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Filosofia ·

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SIR ISAAC NEWTON PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS O PESO E O EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ A MONADOLOGIA DISCURSO DE METAFÍSICA E OUTRAS OBRAS EDITOR VICTOR CIVTTA Títulos originais Textos de N ew ton Philosophiae Naturalis Principia Mathematica D e Gravitatione et Aequipondio Fluidorum T extos de L eibniz La M onadologie Discours de M etaphysique Nouveaux Essais sur L Entendement Humain D e Rerum Originatione Radicali Qui Sit Idea Recueil de Lettres entre Leibniz et Clarke l a edição janeiro 1974 Copyright desta edição 1974 Abril SA Cultural e Industrial São Paulo Direitos exclusivos sobre as traduções deste volum e 1974 Abril SA Cultural e Industrial São Paulo Sumário PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 7 O PESO E O EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 29 A MONADOLOGIA 61 DISCURSO DE METAFÍSICA 75 NOVOS ENSAIOS SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO 111 D A ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 391 O QUE É A IDÉIA 391 CORRESPONDÊNCIA COM C L A R K E 403 SIR ISAAC NEWTON PRINCÍPIOS m a tem á tico s DA FILOSOFIA NATURAL Tradução de Carlos Lopes de M attos e Pablo Rubén Mariconda Escólio geral Trechos selecionados Prefacio ao Leitor la edição Visto que os antigos como nos conta Pappus deram muitíssima impor tância à mecânica na investigação das coisas naturais e os modernos rejeitando as formas substanciais e as qualidades ocultas empenharamse por submeter os fenômenos da natureza às leis da matemática procurei desenvolver a esta no pre sente tratado enquanto ela se refere à filosofia Os antigos distinguiram uma dú plice mecânica a racional que procede cuidadosamente por demonstrações e a prática À mecânica prática pertencem todas as artes manuais das quais a mecâ nica tirou seu nome1 Como porém os artífices costumam operar com pouco rigor a mecânica toda se distingue da geometria pelo seguinte tudo o que é exato jeferese à geometria ao passo que o que não o é pertence à mecânica Entre tanto os erros não são da arte mas dos artífices Quem trabalha com menos rigor é um mecânico imperfeito e se alguém pudesse trabalhar com rigor perfeito seria o mais perfeito mecânico de todos Realmente o traçado das retas e dos cír culos sobre o qual se funda a geometria pertence à mecânica A geometria não nos ensina a riscar essas linhas mas postulaas dado que exige do aprendiz que primeiramente seja capaz de as traçar com exatidão antes de atingir o limiar da geometria em seguida ensina como por essas operações são resolvidos os pro blemas pois ao se traçarem retas e círculos constituemse problemas que não são geométricos Na mecânica postulase a sólução deles ao passo que na geometria se erisina seu emprego A glória da geometria é que desses poucos princípios oriundos de fora seja capaz de produzir tantas coisas Portanto a geometria baseiase na prática mecânica e nada mais é que aquela parte da mecânica uni versal que propõe e demonstra com rigor a arte de medir Mas enquanto as artes manuais versam principalmente sobre o movimento dos corpos acontece que vulgarmente se refira a geometria à grandeza mas a mecânica ao movimento Nesse sentido a mecânica racional será a ciência dos movimentos que resultam de quaisquer forças e das forças exigidas para produzir esses movimentos pro postas e demonstradas com exatidão Essa parte da mecânica fo i cultivada pelos antigos nas cinco potências relativas às artes manuais Eles consideraram a gravi dade que não é um poder manual apenas no mover os pesos por esses poderes Nós porém cuidando não das artes mas da filosofia e não das potências manuais mas das naturais tratamos sobretudo do que se refere à gravidade leve za força elástica resistência dos fluidos e forças semelhantes atrativas ouimpul 1 A palavra mecânica vem do grego mekhané que significa máquina 10 NEWTON sivas epor conseguinte apresento esta obra cómo os Princípios Matemáticos da Filosofia Com efeito a dificuldade precípua da filosofia parece consistir em que se investiguem a partir dos fenômenos dos movimentos as forças da natureza demonstandose a seguir por meio dessas forças os outros fenômenos A isso se destinam as proposições gerais do primeiro e segundo livros No terceiro porém dou um exemplo disso por meio da explicação do sistema mundano Aí de fato pelas proposições matematicamente demonstradas nos livros anteriores derivam se dos fenômenos celestes as forças de gravidade pelas quais os corpos tendem para o sol e os vários planetas Depois deduzo dessas forças por proposições também matemáticas o movimento dos planetas dos cometas da lua e do mar Oxalá pudéssemos também derivar os outros fenômenos da natureza dos princí pios mecânicos por meio do mesmo gênero de argumentos porque muitas razões me levam a suspeitar que todos esses fenômenos podem depender de certas forças pelas quais as partículas dos corpos por causas ainda desconhecidas ou se impe lem mutuamente juntandose segundo figuras regulares ou são repelidas e retro cedem umas em relação às outras Ignorando essas forças os filósofos tentaram era vão até agora ü pesquisa da natureza Espero no entanto que os princípios aqui estabelecidos tragam alguma luz sobre esse ponto ou sobre algum método melhor de filosofar Na publicação dessa obra o muito perspicaz e eruditíssimo senhor Èdmundo H alley ajudoume não só a corrigir os erros tipográficos e a preparar as figuras geométricas mas também foi quem me levou à edição do trabalho Com efeito quando obteve minhas demonstrações da figura das órbitas celestes insistiu co migo para que as comunicasse à Sociedade Reala qual depois graças a seus amáveis encorajamento e rogos levoume a pensar em publicálas Porém depois que comecei a considerar a desigualdade dos movimêntos lunares e algumas ou tras coisas a respeito das leis e medidas da gravidade ou ôutras forças e as figu ras que devem ser descritas pelos corpos atraídos conforme as ditas leis o movi mento de muitos corpos entre si o movimento dos corpos nos meios resistentes as forças densidades e movimentos dos meios as órbitas dos cometas e coisas semelhantes vendo tudo isso julguei dever adiar esta edição a fim de estudar tais pontos e publicar tudo junto coisas relativas aos movimentos lunares sendo imperfeitas foram colocadas nos corolários da Proposição LX V Ipara evitar de ser obrigado a propôlas e demonstrálas uma por uma com um método mais prolixo do que o merecia o assunto interrompendo a série das outras proposi ções Algumas coisas achadas mais tarde foram por mim introduzidas em luga res menos indicados de preferência a modificar o número das proposições e cita ções Peço de coração que as coisas que aqui deixo sejam lidas com indulgência e que meus defeitos num campo tão difícil não sejam tanto procurados com vis tas à censura como com a finalidade de serem remediados pelos novos esforços dos leitores IN Cambridge Trinity College 8 de maio de 1686 2a edição que traz um segundo prefácio Definições DEFINIÇÃO I A quantidade de matéria é a medida da mesma oriunda conjuntamente da sua densidade e grandeza O ar duplamente mais denso num duplo espaço é quádruplo O mesmo se diga da neve e do pó condensados por compressão ou liquefação Igual razão vale para todos os corpos que por qualquer causa são condensados diversamente Neste ponto não levo em consideração o meio se é que aqui existe algum que penetra livremente pelos interstícios entre as partes É essa quantidade que muitas vezes tomo a seguir sob o nome de corpo ou massa Conhecemola pelo peso de qualquer corpo pois esta é proporcional ao peso o que achei em experiências fei tas cuidadosamente sobre os pêndulos como se mostrará adiante DEFINIÇÃO II A quantidade do movimento é a medida do mesmo provinda conjuntamente da velocidade e da quantidade da matéria O movimento do todo é a soma dos movimentos de cada uma das partes e por conseguinte num corpo duplo em quantidade còm igual velocidade ele é duplo e com duas vezes a velocidade é quádruplo DEFINIÇÃO III A força inata ínsita da matéria é um poder de resistir pelo qual cada corpo enquanto depende dele persevera em seu estado seja de descanso seja de movimento uniforme em linha reta Essa força é sempre proporcional a seu corpo e não difere da inércia da massa senão no nosso modo de conceber É pela inércia da matéria que todo corpo dificilmente sai de seu estado de descanso ou de movimento Logo a força inata pode ser chamada pelo nome muito sugestivo de força de inércia2 Mas um corpo só exerce essa força quando da mutação de seu estado por outra força impressa em si e o exercício dessa força pode ser considerado sob o duplo aspec to de resistência e de ímpeto resistência enquanto para conservar o seu estado 2 Enquanto admite uma força de inércia como força inata Newton mostra que ainda não se libertara completamente das qualidades ocultas5 da física antiga 12 NEWTON o corpo se opõe à força impressa ímpeto enquanto o mesmo corpo dificilmente cedendo à força do obstáculo oposto esforçase por mudar o estado deste Atri buise usualmente a resistência aos corpos em repouso e o ímpeto aos que se movem mas o movimento e o descanso enquanto concebidos pelo vulgo apeiias se distinguem relativamente um do outro nem se acham sempre em repouso os corpos que o vulgo considera parado DEFINIÇÃO IV A ação impressa é uma ação exercida sobre um corpo para mudar seu esta do de repouso ou de movimento uniforme em linha reta Esta força consiste somente na ação nem permanece no corpo depois dela De fato um corpo persevera em todo novo estado apenas pela força da inércia Mas a força impressa é de diversas origens como de percussão de pressão e de força centrípeta d e f i n i ç ã o v A força centrípeta é aquela pela qual o corpo é atraído ou impelido ou sofre qualquer tendência a algum ponto como a um centro Assim é a gravidade pela qual o corpo tende ao centro da terra a força magnética pela qual o ferro tende ao centro do ípiã e aquela força seja qual for pela qual os planetas são continuamente afastados dos movimentos retilíneos obrigados a seguir linhas curvas3 A quantidade porém da força centrípeta é de três espécies absoluta aceleradora e motriz d e f i n i ç a o v i A absoluta quantidade da força centrípeta é a medida da mesma maior ou menor conforme a eficácia da causa que a propaga do centro pelos espaços em redor Assim é que a força magnética se torna maior numimã e menor em outro 4 d e f i n i ç ã o v i i A quantidade aceleradora de uma força centrípeta é a medida da mesma proporcional à velocidade que gera em determinado tempo Assim a força de um mesmo ímã é maior numa distância menor e menor numa distância maior Do mesmo modo a força da gravidade é maior nos vales 3 Na 2 edição o A alongase muito mais Fala da força centrípeta que segura a pedra na funda força sem a qual e sem a gravidade e a resistência do meio a pedra seguiria indefinidamente em linha reta Passa em seguida a referirse à lua que gira graças à gravidade ou outra força qualquer em redor da terra essa força não poderia ser diminuta demais porque então não conseguiria fazer a iua deviarse da reta nem forte de mais porque então a lua cairia sobre a terra Cabe aos matemáticos determinar a quantidade justa da força 4 Na 2a edição acrescentouse conforme seu tamanho e energia de intensidade PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 13 e menor nos cumes dos montes muito altos como consta da experiência dos pên dulos e ainda menor como depois se verá em distâncias maiores da terra sendo porém em tudo igual nas distâncias iguais visto que acelera igualmente todos os corpos que caem graves ou leves grandes ou pequenos tirandose a resistência do ar DEFINIÇÃO VIII A quantidade motriz da força centrípeta é a medida da mesma proporcional ao movimento que gera em determinado tempo Assim o peso é maior num corpo maior e menor num menor e no mesmo corpo é maior perto da terra e menor nos céus Essa força é o centripetismo ou propensão de todo o corpo para o centro ou por assim dizer seu peso conhecen dose sempre pela força que lhe é contrária e que é igual capaz de impedir a des cida do corpo Essas quantidades das forças podem chamarse por amor à brevidade for ças absolutas aceleradoras e motrizes 5 e por causa da distinção podem referir se aos corpos aos lugares dos corpos e ao centro das forças Isso significa que atribuo a força motriz ao corpo como um esforço conatus e uma propensão do todo para o centro surgindo das propensões de todas as partes atribuo a força aceleradora ao lugar do corpo como certa eficácia que parte do centro pelos diversos lugares em volta a fim de mover os corpos que neles se acham atribuo porém a força absoluta ao centro enquanto dotado de alguma causa sem a qual as forças motrizes não se propagam pelas regiões ao redor quer seja aquela causa algum corpo central como o magnete no centro da força magnética ou a terra no centro da força da gravidade ou alguma outra ignorada Tratase em todo caso de um conceito matemático Com efeito não me preocupam aqui as causas e os portadores físicos das forças Portanto a força aceleradora está para a motriz como a velocidade para o movimento pois a quantidade do movimento provém da velocidade multiplicada pela quantidade da matéria e a força motriz surge da força aceleradora multipli cada pela quantidade da mesma matéria De fato a soma das ações da força aceleradora sobre cada uma das partículas do corpo é a força motriz do todo Conseqüentemente junto à superfície da terra onde a gravidade aceleradora ou força da gravidade é a mesma em todos os corpos a gravidade motriz ou peso é como o corpo mas se subirmos às regiões onde a gravidade aceleradora se torna menor o peso também diminuirá e sempre será como o corpo multiplicado pela gravidade aceleradora Assim nas regiões onde a gravidade da aceleração é duplamente menor o peso do corpo dupla ou triplamente menor será quatro ou seis vezes menor De mais a mais denomino as atrações e os impulsos no mesmo sentido aceleradores e motrizes Uso porém indiferente e promiscuamente as palavras 5 Na edição seguinte o A porà essas forças na ordem que segue motrizes aceleradoras e absolutas 14 NEWTON atração impulso ou Propensão de qualquer espécie em direção ao centro considerando essas forças não fisicamente mas só matematicamente Por isso precavenhase o leitor de pensar que eu queira definir com essas palavras uma espécie ou modo de ação causa ou razão física atribuindo aos centros que são pontos matemáticos forças verdadeiras e físicas quando digo por acaso que os centros atraem ou falo de forças do centro ESCÓLIO Até aqui só me pareceu ter que explicar os termos menos conhecidos mos trando em que sentido devem ser tomados na continuação deste livro Deixei portanto de definir como conhecidíssimos de todos o tempo o espaço o lugar e o movimento Direi contudo apenas que o vulgo não concebe essas quanti dades senão pela relação com as coisas sensíveis É daí que nascem certos prejuí zos para cuja remoção convêm distinguir as mesmas entre absolutas e relativas verdadeiras e aparentes matemáticas e vulgares I O tempo absoluto 6 verdadeiro e matemático flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza sem relação com qualquer coisa externa chamandose com outro nome duração o tempo relativo aparente e vulgar é certa medida sensível e externa de duração por meio do movimento seja exata seja desigual a qual vulgarmente se usa em vez do tempo verdadeiro como são a hora o dia o mês o ano II O espaço absoluto por sua natureza sem nenhuma relação com algo externo permanece sempre semelhante e imóvel o relativo é certa medida ou dimensão móvel desse espaço a qual nossos sentidos definem por sua situação relativamente aos corpos e que a plebe emprega em vez do espaço imóvel como é a dimensão do espaço subterrâneo aéreo ou celeste definida por sua situação relativamente à terra Na figura e na grandeza o tempo absoluto e o relativo são a mesma coisa mas não permanecem sempre numericamente o mesmo Assim p ex se a terra se move um espaço do nosso ar que permanece sempre o mesmo relativamente e com respeito à terra ora será uma parte do espaço absoluto no quaí passa o ar ora Outra parte e nesse sentido mudarseá sempre absolutamente III O lugar é uma parte do espaçò que um corpo ocupa e com relação ao espaço é absoluto ou relativo Digo uma parte do espaço e não a situação do corpo ou a superfície ambiente Com efeito os lugares dos sólidos iguais são sem pre iguais mas as superfícies são quase sempre desiguais por causa da desseme lhança das figuras as situações porém não têm propriamente falando quanti dade sendo antes afecções dos lugares que os próprios lugares O movimento do todo é o mesmo que a soma dos movimentos das partes ou seja a translação do todo que sai de seu lugar é a mesma que a soma da translação das partes que 6 Para Newton o tempo e o espaço seriam absolutos Discutese muito porém qual o verdadeiro sentdo dessa expressão PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 15 saem de seus lugar es e por isso o lugar do todo é o mesmo que a soma dos luga res das partes sendo por conseguinte interno e achandose no corpo todo IV O movimento absoluto é a translação de um corpo e úm lugar absoluto para outro absoluto ao passo que o relativo é a translação de um lugar relativo para outro relativo Desse modo num navio a vela o lugar relativo de um corpo é aquela parte do navio em que ele se acha ou aquela parte da cavidade que o corpo ocupa e que se move junto com o navio e o descanso relativo é a perma nência do corpo naquela mesma parte do navio ou de sua cavidade O descanso verdadeiro porém é a permanência do corpo na mesma parte daquele espaço imóvel em que o próprio navio se move juntamente com sua cavidade e todo o seu conteúdo Logo se a terra está realmente parada o corpo que está em repou so relativo no navio ifroverseá verdadeira e absolutamente na velocidade com que o navio sè move na terra Mas se a terra também se move o verdadeiro e absoluto movimente do corpo surgirá em parte do verdadeiro movimento da terra no espaço imóvel em parte do movimento relativo do navio na terra e se o corpo também se mover relativamente no navio surgirá seu verdadeiro movimento em parte do verdadeiro movimento da terra no espaço imóvel em parte dos movi mentos relativos tanto do navio na terra como do corpo no navio e desses movi mentos relativos nascerá o movimento relativo do corpo na terra Assim é que se aquela parte da terra onde está o navio se move verdadeiramente para o Oriente com a velocidade 10 010 das partes e o navio se dirige graças às velas e ao vento para o Ocidente com a velocidade de 10 partes mas se o navegante andar no navio para o Oriente com 1 parte da velocidade moverseá verdadeira e abso lutamente no espaço imóvel para o Oriente com10 001 partes da velocidade e relativamente na terra para o Ocidente com nove partes da velocidade O tempo absoluto distinguese do relativo na astronomia pela equação do tempo vulgar De fato os dias naturais que vulgarmente se consideram iguais para medida do tempo 7 são desiguais Essa desigualdade é corrigida pelos astrô nomos para medirem os movimentos celestes por meio de um tempo mais verda deiro Pode muito bem ser que não haja movimento algum que seja igual para medir o tempo com exatidão Todos os movimentos podem acelerarse e retar darse mas o fluxo do tempo absoluto não se pode mudar A duração ou perseve rança da existência das coisas é a mesma quer os movimentos sejam rápidos quer Jentos ou até nulos portanto ela a duração se distingue devidamente das suas medidas sensíveis e das mesmas se deduz por meio de uma equação astronó mica A necessidade porém dessa equação para determinar os fenômenos impõese tanto pela experiência do relógio oscilatório pendular como também pelos eclipses dos satélites de Júpiter Assim como a ordem das partes do tempo é imutável também o é a ordem das partes do espaço Na hipótese de se moverem de seus lugares essas partes também se moveriam de si mesmas como diríamos pois os tempos e os espaços são como que os lugares de si mesmos e de todas as coisas Estas localizamse no 7 Alusão a Aristóteles que definia o tempo como numeração do movimento segundo o antes e o depois 16 NEWTON tempo quanto à ordem da sucessão e no espaço quanto à ordem da situação Da essência deles é serem lugares e é absurdo que os lugares primários se movam Eis portanto os lugares absolutos e só as translações desses lugares são movi mentos absolutos Contudo como essas partes do espaço não podem ser vistas e distinguidas umas das outras por nossos sentidos usamos em lugar delas medidas sensíveis Com efeito definimos todos os lugares pelas posições e distâncias das coisas em relação a um determinado corpo que consideramos como imóvel a se guir também calculamos todos os movimentos relativamente a esses lugares enquanto concebemos os corpos como transferidos destes É assim que emprega mos em vez dos lugares e movimentos absolutos os relativos sem nenhum incon veniente na vida comum na filosofia entretanto devemos fazer abstração dos sentidos Pode na realidade acontecer que nenhum corpo ao qual os lugares e movimentos se refiram esteja de fato parado Distinguemse porém um do outro o descanso e o movimento tanto os absolutos como os relativos por suas propriedades causas e efeitos Uma propriedade do descanso é que os corpos verdadeiramente em repouso estejam parados em relação um ao outro Por isso como ê possível que algum corpo nas regiões das estrelas fixas ou talvez mais longe ainda esteja em repouso absoluto não se podendo saber pela situação dos corpos um em relação aos outros nas nossas regiões se algum deles guarda a mesma posição relativamente àquele corpo longínquo não se pode definir o verdadeiro repouso pela situação dos cor pos entre si Uma propriedade do movimento é que as partes que guardam as posições dadas em relação a seus todos participam dos movimentos desses todos Com efeito todas as partes dos corpos que giram esforçamse por se afastar do eixo do movimento e o ímpeto dos que seguem adiante provém do ímpeto coligadodas partes singulares Logo movidos os corpos ambientes as coisas que em redor estão relativamente em repouso se moverão E por isso o movimento verdadeiro e absoluto não pode ser definido pela translação a partir dos corpos vizinhos que são vistos como parados Os corpos extensos não devem ser vistos apenas como parados mas precisam parar verdadeiramente Caso contrário todos os corpos incluídos fora da translação a partir dos corpos ambientes vizinhos participarão também dos verdadeiros movimentos deles e sem essa translação não estarão verdadeiramente parados mas só serão vistos como parados os corpos ambien tes de fato referemse aos corpos incluídos como a parte exterior do todo em relação à interior ou como a casca em relação ao cerne pois que movida a casca o cerne também como parte do todo se moverá sem a translação da casca vizinha Uma propriedade vizinha da anterior é que movendose o lugar juntamente se move o conteúdo e por isso um corpo que se move de um lugar em movi mento participa também do movimento do seu lugar Por conseguinte todos os movimentos oriundos dos lugares em movimento são somente partes dos movi mentos integrais e absolutos e todo movimento integral compõese do movi mento do corpo a partir de seu primeiro lugar e do movimento deste lugar para PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 17 fora de seu lugar e assim por diante até chegar ao lugar imóvel como no citado exemplo do navegante Logo movimentos integrais e absolutos não podem defi nirse senão pelos lugares imóveis e por isso acima os referi a esses lugares mas referi os movimentos relativos aos lugares móveis Ora lugares imóveis não são senão aqueles que por toda infinidade conservam as posições mútuas pelo que sempre permanecem imóveis constituindo o espaço que chamo imóvel As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e os relativos se distin guem entre si são causas impressas nos corpos para gerar o movimento O movi mento verdadeiro não é gerado nem se muda senão por forças impressas no pró prio corpo movido mas o movimento relativo pode ser gerado e mudarse sem forças impressas nesse corpo Basta com efeito que se imprimam apenas em ou tros corpos com os quais se faz a relação de modo que faltando eles mudase aquela relação em que consiste o repouso ou movimento relativo de determinado corpo Da mesma forma o movimento verdadeiro sempre sofre alguma mutação pelas forças impressas no corpo movido mas o movimento relativo não é muda do necessariamente por essas forças De fato se as mesmas forças se imprimirem também em outros corpos com que se estabelece relação de modo a conservar a situação relativa estará igualmente conservada a relação em que consiste o movi mento relativo Pode pois mudarse todo o movimento relativo conservandose o verdadeiro e ser conservado mudandose o verdadeiro logo o movimento ver dadeiro não consiste de maneira alguma em tais relações Os efeitos pelos quais se distinguem uns dos outros os movimentos absolu tos e os relativos são as forças de se afastar do eixo do movimento circular De fato no movimento circular simplesmente relativo não há tais forças no verda deiro porém e absoluto existem em maior ou menor grau conforme a quanti dade do movimento Penduremos p ex um vaso por meio de uma corda muito comprida e viremolo muitas vezes até ficar a corda endurecida pelas voltas enchamolo então de água e larguemolo subitamente ocorrerá aí certo movi mento contrário descrevendo um círculo e relaxandose a corda o vaso conti nuará por mais tempo nesse movimento A superfície da água dentro do vaso será plana no começo como antes do movimento do vaso mas depois imprimin dose aos poucos a força da água esta começará sensivelmente a mexerse afas tandose aos poucos do centro e subindo aos lados de modo a formar uma figura côncava como eu mesmo experimentei e na medida em que o movimento aumentar a água subirá sempre mais até que por último igualandose no tempo sua revolução com a do vaso descansará relativamente nele Esta subida indica o esforço por afastarse do eixo do movimento e por esse esforço se torna conhe cido e se mede o verdadeiro e absoluto movimento circular da água aqui inteira mente contrário ao movimento relativo No início quando era sumo o movi mento relativo da água nao produzia nenhum esforço por se afastar do eixo a água não tendia à circunferência subindo aos lados do vaso mas permanecia plana e por conseguinte seu verdadeiro movimento circular ainda não tinha começado Depois porém que o movimento relativo da água diminuiu sua subi da para os lados do vaso indicava o esforço por afastarse do eixo e esse esforço 18 NEWTON mostrava seu verdadeiro movimento circular continuamente crescendo até atingir seu máximo quando a água passou a descansar relativamente no vaso Pontanto aquele esforço nao depende da translação da água com relação aos corpos ambientes logo o verdadeiro movimento circular não pode ser definido poressas translações Só há um verdadeiro movimento circular de qualquer corpo que gira correspondendo ao único esfoço como seu efeito próprio e adequado ao passo que os movimentos relativos consoante as várias relações com os corpos exter nos 8 são inúmeros e como as relações são completamente destituídos de efei tos verdadeiros a nao ser enquanto participam daquele verdadeiro e único movi mento Seguese que no sistema daqueles conforme os quais nosso céu gira abaixo do céu das estrelas fixas carregando consigo os planetas 9 estes e todas as par tes do céu que relativamente descansam em seu céu próximo na verdade se movem De fato mudam suas posições mas em relação às outras o que não se dá com os corpos em repouso verdadeiro e carregados por seu céu participam de seu movimento e como partes dos todos que giram esfoçamse por afastarse de seus eixos Logo as quantidades relativas não são as próprias quantidades cujos nomes ostentam mas sim as medidas sensíveis delas verdadeiras ou erradas usadas vulgarmente em lugar das qualidades em si Se portanto se deve definir pelo uso o sentido das palavras pelos termos tempo espaço lugar e movimento hão de entenderse propriamente essas medidas e será inusitado e puramente matemático subentenderemse as quantidades medidas Por conseguinte forçam a Sagrada Escritura os que interpretam essas palavras como sendo das quanti dades em si 1 0 Nem menos maculam a matemática e a filosofia os que confun dem as verdadeiras quantidades com suas relações e medidas vulgares É dificílimo porém conhecer os verdadeiros movimentos de cada um dos corpos distinguindose efetivamente dos aparentes dado que as partes do espaço imóvel em que os corpos se movem de verdade não caem sob os sentidos A causa entretanto não está de todo perdida porque há argumentos que suprem esse defeito em parte provindos dos movimentos aparentes os quais constituem diferenças dos movimentos verdadeiros em parte oriundos das forças que são causas e efeitos desses movimentos Se p ex dois globos com determinada dis tância entre si e ligados por um cordão forem movimentados ao redor do centro comum de gravidade conhecerseá pela tensão do fio o esforço dos globos por afastarse do eixo do movimento e daí poderemos calcular a quantidade do movimento circular Em seguida se forem impressas ao mesmo tempo em ambas as faces dos globos quaisquer forças iguais a fim de aumentar ou diminuir o movimento circular poderemos inferir pela tensão aumentada ou diminuída do 8 As relações segundo Aristóteles seguindo neste ponto por Newton têm apenas um ser para variando conforme os termos a que se destinam e sendo destituídas de efeitos verdadeiros como se dirá logo após 9 Sistema dos que admitam que o mundo é formado por esfera ou céus com as quais giram os planetas na esfera inferior e as estrelas fixas na superior 10 Deixouse na edição seguinte esta referência à Sagrada Escritura para dizerse que os que assim pensam vão contra a exatidão da linguagem PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 19 cordão o aumento ou diminuição do movimento e daí se poderiam encontrar afi nal as faces dos globos em que se devessem imprimir as forças para que o movi mento atingisse o máximo i e as faces posteriores ou aquelas que vêm depois no movimento circular Ora conhecidas as faces que se seguem e as faces opos tas as que precedem conhecerseia a determinação do movimento Dessa manei ra poderseia chegar tanto à quantidade quanto à determinação deste movi mento circular num vácuo imenso onde não houvesse nada de externo e sensível com que os globos pudessem ser comparados Mas se se estabelecessem nesse es paço alguns corpos remotos que guardassem certa posição entre si como são as estrelas fixas nas nossas regiões não se poderia de fato saber pela translação relativa dos globos entre os corpos se o movimento deveria ser atribuído a estes ou àqueles Se porem se prestasse atenção ao fio e se se verificasse que sua ten são é aquela que o movimento dos globos exige poderíamos concluir que o movi mento é dos globos e chegar afinal pela translação dos globos entre os corpos à determinação desse movimento Mas inferir os movimentos verdadeiros de suas causas de seus efeitos e de suas diferenças aparentes ou inversamente deduzir dos movimentos quer verdadeiros quer aparentes suas causas e efeitos é o que se ensinará com mais particularidades nas páginas seguintes É para esse fim que compus este trabalho Axiomas ou leis do movimento l e i i Todo corpo permanece em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças impressas nele Os projéteis permanecem em seus movimentos enquanto não forem retarda dos pela resistência do ar e impelidos para baixo pela força da gravidade Üma roda de brinquedo cujas partes por sua coesão desviam continuamente dos movimentos retilíneos não cessa de rodar senão enquanto é retardada pelo ar Mas os corpos maiores que são os planetas e os cometas conservam por mais tempo seus movimentos tanto os progressivos como os circulares por causa da menor resistência dos espaços LEI II A mudança do movimento é proporcional à força motriz impressa e se faz segundo a linha reta pela qual se imprime essa força Se toda força produz algum movimento uma força dupla produzirá um movimento duplo e uma tripla um triplo quer essa força se imprima conjunta mente e de uma vez só quer seja impressa gradual e sucessivamente E esse movi mento por sér sempre orientado para a mesma direção que a força geratriz se o corpo se movia antes ou se acrescenta a seu movimento caso concorde com ele ou se subtrai dele caso lhe seja contrário ou sendo oblíquo ajuntaselhe obli quamente compondose com ele segundo a determinação de ambos LEI III A uma ação sempre se opõe uma reação igual ou seja as ações de dois cor pos um sobre o outro sempre são iguais e se dirigem a partes contrárias Tudo quanto impele ou atrai o outro é do mesmo modo impelido ou atraído por ele Se alguém aperta com o dedo uma pedra seu dedo será apertado pela pedra Se o cavalo puxa uma pedra amarrada numa corda o cavalo também será igualmente puxado pela pedra pois a corda esticada dos dois lados tanto levará pelo esforço a relaxarse o cavalo para a pedra como esta para o cavalo e tanto impedirá o progresso de um quanto promover o do outro Se um corpo batendo PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 21 num outro mudar por sua força de qualquer modo o movimento dele também mudará sofrendo por sua vez por força do outro a mesma mudança em seu movimento num sentido oposto ao do outro devido à igualdade da pressão mútua Por essas ações tomamse iguais não as mudanças dle velocidades mas as dos movimentos a saber nos corpos não impedidos de outro modo Com efei to porque os movimentos mudam igualmente as mudanças das velocidades fei tas da mesma forma em direções opostas são reciprocamente proporcionais aos corpos L iv r o III Do sistema do mundo Nos livros precedentes tratei dos princípios da filosofia mas não dos filosó ficos e sim apenas dos matemáticos i e daqueles sobre os quais se pode discutir nos assuntos filosóficos Tais são as leis e condições dos movimentos e das for ças coisas que dizem bem respeito à filosofia Entretanto para que não pareces sem áridas ilustreias com alguns escólios filosóficos e versei sobre generali dades em que parece fundarse principalmente a filosofik como sejam a densidade e resistência dos corpos os espaços vazios de ccjrpos bem como o movimento da luz e dos sons Resta deduzir desses princípios a constituição do sistema do mundo Sobre esse ponto eu compusera num método popular o livro terceiro para ser lido por mais pessoas Mas aqueles que não compreenderem de modo algum a dquiridos já muito suficientemente os princípios estabelecidos não perceberão força das conseqüências nem se desfarão dos preconceitos 2 antes Por isso a fim de não dar azo a discussões resumi aquele livro em proposi ções de forma matemática para serem lidas só por aqueles que tiverem antes estudado os princípios Entretanto como aí ocorrem muitíssimas proposições que poderão causar demasiada dificuldade aos leitores até aosj mais versados na matemática não pretendo que se percorram todas basta que se leiam atenta mente as definições as leis dos movimentos e as três primeira passandose então a este livro sobre o Sistema do Mundo bem às restantes proposições aqui citadas dos livros anteriores s seções do livro I como se se quiser Hipóteses HIPÓTESE I Não se hão de admitir mais causas das coisas naturais do que as que sejam verdadeiras e ao mesmo tempo bastem para explicar os fenômenos de tudo11 A natureza com efeito é simples e não se serve do luxo de causas supérfluas das coisas 12 HIPÓTESE II Logo os efeitos naturais da mesma espécie têm as mesmas causas Assim as causas da respiração no homem e no animal da descida das pe dras na Europa e na América da luz no fogo de cozinha e no sol da reflexão da luz na terra e nos planetas HIPÓTESE III Todo corpo pode transformarse num corpo de qualquer outra espécie e adquirir sucessivamente todos os graus intermediários das qualidades1 3 HIPÓTESE IV O centro do sistema do mundo está em repouso1 4 11 Reaparece aqui o princípio de parcimônia que já encontramos no século XIV em Ockham também denominado princípio de Ockham 12 Na 2 edição a explicação começa com as palavras Quanto a isso os filósofos dizem que a natureza não faz nada em vão e o que é mais é em vão quando basta o menos 13 Newton parece adotar aqui a idéia dos alquimistas A física moderna porém darlheia razão A terceira hipótese na edição seguinte reza As qualidades corporais que não admitem intensificação nem remissão de graus e que se verificam dentro da nossa experiência como pertencentes a todos os corpos devem ser julgadas qualidades universais de todos e quaisquer corpos Seguese uma longa explicação que termina se referindo à gravitação universal e à vis insita ou inércia 14 A 2 edição tràz Na filosofia experimental devemos considerar as proposições inferidas dos fenôme nos por uma indução geral como exatas ou ao menos como aproximadamente verdadeiras não obstante qualquer hipótese contrária que se possa imaginar até o momento em que outros fenômenos ocorram que as façam mais exatas ou sujeitas a exceções E à guisa de explicação Esta regra deve ser seguida para que o argumento da indução não se perca em hipóteses Notese que a l a edição prossegue nas hipóteses mas todas com relação aos planetas sem interesse filosófico Escólio Geral A hipótese dos vórtices se defronta com muitas dificuldades A fim de que tódo planeta possa descrever por um raio traçado com relajção ao sol áreas proporcionais aos tempos de descrição os tempos periódicos I das várias partes sol mas a fim de do poder de suas îvem ser como os dos vórtices devem observar o quadrado de suas distâncias do que os tempos periódicos dos planetas possam obter os 32 distâncias do sol os tempos periódicos das partes do vórtice d 32 do poder de suas distâncias Para que os vórtices menores possam manter suas revoluções menores ao redor de Saturno Júpiter e outros planetas e deslizar suavemente e imperturbáveis no maior vórtice do sol os tempos periódicos das partes do vórtice do sol devem ser iguais mas a rotação do sol je dos planetas em torno de seus eixos que deve corresponder aos movimentos de iseus vórtices está muito aquém de todas essas proporções Os movimentos dos cjométas são extre mamente regulares são governados pelas mesmas leis que os movimentos dos planetas e não podem de forma alguma servir deexplicação para as hipóteses dos vórtices pois os cometas são conduzidos por movimentos baètante excêntricos através de todas as partes dos céus indiferentemente com uma liberdade que é incompatível com a noção de um vórtice Corpos lançados em nosso ar não sofrem nenhuma resistência além da do ar Retirese o ar como é feito no vácuo dò Sr Boyle e a resistência cessa pois nesse vazio uma pena e um pedaço de ouro sólido descem comj velocidade igual E o mesmo argumento devese aplicar aos espaços celestiais acima da atmosfera da terra nesses espaços onde não existe ar para resistir a seus movimentos todos os corpos se moverão com o máximo de liberdade e os planetajs e cometas pros seguirão constantemente suas revoluções em órbitas dadas em espécie e posição de acordo com as leis acima explicadas mas apesar de tais corpos poderem com efeito continuar em suas órbitas pela simples lei da gravidade todavia eles não podem de modo algum ter em princípio derivado dessa lei a posição regular das próprias órbitas Os seis planetas primários são revolucionados em torno d sol em círculos concêntricos ao sol com movimentos dirigidos em direção às quase no mesmo plano Dez luas são revolucionadas em torno Saturno em círculos concêntricos a eles com a mesma direçãò de movimento e quase nos planos das órbitas desses planetas mas não se deve conceber que sim ples causas mecânicas poderiam dar origem a tantos movimentos regulares desde que os cometas erram por todas as partes dos céus em órbitas ibastante excêntri mesmas partes e da terra Júpiter e 26 NEWTON cas pois por essa espécie de movimento eles passam facilmente pelas órbitas dos planetas e com grande rapidez e em seus apogeus onde eles se movem com o mí nimo de velocidade e são detidos o májcimo de tempo eles recuam às distâncias máximas entre si e sofrem portanto a perturbação mínima de suas atrações mú tuas Este magnífico sistema do sol planetas e cometas poderia somente proceder do conselho e domínio de um Ser inteligente e poderoso È sé as estrelas fixas são os centros de outros sistemas similares estes sendo formados pelo mesmo conse lho sábio devem estar todos sujeitos ao domínio de Alguém especialmente visto que a luz das estfêias fixas é da mesma natureza que a luz do sol e que a luz passa de cada sistema pãía todos os outros sistemas e para que os sistemas das estrelas fixas não caiam devido a sua gravidade uns sobre os outros ele colocou esses sistemas a imensas distâncias entre si Esse Ser governa todas as coisas não como a alma do mundo mas como Senhor de tudo e por causa de seu domínio costumase chamálo Senhor Deus Pantokrátor ou Soberano Universal pois Deus é uma palavra relativa e tem uma referência a servidores e Deidade é o domínio de Deus não sobre seu próprio corpo como imaginam aqueles que supõem Deus ser a alma do mundo mas sobre os serventes O Deus Supremo é um Ser eterno infinito absolutamente per feito mas um ser mesmo que perfeito sem domínio não pode dizerse ser Senhor Deus pois dizemos meu Deus seu Deus o Deus de Israel o Deus dos Deuses e Senhor dos Senhores mas não dizemos meu Eterno seu Eterno o Eterno de Israel o Eterno dós Deuses não dizemos meu Infinito ou meu Perfeito estes são títulos que não têm referência aos servidores A palavra Deus1 5 comumente sig nifica Senhor mas nem todo senhor é um Deus É o domínio de um ser espiritual que constitui um Deus um domínio verdadeiro supremo ou imaginário E de seu domínio verdadeiro seguese que o Deus verdadeiro é um Ser vivente inteligente e poderoso e de suas outras perfeições que ele é supremo ou o mais perfeito Ele é eterno e infinito onipotente e onisciente isto é sua duração se estende da eter nidade à eternidade sua presença do infinito ao infinito ele governa todas as coi sas e conhece todas as coisas que são ou podem ser feitas Ele não é eternidade e infinitude mas eterno e infinito ele não é duração ou espaço mas ele dura e está presente Ele dura para sempre e está presente em todos os lugares e por existir sempre e em todos os lugares ele constitui a duração e o espaço Desde que toda partícula de espaço é sempre e todo momento indivisível de duração está em todos os lugares certamente o Criador e Senhor de todas as coisas não pode ser nunca e estar em nenhum lugar Toda alma que tem percepção é embora em tem pos diferentes e em diferentes órgãos dos sentidos e movimento ainda a mesma pessoa indivisível Existem partes sucessivas dadas na duração partes coexis tentes no espaço mas nem uma nem outra pessoa de um homem ou de seu prin 1 5 O Dr Pocock deriva a palavra latina Deus da palavra árabe du no caso oblíquo di que significa Senhor E neste sentido os soberanos são chamados deuses Sl 826 Jc 1035 E Moisés é chamado um deus para seu irmão Aaron e um deus para o faraó Êx 416 71 E no mesmo sentido as almas dos soberanos mortos foram anteriormente peos pagãos chamadas deuses mas falsamente por causa de sua falta de domínio N do A PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 27 cípio pensante e muito menos podem elas ser encontradas na substância pen sante de Deus Todo homem até o ponto em que ele seja uma coisa que tem percepção é um e o mesmo homem durante toda sua vida enj todos e cada um de seus órgãos dos sentidos Deus é o mesmo Deus sempre e em todos os lugares Ele é onipresente não somente virtualmente mas também substancialmente pois a virtude não pode subsistir sem substância Nele 1 6 são todas las coisas contidas e movidas todavia nenhum afeta o outro Deus nãò sofre nalda do movimento dos corpos os corpos não encontram nenhuma resistência ala onipresença de Deus É admitido por todos que o Deus Supremo existe necessariamente e pela mesma necessidade ele existe sempre e em todos os lugares Eje onde ele é tòdo similar todo olho todo ouVidõ todo cérebro todo braço todopoder para pérfiê ber entender e agir mas dê iSerto modo não ê em absoluto humano dê cêrtô modo não ê em absoluto corpóreo de certo modo é totalmente desconhecido para nós Assim como um homem cego não tem idéia das coresi nós também não temos ídêiã dâ maneira pela qual o todosábio Deus percebe ej entende todas as coisas Elê é completamente destituído de todo côfpo e figura corporal e não pode portanto nem ser visto nem ouvido neiii tocadõ nem dêye ser ele adorado sob a representação de qualquer coisa corporal TémOs idéias ide seus atributos mas o que a substância real de qualquer coisa é íiós hão sabejmos Nos corpos vemos somente suas figuras é cores ouvimos somente os sons tocamos somente suas superfícies exteriores cheiramos somente os cheiros e pro amos os sabores mas suas substâncias interiores não deverão ser conhecidas nem por nossos senti dos nem por qualquer atõ reflexo de nossas mentes muito msnos temos qual quer idéia da substância dê Deus Nós o conhecemos somente por suas invenções mais sábias e excelentes das coisas e pelas causas finais o admiramos por suas perfeições mas o reverenciamos e adoramos por causa de seu jiomínio pois nós 0 adoramos como seus serventes e um deus sem domínio providência e causas finais não é nada além de Destino e Natureza A necessidade metafísica cega que certamente é a mesma sempre e em todos os lugares não poderia produzir nenhu ma variedade de coisas Toda aquela diversidade das coisas naturais que encon tramos adaptadas a tempos e lugares diferentes nao se poderia originar de nada a não ser das idéias e vontade de um Ser necessariamente existente Mas para servir de alegoria Deus é dito ver falar rir amar odiar desejar dar receber regozijarse estar faminto lutar inventar trábalhar construir pois todas as nos sas noções de Deus são tomadas dos caminhos da humanidade por uma certa similitude que apesar de não ser perfeita tem entretanto alguma semelhança E dessa forma muito do que concerne a Deus no que diz respeito ao discurso sobre ele a partir das aparências das coisas certamente pertence à flloliofia natural 1 6 Esta era a opinião dos antigos Assim Pitágoras em Cícero D e Natura Deorum I Tales Anaxágoras Virgílio em Geórgicas IV 220 e Eneida VI 721 Filon Alegorias no começo do Livro I Aratus em seu Fenômenos no começo Assim também os escritores sagrados como São Paulo em At 172728 Jo 142 Moisés em D t 439 1014 Davi em Sl 139 789 Salomão em R s 827 Jó 22 121314 Jer 23 2324 Os idólatras supunham o sol lua e estrelas as almas dos homens e outras partes do mundo serem partes do Deus supremo e portanto serem adoráveis mas erroneamente N do A 28 NEWTON Até aqui explicamos os fenômenos dos céus e de nosso mar peío poder da gravidade mas ainda não designamos a causa desse poder É certo que ele deve provir de uma causa que penetra nos centros exatos do sol e planetas sem sofrer a menor diminuição de sua força que opera não de acordo com a quantidade das superfícies das partículas sobre as quais ela age como as causas mecânicas cos tumam fazer mas de acordo com a quantidade da matéria sólida que elas con têm e propaga sua virtude em todos os lados a imensas distâncias decrescendo sempre no quadro inverso das distâncias A gravitação com relação ao sol é com posta a partir das gravitações com relação às várias partículas das quais o corpo do sol é composto eao afastarse do sol diminui com exatidão na proporção do quadrado inverso das distâncias até a órbita de Saturno como evidentemente aparece do repouso do apogeu dos planetaS mais ainda e mesmo para os mais remotos apogeus dos cometas se estes apogeus estão também em repouso Mas até aqui não fui capaz de descobrir a causa dessas propriedades da gravidade a partir dos fenômenos e não construo nenhuma hipótese pois tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado uma hipótese e as hipóteses quer metafísicas ou físicas quer de qualidades ocultas ou mecânicas não têm lugar na filosofia experimental Nessa filosofia as proposições particulares são inferidas dos fenômenos e depois tomadas gerais pela indução Assim foi que a impenetra bilidade a mobilidade e a força impulsiva dos corpos e as leis dos movimentos e da gravitação foram descobertas E para nós é suficiente que a gravidade real mente exista aja de acordo com as leis que explicamos e que sirva abundante mente para considerar todos os movimentos dos corpos celestiais e de nosso mar E agora poderíamos acrescentar algo concernente a um certo espírito mais sutil que penetra e jaz escondido em todos os corpos sólidos um espírito através de cuja força e ação as partículas dos corpos se atraem entre si a distâncias próxi mase se unem se contíguas e os corpos elétricos operam a distâncias maiores tanto repelindo como atraindo os corpúsculos vizinhos e a luz é emitida refleti da refratada infletida e esquenta os corpos e toda sensação é excitada e os membros dos corpos animais movemse ao comando da vontade notadamente pela vibração desse espírito mutuamente propagada ao longo dos filamentos sóli dos dos nervos dos órgãos exteriores dos sentidos até o cérebro e do cérebro até os músculos Mas essas são coisas que não podem ser explicadas em poucas pala vras nem estamos providos daquela suficiência de experimentos que é requerida para uma determinação precisa e para uma demonstração das leis pelas quais esses espíritos elétricos e elásticos operam SIR ISAAC NEWTON O PESO E O EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS Tradução de Luiz João Baraúna Tradução do original latino D e gravitatione et aequipondio fluidorum editado por A R Hall e Marie Boas Hall Unpublished Scientific Papers o f Isaac Newton Cambridge University Press Cambridge 1962 p 90121 É apropriado tratar da ciência do peso e do equilíbrio dos corpos fluidos e dos corpos sólidos nos fluidos através de dois métodos j Na medida ém que isto concerne às ciências matemáticas é conveniente que eu abstraia o mais possível de considerações de ordem física Por esse motivo empreendi demonstrar as proposições individuais pertinentes ào assunto partindo de princípios abstratos suficientemente conhecidos para o estudante demonstra ção que será rigorosa e geométrica Uma vez que esta matéria pode ser considerada de alguma fprma aparen tada com a filosofia natural na medida em que pode ser apjlicada para ilustrar muitos dos fenômenos da filosofia natural e além disso a fjim de que a sua uti lidade possa ser particularmente evidente e a certeza dos seus princípios talvez seja confirmada não hesitarei em ilustrar abundantemente ás proposições tam bém através da experiência isto entretanto de maneira tal qilie este método mais livre de discussão disposto em escólios ou excursos escolares não possa ser con fundido com o primeiro método apontado que consiste em trjatar do assunto em lemas proposições e corolários Os fundamentos a partir dos quais esta ciência pode ser demonstrada consis tem ou nas definições de certos termos ou em axiomas e postAlados que ninguém nega Passarei agora a abordar estas duas espécies de fundameijitos Definições Os termos quantidade duração e espaço são por demajis conhecidos para poderem ser definidos através de outros termos DEFINIÇÃO I Lugar é uma parte do espaço que uma coisa enche adequadamente d e f i n i ç a o II Corpo é aquilo que enche um lugar DEFINIÇÃO III Repouso é a permanência no mesmo lugar 32 NEWTON DEFINIÇÃO IV Movimento é a mudança de lugar Nota Afirmei que um corpo enche um lugar a Isto significa que ele enche 0 lugar de uma forma tão completa que exclui inteiramente outras coisas da mesma espécie ou outros corpos como se fosse um ser impenetrável Todavia o lugar poderia ser denominado uma parte do espaço na qual uma coisa está adequadamente distribuída Contudo uma vez que aqui só se consideram os cor pos e não as coisas penetráveis preferi definir o lugar como sendo a parte do espaço que as coisas enchem Além disso uma vez que aqui se investiga o corpo não enquanto este consti tui uma substância física dotada de qualidades sensíveis mas tãosomente enquanto constitui um ser extenso móvel e impenetrável não o defini de maneira filosófica Ao contrário fazendo abstração das qualidades sensíveis abstração que também os filósofos deveriam fazer salvo equívoco de minha parte sendo que deveriam atribuir tais qualidades sensíveis à inteligência como sendo diversos modos de pensar produzidos pelos movimentos dos corpos postulei exclusiva mente as propriedades exigidas para o movimento local Assim sendo ao invés dos corpos físicos se podem entender figuras abstratas da mesma forma como são consideradas pelos geômetras quando estes lhes atribuem o movimento como faz Euclides nos seus Elementos Livro Primeiro 4 e 8 E na demonstração da dé cima definição no Livro Onze deve ser feito isto Com efeito esta é erronea mente incluída entre as definições ao passo que deveria ser preferivelmente demonstrada entre as proposições a menos que talvez devesse antes ser conside rada como um axioma Além disso defini o movimento como sendo uma mudança de lugar visto que o movimento a transição o deslocamento a migração e outros termos simi lares parecem ser palavras sinônimas Se as preferirmos podemos definir o movi mento como uma transição ou deslocamento de um corpo de um lugar parao outro De resto ao supor nestas definições que o espaço é distinto do corpo e ao estabelecer que o movimento é algo que acontece com respeito às partes desse espaço e não com respeito à posição de corpos vizinhos para que isto não seja tomado como sendo gratuitamente contra o que afirmam os seguidores de Des cartes procurarei refutar as suas ficções Posso resumir a teoria de Descartes nas três proposições qúe seguem 1 1 Segundo a verdade das coisas a cada corpo compete exclusivamente um movimento particular Princípios Parte Segunda artigos 28 31 e 321 o qual é definido como sendo o deslocamento de uma parte da matéria ou de um corpo da 1 Descartes Principia Philosophica Princípios Filosóficos Parte Segunda artigo 28 O movimento considerado no sentido próprio só pode ser referido aos corpos contíguos ao corpo que se move Parte PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 33 proximidade dos corpos que o tocam imediatamente e que são considerados como estando em repouso à proximidade de outros Princípios Parte Segun da artigo 25 Parte Terceira artigo 282 2 Por um corpo deslocado no seu movimento particular conforme a men cionada definição podese entender não somente qualquer pjirtícula de matéria ou um corpo composto de partes relativamente em repouso ríias tudo aquilo que é simultaneamente deslocado embora naturalmente isto possa consistir em mui tas partes que têm movimentos relativos diferentes Princípio Parte Segunda ar tigo 25 3 Além deste movimento peculiar a cada corpo podeirji surgir nele inúme ros outros movimentos isto é por participação ou seja na medida em que faz parte de outros corpos que têm outros movimentos Princípjos Parte Segunda artigo 31 Cumpre notar entretanto que estes não constituem movimentos no sentido filosófico do termo e em linguagem racional Parte Terceira artigo 293 nem segundo o rigor da verdade das coisas Parte Segunda ajrtigo 25 Parte Ter ceira artigo 28 mas tãosomente em linguagem imprópria íe de acordo com o modo comum de falar Parte Segunda artigos 24 25 28 e 31 í Parte Terceira ar tigo 29 4 Esta espécie de movimento Descartes a descreve j ao que parece como sendo a ação em virtude da qual um corpo passa de um lugar a outro Parte Segunda artigo 24 Parte Terceira artigo 28 Da mesma forma como Descartes enuncia duas espécie de movimento isto é o movimento próprio e o derivativo assim afirma também duas espécies de lugares dos quais procedem os citados movimentos sãoeles as superfícies dos corpos imediatamente circunvizinhos Parte Segunda artigo 155 e a posição éntre quaisquer outros corpos Parte Segunda artigo 13 Pajrte Terceira artigo 29 6 Na realidade porém tal ensinamento é confuso e contrájrio à razão Isto se infere não somente a partir das absurdas conseqüências que ideie seguem senão também do fato de que o reconhece o próprio Descartes ao incorrer em contradi ções Com efeito afirma ele que em se falando em sentido próprio e em confor midade com o sentir filosófico a terra e os demais planetas nao se movem Alega igualmente que aquele que afirmar que a terra se move devido à sua mudança Segunda artigo 31 Como no mesmo corpo pode haver inúmeros movimentos diversos Parte Segunda artigo 32 De que maneira o movimento considerado em sentido próprio e o qual éúnico para cada corpo pode ser considerado como múltiplo 2 Parte Segunda artigo 25 Em que consiste o movimento considerado no sentido próprio Parte Tercei ra artigo 28 A terra falando em sentido próprio não se move nem tampouco osj demais planetas embora sejam carregados pelo céu 3 Parte Terceira artigo 29 Nenhum movimento deve ser atribuído à terra embora ele seja impropria mente considerado como tal no linguajar vulgar caso em que se diz corretamente que os outros planetas se movem 4 Parte Segunda artigo 24 Em que consiste o movimento no sentido vulgar 5 Parte Segunda artigo 15 De que maneira o lugar externo é considerado corretamente como a superfície que circunda o corpo i 6 Parte Segunda artigo 13 Que é o lugar externo 34 NEWTON com respeito às estrelas fixas fala contra os ditames da razão e se atém ao lin guajar vulgar Parte Terceira artigos 26 27 28 e 29 7 Entretanto mais adiante atribui à terra e aos planetas uma tendência a se afastarem do sol como de um centro em torno do qual giram tendência em virtude da qual são equilibrados nas suas devidas distâncias do sol por uma tendência semelhante do turbilhão em rotação Parte Terceira artigo 1408 Afinal onde está a verdade Deriva por ventura esta tendência do repouso dos planetas o qual no pensar de Descar tes é verdadeiro e corresponde ao sentido filosófico do termo ou antes do movimento dos mesmos considerado na sua acepção vulgar e não filosófica Todavia oFilósofo afirma igualmente além disso que um cometa tem uma tendência menor a afastarse do sol no momento em que entra no turbilhão e conservando praticamente a mesma posição entre as estrelas fixas não obedece porém ao ímpeto do turbilhão mas com respeito ao mesmo se desloca da proxi midade do éter contíguo e desta forma falando em sentido filosófico gira veloz mente em torno do sol ao passo que ao depois a matéria do turbilhão carrega o cometa consigo e assim o coloca em repouso segundo a acepção filosófica Parte Terceira artigos 119 1209 Dificilmente se pode considerar coerente consigo mesmo o Filósofo que uti liza como fundamento da filosofia o movimento entendido na acepção vulgar do termo noção que pouco antes havia rejeitado e agora rejeita esta noção como sendo totalmente inútil sendo que anteriormente a tinha qualificado como sçndo a única verdadeira e filosófica em conformidade com a verdade das coisas E já que a rotação do cometa em torno do sol no sentido filosófico não produz uma tendência a afastarse do centro tendência que pode ser causada sim por uma revolução no sentido vulgar do termo seguramente se deve reconhecer o movimento na acepção comum antes que o movimento no sentido filosófico Em segundo lugar Descartes parece contradizerse ao postular que a cada corpo compete um movimento individual conforme à natureza das coisas E con tudo afirma que o movimento constitui um produto da nossa imaginação defi nindoo como o deslocamento em relação à proximidade dos corpos que não estão em repouso mas apenas parecem estar ainda que na realidade possam estar em movimento conforme explica mais detalhadamente na Parte Segunda artigos 29 e 301 0 Desta forma acredita ele evitar as dificuldades no tocante ao movi mento recíproco dos corpos ou seja por que razão se diz que um corpo e não o outro se move e por que motivo se afirma que um barco em uma corrente está em repouso quando não se altera a sua posição com respeito às margens da cor rente Parte Segunda artigo 15 Para que a contradição se torne evidente imagi 7 Parte Terceira artigo 26 A terra está em repouso no seu céu e todavia é carregada por ele Parte Ter ceira artigo 27 O mesmo devese dizer com respeito a todos os planetas 8 Parte Terceira artigo 140 O início dos movimentos dos planetas 9 Parte Terceira artigo 119 De que maneira uma estrela fixa é alterada para um cometa ou planeta Parte Terceira artigo 120 De que maneira uma tal estrela ê carregada quando cessa de ser fixa 10 Parte Segunda artigo 29 Tampouco pode o movimento ser referido a outra coisa senão aos corpos contíguos que como se vê estão em repouso Parte Segunda artigo 30 Por que se diz que um de dois cor pos contíguos que estão separados um do outro se move ao passo que o outro não se move PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 35 nemos que alguém veja a matéria do turbilhão como estando em repouso e que a terra falando em sentido filosófico está em repouso ao mesníio tempo Imagine mos também que uma outra pessoa simultaneamente veja a inesma matéria do turbilhão movendose em um círculo e que a terra falando em sentido filosófico não esteja em repouso Da mesma forma um navio no maij estará ao mesmo tempo em movimento e parado e isto sem tomar o movimeiito no seu sentido mais amplo e vulgar segundo o qual existem inúmeros movimentos para um e mesmo corpo porém na sua acepção filosófica segundo a qual diz ele só existe um movimento para cada corpo peculiar ao mesmo cqnforme a natureza das coisas e não conforme a nossa imaginação Em terceiro lugar dificilmente se pode considerar que Descartes seja coe rente consigo mesmo ao supor que a cada corpo corresponde um único movi mento segundo a verdade das coisas e não obstante isto afirirjar Parte Segunda artigo 31 que existem realmente inúmeros movimentos em cada corpo Com efei to os movimentos que existem realmente em algum corpo cofistituem movimen tos realmente naturais e conseqüentemente movimentos em sentido filosófico e conforme a verdade das coisas mesmo que o autor pretenda movimentos na acepção vulgar da palavra A isto acrescenta o seguinte quando uma coisa inteira se move todas as partes que constituem o todo e se movem juntamente com ele eístão realmente em que sejam apenas movem ao partici que têm inúmeros repouso Assim é a não ser que se admita que as partes se parem do movimento do todo caso em que se deve afirmar movimentos segundo a verdade das coisas Além de tüdo isso podemos concluir que o ensinamento de Descartes é absurdo em razão das conseqüências às quais conduz j Primeiramente a seguinte consideração No instante dm que o Filósofo ião se deslocar da que as partículas relação à proximi defende calorosamente que a terra não se move pelo fato de proximidade do éter contíguo dos mesmos princípios segue internas dos corpos duros pelo fato de não se deslocarem em dade das partículas imediatamente contíguas não têm movimento em sentido estrito mas se movem apenas pelo fato de participarem do movimento das partí culas externas donde se infere que as partes internas das partículas externas não se movem juntamente com o seu próprio movimento pelo fato de não se desloca rem em relação à proximidade das partes internas por conseguinte somente a superfície externa de cada corpo se move juntamente com oseu próprio movi mento e a substância interna inteira isto é a totalidade do corpo se move por participação no movimento da superfície externa 11 Conseqüentemente é errônea a definição fundamental do movimento que atribui aos corpos aquilo que compete exclusivamente às superfícies e que nega poder existir qualquer corpo que tenha um movimento que lhe seja próprio Em segundo lugar se considerarmos apenas o artigo 25 da Parte Segunda cada corpo tem não somente um movimento único que lhe é peculiar mas inúme 11 Comparar com esta passagem o parágrafo que se encontra no Escólio sobre o espaço e o tempo Princi pia 8 que inicia com as palavras A propriedade do movimento é 36 NEWTON ros outros desde que se diga que tais partes se movem em sentido próprio e con forme a verdade das coisas enquanto se move o todo do qual constituem partes A razão disto reside em que o autor entende por corpo cujo movimento está definindo tudo aquilo que se desloca conjuntamente com ele e contudo este pode constar de partes que têm outros movimentos entre si suponhamos por exemplo o caso de um turbilhão que se move juntamente com todos os planetas ou um navio a flutuar com tudo o que está nele no mar ou uma pessoa andando no navio juntamente com as coisas que o mesmo está transportando ou uma roda de relógio juntamente com as partículas metálicas que a integram Com efei to a menos que se afirme que o movimento do todo não pode ser considerado como um movimento na acepção própria e como pertencente às partes conforme a verdade das coisas é indispensável admitir que todos esses movimentos das rodas do relógio da pessoa andando no navio do navio no mar e do turbilhão estão nas partículas das rodas no sentido verdadeiro e filosófico Partindo dessas duas conseqüências concluise ainda que não se pode afir mar que qualquer movimento é verdadeiro absoluto e próprio mais do que outros mas que ao contrário todos os movimentos seja com respeito a corpos contíguos seja com respeito a corpos longínquos constituem movimentos num sentido igualmente filosófico o que constitui a mais absurda das afirmações Com efeito a não ser que se admita poder haver um movimento físico próprio de cada corpo e que o resto das mudanças de relação e posição com respeito a ou tros corpos constitui apenas designações externas seguese que por exemplo a terra tende a afastarse do centro do sol devido a um movimento relativo às estre las fixas e tende o menospossível a afastarse em razão de um movimento menor com respeito a Saturno ou à órbita etérea na qual este gira e ainda menos com relação a Júpiter e ao éter que ocasiona a sua órbita e também menos com res peito a Marte e à sua órbita etérea e muito menos com relação a outras órbitas de matéria etérea as quais embora não carreguem planetas são mais próximas à órbita anual da terra Na realidade em relação à sua própria órbita a terra não tem nenhuma tendência a moverse visto não moverse nela Uma vez que todas essas tendências e nãotendências não podem em absoluto compaginárse é mais correto afirmar que o único movimento natural e absoluto da terra consiste no movimento que faz com que esta tenda a afastarse do sol Os seus movimentos em relação aos corpos externos constituem meras designações externas Em terceiro lugar das teses de Descartes inferese que o movimento pode ser gerado onde não existe nenhuma força em ação Por exemplo se Deus fizesse com que cessasse repentinamente a revolução do nosso turbilhão sem aplicar à terra qualquer força que pudesse fazêla parar simultaneamente Descartes diria que a terra se estaria movendo no sentido filosófico devido ao seu desloca mento em relação à proximidade do fluido contíguo ao passo que anterior mente havia afirmado que a terra está em repouso no mesmo sentido filosófico Em quarto lugar das mesmas teses de Descartes segue que o próprio Deus não poderia gerar movimento em alguns corpos mesmo que os impulsionasse com a maior força Por exemplo se Deus impulsionasse o céu estrelado junta PESO EEQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 37 mente com a parte mais longínqua do universo com uma força muito grande de modo a fazêlo girar em torno da terra suponhamos com um movimento diur no mesmo caso na opinião de Descartes só a teyrra se moveria verdadeira mente e não o cêu Parte Terceira artigo 381 2 Como se fosse a mesma coisa se Deus com uma força tremenda fizesse o cêu girar do Oriepte para o Ocidente ou fizesse a terra girar na direção oposta Todavia quem imaginará que as partes da terra tendem a afastarse do seu centro em virtude de uma força aplicada exclusivamente ao céu Não é porventura mais condizente pensar que quando uma força aplicada ao céu o faz tender a afastarse do centro da revolução assim produzida ele é por este motivo o único corpo que se movC no sentido próprio e absoluto Não é mais condizente pensar que quando uma força aplicada à terra faz com que as suas partes tendam a afastarse do centro da revolução assim produzida ela é por este motivo o único corpo que se movej em sentido próprio e absoluto embora exista o mesmo movimento relativo dos corpos em ambos os casos Por conseguinte o movimento físico e absoluto deve er definido a partir de considerações outras que o deslocamento uma vez que taldeslocamento cons titui uma designação puramente externa j Em quinto lugar parece contrário à razão admitir que os corpos mudam as suas distâncias e posições relativas sem movimento físico Ora Descartes afirma que a terra e os demais planetas bem como as estrelas fixas estão em repouso falando em sentido próprio e não obstante mudam as suas poições relativas i Em sexto lugar por outra parte parece igualmente contrario à razão admitir que de vários corpos que mantêm as mesmas posições jelativas alguns se movem fisicamente ao passo que outros permanecem em repouso Contudo se Deus fizesse com que algum planeta permanecesse imóvel ej o fizesse conservar continuamente a mesma posição com respeito às estrelas fixas porventura não diria Descartes que embora as estrelas não se movam o planeta agora se move fisicamente em razão do seu deslocamento com respeito à mattéria do turbilhão Em sétimo lugar pergunto por que razão se diz que uní corpo se move em sentido próprio quando não se vê que outros corpos em rblação a cuja proxi midade ele é deslocado estão em repouso ou melhor quando não se pode ver que estão em repouso Por exemplo como se pode afirmar cue o nosso próprio turbilhão se move circularmente devido ao deslocamento daj matéria próxima à circunferência em relação à proximidade de matéria similar em outros turbilhões adjacentes uma vez que não se pode ver que a matéria dos turbilhões adjacentes está em repouso e isto não só com respeito ao nosso turbilhão mas também enquanto esses turbilhões não estão em repouso entre si Com efeito se o Filó sofo refere esse deslocamento não às partículas corpóreas numéricas dos turbi lhões mas ao espaço genérico como ele o denomina no qual se encontram esses turbilhões concordamos visto admitir ele que o movirnento deve ser refe rido ao espaço na medida em que este é distinto dos corpos 12 Que segundo a hipótese de Tycho se diz que a terra se move em tomo do seu próprio eixo 38 NEWTON Finalmente para evidenciar ao máximo o absurdo desta posição de Descar tes direi que ela leva a concluir que um corpo em movimento rião tem nenhuma velocidade determinada e nenhuma linha definida na qual se move Seguiria tam bém o que é pior que não se pode afirmar que a velocidade de um corpo que se move sem resistência seja uniforme nem se pode dizer que é reta a linha na qual se efetua o seu movimento Pelo contrário não pode haver movimento pois não pode existir movimento sem uma certa velocidade e determinação Para que essas conseqüências se tornem evidentes cumpre antes de tudo mostrar que quando um certo movimento terminou é impossível segundo Descartes estabelecer um lugar no qual o corpo se encontrava ao começar o movimento em outros termos é impossível determinar o ponto a partir do qual o corpo se moveu A razão disto está em que no dizer de Descartes o lugar não pode ser definido ou determinado a não ser pela posição dos corpos adjacentes ora após o término de um certo movimento a posição dos corpos adjacentes não é a mesma que era anteriormente Por exemplo se quiséssemos procurar a posi ção que o planeta Júpiter ocupava há um ano atrás pergunto de que maneira poderá o Filósofo definila Não pelas posições das partículas da matéria fluida visto que as posições de tais partículas mudaram enormemente de um ano a esta parte Tampouco será pelas posições do sol e das estrelas fixas Com efeito o influxo desigual da matéria sutil através dos pólos dos turbilhões em direção às estrelas centrais Parte Terceira artigo 104 a ondulação artigo 114 o infla mento artigo 111 e a absorção dos turbilhões bem como outras verdadeiras causas tais como a rotação do sol e das estrelas em torno dos seus próprios centros a geração de manchas e a passagem de cometas através do céu alte ram tanto a grandeza como as posições das estrelas em proporções tais que tal vez se prestem apenas para determinar a localização desejada com um erro de vá rias milhas muito menos esta localização pode ser exatamente definida e determinada através deste meio conforme o exigiria um geômetrà 1 3 Na realidade não existe no universo corpo algum cujas posições relativas permaneçam inalteradas com o passar do tempo e certamente não existe corpo algum que não se mova no sentido cartesiano isto é corpos que não sé movam nem em relação à proximidade de corpos contíguos nem são partes de outros cor pos que assim se deslocam1 4 Assim sendo não existe base alguma a partir da qual possamos no momen to encontrar um lugar que existiu no passado ou dizer que tal lugar ainda pode ser descoberto na natureza Com efeito uma vez que segundo Descartes o lúgar não é outra coisa senão a superfície dos corpos adjacentes ou a posição entre al guns outros corpos mais distantes é impossível conforme esta doutrina que 0 lugar exista durante um período de tempo mais longo do que aquele durante o 13 Parte Terceira artigo 104 Por que razão certãs estrelas fixas desaparecem ou aparecem inesperada mente Parte Terceira artigo 114 A mesma estrela pode alternadamente aparecer e desaparecer Parte Terceira artigo 111 Descrição de um aparecimento inesperado de uma estrela 1 4 Cf Principia 7 Pois pode acontecer que na realidade não esteja em repouso nenhum corpo ao qual os lugares e os movimentos se referem PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 39 qual esses corpos mantêm as mesmas posições do qual o Filósofo deriva a deno minação individual Desta forma raciocinando como na questão relativa à posi ção de Júpiter há um ano atrás é manifesto que se admitirmoB a tese de Descar tes nem mesmo o próprio Deus poderia definir neste momentiD com exatidão e geometricamente a posição passada de qualquer corpo móveljvisto que na reali dade em razão de as posições dos corpos se haverem alterado o lugar não mais existe na natureza j Ora assim como é impossível encontrar o lugar em que teVe início um movi mento ou seja o começo do espaço percorrido visto que esse lugar não mais existe após o término do movimento da mesma forma o iíspaço percorrido por não ter nenhum começo não pode ter nenhum comprimento e conseqüente mente uma vez que a velocidade depende da distância percorrida durante um determinado período de tempo seguese que o corpo em movimento não pode ter nenhuma velocidade precisamente conforme desejei demonistrar mais acima Além disso o que foi dito acerca do início do espaço percorrido deve ser aplicado igualmente a todos os pontos intermediários por conseguinte Visto que o espaço não tem nenhum início nem partes intermediárias concluise que não houve ne nhum espaço percorrido conseqüentemente nenhum movimeríto determinado o que constitui o meu segundo ponto acima mencionado Do que ficou dito se infere indubitavelmente que o movimento cartesiano não é movimento pois não tem velocidade nem definição hão havendo tam pouco espaço ou distância percorridos por ele Por conseguinte é necessário que a definição de lugares e conseqüentemente também dos moviinentos locais seja referida a alguma coisa destituída de movimento tal como a extensão sozinha ou o espaço na medida em que se vê que este se distingue dos colrpos E com isto o filósofo cartesiano estará mais disposto a concordar se notar que o próprio Des cartes tinha uma idéia da extensão como sendo distinta dos cojrpos extensão que ele desejava distinguir da extensão corpórea denominandoa genérica Principia Parte Segunda artigos 10 12 e 181 5 Igualmente que as rotaçjões dos turbilhões das quais Descartes derivou a força do éter ao afastarse dos seus centros e desta forma toda a sua filosofia mecânica são por ele tacitamente referidas à extensão genérica Além disso uma vez que Descartes parece haver demonstrado na Parte Segunda artigos 4 e 11 que o corpo não difere em absoluto da extensão abs traindo da dureza da cor do peso do frio do calor e das demais qualidades que podem faltar no corpo de sorte que ao final permanece apenas comprimento largura e profundidade que por conseguinte pertencerem à sua essência 1 6 a fim de que não permaneça dú a sua extensão em são os únicos a ida alguma acerca 1 5 Parte Segunda artigo 10 Em que consiste o espaço ou o lugar interno Parte Segunda artigo 12 De que maneira ele difere dasubstância corpórea da maneira conforme é concebido Parte Segunda artigo 18 Como deve ser corrigida a opinião acerca do vácuo considerado absolutamente I 1 6 Parte Segunda artigo 4 A natureza do corpo não consiste no peso na dureza na cor ou fatores seme lhantes mas exclusivamente na extensão Parte Segunda artigo 11 O espaço nãòdifere em si mesmo da substância corpórea j 40 NEWTON da natureza do movimento responderei a este argumento explicando o que é a extensão e o que é o corpo e como diferem um do outro Com efeito uma vez que a distinção entre as substâncias pensantes é as substâncias extensas entidades ou melhor entre os pensamentos e extensões constitui o fundamento primordial da filosofia cartesiana fundamento que o autor defende ser melhor conhecido que as próprias demonstrações matemáticas é para mim da maior importância refutar esta filosofia no que concerne à exten são com o objetivo de assentar fundamentos mais verdadeiros para as ciências mecânicas Talvez alguém espere que eu defina a extensão como substância como aci dente ou como sendo nada em absoluto De forma alguma é assim visto que a extensão tem a sua própria maneira de existir a qual não se enquadra nem na das substâncias nem na dos acidentes Não é substância por uma parte porque não é absolutaem si mesma mas é antes como se fosse um efeito emanante de Deus ou uma disposição de todo ser por outra parte porque não se encontra entre as disposições próprias que caracte rizam a substância isto é as ações tais como os pensamentos na inteligência e os movimentos no corpo Na verdade embora os filósofos não definam a substância como uma entidade que pode agir sobre as coisas todavia todos atribuem tacita mente isto às substâncias como se infere do fato de que concordariam pronta mente em reconhecer a extensão como sendo uma substância à maneira do corpo se ela fosse capaz de movimento e de participar das ações do corpo Ao contrário dificilmente admitiriam que o corpo é uma substância se este não pudesse moverse nem excitar na inteligência qualquer sensação ou percepção que seja Além disso já que podemos conceber claramente a extensão existindo sem qual quer sujeito ajssim como quando imaginamos espaços fora do universo ou lugares vazios de corpos e acreditamos que a extensão existe em qualquer lugar em que imaginamos não haver corpos e não podemos crer que a extensão pereceria com o corpo se Deus aniquilasse um corpo concluise que a extensão não existe como um acidente que inere a algum sujeito Por conseguinte ela não constitui acidente Muito menos a extensão pode ser definida como um nada pois ao contrá rio ela é alguma coisa real mais real do que um acidente aproximandose mais da natureza da substância Não existe nenhuma idéia do nada o nada não tem nenhuma propriedade ao passo que possuímos uma idéia extraordinariamente clara da extensão abstraindo as disposições e propriedades de um corpo de maneira que permaneça exclusivamente a extensão uniforme e ilimitada para fora do espaço em comprimento largura e profundidade Além disso muitas das suas propriedades estão associadas com esta idéia propriedades que passarei a enu merar agora não somente para demonstrar que a extensão é alguma coisa mas para descrever o que ela é positivamente 1 Em todas as direções o espaço pode ser distinguido em partessendo que os limites que unem essas partes costumam ser denominados superfícies por sua vez estas superfícies podem ser distinguidas em todas as direções em partes cujos íimites comuns costumamos denominar linhas finalmente estas linhas podem ser distinguidas em todas as direções em partes que chamamos pontos PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 41 Daqui segue que as superfícies não têm profundidade nem as linhas pos suem largura nem os pontos possuem dimensões a menos que se diga que os espaços limítrofes se interpenetram um ao outro tão longe quanto a profundidade da superfície entre eles isto é o que afirmei ser a fronteira de ambos ou o limite comum o mesmo aplicase às linhas e aos pontos Além disso os espaços em toda parte são contíguos a qutros espaços uma extensão está em toda parte colocada perto de outra extensãÍD e assim em toda parte existem limites comuns a partes contíguas ou seja emj toda parte existem superfícies atuando como um limite com sólidos neste e naqúele lado e em toda parte existem linhas nas quais partes das superfícies se tocam reciprocamente e em toda parte existem pontos nos quais as partes contínuas das linhas são unidas Por conseguinte existem em toda parte toda espécie de figüras em toda parte existem esferas cubos triângulos linhas retas em toda partè figuras circulares elípticas parabólicas e todas as outras espécies de figuras dé todas as formas e tamanhos ainda que não apareçam à vista Com efeito a configuração material de qualquer figura não constitui uma nova produção desta figura com respeito ao espaço mas apenas uma representação corpórea da mesma Üe sorte que aquilo que anteriormente era insensível no espaço agora aparece aos sentidos como existente Pois acreditamos serem esféricos todos aqueles espaços através dos quais passa qualquer esfera sendo progressivamente movidoj de momento para momento ainda que ali nao permaneça mais nenhum vestígio sensível de esfera Cremos firmemente que o espaço era esférico antes que a esfera o ocupasse de maneira que ele podia conter a esfera por conseguinte umia vez que em toda parte existem espaços que podem conter adequadamente qualquer esfera material é manifesto que o espaço é em toda parte esférico O mesmoi ocorre com outras figuras De maneira idêntica não vemos quaisquer formas materiais na água clara porém existem nela muitas formas as quais aparecerão de muitas manei ras desde que deitemos algum corante nas partes desta água 1odavia se introdu zíssemos este corante na água 9 corante não teria como efeito constituir essas formas materiais mas apenas fazer com que as mesmas se tornassem visíveis 1 7 2 O espaço tem uma extensão infinita em todas as diijeções Com efeito não podemos imaginar qualquer limite onde quer que seja sejtn com isto mesmo imaginarmos ao mesmo tempo que para além deste espaço existe outro Em conseqüência todas as linhas retas bem como todas as parábolóides hiperbo lóides todos os cones e cilindros e outras figuras da mesma eÍ5pécie se estendem ao infinito e não têm limite algum em parte alguma ainda qud aqui e acolá sejam cruzadas por linhas e superfícies de todos os tipos as quais se estendem transver salmente e com elas formam segmentos de figuras em todas as Podemos ter na verdade um exemplo da infmitude Im triângulo cuja base e um dos lados estão em repouso sendo qi de tal forma em torno da extremidade contígua da sua base no Jplano do triângulo que o triângulo seja gradualmente aberto no vértice entrementes anotemos direções iginemos qualquer e o outro lado gira 1 7 Presumivelmente Newton considera aqui a experiência de deitar matéria corante na água o que faz com que apareçam na água certas formas Os limites dessas formas ou perturbações existem antes que a matéria corante as revele visivelmente 42 NEWTON mentalmente os pontos em que os dois lados se encontrariam se procedessem tão longe é evidente que todos esses pontos se encontram na linha reta ao longo da qual se encontra o lado fixo e que se distanciam sempre mais à medidaque o lado móvel continua á girar até que os dois lados se tornem paralelos e não pos sam mais encontrarse em lugar nenhum Pergunto agora qual era a distância do último ponto em que os lados se encontraram Certamente foi maior do que qual quer distância encontrável ou melhor nenhum dos pontos foi o último ei por conseguinte a linha reta na qual se encontram todos esses pontos de encontro é na realidade maior do que finita ou seja infinita Ninguém pode dizer que ela seja infinita somente na imaginação e não na realidade pois se eu traçar atual mente um triângulo os seus lados são sempre na realidade dirigidos em direção a algum ponto comum no qual ambos se encontrariam se fossem prolongados e por conseguinte existe sempre um tal ponto atual onde os lados prolongados se encontrariam embora se possa imaginar que ele caia fora dos limites do universo físico Assim sendo a linha traçada por todos esses pontos reais será real ainda que se estenda para além de qualquer distância Se alguém objetar agora que não podemos imaginar que exista uma extensão infinita concordo Ao mesmo tempo contudo defendo que podemos com preender isto Podemos imaginar uma extensão maior e depois uma ainda maior porém compreendemos que existe uma extensão maior do que qualquer outra que possamos imaginar É aqui que incidentalmente a faculdade de compreensão se distingue claramente da imaginação Se porém alguém objetasse que não podemos compreender o que é um ser infinito a não ser negando os limites de um ser finito e que isto é uma concepção negativa e falha eu discordo Na realidade o limite constitui a restrição ou nega ção de uma realidade maior ou da existência no ser limitado e quanto menos concebermos que um ser é cercado por limites tanto mais observamos que algu ma coisa lhe é atribuída ou seja tanto mais positivamente o concebemos Conseqüentemente ao negarmos quaisquer limites o conceito se torna positivo no mais alto grau Os termos fim e limite são palavras negativas quanto ao sentido e por conseguinte os termos infinitude e ilimitado por serem a nega ção de uma negação ou seja a negação do fim e do limite constituirão palavras positivas ao grau máximo em relação à nossa percepção e compreensão ainda que do ponto de vista gramatical pareçam termos negativos A isto cumpre acrescentar que as quantidades positivas e finitas de muitas superfícies infinitas em comprimento são exatamente conhecidas dos geômetras Desta forma posso determinar positiva e exatamente as quantidades sólidas de muitos sólidos infini tos em comprimento e largura e comparálas a determinados sólidos finitos Isto porém não tem importância para o caso presente Se Descartes objetar a isto que a extensão não é infinita mas antes indefi nida deve ele ser corrigido pelos gramáticos Pois o termo indefinido jamais é aplicado àquilo que atualmente existe mas se refere sempre a uma possibilidade futura significando apenas alguma coisa qúe ainda não está determinada e defini da Assim antes que Deus decretasse qualquer coisa acerca da criação do mundo PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 43 s que houve j ã mais uipi momento em que isto aconteceu a quantidade da matéria o número das estriilas e todas as outras coisas eram ainda indefinidos no momento em que o nvmlndo foi criado estas coisas passaram a ser definidas deixando de ser indefinidas Conseqüentèimente a matéria é indefinidamente divi sível porém é sempre dividida ou de maneira finita 011 de maneira infinita Parte Prim eira artigo 26 Parte Segunda artigo 34 Da7mesma forma uma linha indefinida é aquela cujo futuro comprimento é ainda indeterminado Conseqüen temente um espaço indefinido é aquele cuja futura grandezís ainda não está deter minada pois na realidade aquilo que atualmente existe já náo é mais indefinido senão que tem ou não tem limites sendo finito ou infinito Tampouco constitui uma objeção o fato de Descarte considerar o espaço indefinido com relação a nós isto é que simplesmente não conhecemos ftseus limites e tampouco estamos absolutamente certos de que tais limites existam Parte Primeira artigo 271 9 Isto acontece porque embora nós sejamos seres ignorantes Deus pelo menos compreende que nao existem limites e isto não de maneira indefinida mas com certeza e positivamente e porque embora nós ima ginemos negativamente qup ele transcende todos os limites todavia compreen demos positivamente e com a máxima certeza qiíe assim é Entretanto vejo qual e o temor de Descaçtes receia ele que se considerasse o espaço infinito com isto mesmo este se transformaria em Deus devido à perfei ção da infinitude Ora isto de forma alguma acontece pois a infinitude só consti tui uma perfeição quando constitui um atributo de coisas perfeitas A infinitude de inteligência de poder de felicidade etc constituí o vértice da perfeiçãoao passo que a infinitude da ignorância da impotência da miséria etc constituem a mais alta imperfeição Da mesma forma a infinitude da extensão é perfeita na medida em que for perfeito aquilo que é extenso o sujeito da extensão 3 As partes do espaço são destituídas de movimento Se elas se movessem seria necessário afirmar oujque o movimento de cada parte constitui um desloca mento da proximidade de outras partes contíguas como Descartes define o movi mento dos corpos sendo que a absurdidade desta tese já foi suficientemente demonstrada ou então que constitui um deslocamento fora do espaço para den tro do espaço isto é fora de si mesmo a menos que talvez se diga que em toda parte dois espaços coincideim isto é um dotado de movimento e outro destituído de movimento Além disso a imobilidade do espaço recebe a maior ilustração a partir da duração Com efeito assim como as partes da duração derivam a sua individua lidade da sua ordem de soirte que por exemplo se o ontem pudesse mudar lugar com o hoje e pudesse tornarse o último dos dois perderia a sua individualidade e deixaria de ser o ontem passando a ser o hoje da mesma forma as partes do 18 Parte Primeira artigo 26 A infinitude jamais deveria ser discutida as coisas nas quais nao discernimos limite algum só elas deveriam ser consideradas indefinidas Tais são a extensão do universo a divisibilidade das partes da matéria o número das estrelas etc Parte Terceira artigo 34 Donde segue que a divisão da matéria em partes é verdadeiramente indefinida embora estas nos sejam imperceptíveis 19 Qual é a diferença entre o indefinido e o infinito 44 NEWTON espaço derivam o sen caráter das suas posições deaneúía que se quaisquer dois espaços pudessemmudar a sua posição ao meSmo tempomudariam 0 íseu caráter sendo que um se converteria numericarp3iítenoN outro Só se pode compreender que as partes da duração e do espaço são aquelas que são na reali dade em razão da sua ordem e posição recíprocas Nem as partes da duração nem as do espaço apresentam qualquer indício de individualidade se abstrairmos dessas ordem e posição recíprocas as quais por conseguinte não podem ser alteradas 20 4 O espaço constitui uma disposição do ser enquanto ser Não existe nem pode existir ser algum que não tenha alguma relação com o espaço de uma forma ou de qnftra Deus está em toda parte as inteligências criadas estão em algtíBrugár o corpo está no espaço que ocupa sendo que qualquer coisa que não estivesse nem em nenhum lugar nem em algum lugar na realidade não existiria Daqui se infere que o espaço constitui um efeito derivante da própria existência do sér pois ao se postular álgum ser postulase também para ele o espaço O mesmo pode ser afirmado quanto à duração com efeito ambos constituem dispo sições do ser ou atributos segundo os quais denominamos quantitativamente a presença e a duração de qualquer coisa que exista invididualmente Assim a quantidade da existência de Deus era eterna com respeito à duração e infinita em relação ao espaço no qual ele está presente e a quantidade da existência de iim ser criado era tão grande com respeito à duração quanto a sua duração desde o começo da sua existência e em relação ao tamanho da sua presença tão grande quanto o espaço a ele pertencente Além disso para que ninguém em razão disso imagine que Deus é como um corpo istefé extenso e feito de partes divisíveis importa saber que os pró prios espaços não são atualmente divisíveis e mais que cada ser tem uma forma peculiar de estar localizado nos espaços Com efeito é muito grande a diferença existente entre o espaço e o corpo e a que existe entre o espaço e a duração Pois não atribuímos várias durações às diferentes partes do espaço mas dizemos que todas duram simultaneamente O momento da duração é o mesmo em Roma e em Londres na terra e nas estrelas e através de todos os céus E assim como compreendemos que cada momento da duração se difunde através de todos os espaços conforme a sua espécie sem pensarmos nas suas partes da mesma forma não é contraditório que também a inteligência conforme o seu gênero possa estar difundida pelo espaço sem pensar nas suas partes 5 As posições distâncias e movimentos locais dos corpos devem ser referi dos às partes do espaço Isso se evidencia pelas propriedades do espaço enumera das nos pontos 1 a 4 tornandosé ainda mais claro se considerarmos que existem vácuos espalhados entre as partículas ou se atendermos ao que disse acima sobre o movimento A isto se pode acrescentar ainda o seguinte no espaço não existe nenhuma forçá de qualquer espécie que possa impedir ou favorecer ou de qual quer forma alterar os movimentos dos corpos Em conseqüência disto os projé 20 Ver Principia 7 A ordem das partes do tempo é imutável PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 45 teis descrevem linhas retas com um movimento uniforme a menos que encontrem um obstáculo proveniente de alguma outra fonte Sobre isto porém nos detere mos mais adiante 6 Finalmente o espaço é eterno em sua duração e imutável em sua nature za o que ocorre por ser ele o efeito que deriva de um ser eterno e imutável Se em algum momento o espaço não tivesse existido naquele momento Deus não teria estado em nenhum lugar e nesta hipótese Deus ou teria criado o espaço mais tarde espaço no qual ele mesmo não estaria ou então Deus teria criado a sua própria ubiqüidade o que seria igualmente contraditório à razão Ora embora talvez possamos imaginar que não existe nada no espaço todavia não podemos pensar que o espaço não exista da mesma forma como não podemos imaginar que não exista duração ainda que seja talvez possível supor que nada tenha dura ção Isto se evidencia através dos espaços além do universo cuja existência é necessário supor visto imaginarmos ser o mundo finito embora tais espa ços ultracósmicos não nos sejam revelados por Deus nem nos sejam conheci dos mediante os sentidos nem tampouco a sua existência dependa da existência dos espaços existentes dentro do mundo Acreditase comumente que os espaços ultracósmicos não existem na realidade porém são espaços verdadeiros Embo ra o espaço possa estar isento de corpos todavia ele não é em si mesmo um vácuo alguma coisa está lá pois os espaços lá estão embora não seja mais do que isto Na verdade porém devese reconhecer que o espaço não é mais espaço lá onde existe o mundo do que lá onde não há mundo a não ser que por acaso se afirme que quando Deus criou o universo neste espaço ao mesmo tempo criou o espaço em si mesmo ou entào que se Deus aniquilasse o universo neste espa ço aniquilaria também o espaço nele Tudo aquilo que tiver mais realidade em um espaço do que em outro deve pertencer ao corpo e não ao espaço Isto se evidenciará com maior clareza se abandonarmos aquele preconceito infantil segundo o qual a extensão é inerente aos corpos da maneira como um acidente inere a um sujeito acidente sem o qual o referido sujeito não pode existir atualmente Uma vez que descrevemos o que é extensão restanos explicar a natureza do corpo Quanto a este ponto contudo a explicação deverá apresentarse com menor certeza Com efeito o corpo não existe necessariamente mas apenas em virtude da vontade de Deus pois dificilmente nos é dado conhecer os limites do poder divi no isto é se a matéria só pocle ter sido criada de um modo ou se existem várias maneiras pelas quais se poderiam criar diferentes seres semelhantes aos corpos E embora dificilmente possa parecer plausível que Deus possa criar seres seme lhantes aos corpos seres que apresentem todas as suas ações e todos os fenôme nos característicos aos mesmos sem serem porém na sua constituição essencial e metafísica verdadeiros corpos todavia uma vez que não tenho um conceito claro e distinto sobre este assunto não ousarei afirmar o contrário em razãò disto sinto hesitação em dizer positivamente em que reside a natureza dos corpos Assim sendo prefiro descrever uma determinada espécie de ser emtudo seme lhante aos corpos e cuja criáção não podemos negar que esteja dentro do poder de Deus de sorte que dificilmente podemos dizer que não seja corpo 46 NEWTON Já que todo homem está consciente de poder mover o seu corpo à vontade e além disso acredita que todos os homens têm o mesmo poder de mover igual mente os seus corpos exclusivamente pelo pensamento o livre poder de mover os corpos à vontade não pode em absoluto ser negado a Deus cuja faculdade de pensamento é infinitamente maior e mais rápida Com base no mesmo argumento devese admitir que Deus exclusivamente pelo pensamento e pela vontade pode evitar que um corpo penetre qualquer espaço definido por certos limites Se Deus exercesse este poder e fizesse com que algum espaço projetado na terra como uma montanha ou qualquer outro corpo fosse impenetrável aos cor pos e conseqüentemente parasse ou refletisse a luz e todas as coisas parecernos ia impossível não considerar este espaço como um verdadeiro corpo com base na evidência fornecida pelos nossos sentidos os quais constituem os únicos juizes nesta matéria Com efeito ele será tangível devido à sua impenetrabilidade e visível opaco e colorido devido à sua reflexão da luz e há de ressoar ao ser atin gido visto que o ar adjacente se moveria em razão do golpe Podemos assim imaginar que existem espaços vazios espalhados através do universo um dos quais definido por certos limites pelo poder divino é casual mente impermeável aos corpos sendo que ex hypothesi é manifesto que haveria de resistir aos movimentos dos corpos e talvez refletilos e assumir todas as propriedades de uma partícula corpórea exceto num ponto será isento de movi mento Se pudermos imaginar ulteriormente que a impenetrabilidade não é sem pre mantida na mesma parte do espaço mas pode ser transferida para cá e para acolá segundo certas leis porém de tal maneira que a quantidade e a forma desse espaço impenetrável não são alteradas não haverá nenhuma propriedade corpo ral que este não possua Teria forma seria tangível e móvel seria também capaz de refletir e ser refletido constituindo também uma parte da estrutura das coisas tanto quanto qualquer outro corpúsculo e não vejo por que não haveria igual mente de operar sobre as nossas inteligências visto não ser outra coisa senão o produto da inteligência divina realizado em uma quantidade definida do espaço Com efeito é certo que Deus pode estimular a nossa percepção pela sua própria vontade e conseqüentemente aplicar este poder aos efeitos da sua vontade Analogamente se vários espaços deste tipo fossem impermeáveis aos corpos e um em relação ao outro todos eles fariam as vezes dos corpúsculos e apresenta riam os mesmos fenômenos E assim se todo este universo fosse constituído desta espécie de seres dificilmente se comportaria de outra forma Por conseqüência tais seres ou seriam corpos ou semelhantes a corpos Se forem corpos neste caso podemos definir os corpos como sendo determinadas quantidades de extensão que o Deus onipresente dota de certas condições Tais condições são as seguintes 1 que sejam móveis por esta razão não afirmei que são partes numéricas do espaço que são absolutamente imóveis mas somente quantidades definidas que podem ser deslocadas de um espaço ao outro 2 que dois corpos desta espécie não possam coincidir em parte alguma ou seja que possam ser impenetráveis e por conseguinte que quando os seus movimen tos os fizerem encontrarse parem e sejam refletidos conforme determinadas leis PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 47 3 que possam excitar várias percepções dos sentidos e da fantasia nas inteli gências criadas e viceversa ser movidos por elas não sendo isto de se admirar uma vez que a descrição da origem das coisas reside nisto Além disso será útil observar os seguintes pontos com respeito aos assuntos já tratados 1 Para a existência desses seres não é necessário supormos que exista algu ma substância ininteligível na qual como sujeito possa haver uma forma subs tancial inerente a extensão e um ato da vontade de Deus são suficientes para isto A extensão ocupa o lugar do sujeito substancial no qual a forma do corpo é con servada pela vontade diviná e aquele produto da vontade divina é a forma ou a razão formal do corpo que caracteriza cada dimensão do espaço no qual o corpo deve ser produzido 2 Esses seres não serão menos reais do que os corpos nem digo eu apresentam menor capacidade para serem denominados substâncias Com efeito qualquer realidade que atribuamos aos corpos deriva dos seus fenômenos e quali dades sensíveis Conseqüentemente consideraríamos tais seres se existissem não menos reais que os corpos Visto que podem receber todas as qualidades deste gê nero e podem também apresentar todos esses fenômenos Tampouco serão menos substância do que os corpos uma vez que também eles subsistirão exclusiva mente pela virtude de Deus e adquirirão também acidentes 3 Entre a extensão e a forma impressa existe aproximadamente a mesma analogia que aquela que os aristotélicos postulam entre a matéria prima e as for mas substanciais isto é quando afirmam que a mesma matéria é capaz de assu mir todas as formas e toma i denominação de corpo numérico da sua forma Pois assim suponho que toda forjna pode ser transferida através de qualquer espaço e em toda parte denota o mesmo corpo 4 Entretanto diferem ho seguinte a extensão pelo fato de ser ao mesmo tempo quid o quê quale de que constituição e quantum quanto encerra mais realidade que a matéria prima Diferem também pelo fato de a extensão poder ser compreendida dò mesmo modo que a forma que atribuí aos corpos Com efeito se houver alguma dificuldade neste conceito não é na forma que Deus confere ao espaço mas na maneira segundo a qual a confere Todavia isto não deve ser considerado como uma dificuldade pois a mesma questão existe com respeito à maneira segundo a qual movemos os nossos corpos e não obs tante isto acreditamos que ípodemos movêlos Se isto nos fosse conhecido em força do mesmo argumento deveríamos também saber de que maneira Deus move os corpos e expulsálos de um determinado espaço limitado em uma determinada figura e impedir os corpos expulsos ou quaisquer outros de penetrarem de novo nele ou seja fazer com que o espaço seja impenetrável e assuma a forma de corpo 5 Desta forma deduzi uma descrição desta natureza corpórea a partir da nossa faculdade de mover osi nossos corpos de sorte que todas as dificuldades do conceito podem ser reduzidas a isto além disso de maneira que possamos ver claramente na nossa consciência íntima que Deus criou o universo exclusi 48 NEWTON vãmente através do ato da sua vontade assim como nós movemos os nossos cor pos unicamente em virtude de um ato da nossa vontade além disso de maneira que eu possa demonstrar que a analogia entre as faculdades de Deus e as nossas próprias faculdades é maior do que foi até agora percebido pelos filósofos Que fomos criados segundo a imagem de Deus a Sagrada Escritura o atesta Ora a sua imagem apareceria mais claramente em nós se ele simulasse nas faculdades a nós outorgadas o poder de criação no mesmo grau que os seus outros atributos tampouco constitui uma objeção o fato de que nós mesmos somos seres criados e conseqüentemente não poderíamos como tais participar deste atributo divino Com efeito se devido a este motivo o poder de criar inteligências não está dese nhado em nenhuma faculdade da inteligência criada não obstante a inteligência criada pelo fato de ser a imagem de Deus reveste uma natureza muito mais nobre que o corpo de maneira que talvez ela possa encerrar em si mesma o corpo de maneira eminente Além disso ao movermos os corpos nada criamos nem podemos criar o que quer que seja mas apenas simulamos a força de criar Com efeito não podemos tornar nenhum espaço impenetrável aos corpos senão qüe apenas movemos os corpos e aliás não quaisquer corpos que queiramos mas exclusivamente os nossos próprios corpos aos quais estamos unidos não pela nossa própria vontade mas em virtude da constituição divina das coisas tampouco podemos mover os corpos de qualquer maneira mas somente em conformidade com as leis que Deus nos impôs Se contudo alguém preferir que esta nossa força seja denominada o nível fi nito e mais baixo do poder que faz com que Deus seja Criador isto não desabona mais o poder de Deus do que desabona a inteligência de Deus o fato de que tam bém nós possuímos uma inteligência em um grau finito sobretudo porque não movemos o nosso próprio corpo em virtude da nossa força independente mas em virtude de leis que nos foram impostas por Deus Pelo contrário se alguém pen sar ser possível que Deus possa criar alguma criatura intelectual tão perfeita que esta pudesse com o consentimento divino produzir por sua vez criaturas de uma ordem inferior isto longe de desabonar o poder divino o realçaria ainda mais pois essa força que é capaz de produzir criaturas não só diretamente mas tam bém através da mediação de outras criaturas é muito maior para não dizer infi nitamente maior Assim possivelmente alguns preferirão supor que Deus impõe à alma do universo por ele criada a tarefa de dotar determinados espaços com as proprie dades dos corpos antes de acreditar que tal função seja desempenhada direta mente por Deus Por esta razão o universo não deve ser denominado criatura da referida alma mas somente criatura do próprio Deus o qual o cria outorgando à alma do universo uma constituição tal que o mundo necessariamente emana dela Eu porém não vejo por que não seja Deus mesmo que informa diretamente o espaço com corpos desde que distingamos entre a razão formal dos corpos e o ato da vontade divina Pois é contraditório afirmar que o corpo seja o ato de que rer ou qualquer outra coisa diferente do efeito que aquele ato produz no espaço PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS I 49 Este efeito não difere menor desse ato do que o espaço no sentido cartesiano ou a substância do corpo segundo a idéia vulgar contanto que suponhamos que são criados isto é que derivam a sua existência da vontade ou que são criaturas da inteligência de Deus Finalmente a utilidade da idéia de corpo que acabo de descrever se demons tra pelo fato de que ela envolve claramente as principais verdades da metafísica explicandoas e confirmandoas inteiramente Pois não podemos postular corpos desta espécie sem ao mesmo tempo supor que Deus existe e criou do nada os cor pos no espaço vazio e que eles constituem seres distintos das inteligências cria das porém capazes de combinar com as inteligências Dize se puderes qual das opiniões já suficientemente conhecidas elucida qualquer uma dessas verda des ou antes não contradiz a todas elas ou não as obscurece Se dissermos com Descartes que a extensão e um corpo não é porventura evidente que com isto abrimos caminho ao ateísmo seja pelo fato de que nesta hipótese a extensão não é criada mas existe desde toda a eternidade seja porque temos uma idéia absoluta dela sem qualquer relação com Deus e assim sendo em certas circunstâncias seria possívelpara nós conceber a extensão imaginando ao mesmo tempo a não existência de Deus Aliás também a distinção entre a inteligência e o corpo não é inteligível dentro desta filosofia de Descartes a menos que afirmemos ao mesmo tempo que a inteligência não tem em absoluto extensão e por conseguinte não está substancialmente piresente em nenhuma extensão ou seja não existe em parte alguma ora isto parece ser o mesmo que negar a existência da inteligência ou pelo menos torna a sua união com o corpo totalmente ininteligível para não dizer impossível Além disso se a distinção das substâncias fem substâncias pensantes e exten sas for legítima e completa Deus não encerra eminentemente em si mesmo a extensão e por conseguinte não pode criála na hipótese cartesiana Deus e a extensão constituirão duas substâncias separadamente completas absolutas e dotadas do mesmo significado Ao contrário se a extensão estiver eminentemente contida em Deus ou no mais elevado ser pensante certamente a idéia da exten são estará eminentemente contida na idéia de pensamento e por conseguinte a distinção entre essas idéias não será tão grande que ambas não possam convir à mesma substância criada isiío é que os corpos possam pensar ou as coisas pen santes possam ser extensas Se porém adotarmos a noção vulgar de corpo ou melhor a nãonoção segundo a qual nos corpos reside uma certa realidade ininteligível que denominam substância na qual inerem todas as qualidades dos corpos isto além de ser ininteligível acarreta os mesmos inconvenientes que o ponto de vista cartesiano Com efeito uma vez que não pode ser compreendida é impossível que a sua distração com respeito à substância da inteligência seja compreendida Pois a distinção haurida da forma substancial ou dos atributos da substância não é suficiente se as puras substâncias não têm uma diferença essen cial as mesmas formas substanciais ou atributos podem convir a ambos e torná los alternativamente se não ao mesmo tempo inteligência e corpo E assim se não compreendemos essa diferença das substâncias destituídas de atributos não 50 NEWTON podemos conscientemente asseverar que a inteligência e o corpo diferem substan cialmente Ou se diferem não podemos descobrir qualquer fundamento para a sua união Além do mais atribuem não menor realidade quanto ao conceito embora menor em palavras a esta substância corpórea considerada como sendo destituída de qualidades e formas do que à substância de Deus abstraída dos seus atributos Eles concebem ambas quando consideradas simplesmente da mesma forma ou melhor não as concebem mas as confundem em alguma idéia comum de uma realidade ininteligível Por conseguinte não ê de se admirar que surjam ateístas os quais atribuem às substâncias corpóreas aquilo que compete exclusivamente à substância divina Com efeito se bem examinarmos as coisas não encontramos praticamente outra razão para o ateísmo senão esta noção dos corpos que têm por assim dizer uma realidade completa absoluta e independente em si mesmos tal como a que quase todos nós por negligência costumamos ter na nossa mente desde a infân cia salvo equívoco de minha parte de sorte que é só verbalmente que deno minamos os corpos criados e dependentes Por minha parte acredito que esta idéia preconcebida explica por que a mesma palavra substância é aplicada univocamente nas escolas filosóficas a Deus e às suas criaturas e também por que motivo ao formarem uma idéia do corpo os filósofos chegam a um impasse e perdem a razão por tentarem formar uma idéia independente de uma coisa que depende de Deus Pois indubitavelmente tudo aquilo que não pode existir independentemente de Deus não pode ser verdadeiramente compreendido independentemente da idéia de Deus Deus não está menos presente nas criaturas do que elas estão presentes nos acidentes de sorte que a substância criada quer consideremos o seu grau de dependência ou o seu grau de realidade possui uma natureza intermédia entre Deus e o acidente Conseqüentemente a idéia da subs tância criada não implica menos o conceito de Deus do que a idéia do acidente implica o conceito de substância criada Assim sendo não deveria abraçar nenhuma outra realidade em si mesma senão uma realidade derivada e incom pleta Assim o preconceito que acabamos de assinalar deve ser posto de lado e a realidade substancial deve ser atribuída antes àquelas espécies de atributos que constituem coisas reais e inteligíveis em si mesmas e não necessitam inerir em um sujeito que ao sujeito que não podemos conceber como dependente e muito menos formar uma idéia do mesmo Podemos lograr isto sem dificuldade se além da idéia de corpo explanada anteriormente considerarmos que podemos conceber o espaço existindo sem qualquer sujeito ao pensarmos no vácuo Por conseguinte a este compete alguma realidade substancial Se porém como ima gina Descartes a idéia do vácuo implicar além disso a mobilidade das partes todos concederão que é uma substância corpórea Da mesma forma se tivés semos uma idéia daquele atributo ou poder em virtude do qual Deus exclusiva mente mediante a ação da sua vontade pode criar os seres conceberíamos pron tamente esse atributo como subsistente por si mesmo sem qualquer sujeito substancial e portanto como incluindo o resto dos seus atributos Contudo enquanto não pudermos formar uma idéia deste atributo nem mesmo do nosso PESO E EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 51 íi próprio poder em virtude dò qual movemos os nossos corpos seria temeridade pretender dizer qual possa ser a base substancial da inteligência E isto que se pode dizeracerca da natureza dos corpos ao explicála acre dito haver demonstrado suficientemente que uma tal criação qual acabo de expor constitui manifestameiite obra de Deus creio haver também demonstrado que se este universo não fosse criado pelo menos um outro muito semelhante a i1 ele poderia ser produzido E uma vez que não ha diferença alguma entre as maté rias no que concerne às suas propriedades e à sua natureza mas apenas no méto do pelo qual Deus criaria ainbas a distinção entre o corpo e a extensão certa mente se esclarece a partir dsto Pois a extensão é eterna infinita incriada em toda parte uniforme absolutamente imóvel e incapaz de induzir mudanças de movimento nos corpos ou miiidanças de pensamento na inteligência ao passo que o corpo é sob todos os aspectos o contrário de tudo isso ao menos se Deus não se dignou criálo sempre e em toda parte Com efeito não ousaria negar este poder a Deus E se alguém pensar de outro modo diga onde ele poderia ter criado a primeira matéria e de onde lhe veio o poder de criar Ou se tal poder criador não teve início mas pelo contrário Deus 0 teve eternamente qüal o tem agora neste caso ele pode ter criado desde toda a eternidade Com efeito é a mesma coisa afirmar que jamais houve em Deus uma impotência para criar e dizer que Deus sempre teve o poder de criar e poderia ter criado e que sempre poderia ter criado a matéria Da mesmafòrma de duas uma ou se deve afirmar um espaço no qual a matéria não pôde ser criada desde o início ou se deve admitir que Deus a pôde ter criado em toda parte21 Além disso para responder mais concisamente ao argumento de Descartes direi o seguinte façamos abstração conforme deseja o autor da gravidade do corpo da sua dureza e de todas as qualidades sensíveis de sorte que nada nele permaneça afora o que pertence à essência do mesmo Permanecerá neste caso exclusivamente a extensão Em absoluto Com efeito podemos excluir também aquela faculdade ou poder através do qual as qualidades estimulam as percepções dos seres pensáhtes Pois unjia vez que existe uma distinção tão grande entre os conceitos de pensamento e dii extensão que é impossível que haja qualquer fun damento de conexão ou relação entre eles exceto o que é produzido pelo poder de Deus a mencionada faculdade dos corpos pode ser rejeitada sem violar a exten são porém não sem violar aisua natureza corpórea Manifestamente as mudan ças que podem ser induzidas nos corpos por causas naturais são apenas aciden tais e não denotam uma verdadeira mudança de substância Se contudo se introduzir qualquer modificayão que transcende as causas naturais ela é mais do que acidental e afeta radicalmente a própria substância Ora segundo o sentido da demonstração só se devem rejeitar aquelas coisas das quais os corpos podem ser privados em virtude da natureza Se alguém objetasse que os corpos não uni dos às inteligências não podem excitar diretamente percepções nas inteligências e que portanto uma vez que de fato existem corpos não unidos a inteligências se 21 As quatro últimas proposições deste parágrafo foram acrescentadas por Newton em uma nota marginal 52 NEWTON conclui que este poder não lhes é essencial importa notar o seguinte não se trata aqui de uma união atual mas tão somente de uma faculdade nos corpos em vir tude da qual estes são capazes de uma união pelas forças da natureza Do fato de que as partes do cérebro particularmente as mais sutis às quais está unida a inteligência estão em um fluxo contínuo sendo que novas partes entram no lugar das que saem é manifesto que essa faculdade se encontra em todos os corpos E quer se considere a ação de Deus ou a natureza corpórea remowr esta não signi fica menos do que remover aquela outra faculdade em virtude da qual os corpos têm a capacidade de transferir ações recíprocas de um aoputro ou seja reduzir o corpo a um espaço vazio Todavia já que a água oferece menor resistência ao movimento dos corpos sólidos através dela do que a prata Viva e o ar muito menos que a água e os espaços etéreos ainda menos do que os espaços repletos de ar se rejeitarmos tam bém a força de resistência à passagem dos corpos necessariamente rejeitaremos também pura simples e totalmente a natureza corpórea do meio Da mesma forma se a matéria sutil fossè privada de toda resistência ao movimento dos gló bulos eu não mais acreditaria que é matéria sutil mas um vácuo espalhado Assim se houvesse algum espaço aéreo ou etéreo de tal espécie que cedesse sem qualquer resistência aos movimentos dos cometas ou de quaisquer outros projé teis acreditaria eu tratarse de um puro vácuo Com efeito é impossível que um fluido corpóreo não impeça o movimento de corpos que passam através dele admitindose como supus anteriormente que ele não está pronto a moverse à mesma velocidade que o corpo Parte Segunda Carta 96 a Marsenne22 Entretanto é evidente que toda essa força pode ser removida do espaço somente se este e o corpo se distinguirem um do outro em conseqüência não se deve negar que eles possam existir separadamente antes de que se tenha demons trado que não diferern um do outro a fim de não incorrer num paralogismo devi do a uma petitio principii Todavia para que não permaneça dúvida alguma cumpre observar quanto ao que acima ficou dito que existem espaços vazios no mundo da natureza Pois se o éter fosse um fluido corpóreo inteiramente destituído de poros vazios por mais sutis que se tornem as suas partes em virtude da divisão ele seria tão denso como qualquer outro fluido e cederia ao movimento dos corpos que passam atra vés dele com igual lentidão na realidade cederia até com lentidão muito maior se o projétil fosse poroso pois neste caso o éter entraria nos seus poros internos encontrando e resistindo não só à sua superfície externa inteira mas também às superfícies de todas as partes internas Uma vez que porém a resistência do éter 22 Ao imaginar que um corpo se move em um meio totalmente destituído de resistência o que suponho é que todas as partículas do corpo fluido que o circundam têm uma tendência a se moverem precisamente com a mesma velocidade como está fazendo quer cedendo a ele o lugar que ocupavam quer indo para aquele lugar que ele abandona e assim não existem fluidos que não resistam a certos movimentos Todavia para supor um tipo de matéria que de forma alguma resista aos diversos movimentos de algum corpo é necessário imaginar que Deus ou um anjo excite as suas partes mais ou menos de sorte que o corpo que elas circundam se mova com rapidez maior ou menor PESOE EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 53 é ao contrário tão reduzida em comparação com a resistência da prata viva a ponto de ser dez ou cem mil vezes menor existe tanto mais motivo para pen sar que a maioria absoluta do espaço etéreo é vazia espalhada entre as partículas etéreas A mesma conjetura pode ser feita em relação aos vários pesos desses flui dos pois a descida dos corpos pesados e as oscilações dos pêndulos demonstram que esses são proporcionais às suas densidades ou às quantidades de matéria contidas em espaços iguais îNao e este porém o lugar para delongarnos sobre o assunto h Do que acabamos de expor se depreende como é falacioso e suspeito este argumento de Descartes Coirn efeito rejeitandose os acidentes dos corpos o que permanece não é apenas a extensão como afirma ele mas também as facul dades em virtude das quais os corpos podem estimular as percepções na inteli gência e pôr em movimento outros corpos Se além disso rejeitarmos essas facul dades e todo poder de mqver de sorte que permaneça exclusivamente uma concepção precisa do espaço uniformeporventura Descartes há de fabricar turbilhões e algum universoa partir desta extensão Certamente não anão ser que invoque a Deus o único capaz de criar corpos de novo em tais espaços re criando tais faculdades ou a natureza dos corpos conforme expliquei acima Assim sendo não me equivoquei na exposição que precede ao atribuir natureza corpórea às faculdades acima enumeradas Por conseguinte uma Vez que os espaços não são os próprios corpos mas apenas os lugares nos quais os corpos existem e se movem acredito que o que afirmei com respeito ao movimento local está suficientemente fundamentado Tampouco me parece que sei possa desejar maior clareza e maiores provas neste assunto O que me parece oportuno isto sim é talvez advertir aqueles que não estão satisfeitoscom istò para um fato pelo espaço cujas partes defini como sendo lugares repletos pelos Corpos devem entender o espaço genérico de Descar tes no qual são movidos os espaços considerados singularmente ou os corpos cartesianos Se tal fizeram díficilmente encontrarão algo a objetar contra as nos sas definições Basta de digressões volíemos agora ao tema principal DEFINIÇÃO V Força é o princípio causal que produz o movimento e o repouso A força é ou externa a que gera ou destrói ou altera de uma forma ou de outra o movi mento impresso em algum corpo ou então é um princípio interno em força do qual um movimento ou um repouso existente é conservado em um determinado corpo e em virtude do qual todo ser tende a continuar no seu estado e opõe resistência DEFINIÇÃO VI Conatus esforço é uma força impedida ou seja uma força à qual se resiste 54 NEWTON DEFINIÇÃO VII ímpeto é uma força na medida em que é impressa a alguma coisa DEFINIÇÃO v iu Inércia é uma força interna ao corpo a qual faz com que o estado deste corpo não seja facilmente modificado por uma força proveniente de fora DEFINIÇÃO IX Pressão é o esforço que as partes contíguas fazem para penetrar umas nas dimensões das outras Com efeito se penetrassem a pressão deixaria de existir A pressão só existe entre partfes contíguas as quais por sua vez pressionam sobre outras partes a elas contíguas até que a pressão seja transmitida às partes mais longínquas de um determinado corpo quer seja este duro mole ou fluido É sobre esta ação que se baseia a comunicação de movimento mediante um ponto ou superfície de contato D e f i n i ç ã o x Gravidade ou peso é uma força que existe em um corpo e que o impulsiona a ir para baixo Todavia com o termo ir para baixo não se entende aqui exclu sivamente o movimento em direção ao centro da terra mas também em direção a qualquer ponto ou região ou mesmo a partir de qualquer ponto Ássim sendo se o conatus esforço do éter que gira velozmente em tornodo sol em afastarse do seu centro for considerado como gravidade poderseia dizer que o éter ao afastarse do sol vai para baixo Analogicamente denominase horizontal aquele plano que está diretamente oposto à direção da gravidade ou conatus DEFINIÇÃO x i A intensão intensidade de qualquer uma das forças acima referidas é o grau de sua qualidade DEFINIÇÃO XII A sua extensão é a quantidade de espaço ou de tempo na qual opera DEFINIÇÃO XIII A sua quantidade absoluta é o produto da sua intensão e da sua extensão Assim se a quantidade da intensão for 2 e a quantidade da extensão for 3 multi pliquemse os dois fatores e se terá a quantidade absoluta 6 p e s o e e q u i l í b r i o d o s f l u i d o s 55 Além disso convém ilustrar essas definições para as diversas forças mencionadas Assim o movimento é mais intenso ou mais fraco conforme o espaço per corrido ao mesmo tempo foi maior ou menor razão pela qual se diz que um corpo se move com mais rapidez ou com maior lentidão Por outra parte o movi mento tem extensão maior ou menor conforme o corpo em movimento for maior ou menor ou conforme o mpvimento estiver agindo sobre um corpo maior ou menor Por sua vez a quantidade absoluta do movimento se compõe da veloci dade juntamente com a graniileza do corpo em movimento Em conseqüência o conatus o ímpeto ou a inéixia são mais intensos quando forem maiores no mesmo corpo ou em um corpio equivalente têm maior extensão quando o corpo for maior sendo que a sua quantidade absoluta resulta da multiplicação de um fator pelo outro Da mesma forma a intensão da pressão ê proporcional ao aumento da pressão exercida sobre a área da superfície ao passo que a sua exten são ê proporcional à superfície pressionada Por sua vez a quantidade absoluta resulta da intensão da pressão e a área da superfície pressionada Finalmente a intensão da gravidade é proporcional à gravidade específica do corpo ao passo que a sua extensão é proporcional ao tamanho do corpo pesado e falandose em termos absolutos a quantidade da gravidade é o produto da gravidade específica e da massa do corpo em gravitação Todo aquele que não fizer essas distinções corretamente incorrerá necessa riamente em muitos erros no setor das ciências mecânicas Além do que dissemos iiotarseá que a quantidade dessas forças pode por vezes ser calculada a partir do período da duração Por este motivo haverá uma quantidade absoluta que será o produto da intensão da extensão e da duração Por conseguinte se um corpo de tamanho 2 se move à velocidade 3 durante um período de tempo 4 o movimento completo será 2 x 3 x 4 ou seja 12 DEFINIÇÃO XIV l Velocidade é a intensão do movimento ao passo que a lentidão e a diminui ção do movimento DEFINIÇÃO xv Os corpos são mais densos quando a sua inércia for mais intensa sendo menos densos rariora mais raros quando a sua inércia for mais fraca As demais forças acima referidas carecem de denominação Contudo notarseá querse com Descartes e Epicuro supusermos que a rare fação e a condensação se efetuam à maneira de uma esponja sem pressão ou comprimida isto é através dá dilatação e contração dos poros os quais são ou repletos de alguma matéria sutilíssima ou vazios de matéria neste caso deve mos calcular o tamanho do cprpo inteiro a partir da quantidade das suas partes e dos seus poros em conformidade com a décima quinta definição de sorte que podemos considerar que a inércia é diminuída pelo aumento dos poros e intensifl 56 NEWTON cada pela diminuição dos mesmos como se os poros os quais não oferecem nenhuma resistência de inércia à mudança e cujas misturas com as partes verda deiramente corpóreas dão origem a todos os vários graus de inércia tivessem al guma proporção com as partes Todavia a fim de podermos conceber este corpo compostocomo um corpo uniforme imaginemos que as suas partes são infinitamente divididas e espalhadas em toda parte através dos poros de sorte que em todo o corpo composto não exista a mínima parte de extensão sem uma mistura absolutamente perfeita de partes e poros assim infinitamentedivididos Certamente aos matemáticos con vém contemplar as coisas à luz deste raciocínio ou se preferirmos à maneira dos peripatéticos na física porém as coisas se apresentam de outra forma DEFINIÇÃO XVI Um corpo elástico é aquele que pode ser condensado contraído por pres são ou ser comprimido para limites ou dimensões menores um corpo não elás tico é aquele que não pode ser contraído por tal força23 DEFINIÇÃO XVII Um corpo duro é aquele cujas partes não cedem à pressão DEFINIÇÃO XVIII Um corpo fluido é aquele cujas partes cedem entre si a uma pressão predo minante 2 4 Aliás dizse que as pressões em virtude das quais o fluido é impulsio nado em qualquer direção pouco importando se essas pressões são exercidas apenas sobre a superfície externa ou sobre as partes internas pela ação da gravi dade ou por qualquer outra causa são contrabalançadas equilibradas quan do o fluido repousa em equilíbrio Esta afirmação tem base se a pressão for exer cida em uma determinada direção e não simultaneamente em todas as direções DEFINIÇÃO XIX Os limites que definem a superfície do corpo tal como a madeira ou o vidro que contém o fluido ou que definem a superfície da parte externa do mesmo fluido que contém alguma parte interna constituem o recipiente do fluido vasfluidi Nas mencionadas definições porém refirome exclusivamente a corpos absolutamente duros ou fluidos pois não se pode raciocinar matematicamente 23 Isto foi inserido por Newton após o término desta parte do texto sendo que as definições restantes foram reenumeradas 2 4 Originalmente esta definição constava de uma só proposição sendo que o resto da definição foi acres centado por Newton como uma nota marginal após a inclusão da nova definição 16 As definições 18 e 19 receberam muitas correções PESO E ÇQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 57 j i acerca de corpos que são apenas parcialmente duros ou fluidos em razão das inú meras circunstâncias que afetam as figuras os movimentos e a contextura das mí nimas partículas Assim imagino que um fluido não consta de partículas duras mas que é de tal tipo que níío tenha nenhuma pequena porção ou partícula que não seja fluida Além disso juma vez que não cabe aqui examinar a causa física da fluidezj defino as partes não como estando em movimento entre si mas apenas como sendo capazes de moviímento ou seja como sendo em toda parte divididas uma da outra de tal maneirai que embora se possa supor que estejam em contato e em repouso umas com respeito às outras todavia não estão como que coladas umas às outras mas podem ser movidas separadamente por qualquer força introduzida2 5 e podem alterjar o estado de repouso com a mesma facilidade que o estado de movimento se se moverem relativamente Com efeito suponho que as partes dos corpos duros não somente se tocam umas às outras e permanecem em relativo repouso mas além disso estão unidas com tal força e firmeza como se estivessem coladas entre si de sorte que nenhuma delas possa moverse sem que se movam simultaneamente todas elas ou então que um corpo duro não é constituído de partes conglomeradas senão que constitui um corpo indiviso e uniforme que preserva a sua forma com a máxima firmeza ao passo que um corpo fluido está dividido de irnaneira uniforme em todos os pontos Conseqüentemente adaptei essas definições não às coisas físicas mas ao modo de pensar matemático à maneira dos geômetras os quais não adaptam as suas definições das figuras às irregularidades dos corpos físicos E assim como as dimensões dos corpos físicos são melhor determinadas a partir da sua geome tria como as medições de um campo a partir da geometria plana embora um campo não seja um plano verdadeiro e as medições da terra a partir da tese da esfericidade embora a terra não tenha uma forma exatamente esférica da mesma forma as propriedades dos fluidos e dos sólidos físicos são melhor conhe cidas a partir desta tese matemática ainda que talvez não sejam fluidos ou sóli dos no sentido absoluto e uniforme que venho definindo aqui Proposições a respeito dos fluidos não elásticos AXIOMAS 1 De postulados semelhantes seguem conseqüências semelhantes 2 Corpos que estão em contato entre si pressionamse reciprocamente de maneira igual p r o p o s i ç ã o i Todas as partes de um fluido não pesado se forem comprimidas com a mesma intensão em todas asdireções pressionamse reciprocamente de maneira igual ou com igual intensão 2 B O resto desta proposição foi acrescentado pelo autor como nota marginal 58 NEWTON PROPOSIÇÃO II E a compressão não produz um movimento relativo das partes Demonstração das duas proposições Suponhamos primeiramente que o fluido está contido e é comprimido de haneira uniforme pelo limite esférico AB cujo centro é K ver figura Qualquer pequena porção dele CGEHi é limitada pelas duas superfícies esféricas CD e EF descritas em tomo do mesmo centro K e pela superfície cônica GKH cuao vér tice está em K E é evidente que CGEH de forma alguma pode aproximarse do centro K pois toda a matéria que se encontra entre as superfícies esféricas ÇD e EF em toda parte se aproximaria do mesmo centro pela mesma razão e assim penetraria o volume do fluido contido dentro da esfera EEF Tampouco CGEH pode afastarse em qualquer direção em direção à circunferência AB pois toda essa parte do fluido entre CD e EF também se afastaria pela mesma razão e assim penetraria o volume de fluido que se encontra nas superfícies esféricas AB e CD Tampouco pode ser comprimida fora para os lados por exemplo em dire ção a H visto que se imaginarmos uma outra pequena seção Hy terminada em cada direção pelas mesmas superfícies esféricas e uma similar superfície cônica e contígua a GH e H esta seção Hypode pela mesma razão ser comprimida fora em direção a H e desta forma produzir uma penetração de volume pela mútua aproximação de partes contíguas E assim é que nenhuma porção de fluido CGEH pode ultrapassar os seus limites devido à pressão Assim sendo todas as partes permanecem em equilíbrio Era essa a primeira coisa que desejava demonstrar Afirmo também que todas as partes se pressionam mutuamente de maneira igual e com a mesma intensão de pressão com a qual é comprimida a superfície externa Para demonstrar isto imaginemos que PSQR constitui uma parte do men cionado fluido AB contido por segmentos esféricos semelhantes PRQ e PSQ e que sua compressão sobre a superfície interna PSQ é tão grande como a que é exercida sobre a superfície externa PRQ ver figura 2 acima Com efeito Fig 1 Fig 2 PESOE EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 59 já demonstrei que esta parte do fluido permanece em equilíbrio e assim os efeitos das pressões que agem sobre as suas duas superfícies são iguais e por conse guinte as pressões são iguaist Assim sendo uma vez que as superfícies esféricas como PSQ podem ser des critas em toda parte no fluido AB e podem tocar quaisquer outras determinadas superfícies em quaisquer pontos seguese que a intensão da pressão das partes ao longo das superfícies colocadas em qualquer lugar é tão grande como a pressão sobre a superfície externa dojífluido Este era o segundo ponio que tencionava demonstrar Além disso uma vez qúe a força deste argumento se baseia na igualdade das superfícies PRQ e PSQ a fln de que não pareça que existe alguma disparidade na qual um está no fluido e jp putro ê um segmento da superfície externa será de utilidade imaginar que toda ji esfera AB constitui uma parte de um volume indefi nidamente maior de fluido na qual está contido como em um vaso e em toda parte é comprimido da mesüia forma precisamente como a sua parte PRQS é comprimida sobre a superfídíe PSQ por uma outra parte PABQS Com efeito o método pelo qual a esferaí AB é comprimida não tem importância alguma enquanto se supuser que a sua compressão é igual em toda parte Agora que estas coisas foram demonstradas para uma esfera fluida digo para finalizar que todas as partes do fluido D limitado de qualquer maneira que seja e comprimido com a mesma intensão em todas as direções se pressionam reciprocamente de maneira igual e não são feitas para se moverem relativamente pela compressão Com efeitq suponhamos que AB seja uma esfera fluida indefi nidamente maior comprimida com o mesmo grau de intensão e suponhamos que Ô seja alguma parte dele igual e semelhante a D A partir do que já foi demons trado seguese que esta parte 3 é comprimida com uma intensão igual em todas as direções e que a intensão la pressão é a mesma que a da esfera AB ou seja por hipótese que aquela que comprimiu o fluido D Assim sendo a compres são dos fluidos semelhantes é iguais D e ô é igual e conseqüentemente os efeitos também serão iguais Ora todas as partes da esfera AB e por conseguinte do flui do ô contido nela se pressionam reciprocamente de maneira igual e a pressão não produz um movimento Mativo das partes Por esta razão o mesmo se veri fica com o fluido D É o que jbumpria demonstrar i COROLÁRIO I As partes internas de um fluido se pressionam reciprocamente com a mesma intensão que aquela pela qual o fluido é pressionado sobre a sua superfície externa COROLÁRIO II Se a intensão da pressão não for em toda parte a mesma o fluido não per manece em equilíbrio Com efeito uma vez que ele permanece em equilíbrio pelo 60 NEWTON fato de a pressão ser em toda parte uniforme se a pressão for aumentada em algu ma parte predominará ali e fará com que o fluido se retire desta região COROLÁRIO III Se nenhum movimento for produzido em um fluido pela pressão a intensão da pressão é em toda parte a mesma Com efeito se não for a mesma o movi mento será causado pela pressão predominante COROLÁRIO IV Um fluido pressiona sobre tudo aquilo que o limita com a mesma intensão que o fluido é pressionado por tudo aquilo que o limita e viceversa Uma vez que as partes de um fluido são certamente os limites de partes contíguas e se pressio nam reciprocamente com uma intensão igual imaginemos que o referido fluido seja parte de um fluido maior ou semelhante e igual a tal parte e comprimido de maneira semelhante e a afirmação se tornará evidente c o r o l á r i o v Um fluido pressiona em toda parte todos os seus limites se estes forem capazes de resistir à pressão aplicada com aquela intensão com a qual ele mesmo é pressionado em qualquer lugar Pois de outra forma ele não seria pressionado em toda parte com a mesma intensão Nesta hipótese ele cede à pressão mais intensa E assim sendo ele ou será condensado ou romperá os limites onde a pressão for menor ESCOLIO Propus tudo isso a respeito dos fluidos não enquanto estes estão contidos em recipientes duros e rígidos mas dentro de limites moles e bem flexíveis diga mos por exemplo dentro da superfície interna de um fluido externo homogêneo de modo a poder demonstrar mais claramente que o seu equilíbrio é causado exclusivamente por um grau igual de pressão em todas as direções Todavia uma vez que um fluido é colocado em equilíbrio por uma pressão igual é indiferente imaginar que ele está contido dentro de limites rígidos ou dentro de limites que cedem GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ OS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DITOS A MONADOLOGIA Tradução de Marilena de Souza Chauí Berlinck Do original francês La Monadologie in Die Philosophischen Schriften von Gottfried Wilhelm Leibiuz edi tados por C J Gerhardt vol VI 1961 1 A Mônada de que falaremos aqui ê apenas uma substância simples que entra nos compostos Simples quer dizer sem partes 2 Visto que há compojstos é necessário que haja substâncias simples pois o composto é apenas a reunião ou aggregatum dos simples 3 Ora onde há parteis não há extensão nem figura nem divisibilidade possíveis e assim as Mônaíçias são os verdadeiros Átomos da Natureza e em uma palavra os Elementos d 4 Delas também não uma substância simples poss 5 Pela mesma razão fLS coisas iá a temer qualquer dissolução é inconcebível que a perecer naturalmente é inconcebível que uma substância simples possa começar naturalmente pois ijão poderia formarse por composição 6 Assim pode dizerse que as Mônadas só podem começar ou acabar instantaneamente ou por outras palavras só lhes é possível começar por criação e acabar por aniquilamento ao passo que todo o composto começa e acaba por partes 7 Não há meio tambéjjn de explicar como a Mônada possa ser alterada ou modificada em seu íntimo por outra criatura qualquer pois nada se lhe pode transpor nem se pode concejber nela algum movimento interno que de fora seja excitado dirigido aumentadjí ou diminuído lá dentro como nos compostos onde há mudança entre as partes As Mônadas não têm janelas por onde qualquer coisa possa entrar ou sair Ojs acidentes não podem destacarse nem passear fora das substâncias como outroja as espécies sensíveis dos Escolásticos Assim nem substância nem acidente poajem vir de fora para dentro da Mônada 8 No entanto as Mônadas precisam ter algumas qualidades pois caso contrário nem mesmo seriam entes Se as substâncias simples em nada diferissem pelas suas qualidades não nas coisas pois o que está n jhaveria meio de se aperceber qualquer modificação b composto não pode vir senão dos ingredientes sim ples e as Mônadas não tendo qualidades seriam indistinguíveis umas das qutras visto não diferirem também iim quantidade e por conseguinte admitido o pleno cada lugar receberia semprei no movimento só o equivalente do que antes conti vera e um estado de coisas sjsria portanto indiscernível de outro 9 É mesmo preciso toias as Mônadas diferirem entre si porque na Natu reza nunca há dois seres perfeitamente idênticos onde não seja possível encontrar uma diferença interna ou furldada em uma denominação intrínseca 10 Dou ainda por aceito estar todo ser criado sujeito à mudança e por conseguinte também a Môijiada criada e considero ser esta mudança contínua em cada uma delas li 64 LEIBNIZ 11 Do que dissemos concluise que as mudanças naturais das Mônadas procedem de um princípio internopois no seu íntimo não poderia influir causa alguma externa 12 É contudo necessário haver além do princípio da mudança um porme nor détail do que muda que produza por assim dizer a especificação e varie dade das substâncias simples 13 Este pormenor détail deve envolver uma multiplicidade na unidade ou no simples porque realizandose toda mudança natural gradativamente sempre alguma coisa muda e outra permanece Por conseqüência tem que haver uma pluralidade de afecções e relações na substância simples embora ela não tenha partes 14 O estado passageiro envolvendo e representando a multiplicidade na unidade ou na substância simples é precisamente o que se chama Percepção que deve distinguirse da apercepção ou da consciência como adiante se verá Foi este o ponto onde falharam os Cartesianos ao desprezarem as percepções inaper cebidas Eis também a razão de sua crença de que só os Espíritos são Mônadas e de que não há Almas dos Irracionais e outras Enteléquias confundindo com o vulgo um longo atordoamento com a verdadeira morte o que os fez cair ainda no preconceito escolástico das almas completamente separadas e chegou mesmo a fortalecer os espíritos mal orientados na opinião da mortalidade das almas 15 Pode chamarse Apetição à ação do princípio interno que provoca a mudança ou a passagem de uma percepção a outra Verdade é que nem sempre a apetência alcança completamente toda a perfeição para que tende porém alcança sempre alguma coisa chegando a novas percepções 16 Nós próprios experienciamos uma multiplicidade na substância simples quando verificamos que o menor pensamento apercebido envolve variedade no objeto Portanto quem reconhece a alma como substância simples deve reconhe cer esta multiplicidade na Mônada E Bayle não devia encontrar neste ponto dificuldade alguma como encontrou em seu Dicionário no artigo Rorarius 17 Aliás devese confessar que a percepção e o que dela depende é inexpli cável por razoes mecânicas isto é por figuras e movimentos Pois imaginando haver uma máquina cuja estrutura faça pensar sentir e perceber poderseá concebêla proporcionalmente ampliada de modo a poderse entrar nela como num moinho Admitido isso ao visitála por dentro não se encontrarão lá senão peças impulsionandose umas às outras e nada que explique uma percepção Por tanto essa explicação só deve ser procurada na substância simples e não no composto ou na máquina E é apenas isso precisamente o que se pode encontrar na substância simples percepções e suas modificações Também só nestas podem consistir todas as Ações internas das substâncias simples 18 Poderseiam denominar Enteléquias todas as substâncias simples ou Mônadas criadas pois contêm em si uma certa perfeição ékhousi tò entelés e têm uma suficiência autárkeia a tornálas fontes das suas ações internas e por assim dizer Autômatos incorpóreos 19 Se quisermos chamar Alma a tudo o que tem percepções e apetências no sentido geral que acabo de explicar todas as substâncias simples ou Mônadas A MONADOLOGIA 65 criadas poderseiam chamai Almas Mas como o sentimento é algo mais do que uma simples percepção conpordo em ser suficiente a designação geral de Môna das e Enteléquias para as substâncias simples possuidorâs apenas desta percep ção e que se denominem A mas somente aquelas cuja percepção é mais distinta e acompanhada de memóriaj 20 Nós próprios experienciamos um estado em que não nos recordamos de nada nem temos qualquer percepção distinta como quando caímos em delíquio ou ficamos prostrados num íiono profundo e sem sonho Neste estado a alma não difere sensivelmente de uma simples Mônada porém como este estado não é duradouro e a alma dele se lijberta ela é alguma coisa mais 21 E de modo nenhum se segue daí que a substância simples possa existir sem qualquer percepção Isjio é impossível pelas razões acima apontadas pois nem poderia perecer nem de igual modo subsistir sem alguma afecção que é precisamente a sua percepção Quando há porém uma quantidade grande de pequenas percepções e nestjis nada distinto ficase atordoado como quando se anda à roda continuamente num mesmo sentido sobrevindo uma vertigem que nos faz desmaiar e não nojs consente distinguir coisa alguma Durante algum tempo a morté pode produzií este estado nos animais 22 Ora como todo oj estado presente de uma substância simples é uma continuação natural do seu ejstado passado assim também o presente está prenhe do futuro Jj 23 Uma vez que a substância simples despertada do aturdimento se aper cebe das suas percepções jí absolutamente necessário havêlas tido imediata mente antes embora inaperclebidas na ocasião pois uma percepção não proviria naturalmente a não ser de oütra percepção assim como um movimento não pode ria vir naturalmente senão dè outro movimento 24 Por onde se vê que se nada possuíssemos de distinto e por assim dizer de superior e de uma maiojr delicadeza nas nossas percepções viveríamos em constante atordoamento É epte o estado das Mônadas nuas 25 Vemos também qúe a Natureza deu percepções apuradas aos animais peíos cuidados que teve em jilotálos de órgãos que conjuguem vários raios de luz ou várias ondulações de arJ para os tornar mais eficazes pela sua união Algo existe consemelhante no olfato nopaladar no tato e talvez em muitos outros sen tidos por nós desconhecidos J j Muito breve explicarei como o que se passa na alma representa o que acontece nqs órgãos 26 A memória dá às almas uma espécie de consecução que imita a razão mas que deve distinguirse dela É o que observamos quando os animais ao per ceberem álgo que os incomoda no momento e de que anteriormente tiveram per cepção parecida se reportam por meio da representação da memória ao que nela esteve associado na percepção precedente e experienciam sentimentos seme lhantes aos de então Por xemplo quando se mostra um pau aos cães eles recordados da dor que lhes causou ganem e fogem 27 A imaginaçãoforte que os perturba e agita provém ou da intensidade ou da freqüência das percepções anteriores pois muitas vezes uma impressão 66 LEIBNIZ forte desempenha de repente o papel de um velho hábito ou o de muitas percep ções fracas e repetidas 28 Os homens procedem como os irracionais quando as consecuções de suas percepções apenas se executam devido ao princípio da memória asseme lhandose a médicos empíricos que só possuem a prática sem a teoria Em três quartas partes das nossas ações somos exclusivamente empíricos Por exemplo procedese como empirista quando se espera que haja dia amanhã pelo fato de sempre até hoje ter sido assim Só o astrônomo em tal expectativa julga segun do a razão 29 Mas o conhecimento das verdades necessárias e eternas elevandonos ao conhecimento de nós próprios e de Deus é o que nos distingue dos simples animais e nos permite alcançar a Razão e as ciências É isso o que em nós se denomina Alma racional ou Espírito 30 É ainda pelo conhecimento das verdades necessárias e pelas suas abstra ções que nos elevamos aos atos de reflexão que nos fazem pensar no que se chama o Eu moi e considerar que isto ou aquilo está em nós E assim é que pen sando em nós pensamos no Ser na Substância no simples e no composto no imaterial e até mesmo em Deus concebendo como sem limites nele aquilo que em nós é limitado Estes atos de reflexão dãonos os objetos principais dos nossos raciocínios 31 Os nossos raciocínios fundamse sobre dois grandes princípios o da contradição pelo qual consideramos falso o que ele implica e verdadeiro o que é oposto ao falso ou lhe é contraditório 32 E o da Razão Suficiente pelo qual entendemos não poder algum fato ser tomado como verdadeiro ou existente nem algum enunciado ser considerado verídico sem que haja uma razão suficiente para ser assim e não de outro modo embora freqüentemente tais razões não possam ser conhecidas por nós 33 Também há duas espécies de verdades as de Razão e as de Fato As verdades de Razão são necessárias e o seu oposto impossível as de Fato contingentes e o seu oposto possível Quando uma verdade é necessária pode encontrarselhe a razão por meio da Análise decompondoa em idéias e verda des mais simples até alcançar as primitivas 34 Assim entre os Màtemáticos os Teoremas de especulação e os Cânones de prática reduzemse pela análise a Definições Axiomas e Postulados 35 Finalmente há idéias simples impossíveis de definir outrossim Axio mas e Postulados ou em resumo princípios primitivos insuscetíveis de prova e aliás sem necessidade alguma dela São os Enunciados idênticos cujos opostos implicam contradição expressa 36 Mas a razão suficiente deve encontrarse também nas verdades contin gentes ou de fato isto é na seqüência das coisas espalhadas pelo universo das criaturas em que a decomposição em razões particulares poderia atingir uma particularização ilimitada devido à imensa variedade das coisas da Natureza e à divisão dos corpos até ao infinito Há uma infinidade de figuras e movimentos presentes e passados entrando na causa eficiente deste meu ato presente de escre A MONADOLOGIA 67 ver e uma infinidade de peqpenas inclinações e disposições da minha alma pre sentes e passadas que entramjjna sua causa final 37 E como todo este pormenor dêtail só implica outros contingentes anteriores que podem ser majjs pormenorizados cada qual necessitando ainda de análise semelhante para encontrar sua razão nada se adianta por este caminho e é preciso que a razão suficiente ou última esteja fora da seqüência ou séries deste pormenor détail das cjhntingências mesmo que a seqüência seja infinita 38 Por esse motivo à razão última das coisas deve encontrarse numa substância necessária na qual o pormenor das modificações só esteja eminente mente como na origem É o jpe chamamos Deus 39 Ora sendo esta substância razão suficiente de todo aquele pormenor que por sua vez está entreláçando em toda parte há um só Deus e esse Deus é suficiente j 40 Esta suprema subsjiância única universal e necessária sem nada exter no independente dela e simpjles resultado da sua possibilidade pode também jul garse que não é suscetível de limites e que contém o máximo possível de realidade jí 41 Seguese daí que Djbus é absolutamente perfeito pois a perfeição é ape nas a grandeza da realidadej numa rigorosamente excluídos os limites ou restri ções nas coisas em que os há E onde não houver quaisquer limites quer dizer em Deus a perfeição é absolutamente infinita 42 Seguese tambémjique as criaturas devem suas perfeições à influência divina e as imperfeições à sua própria natureza incapaz de ser ilimitada É por isso que se distinguem de d I u s Essa imperfeição original das criaturas manifes tase na inércia natural dos cjórpos 43 É ainda verdade éncontrarse em Deus não só a fonte das existências mas também a das essênciajs enquanto reais ou do que há de real na possibili dade Por isso o entendimejritp divino é a região das verdades eternas ou das idéias de que elas dependenji Sem ele nada haveria de real nas possibilidades e não somente nada haveria exjistente como ainda nada seria possível 44 Pois se há algumajj realidade nas essências ou possibilidades ou então nas verdades eternas é absolutamente necessário fundar esta realidade em algo existente e atual e por conkeguinte na existência do Ser necessário em que a essência contém a existêncialj ou no qual é suficiente ser possível para ser atual 45 Assim só Deus ou o Ser necessário possui este privilégio se é possível tem de existir necessariamente Ora como nada pode impedir a possibilidade do que não tem quaisquer limitjís qualquer negação e por conseguinte contradição isto é suficiente para se conjiecer a priori a existência de Deus Demonstramola também pela realidade das jiverdades eternas mas igualmente acabamos de pro vála a posteriori pela exisjência dos seres contingentes que não podem ter a razão última ou suficiente jsenão no ser necessário que em si mesmo possui a razão de existir i 46 No entanto de nerjjhuma maneira se pode pensar com alguns serem as verdades eternas pela sua dependência de Deus arbitrárias e subordinadas à suà 68 LEIBNIZ vontade como parece aceitálo Descartes e após ele Poiret Essa opinião só é verdadeira relativamente às verdades contingentes cujo princípio é o da conve niência ou escolha do melhor ao passo què as verdades necessárias dependem exclusivamente do entendimento divino constituindo o seu objeto interno 47 Assim só Deus é unidade primitiva ou a substância simples originária de que todas as Mônadas criadas ou derivadas são produções e nascem de momento a momento digamos assim por Fulgurações contínuas da Divindade restringidas pela receptividade da criatura para a qual é essencial ser limitada 48 Há em Deus a Potência origem de tudo depois o Conhecimento con tendo a particularidade das idéias por fim a Vontade que provoca as mudanças ou produções segundo o princípio do melhor É isto que corresponde ao que cons titui nas Mônadas criadas o sujeito ou a base isto é a faculdade perceptiva e a faculdade apetitiva Em Deus no entanto estes atributos são absolutamente infinitos ou perfeitos e nas Mônadas criadas ou nas Enteléquias ou perfectiha bies como Ermolau Bárbaro traduziu esta palavra não passam de imitações proporcionais à perfeição nelas contida 49 Dizse que a criatura atua exteriormente na medida em que tem perfei ção e padece a atuação de uma outra na medida em que é imperfeita Assim se a Mônada tiver percepções distintas atribuiselhe a ação se confusas a paixão 50 E uma criatura é mais perfeita do que outra quando nela se encontra a razão a priori do que se passa na outra e por isso se diz que ela atua sobre a outra 51 Mas nas substâncias simples é meramente ideal a influência de uma Mônada sobre outra influência que só pode exercerse com a intervenção de Deus quando nas idéias divinas uma Mônada pede com razão que Deus regu lando as outras desde o começo das coisas a considere também Dada a impossi bilidade de uma Mônada criada influir fisicamente no íntimo de outra só por esse meio uma pode estar dependente da outra 52 Por isso nas criaturas as ações e paixões são mútuas pois Deus ao comparar duas substâncias simples encontra em ambas razões que o obrigam a acomodálas uma à outra E por conseguinte o ativo sob determinados aspec tos é passivo de um ponto de vista diferente ativo enquanto aquilo que se conhe ce distintamente nele explica o que se passa em outropassivo enquanto a razão do que lhe acontece está no que se conhece distintamente em outro 53 Ora como há uma infinidade de universos possíveis nas Idéias de Deus e apenas um único pode existir tem de haver razão suficiente da escolha de Deus que o determine a preferir um a outro 54 E esta razão só pode encontrarse na conveniência ou nos graus de per feição contidos nesses mundos tendo cada possível o direito de aspirar à exis tência pela medida da perfeição que envolver 55 Eis a causa da existência do melhor conhecido por Deus pela sabedo ria escolhido pela sua bondade e produzido pela sua potência 56 Ora este enlace ou esta acomodação de todas as coisas criadas a cada uma e de cada uma a todas as outras faz cada substância simples ter relações que exprimem todas as outras e ser portanto um espelho vivo e perpétuo do universo A MONADOLOGIA 69 57 E assim como a mesma cidade parece outra e se multiplica perspectiva mente sendo observada de diversos lados o mesmo sucede quando pela infinita quantidade das substâncias líimples parece haver outros tantos universos diferen tes que no entanto são apenas as perspectivas de um só segundo os diferentes pontos de vista de cada Mônjàda 58 Eis o meio de se obter toda a variedade possível mas com a maior ordem quer dizer o meio dejjobter a máxima perfeição que se puder alcançar 59 Também só há esia hipótese que ouso considerar demonstrada para exaltar devidamente a grandeza de Deus Reconheceuo Bayle quando no seu Dicionário artigo Rorarius formulou objeções nas quais ficou mesmo tentado a crer que eu concedia demasijado a Deus até mais do que é possível Mas não con seguiu alegar razão alguma para mostrar a impossibilidade dessa harmonia uni versal que faz toda a substancia exprimir exatamente todas as outras devido às relações nela contidas p 60 Pelo que acabo deidizer vêemse as razões a priori para as coisas não poderem suceder de outro mòdo Porque Deus ao regular o todo atendeu a cada parte e muito em especial ja cada Mônada cuja natureza representativa nada conseguiria limitar à representação de uma só parte das coisas muito embora na verdade esta representação ieja confusa apenas nos pormenores de todo o uni verso e distinta apenas em ppquena parte das coisas isto é ou nas mais próximas ou nas maiores relativamente a cada uma das Mônadas de outro modo cada 11 Mônada seria uma Divindade As Mônadas sao limitadas não no objeto mas na modificação do conhecimento do objeto Todas tendem confusamente para o infi nito para o todo mas os graliis das percepções distintas as limitam e distinguem 61 Neste ponto os cojínpostos simbolizam os simples pois como tudo é pleno o que torna toda a níatéria ligada e como no pleno qualquer movimento exerce algum efeito sobre osicorpos distantes proporcional à distância de sorte a ser cada corpo afetado não jsó pelos que o tocam e a ressentirse de certo modo de tudo quanto lhes acontece mas também por intermédio deles se ressente dos que tocam os primeiros pelós quais é imediatamente tocado seguese que esta comunicação pode atingir qjialquer distância E por conseguinte todo corpo se ressente de quanto se faz ncjj universo de modo que o onividente poderia ler em cada um o que se faz em toda a parte e até mesmo quanto se faz ou fará obser vando no presente o que está afastado tanto nos tempos como nos lugares Simp noia panta dizia Hipócratesj Mas uma alma só pode ler em si mesma o que nela está distintamente representado e não poderia desenvolver duma só vez todos os seus recônditos pois estes vãjo até ao infinito 62 Assim embora caqia Mônada criada represente todo o universo repre senta mais distintamente o jcorpo que lhe está particularmente afeto e de que constitui a Enteléquia e conio esse corpo exprime todo o universo pela conexão de toda a matéria no pleno alma representa também todo o universo ao repre sentar esse corpo que lhe perfence de um modo particular 63 O corpo pertencente a uma Mônada que é a sua Enteléquia ou Alma constitui com a Enteléquia o que se pode chamar um vivent e com a alma o que 70 LEIBNIZ se denomina um animal Ora esse corpo de vivente ou de animal é sempre orgâni co pois sendo cadaMônada a seu modo um espelho do universo e estando este por sua vez regulado numa ordem perfeita tem de haver também uma ordem no representante isto é nas percepções da alma e por conseguinte no corpo segundo a qual o universo está representado nela 64 Assim cada corpo orgânico de vivente é uma espécie deMáquina divi na ou de Autômato natural excedendo infinitamente todos os autômatos artifi ciais porquanto uma máquina feita pela arte do homem não é máquina em cada uma das suas partes Por exemplo o dente de uma roda de latãotem partes ou fragmentos que já não são para nós algo artificial e relativamente ao seu uso nada possui de característico da máquina a que a roda se destinava As máquinas da Natureza porém ou seja os corpos vivos são ainda máquinas nas suas meno res partes até ao infinito Eis o que distingue a Natureza e a Arte quer dizer a Arte Divina e a nossa 65 E o Autor da Natureza pôde executar este artifício divino e infinita mente maravilhoso por ser cada porção da matéria não só divisível até ao infi nito como os antigos reconheceram mas estar ainda atualmente subdividida sem fim cada parte em partes tendo cada uma delas movimento próprio De outro modo seria impossível poder cada porção da matéria exprimir todo o universo 66 Isto revela a existência de um mundo de criaturas de viventes de ani mais de Enteléquias e de almas na mais ínfima porção da matéria 67 Cada porção da matéria pode ser concebida como um jardim cheio de plantas e como um lago cheio de peixes Mas cada ramo de planta cada membro de animal cada gota de seus humores é ainda um jardim ou um lago 68 E embora a terra e o ar interpostos entre as plantas do jardim ou a água entre os peixes do lago não sejam planta nem peixe contudo ainda contêm algo deles mas freqüentemente com uma sutileza imperceptível para nós 69 Assim não há nada inculto estéril ou morto no universo nem há caos ou confusão senão em aparência seria como num lago onde a distância se veria um movimento confuso um bulício de peixes do lago sem que se discernissem os próprios peixes 70 Assim se vê ter cada corpo vivo uma Enteléquia dominante que no ani mal é a alma mas estarem os membros deste corpo vivo cheios de outros viven tes plantas e animais cada qual ainda com a sua Enteléquia ou a sua alma dominante 71 Não se deve porém imaginar com alguns que compreenderam mal o meu pensamento ter cada alma certa massa ou porção de matéria própria ou a ela afetada para sempre e que por conseqüência possui outros viventes inferiores destinados sempre ao seu serviço porque todos os corpos estão num fluxo perpé tuo como rios e as partes neles entram e saem continuamente 72 Assim a alma só muda de corpo lenta e gradativamente de forma a nunca ser despojada de repente de todos os seus órgãos Freqüentemente há meta morfose nos animais mas nunca Metempsicose nem Transmigração das Almas A MONADOLOGIA 71 Também nao há Almas intéjiramente separadas nem Gênios sem corpos Sepa rado completamente só Deujs 73 Por isso rigorosamente não há nem geração completa nem morte perfei ta no sentido de separação Ida alma O que chamamos Gerações são desenvolvi mentos e crescimentos assim como o que chamamos Mortes são envolvimentos e diminuições 74 Os filósofos têm ti3o grandes embaraços acerca da origem das formas Enteléquias ou Almas Masj hoje desde que se apercebeu por pesquisas exatas feitas em plantas insetos e animais que os corpos orgânicos da natureza nunca são produtos dum caos ou ciuma putrefação mas sempre de sementes em que havia sem dúvida alguma preformação pensouse que o corpo orgânico não só estaria nelas já antes da concepção como também já estaria uma alma nèste corpo numa palavra o próprio animal E que por meio da concepção este animal apenas foi disposto jpara uma grande transformaçao para se tornar um animal de outra espécie Verificase até algo semelhante fora da geração como quanâo os vermes se convertjòm em mosqas e as lagartas em borboletas 75 Os animais dos quais alguns são elevados ao grau dos maiores animais por meio da concepção podem denominarse espermáticos entre eles porém os que permanecem na sua esplpcie quer dizer a maioria nascem multiplicamse e são destruídos como os grarldes animais e nao há senão um pequeno número de eleitos que passa para um teâtro maior 76 Isto porém é só mjpia verdade assim pensei que se o animal nunca co meça naturalmente também naturalmente não perece jamais e não só jamais haverá geração como ainda destruição completa ou morte no sentido rigoroso E estes raciocínios feitos a posteriori e tirados das experiências concordam perfei tamente com meus princípioíj deduzidos a priori como acima 77 Assim podese dizipr que não só a Alma espelho de um universo indes trutível é indestrutível masjjtambém o próprio animal embora com freqüência a sua máquina pereça parcialmente e abandone ou tome despojos orgânicos 78 Estes princípios permitiramme explicar naturalmente a união ou melhor a conformidade da alma e do corpo orgânico A alma segue as suas pró prias leis e o corpo tambéjn as suas e ambos se ajustam devido à harmonia preestabelecida entre todas as substâncias pois todas elas são representações de um só universo i 79 As almas atuam pòr apetições fins e meios segundo as leis das causas finais Os corpos segundo jas leis das causas eficientes ou dos movimentos E ambos os reinos o das causas eficientes e o das finais são harmônicos entre si 80 Descartes reconhecieu a impossibilidade de as almas transmitirem força aos corpos porque há sempre a mesma quantidade de força na matéria Acredi tou no entanto na possibiliclade de a alma mudar a direção dos corpos A razão disto foi desconhecerse nopseu tempo a lei da natureza que garante também a conservação da mesma direipão total na matéria Se a conhecesse cairia no meu sistema da Harmonia preestábelecida 72 LEIBNIZ 81 Este sistema faz os corpos atuarem como se embora seja impossível não houvesse Almas as Almas como se não houvesse corpos e ambos como se mutuamente se influenciassem 82 Quanto aos Espíritos ou almas racionais embora me pareça haver no fundo o mesmo em todos os viventes e animais como acabamos de dizer isto é o animal e a alma não começam senão com o mundo e da mesma forma só com o mundo acabam há todavia de característico nos Animais racionais o fato de os seus pequenos animais espermáticos enquanto são apenas istoterem só almas ordinárias ou sensitivas mas desde que os eleitos por assim dizer alcançam por concepção atual a natureza humana elevam suas almas sensitivas ao grau da razão e à prerrogativa dos Espíritos 83 Alêm das diferenças entre as almas ordinárias e os Espíritos já aponta das em parte por mim há esta ainda as Almas em geral são espelhos vivos ou imagens do universo das criaturas mas os Espíritos são ainda imagens da própria Divindade ou do próprio Autor da natureza capazes de conhecer o sistema do universo e de em certa medida imitálo por amostras arquitetônicas sendo cada espírito como uma pequena divindade no seu domínio 84 Eis o que torna os Espíritos capazes de entrar numa espécie de Socie dade com Deus Relativamente a eles Deus está não só como um inventor para a sua máquina como está relativamente às outras criaturas mas ainda como um príncipe para os seus súditos ou até mesmo um pai para os seus filhos 85 De onde facilmente se conclui dever a reunião de todos os Espíritos constituir a Cidade de Deus quer dizer o mais perfeito estado possível sob o mais perfeito dos Monarcas 86 Esta Cidade de Deus esta Monarquia verdadeiramente universal é um Mundo Moral no Mundo Natural e o que há de mais elevado e mais divino nas obras de Deus Nela consiste verdadeiramente a Glória de Deus pois Deus não a teria nunca se a sua grandeza e bondade não fossem conhecidas e admiradas pelos Espíritos é também relativamente a esta Cidade divina que Ele tem propriamente Bondade ao passo que sua sabedoria e a sua potência em tudo se manifestam 87 Assim como acima estabelecemos uma Harmonia perfeita entre dois Reinos naturais um das causas Eficientes outro das Finais devemos notar aqui ainda uma outra harmonia entre o reino Físico da Natureza e o reino Moral da Graça quer dizer entre Deus considerado como Arquiteto da Máquina do uni verso e Deus considerado como Monarca da Cidade divina dos Espíritos 88 Esta Harmonia leva as coisas a conduzirem à Graça pelos próprios caminhos da Natureza e a que este globo por exemplo deva ser destruído e repa rado pelas vias naturais nos momentos requeridos pelo governo dos Espíritos para castigo de uns e recompensa de outros 89 Ainda se pode dizer que Deus como Arquiteto em tudo satisfaz Deus como Legislador E assim como os pecados devem acarretar consigo o seu casti go segundo a ordem da natureza e até em virtude da estrutura mecânica das coi sas da mesma forma as belas ações atrairão as suas recompensas pelas vias A MONADOLOGIA 73 mecânicas relativamente aios corpos muito embora isto tudo não possa nem deva acontecer sempre imediatamente 90 Enfim sob este governo perfeito não haverá boa Ação sem recompensa nem má sem castigo Tudo deve resultar para o bem dos bons quer dizer dos que estão satisfeitos neste grajide Estado copfiantes ná Providência depois do cumprimento do dever amjmdo e imitando como é devido o Autor de todo o bem alegrandose na reflexão das suas perfeições segundo a natureza do verda deiro amor puro que faz adiar o prazer na felicidade do objeto amado Eis o que faz trabalhar as pessoas sájbias e virtuosas em tudo quanto parece conforme à vontade divina presuntiva ou antecedente e contentaremse entretanto com o que Deus pela sua vontadejjsecreta conseqüente e decisiva permite efetivamente alcançar reconhecendo quejl se pudéssemos compreender bem a ordem do univer sõ acharíamos que ele excede todas as aspirações dos mais sábios e que é impos sível tornálo melhor do quei está não só em relação ao todo em geral mas ainda a nós mesmos em particular se estamos ligados como devemos ao Autor de tudo não só como Arquiteto e causa eficiente do nosso ser mas também como nosso Senhor e causa final que deve constituir todo o objeto do nosso querer e é única fonte da nossa felicidade GOTTFfRIED WILHELM LEIBNIZ DISCURSO DE METAFÍSICA Tradução de Marilena de Souza Chauí Berlinck Tradução do original francês Discours de Metaphysiqite edição revista por Henri Lestienne Ed Vrin Paris 1952 1 Da pejrfeição divina e que Deus faz tudo da martíeira mais desejável souhaitable t A noçâo mais aceita ejlmais significativa que possuímos de Deus exprimese muito bem nestes termos jDeus ê um Ser absolutamente perfeito Não se tem considerado porém devidajmente suas conseqüências e para aprofundála mais convém notar que há na naíjureza várias perfeições muito diferentes possuindoas Deus todas reunidas e que dada uma lhe pertence no grau supremo É preciso também conhecer o que é a perfeição Eis uma marca bem segura dela a saber formas ou njiturezas insuscetíveis do último grau não são perfei ções como por exemplo ja natureza do número ou da figura pois o número maior de todos ou melhorjo número dos números bem como a maior de todas as figuras implicam contradição mas a onisciência e a onipotência não encerram qualquer impossibilidade ijjor conseguinte o poder e a ciência são perfeições e enquanto pertencem a Deusjjnão têm limites Donde se segue que Eeus possuindo suprema e infinita sabedoria age de forma mais perfeita não jsó em sentido metafísico mas também moralmente falando podendo relativaihente a nós dizerse que quanto mais estivermos esclarecidos e informados sobre as obras de Deus tanto mais dispostos estaremos a achálas excelentes e inteiramente satisfatórias em tudo o que possamos desejar souhaiter 2 Contra os que sustentam a inexistência de bondade nasobras de Deus ou então que as regras cLà bondade e da beleza são arbitrárias Assim afastome muito dos que defendem a opinião da ausência de quais quer regras de bondade e de perfeição ua natureza das coisas ou nas idéias que Deus tem delas e que as dbras divinas são boas apenas pela razão formal que Deus as fez Se assim fossei Deus que bem sabe ser o seu autor não precisava contemplálas depois e achalas boas como testemunha a Sagrada Escritura que parece ter recorrido a esta antropologia apenas para nos mostrar que se conhece sua excelência olhandoas nelas mesmas mesmó quando não se faça reflexão al guma sobre essa pura dendminação extrínseca que as refere à sua causa Isto é tanto mais verdadeiro porque sê pode descobrir o obreiro pela consideração das 78 LEIBNIZ obras Portanto é preciso que estas obras tragam em si o caráter de Deus Con fesso que a opinião contrária me parece extremamente perigosa e bastante seme lhante à dos últimos inovadores cuja opinião é a beleza do universo e a bondade atribuída por nós às obras de Deus não passarem de quimeras dos homens que concebem Deus à sua maneira Também me parece que afirmando que as coisas são boas tãosó por vonta de divina e não por regra de bondade destróise sem pensar todo o amor de Deus e toda a sua glória Pois para que louválo pelo que fez se seria igualmente lou vável se fizesse precisamente o contrário Onde pois sua justiça e sapiência se afinal apenas restasse determinado poder despótico se a vontade substituísse a razão e se conforme a definição dos tiranos o que agrada ao mais forte fosse por isso mesmo justo Ademais parece que toda vontade supõe alguma razão de que rer razão esta naturalmente anterior à vontade Eis por que me parece inteira mente estranha a expressão de alguns outros filósofos quando consideram sim ples efeitos da vontade de Deus as verdades eternas da metafísica e da geometria e por conseguinte também as regras da bondade da justiça e da perfeição A mim pelo contrário me parecem tãosomente conseqüências do seu intelecto o qual seguramente em nada depende da sua vontade assim como a sua essência também dela não depende 3 Contra os que crêem que Deus poderia fazer melhor De forma alguma poderei também aprovar a opinião de alguns modernos que ousadamente sustentam que aquilo que Deus produz não possui toda perfei ção possível e que Deus poderia ter agido muito melhor Pois julgo as conse qüências dessa opinião inteiramente contrárias à glória de Deus Uti minus malurn habet rationem boni ita minus bonum habet rationem mali1 É agir imperfeitamente agir com menos perfeição do que se teria podido É desdizer a obra de um arquiteto mostrar que poderia fazêla melhor Atacase ainda a Sagrada Escritura que nos garante a bondade das obras de Deus Porque se isto fosse suficiente descendo as imperfeições ao infinito de qualquer mòdó que Deus tivesse feito sua obra esta teria sido sempre boa comparada às menos perfeitas Porém uma coisa não é louvável se o é dessa maneira Julgo também haver uma infinidade de passagens da Sagrada Escritura e dos Santos Padres favoráveis ao meu modo de ver mas não muitas ao desses modernos que no meu entender é desconhecido de toda a antiguidade e baseado apenas no diminuto conhecimento que temos da harmonia geral do universo e das razões ocultas da conduta de Deus fazendonos temer ar iamente admitir a possibilidade de que muitíssimas coisas poderiam ser melhoradas Ademais esses modernos insistem em algumas 1 Tradução Assim como um mal menor tem caráter de bem assim um bem menor tem caráter de mal N do E DIsjjcURSO DE METAFÍSICA 79 sutilezas pouco sólidas poijs imaginam nada existir tão perfeito que não possa haver algo mais perfeito o que é um erro Julgam também salvjiguardar assim a liberdade de Deus como se não constituísse a suprema liberdade agir com perfeição segundo a razão soberana Pois acreditar que Deus agb em algo sem haver qualquer razão da sua vontade além de parecer de todo imppssível é opinião pouco conforme à sua glória Suponhamos por exemplo que Deus escolha entre A e B e tome A sem razão alguma de o preferir a B digo esta ação de Deus pelo menos indigna de louvor porque todo louvor deve basearse em alguma razão não existente aqui ex hypothesi Sustento pelo contrárijj não fazer Deus coisa alguma pela qual não mereça ser glorificado 4 O amor de Deus exi ge completa satisfação e aquiescência no tocante ao que ele faz sem que por isso seja preciso ser quietista O conhecimento geral clesta grande verdade que Deus age sempre da manei ra mais perfeita e mais desisjável possível no meu entender é o fundamento do amor que devemos a Deus s satisfação na felicidade ou í bbre todas as coisas pois aquele que ama busca a sua perfeição do objeto amado e das suas ações Idem velle et idem nolle vera amidtia est2 l Penso ser difícil bemámar a Deus quando não se está disposto a querer o que ele quer mesmo quandc fosse possível modificálo Os insatisfeitos parecem me com efeito semelhantes àqueles descontentes cuja intenção não difere muito da dos rebeldes Sustento portanto que segundo estes princípios pará agir em conformi dade com o amor de Deus uão basta ter paciência forçadamente mas ê preciso estar satisfeito com tudo quanto nos sucedeu segundo sua vontade Estendo este assentimento relativamente ao passado porque quanto ao futuro não é preciso ser quietista nem esperar ridiculamente de braços cruza dos o que Deus fará segui áergon a razão preguiçosa Deus tanto quanto podemoí do aquele sofisma denominado pelos antigos lógon mas é mister agir segundo a vontade presuntiva de julgála esforçandonos o mais possível por contri buir para o bem geral e particularmente para o aprimoramento e perfeição do que nos toca ou nos está próxiíno e por assim dizer ao alcance Porque mesmo quando o acontecimento porventura mostrasse não querer Deus presentemente que a nossa boa vontade tenha o seu efeito daqui não se conclui não haver Deus querido que fizéssemos o qub fizemos Pelo contrário como é o melhor de todos os senhores nada mais pedje além da reta intenção e a ele pertence conhecer a hora e lugar próprios para fazer triunfar os bons desígnios 2 Tradução A verdadeira amizade é querer a mesma coisa e não querer a mesma coisa N do E 80 LEIBNIZ 5 Em que consistem as regras de perfeição da conduta divina e como a simplicidade das vias equilibrase com a riqueza dos efeitos É suficiente portanto ter em Deus esta confiança ele tudo faz para o me lhor e nada poderá prejudicar a quem o ama Conhecer porém em particular as razoes que puderam movêlo a escolher esta ordem do universo tolerar os peca dos e dispensar as suas graças salutares de uma determinada forma eis o que ultrapassa as forças de um espírito finito mormente se ele não tiver alcançado ainda o gozo da visão de Deus Entretanto podem fazerse algumas considerações gerais a respeito da con duta da Providência no governo das coisas Podese dizer que aquele que age perfeitamente é semelhante a um excelente geômetra que sabe encontrar as melhores construções dum problema a um bom arquiteto que arranja o lugar e o alicerce destinados ao edifício da maneira mais vantajosa nada deixando destoante ou destituído de toda a beleza de que é susce tível a um bom pai de família que emprega os seus bens de forma a nada ter inculto nem estéril a um maquinista habilidoso que atinge o seu fim pelo cami nho menos embaraçoso que se podia escolher a um sábio autor que encerra o máximo de realidade no mínimo possível de volumes Ora os mais perfeitos de todos os seres e os que ocupam menos espaço isto é os que menos estorvam são os espíritos cujas perfeições são as virtudes Eis por que é impossível duvidar de que o principal fim de Deus não seja a felicidade dos espíritos e de que Deus não o exercite na medida consentida pela harmonia geral Sobre este ponto diremos algo mais em breve No que se refere à simplicidade das vias de Deus esta realizase propria mente em relação aos meios como pelo contrário a variedade riqueza ou abun dância se realizam relativamente aos fins ou efeitos E ambas as coisas devem equilibrarse como os gastos destinados a uma construção com o tamanho e à beleza nela requeridos Verdade é nada custar a Deus bem menos ainda do que a um filósofo que levanta hipóteses para a fábrica do seu mundo imaginário pois para Deus é sufi ciente decretar para fazer surgir um mundo real Em matéria de sabedoria porém os decretos ou hipóteses representam os gastos à medida que são mais independentes uns dos outros porque manda a razão evitar a multiplicidade nas hipóteses ou princípios quase como em astronomia onde o sistema mais simples é sempre preferido 6 Deus nada faz fora da ordem e nem mesmo é possível forjar acontecimentos que não sejam regulares As vontades ou ações de Deus dividemse comumente em ordinárias e extraordinárias Mas é bom considerarse que Deus nada faz fora da ordem DISCURSO DE METAFÍSICA I 81 Assim aquilo que é tidjo por extraordinário o é apenas relativamente a algu ma ordem particular estabelecida entre as criaturas pois quanto à ordem univer sal tudo nela está conformei É tão verdadeiro isto que não só nada acontece no mundo que seja absolutamente irregular mas nem sequer tal se poderia forjar Suponhamos por exemplo que alguém lance ao acaso muitos pontos sobre o papel como os que exercem a arte ridícula da geomancia Digo que é possível encontrar uma linha geoméjtrica cuja noção seja uniforme e constante segundo uma certa regra de maneira a passar esta linha por todos estes pontos e na mesma ordem em que a mãe òs maròara E se alguém traçar duma só vez uma linha ora reta ora circular ora de qualquer outra natureza é possível encontrar noção regra ou equação comum a todos os pontos desta linha mercê da qual essas mesmas mudanças devem acon tecer Não existe por exemplo rosto algum cujo contorno não faça parte duma linha geométrica e não poíssa desenharse dum só traço por certo movimento regulado Mas quando um l regra é muito complexa temse porirregular o que lhe está conforme Assim podese dizer qpe de qualquer maneira que Deus criasse o mundo este teria sido sempre regular e dentro duma certa ordem geral Deus escolheu porém o mais perfeito quer e o mais rico em fenômenc dizer ao mesmo tempo o mais simples em hipóteses s tal como seria o caso duma linha geométrica de construção fácil e de propriedades e efeitos espantosos e de grande extensão Recorro a estas comp com a sabedoria divina e d Irações para esboçar alguma imperfeita semelhança zer algo a fim de poder pelo menos elevar o nosso espírito a conceber de algum modo o que não se saberia bem exprimir Mas de maneira alguma pretendo explicar assim o grande mistério de que depende todo o universo 7 Que os milagres sâ às máx quer ou pei o conformes à ordem geral embora contrários mas subalternas e do que Deus mite por vontade geral ou particular Ora visto nada se poder fazer fora da ordem podese dizer que os milagres também estão na ordem cono as operações naturais assim denominadas porque estão em conformidade corr certas máximas subalternas a que chamamos natu reza das coisas pois podese dizer que esta natureza é apenas um costume de Deus do qual pode dispensa o moveu a servirse destas m rse por causa de uma razão mais forte do que a que áximas Quanto às vontades gerais ou particulares conforme as encaremos podese dizer que Deus tudo faz segundo a sua vontade mais geral conforme à mais per feita ordem escolhida mas bodese também dizer que tem vontades particulares exceções dessas máximas siibalternas sobreditas porque a mais geral das leis de Deus reguladora de toda a sjeqüência do universo não tem exceção Podese dizer ainda também que Deus quer tudo o que é objeto de sua von tade particular mas quanto aos objetos da sua vontade geral tais como as açoes 82 LEIBNIZ das outras criaturas particularmente das racionais que Deus quer ajudar é pre ciso distinguir se a ação é boa em si podese dizer que Deus a quer e ordena algumas vezes mesmo que não aconteça porém se é má em si e só por acidente se toma boa porque a seqüência dgs coisas e especialmente o castigo e a repara ção corrigem sua malignidade e recompensam seu mal com juros de sorte a exis tir finalmente muito mais perfeição em toda a série do que se todo o mal não tivesse sucedido temse necessariamente de dizer que Deus a permite e não que ele a quer embora concorra para ela por causa das leis naturais que estabeleceu e porque sabe tirar daí um bem maior 8 Explicase em que consiste a noção duma substância individual a fim de se distinguirem ás ações de Deus e as das criaturas É muito difícil distinguir as ações de Deus das ações das criaturas pois há quem creia que Deus faz tudo enquanto outros imaginam que conserva apenas a força que deu às criaturas A seqüência mostrará como se podem dizer ambas as coisas Ora visto as ações e paixões pertencerem propriamente às substâncias indi viduais actiones sunt suppositorum tornase necessário explicar o que é uma tal substância É correto quando se atribui grande número de predicados a um mesmo sujeito e este não é atribuído a nenhum outro chamálo substância individual Isto porém não é suficiente e tal explicação é apenas nominal É preciso consi derar portanto o que é ser atribuído verdadeiramente a um certo sujeito Ora é bem constante que toda predicação tem algum fundamento verda deiro na natureza das coisas e quando uma proposição não é idêntica isto é quando o predicado não está compreendido expressamente no sujeito é preciso que esteja compreendido nele virtualmente A isto chamam os filósofos inesse dizendo estar o predicado no sujeito É preciso pois o termo do sujeito conter sempre o do predicado de tal forma que quem entender perfeitamente a noção do sujeito julgue também que o predicado lhe pertence Isto posto podemos dizer que a natureza de uma substância individual ou de um ser complexo consiste em ter uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do sujeito a que se atribui esta noção ao passo que o acidente é um ser cuja noção não contém tudo quanto se pode atribuir ao sujeito a que se atribui esta noção Assim abstraindo do sujei to a qualidade de rei pertencente a Alexandre Magno não é suficientemente deter minada para um indivíduo nem contém sequer as outras qualidades do mesmo sujeito nem tudo quanto compreende a noção deste Príncipe ao passo que Deus vendo a noção individual ou a ecceidade de Alexandre nela vê ao mesmo tempo o fundamento e a razão de todos os predicados que verdadeiramente dele se podem afirmar como por exemplo que vencerá Dario e Poro e até mesmo conhecer nela a priori e não por experiência se morreu de morte natural ou enve nenado o que nós só podemos saber pela história DISCURSO DE METAFÍSICA 83 Igualmente quando sc podese afirmar que há desd considera convenientemente a conexão das coisas e toda a eternidade na alma de Alexandre vestígios de tudo quanto lhe sucedeu marcas de tudo o que lhe sucederá e ainda vestígios de tudo quanto se passa no uni 9 Cada substância sii queem sua noção estâ com todas as circuns rerso embora só a Deus caiba reconhecêlos todos igular exprime todo o universo à sua maneira e o compreendidos todos os seus acontecimentos âncias e toda a seqüência das coisas exteriores Seguemse daqui vários paradoxos consideráveis entre outros por exemplo não ser verdade duas substâncias assemelharemse completamente e diferirem apenas solonumero e o quí Santo Tomás afirma neste ponto dos anjos ou inteli gências quod ibi omne indi tâncias desde que se tome relativamente às suas flgun riduum sit specie infima3 é verdade de todas as subs a diferença específica como a tomam os geômetras s item que uma substância só poderá começar por criação e só por aniquilamento perecer não se dividir uma substância em duas nem de duas se formar uma aumenta nem diminui embo e assim naturalmente o número de substâncias não ra freqüentemente elas se transformem Ademais toda substância é como um mundo completo e como um espelho de Deus ou melhor de todo o universo expresso por cada uma à sua maneira pouco mais ou menos como forme as diferentes situaçõe uma mesma cidade é representada diversamente con s daquele que a olha Assim de certo modo o uni verso é multiplicado tantas vezes quantas substâncias houver e a glória de Deus igualmente multiplicada por todas essas representações de sua obra completa mente diferentes Podese até dizer que toda substância traz de certa maneira o caráter da sabedoria infinita e da onipctência de Deus e imitao quanto pode Por isso expri me embora confusamente tido o que acontece no universo passado presente ou futuro o que tem certa semelhança com uma percepção ou conhecimento infini to e como todas as outras s modam podese dizer que e da onipotência do Criador ubstâncias por sua vez exprimem esta e a ela se aco a estende seu poder a todas as outras à semelhança 10 Que há algo sólidjo na opinião das formas substanciais mas que estas formas nada alteram nos fenômenos e não devem de modo algum ser empregadas para a explicação dos efeitos particulares Parece que tanto os an meditações profundas que tigos como muitas pessoas hábeis e acostumadas a há séculos ensinaram teologia e filosofia algumas 3 Tradução que nesse caso todo indivíduo é da espécie mais particularizada N do E Traíase do princípio dos indiscerníveis para o qual a diferença numérica é inútil A diferença deve ser intrínseca se se quer alcançar o singular N do Ti 84 LEIBNIZ sendo recomendáveis pela sua santidade tiveram algum conhecimento do que acabamos de dizer Eis por que introduziram e mantiveram as formas substan ciais tão desacreditadas atualmente Porém não se afastam tanto da verdade nem são tão ridículos como imagina o comum de nossos novos filósofos Concordo que a consideração destas formas no pormenor da física é inútil e que não se deve empregálas na explicação dos fenômenos em particular Eis onde falharam os nossos escolásticos e a exemplo seu os médicos do passado pensando explicar as propriedades dos corpos recorrendo às formas e qualidades em vez de examinarem o modo da operação como quem se contentasse em dizer que um relógio tem a qualidade horodítica proveniente da sua forma sem consi derar em que consiste tudo isto O que com efeito pode bastar ao comprador desde o momento em que abandone esse cuidado a outrem Mas esta insuficiência e mau uso das formas não nos deve fazer rejeitar uma coisa cujo conhecimento é tão necessário em metafísica que sem ele tenho por impossível o conhecimento perfeito dos primeiros princípios ou a suficiente ele vação espiritual para o conhecimento das naturezas incorpóreas e das maravilhas de Deus 1 No entanto como um geômetra não tem necessidade de embaraçar o espí rito no famoso labirinto da composição docontínuo e nenhum filósofo moral e ainda menos um jurisconsulto ou político precisa entrar a fundo nas grandes difi culdades como as existentes na conciliação do livrearbítrio com a providência de Deus visto poder o geômetra terminar todas as suas demonstrações e o político todas as suas deliberações sem qualquer deles entrar nestas disputas contudo elas são necessárias e importantes na filosofia e teologia do mesmo modo pode um físico explicar as experiências servindose quer das experiências mais simples já realizadas quer das demonstrações geométricas e mecânicas sem necessidade do recurso a considerações gerais que pertencem a uma outra esfera e se recorre para esse fim ao concurso de Deus ou então de alguma alma arquê ou outra coisa desta natureza é tão extravagante como quem numa importante delibera ção prática queira entrar em grandes raciocínios sobre a natureza do destino e da nossa liberdade Com efeito os homens cometem com freqüência esta falta inconsiderada mente quando embaraçam o espírito na consideração da fatalidade e mesmo por vezes afastamse por este motivo de alguma bóa resolução ou de algum cui dado necessário 11 Que não são completamente de desprezar as meditações dos teólogos e filósofos chamados escolásticos Sei afirmar um grande paradoxo ao pretender reabilitar de certo modo a antiga filosofia e recordar postliminio 4 as quase banidas formas substanciais Porém talvez não pie condenem levianamente quando souberem que meditei demoradamente sobre a filosofia moderna dediquei muito tempo às experiências 4 Tradução A título de recuperação N do E DISCURSO DE METAFÍSICA i 85 escolásticos bem maior solic com propriedade e no luga da física e demonstrações cia geometria e bastante tempo estive persuadido da vacuidade destes entes retornados afinal quase à força e bem contra minha vonta de depois de eu próprio ter procedido a investigações que me levaram a reconhe cer nào fazerem os nossos jmodernos justiça devida a Santo Tomás e a outros grandes homens daquele tenpo e haver nas opiniões dos filósofos e teólogos ez do que se imagina desde que delas nos utilizemos devido Estou mesmo persuadido que um espírito exato e meditativo encontraria nelas um tesouro de imensas verdades muito importantes e absolutamente demonstrativas desde que se desse ao trabalho de esclarecer e assimilar os pensamentos deles à maneira dos geômetras analíticos 12 Que as noções que iponsistem na extensão encerram algo imaginário e não poderiílm constituir a substância dos corpos Porém para retomar o jio das nossas considerações creio que quem meditar sobre a natureza da substâmpia acima explicada verificará não consistir apenas na extensão isto é no tamanho figura e movimento toda a natureza do corpo mas é preciso necessariamente reconhecer aí algo relacionado com as almas e que vulgarmente se denomina forma substancial muito embora esta nada modifique nos fenômenos tanto como a alma dos irracionais se a possuem Podese até mesmo demonstrar que a noção de tamanho figura e movimento não possui a distinção que sip imagina e que contém algo imaginário e relativo às nossas percepções como o são ainda embora bastante mais a cor o calor e ou tras qualidades semelhantesj cuja existência verdadeira na natureza das coisas fora de nós se pode pôr em dúvida Por isso tais espécies de qualidades não podem constituir qualquer substân cia E se não há nenhum outi de dizer nunca um corpo sut No entanto as almas e o princípio de identidade no corpo além do acabado sistirá mais do que um momento as formas substanciais dos outros corpos são bem diferentes das almas inteligentes únicas que conhecem as suas ações e não só nunca perecem naturalmentej mas também conservam sempre o fundamento do conhecimento do que são Ejis o que as torna únicas suscetíveis de castigo e de recompensa e cidadãs da república do universo de que Deus é o monarca Tam bém se deduz daqui o dever de todas as restantes criaturas as servirem A este propósito voltaremos a falar mais amplamente 13 Como a noção indiv quanto lhe aconl da verdade de cada a dual de cada pessoa encerra duma vez por todas ecerá nela se vêem as provas a priori contecimento ou a razão de ter ocorrido um de preferência a outrol Estas verdades porém embora asseguradas não perdem entretanto a sua contingência pois fundamentamse no livrearbítrio de D iíu s ou das criaturas cuja escolha tem sempre suas raxões inclinando sem necessitar Entretanto antes de prosseguirmos é preciso resolver uma grande dificul dade que pode surgir dos fundamentos acima apresentados 86 LEIBNIZ Dissemos que a noção duma substância individual encerra duma vez por todas tudo quanto lhe pode acontecer e considerando esta noçao nela se pode ver tudo ò que é verdadeiramente possível enunciar dela como na natureza do círculo podemos ver todas as propriedades possíveis que podemos deduzir dela Parece porém devido a este fato destruirse a diferença entre verdades contingentes e necessárias não haver lugar para a liberdade humana e reinar sobre todas as nossas ações bem como sobre todos os restantes acontecimentos do mundo uma fatalidade absoluta Contestarei isto pela afirmação da necessi dade de distinguir o certo do necessário Toda a gente concordará estarem assegurados os futuros contingentes visto Deus os prever mas daqui não se segue a sua necessidade Mas dirseá se qualquer conclusão se pode deduzir infalivelmente duma definição ou noção nesse caso será necessária Ora sustentamos estar já virtualmente compreendido em sua natureza ou noção como as propriedades na definição do círculo tudo o que deve acontecer a qualquer pessoa Assim a dificuldade ainda subsiste Para resolvêla solidamente digo que há duas espécies de conexão ou conse cução é absolutamente necessária só aquela cujo contrário implique contradição esta dedução dáse nas verdades eternas como as da geometria a outra é só necessária ex hypothesi ou por assim dizer por acidente mas é contingente em si mesma quando o contrário não implique contradição E esta conexão fundase não apenas sobre as idéias absolutamente puras e sobre o simples entendimento de Deus mas também sobre os seus decretos livres e sobre a seqüência do universo 4 Exemplifiquemos Visto que Júlio César haverá de tornarse ditador perpé tuo e senhor da República e suprimirá a liberdade dos romanos esta ação está Contida na sua noção porquanto supomos ser da natureza da noção perfeita dum sujeito compreender tudo acerca dele a fim de o predicado aí se conter utpossit inesse subjecto Poderia dizerse não ser devido a esta noção ou idéia que César praticará tal ação pois ela só lhe convém porque Deus sabe tudo Insistirseá porém na correspondência de sua natureza ou forma com esta noção e desde que Deus lhe impôs essa personagem élhe doravante necessário satisfazêla Aqui poderia responder recorrendo aos futuros contingentes pois estes não possuem ainda realidade alguma a não ser no entendimento e vontade de Deus e desde que Deus lhes deu de antemão esta forma é preciso que correspondam a ela de qualquer modo Mas prefiro resolver dificuldades a escapar delas pelo exemplo de outras dificuldades semelhantes e o que vou dizer servirá para esclarecer tanto uma quanto outra É portanto agora que é preciso aplicar a distinção das conexões Direique é certo mas não necessário o que sucede em conformidade a estas antecipações e que se alguém fizesse ocontrário não faria coisa em si impossível embora fòsse impossível ex hypothesi que tal acontecesse Èòrque se alguém fosse capaz de levar a cabo toda a demonstração em virtude da qual provaria esta conexão do DISlCURSO DE METAFÍSICA 87 sujeito César e do predicado a sua empresa bem sucedida mostraria efetiva mente ter a ditadura futura de César seu fundamento em sua noção ou natureza e por ela mostrarseia a razào pela qual preferiu atravessar o Rubicâo a deterse nele e por que ganhou em vsz de perder a batalha de Farsália e ser razoável e por conseqüência seguro tal acontecer mas não por ser necessário em si nem pelo seu contrário implicar contradição Quase como é razoável e certo que Deus fará sempre o melhor embora o menos perfeito não implique contradição Verseia não ser tão absoluta como a dos números ou da geometria a demonstração deste predicado de César mas que supõe a seqüência de coisas us e que está fundada sobre ó primeiro decreto livre sempre o mais perfeito e sobre o decreto feito por a propósito da natureza humana ou seja que o livremente o que lhe parecer melhor Ora toda ver de decretos é contingente apesar de certa porque possibilidade das coisase como já disse ainda que Deus seguramente escolhesse sempre o melhor tal não impede o menos perfeito de ser e continuar possível em si embora não aconteça porque não é sua impos sibilidade mas sim sua impelrfeição que o faz rejeitar Ora nada é necessário se o oposto for possível Ficarjseá portanto apto a resolver aquelas espécies de dificuldades por maiores que pareçam e efetivamente não são menos prementes livremente escolhidas por De divino que estabelece fazer Deus depois do primeiro homem fará sempre embora dade assente nestas espécies esses decretos não mudama na opinião dos que trataran convenientemente que todas alguma vez esta matéria desde que se considere as proposições contingentes têm razões para ser antes assim do que doutra maneira ou então o que é o mesmo possuem provas a priori da sua verdade tornandôas certas e revelando que a conexão do sujeito e do predicado destas proposições tem seu fundamento na natureza dum e doutro Não possuem porém demonstrações da necessidade visto tais razões se funda rem apenas no princípio da contingência ou da existência das coisas quer dizer sobre o que é ou parece o mfjlhor entre diversas coisas igualmente possíveis Por seu lado as verdades necessárias se fundam no princípio de contradição e na possibilidade ou impossibilidjade das próprias essências sem ter em conta a livre vontade de Deus ou das criaturas 14 Deus produz djiversas substâncias conforme as diferentes perspectivas que tem do universo e por sua intervenção a natureza própria de cada substância implica a correspondência com o sucedido a todas as outras sem por isso agirem imediatamente umas sobre as outras Conhecido de certo modo em que consiste a natureza das substâncias temos de explicar a dependência que têm umas das outras e as suas ações e pai é bem notório que as substâncias criadas dependem é continuamente as produz por uma espécie de ema xões Ora em primeiro lugar de Deus que as conserva e ai nação como produzimos os nossos pensamentos 88 LEIBNIZ Deus virando por assim dizer de todos os lados e maneiras o sistema geral dos fenômenos que julga conveniente produzir para manifestar a sua glória e observando todos os aspectos do mundo de todas as formas possíveis porque não existe nenhuma relação que escape à sua onisciência faz com que oN resultado de cada visão do universo enquanto contemplado de certa maneira seja uma subs tância expressando o universo segundo esse relance desde que Deus ache conve niente realizar o seu pensamento e produzir esta substância E como a visão de Deus é sempre verdadeira as nossas percepções igualmente o são mas nossos juízos que são apenas nossos nos enganam Ora do que acabamos de dizer mais acima e do que dissemos agora con cluise ser cada substância como um mundo à parte independente de qualquer outra coisa excetuando Deus Assim todos os nossos fenômenos quer dizer tudo quanto alguma vez pode acontecernos é apenas conseqüência do nosso ser E como esses fenômenos conservam uma certa ordem conforme à nossa natureza ou por assim dizer ao mundo existente em nós o que nos permite para regular nossa conduta a possi bilidade de efetuar observações úteis justificadas pelo acontecimento de fenôme nos futuros e assim podermos muitas vezes sem engano julgar o futuro pelo pas sado isto seria suficiente para se afirmar que esses fenômenos são verdadeiros sem nos afligirmos a investigar se existem fora de nós e se outros os apercebem também No entanto é bem verdade que as percepções ou expressões de todas as substâncias se entrecorrespondem de tal sorte que qualquer um seguindo atenta mente certas razões ou leis que observou se encontra com outro que fez o mesmo como quando várias pessoastendo combinado encontrarse reunidas em lugar e dia prefixados podem efetivamente fazêlo se o desejarem Ora se bem que todos exprimam os mesmos fenômenos nem por isso as suas expressões se identificam é suficiente que sejam proporcionais Do mesmo modo vários espectadores crêem ver a mesma coisa e efetivamente se entendem entre si embora cada um veja e fale na medida da sua vista Somente Deus de quem todos os indivíduos emanam continuamente e que vê o universo não só como eles vêem mas também de modo inteiramente diverso de todos eles pode ser causa desta correspondência dos seus fenômenos e tornar geral para todos o que é particular a cada um Doutra forma não haveria possibi lidade de ligação De certo modo e no bom sentido embora afastado do usual poderseá dizer que nunca uma substância particular atua sobre uma outra substância particular e tampouco padece se os eventos de cada um são considerados apenas como conseqüência de sua simples idéia ou noção completa pois esta idéia encerra já todos os predicados ou acontecimentos e exprime todo o universo Com efeito nada pode acontecernos além de pensamentos e percepções e todos os nossos futuros pensamentos e percepções não passam de conseqüências embora contin gentes dos nossos pensamentos e percepções anteriores de tal modo que sê eu fosse capaz de considerar distintamente tudo quanto nesta hora me acontece oü aparece nessa percepção poderia ver tudo quanto me acontecerá e aparecerá sempre o que não falharia e aconteceria da mesma maneira embora tudo quanto existisse fora de mim fosse destruído desde que restasse Deus e eu DISCURSO DE METAFÍSICA 89 Visto porém atribuirnjios a outras coisas como às causas agentes sobre nós o que apercebemos duma certa maneira é preciso considerar o fundamento deste juízo e o que há de verd adeiro nele 15 A ação duma substância finita sobre outra consiste apenas no acréscimo do grau da sua expressão junto à diminuição do da outra enquanto Deus as obriga a se acomodarem entre si A fim de conciliar a linguagem metafísica com a prática mas sem entrar em longa discussão basta notar por ora que nos atribuímos de preferência e justa mente os fenômenos que exprimimos mais perfeitamente e atribuímos às outras substâncias o que cada uma exprime melhor Assim uma substância de extensão infinita enquanto exprime tudo tornase limitada pela maneira da sua expressão mais ou menos perfeita Desta forma é concebív substâncias e por conseguinl el portanto a intromissão ou mútua limitação das e neste sentido podese afirmar que elas agem umas sobre as outras sendo por assim dizer obrigadas a acomodarse entre si pois pode suceder que uma modifi outra cação aumente a expressão de uma diminuindo a de Ora a virtude duma substância particular é exprimir fielmente a glória de Deus sendo por isso menos limitada E cada coisa quando exerce sua virtude ou potência quer dizer quandc Assim pois quando se dá un vãmente qualquer alteração ê a isso aquela substância que age muda para melhor e aumenta enquanto age na mudança afetando várias substâncias como efeti s modifica a todas creio poder dizerse que devido passa imediatamente a um mais alto grau de perfei ção ou a uma expressão mais perfeita exerce sua potência e age e a que passa a um menor grau revela sua fraqueza epadece Também sustento que tc algum prazer e toda paixão a no entanto uma vantagem p maior Donde se conclui a pc cia e encontrando prazer nela da ação duma substância que tem perfeição implica lguma dor e viceversa Pode muito bem acontecer resente ser desfeita em seguida por um mal muito ssibilidade de pecar agindo ou exercendo sua potên 16 O concurso extraordinário de Deus está compreendido no que a nossa essência exprime pois esta expressão abrange tudo mas ultrapassa as forças da nossa natureza ou da nossa expressão distinta que é finita e segue certas máximas subalternas Presentemente só resta vezes influência sobre os hon extraordinário e miraculoso extraordinário ou de sobrena explicar a possibilidade de Deus exercer algumas ens ou sobre as outras substâncias por um concurso pois segundo parece nada pode sucederlhes de ural já que todos os seus acontecimentos são ape nas conseqüências da sua natureza M asé preciso recordar o que dissemos antes relativamente aos milagres cio universo sempre conformes à lei universal da 90 LEIBNIZ ordem geral embora acima das máximas subalternas E desde que toda pessoa ou substância é como um pequeno mundo exprimindo o grande podese dizer igualmente que essa ação extraordinária de Deus sobre essa substância não deixa de ser miraculosa muito embora compreendida na ordem geral do universo enquanto expressado pela essência ou noção individual dessa substância Por isto se compreendemos na nossa natureza tudo o que ela expressa nada é nela sobrenatural pois abrange tudo já que um efeito exprime sempre a sua causa e Deus é a verdadeira causa das substâncias Porém como o que a nossa natureza expressa com maior perfeição lhe pertence de maneira particular pois nisto con siste a sua potência e esta é limitada como acabo de explicar há muitas coisas ultrapassando as forças da nossa natureza e ainda as de todas as naturezas limi tadas Por conseguinte no intuito de falar mais claramente digo que os milagres e concursos extraordinários de Deus possuem de característico o não poderem ser previstos pelo raciocínio de algum espírito criado por mais esclarecido que seja porque a distinta compreensão da ordem geral ultrapassa a todos ao passo que tudo o que chamamos de natural depende das máximas menos gerais que as cria turas podem compreender Para as palavras serem tão irrepreensíveis como o sentido seria bom unir certos modos de falar a certos pensamentos e poderia denominarse nossa essên cia ou idéia o que compreende tudo quanto exprimimos e como exprime a nossa união com o próprio Deus não tem limites e nada a ultrapassa Porém o que em nós é limitado poderá chamarse a nossa natureza ou potência e assim a esse respeito tudo o que ultrapassa as naturezas de todas as substâncias criadas é sobrenatural 17 Exemplo duma máxima subalterna ou lei da natureza Contra os cartesianos e vários outros demonstrase que Deus conserva sempre a mesma força mas não a mesma quantidade de movimento Já várias vezes mencionei máximas subalternas ou leis da natureza e parece conveniente dar um exemplo delas Vulgarmente os nossos filósofos modernos se servem desta famosa regra da conservação por Deus da mesma quantidade de movimento no mundo Com efeito ela parece bem plausível e antigamente eu a tinha por indubitá vel Porém reconheci depois onde estava o erro É que Descartes assim como ou tros hábeis matemáticos acreditaram que a quantidade de movimento quer dizer a velocidade multiplicada pela grandeza do móvel convêm inteiramente à força motriz ou para falar geometricamente que as forças estão na razão composta das velocidades e dos corpos Ora é muito razoável a mesma força conservarse sempre no universo Igualmente se observa com nitidez quando se presta atenção nos fenômenos a inexistência do movimento mecânico perpétuoporque então a força duma máquina sempre um tanto diminuída devido à fricção e em breve ter minada se renovaria e por conseqüência aumentaria de per si sem qualquer impulso externo Notase também não haver diminuição na força dum corpo a DISCURSO DE METAFÍSICA não ser na medida em que e partes se possuem movimenl 91 e a transmite a corpos contíguos ou às suas próprias o independente Acreditaram assim que podia também dizerse da quantidade de movi mento o que pode ser dito da força No entanto para mostrar a diferença supo nho que um corpo caindo duma certa altura adquire a força de subir até ela de novo se o leva assim a sua d Por exemplo um pêndulo su tência do ar e alguns outros pouco a força adquirida Suponho também ser uma libra à altura C D de qi tro libras à altura E F de urj modernos E pois manifesto que força precisamente como o F o corpo B e tendo ali fòrç ireção a menos que se encontrem alguns obstáculos biria perfeitamente à altura donde desceu se a resis Dbstáculos pequenos não lhe tivessem diminuído um necessária tanta força para elevar um corpo A de íatro toesas quanta para elevar um corpo B de qua ia toesa Tudo isto é admitido pelos nossos filósofos endo o corpo A caído da altura C D adquiriu tanta corpo B caído da altura E F pois tendo chegado a a para subir novamente até E pela primeira suposi ção tem por conseguinte a fjrça de elevar um corpo de quatro libras quer dizer o seu próprio corpo à altura E F de uma toesa e da mesma forma tendo chegado a D o corpo A e tendo ali força para voltar a subir até C tem a força de elevar dizer o seu próprio corpo à altura C D de quatro posição a força destes dois corpos é igual itidade de movimento é também a mesma de ambos um corpo de uma libra quej toesas Logo pela segunda sr Vejamos agora se a qua os lados Mas aqui precisamente ficarseá surpreso por encontrar grandíssima dife rença pois já foi demonstrado por Galileu ser a velocidade adquirida pela queda C D dupla da velocidade cbtida pela queda E F se bem que a altura seja quádrupla Multiplicando pois o corpo A que é como 1 pela sua velocidade que é como 2 o produto ou a quantidade de movimeno será como 2 e por outro lado multiplicando o corpo B qme é como 4 pela sua velocidade que é como 1 92 LEIBNIZ será como 4 o produto ou a quantidade de movimento Logo a quantidade de movimento do corpo A no ponto D é metade da quantidade de movimento do corpo B no ponto F e no entanto são iguais as suas forças Há portanto gran de diferença entre a quantidade de movimento e a força como que se queria demonstrar Por aqui se vê como a força deve ser avaliada pela quantidade do efeito que pode produzir por exemplo pela altura a que se pode levantar um corpo pesado de certo tamanho e espécie o que ê muito diferente da velocidade que se lhe pode imprimir Para lhe dar o dobro da velocidade é necessário mais do dobrq da força Nada mais simples do que esta prova e se Descartes errou neste ponto foi por demasiada confiança em seus pensamentos mesmo quando nào estavam suficientemente amadurecidos Espantame porém seus sectários não se haverem depois apercebido deste erro e receio que eles comecem pouco a pouco a imitar alguns peripatéticos de que escarnecem e como estes se acostumem a consultar os livros do mestre de preferência à razão e à natureza 18 A distinção da força e da quantidade de movimento é importante entre outras razões para julgar a necessidade do recurso a considerações metafísicas independentes da extensão a fim de explicar os fenômenos dos corpos Esta consideração da força distinguida da quantidade de movimento é de grande importância não só na física e na mecânica para encontrar as verda deiras leis da natureza e regras do movimento e até para corrigir vários erros de prática que se intrometeram nos escritos de alguns hábeis matemáticos como ainda em metafísica para melhor compreensão dos princípios pois o movimento se não se lhe considera o que compreende precisamente e formalmente ou seja uma mudança de lugar não é coisa inteiramente real e quando vários corpos mudam de situação entre si é impossível determinar pela simples consideração destas mudanças a qual dentre eles se deve atribuir o movimento ou o repouso como me seria possível mostrar geometricamente se me quisesse deter agora neste assunto E porém algo mais real a força ou causa próxima destas mudanças e existe bastante fundamento para atribuíla a um corpo de preferência a outro Assim só por este meio se pode conhecer a qual o movimento pertence inicialmente Ora esta força é algo diferente do tamanho da figura e do movimento e por aí podese julgar não consistir apenas na extensão e suas modificações tudo o que se conce be no corpo como se persuadem os nossos modernos Assim fomos obrigados a restaurar alguns entes ou formas por eles banidos E parece cada vez mais embora possam explicarse matemática ou mecani camente todos os fenômenos particulares da natureza por quem os entenda que DISCURSO DE METAFÍSICA 93 pelo menos os princípios gerais da natureza corpórea e da própria mecânica são muito mais metafísicos do que geométricos e pertencem sobretudo a algumas formas ou naturezas indivisíveis como causas das aparências mais do que à massa corpórea ou extensa Esta reflexão é capaz de reconciliar a filosofia mecâ nica dos modernos com a circunspecção de algumas pessoas inteligentes e bem intencionadas que com algjim fundamento se sentem receosas pelo afastamento exagerado dos entes imateriais em prejuízo da piedade 19 Utilidade das causas finais na física Como não gosto de julgar ninguém com má intenção não acuso os nossos novos filósofos que pretendem banir da física as causas finais Sou todavia obri gado a reconhecer que me parecem perigosas as conseqüências desta opinião principalmente quando as associo àquela refutada no início deste discurso e que parece pretender suprimila em absoluto como se Deus não se propusesse fim algum ao agir ou como se o bem não fosse o objeto da sua vontade Pelo contrá rio tenho para mim que nelas é que deve necessariamente procurarse o princípio de todas as existências e leis da natureza porque Deus se propõe sempre o melhor e o mais perfeito Posso bem admitir que estamos sujeitos a nos excedermos quando preten demos determinar os fins ou resoluções de Deus mas tal apenas acontece quando pretendemos limitálos a algum desígnio particular acreditando que ele só tem ao passo que Deus tem em vista tudo ao mesmo ido cremos não ter Deus feito 0 mundo senão para nbora seja muito verdadeiro têlo feito inteiramente liverso que não nos diga respeito e não se acomode noveram Deus a nosso propósito segundo os princí em vista uma unicà coisa tempo Assim acontece quai nós Grande abuso ê este e para nós e nada haver no u ainda às considerações que pios postos mais acima Assim quando vemos algum bom efeito ou perfeição proveniente ou decor rente das obras de Deus podemos afirmar com segurança que Deus desse modo se propôs fazêlo pois Deus nada faz por acaso nem se assemelha a nós a quem por vezes escapa fazer o beni É por isso qüe muito longe de se poder errar neste assunto como sucede aos políticos exagerados que imaginam excessivo refina mento nos desígnios dos prírlcipes ou aos comentadores que procuram erudição demasiada no seu autor numca se poderia refletir em excesso nesta sabedoria infi nita e não há matéria alguma onde menos se possa temer o erro enquanto apenas se afirme e desde que aqui se fuja das proposições negativas que limitam os desígnios de Deus Todos os que vêem a admirável estrutura dos animais são obrigados a reco nhecer a sabedoria do autor das coisas Aconselho aos que têm algum sentimento de piedade e mesmo de verdadeira filosofia a afastaremse das frases de alguns espíritos demasiadamente pretensiosos que dizem que vemos porque temos olhos e não dizem que os olljios foram feitos para ver É difícil poderse reconhe 94 LEIBNIZ cer um autor inteligente da natureza quando se está seriamente baseado nestes sentimentos que tudo atribuem à necessidade da matéria ou a um certo acaso se bem que qualquer destas explicações deva parecer ridícula aos que compreendem o acima explicado visto que o efeito deve corresponder à sua causa e até se conhece melhor pelo conhecimento da causa e é desarrazoado introduzir uma inteligência ordenadora das coisas para logo em seguida em vez de recorrer à sua sabedoria servirse exclusivamente das propriedades da matéria para expli car os fenômenos Tal como se um historiador querendo explicar uma conquista realizada por um grande príncipe ao tomar qualquer praça de importância em vez de nos mostrar como a previdência do conquistador lhe fez escolher o tempo e os meios convenientes e como seu poder removeu todos os obstáculos quisesse dizer que assim acontecera porque os corpúsculos da pólvora tendose libertado em contato com uma faísca haviam escapado com velocidade bastante para ati rar um corpo duro e pesado contra as muralhas da praça enquanto as ramifica ções dos corpúsculos componentes do cobre do canhào estavam muito bem entre laçadas de modo a não se separarem por efeito dessa velocidade 20 Notável passagem de Sócrates no Fédon de Platão contra os filósofos demasiado materiais Este assunto fazme acudir ao pensamento uma bela passagem de Sócrates no Fédon de Platão maravilhosamente de acordo com os meus sentimentos a este respeito e que parece feita de propósito contra os nossos filósofos demasiado materiais Também a relação destes assuntqs levame a traduzila conquanto seja um pouco longa Talvez esta amostra possa dar azo a algum de nós participar de muitos outros pensamentos belos e sólidos existentes nos escritos deste autor famoso Um dia ouvi diz ele alguém ler um livro de Anaxágoras em que havia estas palavras um ser inteligente era causa de todas as coisas e as tinha criado e aprimorado Isto maravilhoume em extremo porque eu acreditava ser tudo da forma mais perfeita possível se o mundo fosse efeito duma inteligência Por isso me parecia necessário a quem pretendesse explicar a razão da formação perecimento ou subsis tência das coisas dever procurar conhecer o que conviria à perfeição de cada coisa Assim o homem tãosomente teria de considerar em si ou em qual quer outra coisa o melhor e o mais perfeito pois quem conhecesse o mais perfeito por ele julgaria facilmente do imperfeito visto existir apenas uma ciência tanto para um como para outro Considerando tudo isto regozijavame de ter encontrado um mestre que poderia ensinar as razões das coisas como por exemplo se a terra era antes redonda do que plana e por que fora melhor ser assim do que doutro modo Além disso esperava que dizendome se a terra DISC tJRSO DE METAFÍSICA 95 se encontra ou não no niência de assim aconte estrelas e dos seus mov centro do universo me explicaria a conve cer E o mesmo me diria do sol da lua das mentos E por fim depois de ter mostrado o conveniente a cada coiisa em particular me mostraria o melhor em geral tomei e percorri com sofreguidão os livros de porém bem longe do que esperava pois ie não se utilizava desta inteligência governa zia Não mais falava do aprimoramento nem e introduzia certas matérias etéreas pouco Cheio desta esperança Anaxágoras Acheime espantoume observar q dor a a que dera a primi da perfeição das coisaí verossímeis Procedia neste ponto c coisas com inteligência lar as causas das suas omo quem havendo dito que Sócrates faz as logo em seguida viesse explicar em particu ações dizendo estar aqui sentado por ter um corpo composto de ossos carne e nervos serem sólidos os ossos mas com intervalos ou articulações poderem os nervos encolherse e distenderse e por isso o corpo ser flexível e finalmente ser essa a razão de eu estar sentado Ou se tentando justifkar o presente discurso recorresse ao ar aos órgãos da voz e do ouviáo e coisas parecidas esquecendo entretanto as causas verdadeiras a minha condenação à m permanecer aqui sentadc saber que os atenienses julgaram preferível a nha absolvição e a mim me pareceu melhor do que fugir Pois por quem sou sem esta razão estariam há muito estes ossos e nervos nas terras dos Beócios e Megários se me não tivesse parecido mais justo e honesto supjortar o castigo que a pátria me quer impor do que yiver vagabundo e exilado Por isso não é razoável chamar causas a estes ossos nervos e sejus movimentos Em verdade teria razão quem dissesse eu não poder fazer isto tudo sem ossos e sem nervos mas uma coisa é a causa verdadeira e outra o que não passa de condições para a causa poder ser causa Os que dizem por exejmplo que somente o movimento de rotação dos corpos sustenta a terra ali onde ela se encontra esquecem ter a potência divina disposto tudo da mais bela maneira e não compreendem ser o bem e o belo que unem formam e mantêm o mun do Até aqui Sócrates O qqp se segue em Platão acercadas idéias ou das formas não é menps exce lente mas é um pouco mais 21 Se as regras mecânjicas dependessem unicamente das geometrias sem a metalísica os fenômenos seriam outros Ora visto que sempre se reconheceu a sabedoria de Deus no pormenor da estrutura mecânica de alguns corpos particulares deve necessariamente terse 96 LEIBNIZ também revelado iia economia geral do mundo e na constituição das leis da natu reza Tanto é verdade que nas leis do movimento em geral se notam os desígnios dessa sabedoria Se no corpo nada houvesse além de massa extensa e no movimento senão mudança de lugar e se tudo devesse e pudesse deduzirse exclusivamente destas definições por necessidade geométrica eu concluiria como já demonstrei algures que o corpo menor daria ao maior que encontrasse e que estivesse em repouso a mesma velocidade que tem sem qualquer perda da sua própria Teriam de admitirse ainda muitas outras regras como estas absolutaniente contrárias à formação dum sistema Porém o decreto da sabedoria divina de con servar sempre a mesma força e a mesma direção no total proveu a isto Acho mesmo que vários efeitos da natureza podem demonstrarse de dupla forma a saber pela consideração da causa eficiente e ainda independentemente desta pela consideração da causa final recorrendo por exemplo ao decreto de Deus produzir sempre o efeito pelas vias mais fáceis e determinadas como mos trei em outro lugar quando expus a razão das regras da catóptrica e da dióptrica è Acerca deste assunto voltarei em breve a falar 22 Conciliação das duas vias pelas causas finais e pelas causas eficientes a fim de satisfazer tanto os que explicam a natureza mecanicamente como os que recorrem às naturezas incorpóreas Convém fazer esta observação a fim de conciliar os que esperam explicar mecanicamente a formação da primeira textura de um animal e de toda a má quina das suas partes com os que explicam esta mesma estrutura pelas causas finais Ambas as explicações são boas ambas podem ser úteis não só para se admirar a habilidade do grande operário mas ainda para descobrir algo útil na fí sica e na medicina E os autores que seguem estas vias diferentes não deveriam hostilizarse Reparo no entanto os que se afadigam em explicar a beleza da divina estru tura das substâncias organizadas caçoarem dos que julgam poder um movimento aparentemente fortuito de certos fluidos provocar tão bela variedade de membros e acoimam estes últimos de profanos e temerários E estes por sua vez cognomi nam os primeiros de ingênuos e supersticiosos semelhantes àqueles antigos que consideravam ímpios os físicos quando defendiam não ser Júpiter quem trovoa mas sim alguma matéria existente nas nuvens O melhor seria reunir ambas as considerações pois se é permitido recorrer a uma comparação grosseira reconheço e exalto a habilidade de um operário não só mostrando os fins a que visou ao fazer as peças da sua máquina mas 5 Ensaio de Dinâmica sobre as leis do movimento Correspondência com Clarke Para compreensão maior consultemse os Escritos M atemáticos nas obras completas edição Cari Gerhardt N do T D IS CURSO DE METAFÍSICA 97 ainda explicando os instrumentos de que se serviu para fazer cada peça princi palmente se esses instrumentos sào simples e engenhosamente inventados E Deus é um artesão bastante hábil para produzir uma máquina mil vezes mais enge nhosa ainda do que a do nosso corpo não utilizando senão alguns fluidos bas tante simples expressamente ijbrmados de maneira a só necessitarem das leis ordi nárias da natureza para os ipisturar como requer a produção de um efeito tão admirável É também verdade no entanto que isto não aconteceria se nào fosse Deus o autor da natureza No entanto creio que a via das causas eficientes sendo com efeito a mais profunda e de certa maneira mais imediata e a priori é em contrapartida bastante difícil quando se desce até ao pormenor e creio que os nossos filósofos freqüen temente ainda estão muito lo age disso A via das causas finais s porém mais fácil e não deixa de servir freqüente mente para a descoberta de verdades importantes e úteis que teriam de ser demo radamente procuradas por ac pode dar exemplos considera uele outro caminho mais físico do qual a anatomia iveis Assim creio que Snellius o primeiro inventor das regras da refração demoraria muito mais a encontrálas se primeiramente quisesse conhecer a formação da luz Mas seguiu aparentemente o método usado pelos antigos para a catóptrica que vai efetivamente pelas causas finais Pois procurando o caminho mais jfácil para conduzir um raio de luz de um ponto dado para um outro dado pela reflexão de um plano determinado supondo ser este o desígnio da natureza acharam a igualdade dos ângulos de incidência e de refle xão como pode verse num psqueno tratado de Heliodoro de Larissa e em outros vários Foi o que Snellius cc mo creio e depois Fermat embora tudo ignorando dele aplicaram mais engenhosamente à refração Pois desde que os raios obser vem nos mesmos meios a mesma proporção dos senos que é também a das resis tências dos meios vêse que é a via mais fácil ou pelo menos a mais determinada para passar de um ponto dsjdo num meio a um ponto dado em outro E falta muito para que a demonstração deste mesmo teorema que Descartes pretendeu fazer pela via das causas eficientes seja tão boa Podese ao mesmo tempo des confiar que nada alcançaria jjor ela se na Holanda não tivesse aprendido alguma coisa da descoberta de Snellius 23 A fim de voi como De espíritos e se s tar às substâncias imateriais explicase is age sobre o entendimento dos e tem sempre a idéia do que se pensa Julguei oportuno insisti um pouco nestas considerações das causas finais das naturezas incorpóreas e ide uma causa inteligente com relação aos corpos a fim de mostrar a sua utilidacle mesmo na física e nas matemáticas e conseguir por um lado expurgar a filosofia mecânica da profanidade que se lhe imputa e pelo outro elevar o espírito cios nossos filósofos de considerações simplesmente materiais a mais nobres meditações 98 LEIBNIZ Será agora conveiilente voltar dos corpos às naturezas imateriais e particu larmente aos espíritos é dizer algo da maneira usada por Deus para esclarecêlos e agir sobre eles no quê também há indubitavelmente certas leis da natureza de que poderei noutro lugar falar com maior desenvolvimento Por ora bastará abordar alguma coisa áòerca das idéias e se vemos todas as coisas em Deus e como Deus ê a nossa luz Ora será oportuno notar que o mau uso das idéias ocasiona numerosos erros pois quando se raciocina sobrb alguma coisa imaginase ter uma idéia desta coisa e é o fundamento sobre o qual alguns filósofos antigos e modernos edificaram determinada demonstração de Deus bastante imperfeita É necessário dizem ter eu uma idéia de Deus ou de um ser perfeito pois nele penso e não se poderia pensar sem idéia Ora a idéia deste ser contém todas as perfeições e a existência é uma delas Por conseguinte Deus existe Porém como pensamos freqüentemente em quimeras impossíveis por exemplo no último grau da velocidade no maior de todos os números no encon tro da concóide com a sua base ou regra este raciocínio não é suficiente É pois neste sentido que se pode dizer haver idéias verdadeiras e falsas conforme a coisa de que se trata seja possível ou não E só então poderá alguém gabarse de ter uma idéia da coisa desde que esteja seguro da sua possibilidade Portanto o sobredito argumento prova pelo menos que Deus existe necessariamente se for possível O que é com efeito um excelente privilégio da natureza divina o de não requerer senão a sua possibilidade ou essência para existir atualmente E é precisamente o que se denomina Ens a se 24 Que é conhecimento claro ou obscuro distinto ou confuso adequado e intuitivo ou supositivo definição nominal real causal essencial É preciso dizer algo acerca da variedade dos conhecimentos a fim de me lhor compreender a natureza das idéias Quando posso reconhecer uma coisa entre outras sem poder dizer em que consistem suas diferenças ou propriedades o conhecimento é confuso Assim conhecemos algumas vezes claramente sem de modo algum duvidar se um poema ou quadro estão bem ou mal feitos porque há um não sei quê que nos satisfaz ou nos choca Sendome porém possível explicar as impressões sentidas o conhecimento chamase distinto Tal é o conhecimento do contrastSador que distingue o verdadeiro do falso ouro por intermédio de pertas provaá ou sinais definidores do ouro Porém o conhecimento distinto tem graus porque ordinariamente as nações que cntrâm na definição elas mesmas precisariam de definição e são conhecidas apenas confusamente Mas quando tudo o que entra numa definição du conheci mento distinto é distintamente conhecido até às noções primitivas derlbmino este conheciihento adequado Quàndo o meu espírito compreende ao mesmo tempo e distintamente todos D1ÍSCURS0 DE METAFÍSICA 99 na noção tem dela um conhecimento intuitivo sempre e dos conhecimentos humanos são somente confusos nominal quando se pode d exemplo se digo que um j os elementos primitivos dui mui raro pois a maior pari ou então supositivos Convêm ainda distinguir as definições nominais e as reais Chamo definição luvidar da possibilidade da noção definida como por arafuso sem fim é uma linha sólida cujas partes são congruentes ou podem incidir uma sobre a outra Todavia quem desconhecer um parafuso sem fim pode duv essa seja uma propriedade dar da possibilidade de tal linha embora efetivamente recíproca do parafuso sem fim pois as outras linhas cujas partes são congruentes apenas a circunferência do círculo e a linha reta são planas quer dizer podem traçarse in plano Isto mostra poder toda proprie dade recíproca servir para juna definição nominal mas quando revela a possibi lidade da coisa dá origem a definição realE enquanto se tem apenas uma defini ção nominal não se poderáj estar seguro das conseqüências dela obtidas porque se escondesse alguma contradição ou impossibilidade dela se poderiam tirar conclusões opostas Eis pol são arbitrárias como julgar Finalmente ainda exi que as verdades em nada dependem dos nomes nem am alguns filósofos modernos ste muita diferença entre as espécies das definições reais pois quando a possibilidade é provada apenas por experiência como na definição do mercúrio do qpal se conhece a possibilidade por se saber que um tal corpo fluido extremamente pesado e no entanto assaz volátil ê encontrado efetivamente a definição é somente real e nada mais Quando porém a prova da possibilidade se faz aprior tém á gênese possível da c a definição é ainda real e causal como quando con oisa E se esgota a análise levandoa até às noções primitivas sem pressupostos carecidos de prova a priori da sua possibilidade a definição é perfeita ou essen 25 Em que caso nos Ora é manifesto não é impossível E quando o ciai 50 conhecimento se une à contemplação da idéia possuirmos qualquer idéia de uma noção quando esta conhecimento é somente supositivo ao termos a idéia não a contemplamos pois tjal noção se conhece apenas tanto quanto se conhecem as noções ocultamente impossíveis e se ela é possível não é por esta maneira de conhecer que pode ser apreendida Por exemplo quando penso em mil ou num quiliógono procedo freqüetitementfe sem contêmplar a idéia dele como quando digo que mil é dez vezes cem nãb me preocüpando o que é 10 e 100 porque suponho sabêlo nem creic precisár no moménto parar para concebêlo Assim poderá muito bem acontecer como acontece cOm efeito muitas vezes enganarme acerca de uma noção que si ela seja impossível ou pelo iponho ou creio coinpreender se bem que na verdade menos Incompatívél com aquelas às quais ajunto E quer eu me engane ou não esta maneira supositiva de conceber permanece a mesma Só quando o nossc tivo nas distintas é que nele conhecimento é claro nas noções confusas ou intui vemos inteiramente a idéia 100 LEIBNIZ 26 Temos todas as idéias em nós Acerca da Reminiscência de Platão Para conceber bem o que é uma idéia é forçoso afastar um equívoco pois muitos a tomam pela forma ou diferença dos nossos pensamentos e deste modo só temos a idéia no espírito enquanto a pensamos e temos outras idéias da mesma coisa embora semelhantes à precedente cada vez que a pensamos Pare ce porém ser tomada por outros como um objeto imediato do pensamento ou como alguma forma permanente que persiste mesmo quando a não contempla mos Com efeito a nossa alma tem sempre nela a qualidade de representar qual quer natureza ou forma seja qual for quando surge a ocasião de pensar nela E desde que expresse qualquer natureza forma ou essência julgo ser esta qualidade da nossa alma propriamente a idéia da coisa existente em nós e sempre em nós quer nelapensemos ou não Porque a nossa alma exprime Deus o universo e todas as essências assim como todas as existências Isto concorda com os meus princípios porque naturalmente nada penetra no nosso espírito vindo do exterior e é mau hábito pensarmos como se a nossa alma recebesse algumas espécies mensageiras e tivesse portas e janelas Temos todas estas formas no espírito e as temos desde sempre porque o espírito exprime sem pre todos os seus pensamentos futuros e já pensa confusamente em tudo o que um dia pensará com distinção E nada nos poderia ser ensinado cuja idéia não tenhamos já no espírito pois essa idéia é como a matéria de que se forma esse pensamento Eis o que Platão considerou excelentemente ao introduzir a sua teoria da Reminiscência que tem muito fundamento quando devidamente compreendida e expurgada do erro da preexistência e quando não se imagine que a alma já devia ter sabido e pensado outrora com distinção o que apreende e pensa agora Platão confirmou ainda a sua opinião por meio de uma bela experiência apresentando um rapazinho que insensivelmente levou até às mais difíceis verdades da geome tria relativas aos incomensuráveis sem nada lhe ter ensinado e apenas fazendo perguntas por ordem e a propósito Assim se prova que a nossa alma sabe virtual mente todas estas coisas e apenas requer animadversiones para conhecer as ver dades e por conseqüência possui pelo menos as idéias de que dependem estas verdades Pode até dizerse que já possui estas verdades quando tomadas para as relações das idéias 27 De que modo pode compararse a nossa alma a tabuinhas vazias e como as nossas noções provêm dos sentidos Aristóteles preferiu comparar a nossa alma a pequenas tábuas ainda vazias onde há lugar para escrever e sustentou nada existir no nosso entendimento que não venha por meio dos sentidos Tem esta afirmação a vantagem de ser mais conforme às opiniões do vulgo como é de uso em Aristóteles ao passo que Pia DISC URSO DE METAFÍSICA 101 tão vai mais ao fundo Entretanto estas espécies de doxologias ou praticologias podem passar ao uso comum tal como os que seguem Copérnico sem por isso deixarem de dizer que o sol se levanta e se põe Muitas vezes me parece até possí vel darlhes sentido segundo o qual nada têm de falso e assim como já indiquei de que modo se pode verdadeiramente dizer agirem umas sobre as outras as subs tâncias particulares nesta mesma acepção pode também dizerse que recebemos de fora conhecimentos através dos sentidos por algumas coisas externas conte rem ou exprimirem mais particularmente as razões que determinama nossa alma a certos pensamentos Todavia quando se trata da exatidão das verdades metafí sicas importa reconhecer a ex infinitamente mais longe do q tensão e independência da nossa alma que alcança ue supõe o vulgo se bem que no uso ordinário da vida só lhe seja atribuído o qáe se apercebe com maior evidência e nos pertence de maneira particular porque de nada serve ir mais longe A fim de evitar equívocc um e outro sentido Assim pc s cumpria no entanto escolher termos próprios a dem denominarse idéias essas expressões concebi das ou não existentes na nossa alma mas aquelas que se concebem ou formam podem denominarse noções conceptus Seja porém como for é sempre falso dizer provirem dos sentidos chamados externos todas as nossas noções pois as que tenho de mim e dos meus pensamen tos e por conseguinte as do ser da substância da ação da identidade e de muitas outras coisas provêm duma experiência interna 28 Deus é o único objeto imediato das nossas percepções existente fora de nós e só ele é nossa luz Ora no sentido rigoroso rior agindo em nós a não ser da verdade metafísica não há causa alguma exte Deus e somente ele se comunica imediatamente a nós em virtude da nossa contínua dependência Donde se conclui que não há qualquer outro objeto externo agindo em nossa alma e excitando imediatamente a nossa percepção Temos assim em nossa alma as idéias de todas as coisas ape nas devido à contínua ação de Deus sobre nós quer dizer pela razão de todo efei to exprimir sua causa e por isso a essência da nossa alma é uma certa expressão imitação ou imagem da essência pensamento e vontade da divindade e de todas as idéias compreendidas nela Pode por conseguinte dizerse que Deus é nosso único objeto imediato fora de nós e é por seu intermédioj que vemos todas as coisas Por exemplo quando vemos o sol e os astros foi Ejeus quem nos deu e conserva as idéias e pelo seu concurso ordinário nos determina a pensar nelas efetivamente ao mesmo tempo que os nossos sentidos estão dispostos duma certa maneira segundo as leis por ele estabelecidas Deus é o sol e a luz das almas luinen illuminans omnem hominem venientem in hunc mundum e esta convicção não data de hoje Depois da 6 Tradução a luz que ilumina todo homem que vem a este mundo Jo 19 N do E 102 LEIBNIZ Sagrada Escritura e aos Padres que sempre estiveram mais por Platão do que por Aristóteles recordome de ter notado outrora que no tempo dos escolás ticos muitos acreditaram ser Deus a luz da alma e segundo o seu modo de dizer intellectus agens animae rationalis 7 Os avérroístas adulteraramlhe o sentido mas outros entre os quais penso encontrarse Guilherme de SantoAmor e diver sos teólogos místicos interpretaramna de maneira digna de Deus e capaz de ele var a alma até ao conhecimento do seu bem 29 No entanto pensamos imediatamente pelas nossas próprias idéias e não pelas de Deus No entanto não sou da opinião de alguns hábeis filósofos que parecem defender a existência das nossas próprias idéias em Deus e não em nós Em minha opinião isto se deve ao fato de não terem considerado ainda devidamente nem o que acerca das substâncias acabamos de considerar aqui nem toda a extensão e independência da nossa alma que a faz conter tudo quanto lhe acon tece e exprimir Deus e com ele todos os seres possíveis e atuais como um efeito exprime a sua causa Além disso ê inconcebível que eu pense com as idéias de outrem É forçoso também que a alma seja efetivamente afetada de certo modo quando pensa em alguma coisa e nela tenha de haver de antemão não sóa potên cia passiva de poder ser assim afetada a qual se encontra já completamente determinada mas ainda uma potência ativa em virtude da qual tenham havido sempre na sua natureza sinais da produção futura deste pensamento e disposições para produzilo em tempo oportuno Tudo isto já implica a idéia compreendida neste pensamento 30 Como Deus inclina a nossa alma sem a necessitar Ninguém tem direito de queixarse e não se deve perguntar por que Judas peca mas sim a razão de Judas o pecador ser admitido à existência de preferência a algumas outras pessoas possíveis Da imperfeição original antes do pecado e dos graus da graça No que concerne à ação de Deus sobre a vontade humana há numerosas considerações bastante difíceis de que seria longo tratar aqui Todavia eis por alto o que se pode dizer Deus concorrendo ordinaria mente para as nossas ações apenas segue as leis que estabeleceu quer dizer con serva e produz continuamente o nosso ser de forma que os nossos pensamentos nos chegam espontânea ou livremente segundo a ordem implícita na noção da nossa substância individual onde se podiam prever desde toda a eternidade Ade mais em virtude do decreto por ele estabelecido da vontade tender sempre piara o bem aparente exprimindo ou imitando a vontade de Deus sob certos aspectos 7 Tradução o intelecto agente da alma racional N do E DISCURSO DE METAFÍSICA 103 particulares relativamente aos quais esse bem aparente tem sempre algo de verdadeiro determina a nossa para a escolha do que parece melhor sem contudo a necessitar Porque falando de modo absoluto a vontade está na indiferença desde que se oponha à necessidade e tem o poder de proceder diversamente ou ainda de suspender de todc a sua ação pois ambas as coisas são e continuam possíveis Depende portanto da alma precaverse contra as surpresas das aparências por uma firme vontade de refletir e de nunca agir nem julgar em certas ocasiões senão depois de ter deliberado bem maduramente É no entanto verdadeiro e mesmo certo desde toda a poder em determinada circt queixarse senão de si mesn são tão injustas quanto o te eternidade que nenhuma alma se há de servir deste nstância Mas que mais é possível E pode acaso ela a Pois todas essas queixas depois do acontecimento riam sido antes dele Ora essa alma um pouco antes de pecar teria coragem para se queixar de Deus como determinandoa ao peca do Nestas matérias sendo imprevisíveis as determinações de Deus como pode ela saber estar determinada ao pecado senão depois de efetivamente pecar Ape nas se trata de não querer e Deus não poderia propor condição mais fácil e justa Assim todos os juizes sem cuidarem de saber as razões que dispuseram um homem a ter uma vontade má só se preocupam em considerar quanto é má essa vontade Mas estará talvez jdesde toda a eternidade assegurado que pecarei Res pondei vós mesmos talvez não e semsonhar com o que não podereis conhecer e nenhuma luz vos pode dar agi segundo o vosso dever que conheceis Mas dirá um outro donde se segue que este homem cometerá seguramente este pecado A resposta é fí vê desde todo o tempo que tem encerra esta livre ação cil doutra maneira não seria este homem Pois Deus existirá um certo Judas cuja noção ou idéia que dele utura Resta portanto tãosó a questão de saber por Mas para esta questão não o pecado previsto é forçoso que existe atualmente um tal Judas o traidor que só é possível na idéia de Deus há neste mundo resposta a esperar a menos que em geral deva dizerse que visto Deus ter achado bom que ele existisse não obstante este mal recompensarse com juros no universo dele tirando Deus um bem maior e em suma essa seqüência de coisas em que se compreende a existência desse pecador mostrarse a mais perfeita entre todas as maneiras possíveis Mas enquanto somos viajantes deste mundo é impossível exphcar sempre em tudo al admirável economia desta escolha É bastante sabê lo sem o compreender É acui o momento de reconhecer altitudinem divitiarum a profundidade e o abismo da sabedoria divina sem buscar um esmiuçamento que envolve considerações infinitas Entretanto vêse claramente não ser Deus a causa do mal pois não só o pe cado original se apoderou da alma depois da perda da inocência dos homens mas ainda anteriormente havia uma limitação ou imperfeição conatural a todas as criaturas tornandoas pecáveis ou suscetíveis de pecar Desaparece assim a difi culdade tanto do ponto de vista dos supralapsários como dos outros Eis no meu entender ao que se deve recluzir a opinião de Santo Agostinho e de outros auto res segundo a qual a raiz dc mal está no nada quer dizer na privação ou limita 104 LEIBNIZ ção das criaturas que Deus remedeia graciosamente pelo grau de perfeição que lhe apraz dar a elas Essa graça de Deus seja ordinária ou extraordinária tem seus graus e medidas é sempre eficaz em si mesma para produzir um certo efeito proporcionado e ademais é sempre suficiente não só para nos preservar do peca do mas até para produzir a salvação supondo nela a cooperação do homem na medida em que lhe compete No entanto nem sempre ela é suficiente para se sobrepor às inclinações do homem pois doutra forma não requereria mais nada e isto está reservado somente à graça absolutamente eficaz sempre vitoriosa quer por si quer devido à congruência das circunstâncias 31 Dos motivos da eleição da fe prevista da ciência média do decreto absoluto e de que tudo se reduz à razão que fez Deus chamar à existência tal pessoa possível cuja noção contém uma certa série de graças e de ações livres o que duma vez por todas acaba com as dificuldades Enfim são as graças de Deus graças absolutamente puras sobre as quais as criaturas nada têm que pretender No entanto como para explicar a escolha feita por Deus ao dispensar estas graças não é suficiente recorrer à previsão absoluta ou condicional das ações futuras dos homens é também forçoso não se imaginar decretos absolutos que não possuam algum motivo razoável No que concerne à fé ou às boas obras previstas é certíssimo Deus só ter eleito aquelas em que previa a fé e a caridade quos se fide donaturum praescivit mas recomeça de novo a mesma questão de se saber por que Deus dará a uns de preferência a outros a graça da fé ou das boas obras E quanto a esta ciência de Deus a previsão não da fé e das boas ações mas de sua matéria e predisposição ou daquilo com que o homem para elas contribuiria por sua parte já que é certo haver diversidade do lado dos homens exatamente onde a há do lado da graça e que com efeito é for çoso o homem para isso agir também depois embora precise ser incitado ao bem e convertido para muitos parece poder dizerse que Deus tendo visto o que o homem faria sem a graça ou assistência extraordinária ou pelo menos o que fará por sua parte abstraindo a graça poderia resolverse a conceder a graça àqueles cujas disposições naturais fossem as melhores ou pelo menos as menos imper feitas ou menos más Mas quando assim fosse poderseia dizer que estas dispo sições naturais enquanto boas são ainda o efeito de uma graça embora ordiná ria tendo Deus beneficiado uns mais do que outros e sabendo Deus muito bem que estas vantagens naturais dadas por ele servirão de motivo à graça ou assis tência extraordinária não é afinal verdadeiro segundo esta doutrina tudo redu zirse inteiramente à sua misericórdia Portanto visto ignorarmos quanto ou como Deus considera as disposições naturais na dispensa da graça creio mais exato e seguro dizer segundo os nossos princípios e como já notei ser forçoso haver entre os entes possíveis a pessoa de Pedro ou de João cuja noção ou idéia contém toda esta série de graças ordinárias DISICURSO DE METAFÍSICA 105 i e todo o resto destes acontecimentos com suas circunstâncias e que entre uma infinidade doutras pessoas igualmente possíveis agradou a Deus escolhêla para existir atualmente Dito isto parece nada mais haver a perguntar e desvanece remse todas as dificuldades pois relativamente a esta grande questão de saber por que quis escolhêla entre tantas outras pessoas possíveis é preciso ser muito pouco razoável para se não contentar com as razões gerais que demos cujo por menor nos ultrapassa j Assim em vez de recorrer a um decreto absoluto que não tendo razão é irrazoável ou a razões que riunca conseguem resolver a dificuldade e carecem de outras razões o melhor será dizer de acordo com São Paulo que para isso há certas e grandes razões de Sabedoria ou de congruência desconhecidas dos mor tais mas assentes na ordem geral cujo fim é a maior perfeição do universo e observadas por Deus Aqui vêm dar os motivos da glória de Deus e da manifesta ção da sua justiça assim como da sua misericórdia e em geral das suas perfei ções e finalmente essa imensa profundidade de riquezas de que o próprio São Paulo tinha a alma extasiada 32 Utiliidade destes princípios em matéria I de piedade e de religião Ademais parece que òs pensamentos por nós ora explicados e em particu lar o grande princípio da perfeição das operações de Deus e o da noção da subs tância que encerra todos oíi seus acontecimentos com todas as suas circunstân cias bem longe de prejudicar servem para confirmar a religião para dissipar enormes dificuldades inflamar as almas de um amor divino e elevar os espíritos ao conhecimento das substancias incorpóreas bem mais do que as hipóteses vis tas até aqui Pois clarissirnamente se vê dependerem de Deus todas as outras substâncias como os pensamentos emanam da nossa estar Deus todo em nós e intimamente unido a todas as criaturas embora na medida das suas perfeições ser ele a determinálas externamente pela sua influência e se agir é determinar imediatamente pode neste sentido dizerse em linguagem metafísica que só Deus opera sobre mim e sóele pode fazerme bem ou mal em nada contribuindo as outras substâncias a não ser na razão destas determinações porque Deus considerandoas a todas reparte suas bondades e obrigaas a acomodaremse entre si Igualmente só Deus estabelece a ligação e comunicação das substâncias e por seu intermédio os fenômenos de umas se encontram e harmonizam com os de outras havendo por conseqüência realidade nas nossas percepções Mas na prática atribuise a ação às razões particulares no sentido por mim explicado acima por ser desnecessário mencionar constantemente a causa universal nos casos particulares 1 Vêse também que toda a substância tem perfeita espontaneidade tornada liberdade nas substâncias inteligentes tudo o que lhe sucede é conseqüência da 106 LEIBNIZ sua idéia ou do seu ser e nada a não ser Deus a determina E por isso uma pes soa de elevado espírito e de respeitadíssima santidade costumava dizer que a alma deve freqüentemente pensar como se mais nada a não ser ela e Deus hou vesse no mundo Ora nada torna mais compreensível a imortalidade do que essa indepen dência e essa extensão da alma que a defende completamente de todas as coisas exteriores pois ela sozinha constitui todo o seu mundo e com Deus se basta e é tão impossível perecer sem aniquilamento quão impossível o mundo de que é expressão viva e perene destruirse a si mesmo Também não ê possível que façam algo sobre nossa alma as modificações dessa massa extensa chamada nosso corpo nem que a dissipação deste destrua o que é indivisível 33 Explicação da união da alma e do corpo tida por inexplicável ou miraculosa e da origem das percepções confusas Compreendese também o inopinado esclarecimento deste grande mistério da união da alma e do corpo quer dizer como é possível que as paixões e as açÕes de um deles se acompanhem das ações e paixões do outro ou melhor dos fenômenos convenientes do outro porquanto não há meio de se conceber que um tenha influência sobre o outro nem é razoável recorrer simplesmente à operação extraordinária da causa universal em coisa ordinária e particular Eis no entanto a causa verdadeira dissemos que tudo quanto acontece à alma e a cada substância é conseqüência de sua noção logo a própria idéia ou essência da alma implica também que todas as suas aparências ou percepções devam nascerlhe sponte8 da sua própria natureza e precisamente de sorte a responderem por si mesmas ao que se passa em todo o universo mais particular e mais perfeitamente porém ao que sé passa no corpo que lhe está afeto pois é dalgum modo e por um certo tempo segundo a relação dos outros corpos com o seu que a alma exprime o estado do universo Isto mostra ainda como o nosso corpo nos pertence sem estar contudo preso à nossa essência E as pessoas que sabem meditar por poderem ver em que consiste a conexão da alma e do corpo que parece inexplicável por qualquer outra via creio que julgarão vantajosamente os nossos princípios Vêse também que as percepções dos nossos sentidos mesmo quando sejam claras devem conter necessariamente algum sentimento confuso pois simpati zando todos os corpos do universo o nosso recebe a impressão de todos os outros e embora os nossos sentidos se refiram a tudo é impossível nossa alma a tudo poder atender em particular Por isso são os nossos sentimentos confusos o resul tado duma variedade completamente infinita de percepções E é quase como o murmúrio confuso ouvido por quem se aproxima da beira do mar e proveniente da reunião das repercussões de vagas inumeráveis Ora se de diversas percepções nunca em concordância para fazerem uma nenhuma há que exceda as outras e 8 Tradução Espontaneamente N do E DISCURSO DE METAFÍSICA 107 se provocam mais ou menos impressões igualmente fortes ou igualmente capazes de determinar a atenção da alma esta só pode apercebêlas confusamente 34 Da diferença entre espíritos e demais substâncias almas ou formas substanciais de que a imortalidade requerida implica a recordação Supondo que os corpos constituindo unum per se9 como o homem são substâncias e têm formas substanciais e que os irracionais têm almas ése obri gado a sustentar a impossibilidade de perecerem inteiramente estas almas e estas formas substanciais assim como os átomos ou elementos últimos da matéria na opinião de outros filósofos piois substância alguma perece embora possa trans formarse noutra qualquer Exprimem também todo o universo se bem que mais imperfeitamente do que os espíritos Mas a principal diferença é que desco nhecem o que são ou fazem ç por conseqüência são incapazes de reflexão e não poderiam descobrir verdades necessárias e universais10 Também por falta de reflexão sobre elas mesmas rião têm qualidade moral donde se segue que atra vessando mil transformações pouco mais ou menos como vemos uma lagarta transformarse em borboleta relativamente à moral ou prática é como se se dis sesse que perecem e o mesmo se pode dizer fisicamente como dizemos que os corpos perecem por sua corrupção Mas a alma inteligente conhecedora do que é e podendo dizer este eu moi que diz muito não só permanece e metaflsica mente subsiste bem mais què as outras como ainda permanece moralmente a mesma e constitui a mesma personagem Pois é a recordação ou o conhecimento deste eu moi que a torna suscetível de castigo ou de recompensa Também a imortalidade exigida na moral e na religião não consiste exclusivamente nesta subsistência perpétua que corivém a todas as substâncias pois nada teria de dese jável sem a recordação do passado Suponhamos que alguém deve tornarse rei da China de um momento para 0 outro mas com a condição de esquecer o que tem sido como se acabasse de nascer inteiramente de novo Na prática ou quanto aos efeitos que se podem aperceber isto não seria o mesmo que se devesse ser aniquilado e que em seu lugar fosse criado no mesmo momento um rei da China E nenhum particular tem qualquer razão para desejar isto í 35 Excelência dos espíritos e que Deus os considera de preferência às outras criaturas Os espíritos exprimem Deus melhoi do que o mundo mas as outras substâncias exprimem melhor o mundo do que Deus iI Porém para fazer julgar por razões naturais que Deus conservará sempre não só a nossa substância más também a nossa pessoa quer dizer a lembrança 9 Tradução Um todo por si N do Ej 1 0 A principal diferença entre os átomcjs materiais e as mônadas espirituais reside no fato de que estas últi mas são dotadas de reflexão isto é de consciência N do T 108 LEIBNIZ e o conhecimento do que somos embora o conhecimento distinto em si algumas vezes se interrompa no sono e nos desmaios é preciso aliarse a moral à metafí sica Isto significa que nào é suficiente a consideração de Deus como princípio e causa de todas as substâncias e de todos os seres mas que também é necessário ainda considerálo como chefe de todas as pessoas ou substâncias inteligentes e como Monarca absoluto da mais perfeita Cidade ou República tal como a do universo composto do conjunto de todos os espíritos sendo o próprio Deus tanto o mais acabado de todos os espíritos quanto é o maior de todos os seres Pois sem dúvida são os espíritos os mais perfeitos e qüe melhor exprimem a Divinda de E consistindo toda a natureza fim virtude e função das substâncias apenas em exprimir Deus e o universo como foi já devidamente explicado não cabe duvidar de que as substâncias que o exprimem com o conhecimento daquilo que fazem e que são capazes de conhecer grandes verdades acerca de Deus e do uni verso nào o exprimam incomparavelmente melhor do que essas naturezas que são ou brutas e incapazes de conhecer verdades ou completamente destituídas de sentimento e de conhecimento A diferença entre as substâncias inteligentes e as que não o são é tão grande como a que há entre o espelho e aquele que vê E como o próprio Deus ê o maior e mais sábio dos espíritos fácil é julgar que lhe devem estar infinitamente mais próximos os seres com os quais pode por assim dizer entrar em conversação e mesmo em sociedade comunicandolhes os seus sentimentos e vontades de maneira particular e de tal sorte que possam conhecer e amar o seu benfeitor do que as restantes coisas que apenas podem tomarse por instrumentos dos espíritos assim como vemos todas as pessoas sen satas darem infinitamente mais importância a um homem que a qualquer outra coisa por mais preciosa que seja e parece ser a maior satisfação que pode ter uma alma aliás contente verse amada pelas outras embora pelo que se refere a Deus haja esta diferença a sua glória e o nosso culto nada podem acrescentar à sua satisfação pois sendo o conhecimento das criaturas tãosó uma conse qüência da sua soberana e perfeita felicidade está bem longe de contribuir para ela ou de ser em parte sua causa No entanto o que é bom e razoável nos espíritos finitos achase eminentemente nele e como louvaríamos um rei que antes prefe risse conservar a vida de um homem do que a do mais precioso e raro dos seus animais não devemos nunca duvidar de que não seja da mesma opinião o mais esclarecido e justo dos monarcas 36 Deus é o Monarca da mais perfeita república composta de todos os espíritos e a felicidade desta Cidade de Deus é o seu principal desígnio Com efeito os espíritos são as substâncias mais suscetíveis de aperfeiçoa mento e suas perfeições caracterizamse por se estorvarem reciprocamente 6 mí nimo ou sobretudo por se ajudarem mutuamente pois só os mais virtuosos pode rão ser os mais perfeitos amigos Donde claramente se conclui que Deus pretendendo alcançar sempre a máxima perfeição em geral terá o maior desvelo DISCURSO DE METAFÍSICA 109 com os espíritos e lhes dará não só em geral mas até a cada um em particular o máximo de perfeição permitido pela harmonia universal Podese até dizer que Deus enquanto espírito é a origem das existências doutro modo se carecesse de vontade para escolher o melhor não haveria razão alguma para um possível existir em vez dos outros Assim a qualidade de Deus de ser ele próprio espírito supera todas as outras considerações que pode ter quanto às criaturas Apenas os espíritos são feitos à sua imagem e quase da sua raça ou como filhos da casa pois só eles o podem servir livremente e agir com conhecimento à imitação da natureza divina um único espírito vale um mundo inteiro pois não só exprime mas também o conhece e aí se governa à maneira de Deus de tal forma que embora toda a substância exprima o universo parece no entanto que as outras substâncias exprimem mais Deus do que o mundo E esta natureza tão nobre dos espíritos que os aproxima da Divindade tanto quanto podem simples criaturas faz com que Deus tire deles infinitamente mais glória que do resto dos seres ou melhor que os outros seres apenas dêem aos espíritos a matéria para glorificálo Eis por que esta qualidade moral de Deus que o torna o Senhor ou Monarca dos Espíritos lhe diz respeito por assim dizer pessoalmente de maneira muito sin gular É nisto que se humaniza que se presta a antropologias e entra em socie dade conosco como um príncipe com os seus súditos e sendolhe tão querida esta consideração tornase em sua lei suprema o feliz e florescente estado do seu reino que consiste na maüor felicidade possível dos habitantes Porque a felici dade está para as pessoas como a perfeição para os seres E se o primeiro princí pio da existência do mundo físico é o decreto de lhe dar a máxima perfeição pos sível o primeiro desígnio do mundo moral ou da Cidade de Deus a mais nobre parte do universo deve ser espalhar nela quanta felicidade for possível Não se deve duvidar portanto de Deus ter ordenado tudo de molde a não só os espíritos poderem viver perenemente o que é infalível mas ainda conservarem sempre a sua qualidade moral a fim de que sua Cidade não perca pessoa alguma como o mundo não perde ajualquer substância E por conseguinte saberão sempre o que são doutro modo não seriam suscetíveis nem de recompensa nem de casti go o que é todavia da esíiência de uma república mormente da mais perfeita onde coisa alguma poderia ter sido negligenciada Finalmente sendo Deus ao mesmo tempo o mais justo e clemente dos monarcas e nada mais pedindo além da boa vontade desde que sincera e séria os seus súditos não poderiam desejar melhor condição e para os tornar perfeita mente felizes somente quer ser amado 37 Jesus Cristo descobriu para os homens os mistérios e as leis admiráveis do Reino dos Céus e a grandeza da suprema felicidade que Deus reserva a quem o ama Os filósofos antigos conheceram muito pouco estas verdades Só Jesus as exprimiu divinamente bem e de maneira tão clara e familiar que os mais grossei 110 LEIBNIZ ros espíritos as compreenderam Por isso o seu Evangelho mudou inteiramente a face das coisas humanas deunos a conhecer o Reino dos Céus ou esta República perfeita dos Espíritos merecedora do título de Cidade de Deus cujas leis admirá veis descobriu para nós Só ele mostrou quanto Deus nos ama e com que cuidado tratou de tudo o que nos toca que cuidando dos passarinhos não descuidará as criaturas racionais para ele infinitamente mais queridas que estão contados todos os cabelos da nossa cabeça que céu e terra perecerão antes que se mude a palavra de Deus e o que pertence à economia da nossa natureza que Deus tem maior cuidado com a mais ínfima das almas inteligentes do que com toda a má quina do mundo que não devemos recear quem possa destruir os corpos mas não pode prejudicar as almas porque só Deus as pode fazer felizes ou desgraça das e que as dos justos estão em sua mão defendidas de todas as revoluções do universo nada podendo agir sobre elas senão Deus que nenhuma das nossas ações está esquecida e tudo foi levado em conta até as palavras inúteis ou uma colherada de água bem empregada enfim que tudo deve redundar no maior bem dos bons que os justos serão como sóis e nunca os nossos sentidos nem o nosso espírito gozaram algo parecido com a felicidade que Deus prepara a quem o ama GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ NOVOS ENSAIOS SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO PELO AUTOR DO SISTEMA DA HARMONIA PREESTABELECIDA Tijadução de Luiz João Baraúna Tradução do original francês Nouveaux Essais sur l Entendemenl Humain par l Auteur du Système de lHarmonie Préétablie editados por GarnierFlammarion Paris 1966 com base no trabalho de C Gerhardt Die Philosophischen Schriften von G W Leibniz Prefácio Sendo que o Ensaio sobre o Entendimento obra publicada por um ilustre inglês constitui um dos mais belos e mais estimados livros do tempo atual tomei a resolução de fazerlhe observações visto que tendo eu meditado desde há muito tempo sobre o mesmo assunto e sobre a maior parte dos pontos nele trata dos acreditei que seria uma boa ocasião para publicar algo sob o título de Novos Ensaios sobre o Entendimento e para propiciar uma penetração favorável para as minhas idéias colocandoas em tão boa companhia Acreditei outrossim poder aproveitar o trabalho de outrem não somente para reduzir o meu pois de fato é menos trabalhoso seguir o fio de um bom autor do que trabalhar à própria custa em tudo mas também para acrescentar algo ao que este insigne autor nos deu o que é sempre mais fácil do que começar Com efeito acredito ter resolvido algu mas dificuldades que o autor deixou na sua obra Assim sendo a sua reputação me acarreta vantagens De rosto sendo do meu estilo fazer justiça aos outros e bem longe de querer diminuir a estima que merece esta obra eu até a aumentaria se a minha aprovação tivessealguma importância É verdade que em muitos pon tos partilho outra opinião Todavia bem longe de discordarmos do mérito dos escritores célebres prestamoslhes testemunho ao manifestarmos em que e por que nos distanciamos dos seus pontos de vista quando julgamos necessário impe dir que a sua autoridade prevaleça sobre a razão em certos pontos de importân cia além disso satisfazendoa homens tão eminentes tornamos a verdade mais aceitável devendose supor q ue é antes de tudo por amor à verdade que tais ho mens trabalham j Com efeito embora o autor do Ensaio afirme uma infinidade de coisas belas nas quais conta com o meu aplauso os nossos sistemas diferem profunda mente O dele se relaciona mais com Aristóteles o meu radica mais em Platão embora ambos nos distanciemos em muitos pontos da doutrina desses dois auto res antigos O autor do Ensaio é mais popular ao passo que eu me vejo forçado a ser um pouco mais acroamático1 e mais abstrato o que não constitui uma van tagem para mim sobretudo quando se escreve numa língua viva Acredito porém que em fazendo falar duas pessoas sendo que uma delas expõe as opi niões tiradas do Ensaio deste autor e a outra lhe acrescenta as suas próprias 1 Esotérico 114 LEIBNIZ observações o paralelismo será mais do agrado do leitor do que se eu fizesse observações completamente áridas cuja leitura teria que ser aliás interrompida a cada momento pela necessidade de recorrer ao livro dele para compreender o meu Entretanto será conveniente conferir às vezes os nossos escritos e não emi tir juízo sobre as opiniões do autor a não ser baseandose na sua própria obra embora eu tenha em geral conservado as suas expressões É verdade que devendo eu seguir continuadamente a exposição do autor e fazerlhe observações não pude salvar os atrativos próprios de um diálogo espero porém que óassunto re pare o defeito da forma As nossas diferenças versam sobre matérias de alguma importância Trata se de saber se a alma em si mesma é completamente vazia como lousas nas quais ainda não existe nada escrito tabula rasa conforme Aristóteles e o autor do Ensaio e se tudo o que é nela impresso provêm exclusivamente dos sentidos e da experiência ou se a âlma contêm originariamente princípios de várias noções e doutrinas que os objetos externos não fazem senão despertar na devida ocasião como acredito eu na esteira de Platão e atê da Escola e juntamente com todos aqueles que entendem neste sentido a passagem de São Paulo Rom 2 15 onde o Apóstolo assinala que a lei de Deus está escrita nos nossos corações Os estói cos denominavam tais princípios Prolepses isto ê pressupostos fundamentais ou seja aquilo que se dá por concordado antecipadamente Os matemáticos dão a tais princípios o nome de noções comuns koinàs ennoías Os filósofos modernos lhes dão outros belos nomes em especial Júlio Scaliger2 os denominava Semina aeternitatis como também Zopyra3 como a querer dizer fogos vivos tra ços luminosos ocultos dentro de nós que os sentidos fazem aparecer como cente lhas que o choque faz sair do fuzil Não é sem razão que se acredita que tais raios de luz assinalam alguma coisa de divino e de eterno que aparece sobretudo nas verdades necessárias Disto nasce um outro interrogativo a saber se todas as verdades dependem da experiência isto é da indução e dos exemplos ou se existem algumas que pos suem ainda um outro fundamento Com efeito se alguns acontecimentos podem ser previstos antes de qualquer experiência que tenhamos feito é manifesto que contribuímos com algo de nosso para isto Os sentidos se bem que necessários para todos os nossos conhecimentos atuais não são suficientes para darnolos todos visto que eles só nos fornecem exemplos ou seja verdades particulares ou individuais Ora todos os exemplos que confirmam uma verdade de ordem geral qualquer que seja o seu número não são suficientes para estabelecer a necessi dade universal desta mesma verdade pois não segue que aquilo que aconteceu uma vez tornará a acontecer da mesma forma Por exemplo os gregos os roma nòs e todos os outros povos da terra conhecida aos antigos sempre observaram que antes do decurso de 24 horas o dia se muda em noite e a noite em dia z Júlio César Scaliger 14841558 médico e filólogo italiano de renome A expressão mencionada provêm da obra Elect a Scaligerea coletânea de máximas e preceitos escolhidos publicada em 1634 3 Sementes da eternidade ou ainda Zopyra isto ê fogos vivos iI Entretanto terseiam enganado se tivessem pensado que a mesma regra se obser va em toda parte visto que mais tarde se verificou o contrário na estada em Nova Zembla 4 Equivocarseia jtambém aquele que acreditasse que pelo menos nos nossos climas é uma verdade necessária e eterna que durará para sempre pois devemos pensar que o sol a própria terra não existem necessariamente e que talvez existirá um tempo em que este belo astro não existirá mais ao menos na forma presente o mesmo acontecendo com todo o sistema solar Daqui parece deverse concluir que as vejrdadesnecessárias quais as encontramos na matemá tica pura e sobretudo na aritmética e na geometria devem ter princípios cuja demonstração independe dos exemplos e conseqüentemente também do testemu nho dos sentidos embora sje deva admitir que sem os sentidos jamais teria vindo à mente pensar neles E o que se deve distinguir bem é o que compreendeu tão bem Euclides o qual demonstra muitas vezes pela razão o que se observa suficientemente pela experiência e pelas imagens sensíveis Também a lógica a metafísica e a moral uma jdas quais forma a teologia e a outra a jurisprudência todas as duas naturais estao repletas de tais verdades necessárias e por conse guinte a sua demonstração não pode provir senão de princípios internos que se denominam inatos É verciade que não se deve imaginar que possamos ler na alma estas leis eternas da razao a livro aberto como se lê o edito do pretor no seu livro sem trabalho e sem pesquisa basta porém que possamos descobrilos em nós em virtude da atenção sendo que a ocasião é fornecida pelos sentidos e a seqüência das experiências serve ainda como confirmação à razão mais ou menos como as provas servjem na aritmética para melhor evitar o erro do cálculo quando o raciocínio é longo É nisto também que diferem os conhecimentos dos homens em relação aos dos animais os animais são puramente empíricos e se regulam exclusivamente à Irnse dos exemplos visto que jamais chegam a formar proposições necessárias qúanto possamos julgar ao contrário os homens são capazes de formar as ciências demonstrativas É também por isso que a faculdade que os animais possuem diá tirar conclusões representa algo de inferior à razão que observamos nos homeris As conclusões dos animais são simplesmente como as dos empíricos que pretendem que aquilo que aconteceu alguma vez aconte cerá outra vez em um caso em que aquilo que os impressiona é semelhante sem serem capazes de julgar se subsistem as mesmas razões Eis por que é tão fácil aos homens atingir o nível dos animais e tão fácil para os simples empíricos cometer faltas Disto não são isentas as pessoas que se tornaram hábeis pela idade e pela experiência quando prestam excessivo crédito à sua experiência pas sada como aconteceu a muitos em assuntos civis e militares porque não se con sidera suficientemente que ò mundo se modifica e que os homens se tornam mais hábeis encontrando mil coisas novas ao passo que os cervos e as lebres de hoje não se tornam mais espertos que os de tempos passados As conclusões dos ani mais não passam de sombras em comparação com o raciocínio isto é são meras conexões de imaginações passagens de uma imagem a outra visto que num NOVOS ENSAIOS 115 Arquipélago do oceano glacial Ártico ao norte da Rússia LEIBNIZ evento novo que parece assemelharse ao anterior esperam encontrar de novo associados os elementos que se observaram na outra ocasião como se as coisas estivessem de fato associadas pelo fato de que as suas imagens o estão na memó ria É verdade que a própria razão aconselha que esperemos em geral ver chegar no futuro o que é conforme a uma longa experiência do passado mas nem por isso ê uma verdade necessária e infalível o acontecimento pode cessar quando menos se espera quando se alteram as razões que o causaram Eis por que os sá bios não se fiam até que não tentem penetrar na medida do possível algo da razão deste fato para julgar quando será necessário abrir exceções Pois só a razão é capaz deestabelecer regras seguras e de suprir o que falta nas regras que não eram seguras inserindo as suas exceções só a razão é capaz de encontrar finalmente conexões certas na força das conseqüências necessárias o que dá mui tas vezes a possibilidade de prever o acontecimento sem ter necessidade de experi mentar as conexões sensíveis das imagens às quais estão reduzidos os animais assim sendo o que justifica os princípios internos das verdades necessárias cons titui um outro elemento que distingue o homem do animal irracional Possivelmente o nosso autor não discordará totalmente do meu ponto de vista Com efeito após ter utilizado todo o seu primeiro livro para refutar as idéias inatas reconhece no início do segundo e também a seguir que as idéias que não têm a origem na sensação provêm da reflexão Ora areflexão não consti tui outra coisa senão uma atenção àquilo que está em nós já que os sentidos não nos dão aquilo que já trazemos dentro de nós Sendo assim poderseá porven tura negar que existem muitas coisas inatas no nosso espírito visto que somos por assim dizer inatos a nós mesmos Poderseá negar que existe dentro de nós tudo isto Ser Unidade Substância Duração Mudança Ação Percepção Pra zer e mil outros objetos das nossas idéias intelectuais E se tais objetos são ime diatos ao nosso entendimento e sempre presentes ainda que não sejam sempre percebidos devido às nossas distrações e necessidades por que admirarse ante a afirmação de que tais idéias nos são inatas juntamente com tudo o que delas depende Servime também da comparação de uma pedra de mármore a qual tem veios preferivelmente a uma pedra de mármore toda compacta ou então de lou sas vazias que entre os filósofos se chamam tabula rasa Com efeito se a alma se assemelhasse a tais lousas vazias as verdades seriam em nós como a figura de Hércules que se encontraria em um mármore quando este é ainda completamente indiferente a receber esta figura ou uma outra Entretanto se houvesse veios na pedra que assinalassem apriori a figura de Hércules de preferência a outras esta pedra seria mais determinada e Hércules estaria como que inato nela de alguma forma embora não se possa esquecer que se necessitaria de trabalho para desco brir tais veios para limpálos eliminando o que os impede de aparecer É desta forma que as idéias e as verdades estão inatas em nós como inclinações disposi ções hábitos ou virtualidades naturais e não como ações embora tais virtuali dades sejam sempre acompanhadas de algumas ações muitas vezes insensíveis que lhes correspondem NOVOS ENSAIOS 117 Ao que parece o nosso inteligente autor pretende que não existe nada de vir tual em nós e nada que não percebamos sempre atualmente todavia o autor não pode tomar isto a rigor pois do contrário a sua opinião seria por demais parado xal visto que mesmo os hábitos adquiridos e as provisões da nossa memória não são sempre percebidos e nem j sequer nos acodem quando necessitamos embora muitas vezes consigamos recolocálas facilmente no nosso espírito em alguma ocasião pouco importante que nos faz lembrarnos delas assim como para lembrarnos de uma canção basta ouvirlhe o começo O autor mitiga ainda a sua tese em outras passagens ao dizer que não existe nada em nós de que não nos tenhamos apercebido anteriormente Entretanto além do fato de que ninguém pode assegurar só pela razão aonde podem ter ido as nossas apercepções passa das que podemos ter esquecido sobretudo segundo a reminiscência dos platô nicos a qual por mais fabulosa que seja nada tem de incompatível pelo menos em parte com a razão nua e crua além deste fato digo por que razão seria necessário que tudo em nós seja adquirido pelas percepções das coisas externas e que nada possa ser desenterrado de dentro de nós mesmos É possível que a nossa alma seja em si mesma ião vazia que não é nada sem as imagens que rece be de fora Estou cejto de que o nosso autor não poderia aprovar tal conse qüência Aliás onde se encontrarão lousas que não se diversifiquem em algo Com efeito jamais se verá um plano completamente unido e uniforme Em conse qüência por que razão não seríamos capazes de fornecer de dentro de nós mes mos e para nós mesmos algo de pensamento desde que queiramos escavar nele Assim sendo inclinome a crer que no fundo a opinião do nosso autor não difere da minha ou melhor da opinião geral na medida em que esta reconhece duas fontes dos nossos conhecimentos a saber os sentidos e a reflexão Não sei se será tão fácil jfazêlo concordar conosco e com os Cartesianos quando o autor sustenta que o espírito não pensa sempre e em particular que o espírito é destituído de percepição quando dormimos sem ter sonhos objeta ele que assim como os corpos podem estar sem movimento também as almas podem estar sem pensamentos Aqui respondo de forma um pouco diversa do que se costuma fazer pois mantenho que na ordem natural uma substância não pode estar sem ação e que jamaisexistem corpos sem movimento A própria expe riência está a meu favor bastando consultar o livro do ilustre Sr Boyle 5 contra o repouso absoluto para persuadirse desta tese aliás acredito que a própria razão também me favorece sendo esta uma das provas que tenho para negar os átomos De resto existe uma série de indícios que nos autorizam a crer que existe a todo momento uma infinidade de percepções em nós porém sem apercepção e sem reflexão mudanças na própria alma das quais não nos apercebemos pelo fato de as impressões serem ou muito insignificantes e em número muito elevado i 5 Robert Boyle 16271691 famoso físico e químico inglês O livro mencionado constitui um Discourse about lhe Absolute Rest in Bodies Discurso sobre o Repouso Absoluto nos Corpos publicado em 1669 tradução latina 1671 j 118 LEIBNIZ ou muito unidas de sorte que não apresentam isoladamente nada de suficiente mente distintivo porém associadas a outras não deixam de produzir o seu efeito e de fazerse sentir ao menos confusamente Assim é que em força do hábito não notamos mais o movimento de um moinho ou de uma quedadágua depois que tivermos morado por algum tempo perto dele Não é que tais movimentos deixem de afetar sempre os nossos órgãos e que não despertem na alma nada que corresponde a tais órgãos devido à harmonia reinante entre a alma e o corpo o que acontece é que tais impressões despertadas na alma e no corpo por serem destituídas dos atrativos da novidade não são suficientemente fortes para atrair a nossa atenção e a nossa memória ocupada com objetos que chamam mais a atenção Com efeito toda atenção exige memória e muitas vezes acontece quan do não cuidamos de prestar atenção a algumas das nossas percepções presentes que as deixemos passar sem reflexão e até sem notálas todavia se alguém nos adverte imediatamente depois e nos chama a atenção por exemplo para algum ruído que houve lembramonos dele e nos damos conta de têlo percebido de al guma forma Por conseguinte eram percepções das quais não nos tínhamos dado conta de imediato sendo que a apercepção neste caso provém exclusivamente de havermos sido advertidos depois de um certo intervalo por menor que seja Para melhor julgar sobre as pequenas percepções que somos incapazes de distinguir em meio à multidão delas costumo utilizar o exemplo do bramido do mar que nos impressiona quando estamos na praia Para ouvir este ruído como se costuma fazer é necessário que ouçamos as partes que compõem este todo isto é os ruí dos de cada onda embora cada um desses pequenos ruídos só se faça ouvir no conjunto confuso de todos os outros conjugados isto é no próprio bramir que não se ouviria se esta onda que o produz estivesse sozinha Com efeito é neces sário afirmar que somos afetados por menos que seja pelo movimento desta minúscula onda e que temos alguma percepção de cada um dos seus ruídos por menores que sejam se assim não fosse não teríamos apercepção de cem mil ondas pois cem mil ondas nunca poderiam produzir alguma coisa Jamais dormi mos tão profundamente que não tenhamos algum sentimento fraco e confuso e jamais seríamos despertados pelo maior ruído do mundo se não tivéssemos algu ma percepção do seu início que é pequeno da mesma forma como jamais rompe ríamos uma corda com a maior força do mundo se ela não começasse a ser esti cada um pouco por esforços iniciais menores ainda que esta primeira pequena distensão da corda não apareça Essas pequenas percepções devido às suas conseqüências são por conse guinte mais eficazes do que se pensa São elas que formam este não sei quê esses gostos essas imagens das qualidades dos sentidos claras no conjunto porém confusas nas suas partes individuais essas impressões que os corpos circuns tantes produzem em nós que envolvem o infinito esta ligação que cada ser pos sui com todo o resto do universo Podese até dizer que em conseqüência dessas pequenas percepções o presente é grande e o futuro está carregado do passado que tudo é convergente sympnoia pánta como dizia Hipócrates e que na mais NOVOS ENSAIOS 119 insignificante das substâncias olhos penetrantes como os de Deus poderiam ler todo o desenrolar presente e futuro das coisas que compõem o universo Quae sint quaefuerint quae mox futura trahantur 6 Essas percepções insensíveis assinalam também e constituem o próprio indivíduo que é caracterizado pelos vestígios ou expressões que elas conservam dos estados anteriores deste indivíduo fazendo a conexão com o seu estado atual percepções que se podem conhecer por um espírito superior mesmo que este indi víduo não as pudesse sentir 1 isto é quando a recordação explícita não estivesse mais presente Aliás essas pequenas percepções possibilitam até reencontrar esta recordação se necessário aljravés de evoluções periódicas que podem ocorrer um dia É por esta razão tambefm que elas fazem com que a morte seja apenas um sono e um sono não perpiétuo Com efeito as percepções só deixam de ser suficientemente distinguidasje se reduzem a um estado de confusão que suspende a apercepção porém não poijle durar sempre É também pelas percepções insensíveis que se explica esta admirável harmo nia preestabelecida da almaje do corpo e mesmo de todas as Mônadas ou subs tâncias simples que substitui a influência insustentável de uns sobre os outros harmonia que no pensar do autor do mais belo dos Dicionários 7 enaltece a gran deza das perfeições divinas álém de tudo o que se tenha jamais concebido Depois disso acrescentaria pouca cíoisa se dissesse que são essas pequenas percepções que nos determinam em muitas ocasiões sem que pensemos e que enganam o homem vulgar pela aparência de uma indiferença de equilíbrio como se fosse para nós completamente indiferente para dar um exemplo voltarmos à direita ou à esquerda Tampouco é necessário observar aqui como fiz no próprio livro que as pequenas percepções inpensíveis produzem em nós essa inquietação que demonstrarei consistir em algo que difere da dor apenas cõmo o pequeno difere do grande inquietação que constitui muitas vezes o nosso desejo e o nosso pra zer dando a estes por assirr dizer um sal picante São também as partes insensí veis das nossas percepções sensíveis que fazem com que exista uma relação entre essas percepções das cores dos calores e outras qualidades sensíveis e entre os movimentos nos corpos que lhes correspondem ao passo que os Cartesianos e também o nosso autor por niiais penetrante que seja concebem as percepções que temos dessas qualidades conjio arbitrárias ou seja como se Deus as tivesse dado à alma a seu belprazer seçn consideração por qualquer relção essencial entre essas percepções e os seus ojbjetos devo dizer que esta opinião me surpreende e me parece pouco digna da sabedoria do Autor das coisas que nada faz sem har monia e sem razão Em uma palavra as percepções insensíveis são de uso tão vasto na pneu mática8 quanto os corpúsculos insensíveis o são na física sendo igualmente irra 6 Citação ligeiramente inexata de Virgílio Georg IV 393 Que são que forame que sobrevirão no futuro 7 O Dicionário Histórico e Crítico deBayle 1697 no artigo intitulado Rorarius 8 Ciência do espírito 120 LEIBNIZ cional rejeitar uns e outros sob pretexto de que estão fora do alcance dos nossos sentidos Nada se faz de repente e uma das minhas grandes máximas e das mais comprovadas é que a natureza mmca faz saltos o que eu denominei Lei da Continuidade quando dela falei nas primeiras Notícias da República das Letras9 O uso dessa lei é muito considerável na física ela significa que se passa sempre do pequeno ao grande e viceversa através do médio tanto nos graüs como nas partes e que jamais um movimento nasce imediatamente do repouso nem se reduz a não ser por um movimento menor assim como não se chega ja mais a percorrer nenhuma linha ou comprimento antes de ter antes percorrido uma linha menor se bem que até agora os que elaboraram as leis do movimento não tenham observado esta lei acreditando que um corpo possa receber em um instante um movimento contrário ao precedente Tudo isto mostra mais uma vez que as percepções grandes e notáveis provêm por graus daquelas que são excessi vamente insignificantes para serem notadas Não concordar com isto equivale a conhecer pouco a imensa sutilidade das coisas que envolve um infinito atual em toda parte e sempre Observei também que em virtude das variações insensíveis duas coisas individuais não podem ser completamente semelhantes devendo sempre diferir uma da outra mais do que número1 0 o que aniquila as assim chamadas lousas vazias da alma como aniquila a possibilidade de uma alma destituída de pensa mentos uma substância sem ação o vazio do espaço os átomos e até parcelas não atualmente divididas na matéria o repouso puro a uniformidade completa em uma parte do tempo do lugar ou da matéria os globos perfeitos do segundo elemento nascidos dos cubos perfeitos originários e uma infinidade de outras fic ções dos filósofos que procedem das suas noções incompletas e que são incompa tíveis com a natureza das coisas Tudo isso são coisas que a nossa ignorância e a nossa pouca atenção ao que é insensível nos fazem passar despercebidas mas que não podemos tornar toleráveis a menos que as limitemos a meras abstrações do espírito que protesta por não poder negar o que esconde no quarto 11 e que julga não dever entrar em alguma consideração presente Do contrário isto é se acreditássemos realmente que as coisas das quais não nos apercebemos não estão na alma ou no corpo faltaríamos contra a filosofia como contra a política negli genciando tò mikrón os progressos insensíveis ao passo que uma abstração não é um erro desde que se tenha consciência de que aquilo que se esconde não deixa de existir por isso É como costumam fazer os matemáticos quando falam das li nhas perfeitas que nos propõem dos movimentos uniformes e de outros efeitos regrados embora a matéria isto é a mescla dos efeitos do infinito ambiente constitua sempre alguma exceção É para distinguir as considerações e para redu zir os efeitos às razões na medida do possível e para poder prever alguínas conseqüências que se procede desta maneira pois quanto mais atento se é para 9 Esta revista publicada por Bayle tinha estampado em julho de 1687 um extrato de uma carta de Leibniz sobre um princípio geral 10 Numericamente isto é pelo simples fato de que são duas 11 Põe à parte NOVOS ENSAIOS 121 nada negligenciar das considerações que podemos regrar tanto mais a prática corresponde à teoria Todayia compete à suprema Razão à qual nada escapa compreender distintamente todo o infinito e enxergar todas as razoes e todas as conseqüências Tudo o que podemos com respeito às grandezas infinitas é conhecêlas confusamente 6 saber ao menos confusamente que elas existem de outra forma julgamos muito mal sobre a beleza e a grandeza do universo como também não poderíamos ter uma boa física que explique a natureza dos corpos em geral e muito menos uma boa pneumática que englobe o conhecimento de Deus das almas e das substâncias simples em geral Este conhecimento das percepções insensíveis serve outrossim para explicar por que e de que maneira cluas almas humanas ou de uma mesma espécie não saem jamais completamentej semelhantes das mãos do Criador e cada qual delas tem sempre a sua relação originária aos pontos de vista que terão no uiverso Aliás ê o que segue já daqui lo que observei em relação a dois indivíduos ou seja que a diferença vigente entre eles é sempre mais do que meramente numérica Há aindá um outro ponto importante onde me vejo obrigado a discordar não somen te das opiniões do nosso autor mas também do modo de pensar da maior parte dos autores modernos acredito juntamente com a maioria dos autores antigos que todos os gênios todas is almas todas as substâncias simples criadas estão sempre unidas a um corpo e que nunca existem almas completamente separadas Tenho parâ isto razões a priori mas existe ainda uma vantagem nesta tese ela resolve todas as dificuldades filosóficas sobre o estado das almas sobre a sua conservação perpétua sobre a sua imortalidade e sobre o seu modo de operar A diferença de um dos seus estados em relação ao outro consiste apenas em passar de uma sensibilidade m aio ía uma sensibilidade menor do mais perfeito ao menos perfeito ou viceversà o que toma o seu estado passado ou o futuro tão explicável quanto o estado presente Percebese suficientemente por menos que se reflita sobre o assunto que esta tese é razoável e que um salto de um estado a um outro infinitamente diferente não seria natural Admirome de que as Escolas filo sóficas suprimindo o natural quiseram embrenharse em dificuldades muito grandes e fornecer matériaj aos triunfos aparentes dos espíritos fortes cujas razões caem por terra todas de uma vez diante desta explicação das coisas na minha tese a dificuldade que há em compreender a conservação das almas ou melhor segundo o meu pensar do animal não é maior do que a que existe em explicar a mudança da lagarta em borboleta bem como a conservação do pensa mento no sono ao qual Jesus Cristo comparou a morte12 Já observei que ne nhum sono pode durar para sempre pelo contrário ele durará menos ou quase nada para as almas racionais que são sempre destinadas a conservar o persona gem que lhes foi dado na cidade de Deus e por conseguinte a recordação disto para serem mais suscetíveis dos castigos e das recompensas Acrescento a isto que nenhum desarranjo dos órgãos visíveis é capaz de levar as coisas a uma con fusão completa no animal ou de destruir todos os órgãos e de privar a alma de 12 Cf Jo 112 M t 924 Mc 539 Lc 852 122 LEIBNIZ todo o seu corpo orgânico e dos restos inapagáveis de todos os vestígios anterio res Todavia a facilidade que os pensadores tiveram em abandonar a antiga dou trina dos corpos sutis unidos aos anjos que se confundia com a corporalidade dos próprios anjos e a introdução das pretensas inteligências separadas nas cria turas para isto contribuíram muito aquelas que fazem ruir os céus de Aristóte les e finalmente a idéia mal entendida de que não se poderia admitir almas nos animais sem cair na metempsicose e sem fazêlas migrar de um corpo a outro e o embaraço em que se encontraram os autores por não saber o que fazer com as almas tudo isto fez com que a meu entender se tenha negligenciado a maneira natural de explicar a conservação ou subsistência da alma Isto fez muito mal à religião natural fazendo crer a muita gente que a nossa imortalidade é apenas uma graça miraculosa de Deus imortalidade da qual mesmo o nosso autor fala com alguma dúvida como direi mais adiante Entretanto seria de desejar que todos os que partilham tal opinião tivessem falado sobre o assunto com tanta sabedoria e com tanta boa fé pois temo que muitos daqueles que falam da imor talidade por graça só o fazem para salvar as aparências e na realidade se aproxi mam desses Averroístas e de alguns maus Quietistas1 3 que imaginam uma absor ção e a junção da alma ao oceano da divindade noção cuja impossibilidade talvez só apareça claramente no meu sistema Pareceme também que diferimos ainda com respeito à matéria O nosso autor julga que o vazio é necessário na matéria para o movimento visto que segundo eleas pequenas partes da matéria são duras Reconheço que se a maté ria fosse composta de tais partes o movimento na sua totalidade seria impossível como se uma sala estivesse repleta de pedrinhas sem que houvesse o mínimo vazio entre elas Entretanto não admito esta suposição pois não parece baseada em qualquer razão embora o nosso eminente autor vá até ao ponto de crer que a dureza ou a coesão das pequenas partes perfaz a essência do corpo Devese antes conceber o espaço como cheio de uma matéria originariamente fluida suscetível de todas as divisões e sujeita mesmo atualmente a divisões e subdivisões até ao infinito porém com esta diferença que ela é divisível e dividida de maneira desi gual em lugares diferentes devido aos movimentos que já são mais ou menos convergentes Isto faz com que a matéria tenha em toda parte um grau de dureza e ao mesmo tempo de fluidez e que não exista corpo algum que seja duro ou sóli do em grau supremo ou seja não há nenhum corpo no qual se encontre nenhum átomo de dureza insuperável nem nenhuma massa completamente indiferente à divisão Aliás também a ordem da natureza e particularmente a lei da continui dade destroem igualmente tanto um como o outro Demonstrei também que a Çoesão que não fosse ela mesma o efeito da impulsão ou do movimento causaria uma Tração tomada a rigor Pois se exis tisse um corpo originariamente duro por exemplo um átomo de Epicuro que 13 Os discípulos de Averróis célebre filósofo árabe 11261198 negavam a imortalidade pessoal da alma os quietistas como Madame Guyon 16481717 defendiam a inação da alma o desdenho das obras exterio res e o abandono à efusão mística tivesse uma parte avançada eijn forma de gancho já que podemos imaginar áto mos de toda sorte de formas este gancho empurrado arrastaria consigo o resto deste átomo isto é a parte qjue não é empurrada e que não recai na linha da impulsão Entretanto o nosso inteligente autor é pessoalmente contrário a essas trações filosóficas tais como as que se atribuíam outrora ao temor do vazio e as reduz às impulsões defendendo com os modernos que uma parte da matéria não opera imediatamente sobre a óutra senão empurrandoa de perto ponto no qual lhes dou razão pois de outra forma não existiria nada de inteligível na operação Entretanto não posso ochltar um fato ou seja que observei uma espécie de retratação do nosso excelente autor quanto a este ponto e não posso deixar de admirarlhe nisto a modesta sinceridade quanto admirei o seu gênio penetrante em outras ocasiões Isto ocorre na resposta à segunda carta do falecido Sr Bispo de Worcester1 4 impressa em 1699 p 408 onde para justificar a opinião que tinha defendido contra esse prelado isto é que a matéria é capaz de pensar o autor diz entre outras coisas Reconheço haver dito livro segundo do Ensaio sobre o Entendimento capítulo 8 11 que o corpo opera por impulsão e não de outra forma Tal era com efeito a minha opinião quando escrevi e ainda hoje não consigo coijçeber outra maneira de ação Entretanto depois disto convencime pelo livro Incomparável do judicioso Sr Newton1 5 que seria muita presunção querer limitar o poder de Deus pelas nossas concepções estrei tas A gravitação da matéria rUmo à matéria por caminhos que não compreendo é não somente uma demonstração de que Deus pode quando lhe aprouver colo car nos corpos poderes e manéfras de agir que estão acima do que se pode deduzir da nossa idéia de corpo ou explicar pelo que conhecemos sobre a matéria senão que é também uma instância incontestável que assim o fez efetivamente Eis por que cuidarei que na próxima efiição do meu livro esta passagem seja revista Des cobrique na edição francesa desta obra feita sem dúvida à base das últimas edi ções o pensamento do nosso autor está assim expresso no 11 E visível ao menos na medida em que o possamos conceber que é por impulsão e não por outra forma que os corpos kgem uns sobre os outros pois nos é impossível compreender que o corpo possa agir sobre aquilo que não toca isto seria o mesmo que imaginar que possá agir lá onde não está Não posso senão elogiar jesta religiosidade modesta do nosso célebre autor que reconhece que Deus pode ir além daquilo que possamos entender e que pode haver mistérios inconcebíveis nos artigos da fé entretanto não gostaria que fôs semos obrigados a recorrer ací milagre no curso comum da natureza e a admitir poderes e operações absolutamente inexplicáveis Do contrário deixaremos excessiva liberdade aos maus filósofos sob pretexto de tudo aquilo que Deus pode fazer com a sua onipotência admitindo essas virtudes centrípetas ou essas 1 4 Edward Stillingfleet 16351699 criticou os pontos de vista de Locke no seu Discourse in Vindication of the Doctrine of the Trinity 1697 Discurso em Defesa da Doutrina da Trindade e manteve com ele uma controvérsia animada cujas etapas forani seguidas com muita atenção por Leibniz 1 5 A obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica Princípios Matemáticos da Filosofia Natural tinha sido publicada em 1687 p o v o s ENSAIOS 123 124 LEIBNIZ atrações imediatas de longe sem que seja possível tornálas inteligíveis não vejo nada qiie impediria os nossos Escolásticos de afirmar que tüdo se faz simplesmente pelas suas faculdades e defender as suas espécies intencio nais que vão dos objetos até nós e encontram meios de penetrar até a nossa alma Se assim for Omnia iam fientfieri quaeposse negabam16 Em conseqüência pareceme que o nosso autor por mais judicioso que seja passa aqui de um extremo ao outro Ele cria dificuldades quando se trata das ope rações das almas quando se trata apenas de admitir o que não é sensível e eis que reconhece aos corpos o que nem sequer é inteligível atribuindolhes poderes e ações que ultrapassam a meu modo de ver tudo aquilo que um espírito criado poderia fazer e compreender visto que lhes reconhece a atração mesmo a gran des distâncias sem limitarse a nenhuma esfera de atividade e isto para defender uma tese que se afigura como não menos inexplicável ou seja a possibilidade do pensamento na matéria dentro da ordem natural A questão que o autor debate com o célebre prelado que o tinha atacado é se a matéria pode pensar Como se trata de um ponto importante também para a presente obra não posso renunciar a entrar um pouco no assunto e a referir bre vemente a discussão entre os dois autores Darei o essencial sobre o assunto tomando a liberdade de afirmar o que penso a respeito O falecido Sr Bispo de Worcester temendo a meu modo de ver sem mo tivo que o ensinamento do nosso autor prejudicasse a nossa fé cristã empreen deu a tarefa de examinar algumas passagens na defesa da doutrina sobre a Santís sima Trindade Após ter valorizado os méritos deste excelente escritor reconhecendo que segundo ele a existência do espírito é tão certa como a do corpo embora ambas as substâncias sejam igualmente pouco conhecidas per gunta páginas 241 e seguintes de que maneira a reflexão nos pode dar certeza sobre a existência do espírito se Deus pode outorgar à matéria a faculdade de pensar conforme a tese do nosso autor no livro quarto capítulo terceiro pois desta forma o caminho das idéias que deve servir para discernir o que pode con vir à alma ou ao corpo se tornaria inútil ao passo que se dizia no livro segundo do Ensaio sobre o Entendimento capítulo 23 15 27 28 que as operações da alma nos fornecem a idéia do espírito e que o entendimento com a vontade nos torna esta idéia tão inteligível quanto á natureza do corpo se nos torna inteligível pela solidez e pela impulsão Eis como o nosso autor lhe responde na primeira carta página 65 e seguintes Acredito ter demonstrado que existe uma subs tância espiritual em nós pois experimentamos em nós o pensamento ord esta ação ou este modo não pode ser objeto da idéia de uma coisa subsistente em si mesma e por conseguinte este modo necessita de um suporte ou sujeito de inerên cia e a idéia deste suporte perfaz o que denominamos substância Com efeito visto que a idéia geral da substância é em toda parte a mesma seguese que a modificação que se denomina pensamento ou poder de pensar por estarlhe asso ciada isto faz em espírito sem que seja necessário considerar que outra modifica 1 8 Citação de Ovídio 7 ristes 187 Tudo aquilo cuja possibilidade eu nqgava realizarseá NOVOS ENSAIOS 125 ção existe ainda isto é se ele tem solidez ou não Por outro lado a substância que tem a modificação denominada solidez será matéria quer o pensamento lhe esteja associado quer não Se porém por substância espiritual entendeis uma substância imaterial reconheço não ter demonstrado que existe em nós uma tal substância e que isto ê impossível de ser demonstrado à base dos meus princí pios Aliás o que afirmei sàbre os sistemas de matéria livro quarto capítulo 10 16 ao demonstrar que Deus é imaterial torna sumamente provável a tese de que a substância em nós é imaterial Todavia demonstrei acrescenta o autor à página 68 que as grandes finalidades da religião e da moral são asseguradas pela imortalidade da alma sem que seja necessário supor a sua imaterialidade O sábio Bispo na sua resposta à mencionada carta para mostrar que o nosso autor defendeu outraj opinião ao escrever o seu segundo livro do Ensaio alega à página 51 esta passagem tirada do mesmo livro capítulo 23 15 onde se diz que pelas idéias simples que deduzimos das operações do nosso espírito podemos formar a idéia complexa de um Espírito e que colocando junto as idéias de pensamento de percepção de liberdade e de potência de mover o nosso corpo possuímos uma noção tão clara das substâncias imateriais quanto a temos das materiais Alega ainda outras passagens para demonstrar que o autor opunha o espírito ao corpo Acrescenta página 54 que as finalidades da religião e da moral são melhor asseguradas provando que a alma é imortal por natureza isto por ser imaterial Alega ainda página 70 esta passagem do autor do Ensaio Todas as idéias que temos das espécies particulares e distintas das substâncias não são outra coisa senão combinações diferentes de idéias simples Se assim é raciocina o prelado o autor defendeu que a idéia de pensar e de querer dá uma outra substância difereijite da que é dada pela idéia da solidez e da impulsão Alega ainda 17 que segundo o autor essas idéias constituem o corpo opòsto ao espírito j O Sr Bispo de Worcester poderia ter acrescentado que do fato de a idéia geral de substância estar tanto no corpo como no espírito não segue que as suas diferenças constituam modificações de uma mesma coisa como o nosso autor acaba de afirmar na passagem que citei da sua primeira carta Cumpre bem dis tinguir entre modificações e jatributos Além disso devese distinguir entre gênero físico ou melhor real e gênero lógico ou ideal As coisas que são de um mesmo gênero físico ou que são hortyogêneas são por assim dizer de uma mesma matéria podendo muitas vezes ser transformadas uma na outra pela mudança da modifi cação como os círculos e ps quadrados Entretanto duas coisas heterogêneas podèm ter um gênero lógico comuna e neste caso as suas diferenças não são sim ples modificações acidentais de um mesmo sujeito ou de uma mesma matéria metafísica ou física Assim o tempo e o espaço são coisas muito heterogêneas e faríamos mal se imaginássemos não sei que sujeito real comum que só tivesse a quantidade contínua em geijal e cujas modificações fizessem provir o tempo ou espaço Talvez alguém se ria destas distinções dos filósofos de dois gêneros um apenas lógico o outro real je de duas matérias uma física que é a dos corpos a outra somente metafísica oii geral como se alguém dissesse que duas partes do espaço são de uma mesma Jmatéria ou que duas horas são entre si da mesma matéria Todavia tais distinções não constituem meros termos mas coisas e 126 LEIBNIZ parecem vir muito a propósito aqui pois foi a sua confusão que deu origem a uma conseqüência falsa Estes dois gêneros têm uma noçãó comum e a noção do gênero real é comum às duas matérias de sorte que a sua genealogia será a seguinte apenas metafísico onde existe homogeneidade físico onde existe uma massá homogênea sólida Não cheguei a ler a segunda carta do autor ao Bispo sendo que a resposta do prelado a ela não toca no ponto que diz respeito ao pensamento da matéria Todavia a réplica do nosso autor a esta segunda resposta volta ao tema Deus assim escreve ele mais ou menos nestes termos página 397 acrescenta à essência da matéria as qualidades e perfeições que lhe apraz o movimento sim ples em algumas partes porém nas plantas a vegetação e nos animais o senti mento Os que concordam até aqui reclamam no momento em que se dá um passo além para dizer que Deus pode dar à matéria pensamento razão vontade como se isto destfuísse a essência da matéria Entretanto para demonstrálo ale gam que o pensdinèríto ou a razão não se encerram na essência da matéria o que nada prova pois que o movimento e a vida também não o estão Alegam outros sim que não se pode conceber que a matéria pense todavia a medida do poder de Deus não é a nossa capacidade de conceber Depois disso o autor cita o exemplo da atração da matéria página 99 sobretudo página 408 onde fala da gravitação da matéria em relação à matéria atribuída ao Sr Newton nos termos que citei acima reconhecendo que não é possível conceber como isto acontece Isto equi vale na realidade a voltar às qualidades ocultas ou o que é mais inexplicáveis Acrescenta à página 401 que nada é mais apto a favorecer aos céticos do que negar o que não se compreende e à página 402 que não se pode sequer conceber como a alma pensa Afirma ele à página 403 que uma vez que as duas substân cias a material e a imaterial podem ser concebidas na sua essência pura sem nenhuma atividade depende de Deus dar a ambas o poder de pensar Assim sendo quer valerse do fato devque o adversário concede o sentimento para os animais porém não lhes reconheceria qualquer substância imaterial Pretende que a liberdade e a consciosidade página 408 bem como o poder de formar abstrações página 409 podem ser outorgados à matéria não como matéria mas como enriquecida por uma potência divina Finalmente cita página 434 a Gênero apenas lógico varia por diferenças simples real onde as diferenças são as modificações isto é matéria ítfQVOS ENSAIOS 127 observação de um viajante tão jconsiderável e judicioso como o Sr de La Loubè re1 7 de que os pagãos do Oriente conhecem a imortalidade da alma sem poderem compreenderlhe a imaterialidade Quanto a tudo isto obseryarei antes de passar a explicar a minha opinião que é certo que a matéria é tãcj pouco capaz de produzir maquinalmente o senti mento quanto o é de produzir a razão como concorda o nosso autor na verdade reconheço não ser permitido negar o que não se compreende porém acrescento que não temos o direito de negar ao menos na ordem natural o que em absoluto não é inteligível nem explicável Mantenho também que as substâncias materiais ou imateriais não podem ser concebidas na sua essência pura sem nenhuma ati vidade que a atividade pertencjeà essência da substância em geral enfim a con cepção das criaturas não constitui a medida do poder de Deus porém a sua conceptividade ou força de cohceber constitui a medida do poder da natureza visto que tudo o que é conforme à ordem natural pode ser concebido ou compreendido por alguma criatiura Os que compreenderem o meu sistema julgarão que não concordo inteira mente com nenhum dos dois jexcelentes autores cuja discussão entretanto é muito instrutiva Todavia paía explicarme claramente é necessário antes de tudo considerar que as modificações que podem convir naturalmente ou sem milagre a um sujeito devem provir das limitações ou variações de um gênero real ou de uma natureza origináriaj constante e absoluta Com efeito é assim que se distinguem entre os filósofos os modos de um ser absoluto deste mesmo ser como se sabe que a grandeza a figura e o movimento são manifestamente limitações e variações da natureza corporal1 Pois é claro como uma extensão limitada dá figu ras e que a mudança que ali sej opera não é outra senão o movimento E todas as vezes que encontramos alguma qualidade em um sujeito devemos crer que se compreendêssemos a natureza jdeste sujeito e desta qualidade seríamos capazes de conceber como esta qualidade pode resultar Assim na ordem da natureza deixando à parte os milagresj não é arbitrário a Deus dar indiferentemente às substâncias estas ou aquelas qualidades ele não lhes dará jamais outras que não sejam as que lhes pertencem naturalmente isto é as que podem ser derivadas da sua natureza como modificações explicáveis Assim podemos pensar que a maté ria não terá naturalmente a atiação mencionada acima e não irá por si mesma em linha curva pois não é possível conceber como isto possa acontecer isto ê não é possível explicálo mecanicamente ao passo que aquilo que é natural deve poder tornarse concebível distintamente se fôssemos admitidos nos segredos das coisas Esta distinção entre o que é natural e explicável e o que é inexplicável e miraculoso elimina todas as dificuldades se a rejeitarmos defenderíamos algo de pior do que as qualidades ocultas renunciaríamos aqui à filosofia e à razão abrindo asilos da ignorância e da preguiça por um sistema surdo que admite não somente que existem qualidades que não compreendemos destas já existem demais mas também que existem qualidades tais que o espírito mais sublime se 1 7 Simon de La Loubère 16421729 c irigiu uma missão diplomática francesa ao Sião em 1687 publi cando em 1691 um relato da sua viagem elato que enviou a Leibniz Bu Royaume de Siam 128 LEIBNIZ Deus lhe desse toda a abertura possível não poderia compreender isto é que se riam milagrosas sem rima e sem razao aliás seria também sem rima e sem razão o fato de Deus operar milagres no decurso ordinário dos acontecimentos de maneira que esta hipótese distruiria igualmente a nossa filosofia a qual procura razoes bem como a divina sabedoria que as fornece No que concerne ao Pensamento é certo e o autor o reconhece mais de uma vez que ele não pode ser uma modificação inteligível da matéria e que não pode ser compreendido e explicado só no âmbito da matéria isto significa que o ser que sente e pensa não é uma coisa maquinal como um relógio ou um moinho de maneira que se poderiam conceber grandezas figuras e movimentos cuja conjunção maquinal poderia ser alguma coisa de pensante e mesmo dotada de capacidade de sentir em uma massa onde não houvesse nada disso que cessa ria também pelo simples desarranjo dessa máquina Por conseguinte o sentir e o pensar não constituem um fenômeno natural à matéria Isto só pode ocorrer à matéria de dois modos uma dessas possibilidades é que Deus lhe associe uma substância à qual a capacidade de pensar seja natural a outra possibilidade é que Deus mesmo coloque miraculosamente o pensamento na matéria Nisto concor do portanto inteiramente com os Cartesianos exceto no seguinte eu estendo o pensamento até aos animais acreditando que eles têm sentimento e almas imate riais falando em sentido próprio e tão pouco perecíveis como são os átomos em Demócrito ou Gassendi ao passo que os Cartesianos embaraçados sem motivo pelas almas dos animais e não sabendo o que fazer com elas se forem imperecí veis por não se lembrarem da conservação do próprio animal reduzido a peque no se viram forçados a recusar até o sentimento aos animais contra todas as evidências e contra o modo de pensar do gênero humano Se porém alguém dis sesse que Deus em todo caso pode acrescentar a faculdade de pensar à máquina preparada eu responderia quese isto acontecesse e se Deus acrescentasse tal faculdade à matéria sem unirlhe ao mesmo tempo uma substância que consti tuísse o sujeito de inesão desta faculdade como eu o concebo isto é sem acres centarlhe uma alma imaterial seria necessário que a matéria fosse antes exaltada miraculosamente para receber uma potência de que não é capaz naturalmente assim como alguns Escolásticos pretendem que Deus exalta o fogo ao ponto de darlhe a força de queimar imediatamente espíritos separados da matéria o que constituiria puro milagre Não se pode defender que a matéria seja capaz de pen sar sem colocar nela uma alma imperecível ou então úm milagre assim sendo a imortalidade das nossas almas segue do que é natural pois não se pode defender a sua extinção a não ser por um milagre seja exaltando a matéria seja aniqui lando a alma Com efeito sabemos bem que o poder de Deus poderia tomar as nossas almas mortais por mais imateriais ou imortais por natureza que possam ser uma vez que as pode aniquilar Ora esta verdade da imaterialidade da alma tem indubitavelmente conse qüências Pois é infinitamente muito mais vantajoso à religião e à moral sobre tudo no tempo em que vivemos quando muitas pessoas não respeitam a pura revelação e os milagres demonstrar que as almas são imortais por natureza e NOVOS ENSAIOS 129 que seria um milagre se não o fossem do que defender que as nossas almas por natureza estão destinadas à morte e que se não perecem isto se deve exclusiva mente a uma graça miraculosa fundada exclusivamente na promessa de Deus Sabese desde há muito tempo que aqueles que pretenderam destruir a religião natural e reduzir tudo à religião revelada como se a própria razão não nos ensi nasse nada sobre isto passaram por suspeitos nem sempre sem motivo Todavia o nosso autor não pertence a este número pois defende a demonstrabilidade da existência de Deus e atribui à imaterialidade da alma uma probabilidade em grau supremo que conseqüentemente pode considerarse como uma certeza moral Assim sendo imagino que posjsuindo ele tanta penetração como possui sinceri dade poderia ele bem concordar com a doutrina que acabo de expor e que ê fundamental em toda filosofia racional pois de outra forma não vejo como possa mos evitar de cair na filo sofia fanática como é a filosofia mosaica de Flud1 8 que salva todos os fenômenos atribuindoos a Deus imediatamente e por milagre ou bárbara como a de certos filósofos e médicos dos tempos passados filosofia que trazia ainda vestígios da barbárie do seu século e que hoje se menospreza com razão que salvaram as aparênçias forjando expressamente qualidades ocultas ou faculdades que imaginavam semelhantes a pequenos demônios ou duendes capa zes de fazer o que se pede comò se os relógios de bolso assinalassem as horas por uma certa faculdade horodeítiça sem necessidade de engrenagens de rodas ou como se os moinhos triturassem os grãos por uma faculdade fractiva sem ter necessidade de nada que se assemelhe às mós No que concerne à dificuldade que tiveram alguns povos de conceber uma substância imaterial este problema deixa rá de existir facilmente ao menos em boa parte no momento em que não postula rem substâncias separadas da naturalmente entre as criaturas matéria coisa que como acredito jamais existe i 1 8 Robert Fludd 15741637 médico e teosofo inglês grande adversario das doutrinas mecanicistas autor de umaPhilosophia Mosaica publicada eiii 1638 LIVRO I AS NOÇÕES INATAS C a p it u l o í Existem princípios inatos no espírito humano FILALETO Tendo atravessado de novo o mar após haver encerrado os meus afazeres na Inglaterra pensei primeiro em visitarvos Senhor para cultivar a nossa antiga amizade e para jentreternos sobre assuntos que a ambos nos são muito caros pois acredito ter adquirido novas luzes durante a minha èstada em Londres j Quando outrora morávanps bem perto um do outro em Amsterdam ambos tínhamos muito prazer em pesquisar sobre os princípios e os meios de penetrar no interior das coisas Embora osj nossos pontos de vista fossem muitas vezes diver sos esta diversidade aumentava a nossa satisfação ao conferirmos juntos sem que as nossas diferenças representassem qualquer coisa de desagradável Vós defendíeis Descartes e as opiniões do célebre autor da obra Pesquisa da Verda de 19 ao passo que eu considerava as idéias de Gassendi20 aclaradas por Ber nier21 mais fáceis e mais naturais Agora sintome muito fortalecido pela exce lente obra que um ilustre inglês o qual tenho a honra de conhecer particularmente publicou obra reimpressa várias vezes na Inglaterra sob o modesto título de Ensaio sobré o Entendimento Humano Estou encantado ante o fato de que a obra apareceu há pouco em latim e em francês para que possa ser de maior utilidade geral Tirei conversação com o seu autor muito proveito da leitura desta obra e também da que tive muitas vézes em Londres e algumas vezes em Oates na casa de M ilad Masham22 digna filha do célebre Cudworth23 notável filósofo e teólogo inglês autor do sistema intelectual do qual herdou o espírito de meditação e o amoi aos belos conhecimentos espírito que aparece em particular na amizade que mantém com o autor do Ensaio E já que foi atacado por alguns doutores de prestígio tive prazer em ler também a apologia que urna 19 Nicolau Malebranche 16361715 ciija obra mais célebre é precisamente Recherche de la Vérité 1674 20 Gassendi 15921655 filósofo de renome contrariando a tradição aristotélica tornouse o historiador e o defensor do epicurismo j 21 François Bernier 16201688 filósofo francês autor de um Abrégé de la Philosophie de Gassendi Resu mo da Filosofia de Gassendi 1674 j 22 Amiga de Locke a qual abrigou o iilósofo e cuidou dele durante a sua última enfermidade manteve correspondência com Leibniz nos anos ll031705 23 Cudworth 16171688 representantii principal da escola platônica de Cambridge autor do Vrai Sys tème Intellectuel de VUnivers 1678 Verdadeiro Sistema Intelectual do Universo 134 LEIBNIZ senhorita muito sábia e muito espiritual fez dele2 t além das que ele mesmo fez Este autor esta bastante no sistema de Gassendi que no fundo é o de Demócrito Ele defende o vaziò e os átomos acredita que a mátéria poderia pènsar que não existem idéias inatas que o nosso espírito é tabula rasa e que nâo pensamos sem pre parece também que aprova a maior parte das objeções que Gassendi fez con tra Descartes25 Ele enriqueceu e reforçou este sistema por uma infinidade de boas reflexões nào duvido de que agora as nossas convicções triunfam altamente dos seus adversários os Peripatéticòs e os Cartesianos Eis por que se ainda nao lestes o citado livro vos convido a fazêlo se já o lestes supiicovos que me di gais a vossa opinião sobré ele TEÓFILO Alegrome em vervos de regresso após uma longa ausência feliz pela conclusão dos vossos importantes afazeres cheio de saúde firme na amizade para comigo e sempre imbuído do mesmo ardor pela pesquisa das verdades mais importantes Eu mesmo nâo continuei as minhas meditações no mesmo espírito e creio haver aproveitado tanto como vós e talvez mais se não me iludo Aliás eu tinha mais necessidade que vós pois vós estáveis mais adiantado do que eu Vós tínheis mais familiaridade com os filósofos especulativos ao passo que eu tinha mais inclinação para a moral Todavia aprendi mais e mais quanto a moral ganha em firmeza dos princípios sólidos da verdadeira filosofia razãopela qual os estudei desde então com maior aplicação tendo entrado em meditações bastante novas Assim sendo teremos muito assunto para darnos prazer durante muito tempo comunicando um ao outro as nossas luzes Entretanto é necessário que vos transmita uma notícia não sou mais Carte siano e todavia estou mais longe do que nunca do vosso Gassendi cujo saber e mérito reconheço Fiquei impressionado por um novo sistema sobre o qual li al guma coisa nos jornais dos sábios de Paris de Leipzig e da Holanda26 e no maravilhoso Dicionário do Sr Bayle no artigo de Rorarius desde então acre dito enxergar uma nova faceta do íntimo das coisas O rhéncionado sistema parece aliar Platão com Demócrito Aristóteles com Desdártès os Escolásticos com os modernos a teologia e a moral com a razão Parééeque ele toma o que há de melhor de todos os 1ádos e que depois vai mais ldnge dò que se tem ido até hoje Neste sistemasencohtro uma explicação inteli gível da união da àlma e do corpo coisa de quefraViá desesperado Encontro os vèrdadeiros princípios das coisas nas unidades dé substância que este sistema mttbduz e na sua harmonia preestabelecida peláJsubstância primitiva Encontro nele uma simplicidade e uma uniformidade surpreendentes de modo quesé pode dizer que é em toda parte e sempre a mesma coisa com exceção dos graus de perfeição Vejo agora o que Platão entendia quando considerava a matéria coràõ um ser imperfeito e transitório vejo agora o que Aristóteles queria dizer corif à sua êhteléquia vejo o que é a promessa que o próprio Demócrito fazia dè unia 2 4 Tratase de Catarina TrotterCockbum que publicou em 1702 uma apologia do Ensaio de Locke 2 5 Cf as Cinquièmes Objections às Meditações de Descartes z 6 Leibniz publicou diversos opúsculos no Journal des Savants Jornal dos Sábios de Paris nos Acta Eru ditorum Atas dos Eruditos de Leipzig nas Nouvelles de la Republique des Lettres Notícias da República das Letras publicadas por Bayle na Holanda NOVOS ENSAIOS 135 outra vida em Plínio2 7 jejo ate onde os céticos tinham razão investindo contra os sentidos vejo como os anitnais são realmente autômatos segundo Desbàrtes e como no entanto têm almjas e sentimento segundtfà opinião do gênero humano vejo como se deve explicai racionalmente os que enxergaram vida e perfeição em todas as coisas como Cardan28 Campanella29 e mais do que eles a falecida Senhora Condessa de Conjtfay30platônica e o nosso amigo o falecido François Mercure van Helmont31 eimtyora eivado de paradoxos ininteligíveis com o seu amigo o falecido Henry jMorus32 Vejo agora como as leis da natureza das quais uma boa parte era dpsconhecida antes deste sistema têm a sua origem nos princípios superiòres à matéria e que não obstante isto tudo acontece mecanica mente na matéria sendo que nisto tinham errado os autores espiritualizantes que acabo de citar com as suas archés e até os Cartesianos acreditando qüeassubs tâncias imateriais alteravam se não a força pelo menos a direção ou determina ção dos movimentos dos cjorpos ao passo que a alma e o corpo observam perfei tamente as leis cada qual as suas segundo o novo sistema e não obstante isto um obedece ao outro na mèdida do necessário Finalmente é desde cjue me pus a meditar sobre este sistema que descobri como as almas dos animaijs e as suas sensações não constituem objeção alguma contra a imortalidade dasjàlmás humanas ou melhor como nada é mais apto para demonstrar a nossa irnortalidade natural do iftíè crer que todas as almas são imperecíveis morte carent animae33 sem que porisso se devam temer metempsi coses visto que não somente as almas senão também os animais permanecem e permanecerão seres que viem sentem e agem emtoda parte é como aqui e sem pre e em toda parte como entre nós conforme ó que já vos disse A diferença é que os estados dos animais são mais ou menos perfeitos e desenvolvidos sem que tenhamos jamais necessidade de almas inteiramente separadas embora tenhamos semjpre espíritos tão puros como é possívely não obstante os nossos órgãos què não podem por nenhuma influência perturéar as leis da nossa espontaneidade Neste sistema encontro exbluídos o vazio e os átomos de maneira bem diferente do que ocorre no sofismaj dos Cartesianos fundado sobre a pretendidacoinci dência da idéia docorpo je da extensão Enxergo todas as coisas ordenadas ornadas para além de tudo o que se havia concebido até agora a matériá Orgâ nica em toda parte nada devazio estéril negligenciado nada de excessivement uniforme tudo variado mias com ordem e o que ultrapassa a imaginaçâõ tQó 27 Cf Plínio o Antigo História Natural VII 55 189 28 Jeronimo Çardan 15011576 matemático médico e filósofo italiano desenvolveu uma teoria anirçiista da luz e do calor sobretudo no seu uratado De Subtilitate 1552 A Subtilidade 29 Campanella 15681639 filóscífo e utopista italiano atribuiu a sensibilidade a todos os seres da nature zajio seu tratado De Sensu Rerum O Sentido das Coisas 30 A condessa de Conway literatat e filósofa inglesa membro do círculo platônico de Cambridge autora de opusculos filosóficos publicados em 1690 31 FrànçoisMercure van Helmorít 16181699 alquimista e teósofo editou as obras d o seu pai João Batista médico e químico afamado Difundiu a teoria das archés ou seja princípios de vida e de movimento imanentes ao organismo dos quais Leibniz fala algumas linhas abaixo 32 Henry More 16141687 filóscifo e teólogo inglês pertencente à escola platônica de Cambridge 33 Citação de Ovídio Metamorfoses XV 158 136 LEIBNIZ o universo em miniatura mas sob um olhar diferente em cada uma das suas par tes e até em cada uma das suas unidades de substânpia Além desta nova análise das coisas compreendi melhor a análise das noções ou idéias e das verdades Compreendo agora oque é uma idéia verdadeira clara distinta adequada se me é lícito adotar esta palavra Compreendo quais são as idéias primitivas as verdades primitivas os verdadeiros axiomas a distinção entre as verdades necessárias e as de fato entre o raciocínio dos homens e as conclusões dos animais que constituem uma sombra daquele Enfim surpreendervoseis ante tudo o que vos tenho a dizer e sobretudo em compreenderdes quanto se agiganta neste sistema o conhecimento da grandeza e das perfeições de Deus Com efeito não poderia escondervos a vós a quem nada posso ocultar como estou agora possuído de admiração p se podemos usar este termo de amor por esta soberana Fonte das coisas e da beleza uma vez que des cobri que todas as belezas que este sistema nos revela ultrapassam tudo o que se concebeu até hoje Sabeis que eu tinha ido longe demais em outra direção e que começava a inclinarmepara o lado dos Espinosistas que atribuem a Deus ape nas um poder infinito sem reconhecerlhe nem a perfeição nem a sabedoria e menosprezando a busca das causas finais derivam tudo de uma necessidade fatal Todavia essas novas luzes me curaram deste mal e desde esse tempo adoto às vezes o nome de Teófllo Li o livro deste famoso inglês de quem acabais de falar Estimoo muito e encontrei nele muitas coisas belas Pareceme porém que se deve ir além sendo até necessário afastarse das suas opiniões quando algumas delas nos limitam mais do que é necessário e rebaixam um pouco não somente a condição do homem mas também a do universo FiLALETO Realmente vós me espantais com todas as maravilhas acerca das quais me fazeis um relato excessivamente otimístico para que eu possa crer facil mente Todavia quero crer que haja algo de sólido em meio a tantas novidades com que quereis presentearme Neste caso encontrarmeeis muito dócil Sabeis que sempre estive disposto a renderme à razão e que por vezes adotava o nome de Filaleto Por este motivo servirnosemos agora desses dois nomes que têm tanta relação um com o outro Existe possibilidade de confrontar as opiniões visto que tendo vós lido o livro do insigne inglês que me deu tanta satisfação e que trata de uma boa parte dos assuntos que acabais de mencionar sobretudo da análise das nossas idéias e conhecimentos será mais breve seguir o fio do livro e ver o que tendes a observar TEÔFTLO Aprovo a vossa proposta Eis aqui o livro í f i l a l e t o Li tão bem o livro que conservei na memória até as expressões que terei o cuidado de seguir Assim sendo não terei necessidade de recorrer ao livro a não ser em certos confrontos quando julgarmos necessário Falaremos primeiramente da origem das idéias ou Noções livro primeiro depois das diversas espécies de idéias livro segundo e das palavras que servem para exprimir essas idéias livro terceiro finalmente das verdades e conheci mentos resultantes livro quarto sendo esta a parte que mais nos ocupará NOVOS ENSAIOS 137 Quanto à origem das idéias acredito com este autor e muitos outros pensa dores versados que nãqexistem idéias inatas como não há princípios inatos Para refutar os erros dosj que admitem tais idéias e princípios inatos seria sufi ciente mostrar conforme i aparecerá a seguir que nao temos necessidade disto e que os homens podem adquirir todos os seus conhecimentos sem o auxílio de qualquer impressão inata TEÓFILO Sabeis Filaleto que desde muito tempo defendo opinião contrária que sempre fui como ainda sou pela idéia inata de Deus idéia que Descartes defendeu conseqüentemente defendo outras idéias inatas que não nos podem vir dos sentidos Agora vou áinda mais longe em conformidade com o novo sistema Acredito mesmo que todos os pensamentos e ações da nossa alma procedem do seu próprio fundo sem que possam ser fornecidos à alma pelos sentidos como vereis a seguir Todavia no momento deixarei de lado esta pesquisa e adaptan dome às expressões usuais já que de fato elas são boas e defensáveis podendo se dizer até certo ponto qiie os sentidos externos constituem em parte a causa dos nossos pensamentos examinarei como se deve dizer no meu entender perma necendo no sistema usual falando da ação dos corpos sobre a alma como os Copernicanos falam com os outros homens do movimento do sol e com funda mento que existem idéias e princípios que não nos vêm dos sentidos e que encontramos em nós sem formálos nós mesmos embora sejam os sentidos que nos dão ocasião para percebêlos Imagino que o vosso inteligente autor notou que sob o nome de princípios inatos muitas vezes defendemos os nossos precon ceitos e queremos isentarnos do trabalho das discussões e que este abuso terá reforçado o seu zelo contra esta suposição Ele terá querido combater a preguiça e a maneira de pensar superficial daqueles que sob o pretexto hábil de idéias ina tas e de verdades gravadas naturalmente no espírito às quais damos facilmente o nósso consentimento nâo se preocupam em pesquisar e examinar as fontes as conexões e a certeza desíies conhecimentos Neste ponto estou inteiramente com ele e vou até além j Gostaria que não liipitássemos as nossas análises que déssemos as defini ções de todos os termos fpnquanto possível e que demonstrássemos ou déssemos os meios para demonstrar todos os axiomas que não são primitivos sem distin guir a opinião que os hotnens tême sem preocuparnos se os homens estão de acordo ou não Isto seria ipais útil do que se pensa Todavia parece que o autor foi levado longe demais também sob um outro aspecto devido ao seu zelo aliás muito elogiável A meu ver ele não distinguiu suficientemente entre a origem das verdades necessárias cuja fonte é o entendi mento e a origem das verdades de fato que haurimos das experiências dos sen tidos e até das percepções confusas que estão em nós Vedes portanto que não aceito o que afirmais isto é que possamos adquirir todos os nossos conheci mentos sem necessitarmos de impressões inatas A seqüência das nossas discus sões mostrará quem de nós tem razão 2 f i l a l e t o É o que de fato veremos Confessovos meu caro Teófilo que não existe nenhuma opini âo mais comumente aceita do que esta a saber que há existem ideias inatas e os sentidos nos ajudam a percebelas 138 LEIBNIZ certos princípios da verdade sobre os quais os homens concordarn unanime mente razão pela qual se denominam Noções comuns koinai énnoiai Daqui segue que tais princípios constituem elementos que recebemos com a nossa pró pria existência 3 Todavia mesmo que fosse certo o fato de que existem princípios com os quais todo o gênero humano concorda este consentimento universal não demons traria que são inatos se conseguirmos mostrar como acredito uma outra via pela qual os homens podem ter chegado a estaunanimidade de pensamento 4 Entretanto o que ê pior esta unanimidade universal não existe nem mesmo com respeito a estes dois célebres princípios especulativos mais adiante falaremos dos princípios práticos isto é tudo o que é é e que é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo Com efeito para uma grande parte do gênero humano estas duas proposições que para vós constituem verdades necessárias e axiomas nem sequer são conhecidas TEÓFILO Eu não fundamento a certeza dos princípios inatos sobre o consenti mento universal Com efeito já vos disse Filaleto que na minha opinião se deve procurar demonstrar todos os axiomas que não são primitivos Concedo também que um consentimento muito geral que não seja universal pode provir de uma tradição difundida através de todo o gênero humano assim como o uso de fumar tabaco foi adotado por quase todos os povos em menos de um séciiío embora se tenham encontrado alguns insulares que não conhecendo sequer o fogo não ti nham o uso de fumar Assim é que algumas pessoas versadas mesmo entre os teólogos mas do partido de Arminius34 acreditaram que o conhecimento da Divindade provinha de uma tradição muito antiga e muito generalizada de fato acredito que o ensinamento confirmou e retificou este conhecimento Pareceme entretanto que a própria natureza contribuiu para levar a isto sem o ensina mento as maravilhas do universo fizeram automaticamente pensar em um Poder superior Viuse uma criança nascida surda e muda mostrar veneração à lua cheia conhecemos outrossim nações que não tinham aprendido nada de outros povos temerem poderes invisíveis Reconheço estimado Filaleto que não é ainda a idéia de Deus tal qual a temos e exigimos todavia esta idéia não deixa de resi dir no fundo das nossas almas sem ter sido colocada por homens como veremos As leis eternas de Deus ao menos em parte estão gravadas na alma humana de um modo ainda mais legível por uma espécie de instinto Entretanto são princí pios práticos sobre os quais teremos ocasião de falar Devesê reconhecer toda via que a inclinação que temos a reconhecer a idéia de Deus está na natureza humana Mesmo que atribuíssemos o primeiro ensinamento à Revelação perma nece de pé que a facilidade que os homens sempre demonstraram em receber esta doutrina vem da própria natureza das suas almas Veremos a seguir que ná reali dade o ensinamento externo não faz outra coisa senão excitar ou despertar em nós o que já estava em nós Concluo que o consentimento bastante geral entre os 3 4 Arminius 15601609 teólogo holandês cujas doutrinas dirigidas contra a teoria calvinista da predesti nação levantaram longas controvérsias entre os arminianos e os sus adversários gomaristas Entre as pes soas versadas ue sustentavam a tese aqui mencionada tese que aliás não é especificamente arminiana citase o teólogo holandês Episcopius NOVOS ENSAIOS 139 homens constitui um indício e não uma demonstração de um princípio inato a prova exata e decisiva desses princípios consiste em mostrar que a sua certeza só provém do que está em nós Para responder ainda àquilo que dizeis contra a apro vação geral que se dispensaaos dois grandes princípios especulativos que figu ram entre os mais admitidosj posso dizervos que mesmo que não fossem conhe cidos não deixariam de ser inatos visto que os reconhecemos desde o momento em que os ouvimos todaviaj acrescentarei ainda que no fundo todos os conhe cem e que nos servimos a cada momento do princípio de contradição para dar um exemplo sem considerálo distintamente não existe nenhum bárbaro que em se tratando de um assunto sério não se choque com a conduta de um mentiroso que se contradiz Portanto empregamos essas máximas sem mesmo analisálas expressamente Acontece coisa semelhante ao fato de termos virtualmente no espírito á proposições suprimidas nos entimemas3 5 que emitimos não somente na expressão mas também eijn nosso pensamento 5 FILALETO O que acábais de dizer acerca desses conhecimentos virtuais e dessas supressões internas me surpreende pois pareceme uma verdadeira contradição dizer que existejm verdades impressas na alma e ao mesmo tempo que esta não percebe tais verdades t e ó f i l o Se tendes este preconceito não me admiro de que rejeiteis os conhe cimentos inatos Todavia admiromeante o fato de não vos ter vindo à idéia que temos uma infinidade de conhecimentos que nem sempre percebemos nem sequer quando temos necessidade deles Compete à memória conserválos e à reminis cência colocálos diante de nós como o faz freqüentementequando necessário mas não sempre Isto se denomina muito justamente lembrança souvenir de subvenire socorrer pois a reminiscência pede um auxílio É indispensável que em meio a esta multidão dosjnossos conhecimentos sejamos determinados por al guma coisa a ser renovada nfiais do que por outra visto ser impossível pensarmos distintamente e ao mesmo tempo em tudo o que sabemos FILALETO Nisto acreditoj terdes razão a afirmação demasiado genérica dô que nos damos conta sempre de todas as verdades que estão em nossa alma esca poume por não ter prestado suficiente atenção Contudo serosá mais difícil responder ao que vou objetarvos se podemosxiizer de alguma proposição em particular que é inata pela niesma razão se poderá defender que todas as proposi ções que são razoáveis e que o espírito puder um dia considerar como tais estão já impressas na alma t e ó f i l o Concordo quanto às idéias puras que oponho às fantasias dos senti dos concordo também com respeito às verdades necessárias ou de razão que oponho às verdades de fato Neste sentido devese dizer que toda a aritmética e toda a geometria são inatasl estando em nós de maneira virtual de maneira que podemos encontrálas em nós considerando atentamente e ordenandoo que já temos no espírito sem utilizar qualquer verdade aprendida por experiência ou i 3 5 Silogismo no qual uma das duas p emissas não é explicitamente enunciada 140 LEIBNIZ pela tradição de outros como demonstrou Platão em um diálogo3 6 no qual introduz Sócrates conduzindo uma criança a verdades estranhas simplesmente através das perguntas sem ensinarlhe nada Podemos por conseguinte construir essas ciências em nosso gabinete e até com os olhos fechados sem apreendermos pela vista ou pelo tato as verdades deque temos necessidade embora permaneça verdade que jamais chegaríamos à consideração das idéias em questão se não tivéssemos jamais visto e tocado nada Com efeito em virtude de uma admirável lei da natureza não podemos ter pensamentos abstratos que não necessitem de al guma coisa sensível a não ser que se trate de caracteres como as figuras das le tras e os sons embora não haja nenhuma conexão necessária entre tais caracteres arbitrários e tais pensamentos E se os traços sensíveis não fossem necessários não existiria a harmonia preestabelecida entre a alma e o corpo sobre a qual terei ocasião de falarvos mais detidamente Isto porém não impede que o espírito haura as verdades necessárias de si mesmo Vêse também quão longe se pode ir sem qualquer auxílio alheio por uma lógica e aritmética puramente naturais como aquele menino sueco que com a sua lógica e a sua aritmética chega a fazer grandes cálculos de cabeça sem ter aprendido a maneira comum de contar nem mesmo a ler e a escrever se bem recordo de quanto me contaram É verdade que ele não consegue resolver proble mas como os que exigem extrações de raízes Isto não impede que possa conse guir também isto haurindo do fundo do seu espírito mediante algum artifício Isto demonstra apenas que existem graus na dificuldade que temos de perceber o que está em nós Existem princípios inatos que são comuns e muito fáceis a todos existem teoremas que se descobrem com a mesma imediatez e que compõem ciências naturais que são mais compreendidos por uns do que por outros Enfim em um sentido mais vasto que é bom empregar para ter noções mais compreen sivas e mais determinadas todas as verdades que podemos haurir dos conheci mentos inatos primitivos podem denominarse ainda inatas pelo fato de o espírito poder haurilas de seu fundo embora isto por vezes não seja fácil Todavia se alguém atribui um sentido diferente às palavras não quero discutir sobre os termos FILALETO Concordei convosco em que podemos ter na alma aquilo que não percebemos nela pois não nos recordamos sempre num dadò momento de tudo aquilo que sabemos entretanto é necessário sempre que o tenhamos aprendido e que uma vez o tenhamos conhecido expressamente Assim se podemos dizer que uma coisa está na alma embora a alma não a tenha ainda conhecido só pode ser porque a alma tem a capacidade ou faculdade de conhecêla TEÓFILO Por que razão isto não poderia ser devido a uma outra causa como por exemplo que a alma pode ter em si mesma esta coisa sem darse conta Com efeito já que um conhecimento adquirido pode estar oculto pela memória como vós mesmo reconheceis por que razão a própria natureza não poderia ter escondido na alma algum conhecimento original É porventura indispensável 3 6 O Mênon 82 b 85 b NOVOS ENSAIOS 141 que tudo o que é natural a uma substância que se conhece se conheça primeiro imediatamente Esta substância tal como a nossa alma não pode e não deve porventura ter tantas propriedades que seja impossível considerálas todas imediatamente e ao mesmojtempo Os Platônicos acreditavam que todos os nos sos conhecimentos eram reminiscências e assim as verdades que a alma trouxe com o conhecimento do homem e que se denominam inatas devem ser restos de um conhecimento expresso anterior Esta opinião não tem fundamento algum É fácil pensar que a alma devia já possuir conhecimentos inatos no estado prece dente se houvesse preexistência por mais recuado no tempo que pudesse ser tal estado como da seguinte forma os conhecimentos deveriam portanto vir tam bém de um outro estado precedente no qual seriam enfim inatos ou pelo menos cocriados ou então seria necessário ir até ao infinito e supor almas eternas caso em que os conhecimentos seriam inatos mesmo pois que jamais teriam tido início na alma e se alguém pretendesse que cada estado anterior teve alguma coisa de um outro estado mais anterior que não deixou aos seguintes responderselheá que é evidente que certas verdades manifestas deveriam ter caracterizado todos esses estados De qualquer maneira que se considere é sempre claro em todos os estados da alma que as verdades necessárias são inatas e se demonstram por aquilo que é interno não podendo ser demonstradas pelas experiências como se demonstram as verdades de fato Por que razão seria necessário afirmar que não podemos ter algo na alma algo que nunca utilizamos Porventura ter uma coisa sem utilizála equivale a ter apenas a faculdade de adquirila Se assim fosse não possuiríamos jamais a não ser coisas de que desfrutamos quando na realidade sabemos que além da faculdade e do objeto é necessária muitas vezes alguma disposição na faculdade ou no objeto e em ambos para que a faculdade se exerça sobre o objeto i FILALETO Considerando as coisas assim poderseá dizer que existem verda des gravadas na alma que entretanto a alma jamais conheceu nem jamais conhe cerá Isto me parece estranho TEÓFILO Não vejo nisso absurdo algum embora tampouco possamos ter cer teza de que existam tais verdades Com efeito é possível que se desenvolvam um dia em nossas almas quando estas estiverem num outro estado coisas mais ele vadas do que aquelas que podemos conhecer no presente estado de vida j FILALETO Supondose pòrém que existam verdades que possam ser impressas no entendimento sem que este as perceba não vejo como em relação à origem elas possam diferir das verdades que o entendimento é apenas capaz de conhecer TEÓFILO O espírito não é stimente capaz de conhecêlas mas também de descobrilas em si mesmo se o espírito tivesse apenas a capacidade de receber os conhecimentos ou a potência passiva para isto capacidade tão indeterminada quanto a que possui a cera de receber figuras e a lousa vazia de receber letras não seria a fonte das verdades necessárias como acabo de demonstrar que na rea lidade é Pois é incontestável que os sentidos não bastam para demonstrar a sua pensamento platônico sobre a questão que alma apenas lembra daquilo que está no mundo das ideias se não possuirmos alguma ideia inata sobre as coisas não teria como sabermos além daquilo que ela nos mostra sinto um contra argumento sobre a tabula rasa 142 LEIBNIZ necessidade e que portanto o espírito tem uma disposição tanto ativa quanto passiva para haurilos por si mesmo do seu fundo embora os sentidos sejam necessáriospara darlhe ocasião e atenção para isto e para conduzilo preferivel mente à uns do que a outros Como podeis ver essas pessoas muito versadas aliás que têm outra opi nião parecem não ter meditado suficientemente sobre as conseqüências da dife rença existente entre as verdades necessárias ou eternas e entre as verdades de experiência como já observei e como demonstra toda a nossa contestação A demonstração originária das verdades necessárias vem exclusivamente do enten dimento ao passo que as demais verdades procedem das experiências ou das observações dos sentidos O nosso espírito é capaz de conhecer umas e outras mas é a fonte das primeiras e qualquer que seja o número de experiências parti culares que possamos ter de uma verdade universal não podemos ter certeza dela pela indução sem conhecer pela razão a sua necessidade FiLALETO Entretanto não é porventura verdade que se estas palavras estar no entendimento encerram algo de positivo significam ser percebido e compreendido pelo entendimento TEÓFILO As mencionadas palavras nos indicam uma coisa completamente diversa basta que aquilo que está no entendimento possa ser encontrado ali e que as fontes ou provas originárias das verdades em questão estejam apenas no entendimento os sentidos podem insinuar justificar e confirmar essas verdades mas não demonstrar a certeza irreversível e perpétua delas i 1FILALETO Entretanto todos aqueles que quiserem darse ao trabalho de refletir com um pouco de atenção sobre as operações do entendimento acharão que este consentimento que o espírito dá sem esforço a certas verdades depende da faculdade do espírito humano TEÓFILO Muito bem Todavia é esta relação particular do espírito humano com estas verdades que torna o exercício da faculdade fácil e natural com res peito a elas e que faz com que as denominemos inatas Por conseguinte não é uma faculdade nua que consistiria na pura possibilidade de compreender as ver dades é uma disposição uma aptidão uma préformação quedetermina a nossa alma e que faz com que as verdades possam ser hauridas dela Assim como existe diferença entre as figuras que imprimimos na pedra ou no mármore indiferente mente e entre aquelas já indicadas pelos seus veios ou que os veios estão dispos tos a indicar se o artífice souber aproveitar FiLALETO Porventura as verdades não são posteriores às idéias das quaisj se originam Ora as idéias procedem dos sentidos j TEÓFILO As idéias intelectuais que constituem a fonte das verdades necessá rias hão procedem dos sentidos vós mesmo reconheceis que existem verdades que são devidas à reflexão do espírito quando este reflete sobre si mesmo De resto é verdade que o conhecimento expresso das verdades é posterior tempore não nega a necessidade dos sentidos verificar na obra de Locke NOVOS ENSAIOS 143 vel natura3 7 ao conhecimento expresso das idéias como a natureza das verdades depende da natureza das idéias antes de formarmos expressamente umas e outras e as verdades em que entram as idéias provenientes dos sentidos depen dem dos sentidos pelo menos em parte Contudo as idéias que provêm dos senti dos sào confusas sendoo também as verdades qúe deles dependem ao menos em parte ao passo que asidéias intelectuais eas verdades que delas dependem sào distintas sendo que nem as idéias nem as verdades têm a sua origem dos sentidos embora permaneça verdade que nào seríamos jamais capazes de pensar sem os sentidos FiLALETO Segundo a vossa opinião os números são idéias intelectuais e toda via a dificuldade ali depende daformação expressa das idéias por exemplo uma pessoa sabe que 18 mais 19 fazem 37 com a mesma evidência que sabe que 1 mais 2 sào três contudo uma criança nào conhece a primeira proposição com a mesma rapidez que a segunda o que se deve ao fato de que formou as palavras antes das idéias TEÓFILO Posso concordar convosco em qúe muitas vezes a dificuldade que existe na formação expressa das verdades depende da dificuldade que existe na formação expressa das idéias Todavia creio que no exemplo que destes se trata de utilizar idéias já formadas Com efeito os que aprenderam a contar até 10 e a maneira de passar mais adiante por uma certa repetição de dezenas entendem sem esforço o que é 18 19 37 isto é duas ou três vezes 10 com 8 ou 9 ou 7 contudo para concluir que 18 mais 19 fazem 37 requerse muito mais atenção de quepara conhecer que 2 mais 1 fazem 3 o que no fundo não é outra coisa senão a definição de três 18 FILALETO Nào é privilégio ligado aos números ou às idéias que denomi nais intelectuais fornecer proposições às quais se adere infalivelmente desde que as entendamos Encontramse também na física e em todas as outras ciências e os próprios sentidos fornecem algumas Por exemplo esta proposição dois corpos não podem estar em um mesmo lugar ao mesmo tempo constitui uma verdade da qual estamos persuadidos da mesma forma que das máximas seguin tes ê impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo o branco não é o vermelho o quadrado não ê um círculo a cor amarela não é a doçura TEÓFILO Existexdiferença entre essas proposições A primeira que afirma que a penetração dos corpos é impossível tem necessidade de demonstração Com efeito todos aqueles que consideram condensações erarefações verdadeiras e tomadas a rigor como os Peripatéticos e o falecido Sr Cavaleiro Digby38 a rejeitam sem falar dos cristãos que na sua maioria crêem que o contrário isto é a penetração das dimensões ê possível a Deus Ao contrário as outras proposi 3 7 Segundo o tempo ou segundo a natureza 38 Sir Kenelm Digby 16031655 filósofo e sábio inglês autor de um tratado de inspiração cartesiana sobre a natureza dos corpos 144 LEIBNIZ ções são idênticas ou quase e as idênticas ou imediatas não recebem demqnstra çâo As proposições que dizem respeito àquilo que os sentidos fornecem como a que diz que a cor amarela não é a doçura não fazem outra coisa senão aplicar a máxima idêritica geral a casos particulares FiLALETO Cada proposição que é composta de duas idéias diferentes das quais uma é negada pela outra por exemplo que o quadrado não é um círculo que ser amarelo não é ser doce será admitida como indubitável com o mesmo grau de certeza desde que se lhe compreendam os termos que esta máxima geral é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo TEÓFILO Acontece que uma isto ê a máxima geral constitui o princípio e a outra isto é a negação de uma idéia por uma outra oposta é a aplicação do princípio FILALETO Pareceme antes que a máxima depende desta negação que constitui o fundamento dela e que é ainda mais fácil compreender que aquilo que é a mesma coisa não é diferente do que a máxima que rejeita as contradições Ora sendo assim será necessário admitir como verdades inatas um número infinito de proposições desta espécie que negam uma idéia da outra sem falar das demais verdades Acrescentai a isto o seguinte sendo que uma proposição não pode ser inata a não ser que o sejam as idéias de que ela se compõe será necessário supor que todas as idéias que temos das cores dos sons dos gostos das figuras etc são inatas TEÓFILO Não vejo como a proposição aquilo que ê a mesma coisa não é diferente seja a origem do princípio de contradição e mais fácil pois me pare ce que nos damos mais liberdade afirmando que A não é B de que dizendo que A não é nãoA E a razão que impede A de ser B é que B encerra nãoA Deresto esta proposição o doce não ê o amargo não é inata conforme o sentido que demos a este termo de verdade inata Com efeito os sentimentos do doce e do amargo vêm dos sentidos externos Assim é uma conclusão mesclada hybrida conclusio onde o axioma é aplicado a uma verdade sensível Todavia quanto a esta proposição o quadrado não é um círculo podese dizer que ela é inata pois em a considerando fazse uma subsunçâo ou aplicação do princípio de contradição àquilo que o próprio entendimento fornece desdeque pércebamos que essas idéias que são inatas encerram noções incompatíveis 19 FiLALETO Quando sustentais que essas proposições particulares e eviden tes por si mesmas das quais se reconhece a verdade desde que as ouvimos enun ciar como o verde não é o vermelho são admitidas como conseqüências dessas proposições mais gerais que se consideram como outros tantos princípios inatos parece que não considerais que essas proposições particulares são admitidas como verdades indubitáveis por aqueles que não possuem conhecimento algum dessas máximas mais gerais TEÓFILO Já respondi a isto mais acima fundamonos nessas máximas gerais da mesma forma como nos fundamos sobre as premissas maiores que suprimi NOVOS ENSAIOS 145 mos quando raciocinamos por entimemas com efeito embora muitas vezes não pensemos distintamente naquilo que fazemos ao raciocinar como não pensamos no que fazemos ao andar e aó pular é sempre verdade que a força da conclusão consiste em parte naquilo que suprimimos e não pode provir de alhures o que se verá quando se quiser justificála 20 FILALETO Parece todavia que as idéias gerais e abstratas são mais estra nhas ao nosso espírito do que as noções e as verdades particulares por conse guinte essas verdades particulares serão mais naturais ao espírito que o princípio de contradição do qual são acenas a aplicação conforme a vossa opinião TEÓFILO É verdade que começamos antes a darnos conta das verdades parti culares como começamos pejas idéias mais compostas e mais grosseiras toda via isto não impede que a ordem da natureza comece pelo mais simples e que a razão das verdades mais particulares dependa das mais gerais das quais são ape nas exemplos E quando queremos considerar o que está em nós virtualmente e antes de qualquer apercepção temos razão em começar pelo mais simples Pois os princípios gerais entram em nossos pensamentos dos quais constituem a alma e a conexão Eles são ali necessários da mesma forma que os tendões e os múscu los o são para andarmos embora não pensemos neles O espírito se apóia sobre esses princípios a todo momento mas não chega tão facilmente a distinguilos e representálos distinta e separadamente visto que isto exige uma grande atenção ao que ele faz e a maior parte das pessoas poucohabituadas a meditar não têm tal atenção Porventura os chineses não possuem como nós sons articulados E todavia tendose fixado em ujna outra maneira de escrever ainda não tiveram a idéia de fazer um alfabeto desses sons É assim que possuímos muitas coisas den tro de nós sem o sabermos í i 2i f i l a l e t o Se o espiritai consente tão rapidamente em certas verdades será que isto não pode provir da própria consideração da natureza das coisas a qual não lhe permite julgar de outra maneira antes que do fato de que essas proposições estão gravadas naturalmente no espírito TEÓFILO Uma e outra coisà são verdadeiras A natureza das coisas e a natu reza do espírito concorrem anibas para isto Uma vez que estabeleceis uma oposi ção entre a consideração da coisa e a apercepção do que está gravado no espírito esta mesma objeção nos mostra que aqueles a cujo partido pertenceis entendem pelas verdades inatas apenas p que se aprovaria naturalmente como por instinto e ainda conhecendoo apenas confusamente Existe tal tipo de verdades desta natureza e teremos ocasião cie falar delas Entretanto o que se denomina a luz natural supõe um conhecimento distinto e muitas vezes a consideração da natu reza das coisas não é senão o conhecimento da natureza do nosso espírito e des sas idéias inatas que não temos necessidade de buscar fora Eú denomino inatas as verdades que só necessitam desta consideração para serem verificadas Já Res pondi 5 à objeção 22 segundo aqual quando se diz que as noções inatas estão implicitamente no espínitó isto deve significar apenas que existe a facul 146 LEIBNIZ dade de conhecê1as pois observei que além disso existe a faculdade de detectá las em si mesmo e a disposição a aproválas quando pensamos nelas como se deve 23 FILALETO Se bem entendo pretendeis que quando se propõem essas máxi mas gerais pela primeira vez a respectiva pessoa não aprende nada que lhe seja inteiramente novo Ora é claro que as pessoas aprendem primeiramente as pala vras depois as verdades e até as idéias das quais dependem tais verdades TEÓFILO Não se trata aqui das palavras que de certo modo são arbitrárias ao passo que as idéias e as verdades são naturais Todavia quanto a essas idéias e verdades vós nos atribuís uma doutrina que está bem longe de nós pois continuo de acordo que aprendemosas idéias e as verdades inatas seja atendendo à sua fonte seja verificandoas pela experiência Assim sendo não aceito a suposição que mencionais como se no caso de que falais não aprendêssemos nada de novo Eu não poderia admitir esta proposição tudo o que aprendemos não é inato As verdades dos números estão em nós e todavia continua verdade que as aprendemos seja haurindoas da sua fonte quando as aprendemos por via demonstrativa b que precisamente prova que são inatas seja comprovandoas em exemplos como fazem os aritméticos comuns os quais por não conhecerem as razões só aprendem as suas regras por tradição e na melhor das hipóteses antes de ensinálas justificamnas pela experiência a qual tiram de tão longe quanto lhes parece conveniente Por vezes acontece mesmo que um matemático muito versado desconhecendo a fonte da descoberta de outros é obrigado a contentarse com este método da indução para examinála assim fez um célebre escritor em Paris quando lá estive o qual levou bastante longe o ensaio do meu tetragonismo aritmético39 comparandoo com os números de Ludolfo 40 acredi tando encontrar nele algum erro ele teve razão em duvidar até que se lhe tenha comunicado a demonstração É isto mesmo a saber a imperfeição das induções que se pode ainda verificar pelas instâncias da experiência Pois existem progres sões nas quais se pode ir muito longe antes de notar as mudanças e as leis que nelas se encontram FILALETO Não poderia porventura acontecer que não somente os termos ou palavras de que nos servimos mas também as idéias nos venham de fora TEÓFILO Nesté caso seria necessário que nós mesmos estivéssemos fora de nós pois as idéias intelectuais ou de reflexão são hauridas de nosso espíritoGostaria de saber como poderíamos ter a idéia do ser se nós mesmos não fôssemos seres e não encontrássemos o ser dentro de nós FILALETO Que dizeis porém a este desafio de um dos meus amigos Diz ele se alguém puder encontrar uma proposição cujas idéias sejam inatas que a indi que pois não poderia prestarme um favor maior 39 Tratase da fórmula da quadratura aritmética do círculo descoberta por Leibniz em 1674 40 Citamse vários matemáticos com este nome aqui se trata de Van Ceulen Ludolf geômetra holandês do início do século XVII que trabalhou na avaliação do número denominado no século XVII número de Ludolfo e lhe determinou trinta e cinco decimais NOVOS ENSAIOS 147 TEÓFILO Mencionaria 4s proposições de aritmética e de geometria que sào todas desta natureza Em termos de verdades necessárias não é possível encon trar outras j 25 FILALETO Isto parqcerá estranho a muita gente Podese porventura afir mar que as ciências mais piofundas e mais difíceis são inatas TEÓFILO O conhecimento atual dessas ciências não o é mas o é aquilo que se pode denominar o conhecimento virtual como as figuras traçadas pelos veios do mármore antes de serem descobertas pelo trabalho do artífice y f il a l e t o Será porventiira possível que crianças que recebem noções provin das de fora e lhes dão o consentimento não tenham nenhum conhecimento das noções que se supõe serem jinatas nelas e fazerem parte de seu espírito onde estão como se diz gravadas em caracteres indeléveis para servir como funda mento Se assim fora a natureza teria feito esforço inutilmente ou pelo menos teria gravado mal esses carjacteres pois estes não podem ser percebidos por olhos que enxergam muito bem outras coisas t e ó f i l o A apercepção do que está dentro de nós depende de uma atenção e de uma ordem Ora não somente ê possível mas é até conveniente que as crianças prestem mais atenção às noções provenientes dos sentidos visto que a atenção é regulada pela necessidade Ò acontecimento porém prova mais tarde que a natu reza não trabalhou inutilmente ao imprimir em nós os conhecimentos inatos visto que sem eles não haveria nenhum meio de atingir o conhecimentoatual das verdades necessárias nas ciiências demonstrativas bem como as razões dos fatos neste caso não teríamos nada mais que ultrapasse o nível dos animais 26 f ila le t o Se existem verdades inatas não será necessário que existam pensamentos inatos j t e ó f il o Em absoluto pois os pensamentos são ações e os conhecimentos ou as verdades enquanto estão dentro de nós mesmo que neles não pensemos são hábitos ou disposições sabemos muitas coisas nas quais não pensamos f il a l e t o É bem difícil conceber que uma verdade esteja no espírito se este ja máis pensou nesta verdade t e ó f il o É como se algjuém dissesse que é bem difícil conceber que existem veios no mármore antes qúe os descubramos Parece também que esta objeção se aproxima demais da petição de princípio Todos aqueles que admitem verdades inatas sem fundálas na reminiscência platônica admitem verdades inatas nas quais ainda não se pensouj Aliás este raciocínio prova demais pois se as verda des fossem pensamentos sèríamos privados não somente das verdades nas quais nunca pensamos mas também daquelas nas quais já pensamos mas não pensa mos mais atualmente e se as verdades não são pensamentos mas hábitos e apti dões naturais ou adquiridas nada impede que haja algumas em nós nas quais nunca pensamos nem jamais pensaremos 148 LEIBNIZ 27 FILALETO Se as máximas gerais fossem inatas deveriam aparecer com mais brilho ao espírito de certas pessoas quando na realidade não vemos traço algum delas tenciono falar das crianças dos iletrados e dos selvagens pois den tre todos os homens são estes que têm o espírito menos alterado e menos corrom pido pelo costume e pela impressão das opiniões alheias TEÓFILO Creio que se deve raciocinar de maneira completamente diferente no caso As máximas inatas só aparecem pela ateinção que lhes damos ora as mencionadas pessoas não dispensam tal atenção ou a dispensam a bem outras coisas Quase só pensam nas necessidades do corpo ora é natural que os pensa mentos puros e abstratos constituam o preço dos esforços mais nobres É verdade que as crianças e os selvagens têm o espírito menos alterado pelos costumes mas têm também o espírito menos elevado pela doutrina que dá a capacidade de dis pensar atenção Seria coisa pouco justa que as luzes mais vivas brilhassem me lhor nos espíritos que menos o merecem e que estão envolvidos nas nuvens mais espessas Não gostaria portanto que se honrasse demais a ignorância ou a bar bárie quando se trata de pessoa tão sábia e tão inteligente como vós Filaleto valendo o mesmo do vosso excelente autor equivaleria isto a rebaixar os dons de Deus Alguém poderá dizer que quanto mais ignorante uma pessoa tanto mais se assemelha a um bloco de mármore ou a um pedaço de madeira que são infalíveis e impecáveis Infelizmente não é a isto que tais pessoas se parecem Na medida em que somos capazes de conhecimento pecamos ao negligenciaradquirilo e se pecará com tanto mais facilidade quando se é menos instruído C a p i t u l o II Não existem princípios de ordem prática que sejam inatos í l 1 FILALETO A moral é rima ciência demonstrativa e no entanto não pos sui princípios inatos Seria mesmo muito difícil citar uma regra de moral que seja de natureza a ser aceita com um consentimento tão generalizado como esta máxi ma o que êé i TEÓFILO É absolutamente j mpossível que existam verdades da razão tão evi dentes quanto as idênticas ou imediatas Embora se possa dizer que a moral pos sui verdadeiramente princípios indemonstráveis e que um dos primeiros e dos mais práticos é que se deve seguir a alegria e evitar a tristeza devese acrescentar que não é uma verdade que seja conhecida puramente pela razão visto que se funda na experiência interna ou em conhecimentos confusos Pois não sentimos o que é a alegria ou a tristeza j j FILALETO Só podemos tercerteza das verdades de ordem prática mediante raciocínios discursos e alguma aplicação do espírito TEÓFILO Mesmo qüe assiixi fosse tais verdades não seriam por isso menos inatas Todavia a máxima que acabo de mencionar parece ser de outra natureza ela não é conhecida pela razãop mas por assim dizer por um instinto É um prin cípio inato mas não faz parte jda luz natural pois não o conhecemos de maneira clara Contudo uma vez posljo este princípio podese tirar dele conseqüências científicas e aplaudo ao máximo o que acabais de dizer da moral como ciência demonstrativa Vemos também que ela ensina verdades tão evidentes que os ladrões piratas e bandidos sãoiobrigados a observálas entre si I 2 f i l a l e t o Acontece qué os bandidos observam entre si as regras da justi ça porém sem considerálas cqmo princípios inatos TEÓFILO Que importa Porventura o mundo se preocupa com tais questões teóricas f i l a l e t o Observam as máximas de justiça apenas como normas de conve niência cuja observância ê absolutamente necessária para a conservação da sua sociedade j v TEÓFILO Muito bem Nada melhor se poderia dizer acerca de todos os homens em geral É desta forma que tais leis estão gravadas na alma a saber como as 150 LEIBNIZ conseqüências da nossa conservação e dos nossos verdadeiros bens Porventura se iínãgína que na nossa teoria às vercíades estão no entendimento como inde pendentes uma das outras e como os editos do pretor estavam no seu pelourinho ou album Faço abstração aqui do instinto que leva o homem a amar o seu semelhante pois disto falarei logo no momento só quero falar das verdades que se conhecem pela razão Reconheço também que certas normas da justiça não podem ser demonstradas em toda a sua extensão e perfeição senão supondo a existência de Deus ê a imortalidade da alma e aquelas em que o instiiítp da humanidade não nos impulsiona são gravadas na alma apenas como outras ver dades derivativas Todavia os que fundam a justiça apenas sobre as necessi dades da vida presente e spbre a necessidade quéütem delas mais do que sobre a alegria que deveriam sentir nela alegria que esta eníre as maiores quando o seu fundamento é Deus assemelhamse èmálgo à sociedade dos bandidos ÍV v Sit spes fallendi miscebunt sacra profanis 41 3 f i l a l e t o Reconheço que a natureza colocou em tocjos os homens o desejo de ser feliz aliado a uma forte aversão peia infelicidáâéEstes são princípios de ordem praticaverdadeiramente inatos os quais segundoa destinação dé iodo princípio Üeorciem prática exercem uma influência contínua em todas as nossas ações Contudo trataseno caso de inclinações da alma para o bem e não aè impressão de algurría verdade que esteja gravada nq nosso entendimento u t e ó f i l o Estou encantado por vervos reconhecer a existência de verdades inatas como logódirei Esteprincípio concorda bastante com aquele que1 acabo de assinalar o qiialnos leva a seguir a alegria e evitar a tristeza Comuèfeito a felicidade não e outra coisa senão uma alegrià durável Entretanto a rióssa incli nação não vai à felicidade propriamente dita mas à alegria ou seja áo presente e a razão que leva ao futuro ea duração Ora à inclinação expressa pelo entendi mento se transforma tmpreceito ou verdade de ordem prática e se àinèiinàçao é inata a verdade tampem o é não havendo nadána álrria que não sejêpresso no entendimento errífrora não sempre por úma consideração atual distinta como n ic O ç n s demonstrei suffiíntemente Também os instintos não sãósempre de ordèfti práti ca existem ajguj cjue contêm verdades de teoria taissiòõs princípios internes das ciências e dq raciocínio quando sem conhecerlhes a razão os utilizamos por um instinto natural Neste sentido não podeis dispensarvos de reconhecer princípios inatos mesmo quequisésseis negar qtfe ãs verdades derivativas são inatas Isto seria porém uma qüestão de terminologia ápóíTa explicação que dei sobre o que entendo por inato Não teria nenhuma objeção se alguém só quisesse designar com este termo as verdades que recebemos primariamente por instinto k b prir f i l a l e t o Isto está bem Entretanto se houvesse na nossa alma caracteres gra vados naturalmente como oútros tantos princípios dè conhecimento só pode 41 Citação de Horácio Epístolas I 16 54 Se têm a esperança da impunidade não mais farão diferença entre o sagrado e o profano emprega asregras das conseqüências por uma lógica ríamos percebêlps agindoj em nós da mesma forma como sentimos a influência dos dois princípios que agèm constantemente em nós ou seja odesejo de ser feliz e o temor de sefmfeliz T J t e ó f i l o Existem princípios de conhecimento que influem tão constantemente nos nossos raciocínios como os de ordem prática influem nas nossas vontades por exemplo todo mundo natural sem darse conta djr 4 f i l a l e t o As normks de moral necessitam ser demonstradas conseqüen temente não são inàtas coino esta regra que e a fonte dais virtudes que dizem res peito à sociedade não façais aos outros senao aquilo qüb gostaríeis fosse feito a y r u e I 1 íj tue vos mesmos t e ó f i l o Vós me fazeis sempre a objeção que já refutei Concordo em que exis tem normas de moral que hão constituem princípios matos mas isto não impede que sejam verdades ínatásj visto que lima verdade derivativa será inata q u a n t a pudermos haurir do hbssp espírito Ora existem verdacies inatas que encon tramos ein nós de duas maríeiras pela luz e pelo instintoÂs que cabpde assina lar se demonstram peas nossas idéias o que fàz a luz natural Existem porém conclusõesKdjí luz nâfüraliue são princípios em relação ao instinto Jssim e ue somos ieâáps aos atos desumanidade por instinto pelo fato de que isto nos agrada e pelarazão peto lato de que isto é conforme à jüstiçâ Existem portanto em nos verdades de instiritó que constituem princípios inatos que sentimos e V Î 4 I I 1J S I aprovamos embora nao tenhamos a demonstraçao cieles provoque obtemos porém quando procuramos a razão deste instinto ÂssimCé que utilizamos as leis das conseqüências segundo um conhecimento confusoe como por instinto porem os mestres da lógica demonstram a razão delasVâkmesmànfprma como os mate máticosdãò arazão daquilo que fazemòs sempènsàr aô arîdârmps e pularmps Quaiító àriòrmá áegundo a qual não Se devé fâzéf aÒs òtítros o qúe não queremos quenôs âejà feitp tem elanecessidade rião sòmente Üe demonstração màs tam bêtn ÜedecrâràÇâo Q verdadeiro sentidoda fègrà1 que o lugàf clÓÍoutrõs consti tuid vêrdadeiropontò de vista para julgar éqüitatfivamente sPbrebstè ássuntoJ U v e r i ro ri r 1 x itama chiv c s i a y 9 f i l a l e t o Cpmetèrrios por vezes ações más sem qualquer remorso de cons í I r r f 1 i i J ciência por exemplo ao tomarem deassalto as cfdaaès Ps spdacloscottetem semescrúpulos as piores açõeslâÍémfHisso nações ciVilízàdas expuseram as suas crianças alguns Çaribes 4fcãàtrâm as suas crianças paia engPrdlSLs e devorá las Garcilaso de la Vega f ifeíãtàqúe certos povos do Peru tomavâtaíprisioneiras para transformálas em còncubmàS e alimentavam as crianças iíè à idade de treze anos depois de qÙeasdévôrâVam tratando da mesma forma ais mães desde o momento em que nãó11 gerassem mais filhos Na viagem de Baunigárten 4 4 con yry 42 Caraíbas 43 Historiador de origem peruana 15301568 autor de uma importante obra sobre os incas publicada em espanhol 1609 e traduzida para o francês 1633 4 4 Martin von Baumgarten autor de uma Viagèin ao Egito Arábia Palestina e Síria 1594 NOVOS ENSAIOS 151 152 LEIBNIZ tase que havia um homem no Egito que passava por um santo eo quod nonfoe minarum iinquam esset ac puerorum sed tantum asellarum concubitor atque mularum não tinha relações com mulheres e crianças mas só com mulas e burrinhas TEÓFILO A ciência moral além dos instintos como o que nos faz abraçar a alegria e evitar a tristeza é inata da mesma forma que o é a aritmética pois ela depende também das demonstrações que a luz interna fornece E visto que as demonstrações não saltam imediatamente aos olhos não é de admirar se os ho mens não se dão conta sempre imediatamente de tudo aquilo que têm em si e não lêem tão logo os caracteres da lei natural que Deus segundo São Paúlo 4 5 gra vou nos seus espíritos Todavia visto que a moral é mais importante do que a aritmética Deus deu ao homem instintos que assinalam imediatamente e sem necessidade de raciocínios algo daquilo que a razão ordena Da mesma forma andamos segundo as leis damecânica sem pensar nessas leis e comemos não somente porque isto nos é necessário mas ainda emais ainda porque isto nos dá prazer Entretanto esses instintos não levam à ação de maneira invencí vel resistimos a eles pelas paixões obscurecemolos por preconceitos alteramo los por costumes contrários Todavia o mais das vezes concordamos com estes instintos da consciência e seguimolos mesmo quando são superados por impres sões maiores A parte maior e mais sadia do gênero humano dá testemunho des ses princípios Nisto concordam os orientais os gregos os romanos a Bíblia e o Corão a polícia dos maometanos costuma punir o que Baumgarten relata e seria necessário ser tão abrutalhado como os selvagens americanos para aprovar os seus costumes eivados de uma crueldade que ultrapassa a dos próprios animais E no entanto estes mesmos silvícolas sentem bem o que é a justiça em outras ocasiões e embora não haja talvez nenhuma prática má que não seja permitida em algum lugar e em certas ocasiões poucas há que não sejam condenadas o mais das vezes e pela maioria dos homens Ora isto não aconteceu sem razão e não tendo acontecido só em virtude do raciocínio deve ser atribuído em parte aos instintos naturais Mesclouse a isto o costume a tradição a disciplina mas o instinto natural é responsável pelo fato de que o costume se inclinou na maioria dos casos para o lado bom das coisas É ainda o natural que é responsável pelo fato de que a tradição da existência de Deus tenha chegado até nós Ora a natu reza dá ao homem e mesmo à maioria dos animais uma afeição e doçura em relação aos membros da sua espécie O próprio tigre parcit cognatis maculis 4 6 daí vem esta bela palavra de um jurisconsulto romano quia inter omnes homines natura cognationem constituit unde hominem homini insidiari nefas esse 4 7 Só existem praticamente as aranhas que fazem exceção a isto e se entrecomem até ao ponto de a fêmea devorar o macho após ter desfrutado dele Depois deste ins 45 R o in l 15 46 Citação incompleta de Juvenal Sátira XV 159 parcit cognatis maculis similis fera O animal feroz poupa os seus irmãos de raça aos quais se parece nos sinais 4 7 Uma vez que a natureza instituiu um parentesco entre todos os homens não é lícito a um homem atrair um outro a uma cilada Digesto I 1 3 O autor desta máxima é o jurista Florentino tinto geral de sociedade que se pode denominar filantropia no homem existem outros instintos particulares comó a afeição entre o macho e a fêmea o amor que o pai e a mãe têm para com as crianças que os gregos denominam storgên e ou tras inclinações semelhantes que constituem este direito natural ou melhor esta imagem de direito a qual segundo os jurisconsultos romanos a natureza ensinou aos animais No homem sobretudo existe um certo cuidado da dignidade e da conveniência que leva a ocultar as coisas que nos rebaixam a cuidar do pudor a ter repugnância pelos incestos a sepultar os cadáveres a não comer carne hu mana nem carne de animais vivos Somos também levados a cuidar da nossa reputação mesmo além da necessidade e da vida a sentir os remorsos da cons ciência e a sentir esses laniatus et ictus essas torturas e esses incômodos de que fala Tácito 48 na esteira de Platão 49 além do temor de um futuro e de um poder supremo que também ocorrem com naturalidade Em tudo isto existe realidade no fundo porém essas impressões naturais quaisquer que possam ser são ape nas auxílios para a razão e indícios da natureza O costume a educação a tradi ção a razão contribuem muito para isto mas a própria natureza humana não deixa de exercer a sua parte É verdade que sem a razão esses auxílios não seriam suficientes para dar uma certeza completa à moral Não se negará que o homem é levado naturalmente por j exemplo a afastarse das coisas más sob pretexto de que há pessoas que só têmprazer em falar de orgias não se negará que existem outros até cujo tipo de vida os obriga a lidar com os excrementos Imagino que no fundo partilhais da miriha opinião no que concerne a esses instintos naturais que inclinam à honestidade embora talvez digais como dissestes do instinto que nos inclina para a felicidade e a alegria que tais impressões não consti tuem verdades inatas Entretanto já respondi que todo sentimento é a percepção de uma verdade que o sentimento natural é a percepção de uma verdade inata ainda que muitas vezes confusa como o são as experiências dos sentidos exter nos assim podemos distinguir as verdades inatas da luz natural que não contêm nada que não seja distintamente reconhecível como o gênero deve ser distin guido da sua espécie visto que as verdades inatas compreendem tanto os instintos como a luz natural li FILALETO Uma pessoa que conhecesse os limites naturais entre o que é justo e o que é injusto e nãodeixasse de confundilos só poderia ser considerada como inimigo declarado dcj repouso e da felicidade da sociedade de que faz parte Ora os homens confundem a todo momento esses limites por conseguinte não os conhecem j TEÓFILO Isto seria considerar as coisas de maneira demasiado teórica Acon tece todos os dias que os homens agem contra o seu conhecimento escondendo a si mesmos tais princípios quando voltam o espírito para outra direção e para se guir as suas paixões se não fosse assim não veríamos as pessoas comerem e 48 Annales VI 6 j 49 Górgias 524 e I NOVOS ENSAIOS 153 154 LEIBNIZ beberem coisas que sabem causadoras de doença e até da morte Não negligenr ciariam os seus negócios não fariam o que nações inteiras fizeram sob certos aspectos Muito raramente o futuro e o raciocínio nos impressionam tanto como o presente e os sentidos Sabiao muito bem aquele cidadão italiano que devendo ser torturado se propôs ter constantemente diante dos olhos a forca durante as torturas a fim de ter força para resistir ouviuselhe dizer algumas vezes Io ti vedo 50 o que mais tarde explicou depois de conseguir evadirse A menos que formulemos uma resolução firme de tomar a peito o verdadeiro bem e o verda deiro mal para seguilo ou para evitálo somos levados pela onda Acontece mesmo em relação às necessidades importantes desta vida o que ocorrecom res peito ao céu e ao inferno mesmo com aqueles que mais crêem neles Cantantur haec laudantur haec Dicuntur audiuntur Scribuntur haec leguntur haec Et lecta negliguntur 51 FILALETO Todo princípio que se supõe inato déve ser conhecido como justo e vantajoso por toda e qualquer pessoa TEÓFILO É voltar sempre a esta suposição que já refutei tantas vezès isto é que todaverdade inata é necessariamente conhecida sempre e por todos 12 FILALETO Todavia uma permissão pública de violar uma lei demonstra que a referida lei não é inata por exemplo a lei de amar e conservar as crianças foi violada entre os antigos os quais permitiram expor as crianças TEÓFILO Mesmo supondo tal violação segue apenas que tais pessoas não leram bem os caracteres da natureza gravados em nossas almas mas freqüente mente muito obscurecidos pelas nossas desordens além disso para enxergar a necessidade dos deveres de maneira invencível cumpre considerar atentamente a sua demonstração o que não acontece comumente Se a geometria fosse tão con trária às nossas paixões e aos nossos interesses como a moral nós a contesta ríamos e a violaríamos com a mesma freqüência que a moral não obstante todas as demonstrações de Euclides e de rquimedes que se considerariam fantasias e cheias de paralogismos e aconteceria neste caso que Joseph Scaliger 52 Hob bes 53 e outros que escreveram contra Euclides e Arquimedes não estariam em 50 Eu te vejo 51 Estas são coisas que decantamos elogiamos dizemos ouvimos escutamos escrevemos lemos e que negligenciamos depois de lidas citação de um texto não identificado 52 Joseph Scaliger 15401609 filho de Júlio César Scaliger cf nota 2 ilustre filólogo criticou as demonstrações de Euclides e de Arquimedes em um tratado intitulado Cyclometnca Elementa Leyden 1594 53 Thomas Hobbes 15881679 ilustre filósofo inglês escreveu uma obra sobre os princípios e o raciocínio dos ueômetras obra na qual se mostra que a incerteza e a falsidade se encontram tanto nos seus escritos como nos dos físicos e dos moralistas 1666 companhia tão reduzida Só à paixão pela glória que tais autores acreditaram encontrar na quadratura do círculo e outros problemas difíceis podem ter che gado a tal ponto pessoas de tão grandes méritos Se outros tivessem o mesmo interesse teriam feito o mesmo uso j FILALETO Todo dever implica a idéia de lei e uma lei não pode ser conhecida ou suposta sem um legisladorjque a tenha prescrito ou então sem recompensa e sem castigo TEÓFILO Podem existir recompensas e castigos naturais sem legislador por exemplo a intemperança é cajstigáda pelas doenças Todavia visto que ela não prejudica a todos imediatamente reconheço que nâo existe preceito que nos obri gue indispensavelmente se nao houvesse um Deus o qual não deixa nenhum crime sem castigo nem nenhuma boa ação sem recompensa FILALETO Logo é necessário que as idéias de um Deus e de uma vida futura sejam também inatas J i l TEÓFILO Concordo com istcj no sentido que expliquei FILALETO Todavia essas idéias estão de tal maneira longe de estarem gravadas no espírito de todos os hõftiêíis que nem sequer parecem ser muito claras e distin tas para muitos homens de estudo os quais fazem profissão de examinar as coi sas com certa exatidão f muito jmenos são conhecidas a toda criatura humana TEÓFILO É voltar de novo jà mesma suposição que pretende que o que nâo é conhecido nâo é inatoobjeçào que refutei tantas vezes O que é inato nem por isso é logo conhecido clara e distintamente necessitase por vezes muita atenção e ordem para percebêlo sendlo que as pessoas de estudo nem sempre o atingem muito menos qualquer criatura humana i 13 FILALETO Entretantoj se os homens podem ignorar ou pôr em dúvida o que é inato na natureza humana é inútil falarnos de princípios inatos e da sua necessidade longe de poderem instruirnos sobre a verdade e a certeza das coisas como se pretende encontrarbosiamosno mesmo estado de incerteza com tais princípios que se eles nâo estivessem em nós TEÓFILO Nâo se pode pôr em dúvida todos os princípios inatos Declarastes o vosso acordo quanto às propcisições idênticas e ao princípio de contradição reco nhecendo que existem princípios incontestáveis embora então nâo os reconhe cêsseis como inatos daqui não se conclui que tudo quanto é inato e conexo neces sariamente com tais princípios inatos seja logo de uma evidência indubitável FILALETO Ninguém quanto eu saiba empreendeu a tarefa de darnos um catá logo exato de tais princípios TEÓFILO Porventura alguém nos forneceu até hoje um catálogo completo e exato dos axiomas de geometria NOVOS ENSAIOS 155 156 LEIBNIZ 15 FILALETO Mylord Herbert5 4 assinalou alguns desses princípios que são 1 Existe um Deus supremo 2 Deus deve ser servido 3 A virtude aliada à pie dade constitui o melhor culto 4 É necessário arrependerse dos pecados 5 Existem castigos e recompensas após a presente vida Concordo em que se trata de verdades evidentes e de uma natureza tal que ao serem bem explicadas uma criatura racional não pode deixar de admitilas Todavia os meus amigos afirmam que estão muito longe de serem impressões inatas E se essas cinco proposições constituem noções comuns gravadas em nos sas almas pelo dedo de Deus existem muitas outras que devem ser catalogadas sob o mesmo item TEÓFiLO Estou de acordo pois considero todas as verdades necessárias como inatas e eu mesmo acrescento os instintos Contesto porém que as cinco propo sições citadas constituam princípios inatos pois sustento que se pode e se deve demonstrálas 18 FILALETO Na terceira proposição a qual afirmaque a virtude constitui o culto mais agradável que se presta a Deus não é claro o que se entende por virtu de Se a entendermos no sentido habitualmente aceito isto é que a virtude é aqui lo que passa por elogiável segundo as diferentes opiniões vigentes em diversos países não só a proposição não é evidente mas nem sequer é verdadeira Se denominarmos virtude as ações que concordam com a vontade de Deus seria dizer uma coisa pela outra e a proposição não nos diria nada de novo pois signi ficaria apenas que Deus considera agradável aquilo que é conforme à sua vonta de O mesmo ocorre com a noção de pecado na quarta proposição TEÓFILO Não me recordo de haver dito que se considera como virtude uma coisa que depende das opiniões pelo menos os filósofos não definem assim É verdade que o termo virtude depende da opinião daqueles que o atribuem a dife rentes hábitos ou açpes conforme julgam bem ou mal e usam da sua razão toda via todos concordam bastante sobre a noção geral de virtude ainda que haja divergências quanto à aplicação SegundoAristóteles e vários outros a virtude é um hábito de moderar as paixões pela razão ou mais simplesmente um hábito de agir segundo a razão Ora isto não pode deixar de ser agradável àquele que constitui a razão suprema e última das coisas a quem nada é indiferente muito menos as ações das criaturas racionais 20 FILALETO Costumase afirmar que o hábito a educação e as opiniões ge rais daqueles com quem se priva podem obscurecer esses princípios de moral que se supõem inatos Contudo se esta resposta for correta ela aniquila a prova que se pretende tirar do consentimento universal O raciocínio de muitas pessoas reduzse a isto os princípios que as pessoas de bom senso reconhecem são inatos 5 4 Herbert de Cherbury 15831648 diplomata e filósofo inglês autor de um tratado De Veritate 1624 Sobre a Verdade que timbrava em estabelecer uma distinção entre a verdade a revelação a verossimi lhança a possibilidade e o erro NOVOS ENSAIOS 157 ora nós e os que pertencem áo nosso partido somos pessoas de bom senso logo os nossos princípios são inatos ótima forma de raciocinar ela conduz direta mente à infalibilidade j TEÓFILO Quanto a mim jutilizo o consentimento universal não como uma prova principal mas apenas como confirmação as verdades inatas consideradas óomo a luz natural da razão têm o mesmo caráter que a geometria pois estão implicadas nos princípios imediatos que vós mesmo reconheceis como incontes táveis Reconheço porém que é mais difícil distinguir os instintos e alguns outros hábitos naturais dos costumeis embora isto seja possível na maioria dos casos como me parece De resto pareceme que os povos que cultivaram o seu espírito têm mais direito de atribuirse o uso do bom senso do que os bárbaros pois domesticàndoos tão facilmente como os animais demonstram bastante a sua superioridade Se não se consegue sempre é porque ainda como os animais se salvam nas espessas florestas onde é difícil forçálos sendo que o jogo não vale a pena É sem dúvida uma vantagem ter cultivado 0 espírito e se for permitido falar pela barbárie contra a cultura terseá também o direito de atacar a razão em favor dos animais e de tomar a sério as brincadeiras espirituais do Sr Des préaux em uma de suas Sátiras onde para contestar ao homem a sua prerroga tiva sobre os animais pergunta se O urso tem medo do passante ou o passante do urso E se por um decreto de pastores da Líbia Os leões esvaziassem os parques da Numídia 5 5 etc r Entretanto cumpre reconhecer que existem pontos importantes nos quais os bárbaros nos ultrapassam sobretudo no que concerne ao vigor do corpo quanto à própria alma podese dizer que sob certos aspectos a sua moral prática é supe rior à nossa pois não têm a avareza de acumular bens nem a ambição de domi nar Podese mesmo acrescentar que o contato com os cristãos os tornou piores em muitas coisas ensinaramlhes a bebedeira dandolhes aguardente os jura mentos as blasfêmias e outros vícios que lhes eram pouco conhecidos Existe entre nós mais bem e mais mal do que entre eles um mau europeu é pior do que um mau selvagem pois é refinado no malTodavia nada impediria os homens de unir as vantagens que a natureza dá a esses povos com as que nos são dadaspela razão FILALETO Que responderíeis a este dilema de um dos meus amigos Gostaria diz ele que os partidários das idéias inatas me dissessem se esses princípios podem ou não podem ser apagados pela educação e pelo costume Se não podem devemos encontrálos em todos os homens e é necessário que apareçam clara mente no espírito de cada homem em particular se esses princípios podem ser alterados por noções estranhas devem aparecer mais distintamente e com maior 5 5 Citação bastante inexata de Boileaq Sátira VIII 6365 158 LEIBNIZ brilho quando estào mais perto da sua fontç isto é nas crianças e nos iletrados sobre os quais as opiniõesestranhas fizeram ngnos impressão TEÓFILO Admirome que o vosso versado amigo tenha confundido obscurecer com apagar como se confundem entre os vossos partidários o nãoser e o yião aparecer As idéias e verdades inatas não podem ser apagadas mas estàp obscu recidas em todos os homens como eles são no momento pela sua inclinação às necessidades do corpo e muitas vezes ainda mais pelos maus hábitos Esses caracteres da luz interna brilhariam sempre no entendimento e dariam calor à vontade se as percepções confusas dos sentidos não se apoderassem da nossa atenção É o combate do qual a Sagrada Escriturá fala tantp quanto a filosofia antiga e moderna FILALETO Em conseqüência encontramonos em trevas tão espessas e em um a incerteza tão grande como se essas luzes não existissem TEÓFILO Deus nào o permita não teríamos então nem ciência nem leis nem mesmo a razão 21 22 etc f il a l e t o Espero que concordeis pelo menos quanto à força dos preconceitos que muitas vezes fazem passar por natural o que provém dos maus ensipamentos aos quais as crianças fomm expostas e dos maus hábitos que lhes advieram da educarão e do contato com os outros TEÓFILO Reconheço que o excelente autor que seguis diz belíssimas coisas sobre isto e que têm o seu valor se as tomarmos como se deve Não creio porém que sejam contrárias à doutrina bem entendida do natural ou das verdades inatas Tenho certeza de que ele não quererá levar longe demais as suas observações pois estou igualmente persuadido de que muitas opiniões que passam por verda des não são outra coisa senão efeitos do costume e dá credulidade e que há tam bém verdades que certos filósofos querem fazer passar por preconceitos as quais no entanto se fundam na reta razão e na natureza Temos iguais e até mais moti vos para precavernos daqueles que por ambição o mais das vezes preten dem inovar do que desconfiar das convicções antigas Após ter meditado bas tante sobre o antigo e sobre o novo cheguei à conclusão de que a maior parte das doutrinas transmitidas admitem um sentido correto Assim sendo gostaria que os homens de espírito procurassem com que satisfazer à sua ambição ocupandose mais com construir e avançar do que com destruir e regredir Gostaria também que os homens se assemelhassem mais aos romanos que construíam belas obras públicas do que àquele rei vândalo 5 ao qual a sua mãe recomendou que não podendo esperar a glória de igualar essas grandes construções procurasse destruílas f i l a l e t o A finalidade das pessoas versadas que impugnaram as verdades ina tas foi impedir que sob este belo nome se transmitam preconceitos e se procure encobrir a própria preguiça 56 Tratase de Chrocus rei vândalo do século III NOVOS ENSAIOS 159 TEÓFILO Estamos de acordo neste ponto Com efeito bem longe de aprovar que se enunciem princípios duvidosos gostaria que se pesquisasseaté sobre a demonstração dos axiomas ide Euclides como fizeram também alguns antigos E quando se pedem os meios para conhecer e examinar os princípiosinatos respon do conforme o que afirmei acima que excetuados os instintos cuja razão é desconhecida devese procurar reduzilos aos primeiros princípios isto é aos axiomas idênticos ou imediatos por meio das definições que não são outra coisa senão uma exposição distinta das idéias Não duvido mesmo de que os vossos amigos até agora contráriqs as verdades inatas aprovem este método que parece concordar com a finalidadei precípua que perseguem C a p it u l o III Outras considerações a respeito dos princípios inatos tanto os que concernem à especulação como os que pertencem à prática 3 FiLALETO Quereis que se reduzam as verdades aos primeiros princípios Ora reconheço que se existe algum princípio é sem dúvida o seguinte ê impos sível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo Todavia parece difícil sus tentar que ele seja inato visto que é necessário persuadirse ao mesmo tempo que as idéias de impossibilidade e de identidade são inatas TEÓFILO Realmente é necessário que aqueles que são pelas verdades inatas sustentem e estejam persuadidos cie que essas idéias também o são confesso que concordo com a opinião deles As idéias do ser do possível do mesmo são tão inatas que entram em todos os nossos pensamentos e raciocínios e eu as consi dero como coisas essenciais ao nosso espírito Entretanto já disse que nem sem pre lhes damos a atenção necessária e que só as distinguimos com o correr do tempo Já disse que somos por assim dizer inatos a nós mesmos e visto sermos seres o ser nos é inato o conhecimento do ser está envolvido no conhecimento que temos de nós mesmos Há algo de semelhante em outras noções gerais 4 FILALETO Se a idéia da identidade é natural e por conseguinte tão evidente e tão presente ao espírito que deveríamos conhecêla desde o berço gostaria muito que uma criança de sete anos e mesmo um homem de setenta anos me dis sesse se uma pessoa que é uma criatura composta de corpo e alma é a mesma quando o seu corpo é mudado e se supondose a metempsicose Euforbo seria o mesmo que Pitágoras TEÓFILO Já frisei bastante que aquilo que nos é natural nem por isso nos é conhecido desde o berço uma idéia pode até sernos conhecida sem que possa mos de imediato resolver todas as questões que possamos formular sobre ela É como pretender que uma criança não pode conhecer o que é o quadrado e a sua diagonal pelo fato de que lhe será difícil compreender que a diagonal é incomen surável com o lado do quadrado Quanto à questão em si mesma ela me parece demonstrativamente resolvida pela doutrina das mônadas matéria sobre a qual falaremos mais detidamente a seguir 6 FILALETO Bem vejo que vos faria uma objeção vã se vos dissesse que o axioma segundo o qual o todo é maior do que a sua parte não é inato sob pre texto de que as idéias do todo e da parte são relativas dependendo das idéias do NOVOS ENSAIOS 161 número e da extensão pois sustentareis que existem idéias inatas respectivas e que as dos números e da extensão também são inatas TEÓFILO Tendes razão Creio até que a idéia da extensão é posterior à do todo e da parte j 7 FILALETO Que dizeis da verdade que Deus deve ser adorado É ela inata TEÓFILO Acredito que o dever de adorar a Deus implica que nas ocasiões devi das cumpre assinalar que o honramos mais do que qualquer outro objeto e que é uma conseqüência necessária da sua idéia e da sua existência Isto significa para mim que esta idéia é inata i 8 f i l a l e t o Todavia os ateus parecem demonstrar pelos seus exemplos que a idéia de Deus não é inata Emais sem mencionar aqueles dos quais os antigos fizeram menção porventura não se descobriram nações inteiras que não tinham idéia alguma de Deus nem sequer palavras para designar a Deus e a alma como por exemplo nà baía de Soldaeni noBrasil nas ilhas Carbes no Paraguai t e ó f i l o O falecido Sr Fabricius5 7 teólogo afamado de Heidelberg fez uma apologia do gênero humano para purificálo da imputação do ateísmo Era um autor de muita exatidão e colocado acima de muitos preconceitos todavia nao pretendo entrar nesta discussão de fato Admitamos que povos inteiros jamais te nham pensado na substância suprema nem na alma Lembrome que quando qui seram a meu pedido apoiado pelo ilustre Sr Witsen 5 8 conseguirme na Holanda uma versão do Pai Nosso na língua de Barantola59 tiveram que parar neste ponto santificado seja o vosso nome isto porque não se conseguiu explicar aos habitantes o que quer dizer santo Lembrome também que no Credo feito para os Hotentotes foi necessário exprimir o Espírito Santo por palavras do país que significam um vento doce e agradável Isto aliás não sem razão visto que as nossas palavras gregas e latirias pneííma anima spiritus significam originalmente apenas o ar ou vento que respiramos como uma das coisas mais sutis que nos seja conhecida peloS sentidos ora começamos pelos sentidos para conduzir progressivamente os homens àquilo que está para além dos sentidos Entretanto toda esta dificuldade que se encontra para chegar aos conheci mentos abstratos nada depõe contra os conhecimentos inatos Existem povos que não possuem nenhuma palavra que corresponda ao termo Ser Porventura isto significa que não sabem o que é o ser embora não pensem explicitamente nele Deresto considero tão belo e tão ao meu gosto o que li em nosso excelente autor sobre a idéia de Deus Ensaio sobre o Entendimento livro I cap 3 9 que não resisto ao prazer de citálo àqui Os homens não podem deixar de ter alguma 57 João Luís Fabricius 16321697 teólogo e filósofo suíço A sua Apologia Generis Humani contra Calumniam Atheismi Apologia do Gênero Humano contra a Calúnia do Ateísmo foi publicada em 1662 58 Nicolau Witsen nascido em 1640 prefeito de Amsterdam manteve correspondência comLeibniz acer ca deste projeto de coletânea de traduções do Pai Nosso em diversas línguas exóticas Compôs uma Descrip tion de la Tartarie Septentrionale et Orientale 16921705 59 Reino da Ásia central 162 LEIBNIZ espécie de idéia das coisas sobre as quais os entretém sob diversos nomes aque les com os quais entram em contato E se é uma coisa qüe implica a idéia de exce lência de grandeza ou de alguma qualidade extraordinária que sob algum título seja de interesse e que se imprime no espírito sob a idéia de um poder absoluto e irresistível que não podemos deixar de temer eu acrescento e sob ã idéia de uma grandíssima bondade que não podemos deixar de amar uma tal idéia deve segundo todas as evidências causar as mais fortes impressões e difundirse mais longe do que qualquer outra sobretudo se for uma idéia que concorda com as mais simples luzes da razão e que deriva naturalmente de cada parte dos nossos conhecimentos Ora tal é a idéia de Deus pois as marcas brilhantes de uma sabe doria e de um poder extraordinários aparecem tão visivelmente em todas as obras dâ criação que toda criatura racional que quiser refletir não pode deixar de des cobrir o Autor de todas essas maravilhas A impressão que a descoberta de um tal Ser deve produzir naturalmente na alma de todos aqueles que tiverem ouvidó falar dele uma só vez é tão grande e encerra pensamentos de tão grande impor tância e tão aptos 2 se difundirem pelo mundo que me parece completamente estranho que possa haver na terra uma nação inteira de homens tão estúpidos que não tenham nenhuma idéia de Deus Isto digo eu se me afigura tão surpreen dente como imaginar homens que não tenham nenhuma idéia dos números ou do fogo Gostaria que me fosse permitido muitâs vezes copiar palavra por palavra uma série de outros excelentes passos do nosso autor que nos vemos obrigados a preterir Direi aqui apenas que este autor falando das luzes mais simples da razão as quais concordam com as idéias de Deus e daquilo que daí segue natu ralmente não parece estar longe do meu pensamento sobre as verdades inatas quanto ã afirmação dele de que seria estranho que existissem homens sem nenhu ma idéia de Deus tão estranho quanto encontrar homens que nãotivessem nenhuma idéia dos números ou do fogo observarei que os habitantes das ilhas Marianas às quais se deu o nome da rainha da Espanha que favoreceu às mis sões não tinham nenhum conhecimento do fogo ao serem descobertos como se vê pelo relato que o Rev Padre Gobien 60 jesuíta francês encarregado das mis sões longínquas publicou e me enviou 16 FILALETO Se temos o direito de concluir do fato de todas as pessoas sá bias terem tido a idéia de Deus que esta idéia é inata também a virtude deve ser ínata visto que as pessoas sábias sempre tiveram uma idéia verdadeira dela TEÓFILO Não a virtude mas a idéia da virtude é inata Talvez fosse isto o que queríeis dizer FILALETO É tão certo que existe um Deus quanto é certo que os ângulos opos tos produzidos pela intersecção de duas linhas retas sâb iguais E jamais houve uma criatura racional que se tenha dado sinceramente ao trabalho de examinar 60 Charles Le Gobien 16531708 jesuíta francês cuja História das Ilhas Marianas saiu do prelo em 1700 NOVOS ENSAIOS 163 a verdade dessas duas proposições e que não tenha dado o seu consentimento a elas Entretanto é incontestável que existem muitos homens que nào tendo ja mais dado atenção a esses problemas ignoram de maneira igual as duas referidas proposições j TEÓFILO Rèconheçoo mas isto não impede que sejam inatas isto é que pos sámos descobrilas em nós mesmos I 18 FiLALETO Seria também vantajoso tét uma idéia inata da substância acontece porém que não possuímos nèm idéia inata nem adquirida visto que não a temos nem pelos sentidps nem pela reflexão TEÓFILO Acredito que a reflexão é suficiente para descobrir a idéia da subs tância em nós mesmos que somos substâncias Esta noção é das mais importan tes Talvez falaremos mais explicitamente dela no decurso do nosso colóquio 20 EILALETO Se existem iidéias inatas que estão no espíritosem que o espírito pense atualmente nelas énecessário no mínimo que estejam na memória da qual deveriam ser tiradas por via de reminiscência isto é ser conhecidas quando apelamos para a recordação como tantas percepções que tenham existido antes da alma a menos que a reminiscência não possa subsistir sem reminiscência Com efeito esta convicção pela qual estamos interiormente convencidos de que uma tal idéia esteve anteriorrjiente em nosso espírito é propriamente o que distin gue a reminiscência de qualquer outro meio de pensar i TEÓFILO Para que os conhecimentos idéias ou verdades estejam no nosso espírito não é necessário qiie jamais tenhamos pensado neles atualmente são apenas hábitos naturais isto e disposições e atitudes ativas e passivas e mais que tabuld rasa Contudo é verdade que os Platônicos acreditavam que já devemos ter pensado atualmente naquilo que agora reencontramos em nós para refutálos nào basta dizer que não nojs recordamos pois é certo que Uma infinidade de pensamentos voltam pensamentos que tínhamos esquecido Aconteceu que uma pèsspa acreditava ter feito urti verso novo quando na verdade se verificou que se tratava de um verso que tinha lido palavra por palavra em algum poeta antigo Por vezes temos uma facilidade nào comum de conceber certas coisas pelo fato de que as tínhamos concebido anteriormente sem que nos lembrássemos disto Pode ocorrer que uma criança que se tornou cega se esqueça de que já viu aluz e as cores como aconteceu tia idade de dois anos e meio por uma doença ao cé lebre Ulric Schonberg nascido em Weide no Alto Palatinato que faleceu em Koenigsberg na Prússia em 1649 onde tinha ensinado filosofia e matemática com admiração de todos Pode ser que permaneçam neste homem efeitos das antigas impressões sem que ele se recorde disso Acredito também que os sonhos renovam em nós muitas vezejs antigos pensamentos Tendo Júlio Scaliger 61 cele brado em verso os homens ilustres de Verona aconteceu que um certo homem denominado Brugnolus originário da Baviera mas depois residente em Verona i J 61 Cf nota 2 I 164 LEIBNIZ lhe apareceu em sonho e se queixou de haver sido esquecido Júlio Scaliber não se lembrando de ter ouvido falar dele não deixou de fazer versos elegíacos em sua honra a respeito deste sonho Finalmente o seu filho Joseph Scaliger62 passando pela Itália soube que havia existido oútrora em Ver ona um célebre gramático ou sábio crítico com este nome o qual tinha contribuído para a renovação da litera tura na Itália Esta história encontrase nos poemas de Scaliger o pai e na elegia bem como nas cartas do filho Encontrase também nos Scaligerana obra que recolhe as conversações de Joseph Scaliger Existemsuficientes provas de que Júlio Scaliger sabia alguma coisa sobre Brugnolus do qual não mais se lembrava e que o sonho tinha sido em parte a renovação de uma antiga idéia embora nao tenha havido esta reminiscência assim chamada propriamente a qual nos faz conhecer que já tivemos esta idéia Eu pelo menos não vejo necessidade alguma que nos obrigue a garantir que não resta nenhum vestígio de uma percepção quando não existe recordação suficiente para lembrarnos que a tivemos 24 FiLALETO Devo reconhecer que respondeis com bastante naturalidade às dificuldades que opusemos às verdades inatas Talvez também os nossos autores não as impugnem no sentido em que vós as entendeis Volto apenas a dizervos que tivemos alguns motivos para temer que a opinião das verdades inatas servisse de pretexto aos preguiçosos para se isentarem do esforço das pesquisas e outor gasse aos doutores e mestres o cômodo direito de estabelecer como princípio fundamental a norma de que os princípios não devem ser questionados TEÓFILO Já vos disse que se é esta a intenção dos vossos amigos isto é acon selhar que procuremos as provas das verdades que são passíveis de demonstra ção sem distinguir se são inatas ou não estamos inteiramente de acordo A opi nião das verdades inatas como eu a entendo não deve demover ninguém deste trabalho Com efeito além de ser bom procurar a razão dos instintos constitui uma das minhas grandes máximas que é bom procurar as demonstrações dos pró prios axiomas Recordome que em Paris quando se zombava do falecido Sr Roberval 63 já idoso pelo fato de ele querer demonstrar os axiomas de Euclides a exemplo de Apolônio 6 4 e Proclo 6 5 eu mesmo ressaltei a utilidade de tais pesquisas Quanto ao princípio dos que dizem que não se deve discutir com quem nega os princípios esta norma só é inteiramente1 válida em relação àqueles princípios que não admitem nem dúvida nem demonstração É verdade que a fim de evitar escândalos e desordens podese estabelecer normas quanto às discussões públi cas e a alguns outros confrontos em virtude das quais deve ser proibido contestar certas verdades estabelecidas Todavia isto é mais uma questão de polícia do que de filosofia 62 Cf nota 52 1 63 Roberval 16021675 célebre matemático francês para maiores detalhes sobre as suas tentativas de demonstração dos axiomas de Euclides veja adiante livro IV cap 7 início 6 4 Apolônio de Perge século III antes de Cristo um dos mais insignes geômetras da Antiguidade 6 5 Proclus 412485 filósofo neoplatônico escreveu comentários sobre os Elementos de Euclides LIVRO III AS PALAVRAS C a p it u l o I As palavras ou a linguagem em geral i I í FiLALETO Tendo criado o homem para ser uma criatura sociável Deus nào só lhe inspirou o desejo e o colocou na necessidade de viver com os de sua espécie mas outorgoulhe igualmente a faculdade de falar faculdade que deveria constituir o grande instrumento e o laço comum desta sociedade É daí que pro vêm as palavras as quais servem para representar e até para explicar as idéias TEÓFILO Alegrome por constatar que estais longe da opinião do Sr Hobbes o qual nào concordava com o princípio de que o homem foi feito para a socieda de Segundo ele o homem é ajpenas forçado a viver em sociedade em virtude da necessidade e da malícia dos jindivíduos da sua espécie Todavia o Sr Hobbes não levava em conta que os melhores homens isentos de qualquer maldade se uniriam para melhor atingirem a sua finalidade da mesma forma que os pássaros se juntam em bandos para melhòr viajarem em companhia da mesma forma que os castores se unem em centenaspara construírem grandes diques coisa que um número reduzido desses animais não lograria realizar tais diques lhes são neces sários para construir desta maneira reservatórios de água ou pequenos lagos nos quais constroem as suas casas e pescam peixes de que se nutrem É nisto que resi de o fundamento da sociedade erjtré os animais e não no medo que têm dos seus semelhantes o qual não existe jno animais FiLALETO Muito bem É para melhor cultivar esta sociedade que o homem pos sui naturalmente seus órgãos formados de modo tal que são aptos a formar sons articulados que denominamos palavras TEÓFILO No que concerne aos órgãos os símios os possuem aparentemente tão aptos quanto nós para formar a palavra e no entanto não há nesses animais qualquer indício de palavra Logo faltalhes algo de invisível Cumpre outrossim considerar que se poderia falar isto é fazerse ouvir pelos sons da boca sem for mar sons articulados servindose para tanto dos tons da música Contudo seria necessário possuir mais arte para inventar uma linguagem dos tons ao passo que a linguagem das palavras foi formada e aperfeiçoada progressivamente por pes soas que vivem na simplicidade natural Todavia existem povos por exemplo os chineses que vajiam as suas palavras através dos tons e acentos possuindo ape nas um número reduzido de palavras Em razão disto o célebre matemático e 168 LEIBNIZ conhecedor de línguas Gólio1 acreditava que a língua dos chineses é artificial isto é inventada por um homem inteligente para estabelecer através das palavras um relacionamento entre muitas nações diferentes que habitavam esse grande país que chamamos China embora tallíngua possa estar hoje alterada devido ao uso secular 2 FILALETO Como os orangotangos e outros símios possuem o órgãos sem formar palavras podese dizer que os periquitos e alguns outros pássaros pos suem as palavras sem possuir linguagem pois se pode educar estes e váriosou tros pássaros a formarem sons bastante distintos e todavia não são em absoluto capazes de falar uma língua Só o homem é capaz de utilizar esses sons como si nais de concepções interiores para que assim estas possam ser manifestadas aos outros TEÓFILO Com efeito acredito que sem o desejo de fazernos compreender aos outros jamais teríamos formado a linguagem Uma vez formada a linguagem serve também ao homem para raciocinar por si mesmo seja pelo fato de que as palavras lhe permitem lembrarse dos pensamentos abstratos seja pela utilidade que encontramos ao raciocinar em servirnos de caracteres e pensamentos sur dos Pois se exigiria tempo excessivo se fosse necessário explicar tudo e sempre colocar as definições em lugar dos termos 3 FILALETO Todavia já que a multiplicação das palavras teriaconfundido o uso das mesmas em caso de que fosse necessária uma palavra diferente para designar cada coisa particular a linguagem foi aperfeiçoada ainda màis pelo uso dos termos gerais quando estes significam idéias gerais TEÓFILO Os termos gerais não servem somente para a perfeição das línguas senão que são necessários para a constituição essencial das mesmas Pois se pelas coisas particulares se entendem as individuais seria impossível falar se só houvesse nomes próprios e não houvesse apelativos ou seja se só houvesse pala vras para designar os indivíduos pois a todo momento voltam novas quando se trata dos indivíduos dos acidentes e particularmente das ações que são as que designamos com maior freqüência Ao contrário se pelas coisas particulares entendemos as espécies mais baixas species infimas além de ser muitas vezes difícil determinálas é evidente que já se trata de conceitos universais fundados sobre a similitude Por conseguinte já que só se trata de similitude mais ou menos extensa conforme se fala dos gêneros ou das espécies é natural que se assinale toda sorte de similitude ou conveniências e por conseguinte que se unam termos gerais de todos os graus mesmo os termos mais gerais sendo menos plenos em relação às idéias ou essências que encerram em seu bojo embora sejam mais compreensivos em relação aos indivíduos aos quais convêm eram muitas yezes os mais aptos a serem formados e são os mais úteis Podeis também observar que 1 Tiago Gólio 15961667 matemático e orientalista holandês professor na universidade de Leyden cola borou na redação do Atlas Sinicus de Martini TOVOS ENSAIOS 169 as crianças e aqueles que conhecem pouco a língua que querem falar ou então o assunto sobre o qual falam servemse de termos gerais como coisa planta ani mal ao invés de usarem termos próprios que lhes faltam E é certo que todos os nomes próprios ou individuais foram originariamente apelativos ou gerais 4 FILALETO Existem até palavras que os homens empregam não para signi ficar alguma idéia mas a falta ou a ausência de uma certa idéia tais como nada ignorância esterilidade TEÓFILO Não vejo por que não se possa dizer que não existem idéias privati vas assim como há verdades negativas pois o ato de negar é positivo Já disse algo a esse respeito 5 FILALETO Sem querer discutir sobre isto será mais útil para nos aproxi marmos um pouco mais da origem de todas as noções e conhecimentos observar como as palavras que empregamos para formar ações e noções completamente distantes dos sentidos derivam a sua origem das idéias sensíveis de onde são transferidas a significações mais raras TEÓFILO É que as nossas necessidades nos obrigaram a abandonar a ordem natural das idéias pois esta ordem seria comum aos anjos aos homens e a todas as inteligências em geral e deveria ser seguida por nós se não considerássemos os nossos interesses por conseguinte foi necessário prendernos àquilo que as ocasiões e os acidentes aos quais está sujeita a nossa espécie nos forneceram Ora esta ordem não fornece a origem das noções mas por assim dizer a história das nossas descobertas FILALETO Muito bem É a análise das palavras que pode ensinarnos pelos próprios nomes esta conexão ou este encadeamento conexão e encadeamento que a análise das noções não pode fornecer pela razão que vós aduzistes Assim as palavras seguintes imaginar compreender ligarse conceber instilar degus tar confusão tranqüilidade etc são todas tomadas das operações das coisas sensíveis e aplicadas a certos modos de pensar A palavra espírito em sua pri meira significação designa osopro e o termo anjo significa mensageiro Daqui podemos cojeturar que espécies de noções possuíam os que foram os primeiros a falar essas línguas e como a natureza sugeriu inopinadamente aos homens a ori gem e o princípio de todos os seus conhecimentos através das próprias palavras TEÓFILO Já vos chamei a atenção para o fato de que o credo dos Hotentotes designava o Espírito Santo com uma palavra que significa entre eles um sopro de vento benigno e doce O mesmo ocorre com a maioria das outras palavras embo ra isto não se reconheça sempre visto que o mais das vezes as verdadeiras etimo logias se perderam Um certo cidadão holandês2 pouco afeiçoado à religião abu sou desta verdade isto é que os termos de teologia de moral e de metafísica são tomados originariamente das coisas comuns para ridicularizar a teologia e a fé 2 Denominado Adriano Koerbagh O livro aqui citado foi publicado em 1668 170 LEIBNIZ cristã num pequeno dicionário flamengo no qual dava para os termos não defini ções ou explicações tais como exige o uso mas tais que pareciam estar na força originária das palavras maliciandoas visto que o referido cidadão tinha dadq outras demonstrações de impiedade contase que por isso foi punido no Raspelhuys Todavia será bom considerar está analogia das coisas sensíveis e nãosensí veis que serviu como fundamento para os tropos isto se compreenderá melhor considerando um exemplo muitô vasto tal como o que é fornecido pelo uso das preposições como a com de diante de em fora de por para sobre em direção a que são todas tomadas do lugar da distância e do movimento e depois transfe ridas a toda espécie de mudanças ordens seqüências diferenças e conveniências A preposição a significa aproximarse como quando se diz vou a Roma Como porém para ligar uma coisa nós a aproximamos daquela à qual queremos unila dizemos que uma coisa está ligada a uma outra Além disso já que existe por assim dizer uma ligação imaterial quando uma coisa segue a outra por motivos de ordem moral dizemos que aquilo que segue os movimentos e as vontades de alguém pertence a esta pessoa ou está vinculado a ela como se visasse a esta pes soa para ir junto dei a ou com ela Um corpo está com um outro quando os dois estão no mesmo lugar todavia dizse ainda que uma coisa está com aquela que se encontra no mesmo tempo em uma mesma ordem ou parte de ordem ou que concorre para uma mesma ação Quando se vem de algum lugar o lugar constitui nosso objeto mediante as coisas sensíveis qúe nos forneceu e continua sendo ob jeto de nossa memória que está toda repleta dele Daí vem que o objeto é signifi cado pela preposição de como quando se diz tratase daquilo falase daquilo ou seja como se viéssemos daquilo E visto que aquilo que sè encerra em algum lugar ou em algum todo se apóia nele e desaparece com ele os acidentes são considerados da mesma forma como subsistentes no sujeito sunt in subiecto inhaerent subiecto3 Também a partícula sobre é aplicada ao objeto Dizse que estamos sobre esta matéria mais ou menos como um operário está sobre a madei ra ou sobre a pedra que ele corta e forma E já que estas analogias são extrema mente variáveis e não dependem de algumas noções determinadas daí vem que as línguas variam muito no emprego dessas partículas e nos casos regidos pelas preposições ou nas quais se encontram subentendidas e encerradas virtualmen te 3 Estão no sujeito inerem ao sujeito C a p it u l o II A significação das palavras í FILALETO Sendo as palavras empregadas pelos homens para serem sinais das suas idéias podemos perguntar primeiro como é que estas palavras recebe ram um sentido determinado Ora temos que convir em que tal acontece não por algum nexo natural que exísitiria entre certos sons articulados e certas idéias pois neste caso só haveria lima língua entre os homens mas em virtude de uma convenção arbitrária em razão da qual uma certa palavra se tornou o sinal de uma certa idéia j i TEÓFILO Sei que é costume dizer nas escolas e em toda parte que as significa ções das palavras são arbitrárias ex instituto e é verdade que não são determi nadas por uma necessidade natural Todavia não deixam de ser determinadas por motivo às vezes naturais onde o acaso tem a sua parte e às vezes morais onde entra o elemento escolha Talvez existam algumas línguas artificiais que são todas devidas à escolha convencional e inteiramente arbitrárias como se acredita ter sido a língua chinesa ou como são as línguas de Jorge Dalgarno 4 e do falecido Sr Wilkins 5 Bispo de Chester Todavia as línguas das quais consta que foram derivadas de línguas já conhecidas se devem à escolha convencionai juntamente com aquilo que existe da natureza e do acaso nas línguas das quais derivam É o que acontece jcom as línguas qué os ladrões inventaram para só serem entendidos pelos componentes de seu grupo o que os alemães denominam Rothwelsch os italianos lingua zerga os franceses narquois 6 mas que se formam via de regra à base das línguas comuns que lhes são conhecidas seja mudando a significação tradicional das palavras por meio demetâforas seja cunhando novos termos por processo de composição ou derivação que lhes é próprio Formamse também línguas pelo relacionamento entre os diversos povos seja misturando indistintamente línguas vizinhas seja como acontece o mais das vezes tomando uma por base estropiando e alterandoa mesclando e 4 Jorge Dalgarno autor de uma A rs Signorum vulgo Character Universalis et Lingua Philosophica Arte dos Sinais Característica Universal e Língua Filosófica obra publicada em 1661 exerceu ela uma influência indiscutível sobre os projetos análogos de Leibniz 6 John Wilkins 16141672 secretario da Royal Society de Londres autor de um manual de correspon dência codificada intitulado Mercury 1641 e sobretudo de um Essay Towards a Real Character and a Philosophical Language 166Ensaio com Vistas a uina Característica Real e uma Linguagem Filosófica no qual aperfeiçoa o método de Dalgítrno 6 Gíria i 172 LEIBNIZ corrompendoa negligenciando e mudando o que ela observcomo próprio e mesmo acrescentandolhe outras palavras A língua franca qüe serve no inter câmbio dos povos do Mediterrâneo é tirada do iitaliano descoisiderandose as regras da gramática Um dominicano armênio com o qual conversei em Paris inventou para si ou quiçá aprendeu dos seus semelhantes uma espécie de língua franca feita do latimtratase de uma língua que me pareceu bastante inte ligível embora não tivesse nem casos nem tempos nem outras flexões Ele a fala va com facilidade habituado que estava O Padre Labbé 7 jesuíta francês muito sábio conhecido por muitas outras obras inventou uma língua cuja base é o latim esta língua é mais fácil e tem menos complicações que ò nosso latim e no entanto é mais regular que a língua franca O Padre Labbé escreveu um livro especial sobre esta língua No que concerne às línguas que existem há muito tempo não existe nenhu ma que não esteja hoje profundamente alterada Isto é evidente se as compa rarmos com os livros e os monumentos antigos que delas permanecferam O anti go francês se aproximava mais do provençal e doitaliano e vemos o teotisco8 juntamente com o francês ou o romano antigo chamado antigamente lingua ro mana rústica tais como eram no séculoIX depois de Cristo nas fórmulas de jura mento dos filhos do Imperador Luís Débonnaire que Nithard seu parente nos conservou9 Em nenhum outro lugar se encontra um francês um italiano ou um espanhol tão antigos Ao contrário para o teotisco ou alemão antigo existe o Evangelho de Otfried Monge de Weissenburg desse mesmo tempo que Flacius publicou e que M Schilter quis publicar de novo J 0 Os saxões que entraram na GrãBretanha nos deixaram livros ainda mais antigos Possuímos alguma versão ou paráfrase do início do livro inspirado do Gênese e de algumas outras partes da História Sagrada feita por umcerto Caed mon do qual já Beda faz menção11 Todavia o livro mais antigo não somente das línguas germânicas senão também de todas as línguas européias exceto o grego e o latim é o Evangelho dos godos do Ponto Euxino conhecido pelo nome de Codex Argenteus 12 escrito em caracteres bem especiais livro que se encontrou no antigo mosteiro dos beneditinos de Werden na Westfália tendo sido transportado à Suécia onde é conservado com razão com o mesmo cuidado que 7 Padre Labbe 16071667 renomado erudito francês A obra do seu abundante patrimônio à qual Leibniz alude é uma Grammatica Linguae Universalis Gramática da Língua Universal publicada em 1663 8 Tudesco o antigo alemão 9 Nithact historiador francês do século IX era filho natural de Berta filha de Carlos Magno e irmã de Luís o Bonachão É na sua obra que se conservou o texto em língua românica e em língua tudesca dos célebres Juramentos de Estrasburgo 842 intercambiados entre Carlos o Calvo e Luís o Germânico 10 O Livro dos Evangelhos poema tudesco de Otfried de Weissenburg entre 810 e 880 foi publicado em Basiléia em 1571 por Flacius Ulyricus teólogo e historiador protestante Johann Schilter 16321705 histo riador e jurista alemão professor em Estrasburgo deixounos um Thesaunts Antiquitatum Teutonicanim Tesouro das Antiguidades Teutônicas o qual foi publicado após a sua morte 11 A paráfrase poética composta pelo Monge Caedmon data do século VII Detalhes concernentes às circunstâncias da sua composição encontramse na História Eclesiástica de Beda o Venerável 731 12 Este manuscrito escrito em letras prateadas contém a tradução da Bíblia em língua gótica composta no século IV pelo Bispo Üifila sê dispensa ao original das Pandectas em Florença embora esta versão tenha sido feita para os godos orientais e num dialeto bem longínquo do germânico escandinavo isto porque se acredita com certa probabilidade que os godos do Ponto Euxino vieram originariamente da Escandinávia ou pelo menos do mar Báltico Ora a língua ou o dialeto desses antigos godos é muito diferente do ger mânico moderno embora o fundo lingüístico seja o mesmo O antigo gaulês era ainda mais diferente a julgar pela língua mais próxima do verdadeiro gaulês que êia do País de Gales da Cornualha e o baixo bretão Todavia o antigo hibérnico 3 difere ainda mais e nos revela os traços de uma lín gua britânica gaulesa e germânica ainda mais antiga Contudo essas línguas procedem todas de uma fonte única podendo ser consideradas como alterações de uma mesma língua que se poderia denominar o cêltico Tanto é verdade que os antigos denominavam celtas não só os germanos como também os gauleses Remontando mais para trás para entender as origens tanto do céltico e do latim como do grego línguas que possuem muitas raízes comuns com as línguas germânicas ou célticas podese presumir que este fato se deve à origem comum de todos esses povos descendentes dos citas oriundos do mar Negro povos que atravessaram o Danúbio e o Vístula sendo que uma parte deles pode terse diri gido à Grécia e a outra terá atingido a Germânia e as Gálias Tudo isto seria uma conseqüência da hipótese segundo a qual os europeus procedem da Ásia O sarmàtico supondoque seja o esclavon deriva no mínimo cinqüenta por cento de origem ou germânica ou comum com o germânico Algo de seme lhante aparece mesmo no finlandês a língua dos escandinavos mais antigos antes que os povos germânicos isto ê os dinamarqueses suecos e noruegueses ocupassem a parte melhor e mais próxima do mar E a língua dos finonianos ou do noroeste do nosso continente que é ainda hoje a língua dos lapões se estende desde o oceano Germânico ou Norueguês até o mar Cáspio embora interrom pida pelos povos èsclavÕes que se instalaram no meio e tem relações com o húngaro provindo dos países que agora estão em parte sob o domínio dos mosco vitas Todavia a língua tártaraque encheu o nordeste da Ásia com as suas variações parece ter sido a língua dos hunos e dos cumans como o é dos usbecs ou turcos dos calmucs e dos mugalles1 4 Ora todas essas línguas da Cítia possuem muitas raízes comuns entre si e com as nossas sendo que mesmo o árabe língua na qual devem ser englobados 0 hebraico o antigo púnico o caldeu o siríaco e o etiópico dos abissínios apre sentasemelhanças tão numerosas e tão manifestas com as nossas línguas que seria impossível atribuílas ao mero acaso nem mesmo exclusivamente ao comér cio mas antes à migração dos povos Assim sendo nada há nisto que contrarie ou que não seja a favor da tese da origem comum de todas as nações e de uma lín gua radicale primitiva 13 Irlandês 1 4 Kalmuks e mongóis V NOVOS ENSAIOS 173 174 LEIBNIZ Se o hebraico ou o árabe são as línguas que mais se aproximam da primiti va ela deve estar no mínimo bem alterada e parece que o teutônico guardou mais do natural e para falar a linguagem de Jacob Boehm1 5 do adâmico pois se possuíssemos a língua primitiva em sua pureza ou pelo menos suficientemente conservada para ser reconhecível seria necessário que nela aparecessem as razões das conexões quer de ordem física quer de uma instituição arbitrária sábia e digna do primeiro autor Contudo supondo que as nossas línguas sejam derivadas quanto ao fundo possuem sem embargo algo de primitivo em si mesmas que lhes sobreveio com relação a palavras radicais novas formadas nelas depois por acaso mas com base em razões de ordem física As palavras que significam os sons emitidos pelos animais constituem exemplo disto Tal é por exemplo o termo latino coa xare atribuído às rãs palavra que tem relação com couaquen ou quaken do ale mão Ora ao que parece o ruído produzido por esses animais constitui a raiz pri mordial de outras palavras da língua germânica Com efeito já que esses animais produzem muito ruído atribuise esta palavra hoje aos discursos de pouco con teúdo e de tagarelas que se denominam quakeler diminutivo aparentemente porém esta mesma palavra quaken era outrora tomada em bom sentido signifi cando toda sorte de sons que se produzem com a boca sem excetuar a própria palavra E visto que tais sons ou ruídos constituem um testemunho da vida e visto que por eles se conhece a vida antes mesmo de vermos algum ser vivente a isto se deve que a palavra quek no velho alemão significava vida ou vivente como se pode notar nos livros mais antigos havendo também vestígios na língua moderna uma vez que Queksilber significa prata viva mercúrio e erquicken sig nifica confortar ou seja revivificar ou recriar depois de um desfalecimento ou de um trabalho intenso No baixo alemão a palavra Quaeken designa certas ervas malignas vivas e correntes como se diz em alemão que se estendem e se propa gam facilmente nos campos prejudicando os cereais Em inglês quickly quer dizer prontamente e de maneira viva Assim podese pensar que quanto a estas palavras a língua germânica pode considerarse primitiva sendo que os antigos não necessitaram tomar emprestado alhures um som que constitui imitação do que é emitido pelas rãs E existem muitos outros casos semelhantes Assim parece que por um instinto natural os antigos germanos celtas e outros povos com eles aparentados empre gavam a letra R para exprimir um movimento violento e um ruído que corres ponde ao que se produz pronunciando esta letra Isto aparece nas palavras rhêo latim fluo rinen rueren latim fluere rutir fluxion Rhin Reno Rhône Ró dano Ruhr Rhenus Rhodanus Eridanus Rura rauben rapere ravir Radt rota radere raser rauschen palavra difícil de traduzir em francês significa um ruído semelhante ao que é feito pelas folhas ou árvores que o vento ou um ani mal que passa produzem ruído produzido por uma roupa que desliza reckken 1 5 Jacob Boehme 15751624 célebre filósofo è místico alemão O adâmico é a língua de Adão nomencla tura instituída por Adão no Paraíso Terrestre NOVOS ENSAIOS 175 estender com violência donde vem que reichen significa atingir der Rick signi fica um bastão longo ou vara que serve para suspender alguma coisa nesta espé cie de plattuetsch ou baixo saxão que existe perto de Brunswick Daí vem igual mente que rige reihe regula regere têm relação com um comprimento ou percurso reto e que reck significou uma coisa ou pessoa muito avantajada e com prida e particularmente um gigante passando depois á designar um homem poderoso e rico conforme aparece em reich dos alemães e em riche ou ricco dos semilatinos Em espanhol ricos hombres designam os nobres ou príncipes Isto nos faz compreender também como por efeito das metáforas das sinédoques e metonímias as palavras passaram de uma significação para outra embora não seja sempre possível seguir a pista Notase também este ruído e movimento vio lento em riss ruptura palavra com a qual se relacionam o latim ruinpo o grego rhêgnymi o francês arracher o italiano straccio Ora assim como o R significa naturalmente um movimento violento a letra L designa um movimento mais doce Assim observamos que as crianças e outras pessoas para as quais o R b excessivamente duro e demasiado difícil de ser pronunciado pronunciam L ao invés de R dizendo por exemplo mon lévélend pèle Este movimento doce aparece em leben viver laben confortar fazer viver lind latim lenis lentus lento lieten amar lauffen deslizar pronta mente como a água labi glisser ou deslizar labitur uncta vadis abies 1 6 legen colocar docemente donde vem liegen estar deitado lage ou laye um leito como um leito de pedras laystein lousa lego ich lese junto o que foi colocado é o contrário de colocar e depois leio e enfim entre os gregos falo laub folha ou coisa leve para ser removida com a qual se relacionam também lap lid len ken luo lyo solvo leien em baixo saxão dissolverse fundirse como a neve donde o Leine rio deHanôver tem o seu nome rio que provindo dos países montanhosos se agiganta muito devido às grandes quantidades de neve derretida Isto sem falar de uma infinidade de outras apelações semelhantes que demonstram haver algo de natural na origem das palavras origem que estabelece uma relação entre as coisas e os sons e movimentos dos órgãos da voz É ainda em razão disso que a letra L unida a outras palavras faz com que estas se trans formem em diminutivo entre os latinos os semilatinos e os alemães do Norte Todavia não se deve pretender que isto se verifique sempre pois o leão o lince e o lobo pouco têm de doce Todavia mesmo nestes casos podese observar um outro fato isto é a rapidez lauf que os faz temer ou que obriga a correr como se alguém que vê aproximaremse tais animais gritasse aos outros Lauf corram embora Aliás notarseá também o fato de que devido a muitos percalçose mudanças a maioria das palavras estão profundamente alteradas estando bem longe da sua pronúncia e da sua significação primordiais FILALETO Um outro exemplo tornaria ainda mais inteligível o que acabais de dizer TEÓFILO Eis um outro bastante evidente e que engloba vários outros Pode 1 6 Citação de Virgílio da Eneida VIII 91 O navio liso desliza sobre as ondas servir para tanto a palavra oeíl olho e seus aparentados Para demonstrálo começarei de mais longe A primeira letra do alfabeto seguido de uma pequena aspiração nos dá ah e visto que é uma emissão do ar que produz um som bastante claro no começo e depois se esvai este som significa naturalmente um pequeno soro spiritum lenem quando o a e o h não são fortes É daqui que derivam áo aer aura haugh halare haleine átmos athem odem alemão Mas como a água também é um jluido e produz ruído resultou ao que parece 1 que ah reforçado pela repeti ção aha ou ahha passou a designar a água Os teutÕes e outros celtas para me lhor assinalar o movimento antepuseram o seu W a um e a outro eis por que wehen wind vento designam o movimento do ar e waten vadum yvater o movi mento da água ou na água Voltando agora a aha parece como acabo de dizer que este som constitui uma espécie de raiz que significa a água Os islandeses que conservam algo do antigo teutonismo escandinavo diminuíram a aspiração pronunciando aa outros aumentaram á aspiração dizendo Aken Aquas grani Aqüisgrana como fazem também os latinos em aqua e os alemães em certos lugares dizendo ach nas palavras compostas para designar a água assim Sch warzach significa água negra Biberach significa água dos castores Em lugar de Wiser ou Weser diziase Wiseraha hos antigos títulos e Wisurach entre os anti gos habitantes dali os latinos fizeram Visurgis como de Iler e Ilerach fizeram Ilargus De aqua aigues auue os franceses fizeram eau que pronunciam ôô não restando nada mais da origem Auwe Auge entre os germanos designa hoje em dia um lugar freqüentemente inundado pela água próprio das pastagens locus irriguus pascuus Mais particularmente significa uma ilha como no caso do mos teiro de Reichenau Augia dives e em muitos outros E isso deve ter acontecido entre muitos povos teutônicos e célticos pois daqui vem que tudo aquilo que está como que isolado numa espécie de superfície foi denominado Auge ou Ooge olho É assim que se denominam as manchas de óleo na água entre os alemães e entre os espanhóis ojo é um orifício Todavia Auge ooge oculus occhio etc foram usados em particular para designar o olho por excelência pois o olho cons titui este orifício isolado que brilha na face Sem dúvida o francês oeil também de riva daí embora a origem não seja mais reconhecível a menos que se proceda pelo caminho das deduções que acabo de indicar Parece que o ómma e ópsis dos gregos provêm da mesma raiz Oe ou Oeland é uma ilha entre os povos nórdicos existindo alguns traços disto no hebraico onde Ai é uma ilha O Sr Bochart1 7 acreditava que os fenícios derivaram daí o nome que segundo ele deram ao mar Egeu cheio de ilhas Augere aumento também deriva de auue ou auge isto é da efusão das águas como também ooken auken no antigo saxão significavam aumentar e o augustus falandose do imperador era traduzido por ooker O rio de Brunswick que vem das montanhas do Hartz e por esta razão está constante mente sujeito a grandes cheias chamase Ocker antigamente Ouacra Aliás digo de passagem que os nomes dos rios pelo fato de provirem geral 1 7 Samuel Bochart 15991667 erudito protestante autor de uma Geografia Sacra 1646 176 LEIBNIZ NOVOS ENSAIOS 177 mente da e mais remota que conhecemos são os que melhor caracte rizam a linguagem à os habitantes antigos razão pela qual mereceriam uma pes quisa especial Por siia vez às línguas pelo fato de representarem os mais antigos monumentosvos anteriores à escrita e às artes são as que melhor assina lam a orig parentescos e das migrações dos povos Eis por que as etimolo gias bem entendidas apresentariam muitas curiosidades e conseqüências Para isto é necessário estudar línguas de vários povos e não fazer demasiados saltos de um povo a outro muito distantes entre si sem dispor de bons critérios de veri ficação das conclusões Neste ponto reveste valor especial o próprio testemunho dos povos entre si Falando de maneira genérica não se deve dar fé às etimolo gias a não ser quando houver boa quantidade de indícios convergentes do con trário se cai na goropisação FiLALETO Goropisação Que significa isto TEÓFILO As etimologias estranhas e muitas vezes ridículas de Goropius Becanus18 médico sábio do século XVI se tomaram proverbiais embora sob certos aspectos não se tenha equivocado tanto ao pretender que a língua germâ nica que denomina címbrica possui tantas características e mesmo mais de algo de primitivo quantoj o próprio hebraico Recordome que o falecido Sr Clauberg19 excelente filósofo elaborou um pequeno ensaio sobre as origens da língua germânica que me faz lamentar a perda daquilo que o autor havia prome tido sobre este assunto Eli mesmo lhe dei algumas idéias além de ter levado o falecido Sr Gerardus Meierus20 teólogo de Bremen a trabalhar nesta pesquisa Ele o fez mas a morte interrompeu o seu trabalho Espero contudo que o pú blico possa um dia tirar proveito dessas pesquisas bem como dos trabalhos simi lares do Sr Schilter jurisconsulto famoso em Estrasburgo o qual também fale ceu recentemente21 É certo no mínimo que a língua e as antiguidades teutônicas entram na maioria das pesquisas relativas às origens aos costumes e às antiguidades européias Desejaria que homens sábios fizessem a mesma pes quisa com relação às línguas valiana biscaiense eslavônica finlandesa turca persa armênia geórgica e outras a fim de melhor descobrir as harmonias vigen tes entre elas Isto contribuiria de modo especial para esclarecer a origem das nações como acabo de dizer 2 FILALETO Este plano é importante mas agora já é tempo de deixar o aspecto material das palavras e voltar ao formal isto é à significação que é 1 8 Jean Bécan van Gorp denomiítaido Goropius Becanus 15181572 médico e literato flamengo As suas pesquisas a respeito da antiguidade das línguas germânicas encontramse num livro intitulado Hermathena 19 Johann Clauberg 16221665 mestre de lógica e filósofo alemão difundiu as idéias cartesianas na Ale manha e defendeu uma metafísica ooasionalista próxima à de Malebranche As suas pesquisas sobre lingüís tica germânica Collectanea Linguae Teutonicae vieram a lume em 1663 20 Gerardus Meierus 16461708 lilósofo e lingüista elaborou um Glossarium Linguae Saxonicae 21 Quanto a Schilter ver a nota 10 A menção que Leibniz faz da sua morte ocorrida a 14 de maio de 1705 assim como da morte de Meierus constitui um dado interessante para a cronologia da redação dos Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano de Leibniz 1580 178 LEIBNIZ H comum às diversas línguas Quanto a isto devereis antes d tudo concordar co migo no seguinte quando uma pessoa fala com outra o que quer é pronunciar si nais das suas próprias idéias uma vez que nào pode aplicar palavras a coisas que nào conhece Ora até que uma pessoa tenha idéias de seupróprio patrimônio não deveria supor que estas idéias sejam conformes àsqualidades das coisas ou às concepções de uma outra pessoa TEÓFILO Todavia é verdade que muitas vezes se pretende designar antes o que outròs pensam do que aquilo que a pessoa mesma pensa como ocorre com demasiacía freqüência com os leigos que têm uma fé implícita Não obstante concordo que sempre se compreende algo de geral por mais irracional e desti tuído de inteligência que seja o pensamento e no mínimo se toma cuidado para dispor as palavras segundo o hábito dos outros contentandose com pensar que se poderia compreender o sentido em caso de necessidade Assim por vezes não passamos de intérpretes dos pensamentos isto é de portadores da palavra de outros como o faria uma carta Diria mesmo que isto acontece com freqüência maior do que se pensa 3 FILALETO Tendes razão em acrescentar que compreendemos algo de geral por mais iletrados que sejamos Assim uma criança sem notar no que ouve denominar ouro outra coisa senão uma cor amarela brilhante acaba denomi nando òuro a própria cor amarela que enxerga no rabo de um pavão Outros acrescentarão as propriedades do peso elevado a fusibilidade a maleabilidade TEÓFILO Concordo Todavia muitas vezes a idéia que temos do objeto de que falamos é ainda mais genérica do que a dessa criança Não duvido de que um cego possa falar razoavelmente sobre cores e fazer um discurso de elogio à luz que não conhece por ter percebido os efeitos e as circunstâncias da luz 4 FILALETO O que observais é muito verdadeiro Acontece freqüentemente que as pessoas ligam os seus pensamentos mais às palavras do que às coisas E já que aprendemos a maioria dessas palavras antes das idéias que elas significam existem não somente crianças mas também homens feitos que muitas vezes falam como periquitos 5 Todavia as pessoas pretendem via de regra assinalar as suas próprias idéias e além disso atribuem às palavras uma relação secreta com as idéias de outrem e com as próprias coisas Pois se os sons fossem ligados pela pessoa com quem conversamos a uma outra idéia seria o mesmo que falar duas tínguas É verdade que não nos detemos muito a examinar quais são as idéias dos outros e supomos que a nossa idéia é aquela que as pessoas comuns e inteligentes do país atribuem à mesma palavra 6 Isto se verifica em particular quanto às idéias simples e aos modos mas quanto às substâncias acreditase mais particularmente que as palavras signifi cam também a realidade das coisas TEÓFILO As substâncias e os modos são igualmente representados pelas NOVOS ENSAIOS 179 idéias e as coisas berjn como las idéias tanto num caso como no outro sào assi naladas pelas palavra Assim sendo não vejo nenhuma diferença a não ser esta que as idéias das coisas substánciais e dasqualidades sensíveis são mais fixas De resto acontece por vçzes qué as nossas idéias e os nossos pensamentos consti tuem a matéria dosnsos discursos e perfazem a própria coisa que se quer signi ficar e as noções J privas eiatram mais doque se pensa nas noções das coisas Às vezes se fala f no das palavras materialmente sem poder nesse momento preciso colocar a jfaiflcaçãolem lugar da palavra ou relação às idéias ou às coi sas Isto aconteceiiào somente quando falamos como gramáticos mas também quando falamos como dicionaxistas ao darmos a explicação da palavra C a p i tu l o III Os termos gerais í FiLALETO Embora só existam coisas particulares a grande maioria das palavras não deixam de ser termos gerais pois é impossível 2 que cada coisa particular tenha um nome particular e distinto além do que seria necessária uma memória prodigiosa para tanto muito superior à de certos generais que tinham a possibilidade de chamar pelo nome cada um dos seus soldados Iríamos mesmo até ao infinito se cada animal cada planta cada grão de trigo ou de areia devesse ter o seu nome próprio em caso de precisarmos designálos E de que maneira denominar individualmente as partes das coisas obviamente uniformes como as da água e do ferro 3 além do que todos esses nomes particulares seriam inúteis sendo a finalidade primordial da linguagem excitar no espírito de quem me ouve uma idéia semelhante à minha Assim basta a semelhança que é assinalada pelos termos gerais 4 Mas as palavras individuais sozinhas não serviriam em nada para alar gar os nossos conhecimentos nem para julgar do futuro pelo passado ou de um indivíduo para outro 5 Entretanto visto que muitas vezes temos necessidade de mencionar certos indivíduos particularmente da nossa espécie servimonos de nomes pró prios os quais são dados também aos países às cidades às montanhas e a outras distinções de lugar Os alquiladores dão nomes próprios até aos seus cavalos assim como Alexandre o deu ao seu Bucéfalo a fim de poderem distinguir este ou aquele cavalo individual ao afastarse este para longe do dono TEÓFILO Estas observações são boas havendo algumas que concordam com as que eu mesmo acabo de fazer Eu acrescentaria porém na linha do que já observei acima que os nomes próprios via de regra eram apelativos isto é gerais na sua origem Assim acontece com Bruto César Augusto Capito Lên tulo Piso Cícero Elba Reno Ruhr Leine Ocker Bucéfalo Alpes Brenner ou Pireneus Com efeito é sabido que o primeiro Bruto teve o seu nome derivado de sua estupidez que César era o nome de uma criança extraída do ventre de sua mãe por incisão latim caedere cortar que Augusto era um nome de veneração que Capiton significa uma cabeça grande como aliás também Bucéfalo que Lên tulo Pison e Cícero eram nomes dados no início àqueles que cultivavam em par ticular certas espécies de legumes Já disse acima o que significam os nomes des tes rios Reno Ruhr Leine Oker E sabese que todos os rios se chamam ainda hoje èlbes na Escandinávia Finalmente alpes são montanhas cobertas de neve ao que corresponde album branco e Brenner ou Pireneus significam uma gran de altura pois bren era alto ou superior chef como Breno em céltico como ainda entre os baixos saxões brink é altura e existe um Brenner entre a Alemanha e a Itália como os Pireneus éstão entre as Gálias e aEspanha Assim ousaria dizer que quase todas as palavras são originariamente termos gerais pois aconte cerá muito raramente que se inventará um nome especial sem motivo para assina lar um tal indivíduo Podeseem conseqüência dizer que os nomes dos indivíduos eram nomes de espécie que íse davam por excelência ou por outra razão a algum indivíduo como ò nome dn grossetête cabeça grande àquele que era o mais considerado das grandes cabeças que se conheciam É também assim que se dão os nomes dos gêneros às espécies isto é a gente se contentará com um termo mais geral ou mais vago para designar espécies mais particulares quando não se atende às diferenças Assimpor exemplo contentamonos com a palavra geral absinto embora existam tantas espécies de absinto que um dos Bauhins escreveu um livro especial sobre elas2 2 6 FiLALETO Vossas reflexões acerca da origem dos nomes próprios são muito acertadas Todavia para abordarmos a origem dos nomes apelativos concorda reis sem dúvida que as palavras se tornam gerais quando são sinais de idéias gerais e as idéias se tornam gerais quando por abstração se separam delas o tempo o lugar ou esta ou aquela outra circunstância que pode determinálas a esta ou àquela existência particular TEÓFILO Não discordo deste emprego das abstrações mas isto se verifica antes subindo das espécies aos gêneros qué subindo dos indivíduos às espécies Com efeito por mais paradoxal que isto possa parecer é impossível para nós ter o conhecimento dos indivíduos e encontrar o meio de determinar exatamente a individualidade de alguma coisa a menos que ela mesma a guarde pois todas as circunstâncias podem repetirse as menores diferenças nos são insensíveis o lugar ou o tempo longe de serem elementos determinantes necessitam eles mes mos ser determinados pelas coisas que contêm O que há de mais considerável nisto é que a individualidade envolve o infinito e só aquele que for capaz de compreender isto pode ter o conhecimento do princípio de individuação desta ou daquela coisa Isto se deve à influência a ser entendida retamente de todas as coisas do universo de umas sobre as outras É bem verdade que assim não seria se existissem os átomos de Demócrito nesta hipótese porém tampouco haveria diferença entre dois indivíduos diferentes da mesma figura e do mesmo tamanho 7 FILALETO Entretanto é evidente que as idéias que as crianças se fazem das pessoas com as quais conversam para ficarmos neste exemplo são seme i 22 Jean Bauhin 15411613 botânico suíço proveniente de uma família da qual vários membros são igual mente conhecidos como naturalistas elaborou entre outros um tratado De Plantis Absinthii Nomen Haben tibus As Plantas que Levam o Nome de Absinto editado em 1595 I NOVOS ENSAIOS 181 i 182 LEIBNIZ lhantes às próprias pessoas e sào apenas particulares As idéias que possuem de suas amassecas e de sua màe estão bem impressas no seu espírito e os nomes de babá e mamãe dè que se servem as crianças se referem exclusivamente a estas pessoas Quando passado algum tempo observam que há muitos outros seres semelhantes a seu pai ou à sua màe formam uma idéia da qual acreditam partici par igualmente todos esses seres particulares passam a darlhes como os outros o nome de homem ou pessoa 8 Pelo mesmo caminho as crianças adquirem nomes e noções mais gerais Assim por exemplo a nova idéia do animal nào surge por qualquer adição mas apenas sendo a figura ou as propriedades particulares do homem e conservando um corpo acompanhado de vida de sentimento e de movimento espontâneo TEÓFILO Muito bem Mas isto nào faz outra coisa senão evidenciar o que acabo de dizer Pois assim como a criança procede por abstração da observação da idéia do homem à observação da idéia do animal a criança passou desta idéia mais específica que observou em sua mãe ou em seu pai e em outras pessoas à idéia da natureza humana Com efeito para demonstrar que a criança não pos suía uma idéia precisa do indivíduoé sufficiente considerar que uma semelhança razoável a enganaria facilmente e a levaria a tomar por sua màe uma outra mulher que não o era Conheceis a história do falso Martin Guerre23 o qual enganou a própria mulher do Verdadeiro Martin Guerre e os parentes próximos pela semelhança somada ao endereço e colocou em embaraço por muito tempo os juizes quando o verdadeiro cidadão apareceu 9 FILALETO Assim todo este mistério do gênero e das espécies sobre o qual tanto se discute nas escolas mas que fora disto é tão pouco considerado e com razão este mistério digo eu se reduz unicamente à formação de idéias abstratas mais ou menos extensas às quais se dão certos nomes TEÓFILO A arte de classificar as coisas em gêneros e espécies não é de pouca importância e é muito útil tanto para o julgamento como para a memória Sabeis que conseqüência tem isso para a botânica sem falar dos animais e de outras substâncias sem falar tambémdos seres morais e nocionais como são denomi nados por alguns Uma boa parte da ordem depende disto e vários bons autores escrevem de tal maneira que todo seu discurso pode ser decomposto em divisões e subdivisões segundo um método que tem relação com os gêneros e as espécies e serve não só para reter as coisas mas até para encontrálas Òs que dispuseram toda espécie de noções sob certos títulos ou predicados subdivididos fizeram algo de muito útil io FILALETO Ao definirmos as palavras servimonos do gênero ou do termo geral mais próximo fazemos isto para pouparnos o trabalho de contar as dife rentes idéias simples que este gênero significa ou talvez algumas vezes para pouparnos a vergonha de sermos incapazes dejfazer tal enumeração Todavia 23 Herói de um processo célebre que teve lugár em 1560 NOVOS ENSAIOS 183 embora o caminho mais curto piara definir seja pelo gênero e pela diferença como dizem os mestres da lógica é lícito duvidar a meu modode ver de que seja a me lhor maneira No mínimo não é a única possível Na definição que diz ser o homem um animal racional definição que talvez não seja a mais exata mas que serve bastante bem para a finalidade aqui visada em lugar dà palavra animal se poderia colocar a definição de animal Isto revela como é pouco necessária a regra segundo a qual uma definição deve constar de gênero e diferença e como é pouco vantajoso observar exatamente esta norma As línguas não são sempre for madas segundo as regras da lógica de maneira que a significação de cada termo possa ser expressa com exatidão e clareza por dois outros termos E os que cria ram esta regra fizeram mal em darnos eles mesmos tão poucas definições que estejam de acordo com a mesma TEÓFILO Concordo com as vossas observações Todavia seria bem vantajoso por várias razões que as definições comportassem dois termos isto indubitavel mente abreviaria muito e todas as divisões poderiam ser reduzidas a dicotomias que constituem a melhor espécie delas e muito servem à invenção ao julgamento e à memória i Todavia não creio que os jmestres da lógica exijam sempre que o gênero ou a diferença sejam expressos numa só palavra Por exemplo o termo polígono regular pode passar pelo gêneiodo quadrado e na figura do círculo o gênero poderia ser uma figura plana cürvilínea e a diferença seria aquela cujos pontos da linha ambiente sejam eqüidistantes de um cèfto ponto como centro De resto convém ainda notar que muitas vezes o gênero poderá ser mudado em diferença e a diferença em gênero por exemplò o quadrado é um quadrilátero regular ou um regular quadrilátero de maneira qiie ao que parece o gênero ou a diferença se distinguem apenas como o substantivo difere do adjetivo como se ao invés de dizer que o homem é um animãl racional a língua permitisse afirmar que o homem é um racional animável isto é uma substância racional dotada de uma natureza animal ao passo que òs gênios são substâncias racionais cuja natureza não é animal ou comum com os animais Esta troca de gêneros e diferenças depende da variação da ordem cias subdivisões li FILALETO Do que eu acabava de dizer se conclui que aquilo que se deno mina geral e universal não pertence à existência das coisas mas é obra do enten dimento 12 E as essências de cada espécie são apenas as idéias abstratas TEÓFILO Não vejo bem esta conseqüência Pois a generalidade consiste na semelhança das coisas singulares entre si e esta semelhança constitui uma realidade 13 FILALETO Eu mesmo ia dizervos que essas espécies se fundam sobre as semelhanças j TEÓFILO Por que então não procurar também nisto a essência dos gêneros e das espécies 184 LEIBNIZ 14 FiLALETO Haverá menos surpresa em me ouvir afirmar que estas essên cias constituem obra do entendimento se considerarmos que há pelo menos idéias complexas queno espírito de pessoas diversas constituem muitas vezes diferentes coleções de idéias simples sendo assim que o que é avareza no enten der de uma pessoa não o é no entender de outra TEÓFILO Confesso que em poucos casos como no presente entendi menos a força de vossas conclusões e isto me penaliza Se os homens diferem no nome isto muda porventura as coisas ouas suas semelhanças Se um aplica o termo avareza a uma semelhança e outro a uma outra semelhança estaremos diante de duas espécies diferentes designadas pelo mesmo termo FILALETO Na espécie das substâncias que rios é mais familiar e queconhece mos mais intimamente duvidouse por vezes se o fruto que uma mulher colocou no mundo era homem até ao ponto de pôr em discussão se se devia nutrilo e batizálo Ora isto nãopoderia acontecer se a idéia abstrata ou a essência à qual pertence o termo homem fosse obra da natureza e não uma incerta coleção de idéias simples que o entendimento humano junta umas às outras e à qual cole ção o entendimento atribui um nome após têla tornado geral por via de abstra ção De maneira que no fundo cada idéia distinta formada por abstração cons titui uma essência distinta TEÓFILO Perdoaime se vos digo que a vossa linguagem me confunde pois não vejo nexo nela Se não podemos sempre julgar pelo exterior acerca das seme lhanças internas será que por isto elas deixam de existir na natureza Quando se duvida se um monstro é um homem isto ocorre porque se duvida se este monstro é dotado de razão No momento em que se constatar que tal monstro é dotado de razão os teólogos ordenarão que seja batizado e os jurisconsultos mandarão alimentálo É verdade que esta discussão pode fazerse com respeito às espécies mais baixas consideradas logicamente as quais variam por acidentes dentro de uma mesma espécie física ou tribo de geração porém não há necessidade de determinálas Podese mesmo variálas ao infinito como se observa na grande variedade de laranjas limões e citrões que os peritos sabem distinguir e designar Observase o mesmo nas tulipas e nos cravos quando estas flores estavam na moda De resto que os homens associem ou unam estas ou aquelas idéias ou não e mesmo que a natureza as associe ou una ou não isto em nada afeta as essên cias os gêneros ou as espécies pois se trata apenas de possibilidades que são independentes do nosso pensamento 15 FiLALETO Supõese comumente uma constituição real da espécie de cada coisa e não cabe dúvida de que deve haver isto donde deve dependercada con junto de idéias simples ou qualidades coexistentes nesta coisa Entretanto visto ser evidente que as coisas são classificadas em sortes ou espécies apenas na medi da em que concordam com certas idéias abstratas às quais atribuímos aquele nome a essência de cada gênero ou espécie não vem a ser outra coisa senão a idéia abstrata significada pelo nome genérico ou específico e veremos que é isto NOVOS ENSAIOS 185 que significa o termo essência conforme o uso mais comum A meu ver não faria mal designar estas duas espécies de essências com dois termos diferentes denomi nando a primeira essência real e a outra essência nominal TEÓFILO Tenho a impressão de que a vossa linguagem traz enormes inovações nos modos de se exprimir Falouse até hoje ê verdade de definições nominais e causais ou reais mas não quanto eu saiba de outras essências que não sejam as reais a menos que por essências nominais se tenha tencionado dizer apenas essências falsas e impossíveis que parecem ser essênciasmas não o são como seria por exemplo a essência de um decaedro regular ou seja de um corpo regular compreendido em dez planos ou hedros A essência no fundo não é outra coisa senão a possibilidade daquilo que se propõe O que se supõe possível é expresso pelà definição porém esta definição é apenas nominal quando não exprime ao mesmo tempo a possibilidade pois neste caso se pode duvidar se esta definição exprime algo de real isto é de possível até que a experiência nos venha ajudar para nos fazer conhecer esta realidade a posteriori quando a coisa se encontra efetivamente no mundo o que é suficiente ao falhar a razão que faria conhecer a realidade apriori expondo a causa ou a geração possível da coisa defi nida Por conseguinte não depende de nós asspciar ou juntar as idéias como entendemos a menos que esta jcombinação seja justificada ou pela razão que a demonstra possível ou pela experiência que a demonstra atual e conseqüen temente também possível Para melhor distinguir também a essência e a defini ção devese considerar que só existe uma essência da coisa existindo porém vá rias definições que exprimem uma mesma essência assim como a mesma estrutura ou a mesma cidade pode ser representada por diversas cenografias con forme os diversos lados a partir dos quais ela é observada 18 FILALETO Acredito que concordareis comigo em que o real e o nominal são sempre os mesmos nas idéias simples e nas idéias dos modos porém nas idéias das substâncias são inteiramente diferentes Uma figura que termina um es paço por três linhas é a essência do triângulo tanto real como nominal pois é não somente a idéia abstrata à qual é atribuído o nome geral mas a essência ou o ser próprio da coisa ou o fundamento donde procedem as suas propriedades e ao qual elas estão ligadas Acontece coisa completamente diferente com o ouro a constituição real das suas partes da qual dependem a cor o peso a fusibili dade a fixidez etc nos é desconhecida e não tendo idéia dela não dispomos de uma palavra que seja sinal dela Todavia são essas qualidades que fazem com que esta matéria seja chamada ouro constituindo a sua essência nominal isto é que lhe dá direito ao nome TEÓFILO Preferiria dizer segundo o uso comum que a essência do ouro e aquilo que o constitui e que lhe dão as suas qualidades sensíveis que o fazem reconhecer como tal e que perfazem sua definição nominal ao passo que tería mos a definição real e causal se pudéssemos explicar esta contextura ou consti tuição interna Todavia a definição nominal é no caso também real não por ela mesma pois não faz conhecer a priori a possibilidade ou a geração dos corpos 186 LEIBNIZ mas pela experiência pelo fato de experimentarmos que há um corpo no qual estas qualidades se encontram juntas sem isto se poderia duvidar se tal peso seria compatível com tal maleabilidade assim comò se pode duvidar até hoje se um vidro maleável a frio é possível na ordem da natureza De resto nào concordo com a vossa opinião segundo a qual há diferença entre as idéias das substâncias e as idéias dos predicados como se as definições dos predicados isto é dos modos e dos objetos das idéias simples fossem sempre reais e nominais ao mesmo tempo e as definições das substâncias fossem apenas nominais Con cordo inteiramente em que é mais difícil obter definições reais dos corpos que são seres substanciais visto que a contextura dos mesmos é menos sensível Todavia não ocorre o mesmo com todas as substâncias Pois possuímos um conhecimento das verdadeiras substâncias ou das unidades comode Deus e da alma tão íntimo como o que possuímos da maior parte dos modos De resto há predicados tão pouco conhecidos como a contextura dos corpos com efeito o amarelo ou o amargo por exemplo são os objetos das idéias ou fantasias sim ples e não obstante possuímos deles apenas um conhecimento confuso mesmo na matemática onde um mesmo modo pode ter uma definição nominal e uma real Poucas pessoas explicaram bem em que consiste a diferença entre estas duas definições diferença que deve também distinguir a essência e a propriedade A meu entender a diferença está em que a definição real faz ver a possibilidade do definido ao passo que a nominal não o faz a definição de duas retas paralelas que diz estarem elas num mesmo plano e não se encontrarem mesmo que sejam prolongadas até ao infinito é apenas nominal pois sé poderiade saída duvidar se isto é possível Contudo quando tivermos compreendido que se pode prolongar uma reta paralela num plano a uma reta indicada desde que se tome cuidado para que a ponta do lápis que traça a paralela fique sempre eqüidistante da reta indicada vêse ao mesmo tempo que isto é possível e por que elas têm esta propriedade de jamais se encontrarem propriedade que perfaz a sua definição nominal mas que só constitui o sinal do paralelismo quando as duas linhas são retas ao passo que se uma ou outra fosse curva poderiam ser de natureza a nunca se encontrarem e todavia não seriam por isso mesmo paralelas 19 FILALETO Se a essência fosse coisa distinta da idéia abstrata não seria destituída de geração e incorruptível Um licórnio uma sirena um círculo exato talvez não existam no mundo TEÓFILO Já vos disse que as essências são perpétuas pois nelas só se trata do possível C a p í t u l o IV Osinomes das idéias simples 2 FILALETO ConfessovoS que sempre acreditei ser arbitrário formar modos Todavia no que concerne às i idéias simples e às idéias das substâncias tenho a persuasão de que além da possibilidade estas idéias devem significar uma exis tência real t e ó f i l o Não vejo nenhuma necessidade para isso Deus possui as idéias das coisas antes de criar os objetos dessas idéias e nada impede que ele possa comu nicar tais idéias aos seres dotados de inteligência não exist sequer demonstração cabal que prove que os objetos dos nossos sentidos bem como das idéias simples que os sentidos nos apresentam estão fora de nós Istó se verifica sobretudo com respeito àqueles que com os Dartesianos e cgm o nosso célebre autor acreditam que as nossas idéias simples idas qualidades sensíveis não possuem semelhança com aquilo que está fora de nós nos objetos conseqüentemente nada haveria que obrigasse estas idéias a estarem fundadas em alguma existência real 4 5 6 7 FILALETO Concordareis comigo ao menos nesta outra diferença entre as idéias simples e as compostas isto é que os nomes das idéias simples não podem ser definidos ao passo que os das idéias compostas o podem Pois as defi nições devem encerrar mais do que um termo sendo que cada um deles significa umà idéia Assim vêse o que pode ou não pode ser definido e por que as defini ções não podem ir até ao infinito coisa que quanto saiba ninguém até agora observou iI t e ó f i l o Observei também no pequeno Ensaio sobre as idéias2 4 inserido nas atas de Leipzig há perca de vinte anos que os termos simples não possuem definição nominal acrescentei porém que os termos quando são simples apenas com respeito a nós uma vez que não dispomos de meios para fazer a sua análise para chegar às percepções elementares de que se compõem tais como quente frio amarelo verde podem receber uma definição real que explicaria a sua causa assim é que a definiçâp real de verde é o comporse de azul e de amarelo bem mesclados embora o verde não seja mais suscetível de definição nominal que o faça reconhecer do que o azul e o amarelo Ao contrário os termos que são simples em si mesmos isto é cuja concepção é clara e distinta não podem rece 2 4 As Meditações sobre o Conhecimento a Verdade e as Idéias 1684 188 LEIBNIZ ber nenhuma definição nem nominal nem real Podereis encontrar nesse pequeno Ensaio inserido nas atas de Leipzig os fundamentos de boa parte da doutrina sóbre o entendimento explicada em resumo 7 8 FiLALETO Foi bom explicar este ponto e assinalar o que pode ser defi nido ou não Estou tentado a crer que surgem muitas vezes grandes discussões e que nascem muitas confusões no discursar das pessoas por não se atender a isso Essas célebres bagatelas em tornodas quais tanta celeuma se tem feito nas esco las derivam do fato de não se ter atentado a esta diferença que se encontra nas idéias Os mais insignes mestres na arte têm sido forçados a deixar a maior parte das idéias simples sem definilas e quando tentaram fazêlo não o conseguiram Por exemplo como poderia o espírito humano ter inventado uma confusão mais sutil do que a encerrada nesta definição de Aristóteles o movimento é o ato de um ser em potência enquanto está em potência 9 E os modernos ao definirem o movimento como sendo a passagem de um lugar a outro não fazem outra coisa senão colocar uma palavra sinônima no lugar da outra TEÓFILO Já observei numa de nossas conversações passadas que vós consi derais como simples muitas idéias que nao o são O movimento que acredito seja definível pertence a este número e a definição segundo a qual o movimento cons titui uma mudança de lugar não é de se desprezar A definição de Aristóteles não é tão absurda como se pensa e isto porque não se costuma entender que o grego kínesis na sua terminologia não significava o que denominamos movimento mas o que exprimiríamos pelo termo mudança Daí vem que Aristóteles lhe dá uma definição tão abstrata e tão metafísica ao passo que aquilo que denominamos movimento ele o denominaphorá latio sendo uma das espécies de mudança tês kinéseos io FiLALETO Pelo menos não encontrareis escusa para a definição da luz do Hiesmo autor que segundo ele é o ato do que é transparente TEÓFILO Como vós também eu a considero muito inútil Aristóteles utiliza demais o seu ato que não nos diz muita coisa Diáfano é para ele um meio atra vés do qual se poderia enxergar e a luz é segundo ele o que consiste no trajeto atual A explicação veio em boa hora li FiLALETO Concordamos portanto em que as nossas idéias simples nao podem ter definições nominais da mesma forma como não poderíamos conhecer o gosto do ananás pelo relato dos viajantes a menos que pudéssemos degustar as coisas pelos ouvidos assim como Sancho Pança tinha a faculdade de ver Dulci néia por ouvir falar dela ou como aquele cego que tendo ouvido falar muito do brilho do escarlate acreditou que devia parecerse com o som da trombeta TEÓFILO Tendes razão Nem todos os viajantes do mundo poderiam ternos fornecido mediante seus relatos o que devemos a um nobre cidadão deste país o qual cultiva com êxito ananás em três lugares de Hanôver quase às margens do NOVOS ENSAIOS 189 rio Weser O referido cidadão encontrou o meio de aumentar a produção dos ana nases de tal maneira que um dia poderemos talvez têlos em abundância tão grande como as laranjas de Portugal embora haja talvez alguma diferença no gosto 12 13 FiLALETO Coisa muito diferente acontece com as idéias complexas Um cego pode compreender o que é uma estátua e uma pessoa que nunca tivesse visto o arcoíris poderia compreender o que é desde que tenha visto as cores que o compõem J 15 Todavia embora as idéias simples sejam inexplicáveis não deixam de ser as menos sujeitas a dúviclas Pois a experiência ajuda mais que a definição i TEÓFILO Entretanto existe alguma dificuldade acerca das idéias que são sim ples apenas com respeito a nós Por exemplo seria difícil estabelecer com preci são os limites entre o azul e b verde e em geral discernir as cores muito próximas ao passo que podemos possuir noções precisas dos termos dos quais nos servimos na aritmética e na geometria 16 FILALETO As idéiaisí simples possuem ainda isto de particular que têm muito pouca subordinação ínaquilo que os mestres da lógica denominam linha predicamental desde a última espécie até ao gênero supremo É que a última espécie sendo uma só idéia simples nao se pode cortar nada dela por exemplo não se pode cortar nada dás idéias do branco e do vermelho para conservar a aparência comum na qual concordam é por isso que as compreendemos com o amarelo e outros sob o gênero ou o nome de cor E quando se quer formar um termo ainda mais geral que compreenda também os sons os gostos e as qualida des acessíveis ao tato servimonos do termo geral de qualidade no sentido que se lhe dá comumente para distinguir estas qualidades da extensão do número do movimento do prazer e da jdor que agem sobre o espírito e nele introduzem as suas idéias através de mais cie um sentido TEÓFILO Tenho algo mais a dizer sobre esta observação Espero que aqui como alhures acrediteis que não o faço por espírito de contradição mas porque o assunto parece exigilo Não constitui vantagem o fato de que as idéias das qua lidades sensíveis têm tão pouca subordinação e são passíveis de tão poucas subdivisões Isto vem do fato de as conhecermos pouco Todavia a própria característica que é comum ja todas as cores ou seja de serem vistas pelos olhos de passarem todas através de corpos pelos quais passa a aparência de alguns den tre eles e de serem refratadas pelas superfícies polidas dos corpos que não as dei xam passar nos faz conhecer que podemos cortar algo das idéias que delas possuímos Podese mesmo dividir com razão as cores em extremas um apositi va isto é o branco e a outra privativa isto é o preto e intermediárias que se denominam cores num sentido especial as quais nascem pela luz da refração podese também dividilas assim as do lado convexo e as do lado côncavo do raio quebrado Ora estas divisões e subdivisões das cores revestem não pequena importância j 190 LEIBNIZ FiLALETO Mas como encontrar gêneros nessas idéias simples TEÓFILO Por serem simples apenas na aparência são acompanhadas por circunstâncias que têm ligação com elas embora esta ligação não seja compreen dida por nós E estas circunstâncias fornecem algo de explicável e de suscetível de análise o que nos autoriza a esperar que poderemos um dia descobrir as razões destes fenômenos Assim acontece que há uma forma de pleonasmo nas percep ções que temos das qualidades sensíveis como também das massas sensíveis pleonasmo que consiste em possuirmos mais do que uma noção do mesmo sujei to O ouro pode ser definido nominalmente de várias maneiras podese dizer que é o mais pesado dos nossos corpos que ê o mais maleável que é um corpo fusível que resiste ao cadinho e à águaforte e assim por diante Cada uma dessas carac terísticas é boa o suficiente para reconhecer o ouro ao menos provisoriamente e no estado atual dos nossos corpos até que encontremos um corpo mais pesado como alguns químicos o pretendem de sua pedra filosofal ou então até que pos samos ver esta lune fixa a qual é um metal que se diz ter a cor daprata e quase todas as outras qualidades do ouro e que o Sr Cavaleiro Boyle parece afirmar ter fabricado2 5 Podese também dizer que em se tratando das matérias que só conhecemos empiricamente todas as nossas definições são apenas provisórias conforme penso ter já observado acima Por conseguinte é verdade que não sabe mos demonstrativamente se não é possível que uma cor possa ser gerada apenas pela reflexão sem refração e que as cores que observamos até agora na concavi dade do ângulo de refração comum se encontram na convexidade de um modo de refração desconhecida até o momento e viceversa Assim sendo a idéia simples do azul seria despojada do gênero que lhe atribuímos baseados em nossas experiências Mas é bom fixarnos no azul que temos bem como nas circuns tâncias que o acompanham Elas nos fornécem algo de que nascem os gêneros e as espécies 17 FILALETO Entretanto que dizeis da observação feita que as idéias sim ples sendo tomadas da existência das coisas não são de forma alguma arbitrá rias ao passo que as dos modos mistos o são em absoluto e as das substâncias 0 são de alguma forma TEÓFILO Creio que o arbitrário reside somente nas palavras de forma algu ma nas idéias Pois elas exprimem apenas possibilidades assim mesmo que não tivesse jamais havido parricídio e mesmo que todos os legisladores tivessem tão pouco juízo como Sólon ao falar dele o parricídio continuaria sendo um crime possível e a sua idéia seria real Pois as idéias residem em Deus desde toda a eter nidade e mesmo em nós estão antes de pensarmos nelas atualmente como demonstrei em nossas primeiras conversações Se alguém quer tomálas como pensamentos atuais dos homens isto lhe é permitido mas com isto contrariará o modo comum de falar 2 5 Lune é o nome dado pelos alquimistas à prata Entre as obras de Boyle ver nota 5 do livro I citase An Histórica Account o f a Dégradation o f Gold Resenha Histórica de uma Degradação do Ouro editada em 1 678 NOVOS ENSAIOS 191 C a p it u l o V Os nomes jdos modos mistos e as relações 3 ss f i l a l e t o Todavia o espírito não forma porventura as idéias mistas juntando as idéias simples coniio melhor julga sem necessitar de modelo real Ao contrário as idéias simples nab lhe ocorrem porventura sem escolha pela própria existência das coisas Porventura o espírito não vê muitas vezes a idéia mista antes de a coisa existir j TEÓFILO Se tomardes as íclêias como pensamento atuais tendes razão Entre tanto não vejo que seja necessário aplicar a vossa distinção ao que concerne à própria forma ou à possibilidade desses pensamentos e todavia é disso que se trata no mundo ideal que disítinguimos do mundo existente A experiência real dos seres que não são necessários constitui um ponto de fato ou de história porém o conhecimento das possibilidades e das necessidades já que o neces sário é aquilo cujo oposto é impossível é o âmbito das ciências demonstrativas j FILALETO Todavia existe porventura ligação maior entre as idéias de matar e de homem do que entre as idéias de matar e de ovelha Porventura o parricídio se compõe de noções mais interligadas que o infanticídio E porventura o que os ingleses denominam stabbing jisto é um homicídio cometido com punhal ou com a ponta da espada que entire eles é mais grave que o matar com o corte da es pada é mais natural para ter merecido um nome e uma idéia nome e idéia que não se concederam por exemplo ao ato de matar uma ovelha ou de matar um homem cortandoo j I t e ó f i l o Em se tratando I apenas das possibilidades todas essas idéias são igualmente naturais Os que viram matar ovelhas tiveram uma idéia deste ato no pensamento embora não lhetenham dado nome e não lhe tenham dispensado atenção Por que então limitarse aos nomes quando se trata das próprias idéias e por que amarrarse à dignidade das idéias dos modos mistos quando se trata dessas idéias em geral j 8 f i l a l e t o Já que os homens formam arbitrariamente diversas espécies de modos mistos isto fáz com que se encontrem numa determinada língua palavras para as quais não existe nenhuma correspondente em outra língua Não existe em outras línguas palavra que corresponda ao termo versura usado entre os 192 LEIBNIZ romanos e ao termo corban empregado pelos judeus2 6 Atrevemonos a traduzir as palavras latinas hora pes e libra por hora pé e libra porém as idéias dos romanos eram muito diferentes das nossas TEÓFILO Vejo que muitas coisas que discutimos quando se tratava das pró prias idéias e das suas espécies voltam agora quanto aos nomes dessas idéias A observação é boa quanto aos nomes e quanto aos costumes dos homens mas nada muda nas ciências e na natureza das coisas É bem verdade que quem escre vesse uma gramática universal faria bem passando da essência das línguas à sua existência e comparando as gramáticas de várias línguas assim como o autor que quisesse escrever uma jurisprudência universal baseado na razão fariai bem acrescentandolhe paralelismos das leis e costumes dos povos o queajudaria não só na prática mas também na contemplação e daria ocasião ao próprio autor de perceber várias considerações que sem isto lhe teriam escapado Contudo na pró pria ciência separada de sua história ou existência não importa se os povos agi ram ou não de acordo com o que manda a razão 9 FILALETO A significação duvidosa do termo espécie faz com que certas pessoas se choquem ao ouvir dizer que as espécies dos modos mistos são forma das pelo entendimento humano Pergunto porém quem é que fixa os limites de cada variedade ou espécie uma vez que estas duas palavras não são de todo sinônimas t b Sf i l o É a natureza das coisas que de ordinário fixa estes limites das espécies por exemplo entre o homem e o animal entre a cepa e a poda Concedo entretanto que há noções nas quais existe algo de arbitrário verdadeiramente por exemplo quando se trata de determinar um pé pois sendo a linha reta uni forme e indefinida a natureza não estabelece limites para ela Há também essên cias vagas e imperfeitas nas quais entra algo de opinável como quando se per gunta quanto cabelo deve ter uma pessoa para que não seja calva era um dos sofismas dos antigos para confundir o adversário Dum cadat elusus ratione ruentis acervi2 7 A verdadeira resposta porém é que a natureza não determinou esta noção e que aqui tem a sua parte o opinável que há pessoas a respeito das quais se pode duvidar se são calvas ou não e que haverá casos ambíguos em que a pessoa pas sará por calva na opinião de alguns e por nãocalva no parecer de outros como vós observastes acerca de um cavalo considerado pequeno na Holanda e grande no País dé Gales Existe até algo desta natureza nas idéias simples pois acabo de observar que os últimos limites entre as cores são duvidosos Existem também essências verdadeiramente seminominais nas quais o nome entra na definição da 2 6 Versura procedimento mediante o qual se toma dinheiro emprestado para poder saldar uma dívida contraída Corban oferenda votiva dom consagrado a Deus Esta noção parece corresponder aproximada mente à de tabu ver Mc 7 1113 2 7 Citação de Horacio Epistolas II 1 47 Até que ele rua por terra sob o choque de um sorites irresistí vel O sorites ou seja argumento do acervo latim acervus consiste em perguntar a partir de que quanti dade os grãos de trigo perfazem um monte de trigo NOVOS ENSAIOS 193 coisa por exemplo o grau ou a qualidade de doutor de cavaleiro de embaixador de rei se reconhece quando üma pessoa adquiriu o direito reconhecido de usar este título Um ministro estrangeiro por mais poderes plenos e por mais aparên cia que possua não seráconsiderado embaixador se as suas credenciais não lhe derem este nome Todavia estas essências e idéias são vagas duvidosas arbitrá rias nominais num sentido algo diverso daquelas que vós mencionastes 10 FiLALETO Parece porém que o nome conserva muitas vezes as essências dos modos mistos que segundo vosso modo de vèr não são arbitrárias por exemplo no termo triunfo não teríamos idéia do que realmente acontecia entre os romanos em tal ocasião j TEÓFILO Concordo em cue o nome serve para chamar atençãv à coisa e para conservarlhe a memóriâ e o conhecimento atual contudo isto nada altera quanto ao ponto de que se trata e não torna as essências nominais confesso que não compreendo por que razão os vossos colegas querem à força que as próprias essências dependam daescolha dos nomes Seria de desejar que o vosso célebre autor ao invés de insistir nisto tivesse preferido entrar em maiores detalhes acer ca das idéias e dos modos bem como ordenar e desenvolver as suas variedades Eu têloia seguido em seu caminho com prazer e com fruto pois ternosia forne cido muita luz I 12 f i l a l e t o Ao falarmos de um cavalo ou do ferro consideramolos como coisas que nos fornecem os padrões originais das nossas idéias mas quando fala mos dos modos mistos ou pelo menos dos mais importantes dentre eles que são os seres morais por exemplo a justiça o reconhecimento consideramos os seus modelos originais como existentes no espírito Eis por que falamos da noção da justiça da temperança ao passo que não falamos da noção de um cavalo de uma pedra I t e ó f ilo Os padrões das idéias de uns são tão reais quanto os das idéias dos outros As qualidades do espírito não são menos reais que as do corpo É verdade que não vemos a justiça como um cavalo mas nem por isso deixamos de compreendêla pelo contrário entendemola melhor a justiça não está menos nas ações do que a retilinidade e a obliqüidade se encontram hos movimentos quer as consideremos quer não E para vos mostrar que os homens são a meu entender os mais capazes e os mais experimentados nas coisas humanas é sufi ciente servirme da autoridade dos jurisconsultos romanos seguidos por todos os outros que denominam estes modos mistos ou estes seres morais coisas e em particular coisas incorpóreas Assim por exemplo as servidões como a da passagem pelo terreno do vizinho constituem entre eles coisas incorpóreas constituindo objeto de propriedade a qual se pode adquirir por um uso demora do o qual se pode possuir e reivindicar No que concerne ao termo noção pes soas muito inteligentes deram a esta palavra um sentido tão vasto como o de idéias o uso latino não se oppea isso e não sei se o dos ingleses ou dos franceses lhe é contrário j 194 LEIBNIZ 15 FiLALETO Cumpre ainda notar que os homens aprendem os nomes antes das idéias dos modos mistos sendo que o nome faz conhecer que esta idéia mere ce ser observadá TEÓFILO Esta observação é boa embora seja verdade que hoje as crianças valendose das nomenclaturas aprendem em geral não somente os nomes dos modos mas também das substâncias antes das coisas e mesmo antes os nomes das substâncias que os dos modos pois um defçito existente nestas nomencla turas está no fato de que nelas se colocam apenas os nomes e não os verbos esquecendo que os verbos embora signifiquem modos são mais necessários na conversação do que a maioria dos nomes os quais assinalam substâncias particulares NOVOS ENSAIOS 195 C a p i t u l o V I Qs nomes das substâncias iIii í FiLALETO Os gêneros ç as espécies das substâncias como dos outros seres são apenas espécies sortes jPor exemplo os sóis são uma espécie de estrelas a saber estrelas fixas pois naoé sem razão que se crê que cada estrela fixa se daria a conhecer como um sol a lima pessoa que estivesse colocada a uma distância certa 2 Ora o que delimita cada espécie é a sua essência Ela é conhecida ou pela sua estrutura interna oujpor características externas que nola fazem conhe cer e designar com certo nome é assim que se pode conhecer o relógio de Estras burgo ou como o relojoeiro jque o fez ou como um espectador que observa os seus efeitos j TEÓFILO Se vos exprimis assim nada tenho a objetar i FILALETO Exprimome de uma forma própria a não renovar as nossas discor dâncias Agora quero acrescentar que a essência não se refere às espécies sortés e que nada é essencial aos indivíduos Um acidente ou uma doença podem alterar a minha cor ou a minha estatura uma febre ou uma queda podem privarme do uso da razão e da memória uma apoplexia pode reduzirme a não ter nem senti mento nem entendimento nem vida Se me perguntarem se para mirn é essencial ser dotado de razão responderei que não t e ó f i l o Acredito haverjalgo de essencial para os indivíduos e mais do que se pensa É essencial às substâncias o agir às substâncias criadas é essencial o sofrer aos espíritos é essencial o pensar aos corpos é essencial a extensão e o movimento Em outros termos existem sortes ou espécies às quais um indivíduo não cessa de pertencer ao mbnos na ordem natural desde que tenha pertencido a elas uma vez quaisquer que sejam as revoluções que possam ocorrer na nature za Todavia existem sortes oji espécies reconheçoo que são acidentais ao indivíduo que a elas pertence e neste caso ele pode cessar de pertencer a esta espécie Assim podese cessar de ser são belo sábio e até de ser visível e palpá vel entretanto não cessamosde ter vida órgãos percepção Expliquei suficiente mente mais acima por que razão parece às pessoas que a vida e ò pensamento cessam por vezes embora não deixem de durar e de ter efeitos 8 f i l a l e t o Uma série jdé indivíduos englobados sob um nome comum considerados de uma só espécie possuem todavia qualidades muito diferentes que 196 LEIBNIZ dependem das suas constituições reais particulares É o que observam sem esforço todos os que examinam os corpos naturais e muitas vezes os químicos se convencem disto por experiências desastrosas procurando em vão numa parcela de antimônio de enxofre e de vitríolo as qualidades que encontraram em outras partes desses minerais TEÓFILO Nada de mais verdadeiro do que isto eu mesmo poderia acres centar outros exemplos Assim é que se escreveram expressamente livros de infido experimentorum chymicorum successu28 Todavia enganamonos ao considerar tais corpos como similares ou uniformes quando na realidade são mistos mais do que se pensa com efeito nos corpos dessemelhantes não nos surpreendemos ao observar diferenças entre os indivíduos e os médicos sabem perfeitamente quanto os temperamentos e o natural dos corpos humanos são diferentes Numa palavra não encontraremos jamais as últimas espécies lógicas como já observei acima e jamais dois indivíduos reais ou completos de uma mesma espécie serão perfeitamente semelhantes FiLALETO Não observamos todas essas diferenças pelo fato de não conhe cermos as pequenas partes nem por conseguinte a estrutura interna das coisas Igualmente não utilizamos as diferenças para determinar as sortes ou espécies das coisas e se o quiséssemos fazer através dessas essências ou através daquilo que as escolas filosóficas denominam formas substanciais seriamos como cegos que quisessem classificar os corpos conforme as cores 11 Não conhecemos se quer as essências dos espíritos não somos capazes de formar diferentes idéias específicas dos anjos embora saibamos bem ser necessário que haja várias espé cies de espíritos Parece também que nas nossas idéias nãocolocamos nenhuma diferença entre Deus e os espíritos por nenhum número de idéias simples exceto o fato de que atribuímos a Deus a infinitude TEÓFILO No meu sistema existe ainda uma outra diferença entre Deus e os espíritos criados a meu juízo é necessário que todos os espíritos criados tenham corpo assim como a nossa álma o tem 12 FILALETO Acredito que pelo menos existe esta analogia entre os corpos e os espíritos a saber assim como não existe vazio nas variedades do mundo cor poral não existirá menos variedade nas criaturas inteligentes Começando por nós e indo até às coisas mais baixas é uma descida que se opera através de graus muito pequenos e por uma seqüência continuada das coisas que em cada distan ciamento diferem muito pouco uma da outra Existem peixes que têm asas e para os quais o ar não é estranho existem por outra parte pássaros que habitam na água que têm o sangue frio como os peixes e cuja carne se assemelha tanto à dos peixes no gosto que se permite aos escrupulosos comêla em dias de abstinência Existem animais que se aproximam tanto da espécie dos pássaros e da dos ani 28 Sobre o êxito incerto das experiências químicas Citase um livro de Boyle com este título publicado em 1667 NOVOS ENSAIOS 197 mais que estão situados a meio caminho entre ambos Os anfíbios têm algo dos animais terrestres e algo dos aquáticos Os cervos marinhos vivem na terra e no mar e os marsuínos cujo nome significa porco do mar têm o sangue quente e as entranhas de um suíno Isto para não falar do que se conta dos homens marinhos existem animais que parecem possuir tanto conhecimento e tanta razão quanto alguns animais racionais que sedenominam homens Existe outrossim uma proxi midade tão grande entre os animais e os vegetais que se tomarmos o que existe de mais imperfeito nos animais e o mais perfeito nos vegetais será difícil notar al guma diferença considerável entre uns e outros Assim atê que cheguemos às par tes mais baixas e menos organizadas da matéria veremos em toda parte que as espécies estão ligadas entre si e diferem tãosomente por graus quase insensíveis Ao considerarmos a sabedoria e o poder infinitos do Autor de todas as coisas temos razão para pensar que é algo conforme à suntuosa harmonia do universo e ao grande desígnio bem corno à bondade infinita do Arquiteto supremo que as diferentes espécies das criaturas se elevem progressivamente desde nós até à sua infinita perfeição Assim sendo temos razão de persuadirnos de que existem muito mais espécies de criaturas acima de nós do que abaixo de nós visto estar mos muito mais longe em graus de perfeição do ser infinito de Deus que daquilo que mais se aproxima do nada Entretanto não possuímos nenhuma idéia clara e distinta de todas essas diferentes espécies TEÓFILO Em outro lugar tinha eu a intenção de dizer algo de semelhante ao que acabais de dizer todavia fico satisfeito em verificar que outros exprimem as coisas melhor do que poderia fazêlo eu Excelentes filósofos abordaram esta questão utrum detur vacuum forma rum29 isto é se existem espécies possíveis que porém não existem espécies que poderiam parecer ter sido esquecidas pela natureza Tenho motivos para crer que todas as espécies possíveis não são compatíveis no universo por maior que este seja e isto não só em relação às coisas que estão associadas ao mesmo tempo mas também em relação a toda a seqüência das coisas Em outros termos creio haver espécies que jamais existiram e jamais existirão por não serem compatíveis com esta seqüência das criaturas que Deus escolheu Todavia acredito que todas as coisas compatíveis com a perfeita harmonia do universo nele se encontram realmente Que existam criaturas que se encontram a meio caminho entre as mais altas e as mais baixas é algo de conforme a esta mesma harmonia embora não seja sempre num mesmo globo ou sistema e aquilo que se encontra a meio cami nho entre duas espécies o está por vezes com respeito a certos aspectos e não com respeito a outros Os pássaros tão diferentes do homem em outras coisas aproximamse dele pela palavra todavia se os símios pudessem falar como os periquitos iriam mais longe A lei da continuidade implica que a natureza não deixa vazios na ordem que Costuma seguir todavia nem toda forma ou espécie pertence a todas as ordens Quanto aos espíritos ou gênios uma vez que acredito que todas as inteligências criadas possuem corpos organizados cuja perfeição 29 Se existe um vácuo nas formas 198 LEIBNIZ corresponde à da inteligência ou do espírito que está neste corpo em virtude da harmonia preestabelecida defendo que para conceber algo sobre as perfeições dos espíritos colocados acima de nós é muito útil imaginar perfeições também nos órgãos do corpo que ultrapassam as do nosso É aqui que a imaginação mais viva e mais rica e para utilizar um italiano que não consigo expressar de outra forma Vinvenzione la piu vaga terá a melhor serventia para elevarnos acima de nós O queeu disse para justificar o meu sistema da harmonia que exal ta as perfeições divinas muito mais do que se costuma pensar servirá também para ter idéias das criaturas incomparavelmentemais sublimes do que as que tivemos até agora 14 FiLALETO Para voltar ao problema da espécie perguntovos se a água e o gelo são de espécies diferentes TEÓFILO Por minha vez vos pergunto se o ouro fundido no cadinho e o ouro reduzido a lingotes gelados são da mesma espécie FiLALETO Não se responde a uma questão retrucando com outra Qui litem lite resolvit30 Entretanto haveis de reconhecer que a redução das coisas a espécies se prende exclusivamente às idéias que delas temos o que é suficiente para distin guilas por nomes Todavia se supusermos que esta distinção está fundadana sua constituição real e interna e que a natureza distingue as coisas existentes em ou tras tantas espécies pelas suas essências reais da mesma forma como nós mes mos as distinguimos em espécies por estas ou aquelas denominações estaremos sujeitos a grandes equívocos TEÓFILO Existe uma certa ambigüidade no termo espécie ou ser de espécie dife rente que gera todas estas confusões Se conseguirmos eliminar tal ambigüidade não haverá nenhuma outra contestação a não ser talvez quanto ao termo Podese considerar a espécie sob o ponto de vista matemático e sob o ponto de vista físico A rigor matemático a menor diferença que faz com que duas coi sas não sejam semelhantes em tudo faz com que se diferenciem na espécie Assim é que na geometria todos o círculos são de uma mesma espécie pois são todos perfeitamente semelhantes e pela mesma razão também todas as parábolas per tencem a uma mesma espécie todavia o mesmo não ocorre com as elipses e as hipérboles pois existe ali uma infinidade de espécies embora haja também uma infinidade de cada espécie delas Todas as elipses inumeráveis nas quais a distân cia dos focos está na mesma razão da distância dos pontos extremos pertencem a uma mesma espécie todavia visto que as razões dessas distâncias só variam em grandeza seguese que todas essas espécies infinitas das elipses constituem um único gênero não existindo mais subdivisões Ao contrário uma oval de três focos teria uma infinidade de tais gêneros e teria um número de espécies infinita 30 Citação de Horácio Sátiras II 3 103 Quem resolve um litígio suscitando um outro mente infinito pelo fato de cada gênero ter um número simplesmente infinito delas Assim sendo dois indiyíduos físicos jamais serão perfeitamente semelhan tes e oqúe é mais o mesmo indivíduo passará de uma espécie à outra pois ja mais será em tudo semelhante a si mesmo depois de um instante Todavia os ho mens que determinam espéqies físicas não observam este rigor e depende deles dizer que uma mássa queeles mesmos podem fazer voltar à primeira forma per manece dentro de uma mesma espécie e a seu ver Assim dizemos que a água o ouro o mercúrio o sal comum permanecem dentro da mesma espécie e mudam apenas de aparência nas alterações comuns todavia nos corpos orgânicos ou nas espécies das plantas e dòs animais definimos a espécie pela geração de maneira que este semelhante que provém ou poderia provir de uma mesma origem ou semente pertenceria a uma mesma espécie No homem além da geração humana prendemonòs à qualidade lie animal racional e embora existam homens que permanecem semelhantes aos animais durante toda a sua vida presumimos que isto não acontece por falta dá faculdade ou do princípio mas devido a obstáculos que impedem esta faculdade de operar J Êntretanto ainda não nos determinamos em relação a todas as condições externas que queremos considerar suficientes para dotár esta suposição Todavia quaisquer que sejam os regulamentos que os homens estabeleçam para as suas denominações e para os direitos concernentes aos termos desde que o regula mento seja seguido e seja inteligível será fundado na realidade e não poderão imaginar espécie que a natureza não fez ou não distinguiu antes deles Quanto ao interior embora não haja aparência externa que não esteja fundada na constitui ção interna é porémverdade que uma mesma aparência poderia por vezes resul tar de duas constituições diferentes todavia haverá algo de comum é o que os nossos filósofos denominara causa próxima formal Entretanto mesmo que isto não fosse assim como se segundo o Sr Mariotte31 o azul do arcoíris tivesse uma origem completamente diferente do azul de uma turquesa sem que tivesse uma causa formal comum no que discordo da opinião dele as nossas defi nições não deixariam de ser fundadas nas espécies reais pois os próprios fenôme nos são realidades Podemos por conseguinte afirmar que tudo aquilo que distin guimos ou comparamos com verdade também a natureza o distingue e o faz ser comparado embora ela tenha distinções e comparações que desconhecemos e que podem ser melhores do que as nossas Assim sendo será necessário ainda muito cuidado e muita expeiriência para atribuir os gêneros e as espécies de uma forma suficientemente próxima da natureza Os botânicos modernos acreditam que as distinções tiradas dais formas das flores são as que mais se aproximam da ordem natural Entretanto encontram ainda bastante dificuldade e seria conve niente estabelecer comparações não segundo um só fundamento como seria a que acabo de mencionar tomada das flores a qual talvez seja a mais apropriada até i 31 Edme Mariotte 16201684 célebre físico francês sua descoberta do ponto cego está consignada numa memória publicada em 1668 sob o título Nouvelle Découverte touchant la Vue Nova Descoberta sobre a Vis ta I NOVOS ENSAIOS 199 200 LEIBNIZ aqui para um sistema tolerável e cômodo para os que estudam mas também segundo os outros fundamentos tomados das outras partes e circunstâncias das plantas sendo que cada fundamento de comparação merece tabelas à parte sem isto se omitirão muitos gêneros subalternos muitas comparações distinções e observações úteis Todavia quanto mais aprofundarmos a geração das espécies tanto mais seguiremos nas convenções as condições exigidas tanto mais nos aproximaremos da ordem natural Eis por qúe se fosse verdadeira a conjetura de certas pessoas entendidas isto é que existe na planta além do grão ou semente conhecida que corresponde ao óvulo no animal uma outra semente que mereceria o nome de masculina isto é um pó pólen muitas vezes visível embora por vezes invisível como o próprio grão o é em certas plantas que o vento ou outros fato res comuns espalham para juntála ao grão qüe vem por vezes de uma mesma planta e por vezes de uma outra vizinha da mesma espécie planta que por conse guinte terá uma certa analogia com o macho embora talvez a femea nunca seja inteiramente desprovida desse mesmo pólen se digo eu isto se confirmasse verdadeiro e se o modo da geração das plantas se tornasse mais conhecido não duvido de que as variedades que se notariam forneceriam um fundamento para divisões muito naturais E se tivéssemos a penetração de certos gênios superiores e conhecêssemos suficientemente as coisas talvez encontrássemos atributos fixos para cada espécie comuns a todos os seus indivíduos e sempre subsistentes no mesmo organismo vivo quaisquer que sejam as alterações ou transformações que lhe possam ocorrer assim como na mais conhecida das espécies físicas que é a humana a razão constitui um tal atributo fixo que compete a cada um dos indiví duos e sempre de forma inadmissível embora nem sempre nos demos conta disso Entretanto faltandonos tais conhecimentos utilizamos os atributos que nos parecem os mais fáceis de distinguir e para comparar as coisas ora esses atribu tos possuem sempre os seus fundamentos reais 14 FILALETO Para distinguir os seres substanciais segundo a suposição comum segundo a qual existem certas essências ou formas precisas das coisas pelas quais todos os indivíduos existentes se distinguem naturalmente em espécies seria necessário ter certeza primeiramente 15 de que a natureza se propõe sempre na produção das coisas fazêlas participar de certas essências estabele cidas como de modelos em segundo lugar 16 seria necessário ter certeza de que a natureza sempre atinge este objetivo Ora os monstros nos autorizam a duvidar de ambas as suposições 17 Seria necessário determinar em terceiro lugar se esses monstros não constituem realmente uma espécie distinta e nova pois verificamos que alguns desses monstros possuem poucas ou nenhuma dessas qualidades que supomos resultarem da essência dessa espécie da qual deri vam a sua origem e à qual parecem pertencer em virtude do seu nascimento TEÓFILO Em se tratando de determinar se os monstros pertencem a uma certa espécie estamos muitas vezes reduzidos a conjeturas Isto demonstra que neste caso não nos limitamos ao exterior pois desejaríamos adivinhar se a natureza interna como por exemplo a razão no homem comum aos indivíduos de uma tal espécie ainda convém como o faz presumir o nascimento a esses indivíduos NOVOS ENSAIOS 201 em que falta uma parte das características externas que se encontram ordinaria mente nessa espécie Entretanto a nossa incerteza nada importa para a natureza das coisas e se existe umaital natureza comum interna ela se encontrará ou não se encontrará no monstro quer o saibamos quer não En se no monstro não se encontrar a natureza interna de nenhuma espécie o monstro poderá ser da sua própria espécie Todavia se não houvesse tal natureza interna nas espécies em questão e se não nos fixássemos também no nascimento neste caso somente as características externas determinariam a espécie e os monstros não pertenceriam à espécie da qual se afastam a menos que tomássemos a espécie em sentido vago também neste caso o nosso esforço por adivinhar a espécie seria vão Talvez seja isto o que quereis dizer com tudo aquilo que objetais às espécies tiradas das essências reais internas Por conseguinte deveríeis demonstrar que não existe interior específico comum quando o exterior não existir mais inteiro Todavia o contrário se verifica na espécie humana onde por vezes as crianças que têm algo de monstruoso atingem uma idade na qual aparece a razão Por que motivo não poderia haver ajgo de semelhante nas outras espécies É verdade que pelo fato de não as conhecermos não podemos utilizálas para definilas porém o exterior as substitui embora reconheçamos que não é suficiente para termos uma definição exata sendo que as próprias definições nominais nessas ocasiões são apenas conjeturais aliás já ressaltei que por vezes elas são apenas provisó rias Por exemplo poderíamos encontrar a maneira de sofisticar o ouro de modo tal que ele satisfaria a todos os testes feitos até hoje todavia poderíamos neste caso descobrir também uma nova maneira de teste a qual nos daria a possibili dade de distinguir o ouro natural deste ouro feito artificialmente Documentos antigos atribuem uma e outra coisa a Augusto eleitor da Saxônia32 todavia não sou competente para garantir este fato Entretanto se isso fosse verdade pode ríamos ter uma definição mais perfeita do ouro mais perfeita do que aquela que temos atualmente e se o ouro artificial pudesse ser feito em quantidade e a baixo preço como pretendem os alquimistas este novo teste seria importante com efei to através dele conservarseia para o gênero humano a vantagem que o ouro natural nos dá pela sua raridade fomecendonos uma matéria que é durável uni forme fácil de repartir e de ser reconhecida além de preciosa em volume reduzido Quero aproveitar este ensejo para eliminar uma dificuldade ver o 50 do capítulo Os nomes das substâncias da obra Ensaio sobre o Entendimento Objetase que ao dizer 1odo ouro é fixo se entendermos pela idéia de ouro o acúmulo de algumas qualidades entre as quais se compreende a fixidez não se faz outra coisa senão enunciar uma proposição idêntica e inútil como se dissésse mos o fixo êfixo todavia se entendermos um ser substancial dotado de uma certa essência interna da qual a fixidez constitui uma conseqüência não se falará de maneira inteligível visto que essa essência real é completamente desconhecida Respondo que o corpo dotado dessa constituição interna é designado por outras 32 Augusto I eleitor da Saxônia 15261586 dedicavase à alquimia 202 LEIBNIZ características externas nas quais não está compreendida à fixidez como se alguém dissesse o mais pesado de todos os corpos é também um dos mais fixos Entretahto tudo isso é apenas provisório pois poderíamos encontrar algum dia um corpo volátil como poderia ser um novo mercúrio que fosse mais pesado que o ouro e sobre o qual o ouro flutuaria como o chumbo flutua sobre o nosso mercúrio 19 FiLALETO É verdade que dèstã maneira não podemos jamais conhecer precisamente o número das propriedades que dependem da essência real do ouro a menos que conheçamos a essência do próprio ouro 21 Todavia se nos limi tarmos precisamente a certas propriedades isto nos bastará para termos defini ções nominais exatas que nos servirão no momento a não ser que mudássemos a significação dos nomes se se descobrisse alguma nova distinção útil Todavia é necessário ao menos que esta definição corresponda ao uso do nome e possa substituílo Isto serve para refutar aqueles que pretendem que a extensão perfaz a essência do corpo pois quando se afirma que um corpo dá impulso a um outro o absurdo seria evidente se substituindo a extensão se dissesse que uma exten são põe em movimento uma outra extensão por via de impulso pois se requer também a solidez Assim também não se dirá que a razão ou O que torna o homem racional perfaz a conversação pois a razão não constitui tampouco toda a essência do homem são os animais racionais que fazem conversação entre si t e ó f i l o Creio que tendes razão pois os objetos das idéias abstratas e incom pletas não são suficientes para dar a razão de todas as ações das coisas Todavia acredito que a conversação convêm a todos os espíritos que podem intercomu nicar os seus pensamentos Os Escolásticos encontram grandé dificul dade em explicar como os anjos o possam fazer todavia se atribuíssem aos anjos corpos sutis como faço eu segundo a teoria dos antigos não haveria mais dificuldade 22 FILALETO Existem criaturas que possuem uma forma semelhante à nossa mas que são peludas e não têm o uso da palavra e da razão Existem entre nós pessoas imbecis que têm exatamente a mesma forma que nós e todavia são destituídas de razão sendo que algumas delas não têm o uso da palavra Existem criaturas pelo que se conta que juntamente com o uso da palavra e da razão além de uma forma em tudo semelhante à nossa possuem rabos peludos pelo menos devemos admitir a possibilidade de existirem tais seres Existem ou tros seres entre os quais os machos não têm barba sendo que as fêmeas a têm Se perguntarmos se todas essas criaturas são homens ou não se são de espécie humana é evidente que o problema se refere exclusivamente à definição nominal ou à idéia complexa que nos formamos para assinalála com este nome pois a essência interna nos é completamente desconhecida embora tenhamos razão de pensar que lá onde as faculdades ou a forma externa são tão diferentes a consti tuição interna não é a mesma t e ó f i l o Acredito que no caso do homem possuímos uma definição que ao mesmo tempo real e nominal Com efeito nada pode ser mais interno ao homem NOVOS ENSAIOS 203 que a razão e esta em geral Se reconhece com facilidade Eis por que a barba e o rabo não necessitam ser considerados Um homem silvestre embora peludo se fará reconhecer como tal Os limbecis estão desprovidos do uso da razão todavia visto sabermos que muitas vezes a razão não entra em exercício devido a certos obstáculos e que isto acontece a homens que demonstraram possuir razão fare mos provavelmente o mesmò juízo acerca desses imbecis baseados em outros indícios isto é na formá corporal Baseamonos exclusivamente em tais indícios somados à origem para presumir que as crianças são homens e que demons traram ter razão e não nos jenganamos nisto Entretanto se houvesse animais racionais de uma forma exterjia algo diferente da nossa estaríamos em dificulda des Isto mostra que as nossas definições quando dependem do exterior dos cor pos são imperfeitas e provisórias Se alguém se declarasse anjo e conhecesse ou soubesse fazer coisas muito acima das nossas possibilidades poderíamos acredi tar nele Se algum outro homem viesse da lua por meio de alguma máquina extraordinária como Gonzaies33 e nos contasse coisas razoáveis do seu país natal passaria por habitante lunar e não obstante isto poderíamos darlhe os direitos de cidadania com o título de homem por mais estranho que fosse ao nosso globo todavia se pedisse o batismo e quisesse ser recebido como membro da nossa religião acredito qiie surgiriam grandes discussões entre os teólogos E se o relacionamento com esses homens planetários bastante próximos aos nos sos segundo Huygens3 4 estivesse aberto o problema mereceria um concílio uni versal para saber se deveríamos estender os esforços da propagação da nossa fé para além dos confins do nosjso globo Muitos defenderiam indubitavelmente que os animais racionais desse pais não pertencendo à raça de Adão não participam da redenção de Jesus Cristo jao contrário outros diriam talvez que não sabemos com certeza nem sequer onde viveu Adão nem o que foi feito com toda a sua posteridade pois houve até teólogos que defenderam que o paraíso estava locali zaáo na lua talvez segundoj a maioria se optasse pelo mais seguro que seria batizar esses homens ambíguios sob condição se forem disso suscetíveis Entre tanto duvido de que estivessem dispostos a ordenálos ministros na Igreja roma na visto que as suas consagrações seriam sempre duvidosas e as pessoas seriam expostas ao risco de uma idolatria material segundo a hipótese dessa Igreja Por felicidade a natureza das coisas nos livra de todos esses embaraços todavia essas ficções estranhas se utilizam na especulação para bem conhecer a natureza das nossas idéias 23 FILALETO Não somente nas questões teológicas mas também em outras ocasiões alguns quereriam talvez dirigirse pela raça e afirmar que entre os ani mais a propagação pela cópula do macho e da fêmea e nas plantas mediante as sementes conserva as espécies supostas reais distintas e na sua inteireza Toda via isto serviria apenas para fixar as espécies dos animais e dos vegetais Que 33 Herói deum romance fantástico dc Godwin 15611633 The Man in the Moon O Homem na Lua publicado em 1638 e traduzido para o francês por Jean Baudoin 1648 3 4 No seu Cosmo theoros obra póstuma que trata da pluralidade dos mundos 204 LEIBNIZ fazer com o resto Aliás nem mesmo para os vegetais e animais este critério é suficiente pois se for lícito dar crédito à história houve mulheres que foram engravidadas por macacos Surge então um novo problema a que espécie per tence o fruto de uma tal união Observamse muitas vezes mulas e jumentos ver o Dicionário Etimológico de Ménage3 5 os primeiros oriundos de um burro e de uma égua os segundos de um touro e de uma jumenta Já vi um animal resultante da união de um gato e uma ratazana o qual tinha as características evidentes dos dois animais Quem a isto acrescentar ainda os monstros verá que é bem difícil determinar a espécie pela geração e se isto só fosse possível por este caminho serei porventura obrigado a ir até às índias para ver o pai e a mãe de um tigre e a semente da planta do chá Não poderia eu julgar diversamente se os indivíduos que dali procedem pertencem a essas espécies TEÓFILO A geração ou a raça fornecem pelo menos uma forte presunção isto é uma prova provisória sendo que conforme já frisei as nossas classifi cações são apenas conjeturais A raça por vezes é desmentida pela forma externa quando a criança não se assemelha nem ao pai nem à mãe igualmente a mescla de formas externas diferentes nem sempre constitui a marca da mescla das raças com efeito pode ocorrer que uma mulher gere um animal que parece pertencer a outra espécie e que esta irregularidade provenha exclusivamente da imaginação da mãe isto para não falar do que se denomina mola3 6 Todavia assim como se conclui provisoriamente da raça para a espécie podese também concluir da espécie para a raça Assim quando apresentaram a João Casimiro3 7 rei da Polô nia uma criança selvagem tomada dentre os ursos que tinha muitos comporta mentos de urso mas que ao final se demonstrou como um animal racional não tiveram receio de considerála da raça de Adão e de batizála sob o nome de José embora talvez sob a condição si baptizatus non es se não estiverdes batiza do conforme o uso da Igreja romana visto que poderia ter sido roubado por um urso depois do batismo Ainda não possuímos conhecimentos suficientes sobre os efeitos da mescla dos animais muitas vezes matamse os monstros ao invés de educálos embora não costumem ter longa vida Acreditase que os animais mes clados não se reproduzem entretanto Estrabão38 atribui a capacidade de propa gação aos mulos da Capadócia e me escreveram da China que na Tartária exis tem mulos de raça Observamos também que as mesclas de plantas são capazes de conservar a sua nova espécie Continuamos a ignorar se o que mais determina a espécie entre os animais é o macho ou a fêmea ou ambos ou nenhum deles A teoria dos óvulos das mulheres que o falecido Kerkring39 tornou célebre parecia 35 Gilles Ménage 16131692 erudito e literato célebre cuja obra capital é o Dicionário Etimológico publicado em 1650 e reeditado em 1694 3 8 Massa carnuda que se forma por vezes no útero depois da ressorção do embrião a partir de um desen volvimento patológico dos invólucros do germe Visto que ela contém muitas vezes fragmentos de esqueleto viase nela outrora um feto monstruoso 37 João II Casimiro 16481668 38 Afamado geógrafo grego do século I aC ver a sua Geografia XII 11 39 Teodoro Kerckring 16401693 anatomista e embriologista holandês autor de uma Anthropogeniae Ichonographia 1671 representante da teoria ovulista NOVOS ENSAIOS 205 reduzir os machos à condição do ar pluvial em relação às plantas ar que possibi lita às sementes brotarem e emergirem da terra segundo os versos que os prisci lianistas repetiam de Virgílio í Cumpater omnipotens foecundis imbribus aether Conjugis in laetae gremium descendit et omnes Magnus alit magno commistus corpore foetus 40 Numa palavra segundo esta hipótese o macho não faria mais do que faz a chuva Entretanto Leeuwenhoek 41 reabilitou o gênero másculino degradando em contrapartida o sexo feminino como se este tivesse apenas a função da terra em relação às sementes fornecendolhes o lugar e o alimento isto poderia acon tecer mesmo que se mantivesse a existência dos óvulos femininos Todavia isto não impede que a imaginação da mulher tenha uma grande influência sobre a forma do feto se supuséssemos que o animal já veio do macho Pois é um estado destinado a uma grande mudança ordinária e tanto mais suscetível de mudanças extraordinárias Há quem assegure que a imaginação de uma dama de alta condi ção chocada por ter visto liim estropiado fez com que a mão do seu feto pró ximo ao seu termo fosse decepada do braço mão que passou a crescer na parte traseira do corpo contudo isto precisa de confirmação Talvez haja alguém que pretenda embora a aliiaa só possa provir de um sexo que tanto um como o outro sexo fornecem algo dje organizado e que de dois corpos se originou um só assim como observamos qúe o bichodaseda é como um animal duplo e encerra um inseto que voa sob forma de uma lagarta a tal ponto estamos ainda mal esclarecidos sobre uma coisa tão importante Possivelmente a analogia com as plantas nos fornecerá um dia maiores luzes porém até agora não temos informa ções sequer sobre a geração das próprias plantas a suspeita da poeira que se faz notar como o que poderia corresponder ao sêmen masculino ainda não está suficientemente esclarecida De resto um rebento da planta muitas vezes é capaz de dar em uma planta nova e inteira coisa que ainda não apresenta analogia entre os animais assim sendo não se pode dizer que o pé de um animal é um ani mal como parece poderse afirmar que cada ramo da árvore é uma planta capaz de frutificar sozinha As mesclas ou enxertos das espécies e até as mudanças numa espécie muitas vezes logram grande êxito nas plantas Possivelmente em algum tempo ou em algumi lugar do universo as espécies dos animais são eram ou serão mais sujeitas a mudar do que o são entre nós atualmente vários animais que possuem algo do gato Icomo o leão o tigre e o lince poderiam ter pertencido a uma mesma raça e talvez sejam atualmente como novas subdivisões da antiga 40 Citação de Virgílio Geórgicas II 325327 Quando o éter pai todopoderoso desce em chuvas fecun das ao seio da sua florescente esposia e unindose em toda a sua grandeza a este grande corpo ali alimenta todos os germes Os discípulos de Prisciliano herege do século IV e próximo ao maniqueísmo cantavam esses versos no dizer de uma epístola de São Jerônimo no decorrer das orgias as quais se entregavam durante as suas reuniões Entretanto é lícito supor que atribuíam uma significação religiosa aos mencio nados versos 41 Leeuwenhoeck 16321723 afcimado biólogo holandês utilizou o microscópio para estudar os fenôme nos da fecundação e para descobrir o espermatozóide dando assim origem às teorias animalculistas 206 LEIBNIZ espécie dos gatos Assim sendo volto sempre de novo ao que já afirmei mais de uma vez isto é que as nossas determinações das espécies físicas são provisórias e proporcionais ao estado dos nossos conhecimentos atuais 24 FiLALETO Os homens ao menos ao fazer as suas divisões das espécies jamais pensaram nas formas substanciais excetuados aqueles que neste único lugar do mundo em que nos encontramos aprenderam a linguagem das nossas escolas TEÓFILO Ao que parece desde há algum tempo o termo formas substanciais se tornou infame para certas pessoas que têm vergonha de falar disso Talvez haja nisto mais moda do que razão Os Escolásticos empregavam mal uma noção geral quando se tratava de explicar os fenômenos particulares todavia este abuso não destrói a coisa como tal A alma humana decepciona um pouco a con fiança de alguns dos nossos autores modernos Existem alguns que reconhecem ser ela a forma do homem porém querem que seja a única forma substancial da natureza conhecida O Sr Descartes fala desta maneira ele corrigiu o Sr Regius 42 pelo fato de este contestar esta qualidade de forma substancial à alma e negar que o homem seja unum per se um ser dotado de uma verdadeira unida de Alguns acreditam que este homem insigne o tenha feito por política Duvido pois creio que ele tinha razão Creio porém que não devemos atribuir este privi légio exclusivamente ao homem Há motivos para julgar que existe uma infini dade de almas ou para falar de maneira mais geral de enteléquias primitivas que possuem algo de analógico com a percepção e o apetite e que todas elas são e permanecem sempre formas substanciais dos corpos É verdade que existem aparentemente espécies que não constituem verdadeiramente unum per se isto é corpos dotados de uma verdadeira unidade ou de um ser indivisível que seja o princípio ativo total dessa unidade tal como tampouco um moinho ou um reló gio o constituem Os sais os minerais e os metais poderiam ser desta natureza isto é simples contexturas ou massas nas quais existe algüma regularidade Toda via os corpos de uns e dos outros isto é os corpos animados como as contex turas sem vida serão especificados pela estrutura interior pois nos próprios cor pos que sào animados a alma e a máquina cada uma em separado bastam para a determinação pois elas concordam perfeitamente e embora uma não tenha influência imediata sobre a outra elas se exprimem reciprocamente sendo que uma concentrou numa perfeita unidade tudo o que a outra dispersou na multidão Assim quando se trata do arranjo das espécies é inútil discutir sobre as formas substanciais embora seja conveniente por outras razões conhecer se existem e como com efeito sem isto sentirnosemos estranhos no mundo intelectual Aliás os gregos e os árabes falaram dessas formas tanto como os europeus se o homem comum não fala delas será em virtude da mesma razão pela qual não fala nem de álgebra nem de valores incomensuráveis 42 Henrik van Roy denominado Regius 15981679 filósofo holandês de início cartesiano separouse de Descartes défènàendo que o homem é um sfepçcidente seljtdo queo corpo e a alma não èstão vinculados entre si por união substancial v NOVOS ENSAIOS 207 25 f i l a l e t o As línguas seformaram antes das ciências e o povo ignorante e iletrado reduziu as coisas a certas espécies TEÓFILO Isto é verdade porém as pessoas que estudam essas matérias retifi cam as noções populares Os químicos essayers descobriram os meios exatos para discernir e separar os metais os cultores da botânica enriqueceram maravi lhosamente os nossos conhecimentos sobre as plantas e as experiências feitas com insetos nos forneceram alguns elementos novos para o conhecimento dos animais Todavia estamos ainda bem longe da metade da nossa caminhada I 26 f i l a l e t o Se as espédes fossem uma obra da natureza não poderiam ser concebidas de maneira tão diferente em diferentes pessoas a um o homem apare ce como um animal sem penas com dois pés e unhas longas ao passo que o outro depois de um exame mais profundo acrescenta a razão Todavia muitas pessoas determinam as espécies dos animais pela sua forma externa antes que pela sua geração porquanto mais de uma vez se pôs em dúvida se certos fetos humanos deveriam ser batizados ou não pela simples razão de que a sua configu ração externa divergia da forma comum das crianças sem que se soubesse se também eles não são tão capazes de razão quanto outras crianças das quais algu mas jamais serão capazes de demonstrar durante toda a sua vida mais razão do que um símio ou um elefante e que nunca dão algum sinal de ser guiados por uma alma racional daqui aparece evidentemente que a forma externa foi conside rada essencial para qualificar a espécie humana Nessas ocasiões os teólogos e os jurisconsultos mais insignes são obrigados a renunciar à sua sagrada definição de animal racional e a substituíla por alguma outra essência da espécie humana O Sr Ménage 43 Menagiana tomo I p 278 da edição da Holanda 1694 nos dá o exemplo de um certo sacerdote de SaintMartin qüe merece ser mencionado Diz ele que quandoeste sacerdote de SaintMartin nasceu tinha uma forma tão pouco humana que se parecia com um monstro Passaram algum tempo em deliberar se convinha batizálo Ao final foi batizado e declarado homem provisoriamente isto é até quando o tempo revelasse o que ele era na verdade Ele tinha uma natu reza tão infeliz que durante toda a sua vida o chamaram de Abbé Malotru Padre Tosco Era natural de Caen jAqui temos o caso de uma criança que quase foi excluída da espécie humana devido à sua forma externa Apenas conseguiu ser classificada como homem é certo qúe se a sua forma tivesse sido um pouco mais irregular têlaiam feito desaparecer como um ser que não merece passar por homem Todavia ninguém seria capaz de indicar alguma razão pela qual uma alma racional não teria podido habitar nele se os traços do seu rosto tivessem sido um pouco mais alterados Por que motivo um rosto pouco mais longo um nariz mais plano uma boca mais aberta não teriam podido subsistir tão bem como os restos da forma irregular com uma alma e qualidades que o tornariam capaz de possuir uma dignidade na Igreja por mais feio que ele fosse t e ó f i l o Até agora não se encontrou nenhum animal racional de forma exter na muito diferente da nossa eis por que quando se tratava de batizar uma crian 43 Quanto a Ménage ver a nota 100 208 LEIBNIZ ça a raça e a forma externa sempre foram consideradas apenas como indícios para julgar se era um animal racional ou não Assim os teólogos e jurisconsultos não precisaram renunciar à sua definição consagrada 27 FiLALETO Entretanto a dificuldade seria maior se aquele monstro do qual fala Liceto 4 4 livro I capítulo 3 que tinha a cabeça de homem e o corpo de suíno ou outros monstros com corpo de homem e cabeça dè cão ou de cavalo tivessem permanecido vivos t e ó f i l o Reconheçoo Se tal acontecesse seriamos mais cuidadosos antes de desfazernos dos monstros Pois parece que a razão venceria entre os teólogos e os jurisconsultos não obstante a forma externa e as diferenças que a anatomia poderia fornecer aos médicos diferenças que deporiam tão pouco contra a digni dade de homem quanto esta inversão de vísceras naquele homem cuja anato mia foi vista por conhecidos meus homem no qual a natureza pouco sábia e sem dúvida com abuso colocou o fígado no lado esquerdo E viceversa Colocou o coração no lado direito se bem recordo alguns dos versos feitos pelo Sr Alliot 4 5 médico insigne por ter se ocupado com a cura do câncer Isto se compreende desde que a variação das formas não vá muito longe nos animais racionais e que não voltemos aos tempos em que os animais falavam pois neste caso perderíamos o nosso privilégio da razão e estaríamos mais atentos ao nascimento e à forma externa a fim de poder mos discernir os da raça de Adão dos que poderiam descender de um rei ou patriarca de alguma região de símios dia África o nosso versado autor teve razão em observar 29 que se a mula de Balaão 4 6 tivesse discorrido toda a vida de maneira tão inteligente como o fez uma vez com o seu dono na hipótese de que não tenha sido uma visão profética teria tido muita dificuldade em conquistar uma posição de destaque entre as mulheres f i l a l e t o Como vejo estais rindo e talvez o vosso autor fizesse o mesmo Todavia para falar com seriedade vedes que não se deveria assinalar limites fixos para as espécies t e ó f i l o Já manifestei o meu acordo Com efeito quando se trata de ficções e da mera possibilidade das coisas a passagem de uma espécie para a outra pode ser insensível para discernilas seria mais ou menos como decidir a seguinte questão quanto cabelo deve ter uma pessoa para que não seja calva Esta indeterminaçâo permaneceria mesmo que conhecêssemos perfeitamente o inte rior das criaturas em questão Todavia não cdncordo em que esta indetermi 4 4 Fortunio Liceti 15771657 médico italiano autor de um tratado D e Monstrorum Causis Natura et Differentiis Os Monstros as Suas Causas a Sua Natureza e as Suas Variedades editado tm 1616 4 6 Pierre Alliot médico francês fez em Ana da Áustria a experiência do seu pretenso remédio contra o câncer 46 Núm 222830 NOVOS ENSAIOS 209 nação possa impedir as coisâs de possuírem essências reais independentemente do entendimento e possa impedir a nós de conhecer tais essências É verdade que os nomes e os limites das espécies seriam por vezes como os nomes das medidas e dos pesos onde é necessário escolher para ter limites fixos Todavia normal mente não Ihá nada disso a temer visto que as espécies muito próximas não se encontram juntas j 28 f i l a l e t o Ao que parece estamos de acordo quanto à matéria embora usemos termos um pouco diferentes Reconheço também que existe menos arbitrariedade na denominação das substâncias que nos nomes dos modos com postos Com efeito não nos lembramos de juntar o balido de uma ovelha com uma forma de cavalo nem a cor do chumbo com a fixidez do ouro TEÓFILO Isto acontece não tanto pelo fato de que nas substâncias conside ramos apenas o que existe efetivamente mas antes pelo fato de que não estamos certos nas idéias físicas que não compreendemos a fundo se a sua junção é possível ou útil quando não temos como garantia a existência real Isto acon tece também nos modos não somente quando a sua obscuridade nos é impene trável como ocorre por vezes na física mas também quando não é fácil penetrála como existem muiíos exemplos na geometria Pois em ambas as ciên cias não está em nosso poder estabelecer combinações conforme a nossa fantasia do contrário teríamos o direito de falar de decaedros regulares e procuraríamos no semicírculo um centro de grandeza como existe um centro de gravidade Com efeito é surpreendente que uni exista e o outro não exista Ora como nos modos as combinações não são sempre arbitrárias acontece por oposição que o sejam por vezes nas substâncias depende muitas vezes de nós fazermos combinações das qualidades para definir também seres substanciais antes da experiência quan do compreendemos suficientemente tais qualidades para julgar da possibilidade da combinação Assim é que um jardineiro experimentado no cultivo de laranjas poderá com razão e sucesso tentar a produção de alguma nova espécie e darlhe antecipadamenterjima denominação 29 FiLALETO Reconhecerei sempre que quando se trata de definir as espé cies o número das idéias que combinamos depende da diferente aplicação do empenho ou fantasia de quem forma esta combinação assim como é pela forma externa que nos regulamos o mais das vezes para determinar a espécie dos vege tais e dos animais da mesmai forma quanto a maioria dos corpos naturais que não são produzidos por semente é na cor que nos fixamos o mais das vezes 30 Na verdade muitas vezes são apenas concepções confusas grosseiras e inexatas e os homens estão longe de concordar quanto ao número preciso das idéias sim ples ou das qualidades que pertencem a uma tal espécie ou a um tal nome pois requerse trabalho atenção e tempo para encontrar as idéias simples que são constantemente unidas Todavia poucas qualidades que compõem essas defini ções inexatas são em geral suficientes na conversação todavia apesar do falató rio que se faz em tomo dos gêiieros e das espécies as formas de que tanto se falou 210 LEIBNIZ nas escolas filosóficasnão passam de quimeras que em nada nos ajudam a pene trar no conhecimento de naturezas específicas TEÓFILO Todos os que fazem uma combinação possível não se enganam nisto nem se enganam ao darlhe uma denominação enganamse porém ao pen sar que o que concebem é tudo aquilo que outros mais peritos concebem sob o mesmo nome ou rio mesmo corpo Possivelmente eles concebem um gênero demasiado comum ao invés de um outro mais específico Nada existe em tudo isto que se oponha às escolas filosóficas e não vejo por que voltais a investir contra os gêneros as espécies e as formas uma vez queVós mesmo deveis reco nhecer os gêneros as espécies e até as essências internas ou formas que não se pretendem empregar para conhecer a natureza específica da coisa quando se con fessa ignorálas ainda 30 FILALETO No mínimo é evidente que os limites que assinalamos para as espécies não são exatamente conformes àqueles que foram estabelecidos pela natureza Com efeito na necessidade que temos dos nomes gerais para o uso atual não nos damos ao trabalho de descobrir as suas qualidades as quais nos fariam conhecer melhor as suas diferenças e concordâncias mais essenciais nós mesmos as distinguimos em espécies em virtude de certas aparências que impres sionam os olhos de todos a fim de podermos comunicarnos mais facilmente com os outros TEÓFILO Se combinamos idéias compatíveis os limites que marcamos para as espécies são sempre exatamente conformes à natureza e se prestamos atenção em combinar as idéias que atualmente se encontram associadas as nossas noções concordam com a experiência e se as considerarmos como provisórias somente para corpos efetivos e se recorrermos aos peritos quando se trata de algo de pre ciso em relação ao que comumente se entende pelo nome não nos enganaremos Assim a natureza pode proporcionar idéias mais perfeitas e mais cômodas porém não desmentirá as que possuímos Estas são boas e naturais embora tal vez não sejam as melhores e as mais naturais 32 FILALETO As nossas idéias genéricas das substâncias como por exem plo a do metal não seguem exatamente os modelos que lhes são propostos pela natureza pois não podemos encontrar nenhum corpo que encerre simplesmente a maleabilidade e a fusibilidade sem outras qualidades TEÓFILO Não se exigem tais modelos e não haveria razão para exigilos pois eles não se encontram nem mesmo nas noções mais distintas Não existe um nú mero no qual não haja nada além da multidão em geral não existe um corpo extenso no qual só exista extensão não existe um corpo no qual só haja solidez e não existam outras qualidades E quando as diferenças específicas são positivas e opostas necessariamente o gênero faz parte delas FILALETO Em conseqüência se alguém imagina que um homem um cavalo um animal uma planta etc se distinguem por essências reais formadas pela NOVOS ENSAIOS 211 natureza deve imaginar a natureza bem liberal dessas essências reais se ela pro duzir uma para o corpo uina outra parao animal e uma outra para o cavalo e comunica generosamente todas essas essências ao Bucéfalo ao passo que os gê neros e as espécies não passam de sinais mais ou menos extensos TEÓFILO Se considerardes as essências reais como sendo esses modelos subs tanciais que seriam um corpo e nadà mais um animal e nada mais de específico um cavalo sem qualidades individuais tendes razão em considerálas puras qui meras Quanto saiba ninguém pretendeu nem mesmo os maiores realistas de outrora que existem tan1as substâncias que se limitem ao genérico quantos existem gêneros Não segue porém que se as essências gerais não são isto são puros sinais pois mais de urpa vez vos fiz notar que são possibilidades nas seme lhanças Assim também dó Ifató de que as cores não são sempre substâncias ou tintas removíveis não segué que elas sejam imaginárias Aliás não é possível imaginar a natureza excessivamente liberal elá o é além de tudo o que possamos inventar sendo que todas asjpossibilidades compatíveis em prevalência se encon tram realizadas no gránde teatro das suas representações Existiam antigamente dois axiomas entre os filósofos o dos realistas parecia conceber a natureza como pródiga o dos nominalistas iparecia concebêla como mesquinha Um diz que a natureza não admite vazio b outro afirma que a natureza nada faz em vão Os dois axiomas são bons desde que sejam entendidos retamente pois a natureza é como um bom administrador que poupa onde é necessário sendo pródiga em tempo e lugar Ela é pródiga nos efeitos econômica nas causas que emprega 34 FILALETO Sem querermos ocuparnos mais com esta discussão sobre as essências reais é suficiente que atinjamos a finalidade da linguagem e o uso das palavras que é a de indicar os nossos pensamentos em resumo Se quero falar a alguém sobre uma espécie de pássaros de três ou quatro pés de altura cuja pele é coberta de alguma coisa intermediária entre as penas e os pêlos de um pardo escuro sem asas mas que ao invés de asas possui dois ou três pequenos ramos parecidos com ramos de giesta que descem ao longo do seu corpo com pernas longas e reforçadas de pés çom apenas três unhas e sem cauda sou obrigado a fazer esta descrição pela quíal posso fazerme entender aos outros Entretanto quando me dizem que o norne deste animal é cassiovaris posso utilizar este nome para designar no discurso toda esta idéia composta TEÓFILO Possivelmente uma idéia bem exata da cobertura da pele ou de algu ma outra parte bastaria para discernir este animal de qualquer outro conhecido assim como Hércules se fazia conhecer pelo passo que tinha feitoe como o leão se reconhece pela unha conforme o provérbio latino Entretanto quanto mais circunstâncias acumularmos tanto menos provisória é a definição 35 FILALETO Podemos cortar da idéia neste caso sem prejuízo da coisa todavia quando é a natureza que corta perguntase se a espécie permanece Por exemplo se houvesse um corpo que tivesse todas as qualidades do ouro exceto a maleabilidade seria ouro Djepende dos homens decidirem Por conseguinte são eles que determinam as espécies das coisas 212 LEIBNIZ TEÓFILO Em absoluto Os homens determinariam apenas a denominação Entretanto esta experiência nos ensinaria que a maleabilidade não tem conexão necessária com as outras qualidades do ouro tomadas em conjunto Ela nos ensi naria portanto uma nova possibilidade e por conseguinte uma nova espécie No que concerne ao ouro quebradiço isto provém exclusivamente das adições e não é consistente com os outros ensaios do ouro pois o cadinho e o antimônio lhe tiram este caráter quebradiço 36 FiLALETO Daqui segue uma coisa que parecerá muito estranha É que toda idéia abstrata que tem um certo nome forma uma espécie distinta Mas que fazer se a natureza assim o quer Gostaria de saber por que um cão fraldiqueiro è um galgo não constituem espécies tão distintas como um êpagneul e um elefante TEÓFILO Mais acima distingui as diferentes acepções da palavra espécie Tomandoo logicamente ou melhor matematicamente a menor dessemelhança pode ser suficiente assim cada idéia diferente dará uma nova espécie não impor tando se esta tem ou não um nome Falando fisicamente porém não nos fixamos em todas as variedades e falamos ou nitidamente quando se trata apenas das aparências ou conjeturalmente quando se trata dà verdade interior das coisas presumindo alguma natureza essencial e imutável como a razão o é no homem Presumese portanto que aquilo que só difere por mudanças acidentais como a água e o gelo a prata viva na sua forma corrente constitui uma mesma espécie nos corpos orgânicos colocamos ordinariamente a marca provisória da mesma espécie na geração ou raça como nos mais similares a colocamos na reprodução É verdade que não podemos julgar com precisão por não conhecermos o interior das coisas mas como já disse mais de uma vez julgamos provisoriamente e mui tas vezes em caráter conjetural Todavia quando só queremos falar do exterior por temor de nada dizer que não seja certo existe latitude neste caso disputar se uma diferença é específica ou não equivale a disputar acerca do termo neste sen tido existe uma diferença tão grande entre os cães que bem se pode afirmar que os dogues da Inglaterra e os cães de Boulogne são de espécies diferentes Todavia não é impossível que eles sejam de uma mesma raça longínqua igual ou seme lhante que poderíamos encontrar se pudéssemos retroceder bem longe e os seus ancestrais tivessem sido semelhantes ou iguais porém depois de grandes mudan ças alguns da posteridade se tivessem tomado muito grandes e outros muito pequenos Podese mesmo crer sem chocar a razão que tenham em comum uma natureza interna constante específica que não mais seja assim subdividida ou que não se encontre aqui em várias outras naturezas tais e por conseguinte só seja diversificada por acidentes embora não haja nada que nos faça crer que deva ser necessariamente assim em tudo aquilo que denominamos a mais baixa espécie speciem infimam Entretanto não há indícios de que um cão êpagneul e um elefante sejam da mesma raça e que possuam uma tal natureza específica comum Assim nas diferentes espécies de cães em falando das aparências pode se distinguir as espécies e falando da essência interior podese hesitar todavia NOVOS ENSAIOS 213 comparando o cão e o elefante não existe meio de atribuirlhes exteriormente ou interiormente o que poderia fazer considerálos da mesma espécie Assim não há motivo algum para hesitar contra a presunção No homem poderseia também distinguir as espécies falando logicamente e se nos fixássemos nos elementos externos encontraríamos também falando fisicamente diferenças que poderiam passar como específicas Assim houve um viajante que pensou que os negros os chineses e finalmente os americanos não pertenciam à mesma raça nem entre si nem em relação a outros povos que se parecem conosco Todavia como se conhece o interior essencial do homem isto é a razão que reside no mesmo homem e se encontra em todos os homens e não se nota nada de fixo e de interno entre nós que forme uma subdivisão não temos motivo algum para pensar que existe entre os homens segundo a verdade da essência interna uma diferença específica essencial ao passo que tal diferença existe entre o homem e o animal supondo que os animais sejam apenas empíricos conforme o que expliquei acima e uma vez que a experiência não nos permite pensar de outra forma 39 FILALETO Tomemos o exemplo de uma coisa artificial cuja estrutura interior nos é conhecida Una relógio que só assinala as horas e um relógio sonoro constituem uma só espécie em relação àqueles que só têm um nome para desig nálos todavia com respeito àquele que possui o nòme relógio de bolso mon tre para designar o primeiro e o de relógio de parede55 horloge para significar o último em relação a ele são duas espécies diferentes É o nome e não a disposi ção interior que constitui uma nova espécie de outra forma haveria espécies demais Existem relógios de quatro rodas e outros de cinco alguns têm cordas e fuselas outros não as têm alguns têm o balanço livre ao passo que outros têm o balanço movido por uma mola feita em forma de linha espiral outros enfim fei tos de outro material porventura algum desses elementos é suficiente para perfa zer uma diferença específica Digo que não embora esses relógios concordem quanto ao nome TEÓFILO i Quanto a mim diria que sim pois sem fixarme nos nomes gostaria de considerar as variedades do objeto e sobretudo a diferença dos balanços com efeito descle o momento em que se lhe aplicou uma mola que governa as suas vibrações segundo as suas e as toma por conseguinte mais iguais os relógios de bolso mudaram de aspecto e se tornaram incomparavelmente mais exatos Outro ra notei até um outro princípio de igualdade que se poderia aplicar aos relógios FILALETO Se alguém quiser estabelecer divisões fundadas nas diferenças que conhece na configuração interior pode fazêlo todavia não seriam espécies dis tintas em relação a pessoas que ignoram esta construção TEÓFILO Não sei por que razão entre vós querem fazer depender da nossa opinião do nosso conhecimento as virtudes as verdades e as espécies Elas exis tem na natureza quer o saibamos e aprovemos quer não Falar de outro modo equivale a alterar os nomes das coisas e a linguagem usual sem motivo algum Até agora os homens terão crido que existem várias espécies de relógios de pare de ou de bolso sem informarse em que consistem ou como poderiam ser denominados 214 LEIBNIZ f í l a l e t o Entretanto reconhecestes não faz muito tempo que quando que remos distinguir as espécies físicas pelas aparências limitamonos de maneira arbitrária onde achamos bom isto é conforme se considera a diferença mais ou ménos considerável conforme a finalidade a que se visa Vós mesmo utilizastes a comparação dos pesos e das medidas que se costuma regular conforme o gosto dos homens TÉOFILO Fiz isto desde o tempo em que comecei a ouvirvos Entre as diferen ças específicas puramente lógicas onde basta a menor variação de definição atri buível por mais acidental que seja e entre as diferenças específicas que são pura mente físicas fundadas sobre o essencial ou imutável mas que não mudam facilmente sendo que uma se aproxima mais do essencial do que a outra E visto que também um conhecedor pode ir mais longe do que o outro a coisa parece arbitrária e tem relação com os homens parecendo cômodo regular também os nomes segundo essas diferenças principalmente Poderseia portanto dizerassim que são diferenças específicas civis e espécies nominais que não se deve confun dir com aquilo que mais acima denominei definições nominais e que se verificam tanto nas diferenças específicas lógicas como nas físicas De resto além do uso vulgar as próprias leis podem autorizar as significações das palavras e então as espécies se tomariam legais como nos contratos que se denominam nominati isto é designados por um nome particular Assim é que a lei romana faz começar a puberdade com os catorze anos completos Toda esta consideração não deve ser menosprezada todavia não vejo que ela seja muito útil Com efeito além do fatb de que se não me equivoco vós a aplicastes algumas vezes indevidamente ter seá mais ou menos o mesmo efeito se considerarmos que depende dos homens proceder nas subdivisões tão longe quanto considerarem conveniente e de fazer abstração das diferenças ulteriores sem que seja necessário negálas que depen de também deles escolher o certo pelõ incertoa fim de fixar algumas noções e medidas dandòlhes denominações f í l a l e t o Aprecio constatar que neste ponto não estamos tão longe um do outro como parecia 41 Reconhecereis ainda pelo que vejo que as coisas artificiais têm espécies tanto como as naturais contrariamente ao que afirmam alguns filósofos 42 Entretanto antes de deixarmos o problema dos nomes das substâncias acrescentarei que de todas as diversas idéias que possuímos as idéias das substâncias são as únicas que possuem nomes próprios ou individuais Pois acontece raramente que os homens necessitem fazer uma menção freqüente de alguma qualidade individual ou de algum outro indivíduo de acidente além disso as ações individuais perecem antes e a combinação das circunstâncias que ali se opera não subsiste como nas substâncias TEÓFILO Existem contudo casos em que temos necessidade de recordarnos de um acidente individual e que lhe demos uma denominação assim sendo a vossa norma é boa em casos normais porém é passível de exceções A religião nos fornece tais exceçõçs como celebramos anualmente a memória do nasci mento de Jesus Cristo os gregos denominavam este acontecimento de teogenia e o da adoração dos magos de epifania Por sua vez os hebreus denominavam Passáh Páscoa por excelênjcia a passagem do anjo que fez morrer os primogê nitos dos egípcios sem tocar os dos hebreus sendo que todos os anos deviam recordar a memória deste evento Quanto às espécies das coisas artificiais os filó sofos escolásticos sc opuscrnjm n queentrassem nos seus predicamentos todavia a sua delicadeza era pouco Kjiecessária pois essas tabelas predicamentais servem para fazer uma revisão geraldas nossas idéias Entretanto convém reconhecer a diferença que existe entre as substâncias perfeitas e as associações de substâncias aggregata que são seres substanciais compostos ou pela natureza ou por obra dos homens Com efeito taiibém a natureza tem tais associações como são os corpos cuja mescla é imperjfeita para falar a linguagem dos nossos filósofos imperfecte mixta que não jonstituem unum per se 4 7 e não possuem em si uma perfeita unidade Creio todapa que os quatro corpos que denominam elementos corpos que consideram simples e os sais os metais e outros corpos que acreditam mesclados perfeitajmente e aos quais reconhecem os seus caracteres tampouco constituem ununper se tanto mais porque se deve pensar que são uni formes e semelhantes apenas na aparência è mesmo um corpo semelhante não deixará de ser um amontoadjp Numa palavra a unidade perfeita deve ser reser vada aos corpos animados oju dotados de ènteléquias primitivas pois essas ente léquias possuem analogia cjirn as almas e são tão indivisíveis e imperecíveis como elas alhures expressei á convicção de que os seus corpos orgânicos são má quinas efetivas mas que ultrapassam as artificiais de nossa invenção na mesma medida em que o inventor das naturais nos ultrapassa Pois essas máquinas da natureza são tão imperecíyes como as próprias almas e o animal com a alma subsiste sempre ê como o cso de Arlequim para usar um exemplo plástico por mais ridículo que seja j que queriam despir no teatro mas não conse guiram fazêlo porque tinha üão sei quantas roupas uma por cima da outra em bora essas réplicas dos corptüs orgânicos até ao infinito que se encontram num animal não sejam tão semelhantes pois os produtos da natureza possuem uma sutilidade toda diferente Tudjo isso mostra que os filósofos não andaram tão erra dos ao estabelerem uma distancia tão grande entre as coisas artificiais e entre os corpos naturais dotados de una verdadeira unidade Estava porém reservado ao nosso tempo desenvolver este mistério e fazer compreender a sua importância e as suas conseqüências para bem estabelecer a teologia natural e o que se deno í NOVOS ENSAIOS 215 mina pneumática e isto de í forme com aquilo que pode ma forma que seja verdadeiramente natural e con mos experimentar e compreender forma que não sacrifique nada das importantes considerações que devem fornecer ou antes que as realça como faz o sistema de harmonia preestabelecida Acredito que com isto estamos no melhor ponto pdssível para encerrar esta longa discussão sobre os nomes das substâncias 4 7 Uma unidade por si mesmos Dqvèse ler sem dúvida que não são unum per se 216 LEIBNIZ C a p it u l o V II As partículas í FILALETO Além das palavras que servem para designar as idéias temos necessidade das que significam a conexão das idéias ou as proposições Isto é isto não é constituem sinais gerais da afirmação ou da negação O espírito porém além de ligar as partes das proposições liga também sentenças ou propo sições inteiras 2 servindose das palavras que exprimem esta ligação das diver sas afirmações e negações é o que denominamos partículas é no seu reto uso que consiste sobretudo a arte de bem falar É para que os raciocínios sejam seguidos e metódicos que são necessários termos que revelem a conexão a restrição a distinção a oposição a ênfase etc E quando não se toma cuidado nisto põese em situação embaraçosa a quem escuta TÉOFILO Confesso que as partículas são de largo uso mas não sei se a arte do bem falar reside principalmente nisto Se alguém não pronunciasse outra coisa senão aforismos ou teses sem nexo como se faz nas universidades ou como nos chamados libelos articulados entre os jurisconsultos ou como nos artigos que se propõem às testemunhas neste caso desde que se ordenem retamente estas proposições alcançarseá mais ou menos o mesmo efeito em ser compreen dido que se tivéssemos usado a ligação e as partículas pois o leitor as supre Todavia reconheço que o leitor ficaria confuso se colocássemos mal as partículas e isto bem mais do que se as omitíssemos Pareceme igualmente que as partículas ligam não somente as partes do discurso composto de proposições e as partes da proposição composta de idéias mas também as partes da idêia composta de várias maneiras pela combinação de outras idéias É esta última ligação que é assinalada pelas preposições ao passo que os advérbios têm influência sobre a afirmação ou a negação que está no verbo e as conjunções têm influência sobre a ligação de diferentes afirmações ou negações Não duvido porém que vós mesmo tenhais notado tudo isto ainda que as vossas palavras pareçam dizer outra coisa 3 FILALETO A parte da gramática que trata das partículas tem sido menos cultivada do que aquela que representa pela ordem os casos os gêneros os modos os tempos os gerundivos e os supinos É bem verdade que em algumas íínguas classificaramse também as partículas sob títulos por subdivisões distin tas e isto com uma grande aparência de exatidão Não basta porém percorrer NOVOS ENSAIOS 217 estes catálogos Cumpre refletir sobre os seus próprios pensamentos para obser var as formas que o espírito assume ao discorrer já que as partículas são também características da ação do espírito TEÓFILO E bem verdade que a doutrina das partículas é importante e gostaria que entrássemos em mais díjtalhes sobrfe esta matéria Pois nada seria mais pró prio para dar a conhecer as diversas formas do entendimento Os gêneros não sig nificam nada na gramática filosófica mas os casos correspondem às preposições e muitas vezes a preposiçãoestá envolvida no nome e como que absorvida nele e outras partículas estão escòndidas nas flexões dos verbos 4 FILALETO Para bem explicar as partículas não é suficiente traduzilas como se faz via de regra num dicionário pelas palavras duma outra língua que se aproximam dela ao máximo visto que é tão difícil compreenderlhes o sentido preciso numa língua quanto na outra além disso as significações das palavras vizinhas das duas línguas não são sempre exatamente as mesmas variando tam bém numa e mesma língua líembrome de que na língua hebraica existe uma par tícula de uma só letra que teiçn mais de cinqüenta significações TEÓFILO Homens sábios têmse dedicado a elaborar tratados explícitos sobre as partículas do latim do grjsgo e do hebraico Strauch 48 célebre jurisconsulto escreveu um livro sobre o uso das partículas na jurisprudência onde a significa ção tem grandes conseqüências Vêse contudo que via de regra é mais por meio de exemplos e de sinônimos que se pretende explicálas do que por meio de noções distintas Tampouco jse pode encontrar uma significação geral ou formal como o denominava o falecido Sr Bohl 49 que possa satisfazer a todos os exem plos não obstante isto poderseia sempre reduzir todos os usos de uma palavra a um determinado número de significações É isto que se deveria fazer 5 FILALETO Realmente o número das significações ultrapassa de muito o das partículas Em inglês a partícula but possui significações muito diversas 1 Quando digo buf to say no more significa mas para não dizer nada mais como seesta partícula significasse que o espírito pára no caminho antes de terminar a carreira 2 Ao dizer porém I saw but twoplants isto é Só vi dois planetas o espírito limita o sentido daquilo que quer dizer àquilo que foi expresso com exclusão de qualquer outra coisa 3 E quando digo Your pray but it is not that God would bringyou to the religion but that he would confvrm you in your own isto é Vós orais a Deus mas não é que ele queira conduzirvos ao conhecimento da verdade da religião 48 Johann Strauch 16141679 professor de direito em Iena e Giessen tio materno de Leibniz exerceu uma influência indiscutível sobre o desenvolvimento dos seus estudos jurídicos O livro aqui mencionado é um Lexicon Particularum Juris LéxicO das Partículas Usadas no Direito 1671 49 Samuel Bohl 16111639 teólogo e hebraizante pomeraniano autor e editor de uma série de disserta ções que têm por objetivo identificar Bíblia o elemento formal da significação com vistas a uma explicação da 2 1 8 LEIBNIZ mas que ele vos confirma na vossa o primeiro destes but ou mas designa uma suposição no espírito a qual é diferente do que deveria ser e o segundo faz ver que o espírito coloca uma oposição direta entre o que segue e o que precede 4 AU animais have sense but a dog is an animal isto ê Todos os animais têm sentimento ora mais em francês ocão é um animal Aqui a partícula signi fica á conexão da segunda proposição com a primeira TEÓFILO O francês mais pôde ser colocado em lugar de but em todos esses casos excetuado o segundo Ao contrário o alemão allein tomado como partí cula que significa conjuntamente algo de mais e de seulement pode sem dúvida ser colocado em lugar de but em todos os referidos exemplos exceto no último que comporta alguma dúvida O mais francês se traduz em alemão às vezes por aber às vezes por sondem que estabelece uma separação e se aproxima da partícula allein Para bem explicar as partículas não basta delas dar uma explicação abstra ta como acabamos de fazer Cumpre recorrer a uma perífrase que possa ser colo cada em seu lugar assim como a definição pode ser colocada no lugar da coisa definida Quando nos dedicarmos a procurar e a determinar essas perífrases substituíveis em todas as partículas na medida em que cada uma delas é susce tível disto então teremos regulado as suas significações Procuremos fazêlo nos quatro exemplos citados No primeiro exemplo queremos dizer até aqui falemos só disto e nada mais non più No segundo querse dizer Ví somente dois planetas e não mais No terceiro Vós orais a Deus e é só isto isto é para ser confirmado navossa reli gião e não mais etc No quarto caso é Como se disséssemos Todos os animais têm sentimento basta considerar isto somente não é necessário nada mais O cão é um animal logo tem sentimento s Assim todos esses exemplos assinalam limites um non plus ultrai seja nas coisas seja no discurso Também but é um fim um termo da carreira como se disséssemos paremos eisnos chegamos ao nosso but But Bute é uma antiga palavra teutônica que significa algo fixo uma parada Beuten palavra antiqua da que se encontra ainda em algumas canções de igreja significa ficar demorar O francês mais tem a sua origem de magis como se algúém quisesse dizer quan to ao resto épreciso deixálo o que equivale a dizer não é preciso mais é sufi ciente vamos a outra coisa ou então é outra coisa Todavia visto que o uso das línguas varia de maneira estranha seria neces sário mtrar bem mais no detalhe dos exemplos para determinar suficientemente as significações das partículas Em francês evitase o duplo mais por um cepen dant e dirseia no caso Vous priez cependant ce n est pas pour obtenir la véri té mais pour être confirmé dans votre opinion O sed dos latinos era freqüente mente expresso antigamente por ains que constitui o anzi dos italianos os franceses tendo reformado a língua privaramna de uma expressão vantajosa Por exemplo Il n y avait rien de sur cependant on état persuadé de ce que je vous ai mandé parce qu on aime à croire ce quon souhaite mais il s est trouvé que ce n étaitpas cela ains plutôt etc itovos ENSAIOS 219 6 FiLALETO O meu plano era tocar neste assunto apenas de leve Gostaria de acrescentar que muitas vezes partículas encerram ou constantemente ou numa certa construção o sentido de uma proposição inteira TEÓFILO Contudo quando ê um sentido completo creio que é por um modo de elipse Outra coisa acontece só com as interjeições em minha opinião que podem subsistir por si mesmas e dizem tudo numa palavra como por exemplo ah hoi me Pois quando dizemos mais sem acrescentar nada tratase de uma elipse como para dizer mas aguardemos o coxo e não nos gloriemos a propósito disso Existe algo de parecido a isto no nisi dos latinos si nisi non esset se não houvesse o mas De resto senhor eu não me teria irritado se tivésseis entrado algo mais nos detalhes dos truques de espírito que aparecem maravilhosamente no emprego das partículas Contudo visto termos pressa de encerrar esta pesquisa acerca das palavras e de voltar às coisas não quero entretervos mais embora acredite real mente que as línguas constituem o melhor espelho do espírito humano e que uma análise exata da significação das palavras ajudaria melhor que qualquer outra coisa a conhecer as operações do entendimento 220 LEIBNIZ C a p it u l o V III Os termos abstratos e concretos í FILALETO Devese notar ainda que os termos são abstratos ou concretos Cada idéia abstrata é distinta de maneira que de duas uma nunca pode ser a outra O espírito deve perceber pelo seu conhecimento intuitivo a diferença que existe entre elas epor conseguinte duas dessas idéias nunca podem ser afirmadas uma da outra Qualquer um vê logo a falsidade destas proposições a humanidade ê a animalidade ou racionalidade isto reveste uma evidência superior à de qual quer outra das máximas comumente admitidas TEÓFILO Entretanto há algo a dizer Concordase em que a justiça é uma vir tude um hábito uma qualidade um acidente etc Assim dois termos abstratos podem ser enunciados um do outro Tenho o costume de distinguir duas espécies de abstratos Existem termos abstratos lógicos e existem também termos abstra tos reais Os abstratos reais ou pelo menos concebidos como reais são ou essên cias e partes da essência ou acidentes isto é seres acrescentados à substância Os termos abstratos lógicos são as predicações reduzidas a termos como se eu dissesse ser homem ser animal deste sentido podese enunciálos um do outro dizendo Ser homem é ser animal Nas realidades porém isto não se verifica Pois não se pode dizer que a humanidade ou a hominidade o ser homem que constitui toda a essência do homem seja a animalidade a qual constitui apenas uma parte dessa essência todavia esses seres abstratos e incompletos signifi cados por termos abstratos reais também possuem os seusgêneros e espécies que também são expressos por termos abstratos reais assim existe predicação entre eles conforme demonstrei pelo exemplo da justiça e da virtude 2 FILALETO Podese sempre dizer que as substâncias têm apenas poucos nomes abstratos Dificilmente se falou nas escolas filosóficas de humanidade animalidade corporalidade Ora isto não foi autorizado no mundo TEÓFILO i A razão é que se teve pouca necessidade desses termos para servir de exemplo e para esclarecer a sua noção geral que não convinha negligenciar intei ramente Se os antigos não utilizavam a palavra humanidade no sentido das esco las filosóficas diziam a natureza humana o que significa a mesma coisa Tam bém é certo que diziam divinidade ou então natureza divina E sendo que os teólogos precisaram falar dessas duas naturezas e dos acidentes reais as escolas filosóficas e teológicas se fixaram nessas entidades abstratas talvez mais do que convinha NOVOS ENSAIOS 221 C a p it u l o IX A imperfeição das palavras í FILALETO Jà falamos do duplo uso das palavras Um deles é registrar os nossos próprios pensamentos para ajudar nossa memória que nos faz falar a nós mesmos o outro é comunicar os nossos pensamentos aos outros por intermédio das palavras Estes dois empregos nos fazem conhecer a perfeição e a imperfeição das palavras 2 Quando só falamos a nós mesmos é indiferente que palavras empre gamos desde que nos lembremos do seu sentido e não o alteremos Contudo 3 o uso da comunicação é também de duas espécies civil e filosófico O civil con siste na conversação e no uso da vida civil O uso filosófico é aquele que se deve fazer das palavras para dar noções precisas e para exprimif verdades certas em proposições gerais TEÓFILO Muito bem As palavras são tanto marcas notae para nós como poderiam ser os caracteres dos números ou da álgebra quanto sinais para outros e o emprego das palavras como dos sinais tem lugar tanto quando se trata de apli car os preceitos gerais ao uso da vida ou aos indivíduos como quando se trata de encontrar ou verificar estes preceitos o primeiro uso dos sinais é civil o segundo éfilosófico 5 f i l a l e t o Acontece que é difícil sobretudo nos casos que seguem apren der e reter as idéias que cada palavra significa 1 quando essas idéias são muito compostas 2 quando essas idéias que compõem uma nova não têm ligação natural com elas de modo que não existe na natureza medida alguma fixa nem modelo algum para retificálas e regulálas 3 quando o modelo não é fácil de ser conhecido 4 quando a significação da palavra e o sentido real não são exata mente os mesmos As denominações dos modos são mais suscetíveis de serem duvidosas e imperfeitas pelas duas primeiras razões e a das substâncias em virtu de das duas segundas 6 Quando a idéia dos modos é muito complexa como a da maior parte dos termos de moral raramente possuem a mesma significação precisa nos espíri tos de duas pessoas diversas 7 Também a falta de modelo torna essas palavras equívocas Quem por primeiro inventou a palavra brusquer deulhe o sentido que mais a propósito lhe pareceu e os que como elé se serviram do termo depois não se informaram 2 2 2 LEIBNIZ sobre o que ele queria dizer precisamente e o inventor tampouco lhes revelou um modelo constante 8 0 uso comum regulamenta bastante bem o sentido das palavras para a conversação comum mas nada tem de exato discutimos todos os dias sobre a significação mais conforme à propriedade da linguagem Muitos falam da glória mas poucos são aqueles para os quais o termo tem o mesmo significado 9 São puros sons na boca de muitos ou pelo menos as significações são muito indeter minadas E em um discurso ou conversa em que se fala de honra deé de graça de religião de igreja e sobretudo na controvérsia notarseá antes de tudo qüe os homens possuem noções diferentes que aplicam aos mesmos termos Se é difícil entender o sentido dos termos das pessoas do nosso tempo muito mais difícil é entender os livros antigos A vantagem é que podemos dispensálos exceto quan do contêm o que devemos crer ou fazer TEÓFILO Essas observações são boas Contudo quanto aos livros antigos visto termos que ouvir sobretudo as Santas Escrituras e visto que as leis romanas estão ainda em grande uso numa boa parte da Europa este fato nos obriga a compulsar uma quantidade de outros livros antigos os rabinos os Padres da Igreja e mesmo os historiadores profanos Aliás os médicos antigos também merecem ser ouvidos A prática da medicina dos gregos veio dos árabes até nós a água da fonte foi deturpada nos riachos dos árabes e depois retificada em mui tos pontos quando se começou a recorrer aos originais gregos Todavia esses ára bes não deixam de ser úteis havendo quem nos assegure por exemplo que Eben bitar o qual nos seus livros dos Simples copiou Dioscórides serve freqüente mente para esclarecêlo 50 Acredito igualmente que após a religião e a história é sobretudo na medi cina enquanto empírica que a tradição dos antigos conservada pela Escritura e geralmente as observações de outros podem ser úteis Eis por que sempre tive grande estima pelos médicos versados também no conhecimento da antiguidade Irriteime muito pelo fato de que Reinesius51 excelente nas duas ciências se tenha voltado mais a esclarecer os ritos e as histórias dos antigos do que a resta belecer uma parte dos conhecimentos que estes tinham da natureza setor no qual tinha mostrado grande possibilidade de êxito Quandp um dia os latinos os gregosos hebreus e os árabes estiverem esgota dos os chineses dotados ainda de livros antigos entrarão na lista e fornecerão matéria para a curiosidade dos nossos críticos Isto sem falar de alguns antigos li vros dos persas dos armênios dos coptas e dos brâmanes que com o tempo desenterraremos para não negligenciarmos nenhuma luz que a antiguidade pode ria fornecer pela tradição das doutrinas e pela história dos fatos E quando não houver mais livros antigos a examinar as línguas ocuparão o lugar dos livros pois são os mais antigos monumentos do gênero humano Com 50 Ebenbitar ou IbnelBeitar 11971248 botânico árabe Dioscórides célebre médico e botânico grego do século I da nossa era 51 Reinesius 15871667 médico e erudito alemão abandonou a medicina em favor dos seus estudos de filologia de epigrafia e de lexicografia NOVOS ENSAIOS 223 o avançar do tempo registrarseào todas as línguas do universo elas serão colo cadas em dicionários e em gramáticas farseá a comparação entre elas Isto terá utilidade muito grande tanto para o conhecimento das coisas pois que os nomes muitas vezes correspondem às suas propriedades como se vê pelas deno minações das plantas entre os diversos povos como para o conhecimento do nosso espírito e da maravilhòsa variedade das suas operações Isto sem falar da origem dos povos que conheceremos através das etimologias sólidas para cujo conhecimento a melhor fonte constitui a comparação das línguas Porém já falei disto Tudo isso revela a utilidade e a extensão da crítica pouco considerada por certos filósofos de resto muito inteligentes que se comprazem em falár com des prezo do rqbinismo e em geral da filologia Vêse também que os críticos encon trarão ainda por muito tempo assunto de pesquisar com fruto e que fariam bem em não ocuparse excessivamente com minúcias visto terem muitos outros obje tos mais rendosos a tratar Digo istp embora saiba que as minúcias são ainda necessárias para os críticos a fim de descobrirem conhecimentos mais importan tes E uma vez que a crítica gira em grande parte em torno da significação das palavras e em torno da interpretação dos autores sobretudo antigos esta discus sãodas palavras somada à menção que fizestes dos antigos me levou a tocar este ponto importante Todavia para voltar aos quatro defeitos que mencionastes na arte de dar nomes dirvosei que é possível obviar atodos principalmente desde que se inventou a escrita e que tais defeitos subsistem apenas em razãp da nossa negli gência Pois depende de nós fixar as significações pelo menos em alguma língua de sábios depende de nós concordarmos paradestruir esta torre de Babel Há porém dois defeitos mais difíceis de remediar um deles consiste na dúvida que temos sobre se as idéias são compatíveis q u a n d o a experiência não nolas fornece todas combinadas num e mesmo sujeito o putro consiste na necessidade que temos de estabelecer definições provisórias das coisas sensíveis quando não dis pomos de suficiente experiência para ter delas definições mais cpmpletas Contu do mais de uma vez já falei desses dois defeitos FILALETO Vou dizervos coisas que servirão ainda para esclarecer de algu ma forma os defeitos que acabais de assinalar sendo que o terceiro defeito por mim indicado ao que parece faz com que as definições sejam provisórias ê quando não conhecemos suficientemente os nossos modelos sensíveis isto é os seres substanciais de natureza corpórea Este defeito faz também com que não saibamos se é permitido combinar qualidades sensíveis que a natureza não com binou visto que não os entendemos a fundo Ora se a significação das palavras que servem para os modos compostos é duvidosa por falta de modelos que façam ver a mesma composição a dos nomes dos seres substanciais o é por uma razão completamente oposta isto é por terem que significar aquilo que é supõsto concordante com a realidade das coisas e se referem a modelos formados pela natureza 224 LEIBNIZ TEÓFILO Já assinalei mais de uma vez em nossas conversações precedentes que isto não é essencial às idéias das substâncias reconheço porém que as idéias feitas conforme a natureza são as mais seguras e as mais úteis 12 FILALETO Por conseguinte quando seguimos os modelos feitos pela pró pria natureza sem que a imaginação precise reter mais do que as suas representa ções os nomes dos seres substanciais possuem na linguagem comum uma dupla relação como já demonstrei A primeira é que significam a constituição interna e real das coisas todavia não se consegué conhecer este modelo e por conseguinte ele não pode servir para regulamentar as significações TEÓFILO Aqui não se trata disso visto estarmos falando das idéias cujos modelos possuímos a essência interna reside na coisa mas concordamos em que ela não pode servir de padrão 13 FILALETO A segunda relação é portanto aquela que os nomes dos seres substanciais têm imediatamente com as idéias simples que existem ao mesmo tempo na substância Mas uma vez que o número dessas idéias unidas é elevado as pessoas ao falarem desse mesmo sujeito formam idéias muito diferentes tanto devido à combinação diferente das idéias simples que fazem como porque a maior parte das qualidades dos corpos são os poderes que possuem de produzir mudanças nos outros corpos e de recebêlas dos outros prova disso são as mudanças que um dos metais mais belos é capaz de sofrer pela operação do fogo sendo capaz de receber mudanças ainda maiores nas mãos de um químico pela aplicação dos outros corpos De resto eíiquanto uma pessoa se contenta com o peso e a cor para conhecer o ouro uma outra faz entrar também a ductilidade a fixidez e uma terceira pessoa chama a atenção para o fato de que podemos dissolvêlo na águarégia 14 Como as coisas também apresentam muitas vezes semelhanças entre si é freqüentemente difícil apontar as diferenças exatas TEÓFILO Com efeito uma vez que os corpos são sujeitos a serem alterados disfarçados falsificados e mascarados é muito importante poder distinguilos e reconhecêlos O ouro é disfarçado na solução mas podemos retirálo seja preci pitandoo seja destilando dele a água por sua vez o ouro sofisticado é reconhe cido ou purificado pela arte dos que fazem ensaios e não sendo esta arte conhe cida a todos não é de estranhar que nem todos os homens tenham a mesma idéia do ouro Via de regra são apenas os peritos que possuem idéias suficientemente corretas das diversas matérias 15 FILALETO Esta variedade porém não é responsável por tanta desordem no intercâmbio civil como o é nas pesquisas filosóficas TEÓFILO Seria mais suportável se esta confusão não tivesse influência na prá tica onde muitas vezes é importante não receber um qíiiproquó e por conse guinte conhecer as características das coisas ou pelo menos ter à mão pessoas que as conheçam Isto é importante sobretudo em se tratando de drogas e mate riais de valor dos quais podemos ter necessidade em ocasiões importantes A desordem filosófica se fará notar sobretudo no uso dos termos mais gerais NOVOS ENSAIOS 225 18 FILALETO Os nomes das idéias simples são menos sujeitos a equívoco sendo que raramente nos desentendemos acerca nos termos branco amargo etc TEÓFILO Contudo é verdade que mesmo estes termos não são inteiramente isentos de qualquer incerteza Já assinalei o exemplo das corés limítrofes que estão nos confins de dois gêneros e cujo gênero é duvidoso 19 FILALETO Após os nomes das idéias simples os dos modos simples são os menos duvidosos como por exemplo os das figuras e dos números Mas 20 são os modos compostos e as substâncias que causam toda a confusão 21 Dirseá que ao invés de imputar tais imperfeições às palavras cum pre antes atribuílas ao nosso entendimento a isto respondo que as palavras se interpõem de tal maneira entre o nosso espírito e a verdade das coisas que se pode comparar as palavras com o meio pelo qual passam os raios dos objetos visíveis que muitas vezes espalha nuvens sobre os nossos olhos estou tentado a crer que se examinássemos mais a fundo as imperfeições da linguagem desapare ceria por si mesma a maior parte dos discursos sendo que o caminho do conheci mento e talvez também da paz estaria mais aberto aos homens TEÓFILO Creio que poderíamos realizar isso desde já nas discussões por escrito se os homens quisessem concordar com certas regras e estivessem dispos tos a seguilas cuidadosamente Todavia nos entendimentos orais seriam neces sárias mudanças na linguagem Entrei neste exame alhures 22 FILALETO Enquanto aguardamos a reforma que não estará feita tão logo esta incerteza das palavras deveria ensinarnos a ser moderados sobretudo quando se trata de impor aos outros o sentido que atribuímos aos autores antigos com efeito constatamos que entre os autores gregos quase cada um deles fala uma linguagem diferente TEÓFILO Surpreendime muito ao constatar que autores gregos tão distantes uns dos outros no tempo e no espaço tais como Homero Heródoto Estrabão Plutarco Luciano Eusébio Próculo Fócio se aproximam tanto ao passo que os latinos mudaram tanto e mais ainda os alemães os ingleses e os franceses É que os gregos tiveram desde os tempos de Homero e mais ainda desde queAtenas se tomou um centro florescente bons autores que a posteridade tomou como mode los ao menos na linguagem escrita Pois sem dúvida a língua vulgar dos gregos deve terse alterado muito ao tempo do domínio dos romanos Esta mesma razão faz com que o italiano não tenha mudado tanto como o francês visto que os ita lianos tendo possuído mais cedo escrituras de reputação durável imitaram e esti mam ainda Dante Petrarca Boccaccio e outros autores de um tempo em que os autores franceses estão fora de moda 226 LEIBNIZ C a p i t u l B X O abuso das palavras r ï f i l a l e t Ó Além das imperfeições natiirais da lihguagem existem imper feições voliiiitárias provenientes da nossa negligência e servirse tão mál das palavras eqüivale a abusar delas O primeiro abuso e o mais visível consiste 2 em não atribuirmos idéias claras às palavras Quanto a essas palavras existóm dúás classes algumas delas nunca tiveram idéia determinada nem na sua origem nerri no seu uso comum A maioria dás sei tas de fílosofiá e de religião as introduziram para defender alguma opinião èàtra rihà ou para esbòiider algum ponto fraco do seu sistema Todavia são caracteres distintivos na bciba das pessoas de partido 3 Èxisteni outras palavras que no seu uso original e comum possuem alguma idéia clarâ mas foram ao depois apropriadas a matérias muito impor tantes sem lhes atribuir nenhuma idéia certa É assim que as palavras sabedoria glória graça figuram muitas vezes na boca das pessoas TEÓFILO Não acredito que existam tantas palavras sem significação cjuanto se pensa e creio que com um poiiòo de cuidado e de boa vontade se poderia en cher o vazio ou seja fixar a indeterminação A sabedoria não parece ser outra coisa senão a ciência da felicidade A graça é um bem qtie se faz àqueles que hão o mereceram e que se encontram num estado em que necfessitam dele E a glória consiste no renome do valor de alguém 4 FILALETO Não quero examinar agora se haveria algo a dizer acerca des tas definições Prefiro antes anotar as causas dos abusos das palavras Primeiramente aprendemos as palavras antes das idéias que lhes competem e as criaillas habituadas a isto desde o berço assim procedem durante toda à sua vida tántd mais que se fazem entender na sua conversação sem jamais ter fixado a sua ídéiá servindose de expressões diferentes para revelar aos outros o que quèrérri dizer Todavia isto enche muitas vezes os seus discursos de uma série de sons iniáteís sobretudo em assuntos de moral As pessoas tomam as palavras que encontram em uso entre òs vizinhos para riãb parecer que ignoram o que as pala vras sigüíficam e usam as palavras com segurança sem atribuirlhes um sentido certo 6 assim como em tais espécies de discurso raramente lhes acontece terem razão da mesma forma raramente se convencem de que não têm razão querer tirálos do erro seria o mesmo que querer privar um vagabundo das suas posses TEÓFILO Com efeito é tão raro as pessoas daremse ao necessário trabalho NOVOS ENSAIOS 227 para lograr a compreensão dos termos ou das palavras que mais de uma vez mè surpreendi com o fato de as crianças aprenderem tão cedo as línguas e de que as pessoas falam ainda com tanta justeza Isto considerando que se dá tão pouca atenção à instrução das crianças na sua língua materna e que os outros se preo cupam tão pouco por adquirir definições nítidas tantó mâís que as palavras que aprendemos nas escolas pouco têm a ver com as palavras de uso comum Do resto reconheço qüe é freqüente as pessoas não terem razão mesmo quando discutem seriamente e falam conforme o sentimento Por outra parte notei também com freqüência que em suas discussões especulativas sobre assun tos de sua competência os dois lados têm razão exceto nas oposições que fazem uns aos outros quando interpretam mal o pensamento do outro Isto se deve ao mau uso dos termos ê às vezes também a um espírito de contradição e a um sen timento de superioridade 5 FILALETO Em segundo lugar o emprego das palavras é por vezes incons tante o que acontece com demasiada freqüência entre os sábios Todavia tratase de um engano manifesto e se for voluntário é loucura ou malícia Se alguém fizesse isto em suas contas tomando por exemplo um X por um V quem quere ria ter relações comerciais com ele TEÓFILO Visto que este abuso é tão comum não somente entre os sábios mas também no grande público creio ser o mau hábito e a inadvertência que o levam a cometer e não tanto a malícia Em geral as significações diversas de uma pala vra têm alguma afinidade o que faz com quese tome uma pela outra e as pes soas não se dão o tempo necessário para considerar com a exatidão desejável d que dizem Ora estamos habituados aos tropos e às figurás e facilmente procura mos certa elegância e falso brilho Pois o mais das vezes procuramos o prazer o divertimento e as aparências mais do que a verdade para não falar da vaidade que se imiscui 6 FILALETO O terceiro abuso consiste numa obscuridade afetada seja con ferindo aos termos significações inusitadas seja introduzindo termos novos sem explicálos Os antigos sofistas que Luciano52 ridiculariza tão razoavelmente pretendendo falar de tudo encobriam a sua ignorância sob o véu da obscuridade das palavras Entre as seitas dos filósofos a dos peripatéticos se tomou notável por este defeito As outras seitas porém mesmo entre os modernos não perma necem totalmente isentas deste erro Há por exemplo pessoàs que abusam do termo étendu extenso e conside ram necessário confundilo com a palavra corpo 7 A lógica ou arte de discu tir que se apreciou tanto serviu para favorecer à obscuridade 8 Os que se dedicaram a ela têm sido inúteis à sociedade ou até prejudiciais 9 Ao contrá rio os homens das artes mecânicas tão desprezados pelos doutores têm sido úteis à vida humana Todavia esses doutores obscuros têm sido admirados pelos ignorantes tendo sido considerados invencíveis pelo fato de estarem munidos de espinhos nos quais ninguém tem prazer de se introduzir uma vez que só a obscu 5 2 Em particular nos Diálogos dos Mortos 228 LEIBNIZ ridade podia servir como defesa da absurdidade 12 O mal é que esta arte de obscurecer as palavras confundiu as duas grandes normas das ações do homem a religião e a justiça TEÓFILO Vossas queixas são em boa parte justas Contudo é verdade que existem ainda que raramente obscuridades escusáveis e mesmo elogiáveis assim por exemplo quando se faz profissão de ser enigmático e o enigma está na moda Pitágoras agia assim sendo também esta a forma dos orientais Os alqui mistas que se declaram adeptos alegam que só querem ser compreendidos pelos filhos da arte Todavia isto seria bom se estes pretensos filhos da arte possuíssem a chave dos números Uma certa obscuridade poderia ser permitida todavia é necessário que ela esconda alguma coisa que mereça ser adivinhada e que o enigma seja decifrável Ao contrário a religião e a justiça exigem noções claras Parece que a pouca i ordem que logramos ao ensinálas tornou a sua doutrina confusa e a indetermi nação dos termos é talvez mais prejudicial do que a obscuridade Ora uma vez que a lógica consiste na arte que ensina a ordem e a conexão dos pensamentos não vejo razão para censurála Ao contrário é por falta de lógica que os homens se equivocam 14 FILALETO O quarto abuso consiste em tomar as palavras pelas coisas isto é acreditase que os termos respondem à essência real das substâncias Quem ê que havendo sido educado na filosofia peripatética não imaginaque os termos que significam os predicamentos concordam exatamente com a natureza das coi sas que as form as substanciais as almas vegetativas o horror do vácuo as espécies intencionais etc são algo de real Os platônicos têm a sua alma do mundo os epicureus a tendência dos seus átomos para o movimento no período em que estão em repouso Se os veículos aéreos ou etéreos do doutor M ore53 tivessem prevalecido em alguma parte do mundo não os teriam considerado menos reais TEÓFILO Não se trata propriamente de tomar as palavras pelas coisas mas de considerar verdadeiro o que não o é Erro demasiado comum em todos os homens mas que não depende apenas do abuso das palavras consistindo em completamente outra coisa A idêia dos predicamentos é muito útil o que importa é retificálos e não rejeitálos As substâncias as quantidades as qualidades as ações e as paixões bem como as relações isto é cinco títulos gerais dos seres poderiam bastar jun tamente com aqueles que se formam a partir da sua combinação Vós mesmo ao ordenar as idéiaSj não quisestes porventura indicálos como predicamentos Mais acima falei das form as substanciais Não sei se há suficiente funda mento para rejeitar as almas vegetativas visto que pessoas de muita experiência 63 Quanto a Henry More ver nota 32 Entreas suas obras figura um tratado sobre a imortalidade da alma 1659 NOVOS ENSAIOS 229 e mui judiciosas reconhecem uma grande analogia entre as plantas e os animais e vós mesmo ao que parece admitistes a existência de alma nos animais O horror do vácuo pode ser entendido retamente isto é uma vez que a natu reza tiver enchido os espaços e que os corpos sejam impenetráveis e incondensá veis ela não pode admitir o vácuo eu pessoalmente considero essas três suposi ções bem fundamentadas Não o são porém as espécies intencionais que devem fazer a ligação entre a alma e o corpo embora se possam talvez escusar as espé cies sensíveis que vão do objeto ao órgão afastado subentendendo a propagação dos movimentos Reconheço que a alma do mundo de Platão não existe visto que Deus está acima do mundo extramundana intelligentia ou melhor supramundana Não sei se pela tendência dos átomos ao movimento dos epicureus não entendeis o peso que eles lhes atribuíam o qual indubitavelmente não tinha fundamento visto pretenderem que os corpos vão todos de um mesmo lado para si mesmos O fale cido Sr Henry More teólogo da Igreja Anglicana versado como era demons trava uma facilidade exagerada em forjar hipóteses que não eram nem inteligíveis nem prováveis como demonstra o seu princípio hilárquico da matéria causa do peso e das outras maravilhas que nela se encontram Nada posso dizervos sobre os seus veículos etéreos por não ter examinado a sua natureza 15 FILALETO Um exemplo sobre a palavra matéria vos fará entrar melhor no meu pensamento Considerase a matéria como um ser realmente existente na natureza dis tinto do corpo o que realmente é da maior evidência Se assim não fosse estas duas idéias poderiam ser intercambiáveis uma pela outra Pois podese dizer que uma só matéria compõe todos os corpos mas não é lícito dizer que de um só corpo se compõem todas ás matérias Tampouco se dirá que uma matéria é maior do que a outra A matéria exprime a substância e a solidez do corpo assim consideramos não haver mais diferentes matérias do que diferentes graus de soli dez Todavia desde o momento em que tomamos a matéria como nome de algu ma coisa que existe sob esta denominação este pensamento produziu discursos ininteligíveis e discussões confusas sobre a matéria primeira TEÓFILO Pareceme que este exemplo serve mais para escusar do que para censurar a filosofia peripatética Se toda prata fosse figurada ou melhor pelo fato de toda prata ser figurada pela natureza ou pela arte poryentura em razão disto será menos lícito dizer que a prata é um ser realmente existente na natureza distinto considerandoo em sua precisãç da louça ou da moeda Não será por isto que se afirmará que a prata não consiste em outra coisa senão em algumas qualidades da moeda Também não é tão inútil raciocinar na física geral sobre amatéria primeira e determinar lhe a natureza para saber se ela é sempre uniforme se possui alguma outra propriedade além da impenetrabilidade como de fato demonstrei depois de Kepler que ela possui ainda o que se pode chamar de inércia etc embora ja mais se encontre completamente despida como seria permitido raciocinar sobre 230 LEIBNIZ a prata pura mesmo que não houvesse prata em nosso país e mesmo que não tivéssemos meios para purificála Em conseqüência não desaprovo que Aristóteles tenha falado da matéria primeira Isto não impede de censurar os que se detiveram exageradamente nela e que forjaram quimeras acerca das palavras mal entendidas deste filósofo o qual talvez também propiciou demasiadas ocasiões para tais confusões Todavia não se deve exagerar tanto os defeitos desse autor famoso visto ser notório que mui tas de suas obras não foram terminadas nem publicadas por ele 17 FILALETO O quinto abuso consiste em colocar as palavras em lugar das coisas que elas não significam nem podem significar de form alguma coisas que elas não significam nem podem significar de forma alguma mais do que o seguinte o que denomino ouro e maleável embora no fundo o ouro neste caso não signifique outra coisa senão aquilo que é maleável preten dendo dar a entender que a maleabilidade depende da essência real do ouro Assim afirmamos que é justo com Aristóteles definir o homem como animal racional e que não é justo definilo na esteira de Platão como um animal bípede e implume dotado de unhas largas5 4 18 Dificilmente se encontrará uma só pessoa que não suponha que essas palavras significam uma coisa que possui a essência real da qual dependem estas propriedades todavia é um abuso óbvio pois isto não está encerrado na idéia complexa significada por esta palavra TEÓFILO De minha parte acreditaria antes ser óbvio que é injusto censurar feste uso comum visto ser verdadeiro que na idéia complexa do ouro está encer rado o fato de que o ouro é uma coisa que possui uma essência real cuja consti tuição detalhada não nos é conhecida a não ser pelo fato de que dela dependem qualidades tais como a maleabilidade Contudo para enunciar a sua maleabili dade sem identidade e sem o defeito do coccismo 5 5 ou de repetição ver cap 8 18 devese reconhecer esta coisa por outras qualidades como pela cor e pelo peso É como se disséssemos que um certo corpo fusível amarelo e muito pesado que se denomina ouro possui uma natureza que lhe dá ainda a qualidade de ser muito doce ao martelo e de poder ser tornado extremamente reduzido No que concerne à definição do homem atribuída a Platão definição que o autor parece ter dado apenas a título de exercício mental e que vós mesmo não quereríeis comparar seriamente à que estácomumente em voga é óbvio que ela é demasiado externa e demasiado provisória Pois se este cassiovaris do qual falá veis ultimamente cap 6 34 por um acaso tivesse unhas largas eis que seria homem Com efeito não seria necessário arrancarlhe as penas como àqueie gaio que Diógenes ao que se conta queria transformar em homem platônico 19 FILALETO Nos modos compostos desde que se altere uma das idéias que os compõem reconhecese de imediato que é outra coisa como se vê 5 4 Esta definição figura nas Definições pseudoplatônicas 415 a A anedota relacionada com isto anedota à qual Leibniz faz alusão no fim do parágrafo seguinte é contada por Diógenes Laércio VI 240 5 5 Do nome grego do cuco defeito que consiste em repetir a mesma coisa como faz este pássaro Hoje diríamos pleonasmo NOVOS ENSAIOS 231 obviamente nestas palavras murther que significa em inglês analogamente a Mordt em alemão homicídio premeditado manslaughter palavra que em sua origem corresponde a homicídio que significa um homicídio voluntário porém não premeditado chdncemedly briga acontecida por acaso conforme a força da palavra homicídio cometido sem premeditação Pois o que se exprime pelos ter mos e aquilo que acredito estar na coisa o que acima denominava essência nominal e essência real é a mesma coisa Contudo não acontece isto nos nomes das substâncias pois neste caso se alguém coloca na idéia do ouro o que o outro omite por exemplo a fixidez e a capacidade de ser dissolvido na águarégia os homens não acreditarão por isso que se tenha mudado a espécie mas concluirão apenas que um tem uma idéia mais perfeita que o outro sobre aquilo que perfaz a essência real escondida à qual atribuem o nome de ouro embora esta relação escondida seja inútil e só sirva para confundirnos TEÓFILO Creio têlo já dito mas vou mostrarvos mais uma vez qüe o que acabais de dizer senhor se encontra nos modos como nos seres substanciais e que não há razão de censurar esta relação com a essência interna Eis um exemplo Podese definir uma parábola no sentido dos geômetras como uma figura na qual todos os raios paralelos a uma certa reta são reunidos pela reflexão num certo ponto ou foco Contudo o que esta definição exprime é mais o exterior e o efeito e não a essência interna desta figura ou aquilo que poderia de imediato darnos a conhecer a sua origem Podese mesmo duvidar de começo se uma tal figura que se deseja e que deve produzir este efeito é algo de possível é o que para mim faz reconhecer se uma definição é apenas nominal ou se é também real Todavia quem designa a parábola e só a conhece pela defini ção que acabo de enunciar quando fala dela não deixa de entender uma figura que possui uma certa construção ou constituição que ele não conhece mas que dese ja aprender para poder traçála Um outro que tiver se aprofundado mais acres centará alguma outra propriedade e descobrirá por exemplo que na figura que se pede a porção do eixo interceptada entre a ordenada e a perpendicular traça da no mesmo ponto da curva é sempre constante e ela é igual à distância do ponto mais alto e do foco Assim terá uma idéia mais perfeita que o primeiro e chegará mais facilmente a traçar a figura embora ainda não tenha chegado a isso Todavia concordarseá que se trata da mesma figura mas cuja constituição é ainda desconhecida Vedes portanto senhor que tudo o que encontrais e censu rais em parte no uso das palavras que significám coisas substanciais se encontra ainda é se encontra justificado manifestamente no uso das palavras que signifi cam módos compostos Contudo aquilo que vos havia feitò crer que existia dife rença entre as substâncias e os modos é que não consultastes aqui modos inteligí veis de difícil discussão que se acreditam parecidos em tudo isto aos corpos os quais são ainda mais difíceis de conhecer 20 FILALETO Acredito dever desistir daquilo que vos qubria dizer sobre o que considerava um abuso Pois isto se devia ao fato de crermos falsamente que a natureza age sempre regularmente e fixa limites a cada Uma das espécies por 232 LEIBNIZ esta essência específica ou constituição interior que nela subentendemos e a quai segue sempre o mesmo nome específico TEÓFILO Por conseguinte vedes bem pelo exemplo dos modos geométricos que não ê tão irracional referirse às essências internas e específicas embora exis ta bastante diferença entre as coisas sensíveis sejam substâncias sejam mcidos dos quais só possuímos definições nominais provisórias e dos quais não espera mos facilmente definições reais e entre os modos inteligíveis de difícil discussão visto que podemos enfim atingir a constituição interna das figuras geométricas 21 FiLALETO Vejo enfim que não teria razão de censurar esta relação às essências e constituições internas sob pretexto de que equivaleria a tornar as nos sas palavras sinais de nada ou de algo desconhecido Pois o que ê desconhecido sob certos aspectos pode fazerse conhecer por outra maneira e o interior se faz conhecer em parte pelos fenômenos que dele derivam No que concerne à pergun ta se um feto monstruoso é homem ou não vejo que se não se pode resolver de imediato a questão isto não impede que a espécie esteja bem fixada em si mesma e a nossa ignorância nada altera na natureza das coisas TEÓFILO Com efeito aconteceu a geômetras muito versados não terem sabido suficientemente quais eram as figuras das quais conheciam várias propriedades que pareciam esgotar o assunto Por exemplo havia linhas que se denominavam pérolas das quais se indicavam até as quadraturas e a medida das suas superfí cies e sólidos fatos para a sua revolução mesmo antes de saber que isto não pas sava de um composto de certas parabolóides cúbicas Em considerando antes essas pérolas como uma espécie particular só se possuíam delas conhecimentos provisórios Se isto pôde acontecer na geometria por que admirarse ante a difi culdade de determinar as espécies da natureza corpórea que são incompara velmente mais compostas 22 FiLALETO Passemos ao sexto abuso para continuarmos a enumeração iniciada embora me dê conta de que seria necessário eliminar alguns Este sexto abuso geral mas pouco advertido consiste no fato de as pessoas tendo atribuído certas idéias a certas palavras devido a um longo uso imaginam que esta conexão é evidente e que todo mundo concorda nisto Daí vem que con sideram muito estranho quando se lhes pergunta a significação das palavras que empregam mesmo quando isto é absolutamente necessário Há poucas pessoas que não sè sentiriam ofendidas se lhes perguntássemos o que entendem quando falam da vida Todavia a idéia vaga que podem ter dela não é suficiente quando se trata de saber se uma planta que já está formada na semente tem vida ou um pintinho que está no ovo ainda não chocado ou então um homem deficiente sem sentimento nem movimento E embora as pessoas não queiram parecer tão pouco inteligentes ou tão importunas ao ponto de necessi tarem pedir explicação dos termos de que nos servimos nem críticos tão incômo dos ao ponto de repreenderem constantemente os outros pelo uso que fazem das palavras todavia quando se trata de uma pesquisa exata é necessário procurar ÍÍOVOS ENSAIOS 4 233 a explicação Muitas vezes os sábios de partidos diferentes nos raciocínios que expõem uns contra os outros não fazem outra coisa senão falar linguagens dife rentes pensando a mesma coisa embora talvez os seus interesses sejam diversos TEÓFILO Acredito terme explicado suficientemente acerca da noção da vida que deve sempre ser acompanhada de percepção na alma De outra forma será apenas uma aparência como a vida que os selvagens da América atribuíam aos monstros ou aos relógios ou que atribuíam às marionetas esses magistrados que as consideravam animadas por demônios quando quiseram punir como cultor da bruxaria aquele que por primeiro deu esse espetáculo na sua cidade 23 FiLALETO Para concluir as palavras servem 1 para fazer compreender os nossos pensamentos 2 para fazêlo com facilidade 3 para possibilitar a entrada no conhecimento das coisas Pecase contra o primeiro ponto quando não temos a idéia determinada e constante das palavras nem a temos recebida ou compreendida pelos outros 23 Faltase contra a facilidade quando temos idéias müito complexas sem ter nomes distintos freqüentemente é culpa das próprias línguas que não têm nomes muitas vezes é culpa do homem que não as conhece caso em que temos necessidade de grandes perífrases 24 Quando as idéias significadas pelos nomes não concordam com o que é real pecase contra o terceiro ponto 26 1 Aquele que possui os termos sem as idéias é como aquele que tivesse apenas um catálogo de livros 27 2 Aquele que possui idéias muito complexas seria como um homem que possui uma quantidade de livros com fo lhas destacadas sem títulos enão poderia dar o livro sem dar as folhas uma após a outra 28 3 Aquele que não é constante no uso dos sinais seria como um comerciante que vendesse coisas diferentes sob o mesmo nome 29 4 Aquele que atribui idéias particulares às palavras recèbidas não consegue esclarecer os outros com as luzes que pode ter 30 5 Aquele que tem na cabeça idéias de substâncias que jamais existi ram não consegue avançar nos conhecimentos reais 33 O primeiro falará em vão da tarântula ou da caridade O segundo verá animais novos sem poder tornálos facilmente conhecidos aos outros O ter ceiro considerará o corpo ora como sinônimo de sólido ora como sinônimo de que é apenas uma extensão pela frugalidade designará ora a virtude ora o vício próximo O quarto designará uma mula com o nome de cavalo e aquele que todo mundo denomina pródigo para ele será generoso O quinto procurará na Tartá ria fiandose da autoridade de Heródoto 5 6 uma nação composta de homens que têm um olho só Quero observar que os quatro primeiros defeitos são comuns aos nomes das substâncias ao passo que o último é característicodas substâncias 5 6 Histórias III 116 e IV 27 234 LEIÇNIZ TEÓFILO Vossas observações são muito instrutivas Acrescentaria apenas de minha parte que há ainda algo de quimérico nas idéias que temos dos aciden tes ou modos de ser e que assim o quinto defeito é ainda comum às substâncias e aos acidentes O pastor extravagante 5 7 não era tal somente porque acreditava haver ninfas escondidas nas árvores mas também porque aguardava sempre aventuras romanescas 34 FILALETO Pensava haver concluído mas recordome do sétimo e ultimo abuso que é o dos termos figurados ou das alusões Contudo sentese dificuldade em considerálo como abuso pois aquilo que denominamos espírito e imaginação é melhor recebido que a verdade nua e crua Isto vai bem nos discursos onde só se procura agradar porém no fundo exce tuandose a ordem e a limpidez toda a arte da retórica todas essas aplicações artificiais e figuradas das palavras só servem para insinuar idéias falsas excitar as paixões e seduzic p julgamento de maneira que não passam de puras fraudes Entretanto é a esta arte falaciosa que se dá o primeiro lugar e as recompensas É que os homens não se preocupam pela verdade mas gostam muito de enganar e ser enganados Isto é verdade a tal ponto que não duvido de que o que acabo de dizer contr esta arte seja considerado como extrema ousadia Pois a eloqüência semelhante ao belo sexo possui encantos demasiado poderosos para que se possa admitir como lícito qjporse a ela TEÓFILO Longe de censurar o vosso zelo pela verdade consideroo justo Seria desejável que ele atingisseo seu escopo Não perco de todo a esperança pois parece que impugnais a eloqüência com as suas próprias armas e que pos suís até uma arma de outra espécie superior a esta enganosa como havia uma Vênus Urânia mãe do divino Amor ante a qual esta outra Vênus bastard mãe de um Amor cego não se atrevia a comparecer com o seu filho coipj olhos vendados58 Todavia isto mesmo demonstra que a vossa tese necessita de alguma mode ração e que certos ornamentos da eloqüência são como os vasos dos egípcios dos quais as pessoas podiam servirse no culto do verdadeiro Deus Acontece o mesmo que com a pintura e a música das quais se abusa e das quais uma repre senta muitas vezes imaginações grotescas e mesmo prejudiciais e a outra amole ce o coração e ambas divertem de maneira vã Todavia ambas podem ser usadas com utilidade uma para tornar a verdade clara a outra para tornála tocante efeito que deve ser também o da poesia que tem algo da retórica e da música s 7 Título e herói de uma pastoral burlesca de Tomás Corneille 1653 58 Quanto à distinção da Afrodite celeste e da Afrodite vulgar ver Platão O Banqúete 180 c 181 d NOVOS ENSAIOS C a p i t u l o XI Os remédios que se podem aplicar contra as imperfeições e os abusos de que se acaba de falar í FiLALETO Não é aqui o lugar para aprofundarse nesta discussão sobre o uso de uma autêntica eloqüência e muito menos para responder aos vossos gentis cumprimentos pois devemos pensar em encerrar esta discussão sobre as pala vras procurando os remédios contra as imperfeições que acabamos de anotar 2 Seria ridículo tentar a reforma das línguas querer obrigar os homens a só falarem na medida dos seus conhecimentos 3 Todavia não é demais pre tender que os filósofos falem com exatidão ao tratarse de uma pesquisa séria acerca da verdade sem isto tudo estará cheio de erros teimosias e discussões vãs 8 O primeiro remédio consiste em não empregar nenhuma palavra sem atribuirlhe uma idéia ao passo que se usam muitas vezes palavras como instinto simpatia antipatia sem darlhes sentido algum TEÓFILO A regra é boa mas não sei se os exemplos são convenientes Ao que parece todo mundo entende por instinto uma inclinação de um animal em rela ção ao que lhe convém sem saber a razão disto os próprios homens deveriam negligenciar menos esses instintos que se descobrem ainda neles embora a sua maneira artificial de viver os tenha quase apagado em sua maioria o médico de si mesmo 59 o notou bem A simpatia ou antipatia significa aquilo que nos corpos destituídos de senti mento responde ao instinto de se unir ou de se separar que se encontra nos ani mais E embora não se compreenda a causa dessas inclinações ou tendências como seria desejável temos delas uma noção suficiente para discorrer inteligivel mente sobre elas 9 FILALETO o segundo remédio consiste em que as idéias dos nomes dos modos sejam pelo menos determinadas e 10 que as idéias dos nomes das subs tâncias sejam mais conformes ao que existe Se alguém diz que a justiça é uma conduta conforme a uma lei com respeito ao bem de outrem esta idéia não é 59 Citamse várias obras portadoras deste título em especial a de J Devaux Le médecin de SoiMême ou 1A rt de Conserver la Santé par I Instinct O Médico de Si Mesmo ou a Arte de Conservar a Saúde pelo Instinto 236 LEIBNIZ suficientemente determinada quando não se tem nenhuma idéia distinta sobre aquilo que se denomina lei TEÓFILO Poderseia dizer aqui que a lei é um preceito da sabedoria ou da ciência da felicidade li FiLALETO O terceiro remédio consiste em empregar termos conforme o uso recebido na medida em que tal ê possível 12 O quarto remédio consiste em declarar em que sentido tomamos as palavras seja que se cunhem termos novos seja que se empreguem termos velhos em sentidos novos seja que se acredite que o uso não fixou suficientemente a sua significação 13 Entretanto existe diferença 14 As palavras dasidéias simples que não podem ser definidas são expli cadas porpalavras sinônimas quando são mais conhecidas ou então mostrando a coisa É por estes meios que se pode fazer compreender a um camponês o que é a cor de uma folha morta dizendolhe que é a cor das folhas secas que caem no outono 15 Os nomes das coisas compostas devem ser explicados pela definição pois isto é possível 16 É por este caminho que a moral é suscetível de demonstração Tomarseá o homem como um ser corpóreo e racional sem se preocupar pela fi gura externa 17 pois é mediante definições que os assuntos de moral podem ser tratados com clareza É mais rápido definir a justiça conforme a idéia que temos no espírito que procurar um modelo dela fbra de nós como Aristóteles e formar a definição com base nisto 18 Como a maior parte dos modos compostos não existem juntos em parte alguma só podemos fixálos definindoos pela enumeração dos elementos dispersos 19 Nas substâncias há geralmente algumas qualidades diretivas ou carac terísticas que consideramos como a idéia mais distintiva da espécie às quais supomos que as outras idéias que integram a idéia complexa da espécie estão ligadas É a figura nos vegetais e animais e a cor nos corpos inanimados e em al guns são a cor e a figura juntas Eis por que 20 a definição do homem dada por Platão é mais caracte rística do que a de Aristóteles Ou então não se deveria fazer morrer as produ ções monstruosas 21 e muitas vezes a vista serve tanto como um outro exame pois pessoas habituadas a examinar o outro muitas vezes distinguem à simples vista o verdadeiro ouro do falso o ouro puro falsificado TEÓFILO Tudo compete indiscutivelmente às definições que podem ir até às idéias primitivas Um mesmo objeto pode ter várias definições mas para saber quais convêm ao mesmo é necessário apreendêlo pela razão demonstrando uma definição pela outra ou pela experiência provando que elas vão constantemente juntas NOVOS ENSAIOS 237 No que concerne à moral uma parte dela está toda fundamentada em razões porém existe uma outra que depende das experiências e se relaciona com os temperamentos Para conhecer as substâncias a figura e a cor isto é o visível nos dão as primeiras idéias pois é por aí que se conhecem as coisas de longe todavia são em geral muito provisórias e nas coisas que nos importam procuramos conhe cer a substância mais de perto De resto admirome de que volteis novamente à definição de homem atri buída a Platão uma vez que vós mesmo acabais de dizer 16 que na moral se deve tomar o homem como um ser corporal e racional sem preocuparse pela fi gura externa De resto é verdade que uma grande experiência contribui muito para discer nir à vista aquilo que um outro só pode descobrir após esforços penosos Existem médicos de grande experiência que possuem a vista e a memória muito boas e conhecem freqüentemente à primeira vista do enfermo aquilo que um outro lhe arrancará trabalhosamente à força de perguntar e de tomar o pulso Entretanto é conveniente juntar todos os indícios que é possível obter 22 FILALETO Reconheço que aquele a quem um bom ensaiador fizer conhe cer todas as qualidades do ouro terá um conhecimento mais exato do que o que nos pode provir da simples vista Todavia se pudéssemos apreender a constitui ção interna do ouro a significação da palavra ouro seria determinada com a mesma facilidade que a de triângulo TEÓFILO A significação seria determinada e não haveria nela nada mais de provisório porém não seria determinada com tanta facilidade Pois acredito que seria necessária uma distinção algo prolixa para explicar a contextura do ouro como existem mesmo na geometria figuras cuja definição é longa 23 FILALETO Os espíritos separados dos corpos possuem indubitavelmente conhecimentos mais perfeitos do que nós embora não tenhamos noção alguma sobre a maneira pela qual os possam adquirir Contudo poderão ter idéias tão claras sobre a constituição radical dos corpos como as que nós podemos ter de um triângulo TEÕFihO Já vos disse que tenho razões para pensar que não há espíritos cria dos inteiramente separados dos corpos Todavia existem sem dúvida seres cujos órgãos e cujo entendimento são incomparavelmente mais perfeitos que os nossos e que nos ultrapassam em toda sorte de concepções tanto e mais do que o Sr Frenicle60 ou então aquele rapaz sueco de que vos falei ultrapassam o comum dos homens no cálculo dos números feito por imaginação 24 FILALETO Jâ observamos que as definições das substâncias que podem servir para explicar os nomes são imperfeitas em relação ao conhecimento das 60 Bernard Frenicle de Bessy 16051675 matemático francês afamado pela rapidez com a qual resolvia os problemas numéricos mais complicados graças a um método de tatear engenhosamente elaborado 238 LEIBNIZ coisas Pois em geral colocamos o nome em lugar da coisa e por conseguinte o nome diz mais do que as definições sendo assim para bem compreender as subs tâncias impõese estudar a história natural TEÓFILO Vedes por exemplo que o termo ouro significa não somente aquilo que a respeito dele conhece quem pronuncia a palavra por exemplo um amarelo muito pesado mas ainda o que ele não conhece e que um outro pode conhecer isto é um corpo dotado de uma constituição interna da qual derivam a cor e o peso e da qual se originam ainda outras propriedades que a pessoa reconhece serem melhor conhecidas pelos peritos 25 FiLALETO Seria agora de desejar que os peritos nas pesquisas físicas esti vessem dispostos a propor as idéias simples nas quais observam que os indiví duos de cada espécie convergem constantemente Entretanto para compor um dicionário desta espécie que contivesse por assim dizer a história natural seria necessário um número excessivamente elevado de pessoas demasiado tempo demasiado trabalho e demasiada sagacidade para que se pudesse esperar por uma tal obra Seria bom todavia acompanhar as palavras com pequenas figuras com relação às coisas que conhecemos pela forma externa Um tal dicionário serviria muito à posteridade e pouparia muito trabalho aos críticos futuros Pequenas representações como do aipo apium de um cabritomontês ibex espécie de bode selvagem valeriam mais do que longas descrições desta planta ou deste ani mal Assim também para conhecer o que os latinos entendiam por strigiles e sis trum tunica e pallium as representações colocadas na margem valeriam incom paravelmente mais do que os pretensos sinônimos almofaça címbalo pálio veste manto que não nos fazem conhecer o que realmente eram De resto não me deterei no sétimo remédio contra os abusos das palavras que consiste em usar constantemente o mesmo termo no mesmo sentido ou advertir quando se muda o sentido Pois já falamos suficientemente sobre isto TEÓFILO O Rev Padre Grimaldi 61 presidente do tribunal de matemática em Pequim me disse que os chineses possuem dicionários acompanhados de figuras Existe um pequeno nomenclador62 impresso em Nuremberg no qual exis tem tais figuras para cada palavra e as figuras são bastante boas Um tal dicio nário universal figurado seria desejável e não seria tão difícil de elaborar Quanto à descrição das espécies é justamente a história natural e nisto trabalhase pouco a pouco Se não tivesse havido as guerras que perturbaram a Europa desde as primeiras fundações das Sociedades ou Academias Reais esta ríamos longe e poderíamos já estar tirando proveito dos nossos trabalhos Contu do os grandes em sua maioria não conhecem a importância disto nem sabem de que bens se privam ao descuidarem do avanço dos conhecimentos sólidos Além disso em geral são excessivamente perturbados pelos prazeres da paz ou pelas preocupações da guerra para avaliarem as coisas que não os atingem de imediato 61 O Padre Grimaldi foi um jesuíta francês e um correspondente de Leibniz 62 Citase um Vocabulário ilustrado publicado em Nuremberg em 1700 LIVRO IV O CONHECIMENTO C a p it u l o I O conhecimento em geral 1 f i l a l e t Ó Até agora falamos das idéias e d a spalavras queas represen tam Passemos àgora aos conhecimentos fornecidos pelas idéias pois os conheci mentos são veiculados exclusivamente pelas idéias 2 O conhecimento não é outra coisa que a percepção da conexão e concordância ou da oposição e discordância que se encontra entre duas das nos sas idéias Quer imaginemos quer conjeturemos quer creiamos é sempre isto Por este caminho nos damos conta por exemplo de que o branco não é preto de que os ângulos de um triângulo e a sua igualdade com dois ângulos retos têm uma conexão necessária TEÓFILO O conhecimento tem ainda um sentido mais geral de sorte que se encontra também nas idéias ou termos antes de chegarmos às proposições ou verdades Podese dizer que aquele que tiver visto com atenção mais retratos de plantas e de animaismais figuras de máquinas mais descrições ou representa ções de casas ou de fortalezas que tiver lido mais romances engenhosos ouvido mais narrações curiosas este digo eu terá mais conhecimento que um outro mesmo que não houvesse uma só palavra de verdade em tudo o que viu represen tado ou ouviu Com efeito o hábito que tem de representar no espírito muitas concepções ou idéias expressas e atuais o torna mais apto a conceber o que se lhe propõe e é certo que ele será mais instruído e mais capaz do que um outro que não viu não leu nem ouviu nada sob a condição de que nessas histórias e repre sentações não considere verdadeiro o que não o é e que as suas impressões não 0 impeçam de discernir o real do imaginário ou o existente do puramente possível Eis por que certos mestresde lógica do século da Reforma que tinham algo do partido dos ram istas1 tinham razão em dizer que os tópicos ou os lugares de invenção argumenta como os denominavam servem tanto para explicação ou descrição bem circunstanciada de um tema incomplexo isto é de uma coisa ou idéia quanto para a prova de um tema complexo isto é de uma tese proposição ou verdade Mesmo uma tese pode ser explicada para bem conhecerlhe o sentido e a força sem que se trate da sua verdade ou prova como se observa nos sermões 1 Discípulos de Ramus Pierre de la Ramée célebre mestre de lógica francês 15151572 que criticou a ló gica aristotélica 242 LEIBNIZ ou homilias que explicam certas passagens da Sagrada Escritura ou nas repeti ções ou leituras sobre alguns textos do direito civil ou eclesiástico cuja verdade é pressuposta Podese até afirmar que existem temas que estão a meiocaminho entre uma idéia e uma proposição são as questões das quais existem algumas que pedem apenas o sim òú o não são as mais próximas das proposições É verdade que se pode dizer que nas descrições mesmo das coisas pura mente ideaiá existe uma afirmação tácita da possibilidade Mas é verdade tam bém que assim como se pode empreender a explicação è a prova de uma falsi dade o que serve por vezes para melhor refutála a arte das descrições pode também recair sob o impossível Acontece aqui o que acontece com o que se encontra nas ficções do Conde de Scandiano continuado pelo Ariosto e no Amadis de Gaula2 ou outros romances antigos nos contos de fadas que volta ram a moda alguns anos atrás nas verdadeiras histórias de Luciano e nas via ram à moda há alguns anos atrás nas verdadeiras histórias de Luciano e nas via gens de Cyrario de Bergerac para nada dizer dos grotescos dos pintores Sabese também qüe entre os teóricos as fábulas pertencem ao número dos progym násmata ou exercitaçÕes preliminares Tomandose porém o conhecimento num sentido mais restrito isto é como conhecimento da verdade como fazeis aqui digo ser verdadeiro que a verdâde está sempre fundada na concordância ou discordância das idéias porém não é em V geral verdade que o nosso conhecimento dá verdade constitui uma percepção desta concordância ou discoraância Pois quando só conhecemos a verdade empiricamente isto é por têfa experimentado sem conhecer a conexão das coi sas e a razão existente naquilo que experimentamos não temós percepção desta concordância ou discordância a não ser que se diga que a sentimos confusa mente sem darrios conta Entretanto òs vossos exemplos indicam ao que pare ce que exigis sempre um conhecimento no qual nos damos conta da conexão ou da oposição e com isto não posso concordar Além diss0 podese tratar um tema complexo não somente procurando as provas da verdade más também explicando e esclarecendoo de outra forma segundo os lugares tópicos como já observei Finalmente tenho uma oütra observação a fazer acerca da nossa definição é que ela parece servir apenas para as verdades categóricas onde existem duas idéias o sujeito e o predicado contudo existe ainda um conheciméhto das verda des hipotéticas ou que podem ser reduzidas a isto como sCs aisjuntivas e outras onde existe ligação entre a proposição antecedente e a proposição conseqüente Logo podem entrar em jogo mais de duas idéias 3 FILALETO Limitemonos aqui ao conhecimento da verdade e apliquemos ainda à ligação das proposições o que se dirá da ligação das idéias para compreender nisto as categóricas e as hipotéticas juntas Ora creio que se póde 2 O Conde de Scandiano é o poeta italiano Bojardo autor do Orlando Innamorato epopéia romanesca publicada em 1495 e continuada por Ariosto no seu Orlando Furioso 1516 Amadis de Gaula é o herói de um romance de cavalaria espanhol que foi célebre em toda a Europa nos séculos XVI eXVII NOVOS ENSAIOS 243 reduzir esta concordância ou discordância a quatro espécies que sâo 1 identi dade ou diversidade 2 relação 3 coexistência ou conexão necessária 4 exis tência real 4 Com efeito o espírito se dá conta de imediato que uma idéia não é a outra que o branco não ê o preto 5 pois que percebe a sua relação comparân doos juntamente por exemplo que dois triângulos cujas bases são iguais e que se encontram entre duas paralelas são iguais 6 Segundo isto existe coexis tência ou antes conexão como a fixidez acompanha sempre as outras idéias do ouro 7 Finalmente há existência fora do espírito como quando dizemos Deus é TEÓFILO Acredito que se possa afirmar que a ligação não é outra coisa senão a relaçãotomada de modo geral Ora observei acima que toda relação é ou de comparação ou de concurso A relação de comparação dá a diversidade e a iden tidade ou em tudo ou em alguma coisa é isto que faz o mesmo ou o diverso o semelhante ou o dessemelhante O concurso encerra o que vós denominais coexis tência isto é conexão de existência Quando porém se diz que uma coisa existe ou que tem a existência real esta mesma existência constitui o predicado ou seja ela tem uma noção ligada à idéia de que se trata havendo conexão eiitre estas duas noções Podese também conceber a existência do objeto de uma idéia como o concurso deste objeto comigo Assim acredito que se possa dizer que só existe comparação ou concurso tòdavia a comparação que marca a identidade ou diversidade e o concurso da coisa comigo são as relações que merecem ser distin guidas entre as outras Poderseia talvez realizar pesquisas mais exatas e mais profundas mas contentome aqui com observações 8 FILALETO Existe um conhecimento atual que constitui a percepção pre sente da relação das idéias e existe também um conhecimento habitual quando o espírito percebeu com tal evidência a concordância ou discordância das idéias e a colocou de tal forma na sua memória que todas as vezes que reflete sobre a proposição se assegura imediatamente da verdade que ela contém sem ter a mí iiina dúvida Pois não sendo capaz de pensar claramente e distintamente a não ser sobre uma só coisa ao mesmo tempo se as pessoas só conhecessem o objeto atual de seus pensamentos seriam todos muito ignorantes e aquele que mais conhecesse só conheceria uma verdade TEÓFILO É verdade que a nossa ciência mesmo a mais demonstrativa pelo fato de devermos com muita freqüência adquirila através de uma longa cadeia de conseqüências deve envolver a recordação de uma demonstração passada pois não se vê mais distintamente quando a conclusão está feita de outra forma seria repetir constantemente esta demonstração E mesmo enquanto ela dura não seria possível compreendêla inteiraao mesmo tempo pois todas as suas partes não podem estar presentes ao mesmo tempo em nosso espírito Assim recolo cando sempre diante dos olhos a parte que precede não chegaríamos nunca até a última que encerra a conclusão 244 LEIBNIZ Isto faz também com que sem a escrita seja difícil estabelecer bem as ciên cias uma vez que a memória não é suficientemente segura Ao contrário tendo posto por escrito uma longa demonstração quais são por exemplo as de Apolô nio e tendo percorrido todas as suas partes como se examinasse uma cadeia anel por anel as pessoas podem certificarse dos seus raciocínios a isto servem ainda as provas e o sucesso final justifica tudo Entretanto por aí se vê que todá crença consistindo na memória da vista passada das provas ou razões não está no nosso poder nem no nosso livre arbí trio de crer ou de não crer pois a memória não é algo que depende da nossa vontade 9 FILALETO É verdade que o nosso conhecimento habitual é de duas espé cies ou graus Por vezes as verdades colocadas como que de reserva ná memória não se apresentam ao espírito ántes que vejamos a relação existente entre as idéias que as compõem outras vezes ao contrário o espírito se contenta em lem brarse da convicção sem conservar as provas e mesmo às vezes sem poder recordálas quando gostaria Poderseia imaginar que isto é mais crer em sua memória do que conhecer realmente a verdade em questão e em outros tempos me parecia que é um meio termo entre a opinião e o conhecimento e que é uma garantia que ultrapassa a simples crença fundada sobre o testemunho de outrem Hoje porém após ter refletido melhor acredito que este conhecimento encerra uma certez perfeita Recordome isto é conheço visto que a recordação não é outra coisa que a reno vação de uma coisa passada que uma vez tive certeza da verdade desta proposi ção isto é que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois retos Ora a imutabilidade das mesmas relações entre as mesmas coisas imutáveis é presente mente a idéia mediata que me faz ver que se uma vez foram iguais sêloão ainda agora É com base neste fundamento que na matemática as demonstrações parti culares fornecem conhecimentos gerais se assim não fora o conhecimento de um geômetra não se estenderia além desta figura particular que ele traçara para a demonstração TEÓFILO A idéia mediata de que falais supõe a fidelidade da nossa recorda ção Entretanto acontece por vezes que a nossa recordação nos engana e que não tomamos todas as precauções necessárias embora acreditemos que sim Isto se observa claramente nas revisões das contas Por vezes existem reviso res de ofício como nas nossas minas do Harz e para tornar os recebedores àas minas particulares mais atentos instituiuse uma multa pecuniária para cada erro de cálculo e não obstante se cometem erros Todavia quanto mais cuidado se tem tanto mais confiança se pode ter nos raciocínios passados Projetei Uma forma de assentar as contas de modo que aquele que junta as somas das colunas deixa no papel os traços dos passos progressivos do seu raciocínio de maneira que não dê passos inúteis Pode sem pre rever corrigindo as últimas faltas sem interferir nas primeiras desta forma a revisão mesmo feita por um outro quase não custa trabalho visto que pode exa NOVOS ENSAIOS 245 m inar os mesmos passos com um relance de olhos Além dos meios de verificar ainda as contas de cada artigo por uma espécie de prova muito fácil sem que essas observações aumentem consideravelmente o trabalho de contagem Tudo isto nos faz compreender bem que os homens podem apresentar demonstrações rigorosas no papel e apresentam de fato uma infinidade Contu do sem se recordar de ter usado de rigor perfeito não se pode ter esta certeza no espírito Ora este rigor consiste num regulamento cuja observância em cada parte constitui uma garantia com respeito ao todo como no exame da corrente por anéis onde inspecionando cada um para verificar se está firme e tomando medidas com a mão para não saltar nenhum podemos ter garantia de que a cor rente é boa Através deste meio temos toda a certeza de que as coisas humanas são suscetíveis Entretanto não concordo que na matemática as demonstrações particulares sobre a figura que se traça forneçam esta certeza geral como vós pareceis afir mar Pois cumpre saber que não são as figuras que fornecem a prova entre os geô metras ainda que o estilo eçtético3 o faça crer A força da demonstração inde pende da figura traçada que só existe para facilitar a inteligência do que se quer dizer e fixar a atenção São as proposições universais ou seja as definições os axiomas e os teoremas já demonstrados que perfazem o raciocínio e o sustenta riam em caso de faltar a figura Eis por que um sábio geômetra como Scheube lius 4 deu as figuras de Euclides sem as suas letras que as possam ligar com a demonstração que lhes junta e um outro Herlinus reduziu as próprias demons trações a silogismos e prossilogismos 3 Dizse de uma forma de demonstração que consiste em apresentar uma verdade geral ilustrandoa à base de um exemplo particular ou à base de uma figura particular 4 Johann Scheybl 14941570 autor de uma edição comentada dos seis primeiros livros de Euclides 1550 Mais abaixo Herlinus é também ele um matemático do século XVI sua edição de Euclides foi publicada em 1566 246 LEIBNIZ C a p it u l o II Os graus do nosso conhecimento í FiLALETO O conhecimento é portanto intuitivo quando o espírito perce be a concordância de duas idéias imediatamente em virtude delas mesmas sem intervenção de outras Neste caso o espírito não tem nenhuma dificuldade em demonstrar e examinar a verdade Da mesma forma que o olho enxerga a luz o espírito vê que o branco não é o preto que um círculo não é um triângulo que três são dois mais um Este tipo de conhecimento é o mais claro e o mais certo de que a fraqueza humana seja capaz ele age de maneira irresistível sem permitir ao espírito hesi tar Equivale a conhecer que a idéia está no espírito tal qual a percebemos Se alguém exigir uma certeza maior não sabe o que pede TEÓFILO As verdades primitivas que se conhecem por intuição podem ser de duas espécies como as derivativas Podem ser verdades de razão ou verdades de fato As verdades de razão são necessárias enquanto que as de fato são contin gentes As verdades primitivas de razão são aquelas a que dou o nome geral de idênticas pois parecem não fazer outra coisa que repetir a mesma coisa sem nos ensinar nada de novo Podem ser afirmativas ou negativas As afirmativas são como as que seguem Cada coisa é aquilo que é e em quantos exemplos se quiser A é A B é B Eu serei o que serei Escrevi o que escrevi E nada tanto em verso como em prosa ê não ser nada ou pouca coisa O retângulo equilátero ê um retângulo O animal racional é sempre um animal E nas hipotéticas Se a figura regular de quatro lados ê um retângulo equilátero esta figura é um retângulo As copulativas as disjuntivas e outras proposições são ainda suscetíveis deste identi cismo e conto entre as afirmativas NãoA é nãoA E esta hipotética Se A é nãoB seguese que A é nãoB Analogamente se nãoA é BC seguese que não A é BC Se uma figura que não possui ângulo obtuso pode ser um triângulo regu lar uma figura que não possui ângulo obtuso pode ser regular Passo agora às proposições idênticas negativas que são ou do princípio de contradição ou disparates O princípio de contradição é em geral Uma proposi ção ê ou verdadeira ou falsa Isto encerra duas enunciações verdadeiras ou seja a primeira que o verdadeiro e o falso não são compatí veis na mesma proposição ou então que uma proposição não pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa a segunda que o oposto ou a negação do verdadeiro e l I NOVOS ENSAIOS 247 do falso não são compatíveis ou que não há meiotermo entre o verdadeiro e o falso ou então é impossível que uma proposição nãó seja nem verdadeira nem falsa y Ora tudo isto e ainda verdadeiro em todasas proposições imaginaveis em particular como esta O que è A jião pode ser nãoA Analogamente AB não pode ser nãoA Um retângulo equilátero nao pode ser nãoretângulo Igualmente é verdadeiro que todo homem ê um animal conseqüentemente é falso que possa existir algum homem que não seja arCimal Podemos variar essas enunciações de muitas foraiás aplicandoas às copulativas disjuntivas e outras Quanto aos disparates são as proposições que dizem que o objeto de uma idéia não é ó bbjeto de uma outra idéia como por exemplo que o calor não é a mesma coisa que a cor ou então o homem e o animal não são a mesma coisa embora todo hbmem seja animal Tudo isso é certo independentemente de qualquer prova ou da redução à oposição ou ao princípio de contradição quando essas idéias são suficientemente entendidas para não necessitarem aqui de análise De oütra forma estamos sujei tos a equivocarnos pois ao dizermos O triângulo e o trilátero não são a mesma coisa enganarnosíamos pois considerando bem vêse que os três lados e os três ângulos vão sempre juntos Ao dizermos O retângulo quadrilátero e o retân gulo não constituem a mesma coisa ainda então nos enganaríamos Pois a única figura que pode ter todos os ângulos retos é a figura de quatro lados Entretanto podese sempre dizer em abstrato qúe otriângulo não é o trilátero ou que às razões formais do triângulo e dó trilátéro não são as mesmas como dizem os filó sofos São relações diferentes de uma e mesma coisa Possivelmente alguém apÓs ter ouVido com paciência o que acabamos cdè dizer até agora a perderá finalmente e dirá que nos divertimos com enunciações frívolas e que todas as verdades idênticas de nada servem Contudo fazse este julgamento por não haver meditado suficientemente sobre estes assuntos As conseqüências de lógica por exemplo se demonstram pelos princípios idênticos e os geômetras têm necessidade do princípio de contradição nas suas demonstra ções que reduzem ao impossível Limitemonos aqui a mostrar a utilidade das idênticas nas demonstrações das conseqüências do raciocínio Digo que só o princípio de contradição basta para demonstrar a segunda e a terceira figura dos silogismos pela primeira Por exemplo podese concluir na primeira figura em Barbara Todo B é C Todo A é B Logo Tddô A é C Suponhamos que a conclusão seja falsa ou que seja verdadeiro que algum A não é C em conseqüência uma ou outra das premissas também o será Suponha mos que a segunda é verdadeira caso em que necessariamente será falsa a primei ra que afirma que todo B é C Logo á sua contraditória será verdadeira ou seja algum B não será C Isto será a conclusão de um argumento novo tirado da falsi s 248 LEIBNIZ dade da conclusão e da verdade de uma das premissas do precedente Eis este argumento novo Algum A não é C Isto se opõe à conclusão precedente suposta falsa TodoAéB E à premissa precedente suposta verdadeira Logo algum B não ê C É a conclusão presente verdadeira oposta à premissa precedente falsa Este argumento está no modo Disamis 5 da terceira figura que se demonstra assim manifestamente e com um relance de olhos do modo Barbara da primeira figura empregando apenas o princípio de contradição Observei em minha juven tude quando investigava estas coisas que todos os modos da segunda e da ter ceira figura podem ser tirados da primeira só por este método supondo que o modo da primeira é bom e por conseguinte que sendo a conclusão falsa ou a sua contraditória sendo considerada verdadeira e uma das premissas sendo conside rada verdadeira também é necessário que a contraditória da outra premissa seja verdadeira É verdade que nas escolas lógicas se gosta mais de usar as conversões para tirar as figuras menos principais da primeira que ê a principal visto que isto parece mais fácil para os alunos Todavia para aqueles que procuram razões demonstrativas onde se deve empregar o menor número possível de suposições não se demonstrará pela suposição da conversão o que se pode demonstrar só pelo princípio primitivo que é o da contradição e que não supõe nada Fiz até esta observação que parece notável só as figuras menos principais que se deno minam diretas a saber a segunda e a terceira se podem demonstrar pelo princí pio de contradição exclusivamente mas a figura menos principal indireta que é a quarta e cuja invenção os árabes atribuem a Galeno 6 embora nada encon tremos disso nas obras que restam dele nm nos autores gregos a quarta digo apresenta a desvantagem de não poder ser tirada da primeira ou principal só por este método e é ainda necessário empregar uma outra suposição isto é as conversões de sorte que ela é mais longínqua de um grau do que a segunda e a terceira s quais estão à altura e igualmente longínquas da primeira ao passo que a quarta tem necessidade ainda da segunda e da terceira para ser demonstrada Pois as próprias conversões de que ela tem necessidade se demonstram pela figu ra segunda ou terceira demonstráveis independentemente das conversões como acabo de mostrar Foi Pierre de la Ramée 7 que já fez esta observação acerca da demonstrabi lidade da conversão por essas figuras e se não me equivoco ele objetou o cír culo aos mestres de lógica que se servem da conversão para demonstrar essas 5 Melhor Bocardo 6 Afamado médico e filósofo do século II da nossa era Entre as suas obras figura um pequeno tratado de ló gica conhecido sob o nome de Instititutio Logique Entretanto foi com base num testemunho mal entendido que ele passou como inventor da quarta figura do sildgismo denominada por esta razão de galênica 7 Ver nota 1 A doutrina aqui mencionada se encontra exposta nos Scholae Dialecticae 1569 NOVOS ENSAIOS 249 figuras embora não fosse tanto o círculo que era necessário objetarlhes pois não se serviam dessas figuras para justificar as conversões mas o hysteronpróteron8 ou o inverso visto que as conversões mereciam ser demonstradas por essas figu ras antes que essas figuras pelas conversões Contudo já que esta demonstração flas conversões nos faz ver o uso das idênticas afirmativas que muitos consideram absolutamente frívolas será tanto mais oportuno colocála aqui Só quero falar das conversões sem contraposição que me bastam aqui e que são simples ou por acidente como se denominam As conversões simples são de duas espécies a da universal negativa como Nenhum quadrado é obtusângulo logo nenhum obtusângulo é quadradore a da particular afirmativa como Algum triângulo é obtusângulo logo algum obtusângulo ê um triângulo Entretanto a conversão por acidente como se denomina diz respeito à universal afirmativa com o Todo quadrado é retângulo logo algum retângulo ê quadrado Entendese sempre aqui por retângulo uma figura cujos ângulos são todos retos sendo que por quadrado entendese um quadrilátero regular Agora tratase de demonstrar estas três espécies de conversão que são 1 Nenhum A é B logo nenhum B é A 2 Algum A é B logo aigum B é A 3 Todo A é B logo algum B ê A Demonstração da primeira conversão em Cesare que é da segunda figura Nenhum A é B Todo B é B Logo nenhum B é A Demonstração da segunda conversão em Datisi que é da terceira figura T o d o A é A Algum A é B Logo algum B ê A Demonstração da terceira conversão em Darapti que é a terceira figura Todo A é A TodoA éB Logo algum B é A Isto faz ver que as proposições idênticas mais puras e que parecem as mais inúteis são de Uma utilidade considerável no abstrato e geral e isto pode ensi narnos que não devemos desprezar verdade alguma Com respeito a esta proposição que três equivale a dois mais um que ale gais ainda como exemplo dos conhecimentos intuitivos dirvosei que é apenas a definição do termo três pois as definições mais simples dos números se formam desta maneira Dois são um mais um Três são dois mais um Quatro são três 8 Do grego vício de raciocínio que consite em colocar em primeiro lugar o que na ordem natural vem em segundo lugar 250 LEIBNIZ mais um e assim por diante É verdade que ali existe uma enunciação escondida que já observei isto é que essas idéias são possíveis e isto se conhece aqui intui tivamente de modo que se pode dizer que um conhecimento intuitivo está compreendido nas definições quando a sua possibilidade aparece à primeira vista Desta maneira todas as definições adequadas contêm verdades primitivas de razão e por conseguinte conhecimentos intuitivos Enfim podese dizer em geral que todas as verdades primitivas de razão são imediatas de uma imediação de idéias No que concerne às verdades primitivas de fato são as experiências imedia tas internas de uma imediação de sentimento É aqui que tem lugar a primeira verdade dos Cartesianos ou de Santo Agostinho9 Penso logo sou isto é Sou uma coisa que pensa Todavia cumpre saber qye assim como as idênticas são gerais ou particulares e umas são tão claras como as outras pois é tão claro dizer que A é A como dizer que uma coisa é aquilo que ê o mesmo acontece com as primeiras verdades de fato Pois não somente para mim é claro imediata mente que eu penso mas é igualmente claro que tenho pensamentos diferentes que ora penso em A e ora penso em B etc Assim o princípio cartesiano ê bom mas não é o único da sua espécie Vêse por aí que todas as verdades primitivas de razão ou de fato têm isto de comum que não é possível demonstrála por algu ma coisa mais certa 2 FiLALETO Aprecio muito que leveis mais longe o que eu havia apenas to çado acerca dos conhecimentos intuitivos Ora o conhecimento demonstrativo é apenas um encadeamento dos conhe cimentos intuitivos em todas as conexões das idéias mediatas Pois muitas vezes o espírito não pode juntar comparar ou aplicar imediatamente as idéias uma à outra o que obriga a servirse de outras idéias intermédias uma ou mais para descobrir a concordância ou a discordância que se procura e é isto que se deno mina raciocinar Como em demonstrando que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois retos encontramse alguns outros ângulos que se vêem iguais tanto aos três ângulos do triângulo como a dois retos 3 Essas idéias que fazemos intervir se denominam provas e a disposição do espírito para encontrálas denominase a sagacidade 4 Mesmo quando as encontramos não é sem trabalho e sem atenção nem por uma só vista passageira que se pode adquirir este conhecimento pois é preci so engajarse numa progressão de idéias feita pouco a pouco e em graus sucessi vos 5 e existe dúvida antes da demonstração 6 A demonstração é menos clara que a intuitiva como a imagem refletida por vários espelhos de um a outro se enfraquece sempre mais em cada reflexão e não é mais tão reconhecível sobretudo a olhos fracos Acontece o mesmo com um conhecimento produzido por uma longa seqüência de provas 9 É sabido que o cogito cartesiano está prefigurado em vários textos de Santo Agostinho em especial De Li bero Arbitrio O Livre Arbítrio II 3 Ver as objeções de Arnauld Quartas Objeções às Meditações Metafí sicas de Descartes S sro v ó s ENSAIOS 251 7 E embora cada passo que a razão faz ao demonstrar seja um conheci mento intuitivo ou de simples vista não obstante visto que nesta longa seqüência de provas a memória não conserva tão exatamentè esta conexão de idéias os ho mens muitas vezes consideram coisas falsas como demonstrações TEÓFILO Além da sagacidade natural ou adquirida por exercício existe uma arte de encontrar as idéias intermediárias b medium esta arte é a análise Ora convêm considerar aqui que se trata tanto de encontrar a verdade ou a falsidade de uma proposição dada o que não é outra coisa senão responder à questão An será quê isto é se isto é ou não é Por vezes tratase de responder a uma ques tão mais difícil caeterisparibus1 0 na qual se pergunta por exemplo por quem e como e neste caso existe mais coisa a suprir São somente estas questões que deixam uma parte da proposição em branco que os matemáticos denominam problemas Como quando pedimos que se encontre um espelho que junte todos os raios do sol num ponto isto é pedese a figura dele ou então como é feito Quanto às primeiras questões onde se trata exclusivamente do verdadeiro e do falso e onde nada existe a suprir no sujeito ou no predicado existe menos invenção contudo algo dela existe sendo que só o julgamento não é suficiente É verdade que um homem dejuízo isto é que é capaz de atenção e de reserva e que tem o lazer a paciência e a liberdade de espírito necessária pode compreender a mais difícil demonstração se ela for devidamente proposta Todavia o homem mais judicioso do mundo sem outra ajuda não será sempre capaz de encontrar esta demonstração Assim existe invenção também nisto e entre os geômetras havia mais antigamente do que hoje em dia Com efeito quando a análise era menos cultivada necessitavase de mais sagacidade para chegar a elas e é por isso que ainda alguns geômetras da velha geração ou outros que ainda não têm abertura suficiente para os novos métodos acreditam obrar maravilhas quando encontram a demonstração de algum teorema que outros inventaram Contudo os que são versados na arte da invenção sabem quando isto é apreciável ou não por exemplo se alguém publica a quadratura de um espaço compreendido entre uma linha curva e uma reta que sai bem em todos os seus segmentos e que deno mino geral está sempre em nosso poder segundo os nossos métodos encontrar a sua demonstração desde que se queira assumir o trabalho Porém existem quadraturas particulares de certas porções onde a coisa poderá ser tão complexa que não estará semprein potestate11 até aqui desenvolvêla Acontece também que a indução nos apresente verdades nos números e nas figuras para os quais ainda não se descobriu a razão geral Pois falta muito para termos chegado à per feição da análise na geometria e nos números como muitos imaginaram fiando se das fanfarronadas de alguns homens de resto excelentes mas exageradamente prontos ou ambiciosos Todavia é bem mais difícil encontrar verdades importantes e mais ainda encontrar os meios para fazer o que se procura do que encontrar a demonstração 10 Era paridade de circunstâncias 11 Em nosso poder 252 LEIBNIZ das verdades que foram descobertas por um outro Chegase muitas vezes á belas verdades pela síntese indo do simples ao composto mas quando se trata justa mente de encontrar o meio de realizar o que nos propomos a síntese em gerali não ê suficiente e muitas vezes seria o mesmo que beber o mar fazer todas as combi nações exigidas embora muitas vezes possamos socorrernos do método das exclusões que elimina uma boa parte das combinações inúteis e muitas vezes a natureza não admite outros métodos Todavia não possuímos sempre os meios para bem seguir esta Compete portanto à análise fomecernos um fio neste labi rinto quando isto é possível pois existem casos em que a própria natureza da questão exige que tateemos em toda parte uma vez que os atalhos nem Sempre são possíveis 8 FiLALETO já que ao demonstrar supomos sempre conhecimentos intuiti vos isto no meu entender deu ocasião a este axioma que todo raciocínio vem das coisas já conhecidas e já concordadas ex praecognitis et praeconcessis Todavia teremos ocasião de falar da falsidade encerrada neste axioma quando tratarmos das máximas que injustamente se tomam como fundamentos dos nos sos raciocínios TEÓFILO Estaria curioso por saber que falsidade encontrais num axioma que parece tão razoável Se fosse necessário sempre reduzir tudo aos conhecimentos intuitivos as demonstrações seriam muitas vezes de uma prolixidade insuportável Eis por que os matemáticos tiveram a habilidade de dividir as dificuldades e de demonstrar à parte proposições intervenientes E ainda existe arte nisto pois como as verda des intermédias que se denominam lemas podem ser designadas de diversos modos é bom para auxiliar a compreensão e a memória escolher as que abre viam muito e que parecem memoráveis e dignas por si mesmas de serem demons tradas Existe porém um outro obstáculo isto é que não é fácil demonstrar todos os axiomas e reduzir inteiramente as demonstrações aos conhecimentos intuitivos E se tivéssemos querido esperar por isto talvez não tivéssemos ainda a ciência da geometria Disto porém já tivemos ocasião de falar em nossas pri meiras conversações e teremos ocasião de falar mais do assunto 9 FILALETO Retornaremos a isso em breve No momento observarei ainda o que já toquei mais de uma vez a saber uma opinião comum segundo a qual só as ciências matemáticas são capazes de oferecer uma certeza demonstrativa Ora como a concordância e a discordância que podem ser conhecidas intuitivamente não constituem um privilégio ligado exclusivamente às idéias dos números e das figuras é talvez por falta de aplicação de nossa parte que só a matemática chegou a apresentar demonstrações 10 Várias razões concorreram para tanto As ciências matemáticas têm uma utilidade muito geral reconhecendose com facilidade a menor diferença 11 Essas outras idéias simples que são aparências ou situações produzi das em nós não possuem nenhuma medida exata de seus diferentes graus 12 Quando porém a diferença dessas qualidades visíveis por exemplo é suficiente NOVOS ENSAIOS 253 mente grande para excitar no espírito idéias claramente distinguidas como as do azul e do vermelho elas são tão capazes de demonstração como aquelas do nú mero e da extensão TEÓFILO Existem exemplos bem consideráveis de demonstrações fora da matemática podendose dizer que Aristóteles já indicou algumas em seus primei ros analíticos Com efeito a lógica é tão suscetível de demonstrações como a geometria podendose afirmar que a lógica dos geômetras ou as maneiras de argumentar que Euclides explicou e estabeleceu ao falar das proposições constitui uma exten são ou promoção particular da lógica geral Arquimedes é o primeiro do qual possuímos as obras que tenha exercido a arte de demonstrar numa ocasião na qual entra o físico como fez no seu livro Sobre o Equilíbrio Além disso podese também dizer que os jurisconsultos têm várias boas demonstrações sobretudo os antigos jurisconsultos romanos cujos fragmentos nos foram conservados nasPandectas Concordo inteiramente com a opinião de Lorenzo Valia12 que não pode admirar suficientemente esses autores entre ou tras coisas pelo fato de falarem todos de maneira tão justa e tão límpida e por raciocinarem de uma forma que se aproxima muito da demonstrativa e por vezes é inteiramente demonstrativa Igualmente não conheço nenhuma ciência afora a do direito e a das armas onde os romanos tenham acrescentado algo de conside rável ao que haviam recebido dos gregos Tu regere império populos Romane memento Hae tibi erunt artespacique imponere morem Parcere subiectis et debellare superbos1 3 Esta maneira precisa de explicarse fez com que todos esses jurisconsultos das Pandectas embora por vezes muito distantes uns dos outros no tempo pare çam ser todos um só autor e seria difícil distinguir um do outro se os seus escri tos não tivessem à testa os seus respectivos nomes como aliás não é fácil distin guir Euclides Arquimedes e Apolônio ao ler as suas demonstrações sobre matérias que foram tratadas por vários deles Impõese reconhecer que os gregos raciocinaram com toda a exatidão possí vel na matemática e deixaram ao gênero humano os padrões da arte de demons trar pois se os babilônios e os egípcios tiveram uma geometria um pouco mais que empírica pelo menos nada mais nos resta dela todavia é impressionante que os próprios gregos decaíram tanto desde que se distanciaram o mínimo dos nú meros e das figuras para entrarem na filosofia Com efeito é estranho que não se veja sombra de demonstração em Platão e em Aristóteles exceto os seus Analí ticos Primeiros e em todos os outros filósofos antigos Proclo era um bom geô metra porém parece outro homem quando fala de filosofia 12 Lorenzo Valia 14061457 filólogo italiano O elogio mencionado figura no seu tratado sobre as Elegâncias da Língua Latina 13 Citação de Virgílio Eneida VI 851853 no segundo verso os editores modernos lêem pacis Tu ó Romano recordate que te compete estender o teu império sobre os povos tais serão as tuas artes a ti e ditar as leis da paz poupar os vencidos e abater os soberbos 254 LEIBNIZ O que fez com que seja mais fácil raciocinar de maneira demonstrativa na matemática é em boa parte porque a experiência pode neste casogarantir o raciocínio a qualquer momento como acontece também nas figuras dos silogismos No domínio da metafísica e da moral este paralelismo das razões e das experiências deixa de existir sendo que na física as experiências exigem trabalho e despesas Ora os homens negligenciaram a sua atenção e conseqüentemente se desencaminharam quando perderam este guia fiel da experiência que os ajudava e sustentava em sua demarche como faz essa pequena máquina rolante que impe de as crianças de caírem quando andam Havia algum sucedâneo mas disto não se deram e continuam não se dando conta suficientemente Falarei disto no devi do lugar De resto o azul e o vermelho não são capazes de fornecer matéria a demons trações pelas ideias que deles possuímos visto que estas idéias são confusas Tampouco essas cores fornecem matéria ao raciocínio senão na medida em que pela experiência as encontramos acompanhadas de algumas idéias distintas mas onde a conexão com as suas próprias idéias não aparece 14 FILALETO Além da intuição e da demonstração que constituem os dois graus do nosso conhecimento todo o resto é fé ou opinião e não conhecimento pelo menos com respeito a todas as verdades gerais Todavia o espírito possui ainda uma outra percepção que diz respeito à existência particular dos seres fini tos fora de nósé o conhecimento sensitivo t e ó f i LO A opinião fundada no provável talvez também mereça o nome de conhecimento caso contrário quase todos os conhecimentos históricos e muitos outros cairão Entretanto sem querer discutir sobre palavras considero que a pesquisa dos graus de probabilidade seria muito importante e nos falta ainda sendo este um grande defeito das nossas lógicas Pois quando não se pode absolutamente deci dir a questão poderseia sempre determinar o grau de probabilidade ex datis 1 4 e por conseguinte se pode julgar razoavelmente qual parte é a mais evidente Quando os nossos moralistas entendo os mais sábios como o Superior Geral moderno dos jesuítas1 5 juntam o mais seguro com o mais provável e preferem até o seguro ao provável na realidade não se afastam do mais provável visto que a questão da segurança é aqui a da pouca probabilidade de um mal a temer A falta dos moralistas negligentes neste ponto foi em boa parte o terem tido uma noção por demais limitada e insuficiente do provável noção que confundiram com o éndoxos1 6 ou opinável de Aristóteles Com efeito Aristóteles em seus Tó picos quis apenas adaptarse às opiniões dos outros como faziam os oradores e 1 4 A partir dos dados 1 5 Tirso Gonzales falecido em 1705 autor de um Theologiae Mòralis Fundamentum Fundamento da Teologia Moral no qual reagia contra as doutrinas probabilistas defendidas por muitos jesuítas do século XVII 1 6 Ver Aristóteles Tópicos I 100 b 2123 NOYOS ENSAIOS 255 os sofistas Endoxos é aquilo que é aceito pelo maior numero ou pelos mais abali zados ele fez mal em restringir os seus tópicos a isso foi o que fez com que ele só aceitasse máximas geralmente aceitas a maioria delas vagas como se só se quisesse raciocinar mediante quodlibets ou provérbios Ora o provável é mais extenso é preciso deduzilo da natureza das coisas por outra parte a opinião de pessoas de peso é uma das coisas que podem contribuir para tornar uma opinião provável mas não é só nisto que consiste a verossimilhança Quando Copérnico estava quase sozinho na defesa da sua opinião esta era sempre incompara velmente mais provável que a de todo o resto do gênero humano Ora não sei se o estabelecimento da arte de apreciar as probabilidades não seria mais útil que uma boa parte das nossas ciências demonstrativas sendo que pensei nisto mais de uma vez FILALETO O conhecimento sensitivo que estabelece a existência dos seres particulares fora de nós vai além da simples probabilidade porém não encerra toda a certeza dos dois graus de conhecimento de que acabamos de falar Que a idéia que recebemos de um objeto externo esteja em nosso espírito nada mais certo do que isto sendo um conhecimento intuitivo Entretanto resta saber se daí podemos inferir com certeza a existência de alguma coisa fora de nós que corresponda a esta idéia visto que tal é questionado por certas pessoas pois os homens podem possuir tais idéias no seu espírito sem que nada disto exista na realidade y Quanto a mim creio haver um grau de evidência que nos eleva acima da dú vida Estamos invencivelmente convencidos de que há uma grande diferença entre as percepções que se têm quando de dia se olha o sol e quando de noite se pensa neste astro igualmente a idéia que é renovada com o auxílio da memória é muito diferente daquela que nos vem atualmente por intermédio dos sentidos Alguém dirá que um sonho pode produzir o mesmo efeito respondo antes de tudo que não importa muito que eu elimine esta dúvida pois que se tudo não passa de sonho os raciocínios são inúteis a verdade e o conhecimento não são absoluta mente nada Em segundo lugar reconhecerseá a meu ver a diferença que existe entre sonhar que estamos num fogo e estar atualmente nele E se a pessoa per siste em parecer cética dirlheei que basta que achemos com certeza que o pra zer ou a dor seguem a aplicação de certos objetos sobre nós verdadeiros ou imaginados e que tal certeza é tão grande como a nossa felicidade ou a nossa miséria duas coisas além das quais não temos interesse algum Assim sendo acredito que podemos enumerar três espécies de conhecimento o intuitivo o demonstrativo e o sensitivo TEÓFILO Creio que tendes razão Penso até que a estas espécies de certeza ou ao conhecimento certo poderíeis acrescentar o conhecimento do provável Assim sendo haverá duas espécies de conhecimento como existem duas espécies de pro vas das quais umas terminam na certeza as outras na probabilidade Vamos porém a esta queixa que os céticos movem contra os dogmáticos acerca da existência das coisas fora de nós Já tocamos no assunto mas necessi tamos voltar a ele 256 LEIBNIZ Discuti muito antigamente sobre isto oralmente e por escrito com o Padre Foucher1 7 cônego de Dijon homem sábio e sutil mas excessivamente conven cido dos seus acadêmicos cuja seita ele gostaria de ter ressuscitado assim como Gassendi tinha ressuscitado a de Epicuro A sua crítica da Pesquisa da Verdade e os outros pequenos tratados que publicou a seguir fizeram conhecer o seu autor bastante bem Ele publicou também no Jornal dos Sábios objeções contra o meu sistema da harmonia preestabelecida quando o publiquei após têlo digerido durante vários anos todavia a morte o impediu de replicar à minha resposta O Padre Foucher pregava sempre que era necessário precaverse dos precon ceitos e cultivar uma grande exatidão Todavia além de ele mesmo não se obrigar a fazer o que aconselhava e nisto era escusável pareceme que não olhava a se um outro o fazia prevenido que estava sem dúvida de que ninguém o faria Ora eu lhe mostrei que a verdade das coisas sensíveis consistia exclusivamente na conexão dos fenômenos que deve ter a sua razão e que é isto que as distingue dos sonhos que porém a verdade da nossa existência e da causa dos fenômenos é de uma outra natureza visto que estabelece substâncias e que os céticos arrui navam o que dizem de bom levandoo demasiado longe e querendo estender as suas dúvidas até às experiências imediatas e mesmo até às verdades geométricas o que o Padre Foucher não fazia bem como às outras verdades da razão o que Foucher fazia um pouco demais Para voltar ao vosso ponto de vista tendes razão em dizer que há diferença via de regra entre o sentimento e a imaginação ora os céticos dirão que o mais e o menos não alteram a espécie De resto embora os sentimentos em geral sejam mais vivos que as imaginações sabese todavia que existem casos em que pessoas imaginativas são atingidas pelas suas imaginações tanto ou talvéz mais do que outros o são pela verdade das coisas de sorte que no meu entender o verdadeiro critério em questão de objetosdos sentidos é a conexão dos fenômenos isto é a conexão daquilo que aconteceu em lugares e tempos diferentes e na experiência de homens diferentes que são eles mesmos uns em relação aos outros fenômenos muito importantes nesta matéria Ora a conexão dos fenômenos que garante as verdades de fato em relação às coisas sensíveis existentes fora de nós se verifica por intermédio das verdades de razão como as aparências da óptica se esclare cem pela geometria Entretanto impõese admitir que toda esta certeza não é do grau mais alto como vós mesmo bem reconhecestes Com efeito não é impossível falando metafisicamente que exista um sonho seguido e durável como a vida de um homem contudo é uma coisa tão contrária à razão quanto o seria imaginar um livro que se formasse ao acaso simplesmente pela junção casual de uma multidão de caracteres tipográficos De resto é verdade também que desde que os fenôme nos sejam ligados em conexão pouco importa que os denominemos sonhos ou 1 7 Padre Foucher 16441696 filósofo francês correspondente de Leibniz A sua crítica da Pesquisa da Verdade de Malebranche apareceu em 1675 Os acadêmicos dos quais queria ressuscitar a seita são os representantes da Nova Academia herdeiros de Platão que derivaram para o ceticismo e para o probabi lismo a cuja tradição está vinculada a filosofia de Cícero NOVOS ENSAIOS 257 não visto que a experiência demonstra que não nos enganamos nas medidas que haurimos dos fenômenos quando estas são tomadas conforme as verdades de razão 15 FILALETO De resto o conhecimento não é sempre claro ainda que as idéias o sejam Um homem que possui idéias tão claras dos ângulos de um triân gulo e da igualdade a dois ângulos retos quanto as não tem nenhum matemático do mundo pode possuir uma percepção muito obscura da sua concordância TEÓFILO Via de regra quando as idéias são compreendidas a fundo as suas concordâncias e discordâncias aparecem Reconheço porém que por vezes exis tem algumas tão compostas que se necessita de muito cuidado para explicitar o que nelas está escondido sob este aspecto certas concordâncias podem permane cer ainda obscuras Quanto ao vosso exemplo observaria que por termos na imaginação os ân gulos de um triângulo nem por isso se têm idéias claras a respeito A imáginação não pode fomecernos uma imagem comum aos triângulos acutângulos e obtusângulos e todavia a idéia do triângulo lhes é comum assim sendo esta idéia não consiste nas imagens e não é tão fácil como se poderia pensar compreender a fundo os ângulos de um triângulo 258 LEIBNIZ C a p ít u l o III A extensão do conhecimento humano í FiLALETO O nosso conhecimento não vai além das nossas idéias 2 nem além da percepção da concordância ou discordância das mesmas 3 O nosso conhecimento não pode ser sempre intuitivo vistoque não se pode sempre com parar as coisas imediatamente por exemplo as grandezas de dois triângulos sobre uma mesma base iguais e no entanto muito diferentes 4 O nosso conhe cimento tampouco pode ser sempre demonstrativo pois nem sempre conseguimos encontrar as idéias intermédias 5 Finalmente o nosso conhecimento sensitivo só diz respeito à existência das coisas gue atingem atualmente os nossos sentidos 6 Assim não somente as nossas idéias são limitadas senão que o nosso conhe cimento é mais limitado que as nossas idéias Todavia não duvido de que o conhecimento humano poderia ir muito além se os homens quisessem procurar com afinco os meios de aperfeiçoar a verdade com uma completa liberdade de espírito e com toda a diligência e iniciativa que usam para colorir ou para susten tar a verdadepara defender um sistema ao qual aderiram ou então certas opi niões e interesses com os quais se comprometeram Entretanto ao final o nosso conhecimento não consegue jamais abarcar tudo aquilo que podemos desejar conhecer no tocante às idéias que possuímos Por exemplo jamais seremos talvez capazes de encontrar um círculo igual a um quadrado e saber com certeza se tal coisa existe TEÓFILO Existem idéias confusas nas quais não podemos lograr um conheci mento completo como são as idéias de algumas qualidades sensíveis Entretanto quando elas são distintas podemos esperar tudo No que concerne ao quadrado igual ao círculo Arquimedes já demonstrou que ele existe é aquele cujo lado é a média proporcional êntre o semidiâmetro e a semicircunferência Ele até determi nou uma reta igual à circunferência do círculo por meio de uma reta tangente da espiral como òutras pela tangente de uma qüadratriz maneira dequadratura que alegrou muito a Claÿius1 8 sem falar de um fio aplicado à circunferência e de pois estenàidq ou da circunferência que roda para descrever o ciclóide e se transforma emreta Alguns exigem que a construção se faça empregando exclusi vamente a régua e o compasso todavia a maior parte dos problemas da geome 18 Cristoforo Clavius 15371612 matemático alemão editor e comentador dos Elementos de Eucíides 1574 Quanto ao que segue ver a nota 39 NOVOS ENSAIOS 259 tria não podem ser construídos por este meio Por conseguinte tratase antes de encontrar a proporção entre o quadrado e o círculo Todavia uma vez que esta proporção não pode ser expressa em números racionais finitos foi necessário para empregar exclusivamente números racionais exprimir esta mésma propor ção por uma série infinita desses números que assinalei de uma forma bastante simples Agora quererseia saber se não existe alguma quantidade finita que possa exprimir esta série infinita isto é se podemos encontrar justamente um re sumo para isto Todavia as expressões finitas sobretudo as irracionais podem variar de muitas maneiras para que possamos enumerálas e determinar facil mente tudo o que se pode Talvez fosse possível fazêlo se esta absurdidade devesse ser explicável por uma equação ordinária ou mesmo extraordinária que faça entrar o irracional ou mesmo o desçonhecido na exposição embora se deva dizer que seriá necessário um longo cálculo para fazer isto coisa para a qual nin guém se decidirá facilmente se não encontrarmos um dia um caminho breve Entretanto excluir todas as expressões finitas isto não é possível pois disto tenho experiênciae determinar com justeza a melhor é um problema difícil Tudo isto mostra que o espírito humano se propõe questões tão estranhas sobretudo quando entra o infinito que não devemos admirarnos se é difícil resolvêlas tantó mais que tudo depende muitas vezes de um caminho abreviado nessas maté rias geométricas caminho que não podemos sempre esperar encontrar assim como não podemos sempre reduzir as frações a termos menores ou encontrar os divisores de um número É verdade que se pode sempre ter esses divisores se for possível visto que a sua enumeração é finita Entretanto quando aquilo que deve mos examinar é variável ao infinito e sobe de grau em grau não conseguimos dominálos conforme queremos sendo muito trabalhoso fazer tudo o que é neces sário para tentar metodicamente chegar ao caminho abreviado ou à regra de progressão que isenta da necessidade de ir mais além E já que a utilidade não compensa o trabalho deixamos o êxito desta tarefa à posteridade que poderá desfrutar dela quando este trabalho ou prolixidade forem diminuídos por progres sos e aberturas novas que o tempo poderá trazer consigo Não pretendo dizer que se as pessoas que de tempo em tempo se entregam a tais estudos quisessem fazer justamente o que é necessário para ir mais longe não se poderia esperar progredir muito em pouco tempo Não devemos imaginar que tudo está feito pois mesmo na geometria ordinária ainda não possuímos um método para deter minar as melhores construções quando os problemas são um pouco compostos Uma certa progressão de síntese deveria aliarse à nossa análise para melhor conseguilo Lembrome ter ouvido dizer que De W itt19 possuía algumas medita ções sobre este assunto FiLALETO Uma outra dificuldade é saber se um ser puramente material pensa ou não talvez jamais seremos capazes de sabêlo embora tenhamos as idéias da matéria e do pensamento pélo motivo de que nos é impossível descobrir pela 19 João de Witt 16251672 insigne homem de Estado da Holanda deixounos algumas obras de matemática 260 LEIBNIZ contemplação das nossas próprias idéias sem a revelação se Deus não deu a algumas massas de matéria dispostas como ele quiser o poder de perceber e de pensar ou se ele não associou à matéria assim disposta uma substância imate rial capaz de pensar Com efeito em relação às nossas noções não nos é mais difícil conceber que Deus possa se lhe aprouver acrescentar à nossa idéia da matéria a faculdade de pensar que compreender que ele lhe associe uma outra substância dotada da faculdade de pensar visto ignorarmos em que consiste o pensamento e a que espécie de substância este Ser todopoderoso resolveu conce der tal poder poder que não pode encontrarse em nenhum ser criado senão em virtude do arbítrio e da bondade do Criador TEÓFILO Sem dúvida esta questão é incomparavelmente mais importante do que a precedente Todavia ouso dizervos que eu desejaria que fosse tão fácil tocar as almas e curar os corpos das suas enfermidades quanto acredito estar em nosso poder resolver a citada questão Espero que reconheçais ao menos que posso afirmar isto sem faltar contra a modéstia e sem sentenciar como mesfte pois além de estar falando segundo a opinião comum acredito ter examinado este problema com atenção nâocomum Antes de tudo reconheço que quando só temos idéias confusas sobre o pen samento e sobre a matéria como acontece ordinariamente não devemos admi rarnos se não enxergamos ainda o meio de resolver tais questões É como obser vei um pouco antes uma pessoa que não tem idéias dos ângulos de um triângulo senão da maneira comunTjamais chegará a pensar que são sempre iguais a dois ângulos retos É necessário considerar que a matéria tomada como um ser com pleto isto é a matéria segunda oposta à primeira que constitui algo de pura mente passivo e por conseguinte incompleto é apenas um acúmulo ou o que disso resulta e que todo acúmulo real supõe substâncias simples ou unidades reais e quando se considerar ainda o que é da natureza dessas unidades reais isto é a percepção e as suas conseqüências transferimonos por àssim dizer para um outro mundo isto é ao mundo inteligível das substâncias ao passo que ante riormente estávamos apenas entre os fenômenos dos sentidos Este conhecimento do interior da matéria mostra bastante bem de que ela é capaz naturalmente e que todas as vezes que Deus lhe der órgãos aptos para exprimir o raciocínio a substância imaterial que raciocina também não deixará de serlhe dada em vir tude dessa harmonia que constitui uma conseqüência natural das substâncias A matéria não pode subsistir sem substâncias imateriais isto é sem as unidades depois disto não se deve mais perguntar se Deus tem ou não a liberdade de confe rirlhas ou não Se essas substâncias não tivessem nelas a correspondência ou harmonia das quais acabo de falar Deus não agiria segundo a ordem natural Quando se fala simplesmente de dar ou de conceder poderes isto equivale a vol tar às faculdades nuas das escolas filosóficas e imaginar pequenos seres subsis tentes que podem entrar e sair como pombos num columbário Isto equivále a fazer delas substâncias sem pensar As potências primitivas constituem as pró prias substâncias e as potências derivativas ou se preferirdes as faculdades constituem apenas modos de ser que se devem derivar das substâncias e não NOVOS ENSAIOS 261 podemos deriválas da matéria enquanto esta não passa de máquina isto é enquanto não se considera por abstração senão o ser incompleto da matéria pri meira ou o puro passivo Nisto acredito que estejais de acordo isto é que a sim ples máquina não é capaz de fazer nascer a percepção a sensação a razão Por conseguinte é necessário que essas provenham de alguma outra coisa substan ciai Querer que Deus aja de outra forma e dê às coisas acidentes que não consti tuem modos de ser ou modificações derivadas das substâncias é recorrer aos milagres e àquilo que as escolas denominavam a potência obediencial por uma forma de exaltação sobrenatural como quando certos teólogos pretendem que o fogo do inferno queima as almas separadas Neste caso podese até duvidar se seria o fogo que age ou se não seria Deus quem produz este efeito agindo em lugar do fogp FiLALETO Vós me surpreendeis um pouco pelos vossos esclarecimentos Ante cipais também muitas coisas que queria dizervos sobre os limites dos nossos conhecimentos Tervosia dito que não estamos num estado de visão como dizem os teólogos que a fé e a probabilidade devembastarnos em muitas coisas e sobretudo no tocante à imãterialidade da alma tervosia dito também que todas as grandes finalidades da moral e da religião assentam sobre fundamento bastante sólido sem o auxílio das provas desta imaterialidade provas tiradas da filosofia tervosia dito outrossim que é evidente que Aquele que começou a fazernos subsistir aqui como seres sensíveis e inteligentes e que durante muitos anos nos conservou neste estado pode e quer fazernos ainda desfrutar de um tal estado de sensibilidade na outra vida e tomarnos capazes de receber a retribui ção que destinou aos homens conforme se conduzirem durante esta vida final mente que por aí se pode pensar que a necessidade de se pronunciar pró ou con tra a imaterialidade da alma não é tão grande como o quiseram fazer crer certas pessoas excessivamente levadas pelos seus sentimentos Ia dizervos tudo isso e ainda mais porém agora vejo como é diferente afirmar que somos sensíveis pen santes e imortais naturalmente e que o somos apenas por milagre Com efeito reconheço ser necessário admitir um milagre se a alma não for imaterial ora esta opinião do milagre além de ser destituída de fundamento não fará boa impressão na inteligência de muitas pessoas Vejo também que da forma como considerais a questão podemos pronunciarnos razoavelmente sobre a presente questão sem necessidade de desfrutarmos do estado de visão e de encontrarnos na companhia desses gênios superiores que penetram bem longe na constituição interior das coisas e cuja vista viva e penetrante bem como o seu vasto campo de conhecimentos podem darnos unia idéia da felicidade de que desfrutam Acreditava eu que fosse completamente acima do nosso conhecimento aliar a sensação com uma matéria extensa e a existência com uma coisa que não tem absolutamente extensão Eis por que me tinha persuadido de que aqueles que assim se definiam seguiam o método irracional de certas pessoas que ao verem que certas coisas consideradas sob certo aspecto são incompreensíveis se ati ram cegamente para a parte oposta embora esta não seja menos ininteligíveL Isso provinha a meu juízo do fato de que uns tendo o espírito por assim dizer exces 262 LEIBNIZ sivamente afundado na matéria não conseguiam reconhecer a existência de nada que não fosse material ao passo que os outros não acreditando qüe o pensa mento está encerrado nas faculdades naturais da matéria concluíam disso que o próprio Deus não podia dar a vida e a percepção a uma substância sólida sem colocar alguma substância imaterial Ao contrário agora vejo que se Deus o fizesse seria por milagre e que esta incompreensibilidade da união da alma e do corpo ou da aliança da sensação com a matéria parece cessar aceitandose a vossa hipótese do acordo preestabelecido entre as substâncias diferentes t e ó f i l o Com efeito nada existe de ininteligível nesta hipótese nova pois ela só atribui à alma e ao corpo modificações que experimentamos em nós e neles e afirma que tais modificações apenas são mais ordenadas e mais conexas do que até hoje se pensou A dificuldade que permanece é apenas com relação aos que querem imaginar o que é apenas inteligível como se quisessem ver os sons ou escutar as cores são essas pessoas que recusam existência a tudo aquilo que não é extenso o que os obrigará a negar a existência de Deus isto é a renunciar às causas que não podem provir da extensão e das naturezas puramente passivas e mesmo não inteiramente das naturezas ativas particulares e inferiores sem o ato puro e universal da substância suprema FILALETO Restame uma objeção quanto às coisas das quais a matéria é natu ralmente suscetível O corpo na medida em que o podemos conceber só é capaz de atingir e afetar um corpo e o movimento não pode produzir outra coisa além do movimento assim sendo quando convimos em que o corpo produz o prazer ou a dor ou então a idéia de uma cor ou de um som parece que somos obrigados a abandonar a nossa razão e ir além das nossas próprias idéias e atribuir esta produção pura e simplesmente ao arbítrio do nosso Criador Por conseguinte que razão teremos para concluir que não acontece o mesmo com a percepção na matéria Vejo mais ou menos o que se pode responder e embora já tenhais dito algo sobre isto mais de uma vez estou mais disposto a ouvir agora do que nunca Todavia estarei bem disposto a ouvir ainda o que respondereis a isso nesta impor tante ocasião t e ó f i l o Acertais ao pensar que afirmarei que a matéria não pode produzir em nós prazer dor ou sentimento É a alma que produz em si mesma tais efeitos conforme o que acontece na matéria Certas pessoas versadas entre os autores modernos começam a declarar que entendem as causas ocasionais como as entendo eu Assim sendo não ocorre nada de ininteligível exceto que não pode mos distinguir claramente tudo o que entra nas nossas percepções confusas que têm algo do infinito e que constituem expressões do detalhe do que acontece no corpo Quanto ao arbítrio do Criador cumpre salientar que ele se regula con forme as naturezas das coisas de maneira que ele só produz e conserva nas coisas criadas aquilo que é conforme à natureza das mesmas ao menos de maneira geral com efeito o detalhe nos escapa muitas vezes tanto quanto o cuidado e a capacidade de ordenar os grãos de uma montanha de areia segundo a ordem das figuras embora nisto não haja nada difícil de entender além da multidão De NOVQS ENSAIOS 263 outra forma se este conhecimento nos ultrapassasse e se nem sequer pudéssemos conceber a razão das relações da alma e do corpo em geral enfim seDeus desse às coisas poderes acidentais separados das suas naturezas e por conseguinte alheios à razão em geral teríamos uma espécie de porta traseira para reintroduzir as qualidades demasiado ocultas que nenhum espíritopode comprèénder e esses pequenos traquinas de faculdades incapazes de razões Et quidquid Schola finxit otiosa20 traquinas que vêm em auxílio e aparecem como deuses de teatro ou como as fadas do Amadis e que servirão para desempenhar qualquer função que seja necessária para um filósofo Todavia atribuir a origem disso ao arbítrio bon plaisir de Deus não parece çonvir Àquele que é a Suprema Razão no Qual tudo é regrado tudo é conexo Este belprazer bonplaisir não seria sequer belo nem seria prazer se não houvesse um paralelismo perpétuo entre o poder e a sabedoria de Deus 8 FILALETO O nosso conhecimento da identidade e da diversidade vai tão longe quanto as nossas idéias ao passo que o conhecimento da ligação das nos sas idéias 9 10 em relação à sua coexistência num mesmo sujeito é muito imperfeito e quase nulo 11 sobretudo com respeitcr às qualidades segundas como cores sons e gostos 12 visto quedesconhecemos a sua conexão com as qualidades primeiras isto é 13 de queinaneira dependem da grandeza da figu ra ou do movimento 15 Conhecemos algo mais sobre a incompatibilidade des sas qualidades segundas pois um sujeito não pode ter por exemplo duas cores ao mesmo tempo quando nos parece ver duas cores numa opala ou numa infu são do Lignum nephriticum21 isto ocorre em partes diferentes do objeto 16 Acontece o mesmo com as potências ativas e passivas dos corpos As nossas pesquisas quanto a isso devem depender da experiência TEÓFILO As idéias relativas às qualidades sensíveis são confusas e as potên cias que devem produzilas não fornecem tampouco por conseqüência senão em que entra a confusão assim não podemos conhecer as conexões de tais idéias de outra forma que pela experiência enquanto as reduzimos á idéias distintas que as acompanham como se fez por exemplp em relação às coresdo arcoíris e dos prismas Este método fornecé algum começo de aiiálise que é de grande utilidade na física prosseguindo nesta linha não duvido de que a medicina progrida muito com o tempo sobfètudo se o publico se interessai úm pouco mais por isto do que àté agora j 18 FILALETO No que concerne ao conhecimento das relações é o campo mais vasto dos nossos conhecimentos sendo difícil determinar até onde ele se estende Os progressos dependem da sagacidade em encontrar idéias médias Os que ignoram a álgebra não conseguem imaginar as coisas espantosas que se podem realizar neste setor por meio desta ciên çia Não me parece que seja fácil 20 E tudo aquilo que a Escola se deu ao luxo de imaginar citação não identificada 21 Madeira utilizada em perfumes e em produtos farmacêuticos 264 LEIBNIZ determinar que outros meios de aperfeiçoar as outras partes dos nossos conheci mentos possam ser ainda inventados por üm espírito penetrante Pelo menos as idéias que dizem respeito à quantidade não são as únicas capazes de demonstra ção existem ainda outras que constituem possivelmente a parte mais importante das nossas contemplações das quais se poderia deduzir conhecimentos certos se os vícios as paixões e os interésses dominantes não se opusessem diretamente à execução de uma tal tarefa TEÓFILO Nada mais verdadeiro do que isso que acabais de dizer agora Que existe de mais importante suposto que seja verdadeiro do que aquilo que segun do creio determinamos quanto à natureza das substâncias sobre as unidades e as multiplicidades sobre a identidade e a diversidade sobre a constituição dos indi víduos sobre a impossibilidade do vácuo e dos átomos sobre a origem da coesão sobre a lei da continuidade e sobre as demais leis da natureza porém sobretudo sobre a harmonia das coisas a imaterialidade das almas e até do animal para além da morte Em tudo isso nada existe que eu não creia demonstrado ou demonstrável TEÓFILO É verdade que a vossa hipótese parece extremamente coerente e de uma grande simplicidade uma pessoa inteligente que quis refutála na França22 reconhece publicamente que se admirou diante dela E ao que me parece tratase de uma simplicidade muito fecunda Será bom colocar em destaque sempre maior esta doutrina Todavia ao falar das coisas que mais nos importam pensei na moral para a qual reconheço que a vossa metafísica fornece fundamentos mara vilhosos todavia sem aprofundar tanto a moral possui já fundamentos bastante sólidos embora não se estendam talvez tão longe como me recordo que vós mesmo já observastes no caso de não aceitar como base uma teologia natural como a vossa Contudo a simples consideração dos bens da vida presente já serve para estabelecer conseqüências importantes para governar as sociedades humanas Podese julgar do justo e do injusto de maneira tão incontestável como na matemática por exemplo esta proposição não pode existir injustiça onde não existe propriedade é tão certa como qualquer demonstração dada por Euclides sendo que a propriedade consiste no direito a uma certa coisa e a injus tiça a violação de um direito Ocorre o mesmo com esta proposição nenhum governo concede uma liberdade absoluta Com efeito o governo é um estabeleci mento de certas leis das quais exige a execução e a liberdade absoluta consiste no poder que cada um tem de fazer o que bem entender TEÓFILO Via de regra utilizamos o termo propriedade num sentido algo diverso pois se entende um direito de alguém sobre a coisa com a exclusão do direito de um outro Assim se não houvesse propriedade e tudo fosse comum a todos mesmo então haveria injustiça Além disso é necessário que na definição de propriedade por coisa entendais também ação de outra forma se não 22 Tratarseia de François Lami 16361711 beneditino francês autor de uma Refutação de Espinosa e de um tratado Sobre o Conhecimento de Si Mesmo NOVOS ENSAIOS 265 houvesse direito sobre as coisas seria sempre uma injustiça impedir os homens de agir lá onde têm necessidade de fazêlo Todaviá segundo esta explicação é impossível que não exista propriedade No que concerne à proposição da incom patibilidade do governo com a liberdade absoluta ela faz parte dos corolários isto é das proposições sobre as quais é suficiente chamar a atenção Existem na jurisprudência algumas que são mais compostas como por exemplo no tocante ao que se denomina ius accrescendi23 no tocante às condições e muitas outras matérias mostrei isso publicando na minha juventude teses sobre as condições onde demonstrei algumas delas Se dispusesse de tempo daria alguns retoques FiLALETO isto faria prazer aos curiosos servindo também para prevenir alguém que pudesse estar tentado a reimprimir as vossas teses antes de serem retocadas TEÓFILO Foi o que ocorreu com a minha obra Arte das Combinações 2 4 fato que já tive ocasião de lamentar Foi um fruto da minha primeira adolescência e todavia a obra foi reimpressa por muito tempo sem consultarme e mesmo sem observar que se tratava de uma segunda edição Isso levou alguns a crerem a meu desfavor que eu era capaz de publicar uma tal obra em idade avançada Com efeito embora existam ali teses que ainda aprovo outras há que só podem convir a um jovem estudante 19 FiLALETO Acredito que as figuras constituem um grande remédio para a incerteza das palavras o que não pode acontecer nas idéias morais Além disso as idéias de moral são mais compostas que as figuras que consideramos comu mente na matemática assim o espírito tem dificuldade em reter as combinações precisas do que entra nas idéias morais de uma forma tão perfeita como seria necessário quando se impõem longas deduções Se na aritmética não designás semos os diferentes números ipor sinais cujo significado preciso seja conhecido e que permanecem em vista seria quase impossível efetuar grandes cálculos 20 As definições fornecem alguma ajuda desde que as empreguemos constantemente na moral De resto não é fácil prever que métodos podem ser sugeridos pela álge bra ou por algum outro meio desta natureza para evitar as demais dificuldades TEÓFILO O falecido Erhard Weigel25 matemático de Iena na Turíngia inventou engenhosamente figuras que representavam coisas morais E quando o falecido Samuel de Pufendorf26 seu discípulo publicou os seus Elementos de Jurisprudência Universal bastante concordantes com as idéias de Weigel acres centaram na edição de Iena a Esfera Moral deste matemático Todavia essas 23 Direito de acréscimo que toca à um herdeiro pela eliminação de um dos seus coherdeiros As teses jurídicas às quais alude Leibniz foram defendidas em 1665 e publicadas em 1672 Specimina Iiiris 2 4 O tratado De Arte Combinatoria publicado em 1666 foi reeditado em 1690 sem a autorização de Leib niz que publicou um protesto nos Acta Eruditorum de 1691 2 5 Erhard Weigel 16251699 filósofo e matemático foi o mestre de Leibniz na universidade de Iena em 1663 Exerceu uma influência importante sobre a formação de Leibniz 2 6 Pufendorf 16321694 jurista alemão um dos mais importantes teóricos da escola do direito natural Os seus Elementos de Jurisprudência Universal foram publicados em Haia em 1660 em Iena em 1669 266 LEIBNIZ figuras constituem uma forma de alegoria mais ou menos como a tabela de Cebes2 7 embora menos popular servindo mais à memória para reter e ordenar as idéias do que ao julgamento para adquirir conhecimentos demonstrativos Não deixam porém de ter a sua utilidade para despertar o espírito As figuras geométricas parecem mais simples que as coisas morais entretanto não o são visto que o contínuo envolve o infinito a partir do qual é necessário escolher Por exemplo ao cortar um triângulo em quatro partes iguais por duas retas perpendi culares entre si tratase de uma questão aparentemente simples porém na verda de bastante difícil Não acontece o mesmo com as questões de moral quando são determináveis pela simples razão Aliás não é este o lugar de falar deproferendis scientiae demonstrandi promoeriis e de propor os verdadeiros meios de estender a arte de demonstrar para além dos seus antigos limites que até agora têm sido praticamente os meslhos que os da área matemática Se Deus me der tempo espe ro poder publicar algum ensaio sobre isto pondo efetivamente em prática tais meios sem me limitar aos preceitos FiLALETO Se levardes a efeito esta empresa devidamente servosão gratos muitos Filaletos como eu isto é pessoas que desejam sinceramente conhecer a verdade A verdade é naturalmente agradável aos espíritos não havendo nada tão discordante e tão incompatível com o entendimentocomo a mentira Todavia não convém alimentar a ilusão de que as pessoas se apliquem muito a tais desco bertas ao passo que o desejo e o amor das riquezas ou do poder conduzirão os homens a esposar as opiniões autorizadas pela moda e à procurar a seguir argu mentos ou para fazêlas passar por boas ou para encobrir a sua discordância com a retidão E enquanto os diversos partidos procuram incutir as suas opiniões a todos aqueles que podem dominar sem examinar se são falsas ou verdadeiras que nova luz se pode esperar nas ciências que pertencem à moral Esta parte do gênero humano que está sob o jugo deveria esperar em lugar disso na maior parte do mundo trevas tão espessas como as do Egito se a própria luz do Senhor não estivesse presente no espírito dos homens luz sagrada que nenhum poder do mundo é capaz de extinguir totalmente TEÓFILO Não desespero da possibilidade de que num tempo ou num país mais tranqüilo os homens se entreguem mais do que até agora ao cultivo da razão pois de nada se deve desesperar Acredito que à humanidade estão ainda reservadas grandes surpresas tanto no bem como no mal mas ao final mais para o bem do que para o mal Suponhamos que haja um dia algum insigne príncipe que como os antigos reis da Assíria ou do Egito ou como um outro Salomão reine longamente numa paz profunda e que tal príncipe amante da virtude e da verdade e dotado de um espírito grande e sólido conceba a idéia de tornar os ho mens mais felizes mais harmoniosos entre si e mais senhores da natureza que 2 7 O Pinax ou Quadro de Cebes ê um diálogo atribuído a Cebes discípulo de Sócrates destacado por Pla tão no Fédon que porém os autores modejnos datam do século I da nossa era ele se apresenta como a explicação de um quadro alegórico que representa as virtudes e os vícios NOVOS ENSAIOS 267 maravilhas não obrará tal príncipe em poucos ános Pois e certo que em tal caso se faria mais em dez anos do que em cem ou talvez em mil deixando as coisas trilharem o seu curso normal Mas sem isso se o caminho estivesse uma vez aber to muitas entrariam por ele como entre geômetras mesmo que fosse apenas para o seu prazer e para adquirir glória O público voltarseá um dia mais do que até hoje para o progresso da medicina haverá em todos os países Histórias Naturais como os almanaques ou como Mercure Galant 28 não se deixará passar nenhuma observação boa sem registrála ajudarseá àqueles que a isto se aplicarem aperfeiçoarseá a arte de fazer tais observações e também a arte de empregálas para estabelecer aforismos Haverá um tempo em que tendo aumentado o núme ro dos bons médicos e diminuído o das pessoas de certas profissões que se torna rão menos importantes o público terá condições para estimular mais a pesquisa da natureza e sobretudo o progresso da medicina e então esta importante ciência avançará muito além do seu estado atual Acredito com efeito que esta ciência deveria constituir o objeto dos maiores cuidados dos governantes depois do setor da virtude e que um dos grandes frutos da boa moral ou política será o de nos trazer uma medicina mais desenvolvida quando os homens começarem a ser mais sábios do que o são e quando os grandes tiverem aprendido a empregar me lhor as suas riquezas e os poderes para a sua própria felicidade 21 f i l a l e t o No que concerne ao conhecimento da existência real que cons titui a quarta espécie de conhecimento é necessário dizer que possuímos um conhecimento intuitivo da nossa existência um conhecimento demonstrativo da existência de Deus e um conhecimento sensitivo das demais coisas Falaremos mais explicitamente disto a seguir TEÓFILO Nada se poderia afirmar de mais correto do que isso 22 FILALETO Tendo falado sobre o conhecimento parece conveniente que discutamos um pouco sobre o lado obscuro do conhecimento e tomemos conhe cimento da nossa ignorância a fim de melhor descobrirmos o presente estado do nosso espírito Eis aqui as causas desta ignorância 1 faltamnos idéias 2 não podemos descobrir as conexões das idéias que possuímos 3 negligenciamos seguilas e examinálas com exatidão 23 Quanto à falta das idéias as únicas idéias simples que temos são as que nos vêm dos sentidos internos ou externos Assim no tocante a uma infinidade de criaturas do universo e das suas qualida des somos como cegos em relação às cores não possuindo sequer as faculdades necessárias para conhecêlas e segundo todas as aparências o homem ocupa o último lugar entre todos os seres intelectuais TEÓFILO Não sei se não existem criaturas intelectuais abaixo de nós Por que degradarnos sem necessidade Talvez ocupemos um lugar bastante honroso entre os animais racionais pode ocorrer que gênios superiores tenham corpos de outra forma de maneira que o termo animal poderia não lhes convir Não é pos 28 Jornal fundado por De Visê em 1672 268 LEIBNIZ sível dizer se o nosso sol entre o grande número de outros sóis tem mais astros superiores a ele que inferiores e se estamos bem colocados no seu sistema pois a terra ocupa o centro entre os planetas e a sua distância parece bem escolhida para um animal contemplativo que deveria habitála D e resto temos muito mais razoes para orgulharnos do que para queixarnos da nossa sorte visto que a maioria dos nossos males se deve imputar às nossas falhas Em particular anda ríamos muito errados se nos queixássemos das falhas do nosso conhecimento uma vez que utilizamos tão pouco aqueles que a natureza caridosa nos apresenta 24 FILALETO Entretanto é verdade que a extrema distância de quase todas as partes do mundo que estão expostas à nossa vista as priva do nosso conheci mento e aparentemente o mundo visível é apenas uma pequena parte deste imen so universo Estamos encerrados num pequeno canto do espaço isto ê no sistema do nosso sol e todavia não sabemos sequer o que acontece nos outros planetas que circulam em torno dele assim como o nosso globo 25 Esses conheci mentos nos escapam devido à grandeza e à distância porem outros corpos nos estão escondidos em razão da sua pequenez e são aqueles que mais nos interes saria conhecer pois da sua contextura poderíamos inferir os usos e as operações daqueles que são visíveis e saber por que o ruibarbo cura a cicuta mata o ópio faz adormecer Assim 26 por mais que o empenho humano possa fazer avan çar a filosofia experimental quanto às coisas físicas estou tentado a crer que não poderemos jamais chegar nestes assuntos a um conhecimento científico TEÓFILO Acredito realmente que jamais chegaremos tão longe quanto seria de desejar Todavia pareceme que faremos alguns progressos consideráveis com o tempo na explicação de alguns fenômenos visto que a maior parte das expe riências que estão ao nosso alcance podem fornecernos dados mais que suficien tes de maneira que falta apenas a arte de utilizálos cujas bases espero possam ser colocadas desde que a análise infinitesimal nos deu o meio de aliar a geome tria com a física e a dinâmica nos forneceu as leis gerais da natureza 27 FILALETO Os espíritos estão ainda mais longe do nosso conhecimento Não podemos formarnos nenhuma idéia sobre as suas diferentes ordens e toda via o inundo intelectual é certamente maior e mais belo que o mundo material TEÓFILO Esses mundos são sempre perfeitamente paralelos quanto às causas eficientes mas não quanto às causas finais Pois à medida que os espíritos domi nam na matéria produzem nela combinações maravilhosas Isso aparece pelas mudanças que os homens fizeram para embelezar a superfície da terra como pequenos deuses que imitam o grande arquiteto do universo embora seja apenas pelo emprego dos corpos e das suas leis Que é que não se pode conjeturar sobre esta imensa multidão dos espíritos que nos ultrapassam E uma vez que os espíri tos formam todos juntos uma espécie de Estado debaixo de Deus cujo governo é perfeito estamos bem longe de compreender o sistema deste mundo inteligível e de conceber as penas e as recompensas que estão preparadas para os que as mere NOVOS ENSAIOS 269 cem segundo a mais exata razão e de imaginar o que nenhum olho viu e nem ou vido ouviu e que jamais entrou no coração do homem Entretanto tudo isso mos tra qúe possuímos todas as idéias distintas que não necessárias para conhecer os corpos e os espíritos porém não o detalhe suficiente dos fatos nem sentidos suficientemente penetrantes para distinguir as idéias confusas ou suficientemente extensos para percebêlas todas 28 FiLALETO Quanto à conexão cujo conhecimento nos falta nas idéias que possuímos queria dizervos que as afecções mecânicas dos corpos não têm nenhuma ligação com as idéias das cores dos sons dos odores e dos gostos de prazer e de dor e que a sua conexão não depende senão do arbítrio e da livre arbitraire vontade de Deus Lembrome porém que em vossa opinião existe uma perfeita correspondência embora nem sempre seja uma semelhança perfeita Todavia reconheceis que o detalhe muito grande das pequenas coisas que nelas entram nos impede de distinguir o que nelas está escondido embora alimenteis a esperança de que um dia nos aproximaremos muito desta meta assim sendo não gostaríeis que se dissesse com o meu ilustre autor 29 que êperder tempo enga jarse muna tal pesquisa temendo que esta convicção prejudique ao progresso da ciência Tervosia também falado da dificuldade que se teve até hoje em explicar a conexão existente entre a alma e o corpo pois não se poderia conceber que um pensamento produza um movimento no corpo nem que um movimento produza um pensamento no espírito Entretanto desde que concebi a vossa hipótese da harmonia preestabelecida esta dificuldade que parecia insuperável pareceme desaparecer de uma vez e como por encanto 30 Resta por conseguinte a ter ceira causa da nossa ignorância é que não seguimos as idéias que temos ou que podemos ter e não nos preocupamos em encontrar as idéias médias assim é que se ignoram as idéias matemáticas embora não exista nenhuma imperfeição nas nossas faculdades nem nenhuma incerteza nas próprias coisas Ê o mau uso das palavras que mais contribuiu para nos impedir de encontrar a concordância ou discordância das idéias e os matemáticos que formam os seus pensamentos independentemente dos nomes e se habituam a apresentar ao espírito as próprias idéias ao invés dos sons com isto mesmo evitaram grande parte das dificuldades Se os homens tivessem agido nas suas descobertas do mundo material como fize ram nas coisas que dizem respeito ao mundo intelectual confundindo tudo num caos de termos de significação incerta teriam discutido indefinidamente sobre as zonas as marés a construção dos navios as estradas jamais se teria ido além da linha e os antípodas seriam ainda hoje tão desconhecidos como quando se decla rou que era heresia defender a sua existência TEÓFILO Esta terceira causa da ignorância é a única censurável E como vedes a desesperança de ir mais longe faz parte dela Esta faltá de coragem preju dica muito e pessoas inteligentes e consideráveis impediram os progressos da medicina pela falsa persuasão de que é perder tempo entregarse a tais pesquisas Quando virdes os filósofos aristotélicos do tempo passado falarem dos meteoros como do arcoíris por exemplo acreditareis que na convicção deles nem sequer 270 LEIBNIZ se devia pensar em explicar distintanjente este fenômeno e as empresas de Maurolyco29 e depois de Marco Antônio de Dominis lhes pareciam ser como um vôo de ícaro Todavia a seqüência dos fatos mostrou o contrário É bem ver dade que o mau uso dos termos causou uma boa parte da desordem que se encon tra nos nossos conhecimentos não só na moral e na metafísica ou naquilo que denominais o mundo intelectual mas também na medicina onde este abuso dos termos aumenta constantemente Nem sempre podemos socorrernos das figuras como na geometria entretanto a álgebra demonstra que podemos fazer grandes descobertas sem recorrer às próprias idéias das coisas No que concerne à pre tensa heresia da existência dos antípodas direi de passagem que é verdade que Bonifácio arcebispo de Mogúncia acusou Virgílio de Salzburgo30 numa carta que escreveu ao papa contra ele e que o papa respondeu numa linha que parece favorecer à acusação de Bonifácio Todavia não há provas de que tal acusação tenha sido feita por outros Virgílio continuou a manter a sua tese Os dois anta gonistas passam por santos e os sábios da Baviera que consideram Virgílio como um apóstolo da Caríntia e dos países vizinhos justificaram a sua memória 29 Francésco Maurolyco 1494ca 1575 matemático e físico siciliano de origem grega estudou o pro blema do arcoíris no apêndice de um tratado Sobre a Luz e a Sua Sombra publicado em 1575 Marco Antônio de Dominis 15661624 físico e teólogo da Dalmácia professor na universidade de Pádua elabo rou uma teoria sobre o mesmo fenômeno num tratado editado em 1611 30 Esta controvérsia entre São Bonifácio 680756 apóstolo da Germânia e São Virgílio monge irlandês que se tornou bispo de Salsburgo e falecido em 789 é evocada na carta 140 de São Bonifácio NOVOS ENSAIOS 271 C a p ít u l o IV A realidade do nosso conhecimento í FILALETO Se alguém não tiver compreendido a importância de ter boas idéias e de entender sua concordância ou discordância pensará que ao racioci narmos sobre isso com tanto cuidado construímos castelos no ar e que em todo o nosso sistema só existe imaginação Um extravagante com imaginação quente terá a vantagem de ter idéias mais vivas e em maior número assim haveria tam bém mais conhecimento Haverá tanta certeza nas visões de um entusiasta quan tas existem nos raciocínios de um homem de bom senso desde que este entusiasta fale conseqüentemente e será tão verdadeiro dizer que uma harpia não é um cen tauro como afirmar que um quadrado não é círculo 2 Respondo que as nossas Tdéias concordam com as coisas 3 Todavia perguntarseá qual é o critério 4 Respondo primeiramente que esta concordância é manifesta quanto às idéias simples do nosso espírito pois não podendo o espírito formálas ele mesmo é necessário que sejam produzidas pelas coisas que agem sobre o espírito em segundo lugar 5 que todas as nossas idéias complexas excetuadas as das substâncias sendo arquétipos que o próprio espírito formou e que não destinou a serem cópias do que quer que seja nem relacionou com a existência de qualquer coisa como a seus originais não podem elas deixar de ter toda a conformidade com as coisas necessárias a um conhecimento real TEÓFELO A nossa certeza seria pequena ou antes nula se não houvesse outro fundamento das idéias simples a não ser o que deriva dos sentidos Porventura esquecestes como demonstrei que as idéias estão originariamente no nosso espíri to e que mesmo os nossos pensamentos provêm do fundo de nós mesmos sem que as outras criaturas possam ter uma influência imediata sobre a alma De resto o fundamento da nossa certeza em relação às verdades universais e eternas está nas próprias idéias independentemente dos sentidos como também as idéias puras e inteligíveis não dependem dos sentidos por exemplo a idéia do ser do uno do igual etc Mas as idéias das qualidades sensíveis como da cor do sabor etc que na realidade não passam de fantasmas nos vêm dos sentidos isto é das nossas percepções confusas E o fundamento da verdade das coisas contingentes e singulares está no sucesso que faz com que os fenômenos dos sentidos sejam ligados justamente como as verdades inteligíveis o exigem Eis a diferença que se deve fazer ao passo que a diferença que vós estabeleceis aqui entre as idéias sim ples e idéias compostas pertencentes às substâncias e aos acidentes não me parece 272 LEIBNIZ fundada visto que todas as idéias inteligíveis têm os seus arquétipos na possibili dade eterna das coisas 5 FiLALETO É verdade que as nossas idéias compostas não necessitam de arquétipos fora do espírito a não ser quando se trata de uma substância existente que deve unir efetivamente fora de nós estas idéias complexas e as idéias simples de que são compostas O conhecimento das verdades matemáticas é real embora ele repouse apenas sobre as nossas idéias e não se encontrem em parte alguma círculos exatos Todavia temos certeza de que as coisas existentes convirão com os nossos arquétipos na medida em que aquilo que nelas se supõe existe de fato 7 Isto também serve para justificar a realidade das coisas morais 8 Os ofí cios de Cícero31 não são menos conformes à verdade pelo fato de não haver nin guém no mundo que ordene a sua vida exatamente conforme o modelo de um homem de bem qual Cícero nolo apresentou 9 Mas dirseá se as idéias morais são da nossa invenção que noção estranha teremos da justiça e da tempe rança 10 Respondo que a incerteza só estará na linguagem pois nem sempre se compreende o que se diz ou pelo menos se compreende sempre da mesma maneira TEÓFILO Poderíeis responder e bem melhor a meu modo de ver que as idéias da justiça e da temperança não são invenção nossa como não o são as dos círculo e do quadrado Acredito têlo demonstrado suficientemente l i FiLALETO No que concerne às idéias das substâncias que existem fora de nós o nosso conhecimento é real na medida em que é conforme a estes arquéti pos neste ponto o espírito não deve combinar as idéias arbitrariamente tanto mais que existem muito poucas idéias simples das quais possamos garantir que podem ou não podem existir juntas na natureza além do que aparece por obser vações sensíveis TEÓFILO Como já disse mais de uma vez é porque tais idéias quando a razão não pode julgar da sua compatibilidade ou conexão são confusas como são as idéias das qualidades particulares dos sentidos 13 FiLALETO Convém igualmente no que concerne às substâncias existen tes não limitarse aos nomes ou às espécies que se supõem estabelecidas pelos nomes Isso me faz voltar ao que discutimos bastantes vezes quanto à definição de homem Com efeito falando de um inocente que viveu quarenta anos sem dar sinal algum de razão não se poderia dizer que ele está a meio caminho entre o homem e o animal Isto passaria talvez por um paradoxo bem ousado ou mesmo por uma falsidade de conseqüências muito perigosas Todavia pareciame ovtro ra e alguns dos meus amigos ainda hoje assim opinam que isto ocorre ape nas em virtude de um preconceito fundado sobre esta falsa pressuposição de que estes dois nomes homem e animal significam espécies distintas tão bem marcadas por essências reais na natureza que entre elas não pode haver nenhuma 31 O D e Officiis ou Tratado sobre os Deveres uma das principais obras de moral de Cícero NOVOS ENSAIOS 273 outra espécie como se todas as coisas fossem colocadas no mundo segundo o nú mero exato dessas essências 14 Quando se pergunta a esses amigos que espé cies de animais são esses inocentes se não são nem homens nem animais respon dem que são inocentes e que isto é suficiente como resposta E se perguntarmos o que serão no outro mundo os nossos amigos respondem que não lhes importa saber nem pesquisálo Que caiam ou fiquem de pé isto é com o seu Senhor Rom 144 o qual é bome fiel e não dispõe das suas criaturas segundo os limites estreitos dos nossos pensamentos ou das nossas opiniões particulares e não os distingue conforme aos nomes e espécies que nos agrada imaginar respondem que basta saber que os que são capazes de instrução serão chamados a dar contas da sua conduta egue receberão a sua recompensa segundo o que tiverem feito no seu corpo 2 Cor 510 15 Reapresentarvosei ainda o resto dos seus raciocí nios A questão dizein eles se é necessário privar os imbecis de um estado futuro assenta em duas suposições igualmente falsas a primeira é que todo ser que possui forma e aparência externa de homem está destinado a um estado de imortalidade após a presente vida a segunda é que todo o que tem um nasci mento humano deve desfrutar deste privilégio Eliminai estas imaginações e ve reis que esta espécie de questões são ridículas e destituídas de fundamento Com efeito acredito que se rejeitará a primeira suposição e que não se terá o espírito tão afundado na matéria para crer que a vida eterna se deva a alguma forma de uma massa material de sorte que a massa deva ter eternamente sentimento pelo fato de haver sido moldada conforme tal figura 16 Todavia a segunda suposi ção vem em auxílio dirseá que este inocente procede de pais racionais e por conseqüência deve ter uma alma racional Não sei em virtude de que regra de lógica se possa estabelecer uma tal conseqüência ecomo após isto se ousaria des truir criaturas malformadas e imitadas Dirseá que se trata neste caso de mons tros Pois bem seja Mas que será este inocente sempre intratável Será que um defeito no corpo constitui um monstro e não um defeito no espírito Seria voltar àprimeira suposição já refutada de que o exterior é suficiente Um inocente bem formado é um homem conforme se crê ele possui uma alma racional embora esta não apareça fazei porém as orelhas algo mais longas e mais pontudas e o nariz um pouco mais achatado que comumente e já começais a hesitar Fazei o rosto mais estreito mais achatado e mais longo E se a cabeça for perfeitamente aquela de algum animal é sem dúvida um monstro e isso constitui para vós uma demonstração de que ele é destituído de alma racional e deve ser eliminado Perguntovos agora onde encontrar a justa medida e os últimos limites que impor tam numa alma racional Existem fetos humanos metade humanos metade ani mais outros há cujas três quartas partes participam de um e a outra parte do outro Como determinar com justeza os limites que demarcam a razão Além disso este monstro não será uma espécie intermediária entre o homem e o ani mal Tal é precisamente o inocente de que estamos tratando TEÓFILO Admirome de que volteis a este problema que já o examinamos suficientemente mais de uma vez admirome também de que não tenhais cate quizado melhor os vossos amigos Se distinguimos o homem do animal em virtu 274 LEIBNIZ de da faculdade de raciocinar não existe meiotermo é necessário que o animal em questão tenha ou não tenha razão ora visto que tal faculdade por vezes não aparece julgamos por indícios que não são demonstrativos da verdade até qué esta razão se demonstre pois sabemos por expeiiêncía daqueles que a perderam ou que finalmente adquiriram o seu exercício que a função racional pode ser temporariamente suspeusa O nascimento ea forma externa fornecem presunções do que está escondido Porém a presunção do nascimento é apagada eliditur por uma forma extremamente diferente da humana tal como o era a de um animal nascido de uma mulher dã Zelândia em Levinus Lemnius3 2 livro I capítulo 8 que tinha um bico recürvado um pescoço longo e redondo olhos brilhantes uma cauda pontuda uma grande habilidade para correr pelo quartoDirseá que exis tem monstros ou irmãos dos lombardos como os denominavam outrora os médi cos por âfirmarse que as mulheres da Lombardia estavam sujeitas a ter tais filhos que se aproximam mais da forma humana Pois bem seja Como então direis vós se pode determinar os justos limites da forma que se deve considerar como a humana Respondo que em matéria conjetural nada existe de preciso E com isso o assunto está encerrado Objetase que o inocente não demonstra gozar de razão e todavia passa por homem mas se tivesse uma forma monstruosa não o seria e assim sendo temse mais consideração pela forma externa do que pela razão Entretanto este monstro demonstra gozar da razão Não sem dúvida Vedes portanto que lhe falta mais do que ao inocente A falta do exercício da razão é muitas vezes temporária mas não cessa naqueles em que é acompanhada por uma cabeça de cão De resto se este animal de forma humana não for um homem não é grande mal considerar a sua sorte como incerta Quer tenha ele uma alma racional quer tenha uma alma irracional Deus não o terá feito sem motivo e se dirá das almas dos homens que permanecem num estado sempre semelhante ao da primeira infância que a sua sorte poderá ser a mesma que a das almas dessas crianças que morrem no berço 32 Livino Lemmens 15051568 autor de um tratado Sobre os Milagres Ocultos da Natureza publicado em 1559 e reimpresso várias vezes NOVOS ENSAIOS 275 C a p ít u l o V A verdade em geral í FiLALETO Há vários séculos perguntouse o que é a verdade 2 Nossos amigos acreditam que seja a conjunção ou a separação dos sinais conforme con cordem ou discordem entre si Pela conjunção ou a separação dos sinais cumpre entender o que se denomina em outros termosproposição TEÓFILO Entretanto um epíteto não faz uma proposição por exemplo o homem sábio e todavia existe uma conjunção de dois termos Além disso a negação é coisa diversa da separação Com efeito ao dizer o homem e pronun ciando depois de um intervalo sábio isso não é negar A concordância também ou a discordância não é propriamente o que se exprime pela proposição Dois ovos contêm concordância e dois amigos possuem discordância Tratase aqui de uma forma de concordar ou de discordar toda particular Assim creio que esta definição não explica o ponto em questão Todavia o quemais me desagrada na vossa definição é que se procura a verdade nas palavras Assim o mesmo sentido expresso em latim alemão inglês francês não será a mesma verdade e será necessário dizer com o Sr Hobbes33 que a verdade depende de arbítrio dos homens o que é falar de maneira bem estranha Atribuise até a verdade a Deus que como reconhecereis creio eu não necessita de sinais Enfim já me admirei mais de uma vez do humorismo de vossos amigos que se comprazem em tornar as essências espécies verdades nominais FILALETO Não vades tão depressa Sob os sinais se compreendem as idéias Assim sendo as verdades serão ou mentais ou nominais conforme as espécies dos sinais TEÓFILO Por conseguinte teremos ainda verdades literais que se poderão distinguir em verdades de papel ou de pergaminho de preto de tinta comum ou de tinta de imprensa se for necessário distinguir as verdades pelos sinais E melhor portanto colocar as verdades na relação entre os objetos das idéias a qual faz com que uma esteja compreendida ou não na outra Isso não depende das línguas sendonos comum com Deus e com os anjos quando Deus nos mani festa uma verdade adquirimos a que está no seu entendimento pois embora exis ta uma diferença infinita entre as idéias de Deus e as nossas quanto à perfeição e 33 No De Corpore Sobre o Corpo 1655 capítulo 3 8 276 LEIBNIZ à extensão é sempre verdade que concordamos na mesma relação Por conse guinte é nesta relação qué se deve colocar a verdade e podemos distinguir entre as verdades que são independentes do nosso arbítrio e entre as expressõesj que inventamos como bem nos parece 3 FILALETO É perfeitamente verdade que os homens mesmo no seu espírito colocam as palavras no lugar das coisas sobretudo quando as idéias são comple xas e indeterminadas Todavia é verdade também conforme observastes que neste caso o espírito se contenta apenas com assinalar a verdade sem compreen dêla no momento na persuasão deque depende dele compreendêla quando qui ser De resto a ação que se exerce ao afirmar ou ao negar é mais fácil de conce ber em refletindo sobre o que acontece em nós do que explicálo por palavras Por esta razão não leveis a mal se por falta de expressão melhor tenha falado de juntar ou de separar 8 Concordareis também em que pelo menos as proposições podem ser denominadas verbais e que quando são verdadeiras são verbais e também reais pois 9 a falsidade consiste em juntar os nomes de maneira diferente de as idéias concordarem ou discordarem No mínimo 10 as palavras são grandes veículos da verdade 11 Existe também uma verdade moral que consiste em falar das coisas segundo a persuasão do nosso espírito finalmente existe uma verdade metafísica que é a existência real das coisas conforme as idéias que delas temos TEÓFILO A verdade moral se denomina veracidade por alguns e a verdade metafísica é considerada vulgarmente pelos metafísicos como um atributo do ser porém se trata de um atributo bem inútil e quase Vazio de sentido Contentemo nos em procurar a verdade na correspondência das proposições que estão no espí rito juntamente com as coisas das quais se trata É verdade que atribuí também a verdade às idéias ao dizer que as idéias são verdadeiras ou falsas todavia neste caso entendo a verdade das proposições que afirmam a possibilidade do ob jeto da idéia Neste mesmo sentido podese dizer ainda que um ser é verdadeiro isto é a proposição que afirma a sua existência atual ou pelo menos possível NOVOS ENSAIOS 277 C a p it u l o V I As proposições universais a sua verdade e a sua certeza 2 FiLALETO Todo o nosso conhecimento versa sobre as verdades gerais ou particulares Jamais conseguiremos fazer entender bem as primeiras que são as mais importantes nem lograremos entendêlas nós mesmos a não ser raramente senão na medida em que são concebidas e expressas por palavras TEÓFILO Acredito que também outros sinais poderiam produzir Ste efeito vêse pelos caracteres dos chineses Poderseia introduzir um caráter universal muito popular e melhor que o deles se se utilizassem pequenas figuras em lugar das palavras que representassem as coisas visíveis pelos seus traços e as invisí veis que as acompanhem juntandolhes certos sinais adicionais convenientes para fazer compreender as flexões e as partículas Isto serviria antes de tudo para se comunicar facilmente com as nações distantes todavia se as introduzíssemos também entre nós sem contudo renunciar à escritura comum o uso desta manei ra de escrever seria de grande utilidade para enriquecer a imaginação e para dar pensamentos menos verbais do que os que temos atualmente É verdade que não sendo a todos conhecida a arte de desenhar se conclui que excetuados os livros impressos desta forma que todo mundo aprenderia logo a ler nem todos poderiam servirse dela de outra forma senão por um modo de imprensa ou seja tendo figuras gravadas prontas para imprimilas no papel acrescentando depois com a pena os sinais das flexões e das partículas Com o tempo porém todo mundo aprenderia o desenho desde a juventude para não ser privado da comodi dade deste caráter figurado que falaria verdadeiramente aos olhos e que agrada ria muito ao povo como de fato os camponeses têm já certos almanaques que sem palavras lhes dizem uma boa parte daquilo que querem saber recordome de haver visto impressos satíricos em gravuras que tinham algo de enigmático onde havia figuras que significavam por si mesmas mescladas com palavras ao passo que as nossas letras e os caracteres chineses só têm significação em virtude da convenção dos homens ex instituto 3 0r 3 FILALETO Acredito que a vossa idéia se realizará um dia a tal ponto esta escrita me parece agradável e natural e creio que ela terá grande importância para aumentar a perfeição do nosso espírito e para tornar as nossas concepções 3 4 Por instituição por convenção 278 LEIBNIZ mais reais Todavia para voltar aos conhecimentos gerais e à sua certeza vem a propósito notar que existe neles certeza de verdade e que há também certeza de conhecimento Quando as palavras são juntadas de maneira tal nas proposições que exprimem exatamente a concordância ou a discordância tal como é realmen te estamos diante de uma certeza de verdade a certeza de conhecimento consiste em perceber a concordância ou a discordância das idéias na medida em que é expressa nas proposições É o que denominamos comumente estar certo de uma proposição TEÓFILO Com efeito esta última espécie de certeza será suficiente mesmo sem o uso das palavras não sendo outra coisa senão um perfeito conhecimento da verdade ao passo que a primeira espécie de certeza não parece ser outracoisa senão a própria verdade 4 FILALETO Como não podemos estar seguros da verdade de nenhuma proposição geral a menos que conheçamos os limites precisos da significação dos termos de que ela se compõe seria necessário que conhecêssemos a essência de cada espécie o que não é difícil quanto às idéias simples e aos modos Toda via nas substâncias onde se supõe que uma essência real distinta da nominal determina as espécies a extensão do termo geral é muito incerta porque não conhecemos esta essência real e por conseguinte neste sentido não podem os estar seguros de nenhuma proposição geral formulada a respeito dessas substâncias Todavia quando se supõe que as espécies das substâncias não são outra coisa senão a redução dos indivíduos substanciais a certas espécies classificadas sob diversos nomes gerais segundo convém às diferentes idéias abstratas que desig namos por esses nomes não se pode duvidar se uma proposição bem conhecida como é necessário é verdadeira ou não TEÓFILO Não sei por que voltais ainda a um ponto bastante discutido entre nós que eu acreditava resolvido Por outro lado sintome bem à vontade pois me dais oportunidade muito propícia para desenganarvos outra vez Dirvosei portanto que podemos estar seguros por exemplo de mil verda des que dizem respeito ao outro este corpo cuja essência interna se faz reconhe cer pelo máximo peso conhecido ou pela máxima ductilidade ou por outras características Pois podemos dizer que o corpo que tem a máxima ductilidade conhecida é também o mais pesado de todos os corpos conhecidos É bem verda de que não seria impossível que tudo quanto até hoje se notou no ouro se encon trasse um dia em dois corpos discerníveis por outras qualidades novas e que assim o ouro não fosse mais a espécie mais baixa como ele é considerado até agora Poderia também acontecer que permanecendo uma espécie rara e a outra sendo comum se considerasse conveniente reservar a denominação de ouro ver dadeiro unicamente à espécie rara para conservála no uso da moeda por meio de novos ensaios que lhe seriam próprios Depois disto não se duvidará mais de que a essência interna dessas duas espécies seja diferente e mesmo que a definição de uma substância atualmente existente não fosse bem determinada sob todos os pontos de vista como de fato a do homem não o é quanto à figura externa NOVOS ENSAIOS 279 não se deixaria de ter uma infinidade de proposições gerais sobre ela que segui riam da razão e das outras qüalidádes que se reconhecem nele Tudo ò que se pode dizex sobre essas proposições gerais é que no caso de se tomar o homém como a espéôie mais baixa restringindoa à raça de Adão não se terão propriedades do homem das que se denominam in quarto modo ou que possam enunciar dele por uma proposição recíproca ou simplesmente conversí vel a não ser provisoriamente como ao dizer O homem é o único animal racio nal Tomando o homem como aqueles da nossa raça o provisório consiste em subentender que ele é o único animal racional dos que nos são conhecidos pois poderia acontecer que houvesse um dia outros animais aos quais fosse comum com os homens futuros tudo aquilo que observamos no homem até hoje mas que fossem de uma outra origem É como se os australianos imaginários viessem invadir as nossas regiões sendo evidente que encontraríamos meios para distin guilos de nos Em caso negativo e supondo que Deus tivesse proibido a mistura dessas raças e que Jesus Cristo só tivesse remido a nossa seria necessário procu rar estabelecer características artificiais para distinguilos entre si Haveria sem duvida uma diferença interna mas visto que esta não se tornaria reconhecível estaríamos reduzidos exclusivamente à denominação extrínseca do nascimento que procuraríamos acompanhar com uma característica artificial durável a qual daria uma denominação intiinseca e um meio constante de discernir a nossa raça das outras Tudo isto é ficção pois não temos necessidade de recorrer a tais distinções sendo nós os únicos animais racionais deste mundo Todavia essas ficçÕes ser vem para conhecer a natureza das idéias das substâncias e das verdades gerais a seu respeito Entretanto se o homem não fosse considerado como a espécie mais baixa nem como a dos animais racionais da raça de Adão e se em lugar disto ele significasse um gênero comum a várias espécies que atualmente pertence a uma única raça conhecida mas que poderia pertencer também a outras discerníveis ou pelo nascimento ou mesmo por outras características naturais como por exemplo aos pseudoaustralianos neste caso digo este gênero teria proposições recíprocas e a presente definição de homem não seria provisória Ocorre o mesmo com o ouro pois supondose que tivéssemos um dia duas espécies discer níveis deste metal uma rara e conhecida até agora e a outra comum e talvez arti ficiai encontrada com o correr do tempo neste caso supondose que o nome ouro deva permanecer para a espécie atual isto é ao ouro natural e raro para conservar mediante ele a comodidade da moeda de ouro baseada na raridade deste material sua definição conhecida até agora por denominações intrínsecas teria sido apenas provisória e deveria ser aumentada pelas novas características que se descobrirão para distinguir o ouro raro ou da espécie antiga do ouro novo artificial Todavia se a palavra ouro devesse permanecer então comum às duas espécies isto é se por ouro se compreendesse um gênero do qual até agora não conhecemos subdivisão e que consideramosno momento a espécie mais baixa apenas provisoriamente até quando a subdivisão seja conhecida e se um dia se encontrasse uma nova espécie isto é um ouro artificial fácil de fabricar e que 280 LEIBNIZ poderia tornarse comum digo que neste sentido a definição deste gênero não deve ser julgada provisória mas perpétua E até sem preocuparnos dos termos homem e ouro qualquer que seja o nome que se dê ao gênero ou à mais baixa espécie conhecida e mesmo que não lhes déssemos nenhum nome o que acaba mos de dizer seria sempre verdadeiro das idéias ou das espécies e as espécies só serão definidas provisoriamente às vezes pelas definições dos gêneros Todavia será sempre permitido e razoável ouvir que existe uma essência real interna que pertence por uma proposição recíproca seja ao gênero seja às espécies a qual se faz conhecer geralmente pelas características externas Supus até agora que a raça não degenera ou não muda mas se a mesma raça passasse a uma outra espécie seríamos tanto mais obrigados a recorrer a outras características e deno minações intrínsecas ou extrínsecas sem prendernos à raça 7 FiLALETO As idéias complexas justificadas pelos nomes que atribuímos às espécies das substâncias são coleções das idéias de certas qualidades que notamos coexistir num suporte desconhecido que denominamos substâncias Contudo não podemos conhecer com certeza que outras qualidades coexistem necessariamente com tais combinações a menos que pudéssemos descobrir a sua dependência com respeito às suas primeiras qualidades TEÓFILO Já observei outrora que o mesmo acontece nas idéias dos acidentes cuja natureza é um pouco estranha como são por exemplo as figuras geométri cas com efeito quando se trata por exemplo da figura de um espelho que con centra todos os raios paralelos num só ponto como foco podemos encontrar vá rias propriedades deste espelho antes de conhecer a sua constituição porém estaremos na incerteza quanto a muitas outras propriedades que ele pode ter até que encontremos nele aquilo que corresponde à constituição interna das substân cias isto é a construção desta figura do espelho que será como a chave do conhecimento ulterior FiLALETO Todavia se tivéssemos conhecido a constituição interna deste corpo encontraríamos nele apenas a dependência que as qualidades primeiras que vós denominais manifestas podem ter em relação a ele isto é conheceríamos quê grandezas figuras e forças moventes dependem dele todavia não conhece ríamos jamais a conexão que elas podem ter com as qualidades segundas ou con fusas isto é com as qualidades sensíveis como as cores os gostos etc TEÓFILO É que vós supondes ainda que as qualidades sensíveis ou melhor as idéias que temos delas não dependem das figuras e movimentos naturalmente mas somente do arbítrio de Deus que nos dá tais idéias Pareceis ter esquecido o que já objetei mais de uma vez contra esta opinião para vos fazer pensar que estas idéias sensitivas dependem dos detalhes das figuras e movimentos e as exprimem com exatidão embora não possamos distinguir nelas estes detalhes na confusão de uma multidão muito grande e pequenez das ações mecânicas que atingem nossos sentidos Entretanto se tivéssemos chegado à constituição interna de alguns corpos veríamos também quando deveriam ter essas qualidades que NOVOS ENSAIOS 281 seriam elas mesmas reduzidas às suas razões inteligíveis mesmo que não esti vesse jamais em nosso poder reconhecêlas sensivelmente nessas idéias sensitivas que constituem um resultado confuso das açoes dos corpos sobre nós como agora que temos a perfeita análise do verde em azul e amarelo e não temos quase nada mais a inquirir a seu respeito a não ser em relação a estes ingredientes não somos todavia capazes de distinguir as idéias do azul e do amarelo em nossa idéia sensitiva do verde pelo próprio fato de ser uma idéia confusa É mais ou menos a mesma coisa como não podemos distinguir a idéia dos dentes da roda isto é da causa da percepção de um transparente artificial que notei entre os relojoeiros feito pela pronta rotação de uma roda dentada o que faz desaparecer os seus dentes e aparecer em seu lugar um transparente contínuo imaginário composto das aparências sucessivas dos dentes e dos seus intervalos mas onde a sucessão é tão rápida que a nossa fantasia não pode distinguila Por conseguinte encontramse estes dentes na noção distinta dessa transparência mas não nesta percepção sensitiva confusa cuja natureza é ser e permanecer confusa de outra forma se a confusão cessasse como se o movimento fosse tão lento que pudés semos observarlhe as partes e a sucessão não seria mais ela isto é não seria mais esta transparência imaginária fantôme de transparence E já que não necessitamos imaginar que Deus pelo seu arbítrio nos dá esta aparência e que ela é independente do movimento dos dentes da roda e dos seus intervalos e uma vez que ao contrário concebemos que é apenas uma expressão confusa do que acontece neste movimento expressão digo que consiste no fato de coisas suces sivas serem confundidas numa simultaneidade aparente assim é fácil julgar que acontecerá o mesmo com respeito às outras aparências sensitivas fantômes sensi tifs das quais não possuímos ainda uma análise tão pèrfeita como das cores dos gostos etc Pois para dizer a verdade merecem este nome de fantasmas preferivelmente ao de qualidades ou mesmo de idéias Bastarnosia sob todos os aspectos compreendêlos tão bem como esta transparência artificial sem que seja razoável nem possível pretender saber mais pois querer que esses fantasmas con fusos permaneçam e apesar disso se distingam neles os ingredientes pela própria fantasia equivale a contradizerse é o mesmo que querer ter o prazer de ser enga nado por uma agradável perspectiva e querer que ao mesmo tempo os olhos vejam o embuste o que equivaleria a estragar esta perspectiva É um casò em que nihilo plus agas Quam si des operam ut cum ratione insanias3 5 Todavia acontece muitas vezes aos homens de procurarem no dum in scir po e de fabricarem dificuldades lá onde estas não existem exigindo o que não se pode exigir e queixandose depois da sua impotência e dos limites da sua luz 8 FILALETO Todo ouro é fixo é uma proposição cuja verdade não pode remos conhecer com certeza Com efeito se o ouro significa uma espécie de coisa 3 5 Citação de Terêncio Eunuco 6263 Não o conseguirás tampouco como se te empenhasses em desar razoar razoavelmente Mais abaixo nodum in scirpo um nó numa espiga de junco constitui uma expressão proverbial já citada 282 LEIBNIZ distinguida por uma essência real que a natureza lhe deu ignoramos que substân cias particulares são desta espécie assim não podemos afirmála com certeza embora seja ouro E se tomamos o ouro como sendo um corpo dotado de uma certa cor amarela maleável fusível e mais pesado que qualquer outro corpo conhecido não é difícil reconhecer o que é ouro e o que não o é porém com tudo isto nenhuma outra qualidade pode ser afirmada ou negada com certeza a res peito do ouro a não ser aquilo que com esta idéia tem uma conexão ou uma incompatibilidade que se pode descobrir Ora sendo que a fixidez não tem nenhu ma conexão conhecida com a cor o peso e as outras idéias simples que eu supus constituírem a idéia complexa que temos do ouro é impossível que possamos conhecer com certeza a verdade desta proposição isto é que todo ouro é fixo TEÓFILO Sabemos mais ou menos com a mesma certeza que o mais pesado de todos os corpos conhecidos na terra é fixo que sabemos que amanhã o dia amanhecerá E porque o experimentamos cém mil vezes é uma certeza experi mental e de fato embora não conheçamos a ligação da fixidez com as outras qua lidades deste corpo De resto não se devem opor duas coisas que concordam e que se equivalem Quando penso num corpo que é ao mesmo tempo amarelo fusível e resistente ao cadinho penso num corpo cuja essência específica embora desconhecida na sua interioridade faz brotar essas qualidades da sua própria natureza e se dá a conhecer por meio delas ao menos confusamente Nenhum mal vejo nisto nem algo que mereça que se volte sempre de novo à carga para atacálo 10 FiLALETO No momento é suficiente para mim que este conhecimento da fixidez do mais pesado dos corpos não nos é manifesto pela concordância ou discordância das idéias Tenho para mim que entre as segundas qualidades dos corpos e as potências que com elas se relacionam não é possível mencionar duas cuja coexistência necessária ou a incompatibilidade possa ser conhecida com cer teza excetuadas as qualidades que pertencem ao mesmo sentido e se excluem necessariamente uma à outra como quando se pode dizer que aquilo que é bran co não é preto TEÓFILO Entretanto acredito que talvez se encontrem tais qualidades segun das Por exemplo todo corpo palpável que podemos perceber pelo tato é visível Todoxorpo duro faz ruído quando o batemos no ar É verdade que aquilo que exigis só se consegue na medida em que se concebem idéias distintas associa das às idéias sensitivas confusas li FILALETO Entretanto não devemos imaginar que os corpos possuam as suas qualidades por si mesmos independentemente de outra coisa Um pedaço de ouro separado da impressão e da influência de qualquer outro corpo perderia imediatamente a sua cor amarela e o seu peso tornandose talvez também friável e perderia a sua maleabilidade Sabese quanto os animais e os vegetais dependem da terra do ar do sol sabemos porventura se as estrelas fixas muito afastadas de nós não exercem também influências sobre nós NOVOS ENSAIOS 283 TEÓFILO Esta observação ê muito boa e se nos fosse conhecida a contextura de certos corpos não poderíamos julgar bastante sobre os seus efeitos sem conhe cer a natureza interna dos que os tocam ou os atravessam 13 FILALETO Todavia o nosso julgamento pode ir mais longe do que o nosso conheòimento Com efeito pessoas que se aplicam em fazer observações podem penetrar mais além e por meio de algumas probabilidades de uma obser vação exata e de algumas aparências devidamente reunidas emitir muitas vezes conjeturas corretas sobre aquilo que a experiência ainda não lhes mostrou entre tanto não ultrapassamos o âmbito das conjeturas TEÓFILO Se a experiência justifica estas conseqüências de uma forma cons tante não acreditais que possamos por esse caminho adquirir proposições certas Certas digo pelo menos na mesma medida que aquelas que asseguram por exemplo que o mais pesado dos nossos corpos é fixo e que aquelè que depois dele ê o mais pesado é volátil Com efeito pareceme que a certeza entendêse moral ou física mas não a necessidade ou certeza metafísica destas proposi ções que aprendemos exclusivamente peía experiência e não pela análise e cone xão das idéias ê reconhecida entre nós e com razão 284 LEIBNIZ C a p itu lo VII As proposições denominadas máximas ou axiomas í FILALETO Existe uma espécie de proposições que sob o nome de máximas ou axiomas passam como sendo os princípios das ciências pelo fato de serem evidentes por si mesmas costumase denominálas inatas sem que ninguém tenha jamais procurado quanto saiba eu mostrar a razão e o fundamento da sua extrema clareza a qual por assim dizer nos força a darlhes o nosso consenti mento Entretanto não ê inútil entrar neste exame e ver se esta grande evidência se estende apenas a estas proposições como também examinar até que ponto elas contribuem para outros conhecimentos nossos TEÓFILO Esta pesquisa é muito útil e até importante Não deveis porém ima ginar que ela tenha sido negligenciada totalmente até agora Vereis em cem luga res que os filósofos da Escola afirmaram que tais proposições são evidentes ex terminis logo que se lhes estendem os termos de maneira que tais filósofos esta vam persuadidos de que a força da convicção estava fundada na compreensão dos termos ou seja na conexão das suas idéias Todavia os geômetras fizeram bem mais muitas vezes tentaram demonstrálas Proclo atribui já a Tales de Mileto um dos mais antigos geômetras de que temos conhecimento o ter querido demonstrar as proposições que Euclides considerou evidentes3 6 Dizse que Apo lônio demonstrou outros axiomas e Proclo também o faz O falecido Roberval já mais ou menos octogenário tinha a intenção de publicar novos Elementos de Geometria dos quais acredito tervos já falado Possivelmente os novos Elemen tos de Arnauld3 7 que naquele tempo despertavam sensação contribuíram para tal Ele demonstrou algo na Academia Real das Ciências e alguns criticaram a afirmação de que supondo este axioma que se a fatores iguais se acrescentam grandezas iguais daí nascem fatores iguais ele demonstrava este outro axio ma que se considera igualmente evidente se de fatores iguais se subtraem gran dezas iguais permanecem fatores iguais Diziase que o autor deveria supor 3 6 Segundo Proclo Comentário sobre os Elementos de Euclides p 157 Friedlein Tales de Mileto ura dos primeiros filósofos e sábios gregos nascido por volta de 640 antes de Cristo teria demonstrado que o diâme tro separa o círculo em duas partes iguais proposição que Euclides considera pacífica Definição 17 Quan to às tentativas de demonstração dos axiomas de Euclides por Apolônio Proclo e Roberval ver as notas 63 a 65 3 7 Entre as obras de Antoine Arnauld 16121694 renomado filósofo e teólogo jansenista figuram Novos Elementos de Geometria 1667 NOVOS ENSAIOS 285 ambos os princípios ou então demonstrálos ambos Eu não partilhava deste ponto de vista acreditando que é sempre vantajoso diminuir o número dos axio mas Sem dúvida a adição é anterior à subtração e mais simples visto que os dois termos são usados na adição tanto um como o outro o que não ocorre na subtração Arnauld fazia o contrário de Roberval Ele supunha ainda mais do que Euclides No que concerne às máximas são elas por vezes consideradas como propo sições estabelecidas quer sejam evidentes quer não Isto poderia ser bom para os iniciantes inibidos pela escrupulosidade quando porém se trata de estabelecer a ciência é outra coisa Assim é que se tomam tais máximas muitas vezes na moral e mesmo entre os mestres da lógica onde existe um bom número delas onde todavia uma parte contém máximas bastante vagas e obscuras Aliás já faz tempo que afirmei publicamente e em particular que seria importante demons trar todos os nossos axiomas secundários dos quais nos servimos comumente reduzindoos aos axiomas primitivos ou imediatos e indemonstráveis que são aqueles que ultimamente tenho denominado os idênticos 2 FILALETO O conhecimento é evidente por si mesmo quando a concor dância ou discordância das idéias é percebida imediatamente 3 Todavia exis tem verdades que não se reconhecem como axiomas e que não são menos eviden tes por si mesmas Vejamos se as quatro espécies de concordância de que falamos acima capítulo I 3 capítulo III 7 a saber a identidade a conexão a relação e a existência real nos fornecem tais princípios 4 Quanto à identidade ou à diversidade temos tantas proposições evidentes quantas forem as idéias dis tintas que temos pois podemos negar tanto uma como a outra como ao dizermos que o homem não é um cavalo que o vermelho não ê o azid Além disso é tão evidente afirmar O que ê é como dizer Um homem é um homem TEÓFILO É verdade e já observei que é tão evidente afirmar em particular ecteticamente A é A quanto é evidente afirmar em geral Somos aquilo que somos Entretanto não é sempre seguro conforme também já observei negar os sujeitos das idéias diferentes uma da outra como se alguém quisesse dizer o trilátero a figura que tem três lados não ê triângulo pelo fato de que na verdade a trilateralidade não é a triangularidade da mesma forma se alguém tivesse dito que as pérolas do Sr Slusius38 do qual vos falei não faz muito tempo não são as linhas da parábola cúbica terseia enganado e toda via isso teria parecido evidente a muitos O falecido Hardy39 conselheiro no Châtelet de Paris excelente geômetra e orientalista além de grande conhecedor dos geômetras antigos que publicou o comentário de Marino sobre os Data de Euclides estava de tal modo convencido de que a seção oblíqua do cone que 38 René François Walter de Sluse 16231685 geômetra flamengo Ver livro III capítulo X 21 39 Claude Hardy falecido em 1678 advogado e matemático francês amigo de Descartes editor de Eucli des Marinus nascido por volta de 440 dC matemático grego discípulo de Proclo autor de uma intro dução aos Data de Euclides conhecida Sob o nome de Protheoria Serenus de Antinoé matemático do sé culo III e IV dC autor de um tratado Sobre as Seções do Cilindro e do Cone 286 LEIBNIZ se denomina elipse é diferente da seção oblíqua do cilindro que a demonstra ção de Serenus lhe parecia paralogística e de nada serviram as minhas advertên cias Aliás j tinha ele mais ou menos a mesma idade de Roberval quando o encon trei e eu era ainda muito jovem diferença que não poderia darme muita força de persuasão com respeito a ele embora de resto tivesse ótimas relações com ele Este exemplo pode mostrar de passagem o poder do preconceito mesmo em se tratando de pessoas inteligentes com efeito Hardy era muito inteligente sendo que se fala com estima dele nas cartas de Descartes Aduzi o seu nome apenas para mostrar como nos podemos enganar ao negarmos uma idéia da outra quan do não as tivermos aprofundado suficientemente onde for necessário 5 FILALETO No que concerne à conexão ou coexistência possuímos muito poucas proposições evidentes por si mesmas todavia existem algumas e ao que parece é uma proposição evidente por si mesma que dois corpos não podem estar no mesmo lugar TEÓFELO Muitos cristãos o contestam como já assinalei e mesmo Aristóteles e os que na sua esteira admitem condensações reais e exatas que reduzem um mesmo corpo inteiro a um lugar menor do que aquele que ele ocupava antes e os quais como o falecido Comênio 40 num pequeno livro pretendem acabar com a filosofia moderna pela experiência do arcabuz a vento provavelmente não concordarão Se considerais o corpo como uma massa impenetrável a vossa enunciação será verdadeira visto que será idêntica ou quase porém negarvosão que o corpo real será tal Pelo menos se dirá que Deus poderá fazer de outra forma de sorte que se admitirá somente esta impenetrabilidade como conforme à ordem natural das coisas que Deus estabeleceu e da qual a experiência nos asse gurou embora por outra parte seja necessário reconhecer que ela é também muito conforme à razão 6 FILALETO Quanto às relações dos modos os matemáticos formaram vá rios axiomas apenas sobre a relação de igualdade como aquele de que acabais de falar que se de coisas iguais se tiram coisas iguais o que resta é igual Todavia não é menos evidente creio eu que um mais um são dois e que se de cinco dedos de uma mão tirardes dois e mais dois dos cinco dedos da outra mão o nú mero dos dedos que resta será igual t e ó f i l o Que um mais um faz dois não é propriamente uma verdade mas a definição de dois Embora haja isto de verdadeiro e de evidente que é a definição de uma coisa possível Quanto ao axioma de Euclides aplicado aos dedos da mão quero reconhecer que é tão fácil conceber o que dizeis dos dedos quanto ver isto em relação a A e B entretanto para não fazer muitas vezes a mesma coisa assinalamolo em geral e depois disso basta fazer subtrações De outra forma é 40 João Amós Comênio 15921671 conhecido sobretudo como pedagogo é também o autor de uma obra de física Physicae ad Lumen Divinum Reformata Synopsis Resumo da Física Reformulada sob a Luz Divina publicada em 1633 na qual procura conciliar Aristóteles com as doutrinas alquimistas de Paracel so O arcabuz a vento utilizava a força do ar comprimido NOVOS ENSAIOS 287 como se preferisse o cálculo èm números particulares às regras universais o que seria obter menos do que é possível obter Pois é melhor resolver este problema geral encontrar dois números cuja soma perfaça um número dado e cuja dife rença perfaça também um número determinado do que procurar somente dois números cuja soma perfaça 10 e cuja diferença perfaça 6 com efeito se procedo neste segundo problema à maneira da álgebra numérica mesclada com a espe ciosa 41 o cálculo será o seguinte sejam a b 10 e a b 6 acrescen tando conjuntamente o lado direito ao direito e o lado esquerdo ao esquerdo faço com que resulte a b a b 10 6 isto é visto que b e b se elimi nam reciprocamente 2a 16 ou a 8 Subtraindo o lado direito do direito e o esquerdo do esquerdo visto que tirar a J é somar a b faço com que resulte a b a b 10 6 isto é 2b 4 ou b 2 Assim terei na verdade os a e b que procuro que são 8 e 2 que satisfazem à questão isto é cuja soma perfaz 10 e cuja diferença perfaz 6 entretanto não tenho com isto o método geral para alguns outros números que se quererá ou se poderá colocar em lugar de 10 ou 6 método que sem embargo poderia encontrar com a mesma facilidade que estes dois números 8 e 2 colocando x e v emlugar dos números 10 e 6 Com efeito procedendo da mesma forma que antes haverá a b a b x v isto é 2a x v ou a 12 x v havendo ainda a b a 4 b x v isto é 2b x v ou b l2x v Este cálculoTornece este teore ma ou cânon geral que quando se pedem dois números cuja soma e a diferença são dadas basta tomar para o maior dos números pedidos a metade da soma feita da soma e a diferença dadas e para o menor dos números pedidos à metade da diferença entre a soma e a diferença dadas Vêse também que eu poderia ter dis pensado as letras isto é se em lugar de colocar 2a 16 e 2b 4 tivesse escrito 2a 10 6 2b 10 6 o que me teria dado a 1210 6 e b 1210 6 Assim no próprio cálculo particular eu teria tido o cálculo geral tomando esses números 10 e 6 como números gerais como se fossem letras x e v a fim de ter uma verdade ou um método mais geral e tomando esses mesmos caracteres 10 e 6 ainda como sendo os números que os caracteres significam ordinariamente terei um exemplo sensível o que pode até Servir como prova E como Viète42 substituiu os números pelas letras para conseguir maior generalidade eu quis reintroduzir os caracteres dos números visto serem mais próprios que as letras Pareceume ser isto muito útil nos grandes cálculos para evitar os erros e mesmo para aplicarlhes provas tais como a objeção do novenário 43 no meio da conta sem esperar o resultado quando só existem números em lugar das letras isto pode ocorrer muitas vezes quando utilizamos direção nas posições de sorte que as suposições se confirmam verdadeiras no particular além da utilidade que há em ver ligações e ordens que só as letras não conseguem fazer distinguir bem ao espírito conforme demonstrei alhures tendo chegado à conclusão de que a boa característica constituiu uma das maiores ajudas do espírito humano 41 Álgebra baseada no emprego das letras 42 François Viète 15401603 ilustre matemático francês fundador da álgebra Quanto à técnica matemá tica à qual Leibniz faz alusão pouco mais abaixo ver Couturat A Lógica deLeibniz apêndice III 43 A prova por nove 288 LEIBNIZ 7 FILALETO Quanto à existência real que eu havia citado como a quarta espécie de concordância que se pode notar nas idéias ela não nos teria fornecido nenhum axioma pois não temos sequer um conhecimento demonstrativo dos seres fora de nós excetuado Deus TEÓFILO Podese sempre dizer que esta proposição eu existo apresenta a máxima evidência por ser uma proposição que não pode ser demonstrada por nenhuma outra ou então uma verdade imediata Dizer eu penso logo existo não é propriamente demonstrar a existência pelo pensamento pois pensar e ser pensante são a mesma coisa dizer eu sou pensante é já dizer eusou Toda via podeis excluir esta proposição dos números dos axiomas e isto com certa razão pois é uma proposição de fato fundada sobre uma experiência imediata é uma proposição necessária da qual se vê a necessidade na concordância imediata das idéias Ao contrário só Deus vê como estes termos eu e existência são ligados isto é por que eu existo Todavia se o axioma se tomar de maneira mais geral como uma verdade imediata ou não demonstrável podese dizer que esta proposição eu sou constitui um axioma e em todo caso podese assegurar que é uma verdade primitiva ou então unum ex primis cognitis inter términos complexos 4 4 isto é que é uma das enunciações primárias entre as conhecidaso que se entende na ordem natural dos nossos conhecimentos pois é possível que um homem jamais tenha pensado em formar expressamente esta proposição a qual todavia é inata r 8 FILALETO Sempre tinha acreditado que os axiomas exercem pouca influência sobre as outras partes do nosso conhecimento Entretanto vós me desconvencestes visto que demonstrastes um uso importante das idênticas Per miti porém que vos reapresente o que eu tinha no espírito no tocante a este ponto pois os vossos esclarecimentos poderão servir também para converter a outros do seu erro 8 É uma regra célebre nas Escolas que todo raciocínio pro vém das coisas já conhecidas e admitidas expraecognitis et praeconcessis Esta regra parece fazer considerar tais máximas còmo verdades conhecidas ao espírito antes das outras e as outras partes do nosso conhecimento corno verdades depen dentes dos axiomas 9 Eu acreditava haver demonstrado no livro I capítulo I que estes axiomas não são os primeiros conhecidos visto que a criança conhe ce muito antes que a vara que lhe mostro não é o açúcar que degustou que qual quer axioma que quiserdes Porém vós distinguistes entre os conhecimentos sin gulares ou experiências de fato e entre os princípios de um conhecimento univer sal e necessário caso no qual reconheço ser necessário recorrer aos axiomas como também entre a ordem acidental e a natural TEÓFILO Eu tinha acrescentado que na ordem natural vem antes dizer que uma coisa é aquilo que é que dizer que ela não é outra coisa pois aqui não se trata da história das nossas descobertas a qual é diferente de homem para 4 4 Um dos primeiros conhecidos entre os termos complexos isto é entre as enunciações compostas de ter mos simples NOVOS ENSAIOS 289 homem mas da ligação e da ordem natural das verdades a qual é sempre a mesma Todavia a vossa observação isto é que aquilo que a criança vê não passa de um fato merece ainda mais reflexão pois as experiências dos sentidos não dão verdades absolutamente certas como vós mesmo observastes não faz muito tempo nem verdades que sejam isentas de todo perigo de ilusão Pois se é permitido imaginar ficções metafisicamente possíveis o açúcar poderia mudarse em vara de maneira imperceptível para punir a criança se ela tiver sido má como entre nós a água se muda em vinho na véspera de Natal se a criança tiver sido bem comportada Entretando nunca a dor direis vós causada pela vara será o prazer que proporciona o açúcar A isto respondo que a criança não conse guirá fazer disto uma proposição expressa ou notar este axioma embora possa muito bem perceber a diferença entre o prazer e a dor como também a diferença entre perceber e não perceber 10 f i l a l e t o Existe porém uma série de outras verdades as quais são tão evidentes por si mesmas como essas máximas Por exemplo que um mais dois equivale a três constitui uma proposição tão evidente quanto o axioma que diz que o todo ê igual a todas as suas partes tomadas em conjunto TEÓFILO Pareceis haver esquecido como vos demonstrei mais de uma vez que um mais dois faz três não constitui senão a definição de três de maneira que dizer que um mais dois é igual a três é dizer que uma coisa é igual a si mesma No que concerne a este axioma que o todo é igual a todas as suas partes tomadas em conjunto Euclides não o utiliza expressamente Assim sendo este axioma tem necessidade de limitação pois é preciso acrescentar que estas partes não devem ter elas mesmas parte comum pois 7 e 8 são partes do 12 mas compõem mais que 12 O busto e o tronco tomados em conjunto são mais que o homem no senti do de que o tórax é comum aos dois Mas Euclides afirma que o todo ê maior do que a sua parte o que é isento de dúvida Dizer que o corpo é maior do que o tronco não difere do axioma de Euclides a não ser pelo fato de que este axioma se limita ao que é precisamente necessário todavia ao exemplificálo e ao reves tilo de corpo fazse com que o inteligível se torne também sensível pois dizer um tal todo é maior que esta tal parte dele é com efeito a proposição que um todo é maior do que a sua parte mas cujos traços são carregados de alguma adi ção é como quem diz AB diz A Assim não se deve opor aqui o axioma e o exempio como diferentes verdades sob este aspecto mas considerar o axioma como incorporadono exemplo e tornando o exemplo verdadeiro Outra coisa ocorre quandoa evidência não se nota no próprio exemplo e a afirmação do exemplo é uma conseqüência e não somente uma subsunção da proposição uni versal como pode acontecer também com respeito aos axiomas f i l a l e t o Quanto a isso diz o nosso inteligente autor gostaria de perguntar a estes senhores segundo os quais qualquer outro conhecimento que não seja o conhecimento de fato depende dos princípios gerais inatos e evidentes por si mesmos de que princípio necessitam para provar que dois mais dois são quatro Pois conhecemos segundo o nosso autor a verdade destas espécies de proposições sem o auxílio de qualquer prova Que dizeis vós a isto 290 LEIBNIZ TEÓFILO Assegurovòs que estava preparado para esta pergunta Não constitui uma verdade de todo imediata que dois mais dois são quatro suposto que quatro significa três mais um Por conseguinte podese demonstrar tal verdade eis de que maneira Definições 1 Dois são um mais um 2 Três são dois mais um 3 Quatro são três mais um Axioma Colocando em lugar dos riúmeròs coisas iguais a igualdade permanece Demonstração 2 mais 2 são 2 mais 1 mais 1 em virtude da definição 1 2 mais 1 mais 1 são 3 mais 1 em virtude da definição 2 3 mais 1 são 4 em virtude da definição 3 3 14 Por conseguinte em virtude do axioma 2 mais 2 são 4 É o que cumpria demonstrar Eu poderia ao invés de dizer que 2 mais 2 são 2 mais 1 mais 1 colocar que 2 mais 2 é igual a 2 mais 1 mais 1 fazendo o mesmo com as outras equações Todavia podemos subentender isto em toda parte por ser mais rápida esta opera ção e isto em virtude de um outro axioma segundo o qual uma coisa é igual a si mesma ou então que aquilo que é o mesmo é igual FiLALETO Esta demonstração por menos necessária que seja com relação à sua conclusão demasiado conhecida serve para mostrar como as verdades depen dem das definições e dos axiomas Assim prevejo o que respondereis a várias objeções que se fazem contra o uso dos axiomas Objetase que haverá uma mul tidão inumerável de princípios mas acontece quando se contam entre os princí pios os corolários que seguem das definições com o auxílio de algum axioma E já que as definições ou idéias são inúmeras os princípios também o serão neste sentido e mesmo supondo convosco que os princípios indemonstráveis são os axiomas idênticos Eles se tornam inumeráveis também pela exemplificação mas no fundo se pode contar A é A e B é B em virtude de um mesmo princípio for mulado de outra maneira TEÓFILO Além disso esta diferença dos graus que existe na evidência faz com que eu não concorde com o vosso autor em que todas essas verdades que são denominadas princípios e que passam como evidentes por si mesmás pelo fato de serem tão próximas aos primeiros axiomas indemonstráveis são inteiramente independentes e incapazes de receber umas das outras qualquer luz ou prova Pois se pode sempre reduzilas ou aos próprios axiomas ou a outras verdades mais próximas dos axiomas como esta verdade que dois mais dois são quatro vos 2 2 2 1 1 NOVOS ENSAIOS 291 demonstrou Acabo de contarvos como o Sr Roberval diminuía o número dos axiomas de Euclides reduzindo por vezes um ao outro l i FILALETO Este escritor judicioso que deu ocasião às nossas discussões reconhece que as máximas têm a sua utilidade mas ele acredita que a sua vanta gem consista antes em fechar a boca dos obstinados que em estabelecer as ciên cias Sentirmeia muito feliz diz ele se alguém me mostrasse que alguma dessas ciências está baseada sobre tais axiomas gerais e demonstrasse que sem tais axiomas as ciências careceriam de fundamento TEÓFDLO A geometria constitui sem dúvida uma dessas ciências Euclides emprega expressamente os axiomas nas demonstrações e este axioma duas grandezas homogêneas são iguais quando uma não ê nem maior nem menor do que a outra constitui o fundamento das demonstrações de Euclides e de Arqui medes sobre a grandeza das curvilíneas Arquimedes empregou axiomas de que Euclides não tinha necessidade por exemplo que de duas linhas das quais cada uma tem a sua concavidade sempre do mesmo lado a que encerra a outra é a maior delas Tampouco podemos dispensar os axiomas idênticos çm geometria como por exemplo do princípio de contradição ou das demonstrações que con duzem ao impossível E quanto aos outros axiomas que são demonstráveis a par tir daqueles poderíamos dispensálos falando de maneira absoluta e tirar as conclusões imediatamente das idênticas e das definições mas a prolixidade das demonstrações e das repetições sem fim em que se cairia neste caso causaria uma confusão terrível se fosse necessário recomeçar sempre ab ovo 4 5 ao passo que supondo as proposições médias já demonstradas se vai facilmente mais longe E esta suposição das verdades já conhecidas é útil sobretudo com relação aos axiomas pois estes voltam tão freqüentemente que os geômetras são obriga dos a utilizálos a cada momento sem citálos assim sendo enganarnosíamos se acreditássemos que eles não existem pelo fato de não serem citados sempre expressamente FILALETO Todavia o nossò autor objeta o exemplo da teologia É da revelação afirma ele que nos veio o conhecimento desta santa religião e sem este auxílio as máximas jamais teriam sido capazes de nos fazêla conhecer Por conseguinte a luz nos vem das próprias coisas ou imediatamente da infalível veracidade de Deus TEÓFILO É como se eu dissesse a medicina está fundada na experiência por tanto a razão de nada serve A teologia cristã que constitui a verdadeira medi cina das almas está fundada na revelação que corresponde à experiência toda via para fazer um todo completo é necessário acrescentar a teologia natural que é tirada dos axiomas da razão eterna O próprio princípio de que a veracidade constitui um atributo de Deus sobre o qual reconheceis estar fundada a revela ção não é porventura uma máxima tomada da teologia natural 4 5 Desde o ovo ou seja desde o início 292 LEIBNIZ FiLALETO O nosso autor quer que se distinga entre o meio de adquirir o conhe cimento e o meio de ensinálo ou então entre ensinar e comunicar Após ter insti tuído as escolas e estabelecido professores para ensinarias ciências que outros ti nham inventado esses professores utilizaram essas máximas para imprimir as ciências no espírito dos seus alunos e para convencêlos através dos axiomas de algumas verdades particulares ao passo que as verdades particulares serviram aos primeiros inventores para encontrar a verdade sem as máximas gerais t e õ f i l o Gostaria que nos justificassem este pretenso procedimento por exem plos de algumas verdades particulares Considerando bem as coisas constatase que tal procedimento não foi seguido no estabelecimento das ciências E se o inventor descobre apenas uma verdade particular é inventor apenas pela metade Se Pitágoras tivesse observado apenas que o triângulo cujos lados são 3 4 5 tem a propriedade da igualdade do quadrado da hipotenusa com aqueles dos lados isto é que 9 16 são 25 teria ele com isto sido o inventor desta grande verda de que compreende todos os triângulos retângulos e que se impôs como máxima entre os geômetras É verdade que muitas vezes um exemplo considerado por acaso serve como ocasião a um homem engenhoso para conduzilo a procurar a verdade geral mas mesmo assim é outra coisa descobrir tal verdade além disso este caminho de invenção não é o melhor nem o mais usado entre aqueles que procedem com ordem e método sendo que só se servem desta via nas ocasiões em que falham métodos melhores É como alguns pensaram que Arquimedes desco briu a quadratura da parábola cortando um pedaço de madeira talhado em forma de parábola e que foi esta experiência particular que o fez descobrir averdade geral entretanto os que conhecem a penetração desse grande homem vêem bem que ele não necessitava de tal ajuda Todavia mesmo que este caminho empírico das verdades particulares tivesse constituído a ocasião de todas as descobertas ela não teria sido suficiente para produzilas os próprios inventores se admira ram em notar as máximas e as verdades geraisquando conseguiram atingilas do contrário as suas invenções teriam sido muito imperfeitas Por conseguinte tudo aquilo que se pode atribuir às escolas e aos professores é terem recolhido e orde nadoas máximas e as outras verdades gerais e oxalá se tivessefeito mais deste trabalho com mais cuidado e mais escolha pois se assim fosse as ciências não se encontrariam tão dissipadas e tão complicadas Aliás reconheço que há mui tas vezes diferença entre o método que se utiliza para ensinar as ciências e o mé todo que levou à descoberta dessas ciências porém a questão em foco não é esta Por vezes conforme já observei foi o acaso que levou às invenções Se se tives sem anotado essas ocasiões e conservado a sua memória para a posteridade o que teria sido muito útil este detalhe teria constituído uma parte muito consi derável da história das artes mas não teria sido próprio para construir os seus sistemas Por vezes também os inventores procederam racionalmente em direção à verdade porém por longos desvios Acredito que em ocasiões de importância os autores teriam prestado serviço ao público se tivessem assinalado nos seus escri tos os passos dos seus ensaios entretanto se o sistema da ciência tivesse que ser construído sobre esta base seria como se numa casa terminada se quisesse con NOVOS ENSAIOS 293 servar toda a aparelhagem de que o arquiteto teve necessidade para construíla Os bons métodos de ensinar são todos tais que a ciência poderia ter sido desco berta certamente por este caminho e então se esses métodos não são empíricos isto é se as verdades são ensinadas pelas razoes ou por provas tiradas das idéias será sempre por axiomas teoremas cânones e outras proposições gerais deste gê nero Outra coisa ocorre quando as verdades são aforismos como os de Hipó crates 4 6 ou seja verdades de fato ou gerais ou pelo menos na maioria dos casos verdadeiras aprendidas pela observação ou fundadas em experiências e para as quais não se têm razões de todo convincentes Entretanto não é disso que se trata aqui visto que estas verdades não são conhecidas pela conexão das idéias FILALETO Eis aqui de que maneira na opinião do nosso inteligente autor foi introduzida a necessidade das máximas Pelo fato de as escolas estabelecerem a discussão como a pedra de toque para medir a habilidade das pessoas atri buíam a vitória àquele que ficava no campo de batalha e que falava por último Entretanto para encontrar meios de convencer os obstinados era necessário esta belecer as máximas TEÓFILO As escolas de filosofia teriam agido melhor sem dúvida juntando a prática à teoria como fazem as escolas de medicina de química e de matemática e dando o prêmio a quem tivesse agido melhor sobretudo em moral preferivel mente àquele que tivesse falado melhor Todavia como existem assuntos em que o próprio discurso constitui um efeito e por vezes o único efeito e obraprima que possa mostrar a habilidade de uma pessoa como nas matérias metafísicas foi razoável em certas ocasiões julgar da habilidade das pessoas pelo êxito que tive ram nos debates Sabese até que no início daReforma os protestantes provoca ram os seus adversários a entrar em colóquios e debates e por vezes o público se decidiu pela Reforma baseado no êxito dos debates Sabese também de quanto é capaz a arte de falar e de reforçar as razões e se assim se pode denominála a arte de debater num Conselho de Estado ou de Guerra numa corte de justi ça numa consulta médica e até numa conversação Estáse obrigado a recorrer a este meio e contentarse com falar ao invés de agir em tais ocasiões pela sim ples razão de que se trata no caso de Um acontecimento ou fato futuro em que seria demasiado tarde aprender pelos efeitos Assim a arte de debater ou de com bater com razões entendo aqui também o recurso às autoridades e aos exem plos é muito grande e muito importante Por infelicidade porém esta arte está muito mal regrada sendo também por isso que muitas vezes não se conclui nada ou se conclui mal Eis por que mais de uma vez tive a idéia de fazer observações sobre os diálogos dos teólogos com os quais temos relações para mostrar os defeitos que neles podem encontrarse bem como os remédios que se poderiam empregar Em consultas sobre os negócios se aqueles que têm mais poder não têm o espírito bem sólido a autoridade e a eloqüência se sobrepõem geralmente ao serem brandidas contra a verdade Numapalavra a arte de dialogar e debater 4 8 Entre as obras atribuídas a Hipócrates 460375 aC o mais célebre dos médicos da Antiguidade figu ram oito livros de Aforismos tratados médicos em forma de preceitos 294 LEIBNIZ teria necessidade de ser completamente refundida No que concerne à vantagem daquele que fala por último isto ocorre praticámente apenas nas conversações livres visto que nos conselhos os sufrágios ou votos seguem a ordem quer se co mece quer se termine pelo último na ordem Éverdade que via de regra compete ao presidente começar ou terminar isto é propor e concluir todavia o presidente conclui segundo a pluralidade dos votos E nos debates acadêmicos é o respon dente ou o defendente que fála por último e por um hábito quase estabelecido o campo de batalha permanece quase reservado a ele Para dizer a verdade em tais ocasiões quase não entra em questão a verdade assim o defendente sustenta em tempos diferentes teses opostas na mesma cátedra Mostraram a Casaubon47 a sala de conferências na Sorbonne e lhe disseram Eis o lugar onde se debateu durante tantos séculos Ele respondeu Que ê que se concluiu desses debates FILALETO Entretanto quisse impedir que o debate fosse até ao infinito e fazer çom que houvesse maneira de decidir entre dois conferentes igualmente prepara dos a fim de que adiscussão não entrasse numa série infinita de silogismos O meio que se encontrou foi introduzir certas proposições gerais a maioria delas evidentes porsi mesmas e as quais podendo por natureza ser aceitas por todos os homens com um consenso completo deviam ser consideradas como medidas gerais da verdade e figurar como princípios quando os conferentes não haviam assentado outros além dos quais não se podia avançar e aos quais os confe rentes estavam obrigados a aterse Assim sendo pelo fato de essas máximas terem recebido o nome de princípios que não se podiam negar no debate as quais encerravam o debate foram elas erroneamente conforme o meu autor consideradas como a fonte dos conhecimentos e como o fundamento das ciências TEÓFILO Oxalá se utilizassem os princípios desta maneira nos debates pois neste caso nada haveria a censurar já que se decidiria alguma coisa Que se pode ria fazer de melhor senão reduzir a contrpvérsia isto é as verdades contestadas a verdades evidentes e incontestáveis Não equivaleria isso a estabelecêlas de forma demonstrativa E quem pode duvidar de que tais princípios que encerra riam os debates estabelecendo a verdade não constituiriam ao mesmo tempo as fontes dos conhecimentos Com efeito desde que o raciocínio seja correto não importa que ele seja feito tacitamente em seu gabinete ou que o seja publica mente na cátedra E mesmo que tais princípios fossem antes interrogações do que axiomas considerando as questões não como Euclides mas como Aristóteles isto é como suposições còm as quais se quer concordar aguardando que haja ocasião de demonstrálos tais princípios teriam sempre esta utilidade a saber que atra vés deles todas as outras questões seriam reduzidas a um pequeno número de proposições Assim sendo surpreendeme muito ver censurar uma coisa elogiá vel em virtude de não sei que preconceito ao qual estão sujeitos os homens mais inteligentes como se pode ver do exemplo do vosso autor Infelizmente o que se costuma fazer nos debates acadêmicos é bem outra coisa Ao invés de estabelecer 4 7 Isaac Casaubon 15591614 grande filólogo e escritor francês NOVOS ENSAIOS 295 axiomas gerais fazse tudo o que se pode para enfraquecêlos através de distin ções vãs e pouco inteligíveis e se tem prazer em utilizar certas regras filosóficas das quais os livros estão repletos mas que são pouco seguras e pouco determina das e que se tem prazer em eludir fazendo mil distinções Não é este o meio de terminar debates mas sim o meio para prolongálos ao infinito e cansar final mente o adversário É como se se conduzisse o adversário a um lugar obscuro onde se bate a torto e a direito e onde ninguém pode fazer um julgamento correto sobre as batidas Esta invenção ê admirável para os defendentes respondentes que se comprometeram a sustentar certas teses É um escudo de Vulcano que os torna invulneráveis é como a Orei galea 48 e elmo de Plutão que os torna invisí veis Desta forma só será possível surpreendêlos sem a razão se forem muito pouco hábeis e infelizes na argumentação É verdade que existem regras que pos suem exceções sobretudo nas questões em que entram muitas circunstâncias como iia jurisprudência Entretanto para tornar seguro o uso dessas regras é Èfécfessáriõqjie essas exceções sejam determinadas em número e no sentido na medida do possível e neste caso pode acontecer que a própria exceção tenha as suas subexceções istòéréplicas e que a réplica tenha duplicações etc mas ao final das contas enecessárique todas essas exceções e subexceções bem deter minadas juntas comajregra atinjam a universalidade Disso a jurisprudência fornece exemplos muito noáveis Entrefantose essas espécies de regras cheias de exceções e subexceções devêssem entrar nós debates acadêmicos seria neces sário sempre discutir com pena nX mão fazenaim a espécie de protocolo sobre o que se diz por partède um e doVjtro Isto sembaecessário também ao debater constantemente segundo as regras por vários silogisTHos mesclados de tempos a tempos de distinçõesonde a meUtior memóríadojmnncíâse confunde inevitavelmente Todaviâ nãó se tem o cuidado de darse a este trabamÈde acen tuar bastante os silogismos de forma rigòrbsa e de registrálos para dèshçbrir a verdade quando ela é sem recompensa e não se atingiria isto quandse quisesse a menos que as distinções sejam excluídas ou melhor regradas FILALETO Sem embargo é verdade como observa o nosso autor que o método da Escola tendo sido introduzido também nas conversações fora das escolaç para fechar assim a boca dos chicaneiros produziu um mau efeito Pois desde que se tenham idéias médias não se pode ter a conexão delas sem o auxílio das máximas e antes que elas sejam produzidas e isto bastaria para pesspas smeetas e tratáveis Entretanto uma vez que o método das escolas autorizou e encorajou os homens a se oporem e a resistirem a verdades evidentes até que sejam obriga dos a se contradizer ou então a combater contra princípios estabelecidos não se deve admirar que na conversação ordinária não tenham vergonha de fazer o que constitui título de glória e passa por virtude nas escolas O nosso autor acrescenta que no caso de pessoas razoáveis espalhadas pelo resto do mundo as quais não foram corrompidas pela educação terão elas muita dificuldade em acreditár que um tal método jamais tenha sido seguido por pessoas que professam amar a ver 48 O escudo de Orco deus latino dos infernos idèntifíçado com o Plutão dos gregos 296 LEIBNIZ dade e que passam a sua vida estudandoa religião ou a natureza Não examinarei aqui diz o autor quanto esta maneira de ensinar é apta a desviar o espírito das pessoas jovens do amor e de uma busca sincera da verdade ou melhor a fazêlas duvidar se existe efetivamente alguma verdade no mundo ou pelo menos alguma verdade que mereça ser aceita irreversivelmente O que acredito firme mente acrescenta ele é que excetuados os lugares em que se admitiu a filo sofia peripatética nas suas escolas onde ela reinou muitos séculos sem ensinar outra coisa ao mundo que a arte de discutir em parte alguma se consideraram tais máximas como os fundamentos das ciências e como meios importantes para progredir no conhecimento das coisas TEÓFILO Segundo o vosso inteligente autor só as escolas têm inclinação para estabelecer máximas porém estamos aqui diante de um instinto geral e muito razoável de todo o gênero humano Podeis concluílo dos provérbios que estão em uso em todos os povos os quais via de regra não são outraoisa quemáxinias com as quais o público concordou Todavia quando pessoas de critério nromm ciam alguma coisa que nos parece contrária à verdade é preciso siiseitar que existe mais defeito nas suas expressões do que nos seus julgamento é o que se confirma no caso do nosso autor no qual com o a admnhar os motivos que o levam a combater as máximas É que realmentnosdiscursos comuns nos quais não se trata dé exercitarse comoasestoías é clíicanear querer ser convencido para se render De resto okmsAas vezespreferese suprimir as premissas maio res que se subentendemCeontentaEsecom os entimemas e mesmo sem formar premissas muitas vgíres colocar o simples medius terminus ou a idéia média sendo pu nestcasgoespírito compreende a sua conexão sem que seja neces sáriopformyíaelicitamente Todavia isto é correto quando esta conexão é incónteel Todavia vós mesmo reconheceis que muitas vezes se supõe isto ommuítaressa e quedisfo nascem paralogismos de maneira que seria melhor rrmtas vezes levapem conta a segurança ao exprimirse do que preferir a brevi e a elegâiícia Entretanto o preconceito do vosso autor contra as máximas o levou a rejeitar completamente a sua utilidade para o estabelecimeilto da verda deéchega ao ponto de afirmar que elas são responsáveis pelas desordens da conversação É verdade que as pessoas jovens que se habituaram aos exercícios acadêmicos nos quais as pessoas se preocupam demais em exercitarse e pouco em haurir do exercício os melhores resultados possíveis ou seja o conhecimento têm dificuldade em desfazerse deles no mundo E uma das suas chicanas é não querer renderse à verdade a não ser quando ela se tenha tomado inteiramente palpável embora a sinceridade e mesmo a civilidade devessem obrigálos a não chegar a esses extremos que os fazem tornarse incômodos e lhes conferem má reputação Este é reconhecidamente um vício que afeta muitas vezes as pessoas letradas Entretanto a falha não está em querer reduzir as verdades às máximas mas em querer fazêlo fora de tempo e sem necessidade pois o espírito humano considera tudo de uma vez e equivale a perturbálo querer obrigálo a parar em cada passo que faz e a exprimir tudo aquilo que pensa É como se ao acertar a conta com um comerciante ou um hóspede quiséssemos obrigálo a contar tudo NOVOS ENSAIOS 297 com os dedos para maior segurança Para exigilo seria necessário ser um estú pido ou um caprichoso Com efeitopor vezes acho que Petrônio teve razão em dizer adolescentes in scholis stultissimos fieri 49 ou seja que os jovens por vezes se tornam estúpidos e mesmo destituídos de cérebro nos lugares que deveriam ser as escolas da sabedoria corruptio optim ipéssim a5 0 Além disso muitas vezes se tornam vãos confusos caprichosos incômodos o que freqüentemente depende do mau humor dos mestres que têm Aliás acho que existem faltas muito maio res na conversação do que a de exigir demasiada clareza Pois via de regra caise no vício contrário sendo que não se dá e não se exige suficiente clareza Se uma coisa é incômoda a outra é prejudicial e perigosa 12 FILALETO O uso das máximas também o é por vezes quando as aplica mos a noções falsas vagas e incertas pois então as máximas servem para nos confirmar nos erros e mesmopara demonstrar contradições Por exemplo quem na esteira de Descartes se forma uma idéia do que ele denomina corpo como sendo uma coisa que é apenas extensão pode demonstrar facilmente por esta má xima O que é ê que não existe vácuo isto é espaço sem corpo Pois ele conhece a sua própria idéia ele sabe que ela é o que é e não uma outra idéia assim estendidasendo que corpo e espaço são para ele três palavras que signifi cam uma mesma coisa élhe tão verdadeiro afirmar que o espaço é corpo como dizer que o corpo é corpo 13 Ao contrário um outro para o qual corpo signi fica um extenso sólido concluirá da mesma forma que afirmar que o espaço não é corpo é tão certo como qualquer proposição que se possa demonstrar por esta máxima é impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo TEÓFILO O mau uso das máximas não deve levar a Censurar sem discriminação o seu uso todas as verdades estão sujeitas a este inconveniente isto é que asso ciandoas a afirmações falsas podese tirar conclusões falsas e mesmo contradi tórias E neste exemplo não se tem necessidade desses axiomas idênticos a quem se atribui a causa do erro e da contradição Isto se veria se o argumento daqueles que concluem das suas definições que o espaço é corpoou que o espaço não é corpo fosse reduzido a forma Existe até algo demais nesta conseqüência o corpo é extenso e sólido portanto a extensão ou seja o extenso não é um corpo e a extensão não é coisa corporal pois já assinalei que existem expressões supér fluas das idéias ou que não multiplicam as coisas como se alguém dissesse por triquetrum entendo um triângulo trilátero e daqui concluísse que nem todo trilá tero é um triângulo Assim um Cartesiano poderá dizer que a idéia do extenso sólido é desta mesma natureza isto é que existe o supérfluo como com efeito tomando a extensão como algo de substancial toda extensão será sólida ou então toda extensão será corporal No que concerne ao vácuo um Cartesiano terá o direito de concluir da sua idéia ou modo de idéia que não existe supondo 49 Citação livre do Satyricon de Petrônio I 50 Provérbio latino A corrupção daquilo que existe de melhor é aquilo que existe de pior 298 LEIBNIZ que a sua idéia seja correta contudo um outro não terá razão de concluir da sua que possa existir como de fato embora eu não partilhe o ponto de vista carte siano acredito entretanto que não existe vácuoe creio que neste exemplo se faz uso pior das idéias que das máximas 15 FILÁLETO Pelo menos parece que qualquer que seja o uso que se queira fazer das máximas nas proposições verbais elas não podem dar o mínimo conhe cimento sobre as substâncias que existem fora de nós TEÓFILO Sou completamente de outra opinião Por exemplo esta máxima que a natureza age pelos caminhos mais curtos ou pelo menos pelos mais deter minados basta sozinha para dar razão quase de toda a óptica catóptrica e dióptrica isto é daquilo que acontece fora de nós nas ações da luz como demonstrei outrora e Molyneux o aprovou perfeitamente na sua Dióptrica que é um livro muito bom 51 FILALETO Pretendese entretanto que quando nos servimos dos princípios idênticos para provar proposições nas quais existem palavras que significam idéias compostas como homem ou virtude o seu uso é extremamente perigoso e obriga os homens a considerar ou receber a falsidade como uma verdade manifes ta É porque os homens acreditam que quando se conservam os mesmos termos as proposições se referem às mésmas coisas como o fazem ordinariamente essas máximas servem geralmente para demonstrar proposições contraditórias TEÓFILO Que injustiça censurar as pobres máximas por aquilo que deve ser atribuído ao mau uso dos termos e aos seus equívocos Pela mesma razão censu rarseão os silogismos pelo fato de se concluir mal quando os termos são equí vocos Entretanto o silogismo ê inocente pois na realidade existem então quatro termos contra as regras dos silogismos Em virtude da mesma razão censurarseá também o cálculo dos mestres da aritmética ou da álgebra pois ao colocar X em lugar de V ou tomando a por b por distração tirarnse dali conclusões falsas e contraditórias 19 FILALETO Acreditaria no mínimo que as máximas são pouco úteis quandó se têm idéias claras e distintas outros querem até que neste caso elas não têm uti lidade alguma e pretendem que quem quer que nessas ocasiões não possa dis cernir a verdade e a falsidade sem estas espécies de máximas não poderá jíazêlo através delas e o nosso autor 16 17 mostra até que elas não servem para decidir se um tal é homem ou não TEÓFILO Se as verdades são muito simples e evidentes e muito próximas das idênticas e das definições não se necessita empregar expressamente máximas 51 O memorial ao qual alude Leibniz Unicum Opticae Catoptricae et Dioptricae Principium O Único Princípio da Óptica da Catóptrica e da Dióptrica foi publicado nas Acta Eruditorum de Leipzig em junho de 1 682 Quanto a Molyneux cuja Dióptrica Nova data de 1 692 ver a nota 78 do livro II que é a seguinte William Molyneux 1 6561 698 Ssico irlandês autor de um tratado de óptica O problema de Molyneux exercerá uma influência durável sobre as teorias da percepção durante todo o século XVIII OVOS ENSAIOS 299 para concluir fcssas verdades pois o espírito as emprega virtualmente e formula a sua conclusão de umasó vez sem intermediários Todavia sem os axiomas e os teoremas já conhecidos os matemáticos teriam muita dificuldade em avançar pois nas longas conseqüências é bom parar de tempos em tempos e fazer por assim dizer colunas militares ao meio do caminho queservirão também para os outros para marcálo Sem isso estes longos caminhos serão demasiado incômo dos e parecerão até confusos e obscuros sem que possamos discernir neles nada a não ser o lugar em que estamos É o mesmo que ir ao mar sem agulha numa noite escura sem vero fundo a margem nem estrelas é o mesmo que andar em vastas planícies onde não existem nem árvores nem colinas nem riachos é como uma cadeia de anéis destinada a medir comprimentos onde houvesse algu mas centenas de anéis semelhantes entre si sem uma distinção de grãos mais grossos ou anéis maiores ou outras divisões que pudessem assinalar os pés as toesas as perchas etc O espírito que ama a unidade na multidão associa algu mas das conseqüências para formar delas conclusões médias sendo esta a utili dade das máximas e dos teoremas Por este meio existe mais prazer mais luz mais recordação mais aplicação e menos repetição Se algum analista não qui sesse supor ao calcular essas duas máximas geométricas que o quadrado da hipotenusa é igual aos dois quadrados dos lados do ângulo reto e que tais lados correspondentes dos triângulos semelhantes são proporcionais imaginando que pelo fato de que se tem a demonstração desses dois teoremas pela ligação das idéias que eles encerram pòderia dispensálos facilmente colocando as próprias idéias em seu lugar estará muito distante do seu objetivo Todavia a fim de que não penseis que o bom uso dessas máximas está encerrado nos limites das puras ciências matemáticas vereis que não é menor na jurisprudência e um dos princi pais meios de tornálo mais fácil e de considerar o seu vasto oceano como numa carta geográfica é reduzir uma série de decisões particulares a princípios mais gerais Por exemplo verseá que uma série de leis digestos ações ou exceções das que se denominam in factum 52 dependem desta máxima ne quis alterius damno fiat locupletior que não se deve aproveitar do prejuízo que acontece a um outro o que porém se deveria exprimir com um pouco mais de precisão É ver dade que existe uma grande distinção a fazerentre as regras de direito Falo das boas e não de certos brocardica 53 brocardos introduzidos pelos doutores que são vagos e obscuros embota tais regras pudessem tornarse boas e úteis se as reformássemos ao passo que com as suas distinções infinitas cum suis fallentiis só servem para confundir Ora as boas regras são ou aforismos ou máximas sendo que sob a denominação de máximas compreendo tanto os axiomas como os teoremas Se são aforismos que se formam por indução e observação e não por razões a priori e que as pessoas inteligentes fabricaram após uma resenha do direito estabelecido este texto do jurisconsulto 5 4 no título dos digestos que 52 Concernente ao fato 53 Aforismos jurídicos cujo nome recorda o de Burkard bispo de Worms pelo ano 1 000 jurisconsulto e canonista que desfrutava de grande autoridade e de quem se citavam as sentenças 5 4 O nome deste jurista romano omitido no manuscrito de Leibniz é Paulo A máxima citada encontrase no Digesto 50 171 1 300 LEIBNIZ fala das regras de direito tem lugar non ex regula ius sumi sed ex iure quod est regulam fieri isto é que se tiram regras de um direito já conhecido para melhor lembrarse mas que não se estabelece o direito sobre essas regras Existem porém máximas fundamentais que constituem o próprio direito e formam ações exceções réplicas etc as quais quando são ensinadas pela pura razão e não vêm do poder arbitrário do Estado constituem o direito natural sendo tal a regra da qual acabo de falaria qual proíbe o lucro que prejudica a outrem Existem tam bém regras cujas exceções são raras e por conseguinte passam por universais Tal é a regra das Instituições do Imperador Justiniano no 2 do título das Ações segundo a qual quando se trata das coisas corporais o agente não possui exceto num só caso que o imperador afirma estar assinalado nos digestos Entretanto ainda não se encontrou este caso É verdade que alguns ao invés de sane uno casu lêem sane non uno5 5 E por vezes de um caso se podem fazer vários Entre os médicos o falecido Barner 5 6 que nos tinha dado a esperança de um novo Sen nertus ou sistema de medicina adaptado às novas descobertas ou opiniões ao darnos o seu Pródromo afirma que a maneira que os médicos observam ordina riamente nos seus sistemas de prática é explicar a arte de curar tratando de uma doença após a outra segundo a ordem das partes do corpo humano ou de outra forma sem ter dado preceitos de prática universais comuns a várias enfermi dades e sintomas o que os obriga a uma infinidade de repetições assim sendo segundo ele se poderia cortar três quartos do Sennertus e abreviar infinitamente a ciência por proposições gerais e sobretudo por aquelas às quais convém o kathó lou prõton de Aristóteles isto é que são recíprocas ou se aproximam Creio que é com razão que se aconselha este método sobretudo em relação aos preceitos onde a medicina é raciocinativa porém à proporção que ela é empírica não é tão fácil nem tão seguro formar proposições universais Além disso existem geral mente complicações nas enfermidades particulares que formam como uma imita ção das substâncias de tal forma que uma doença é como uma planta ou um ani mal que exige uma história à parte isto é são modos ou formas de ser aos quais convém o que dissemos dos corpos ou das coisas substanciais Assim é bom apesar dos preceitos universais procurar nas espécies de doenças métodos de curar e remédios que satisfazem a várias indicações e concursos de causas juntas e sobretudo recolher aqueles que a experiência autorizou O que Sennertus não fez suficientemente pois pessoas inteligentes observaram que as composições das receitas que ele propõe são muitas vezes mais formadas ex ingenio por estima que autorizadas pela experiência como seria necessário para maior segurança Acredito por conseguinte que o melhor será unir as duas vias e não queixarse das repetições em uma matéria tão delicada e tão importante como a medicina onde acredito faltarnos o que temos demais ameu juízo na jurisprudência isto 5 5 Exceto num caso exceto em mais de um caso 5 6 Tiago Barner 16411686 médico discípulo de Van Helmont autor de um tratado intitulado Prodomus Sennerti Novi seu Delineatio Novi Medicinae Systematis Pródromos de um Novo Sennert ou Esboço de um Novo Sistema de Medicina publicado em 1674 Daniel Sennert 15721637 célebre médico alemão tentou unir as doutrinas dos antigos Aristóteles e Galeno com a dos alquimistas 1 NOVOS ENSAIOS 301 é livros de casos particulares e repertórios do que já foi observado Com efeito creio que a milésima parte dos livros dos jurisconsultos seria suficiente mas que não teríamos nada demais em matéria de medicina se tivéssemos mil vezes mais observações bem circunstanciadas É que a jurisprudência está toda fundada sobre a razão em relação ao que não está expressamente marcado pelas leis ou pelos costumes Com efeito podese sempre haurilo ou da lei ou do direito natu ral na falta da lei por meio da razão As leis de cada país são finitas e determina das ou pelo menos podem tornarse tais ao passo que na medicina os princípios de experiência isto é as observações não devem ser multiplicadas demais para dar mais ocasião à razão de decifrar o que a natureza só nos dá a conhecer pela metade Aliás não conheço ninguém que utilize os axiomas da maneira que o autor inteligente da vossa preferência o mostra 16 17 como se alguém para demonstrar a uma criança que um negro é um homem se servisse deste princípio o que é é dizendo um negro possui alma racional ora a alma racional e o homem é a mesma coisa e por conseguinte se tendo alma racional não fosse homem seria falso afirmar que aquilo que é é ou então uma mesma coisa seria e não seria ao mesmo tempo Com efeito sem utilizar essas máximas que não en tram diretamente no raciocínio como também não avançam nada todo mundo se contentará em raciocinar assim um negro tem a alma racional todo o que tem alma racional é homem logo o negro é homem E se alguém imbuído do precon ceito de que não existe alma racional quando esta não nos aparece concluísse que as crianças que apenas acabam de nascer e os imbecis não pertencem à espé cie humana efetivamente ovosso autor conta ter conversado com pessoas muito inteligentes que o negavam não acredito que o mau uso da máxima que é impos sível que uma coisa seja e não seja os seduziria nem que pensem nisto ao formu lar este raciocínio A fonte do seu erro seria uma extensão do princípio do nosso autor que nega haver algo na alma de que não se aperceba ao passo que esses senhores iriam até ao ponto de negar a própria alma quando outros não a percebem 302 LEIBNIZ C a p itu lo VIII As proposições frívolas FILALETO Estou convencido de que as pessoas razoáveis não têm o cuidado de utilizar os axiomas idênticos da maneira que acabamos de falar 2 Ao que parece essas máximas puramente idênticas não passam de proposições frívolas ou nugatoriae como as denominam as próprias escolas filosóficas Eu não me contentaria em dizer que de fato assim parece se o vosso surpreendente exemplo da demonstração da conversão por intermédio das idênticas não me fizesse xtomar cuidado para o futuro quando se trata de menosprezar alguma coisa Todavia relatarvosei o que se alega para declarálas completamente frívolas É que 3 se reconhece à primeira vista que elas não encerram nenhuma instrução a não ser por vezes mostrar a um homem a absurdidade na qual se encontra TEÓFILO Acreditais porventura que jsto não ê nada e não reconheceis que reduzir uma proporção ao absurdo é demonstrar a sua contraditória Acredito realmente que não instruiremos uma pessoa ao dizerlhe que ela não deve afirmar a mesma coisa ao mesmo tempo porém a instruímos ao mostrarlhe pela força das conseqüências que ela o faz sem pensar É difícil a meu juízo dispensar sem pre essas demonstrações apagógicas isto é que reduzem ao absurdo e demonstrar tudo pelas proposições ostensivas como são denominadas os geôme tras que são muito curiosos neste ponto o experienciam suficientemente Proclo o assinala de vez em quando ao observar que certos geômetras antigos poste riores a Euclides encontraram uma demonstração mais direta como se crê do que a sua Todavia o silêncio deste antigo comentador mostra bem que nem sempre se fez isto 3 FILALETO Havereis de reconhecer pelo menos que se pode formar um milhão de proposições com facilidade mas também de muito pouca utilidade com efeito não é porventura frívolo notar por exemplo que a ostra é a óstra e que é falso negálo ou então dizer que a ostra não é a ostra Com respeito a isso o nosso autor afirma que uma pessoa que fizesse desta ostra ora o sujeito ora o atributo ou o praedicatum seria exatamente como um símio que se divertisse em jogar uma ostra de uma mão à outra o que poderia satisfazer tão bem à fome do símio quanto essas proposições são capazes de satisfazer ao entendimento humano OVOS ENSAIOS 303 TEÓFILO Creio que este autor dotado de espírito e de capacidade de julga mento tem toda a razão do mundo para falar contra aqueles que fizessem tal uso das idênticas Entretanto vós bem vedes como se deve utilizar as idênticas para tornálas úteis é mostrando à força de conseqüências e definições que outras ver dades que se quer estabelecer se reduzem a elas 4 f i l a l e t o Reconheçoo e bem vejo que se pode aplicálo com maior razão às proposições que parecem frívolas e o são em muitas ocasiões onde uma parte da idéia complexa é afirmada do objeto destas idéias como ao dizer o chumbo é um metal no espírito de um homem que conhece o significado destes termos e sabe que o chumbo designa um corpo muito pesado fusível e maleável existe só isto que ao dizermos metal lhe designamos de uma só vez várias das idéias simples ao invés de contálas uma depois da outra 5 Acontece o mesmo quando uma parte da definição é afirmada do termo definido como ao dizer todo ouro é fusível supondo que tenhamos definido o ouro que é um corpo ama relo pesado fusível e maleável Idem dizer que o triângulo tem três lados que o homem é um animal que um palafrém palefroi antiga palavra francesa é um animal que relincha o que serve para definir as palavras e não para aprender algo mais além da definição Entretanto aprendemos algo ao dizermos que o homem tem uma noção de Deus e que o ópio afunda o homem no sono TEÓFILO Além do que afirmei das idênticas que o são inteiramente verseá que estas idênticas pela metade também têm uma utilidade particular Por exem plo um homem sábio é sempre um homem isto nos diz que o homem não é infa lível que é mortal etc Alguém tem necessidade em caso de perigo de uma bala para a pistola e falta o chumbo para ser fundido na forma necessária Um amigo lhe diz lembraivos de que a prata que tendes no bolso é fusível este amigo não lhe ensinará uma qualidade da prata mas o fará pensar num emprego que pode fazer dela para ter balas de pistola nesta urgente necessidade Uma boa parte das verdades morais e das mais belas sentenças dos autores é deste tipo muitas vezes elas não dizem nada de novo mas nos fazem pensar corretamente naquilo que sabemos Este jambo senário da tragédia latina Cuivispotest accidere quod cuiquamp o test5 7 Que se poderia exprimir desta forma embora não tão belamente O que pode acontecer a um pode ocorrer a qualquer um apenas nos faz recordar a condição humana quod nihil humani á nobis alienum putare debemus 58 Esta regra dos jurisconsultos qui iure suo utitur nemini facit iniuriam aquele que usa do seu direito não faz injustiça a ninguém parece frívola Entretanto tem um emprego muito bom em certas ocasiões e faz pensar corretamente no que é neces sário Como se alguém fizesse levantar a sua casa tanto quanto épermitido pelos 57 Versos de Publílio Siro autor latino do século I aC citados várias vezes por Sêneca Consolação à Márcia IX 5 Sobre a Tranqüilidade da Alma XI 8 58 Citação livre de Terêncio Heautontimoroumenos 77 Não devemos considerar como a nós estranho nada do que seja humano 304 LEIBNIZ estatutos e pelas usanças e assim tirasse alguma vista a um vizinho recor daríamos logo ao vizinho esta regra se ele se queixasse Aliás as proposições de fato ou as experiências como a que afirma que o ópio é um narcótico nos levam mais longe que ãs verdades da pura razão as quais nunca podem conduzir além do que se encontra nas nossas idéias distintas No que concerne a esta proposição què todo homem tem uma noção de Deus ela deriva da razão quando noção se toma no sentido de idéia Com efeito a meu entender a idéia de Deus é inata em todos os homens todavia se esta noção significa uma idéia na qual se pensa atualmente é uma proposição de fato que depende da história do gênero humano 7 Enfim dizer que um triângulo tem três lados isto não é tão idêntico quanto parece pois se requer um pouco de atenção para mostrar que um polí gono deve ter tantos ângulos quantos lados assim haveria um fado a mais se o polígono não se supusesse fechado 9 FILALETO Parece que as proposições gerais que formamos sobre as substân cias são na maioria frívolas se forem certas E quem sabe as significações das palavras substância homem animal forma alma vegetativa sensitiva racional formará varias proposições indubitáveis porém inúteis particularmente sobre a alma da qual muitas vezes se fala sem saber o que ela é realmente Cada qual pode ver uma infinidade de proposições de raciocínios e de conclusões desta natureza nos livros de metafísica de teologia escolástica e de uma certa espécie de física cuja leitura não lhe ensinará nada de novo sobre Deus sobre os espíri tos e os corpos além do que já sabia antes de percorrer tais livros TEÓFILO É verdade que os resumos de metafísica e tais outros livros desta espécie que se vêem em geral só ensinam palavras Dizer por exemplo que a metafísica é a ciência do ser em geral a qual explica os seus princípios e as conse qüências que deles emanam que os princípios do ser sao a essência e a existên cia e que as afecções são ou primitivas isto é o uno o verdadeiro o bom ou derivativas isto é o mesmo e o diverso o simples e o composto etc e ao falar de cada um desses termos dar apenas noções vagas e distinções de palavras sig nifica certamente abusar do termo ciência Todavia é preciso fazer esta justiça aos Escolásticos mais profundos como Suárez 59 pelo qual Grotius tinha tanta consideração de reconhecer que por vezes existem entre eles discussões consideráveis como sobre o contínuo sobre o infinito sobre a contingência sobre a realidade dos abstratos sobre o princípio da individuação sobre a origem e o vácuo das formas sobre a alma e as suas faculdades sobre o concurso de Deus com as criaturas etc e mesmo na moral sobre a natureza da vontade e sobre os princípios da justiça numa palavra cumpre reconhecer que existe ainda ouro entre essas escórias porém só pessoas esclarecidas o aproveitam Por outra parte carregar a cabeça das pessoas jovens com uma quantidade de coisas inú 39 Francisco Suárez 15481617 afamado filósofo escolástico espanhol autor dentre outros de Disputa tiones Metaphysicae 1597 Grotius 15831645 célebre jurista e historiador holandês um dos fundado res da escola do direito natural teis pelo fato de haveraigo de bom aqui e acolá seria malbaratar a coisa mais preciosa que é or tempo De resto não estamos completamente desprovidos de proposições geraisáobre as substâncias que sejam certas e mereçam ser conheci das existem gjjándes e belas verdades sobre Deus e sobre a alma que o nosso intehgenteMtor ensinoirpõr si mesmo ou na esteira de outros Nós também tal vez tentámos acrescentado algo E quantoaos conhecimentos gerais no tocante aosdqrpos acrescentamse conhecimentos bastante consideráveis àqueles que Aristóteles nos legou e devese dizer que a física mesmo a geral se tornou bem mais real do que era antes Quanto à metafísica real quase começamos a estabe lecêla e encontramos verdades importantes fundadas na razão e confirmadas pela experiência que pertencem às substâncias em geral Espero também ter eu feito progredir em algo o conhecimento geral da alma e dos espíritos Uma tal metafísica é o que pedia Aristóteles é a ciência que ele denomina Zetouméne a Desejada 6 0 ou que ele procurava a qual deve ser em relação às outras ciências teoréticas aquilo que a ciência da felicidade é em relação às artes de que tem necessidade e aquilo que o arquiteto é com relação aos operários Eis por que Aristóteles afirmava que as outras ciências dependem cfa metafísica como da ciência mais geral e deveriam haurir dela os princípios demonstrados nela Cum pre também saber que a verdadeira moral é para a metafísica aquilo que a prática é com relação à teoria visto que da doutrina das substâncias em geral depende o conhecimento dos espíritos particularmente de Deus e da alma que dá uma justa dimensão à justiça e à virtude Com efeito como notei alhures se não houvesse nem Providência nem vida futura o sábio seria mais limitado nas práticas da vir tude pois reduziria tudo ao seu contentamento presente e mesmo este contenta mento que aparece já em Sócrates no Imperador Marco Antonino em Epicteto e outros antigos não estaria tão solidamente fundado sem estas belas e grandes vistas que a ordem e a harmonia do universo nos abrem até um futuro sém limi tes de outra forma a tranqüilidade da alma será apenas aquilo que se denomina paciência à força de sorte que se pode afirmar que a teologia natural englobando duas partes a teorética e a prática contém no mesmo tempo a metafísica real e a moral mais perfeita 12 FILALETO Eis aqui sem dúvida conhecimentos que estão bem longe de serem frívolos ou puramente Verbais Parece porém que estes últimos são aque les em que dois abstratos são afirmados um do outro por exemplo que a pou pança é frugalidade que a gratidão é justiça e por mais especiosas que pareçam essas proposições e outras à primeira vista todavia se analisarmos em profundi dade veremos que tudo isso não acarreta consigo nada além da significação dos termos TEÓFILO Entretanto as significações dos termos isto é as definições juntas aos axiomas idênticos exprimem os princípios de todas as demonstrações e uma 60 Metafísica I 2 982 a 4b 10 e VI 1 1028 b 27 Mais abaixo o Imperador Marco Antonino é Marco Aurélio autor das célebres Meditações X BNIX 306 Vez que essas definições podem revelar ao mesmo tébipoasdéias e a sua possibi lidade é óbvio que aquilo que delas depende nem semphsé puramente verbal No que concerne ao exemplo que a gratidão é justiça ou melnr uma parte da justi ça ele não se deve menosprezar poiç ele mostra que aquilogue se denomina actio ingrati ou a queixa que se pode fazer contra os mgr atos defcma ser menos negligenciada nos tribunais Os romanos recebiam esta açloontrasJibertos e ainda hoje ela deve ter lugar no que concerne à revogação de presenteSÍiás jã observei alhures que mesmo idéias abstratas podem ser atribuídas uma à oufr gênero à espécie como ao dizermos A duração é uma continuidade a virtude um hábito mas a justiça universal é não somente uma virtude mas a virtude moral inteira NOVOS ENSAIOS 307 C a p it u l o IX O conhecimento que temos da nossa existência í FiLALETO Até agora só consideramos as essências das coisas e uma vez que o nosso espírito só as conhece por abstração desvinculandoas de toda exis tência particular outra que aquela que está no nosso entendimento elas não nos dão absolutamente conhecimento de nenhuma existência real As proposições universais das quais podemos ter um conhecimento certo não se referem à exis tência De resto toda vez que se atribui alguma coisa a um indivíduo de um gêne ro ou de uma espécie por uma proposição que não seria certa se o mesmo fosse atribuído ao gênero ou à espécie em geral a proposição pertence apenas à exis tência e não dá a conhecer senão uma ligação acidental nestas coisas existentes em particular como quando dizemos que tal homem é douto TEÓFILO Muito bem É neste sentido que também os filósofos distinguindo tantas Vezes o que é da essência e o que é da existência referem à existência tudo o que é acidental ou contingente Muitas vezes não se sabe sequer se as proposi ções universais que só conhecemos por experiência não sao talvez acidentais também visto que a nossa experiência é limitada como no países ém que a água não é gelada esta proposição que a água está sempre em estado fluido não é essencial e conhecemos isto indo a países mais frios Todavia podese conside rar o acidental de uma forma mais rígida de maneira que exista como um meio termo entre ele e o essencial este meiotermo é o natural isto é o que não per tence necessariamente à coisa porém lhe convém de per si salvo algum impedimento Assim alguém poderia manter que na verdade não é essencial à água mas qué pelo menos lhe é natural ser fluida Podeçseia sustentálo digo porém não é uma coisa demonstrada e talvez os habitantes da lua se os houvesse teriam motivo de pensar com não menos razão que é natural à água ser gelada Entretanto existem outros casos em que o natural é menos duvidoso por exemplo um raio de luz se desloca sempre em linha reta no mesmo meio a menos que acidentalmente se encontre com alguma superfície que o reflita Aliás Aristóteles costuma referir à matéria a fonte das coisas acidentais todavia neste caso se deve entender a matéria segunda isto é a massa dos corpos 2 FILALETO Já observei seguindo o excelente autor inglês que escreveu o Ensaio sobre o Entendimento que conhecemos a nossa existência por intuição a de Deus por demonstração e a dos outros por sensação 3 Ora esta intuição 308 LEIBNIZ que nos faz conhecer a nós mesmos a nossa existência faz com que a conheça mos com plena evidência que não é capaz de ser demonstrada e não tem necessi dade disto de tal maneira que mesmo que eu resolva duvidar de tudo não me é permitido duvidar de minha existência Enfim temos dela o mais alto grau de cer teza que se possa conceber TEÓFILO Concordo inteiramente com tudo isso Acrescento que a apercepção imediata da nossa existência e dos nossos pensamentos nos fornece as primeiras verdades a posteriori ou de fato isto é as primeiras experiências como as propo sições idênticas contêm as primeiras verdades a priori ou de razão isto é as pri meiras luzes Umas e outras são incapazes de ser demonstradas e podem ser denominadas imediatas aquelas porque existe imediação entre o entendimento e o seu objeto estas porque existe imediação entre o sujeito e o predicado NOVOS ENSAIOS 309 C a p it u l o X O conhecimento que temos da existência de Deus í FILALETO Deus tendo dado à nossa alma asfaculdades de que está ornada não deixou de imprimir nela o seu testemunho pois os sentidos a inteligência e a razão nos fornecem provas manifestas da sua existência TEÓFILO Deus não só deu à alma faculdades próprias para conhecêlo senão que também lhe imprimiu caracteres que o assinalam embora a alma careça das faculdades para darse conta desses caracteres Todavia não quero repetir o que foi discutido entre nós sobre as idéias e as verdades inatas entre as quais coloco a idéia de Deus e a verdade da sua existência Vamos antes ao fato como tal FILALETO Ora se bem que a existência de Deus seja a verdade mais fácil de ser demonstrada pela razão e embora a sua evidência iguale se não me equivoco à das demonstrações matemáticas ela requer atenção Basta refletir sobre nós mesmos e sobre a nossa própria existência indubitável 2 Assim suponho que cada qual conhece que ele ê algo que existe atualmente e que assim existe um ser real Se existe alguém que possa duvidar da sua própria existência declaro que não é a ele que falo 3 Sabemos também por um conhecimento de simples vista que o puro nada não pode produzir um ser real Daqui segue com evidên cia matemática que algo existiu desde toda a eternidade visto que tudo aquilo que tem um início deve ter sido produzido por alguma outra coisa 4 Ora todo ser que tem a sua existência de um outro tem também dele tudo o que possui e todas as suas faculdades Por conseguinte a fonte eterna de todos os seres é tam bém o princípio de todas as suas potências de sorte que este ser eterno deve ser também todopoderoso 5 Além disso o homem encontra em si mesmo conhe cimento Logo existe um ser inteligente Ora é impossível que uma coisa absolu tamente destituída de conhecimento e de percepção produza um ser inteligente e é contrário à idéia da matéria privada de sentimento produzirse a si mesma Conseqüentemente a fonte das coisas é inteligente e houve um ser inteligente desde toda a eternidade 6 Um ser eterno muito poderoso e muito inteligente é o que se denomina DEUS Se houvesse alguém suficientemente irracional para supor que o homem é o único ser dotado de conhecimento e de sabedoria e que teria sido formado por puro acaso e que é este mesmo princípio cego e destituído de conhecimento que conduz todo o resto fdo universo eu o advertiria a examinar a censura inteiramente sólida e cheia de ênfase de Cícero De Legibus livro II 310 LEIBNIZ Certamente diz ele ninguém deveria ser tão totalmente orgulhoso para ima ginar que existe dentro dele um entendimento e a razão e que sem embargo não existe nenhuma inteligência que governe os céus e todo este vasto universo Do que acabo de dizer segue claramente que possuímos um conhecimento mais certo de Deus do que de qualquer outra coisa que exista fpra de nós TEÓFILO Assegurovos com inteira sinceridade que estou extremamente irri tado por verme obrigado a dizer algo contra esta demonstração entretanto fa çoo somente para darvos ocasião de preencher o vazio que permaneceu na demonstração É sobretudo na passagem em que concluís 3 que algo existiu desde toda a eternidade Encontro ambigüidade nisto Se isto significa que jamais houve um tempo em que nada existia estou de acordo e isto segue verdadeira mente das proposições anteriores por uma conseqüência inteiramente matemá tica Pois se jamais tivesse havido nada sempre teria existido nada uma vez que o nada nunca pode produzir um ser logo nós mesmos não seríamos o que é con trário à primeira verdade de experiência Entretanto a seqüência nos mostra logo que ao dizermos que algo existiu desde toda a eternidade entendeis uma coisa eterna Todavia não segue em virtude do que afirmastes até agora que se sem pre existiu alguma coisa sempre existiu uma certa coisa isto é que existe um ser eterno Pois alguns adversários dirão que eu fui produzido por outras coisas e essas coisas foram produzidas por outras Além disso se alguns admitem seres eternos como os epicureus admitem os seus átomos não acreditam por isso serem obrigados à reconhecer um ser eterno que seja a única fonte de todos os outros Pois mesmo que reconhecessem que aquilo que dá a existência dá tam bém as outras qualidades e potências da coisa negarão que uma só coisa dê a existência às outras e dirão até que para cada coisa muitas outras devem concor rer Assim sendo não chegaremos só por este método a uma fonte de todas as potências Entretanto é muito razoável julgar que há uma tal fonte e até que o universo é governado com sabedoria Quando porém se considera a matéria suscetível de sentimento poderseá estar disposto a crer que não é possível que ela o possa produzir Pelo menos será difícil trazer uma prova que não mostre ao mesmo tempo que ela é de todo incapaz disto e supondo que o nosso pensa mento provém de um ser pensante podese porventura considerar como concedi do sem prejuízo da demonstração que deve ser Deus 7 FILALETO Não duvido que o inteligente autor do qual tomei esta demons tração seja capaz de aperfeiçoála procurei conduzilo visto que não se poderia prestar maior serviço ao público Vós mesmo o desejais Isto me leva a crer que vós nãõ acreditais que para fechar a boca dos ateus devamos fazer girar tudo em torno da idéia de Deus em nós como fazem alguns que atribuem demasiada importância a estadescoberta favorita até ao ponto de rejeitar todas as outras demonstrações da existência de Deus ou pelo menos procuram enfraquecêlas e proibir de usálas como se fossem fracas ou falsas embora no fundo sejam pro vas que nos mostram tão claramente e de forma convincente a existência deste soberano ser pela consideração da nossa própria existência e das partes sensíveis do universo que não penso que um homem sábio deva resistir NOVOS ENSAIOS 311 TEÓFILO Embora eu seja pelas idéias inatas e particularmente pela idéia inata da existência de Deus não acredito que as demonstrações dos Cartesianos hauri das da idéia de Deus sejam perfeitas Demonstrei amplamente alhures nas atas de Leipzig é nas Memórias de Trévoux que a prova que o Sr Descartes tirou de Anselmo arcebispo de Cantuária é muito bela e muito engenhosa na verdade mas que também nela existe uma lacuna a preencher 61 Este célebre arcebispo que indiscutivelmente foi um dos homens mais capazes do seu tempo afirma não sem razão haver encontrado um meio de provar a existência de Deus apriori pela sua própria noção sem recorrer aos seus efeitos Aqui está em resu mo a força do seu argumento Deus é o maior ou como diz Descartes o mais perfeito dos seres ou então é um ser de uma grandeza e de uma perfeição suprema que envolve todos os graus Esta é a noção de Deus Eis como a exis tência se conclui desta noção Existir é algo mais do que nãoexistir ou seja a existência acrescenta um grau à grandeza ou à perfeição e como afirma o Sr Descartes a própria existência constitui uma perfeição Logo este grau de gran deza e de perfeição que consiste na existência está neste ser Supremo todo gran de todo perfeito pois de outra forma lhe faltaria algum grau contrariamente à sua definição Por conseguinte este ser supremo existe Os Escolásticos sem excetuar sequer o seu Doutor Angélico 62 menosprezaram este argumento consi derandoo como um paralogismo Nisto se equivocaram gravemente e Descartes que tinha estudado por muito tempo a filosofia escolástica no colégio dos jesuítas de La Flèche teve muita razão em revalorizar este argumento Não é um paralo gismo mas uma demonstração perfeita que supõe algo que era ainda necessário provar para darlhe uma evidência matemática é que se supõe tacitamente que esta idéia do ser todo grande ou todo perfeito é possível e não implica nenhuma contradição Já é alguma coisa que por esta observação se demonstra que supondo que Deus seja possível ele existe o que constitui privilégio absoluto da divindade Temse o direito de presumir a possibilidade de qualquer ser e sobre tudo a de Deus até que alguém demonstre o contrário Assim sendo este argu mento metafísico já fornece uma conclusão moral demonstrativa segundo a qual conforme o estado atual dos nossos conhecimentos cumpre pensar que Deus existe e agir de acordo Entretanto seria de desejar que pessoas inteligentes concluíssem a demonstração no rigor de uma evidência matemática e acredito haver dito algo alhures que poderá servir para este objetivo O outro argumento do Sr Descartes que tenta provar a existência de Deus pelo fato de que a sua idéia se encontra na nossa alma e de que ela deve ter provindo do original é ainda menos concludente Pois em primeiro lugar o argumento tem este defeito comum com o precedente supõe que existe em nós uma tal idéia isto é que Deus é possível Pois o que alega o Sr Descartes isto é que ao falar de Deus sabemos 61 A crítica da prova ontológica está exposta nas Meditações sobre ó Conhecimento a Verdade e as Idéias Ata Eruditorum novembro de 1 684 e em uma Carta sobre a Demonstração Cartesiana da Existência de Deus Memórias de Trévoux setembro de 1701 62 Alcunha tradicional de Santo Tomás de Aquino 312 LEIBNIZ o que dizemos e por corfseguinte temos idéia dele constitui um indício enganoso visto que ao falar do movimento perpétuo mecânico por exemplo sabemos o que dizemos e todavia este movimento constitui uma coisa impossível da qual por conseguinte só podemos ter idéia na aparência Em segundo lugar este mesmo argumento não prova suficientemente que a idéia de Deus se a tivermos deve provir do original Todavia não quero fixarme nisto agora Dirmeeis que reco nhecendo em nós a idéia inata de Deus não devo dizer que se pode duvidar se existe uma tal idéia Eu só permito esta dúvida em relação a uma demonstração rigorosa fundada exclusivamente na idéia Pois temos certeza da idéia da exis tência de Deus por outros caminhos Recordarvosei que vos mostrei como as idéias se encontram em nós não sempre de tal forma que delas nos damos conta mas sempre de tal maneira que podemos haurilas do nosso próprio ser e torná las perceptíveis É também o que acredito da idéia de Deus cuja possibilidade e cuja existência considero demonstradas de várias maneiras A própria harmonia preestabelecida constitui um novo caminho incontestável para demonstrálo Aliás creio que quase todos os meios que se têm empregado para provar a exis tência de Deus são bons e poderiam servir se fossem aperfeiçoados de forma al guma acredito que se deva desprezar o argumento tirado da ordem das coisas 9 FILALETO Talvez venha a propósito insistir um pouco sobre esta questão se um ser pensante pode provir de um ser nãopensante e destituído totalmente de razão è conhecimento tal como podèria ser a matéria 10 É até bastante evi dente que uma parte da matéria é incapaz de produzir qualquer coisa por si mesma e de dar a si mesma movimento por conseguinte é necessário ou que o seu movimento seja eterno ou que ele lhe seja dado por um ser mais poderoso Se este movimento fosse eterno seria sempre incapaz de produzir conhecimento Po deis dividila em tantas pequenas partes quantas quiserdes como para espirituali zála dailhe todas as formas e todos os movimentos que quiserdes fazei dela um globo um cubo um prisma um cilindro etc cujo diâmetro não ultrapasse a milionésima parte de um gry que corresponde a um décimo de uma linha que é um décimo de uma polegada a qual é um décimo de um pé filosófico o qual é üm terço de um pêndulo do qual cada vibração na latitude de 45 graus é igual a um segundo de tempo esta partícula de matéria por menor que sejanão agirá de outra forma sobre outros corpos de uma espessura que lhe seja proporcional que os corpos que têm uma polegada ou um pé de diâmetro agem entre si E podemos esperar com tanta razão produzir sentimento pensamentos e conhecimento jun tando grandes partes de matéria de certa forma e de certo movimento quanto mediante as menores partes de matéria que existam no mundo Estas últimas se chocam se empurram e resistem umas às outras justamente como as grandes sendo isto o que podem fazer Entretanto se a matéria pudesse haurir de si mesma o sentimento a percepção e o conhecimento imediatamente e sem máqui na ou sem o auxílio das figuras e dos movimentos neste caso deveria ser uma propriedade inseparável da matéria e de todas as suas partes A isso se poderia acrescentar que ainda que a idéia geral e específica que temos da matéria nos NOVOS ENSAIOS 313 leve a falar dela como se fosse uma coisa única em número sem embargo toda a matéria não é propriamente uma coisa individual que existe como um ser mate rial ou um corpo singular que conhecemos ou que podemos conceber Desse modo se a matéria fosse o primeiro ser eterno pensante não existiria um ser único eterno infinito e pensante mas um número infinito de seres eternos infini tos pensantes que seriam independentes uns dos outros e cujas forças seriam limitadas e os pensamentos diferentes e que por conseguinte jamais poderiam produzir esta ordem esta harmonia e esta beleza que apreciamos na natureza Donde se infere necessariamente que este primeiro ser eterno não pode ser a matéria Espero que estareis mais satisfeito com este raciocínio tirado do célebre autor da demonstração precedente mais do que aconteceu com a sua demonstra ção ao que parece TEÓFILO Considero este raciocínio o mais sólido do mundo e não apenas exato mas também profundo e digno do seu autor Partilho inteiramente o seu ponto de vista que não existem combinação e modificação das partes da matéria por menores que sejam que possam produzir a percepção tanto mais que as par tes maiores tampouco poderiam produzila como se reconhece manifesta mente e que tudo é proporcional nas pequenas partes àquilo que pode aconte cer nas grandes Uma outra observação importante sobre a matéria é aquela que o autor faz isto é que não se deve tomála como uma coisa única em número ou como costumo falar como uma verdadeira e perfeita mônada ou unidade visto não ser ela mais do que um acúmulo de um número infinito de seres Basta ria um passo para que o excelente autor chegasse ao meu sistema Pois com efei to reconheço percepção a todos esses seres infinitos dos quais cada um deles é como um animal dotado de alma ou de algum princípio ativo analógico que perfaz a sua verdadeira unidade juntamente com aquilo que é necessário a este ser para ser passivo e dotado de um corpo orgânico Ora esses seres receberam a sua natureza tanto ativa como passiva isto é o que possuem de imaterial e de material de uma causa geral e suprema pois de outra forma como nota muito bem o autor sendo independentes uns dos outros jamais poderiam produ zir esta ordem esta harmonia esta beleza que apreciamos na natureza Entre tanto este argumento que parece apresentar apenas uma certeza moral é levado a uma necessidade inteiramente metafísica pela nova espécie de harmonia que introduzi a qual é a harmonia preestabelecida Com efeito uma vez que cada uma dessas almas exprime da sua maneira o que acontece fora e não pode ter nenhuma influência dos outros seres particulares ou melhor devendo haurir essa expressão do próprio fundo da sua natureza é necessário que cada uma tenha recebido esta natureza ou esta razão interna das expressões do que está fora de uma causa universal da qual dependem todos esses seres e a qual faz com que um seja perfeitamente concordante com o outro ora isto não pode acontecer sem um conhecimento e poder infinitos e por um artífice grande em relação sobretudo ao consentimento espontâneo da máquina com as ações da alma racio nal que um ilustre autor que formulou objeções no seu maravilhoso Dicioná 314 LEIBNIZ rio 63 quase duvidou se não ultrapassava toda a sabedoria possível dizendo que a de Deus não lhe parecia demasiado grande para um tal efeito e reconheceu ao menos que jamais se deu um destaque tão grande às fracas concepções que pode mos ter da perfeição divina 12 FiLALETO Como me alegro em constatar este vosso acordo com as idéias do meu autor Espero que não vos irriteis se vos trouxer ainda o resto do seu raciocínio sobre este ponto Primeiramente examina ele se o ser pensante do qual dependem todos os outros seres inteligentes e com maior razão todos os demais seres é matéria ou não 13 Ele objeta que um ser pensante poderia ser material Responde porém que se isso acontecesse basta que seja um ser eterno que possua uma ciência e um poder infinito Além disso se o pensamento e a matéria podem ser separados a existência eterna da matéria não será uma conseqüência da existência eterna de um ser pensante 14 Perguntarseá tam bém àqueles que concebem Deus como material se crêem que cada parte da matéria pensa Neste caso seguirá que haveria tantos deuses quantas são as partí cuias da matéria Se porém cada parte da matéria não pensa temos outra vez um ser pensante composto de partes nãopensantes o que já ficou refutado 15 Se só algum átomo de matéria pensa e as òutras partes embora igualmente eter nas não pensam equivale isto a afirmar gratuitamente que uma parte da matéria está infinitamente acima da outra e produz os seres pensantes nãoeternos 16 Se dissermos que o ser pensante eterno e material constitui um certo acúmulo particular de matéria cujas partes não seriam pensantes recairemos naquilo que já foi refutado visto que as partes de matéria podem estar juntas porém mesmo assim não podem ter daí mais do que uma relação local que é incapaz de comunicarlhes o conhecimento 17 Não importa seeste acúmulo está em repouso ou em movimento Se estiver em repouso não passa de uma massa sem ação a qual não tem privilégio sobre um átomo se estiver em movimento este movimento que o distingue de outras partes pelo fato de dever produzir o pensa mento todos os seus pensamentos serão acidentais e limitados sendo que cada parte separada está sem pensamentos e nada terá que regule os seus movimentos Assim não haverá nern liberdade nem escolha nem sabedoria tampouco como isto não existe na simples matéria bruta 18 Alguns acreditarão que a matéria é pelo menos coeterna com Deus Entretanto não dizem por quê a produção de um ser pensante que eles admitem é muito mais difícil que a produção da maté ria que é menos perfeita E talvez diz o autor se quiséssemos distanciar nos um pouco das idéias comuns dar asas ao nosso espírito e entrar no exame mais profundo que possamos fazer da natureza das coisas poderíamos chegar a conceber embora de uma forma imperfeita como a matéria pode ter sido feita e como começou a existir em virtude do poder deste primeiro ser eterno Verseia porém ao mesmo tempo que dar o ser a um espírito é um efeito deste poder eter no e infinito muito mais difícil de compreender Contudo já que isto talvez me distanciasse demais acrescenta ele das noções sobre as quais está hoje fun 63 BayJe Dicionário Histórico e Crítico artigo Rorarius NOVOS ENSAIOS 315 dada a filosofia no mundo não teria escusas se me afastasse tanto ou se procu rasse tanto quanto a gramáticá o poderia permitir se no fundo a opinião comu mente aceita é contrária a este ponto de vista particular faria mal digo eu em entrar em tal discussão sobretudo nesta parte da terra onde a doutrina comu mente aceita é bastante boa para o meu intuito já que ela assenta como uma coisa indiscutível que se admitirmos uma vez a criação ou o começo de qualquer substância que seja tirada do nada podemos supor com a mesma facilidade a criação de todas as outras substâncias excetuado o próprio Criador TEÓFILO Proporcionastesme um verdadeiro prazer ao relatarme algo de um pensamento profundo do vosso inteligente autor que a sua prudência excessiva mente escrupulosa impediu de transmitir inteiro Seria muito lastimável se o autor suprimisse o seu pensamento e nos deixasse neste ponto após ternos feito vir água à boca Assegurovos que a meu entender existe algo de belo e de impor tante escondido sob esta forma de enigma A SUBSTÂNCIA em letras maiús culas poderia fazer suspeitar que ele concebe a produção da matéria como a dos acidentes que não se tem dificuldade em tirar do nada e distinguindo o seu pen samento singular da filosofia que no mundo ou nesta parte da terra está presen temente fundada não sei se ele não teve em vista os platônicos que consideravam a matéria como algo de fugitivo e passageiro à guisa dos acidentes e tinham uma idéia completamente diferente dos espíritos e das almas 19 FILÁLETO Enfim se alguns negam a criação em virtude da qual as coisas são feitas do nada pelo fato de não poderem concebêla o nosso autor escre vendo antes de ter conhecimento da vossa descoberta sobre a razão da união da alma e do corpo lhes objeta que eles não compreendem como os movimentos voluntários são produzidos nos corpos pela vontade da alma e não deixam de crer convencidos pela experiência ele replica com razão aos que respondem que a alma não podendo produzir um novo movimento produz apenas uma nova determinação dos espíritos animais ele lhes replica digo que uma coisa é tão inconcebível como a outra E nada pode ser melhor dito do que aquilo que ele acrescenta nesta ocasião isto é que pretender limitar o que Deus pode fazér àqui lo que nós podemos compreender equivale a atribuir uma extensão infinita à nossa compreensão ou então a fazer de Deus um ser finito TEÓFILO Èmbora agora a dificuldade sobre a união da alma e do corpo esteja a meu entender eliminada permanecem outras dificuldades Demonstrei a poste riori pela harmonia preestabelecida que todas as mônadas receberam a sua ori gem de Deus e dele dependem Todavia não somos capazes de compreender detalhadamente a maneira como isso acontece No fundo a conservação das mô nadas não é outra coisa senão uma criação contínua como reconheceram muito bem os Escolásticos ò I í LEIBNIZ C a p i t u l o XI O conhecimento que temos da existência das outras coisas í FILALETO Uma vez que só a existência de Deus tem uma conexão neces sária com a nossa as idéias que podemos ter de alguma coisa não provam a exis tência desta coisa mais do que o retrato de um homem demonstra a sua existência no mundo 2 Entretanto a certeza que tenho do branco e do pretò sobre este papel pela sensação é tão grande como a do movimento da minha mão que só é ultrapassada pelo conhecimento da nossa existência e da de Deus 3 Esta certe za merece o nome de conhecimento Pois não acredito que alguém possa ser seriamente tão cético a ponto de não ter certeza da existência das coisas que vê e sente No mínimo aquele que é capaz de levar as suas dúvidas tão longe nunca terá discussão comigo pois jamais poderá estar certo de que eu diga o que quer que seja contra a sua opinião As percepções das coisas sensíveis 4 são produ zidas por causas externas que afetam os nossos sentidos visto que não adquiri mos essas percepções sem os órgãos e se os órgãos fossem suficientes eles as produziriam sempre 5 Além disso acho por vezes que eu seria incapaz de impedir que elas sejam produzidas no meu espírito como por exemplo a luz quando tenho os olhos abertos num lugar em que a luz pode entrar ao passo que sou capaz de abandonar as idéias que se encontram na minha memória Por conseguinte é necessário que exista alguma causa externa destalmpressão viva a cuja eficácia não me posso sobrepor 6 Algumas dessas percepções são pro duzidas em nós com dor embora ao depois nos recordemos disso sem ressentir o menor incômodo Embora também as demonstrações matemáticas não dependam dos sentidos todavia o exame que delas fazemos pelas figuras muito serve para demonstrar a evidência da nossa vista e parece conferirlhe uma certeza que se aproxima da certeza da própria demonstração 7 Também os nossos sentidos por vezes dão testemunho um ao outro Aquele que vê o fogo pode sentilo se dele duvidar Ao escrever isto vejo que posso mudar as aparências do papel e dizer antecipadamente que nova idéia ele vai apresentar ao espírito mas quando esses caracteres estiverem traçados não posso mais evitar de vêlos tais quais são e além disso a vista desses caracteres fará um outro homem píonunci ar os mesmos sons 8 Se alguém pensar que tudo isso não passa de um longo sonho poderá sonhar se lhe aprouver que lhe dou esta resposta que a nossa certeza fundada sobre o testemunho dos sentidos é tão perfeita quanto a nossa natureza o permite e a nossa condição o exige Quem vai acender uma velá e sente o calor NOVOS ENSAIOS 317 da chama que lhe faz mal se não retirar o dedo não exigirá uma certeza maior para regular a sua ação e se este sonhador não o fizesse encontrarseia acorda do Por conseguinte uma tal certeza nos é suficiente pois é tão grande quanto a certeza do prazer e da dor duas coisas além das quais não temos interesse algum no conhecimento ou existência das coisas 9 Entretanto além da nossa sensa ção atual não existe conhecimento não passa de verossimilhança como quando acredito que existem homens no mundo nisto existe uma extrema probabilidade ainda que neste momento encontrandome sozinho em meu gabinete não veja pessoa alguma 10 Seria também uma loucura esperar uma demonstração sobre cada coisa e só agir segundo as verdades claras evidentes quando não são demonstráveis Uma pessoa que quisesse fazer tal uso não conseguiria ter certeza sobre nada a não ser sobre o fato de que haveria de morrer em tempo muito breve TEÓFILO Já observei nos nossos diálogos anteriores que a verdade das coisas sensíveis se justifica pela sua ligação a qual depende das verdades intelectuais fundadas na razão e das observações constantes nas próprias coisas sensíveis mesmo quando as razoes não apareçam E uma vez que essas razões e observa ções nos dão a possibilidade de julgar sobre o futuro em relação ao nosso inte resse e que o evento corresponde ao nosso julgamento razoável não podemos exi gir nem possuir unia certeza maior com respeito a esses objetos Podese também explicar os próprios sonhos e a sua pouca conexão com outros fenômenos Toda via creio que se poderia estender a apelação do conhecimento e da certeza além das sensações atuais visto que a clareza e a evidência vão tão além que considero como uma espécie da certeza seria inquestionavelmente uma loucura duvidar seriamente se existem homens no mundo quando não os vemos Duvidar seria mente é duvidar com respeito à prática e poderíamos considerar a certeza como um conhecimento da verdade com o qual não se pode duvidar em relação à práti ca sem risco de loucura por vezes considerase a certeza de maneira mais geral e se aplica aos casos em que não se pode duvidar sem merecer grave censura Entretanto a evidência seria uma certeza luminosa isto é onde não se duvida de vido à causa da conexão que se enxerga entre as idéias Segundo esta definição da certeza estamos certos de que Constantinopla está no mundo que Constantino Alexandre Magno e Júlio César viveram É verdade que algum camponês das Ardennes poderia razoavelmente duvidar disto por falta de informação um homem letrado porém não poderia fazêlo sem com isso mesmo denotar uma grande desordem de espírito li FILALETO Na verdade pela nossa memória somos certificados de muitas coisas que passaram porém não poderemos julgar bem se elas ainda subsistem Ontem vi água e um certo número de belas cores na superfície das garrafas 6 4 que se formaram sobre esta água Agora estou certo de que essas garrafas existiram tanto quanto esta água porém não conheço a existência presente da água com 6 4 Bolhas 318 LEIBNIZ certeza maior do que a existência das garrafas embora a primeira seja infinita mente mais provável pois observamos que á água ê durável e as garrafas desapa recem 12 Enfim fora de nós mesmos e de Deus só conhecemos outros espíri tos por revelação e deles só temos a certeza da fé TEÓFILO Já observamos que a nossa memória nos engana por vezes Fiamo nos ou não na nossa memória conforme ela for mais ou menos viva e mais ou menos ligadâ com as coisas que sabemos E mesmo que tenhamos certeza sòbre o principal muitas vezes podemos duvidar das circunstâncias Recordome de ter conhecido um certo homem pois sinto que a sua imagem não me é nova como também a sua voz este duplo indício me dá mais garantia que urfi deles tomado isoladamente e todavia não consigo lembrarme onde vi este homem Entretanto acontece ainda que raramente que vejamos uma pessoa em sonho antes de vêla em cárne e osso Alguém me assegurou que uma donzela de uma corte conhecida viu em sonho e pintou para as suas amigas aquele qüé mais tarde desposou beffl como a sala na qual se desenrolou o casamento o que fez antes de ter visto e conhecido tanto a pessoa como o local Atribuíam isto a não sei que pressenti mento secreto entretanto o acasó pode produzir este efeito visto ser bastante raro que isso aconteça além disso sendo que ãs imagens dos sonhos sãô um pouco obscuras temse mais liberdade de relacionálas posteriormente com algu mas outras 13 FiLALETO Concluamos que existem duas espécies de proposições umas particulares e sobre a existência como por exemplo que um elefante existe as outras gerais sobre a dependência das idéias como por exemplo que os homens devem obedecer a Deus 14 A maior parte dessas proposições gerais e certas levam o nome de verdades eternas e na realidade todas elas o sâo Não que sejam proposições formadas atualmente nalgum ponto de toda a eternidade ou que sejam gravadas no espírito segundo algum modelo que existiu sempre mas é por que estamos certos de que se uma criatura provida de faculdades e de meios para isso aplicar os seus pensamentos à consideração das suas idéias encontrará a verdade dessas proposições TEÓFILO A vossa divisão parececoincidir com a minha das proposições de fato e das proposições de razão Também as proposições de fato podem tornarse gerais de alguma forma porém isto acontece pela indução ou observação de maneira que é apenas uma multidão defatos semelhantes como quando se obser va que todo mercúrio se evapora pela força do fogo e não é uma generalidade perfeita porque não se vê a necessidade disso As proposições gerais de razão são necessárias embora a razão forneça também algumas que não são absolutamente gerais e são apenas prováveis como por exemplo quando presumimos que uma idéia é possível até que se descubra o contrário através de uma pesquisa mais exata Existem finalmente proposições mistas as quais são tiradas de premissas das quais algumas provêm dos fatos e das observações e outras são proposições necessárias tais são uma série de conclusões geográficas e astronômicas sobre o globo da terra e sobre o curso dos astros que nascem pela combinação das obser vações dos viajantes e dos astrônomos com os teoremas de geometria e de aritmé tica Todavia como segundó o uso dos mestres da lógica a conclusão segue a pre missa mais fraca e não pode fornecer mais certeza do que as premissas essas proposições mistas não podem apresentar mais do que a certeza e a generalidade que pertencem às observações No que concerne às verdades eternas cumpre observar que rio fundo elas são todas condicionais e dizem com efeito supondo se tal coisa acontece esta outra coisa Por exemplo dizendo Toda figura que tivèr três lados terá também três ângulos não digo outra coisa senão que supon do que exista uma figura de três lados esta mesma figura terá três ângulos Digo esta mesma e é nisso que as proposições categóricasque podem ser enunciadas sem condição embora no fundo sejam condicionais diferem daquelas que deno minamos hipotéticas como seria esta proposição Se uma figura tem três lados seus ângulos são iguais a dois retos onde se vê que a proposição antecedente isto é a figura de três ladòs e conseqüente a saber os ângulos da figura de três lados são iguais a dois retos não têm o mesmo sujeito como tinha no caso prece dente onde o antecedente era Esta figura é de três lados e o conseqüente A mencionada figurá é de três ângulos Embora ainda a hipotéticamuitas vezes possa ser transformada em categórica porém mudando um pouco os termos como se ao invés da hipotética precedente eu dissesse Os ângulos de qualquerfi gúrade três lados são iguais a dois retos Os Escolásticos discutiram muito de constantia subiecti como diziam isto é como a proposição feita sobre um sujeito pode ter uma verdade real se este sujeito não existe É que a verdade é apenas condicional e diz que no casó de que ô sujeito exista ele será assim Todavia perguntarseá ainda em que está fundada esta conexão visto existir nela uma verdade que não engana A resposta será que ela está na ligação das idéias Entre tanto perguntarseá replicando onde estariam tais idéias se não existisse ne nhum espírito e qual seria neste caso o fundamento real desta certeza das verda des eternas Isto nos conduz finalmente ao último fundamento das verdades isto é a este Princípio supremo e universal que não pode deixar de existir cujo enten dimento ê a região das verdades eternas como Santo Agostinho o reconheceu e o exprime de maneira muito viva E a fim de que não se pense ser desnecessário recorrer a Ele cumpre considerar que essas verdades necessárias contêm a razão determinante e o princípio regulador das próprias existências e numa palavra as leis do universo Assim uma vez que essas verdades necessárias são anteriores às existências dos seres contingentes é necessário que elas estejam fundadas na exis tência de uma substância necessária É ali que encontro o original das idéias e das verdades que estão gravadas nas nossas almas não em forma de proposições mas como fontes das quais a aplicação e as ocasiões darão origem a enunciados atuais KOVOS ENSAIOS 319 320 LEIBNIZ C a p i t u l o XII Os meios para aumentar os nossos conhecimentos í FiLALETO Temos falado das espécies de conhecimento que temos Abor demos agora os meios para aumentar o conhecimento ou para encontrar a verda de É uma opinião aceita entre os sábios que as máximas constituem os funda mentos de todo conhecimento e que cada ciência em particular está fundada sobre certas coisas já conhecidas praecognita 2 Reconheço que a matemática parece favorecer este método pelo seu êxito e vós insististes muito nisto Entre tanto duvidase ainda se não foram as idéias que pela sua ligação serviram a isso bem mais do que três ou quatro máximas gerais que foram assentadas de iní cio Um rapaz conhece que o seu corpo é maior que o seu dedo mínimo não porém em virtude deste axioma isto é que o todo é maior do que a sua parte O conhecimento teve início com as proposições particulares entretanto posterior mente quisse desencarregar a memória mediante as noções gerais de um acú mulo incômodo de idéias particulares Se a linguagem fosse tão imperfeita que não houvesse os termos relativos todo e parte não se poderia porventura conhe cer que o corpo é maior do que o dedo Pelo menos quero apresentarvos as razões do meu aütor embora já possa prever o que a elas direis a julgar pelo que afirmastes até aqui TEÓFILO Não sei por que motivo tanto se atacam as máximas Se elas servem para desencarregar a memória de uma série de idéias particulares como se reco nhece elas devem ser muito úteis ainda que não tivessem outra utilidade Acres cento porém que não é dali que elas nascem pois não as encontramos pela indu ção dos exemplos Aquele que conhece que dez são mais do que nove que o corpo é maior do que o dedo e que a casa é grande demais para poder sair pela porta conhece cada uma dessas proposições particulares por uma mesma razão geral que está como que incorporada e iluminada assim como se vêem traços carregados de cores onde a proporção e a configuração consistem propriamente nos traços qualquer que seja a cor Ora esta razão comum é o próprio axioma que é conhecido por assim dizer implicitamente embora não o seja imediata mente de uma forma abstrata e separada Os exemplos tiram a sua verdade do axioma incorporado e o axioma não tem o seu fundamento nos exemplos E como esta razão comum dessas verdades particulares se encontra no espírito de todos os homens bem vedes que ela não tem necessidade que os termos todo e parte se encontrem na linguagem daquele que fala NOVOS ENSAIOS 321 4 FILÁLETO Entretanto não é perigoso autorizar as suposições sob pretexto de axiomas Um suporá com os antigos que tudo é matéria o outro com Polê mon 6 5 suporá que o mundo é Deus um terceiro afirmará que o sol é a principal divindade Julgai vós que religião teríamos se tudo isso fosse permitido Tanto é verdade que é perigoso aceitar princípios sem questionálos sobretudo se dizem respeito à moral Com efeito alguém esperará uma outra vida semelhante àquela de Aristipo 6 6 que fazia a felicidade consistir no prazer do corpo preferivelmente à de Antístenes 6 7 que defendia que a virtude é suficiente para tornar o homem feliz E Arquelau 68 que assentará o princípio de que o justo e o injusto o hones to e o desonesto são determinados exclusivamente pelas leis e não pela natureza terá sem dúvida outras medidas do bem e do mal moral diferentes das daqueles que reconhecem obrigações anteriores às constituições humanas 5 Por conse guinte é necessário que os princípios sejam certos 6 Entretanto esta certeza vem exclusivamente da comparação das idéias assim não temos necessidade de outros princípios e segundo esta única regra iremos mais longe do que subme tendo o nosso espírito à discrição de outros TÉÓF1LO Surpreendome que volteis cpntra as máximas isto é contra os prin cípios evidentes aquilo que se pode e se deve ler contra os princípios supostos gratuitamente Quando se exigem praecognita nas ciências ou conhecimentos anteriores que servem para fundamentar a ciência exigemse princípios conheci dos e não posições arbitrárias cuja verdade não é conhecida O próprio Aristó teles o entende assim que as ciências inferiores e subalternas tiram os seus princí pios de outras ciências superiores onde foram demonstrados excetuada a primeira das ciências que denominamos metafísica a qual segundo ele não tira nada das outras pelo contrário fornecelhes os princípios de que têm necessi dade quando Aristóteles diz dei pisteúein tòn mantánonta 69 O aprendiz deve crer em seu mestre o seu pensamento é que ele deve comportarse assim apenas provisoriamente quando ainda não está a par das ciências superiores por motivo de cautela Assim sendo estamos lonuo do aooitar princípios gratuitos A isto cumpre acrescentar que mesmo os princípios cuja certeza não é completa podem ter a sua utilidade se sobre eles construirmos apenas para efeito de demonstra ção Com efeito ainda que neste caso todas as conclusões sejam apenas condicio nais e valham somente na suposição de que este princípio seja verdadeiro não obstante esta ligação e esses enunciados condicionais estariam no mínimo demonstrados desta forma seria muito de desejar que tivéssemos muitos livros escritos desta maneira nos quais não haveria risco algum de erro uma vez que o 65 Polêmon 340273 aC sucessor j de Xenócrates na chefia da Academia platônica exerceu uma influência não desprezível sobre os inícios do estoicismo 6 6 Aristipo de Cirene nascido por volta de 435 aC discípulo de Sócrates fundador da escola hedonista denominada cirenaica 6 7 Antístenes outro discípulo de Sócrates adversário de Platão fundador da escola cínica 68 Arquelau filósofo jónico do século V aC discípulo de Anaxágoras tem sido considerado como o mes tre de Sócrates A doutrina convencionalista sobre o justo e o injusto lhe ê atribuída por Diógenes Laércio 11416 69 Dos Argumentos Sofísticos 2165 b 3 1 322 LEIBNIZ leitor ou discípulo estão advertidos desta condição Além disso não devemos regular a prática segundo essas conclusões a não ser na medida em que a suposi ção for verificada por outros meios Este método serve também muitas vezes para verificar as suposições ou hipóteses quando delas nascem muitas conclusões cuja verdade é conhecida de outras fontes e por vezes isto dá um perfeito retorno o qual é suficiente para demonstrar a verdade da hipótese O Sr Conring 7 0 mé dico de profissão porérçi inteligente em toda espécie de erudição excetuada talvez a matemática tinha escrito uma carta a um amigo ocupado com a tarefa de fazer reimprimir em Helmstaedt o livró de Viotti apreciado filósofo peripatético que procura explicar a demonstração e os Analíticos Posteriores de Aristóteles Essa carta foi acrescentada ao livro sendo que o Sr Conring repetia Pappus ao dizer que a análise propõe encontrar o desconhecido supondoo e chegando dali por conseqüência ao conhecimento de verdades conhecidas isto é contra a lógica dizia ele que ensina que partindo de falsidades não é possível chegar a verda des Entretanto mostreilhe posteriormente que a análise se serve das definições e outras proposições recíprocas que nos possibilitam fazer O retorno e encontrar demonstrações sintéticas E mesmo quando este retorno não é demonstrativo como na física não deixa de apresentar por vezes uma grande probabilidade quando a hipótese explica facilmente muitos fenômenos difíceis sem isso e muito independentes uns dos outros Na verdade defendo que q princípio dos princípios consiste de certa forma em fazer bom uso das idéias e das experiências todavia ao aprofundar verseá que no que tange às idéias o que importa é ligar as defi nições através dos axiomas idênticos Todavia não é sempre coisa fácil chegar a esta última análise e por mais que os geômetras pelo menos os antigos tenham querido fazer tal análise ainda não a conseguiram fazer O célebre autor do En saio Sobre o Entendimento Humano lhes daria muito prazer se terminasse esta pesquisa um pouco mais difícil do que se pensa Euclides porexemplo colocou entre os axiomas o que equivale a dizer que duas linhas retas só podem encon trarse uma vez A imaginação tomada da experiência dos sentidos não nos per mite imaginar mais de um encontro de duas retas porém a ciência não pode fun darse sobre tal afirmação E se alguém acreditar que esta imaginação dá a ligação das idéias distintas não está suficientemente instruído sobre a fonte des sas verdades e uma série de proposições demonstráveis por outras anteriores se riam por ele consideradas como imediatas É o que muitas pessoas que retoma ram Euclides não consideraram suficientemente estas espécies de imagens são apenas idéias confusas e aquele que só conhece a linha reta por este meio não será capaz de demonstrar nada através delas Eis por que Euclides por falta de uma idéia bem expressa isto é de uma definição da linha reta pois a que ele dá provisoriamente é obscura e não lhe é útil nas demonstrações foi obrigado a retornar a dois axiomas que para ele figuram como definição e que utiliza nas 70 Conring 16061687 erudito frisão correspondente de Leibniz ver as cartas de Leibniz a Conring de janeiro de 1678 e fevereiro de 1679 Bartolomeo Viotti filósofo e médico do século XVI autor de um tra tado Sobre a Demonstração que foi reeditado por Frolingius em 1661 Pappus grande geômetra alexan drino do século IV dC NOVOS ENSAIOS 323 suas demonstrações o primeiro que duas retas não têm parte comum o segundo que elasnão compreendem espaço Arquimedes forneceu uma forma de definição da reta ao dizer que ela é a linha mais curta que existe entre dois pontos Toda via ele supõe tacitamente empregando nas suas demonstrações elementos tais como os de Euclides fundados sobre os dois axiomas que acabo de mencionar que as afecções de que falam esses axiomas convêm à linha que ele define Assim se acreditais com os vossos amigos sob pretexto da concordância e discordância das idéias que era e é ainda permitido acolher em geometria o que nos dizem as imagens sem procurar este rigor de démonstrações pelas definições e pelos axio mas que os antigos exigiam nessas ciências confessarvosei que com isso podem contentarse somente aqueles que se preocupam apenas com a geometria prática porém não aqueles que querem ter a ciência que serve até para aperfeiçoar a prá tica Se os antigos tivessem partilhado esta opinião e tivessem negligenciado neste ponto creio que não teriam avançado e só nos teriam deixado uma geometria empírica qual era ao que parece a dos egípcios e qual é ainda ao que parece a dos chineses Isto nos teria privado dos mais belos conhecimentos físicos e mecânicos que a geometria nos permitiu descobrir os quais são desconhecidos àqueles que ignoram a nossa geometria Parece igualmente que seguindo os senti dos e as suas imagens se teria caído em erros analogamente vêse que todos aqueles que não são suficientemente instruídos na geometria exata dando crédito à sua imaginação consideram como uma verdade inquestionável que duas linhas qué se aproximam continuamente devem finalmente encontrarse ao passo que os geômetras fornecem exemplos contrários em certas linhas que denominam assin tóticas Além disso seríamos privados daquilo que considero o maior na geome tria em relação à contemplação que consiste em deixar entrever a verdadeira fonte das verdades etemas e no meio de nos fazer compreender a sua necessidade a qual as idéias confusas das imagens dos sentidos não conseguem mostrar distin tamente Dirmeeis que Euclides foi obrigado não obstante isto a limitarse a certos axiomas cuja evidência só se enxerga confusamente através das imagens Reconheço que ele se limitou a esses axiomas porém era melhor limitarse a um pequeno número de verdades desta natureza que lhe pareciam ser as mais sim ples e dali deduzir outras que deixar muitas verdades não demonstradas e o que é pior deixar às pessoas a liberdade de estender a sua negligência conforme o seu bom ou mau humor Como vedes o que dissestes juntamente com os vossos amigos sobre a ligação das idéias como sendo a verdadeira fonte da verdade necessita de explicação Se quiserdes contentarvos com enxergar confusamente esta ligação enfraqueceis a exatidão das demonstrações e Euclides fez melhor reduzindo tudo às definições e a um pequeno número de axiomas Se quiserdes que esta ligação das idéias se veja e se exprimadistintamente sereis obrigados a recorrer às definições e aos axiomas idênticos como eu exijo e por vezes sereis obrigado a contentarvos com alguns axiomas menos primitivos como fizeram Euclides e Arquimedes quando vos for difícil chegar a uma perfeita análise assim agindo fareis melhordo que negligenciar algumas belas descobertas que podeis encontrar por meio delas Como já vos disse outras vezes acredito que 324 LEIBNIZ não teríamos geometria entendo uma ciência demonstrativa se os antigos não tivessem avançado antes de ter demonstrado os axiomas que foram obriga dos a empregar 7 FILALETO Começo agora a entender o que é uma ligação das idéias conhecida distintamente e bem vejo que desta forma os axiomas são necessários Vejo bem igualmente como ê necessário que o método que seguimos nas nossas pesquisas quando se trata de examinar as idéias seja regulado conforme os exem plos dos matemáticos que partindo de certos inícios muito claros e fáceis que não constituem outra coisa senão os axiomas e as definições sobem em peque nos degraus e por encadeamento contínuo de raciocínios até à descoberta e à demonstração das verdades que de início parece superar a capacidade humana A arte de encontrar provas e estes métodos admiráveis que inventaram para distin guir e pôr em ordem as idéias médias é o que produziu descobertas tão admirá veis e tão inesperadas O que não quero determinar é se com o tempo não se poderá inventar algum método semelhante que sirva para as outras idéias como também àquelas que pertencem à grandeza Se outras idéias fossem examinadas segundo o método comum aos matemáticos conduziriam os nossos pensamentos mais longe do que poderíamos talvez imaginar 8 Isto se poderia fazer particu larmente na moral como observei mais de uma vez TEÓFILO Creio que tendes razão e estou disposto desde há muito tempo a v cumprir as vossas previsões 9 FILALETO No que tange ao conhecimento dos corpos é necessário tomar um caminho completamente oposto pois por não termos nenhuma idéia sobre as suas essências reais somos obrigados a recorrer à experiência 10 Todavia não nego que um homem acostumado a fazer experiências razoáveis e regulares seja capaz de formar conjeturas mais acertadas que um outro sobre as suas proprie dades ainda desconhecidas porém isto é uma opinião e não conhecimento e cer teza Isto me faz crer que a física não é capaz de tornarse ciência nas nossas mãos Entretanto as experiências e as observações históricas podem servir em relação à saúde dos nossos corpos e às comodidades da vida TEÓFILO Estou de acordo que a física inteira jamais será uma ciência perfeita entre nós mas não deixaremos de poder ter alguma ciência física e até já possuí mos amostras Por exemplo a magnetologia pode passar como uma tal ciência pois fazendo poucas suposições fundadas na experiência podemos demonstrar por conseqüência certa uma série de fenômenos que acontecem efetivamente Não devemos esperar que possamos dar a razão de todas as experiências como até mesmo os geômetras ainda não demonstraram todos os seus axiomas porém assim como eles se contentaram em deduzir um grande número de teoremas de um pequeno número de princípios da razão da mesma forma é suficiente que os físicos mediante alguns princípios de experiência dêem a razão de uma série de fenômenos e possam até prevêlos na prática NOVOS ENSAIOS 325 li FILALETO Uma vez portanto que as nossas faculdades não estão dis postas a nos fazer discernir a constituição interna dos corpos devemos pensar que basta que elas nos revelem a existência de Deus e um conhecimento bastante grande de nós mesmos para nos instruir sobre os nossos deveres e sobre os nos sos maiores interesses sobretudo em relação à eternidade Acredito ter o direito de deduzir daí que a moral é a própria ciência e o grande problema dos homens em geral como de outra parte as diferentes artes que dizem respeito a diferentes setores da natureza constituem a partilha dos particulares Podese dizer por exemplo que a ignorância do uso do ferro é a causa de que nos países da Améri ca onde a natureza espalhou abundantemente toda espécie dç bens falte a maior parte das comodidades da vida Assim bem longe de menosprezar a ciência da natureza 12 considero que se este estudo for dirigido como deveria ser ela pode ser de maior utilidade ao gênero humano que tudo o que se fez até agora Aquele que descobriu a imprensa que descobriu o emprego da bússola e desco briu a forçada quinquina contribuiu mais para a propagação do conhecimento e para o progresso das comodidades da vida e1 salvou mais pessoas da morte que os fundadores dos colégios dos hospitais e de outros monumentos da mais insigne caridade TEÓFILO Não poderíeis afirmar nada que fosse mais de acordo com a minha opinião A verdadeira moralou piedade deve estimularnos a cultivar as artes ao contrário de favorecer à preguiça de alguns quietistas que nada fazem E con forme afirmei não há muito tempo uma política melhor seria capaz de nos trazer um dia uma medicina muito melhor que a de agora Nunca podemos apregoálo suficientemente após o cuidado pela virtude 13 FILALETO Embora eu recomende a experiência não menosprezo as hipó teses prováveis Elas podem conduzir a novas descobertas e constituem no míni mo um grande auxílio para a memória Entretanto o nosso espírito está muito inclinado a proceder com pressa demais e a contentarse com algumas aparências levianas por não querer darse ao trabalho e empregar o tempo necessário para aplicálas a uma série de fenômenos TEÓFILO A arte de descobrir as causas verdadeiras dos fenômenos ou as hipóteses verdadeiras ê como a arte de decifrar onde muitas vezes uma conjetura engenhosa abrevia muito o caminho O Sr Bacon 71 começou a elaborar normas para a arte de experimentar sendo que o Sr Boyle demonstrou grande talento em pôlas em prática Todavia se não se lhe acrescentar a arte de utilizar as expe riências e de tirar as conseqüências acertadas não se chegará com as maiores despesas àquilo que uma pessoa de grande penetração poderia descobrir sozinha O Sr Descartes fez uma observação semelhante nas suas cartas72 por ocasião 71 No Novum Organum 1620 Quanto a Boyle ver nota 5 do livro I 72 Carta de Descartes a Mersenne de 23 de dezembro de 1630 edição de AdamTannery tomo I pág 195196 Mais abaixo tratase de uma carta de fins de 1661 carta n 6 da correspondência de Espino sa onde se trata da obra de Boyle que relata as suas experiências sobre o salitre A correspondência de Espi nosa foi reimpressa depois da sua morte ao mesmo tempo que a Ética Opera Posthuma 1677 326 LEIBNIZ do Método do chanceler da Inglaterra e Espinosa que cito de bom grado quando afirma coisas acertadas numa das suas cartas ao falecido Sr Olden burg secretário da Sociedade Real da Inglaterra impressas entre as obras póstu mas deste judeu sutil faz uma observação idêntica a respeito de uma obra do Sr Boyle v 14 FILALETO Após ter estabelecido idéias claràs e distintas com nomes fixos o grande meio de aumentar os nossos conhecimentos é a arte de encontrar idéias médias que nos possam fazer ver a conexão ou a incompatibilidade das idéias extremas As máximas pelo menos não servem para nolas fornecer Supondo que um homem não tenha idéia exata de um ângulo reto empenharseá em vão em demonstrar alguma coisa sobre o triângulo retângulo e quaisquer que sejam as máximas que empregue será difícil chegar através delas a demons trar que os quadrados dos seus lados que compreendem o ângulo reto são iguais ao quadrado da hipotenusa Uma pessoa poderia ruminar por muito tempo esses axiomas sem ver com maior clarez na matemática TEÓFILO De nada serve ruminar os axiomas sem ter como aplicálos Os axiomas servem muitas vezes para ligar as idéias como por exemplo esta máxi ma que os extensos semelhantes da segunda e da terceira dimensão estão em razão dupla e tripla dos extensos correspondentes da primeira dimensão é de um emprego muito vasto por exemplo a quadratura da lúnula de Hipócrates73 nasce daqui no caso dos círculos acrescentandolhe a aplicação dessas duas figuras uma à outra quando sua posição dada fornece à facilidade como sua comparação conhecida promete luzes disso 73 Hipócrates de Quios geômetra grego do século V aC estudou o problema da quadratura do círculo e realizou a quadraturade uma classeespecial de lúnulas ou meniscos figuras delimitadas por dois arcos de círculo de raio diferènte 1 NOVOS ENSAIOS 327 C a p í t u l o XIII Outras considerações sobre o nosso conhecimento í FiLALETO Vem talvez a propósito acrescentar que o nosso conhecimento tem muita afinidade com a vista nisso como em outros elementos sob o aspecto de que ele não é nem totalmente necessário nem totalmente voluntário Não se pode deixar de enxergar quando se têm os olhos abertos porém podemos dirigir a vista pára certos objetos 2 e considerálos com maior ou menor aten ção Assimuma vez que a faculdade é aplicada não depende da vontade o deter minar o conhecimento da mesma forma aliás que um homem não pode deixar de enxergar o que está enxergando Todavia é necessário empregar devidamente as próprias faculdades se quisermos instruirnos TEÓFILO Já tivemos ocasião de falar sobre isso estabelecendo que não depen de do homem ter este ou aquele sentimento no estado presente porém depende dele prepararse para têlo e para não têlo a seguir e sendo assim as opiniões só são voluntárias de uma forma indireta 328 LEIBNIZ C a p í t u l o XIV O julgamento í FILALETO O homem se encontraria indeterminado na maior parte das ações da sua vida se nada pudesse fazer quando lhe falta um conhecimento certo 2 Muitas vezes é necessário contentarse com um simples crepúsculo de proba bilidade 3 E a faculdade para isso é o julgamento Muitas vezes nos conten tamos com isso por necessidade mas outras vezes é falta de diligência de paciên cia de habilidade 4 A isso se denomina assentimento ou dissentimento ele se verifica quando presumimos alguma coisa isto é quando a consideramos verda deira antes da demonstração Quando isso se faz conforme a realidade das coisas estamos diante de um julgamento correto TEÓFILO Outros denominam julgar a ação que se pratica todas as vezes que fazemos um pronunciamento depois de conhecer o assunto existirão até outros que distinguirão o julgamento da opinião como a dizer que o julgamento deve apresentar maior certeza do que a opinião Entretanto não quero julgar a nin guém no que concerne ao uso dos termos quanto a vós nada impede que consi dereis o julgamento como uma opinião provável Quanto à presunção que é um termo dos jurisconsultos o bom uso vigente entre eles o distingue da conjetura É algo a mais e que deve provisoriamente passar como uma verdade provisória até que se demonstre o contrário ao passo que um indício uma conjetura muitas vezes deve ser pesada e comparada com outra conjetura Assim aquele que tomou dinheiro emprestado de um outro presumese que deva pagálo a menos que demonstre têlo já feito ou que a dívida cesse em virtude de algum outro prin cípio Por conseguinte presumir não é neste sentido o mesmo que julgar antes da prova o que não é permitido mas equivale sim a afirmar com antece dência porém com fundamento aguardando a possibilidade de uma demonstra ção do contrário NOVOS ENSAIOS 329 C a p í t u l o XV A probabilidade 1 FILALETO Se a demonstração faz ver a ligação das idéias a probabili dade não é outra coisa que a aparência desta ligação fundada sobre provas nos casos em que não se vê conexão imutável 2 Existem vários graus de assenti mento desde a certeza até à conjetura à dúvida à desconfiança 3 Quando se tem certeza existe intuição em todas as partes do raciocínio que assinalam a ligação todavia o que me faz crer é algo de estranho 4 Ora a probabilidade está fundada em concordâncias com aquilo que sabemos ou no testemunho daqueles que sabem TEÓFILO Preferiria dizer que a probabilidade está sempre fundada na verossi milhança ou na conformidade com a verdade sendo que o testemunho de outros é uma coisa que o verdadeiro costuma ter a seu favor em relação aos fatos que estão ao alcance Podese portanto afirmar que a semelhança do provável com o verdadeiro é tomada ou da própria coisa ou de alguma coisa estranha Os mes tres da retórica afirmam duas espécies de argumentos os artificiais que são deri vados das coisas por raciocínio e os inartificiais que se fundam apenas no teste munho expresso ou do homem ou talvez da própria coisa Além disso existem também argumentos mistos pois o testemunho pode também fornecer um fato que serve para formar um argumento artificial 5 FILALETO É por falta de semelhança com o verdadeiro que não cremos facilmente naquilo que nada tem de semelhante com aquilo que sabemos Assim quando um embaixador disse ao rei do Sião que a água se solidificava de tal modo no inverno entre nós que um elefante poderia andar sobre ela sem afundar o rei exclamou Até agora acreditei que fôsseis um homem de boa fé agora vejo que mentis 6 Se porém o testemunho dos outros pode tornar um fato prová vel a opinião dos outros não deve considerarse como um verdadeiro fundamento de probabilidade Com efeito existe entre os homens mais erro do que conheci mento e se a fé naqueles que conhecemos e estimamos constitui um fundamento legitimo do assentimento os homens terão razão de serem pagãos no Japão mao metanos na Turquia papistas na Espanha calvinistas na Holanda e luteranos na Suécia TEÓFILO Sem dúvida o testemunho dos homens tem mais peso do que a opi nião deles sendo razoável dar mais crédito ao primeiro do que à segunda Entre 330 LEIBNIZ tanto é sabido que o juiz por vezes obriga a prestar juramento deé como se diz é sabido que nos interrogatórios muitas vezes se pergunta às testemunhas não somente o que viram mas também o que julgam interrogandoas ao mesmo tempo sobre as razões do seu julgamento Além disso os juizes dão muito crédito às opiniões dos peritos em cada profissão os particulares também estão obriga dos a fazêlo Assim uma criança ou uma outra pessoa que não merecer maior confiança do que ela está obrigada mesmo quando se encontra numa certa situa ção a seguir a religião do país enquanto não vir nenhum mal nisso e não estiver em condições de encontrar uma religião melhor Um governante de pajens de qualquer partido que seja obrigalosá cada um a ir à igreja à qual vão os da reli gião que este jovem professa Podese consultar as discussões entre o Sr Nicole 7 4 e outros sobre o argumento do número elevado em matéria de fé onde se verifica por vezes que um lhe dá demasiada importância ao passo que o outro não lhe dá suficiente consideração Existem outros preconceitos semelhantes pelos quais os homens gostariam de se eximir da discussão É o que Tertuliano denomina num tratado especial praescriptiones7 5 usando um termo que os antigos juriscon sultos cuja linguagem não lhe era desconhecida atribuíam a várias espécies de exceções ou alegações estranhas termo que hoje porém só se aplica à prescri ção temporal quando se pretende recusar o pedido de outrem pelo fato de não ter sido feito dentro do prazo prescrito pelas leis Assim é qüe se encontrou motivo para publicar preconceitos legítimos tanto do lado da Igreja romana como do lado dos protestantes7 6 Acreditouse que existe possibilidade de opor a novida de por exemplo tanto aos primeiros como aos segundos sob certos aspectos como por exemplo quando os protestantes na maioria abandonaram a forma das antigas ordenações dos ministros eclesiásticos e os seguidores da Igreja romana alteraram o antigo cânon dos livros da Santa Escritura do Antigo e do Novo Testamento conforme demonstrei com clareza numa discussão que tive por escri to e por várias vezes com o bispo de Meaux discussão cuja documentação acaba de perderse segundo notícias que chegaram há poucos dias7 7 Desta forma sendo essas recriminações recíprocas a novidade embora autorize alguma sus peita de erro nessas matérias não constitui todavia uma prova certa de erro 7 4 Pierre Nicole 16251695 filósofo e teólogo jansenista Seu tratado sobre A Unidade da Igreja 1687 suscitou polêmicas em torno da questão se o catolicismo romano se podia valer da sua posição majoritária contra os reformados 7 5 A obra principal de Tertuliano aproximadamente de 155230 apologista e teólogo cristão se intitula De Praescriptione Haereticorum A Prescrição dos Hereges Este título se explica da seguinte forma assim como no direito romano se recusava ao adversário o direito de expor os seus argumentos em certas condi ções da mesma forma se deve negar aos hereges cujas doutrinas já foram amplamente refutadas o direito de expor as suas razões 7 6 Citamse dois livros com este título um de Nicole contra os calvinistas 1671 o outro do protestante Jurieu contra os papistas 1685 7 7 Bossuet morreu em 12 de abril de 1704 f NOVOS ENSAIOS 331 C a p ítu lo XVI Os graus de assentimento 1 FiLALETO No que concerne aos graus de assentimento cumpre tomar cui dado para que os fundamentos de probabilidade que temos não operem além do grau da aparência que neles se encontra Pois é necessário reconhecer que o assentimento não é sempre fundado sobre uma visão atual das razoes que preva leceram no espírito e seria muito difícil mesmo àqueles que possuem uma memó ria admirável recordar sempre todas as provas que os levaram a dar um certo assentimento e que por vezes poderiam encher um volume inteiro sobre uma única questão Basta que uma vez tenham estudado sinceramente a matéria e que tenham por assim dizer feito a conta 2 Do contrário seria necessário que os homens fòssem muito céticos ou mudassem de opinião a cada momento para renderse a qualquer homem que tendo examinado a questão recentemente lhes proponha argumentos aos quais não pudessem satisfazer inteiramente no momen topor falta de memória ou de aplicação 3 Cumpre reconhecer que isto muitas vezes torna os homens obstinados no erro porém afalta não é daqueles que repousam sobre a sua memória mas daqueles que julgaram mal anteriormente Ordinariamente todavia os que menos examinaram as suas opiniões são os que mais se apegam a elas Entretanto a adesão àquilo que se viu é louvável não porém sempre àquilo que se creu pois se pode ter deixado atrás alguma conside ração capaz de inverter tudo E talvez não haja ninguém no mundo que tenha o tempo a paciência e os meios para reunir todas as provas de uma parte e da outra sobre as questões nas quais tem as suas opiniões para comparar essas suas pro vas e para concluir com segurança que nada mais lhe resta por saber para uma instrução mais ampla Todavia o cuidado pelos nossos interesses supremosnão pode sofrer dilação sendo absolutamente necessário que o nosso julgamento se determine em questões nas quais somos incapazes de chegar a um conhecimento certo TEÓFILO Tudo o que acabastes de dizer é bom e sólido Entretanto seria dese jável que os homens tivessem em certas ocasiões resumos por escrito em forma de memórias das razões que os conduziram a alguma opinião de impor tância a qual muitas vezes são obrigados a justificar posteriormente a si mesmos ou aos outros Aliás embora em matéria de justiça não seja permitido emgeral retratar os julgamentos passados e rever contas encerradas do contrário seria necessário estar em perpétua inquietação o que seria tanto mais intolerável quan 332 LEIBNIZ to não se pode sempre conservar as notícias das coisas passadas todavia por vezes se pode baseado em novas luzes recorrer à justiça e obter até o que se denomina restituição in integrum78 contra aquilo que havia sido previamente determinado Da mesma forma nos nossos próprios assuntos sobretudo nas matérias muito importantes nas quais ainda é permitido começar o caminho ou voltar atrás e onde nâoê prejudicial suspender a execução as decisões do nosso espírito fundadas sobre probabilidades não devem jamais passar in rem iudíca tam como dizem os jurisconsultos isto é para estabelecer que não se está disposto a rever o raciocínio caso novas razões consideráveis se apresentem Todavia quando não há mais tempo para deliberar é necessário seguir o julga mento feito com tanta firmeza como se ele fosse infalível embora nem sempre com igual rigor 4 FILALETO Uma vez que por conseguinte os homens não podem evitar de exporse ao erro no julgar como não podem evitar de ter opiniões diversas quan do não podem considerar as coisas sob os mesmos aspectos devem conservar a paz entre si e os deveres de humanidade em meio a esta diversidade de opiniões sem pretender que um outro deva mudar prontamente e diante das nossas obje ções uma opinião arraigada sobretudo se ele pode pensar que o seu adversário age por interesse ou ambição ou por algum outro motivo particular O mais das vezes os que querem impor aos outros a necessidade de renderse às suas opiniões não examinaram as coisas a fundo Pois aqueles que entraram suficientemente na discussão para sair da dúvida são em número tão reduzido e encontram tão pouco motivo para condenar os outros que não se deve esperar nada de violento da parte deles TEÔFILO Efetivamente o que mais se tem direito de censurar nos homens não é a sua opinião mas o seu juízo temerário em censurar a opinião dos outros como se para ter uma opinião contrária à deles fosse necessário ser estúpido ou mau Não que muitas vezes não haja verdadeiramente motivo para censurar as opiniões dos outros porém é necessário fazêlo com espírito de eqüidade e ter compreensão pela fraqueza humana É verdade que temos direito de tomar precauções contra doutrinas más que exercem influência sobre os costumes e na prática da piedade porém não se deve atribuílas às pessoas em seu prejuízo sem ter sólidas razões para tanto Se a eqüidade exige que se poupem as pessoas a piedade manda mostrar onde for necessário o mau efeito dos seus dogmas quando estes forem prejudiciais como são aqueles que vão contra a providência de um Deus perfeitamente sábio bom e justo e contra esta imortalidade das almas que os torna suscetíveis dos efeitos da sua justiça sem falar de outras opi niões perigosas em relação à moral Sei que homens excelentes e bem intencio nados defendem que essas opiniões teóricas exercem menos influência do que se pensa na pratica e sei também que existem pessoas de um caráter excelente as quais nunca farão nada de indigno por causa das opiniões dos outros aliás os 7 8 Por inteiro integralmente NOVOS ENSÀIOS 333 que chegaram a esses erros pela especulação costumam por natureza distanciar se mais dos vícios aos quais a maioria dos homens estão sujeitos além de terem cuidado para manter a dignidade da seita na qual são como chefes podese por exemplo dizer que Epicuro e Espinosa tiveram uma vida inteiramente exemplar Acontece porém que essasvrazões desaparecem o mais das vezes nos seus discí pulos ou imitadores os quais crendose livres do medo importuno de uma Provi dência vigilante e de um futuro ameaçador largam as rédeas às suas paixões bru tais e voltam o seu espírito a seduzir e a corromper os outros e se forem ambiciosos e de caráter um pouco duro serão capazes para o seu prazer ou pro gresso de pôr fogo nos quatro pontos extremos da terra como na realidade conheci pessoas deste jaez que já foram arrebatadas pela morte Penso igual mente que opiniões parecidas insinuandose pouco a pouco no espírito dos ho mens do grande mundo os quais governam os outros e dos quais dependem os acontecimentos e entrando nos livros que estão na moda dispõem todas as coi sas à revolução geral que no momento ameaça a Europa e acabam de destruir o que ainda resta no mundo dos sentimentos generosos dos antigos gregos e roma nos que preferiam o amor à pátria e ao bem público bem como o cuidado da posteridade à fortuna e mesmo à vida Estes publiks spirits 79 como os denomi nam os ingleses vão diminuindo ao extremo não estando mais na moda cessa rão ainda mais quando não mais forem apoiados pela boa moral e pela verda deira religião que a própria razão natural nos ensina Os melhores da parte oposta que começa a dominar não possuem outro princípio fora do que denomi nam de honra Entretantoa característica do homem honesto e do homem honra do para eles é apenas não praticar nenhuma baixeza como a consideram E se por grandeza ou por capricho alguém derramasse um dilúvio de sangue se ele invertesse tudo não se daria nenhuma importância a isto e um Heróstrato80 dps antigos ou então um Don Juan no Festim de Pedro passaria por um herói Ridicularizase muito o amor à pátria ridicularizamse os que têm cuidado do bem público e quando algum homem bem intencionado fala do que será a huma nidade do futuro respondese que assim sejaPode porém acontecer que essas pessoas mesmas sejam atingidas pelos males que acreditam reservados aos outros Se ainda nos corrigirmos desta epidemia cujos maus efeitos começam a tornarse visíveis talvez esses males sejam prevenidos ao contrário se esta epi demia crescera Providência corrigirá os homens pela própria revolução que sur girá Com efeito aconteça o que acontecer tudo reverterá ao final das contas em bem embora isso não deva e não possa ocorrer sem a punição daqueles que contribuíram mesmo que fosse para o bem com as suas ações más Deixemos agora uma digressão à qual me conduziram a consideração das opiniões prejudiciais e o direito de censurálas Ora como na teologia as censuras vão ainda mais longe que alhures e aqueles que fazem valer a sua ortodoxia con denando muitas vezes os seus adversários ao que se opõem no próprio partido os 79 Sentimentos patrióticos civismo 80 Heróstrato pôs fogo no templo de Éfeso 356 aC com o único objetivo de imortalizar o seu nome 334 LEIBNIZ que são denominados sincretistas pelos seus adversários esta opinião deu ori gem a guerras civis entre os rígidos e os condescendentes dentro de um mesmo partido Todavia visto que recusar a salvação eterna àqueles que partilham uma outra opinião equivale a arrogarse os direitos de Deus os mais sábios dos conde nadores entendemno apenas do perigo no qual acreditam ver as almas errantes e abandonam à misericórdia singular de Deus aqueles cuja maldade não os torna incapazes de aproveitarse dela e do seu lado se consideramobrigados a envidar todos os esforços imagináveis para retirálós de um estado tão perigoso Se essas pessoas que assim julgam acerca do perigo dos outros chegaram a esta opinião após um exame conveniente e se não houver meio de desconvencêlas não se pode censurar a sua conduta enquanto só andarem pelos caminhos da doçura Entretanto no momento em que forem mais longe violam as leis da eqüidade Pois devem pensar que outros tão persuadidos quanto eles têm o mesmo direito dè sustentar as suas opiniões e mesmo de divulgálas se as considerarem impor tantes Devemse excetuar as opiniões que ensinam crimes opiniões que não se devem admitir e que temos o direito de extinguir pelas vias do rigor mesmo que fosse verdade que os seus defensores não conseguem desfazerse delas da mesma forma como temos o direito de matar um animal venenoso mesmo que ele seja inocente Entretanto falo de extinguir a seita e não os homens visto ser possível impedilos de prejudicar e de apregoar os seus dogmas 5 f i l a l e t o p ara retornar ao fundamento e aos graus do assentimento vem a proposito observar que as proposições podem ser de duas espécies umas são proposições de fato pois dependendo da observação podem estar fundadas sobre um testemunho humano as outras são proposições de especulação pois referindose às coisas que os nossos sentidos não podem revelarnos não são capazes de tal testemunho 6 Quando um fato particular é conforme às nossas observações constantes e ao testemunho uniforme dos outros nós nos apoiamos neles com a mesma firmeza como se fosse um conhecimento certo e qúancjo ele for concordante com o testemunho de todos os homens em todos os séculos na medida em que este pode ser conhecido temos o primeiro e mais alto grau de probabilidade por exemplo a afirmação de que o fogo aquece de que o ferro afunda na água A nossa crença construída sobre tais fundamentos se alteia até à certeza 7 Em segundo lugar todos os historiadores testemunham que um tal homem preferiu o interesse particular ao público e como se observou que é este o costume da maior parte dos homens o assentimento que dou a tais histórias é uma confiança 8 Em terceiro lugar quando anatureza das coisas não apresenta nada nem pró nem contra um fato atestado pelo testemunho de pessoas nãosuspeitas como por exemplo que Júlio César existiu éadmitido com uma crença firme 9 Entretanto quando os testemunhos são contrários ao curso ordinário da natureza ou são contrários entre si os graus de probabilidade podem diversificarse ao infinito sendo daí que provêm esses graus que denomi namos opinião conjetura dúvida incerteza desconfiança Aqui se impõe exati dão para formar um julgamento reto e dosar o nosso assentimento conforme os graus de probabilidade NOVOS ENSAIOS 335 TEÓFILO Os jurisconsultos ao tratarem das provas presunções conjeturas e indícios afirmaram uma série de còisas boas a este respeito e deram alguns deta lhes consideráveis Começam pela notoriedade na qual não há necessidade de provas Poste riormente chegam a provas inteiras ou que se consideram tais sobre as quais se faz um pronunciamento ao menos em matéria civil sendose mais reservado em alguns lugares em se tratando de matéria criminal Neste caso não é irracional exigir provas mais do que plenas e sobretudo o que se denomina o corpus delic íz81 conforme a natureza do fato Existem por conseguinte provas mais do que plenas existindo também provas plenas comuns Depois existem presunções que se consideram provisoriamente como provas inteiras isto é enquanto não se demonstrar o contrário Existem provas mais do que semiplenas nas quais se per mite àquele que se funda sobre elas jurar para suprir o iuramentum suppleto rium existem outras provas menos que semiplenas nas quais se transfere o jul gamento àquele que nega o fato para purgarse é o iuramentum purgationis Fora disso existe uma série de graus de conjeturas de indícios Particularmente em matéria criminal existem indícios ad torturam para ir à questão existem indícios ad terrendum suficientes para fazer ver os instrumentos da tortura e preparar as coisas como se se quisesse chegar a ela Existem também indícios ad capturam para apoderarse de uma pessoa suspeita como existem indícios ad inquirendum para informarse secretamente e sem ruído Essas diferenças podem também servir em outras ocasiões proporcionais Toda a forma dos processos na justiça não é outra coisa na realidade senão uma espécie de lógica aplicada às questões de direito Também os médicos têm uma série de graus e diferenças dos seus sinais e indicações que se podem verificar entre eles Os matemáticos do nosso tempo começaram a estimar os acasos por ocasião dos jogos O Cavaleiro deMéré82 do qual se imprimiram os Agiêments e outras obras homem de espírito penetrante e filósofo deu ocasião a isto for mando questões sobre os partidos para saber quanto valeria o jogo se este fosse interrompido neste ou naquele ponto Desta maneira ele conduziu Pascal seu amigo a examinar um pouco tais coisas A questão tornouse conhecida e deu ocasião ao Sr Huygens de escrever o seu tratado DeAlea Outros homens sábios se engajaram na discussão Estabeleceramse alguns princípios dos quais Se ser viu também o Sr Witt num pequeno discurso impresso em holandês sobre as ren das vitalícias83 O fundamento sobre o qual se construiu reduzse à prosthaférèse isto é tomar uma média aritmética entre várias suposições igualmente admissí veis Os nossos camponeses utilizaram este método há muito tempo conforme a sua matemática natural Por exemplo quando alguma herança ou terra deve ser 81 Corpo do delito 82 Méré 16101685 é o autor de diversos opúsculos publicados em 1692 O tratado de Huygens sobre o cálculo das probabilidades De Ratiociniis in Ludo Aleae Sobre os Raciocínios nos Jogos de Azar apa receu em 1657 83 Quanto a Jean de Witt ver nota 19 O seu opúsculo matemático das rendas vitalícias foi publicado em 1671 336 LEIBNIZ vendida eles formam três grupos de avaliadores esses grupos se denominam Schurzen em baixo saxão sendo que cada grupo faz uma avaliação do bem em questão Suponhamos que um dos grupos avalia em 1 000 escudos o segundo em 1 400 o terceiro em 1 500 tomase a soma dessas três estimativas que é 3 900 e visto que houve três grupos tomase como resultado a terça parte 1 300 como sendo o valor médio ou então o que eqüivale à mesma coisa tomase a soma das terças partes de cada estimativa É o axioma aeqúalibus aequalia ou seja para as suposições iguais impõemse considerações iguais r Quando porém as suposições forem desiguais elas são comparadas entre si Suponhamos por exemplo que com dois dados um deve ganhar se fizer 7 pon tos o outro se fizer 9 perguntase que proporção se encontra entre as suas probabilidades de ganhar Afirmo que a probabilidade para o último vale apenas dois terços da probabilidade para o primeiro pois o primeiro pode fazer 7 de três modos com dois dados isto ê por 1 e 6 ou 2 e 5 ou 3 e 4 o outro scrpode fazer 9 de duas maneiras jogando 3 e 6ou 4 e 5 E todas essas maneiras são igual mente possíveis Por conseguinte as probabilidades que são como os números das possibilidades iguais estarão como 3 para 2 ou como 1 para 23 Mais de uma vez observei que seria necessária uma nova espécie de lógica que tratasse dos graus de probabilidade visto que Aristóteles nos seus Tópicos nada mais fez do que isso e contentouse em colocar em certa ordem certas re gras populares distribuídas egundo os lugarescomuns que podem servir em al guma ocasião em que se trata de amplificar o discurso e conferirlhe boa aparên cia sem preocuparse em darnos uma balança necessária para pesar as probabilidades e para formar nesta matéria um julgamento sólido Seria bom que aquele que quisesse tratar esta matéria continuasse o exame dos jogos de azar de maneira genérica desejaria que um hábil matemático escrevesse uma vasta obra bem circunstanciada e bem pensada sobre todas as espécies de jogos o que seria de grande utilidade para aperfeiçoar a arte de inventar uma vez que o espírito hu manoaparece melhor nos jogos que nas matérias mais sérias io FILALETO A lei da Inglaterra observa esta regra a saber que a cópia de uma ata reconhecida como autêntica por testemunhas constitui uma boa prova ao passo qüe a cópia de uma cópia por mais que seja credenciada pelas testemu nhas mais qualificadas jamais é admitida como prova em juízo Jamais ouvi qualquer censura contra esta sábia precaução Disto se pode tirar no mínimo esta observação isto é que um testemunho tem menos valor à medida que estiver mais distante da verdade original que reside na própria coisa ao contrário para certas pessoas procedese de maneira completamente oposta as opiniões adqui rem força ao envelhecerem e aquilo que não teria parecido provável há mil anos a um homem razoável contemporâneo daquele que por primeiro o certificou passa agora como certo pelo fato de que muitos o relataram baseados no seu testemunho TEÓFILO Os críticos em matéria de história têm grande consideração pelas testemunhas contemporâneas aos acontecimentos todavia mesmo um contempo NOVOS ENSAIOS 337 râneo do fato só merece praticamente crédito em se tratando de acontecimentos públicos quando ele fala dos motivos dos segredos das motivações ocultas e das coisas discutíveis como por exemplo dos envenenamentos dos assassinatos temse no mínimo aquilo que vários acreditaram Procópio8 4 merece muito cré dito quando fala da guerra de Belisário contra os vândalos e os godos porém quando ele atribui maledicências horríveis à Imperatriz Teodora nas suas Anedo tas creia quem quiser Em geral devese ter muita reserva antes de crer nas sáti ras em nosso tempo alguns se deram a tais publicações veiculando coisas contrárias a qualquer probabilidade e no entanto muitos foram os ignorantes que as devoraram avidamente Dirseá talvez um dia será possível que se ousou publicar tais coisas nesse tempo se não houvesse algum fundamento provável Se isto se disser algum dia julgarseá com muito desacerto Entretanto o mundo está inclinado à sátira para citar um só exemplo o falecido Sr du Maurier filho8 5 publicou não sei com que meios nas suas Memórias impressas há alguns anos atrás certas coisas mal fundadas contra o incomparável Hugo Grotius embaixador da Suécia na França irritado ao que parece por não sei o que con tra a memória deste ilustre amigo de seu pai pois bem observei que uma série de autores as repetiram à vontade embora as negociações e as cartas deste ilustre cidadão revelem o contrário Chegase ao ponto de escrever romances na história e aquele que escreveu a última biografia de Cromwell8 6 acreditou que lhe era per mitido no intuito de tornar a história mais interessante ao falar da vida particu lar deste hábil usurpador afirmar que ele viajou para a França dando a crer que o seguiu pelos hotéis de Paris como se o autor tivesse sido o seu governante Ao contrário aparececlaramente pela história de Cromwell escrita por Carrington homem informado e dedicada ao seu filho Ricardo que Cromwell jamais deixou as ilhas britânicas O detalhe sobre todos os acontecimentos é pouco segu ro Quase não se têm bons relatórios sobre as batalhas sendo que a maior parte das que se contam de Tito Lívio parecem imaginárias como aquelas que se atri buem a Quinto Cúrcio Seria necessário ter os relatos de pessoas exatas e capa zes que elaborassem planos semelhantes àqueles que o Conde de Dahlberg8 7 que já servira com distinção sob o rei da Suécia Carlos Gustavo e sendo gover nador geral da Livônia ultimamente defendeu Riga fez gravar sobre os atos e as batalhas deste príncipe Todavia não se deve logo desacreditar um bom histo riador baséandose numa palavra de algum príncipe ou ministro que se queixa contra ele em alguma ocasião ou sobre algum assunto que não lhe agrada e onde verdadeiramente pode existir alguma falha Contase que Carlos Quinto que rendo que lhe lessem alguma coisa de Sleidan88 dizia Trazeime o meu mentiro 8 4 Procópio historiador bizantino do século VI autor de uma história das guerras do Imperador Justi niano atribuiselhe igualmente um livro de Anedotas também conhecido sob o título de História Secreta 8 5 Louis Aubery du Maurier autor deMemóriaspara Servir à História da Holanda 1680 seu pai Benja min era embaixador na Holanda Quanto a Grotius ver a nota 59 8 6 Tratase de Gregório Leti 16301701 historiador protestante italiano autor de uma Vida de Cromwell editada sem o nome do autor em 1694 A História de Cromwell de S Carrington data de 1659 87 Engenheiro sueco diretor geral das fortalezas 16251703 88 Sleidan 15061556 historiador alemão da Reforma 338 LEIBNIZ so Contase também que Carlowitz gentilhomem muito conhecido naquele tempo afirmava que a história de Sleidan destruía no seu espírito todo o conceito favorável que ele se formara sobre as histórias antigas Isto digo eu não terá força alguma no espírito das pessoas informadas para destruir a autoridade da história de Sleidan cuja parte melhor é constituída por um conjunto de atas pú blicas das dietas e reuniões e dos escritos autorizados pelos príncipes Se a res peito disto existisse ainda o mínimo escrúpulo ele acaba de ser erguido pela exce lente história de meu ilustre amigo o falecido Sr Seckendorff89 no qual todavia não posso deixar de desaprovar o nome de luteranismo no título nome que um mau hábito autorizou na Saxônia obra em que la maior parte das coi sas são justificadas pelos extratos de uma infinidade de documentos extraídos dos arquivos da Saxônia que estavám à disposição do autor embora o Sr de Meaux que na obra é atacado se tenha limitado a escreverme que a obra em questão apresenta uma prolixidade horrível De minha parte desejaria que a obra fosse vezes mais volumosa Aliás existem obras históricas bem cotadas as quais são bem mais volumosas De resto nem sempre se menosprezam os autores posteriores ao tempo de que falam quando aquilo que relatam é provável por ou tras fontes Por vezes acontece que eles conservam relatos dos autores mais anti gos Por exemplo duvidouse de que família é Suitberto bispo de Bamberga e posteriormente papa com o nome de Clemente II90 Um autor anônimo da histó ria de Brunswick que viveu no século XIV nomeou a sua família sendo que pes soas sábias na nossa história não quiseram dispensarlhe consideração eu porém tive em mãos uma crônica muito mais antiga ainda não impressa na qual a mesma coisa é dita com mais circunstâncias donde aparece que ele era da famí lia dos antigos senhores de Hornburg não muito longe de Wolfenbuttel cujas terras foram doadas pelo último proprietário à igreja catedral de Halberstadt li FiLALETO Não quero que se pense que com a minha observação tencio nei diminuir a autoridade e a utilidade da história É desta fonte que recebemos com uma evidência convincente uma grande parte das nossas verdades úteis Nada vejo de mais apreciável que as memórias que nos restam da antiguidade e gostaria que as tivéssemos em maior número e menos corrompidas Permanece porém verdadeiro que nenhuma cópia está acima da certeza do seu primeiro original TEÓFILO É certo que quando se tem um único autor da antiguidade como garantia de um fato todos aqueles que o copiaram não acrescentam peso algum ou melhor não contam para nada É o mesmo como se tudo o que dizem fosse do 89 Seckendorff 16261692 historiador e homem de Estado alemão autor de um Commentarius Historicus et Apologeticus de Lutheranismo Comentário Histórico e Apologético sobre o Luteranismo Mais abaixo o Sr de Meaux é Bossuet 90 Suitberto ou Swidger de origem saxônica papa de 1046 até 1047 É sabido que Leibniz tinha sido encar regado de escrever a história da família de Brunswick e que a isto dedicou longas pesquisas de arquivo Mais abaixo senhores alodiais detentores de um alleu ou seja de uma gleba que não está onerada com dívidas e não pertence a nenhum soberano em oposição ao feudo NOVOS ENSAIOS 339 número tõn hápax legoménon isto é das coisas que foram ditas uma só vez coi sas sobre as quais o Sr Ménage91 queria escrever um livro E mesmo hoje se cem mil pequenos escritores repetissem as maledicências de Bolsec92 para dar um exemplo uma pessoa de bom discernimento não lhes daria mais impor tância do que ao barulho dos gansos Houve jurisconsultos que escreveram de fide histórica 9 3 porém o assunto mereceria uma pesquisa mais exata sendo que alguns desses escritores foram excessivamente indulgentes No que tange à antiguidade alguns dos fatos mais brilhantes são duvidosos Pessoas inteligentes duvidaram com razão se Rômulo foi o primeiro fundador da cidade de Roma Discutese outrossim acerca da mortede Ciro e a oposição entre Heródoto e Ctésias difundiu dúvidas sobre a história dos assírios babilô nios e persas A história de Nabucodonosor de Judite e até do Assuero de Ester apresenta grandes dificuldades Os romanos ao falar do ouro de Tolosa contra dizem ao que contam sobre a derrota dos gauleses por Camilo Sobretudo a histó ria própria e particular dos povos é sem crédito quando não for tirada dos origi nais muito antigos nem suficientemente conforme à história pública Eis por que aquilo que se conta dos antigos reis germânicos igauleses britânicos escoceses poloneses e outros é considerado com razão como repleto de fábulas O tal Trebe ta filho de Ninus fundador de Treves e o tal Brutus autor dos Bretões ou Brit tains não são mais verdadeiros que os Amadis Os contos tirados de alguns escri tores de fábulas que Trithemius9 4 Aventino e até Albino e Sifrid Petri tomaram a liberdade de relatar acerca dos antigos príncipes francos boêmios saxÕes fri sÕes bem como aquilo queSaxão o gramático e Edda nos contam a respeito das antiguidades recuadas do Setentrião não podem ter mais autoridade que o que conta Kadlubko primeiro historiador polonês acerca de um dos seus reis genro de Júlio César Ao contrário quando os historiadores de povos diferentes se encontram e convergem nos casos em que não há probabilidade de que um tenha copiado do outro temos um grande indício de verdade Tal é a concordância de Heródoto com a história do Antigo Testamento em muitas coisas por exemplo quando fala da batalha de Megido entre o rei do Egito e os sírios da Palestina isto é os judeus onde segundo o relato da história sagrada que temos dos hebreus o Rei Josias foi mortalmente ferido Também o consentimento dos historiadores árabes persas e turcos com os gregos romanos e outros ocidentais proporciona satisfa ção àqueles que pesquisam sobre os fatos históricos o mesmo acontece com o 91 Ver nota 35 do Livro III 92 Jerônimo Bolsex panfletista do século XVI autor delibelos sobre a vida e as doutrinas de Calvino 1577 e deTeodoro de Beza 1582 93 Da Fé Histórica isto é da confiança que se pode ter nos historiadores Citase um livro com este título de Johann Eisenhart jurisconsulto alemão 16431707 9 4 Tritheim ou Trithemius 14521516 historiador alemão autor de uma obra sobre as origens francas Johann Thurmaier denominado Aventinus 14661534 autor dos Annales Boiorum Anais da Baviera Peter Albinus 15341598 historiador das origens da Saxônia e da Turíngia Saxo Grammaticus histo riador dinamarquês do fim do século X II O Edda corpus legendário dos antigos povos escandinavos Kaglubko historiador polonês 11611223 340 LEIBNIZ testemunho queas medalhas e inscrições que restam da antiguidade dão dos li vros dos antigos que chegaram até nós e que na realidade são cópias de cópias É necessário esperar o que ainda nos ensinará a história da China quando tiver mos mais condições para julgar e até que ponto ela merece credibilidade por si mesma A utilidade da história consiste principalmente no prazer que existe em conhecer as origens na justiça que se faz aos homens que se mostraram benemé ritos dos outros no estabelecimento da crítica histórica e sobretudo da história sagrada que sustenta os fundamentos da revelação e deixando de laido as genealogias e direitos dos príncipes e das potências nos ensinamentos úteis que os exemplos nos fornecem Não desprezo que se investiguem as antiguidades até aos mínimos detalhes pois às vezes os conhecimentos que os críticos haurem delas podem servir às coisas mais importantes Estou de acordo por exemplo em que se escreva toda a história das vestes e da arte dos alfaiates desde as vesti mentas dos pontífices dos hebreus ou se quiserem desde as peles que Deus deu ao primeiro casal na saída do paraíso até às vestes do nosso tempo e que a isso se acrescente tudo o que se pode tirar das antigas esculturas e das pinturas execu tadas desde alguns séculos para cá Para isso estaria eu até disposto a fornecer se alguém o desejar as memórias de um homem de Augsburgo do século passado que se enfeitou com todas as vestes que usou desde a sua infância até à idade de sessenta e três anos E não sei quem me disse que o falecido Sr Duque de Aumont9 5 grande conhecedor das antiguidades clássicas teve uma curiosidade semelhante Isto poderá talvez servir para discernir os monumentos legítimos daqueles que não o são sem falar de algumas outras utilidades E uma vez que é permitido aos homens brincar e jogar serlhesá ainda mais permitido divertirse nestas espécies de trabalhos se os deveres essenciais não sofrerem prejuízo Entretanto eú desejaria que houvesse pessoas que se aplicassem preferivelmente a tirar da história o que nela existe de mais útil cómo seriam os exemplos extraordinários de virtude as observações sobre as comodidades da vida os estratagemas de política e de guerra Gostaria outrossim que se escrevesse expres samente uma espécie de história universal que só assinalasse tais coisas além de algumas outras de maior importância Com efeito por vezes se lerá um grande livro de história cheio de erudição bem escrito adequado à finalidade do autor excelente no seu gênero que porém não contém ensinamentos úteis pelos quais não entendo aqui simples moralizações das quais estão repletos o Theatrum Vitae Humanae9 6 e certos outros florilégios Gostaria ainda que se tirasse dos relatos de viagens uma infinidade de coisas desta natureza e que se colocasse em ordem conforme a sucessão das matérias É surpreendente que restando tantas coisas úteis a fazer os homens se divirtam quase sempre em fazer o que já feito está ou em meras inutilidades ou pelo menos naquilo que é o menos importante não vejo para isso outro remédio antes queo público aprenda a concederse momentos mais tranqüilos em sua vida 9 5 O duque de Aumont 16321704 membro da Academia das Inscrições e BeiasLetras 9 8 Teatro da Vida Humana obra enciclopédica do médico suiço Th Zwinger 15331588 publicada em 15861587 reeditada sob uma forma nova por Lourenço Beyerling em 1631 Ver abaixo nota 179 j NOVOS ENSAIOS 341 12 FILALETO As vossas digressões proporcionavam prazer e aproveita mento Entretanto deixemos agora as probabilidades dos fatos e analisemos as probabilidades das opiniões concernentes às coisas que não recaem sob os senti dos Elas não são suscetíveis de nenhum testemunho como sobre a existência da natureza dos espíritos anjos demônios etc sobre as substâncias corporais que se encontram nos planetas e em outras moradas deste vasto universo e finalmente sobre a maneira de operar da maior parte das obras da natureza já que de todas essas coisas só podemos ter conjeturas onde a analogia constitui a grande regra da probabilidade Com efeito não podendo essas coisas ser atestadas não podem parecer prováveis senão na medida em que concordam mais ou menos com as verdades estabelecidas Uma vez que uma fricção violenta de dois corpos produz calor e até fogo e as refrações dos corpos transparentes fazem aparecer cores jul gamos que o fogo consiste numa agitação violenta das partes imperceptíveis e que as cores cuja origem não enxergamos provêm de uma semelhante refração e julgando que existe umaconexão gradual em todas as partes da criação que podem ser sujeitas à observação humana sem vazio algum considerável entre duas temos toda a razão para pensar que as coisas se elevam rumo à perfeição pouco a pouco e através de graus insensíveis É difícil dizer onde começa o sensí vel e o racional e qual a mais baixa das coisas viventes é como a quantidade que aumenta ou diminui num cone regular Existe uma diferença excessiva entre cer tos homens e certos animais brutos se porém quisermos comparar o entendi mento e a capacidade de certos homens e de certos animais encontraremos tão pouca diferença que será muito difícil assegurar que o entendimento desses ho mens seja mais nítido ou mais amplo que o dos animais Quando portanto observamos uma tal gradação insensível entre as partes da criação desde o homem até às partes mais baixas que estão abaixo dele a regra da analogia nos faz considerar como provável que exista uma gradação semelhante nas coisas acima de nós e fora da esfera das nossas observações e esta espécie de probabili dade é o grande fundamento das hipóteses racionais TEÓFILO É baseado nesta analogia que Huygens julga no seu Cosmotheo r o s 91 que o estado dos outros planetas principais é bastante semelhante ao do nosso excetuada à diferença que deve provir da diferença de distância em relação ao sol e o Sr de Fontenelle que já antes tinha publicado as suas considerações cheias de espírito e de saber a respeito da pluralidade dos mundos98 disse coisas lindas acerca disso encontrando a arte de tornar amena uma matéria difícil Dir seia quase que no império da lua de Arlequim é tudo como aqui99 é verdade que a opinião que se tem das luas as quais não passam de satélites é completa mente diferente daquela que se tem sobre os planetas principais Kepler deixou 9 7 Obra póstuma de Christian Huygens 1698 traduzida para o francês com o título De la Pluralité des Mondes A Pluralidade dos Mundos 1702 98 Em 1686 99 Numa comédia de Nolant de Fatouville intitulada Arlequim Imperador na Lua 1683 uma cena satí rica que faz a enumeração de diversos traços dos costumes humanos que os habitantes da lua repetiam comentando Tudo ê como aqui 342 LEIBNIZ um pequeno livro que contêm uma ficção engenhosa sobre o estado da lua100 e um inglês homem de espírito deixou a gostosa descrição de um espanhol por ele inventado1 01 que foi transportado à lua por pássaro de pássagem sem falar de Cyrano que depois foi encontrarse com o tal espanhol Alguns homens de espíri to ijò desejo de fornecer um belo quadro da outra vida fâzem as almas dos bem aventurados passearem de úm mundo ao outro e a nossa imaginação encontra nisto uma parte das belas ocupações que se podem conceder aos gênios Entre tanto por mais esforço que a nossa imaginação faça duvido de que elapossa encontrar isto devido àgrande distância existente entre nós e os gênios E até que não encontremos lunetas tais quais o Sr Descartes nos deu a esperança de encontrar para discernir partes do globo da lua não maiores que as nossas casas não podemos determinar o que existe num globo diferente do nosso As nossas conjeturas serão mais úteis e mais verdadeiras no que concerne às partes internas dos nossos corpos Espero que possamos ir além da conjetura em muitas oca siões e já agora acredito que pelo menos a violenta agitação das partes do fogo de que acabais de falar não deve ser contada entre as coisas que não pas sam de prováveis É lastimável que a hipótese do Sr Descartes sobre a contextura das partes do universo visível foi tão pouco confirmada pelas pesquisas e desco bertas posteriores ou que o Sr Descartes não tenha vivido cinqüenta anos mais tarde para nos dar uma hipótese baseada nos conhecimentos atuais tão enge nhosa como a que deu baseado nos conhecimentos do seu tempo No que tange à conexão gradual das espécies já dissemos algo sobre isso nas discussões prece dentes onde assinaleique já certos filósofos raciocinaram sobre o vácuo nas for mas ou espécies Tudo procede por graus na natureza e nada em saltos sendo que esta regra a respeito das mudanças constitui uma parte da minha lei sobre a continuidade Entretanto a beleza da natureza que quer percepções distintas exige aparências de saltos e por assim dizer quedas de música nos fenômenos e tem prazer em mesclar as espécies Desta forma embora possa haver em algum outro mundo espécies intermédias entre o homem e o animal conforme se entende o sentido dessas palavras e existam aparentemente em algum lugar animais racionais que nos ultrapassam a natureza achou bom distanciálos de nós para nos entregar sem contradição a superioridade que desfrutamos no nosso globo Falo das espécies intermediárias e não gostaria de regularme aqui pelos indivíduos humanos que se aproximam dos animais pois aparentemente não é um defeito da faculdade mas um obstáculo para exercêla de sorte que acredito que o mais imbecil dos homens que não estiver num estado contrário à natu reza em virtude de alguma enfermidade ou por um outro defeito permanente equivalente a uma doença é incomparavelmente mais racional e mais dócil que o mais espiritual de todos os animais embora por vezes se diga o contrário por um jogo de espírito Aliás aprovo a pesquisa sobre as analogias as plantas 100 Numa obra póstuma sobre a astronomia lunar publicada em 1634 sob o título d Sonho de Kepler 101 Quanto a este romance de Godwin ver a nota 33 do Livro III Quanto a Cyrano de Bergerac ver nota 113 do Livro II que é a seguinte Cyrano de Bergerac 16191655 autor da História Cômica dos Estados e Impérios da Lua 1656 e da História Cômica dos Estados e Impérios do Sol 1662 n o v o s e n s a i o s 343 os insetos e a anatomia comparativa dos animais fornecerão sempre mais analo gia sobretudo se continuarmos a servirnos do microscópio ainda mais do que se faz agora Nas matérias mais gerais verseá que as minhas opiniões sobre as Mô nadas difundidas errí toda parte sobre a sua duração perpétua sobre a conserva ção do animal com a alma sobre as percepções pouco distintas num certo estado tal como a morte dos simples animais sobre os corpos que é razoável atribuir aos gênios sobre a harmonia das almas e dos corpos que faz com que cada um siga perfeitamente as suas próprias leis sem ser perturbado pelo outro e sem que o voluntário e o involuntário necessitem ser distinguidosverseá digo eu que todas essas opiniões são inteiramente conformes com a analogia das coisas que observamos e que estendo apenas além das nossas observações sem limitálas a certas porções da matéria ou a certas espécies de ações e que só existe diferença do grande ao pequeno do sensível ao insensível 13 FILALETO Não obstante há um caso em que concedemos menos à analo gia das coisas naturais que conhecemos através da experiência que ao tes temunho contrário de um fato estranho Pois quando acontecimentos sobrenatu rais são conformes aos finsdaquele que tem o poder de alterar o curso da natureza não temos motivo para recusar crer neles quando forem bem atestados é o caso dos milagres que não só possuem crédito por si mesmos senão que tam bém o comunicam a outras verdades que necessitam de uma tal confirmação 14 Finalmente existe um testemunho que supera qualquer outro assentimento e a revelação ou seja o testemunho de Deus que não pode enganar nem enganar se O assentimento que lhe damos se denomina fé a qual exclui qualquer dúvida tanto quanto o conhecimento mais certo Entretanto o problema é ter garantia de que a revelação é divina bem como ter certeza de que lhe compreendemos o ver dadeiro sentido ao contrário expomonos aofanatismo e a erros de uma falsa interpretação Quando a existência e o sentido da revelação forem apenas prová veis o assentimento não pode ter uma probabilidade maior do que aquela que se encontra nas provas Sobre isto teremos que falar mais explicitamente TEÓFILO Os teólogos distinguem entre os motivos de credibilidade como soem deriominálos com o assentimento natural o qual deve bròtar desses motivos e não ter maior probabilidade que estes últimos e o assentimento sobre natural que constitui um efeito da graça divina Escreveramse livros especiais sobre a análise da fé livros que não concordam totalmente entre si Todavia já que disto falaremos a seguir não quero aqui antecipar o que será dito no devido lugar 344 LEIBNIZ C a p í t u l o XVII A razão í FILALETO Antes de falarmos explicitamente sobre a fé trataremos da razão Esta significa por vezes princípios claros e verdadeiros por vezes conclu sões deduzidas desses princípios e por vezes a causa particularmente a causa final Aqui a consideramos como uma faculdade pela qual supomos que o homem se distingue do animal e o supera de muito 2 Temos necessidade da razão tanto para aumentar o nosso conhecimento como para regular a nossa opi nião e ela constitui a rigor duas faculdades que são a sagacidade para encon trar idéias médias e a faculdade de tirar conclusões ou de concluir 3 Podemos considerar na razão estes quatro graus 1 descobrir provas 2 colocálas numa ordem que revele a sua conexão 3 perceber a conexão em cada parte da dedu ção 4 tirar daí a conclusão Podese observar esses quatro graus nas demonstra ções matemáticas TEÓFiLO A razão é a verdade conhecida cuja conexão com uma outra menos conhecida faz dar o nosso assentimento à última De maneira particular e por excelência denominase razão se é a causa não apenas do nosso julgamento mas também da própria verdade o que se denomina também razão a priori sendo que a causa nas coisas corresponde à razão nas verdades Eis por que a própria causa é muitas vezes denominada razão particularmente a causa final Finalmente a faculdade que percebe esta conexão das verdades ou a faculdade de raciocinar é também denominada razão sendo este o sentido que aqui empregais Ora esta faculdade pertence exclusivamente ao homem na terra não apare cendo nos outros animais existentes no globo com efeito já mostrei que a som bra da razão que se pode observar nos animais não é mais que a espera de um acontecimento semelhante num caso que parece semelhante ao passado sem conhecer se a mesma razão tem lugar Os próprios homens não agem de outra forma nos casos em que são puramente empíricos Todavia elevamse acima dos animais enquanto enxergam as conexões das verdades as conexões que consti tuem elas mesmas verdades necessárias e universais Essas conexões são até necessárias quando produzem apenas uma opinião quando após uma exata pes quisa a prevalência de uma probabilidade na medida em que se pode julgar pode ser demonstrada de maneira que então existe demonstração não da verdade da coisa mas do partido que a prudência cjuer que se adote Ao partilhar èsta faculdade da razão creio que não se faz mal em reconhecerlhe duas partes con forme uma opinião bastante difundida que distingue a invenção e o julgamento NOVOS ENSAIOS 345 Quanto aos quatro graus que observais nas demonstrações da matemática acho que via de regra o primeiro que consiste em descobrir provas não aparece como seria de desejar São sínteses que foram encontradas por vezes sem análise e por vezes a análise foi suprimida Os geômetras colocam nas suas demonstra ções primeiramente a proposição que deve ser demonstrada e para chegar à demojistração expõem por alguma figura o que é dado É o quese denomina ecteseJ 02 Depois disso chegam à preparação e traçam novas linhas de que têm necessidede para o raciocínio muitas vezes a maior arte consiste em encontrar essa preparação Feito isso fazem o próprio raciocínio tirando conseqüências daquilo que foi dado na ectese e daquilo que foi acrescentado pela preparação e empregando para isso as verdades já conhecidas ou demonstradas chegam à conclusão Entretanto existem casos em que se dispensa a ectese e a preparação 4 FILALETO Acreditase geralmente que o silogismo é o grande instrumento da razão e o melhor meio para pôr esta faculdade em exercício Quanto a mim tenho dúvidas pois o silogismo serve apenas para ver a conexão das provas num só exemplo e não vai além disso ao passo que o espírito vê esta conexão facil mente e talvez melhor sem o silogismo Os que sabem utilizar as figeras e os modos supõem o mais das vezes o seu uso e utilidade em virtude de uma fé implí cita nos seus meâtres sem saber a razão Se o silogismo fosse necessário nin guém conheceria o que quer que seja mediante a razão antes da sua invenção e seria necessário dizer que Deus tendo feito o homem como criatura de duas per nas deixou a Aristóteles o cuidado de fazer do homem um animal racional quero dizer deste pequeno número de homens que poderiam examinar os fundamentos dos silogismos pois dentre mais de sessenta maneiras de formar as três proposi ções que compõem um silogismo existem apenas umas catorze que são seguras Entretanto Deus foi muito mais bondoso para com os homens dandolhes um espírito capaz de raciocinar Não digo isso para menosprezar Aristóteles que considero um dos maiores homens da antiguidade a quem poucos igualarão em amplidão em sutileza em penetração de espírito e em força de discernimento e que pelo próprio fato de haver inventado este pequeno sistema das formas da argumentação prestou um grande serviço aos sábios Todavia essas formas não constituem o único nem sequer o melhor instrumento para raciocinar aliás Aris tóteles não o descobriu pelas próprias formas senão pelo caminho original da concordância manifesta das idéias e o conhecimento que se adquire pela ordem natural nas demonstrações matemáticas aparece melhor sem o auxílio de qual quer silogismo Inferir é tirar uma proposição como verdadeira de uma outra já afirmada como verdadeira supondo uma certa conexão de idéias médias por exemplo do fato de que os homens serão punidos no outro mundo inferese que eles podem determinarse a si mesmos neste mundo Eis aqui a conexão Os ho mens serão punidos e Deus é Aquele que pune logo a punição é justa logo o punido é culpado logo ele poderia ter agido de outra forma logo ele desfruta da liberdade logo ele tem a faculdade de determinarse a si mesmo A conexão se vê 102 Quanto à ectese ou oposição ver nota 3 346 Le i b n i z melhor aqui dò que se houvesse cinco ou seis silogismos complicados caso em que as idéias seriam transpostas repetidas e enquadradas nas forniás artificiais Tratase de saber que conexão tem uma idéia média com os extrembs no silogis mo ora é isto que nenhum silogismo é capaz de mostrar É o espírito que pode perceber tais idéias colocadas assim por uma espécie de justaposição e isto pela sua própria vista Para que serve então o silogismo Ele tem utilidades nasesco las onde não se tem vergonha de negar a concordância das idéias que visivel mente concordam Donde vem que os homens jahiais fazem silogismos em si mesmos quando procuram a verdade ou a ensinam àqueles que desejam sincera mente conhecêla Também é bastante óbvio que estã ordem é mais natural Homem animal ser vivente isto é o homem é um animal o animal é um ser vivente logo o homêrri é umser vivènte mais natural digo que a ordem deste silogismo Animal ser vivente Homem animal Homem ser vivente istò é o animâl é um ser vivente o homem é üm animal logo o homem é um ser vivênte É verdade que os silogismos podem seryif para descobrir uma falsidade oculta sob o brilho de um ornamento tirado da retórica e outrora âõreditei que o silogismo fosse necessário ao menos para precavirse contra os sofismas disfar çados em discuráos semeados de flores todavia após um exame mais severo che guei à conclusão de que é necessário apenas distinguir as idéias das quais depen de a conseqüência daquelas que são supérfluas e colocálas numa ordem natural para demonstrar a incoerência Conheci uma pessoa para a qual as regras do silo gismo eram completamente desconhecidas a qual percebia imediatamente a fra queza e os falsos raciocínios de um longo discurso artificioso e plausível discurso pelo qual se deixaram enganar outras pessoas exercitadas em toda a fineza da ló gicas Creio que haverá poucos dos meus leitores que não conheçam tais pessoas Se não fosse assim os príncipes iios assuntos que interessam às suas coroas e à sua dignidade não deixariam de fazer entrar os silogismos nas discussões mais importantes nas quais seria ridículo utilizálos Como todos concordarão Na Ásia na África e na América entre os povos independentes da Europa quase ninguém ouviu falar alguma vez de silogismo Afinal de contas vêse que essas formas escolásticas também podem induzir ao erro tanto quanto as outras além disso raramente o método do silogismo chega a convencer as pessoas Tais pes soas reconhecerão ao máximo que o seu adversário é mais preparado intelec tualmente porém nem por isso deixarão de continuar persuadidas da justeza das suas convicções E se se podem envolver raciocínios falaciosos em silogismos é necessário que a falácia possa ser descoberta por um outro meio que não seja o silogismo Não obstante o que acabo de dizer não creio que se devam rejeitar os silo gismos nem que se deva renunciar a qualquer meio capaz de ajudar o nosso entendimento O que pretendo afirmar éque as pessoas que deles se servem não OVOS ENSAIOS 347 devem dizer que não é possível enxergar sem usar óculos Isso seria rebaixar de mais a natureza humana em favor de uma arte à qual tais pessoas possivelmente devam algo Pode até acontecer a eles o que por vezes acontece aos que usam óculos em demasia ou cedo demais a vista deles foi tão ofuscada pelo abuso deste instrumento que chegaram ao ponto de não mais poder enxergar sem usálot TEÓFILO O vosso arrazoado sobre a pouca utilidade dos silogismos está repleto de uma sérié de observações sólidas e boas Cumpre reconhecer que a forma escolástica dos silogismos ê pouco usada no mundo além disso que ela é excessivamente longa e complicada se quisés semos empregála côin seriedade Não obstante mesmo que não o acrediteis estou convêrióido de que a invenção dos silogismos constitui uma das mais belas do espírito humano e até uma das mais consideráveis É uma espécie de matemática universal cuja impor tância não é suficientemente conhecida Podese dizer que o silogismo encerra uma arte de infalibilidade desde que se saiba e se tenha capàcidade para bem usálo oque nem serripré acontece Entretanto é necessário saber que ao falar dos argumentos em forma não entendo exclusivamente esta maneira escolástica de raciocinar que se utiliza nos colégios mas todo raciocínio que conclui pela força da forma e onde lião há necessidade de suprir ponto algum de maneira que um Sorites 1 03 um outro tipo de silogismo que evite a repetição um cálculo de álgebfà uma análise dos infini tesimais serão para mim mais ou menos argumentos em forma porque a sua forma de raciocinar foi prédemonstrada de maneira que estaftios seguros de não nos enganar Pouco faltâ para que as demonstrações de Euclides sejaffij na maio ria dos casos argumentos em forma pois quando ele faz entimemás iia aparên cia a proposição suprimida e que parece faltar é suprida pela citação na margem onde se indica o meio de encõntrála já demonstrada o que dá um grande resu mo sem nada sacrificar da força de convicção Essas inversões composições e diVisoes das razões das quais se serve Euclides não passam de espécies de for mas de argumentar particulares e próprias âôs matemáticos e à matéria còm a qual se ocupam e demonstram essas formas com o auxílio das formas universais da lógica Aíém disso importa saber que existem conseqüências assilogísticas boas as quais não se podem demonstrar a rigor por nenhum silogismo sem mudar4hes um pouco os termos sendo que esta mesma mudança dos termos faz a conse qüência assilogística Existem vários tipos como entre outros a recto ad obli quum 1 0 4 por exemplo Jesus Cristo é Deus portanto a mãe de Jesus Cristo é 103 Tipo de raciocínio cumulativo porexemplo A é B B é C C é D logo A é D no qual se deixa de enun ciar a conclusão das premissas tomadas duas a duas Este sentido da palavra sorites deve ser distinguido do sentido mencionado na nota 27 10 4 Do direto ao oblíquo em outros termos passando da menção de um termo tomado como sujeito no nominativo caso direto a uma menção deste mesmo termo tomado por exemplo como complemento de nome no genitivo caso oblíquo 348 LEIBNIZ mãe de Deus Analogamente aquela que os grandes mestres da lógica denomi naram inversão de relação como por exemplo esta conseqüência se Davi é pai de Salomão sem dúvida Salomão é o filho de Davi Estas conseqüências não dei xam de ser demonstráveis por verdades das quais dependem os próprios silogis mos vulgares Também os silogismos não são somente categóricos mas também hipotéticos nos quais se englobam os disjuntivos Podese dizer que os categó ricos são simples ou compostos Os categóricos simples são aqueles que se encon tram comumente isto é segundo os modos das figuras descobri que as quatro figuras têm cada qual seis modos de maneira que existem ao todo vinte e quatro modos Os quatro modos vulgares da primeira figura não são senão o efeito da significação dos sinais Todo Nenhum Algum E os dois que acrescento para nada omitir não são senão as subalternações das proposições universais Com efeito destes dois modos ordinários Todo B é C e todo A é B do qual todo A é C analogamente Nenhum B é C todo A é B logo nenhum A é C podese construir estes dois modos adicionais Todo B é C todo A é B logo algum A é C analogamente nenhum B é C todo A é B logo algum A não é C Pois não é necessário demonstrar a subalternação e provar as suas conseqüências Todo A é C logo algum A é C analogamente nenhum A é C logo algum A não é C em bora seja possível demonstrála pelos idênticos acrescentados aos modos já resultantes da primeira figura da seguinte maneira Todo A é C algum A é A logo algum A é C analogamente nenhum A é C algum A é A logo algum A não é C De maneira que os dois modos adicionais da primeira figura se demonstram pelos dois primeiros modos ordinários da dita figura com a intervenção da subal ternação ela mesma demonstrável pelos dois outros modos da mesma figura Da mesma forma a mesma figura também recebe dois modos novos Assim a pri meira e a segunda têm seis modos a terceira sempre teve seis davase cinco à quarta figura mas vêse que ela também tem seis pelo mesmo princípio de adi ção Todavia cumpre saber que a forma lógica não nos obriga a esta ordem de proposições que utilizamos comumente e partilho a vossa opinião que é melhor este outro arranjo Todo A é B todo B é C logo todo A é C o que seria particu larmente pelos sorites que são um conjunto de tais silogismos Pois se houvesse ainda um Todo A é C todo C é D logo todo A é D poderseia fazer um con junto desses dois silogismos que evita a repetição dizendo Todo A é B todo B é C todo C é D logo todo A é D onde se vê que a proposição inútil todo A é C é negligenciada e a repetição inútil desta mesma suposição que os dois silogis mos exigiam é evitada pois esta proposição já é inútil e o conjunto é um argu mento perfeito e bom em forma sem esta mesma proposição quando a força do conjunto foi demonstrada de uma vez por todas através desses dois Silogismos Existe uma infinidade de outros conjuntos mais compostos não somente porque neles entra um número maior de silogismos simples mas também porque os silogismos que entram são mais diferentes entre si pois se pode fazer entrar não somente categóricos simples mas ainda copulativos e não somente categóri cos mas também hipotéticos e não apenas silogismos plenos mas também enti memas onde as proposições que se consideram evidentes são suprimidas Tudo NOVOS ENSAIOS 349 isso associado a conseqüências assilogísticas e às transposições das preposições e a uma série de pensamentos que escondem essas proposições pela inclinação natural do espírito a abreviar e pelas propriedades da linguagem que aparecem em parte no uso das partículas constituirá um conjunto de raciocínios que repre sentará qualquer argumentação mesmo de um orador mas despojada dos seus ornamentos e reduzida à forma lógica não escolasticamente mas sempre de forma suficiente para conhecer a força segundo as leis da lógica que não são ou tras senão as do bom senso postas em ordem e por escrito Estas leis da lógica não diferem do bom senso mais do que o costume de uma província difere do que tinha sido antes pelo fato de passar de costume não escrito a costume escrito O que acontece é que a lógica podendo ser colocada por escrito e podendo ser vista toda ela de uma só vez fornece mais luz para poder ser aplicada Com efeito o bom senso natural sem o auxílio da arte ao fazer a análise de algum raciocínio por vezes terá certa dificuldade para enxergar a força das conseqüências encon trando por exemplo alguns que encerram algum modo na verdade bom mas menos usado comumente Entretanto um mestre de lógica que quisesse que não nos servíssemos de tais conjuntos ou não quisesse ele mesmo servirse deles pretendendo que se deve sempre reduzir todos os argumentos compostos aos silo gismos simples dos quais na realidade dependem seria conforme o que já vos disse como uma pessoa que quisesse obrigar os comerciantes dos quais compra alguma coisa a contarlhe os números um por um como se conta nos dedos ou como se contam as horas do relógio da cidade Isso denotaria a sua estupidez se ele não fosse capaz de contar de outra forma e se só fosse capaz deconcluir que 5 mais 3 fazem 8 com os dedos Ou então denotaria capricho se conhecesse tais métodos abreviados e não quisesse servirse deles ou permitir que os outros deles se sirvam Assemelharseia ele também a uma pessoa que não quisesse que se utilizassem os axiomas e os teoremas já demonstrados pretendendo que se deve sempre reduzir todo o raciocínio aos primeiros princípios nos quais se veja a conexão imediata das idéias dos quais na realidade esses teoremas dependem Após explicar a utilidade das formas lógicas da maneira que acredito que se deve explicar abordo as vossas considerações Não vejo por que afirmar que o silogismo só serve para ver a conexão das provas num só exemplo Dizer que o espírito enxerga sempre com facilidade as conseqüências é o que não se verifica rá pois às vezes se vê algumas ao menos nos raciocínios dos outros em que se pode duvidar enquanto não se vir a demonstração Comumente servimonos dos exemplos para justificar as conseqüências mas isto não é sempre suficiente mente seguro embora exista uma arte de escolher exemplos que não se enxerga riam como verdadeiros se a conseqüência não fosse correta Eu não acreditava que fosse permitido nas escolas bem organizadas negar sem nenhuma vergonha as concordâncias evidentes das idéias e não me parece que se empregue o silo gismo para demonstrálas Ao menos não é este o seu emprego único e principal Verseá com maior freqüência do que se pensa ao examinar os paralogismos dos autores que eles pecaram contra as regras da lógica e eu mesmo experi mentei algumas vezes ao discutir mesmo por escrito com pessoas de boafé qué 350 LEIBNIZ só se começou a entender quando se argumentou em forma rigorosa para desen tranhar um caos de arrazoados Seria ridículo querer argumentar à maneira esco lástica nas deliberações importantes devido às prolixidades importunas e emba raçantes deta forma de raciocinar e porque é como contar com os dedos Entretanto é muito verdade que nas mais importantes deliberações que dizem respeito à vida ao Estado à salvação as pessoas muitas vezes se deixam enganar pelo peso da autoridade pelo brilho da eloqüência por exemplos mal aplicados por entimemás que supõem falsamente a evidência daquilo que suprimem e até por conseqüências falhas Assim sendo uma lógica severa porém de outro feitio que a da escola lhes seria muito necessária entre outras coisas para determinar de que lado se encontram as razões mais fortes De resto o fato de que a maioria dos homens ignora a lógica artificial e de que tais pessoas não deixam de racioci nar por vezes melhor do que pessoas exercitadas na lógica não prova a inutili dade desta última assim como não ficaria demonstrada a inutilidade da aritmé tica pelo fato de haver certas pessoas que contam corretamente sem saber ler e escrever e sem aber manejar a pena até ao ponto de chegarem a corrigir as fal tas de um outro que aprendeu a calcular mas que pode descuidar ou deixarse confundir com os caracteres ou números É verdade que também os silogismos podem tornarse sofísticos mas as suas próprias leis servem para reconhçêlps é verdade que os silogismos não convertem nem convencem sempre mas é por que o abuso das distinções e dos termos mal entendidos torna o seu uso prolixo até tornarse insuportável se fosse necessário leválo até o fim Só me resta aqui considerar e suprir o vosso argumento trazidp para servir de exemplo para um raciocínio claro sem a forma lqgiça Deus pune o homem é um fato suposto Deus pune cpm justiça aquele a quem pune é uma ver dade da razão que se pode considerar demonstradda logo Deus pune o homem com justiça é uma conseqüência silogística estendida ssilogisti camente a recto ad obliquum logo o homem ê punido com justiça é uma inversão dç fplação que porém se suprime devido à sua evidência logo o homem é culpado é um entimepi no qual se suprime esta proposição que na realidade é apenas uma definição aquele que se pune justamente é culpap logo o homem teiçia podido agir de outra forma suprimese esta proposição aquele que é culpado teve a liberdade de agir de pjitra forma logo o homem foi livre suprimese ainda quem teve a possibilidade de agir de outra maneira foi livre portanto em virtude da definição do termo livre ele teve o poder de autodeterminarse Era itg que cumpria demonstrar Observo aqui que este próprio portanto encerra na realidade tanto a prpposição subentendida qye aquele que é livre tem o poder de autodetermiparse como serve para evi tar a rppetição dos termos Neste sentido não haveria nada de omitido e sob este aspecto o argumento poderia passar por completo Qbservase que este raciocínio constitui um conjunto de silogismos inteiramente concordes com a lógica pois neste momento não quero considerar a matéria deste arrazoado2 onde haveria tal vez reparos a fazer ou esclarecimentos a pedir Por exemplo qugndq um homem não pode agir de putra forma há casos em que poderia ser culpado diante de NOVOS ENSAIOS 351 Deus como se fosse bem fácil não poder socorrer ao seu próximo para ter uma escusa Para concluir reconheço que a forma de argumentação escolástica é em geral incômoda insuficiente maltratada mas ao mesmo tempo afirmo que nada seria mais importante que a arte de argumentar em forma segundo a yerdadeira lógica isto é plenamente quanto à matéria e claramente quando à ordem e à força das conseqüências sejam evidentes por si mesmas sejam prédemons tradas 5 FILALETO Acreditava eu que o silogismo fosse ainda menos útil ou melhor absolutamente de nenhuma utilidade nas probabilidades visto que ele emprega um único argumento tópico Agora porém vejo que é necessário sempre provar solidamente o que existe de seguro no próprio argumento tópico isto é a evidência que nele se encontra e que a força da conseqüência consiste na forma 6 Todavia se os silogismos servem para julgar duvido de que possãm servir para inventar isto é para encontrar provas epara fazer novas descobertas Por exemplo não creio que a descoberta da quadragésima sétima proposição do pri meiro livro de Euclides se deva às regras da lógica ordinária pois primeiramente se conhece e depois se é capaz de demonstrar em forma silogística TEÓFILO Englobando sob os silogismos também os conjuntos de silogismos e tudo aquilo que denominei argumentação em forma podese dizer que p conheci mento que não é evidente por si mesmo se adquire através de conseqüências as quais só são corretas quando possuem a sua forma devida Na demonstração da dita proposição que faz o quadrado da hipotenusa igual aos dois quadrados dos lados cortase o grande quadrado em pedaços e os dois pequenos também e resulta que os pedaços dos dois quadrados pequenos podem encontrarse todos no quadrado grande e nem mais nem menos É demonstrar a igualdade em foma e as igualdades dos pedaços se proyam também por argumentos em boa forma A análise dos antigos erá segundo Pappus tomar o que se pede e tirar dali conseqüências até que se chegue a alguma coisa dada ou conhecida Observei que para este efeito é necessário que as proposições sejam recíprocas a fim de que a demonstração sintética possa repassar de volta pelo caminho da análise mas é sempre tirar conseqüências Entretanto convém notarse aqui que nas hipóteses astronômicas ou físicas a volta não se verifica porém tampouco o evento não demonstra a verdade da hipótese É verdade que ele á torna provável mas como esta probabilidade parece pecar contra a regra da lógica que ensina que o verda deiro pode ser derivado do falso dirseá que as regras lógicas não se verificarão inteiramente nas questões prováveis Respondo que é possível que o verdadeiro seja concluído do falso porém não é sempre provável sobretudo quando uma simples hipótese dá a razão de muitas verdades o que acontece com dificuldade e raramente Poderseia dizer com Cardan1 0 5 que a lógica dos prováveis tem ou tras conseqüências que a lógica das verdades necessárias Entretanto a própria probabilidade dessas conseqüências deve ser demonstrada pelas conseqüências da lógica das necessárias 1f Ver a nota 28 doLiyroI 352 LEIBNIZ 7 FILALETO Ao que me parece fazeis a apologia da lógica vulgar mas vejo perfeitamente que a vossa contribuição pertence a uma lógica mais sublime em comparação com a qual a lógica vulgar é o que são os rudimentos do alfabeto em relação à erudição Isto me recorda uma passagem do judicioso Hooker10 6 que no seu livro intitulado A s Leis do Estado Eclesiástico livro I 6 acredita que se pudéssemos obter os verdadeiros meios do saber e da arte de raciocinar que não se conhece muito e pelo que poucos se preocupam neste nosso século que passa por esclarecido haveria tanta diferença em relação à solidez do julga mento entre os homens que o utilizariam e o que os homens são atualmente como entre os homens de hoje e os imbecis Desejo que a nossa discussão possa forne cer ocasião de fazer alguns encontrarem esses verdadeiros meios da arte dos quais fala esse grande homem que possuía espírito tão penetrante Nãó serão os imitadores que como costuma fazer o gado seguem pelo caminho batido imita torum servumpecus1 0 7 Todavia ouso dizer que existem neste século pessoas de uma tal força de julgamento e de uma amplidão de espírito tão grande que pode riam contribuir para o avanço do conhecimento dos caminhos novos se quises sem darse ao esforço de dedicarse a isto TEÓFILO Observastes bem como Hooker que o mundo não se preocupa com isso embora acredite também eu que tenha havido e haja ainda pessoas capazes para isso Cumpre reconhecer porém que temos atualmente grandes meios tanto do lado da matemática como da filosofia sendo que o Ensaio sobre o Entendi mento Humano de autoria do vosso insigne amigo não constitui o menor deles Veremos seexiste maneira de tírar proveito dele 8 FILALETO Sinto necessidade de dizervos ainda que a meu entender há um menosprezo visível nas regras do silogismo Entretanto desde que começa mos a conferir os nossos pontos de vista comecei a hesitar Não obstante isso apresentarvosei a minha dificuldade Dizse que nenhum raciocínio silogístico pode ser concludente se não contiver no mínimo uma proposição universal Pare ceme porém que somente as coisas particulares são o objeto imediato dos nos sos raciocínios e dos nossos conhecimentos elas repousam apenas sobre a concordância e a discordância das idéias das quais cada uma tem apenas uma exigência particular e representa apenas uma coisa singular TEÓFILO Na medida em que concebeis a similitude das coisas concebeis algo a mais e a universalidade consiste exclusivamente nisto Permanece de pé que ja mais proporeis nenhum dos nossos argumentos sem empregar neles verdades universais Todavia convém notar que se deve englobar quanto à forma as proposições singulares nas universais Pois embora seja verdade que só existe um São Pedro Apóstolo podese dizer que quem quer que tenha sido São Pedro Apóstolo renegou o seu mestre Desta forma podese dizer que este silogismo 10 6 Richard Hooker 15541600 autor das Laws o f Ecclesiastical Polity Leis do Estado Eclesiástico 1594 10 7 Expressão de Horácio Epitolas I IxIX 19 O rebanho servil dos imitadores São Pedro renegou o seu mestre Sào fcedro foi discípulo logo algum discípulo renegou o seu mestre embora só contenha proposições singulares encerra proposições universais afirmativas e o modo serk darapti da terceira figura FILALETO Queria dizervos ainda que me parecia melhor transpor as premissas dos silogismos e afirmar Todo Aé B Todo B é C logo todo A é C quer dizer todo B é C todo A é B logotodo A é C Entretanto pelo que dissestes parece que não nos distanciamos disso e que se conta ambos como sendo um e mesmo modo Continua sempre verdade como observastes que a disposição dife rente da vulgar é mais apta para fazer um conjunto de vários silogismos TEÓFILO Concordo inteiramente com a vossa opinião Parece porém que se acreditou ser mais didático começar por proposições universais como são as pre missas maiores na primeira e na segunda figuras e existem ainda oradores que têm este hábito Todavia a ligação aparece melhor da maneira que propondes Observei outrora que Aristóteles pode ter tido um motivo especial para optar pela disposição comum Pois ao invés de dizer A é B costuma dizer B é A E desta maneira a própria ligação que procurais virá na disposição comumente admitida Com efeito em vez de dizer BéC A é B logo A é C ele a enunciará assim C está em B B está em A logo C está em A Por exemplo ao invés de dizer O retângulo é isógono com ângulos iguais o quadrado é retângulo logo o qua drado é isógono Aristóteles sem transpor as proposições conservará o lugar do meio para o termo médio por esta forma de enunciar as proposições que inverte os seus termos e dirá o isógono está no retângulo o retângulo está no quadrado logo o isógono está no quadrado Esta forma de enunciar não deve ser menospre zada pois na realidade o predicado está no sujeito ou então a idéia do predicado está envolta na idéia do sujeito Por exemplo o isógono está no retângulo pois o retângulo é a figura na qual todos os ângulos retos são iguais entre si e por conseguinte na idéia do retângulo está a idéia de uma figura na qual todos os ân gulos são iguais o que constitui o conceito do isógono A maneira comum de enunciar considera preferivelmente os indivíduos ao passo que a de Aristóteles considera mais as idéias ou úniversais Com efeito dizendo todo homem é ani mal quero dizer que todos os homens estão compreendidos em todos os animais ao mesmo tempo porém entendo que a idéia do animal está compreendida na idéia do homem O animal compreende mais indivíduos que o homem mas o homem compreende mais idéias ou mais formalidades umtem mais exemplos o outro mais graus de realidade um tem maior extensão o outro maior intenção Podese também dizer verdadeiramente que toda a doutrina silogística poderia ser demonstrada pela de continente et contento ou seja do compreendente e do compreendido que é diferente da do todo e da parte visto que o todo ultrapassa sempre a parte ao passo que o compreendente e o compreendido pór vezes são iguais como acontece nas proposições recíprocas 9 FILALETO Começo a fazer da lógica uma idéia completamente diversa da que possuía outrora Consideravaa como uma brincadeira de escolares ao passo que agora vejo que existe uma espécie de matemática universal da forma como ÜOVOS ENSAIOS 353 I 354 LEIBNIZ entendeis Oxalá se conseguisse fazêla progredir mais do que até agora a fím de que possamos encontrar nela esses verdadeiros subsídios ou meios da razão dos iquais falava Hooker meios que elevariam os homens bem acima do seu estado atual Ora a razão ê uma faculdade que tem tanto maior necessidade disto quan to a sua extensão ê bastante limitada e nos falta em muitas ocasiões Isto provém do fato de que 1 Muitas vezes nos faltam as próprias idéias 10 2 As idéias são muitas vezes oBscuras e imperfeitas ao passo que onde elas sao claras e distintas como nos números não encontramos dificuldades insuperáveis e não caímos em nenhuma contradição 11 3 Muitas vezes também a dificuldade provêm do fato de que nos faltam as idéias médias É sabido que antes de se des cobrir a álgebra este grande instrumento e esta prova insigne da sagacidade do homem os homens olhavam com espanto pará muitas das demonstrações dos antigos matemáticos 12 Acontece também 4 que se constrói sobre falsos prin cípios o que pode levar a dificuldades onde a razão confunde ao invés de acla rar 13 Finalmente 5 os termos cuja significação é incerta perturbam a razão TEÓFILO Não sei se nos faltam tantas idéias como se crê isto é idéias distin tas Quanto às idéias confusas ou melhor imagens ou se quiserdes impressões como cores gostos etc que constituem um resultado de várias pequenas idéias distintas em si mesmas mas que não percebemos distintamente falta nos uma infinidade delas que competem a outras criaturas mais do que a nós Entretanto também essas impressões servem mais para dar instintos e fundar observações de experiência do que para fornecer matéria à razão a não ser que sejam acompanhadas por percepções distintas Por conseguinte é principalmente a falta do conhecimento que temos dessaS idéias distintas escondidas mas confu sas què nos paralisa e mesmo quando tudo está distintamente exposto aos nos sos sentidos ou ao nosso espírito a multidão das coisas que cumpre considerar por vezes nos confunde Por exemplo quando existe úm monte de 1 000 balas diante dos nossos olhos é evidente qüe para bem conservar o número e as propriedades dessa iiitiltidao é muito útil ordenálas em figuras comò se faz nas casas de comércio a fim de ter delas idéias distintas e fixálas de maneira a não ser necessário contálâs mais dê uma vez É também a multidão das considera ções que faz com que nà ciência dbs próprios números existam dificuldades muito grandes pois se proburam resumoá e abreviações e não se sabe se a natureza os possui para o caso em questão Por exemplo que existe de mais simples nk apa rência do que a noçâb do número primitivo isto ê do número inteiro dividido por cHàiquer outro exceto pela unidade é por si mesmo Todavia procuraSe áínda uma característica positiva e fácil para reconhecêlos com certeza sem ensaiar todos os divisores primitivos menores que a raiz quadrada do primitivo dado Ekiste uíha infinidade de características qüe fazem conhecer sem muito cálculo iqüé tal número não é primitivo mas procurase üma que seja fácil e que nos mos tre com certeza que ele é primitivo É isto que faz também com que a álgebrá seja ainda tão imperfeita embora nada exista mais conhecido que as idéias que ela utiliza visto que elas não significam outra coisa senão números em geral pois o NOVOS ENSAIOS 355 publico ainda não tem os meios para tirar as raízes irracionais de nenhuma equa ção além do quarto grau exceto riiim caso muito limitado sendo que osmé todos utilizados por Diofante Cipião du Fbr è Lüís de Ferrara1 08 para o segun do terceiro e quarto graus a fim de réduzilos ao primeiro ou a fim de reduzir uma equação complexa e uma equação pura são todos diferentes entre si ou seja o que serve para um grau difere um grau daquele que serve para o outro Com efeito Ò segundo grau ou da equação quadrada se reduz ao primeiro tiran do apenas o segundo termo O terceiro grau ou dà equação cúbica foi resolvido pois cortando a incógnita em partes resulta felizmente numa equação do segundo grau E no quarto grau ou das biquadradas acrescentase alguma coisa dos dois lados da equação para tornála extraível das duas partes e de novo resulta feliz mente que para obtêlo ê suficiente apenas uma equação cúbica Tudo isto porém não é mais que uma mescla de sorte e de acaso com a arte ou o método Tentando esta mescla nesses dois últimos graus não se sabia se haveria êxito É necessário algum outro artifício ainda para conseguir êxito no qüinto ou sexto graus que são dos supersólidos ou dos bicübos E embora Descartes tenha pen sado que o método que utilizou no quarto grâu doncebendo a equação como pro duzida por duas outras equações quadradás mas que no fundo não pode dar mais do que a de Luís dé Ferrara lograria êxito também na sexta isto não se constatou Esta dificüídade nos revela que mesmo as idéias mais claras e mais distintas não nos dãd sempre tudo o que se exige e tudo o que se pode deduzir Isto ao mesmo tempo mOstra què falta ainda muito para que a álgebra seja a arte de inventar visto que ela mesma tem necessidade de uma arte mais geral podese atéafirmar que a especiosa em geral isto é a arte dos caracteres constitui um recurso maravilhoso pois desencarrega a imaginação Não se duvidará ao ver a aritmética de Diofante e os livros geométricos de Apolônio e de Pappus de que os antigos tenham visto algo dessas coisas Viète estendeu mais este método exprimindo não somente o que é exigido riiás ainda os números dados mediante caracteres gerais fazendo com o cálculo b que Euclides já fazia através do racio cínio sendo que Descartes ampliou a aplicação deste cálculo à geometria mar cando as linhas pelás equações Todavia mesmo depois da descoberta da nossa álgebra moderna b Sr Bouillaud Ismael Bullialdus1 0 9 sem dúvida excelente geômetra que ainda conheci em Paris considerava com admiração as demons trações de Arquimedes sobre a espiral e não podia compreender como este grande homem tenha tido a idéia de empregar a tangente desta linha para a dimensão do círculo O Padre Gregório de SaintVincent1 1 0 parece têlo adivinhado dizendo que ele chegou a isso pelo paralelismo da espiral com a parábola Todâvia este caminho é apenas particular ao passo que o novo cálculo dos infinitesimais que 10 8 Diofante matemático alexandrino do século IV Cipião du Fer nascido era 1567 professor de mate mática em Bolonha Luís de Ferrara 15221562 matemático discípulo de Cardàn 109 Ismael Bouilliau 16051694 astrônomo e matemático francês autor de um tratado sobre as espirais editado em 1657 11 0 Gregório de SaintVincent 15841667 geônietrá flamengo autor de um trataíió sdbrè â quadratura do círculo e sobre as seções cônicas 1674 356 LEIBNIZ procede pela via das diferenças que descobri e comuniquei com êxito ao pú bico dá um caminho geral no qual esta descoberta pela espiral não passa de um jogo à um ensaio dos mais fáceis como aliás quase tudo o que se encontrou antes em matéria de dimensões das curvas A razão da vantagem deste novo cál culo é ainda qiie ele desencarrega a imaginação nos problemas que o Sr Descar tes tinha excluído da sua geometria sob pretexto de que eles conduziam o içais das vezes ao mecânico mas no fundo porque não convinham ao seu cálculo iNo que concerne aos erros que provêm dos termos ambíguos depende de nós evitálos FILALETO Existe também um caso em que a razão não pode ser aplicada mas onde se tem necessidade dela sendo que a vista vale mais do que a razão É no conhecimento intuitivo no qual a conexão das idéias e das verdades se enxerga imediatamente Tal é o conhecimento das máximas indubitáveis e estou tentado a crer que é este o grau de evidência qúe os anjos possuem atualmente e que os espíritos dos homens justos chegados à perfeição terão num estado futuro acerca de mil coisas que agora escapam ao nosso entendimento 15 A demonstração porém fundada sobre idéias médias fornece um conhecimento raciocinado É porque a conexão da idéia média com as extremas é necessária e se vê por uma justaposição de evidência semelhante à de uma vara que se aplica ora a um pano ora a outro para mostrar que são iguais 16 Ao contrário se a conexão é ape nas provável o julgamento fornece apenas uma opinião TEÓFILO Só Deus tem o privilégio de ter apenas conhecimentos intuitivos As almas dos bemaventurados por mais livres que estejam desses corpos grosseiros e os próprios gênios por mais elevados que sejam embora desfrutem de um conhecimento incomparavelmente mais intuitivo do que nós e embora muitas vezes enxerguem num relance de olhos o que nós só descobrimos à força de conseqüência após muito esforço e trabalho devem também encontrar dificul dades no seu caminho pois sem isso não teriam o prazer de fazer descobertas que é um dos maiores que existem É necessário reconhecer que haverá sempre uma infinidade de verdades que lhes estão ocultas completamente ou por certo tempo verdades às quais é necessário que cheguem à força de conseqüências e pela demonstração ou até muitas vezes através de conjeturas FILALETO Se assim for esses gênios são apenas animais mais perfeitos do que nós ê como se dissésseis com o imperador da lua que é tudo como aqui111 TEÓFILO Direi que sim não completamente mas quanto ao fundo das coisas visto que as maneiras e os graus de perfeição variam ao infinito Entretanto o fundo é sempre e em toda parte o mesmo o que constitjii para mim uma máxima fundamental que domina em toda a filosofia Só concebo as coisas desconhe cidas ou conhecidas confusamente da maneira daquelas que nos são conhecidas distintamente Isso torna a filosofia simples Todavia se esta filosofia é a mais 111 Cf acima nota 99 n V NOVOS ENSAIOS 357 simples quanto ao fundo é também a mais rica nas maneiras pois a natureza pode variálas ao infinito como na realidade o faz com tanta abundância ordem e ornamentos quantos seja possível imaginar Eis por que acredito que nâo haja gênio por mais elevado que seja que não tenha uma infinidade de outros acima dele Entretanto embora sejamos muito inferiores a muitos seres inteligentes temos a vantagem de não sermos controlados visivelmente nesta terra onde ocu pamos sem contestação o primeiro lugar E com toda a ignorância em que esta mos mergulhados temos sempre o prazer de nâo ver nada que nos ultrapasse Júlio César preferia ser o primeiro numa aldeola a ser o segundo em Roma Aliás aqui falo exclusivamente dos conhecimentos naturais desses espíritos e não da visão beatífica nem das luzes sobrenaturais que Deus pode concéderlhes 19 FILALETO Uma vez que cada qual utiliza a razão ou em relação a si mesmo ou em relação a um outro não será inútil fazer algumas considerações sobre quatro espécies de argumentos dos quais os homens costumam servirse para convencer os outros das suas opiniões ou pelo menos para mantêlos numa espécie de respeito que os impede de contradizêlos O primeiro argumento pode chamarse argumentum ad vefecundiam isto acontece quando citamos a opinião daqueles que adquiriram autoridade pelo seu saber posição poder ou outro fator Com efeito quando uma pessoanão se ren d ia tal argumento imediatamente somos inclinados a censurála como cheia de vaidade e mesmo a tachála de inso lente 20 Existe 2 argumentum ad ignorantiam o qual consiste em exigir a prova que damos ou que se forneça uma melhor 21 Existe 3 argumentum ad hominem quando se pressiona alguém por aquilo que ele mesmo disse 22 Finalmente temos 4 argumentum ad iudicium que consiste em empregar provas tiradas de alguma das fontes do conhecimento ou da probabilidade É o único dos quatro que nos faz progredir e nos instrui Com efeito se não me atrevo a contra dizer por respeito ou se nâo tenho nada de melhor a dizer ou se me contradigo daqui não segue que vós tenhais razão Posso ser modesto ignorante enganado e vós podeis estar na mesma situàção TEÓFILÒSem dúvida é necessário fazer diferença entre o que é bom para dizer e o que ê verdadeiro para crer Entretanto já que a maior parte das verdades podem ser sustentadas atrevidamente existe um certo preconceito contra uma opinião que é necessário esconder O argumento ad ignorantiam é bom nos casos de presunção onde é razoável manter uma opinião até que se demonstre o contrá rio O argumento ad hominem tèm este efeito mostra que uma das duas asserções é falsa e que o adversário se enganou de qualquer forma que se considere Poderseia ainda aduzir outros argumentos dos quais as pessoas se servem porexemplo o que se poderia denominar ad vertiginem quando se raciocina da seguinte maneira Se esta prova nâo é concludente não temos meio algum para chegar à certeza quanto ao ponto em questão o que se considera um absurdo Este argumento é bom em certos casos como quando alguém quisesse negar as verdades primitivas e imediatas por exemplo que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo ou então5 que nós mesmos existimos visto que se o oponente í 358 LEIBNIZ tivesse razão não haveria possibilidade de demonstrar absolutâmentè ríada Todavia quando criamos certos princípios para nós e quando queremos mântê los pois que de outra forma todo o sistema de umadoutrina aceita ruiriá por terra o argumento não é decisivo pois é necessário distinguir entre aquilo que é necessário para sustentar os nossos conhecimentos e èritre aquilo que serve como fundamento para as nossas doutrinas e para as nossás práticas Entre os jurisconsultos dáse por vezes o caiso de utilizar um argumento similar a fim de justificar a condenação ou a tortura das pretendas bruxas basea dos no depoimento de outros acusados do mesmo crime pois se dizia Se este argumento cai por terra como haveremos de convericêlo Por vezes em matéria criminál certos autores pretendem que nos fatos em que a convicção é mais difí cil provas mais leves podem passar por suficientes Não éesta uma razão aceitá vel Isso demonstra apenas que é necessário ter mais cuidado e não que se deva crer levianamente exceto nos crimes extremamente perigosos como por exemplo em matéria de alta traição onde éstâ consideração ê de peso não para condenar uma peSsoá mas para impedila de bausar datí8 à outros Assim pode haver um meio termo não entre culpado e não culpado mas entre a condenação e a liberta ção nos julgamentos em que a lei o costume o admitem Utilizouse um argu mento semelhante na Alemanha de algum tempo a esta parte para colorir 112 as fábricas de moeda falsa diziamse que se for necessário aterse às regras pres critas não se poderá cunhar mdedas sem com isto perder Por conseguinte deve ser lícito deteriorar a liga Acontece o seguinte além de que se devia diminuir apenas o peso e não a liga ou o título para melhor obviar às fraudes supõese necessária uma prática que há realidade não o é pois não existe lei do céu ou da terra que obrigue a cunhai 8s que não têm rííinas nem a ocasião de ter prata em barras para cunhar moedás Além disso fazer móeda de moeda é uma prática má que naturalmente acarreta consigo a deterioração Entretanto dizem tais pessoas como exerceremos o nosso direito rkal de cunhar moedas A resposta é fácil Contentaivos em fazer cunhar um pouco de boa moeda mesmo com uma pequena perda se acreditais que vos importa ser escondidos sob o martelo sem que tenhais necessidade nem direito de inundar o miindd de maus milhões 23 FiLALETO Após termos dito algo sotííe a reiaçãoda nossa razãb com oá outros homens digamos algo acerca da sua relação com Deus o que faz com que distingamos entre o que é contrário à razão e 8 que está acima da razão À pri meira categoria pertence tudo aquilo que é incompatível com as nossas idéias cla ras e distintas à segunda pertence toda opinião cuja verdaük òu probabilidade não vemos como possa ser deduzida da sensação ou da reflexão átravés da razão Assim a existência de mais de um Deus é contrária à razão ao passo que á rèssu reição dos mortos está acima da razão TEÓFILO Tenho algo À Observar quanto à vossa definição daquilo que está acima da razão ao menos se a referirdes ao empregÒ comum desta frase ICom efeito pareceme que confótrhfe se entender esta deílnião ela vai muito longe por um lado e por outro lado não vai suficientemente longe Se seguirmos esta 11 2 Justificar apresentar sob uma luz favorável Mais abaixo a plavra real significa prerrogativa de rei m ka definição tudo o que ignoramos e não temos a capacidade de conhecer no nosso estado atual seria acima da razão por exemplo que esta estrela fixa é maior ou menor do que o sol ou então que o Vesúvio vomitará fogo no ano tal constituem fatos cujo conhecimento nos ultrapassa não porque estejam acima da razão mas porque estão acima dos sentidos Com efeito poderíamos muito bem conhecer istQ5fse tivéssemos órgãos mais perfeitos e maiores informações sobre as circuns tâncias Existem igualmente dificuldades que estão acima da nossa atual capaci dade mas não acima de toda a razão Por exemplo não existe astrônomo algum na terra que possa calcular o detalhe de um eclipse no espaço de um Pai Nosso e sem tomar a pena na mão e todavia existem talvez gênios para os quais isto seria uma brincadeira Assim todas essas coisas poderiam tornarse conhecidas ou praticáveis com o auxílio da razão sehouvesse mais informação sobre os fatos órgãos mais perfeitos e um espírito mais agudo FiLALETO Esta objeção cessa se eu entender a minha definição não apenas da nossa sensação ou reflexão mas também da sensação e reflexão de qualquer outro espírito criado possível TEÓFILO Se tomardes a definição nestes termos tendes razão Permanecerá porém a outra dificuldade é que não haverá nada acima da razão conforme a nossa definição visto que Deus poderá sempre dar possibilidades de aprender pela sensação e a reflexão qualquer verdade que seja como na realidade os maio res mistérios se nos tornam conhecidos pelo testemunho de Deus que reconhe cemos pelos motivos de credibilidade sobre os quais sefunda a nossa religião Ora esses motivos dependem inquestionavelmente da sensação e da reflexão Parece portanto que a questão é não se a existência de um fato ou a verdade de Uma proposição pode ser deduzida dos princípios que a razão utiliza isto é da sensação e da reflexão ou dofc sentidos externos e internos mas se um espírito criado é capaz de conhecer como se opera este fato ou a razão apriori dessa ver dade de maneira que se pode afirmar que o que está acima da razão bem pode ser aprendido porém não pode ser compreendido pelos caminhos e as forças da razão criada por maior e mais elevada que seja Está reservado exclusivamente a Deus entendêla como só a ele compete criar e realizar tal verdade FILALETO Esta consideração se me afigura boa é assim que quero seja compreendida minha definição Esta mesma consideração me confirma também na opinião isto é de que a maneira de falar que opõe a razão à fé embora seja muito autorizada é imprópria pois é pela razão que verificamos aquilo que deve mos crer Á fé ê um assentimento firme e o assentimento se for como deve ser não pode ser dado a não ser baseado em boas razões Assim aquele que crê sem ter nenhuma razão de crer pode ser um amador das suas fantasias mas não é ver dade que ele procura a verdade nem que presta uma obediência legítima ao seu divino mestre o qual quer que ele faça uso das faculdades de que o dotou para preserválo do erro De outra forma se ele estiver no bom caminho ê por acaso e se estiver no mau caminho é por sua falta da qual é culpado perante Deus TEÓFILO Muito vos aplaudo ao dizerdes que a fé deve estar fundada na razão se não fosse assim por que motivo haveríamos de preferir a Bíblia ao Alcorão ou NOVOS ENSAIOS 359 360 LEIBNIZ aos antigos livros dos brâmanes Os nossos teólogos e homens sábios bem o reconheceram é isto que nos fez ter tão belas obras sobre a verdade da religião cristã e tantas belas provas que se aduziram contra os pagãos e outros descrentes antigos e modernos Assim as pessoas sábias sempre consideraram suspeitos os que pretenderam que não é necessário preocuparse pelas razões e provas em se tratando de crer Isso na realidade ê impossível a menos que crer signifique ape nas recitar ou repetir e deixar passar sem preocupação como fazem muitas pes soas e como fazem por índole certas nações mais do que outras Eis por que querendo alguns filósofos dos séculos XV e XVI cujos vestígios subsistiram por muito tempo depois deles como se pode ver pelas cartas do falecido Naudé1 13 e as Naudeana defender duas verdades opostas a da razão e a da fé uma filosófica e outra teológica o último concílio de Latrâo 1 1 4 celebrado sob Leão X teve razão para oporse como acredito ter já observado Uma discussão inteiramente semelhante teve lugar em Helmstaedt antigamente entre Daniel Hoffmann teólogo e Cornélio Martin filósofo porém com esta diferença o filó sofo conciliava a filosofia com a revelação1 ao passo que o teólogo queria rejeitar o seu uso 11 5 Entretanto o Duque Júlio fundador da universidade se pronun ciou em favor do filósofo É verdade que em nossa época uma pessoa da mais alta consideração11 6 dizia que em matéria de fé era necessário perfurar os pró prios olhos para ver com clareza sendo que Tertuliano afirma em algum lugar Isto é verdadeiro pois é impossível é necessário crêlo pelo fato de ser um absur do Todavia se é boa a intenção dos que assim falam não deixa de ser verdade que as expressões usadãs são exageradas e podem produzir o mal São Paulo fala com maior justeza quando diz que a sabedoria de Deus está fundamentada peran te os homens 1 1 7 é porque os homens julgam sobre as coisas apenas segundo a sua experiência que é extremamente limitada e tudo o que não é conforme à experiência lhes parece um absurdo Este julgamento é muito temerário pois exis te até uma infinidade de coisas naturais que nos pareceriam absurdas se alguém nolas contasse assim como tal foi a convicção do rei do Siâo qüando lhe fala ram do gelo que cobre os nossos rios A ordem da própria natureza por não ter nenhuma necessidade metafísica está fundada exclusivamente na vontade livre de Deus de maneira que ele pode violála por motivos superiores da graça embora isto não se deva aceitar a não ser com base em boas provas que só podem provir do testemunho do próprio Deus 113 Gabriel Naudé 16001653 célebre erudito francês bibliotecário de Mazarino As suas Cartas foram publicadas em 1667 As Naudeana constituem uma coletânea de anedotas tiradas das suas conversações publicada em 1701 11 4 Em 15121517 11 5 Daniel Hoffmann publicou diversas obras entre 1580 e 1600 em especial um tratado sobre a questão se os silogismos têm o seu lugar no domínio da fé Cornélio Martin ou Martini 15671621 filósofo de tradi ção aristotélica ensinou a lógica em Antuérpia 11 6 Tratase da Rainha Cristina da Suécia A citação de Tertuliano provém do seu tratado De Carne Christi Sobre a Carne de Cristo capítulo 5 aplicase ela à morte e à ressurreição de Jesus Cristo 1 7 1 Cor 120 NOVOS ENSAIOS 361 C a p ítu lo XVIII A fe e a razão bem como os seus limites distintos í FiLALETO Adaptemonos porém à maneira comum de falar e admitamos que em certo sentido se faz distinção entre a fé e a razão É justo que se explique nitidamente este sentido e que se estabeleçam os limites que distinguem a fé da razão pois a incerteza sobre este ponto certamente produziu no mundo grandes discussões e talvez tenha até causado grandes desordens No mínimo é evidente que até que não se tenha determinado quais são esses limites se discute em vão visto ser necessário utilizar a razão ao discutir sobre a fé 2 Acredito que cada seita se serve a seu belprazer da razão na medida em que crê poder tirar proveito dela todavia desde o momento em que a razão vem a faltar gritase que se trata de um artigo de fé que ultrapassa as forças da razão Entretanto o adversário teria podido utilizar a mesma derrota quando se raciocinava contra ele a menos que se assinale por que razão isto não lhe era per mitido num caso que parece semelhante Suponho que a razão é aqui a descoberta da certeza ou da probabilidade das proposições tiradas dos conhecimentos que adquirimos pelo uso das nossàs faculdades naturais isto é por sensação e por reflexão e que a fé é o assentimento que se dá a uma proposição fundada na reve lação isto é uma comunicação extraordinária de Deus que a revelou aos homens 3 Um homem inspirado por Deus porém não pode comunicar aos ou tros qualquer nova idéia simples pois ele não se serve senão de palavras ou ou tros sinais que despertam em nós idéias simples que os costumes a elas ligaram ou da sua combinação por mais novas que fossem as idéias que São Paulo rece beu quando foi arrebatado ao terceiro céu tudo o que pôde dizer é que são coisas que o olho não viu que o ouvido não ouviu e que jamais entraram no coração do homem11 8 Suposto que houvesse criaturas no globo do planeta Júpiter providas de seis sentidos e que Deus desse sobrenaturalmente a um homem dentre nós as idéias próprias deste sexto sentido ele não poderá fazêlas nascer por palavras no espírito dos demais homens Cumpre por conseguinte distinguir entre revelação original e tradicional A primeira consiste numa impressão que Deus faz imedia tamente sobre o espírito para a qual não podemos fixar limite algum ao passo que a outra provém exclusivamente pelas vias ordinárias da comunicação e não 118 1 Cor 29 362 LEIBNIZ pode fornecer idéias simples 4 É verdade que mesmo as verdades que podemos descobrir mediante a razão podem sernos comunicadas por uma revelação tradi cional como se Deus tivesse querido comunicar aos homens teoremas geométri cos porém não seria com tanta certeza como se tivéssemos a demonstração tira da da conexão das idéias Ê também como Noé que tinha um conhecimento mais certo sobre o dilúvio do que o que adquirimos pelç livro de Moisés assim comp a segurança daquele que viu que Moisés escrevia atualmente o livro e que fazia os milagres que justificam a sua inspiração era maior do queanossa 5 Isto faz com que a revelação não possa iç contra uma clara evidência da razão pois mesmo quando a revelação é imediata e original é necessário saber com evidência que não nos enganamos ao atribuíla a Deus e lhe compreen demos o sentido esta evidência jamais pode ser maior do que a do nosso conheci mento intuitivo por conseguinte nenhuma proposição poderia ser acolhida como revelação divina quando se opõe contraditoriamente a este conhecimento imedia to Do contrário não restaria diferença no mundo entre a verdade e a falsidade nenhum critério haveria para se saber o que pode e o que não pode ser crido Não é concebível que uma coisa venha de Deus este Autor benéfico do nosso ser a qual sendo recebida como verdadeira deva fazer ruir por terra os fundamentos dos nossos conhecimentos e tornar inúteis todas as nossas faculdades 6 Os que só têm a revelação de maneira mediata ou pela tradição de boca em boca ou pór escrito têm ainda maior necessidade da razão para certifi carse da revelação 7 Todavia continua sempre verdadeiro que as coisas que vão além daqui lo que as nossas faculdades podem descobrir constituem matérias da fé como a queda dos anjos rebeldes a ressurreição dos mortos 9 Nestes pontos cumpre ouvir unicamente a revelação E mesmo em relação às proposições prováveis uma revelação evidente nos determinará contra a probabilidade TEÓFiLO Se tomardes a fé apenas como aquilo que está fundado nos motivos de credibilidade como se denominam e a desligais da graça interna que determina o espírito imediatamente tudo o que acabais de dizer ê incontestável Cumpre reconhecer que existem muitos julgamentos mais evidentes do que os que dependem desses motivos Uns são mais avançados que os outros e existe até uma infinidade de pessoas que jamais os conheceram muito menos os pesaram e que por conseguinte não têm sequer 9 que se poderia considerar como um moti vo de probabilidade Entretanto a graça interna do Espírito Santo supre imedia tamente de uma forma sobrenatural sendo isto que faz o que os teólogos denomi nam provavelmente uma fé divina É verdade que Deus jamais a dá a não ser que aquilo que nos propõe a crer for fundado racionalmente do contrário ele destrui ria os meios de conhecer a verdade e abriria a porta ao entusiasmo todavia não é necessário que todos os que têm está fé divina conheçam essas razões e muito menos que as tenham sempre diante dos olhos Do contrário os simples e os ile trados pelo menos os de hoje jamais teriam a verdadeira fé e os mais esclare cidos não a teriam quando eventualmente mais tivessem necessidade dela pois nem sempre podem recordar as razões de crer A questão do emprego da razão na NOVOS ENSAIOS 363 teologia tem sido das mais discutidas tanto entre os socinianos e os que se pode chamar de católicos num sentido geral como entre os reformados e os evangéli cos como se denominam preferivelmente na Alemanha aqueles que impropria mente muitos denominam luteranos Recordome de ter lido um dia uma Metafí sica de um tal Stegmannus 1 1 9 sociniano diferente de Josué Stegmann que escreveu contra os socinianos a qual ainda não foi impressa quanto saiba do outro lado um certo Kesslerus120 teólogo da Saxônia escreveu uma Lógica e algumas outras ciências filosóficas explicitamente opostas aos socinianos Pode se dizer de maneira geral qiie os socinianos são precipitados em recusar tudo o que não concorda com a ordem dà natureza mesmo quando não conseguem pro var absolutamente a impossibilidade Entretanto também os seus adversários por vezes vão excessivamente longe levando o mistério até aos limites da contradi ção e nisto fazem mal à verdade que se empenham em defender Surpreendime por ver um dia na suma de teolpgia do Padre Honoré Fabry 1 21 que aliás foi um dos mais versados da sua linha que ele negava nas coisas divinas como fazem ainda hoje cprtos outros teplogos este grande princípio segundo o qual as coi sas que são idênticas çofti uma terceira coisa são iguais entre si Isto equivale a dar a vitória aos adversários sem pensar equivale a privar todo e qualquer racio cínio de qualquer certeza O que ê necessário dizer é que este priAcípio é mal apli cado O mesmo autor rejeita na sua filosofia as distinções virtuais que os escotis tas colocam nas cojsas criadas visto que elas deitariam por terra afirma ele o princípio de contradição e ao se lhe objetar que é necessário admitir essas distinções em Deus ele responde que é a fé que o ordena Entretanto como pode fia a fé ordenar o que quer que seja que destrua um princípio sem o qual toda fé afirmação ou negação seria vã Por conseguinte é absolutamente necessário que duas proposições verdadeiras ao mesmo tempo não sejam absolutamente contra ditórias se A e C não são a mesma coisa é necessário que B que é idêntico a A seja tomado de outra forma que B que é idêntico a C Nicolaus Vede lius 122 professor em Genebra e depois em Deventer publicou outrora um livro intitulado Rationale Theologicum ao qual João Musaeus 123 professor em Iena uma universidade evangélica na Turíngia opôs um outro livro sobre o mesmo tema isto é sobre o emprego da razão na teologia Lembrome de ter 119 Cristóforo Stegmann autor de uma Metaphysica Repurgata Metafísica Repurificada 1635 que permaneceú inédita Josué Stegmann 15881632 autor de uni tratado intitulado Photinianismus 1626 Os socinianos ou partidários de Socino 15251562 rejeitavam os principais mistériosdo cristianismo a Trintade e a divindade de Jesus Cristo em especial Eram tambérr denominados fotinianos termo derivante do nome de uma heresia análoga do século IV 120 Andreas Kessler 15951643 teólogo alérpão escreveu Exames da Física da Metafísica e da Lógica Fotinianas 121 Pace Honoré Fabri 16061688 matemático e teólogo correspondente de Leibniz autor de uma Sum mula Theologica 1669 e de uma Filosofia publicada em 1646 sob q pseudônimo de Petrus Mosnierus Quanto à teoria da distinção em Dyns Scot 12661308 ver por exemplo E Gilson La Philosophie au Moyen Âge A Filosofia ná Idade Média pág 599 ss 122 A obra citada deste autor de 1628 tendo como subtítulo Da Necessidade e do Verdadeiro Uso dos Princípios da Razão nas Controvérsias Teológicas 123 João Musaeus 16131681 Seu livro se intitula O Uso dos Princípios da Razão e da Filosofia nas Controvérsias Teológicas contra o Rationale Theologicum de Nicolaus Vedelius 364 LEIBNIZ considerado outrora essas duas obras e de ter observado que a controvérsia prin cipal era confusa devido às questões incidentes como quando se pergunta 9 que é umaconclusãoteológica e se se deve julgar dela pelos termos que a compõem ou pela prova que se aduz e por conseguinte se Ockham1 2 4 teve ou não razão ao dizer que a ciência de uma mesma conclusão é a mesma qualquer que seja o meio que se emprega para demonstrála Detêmse os autores numa série de ou tras minúcias ainda menos relevantes que concernem exclusivamente aos termos Todavia Musaeus concordava ele mesmo que os princípios da razão necessários por uma necessidade lógica isto é aqueles cujo oposto implica contradição devem e podem ser empregados com segurança na teologia tinha porém motivo para negar que aquilo que é somente necessário em virtude de uma necessidade fí sica isto é fundado na indução daquilo que se pratica na natureza ou nas leis naturais que são por assim dizer de instituição divina basta para refutar a crença num mistério ou num milagre visto que depende de Deus alterar o curso ordinário dascoisas Assim é que segundo a ordem da natureza se pode assegu rar que uma mesma pessoa não pode ser ao mesmo tempo mãe e virgem ou que um corpo humano não pode deixar de ser objeto dos sentidos embora o contrário de um e do outro seja possível a Deus Também Vedelius parece concordar com esta distinção Todavia discutese por vezes acerca de certos princípios se são necessários logicamente ou se 0 são apenas fisicamente Tal é a discussão com os socinianos se a substância pode ser multiplicada quando a essência singular não o é e a discussão com os zwinglianos1 2 5 é se um corpo só pode estar num lugar Ora cumpre reconhecer que sempre que não estiver demonstrada a necessidade lógica não se pode supor numa proposição mais do que uma necessidade física Pareceme porém que resta uma questão que os autores de que acabo de falar não examinaram a saber suponhamos que de um lado esteja o sentido lite ral de um texto da Santa Escritura e que de outro lado exista uma grande proba bilidade de uma impossibilidade lógica ou pelo menos de uma impossibilidade fí sica reconhecida Será neste caso mais razoável renunciar ao sentido literal ou ao princípio filosófico É certo que existem casos em que nàò há dificuldade em abandonar a letra como quando a Escritura atribui mãos a Deus ou lhe atribui a cólera a penitência e outros sentimentos humanos do contrário seria neces sário adotar o ponto de vista dos antropomorfistas ou de certos fanáticòs da Inglaterra que acreditaram que Herodes foi efetivamente metamorfoseado numa raposa quando Jesus Cristo o denominou com este termo É aqui que têm o seu lugar as regras da interpretação e se elas nada fornecem que contrarie ao sentido literal para favorecer a máxima filosófica e se por outra parte o sentido literal nada encerra que atribua a Deus qualquer imperfeição ou acarrete algum perigo na prática da piedade é mais seguro e até mais razoável seguilo Esses dois auto 12 4 Guilherme de Ockham 12701347 um dos representantes mais insignes do nominalismo A declara ção citada se encontra nos seus Quodlibeta V 1 referindose à doutrina do autor a respeito da indepen dência da fé em relação à ràzão 126 Discípulos de Zuínglio reformador da Suíça 14841531 NOVOS ENSAIOS 365 res que acabo de citar discutem também sobre a tentativa de Keckermann1 z6 que pretendia demonstrar a Trindade pela razão como Raimundo Lulo12 7 já ten tara fazêlo EntretantoMusaeus reconhece com bastante eqüidade que se a demonstração do autor reformado tivesse sido boa e correta nada haveria a obje tar neste caso teria ele tido razão em sustentar em relação a este ponto que a luz do Espírito Santo poderia ser acesa pela filosofia Levantaram também a célebre questão aqueles que sem ter conhecimento da revelação do Antigo ou do Novo Testamento morreram nos sentimentos de uma piedade natural terão podido salvarse através deste meio e obter a remissão dos seus pecados Sabese que CJemente de Alexandria Justino Mártir e São Crisóstomo1 28 pendiam decerta forma para esta afirmação sendo que eu mesmo mostrei outrora a Pellisson129 que uma série de excelentes autores da Igreja romana bem longe de condenar os protestantes de boa vontade quiseram até sal var os pagãos e defender que as pessoas de que acabo de falar podem ter sido sal vas por um ato de contrição isto é de penitência fundada no amor de benevo lência em virtude do qual amamos a Deus sobre todas as coisas pelo fato de que as suas perfeições o tornam sumamente digno de amor Isto faz com que a pessoa seja conduzida de todo o coração a conformarse com a vontade de Deus e a imi tar as suas perfeições para melhor unirse a ele visto parecer justo que Deus não recuse a sua graça a quem está possuído de tais sentimentos E sem falar de Eras mo e de Luís Vives 130 eu referi o pensamento de Tiago Pnvva Antlradius 13 1 doutor português muito renomado em seu tempo que foi um dos teólogos do Concílio de Trento e que afirmou que aqueles que não concordam com esta tese atribuem a Deus a crueldade em grau supremo neque enim inquit immanitas deterior ulla esse potest Paul Pellisson teve dificuldade em encontrar este livro em Paris sinal de que os autores estimados em seu tempo são ao depois facil mente esquecidos Isto levou o Sr Bayle a pensar que muitos citam Andradius apenas baseandose em Chemnitz 132 seu adversário Isto pode bem ser verda deiro quanto a mim porém li o autor antes de citálo A sua discussão com Chemnitz tornouo célebre na Alemanha pois ele escreveu a favor dos jesuítas 12 6 Bertoldo Keckermann erudito alemão 15731609 autor de numerosos tratados em particular de um Systema Theologiae 1615 12 7 Raimundo Lulo 12351315 célebre filósofo e mestre de lógica expôs a demonstração mencionada na Disputatio Fidei et Intellectus Discussão entre a Fé e a Inteligência foi com a finalidade de provar racio nalmente as verdades da fé que ele inventou o método universal de descoberta e de demonstração ao qual deu o nome de Grande Arte 128 Clemente de Alexandria cerca de 160220 doutor cristão sublinhou as relações entre o cristianismo e a moral dos filósofos gregos Justino 89167 filósofo convertido tentou apresentar o cristianismo como coroamento da filosofia pagã São João Crisóstomo 344407 um dos mais célebres Padres da Igreja tinha sido aluno do reitor pagão Libânio em Antioquia 129 Paulo Pelisson 16241693 homem de letras e historiador francês esteve durante muitos anos em con tato com Leibniz a propósito dos projetos e unificação das Igrejas 130 Luís Vives 14921540 filósofo e humanista espanhol amigo de Erasmo 131 Diego Payva de Andrade 15281575 autor de um livro de Explicações Ortodoxas dirigido contra Chemnitz 1564 A citação latina significa Não se pode imaginar segundo ele crueldade maior 132 Martin Chemnitz 15221586 teólogo protestante discipulode Melanchton autor de um Exame do Concílio de Trento publicado em 1585 366 LEIBNIZ contra este autor sendo que no seu livro se encontram alguns detalhes sobre a origem desta célebre Companhia de Jesus Observei que alguns protestantes denominavam andradianos aqueles que neste assento partilhavarp o sçu pppto de vista Houve autores que escreveram explicitamente sobre a salvação de Aristóte les baseadps nesses mesmos princípios com a aprovação dos ççnsores São tapi bém niuito conhecidos os livros dg Qpllius 1 33 em latim e os dp Sr La Mpthe ke Vaypr13 4 em francês sobre a salvação dos pagãos Eritretanto um certo Fran ciscus Puçpius13 5 foi longe demais gnto Agostinho por mais versado e pene trante que fosse caiu num optrp extrerpo chegando ao ponto de condenar as crianças mprtas sem batismo sendo que os íscolásticos parecem ter tido razão em abandonar esta tepjia emjsora certos autores competentes alguns até de gran de mérito porém um gpupo afetados dp misanfropia neste ponto tenham querido ressuscitar esta doutripa agostiniana exagerando mesmo Este espírito pode ter exerpido alguma influênpia na discusão entre yários dpijtpres excessivamente animados e os jesuítas missionários da Çhina que havianj insinuado que os anti gos chineses tiveram à vgrdadeira religião no seu tempo bgtn como yprdadeiros santos e çjue a doutrina de Çonfúcio pão encerrava nacfa efg idolatria pu de ateu Parepe qug se foi mais razoável em Rpma não querendq cpndenar uma das maio res nações sepi ouvila Ainda beni gpe Deus é mais amigo dos homgns que os próprios hqpiens Conheço pessoas que acreditando assinalar o seu zelo porsenti mentos durps imaginam que não se pode crer no pecado original sem er 4da sua opinião ms nisto se equivocam Não segue que aqueles que salvam os pagãos ou v outros a qugm falapi ps auxílios ordinários devajn atribuir isto exclusivapiente às forças da qatureza ainda que talvez alguns antos Padres tenham defendido psta opinião pois podese defender que Deus dandolhes a graça de excitar uni ato de contrição lhes çl também seja explicitamente sgja virtualmente mas sempre sobrenaturalmente aptes da morte mesmo que foss nos últimos momen tos toda a luz da fé e todo p ardor da caridade que lhes são necessários para a salyação É assim que certos reformados explicam em Vede lius opinião de Zuínglio que foi tão explícito neste ponto da salvação dos ho mens virtuosqs do paganismo quanto o puderam ser os autoresda Igreja romana Assim esta doutrina nada tem de comum com a doutrina particular dos pelagia nos ou dos semipelagianos 1 3 6 da qual Zuínglio estava muito distante como se sabe E já que se ensina contra os pelagianos uma graça sobrenatural em todos aqueles que possuem a fé ponto em que concordam as três religiões admitidas i 133 F Collio falecido em 1640 teólogo italiano autor de uma obra intitulada Sobre as Almas dos Pagãos 16221633 13 4 La Mothe Le Vayer 15881672 filósofo francês representante do ceticismo A suaobra Sobre a Vir tude dos Pagãos data de 1642 13 5 Francisco Pucci teólogo italiano do século XVI autor de um tratado De Christi Salvatoris EJJicacitate in Omnibus et Singulis Hominibus Quatenus Homines Sunt A Eficácia de Cristo Salvador em Relação a Todos os Homens e em Relação a Cada um na Medida em que São Homens editada em 1592 136 Os discípulos de Pelágio cerca de 360 cerca de 430 defendiam que o hqpem pode evitar o pecado em virtude das sjias próprias forças sem auxílio da graça para ps semipelagianos a graça ê necessária ao homem porém ela lhe é concedida quando a merece v NOVOS ENSAIOS 367 excetuados talvez os discípulos que Sr Pajon1 3 7 e uma yz que se concede ou a fé ou um sentimento semelhante às crianças que recebera o batismo não há nada de extraordinário em conceder o mesmo pelo menos em caso de morte às pessoas de boa vontade que não tiveram à felicidade de ser instruídas no cristia nismo Aliás o mais sábio é não decidir nada acerca de assuntos tão pouco conhecidos e contentarse com pensar de ççianeira geral que Deus não pode fazer nada que não seja cheio de bondade e de justiça Melius est dubitare de occultis quam litigare de incertis1 38 Agostinho livro 8 Gênese Comentado Lite ralmente capítulo 5 137 Cláudio Pajon 16251684 teólogo protestante francês autor de um Exame do Livro de Nicole que tem como título Preconceitos Legítimos contra os Calvinistas 1673 Pajon negava a necessidade da graça divina 1 38 Mais vale duvidar de coisas ocultas do que discutir sobre coisas incertas 368 LEIBNIZ C a p í t u l o XIX O entusiasmo 1 FILALETO Oxalá todos os teólogos e o próprio Santo Agostinho tivessem praticado sempre a máxima expressa na passagem citada Os homens acreditam que o espírito dogmatizante constitui uma característica do seu zelo pela verdade e o que acontece é exatamente o contrário Só se ama verdadeiramente a verdade na medida em que se gosta de examinar as provas que dão a conhecer a verdade como ela é E quando somos precipitados no julgamento somos sempre levados por motivos menos sinceros 2 O espírito de dominação é um dos mais comuns e uma certa complacência que temos pelos nossos próprios devaneios é um outro que dá origem ao entusiasmo 3 É este o nome que se dá ao defeito dos que imaginam uma revelação imediata quando ela não está fundada na razão 4 E como se pode dizer que a razão constitui uma revelação natural da qual Deus é o autor da mesma forma como o é da natureza podese também dizer que a reve lação é uma razão sobrenatural isto é uma razão estendida por um novo fundo de descobertas emanadas diretamente de Deus Todavia essãs descobertas supõem que temos a possibilidade de discernilas que é a própria razao e querer proscrevêla para dar lugar à revelação equivaleria a arrancar os olhos para ver melhor os satélites de Júpiter através de um telescópio 5 A fonte do entu siasmo é que uma revelação imediata é mais cômoda e mais curta que um racio cínio longo e penoso e que nem sempre é seguido de um êxito feliz Em todos os séculos se viram homens cuja melancolia mesclada com a devoção somada ao bom conceito que tiveram de si mesmos lhes fez crer que tinham com Deus uma familiaridade completamente diversa da dos outros homens Eles supõem que Deus a prometeu aos seus e acreditam ser o povo de Deus de preferência aos outros 6 A sua fantasia se torna uma iluminação e uma autoridade divina e os seus desígnios constituem uma direção infalível do céu que são obrigados a seguir 7 Esta opinião teve grandes conseqüências e causou grandes males pois um homem age mais vigorosamente quando segue os seus próprios impulsos e a opi nião de uma autoridade divina é sustentada pela nossa inclinação 8 É difícil demover alguém desta posição pois esta pretensa certeza sem provas lisonjeia a vaidade e o amor que temos por aquilo que é extraordinário Os fanáticos compa ram a sua opinião com a vista e com o sentimento Eles vêem a luz divina como nós vemos a luz do sol em pleno meiodia sem ter necessidade que o crepúsculo da razão lha mostre 9 Estão seguros porque estão seguros e a súa persuasão NOVOS ENSAIOS 369 ê reta porque é forte pois é a isso que se reduz a sua linguagem figurada 10 Todavia já que existem duas percepções a da proposição e a da revelação podese perguntarlhes onde está a clareza Se está na vista da proposição para que serve a revelação Por conseguinte é necessário que seja no sentimento da revelação Mas como podem eles ver que é Deus que revela e que não é um fogo fátuo que os faz girar em torno deste círculo é uma revelação pelo fato de que eu 0 creio firmemente e eu o creio porque é uma revelação 11 Existe alguma coisa mais apta a precipitar no erro do que tomar por guia a imaginação 12 São Paulo tinha um grande zelo quando perseguia os cristãos e no entanto não deixava de enganarse Sabese que o diabo teve os seus mártires e se basta estar bem persuadido não poderemos distinguir as ilusões de Satanás das inspirações do Espírito Santo 14 É portanto a razão què faz conhecer a verdade da reve lação 15 E se a nossa crença a demonstrasse seria o círculo vicioso do qual acabo de falar Os santos homens que recebiam revelações de Deus tinham sinais externos que os persuadiam da verdade da luz interna Moisés viu uma moita que queimava sem consumirse e ouviu uma voz do meio da moita Deus para dar lhe mais certeza da missão ao enviálo ao Egito para libertar os seus irmãos empregou o milagre da vara transformada em serpente Gedeão foi enviado por um anjo para livrar o povo de Israel do jugo dos madianitas Todavia pediu um sinal para convencerse de que esta comissão lhe era dada por Deus139 16 Entretanto não nego que Deus por vezes ilumine o espírito dos homens para fazêlos compreender certas verdades importantes ou para leválos a boas ações pela influência e a assistência imediata do Espírito Santo sem quaisquer sinais extraordinários que acompanhem esta influência Entretanto nesses casos temos a razão e a Escritura duas normas infalíveis para julgar sobre essas iluminações pois se elas concordam com essas normas pelo menos não incorremos em ne nhum risco ao considerálas como inspiradas por Deus ainda que talvez não seja uma revelação imediata TEÓFiLO O entusiasmo era no início um bom termo E assim como o sofis ma assinala propriamente um exercício da sabedoria o entusiasmo significa que existe uma divindade em nós Est Deus in nobis 1 4 0 Sócrates pretendia que um deus ou demônio lhe dava advertências interiores de sorte que o entusiasmo seria um instinto divino Entretantoyjá que os homens consagraram as suas paixões as suas fantasias os seus sonhos e até os seus furores como algo de divino o entu siasmo começou a significar um desregramento de espírito atribuído à força de alguma divindade que se supünha naqueles que eram atingidos pelo entusiasmo pois os adivinhadores e as adivinhadoras revelavam uma alienação de espírito quando o seu deus se apoderava deles como a Sibila de Cumas em Virgílio1 41 Desde então atribuise o entusiasmo àqueles que crêem sem fundamento que os seus movimentos provêm de Deus Niso segundo o mesmo poeta Yirgílio 139 Ver o livro do Èx 32715 Jz 6 11 1 40 Citação de Ovídio Fastos VI 5 Mais abaixo ver Platão Apologia de Sócrates 31 cd 40 ac 141 Ver Virgílio Eneida VI 4550 370 LEIBNIZ sentindose movido por não sei que impulsão a uma empresa perigosa na qual pereceu juntamente com o seu amigo lha propõe nos seguintes termos repletos de uma dúvida racional DineJiünc ardorem mentibus aàdunt Euryalè án sua cuiqueD eusfit dira cupido 42 i Ele não deixou de seguir este instinto do qual não sabia se vinha de Deus ou de uma infeliz vontade dese projetar Todavia se tivesse logrado êxito não teria dei xado de valérse num outro caso e de acreditarse movido por alguma potência divina Os entusiastas de hoje em dia acreditam ainda receber de Deus dogmas que os esclarecem Os tremedores1 43 mahteméstâ persuasão e Barclay o seu primeiro autor sistemático pretende que eles encontramuem si uma certa luz que se faz conhecer por si mesma Mas por que chamar luz àquilo que não faz naçía ver Sei qüe existem pessoas com esta disposição de espírito que vêem centelhas e até algo de mais luminoso mas esta imagem de luz corporal excitada quando os seus espíritos estão excitados não dá luz ao espírito Algumas pessoas iletradas por terem a imaginação agitada se formam concepções que não tinham antes ficam em condições de dizer belas coisas ou pelo menos coisas muito animadas Elas mesmas admiram e fazem os outros admirar esta fertilidade que passa como sendo inspiração Esta vantagem lhes vem em boa parte de uma forte imaginação estimulada pela paixão e de uma memória feliz que conservou bem as maneiras de falar dos livros proféticos que a leitura oü os discursos dos outros lhes torna ram familiares Antonieta de Bourignon1 4 4 se servia da facilidade que tinha de falar e escrever como sendo uma prova da sua missão divina Conheço um visio nário que fundamenta a sua missão no talento que tem para falar e orar bem alto durante quase um dia inteiro sem cansarse e sem deixar de falar Existem pessoas que após terem praticado austeridades ou após um estado de tristeza degustam uma paz e consolação na alma que as encanta encontrando tanta doçura que acreditam ser um efeito do Espírito Santo Ê bem verdade que a alegria que se encontra na consideração da grandeza e da bondade de Deus no cumprimento da sua vontade na prática das virtudes constitui uma graça de Deus e das maiores que existem entretanto não é sempre uma graça que tenha necessidade de um auxílio sobrenatural novo como muitas dessas boas pessoas pretendem Viuse não há muito tempo uma senhorita1 4 5 muito sábia e dotada de todas as outras qualidades que acreditava desde a sua juventude falar com Jesus Cristo e ser a sua esposa de maneira toda particular Sua mãe conforme se contava tinha pen dido um pouco para o entusiasmo porém a filha foi muito além Sua satisfação e alegria eram indizíveis a sua sabedoria aparecia na sua conduta e seu espírito 1 42 Citação de Virgílio Eneida IX 184 O Eríalo são os deuses que suscitam em nossas almas este ardor ou porventura considera cada qual como deus a sua própria paixão 143 Os quacrcs Roberto Barclay 16481690 quácre escocês é um dos seus mais importantes teólogos 1 4 4 Antonieta de Bourignon 16161680 mística e iluminada francesa autora de inúmeras obras BajHe lhe consagrou um artigo do seu Dicionário 1 1 4 5 Denominada Rosamundá de Assemburgo I NOVOS ENSAIOS 371 se mariifestava em seus discursos A coisa foi porém tão longe que ela recebia cartas qiié as pessoas dirigiam a Nosso Senhor sendo que ela as reenviava sela das como as havia recebido com a resposta qüe por vezes parecia dada com exa tidão e sempre razoável Áo final deixou de receber tais cartas para não levantar demasiada celeuma Se fora na Espanha esta donzela teria sido uma outra Santa Teresa Todavia nem todas as pessoas que têm semelhantes visões têm a mesma conduta Existem algumas que procuram formar seita e até suscitar perturbações sendo que a Inglaterra foi provada por este fenômeno Quando essas pessoas agem de boa fé é difícil reconduzilas por vezes é a derrubada dé todos os seus projetos que as corrige mas ínuitás vezes é tarde demais Existia um visionário falecido há pouco tempo que se áòrèditava imortal pelo fato de ser muito idoso e gozar dè boa áaífôe sem ter lido o livro de um inglês publicado há pouco146 que quefía fazèr crer que Jèsus Cristo voltou para isentar da morte corporal os verdadeiros crentes ele mahtiiiha mais ou menos os mesmos sentimentos e convicções desde há longos ands entretanto ao sentir a morte aproxiiharse che gou ao ponto de duvidar de tóá a religião pelo fato cie ela não corresponder às suas quimeras Quirino KuhhanT47 da Silésia homem cheio de saber e de espírito ínas que ao depois câiu em duas espécies de visões igualmenté perigosas a dos entusiastas e a dos alquimistas e que levantou celeuma na Iiiglaterra na Holanda e até em Constantinopla ocorrençlolhe finalmente à idéia ir a Moscou e imiscuirse em certas intrigas contra o ministério no tempo em que governava a Princesa Sofia foi condenado ao fogo e não morreu persuadido daquilo que tinha pregado As dissensões dessas pessoas entre si também deveriam convencê las de que o seu pretenso testemunho interno ílão é divino e que se requerem ou tras características para justificálo Os labadistas1 48 por exemplo não estão de acordo com a Srta Antonieta e embora William Pen1 49 pareça ter tido o plano em sua viagem da Alemanha de estabelecer uma espécie de concordância entre aqueles que se fundam sobre este testemunho não parece haver conseguido a sua meta Seria de desejar que as pessoas de bem fossem concordès t agissem concordemente nada seria mais indicado para tomar o gênerohumano melhor e mais feliz mas seria nebessário que eles mesmos fosSem do número das pessoas de bem isto é benfeitores e além disso dóceis e raztiáveis ao passo que se acu sam múíto hoje em díl os chamados devotos de sérérri duros imperiosos teimo sos As suas dissensões móstràm no mínimo que o seu testemunho interno tem necessidade de uma verificação bxterna para ser crido e serlhesiam necessários milagres pára terem o direito de passar por profetas e inspirados Haveria entre 1 4 6 Este livro de J Asgill que pretendia demonstrar que o homem pode passar diretamente da vida terrestre à vida eterna sem passar pela morte foi editado em 1700 1 4 7 Quirino Kuhlmann 16511689 iluminado que sofreu a influência deJacob Boehme 1 48 Discípulos de João de Labàdie 16101674 os labadistas pleiteavam uma volta aò cristianismo primitivo 1 49 William Penn 16441718 quacre fundador da Pensilvânia O relato sobre a viagem que ele realizou em 1677 à Holanda e à Alemanha foi publicado em 1694 372 LEIBNIZ tanto um caso em que essas inspirações trariam as suas provas consigo Isto aconteceria se elas esclarecessem verdadeiramente o espírito por descobertas importantes de algum conhecimento extraordinário que estariam acima das for ças da pessoa que as teria adquirido sem qualquer auxílio externo Se Jacob Boehme1 50 famoso sapateiro da Lusace cujos escritos foram traduzidos do ále mão para outras línguas sob o nome de Filósofo Teutônico e têm realmente algo de grande e de belo para um homem desta condição tivesse sabido fazer ouro como alguns acreditam ou como fez São João Evangelista se dermos fé a um hino feito em sua honra Inexhaustum fert thesaurum Qui de virgis fecit aurum Gemmas de lapidibus 151 haveria algum motivo para creditar mais fé a este sapateiro extraordinário E se a Srta Bourignon tivesse fornecido a Bertrand Lacoste1 52 engenheiro francês em Hamburgo a luz nas ciências que acreditou ter recebido dela como ele mesmo afirma ao dedicarlhe o seu livro Sobre a Quadratura do Círculo não se teria tido 0 que dizer Entretanto não se vêem exemplos de um sucesso considerável desta natureza como também não das predições bem circunstanciadas que tais pessoas tenham conseguido As profecias de Poniatovia de Drabitius e de outros que Comênio publicou no seu livro Lux in Tenebris 1 53 e que contribuíram para cau sar celeuma nas terras do imperador resultaram falsas e os que lhes deram cré dito foram infelizes Ragóski príncipe da Transilvânia foi levado por Drabitius à empresa da Polônia onde perdeu o seu exército o que ao final lhe fez perder os Estados com a vida e o pobre Drabitius muito tempo após na idade de oitenta anos ao final teve a cabeça decepada por ordem do imperador Todavia não du vido de que haja agora pessoas que façam reviver esse tipo de predições na con juntura presente das desordens da Hungria não considerando que esses pretensos profetas falavam dos acontecimentos do seu tempo ao fazêlo agiriam mais ou menos como aquele que depois do bombardeio de Bruxelas publicou uma folha volante na qual havia uma passagem tirada de um livro da Srta Antonieta que não quis vir a esta cidade porque se bem me recordo tinha sonhado de vêla no fogo quando na realidade este bombardeio se verificou muito tempo após a sua morte Conheci um homem que foi à França durante a guerra que terminou com a paz de Nimega importunar o Sr de Montausier e o Sr de Pomponne com base nas profecias publicadas por Comênio1 5 4 ele mesmo se acreditaria inspira do se lhe tivesse acontecido de fazer tais profecias em um tempo semelhante ao 15 Ver nota 15 do Livro III 1 51 Citação de Adão de São Vítor poeta religioso do século XII autor das Seqüências Carrega consigo um tesouro inesgotável aquele que de um bastão faz ouro e de calhaus faz pedras preciosas 1 5Z O livro deste autor sobre a quadratura do círculo foi editado em latim 1663 e em holandês 1677 1 53 Quanto a Comênio ver nota 40 A obra cita foi editada em 1657 e continha entre outras as revelações de Cristina Poniatovia ou Poniatowska 16101644 iluminada polonesa e as de Drabez ou Drabitius 15871671 iluminado da Boêmia O Príncipe Rakóski é Jorge II Rakóczki 16211660 que em 1657 se aliou à Suécia contra a Polôjiia indispondose desta forma com a Turquia à qual pertencia a Transilvânia 1 54 A guerra da Holanda encerrouse pelos tratados de Nimega 1678 Montausier 16101690 era o governador do Grande Delfinato Pomponne 16181699 secretário de Estado para os negócios exteriores de 1671 a 1679 negociador dos tratados de Nimega NOVOS ENSAIOS 373 nosso Isto mostra não somente o pouco fundamento mas também o perigo que encerram essas coisas As histórias estão repletas do mau efeito das profécias fal sas ôu mal compreendidas como se pode ver numa sábia e judiciosa dissertação D e Officio Viri Boni circa Futura Contingentia que o falecido Sr Iacobus Thomasius1 5 5 célebre professor de Leipzig publicou outrora Entretanto é ver dade que essas persuasões por vezes produzem bom efeito e servem para grandes coisas pois Deus pode servirse do erro para estabelecer ou manter a verdade Não creio porém que seja permitido a nós servirnos de fraudes piedosas para um fim legítimo E quanto aos dogmas da religião não temos necessidade de novas revelações basta que se nos proponham regras salutares para que sejamos obrigados a seguilas embora aquele que as propõe não opere milagre algum Embora Jesus Cristo fosse credenciado por milagres não deixou por vezes de recusar tais sinais a uma raça perversa que os pedia pregando apenas a virtude e aquilo que já havia sido ensinado pela razão natural e pelos profetas 1 5 5 Tiago Thomasius 16221684 professor em Leipzig foi o mestre de Leibniz nos seus primeiros anos de estudos universitários A sua dissertação Sobre o Dever do Homem de Bem em Relação aos Futuros Contingentes data de 1664 374 LEIBNIZ C a p it u l o X X O erro í FILALETO Após termos falado bastante sobre todos os meios que nos fazem conhecer ou adivinhar a verdade digamos ainda alguma coisa acerca dos nossos erros e dos nossos julgamentos É necessário que os homens se enganem muitas vezes visto haver tantas dissensões entre eles As razõesdissò podem reduzirse às quatro seguintes 1 a falta de provas 2 a pouca habilidade èm utilizar as provas 3 a falta de vontade Hè utilizálas 4 as falsas regras das probabilidades 2 Quando falo da falta de prdvas entendo também aquelas que pode natnòs encontrar se tivéssemos os meios e a facilidade porém é precisamente isso qtíe falta o mais das vezes Tal é o estadò dos homens cuja vida se passa em pro cüráí de que subsistir são tão pouco instruídos sobre aquilo que acontece no míinÜo cOmo um cavalo que trilha sempre o mesmo caminho pode tornarse prá tico tia cárta geográfica do país Serlhesiam necessárias as línguas a leitura a conversação as observações da natureza e as experiências da arte 3 Ora tudo isso não convinha ao seu estado diremos então que a maioria dos homens só é conduzida à felicidade e à infelicidade por um acaso cego É preciso que se entre guem às opiniões correntes e aos guias autorizados no país mesmo em relação à felicidade ou à infelicidade eterna Ou geremos eternamente infelizes pelo fato de ter nascido num país d não em outro Cumpre entretanto reconhecer que nin guém está tão absorvido pelos cuidados de prover à sua subsistência qué não lhe sobre nenhum tempo para pensar na sua alma e para instruirse sobre o que diz respeito à religião se a isto se aplicasse tanto quahto se aplica a coisàs menos importantes TEÓFILÒ Supondo que Os hóméns nfem sempre tenham as condições necessá rias para instruirse a si mesmos e que não podendo abandonar com prudêricia o cuidado da subsiâíência da sua família para procurar verdades difíceis sejam obrigados a seguir ás opiniões autorizadas será sempre necessário acreditar que naqueles que posáum a verdadeira religião sem possuir as provas dela a graça interior suprirá a faltá de motivos de credibilidade E a cáridade nos faz também pensar como já tive ocasião de dizervos que Deus faz em prol daà pessoas de boa vontade conduzidas de entre as espessas trevas dos erros mais perigosos tudo aquilo que a sida bondade e a sua justiça exigem embora talvez de uma forma que nos é desconhecida Conhecemse Histórias aplaudidas na Igreja romana de pessoas que foram ressuscitadas pára que não lhes faltassem auxílios salutares Porém Deus pode socorrer as almas pela operação do Espírito Santo sem ter necessidade de iairi milagre tão grande O que existe de bom e de corisola dor para o gênero humano é que para colocarse no estado da graça de Deúè NOVOS ENSAIOS 375 basta a boa yontade porém sincera e séria Reconheço que sem a graça de Deus nem sequer possível ter essa boa vontade tanto mais que todo bem natural ou sobrenatural procede de Deus basta sabermos porém que é suficiente ter a von tade para isso e que é impossível que Deus exija uma condição mais fácil e mais razoável 4 FILALETO Há pessoas que teriam bastante à sua vontade todos os meios para esclarecer as suas dúvidas porém são desviadas disso por obstáculos cheios de artifício que é bastante fácil perceber sem que seja necessário fundamentálos aqui 5 Prefiro falar daqueles a quem falta a habilidade para fazer valer as pro vas que possuem por assim dizer à mão e que são incapazes de reter uma longa seqüência de conseqüências e de pesar todas as circunstâncias Existem pessoas de um só silogismo como existem pessoas de dois Não é aqui o lugar para deter minar se esta imperfeição provém de uma diferençá natural das próprias almas ou dos órgãos ou se depende da falta de exercício a qual aperfeiçoa âs faculdades naturais Basta aqui assentar que esta diferença é visível e que basta ir do Palácio ou da Bolsa aos hospitais e às pequenas casas1 5 6 para darse conta disso TEÓFILO Não são somenib os pobres que éstão necessitados A certos ricos falta mais do que ao pobre pelo fato de que ésses ricos exigem demais e se colo cam voluntariamente numa espécie de indigênciaque os impede de dedicarse às considerações importantes Õ exemplo tem muita influência Costumamos seguir aqueles dos nossos semelhantes que somos obrigados a freqüentar sem fazer apa recer um espírito de contrariedade e isso faz com que nos tornemos facilmente semelhantes a eles É bem difícil contentar ao mesmo tempo a razão e o costume Quanto àqueles que têm pouca capacidade existem talvez menos do que se pensa acredito que o bom senso somado à aplicação jpode bastar para tudo Pressu ponho o bom senso pois não creio que queirais exigir a pesquisa da verdade por parte dos habitantes das pequenas casas Ainda que possa haver alguma dife rença original entre as nossas almas na verdade acredito que tal diferença existe é certo que uma alma poderia ir tão longe como a outra embora talvez não tão depressa se fosse conduzida como seria necessário 6 FILALETO Existe uma outra espécie de pessoas às quais falta apenas a vontade Um violento apego ao prazer uma constante aplicação ao que diz res peito à sua fortuna uma preguiça ou negligência geral uma aversão particular ao estudo e à meditação os impedem de pensar seriamente na verdade Há mesifiò òs que temem que uma pesquisa isenta de qualquer parcialidade não fosse favorável às opiniões que melhor se adaptam aos seus preconceitos e aos seus planos Conhecemos pessoas que nao querem ler uma carta que se supõe portadora de más notícias e muitas pessoas evitam fazer as suas contas e informarse sobre o seu estado real por medo de aprenderem o que preferem ignorar para sempre Existem pessoas que têm grandes rendas e tudo empregam para prover ao seu corpo sem pensar nos meios de aperfeiçoar o seu espírito Sem falar dos interes ses que deveriam ter por um estado futuro não negligenciam menos o quê lhes interessa conhecer na vida que levam neste mundo É algo de estranho que muitas vezes aqueles que consideram o poder e a autoridade como um adorno de íias 1 5 6 Asilos de loucos 376 LEIBNIZ cença ou da sua fortuna a abandonem com negligenciada pessoas de uma condi ção inferior à sua mas que os ultrapassam em conhecimentos Pois é necessário que os cegos sejam guiados por aqueles que enxergam ou que caiam na fossa e não existe maior escravidão do que a do entendimento TEÓFILO Não exisífe prova mais evidente da negligência dos homens em rela ção aos seus verdadeiros interesses do que o pouco cuidado que se tem em conhecer e praticar o que convém à saúde que constitui um dos nossos maiores bens e embora os grandes se ressintam tanto e até mais do que os outros dos maus efeitos dessa negligência não se convertem No que concerne à fé Muitos consideram o pensamento que poderia leválos à discussão como uma tentação do demônio que pensam dever superar voltando o pensamento a outras coisas Os homens que só amam os prazeres ou que se entregam a alguma ocupação têm o hábito de descuidar dos outros assuntos Um jogador um caçador um bebedor e até um curioso de bagatelas perderá a sua fortuna e o seu bemestar por não darse ao cuidado de solicitar um processo ou de falar com pessoas alta mente colocadas Existem pessoas como o Imperador Honório1 5 7 o qual ao lhe levarem a notícia da perda de Roma acreditou que fosse a sua galinha que tinha este nome o que o irritou mais do que a verdade Seria desejável que os homens que têm poder tivessem o conhecimento na mesma medida Embora porém o detalhe das ciências da história e das línguas faltasse um julgamento sólido e bem exercitado e um conhecimento das coisas igualmente grandes e gerais numa palavra summa rerum1 58 poderia bastar E como o Imperador Augusto possuía um grupo restrito de forças do Estado que denominava Breviarium Imperii 59 poderseia ter um resumo dos interesses do homem o qual mereceria o nome de Enchiridion Sapientiae se os homens estivessem dispostos a interessarse por aquilo que mais importa v 7 FILALETO Finalmente a maior parte dos nossos erros provém das falsas medidas de probabilidade que tomamos seja suspendendo o nosso julgamento não obstante as razões manifestas seja fazendo este julgamento apesar das probabilidades contrárias Essas falsas medidas consistem 1 nas proposições duvidosas consideradas como princípios 2 nas hipóteses admitidas 3 nas pai xões ou inclinações dominantes e 4 na autoridade 8 Julgamos em geral sobre a verdade segundo a concordância com aqui lo que consideramos como princípios incontestáveis e isso nos faz menosprezar 0 testemunho dos outros e até aquele dos nossos sentidos quando são ou parecem contrários Entretanto antes de darlhes crédito com tanta segurança seria neces sário examinálos com a máxima exatidão 9 As crianças recebem proposições que lhes são inculcadas pelo pai e 1 5 7 Honório 384423 imperador do Ocidente O saque de Roma pelos godos de Alarico efetuouse em 410 158 As coisas mais importantes o principal 1 59 Breviário do Império ver Suetônio Vida de Augusto 101 4 mais abaixo Manual da Sabedoria NOVOS ENSAIOS 377 pela mãe pelas babás e pelos educadores e outras pessoas que as circundam Essas proposições tendo criado raízes passam por sagradas como um urim e thummim1 60 que o próprio Deus teria colocado na alma 10 Temse dificul dade em admitir o qué vai contra esses oráculos internos ao passo que digerimos os maiores absurdos desde que concordem com eles Isso aparece na extrema obstinação que se nota em certos homens em crer firmemente em opiniões direta mente opostas como artigos de fé embora muitas vezes sejam igualmente absur das Tomai um homem de bom senso mas persuadido desta máxima devese crer o que se crê na sua comunhão tal como se ensina em Wittenberg1 61 ou na Suécia que disposição não terá ele para admitir sem dificuldade a doutrina da consubstanciação e a crer que uma e mesma coisa é ao mesmo tempo carne e pãO TEÓFILO Ao que parece não estais suficientemente informado sobre os pon tos de vista dos evangélicos que admitem a presença real do corpo de Nosso Se nhor da Eucaristia Explicaram a sua posição mil vezes que não querem consubstanciação do pão e do vinho com a carne e o sangue de Jesus Cristo e muito menos que uma e mesma coisa sejam carne e pão conjuntamente Ensinam apenas que ao recebermos os símbolos visíveis recebemos de uma forma invisí vel e sobrenatural o corpo do Salvador sem que este esteja encerrado no pão A presença a que se referem não é uma presença local ou por assim dizer espacial isto é determinada pelas dimensões do corpo presente assim sendo tudo o que os sentidos poderiam opor nao lhes diz respeito E para mostrar que os inconve niêntes que se poderiam tirar da razão tampouco os atingem declaram que aquilo que entendem pela substância do corpo não consiste na extensão ou dimensão tampouco vêem qualquer objeção em admitir que o corpo glorioso de Jesus Cris to conserva uma certa presença ordinária e local porém condizente com o seu es tado no lugar sublime em que se encontra presença inteiramente distinta desta presença sacramental de que aqui se trata como é diferente dessa presença mira culosa mediante a qual Jesus Cristo governa a sua Igreja presença que faz com que ele esteja não em toda parte como Deus mas onde quiser estar Esta é a opinião dos mais moderados de maneira que para mostrar o absurdo da sua doutrina seria necessário demonstrar que toda a essência do corpo consiste exclu sivamente na extensão e naquilo que só pode ser comensurado desta maneira e que ninguém fez quanto eu saiba Além disso toda êsta dificuldade não atinge menos os reformados qúe se guem as confissões galicana e belga a declaração da assembléia de Sendomir1 62 composta de pessoas das duas confissões a augustana e a helvética conforme à i 6 0 jjrim e thummim ornamentos do peitoral levado pelo sumo sacerdote dos judeus utilizados como oráculos 1 61 Cidade da Saxônia foi às portas desta igreja que Lutero afixouas suas teses em 1517 1 62 A Assembléia de Sandòmir Polônia realizouse em 1570 para tentar encontrar um ponto de concor dância entre os diversos partidos religiosos 378 LEIBNIZ confissão saxômca destinada ao Concílio de Trento a profissão de fé dos refpr mados que participaram do colóquio de Thorn1 6 3 convocado sob a autoridade de Ladislau rei da Polônia e a doutrina constante de Calvino e de Beza1 6 que declararam com a maior clareza e com a maior força desejáveis que os símbolos transmitem efetivamente aquilo que representam e que nos tornamos partici pantes da substância dò próprio corpo e do próprio sangue de Jesus Cristo E Calvino após ter refutado os que se limitam a afirmar uma participação metafó rica de pensamento oil de seío e de uma união ao nível da fé acrescenta estar dis posto a assinar tudo o que se disser de mais forte desde que se evite tudo o que diga respeito à circunscrição dos lugares ou à difusão das dimensões Assim sendo parece que no fundo a sua doutrina era a de gmelanchton1 6 5 e até de Lute ro como a supõe o próprio Calvino numa das suas cartas excetuado um ponto isto é além da condição da percepção dos símbolos com a qual Lutero se contenta ele exge também a condição da fé para excluir a participação dos indignos Achei Calvino tão positivo no que tange a esta comunhão real e ito numa centena de passos das suas obras e até nas cartas familiares que não vejo motivo para considerála suspeita de artifício l i FILALETO Escusome por haver falado das opiniões desses autqres con forme a opinião correnteRecordome agora de ter observado que teólogqs muito competentes da Igreja Anglicana defenderam esta participação real Entretanto passemos agora dos princípios estabelecidos às hipóteses admitidas Os que reconhecem que se trata apenas de hipóteses não deixam muitas vezes de defendêlas com ardor mais ou menos como princípios seguros e de desprezar as probabiidades contrárias Seria insuportável a um sábio professor ver a sua autoridade destruída num instante por um novato que rejeitasse as suas hipóteses digo a sua autoridade que está consolidada de trinta ou quarenta anos a esta parte autoridade conquistada através de muitas vigílias apoiada numa infinidade de textos do patrimônio grego e latino confirmada por uma tradição geral e por uma barba venerável Todosos argumentos que se podem aduzir para convencêlo da falsidade da sua hipótese serão tão pouco capazes de convencer o seu espírito quanto os esforços que fez Boíeu para obrigar o viajante a abandonar 0 seu manto que segurou com tanto maior firmeza quanto o vento soprava com maior violência TEÓFILO Na realidade os adeptos de Copérnico constataram nos seus adver sários que as hipóteses reconhecidas como tais não deixam de ser defendidas com zelo ardente E os cartesianos não são menos positivos e categóricos na defesa dos seus postulados como se se tratasse dos teoremas de Euclides É verdade que aqueles que condenaram Galileu acreditaram que a imobilidade da terra era mais do que uma hipótese pois consideravam esta tese concordante com a Escritura e com a razão Ao depois porém chegouse à conclusão de que pelo menos a razão 1 3 O Colóquio de Thorn Saxônia teve lugar em 1645 a pedido de Ladislau VI 4 Teodoro de Beza 15191605 discípulo e amigo de Calvino 1 5 Filipe Schwartzerde denominado Melanchton 14971560 discípulo e amigo de Lutero humanista e teólogo NOVOS ENSAIOS 379 f t não vinha em abono desta teoria no que concerne à Escritura o Padre Fabry1 6 6 penitenciário de São Pedro excelente teólogo e filósofo publicando na própria Roma uma apolqgia das observações de Eustáquio Divini renomado óptico declarou que era apenas provisoriamente que se acreditava que o texto sagrado fala de um verdadeiro movimento dp sol e que se a opinião de Cqpérnipg ficasse constatada não haveria dificuldade em explicálo pmo esta passagem de Virgílio terraeque urbesque recedunt167 Não obstante tudo isso continiiase na Itália e na Espanha e mesmo nos países hereditários do imperador a banir a doutrina de Copérnico corçi grande prejuízo dessas nações cujos espíritos poderiam altearse a descobertas mais belas se desfrutassem de uma Uberdade razoável e filosófica 12 FILALETO Efetivamente como dizeis parece que as paixões dominantes parecem constituir a fontede amor que se tem pelas hipóteses entretanto as pai xões vão muito mais longve A maior probabilidade do mundo não servirá de nada para mostrar a sua injustiça a um avarento e a um ambjgipso e um amante terá toda a facilidade do munido para deixarse enganar pela sua namorada tanto é verdade qup cremos facilmente naquilg que queremos e segundo a observação de Virgílio qui amant ipsi sibi sçmnia fingunt1 6 8 É isto que faz cqm que iios sirvamos de dois meios para escapar às probabi lidades mais evidentes quando contradizem às nossas paixões e aos nosQ preconceitos 1 3 0 primeiro é crer que pode haver alguma sofisticação escpn dida no argumento qug nos objetam 14 O egundo consiste m supor que podemos alegar argumentos iguais ou até melhores para rebater o adversário se tivéssemos a facilidade o ji a habilidade necessárias para encontrálos 15 Estps meios de defenderse contra a convicção por vezes são bons porém saq também sqfismas quando o assunto está pfigientemente esclarecido e quandp s3 levou tudo em consideração pois após issq existe a possibilidade de ver de que ladq se encontra a probabilidade Assim é que não se poce duvidar de que os animais foram formadps por movimentos que um agente inteligente ppnduziu e não ppr um concurso fortuito de átomos da mesma forma nãp existe ninguém que duvide se os caracteres de imprensa que formam im discurs inteligível foram reunidos por um homem atenfp ou resultam de uma ijiescla confusa Acredito por conse guinte que não depende de nós suspender q nosso assentimento nessas ocasiões entretanto podemos fazgrlo quando a probabilidade é menos evidente sendo que podemos até cqntentarrngs com as provas mais fracas que vão mais de acordo com a nossa inclinação 16 Na verdade pareceme impraticável que uma pes 1 6 6 Ver a nota 121 O livrp aqui citado data de 1661 Eustáquio Divini 16201695 óptico fabricante de vidros para microscópips e telescópios Segundo certos autores os livros a ele atribuídos teriam sido escri tos na realidade pelo Padre Fabry 1 68 Citação fia Eneida VIII 72 As terras e as cidades se distanciam enquanto o navio entra em altomar 1 6 8 Citação das Bucólicas VII 108 Os que amam forjam para si quimeras 380 LEIBNIZ p soa se incline mais para o lado em que vê menor probabilidade a percepção o conhecimento e o assentimento não são arbitrários como não depende de mim ver ou não ver a concordância de duas idéias quando o meu espírito a elas se volta Todavia podemos fazer voluntariamente com que estacione o progresso das nossas pesquisas não fora isto a ignorância ou o erro não poderiam consti tuir pecado em caso algum É nisto que exercemos a nossa liberdade É verdade que nas ocasiões em que não temos nenhum interesse abraçamos a opinião comum ou a opinião do primeiro que se manifesta porém nos pontos em que entra em linha de conta a nossa felicidade ou infelicidade o espírito se aplica com maior diligênia a pesar as probabilidades e acredito que neste caso isto é quando prestamos atenção não temos a liberdade de determinarnos para o lado que quisermos se existirem entre as duas opiniões diferenças bem visíveis neste caso será a probabilidade maior que determinará o nosso assentimento TEÓFILO Nb fundo concordo convosco sendo que quanto a este ponto expli camonos suficientemente nos nossos diálogos anteriores ao falarmos sobre a liberdade Ali mostrei que nunca cremos o que queremos mas aquilo que vemos com maior evidência ao mesmo tempo porém podemos fazer com que creiamos o que queremos desviando a atenção de um objeto desagradável para aplicála a um outro que nos agrada Isso faz com que ao encararmos mais as razões de uma opinião favorita acabemos por convencernos de que ela é mais provável Quanto à opiniões pelas quais não tomamos interesse e que admitimos baseadas em motivos levianos isso acontece pelo fato de que não notando quase nada das razões que militam em contrário achamos que a opinião que outros nos apresen tam como sendo a mais provável é superior à opinião oposta a qual na nossa percepção nada tem a seu favor 17 FILALETO A última medida falsa de probabilidade que tenciono assina lar é a autoridade mal entendida Esta aprisiona nas malhas da ignorância e do erro mais pessoas que todas as outras juntas Quantas pessoas existem que não têm outro fundamento para as suas opiniões a não ser as opiniões admitidas entre os nossos amigos ou entre as pessoas da nossa profissão do nosso partido ou do nosso país Uma tal doutrina foi aprovada pela venerável antiguidade ela chega até a mim com o passaporte dos séculos precedentes outras pessoas se rendem a ela eis por que acredito que ao admitila estou protegido contra o risco de erro Basearse neste método é mais ou menos a mesma coisa que esco lher aaa aaes ssass piniões com base nos resultados fornecidos por um jogo de azar Além do fato de que todos os homens são sujeitos ao erro acredito que se pudéssemos ver os motivos secretos que fazem agir os sábios e os chefes de parti do constataríamos muitas vezes que o verdadeiro motivo pouco ou nada tem a ver com uma busca sincera da verdade De qualquer forma é certo que não existe nenhuma opinião tão absurda que não possa ser abraçada com base em tal argu mento visto que não existe erro que não tenha tido os seus defensores TEOFILO Entretanto cumpre reconhecer que é impossível deixar de renderse NOVOS ENSAIOS 381 à autoridade em certos casos Santo Agostinho escreveu um livro bastante belo De Utilitate Credendi1 69 que merece ser lido Quanto às opiniões admitidas têm elas algo em comum com aquilo que os jurisconsultos denominam presunção Embora não sejamos obrigados a seguir sempre tais opiniões sem antes encontrar provas tampouco temos o direito de destruílas no espírito dos outros sem moti vos que militem em contrário A razão deste procedimento é que não temos o direito de mudar nada se não houver motivo para tal Temse discutido muito sobre o argumento baseado no grande número dos que aprovam uma opinião desde que o falecido Sr Nicole1 70 publicou seu livro sobre a Igreja entretanto tudo o que se pode tirar deste argumento quando se trata de aprovar uma razão e não de atestar um fato pode ser reduzido apenas àquilo que acabo de dizer Assim como cem cavalos não correm mais depressa do que um cavalo só embo ra possam puxar mais acontece o mesmo com cem homens comparados a um só eles não podem acertar mais do que um só mas trabalharão com maior eficácia não poderão julgar melhor mas serão capazes de fornecer mais matéria para a reflexão É este o significado do provérbio plus vidente oculi quam oculus1 71 Notase isso nas assembléia nas quais vem à tona uma série de considerações que talvez teriam escapado a um só ou a dois Entretanto em tais casos correse o risco de não fazer a opção certa apesar de todas essas considerações isto acon tece quando não existem pessoas dotadas da capacidade de dirigir os debates e pesar as razões alegadas pelas diversas partes Esta é a razão pela qual alguns teólogos judiciosos da Igreja de Roma vendo que a autoridade da Igreja isto é a autoridade dos mais elevados em dignidade e dos mais apoiados pela multidão não podia ser segura em matéria de raciocínio a reduziram à mera atestação dos fátos sob o nome de tradição Esta foi a opinião de Henrique Holden1 72 inglês doutor da Sorbonne autor de um livro intitulado Análise da Fé no qual seguindo os princípios do Commonitorium de Vicente Lerinense1 7 3 o autor defende que não se podem emitir decisões novas na Igreja e tudo o que podem fazer os bispos reunidos em concílio é apenas atestar o fato de que esta ou aquela doutrina é comumente aceita nas suas dioceses O princípio é especioso enquanto permanecermos nas generalidades entretanto quando vamos ao fato constatase que países diferentes admitiram opiniões diferentes desde há muito tempo Nos mesmos países se passou do branco ao preto não obstante os argumentos do Sr Arnaud contra as mudanças insensíveis1 7 4 além do fato de que muitas vezes não só se atestaram as diferenças mas se passou ao julgamento delas Esta é tam bém no fundo a opinião de Gretser1 7 5 sábio jesuíta da Baviera autor de uma outra Análise da Fé aprovada pelos teólogos da sua ordem A Igreja pode emitir 169 A L 170 Ver 171 Vát 172 Hei 173 São do Viajai tra todas 17 4 No tilidade da Crença tratado de Santo Agostinho escrito em 391 nota 74 ios olhos enxergam mais do que um só rique Holden 15761665 a obra aqui citada é do ano 1652 Vicente Lerinense século V autor de uma obra intitulada Commonitorium Peregrini Advertência ite dirigida contra a heresia nestoriana obra na qual o autor afirma a autoridade da tradição con as inovações doutrinais seu tratado Sobre a Perpetuidade da Fé 1669 Tiago Gretser 15611625 filósofo e teólogo 382 LEIBNIZ julgamento sobre as controvérsias elaborando e proclamando novos artigos de fé sendo que lhe está prometida para isso a assistência do Espírito Santo embora o mais das vezes se procure dissimular esta opinião sobretudo na França como se competisse à Igreja apenas esclarecer dotitíinas já estabelecidas Todavia o esclarecimento ou é uma enunciação já admitida 0ü ê uma enunciação nova que se crê haurir da doutrina já admitida Á prática o mais das vezes se opõe ao pri meiro sentido e no segundo sentido que piode ser a enunciação nova senão um novo artigo Todavia não creio que se deva menosprezar a antiguidade em matéria de religião Acredito até poderse afirmar que Deus preservou os concílios verdadei ramente ecumênicos celebrados até hoje de qualquer erro contrário à doutrina dâ salváção De resto o preconceito do partipris é realmente uma coisa estranha Vi pessoãá abraçarem com ardor uma opinião pelo simples motivo de quê êíâ é admitida pélas pessoas da sua classe ou até pelo simples motivo de quê ela è 60n trária à de um homem de uma religião ou de um paísque não amavam êHibora a questão praticamente não tivesse nada a ver com a religião ou com os interesses dos povos Tais pessoas não sabiam talvez que a verdadeira fonte do seu zêlo era esta entretanto eu constatava que à primeira notícia de que tal ou tal pessoa tinha escrito isto ou aquilo tais pessoas sê êflterravam nas bibliotecas e atormen tavam o espírito para encontrar argumentos pâfâ refutar o autor É isto que fazem muitas vezes aqueles que defendem teses Hás universidades e procuram destacarse contra os seus adversários Que diremós então das doutrinas prescri tas nos livros simbólicos do partido mesmo entre os protestantes doutrinas que muitas vezes somos obrigados a abraçar sob forma de juramento Alguns crêem que só é necessário aceitar tais profissões na medida em que coincidem com o ensinamento da Sagrada Escritura porém outros afirmam o contrário Nas or dens religiosas da Igreja de Roma vaise mais longe prescrevemse limites mais restritos àqueles que ensinam basta citar como exemplo as proposições que o Superior Geral dos Jesuítas Cláudio Aquaviva1 76 se não me equivoco proibiu de ensinar nas suas escolas Seria conveniente fazer uma coleção sistemá tica das proposições decididas e censuradas dos concílios dos papas bispos superiores faculdades coletânea que serviria à história eclesiástica Podese dis tinguir entre ensinar e abraçar uma opinião Não existe juramento algum no mundo nem proibição que possa forçar uma pessoa a permanecer com a mesma opinião pois os sentimentos são involuntários em si mesmos todavia podemos e devemos absternos de ensinar uma doutrina que passa por perigosa a menos que estejamos obrigados a ela em consciência Neste caso é necessário declarar se sinceramente e abandonar o seu posto quando se tem o ofício de ensinar supondose entretanto que se possa fazêlo sem exporse a um perigo extremo que poderia forçar a abandonar sem celeuma Não vejo outra possibilidade de harmonizar os direitos do público e os do indivíduo visto que um deve impedir o que considera mau e o outro não pode dispensarse dos deveres exigidos pela sua consciência 176 Cláudio Aquaviva 15431615 18 opinic ILALETO Esta oposição entre o público e o individual e mesmo entre as ies públicas de diferentes partidos constitui um mal inevitável Entretanto NOVOS ENSAIOS 383 muitas vezes as próprias oposições são meramente aparentes consistindo apenas nas fórmulas Sintome também obrigado a dizer para fazer justiça ao gênero humano que não existem tantas pessoas engajadas no erro como se pensa comu mente não que acredite que elas abraçam a verdade mas porque na realidade a respeito das doutrinas em tomo das quais se faz tanta celeuma não têm em abso luto opinião positiva e além disso sem nada examinarem e sem terem no espírito as idéias mais superficiais sobre o problema em foco estão decididas a agarrarse ao seu ponto de vista como soldados que não examinam a causa que defendem e se a vida de uma pessoa revela que ela não tem nenhuma consideração sincera pela religião bastalhe ter amão e a língua prontas a defender a opinião comum para 1 ornarse recomendável àqueles que lhe podem dar apoio TEÓFILO Esta justiça que fazeis ao gênero humano não reverte em seu louvor os hoinens seriam mais escusáveis por seguirem sinceramente as suas opiniões do que p3r contradizêlas por interesse Entretanto é possível que haja mais sinceri dade io seu agir do que estais ã supor Pois sem nenhum conhecimento de causa poden ter chegado a uma fè implícita submetendose geralmente e por vezes cegamente porém muitas Vêzês de boa fé ao julgamento daqueles cuja autori dade ima vez reconheceram É verdade que o interesse que têm na coisa contribui pára lísta submissão porém isto não impede que ao final a opinião se forme Na Igreja romana considerase mais ou menos suficiente esta fé implícita uma vez que talvez ela não conheça artigo devido à revelação que seja considerado como absolutamente fundamental e que passe como necessário necessitate medii 1 7 7 isto é cuja aceitação seja uma condição absolutamente necessária para asalva ção odos o são por necessitate praecepti isto é em virtude da necessidade de obedecer à Igreja conforme o ensinamento da Igreja romana e de conceder toda a atetição devida ao que é proposto tudo sob pena de pecado mortal Entretanto esta r ecessidade exige apenas uma docilidade razoável não obrigando em abso luto ao assentimento conforme o ensinamento dos mais sábios doutores dessa Igreja Todavia o próprio Cardeal Belarmino1 7 8 acreditou que nada é melhor do que essa fé de criança que se submete a uma autoridade estabelecida ele relata e aprova os dizeres de um moribundo que afugentou o diabo por este círculo vicio so que o doente repete com freqüência Creio tudo o que a Igreja crê A Igreja crê o que eu creio 1 7 7 Necessitate medii literalmente a expressão significa por uma necessidade de meio Necessitate prae cepti literalmente por uma necessidade de preceito 1 78 Roberto Belarmino 15421621 célebre pelo papel que desempenhou nas vicissitudes de Galileu com a Igreja É autor de uma Arte de Bem Morrer 1620 384 LEIBNIZ C a p it u l o X X I A divisão das ciências í FiLALETO Eisnos chegados ao final do nosso itinerário sendo que todas as operações do entendimento humano estão esclarecidas O nosso intento não é entrar no próprio detalhe dos nossos conhecimentos Entretanto vem aqui a propósito talvez antes de encerrar empreender uma revisão geral considerando a divisão das ciências Tudo aquilo que pode entrar na esfera do entendimento humano é ou a natu reza das coisas em si mesmas ou em segundo lugar o homem na qualidade de agente tendendo ao seu fim e particularmente à sua felicidade ou em terceiro lugar os meios de adquirir e de comunicar o conhecimento Com isso temos a ciência dividida em três espécies 2 A primeira espécie ê a física ou a filosofia natural que engloba não somente os corpos e as suas afecções como número e figura mas também os espíritos o próprio Deus e os anjos 3 A segunda espécie é a filosofia prática ou a moral que ensina o meio de obter as coisas boas e úteis e se propõe não apenas o conhecimento da verdade mas também a prática daquilo que é justo 4 A terceira enfim é a lógica ou o conhecimento dos sinais pois lógos significa palavra Temos necessidade dos sinais das nossas idéias para podermos comuni car entre nós os nossos pensamentos bem como para registrámos para o nosso próprio uso Talvez se se considerasse distintamente e com todo o esmero possí vel que esta última espécie de ciência se baseia sobre as idéias e as palavras tería mos uma lógica e uma crítica diferentes das que se conhecem até agora Essas três espécies a física a moral e a lógica constituem como que três grandes províncias no mundo intelectual completamente separadas e distintas uma da outra TEÓFELO Esta divisão já gozou de renome entre os antigos pois na lógica ees englobavam também como fazeis vós tudo o que relacionamos com as palavras e com a explicação dos nossos pensamentos artes dicendi Todavia existe uma certa dificuldade nisso Com efeito a ciência de raciocinar de julgar e de inventar parece muito diferente do conhecimento das etimologias das palavras e do uso das línguas que constitui algo de indefinido e arbitrário Além disso ao explicar as palavras estamos obrigados a entrar nas próprias ciências como se vê pelos dicionários de outro lado não se pode tratar a ciência sem dar ao mesmo tempo as definições dos termos Entretanto a principal dificuldade existente na divisão NOVOS ENSAIOS 385 proposta das ciências consiste no fato de que cada parte parece engolir o todo primeiramente a moral e a lógica cairão na física se esta for tomada de maneira tão genérica como se acaba de expor pois ao falar dos espíritos isto é das subs tâncias que têm inteligência e vontade e ao explicar esta inteligência a fundo fa reis com que entre nela toda a lógica e ao explicar na doutrina sobre os espíritos aquilo que concerne à vontade seria necessário falar do bem e do mal da felici dade e da infelicidade e só a vós competirá levar esta doutrina até ao ponto de fazer entrar nela toda a filosofia prática Em contrapartida tudo poderia entrar na filosofia prática como estando a serviço da nossa felicidade Sabeis que com razão se considera a teologia como uma ciência prática e a jurisprudência tanto quanto a medicina também o é desta forma a doutrina da felicidade humana ou do nosso bem e mal absorverá todos esses conhecimentos se quisermos explicar suficientemente todos os meios que servem ao fim proposto pela razão Assim é que Zwinger englobou tudo no sêu teatro metódico da vida humana o qual Beyerling alterou colocandoo em ordem alfabética179 E ao tratar todas as matérias por dicionários conforme a ordem alfabética a doutrina das línguas que vós catalogais juntamente com os antigos na lógica isto é na discursiva se apoderará por sua vez do território das duas outras Com isso tereis as vossas três grandes províncias da enciclopédia em guerra contínua visto que uma se arrogará sempre os direitos das outras Os nominalistas acreditaram que existem tantas ciências particulares quan tas são as verdades Outros compararam o conjunto completo dos nossos conhe cimentos a um oceano que consta todo ele de uma peça única sendo dividido em caledoniano atlântico etiópido e Índico apenas por linhas arbitrárias Constata se em geral que uma mesma verdade pode ser colocada em diferentes lugares conforme os termos que contém e até conforme os termos médios ou causas de que depende e segundo as conseqüências e os efeitos que pode produzir Uma proposição categórica simples tem apenas dois termos entretanto uma proposi ção hipotética pode ter quatro sem falar das enunciações compostas Uma histó ria memorável pode ser colocada nos anais da história universal e na história do país em que aconteceu e na história da vida de uma pessoa que nela estava inte ressada Supondo que se trate de algum belo preceito de moral de algum estrata gema de guerra de alguma invenção útil para as artes que servem para a comodi dade da vida ou para a saúdedos homens esta mesma história será relacionada utilmente com a ciência ou arte à qual diz respeito e até se poderá fazer menção dela em dois lugares dessa ciência isto é na história da respectiva disciplina para contar o seu crescimento efetivo e também nos preceitos para confirmálos ou esclarecêlos através dos exemplos Por exemplo o que se conta bem a própo sito na vidado Cardeal Ximenes1 80 que uma mulher mourisca o curou de uma héctica quase desesperadora apenas através de fricções merece também ser men 179 Ver a nota 96 18 0 Tratase de Ximenes de Cisneros 14361517 confessor de Isabel a Católica grande inquisidor arce bispo de Toledo Sua vida foi contada por Fléchier Mais abaixo héctica significa febre lenta e contínua 386 LEIBNIZ cionado num sistema de medicina tanto no capítulo concernente à respectiva enfermidade como onde se trata de uma dieta medicinal que compreende os exer cícios esta observação servirá também para melhor descobrir a causa dessa enfermidade Além disso poderseia mencionála também na lógica medicinal que trata da arte de encontrar remédios bem como na história da medicina para mostrar a maneira como os remédios chegaram ao conhecimento dos homens e que isso acontece muitas vezes através de simples empíricos e até de charlatães Beverovicius1 81 num belo livro sobre a medicina antiga tirado inteiramente dos autores nãomédicos teria tornado a sua obra ainda mais bela se tivesse chegado até aos autores modernos Por aí se vê que uma mesma verdade pode ter vários lugares conforme os diferentes enfoques que pode apresentar Os que ordenam uma biblioteca muitas vezes não sabem onde colocar alguns livros pelo fato de hesitarem entre duas ou três localizações possíveis Entretanto falemos agora apenas das doutrinas gerais colocando à parte os fatos individuais a história e as línguas Encontro duas disposições principais de todás as verdades doutrinais sendo que cada uma terá os seus méritos Uma seria sintética e teórica ordenando as verdades conforme a ordem das provas como fazem os matemáticos de maneira que cada proposição viria depois daquelas das quais depende A outra disposição seria analítica e prática começando pelo objetivo dos homens ou seja pelos bens cujo cúmulo é a felicidade e procurando ordenadamente os meios que ser vem para adquirir esses bens ou para evitar os males contrários Esses dois méto dos se verificam na enciclopédia em geral como alguns ainda os têm praticado nas ciências particulares pois a própria geometria tratada sinteticamente por Euclides como uma ciência foi tratada por alguns outros como uma arte e pode ria apesar disso ser tratada demonstrativamente sob esta forma que revelaria até a sua invenção Como se alguém se propusesse medir todas as espécies de figuras planas e começando pelas retilíneas se recordasse que se pode dividilas em triângulos e que cada triângulo constitui a metade de um paralelogramo e que os paralelogramos podem ser reduzidos aos retângulos cuja medição é fácil Toda via ao escrever a enciclopédia segundo todas essas duas disposições conjunta mente poderseiam tomar medidas para remeter a fim de evitar as repetições A essas duas disposições seria necessário acrescentar a terceira conforme os termos a qual na realidade constituiria apenas uma espécie de repertório seja sistemático ordenando os termos segundo certos predicamentos que seriam co muns a todas as nações seja alfabético conforme a língua admitida entre os sá bios Ora tal repertório seria necessário para encontrar conjuntamente todas as proposições nas quais o termo entra de uma forma bastante notável pois segundo as duas vias precedentes nas quais as verdades são catalogadas segundo a sua origem ou segundo o seu uso as verdades que dizem respeito ao mesmo termo não podem encontrarse juntas Por exemplo não foi permitido a Euclides ao 181 J van Beverwijck denominado Beverovicius 15941647 médico holandês e autor de uma Idea Medi cinae Veterum Idéia da Medicina dos Antigos NOVOS ENSAIOS 387 ensinar ele a encontrar a metade de um ângulo acrescentarlhe o meio para encontrar a terça parte pois teria sido necessário falar das seções cônicas das quais ainda não era possível tomar conhecimento naquele lugar Todavia o repertório pode e deve indicar os lugares em que se encontram as proposições importantes que concernem ao mesmo assunto Faltanos ainda um tal repertório na geometria o qual seria de grande utilidade para facilitar até a invenção e impulsionar a ciência pois ele aliviaria a memória e nos pouparia o trabalho de procurar de novo aquilo que jáfoi encontrado Com maior razão tais repertórios serviriam também nas outras ciências nas quais a arte de raciocinar tem menos poder e seria sobretudo de extrema utilidade na medicina Entretanto não é das mais simples a arte de elaborar tais repertórios Ora ao considerar essas três disposições chego a uma conclusão curiosa a saber que elas correspondem à antiga divisão que vós renovastes a qual divide a ciência ou a filosofia em teórica prática e discursiva ou em física moral e lógi ca Com efeito a disposição sintética corresponde à teórica a analítica à prática e a do repertório segundo os termos à lógica de sorte que esta antiga divisão é muito válida contanto que seja entendida da forma como acabo de explicar essas disposições ou seja não como ciências distintas mas como disposições diversas das mesmas verdades Existe ainda uma divisãO civil das ciências conforme as faculdades e as profissões Ela é utilizada nas universidades e no catalogamento de praxe nas bibliotecas Draudius1 82 juntamente com o seu seguidor Lipenius que nos lega ram o mais amplo catálogo de livros ainda que não o melhor ao invés de seguir os métodos das Pandectas de Gesner183 que são inteiramente sistemáticos contentaramse com servirse da grande divisão das matérias mais ou menos como os livreiros segundo as quatro faculdades como se denominam de teologia de jurisprudência de medicina e de filosofia e a seguir ordenaram os tí tulos de cada faculdade segundo a ordem alfabética dos termos principais que en tram na inscrição dos livros isso aliviava esses autores pois não tinham necessi dade de ver o livro nem ouvir a matéria de que trata o livro porém não serve bastante para os outros a menos que se remetam os títulos a outros de significa ção igual ou semelhante com efeito sem falar de uma série de faltas que comete ram vêse que muitas vezes uma mesma coisa é denominada com nomes diferen tes como por exemplo observationes iuris miscellanea coniectanea electa semestria probabilia benedicta 1 8 4 e uma série de outras inscrições congêneres tais livros de jurisconsultos significam meras miscelâneas do direito romano 1 82 Jorge Draud cerca de 1572 cerca de 1635 erudito e bibliógrafo alemão autor de uma Bibliotheca Classica Sua obra foi continuada por Martin Lipenius 16301682 autor de uma Bibliotheca Realis em vários volumes 16791685 183 Conrad Gesner 15161565 enciclopedista e polígrafo suíço conhecido sobretudo como médico e naturalista publicou em 15481549 um tratado Sobre as Pandectas ou Divisões Universais em dezenove livros 1 8 4 Observationes iuris observações jurídicas Miscellanea miscelâneas Coniectanea conjeturas Electa extratos seletos Semestria coletânea dás sentenças dadas durante um período de seis meses Probabilia coi sas dignas de aprovação Benedicta excelentes propósitos 388 LEIBNIZ Eis por que a disposição sistemática das matérias é indiscutivelmente a melhor podendose acrescentarlhe os índices alfabéticos bem amplos segundo os termos e os autores A divisão civil e comumente admitida segundo as quatro faculdades não é de se menosprezar A teologia trata da felicidade eterna e de tudo o que com ela se relaciona na medida em que isto depende da alma e da consciência é como uma jurisprudência que concerne ao que se diz ser de foro interno1 8 5 e emprega substâncias e inteligências invisíveis A jurisprudência tem por objeto o governo e as leis cujo objetivo é a felicidade dos homens na medida em que se pode contribuir para ela através do externo e do sensível entretanto ela considera principalmente apenas o que depende da natureza do espírito não entrando muito no detalhe das coisas corporais das quais supõe a natureza para empregálas como meios Assim sendo ela se desencarrega de imediato de um grande ponto que diz respeito à saúde ao vigor à perfeição do corpo humano cujo cuidado é atribuído à faculdade da medicina Alguns acreditaram com certa razão que se poderia acrescentar às outras a faculdade econômica que englobaria as artes matemáticas e mecânicas e tudo o que diz respeito ao detalhe da subsis tência dos homens e das comodidades da vida nas quais estariam compreendidas a agricultura e a arquitetura Entretanto deixase à faculdade da filosofia tudo aquilo que não está compreendido nas três faculdades que se denominam superio res procedeuse bastante mal pois é sem dar possibilidade aos que são desta quarta faculdade de se aperfeiçoarem pela prática como podem fazer os que ensi nam as outras faculdades Assim excetuada talvez a matemática considerase a faculdade de filosofia apenas como uma introdução às outras Eis por que se quer que a juventude aprenda nela a história e as artes de falar bem como alguns rudi mentos da teologia e da jurisprudência natural independentes das leis divinas e humanas sob o título de metafísica ou pneumática de moral e de política com alguma coisa também de física para servir aos médicos recêmformados Esta é a divisão civil das ciências conforme os corpos e as profissões dos sá bios que as ensinam sem falar das profissões daqueles que trabalham pelo pú blico de outra forma que não seja o seu discurso e que deveriam ser dirigidos pelos verdadeiros sábios se se tomassem as devidas medidas no tocante ao saber Mesmo nas artes manuais mais nobres o saber foi muito bem aliado à operação e poderia sêlo ainda mais Como na realidade os associamos iia medicina isto não somente outrora entre os antigos quando os médicos eram ainda cirur giões e farmacêuticos mas mesmo nos nossos dias sobretudo entre os quími cos Esta conjunção entre a prática e a teoria se observa na guerra e entre aqueles que ensinam o que se denomina exercícios como também entre os pintores e os escultores e músicos e entre algumas outras espécies de virtuosi Se os princípios de todas essas profissões e artes fossem ensinados de maneira prática entre os filósofos ou em qualquer outra faculdade de sábios estes passariam realmente a ser os mestres do gênero humano Entretanto para isso seria imprescindível alterar em muitos pontos o pre 18 5 Pertinente ao foro interno NOVOS ENSAIOS 389 sente estado da literatura e da educação da juventude e por conseguinte da con duta Ao considerar quanto os homens avançaram em conhecimento de um ou dois séculos a esta parte e quanto poderiam facilmente progredir ainda mais para tornarse mais felizes não perco a esperança de que se chegue a alguma mudança considerável isto numa época mais tranqüila sob o reinado de algum notável príncipe que Deus poderá suscitar para o bem do gênero humano GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS O QUE E A IDEIA Tradução de Carlos Lopes de M attos DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 23 de novembro de 1697 Além do mundo ou agregado das coisas finitas existe1 um ser dominante não só como em mim a alma ou melhor como o próprio eu em meu corpo mas num plano muito mais elevado Realmente o dominante único do universo não apenas rege o mundo mas ainda o fabrica ou faz sendo superior ao mundo e por assim dizer extramundano de modo a constituir a razão última das coisas Com efeito não se pode encontrar a razão suficiente de existir nem em cada um dos indivíduos nem tampouco em todo o agregado e série das coisas Imaginemos ter sido eterno o livro dos Elementos de Geometria copiado sempre um do outro vêse que conquanto se consiga justificar o livro atual pelo precedente de que foi copiado nunca se poderá chegar por mais livros anteriores que se tomem à razão plena dado que sempre haverá motivo de admirarnos por que desde todo tempo existiram tais livros a saber por que existiram os livros simplesmente e por que assim escritos O que é verdadeiro quanto aos livros também se aplica aos vários estados do mundo pòis a situação seguinte é de certo modo copiada da precedente ainda que com leis certas da mudança Logo por mais que se retorne aos estados anteriores nunca neles se achará a razão cabal ou seja o mo tivo da existência de um mundo simplesmente e de um tal mundo Embora pois imaginássemos um mundo eterno mas não víssemos nele senão uma sucessão de estados sem achar em càda um desses estados uma razão suficiente ou sem adiantar tomandoos em conjunto qualquer coisa nesse cami nho evidenciase que a razão deve ser procurada noutra parte Nas coisas eter nas com efeito mesmo não havendo nenhuma causa deve conceberse uma razão que nas coisas persistentes é a própria necessidade ou essência mas na série das coisas mutáveis se a imaginássemos eternamente produzida pela ante rior seria a própria predominância das inclinações como se verá em breve onde a saber as razões não necessitam por uma necessidade absoluta ou metafísica de modo que o contrário implique2 contradição mas inclinam Disso tudo se conclui que nem na hipótese da eternidade do mundo se pode escapar à razão úl tima extramundana das coisas que é Deus 1 Em latim datur Já deixamos escrito numa anotação a respeito de Espinosa que não se trata de um hoian desismo como julga Koyré mas de uma expressão que vem da escolástica ver também nossa nota 4 sobre Ockham Vide Os Pensadores vol VIII p342 2 Em làtim implicet simplesmente termo em que vários comentaristas de Espinosa de novo se mostram mal informados Implicar é sempre enredarse implicar contradição 394 LEIBNIZ As razões portanto do mundo achamse em algum ser extramundano diverso da cadeia dos estados ou da série das coisas cujo agregado constitui o mundo Assim pois há de chegarse da necessidade física ou hipotética que determina as coisas posteriores do mundo pelas anteriores a alguma coisa que seja de necessidade absoluta ou metafísica da qual não se possa dar a razão Ora o mundo presente é necessário física ou hipoteticamente mas não absoluta ou metafisicamente Isso quer dizer que uma vez admitido que exista semelhante mundo seguese que tais ou tais coisas surgirão Visto pois que a última raiz deve estar em algo que seja de necessidade metafísica e dado que a razão do exis tente não pode provir senão de um existente deve existir algum Ser único de necessidade metafísica ou a cuja essência pertence a existência e portanto existir algo diverso da pluralidade dos seres ou mundo que concedemos e mostramos não ser de necessidade metafísica A fim de explicar um pouco mais distintamente como das verdades eternas essenciais ou metafísicas nascem as verdades temporais contingentes ou físicas devemos primeiramente saber que pelo simples fato de que alguma coisa existe antes do que nada há nas coisas possíveis ou na própria possibilidade ou essên cia certa exigência da existência ou digamos uma pretensão a existir e resu mindo numa palavra o fato de a essência por si tender à existência Donde por tanto se segue que todas as coisas possíveis ou que exprimem a essência ou realidade possível tendem com igual direito à existência3 conforme a quantidade da essência ou realidade ou conforme o grau de perfeição que envolvem pois a perfeição nada mais é que a quantidade da essência Daí claramente se entende que das infinitas combinações de possíveis e sé ries possíveis existe aquela pela qual o máximo de essência ou possibilidade é le vado a existir Sempre com efeito vigora nas coisas um princípio de orientação tirado do máximo ou mínimo de modo que se produza o máximo efeito com o mínimo gasto por assim dizer E nesta altura o tempo o lugar ou numa só pala vra a receptividade ou capacidade do mundo pode ser tida como gasta ou como terreno em que se edifique do modo mais cômodo correspondendo as variedades das formas à comodidade do edifício bem como à multidão e elegância dos quar tos A mesma coisa acontece em alguns jogos em que todas as casas do tabuleiro devem ser preenchidas segundo certas leis aí a menos que se empregue determi nado truque acabarseá sendo levado a lugares indesejados e deixarseão vazias algumas casas que se poderiam ou quereriam ocupar ao passo que o jeito certo leva facilmente ao preenchimento máximo Portanto assim como supondose a resolução de fazer um triângulo ainda que não ocorra nenhuma outra razão que oriente há de produzirse um equilátero e posto que se deva tender de um ponto a outro embora nada mais indique o caminho escolherseá a via mais fácil ou mais curta assim também uma vez assentado que o ser prevaleça sobre o não ser ou que haja uma razão para que se produza alguma coisa de preferência ao 3 No original talvez por distração do tipógrafo figura essência mas é um engano que retificamos em nossa tradução DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 395 nada ou seja que da possibilidade se deva passar ao ato seguese conseqüen temente que embora nada mais seja indicado exista o máximo possível con soante a capacidade do tempo e do lugar ou da ordem possível da existência do mesmíssimo modo como se ajustam as pedras para que caiba o maior número possível na área proposta Do que ficou dito já se compreende muito bem como na produção das coisas se tenha exercido certa matemática divina ou mecanismo metafísico realizando se a tendência para o máximo Assim de todos os ângulos prevalece na geometria o reto e os líquidos postos heterogeneamente se arrumam na figura mais capaz que é esférica mas sobretudo na própria mecânica comum lutando entre si mui tos corpos graves surge afinal um movimento pelo qual se produz no total a maior descida Ora da mesma maneira como todos os possíveis tendem com o mesmo direito a existir na ordem da realidade igualmente todos os pesos tendem com o mesmo direito a descer na ordem da gravidade E assim como aqui se produz um movimento em que se contém a maior descida de corpos graves também ali se produz um mundo com a maior produção de possíveis Já temos dessa forma anecessidade física derivada da necessidade metafí sica ainda que o mundo não seja metaflsicamenté necessário de modo que o contrário implique contradição ou absurdo lógico ê necessário fisicamente ou determinado de modo que o contrário implica imperfeição ou absurdo moral E como a possibilidade é o princípio da essêhêiã também a perfeição ou grau da essência pelo qual muitas coisas são compôSsíveis é o princípio da existência Verificamos por aí como se encontra liberdade nô Autor do mundo embora faça tudo determinadamente porque opera conforme o princípio da sabedoria ou perfeição Com efeito a indiferença nasce da ignorância e quanto mais sábia for a pessoa mais será determinada para o mais perfeito 4 Entretanto dirás essa comparação de certo mecanismo determinante de ordem metafísica com o de ordem física dos corpos pesados conquanto pareça elegante falha no ponto seguinte os corpos pesados que tendem para baixo existem de fato ao passo que as possibilidades ou essências antes ou fora da existência são imaginárias ou fictícias não se podendo portanto procurar nelas nenhuma razão de existir Respondo que nem essas essências nem o que chamam verdades eternas a seu respeito são fictícias mas existem em alguma espécie de região das idéias a saber no próprio Deus fonte de toda essência e existência das outras coisas O que para não parecer que falamos sem base vem indicado pela própria existência atual da série das coisas Com efeito como nela já vimos não se encontra uma razão suficiente mas deve ser procurada nas necessidades meta físicas ou verdades eternas e como ao que dissemos acima as coisas existentes não podemprovir senão de existentes cumpre que as verdades eternas tenham existência em algum sujeito absoluta ou metafisicamente necessário ou seja em 4 O probabilismo moral seguir qualquer opinião adotada por algum autor ainda que menos provável defendido sobretudo pelos jesuítas seria produto da ignorância para os sábios só resta o probabiliorismo ou antes o rigorismo de acordo com o otimismo É o que Leibniz repetirá na polêmica com Clarke 396 LEIBNIZ Deus pelo qual se reaiizem para falarmos barbaramente5 mas de modo signifi cativo essas coisas que caso contrário seriam imaginárias E na verdade vemos que no mundo tudo se faz segundo as leis das eternas verdades não só geométricas mas também metafísicas isto é não apenas con forme as necessidades materiais mas também segundo as razões formais eiisso é verdade não só em geral na razão do mundo existente como agora a explica mos mais que na razão do nãoexistente e mais que do existente de outra forma a qual razão se deve inferir da tendência dos possíveis para existir mas também descendo aos casos particulares verificamos que com razão admirável vigoram em toda a natureza as leis metafísicas da causa da potência e da ação prevale cendo sobre as próprias leis puramente geométricas da matéria como ao desco brir as razões das leis do movimento depreendi com grande admiração a tal ponto que outrora na juventude por ser eu mais material não podendo alcançar os princípios da composição geométrica tive que acabar desistindo dela como expliquei mais longamente noutra parte Assim portanto encontramos a razão última da realidade tanto das essên cias como das existências em um Ser único que precisa sem dúvida ser maior superior e anterior em relação ao mundo dado que por ele não só têm realidade as coisas existentes as quais o mundo abrange mas também a têm os possíveis Isso porém somente pode ser procurado numa única fonte em vista da conexão entre todas essas coisas Vêse logo que dessa fonte as coisas existentes proma nam e se produzem continuamente e por ela foram produzidas pois não há moti vo de pensar que dela flua um estado do mundo de preferência a outro o de ontem mais que o de hoje Patenteiase ainda como Deus opera não apenas fisi camente mas também livremente e como é ele não só o eficiente mas também o fim das coisas Da mesma forma nele está tanto a razão da grandeza e potência da máquina do universo já constituída como da bondade e da sabedoria ao constituíla E para que ninguém julgue que aqui se confunde a perfeição moral ou bon dade com a perfeição metafísica ou grandeza e concedendo esta negue aquela inferese do que ficou dito que não só o mundo é perfeitíssimo fisicamente ou se preferirmos metafisicamente o que quer dizer que se produziu a série de coisas em que se torna ato o máximo de realidade mas também que é perfeitíssimo moralmente porque na verdade a perfeição moral é física para as próprias men tes Por conseqüência o mundo não apenas é uma máquina sumamente admirá vel mas também enquanto consta de mentes é uma ótima república 6 pela qual se dà às mentes o máximo de felicidade ou alegria em que consiste a perfeição fí sica dessas mentes 7 5 Em latim realisentur O termo realisare não consta do vocabulário clássico nem fazia parte que saiba mos da linguagem da alta Idade Média 6 República no sentido antigo de Estado governo civil 7 Começa a mostrarse claramente o otimismo contra o qual Voltaire escreverá o Candide onde o filósofo Pangloss seria o próprio Leibniz Num estilo confuso e inconsistente o autor procura demonstrar sua tese nas páginas seguintes DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 397 Entretanto dirás experimentamos o contrário no mundo pois os ótimos vão muitas vezes pessimamente e os inocentes não só entre os animais mas tam bém entre os homens são angustiados e mortos até com torturas parecendo afi nai o mundo sobretudo se olharmos para o regime do gênero humano antes um caos confuso que uma coisa posta em ordem por uma suprema sabedoria Assim confesso afigurase à primeira vista mas olhandose mais a fundo verificase que se deve estabelecer o contrário realmente ê claro a priori em vista do que aduzimos que se obtém a máxima perfeição possível de todas as coisas e por conseguinte também das mentes Seria presunçoso com efeito emitir um julgamento sem estudar toda a lei como dizem os jurisconsultos Ora só conhecemos uma parte mínima da história que se desenvolve na imensidão da eternidade ou seja só conhecemos o que está guardado na memória de uns poucos milênios E contudo por essa experiência tão pequena julgamos temerariamente do imenso e do eterno como presos num cárcere ou melhor como os nascidos e criados nas salinas subterrâneas dos sár matas que julgam não haver outra luz no mundo senão a escassa claridade das lâmpadas que mal basta para dirigir os passos Tomemos uma pintura belíssima e cubramola toda salvouma pequena partícula Que apãrecerá nelaembora a olhemos bem de pêrto e até por mais perto que a observemos a não ser um amontoado confuso de cores misturadas sem arte Contudo se removendo o pano olharmos o quadro inteiro na posição conveniente entenderemos que aqui lo que parecia borrado quando coberto foi feito com suma perícia pelo autor da obra O que se diz dos olhos na pintura vale para os ouvidos na música De fato os grandes artistas da composição misturam muitíssimas vezes as dissonâncias com as consonâncias a fim de que o ouvinte fique excitado e como que aflito ansioso pelo resultado alegrandose tanto mais quando tudo voltar à ordem Assim é que graças ao sentimento de nossa potência ou de nossa felicidade ou graças à ostentação delas alegramonos com os pequenos perigos ou com as experiências dos malesDa mesma forma no espetáculo de trapézio ou no salto entre espadas sautspérilleux 8 divertimonos com as próprias coisas que metem medo e vemos com prazer os moços que vão se atirar igualmente rimos com o macaco Cristierno que leva para o alto até o teto o rei da Dinamarca ainda criança envolto em faixas e alegre o traz de novo apesar da apreensão geral são e salvo ao berço Pelo mesmo princípio é insípido alimentarse sempre com doces convém misturar coisas acres ácidas e até amargas para excitar o gosto Quem não experimentou coisas amargas não mereceu as doces e nem sequer gos tará delas Esta com efeito é a lei da alegria que o prazer não flua constante mente porque nesse caso produz fastio e causa embasbacados em vez de satisfeitos O que dissemos quanto a poder uma parte acharse perturbada salvandose a harmonia no todo não se há de tomar no sentido de que não se levem em conta de modo algum as partes ou como se bastasse que o mundo inteiro fosse absoluto 8 Em francês no original saltos perigosos 398 LEIBNIZ em seus números embora pudesse suceder que o gênero humano fosse miserável Seria como se no universo não se tivesse cuidado algum com a justiça ou conos co da maneira como opinam os que não pensam bem a respeito da totalidade das coisas Saibase que assim como na república otimamente constituída se cuida de que os indivíduos quanto possível estejam bem o universo também não será suficientemente perfeito resguardada a harmonia universal se não se cuidar dos indivíduos Disso não pôde haver melhor medida que a própria lei da justiça mandando que cada um participasse da perfeição do universo e da felicidade pró pria na medida do poder próprio e do que fez em favor do bem comum da vonta de pelo qual se executa aquilo que chamamos caridade e amor de Deus no que também consiste toda força e poder da religião cristã conforme os juízos dos sá bios inclusive dos teólogos Nem é de admirar que tanto se atribua às mentes no universo visto que refletem proximamente a imagem do Autor supremo e se refe rem a ele não só como máquinas em relação ao artífice o que fazem as outras coisas mas também como cidadãos em relação ao príncipe Èssas mentes ade mais são destinadas a durar tanto quanto o próprio universel exprimindo e concentrando em si mesmas de certo modo o todo de modo que se podem cha mar partes totais No que tange porém às aflições dos bons sobretudo é certo que elas redun dam no seu maior bem Isso não se verifica apenas teologicamente mas também fisicamente como o grão atirado na terra sofre antes de produzir frutos E em geral podemos dizer que as aflições temporariamente más são boas quanto ao efeito como atalhos para uma maior perfeição Assim é que nas coisas físicasem que os líquidos fermetam lentamente também demoram mais para melhorar mas aqueles em que se passa uma pertubação mais forte tendo as partes externas expostas com maior força mais depressa são emendados Isso é o que se diria re cuar a fim de saltar para a frente com maior impulso quon recule pour mieux sauter Essas coisas que estabelecemos não são somente agradáveis e consola doras mas também veríssimas E sinto que no universo nada existe mais verda deiro que a felicidade e mais feliz e doce que a verdade Ainda para cúmulo da beleza e da perfeição universal das obras divinas deve reconhecerse certo progresso perpétuo e sumamente livre de todo o univer so de modo a seguir sempre rumo a um maior aprimoramento Assim é que gran de parte da nossa terra recebeu o cultivo até agora e o receberá sempre mais E embora seja verdade que uma vez ou outra certa porção torne a ficar selvagem ou se veja de novo arrasada e abandonada tal coisa há de ser tomada como o que dissemos pouco antes da aflição ou seja que essa destruição e abandono servi rão para se conseguir algo maior de modo que em certa medida lucremos com o dano Quanto à objeção de que o mundo assim feito deveria ser um paraíso a res posta é fácil ainda que muitas substâncias já tenham chegado a uma grande perfeição dada contudo a divisibilidade infinita do contínuo sobram sempre no 9 Em francês no original recuar para melhor saltar DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 399 abismo das coisas partes adormecidas a serem excitadas e que precisam ser leva das a um ponto maior e melhor ou numa palavra a um cultivo melhor Por isso nunca se chegará ao término do progresso O QUE É A IDÉIA Antes de tudo porém queremos dizer com a palavra idéia alguma coisa que está em nossa mente Logo os vestígios gravados no cérebro não são idéias pois tenho por certo que a mente é outra coisa que o cérebro ou qualquer parte mais sutil da substância do cérebro Há entretanto muitas coisas em nossa mente como por exemplo os pensa mentos as percepções e os afetos que sabemos não ser idéias ainda que não se realizem sem as idéias Para nós com efeito a idéia não consiste em algum ato de pensar mas sim na faculdade de o exercer e afirmamos que temos a idéia da coisa embora nela não pensemos desde que possamos dado o caso pensar a seu respeito Nisso contudo vai alguma dificuldade pois possuímos o poder remoto de pensar sobre todas as coisas mesmo aquelas de que talvez não tenhamos nenhu ma idéia porque somos dotados do poder de receber as idéias de tudo A idéia por conseguinte exige certa faculdade ou facilidade próxima de pensar sobre uma coisa Mas tal coisa ainda não basta Realmente quem possui utn método por meio do qual poderá chegar ao objeto nem por isso terá dele uma idéia Se digamos eu enumerar as seções do cone em ordem é certo que atingirei o conhecimento das hipérboles opostas conquanto não tenha ainda a idéia delas É preciso pois haver em mim algo que não só conduza à coisa mas também a exprima Dizemos que exprime uma coisa aquilo em que existem os modos correspon dentes aos modos da coisa a ser expressa Essas expressões porém são diversas Assim por exemplo o módulo da máquina exprime a própria máquina o dese nho figurado de algo num plano exprime o sólido a oração exprime os pensa mentos e as verdades os caracteres exprimem os números a equação algébrica exprime o círculo ou outra figura O que há de comum nessas expressões é que pela simples contemplação dos modos daquilo que exprime podemos chegar ao conhecimento das propriedades correspondentes da coisa a ser expressa Donde se conclui não ser necessário que aquilo que exprime seja semelhante à coisa expressa contanto que se conserve alguma analogia dos modos Verificase também que algumas expressões têm fundamento na natureza ao passo que outras ao menos parcialmente são arbitrárias como é o caso das expressões que se fazem pqlas palavras orais ou pelos símbolos escritos As que 402 LEIBNIZ se baseiam na natureza ou exigem uma semelhança igual à existente entre um cír culo grande e um pequeno ou entre uma região e um mapa dessa região ou pelo menos uma conexão como a que há entre o círculo e a elipse que o representa opticamente pois cada ponto da elipse corresponde segundo certa lei a algum ponto do círculo Juntese ãté que em tal caso o círculo é mal representado por outra figura mais parecida Do mesmo modo todo efeito integral representa a causa plena visto que pelo conhecimento desse efeito podemos passar para o conhecimento de sua causa É assim que as ações de uma pessoa representam seu espírito e que o próprio mundo de certa maneira representa Deus Pode também acontecer que se exprimam mutuamente as coisas que provêm da mesma causa como digamos o gesto e ã linguagem Dessa forma alguns surdos entendem os que falam não pelo som mas pelo movimento da boca Dizer portanto que existe em nós a idéia das coisas equivale a afirmar que Deus criador ao mesmo tempo das coisas e da mente imprimiu nesta uma tal faculdade de pensar que pudesse de suas operações deduzir tudo quanto corres ponde perfeitamente ao que se segue das coisas Assim é que embora a idéia do círculo não se assemelhe ao círculo dela se podem inferir verdades que sem dúvi da a experiência confirmará no círculo verdadeiro1 1 A tese de que a veracidade do nosso conhecimento das coisas deriva da origem divina das coisas e da mente foi já professada por Sto Tomás de Aquino Exposta porém da forma exagerada como se faz aqui constitui uma doutrina tipicamente ocasionalista não conhecemos as coisas como são em si mas elabora mos a idéia delas na nossa mente que é de origem divina como tudo o mais GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE Tradução e notas de Carlos Lopes de M attos 405 Primeira carta de Leibniz Excertos de uma missiva a Sua Alteza Real Princesa de Gales de novembrro de 1715 1 Pareceme que a própria religião natural se enfraquece extremamente na Inglaterra Muitos julgam as almas corporais outros acham que o próprio Deus é corporal 2 Locke e seus sequazes põem em dúvida pelo menos se as almas não são materiais e perecíveis por natureza 3 Newton diz que o espaço é o órgão de que Deus se serve para sentir as coisas Mas se ele tem necessidade de algum meio para as sentir elas não depen dem inteiramente dele e não são sua produção Newton e seus asseclas têm ainda uma divertidíssima opinião sobre a obra de Deus Conforme eles Deus de vez em quando precisa dar corda em seu reló gio porque senão ele deixaria de andar O cientista não teve visão suficiente para imaginar um movimento perpétuo Essa máquina de Deus é até tão imperfeita segundo eles que o Criador se vê obrigado de quando em quando a desengraxála por um concurso extraordinário e mesmo arranjála como um relojoeiro faz com sua obra o qual será tanto pior oficial quanto mais vezes se vir obrigado a reto car e corrigir seu trabalho Na minha opinião a mesma força e vigor subsiste sempre passando somente de matéria em matéria conforme as leis da natureza e a bela ordem preestabelecida1 E creio que quando Deus faz milagres não é para suprir as necessidades da natureza mas sim as da graça Julgar diferentemente seria ter uma idéia muito baixa da sabedoria e do poder de Deus Primeira réplica de Clarke 1 É verdade e é uma coisa deplorável que haja na Inglaterra como em ou tros países pessoas que negam até a religião natural ou que a corrompem extre mamente mas depois de apontar o desregramento dos costumes cumpre atribuir isso principalmente à falsa filosofia dos materialistas combatida diretamente pelos princípios matemáticos da filosofia É verdade também que existem pessoas 1 Alusão a uma das principaisteses de Leibniz a da harmonia preestabelecida de que se falará depois mais amplamente 406 LEIBNIZ que julgam a alma material e o próprio Deus corporal mas esses indivíduos se declaram abertamente contra os princípios matemáticos da filosofiaque são os únicos princípios que provam ser a matéria a menor e menos considerável parte do universo 2 Nos escritos de Locke há algumas passagens que poderiam fazer suspei tar com razão que ele duvidava da imaterialidade da alma mas nisso não foi seguido senão por alguns materialistas inimigos dos princípios ma temáticos da filosofia e que somente aprovam nas obras de Locke os seus erros 3 O Cavaleiro Newton não diz que o espaço é o órgão de que Deus se serve para perceber as coisas não diz tampouco que Deus precisa de qualquer meio para as perceber Pelo contrário afirma que Deus estando presente em toda parte percebe as coisas por sua presença imediata em qualquer espaço em que estão sem a intervenção ou o socorro de nenhum órgão ou de nenhum meio Para tornar isso inteligível ilustrao mediante uma comparação a saber estando imediatamente presente às imagens que se formam no cérebro graças aos órgãos dos sentidos a alma vê essas imagens como se fossem as próprias coisas que elas representamassim também Deus vê tudo por sua presença imediata estando atualmente presente às próprias coisas a todas as coisas que estão no universo como a alma está presente a todas as imagens que se formam no cére bro Newton considera o cérebro e os órgãos dos sentidos como o meio pelo qual essas imagens são formadas e não como o meio pelo qual a alma vê ou percebe essas imagens quando assim formadas E no universo nao considera as coisas como se fossem imagens formadas por certo meio ou por órgãos mas como coi sas reais que o próprio Deus formou e que ele vê em todos os lugares em que se acham sem a intervenção de nenhummeio Eis tudo o que Newton quis dizer com a comparação de que se serviuao supor que o espaço infinito é por assim dizer o sensório2 doSer presente em toda parte 4 Se entre os Homensum trabalhador passa a ser tido como tanto mais hábil quanto mais tempo continue a máquina que ele construiu a ter um movi mento regulado serti necessidade de ser retocada é porque a habilidade dos artífi ces humanos não cotísistesènão em compor e juntarcertas peças dotadas de um movimento cujos princípios são totalmente independentes do trabalhador como os pesos as molas etc com forças que não são prôduzidas pelo artífice o qual não faz mais que ajustálas e juníálas Mas é Completamente diverso o que se passa com Deus que não apenas1 compõe e ordena as coisas mas também é o autor de seus poderes primitivos ou de suas forçasmotoras conservandoas perpetuamente E por conseguinte dizer que nada acontece sem sua providência e sua inspeção não é depreciar sua obra mas antes fazer conhecer a grandezae a excelência dela A idéia dos que sustentam que o mundo é uma grande máquina que se move sem a intervenção deDeus como um relógio continua a andar sem o socorrodo relojoeiro essa idéia digo introduz o materialismo e a fatalidade tendendo de fato sob pretexto de fazer de Deus uma Inteligência supramundanà a banir do mundo a providência e o governo de Deus Acrescento que pelo 2 Também chamado sensório comum sentido ou órgão do sentido que unifica e distingue todas as sensações Conforme Aristóteles localizarseia no coração para outros situase no cérebro I CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 407 mesmo motivo pelo qual um filósofo pode imaginar que tudo se passa no mundo desde que foi criado sem nenhuma intervenção da Providência não será difícil a um pirrônico3 levar mais longe o raciocínio e supor que as coisas se passaram desde toda eternidade como se passam agora sem a necessidade de admitir uma criação ou um outro autor do mundo senão o que esses raciocinadores chamam a sapientíssima e eterna natureza Se um rei tivesse um reino onde tudo ocorresse sem sua intervenção e sem que ele ordenasse de que maneira as coisas deveriam ser feitas não se trataria de um reino senão nominal em relação a ele que não mereceria o título de rei ou governante E assim como se poderia suspeitar com razão que os que pretendem que num reino as coisas podem andar perfeitamente bem sem que o rei intervenha assim como se poderia digo suspeitar que não se importariam de ficar sem rei também sé pode dizer que aqueles segundo os quais o universo não precisa de que Deus o dirija e o governe continuamente adiantam uma doutrina que tende a banilo do mundo Segundo carta de Leibniz ou resposta à primeira réplica de Clarke 1 É com razão que se diz no escrito dado à Senhora Princesa de Gales e que Sua Alteza Real me fez a graça de enviarme que depois das paixões vicio sas os princípios dos materialistas contribuem muito para sustentar a impiedade Mas não creio que se esteja autorizado a acrescentar que os princípios matemá ticos da filosofia são opostos aos dos materialistas Pelo contrário são os mes mos com a exceção de que os materialistas a exemplo de Demócrito de Epicuro e de Hobbes se limitam somente aos princípios matemáticos não admitindo senão corpos ao passo que os matemáticos cristãos admitem ainda substâncias imateriais Dessa forma não são os princípios matemáticos na acepção comum desse termo mas os princípios metafísicos que devemos opor aos dos materia listas Pitágoras Platão e em parte Aristóteles tiveram algum conhecimento disso mas pretendo têlos estabelecido demonstrativamente ainda que numa exposição popular em minha Teodicéia O grande fundamento dos matemáticos é o princípio da contradição ou da identidade isto é que um enunciado não pode ria ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo e que assim A ê A e não poderia ser nãoA E esse único princípio basta para demonstrar toda a aritmética e toda a geometria ou seja todos os princípios matemáticos Mas se desejamos passar da matemática à física precisamos de um outro princípio ainda como observei na minha Teodicéia quer dizer o princípio da razão suficiente que nada acontece sem que haja uma razão por que isso seja assim antes do que de outro modo Eis por que Arquimedes querendo passar da matemática à física em seu livro do Equilíbrio se viu obrigado a empregar üm caso particular do grande princípio da razão suficiente Toma como admitido que se há uma balança em que tudo seja igual dè ambas as partes suspendendose também pesos iguais nas extremidades 3 Partidário de Pirro e por extensãocético completo que duvida de tudo e portanto da existência de Deus 408 LEIBNIZ dessa balança bla ficará em repouso O motivo é por não haver razão para um lado descer e outro não Ora por esse único princípio a saber que é preciso haver uma razão suficiente pela qual as coisas são antes assim que de outro modo demonstrase a divindade e o resto da metafísica ou da teologia natural e mesmo de certa maneira os princípios físicos independentes da matemática isto é os princípios dinâmicos ou da força 2 Dizse em seguida que segundo os princípios matemáticos ou seja de acordo com à filosofia de Newton porque os princípios matemáticos não são decisivos a matéria é a parte menos considerável do universo E que ele admite além da matéria um espaço vazio e que a seu ver a matéria não ocupa senão uma parte muito pequena do espaço Mas Demócrito e Epicuro 4 sustentaram a mesma coisa diferindo de Newton apenas no mais e menos ou seja que haveria talvez conforme eles mais matéria no mundo do que na opinião de Newton No que creio seriam preferíveis porque quanto mais matéria existir mais Deus terá ocasião de exercer sua sabedoria e seu poder razão pela qual entre outras não admito absolutamente vácuo 3 Encontrase expressamente no apêndice da óptica de Newton que o espa ço é o sensório de Deus Ora a palavra sensório sempre significou o órgão da sensação Podem ele e seus amigos explicarse agora de modo completamente diverso nada tenho a opor 4 Supõese que a presença da alma basta para que ela perceba o que se passa no cérebro mas ê justamente o que o Padre Malebranche e toda a escola cartesiana negam e com razão É preciso algo bem diferente da simples presença para que uma coisa represente o que se passa na outrâ Necessitase para isso de alguma comunicação explicável de uma espécie de influência O espaço segundo Newton é intimamente presente ao corpo que ele contém e que é comensurado com ele Seguirseá daí que o espaço percebe o que se passa no corpo e se lembra quando o corpo tiver saído Além disso sendo a alma indivisível sua presença imediata que se poderia imaginar no corpo não se faria senão num ponto Como então perceberia o que se realiza fora desse ponto Pretendo ter sido o primeiro a mostrar como a alma percebe o que se passa no corpo 5 A razão pela qual Deus percebe tudo não é sua simples presença mas ainda sua operação é porque conserva as coisas por uma ação que produz conti nuamente o que há de bondade e perfeição nelas Mas não tendo as almas influência imediata sobre os corpos nem os corpos sobre as almas sua corres pondência mútua não poderia ser explicada pela presença 6 A verdadeira razão que faz principalmente louvar uma máquina provém antes de seu efeito que de sua causa Não se cuida tanto do poder do maquinista quanto de seu artefato Assim o motivo que se aduz para elogiar a máquina de Deus a saber que ele a fez inteiramente sem recorrer a matéria estranha não é suficiente É uma pequena volta à qual algente foi forçada a recorrer E a razão que faz preferirmos Deus a qualquer outro maquinista não é somente porque ele fez tudo ao passo que o artífice precisa procurar alhures sua matéria essa prefe rência viria apenas do poder mas existe uma outra razão da excelência de Deus 4 Leibniz cita esses dois materialistas para provar que Newton defendendo tal teoria não era espiritualista CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 409 que vem ainda da sabedoria É que sua máquina dura também muito mais tempo e anda mais certo que a de qualquer outro maquinista Quem compra um relógio não se preocupa em saber se o oficial o fez inteiro ou se mandou fazer as peças por outro e apenas as ajustou contanto que ele ande como deve E se o oficial tivesse recebido de Deus até o dom de criar a matéria das rodas não nos senti ríamos satisfeitos se ele não tivesse recebido também o dom de bem ajustálas Assim também quem quisesse estar contente com a obra de Deus não o estaria pela única razão que nos apregoam 7 Cumpre pois que o artefato de Deus não seja inferior ao de um trabalha dor é preciso até que vá infinitamente além A simples produção de tudo seria bem um indício do poder de Deus mas não mostraria suficientemente sua sabe doria Os que defenderem o contrário cairão justamente no defeito dos materia listas e de Espinosa de que dizem se afastar Reconheceriam o poder mas não o bastante a sabedoria no princípio das coisas 8 Não digo que o mundo corporal é uma máquina ou um relógio que anda sem a intervenção de Deus e professo absolutamente que as criaturas têm neces sidade de sua influência contínua mas sustento que se trata de um relógio que anda sem ter necessidade de ser regulado porque senão se deveria dizer que Deus volta atrás Deus previu tudo e cuidou de tudo de antemão Em suas obras há uma harmonia uma beleza já preestabelecida 9 Essa opmiao não exclui a providência ou o governo de Deus pelo contrá rio isso o torna perfeito Uma verdadeira providência de Deus exige uma previ são perfeita mas requer além disso que ele não somente tenha previsto tudo mas também tenha provido a tudo por meio de convenientes remédios preordena dos caso contrário ou lhe faltaria sabedoria para prevêlo ou poder para prover a isso Pareceria um Deus sociniano 5 que vive despreocupado com o amanhã como dizia Jurieu É verdade que Deus segundo os socinianos não prevê nem os inconvenientes ao passo que conforme esses senhores que o obrigam a se corri gir o que lhe falta é prover Pareceme entretanto que se trata de uma falta muito grande faltalhe poder ou boa vontade 10 Não creio que me possam repreender com razão por ter afirmado que Deus é Inteligência supramundana Dirão que ele é Inteligência mundana ou seja a alma do mundo Espero que não Contudo fariam bem em tomar cuidado para não acabar sem o querer pensando assim 11 A comparação de um rei em cujas terras tudo andaria sem que ele inter viesse não vem a propósito pois que Deus conserva sempre as coisas e elas não poderiam subsistir sem ele assim seu reino não é nominal É justamente como se disséssemos ser um rei só de nome aquele que tivesse educado tão bem os seus sú ditos e os mantivesse tão bem em sua capacidade e boa vontade não tendo neces sidade de os endireitar devido ao cuidado que tivesse tido para com eles 12 Enfim se Deus é obrigado de quando em quando a corrigir as coisas naturais isso se fará ou sobrenaturalmente ou naturalmente Se for sobrenatural 6 Os socinianos eram adeptos de Socino protestante italiano do século XVI qué tinha tendências dèístas Os últimos socinianos haviamse refugiado na Holanda e na Inglaterra razão pela qual Leibniz fala deles nestacarta 410 LEIBNIZ mente cumpre recorrer ao milagre para explicar as coisas naturais o que é com efeito uma redução de uma hipótese acl absurdum pois que com os milagres tudo pode ser explicado sem dificuldade Mas se isso se faz naturalmente Deus não será Inteligência supramundana estará abrangido sob a natureza das coisas isto é será a alma do mundo Segunda réplica de Clarke 1 Quando afirmei que os princípios matemáticos da filosofia são contrários aos dos materialistas quis dizer que enquanto os materialistas supõem que a estrutura do universo pode ter sido produzida unicamente pelos princípios mecâ nicos da matéria e do movimento da necessidade e da fatalidade os princípios matemáticos da filosofia fazem ver5 pelo contrário que o estado das coisas bem como a constituição do sol e dOs planetas somente pôde ser produzido por uma causa inteligente e livre A féSpeito dos termos matemático ou metafísico55 pode uma pessoa chamar se assim o quiser os princípios matemáticos de metafí sicos visto que as conseqüências metafísicas nascem demonstrativamente dos princípios matemáticos É verdade que nada existe sem uma razão suficiente e que nada existe antes de um modo que do outro sem que também para isso haja uma razão suficiente e por conseguinte quando nào há nenhuma causa não pode haver efeito algurm Mas essa razão suficiente ê muitasvezes a simples vontade de Deus Por exemplo se se considera por que certa porção ou sistema de matéria foi criada em certo lugar e outrã em outra parte pois que sendo toda matéria absolutamente indiferente a qualquer matéria e portanto sendo precisamente a mesma coisa no caso inverso suposto que as duas partes da matéria ou suas partículas sejam semelhantes se digo se considera isso não se pode aduzir outra razão senão a simples vontade de Deus E se essa vontade não pudesse ja mais atuar sem ser predeterminada por alguma causa como uma balança não poderia moverse sem o peso que a faz inclinarse Deus não teria a liberdade dê escolha o que seria introduzir a fatalidade 2 Muitos antigos filósofos gregos que haviam tirado sua filosofia dos fení cios e cuja doutrina foi corrompida por Epicuro admitiam em geral a matéria e o vácuo Mas eles não souberam se servir desses princípios para explicar os fenô menos da natureza mediante a matemática Por menor que seja a quantidade da matéria não falta a Deus objeto sobre o qual possa exercer seu poder e sua sabe doria porque há outras coisas além da matéria que constituem também objetos sobre os quais Deus exerce seu poder e sua sabedoria Poderseia provar peia mesma razão que os homens ou qualquer outra espécie de criaturas devem ser infinitos em número a fim de que não falte a Deus objeto para exercer seu poder e sua sabedoria 3 O termo sensório55 não significa propriamente o órgão mas o lugar da sensação O olho a orelha etc são órgãos mas não são sensórios Aliás o Cavaleiro Newton não diz que o espaço é um sensório mas que é comparativa mente e por assim dizer o sensório etc 4 Jamais se supôs que a presença da alma basta para a percepção somente CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 411 se disse que essa presença é necessária a fim de que a alma perceba Se nào esti vesse presente às imagêíls das coisas percebidas a alma não poderia percebêlas mas sua presença iiãobásta sendo preciso que essa alma seja também uma subs tância viva Com efeitS âs substâncias inanimadas ainda que presentes não per cebem nada Por seu lâdo uma substância viva não é capaz de percepção senão no lugar em que está presente seja presente às próprias coisas como Deus em relação a todo o universo seja presente às imagens das coisas como â álma lhes está presente no sensório É impossível que uma coisa opere ou qüe algum objeto atue sobre ela num lugar em que ela não está presente como ê impossível que ela esteja num lugar em que não está Conquanto a alma seja indivisível5 üàO se segue que não esteja presente senão em um único ponto O espaço finítd Oli infinito é absolutamente indivisível mesmo pelo pensamento porque não sê pôde imaginar que suas partes se separam uma da outra sem imaginar que saem por assim dizer fora dc si mesmas e êntretanto o espaço não é um simples ponto 5 Deus não percebe as dõisas por sua simples presença nem porque age sobre elas mas porque ãíém de presente em toda parte é também um ser vivo é inteligente Deve dizerse a rnêgrna coisa da alma em sua pequena esfera Não é por sua simples presença e sim por ser uma substância viva que ela percebe as imagens às quais está presente e que não poderia perceber sem lhes estar presente 6 e 1 É verdade que a excelência da obra deDèus não consiste somente em fâZer ver nessa obra o poder de seu autor mas também em mostrar sua sabedo ria Mas Deus não faz aparecer essa sabedoria tornando a natureza capaz de se mover sem ele como um relojoeiro faz moverse um relógio Isso é impossível visto que não há forças na natureza que sejam independentes de Deus como as forças dos pesos e das molas são independentes dos homens A sabedoria de Deus consiste pois em que tenha formado desde o começo uma idéia perfeita e com pleta de uma obra que ele começou e que subsiste sempre de acordo com essa idéia pelo exercício perpétuo do poder e do governo de seu autor 8 A palavra correção ou reforma não deve ser entendida em relação a Deus mas unicamente em relação a nós O estado presente do sistema solar p ex segundo as leis do movimento agora estabelecidas entrará um dia em confu são e em seguida será talvez emendado ou então receberá uma nova forma Essa mudançaporém é apenas relativa de acordo com nosso modo de conhecer as coisas O estado presente do mundo a desordem em que ele cairá e a renovação que se lhe seguirá entram igualmente no desígnio de Deus Com a formação do mundo passase o mesmo que com a formação do corpo humano A sabedoria de Deus não consiste em tornálos eternos mas em fazêlos durar o tempo que julga apropriado 9 A sabedoria e a presciência de Deus não consistem em preparar de ante mão remédios que curem põr si mesmos as desordens da natureza porque propriamente falando não acontece no mundo desordem alguma em relação a Deus e por conseqüência não existem remédios não existem mesmo forças naturais agindo por si como os pesos e as molas atuam sozinhos em relação aos homens A sabedoria e a presciência de Deus porém consistem como acima 412 LEIBNIZ ficou dito em formar desde o princípio um desígnio que seu poder executa continuamente 10 Deus não ê uma Inteligência mundana nem uma Inteligência supramun dana mas uma Inteligência que está em toda parte no mundo e fora do mundo Está em tudo por toda a pârte e acima de tudo 11 Quando se diz que Deus conserva as coisas se se pretende afirmar com isso que ele age atualmente sobre elas e as governa conservando e contimiando os seres as forças os arranjos e os movimentos delas é precisamente o que sus tento Mas se se quer dizer simplesmente que Deus ao conservar as coisas parece um rei que criasse os súditos capazes de operar sem que ele tivesse parte alguma no que se passasse entre eles se é isso digo o que se quer dizer Deus será um verdadeiro criador mas não terá o título de governador 12 O raciocínio que aí se encontra supõe que tudo o que Deus faz é sobre natural e miraculoso Tende por conseguinte a excluir Deus do governo atual do mundo Mas é certo que o natural e o sobrenatural não diferem em nada um do outro em relação a Deus são somente distinções segundo nossa maneira de con ceber as coisas Dar um movimento regulado ao sol ou à terra é uma coisa que chamamos natural fazer parar esse movimento durante um dia é uma coisa sobrenatural conforme nossas idéias Mas esta última coisa não é o efeito de uma potência maior que a outra e com relação a Deus ambas são igualmente natu rais ou sobrenaturais Embora Deus esteja presente em todo o universo não se segue que ele seja a alma do mundo A alma humana é uma parte de um com posto de que o corpo é a outra parte e essas duas partes atuam mutuamente uma sobre a outra como sendo as partes de um mesmo todo Deus porém está no mundo não como uma parte do universo mas como um governante Age sobre tudo e nada age sobre ele Não está longe de cada um de nós porque nele nós e todas as coisas que existem temos a vida o movimento e o ser Terceira carta de Leibniz ou resposta à segunda réplica de Clarke 1 De acordo com o modo ordinário de falar os princípios matemáticos são aqueles que consistem na matemática pura como números aritmética geometria Mas os princípios metafísicos dizem respeito a noções mais gerais como a causa e o efeito 2 Concedemme esse princípio importante que nada acontece sem que haja uma razão suficiente para que seja antes assim que de outra maneira Concedem mo porém em palavras e recusammo na realidade o que faz ver que não compreenderam bem toda sua força E para isso se servem de uma de minhas demonstrações contra o espaço real absoluto ídolo de alguns ingleses modernos Digo ídolo não no sentido teológico mas filosófico como o Chanceler Bacon dizia outrora que existem ídolos da tribo e ídolos da caverna idola tribus idola specus 3 Esses senhores asseveram pois que o espaço é um ser real absoluto mas isso os leva a grandes dificuldades porque nesse caso parece que esse ente deve ser eterno e infinito Eis por que houve os que acreditaram ser ele o próprio Deus CORRESPONDÊNCIA COM CLARKÊ 413 ou então seu atributo i e sua imensidade Mas como o espaço tem partes não é uma coisa que possa convir a Deus 4 Quanto a mim deixei assentado mais de uma vez que a meu ver o espa ço é algo puramente relativo como o tempo a saber na ordem das coexistências como o tempo na ordem das sucessões De fato o espaço assinala em termos de possibilidade uma ordem das coisas que existem ao mesmo tempo enquanto exis tem junto sem entrar em sei modo de existir E quando se vêem muitas coisas junto percebese essa ordem das coisas entre si 5 Para refutar a imaginação dos que julgam o espaço uma substância ou ao menos algum ser absoluto tenho várias demonstrações mas não quero me ser vir aqui senão daquela de que me fornecem ocasião Digo portanto que se o es paço fosse um ser absoluto sucederia alguma coisa de que seria impossível pos suir uma razão suficiente o que é ainda nosso axioma Eis como o provo O espaço é algo absolutamente uniforme e sem as coisas postas nele um ponto do espaço não difere absolutamente nada de um outro ponto Ora disso se segue su posto que o espaço seja alguma coisa em si mesmo fora da ordem dos corpos entre si ser impossível que haja uma razão por que Deus conservando as mes mas situações dos corpos entre si os tenha colocado assim e não de outro modo e por que tudo não se fez ao contrário por exemplo trocandose o Oriente e o Ocidente Mas se o espaço não é mais que essa ordem ou relação e não é sem os corpos senão a possibilidade de aí os pôr esses dois estados um tal comoé e o outro suposto ao contrário não difeririam entre si A diferença deles não se encontra pois senão em nossa suposição quimérica da realidade do espaço em si mesmo Mas na verdade um seria justamente a mesma coisa que o outro como são absolutamente indiscerniveis e por conseguinte não se poderá perguntar a razão de se preferir um ao outro 6 O mesmo se dá com o tempo Supondose que alguém pergunte por que Deus não criou um ano antes e que essa mesma pessoa queira inferir daí cjue Deus fez alguma coisa de que não é possível haver uma razão pela qual a fez assim antes que de outra maneira responderlheíamos que sua inferência seria verdadeira se o tempo fosse algo fora das coisas temporais De fato seria impos sível haver razões pelas quais as coisas tivessem sido aplicadas antes a tais ins tantes que a outros ficando igual sua sucessão Isso mesmo entretanto prova que os instantes não são nada fora dascoisas e não consistem senão em sua ordem sucessiva Ficando essa igual um dos dois estados como o da antecipação imaginada não diferiria em nada e não poderia ser discernido daquele que existe agora 7 Por tudo o que acabo de dizer vêse que meu axioma não foi bem compreendido e que parecendo concedêlo recusamno É verdade dizse que não há nada sem uma razão suficiente pela qual é e pela qual é assim antes que de outro modo mas acrescentase que essa razão suficiente é muitas vezes a sim ples vontade de Deus como quando se pergunta por que a matéria não foi posta de outra forma no espaço guardadas as mesmas situações entre os corpos Mas isso é precisamente afirmar que Deus quer alguma coisa sem que haja nenhuma razão suficiente de sua vontade contra o axioma ou a regra geral de tudo o que 414 LEIBNIZ acontece É recair na indiferença vaga que demonstrei absolutamente quimérica até nas criaturas e contrária à sabedoria de Deus como se ele pudesse operar sem ser pela razão 8 Objetamme que não admitir essa simples vontade equivaleria a tirar a Deus o poder de escolha e cair na fatalidade Mas muito pelo contrário afirma se em Deus o poder de escolher pois que se funda esse podèr na razão da escolha conforme sua sabedoria E não é essa fatalidade ou seja a ordem mais sábia da Providência mas uma fatalidade ou necessidade bruta onde não há nem sabedo ria nem escolha que se deve evitar 6 9 Eu observara que ao diminuir a quantidade da matéria a gente diminui a quantidade dos objetos em que Deus pode exercer sua bondade Respondemme que em lugar da matéria existem outras coisas no vácuo onde Deus não deixa de exercêla Seja conquanto eu não esteja de acordo porque sou de opinião que toda substância criada é acompanhada de matéria seja digo respondo que mais matéria seria compatível com essas mesmas coisas e por conseguinte é sempre diminuir o citado objeto A objeção de um maior número de homens ou de ani mais não vem a propósito pois tirariam o lugar de outras coisas 10 Será difícil fazernos crer que no uso comum sensório não significa o oígão da sensação Eis as palavras de Rodolfo Goclênio em seu Dicionário Filo sófico no verbete sensitorium Os bárbaros escolásticos que às vezes maca qneiam os gregos fizeram sensitório de sensório i e órgão da sensação 11 A simples presença de uma substância ainda que animada não basta para a percepção Um cego e até um distraído não vê É preciso explicar como a alma percebe o que está fora dela 12 Deus não está presente às coisas por situação mas por essência sua presença manifestase por sua operação imediata A presença da alma é de uma natureza completamente diversa Dizer que ela se difunde pelo corpo é tornála extensa e divisível dizer que está toda inteira em cada parte de algum corpo é tor nála divisível por si mesma Ligála a um ponto estendêla por vários pontos são todas expressões abusivas ídolos da tribo idola tribus 13 Se a força ativa se perdesse no universo pelas leis naturais estabelecidas por Deus de sorte que ele tivesse necessidade de uma nova impressão para resti tuir essa força como um operário que repara a imperfeição de sua máquina a desordem não vigoraria apenas a nosso respeito mas também em relação ao pró prio Deus Ele poderia prevenila e tomar as medidas adequadas para evitar semelhante inconveniente foi o que fez de fato 7 14 Quando eu disse que Deus opôs antecipadamente remédios a tais desor dens não afirmei que deixa acontecer as desordens e depois os remédios mas que de antemão achou o meio de impedir que as desgraças aconteçam 15 Em vão se esforçam por criticar minha expressão Deus é Inteligência supramundana Ao dizer que está acima do mundo não negamos que está no mundo 5 O otimismo de Leibniz fazia com que o filósofo tivesse certa tendência ao fatalismo pois que Deus pre cisa escolher sempre o mais perfeito 7 Eis já aqui um exemplo do otimismo de Leibniz CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 415 16 Jamais dei pretexto a se duvidar de que a conservação divina é uma preservação e continuação atual dos seres poderes Ordens disposições e noções e creio têlo talvez explicado melhor que muitos outros Mas dirão This is alL that I contended for é nisso que consiste toda a discussão Ao que humílimo ser vidor respondo que nossa disputa consiste em muitas outras coisas A questão é não opera Deus do modo mais regular e mais perfeito Sua máquina é capaz de cair nas desordens que ele se vê obrigado a consertar por vias extraordinárias A vontade de Deus é capaz de agir sem razão O espaço é um ser absoluto Qual a natureza do milagre e muitas outras questões semelhantes que estabelecem uma grande separação 17 Os teólogos não estarão de acordo com a tese que enunciam contra mim a saber que não há diferença quanto a Deus entre o natural e o sobrenatu ral A maioria dos filósofos a aprovarão ainda menos Existe uma diferença infi nita mas parece que não a consideraram O sobrenatural supera todas as forças das criaturas É preciso dar um exemplo Eis um que empreguei muitas vezes com bom resultado se Deus quisesse fazer que um corpo livre andasse no éter em linha circular ao redor de certo centro fixo sem que nenhuma outra criatura agisse sobre ele digo que isso não seria possível senão por milagre não sendo explicável pelas naturezas dos corpos Com efeito um corpo livre se afasta natu ralmente da linha curva pela tangente É assim que sustento que a atração propriamente dita dos corpos é uma coisa milagrosa não podendo ser explicada pela natureza Terceira réplica de Clarke 1 O que se assevera aqui não diz respeito senão à significação de certas palavras Podem admitirse as definições que se encontram aqui mas isso não impedirá que se possam aplicar os raciocínios matemáticos a assuntos físicos e metafísicos 2 É indubitável que nada existe sem que haja uma razão suficiente de sua existência e que nada existe de um modo antes que do outro sem haver também uma razão suficiente desse modo de existir Mas em relação às coisas que são indiferentes em si mesmas a simples vontade é umarazão suficiente para lhes dar a existência ou para as fazer existir de certo modo e essa vontade não precisa ser determinada por uma causa estranha Vejamos exemplos do que acabo de dizer Quando Deus criou ou colocou uma partícula de matéria num lugar antes que em outro embora todos os lugares sejam semelhantes não teve nenhuma outra razão senão sua vontade E supondose que o espaço não seja nada de real mas somen te uma simples ordem dos corpos a vontade de Deus não deixaria de ser a única razão possível pela qual três partículas iguais tivessem sido postas ou arrumadas na ordem A B C antes que numa ordem contrária Não se poderia pois tirar dessa indiferença dos lugares nenhum argumento que provasse que não há espaço real porque os diferentes espaços são realmente distintos um do outro ainda que perfeitamente semelhantes De resto supondose que o espaço não é real mas simplesmente a ordem e o arranjo dos corpos seguirseá um absurdo palpável 416 LEIBNIZ De fato segundo essa idéia se a terra o sol e a lua tivessem sido colocados onde se acham presentemente as mais afastadas estrelas fixas contanto que fossem colocados na mesma ordem e com a mesma distância um do outro não somente teria sido a mesma coisa como o diz muito bem o sábio autor mas ainda seguirseia que a terra o sol e a lua estariam nesse caso no mesmo lugar em que estão atualmente o que é uma contradição manifesta Os antigos não disseram que todo espaço destituído de corpo é um espáço imaginário somente deram esse nome ao espaço que está além do mundo E não quiseram dizer com isso que esse espaço não ê real mas apenas que ignoramos inteiramente que espécies de coisas existem nesse espaço Acrescento que os auto res que às vezes empregaram a palavra imaginário para indicar que o espaço não é real não provaram o que afirmavam pelo simples uso desse termo 3 O espaço não é uma substância um ser eterno e infinito mas uma propriedade ou uma seqüela de existência de um ser infinito e eterno O espaço infinito é a imensidade ora a imensidade não é Deus logo o espaço infinito não é Deus O que neste ponto se diz das partes do espaço não é uma dificuldade O espaço infinito é absoluta e essencialmente indivisível e é uma contradição nos termos que seja dividido porque seria necessário haver um espaço entre as partes que se supõem divididas o que é supor que é e não é dividido ao mesmo tempo Ainda que Deus seja imenso ou presente em todo lugar sua substância não é entretanto mais dividida em partes que sua existência o é pela duração A dificul dade que se levanta aqui vem unicamente do abuso da palavra parte 4 Se o espaço não fosse senão a ordem das coisas que coexistem seguirse ia que se Deus fizesse o mundo inteiro moverse em linha reta com qualquer grau dé velocidade este não deixaria de estar sempre no mesmo lugar e que nada sofreria algum choque ainda que esse movimento fosse sustado de repente E se o tempo não fosse mais que uma ordem de sucessão nas criaturas seguirseia que se Deus tivesse criado o mundo alguns milhões de anos antes este não teria entretanto sido criado antes Ademais o espaço e o tempo são quantidades que não se podem atribuir à situação e à ordem 5 Aqui se pretende que sendo o espaço uniforme ou perfeitamente seme lhante e não diferindo nenhuma de suàs partes da outra seguese que se os cor pos que foram criados em certo lugar tivessem sido criados em outro dado que conservassem a mesma situação entre si não deixariam de ter sido criados no mesmo lugar Mas é uma contradição manifesta É verdade que a uniformidade do espaço pròva que Deus não pôde ter nenhuma razão externa para criar as coi sas num lugar de preferência a putro isso porém não impede que sua vojntade tenha sido uma razão suficiente para agir no lugar que for pois que todos os lugares são indiferentes ou semelhantes e que há uma boa razão para agir em algum lugar 6 O mesmo raciocínio de que me servi nonúmero precedente tem cabi mento aqui 7 e 8 Quando existe alguma diferença na natureza das coisas a considera ção dessa diferença determina sempre um agente inteligente e sapientíssimo Mas CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 417 quando dois modos de atuar são igualmente bons como nos casos acima citados dizer que Deus não poderia operar de modo algum e que não é uma imperfeição não poder agir num caso assim porque Deus não pode ter nenhuma razão exter na para atuar de certa maneira mais que de outra dizer tal coisa é insinuar que Deus rião possui em si mesmo um princípio de ação séndo sempre por assim dizer maquinalmente determinado pelas coisas de fora 9 Suponho que a quantidade determinada de matéria que existe atualmente no mundo é a mais conveniente ao estado presente das coisas e que uma quanti dade maior bem como uma menor teria sido menos conveniente ao estado atual do mundo e por conseguinte não teria sido um maior objeto da bondade de Deus 10 Não se trata de saber o que Goclênio entende pelo termo sensório mas em que sentido o Cavaleiro Newton se serviu dele em seu livro Se Goclênio crê que o olho a orelha ou algum outro órgão dos sentidos é o sensório engana se Mas quando um autor usa um termo técnico e declara em que sentido o toma não há razão para investigar como outros escritores entenderam o mesmo vocá bulo Escápula traduziu a palavra de que se trata aqui como domicilium ou seja o lugar em que a alma reside 11 A alma de um cego não vê porque certas obstruções impedem as ima gens de serem levadas ao sensório onde ela está presente Não sabemos como a alma de um homem que vê percebe as imagens a que não está presente porque um ser não poderia agir nem receber impressões num lugar em que ele não se encontra 12 Estando em toda parte Deus está agora presente a todos essencial e substancialmente É verdade que a presença de Deus se manifesta por sua opera ção mas essa operação seria impossível sem a presença atual de Deus A alma não está presente a cada parte do corpo não agindo portanto e não podendo agir por si mesma sobre todas as partes do corpo mas somente sobre o cérebro ou sobre certos nervos e sobre os espíritos que atuam sobre todo o corpo em vir tude das leis do movimento estabelecidas por Deus 13 e 14 Conquanto as forças ativas que estão no universo diminuam e te nham necessidade de uma nova impressão não se trata de uma desordem nèm de uma imperfeição na obra de Deus é apenas uma conseqüência da natureza das criaturas que estão na dependência Essa dependência não é uma coisa que preci se ser retificada O exemplo que se dá de um homem que faz uma máquina não tem nenhuma relação com o assunto de que se trata aqui porque as forças em vir tude das quais essa máquina continua a se mover são inteiramente independentes do trabalhador 15 Podem admitirse as palavras Inteligência supramundana da maneira como o autor as explica aqui Sem essa explicação porém poderiam facilmente fazer nascer uma falsa idéia como se Deus não estivesse real e substancialmente presente em toda parte 16 Respondo às questões aqui propostas que Deus age sempre do modo mais regular e mais perfeito que não há desordem alguma em sua obra que as 418 LEIBNIZ transformações feitas por ele no estado presente da natureza não são mais extraordinárias que o cuidado em conservar esse estado que quando as coisas são em si mesmas absolutamente iguais e indiferentes a vontade de Deus pode determinarse livremente quanto à escolha sem que nenhuma causa estranha o faça agir e que o poder que Deus tem de agir dessa maneira é uma verdadeira perfeição Enfim respondo que o espaço não depende da ordem da situação ou da existência dos corpos 17 A respeito dos milagres não se trata de saber o que os teólogos ou os filósofos costumam dizer sobre esse ponto mas sim sobre que razões apóiam seus pareceres Se um milagre é sempre uma ação que ultrapassa o poder de todas as criaturas temos que se um homem anda sobre a água e se o movimento do sol ou da terra é detido não estamos diante de um milagre visto que essas duas coi sas podem ser feitas sem a intervenção de um poder infinito Se um corpo se mové ao redor de um centro no vácuo se esse movimento é uma coisa comum como o dos planetas ao redor do sol não haverá milagres quer esse movimento seja pro duzido imediatamente pelo próprio Deus quer seja produzido por alguma criatu ra Mas se esse movimento ao redor de um centro éjraro e extraordinário como seria o de um corpo pesado suspenso no ar será igualmente um milagre quer esse movimento seja produzido pelo próprio Deus quer por uma criatura invisí vel Enfim se tudo o que não é o efeito das forças naturais dos corpos e que não se poderia explicar por essas forças ê um milagre seguirseá que todos os movi mentos dos animais são milagres Isso parece provar demonstrativamente que o sábio autor tem uma falsa idéia da natureza do milagre Quarta carta de Leibniz ou resposta à terceira réplica de Clarke 1 Nas coisas absolutamente indiferentes não há escolha e por conseguinte nem eleição nem vontade pois que a escolha deve ter alguma razão ou princípio 2 Uma simples vontade sem nenhum motivo a mere will é uma ficção não somente contrária à perfeição de Deus mas ainda quimérica contraditória incompatível com a definição da vontade e assaz refutada na Teodicéia 3 E indiferente dispor três corpos iguais e em tudo semelhantes em qual quer ordem que se queira e por conseguinte não serão jamais dispostos por aque le que nada faz senão com sabedoria Mas também sendo ele o autor das coisas não os produzirá e portanto não existem na natureza 4 Não há dois indivíduos indiscerníveis Um engenhoso gentilhomem de minhas relações falando comigo na presença de Mme a Eleitora no jardim de Herrenhausen achou que seria fácil encontrar duas folhas totalmente semelhan tes Mme a Eleitora desafiouo a que o provasse e ele em vão andou por muito tempo à procura Duas golas de água ou de leite vistas no microscópio mostrar seão discerníveis É um argumento contra os átomos não menos impugnados que o vácuo pelos princípios da verdadeira metafísica 5 Esses grandes princípios da razão suficiente e da identidade dos indiscer CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 419 níveis mudam o estado da metafísica que por meio deles se torna real e demons trativa ao passo que outrora consistia quase que só em termos vazios 6 Pôr duas coisas indiscerníveis é admitir a mesma coisa sob dois nomes Assim a hipótese de que o universo poderia ter tido primeiro uma outra posição temporal e local do que a que aconteceu efetivamente e que entretanto todas as suas partes teriam a mesma posição relativa que a recebida com efeito é uma fic ção impossível 7 A mesma razão que faz com que o espaço fora do mundo seja imaginário prova que todo espaço vazio é uma coisa imaginária porque entre eles a única diferença é a que vai entre o grande e o pequeno 8 Se o espaço é uma propriedade ou um atributo deve ser a propriedade de alguma substância Ora o espaço vazio limitado que seus partidários admitem entre dois corpos de que substância seria a propriedade ou afecção 9 Se o espaço infinito é a imensidade o espaço finito será o oposto da imensidade ou seja a mensurabilidade ou a extensão limitada Ora a extensão deve ser a afecção de um ser extenso Mas se esse espaço é vazio tratarseá de um atributo sem sujeito uma extensão de nenhum extenso Eis por que fazendo do espaço uma propriedade recaise na minha opinião que o faz uma ordem das coisas e não alguma coisa absoluta 10 Se o espaço ê uma realidade absoluta longe de ser uma propriedade ou acidentalidade oposta à substância será mais subsistente do que as substâncias Deus não o poderia destruir nem mesmo mudálo em nada Ele é não somente imenso no todo mas ainda imutável e eterno em cada parte Haverá uma infini dade de coisas eternas fora de Deus 11 Dizer que o espaço infinito não tem partes equivale à afirmação de que os espaços finitos não o compõem E dizer que o espaço infinito poderia subsistir quando todos os espaços finitos fossem reduzidos a nada seria como se se asse verasse na suposição cartesiana de um universo corporal extenso sem limites que esse universo poderia subsistir ainda que todos os corpos que o compõem fos sem reduzidos a nada 12 Atribuemse partes ao espaço à pág 19 3a ed da Défense de VArgument contre M Dodwell e fazemnas inseparáveis uma da outra Mas à pág 30 da segunda Défense são consideradas partes impropriamente ditas isso se pode entender num bom sentido 13 Dizer que Deus faz adiantarse o universo em linha reta ou outra qual quer sem nada mudar nele é ainda uma suposição quimérica De fato dois esta dos indiscerníveis são o mesmo estado e por conseguinte é uma mudança que não muda nada Além disso é uma coisa sem pé nem cabeça sem nenhuma razão Ora Deus não faz nada sem razão e é impossível que aqui haja alguma De resto seria agendo nihil agere agindo não fazer nada como acabo de dizer por causa da indiscernibilidade 14 Tratase de idola tribus ídolos da tribo puríssimas quimeras e superfi ciais imaginações Tudo isso somente se funda na suposição de que o espaço imaginário é real j 15 É uma ficção semelhante i e impossível supor que Deus tenha criado 420 LEIBNIZ o mundo alguns milhões de anos antes Os que se perdem em semelhantes ficções não saberiam responder aos que argumentassem a favor da eternidade do mundo Com efeito não fazendo Deus nada sem razão e não se podendo apontar nenhu ma por que não criou o mundo antes concluirseá que ou ele não criou nada absolutamente ou produziu o mundo antes de qualquer tempo assinalável a saber o mundo ê eterno Mas quando se mostra que o começo qualquer que seja é sempre a mesma coisa cessa a questão de saber por que não foi de outro modo 16 Se o espaço e o tempo fossem absolutos isto é se não fossem senão certa ordem das coisas o que afirmo seria contraditório Não sendo porém assim a hipótese é contraditória ou seja é uma ficção impossível 17 E é como na geometria onde se prova às vezes pela própria suposição que uma figura é maior É uma contradição mas que está na hipótese a qual por isso mesmo se verifica ser falsa 18 A uniformidade do espaço faz com que não haja razão alguma nem interna nem externa para discutir suas partes e fazer uma escolha entre elas De fato essa razão externa de discernir não poderia fundarse senão na interna caso contrário seria escolher sem discernir A vontade sem razões seria o acaso dos epicuristas Um Deus que operasse por meio de uma vontade dessa seria um Deus só de nome A fonte destes erros está em que não se tem o cuidado de evitar o que derroga às perfeições divinas 19 Quando duas coisas incompatíveis são igualmente boas e tanto nelas como em sua combinação com outras uma não sobrepuja em valor a outra Deus não produzirá nenhuma 20 Deus não é jamais determinado pelas coisas externas mas sempre por aquiló que está nele por seus conhecimentos antes da existência de qualquer coisa fora dele 21 Não há razão possível que possa limitar a quantidade da matéria Por isso essa limitação não poderia efetuarse 22 Mesmo supondose essa limitação arbitrária poderseia sempre adicio nar algo sem suprimir a perfeição das coisas que já existem e por conseguinte deverseá juntar sempre alguma coisa para agir conforme o princípio da perfei ção das operações divinas 23 Assim não se poderia dizer que a presente quantidade de matéria é a mais conveniente para sua atual constituição E mesmo que tal fosse seguirseia que essa atual constituição das coisas não seria absolutamente a mais conve niente se impedisse empregar mais matéria seria então preciso escolher uma outra capaz de alguma coisa mais 24 Eu gostaria de ver a passagem de um filósofo que tome sensório de outro modo do que o faz Goclênio 25 Se Escápula diz que sensório é o lugar em que reside o entendimento tomáloá como oígão da sensação interna Assim não se afastará de Goclênio 26 Sensório foi sempre o órgão da sensação A glândula pineal seria segundo Descartes o sensório no sentido que se atribui a Escápula 27 Quase não há expressão menos conveniente sobre esse assunto que a que dá a Deus um sensório Parece que ela faz dele a alma do mundo E seria bem CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 421 difícil dar ao uso que Newton faz do vocabulário um sentido que o possa justificar 28 Embora se tratando do significado de Newton e não do de Goclênio não me devem censurar por ter citado o Dicionário Filosófico deste autor porque o intuito dosdicionários é anotar o uso dos termos 29 Deus percebe as coisas em si mesmo O espaço é o lugar das coisas e não o lugar das idéias de Deus a menos que se considere o espaço como algo que faça a união entre Deus e as coisas imitando a união tal como se imagina entre a alma e o corpo o que faria ainda de Deus a alma do mundo 30 Por isso mesmo não se tem razao em comparar o conhecimento e a ope ração de Deuscom a das almas As almas conhecem as coisas porque Deus colocou nelas urri princípio representativo do que está fora delas8 ao passo que Deus conhece as coisas por produzilas continuamente 31 A meu ver as almas não operam sobre as coisas senão porque os corpos sé acomodam a seus desejos em virtude da harmonia preestabelecida por Deus 32 Mas aqueles que imaginam que as almas podem dar uma nova forma ao corpo e que Deus faz o mesmo no mundo a fim de reparar os defeitos da máqui na aproximam excessivamente Deus da alma dando demais à alma e muito pouco a Deus 33 Com efeito só Deus pode dar à natureza novas forças mas ele não o faz senão sobrenaturalmente Se tivesse necessidade de fazêlo no curso natural ele teria produzido uma obra muito imperfeita Pareceria no mundo ao que o vulgo atribui à alma no corpo 34 Querendo sustentar essa opinião vulgar da influência da alma sobre o corpo mediante o exemplo de Deus operando para fora fazse ainda com que Deus pareça com a alma no mundo Até a idéia de censurar minha expressão Inteligência supramundana parece tender a isso 35 As imagens que afetam a alma imediatamente estão nela mesma mas correspondem às do corpo A presença da alma é imperfeita e não pode ser expli cada senão por essa correspondência mas a de Deus é perfeita e se manifesta por sua operação 36 Erradamente supõem contra mim que a presença da alma está ligada à sua influência sobre o corpo pois é sabido que rejeito essa influência 37 É tão inexplicável dizer que a alma se difunde pelo cérebro como afir mar que se difunde pelo corpo inteiro A diferença consiste apenas no mais e no menos 38 Os que imaginam que as forças ativas diminuem por si mesmas no mundo não conhecem bem as principais leis da natureza e da beleza das obras de Deus 39 Como e que provarão que esse defeito é um resultado da dependência das coisas 40 Esse defeito de nossas máquinas9 que faz com que precisem ser repara 8 Aqui como em várias passagens Leibniz mostra seu representacionismo o conhecimento como repre sentação como mediato que já vem desde a baixa escolástica Esse representacionismo ê agravado ainda por sua doutrina das mônadas e da harmonia preestabelecida 9 Notese que a correspondência aqui traduzida data do começo da Revolução Industrial 422 LEIBNIZ das provém do fato de não serem bastante dependentes do trabalhador Assim a dependência de Deus que existe na natureza longe de produzir esse defeito é antes causa de que não exista visto que é tão dependente de um trabalhador perfeitíssimo incapaz de produzir uma obra necessitada de reparos É verdade que toda máquina particular da natureza está sujeita de algum modo á estragos mas não o universo inteiro gue não poderia diminuir em perfeição 41 Afirmase que o espaço não depende da situação dos corposRespondo ser verdade que ele não depende de tal situação dos corpos mas que ê essa ordem que faz com que os corpos sejam situáveis e pela qual eles têm uma situação entre si ao existirem juntos como o tempo é essa ordem com referência à posição sucessiva dos mesmos Se não houvesse porém criaturas o espaço e o tempo não existiriam senão nas idéias de Deus 42 Aqui se confessa ao que parece que a idéia que se faz do milagre não é a que os teólogos e os filósofos comumente têm Bastame pois que meus adversários se vejam obrigados a recorrer ao que se chama milagre no uso corrente 43 Receio que querendose mudar o sentido tradicional de milagre se caia num sentimento incômodo A natureza do milagre não consiste de forma alguma em ser ele usual ou inusitado caso contrário os monstros seriam milagres 44 Há milagres de uma espécie inferior que um anjo pode produzir porque pode por exemplo fazer com que um homem ande sobre a água sem afundar Mas existem milagres reservados a Deus e que ultrapassam todas as forças natu rais como o de criar ou de aniquilar 45 É também sobrenatural o fato de se atraírem os corpos de longe sem intermédio algum e de ir um corpo em círculo sem se afastar pela tangente ainda que nada o impedisse De fato esses efeitos não são de modo algum expli cáveis pela natureza das coisas 46 Por que a noção dos animais não seria explicável pelas forças naturais É verdade que o começo dos animais ê tão inexplicável por meio delas quanto o começo do mundo Anexo Todos os que são a favor do vácuo se deixam levar mais pela imaginação que pela razão Quando eu era rapazinho admitia também o vácuo e os átomos mas a razão me fez ver o erro A imaginação era encantadora Limitamse a ela as investigações fixase a meditação como com um prego crêse ter achado os primeiros elementos um non plus ultra não além Quereríamos que a natureza não passasse além que fosse finita com o nosso espírito mas é ignorar a gran deza e a majestade do Autor das coisas O menor corpúsculo é atualmente subdi vidido ao infinito contendo um mundo de novas criaturas que faltariam ao uni verso se esse corpúsculo fosse um átomo isto é um corpo todo sem subdivisão1 0 Da mesma forma afirmar o vácuo na natureza é atribuir a Deus uma produção muito imperfeita é violar o grande princípio da necessidade de uma razão sufl 1 0 O autor toma átomo no sentido grego de indivisível e não na acepção que lhe deu a física moderna CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 423 ciente que muitos tiveram na boca mas sem reconhecerlhe a força Foi o que demonstrei ultimamente fazendo ver por esse princípio que o espaço nào ê senão uma ordem das coisas como o tempo e de modo algum um ser absoluto Sem falar de muitas outras razões contra o vácuo e os átomos eis as que tiro da perfei ção de Deus e da razão suficiente Ponho como princípio que toda perfeição que Deus pode introduzir nas coisas sem prejuízo das outras perfeiçÕes existentes nelas foi causada Ora imaginemos um espaço inteiramente vazio Deus podia pôr nele alguma matéria sem derrogar em nada a todas as outras coisas portan to ele o fez logo não existe espaço inteiramente vazio e por conseguinte o espa ço todo está cheio O mesmo raciocínio prova que não há corpúsculo que não seja subdividido Êis ainda outro raciocínio tirado da necessidade de uma razão suficiente Não é possível haver um princípio que determine a proporção da maté ria quer do pleno ao vazio quer do vazio ao pleno Dirseia talvez que um deve ser igual ao outro mas como a matéria é mais perfeita que o vácuo a razão exige que se observe a proporção geométrica e que haja tanto mais pleno quanto mereça ser preferido Mas sendo assim não haverá vácuo em absoluto porque a perfeição da matéria está para a do vácuo como alguma coisa para nada O mesmo se diga dos átomos Com efeito que razão se poderia aduzir para limitar a natureza no progresso da subdivisão Ficções puramente arbitrárias e indignas da verdadeira filosofia As razoes proferidas a favor do vácuo são meros sofismas Quarta réplica de Clarke 1 e 2 A doutrina que se encontra aqui leva à necessidade e à fàtalidacLe supondose que os motivos são os mesmos em relação à vontade dê um agente inteligente que os pesos em relação a uma balança de sorte que quando duas coi sas são absolutamente indiferentes um agente dotado de inteligência não pode escolher uma ou outra como uma balança não pode se mover quando os pesos são iguais dos dois lados Eis porém em que consiste a diferença Uma balança não é um agente é inteiramente passiva e os pesos agem sobre ela de tal forma que quando são iguais nada há que a possa mover Mas os seres inteligentes são agentes não são simplesmente passivos e os motivos não atuam sobre eles como os pesos sobre uma balançaSão seres que têm forças ativas agindo às vezes por motivos poderosos outras vezes por motivos fracos e outras vezes ainda quando as coisas são absolutamente indiferentes Neste último caso pode haver muito boas razões para agir ainda que duas ou mais maneiras de agir possam ser em absoluto indiferentes O sábio autor supõe sempre o contrário com um princípio mas nunca apresenta nenhuma prova tirada da natureza das coisas ou das perfei çÕes de Deus 3 e 4 Se o raciocínio que se acha aqui estivesse bem fundamentado prova ria que Deus não criou nenhuma matéria ou áté que é impossível que a pudesse criar De fato as partes de matéria qualquer que seja que são perfeitamente sóli 424 LEIBNIZ das são também perfeitamente semelhantes se forem figuras de dimensões iguais o que se pode sempre supor como uma coisa possível Essas partes de matéria bem poderiam portanto ocupar igualmente outro lugar que aquele que ocupam e por conseqüência seria impossível segundo o raciocínio do sábio autor que Deus as colocasse onde as pôs atualmente porque teria podido com a mesma facilidade colocálas ao contrário É verdade que não se poderiam achar duas folhas nem talvez duas gotas de água perfeitamente semelhantes visto serem corpos muito compostos Mas não se dá o mesmo com as partes da matéria sim ples e sólida E mesmo nos compostos não é impossível que Deus faça duas gotas de água semelhantes em tudo e não obstante essa perfeita semelhança não poderiam ser uma só e mesma gota de águaAcrescento que o lugar de uma des sas gotas não seria o da outra embora a situação delas fosse uma coisa absoluta mente indiferente O mesmo raciocínio terá também cabimento em relação à pri meira determinação do movimento de certo lado ou do lado oposto 5 e 6 Ainda que duas coisas sejam perfeitamente semelhantes não cessam de ser duas coisas As partes do tempo não são perfeitamente semelhantes quanto as do espaço e contudo dois instantes não são o mesmo instante não são tam pouco dois nomes de um só e mesmo instante Se Deus não tivesse criado o mundo senão neste momento o mundo não teria sido criado no tempo em que foi E se Deus deu ou pôde dar uma extensão limitada ao universo seguese que o universo deve naturalmente ser capaz de movimento porque o que é limitado não pode ser imóvel Pelo que acabo de dizer parece pois que os que sustentam que Deus não podia criar o mundo em outro tempo ou em outro lugar tornam a maté ria necessariamente infinita e eterna reduzindo tudo à necessidade e ao destino 7 Se o universo tem uma extensão limitada o espaço que está para lá do mundo não é imaginário mas real E no próprio mundo os espaços vazios não são imaginários Ainda que haja raios de luz e talvez alguma outra matéria em quantidade muito pequena num recipiente a falta de resistência faz ver clara mente que a maior parte desse espaço é desprovida de matéria Realmente a suti lidade da matéria não pode ser a causa da falta de resistência O mercúrio se compõe de partes qué não são menos sutis e fluidas que as da água e entretanto opõe mais de dez vezes resistência que ela Essa resistência provém pois da quantidade e não da espessura da matéria 8 O espaço sem corpos é uma propriedade de uma substância imaterial O espaço não é limitado pelos corpos mas existe igualmente neles e fora deles O espaço não se acha encerrado entre os corpos mas estes estando no espaço imen so são limitados em si mesmos por suas próprias dimensões 9 O espaço vazio não é um atributo sem sujeito porque por esse espaço não entendemos um espaço onde não há nada mas um espaço sem seus corpos Deus está certamente presente em todo espaço vazio e talvez existam também nesse espaço muitas outras substâncias que não são materiais não podendo por conseguinte ser tangíveis ou percebidas por nenhum de nossos sentidos 10 O espaço não é uma substância mas um atributo e se é um atributo de um ser necessário deve como todos os outros atributos de um ser necessário CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 425 existir mais necessariamente que as próprias substâncias que não são necéssá rias O espaço é imenso imutável e eterno o mesmo se dizendo da dúração Mas daí não se segue que haja alguma coisa eterna fora de Deus Com efeito o espaço e a duração não existem fora de Deus são conseqüências imediatas e necessárias de sua existência sem as quais ele não seria eterno e presente em toda parte 11 e 12 Os infinitos não se compõem de finitos senão como os finitos são compostos de infinitésimos Acima fiz ver em que sentido se pode dizer que o es paço tem partes ou não as tem As partes no sentido que se dá a esse termo quan do aplicado aos corpos são separáveis compostas desunidas independentes umas das outras e capazes de movimento Mas ainda que a imaginação possa de algum modo conceber partes no espaço infinito concluise como essas partes impropriamente assim chamadas são essencialmente imóveis e inseparáveis umás das outras que esse espaço é essencialmente simples e absolutamente indivisível 13 Se o mundo tem uma extensão limitada pode ser movido pelo poder de Deus e por conseguinte o argumento que baseio nessa mobilidade é uma prova concludente Embora dois lugares sejam perfeitamente semelhantes não são um só e mesmo lugar O movimento ou o repouso do universo não são o mesmo esta do como não o são tampouco o movimento ou o repouso de um navio pouco importando que um homem fechado num beliche não consiga perceber se o barco vai à vela ou não enquanto seu movimento é uniforme Ainda que esse homem não perceba o movimento da embarcação esse movimento não deixa de ser um estado real e diferente produzindo efeitos reais e diferentes e se ele parasse de repente haveria outros efeitos reais O mesmo se passaria com um movimento imperceptível do universo Não se respondeu a esse argumento em que o Cava leiro Newton insiste muito em seus Princípios Matemáticos Após ter conside rado as propriedades as causas e os efeitos do movimento essa consideração lhe serve para fazer ver a diferença que há entre o movimento real ou o transporte de um corpo que passa de uma parte do espaço a outra e o movimento relativo que é somente uma troca da ordem ou da situação dos corpos entre si É um argu mento matemático que prova por efeitos reais quê pode existir um movimento real onde não há o relativo e pode existir um movimento relativo onde não há o real é digo um argumento matemático ao qual não se responde quando a gente se contenta com asseverar o contrário 14 A realidade do espaço não ê uma simples suposição provada que foi pelos argumentos acima expostos aos quais não se respondeu O autor não res pondeu tampouco a um outro argumento a saber que o espaço e o tempo são quantidades o que não se pode dizer da situação e da ordem 15 Não há impossibilidade em que Deus tivesse feito o mundo mais cedo ou mais tarde que o fez Não ê impossível tampouco que o destrua mais cedo ou mais tarde do que o fará conforme o plano atual Quanto à doutrina da eternidade do mundo os que supõem que a matéria e o espaço são a mesma coisa hão de achar não só que o mundo é infinito e eterno mas ainda que sua imensidade e sua eternidade são necessárias e mesmo tão necessárias quanto o espaço e a duração 426 LEIBNIZ que não dependem da vontade de Deus mas de sua existência Pelo contrário os que julgam que Deus criou a matéria em tal quantidade em tal tempo e em tais espaços que lhe aprouveram não se acham presos por nenhuma dificuldade por que a sabedoria de Deus pode ter tido muitas boas razões para criar o mundo num determinado tempo ela pode ter feito outras coisas antes que o mundo tenha sido criado como as pode fazer após a destruição do mundo 16 e 17 Provei acima que o espaço e o tempo não são a ordem das coisas mas quantidades reais o que não se pode dizer da ordem e da situação O sábio autor ainda não respondeu a essas provas e a menos que o faça o que diz é uma contradição como ele mesmo confessa aqui 18 A uniformidade de todas as partes do espaço não prova que Deus não pptssa agir em qualquer parte do espaço como quiser Deus pode ter boas razões para criar seres finitos e seres finitos não podem existir senão em lugares particu lares E como todos os lugares são originariamente semelhantes embora o lugar fosse apenas a situação dos corpos se Deus colocasse um cubo de matéria atrás de um outro cubo igual de matéria e não ao contrário essa escolha não é indigna da perfeição de Deus ainda que essas duas situações sejam perfeitamente seme lhantes porque pode haver muito boas razões para a existência desses dois cubos os quais não poderiam existir senão numa ou noutra dessas duas situações igual mente razoáveis O acaso de Epicuro não é uma escolha mas uma necessidade cega 19 Se o argumento que se acha aqui prova alguma coisa prova como já ficou dito no 3 que Deus não criou e até não poderia criar nenhuma matéria De fato a situação das partes iguais e similares da matéria era necessariamente indiferente desde o começo bem como a primeira determinação de que o movi mento delas se fizesse de um lado ou do oposto 20 Não compreendo nada do que o autor deseja provar aqui com relação ao assunto de que se trata 21 Dizer que Deus não pode impor limites à quantidade da matéria é adiantar uma coisa de uma importância grande demais para admitila sem prova E se Deus também não pode limitar a duração da matéria concluirseá que o mundo é necessariamente infinito e eterno independentemente de Deus 22 e 23 Se o argumento que se encontra aqui estivesse bem fundamentado provaria que Deus não seria capaz de deixar de fazer tudo quanto pode realizar e por conseguinte não saberia ficar sem fazer com que todas as criaturas se tor nassem infinitas e eternas Mas conforme essa doutrina Deus não seria o gover nador do mundo seria um agente necessário isto é não seria nem sequer um agente mas o destino a natureza e a necessidade 24 a 28 Voltase ainda uma vez ao uso do termo sensório conquanto Newton ao empregar essa palavra se tenha servido de um corretivo Não é preci so acrescentar alguma coisa ao que eu já disse sobre isso 29 O espaço é o lugar de todas as coisas e de todas as idéias como a dura ção é a duração de todas as coisas e de todas as idéias Fiz ver acima que essa doutrina não tende a tornar Deus a alma do mundo Não há união entre Deus e o mundo Com mais razão poderseia dizer que o espírito do homem é a alma CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 427 das imagens das coisas percebidas por ele do que afirmar que Deus é a alma do mundo no qual ele está presente em toda parte e sobre o qual opera como quer sem que o mundo atue sobre ele Apesar dessa resposta que já acima formula mos o autor não cessa de repetir a mesma objeção mais de uma vez com se não tivéssemos respondido a ela 30 Não compreendo o que o autor quer dizer quando fala de um princípio representativo A alma percebe as coisas porque as imagens delas lhe são levadas pelos órgãosdos sentidos Deus as percebe porque está presente nas substâncias das próprias coisas Não as percebe produzindoas continuamente porque des cansa da obra da criação mas percebeas por estar continuamente presente em todas as coisas que criou 31 Se a alma não atuasse sobre o corpo e se o corpo por um simples movi mento mecânico da matéria se conformasse entretanto à vontade da alma numa variedade infinita de movimentos espontâneos teríamos um milagre perpétuo A harmonia preestabelecida é apenas uma palavra ou um termo técnico mas sem serventia alguma para explicar a causa de um efeito tão miraculoso 32 Supor que num movimento espontâneo do corpo a alma não dá um movimento novo ou uma nova impressão à matéria e que todos os movimentos espontâneos são produzidos por um impulso mecânico da matéria é reduzir tudo ao destino e à necessidade Quando se diz porém que Deus age no mundo sobre todas as criaturas como quer sem nenhuma união e sem que nenhuma coisa atue sobre ele vemos evidentemente a diferença que há entre um governador que está presente em toda parte e uma alma imaginária do mundo 33 Toda ação consiste em dar uma nova força às coisas sobre as quais se exerce Sem isso não se trataria de uma ação real mas de uma simples paixão como em todas as leis mecânicas do movimento Donde se segue que se a comu nicação de uma nova força é sobrenatural todas as ações de Deus serão sobrena turais e ele será inteiramente excluído do governo do mundo Concluise também daí que todas as ações dos homens são sobrenaturais ou que o homem é uma má quina como um relógio 34 e 35 Fizemos ver acima a diferença que vigora entrea verdadeira idéia de Deus e a de uma alma do mundo 36 Respondi acima ao que vem aqui 37 A alma não se acha espalhada pelo cérebro mas está presente no lugar que é o sensório 38 O que se diz aqui é uma simples afirmação sem prova Dois corpos destituídos de elasticidade encontrandose com forças contrárias e iguais per dem seu movimento E o Cavaleiro Newton deu um exemplo matemático pelo qual parece que o movimento diminui e aumenta continuamente em quantidade sem que seja comunicado a outros corpos 39 O assunto de que se fala aqui não é umdefeito como o supõe o autor é a verdadeira natureza da matéria inativa 40 Se o argumento que se acha aqui está bem fundamentado prova que o universo deve ser infinito que existiu desde toda eternidade e que não poderia cessar de existir que Deus sempre criou tantos homens e outros seres quantos lhe era possível criar e que os criou para os fazer existir por todo o tempo possível 428 LEIBNIZ 41 Não compreendo o que querem dizer estas palavras uma ordem ou uma situação que torna os corpos situáveis Pareceme que isso significa que a situa ção é a causa da situação Deixei provado que o espaço não é a ordem dos cor pos e fiz ver nesta quarta réplica que o autor não respondeu aos argumentos pro postos por mim Não é menos evidente não ser o tempo a ordem das coisas que se sucedem uma à outra pois que a quantidade do tempo pode ser maior oii menor e entretanto essa ordem não deixa de ser a mesma À ordem das coisas que se sucedem uma à outra no tempo não é o próprio tempo pois elas podem sucederse uma à outra mais depressa ou mais lentamente na mesma ordem de sucessão mas não no mesmo tempo Suposto que não existissem de forma algu ma criaturas a ubiqüidade de Deus e a continuação de sua existência fariam com que o espaço e a duração fossem precisamente os mesmos que agora 42 Fazse aqui apelo da razão à opinião vulgar mas visto que a opinião vulgar não ê a regra da verdade não convém que os filósofos recorram a ela 43 A idéia de um milagre inclui necessariamente a idéia de uma coisa rara e extraordinária Com efeito nada há mais maravilhoso e que exige um maior poder do que certas coisas que chamamos naturais como p ex os movimentos dos corpos celestes a geração e a formação das plantas e dos animais etc Entre tanto não são milagres por se tratar de coisas comuns Daí não se segue contu do que tudo o que é raro e extraordinário seja um milagre Efetivamente muitas coisas dessa natureza podem ser efeitos irregulares e menos comuns das causas ordinárias como os eclipses os monstros a loucura nos homens e uma infinidade de outras coisas que o vulgo denomina prodígios 44 Conceaese aqui o que eu disse De fato susieniase uma coisa contrária à opinião comum dos teólogos ao suporse que um anjo possa operar milagre 45 É verdade que se um corpo atraísse outro sem a intervenção de qual quer meio não teríamos um milagre mas uma contradição pois seria supor que uma coisa agisse onde não está Mas o meio pelo qual dois corpos se atraem pode ser invisível e intangível e de uma natureza diversa da de um mecanismo o que não impede que uma ação regular e constante possa ser chamada natural pois que é muito menos maravilhosa que o movimento dos animais o qual entretanto não é julgado um milagre 46 Sepela expressão forças naturais se entende aqui forças mecânicas todos os animais sem excetuar os homens serão puras máquinas como um reló gio Mas se essa expressão não significa forças mecânicas a gravitação pode ser produzida por forças regulares e naturais embora não mecânicas NB Já se respondeu acima aos argumentos que Leibniz inseriu num anexo à sua quarta epístola A única coisa necessária a ser observada aqui é que o autor afirmando a impossibilidade dos átomos físicos não se trata entre nós dos pontos matemáticos sustenta um absurdo manifesto De fato ou há partes perfeitamente sólidas na matéria ou não Caso afirmativo e supondose que ao subdividilas se obtenham novas partículas que possuam todas a mesma figura e as mesmas dimensões o que é sempre possível essas novas partículas serão áto mos físicos perfeitamente semelhantes Na hipótese negativa não há matéria no universo com efeito quanto mais se divide e subdivide um corpo para chegar CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 429 enfim a partes perfeitamente sólidas e sem poros mais aumenta a proporção entre os poros e a matéria sólida desse corpo Se pois levando a divisão e a subdivisão ao infinito ê impossível chegar a partes perfeitamente sólidas e sem poros seguirseá que os corpos são unicamente compostos de poros com o aumento incessante da relação entre estes e as partes sólidas e por conseqüência que não há em absoluto a matéria o que é um absurdo manifesto E o raciocínio será o mesmo em relação à matéria de que se compõem as espécies particulares dos cor pos quer se suponha que os poros são vazios quer o julguemos cheios de uma matéria de fora Quinta carta de Leibniz ou resposta à quarta réplica de Clarke11 Sobre os 1 e2 da réplica precedente 1 Responderei agora mais amplamente a fim de esclarecer as dificuldades e para experimentar se o adversário está disposto a se contentar com a razão dando provas de amor da verdade ou se apenas deseja chicanar semnada esclarecer 2 Esforçamse muitas vezes por me imputar a necessidade e a fatalidade ainda que talvez ninguém tenha melhor explicado e mais a fundo do que fiz na Teodicêia a verdadeira diferença entre liberdade contingência espontaneidade de um lado e necessidade absoluta acaso coação do outro Não sei ainda se o fazem porque o querem seja o que for que eu possa dizer ou se essas imputações são de boafé do fato de não haverem pesado ainda minhas afirmações Experi mentarei em breve o que devo julgar a respeito procedendo de acordo com isso 3 É verdade que as razões fazem no espírito do sábio e os motivos no espí rito de quem quer que seja o que corresponde ao efeito que os pesos produzem em uma balança Objetam que essa noção leva à necessidade e à fatalidade mas dizemno sem o provar e sem tomar conhecimento das explicações que dei outro ra para tirar todas as dificuldades que se poderiam fazer a respeito 4 Parece também que se divertem com equívocos Há necessidades que se precisam admitir Com efeito cumpre distinguir também uma necessidade abso luta e uma necessidade hipotética É preciso ainda fazer distinção entre uma necessidade que existe porque o oposto implica contradição e que se chama lógi ca metafísica ou matemática e uma necessidade que é moral que faz o sábio escolher o melhor e na qual todos os outros seguem a inclinação maior1 2 11 Nota do editor francês Des Maiseaux Na edição de Londres desta quinta carta existem à margem vá Tias adições e correções feitas por Leibniz ao enviála a Des Maiseaux Clarke referiuse a isso numa peque na advertência que precede esta carta concebida nestes termos As diversas variantes impressas à margem da carta seguinte são modificações introduzidas pela própria mão de Leibniz numa outra cópia desta epísto la enviada a um de seus amigos na Inglaterra pouco antes de sua morte Nesta edição porém inseriramse essas adições e correções no texto tomando esta carta conforme com o manuscrito original que Leibniz mandara a Des Maiseaux 12 Alusão à luta entre melioristas e probabilistas Leibniz distingue os sábios são melioristas ao passo que os outros seguirão o probabilismo 430 LEIBNIZ 5 A necessidade hipotética é a que a suposição ou hipótese da previsão de Deus impõe aos futuros contingentes E é preciso admitila se com os socinia nos não se recusa a Deus a presciência dos contingentes futuros e a providência que regula e governa todas as coisas em particular 6 Mas nem essa presciência nem essa preordenação atentam contra a liber dade De fato Deus levado pela suprema razão a fazer a escolha entre muitas seqüências de coisas ou mundos possíveis daquele em que as criaturas livres tomassem tais ou tais resoluções ainda que não sem seu concurso tornou assim todo acontecimento certo e determinado uma vez por todas sem derrogar com isso à liberdade das criaturas pois esse simples decreto da escolha não muda mas apenas atualiza as suas naturezas vistas por ele em suas idéias 7 Quanto à necessidade moral ela também não diminui a liberdade Com efeito quando o sábio e sobretudo Deus o sábio supremo escolhe o melhor não é menos livre pelo contrário é a mais perfeita liberdade não ser impedido de fazer o melhor E quando o outro escolhe segundo o bem mais aparente e para o qual tem maior inclinação imita nisso a liberdade do sábio proporcionalmente à sua disposição sem o que a escolha seria um acaso cego 8 Mas o bem tanto o verdadeiro como o aparente numa palavra o motivo inclina sem necessidade isto é sem impor uma necessidade absoluta Assim quando Deus p ex escolhe o melhor o que ele não escolhe e é inferior em perfeição não deixa de ser possível Mas se o que Deus escolhe fosse absoluta mente necessário tudo o mais seria impossível contra a hipótese porque Deus faz sua escolha entre os possíveis ou seja entre muitas partes onde uma não implica contradição com outra 9 Mas dizer que Deus não pode escolher senão o melhor e querer inferir daí que aquilo que ele não escolhe é impossível equivale a confundir os termos o poder e a vontade a necessidade metafísica e a necessidade moral as essências e as existências De fató o que é necessário é tal por sua essência pois que o oposto implica contradição mas o contingente que existe deve sua existência ao princípio do melhor razão suficiente das coisas E é por isso que afirmo que os motivos inclinam sem necessidade e que há uma certeza e infalibilidade mas não uma necessidade absoluta nas coisas contingentes Juntese a isso o que se dirá depois nos 73 e 76 10 E bem mostrei na minha Teodicéia que essa necessidade moral é feliz conforme à perfeição divina conforme ao grande princípio das existências que é o da necessidade de uma razão suficiente ao passo que a necessidade absoluta e metafísica depende do outro grande princípio de nossos raciocínios que é o das essências isto é o da identidade ou da contradição pois o que é absolutamente necessário só é possível entre os partidos e sem contradição 11 Fiz ver também que nossa vontade não segue sempre precisamente o entendimento prático dado que pode ter ou achar razões para suspender sua resolução até uma ulterior discussão 12 Imputarme depois disso uma necessidade absoluta sem ter nada a opor às considerações que acabo de aduzir e que vão até o fundo das coisas e talvez além do que se vê alhures será uma obstinação irracional CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 431 13 Quanto à fatalidade que também me imputam é ainda um equívoco Há o fatum mahometanum o fatum stoicum e o fatum christianum O destino à moda turca pretende que os efeitos aconteceriam mesmo que se evitasse a causa como se existisse uma necessidade absoluta O destino estóico pretende que se es teja tranqüilo porque forçosamente ê preciso ter paciência dado que não se poderia resistir à seqüencia das coisas Mas concordase em que haja um fatum christianum um destino certo de todas as coisas regulado pela presciência e pela providência de Deus Fatum deriva de fari ou seja pronunciar discernir e no bom sentido significa o decreto da Providência E os que se submetem a ele pelo conhecimento das perfeições divinas do qual o amor de Deus é conseqüência pois consiste no prazer que esse conhecimento dá não somente têm paciência como os filósofos pagãos mas até ficam contentes com o que Deus ordene sabendo que ele faz tudo pelo melhor e não somente pelo maior bem em geral mas ainda pelo maior bem particular dos que o amam 14 Fui obrigado a alongarme para destruir de uma vez por todas as impu tações mal fundadas como espero poder fazer por essas explicações no espírito das pessoas sensatas Agora chego a uma objeção que me levantam aqui contra a comparação dos pesos de uma balança com os motivos da vontade Objetam que a balança é puramente passiva impelida que é pelos pesos ao passo que os agentes inteligentes e dotados de vontade são ativos A isso respondo que o prin cípio da necessidade de uma razão suficiente é comum aos agentes e pacientes precisam de uma razão suficiente para sua ação do mesmo modo que para sua paixão Não somente a balança não age quando impelida igualmente de um lado e de outro mas também não agem os pesos iguais quando estão em equilíbrio de modo que um não pode descer sem que o outro suba na mesma medida 15 Cumpre ainda considerar que os motivos não atuam propriamente sobre o espírito como os pesos sobre a balança mas antes é o espírito que opera em vir tude dos motivos que são suas disposições a agir Pretender assim como é o caso aqui que o espírito prefere às vezes os motivos fracos aos mais fortes e até o indiferente aos motivos é separar o espírito dos motivos como se estivessem fora dele da mesma forma que o peso se distingue da balança é como se no espírito houvesse outras disposições para agir que não os motivos disposições em virtude das quais o espírito rejeitaria os motivos Em vez disso os motivos em verdade abrangem todas as disposições que o espírito pode ter para operar voluntaria mente porque eles não contêm somente as razões mas também as inclinações oriundas das paixões ou de outras impressões precedentes Assim sendo se o espírito preferisse a inclinação fraca à forte agiria contra si mesmo e de um modo diverso do que está disposto a agir Isso faz ver que as idéias que contrariam as minhas são superficiais e não têm nàda de sólido quando bem consideradas 16 Também dizer que o espírito pode ter boas razões para agir quando não tem motivo algum e quando as coisas são absolutamente indiferentes como se diz aqui é uma contradição manifesta porque se ele tem boas razões para a deci são as coisas não lhe são indiferentes 17 E dizer que a gente atuará quando tem razões para atuar ainda que as vias de ação fossem absolutamente indiferentes é ainda falar muito superficial 432 LEIBNIZ mente e de uma forma muito insustentável Realmente não se tem jamais uma razão suficiente para agir quando não se possui também uma razão suficiente para agir deste modo determinado pois que toda ação é individual e não geral nem abstraída de suas circunstâncias tendo necessidade de alguma via para ser efetuada Logo quando há uma razão suficiente para agir desta maneira também há razão para agir por esta ou aquela via e por conseguinte as vias não são indi ferentes Todas as vezes que se têm razões suficientes para uma ação singular a gente as tem para seus requisitos Vejase ainda o que se dirá abaixo 66 18 Esses raciocínios saltam aos olhos e é bem estranho que me acusem de adiantar meu princípio da necessidade de uma razão suficiente sem nenhuma prova tirada da natureza das coisas ou das perfeições divinas Com efeito a natu reza das coisas acarreta que todo acontecimento tenha anteriormente suas condi ções requisitos e disposições convenientes cuja existência constitui sua razão suficiente 19 A perfeição de Deus exige que todas as suas ações concordem com sua sabedoria e que não se possa censurálo por ter agido sem razões ou mesmo por ter preferido uma razão mais fraca a uma razão mais forte 20 No fim desta carta falarei porém mais amplamente da solidez e da importância do grande princípio da necessidade de uma razão suficiente para todo acontecimento cuja impugnação derribaria a melhor parte de toda a filoso fia Portanto é bem estranho que se pretenda afirmar aqui que nisso cometo uma petição de princípio e bem que parece que querem adotar opiniões insustentáveis pois se vêem reduzidos a recusarme esse grande princípio um dos mais essen ciais da razão S o b r e o s 3 e 4 21 Cumpre confessar que esse grande princípio embora reconhecido não foi suficientemente empregado Eis em grande parte a razão pela qual até agora a filosofia primeira tem sido tão pouco fecunda e tão pouco demonstrativa Dele infiro entre outras conseqüências que não há na natureza dois seres reais absolu tos que sejam indiscerníveis porque se existissem Deus e a natureza agiriam sem razãotratando a um de outro jeito que a outro Assim pois Deus não pro duz duas porções de matéria perfeitamente iguais e semelhantes Respondem a essa conclusão sem lhe refutar a razão e respondem mediante uma objeção assaz fraca Este argumento dizem se fosse bom provaria ser impossível a Deus criar qualquer matéria porque tomandose as partes da matéria perfeitamente sólidas como iguais e da mesma figura o que é uma suposição possível seriam feitas exatamente uma como a outra Mas é uma evidente petição de princípio supor essa perfeita conveniência que a meu ver não poderia ser admitida Esta suposição de dois indiscerníveis como digamos de duas porções de matéria que convêm perfeitamente entre si parece possível em termos abstratos mas não é compatível com a ordem das coisas nem com a sabedoria divina na qual nada se CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 433 admite sem razão O vulgo imagina tais coisas porque se contenta com noções incompletas E é um dos defeitos dos atomistas 22 Além disso não admito na matéria porções perfeitamente sólidas que sejam integrais sem nenhuma variedade ou movimento particular em suas partes como são concebidos os pretensos átomos Aceitar semelhantes corpos ê ainda uma opinião popular infundada Segundo minhas demonstrações cada porção de matéria é atualmente subdividida em partes movidas de modo diferente e nenhu ma parece inteiramente com a outra 23 Eu havia alegado que nas coisas sensíveis não se encontram nunca dois indiscerniveis e que p ex não se acharão duas folhas num jardim nem duas gotas de água perfeitamente semelhantes Poderseia admitir isso em relação às folhas e talvez perhaps com respeito às gotas de água mas poderseia admitir ainda sem perhaps senza forse diria um italiano nas gotas de água 24 Creio que essas observações gerais que se acham nas coisas sensíveis encontramse também proporcionalmente nas insensíveis e que a esse propósito se pode dizer como dizia Arlequim em O Imperador da Lua que é tudo como aqui E é uma grande presunção contra os indiscerníveis o fato de não se achar nenhum exemplo deles Mas os adversários se opõem a essa conseqüência dizen do que os corpos sensíveis são compostos ao passo que ao que se afirma há insensíveis que são simples Respondo ainda que não o concedo Para mim nada existe simples senão as verdadeiras mônadas que não têm partes nem exten são Os corpos simples e até os perfeitamente semelhantes são uma conseqüência da falsa posição do vácuo e dos átomos ou de resto da filosofia preguiçosa que não leva suficientemente longe a análise das coisas e imagina poder chegar aos primeiros elementos corporais da natureza porque isso contentaria a nossa imaginação 25 Quando nego que haja duas gotas de água inteiramente semelhantes ou dois outros corpos indiscerníveis não digo que sejà absolutamente impossível afirmálos mas que é uma coisa contrária à sabedoria divina e que por conse guinte não existe Sobre os 5 e 6 26 Confesso que se existissem dua coisas perfeitamente indiscerníveis se riam duas Mas a suposição é falsa e contrária ao grande princípio da razão Os filósofos vulgares se enganaram ao acreditar na existência de coisas que diferem solo numero apenas numericamente pelo simples fato de serem duas e é desse erro que provieram suas perplexidades a respeito do que chamavam o princípio de individuação A metafísica foi tratada ordinariamente como simples doutrina dos termos como um dicionário filosófico sem chegar à discussão das coisas A filosofia superficial como a dos atomistas e dos vacuístas forja coisas que as razões superiores não admitem Espero que minhas demonstrações farão a filoso fia mudar de aspecto apesar das fracas contradições como as que me opõem aqui 434 LEIBNIZ 27 As partes do tempo e do lugar tomadas em si mesmas sào coisas ideais pareccndose assim perfeitamente como duas unidades abstratas Mas não se dá o mesmo com dois unos concretos ou com dois tempos efetivos ou dois espaços cheios isto é verdadeiramente atuais 28 Não digo que dois pontos do espaço sejam um mesmo ponto nem que dois instantes do tempo sejam um mesmo instante como parece que me atribuem mas podese imaginar por falta de conhecimento que há dois instantes diferentes onde não há scnào um como notei no 17 da resposta precedenteque sc supõem muitas vezes na geometria dois para representar o erro de uma contraditória e só se encontra um Se alguém supusesse que uma linha reta corta a outra em dois pontos verificaria por fim de contas que esses dois pretensos pontos devem coincidir e não formar senão um 29 Demonstrei que o espaço não é mais que uma ordem da existência das coisas notada na simultaneidade delas Assim a ficção de um universo material fi nito que passeia todo inteiro num espaço infinito não poderia ser admitida É totalmente irracional e impraticável De fato além de não haver espaço real fora do universo material semelhante ação seria sem finalidade seria trabalhar sem fazer nada agendo nihil agere Não se produziria nenhuma mudança observável fosse por quem fosse São imaginações dos filósofos de noções incompletas que fazem do espaço uma realidade absoluta Os simples matemáticos que só se ocu pam com coisas imaginárias são capazes de forjar tais noções destruídas entre tanto pelas razões superiores 30 Absolutamente falando parece que Deus pode fazer o universo material finito em extensão mas o contrário parece mais de acordo com a sua sabedoria 31 Não concedo que todo finito seja móvel Conforme a própria hipótese dos adversários uma parte do espaço ainda que finita não é móvel É preciso que aquilo que é móvel possa mudar de situação em relação a alguma outra coisa e chegar a um estado novo discernível do primeiro caso contrário o movimento é uma ficção Assim cumpre que um finito móvel faça parte de um outro a fim de que possa ocorrer uma mudança observável 32 Descartes sustentou que a matéria não tem limites e não creio que o te nham suficientemente refutado E conquanto lho tivessem concedido daí não se segue que a matéria seria necessária nem que existiria desde toda eternidade dado que essa difusão da matéria sem limites não seria mais que um efeito da escolha de Deus que a teria achado melhor assim Sobre o 7 33 Visto que o espaço em si é uma coisa ideal como o tempo é inevitável que o espaço fora do mundo seja imaginário como os próprios escolásticos bem o reconheceram O mesmo se diga do espaço vazio no mundo que julgo ainda ser imaginário pelas razões que apresentei 34 Objetamme o vácuo inventado por Guericke de Magdeburgoque se faz bombeando o ar de um recipiente e pretendese que há verdadeiramente vazio CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 435 perfeito ou espaço sem matéria ao menos em parte nesse recipiente Os aristoté licos e os cartesianos que não admitem o verdadeiro vácuo responderam a essa experiência de Guericke bem como à de Torricelli de Florença que esvaziava o ar de um tubo de vidro por meio de mercúrio que nâo há de modo algum vazio no tubo ou no recipiènte pois que o vidro tem poros sutis através dos quais os raios da luz os do imã e outras matérias muito finas podem passar E sou dessa opinião achando que se pode comparar o recipiente a uma caixa cheia de bura cos que estaria na água e na qual houvesse peixes ou outros corpos tão volumo sos tirados estes o lugar não deixaria de ficar cheio de água A única diferença é que a água embora seja fluida e mais dúctil que esses corpos volumosos é entretanto tão pesada e tão maciça ou até mais ao passo que a matéria que entra no recipiente em vez do ar é bem mais delgada Os novos partidários do vácuo respondem a essa alegação que não é a grossura que faz a resistência e por conseguinte que há necessariamente mais vazio onde existe menos resistência acrescentase que a sutileza nada representa e que as partes do mercúrio são tão sutis e tão finas como as da água e que no entanto o mercúrio tem uma resis tência mais de dez vezes superior A isso replico que não é tanto a quantidade da matéria quanto a dificuldade que ela apresenta de ceder que constitui a resistên cia A madeira flutuante p exL contém menos matéria pesada que a água de vo lume igual e apesar disso resiste mais ao barco que a água 35 E quanto ao mercúrio ele contém na verdade cerca de catorze vezes mais matéria pesada que a água num volume igual mas daí não se segue que contenha catorze vezes mais matéria absolutamente Pelo contrário a água con tém igual quantidade desde que se tome junto tanto sua própria matéria que é pesada quanto uma matéria estranha não pesada que passa através de seus poros Com efeito tanto o mercúrio como a água são massas de matéria pesada perfuradas através das quais passa muita matéria não pesada e que nâo resiste sensivelmente como é aparentemente a dos raios de luz e de outros fluidos insen síveis tais como sobretudo aquele que propriamente causa o peso dos corpos volumosos desviandose do centro onde ele os faz ir Realmente é uma estranha ficção imaginar toda a matéria pesada ou mesmo tendendo a uma outra matéria qualquer como se todo corpo atraísse igualmente qualquer outro corpo conforme as massas e as distâncias e isso por uma atração propriamente dita que não deri ve de um impulso oculto dos corpos ao passo que o peso dos corpos sensíveis em demanda do centro da terra deve ser produzido pelo movimento de algum fluido O mesmo acontece com outros pesos como os das plantas rumo ao sol ou delas entre si Um corpo nunca é naturalmente movido senão por um outro que o impe le tocandoo e após isso continua até que seja impedido por um outro corpo que o toca Qualquer outra operação sobre o corpo será ou milagrosa ou imaginária Sobre os 8 e 9 36 Como objetei que o espaço tomado por alguma coisa real e absoluta sem o corpos seria algo eterno impassível e independente de Deus procurouse 436 LEIBNIZ fugir a essa dificuldade dizendo que o espaço é uma propriedade de Deus A isso opus na minha carta precedente que a propriedade de Deus é a imensidade mas que o espaço muitas vezes comensurado com os corpos e a imensidade de Deus não são a mesma coisa 37 Ainda objetei que se o espaço é uma propriedade e se o espaço infinito é a imensidade de Deus o espaço finito será a extensão ou a mensurabilidade de alguma coisa finita Assim sendo o espaço ocupado por um corpo será a exten são desse corpo coisa absurda pois um corpo pode mudar de espaço mas não pode deixar sua extensão 38 Perguntei ainda se o espaço é uma propriedade de que pois será propriedade um espaço vazio limitado tal como o que se imagina no recipiente esvaziado de ar Não parece razoável dizer que esse espaço vazio redondo ou quadrado seja uma propriedade de Deus Será então talvez a propriedade de algumas substâncias imateriais extensas imaginárias que se representam ao que parece nos espaços imaginários 39 Se o espaço ê a propriedade ou a afecção da substância que está no espaço ele será ora a afecção de um corpo ora de um outro corpo ora de uma substância imaterial ora quando vazio de toda outra substância material ou ima terial talvez do próprio Deus Mas que estranha propriedade ou afecção que passa de sujeito para sujeito Assim sendo os sujeitos deixarão seus acidentes como se fossem um hábito a fim de que outros sujeitos possam se revestir com eles Como pois se distinguirão os acidentes e as substâncias 40 Mas se os espaços limitados existentes são as afecções dassubstâriciás e se o espaço infinito é a propriedade de Deus cumpre coisa estranha que a propriedade de Deus se componha das afecções das criaturas porque tódos os espaços finitos tomados em conjunto compõem o espaço infinito 41 Mas se alguém negar que o espaço limitado seja uma afecção das coi sas limitadas também não será razoável que o espaço infinito seja a afecção ou a propriedade de uma coisa infinita Insinuei todas essas dificuldades na minha carta precedente mas não me parece que se tenha procurado satisfazer a elas 42 Tenho ainda outras razões contra a estranha imaginação de que o espa ço é uma propriedade de Deus Neste caso o espaço entra na essência de Deus Ora o espaço tem partes logo haveria partes na essência de Djeus afirmação inconcebível 43 Além disso os espaços ora são vazios ora cheios e portanto haveria na essência de Deus partes ora vazias ora cheias sujeitas conseqüentemente a uma mudança perpétua Os corpos que enchem o espaço encheriam uma parte da essência de Deus sendo comensurados com ela e na hipótese do vácuo uma parte da essência de Deus estaria no recipiente Esse Deus com partes parecerse ia muito com o Deus estóico que era o universo inteiro considerado como um animal divino 44 Se o espaço infinito é a imensidade de Deus o tempo infinito será a eter nidade de Deus Terseá pois de dizer que o que se encontra no espaço está na imensidade de Deus e por conseguinte na sua essência e que o que se acha no CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 437 tempo está na eternidade de Dens Frases estranhas e que bem fazem ver que a gente está abusando dos termos 45 Eis ainda um reforço A imensidade de Deus faz com que Deus esteja em todos os espaços Mas se Deus está no espaço como se pode dizer que o es paço está em Deus e que é sua propriedade Já se ouviu dizer que a propriedade está no sujeito mas nunca se escutou a afirmação de que o sujeito está em sua propriedade Da mesma forma Deus existe em todo tempo como pois o tempo está em Deus e como pode ser uma propriedade de Deus Essas são perpétuas angloglossias1 3 46 Parece que se confunde a imensidade ou extensão das coisas com o es paço segundo o qual se toma essa extensão O espaço infinito não ê a imensidade de Deus o espaço finito não é a extensão dos corpos como o tempo não é a dura ção As coisas conservam sua extensão mas nem sempre o seu espaço Toda coisa tem sua própria extensão sua própria duração mas não seu próprio tempo e não conserva seu próprio espaço 47 Eis como os homens chegam a formar a noção do espaço Consideram que muitas coisas existem simultaneamente e acham nelas certa ordem de coexis tência segundo a qual a relação entre umas e outras é mais ou menos simples é sua situação ou distância Quando acontece que um desses coexistentes modifica essa relação a uma multidão de outros sem que estes mudem entre si e que um recémvindo adquire a relação que o primeiro tivera com os outros dizse que veio ocupar seu lugar e chamase essa transformação um movimento que se acha naquele em que está a causa imediata da transformação E quando muitos ou mesmo todos mudassem conforme certas regras conhecidas de direção e veloci dade poderseia sempre determinar a relação de situação que cada um adquiriria para com o outro e mesmo a relação que qualquer outro teria ou que ele teria para com outro qualquer se não tivesse mudado ou o tivesse feito de outro modo Supondo e fingindo que entre esses coexistentes haja um número suficiente de al guns que não tenham tido transformação em si dirseá que os que têm uma rela ção com esses exisentes fixos como outros anteriormente ocupam o mesmo lugar que estes últimos tinham tido Ora o que abrange todos esses lugares é que se chama espaço Isso demonstra que para ter a idéia do lugar e por conse qüência do espaço basta considerar essas relações e as regras de suas transfor mações sem necessidade de imaginar aqui nenhuma realidade absoluta fora das coisas cuja situação se considera E para dar uma espécie de definição lugar é aquilo que se diz ser o mesmo em relação a A e a B quando a relação de coexis tência de B com C E F G etc convém inteiramente com a relação de coexis tência que A tivera com os mesmos supondose que não tenha havido nenhuma causa de mudança em C E F G etc Poderseia dizer também sem ectese1 4 que lugar é aquilo que é o mesmo em momentos diferentes de dois existentes em bora diferentes quando suas relações de coexistência com certos existentes que 13 Palavra formada por Leibniz à semelhança dos vocábulos gregos significando erros ingleses 1 4 Termo grego que quer dizer exposição interpretação 438 LEIBNIZ desde um desses momentos até outro sào supostos fixos convêm inteiramente E existentes fixos são aqueles nos quais nâo houve causa da mudança da ordem de coexistência com outros ou o que dá na mesma nos quais nâo houve movimen to Enfim espaço ê o que resulta dos lugares tomados conjuntamente E é bom considerar aqui a diferença entre o lugar e a relação de situação que há no corpo que ocupa o lugar Com efeito o lugar de A e de B é o mesmo ao passo que a relação de A com os corpos fixos não é precisa e individualmente a mesma que aquela que B que tomará seu lugar terá com esses corpos fixos e as duas rela ções somente convêm uma com outra pois que dois sujeitos diferentes como A e B não poderiam ter precisamente a mesma situação individual não podendo um mesmo acidente individual encontrarse em dois sujeitos nem passar de sujei to para sujeito O espírito porém nâo satisfeito com a conveniência busca uma identidade uma coisa que seja verdadeiramente a mesma e a concebe como estando fora desses sujeitos é o que se chama aqui lugar e espaço Entretanto isso não poderia ser senão ideal contendo certa ordem em que o espírito concebe a aplicação das relações como o espírito pode imaginar uma ordem que consiste em linhas genealógicas cujas grandezas estivessem somente no número das gera ções em que cada pessoa tivesse seu lugar E se se juntasse a noção da metempsi cose fazendose voltar as mesmas almas humanas as pessoas poderiam então mudar de lugar Quem tinha sido pai ou avô poderia tornarse filho ou neto etc Contudo esses lugares linhas e espaços genealógicos conquanto exprimissem verdades reais não passariam de coisas ideais Darei mais um exemplo do costu me que o espírito tem de imaginar por ocasião dos acidentes que estão nos sujei tos alguma coisa que lhes corresponde fora dos sujeitos A razão ou proporção entre duas linhas L e M pode ser concebida de três modos como razão do maior L ao menor M como razão do menor M como razão do menor M ao maior L e enfim como algo que abstrai dos dois isto é como a razão entre L e M sem considerar qual é o anterior ou o posterior o sujeito ou o objeto Assim é que são consideradas as proporções na música Na primeira consideração L o maior é o sujeito na segunda M o menor é o sujeito desse acidente que os filósofos cha mam relação Mas qual será o sujeito no terceiro caso Nâo se poderia dizer que ambos L e M juntos sejam o sujeito desse acidente pois assim teríamos um aci dente em dois sujeitos com uma perna num e outra noutro o que contraria a noção dos acidentes Portanto devemos dizer que essa relação nesse terceiro caso está fora dos sujeitos mas que nâo se tratando nem de substância nem de acidente será por força uma coisa puramente ideal cuja consideração não deixa de ser útil De resto procedi aqui mais ou menos como Euclides que não poden do bem fazer entender absolutamente o que ê razão tomada no sentido dos geô metras define bem o que são as próprias razões Assim é que para explicar o que é o lugar eu quis definir o próprio lugar Noto por fim que os vestígios dos mó veis que eles deixam às vezes nos imóveis sobre os quais exercem seu movimen to deram à imaginação dos homens a ocasião de conceber essa idéia como se restasse ainda algum vestígio mesmo sem a existência de qualquer coisa imóvel mas isso nâo é senão ideal e traz somente como conseqüência que se existisse CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 439 algum imóvel a gente o poderia designar E é essa analogia que faz com que se imaginem lugares vestígios e espaços ainda que essas coisas não passem na ver dade de relações e de forma alguma não sejam uma realidade absoluta 48 De resto se o espaço vazio de corpos como se imagina não está completamente vazio de que pois se acha cheio Existem talvez espíritos exten sos ou substâncias imateriais capazes de se estender ou de se encolher que pas seiam por esse espaço e que se compenetram sem se incomodar como as sombras de dois corpos se misturam na superfície de uma muralha Vejo voltarem as divertidas imaginações de Henrique Morus sábio e bem intencionado aliás e de alguns outros que acreditaram que esses espíritos se podem tornar impenetráveis quando bem lhes parece Houve até os que imaginaram que o homem no estado de integridade tinha também o dom da penetração más que se tornou sólido opaco e impenetrável por sua queda Não é uma inversão das noções das coisas atribuir partes a Deus e dar a extensão aos espíritos Basta o princípio da neces sidade da razão suficiente para fazer com que desapareçam todos esses espectros de imaginação Os homens facilmente criam ficções quando não empregam bem esse grande princípio Sobre o 10 49 Não se pode afirmar que determinada duração é eterna mas se pode dizer que as coisas que duram sempre são eternas ganhando sempre uma dura ção nova Tudo quanto existe do tempo e da duração sendo como é sucessivo perece continuamente e como poderia existir por toda eternidade uma coisa que para falar com exatidão não existe jamais Com efeito como poderia existir uma coisa de que jamais nenhuma parte existe Ora do tempo não existem jamais senão instantes e estes nâosâo nem sequer uma parte do tempo Quem conside rar essas observações compreenderá bem que o tempo não poderia ser senão uma coisa ideal e a analogia do tempo e do espaço logo fará ver que um é tão ideal quanto o outro Entretanto se ao afirmarse a duração eterna de uma coisa se entende apenas que a coisa dura eternamente nada tenho contra isso 50 Se a realidade do espaço e do tempo é necessária para a imensidade e a eternidade de Deus se é preciso que Deus esteja nos espaços se estar no espaço é uma propriedade de Deus Deus será de algum modo dependente do tempo e do espaço e necessitará deles De fatoa escapatória de que o espaço e o tempo estão em Deus e fazem o papel de propriedades já está fechada Poderseia suportar a opinião que sustentasse que os corpos andam pelas partes da essência divina Sobre os 11 e 12 51 Como eu havia objetado que o espaço tem partes o adversário procura uma outra escapatória afastandose do sentido comum dos termos e sustentando 440 LEIBNIZ que o espaço não tem partes porque suas partes não são separáveis e não pode riam distanciarse umas das outras por separação Mas basta que o espaço tenha partes sejam separáveis ou não e podemos indicálas no espaço pelas linhas ou pelas superfícies que nele se podem traçar Sobre o 13 52 Para provar que o espaço sem os corpos é uma realidade absoluta ti nham me objetado que o universo material finito poderia andar no espaço Res pondi que não parece razoável que o universo material seja finito e ainda que o supuséssemos seria irracional que fosse dotado de movimento o que não se dá na hipótese de mudarem suas partes de situação entre si porque o primeiro o movimento não produziria nenhuma mudança observável e seria sem finalida de 1 5 Outra coisa é quando as suas partes mudam de situação entre si porque então se reconhece um movimento no espaço mas consistindo na ordem das rela ções que mudaram Replicase agora que a verdade do movimento é indepen dente da observação e que um navio pode andar sem que aquele que está dentro perceba Respondo que o movimento é independente da observação mas não da observabilidade Não há movimento quando não existe mudança observável E mesmo quando não há mudança observável não há mudança de modo algum O contrário fundase na suposição de um espaço real absoluto que refutei demons trativamente pelo princípio da necessidade de uma razão suficiente das coisas 53 Nãó encontro nada na oitava definição dos Princípios Matemáticos da Natureza nem no escólio dessa definição que proye que se possa demonstrar a realidade do espaço em si Contudo concedo que há diferença entre um verda deiro movimento absoluto de um corpo e uma simples mudança relativa da situa ção relativamente a um outro corpo Com efeito quando a causa imediata da mudança está no corpo este está verdadeiramente em movimento e nesse caso a situação dos outros com relação a ele estará por conseqüência mudada ainda que a causa desta mudança não resida neles É verdade que falando com exati dão não há corpo que esteja perfeita e inteiramente em repouso mas é disso que se faz abstração ao considerar a coisa matematicamente Assim não deixei nada sem resposta de tudo quanto alegaram a favor da realidade absoluta do espaço E demonstrei a falsidade dessa realidade por um princípio fundamental dos mais razoáveis e mais provados contra o qual não se poderia achar nenhuma exceção ou reparo De resto podese ver por tudo o que acabo de dizer que não devo admitir um universo móvel nem lugar algum fora do universo material 1 5 Leibniz não vê a inconseqüência de sua posição porque tanto o adversário como ele já estão tratando desse movimento De resto é um erro muito comum entre os filósofos colocaremse apenas na perspectiva de sua época em outros tempos para falar da presente questão o movimento poderá ser inferido pelos astrônomos CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 441 Sobre o 14 54 Não conheço nenhuma objeção a que penso eu não tenha respondido suficientemente E quanto a esta objeção que o espaço e o tempo são quanti dade ou antes coisas dotadas de quantidade e que a situação e a ordem não o são respondo que a ordem possui também sua quantidade ou seja o que precede e o que segue a distância ou intervalo As coisas relativas têm sua quantidade assim como as absolutas Por exemplo as razões ou proporções na matemática têm sua quantidade e se medem pelos logaritmos entretanto são relações Assim embora o tempo e o espaço consistam em relações nãõ deixam de ter sua quantidade 1 Sobre o 15 55 Quanto à questão de saber se Deus podia criar o mundo mais cedo é preciso entender bem os termos Como demonstrei que o tempo sem as coisas não passa de uma simples possibilidade ideal é manifesto que se alguém dissesse que esse mesmo mundo que foi criado efetivamente teria podi r do sem nenhuma outra mudança ter sido criado mais cedo não diria nada de inteligível pois não há nenhum sinal ou diferença pela qual seria possível conhecer que elé tivesse sido criado mais cedo Assim como já deixei dito A supor que Deus tenha criado o mesmo mundo mais cedo é supor algo de quimérico É fazer do tempo uma coisa abso luta independente de Deus ao passo que o tempo deve coexistir com as criaturas e não se concebe senão pela C ordem e quantidade de suas mudanças 56 Mas absolutamente falando podemos conceber que um universo tenha começado mais cedo do que efetiva mente se iniciou Suponhamos que o nosso universo ou E qualquer outro seja representado pela figura AF que a ordenada AB represente seu primeiro estado e que as ordenadas CDEF representem os estados seguintes Digo que se pode pensar que ele tenha começado mais cedo concebendo a figura prolongada para trás e juntandolhe RS AR BS porque assim aumentandose as coisas o tempo também será aumentado Mas se tal aumento é razoável e con corde com a sabedoria de Deus é uma outra questão e deveria dizerse que não caso contrário Deus o teria feito Seria como Humano capiti cervicempictor equinam Iungere si velit Se quiser o pintor juntar a uma cabeça humana um pescoço de cavalo O mesmo se diga da destruição Como se poderia conceber uma coisa acrescentada 442 LEIBNIZ ao começo poderseia imaginar também alguma coisadiminuída no fim Mas da mesma forma isso seria disparatado 57 Vêse pois como se imagina entender que Deus criou as coisas no tempo em que quis pois isso depende das coisas que resolveu criar Uma vez porém tendo resolvido criar tais ou tais coisas com suas relações nào lhe resta mais escolha acerca do tempo nem acerca do lugar que nào têm nada de real quando tomados isoladamente e nada de determinante ou mesmo nada de discernível 58 Nào é possível portanto dizer como se faz aqui que a sabedoria de Deus pode ter tido boas razões para criar este mundo em certo tempo particular pois esse tempo particular tomado sem as coisas é uma ficção impossível nem se pode falar em boas razões de uma escolha numa coisa em que tudo é indiscernível 59 Quando falo deste mundo penso em todo o universo das criaturas mate riais e imateriais tomadas em conjunto desde o início das coisas Mas se se pen sasse apenas no começo do mundo material e supondose antes dele criaturas imateriais a gente se aproximaria um pouco mais da solução certa Com efeito o tempo então estando determinado pelas coisas já existentes deixaria de ser indiferente e poderia haver uma escolha É verdade que não se faria mais que adiar a dificuldade porque supondose o começo do universo todo das criaturas imateriais e materiais em conjunto não há mais escolha divina quanto ao tempo desse mesmo universo 60 Dessa forma não se deve dizer como se faz aqui que Deus criou as coi sas num espaço ou num tempo particular que lhe aprouve De fato sendo todos os tempos e todos os espaços em si mesmos perfeitamente uniformes e indiscer níveis um não poderia agradar mais que outro 61 Nào quero demorarme aqui a respeito da minha opinião que expus alhures e que pretende não haver substâncias criadas inteiramente destituídas de matéria Realmente creio com os antigos e com a razão que os anjos ou as inteli gências e as almas separadas do corpo grosseiro têm sempre corpos sutis ainda que por si sejam incorporais A filosofia vulgar admite facilmente toda espécie de ficções a minha é mais severa 62 Não digo que a matéria e o espaço são â mesma coisa somente afirmo que não há espaço onde não existe matéria e que o espaço em si mesmo não é uma realidade absoluta O espaço e a matéria diferem como o tempo e o movi mento Essas coisas entretanto embora diferentes são inseparáveis 63 De forma alguma se segue porém que a matéria seja eterna e necessá ria senão supondose que o espaço é eterno e necessário suposição absoluta mente infundada Sobre os 16 e 17 64 Creio ter respondido a tudo e particularmente à objeçàq conforme a qual o espaço e o tempo possuem uma quantidade mas a ordem nào cf acima n 54 CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 443 65 Fiz ver claramente que a contradição está na hipótese da opinião opos ta que procura uma diferença onde não há Seria uma injustiça manifesta querer inferir disso que reconheci contradição no meu próprio parecer Sobre o 18 66 Volta aqui um raciocínio que já refutei no n 17 Dizse que Deus pode ter boas razões para colocar dois cubos perfeitamente iguais e semelhantes Nesse caso ao que se diz é preciso que ele lhes designe lugares ainda que tudo seja perfeitamente igual mas a coisa não deve ser desligada de suas circunstâncias Esse raciocínio consta de noções incompletas As resoluções de Deus não são nunca abstratas e imperfeitas comò se Deus decretasse primeiramente criar os dois cubos e depois resolvesse onde colocálos Os homens por serem limitados são capazes de proceder assim resolverão uma coisa e depois se acharão emba raçados quanto aòs meios as vias os lugares e as circunstâncias Deus não toma jamais uma resolução quanto aos fins sem ao mesmo tempo tomála com relação aos meios e a todas as circunstâncias E até mostrei na Teodicéia que falando com rigor não houve senão um único decreto no universo inteiro pelo qual ele resolveu fazêlo passar da possibilidade à existência Assim Deus não escolherá um cubo sem ao mesmo tempo escolher seu lugar e ele não estabelecerá nunca uma escolha entre indiscerníveis 67 As partes do espaço não são determinadas e distintas senão pelas coisas que nele estão a diversidade das coisas no espaço determina Deus a operar de modo diferente sobre diferentes partes do espaço Mas o espaço tomado sem as coisas nada tem de determinante e até não é coisa alguma atual 68 Se Deus resolveu colocar certo cubo de matéria determinouse também a respeito do lugar desse cubo mas isso com relação a outras porções de matéria e não relativamente ao espaço separado onde não há nada de determinante 69 Sua sabedoria porém não permite que ele coloque ao mesmo tempo dois cubos perfeitamente iguais e semelhantes pois não há meio de achar uma razão para lhes designar lugares diferentes seria uma vontade sem motivo 70 Eu tinha comparado uma vontade sem motivo tal aquela que raciocí nios superficiais atribuem a Deus ao acaso de Epicuro Objetase a isso que o acaso de Epicuro é uma necessidade cega e não uma escolha voluntária Replico que esse acaso não é uma necessidade mas algo de indiferente Epicuro expressa mente o introduzia para evitar a necessidade É verdade que o acaso é cego mas uma vontade sem motivo não seria menos cega e menos devida ao simples acaso Sobre o 19 71 Repetese aqui o que já ficou refutado acima no n 21 a saber que a matéria não poderia ser criada se Deus não escolhesse entre os indiscerníveis Terseia razão se a matéria consistisse em átomos em corpos parecidos ou ou 444 LEIBNIZ tras fícções semelhantes da filosofia superficial mas esse mesmo grande princí pio que combate a escolha entre os indiscemíveis destrói também essas fièções mal construídas Sobre o 20 72 Tinhamse objetado na terceira réplica nos 7 e 8 que Deus não teria dentro de si um princípio de agir se fosse determinado pelas coisas externas Res pondi que as idéias das coisas externas estão nele e que assim está determinado por razões internas isto é por sua sabedoria Agora não se quer compreender a propósito de que eu o disse Sobre o 21 73 Confundese muitas vezes nas objeções que me fazem o que Deus nãò quer e o que não pode Ver acima o n 9 e abaixo o n 76 P ex Deus pode fazer tudo o que é possível mas não quer senão o melhor Assim não digo como me imputam aqui que Deus não pode impor limites à extensão da matéria mas existe a aparência de que ele não o quer e que achou melhor não lhos dar 74 Não se pode concluir da extensão para a duração non valet consequen tia Ainda que a extensão da matéria não tivesse limites não se concluiria que sua duração também não os tivesse até mesmo para trás ou seja que não tivesse tido começo Se a natureza das coisas no conjunto é de crescer uniformemente em perfeição o universo das criaturas deve ter começado Assim haverá razões para limitar a duração das coisas ainda mesmo que não existissem para limitar sua extensão Ademais o começo do mundo não vai contra a infinidade da dura ção a parte post ou posteriormente mas os limites do universo iriam contra a infinidade de sua duração Assim ê mais racional pôrlhes um começo que admi tir limites para elas a fim de conservar num caso e no outro o caráter de um autor infinito 75 Entretanto os que admitiram a eternidade do mundo ou ao menos como o fizeram teólogos célebres1 6 a sua possibilidade nem por isso negaram a dependência do mundo em relação a Deus como se lhes imputa aqui sem fundamento Sobre os 22 e 23 i 76 Objetamme ainda aqui sem fundamento que a meu ver tudo o que Deus pode fazer deve ser feito necessariamente É como se ignorassem que refutei 1 6 Referese provavelmente a Tomás de Aquino que influenciado por Aristóteles admitia a possibilidade de um mundo eterno embora aceitasse pela Revelação a sua temporalidade Entretanto em qualquer hipóte se o mundo seria dependente de Deus CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 445 isso solidamente na Teodicêia e que rebati a opinião dos que sustentam que nenhuma coisa é possível senão o que acontece efetivamente como acreditaram já alguns filósofos antigos entre outros Diodoro conforme narra Cícero Confundese a necessidade moral oriunda da escolha do melhor com a necessi dade absoluta confundése a vontade com o poder de Deus Ele pode produzir tudo o que é possível ou que não implica contradição mas quer efetuar o melhor entre os possíveis Vejase o que eu disse acima nos nos 9 e 74 77 Deus não é pois um agente necessário ao produzir as criaturas visto que atua por escolha Entretanto o que se acrescenta aqui é mal fundado quando se afirma que Um agente necessário não seria um agente Falase amiúde com ousadia e sem fundamento ao atribuirme teses que não se poderiam provar Sobre os 24 a 28 78 Alegase a desculpa de não se ter dito que o espaço é o sensório de Deus mas somente que é como o seu sensório Uma coisa é tão pouco conve niente e tão pouco inteligível quanto a outra Sobre o 29 79 O espaço não é o lugar de todas as coisas porque não é o lugar de Deus do contrário tratarseia de uma coisa coeterna com Deus e independente dele e até de uma coisa da qual ele dependeria se tivesse necessidade de lugar 80 Também não vejo como se poderia dizer que o espaço é o lugar das idéias pois estas estão no entendimento 81 É também assaz estranho dizer que a alma do homem é a alma das ima gens As imagens que são o entendimento estão no espírito mas se este fosse a alma das imagens elas estariam fora dele Dizendose isso porém dás imagens corporais como se pretenderá que nosso espírito delas seja a alma pois que essas imagens não são mais que impressões passageiras nos corpos de que ele é a alma 82 Se Deus sente o que se passa no mundo por intermédio de um sensório parece que as coisas agem sobre ele e ele é como se concebe a alma do mundo Acusamme de repetir as objeçÕes sem tomar conhecimento das respostas mas não vejo que tenham satisfeito a esta dificuldade Seria melhor renunciarse completamente a esse pretenso sensório Sobre o 30 83 Falase como se não se entendesse a doutrina segundo a qual a meu ver a alma é um princípio representativo isto é como se não se houvesse jamais ou vido nada acerca de minha harmonia preestabelecida 446 LEIBNIZ 84 Não concordo com as noções vulgares como se as imagens das coisas fossem transportadas conduzidas até a alma Com efeito não se pode imaginar por que abertura ou por que veículo se pode fazer o transporte das imagens desde o órgão até a alma Essa noção da filosofia vulgar não é inteligível como os novos cartesianos bem o mostraram Não se saberia explicar como a substância imaterial é afetda pela matéria e recorrer à quimérica noção escolástica de não sei que espécies intencionais inexplicáveis que passam dos órgãos para a alma é sustentar uma coisa ininteligível Esses cartesianos viram a dificuldade mas não a resolveram recorreram a um concurso tão particular de Deus que seria de fato milagroso Eu porém acredito ter dado a verdadeira solução desse enigma 85 Dizer que Deus discerne as coisas que se passam porque está pesente nas substâncias e não pela dependência da continuação da existência delas consistindo no que se poderia dizer uma produção contínua é dizer coisas ininte ligíveis A simples presença ou a proximidade de coexistência não basta para entender como o que se passa em um ser deve corresponder ao que se passa em um outro 86 Além disso é incorrer justamente na doutrina que torna Deus a alma do mundo pois faz com que ele sinta as coisas não pela dependência que têm dele ou seja produçàò contínua do que há de bom e de perfeito nelas mas por uma espécie de sentimento como se imagina que nossa alma sente o que se passa no corpo É realmente degradar o conhecimento divino 87 Na realidade das coisas esse modo de pensar é inteiramente quimérico e nem sequer se realiza nas almas Estas sentem o que se passa fora delas pelo que se passa nelas correspondendo às coisas exteriores em virtude da harmonia que Deus preestabeleceu pela mais bela e mais admirável de todas as suas produções que faz com que cada substância simples em virtude de sua natureza seja por assim dizer uma concentração e um espelho vivo de todo o universo conforme seu ponto de vista Nisso ademais consiste uma das mais belas e mais incontes táveis provas da existência de Deus dado que não há senão Deus isto é a causa comum que possa instituir essa harmonia das coisas Mas o próprio Deus não pode sentir as coisas por meio daquilo com que elas sentem as outras Ele as sente porque é capaz de produzir esse meio e não as faria sentir as outras se ele mesmo não as produzisse todas consentidoras e se não tivesse assim em si a representação delas não como provindo delas mas porque elas ê que vêm dele e porque ele é a sua causa eficiente e exemplar Ele as sente porque vêm dele se é permitido dizer que ele as sente o que não se deve dizer senão tirando ao termo süa imperfeição pois parece significar que as coisas atuam sobre ele Elas exis tem e lhe são conhecidas porque ele as entende e quer e porque o que ele quer equivale ao que existe Isso aparece tanto mais porque ele as faz sentiremse umas às outras e as faz conheceremse mutuamente como conseqüência das naturezas que lhes deu de uma vez por todas e muitas vezes não faz senão manter as leis que regem cada uma as quais embora diferentes terminam numa correspon dência exata dos resultados Eis o que ultrapassa todas as idéias que vulgarmente se conceberam sobre a perfeição divina e as obras de Deus elevandoas ao mais alto grau como bem reconheceu Bayle ainda que crendo sem motivo que isso su pera o possível CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 447 88 Seria um grande abuso do texto da Sagrada Escritura segundo o qual Deus descansa de suas obras inferir que não há mais produção contínua É ver dade que não há produção de novas substâncias simples mas não se tem razão ao concluir que Deus está agora no mundo como se imagina que a alma está no corpo governandoo somente por sua presença sem um concurso necessário para fazêlo continuar sua existência Sobre o 31 89 A harmonia ou correspondência entre a alma e o corpo não ê um mila gre perpétuo mas o efeito ou a seqüência de um milagre primordial feito na cria ção das coisas como são todas as coisas naturais Sem dúvida é uma maravilha perpétua como são muitas coisas naturais 90 A exprefesão harmonia preestabelecida55 é um termo técnico confesso mas não um termo que não explica nada pois é explicado muito inteligivelmente e a ele nada se objeta indicando alguma dificuldade 91 Como a natureza de cada substância simples alma ou verdadeira môna da é tal que seu estado seguinte é uma conseqüência de seu estado precedente eis a causa da harmonia já encontrada de todo Com efeito Deus precisa apenas fazer uma vez e primeiramente que a substância simples seja uma representação do universo conforme seu ponto de vista pois que só disso se segue que ela o será perpetuamente e que todas as substâncias simples terão sempre uma harmo nia entre si uma vez que representam sempre o mesmo universo Sobre o 32 92 É verdade que a meu ver a alma não perturba as leis do corpo nem o corpo as da alma e que somente entram em acordo uma agindo livremente segundo as regras das causas finais e o outro maquinalmente conforme as leis das causas eficientes Isso porém não derroga à liberdade de nossas almas como se pretende aqui De fato todo agente que opera segundo as causas finais é livre embora aconteça concordar com aquele que atua apenas por causas eficientes sem conhecimento ou por máquina porque Deus prevendo o que a causa livre faria regulou antes sua máquina de maneira a não poder deixar de concordar com ela Jaquelot resolveu muito bem essa dificuldade em um de seus livros con tra Bayle Citei a passagem na Teodicéia parte 1 63 Tornarei a falar dessa questão no n 124 1 Sobre o 33 93 Não admito que toda ação dê uma nova força ao paciente Sucede mui tas vezes no encontro dos corpos que cada um guarda sua força como quando 448 LEIBNIZ dois corpos duros iguais se encontram diretamente Nesse caso só a direção se modifica sem que haja transformação na força tomando cada um dos corpos a direção do outro e voltando atrás com a mesma velocidade que tivera 94 Entretanto não posso dizer que seja sobrenatural dar uma nova força a um corpo pois reconheço que um corpo recebe muitas vezes uma nova força de outro corpo que perde outro tanto da sua Digo não obstante somente ser sobrenatural que todo o universo dos corpos receba uma nova força e assim que um corpo ganhe força sem que outros a percam em quantidade igual Eis por que digo também ser insustentável que a alma dê força ao corpo porque então todo o universo dos corpos receberia uma nova força 95 O dilema que se faz aqui está mal fundado porque na minha opinião é preciso que ou o homem atue sobrenaturalmente ou o homem seja uma pura máquina como um relógio Ora o homem não opera sobrenaturalmente e seu corpo é na verdade uma máquina e não age senão maquinalmente mas sua alma não deixa de ser uma causa livre Sobre os 34 e 35 96 Remeto também ao que foi ou será dito na presente carta nos 86 e 111 a propósito da comparação entre Deus e a alma do mundo e como o parecer que opõem ao meu faz se aproximar demais um do outro Sobre o 36 97 Refirome de novo ao que acabo de dizer quanto à harmonia entre a alma e o corpo nos 89 e seguinte Sobre o 37 98 Dizemme que a alma não esta no cérebro mas no sensório sem expli car o que é esse sensório Mas supondose que esse sensório seja extenso como julgo que pensam é sempre a mesma dificuldade e continua de pé a questão se a alma está difundida por toda essa extensão por maior ou menor que seja desde que o mais ou menos de grandeza não influi em nada Sobre o 38 99 Não empreenderei estabelecer aqui minha dinâmica ou minha doutrina das forças não seria o lugar adequado Entretanto posso muito bem responder à objeção que aqui levantam contra mim Eu havia sustentado que as força ati CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 449 vas se conservam neste mundo Objetamme que dois corpos moles ou nãoelás ticos batendo um contra o outro perdem sua forçia Respondo que não É verda de que em conjunto a perdem em relação a seu movimento total mas as partes a recebem sendo agitadas interiormente pela força do encontro Assim sendo esse defeito não ocorre senão na aparência As forças não são destruídas mas dissipadas entre as partes menores Não se trata de perdêlas mas fazer como os que trocam a moeda graúda em miúda Estou de acordo contudo com o fato de que a quantidade do movimento não perdura a mesma aprovando nisso o que se diz na pág 341 da Óptica de Newton citada aqui Mostrei porém alhures que existe diferença entre a quantidade do movimento e a quantidade da força Sobre o 39 100 Haviam sustentado contra mim que a força decresce naturalmente no universo corporal e que isso provém da dependência das coisas terceira réplica aos 13 e 14 Na minha terceira resposta1 7 eu pedira que se provasse que esse defeito é resultado da dependência das coisas Esquivamse de satisfazer o meu pedido atirandose sobre um incidente e negando que se trate de um defeito Mas seja um defeito ou não seria necessário provar que é uma conseqüência da dependência das coisas 101 Entretanto não há dúvida de que aquilo que tornasse a máquina do mundo tão imperfeita como a de um mau relojoeiro fosse um defeito 102 Dizse agora que é uma conseqüência da inércia da matéria mas é o que tampouco se provará Essa inércia preconizada e designada por Kepler e repetida por Descartes em suas Cartas e que empreguei na Teodicéia para dar uma imagem e ao mesmo tempo uma amostra da imperfeição natural das criatu ras faz somente com que as velocidades diminuam quando as matérias aumen tam mas isso sem nenhuma diminuição das forças Sobre o 40 103 Eu tinha sustentado que a dependência da máquina do mundo em rela ção a um autor divino é antes causa de que esse defeito não exista que a obra não precisa ser refeita que não está sujeita a estragos e enfim que não poderia diminuir em perfeição Adivinhem agora como se pode inferir contra mim tal como se faz aqui ser preciso nesse caso que o mundo material seja infinito e eterno sem nenhum começo e que Deus deva sempre ter criado tantos homens e outras espécies quantos seja possível criar Sobre o 41 104 Não digo que o espaço é uma ordem ou uma situação que torna as coi sas situáveis isso seria falar coisas sem nexo Basta considerar minhas próprias palavras e juntálas ao que disse no n 47 para mostrar como o espírito chega 1 7 Ver quarta carta n 39 450 LEIBNIZ a formar a idéia do espaço sem que seja necessário haver um ser real e absoluto que lhe corresponda fora do espírito e fora das relações Não digo pois que o es paço ê uma ordem ou uma situação mas uma ordem das situações ou uma ordem segundo a qual as situações são ordenadas e afirmo que o espaço abstrato é essa ordem das situações concebidas como possíveis Logo ê alguma coisa ideal Parece porém que não querem entenderme Já respondi aqui no n 54 à objeção que pretende não ser a ordem capaz de quantidade 105 Objetam aqui que o tempo não poderia ser uma ordem das coisas sucessivas porque a quantidade do tempo pode tornarse maior ou menor perma necendo a mesma ordem das sucessões Respondo que isso não se dá pois se o tempo é maior haverá mais espaços sucessivos interpostos e menos se é menor dado que não há vácuo nem condensação ou penetração por assim dizer nos tempos como tampouco nos lugares 106 Creio que sem as criaturas a imensidade e a eternidade de Deus não deixariam de subsistir mas sem nenhuma dependência dos tempos nem dos luga res Se não existissem criaturas não haveria nem tempos nem lugares e por conseguinte nada de espaço atual A imensidade de Deus ê independente do espa ço como sua eternidade não depende do tempo Quanto a essas duas ordens de coisas elas significam somente que Deus estaria presente a todas as coisas que existissem e coexistiria com elas Assim sendo não admito o que ensinam aqui que se só Deus existisse haveria tempo e espaço como agora Em vez disso penso que não existiriam senão nas idéias como simples possibilidades A imen sidade e a eternidade de Deus são algo mais eminente que a duração e a extensão das criaturas não somente quanto à grandeza mas ainda com relação à natureza da coisa Esses atributos divinos não precisam de coisas fora de Deus como são os lugares e os tempos atuais Tais verdades foram bem reconhecidas pelos teólo gos e pelos filósofos Sobre o 42 107 Eu sustentara que a operação de Deus pela qual repararia a máquina do mundo corporal prestes por sua natureza ao que pretendem a cair no repou so seria um milagre Foi respondido que não se trataria de uma operação mila grosa visto que seria ordinária e deveria acontecer muitíssimas vezes Repliquei que não é o usual ou o nãousual que faz o milagre propriamente dito ou o de categoria mas o fato de superar as forças das criaturas o que é a opinião dos teó logos e dos filósofos E assim concedemme pelo menos que aquilo que introdu zem e que desaprovo é um milagre da maior categoria conforme a idéia comum isto é que ultrapassa as forças criadas e que é justamente o que todos procuram evitar na filosofia Respondemme agora que é fazer apelo da razão para a opi nião vulgar Mas replico ainda que essa opinião vulgar segundo a qual se precisa evitar na filosofia quanto possível o que transcende as naturezas das criaturas é muito razoável Caso contrário nada seria mais fácil que explicar tudo fazendo CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 451 sobrevir uma divindade Deiim ex machina sem preocupação com as naturezas das coisas 108 De resto a opinião comum dos teólogos não deve ser tratada simples mente como opinião vulgar É necessário haver razoes ponderosas para que a gente ouse se opor a ela o que ocorre aqui 109 Parece que o adversário se afasta de sua própria idéia que exige que o milagre seja raro ao censurarme aincla que sem fundamento ver sobre o 31 porque a harmonia preestabelécidá seria um milagre perpétuo a não ser que tenha querido raciocinar contra mim ad hominem Sobre o 43 110 Se o milagre não difere do natural senão na aparência e em relação a nós de sorte que denominássemos milagre somente o que observamos raramente não haverá diferença interna real entre o milagre e o natural e no fundo tudo será igualmente natural ou tudo será igualmente miraculoso Os teólogos terão razão em concordar com o primeiro ponto e os filósofos com o segundo 111 A conclusão disso não seria ainda fazer de Deus a alma do mundo se todas as suas operações são naturais como as que a alma exerce no corpo Nesse caso Deus será uma parte da natureza 112 Numa boa filosofia e numa sã teologia cumpre fazer distinção entre o que é explicável pelas naturezas e forças das criaturas e o que apenas se pode explicar pelas forças da substância infinita Urge colocar uma distância infinita entre a operação de Deus que vai além das forças das naturezas e as operações das coisas que seguem as leis que Deus lhes deu e que ele tornou capazes de se guir por suas naturezas ainda que com sua assistência 113 É aqui que entram as atrações propriamente ditas e outras operações inexplicáveis pelas naturezas das criaturas que ou são atribuídas a um milagre ou se deve recorrer a absurdos isto é às qualidades ocultas dos escolásticos que começam a nos impor sob o especioso nome de forças mas que nos levam ao reino das trevas Isso é inventa fruge glandibus vesci descoberta a seara alimen tarse de bolotas 114 No tempo de Boyle e de outros excelentes homens que floresciam na Inglaterra quando começava a reinar Carlos II não se teria ousado impornos noções tão vazias Espero que essa esplêndida época voltará sob um governo tão bom quanto o atual e que os espíritos um pouco desviados demais pela desgraça dos tempos voltarão a melhor cultivar os conhecimentos sólidos O essencial em Boyle era inculcar que tudo se fazia mecanicamente na física Mas é a infelici dade dos homens desgostar enfim da própria razão enjoando da luz As quimeras começam a voltar e agradam porque possuem algo de maravilhoso Acontece no campo filosófico o que ocorre na poesia A gente se cansou dos romances racio nais como a Clélia Francesa ou a Armêmia Alemã retornandose há algum tempo aos contos de fadas 452 LEIBNIZ 115 Quanto aos movimentos dos corpos celestes e mais ainda quanto à formação das plantas e dos animais não há milagre algum exceto o início dessas coisas O organismo dos animais ê um mecanismo que supõe uma preformação divina o que se segue é puramente natural e completamente mecânico 116 Tudo o que se passa no corpo do homem e de qualquer animal é tão mecânico como o que se passa em um relógio A única diferença é a que deve existir entre uma máquina duma invenção divina e a produção de um operário tão limitado quanto o homem Sobre o 44 117 Não há dificuldade entre os teólogos a respeito dos milagres dos anjos tratase somente do uso do termo Poderseá dizer que os anjos fazem milagres mas não propriamente ditos ou seja milagres de uma ordem inferior Disputar sobre isso seria uma querela sobre palavra Poderseá dizer que o anjo que trans portava Habacuc pelos ares que movia a piscina de Betsaida fazia um milagre mas não era um milagre de primeira categoria por ser explicável pelas forças naturais dos anjos superiores às nossas Sobre o 45 118 Eu objetara que uma atração propriamente dita ou à moda escolás tica seria uma operação à distância sem meio Respondeme aqui que uma atra ção sem meio seria uma contradição Muito bem como entendêla então quando se pretende que o sol através de um espaço vazio atrai o globo da terra É Deus que serve de meio Mas isso seria um milagre como nunca houve superaria as forças das criaturas 119 Ou são talvez algumas susbstâncias imateriais ou alguns raios espiri tuais ou algum acidente sem substância alguma espécie como a intencional ou qualquer outra que não sei qual seja que devem fazer esse pretenso meio Eis coisas de que parece estar cheia a cabeça de muitos que não as sabem explicar 120 Esse meio de comunicação é dizem invisível intangível nãomecâ nico Poderseia acrescentar com o mesmo direito inexplicável ininteligível precário sem fundamento sem exemplo 121 Mas ele ê regular dizem constante e por conseqüência natural Res pondo que ele não poderia ser regular sem ser racional e não poderia ser natural sem ser explicável pelas naturezas das criaturas 122 Se esse meio que exerce uma verdadeiraatração é constante e ao mesmo tempo inexplicável pelas forçasdas criaturas mas também verdadeiro é um milagre perpétuo e se não é milagroso é falso É uma coisa quimérica uma qualidade oculta dos escolásticos 123 Seria como o caso de um corpo què anda em volta sem se afastar1 pela tangente ainda que nada capaz de explicação o impedisse Tratase de um exem CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 453 pio que já aduzi e que não se julgou digno de resposta porque mostra muito cla ramente a diferença entre o verdadeiro natural de um lado e do outro a quimé rica qualidade oculta das escolas Sobre o 46 124 As forças naturais dos corpos achamse todas submetidas às leis mecâ nicas e as dos espíritos estão todas submetidas às leis morais As primeiras se guem a ordem das causas eficientes as segundas seguem a das finais As primei ras operam sem liberdade como um relógio as segundas são exercidas com liberdade que uma outra causa livre superior acertou com elas de antemão Já falei disso no n 92 125 Termino por um ponto que o adversário me tinha oposto no começo desta quarta réplica e já respondido acima nos nos 18 19 e 20 Mas resolvi dizer mais alguma coisa sobre isso ao concluir Pretenderam primeiramente que co meto uma petição de princípio mas de que princípio digamme por favor Prou vera a Deus que nunca se tivessem suposto princípios menos claros Esse princí pio é o da necessidade de uma razão suficiente a fim de que uma coisa exista um acontecimento ocorra ou uma verdade se realize Será um princípio que precise de provas Tinhamno concedido ou feito como se o tivessem concedido no n 2 da terceira réplica talvez porque parecesse chocante demais negálo mas ou isso se fez só em palavras ou o adversário se contradisse ou se retratou 126 Ouso dizer que sem esse grande princípio não se poderia chegar à prova da existência de Deus nem dar a razão de muitas outras verdades importantes 127 Não se serviram todos desse princípio em mil ocasiões É verdade que o esqueceram por negligência em muitas outras mas foi essa justamente a origem das quimeras como p ex de um tempo ou de um espaço real absoluto do vácuo dos átomos de uma atração à escolástica da influência física entre a alma e o corpo e de mil outras flcções tanto das que restaram da falsa persuasão dos antigos como das que se inventaram há pouco 128 Não foi por causa da violação desse grande princípio que os antigos já zombavam da declinação sem motivo dos átomos de Epicuro E ouso dizer que a atração à escolástica que se renova hoje e da qual não zombavam menos há uns trinta anos nada tem de mais razoável 129 Desafiei muitas vezes os autores a levantarem uma objeção contra esse grande princípio citando um exemplo não contestado em que ele falta mas nunca o fizera nem o farão Entretanto há uma infinidade de exemplos em que o princípio dá bons resultadosou antes dá bons resultados em todos os casos conhecidos em que é empregado Isso deve fazer julgar racionalmente que irá bem da mesma maneira nos casos desconhecidos ou que só se tornarão conheci dos por meio dele conforme a máxima da filosofia experimental que procede a posteriori mesmo que ele não fosse de resto justificado pela pura razão ou a priori 454 LEIBNIZ 130 Negarme esse grande princípio é aliás fazer ainda como Epicuro reduzido a negar o outro grande princípio que é o da contradição a saber que toda enunciação inteligível deve ser verdadeira ou falsa Crisipo gostava de pro válo contra Epicuro mas não creio ter que imitálo ainda que eu já tenha dito acima o que pode justificar meu princípio e conseguisse ainda dizer alguma coisa a respeito mas que seria talvez profundo demais para convir à presente contestação E creio que pessoas racionais e imparciais concederão que o simples fato de ter reduzido o adversário a negar esse princípio é têlo ad absurdum Quinta réplica de Clarke Como um palavreado difuso não caracteriza um espírito claro nem consti tui um rriéio próprio de fornecer idéias claras aos leitores esforçarmeei por res ponder a ksta quinta carta de um modo distinto e em tão poucas palavras quan tas me fofpossível 1 120 Não há semelhança alguma entre uma balança posta em movimento por pesDS ou por um impulso e umespírito que se move ou age pela considera ção decértos motivos Eis em que consiste a diferença A balança ê inteiramente passiva e por conseguinte sUjeita a uma necessidade absoluta ao passo què o espírito não somente recebe uma impressão más também age o que faz a essêri cia da liberdade Supor que diférentes modos de agir quando parecem igualmente bons tiram inteiramente ao espírito o poder de agir como os pesos iguais irnpe dem necessariamente uma balança de se mover significa negar que um espírito tenha em si mesmo um princípio de ação e confundir o poder de atuar com a impressão que os motivos exercem sobre o espírito no que ele é totalmente passi vo O motivo ou o objeto que o espírito considera e que ele temem vista é algu ma coisa externa A impressão que esse motivo caúsa sobre o espíritò é a quali dade perceptiva na qual o espírito é passivo Fazer alguma coisadepois ou em virtude dessa percepção é a faculdade dè se mover por si mesmo ou de agir Em todos os agentes animados é a espontaneidade e nos agentes dotados de inteli gência é propriamente o que chamamos liberdade O erro em quê se incorre neste ponto vem de não se distinguirem cuidadosamente essas duascoisas de se confundirem o motivo e o princípio de ação pretendendose qué o espírito não tem outro princípio de ação senão o motivo ainda que ao receber a impressão do motivo o espírito seja de todo passivo Essa doutrina faz crer que o espírito não ê mais ativo dp que o seriá uma balança se ela de resto tivesse a faculdade de perceber as coisas o que não se pode afirmar sem transtornar inteiramente a idéia da liberdade Uma balança impelida dos dbis lados por uma força igual ou premida dos dois lados por pesos iguais natopode ter nenhuma movimento E supondõse que esta balança receba a facuMáde de perceber de iriódo que saiba que lhe é impossível moverse ou que eláJe iluda imaginando que sé move por si mesma embora não tenha senão ummovimento comunicado ela séencon traria no mesmo preciso estado em que o sabio autor supõe que se acha um ágen CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 455 te livréj sempre que se trate de uma indiferença absoluta Eis em que consiste a falsidade do argumento em tela A balança por não ter em si mesma um princí pio dè ação não se pode mover quando os pesos são iguais mas um agente livre quando se apresentam duas ou mais maneiras de agir igualmente razoáveis e perfeitamente semelhantes conserva ainda em si mesmo o poder de agir porque tem a faculdade de moverse Além disso este agente livre pode ter muito boas e bem fortes razões para não se abster inteiramente de agir ainda que talvez não haja nenhuma razão que possa determinar que certo modo de agir valha mais que outro Não se pode pois sustentar que suposto que duas diferentes maneiras de colocar certas partículas de matéria fossem igualmente boas e racionais Deus não poderia absolutamente nem de acordo com sua sabedoria pôlas de nenhu ma dessas duas formas por falta de uma razão suficiente que pudesse determi ná4o a escolher uma de preferencia à outra não sê pode digo propor tal coisa sem fazer de Deus um ser puramente passivo e por conseguinte ele não seria Deus ou o governador do mundo Mas quando se nega a possibilidade desta suposição a saber que podem existir duas partes iguais de matéria cuja situação pode ser igualmente bem transposta não se poderá aduzir outra razão senão essa petição de princípio ou seja que nesse caso o que o sábio autor diz de uma razão suficiente não estaria bem fundamentado Com efeito sem isso como se pode dizer que é impossível que Deus possa ter boas razões para criar muitas partí culas de matéria perfeitamente semelhantes em diferentes lugares do universo E nesse caso pois quê as partes do espaço são semelhantes se Deus não deu a essas partes de matéria situações diferentes desde o começo não pôde ter outra razão senão apenas sua vontade Contudo não se pode dizer com razão que essa vontade é uma vontade sem nenhum motivoporque as boas razões que Deus pode ter para criar muitas partículas de matéria perfeitamente semelhantes devem conseqüentemente servirlhe de motivo para escolher o que uma balança não poderia fazer uma das duas coisas de todo indiferentes ou seja pôr essas partículas numa dada situação embora uma situação completamente contrária tivesse sido do mesmo modo boa A necessidade nas questões filosóficas significa sempre uma necessidade absoluta A necessidade hipotética e a necessidade moral são simples maneiras figuradas de dizer e falando com um rigor filosófico não são uma necessidade Não se trata de saber se uma coisa deve ser quando se supõe que ela ê ou será eis o que se chama uma necessidade hipotética Não se trata tampouco de saber se é verdade que um ser bom e que continua sendo bom não poderia fazer o mal ou se um ser sábio não poderia agir de uma maneira contrária à sabedoria ou se uma pessoa que ama a verdade e continua a amála pode proferir uma mentira é o que se chama uma necessidade moral Mas a verdadeira e única questão filo sófica a respeito da liberdade consiste em saber se a causa ou o princípio ime diato e físico da ação está realmente naquele que chamamos o agente ou se é al guma outra razão suficiente a verdadeira causa da ação agindo sobre o agente e fazendo com que ele não seja um verdadeiro agente mas sim um simples pacien te Notese aqui de passagem que o sábio autor contradiz sua própria hipótese 456 LEIBNIZ quando afirma que a vontade não segue sempre exatamente o entendimento práti co pois pode às vezes encontrar razões exatamente para suspender sua resolução Com efeito não constituem essas razões o último juízo do entendimento prático 2125 Será possível que Deus produza ou que tenha produzido duas por ções de matéria perfeitamente semelhantes de modo que a mudança da situação delas fosse uma coisa indiferente O que o sábio autor diz de uma razão sufF ciente não prova nada Respondendo a isso ele não diz como devia ser impos sível que Deus faça duas porções de matéria totalmente semelhantes mas sim que sua sabedoria não lho permite fazer Como assim Poderia ele provar ser impos sível que Deus possa ter boas razões para criar muitas partes de matéria perfeita mente semelhantes em diferentes lugares do universo A única prova que ele alega é que não haveria nenhuma razão suficiente que pudesse determinar a von tade de Deus a pôr uma dessas partes de matéria numa situação antes que noutra Mas se Deus pode ter várias boas razoes não se poderia provar o contrário se Deus digo pode ter várias boas razoes para criar muitas partes de matéria total mente semelhantes bastará a indiferença da situação delas para tornar impossível sua criação ou contrária à sabedoria divina Pareceme que é formalmente supor o que está em questão Não se respondeu a um outro argumento da mesma natu reza que baseei na indiferença absoluta da primeira determinação particular do movimento no início do mundo 2632 Parece que existem aqui várias contradições Reconhecese que duas coisas de todo semelhantes seriam verdadeiramente duas coisas e não obstante essa opinião continuase a dizer que não teriam o princípio de individuação e na quarta carta 6 garantese positivamente que não passariam de uma só coisa sob dois nomes Ainda que se reconheça ser possível minha suposição não que rem me permitir fazer essa suposição Confessase que as partes do tempo e do es paço são perfeitamente semelhantes em si mesmas mas negase essa semelhança quando há corpos nessas partes Comparamse as diferentes partes do espaço que coexistem e as diferentes partes sucessivas do tempo com uma linha reta que corta uma outra linha reta em dois pontos coincidentes que não formam senão um só ponto Sustentase que o espaço é apenas a ordem das coisas que coexis tem e entretanto confessase que o mundo material pode ser limitado donde se segue que deve necessariamente existir um espaço vazio além do mundo Reco nhecese que Deus podia impor limites ao universo e depois dessa confissão o autor não cansa de dizer que essa suposição é não somente irracional e sem finali dade mas ainda uma ficção impossível e garante que não há nenhuma razão pos sível que possa limitar a quantidade da matéria Sustentase que o movimento do universo inteiro não produziria nenhuma modificação e entretanto não se res ponde ao que eu dissera que um aumento ou uma cessação súbita do movimento do todo causaria um choque sensível a todas as partes E não é menos evidente que um movimento circular do todo produziria uma força centrífuga em todas as partes Eu disse que o mundo material deve ser móvel se o todo é limitado o autor negao porque as partes do espaço cujo todo é infinito e existe necessaria mente são imóveis Afirmase que o movimento encerra necessariamente uma mudança relativa de situação num corpo com relação a outros corpos e entre CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 457 tanto não se fornece nenhum meio para evitar esta conseqüência absurda como seja que a mobilidade de um corpo depende da existência de outros de modo que se um corpo existisse sozinho seria incapaz de movimento ou que as partes de um corpo que circula ao redor do sol p ex perderiam a força centrífuga que nasce de seu movimento circular se toda a matéria exterior que as cerca fosse aniquilada Por último sustentase que a infinidade da matéria é o efeito da von tade de Deus e entretanto aprovase a doutrina de Descartes como se fosse incontestável ainda que todos saibam que a única base sobre a qual esse filósofo a estabeleceu é esta suposição que a matéria é necessariamente infinita visto que não se poderia supôla finita sem contradição Eis suas próprias palavras Puto implicare contradictionem ut mundiis sit finitus julgo implicar contradição a assertiva de que o mundo é finito Sendo isso verdade Deus nunca pôde limitar a quantidade da matéria e por conseguinte ele não éo criador nem pode destruir o mundo Pareceme que o sábio autor não concorda jamais consigo mesmo em tudo o que diz a respeito da matéria e do espaço De fato às vezes combate o vácuo ou o espaço destituído de matéria como se fosse absolutamente impossível sendo inseparáveis o espaço e a matéria e entretanto reconhece freqüentemente que a quantidade da matéria no universo depende da vontade de Deus 3335 Para provar que existe o vácuo eu disse que certos espaços não apre sentam resistência O sábio autor responde que esses espaços estão cheios de uma matéria que não tem peso Mas o argumento não se baseava no peso fundamen tavase na resistência que deve ser proporcional à quantidade da matéria tenha ela peso ou não A fim de prevenir essa réplica o autor diz que a resistência não vem tanto da quantidade da matéria quanto da dificuldade de ceder mas este argumento vem completamente fora de propósito porque a questão de que se trata não diz respeito senão aos corpos fluidos que têm pouca tenacidade ou que não a têm de todo como a água e o mercúrio cujas partes não cedem senão à proporção da quantidade de matéria que contêm O exemplo tirado da madeira flutuante que contém menos matéria pesada que um igual volume de água e que não deixa de oferecer uma maior resistência esse exemplo digo é bem pouco filosófico Com efeito um volume igual de água encerrada em um navio ou fendida e flutuante apresenta uma resistência maior que a madeira flutuante porque então a resistência é causada pelo volume todo da água Mas quando a água se acha em liberdade e em seu estado de fluidez a resistência não é causada por toda a massa do volume igual de água e sim unica mente por uma parte dessa massa de forma que não é surpreendente que nesse caso a água pareça oferecer menos resistência que amadeira 3638 O autor não parece raciocinar seriamente nesta parte de sua carta Contentase com dar uma falsa aparência a idéia da imensidade de Deus que não é uma Inteligência supramundana semota a nòstris rebus seiunctaque longe separada dos negócios terrenos e muito afastada e que não está longe de cada um de nós porque nele temos a vida o movimento e o ser 458 LEIBNIZ O espaço ocupado por um corpo nâoé a extensão do mesmo mas o corpo extenso existe nesse espaço Não existe nenhum espaço limitado mas nossa imaginação considera no espaço que não tem limites e não os pode ter tal parte ou tal quantidade que julga conveniente considerar 39 O espaço não é uma afecção de um ou vários corpos ou de nenhum ser limitado e não passa de um sujeito para outro mas ele é sempre e sem variação a imensidade de um ser imenso que não cessa nunca de ser o mesmo 40 Os espaços limitados não são propriedades das substâncias limitadas não são senão partes do espaço infinito no qual as substâncias limitadas existem 41 Se a matéria fosse infinita o espaço infinito não seria uma propriedade desse corpo infinito mais que os espaços finitos são propriedades dos corpos fini tos Mas nesse caso a matéria infinita estaria no espaço infinito como os corpos finitos nele se acham atualmente 42 A imensidade não é menos essencial a Deus que sua eternidade Sendo de todo diferentes as partes da imensidade das partes materiais separáveis divisí veis e móveis donde nasce a corruptibilidade não impedem a imensidade do ser essencialmente simples assim como as partes da duração não impedem que a mesma simplicidade seja essencial à eternidade 4344 O próprio Deus não está sujeito a nenhuma transformação pela diversidade e mudanças das coisas que têm nele a vida o movimento e o ser Essa doutrina que parece tão estranha para o autor é a doutrina formal de São Paulo e a voz da natureza e da razão 45 Deus não existe no espaço nem no tempo mas sua existência é a causa deles E quando dizemos de acordo com a linguagem vulgar que Deus existe em todo o espaço e todo o tempo queremos apenas dizer que está em tòda a parte e que é eterno isto é que o espaço infinito e o tempo são conseqüências necessárias de sua existência e não que o espaço e o tempo são seres distintos dele nos quais existisse 46 Fiz ver acima no 40 que o espaço limitado não é a extensão dos cor pos E basta comparar as duas seções seguintes 47 e 48 com o que eu já disse 4751 Pareceme que o que se encontra aqui não passa de um jogo de pala vras Quanto à questão relativa às partes do espaço vejamse acima Réplica III 3 e Réplica IV 11 v 5253 O argumento de que me servi neste ponto para fazer ver que o espaço é realmente independente dos corpos fundamentase no fato da possibilidade de ser o mundo material limitado e móvel O sábio autor não devia pois se contentar com a réplica de que não crê que a sabedoria de Deus lhe pudesse permitir impor limites ao universo tornandoo capaz de movimento Cumpre que o autor sus tente ser impossível que Deus criasse um mundo limitado e móvel ou que reco nheça a força de meu argumento baseado na possibilidade de um mundo limi tado e móvel O autor não deviatampouco se contentar com a repetição do que afirmara a saber que o movimento de um mundo limitado não seria nada e que na falta de outros corpos com os quais se pudessem comparar os corpos em CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 459 movimento ele não produziria nenhuma mudança sensível Digo que o autor não devia se contentar com repetir isso a menos que fosse capaz de refutar o que eu dissera acerca de uma bem grande transformação que ocorreria no caso pro posto ou seja que as partes receberiam um choque sensível com um repentino aumento do movimento do todo ou com a cessação desse mesmo movimento Não se empreendeu responder a isso 53 Como o sábio autor é obrigado a reconhecer aqui que há diferença entre o movimento absoluto e o movimento relativo pareceme que daí se segue neces sariamente que o espaço difere totalmente da situação ou da ordem dos corpos É 0 que os leitores poderão decidir comparando o que o autor diz aqui com o que se acha nos Princípios do Cavaleiro Newton livro I definição 8 54 Eu tinha dito que o tempo e o espaço são quantidades o que não se pode dizer da situação e da ordem Replicase a isso que a ordem tem sua quanti dade que há na ordem alguma coisa que precede e alguma coisa que segue que existe uma distância ou um intervalo Respondo que o que precede ou o que segue constituem a situação ou a ordem mas a distância o intervalo ou a quantidade do tempo e do espàço no qualuma coisa segue outra são algo totalmente distinto da situação ou da ordem não constituindo nenhuma quantidade de situação ou de Ordem A situação ou a ordem podem ser as mesmas sendo a quantidade do tempo e do espaço que intervém assaz diferente O sábio autor acrescenta que as razoes e as proporções têm sua quantidade e que por conseguinte o tempo e o espaço podem ter também a süà ainda que não passem de relações Respondo primeiramente que embora fosse verdade que algumas espécies de relações como p ex as razões ou as proporções fossem quantidades não se seguiria que a situação e a ordem que são relações de uma natureza completamente diver sa fossem também quantidades Em segundo lugar as proporções não são quan tidades mas proporções de quantidades Se fossem quantidades seriam quanti dades de quantidades o que é absurdo Acrescento que se fossem quantidade aumentariam sempre graças à adição como todas as outras quantidades Mas a adição da proporção de 1 para 1 à proporção de 1 para 1 não produz mais que a proporção de 1 para 1 e a adição da proporção de 12 para 1 à proporção de 1 para 1 não produz a proporção de 1 e 12 para 1 mas somente a proporção de 12 para 1 O que os matemáticos denominam por vezes com pouca exatidão a quantidade da proporção nâoé propriamente falando mais que a quantidade da grandeza relativa ou comparativa de uma coisa em relação a outra e a proporção não é a própria grandeza comparativa mas a comparação ou a relação de uma grandeza com outra A proporção de 6 para 1 em relação à de 3 para 1 não é uma dupla quantidade de proporção mas a proporção de uma dupla quantidade E em geral o que se diz ter uma maior ou menor proporção não é ter uma maior ou menor quantidade de proporção ou de relação mas ter uma maior ou menor quantidade em comparação com outro Não é uma maior ou menor comparação mas a comparaçao de uma maior ou menor quantidade A expressão logarítmica de uma proporão não é como o sábio autor o diz a medida mas somente o ín dice ou o sináf artificial da proporção Esse índice não designa uma quantidade 460 LEIBNIZ da proporção marca somente quantas vezes uma proporção é repetida ou complicada O logaritmo da proporção de igualdade é 0 o que não impede que seja uma proporção tão real quanto qualquer outra e quando o logaritmo é nega tivo como 1 a proporção de que ele ê sinal ou índice não deixa de ser afirma tiva A proporção duplicada ou triplicada não designa uma quantidade dupla ou tripla de proporção marca apenas quantas vezes a proporção está repetida Triplicandose uma vez alguma grandeza ou alguma quantidade obtémse uma grandeza ou quantidade que com relação à primeira tem a proporção de 3 para 1 Triplicandose uma segunda vez não se obtém uma dupla quantidade de proporção mas uma grandeza ou quantidade que com relação à primeira tem a proporção que se chama dupla de 9 para 1 Triplicandose uma terceira vez não se obtém uma tripla quantidade de proporção mas uma grandeza ou quantidade que com relação à primeira tem a proporção que se chama tripla de 27 para 1 e assinrpor diante Em terceiro lugar o tempo e o espaço não têm em absoluto a natureza das proporções mas a natureza das quantidades absolutas com as quais convêm as proporções P ex a proporção de 12 para 1 é uma proporção muito maior que a de 2 para 1 e entretanto uma só e mesma quantidade pode ter a proporção de 12 para 1 relativamente a uma grandeza e de 2 para 1 com rela ção a uma outra Assim é que o espaço de um dia tem muito maior proporção com uma hora que com a metade de um dia e entretanto não obstante essas duas proporções continua a ser a mesma quantidade de tempo sem nenhuma varia ção É pois certo que o tempo e o espaço também pela mesma razão não é da natureza das proporções mas da natureza das quantidades absolutas e invariá veis que têm proporções diferentes Portanto a opinião do sábio autor será ainda como ele mesmo confessa uma contradição a menos que faça ver a falsi dade deste raciocínio 5563 Pareceme que tudo o que se encontra aqui é uma contradição mani festa Os sábios o julgarão Supõese formalmente numa passagem que Deus teria podido criar o universo mais cedo ou mais tarde E em outro lugar decla rase que esses mesmos termos mais cedo e mais tarde são expressões ininteli gíveis e suposições impossíveis Achamse semelhantes contradições naquilo que o autor diz a respeito do espaço em que a matéria subsiste Vejase acima sobre os 2632 64 e 65 Ver acima 54 6670 Vejamse acima 120 e 2125 Acrescentarei somente aqui que o autor comparando a vontade de Deus com o acaso de Epicuro quando entre vá rios modos de agir igualmente bons escolhe um compara entre si duas coisas que são tão diferentes quanto se possa imaginar pois que Epicuro não reconhecia nenhuma vontade nenhuma inteligência nenhum princípio ativo na formação do universo 71 Cf acima 2125 72 Supra 120 7375 Quando se considera se o espaço é independente da matéria e se o universo pode ser limitado e móvel ver acima 120 e 2632 não se tratâ da CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 461 sabedoria ou da vontade de Deus mas da natureza absoluta e necessária das coi sas Se o universo pode ser limitado e móvel pela vontade de Deus o que o sábio autor vêse obrigado a conceder aqui conquanto diga continuamente que é uma suposição impossível seguese com evidência que o espaço no qual esse movi mento se realiza é independente da matéria Mas se pelo contrário o universo não pode ser limitado e móvel e se o espaço não pode ser independente da maté ria seguese evidentemente que Deus não pode nem podia impor limites à maté ria e por conseguinte o universo deve ser não somente sem limites mas também eterno tanto a parte ante como a parte post necessariamente e independen temente da vontade de Deus Quanto à opinião dos que sustentam que o mundo poderia ter existido desde toda eternidade pela vontade de Deus que exerceria assim sua potência eterna essa opinião digo não se refere de modo algum à matériâ de que se trata aqui 76 e 77 Vejamse acima 7375 e 120 eabaixo 103 78 Não se encontra aqui nenhuma nova objeção Fiz ver amplamente nas réplicas precedentes que a comparação de que o Cavaleiro Newton se serviu e que aqui se ataca é justa e inteligível 7982 Tudo quanto se objeta aqui na seção 79 e na seguinte é um mero jogo de palavras A existência de Deus como já o disse várias vezes é a causa do espaço e todas as outras coisas existem nesse espaço Seguese portanto que o es paço é também o lugar das idéias por ser o lugar das próprias substâncias que têm em seu entendimento as idéias Eu dissera como comparação que a idéia do autor era tão pouco razoável como se alguém sustentasse que a alma humana é a alma das imagens das coisas que ela percebe O sábio autor raciocina brin cando sobre isso como se eu tivesse garantido tratarse da minha própria opi nião Deus percebe tudo não por intermédio de um órgão mas por estar atual mente presente em toda parte O espaço universal é pois o lugar em que ele percebe as coisas Fiz ver amplamente acima o que se deve entender pela palavra sensório e o que é a alma do mundo Será demais pedir que se abandone a conseqüência de um argumento não se fazendo nenhuma objeção nova contra as premissas 8388 e 8991 Confesso não entender nada do que o autor diz quando afir ma que a alma é um princípio representativo que cada substância simples é por sua própria natureza uma concentração e um espelho vivo de todo o universo que ela é uma representação do universo de seu ponto de vista e que todas as substâncias simples terão sempre o mesmo universo Quanto à harmonia preestabelecida em virtude da qual se pretende que as afecções da alma e os movimentos mecânicos do corpo se conciliam sem nenhu ma influência mútua vejase infra sobre os 110116 Supus que as imagens das coisas são levadas através dos órgãos sensoriais ao sensório onde a alma as percebe O adversário sustenta que é uma coisa ininteligível mas sem apresentar prova alguma A respeito desta questão a saber se uma substância imaterial age sobre uma substância material ou esta sobre aquela ver abaixo 110116 462 LEIBNIZ Dizer que Deus percebe e conhece todas as coisas não por sua presença atual mas por produzilas continuamente de novo eis uma pura ficção dos escolásticos sem nenhum fundamento Quanto à objeção segundo a qual Deus seria a alma do mundo vejase minha ampla resposta na Réplica H 12 e Réplica IV 32 92 O autor supõe que todos os movimentos de nossos corpos são necessá rios e produzidos por um simples impulso mecânico da matéria a qual é total mente independente da alma mas não posso deixar de crer que essa dòutrina con duz à necessidade e ao destino Ela tende a fazer julgar que os homens são apenas puras máquinas como Descartes imaginara que os animais não têm alma des truindo todos os argumentos baseados nos fenômenos ou seja nas ações dos homens e que usamos para provar que estes têm alma e não são seres puramente materiais Vejase abaixo sobre os 110116 9395 Eu dissera que cada ação consiste em dar uma nova força às coisas que recebem uma impressão A isso se responde que dois corpos duros e iguais lançados um contra o outro retornam com a mesma força e que por conseguinte sua ação recíproca não dá uma nova força Bastaria replicar que nenhum desses dois corpos retorna com sua própria força que cada um deles perde sua própria força e é repelido com uma nova força comunicada pela elasticidade do outro Com efeito se esses dois corpos não tiverem elasticidade não retornarão Mas o certo é que todas as comunicações de movimento puramente mecânicas não são uma ação propriamente são uma simples paixão tanto nos corpos que impelem como nos que são impelidos A ação é o começo de um movimento que não exis tia antes produzido por um princípio de vida ou de atividade e se Deus ou o homem ou algum agente vivente ou ativo age sobre alguma parte do mundo material não sendo tudo um simples mecanismo urge que haja um aumento e uma diminuição contínua de toda a quantidade do movimento que existe no uni verso Mas é o que o sábio autor nega em diversas passagens 96 e 97 Aqui ele se contenta com remeter ao que disse em outra parte Farei também a mesma coisa 98 A alma é uma substância que enche o sensório ou o lugar no qual per cebe as imagens das coisas que são levadas para lá Daí não se infere que deve ser composta de partes semelhantes às da matéria porque as partes da matéria são substâncias distintas e independentes uma da outra mas a alma inteira vê ouve e pensa como sendo essencialmente um só ser individual 99 Para fazer ver que as forças ativas que estão no mundo isto é a quanti dade do movimento ou a força impulsiva comunicada aos corpos para fazer ver digo que essas forças ativas não diminuem naturalmente o sábio autor sustenta que dois corpos moleste sém elasticidade ao se encotitrar coní forças iguais e contrárias perdem cádâ um todo o seu movimento pórque este é comunicado às pequenas partes dé qUe se compõem Mas quando dois corpos inteiramente duros e sem elasticidade perdem seu movimento ao se encontrarem tratáse de saber o que se torna esse movimento ou essa força ativa e impulsivaNão poderia disper sasse entre as partes desses corpos porquê essas partes não sâo suscetíveis dene CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 463 nhum tremor por falta de elasticidade E se se nega que esses corpos devem per der seu movimento total respondo que então se seguirá que os corpos duros e elásticos retornarão com uma dupla força a saber com a força que resulta da elasticidade e ainda com toda a força direta e primitiva ou pelo menos com uma parte dessa força o que é contrário à experiência Enfim o autor tendo considerado a demonstração de Newton que acima citei vêse obrigado a reconhecer que a quantidade do movimento no mundo não é sempre a mesma mas recorre a um outro subterfúgio dizendo que o movimento e a força não são sempre os mesmos em quantidade Mas isto também é contrário à experiência Com efeito a força de que se trata não é a força da matéria que se chama vis inertiae 18 a qual continua efetivamente a ser sempre a mesma enquanto a quantidade da matéria for a mesma mas a força de que falamos aqui é a força ativa impulsiva e relativa sempre proporcionada à quantidade do movi mento relativo É o que se vê constantemente pela experiência a menos que se caia em algum erro por falta de saber calcular e de deduzir a força contrária que nasce da resistência que os fluidos exercem sobre o corpo da maneira como estes se possam mover e da ação contrária e contínua da gravitação sobre os corpos lançados para cima 100102 Na última seção fiz ver que a força ativa segundo a definição que dela dei diminui contínua e naturalmente no mundo material É evidente que isso não constitui um defeito por não ser senão uma conseqüência da inatividade da matéria De fato essa inatividade não é somente a causa como o observa o autor da diminuição da velocidade à medida que a quantidade da matéria aumenta o que na verdade não significa uma diminuição da quantidade do movimento mas é também a causa de que os corpos sólidos perfeitamente durose sem elastici dade encontrandose com forças iguais e contrárias percam todo seu movimento e toda sua força ativa como o mostrei acima e por conseqüência tenham necessi dade dc alguma outra causa para receber um novo movimento 103 Fiz ver amplamente em minhas réplicas anteriores que não há defeito algum nas coisas de que se fala aqui Com efeito por que Deus não teria tido a liberdade de fazer um mundo que continuasse no estado em que está atualmente por tanto tempo ou tão pouco quanto o julgasse conveniente e que em seguida mudasse recebendo a forma que ele lhe quisesse dar por uma transformação sábia e conveniente mas que talvez estivesse totalmente acima das leis do meca nismo O autor sustenta que o universo não pode diminuir em perfeição que não existe nenhuma razão que possa limitar a quantidade da matéria que as perfei ções de Deus o obrigam a produzir sempre tanta matéria quanto lhe for possível e que um mundo limitado é uma ficção inviável Dessa doutrina inferi que o mundo deve necessariamente ser infinito e eterno que os sábios julguem se essa conseqüência foi bem fundada 104105 O autor diz agora que o espaço não é uma ordem ou uma situa ção mas uma ordem de situações Isso não impede que a mesma objeção subsista 18 Parece que ainda estamos era certa fase da escolástica quando se definia a passividade da matéria como uma vis uma força 464 LEIBNIZ sempre a saber que uma ordem de situações não é uma quantidade como o es paço o é O autor por sua vez remete à seção 54 onde crê ter provado que a ordem é uma quantidade Também o que o autor diz a respeito do tempo encerra um absurdo ou seja que o tempo não é senão a ordem das coisas sucessivas e entretanto não deixa de ser uma verdadeira quantidade visto que é não somente a ordemdas coisas sucessivas mas também a quantidade da duração que inter vêm entre cada uma das coisas particulares que se sucedem nessa ordem o que ê uma contradição manifesta 106 Dizer que a imensidade não significa um espaço sem limites e que a eternidade não significa uma duração ou um tempo sem começo nem fim ê ao que me parece sustentar que as palavras não têm significação alguma Em vez de raciocinar sobre este assunto o autor nos remete ao que certos teólogos e filóso fos que eram de seu parecer pensaram a respeito da matéria Mas não é disso que se trata entre ele e mim 107109 Eu disse que entre as coisas possíveis não há nenhuma que seja mais milagrosa que outra com relação a Deus e que por conseguinte o milagre não consiste em nenhuma dificuldade que se encontre na natureza de uma coisa que deve ser feita mas consiste simplesmente em que Deus o faça raramente A palavra natureza e as designações forças da natureza curso da natureza etc são termos que significam simplesmente que uma coisa ocorre de ordinário ou freqüentemente Quando um corpo humano reduzido a pó é ressuscitado dize mos que é um milagre quando um corpo humano é engendrado de forma comum dizemos que é uma coisa natural Essa distinção se funda unicamente no fato de que a potência de Deus produz uma dessas duas coisas ordinariamente e a outra raramente Se o sol ou a terra parar subitamente dizemos que é um milagre mas o movimento contínuo do sol ou da terra parecenos uma coisa ordinária e não extraordinária como a outra Se os homens saíssem ordinariamente do tú mulo como o trigo sai da semente diríamos por certo que isso seria também uma coisa natural e se o sol ou a terra fosse sempre imóvel isso nos pareceria natu ral e nesse caso consideraríamos o movimento do sol ou da terra como uma coisa milagrosa O sábio autor não diz nada contra essas razões essas grandes razões como as denomina que são tão evidentes Contentase com remeternos aos modos de falar ordinários de certos filósofos e certos teólogos mas como já observei acima não é disso que se trata entre o autor e mim 110116 É surpreendente que numaquestão que deve ser decidida pela razão e não pela autoridade o adversário nos remeta ainda à opinião de certos filósofos e teólogos Mas para não insistir nisso que quer dizer o sábio autor ao falar de uma diferença real e interna entre o que é milagroso e o que não o é ou entre as operações naturais e as nãonaturais absolutamente e com referência a Deus Será que ele acredita que há em Deus dois princípios de ação diferentes e realmente distintos ou que uma coisa é mais difícil que outra para Deus Se ele não acredita seguirseá uma das duas coisas Primeiramente ou os termos ação de Deus natural e sobrenatural têm uma significação apenas relativaj aos homens porque nos acostumamos a dizer que um efeito ordinário do poder de CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 465 Deus é uma coisa natural e um efeito extraordinário desse mesmo poder é uma coisa sobrenatural não sendo o que se chama forças da natureza senão em ver dade uma expressão sem nenhum sentido Ou então em segundo lugar conclui se que por uma ação sobrenatural de Deus é preciso entender o que o próprio Deus faz imediatamente e por uma ação natural de Deus o que faz por inter médio das causas segundas Nesta parte de sua carta o autor se declara aberta mente contra a primeira dessas duas distinções e rejeita formalmente a segunda na seção 117 onde reconhece que os anjos podem realizar verdadeiros milagres Não creio entretanto que se possa inventar uma terceira distinção na matéria de que se trata aqui É inteiramente irracional chamar a atração um milagre e dizer que é um termo que não deve entrar na filosofia ainda que tenhamos tantas vezes declara do de um modo distinto e formal que ao servirnos dessa palavra não preten demos exprimir acausa que faz com que os corpos tendam um ao outro mas somente o efeito dessa causa ou o fenômeno em si e as leis ou proporções segun do as quais os corpos tendem um ao outro como se verifica pela experiência qualquer que possa ser sua causa É ainda mais irracional não querer admitir a gravitação ou a atração no sentido que lhe damos segundo o qual ela é por certo um fenômenp da natureza e pretender ao mesmo tempo que admitamos uma hipótese tão estranha quanto a da harmonia preestabelecida segundo a qual a alma e o corpo de um homem não influem mais um sobre o outro que dois reló gios bem ajustados por mais afastados que estejam um do outro e sem que haja entre ambos nenhuma ação recíproca É verdade que o autor diz que Deus pre vendo as inclinações de cada alma formou desde o começo a grande máquina do universo de tal maneira que em virtude das simples leis do mecanismo os corpos humanos recebem movimentos convenientes como sendo partes dessa grande máquina É porém possível que semelhantes movimentos e tão diversificados como o são os dos corpos humanos sejam produzidos por um puro mecanismo sem que a vontade e o espírito ajam sobre esses corpos Acreditarseá que quan do um homem toma uma resolução e sabe com antecedência de um mês o que fará certo dia ou certa hora seu corpo graças a um simples mecanismo produ zido no mundo material desde o começo da criação se conformará pontualmente no tempo exato com todas as resoluções do espírito desse homem Consoante essa hipótese todos os raciocínios filosóficos baseados nos fenômenos e nas experiências tornamse inúteis Com efeito se a harmonia preestabelecida é verdadeira um homem não vê não ouve e não sente nada nem move de maneira alguma seu corpo imagina somente ver ouvir sentir e mover seu corpo E se os homens se persuadissem de que o corpo humano não passa de uma pura máqui na e de que todos os seus movimentos que parecem voluntários são produzidos pelas leis necessárias de um mecanismo material sem nenhuma influência ou operação da alma sobre o corpo concluiriam logo que essá máquina é o homem todo e que a alma harmônica na hipótese de uma harmonia preestabelecida é apenas uma pura ficção e uma vã imaginação Além disso que dificuldade se evita por meio de uma tão estranha hipótese Não se evita senão a seguinte que 466 LEIBNIZ não é possível conceber como nma substância imaterial pode agir sobre â maté ria Mas Deus não é uma substância imaterial e não atua sobre a matéria De resto será mais difícil conceber a ação de uma substância imaterial sobre a maté ria do que a da matéria sobre a própria matéria Não é tão fácil conceber que certas partes da mateira possam ser obrigadas a seguir os movimentos e as incli nações da alma sem nenhuma impressão corporal quanto conceber que certas porções de matéria sejam obrigadas a seguir seus movimentos recíprocos devido à união ou adesão de suas partes que não se poderia explicar por nenhum meca nismo ou que os raios de luz sejam refletidos regularmente por uma superfície que nunca tocam É do que o Cavaleiro Newton nos deu diversas experiências oculares em sua Óptica Não é menos surpreendente que o autor repita ainda em termos formais que desde que o mundo foi criado a continuação do movimento dos corpos celestes a formação das plantas e dos animais e todos os movimentos dos corpos humanos e dos outros animais não são menos mecânicos que os movimentos de um relógio Pareceme que os que seguem essa opinião deveriam explicar porme norizadamente por que leis de mecanismo os planetas e os cometas continuam a se mover nas órbitas em que se movem através de um espaço que não oferece resistência por que leis mecânicas as plantas e os animais se formam e qual é a causa dos movimentos espontâneos dos animais e dos homens cuja variedade é quase infinita Mas estou grandemente persuadido de que não é menos impossível explicar todas essas coisas do que o seria fazer ver que uma casa ou uma cidade fosse construída por um simples mecanismo ou que o próprio mundo tivesse sido formado desde o começo sem nenhuma causa inteligente e ativa O autor reco nhece formalmente que as coisas não podiam ser produzidas por um puro meca nismo Após essa confissão não consigo compreender por que ele parece tão inte ressado em banir Deus do governo atual do mundo sustentando que sua providência não consiste senão num simples concurso como se diz pelo qual todas as criaturas só fazem o que fariam por si mesmas graças a um simples mecanismo Afinal eu não saberia conceber por que o autor imagina que Deus é obrigado por sua natureza ou por sua sabedoria a nada produzir e a deixar a máquina do mundo ser regida por simples leis mecânicas uma vez posta em movimento 117 O que o sábio autor confessa aqui ou seja que há o mais e o menos nos verdadeiros milagres e que os anjos podem operar alguns milagres é uma coisa diretamente contrária ao que ele dissera acima em todas as cartas sobre a natureza do milagre 118123 Se dizemos que o sol atrai a terra através de um espaço vazio isto é que a terra e o sol tendem um ao outro qualquer que possa ser a causa disso com uma força que está em proporção direta de suas massas ou de suas grande zas e densidades tomadas em conjunto e em proporção dupla inversa de suas distâncias e que o espaço entre esses dois corpos é vazio ou seja que não existe nada que resista sensivelmente ao movimento dos corpos que o atravessam CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 467 temos aí simplesmente um fenômeno ou um fato atual descoberto pela experiên cia É verdade sem dúvida que esse fenômeno não se produz sem meio isto é sem uma causa capaz de produzir tal efeito Os filósofos19 pois podem procurar essa causa e tratar de descobrila se lhes for possível quer ela seja mecânica quer não Mas se eles não puderem descobrir essa causa seguirseá que o próprio efei to ou o fenômeno descoberto pela experiência eis tudo o que se quer dizer com as palavras atração55 e gravitação55 seja menos certo e menos incontestável Deverá uma qualidade evidente chamarse oculta só porque sua causa imediata talvez seja oculta ou não descoberta ainda Quando um corpo se move em cír culo sem se afastar pela tangente existe por certo alguma coisa que impede essa fuga mas se em alguns casos não ê possível explicar mecanicamente a causa desse efeito ou se isso ainda não foi descoberto seguirseá que o fenômeno seja falso Seria um modo bastante singulär de raciocinar 124130 O próprio fenômeiio ä atração a gravitação ou o esforço não importa que nome se lhe dê pelo quáTos corpos tendem um ao outro e as leis ou as proporções dessa força são bästänte conhecidos pelas observações e experiências Se Leibniz ou qualquer öütro filósofo pode explicar esses fenôme nos pelas leis do mecanismo bem longe de ser impugnado todos os sábios lho agradecerão Ao contrário eu liãB poderia deixarde dizer que o autor raciocina de uma maneira totalmente extraordinária ao comparar a gravitação que é um fenômeno ou um fato atual dom a declinação dos átomos segundo a doutrina de Epicuro Este tendo corrompido no intuito de introduzir o ateísmo uma filosofia mais sã chegou à idéia de éâtabelecer essa hipótesequb não passa de uma pura ficção e que de resto é impossível num mundõm que se supõe não haver nenhuma inteligência No que se refere ao grande princípio de uma razão suficiente tudo o que o sábio autor acrescenta qui acerca dessa matéria não consiste senão em sustentar sua conclusão sèhí provála e por conseguinte não é necessário dar resposta Observarei täosömente que essa expressão ê equívoca podendosé entendêla como se não contivesse senão a necessidade ou como se pudésse significar tam bém uma vontadée uma escolha É certíssimo etodos concórdarão que em geral há uma razão suficiente para cada coisa Tratasè porém desaber se em certos casos quando é razoável agir diferentes modos possíveis de atuar não podem ser igualmente razoáveis e se nesses casos a simples vontade de Deus não é uma razão suficiente para operar de certa maneira antes que de outra ou se quando as mais fortes razõés se acham de um só lado os agentes inteligentes e livres não têm um princípio de ação em que consiste ao que creio a essência da liberdade inteiramente distinto do motivo ou da razãóque o agente tem em vista O sábio autor nega tudo isso E como ele estabelece seu grande princípio de uma razão suficiente num sentido que exclui tildo o que acabo de dizer pedin 19 Não havia ainda distinção entre filosofia e ciência positivas embora a experiência fosse tida como incon testável Contra o fató não existe argumenton do que lhe concedam esse princípio nesse sentido conquanto não tenha empreen dido proválo chamo isso uma petição de princípio o que é de todo indigno de um filósofo N B A morte de Leibniz impediuo de responder a esta quinta réplica20 468 LEIBNIZ 20 A discussão entre os dois filósofos mostra com um exemplo notável a inutilidade de quase todas as polêmicas Os dois autores continuam aferrados a suas idéias sem nenhuma aproximação entre eles Clarke perseverou sempre em sua noção newtoniana de um espaço ou um tempo objetivos Leibniz mantém sem sar seu princípio da razão suficiente seu otimismo e sua harmonia preestabelecida 469 índice SIR ISAAC NEWTON PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS 7 Prefácio ao Leitor 9 Definições ou Leis do Movimento 11 Axiomas ou Leis do Movimento 20 LIVRO III D O SISTEMA D O MUND O Hipóteses 24 Escólio Geral 25 O PESO E O EQUILÍBRIO DOS FLUIDOS 29 Definições 31 Proposições a respeito dos fluidos não elásticos 57 GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ A NONADOLOGIA 61 DISCURSO DE METAFÍSICA 75 NOVOS ENSAIOS SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO 111 Prefácio 113 LIVRO PRIMEIRO A S N O ÇÕESINA TAS Ca p I Existem princípios inatos no espírito do homem 133 Ca p II Não existem princípios de ordem prática que sejam inatos 149 Ca p III Outras considerações sobre os princípios inatos tanto sobre os que dizem respeito à especulação como sobre os pertinentes à prática 160 LIVRO TERCEIRO A S PALAVRAS Ca p I As palavras ou a linguagem em geral 167 Ca p II A significação das palavras 171 470 Ca p III Os termos gerais 180 Ca p IV Os nomes das idéias simples 187 Ca pV Os nomes dos modos mistos e as relações 191 Ca p VI Os nomes das substâncias 195 Ca p VII As partículas 216 Ca p VIII Os termos abstratos e concretos 220 Ca p IX A imperfeição das palavras 221 Ca p X O abuso das palavras 226 Ca p XI Os remédios que se podem aplicar contra as imperfeições e os abusos de que ne acaba de falar 235 LIVRO QUARTO O CONHECIMENTO Ca p I O conhecimento em geral 241 Ca p II Os graus do nosso conhecimento 246 Ca p III A extensão do conhecimento humano 258 Ca p IV A realidade do nosso conhecimento 271 Ca p V A verdade em geral 275 Ca p VI As proposições universais a sua verdade e a sua certeza 277 Ca p VII As proposições denominadas máximas ou axiomas 284 Ca p VIII As proposições frívolas 302 Ca p IX O conhecimento que temos da nossa existência 307 Ca p X O conhecimento que temos da existência de Deus 309 Ca p XI O conhecimento que temos da existência de outras coisas 316 Ca p XII Os meios para aumentar os nossos conhecimentos 320 Ca p XIII Outras considerações sobre o nosso conhecimento 327 Ca p XIV O julgamento 328 Ca p XV A probabilidade 329 Ca p XVI Os graus de assentimento 331 Ca p XVII A razão 344 Ca p XVIII A fé e a razão bem como os seus limites distintos 361 Ca p XIX O entusiasmo 368 Ca p X X O erro 374 Ca p XXI A divisão das ciências 384 DA ORIGEM PRIMEIRA DAS COISAS 391 O QUE É A IDÉIA 391 CORRESPONDÊNCIA COM CLARKE 403 Primeira carta de Leibniz 405 Primeira réplica de Clarke 405 Segunda carta de Leibniz 407 Segunda réplica de Clarke 409 Terceira carta de Leibniz 412 Terceira réplica de Clarke 415 Quarta carta de Leibniz 418 471 ANEXO Quarta réplica de Clarke 423 Quinta carta de Leibniz 429 Quinta réplica dç Clarke 454 Este livro integra a coleção OS PENSADORES HISTÓRIA DAS GRANDES IDÉIAS DO MUNDO OCIDENTAL Composto e impresso nas oficinas da A bril SA Cultural e Industrial caixa postal 2732 São Paulo C apítu lo I NÃo h á P r in c íp io s I n a t o s n a M e n t e 1 A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento cons titui suficiente prova de que não é inato Consiste numa opinião esta belecida entre alguns homens que o entendimento comporta certos prin cípios inatos certas noções primárias koinai énoiai caracteres os quais es tariam estampados na mente do homem cuja alma os recebera em seu ser primordial e os transportara consigo ao mundo Seria suficiente para convencer os leitores sem preconceito da falsidade desta hipótese se pu desse apenas mostrar o que espero fazer nas outras partes deste tratado como os homens simplesmente pelo uso de suas faculdades naturais po dem adquirir todo conhecimento que possuem sem a ajuda de impressões inatas e podem alcançar a certeza sem nenhuma destas noções ou prin cípios originais 2 O assentimento geral consiste no argumento mais importante Não há nada mais ordinariamente admitido do que a existência de certos princípios tanto especulativos como práticos pois referemse aos dois com os quais concordam universalmente todos os homens A vista disso ar gumentam que devem ser uniformes as impressões recebidas pelas almas dos homens em seus seres primordiais que transportadas por eles ao mundo mostramse tão necessárias e reais como o são quaisquer de suas faculdades inatas 3 O acordo universal não prova o inatismo O argumento de rivado do acordo universal comporta o seguinte inconveniente se for verdadeiro que existem certas verdades devido ao acordo entre todos os homens isto deixará de ser uma prova de que são inatas se houver outro meio qualquer para mostrar como os homens chegam a uma concordância universal acerca das coisas merecedoras de sua anuência Suponho que isso pode ser feito OS PENSADORES 4 O que é é e É impossível para uma mesma coisa ser e não ser não são universalmente aceitas Mas o que é pior este argumento da anuência universal usado para provar princípios inatos pareceme uma demonstração de que tal coisa não existe porque não há nada passível de receber de todos os homens um assentimento universal Começarei pelo argumento especulativo recorrendo a um dos mais glorificados prin cípios da demonstração ou seja qualquer coisa que é é e é impossível para a mesma coisa ser e não ser por julgálos dentre todos os que mais merecem o título de inatos Estão ademais a tal ponto com a repu tação firmada de máximas universalmente aceitas que indubitavelmente seria considerado estranho que alguém tentasse colocálas em dúvida Ape sar disso tomo a liberdade para afirmar que estas proposições se encon tram bem distantes de receber um assentimento universal pois não são conhecidas por grande parte da humanidade 5 Não se encontram naturalmente impressas na mente porque não são conhecidas pelas crianças idiotas etc Em primeiro lugar é evi dente que não só todas as crianças como os idiotas não possuem delas a menor apreensão ou pensamento Esta falha é suficiente para destruir o assentimento universal que deve ser necessariamente concomitante com todas as verdades inatas parecendome quase uma contradição afirmar que há verdades impressas na alma que não são percebidas ou entendidas já que imprimir se isto significa algo implica apenas fazer com que certas verdades sejam percebidas Supor algo impresso na mente sem que ela o perceba pareceme pouco inteligível Se portanto as crianças e os idiotas possuem almas possuem mentes dotadas destas impressões devem ine vitavelmente percebêlas e necessariamente conhecer e assentir com estas verdades se ao contrário não o fazem temse como evidente que essas impressões não existem Se estas noções não estão impressas naturalmente como podem ser inatas E se são noções impressas como podem ser des conhecidas Afirmar que uma noção está impressa na mente e ao mesmo tempo afirmar que a mente a ignora e jamais teve dela conhecimento implica reduzir estas impressões a nada Não se pode afirmar que qualquer proposição está na mente sem ser jamais conhecida e que jamais se tem disso consciência Se isso é possível seguese por semelhante razão que todas as proposições verdadeiras sem que a mente seja jamais capaz de lhes dar o assentimento podem ser afirmadas como pertencentes à mente onde se encontram impressas visto que se algo é considerado abarcado pela mente embora não seja ainda conhecido deve ser apenas porque se é capaz de conhecêlo e assim a mente é formada por todas as verdades que sempre conhecerá Deste modo estas verdades devem estar impressas na mente que nunca nem jamais as conhecerá pois um homem pode viver longamente e finalmente morrer ignorando muitas verdades que 38 LOCKE sua mente seria capaz de conhecer o que o faria com certeza Portanto se a capacidade de conhecer consiste na impressão natural disputada de corre da opinião que cada uma das verdades que um homem jamais che gará a conhecer será considerada inata Este ponto importante não eqüivale a nenhuma outra coisa apenas realça uma maneira inadequada de falar embora visando a afirmar o contrário nada afirma de diverso dos que negam os princípios inatos Penso que ninguém jamais negou que a mente seria capaz de conhecer várias verdades Afirmo que a capacidade é inata mas o conhecimento adquirido Mas então qual a finalidade desta con trovérsia acerca de certas máximas inatas Se as verdades podem estar impressas no entendimento sem que as perceba não diviso a existência de nenhuma diferença entre quaisquer verdades que a mente é capaz de conhecer com respeito a sua origem todas devem ser inatas ou todas adquiridas em vão uma pessoa tentará distinguilas 6 Encontram resposta dizendo que os homens sabem quando che gam ao uso da razão Para evitar isto respondese ordinariamente que todos os homens sabem e com elas aquiescem quando chegam ao uso da razão e que isto é suficiente para proválas inatas 7 Esta resposta deve significar uma de duas coisas logo que os homens começam a usar a razão estas supostas inscrições nativas passam a ser por eles conhecidas e observadas ou que o uso e exercício da razão dos homens os auxilia na descoberta deste princípio fazendo com que estes certamente se tornem conhecidos para eles 8 Se a razão os descobre não é uma prova de que são inatos Se querem dizer que mediante o uso da razão os homens podem descobrir èstes princípios sendo isto suficiente para proválos inatos esta maneira de argüir implicará o seguinte sejam quais forem as verdades reveladas pela razão e com as quais somos levados por ela a concordar com firmeza todas estas verdades encontramse naturalmente impressas na mente uma vez que o assentimento universal suposta sua marca característica não eqüivale a mais do que isto pelo uso da razão somos capazes de alcançar certo conhecimento e concordar com ele Por este meio não haverá dife rença entre as máximas dos matemáticos e os teoremas deduzidos delas devendo tudo ser igualmente suposto inato sendo todas as descobertas realizadas pelo uso da razão e as verdades que uma criatura racional deve certamente conhecer se aplicar seus pensamentos desta maneira correta 9 E falso que a razão os descobre Como podem todavia estes homens pensar que o uso da razão é necessário para descobrir princípios que são supostos inatos quando a razão se podemos acreditálo nada 39 OS PENSADORES mais é do que a faculdade de deduzir verdades desconhecidas de prin cípios ou proposições já conhecidos Isto certamente nunca pode ser pen sado inato se necessitamos da razão para o descobrir a menos que como disse consideremos inatas todas as verdades infalíveis que a razão nos ensina Podemos igualmente pensar o uso da razão necessário para fazer nossos olhos descobrirem objetos visíveis como deveria haver necessidade da razão ou de seu exercício posterior para fazer o entendimento ver o que está originalmente gravado nele e não pode estar no entendimento antes de ter sido percebido Deste modo para fazer a razão descobrir estas verdades assim impressas seria o mesmo que dizer que o uso da razão revela ao homem o que antes já conhecia e se os homens têm estas verdades inatas impressas originalmente e antes do uso da razão per manecendo delas ignorantes até atingirem o uso da razão consiste em afirmar que os homens ao mesmo tempo as conhecem e não as conhecem 10 Dirseá talvez que as demonstrações matemáticas e outras ver dades que não são inatas não são aceitas tão logo propostas distinguin dose assim dessas máximas e de outras verdades inatas Terei oportu nidade de abordar mais pormenorizadamente no futuro o assentimento acerca da primeira proposição No momento concederei apenas e de modo breve que estas máximas e as demonstrações matemáticas diferem nisto uma tem necessidade da razão do uso de provas para demonstrála e receber nosso assentimento a outra porém tão logo entendida é sem o menor raciocínio compreendida e assentada 11 Quem se propuser a refletir sem muita atenção acerca das ope rações do entendimento descobrirá que o pronto assentimento da mente com referência a algumas verdades não depende de uma inscrição natural ou do uso da razão mas de uma faculdade da mente bem distinta das duas como veremos adiante A razão portanto não contribui para oca sionar nosso assentimento a estas máximas e afirmar que os homens sabem e concordam com elas quando chegam ao uso da razão querendo com isso dar a entender que o uso da razão nos auxilia no conhecimento destas máximas é inteiramente falso e se isto fosse verdadeiro provaria que elas não são inatas 12 A posse do uso da razão não corresponde ao instante em que chegamos a conhecer estas máximas Se conhecêlas e aceitálas quando possuímos o uso da razão significa que este é o instante em que as ob servamos através da mente e logo que as crianças tenham posse do uso da razão igualmente conhecem e concordam com estas máximas tudo isto é igualmente falso e frívolo Primeiro consiste numa falsidade porque é evidente que estas máximas não se encontram na mente tão cedo quanto 40 LOCKE o uso da razão e portanto a posse do uso da razão é falsamente assinalada como o instante de sua descoberta Quantos exemplos do uso da razão podemos observar nas crianças muito tempo antes de terem qualquer co nhecimento desta máxima que é impossível para a mesma coisa ser e não ser E grande parte dos povos analfabetos e selvagens passa muitos anos mesmo durante sua idade racional sem jamais pensar nesta e se melhantes proposições gerais Concedo que os homens não chegam ao conhecimento destas verdades gerais e mais abstratas que são tidas como inatas antes de atingirem o uso da razão e acrescento nem então tam pouco Isto é assim porque mesmo após terem atingido o uso da razão estas idéias gerais abstratas não estão formadas na mente sobre as quais são formadas estas máximas gerais que são equivocadamente considera das princípios inatos mas são realmente descobertas feitas e verdades introduzidas e levadas à mente pelo mesmo modo e descobertas pelos mesmos passos como várias outras proposições que ninguém jamais foi tão extravagante para supôlas inatas 14 Se a posse do uso da razão fosse o instante de sua descoberta isto não as provaria inatas Mas em segundo lugar se fosse verdade que o instante exato em que são conhecidas e aceitas correspondesse à posse do uso da razão pelos homens nem isto as provaria inatas Esta maneira de argüir é tão frívola como a própria suposição é falsa Com efeito por qual tipo de lógica se mostrará que qualquer noção está originalmente por natureza impressa na mente em sua primeira constituição porque isso começa a ser observado e aceito quando uma faculdade da mente que tem um campo bem diferente começa a se exercitar 15 Os passos pelos quais a mente alcança várias verdades Os sentidos inicialmente tratam com idéias particulares preenchendo o gabi nete ainda vazio e a mente se familiariza gradativamente com algumas delas depositandoas na memória e designandoas por nomes Mais tarde a mente prosseguindo em sua marcha as vai abstraindo apreendendo gradualmente o uso dos nomes gerais Por este meio a mente vai se en riquecendo com idéias e linguagem materiais com que exercita sua facul dade discursiva E o uso da razão tornase diariamente mais visível am pliandose em virtude do emprego desses materiais Embora a posse de idéias gerais o uso de palavras gerais e a razão geralmente cresçam juntos não vejo como isto possa de algum modo proválas inatas Concordo que o conhecimento de algumas verdades aparece bem cedo na mente mas de modo tal que mostra que não são inatas Pois se observarmos desco briremos que isto continua também com as idéias nãoinatas mas adqui ridas sendo aquelas primeiras impressas por coisas externas com as quais as crianças se deparam bem cedo ocasionando as mais freqüentes im 41 OS PENSADORES pressões em seus sentidos Nas idéias assim apreendidas a mente descobre que algumas concordam e outras diferem provavelmente tão logo tenha uso da memória tão logo seja capaz de reter e receber idéias distintas Mas quer isto seja ou não existente naquele instante uma coisa é certa existe muito antes do uso de palavras ou chega antes do que ordinaria mente denominamos o uso da razão Pois uma criança sabe como certo antes de poder falar a diferença entre as idéias de doce e amargo isto é que o doce não é amargo como sabe depois quando começa a falar que a amargura e a doçura não são a mesma coisa 17 O assentimento dado tão logo as idéias sejam propostas e en tendidas não as prova inatas Desta evasiva portanto do assentimento geral quando os homens chegam ao uso da razão ausente como o é e não revelando nenhuma diferença entre as supostas verdades inatas e outras adquiridas e aprendidas os homens têm tentado assegurar um assentimento universal às que denominam máximas afirmando que são geralmente aceitas logo que propostas e os termos por eles propostos são entendidos abarcando todos os homens até as crianças tão logo ouvem e entendem os termos concordam com estas proposições inferem que isto é suficiente para proválas inatas 18 Se tal assentimento é o sina de inatismo seguese que um mais dois é igual a três que doçura não é amargura e milhares seme lhantes devem ser inatas Em resposta a isso pergunto o assentimento imediato dado a uma proposição com base na primeira audição e enten dimento dos termos deve ser o sinal seguro de um princípio inato Se isto não é assim tal assentimento geral será em vão assinalado como uma prova deles se for afirmado que este é o sinal do inatismo devem então concordar que todas as proposições inatas são aquiescidas tão logo ouvi das a partir das quais eles se descobrirão plenamente armazenados com princípios inatos Com base no mesmo princípio a saber o assentimento a partir da audição inicial e entendimento dos termos os homens que teriam estas máximas supostas como inatas têm igualmente que admitir várias proposições acerca dos números como inatas Mesmo a filosofia natural e todas as outras ciências compreendem proposições que estão certas de topar com o assentimento tão logo sejam entendidas Que dois corpos não estão no mesmo lugar consiste numa verdade tão inconfun dível como esta máxima que é impossível para uma mesma coisa ser e não ser que branco não é preto que um quadrado não é um círculo que a amarelidão não é doçura Mas desde que nenhuma proposição pode ser inata a menos que as idéias acerca das quais ela se constitui sejam inatas isso leva a supor como inatas todas as idéias de cores sons gostos figuras etc e não pode haver nada tão contrário à razão e à ex 42 periência O assentimento universal e imediato baseado na audição e en tendimento dos termos consiste concordo num sinal de algo evidente por si mesmo mas evidente por si mesmo não dependente de impressões inatas de alguma outra coisa pertencente a várias proposições Ninguém foi até agora tão extravagante a ponto de supôlas inatas LOCKE 43 JOHN LOCKE John Locke afirmava que a maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de que não é inato O assentimento geral consiste no argumento mais importante Sendo assim devem ser uniformes as impressões recebidas pelas almas dos homens em seus seres primordiais que transportadas por eles ao mundo mostramse tão necessárias e reais como o são quaisquer de suas faculdades inatas O acordo universal não prova o iatismo Locke afirma que se for verdadeiro que existem certas verdades devido ao acordo entre todos os homens isto deixará de ser uma prova de que são inatas se houver outro meio qualquer para mostrar como os homens chegam a uma concordância universal acerca das coisas merecedoras de sua anuência Locke era totalmente contrário as ideias do iatismo realizando críticas Locke afirma o que é é Nesta definição É impossível para uma mesma coisa ser e não ser não são universalmente aceitas sendo considerado estranho que alguém tentasse colocálas em dúvida Entretanto estas proposições se encontram bem distantes de receber um assentimento universal pois não são conhecidas por grande parte da humanidade Todas as crianças como os idiotas não possuem delas a menor apreensão ou pensamento Esta falha é suficiente para destruir o assentimento universal As crianças e os idiotas possuem almas possuem mentes dotadas destas impressões devem inevitavelmente percebêlas e necessariamente conhecer e assentir com estas verdades se ao contrário não o fazem temse como evidente que essas impressões não existem Sendo assim supor algo impresso na mente sem que ela o perceba Locke afirma que seria pouco inteligível Afirmar que uma noção está impressa na mente e ao mesmo tempo afirmar que a mente a ignora e jamais teve dela conhecimento implica reduzir estas impressões a nada Não se pode afirmar que qualquer proposição está na mente sem ser jamais conhecida e que jamais se tem disso consciência Se a capacidade de conhecer consiste na impressão natural disputada decorre da opinião que cada uma das verdades que um homem jamais chegará a conhecer será considerada inata Com relação a razão Locke afirma que todos os homens sabem e com elas aquiescem quando chegam ao uso da razão e que isto é suficiente para proválas inatas As respostas devem significar que os homens começam a usar a razão estas supostas inscrições nativas passam a ser por eles conhecidas e observadas Além disso o uso e exercício da razão dos homens os auxilia na descoberta deste princípio fazendo com que estes certamente se tornem conhecidos para eles Ainda sobre a razão Locke relata que sejam quais forem as verdades reveladas pela razão e com as quais somos levados por ela a concordar com firmeza todas estas verdades encontramse naturalmente impressas na mente Não haverá diferença entre as máximas dos matemáticos e os teoremas deduzidos delas devendo tudo ser igualmente suposto inato sendo todas as descobertas realizadas pelo uso da razão e as verdades que uma criatura racional deve certamente conhecer se aplicar seus pensamentos desta maneira correta Continuando os argumentos de Locke sobre a razão ele afirma que E falso que a razão os descobre Isso significa que o uso da razão necessário para fazer nossos olhos descobrirem objetos visíveis como deveria haver necessidade da razão ou de seu exercício posterior para fazer o entendimento ver o que está originalmente gravado nele e não pode estar no entendimento antes de ter sido percebido Assim para fazer a razão descobrir estas verdades assim impressas seria o mesmo que dizer que o uso da razão revela ao homem o que antes já conhecia Na visão de Locke as demonstrações matemáticas diferem das máximas e de outras verdades inatas uma tem necessidade da razão do uso de provas para demonstrála e receber nosso assentimento a outra porém tão logo entendida é sem o menor raciocínio compreendida e assentada A razão não contribui para ocasionar nosso assentimento a estas máximas e afirmar que os homens sabem e concordam com elas quando chegam ao uso da razão querendo com isso dar a entender que o uso da razão nos auxilia no conhecimento destas máximas é inteiramente falso e se isto fosse verdadeiro provaria que elas não são inatas A posse do uso da razão não corresponde ao instante em que chegamos a conhecer estas máximas Locke afirma que o instante em que as observamos através da mente e logo que as crianças tenham posse do uso da razão igualmente conhecem e concordam com estas máximas tudo isto é igualmente falso e frívolo A posse do uso da razão é falsamente assinalada como o instante de sua descoberta Os homens não chegam ao conhecimento destas verdades gerais e mais abstratas que são tidas como inatas antes de atingirem o uso da razão Se fosse verdade que o instante exato em que são conhecidas e aceitas correspondesse à posse do uso da razão pelos homens nem isto as provaria inatas Esta maneira de arguir é tão frívola como a própria suposição é falsa Locke destaca os passos pelos quais a mente alcança várias verdades Os sentidos inicialmente tratam com ideias particulares preenchendo o gabinete ainda vazio e a mente se familiariza gradativamente com algumas delas depositandoas na memória e designandoas por nomes A mente vai se enriquecendo com ideias e linguagem materiais com que exercita sua faculdade discursiva E o uso da razão tornase diariamente mais visível ampliandose em virtude do emprego desses materiais O conhecimento de algumas verdades aparece bem cedo na mente mas de modo tal que mostra que não são inatas Nas ideias assim apreendidas a mente descobre que algumas concordam e outras diferem provavelmente tão logo tenha uso da memória tão logo seja capaz de reter e receber ideias distintas Existe muito antes do uso de palavras ou chega antes do que ordinariamente denominamos o uso da razão Do assentimento geral quando os homens chegam ao uso da razão ausente como o é e não revelando nenhuma diferença entre as supostas verdades inatas e outras adquiridas e aprendidas os homens têm tentado assegurar um assentimento universal às que denominam máximas afirmando que são geralmente aceitas logo que propostas e os termos por eles propostos são entendidos abarcando todos os homens até as crianças tão logo ouvem e entendem os termos concordam com estas proposições inferem que isto é suficiente para proválas inatas Se tal assentimento é o sinal de iatismo seguese que um mais dois é igual a três que doçura não é amargura e milhares semelhantes devem ser inatas O assentimento geral será em vão assinalado como uma prova deles se for afirmado que este é o sinal do iatismo devem então concordar que todas as proposições inatas são aquiescidas tão logo ouvidas a partir das quais eles se descobrirão plenamente armazenados com princípios inatos Mesmo a filosofia natural e todas as outras ciências compreendem proposições que estão certas de topar com o assentimento tão logo sejam entendidas O assentimento universal e imediato baseado na audição e entendimento dos termos consiste concordo num sinal de algo evidente por si mesmo mas evidente por si mesmo não dependente de impressões inatas de alguma outra coisa pertencente a várias proposições GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ De acordo com Leibniz os pensamentos de Locke estariam incompletos Leibniz realiza a obra Novos Ensaios com o intuito de realizar críticas e objeções as teorias de Locke apontando erros sobre o conhecimento humano Ele critica a visão de Locke sobre as experiências que seriam responsáveis pelo conhecimento e afirma que as ideias são simples somente na aparência Que na verdade são bastante confusas com isso leva a dificuldades de verificar de fato como se compõe A obra Novos Ensaios foi realizada em forma de diálogo na tentativa de realizar um confronto com o racionalismo e empirismo com as ideias de Leibniz e Locke realizando um confronto de opiniões Leibniz buscava em sua obra encontrar uma explicação inteligível da união da alma e do corpo As leis da natureza têm a sua origem nos princípios superiores à matéria e que não obstante isto tudo acontece mecanicamente na matéria sendo que nisto tinham errado os autores espiritualizantes A alma e o corpo observam perfeitamente as leis cada qual as suas segundo o novo sistema e não obstante isto um obedece ao outro na medida do necessário As almas dos animais e as suas sensações não constituem objeção alguma contra a imortalidade das almas humanas Segundo Leibniz compreendeu o que é uma ideia verdadeira clara distinta adequada assim como quais são as ideias primitivas as verdades primitivas os verdadeiros axiomas a distinção entre as verdades necessárias e as de fato entre o raciocínio dos homens e as conclusões dos animais que constituem uma sombra daquele Quanto à origem das ideias não existem ideias inatas como não há princípios inatos Os homens podem adquirir todos os seus conhecimentos sem o auxílio de qualquer impressão inata Todos os pensamentos e ações da nossa alma procedem do seu próprio fundo sem que possam ser fornecidos à alma pelos sentidos Existem ideias e princípios que não nos vêm dos sentidos e que encontramos em nós sem formálos nós mesmos embora sejam os sentidos que nos dão ocasião para percebêlos As maravilhas do universo fizeram automaticamente pensar em um poder superior As leis eternas de Deus ao menos em parte estão gravadas na alma humana de um modo ainda mais legível por uma espécie de instinto O consentimento bastante geral entre os homens constitui um indício e não uma demonstração de um princípio inato a prova exata e decisiva desses princípios consiste em mostrar que a sua certeza só provém do que está em nós Temos uma infinidade de conhecimentos que nem sempre percebemos nem sequer quando temos necessidade deles Compete à memória conserválos e à reminiscência colocálos diante de nós como o faz frequentemente quando necessário mas não sempre Isto se denomina muito justamente pois a reminiscência pede um auxílio Toda a aritmética e toda a geometria são inatas estando em nós de maneira virtual de maneira que podemos encontrálas em nós considerando atentamente e ordenando o que já temos no espírito sem utilizar qualquer verdade aprendida por experiência ou pela tradição de outros Com efeito em virtude de uma admirável lei da natureza não podemos ter pensamentos abstratos que não necessitem de alguma coisa sensível a não ser que se trate de caracteres como as figuras das letras e os sons embora não haja nenhuma conexão necessária entre tais caracteres arbitrários e tais pensamentos Existem graus na dificuldade que temos de perceber o que está em nós Existem princípios inatos que são comuns e muito fáceis a todos existem teoremas que se descobrem com a mesma imediatez e que compõem ciências naturais que são mais compreendidos por uns do que por outros Os conhecimentos deveriam portanto vir também de um outro estado precedente no qual seriam enfim inatos ou pelo menos cocriados ou então seria necessário ir até ao infinito e supor almas eternas caso em que os conhecimentos seriam inatos mesmo pois que jamais teriam tido início na alma O espírito não é somente capaz de conhecêlas mas também de descobrilas em si mesmo se o espírito tivesse apenas a capacidade de receber os conhecimentos ou a potência passiva para isto capacidade tão indeterminada quanto a que possui a cera de receber figuras e a lousa vazia de receber letras não seria a fonte das verdades necessárias Embora os sentidos sejam necessáriospara darlhe ocasião e atenção para isto e para conduzilo preferivelmente à uns do que a outros Todavia é esta relação particular do espírito humano com estas verdades que torna o exercício da faculdade fácil e natural com respeito a elas e que faz com que as denominemos inatas Por conseguinte não é uma faculdade nua que consistiria na pura possibilidade de compreender as verdades é uma disposição uma aptidão uma pré formação que determina a nossa alma e que faz com que as verdades possam ser hauridas dela As ideias que provêm dos sentidos são confusas sendoo também as verdades que deles dependem ao menos em parte ao passo que as ideias intelectuais e as verdades que delas dependem são distintas sendo que nem as ideias nem as verdades têm a sua origem dos sentidos embora permaneça verdade que não seríamos jamais capazes de pensar sem os sentidos A penetração dos corpos é impossível tem necessidade de demonstração A penetração das dimensões ê possível a Deus Ao contrário as outras proposições são idênticas ou quase e as idênticas ou imediatas não recebem demonstração As proposições que dizem respeito àquilo que os sentidos fornecem como a que diz que a cor amarela não é a doçura não fazem outra coisa senão aplicar a máxima idêntica geral a casos particulares Leibniz Não vê como a proposição aquilo que ê a mesma coisa não é diferente seja a origem do princípio de contradição e mais fácil pois me parece que nos damos mais liberdade afirmando que A não é B de que dizendo que A não é nãoA E a razão que impede A de ser B é que B encerra não A Os princípios gerais entram em nossos pensamentos dos quais constituem a alma e a conexão O espírito se apoia sobre esses princípios a todo momento mas não chega tão facilmente a distinguilos e representálos distinta e separadamente visto que isto exige uma grande atenção ao que ele faz e a maior parte das pessoas pouco habituadas a meditar não têm tal atenção Uma vez que estabeleceis uma oposição entre a consideração da coisa e a apercepção do que está gravado no espírito esta mesma objeção nos mostra que aqueles a cujo partido pertenceis entendem pelas verdades inatas apenas p que se aprovaria naturalmente como por instinto e ainda conhecendoo apenas confusamente A apercepção do que está dentro de nós depende de uma atenção e de uma ordem O acontecimento porém prova mais tarde que a natureza não trabalhou inutilmente ao imprimir em nós os conhecimentos inatos visto que sem eles não haveria nenhum meio de atingir o conhecimentoatual das verdades necessárias nas ciências demonstrativas bem como as razões dos fatos neste caso não teríamos nada mais que ultrapasse o nível dos animais Todos aqueles que admitem verdades inatas sem fundálas na reminiscência platônica admitem verdades inatas nas quais ainda não se pensou Aliás este raciocínio prova demais pois se as verdades fossem pensamentos seríamos privados não somente das verdades nas quais nunca pensamos mas também daquelas nas quais já pensamos mas não pensamos mais atualmente e se as verdades não são pensamentos mas hábitos e aptidões naturais ou adquiridas nada impede que haja algumas em nós nas quais nunca pensamos nem jamais pensaremos Leibniz afirma que É absolutamente impossível que existam verdades da razão tão evidentes quanto as idênticas ou imediatas O instinto é um princípio inato mas não faz parte da luz natural pois não o conhecemos de maneira clara Todo mundo emprega as regras das consequências por uma lógica natural sem darse conta A ciência moral é inata da mesma forma que o é a aritmética pois ela depende também das demonstrações que a luz interna fornece As ideias e verdades inatas não podem ser apagadas mas estão obscurecidas em todos os homens pela sua inclinação às necessidades do corpo e muitas vezes ainda mais pelos maus hábitos As ideias do ser do possível do mesmo são tão inatas que entram em todos os nossos pensamentos e raciocínios O dever de adorar a Deus implica que nas ocasiões devidas cumpre assinalar que o honramos mais do que qualquer outro objeto e que é uma consequência necessária da sua ideia e da sua existência Leibniz fazia críticas a Locke alegando que a mente do indivíduo não se determinava com uma tábula rasa Sendo assim as ideias que a pessoa adquire seria derivada da própria natureza da mente Ele também fez ponderações sobre o princípio da identidade justificando que caso exista diferença entre as coisas a mente seria responsável por detectar essa distinção Leibniz apoia as verdades universais indo contra os pensamentos de Locke que pregava o conhecimento por sensações sensoriais Leibniz também falava sobre o processo de harmonia que existiria entre a mente e a matéria Ele destaca que existia uma visão mais complexa da mente realizando fortes críticas a Locke alegando que a mente não é tão simples As ideias então seriam claras e obscuras havendo uma divisão nas claras que seriam entre distintas e confusas Sendo assim todo o conhecimento nasceria do lado obscuro Entretanto deve ser orientado para que se busque uma finalidade para que assim o conhecimento possa ser aplicado da melhor forma possível Chamou de Mônadas o conhecimento universal definido pela racionalidade DEFESA DOS ARGUMENTS DE JOHN LOCKE Os argumentos que John Locke apresenta no texto representam uma concepção sobre a mente do indivíduo destacando que os conhecimentos são adquiridos através de experiências vivenciadas onde emoções e sentimentos são importantes Em outras palavras rebate a ideia de que o homem já nasce com ideias prontas e que a construção do conhecimento irá depender de suas experiências ao longo da vida Locke fala sobre o assentimento Neste ponto seus argumentos relatam a importância da observação durante as experiências onde o indivíduo através dela pode definir o que se toma como verdade Sobre o acordo universal Locke realiza críticas alegando que o acordo não prova que o conhecimento seja um dom inato Sendo assim as pessoas não nascem com conhecimento préestabelecido e sim adquirido ao longo da vida através de suas escolhas decisões e experiências Mesmo o indivíduo que nasça em um ambiente com determinadas características culturais ao nascer sua mente está sem nenhum conhecimento Ao passar a conviver nesta cultura o indivíduo passa a realizar observações sobre o que lhe cerca assimilando assim a cultura existente Neste caso as experiências que o indivíduo passa e sofre ao longo de sua vida naquela determinada cultura são o que leva ao conhecimento Exemplificando o indivíduo não nasce índio Ele se torna índio ao conviver com os mesmos hábitos da sociedade na qual está inserido Ele observa e julga os atos como verdade e assim se tornaria um índio agregando conhecimento com base nas observações Se determinada coisa tem um significado ela ao mesmo não tempo não pode ser caracterizada como não tendo aquele mesmo significado Locke então realiza críticas sobre alguns pressupostos que eram aceitos universalmente Nesta linha de raciocínio observamos que Locke questionava na época algumas ideias que eram aceitas mais como comodidade da filosofia de que como uma verdade absoluta Locke questionava sobre universalidade da aceitação apontando elementos de identidade e de lógica Locke ao realizar comparações com crianças e com pessoas que ele chama de idiotas mas que claramente estaria se referindo a pessoas com certo grau de deficiência cognitiva tenta provar a ineficiência da ideia do conhecimento inato Sendo assim a ideia seria negada justamente porque as crianças e pessoas com deficiência cognitiva ou algum tipo de retardo não possuem conhecimento de nascença As crianças por exemplo só conseguem realizar determinadas situações após o aprendizado ou seja através de experiências adquiridas o que reforça o ponto de vista de Locke Quando analisamos os argumentos de Locke sobre a razão identificamos que ele abordava a razão de forma empírica Entretanto mencionava que a razão seria um elo importante para a construção do conhecimento Seria através da razão que o indivíduo poderia organizar suas ideias buscando a verdade através das experiências vivenciadas Podemos então concluir que a razão seria um elemento crucial para o desenvolvimento do conhecimento sustentando a sua linha de raciocínio sobre a mente humana que adquire conhecimento com o passar do tempo indo contra as ideias do iatismo Portanto os argumentos de John Locke são consistentes sobre a crítica realizada ao iatismo A tabula rasa representa uma metáfora proposta por Locke sobre a ideia que nascemos com conhecimento em branco e que este seria adquirido ao longo da vida Outro ponto importante são suas observações com as crianças e com pessoas com dificuldade intelectual onde aponta que estas pessoas não demonstram ter conhecimento adquirido ao nascer Esse argumento bate de frente com o iatismo onde Locke quer provar que não existe conhecimento herdado de nascença Segundo ele o conhecimento é provido de observações reflexões e de experiências Sendo assim o conhecimento de cada pessoa vai evoluindo e aumentando conforme suas experiências Neste caso os seus argumentos apesar de serem empíricos baseado em experiências sensoriais são mais embasados do que a teoria da inatividade Locke foi um grande crítico do inativo e suas ideias e pensamentos foram importantes para o desenvolvimento da filosofia e sobre o conhecimento humano