar quer na cidade quer num indivíduo Sou inteiramente dessa opinião Seja continuei eu Pusemos a descoberto três coisas na nossa cidade segundo nos parece Quanto à espé cie que resta pela qual a cidade participa ainda da virtude que poderá ela ser É evidente que será a justiça É evidente 22 Os Gregos chamavam à oitava o mais belo acorde 183 432a b Ora pois Gláucon agora temos de nos postar em círculo à volta da moita como caçadores de espírito atento 23 não vá a justiça fugir por qualquer lado tomarse e invisível e desaparecer Pois é evidente que ela anda aí por qualquer canto Olha então e esforçate por a descortinares a ver se a avistas antes de mim e me prevines Quem dera exclamou ele Mas se em vez disso te servires de mim como de um seguidor capaz de ver o que lhe apontarem acharmeás muito satisfatório Vem atrás de mim disse eu depois de teres feito a tua oração comigo 24 Assim farei guiame somente Não há dúvida que o lugar é inacessível e sombrio pois é escuro e difícil para a batida Mas seja como for temos de avançar d Temos de avançar concordou ele Depois de ter olhado também exclamei Olha Olha O Gláucon Estamos quase a apanhar o rasto e penso que não háde escaparnos de modo algum Dás boas notícias respondeu ele Realmente exclamei não há dúvida que somos bem tolos Então 23 Este modo de caçar consistia em lançar uma rede à volta da moita onde se escondia a lebre e aguardar em árculo que ela se escapasse Xenofonte De Ven vm 48 citado por Adam ad loc 24 Segundo o mesmo opúsculo de Xenofonte De Ven VI 13 citado também por Adam ad loc a oração dirigiase a Apolo e Ártemis para que a caçada fosse proveitosa 184 Meu caro há muito desde o começo que esta questão parece andar a rolar à frente dos nossos pés sem que nós a víssemos fazendo em vez disso uma ridícula figura Tal como aqueles que às vezes andam à procura do e que têm nas mãos também nós não olhávamos para ela e examinávamos o que estava mais longe Foi talvez por aí que a questão nos escapou Que queres dizer com isso O seguinte que me parece que há muito estamos a falar e a ouvir falar sobre o assunto sem nos apercebermos de que era da justiça que de algum modo estávamos a tratar Longo proémio exclamou ele para quem deseja escutar Mas escuta a ver se eu digo bem O princípio que de 433a entrada estabelecemos que devia observarse em todas as circunstâncias quando fundámos a cidade esse princípio é segundo me parece ou ele ou uma das suas formas a justi ça Ora nós estabelecemos segundo suponho e repetimolo muitas vezes se bem te lembras que cada um deve ocupar se de uma função na cidade aquela para a qual a sua natu reza é mais adequada Dissemos isso efectivamente Além disso que executar a tarefa própria e não se meter nas dos outros era justiça Essa afirmação escutámola a muitas outras pessoas e fizemola nós mesmos muitas b vezes Fizemos sim Logo meu amigo esse princípio pode muito bem ser de certo modo a justiça o desempenhar cada um a sua tarefa Sabes em que me baseio Não respondeu ele Diz lá 185 Afiguraseme expliquei que o que restava na cidade daquilo que examinámos a temperança a coragem e a sabedoria era o que dava a todas essas qualidades a força para se constituírem e uma vez constituídas as preservava enquanto se mantivesse nelas Ora nós dissemos e que a justiça havia de ser o que restava se descobríssemos as outras três Forçosamente Mas na verdade prossegui eu se fosse preciso julgar qual destas qualidades pela sua presença faz com que a nossa cidade seja boa seria difícil de distinguir se era a concordância de opiniões dos governantes e dos governados se a preservação mantida entre os guerreiros da opinião legítima acerca do que se deve ou não recear ou d a sabedoria e vigilância existentes nos chefes ou se o que a toma mais perfeita é a presença na criança na mulher no escravo no homem livre no artífice no governante no go vernado da noção de que cada um faz o que lhe pertence e não se mete no que é dos outros É difícil distinguir confirmou ele Como não o seria Logo a força que leva cada um a manterse nos limi tes da sua tarefa rivaliza ao que parece relativamente à vir tude da cidade com a sabedoria temperança e coragem da mesma Sim e muito E não porias a justiça como rival destas para dar e virtude à cidade Absolutamente Repara então neste ponto a ver se manténs a tua opinião V ais incumbir os chefes da cidade de administrar a justiça 186 Sem dúvida E eles nos seus julgamentos acaso pretendem qual quer outra coisa de preferência a isto evitar que cada um detenha bens alheios ou seja privado dos próprios Não é isso que eles pretendem Considerando que é uma coisa justa Sim E deste modo se concordará que a posse do que pertence a cada um e a execução do que lhe compete 434a constituem a justiça Sim Ora vê lá se pensas o mesmo que eu Se um car pinteiro experimentar fazer o trabalho de um sapateiro ou um sapateiro o de um carpinteiro trocando os utensílios respectivos ou salários ou se o mesmo homem tentar exer cer ambos os ofícios ou se fizerem as outras mudanças 25 porventura achas que o facto causará grande prejuízo à cidade De modo algum respondeu Mas quando penso eu um homem for de acordo com a sua natureza um artífice ou negociante qualquer e depois exaltado pela sua riqueza pela multidão pela força b ou qualquer atributo deste género tentar passar para a classe dos guerreiros ou um guerreiro para a dos chefes e guar diões sendo indigno disso e forem esses que permutem entre si instrumentos e honrarias ou quando o mesmo homem tentar exercer estes cargos todos ao mesmo tempo nesse caso penso que também acharás que esta mudança e confusão serão a ruína da cidade 25 Entendase as outras por oposição à que Sócrates vai mencionar a seguir 187 Absolutamente Logo a confusão e mudança destas três classes umas e para as outras seria o maior dos prejuízos para a cidade e com razão se poderia classificar de o maior dos danos Inteiramente O maior dos danos para com a sua cidade não dirás que é a injustiça Como não Por conseguinte é isso a injustiça E agora digamos a inversa se a classe dos negociantes auxiliares e guardiões se ocupar das suas próprias tarefas executando cada um deles o que lhe compete na cidade não se verificaria o contrário do caso anterior a existência da justiça e isso não tomaria a cidade justa d Não me parece que possa ser de outra maneira senão dessa Não o afirmemos com toda a segurança mas se reconhecermos que esta concepção passando a cada indi víduo em particular também aí será justiça já concor daremos pois porque não o diremos Caso contrário então examinaremos qualquer outra questão Mas agora levemos a cabo esta investigação da qual pensávamos que se tentássemos contemplar a justiça num dos seus maiores possuidores antes de a vermos aí se tomaria mais e fácil vêla num indivíduo E pareceunos que tal possuidor era a cidade e assim fundámos uma o melhor possível perfeitamente cientes de que a justiça estaria nela se fosse boa Aquilo que aí se nos revelou vamos transferilo para o indivíduo e se se acertar bom será Mas se a justiça se manifestar como algo de diferente no indivíduo regressaremos novamente à cidade para tirar a prova e em 435a breve comparandoas e friccionandoas uma contra a outra 188 como de uma pederneira 26 faremos saltar a faísca da justiça E depois de ela se ter tomado bem visível fixálaemos em nós mesmos Apontas um bom método e é assim que deve fazer se Ora pois prossegui eu se uma pessoa nomear da mesma maneira uma coisa quer seja maior ou menor serão diferentes na medida em que são designadas da mesma maneira ou semelhantes Semelhantes respondeu Por conseguinte o homem justo no que respeita à b noção de justiça nada diferirá da cidade justa mas será semelhante a ela Será semelhante Mas a cidade pareceunos justa quando existiam dentro dela três espécies de naturezas que executavam cada uma a tarefa que lhe era própria e por sua vez temperante corajosa e sábia devido a outras disposições e qualidades dessas mesmas espécies É verdade Logo meu amigo entenderemos que o indivíduo que tiver na sua alma estas mesmas espécies merece bem e devido a essas mesmas qualidades ser tratado pelos mesmos nomes que a cidade É absolutamente forçoso confirmou ele Ora lá caímos nós meu caro amigo numa questão de pouca monta sobre a alma saber se possui em si três partes ou não 26 No texto dizse como de pauzinhos pois se usava esfre gar pedacinhos de madeira um no outro para produzir lume 189 Não me parece nada que seja de pouca monta Por quanto talvez seja verdadeiro ó Sócrates o provérbio que diz que as coisas belas são difíceis Assim parece repliquei eu Mas fica a sabêlo d bem ó Gláucon que em minha opinião com os métodos de que estamos a servirnos agora na discussão jamais atingiremos rigorosamente o nosso fim pois o caminho que aí conduz é outro mais longo e mais demorado contudo talvez alcancemos um que seja digno do que anteriormente se disse e se examinou E isso não será coisa para se desejar perguntou ele A mim pelo menos bastavame nas presentes cir cunstâncias De facto também para mim será perfeitamente suficiente Por conseguinte não desanimes examina e Porventura não é absolutamente forçoso que concordemos que em cada um de nós estão presentes as mesmas partes e caracteres que na cidade Não é efectivamente de nenhum outro lado que elas para lá vão Seria na verdade ridículo que alguém supusesse que a irascibilidade não provinha dos habitantes das cidades que são acusados de ter esse temperamento como os da Trácia e da Cítia e de quase todas as regiões setentrionais ou o gosto pelo saber que poderia atribuirse de preferência ao nosso 436a país ou o amor das riquezas que não deixariam de imputar aos Fenícios e aos Egípcios Exactamente Estas coisas são assim concluí eu e não é nada difícil percebêlas Sem dúvida que não 190 Mas já é difícil saber se executamos cada acção por efeito do mesmo elemento ou cada acção por meio de seu elemento visto que são três Compreendemos graças a um irritamonos por outro dos que temos em nós desejamos por um terceiro o que toca aos prazeres da alimentação da geração e quantos há gémeos destes ou então praticamos b cada uma destas acções com a alma inteira Isto é que será difícil de determinar convenientemente Também me parece Por conseguinte tentemos determinar deste modo se os elementos são semelhantes ou distintos Como É evidente que o mesmo sujeito não pode ao mesmo tempo realizar e sofrer efeitos contrários na mes ma das suas partes e relativamente à mesma coisa Por consequência se descobrirmos que tal facto ocorre neste caso ficaremos a saber que não havia um só elemento mas e mais Seja Observa então o que eu vou dizer Diz Porventura é possível que a mesma coisa esteja ao mesmo tempo parada e em movimento na mesma das suas partes De modo algum Assentemos nisto ainda com mais rigor não vá haver controvérsia à medida que avançarmos Se alguém dissesse que um homem parado mas a mexer as mãos e a cabeça está ao mesmo tempo imóvel e em movimento julgo que não deveria falarse assim mas dizer que uma parte da sua d pessoa está imóvel e outra se mexe Não é assim É 191 Pois bem Se quem declarasse isto ainda quisesse continuar a fazer espírito dizendo engenhosamente que os piões estão ao mesmo tempo todos parados e em movimento quando giram com a ponta fixa no mesmo sítio ou que também outro objecto que se mova em círculo no mesmo ponto fixo faz o mesmo nós não aceitaríamos estas afirmações por entendermos que não é nas mesmas e partes que estes objectos então estão parados e em movimento mas diríamos que têm em si um eixo e uma circunferência e que em relação ao eixo estão imóveis uma vez que não se inclinam para lado nenhum e em relação à circunferência se movem em círculo e quando estando simultaneamente em movimento inclinarem a sua linha axial para a direita ou para a esquerda para a frente ou para trás então não estão imóveis em parte alguma E diríamos bem Por conseguinte nenhuma afirmação desse jaez nos causará perturbação tãopouco nos persuadirá de que 437a jamais o mesmo sujeito poderá sofrer ser ou realizar efeitos contrários na mesma das suas partes e relativamente à mesma coisa A mim pelo menos não me persuadirá Contudo disse eu a fim de não sermos forçados a alargarmonos percorrendo sucessivamente todas estas objecções e certificandonos da sua falsidade suponhamos que isto é assim e caminhemos para a frente depois de ter mos assentado em que se alguma vez se apresentar de modo diferente deste ficarão anuladas todas as consequên cias que daí tirarmos É assim que se deve fazer b Ora pois prossegui eu estabelecerás que acenar com a cabeça ou abanála desejar receber alguma coisa ou 192 recusála chamar a si ou repelir tudo isto é contrário entre si quer se trate de acções quer de estados pois nesse ponto não há diferença alguma São contrários replicou ele Pois quê prossegui Ter sede e ter fome e os apetites de um modo geral e bem assim o desejar e o querer tudo isto não o incluirias na classe que acabámos e de referir Por exemplo não dirás sempre que a alma do que deseja procura o objecto dos seus desejos ou chama a si o que queria que lhe sucedesse ou ainda na medida em que queria que qualquer coisa lhe fosse dada faz sinal de assentimento em resposta a si mesma como a si mesma como se alguém a interrogasse na sua procura de o obter Direi sim Pois então Não incluiremos o não querer e não consentir nem desejar entre o rejeitar repelir de si e tudo o mais que é contrário aos anteriores Como não d Sendo assim diremos que existe uma classe dos desejos e os mais evidentes dentre eles designálosemas por sede e fome Diloemos respondeu ele Não é um o da bebida e outro o da comida É Ora pois a sede enquanto tal seria um desejo na alma de qualquer coisa mais do que o que nós dissemos Assim a sede é sede de bebida quente ou fria de muita ou de pouca ou numa palavra de que espécie de bebida Ou se à sede se adicionar o calor produzse o desejo do frio e e se se juntar frio o do quente Ou se devido à presença de sede em grande abundância esta for grande causará o desejo de beber em grande quantidade e se for pequena 193 em pequena porção Porém o ter sede em si jamais será o desejo seja do que for senão o da sua natureza a mera bebida e por sua vez o ter fome éo da comida Assim cada desejo em si é apenas o desejo de cada objecto em vista do qual se originou e o desejo de uma coisa determinada depende desta ou daquela qualidade adicional 438a Que ninguém nos venha perturbar inadvertidamen te pretendendo que ninguém tem desejo de uma bebida que não seja boa nem de comida que não seja de qualidade Porque na verdade toda a gente tem desejo do que é bom Se pois a sede é um desejo sêloá de uma bebida ou de qualquer outra coisa que seja boa e assim nos outros casos Pareceme que quem tal dissesse teria talvez certa razão Contudo todo o objecto em relação com outros em b determinadas qualidades está em relação ao que me parece com determinado objecto ao passo que em si mesmo só está consigo Não percebi Não percebeste perguntei eu que o que é o maior não o é senão na qualidade de maior que alguma coisa Absolutamente Do que é portanto menor Sim E o que é muito maior éo do que o que é muito menor Ou não É E o que foi maior foi maior do que o que era menor e o que háde ser maior do que o que háde ser menor Então porque não 194 E relativamente ao mais em face do menos ao dobro e ante a metade e assim por diante e também ao mais pesado ante o mais leve ao mais veloz ante o mais lento e ainda ao quente perante o frio e todas as outras coisas semelhantes a estas porventura não será assim Absolutamente E agora quanto às ciências Não é da mesma ma neira A ciência em si é ciência do conhecimento ou do objecto a darlhe seja qual for Mas uma ciência deter minada é ciência de um objecto específico Exempli fico desde que surgiu a ciência de construir casas não foi d ela separada das outras ciências para ser denominada ar quitectura Certamente E não foi pelo facto de ter características que não possuía nenhuma das outras Foi E não foi depois que se aplicou a um determinado objecto que adquiriu essas características E com as outras artes e ciências não sucedeu o mesmo Assim é Confessa pois disse eu se agora já percebeste que era isso que eu então queria dizer que todas as coisas que têm determinadas qualidades relativamente a um objecto só por si apenas consigo se relacionam se em relação a objectos determinados tornamse coisas determinadas E não digo que o que se relaciona com certo e objecto seja semelhante a esse objecto como por exemplo que a ciência da saúde e da doença seja saudável ou doentia e a ciência do mal e do bem má ou boa Mas uma vez que a ciência já não é ciência em si mas de um objecto determinado o qual era a saúde e a doença resultou 195 uma ciência determinada e isso fez com que já não se chamasse simplesmente ciência mas ciência médica segundo a espécie particular em que se tomou Compreendo afirmou ele e pareceme que é assim 439a E a sede prossegui não a situarás na categoria que de facto tem das coisas relativas Ora a sede é rela tiva Situo sim acudiu ele É relativa à bebida Ora tal sede é relativa a tal bebida Em todo o caso a sede em si não é relativa a muita ou pouca bebida boa ou má numa palavra a uma bebida determinada mas a sede em si é por natureza relativa apenas à bebida em si Exactamente Logo a alma do sequioso na medida em que sente a b sede não quer outra coisa que não seja beber é essa a sua aspiração esse o seu impulso É evidente Por conseguinte se quando tem sede alguma coisa a puxa encontrarseá nela algo de distinto que tem sede e que a leva como um animal selvagem a beber Efectiva mente já o dissemos o mesmo sujeito na mesma parte e relativamente ao mesmo objecto não pode produzir ao mesmo tempo resultados contrários Pois não Da mesma maneira julgo eu que não seria bem dizer que no archeiro as mãos dele afastam e puxam o arco ao mesmo tempo mas sim que uma das mãos afasta e a outra puxa e Absolutamente Diremos além disso que há pessoas que quando têm sede recusam beber 196 Sim há muitas que o fazem muitas vezes Então que se dirá acerca delas Que na alma delas não está presente o elemento que impele mas sim o que impede 27 de beber o qual é distinto do que impele e superintende nele É o que me parece Porventura o elemento que impede tais actos não provém quando existe do raciocínio ao passo que o que d impele e arrasta deriva de estados especiais e mórbidos Acho que sim Não é portanto sem razão que consideraremos que são dois elementos distintos um do outro chamando àquele pelo qual ela raciocina o elemento racional da alma e aquele pelo qual ama tem fome e sede e esvoaça em volta de outros desejos o elemento irracional e da concupiscên cia companheiro de certas satisfações e desejos Não é natural que pensemos assim e Por conseguinte prossegui eu vamos distinguir na alma a presença destes dois elementos Porém o da ira pelo qual nos irritamos será um terceiro ou da mesma natureza de algum destes dois Talvez seja da do segundo o da concupiscência Uma vez ouvi uma história a que dou crédito Leôncio filho de Agláion ao regressar do Pireu pelo lado de fora da muralha norte28 percebendo que havia cadáveres 27 Procurámos manter o jogo verbal entre xeeüov o que ordena xwüov o que impede traduzindo o primeiro por o que impele 28 Uma das duas muralhas que desde o tempo de Temísto cles ligavam Atenas ao Pireu A do lado sul era conhecida por muralha do meio por ficar entre a anterior e a que ligava a urbe ao seu outro porto o Faléron 197 que jaziam junto do carrasco 29 teve um grande desejo de os ver ao mesmo tempo que isso lhe era insuportável e se desviava durante algum tempo lutou consigo mesmo e 440a velou o rosto por fim vencido pelo desejo abriu muito os olhos e correu em direcção aos cadáveres exclamando Aqui tendes génios do mal saciaivos deste belo espec táculo Também ouvi contar isso Esta história contudo mostra que por vezes a cólera luta contra os desejos como sendo coisas distintas De facto mostra Ora já em muitas outras ocasiões sentimos que b quando as paixões forçam o homem contra a sua razão ele se censura a si mesmo se irrita com aquilo que dentro de si o força e que como se houvesse dois contendores em luta a cólera se torna aliada da sua razão Mas não creio que digas que ela se associa aos desejos quando tendo a razão determinado que não se devia proceder contra ela alguma vez te foi possível sentir estas reacções em ti nem tão pouco nos outros Por Zeus que não e E então quando uma pessoa julga que comete uma injustiça Quanto mais nobre for tanto menos pode encole rizarse ainda que passe fome frio e qualquer outro sofri mento no género por parte daquele que segundo ele julga lhe inflige este tratamento com justiça e como digo não consente em despertar a sua cólera contra ele 29 Este pormenor topográfico tem sido bastante discutido Se gundo Adam o lugar que Leôncio avistava era o 3ápa6pov ravina profunda fora das muralhas onde se lançavam os criminosos exe cutados a esse acto estava a proceder o carrasco 198 É verdade confirmou ele E agora se uma pessoa se considerar vítima de uma injustiça Acaso não ferve e se irrita e luta do lado que entende ser justo quer passe fome quer frio e todos os sofrimentos dessa espécie aguentando firme e vence sem d desistir da sua nobre indignação antes de executar o seu propósito ou morrer ou de ser chamado e acalmado pela razão que nele existe como um cão pelo seu pastor A comparação com o que dizes está perfeita Pois na nossa cidade colocámos auxiliares submetidos aos chefes como cães aos pastores Entendes perfeitamente o que eu quero dizer Mas além disso vais pensar ainda neste ponto Qual e Que relativamente ao elemento irascível é o contrá rio do que nos parecia há pouco De facto julgávamos então que se aproximava do elemento de concupiscência ao passo que agora afirmamos que está muito longe disso de prefe rência toma armas pela razão quando há luta na alma Exactamente Porventura será diferente da razão ou uma qualquer das suas formas de maneira que haverá na alma não três mas dois elementos o racional e o concupiscível Ou tal como na cidade esta se compunha de três classes a negociante a auxiliar e a deliberativa também na alma a 441a terceira servia este elemento irascível auxiliar do racional por natureza quando não foi corrompido por uma má educação É forçoso que seja o terceiro Sim confirmei eu se ele se revelar diferente do racional como já se mostrou distinto do concupiscível 199 Não é difícil que se mostre Até nas crianças qual quer pessoa pode ver que mal nascem são logo cheias de irascibilidade ao passo que a razão alguns nunca a b alcançam segundo me parece e a maioria só tarde Dizes bem por Zeus Até nos animais selvagens qualquer pessoa pode ver que é como tu dizes Além disso também é testemunho o verso de Homero que referimos acima 3 batendo no peito censurou o seu coração É bem claro que Homero imaginou aqui um princípio a e repreender o outro o que raciocinou sobre o que é melhor e o que é pior ao que se irrita sem razão O que dizes é absolutamente exacto Ora pois atravessámos a nado com grande custo este mar de dificuldades e concordamos perfeitamente que há na cidade e na alma de cada indivíduo as mesmas partes e em número igual É isso Logo não será desde já necessário que o indivíduo seja sábio naquilo mesmo que o é a cidade Sem dúvida E que naquilo em que o indivíduo é corajoso e da d mesma maneira assim o seja também a cidade e que em tudo o mais que à virtude respeita ambos se comportem do mesmo modo É forçoso Logo segundo julgo ó Gláucon diremos que o homemjusto o é da mesma maneira que a cidade é justa 30 Odisseia xx 17 que já foi citado no Livro m 390d 200 Também isso é forçoso Mas decerto não esquecemos que a cidade era justa pelo facto de cada um executar nela a sua tarefa específica em cada uma das suas três classes Não me parece que o tenhamos esquecido Por conseguinte devemos recordarnos que também cada um de nós no qual cada uma das suas partes desem e penha a sua tarefa será justo e executará o que lhe cumpre Devemos recordarnos sim Portanto não compete à razão governar uma vez que é sábia e tem o encargo de velar pela alma toda e não compete à cólera ser sua súbdita e aliada Absolutamente Ora não é como dissemos uma mistura de música e de ginástica que harmonizará essas partes uma fortale cendoa e alimentandoa com belos discursos e ciência 442a outra abrandandoa com boas palavras domesticandoa pela harmonia e pelo ritmo Exactamente respondeu ele E estas duas partes assim criadas instruídas e educadas de verdade no que lhes respeita dominarão o elemento concupiscível que em cada pessoa constitui a maior parte da alma e é por natureza a mais insaciável de riquezas e hãode vigiálo com receio que ele enchendose dos chamados prazeres físicos se torne grande e forte e não execute a sua tarefa mas tente escravizar e dominar uma b parte que não compete à sua classe e subverta toda a vida do conjunto Absolutamente Porventura prossegui eu não guardarão elas melhor toda a alma e o corpo mesmo dos inimigos exter nos sendo uma dessas partes a deliberar e outra a combater 201 obedecendo ao comando e executando com coragem as ordens Guardarão sim Ora nós denominamos um individuo de corajoso e julgo eu em atenção à parte irascível quando essa parte preserva em meio de penas e prazeres as instruções forne cidas pela razão sobre o que é temível ou não Muito bem E denominamolo de sábio em atenção àquela pequena parte pela qual governa o seu interior e fornece essas instruções parte essa que possui por sua vez a ciência do que convém a cada um e a todos em conjunto dos três elementos da alma Exactamente E agora Não lhe chamamos temperante devido à amizade e harmonia desses elementos quando o governah d te e os dois governados concordam em que é a razão que deve governar e não se revoltam contra ela Efectivamente a temperança não é outra coisa senão isso quer na cidade quer no individuo Ora este será justo em virtude da nossa máxima tan tas vezes repetidae dessa maneira Absolutamente forçoso Pois quê exclamei eu Estará a justiça de algum modo a esfumarse Estará a parecernos algo de diferente do que se nos apresentava na cidade Eu por mim acho que não e Se alguma dúvida subsiste ainda na nossa alma pode ríamos fumála perfeitamente confrontandoa com as no ções do vulgo Quais 202 Por exemplo se tivéssemos de chegar a um acordo relativamente àquela cidade e ao homem que nasceu e se criou à semelhança dela se tendo esse homem recebido um depósito de ouro ou de prata parecer que o desviou pensas que alguém o julgará mais capaz de fazer isso do que 443a aqueles que não são como ele Não Ora tal homem não estará isento de sacrilégio roubo ou traição quer em particular em relação aos amigos quer em público perante a cidade Estaria isento E certamente não faltará de modo algum à sua pala vra nem em juramentos nem em outros acordos Pois como havia de faltar Adultério falta de cuidado para com os pais e de culto aos deuses dizem mais respeito a qualquer outro homem do que a este A qualquer outro Ora a causa de tudo isto não está em que nele cada b elemento executa a sua tarefa própria quer no que respeita a mandar quer a obedecer É essa e nenhuma outra Então ainda procuras saber se a justiça é outra coisa que não seja esta força que produz tais homens e cidades Eu não por Zeus Cumpriuse então completamente o nosso sonho aquilo que nós suspeitávamos que logo que começássemos a fundar a cidade podíamos com o auxílio de algum deus ir dar a qualquer princípio e modelo da justiça e Absolutamente Ora a verdade ó Gláucon é que e por essa razão prestounos um serviço era uma imagem da justiça o 203 princípio de que o que nasceu para ser sapateiro faria bem em exercer esse mester com exclusão de qualquer outro e o que nasceu para ser carpinteiro em ter essa profissão e assim por diante Assim parece Na verdade ajustiça era qualquer coisa neste género ao que parece excepto que não diz respeito à actividade d externa do homem mas à interna aquilo que é verda deiramente ele e o que lhe pertence sem consentir que qualquer das partes da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram umas nas outras mas depois de ter posto a sua casa em ordem no verdadeiro sentido de ter autodomínio de se organizar de se tornar amigo de si mesmo de ter reunido harmoniosamente três elemen tos diferentes exactamente como se fossem três termos numa proporção musical 31 o mais baixo o mais alto e o intermédio e outros quaisquer que acaso existam de e permeio e de os ligar a todos tomandoos de muitos que eram numa perfeita unidade temperante e harmoniosa só então se ocupe se é que se ocupa ou da aquisição de riquezas ou dos cuidados com o corpo ou de política ou de contratos particulares entendendo em todos estes casos e chamando justa e bela à acção que mantenha e aperfei çoe estes hábitos e apelidando de sabedoria a ciência que preside a esta acção ao passo que denominará de iajusta a 444a acção que os dissolve a cada passo e ignorância a opinião que a ela preside 31 Seguimos a interpretação de Adam e não a do escoliasta Como aquele comentador explica tratase de uma metáfora tirada do octacórdio em que a corda mais alta que emitia a nota mais baixa representava a razão a mais baixa uma oitava acima da outra a concupiscência e a intermédia uma quarta a cólera 204 Dizes a inteira verdade ó Sócrates Seja E se afirmássemos que descobrimos o que era justo homem ou cidade e o que era a justiça e o que é 2 realmente neles não pareceria julgo eu que estávamos de U todo enganados Não por Zeus Diloemos pois Diloemos Seja assim por conseguinte prossegui eu Depois disto suponho que devemos examinar a injustiça Claro Ora pois é forçoso que ela seja uma sedição dos b elementos da alma que são três uma intriga uma ingerên cia no alheio e uma sublevação de uma parte contra o todo a fim de exercer nela o poder sem lhe pertencer uma vez que possui uma natureza à qual convém a escravatura ao passo que a que é de raça real não lhe compete servir Ora são estas alterações estas perturbações e desvios que resul tam na injustiça na libertinagem covardia ignorância e de um modo geral toda a maldade São elas confirmou Logo continuei eu já é perfeitamente claro para e nós o que seja cometer injustiças ser injusto e praticar a justiça uma vez que o é o que seja a injustiça e a justiça Como assim É que realmente não divergem nada das coisas saudá veis e doentias o que aquelas são no corpo sãono elas para a alma De que maneira As coisas sãs produzem a saúde as doentias a doença Produzem 205 E as coisas justas não produzem a justiça e as injustas d a injustiça É forçoso que sim Ora produzir a saúde consiste em dispor de acordo com a natureza os elementos da alma para dominarem ou serem dominados uns pelos outros a doença em contra a natureza governar ou ser governado um por outro Consiste sim Portanto inversamente produzir a justiça consiste em dispor de acordo com a natureza os elementos da alma para dominarem ou serem dominados uns pelos outros a justiça em contra a natureza governar ou ser governado um por outro Exactamente Logo a virtude será ao que parece uma espécie de e saúde beleza e bemestar da alma a doença uma enfer midade fealdade e debilidade Assim é Mas porventura não levam à posse da virtude os bons costumes e os vergonhosos à do vício Forçosamente O que nos resta agora investigar parece é se é 445a proveitoso exercitar a justiça praticar belas acções e ser justo quer passe despercebido ou não o nosso procedimen to ou cometer a injustiça e ser injusto ainda que se não tenha de pagar a pena nem nos tornemos melhores com o castigo Mas ó Sócrates esta indagação afiguraseme que já está a tornarse ridícula Ora se a vida parece intole rável quando a nossa constituição física decai nem que se tenha o que há de melhor em alimentação em bebida 206 riqueza e poder como poderia tomarse suportável quando o tumulto e a ruína afectarem a constituição do próprio b princípio pelo qual vivemos ainda que cada um faça o que lhe apetece excepto o dar algum passo para se libertar da maldade e da injustiça e adquirir a justiça e a virtude se realmente uma e outra coisa se revelam tais como as ana lisámos Seria efectivamente ridículo Mas já que chegámos a este ponto onde é possível avistar com toda a nitidez a verdade destes factos não devemos desistir Por Zeus não devemos desistir de modo nenhum Vem cá então disse eu para veres quantas formas e tem o vício pelo menos as que em meu entender mere cem ser vistas Sigote Fala pois Ora segundo me parece deste posto de observação uma vez que a discussão nos elevou a este ponto há uma só forma da virtude e infinitas do vício mas entre estas há quatro que são dignas de se recordarem Como dizes Que há tantas formas específicas de constituições quantas podem ser as de almas Quantas então Cinco de constituições e cinco de almas d Diz quais são Direi que uma das formas de constituição que nós analisámos será una embora possa designarse de dois modos efectivamente se surgir entre os governantes um homem só que se distinga chamarseá monarquia se forem mais aristocracia É verdade 207 Contudo isso consideroo eu como uma só forma de constituição porquanto quer haja vários quer um só não e abalarão as leis importantes da cidade desde que tenham a educação e instrução que expusemos Não é natural 208 LIVRO V A uma cidade e constituição dessas chamo eu por 449a tanto boa e recta bem como a um homem dessa qualidade às demais más e erradas uma vez que aquela é a direita quer se trate da administração das cidades quer da organiza ção do carácter da alma individual E repartemse por qua tro espécies de vícios Quais são elas perguntou Eu ia para as referir por ordem da maneira que me pareciam derivar umas das outras Mas Polemarco que b estava sentado um pouco mais longe do que Adimanto estendeu a mão agarroulhe no manto na parte de cima junto ao ombro puxouo para si e esticandose para a frente inclinouse para lhe dizer umas palavras de que nada ouvimos senão isto Deixamolo seguir ou que é que fa zemos Não deixamos nada disse Adimanto falando já em voz alta E eu perguntei Que espécie de coisa é essa que vós não deixais seguir Tu disse ele E então porquê e Parecenos que estás a perder a coragem e que te fur tas a uma parte completa e não pequena da discussão para não teres de a analisar e que julgas que nos passará desper 209 cebido que disseste vagamente que em relação a mulheres e filhos seria evidente para todos que são comuns os bens dqs amigos 1 E não era uma afirmação correcta ó Adimanto Era respondeu ele Mas essa afirmação correcta como tudo o mais precisa de ser discutida Que carácter d tem essa comunidade É que podia haver muitas Há muito que aguardamos crentes que nos dirás alguma coisa sobre a procriação de filhos como fazêla e uma vez gerados como os criar e toda essa questão da comunidade de mulheres e filhos que anuncias Pois supomos que arrastará consigo al terações grandes e até radicais conforme for bem ou mal realizada Agora poisjá que te ocupas de outra constituição antes de analisar esta suficientemente fomos do parecer que 450a ouviste de não te largar antes de explicares tudo isto como o resto Contaime também a mim interveio Gláucon como participante nesta votação Não te aflijas observou Trasúnaco e considera que esta é a opinião geral de nós todos Sócrates Vede o que fizestes tomandome à vossa conta Que discussão vós tornais a pôr em movimento sobre a constituição como se partíssemos do princípio E eu que es tava todo cóntente por já a ter analisado até ao fim feliz se alguém aceitasse as demonstrações que então se fizeram b Fazendo agora apelo a esses tópicos não sabeis que enxame de discussões estais a despertar Eu vi esse risco e deixeio ficar há pouco com medo que motivasse grandes emba raços 1 Supra rv 423e424a 210 Ora essa replicou Trasímaco Julgas que estes vieram para aqui fundir ouro 2 ou para ouvir uma discussão Uma discussão sim mas com limites O limite para ouvir tais discussões ó Sócrates disse Gláucon é a vida inteira para quem tem entendimento Mas não te preocupes connosco E tu não te canses de res ponder como te parecer bem às nossas perguntas que co munidade será essa para os nossos guardiões relativamente e a filhos e mulheres e à criação quando ainda são novos no tempo que medeia entre o nascimento e a educação e que se me afigura ser o mais trabalhoso de todos Tenta pois dizer de que maneira deve fazerse Não é fácil meu caro amigo fazer essa análise A questão comporta de facto muito mais inverosimilhanças ainda do que as que tratámos anteriormente Desconfiarse ia de que fosse possível o que dizemos e ainda que se rea lizasse não se acreditaria que tal maneira fosse a melhor Por esse motivo é que tenho certa hesitação em tocar no as d sunto com receio de que a minha exposição pareça uma as piração impossível meu prezado companheiro Não tenhas qualquer hesitação que os teus ouvintes não são ignorantes nem incrédulos nem malintenciona dos E eu perguntei Meu excelente amigo acaso falas as sim por quereres darme coragem 2 Expressão proverbial aplicável aos que abandonam os seus deveres em favor de uma actividade sedutora mas menos provei tosa Segundo a explicação dos antigos a sua origem estava na se guinte história assim que se descobriu que havia ouro no Himeto a população de Atenas abandonou as suas ocupações para ir buscar o precioso metal nada adiantou porém pois já estava à guarda de outros 211 Sim senhor Contudo estás a fazer exactamente o contrário Se eu estivesse confiante em que sabia o que dizia o teu enco rajamento estava bem Que uma pessoa conhecedora da verdade discuta no meio de pessoas sensatas e amigas sobre e os assuntos mais elevados e que lhe são mais caros pode fazerse com segurança e confiança Ao passo que para quem duvida e investiga à medida que está a falar que é o 45 ta que eu faço é tenúvel e escorregadio não por se expor à troça o que seria pueril mas porque deslizando fora da verdade atirarmeei a terra não só a mim mas também aos meus amigos em questões em que de modo algum se deve vacilar Prosternome perante Adrasteia 3 ó Gláucon pelo que me preparo para dizer que eu imagino que come te menor crime quem mata alguém involuntariamente do que quem engana os outros relativamente a instituições no bres boas e justas em matéria legal É pois preferível in correr em tal perigo no meio de inimigos a fazêlo no meio b de amigos De maneira que me encorajas bem Gláucon sorriu e disse Mas ó Sócrates se nos acon tecer alguma coisa de mal devido ao teu discurso absolve moste como inocente de um crime que não nos iludiu Mas toma cónfiança e fala Ora a verdade é que quem é absolvido num caso desses está inocente como a lei proclama Por isso é natural que se o está nesse o esteja também neste Fala então por esse motivo 3 Adrasteia que se aproxima ora de Ananke a Necessidade ora de Némesis castiga as insolências dos homens especialmente as palavras ousadas 212 Temos pois de voltar agora atrás ao que devia tal vez ter dito naquela sequência Pode ser que assim seja bem e que depois de ter delimitado até ao fim o papel dos homens passemos agora ao papel das mulheres 4 De resto és tu que me convidas a fazêlo Para homens nadas e criados como nós explicámos não há em minha opinião outra posse e uso correcto dos fi lhos e das mulheres do que seguirem aquele impulso que lhes comunicámos de início Pois tentámos estabelecer estes homens como uma espécie de guardiões do rebanho Tentámos sim Sigamos esse caminho portanto atribuindolhes nas d cimento e criação semelhante e vejamos se nos convém ou não Comoperguntou ele Do seguinte modo as fêmeas dos cães de guarda en tenderemos que devem exercer vigilância com eles como os machos e caçar com eles e fazer tudo o mais em co mum ou devem ficar dentro do canil como incapazes por causa da criação e alimentação dos cachorros enquanto os 4 Procurámos manter na tradução a ambiguidade do texto onde se encontra a palavra õpãµa Desde a antiguidade que alguns comentadores vêem aqui uma alusão aos mimos de Sófron autor que Platão muito apreciava dos quais uns eram chamados mas culinos e outro femininos conforme as figuras Outros ainda encontram aqui um dos principais pontos de apoio para a teoria se gundo a qual Platão está a fazer uma referência irónica à comédia de Aristófanes As Mulheres na Assembleia representada provavel mente em 392 aC onde se exploram com muito espírito ideias que se encontram neste trecho Entre outras discussões desta curio sa questão ainda não satisfatoriamente resolvida leiase a de Adam no apêndice I do seu comentário a este Livro 213 machos se esforçam e têm a seu cargo todo o cuidado dos rebanhos e É tudo em comum respondeu ele excepto que utilizaremos os seus serviços tendo presente que elas são mais débeis e eles mais fortes Ora perguntei eu poderemos utilizar algum animal para os mesmos serviços se não se lhe tiver dado a mesma criação e educação Não se pode Se portanto utilizamos as mulheres para os mesmos serviços que os homens tem de se lhes dar a mesma instru ção 452a Tem A eles foilhes atribuída sem dúvida a música e a gi nástica Foi Portanto teremos de ministrar às mulheres estas duas artes e também a da guerra e de nos servir disso para os mesmos propósitos É natural em vista do que dizes confirmou ele Mas talvez muito do que agora se disse pareça ridí ailo e contrário aos costumes se se executar o que decla rámos Com certeza Qual das coisas notas tu que seja a mais ridícula É evidente que serão as mulheres nuas a fazer ginástica com b os homens nas palestras não só as novas mas também as que são positivamente mais velhas tal como os velhos nos ginásios quando cheios de rugas e pouco agradáveis à vista mesmo assim gostam de praticar a ginástica Sim por Zeus Pareceria bem ridículo pelo menos nas condições actuais 214 Mas uma vez que nos atirámos para a discussão não devemos temer a troça dos engraçados sejam quais e quan tos forem os seus dichotes contra tamanha mudança relati vamente aos exercícios de ginástica à música e não menos e ao porte de armas e condução de cavalos Dizes bem Mas uma vez que começámos a falar avancemos para as asperezas da lei depois de termos pedido aos gracio sos que não exerçam a sua actividade específica mas que se jam sérios e de termos lembrado que não há muito tempo que parecia aos Gregos vergonhoso e ridículo como ainda agora a muitos dentre os bárbaros a vista de um homem nu e que quando principiaram a fazer ginástica primeiro os Cretenses depois os Lacedemónios foi tudo uma galhofa d para os cidadãos de então Ou não achas Acho sim Mas depois que com a prática segundo julgo lhes pareceu melhor desnudarse do que cobrirse em todos es tes actos então aquilo que aos seus olhos era visível desva neceuse por influência da razão que lhes revelava o que era melhor E isto demonstrou que é tolo quem julga ridí cula qualquer outra coisa que não seja o maL quem tenta fa zer rir tomando como motivo de troça qualquer outro es pectáculo que não seja o da loucura e da maldade ou então e se empenha em alcançar o belo pondo o seu alvo em qual quer outro lado que não seja o bem Absolutamente concordou ele Mas acaso não devemos primeiro assentar a este res peito se é possível ou não e conceder o direito de discutir a quem quiser por espírito de galhofa ou de seriedade se a natureza feminina é capaz de tomar parte em todos os tra 453a balhos do sexo masculino ou em nenhum ou nuns sim e 215 noutros não e a quais deles pertencem os trabalhos d guer ra Porventura começando de uma maneira assim tão bela não acabaremos como é natural num belo fim Certamente respondeu Queres então perguntei que discutamos connos co mesmos sobre os outros assuntos a fim de que ao cer carmos a fortaleza do outro partido ela não esteja deserta b Nada nos impede Digamos então na vez deles Ó Sócrates e Gláucon não há necessidade nenhuma de que os outros discutam convosco porquanto vós mesmos quando principiastes a fundar a cidade concordastes em que cada um deve execu tar a sua tarefa específica de acordo com a sua natureza Concordámos acho eu Como não o faríamos Será possível que a mulher não seja completamente diferente do homem por natureza Como não haveria de ser diferente Logo convém prescrever a cada um dos sexos um e trabalho diferente conforme a respectiva natureza Sem dúvida Então como é que não vos enganáveis há momentos e não estáveis em contradição convosco mesmos ao decla rar que homens e mulheres deviam cfcctuar o mesmo servi ço quanto têm uma natureza tão diferenciada Meu caro amigo tens alguma resposta a dar Assim de repente respondeu ele não é lá muito fácil Mas peço e pedirei que esclareças a nossa discussão seja ela qual for É esse aspecto mesmo ó Gláucon e outros que tais d que eu já tinha previsto há muito e por isso temia e hesitava em abordar a lei sobre a posse e educação das mulheres e filhos 216 Por Zeus que não parece fácil Não é de facto Mas as coisas são assim se uma pes soa cair a uma piscina pequena ou ao mar imenso não deixa de nadar de qualquer maneira Absolutamente Portanto também nós temos de nadar e de tentar salvarnos nessa discussão ou na esperança de que um golfi nho nos leve 5 ou de qualquer outra salvação difícil de con seguir Assim me parece e Ora vamos lá a ver se encontramos qualquer saída Concordámos que uma natureza distinta carece de função distinta e que a da mulher é diferente da do homem Po rém agora afirmamos que naturezas diversas devem execu tar a mesma tarefa É disso que nos acusam Exactamente Que nobre que é ó Gláucon o poder da arte de dis 454a cutir Como assim É que segundo me parece muita gente cai nela sem querer julgando que não estão a discutir mas a discorrer pelo facto de não serem capazes de analisar o que se disse distinguindo os vários aspectos mas o seu alvo é a mera contradição verbal do que se afirmou usando de chicana em vez de dialéctica De facto muitos são os que sofrem dessa pecha Mas acaso isso pode alvejarnos no momento presente 5 O golfinho era considerado pelos Gregos como amigo do homem Todos conheciam a lenda da salvação do poeta Aríon por um desses animais marinhos contada entre outros por Heródoto I 2324 217 b Inteiramente respondi eu Pois estamos em risco de ter roçado sem querer pela contradição Como Estamos a insistir com toda a energia e combativida de na questão verbal de que o que não tem a mesma natu reza não deve ter as mesmas actividades mas não examiná mos qual era a espécie de natureza diferente ou própria nem qual o alvo da distinção que então fizemos quando atribuímos às naturezas diferentes funções diferentes e às 1gua1s iguais De facto não examinámos isso e Por isso mesmo continuei eu énos lícito ao que parece perguntar a nós próprios se a natureza dos calvos e dos cabeludos é a mesma e não contrária e depois de as sentarmos em que é contrária se os calvos forem sapateiros não consentir que os cabeludos o sejam e se por sua vez o forem os cabeludos proibilo aos outros Ridículo não há dúvida Ridículo na verdade por outra razão é que não su pusemos então uma natureza igual ou diferente mas apenas observámos aquela espécie de diferença e semelhança que d tem por alvo as ocupações Dizíamos por exemplo que o médico e aquele que tem vocação para a medicina tinham a mesma natureza Ou não achas Acho sim Mas o médico e o carpinteiro têm uma natureza di versa Inteiramente Portanto prossegui eu se se evidenciar que ou o sexo masculino ou o feminino é superior um ao outro no exercício de uma arte ou de qualquer outra ocupação di remos que se deverá confiar essa função a um deles Se 218 porém se vir que a diferença consiste apenas no facto de a mulher dar à luz e o homem procriar nem por isso diremos que está mais bem demonstrado que a mulher difere do ho e mem em relação ao que dizemos mas continuaremos a pensar que os nossos guardiões e as suas mulheres devem desempenhar as mesmas funções E com razão A seguir a isto não iremos convidar o nosso contra ditor para nos ensinar para que arte ou ocupação do serviço 455a da cidade é que a natureza do homem e da mulher não são idênticas mas distintas É justo Contudo talvez venha outra pessoa objectarnos como tu disseste pouco antes que não é fácil responder sa tisfatoriamente acto contínuo mas que depois de reflectir já não é nada difícil Poderá efectivamente fazernos essa objecção Queres então que peçamos ao nosso contraditor que nos siga a ver se lhe mostramos que não há nenhum cargo b próprio da mulher relativamente à administração da cida de Quero sim Ora vamos lá dirlheemos nós responde por ventura afirmas que certa pessoa é naturalmente dotada para uma coisa e outra não pelo facto de aquele aprender facilmente e este com dificuldade E que um depois de um curto aprendizado será capaz de fazer descobertas muito para além do que aprendeu ao passo que o outro depois de lhe ter cabido em sorte um longo aprendizado e aplicação nem sequer conservou o que aprendera E que num o físi co serve suficientemente a inteligência e no outro a con traria Haverá acaso outros meios que não sejam estes para e 219 distinguir quem tem dotes naturais para cada coisa de quem os não tem Ninguém apontará outros Sabes de entre as ocupações humanas alguma em que o sexo masculino não sobreleve o femirúno Ou va mos perder tempo a falar da tecelagem ou da arte da doça ria e da culinária nas quais parece que o sexo femirúno deve d marcar e quando é derrotado não há nada de mais risível Dizes a verdade ao afumar que em tudo por assim dizer um sexo sobreleva em muito o outro Contudo há muitas mulheres que são melhores que os homens para nu merosas tarefas No entanto de um modo geral é como tu dizes Logo não há na admirústração da cidade nenhuma ocupação meu arrugo própria da mulher enquanto mulher nem do homem enquanto homem mas as qualidades natu rais estão distribuídas de modo semelhante em ambos os se res e a mulher participa de todas as actividades de acordo e com a natureza e o homem também conquanto em todas elas a mulher seja mais débil do que o homem Absolutamente Então mandaremos fazer tudo aos homens e nada às mulheres Como Mas há segundo julgo e como diremos umas mu lheres dotadas para a medicina e outras não umas para a música e outras por natureza amusicais Sem dúvida E não as há capazes dos exerdcios físicos e da milícia 456a e outras incapazes da luta e que não gostam de fazer ginás tica Acho que sim 220 Pois então E não as há amigas do saber e outras que o detestam E umas irascíveis outras apáticas Também Há sem dúvida a mulher guardiã e a que o não é Ou não escolhemos para guardiões homens com essa natureza Foi com essa A aptidão natural tanto do homem como da mulher para guardar a cidade é por conseguinte a mesma excepto na medida em que a desta é mais débil e a daquele mais robusta Parece que sim Logo devem escolherse mulheres dessa espécie b para coabitar e ajudar a guardar a cidade juntamente com esses homens uma vez que são capazes e aparentadas com eles quanto à sua natureza Absolutamente Ora não devem atribuirse a naturezas iguais ocupa ções iguais Devem Demos por conseguinte uma volta que nos trouxe ao nosso ponto de partida e concordamos em que não é contra a natureza atribuir o aprendizado da música e da gi nástica às mulheres dos guardiões Perfeitamente Logo estabelecemos uma lei que não era impossível nem comparável a uma utopia uma vez que a promulgá e mos de acordo com a natureza Mas as leis actualmente existentes é que são antes contra a natureza Assim parece Mas não tínhamos de examinar se o sistema que está vamos a propor era possível e o melhor Tínhamos sim E assentámos em que era possível 221 Assentámos Em que é o melhor é preciso assentarmos depois É evidente A educação para a mulher para ser guardiã não será uma para preparar os homens e outra para as mulheres so d bretudo porque toma a seu cargo uma natureza idêntica Não será diferente E que espécie de opinião tens sobre este assunto Sobre qual Ser de opinião que um homem é melhor e outro pior Ou achas que são todos iguais De modo algum Portanto na cidade que nós fundámos que homens julgas que assegurarão melhor a guarda os que beneficia rem da educação que nós descrevemos ou os sapateiros instruídos na arte de fazer calçado Fazes uma pergunta ridícula Compreendo disse ele Pois então não são esses e os melhores dentre os cidadãos A uma grande distância E agora estas mulheres não serão as melhores dentre as mulheres Também essas a uma grande distância E há alguma coisa de melhor para a cidade do que haver nela os melhores homens e mulheres Não há E isso alcançáloão com a ajuda da música e da gi 457a nástica tal como nós as descrevemos Como não Logo estabelecemos uma lei que é não só possível como a melhor para a cidade É isso 222 Por conseguinte terão de depor as suas vestes as mu lheres dos guardiões uma vez que se revestirão de virtude em vez de roupa e tomarão parte na guerra e em tudo o mais que respeite à guarda da cidade sem fazerem outra coisa Dentre esses trabalhos serão atribuídos os mais leves às mulheres e não aos homens devido à debilidade do seu sexo E o homem que se rir das mulheres nuas quando fa b zem ginástica para alcançar a perfeição colhe imaturo o fruto da sabedoria 6 que é o riso sem saber ao que parece de que se ri nem o que faz Pois dizse e háde dizerse sempre com razão que o que é útil é belo e o que é vergo nhoso é prejudicial Exactamente Ora pois a esta dificuldade da exposição sobre a lei acerca das mulheres diremos que escapámos como se fosse a uma onda de tal maneira que não ficámos de modo al gum submersos ao estabelecer que devem cuidar de tudo em comum os guardiões e as guardiãs mas a própria coerên e eia do discurso proclama a possibilidade e utilidade do plano E não é pequena a onda a que escapaste Com certeza que não dirás que ela é grande quando Vlles a que vem a seguir Diz lá para eu ver Após esta lei e as anteriores vem em meu entender a seguinte Qual Que estas mulheres todas serão comuns a todos esses homens e nenhuma coabitará em particular com nenhum d deles e por sua vez os filhos serão comuns e nem os pais sa berão quem são os seus próprios filhos nem os filhos os pais 6 Citação de Píndaro fr 209 Snell que fez esta crítica aos fisiólogos 223 Isso é ainda muito pior quer sob o ponto de vista da inverosimilhança quer da possibilidade e da utilidade Não creio ripostei eu que se possa discutir a uti lidade e dizer que não será um grande benefício a comuni dade das mulheres e a dos filhos desde que seja realizável Mas julgo que poderá originarse a maior controvérsia sobre se é ou não possível e Poderá abrirse grande discussão sobre uma e outra O que tu queres arranjar é uma conspiração de argu mentos E eu que julgava que escaparia a um se fosses de opinião que era inútil e que só me restava discutir se era ou não possível Mas não me passou despercebida a tua fuga Presta contas sobre ambos Tenho de pagar a pena Concedeme no entanto 458a esta graça deixame divertir como os ociosos que fazem castelos no ar quando caminham sós As pessoas assim an tes de descobrirem a maneira de obter o que desejam põem de lado essa questão para não se estafarem a deliberar sobre o que é possível ou não partindo do principio de que dis põem daquilo que pretendem ordenam então o resto e comprazemse a enumerar o que farão depois de realizado tomando ainda mais preguiçosa a sua alma que já era pouco b diligente Pois então eu também quero ser negligente e de sejo adiar para depois e considerar mais tarde como é que o meu plano é possível agora porém se me deixares vou examinar partindo do princípio que é possível como é que os chefes hãode ordenar as coisas quando isto se der e como será a maior das vantagens para a cidade e para os guardiões quando se realizar É isto que eu vou observar primeiro contigo e depois a outra questão se tu deixares 224 Deixo sim Observa Eu penso que os governantes se realmente forem dignos desse nome e os seus auxiliares do mesmo modo e quererão uns fazer o que lhes é ordenado os outros dar as suas ordens ou obedecendo eles mesmos às leis ou criando outras à sua imitação quando lhes deixarmos essa iniciativa É natural Portanto continuei eu tu que és o legislador as sim como escolheste os homens da mesma maneira selec cíonarás também as mulheres entregandolhas de acordo com a semelhança da sua natureza até onde for possível Ora esses visto terem em comum as habitações e as refei ções sem que tenham qualquer propriedade privada esta rão juntos e ficando misturados quer nos ginásios quer no d resto da sua educação creio que por uma necessidade natu ral serão compelidos a uniremse entre si Ou não te parece que é necessariamente como eu digo Não certamente por uma necessidade geométrica mas erótica a qual corre o risco de ser muito mais violenta do que aquela para o efeito de convencer e arrastar a maio ria das pessoas Muito mais confirmei eu Mas depois disto ó Gláucon uniremse entre si ao acaso ou fazer algo de seme lhante nem é piedoso numa cidade feliz nem os chefes o e consentirão Não era justo realmente É então manifesto que depois disto faremos casa mentos sagrados 7 tanto quanto estiver no nosso poder os sagrados serão os mais úteis 7 A expressão do original tepo yáµo lembra de perto o modelo divino da união de Zeus e Hera que representava para os Gregos a união por excelência festejada especialmente em Atenas e noutros lugares da Grécia observação de Adam 225 Absolutamente 459a Mas então como é que hãode ser os mais úteis Ora dizme lá ó Gláucon vejo em tua casa cães de caça e gran de número de aves de estimação Por Zeus Acaso prestaste alguma atenção às uniões deles e à sua procriação O quê Em primeiro lugar dentre esses animais apesar de serem de boa raça não há alguns que são ou se prova serem melhores Há Então fazes criação igualmente de todos ou esforças te por que seja antes dos melhores Dos melhores b Pois então De preferência dos mais novos dos mais velhos ou dos que estão na flor da idade Dos que estão na flor da idade E se não se fizer assim a criação pensas que se dete riorará grandemente a raça das aves e dos cães Penso sim E que pensas quanto aos cavalos e aos restantes ani mais Será de outro modo Seria absurdo Ó céus exclamei Meu caro companheiro como os nossos chefes terão de estar nos píncaros se na verdade as coisas se passam do mesmo modo com a raça humana e Mas é que passam mesmo Porque perguntas Porque terão necessidade de tomar muitos remédios Ora nós supomos que um médico ainda que medíocre bas ta para aqueles cujos corpos não precisam de remédios mas estão prontos a responder à dieta Porém quando exige re médios sabemos que carece de um médico mais enérgico 226 É verdade Mas qual é o teu fito É o seguinte respondi eu Pode acontecer que os nossos governantes precisem de usar de mentiras frequentes e de dolos para benefício dos governados Nós dissemos al d gures que todas essas coisas eram úteis sob a forma de re médio E dissemos bem Ora parece que essas coisas não serão menos certas em questões de casamentos e procriação Como assim É preciso de acordo com o que estabelecemos que os homens superiores se encontrem com as mulheres supe riores o maior número de vezes possível e inversamente os inferiores com as inferiores e que se crie a descendência da queles e a destes não se queremos que o rebanho se eleve e às alturas e que tudo isto se faça na ignorância de todos ex cepto dos próprios chefes a fim de a grei dos guardiões es tar tanto quanto possível isenta de dissensões Com toda a razão Portanto temos de instituir festas nas quais juntare mos as noivas e noivos e de executar sacrifícios e os nossos poetas hãode compor hinos apropriados à celebração dos 460a esponsais Quanto ao número de matrimónios deixálo emos a cargo dos governantes para que mantenham o mais possível a mesma cifra de homens tendo em linha de conta as guerras doenças e outras perdas semelhantes e a nossa cidade não se torne na medida do possíveL maior nem me nor Exacto disse ele Devem fazerse julgo eu tiragens à sorte engenho sas de modo que o homem inferior acuse em cada união a sorte e não os chefes 227 Muito bem concordou ele b E àqueles dentre os jovens que foram valentes no combate ou em qualquer outro lugar deve darselhes entre outras honrarias e prémios uma liberdade mais ampla de se unirem às mulheres a fim de que haja pretexto para se gerar o maior número possível de filhos de homens dessa qualidade Está certo Tomarão conta das crianças que forem nascendo as autoridades para esse fim constituídas quer sejam homens ou mulheres ou uns e outros uma vez que os postos de comando são comuns a homens e mulheres Sim e Pegarão então nos filhos dos homens superiores e leválosão para o aprisco para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade os dos homens inferiores e qualquer dos dos outros que seja disforme escondêlosão num lugar interdito e oculto como convém Se realmente queremos que a raça dos guardiões se mantenha pura Cuidarão também da alimentação levando as mães ao aprisco quando tiverem os seios túmidos de leite imagi nando toda a espécie de artifícios a fim de que nenhuma d pressinta qual é o seu filho e arranjando outras mulheres que tenham leite se as verdadeiras mães não forem sufi cientes V darão ainda por que o aleitamento só dure um tempo moderado encarregando as amas e preceptoras das vigílias e dos restantes trabalhos São muitas as facilidades que concedes à maternidade das mulheres dos guardiões Convém que assim seja Mas prossigamos no nosso propósito Dissemos pois que os filhos devem nascer de pais na flor da idade 228 É verdade Porventura não te parece também que o tempo mé e dia da flor da idade é de vinte anos para a mulher e de trin ta para o homem E quais são os anos para cada um perguntou J A mulher dará filhos à cidade começando aos vinte r2 anos até aos quarenta o homem depois de ter ultrapassado a meta mais fogosa da sua vida 8 a partir de então pode gerar filhos à cidade até aos cinquenta e cinco anos É esse realmente o máximo de capacidade física e 461a intelectual de um e outro Portanto se alguém mais velho do que estes ou mais novo se atirar à obra comum da geração diremos que a sua falta não é pia nem justa por ter dado à cidade um filho que ainda que passe despercebido nascerá sem ter sido ge rado sob a protecção dos sacrifícios e das preces que recitam em cada casamento as sacerdotisas e sacerdotes e a cidade inteira para que de pais bons nasçam filhos melhores e de pais úteis filhos ainda mais úteis Em vez disso terá nascido b à guarda das trevas e da terrível incontinência Exacto disse ele A mesma lei aplicarseia a alguém que estando ain da em idade de gerar tocasse numa mulher na idade pró pria mas sem que o governante os unisse Diremos que esse homem apresentou à cidade um bastardo não autorizado e não santificado Exactissirnamente Porém em meu entender quando as mulheres e os homens tiverem ultrapassado a idade da geração deixaremos 8 Nesta expressão um tanto poética têm alguns comentadores julgado reconhecer um verso de Píndaro ou de Baquílides 229 e aos varões a liberdade de se unirem a quem quiserem excepto a uma filha mãe neta ou avó e por sua vez às mulheres excepto a um filho um pai ou outro parente em linha recta descendente ou ascendente E tudo isto só de pois de os termos exortado a terem o maior cuidado em não darem à luz o fruto dessas uniões e se gerarem algum filho e se ele forçar o caminho em disporem dele partindo do prinápio de que tal ser não será criado Também isso é razoável Mas como é que eles d hãode distinguir os pais e as filhas uns dos outros e os res tantes parentes que acabas de referir Não distinguem de modo algum Mas todas as crian ças que nascerem no décimo mês e também no sétimo a partir do dia em que qualquer deles foi nubente a todas es sas chamará às do sexo masculino filhos às do feminino fi lhas e as crianças a ele pai e do mesmo modo aos descén dentes deles chamará netos e estes chamarlhesão avôs e avós e aos que nascerem no mesmo período em que as mães e país deles geravam filhos apelidarão de irmãs e ir e mãos de maneira que conforme há momentos dizíamos não toquem uns nos outros No entanto a lei permitirá uniões entre irmãos e irmãs se a tiragem à sorte se inclinar para esse lado e se a Pítia aprovar Muito bem disse ele É essa portanto ó Gláucon a comunidade de mu lheres e filhos entre os guardiões da tua cidade Que está de acordo com o resto da constituição e que é em muito o me lhor é o que é preciso depois disto que seja solidamente confirmado pela nossa argumentação Ou como faremos 462a Assim por Zeus Porventura não deve ser o ponto de partida do nosso acordo perguntar a nós mesmos qual é o maior bem que 230 podemos apontar na organização de uma cidade aquele que o legislador deve ter em vista ao promulgar as leis e qual é o maior mal E depois em seguida inquirir se as institui ções que descrevemos nos ajustam às pegadas do bem e nos desviam das do mal É isso sobretudo Ora nós teremos algum mal maior para a cidade do que aquele que a dilacerar e a tornar múltipla em vez de b una Ou maior bem do que o que a aproximar e tornar uni tária Não temos Logo a comunidade de prazer e de pena não os une quando os cidadãos no maior número possível se regozi jam e se afligem igualmente com as mesmas vantagens e perdas Absolutamente respondeu ele E não é o individualismo destes sentimentos que os divide quando uns sofrem profundamente e outros se rego zijam em extremo a propósito dos mesmos acontecimentos públicos ou particulares e Pois não Ora este facto não provém de os habitantes da cidade não estarem de acordo em aplicar expressões como estas meu e não meu e do mesmo modo quanto ao que lhes é estranho Inteiramente Logo em qualquer cidade em que a maior parte dos habitantes estiver de acordo em aplicar estas expressões meu e não meu à mesma coisa será essa a mais bem organizada Sim e muito 231 Portanto também se comporta de modo muito apro ximado ao de um só homem Por exemplo quando ferimos um dedo toda a comunidade do corpo à alma disposta d numa só organização a do poder que a governa sente o facto e toda ao mesmo tempo sofre em conjunto com uma das suas partes É assim que nós dizemos que ao homem lhe dói o dedo E sobre qualquer outro órgão humano o racio cínio é o mesmo relativamente a um sofrimento causado pela dor e ao bemestar derivado do prazer É a mesma coisa E agora quanto à tua pergunta di rei que a cidade muito bem administrada está muito próxi ma de um homem nestas condições Penso pois que se a um dos cidadãos acontecer seja e o que for de bom ou mau uma cidade assim proclamará sua essa sensação e toda ela se regozijará ou se afligirá junta mente com ele É forçoso que assim seja numa cidade com boas leis Seriam horas disse eu de regressarmos à nossa ci dade e de investigarmos se o nosso discurso está em con cordância com o que nela se passa ou se se aplica antes a outra É preciso realmente concordou ele 463a Ora pois Nas outras cidades há governantes e povo e nesta também Há E todos se denominam uns aos outros cidadãos Pois não Mas além do nome de cidadãos que é que o povo das outras cidades chama aos seus governantes 232 Na maior parte chamamlhes déspotas nas de re gime democrático dãolhes mesmo esse nome de gover nantes 9 E que lhes chamará o povo na nossa cidade Além de cidadãos que dirão que são os governantes Salvadores e protectores b E estes como chamarão ao povo Distribuidores de salários e alimentação E nas outras como é que os governantes chamarão ao povo Escravos respondeu E os governantes uns aos outros Cogovernantes E os nossos Coguardiões Podes então dizer se nas outras cidades há gover nantes que tratam com os seus colegas de governo a uns como amigos a outros como estranhos Há e muitos Por conseguinte pensam e dizem que o que é dos amigos é como se fosse deles o que é dos estranhos lhes é e alheio Assim é E agora os guardiões da tua cidade É possível que haja algum que pense ou diga que algum dos seus colegas lhe é estranho 9 Traduzimos a primeira designação mantendo o helenismo déspota que aqui tem o sentido pejorativo corrente em portu guês à segunda poderíamos fazer outro tanto conservando os ar contes do original pois era certamente no modelo ateniense que Platão estava a pensar preferimos no entanto governantes para evidenciar a relação com a pergunta anterior 233 De modo algum Efectivamente quando encontrar qualquer deles julgará que se lhe depara um irmão ou irmã pai ou mãe filho ou filha ou descendentes ou ascendentes desses Dizes muito bem mas explicame mais isto legisla rás para eles apenas quanto aos nomes de parentesco ou d para eles procederem em todos os seus actos de acordo com esses nomes relativamente aos pais para executarem tudo quanto é de lei em matéria de respeito de solicitude e de submissão aos progenitores Ou então não ficará mais bem colocado à face dos deuses nem dos homens pois entende rão que cometeu acções ímpias e injustas se proceder de outro modo que não seja este São estes ou outros os dize res que todos os cidadãos farão soar desde cedo aos ouvidos das crianças quer sobre os pais que lhes hãode apontar quer sobre os demais parentes e São esses Efectivamente seria ridículo se as suas bocas se limitassem a proferir estes nomes de parentesco sem que as obras se lhe seguissem Por conseguinte nesta cidade mais do que em qual quer outra todos em uníssono dirão quando acontecer algo de bom ou mau a um qualquer dentre eles aquelas palavras que há momentos referimos que as minhas coisas vão bem ou que as minhas coisas vão mal É isso mesmo 464a Ora nós não dissemos que devido a esta convicção e modo de expressão prazeres e penas se passariam em comum Dissemos e com razão Então os nossos cidadãos terão sobretudo em comum aquilo a que aplicam o nome de meu E tendo isso em comum partilharão acima de tudo de penas e prazeres 234 E em grande escala Ora pois a causa disto além das demais instituições será a comunidade que os guardiões têm de mulheres e filhos Sêloá e a uma grande distância respondeu ele b Mas na verdade nós assentámos em que era esse o maior bem para a cidade comparando uma cidade bem ad ministrada com o corpo e seu comportamento relativamen te a uma das suas partes no que toca ao prazer e à dor E tivemos razão em fazêlo Por conseguinte a causa do maior bem da cidade afi gurasenos ser a comunidade entre os auxiliares de filhos e mulheres Exactamente E em especial estamos de acordo com o que disse mos antes Com efeito afirmámos que não deviam possuir casas próprias nem terras nem quaisquer bens mas sim re ceber dos outros o seu sustento como salário da sua vigilân e eia e despender tudo em comum se queriam ser verdadei ros guardiões Muito bem Ora então como eu afirmo as nossas palavras ante riores e estas de agora não farão ainda mais com que eles se jam verdadeiros guardas e com que não criem divisões na cidade como aconteceria se não chamassem meu à mes ma coisa mas cada um a cada objecto diferente se um ar rastasse para a sua casa o que pudesse a fim de o possuir in dependentemente dos outros e outro para a dele visto que d habitava noutra e se tendo mulher e filhos distintos gozas sem prazeres e penas separados Mas com uma opinião úni ca acerca do que lhes pertence tenderão todos para o mes mo e tanto quanto possível experimentarão as mesmas penas e prazeres 235 Absolutamente Ora pois Não desaparecerão processos e acusações recíprocas por si mesmos por assim dizer devido ao facto de ninguém possuir nada em particular senão o corpo e tudo o mais ser comum De onde resulta que eles não co e nhecerão dissensões daquelas que surgem entre os homens devido à posse de riquezas filhos e parentes É absolutamente forçoso que sejam libertos desses aborrecimentos Além disso não haverá entre eles legitimamente nem sequer processos por violências ou maus tratos por quanto lhes diremos que é belo e justo que uma pessoa se defenda de um igual impondolhes a necessidade de cuida rem da sua integridade física Com razão 465a Esta lei tem ainda a vantagem seguinte se alguém se irritar com outra pessoa satisfazendo a sua cólera deste modo terá menos tendência para avolumar a querelaf Absolutamente O mais velho terá a incumbência de mandar em to dos os mais novos e de os castigar É evidente É também manifesto que quem é mais novo não ten tará a menos que os chefes o ordenem exercer violência em quem é mais velho nem baterlhe como é natural Sei que de resto não hãode menosprezálos porquanto têm dois guardas suficientes para lhes pôr obstáculo o temor e o respeito o respeito que os impede de tocar neles como se b fossem pais e o temor de que outros venham em socorro da vítima uns como filhos outros como irmãos outros como pais Está em perfeito acordo que assim seja 1 236 Por conseguinte devido às nossas leis os homens go zarão da mais completa paz uns com os outros Completa sem dúvida 1 Se eles não tiverem dissensões entre si não há perigo de que o resto da cidade esteja em desacordo com eles nem consigo mesmo Pois não Quanto aos males menores de que ficarão livres até hesito em enumerálos devido à sua inconveniência da li e sonja aos ricos visto serem pobres das dificuldades e penas a que se é forçado para criar os filhos e juntar riquezas para sustentar os criados ora pedindo dinheiro emprestado ora renegando dívidas ora procurando dinheiro por todos os meios para o colocar nas mãos das mulheres e dos servos entregandolhes a sua administração e os vários e múltiplos trabalhos ó amigo que os homens sofrem em relação a es tas questões todos bem evidentes ignóbeis e indignos de que se gastem palavras com eles São realmente evidentes até para um cego d De todos estes trabalhos eles se libertarão e viverão uma vida de maior bemaventurança do que os bemaven turados vencedores dos Jogos Olímpicos Como Esses só gozam de uma pequena parte da felicidade que é proporcionada aos nossos É que a sua vitória é mais bela e o sustento que lhes dá o Estado mais completo A vi tória que eles alcançam é a salvação de toda a cidade eles mesmos e os seus filhos recebem como coroa 10 a alimenta 10 Os vencedores dos Jogos Olímpicos tinham como prémio uma coroa de oliveira brava Mas inúmeras vantagens e honrarias lhes eram atribuídas como o sustento no Pritaneu o primeiro lu gar na assistência aos Jogos etc Um dos principais testemunhos a este respeito é o fr 2 Diels de Xenófanes 237 e ção e todas as demais coisas necessárias para a vida recebem honrarias da sua cidade enquanto vivos e depois de mor tos cabelhes em sorte uma sepultura condigna São belos prémios Lembraste perguntei eu de que anteriormente alguém não sei quem 11 nos censurou por não tomarmos os 466a guardiões felizes porque sendolhes lícito possuir os bens dos outros cidadãos nada tinham E nós lá dissemos que se se oferecesse uma oportunidade tomaríamos a observar a questão Por agora queríamos fazer dos guardiões verdadei ros guardiões e tomar a cidade o mais feliz que pudésse mos em vez de nos limitarmos a visar uma única das suas classes para moldarmos a sua felicidade Lembrome E então Agora a vida dos guardiões uma vez que realmente nos aparece como mais bela e melhor do que a dos vencedores dos Jogos Olímpicos será de algum modo b como a dos sapateiros e de quaisquer dos outros artífices e dos lavradores Não me parece E contudo o que eu nessa altura afirmei 12 será ajus tado repetilo aqui que se o guardião tentar ser feliz de uma maneira que não faça dele um guardião e se não lhe bastar uma vida assim moderada e segura mas que é como dissemos a melhor se sob o império de uma opinião insen sata e acriançada acerca da felicidade for impelido porque e tem esse poder a assenhorearse de tudo quanto existe na cidade perceberá como Hesíodo foi realmente sábio ao afir mar que metade é mais do que o todo 13 11 Adimanto Cf supra IV 419a 12 Supra IV 420a seqq 13 Trabalhos e Dias 40 238 Se atender ao meu conselho permanecerá fiel a essa vida Concordas portanto perguntei eu que haja entre homens e mulheres a comunidade que descrevemos e acer ca da educação dos filhos e da guarda dos outros cidadãos que as mulheres devem ficar na cidade e ir para o combate fazer vigilância e caçar junto com os homens tal como en d tre os cães e participar em tudo até onde for exequível e que se assim fizerem procederão da melhor maneira pos sível e não contra a natureza do sexo feminino em relação à do masculino pois ela os criou para viverem em comu nidade Concordo sim Portanto disse eu restanos examinar se acaso é possível entre os homens como entre os restantes animais formarse esta comunidade e como o será Antecipastete a dizer o que eu me preparava para tratar Com respeito a assuntos bélicos acho que é evidente e de que maneira farão guerra Como perguntou ele Porque farão campanha em comum e levarão para o combate aqueles dos seus filhos que forem robustos a fim de que tal como os filhos dos outros dos artífices contem plem a acção que terão de desempenhar depois de adultos E além do espectáculo que possam ajudar e servir em tudo 467a o que respeita ao combate e prestar assistência aos pais e às mães Ou não reparas no que sucede quanto às artes como por exemplo os filhos dos oleiros servem de ajudantes du rante muito tempo e observam antes de tomar conta do ofício 239 Reparei e bem Acaso aqueles devem ter mais cuidado do que os guardiões em ensinar os filhos pela experiência e pela ob servação do que convém Seria ridículo Além disso todo o animal luta por forma excepcio b nal se estiver presente a sua descendência É assim Mas há o perigo ó Sócrates e não pequeno de se eles forem derrubados como é frequente na guerra se perderem junto com os filhos e o resto da cidade ficar incapaz de se recompor Dizes a verdade Mas calculas que o nosso primeiro cuidado deve ser não os expor nunca Expôlos de modo nenhum E então Se têm de algum modo de correr perigo não será naquilo em que a vitória os fará melhores É evidente e Mas achas que pouca diferença faz e que não merece o risco de que crianças que hãode tomarse guerreiros ve jam ou não o que respeita ao combate Não é importante para o que pretendes Teremos portanto de providenciar para que as crianças sejam espectadoras de combates cuidando da sua segurança e tudo correrá bem Não achas Acho Por conseguinte em primeiro lugar os pais delas não serão ignorantes até onde é possível a um ser humano mas d informados das campanhas perigosas e das que o não são É natural Logo leválasão a estas e absterseão de as levar àquelas 240 Exacto E não porão à sua frente os chefes de menos valia mas os que pela sua experiência e idade são capazes de ser bons chefes e pedagogos É conveniente No entanto diremos há muitas coisas que aconte cem a muita gente contra a sua expectativa Mesmo muitas Em face disso meu amigo é preciso que as crianci nhas tenham logo asas a fim de que se houver qualquer ne cessidade fujam a voar Que queres dizer perguntou ele Que devem montar a cavalo o mais novos que possa ser e que depois de lhes terem ensinado a equitação é que devem ser levados ao espectáculo em cavalos que não sejam fogosos nem belicosos mas o mais velozes e dóceis ao freio que seja possível Assim contemplarão muito bem as acções que lhes competem e se acaso for preciso salvarseão com toda a segurança seguindo atrás dos seus chefes mais idosos Afiguraseme que dizes bem E agora quanto ao que respeita à guerra Como hão de comportarse os teus soldados para consigo mesmos e perante o inimigo Estarei a ver bem a questão ou não Diz lá qual é Quem dentre eles abandonar o seu posto ou deixar ficar as armas ou fizer algo de semelhante por cobardia aca so não deve ser colocado entre os artífices ou os lavradores Absolutamente E aquele que tiver sido apanhado vivo pelos inimi gos acaso não deve darse de prenda aos seus captores para se servirem daquela presa como quiserem 241 e 468a b Inteiramente E aquele que se evidenciou pela sua valentia e alcan çou fama não deve em primeiro lugar ser coroado no campo de batalha pelos jovens e crianças que seguiram tam bém em campanha cada um por sua vez Ou não Acho que sim Pois então E estenderlhe a mão Também Mas agora com isto penso que não concordarás O quê Beijar e ser beijado por cada um Concordo acima de tudo 14 E até acrescento à lei e que enquanto estiverem em campanha não será lícito a ninguém recusarse a ser beijado por quem quiser a fim de que se acaso estiver apaixonado por alguém homem ou mulher tenha mais ardor em levar a palma no combate Bem disse eu Já se disse 15 que estarão à disposi ção do guerreiro valente matrimónios mais frequentes do que para os outros e que a selecção de homens dessa quali dade será mais frequente em relação aos outros a fim de que de uma pessoa assim nasça uma descendência o mais numerosa que é possível Já dissemos cfectivamente Mas segundo Homero é justo honrar os jovens va d lentes com prémios desse género Pois também Homero contou que Ájax tendo alcançado fama no combate foi honrado com um lombo inteiro 16 como sendo esta a dis 14 Para completo entendimento da atitude de Gláucon vide infra 474d Para a posição do autor a este respeito supra 111 4036 15 Supra 4606 16 Ilíada vn 321322 242 tinção adequada a um homem jovem e corajoso pois com ela aumentaria simultaneamente o seu prestígio e força Exactamente corroborou ele Neste ponto pelo menos aceitaremos o que diz Ho mero De facto havemos de honrar os valentes na medida em que evidenciarem a sua valentia nos sacrifícios e em to das as cerimónias dessa espécie com hinos e as recompensas que há momentos referimos e além disso com lugares de honra carnes e taças a trasbordar 17 a fim de ao mesmo e tempo que os honramos irmos modelando homens e mu lheres valorosos Dizes muito bem Seja Ora daqueles que morrerem em campanha quem cair gloriosamente não diremos que pertence à raça de ouro Mais do que todos E não acreditaremos em Hesíodo ao afirmar que de pois de morrerem os homens desta raça 18 acabarão como génios puros sobre a terra nobres afastando os males como guardiões dos mortais Acreditaremos de facto 17 Ilíada vm 162 18 Os versos de Hesíodo Trabalhos e Dias 122123 são tais como os lemos hoje um pouco diversos são por decreto do grande Zeus génios bons sobre a terra guardiões dos homens mortais Neste passo traduzimos por génios a palavra grega daimones 243 469a Perguntaremos ao deus 19 como devemos sepultar es tes seres geniais e divinos e com que distinções e celebrare mos os seus funerais da maneira que ele nos mandar Porque não E para sempre lhes prestaremos culto e veneraremos b as sepulturas deles como se fossem génios E a quantos fo rem julgados de valor excepcional em vida quando morre rem de velhice ou de qualquer outra maneira entendemos dever fazerlhes exactamente o mesmo É justo certamente E agora Como se comportarão os nossos soldados para com o inimigo Em quê Em primeiro lugar quanto à escravatura Parece justo que cidades gregas escravizem Gregos ou que impeçam as outras desta prática tanto quanto possíveL e se habituem a e poupar a raça grega com receio de cair na escravidão dos bárbaros Importa absolutamente poupála Não devem por conseguinte possuir nenhum escra vo grego e aconselhar o mesmo aos demais Helenos Absolutamente Assim poderão voltarse mais para os bárbaros e absterse dos seus Ora pois Despojar1os mortos de algo mais que as ar mas após a vitória acaso está bem Ou não fornece um d pretexto aos cobardes para não irem para o local de comba te como se estivessem a executar qualquer das tarefas ne cessárias enquanto se curvam sobre o cadáver No entanto essa rapina já deitou a perder muitos exércitos Absolutamente 19 Apolo de Delfos Cf supra IV 4276c 244 Íf i Não parece coisa baixa e gananciosa despojar um ca dáver e própria duma mulher e de quem tem pouco enten dimento considerar inimigo o corpo de um morto quando o inimigo já se evoloudeixando ficar o invólucro com que combatia Ou julgas que há alguma diferença entre a atitu de destas pessoas e a dos cães que se enfurecem com as pe e dras que lhes atiram e não tocam em quem lhas lançou Não difere nada Deve então abandonarse o costume de despojar os cadáveres e de proibir aos inimigos que os levem Deve abandonarse por Zeus Tãopouco levaremos as armas para os templos com o fim de as consagrar sobretudo as dos Gregos se nos im portarmos alguma coisa com a benevolência para com os 470a restantes Helenos Temeremos sim que seja uma poluição trazer a um templo esses despojos do nosso próximo a me nos que o deus 20 se pronuncie em contrário Exactamente E quanto a talartos campos gregos e incendiar casas Como procederão os teus soldados para com os inimigos Terei o maior prazer em te ouvir expor doutrina so bre esse assunto A mim afiguraseme que não se deve fazer uma nem outra coisa mas arrebatar as colheitas do ano Queres b que te diga porquê Tenho todo o empenho 20 Os Gregos mandavam geralmente a Apolo o dízimo do produto do saque A Via Sagrada em Delfos corria entre filas de Tesouros construídos para guardar essas oferendas feitas pelas vá rias cidades gregas 1 249r Pareceme que assim como se dão a estas coisas dois nomes guerra e discórdia civil assim também são duas rea lidades pois são aplicadas à discordância entre dois objectos Esses dois objectos que eu digo são por um lado o que é nacional e aparentado por outro o alheio e estrangeiro Por conseguinte a designação de discórdia civil aplicase ao na cional a de guerra ao estrangeiro Não dizes nada que esteja fora de propósito e Vê então se o que vou dizer é também apropositado Afirmo que a raça helénica é da mesma família e origem e a dos bárbaros é de família estrangeira e alheia Perfeitamente Por conseguinte diremos que quando os Gregos combatem com os bárbaros e os bárbaros com os Gregos estao em guerra e que sao m1m1gos por natureza e que a esta inimizade se deve chamar guerra Ao passo que quan do os Gregos fizerem tal coisa aos Gregos diremos que são amigos por natureza que em tal conjuntura a Grécia está d doente e em discórdia civil e a essa inimizade chamaremos di L se çao Eu por mim concordo em ver assim a questão Observa pois prossegui eu que naquilo que tal como as coisas agora se encontra1n se aceita denominar se dição quando surge uma situação dessa espécie e a cidade se divide se cada uma tala os campos da outra e lhe incendeia as casas parece criminosa a sedição e que nenhum deles é amigo da sua cidade aliás não ousariam ferir assim a sua alma mater mas afigurase razoável que os vencedores e tirem as colheitas aos vencidos pensando que um dia se reconciliarão e não guerrearão sempre Esse pensamento é de pessoas muito mais civilizadas do que o oposto L o t Pois então A cidade que fundas não vai ser grega Deve sêlo Então não serão bons e civilizados Muitíssimo sem dúvida Mas não serão amigos dos Gregos Não considerarão a Grécia como sua e não participarão nas cerimónias religio sas dos outros Sim e em alto grau Portanto terão na conta de sedição a dissensão com os Gregos como sendo parentes e muito menos a conside rarão uma guerra Pois não E comportarseão pensando que se hãode recon ciliar Absolutamente Com benevolência pois hãode chamálos à razão sem os castigarem com a escravatura e a ruma porquanto querem corrigilos e não ser seus inimigos É isso respondeu Sendo Gregos não devastarão a Grécia nem incen diarão as casas nem proclamarão seus inimigos todos os ha bitantes de cada cidade homens mulheres e crianças mas 471a os poucos adversários causadores da dissensão E por todos estes motivos nem quererão devastar o território deles b pensando que a maior parte dos habitantes são seus amigos nem arrasar as habitações e manterão a sua dissensão até os culpados serem forçados pelos inocentes que sofrem a ex piar a sua culpa Eu pela minha parte concordo que é assim que os nossos cidadãos devem comportarse com os seus adversá rios Com os bárbaros devem proceder como actualmente os Helenos uns contra os outros 247 Promulguemos então também esta lei para os guar e diões de que não devem talar os campos nem incendiar as casas Promulguemos concordou ele e que seja boa como as anteriores Mas afiguraseme ó Sócrates que se te deixarem expor sobre este assunto nunca mais te lembrarás da ques tão que puseste de parte para dizer tudo isto como é que esta constituição é possível e de que maneira o será Que a realizarse tudo seria bem na cidade em que existisse tam bém o digo e acrescento aquilo que omitiste que combate d rão com a máxima valentia contra os inimigos na medida em que não se abandonam uns aos outros sabendo quem são e tratandose uns aos outros pelo nomes de irmãos pais e filhos E se o sexo feminino também combater com eles quer nas mesmas fileiras quer colocado por trás para causar o temor dos inimigos e para o caso de haver necessidade de socorro sei que deste modo serão totalmente invencíveis Vejo também os bens que têm em casa e que tu deixaste de e lado Mas como eu concordo em que haveria todas estas vantagens e uma infinidade de outras mais se tal Estado se realizasse não digas mais nada sobre ele e vamos antes ten tar persuadirnos de que é possíve e de que maneira o é deixando ficar o resto 472a Então tu irrompes assim de improviso no meu dis curso sem me perdoares a minha lentidão É que talvez não saibas que depois de eu ter escapado a custo a duas vagas estás agora a erguer a terceira que é a mais alta e mais árdua de todas Quando a vires e ouvires hásde ter um perdão absoluto porque como é natur hesitei e tive receio de ex por doutrina tão paradoxal e de tentar analisála 248 Quanto mais falares assim tanto menos te dispensa remos de deixar de dizer como será possível que esse Estado b se tome uma realidade Mas fala e não te demores Ora é preciso recordar em primeiro lugar que nós chegámos a este ponto para indagarmos a natureza da justi ça e da injustiça É preciso Mas para que é isso perguntou ele Nada Se descobrirmos a natureza da justiça porven tura entenderemos que o homem justo em nada difere dela mas em tudo lhe é semelhante Ou darnosemos por sacis e feitos se se aproximar bastante dela e dela participar mais do que os outros Assim darnosemos por satisfeitos Logo foi para termos um paradigma disse eu que indagámos o que era a justiça e o que era um homem perfeitamente justo se existisse e uma vez que existisse qual seria o seu carácter e inversamente o que era a injusti ça e o homem absolutamente injusto a fim de que olhando para eles se nos tomasse claro que felicidade ou que infeli cidade lhes cabia e sermos forçados a concordar relativa mente a nós mesmos que quem for mais parecido com eles d terá a sorte mais semelhante à sua mas não foi por causa de demonstrarmos que era possível Lá isso é verdade Julgas então que um pintor vale menos se tiver dese nhado um modelo do que seria o mais belo dos homens e transmitido suficientemente à sua pintura todas as qualida des mas não puder demonstrar a possibilidade da existência de um homem desses Eu não por Zeus E então E nós também não estivemos a fazer com as nossas palavras o modelo de uma cidade boa e 249 Absolutamente Julgas então que falámos menos bem se não puder mos demonstrar que é possível fundar uma cidade tal como a que dissemos Sem dúvida que não Ora a verdade é essa Mas se é preciso que eu me empenhe para te dar prazer em demonstrar de que manei ra e em que condições seria mais susceptível de ter realiza ção concedeme novamente para essa demonstração o mesmo privilégio de há pouco Que privilégio 4 73a Acaso é possível executar alguma coisa tal como se diz ou é da natureza das coisas que a acção tenha menor aderência à verdade do que as palavras ainda que a alguns não pareça assim Mas concordas ou não Concordo disse ele Não me forces portanto a mostrarte perfeitamente realizado na prática tudo quanto descrevemos em palavras Mas se formos capazes de encontrar maneira de fundar uma cidade o mais aproximado que é possível da nossa des b crição proclama que descobrimos como é possível que as tuas normas se concretizem Ou não te contentas se o con seguires Eu por mim contentavame Eu também Depois disto então ao que parece temos de procurar indagar e demonstrar que espécie de defeito há actualmente nas cidades devido ao qual não são assim organizadas e qual a menor mudança possível pela qual a cidade passaria ao nosso sistema de administração uma só alteração de preferência se não duas se não as menos possível em nú mero e as menores em alcance e Absolutamente 250 Ora eu penso poder demonstrar que com uma só alteração poderia mudarse mas essa alteração não seria pequena nem fácil conquanto possível Qual perguntou ele Cá cheguei ao sítio que comparámos à vaga mais alta Mas háde dizerse ainda que ela venha a inundarme tal como uma vaga a cair em cascatas de gargalhadas de troça e desprezo Repara no que vou dizer Fala Enquanto não forem ou os filósofos reis nas cida des ou os que agora se chamam reis e soberanos filósofos d genuínos e capazes e se dê esta coalescênciaôo poder polí tico com a filosofia enquanto as numerosas naturezas que actualmente seguem um desies caminhos com exclusão do outro não forem impedidas forçosamente de o fazer não haverá tréguas dos males meu caro Gláucon para as cida des nem sequer julgo eu para o género humano nem antes disso será jamais possível e verá a luz do sol a cidade e que há pouco descrevemos Mas isto é o que eu há muito hesitava em dizer por ver como seriam paradoxais essas afirmações Efectivamente é penoso ver que não há outra felicidade possível particular ou pública E ele disse Ó Sócrates deixaste cair tais afirmações e palavras que depois de as teres proferido bem deves pensar que muita gente e não de someno vai já sem mais como que largar os mantos pegar mesmo nus na arma que calhar 474a e correr para ti com toda a força preparandose para fazer sabese lá que prodígios Se não te defenderes deles pelo ra ciocínio e não lhes escapares na realidade aprenderás à tua l custa o que e a troça E não és tu o culpado disso perguntei eu Procedi bem pelo menos Mas não te vou trair antes te defenderei como puder Ora eu posso fazêlo com a 251 r vr minha benevolência e exortações e talvez te responda com b mais exactidão do que qualquer outro Possuindo tal auxi liar experimenta demonstrar aos incrédulos que é como tu dizes Tenho de tentar disse eu já que tu me ofereces uma aliança de tanta magnitude Pareceme necessário se de algum modo queremos escapar àqueles ataques que anuncias determinar perante eles quais são os filósofos a que nos referimos quando ousamos afumar que são eles que devem governar a fim de que uma vez esclarecidos possa mos defendernos demonstrando que a uns compete por e natureza dedicarse à filosofia e governar a cidade e aos ou tros não cabe tal estudo mas sim obedecer a quem governa Já eram horas de fazer essa distinção V amos lá Segueme por est caminho a ver se de uma maneira ou de outra esclarecemos suficientemente o assunto Anda lá Será necessário lembrarte ou tu lembraste de que quando dizemos que se gosta de alguma coisa se deve en tender se se fala correctamente não que se gosta de uma parte dessa coisa e não de outra mas que se estima a totali dade d É preciso lembrarmo ao que parece Pois já não sei lá muito bem Falar como tu falas estava bem ó Gláucon para ou tra pessoa Mas a um homem inclinado à paixão não fica bem esquecerse que todos os que estão na flor da idade de uma maneira ou de outra picam e abalam aqueles que gos tam de jovens e são dados a paixões pois lhes parecem dig nos das suas preocupações e da sua ternura Ou não é assim que vos comportais com os rapazes formosos Um será 252 honrado por vós apelidandoo de gracioso por ter nariz achatado do que for de nariz aquilino afirmareis que é ré gioe que está na mais perfeita proporção aquele que tiver e um nariz intermédio dos de tez escura direis que são viris e dos de pele branca que são filhos dos deuses E os de tez de mel com esse qualificativo 21 julgas que são criação de alguém que não fosse um amante que com nomes meigos e lindos facilmente desculpava a palidez se aparecesse na face do jovem E numa palavra arranjais todos os pretextos e fa zeis todas as declarações a fim de não afastardes nenhum 475a dos que estão na flor da idade Se queres falar dos apaixonados e do seu procedi mento tomandome como exemplo aceito por amor da discussão Pois então exclamei eu Não vês que os que gostam de vinho fazem exactamente o mesmo e que qual quer pretexto lhes serve para saudarem todos os vinhos É mesmo E então os que gostam de honrarias vês julgo eu que se não podem ser os chefes supremos comandam um terço da tribo 22 e ainda quando não recebem honras das pessoas mais elevadas e mais veneráveis contentamse com b a deferência das mais modestas e insignificantes como seres avaros de considerações que são de toda a maneira Exactamente 21 O qualificativo que traduzimos por tez de mel aparece pela primeira vez em Platão 22 Abaixo dos chefes supremos ou estrategos ainda havia os taxiarcas que estavam à frente das dez companhias de hoplitas e em terceiro lugar na escala hierárquica os tritiarcas do texto que chefiavam os hoplitas de cada trittys 1 253 Dizme então se é assim ou não se dissermos que alguém está desejoso de alguma coisa afirmaremos que a deseja na sua totalidade ou uma parte sim e outra não Na totalidade respondeu Porventura não diremos também do filósofo que está desejoso da sabedoria não de uma parte sim e de outra não mas da totalidade É verdade Ora daquele que tem aversão às ciências sobretudo e sendo jovem e ainda sem discernimento para saber o que é bom e o que não é não diremos que gosta da ciência nem da filosofia tal como daquele que tem aversão à comida não diremos que tem fome nem que está desejoso de ali mento nem que é comilão mas que ejtá sem apetite E diremos bem Mas àquele que deseja prontamente provar de todas as ciências e se atira ao estudo com prazer e sem se saciar a esse chamaremos com justiça filósofo ou não d E Gláucon respondeu Então vais ter muitos filósofos desses e bem estranhos Realmente pareceme que todos os amadores de espectáculos uma vez que têm prazer em aprender são desse número e há os amadores de audições que são os mais difíceis de agrupar entre os filósofos que não quereriam de boa vontade vir ouvir uma discussão e uma conversa como esta mas que andam por toda a parte como se tivessem alugado os ouvidos para escutar todos os coros nas Dionísias sem deixar de ir quer às Urbanas quer às Rurais 23 A todos estes portanto e a outros que se dedicam 23 As principais festas áticas em honra de Diónisos as Dioní sias Urbanas eram celebradas anualmente em Atenas no mês de Março Nelas participavam inúmeros coros três de tragédia cinco 254 a aprender tais coisas e artes de pouca monta havemos de e chamarlhes filósofos De modo algum respondi eu mas aparências de filósofos E a quais é que chamas verdadeiros Aos amadores do espectáculo da verdade respondi eu Está certo Mas que entendes por isso Não é nada fácil com outra pessoa Mas tu julgo que concordarás comigo no seguinte Em quê Uma vez que o belo é o contrário do feio são dois Como não Por conseguinte uma vez que são dois também cada um deles é um Também E dirseá o mesmo do justo e do injusto do bom e do mau e de todas as ideias cada uma de per si é uma mas devido ao facto de aparecerem em combinação com acções corpos e umas com as outras cada uma delas se manifesta em toda a parte e aparenta ser múltipla Dizes bem É nesse ponto que eu estabeleço a distinção para um lado os que ainda agora referiste amadores de espectácu de comédia e vinte de ditirambo se aceitarmos a nova interpreta ção dos dados epigráficos exposta por John Gould e D M Lewis na segunda edição de A Pickard Cambridge The Dramatic Festivais ef Athens Oeford 1968 p 75 Em outras localidades da Ática reali zavamse as Dionísias Rurais também anualmente mas em De zembro Embora mais antigas e com carácter mais primitivo do que as outras eram menos importantes 255 los amigos das artes e homens de acção e para outro b aqueles de quem estamos a tratar os únicos que com razão podem chamarse filósofos Que queres dizer Os amadores de audições e de espectáculos encan tamse com as belas vozes cores e formas e todas as obras feitas com tais elementos embora o seu espírito seja incapaz de discernir e de amar a natureza do belo em si É assim realmente Mas aqueles que são capazes de subir até ao belo em si e de o contemplar na sua essência acaso não serão muito raros e Mesmo muito Ora quem acreditar que há iOisas belas mas não acreditar que existe a beleza em si nem for capaz de seguir alguém que o conduzisse no caminho do seu conhecimen to parecete que vive em sonho ou na realidade Repara bem Por ventura sonhar não é quando uma pessoa quer durante o sono quer desperta julgar que um objecto seme lhante a outro não é uma semelhança mas o próprio objec to com que se parece Eu por mim chamaria sem dúvida sonhar a uma coisa dessas Ora pois Aquele que ao contrário deste entende d que existe o belo em si e é capaz de o contemplar na sua essência e nas coisas em que tem participação e sabe que as coisas não se identificam com ele nem ele com as coisas uma pessoa assim parecete viver em sonho ou na reali dade Claro que na realidade Por conseguinte diríamos com razão que o pensa mento deste homem era conhecimento visto que sabe ao 256 passo que o do outro era opinião visto que se funda nas aparências Absolutamente Ora pois se este homem de quem afirmamos que se funda nas aparências e não sabe se irritar e discutir connos co acusandonos de não dizermos a verdade Teremos ma neira de o acalmar e de o persuadir suavemente ocultando e lhe que não está de perfeita saúde É o que temos a fazer disse ele V amos lá então Repara no que havemos de lhe di zer Ou queres que o interroguemos dizendolhe que se sabe alguma coisa não lhe temos inveja nenhuma antes te ríamos muito gosto em conhecer alguém que soubesse al guma coisa Mas diznos o seguinte quem conhece conhe ce alguma coisa ou nada Responde lá tu por ele Responderei que conhece alguma coisa Que existe ou que não existe Que existe Pois como é que havia de conhecerse al 477a guma coisa que não existe Temos então este facto suficientemente seguro ain da que nos coloquemos noutros pontos de vista de que o que existe absolutamente é absolutamente cognoscível e o que não existe de modo algum é totalmente incognoscível Mais que suficientemente Seja Mas se houver uma coisa que seja de tal manei Ç ra que existe e não existe não ficaria em posição intermédia entre o Ser absoluto e o Nãoser absoluto Ficaria Portanto se o conhecimento respeitava como vi mos 24 ao Ser e o desconhecimento forçosamente ao Não ser relativamente a essa posição intermédia deve procurarse 257 b algo de intermédio entre a ignorância e a ciência se acaso e d existe alguma coisa nessas condições Absolutamente Afirmaremos porventura que a opinião é alguma coisa Pois não É uma potência diversa da ciência ou é a mesma É diversa Logo a opinião visa um objecto e a ciência outro cada uma segundo a potência que lhe é própria É isso Portanto a ciência uma vez que respeita por nature za ao Ser não se destina a conhecer o que é o Ser Mas pri meiro pareceme que é preciso estabelecer uma diferença Como Diremos que as potências são um género de seres pelos quais nós podemos fazer aquilo que podemos nós e tudo o mais que tenha capacidade de actuação Por exem plo afirmo que a vista e o ouvido pertencem ao número das potências se é que compreendes o que quero dizer com este nome genérico Compreendo sim Escuta então o que penso a respeito delas Não vejo nas potências qualquer cor ou figura ou qualquer dos predi cados como têm tantas outras coisas observando algumas das quais distingo para comigo que uns objectos são de uma qualidade e outros de outra Numa potência apenas reparo no seu objecto e nos seus efeitos e deste modo chamo po tência a cada uma delas e chamo idênticas às que se aplicam ao mesmo objecto e produzem os mesmos resultados e di versas as que se aplicam a objectos diferentes e operam ou tros efeitos E tu Como é que fazes É assim 258 Olha aqui outra vez meu excelente amigo Afinnas que a ciência é uma potência ou colocla noutra classe Colocoa nessa e por sinal que é a mais forte de todas E agora levamos a opinião para a classe das potências e ou para qualquer outra De modo nenhum porquanto a potência que nos permite julgar pelas aparências não é senão a opinião Mas pouco antes assentaste em que a ciência e a opi nião não eram a mesma coisa Pois como é que alguém que tenha entendimento havia de identificar o que é infalível com o que o não é Muito bem É evidente que concordamos em que a 478a opinião é diferente da ciência É diferente Logo como cada uma delas tem um efeito diverso é porque cada uma tem uma finalidade distinta Forçosamente A ciência sem dúvida que se aplica ao Ser a conhecê lo no seu comportamento É E a opinião diremos nós a julgar pelas aparências Sim Mas conhece o mesmo que a ciência E pode ames ma coisa ser objecto de conhecimento e de opinião Ou é impossível É impossível em consequência dos princípios que es tabelecemos Se na verdade cada potência tem o seu objec to e se as duas a opinião e a ciência são potências sen b do cada uma delas diversa como afirmamos daqui decorre que a mesma coisa não possa ser objecto de conhecimento e de opinião 259 Por conseguinte se o objecto da ciência é o Ser o da opinião háde ser outra coisa que não o Ser Háde ser outra coisa Mas o Nãoser pode ser objecto de opinião Ou é impossível formar opinião sobre o que não existe Pensa então Quem forma uma opinião não a forma sobre alguma coisa Ou é possível ter umi opinião que não o é sobre nada É impossível Mas quem tem uma opinião temna sobre alguma coisa Tem e Mas ao Nãoser não se chamará com razão alguma coisa mas sim nada Absolutamente Ao Nãoser atribuímos por força da necessidade a ignorância e ao Ser o conhecimento Exactamente Logo o objecto da opinião não é o Ser nem o Não ser Pois não Portanto a opinião não pode ser ignorância nem ciência Não me parece Porventura estará para além delas por ultrapassar a ciência em clareza ou a ignorância em obscuridade Nem uma nem outra coisa Acaso a opinião te parece mais obscura do que a ciência e mais clara que a ignorância Parece e bem mais d Fica entre uma e outra Fica 260 Então a opinião ficará numa posição intermediária entre elas Absolutamente Ora nós não dissemos antes que se aparecesse algu ma coisa que ao mesmo tempo existisse e não existisse tal coisa ficaria em posição intermédia entre o Ser absoluto e o Nãoser absoluto e que sobre ela não haveria ciência nem ignorância mas o que aparecesse a meio caminho da igno rância e da ciência Exactamente E agora surgiu entre elas aquilo a que chamamos opinião Surgiu Faltanos ainda descobrir ao que parece o que é que participa de ambas as coisas do Ser e do Nãoser e que não pode designarse correctamente como um ou outro no seu estado puro a fim de se o descobrirmos o proclamarmos com toda a justiça o objecto da opinião atribuindo os extre mos aos extremos e o meio aos intermédios Não achas Acho Com estas bases que me responda direi eu e me dê a réplica esse honrado homem que não acredita que exista algo de belo em si e na ideia do belo absoluto que se man tém sempre da mesma maneira mas entende que há muitas coisas belas esse amador de espectáculos que não consen te de modo nenhum que alguém diga que o belo é um só e o justo e do mesmo modo as outras realidades Ora den tre estas coisas meu excelente amigo diremos que das mui tas que são belas acaso haverá alguma que não pareça feia E das justas uma que não pareça injusta E das santas uma que não seja ímpia 261 e 479a b Não mas é forçoso que as mesmas coisas pareçam de certo modo belas e feias e bem assim as outras por que perguntas E agora as quantidades duplas Podem parecer me nos metades do que duplas De modo nenhum E as coisas grandes ou pequenas leves ou pesadas não lhes cabem mais estas qualificações que lhes damos do que as inversas Não mas cada uma delas terá sempre algo de ambas Ora então cada uma destas numerosas coisas é antes aquilo que nós dizemos que é ou não o é Parecemse com as frases de duplo sentido que se e dizem nos banquetes e com o enigma infantil do que dá no morcego em que se manda adivinhar com que lhe bateu e em cima de que é que ele estava 25 Também estas coisas po dem ter dois sentidos e não é possível ter delas uma con cepção fixa como sendo ou não sendo nem como sendo as duas coisas ou nenhuma delas Que hásde então fazerlhes perguntei eu Ou poderás darlhes melhor colocação do que entre o Ser e o Nãoser Porquanto não parecerão mais obscuras do que o Nãoser relativamente a terem mais existência que o Não 25 Segundo uma das explicações do escoliasta que a atribui a Clearco a adivinha era assim Há um enigma de que um homem que não é um homem vendo e não vendo uma ave que não é uma ave empoleirada numa árvore que não é uma árvore lhe deu e não lhe deu com uma pedra que não é uma pedra Segundo Ateneio x 452c o seu autor era Panarces Jowett e Campbell apud Adam explicam um eunuco fez pontaria para um morcego im perfeitamente empoleirado numa cana com uma pedrapomes e não lhe acertou 262 ser nem mais claras do que o Ser relativamente a terem d mais existência que o Ser É verdade Descobrimos portanto ao que parece que as múl tiplas noções da multidão acerca da beleza e das restantes coisas como que andam a rolar entre o Nãoser e o Ser absoluto Descobrimos Mas assentámos previamente em que se uma coisa destas nos aparecesse teríamos de a considerar do domínio da opinião e não da ciência pois como objecto errante no espaço intermédio é apreendida pela potência interme diária Assentámos Por conseguinte dos que contemplam a multiplicida e de de coisas belas sem verem a beleza em s nem serem ca pazes de seguir outra pessoa que os conduza até junto dela e sem verem a justiça e tudo da mesma maneira desses diremos que têm opiniões sobre tudo mas não conhecem nada daquilo sobre que as emitem Forçosamente E agora os que contemplam as coisas em si as que permanecem sempre idênticas Porventura não é isso co nhecimento e não opinião Também isso é forçoso Não diremos também que têm entusiasmo e gosto pelas coisas que são objecto de conhecimento ao passo que aqueles só o têm pelas que são do domínio da opinião Ou 480a não nos lembramos que dissemos que esses apreciam e contemplam vozes e cores belas e coisas no género mas não admitem que o belo em si seja uma realidade Lembramonos 263 Logo não os ofenderemos de alguma maneira cha mandolhes amigos da opinião em vez de amigos da sabe doria 26 Acaso se irritarão fortemente connosco se disser mos assim Não se acreditarem no que eu digo porquanto não é lícito irritarse contra a verdade Por conseguinte devemos chamar amigos da sabe doria e não amigos da opinião aos que se dedicam ao Ser em si Absolutamente 26 A palavra filósofo que está no original toma a partir daqui uma conotação diferente Tivemos no entanto de a decompor na tradução para a opor com maior clareza ao outro composto paralelo philodoxos amigo da opinião Lembrese que a substituição de sophos pelo famoso composto philosophos que uma ampla tradição tardia atribui a Pitágoras tende actualmente a ser dada como de origem platónica cf W Burkett Platon oder Pythagoras Zum Ursprung des Wortes Philosophie Hermes 88 1960 159177 264 LIVRO VI Ao cabo de uma longa discussão observei eu é que nós mais ou menos pusemos a claro ó Gláucon estas duas coisas quem é que é filósofo e quem o não é Provavelmente não era fácil fazêlo através de uma discussão curta Não me parece repliquei pelo menos julgo que ela se nos antolhariJ melhor se só tivéssemos de nos pro nunciar sobre esse assunto e não faltasse examinar muitos outros se quisermos ver em que se distingue uma vida justa de uma injusta Ora então que é que nos falta depois disto Que mais háde ser senão as suas consequências Uma vez que os filósofos são aqueles que são capazes de atingir aquilo que se mantém sempre do mesmo modo e que aqueles que o não são mas se perdem no que é múlti plo e variável não são filósofos qual das duas espécies é que deve ser chefe da cidade Que heide eu dizer para dar uma resposta ade quada Que aquele dentre os dois que parecer capaz de guardar as leis e costumes da cidade esse mesmo seja no meado guardião Exactamente corroborou ele 265 484a b e Acaso não é evidente prossegui eu se deve ser um cego ou uma pessoa de visão clara que fica de atalaia a tomar conta do que quer que seja Como não havia de ser evidente Ora bem Parecete que há alguma diferença entre os cegos e aqueles que estão realmente privados do conheci mento de todo o ser e que não têm na alma nenhum mo delo claro nem são capazes de olhar como pintores para a verdade absoluta tomandoa sempre como ponto de refe d rência e contemplandoa com o maior rigor possível para só então promulgar leis cá na terra sobre o belo o justo o bom se for caso disso e preservar as que existirem manten doas a salvo Por Zeus que a diferença não égrande Serão pois esses que de preferência faremos guar diões ou os que conhecem cada um dos seres e que não fi cam a dever nada em experiência àqueles nem lhes ficam atrás em nenhum outro aspecto da excelência Ora pois seria absurdo escolher outros se em tudo o mais não lhes ficassem a dever nada pois lhes levariam van tagem naquilo que é de supremo interesse 485a Não diremos portanto de que modo serão capazes esses mesmos de possuir aqueles e estes atributos Claro que sim Como afirmávamos ao começar esta discussão temos primeiro de examinar com cuidado qual a natureza deles E creio eu se chegarmos a um perfeito acordo sobre ela con cordaremos em que as mesmas pessoas serão capazes de possuir esses atributos e que ninguém mais senão elas deve ser guardião da cidade Como 266 Concordemos relativamente à natureza dos filóso fos em que estão sempre apaixonados pelo saber que possa b revelarlhes algo daquela essência que existe sempre e que não se desvirtua por acção da geração e da corrupção Concordemos Além disso prossegui que estão apaixonados pela essência na sua totalidade e que não deixam escapar de bom grado nenhuma das suas partes seja menor ou maior muito preciosa ou destituída de valor como na exposição que anteriormente fizemos sobre os ambiciosos e os ena morados Dizes bem Depois disto portanto repara se é forçoso que além desta qualidade haja outra na sua natureza se quiserem ser e tais como os descrevemos Qual A aversão à mentira e a recusa em admitir volunta riamente a falsidade seja como for mas antes odiála e pre gar a verdade É natural disse ele Não só é natural meu amigo mas absolutamente forçoso que uma pessoa que seja por natureza enamorada preze tudo aquilo que se aparentar ou relacionar com a coisa amada Exactamente Ora poderá encontrarse algo de mais relacionado com a sabedoria do que a verdade Como poderia ser perguntou ele É possível que uma mesma criatura seja ao mesmo tempo amiga da sabedoria e da mentira d De modo algum certamente 267 Logo aquele que realmente gosta de aprender deve desde novo aspirar ao máximo à verdade integral Inteiramente Mas na verdade quando os desejos se inclinam com violência para um só objecto sabemos que de algum modo se tomam mais débeis para o resto como se fossem uma torrente desviada para aquele lado Sem dúvida Se a corrente for em direcção às ciências ou activida des dessa espécie julgo que não cuidará senão do prazer da alma em si e deixará o que vem através do corpo se for e um filósofo não fingido mas autêntico É absolutamente forçoso Tal indivíduo será moderado e de modo algum am bicioso porquanto os motivos pelosquais se afadiga para obter a riqueza com o seu acompanhamento de desperdí cios a ninguém convêm menos do que a ele Assim é 486a Além disso é preciso ainda examinar o seguinte se se quiser distinguir uma natureza filosófica da que o não é Examinar o quê Que não tenha sem que tu o saibas qualquer baixe za porquanto a mesquinhez é o que há de mais contrário a uma alma que pretende alcançar sempre a totalidade e a universalidade do divino e do humano É absolutamente verdadeiro confirmou ele Mas aquele que possuir um espírito superior e con templar a totalidade do tempo e a totalidade do ser supões que é capaz de julgar que a vida humana tem grande impor tância É impossível replicou ele b Uma pessoa nessas condições tãopouco terá a morte na conta de uma coisa terrível 268 Nada disso Por conseguinte uma natureza cobarde e grosseira não poderia ter parte na verdadeira filosofia segundo parece Acho que não Ora pois Quem for ordenado e não for ambicioso nem grosseiro nem vaidoso nem cobarde será possível que seja de trato desagradável ou injusto Não é Logo se quiseres distinguir a alma filosófica da que o não é observarás se desde nova é justa e cordata ou inso ciável e selvagem Absolutamente Decerto não descurarás este outro ponto segundo e julgo Qual Se aprende bem ou com dificuldade Ou não pensas que jamais se dedicará suficientemente a um trabalho aque le que o executa penosamente e a custo consegue alguma coisa Jamais E se não fosse capaz de reter nada do que aprendesse por ser muito esquecido Acaso poderia deixar de ser vazio de ciência Como poderia Se o seu esforço for vão não te parece que será for çado por último a detestarse a si e a essa sua actividade Como não Por conseguinte jamais admitiremos uma alma sem d memória entre as que são suficientemente filosóficas mas antes procuraremos que ela seja necessariamente dotada de memória Absolutamente 269 Mas na verdade a alma sem cultura e sem graça para que diremos que pende senão para a falta de comedi mento Sem dúvida que sim Em teu entender a verdade é aparentada com o co medimento ou com a falta do mesmo Com o comedimento Procuremos então uma atitude de espírito além do mais comedida e agradável por natureza cuja disposição inata facilitará o acesso à forma 1 de cada ser essencial Pôís não e Ora bem Não te parece que todas as qualidades que enumerámos são necessárias e se ligam umas às outras numa alma que pretende atingir o Ser de forma suficiente e cabal 487a São até muito necessárias replicou Será então possível censurar sob qualquer aspecto uma ocupação tal que nunca ninguém será capaz de a exer cer convenientemente se não for de seu natural dotado de memória e de facilidade de aprender de superioridade e amabilidade amigo e aderente da verdade da justiça da co ragem e da temperança Nem Momo 2 teria que lhe censurar Ora não seria a pessoas assim aperfeiçoadas pela educação e pela idade e só a essas que gostarias de entregar a cidade 1 Traduzimos aqui t6éa por forma seguindo a interpreta ção de Adam 2 Personificação do espírito crítico 270 Ó Sócrates interrompeu Adimanto ninguém se b ria capaz de contraditar os teus argumentos Mas de facto a impressão que experimentam aqueles que de tempos a tem pos ouvem o que acabas de expor é mais ou menos esta su põem que pela sua inexperiência em interrogar e respon der a cada pergunta a discussão os desvia um pouco e que depois de terem acumulado esses pequenos desvios ao che garem ao fim da argumentação surge um erro grande e contrário à posição inicial e tal como no gamão os jogado res hábeis cercam as pedras dos outros e não os deixam che gar ao fim nem ter para onde mover as pedras também e eles acabam por ficar cercados e sem ter que dizer nesta ou tra espécie de jogo feito não com pedras mas com argu mentos O certo é que a verdade não adianta nada por esse modo Falo com os olhos postos no caso presente De facto poderseá objectar que uma pessoa não tem argumentós para contraditar cada uma das tuas perguntas mas que os factos mostram que todos quantos se dedicaram à filosofii para se cultivarem quando eram novos e não a abandona ram mas persistiram mais tempo nesse estudo na maior d parte dos casos se tomam bastante excêntricos para não di zer perversos e aqueles que parecem mais equilibrados mesmo assim se ressentem dessa aplicação que tanto elogias tomandose uns inúteis para a cidade Depois de o escutar perguntei Achas que quem as sim fala está a mentir Não sei replicou ele mas teria gosto em ouvir o teu parecer Ouvirias que se me afigura que diz a verdade Então como é que está certo afumar que as cidades e não cessarão de sofrer calamidades antes de serem governa das por filósofos os quais assentámos que lhes são inúteis 271 A pergunta que fizeste esclareci carece de uma resposta em forma de metáfora Mas não é teu costume segundo julgo falar por me táforas Seja disse eu Estás a troçar depois de me teres 488a atirado para um raciocínio tão difícil de demonstrar Ouve então a metáfora para veres ainda melhor como eu sou mesquinho a arquitectálas O sofrimento que aguentam os melhores por parte da cidade é tão pesado que não há ou tro assim mas para dar uma imagem dele e para fazer a sua defesa tenho de reunir elementos de muitas proveniências tal os pintores que misturam nos seus quadros bodes com veados 3 e outros que tais Imagina pois que acontece uma coisa desta espécie ou em vários naios ou num só um ar b mador4 superior em tamanho e em força a todos os que se encontram na embarcação mas um tanto surdo e com a vis ta a condizer e conhecimentos náuticos da mesma exten são os marinheiros em luta uns contra os outros por causa do leme entendendo cada um deles que deve ser o piloto sem ter jamais aprendido a arte de navegar nem poder indi car o nome do mestre nem a data do seu aprendizado e ainda por cima asseverando que não é arte que se aprenda e estando prontos a reduzir a bocados quem declarar sequer 3 Os animais fantásticos começaram a aparecer na arte grega por influência orientalizante Para outros compostos deste género vejase Aristófanes As Rãs 937 4 Desenvolvese aqu mais uma vez o símile da nau do Es tado cuja numerosa ascendência literária tem o seu ponto de par tida em Arquíloco fr 105 W est O dono do navio numa democracia é Demos povo con forme notou já Aristóteles Rhet 14066 3536 e os comentadores antigos Comparese também a figura de Demos em Os Cavaleiros de Aristófanes que se pode aprender estão sempre a assediar o dono do navio a pedirlhe e a fazer tudo para que lhes entregue o e leme algumas vezes se não são eles que o convencem mas sim outros matamnos a esses ou atiramnos pela borda fora reduzem à impotência o verdadeiro dono com a man drágora 5 a embriaguez ou qualquer outro meio tomam conta do navio apoderamse da sua carga bebem e rega lamse de comer navegando como é natural que o faça gen te dessa espécie ainda por cima elogiam e chamam mari nheiros pilotos e peritos na arte de navegar a quem tiver a d habilidade de os ajudar a obter o comando persuadindo ou forçando o dono do navio a quem assim não fizer apodam no de inútil e nem sequer percebem que o verdadeiro pilo to precisa de se preocupar com o ano as estações o céu os astros os ventos e tudo o que diz respeito à sua arte se quer de facto ser comandante do navio a fim de o governar quer alguns o queiram quer não pois julgam que não é possível e aprender essa arte e estudo e ao mesmo tempo a de coman dar uma nau 6 Quando se originam tais acontecimentos nos navios não te parece que o verdadeiro piloto será realmente apodado de nefelibata7 palrador inútil pelos navegantes de 489a embarcações assim aparelhadas 5 Os antigos como os medievais conheciam o poder da raiz desta planta Adam recorda a este propósito pseudoDemóstenes Philip IV 6 6 A arte de comandar um navio xul3epVTJTLXTJ parece ser uma maneira redundante de exprimir o esultado da aquisição da mesma pela arte réxvTJ e estudo µehÉTTJ É esta a conclu são de Adam que discute largamente as várias interpretações deste obscuro passo apêndice I ao Livro v1 7 Usamos o composto de origem grega que significa que caminha nas nuvens como equivalente do µeTewpoaxÓllo do 273 É mesmo assim respondeu Adimanto Não me parece prossegui eu que seja necessário examinares a fundo o quadro para veres que se assemelha às relações das cidades com os verdadeiros filósofos mas compreendes o que quero dizer Perfeitamente confirmou ele E antes de mais nada ensina esta metáfora àquele que se admirava por os filósofos não serem honrados nas cidades e tenta convencêlo de que seria muito mais sur b preendente se o fossem Heide ensinarlha E que portanto dizes a verdade que são inúteis à maioria os melhores filósofos Da sua inutilidade manda contudo acusar os que os não utilizafn e não os homens su periores Pois não é natural que seja o piloto a pedir aos ma rinheiros que sejam comandados por ele nem que os sábios vão às portas dos ricos mas quem inventou este gracioso dito 8 mentiu A verdade é que quem estiver doente seja e rico ou pobre é forçoso que vá bater à porta do médico e que todo aquele que precisa de ser dirigido à de quem pu der governálo e não ser o comandante que suplica aos súb ditos que consintam em ser mandados quando na verdade é texto literalmente observador das alturas É uma das críticas feitas ao Sócrates de As Nuvens 225 228 1503 e repetida entre as acusações formuladas contra o mestre na Apologia de Platão 186 Outros passos do filósofo apresentam esta palavra como censura corrente Na sua base deve estar a velha oposição entre a vida con templativa e a activa cristalizada na anedota segundo a qual Tales caíra a um poço porque absorvido na contemplação dos astros não reparara no que estava a seus pés Segundo Aristóteles Rhet 1391a 812 o dito era do poeta Si mónides 274 dele que lhes vem auxílio Se comparares os chefes políticos actuais com os marinheiros a que há pouco nos referimos não errarás e bem assim aqueles que eles qualificam de l inúteis e de pessoas que falam no ar com os verdadeiros 0 pilotos Exactamente confirmou ele Por estes motivos e nestas condições não é fácil por conseguinte que a melhor das ocupações seja apreciada por aqueles que exercem actividades opostas a ela Mas a acusa ção maior e mais violenta que fazem à filosofia é de longe a d que lhe vem através dos que afirmam dedicarse a estes es tudos e acerca dos quais declaras que o detractor da filosofia proclama que é perversa a maioria dos que a ela se dedicam e que os mais equilibrados são uns inúteis coisa em que concordei contigo que era verdadeira Não é assim É Logo ficou esclarecida a razão da inutilidade dos bons filósofos Perfeitamente Queres que em seguida analisemos como é forço so que exista perversidade na maioria e que tentemos de monstrar se pudermos que a filosofia também não tem cul e pa disso Quero sim Escutemos então e recordemos a nossa conversa a partir do ponto em que analisámos as qualidades naturais que tem de se ter para vir a ser um homem perfeito 9 Se 490a bem te lembras ia em primeiro lugar a verdade de que ele tinha de ir no encalço de toda a maneira e em todo o lado 9 No original está xaÀÓ TE xya0Ó expressão sobre a qual vide supra nota 68 ao Livro III 275 ou então era um vaidoso que nunca teria parte na verda deira filosofia Assim se afirmou Portanto neste ponto estamos assim em oposição violenta com o que actualmente se pensa a respeito do filó sofo Estamos e muito Acaso não seria uma defesa adequada dizermos que aquele que verdadeiramente gosta de saber tem uma dispo sição natural para lutar pelo Ser e não se detém em cada b um dos muitos aspectos particulares que existem na aparên cia mas prossegue sem desfalecer nem desistir da sua pai xão antes de atingir a natureza de cada Ser em si pela parte da alma à qual é dado atingilo poi a sua origem é a mes ma depois de se aproximar e de se unir ao verdadeiro Ser e de ter dado à luz a Razão e a Verdade poderá alcan çar o saber e viver e alimentarse de verdade e assim cessar o seu sofrimento antes disso não É a única resposta perfeitamente adequada Ora pois Esse homem será inclinado a pregar a mentira ou antes pelo contrário a odiála e A odiála respondeu Tendo a verdade por corifeti não creio que se possa dizer que um coro de vícios segue atrás dela C9Jllo poderíamos dizêlo Mas que vem atrás dela uma maneira de ser sã e jus ta à qual se junta a temperança Exactamente E agora o outro coro da natureza filosófica para que havemos de insistir na necessidade de o ordenar outra vez desde o princípio Lembraste de algum modo que con cordámos em que as qualidades que lhe convinham eram a 276 coragem a generosidade a facilidade para aprender a me mória Objectasteme que toda a gente seria forçada a con cordar com as nossas afirmações mas que quando deixando d de parte as palavras se pusessem a examinar aquelas mes mas pessoas acerca das quais se discutia declarariam que dentre essas notavam que algumas eram inúteis ao passo que a maioria era possuidora de toda a espécie de perversi dade examinando a causa da acusação chegámos a este ponto porque será que a maioria é má E por esse motivo retomámos a questão da natureza dos verdadeiros filósofos e fomos obrigados a definila É isso disse ele e Portanto temos de observar a destruição desta ma neira de ser como se deteriora na maioria e poucos lhe es capam aqueles por conseguinte a quem não chamam perversos mas inúteis E depois disso analisaremos as natu rezas que imitam a autêntica e que se instalam na sua fim 491a ção e veremos a qualidade dessas almas que alcançaram uma profissão demasiado boa e elevada para elas e que de safinando a miúde de todos os modos e em todo o mundo granjearam à filosofia a fama que dizes Que processo de destruição é esse a que te referes Tentarei descreverto se for capaz disso Este ponto toda a gente nolo concederá penso eu as naturezas assim e com todas as qualidades que há momentos lhes preceituá mos a quem quiser tomarse um filósofo perfeito são pou b cas e raras as que surgem entre os homens Ou não te parece Absolutamente Para esse pequeno número repara quantas e quão grandes são as causas de perdição Quais são então O mais espantoso de ouvir que pode haver 277 que cada uma das qualidades dessa natureza que louvámos deita a perder a alma que as possui e arrancaa à filosofia Refirome à coragem temperança e todas as virtudes que enumerámos É absurdo ouvir isso e Além destes ainda há outros factores de corrupção e desvio da alma todas as chamadas coisas boas a beleza a ri queza a força física as alianças contraídas na cidade e toda a espécie de vantagens similares Aí tens o tipo de coisas de que estou a falar Compreendo E gostaria bem de me informar com mais rigor sobre a tua exposição Aprecia então correctamente prossegui eu o que é a corrupção em geral e então tomarseá perfeitamente claro e não te parecerá absurdo o que anteriormente se dis se a tal respeito Como queres que faça então d A respeito de toda a semente ou rebento de planta ou animal sabemos nós que aquele que não obtiver o ali mento que convém a cada um ou a estação ou o lugar quanto mais forte ele for tanto mais sente a falta dessas van tagens porquanto o mal é de algum modo mais oposto ao que é bom do que ao que não é bom Pois rião É lógico então me parece que a natureza melhor sujeitaa1fma alimentação diversa da que lhe compete re sulte numa coisa pior do que a natureza medíocre É e Logo ó Adimanto diremos que as almas mais bem dotadas se se lhes deparar uma educação má se tomam extremamente perversas Ou julgas que os grandes crimes e a maldade imoderada têm a sua origem numa natureza 278 medíocre e não numa natureza estuante pervertida pela educação e que uma natureza débil nunca será causa de grandes bens nem de grandes males Não É antes assim como dizes Por conseguinte essa natureza filosófica que postulá mos se julgo eu se lhe deparar o género de ensino que lhe convém é forçoso que desenvolvendose atinja toda a es pécie de virtudes se porém for semeada e plantada num terreno inconveniente e aí for criada cairá no extremo oposto a menos que se dê o caso de um deus qualquer vir em seu socorro Ou também és dos que pensam como a maioria que certos jovens são corrompidos pelos Sofistas e que certos Sofistas corruptores são simples particulares sem atingir um ponto digno de menção Ou antes que esses mesmos que tal afirmam são os maiores Sofistas para ensi nar perfeitamente e modelar quantos quiserem novos e ve lhos homens e mulheres E quandoperguntou ele Quando tomam assento juntos e em grande número nas assembleias ou nos tribunais teatros ou acampamentos ou qualquer outra reunião pública numerosa e com grande alarido censuram certos ditos e feitos outras vezes aprovam exagerando em ambos os sentidos quer na gritaria quer nos aplausos e além desses as pedras e o lugar onde se encon tram fazemlhes eco produzindo um ruído em duplicado da censura e do louvor Em tais condições como se com portará o coração do jovem de que falávamos Ou que edu cação particular resistiria sem ser arrastada submersa por essa tal censura ou louvor na corrente que a leva E não declarará que são belas ou feias as mesmas coisas que para eles e não terá as mesmas ocupações e não será do mesmo jaez 279 492a b e d É muito necessário que assim seja ó Sócrates Além disso prossegui eu ainda não nos referimos à maior de todas as necessidades Qual Aquela que esses educadores e Sofistas lhes impõem pela acção quando não convencem pela palavra Ou não sa bes que castigam com a atimia 10 com multas e com a morte aquele que não se deixou convencer Sei perfeitamente Então que outro Sofista ou que ensino particular jul gas tu que teria força para se opor a estes e os vencer e Julgo que nenhum respondeu Nenhum corroborei eu e até o tentálo seria grande dislate Porque um carácter não se altera nem alte rou jamais nem se alterará relativamente à virtude tendo sido educado em princípios opostos aos dessa gente um carácter humano meu amigo seguramente que se for divi no pôloemos fora de causa como diz o provérbio 11 Pois 493a bem deves saber que tudo o que se salvar e se tornar como deve ser num sistema político destes se afumares que se sal vou por determinação divina não dirás mal Não julgo de maneira diferente Há ainda um ponto em que pensarás do mesmo modo Qual Que cada um desses particulares mercenários a quem essa gente chama Sofistas e considera como rivais nada mais ensinam senão as doutrinas da maioria que eles propõem quando se reúnem em assembleia e chamam a isso ciência º Em Atenas a atímía traduziase na privação total ou parcial dos direitos de cidadão 11 Esta maneira proverbial de dizer encontrase também no Banquete 176c Pedro 242b Teeteto 162d 280 É como se uma pessoa que tenha de criar um animal grande e forte aprendesse a conhecer as suas fúrias e desejos por onde deve aproximarse dele e por onde tocálo e quando é mais in tratável ou mais meigo e porquê e cada um dos sons que cos 1 tuma emitir a propósito de cada coisa e com que vozes dos outros se amansa ou irrita e depois de ter adquirido todos es tes conhecimentos com a convivência e com o tempo lhes chamasse ciência e os compendiasse para fazer deles objecto de ensino quando na verdade nada sabe do que destas doutri nas e desejos é belo ou feio bom ou mau justo ou injusto e e emprega todos estes termos de acordo com as opiniões do grande animal chamando bom àquilo que ele aprecia mau ao que ele detesta mas sem ter qualquer outra razão para tanto antes designando por justo e belo o inevitável porquanto nun ca viu qual é a diferença essencial entre a natureza da necessi dade e a do bem nem é capaz de a apontar a outrem Ua pessoa assim não te parece por Zeus um mestre estranho A mim parece Ora afigurasete que há alguma diferença entre este homem e aquele que supõe que a ciência consiste em co d nhecer a fúria e os prazeres da multidão em assembleia de gente de toda a espécie quer seja em pintura em música ou em política Que se uma pessoa comparecer perante esses para lhes mostrar um poema ou qualquer outro produto da sua arte ou um serviço a prestar à cidade e se submetesse ao juízo dessa multidão para além do que é necessário a chamada necessidade de Diomedes 12 fáloá proceder de 12 Segundo o escoliasta tratase de uma história do Ciclo Épi co de regresso ao acampamento aqueu depois de roubarem o Palladium Ulisses tentou matar Diomedes mas não o conseguiu em retaliação Diomedes amarroulhe as mãos e obrigouo a cami nhar batendolhe com a lâmina da espada 281 e 494a acordo com os gostos deles De que isso seja verdadeira mente bom e belo alguma vez já ouviste a alguém do gru po fornecer uma razão que não seja ridícula Bem creio que nunca a ouvirei Já que compreendeste tudo isto lembrate do se guinte será possível que a multidão perceba e aceite que existe o belo mas não as muitas coisas belas que existe cada coisa mas não a pluralidade das coisas particulares De modo nenhum respondeu ele Por conseguinte prossegui eu é impossível que a multidão seja filósofo Impossível Logo é forçoso que os filósofos sejam criticados por ela É forçoso E também por aqueles particulares que acompanham com a multidão e desejam agradarlhe É evidente Por estes motivos que meio de salvação vislumbras para a natureza filosófica de maneira que possa permanecer na sua ocupação para atingir a sua finalidade Raciocina a b partir dos antecedentes Concordámos que a facilidade de aprender a memória a coragem a superioridade são pró prias dessa natureza Concordámos Ofâ uma pessoa assim não será logo desde a infância o primeiro entre todos sobretudo se a sua compleição física corresponder à espiritual Como não háde ser assim Os familiares e os concidadãos quererão portanto se gundo julgo utilizálo para os seus próprios negócios quan do for mais velho 282 Pois não Hãode prostrarse a seus pés por conseguinte com e súplicas e honrarias apropriandose do seu futuro poder e lisonjeandoo com antecedência É assim que costuma suceder efectivamente Que julgas então que háde fazer perguntei eu um homem destes no meio de gente daquele jaez demais a mais se se der o caso de ser natural de uma grande cidade se for rico e nobre e ainda por cima bem parecido e alto 13 Acaso não se encherá de esperanças impossíveis supondose capaz de administrar Gregos e bárbaros e ainda por cima não se elevará até às alturas cheio de orgulho e arrogância e d privado de reflexão Com certeza respondeu ele Enquanto ele estiver a decair para esse estado se alguém aproximandose mansamente dele lhe disser a ver dade que não tem senso e que precisa dele mas que não pode ser adquirido senão por quem for escravo dessa pes quisa acaso julgas que lhe será fácil escutarte no meio de tantos erros Longe disso respondeu Ora se devido à sua boa natureza e às suas afinidades inatas com esses discursos ele for de algum modo levado a aperceberse do facto a inflectir caminho e a deixarse ar e rastar para a filosofia que pensamos que farão aqueles que julgam que vão perder a utilidade e a companhia dele To das as acções todos os discursos não os dirão e farão quer 13 Temse visto neste retrato o modelo de Alcibíades e admi tido que ao referir a ambição de governar também a bárbaros Pla tão teria em mente o primeiro passo para esse fim que seria a ex pedição à Sicília 283 junto dele a fim de que não se deixe convencer quer junto do que anda a persuadilo para que não seja capaz disso quer armandolhe ciladas na sua vida particular quer inten tandolhe processos publicamente 14 495a É forçoso Será portanto possível que um homem nestas condi ções se dedique à filosofia De modo nenhum Vês então prossegui eu que não errávamos quan do dizíamos que as próprias componentes da natureza filo sófica quando surgem num ambiente perverso são culpadas em certa maneira de ela decair do seu posto assim como os chamados bens a riqueza e todo o equipamento congénere Não errámos pelo contrário dissemos bem É esta meu caro amigo a extensão e qualidade da b perdição e corrupção da melhor das naturezas pará se exer cer uma profissão superior natureza aliás pouco frequente como dissemos É de homens dessa espécie que provêm os que fazem o maior mal às cidades e aos particulares e os que fazem o maior bem quando se der o caso de se deixa rem arrastar para esse lado Mas uma natureza medíocre ja mais fará algo de grande a alguém seja a um particular seja a uma cidade É bem verdade Ora esses que assim decaem de uma ocupação que e lhes quadrava perfeitamente deixaram a filosofia solitária e 14 Temse visto aqui uma alusão à condenação de Sócrates acusado entre outras coisas de corromper a juventude disso se ria Alcibíades o melhor exemplo pois tentara desviálo para a filo sofia Toda esta explicação pretende demonstrar que quem cor rompeu o jovem Ateniense foi afinal o meio ambiente 284 incompleta vivendo eles mesmos uma vida que não lhes convém nem é verdadeira enquanto outros que são indig nos entram em casa dela tal como se fosse uma órfã sem parentes 15 a desonram e a cobrem de doestos como aqueles que dizes que lhe dirigem os que a censuram quando pro clamam que dos que convivem com ela uns não valem nada e a maioria merece todas as desgraças É isso que se afuma efectivamente É natural que se diga declarei eu De facto ou tros homens de pouca valia ao verem que o terreno ficou vazio e cheio de belos nomes e de magnificência tal como d os que escapam da prisão e se refugiam nos templos todos contentes precipitamse da arte que exerciam para a filoso fia esses são por acaso os mais hábeis na sua ocupaçãozi nha É que seja como for e sendo esta a sorte da filosofia fi coulhe uma dignidade magnificente perante as outras artes que atrai muitas pessoas de natureza tosca cujos corpos fo ram deformados pelas artes e ofícios da mesma maneira que as suas almas se encontram alquebradas e mutiladas de e vido às suas actividades manuais ou não é forçoso que as sim seja Absolutamente respondeu Achas então que há alguma diferença em vêlos a eles e a um ferreiro calvo e baixo 16 que tendo ganho di nheiro mal ficou solto das algemas vai lavarse ao balneário 15 Em toda esta comparação transparecem os costumes gregos A filosofia é persomficada por uma jovem que ficando órfã devia ser desposada por um parente Mas tal não acontece porque a abandonam deixandoa solitária e incompleta isto é sem os ri tos nupciais Por isso outros se apoderam dela 16 Os comentadores têm sido tentados a identificar esta carica tura com a de Isócrates 285 põe um manto novo e ataviado como um noivo pretende desposar a filha do patrão devido à sua pobreza e isola mento 496a Não há diferença nenhuma Que espécie de seres é natural que sejam procriados por pessoas dessas Não serão bastardos e deficientes É forçoso que sim Pois então Aqueles que não estão à altura da educa ção quando se aproximam dela e vivem com ela sem o me recer que espécie de pensamentos e de opiniões diremos que procriam Não será aquilo que verdadeiramente mere ce ser chamado sofismas e nada de legítimo nada que tenha verdadeiro saber Exactamente Bem poucos são então prossegui eu ó Adimanto b os que nos restam dignos de conviver com a filosofia a não ser qualquer espírito nobre e com boa educação retido pelo exílio e que por falta de quem o corrompa permanece por natureza fiel à filosofia 17 ou quando numa cidade pequena uma grande alma menosprezar a administração do seu país e não se interessar por ela um pequeno número ainda que afastandose com razão de outra arte que desprezam vêm para a filosofia para a qual são naturalmente dotados 18 Oxalá que o freio que retém o nosso companheiro Teages 19 seja capaz de aguentar Pois tudo quanto há se reuniu para 17 Temse identificado este caso com o de Anaxágoras de Xe nofonte ou de Díon de Siracusa este em 367 aC 18 Fédon de Élide e Simão de Atenas têm sido identificados como exemplos deste caso Adam propõe o conhecido arquitecto e filósofo Hipodamo de Mileto 19 Filósofo contemporâneo de Sócrates protagonista do diá logo pseudoplatónico que tem esse nonie 286 fazer baixar Teages das alturas da filosofia mas os cuida dos com a sua doença física o afastam da política e o re têm Quanto ao nosso caso o sinal divino 20 não merece a pena que se fale dele pois ninguém ou quase o teve no passado E os que se tornaram membros desse pequeno gru po que provaram a doçura e beatitude desse bem quando viram suficientemente a loucura da multidão e que nin guém executa nada de sensato por assim dizer no governo dos Estados nem há aliado em cuja companhia pudessem prestar socorro à justiça ficando a são e salvo mas antes como se fosse um homem que tivesse caído no meio das fe ras sem querer colaborar nos seus desmandos nem ser ca paz de sozinho resistir a todo esse bando selvagem perece antes de poder ser de qualquer utilidade à cidade ou aos amigos sem vantagem para si mesmo nem para os outros depois de reflectirem em tudo isto mantêmse tranquilos e ocupamse dos seus afazeres como quem surpreendido por uma tempestade se abriga atrás de um muro do turbilhão de poeira e do aguaceiro levantados pelo vento eles ao ve rem os outros alagados em injustiça sentemse felizes se vi verem neste mundo puros de injustiça e de impiedade e se se libertarem desta vida com boa disposição e animosos acompanhados de uma formosa esperança Com certeza confirmou ele que tal libertação não seria consequência de ter feito pouco Nem seria por ter feito o máximo repliquei eu uma vez que não lhe coube em sorte a governação que lhe competia pois se estivesse onde lhe cumpria ele pessoal mente engrandeciase e junto com os interesses próprios salvava os da comunidade 20 O famoso õmµóvwv de que se fala também na Apologia 31d e cuja interpretação tem sido objecto de muita controvérsia 287 e d e 497a Relativamente à causa das calúnias contra a filosofia e à sua injustiça acho que já dissemos bastante a menos que tenhas qualquer outra alegação a fazer Nada mais tenho a acrescentar a esse respeito Mas dos governos actuais qual entendes que se coaduna com a filosofia b Nenhum mas queixome disso mesmo de que ne nhum dos actuais sistemas de governo é merecedor do ca rácter de um filósofo Por esse motivo é que ele se altera e deteriora tal como uma semente estranha semeada num terreno diferente costuma adulterarse e se submete adap tandose ao local assim também esta espécie na actualidade não pode reter a sua força própria mas degenera num ca rácter diverso Mas se vier a depararselhe uma constitui e ção excelente como excelente é a sua qualidade então a ex periência demonstrará que ele era na realidade divino e o resto maneira de ser e ocupações humano Ora é eviden te que depois disto me vais perguntar qual é essa constituição Não senhor disse ele não era isso que eu ia per guntar mas se é a constituição que delineámos ao fundar a cidade ou outra É essa mesma em tudo excepto naquilo mesmo que já então se disse que era preciso que estivesse sempre pre sente na cidade um certo elemento possuidor de uma teo d ria lógica da constituição idêntica à que 0possuías tu o legis ladorquando elaboraste as leis Dissese efectivamente Mas não ficou suficientemente esclarecido com re ceio de que as vossas objecções provassem a extensão e difi culdade da demonstração Além disso o que me resta não é do mais fácil de expor 0 quê 288 A maneira como a cidade deve tratar a filosofia para não se perder Pois tudo o que é grandioso é perigoso e é verdade como diz o adágio que o que é belo é difícil Mas de qualquer maneira que a tua demonstração e chegue ao fim depois de esclarecer este assunto Se alguma coisa me impedir de o fazer não é o não querer disse eu mas o não poder Reconhecerás em pessoa até onde vai o meu empenho Mas repara agora ain da com quanto ardor e risco me proponho afirmar que o Estado deve ocuparse deste estudo exactamente ao contrá rio do que faz agora Como Actualmente disse eu os que encetam sequer es tes estudos são adolescentes que mal saíram da infância no 498a intervalo antes de chegarem à economia doméstica e negó cios que mal se aproximam da parte mais difícil a deixam ficar e são esses os que se imagina que são grandes filóso fos a parte mais difícil a que me refiro é a dialéctica De pois disto se acaso consentem quando instados em ouvir outros tratar de filosofia julgam que fazem uma grande coi sa pois entendem que ela não é mais do que um passatem po quando chegam à velhice salvo raras excepções extin guemse muito mais do que o Sol de Heraclito na medida b em que não tomam a acenderse 21 E então como é que deve ser Exactamente ao contrário Quando são adolescentes e crianças deve empreenderse uma educação filosófica 22 21 O fr 6 Diels de Heraclito diz todos os dias há um Sol novo Cf também Aristóteles Meteor B 2 355a 22 A palavra pLAoamptu denota neste passo do texto como aliis em outros autores do séc IV aC um conjunto de estudos o respectivo plano será desenvolvido mais adiante 536de 289 juvenil cuidando muito bem dos corpos em que se desen volvam e em que adquiram a virilidade pois eles são desti nados a servir a filosofia À medida que avançam na idade em que o aluno começa a atingir a maturidade devem in tensificar os exercícios que lhe dizem respeito quando as e forças os abandonarem e os puserem à margem da política e da guerra então devem deixarse pastar em liberdade como os animais sagrados e não fazer mais nada a não ser como passatempo se se quiser que vivm felizes e que de pois de alcançarem o termo da vida que lhes coube entrem na posse do destino no além que está à sua altura Como me parece realmente ó Sócrates que falas com entusiasmo Suponho no entanto que a maioria dos teus ouvintes te vai oferecer uma oposição ainda mais entu siástica pois não estão nada dispostos a concordar começan do por Trasímaco Não nos desunas a mim e a Trasímaco que ainda há d pouco ficámos amigos apesar de não sermos inimigos antes Não omitirei nenhuma tentativa até o persuadirmos a ele e aos outros até lhes sermos úteis na vida do além quando nascerem de novo 23 e se lhes depararem discussões desta espécie Falas de um prazo curto não há dúvida Coisa de nada em relação à totalidade do tempo Em todo o caso o facto de a multidão não acreditar no que se dissegão é motivo nenhum de espanto Com efeito nunca viram realizado o que agora foi anunciado mas pelo con e trário ouviram expressões desta espécie propositadamente 23 A doutrina da transmigração aceite por Platão noutros diálogos no mito do Fedro por exemplo será fundamental no mito de Er com que encerra esta obra 290 em concorrenc1a umas com as outras e não como agora sucedeu com uma cadência espontânea Mas um homem em consonância com a virtude e regulado pela sua cadência na perfeição até aos limites do possível em actos e em pala vras a governar noutro Estado da espécie deste é coisa que 499a eles jamais viram nem um nem muitos Ou julgas que sim De modo nenhum certamente Tãopouco escutaram suficientemente meu caro amigo discursos belos e nobres daqueles em que se procura esforçadamente a verdade de todas as maneiras pelo desejo de a conhecer saudando à distância os bonitos e as disputas e tudo aquilo que não tende para mais nada senão para a aparência e a discórdia quer nos tribunais quer nas reu niões particulares Nada disso confirmou ele Por tais motivos disse eu e com esta preocupa ção é que então dissemos apesar do nosso receio mas for b çados pela verdade que não há Estado nem governo nem sequer um indivíduo que do mesmo modo possa jamais tor narse perfeito antes que a esses filósofos pouco numerosos a que agora chamam não perversos mas inúteis a necessi dade saída das circunstâncias os force quer queiram quer 24 Na frase anterior Sócrates tinha empregado a figura da 1rapoµolirL usando duas palavras de terminação igual yevóµevov Xeyóµevov consonância essa que procurámos manter vertendo esses partiápios por realizadoanunciado Referese também a raplnwrt igualdade de frases para concluir que tais harmo nias deviam aplicarse antes à virtude As figuras de retórica aqui criticadas tinham sido postas em voga pelos Sofistas principal mente Górgias eram ensinadas nas escolas e provavelmente neste passo está a ser visado Isócrates o seu mais regular e hábil praticante 291 não a ocuparse do Estado e que este lhes obedeça ou e antes que um verdadeiro amor da filosofia verdadeira por qualquer inspiração divina se apodere dos filhos ou dos próprios homens que estão actualmente no poder ou ocu pam o sólio real 25 Dizer que uma ou outra destas hipóteses é impossível de se dar ou nenhuma delas acho que não há razão para tal Se assim fosse seria justo que troçassem de nós por não passarmos nas nossas conersas de meras fan tasias Não é assim É Por conseguinte se a filósofos eminentes se deparou a necessidade de se ocuparem do governo na imensidão do tempo passado ou se ela actualmente existe em qualquer d país bárbaro situado longe das nossas vistas ou se vier al gum dia a existir nós estamos dispostos a sustentar a esse respeito que existiu a dita constituição que existe e que existirá quando essa Musa 26se assenhorear do Estado em bora também da nossa parte se concorde que é difícil Também a mim me parece Dirás porém que a multidão não é desse parecer Talvez Z emse visto aqui sobretudo por causa da alusão aos filhos dos re1sj um incitamento a Dionísio I e a Dionísio o Moço o que a aceitarse constituiria uma referência cronológica para a datação desta parte do diálogo Assim Gray apud Adam situaa entre a primeira e a segunda viagem de Platão à Sicília logo após a morte de Dionísio 1 Adam observa no entanto que aquele tirano fale ceu em 367 aC e a segunda viagem do filósofo teria sido imedia tamente a seguir 26 A da filosofia 292 Meu caro amigo não acuses assim a multidão Terá outra opinião se sem questionares com ela mas aconse e lhandoa e desfazendo as acusações contra o gosto pelo sa ber lhe apontares quais são aqueles a que chamas filósofos e lhe definires como fizemos há pouco a sua maneira de ser e ocupação para não julgarem que te referes aos que 500a eles têm como tais ou mesmo que os vejam desse modo dirás que formarão outra opinião e que responderão de modo diferente 27 Ou julgas que alguém se zanga com quem não se irrita ou que se tem inveja a quem não é inve joso quando se é sem inveja e cordato Antecipandome à tua resposta declaro que em meu entender um feitio assim difícil pode encontrarse num pequeno número mas não na maiona Concordo sem dúvida Portanto concordarás também com o seguinte cul b pados dessa atitude hostil da maior parte das pessoas para com a filosofia são os que irromperam como ébrios pela casa dela dentro contra as conveniências e injuriandose uns aos outros comportandose com má vontade 28 e disci1 tindo sempre no plano individual fazem o que é menos adequado à filosofia Mesmo nada adequado respondeu ele 27 Esta frase que Bumet considera interpolada e por isso co loca entre parênteses rectos tem sido emendada de várias manei ras A melhor será talvez a de Baiter que se limita a alterar 70L em 7m e a pontuar em consequência obtendo o sentido seguinte ou mesmo que os vejam desse modo negarás que formarão ou tra opinião e responderão de maneira difertinte 28 É este um dos passos onde seguramente se visa Isócrates pois o orador respondeulhe com as mesmas palavras no discurso Sobre a Permuta 260 293 É que não há vagar ó Adimanto para quem verda deiramente aplica o seu pensamento às essências de olhar e para baixo para os actos dos homens de lutar com eles en chendose de inveja e malevolência mas olhando e con templando objectos ordenados e que se mantêm sempre do mesmo modo que não prejudicam nem são prejudicados uns pelos outros todos em ordem e comportandose segun do a razão 29 é isso que imitamos e a isJO nos assemelhamos o mais possível Ou achas que há alguma maneira de não imitar aquele com quem convivemos se o admirarmos É impossível responder Ora certamente o filósofo convivendo com o que é d divino e ordenado tomarseá ordenado e divino até onde é possível a um ser humano Embora em toda a parte se mul tipliquem os detractores Absolutamente Logo se surgir qualquer necessidade de cuidar que se instaure nos hábitos dos homens particulares e públicos o que ele lá viu sem se limitar a modelarse a si mesmo acaso julgas que será um mau criador de temperança justiça e de toda a virtude do povo De modo nenhum Mas se a multidão sentir que lhe dizemos a verdade e sobre os filósofos serlhesão hostis e desconfiarão de nós quando lhes afirmamos que jamais um Estado poderá ser feliz se não tiver sido delineado por esses pintores que utili am o modelo divino Não lhes serão hostis se sentirem que assim é Mas 501a depois qual será a maneira de traçar esse desenho que dizes 29 Comparese o fr 910 Nauck2 de Eurípides que alguns su põem referirse a Anaxágoras Adam comm ad locum 294 Pegarão no Estado e nos caracteres dos homens como se fosse uma tábua de pintura primeiro tomálaiam limpa coisa que não é lá muito fácil Sabes no entanto que seriam diferentes dos outros logo neste ponto não quere rem ocuparse de um particular nem de um Estado nem de delinear as leis antes de a receberem limpa ou a limparem eles Com razão Não achas que depois disto farão o esboço da forma da constituição Sem dúvida Seguidamente penso que aperfeiçoando o seu traba b lho olharão frequentemente para um lado e para outro para a essência da justiça da beleza da temperança e virtudes congéneres e para a representação que delas estão a fazer nos seres humanos compondo e misturando as cores se gundo as profissões para obter uma forma humana divina baseandose naquilo que Homero quando o encontrou nos homens apelidou de divino e semelhante aos deuses30 Com razão E umas vezes julgo eu apagarão outras pintarão de novo até que até onde for possível façam simples caracte e res humanos tão do agrado dos deuses quanto podem sêlo Seria certamente uma belíssima pintura Ora pois continuei eu acaso não persuadimos de algum modo aqueles que disseste que se preparavam para disparar contra nós de que este desenhador de constituições é tal como aquele cujo elogio fizemos e a quem levaram a mal que entregássemos os Estados e acaso não ficam mais calmos ao ouvir agora estas afirmações 30 Ilíada 1 131 295 Ficam muito mais certamente se forem sensatos d Que teriam portanto que discutir Que os filósofos não são uns apaixonados do Ser e da verdade Seria absurdo Ou então que a sua natureza que nós analisámos não é afim do supremo bem Também não E então Que uma natureza destras se se lhe deparar a ocupação que lhe convém não virá a ser perfeitamente boa e filosófica como nenhuma Ou dirá 31 que serão de preferência aquelas que nós excluímos e Sem dúvida que não Enfurecerseão ainda quando dissermos que antes de a raça dos filósofos se assenhorear do Estado não haverá trégua de desgraças para o Estado nem para cidadãos nem a constituição que imaginamos em palavras se objectívará nos factos Talvezse enfureçam menos Queres então que digamos em vez de menos que 502a eles se tomaram absolutamente dóceis e ficaram persuadi dos de molde a concordarem se não for por mais nada ao menos por vergonha Perfeitamente Seja portanto assim eles estão convencidos Quem Poderá contestar que se pode dar o caso de nascerem filhos de reis ou de governantes filósofos por natureza Não há ninguém que possa 31 A emenda lfÍITEL dirá de Adam adoptada no texto de Burnet supõe a passagem do plural das pessoas que objectavam para o singular o que não é raro em Platão 296 Pode alguém dizer que se tivessem nascido com essa qualidade é absolutamente forçoso que se corrompam Que é difícil que se salvem até nós concordamos Mas que b em todos os tempos nem um só se salvasse jamais entre to dos há quem o discuta Como haveria Mas realmente basta um que mantenha a cidade obediente para executar tudo aquilo em que agora não se acredita Basta concordou ele E se ele estiver no poder e instituir as leis e costumes que expusemos sem dúvida que não é impossível que os cidadãos queiram cumprilas De modo nenhum Ora pois aquilo que nos parece bem é surpreendente e impossível que o pareça a outros Eu por mim acho que não e Ora que isso é o melhor desde o momento em que seja possível já o analisámos o suficiente anteriormente se gundo creio Suficientemente sim Agora segundo me parece podemos concordar rela tivamente à legislação que o nosso plano é o melhor se se realizar que é difícil de se executar contudo não é impos sível Podemos Portanto uma vez que chegámos e com dificuldade ao fim da questão tratemos do que nos resta depois disto da maneira e a partir de que ciências e exercícios haverá sal d vadores da constituição e em que idade cada um deles em preenderá cada um desses trabalhos Temos de tratar disso 297 De nada me serviu a habilidade de passar à margem anteriormente da dificuldade da posse das mulheres da procriação de filhos e da nomeação dos chefes sabendo como a verdade completa seria odiosa e difícil de executar Pois agora sobreveio uma necessidade não inferior de ana e lisar essa questão O que se refere às mulheres e filhos está provado mas o que é relativo aos chefes tem de ser tratado como se fosse desde o princípio Dizíos nós se bem te 503a lembras que eles deviam mostrar como amavam o seu país sendo experimentados no prazer e na dor e que ninguém devia vêlos rejeitar esta doutrina nem nos trabalhos nem nos temores nem em qualquer outra alteração aliás deve ria excluirse quem quer que não fosse capaz disto mas aquele que saísse de todas estas situações puro como o ouro provado ao fogo deveria colocarse na chefia atribuírem selhe honrarias em vida e depois de morto e recompensas Foi mais ou menos isto que eu disse passando ao largo da b discussão e velandoa com receio de pôr em movimento a questão que agora se nos apresenta e Dizes a verdade que eu lembrome Eu hesitava meu amigo em dizer o que acabo de me atrever a declarar E agora ousemos afumar o seguinte que se queremos guardiões muito perfeitos devemos nomear fi lósofos Afirmese então Pensa como é natural que eles sejam poucos pois quanto à natureza que segundo a nossa análise deve existir nos filósofos as partes que a formam raramente nascem juntas mas nascem separadas a maior parte das vezes Que queres dizer O dom de aprender com facilidade memória agudeza e prontidão de espírito e outros que os acompanham bem 298 sabes que não se combinam naturalmente com a energia e grandeza de alma capazes de fazerem levar uma vida sóbria com tranquilidade e segurança Pelo contrário as pessoas com tais predicados deixamse levar para onde calhar pela sua vivacidade e toda a sua estabilidade desaparece Dizes a verdade Ora por outro lado os caracteres sólidos e difíceis de alterar em quem se podia confiar mais e que em combate d são inabaláveis perante o temor comportamse do mesmo modo nos estudos São parados e aprendem com dificulda de como se estivessem entorpecidos cheios de sono e a bo cejar quando têm de executar um trabalho dessa espécie É assim mesmo Mas nó dizemos que eles precisavam de participar harmoniosamente de ambos os géneros de qualidades caso contrário não valia a pena receberem a mais apurada das educações nem as honrarias e o poder E com razão E porventura não achas que será raro esse conjunto de qualidades Como não havia de sêlo Por conseguinte têm de se pôr à prova dos trabalhos e temores e prazeres que há pouco mencionámos e ainda da quilo que então deixámos ficar mas que agora referimos que precisam de se exercitar em muitas ciências para ver se são capazes de aguentar estudos superiores ou se sentem re ceio deles como aqueles que têm medo nos demais casos 32 504a 32 Traduzimos segundo o texto de Bumet que conserva aqui a lição dos manuscritos Umc embora a correcção de Orelli 0Àot que outros editores adoptam torne a frase muito mais da ra das lutas gímnicas 299 b e Convém certamente que se veja se são capazes Mas que estudos superiores são esses que dizes Deves lembrarte prossegui eu que distinguimos três partes da alma e concluímos relativamente à justiça temperança coragem e sabedoria o que cada uma delas era Se não me lembrasse respondeu ele não teria di reito a escutar o que te falta dizer E o que se disse antes disso O quê Dissemos nós que para ser possível contemplar estas perfeições tinha de se dar uma grande volta após a qual se tomavam visíveis mas que se podia conseguir fazer uma de monstração correspondente ao que anteriormente se afir mara Vós declarastes que era o bastante e assim se fez uma exposição que segundo me parecia deixava a desejar Mas se vos agrada dizeio Para mim estava na boa medida e também para os outros Mas meu amigo repliquei eu em casos destes uma medida que deixa a desejar por pouco que seja da rea lidade não é de modo algum uma boa medida 33 porquanto não pode haver uma medida imperfeita seja do que for Mas às vezes certas pessoas entendem que já basta e que não é preciso para nada prosseguir as investigações Até há muitos que aceitam que seja assim por indo ência Tal aceitação prossegui eu é a atitude que menos deve ter um guardião do Estado e das leis 33 Procurámos dar na tradução o jogo de palavras do original baseado no sentido etimológico do advérbio µETplw com me dida O µihpov medida deve ser perfeito conforme se pre àsa no Político 284ab e no Filebo 64de 66a 300 Naturalmente corroborou ele Logo meu amigo ele tem de ir pelo caminho mais longo e que não se esforce menos nos estudos do que nos d exercícios físicos ou então como ainda agora dissemos ja mais atingirá o fim da ciência que é a mais elevada e a que mais lhe convém Então não é esta a mais elevada Há ainda algo de su perior à justiça e às outras qualidades que analisámos Não só superior repliquei mas também não de vemos apenas contemplar como até agora o respectivo es boço mas sim não deixar de observar a obra acabada Ou não seria ridículo pôr todo o empenho noutras coisas de pouca valia esforçandonos por que sejam o mais exactas e e perfeitas que é possível e não entender que as coisas mais importantes merecem a maior exactidão Exactamente respondeu é um pensamento dig no 34 Mas quanto a esse estudo mais elevado e ao objecto que lhe atribuisjulgas que alguém te largará sem te pergun tar qual é De modo algum Mas interroga tu mesmo De resto já o ouviste não poucas vezes e agora ou não te lembras ou então estás disposto a reterme causandome dificuldades 505a Julgo que é mais por esta razão uma vez que já me ouviste afumar com frequência que a ideia do bem é a mais elevada das ciências e que para ela é que a justiça e as outras virtu des se tomam úteis e valiosas E agora já calculas mais ou menos que é isso que vos vou dizer e além disso que não 34 A frase foi excluída do texto por Schleiermacher Seguiuo Adam e também Burnet não só porque as palavras não se ajustam bem ao sentido como porque parecem um comentário à margem por algum monge que depois fosse indevidamente incorporldo 301 conhecemos suficientemente essa ideia Se a não conhece mos e se à parte essa ideia conhecermos tudo quanto há b sabes que de nada nos serve da mesma maneira que nada possuímos se não tivermos o bem Ou julgas que vale de muito possuirqualquer coisa que seja se ela não for boa Ou conhecer tudo o mais excepto o bem e não conhecer nada de belo e bom Por Zeus que não Mas na verdade sabes também que para a maioria é o prazer que se identifica com o bem ao passo que para os mais requintados é o saber Pois não E que os que assim pensam meu amigo não são ca pazes de explicar o que é o saber mas acabam por ser força dos a dizer que é o saber do bem Coisa que é bem ridícula e E como não o seria se censurandonos por não co nhecermos o bem falam em seguida como se o conhecêsse mos Declaram que é o saber do bem como se nós com preendêssemos o que eles querem dizer quando proferem a misteriosa palavra bem É verdade E agora os que definem o bem como prazer Acaso estão menos eivados de erro do que os outros Ou não são também eles forçados a concordar que há prazeres maus Seguramente que sim Acontece então segundo julgo que têm de concor dar que as mesmas coisas são boas e más Ou não d Sem dúvida Não é evidente que a este respeito há grandes e fre quentes discussões Como não haveria de havêlas 302 Pois então E não é evidente que quanto ao justo e ao belo muitas pessoas escolherão as aparências e ainda que não tenham realidade mesmo assim é isso que querem pra ticar possuir e aparentar ao passo que quanto ao bem a ninguém basta já possuir a aparência mas procuram a reali dade e nesse pontojá toda a gente despreza aparência Exactamente Ora aquele bem que toda a alma procura e por cau sa do qual faz tudo adivinhandolhe o valor embora fican e do na incerteza e sendo incapaz de apreender ao certo o que é nem de se apoiar numa crença sólida como relativa mente a outras coisas motivo por que perde também as ou tras no caso de lhe poderem ser úteis acerca de tal e ta 506a manho bem havemos de dizer que deve ficar nas trevas tal como aqueles que são os melhores na cidade em cujas mãos tudo entregaremos De modo nenhum Entendo pelo menos que não vale muito a pena que o justo e o belo sem se saber onde está o bem tenham um guardião enquanto ele desconhecer essa relação e profetizá que antes disso ninguém conhecerá suficientemente ne nhum desses bens Profetizas bem Acaso a nossa constituição não estará perfeitamente organizada se velar por ela um guardião detentor desse co b nhecimento É forçoso Mas agora tu ó Sócrates que é que tu afu mas que seja o bem a ciência ou o prazer ou qualquer ou tra coisa Olá amigo Há muito que eu estava mesmo a ver que não te servia a opinião dos outros a este respeito 303 É que também não me parece justo ó Sócrates que se saiba expor as doutrinas alheias e as próprias não quando e uma pessoa se ocupa destas questões há tanto tempo Ora essa exclamei eu Parecete justo que uma pessoa fale sobre aquilo que ignora como se o soubesse Não é como se soubesse mas como se entendesse consentir em dizer aquilo que pensa Ora essa Não te apercebes de comeas doutrinas sem base no saber são uma vergonha Dentre essas são cegas as melhores ou achas que diferem nalguma coisa de cegos que caminham por uma estrada aqueles que têm qualquer opinião verdadeira sem perceberem Não diferem nada Queres então contemplar coisas vergonhosas cegas d tortas sendo lícito ouvir coisas brilhantes e formosas Por Zeus ó Sócrates interveio Gláucon não te detenhas como se tivesses chegado ao fim Basta que nos faças uma exposição sobre o bem tal como a fizeste sobre a justiça a temperança e as outras qualidades Também me bastará a mim e por completo meu amigo Todavia com receio de não ser capaz pode o meu zelo desajeitado chegar a causar o riso Mas meus caros va e mos deixar por agora a questão de saber o que é o bem em si pareceme grandioso de mais para com o impulso que presentemente levamos poder atingir por agora o meu pensamento acerca dele O que eu quero é exporvos o que me parece ser filho do bem e muito semelhante a ele se tal vos apraz caso contrário deixaremos isso Diz lá Para outra vez pagarás a explicação que nos deves acerca do pai 507a Tomara que eu a pudesse pagar e vós recebêla e não como agora darvos só os juros Recebei portanto este 304 juro e este filho do bem cm si Mas tende cuidado em que não vos engane sem querer entregandovos contas falsas do juro Teremos cuidado até onde pudermos Mas fala então Só depois de termos chegado a um acordo e de eu vos ter lembrado o que anteriormente dissemos e que já em muitas outras ocasiões se afirmou O quê perguntou ele b Que há muitas coisas belas e muitas coisas boas e outras da mesma espécie que dizemos que existem e que distinguimos pela linguagem Dissemos sim E que existe o belo em si e o bom em si e do mesmo modo relativamente a todas as coisas que então postulámos como múltiplas e inversamente postulámos que a cada uma corresponde uma ideia que é única e chamamoslhe a sua essência É isso E diremos ainda que aquelas são visíveis mas não inteligíveis ao passo que as ideias são inteligíveis mas não visíveis Absolutamente Por que meio vemos o que é visível Por meio da vista Ora bem Não percebemos o que é audível por meio da audição e tudo o que é sensível graças aos outros sentidos Pois então Porventura reflectiste como o demiurgo que fez os sentidos modelou com muito mais esmero a faculdade de ver e ser visto Não 305 e Mas repara A audição e a voz precisam de qualquer coisa de outra espécie para respectivamente ouvir e fazer d se ouvir de tal modo que se esse terceiro factor não esti ver presente a primeira não ouvirá e a segunda não será ouvida Não precisam de nada Julgo que não há muitas outras faculdades para não dizer nenhuma que necessitem de tal coisa Ou podes men cionar alguma Eu não respondeu ele Mas quanto à de ver e de ser visto não pensas que necessite disso Como assim Ainda que exista nos olhos a visão e quem a possui tente servirse dela e ainda que a cor esteja presente nas e coisas se não se lhes adicionar uma terceira espécie criada expressamente para o efeito sabes que a vista nada verá e as cores serão invisíveis Que é isso a que te referes É aquilo a que chamas luz Dizes a verdade Por conseguinte o sentido da vista e a faculdade de 508a ser visto estão ligados por um laço de uma espécie bem mais preciosa do que de todos os outros a menos que a luz seja coisa para desprezar A verdade é que está bem longe de ser desprezível Qual é dentre os deuses do céu 35 aquele a quem atribuis a responsabilidade deste facto de a luz nos fazer ver 35 Alude às constelações Supõese que este passo teria sido o principal responsável pelo desenvolvimento do culto do Sol entre os Neoplatónicos 306 da maneira mais perfeita que é possível e que seja visto o que é visível O mesmo que tu e os restantes pois é evidente que estás a perguntar pelo Sol Acaso a vista não se encontra na seguinte relação para com o deus Qual A vista não é o Sol nem ela nem o sítio onde se for ma a que chamamos os olhos b Pois não Mas são segundo creio de todos os órgãos dos senti dos os mais semelhantes ao Sol De longe E o poder 36 que possuem que lhes é dispensado por ele não é como se transbordasse de lá Absolutamente Porventura o Sol que não é a vista mas sua causa não é contemplado através desse mesmo sentido Assim é respondeu ele Podes portanto dizer que é o Sol que eu considero filho do bem que o bem gerou à sua semelhança o qual bem é no mundo inteligível em relação à inteligência e ao e inteligível o mesmo que o Sol no mundo visível em relação à vista e ao visível Como Explicame melhor Sabes que os olhos prossegui eu quando se vol tam para objectos cujas cores já não são mantidas pela luz do dia mas pelos clarões nocturnos 37 vêem mal e parecem quase cegos como se não tivessem uma visão clara 36 Entendase o poder da visão 37 Estes clarões nocturnos representam não uma luz natural e primária como a do Sol mas uma artificial ou derivada como a da Lua 307 d e Exactamente Mas quando se voltam para os que são iluminados pelo Sol acho que vêem nitidamente e tornase evidente que esses mesmos olhos têm uma visão clara Sem dúvida Portanto relativamente à alma reflecte 35im quan do ela se fixa num objecto iluminado pela verdade e pelo Ser compreendeo conheceo e parece inteligente porém quando se fixa num objecto ao qual se misturam as trevas o que nasce e morre só sabe ter opiniões vê mal alterando o seu parecer de alto a baixo e parece já não ter inteligência Parece realmente Fica sabendo que o que transmite a verdade aos objec tos cognoscíveis 38 e dá ao sujeito que conhece esse poder 39 38 O estabelecimento destas equivalências entre o Sol e o Bem tomase muito claro no seguinte esquema de Adam Mundo visível Mundo inteligível 1 Sol 2 Luz 3 Objectos da visão cores 4 Sujeito que vê 5 Órgão da visão olhos 6 Faculdade da visão lílfLo Ideia do Bem Verdade Objectos do conhecimento ideias Sujeito cognoscente Órgão do conhecimento vou Faculdade da razão vou 7 Exercício da visão Exercício da razão vou i e lílfL ópêiv vÓln VWOL e1TLOTTJµll 8 Aptidão para ver Aptidão para conhecer O mesmo comentador observa que os elementos místicos compreendidos neste símile se desenvolveram depois em Plotino e no Neoplatonismo em geral Sobre a mística da luz comparese o mito do Pedro 39 O poder õúvaµL de conhecer como nota Adam não é a faculdade do conhecimento ou razão mas o poder de exercer essa 308 é a ideia do bem Entende que é ela a causa do saber e da verdade na medida em que esta é conhecida mas sendo ambos assim belos o saber e a verdade terás razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que eles E tal como se pode pensar correctamente que neste mundo a luz e a vista são semelhantes ao Sol mas já não é certo tomálas pelo Sol da mesma maneira no outro é correcto considerar a ciência e a verdade ambas elas semelhantes ao bem mas não está certo tomálas a uma ou a outra pelo bem mas sim formar um conceito ainda mais elevado do que seja o bem Refereste a uma beleza prodigiosa se é ela que transmite o saber e a verdade mas que os excede ainda em beleza Pois sem dúvida que não é ao prazer que estás a aludir Para longe vá o agouro 40 Mas observa ainda melhor a imagem do bem 509a Como h Reconhecerás que o Sol proporciona às coisas visí veis não só segundo julgo a faculdade de serem vistas mas também a sua génese crescimento e alimentação sem que seja ele mesmo a génese Como assim Logo para os objectos do conhecimento dirás que não só a possibilidade de serem conhecidos lhes é propor faculdade escassamente diferente na verdade do exercício da ra zão em si O mesmo comentador acrescenta que Aristóteles faria equivaler a esta 8úvaµt a sua noção de evépHa 40 O verbo grego a que fizemos corresponder esta exclamação significa pronunciar pJavras de bom augúrio donde o sentido derivado de evitar palavras de mau augúrio ou até guardar um silêncio religioso Era portanto da linguagem do culto 309 cionada pelo bem como também é por ele que o Ser e a es sência lhes são adicionados apesar de o bem não ser uma essência mas estar acima e para além da essência pela sua dignidade e poder e Com ar muito cómico Gláucon exclamou Valhanos Apolo Que transcendência tão divinal O culpado és tu respondi que me obrigas a ex primir a minha opinião sobre o assunto Não pares de maneira nenhuma Ainda que não queiras ir mais longe ao menos trata de novo da analogia com o Sol a ver se escapou alguma coisa Realmente são muitas as coisas que eu deixo escapar Então não deixes ficar nenhuma por pequena que seja Suponho que deixarei e muitas Mesmo assim até onde for possível nas circunstâncias presentes não será por querer que a omito Tem cuidado d Imagina então comecei eu que conforme disse mos eles 41 são dois e que reinam um na espécie e no mun do inteligível o outro no visível Não digo no céu não vás tu julgar que estou a fazer etimologias com o nome 42 Compreendeste pois estas duas espécies o visível e o inte ligível Compreendi 41 Entendase o Sol e a Ideia do Bem 42 Se chamasse ao Sol rei do céu cxTteu mpavov pare ceria sugerir o parentesco entre oupavó cém e ópcxlÓV visí vel género de etimologia popular que provavelmente era cor rente no tempo de Platão e que de resto não destoaria de muitas outras que o filósofo aceitou no Crátilo 310 Supõe então uma linha cortada em duas partes desi guais corta novamente cada um dos segmentos segundo a mesma proporção o da espécie visível e o da inteligível e obterás no mundo visível segundo a sua claridade ou obs curidade relativa uma secção a das imagens Chamo ima e gens em primeiro lugar às sombras seguidamente aos re flexos nas águas e àqueles que se formam em todos os 510a corpos compactos lisos e brilhantes e a tudo o mais que for do mesmo género se estás a entenderme Entendo sim Supõe agora a outra secção da qual esta era imagem a que nos abrange a nós seres vivos e a todas as plantas e toda a espécie de artefactos Suponho Acaso consentirias em aceitar que o visível se divide no que é verdadeiro e no que não o é e que tal como a opi nião está para o saber assim está a imagem para o modelo Aceito perfeitamente b Examina agora de que maneira se deve cortar a sec ção do inteligível Como Na parte anterior a alma servindose como se fos sem imagens dos objectos que então eram imitados é for çada a investigar a partir de hipóteses sem poder caminhar para o princípio mas para a conclusão ao passo que na outra parte a que conduz ao princípio absoluto parte da hipótese e dispensando as imagens que havia no outro faz caminho só com o auxílio das ideias Não percebi bem o que estiveste a dizer V amos lá outra vez disse eu que compreenderás e melhor o que afirmei anteriormente Suponho que sabes que aqueles que se ocupam da geometria da aritmética e 311 ciências desse género admitem o par e o ímpar as figuras três espécies de ângulos e outras doutrinas irmãs destas se gundo o campo de cada um Estas coisas dãonas por sabi das e quando as usam como hipóteses não acham que ain da seja necessário prestar contas disto a si mesmos nem aos outros uma vez que são evidentes para todos E partindo d daí e analisando todas as fases e tirando as consequências atingem o ponto a cuja investigação se tinham abalançado Isso seio perfeitamente Logo sabes também que se servem de figuras visíveis e estabelecem acerca delas os seus raciocínios sem contudo pensarem neles mas naquilo com que se parecem fazem os seus raciocínios por causa do quadrado em si ou da diagonal e em si mas não daquela cuja imagem traçaram e do mesmo modo quanto às restantes figuras Aquilo que eles modelam ou desenham de que existem as sombras e os reflexos na água servemse disso como se fossem imagens procurando 511a ver o que não pode avistarse senão pelo pensamento Falas verdade Portanto era isto o que eu queria dizer com a classe do inteligível que a alma é obrigada a servirse de hipóteses ao procurar investigála sem ir ao princípio pois não pode elevarse acima das hipóteses mas utilizando como imagens os próprios originais dos quais eram feitas as imagens pelos objectos da secção inferior pois esses também em compara ção com as sombras eram considerados e apreciados como mais claros b Compreendo que te referes ao que se passa na geo metria e nas ciências afins dessa Aprende então o que quero dizer com o outro seg mento do inteligíveL daquele que o raciocínio atinge pelo poder da dialéctica fazendo das hipóteses não princípios 312 mas hipóteses de facto uma espécie de degraus e de pontos de apoio para ir até àquilo que não admite hipóteses que é o principio de tudo atingido o qual desce fixandose em to das as consequências que daí decorrem até chegar à conclu são sem se servir em nada de qualquer dado sensível mas e passando das ideias umas às outras e terminando em ideias Compreendo mas não o bastante pois me parece que é uma tarefa cerrada essa de que falas que queres de terminar que é mais claro o conhecimento do ser e do inte ligível adquirido pela ciência da dialéctica do que pelas cha madas ciências cujos princípios são hipóteses os que as estudam são forçados a fazêlo pelo pensamento e não pe los sentidos no entanto pelo facto de as examinarem sem subir até ao princípio mas a partir de hipóteses parecete d que não têm a inteligência desses factos embora eles sejam inteligíveis com um primeiro princípio Pareceme que cha mas entendimento 43 e não inteligência o modo de pensar dos geómetras e de outros cientistas como se o entendimen to fosse algo de intermédio entre a opinião e a inteligência Apreendeste perfeitamente a questão observei eu Pega agora nas quatro operações da alma e aplicaas aos quatro segmentos no mais elevado a inteligência no segundo o entendimento ao terceiro entrega a fé e ao últi e mo a suposição e colocaos por ordem atribuindolhes o mesmo grau de clareza que os seus respectivos objectos têm de verdade Compreendo disse ele concordo e vou ordená los como dizes 43 Esta definição de õuívoux que é da autoria de Platão pare ce querer sugerir como nota Adam uma suposta etimologia que tirasse de õuí entre o sentido de entre vou inteligência e õ6ça opinião 313 LIVRO VII Depois disto prossegui eu imagina a nossa natu reza relativamente à educação ou à sua falta de acordo com a seguinte experiência Suponhamos uns homens numa ha bitação subterrânea em forma de caverna com uma entrada aberta para a luz que se estende a todo o comprimento des sa gruta Estão lá dentro desde a infância algemados de per nas e pescoços de tal maneira que só lhes é dado permane cer no mesmo lugar e olhar em frente são incapazes de voltar a cabeça por causa dos grilhões servelhes de ilumi nação um fogo que se queima ao longe numa eminência por detrás deles entre a fogueira e os prisioneiros há um ca minha ascendente ao longo do qual se construiu um pe queno muro no género dos tapumes que os homens dos robertos colocam diante do público para mostrarem as suas habilidades por cima deles Estou a ver disse ele Visiona também ao longo deste muro homens que 514a b transportam toda a espécie de objectos que o ultrapassam e estatuetas de homens e de animais de pedra e de madeira 515a de toda a espécie de lavor como é natural dos que os trans portam uns falam outros seguem calados Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas observou ele 315 Semelhantes a nós continuei Em primeiro lugar pensas que nestas condições eles tenham visto de si mes mo e dos outros algo mais que as sombras projectadas pelo fogo na parede oposta da caverna b Como não respondeu ele se são forçados a man ter a cabeça imóvel toda a vida E os objectos transportados Não se passa o mesmo com eles Sem dúvida Então se eles fossem capazes de conversar uns com os outros não te parece que eles julgariam estar a nomear objectos reais quando designavam o que viam É forçoso E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo Quando algum dos transeuntes falasse não te parece que eles não julgariam outra coisa senão que era a voz da sombra que passava Por Zeus que sim e De qualquer modo afirmei pessoas nessas condi ções não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objectos É absolutamente forçoso disse ele Considera pois continuei o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância a ver se regressados à sua natureza as coisas se passavam des te modo Logo que alguém soltasse um deles e o forçasse a endireitarse de repente a voltar o pescoço a andar e a olhar para a luz ao fazer tudo isso sentiria dor e o deslum d bramento impediloia de fixar os objectos cujas sombras via outrora Que julgas tu que ele diria se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs ao passo que agora esta va mais perto da realidade e via de verdade voltado para 316 objectos mais reais E se ainda mostrandolhe cada um des ses objectos que passavam o forçassem com perguntas a di zer o que era Não te parece que ele se veria em dificulda des e suporia que os objectos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam Muito mais afirmou Portanto se alguém o forçasse a olhar para a própria e luz doerlheiam os olhos e voltarseia para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia olhar e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam Seria assim disse ele E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e íngreme e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol não seria natural que ele se doesse e agastasse por ser assim arrastado e depois de che 516a gar à luz com os olhos deslumbrados nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objectos Não poderia de facto pelo menos de repente Precisava de se habituar julgo eu se quisesse ver o mundo superior Em primeiro lugar olharia mais facilmen te para as sombras depois disso para as imagens dos ho mens e dos outros objectos reflectidas na água e por últi 1mo para os próprios objectos A partir de então seria capaz de contemplar o que há no céu e o próprio céu durante a noite olhando para a luz das estrelas e da Lua mais facil b mente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia Pois não Finalmente julgo eu seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio mas a ele mesmo no seu lugar 317 Necessariamente Depois já compreenderia acerca do Sol que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo e visível e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo É evidente que depois chegaria a essas conclusões E então Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação e do saber que lá possuía dos seus companheiros de prisão desse tempo não crês que ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros Com certeza E as honras e elogios se alguns tinham então entre si ou prémios para o que distinguisse com mais agudeza os objectos que passavam e se lembrasse melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último d ou os que seguiam juntos e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer parecete que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero e seria seu intenso desejo servir junto de um homem pobre como servo da gleba 1 e antes sofrer tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele modo e Suponho que seria assim respondeu que ele so freria tudo de preferência a viver daquela maneira Imagina ainda o seguinte prossegui eu Se um homem nessas condições descesse de novo para o seu antigo posto não teria os olhos cheios de trevas ao regressar subi tamente da luz do Sol 1 Odisseia x1 489490 Estes versos já citados no princípio do Livro m 386c pertencem ao lamento proferido pela sombra de Aquiles quando Ulisses o felicita por continuar a ser rei no Hades 318 Com certeza E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os que tinham estado sempre prisioneiros no período em que ainda estava ofuscado antes de adaptar a 517a vista e o tempo de se habituar não seria pouco acaso não causaria o riso e não diriam dele que por ter subido ao mundo superior estragara a vista e que não valia a pena tentar a ascensão E a quem tentasse soltálos e conduzilos até cima se pudessem agarrálo e matálo não o matariam Matariam sem dúvida confirmou ele Meu caro Gláucon este quadro prossegui eu deve agora aplicarse a tudo quanto dissemos anteriormen b te comparando o mundo visível através dos olhos à caverna da prisão e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível não iludirás a minha expectativa já que é teu de sejo conhecêla O Deus sabe se ela é verdadeira Pois se gundo entendo no limite do cognoscível é que se avista a i custo a ideia do Bem e uma vez avistada compreendese e que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo que no mundo visível foi ela que criou a luz da qual é se nhora e que no mundo inteligível é ela a senhora da ver dade e da inteligência e que é preciso vêla para se ser sen sato na vida particular e pública Concordo também até onde sou capaz de seguir a tua imagem Continuemos pois disse eu Concorda ainda co migo sem te admirares pelo facto de os que ascenderam àquele ponto não quererem tratar dos assuntos dos homens antes se esforçarem sempre por manter a sua alma nas altu 319 d ras É natural que seja assim de acordo com a imagem que delineámos É natural confirmou ele Ora pois Entendes que será caso para admirar se quem descer destas coisas divinas às humanas fizer gestos disparatados e parecer muito ridículo porque está ofuscado e ainda não se habituou suficientemente às trevas ambien tes e foi forçado a contender em tribunais ou noutros luga res acerca das sombras do justo ou das imagens das som e bras e a disputar sobre o assunto sobre o que supõe ser a própria justiça quem jamais a viu Não é nada de admirar 518a Mas quem fosse inteligente redargui lembrarse ia de que as perturbações visuais são duplas e por dupla causa da passagem da luz à sombra e da sombra à luz Se compreendesse que o mesmo se passa com a alma quando visse alguma perturbada e incapaz de ver não riria sem ra zão mas reparava se ela não estaria antes ofuscada por falta de hábito por vir de uma vida mais luminosa ou se por vir de uma maior ignorância a uma luz mais brilhante não es b taria deslumbrada por reflexos demasiadamente refulgentes à primeira deveria felicitar pelas suas condições e pelo seu género de vida da segunda ter compaixão e se quisesse troçar dela séria menos risível essa zombaria do que se se aplicasse àquela que descia do mundo luminoso Falas com exactidão afirmou Temos então continuei eu de pensar o seguinte sobre esta matéria se é verdade o que dissemos a educação não é o que alguns apregoam que ela é Dizem eles que in c traduzem a ciência numa alma em que ela não existe como se introduzissem a vista em olhos cegos Dizem realmente 320 A presente discussão indica a existência dessa facul dade Ili alma e de um órgão pelo qual aprende como um olho que não fosse possível voltar das trevas para a luz se não juntamente com todo o corpo do mesmo modo esse órgão deve ser desviado juntamente com a alma toda das coisas que se alteram até ser capaz de suportar a contempla ção do Ser e da parte mais brilhante do Ser A isso chama mos o bem Ou não Chamamos A educação seria por conseguinte a arte desse dese jo a maneira mais fácil e mais eficaz de fazer dar a volta a d esse órgão não a de o fazer obter a visão pois já a tem mas Uma vez que ele não está na posição correcta e não olha para onde deve darlhe os meios para isso Acho que sim Por conseguinte as outras qualidades chamadas da alma podem muito bem aproximarse das do corpo com efeito se não existiram previamente podem criarse depois e pelo hábito e pela prática Mas a faculdade de pensar é ao que parece de um carácter mais divino do que tudo o mais nunca perde a força e conforme a volta que lhe derem pode tornarse vantajosa e útil ou inútil e prejudicial Ou 519a ainda não te apercebeste como a deplorável alma dos cha mados perversos mas que na verdade são espertos tem um olhar penetrante e distingue claramente os objectos para os quais se volta uma vez que não tem uma vista fraca mas é forçado a estar ao serviço do mal de maneira que quanto mais aguda for a sua visão maior é o mal que pratica Absolutamente Contudo se desde a infância se operasse logo uma alma com tal natureza cortando essa espécie de pesos de chumbo que são da família do mutável e que pela sua incli b 321 nação para a comida e prazeres similares e gulodices voltam a vista da alma para baixo se liberta desses pesos se voltasse para a verdade também ela a veria nesses mesmos homens com a maior clareza tal como agora vê aquilo para que está voltada É natural Ora pois Não é natural e não é forçoso de acordo com o que anteriormente dissemos que nem os que não re ceberam educação nem experiência da verdade jamais serão e capazes de administrar satisfatoriamente a cidade nem tão pouco aqueles a quem se consentiu que passassem toda a vida a aprender os primeiros porque não têm nenhuma finalidade na sua vida em vista da qual devam executar todos os seus actos particulares e públicos os segundos porque não exercerão voluntariamente essa actividade su pondose transladados ainda em vida para as Ilhas dos Bem Aventurados 2 É verdade É nossa função portanto forçar os habitantes mais bem dotados a voltarse para a ciência que anteriormente d dissemos ser a maior a ver o bem e a empreender aquela ascensão e uma vez que a tenham realizado e contemplado 2 As Ilhas dos BemAventurados eram para os Gregos um lugar de delícias no além A mais antiga descrição dessa utopia fi gura em Hesíodo Trabalhos e Dias 166173 que imagina essa felici dade em função da mentalidade do agricultor ausência de cuida dos produção rica e espontânea da terra Embora tal concepção se vá espiritualizando em outros autores é em Platão a partir do mito do Górgias que ela aparece definitivamente dotada de um conteúdo ético tornandose o lugar de prémio dos que praticaram o bem É de notar que neste trecho perpassa numa leve ironia a noção de que a vida de estudo é a suprema felicidade 322 suficientemente o bem não lhes autorizar o que agora é au torizado O quê Permanecer lá e não querer descer novamente para junto daqueles prisioneiros nem partilhar dos trabalhos e honrarias que entre eles existem quer sejam modestos quer elevados Quê Vamos cometer contra eles a injustiça de os fa zer levar uma vida inferior quando lhes era possível ter uma melhor Esquecestete novamente meu amigo que à lei não e importa que uma classe qualquer da cidade passe excepcio nalmente bem mas procura que isso aconteça à totalidade dos cidadãos harmonizandoos pela persuasão ou pela coac ção e fazendo com que partilhem uns com os outros do au xílio que cada um deles possa prestar à comunidade ao criar 520a homens destes na cidade a lei não o faz para deixar que cada um se volte para a actividade que lhe aprouver mas para tirar partido dele para a união da cidade É verdade tinhame esquecido realmente Repara ainda ó Gláucon que não causaremos prejuí zo aos filósofos que tiverem aparecido entre nós mas tere mos boas razões para lhes apresentar por os forçarmos a cuidar dos outros e a guardálos Diremos pois que as pes soas da mesma espécie nascidas noutras cidades é natural que não tomem parte nas suas dificuldades efectivamente b fizeramse por si mesmas a despeito da respectiva constitui ção política e tem razão quem se formou por si e não deve a alimentação a ninguém em não ter empenho em pagar o sustento a quem quer que seja Mas a vós nós formámos vos para vosso bem e do resto da cidade para serdes como os chefes e os reis nos enxames de abelhas depois de vos 323 termos dado uma educação melhor e mais completa do que e a deles e de vos tornarmos mais capazes de tomar parte em ambas as actividades 3 Deve portanto cada um por sua vez descer à habitação comum dos outros e habituarse a obser var as trevas Com efeito uma vez habituados sereis mil ve zes melhores do que os que lá estão e reconhecereis cada imagem o que ela é e o que representa devido a terdes contemplado a verdade relativa ao belo ao justo e ao bom E assim teremos uma cidade para nós e para vós que é uma realidade e não um sonho 4 como actualmente sucede na maioria delas onde combatem por sombras uns com os ou d tros e disputam o poder como se ele fosse um grande bem Mas a verdade é esta na cidade em que os que têm de go vernar são os menos empenhados em ter o comando essa mesma é forçoso que seja a melhor e mais pacificamente administrada e naquela em que os que detêm o poder fa zem o inverso sucederá o contrário Absolutamente confirmou ele Pensas que ao ouvir isto os nossos educandos não fi carão convencidos e não quererão participar nos trabalhos da cidade cada um por sua vez embora passem a maior parte do tempo uns com os outros na região pura 5 e É impossível porquanto fazemos imposições justas a pessoas que também são justas Mais do que tudo cada um irá para o poder constrangido ao contrário dos governantes actuais de todos os Estados 3 Entendase a política e a filosofia 4 Alusão ao verso homérico não é um sonho mas uma visão autêntica que háde cumprirse Odisseia x1x 547 5 A expressão do original ev xa0apiih não tem conotação precisa Há algo de místico no seu emprego em Platão como nota 324 Assim é meu arwigo Se descobrires uma vida me lhor do que governar para os que devem governar podes 521a conseguir um Estado bem administrado Pois só nesse man darão aqueles que são realmente ricos não em dinheiro mas naquilo em que deve abundar quem é feliz uma vida boa e sensata Se porém os mendigos e os esfomeados de bens pessoais entram nos negócios públicos pensando que é daí que devem arrebatar o seu benefício não é possível que seja bem administrado Efectivamente gerase a disputa pelo poder e uma guerra dessas doméstica e interna deita os a perder a eles e ao resto da cidade Exactamente Ora tu sabes de qualquer outro género de vida que b despreze o poder político sem ser o do verdadeiro filó sofo Por Zeus que não Ora a verdade é que convém que vão para o poder aqueles que não estão enamorados dele caso contrário os rivais entrarão em combate Como não Então que outras pessoas forçarás a ir para guardiões do Estado senão àqueles que sendo mais conhecedores dos métodos da melhor administração da cidade usufruem de outras honras e de uma vida melhor do que a do polí tico Nenhumas outras Queres então examinar já de que maneira se forma e rão homens dessa qualidade e como é que uma pessoa os Adam que recorda a insistência na palavra no Fédon 79d 109b A estes exemplos podemos acrescentar os do mito do Pedro 325 fará ascender até à luz tal como aqueles que se diz que saí ram do Hades para se elevarem até aos deuses 6 Como não heide querêlo Isso não seria como o jogo de atirar um caco 7 mas um voltar da alma de um dia que é como trevas para o ver dadeiro dia ou seja a sua elevação até à realidade que dire mos ser a verdadeira filosofia Absolutamente Logo deve analisarse qual das ciências é que tem d este poder Pois não Qual será então Gláucon a c1encia que arrasta a alma do que é mutável para o que é essencial Mas estou a 6 Temse discutido muito sobre a espécie de figuras míticas compreendidas nesta alusão Entre as mais prováveis enumerare mos Diónisos cujo túmulo se mostrava em Delfos e cuja recepção no Olimpo aparece frequentemente em vasos gregos e sua mãe Sémele cf Pausânias II 312 e 375 e ainda Asclépios e Hércules que de heróis ascenderam a deuses A dualidade da escatologia do herói tebano já se encontra aliás no final do Canto x1 da Odisseia numa parte considerada recente em que se afirma que a sua sombra está no Hades mas ele toma parte nos banquetes olímpi cos 601604 7 O signjficado exacto da expressão que possivelmente se tor nou proverbial a partir deste texto foi objecto de controvérsia já en tre os antigos De qualquer modo referese ao jogo daócnpaxlvõa que Adam descreve assim Os jogadores dividiamse em dois parti dos separados por uma linha Um dos rapazes atirava ao chão um caco preto de um lado e branco do outro gritando vot fiµépa ou vv ri fiµépa noite ou dia correspondente ao nosso cara ou coroa Conforme ficava para cima o branco ou o preto um parti do deitava a correr e o outro perseguiao O sentido da frase seria portanto que a educação não era um caso rápido e fortuito como o desse jogo É de notar que a exclamação referida aparece adapta da na continuação da frase 326 pensar noutra coisa enquanto falo não dissemos que era necessário que eles tivessem sido atletas guerreiros quando eram novos Dissemos sim É preciso portanto que esta ciência junte a seguinte qualidade àquela que procuramos Qual A de não ser inútil a guerreiros É preciso seguramente caso seja possível Anteriormente a educação que lhes atribuímos era e pela ginástica e pela música Era Mas a ginástica ocupase do que se altera e perece porquanto trata do crescer e definhar do corpo Assim parece Logo não poderia ser essa a ciência que buscamos Não realmente 522a Acaso o será a música tal como anteriormente a des crevemos Mas se bem te lembras ela era a réplica 8 da ginásti ca que ensinava os guardiões em matéria de costumes pro porcionandolhes por meio da harmonia a perfeita concór dia não a ciência por meio do ritmo a regularidade e outros hábitos gémeos destes nas narrativas quer míticas quer verdadeiras Mas ensinamentos que levem ao ponto b que procuras não continha nenhuns 8 O original diz a antistrofe termo que por designar uma unidade métrica em perfeita correspondência estrutural com a es trofe era adequado para sugerir a equivalência das duas artes con sideradas 327 Está muito certa a tua lembrança é que na realidade não proporcionava nenhum Mas então meu caro Gláucon que ensino estará nessas condições Já que as artes pareciam todas simples trabalho manual Pois claro Além disso que ciência nos resta ainda se pusermos de parte a música a ginástica e as artes Vamos prossegui eu Se de nada mais podemos lançar mão fora estas tomemos uma daquelas ciências que abrangem tudo Qual s Por exemplo aquela ciência comum da qual se utili 11 zam todas as artes todos os modos de pensar todas as ciên cias e também aquela que é preciso aprender entre as pri meiras Qual Aquela modesta ciência prossegui eu que distin gue o um do dois e do três Refirome em resumo à ciên cia dos números e do cálculo Ou não é ela de tal modo que toda a arte e ciência é forçada a ter parte nela Sim e muito Até a arte da guerra É absolutamente forçoso d Realmente é um general muito cómico aquele Aga mémnon que Palamedes está sempre a mostrarnos nas tra gédias 9 Ou não reparaste que Palamedes dizendose o inventor do número pretende ter distribuído os postos do acampamento em ílion e ter contado os navios e tudo o mais como se antes estivessem por contar e como se 9 Palamedes herói da guerra de Tróia inventor dos números e do jogo do xadrez que desmascarara o expediente de Ulisses de simular a loucura para não ter de acompanhar a expedição 328 Agamémnon não soubesse sequer ao que parece quantos pés tinha uma vez que não sabia contar E agora que espé cie de general achas que ele era Um general esquisito se na verdade era assim Logo que outra ciência havemos de considerar ne e cessária a um guerreiro como a de poder calcular e contar Essa mais do que todas se quiser compreender algu ma coisa de táctica e mais ainda se quiser ser um homem Pensas desta ciência o mesmo que eu O quê Pode muito bem ser uma daquelas ciências que pro 523a curamos e que conduzem naturalmente à inteligência mas de que ninguém se serve correctamente apesar de ela nos elevar perfeitamente até ao Ser Que queres dizer Tentarei mostrar qual a minha opinião Examina co migo as coisas que eu vou pelo meu lado distinguir como úteis para o que pretendemos ou não e aprova ou desa prova a fim de vermos mais claramente se é como eu con jecturo Mostra lá Mostrarei que se reparares bem nas sensações há objectos que não convidam o espírito à reflexão como se fi b cassem suficientemente avaliados pelos sentidos ao passo que outros obrigam de toda a maneira a reflectir como se a sensação não produzisse nada de são e por isso sofrera a vingança do herói que acusandoo de suborno por parte de Príamo causara a sua lapidação foi figura frequente mente tratada na tragédia Tanto Ésquilo como Sófocles e Eurípi des compuseram um drama intitulado Palamedes embora nenhum dos três se tenha conservado É curioso que Ésquilo no Prometeu Agrilhoado atribui a invenção do número ao Titã 329 Ora nós dissemos que também a vista via a grandeza e a pequenez não como coisas separadas mas misturadas Não é assim É E para clarificar o assunto o entendimento é forçado a ver a grandeza e a pequenez não misturadas mas distin tas ao invés da visão É verdade Não é daí que pela primeira vez nos surge a ideia de indagar que coisa é a grandeza e a pequenez Absolutamente E foi assim que designámos o inteligível e o visível d Exactamente Ora era isso mesmo que eu há pouco tentava dizer que certos objectos convidam à reflexão e outros não colo cando entre os primeiros os que recaem sobre a sensação acompanhada de impressões opostas ao passo que os que não estavam nessas condições os colocava entre os que não despertam o entendimento Já compreendo e pareceme que é assim Ora pois O número e a unidade a qual dos dois te parece que pertencem Não atinjo Mas raciocina por analogia com o que dissemos ante riormente Se a unidade é suficientemente vista tal como é e ou é apreendida por meio de qualquer outro sentido não nos levaria até à essência tal como dissemos a propósito do dedo Mas se na visão da unidade há sempre ao mesmo tempo uma certa contradição de tal modo que não parece mais unidade que o seu inverso será portanto já necessário quem julgue a questão e em tal situação a alma seria for çada a uma posição de embaraço e a procurar pondo em 332 acção dentro de si o entendimento a indagar o que será a uni dade em si e assim é que a apreensão intelectual da unida de pode pertencer ao número das que incitam e voltam o es pírito para a contemplação do Ser Ora a verdade é que a apreensão visual da unidade não pertence menos a esse número pois vemos simultanea mente a mesma coisa como unidade e como ilimitada em multiplicidade Mas se é assim com o número prossegui eu tam bém com todos os números se dá o mesmo Como não havia de ser Mas realmente o cálculo e a aritmética são totalmen te consagradas ao número Totalmente Essas ciências parecem certamente conduzir à ver b dade Acima de tudo São portanto ao que parece daquelas ciências que procuramos Com efeito é forçoso que o guerreiro as aprenda por causa da táctica e o filósofo para atingir a es sência emergindo do mundo da geração sem o que jamais se tornará proficiente na arte de calcular É verdade Ora dáse o caso de o nosso guardião ser guerreiro e filósofo Sem dúvida Seria portanto conveniente ó Gláucon que se de terminasse por lei este aprendizado e que se convencessem os cidadãos que hãode participar dos postos governativos a dedicaremse ao cálculo e a aplicaremse a ele não superfi 0c cialmente mas até chegarem à contemplação da natureza dos números unicamente pelo pensamento não cuidando deles por amor à compra e venda como os comerciantes ou 333 retallústas mas por causa da guerra e para facilitar a passagem da própria alma da mutabilidade à verdade e à essência Dizes muito bem d Ora depois de falar da ciência de calcular agora é que eu compreendo como é bela e útil de tantas maneiras ao nosso propósito desde que uma pessoa a cultive por amor do saber e não para a traficância De que maneiras É o facto de como agora mesmo dizíamos elevar poderosamente a alma para o alto e forçála a discorrer so bre os números em si sem aceitar jamais que alguém intro duza nos seus raciocínios números que tenham corpos visí veis ou palpáveis Deves saber que os que são peritos nestes e assuntos se alguém tentar na discussão dividir a unidade em si fazem troça e não lhe dão aceitação Mas se a dividi res eles multiplicamna 11 com receio de que a unidade não pareça una mas um composto de muitas partes Dizes a verdade 526a E que te parece ó Gláucon se alguém lhes pergun tasse Meus caros amigos a respeito de que números é que estais a discutir entre os quais estão as unidades tal como vós entendeis que existem cada qual absolutamente igual às outras e sem diferir em nada nem conter qualquer parte em si Que te parece que eles responderiam Acho que diriam que falavam de números que se si tuam apenas na região do entendimento e que não é possí vel manusear de nenhum outro modo Vês então meu caro amigo que é natural que esta b ciência nos seja realmente indispensável uma vez que se 11 Entendase que multiplicam logo a unidade pelo mesmo factor por que foi dividida 334 toma claro que obriga a alma a servirse da inteligência em si para chegar à verdade pura De facto actua fortemente nesse sentido Pois então Já observaste que os que nasceram para o cálculo nasceram prontos por assim dizer para todas as ciências e que os espíritos lentos se forem instruídos e exercitados nele ainda que não lhes sirva para mais nada de qualquer maneira lucram todos em ganhar maior agudeza de espírito Assim é Além disso segundo julgo não seria fácil encontrar e muitas ciências que proporcionem maior esforço na sua aprendizagem e na sua prática Pois não Por todos estes motivos não devemos abandonar esta ciência mas sim formar no seu estudo os melhores en genhos Concordo respondeu ele Fiquemos portanto com esta ciência Vejamos se úma que lhe é afim porventura nos convém Qual Ou é à geometria que te referes A essa mesma respondi eu Na medida em que se aplica às questões de guerra é d evidente que nos convém Efectivamente para formar um acampamento para conquistar uma região para cerrar ou dispor as fileiras e quantas evoluções fazem os exércitos nas próprias batalhas ou em marcha há uma diferença entre quem é geómetra e quem o não é Ora a verdade é que para esse efeito bastaria uma reduzida parte de geometria e cálculo É preciso examinar se a parte central e mais adiantada tende para aquele objecti e vo de fazer ver mais facilmente a ideia do bem Ora tende 335 para aí tudo o que força a alma a voltarse para aquele lugar onde se encontra o mais feliz de todos os seres o que ela de toda a maneira tem de contemplar Está certo o que dizes Portanto se o que ela obriga a contemplar é a essên cia convémnos se é o mutável não nos convém Assim o declaramos 527a O certo é que prossegui eu mesmo aqueles que têm pouca prática da geometria não nos regatearão um ponto a saber que a natureza dessa ciência está em rigorosa contra dição com o que acerca dela afumam os que a exercitam Como assim Fazem para aí afirmações bem ridículas e forçadas É que é como praticantes e para efeitos práticos que fazem to das as suas afirmações referindose nas suas proclamações a quadraturas construções e adições e operações no género b ao passo que toda esta ciência é cultivada tendo em vista o saber Absolutamente Não devemos ainda concordar no seguinte Em quê Que se tem em vista o conhecimento do que existe sempre e não do que a certa altura se gera ou se destrói É fácil de concordar respondeu ele uma vez que a geometria é o conhecimento do que existe sempre Portanto meu caro serviria para atrair a alma para a verdade e produzir o pensamento filosófico que leva a co meçar a voltar o espírito para as alturas e não cá para baixo como agora fazemos sem dever É muito capaz de o fazer e Portanto prescreveremos afincadamente aos habitan tes do nosso belo Estado que não deixem de modo algum a 336 geometria Além disso os seus efeitos acessórios não são pequenos Quais perguntou ele Aqueles que tu disseste os que dizem respeito à guerra e em especial a todas as ciências de modo que se apreendem melhor De qualquer modo sabemos que aque le que estudou geometria difere totalmente de quem não a estudou Totalmente por Zeus Vamos então propor esta ciência em segundo lugar aos jovens Vamo fu 1 Jl Ora bem E vamos pôr a astronomia em terceiro lu d gar Ou não te parece Pareceme sem dúvida porquanto convém não só à agricultura e à navegação mas não menos à arte militar uma perfeita compreensão das estações meses e anos Divertesme por pareceres receoso da maioria não vá afigurarselhes que estás a prescrever estudos inúteis Mas eles não são de âmbito modesto embora seja difícil de acreditar que nestas ciências se purifica e reaviva um órgão da alma de cada um que fora corrupto e cego pelas restantes e ocupações e cuja salvação importa mais do que a de mil ór gãos da visão porquanto só através dele se avista a verdade Aqueles que entendem do mesmo modo não terão dificul dade em declarar que pensas bem mas aqueles que não têm qualquer compreensão do assunto é natural que julguem que não vale nada o que dizes Na verdade não vêem nestas ciências nenhuma outra utilidade digna de apreço Repara pois de uma vez para sempre com qual destes partidos vais 528a discutir Ou não te diriges aos outros e fazes os teus raciocí nios sobretudo para ti mesmo sem todavia negares a ou trem qualquer vantagem que deles possa auferir 337 É essa a minha escolha falar perguntar e responder sobretudo para mim mesmo Vamos então tomar atrás pois ainda agora não pegá 1 mos como deve ser na ciência a seguir à geometria Pegar como Depois da superfície pegámos nos sólidos em moví b mento antes de nos ocuparmos deles em si Ora o que está certo é que após a segunda dimensão se trate da terceira que é a dos cubos e a que possui profundidade É isso mas tal ciência parece que ainda não foi desco berta 12 Os motivos são duplos porque nenhum Estado pres ta honra a estes estudos a investigação é débil devido à sua dificuldade e os investigadores precisam de um director sem o qual não farão descobertas Primeiro que tudo é difí cil encontrálo depois no caso de aparecer tal como as coi sas estão agora não lhe obedeceriam os que se dedicam a e tais investigações devido à sua arrogância Mas se o Estado inteiro cooperasse com o director honrando os seus traba 12 Tratase da estereometria criação pelo menos em grande parte de Teeteto mas que só recebeu nome como observa Adam a partir de Aristóteles An Post II 13 78b 38 O mais famoso problema de estereometria era o da dupli cação do cubo também conhecido por problema de Delos Terseia originado segundo uma das versões transmitidas por Eratóstenes num oráculo dado aos habitantes daquela ilha de que para se verem livres da peste tinham de duplicar as dimensões do altar que era de forma cúbica Consultados a este propósito os geómetras da Academia Arquitas de Tarento encontrou uma solu ção e Eudoxo de Cnidos outra Vide M R Cohen1 E Drabkin A Source Book ín Greek Sdence Harvard University Press 1958 pp 6266 e O Bekker Das mathematische Denken der Antíke Gõttingen 1957 pp 7580 338 lhos eles obedecerlheiam e as investigações seguidas e vi gorosas chegariam a resultados evidentes Pois mesmo ago ra apesar de desprezados e amesquinhados pela maioria sem que formem ideia os que tal investigam da sua utilida de mesmo assim apesar de tudo isto encontramse em grande pujança devido ao seu fascínio e não admira nada que surjam à luz São realmente estudos fascinantes e superiores Mas d explicame mais claramente o que há pouco dizias Coloca vas primeiro o estudo das superfícies a geometria Colocava Depois punhas a seguir a essa primeiro a astrono mia depois voltaste atrás É que com a pressa de percorrer rapidamente todas as ciências em vez disso afrouxo 13 Com efeito a seguir fica o estudo metódico da dimensão da profundidade mas como é estudada de uma forma ridícula passeia adiante pondo após a geometria a astronomia por ser o movimento das e profundidades Dizes bem Ponhamos então em quarto lugar a astronomia par tindo do princípio de que a ciência que agora deixamos de lado existirá se a cidade o deixar É natural replicou ele Há momentos ó Sócrates censurasteme a propósito de ter elogiado grosseiramente a astronomia agora vou elogiála segundo a tua maneira Jul go evidente para toda a gente que essa ciência força todas as 529a almas a olhar para cima e as conduz das coisas terrenas às celestes 13 Trocadilho sobre o provérbio grego CTllEOOE l3puõéwc em latimfestina lente equivalente ao nosso devagar se vai ao longe 339 Talvez seja evidente para toda a gente excepto para mim pois a mim não me parece tal Como assim Tal como a tratam actualmente os que quereriam elevarnos até à filosofia fazemna olhar muito para baixo Que queres dizer É de uma generosa audácia me parece a tua maneira de abordar o estudo das coisas celestes Arriscaste na ver b dade a supor que se alguém estivesse a observar os ornatos do tecto olhando para cima e apreendesse qualquer coisa tal pessoa estava a fazer essa contemplação com o pensa mento e não com os olhos Talvez tu suponhas muito bem e eu seja um simplório Mas eu por mim não posso pensar em nenhum outro estudo que faça a alma olhar para cima senão o que diz respeito ao Ser e ao invisível Mas se uma pessoa empreender o estudo de qualquer coisa de sensível quer esteja de boca aberta a olhar para cima quer de boca fechada a olhar para baixo jamais direi que ela tenha co e nhecimento pois a ciência não tem nada a ver com tais processos nem que a sua alma olha não para cima mas para baixo ainda que estude nadando de costas na terra ou no mar 14 Tenho o que mereço e tens razão em me censurar Mas como é que tu dizes que era preciso aprender astrono mia diferentemente do que agora se aprende se quiseres sabêla de maneira a ser útil ao nosso plano 14 Todas estas alusões um tanto humorísticas parecem visar o episódio de As Nuvens de Aristófanes em que Sócrates entra em cena suspenso numa cesta para observar mais de perto os fenóme nos celestes 340 Do seguinte modo expliquei eu Estes ornamen tos que há no céu na medida em que estão incrustados no visível devíamos realmente considerálos o mais belo e per feito de tudo o que é visível mas muito inferiores aos ver d dadeiros muito inferiores aos movimentos pelos quais a velocidade essencial e a lentidão essencial em número ver dadeiro e em todas as formas verdadeiras se movem em re lação uma à outra e com isso fazem mover aquilo que nelas é essencial são os verdadeiros ornamentos que se apreen dem pelo raciocínio e pela inteligência mas não pela vista Ou pensas outra coisa De modo nenhum Devemos servirnos portanto dos ornamentos celes tes como exemplos para o estudo das coisas invisíveis tal como se alguém encontrasse desenhos feitos por Dédalo 15 e ou qualquer outro artista ou pintor delineados e elaborados de forma excepcional Ao ver essas obras um conhecedor da geometria pensaria que eram uma maravilha de factura mas que seria ridículo examinálas a sério para apreender nelas a verdade referente às relações de igualdade duplica 530a ção ou qualquer outra proporção Como não haveria de ser ridículo Mas o verdadeiro astrónomo prossegui eu não achas que pensará da mesma maneira ao olhar para os mo vimentos dos astros E que háde entender que da maneira mais bela por que podiam ser executados assim foi que o demiurgo 16 do céu o formou a este e a tudo o que ele con tém Mas quanto à proporção entre a noite e o dia e entre 15 Segundo a tradição as estátuas de Dédalo moviamse o que está de acordo com o exemplo das revoluções celestes escolhido 16 Empregámos a palavra grega que figura também no Timeu para designar o construtor do mundo 341 estes e o mês e entre o mês e o ano e entre os outros astros b e estes 17 e uns com os outros não achas que ele considerará absurdo que alguém julgue que são sempre assim e nunca conhecem nenhum desvio apesar de serem corpóreos e vi síveis e que procure de toda a maneira apreender a verdade deles Ao ouvirte pareceme que sim É com problemas portanto que nos dedicaremos à astronomia tal como à geometria e dispensaremos o que há no céu se quisermos realmente tratar de astronomia tor e nando útil de inútil que era a parte naturalmente inteligen te da alma d Realmente é um trabalho complicado em relação ao que têm agora esse que tu prescreves aos astrónomos Penso que faremos prescrições para as outras ciências no mesmo estilo se de alguma coisa servirmos como legis ladores Mas tens a lembrar alguma ciência que nos con venha Não tenho disse ele pelo menos por agora Contudo o movimento não oferece uma só forma mas várias ao que suponho Enumerálas todas é coisa que talvez um sábio possa fazer Mas as que nos são visíveis são duas Quais Além desta de que falei há uma que lhe equivale Qual É provável que assim como os olhos foram molda dos para a astronomia os ouvidos foram formados para o movimento harmónico e as próprias ciências são irmãs uma 17 Entendase o Sol e a Lua causadores das variações do dia noite mês e ano 342 da outra tal como afirmam os Pitagóricos e nós ó Gláucon concordamos Ou não será assim É respondeu ele Ora como a empresa é vasta perguntarlhesemas o e seu parecer sobre estas matérias e outras ainda além destas Mas em todas as circunstâncias manteremos o nosso princípjo Qual Que não tentem jamais que os nossos educandos aprendam qualquer estudo imperfeito e que não vá dar ao ponto onde tudo deve dar como dizíamos há pouco a pro pósito da astronomia Ou não sabes que fazem outro tanto com a harmonia Efectivamente ao medirem os acordes 531a harmónicos e sons uns com os outros produzem um labor improfícuo tal como os astrónomos Pelos deuses É ridículo sem dúvida falar de não sei que intervalos mínimos 18 e apurarem os ouvidos como se fosse para captar a voz dos vizinhos uns afirmam ouvir no meio dos sons um outro e que é esse o menor intervalo que deve servir de medida os outros sustentam que é igual aos que já soaram e ambos colocam os ouvidos à frente do b espírito Refereste àqueles honrados músicos que perseguem e torturam as cordas retorcendoas nas cavilhas Mas não vá a minha metáfora tomarse um tanto maçadora se insisto nas pancadas dadas com o plectro e nas acusações contra as cordas ou porque se recusam ou porque exageram acabo com ela e declaro que não é desses que eu falo mas daque les que há momentos dissemos que havíamos de interrogar 18 Para definir o que seja vwµaTO termo da linguagem musical Adam cita Aristóxeno Baquio e entre os modernos Schneider que interpreta que haec ipsa 1rUxvá vel alia parva et 343 e i 1 d e sobre a harmonia É que eles fazem o mesmo que os que se dedicam à astronomia Com efeito eles procuram os núme ros nos acordes que escutam mas não se elevam até ao pro blema de observar quais são os números harmónicos e quais o não são e por que razão diferem Tarefa divina essa que tu dizes Útil certamente para a procura do belo e do bom mas inútil se se levar a cabo com outro fim É natural Julgo que o estudo metódico de todas estas ciências que analisámos se atingir o que há de comum e aparentado entre elas e demonstrar as afinidades reciprocas contribuirá para a finalidade que pretendemos e o nosso esforço não será vão caso contrário será inútil Profetizo o mesmo Mas o trabalho a que te referes é uma coisa ingente ó Sócrates Refereste ao trabalho preliminar ou a qual Ou não saberemos nós que tudo isto é o prelúdio da ária que temos de aprender Certamente não vais supor que os peritos nes tes assuntos são dialécticos Por Zeus que não excepto um reduzido número que encontrei Ora bemJá alguma vez te pareceu que pessoas inca pazes de conduzir a discussão ou de dar a réplica saberão ja mais seja o que for do que nós dizemos que é preciso saber Também a isso responderei que não 532a Ora não é mesmo essa ária ó Gláucon que executa a dialéctica Apesar de ser do donúnio do inteligível a facul tamen composita intervalla se chamam assim propter sonorum in angusto spatio quasi confertorum frequentiam Vejase ainda M L West Ancient Greek Music Oxford 1992 p 162 344 dade de ver é capaz de a imitar essa faculdade que nós dis semos que se exercitava já a olhar para os seres vivos para os astros e finalmente para o próprio Sol Da mesma ma neira quando alguém tenta por meio da dialéctica sem se servir dos sentidos e só pela razão alcançar a essência de cada coisa e não desiste antes de ter apreendido só pela in teligência a essência do bem chega aos limites do inteligí b vel tal como aquele chega então aos do visível Absolutamente Ora pois Não chamas a este processo dialéctico Sem dúvida C A libertação das algemas e o voltarse das sombras para as figurinhas 19 e para a luz e a ascensão da caverna para o Sol uma vez lá chegados a incapacidade que ainda têm de olhar para os animais e plantas e para a luz do Sol mas por outro lado o poder contemplar reflexos divinos na água e e sombras de coisas reais e não como anteriormente som bras de imagens lançadas por uma luz que é ela mesmo apenas uma imagem comparada com o Sol são esses os efeitos produzidos por todo este estudo das ciências que analisámos elevam a parte mais nobre da alma à contem plação da visão do mais excelente dos seres tal como há pouco a parte mais clarividente do corpo se elevava à con templação do objecto mais brilhante na região do corpóreo e do visível d Eu por mim aceito que assim seja Contudo afigura seme uma doutrina extremamente difícil de acatar mas por outro lado também difícil de não admitir Seja como for uma vez que não havemos de ouvir discorrer sobre ela só agora mas se háde tornar ao assunto muitas outras 19 Platão retoma a alegoria da caverna 345 vezes admitamos que é tal como agora se afirmou passe mos à ária em si e analisemola tal como analisámos o pre lúdio Diz então qual é o género de faculdade da dialéctica e em quantas espécies se divide e quais os seus métodos Pois são já esses métodos ao que parece que hãode conduzir nos ao sítio que quando o alcançarmos será para nós como que o repouso da viagem e o termo da peregrinação 533a Não serás capaz de continuar a acompanharme meu caro Gláucon embora da minha parte não faltasse o empenho pois já não seria a imagem de que falamos que tu verias mas o verdadeiro bem pelo menos como ele me aparece se é realmente assim ou não não vale a pena sus tentálo mas que a sua visão é qualquer coisa nesse género deve manterse Não achas Sem dúvida E também que a capacidade dialéctica é a única que pode revelálo a quem tiver prática das ciências que há pou co enumerámos o que não é possível por outro processo Também issomerece manterse b Esta afirmação disse eu ninguém nola contesta rá a de que este é um outro método que tenta em todos os casos apreender por processo científico relativo a cada ob jecto a essência de cada um As outras artes todas têm em vista as opiniões e gostos dos homens ou foram criadas to das para a produção e composição ou para cuidar dos pro dutos naturais e artificiais Quanto às restantes aquelas que dissemos que apreendem algo da essência a geometria e suas afins vemos que quanto ao Ser apenas têm sonhos e que lhes é impossível ter uma visão real enquanto se servi rem de hipóteses que não chegam a tocarlhes por não po derem justificálas Se se principiar por aquilo que não se sabe e se o fim e as fases intermédias forem entretecidas de 346 incógnitas que possibilidade haverá jamais de que esta con cordância se tome numa ciência Nenhuma respondeu ele Ora bem prossegui O método da dialéctica é o único que procede por meio da destruição das hipóteses a caminho do autêntico princípio a fim de tomar seguros os seus resultados e que realmente arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro 20 em que está atolada e d elevaos às alturas utilizando como auxiliares para ajudar a conduzilos as artes que analisámos Demoslhes por diver sas vezes o nome de ciências segundo o costume porém na verdade precisavam de outra designação mais dara do que a de opinião mas mais obscura do que a de ciência já a definimos como entendimento em qualquer ocasião ante rior 21 no entanto a disputa não é me parece acerca do nome 22 quando temos de examinar questões de tal enver e gadura como as que nos aguardam Pois não realmente Mas simplesmente aquele que indica como se expri me com clareza a disposição de espírito bastará Bastará 23 20 A expressão é reminiscente da escatologia popular segundo a qual as almas castigadas no além jaziam no Hades atoladas no lodo Cf supra Livro 11 363d e nota 9 21 Cf supra Livro v1 5nde 22 Diversos comentadores chamam a atenção para a importân cia deste passo um dos que mostram como a terminologia filo sófica não estava ainda fixada Os Antigos tinham perfeita cons ciência deste facto embora os modernos intérpretes de Platão o esqueçam com demasiada frequência comenta ironicamente Adam ad locum 23 O texto que é pouco satisfatório tem sido emendado de diversas maneiras Seguimos como habitualmente o de Bumet 347 Bastará pois continuei eu que como anterior mente chamemos ciência à primeira divisão 24 entendimen 534a to à segunda fé à terceira e suposição à quarta e opinião às duas últimas inteligência às duas primeiras sendo a opinião relativa à mutabilidade e a inteligência à essência E assim como a essência está para a mutabilidade está a inteligência para a opinião e como a inteligência está para a opinião está a ciência para a fé e o entendimento para a suposição Quanto à analogia das coisas em que se fundam estas distin ções e à divisão em dois de cada uma delas a da opinião e a do inteligível deixemolas ficar ó Gláucon para não nos enchermos de discussões muito mais intermináveis do que as que já tivemos b Cá por mim sou do mesmo parecer em tudo até onde sou capaz de te seguir Acaso também chamas dialéctico aquele que apreen de a essência de cada coisa E aquele que não a possui nega rás que quanto menos for capaz de prestar contas dela a si mesmo ou aos outros tanto menos terá o entendimento dessa coisa Pois que outra afirmação poderia fazer Ora não é também da mesma maneira relativamente ao bem Quem não for capaz de definir com palavras a e ideia do bem separandoa de todas as outras e como se es tivesse numa batalha exaurindo todas as refutações esfor çandose por dar provas não através do que parece mas do que é avançar através de todas estas objecções com um ra ciocínio infalível não dirás que uma pessoa nestas condi ções não conhece o bem em si nem qualquer outro bem mas se acaso toma contacto com alguma imagem é pela 24 Retomase aqui o símile da linha supra v1 509 seqq 348 opinião e não pela ciência que agarra nela e que a sua vida actual a passa a sonhar e a dormir pois antes de despertar dela aqui primeiro descerá ao Hades para lá cair num sono d completo Por Zeus tudo isso eu sustentarei afincadamente Mas se um dia tiveres de facto de educar na prática aquelas crianças que educas e instruis em palavras não con sentirás segundo creio que sejam como simples quantida des irracionais 25 se têm de governar a cidade e de ser se nhores das altas instâncias Claro que não Estabelecerás então para eles a lei de que devem so bretudo aplicarse à educação pela qual se tornarão capazes de interrogar e de responder da maneira mais sábia Estabelecêlaeijuntamente contigo e Achas então que a dialéctica se situa para nós lá no alto como se fosse a cúpula das ciências e que estará certo que não se coloque nenhuma outra forma do saber acima dela mas que representa o fastígio do saber 535a Acho que sim Restate agora fazer a repartição pelas pessoas a quem destinaremos estes estudos e de que maneira É evidente Lembraste da nossa primeira escolha dos chefes quais é que nós seleccionámos Como não havia de lembrarme De toda a maneira quero que penses que devem ser essas naturezas que têm de se escolher devem preferirse os mais firmes e corajosos e até onde for possível os mais for mosos além disso devem procurarse não só os de carácter b 25 Mais uma imagem tirada da matemática 349 nobre e másculo mas também as características naturais condizentes com o nosso esquema de educação Quais são as características que determinas Precisam meu caro de ter agudeza de espírito para o estudo e não ter dificuldade em aprender É que as almas tomamse muito mais do receio dos estudos aturados do que dos exercícios de ginástica Efectivamente o esforço que fazem é mais íntimo uma vez que é só deles e não par tilhado pelo corpo É verdade e Tem de se procurar também a memória a força e gosto pelo trabalho em todas as suas formas Ou de que ma neira pensas que ele consentiria em aguentar o esforço físico e levar a cabo tamanho estudo e exercícios Ninguém quereria respondeu ele a menos que tenha toda a espécie de dotes naturais O certo é que o erro actual prossegui eu e a des valorização que por esse motivo recaiu sobre a filosofia como já antes referimos provém de se ocuparem dela os que não estão à altura Não deviam ser os bastardos a tratar dela mas os filhos legítimos Como assim d Em primeiro lugar quem empreende este estudo não deve claudicar no amor ao trabalho sendo em metade das coisas esforçado e na outra metade inactivo Isso aconte ce quando alguém tem gosto pela ginástica e pela caça e faz de boa vontade todos os esforços físicos mas não gosta de aprender nem de escutar nem de investigar antes detesta os esforços dessa espécie Claudica também aquele cujo amor pelo trabalho tomou a direcção oposta Falas verdade 350 Ora também quanto à verdade não classificaremos da mesma maneira de estropiada a alma que abomina a e mentira voluntária e dificilmente a suporta em si e se in digna com a dos outros mas aceita benevolamente a invo luntária e quando acusada de nada saber não se agasta an tes refocila despreocupada como um porco no lamaçal da sua ignorância Exactamente 536a E em relação à temperança à coragem e à grandeza de alma e a todas as partes da virtude não se deve prestar menos atenção em distinguir quem é bastardo e quem é le gítimo Pois quando não se sabe reconhecer perfeitamente esses predicados quer seja um particular quer uma cidade servemse inconscientemente de coxos e bastardos para quaisquer desses serviços que apareçam como amigos no primeiro caso como governantes no segundo É isso mesmo Ora somos nós que temos de tomar precauções em relação a todos esses casos Se formos buscar homens de boa b constituição física e intelectual para os educarmos nestes es tudos e treinos a própria justiça não terá nada a censurar nos e salvaremos a cidade e a constituição Mas se trouxer mos para estas actividades pessoas sem valor obteremos o efeito exactamente inverso e despejaremos sobre a filosofia uma onda de ridículo ainda maior Seria realmente uma vergonha comentou ele Absolutamente disse eu Mas pareceme que eu mesmo de momento estou também a ser ridículo Em quê Esqueci que estávamos a brincar e falei com dema e siado zelo É que enquanto falava pus os olhos na filosofia e ao vêla indignamente enlameada irriteime e pareceme 351 que como se me tivesse encolerizado contra os responsá veis proferi aquelas palavras com excessiva seriedade Por Zeus que não pelo menos que eu ouvisse Mas éo para mim que sou o orador Não esqueça mos que na nossa primeira selecção escolhemos velhos e d que nesta eles não têm lugar Pois não se deve acreditar no que diz Sólon 26 que se é capaz de aprender muita coisa en quanto se envelhece pois ainda aprenderia menos que a correr 27 porquanto os trabalhos grandes e múltiplos são to dos para os jovens Forçosamente Portanto desde crianças que devem aplicarse à ciên cia do cálculo da geometria e a todos os estudos que hãode preceder o da dialéctica fazendo que não sigam contrafeitos este plano de aprendizado Que queres dizer e Que quem é livre não deve aprender ciência alguma como uma escravatura E que os esforços físicos praticados à força não causam mal algum ao corpo ao passo que na alma não permanece nada que tenha entrado pela violência É exacto Por conseguinte meu excelente amigo não eduques 537a as crianças no estudo pela violência mas a brincar a fim de ficares mais habilitado a descobrir às tendências naturais de cada um É lógico o que dizes 26 Alusão ao fr 18 WEST de Sólon iEnvelheço aprendendo sempre muita coisa 27 Provavelmente alusão a um provérbio como supuseram Adam e outros que significaria que é mais fácil a um velho correr do que aptender 352 Não te lembras que afirmámos que era preciso levar as crianças ao combate para o observarem de cima dos ca valos e que se houvesse condições de segurança se deviam aproximar e provar o sangue como os cães Lembrome Em todas estas ocasiões trabalhos estudos e receios aquele que se mostrar sempre mais ágil deves pôlo num grupo à parte Em que idade perguntou ele b Na idade em que abandonam os exercícios gímnicos obrigatórios porquanto nesse período de tempo quer seja de dois quer de três anos é impossível fazer qualquer outra coisa É que a fadiga e o sono são os inimigos do estudo Ao mesmo tempo esta é uma prova e não das menores para saber quem é que brilha na ginástica Como não o seria Depois desse período os que forem escolhidos de entre os que completaram vinte anos terão honras mais ele vadas do que os outros e apresentarselhesão em conjunto os estudos feitos à mistura na infância para verem o paren e tesco dos estudos uns com os outros e com a natureza do Ser Só esse aprendizado permanecerá solidamente na queles em quem se fizer É também a melhor prova para saber se uma nature za é dialéctica ou não porque quem for capaz de ter uma vista de conjunto é dialéctico quem o não for não é Concordo Terás portanto de fazer esse exame para saber quais dentre eles possuem tais qualidades em mais alto grau e d quais são sólidos nas ciências sólidos na guerra e nas restan tes exigências da lei a esses logo que completem os trinta anos depois de os seleccionares dentre os já escolhidos 353 deves eleválos a maiores honrarias e observar experimen tando a sua capacidade dialéctica quem é capaz prescindin do dos olhos e dos outros sentidos de caminhar em direc ção ao próprio Ser pela verdade E então é que é a ocasião de grandes precauções meu amigo Porquê e Não reparaste até que ponto cresce o mal de que ac tualmente enferma a dialéctica Qual Está cheia de desordem E muito Achas então que é surpreendente o que eles experi mentam e não lhes perdoas Perdoar De que modo Por exemplo expliquei eu se uma criança adop 538a tada fosse criada no meio de grandes riquezas numa família numerosa e importante e entre muitos lisonjeadores e se ao chegar à idade viril percebesse que não pertencia aos que se diziam seus pais e não pudesse encontrar os que na ver dade o tinham gerado és capaz de adivinhar quais as suas disposições para com os lisonjeadores e os que o haviam adoptado naquele tempo em que não sabia da adopção e naquele em que teve conhecimento disso Ou queres ouvir me adivinhar Quero disse ele b Adivinho então que ele honraria mais o pai e a mãe e os demais supostos familiares do que os lisonjeadores e que a sua indiferença seria menor se algo necessitassem e que seria menos mau para com eles em actos e em palavras que nas coisas principais lhes desobedeceria menos do que aos lisonjeadores no período em que desconhecesse a ver dade 354 É natural Ora quando se apercebesse da realidade adivinho que afrouxaria nas honras e zelo para com os pais adoptivos se fortaleceria para com os lisonjeadores que lhes obedece ria de modo diferente do anterior que passaria a viver à e moda deles convivendo abertamente com eles e sem se importar para nada com aquele pai e os restantes supostos familiares a não ser que fosse por natureza indulgente Dizes tudo exactamente como havia de suceder Mas em que é que esta metáfora se aplica aos que empreende ram o estudo da dialéctica Da seguinte maneira desde a infância que temos má ximas acerca do justo e do honesto nas quais fomos criados como se elas fossem nossos pais obedecendolhes e honran doas Temos sim Ora há também outras prescrições opostas a estas d que são aprazíveis que lisonjeiam a alma e a atraem a s mas que não convencem quem tiver algum senso Mas honram as máximas paternas e é a elas que obedecem Ora pois Se se fizer a uma pessoa nessas condições esta pergunta Que é o honesto e depois de ela respon der o que ouviu ao legislador a sua argumentação ficar con fundida e depois de ser refutada muitas vezes e em muitos pontos for atirada para a opinião de que o honesto não é e mais honesto do que o vergonhoso e se com o justo o bom e as qualidades que ela ais venerava se fizer da mesma maneira depois disso que atitude julgas que ela tomaria cm relação a elas no que respeita a honra e obediência É forçoso que não mais as honre nem lhes obedeça da mesma maneira 355 Logo quando não tiver já essas máximas na conta de preciosas e familiares como anteriormente sem que descu bra qual é a verdade acaso é natural que se acolha a qual 539a quer outro género de vida que não seja o que o lisonjeia Não é Então de pessoa obediente à lei que era dará a im pressão de se transformar num rebelde Forçosamente Logo são naturais os sentimentos que experimentam os que abordam a dialéctica nestas condições e como há pouco disse é digno de muita compreensão E de comiseração Ora para que essa comiseração não recaia sobre os teus homens de trinta anos não deves tomar todas as pre cauções quando empreendem o estudo da dialéctica Todas absolutamente b Ora não será uma precaução segura não os deixar tomar o gosto à dialéctica enquanto são novos Calculo que não passa despercebido que os rapazes novos quando pela primeira vez provam a dialéctica se servem dela como de um brinquedo usandoa constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vão eles mesmos refutar ou tros e sentemse felizes como cachorrinhos em derriçar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto deles É espantoso como eles gostam Ora depois de terem refutado muita gente e por sua e vez terem sido refutados por vários caem rapidamente e em toda a força na situação de não acreditar em nada daqui lo em que dantes acreditavam E por este motivo eles mes mos e tudo o que respeita à filosofia são caluniados perante os outros 356 Exactamente Ao passo que quem é mais velho prossegui eu não quererá participar desta loucura imitará o que quer dis cutir para indagar da verdade de preferência àquele que se entretém a contradizer pelo gosto de se divertir ele mesmo será mais comedido e tomará a sua actividade mais honrada d em vez de mais desconsiderada É isso mesmo Ora não foi para nos precavermos disso o que ante riormente dissemos que é às pessoas moderadas e firmes por natureza que se dará acesso à dialéctica e não como agora a quem por acaso a abordar sem estar nada indicado para isso Absolutamente Para aprender a dialéctica basta permanecer com continuidade e aplicação sem fazer mais nada por analogia com os exercícios de ginástica que diziam respeito ao corpo o dobro dos anos daquele aprendizado Queres dizer seis anos ou quatro e Vamos lá Põelhe cinco Depois disso deves mandá los descer novamente à tal caverna e forçálos a exercer os comandos militares e quantos pertencem aos jovens a fim de que não fiquem atrás dos outros nem mesmo em expe riência E até nesses lugares têm de ser postos à prova a ver 540a se solicitados em todos os sentidos se mantêm firmes ou se deixam abalar E para isso quanto tempo marcas Quinze anos dise eu Quando tiverem cinquen ta anos os que sobreviverem e se tiverem evidenciado em tudo e de toda a maneira no trabalho e na ciência deverão ser já levados até ao limite e forçados a inclinar a luz radio sa da alma para a contemplação do Ser que dá luz a todas as 357 coisas Depois de terem visto o bem em si usáloão como paradigma para ordenar a cidade os particulares e a si mes b mos cada um por sua vez para o resto da vida mas consa grando a maior parte dela à filosofia porém quando chegar a vez deles aguentarão os embates da política e assumirão cada um deles a chefia do governo por amor à cidade fa zendo assim não porque é bonito mas porque é necessário Depois de terem ensinado continuamente outros assim para serem como eles e de os terem deixado como guar diões da cidade na vez deles retirarseão para habitar nas Ilhas dos BemAventurados 28 A cidade erigirlhesá monu c mentas e sacrifícios públicos na qualidade de divindades se a Pítia o autorizar 29 caso contrário de bemaventurados e divinos d São uma formosura os governantes que tu modelaste como se fosses um estatuário ó Sócrates E as governantes também sem dúvida ó Gláucon Não vás julgar que o que eu disse se aplica mais aos homens do que às mulheres a quantas dentre elas são dotadas de uma natureza capaz Exacto se na verdade tiverem tudo em comum com os homens conforme a nossa análise Ora pois Concordais que não são inteiramente uto pias o que estivemos a dizer sobre a cidade e a constituição que embora difíceis eram de algum modo possíveis mas não de outra maneira que não seja a que dissemos quando os governantes um ou vários forem filósofos verdadeiros que desprezem as honrarias actuais por as considerarem 28 Sobre as Ilhas dos BemAventurados vide supra nota 2 29 Ao oráculo de Delfos competia sancionar os novos cultos Cf supra Livro IV 427c e nota 15 358 impróprias de um homem livre e destituídas de valor mas por outro lado que atribuem a máxima importância à recti dão e às honrarias que dela derivam e consideram o mais e alto e o mais necessário dos bens a justiça à qual servirão e farão prosperar organizando assim a sua cidade Como Todos aqueles que tenham ultrapassado os dez anos na cidade a esses mandálosão todos para os campos toma 541a rão conta dos filhos deles levandoos para longe dos costu mes actuais que os pais também têm criálosão segundo a sua maneira de ser e as suas leis que são as que já analisá mos E assim da maneira mais rápida e mais simples se es tabelecerá o Estado e a constituição que dizíamos fazendo com que ele seja feliz e que o povo em que se encontrar va lha muito mais Mesmo muito respondeu Como ele poderá rea lizarse se é que jamais se realizará é coisa que me parece que explicaste muito bem 6 Sócrates b Não será já bastante a nossa discussão acerca desta ci dade e do homem semelhante a ela Pois também é eviden te de que maneira determinaremos que seja É evidente respondeu ele E conforme a tua per gunta pareceme que atingimos o termo da discussão 359 LIVRO VIII Ora bem Concordámos então ó Gláucon que na 543a cidade que quiser ser administrada na perfeição haverá co munidade das mulheres comunidade dos filhos e de toda a educação e do mesmo modo comunidade de ocupações na guerra e na paz e que dentre eles serão soberanos aqueles que mais se distinguiram na filosofia e na guerra Concordámos disse ele Além disso assentámos em que os chefes assim que h forem nomeados conduzirão e instalarão os soldados nas habitações que anteriormente referimos que nada têm de próprio para ninguém mas são comuns a todos Além da espécie de moradas chegámos também a acordo se bem te lembras sobre os bens que poderão ter Decerto que me lembro que em nosso entender ne nhum devia possuir nada do que actualmente têm os de mais mas que como atletas guerreiros e guardiões recebe e rão dos outros como salário da sua guarda a alimentação necessária para um ano enquanto eles velam por si e por toda a cidade Dizes bem Mas uma vez que levámos a bom termo esta questão vamos recordar em que ponto nos desviámos 361 do caminho para chegarmos aqui a fim de voltarmos a se guir pelo mesmo Não é difícil De facto depois de teres tratado da ci dade em termos aproximadamente iguais aos presentes di zias que terias na conta de boa uma cidade tal como a que d nessa ocasião descrevias bem como um homem que se lhe assemelhasse apesar de ao que parece seres capaz de nos 544a falar de uma cidade e de um homem ainda mais belos Mas se esta cidade era perfeita as outras dizias tu eram defei tuosas Das restantes formas de governo afirmavas se bem me recordo que havia quatro espécies 1 sobre as quais valia a pena examinar e considerar os seus defeitos bem como dos indivíduos semelhantes a elas a fim de que depois de os ter observado a todos e chegado a acordo sobre qual era o homem melhor e qual o pior possamos descortinar se o melhor é o mais feliz e o pior o mais desgraçado ou se é de outro modo E quando eu perguntava 2 quais eram essas b quatro constituições a que te referias nesse momento Pole marco e Adimanto interromperamme e assim é que tu en cetaste essa discussão e chegaste a este ponto Estás perfeitamente lembrado Então tal como um pugilista dáme outra vez a mes ma pega 3 Eu façote a mesma pergunta e tu tenta respon derme o que nessa altura te preparavas para me dizer Se acaso eu for capaz Ora pois prosseguiu ele eu cá por mim desejo saber quais são essas quatro formas de governo a que te referias Supra 1v 445c 2 Supra v 449ab 3 Segundo esclarece o escoliasta era costume quando ambos os pugilistas caíam regressarem à posição anterior para continua rem o combate 362 Não será difícil saberes Aquelas a que me refiro têm e nome a saber a constituição tão elogiada por muita gente de Creta e da Lacedemónia a segunda é também elogiada em segundo lugar a chamada oligarquia que é um estado repleto de males sem conta a seguir vem aquela que lhe é oposta a democracia e a altaneira tirania antagónica a todas estas que é a quarta e última das enfermidades do Estado Ou sabes de alguma outra forma de governo que se situe numa classe bem distinta Pois as monarquias hereditárias d ou adquiridas 4 e outras formas de governo da mesma espé cie ficam mais ou menos entre umas e outras e não se en contrarão menos entre os bárbaros do que entre os Gregos Realmente dizse que há muitas formas e esquisitas Sabes então que é forçoso que haja tantas espécies de caracteres de homens como de formas de governo Ou jul gas que elas nasceram do carvalho e da rocha 5 e não dos costumes civis que arrastam tudo para o lado para que pen e dem Não poderiam ter outra origem que não fosse essa Portanto se as formas de governo são cinco também as formas de alma entre os particulares serão cinco Sem dúvida Ora nós já analisámos o que corresponde à aristocra cia que com razão proclamámos bom e justo Analisámos 545a 4 Era o caso de Cartago 5 Expressão proverbial que já vinha na Odisseia x1x 162163 Mas dizme qual a tua raça de onde ela vem pois não derivas do lendário carvalho nem da rocha 363 Acaso depois deste deveremos percorrer os inferio res o que gosta de vencer e de ser honrado de acordo com a constituição da Lacedemónia e bem assim o oligárquico o democrático e o tirano para depois de termos verificado qual era mais injusto o opormos ao mais justo e termos um conspecto exacto de como a justiça sem mistura se compor ta perante a injustiça pura no que concerne à felicidade e desventura do indivíduo a fim de procurarmos a injustiça b se nos deixarmos persuadir por Trasúnaco ou a justiça se seguirmos o argumento que agora estamos a desenvolver É assim mesmo que devemos fazer Ora tal como principiámos por examinar os costumes dos Estados antes dos dos particulares por entendermos que era mais claro assim também agora devemos analisar primeiro a constituição dominada pelo gosto das honrarias 6 já que não disponho de outra designação corrente terá de se lhe chamar timocracia ou timarquia e em face desta observaremos o homem da mesma qualidade em seguida a e oligarquia e o homem oligárquico depois lançaremos o olhar para a democracia e contemplaremos o homem de mocrático em quarto lugar chegaremos junto do Estado ti rânico e para ele olharemos observando por sua vez a alma do tirano e procuraremos ser bons juízes da questão que nos propusemos Certamente que uma revisão e um juízo assim for mulado será lógico V amos lá então tentar dizer de que maneira a timo cracia se originou da aristocracia É simples de ver que toda 6 O composto grego que assim traduzimos pLÀÓTLµóc tem como segundo elemento b mesmo radical que figura em timo cracia e timarquia que vêm a seguir e que significa honra 364 a constituição muda por virtude daquele mesmo que detém d o poder quando a sedição se origina no seu seio E que quando está de acordo consigo mesma por pequena que seja é impossível abalála Assim é Nesse caso ó Gláucon como é que a nossa cidade será abalada e por que lado é que os guardiões e chefes fica rão divididos uns contra os outros e contra si mesmos Ou queres que tal como Homero dirijamos uma prece às Mu sas para que nos digam como é que principiou a contenda 7 e e que digamos que falam no altissonante estilo trágico como se fosse realmente a sério quando é apenas a brincar e gracejar connosco como se fôssemos crianças Como Mais ou menos assim É difícil abalar um Estado 546a constituído deste modo Todavia como tudo o que nasce está sujeito à corrupção nem uma constituição como essa permanecerá para sempre mas háde dissolverse A sua dis solução será do seguinte modo não só para as plantas da terra mas também para os animais que sobre ela vivem há períbdos de fecundidade e de esterilidade de alma e de cor po quando uma revolução completa fecha para cada espécie os limites dos seus drculos que são curtos para os que têm a vida breve e longos para os que a têm dilatada Ora quanto à fecundidade e esterilidade da vossa raça 8 os que educastes b para serem chefes da cidade por mais sábios que sejam não 1 Alusão à pergunta retórica do começo da Ilíada r 8 Quem dentre os deuses os impeliu à discórdia 8 São as Musas que falam 365 conseguirão nada pelo seu poder de observação e de cál culo mas deixarão escapar essas ocasiões e gerarão filhos quando não devem Para a raça divina há um período deli mitado por um número perfeito para a humana o número é o primeiro 9 em que a multiplicação das raízes pelos qua drados abrangendo três dimensões e quatro limites 10 de elementos que causam a igualdade e a desigualdade o de senvolvimento e a atrofia toma todas as coisas acessíveis e e susceptíveis de serem expressas uma em relação a outra Desses 11 quatro e três aliados a cinco dão duas harmonias 12 quando multiplicados por três uma igual um número igual de vezes e cem vezes cem ao passo que a outra é em parte da mesma extensão em parte mais longa de um lado de cem quadrados das diagonais racionais de cinco menos um em cada ou de cem quadrados de diagonais irracionais me nos dois por outro lado de cem cubos de três É todo este número geométrico que é senhor dos nascimentos melho d res ou piores Quando pelo facto de os ignorarem os nos sos guardiões juntarem as noivas aos noivos fora da ocasião própria as crianças que nascerem não serão bem constituí das nem afortunadas Dentre essas crianças os seus anteces sores porão as melhores à frente do governo mesmo assim como são indignos disso quando tiverem alcançado o poder 9 O primeiro a seguir à unidade 10 Na interpretação deste complexo passo seguimos as equi valênáas de Adam 11 Referese à igualdade e desigualdade desenvolvimento e atrofia 12 O quadrado e o rectângulo podem ser considerados como harmonias porque neles como no número 216 supra todas as coisas são acessíveis e susceptíveis de serem expressas uma em re lação a outra Adam ad locum 366 que pertencia aos pais começarão logo a não cuidar de nós apesar de serem guardiões tendo em menor apreço do que se deve a arte das Musas e depois a ginástica de onde resul J tará que os nossos jovens ficarão menos cultos Dentre eles serão investidos os chefes que não têm espírito para guar e dião nem para discernir as raças de Hesíodo 13 nem a de ouro de prata de bronze e de ferro que haverá no meio de 547a vós Misturandose o ferro com a prata e o bronze com o ouro surgirá uma desigualdade e anomalia desarmónica que uma vez constituídas onde quer que apareçam produ zem sempre a guerra e o ódio É desta geração que devemos dizer que surge a discórdia onde quer que apareça E nós diremos que as Musas falaram bem Força é que o façamjá que são Musas Ora pois A seguir a isto que dizem as Musas b Quando surge a discórdia ambas essas raças a de fer ro e a de bronze voltamse para o lucro posse de terras e casas ouro e prata por sua vez a raça de ouro e a de prata como não são carecidas mas dotadas por natureza da verda deira riqueza que é a das almas conduzem à virtude e à an tiga constituição Depois de exercerem violências e lutarem umas com as outras chegam a um acordo de dividirem e se apropriarem da terra e das casas e aqueles por quem antes e velavam como pessoas livres amigas e que os mantinham a esses escravizamnos então tomandoos periecos e servos e cuidando eles mesmos de lutar e de os vigiar 14 Pareceme que é aí que se origina essa mudança Cf supra 111 415ac 14 Como nota Adam tratase do cuidado de vigiar os periecos e os servos sensu inimico O retrato da timocracia tem como modelo Esparta mais a do séc v do que a do IV aC 367 Ora esta forma de governo não estará a meio ca minho entre a aristocracia e a oligarquia Absolutamente É assim pois que mudará Mas uma vez alterada d como ficará Não é evidente que numas coisas imitará a for ma de governo anterior e noutras a oligarquia uma vez que está no meio mas além disso terá algo de específico É assim Pela veneração pelos chefes pela aversão da classe dos guerreiros pela agricultura artes manuais e restantes formas de obter lucro pela realização de refeições em co mum e pela preocupação com a ginástica e o treino de guerra por todas estas características acaso não imitará a forma de governo anterior Imita e E pelo receio em elevar os sábios às magistraturas uma vez que já não dispõe de homens simples e inquebran táveis desse estofo mas sim de ânimos dúbios a tendência para os espíritos exaltados e simples nascidos mais para a 548a guerra do que para a paz o apreço pelos dolos e expedien tes que lhes são próprios o passar sempre o tempo em com bate não serão nas suas linhas gerais os seus caracteres es pecíficos São Homens dessa espécie serão cobiçosos de riquezas como os que vivem no regime oligárquico adoradores apai xonados do ouro e da prata a ocultas pois são possuidores de celeiros e de terrenos particulares onde os colocam para os manterem escondidos e bem assim de casas que os abri guem de todos os lados verdadeiros ninhos privados dentro b dos quais desbaratarão grandes somas com mulheres e com quem mais lhes apetecer 368 É inteiramente verdade Portanto serão avaros das suas riquezas uma vez que lhes prestam culto e não estão na sua posse pública e gasta dores das alheias para satisfação dos seus desejos colhendo lhes furtivamente o prazer Fogem da lei como as crianças do pai porque foram educados não pela persuasão mas pela violência devido a terem descurado a verdadeira Musa a da dialéctica e da filosofia e a terem tributado maior vene e ração à ginástica do que à música A forma de governo a que te referes é uma mistura completa de bem e de mal É uma mistura efectivamente disse eu Mas há uma característica evidente devido a ser governada por um exaltado que é a ambição e o gosto das honrarias Em alto grau exclamou ele Este governo tem portanto uma origem e caracte rísticas deste género Esbocei o seu traçado sem o porme norizar completamente por ser bastante para distinguir d mos por esse esboço o homem mais justo e o mais injusto e porque seria um trabalho insano pela sua extensão anali sar todas as formas de governo e todos os costumes sem nada omitir Com razão Ora então qual é o homem correspondente a esta forma de governo Como é que surgiu e que qualidades tem Julgo eu que é algo de semelhante a Gláucon que aqui está pelo que toca ao desejo de se evidenciar Talvez sob esse aspecto Mas pareceme que não lhe e corresponde no que vou dizer Em quê Tem de ser forçosamente mais confiante e mais aves so às Musas embora dado a ouvir discursos nada tem de 369 549a orador Tal pessoa será intratável para os escravos sem os desprezar como faz quem teve uma educação suficiente é cordial para com os homens livres altamente subserviente para com os chefes amigo do poder e das honrarias sem se julgar merecedor do poder devido à sua eloquência ou a qualquer outro predicado mas em atenção aos seus feitos guerreiros e ao seu saber militar apreciador da ginástica e da caça É esse com efeito o carácter pertencente a essa for ma de governo Uma pessoa assim poderá desprezar as riquezas b em novo mas à medida que for ficando mais velho cada vez as apreciará mais pelo facto de participar da natureza do avarento e de a sua virtude não ser pura por estar privado do melhor guardião De qual perguntou Adimanto Da razão misturada com a música respondi que é a única defensora da virtude durante a vida na pessoa que ela habita Dizes bem É assim o jovem timocrata que a tal forma de gover no se assemelha e Absolutamente Ora é mais ou menos assim a sua origem por vezes é o filho ainda novo de um pai que é homem de bem e que habita numa cidade que não é bem governada que evita as honrarias os cargos e os processos e toda a agitação desse género e que deseja diminuirse de modo a não ter ques tões De que maneira é que ele se forma Sempre que escuta em primeiro lugar a mãe que se agasta pelo facto de o marido não ter lugar entre os gover 370 nantes 15 e que por esse motivo se sente diminuída entre as outras mulheres além disso vê que ele não se esforça gran d demente por possuir bens que não luta nem insulta parti cularmente nos tribunais ou em público mas suporta com indiferença todas essas situações e sente a toda a hora que só pensa nele e não a considera a ela nem muito nem pou co Irritada com tudo isto afirma que o pai dele não é um homem mas que é bonacheirão em demasia e outras canti lenas da mesma espécie que as mulheres costumam trau e tear a este propósito Essas e outras que tais dizem elas em larga escala Ora tu sabes que também os criados dessas pessoas que parecem estimálas por vezes fazem a ocultas conside rações dessa ordem perante os filhos e se vêem alguém que deve dinheiro sem que o pai lhe mova um processo ou que tenha cometido qualquer outra injustiça para com ele exor tamno a que quando for grande castigue todos os homens nessas condições e a que seja mais homem do que o pai 550a Quando sai de casa ouve e vê coisas do mesmo género e que aqueles que só tratam do que lhes pertence são apelida dos de tolos e tidos em pequena conta ao passo que os que não tratam do que lhes diz respeito são honrados e elogia dos Então o jovem que ouve e vê todas estas coisas e por outro lado ouve os argumentos do pai e vê as actividades dele mais de perto e as compara com as dos outros é arras tado por cada uma das partes pela do pai que reage e faz crescer a parte racional da sua alma e pela dos outros que h apelam para desejos e paixões Como não é mau homem 15 Alguns comentadores como Muller e Adam adivinham por trás desta descrição tão bem observada o modelo das relações entre Sócrates e Xantipa 371 por natureza mas teve más companhias e é puxado por am bas essas forças vai para o meio delas e entrega o domínio da sua pessoa à parte intermédia que é ambiciosa e exaltada tomandose um homem orgulhoso e amigo de honrarias Acho que deste uma explicação completa acerca da formação desse carácter e Temos portanto a segunda forma de governo e o segundo homem Temos Depois disto não diremos as palavras de Ésquilo va mos a outro homem postado noutra cidade 16 ou vamos antes primeiro ao Estado de acordo com os nossos pressu postos Absolutamente A forma de governo a seguir a esta seria a oligarquia segundo julgo Que forma de governo entendes por oligarquia A forma baseada no recenseamento da propriedade d em que os ricos são soberanos e os pobres não participam do governo Compreendo Não devemos dizer primeiro como é que se passa da timarquia à oligarquia Devemos 16 Alusão jocosa à descrição dos sete sitiantes e seus oposito res na tragédia Os Sete contra Tebas na qual se juntam elementos do verso 451 Diz agora outro a quem coubesse em sorte outra porta e do verso 570 Postado em frente às Portas Homoloidas 372 Aliás até para um cego é evidente como se dá essa passagem Como Aquele tesouro que cada um tem cheio de ouro deita a perder um governo desses Em primeiro lugar descobrem gastos para fazerem e para esse fim desviam as leis desobe decendolhes eles e as mulheres É natural Depois pareceme cada um vê o que faz o outro e enchese de emulação e acaba por tomar igual a si a maioria deles É natural A partir daí por conseguinte prosseguem cada vez mais no caminho das riquezas e quanto mais preciosas as julgam menos valor atribuem à virtude Ou não é certo que a virtude difere da riqueza tal como se elas se inclinassem sempre em direcções opostas quando cada uma se coloca num prato da balança Absolutamente Logo quando numa cidade se honra a riqueza e os 551a ricos a virtude e os bons são menos considerados É evidente Mas buscase o que é sempre honrado e descurase o que não é É isso Portanto em vez de ambiciosos e desejosos de hon rarias acabam por se tomarem avarentos e apreciadores de dinheiro e louvam e admiram quem é rico e elevamno ao poder ao passo que ao pobre desprezamno Inteiramente Então promulgam uma lei que demarca os limites da constituição oligárquica de acordo com a abundância de b 373 bens maior quando a oligarquia é mais forte menor se é mais fraca proclamando que não têm acesso aos coman dos aqueles cuja fortuna não atingir o censo prescrito e isso conseguemno pela força armada ou então mesmo antes de chegar a esse ponto implantam esse governo pelo medo Ou não é assim É pois Esta constituição é portanto mais ou menos assim É Mas qual é o teor dessa forma de governo E que e espécie de defeitos é que lhe assacamos O primeiro é essa limitação Repara efectivamente se fizéssemos alguém piloto de navios com base na tributa ção e que não se admitisse um pobre ainda que tivesse mais capacidade para governar o navio Perigosa navegação é essa E não seria assim com qualquer outro posto de co mando Por mim é o que penso Excepto o do Estado Ou esse também Sim e muito tanto mais que é o lugar de comando mais difícil e mais elevado d Aqui temos pois um defeito que possuirá a oligar quia Assim parece Pois então E agora este é menor do que o anterior Qual E que um Estado desses não é um só mas dois for çosamente o dos pobres e o dos ricos que habitam no mes mo lugar e estão sempre a conspirar uns contra os outros Por Zeus que este defeito não é menor Mas realmente também não é bem eles serem com toda a probabilidade incapazes de combater devido a força 374 remnos a armar a maioria e a temêla mais do que o inirni e go ou se o não fizerem a deixar transparecer no próprio campo de batalha como são realmente oligarcas 17 e ao mesmo tempo não quererem contribuir para as despesas de ç guerra dada a sua avareza Não está bem E agora Aquilo que há muito censurámos de se dis persarem em múltiplas actividades a agricultura o comér 552a cio a guerra todos ao mesmo tempo no mesmo Estado acaso te parece estar certo Nada disso Vê lá então se de todos os males o maior não é aquele que vou enunciar e que a oligarquia é a primeira a contrair Qual deles A possibilidade de vender todos os seus bens e de ad quirir os de outrem e de depois de os alienar se habitar na cidade sem se tomar parte em nenhuma das suas activida des sem ser comerciante nem artífice cavaleiro ou hoplita mas etiquetado como pobre e indigente Nisso a oligarquia é a primeira a incorrer b Certamente que tal situação não encontra impedi mento numa oligarquia Se assim não fosse não haveria quem fosse rico em excesso nem completamente privado de recursos Exactamente Repara pois no seguinte quando uma pessoa nessas condições no tempo em que era rica gastava a sua fortuna acaso era então mais útil à cidade relativamente às activi dades que referimos Ou parecia pertencer ao número dos 17 No sentido etimológico deste composto ou seja que co mandam a poucos 375 governantes quando na verdade não era chefe nem servidor do Estado mas dissipador dos seus haveres e Era isso Parecia mas não era mais do que um dissi pador Queres então que proclamemos que tal como o zân gão nasce num favo para desgraça da colmeia assim o ho mem dessa espécie é o zângão que aparece numa casa para desgraça do Estado Precisamente Sócrates Ora o deus não fez nascer ó Adimanto os zângãos alados todos sem ferrão ao passo que dos que andam pelo chão uns são desprovidos de ferrão outros têmno e temí vel E que à classe dos semferrão pertençam os que na sua velhice morrem na indigência enquanto dos que o pos d suem são todos daqueles que vêm a merecer o apodo de malfeitores É verdade É evidente portanto que na cidade em que vires mendigos em tal lugar se acoitarão ladrões carteiristas sal teadores de templos e autores de malfeitorias dessa espécie É evidente Ora pois Não se vêem mendigos nos Estados oligár quicos Quase todos excepto os governantes e Não havemos então de supor que haverá entre eles muitos malfeitores com ferrões que os poderes dominam deliberadamente pela força Havemos sim Acaso diremos que é devido à ignorância à educação defeituosa e à forma da constituição que surgem aí pessoas de taljaez Diremos 376 Logo seria assim um Estado oligárquico com estes defeitos ou talvez ainda mais Provavelmente Já tratámos de delinear esta forma de governo a que 553a chamam oligarquia cujo poder depende da avaliação das propriedades Seguidamente vejamos o homem que se lhe assemelha como se forma e qual o seu carácter Perfeitamente Acaso não será sobretudo da seguinte maneira que se transforma de timocrata em oligárquico Qual Quando um timocrata tem um filho a princípio este sente emulação pelo pai e segue as suas pisadas depois vê que ele embate de súbito contra o Estado como se fosse um b escolho e que após ter prodigalizado tanto os seus bens como a si próprio ou na qualidade de general em campa nha ou de posse de qualquer outro elevado posto o leva ram ao tribunal delatores e é condenado à morte ou exila do privado dos seus direitos e de toda a sua fortuna É natural Ao ver isto meu amigo e ao sofrer com esses acon tecimentos e depois de perder os seus haveres atemorizase e atira logo de cabeça para baixo do trono em que as tinha na sua alma a ambição e a soberba humilhado pela pobre e za voltase para o negócio e poupando e trabalhando pe nosa e paulatinamente reúne um pecúlio Não achas que uma pessoa assim sentará então no trono da sua alma o espí rito de ambição e de avareza fará dele o grande rei e o cin girá com a tiara braceletes e cimitarras 18 Pois claro que sim 18 Notase nesta alegoria o modelo da corte persa 377 d Quanto ao espírito da razão e ao da coragem julgo eu sentaos no chão ao lado daquele rei de um lado e de outro como escravos sem os deixar calcular nem observar outra coisa que não seja a maneira de transformar poucos haveres em muitos nem admirar e pagar nada que não seja a riqueza e os ricos e a não ambicionar outra coisa além da posse de bens e tudo o que a ela conduza Não há outro caminho assim rápido e seguro para transformar um jovem ambicioso num avarento e Acaso esse jovem é um oligárquico Esta transformação é sem dúvida a de um homem semelhante à forma de governo da qual se originou a oligar qma Vejamos então se será semelhante a ela 554a Vejamos Acaso não se parecerá com ela antes de mais na im portância máxima que confere às riquezas Pois não Além disso em ter um espírito económico e opero so que se limita a satisfazer as suas necessidades prementes sem proporcionar quaisquer outros gastos escravizando os restantes desejos como vaidades Exactamente Homem sórdido que de tudo faz dinheiro só sabe b entesourar é o género que a multidão elogia Não seria ele o que se assemelha a esta forma de governo A mim pelo menos é o que me parece na cidade como no homem desta espécie é a riqueza que mais é hon rada É que segundo julgo disse eu esse homem nun ca recebeu instrução 378 Julgo que não confirmou Caso contrário não teria tomado um cego para chefe do coro 19 e não lhe tribu taria as maiores honras Bem Repara então no seguinte não diremos que surgiram nele devido à sua falta de instrução desejos do tipo dos zângãos uns que o levam a mendigar outros a pra e ticar o mal dominados à força pelos restantes cuidados Sem dúvida Sabes por conseguinte para onde deves olhar para descobrires os malefícios desses desejos Para onde Para a tutela de órfãos e qualquer outro encargo des ta espécie que lhes incumba em que tenham largas possibi lidades de cometer injustiças É verdade Acaso não se toma evidente por este exemplo que nos outros contratos em que ganha boa fama por parecer justo devido a uma espécie de virtuoso autodomínio repri d me outros desejos maus que tem não por os convencer que não é melhor seguilos nem por os suavizar com argumen tos mas devido à necessidade e ao medo porque treme pelo resto da sua fortuna Absolutamente Mas por Zeus meu amigo Descobrirás na maioria deles que quando se trata de gastar bens alheios possuem os desejos naturais aos zângãos Em larga escala 19 Os desejos são comparados aos componentes do coro de uma tragédia cujo corifeu é a riqueza Ploutos deus que pelo me nos desde o séc v aC os Gregos representavam como sendo cego 379 Um homem assim não será isento de discussões no seu íntimo uma vez que não é um só mas duplo porém e a maior parte das vezes os desejos melhores subjugarão os piores Assim é Por esse motivo penso que um homem desses terá um aspecto mais decente do que a maioria mas a verdadeira virtude de uma alma em paz e harmonia consigo mesmo fugirá para longe dele Pareceme que sim Além disso este homem poupado será um fraco an 555a tagonista na cidade em qualquer vitória particular ou distin ção honorífica 20 por não querer gastar dinheiro só pela fama e por competições dessa espécie com medo de des pertar os desejos dissipadores e de os chamar em seu auxílio para combaterem com ele e se esforçarem por vencer Como à maneira oligárquica luta com parcas forças é derrotado a maior parte das vezes mas mantém a sua riqueza Exactamente Então ainda duvidaremos que este homem poupado b e negociante foi feito pelo modelo do Estado oligárquico devido à sua semelhança De modo nenhum Em seguida temos de examinar a democracia ao que parece qual a forma como se origina o seu carácter a fim de que depois de conhecermos a maneira de ser do homem dessa espécie o citemos em juízo Pelo menos seguiremos o mesmo processo 20 Os cidadãos ricos atenienses prezavamse de oferecer coros para as festas da cidade a chamada liturgia e orgulhavamse de vencer nas competições 380 Acaso não se muda da oligarquia para a democracia do seguinte modo devido à cobiça do bem que se nos pro põe o de se querer ser o mais rico possível Como assim É que pareceme os que estão no poder nesse regi e me como estão lá devido aos seus muitos haveres não que rem impedir por meio duma lei que os jovens fiquem impu nes para não lhes ser lícito dissipar os seus bens e perdêlos a fim de adquirirem as suas propriedades e lhes emprestarem a juros tomandose mais ricos e mais considerados É isso acima de tudo Acaso não é desde já evidente na cidade que prestar culto à riqueza e ao mesmo tempo ser possuidor de tempe rança suficiente é impossível entre os cidadãos mas é forço d so renunciar a uma coisa ou a outra É bem evidente É assim que nas oligarquias descurando e consentin do na libertinagem algumas vezes reduziram à penúria ho mens de estofo não destituído de nobreza Exacto Ora esses são julgo eu os que ficam na cidade pro vidos de ferrão e armados uns com dívidas outros desonra dos alguns ainda a serem uma e outra coisa cheios de ódio a tramar contra os que adquiriram os seus bens e contra os demais tomados da fiíria da revolução e É isso Ora esses usurários de cabeça baixa sem parecer vê los ferem com o seu dinheiro injectandolho quem se lhes submeter dentre os restantes e multiplicando vezes sem conta os filhos nascidos desse pai fazem pulular os zângãos 556a e os mendigos na cidade Como não hãode pulular 381 Seja como for disse eu não estão dispostos a ex tinguir esta espécie de maldade quando começa a querer ficar em chamas por aquele processo de impedir que se disponha dos bens como se quiser ou por este de resolver esta situação por meio de uma outra lei Por qual Por uma que fosse a melhor alternativa da primeira b e que forçasse os cidadãos a preocuparse com a virtude Efectivamente se se estabelecesse que os contratos voluntá rios na maior parte dos casos se fizessem à conta do pró prio os cidadãos transaccionariam com menos falta de ver gonha e haveria entre eles um número menor daqueles males de que há momentos falámos Absolutamente Ora a verdade é que agora por todos estes motivos os governantes colocam os governados da cidade nesta si tuação Eles mesmos e os seus acaso os jovens não levam e uma vida de dissipação inactivos quer física quer espiritual mente e não são moles para resistir ao prazer e ao desgosto e ainda por cima preguiçosos Sem dúvida E os próprios pais que de nada querem saber senão do dinheiro também não se preocupam mais com a virtude do que os pobres Efectivamente não Com tal preparação quando se encontram a par uns dos outros governantes ou governados ou nas viagens ou em quaisquer outras funções comuns como uma embaixa da expedição militar em que são companheiros de navega ção ou de campanha ou quando se observam uns aos outros d no meio dos próprios perigos nessa altura os pobres não são de modo algum desprezados pelos ricos mas muitas 382 vezes um homem pobre emaciado tostado pelo Sol postado no combate ao lado de um rico criado à sombra possuidor de superabundantes carnes se o vir com dificuldade em res pirar e cheio de embaraços acaso não te parece que ele pen sará que é devido à cobardia deles que tais pessoas prospe ram e quando se encontram a sós proclamarão uns para os outros Estes homens estão à nossa mercê pois que nada e valem Sei perfeitamente que é assim que eles fazem Da mesma maneira que um corpo enfermiço lhe basta levar um pequeno impulso externo para ficar doente e por vezes mesmo sem causa exterior entra em luta consi go mesmo assim um Estado que se encontra na mesma si tuação por qualquer pretexto vindo atacantes de fora aju dar a cada um dos partidos um do Estado oligárquico outro do democrático 21 adoece e entra na guerra civil por vezes até a revolta surge sem auxílio do exterior E com grande violência 557a Ora a democracia surge penso eu quando após a vi tória dos pobres estes matam uns expulsam outros e parti lham igualmente com os que restam o governo e as magis traturas e esses cargos são na maior parte tirados à sorte É essa efectivamente a maneira como se estabelece a democracia quer pelas armas quer pelo medo do outro partido o que foge Então de que mmeira é que esses exercem a admi nistração E de que espécie é tal forma de governo É evi b dente que um homem dessa qualidade nos aparecerá como homem democrático 21 O facto verificavase com frequência nas revoluções gregas 383 É evidente Pois não serão em primeiro lugar pessoas livres e a cidade não estará cheia da liberdade e do direito de falar e não haverá licença de aí fazer o que se quiser É o que se diz pelo menos Mas onde houver tal licença é evidente que aí cada um poderá dar à sua própria vida a organização que quiser aquela que lhe aprouver É evidente e É nessa forma de governo que segundo julgo se en contram homens de espécies mais variadas Como não havia de ser Tal constituição é muito capaz de ser a mais bela das constituições Tal como um manto de muitas cores matiza do com toda a espécie de tonalidades também ela matizada com toda a espécie de caracteres apresentará o mais formo so aspecto E talvez que embevecidas pela variedade do co lorido tal como as crianças e as mulheres muitas pessoas julguem esta forma de governo a mais bela É muito provável d Ora aí está meu caro o lugar adequado para aí pro curar uma constituição Porque Porque dispõe de toda a espécie de constituições de vido à liberdade e dá a impressão de que quem quiser esta belecer uma cidade como há pouco fazíamos necessita de se dirigir a uma democracia para escolher a modalidade que lhe aprouver como se chegasse a uma feira de constituições e pusesse em prática aquela que tivesse seleccionado e Realmente talvez não lhe faltassem modelos Mas o facto de não haver necessidade alguma de mandar neste Estado ainda que se seja capaz de o fazer 384 nem de se ser mandado se não se quiser nem de combater quando os outros combatem nem de estar em paz quando os outros estão se não se desejar a paz nem além disso ainda que alguma lei impeça que se seja governante ou juiz se deixe de governar e de julgar se tal aprouver acaso tal 558a situação não é para já divina e deliciosa Talvez o seja para já Pois então E a cordura de alguns dos que foram jul gados acaso não é um mimo Ou ainda não viste um Estado destes quando as pessoas foram condenadas à morte ou ao exílio como não deixam de permanecer e de deambular em público vagueando como espíritos 22 como se ninguém se preocupasse com isso nem os visse Vi e muitas Mas a consideração e ausência de qualquer espécie b de exigência em ninharias e desprezo por princípios que enumerámos com veneração quando construímos a cidade como aquele segundo o qual a não ser que se tivesse uma natureza extraordinária nunca uma pessoa poderia tomar se um homem de bem se logo desde a infância não brin casse no meio de coisas belas e não se dedicasse a todas as actividades dessa qualidade com que arrogância ela calca tudo aos pés sem querer saber para nada da preparação com que se vai para a carreira política mas só presta honras a quem proclamar simplesmente que é amigo do povo e 22 A palavra do original é íípw cujo significado neste passo tem dado lugar a muita controvérsia Em nosso entender deverá aproximarse do fragmento de Ásio séc vnv1 aC citado por Ateneio m 125d em que se alude a um herói que aparece como um fantasma no meio de umas bodas e ser portanto um vestígio da crença nos espíritos que se pode encontrar no povo grego como em qualquer outro 385 Coisa nobre não há dúvida Estas e outras gémeas destas são as vantagens da de mocracia é ao que parece uma forma de governo aprazí vel anárquica variegada e que reparte a sua igualdade do mesmo modo pelo que é igual e pelo que é desigual É bem conhecido isso que estás a dizer Repara então prossegui eu como é o indivíduo que lhe corresponde Ou deveremos examinar primeiro tal como vimos para a constituição de que maneira se origina Devemos Acaso não será como segue Suponhamos que esse d tal homem poupado e oligarca tem um filho criado pelo pai à sua maneira Porque não Também ele dominará pela força os desejos de pra zer que tem aqueles que levam à dissipação e que não con duzem à fortuna os que se designam por nãonecessários Claro Queres então que para não discutirmos às escuras comecemos por definir o que são desejos necessários e o que o não são Quero Não será justo chamar necessários àqueles que não e seríamos capazes de repelir e a quantos nos for útil satisfa zer Porque a ambos foi a necessidade que os implantou na nossa natureza Ou não Absolutamente 559a Será justo então dizer deles que são necessários Será Ora bem Mas aqueles de que é possível libertarmo nos se nos esforçarmos desde novos e cuja presença além disso não nos impele para nada de bom por vezes até ao 386 contrário se desses todos dissermos que são nãonecessá rios não teremos dito bem Muito bem Tomemos então um exemplo de cada espécie para formarmos uma ideia geral deles É o que é preciso Acaso não será necessário o simples desejo de comer dentro dos limites da saúde e do bemestar físico da própria comida e seus temperos b Acho que sim O desejo de alimentação é necessário por dois moti vos quer por ser útil quer pela sua capacidade de evitar que a vida se extinga E o dos temperos se acaso proporciona alguma van tagem ao bemestar físico Absolutamente Mas o desejo para além disso desejo de outras espé cies de manjares sem serem estes susceptível de se repri mir se se começar desde novo e de se educar libertando dele a maior parte que é nocivo ao corpo e nocivo à alma ao bomsenso e à temperança Não teremos razão em o e qualificar de nãonecessário Toda a razão Não diremos então que estes desejos são causa de dissipação e aqueles causa de lucro devido ao facto de se rem úteis à produção Sem dúvida Expressarnosemos portanto assim também acerca dos desejos eróticos e dos outros Exacto E então aquele a quem há pouco denominámos de zângão desse dizíamos que estava carregado de prazeres e 387 d desejos dessa espécie e era comandado pelos nãonecessá rios ao passo que o que estava sob a égide dos necessários era poupado e oligárquico E porque não Tornemos então a falar 23 da maneira como de oligar ca se passa a democrata Pareceme que na maior parte dos casos é do seguinte modo Como Quando um jovem criado como há pouco dissemos na ignorância e na avareza prova o mel dos zângãos e convive com estes animais furiosos e terríveis susceptíveis de propor cionarem toda a espécie de prazeres variegados e de toda a e qualidade é então que podes crer principia para ele a mudan ça 24 do oligárquico que nele existe para o democrático É absolutamente forçoso E tal como o Estado mudou quando socorrida uma das suas facções por aliados do exterior de acordo com as suas afinidades porventura não mudará do mesmo modo o jovem quando uma das duas espécies de paixões que nele existem é auxiliada externamente por um grupo parente e afim Absolutamente E se como eu julgo alguém acudir em contrário como aliado do elemento oligárquico que nele existe ou o 560a pai ou qualquer outro parente censurandoo e vilipendian doo originase então uma revolução e uma contrarevolu ção e uma luta de si para consigo 23 Como observa Adam a descrição da génese do homem de mocrático que aqui principia e foi apontada já como um modelo de estilo sublime por Longino 122 é um dos trechos mais sober bos e magníficos em toda a literatura quer antiga quer moderna 24 O texto de Bumet supõe aqui uma lacuna 388 Sem dúvida Algumas vezes pareceme o elemento democrático cede ao oligárquico e alguns desejos uns extinguiramse outros foram derrubados por haver na alma do jovem um pouco de pudor até que se restabelecesse a ordem Isso sucede algumas vezes com efeito Além disso penso que depois de derrubados esses desejos outros aparentados com eles criados secretamente b por falta de capacidade para educar por parte do pai se tor naram numerosos e potentes É assim realmente que costuma acontecer Então arrastaramno para as mesmas companhias e unindose às ocultas geraram uma multidão Sem dúvida Por último julgo eu apoderamse da acrópole da alma do jovem por terem pressentido que estava vazia de ciência de hábitos nobres e de princípios verdadeiros que são as melhores sentinelas e guardiões da razão nos homens amados pelos deuses São em muito as melhores e Então pareceme os princípios e doutrinas mentiro sos e presunçosos correm para a vez dos outros e apoderam se do lugar que lhes pertencia Forçosamente De regresso a essa terra dos Lotófagos 25 não é aí que habita publicamente e se da parte dos parentes vier algum 25 Alusão à conhecida aventura narrada na Odisseia IX 82104 onde se lê que três dos companheiros de Ulisses que comeram ló tus tiveram de ser levados à força para as naus pois com isso ti nham perdido o desejo de regressar Atraído de novo pela compa nhia dos zângãos o jovem esquece a sua origem divina 389 socorro para o que na sua alma há de poupado aqueles princípios presunçosos não fecham as portas da régia forta leza 26 que nele existe sem deixarem entrar o próprio socor d ro nem receberem a embaixada de palavras sensatas profe ridas por particulares de mais idade 27 Não são eles que vencem no combate e chamando imbecilidade à vergonha a empurram ignominiosamente para o exílio Não são eles que ajudados por paixões múltiplas e inúteis chamam co vardia à temperança que a maltratam e põem fora e expul sam o comedimento e os gastos moderados fazendo crer que são provincianismo e baixeza Forçosamente que sim Depois de terem esvaziado e purificado a alma do e jovem por elas possuído e de a terem iniciado nos Grandes Mistérios 28 logo a seguir trazem na companhia de um nu meroso coro a insolência a anarquia a prodigalidade e a desfaçatez todas resplandecentes de cabeças coroadas fa zem o seu elogio e chamamlhes nomes bonitos designan do a insolência por boa educação a anarquia por liberdade 561a a prodigalidade por generosidade a desfaçatez por coragem Acaso não é mais ou menos assim que um jovem educado a satisfazer os desejos necessários passa à licença e à indulgên cia com os prazeres nãonecessários e inúteis É bem evidente que sim 26 Mantémse a imagem da cidade fortificada que foi usada supra ao falar da acrópole da alma do jovem 27 A maior parte dos comentadores tem visto aqui uma alusão às tentativas de Sócrates para chamar Alcibíades ao bom caminho 28 Em todo este trecho é transparente a alusão aos rituais dos Mistérios de Elêusis designadamente à purificação no mar no se gundo dia dos preparativos e à brilhante procissão que no quinto dia levava os objectos sagrados para o santuário 390 Depois disso ele vive julgo eu não despendendo menos dinheiro esforço e tempo com os prazeres necessá rios do que com os nãonecessários Mas se tiver sorte e não se desmandar para além das marcas devido também em certa medida à influência dos anos quando a maior parte desse tumulto tiver passado ele receberá de novo uma parte b dos que expulsara sem se entregar por inteiro aos invasores estabelecendo uma espécie de igualdade entre os prazeres entregará o comando de si mesmo ao primeiro que se lhe deparar como se fosse determinado pela sorte até se saciar e depois a outro sem menosprezar nenhum mas cultivan doos por igual Absolutamente Se alguém lhe disser que uns prazeres provêm de desejos nobres e bons outros de perversos e que se devem e cultivar e honrar os primeiros e castigar e escravizar os se gundos não receberá a fala da verdade nem a deixará entrar no reduto Mas em todos estes casos sacode a cabeça e afir ma que todos os prazeres são semelhantes e devem honrar se por igual Com tais disposições é forçoso que proceda assim Portanto continuei eu passará cada dia a satisfa zer o desejo que calhar umas vezes embriagandose e ou vindo tocar flauta 29 outras bebendo água e emagrecendo outras ainda fazendo ginástica ora entregandose à ociosida d de e sem querer saber de nada ora parecendo dedicarse à filosofia Muitas vezes entra na política salta para a tribuna e diz e faz o que adregar Um dia inveja os militares e vai para esse lado ou os negociantes e voltase para aí Na vida 29 Reconhecese aqui o ambiente tradicional do symposíon a que não costumava faltar a flautista 391 dele não há ordem nem necessidade considera que uma vida destas é doce livre e bemaventurada e seguea para sempre e Descreveste perfeitamente a vida de um amante da igualdade Suponho que também mostrei como é matizado e repleto de toda a espécie de caracteres e que é ele o hó mem belo e furtacores como o Estado em questão muitos homens e mulheres poderão invejar a sua vida que tem em si a maior parte dos modelos de constituições e de costu mes É ele é 562a Ora pois Vamos pôr esta espécie de homem a cor responder à democracia entendendo que é com razão que o classificamos de democrático Vamos Restanos analisar a mais bela forma de governo e o mais belo dos homens a tirania e o tirano Absolutamente Vamos lá De que maneira meu caro companheiro se origina a tirania Pois é quase evidente que provém de uma alteração da democracia É evidente Acaso não é mais ou menos do mesmo modo que a b democracia se forma a partir da oligarquia que a tirania sur ge da democracia Como O bem que propunham e pelo qual se estabelecia a oligarquia era a riqueza excessiva 30 Ou não 3 Como muitos editores Burnet elimina o prefixo irrrep que traduzimos por excessiva A melhor explicação para esta 392 Era Ora foi a cobiça da riqueza e a negligência do resto para conseguir dinheiro que a deitou a perder É verdade Porventura não é a ambição daquilo que a democra cia assinala como o bem supremo a causa da sua dissolução Que bem é esse que dizes A liberdade respondi eu É o que ouvirás procla mar num Estado democrático como sendo a coisa mais bela e que possui e que por isso quem é livre de nascimento só nesse deve morar Realmente ouvese muito amiúde essa palavra Ora pois prossegui como eu ia dizendo há pou co a ambição desse bem e a negligência do resto é que faz mudar esta forma de governo e abre caminho à necessidade da tirania Como Quando ao que me parece a um Estado democrático com sede de liberdade se deparam maus escanções no go d vemo e quando se embriaga com esse vinho sem mistura31 para além do que convém então põese a castigar os chefes a não ser que sejam extremamente dóceis e lhe proporcionem grande liberdade acusandoos de miseráveis e oligarcas corrupção do texto foi dada por Adam ad locum o prefixo proviria de um wép1TÀOUT0 escrito à margem para recordar os wép1TÀcnrrm de 5526 31 Para compreender a linguagem metafórica aqui usada é ne cessário lembrar que o vinho grego era tão concentrado que se ser via numa mistura dedois terços de água cf Alceu fr 346 Lobel Page e Anacreonte fr 11 Page Sobre o que era aceite como não ultrapassando as conveniências leiase o final da elegia I Diels de Xenófanes 393 É isso que fazem realmente Aqueles que são submissos aos magistrados insul tamnos como homens servis que de nada valem ao passo que louvam e honram em particular e em público os gover nantes que parecem governados e os governados que pare e cem governantes Pois acaso não é forçoso que num Estado destes o espírito de liberdade chegue a tudo Como não havia de sêlo E que se infiltre meu amigo nas casas particulares e que a anarquia acabe por grassar até entre os animais Como havemos de dizer tal É que o pai habituase a ser tanto como o filho e a te mer os filhos e o filho a ser tanto como o pai e a não ter respeito nem receio dos pais a fim de ser livre o meteco 563a equiparase ao cidadão e o cidadão ao meteco e do mesmo modo o estrangeiro É assim que acontece Ainda há estes pequenos inconvenientes num Esta do assim o professor teme e lisonjeia os discípulos e estes têm os mestres em pouca conta outro tanto se passa com os preceptores No conjunto os jovens imitam os mais velhos e competem com eles em palavras e em acções ao passo que os anciãos condescendem com os novos enchemse de b vivacidade e espírito a imitar os jovens a fim de não pare cerem aborrecidos e autoritários Exactamente Mas o extremo excesso de liberdade meu amigo que aparece num Estado desses é quando homens e mulhe res comprados não são em nada menos livres do que os compradores Mas por pouco me esquecia de dizer até que ponto vai a igualdade e liberdade nas relações das mulheres com os homens e destes com aquelas 394 Então vamos como Ésquilo dizer o que nos acudiu e agora mesmo aos lábios 32 Absolutamente Eu por mim vou falar dessa maneira Efectivamente até que ponto os animais submetidos ao ho mem são mais livres aqui do que em qualquer outro sítio é coisa que ninguém acreditaria sem o experimentar É que as cadelas conforme o provérbio são como as donas 33 e tam bém os cavalos e burros andam pelas ruas acostumados a uma liberdade completa e altiva embatendo sempre contra quem vier em sentido contrário a menos que saiam do ca minho e tudo o mais é assim repleto de liberdade d É o meu sonho que estás a contar 34 Pois é isso mes mo o que eu experimento com frequência quando vou a caminho do campo O resultado de todos estes males acu mulados bem compreendes como dá em tomar a alma dos cidadãos tão melindrosa que se alguém lhes impõe um mí nimo de submissão se agastam e não o suportam acabam por não se importar nada com leis escritas ou não escritas como sabes a fun de que de modo algum tenham quem seja e senhor deles Sei e muito bem Ora aqui está portanto amigo o belo e soberbo co meço de onde nasce a tirania tal como me parece 32 Fr 696a Mette Este último editor não considera como per tencente a Ésquilo a primeira palavra da citação que aliás como seguimos o texto de Bumet tivemos de incluir nela De notar que uma frase semelhante é atribuída ao tragediógrafo por Plutarco Amat 18 fr 696b Mette 33 Segundo o escoliasta o provérbio era tal dona tal cadela 34 Desde Schneider que se interpreta esta frase como pro verbial também 395 Soberbo sem dúvida Mas depois que é que acon tece Sobrevém a mesma enfermidade que na oligarquia e que a deitava a perder nascendo aqui também da liberdade de fazer tudo tornase mais amplo e mais forte até reduzir a democracia à escravatura É que na realidade o excesso costuma ser correspondido por uma mudança radical no 564a sentido oposto quer nas estações quer nas plantas quer nos corpos e não menos nos Estados É natural A liberdade em excesso portanto não conduz a mais nada que não seja a escravatura em excesso quer para o in divíduo quer para o Estado É possível realmente É natural portanto que a tirania não se estabeleça a partir de nenhuma outra forma de governo que não seja a democracia e julgo eu que do cúmulo da liberdade é que surge a mais completa e mais selvagem das escrava turas É razoável Mas não era isto pareceme o que tu perguntavas b mas qual a doença que surge na oligarquia do mesmo modo que na democracia e a reduz à escravatura Dizes a verdade Referiame àquela raça de homens preguiçosos e perdulários uns mais corajosos que vão à frente deles ou tros mais cobardes que seguem atrás São os que compará mos aos zângãos uns com ferrão outros sem ele E com razão Quando estas duas espécies por conseguinte se for mam causam perturbações em todo o Estado tal como a 396 fleuma e a bílis 35 relativamente ao corpo Tanto o bom mé dico como o bom legislador da cidade devem vigiálas de e longe não menos que o agricultor que sabe do seu oficio para evitar acima de tudo que se formem e no caso de se formarem para que se faça o mais rapidamente possível a sua extracçãojuntamente com os próprios alvéolos Por Zeus que é isso mesmo Procedamos então da seguinte maneira para vermos mais claramente o que pretendemos De que maneira Vamos dividir em espírito o Estado democrático em três classes tal como é actualmente 36 Uma é aquela raça d que aí se origina devido à liberdade em não menor grau do que no Estado oligárquico É isso Mas é muito mais violenta neste último do que na quele Como Na oligarquia devido a não gozar de consideração e estar excluída das magistraturas fica sem prática e sem in fluência ao passo que na democracia é ela que está à fren te tirante raras excepções e são os mais violentos que falam e actuam o resto está sentado à volta das tribunas zumbe e não suporta que se fale em contrário e de tal maneira que e nesse governo tudo excepto num limitado número de as suntos é administrado por pessoas dessas 35 A fleuma era para os antigos um humor frio e a bílis um quente Por isso os comentadores da edição de Oxford citados por Adam vêem no segundo o correspondente aos zângãos com fer rão e no primeiro o equivalente aos desprovidos dele 36 Temse comparado e com razão esta divisão tripartida à de Eurípides Suplicantes 238245 397 Exactamente Há ainda outra classe que se distingue sempre da multidão Qual Como todos mais ou menos ambicionam enriquecer os que são por natureza mais ordenados tornamse na maior parte das vezes mais abastados É natural Assim julgo eu há mel em abundância para os zân gãos e é facílimo extraílo dessa fonte Pois como poderiam extraílo de quem tem parcos haveres Ora os ricos dessa espécie são julgo eu aqueles a quem chamam ervadoszângãos 37 Suponho que sim 565a A terceira classe será a do povo os trabalhadores e os que se abstêm dos negócios públicos e que não têm de modo nenhum grandes posses É certamente essa a maior e a mais poderosa na democracia quando se reúne É efectivamente Mas não está muitas vezes disposta a fazêlo a menos que lhe caiba uma dose de mel Cabelhe portanto sempre na medida em que os chefes conseguem fazêlo despojando os que têm posses da sua fazenda e repartindoa pelo povo ficando eles com a maior parte b É realmente assim com essa condição que lhe cabe alguma coisa Por conseguinte esses ricos esbulhados são forçados a defenderse falando em público e actuando de todas as maneiras de que são capazes 37 Adam nota o ar proverbial desta alusão e comparaa com o adágio grego os zângãos alimentamse do trabalho alheio 398 Como não haviam de fazêlo São acusados pelos outros de conspirar contra o povo e de serem oligarcas ainda que eles não desejem a revolu ção Sem dúvida Mas por último quando vêem o povo não porque este o deseje mas por ignorância e iludido pelos caluniado res a tentar fazerlhes mal então quer queiram quer não e tornamse realmente oligarcas não por sua vontade mas porque essa desgraça a originou ainda o zangão picandoos com o ferrão Exactamente Surgem as denúncias os processos as lutas de uns com os outros E em grande número O povo não tem sempre o costume assinalado de pôr uma pessoa qualquer à sua frente fomentando o desenvol vimento da sua grandeza Costuma efectivamente É portanto evidente que quando a tirania se origina é d da semente deste protector e não de outra que ela germina É perfeitamente evidente Qual é pois o começo da transformação do protector em tirano Não é evidente que é depois que o protector começa a fazer o mesmo que no mito que se conta acerca do templo de Zeus Liceio na Arcádia 38 38 Esta história de canibalismo está relacionada com o mito de Licáon rei lendário da Arcádia que segundo Pausânias vm 2 17 fundou o culto de Zeus Liceio do nome da montanha onde se ce lebrava mas por ter sacrificado o filho no altar foi transformado em lobo 399 Que mito Que quem provar vísceras humanas cortadas aos bo cados no meio das de outras vítimas é forçoso que se trans e forme em lobo Ou nunca ouviste esta história Ouvi sim Porventura não é também assim que aquele que está à frente do povo e que apanhando a multidão a obedecer lhe não se abstém do sangue dos da sua tribo mas devido a uma acusação injusta como é habitual levao a tribunal manchandose com um crime ao fazer desaparecer a vida daquele homem provando com a língua e a boca ímpias o 566a sangue da família e o exila e o mata acenando com o can celamento das dívidas e a distribuição das terras Acaso para um homem assim não é forçoso depois disto e fatal que pereça às mãos dos seus inimigos ou que se torne um tirano transformandose de homem em lobo É absolutamente forçoso É este pois o homem que é culpado de sedição con tra os possuidores de bens É esse mesmo E depois de ter sido exilado e de ter regressado ape sar da oposição dos seus inimigos porventura não voltará um tirano acabado É evidente b Mas se forem incapazes de o expulsar ou de o matar caluniandoo perante a cidade premeditam assassinálo a ocultas por morte violenta É assim que costuma suceder Ao chegar a este ponto todos descobrem a solução do famoso pedido do tirano de requisitar ao povo guardas de corpo a fim de se conservar a salvo para seu bem o de fensor do povo 400 Exactamente E ele dálhos temendo pelo defensor e confiado pelo que a si mesmo diz respeito Exacto e Por conseguinte quando um homem que tem fortu na e que devido aos seus bens pode incorrer na acusação de inimigo do povo vê tal coisa então meu amigo segun do o oráculo dado a Cresa 39 foge ao longo do Hermos pedregoso não fica à espera nem se envergonha de parecer cobarde É que realmente não teria de se envergonhar segun da vez Se o apanharem entregamno à morte segundo julgo Forçosamente Quanto àquele protector do povo esse é evidente que não jaz na sua grandeza ocupando largo espaç0 40 d mas depois de ter derrubado muitos outros subiu para o carro do Estado 41 feito tirano acabado em vez de defensor Pois não háde ser assim V amos então examinar a felicidade deste homem e desta cidade em que um mortal desta ordem existe Vamos lá examinála Nos primeiros dias e nos primeiros tempos acaso não se sorri e cumprimenta toda a gente que encontrar e 39 A história figura em Heródoto 1 55 onde se diz que à per gunta de Creso se o seu império duraria muito a Pítia respondeu que quando uma mula fosse rei dos Medos o que ele tinha a fazer era fugir 40 Ilíada xv1 776 41 Reminiscênàa de um verso da Ilíada próximo do anterior xv1 743 401 e não declara que não é um tirano faz amplas promessas em particular e em público liberta de dívidas reparte a terra pelo povo e pelos do seu séquito e simula afabilidade e do çura para com todos Forçosamente Mas quando conseguiu julgo eu nas suas relações com inimigos de fora reconciliarse com uns e destruir ou tros e daquele lado há tranquilidade primeiro que tudo está sempre a suscitar guerras a fun de o povo ter necessidade de um chefe É natural 567a E também a fim de os cidadãos empobrecidos pelo pagamento de impostos serem forçados a tratar do seu dia adia e conspirarem menos contra ele É evidente E segundo julgo se ele suspeitar que alguns deles al bergam pensamentos de liberdade que os afastem da obe diência a ele provocará essas desavenças com o pretexto de os deitar a perder entregandoos aos ininúgos Por todos es tes motivos um tirano tem sempre necessidade de desenca dear guerras Forçosamente b Mas tal procedimento predispõe os cidadãos a odiálo mais Pois não Mas não haverá alguns dos que ajudaram a eleválo àquela posição e que têm poder para falar livremente diante dele e uns com os outros e que critiquem os acontecimen tos pelo menos aqueles que forem mais corajosos É natural Logo o tirano tem de eliminar todos esses se quiser governar até não deixar ninguém dentre amigos e inimigos que tenha alguma valia 402 É evidente Portanto tem de discernir com agudeza quem é co rajoso quem tem grandeza de ânimo quem é prudente e quem é rico e é tal a sua felicidade que é forçado a ser ini migo de todos esses quer queira quer não e a armarlhes ciladas até limpar a cidade Bela limpeza essa Sim disse eu é o contrário do que fazem os mé dicos com os corpos estes retiram o pior e deixam o me lhor aquele é o inverso Ao que parece élhe forçoso fazêlo se quiser go vernar Que deleitosa necessidade aquela a que ele está d amarrado Uma necessidade que lhe prescreve ou conviver com os homens que na maior parte nada valem odiado por eles ou renunciar a viver É nessas condições que ele vive Não é verdade que quanto mais os concidadãos o odiarem devido ao seu procedimento tanto mais ele preci sará de lanceiros mais numerosos e mais fiéis Pois não Mas que homens fiéis são esses E de onde é que ele os háde mandar vir Virão muitos a voar espontaneamente se lhes der a recompensa Bem me parecia pelo Perro 42 que estavas outra vez a falar de zângãos estrangeiros e de todo o lado 43 e Pareciate a verdade 42 Sobre esta fórmula de juramento vide supra nota 60 ao Livro m 43 O facto era corrente nas tiranias gregas Adam cita a este propósito Xenofonte Hierão v 3 403 E no seu país mesmo Acaso não quereria 0 quê Arrebatar os escravos aos cidadãos darlhes liberda de e fazer deles lanceiros da sua guarda Seguramente Tanto mais que esses lhe são fidelís simos É bem feliz a situação do tirano que descreves se 568a tem por amigos e fiéis homens desses depois de ter deitado a perder os que tinha antes Mas na verdade são esses que ele tem E esses companheiros admiramno os novos cida dãos convivem com ele ao passo que os honestos o odeiam e lhe fogem Como não hãode fazêlo Não é em vão que a tragédia parece gerahnente ser sábia e que nela se distingue Eurípides Porquê Porque proferiu entre outras esta sapiente afuma b ção que os tiranos são sábios pelo contacto com os sá bios 44 Queria dizer manifestamente que são sábios esses com quem ele convive E elogia a tirania como se nos igualasse aos deuses e outras coisas no género quer ele quer os outros poetas 45 44 O verso é na realidade de uma tragédia perdida de Sófo cles Ájax de Locros fr 14 Radt Talvez como pensam alguns co mentadores a frequência do tema da a0pLa em Eurípides espe cialmente na Andrómaca e Bacantes levasse Platão a atribuir a frase a esse tragediógrafo 45 Eurípides Troianas 1169 apresenta a frase citada primeiro os outros exemplos são Fenídas 524525 frs 250 e 332 Nauck2 Nestes casos como no precedente tratase de uma verdade dramática 404 Por isso os poetas trágicos na sua qualidade de sá bios hãode perdoar a nós e àqueles que têm um governo próximo do nosso por não os recebermos na nossa cidade devido a serem encomiastas da tirania 46 Julgo por mim que nos perdoarão pelo menos aque les que tiverem o espírito subtil e Mas vemolos pareceme a percorrer as outras cida des reunindo multidões assalariando vozes belas grandílo quas e persuasivas 47 para arrastarem os Estados para a tira nia e a democracia Exactamente Além disso recebem recompensas e honrarias so bretudo como é natural dos tiranos 48 e em segundo lugar das democracias Mas quanto mais se elevam na escala as cendente das nossas constituições mais o apreço por eles se afasta como se não pudesse andar mais por lhe faltar a d respiração Absolutamente que certamente não coincidia com a do autor a avaliar pela pre sença da opinião contrária em muitos outros passos Íon 621628 Suplicantes 429441 frs 80 172 275 605 850 Nauck2 46 A condenação da tragédia aparece com frequência noutros textos de Platão Górgias 502de Filebo 48a Leis 816d817e e mais adiante neste mesmo diálogo 605e606a 47 Referese às vozes dos actores contratados para representa rem as peças conforme observou o escoliasta 48 Para Hierão de Siracusa compôs Ésquilo As Mulheres de Etna de que se recuperaram fragmentos Eurípides terminou os seus dias na corte de Arquelau da Macedónia onde escreveu Ar quelau e ainda a trilogia Alcméon em Corinto lfigénia na Áulide e As Bacantes premiada postumamente em Atenas Só as duas últimas peças se conservam 405 Mas já nos afastámos do assunto V amos falar outra vez do exército do tirano que é belo numeroso e variega do e está sempre a mudar e de como ele o alimenta É evidente que se houver tesouros sagrados na cida de os dissipará e enquanto o produto da sua venda for sufi ciente as contribuições a que forçará o povo serão menores e E quando este recurso lhe faltar É evidente que viverá à custa dos bens paternos ele os seus convivas companheiros e concubinas Compreendo É que o povo que produziu o tirano háde alimentálo a ele e à sua companhia É mais que forçoso Que queres dizer E se o povo se agastar e disser que não é justo que um filho na flor da idade seja sustentado pelo pai mas pelo contrário que o pai é que deve ser sus 569a tentado pelo filho e que não o gerou e elevou com a finali dade de quando ele fosse grande ser escravo dos escravos dele e sustentar a ele e aos seus escravos juntamente com a outra escória mas a fim de sob o seu governo se livrar dos ricos e dos chamados homens de bem 49 da cidade e agora mandao sair da cidade a ele e aos companheiros como o pai que põe fora de casa o filho juntamente com os seus im portunas convivas É então que o povo háde reconhecer por Zeus que b erro cometeu ao gerar acarinhar e educar semelhante cria tura e que pretende ele que é o mais fraco expulsar quem é mais forte Que queres dizer O tirano ousará exercer violência sobre o pai e baterlhe se ele não obedecer 49 No original está a expressão xallo xm àya6ó sobre a qual vide supra n 68 ao Livro 111 406 Ousará mas depois de o despojar das armas O tirano é ao que dizes um parricida e um acrimo nioso sustentáculo da velhice e segundo parece chegámos já àquilo que se concorda em chamar tirania conforme o provérbio 50 o povo ao tentar escapar ao fumo da escravatu ra de homens livres háde cair no fogo do domínio dos es e cravos revestindo em vez daquela liberdade ampla e des propositada a farda mais insuportável e mais amarga a da escravatura de escravos É isso sobretudo o que acontece Ora pois Será exceder as conveniências se dissermos que já analisámos satisfatoriamente como se dá a transfor mação da democracia em tirania e o que ela é uma vez constituída É absolutamente satisfatório 50 O provérbio era ao fugir do fumo foi cair no fogo 407 LIVRO IX Restanos portanto analisar o homem tirânico 571a como se transforma a partir do democrático e uma vez ori ginado qual é o seu carácter e que espécie de vida leva se desgraçada ou feliz Efectivamente é esse o que ainda nos resta analisar Mas sabes perguntei eu o que ainda me falta O que é O que se refere aos desejos sua qualidade e número é assunto que me parece que não dilucidámos suficiente mente Faltandonos isso a investigação a que nos abalançá b mos será menos clara Já não virá a propósito fazêlo Vem perfeitamente Ora repara naquilo que eu que ro ver neles É o seguinte de entre os prazeres e desejos nãonecessários há alguns que me parecem ilegítimos que provavelmente são inatos em toda a gente mas se forem castigados pelas leis e pelos desejos melhores com o auxílio da razão em alguns homens ou se dá a libertação total de les ou os que restam são poucos e débeis ao passo que em outros se tomam mais fortes e mais numerosos e Mas de que desejos é que estás a falar Daqueles que despertam durante o sono sempre que dorme a parte da alma que é dotada de razão cordata e se nhora da outra e quando a parte animal e selvagem saciada de comida e de bebida se agita repudia o sono e procura 409 avançar e satisfazer os seus gostos Sabes que nessas condi ções ela ousa fazer tudo como se estivesse livre e forra de toda a vergonha e reflexão Não hesita no seu pensamento d em tentar unirse à própria mãe 1 ou a qualquer homem deus ou animaL em cometer qualquer assassínio nem em se abster de alimento de espécie alguma 2 Numa palavra não há insensatez nem impudor que ela passe adiante Exactamente Mas em meu entender quando uma pessoa possui dora de saúde e de temperança só se entrega ao sono depois de ter despertado o seu raciocínio e de o ter banqueteado com belos pensamentos e especulações entregandose à e meditação interior pondo de lado o desejo sem ser por ca rência nem por excesso a fim de ele adormecer e não cau 572a sar perturbações pela sua alegria ou pela sua tristeza à parte melhor e a deixa só pura e independente para observar e ansiar por perceber aquilo que ignora do passado do pre sente ou do futuro quando da mesma maneira depois de amansar o elemento irascível e sem se irritar com nin guém adormecer com um coração não agitado mas depois de ter tranquilizado estas duas partes da alma e de ter posto em movimento a terceira na qual reside a reflexão assim se entregar ao descanso sabes bem que é nessas condições so bretudo que se atinge a verdade e que aparecem menos as b visões anómalas dos snhos É inteiramente assim que eu penso 1 Temse comparado este passo com os famosos versos 981 982 do Rei Édipo de Sófocles os mesmos que serviram a Freud para a sua distorcida interpretação do mito de Édipo 2 Alusão ao canibalismo Adam remete para Aristóteles Eth Nic vn 6 n48b 2025 410 Deixámonos levar contudo longe de mais ao tratar deste assunto O que queremos saber é o seguinte que exis te em cada um de nós uma espécie de desejos terrível selva gem e sem leis mesmo nos poucos de entre nós que pare cem ser comedidos É nos sonhos que o facto se torna evidente Vê lá tu se estou a dizer bem e se concordas Concordo sim Recorda então como dissemos que era o homem democrático Tinha sido produzido pela educação desde e novo por um pai económico que só se importava com os desejos de fazer fortuna e que desprezava os nãonecessá rios originados pelo gosto do divertimento e da ostentação Não é assim É Mas pelo convívio com homens finos e cheios da queles desejos que há pouco analisámos atirouse para toda a espécie de insolência 3 e para o tipo de conduta deles por aversão à economia do pai mas por ter uma natureza me lhor do que aqueles que o corromperam e atraído para dois lados opostos colocouse no meio das duas maneiras de vi d ver e gozando com moderação segundo o seu juízo de cada uma delas levava uma vida que não era indigna nem desregrada depois de se ter transformado de oligarca em democrata Era essa e continua a ser a opinião que temos relati vamente a uma pessoa assim Supõe então que um homem desses avançou nova mente em anos e tem um filho jovem que por sua vez educou nos seus hábitos 3 A palavra do original é íll3pL que se aplica a todo o excesso nomeadamente da condição humana em face da divina 411 Suponhoo Supõe além disso que sucede com este exactamente o mesmo que com o pai dele que é levado para toda a espé e cie de desregramentos intitulada de suprema liberdade por aqueles que o arrastam que o pai e os demais familiares prestam auxílio aos seus desejos equilibrados e os outros aos do lado oposto Quando estes hábeis magos e fabrican tes de tiranos já não esperam dominar o jovem de outra ma neira arranjam modo de criar nele um amor que preside 573a aos desejos ociosos que querem repartir entre si quanto se lhes depare uma espécie de zângão enorme e alado ou julgas que o amor em tais pessoas possa ser qualquer outra coisa Nada mais do que isso acho eu Por conseguinte quando os demais desejos a zumbir em volta do amor repletos de incenso de perfumes coroas e vinhos 4 e dos prazeres dissolutos de tais companhias o fa zem crescer e o alimentam até atingir o máximo e colocam neste zângão o aguilhão do desejo é então que este protec b tor da alma escoltado pela loucura é tomado de frenesi e O incenso os perfumes as coroas de flores e o vinho eram parte do cenário dos banquetes Comparese o princípio da elegia 1 Diels de Xenófanes Agora está o solo puro e as mãos de todos nós e os cálices Um põenos as coroas entreteddas e outro oferecenos numa taça a essência fragrante O krater está repleto de boa disposição Está já pronto o vinho que garante que jamais abandona ao barro o cheiro a mel da sua flor No meio uma árvore de incenso desprende um sacro aroma a água está fresca doce e pura 412 se encontrar em si algumas opiniões ou desejos considera dos honestos mataos e lançaos fora para longe de si até varrer da alma a temperança e a encher de uma loucura im portada Deste uma explicação completa da génese do ho mem tirânico Acaso não é por este motivo que há muito se chama tirano a Eros Provavelmente E o homem embriagado meu amigo não pende também para ter mentalidade de tirano e Pende com efeito Além disso o homem furioso e perturbado não só tenta mandar nos homens como nos deuses também e imagina ser capaz disso Absolutamente E assim é meu caro que o homem se toma rigorosa mente um tirano quando por natureza ou por hábito ou pelos dois motivos se toma ébrio apaixonado e louco Exactamente É assim ao que parece que se forma o homem desta espécie Mas como é que ele vive Como nos jogos 5 és tu que mo vais dizer d Digo pois Calculo que depois disso haverá festas orgias festins concubinas e todos os gozos dessa espécie naqueles em cujo peito o tirano Eros habita governando toda a sua alma Forçosamente 5 O escoliasta explica Provérbio quando alguém interrogado por quem sabe o que perguntou e ele o ignora responde assim Tu é que mo vais dizer 413 Acaso não germinam ao lado dele todos os dias e to das as noites desejos numerosos e terríveis que fazem toda a espécie de reclamações São numerosos efectivamente Portanto se tem alguns rendimentos em breve os dissipa Como não os dissiparia e Depois disso começa a pedir empréstimos de dinhei ro e a tirar ao capital Sem dúvida E quando estiver tudo gasto acaso não é forçoso que essa massa de desejos violentos que fizeram ninho na sua alma se ponha a gritar e como que agrilhoado pelos dese jos mas especialmente pelo próprio Eros que é escoltado pelos restantes como se fossem a sua guarda de honra ele ande num frenesi a espreitar quem tem algumas posses que 574a ele consiga arrebatarlhe pela fraude ou pela violência É forçoso É necessário que ele tire de todos os lados ou então será vítima de grandes dores e sofrimentos E portanto tal como os prazeres sobrevindos na sua alma tinham levado a melhor com os antigos e os haviam despojado do que lhes pertencia do mesmo modo apesar de mais novo ele julgará que deve levar a melhor com o pai e a mãe e despojálos quando tiver dissipado a sua parte atribuindose um quinhão do património Claro que sim b E se eles não cederem acaso não começará por ten tar roubar e ludibriar aqueles que são seus pais Exactamente E se não for capaz disso não lhes arrancará depois os bens pela violência 414 Julgo que sim Se então meu caro resistirem e lutarem o pai ancião e a velha mãe acaso ele terá comedimento e se absterá de cometer algum acto tirânico Eu cá por mim não estou muito confiado na situação dos pais de um homem desses Mas por Zeus ó Adimanto Por causa de uma cor tesã conhecimento de fresca data e não de obrigação em face da mãe amizade antiga e de obrigação ou por causa de e um jovem conhecimento recente e não de obrigação em face do pai ancião objecto de estima antiga e de obrigação e o mais antigo dos seus amigos por causa desses achas que um homem assim lhes vai bater e escravizálos aos seus amores se os levar para a mesma casa Por Zeus que sim Realmente parece uma grande felicidade ter dado o ser a um filho tirânico Muito grande E quando os bens do pai e da mãe faltarem a esse ho d mem e o enxame dos prazeres já se tiver concentrado pode rosamente na sua alma não começará por pôr as mãos nas paredes das casas ou no manto de alguém que passa de noi te já tarde e em seguida não irá varrer quanto houver num templo E no meio de tudo isto aquelas opiniões que anti gamente ele tinha desde a infância sobre o que é honesto e o que é desonesto e que eram consideradas justas são subju gadas pelas que há pouco foram libertas da esqavatura que são a guarda de honra de Eros e com ele as dominam Eram opiniões que anteriormente só se expandiam em sonhos e durante o sono quando ele ainda estava sujeito às leis e ao pai vivendo em regime democrático na sua alma mas sob a tirania de Eros estará sempre mesmo desperto como era 415 algumas vezes em sonho e não cederá perante qualquer cri me horrendo qualquer alimento qualquer acto mas Eros 575a como vive à maneira de um tirano na sua alma numa total anarquia e ausência de leis e é soberano único conduzirá o homem no qual habita como numa cidade a toda a espécie de audácias a fim de ele o sustentar a si e à sua tumultuosa comitiva a dos que penetraram nele vindos do exterior de vido às más companhias e a dos do interior originários do seu próprio feitio que soltaram os seus liames e se liberta ram Ou não é essa a vida de um homem destes É sim Ora prossegui eu se as pessoas dessa espécie fo b rem poucas na cidade e o resto da multidão for sensata saem para serem a guarda de honra de qualquer outro tira no ou para servirem como mercenários onde quer que haja guerra mas se houver paz e tranquilidade ficam na própria cidade a fazer diversas pequenas malfeitorias A que malfeitorias te referes Por exemplo roubam assaltam casas vão às carteiras tiram a roupa saqueiam os templos vendem como escravos pessoas livres háos que são delatores quando têm capacidade de falar que são falsas testemunhas e que aceitam subornos e São realmente pequenas malfeitorias se esses ho mens forem em pequeno número Sim porque o pequeno é pequeno em comparação com o que é grande e todas estas malfeitorias comparadas com o que é um tirano relativamente à perversão e desgra ça de uma cidade não lhe chegam como é costume dizer se aos calcanhares 6 Porém quando num Estado há muitas 6 A tradução literal do provérbio seria não se aproximam em nada cf Diogeniano m 46 416 pessoas desse jaez e são muitos os que as seguem e eles se apercebem do seu número então são esses os que com a cumplicidade da estupidez do povo geram um tirano que será aquele que dentre todos albergar na sua alma o tirano d maior e mais completo 7 É natural porquanto será o mais dado à tirania Então ou cedem voluntariamente ou se a cidade não se submete da mesma maneira que outrora castigava o pai e a mãe agora tornará a fazêlo com a pátria se tiver po der para tanto trazendo novos companheiros e sob a sua égide conservará e manterá na escravatura aquela que fora outrora a sua querida mátria como dizem os Cretenses e que é a sua pátria E esse será o termo ao qual chegará a pai xão de um homem desses É isso exactamente e Ora essas pessoas são na sua vida particular e antes de chegarem ao poder como eu vou explicar em primeiro lugar seja com quem for que convivam ou são lisonjeado res prontos a servilos em tudo ou se precisam de alguma coisa rastejam atrevendose a desempenhar todos os papéis 576a como se fossem seus íntimos mas a tomaremse estranhos uma vez levados a cabo os seus intentos Rigorosamente Atravessam toda a sua vida sem serem amigos de ninguém sempre como déspotas ou como escravos de ou trem sem que a natureza do tirano possa jamais provar a verdadeira liberdade e amizade Absolutamente Logo não teríamos razão em declarar que tais pes soas não merecem confiança 7 Eros de acordo com o que se disse anteriormente 417 Pois não E além disso mais que tudo injustas se realmente b chegámos a conclusões certas na nossa discussão anterior sobre a natureza da justiça Chegámos realmente Vamos então resumir o que seja o maior celerado é o que se comporta acordado como aquele que analisámos em sonho Exactamente Ora tornase assim aquele que sendo de carácter muito tirânico por natureza chegar a ser soberano único e quanto mais tempo ele viver na tirania mais adquirirá essa maneira de ser É forçoso disse Gláucon tomando parte na conversa Mas prossegui eu quem for manifestamente e mais perverso parecerá também o mais desgraçado E aque le que for tirano mais tempo e com mais severidade não terá sido na verdade mais profunda e mais longamente infe liz Embora a multidão seja dada a múltiplos pareceres É forçoso que seja assim Não é verdade que o homem tirânico é feito à seme lhança do Estado tirânico o democrático da democracia e os restantes do mesmo modo Sem dúvida E o que um Estado é para outro Estado em virtude e felicidade o mesmo é um homem para outro homem d Pois não O que é então sob o ponto de vista da virtude uma tirania em relação à realeza tal como a definimos no prin cípio São exactamente o contrário uma da outra pois uma é a melhor a outra a pior 418 Não te vou perguntar a qual te referes pois é eviden te Mas sobre a felicidade e a desgraça o teu juízo é seme lhante ou diverso Não fiquemos fascinados a olhar para o tirano que é um só nem para os do seu séquito que poucos são mas como é necessário entrar em toda a cidade e ob e servála não exprimamos a nossa opinião antes de mergu lharmos no seu todo e de a termos observado É justa a tua solicitação E é evidente para qualquer pessoa que não há nada mais desgraçado do que a tirania e nada mais feliz do que a realeza Seria porventura também justo solicitar as mesmas 577a diligências em relação aos indivíduos entendendo que só deve avaliálos quem em pensamento for capaz de pene trar no carácter de um homem e ver claro nele e não ficar fascinado como uma criança que só vê a aparência pela pompa majestosa que exibem para o mundo exterior mas for suficientemente clarividente Se portanto eu pensasse que devíamos todos escutar aquele homem que é capaz de julgar que conviveu na mesma casa com o tirano e que es teve presente nos actos da sua vida doméstica na sua manei ra de tratar com os familiares entre os quais mais facilmente pode ser observado despido do seu aparato teatral 8 e bem b assim na ocasião de perigos públicos se depois de ele ter visto tudo isso o incitássemos a proclamar o grau de feli cidade ou de desgraça do tirano em comparação com os demais Também essa solicitação seria perfeitamente justa 8 Na pessoa assim habilitada a julgar um tirano têm os co mentadores visto o próprio Platão que conviveu com Dionísio I de Siracusa 419 Queres então que façamos de conta que somos do número dos que são capazes de julgar e que já encontrámos homens desses a fim de termos quem responda às nossas perguntas Muito bem e Vamos lá então Repara no seguinte recordando a semelhança entre a cidade e o indivíduo e observando al ternadamente ponto por ponto enumera o que acontece a cada um O quê Para falarmos primeiro da cidade classificarás de li vre ou de escrava a que for governada por um tirano O mais escrava que é possível E contudo vês nela senhores e homens livres Vejo mas certamente em pequeno número A totali dade por assim dizer e a parte de mais valor está reduzida a uma desonrosa e mísera escravatura d Se por conseguinte o indivíduo é semelhante à cida de não é forçoso que se encontrem nele as mesmas disposi ções e que a sua alma esteja repleta de uma extrema sujei ção e baixeza e que sejam as partes de mais valor que se encontrem escravizadas e que o comando resida numa par te dominante que é a mais insuportável e mais desenfreada É forçoso que sim Ora pois Dirás que uma alma nessas condições é es crava ou que é livre Direi sem dúvida que é escrava Ora uma cidade que é escrava e dominada por um ti rano não faz de modo algum o que quer Decerto que não e Logo a alma tiranizada não fará de modo algum o que quer refirome à alma na sua totalidade mas arras 420 tada sempre à força por um desejo furioso estará cheia de perturbações e de remorsos Pois não A cidade em regime de tirania é forçosamente pobre ou rica Pobre Logo também uma alma tirânica é sempre forçosa 5 78a mente pobre e por saciar É isso Ora bem Acaso não é forçoso que uma cidade dessas e uns homens desses estejam cheios de temor É e muito Achas que encontrarás em qualquer outra cidade mais gemidos suspiros lamentações e sofrimentos De modo nenhum E no indivíduo Pensas que em qualquer outro en contrarás essa situação mais acentuada do que no homem ti rânico enlouquecido pelas paixões e por Eros Como havia de encontrála Ora suponho eu foi depois de considerar todos estes b factos e outros que tais que julgaste que esta cidade era a mais desgraçada das cidades E não tinha razão Tinhas e muita Mas agora relativamente ao homem tirânico que dizes ao observar nele as mesmas condições Que é em muito o mais desgraçado de todos Isso agora é que já não está certo Como assim Ainda não é ele o mais infeliz em meu entender Então quem é Há um que talvez te pareça ainda mais desventurado Qual 421 e Aquele que sendo tirânico por natureza não levar a vida de um particular mas tiver a pouca sorte de por qual quer acaso lhe ser proporcionado alcançar a tirania Pelo que já dissemos calculo que falas verdade Sim mas nestes assuntos não se deve calcular mas sim examinálos cuidadosamente por meio dos argumen tos que vamos usar 9 é que o nosso exame diz respeito ao que há de mais importante a felicidade ou a infelicidade na vida Exactamente Repara pois se tem valor o que eu vou dizer Pare d ceme que devemos examinar a situação do tirano a partir do seguinte caso Que caso O de um desses particulares ricos que há em certas cidades e que possuem muitos escravos Com efeito esses têm a semelhança com os tiranos de mandarem em muita gente A diferença está no número Pois está Sabes que esses vivem seguros e não têm receio dos criados Que haviam eles de recear Nada Mas percebes a razão Percebo é que toda a cidade vem em socorro de cada um dos particulares 9 Traduzimos segundo o texto de Bumet que é o dos manus critos embora pouco satisfatório Se adoptarmos a emenda de Adam baseada por sua vez na de Stephanus teremos mas sim examinar cuidadosamente por meio de argumentos essas duas es pécies de pessoas entendase o homem tirânico particular e o que alcança a tirania 422 Dizes bem Mas se um deus arrebatasse da cidade e um desses homens que possuem cinquenta escravos ou mais ele a mulher e os filhos e o colocasse com o resto dos seus haveres e dos seus criados num deserto onde ne nhum homem livre pudesse socorrêlo em quantos e quais temores julgas tu que ele viveria por si pelos filhos e pela mulher com medo de perecer às mãos dos servos Em toda a espécie de terrores quanto a mim Porventura não seria forçado a lisonjear alguns dos 579a seus escravos a fazerlhes muitas promessas e a darlhes li berdade sem precisar nada e não pareceria adulador dos seus servos Seria inteiramente forçado a isso ou então morreria Ora bem E se o deus estabelecesse em volta da casa dele muitos outros vizinhos que não suportassem que al guém pretendesse mandar em otrem mas se apanhassem alguém com esses propósitos lhe aplicassem a pena última A desgraça dele ainda seria maior julgo eu estando b guardado a toda a volta só por inimigos Porventura não é numa prisão assim que está algemado o tirano com uma natureza como aquela que analisámos invadido por toda a espécie de temores e de desejos Apesar da avidez do seu espírito é a única pessoa na cidade a quem não é permitido viajar para parte nenhuma nem ver tudo quanto os homens livres desejam conhecer antes vive a maior parte do tempo metido em casa como uma mulher com inveja dos outros cidadãos quando algum vai ao es e trangeiro e vê coisas de valor Exactamente Por conseguinte são estes os males que colhe a mais o homem que governa mal o seu íntimo aquele que agora mesmo julgaste ser o mais desgraçado o homem tirânico 423 quando não vive como um particular mas é forçado por qualquer acaso a ser tirano e sendo incapaz de se dominar a si mesmo tenta mandar nos outros como se uma pessoa doente e débil em vez de estar em casa fosse forçada a pas d sar a vida a competir em força física A tua comparação Sócrates é absolutamente verda deira Portanto meu caro Gláucon o seu sofrimento é completo e aquele que exerce a tirania não tem uma vida ainda mais penosa do que o que tu julgavas que a tinha mais difícil Absolutamente disse ele Logo na verdade e ainda que assim não pareça a alguns o tirano autêntico é um autêntico escravo de uma e adulação e servilismo extremo lisonjeador dos piores incapaz de satisfazer de algum modo os seus desejos mos trase muito carecido de quase tudo e pobre de verdade se alguém souber contemplar a sua alma inteira toda a vida cheio de medo carregado de dores convulsivas se na reali dade a sua disposição é semelhante à da cidade na qual manda Ora ela é semelhante ou não É e muito 580a Por conseguinte além desses defeitos devemos ainda atribuir a este homem os que anteriormente referimos que é forçoso que existam e ainda cresçam mais nele do que antes devido a estar no poder que são a inveja a deslealda de a injustiça a hostilidade a impiedade a maldade de toda a espécie de que ele é hospedeiro e sustentáculo conjunto de que resulta ser ele o mais desgraçado que há e depois toma desgraçado quem dele se aproxima Nenhuma pessoa de juízo te contradirá 424 Vamos lá então Finalmente tal como o juiz supre mo 10 dá a sentença dáa também tu dizendo quem é na b tua opinião o primeiro em felicidade quem é o segundo e julga todos os cinco por ordem o partidário da realeza da timocracia da oligarquia da democracia da tirania Mas é fácil julgar Vou julgálos pela ordem por que entraram em cena tal como os coros pelas suas virtudes ou vícios pela felicidade e seu inverso V amos então contratar um arauto ou proclamo eu mesmo que o filho de Aríston julgou que o melhor 11 e o mais justo é o mais feliz e que esse homem é o mais adepto e da realeza e rei de si mesmo e que o pior e o mais injusto é o mais desgraçado e esse por sinal o mais tirânico é o que mais tiraniza a si e à cidade Proclama Acrescentarei a esta proclamação que é assim quer o facto passe despercebido a todos os homens e deuses quer não Acrescenta Seja Eis uma demonstração Aqui tens outra se te d parecer que vale alguma coisa Qual é ela Uma vez que tal como a cidade está dividida em três corpos também a alma de cada um tem três partes poderá admitirse 12 pareceme outra demonstração 10 Nesta como nas frases seguintes a metáfora é tirada das competições musicais e dramáticas dos Atenienses julgadas por jú ris cujas decisões eram proclamadas por um arauto 11 Melhor no originaL é purro o que forma um jogo de palavras com o nome do pai de Adimanto de Gláucon e de Platão 12 Omitimos na tradução ÀOYLOTLtóv o raciodnio que não faz sentido na frase e que por esse motivo Bumet coloca en tre parênteses rectos 425 Qual é ela É a seguinte Se há três partes pareceme que haverá também três espécies de prazer cada um específico de cada uma delas E do mesmo modo com os desejos e os poderes Que queres dizer Uma parte era aquela pela qual o homem prende outra pela qual se irrita quanto à terceira devido à varieda de de formas que ostenta não dispomos de um nome único e e específico mas designámola por aquilo que nela é mais eminente e mais forte chamámoslhe concupiscência 13 de vido à violência dos desejos relativos à comida à bebida ao amor e a tudo quanto o acompanha e chamámoslhe amiga do dinheiro porque é sobretudo com dinheiro que se satis 581a fazem os desejos dessa espécie E com razão Se portanto afirmássemos que o prazer e a amizade que tem são pelo lucro apoiarnosíamos na discussão numa única noção muito importante de maneira a termos uma ideia clara de cada vez que nos referíssemos a esta par te da alma e se lhe chamássemos amiga do dinheiro e do lucro teríamos razão em fazêlo É o que me parece Pois então E a parte írascíveL não diremos que está sempre a tendér toda ela para dominar vencer ter fama b Sim e muito Se então lhe chamarmos amiga da vitória e das hon rarias não seria apropriado Muito apropriado mesmo Mas realmente quanto à parte pela qual aprende mos é evidente para toda a gente que toda ela tende sempre 13 Cf supra 1v 439d 426 para o conhecimento da verdade e que é de todas aquela a que menos importam as riquezas e a fama E de longe Se lhe chamarmos amiga de aprender e de saber dar lheemos a designação que convém Como não Ora nuns é essa parte que manda nas suas almas e noutros uma das outras duas partes a que calhar e É isso É por isso que dizemos que são também três as prin cipais espécies de homens o filósofo o ambicioso o interes seiro Exactamente E três espécies de prazeres correspondentes a cada uma delas Absolutamente Sabes que se quisesses perguntar sucessivamente a cada um destes três homens qual destas vidas é mais agradá vel cada um elogiaria mais a sua O interesseiro afirmará que em comparação com o lucro o prazer das honrarias ou d do saber nada vale se daí não extrair dinheiro É verdade E o ambicioso Não considera o prazer proveniente da riqueza um prazer grosseiro e o que procede da ciência se esta não lhe granjear honra como fumo e frivolidade Assim é Mas o filósofo que havemos de supor que ele pensa dos outros prazeres em comparação com o de conhecer como é a verdade e de gozar sempre de algo de similar e enquanto aprende Não estarão muito longe do prazer E não lhes chamaria realmente necessários pois não precisa dos outros para nada se não fossem impostos pela necessidade 427 Bem precisamos de estar certos disso não é assim Ora quando se discutem os prazeres de cada uma destas espécies e a própria vida não para saber qual é a mais bela ou a mais desonesta nem a pior ou a melhor mas a 582a mais aprazível e mais isenta de desgostos coóio havemos de saber qual deles fala mais verdade Não tenho resposta para te dar Mas repara no seguinte em que devemos basearnos para julgar bem Não será na experiência na vigilância e no raciodnio Ou alguém terá critério melhor do que este Que outro haveria Repara então Dos três homens em causa qual é o mais experiente de todos os prazeres que referimos Parece te porventura que o interesseiro se aprendesse como era a b verdade ganharia mais experiência do prazer da ciência do que o filósofo da de obter lucro Há uma grande diferença Ele tem necessidade de provar a começar na infância das outras espécies de prazer ao passo que o interesseiro se se dedicar a estudar as essên cias não é forçoso que prove esse prazer que saiba como é doce nem tenha disso experiência nem de resto lhe é nada fácil ainda que se esforce Por cónseguinte o filósofo difere muito do interes seiro na experiência que tem de um e outro desses prazeres e Muito seguramente E qual será a sua relação para com o ambicioso Terá o filósofo menos experiência do prazer proveniente das hon rarias do que aquele tem do que procede da reflexão Mas a honra objectou ele se realmente levarem a cabo a tarefa a que se abalançaram ficará adstrita a todos eles realmente o rico é honrado pela maioria e bem assim 428 o corajoso e o sábio de tal maneira que todos eles têm experiência da natureza do prazer derivado das honras Porém a natureza do prazer que procede da contemplação do Ser é impossível a qualquer outro saboreála excepto ao filósofo Consequentemente quanto a experiência é este d quem julga melhor dentre todos De longe Além disso será o único que juntará à experiência a reflexão Sem dúvida Mas realmente também o instrumento necessário para julgar não pertence ao interesseiro nem ao ambicioso mas ao filósofo Qual é ele Dissemos em qualquer altura 14 que é com o racio cínio que se deve julgar Ou não Dissemos O instrumento máximo para ele é então o racio cínio Pois não Ora se o melhor índice para julgar fosse a riqueza e o ganho aquilo que o interesseiro elogiasse e censurasse se e ria por força a verdade absoluta Exactamente Mas se fosse a honra a vitória e a coragem não seria o que elogiasse e censurasse o amigo de honras e vitórias É evidente E uma vez que é a experiência a reflexão e o racio cínio 14 Supra 582a 429 É forçoso que aquilo que elogiar quem for amigo da sabedoria e amigo do raciocmo 15 seja a verdade absoluta 583a Portanto dos três prazeres em causa o desta parte da alma através da qual aprendemos será o mais agradável e o homem em que essa parte for a que maJilda terá a vida mais aprazível Como não havia de sêlo Pois ó sábio que elogia a sua própria vida é um encomiasta que fala com autoridade Qual será a vida que o juiz colocará em segundo lu gar e qual o prazer É evidente que será o prazer do guerreiro e do ambi cioso pois fica muito mais próxima do seu que do prazer do homem ambicioso O último lugar será o do interesseiro ao que parece Sem dúvida confirmou ele b Com isto já temos duas demonstrações seguidas de duas vitórias do justo sobre o injusto A terceira será consa grada à maneira olímpica a Zeus Salvador e Olúnpico 16 15 No original figuram os dois compostos cptócrocpoc e cptóoyoc que formam um paralelismo que só se pode manter em português à custa de uma perífrase dado o sentido desviado que tomou o segundo Para um caso semelhante vide supra a nota 26 ao Livro v 480a 16 Alusão aos costumes observados pelos Gregos nas libações a primeira era oferecida a Zeus Olímpico e aos deuses olímpicos a segunda aos heróis e a terceira a Zeus Salvador C Ésquilo Aga mémnon 13861387 e fr 67 Mette Píndaro Ístmícas VI 79 e respecti vo escólio A referência à maneira olímpica é menos clara e tem dado margem a muita discussão pois não é certo que houvesse um ritual de libações distinto para os competidores olímpicos Talvez como sugere Adam Platão tenha acrescentado e Olímpico uma vez que na prova em causa o pugilato Zeus Salvador era tam bém o deus de Olímpia 430 Repara que exceptuando o prazer do sábio o dos outros não é perfeitamente verdadeiro nem puro mas uma espécie de sombreado como me parece ter ouvido dizer a um sá bio e isso seria a maior e a mais decisiva das quedas Absolutamente Mas que queres dizer Vou demonstrálo da maneira que se segue condu e zindo a minha investigação de harmonia com as tuas res postas Pergunta então Ora diz lá não dizemos nós que a dor é o oposto do prazer Absolutamente E não existe um estado de não sentir prazer nem dor Existe seguramente Há algo de intermédio entre ambos uma espécie de repouso da alma em relação a eles Ou não é isto que dizes Porventura não te recordas das declarações que fazeni os doentes quando sofrem De quais De como não há nada mais agradável do que ter saú de mas que antes de adoecerem lhes tinha passado desper d cebido esse gosto Recordome E não ouves também dizer a quem está tomado por uma grande dor que não há nada mais agradável do que dei xar de sofrer Oiço E creio bem que em muitas outras circunstâncias semelhantes te apercebeste de que os homens quando sofrem exaltam a ausência do sofrimento e o repouso do mesmo como sendo essa a coisa mais agradável e não o prazer 431 e É que esse repouso se torna então provavelmente doce e aprazível E portanto quando alguém cessa de sentir satisfação o repousar do prazer será penoso Talvez Logo aquilo que há pouco afirmámos que ficava no meio dos dois o repouso passará a ser uma coisa e outra pena e prazer Assim parece Acaso será também possível que o que não é um nem outro se transforme em ambos Não me parece Além disso o prazer e a dor que surgem na alma são ambos uma espécie de movimento ou não São 584a Mas não se evidenciou há pouco que o que não era doloroso nem agradável era um estado de repouso situado no meio daqueles dois Evidenciou com efeito Então como é que se pode entender que a ausência de dor é agradável ou que a ausência de prazer é custosa Não se pode de modo nenhum Esse estado de repouso não é por conseguinte um prazer mas assim parece se o compararmos com a dor e uma dor se o compararmos com o prazer e nada há de sau dável nessas visões pelo que toca à autenticidade do prazer mas é tudo uma impostura Como o raciocínio efectivamente demonstra b Repara agora nos prazeres que não se sucedem aos desgostos na hipótese talvez de estarem a supor no caso presente que a sua origem reside na cessação da dor para o prazer e na do prazer para a dor 432 De que caso e de que espécie estás a falar Há muitos sobretudo se quiseres reflectir nos praze res relativos ao olfacto Esses surgem efectivamente de sú bito sem serem precedidos por nenhuma dor e com umas dimensões espantosas quando cessam não deixam atrás de si nenhum sofrimento É absolutamente exacto Não vamos então persuadirnos de que o prazer puro e é a libertação da dor e a dor a do prazer Decerto que não E contudo aqueles a que chamam prazeres que atin gem a alma através do corpo e que são talvez os mais nume rosos e os maiores são dessa qualidade uma espécie de li bertação da dor Pois são E os prazeres e dores antecipados antes de eles se realizarem não se comportam da mesma maneira Comportam Sabes então de que natureza são e com que é que se d parecem mais Com quê Aceitas que na natureza há um alto um baixo e um meio Aceito sim Achas que alguém que é levado de baixo para o meio julgará outra coisa que não seja que está a ser levado para cima E aquele que estiver no meio ao olhar para o sítio de onde partiu que outra coisa poderá supor senão que está em cima por não ter visto o cimo autêntico Por Zeus acho que não pode pensar outra coisa se não isso 433 e Mas se tomassem a trazêlo julgaria que o levavam para baixo e o seu juízo seria verdadeiro Pois não E todas estas impressões derivariam do facto de ele não ter conhecimento por exptriência do que realmente fica em cima no meio e em baixo É evidente Logo ficarias admirado se homens que também ig noram a verdade tivessem opiniões incorrectas acerca de uma série de coisas relativamente ao prazer e à dor e ao que ocupa posição intermédia entre um e outro de maneira 585a que quando são encaminhados para o sofrimento supõem que sofrem de verdade e sofrem mesmo e quando passam da dor para a posição intermédia acreditam firmemente que chegaram à plenitude do prazer e tal como aqueles que opusessem o cinzento ao preto por desconhecimento do branco contrastariam a dor com a ausência de dor enga nandose devido ao seu desconhecimento do prazer Por Zeus que não me admiraria por ser assim muito mais me surpreenderia se o não fosse Reflecte então no seguinte a fome a sede e sensa b ções desse género acaso não são uma espécie de vazios no estado físico Sem dúvida Porventura a ignorância e a insensatez não são tam bém um vazio no estado da alma Absolutamente Não seria possível preencher esses vazios tomando alimento ou adquirindo entendimento Pois não Mas essa plenitude será mais verdadeira para o que tem menos realidade ou para o que tem mais 434 É evídente que para o que tem maís Destas duas espécies qual te parece então que partí cípa maís da existência pura a espécie a que pertence o pão a bebída a comida e toda a casta de alimentos ou a da opi nião verdadeira da ciência da inteligência e de todas as vir tudes em geral Julga nesta base Aquilo que está estrita e mente ligado ao imutável imortal e verdadeiro e que tem ele mesmo essa natureza e se origina num sujeito seme lhante parecete ter mais realidade do que aquilo que está adstrito ao mutável e mortal que tem ele mesmo essa na tureza e se origina num sujeito dessa qualidade Tem muito maís realidade o que está estritamente li gado ao imutável Mas o Ser do imutável participa maís da essência do que da ciência 17 De modo algum E então Participa maís da verdade Também não Se participa menos da verdade não participa menos também da existência Forçosamente 17 Traduzimos como habitualmente o texto de Burnet O passo um dos mais controversos da obra foi emendado de várias maneiras das quais a de Adam será a mais satisfatória lendo cieL civoµotou owla em vez de ciEL oµotou owla e ii e1rtTlTlµ1Jc se owta em vez de ellLTTrjJlTJc ficaria Mas o Ser do mutável participa mais da essência do que o da ciência Deste modo ob serva aquele helenista é possível introduzir o necessário contraste relativamente ao Ser e à Verdade entre o nuncaigual ao qual per tencem YéVTJ tais como alimentos etc e o Saber que pertence ao sempreigual vol u p 382 435 d Logo de um modo geral a espécie de coisas referen tes aos cuidados com o corpo participa menos da verdade e da existência do que a espécie de coisas relativas aos cuida dos com a alma Muito menos E não pensas que o mesmo é verdadeiro relativa mente ao corpo em si em comparação com a alma Claro que sim Portanto aquilo que se enche de coisas reais e que é em si mais real está mais realmente cheio do que aquilo que se enche de coisas menos reais e que é em si menos real Pois não Se por conseguinte é doce encherse de coisas con venientes à natureza aquilo que se enche mais realmente e e de coisas mais reais goza mais realmente e mais verdadeira mente do verdadeiro prazer ao passo que o que participa de coisas menos reais se enche de uma maneira menos verda deira e menos sólida e é quinhoeiro de um prazer menos seguro e menos verdadeiro É absolutamente forçoso 586a Logo os que não têm experiência da sabedoria e da virtude que estão sempre em festas e diversões semelhan tes são levados ao que parece para baixo e depois nova mente até à região intermédia e por aí andam errantes toda a vida sem jamais ultrapassarem esse limite erguendo os olhos ou elevandose até ao verdadeiro alto nem se enche rem do Ser realmente nem provarem o que é um prazer sólido e puro mas olhando sempre para baixo à maneira dos animais inclinados para o chão e para a mesa engordam b e acasalamse e devido à cupidez de tal gozo dilaceramse e batem uns nos outros com os seus férreos chifres e cascos 436 matandose por causa do seu apetite insaciável porquanto não enchem de alimentos reais a parte real e estanque de si mesmos Parece mesmo um oráculo ó Sócrates interveio Gláucon a tua descrição da vida da maioria das pessoas Porventura não é forçoso que passem a vida em pra zeres misturados com sofrimentos fantasmas do prazer ver dadeiro esboços que tiram a sua cor da justaposição uns dos e outros de maneira que cada um deles apareça mais avivado e a desencadear nos insensatos paixões desenfreadas uns pe los outros e a combaterem por elas tal como se combatia em Tróia pelo fantasma de Helena conforme diz Estesí coro18 por simples desconhecimento da verdade É absolutamente forçoso que as coisas sejam mais ou menos assim Ora bem E quanto ao elemento irascível não é for çoso que suceda outro tanto quando uma pessoa executa até ao fim o que ele quer sob o império da inveja devido à ambição ou da violência devido ao desejo de vencer ou da ira devido ao seu mau humor com o alvo de satisfazer a d sua sede de honra de vitória e de cólera sem reflexão nem inteligência Também isso é forçoso que aconteça relativamente a esse elemento 18 Alusão à chamada palinódia a Helena em que o poeta lírico Estesícoro séc v11v1 aC afirmava que a rainha de Esparta não fora a Tróia mas só um fantasma seu Um fragmento desse poema 15 Page é citado por Platão no Pedro 243a Actualmente sabese da existência de duas palinódias do mes mo poema Sobre essa complexa questão vide Manuel de Oliveira Pulquério O problema das duas palinódias em Estesícoro Hu manitas 2526 197374 265273 437 Ora pois exclamei eu Afumemos confiadamen te que também os prazeres referentes ao gosto do lucro e da vitória seguindo a ciência e a razão e procurando em sua companhia os gozos que o bomsenso lhes indica partilha rão dos prazeres mais verdadeiros de que é possível fruir e uma vez que é a verdade que os guia e dos que lhe são pró prios se efectivamente o que é melhor para cada coisa é também o que lhe é mais próprio Mas na verdade é certamente o que lhe é mais pró prio Logo quando toda a alma obedece à parte filosófica e não se revolta contra nenhuma parte élhe possível cum prir em tudo as suas funções e ser justa e colher cada uma os prazeres que lhe são próprios os de melhor qualidade e o 587a mais verdadeiros possível Exactamente Mas quando é uma das outras duas partes que man da não lhe é dado encontrar o prazer que lhe é próprio e de mais a mais força as outras partes a ir em busca de um prazer que lhes é alheio e que não é verdadeiro É isso E quanto mais uma coisa se afasta da filosofia e da ra zão tanto mais produzirá tais efeitos Seguramente Mas o que mais se afasta da razão não é o mesmo que está mais distante da lei e da ordem É evidente Não foram os desejos eróticos e tirânicos os que se mostraram mais distanciados b Sim e em muito E os monárquicos e comedidos os menos afastados 438 Foram Então o mais afastado do prazer verdadeiro e próprio do homem será creio eu o tirano e o menos o rei Forçosamente Por conseguinte prossegui eu a vida do tirano será a mais desagradável e a do rei a mais suave É absolutamente forçoso Sabes então até que ponto a vida do tirano é mais de sagradável do que a do rei Sei se mo disseres Existem ao que parece três prazeres um legítimo e dois bastardos O tirano ultrapassou o limite dos bastar e dos fugindo à lei e à razão e coabitando com o seu sé quito de prazeres servis sem que seja nada fácil dizer a que ponto ele é inferior a não ser talvez da maneira se guinte De que maneira A contar do oligarca o tirano ocupa o terceiro lugar uma vez que no meio deles havia o democrático Ocupa Logo o fantasma de prazer com o qual ele coabitaria ficaria três vezes mais afastado da verdade do que o do oli garca se é verdade o que anteriormente dissemos É isso E o oligarca é por sua vez o terceiro a contar do monárquico se pusermos na mesma fila o aristocrata e o d monárquico É o terceiro efectivamente Por conseguinte o tirano está distanciado em núme ros do verdadeiro prazer o triplo de três vezes Assim parece 439 Afiguraseme portanto que o fantasma de prazer do tirano pode de acordo com a sua extensão ser conside rado um número ao quadrado 19 Absolutamente Elevandoo ao quadrado e ao cubo tornase evidente o seu afastamento É evidente pelo menos para um matemático E se inversamente se quiser dizer até que ponto o e rei dista dos tiranos quanto à autenticidade do prazer des cobrirseá depois de efectuar a multiplicação que o rei é setecentas e vinte e nove vezes mais feliz e que o tirano é o mais infeliz na mesma proporção Apresentaste um número incrível para exprimir a di 588a ferença entre os dois homens o justo e o injusto em relação ao prazer e à dor E repara bem prossegui eu que é um número verídico e adequado às suas vidas se na verdade condizem com elas dias noites meses e anos Na verdade condizem Mas se o homem bom e justo supera de tal modo no prazer o homem mau e injusto a uma distância muito mais incrível o superará em compostura beleza e virtude Muito mais incrível por Zeus exclamou ele b Seja pois Desde que chegámos a este ponto da dis cussão retomemos as nossas afirmações iniciais devido às quais alcançámos esta meta Ora dissese mais ou menos que era útil a injustiça a quem era completamente injusto desde que passasse por justo Ou não foi assim que se disse 19 Ou da segunda potênàa Segundo a explicação do escolias ta adaptada por Adam o número nove é 1hrLre60 por ser igual a três vezes três 440 Foi assim com efeito Então agora vamos discutir o assunto com quem fez essa afirmação uma vez que já chegámos a acordo quanto aos efeitos de cada um dos comportamentos o injusto e o justo Como Modelemos em pensamento uma imagem da alma a fim de o autor daquelas palavras se aperceber do que disse Que imagem e Uma como a daquelas criaturas antigas da mito logia a Quimera 20 Cila 21 Cérbero 22 e muitas outras de quem se diz que tinham fonnas múltiplas num só corpo Dizse realmente Modela então uma criatura monstruosa compósita e policéfala com cabeças de animais domésticos e selvagens a toda a volta e capaz de alterar ou de criar por si todas essas formas É obra para um escultor hábil Mesmo assim como o d pensamento é mais moldável do que a cera ou qualquer ou tra matéria dessa espécie vamos modelála E agora modela outra forma de um leão e outra de um homem mas que a primeira seja muito maior do que as outras e a seguir a segunda Isso é mais fácil e já está pronto 20 O escoliasta descreveu assim a Quimera leão na frente serpente atrás cabra no meio 21 Cila tinha voz de cadela doze pés disformes seis pescoços cada um com uma cabeça terrível dotada de três filas de dentes segundo a descrição da Odísseia xu 85100 22 O cão do Hades tinha cinquenta cabeças em Hesíodo Teo gonia 310312 uma tradição posterior reduz esse número a três 441 Reúne então essas formas que são três numa só de maneira a formarem um todo umas com as outras Já estão reunidas Cobreas no seu todo exteriormente com uma for ma única a de um homem de maneira que a quem não e puder verlhe o interior mas apenas aviste o invólucro exte rior pareça um só ser animado um homem Já estão cobertas Digamos agora a quem sustentar que é útil a esse ho mem ser iajusto e que não lhe traz vantagem proceder com justiça que o que ele faz não é mais do que declarar que lhe é útil alimentar e fortalecer o monstro de mil formas o leão 589a e o seu séquito matando à fome e enfraquecendo o ho mem de maneira que cada um dos outros o arraste para onde quiser sem contribuir para os acostumar um ao outro nem para os tomar amigos em vez disso deixaos morder se entre si e devorarse reciprocamente na luta É isso mesmo que sustentará quem louvar a injustiça Por outro lado quem disser que é útil ser justo não estará a afumar que se deve fazer e dizer aquilo de que re b sulte que o homem interior tenha o máximo domínio sobre o seu todo e cuide da sua cria policéfala como se fosse um agricultor que alimenta e cultiva as espécies domésticas e impede de crescer as selvagens fazendo da natureza do leão sua aliada preocupandose com todos em geral tomandoos amigos uns dos outros e de si mesmo e sustentandoos desse modo Quem louvar a justiça é exactamente assim que há de falar Logo de todas as maneiras quem fizer o elogio da e justiça falará verdade e quem fizer o da injustiça mentirá Com efeito quem tiver em conta o prazer a boa fama e a 442 utilidade se exaltar a justiça fala verdade mas se a censu rar a sua crítica é malsã pois não sabe o que critica Acho que não nem faz ideia nenhuma Ora vamos lá convencêlo com brandura pois o seu erro não é voluntário perguntandolhe Meu caro não diremos que a distinção legal entre a honestidade e a desonestidade tem a sua origem nos seguintes factos a ho nestidade submete a parte animalesca da nossa natureza à d parte humana ou talvez melhor ainda à divina ao passo que a desonestidade escraviza a parte domesticada à selva gem Háde concordar ou não Háde se seguir o meu conselho Será possível continuei eu que segundo estes princípios seja útil a alguém apoderarse de dinheiro injus tamente se é certo que ao pegarlhe acontece que ao mesmo tempo subjuga a parte melhor de si mesmo à mais perversa Ora se ele aceitando dinheiro reduzisse um filho e ou uma filha à escravatura e ainda por cima à de homens selvagens e malvados não tiraria disso vantagem alguma por maior que fosse a soma recebida no caso de submeter a parte mais divina de si mesmo à mais ímpia e miserável sem qualquer piedade não será desgraçado e não se deixa corromper mais profundamente pelo ouro para um fim 590a mais funesto do que Erífila 23 quando recebeu um colar em troca da vida do marido Muito mais afirmou Gláucon Respondo por ele 23 Erífila fora subornada por Polinices com um colar de ouro para persuadir o marido o herói argivo Anfiarau a tomar parte na expedição dos Sete contra Tebas O nome e o acto da heroína fi guravam já na Odisseia x1 326327 443 Então não achas que é por tal motivo que sempre se criticou a licença por nela se abandonarem à mercê daquela criatura funesta imensa e pluriforme para além do que deviam É evidente E se se censura a arrogância e o mau humor não é b quando o monstro em forma de leão e de serpente cresce e se desenvolve sem harmonia Absolutamente O luxo e a moleza não é por o deixarem andar à solta e à vontade que são censurados fazendo surgir nele a cobardia Sem dúvida E a lisonja e a baixeza não são censuradas quando fa zem com que essa mesma parte irascível seja submetida ao monstro turbulento e por causa das riquezas e da cobiça de que aquele sofre o avilta e desde novo o transforma de leão em macaco e É isso mesmo E a profissão de artífice e de trabalhador manual por que motivo julgas tu que acarreta censuras Diremos que é por qualquer outra razão senão que se trata de alguém que tem a sua melhor parte tão débil por natureza que não é capaz de comandar os monstros que nele habitam antes os acalenta e a única coisa que aprende é a adulálos Assim parece Portanto a fim de um homem nessas condições ser mandado por um poder semelhante ao do homem superior não diremos que ele precisa de ser escravo desse ente supe d rior cujo chefe é o elemento divino sem julgar que essa su jeição seja em prejuízo do escravo como pensava Trasíma co relativamente aos súbditos mas sendo melhor para todos 444 ser governado por um ser divino e sensato de preferência albergandoo dentro de nós mesmos e caso contrário co mandandonos do exterior a fim de que sob a mesma égi de sejamos todos iguais e amigos até onde for possível E com razão Também a lei demonstra ser esse mesmo o seu dese e jo aliada como é de todos os que vivem na cidade E bem assim a maneira de mandar nas crianças não as deixando em liberdade até termos organizado na sua alma como na cidade uma constituição e depois de termos cultivado o que elas têm de melhor pelo que temos de equivalente ins 591a tauraremos nelas um guarda e chefe semelhante a nós para fazer as nossas vezes e só então as deixamos livres É isso que efectivamente demonstra De que maneira então ó Gláucon e por que razão afirmaremos que é vantajoso cometer um acto injusto li cencioso ou vergonhoso do qual resulta que por um lado seremos piores e por outro possuiremos mais riquezas ou qualquer outra espécie de poderio De nenhuma maneira respondeu ele De que modo se pode proclamar que é útil que uma injustiça passe despercebida e escape ao castigo Acaso não se toma ainda pior o criminoso oculto ao passo que quan b do ele não escapa e é castigado a parte monstruosa apazi guase e fica domada a parte morigerada é liberta e toda a alma reconduzida à sua conformação mais perfeita de pos se da temperança e da justiça juntamente com a reflexão atinge um estado que tem um valor tanto acima do corpo que adquire força e beleza junto com a saúde como o da alma é acima do corpo Exactamente 445 e Porventura quem tiver entendimento não viverá concentrando todas as suas forças para este objectivo hon rando em primeiro lugar as ciências que trabalharão a sua alma nesse sentido e desprezando tudo o mais É evidente Em seguida continuei eu a boa forma e sustento do seu corpo não a orientará para prazeres animalescos e ir racionais nem viverá inclinado a isso mas nem sequer aten derá à saúde nem dará importância a ser forte saudável e d formoso se com isso não adquirir também a temperança mas em todo o tempo se verá que ele compõe a harmonia do seu corpo com vista a acertar o acorde da sua alma Será exactamente assim se quiser ser de verdade musical E não será também assim quanto à ordenação e har monia na posse das riquezas E sem se deslumbrar com as felicitações da multidão pelo amontoado de riquezas au mentálasá até ao infinito granjeando infinitas desgraças Não o creio e Porém volvendo o olhar para o seu governo interior e precavendose contra qualquer alteração em si devida ao excesso de fortuna ou à escassez da mesma seguindo essa orientação aumentará e gastará os seus bens de acordo com a sua capacidade Perfeitamente 592a Agora quanto às honrarias tendo em vista os mes mos princípios receberá e saboreará de bom grado umas aquelas que entender que o tornam melhor mas das que tiverem um efeito dissolvente sobre o estado da sua alma fugirá delas em particular e em público Por conseguinte não estará disposto a ter actuação política se realmente se preocupa com tais questões 446 Pelo Perro 24 exclamei eu Estará e muito na sua própria cidade mas talvez não na sua pátria a menos que concorra um acaso divino Compreendo Refereste à cidade que edificámos há pouco na nossa exposição àquela que está fundada só em palavras pois creio bem que não se encontra em parte algu b ma da terra Mas talvez haja um modelo no céu para quem qui ser contemplála e contemplandoa fundar uma para si mesmo De resto nada importa que a cidade exista em qualquer lugar ou venha a existir porquanto é pelas suas normas e pelas de mais nenhuma outra que ele pautará o seu comportamento É natural concordou 24 Sobre esta fórmula de juramento vide supra nota 60 ao Livro 111 447 LIVRO X Ora a verdade é que prossegui eu entre muitas 595a razões que tenho para pensar que estivemos a fundar uma cidade mais perfeita do que tudo não é das menores a nossa doutrina sobre a poesia 1 Que doutrina de não aceitar a parte da poesia de carácter mjmé tico A necessidade de a recusar em absoluto é agora segun do me parece ainda mais claramente evidente desde que definimos em separado cada uma das partes da alma b Que queres dizer Aqui entre nós porquanto não ireis contálo aos poetas trágicos e a todos os outros que praticam a mimese todas as obras dessa espécie se me afiguram ser a destruição da inteligência dos ouvintes de quantos não tiverem como antídoto o conhecimento da sua verdadeira natureza Em que te baseias para falares assim Tenho de o dizer confessei eu E contudo uma espécie de dedicação e de respeito que desde a infância 1 Cf supra n 377bn1403c 449 tenho por Homero impedeme de falar Na verdade parece e ter sido ele o primeiestre e guia de todos esses belos petas trág1cos 2 Mas não se deve honrar um homem acima d verdade e antes pelo contrário devese falar conforme eu declarei Absolutamente Escuta pois ou melhor responde Interroga Serás capaz de me dizer em geral o que é a mimese Porque eu por mim não entendo lá muito bem o que ela pretende ser Estáse mesmo a ver que eu é que heide sabêlo Não era nada de extraordinário pois já muitas vezes 596a os que têm uma vista fraca descobriram primeiro as coisas do que os que a têm penetrante Assim é Mas na tua presença eu não seria capaz de ter a ousadia de falar ainda que me ocorresse alguma coisa Vê antes tu Queres então que comecemos o nosso exame a par tir deste ponto segundo o nosso método habitual Efectiva mente estamos habituados a admitir uma certa ideia sem pre uma só em relação a cada grupo de coisas particulares a que pomos o mesmo nome Ou não estás a compreender Estou Vamos então escolher mais uma vez um desses muitos objectos o que tu queiras Por exemplo este se te b aprouver há para aí muitas camas e mesas Pois não 2 A mesma relação estabelecida de novo em 607a foi retoma da por Aristóteles em passo célebre da Arte Poética 1448b 3438 450 Mas as ideias que correspondem a esses artefactos são duas uma para a cama e outra para a mesa São Ora fecostwnamos também dizer que o artífice que executa cada um destes ohjectas albando pata a ideiª2é assim que faz uoutroquer vlmOse d lWlª maoeirapara BSrnstalltesartefªÇS PÓrqíi qanto mente não há artífice qiê possa executála Pois como havia de fazêlo De modo nenhum Mas vê lá agora que nome vais dar ao seguinte artífice A qual e Ao que executa tudo o que sabe fabricar cada um dos artífices de per si É habilidoso e espantoso o homem a que te referes Ainda é cedo para o afirmares em breve dirás mais ainda Efectivamente esse artífice não só é capaz de execu tar todos os objectos como também modela todas as plantas e fabrica todos os seres animados incluindo a si mesmo e além disso faz a terra o céu os deuses e tudo quanto existe no céu e no Hades 3 debaixo da terra É um sábio 4 de espantar esse a que te referes d 3 Sobre o Hades vide supra n 11 ao Livro 1 4 O original diz croqLcrriic a palavra donde veio Sofista e que até ao final do séc v aC tinha normalmente sentido equivalente ao de croqóc sábio Usando o termo para se qualificarem os Sofistas desacreditaramno por muito tempo Nos diálogos de Platão o sentido primitivo e o translato concorrem e só o contex to ajuda a determinar em qual deles foi tomada a palavra Neste passo julgamos ao contrário de alguns intérpretes que existe uma ambiguidade intencional que procurámos manter na tradução com o qualificativo de sábio que em português tanto pode ser encomiástico como despectivo 451 Duvidas Ora dizme lá parecete que não pode existir de todo em todo um artífice desses ou que de certo modo pode existir o autor de tudo isso e de outro modo não pode Ou não te apercebes de que de certa maneira tu serias capaz de executar tudo isso E que maneira é essa Não é difícil esclareci eu e variada e rápida de executar muito rápida mesmo se quiseres pegar num espe e lho e andar com ele por todo o lado Em breve criarás o Sol e os astros no céu em breve a Terra em breve a ti mesmo e aos demais seres animados os utensílios as plantas e tudo quanto há pouco se referiu Sim mas são objectos aparentes desprovidos de exis tência real Atingiste perfeitamente o ponto de que eu precisava para o meu argumento Com efeito entre esses artífices conta tambémjulgo eu o pintor Não é assim Pois não Mas decerto vaisme dizer que o que ele faz não é verdadeiro E contudo de certo modo o pintor também faz uma cama Ou não Faz mas que também é aparente 597a E o marceneiro Não dizias ainda há pouco que ele não executava a ideia que declarávamos ser a cama real mas sim uma cama qualquer Dizia realmente Logo se faz o que não existe e não pode fazer o que existe mas simplesmente algo de semelhante ao que existe mas que não existe e se alguém afirmasse que o produto do trabalho do marceneiro ou de qualquer outro artífice era uma realidade completa correria ele o risco de faltar à verdade 452 Assim pareceria aos que estão familiarizados com ar gumentos dessa natureza Não nos surpreendamos por consequência se se der o caso de essa obra ser pouco clara em face da realidade Pois não b Queres então que à luz destes exemplos procure mos esse imitador a ver quem é Se quiseres Acaso não existem três formas de cama Uma que é a forma natural e da qual diremos segundo entendo que Deus a confeccionou Ou que outro Ser poderia fazêlo Nenhum outrojulgo eu Outra a que executou o marceneiro Sim Outra feita pelo pintor Ou não Seja Logo pintor marceneiro Deus esses três seres presi dem aos tipos de leito São três Ora Deus ou porque não quis ou porque era neces e sário que ele não fabricasse mais do que uma cama natural confeccionou assim aquela única cama a cama real Mas duas camas desse tipo ou mais é coisa que Deus não criou nem criará Como assim É que se fizesse apenas duas apareceria outra cuja ideia aquelas duas realizariam e essa seria a cama real não as outras duas Exactamente Por saber isso julgo eu é que Deus querendo ser d realmente o autor de uma cama real e não de uma qualquer 453 nem um marceneiro qualquer crioua na sua natureza es sencial una Assim parece Queres então que o intitulemos artífice natural da cama ou algo de semelhante É justo uma vez que foi ele o criador disso e de tudo o mais na sua natureza essencial E quanto ao marceneiro Acaso não lhe chamaremos o artífice da cama Chamaremos E do pintor diremos também que é o artífice e autor de tal móvel De modo algum Então que dirás que ele é em relação à cama e O título que me parece que se lhe ajusta melhor é o de imitador daquilo de que os outros são artífices Seja concordei eu Chamas por conseguinte ao autor daquilo que está três pontos 5 afastado da realidade um imitador Exactamente Logo também o tragediógrafo será assim se na ver dade é um imitador como se fosse o terceiro depois do rei e da verdade e bem assim todos os outros imitadores É provável Quanto ao imitador chegámos então a acordo Mas 598a dizme agora o seguinte com relação ao pintor parecete que o que ele tenta imitar é cada uma das coisas que exis tem na natureza ou as obras dos artífices As obras dos artífices 5 O grego diz três devido à maneira antiga de contar os ex tremos 454 Mas tais como elas são ou como parecem Define ainda este ponto Que queres dizer O seguinte se olhares para uma cama de lado se a olhares de frente ou de qualquer outro ângulo é diferente aesesma ou não difere nada mas parece disting E do mesmo modo com os demais objectosl E como dizes parece diferente mas não é nada Considera então o seguinte relativamente a cada oh b jecto com que fim faz a pintura Com o de imitar a realida de como ela realmente é ou a aparência como ela aparece É imitação da aparência ou da realidade Da aparência Por conseguinte a arte de imitar está bem longe da verdade e se executa udo ao que parece é pelo facto de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa que não passa de uma aparição Por exemplo dizemos que o pintor nos pintará um sapateiro um carpinteiro e os demais artífi ces sem nada conhecer dos respectivos ofícios Mas nem e por isso deixará de ludibriar as crianças e os homens igno rantes se for bom pintor desenhando um carpinteiro e mostrandoo de longe com a semelhança que lhe imprimiu de um autêntico carpinteiro Sem dúvida Mas afiguraseme meu amigo que de todos estes assuntos se disse apenas o seguinte guando alguém n anunciar a res eito de outrem que encontrou um hom 1hecedor de todos os o ci o quanto cada u sabe no seu domínio e com não menos exactidão do que d qt1ªlllialist1deve rep0nderse au1Apessoa1essas qe é um iuoªºqye parece deu comum char lêtã9 e mnita4gr1r qle11J iludicl91A11lra e 455 lhe pareceu um sábio universaiyiclo a ele não ser capaz de a ciênciaclaigrwrãncia da imitâçio Absolutamente exacto Temos então a considerar depois disto a tragédia e o e seu corifeu Homero uma vez que já ouvimos dizer que es ses poetas sabem todos os ofícios todas as coisas humanas referentes à virtude e ao vício e as divinas Efectivamente um bom poeta se quiser produzir um bom poema sobre o assunto que quer tratar tem de saber o que vai fazer sob pena de não ser capaz de o realizar Temos pois de exami nar se essas pessoas não estão a ser ludibriadas pelos imita dores que se lhes depararam e ao verem as suas obras não 599a se apercebem de que estão três pontos 6 afastados do real pois é fácil executálas mesmo sem conhecer a verdade por quanto são fantasmas e não seres reais o que eles represen tam ou se tem algum valor o que eles dizem e se na rea lidade os bons poetas têm aqueles conhecimentos que perante a maioria parecem expor tão bem É assunto a examinar com todo o cuidado Supões então que se uma pessoa pudesse fazer am bas as coisas o objecto a imitar e a imagem se entregaria com afinco à confecção de imagens e poria essa aptidão na b primeira linha da sua vida como o seu mais precioso bem Eu cá não Mas se na verdade ele fosse conhecedor das coisas que imita aplicarseiajulgo eu muito mais às obras do que às imitações tentaria deixar criações numerosas e belas como monumentos comemorativos da sua pessoa e empenharse ia mais em ser elogiado do que em elogiar Assim o creio porquanto a honra e o proveito não se riam os mesmos 6 Cf a nota anterior 456 Por conseguinte não vamos pedir contas a respeito de outros assuntos a Homero ou a qualquer outro dos poe e tas perguntando se algum deles era médico e não só imita dor da linguagem dos médicos ou a quantas pessoas qual quer poeta dos antigos ou dos modernos se diz ter restituído a saúde como Asclépios ou quantos discípulos deixou na arte de curar como os descendentes que aquele teve 7 tão pouco façamos perguntas sobre as outras artes deixemolos Mas acerca daqueles assuntos mais elevados e mais belos sobre os quais Homero se abalançou a falar guerras coman do dos exércitos administração das cidades e educação do d homem é de certo modo justo dirigirmonos a ele para o interrogar Meu caro Homero se relativamente à virtude não estás afastado três pontos da verdade nem és um faze dor de imagens a quem definimos como um imitador mas estás afastado apenas dois e se foste capaz de conhecer quais são as actividades que tornam os homens melhores ou pio res na vida particular ou pública diznos que cidade foi graças a ti melhor administrada como sucedeu com a Lace deinónia graças a Licurgo 8 e com muitas outras cidades grandes e pequenas devido a muitos outros Que Estado te e aponta como um bom legislador 9 que veio em seu auxílio 7 Não sabemos se os praticantes dessa arte se intitulavam As clepíades por se considerarem descendentes de Asclépios ou por ele inspirados mas o certo é que o ofício passava de pais a filhos Sobre Asclépios vide supra nn 7 4 e 75 ao Livro III 8 O legislador de Esparta considerado por Heródoto 1 65 66 o criador da Gerúsia e dos Éforos chegou a ser tido por lendá rio conforme já transparece da biografia que lhe dedicou Plutarco A crítica actual reconhece porém a sua historicidade vide A Toynbee Some Problems ef Greek HistoyOxford 1969 pp 274283 9 Adam observa a este propósito que não só não era esse o sentir geral grego como não era o do próprio Platão no Banquete 209ce 457 A Itália e a Sicília indicam Carondas 10 e nós Sólon li E a ti quem Teria alguém para indicar Julgo que não respondeu Gláucon Pois nada di zem nem mesmo os Homéridas 12 600a Mas há alguma guerra de que se tenha lembrança no tempo de Homero chefiada por ele que o tivesse por con selheiro e que fosse levada a bom termo Nenhuma Mas então há muitas ideias e invenções que lhe sejam atribuídas em relação às artes e outras actividades coisas que são características de um homem habilidoso 13 no género das que se contam de Tales de Mileto 14 e de Anacársis da Cítia 15 10 Carondas foi o legislador de Catânia sua cidade natal e ou tras colónias calcídicas da Sicília e da Magna Grécia Deve datar do começo do séc vi aC 11 O ateniense Sólon c640560 aC é exaltado vezes sem conta como o fundador da democracia ateniense não só em Pla tão como nos grandes oradores áticos Os modernos porém sem menosprezar a acção de Sólon atribuem esse papel a Clístenes Vejamse entre outros M H Hansen The Athenian Democracy in the Age ofDemosthenes Oxford 1991 cap 3 e J Ribeiro Ferreira A Democracia na Grécia Antiga Coimbra 1990 10s Homéridas eram urna espécie de cotporação de poetas da ilha de Qnias que se consideravam descendentes de Homero e detentores da autoridade m s o o se agíen n 530d e Pedro 252h TarobSPíndaro se ffies refere mNpneias u 13 ri No texto está aoqó usado segundo nos parece no seu sentido primeiro de perito numa arte 14 E de notar que o primeiro filósofo nos ªParece aqui tal como em Heródoto 1 7475 170 em Aristófanes Nuvens 180 Aves 1009 e mesmo em Aristóteles Política 1 11 1259a 523 mais como um homem astuto e engenhoso do que como um pensador Cf D R Dicks Early Greek Astronomy to Aristotle London 1970 p 43 15 Contemporâneo de Tales e 11or vezes também incluído na lista dos Sete Sábios Estrabão vu 39 foi segundo Diógenes Laér cio 1 105 o inventor da âncora e da roda do oleiro 458 Nada desse género Mas se não o foi na vida pública ao menos na parti cular não constará que Homero durante a sua vida tenha dirigido a educação de algumas pessoas que o estimassem pela sua companhia e que transmitissem à posteridade o es b tilo de vida homérico como o próprio Pitágoras 16 que foi extraordinariamente apreciado por esse motivo e até os que vieram depois dele ainda hoje chamam Pitagórico a esse regime de vida e por ele se salientam no meio dos outros homens Também sobre isso nada consta Com efeito Creo filo 17 ó Sócrates o disdpulo de Homero talvez ainda seja menos ridículo pelo nome do que em relação à educação se 16 É esta como é sabido a única referência nominal a Pitágo ras na obra de Platão embora a influência da escola do filósofo de Samos em parte do seu pensamento não ofereça dúvidas assim como parece ser aos Pitagóricos que alude quando se refere a ho mens e mulheres sábios De resto as citações de Pitágoras ante riores ao fim do séc rv aC são escassíssimas Xenófanes fr 7 Diels Heraclito frs 40 81 129 Diels Heródoto rv 95 Isócrates Busíris 28 Os modernos tendem cada vez mais a atribuir a discí pulos sobretudo a Filolau as principais doutrinas da escola Vide Barnes The Presocratic Philosophers London 1979 Vol 1 cap 6 17 O nome na forma adoptada pelos editores antigos KpeÍlftÀo significa amigo de comer carne Mas os melhores manuscritos que Burnet segue e bem assim outros autores gregos escrevem KpewlpuÀo A diferença só é sensível em português no lugar da tónica pois a segunda das formas citadas por ter a penúl tima longa tem de ter acentuação paroxítona Calímaco Epigrama 6 atribui a Creofilo o poema Oechalia A Suda léxico do séc x diz que ele recebeu esse poema de Homero em agradecimento pela hospitalidade que lhe concedera O escoliasta declara que Homero lhe confiou a Ilíada 459 é verdade o que se diz acerca de Homero De facto conta e se que recebeu dele muito poucas atenções enquanto foi VlVO É o que se diz efectivamente Mas supões ó Gláu con que se Homero fosse na realidade capaz de educar os homens e de os fazer melhores como pessoa que podia não ser imitador mas bom conhecedor dessas matérias não cria ria numerosos discípulos que o honrassem e estimassem ao passo que Protágoras de Abdera e Pródico de Ceos 18 e tan tos outros podem em conversas particulares convencêlos d de que não serão capazes de administrar a sua casa nem a sua cidade se não se submeterem à educação deles e são es timados com tal veemência devido a esta arte que só lhes falta que os discípulos andem com eles aos ombros 19 E os que viveram no tempo de Homero se realmente ele era ca paz de ajudar os homens a serem virtuosos e de Hesíodo haviam de os deixar andar de um lado para o outro a reci tar 20 e não se apegariam mais a eles do que ao dinheiro e e não os forçariam a ficar com eles nos seus lares ou se não os convencessem não se teriam transformado em pedago gos 21 para os seguirem onde quer que fossem até que se saciassem do seu aprendizado 18 Dois dos mais famosos Sofistas interlocutores de Sócrates no diálogo Protágoras 19 O original diz mas cabeças Esta caricatura do entusiasmo despertado pelos Sofistas deve completarse com as cenas delicio sas da abertura do Protágoras 20 No original está o verbo que significa ser rapsodo Os rapsodos andavam de terra em terra a recitar poemas 21 O pedagogo acompanhava sempre os passos do seu edu cando A inversão de atitudes contribui para acentuar a ironia da frase 460 Pareceme que o que dizes é absolutamente verda deiro ó Sócrates Assentemos portanto que a principiar em Homero todos os poetas são imitadores da imagem da virtude e dos restantes assuntos sobre os quais compõem mas não atin gem a verdade mas como ainda há pouco dissemos o pin tor fará o que parece ser um sapateiro aos olhos dos que 601a percebem tão pouco de fazer sapatos como ele mesmo mas julgam pela cor e pela forma Precisamente Do mesmo modo diremos pareceme que o poeta por meio de palavras e frases sabe colorir devidamente cada uma das artes sem entender delas mais do que saber imitálas de modo que a outros que tais que julgam pelas palavras parecem falar muito bem quando dissertam sobre a arte de fazer sapatos ou sobre a arte da estratégia ou so bre qualquer outra com metro ritmo e harmonia Tal é a grande sedução natural que estas têm por si sós Pois julgo b que sabes como parecem as obras dos poetas desnudadas do colorido musical e ditas só por si Já assentaste nisso de algum modo Pois já Então parecemse com o aspecto que tomam aqueles rostos que tiveram frescura mas não beleza quando a flor da juventude os abandonou 22 Exactamente Vamos lá então Repara no seguinte o criador de fantasmas o imitador segundo dissemos nada entende da realidade mas só da aparência Não é assim e 22 Esta frase figura como exemplo de símile em Aristóteles Retórica III 41406b 3637 461 É Não deixemos contudo a nossa exposição a meio vamos explorála suficientemente Fala O pintor dizemos nós pintará as rédeas e o freio Sim Mas quem os faz é o correeiro e o ferreiro Exactamente Porventura é o pintor que entende como devem ser feitas as rédeas e o freio Ou o que as fabricou o ferreiro e o correeiro Ou antes aquele que sabe servirse delas o ca valeiro somente Exactamente Acaso não afirmaremos que se passa o mesmo em tudo o mais Como d Que há estas três artes relativamente a cada objecto a de o utilizar a de o confeccionar e a de o inutar Sim Ora a qualidade a beleza e perfeição de cada utensí lio de cada animal ou acção não visam outra coisa que não seja a função para a qual cada um foi feito ou nasceu Assim é Grande é pois a necessidade para quem se serve de cada coisa de ter delas a maior experiência e de se tomar intérprete junto do fabricante da boa ou má qualidade do objecto de que se serve quando o utiliza Por exemplo o e flautista informa o fabricante acerca das flautas de que se serve para tocar e prescrevelhe como as deve executar e ele atendêloá Pois não 462 Portanto aquele que sabe informa sobre as qualida des e defeitos das flautas o outro faz fé23 e executará Sim Por conseguinte em relação ao mesmo instrumento o fabricante terá uma crença exacta quanto à sua excelência ou inferioridade por estar em contacto com quem sabe e ser obrigado a escutálo ao passo que aquele que o utiliza 602a possui a ciência Exactamente Mas o imitador adquirirá o conhecimento dos objec tos que pinta pela prática e a capacidade de distinguir se são belos e bem feitos ou não ou obterá uma opinião cor recta pelo facto de forçosamente ter de conviver com aque le que sabe e de acatar as suas prescrições sobre a maneira como deve pintar Nem uma coisa nem outra Por conseguinte o imitador não saberá nem terá uma opinião certa acerca do que imita no que toca à sua beleza ou fealdade Parece que não Será um encanto esse imitador em poesia quanto à sua mestria nos assuntos que trata Nem por isso Contudo fará as suas imitações à mesma sem saber b relativamente a cada uma em que é que ela é má ou boa mas ao que parece aquilo que parecer belo à multidão ig nara é isso mesmo que ele imitará Pois que outra coisa háde fazer 23 Esta expressão retoma a linguagem do símile da linha supra VI 509d5ne 463 Logo quanto a estas questões estamos ao que pare ce suficientemente de acordo que o imitador não temco nhecimentos que valham nada sobre aquilo que imita mas que a imitação é uma brincadeira sem seriedadee os que se abalançam à poesia trágica em versos iâmbicos ou épicos 24 são todos eles imitadores quanto se pode ser Exactamente e Por Zeus exclamei eu Essa imitação está três pontos afastada da verdade ou não Está Além disso em que parte do homem exerce o poder que detém De que pretendes falar Do seguinte a mesma grandeza vista a nossos olhos de perto e de longe não parece igual Pois não E os mesmos objectos parecem tortos ou direitos para quem os observa na água ou fora dela côncavos ou convexos devido a uma ilusão de óptica proveniente das cores e é evidente que aqui há toda a espécie de confusão d na nossa alma Aplicandose a esta enfermidade da nossa na tureza é que a pintura com sombreados não deixa por tentar espécie alguma de magia e bem assim a prestidigitação e to das as outras habilidades desse género 24 Novamente se considera aqui tal como em 595c o elemen to trágico como potencialmente existente na poesia épica Formal mente a tragédia era composta em metro iâmbico nas partes fala das e em metros líricos nas cantadas além disso havia ainda as partes em recitativo em ritmo anapéstico ou nos iambos no meio de líricas ou ainda nos tetrâmetros trocaicos Sobre esta complexa questão que parte sobretudo dos dados de Aristóteles Poética 1449a vejase A Pickard Cambridge The Dramatic Festivais of Athens rev ed Oxford 1988 pp 156164 464 É verdade Mas não se inventaram a medição o cálculo a pesa gem como auxiliares preciosos contra esses inconvenientes de tal modo que não prevalece em nós a aparência de maior ou menor mais numeroso ou mais pesado mas o que se calculou mediu ou pesou Pois não Ora realmente essas operações podem ser o traba lho da razão que está na nossa alma É dela efectivamente Mas perante esse princípio quando mediu e assina lou que certos objectos são maiores ou menores que outros ou iguais a eles surgem aparências por vezes em relação com os mesmos objectos ao mesmo tempo Surgem Não afirmámos que é impossível que o mesmo ele mento tenha ao mesmo tempo opiniões contrárias sobre os mesmos objectos Afirmámos e com razão Portanto o que julga na alma à margem da medida não poderá ser o mesmo que o que julga com medida Pois não Mas realmente o elemento que faz fé na medida e no cálculo deverá ser a melhor parte da alma Sem dúvida Logo o que lhe for contrário pertencerá ao número do pior que temos Forçosamente Era a este ponto que eri queria chegar quando dizia que a pintura e de um modo geral arte de imitar executa as suas obras longe da verdade e além disso convive com a 465 e 603a e d parte de nós mesmos avessa ao bomsenso sem ter em vista nesta companhia e amizade nada que seja são ou verda deiroJ Exactamente Se o medíocre se associa ao medíocre a arte de imi tar só produz mediocridades Assim parece Refereste apenas à que se dirige aos olhos ou tam bém à que se dirige aos ouvidos e a que chamamos poesia A essa também é natural Não façamos fé contudo apenas na semelhança com a pintura mas avancemos até àquele sector do espírito que convive com a imitação poética e vejamos se ele é inferior ou valioso É bem preciso V amos pôr a questão desta maneiraL poesia mimé tica dizíamos nós imita homens entregues a acções forçadas ou voluntárias e que em consequência de as terem pratica do pensam ser felizes ou infelizes afligindose ou regozi jandose em todas essas circunstânciHavia mais alguma coisa além disto Não Ora em todas essas ocasiões porventura o homem está de acordo consigo mesmo Ou tal como sofria de dissensão interna relativamente à visão e albergava ao mes mo tempo opiniões contrárias sobre os mesmos assuntos do mesmo modo no seu comportamento sofre de dissensão e luta consigo mesmo Mas recordome de que quanto a isso não precisamos agora de chegar a um acordo pois já na dis cussão anterior 25 concordámos suficientemente em todas 25 Supra 1v 435e seqq 466 estas questões de como a nossa alma está cheia de mil con s duIE E com razão Com razão efectivamente Mas pareceme agora e necessário analisar o que então deixámos de lado 0 quê Dissemos então que um homem comedido se lhe coubesse em sorte perder um filho ou algo que lhe fosse muito caro suportaria essa desgraça mais facilmente do que os outros Exactamente Examinemos agora então se não se afligirá nada ou se sendo isso impossível moderará o seu desgosto É nesta hipótese de preferência que está a verdade Dizme agora o seguinte acerca dele supões que 604a luta e resiste mais ao seu desgosto quando é observado pelos seus semelhantes ou quando fica só no seu isolamento perante si mesmo Suportará muito mais quando estiver a ser observado Mas quando ficar só julgo que ousará dizer muitas coisas das quais se envergonharia se alguém as ouvisse e fará muitas outras que não aceitaria que alguém o visse fazer Assim é Por conseguinte a força que o impele a resistir é a razãoe i ki1ao passo que a força que o arrasta para a dor é a b própria aflição É verdade Mas quando há no homem impulsos contrários e si multâneos em relação ao mesmo objecto dizemos que há necessariamente nele dois elementos 467 Pois não Ora um estará pronto a obedecer à lei naquilo que ela lhe prescrever Como A lei diz que o que há de mais belo é conservar a cal ma o mais possível nas desgraças e não se indignar uma vez que não se sabe o mal e o bem que há em tais acontecimen tos nem se adianta nada positivamente em os suportar e com dificuldade nem tudo o que é humano merece que se lhe dê muita importância e o que poderá acudirnos o mais depressa possível é entravado pelo desgosto A que te referes À reflexão sobre o que nos aconteceu e tal como quando se lançam os dados assim devemos endireitar as nossas próprias posições de acordo com o que saiu pelo ca minho que a razão escolher como melhor e se nos bate rem não devemos fazer como as crianças que levam a mão ao sítio da pancada e perdem o tempo a gritar mas acostu d mar a alma a ser o mais rápida possível a curar e a endireitar o que caiu e adoeceu eliminando as lamentações com re médios Seria a melhor maneira de nos comportam1os peran te a adversidade Ora é a melhor parte de nós que quer seguir a razão É evidente Mas a parte que nos leva à recordação do sofrimento e aos gemidos e que nunca se sacia deles acaso não diremos que é irracional preguiçosa e propensa à cobardia Diremos pois e Ora o que contém material para muita e variada imitação é a parte irascível ao passo que o carácter sensato e 468 calmo sempre igual a si mesmo nem é fácil de imitar nem quando se imita é fácil de compreender sobretudo num festival 26 e perante homens de todas as proveniências reuni dos no teatro Porquanto essa imitação seria de um sofri mento que para eles é estranho Absolutamente 605a É evidente desde logo que o poeta imitador não nas ceu com inclinação para essa disposição de alma nem a sua arte foi moldada para lhe agradar se quiser ser apreciado pela multidão mas sim com tendência para o carácter arre batado e variado devido à facilidade que há em o imitar É evidente Por conseguinte temos razão em nos atirarmos a ele desde já e em o colocar em simetria com o pintor De facto parecese com ele no que toca a fazer trabalho de pouca monta em relação à verdade e no facto de conviver com a b outra parte da alma sem ser a melhor nisto também se as semelha a ele E assim teremos desdejártt2ãoparanão ore cebermos numciclade que vai sçrbemgoYernada porq11e desperta aquela parte da an1a e a sustenta e fortalecendoa deita a perder a razão tal como acntece mm Estado q11an do alguém torna poderosos os malvados e lhes entrega a so berallla ao passo que destruiu os melhores12a mesma ma i neira afirmaremos que também o poeta imitador instaura na alma de cada mdivíduo um mau governo lisonjeando a e parte irracional que não distingue entre o que é maior e o que é menor mas julga acerca das mesmas coisas ora que são grandes ora que são pequenas que está sempre a forjar fantasias a uma enorme distância da verdadej 26 Alusão aos festivais dramáticos especiahuente as Grandes Dionísias nos quais se representavam as tragédias 469 Precisamente Contudo não é essa a maior acusação que fazemos à poesia mas o dano que ela pode causar até às pessoas ho nestas com excepção de um escassíssimo número isso é que é o grande perigo Como não havia de sêlo se na verdade produz tal efeito Ouve e repara Os melhores de entre nós quando d escutam Homero ou qualquer poeta trágico a imitar um he rói que está aflito e se espraia numa extensa tirada cheia de gemidos ou os que cantam e batem no peito 27 sabes que gostamos disso e que nos entregamos a eles e os seguimos sofrendo com eles e com toda a seriedade elogiamos o poe ta como sendo bom por nos ter provocado até ao máximo essas disposições Sei Como não havia de sabêlo Mas quando sobrevém a qualquer de nós um luto pessoaL reparaste que nos gabamos do contrário se formos e capazes de nos mantermos tranquilos e de sermos fortes entendendo que esta atitude é característica de um homem ao passo que aquela que há pouco louvámosela Jlllillier Reparei E estará certo que se dêem estes elogios ao vermos um homem comportarse de uma maneira que não tería mos por digna mas nos envergonharia sem termos repulsa por ele antes regozijandonos e louvandoo 27 A tirada piínc a que se faz referência primeiro é a fala de um actor o segundo exemplo é um canto lamentoso do coro que por ser acompanhado de gestos de desespero como bater no peito tomou o nome de xoµµóc e veio a designar uma parte es pecífica embora não obrigatória da tragédia 470 Por Zeus que não Não parece de uma pessoa sen sata Exacto sobretudo se examinares a questão sob este 606a aspecto Qual Se pensares que a parte da alma que há pouco contí nhamos pela força nos nossos desgostos pessoais que tem sede de lágrimas e de gemidos em abundância até se saciar porque a sua natureza é tal que a leva a ter esses desejos é nessas alturas a parte a que os poetas dão satisfação e rego zijo Ao passo que a parte de nós que é a melhor por natu reza por não estar suficientemente educada pela razão e pelo hábito abranda a vigilância dessa parte dada às lamen b tações a pretexto de que está a contemplar males alheios e que não é vergonha nenhuma para ela se outra pessoa que se diz um homem de bem se lamenta a despropósito lou vála e ter compaixão dela mas supõe que tira uma vanta gem o prazer de que não aceitaria privarse desprezando todo o poema É que julgo eu a poucos é dado fazer ideia de como inevitavelmente temos na nossa vida íntima o usufruto dos sentimentos alheios Porquanto depois de ter mos criado e fortalecido neles a nossa piedade não é fácil contêla nos sofrimentos próprios Exactamente e Porventura não se aplica também o mesmo argu mento ao ridículo Se numa imitação cómica ou numa con versa particular ao ouvires gracejos de que pessoalmente te envergonharias te divertires à grande e não os desprezares como coisa inferior não estás a proceder exactamente do mesmo modo que quando se trata de sentir comiseração É que à vontade de fazer rir que continhas pela razão com 471 receio de ganhares fama de desabusado dáslhe então livre curso e depois de aí a refrescares muitas vezes te deixas le var sem dares por ela a fazer de autor cómico em tua casa É isso mesmo d E quanto ao amor à ira e a todas as paixões penosas ou aprazíveis da alma que afirmámos acompanharem todas as nossas acções não produz em nós os mesmos efeitos a imitação poética Porquanto os rega para os fortalecer quando devia secálos e os erige nossos soberanos quando deviam obedecer a fim de nos tomarmos melhores e mais felizes em vez de piores e mais desgraçados Não posso dizer de outro modo e Por conseguinte ó Gláucon quando encontrares encomiastas de Homero a dizerem que esse poeta foi o educador da Grécia 28 e que é digno de se tomar por mode lo no que toca a administração e a educação humana para 607a aprender com ele a regular toda a nossa vida deves beijálos e saudálos como sendo as melhores pessoas que é possível e concordar com eles em que Homero é o maior dos poetas e o primeiro dos tragediógrafos mas reconhecer que quan to a poesia somente se devem receber na cidade hinos aos deuses e encómios as varões honestos e nada mais Se po rém acolheres a Musa aprazível na lírica ou na epopeia go vernarão a tua cidade o prazer e a dor em lugar da lei e do princípio que a comunidade considere em todas as circuns tâncias o melhor Exactamente 28 A mais antiga prova do facto documentado aliás em muitos autores é dada pelo fr rn Diels de Xenófanes Uma vez que desde início todos aprenderam por Homero 472 Aqui está o que tínhamos a dizer ao lembrarmos de b novo a poesia por justificadamente excluirmos da cidade uma arte desta espécie 29 Era a razão que a isso nos impelia Acrescentemos ainda para ela não nos acusar de uma tal ou qual dureza e rusticidade que é antigo o diferendo entre a filosofia e a poesia Realmente lá temos a cadela a ganir ao dono e a que ladra e o homem superior a proferir pala vras vãs e o bando de cabeças magistrais e os que pen e sam subtilmente como afinal vivem na penúria e mil outras provas da antiguidade do antagonismo entre elas 30 Mesmo assim digase que se a poesia imitativa voltada para o prazer tiver argumentos para provar que deve estar pre sente numa cidade bem governada a receberemos com gos to pois temos consciência do encantamento que sobre nós exerce mas seria impiedade trair o que julgamos ser verda deiro Ou não te sentes também seduzido pela poesia meu d amigo sobretudo quando a contemplas através de Homero Sinto e muito Logo é justo deixála regressar uma vez que ela se justifique em metros líricos ou em quaisquer outros Absolutamente Concederemos certamente aos seus defensores que não forem poetas mas forem amadores de poesia que fa lem em prosa em sua defesa mostrando como é não só agradável como útil para os Estados e a vida humana E escutálosemos favoravelmente porquanto só teremos van e tagem se se vir que ela é não só agradável como também útil 29 Cf supra m 398a º Todas as expressões entre aspas devem provir de citações de poetas provavelmente da lírica mas não é possível identificálas 473 Como não hdvuuu Llc luudr Mas se assim não for meu caro amigo faremos como aqueles que quando estão apaixonados por alguém e reconhecem que aquele amor não lhes é proveitoso se afas tam dele embora com esforço do mesmo modo nós devi do ao amor por essa poesia que em nós se formou por in fluência da educação dos nossos belos Estados estaremos 608a dispostos a vêla como muito boa e verdadeira mas en quanto não for capaz de se justificar escutálaemos repe tindo para nós mesmos os argumentos que expusemos e aquele mesmo canto mágico tomando precauções para não cairmos novamente naquela paixão da nossa infância e que é a da maioria Repetiremos que não devemos preocupar nos com esta poesia como detentora da verdade e como b coisa séria mas o ouvinte deve estar prevenido receando pelo seu governo interior e acreditar nas nossas afirmações acerca da poesia Concordo inteiramente respondeu ele É um grande combate meu caro Gláucon é grande e mais do que parece o que consiste em nos tornarmos bons ou maus De modo que não devemos deixarnos arre batar por honrarias riquezas nem poder algum nem mes mo pela poesia descurando a justiça e as outras virtudes Concordo contigo em consequência da análise que fizemos e qualquer outra pessoa também segundo julgo e Além disso prossegui eu não tratámos das re compensas máximas da virtude e dos prémios que a aguar dam É incrível a sua magnitude se ainda há outros maio res do que os que referimos Que poderia haver de grande cm tempo tão mingua do Efectivamente todo esse tempo que medeia entre a 474 mfanc1a e a vdh1ee em comparação com a totalidade seria coisa assaz reduzida Não é mesmo nada Ora bem Julgas que um objecto imortal deverá preocuparse com um tempo assim limitado e não com a d sua totalidade Eu não por certo Mas por que dizes isso Não te apercebeste de que a nossa alma é imortal e nunca perece Ele olhou para mim e suspenso disse Eu cá não por Zeus Mas tu podes demonstrálo Não tenho o direito de me escusar E acho que tu também podes pois não é nada difícil Eu cá não Mas terei muito prazer em te ouvir essa demonstração que não é difícil Ouvirás Fala então Há uma coisa a que chamas bem e outra mal Há Porventura pensas sobre isso o mesmo que eu e 0 quê Que tudo o que destrói e corrompe é mau ao passo que o que salva e preserva é bom É o que penso E então Afirmas que há para cada coisa bem e mal Por exemplo a oftalmia para os olhos a doença para a tota 609a idade do corpo o míldio para o trigo a podridão para a madeira o verdete e a ferrugem para o bronze e o ferro e conforme disse um mal e uma doença quase congénitos para cada coisa Afirmo sim 475 1 1 t 1 l Lugu ljUUlüU ugu111 uc1c 111lll ollTVllll a llllld dessas coisas não deteriora aquela cm que surgm e não aca ba por a dissolver e destruir completamente Pois não Por conseguinte o mal e o vício próprios da natureza de cada coisa é c1uc clcit1111 a perder Gllla uma ou se não for isso que a deita a perder não há outra coisa que possa b destruíla De facto não se teme que o bem jamais cause a perdição de qualquer coisa nem o que não é bom nem mau Como havia de fazêlo Se portanto encontrarmos algum ser com um mal que o torna corrupto mas incapaz de o dissolver e destruir não saberemos desde logo que não há destruição possível para um ser assim constituído É natural que seja assim Ora pois Para a alma não há nada que a torne má Há e muito Tudo quanto enumerámos há pouco 31 e a injustiça a intemperança a cobardia e a ignorância Acaso é um desses defeitos que a destrói e corrom pe E repara não vamos iludirnos supóndo que o homem injusto e insensato quando surpreendido a praticar a injusti ça perece nessa ocasião devido à injustiça que é o vício da sua alma Mas procede da seguinte maneira tal como a mal dade do corpo que é a doença desgasta o corpo o destrói e o leva a já não ser um corpo do mesmo modo também d tudo o que há pouco enumerámos devido à maldade pró pria que assentando arraiais e permanecendo nela a cor rompe acaba por ser aniquilado não é assim Supra 1v 444c 476 f Vamos lá então examinar a alma segundo o mesmo mCtodo Porventura a injustiça e demais vícios que nda existem pelo facto dt pérmantcercm e assentarem 1rraiais nela a destroem e fazem murchar até que a levam à morte separandoa lo corpo Lá isso não Contudo seria absurdo que um mal alheio destruísse uma coisa e o próprio não Seria absurdo Pensa então ó Gláucon que não é devido à má qua e idade que tenham os alimentos quer ela seja velhice podri dão ou qualquer outra que supomos que o corpo não pode deixar de ser destruído Mas se a má qualidade dos próprios alimentos é que causa no corpo a corrupção do mesmo di remos que devido a esses alimentos pereceu por efeito do seu próprio mal que é a doença Mas jamais julgaremos que o corpo é destruído pela má qualidade dos alimentos por 610a estes serem uma coisa e o corpo outra desde que o mal alheio não tenha provocado nele o mal que lhe é próprio Dizes muito bem Pela mesma razão se o mal do corpo não provoca na alma o mal da alma não pretendamos jamais que a alma é destruída por um mal alheio sem a ajuda do seu mal pró prio e que uma coisa perece pelo mal da outra É lógico Por conseguinte ou demonstramos que não disse mos bem ou enquanto o não fizermos não afirmemos ja b mais que devido à febre ou a qualquer outra doença ou a assassínio nem que se retalhasse o corpo todo em bocadi nhos o mais pequenos possível por esses motivos a alma ja mais pereça antes de alguém demonstrar que devido a esses 477 padecimentos do corpo se torna mais injusta e mais ímpia Mas quando surge o mal numa coisa que lhe é alheia sem e que se forme o que lhe é próprio não consintamos que se diga que a alma ou qualquer outra coisa perece A verdade é que nunca ninguém poderá provar que as almas dos que morrem se tornam mais injustas por efeito do seu trespasse Mas se alguém prossegui eu ousasse entrar em luta com o nosso argumento e dizer a fim de não ser força do a concordar com a imortalidade da alma que quem mor re se torna pior e mais injusto entenderíamos que se tais afirmações fossem verdadeiras a injustiça era para o seu de d tentor tão mortal como se fosse uma doença e que esse mal mortal por sua própria natureza matava quem o con tra mais depressa aos mais injustos mais de espaço aos me nos injustos em vez de ser como na situação actual em que como resultado desse facto os injustos morrem por outros lhes imporem castigo Por Zeus A injustiça não pareceria um mal tão terrí vel se fosse mortal para quem a acolhesse porquanto seria a libertação do maL mas julgo antes que se apresentará bem e ao contrário como causa da morte dos outros se a tanto chega o seu poder ao passo que toma cheio de vivacidade aquele que a possui e desperto além de lhe dar vitalidade Tão longe estão ao que parece os seus arraiais dos da morte Dizes bem Desde que a perversidade própria e o mal próprio não são capazes de matar e destruir a alma difi cilmente o mal predisposto para a destruição de outra coisa perderá a alma ou qualquer outra coisa excepto aquela a que está afecta Dificilmente ao que parece 478 Logo quando uma coisa não perece devida a um mal quer lhe seja próprio quer estranho é evidente que é 611a forçoso que exista sempre E se existe sempre é imortal Forçosamente Admitamos portanto que isto é assim Mas se o for compreendes que são sempre as mesmas almas que existem Uma vez que nenhuma perece não podem diminuir nem aumentar Com efeito se algum grupo de seres imortais au mentasse bem sabes que se ampliaria com o que é mortal e tudo acabaria por ser imortal Falas verdade Mas não vamos supor tal coisa porquanto a razão o não consente nem tãopouco vamos supor que a alma na sua verdadeira natureza é de tal espécie que esteja repleta b de variedade disparidade e discordância consigo mesma Que queres dizer Não é fácil ser eterno se se é formado de muitas par tes a menos que a ordenação seja perfeita como agora se nos revelou ser o caso da alma Não é natural na verdade Que a alma é por conseguinte imortal quer o argu mento de há pouco quer os demais 32 nos forçariam a dizê lo Mas para saber o que é na verdade não devemos exa minála deteriorada pela união com o corpo e outros males e que é como actualmente a vemos mas tal como ela fica de pois de purificada é assim que devemos observála cuidado samente pela razão e então acharemos que ela é muito mais 32 Os comentadores têm utilizado esta referênàa como uma das raras indicações sobre a cronologia relativa da obra uma vez que pode verse aqui uma alusão aos argumentos apresentados no Ménon e no Fédon sobre a imortalidade da alma 479 cxcmplm Jc jmtiça e iujmtiça e tuJo qumto acabárnm de expor Agora o que dissemos sobre cb é verdade quanto ao seu cstido acLU11 Ni vm1ula seguramente num cstdu d comparável ao de Glauco marinho Qlllrn o vir nã reni 11hccc1 facilmcnt t ln natureza priniitin devido ao factu Lie dó p1rte 111tigas do WL un pu unias e rcrctn lJUebra do outras estarem gastas e todas deterioradas pelas ondas ao passo que outras se sobrepuseram nela conchas algas ou seixos de tal modo cruc se assemelha mais a qualquer animal do ljllL ao seu antigo aspecto natural É assim tam him que nós vemos a alma ibatida por milhcntos vícios mas é para lá ó Giáucon que devemos olhar Para onde e Para o sen amor da sabedoria para o conhecimen to dos objectos cotn que entra cm contacto a espécie de companhias que procura um1 vez que é aparentada c0m o divino o imortal e o eterno e para aquilo em que se tor naria se se voltasse toda para coisas dessa natureza e se ar rebatada por esse impnlso saísse do mar cm que se encontra 612a actualmente arrancando seixos e conchas as numerosas e selvagens excrescências de terra e pedra que em conse quêllcia destes festins hemave11tnr1dos como lhes cha mam nasceram em volta dela no seu estado actual porque l de terra qnc ela se banqueteia Então verseia a sua verda deira nawreza se é complexa ou implcs ou como é Agora Pcc11lor bcócio que pnr se ter banudo nunn fonte sago cLi e tornou imortal stgundo informa o cscoliasra Como divin dade rnannh1 tcahou por e asimihr a Pruteu E de supor que es tivesse presente a intcmiío 1wtaLa pur Fcrgmun de fazer um jigo de palavras com nome de lLiucon 480 q11anto 1ffcfri r fr1n1 rp1r tp1 n1 d hu1111 d1 sárnolas suficientemente segundo julgo Absolutamente Poi bem Não clmcgt1irno na nma argtm1C11ta1io refutar lS dLUuõc comra a jmtia e especialmente ab b ternos de trazer à liça as recompensas e faina que lhe sh1 atinentes como vós dizíeis que fizeram Hcsíodo e Home ro Não descobrimos que a Jmtiça era em si mesma a coís1 melhor para a alma e que esta devia praticar 1 justiça Ll1Cr fosc possuidora do anel de Giges quer não e akm desse anel do cimo de Hacles Dizes a maior das verdades Ora pois Gláucon ainda haverá que objcctar se res tituirmos à justiça e às demais virtudes além daqueloutras vantagens as recompensas quantas e quais da proporciona à alma por parte dos homens e dos deuses quando o ho e mem está vivo e depois de ter morrido Absolutamente nada Ora então ides restituirme o que vo emprestei na discussão lUê Concedivos que o homem justo pode passar por in JUSto e o iitjusto por justo Solicitáveis que ainda quando não fosse possível enganar deuses e homens nesse ponto mesmo assim devia concederse por amor da argumentação a fim de se pronunciar um juízo sobre a justiça cm si peran te a irtjustiça em si Ou não te recordas d J Ct supra 11 363ad Sobre o 11l ele Cig ic supt 11 359c36uh e mLa r tl mesmo Livro A mais antiga rcfcnncia to clnJ de 1 ladcs o dcw do mortos consta da Ilíc1d11 v 844845 tJldc se lê que Atcna wlucou esse drno na cabeça para se tomar invisível 481 Faria mal em não me recordar Uma vez portanto que o juízo está formulado soli citovos novamente em nome da justiça que a fama que tem junto de deuses e homens reconheçamos nós igualmen te que a possui a fim de ela ganhar os prémios que conserva devido à sua reputação e que concede aos que a possuem uma vez que se evidenciou que ela dá os bens provenientes da realidade e não ilude os que a acolhem de verdade e É justo o que tu pedes Restituísme então em primeiro lugar o princípio de que aos deuses pelo menos não passa despercebido como é cada uma destas espécies de homens Restituímos E se não lhes passa despercebido uma espécie será amada pelos deuses e outra detestada tal como assentámos ao princípio 37 É isso Quanto ao que é amado pelos deuses não concorda 613a remos em que tudo o que provém dos deuses será para ele o melhor possível a menos que tivesse algum mal inevitá vel proveniente de uma falta anterior 38 Absolutamente Assim deve entenderse relativamente ao homem justo que se ficar na miséria doente ou sob a alçada de qualquer outro desses estados considerados como maus tal situação acabará num benefício para ele quer em vida quer depois de morto Efectivamente os deuses nunca descuram quem quiser empenharse em ser justo e em se igualar ao b deus até onde isso é possível a um homem na prática da virtude 37 Cf supra I 3526 38 Entendase cometida numa existência anterior 482 É natural sem dúvida que um homem assim não seja esquecido pelo seu semelhante Quanto ao homem injusto não deve pensarse o contrário Forçosamente Logo do lado dos deuses seriam estas as recompen sas do justo Em meu entender sãono certamente E agora do lado dos homens Acaso não é assim se quisermos pôr as coisas como elas são Não fazem os ho mens hábeis e injustos como os corredores que correm bem do extremo inferior da liça para o superior mas não deste para aquele 39 A principio saltam com presteza mas ao che garem ao fim fazem uma figura ridícula quando de orelha e murcha 40 saem à pressa sem serem coroados ao passo que os verdadeiros corredores depois de atingirem o fim alcan çam os prémios e são coroados Não é assim que sucede a maior parte das vezes com os justos Chegam ao termo de cada uma das suas actividades das companhias e da vida com boa fama e levam os prémios por parte dos homens É exacto Consentes então que eu diga acerca deles o que tu disseste sobre os injustos 41 Direi pois que os justos quando d se tomam mais velhos atingem na sua cidade os postos que quiserem casam com quem quiserem e dão os filhos em casamento a quem quiserem E tudo quanto afirmaste acer ca dos homens injustos eu o direi agora dos justos E agora 39 A metáfora é tirada do õLauÀo uma das provas dos Jogos Olímpicos que consistia em percorrer o estádio nos dois sentidos 40 A expressão do original significa literalmente com as ore lhas em cima dos ombros 41 Supra n 362b 483 quanto aos homens injustos mantenho que a maior parte deles ainda que passem despercebidos em novos são apa nhados ao chegarem ao fim da carreira cobremse de ridí culo e quando envelhecem são insultados na sua miséria e por estrangeiros e conterrâneos são chicoteados e sofrem aqueles suplícios que classificaste de selvagens 42 e com ra zão depois são torturados e queimados com ferros em bra sa tudo isso tu imaginarás que me ouviste dizer também a mim como o sofrem Mas vê lá se aceitas o que eu digo Absolutamente pois são justas as tuas palavras 614a Serão assim os prémios recompensas e dádivas que o justo recebe em vida dos deuses e dos homens além da queles bens que a própria justiça lhe proporciona E são bens formosos e sólidos Ora esses nada são em número nem em grandeza em comparação com os que aguardam cada um deles depois da morte É isso que é preciso escutar para que cada um re ceba exactamente aquilo que por força da argumentação lhe é devido b Diz lá que não há coisa que eu oiça com mais agrado A verdade é que o que te vou narrar não é um conto de Alcínoo 43 mas de um homem valente 44 Er o Arménio 42 Supra 11 361e 43 Os contos narrados por Ulisses a Alcínoo rei dos Feaces nos Cantos 1x a xn da Odisseia são todos de carácter fantástico En tre eles figura uma descida ao Hades Canto x1 que reforça opa ralelismo com a história de Er A interpretação do mito que agora principia pode lerse no nosso trabalho Concepções Helénicas de Felici dade no Além de Homero a Platão Coimbra 1955 pp 8588 177179 200 44 O adjecrivo que traduzimos por valente ÓÀáµOU forma com o nome de Alcínoo um jogo de palavras que não foi possível manter em português 484 Panfílio de nascimento Tendo ele morrido em combate andavam a recolher ao fim de dez dias os mortos já putrefactos quando o retiraram incorrupto Levaramno para casa para lhe dar sepultura e quando ao décimo segundo dia estava jazente sobre a pira tornou à vida e narrou o que vira no além Contava ele que depois que saí ra do corpo a sua alma fizera caminho com muitas e ha viam chegado a um lugar divino no qual havia na terra e duas aberturas contíguas uma à outra e no céu lá em cima outras em frente a estas No espaço entre elas estavam sen tados juízes que depois de pronunciarem a sua sentença mandavam os justos avançar para o caminho à direita que subia para o céu depois de lhes terem atado à frente a nota do seu julgamento ao passo que aos injustos prescreviam que tomassem à esquerda e para baixo levando também atrás a nota de tudo quanto haviam feito Quando se aproxi mou disseramlhe que ele devia ser o mensageirojunto dos d homens das coisas do além e ordenaramlhe que ouvisse e observasse tudo o que havia naquele lugar Ora ele viu que ali por cada uma das aberturas do céu e da terra saíam as almas depois de terem sido submetidas ao julgamento ao passo que pelas restantes por uma subiam as almas que vi nham da terra cheias de lixo e de pó e por outra desciam as almas do céu em estado de pureza E as almas à medida e que chegavam pareciam vir de uma longa travessia e rego zijavamse por irem para o prado acampar como se fosse uma panegíria 45 as que se conheciam cumprimentavamse mutuamente e as que vinham da terra faziam perguntas às outras sobre o que se passava no além e as que vinham do 45 Nome genérico para os festivais religiosos dos Gregos A palavra significa etimologicamente reunião geral 485 615a céu sobre o que sucedia na terra Umas d ge11111 e churar recordavam quantos e quais sofrimentos haviam suportado e visto na sua viagem por baixo da terra viagem essa que durava mil anos ao passo que outras as que vinham do céu contavam as suas deliciosas experiências e visões de uma beleza indescritível Referir todos os pormenores seria ó Gláucon tarefa para muito tempo Mas o essencial dizia ele que era o que segue Fossem quais fossem as injustiças co metidas e as pessoas prejudicadas pagavam a pena de tudo isso sucessivamente dez vezes por cada uma quer dizer b uma vez em cada cem anos sendo esta a duração da vida humana a fim de pagarem decuplicandoa a pena do cri me por exemplo quem fosse culpado da morte de muita gente por ter traído Estados ou exércitos e os ter lançado na escravatura ou por ser responsável por qualquer outro ma leBcio por cada um desses crimes suportava padecimentos a decuplicar e inversamente se tivesse praticado boas acções e tivesse sido justo e piedoso recebia recompensas na mes c ma proporção Sobre os que morreram logo a seguir ao nascimento e os que viveram pouco tempo dava outras informações que não vale a pena lembrar Em relação à impiedade ou piedade para com os deuses e para com os pais e crimes de homicídio dizia que os salários eram ainda ma10res Contava ele com efeito que estivera junto de alguém a quem perguntaram onde estava Ardieu o Grande Este Ar dieu tinha sido tirano numa cidade da PanBlia havia já en d tão mil anos tinha assassinado o pai idoso e o irmão mais velho e perpetrado muitas outras impiedades segundo se dizia E o interpelado respondera Não vem nem poderá vir para aqui Na verdade um dos espectáculos terríveis que vimos foi o seguinte Depois de nos termos aproximado da 486 aberhm1 preparad0s para subir e qnando já tínham0s expia do todos os sofrimentos avistámos de repente Ardieu e ou tros que eram tiranos na sua quase totalidade mas também havia alguns que eram particulares que tinham cometido grandes crimes que quando julgavam que já iam subir a e abertura não os admitia mas soltava um mugido cada vez que algum desses assim incuráveis na sua maldade ou que não tinham expiado suficientemente a sua pena tentava a ascensão Estavam lá homens selvagens que pareciam de fogo e que ao ouvirem o estrondo agarravam alguns pelo meio e levavamnos mas a Ardieu e outros algemaram lhes as mãos pés e cabeça derrubaramnos e esfolaramnos 616a arrastaramnos pelo caminho fora cardandoos em espi nhos e declaravam a todos à medida que vinham por que os tratavam assim e que os levavam para os precipitar no Tártaro Então tinham tido terrores múltiplos e variados mas o maior de todos era o de cada um deles ouvir o mugi do quando ia a subir e foi com o maior gosto que cada um fez a ascensão ante o silêncio daquele Eram mais ou menos estas as penas e castigos e bem assim as vantagens que lhes b correspondiam Depois de cada um deles ter passado sete dias no prado tinham de se erguer dali e partir ao oitavo dia para chegar ao fim de mais quatro dias a um lugar de onde se avistava estendendose desde o alto através de todo o céu e terra uma luz direita como uma coluna muito se melhante ao arcoíris mas mais brilhante e mais pura Che garam lá depois de terem feito um dia de caminho e aí mesmo viram no meio da luz pendentes do céu as extre e midades das suas cadeias efectivamente essa luz é uma cadeia do céu que tal como as cordagens das trirremes 46 46 As trirremes eram seguras na sua parte inferior por cordas dispostas horizontalmente 487 segura o firmamento na sua revollliin dfq xtrernirlade pendia o fuso da Necessidade por cttja acção giravam as es feras A respectiva haste e gancho 47 eram de aço o contra peso de uma mistura desse produto e de outros Quanto à d natureza do coutrapou era como segue A sua configuração era semelhante à dos daqui mas quanto à sua constituição contava ele que devíamos imaginála da seguinte maneira era como se num grande contrapeso oco e completamente esvaziado estivesse outro semelhante maior que coubesse exactamente dentro dele como as caixas que se metem umas nas outras do mesmo modo um terceiro um quarto e mais quatro Com efeito eram oito ao todo os contrape sos encaixados uns nos outros que na parte superior ti e nham o rebordo visível com outros tantos círculos forman do um plano contínuo de um só fuso em volta da haste Esta atravessava pelo meio de lésalés o oitavo Ora o primeiro contrapeso o exterior era o que tinha o círculo de rebordo mais largo o segundo lugar cabia ao sexto o terceiro ao quarto o quarto ao oitavo o quinto ao sétimo o sexto ao quinto o sétimo ao terceiro o oitavo ao segundo O círculo do maior era cintilante o do sétimo era o mais brilhante o 617a do oitavo tinha a cor do sétimo que o iluminava o do se gundo e do quinto eram muito semelhantes entre si um pouco mais amarelados do que aqueles o terceiro era o que tinha a cor mais branca o quarto era avermelhado o sexto era o segundo em brancura 48 O fuso inteiro girava sobre si 47 Os fusos gregos constavam de uma haste vertical cuja ex tremidade superior terminava num gancho sob o qual passava a lã que depois se ia enrolar na referida haste na parte inferior desta ficava o contrapeso que facilitava a rotação enquanto se fiava 48 Seguindo a interpretação de Cornford o círculo exterior é o das estrelas fixas o sexto o de Vénus o quarto de Marte o oitavo 488 na mesma dirccão mas na rotação desse todo os set cír culos interiores andavam à volta suavemente em direcção oposta ao resto Dentre estes o que andava com maior velo cidade era o oitavo seguiamse ao mesmo tempo o sétimo b o sexto e o quinto o quarto parecialhes ficar cm terceiro lugar nesta revolução em sentido retrógrado o terceiro cm quarto e o segundo em quinto O fuso girava nos joelhos da Necessidade No cimo de cada um dos círculos andava uma Sereia que com ele gira va e que emitia um único som uma única nota musical e de todas elas que eram oito resultava um acorde de uma única escala 49 Mais três mulheres estavam sentadas em cír e culo a distâncias iguais cada uma em seu trono que eram as filhas da Necessidade as Parcas 50 vestidas de branco com grinaldas na cabeça Láquesis Cloto e Átropos as quais cantavam ao som da melodia das Sereias Láquesis o passa do Cloto o presente e Átropos o futuro Cloto tocando da Lua o sétimo do Sol o quinto de Mercúrio o terceiro de Jú piter o segundo de Saturno Quando se diz que o oitavo tinha a cor do sétimo que o iluminava estáse a explicar a origem do luar que aliás já fora compreendida por Xenófanes Parménides Empédocles e Anaxágoras Que o tenha sido anteriormente a estes por Anaxímenes é duvidoso cf G S Kirk andJ E Raven and M Schofield The Presocratic Philosophers Cambridge 21983 p 156 p 159 da trad port por C A Louro Fonseca Lisboa 1994 É a famosa harmonia das esferas Em grego as Moirai Nos Poemas Homéricos a Moira re presenta para cada um o seu destino fixo inamovível O número e nome destas divindades surge pela primeira vez em Hesíodo TeojZonia 218 905 A função de cada uma no texto está em relação com a etimologia do seu nome cf n 61 Sobre a origem e evo lução do conceito de Moira vejase o nosso artigo na Enciclopédia Verbo s v 489 com a mão direita no fuso ajudava a fazer girar o círculo exterior de tempos a tempos Átropos com a mão esquer da procedia do mesmo modo com os árculos interiores e d Láquesis tocava sucessivamente nuns e noutros com cada uma das mãos Ora eles assim que chegaram tiveram logo de ir junto de Láquesis Primeiro um profeta 51 dispôlos por ordem Seguidamente pegou em lotes e modelos de vidas que estavam no colo de Láquesis subiu a um estrado eleva do e disse Declaração da virgem Láquesis filha da Necessidade Almas efémeras vai começar outro período portador da e morte para a raça humana Não é um génio 52 que vos esco lherá mas vós que escolhereis o génio O primeiro a quem a sorte couber seja o primeiro a escolher uma vida a que fi cará ligado pela necessidade A virtude não tem senhor cada um a terá em maior ou menor grau conforme a hon rar ou a desonrar A responsabilidade é de quem escolhe O deus é isento de culpa Ditas estas palavras atirou com os lotes para todos e cada um apanhou o que caiu perto de si excepto Er a quem isso não foi permitido Ao apanhálo tornarase evidente 618a para cada um a ordem que lhe cabia para escolher Seguida mente dispôs no solo diante deles os modelos de vidas em número muito mais elevado do que o dos presentes Havia os de todas as espécies vidas de todos os animais e bem 51 A palavra grega donde a nossa deriva designa um intérpre te dos deuses Celebrado profeta das Piérides se intitula Píndaro no Péan VI 6 O mesmo poeta escreveu fr 150 SnellMaehler Dá o teu oráculo Musa que eu serei o teu profeta 52 No original está a palavra daimon que a partir de Hesíodo pode designar um ser intermédio entre deuses e homens 490 assim de todos os seres humanos Entre elas havia tiranias umas duradouras outras derrubadas a meio e que acaba vam na pobreza na fuga na mendicidade Havia também vidas de homens ílustres umas pela forma beleza força e vigor outras pela raça e virtudes dos antepassados depois b havia também as vidas obscuras e do mesmo modo sucedia com as mulheres Mas não continham as disposições do ca rácter por ser forçoso que este mude conforme a vida que escolhem Tudo o mais estava misturado entre si e com a riqueza e a indigência a doença e a saúde e bem assim o meio termo entre estes predicados É aí que está segundo parece meu caro Gláucon o grande perigo para o homem e por esse motivo se deve ter o máximo cuidado em que cada um de nós ponha de parte os outros estudos para in e vestigar e se aplicar a este a ver se é capaz de saber e desco brir quem lhe dará a possibilidade e a ciência de distinguir uma vida honesta da que é má e de escolher sempre em toda a parte tanto quanto possível a melhor Tendo em conta tudo quanto há pouco dissemos e o efeito que tem relativamente à virtude na vida o facto de juntar ou separar as qualidades saberá o mal ou o bem que produzirá a beleza misturada com a pobreza ou a riqueza e com que disposi d ção da alma e o resultado da mistura entre s do nascimen to elevado ou modesto da vida particular e das magistratu ras da força e da fraqueza da facilidade e da dificuldade em aprender e todas as qualidades naturalmente existentes na alma ou adquiridas De modo que em conclusão de tudo isto será capaz de reflectir em todos estes aspectos e distin guir tendo em conta a natureza da alma a vida pior e a me lhor chamando pior à que levaria a alma a tomarse mais e injusta e melhor à que a leva a ser mais justa A tudo o mais ela não atenderá Vimos efectivamente que quer em vida 491 quer pr lcrfi d rn0rtc é SS1 rnc1hCr d1s ClhJs 619a Deve pois manterse c5sa opinifo 1damantina até ir para o Hades a fim de lá também se permanecer inababvel à ri 1ueza e a outros males da mesma espécie e não se cair na tirama e outras activ1dades semelhantes originando males copiosos e sem remédio dos quais os maiores seria o pró prio que os sofreria mas devese saber sempre escolher o modelo intermédio dessas tais vidas evitando o excesso de ambos os lados quer nesta vida até onde for possível quer b cm todas as que vierem depois É assim que o homem al cança a maior felicidade Ora então anunciou o mensageiro do além o profeta falou deste modo Mesmo para quem vier em último lu gar se escolher com inteligência e viver honestamente es perao uma vida apetecível e não uma desgraçada Nem o primeiro deixe de escolher com prudência nem o último com coragem Ditas estas palavras contava Er aquele a quem coubera a primeira sorte logo se precipitou para escolher a tirania maior e por insensatez e cobiça arrebatoua sem ter exa minado capazmente todas as consequências antes lhe pas c sou despercebido que o destino que lá estava fixado com portava comer os próprios filhos e outras desgraças Mas depois que a observou com vagar batia no peito e lamenta va a sua escolha sem se ater às prescrições do profeta Efec tivamente não era a si mesmo que se acusava da desgraça mas à sorte e às divindades e a tudo mais do que a si mes mo Ora esse era um dos que vinham do céu e vivera na incarnação anterior num Estado bem governado a sua par ticipação na virtude deviase ao hábito não à filosofia Pode d se dizer que não eram menos numerosos os que vindos do céu se deixavam apanhar em tais situações devido à sua 492 f1lt1 de ttcÍl nc sofü11c1tcr e palsz qu y 1iiL vi11h1111 da terra 111 sua maioria como tinham sofrido pessoalmente e visto os outros sofrer não faziam a sua escolha à pressa Por tal motivo e também devido i sorte da escolha o que mais acontecia às almas era fazerem a permuta entre males e bens É que se cada vez que uma pessoa chega a esta vida filosofasse sadiamente e não lhe coubesse cm sorte esco e lhcr entre os últimos teria probabilidades segundo o que se conta das coisas do além não só de ser feliz aqui mas tam bém de fazer um percurso daqui para lá e novamente para aqui não pela aspereza da terra mas pela lisura do céu Era digno de se ver este espectáculo contava ele como cada uma das almas escolhia a sua vida Era realmente me 620a recedor de piedade mas também ridículo e surpreendente Com efeito a maior parte fazia a sua opção de acordo com os hábitos da vida anterior Dizia ele que vira a alma que outrora pertencera a Orfeu 53 escolher uma vida de cisne As mais antigas referências a Orfeu só falam da sua fama Íbico fr 25 Page ou da sua habilidade como músico que até os animais escutavam em silêncio Simónides frs 62 e 90 Page Uma métopa do Tesouro de Sícion cm Delfos representao na expe dição dos Argonautas o que Píndaro confirma na w Ode Pítica 176177 O mito segundo o qual descera ao Hades para trazer de lá sua mulher Eurídice já figura em Eurípides Alcestc 357362 aí consegue comover os deuses infernais e reaver a mulher com a condição de não olhar para ela no caminho o que Orfeu não faz perdendoa para sempre A partir daqui a história apresenta varian tes Segundo uma versão Orfeu aborrece todas as mulheres e elas vingamse dilacerandoo segundo outra deixa de prestar culto a Diónisos e as Ménades devotas desse deus dãolhe a mesma sorte No seu comentário a este texto Prodo escreveu que Orfeu teve de sofrer o mesmo destino que Diónisos por ser figura principal dos ritos desse deus Sobre a interpretação moderna da figura de 01feu vejase E R Dodds T1u Grccks and thc llTational 1951 p 147 493 por ódio à raça das mulheres porque devido a ter ofrido morte às mãos delas não queria nascer de uma mulher vira a de Tamiras 54 escolher uma vida de rouxinol vira também um cisne preferir uma vida humana e outros animais músi cos procederem do mesmo modo A alma a quem coubera b a vigésima vez escolheu a vida de um leão era a de Ájax Telamónio 55 que fugia de ser homem lembrada do julga mento das armas A seguir a esta era a de Agamémnon 56 Também ela por ódio à raça humana devido ao que pa decera quis mudar para uma vida de águia A alma de Ata lanta 57 a quem a sorte colocara no meio ao ver as gran des honrarias de um atleta não pôde passálas à frente e 54 Tamiras era um aedo trácio que por ter querido rivalizar com as Musas foi por elas privado da visão como se lê já na Ilíada II 594600 55 Ájax Telamónio rei de Salamina que muitos passos da Ilía da proclamam o melhor guerreiro aqueu depois de Aquiles apare ce a Ulisses no Hades mas não se aproxima dele porque ainda se lembra do ressentimento que teve por haverem sido adjudicadas ao rei de Ítaca e não a ele as armas do mais valente dos Aqueus Odisseia XI 543564 Esse Julgamento das armas e consequente suicídio de Ájax a que portanto a Odisseia já alude era um dos episódios de um dos poemas do chamado Ciclo Épico a Pequena Ilíada A história veio a ser aproveitada diversas vezes pelos trágicos mas só se conserva o Ájax de Sófocles 56 Agamémnon rei de Micenas e chefe supremo da expedição a Tróia foi assassinado no regresso por sua mulher Clitemnestra e por Egisto A história referida por diversas vezes na Odisseia tornou se famosa sobretudo através da tragédia de Ésquilo Agamémnom 57 Atalanta era caçadora e só aceitava por marido quem a ven cesse na corrida O que Milânion conseguiu atirandolhe para o caminho três maçãs de ouro dádiva de Afrodite que a jovem se demorou a apanhar 494 tonwua pif1 si Depoi Jela viu a aima de Epeio filho de e Panopeu entrar na natureza de uma mulher perita em tra balhos de artesanato E à distância entre as últimas avistou a alma do bufão Tersites 59 a enfiarse na forma de um maca co Depois a alma de Ulisses a quem a sorte reservara ser a última de todas avançou para escolher mas lembrada dos anteriores trabalhos quis descansar da ambição e andou em volta a procurar durante muito tempo a vida de um parti cular tranquilo descobriua a custo jazente em qualquer canto e desprezada pelos outros ao vêla declarou que faria d o mesmo se lhe tivesse cabido o primeiro lugar e pegoulhe alegremente 60 Os restantes animais procediam do mesmo modo passando para seres humanos ou uns para outros mudavam os que eram iajustos para animais selvagens os justos para domésticos e faziam toda a espécie de misturas Assim que todas as almas escolheram as suas vidas avançaram pela ordem da sorte que lhes coubera para jun to de Láquesis Esta mandava a cada uma o génio que prefe rira para guardar a sua vida e fazer cumprir o que escolhera e O génio conduziaa primeiro a Cloto punhaa por baixo da mão dela e do turbilhão do fuso a girar para ratificar o 58 Epeio foi o autor do cavalo de pau que permitiu aos Aqueus insinuaremse em Tróia para tomarem a cidade 59 Tersites é a única figura moral e fisicamente inferior da Ilíada Para criticar os reis dizia tudo o que fizesse rir os Aqueus o que fez com que Ulisses o castigasse com grande aplauso da as sembleia 11 212277 60 O desejo de uma velhice tranquila após tão grandes traba lhos é tema que já aparece mais do que uma vez na Odisseia e faz parte da profecia de Tirésias ao rei de Ítaca sobre o destino que o espera no seu país depois de ele apaziguar a cólera de Poséidon x1 134137 495 destino que depois da tiragem à sorte escolhera Depois de tocar no fuso conduziaa novamente à trama de Átropos que tomava irreversível o que fora fiado 61 Desse lugar sem 621a se poder voltar para trás dirigiase para o trono da Necessi dade passando para o outro lado Quando as restantes pas saram todas se encaminharam para a planura do Leres 62 através de um calor e uma sufocação terríveis De facto ela era despida de árvores e de plantas Quan do já entardecia acamparam junto do Rio Âmeles 63 cttja água nenhum vaso pode conservar Todas são forçadas a be ber uma certa quantidade dessa água mas aquelas a quem a reflexão não salvaguarda bebem mais do que a medida En b quanto se bebe esquecese tudo Depois que se foram deitar e deu a meianoite houve um trovão e um tremor de terra De repente as almas partiram dali cada uma para seu lado para o alto a fim de nascerem cintilando como estrelas Er porém foi impedido de beber Não sabia contudo por que caminho nem de que maneira alcançara o corpo mas er guendo os olhos de súbito viu de manhã cedo que jazia na pira Foi assim ó Gláucon que a história se salvou e não pe c receu E poderá salvarnos se lhe dermos crédito e fazer nos passar a salvo o rio do Letes e não poluir a alma Se acreditarem em mim crendo que a alma é imortal e capaz de suportar todos os males e todos os bens seguiremos sempre o caminho para o alto e praticaremos por todas 61 Conforme notou Adam há no original um jogo de palavras entre os nomes destas duas Parcas e os efeitos do seu trabalho 62 A palavra grega AiJ0TJ que mantemos por ser tradicional significa esquecimento 63 O nome do rio quer dizer sem cuidados 496 as formas a justiça com sabedoria a fim de sermos caros a nós mesmos e aos deuses enquanto permanecermos aqui e depois de termos ganho os prémios da justiça como os ven d cedores dos jogos que andam em volta a recolher as prendas da multidão tanto aqui como na viagem de mil anos que descrevemos havemos de ser felizes 497 ÍNDICE DE ASSUNTOS PRINCIPAIS Actores 3736 395ab 395de Adimanto passim Adrasteia 451a Afrodite 390c Agamémnon 383a 390e 392e 522d62üb Agláion 439e agnoia ignorância 477b478d Ájax Telamónio 468d 620ab Alánoo conto de 614b Além vide escatologia alma elemento da concupiscência 439d441c 580d581b elemento irascível 439d441c 58üd581b elemento racional 439d441c 580d581b imortalidade da 608d611 b Ameies rio do além 621a amizade 334e335a amoibaia 394b amor verdadeiro 403ad Anacársis da Cítia 600a anel de Giges 359d360b 612b animais de estimação 459a Apolo 383b 391a 394a 399e 408b427b Aqueus 390e 392e 393d 394a Aquiles 388ab 390e 391ac Arcádia 565d Ardieu o Grande 615c616b Ares 390c arete excelência 353c Argos 393e aristocracia vide constituição formas de Aríston 327a 368a Aristónimo 328b aritmética 522c526c Arquíloco frs 174 176 e 185 West 365c Asclepíades 460a 599c Asclépios 405d 406c 407 ce 408bc 599c Asclépios filhos de Macáon e Podalírio 405e 408b médi cos 405d vide Asclepíades astronomia 527d 528e530c Atalanta 620cd Atena 379e Atenas 327b 327c 330a mura lhas de 439e atimia privação dos direitos de cidadão 492d Balneário 49Se bárbaros e helenos 469b471c 494c544d beleza educação pela 401c402a 499 bem ideia do 505a509b 517b c 518cd 533a 534bd 540a Bendideias 327a 354a corrida de archotes a cavalo 328a pannychis 328a procissão 327a Bêndis deusa 327a Bias 335e Carmantidas de Paianieu 328b Carondas 599e casamento das orfãs 495c idade própria 460e461b limitações à união fora da época e ao número 460a 461be realização em cerimónia es tadual 459e 461b casamentos sagrados 458e castigos no Além 615a616b caverna alegoria da 514a518b 532bd Céfalo327b328b331d Céfalo avô de Céfalo 330b Cérbero 558c Ciclo Épico Kypria 379e Pequena ilíada 620b Cidade origens 369bd espe cialização de profissões 369d 371 e a vida simples da cida de primitiva 372ae a cidade luxuosa 372e374d cidade ideal os guardiões 374d 376c 395cd limites 423bc difícil mas possível 540d o seu modelo só existe no céu 592b vide educação Kallipolis Cila 588c Cítia 435e classes de cidadãos 564c565c Clitofonte 328b 340ab Cloto 617c 620e Comédia 394d os comediógra fos não cultivam a tragédia 395a os actores de comédia não representam tragédia 395ab comunidade de mulheres e filhos 423e424a 449e 450c 453d 457c461e 466c 502de 543a conhecimento teoria do vide teoria do conhecimento constituições políticas 338d 445cd 448de 449ab 544a545c formas de constituição e ho mens que lhes correspon dem democracia demo crata 555b562a monarquia 445d 580bc oligarquia oligarca 550c 555b timocracia timocrata 545c 550c tirania tirano 562a580a juízo de valor sobre as diversas constituições 580ac coragem 386a388d 395e 429a 430c vide virtudes honras prestadas à 466e 469b coreutas 373b 500 Corinto cortesãs de 404d coros 383c 475d crendices populares 337d Creofilo disópulo de Homero 600b Creso oráculo dado a 566c Creta Cretenses 452c 544c 575d Criseida 392e 393e Crises 392e 393b394b Cronos 378a cubo duplicação do 528b culinária 332cd 404d 455c Daimon 617de 620de daimonion de Sócrates 496c Dâmon 400bc 424c dança 412b Dédalo 529e Delfos oráculo de 427bc 461e 469a 540c demiurgo do céu construtor do mundo 530a deuses atributos em geral 379a c justiceiros 380b causa de bens 380c imutáveis 380d 381e alheios à mentira 382e383a crítica à concep ção homérica 388bd crítica aos mitos tradicionais 377d 386a sérios e avessos ao riso 388e389a recompensam os justos 613ab 614a dianoia pensamento 476d 511d 533de 534a dialéctica 454a 498a 511 bd 531e535a 539ad 501 diegesis narrativa 392d 393b394b 396e 397bd Diomedes 399e necessidade de 493d Dionísias Rurais 475d Dionísias Urbanas 475d doxa opinião 476d 477b 479e 511d 533d 534a 534c duplicação do cubo vide cubo duplicação do Educação dos guardiões 376d 383c 386a412b 423e424c tradicional boas maneiras 425b deve começarse pela educação antiga pela música e literatura e pela ginástica 376e 401d 403c 424b 430a 521e522a e não só por uma ou por outra 410c 412b devem rejeitarse os mitos tradicionais 377b392c deve ensinarse a coragem 386a388d e a temperança 389d391e a imitação das virtudes 394e398b do belo e do perfeito 401e402a deve observarse uma dieta moderada 403e404e currí culo de estudos deve com preender a aritmética 522c 526c geometria 526c527c astronomia 527d 528e530c estereometria 528be har monia 530e 531c para cul minar na dialéctica 531e535a Egípcios 436a eidolon imagem 534c eidos eide vide ideia eikasia suposição 511e 533e 534a encantamentos 364bc enigma do eunuco 479bc Epeio 620c episteme conhecimento ciên cia 477b479e 533de 534a 534c Er o Arménio vide mitos ergon vide função Erífila 589e Eros seus efeitos na alma 573b 575d 578a Escamandro 391 b escatologia crenças populares 330de 363d 386b387c crenças de Museu e outros 363cd do mito de Er o Arménio vide mitos órfica 365a escravatura 469bc não aceitável entre cidades gregas 469bc escultura pintura de estátuas 420cd esferas harmonia das vide har monia das esferas Esperqueio 391b Ésquilo383ab550c 563c Agamémnon 10224 408bc Sete contra Tebas 451 550c 570 550c 592 361b 362a 5934 362ab Frs Mette 273 vv 1516 380a 278b 391e 284 383ab 355 v 17 381d 396a 563c estereometria 528be Estesícoro 586c eugenia 459de 461c Eumolpo 363c Eurípides 568a Alceste 34 408bc Fenícias 5245 568b Troianas 1169 568b Frs Nauck2 250 568b 332 568b Eurípilo405e408a Eutidemo 328b excelência arete resulta do exer cício da sua função ergon 352d353c Fábulas vide mitos familiar direito 495c feitiçarias 364c felicidade ideal de vida do gre go normal 419a420a Fenícios 436a Fénix 390e festivais dramáticos 604e figuras de retórica vide retó rica figuras de filosofia adeptos corrompidos pelo ambiente 494b496a os verdadeiros adeptos 496a 497 a um conjunto de estu dos 498d antagonismo com a poesia 607bc 502 filósofo definição 376b 475b 480a 484b 485a487a 490a d 582ce acusações que lhe são feitas 487b489d filósoforei 473d474c 503b 543a preparação da sua acei tação 499d502b 535a536d educação e destino 536d540a Focílides 407ab formas ou ideias eide vide ideias função ergon 352d353c fuso da Necessidade vide Ne cessidade fuso da Genesis mutabilidade 534a génio vide daimon geometria 526c527c Gigantomaquis 378c Giges anel de 359d360b 6126 ginásios 377a 458d ginástica 376e 4046e 452ad vide educação Glauco marinho 61 lcd Gláucon passim gnome 476d vide conheci mento golfinho 453d governantes devem ser os que não estão empenhados em ter o comando 520d521b Grécia vide Hélade guardiões phylakes devem ocuparse da liberdade do Estado 395c sua escolha 412b414b 535a536d re gime de vida 416d417b 5436c a sua vida não é feliz comparada com os padrões habituais 419a420a os fi lhos inferiores que tenham devem passar às outras clas ses e os filhos superiores des tas últimas devem ascender à dos guardiões 423cd for mação a receber 504d506b vide etiam cidade ideal edu cação guerra direitos sobre o inimigo 469b 470b 471ab Hades 330d 363c 363d 366a 386b 392a 521c 534c 596c 619a elmo de 612b vide escato logia harmonia 530e531c das esferas 617b musical 398d399c Hefestos 379d 390c Heitor 391f Hélade Helenos 469b471c 494c606e Helena 586c Helesponto 404c Hera379d381d390c Heraclito Fr 6 Diels 4982 Heródico 406ac Heródoto 155 566c Hesíodo 363a 377d 378a 466c 468e 547a 600de 612b Teogonia 154181 377e378a 453506 378a 503 Trabalhos e Dias 40 466c 1223 469a 2322 363b 2789 364cd 285363d Fr 361 MerkelbachWest 390e Hidra de Lema 426e hierogamia ou casamento sa grado 458e homem espécies de 581ce vulgar 585e586b Homéricas 599e Homero 363a 364d 377d 378d 379cd 383a 387a 388ad 389e 393b 396e 404c 441bc 468cd 501b 516d 545d 595b 598d 599b 601a 605d 607d 612b corifeu da tragédia mestre é guia dos trágicos 595b 598d 606e 607a educador da Grécia 606e Ilíada 392e Canto 1 8 545e 1516 393a 1842 393d394b 131 501b 225 389e390a 586596 378d 599600389a Canto II 12 390bc 134 383a Canto III 8 389e Canto IV 69126 379e 218408a 504 412 399e 431389e Canto VII 3212 468d Canto VIII 162 468e Canto IX 497501 364de 515519 390e Canto XI 624 405e 8448 405e Canto XIV 153351 390c Canto XV 3904 405e Canto XVI 4334 388cd 776566c 8567 387d Canto XVII 588 411b Canto XVIII 234 388b 54 388bc Canto XIX 278281 399e Canto XX 174 378d 379e 6465 386d Canto XXI 1302 391b 212226 391 b 233382 391b 385513 378d Canto XXII 15 20 391a 60328e 1689 388c 414415 388b Canto XXIII 100101 387 a 103104 386d 140151 391b 175177 391b Canto XXIY 1011 388a 1418 391b 487328e 502 391a 5278 379d 529379d 531379d 5556 391a 59439la Odisseia Canto I 3512 424b Canto IV 4568 381d Canto VXII 393b Canto VIII 266366 390c Canto IXXII 612b Canto IX 810 390ab 82104 560c Canto X 495 386d Canto XI 489491 386c 516d Canto XII 342 390b Canto XIIIXXIV 393b Canto XV 246 328e 348328e Canto XVII 3834 399d 4856 381d Canto X1X 109113 363bc 1625 544d 3956 334b 547520c CantoXX1718390d441c Canto XXIII 212 328e Canto XXIY 6 387a Ideias ou formas eide idea 402 476ad 479a 486d 507b 510b Sllc 534c 596ab igualdade entre homens e mu lheres 453a Ilhas dos Bemaventurados 519c 540b Ílion 393b 552d imagens eikones 509e510b 510d511a imitação vide mimesis iniciação vide mistérios intervalos musicais vide música investigação científica deve ter um director e ser subsidiada pelo Estado 528bc ironia socrática 337a Isménias de Tebas 336a Ítaca 393b Itália 599e Jogos do taco 521c de dado604c do gamão 487bc Olúnpicos 465d 466a 613bc vencedores dos 621d juiz condições ideais para ser um bomjuiz 408e409e julgamento no Além 614cd Justiça definições correntes 331d 334b 335a 336d a conve niência do mais forte 338c sabedoria e virtude 351a o mais alto e o mais neces sário dos bens 540e objec ções o homem injusto é mais bem sucedido do que o justo 358e362c a justiça é um bem a injustiça um mal 362e367e justo recompensas do em vida 612d614a depois da morte 614a621d Kallipolis cidade perfeita 527a543a 505 Lacedemónia Lacedemónios 452c 544c 599d Láquesis 617ce 620de lei origens da 359a Leôncio filho de Agláion 439e Letes planura do 621a rio do 621c letras leitura 368d 402a6 Licurgo 599d Lídia 359d Lisânias pai de Céfalo 3306 Lísias 3286 literária teoria vide amoibaia diegesis logos metáfora mimesis mythologia poesia e literários géneros literários géneros ditiram6o 394c epopeia 394c tragédia e comédia 394c literatura incluída na música 376e órfica 364e verdadeira e falsa 376e 377a logos oposto poiesis 390a Lotófagos terra dos 560c Lua 364e Luz 507de luz e verdade 478c 508ad 521c vide etiam Sol Mandrágora usada como fár maco 488c maneiras boas 4256 Mársias 399e mátria dialectismo cretense por pátria 575d medicamentos 405e406a medicina terminologia 405cd evolução 406ac métodos te rapêuticos 406d 407d a vida enfermiça só serve para os ricos 406a407a limitações que devem imporse à sua prática 407 c4086 condições ideais para ser um bom mé dico 408de eugenia 459d e 461e devem tratarse só os doentes curáveis 409e410a doenças 5646e Mégara batalha de 368a Menelau 408a mentira 337de 382ae 3896d permitida apenas aos chefes da cidade em benefício desta 3896 nobre mentira 4146e metáforas 487e489a método de filosofar duvidar e investigar à medida que se fala 450e métrica 4006e Midas 4086 mimesis imitação 392d 393cd 3946 394e397d 595a 596a exemplo de pas sagem de mimesis a die gesis 393d394b está três pontos afastada da natureza 597e598d Mistérios de Elêusis 560d561a órficos 346e365a 366a6 506 mito da caverna vide caverna alegoria da de Er o Arménio 614b 621 b de Glauco marinho 612cd das origens do homem e das quatro raças mentira da Fenícia sublime mentira 414c415c 468e 547ac vide etiam Agamémnon Ajax Atalanta Epeio Orfeu Ta miras Tersites Ulisses mitos sua condenação na edu cação infantil 377a379a condenação dos mitos esca tológicos vide escatologia interpretação alegórica 378e criados pelos poetas 377d ra cionalização 408bc Moira vide Parcas Momo487a mulheres susceptíveis de terem mérito 387e devem ser honestas 399e seu papel na cidade ideal 451c devem desempenhar também as funções de guardiões 454e diferenças em relação aos homens 454d 455c têm as mesmas qualidades para to das as actividades apenas são mais débeis 455ae algumas são dotadas para a medicina a música a milícia a ginás tica a luta o saber 455e 456a educação a darlhes 452457c a mesma dos fi lósofos 540c aleitamento das crianças 460cd amas e preceptoras para cuidar das crianças 460d devem ter as mesmas actividades dos ho mens 466cd as que forem capazes podem ser filósofos reis 540c alusões despec tivas 469d 605e vivem a maior parte do tempo meti das em casa 579c vide etiam comunidade de mulheres e filhos mundo sensível e mundo in teligível 507b 508bc 509d 511e 517b524c 532ad Musa Musas 364e 411cd 545e 546de 548e 607a fala das Musas 546a547c da Filosofia 499d 548b Museu363c364e música 376e 377a educação pela música 376e 401d har monias 398d400e instru mentos musicais 399de 531b intervalos musicais 531ac música e ética 399a400e 424c alterar os géneros mu sicais abala a cidade 424c mythologia oposta a poiesis 394c mythologos oposto a poietes 398b Narrativa vide diegesis nau do Estado metáfora da 488a489a 507 Necessidade filhas da vide Parcas fuso da 616c617d 620e trono da 621a Nicérato 327c Nícias 327c Níobe 380a noesis entendimento 511d 534a nous inteligência 511d nudismo reacção perante o 452ae Omphalos de Delfos 427 c Orfeu 364e 620a opinião vide doxa ousia essência 534ab 534c Paixão efeitos da 474d475a Palamedes 522d palestras 452b Pândaro 379e 408a panegíria 614e Panfília 615c vide mito de Er o Arménio Panopeu620c Parcas 617ce vide Átropos Cloto Láquesis Pátroclo 391b Peleu 391c Pelópidas 380a Perdicas 336a Periandro 336a philodoxos amigo da opi nião 480a philologos amigo do racio dnio 582e 508 philomathes amigo da ciên cia 475c philosophos vide filósofo Píndaro Píticas III 5558 408bc Nemeias IV 6265 381d Frs Snell 209 4576 213 331a 214 331a pintura animais fantásticos 488a técnica 501ab 602d arte três pontos afastada da realidade 597e Pireu 327a 328c 439e Pirítoo 391c pistis fé 511e 533e 534a Pítaco 335e Pitágoras 6006 Pitagóricos 530d doutrinas so bre a harmonia 530e531d regime de vida 6006 Pítia 461e 540c planeamento populacional 460a plectro 5316 pobreza 422a poetas poesia falam enigma ticamente 3326 responsá veis pela invenção dos mitos 377d condenação dos seus mitos sobre os deuses 377d 386a 388b389a e sobre o além 386b387c das descri ções de homens sem coragem 387d388b e dos homens em geral 392ab na cidade ideal não se aceita o poeta que sabe tudo mas só o que imita o homem de bem 398ab dú vidas sobre a aceitação da tra gédia e da comédia 394d chamados a compor hinos para os esponsais 459e460a e em honra dos valentes 468d condenação da poesia 595a608b antagonismo en tre poesia e filosofia 607 cd Polemarco 327b 327c 328b 331d336a 336b 340a 340b c 449b 544b Polidamas atleta 338c Poséidon 399c povos características dos gosto de saber dos Gregos 435e irascibilidade dos Trá cios Círios e quase todos os setentrionais 435e amor das riquezas dos Fenícios e Egíp cios 436a Pramnos vinho de 405e Príamo 388b princípio da divisão natural do trabalho 369d371e 453be sua aplicabilidade às mulhe res 453bc seu oposto 551e 552a processos literários ligação en tre palavras harmonia e ritmo 398d vide diegesis metáfo ra tnimesis procriação limites da 460e Pródico de Ceos 600cd profeta 617d619c propriedade ausência de 419a 462b466c 509 prosa vide logos mythologia Protágoras de Abdera 600cd Proteu 381d provérbios 329a 341c 362d 414c 422e 424a 425c 435c 449c 450b 492e 497d 521c 528d 536d 563c 563d 564e569bc573d575c Quimera 588c Quíron 391c Rapsodo 373b recompensas no Além 615ac religião grega mitos inventados por Hesíodo Homero e ou tros poetas 377d superiori dade do santuário de Delfos 427bc retórica figuras de parodiadas 498e499a ridículo 452ce 454c 455cd 456d457b606c riqueza329e331b422a riso condenação do 388e 457b 606c Sabedoria vide virtudes Ser 477a479d Sereia 617bc Serifo 330a Sete Sábios da Grécia 335e Sicília 599e Simónides 335e Fr Page 137 331d332c 334b334e Siracusa culinária de 404d Sócrates passim ironia de 337a probreza de 338b sofismas 496a sofista sábio 596d So6stas492b493d600cden sino remunerado 337d 493a vide Pródico Protágoras Sófocles 329bd Frs Radt 14 568ab 150 381d 618 381d Sol fonte da luz e um deus 508a relação com a ideia do Bem 508c509d vide etiam Luz Sólon 599e Fr West 18 536d sonhos 571c572b sophrosyne vide temperança Tales de Mileto 600a Tarniras 620a Tártaro 616a Teages 496bc Teatro vide etiam comédia tragédia actores 395ab representam papéis femininos 395de e de escravos 395e os de tragédia não representam comédia 395ab vão por várias cidades exibindo a sua voz e recebem recom pensas e honrarias 568c coreutas 373b coro 383c empresários 373b festivais dramáticos 604e júris 580ab tecelagem 455c Térnis 379e Temístocles 329e330a temperança sophrosyne 389d 391 e teoria do conhecimento 475e 480a teoria das ideias vide caverna alegoria da ideias mundo sen sível e mundo inteligível terminologia filosófica dificul dades da 533de Tersites 620c Teseu 391c Tétis381d383b391c timocracia rimocrata vide constituição formas de Trácia Trácios 327a 435e tragédia 394b 394d 522d os poetas trágicos não cultivam a comédia 395a nem os ac tores de tragédia representam comédias 395ab sua alega da sabedoria especialmente de Eurípides 568a condena ção da tragédia 568b afasta se três pontos da realidade 597e o seu modelo é Home ro 595bc ou a epopeia em geral 602b transrnigração das almas 498d Trasúnaco de Calcedónia 328b 336b354c 357a 358ac 367a 510 368b 450a 450b 498cd 545b 590d Tróia 380a 393e 405e 408a 586c Ulisses 390ab 620cd universo estrutura do 616b617d Uranos 377e378a V ellúce 328e329e viagens ao estrangeiro 579c vida normal de um grego 419a 420a virtudes 536a virtudes cardiais 427e coragem 386a388d 395e 429a430c 511 justiça 376d385c 432b443c liberdade 395c pureza 395c sabedoria 428a429a temperança 389d391e 395c 430c432b Xerxes 336a Zeus 378a 378d 379de 383a 390bc 391c Liceio 565d Salvador e Olímpico 583b Índice INTRODUÇÃO A forma de diálogo narrado Figuras Data dramática Data real da composição a Relação cronológica com As Mulheres na Assembleia de Aristófanes b O prinápio do Timeu e A hipótese de uma primeira edição Estrutura da obra a O Livro I b Os Livros II III e IV e O Livro V d Os Livros VI e VII e Os Livros VIII e IX f O Livro X O tema principal Influência da obra na Antiguidade A tradução e anotações Nota à 5 edição BIBLIOGRAFIA AREPúBLICA Livro I Livro II Livro III Livro IV Livro V Livro VI Livro VII Livro VIII Livro IX Livro X Págs V VII XII XIV XVI XVI XVII XVIII XVIII XXI XXIV XXVI XXXIII XXXIV XLV XLIX LII LV LVII 1 53 101 161 209 265 315 361 409 449