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2 O personalismo de Emmanuel Mounier contribuições ao cristianismo 21 Elementos cristãos da filosofia personalista A base deste capítulo será fundamentada na principal obra do filósofo católico Emmanuel Mounier O personalismo1 que nos oferece uma análise detalhada dos processos que envolvem paulatinamente a construção mais do que um sistema de uma postura individualista Através de sua proposta personalista avalia criticamente a postura individualista apresentando seus danos do ponto de vista individual e coletivo O personalismo consiste precisamente nisso numa oposição ao individualismo Enquanto este último mantém o homem centrado sobre si mesmo a primeira preocupação do personalismo é descentrálo para colocálo nas largas perspectivas abertas pela pessoa2 A pessoa segundo o personalismo surge como uma presença voltada para o mundo e para as outras sem limites misturadas com elas numa perspectiva comunitária As outras pessoas não a limitam fazemna ser e crescer Não existe senão para os outros não se conhece senão pelos outros não se encontra senão nos outros A experiência primitiva da pessoa é a experiência da segunda pessoa A pessoa no movimento que a faz ser expõese por isso é por natureza comunicável Para Emmanuel Mounier aquele que se encerra no seu eu nunca encontrará o caminho para os outros Em sua concepção só existimos na medida em que existimos para os outros Toda e qualquer pessoa é desde suas origens movimento para os outros em suas palavras ser para3 Na avaliação do psicanalista Erich Fromm em sua obra intitulada A Arte de amar4 a realização do ser humano darseá através do que ele chama de unidade interpessoal da 1 MOUNIER E O personalismo São Paulo Centauro Editora 2004 2 MOUNIER E O personalismo op cit p 45 3 Ibid p 57 4 FROMM E A arte de amar Belo Horizonte Editora Itatiaia 1964 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 56 interação e integração com outra pessoa Segundo Fromm o desejo da relação interpessoal é o mais poderoso anseio do ser humano É o que proporciona a conservação da raça humana clã ou família e sem ela fundamenta a realização do humano vêse frustrada5 A existência humana não se faz legítima quando não há a experiência relacional e o interesse no bem estar holístico do outro Acreditamos que a abordagem de Mounier relativa ao conceito de pessoa em função de sua ênfase comunitária possa nos ajudar a traçar um paralelo com as orientações básicas do cristianismo do ponto de vista comunitário e da singularidade da pessoa O autor mesmo realiza esta conexão na medida em que aponta o cristianismo como o arauto de uma noção decisiva de pessoa6 Parte de sua abordagem apresentase como tipicamente cristã7 Como exemplo podemos tomar a referência que faz a Deus8 Estruturando parte de seu pensamento personalista relembranos o fato de que a humanidade não vive sob a tirania abstrata de um Destino de uma constelação de idéias ou de um Pensamento Impessoal indiferente a destinos individuais mas um Deus que é ele próprio pessoal9 embora de um modo eminente um Deus que entregou a sua pessoa para assumir a transfiguração humana e que propõe a cada pessoa uma relação única em intimidade uma participação na sua divindade um Deus que não se afirma como pensou o ateísmo moderno10 sobre coisas arrancadas ao 5 FROMM E A arte de amar op cit p34 6 MOUNIER E O personalismo op cit p18 7 Mounier se assume como um filósofo que está entre aqueles confessam a Cristo e que nele acham o próprio sentido e a força de seu congraçamento Cf MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p98 8 Deus para Mounier é o Ser supremo que por amor nos fez existir não conferindo unidade ao mundo através da abstração de uma idéia mas através de uma infinita capacidade para multiplicar indefinidamente esses atos de amor únicos Cf MOUNIER E O personalismo op cit p 18 9 Conforme também Fábio Konder Comparato Defende Conparato que segundo o próprio texto bíblico Deus não é um princípio indeterminado e impessoal como o primeiro motor na filosofia de Aristóteles mas uma pessoa que mantém com os homens por ele criados uma relação pessoal Tratase de um Deus que transcende o mundo por ele criado mas está ao mesmo tempo sempre presente e atuante pelo diálogo pessoal e pela ação na história da humanidade Cf COMPARATO F K Ética direito moral e religião no mundo moderno São Paulo Companhia das Letras 2006 pp 445447 10 Mounier aqui faz referência aos pensadores Bakounine e Feuerbach Cf MOUNIER E O personalismo op cit p 19 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 57 homem mas que antes lhe outorga uma liberdade análoga à sua pagandolhe em generosidade o que em generosidade for dado11 Por isso defende Mounier Ao movimento de liberdade o homem é livremente chamado A liberdade é constitutiva da existência criada Deus teria podido criar num momento uma criatura tão perfeita quanto o pudesse ser Mas preferiu que fosse o homem chamado a amadurecer livremente a sua humanidade O direito de pecar ou seja de recusar o seu destino é essencial ao pleno uso da liberdade12 Em sua outra obra Manifesto ao serviço do personalismo13 Mounier apresenta a liberdade da pessoa como a liberdade de descobrir por si mesma a sua vocação e de adotar livremente os meios de realizála Não consiste numa liberdade de abstenção mas uma liberdade de assunção14 A liberdade da pessoa é necessariamente adesão Todavia para Mounier essa adesão somente é propriamente pessoal a partir do momento em que seja um compromisso consentido e renovado com uma vida espiritual libertadora e não a simples aderência obtida à força15 Esse absoluto pessoal conforme nos apresenta o filósofo não isola o homem nem do mundo nem dos outros homens A Encarnação confirma a unidade da terra e do céu da carne e do espírito confirma o valor redentor da obra humana logo que assumida pela graça Assim pela primeira vez a unidade do gênero humano foi plenamente afirmada e duas vezes confirmada Vejamos Cada pessoa é criada à imagem de Deus16 cada pessoa é chamada para formar um imenso Corpo místico e carnal na Caridade de Cristo Começa a 11 Cf MOUNIER E O personalismo op cit p 19 12 Cf Ibid 13 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo Lisboa Livraria Morais Editora 1967 14 Ibid pp 102 103 15 Ibid p 103 16 Atentemos para o que nos é lembrado através da expressão à semelhança de Deus Na concepção do teólogo Jürgen Moltmann semelhança de Deus significa em primeiro lugar a relação de Deus para com a pessoa e somente então a partir disso a relação da pessoa para com Deus Lembranos ainda o teólogo que Deus se coloca num tal relacionamento para com a pessoa que essa se torna a sua imagem e a sua honra na terra O ser da pessoa brota dessa relação de Deus para com a pessoa e consiste nessa relação O ser humano como imagem de Deus não pode PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 58 tomar sentido uma história coletiva da humanidade de que os gregos não tinham sequer idéia A própria concepção da Trindade que alimentou dois séculos de debates traz consigo a idéia surpreendente de um Ser Supremo no qual intimamente dialogam pessoas diferentes de um Ser que é já por Si próprio negação da solidão17 A esse respeito as contribuições de Leonardo Boff em sua obra Trindade e Sociedade18 nos auxiliarão apontando sistematicamente que Deus Uno e Trino consiste precisamente em um convite à experiência comunitária Por sua própria dinâmica interna as três divinas Pessoas se efundem para fora criando outros diferentes criação cósmica e humana para que se tornem o receptáculo da infinita transfusão do amor comunicativo de Deus e do oceano sem limites da vida trinitária19 Esta unidade trinitária é integradora e inclusiva Ela se destina à plena glorificação de toda a criação no Deus trino sanando o que está doente libertando o que está cativo perdoando o que está ofendendo a comunhão divina Esta integração trinitária deve se mostrar já agora na história na medida em que se superam as rupturas da comunidade conforme Gl 328 judeus e pagãos gregos ou bárbaros escravos e patrões homens e mulheres e Rm 1012 e se instaura a economia do dom atendendo às necessidades At 43135 numa comunidade onde haja um só coração e uma só alma At 43220 segundo a avaliação do teólogo viver isoladamente mas somente em comunhão humana Por isso defende a pessoa é desde o início um ser social A pessoa foi feita para viver em comunhão humana e essencialmente precisa de ajuda Gn 218 Como fundamenta Moltman a pessoa é um ser sociável e desenvolve sua personalidade somente na comunhão com outras pessoas Consequentemente ela somente pode ser em relação a si mesma se e na medida em que outras pessoas se relacionam com ela O indivíduo isolado e o sujeito solitário são formas deficientes do serpessoa porque eles perdem a semelhança de Deus Cf MOLTMANN J Deus na criação doutrina ecológica da criação Petrópolis Vozes 1993 pp 318 321 17Mounier nos lembra que essa visão era demasiado nova demasiado radical para produzir imediatamente todos os seus frutos Por isso em sua concepção essa visão serviu como fermento da história de seu início ao fim Durante toda a época medieval permaneceram presentes uma série de elementos ideológicos da Antiguidade grega Foram precisos vários séculos para se passar da reabilitação espiritual do escravo à sua efetiva libertação Cf MOUNIER E O personalismo opcit p 20 18BOFF L A trindade e a Sociedade Petrópolis Vozes 1987 19Ibid p 185 20BOFF L A trindade e a Sociedade op cit pp 185186 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 59 A esse respeito nos auxilia também o teólogo alemão Jürgen Moltmann Segundo ele a doutrina trinitária se apresenta como a melhor possibilidade de compreensão em relação a Deus a qual descobre no próprio Deus os seguintes aspectos a diferença e a unidade e a unidade da diferença Por isso apresenta o Deus que em si mesmo é rico em relacionamento e é um Deus comunitário21 O análogo da semelhança de Deus está na relação diferenciada na diferença rica em relações a qual no Deus uno e trino constitui a vida eterna do Pai do Filho e do Espírito e que determina nas pessoas a vida temporal de homens e mulheres de pais mães e crianças Essa comunhão aberta de vida social de pessoas é a forma de vida que corresponde à comunhão divina Assim o conceito trinitário de comunhão está em condições de superar não apenas o eusolidão do narciso mas também o egoísmo do par homemmulher22 O personalismo conta entre as suas idéiaschave a afirmação da unidade da humanidade no espaço e no tempo idéia afirmada pela tradição judaicocristã Nos lembra Mounier que para o cristão não há nem cidadão nem bárbaro nem senhor nem escravo nem judeus nem pagãos nem brancos nem negros nem amarelos mas todos são homens criados à imagem de Deus e todos chamados à salvação em Jesus Cristo23 Mounier defende a idéia de um gênero humano com uma história e destinos coletivos de onde segundo ele não pode ser separado nenhum destino individual24 22 Crise do cristianismo Já em meados do século XX Emmanuel Mounier chamava a atenção para um tema que contemporaneamente temos discutido recorrentemente os elementos que configuravam a suposta crise que o cristianismo passava Nos alertava que em sua avaliação parecia que o cristianismo ainda não havia realizado com o 21MOLTMANN J Deus na criação op cit p 322 22Ibid 23 MOUNIER E O personalismo op cit p 55 24Mounier opõese a todas as formas de racismos ou castas às eliminações dos anormais ao desprezo pelo estrangeiro à totalitária negação do adversário político numa palavra e em geral à constituição de homens à parte Segundo ele um homem mesmo diferente mesmo degradado é sempre um homem a quem devemos permitir que viva como um homem Cf Ibid PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 60 mundo moderno a união conseguida com o mundo medieval Perguntava então Estará a atingir o seu fim Não será este divórcio prova evidente25 Tais questionamentos coincidentemente parecem ir ao encontro das palavras de Josefh Moinght em sua obra Dios que viene al hombre Para Moingt diante dos olhos da cultura ocidental Deus parece ter mais passado do que futuro um futuro completamente diferente do que foi seu passado no seio da religião26 Conforme Moingt Mounier chega à mesma conclusão Através de uma avaliação mais profunda e apurada o filósofo personalista é levado a concluir que essa crise não é o fim do cristianismo em si mas o fim de uma cristandade de um corrompido regime do mundo cristão que rompe suas amarras e parte à deriva deixando atrás de si os pioneiros de uma nova cristandade27 Para Mounier a crise do cristianismo não é somente uma crise histórica da cristandade é uma crise de valores religiosos num mundo neutro A filosofia iluminista julgavaos artificialmente suscitados e acreditava na sua próxima desaparição Durante um certo tempo alimentou esta ilusão com a ascensão do entusiasmo científico Contudo nos lembra Mounier o século XX nos demonstrou que mesmo quando desaparecem no seu aspecto cristão as formas religiosas reaparecem sob outros quaisquer dados através da divinização do corpo da coletividade da Espécie de um Chefe de um Partido etc28 23 Caracterização do individualismo 25 MOUNIER E O personalismo op cit p 138 26Moingt salienta que não foram os ataques dos filósofos iluministas à religião ou à idéia de Deus que colocaram o cristianismo em perigo mas uma nova episteme uma nova regulação dos saberes novos critérios de verdade um novo modo de ver o universo a história a sociedade uma nova organização da sociedade em função da emancipação dos indivíduos Cf MOINGT J Dios que viene al hombre del duelo al desvelamiento de Dios Salamanca Sígueme 2007 p 103 Ver também PALÁCIO C Novos paradigmas ou fim de uma era teológica In ANJOS M F org op cit pp 7783 27MOUNIER E O personalismo op cit p 138 28MOUNIER E O personalismo op cit p 138 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 61 Segundo Emmanuel Mounier a Revolução Francesa marca uma fase importante da libertação política e social embora limitada pelo seu contexto individualista Desde essa ocasião um quase fatalismo se desenvolve da seguinte maneira o individualismo encontra terreno favorável na fase conquistadora do capitalismo e desenvolvese rapidamente Assim o Estado liberal cristalizao nos seus códigos e nas suas instituições e lança a condição concreta das massas urbanas na escravidão social econômica e rapidamente política29 Através desta dinâmica são fomentadas as paixões do indivíduo percorrendo todas as gamas da afetividade mas arrastando o indivíduo para o isolamento não lhe permitindo a escolha senão entre a solidão desesperada e a dispersão do desejo Recuando perante essas novas angústias e temendo as imprudências do desejo o mundo do pequeno burguês recalca o indivíduo por detrás de uma aparência de medíocres satisfações instaura o reino individualista cauteloso30 Emmanuel Mounier nos lembra no capítulo segundo de sua obra O personalismo que desde o princípio da história são mais os dias consagrados à guerra do que os consagrados à paz31 Para ele a vida em sociedade tem sido uma permanente guerrilha Em suas próprias palavras Onde a hostilidade cessa começa a indiferença Os caminhos da camaradagem da amizade ou do amor parecem perdidos nos imensos revezes da fraternidade humana Cada um de nós tem sido necessariamente ou um tirano ou um escravo O olhar dos outros rouba me o meu universo a presença dos outros detém a minha liberdade a sua escolha paralisame O amor é uma infecção mútua um inferno 32 Reconhece o filósofo que tais declarações evocam um importante aspecto das relações humanas E como ele mesmo salienta O mundo dos outros não é um 29Ibid p 23 30Ibid 31 Interessante observar que ainda hoje através de autores como o filósofo europeu Gianni Vattimo podemos verificar a mesma afirmação Nos lembra Vattimo que atualmente ainda se faz guerra para erradicar a guerra Tratase da idéia de que com a violência se possa finalmente pôr fim à violência alegandose que todas as guerras são sempre as últimas Cf VATTIMO G Depois da cristandade por um cristianismo não religioso Rio de janeiro São Paulo Editora Record 2004 p 141 32 MOUNIER E O personalismo op cit p 43 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 62 jardim de delícias33 É permanente provocação à luta à adaptação e incitanos a ir mais além34 O mundo dos outros constantemente nos oferece a possibilidade do risco e do sofrimento inclusive quando esperamos que nos ofereça a paz Por isso nosso instinto de autodefesa reage recusando o outro e suprimindo toda e qualquer possibilidade de contato 35 O individualismo na concepção de Mounier consiste num sistema de costumes de sentimentos de idéias e de instituições que organiza o indivíduo partindo de atitudes de isolamento e de defesa Foi a ideologia e a estrutura dominante da sociedade burguesa ocidental desde o século XVIII e o século XIX36 Homem abstrato sem vínculos nem comunidades naturais deus supremo no centro de uma liberdade sem direção nem medida sempre pronto a olhar os outros com desconfiança cálculo ou reivindicações instituições reduzidas a assegurar a instalação de todos esses egoísmos ou o seu melhor rendimento pelas associações voltadas para o lucro eis a forma de civilização que vemos agonizar Para Mounier sem dúvida alguma uma das mais pobres que a história testemunhou Civilização que enquadrase perfeitamente no que ele chama de a própria antítese do personalismo37 e o seu mais direto adversário38 33Como fundamenta Emmanuel Mounier em sua obra Introdução aos Existencialismos O outro é o que ameaça as minhas posses mundanas e surgeme sob o aspecto de estorvo possível Cf MOUNIER E Introdução aos existencialismos op cit p156 34 MOUNIER EO personalismo op cit pp 4344 35 Ibid p 44 36 Ibid pp 4445 37 Uma civilização personalista é uma civilização cujas estruturas e espírito estão orientados para a realização da pessoa que é cada um dos indivíduos que a compõem As coletividades naturais são aqui reconhecidas na sua realidade e na sua finalidade própria diferente da simples soma dos interesses individuais e superior aos interesses do indivíduo considerado materialmente Elas têm todavia por fim último pôr cada pessoa em estado de poder viver como pessoa quer dizer em estado de poder atingir um máximo de iniciativa de responsabilidade de vida espiritual Cf MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 83 Ver também NOGARE P D Humanismos e antihumanismos introdução à antropologia filosófica Petrópolis Vozes 1978 p 147 38 MOUNIER EO personalismo op cit pp 4445 Segundo a obra Antropologia personalista de Mounier de Antônio Joaquim Severino o modo de filosofar de Emanuel Mounier uniase à tomada de consciência de uma grande crise histórica pela qual passava a civilização ocidental Assim fundamenta Severino o personalismo partiu de uma tomada de consciência da situação degradada da civilização ocidental e sua primeira tarefa era civilizadora E como movimento civilizador propagou até mesmo uma revolução total das estruturas da civilização Contudo Mounier assim o fazia pretendendo manter tal empreendimento fecundado por uma profunda reflexão filosófica Em função disso surgiram conflitos entre ele e outros demais movimentos imediatamente ávidos de ação e demasiadamente impacientes quanto à resultados rápidos Cf SEVERINO A J Antropologia personalista de Mounier op cit p 23 Ver também COSTA J B Emmanuel Mounier Lisboa Círculo do Humanismo Cristão Livraria Morais Editora 1960 pp PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 63 Nesta civilização opõese muitas vezes pessoa e indivíduo Assim corremos então o risco de desligar a pessoa das suas concretas amarras O movimento de interiorização constituído pelo indivíduo contribui para assegurar sua forma No entanto a pessoa segundo Mounier somente tem a possibilidade de se desenvolver autenticamente como pessoa na medida em que sem cessar se purifica do indivíduo que nela está Não o conseguirá voltando toda sua atenção sobre si própria mas pelo contrário tornadose disponível e por isso mesmo mais transparente a si própria e aos outros39 Para Emmanuel Mounier Tudo se passa como se nos tornássemos então quando já não estamos mais ocupados conosco cheio de nós então e então somente prontos para os outros entrados em graça40 A crítica ao gigantismo social realizada por Mounier opõe uma salutar inquietação à mania do lógico e dos elementos que levam os próprios homens a pensar nos homens como massa Desta forma um grande estímulo para melhor os pensar como matéria ou instrumento para melhor os negar como pessoas41 Segundo Mounier a forma mais baixa que podemos conceber de um universo de homens seria um mundo em que nos deixamos aglomerar quando renunciamos a ser pessoas lúcidas e responsáveis mundo da consciência sonolenta dos instintos anônimos das opiniões vagas dos respeitos humanos das relações mundanas do dizquedizque cotidiano do conformismo social ou político da mediocridade moral da multidão das massas anônimas das organizações irresponsáveis42 3031 39 MOUNIER E O personalismo op cit p 45 40 Ibid 41 Ibid p 51 Conforme observa Alino Lorenzon em sua obra intitulada Atualidade do pensamento de Emmanuel Mounier o personalismo sempre recusou a dicotomia entre a reflexão e o engajamento visando conceber o discurso filosófico de uma maneira diferente da tradicional Sua intenção era permitir que o ser humano se comportasse face à história e ao acontecimento não como um simples espectador mas como um ator Não se tratava simplesmente de criticar a história ainda que da maneira mais objetiva mas de pressionála tendo sempre o cuidado de não separar o pensamento da ação No centro dessa dialética é que segundo Mounier a pessoa deveria estar a pessoa concreta e histórica Para Mounier a pessoa deveria estudar os problemas humanos sim mas simultaneamente lutar pelo ser humano no processo de personalização individual e comunitária Cf LORENZON A Atualidade do pensamento de Emmanuel Mounier Ijuí Unijuí 1996 p 7 42 MOUNIER E O personalismo op cit p 52 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 64 Na concepção de Mounier tal mundo consiste num mundo sem vitalidade e completamente desolado onde cada pessoa renunciou provisoriamente sua capacidade de ser si mesmo para se transformar num qualquer não interessando quem e de que forma Este mundo não constitui nem um nós nem um todo Não está ligado a esta ou àquela forma social antes é em todas elas uma maneira de ser Nos lembra então Mounier que o primeiro ato de uma vida que quer se transformar numa vida pessoal seria a tomada de consciência de sua vida anônima e a geração da revolta contra os efeitos de degradação oriundos de uma existência anônima43 Segundo o filósofo personalista a civilização ocidental consiste numa comunidade de necessidades ou interesses E tal comunidade esconde debaixo de provisórios entendimentos a discórdia Na opinião do filósofo a prática da associação não é capaz nunca de arrancar definitivamente o interesse por seu vetor egocêntrico A suposta hierarquia interna das funções embora aparentemente muito bem estabelecida enrijece e torna cada vez mais espinhosa as relações entre escravo e senhor classes castas postos cargos etc Dessa forma cada relação destas mencionadas comporta internamente variados germes de guerras interiores Neste processo contribuem para a formação de um todo que corrompe o nós44 O século XVIII nos alertava Mounier pensou que a única solução para escapar às paixões das sociedades irracionais estava numa sociedade racional fundada num acordo dos espíritos num pensamento impessoal e no acordo dos comportamentos numa ordem jurídica formal Pensavam que assim caminhariam para a paz 43 Ibid 44 Ibid p 53 Quanto a isso é interessante observar as colocações do sociólogo Luiz Alberto Gómez de Souza Segundo ele numa carta que Mounier escreveu para um amigo em 1940 diz que já em 1929 em plena crise econômica a crise de 1929 Mounier sentia que não se tratava apenas de uma crise de um sistema econômico mas de uma crise de civilização Assim ainda segundo Luiz Alberto Mounier em 1932 com a criação da revista Esprit lançou um manifesto Refaire la Renaissance Isto porque o renascimento foi o começo de 500 anos da modernidade e de certa maneira esses 500 anos estavam se esgotando Seria necessário retomar o começo de uma nova época Desse modo Mounier intuía que estávamos no fim de um tempo e no começo de outro mas que era um começo lento até chegar a um novo renascimento Cf SOUZA L A G A dimensão política do pensamento de Mounier In BINGEMER M C L org Testemunhas do século XX Mounier Weil e Silone Rio de Janeiro Editora PucRio 2007 p 55 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 65 universal através da instrução obrigatória da organização industrial ou do reinado do direito45 Contudo a experiência iria demonstrar que o saber agita paixões que o direito formal pode sufocar desordens persistentes que a organização e a ideologia quando desprezam o absoluto pessoal levam tal como as paixões à polícia à crueldade e à guerra Em outras palavras pronuncia Mounier não podemos querer estabelecer a universalidade esquecendo as demandas e a complexidade da pessoa46 A sociedade urbana nos moldes em que a conhecemos fomenta a sufocação do ímpeto comunitário e nos ameaça de nos degradarmos em sociedades fechadas Estas somente poderão manter vívidos os elementos de um universo pessoal se cada uma delas se mantiver virtualmente aberta à universalidade das pessoas E para conseguirmos alguma unidade não poderá ser uma unidade de identidade pois por definição a pessoa é aquilo que não pode ser repetido47 24 A necessária doação O personalismo de Mounier salientava a absoluta necessidade de como sociedade permitirmos que todos os seus membros possuíssem condições mínimas de subsistência A respeito daqueles que se encontravam sempre marginalizados expressava Um homem mesmo diferente mesmo degradado é sempre um homem a quem devemos permitir que viva como um homem48 45 MOUNIER E O personalismo op cit p 53 46 Ibid Por toda parte destaca ainda Mounier o ser humano é obrigado a aceitar sistemas e instituições que o esquecem por completo Assim quando curvase automaticamente destróise Por isso o filósofo desejava salvar o ser humano oferecendolhe consciência do que realmente é Considerava sua tarefa central divulgar a verdadeira noção de ser humano com dignidade mínima e condições justas para desenvolver sua vida pessoal e comunitária É assim que livre para ser absolutamente franco frente à realidade construía sua obra para um mundo novo Cf J B COSTA Emmanuel Mounier Lisboa Círculo do Humanismo Cristão Livraria Morais Editora 1960 pp 3233 47 MOUNIER E O personalismo op cit p 54 48 Ibid p 55 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 66 Para tal defendia que as evoluções tecnológicas as reflexões mais apuradas as meditações as retificações intelectuais as generosidades as construções técnicas de nada valem se os homens não se engajam com atos e compromissos visando a dignidade humana49 O filósofo concebe a ação não como um mal necessário mas com uma superabundância da alma a serviço dos homens50 Insistia sobre o urgente dever de todas as pessoas estarem presentes no mundo E essa presença afirmava somente se provaria através de seus engajamentos51 Segundo o seu pensamento tudo muda completamente se nos colocamos em relação a nós mesmos e aos outros numa atitude de disponibilidade deixando de pensarmos exclusivamente em nós mesmos como seres que buscam somente a autoproteção Sugere que estejamos abertos ao mundo e aos outros prestando nos à sua influência sem cálculo ou sistemática desconfiança Tratarseia de nos oferecermos a uma irrupção cuja especificidade é sermos arrancados de nós mesmos arrancados de nosso pensamento autocentrado52 Sugere Mounier que vivenciemos a experiência de uma presença sempre disponível ao outro e por isso mesmo sempre nova Seria o que chama de fidelidade criadora já que os dados de nosso compromisso perpetuamente se modificariam no decurso do caminho e perpetuamente reinventariam a continuidade de seu destino53 Experiências como essa a presença do outro longe de nos imobilizar surgem ao contrário como fonte de méritos e são indubitavelmente necessárias à renovação e criação São indispensáveis para permitir que o outro lance sobre nós o seu olhar e surta algum efeito Mas para isso nos lembra Mounier é necessário que acolhamos a presença do outro como algo que disponhamos Em suas próprias palavras Para que o olhar que sobre mim se pousa não me imobilize mas muito 49 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 105 50 Ibid pp 112113 51 Ibid p 113 52 MOUNIER E Introdução aos existencialismos op cit157 53 Ibid PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 67 pelo contrário me importune me inquiete me ponha em causa54 O olhar do outro se de fato o acolhermos nos despoja de nós mesmos nos despoja de nossa opacidade egocêntrica de nossas obstruções55 Por isso explica Mounier existimos como um ser transcendente feitos para permanentemente se libertar de si mesmos de nossas paixões de nosso desprezo pelos homens56 de nossa autosuficiência de nosso isolamento estéril ou de nossa busca pelo poder57 Nesse sentido completa o filósofo é necessário que conheçamos o povo e para isto não basta olhálo de fora Assim para perceber o sentido deste conhecimento do povo é preciso não somente agir para o povo ocuparse de obras que visam o povo humilhado e desprezado58 mas ser com existir com o povo sofrer e comungar com seu destino59 Sendo ainda mais explícito Mounier utiliza as seguintes palavras Pecadores com os outros devemos trabalhar com os outros acotovelandonos com a multidão malcheirosa60 Sobre a responsabilidade de todos sobre todos Mounier menciona o fato de algumas pessoas se esconderem atrás da doutrina da nãoviolência e denuncia que muitas vezes tal doutrina servia como refúgio ao medo de viver Um dos frutos desse refúgio seria a existência de um falso pacifismo que segundo ele não 54 Ibid p158 55 Ibid 56 Algo que Mounier concebe com uma traição da existência Cf MOUNIER E Introdução aos existencialismos op cit p162 57 Ibid pp161162 58 Denuncia Mounier que há uma realidade dolorosamente incontestável e esta é precisamente o povo para ele a comunidade daqueles que jamais gozaram de privilégio nem comando a comunidade daqueles sobre quem caem sempre de pai para filho as tarefas mais duras a comunidade daqueles que jamais serão chefes a comunidade daqueles que estão unidos num difícil e sangrento patrimônio histórico por uma certa maneira de viver o sofrimento sendo segundo Mounier sempre os mesmos que se oferecem para morrer Cf MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 102 59 Ibid p 101 60 Ibid p 113 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 68 passava de evasão desejo de tranqüilidade e por isso atacado pelo filósofo na mesma medida em que atacava o belicismo61 As palavras de Emmanuel Lévinas oriundas de sua obra Humanismo do outro homem também nos oferecem uma base proveitosa para essa reflexão O filósofo nos estimula a renunciarmos à costumeira necessidade que temos de sermos contemporâneos ao triunfo de nossa obra Lévinas nos encoraja a permitirmos o desenvolvimento desse triunfo em um futuro sem nós62 ousarmos por oferta pura de nós mesmos visar este mundo sem a exigência de nossa própria presença visar um tempo para além do horizonte de nosso tempo libertação em relação ao nosso próprio tempo63 Lévinas sugere a possibilidade de sermos para um tempo que seria sem nós para um tempo depois de nosso tempo Em suas palavras Ser para a morte a fim de ser para o que vem depois de mim64 Ação por um mundo que vem superação de nossa própria época superação de si que requer a epifania do outro65 Oferecenos então o filósofo um exemplo referente a um homem que mesmo na prisão continua a crer num futuro incerto e continua a trabalhar no presente para as mais distantes coisas às quais o presente é um irrecusável desmentido Para Lévinas há vulgaridade e baixeza numa ação que só se concebe para o imediato e para nossa própria vida Por outro lado uma nobreza muito grande na energia que se liberta da concreção do presente e o agir em prol do futuro66 25 Revolução pessoal Para Mounier é preciso ser antes de fazer E para ser é preciso extirpar o mal que há em nós Por isso explica que a revolução deve ser em primeiro lugar o 61 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 117 62 A expressão específica que o autor utiliza é a seguinte triunfo num tempo sem mim moi Cf LÉVINAS E Humanismo do outro homem Petrópolis Vozes 1993 p 45 63 Ibid 64 Ibid p 46 65 Ibid 66 Ibid p47 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 69 sentimento insuportável de um conflito entre o que acreditamos ser e o que realmente somos entre a ordem a que nós servimos e a ordem autêntica Mounier denomina revolução pessoal a atitude que nasce a cada instante de uma tomada de má consciência revolucionária seria uma revolta dirigida em primeiro lugar por cada um contra si mesmo Uma revolta sobre a nossa própria participação ou sobre a nossa própria complacência com a desordem estabelecida67 Um espírito de revolta a respeito do distanciamento tolerado entre aquilo a que a pessoa serve e o que ela mesma diz servir Tal postura geraria assim uma expansão e num segundo momento uma conversão contínua de toda pessoa agora solidária através de palavras gestos e princípios na unidade de um mesmo engajamento Tal revolução segundo Mounier é interminável e para o cristão ilimitada68 Algumas pessoas alega o filósofo católico resistem à revolução pessoal por interesses individualistas já outras que considera boas pessoas o fazem por puro otimismo e uma incapacidade de se chocarem com o mal existente Assim consequentemente se posicionam de maneira hostil a quaisquer mudanças Os próprios cristãos na visão de Mounier são guiados por uma falsa noção de caridade algumas vezes confundida com uma acomodante indulgência que na maioria das vezes não é indulgência para com os outros porque é antes indulgência para consigo69 Esses cristãos na visão de Mounier são marcados então por uma excessiva harmonia em sua visão de mundo e insuficiente realismo o que faz com que se escandalizem com as denúncias da desordem os anátemas e a expressão do desejo ardente de justiça70 Essa postura no âmbito cristão na avaliação de 67 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 108 68 Ibid 69 Ibid p 109 70 Sobre tal conformismo nos auxilia também Erich Fromm A sociedade contemporânea advoga esse ideal de igualdade não individualizada porque necessita de átomos humanos cada qual o mesmo a fim de fazêlos funcionar numa agregação de massa suavemente sem fricções obedecendo todos ao mesmo comando e contudo convencido cada qual de estar seguindo seus próprios desejos Assim como a moderna produção em massa exige a padronização dos artigos também o processo social requer a padronização do homem A união pela conformidade não é intensa e violenta é calma ditada pela rotina e geradora da sensação apaziguadora da conformidade do rebanho Nesta dinâmica o indivíduo é introduzido no padrão conformista ainda PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 70 Emmanuel Mounier acaba então ignorando o destino da comunidade esquecendo a mística a teologia e a moral comunitária do cristianismo71 Alertanos ainda o filósofo que há um mal entendido nascido do contrasenso cometido sob o signo de resignação cristã Segundo sua alegação se o cristão conhece o valor do sofrimento e do sacrifício não poderia estar menos inflamado pelo desejo de justiça72 Aliás alega o filósofo se o cristão por ventura aceita a injustiça para si mesmo ainda assim não possui o direito de fazer dela uma regra para todos73 Mounier proclamava a necessidade da autocrítica revolucionária Para alguns revolucionários lembranos a revolução nada mais é do que um pouco de agitação Assim liberam somente um temperamento Por isso alega o filósofo é importante que os revolucionários se demitam de sua boa consciência Em suas palavras Só merecemos nossa revolução se começarmos por passarmos nós mesmos por completa transformação74 Mais adiante acrescenta ainda Ser revolucionário não é um álibi nem pode suprir o lugar de ser homem75 Segundo o pensamento de Mounier revolução pessoal é o primeiro ponto essencial para a pessoa atingir Sem ela não haverá transformação profunda e duradoura A luta contra a boa consciência é a guerra à mentira que nos na infância e desde então jamais perde o contato com o rebanho Todas as pessoas de tal sociedade realizam tarefas prescritas pela estrutura total da organização social além dos sentimentos prescritos e a diversão rotinizada Cf FROMM E A arte de amar op cit pp 3233 71 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 109 72 Para Mounier é necessário providenciar recursos para permitir que o homem viva como homem dignamente Para isso apresenta a proposta personalista e isso o faz através da provocação do pensamento embora o salto do espírito não proceda dele somente da consideração das idéias e da doutrina que estão nos livros mas de um ato valente de presença na miséria do mundo de hoje da visão insustentável da desordem estabelecida A experiência ou a proximidade da miséria era seu batismo de fogo Este batismo concebia como um grito que precisava ser ouvido o grito da juventude da cólera justa e do amor e não o murmúrio pacífico dos conceitos bem ordenados Em função disto afirmava a indispensabilidade de se tomar consciência o mais rápido possível em relação ao maior número de pessoas possível para assim despertar e reunir os espíritos para engajaremse conjuntamente no combate às desigualdades Cf SEVERINO A J Antropologia personalista de Mounier op cit 20 73 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 118 74 Ibid p 111 75 Ibid PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 71 acostumamos a conviver O segundo ato revolucionário apontado por Mounier deve ser o empenho na revolução contra os mitos76 Em sua visão o mito77 é a mentira inserida no interior dos homens no interior dos partidos O mito assim concebido torna a vida pública contraditória à vida privada Se torna então temível pela ilusão que cria acobertandose dos valores mais sagrados Para o filósofo a eloqüência moral que o mito se reveste acaba mistificando até os corações retos 78 Ainda em relação a indispensabilidade da revolução pessoal Mounier afirmava que nada poderia ajudar o ser humano nessa tarefa Somente ele responsável por sua própria condução poderia gerar a revolução pessoal Quanto ao auxílio da instituições nesse processo declarava Não são as instituições que fazem um homem novo mas um trabalho pessoal do homem sobre si mesmo no qual ninguém pode substituir ninguém As instituições não assumirão seu esforço79 26 Os graus da comunidade A despersonalização do mundo moderno e a decadência da idéia comunitária representam para Mounier uma única e mesma coisa Segundo sua alegação tanto uma como outra vêm a dar no mesmo subproduto de humanidade a sociedade sem rosto feita de homens sem rosto80 O mundo dos homens sem rosto segundo Mounier é o mundo onde flutuam as idéias gerais e as opiniões vagas o mundo das posições neutras e do conhecimento objetivo É deste mundo que procedem as massas aglomerados 76 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 111 77 Evidentemente Mounier não compreende mito como hoje conseguimos compreender Sua abordagem nesta passagem específica em relação à idéia de mito é bastante pejorativa Não compreende mito através do auxílio da antropologia e da filosofia das formas simbólicas onde mito constitui uma forma autônoma e válida de pensamento diferente da razão Cf BOFF L Saber cuidar ética do humano compaixão pela terra Petrópolis Vozes 2004 pp 5557 78 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 101 79 Ibid p 112 80 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 108 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 72 humanos sacudidos em algumas circunstâncias por movimentos violentos As massas são entendidas pelo filósofo como resíduos e não como ponto de partida Despersonalizada em cada um dos seus membros e despersonalizada como todo a massa caracterizase por um misto singular de anarquia e de tirania a tirania do anônimo segundo Mounier de todas as tiranias existentes a mais vexatória já que mascara as forças da impersonalidade81 Não é possível segundo o filósofo criar uma comunidade em um mundo onde já não há próximo onde somente subsistem semelhantes semelhantes esses que não se olham Cada um vive assim uma solidão que ignora a presença do outro Afirma ainda Mounier Quando muito um indivíduo chama seus amigos a alguns duplos de si próprio82 em que possa satisfazerse e tranqüilizarse83 Para o personalismo de Mounier o primeiro ato da iniciação à vida pessoal é a tomada de consciência da vida anônima O primeiro passo de uma pessoa iniciandose numa vida comunitária seria a tomada de consciência de que tem uma vida indiferente indiferente aos outros prioritariamente porque é indiferenciada dos outros Com base nesta declaração estamos aqui no limiar onde começa a vida solidária da pessoa e da comunidade84 Existe um nós violentamente afirmado que não é para cada um dos membros que o professa um pronome pessoal um compromisso da sua liberdade responsável Muitas vezes serve para fugir à angústia da escolha e da decisão nas comodidades do conformismo coletivo Atribuise às vitórias do conjunto e lança se sobre ele os erros85 81 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 108 82 Duplos de si próprio quer dizer para o filósofo pares iguais a convivência somente com aqueles em que nos identificamos Cf Ibid p 109 83 Ibid 84 Ibid Segundo Mounier a pessoa somente se realiza como fazedora de parte de uma comunidade Contudo alertanos o filósofo católico isto não quer dizer que a ela não tenha alguma chance de fazêlo perdendose no anonimato Para Mounier não existe comunidade verdadeira a não ser uma comunidade de pessoas e todas as outras não passam de uma forma do anonimato de pessoas Cf LORENZON A Atualidade do pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 7 85MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 110 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 73 Esta forma elementar de comunidade conquanto seja ardente e leve cada indivíduo a um alto grau de exaltação se constitui caso não seja conduzida cautelosa e criteriosamente contra a pessoa Para Mounier tal forma tende à hipnose como a massa anônima tende ao sono86 Dessa forma tal comunidade ainda não representa mais do que uma comunidade de superfície onde se corre o risco de nas palavras do filósofo se distrair de si sem presença e sem verdadeira permuta87 Nessas comunidades cada qual vive numa espécie de hipnose difusa Se a pessoa pensa pensa as idéias segregadas pelos interesses da associação ou pelos seus interesses na associação A pessoa ainda nada ganha com esta forma de associação Na avaliação do filósofo toda sociedade vital propende para uma sociedade fechada egoísta se não for animada internamente pelos elementos básicos que configuram uma outra comunidade espiritual88 Podemos verificar definitivamente segundo a filosofia de Emmanuel Mounier a implacável impossibilidade de fundar uma verdadeira comunidade se subtraindo a pessoa Esta comunidade ainda que a coberto de pretensos valores humanos seria insuficiente em seu intuito já que estaria desumanizada na medida em que seria despersonalizada89 Mounier confessa que se fosse possível delinear uma utopia descreveria uma comunidade onde cada pessoa se realizaria na totalidade de uma vocação continuamente fecunda e a comunhão do conjunto seria uma resultante viva desses êxitos singulares O lugar de cada um seria aí insubstituível e ao mesmo tempo harmonioso no todo O primeiro laço seria o amor90 e não qualquer interesse econômico Cada pessoa encontraria nos valores comuns 86Ibid 87Ibid pp 110111 88MOUNIER E O personalismo op cit p 112 89MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 113 90 Como observa também o sociólogo e cientista político Luís Alberto Gómez de Souza em sua obra intitulada A utopia surgindo no meio de nós no marxismo Mounier não encontrava o lugar na sua visão ou na sua organização do mundo de sua forma última de existência espiritual que é a pessoa com seus valores próprios a liberdade como já foi mencionada neste capítulo e o amor Cf SOUZA L A G A utopia surgindo no meio de nós Rio de Janeiro Mauad 2003 p145 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 74 transcendentes ao lugar e ao tempo particular de cada um o laço que as ligaria entre si91 Todavia o filósofo reconhece que seria demasiado perigoso conceber este esquema como historicamente realizável Mas segundo ele mesmo que o consideremos um mito ou como cristão algo a ser alcançado não deixa de dar à história uma direção fundamental e deve orientar o ideal comunitário92 Salienta ainda o filósofo A aprendizagem do nós não pode prescindir da aprendizagem do eu Acompanhaa e seguelhe as vicissitudes o anonimato das massas é feito da dissolução dos indivíduos e a crispação das sociedades em nós corresponde a esse estágio em que a personalidade se afinca na afirmação de si93 No entanto lembranos Mounier quando começamos a nos interessar pela presença real dos homens a reconhecer essa presença em face de nós a conhecer a pessoa que ela nos revela o tu que ela nos propõe a não mais ver nela uma terceira pessoa uma pessoa qualquer uma coisa viva e estranha mas um outro eu como eu mesmo então realizaremos o primeiro ato da comunidade sem o qual nenhuma instituição será sólida94 Como nos lembra o filósofo Emmanuel Lévinas em sua obra O Humanismo do outro homem o desejo do outro a sociabilidade nasce num ser que não carece de nada ou mais exatamente nasce para além de tudo que lhe pode faltar ou satisfazêlo Menciona Lévinas 91MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 114 92Ibid Emmanuel Mounier conforme nos lembra Luís Alberto Gómez de Souza ao mesmo tempo que analisava o individualismo em toda sua abertura e o coletivismo com toda sua grandeza denunciava o reducionismo de ambos e assim propunha uma revolução personalista e comunitária que procurava incorporar as verdades de ambos os processos Cf SOUZA L A G A utopia surgindo no meio de nós op cit p141 93 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 114 94 Ibid PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 75 A relação com o outro questioname esvaziame de mim mesmo e não cessa de esvaziarme descobrindome possibilidades sempre novas Nós nos reencontramos diante do outro95 A presença do outro na concepção de Lévinas consiste em um vir a nós consiste em fazer uma entrada Isso pode ser enunciado da seguinte forma o fenômeno que é a aparição do outro é também rosto e a epifania do rosto é também visitação O outro que se manifesta no rosto perpassa de alguma forma sua própria essência plástica como um ser que abrisse a janela onde sua figura no entanto já se desenhava É precisamente isto o que Lévinas descreve pela fórmula o rosto fala A manifestação do rosto é o primeiro discurso Falar é antes de tudo esse modo de chegar por detrás da sua aparência por detrás de sua forma uma abertura na abertura96 O rosto impõese a nós sem que possamos permanecer surdos a seu apelo ou ignorálo sem que possamos cessar de ser responsáveis pelo outro Por isso a presença do rosto significa para Lévinas uma ordem irrecusável97 um mandamento que detém a disponibilidade da consciência A consciência é questionada pelo rosto A visitação do outro consiste em desordenar o próprio egoísmo do eu98 A esse respeito contemporaneamente podemos nos lembrar da expressão poética da canção Copo vazio de Gilberto Gil É sempre bom lembrar Que um copo vazio Está cheio de ar É sempre bom lembrar Que o ar sombrio de um rosto Está cheio de um ar vazio Vazio daquilo que no ar do copo 95 LÉVINAS E Humanismo do outro homem Petrópolis Vozes 1993 pp 49 50 96 Ibid p 51 97Em sua outra obra intitulada De Deus que vem à idéia Lévinas sustenta a tese de que a proximidade significa a partir do rosto do outro homem a responsabilidade já assumida para com ele uma responsabilidade sem escapatória Desse modo justifica Lévinas a subjetividade que diz eu toma sentido nesta responsabilidade de primeiro vindo de primeira pessoa arrancada do lugar confortável que ocupava como indivíduo protegido no conceito do Eu em geral das filosofias Cf LÉVINAS E De Deus que vem à idéia Petrópolis Vozes 2002 p 164 98 LÉVINAS E Humanismo do outro homem op cit pp 52 53 61 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 76 Ocupa um lugar É sempre bom lembrar Guardar de cor que o ar vazio De um rosto sombrio está cheio de dor A obra de Murilo Mendes também visita o drama teológico de lidar com o rosto do outro principalmente do pobre do miserável do fragilizado socialmente drama este salientado pelo evangelho como central para a experiência humana que procura a Deus99 Em seu poema O mau samaritano por exemplo o poeta católico menciona um elemento fundamental para a teologia cristã a co responsabilidade o colocarse no lugar do outro ainda que desconhecido Vejamos Quantas vezes tenho passado perto de um doente Perto de um louco de um triste de um miserável Sem lhes dar uma palavra de consolo Eu bem sei que minha vida é ligada à dos outros Que outros precisam de mim que preciso de Deus Quantas criaturas terão esperado de mim Apenas um olhar que eu recusei 100 27 O conceito de pessoa em Mounier Para Mounier o mundo moderno construiuse inteiramente contra a pessoa humana101 De um lado as manifestações do individualismo de outro o desenvolvimento dos grandes sistemas permitindo as tiranias coletivas Nestas formas de opressão vê o filósofo o verdadeiro mal social e contra eles empenha 99 BINGEMER MCL YUNES E orgs Murilo Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira São Paulo Loyola 2004 p 90 100Ibid pp 9091 101Segundo o sociólogo Luiz Alberto Gómez de Souza é necessário sermos muito cuidadosos ao utilizarmos em Mounier a categoria de pessoa Segundo ele muitas leituras têm atraiçoado a maneira que Mounier pensava realidades concretas utilizando a categoria do termo pessoa de modo abstrato segundo o sociólogo num vago meiotermo morno nem individual nem coletivo Alertanos Luiz Alberto que segundo Mounier a pessoa humana não é um meiotermo morno entre o indivíduo e a sociedade Ela é ao contrário articulação contraditória e concreta das pessoas e das comunidades em situações determinadas Não podemos fazer um discurso geral e vago sobre a pessoa humana Assim segundo as palavras de Luiz Alberto nós temos que ver na pessoa humana uma situação concreta contraditória intensa num conflito É aí que a pessoa se descobre em toda sua concretude Não como categoria mas como sujeito de um conflito Cf SOUZA L A G A dimensão política do pensamento de Mounier In BINGEMER M C L org Testemunhas do século XX Mounier Weil e Silone Rio de Janeiro Editora PucRio 2007 pp 5556 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 77 suas forças Por isso declara Todo o nosso esforço doutrinário não o esqueçamos visa libertar o senso da pessoa dos erros individualistas e das cadeias dos erros coletivistas102 Aí está todo o programa de Esprit103 todo o programa de Mounier De fato teve cuidado de não só propor remédios sociais e políticos mas de elaborar frente ao individualismo e frente aos grandes sistemas econômicos os aspectos da filosofia personalista e comunitária104 Seu intuito era restabelecer bases sólidas para um mundo tumultuado Assistindo na época a ascensão dos fascismos e do impulso comunista escrevia Mounier Só uma revolução personalista e comunitária pode assegurar o equilíbrio dinâmico da Europa105 Através de uma designação religiosa Mounier concebe a pessoa como um ser espiritual constituído como tal por um modo de subsistência e de independência no seu ser A pessoa alimenta essa subsistência por uma adesão a uma hierarquia de valores livremente adotados assimilados e vividos por uma tomada de posição responsável e uma constante conversão Deste modo a pessoa unifica toda a sua atividade na liberdade e desenvolve por acréscimo mediante atos criadores a singularidade da sua vocação106 No entanto apesar da designação acima Mounier reconhece ser extremamente difícil definir o que é uma pessoa Sendo a pessoa com efeito a própria presença 102 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 122 103 Como declara Alino Lorenzon se examinarmos atentamente a revista Esprit de 1932 a 1950 os Journaux Intérieurs dês Amis dEsprit ficaremos impressionados com a quantidade de temas abordados Encontraremos questões de ordem política e econômica religiosa e artística problemas relativos à guerra e à paz ao indivíduo à família e à escola Segundo Lorenzon não se omitiu nada que fosse legitimamente humano A Revista Esprit era também uma revista diferenciada pelo método de trabalho e pela natureza das questões tratadas Era uma presença combatente e crítica manifestada por toda uma rede de grupos de reflexão e de ação Não se constituía apenas numa reunião de artigos mas era o resusltado de uma participação e de uma criação em conjunto pois todos os temas eram o objeto de uma pesquisa e de uma confrontação comunitária antes que o leitor recebesse a revista Cf LORENZON A Atualidade do pensamento de Emmanuel Mounier op cit pp 914 Ver também SEVERINO A J Antropologia personalista de Mounier op cit p24 COSTA J B Emmanuel Mounier Lisboa Círculo do Humanismo Cristão Livraria Morais Editora 1960 pp 2930 104 MOIX C O Pensamento de Emmanuel Mounier op cit p 122 105 Ibid 106 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 84 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 78 do humano não é suscetível de definição rigorosa107 No entanto revelase através de uma experiência decisiva inerente à liberdade de cada um referente à experiência progressiva de uma vida a vida pessoal108 Entretanto como nos lembra o filósofo há pessoas que são cegas à pessoa109 assim como há pessoas que são cegas à pintura ou surdos à música com a diferença de que são cegos em certa medida responsáveis pela própria cegueira na medida em que a conquista da vida pessoal é uma conquista oferecida a todos e não uma experiência privilegiada110 Essa experiência assim conclui o personalismo é uma experiência fundamental já que se trata da afirmação do valor absoluto da pessoa humana O personalismo quer dizer com isso que a pessoa é um absoluto em comparação com qualquer outra realidade material ou social e com qualquer outra pessoa humana Nunca ela pode ser considerada como parte de um todo família classe Estado nação humanidade Nenhuma outra pessoa nenhuma coletividade nenhum organismo pode utilizála legitimamente como um meio Salienta então Mounier Mesmo Deus na doutrina cristã respeita a liberdade da pessoa ao mesmo tempo em que a vivifica111 Todo o mistério teológico da liberdade assenta nesta dignidade conferida à livre escolha da pessoa Para o cristão esta afirmação de valor fundase na crença de 107 Segundo o filósofo personalista a pessoa não é exaustivamente apresentada e conhecida apenas através de uma noção tradutora da idéia de natureza humana mesmo que desta se possa chegar ainda que dedutivamente a outras dimensões da vida humana Tal noção sendo correlativa a um modo parcial de conhecimento é definida pelo filósofo como sobretudo estática e demasiadamente pobre Alega Mounier que não sendo a pessoa um objeto bem circunscrito que se possa facilmente apreender e sobretudo sendo o ser humano um ser que é aquilo que ele próprio se faz uma noção fixista a respeito do ser humano segundo o filósofo negligencia os mais ricos elementos constitutivos da pessoa Aliás o que Mounier visa com esta declaração segundo o autor Antônio Joaquim Severino é o modo propriamente humano da existência Contudo a realidade desta existência é um equilíbrio a ser constantemente readquirido a ser sempre formado durante a experiência da vida por isso afirma Mounier que a respeito do ser humano o que se constrói dificilmente se define estaticamente Cf SEVERINO A J Antropologia personalista de Mounier op cit pp 32 33 35 108 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 84 109 A esse respeito podemos verificar a afirmação feita por Mounier no primeiro editorial da revista Esprit no célebre Refazer o Renascimento O homem concreto é o homem que se dá Não estou presente a mim próprio se não me dou ao mundo Cf COSTA J B Emmanuel Mounier op cit p 34 110 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 85 111 Ibid p 86 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 79 que o homem é feito à imagem de Deus desde a sua constituição natural e que lhe cumpre perfazer essa imagem numa participação cada vez mais estreita na liberdade suprema dos filhos de Deus112 Contudo alertanos o filósofo personalista devemos tomar o cuidado de não defendermos apenas os privilégios do indivíduo Estes privilégios devem ceder em inúmeras circunstâncias a uma certa organização da ordem coletiva113 Emmanuel Mounier quando mencionava a necessária defesa da pessoa muitas vezes tinha sua defesa confundida com uma forma velada de individualismo Por isso fazia questão de distinguir precisamente a pessoa do indivíduo114 Para o filósofo há na individualidade uma exigência mais mordente um instinto de propriedade que é em relação ao domínio de si Este instinto oferece como atitude primeira ao indivíduo o interesse em reivindicar e apossarse do que significa para ele uma propriedade Muito diferentemente da pessoa em si que é domínio e escolha é generosidade É em sua orientação íntima polarizada precisamente ao contrário do indivíduo115 Nesta oposição do indivíduo à pessoa encontramos somente uma bipolaridade uma tensão dinâmica entre dois movimentos interiores um de dispersão e o outro de concentração A pessoa no humano está substancialmente encarnada misturada à sua carne ao mesmo tempo que a transcende116 112 Ibid pp 8586 113 Ibid p 86 É o que também destaca Leda Miranda Huhne na obra Testemunhas do século XX Mounier Weil e Silone organizada por Maria Clara Lucchetti Bingemer Segundo Huhne o personalismo de Mounier demonstra que a saída para a Boa Nova não está em se colocar de um lado o indivíduo e do outro o coletivo Por isso é preciso ver a pessoa na relação com o outro onde não se possa fugir do fogo cruzado jogo de contradições inerente ao homem e à comunidade exigindo um sair de si para compreender o outro nas suas diferenças e necessidades No entanto esta proposta que parece simples se depara com forças da desordem institucionalizada que conduz aos formalismos reforça os hábitos amplia a alienação e venda os olhos Para Mounier segundo Huhne ser cristão é ser capaz de chegar ao outro abrirse ao outro seja do oriente do ocidente do sul ou do norte Cf BINGEMER M C L org Testemunhas do século XX op cit pp 5556 114 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 87 115 Ibid p 88 116 Ibid pp 88 90 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 80 No entanto alertanos Mounier o despertar de uma vida pessoal só é possível à parte as vias heróicas a partir de um mínimo de bemestar e segurança O mal mais pernicioso que um regime político econômico pode cometer sustenta o filósofo é sufocar na maioria dos homens quer pela miséria ou quaisquer outros elementos a possibilidade e o próprio gosto de serem pessoas117 Para o personalismo o primeiro dever de todo homem quando milhões de homens são afastados da vocação do homem não é o de salvar a sua pessoa118 mas o de empenhála em toda ação imediata ou longínqua que permita a esses proscritos serem de novo colocados perante a sua vocação com um mínimo de liberdade material119 A vida da pessoa assim concebida não é uma separação uma evasão uma alienação um domínio circunscrito a que viesse apoiarse de fora à minha atividade A pessoa é uma presença atuante no volume total do humano e toda a sua atividade leva em consideração essa presença 120 O que Emmanuel Mounier concebe como vocação também é interessante para nossa pesquisa Entende ele que a unificação progressiva de todos os nossos atos e através deles das nossas personagens ou dos nossos estados são os próprios atos da pessoa Referese não a uma unificação sistemática e abstrata mas à descoberta progressiva de um princípio espiritual de vida que não reduz o que integra mas o salva o consuma121 117 Ibid p 89 118 Explicita Mounier se o homem assim se portar estará pensando unicamente em qualquer forma de sua individualidade Cf Ibid p 89 119 Ibid 120 Ibid p 90 Como também destaca Alino Lorenzon O despertar comunitário encontrou sua possibilidade de desenvolvimento no começo do século XX surgindo como uma reação veemente contra o individualismo Segundo Lorenzon foi um grito de alarme contra o domínio da tecnocracia e do gigantismo das grandes cidades O homem atormentado em sua comunicação com os outros o homem da multidão solitária o homem da velocidade e da informática experimentou ao mesmo tempo uma necessidade fundamental de comunhão e a exigência do reencontro consigo mesmo no silêncio Assim o ser humano procurou dar um sentido a essa aventura humana individual e coletiva por uma participação na obra comum Para Lorenzon assim como também para Mounier pessoa e comunidade estão em reciprocidade de perspectivas e devem consequentemente ser estudadas como um par inseparável para captar e compreender melhor sua força e sua fraqueza Cf LORENZON A Atualidade do pensamento de Emmanuel Mounier op cit pp 78 121 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit pp 92 93 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 81 Esse princípio vivo e criador é o que chama em cada pessoa de vocação Esta não tem como valor primeiro ser singular pois ao caracterizar o homem de maneira única o aproxima da humanidade de todos os homens No entanto ao mesmo tempo que é unificante é singular por acréscimo122 Assim segundo Mounier o objetivo da educação123 não deve ser preparar a criança para uma função específica ou moldála a uma postura conformista mas de amadurecêla armála ou desarmála o melhor possível para a descoberta dessa vocação que é o seu próprio ser e o centro de reunião das suas responsabilidades de homem124 Os homens devem ser distinguidos uns dos outros pela singularidade das suas vocações incomensuráveis distinguidos para além de suas características hereditárias dos seu talentos ou de sua condição no próprio cerne da sua existência Assim levando em conta sua interioridade a pessoa não deve ser concebida através de nenhuma medida material ou coletiva já que é sempre uma medida impessoal 125 Para Mounier tendo cada pessoa um preço inestimável e para aqueles que como ele são cristãos126 existe entre as pessoas uma espécie de equivalência espiritual que interdita segundo seu critério para todo o sempre qualquer uma delas de tomar outras pessoas como um meio ou classificálas segundo a hereditariedade seu papel social sua condição etc127 122 Ibid 123 Embora reconheça Mounier que somente a pessoa encontra a sua vocação e molde o seu destino Ninguém mais seja homem seja coletividade pode lhe usurpar essa incumbência Cf Ibid p94 124 Ibid p 93 125 Ibid p 100 126 João Bénard da Costa nos fala a respeito do ser cristão de Emmanuel Mounier Segundo ele não devemos fazer de Mounier a voz da Igreja mas também não recusálo como uma voz na Igreja Uma voz que dentro da Igreja e pela Igreja cresceu se cumpriu e se perfez Uma voz que clama na avaliação de Bénard da Costa nesse nosso humano deserto e tenta aplanar os caminhos do Senhor Ainda caracterizando a vocação de Mounier Bénard da Costa afirma que a esse respeito nada podemos encontrar de melhor do que a estreita vinculação do seu pensamento com a realidade histórica em que se inseria seu concreto assumir do mundo e do homem de cada dia seu sempre renovado e pleno compromisso E tal compromisso radicado na exigência da sua fé de cristão na renovada compreensão do que partindo de onde partia significa o Mistério da Encarnação Para Bénard toda sua obra e toda a sua ação têm de ser vistas sob essa luz Cf COSTA J B Emmanuel Mounier op cit pp 131619 127MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p100 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 82 Por isso afirma o filósofo o personalismo é um antiaristocracismo fundamental Dessa forma repele concomitantemente qualquer aristocracismo que não diferencia os homens senão segundo a sua aparência e um democratismo que pretenda ignorar o princípio íntimo de liberdade e singularidade Para o personalismo constituem assim duas deformações opostas na medida em que são duas formas de objetivação da vida pessoal128 Para Mounier o mundo das relações puramente objetivas do determinismo e da ciência positiva é ao mesmo tempo o mundo mais impessoal o mais inumano e o mais afastado possível da existência A pessoa não encontra nele lugar porque na perspectiva que ele forma da realidade não leva em conta uma nova dimensão que a pessoa introduz no mundo a liberdade a liberdade espiritual129 O social objetivado exteriorizado considerado separadamente de uma comunidade de pessoas já não é um valor humano nem espiritual quando muito um organismo necessário e em certos momentos perigoso para a integridade do homem O público corrompese quando se opõe ao privado e em vez de se apoiar nele o comprime e o recalca Assim o termo humanidade não é mais do que uma abstração impensável e nosso amor pela humanidade segundo o filósofo um pedantismo se não testemunharmos o gosto ativo e cordial por pessoas singulares uma porta aberta a todo estranho130 Comumente opõese muitas vezes pessoa e indivíduo Corremos então o risco de desligar a pessoa das suas concretas amarras O movimento de interiorização 128 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit pp100101 129 Ibid p 101 Embora é preciso destacar como nos lembra Antônio Joaquim Severino professor da Faculdade de Educação da USP para Mounier a liberdade maior galardão da transcendência humana era também uma liberdade condicionada E segundo Severino esse seu condicionamento lhe impunha muita responsabilidade A ética para Mounier por exemplo sustenta Severino pressupunha a liberdade condicionada sem dúvida mas que fazia a pessoa responsável pelo seu agir A eticidade da ação se configurava a partir da articulação dialética da vontade e da liberdade do lado da imanência com seus condicionamentos existenciais do lado da transcendência com a eminente dignidade da pessoa humana fonte de todos os valores que devem nortear nossas ações Cf SEVERINO A J A dignidade da pessoa humana como valor universal o legado do personalismo de Mounier In BINGEMER M C L org Testemunhas do século XX op cit pp 5556 130 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit p 115 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 83 constituído pelo individualismo contribui para assegurar a nossa forma No entanto a pessoa só cresce na medida em que sem cessar se purifica do indivíduo que nela está Não o conseguirá virando toda a atenção sobre si própria mas pelo contrário tornandose disponível e por isso mesmo mais transparente a si própria e aos outros Tudo se passa como se nos tornássemos então quando já não estamos ocupados conosco cheio de nós então e então somente prontos para os outros entrados em graça 131 A primeira preocupação do individualismo é centrar o homem sobre si mesmo e a primeira preocupação do personalismo é descentrálo para permitir que se abra às amplas perspectivas abertas pela pessoa Como ressalta Mounier em O personalismo o primeiro movimento que na infância revela o ser humano é um movimento para outrem segundo o que apresenta Mounier a criança de 6 a 12 meses saindo da vida vegetativa descobrese nos outros aprende nas atitudes que a visão dos outros lhe ensina Só mais tarde alega o filósofo após cursar seus primeiros anos de vida virá a primeira vaga de egocentrismo reflexo132 Ao sair do individualismo encontramos a possibilidade de realizar a pessoa autêntica que não se encontra senão quando se dá e que nos conduz ao mistério do ser Nas palavras de Mounier Encontramos assim a comunhão inserida no próprio coração da pessoa integrante da sua própria existência133 A pessoa segundo Mounier deve ser concebida como uma presença direcionada para os outros ilimitadamente através de uma perspectiva de universalidade Os outros não devem ser concebidos como obstáculos ou limitadores mas ao contrário como possibilitadores de seu crescimento e desenvolvimento Para Mounier a existência da pessoa como autenticamente humana deve levar em consideração a indispensável relação com o outro para sua completude Nos lembra o filósofo que a primeira experiência humana da pessoa é com um outro igual por isso é de forma inata expansiva134 131 MOUNIER E O personalismo op cit p 45 132 Ibid 133 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit pp 105106 134 MOUNIER E O personalismo op cit p 45 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 84 Assim explicanos Mounier é preciso partir deste fato primitivo Do mesmo modo que o filósofo que se fecha no próprio pensamento nunca encontrará uma saída para o ser assim aquele que se fecha em si mesmo jamais encontrará suas próprias potencialidades oriundas da relação com o outro135 Para o Mounier quando a comunicação se enfraquece ou se corrompe percome profundamente eu próprio e tornome também estranho a mim mesmo alienado Ainda em suas palavras Quase se poderia dizer que só existo na medida em que existo para os outros ou numa fraselimite ser é amar136 Os elementos que expusemos acima constituem o próprio personalismo Exprimem a idéia de que o sujeito não se nutre autonomamente que só possuímos aquilo que damos ou aquilo a que nos damos que não nos salvamos sozinhos nem social nem espiritualmente137 O primeiro ato de uma pessoa segundo Mounier deve ser a criação com outros de uma sociedade de pessoas cujas estruturas costumes sentimentos e até instituições estejam marcados pela sua natureza de pessoas Fundase numa série de atos originais que não têm equivalente em parte alguma do universo Orienta nos então o filósofo quanto a esses atos138 Sair de nós próprios A pessoa é uma existência capaz de se libertar de si própria de se desapossar de se descentrar para tornarse disponível aos outros Para a tradição personalista a ascese do despojamento é a ascese central da vida pessoal somente liberta o mundo e os homens aquele que 135Segundo Pedro Dalle Nogare autor da obra Humanismos e antihumanismos no que tange à concepção do relacionamento humano Mounier concebe o olhar do outro como enriquecedor e auxiliador na construção de um nós autêntico Para Mounier defende Nogare não somente é possível mas necessária a comunicação e comunhão autênticas entre as pessoas tudo dependendo da disponibilidade ou não do sujeito Cf NOGARE P D Humanismos e antihumanismos op cit p 148 136MOUNIER E O personalismo op cit pp 4546 137Ibid p 46 Assim também posicionase Pedro Dalle Nogare Segundo ele o ser humano exatamente porque é pessoa apresenta além do aspecto social e comunitário um aspecto único singular transcendendo qualquer sociedade embora não possa dispensála Ele possui uma existência que se em parte depende do meio social em sua parte melhor a alma depende unicamente de Deus tem um espírito natural e diretamente voltado para o que Nogare chama de o Infinito e o Eterno um chamado que vem diretamente de Deus e de sua consciência de ser ele mesmo de realizarse como pessoa humana Cf NOGARE P D Humanismos e anti humanismos op cit p 151 138MOUNIER E O personalismo op cit pp 4648 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 85 primeiramente se libertou a si próprios Segundo Mounier os antigos falavam da luta contra o amorpróprio o que nós chamamos hoje de egocentrismo narcisismo e individualismo Compreender deixar de me colocar sempre no meu próprio ponto de vista para me situar no ponto de vista dos outros Não me procurar numa pessoa escolhida e igual a mim mas captar com a minha singularidade a sua singularidade numa atitude de acolhimento e num esforço de recolhimento Ser todo para todos sem deixar de ser e de ser eu Tomar sobre nós assumir os destinos os desgostos as alegrias as tarefas dos outros sofrer na nossa própria carne Dar a força viva do ímpeto pessoal está na generosidade e no ato gratuito na dádiva sem medida e sem esperança de recompensa A economia da pessoa é uma economia de dádiva não de compensação ou de cálculo A generosidade dissolve a opacidade e anula a solidão da pessoa mesmo quando esta nada recebe em roca A generosidade segundo Mounier é contra a fileira cerrada dos instintos dos interesses dos raciocínios por isso é em todo o sentido da palavra perturbante Ser fiel a aventura da pessoa é uma forte aventura constante desde o nascimento à morte As dedicações pessoais o amor a amizade só podem ser perfeitas na continuidade Essa continuidade não é uma exibição uma repetição uniforme mas ao contrário uma contínua renovação A fidelidade pessoal é uma fidelidade criadora Tratamos o outro como um objeto quando o tratamos como ausente como um repertório de informações que nos podem ser úteis ou como instrumento à nossa disposição Tratálo como sujeito como ser presente é reconhecer que não podemos definilo nem classificálo é reconhecer que ele é inesgotável pleno de esperanças esperanças que só ele dispõe139 139 Ibid p 48 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 86 Por isso insiste Mounier na tese da generosidade pois esta é infinitamente fecunda Segundo ele é apelo e invocação Inerente à generosidade encontrase o amor140 Este quando plenamente realizado é criador de distinções na medida em que deve ser reconhecimento e afirmação do outro enquanto outro Na concepção de Mounier o amor é uma nova forma de ser pois dirigese ao sujeito para além da sua natureza e quer sua realização como pessoa e como liberdade quaisquer que sejam seus dons ou limitações141 Libertando aquele que é chamado o amor liberta e confirma aquele que chama Por isso enfatiza Mounier O ato de amor é a mais forte certeza do homem o cogito existencial irrefutável142 Afirma ainda o filosofo católico amo logo o ser é e a vida vale a pena ser vivida143 Quanto à indispensabilidade da relação interpessoal Mounier a define como uma provocação recíproca uma mútua fecundação O outro me perturba comenta o filósofo e introduz a desordem em minhas convicções meus hábitos meu sono egocêntrico e elementos como estes são os mais seguros reveladores de nós mesmos144 A organização só é viável para as pessoas e inserida no campo das estruturas de um universo de pessoas Senão em vez de libertar o homem faria nascer um novo estado natural reinado das massas reinado da engrenagem e seus dirigentes nas mãos dos quais a pessoa fosse simples joguete145 O totalitarismo escolheu bem o seu nome critica o filósofo pois não se totalitariza um mundo de 140 Emmanuel Mounier discorda daqueles que dizem que o amor identifica Defende o filósofo que essa crença só é sustentável no caso da simpatia das afinidades eletivas ou de uma ressonância de nós próprios numa pessoa a nós semelhante Cf Ibid p 48 141 Ibid p 49 142 Ibid 143 Ibid 144 Ibid 145 Em função desse possível joguete alertanos Nogare A pessoa deve ser protegida contra todos os abusos do poder eventualmente com a tutela de um estatuto público da pessoa Como estatuto público da pessoa exemplifica pode ser considerada a Declaração universal dos direitos humanos promulgada pela ONU em 1948 e ainda a encíclica de João XXIII denominada Pacem in terris de 1963 Cf NOGARE P D Humanismos e antihumanismos op cit p 151 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA 87 pessoas146 Para uma civilização que se baseie em princípios personalistas é necessário despertar pessoas capazes de assumirem posições como pessoas Se opõe então Mounier a todo regime totalitário que em vez de preparar progressivamente a pessoa para o uso de sua liberdade e para o sentido de suas responsabilidades a esteriliza logo na infância vergando a criança ao triste hábito de pensar por delegação de agir somente segundo a palavra de ordem estabelecida e de não ter outra ambição que a de estar instalada tranqüila e considerada num mundo satisfeito147 Para o filósofo católico a educação oferecendo à pessoa somente o sentido de uma liberdade que ele chama de vazia a prepara para a indiferença ou para a vivência de um joguete não para o compromisso responsável e para a fé viva que são a própria respiração da pessoa148 A aspiração transcendente da pessoa não dever ser segundo Mounier simples agitação mas ao contrário negação de nós próprios como mundo fechado suficiente isolado sobre o seu próprio brotar A pessoa na avaliação do filósofo não é o ser em si é o movimento do ser para o ser149 Este movimento o movimento do ser na direção do outro para o outro a serviço do outro é um dos aspectos centrais que exploraremos no próximo capítulo através da abordagem teológica de Karl Barth Barth demonstrará que esse movimento deve ser feito à luz de Jesus Cristo nossa referência humana e divina para permitir de fato uma experiência comunitária salutar e fecunda para a comunidade humana 146 MOUNIER E O personalismo op cit p 56 147 MOUNIER E Manifesto ao serviço do personalismo op cit pp 132133 148 Ibid pp 136 149 Por isso salienta Mounier A pessoa não é um objeto que se separe e se observe mas um centro de reorientação do universo objetivo A verdade de cada um só existe quando em união com todos os outros Cf MOUNIER E O personalismo op cit pp 25268687 PUCRio Certificação Digital Nº 0812675CA