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CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD Filosofia da Linguagem Prof Dr Stefan Vasilev Krastanov Stefan Vasilev Krastanov é autor do livro Nietzsche pathos artístico versus consciência moral É professor adjunto de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFMS Possui doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos UFSCar Além disso é graduado pósgraduado e mestre em Filosofia pela Universidade de Sofia na Bulgária Desde o ano de 2002 atua como professor universitário principalmente nas áreas da História da Filosofia Estética e Metafísica além de ser autor de vários materiais para cursos de Graduação na modalidade EaD Email stefanveterracombr Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação FILOSOFIA DA LINGUAGEM Caderno de Referência de Conteúdo Stefan Vasilev Krastanov Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2012 Batatais SP Versão dez2013 14994 K91f Krastanov Stefan Vasilev Filosofia da linguagem Stefan Vasilev Krastanov Batatais SP Claretiano 2013 180 p ISBN 9788567425597 1 A importância do estudo da linguagem na Filosofia 2 Esclarecimento de termos centrais na pesquisa filosófica que estão envolvidos com obscuridades e paradoxos com base na análise da linguagem 3 Auxílio da análise da linguagem na dissolução de pseudoproblemas filosóficos 4 Exame dos critérios de significatividade 5 Análise da relação que se estabelece entre linguagem e metafísica bem como entre linguagem e ciência I Filosofia da linguagem CDD 14994 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO 9 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO 12 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA LINGUAGEM 1 OBJETIVOS 31 2 CONTEÚDO 31 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 32 4 SOBRE A NATUREZA DA LINGUAGEM 32 5 TEXTO COMPLEMENTAR 38 6 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 42 7 CONSIDERAÇÕES 45 8 EREFERÊNCIAS 46 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 46 UNIDADE 2 PRIMEIROS PROBLEMAS FILOSÓFICOS SOBRE A LINGUAGEM 1 OBJETIVOS 47 2 CONTEÚDOS 47 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 48 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 48 5 O SURGIMENTO DO LOGOS 49 6 O PROBLEMA DA LINGUAGEM EM PLATÃO 51 7 TEXTO COMPLEMENTAR 56 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 63 9 CONSIDERAÇÕES 65 10 EREFERÊNCIAS 66 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 66 UNIDADE 3 ONTOLOGIA E LINGUAGEM NA IDADE MÉDIA 1 OBJETIVOS 67 2 CONTEÚDOS 67 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 68 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 68 5 O PROBLEMA DA LINGUAGEM E A QUESTÃO DOS UNIVERSAIS 69 6 TEXTO COMPLEMENTAR 79 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 81 Claretiano Centro Universitário 8 CONSIDERAÇÕES 82 9 EREFERÊNCIAS 83 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83 UNIDADE 4 LINGUAGEM EM LOCKE E ROUSSEAU 1 OBJETIVOS 85 2 CONTEÚDOS 85 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 85 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 87 5 LOCKE E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM 87 6 ROUSSEAU E A LINGUAGEM ROMÂNTICA 93 7 TEXTO COMPLEMENTAR 96 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 99 9 CONSIDERAÇÕES 100 10 EREFERÊNCIAS 100 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS 101 UNIDADE 5 FILOSOFIA E LINGUAGEM EM NIETZSCHE E HEIDEGGER 1 OBJETIVOS 103 2 CONTEÚDOS 103 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 104 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 105 5 NIETZSCHE E A CRÍTICA DA METAFÍSICA A PARTIR DA LINGUAGEM 106 6 HEIDEGGER A LINGUAGEM E A POESIA 129 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 143 8 CONSIDERAÇÕES 145 9 EREFERÊNCIAS 145 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 146 UNIDADE 6 A FILOSOFIA DA LINGUAGEM E O PROBLEMA SEMÂNTICO 1 OBJETIVOS 147 2 CONTEÚDOS 147 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 148 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 150 5 FREGE E A QUESTÃO SEMÂNTICA 150 6 RUSSELL E A TEORIA DO ATOMISMO LÓGICO 157 7 WITTGENSTEIN LINGUAGEM COMO FIGURAÇÃO E COMO INSTRUMENTO 165 Claretiano Centro Universitário 8 GILBERT RYLE E LINGUAGEM COMO FORMA DE DISSOLVER PSEUDOPROBLEMAS FILOSÓFICOS 171 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 176 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS 177 11 EREFERÊNCIAS 178 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 179 CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa A importância do estudo da linguagem na Filosofia Esclarecimento de termos cen trais na pesquisa filosófica que estão envolvidos com obscuridades e paradoxos com base na análise da linguagem Auxílio da análise da linguagem na dissolução de pseudoproblemas filosóficos Exame dos critérios de significatividade Análise da relação que se estabelece entre linguagem e metafísica bem como entre lin guagem e ciência 1 INTRODUÇÃO A Filosofia enfrenta vários problemas no que se refere ao uso da linguagem A Metafísica por exemplo valese da lingua gem para representar objetos ideais como por exemplo o bom enquanto considerado emsimesmo Deus a liberdade o belo etc Ludwig Wittgenstein colocava assim a questão Se vocês estivessem em meio a uma tribo estrangeira cuja língua desconhecessem totalmente e desejassem saber quais palavras correspondentes a bom lindo etc que é que procurariam 1970 p 15 Filosofia da Linguagem 10 Nessas questões o que está em jogo é a questão do signi ficado Por exemplo quando digo Sócrates estoume referindo a um indivíduo ao qual o nome Sócrates me remete o filósofo Sócrates que viveu na Grécia Antiga Mas quando digo liberda de qual é o significante do qual a palavra liberdade pretende ser o significado Essa não é uma questão clássica da Metafísica ou da Ética E se nossa análise for sobre o belo não estaríamos no campo da Estética Mas o problema da Filosofia da Linguagem não se encerra apenas no referente o belo o bem a liberdade A existência des ses referentes é um problema da Metafísica A Filosofia da Lingua gem está envolvida nessas questões mas não só com elas Entretanto a Filosofia da Linguagem interessase e muito com problemas como esses Os filósofos do século 20 pretenderam elucidar esses problemas metafísicoséticosestéticos por meio de uma análise sobre a linguagem Não só eles mesmo Nietzsche no século 19 já apontava para a solução de alguns paradoxos da Filosofia por uma análise crítica da linguagem quando analisou os termos de bem e mal de um ponto de vista diferente do da tradição O próprio nascimento da Filosofia pode ser analisado do ponto de vista da linguagem Até por volta do século 6º aC o dis curso mitológico dominou por completo as relações humanas no entanto a Grécia experimentou uma profunda mudança na forma de compreender o mundo pela linguagem e passou do discurso mitológico ao lógicoconceitual Conhecemos essa transição na história da Filosofia como passagem do mito ao logos A linguagem é componente fundamental da atividade de pensamento humano A Filosofia como aquele ramo do saber que se debruça sobre o próprio pensamento não poderia deixar de colocar a análise sobre a linguagem de lado Confirmamos isso já com Platão que em seu diálogo Crátilo faz profundas conside rações sobre a linguagem e sua capacidade de enunciar as ideias 11 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Na modernidade Locke procura compreender de que ma neira se pode obter um uso legítimo e científico para a linguagem Mesmo Nietzsche e Heidegger quando de suas propostas de uma nova forma de fazer Filosofia procuraram compreender as estru turas da linguagem a fim de encontrar novas possibilidades para a própria Filosofia A Lógica é outro campo da Filosofia que se interessa muito pela linguagem visto que trabalha com termos conjunções pro posições e enunciados Estes são expressões linguísticas mas ela se debruça sobre qual a forma de utilização correta de tais enun ciados termos proposições etc Um dos problemas da Filosofia da Linguagem é a questão de se uma palavra encerra todo o seu significado em um referente Para Frege 18481925 por exemplo ao considerar uma afirmação como Fernando Pessoa é Fernando Pessoa vemos que ela é imediatamente evidente Mas considere a afirmação Fernando Pessoa é Alberto Caeiro Essa afirmação é verdadeira visto que Alberto Caeiro é um pseudônimo de Fernando Pessoa No entanto não é imediatamente evidente se o referente fosse todo o significado a verdade desta última sentença deveria ser evidente por si mesma Assim deve haver mais no significado in PAPINEAU p 57 O que falta então A Filosofia da Linguagem apresenta algumas tentativas de responder a essa questão e de elucidar aqueles problemas levan tados anteriormente Ao longo deste estudo iremos conhecer es ses problemas mais a fundo e procurar entender como os filóso fos procuraram responder a esses paradoxos Após essa introdução aos conceitos principais apresentare mos a seguir no Tópico Orientações para o estudo algumas orien tações de caráter motivacional dicas e estratégias de aprendiza gem que poderão facilitar o seu estudo Filosofia da Linguagem 12 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Neste tópico apresentase uma visão geral do que será es tudado neste CRC Aqui você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportu nidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade Desse modo essa Abordagem Geral visa fornecerlhe o conheci mento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com competên cia cognitiva ética e responsabilidade social Vamos começar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam este CRC Nada melhor para começarmos o nosso estudo filosófico sobre a linguagem que colocar a pergunta o que é a Filosofia da Linguagem Na área da Filosofia a reflexão analítica sobre a lin guagem é ainda bastante obscura Todavia temos de deixar bem claro que em todos os ramos da Filosofia a linguagem é aspecto principal e imprescindível para a transmissão de ideias e conceitos filosóficos Segundo Willian P Alston 2010 o campo da atuação da Fi losofia da Linguagem é de difícil distinção da investigação linguísti ca realizada pelas outras ciências tais como a Filologia a Psicolo gia e a Antropologia Falta ainda um critério rigoroso que possa descrever com propriedade a preocupação filosófica sobre a linguagem Contudo é possível identificar vários pontos da investigação filosófica em que o problema da linguagem e a sua análise se tornam impres cindíveis Na metafísica por exemplo destacamse claramente as questões ligadas à linguagem uma vez que o seu funcionamento 13 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo discursivo depende exclusivamente de enunciados maximamente universais que requerem por sua vez uma profunda investiga ção filosófica sobre a linguagem As questões ligadas às catego rias aos universais entre outros colocam problemas como o da correspondência entre as coisas e as palavras o da possibilidade de enunciação e o do significado de noções abstratas e universais que fisicamente não possuem referências Desde Platão colocouse a importância do caráter univer sal da linguagem no fato de um substantivo seja homem seja animal ter a dimensão e o poder de designar vários indivíduos da mesma espécie ou gênero Essa constatação levou o filósofo a conceber a existência de uma natureza geral da qual participam determinados indivíduos ou coisas o mundo das ideias O termo geral que designa vários indivíduos por meio de um nome gené rico além de possibilitar a comunicação também protagoniza a ordenação e a classificação do mundo em seus diversos aspectos Uma indagação profunda sobre a natureza da linguagem é encon trada também em Aristóteles Em sua obra Metafísica ele indaga Conseqüentemente poderíamos levantar a questão de se cami nhar estar saudável e sentar significam em cada caso alguma coisa que é ou não e analogamente no que respeita a quaisquer outros termos deste tipo pois nenhum deles por natureza possui uma existência independente ou pode ser dissociado de sua substância pelo contrário se é alguma coisa é aquilo que caminha está sen tado ou está saudável Ora o que torna essas coisas mais verdadei ramente existentes é haver algo definido subjacente a elas isto é a substância ou o individual o que já está implícito numa predicação desse tipo uma vez que independentemente dela não podemos falar do bom ou do sentar Fica claro portanto que é em função da substância que cada uma dessas categorias existe ARISTÓTELES 2006 p 177 Evidentemente para Aristóteles as palavras que expressam ações revelam uma ligação intrínseca com sujeitos que exercem tais funções ou ações Tratase portanto de distinguir aquelas par tes linguísticas que possuem certa independência substantivos daquelas palavras que expressam ações verbos Para as primei ras o estagirita atribui status ontológico para as segundas não Filosofia da Linguagem 14 Para Alston 2010 essa implicação metafísica da linguagem se torna alvo das investigações filosóficas dos analíticos do século 20 entre os quais cabe destacar Bertrand Russel e Ludwig Wittgenstein O atomismo lógico de Russel explica o simbolismo linguístico da seguinte maneira num simbolismo logicamente correto haverá sempre uma certa identidade fundamental de estrutura entre um fato e o seu símbolo respectivo e a complexidade do símbolo corresponde intimamente à complexidade dos fatos por ele simbolizados apud ALSTON 2010 Evidentemente para Russel uma linguagem perfeita consis te na correspondência exata entre símbolos linguísticos e coisas ou situações reais simbolizadas por eles A ideia básica do atomista lógico consiste na hipótese de que a linguagem perfeita poderá auxiliar na descoberta da natureza das relações existentes na reali dade entre os fatos que a compõem e seus enunciados linguísticos adequados Mas a Metafísica não é a única área interessada pela análi se da linguagem Um interesse essencial sobre ela possui a Lógica Esta se serve de proposições declarações e premissas para retratar relações válidas eou não válidas Essas relações dependem exclu sivamente do ligamento e da função das palavras nas proposições Assim por exemplo é possível identificar entre duas proposições semelhantes que uma é válida e outra não é conforme o Exemplo 1 Exemplo 1 Pedro é motorista do diretor das Casas Bahia Pedro compra seus imóveis sempre das Casas Bahia Portanto Pedro não só é motorista do diretor das Casas Bahia como também é cliente das Casas Bahia O segundo exemplo é bastante semelhante ao primeiro po rém não tem o mesmo valor de validade que o primeiro Observe a seguir o Exemplo 2 15 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Exemplo 2 Alguém é motorista do diretor das Casas Bahia Alguém compra seus imóveis sempre das Casas Bahia Portanto alguém não só é motorista do diretor das Casas Bahia como também é cliente das Casas Bahia Com base nos exemplos citados podemos observar que o Exemplo 1 é logicamente válido enquanto o Exemplo 2 ao contrá rio é logicamente inválido A Epistemologia junto da Metafísica e da Lógica também de dica atenção especial aos problemas da linguagem principalmen te no que diz respeito ao enunciado de juízos que não provêm da experiência com efeito os juízos a priori Nesse caso levantase a seguinte reflexão se o conhecimento não deriva da experiência lo gicamente não terá nenhuma referência à experiência e portanto nenhuma correspondência entre símbolo linguístico e fatos expe rimentais Assim a ausência de verificação experimental levanta a dúvida sobre a veracidade das significações estabelecidas Nietzsche por exemplo em seu ensaio Sobre verdade e mentira em um sentido extramoral afirma que entre duas es feras totalmente distintas como é o que ocorre no caso entre o sujeito e o objeto não há nenhuma relação causal que comprove a necessidade absoluta dos enunciados Segundo Nietzsche a solidi ficação desses conceitos e os conhecimentos enunciados por eles ocorrem por meio de persuasão Com efeito um criador de lingua gem cria um determinado conceito e pela força retórica convence os outros a utilizálo no mesmo sentido assim que retomado pela tradição e depois de um longo uso ele parece fixo vinculativo Por esse processo surge a verdade Sobre essa concepção crítica de Nietzsche falaremos mais adiante na Unidade 5 A análise filosófica sobre a linguagem envolve também o problema da possibilidade de a linguagem comunicar experiên cias místicas intuitivas e transcendentes que vão para além da realidade pelos símbolos linguísticos que correspondem a esta Filosofia da Linguagem 16 Será que a linguagem possui a capacidade de significar tais esta dos incomunicáveis Segundo PseudoDionísio o conhecimento de Deus envolve o problema da sua denominação Nesse caso a questão em torno da qual gira a reflexão do teólogo é como po demos chamar Deus Para responder a essa questão ele recorre a duas vias a via catafática e a via apofática A primeira consiste em atribuir a Deus nomes positivos tais como bondade justiça sabedoria etc A justificativa de denominar Deus por meio de tais nomes consiste no fato segundo PseudoDionísio de que Deus como criador de tudo tenha uma relação íntima com as criaturas e portanto ele pode ser chamado por meio desses nomes Todavia essa via posi tiva de denominação reduz e equipara Deus às criaturas Mas como criador do mundo Deus é mais do que as cria turas e por isso essa denominação se mostra inapropriada Jus tamente por isso PseudoDionísio tenta corrigir essa falha da lin guagem por meio da segunda via de denominação a via negativa ou apofática Se Deus é como princípio do ser além do ser então segundo o teólogo é mais apropriado chamálo de não ser Para PseudoDionísio a via negativa parece mais apropriada que a afir mativa na medida em que se exclui qualquer margem de confusão que uma linguagem criada pode induzir As dificuldades com as quais se depara PseudoDionísio estão constantemente presentes no discurso filosófico A imperfeição da linguagem enquanto relacionada às coisas que vão para além da experiência mostra grosso modo a falha ou a impotência da linguagem o que por sua vez leva os filósofos a ideia de uma reforma ou correção da linguagem Não são poucos os filósofos como Heidegger e Nietzsche que veem no discurso filosófico uma total incapacidade de expressar estados subjetivos humores e sentimentos A linguagem conceitual uma vez que busca máxima generalidade iguala o não igual e com isso despoja o sujeito da sua subjetividade tornao inautêntico Justamente por isso para 17 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo corrigir essa impotência do conceito tais filósofos lançam mão da linguagem figurativa das metáforas e da poesia que oferece maior margem para interpretação conforme a subjetividade do indivíduo Essa ênfase na metáfora como forma linguística de comuni car o incomunicável aparece com Schelling Para ele a metáfora é símbolo do absoluto por meio da qual o gênio expõe sensivelmen te o absoluto Em outras palavras a intuição estética seria para o idealista uma exposição sensível do absoluto Surge assim a pergunta será que a arte por meio das ex pressões metafóricas é capaz de substituir a linguagem conceitual na tarefa fundamental da Filosofia a especulação sobre o ser Uma pergunta difícil que a Filosofia da Linguagem se coloca como desafio Segundo Alston 2010 outra tarefa da análise filosófica da linguagem configurase pela análise conceitual Em toda a História da Filosofia os conceitos básicos da Filosofia são colocados cons tantemente à prova Questões como o que é causalidade subs tância acidente etc e como eles aparecem no mundo e qual a sua natureza deixam os filósofos perplexos Em grande parte podemos constatar que a Filosofia consiste em análise de concei tos e na sua correspondência com a realidade Partindo desses problemas filosóficos e de sua implicação linguística agora temos já uma indicação prévia para as questões fundamentais de uma análise filosófica sobre a linguagem Além da análise conceitual a Filosofia da Linguagem busca mergulhar se na investigação das funções linguísticas na classificação de ter mos na tipologia de metáforas nas relações entre linguagem e pensamento nas formas semânticas etc Todas essas investigações exercem um papel fundamental enriquecendo os debates filosó ficos principalmente na contemporaneidade em que se configura a Filosofia Analítica Filosofia da Linguagem 18 Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi da e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhe cimento dos temas tratados neste Caderno de Referência de Conteú do Filosofia da Linguagem Veja a seguir a definição dos principais conceitos 1 Categorias segundo Legrand 1983 para Aristóteles as categorias representam diferentes classes de seres Os diversos sentidos que podem assumir o sujeito e o atri buto de uma proposição lógica LEGRAND 1983 p 72 podem ser agrupados em nove categorias substância quantidade qualidade relação posição ação paixão lugar e tempo LEGRAND 1983 p 72 2 Conceitos é em princípio o produto da abstracção e da generalização a partir das imagens ou dos objetos particulares exprimese por uma palavra geralmente um nome LEGRAND 1983 p 86 3 Discurso Encadeamento de conceitos e de noções apresentandose notavelmente sobre a forma de juí zos que constitui a expressão do pensamento racional Nesse sentido podese dizer que o discurso é a expres são do logos e que ele está de acordo com uma forma de ver o mundo de maneira organizada que é a do Cosmo que se diferencia daquele discurso que fala do mundo entendido como Caos desorganizado 4 Doutrina oficial um dos nomes dados por Ryle à filoso fia cartesiana dada sua grande aceitação 5 Eliminativista o eliminativismo é uma tendência em fi losofia da mente que nega a existência dos estados men tais e busca somente explicações provenientes dos pro cessos neurofisiológicos que ocorrem no cérebro 6 Essência Do latim essentia termo traduzido por Cícero para traduzir do grego ousia LEGRAND 1983 p 152 Na escolástica representa uma das divisões do ser a qui didade Para Platão eram as ideias imutáveis para Aris tóteles as formas inteligíveis A essência é aquilo que faz 19 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo que uma coisa seja aquilo que é e não outra Na querela dos universais a essência representa a existência de uma natureza geral como por exemplo a humanidade 7 Etimologia Sabese que o termo etimologia é ele próprio um exemplo de sentido não etimológico pois ao pé da letra significaria estudo da verdadeira signifi cação das palavras ao passo que a ciência etimológica há muito renunciou a ocuparse de outra coisa que não fosse a origem da palavras Especialmente em filosofia importa desconfiar das interpretações dos termos muito estritamente fundados em aproximações etimológicas ou filosóficas Tais aproximações podem ser legítimas mas não deveriam de direito transformar sem outra jus tificação a acepção geralmente recebida de uma noção ou de um conceito Os jogos etimológicos de palavras implicando a indicação de um problema filosófico foram praticados desde a Antiguidade especialmente por He ráclito tratavase de dissimular seu pensamento sob a capa de expressões com duplo sentido No Crátilo diá logo cujo herói é precisamente um heraclitiano Platão utiliza abundantemente o mesmo método não sem um sentido de zombaria O problema que pretende levantar é o da validade da linguagem LEGRAND 1983 p 158 8 Existência Como modo de ser determinado ou defini do de certo modo esse costuma ser usado na linguagem comum e nas diversas áreas científicas Falase com efeito da E de entes matemáticos e há em matemática um teorema de E Analogamente falase de E lógi ca ou conceitual ou ainda de E fantástica do mesmo modo que os escolásticos falavam da E no intelecto ou da E na realidade falase também de E em si da substância ou de E em outra coisa das qualidades ou acidentes da substância ABBAGNANO 1998 p 398 9 Filosofia da linguagem em seu sentido ideal filosofia que admite que a linguagem natural pode ser reduzida a uma linguagem formal lógicomatemática 10 Filosofia Analítica é um nome dado à filosofia que se ocupa com a análise da linguagem para lidar com as mais diversas questões filosóficas Filosofia da Linguagem 20 11 Gramática Segundo uma tradição iniciada por Dió genes Laércio III 25 Platão foi o primeiro a teorizar a possibilidade da G é frequente nos textos de Platão a referência à G cuja natureza é definida com precisão no Crátilo Assim como um artista procu ra reproduzir os traços dos objetos com o desenho e as cores o gramático procura fazer a mesma coisa com as sílabas e as letras Seu objetivo é imitar a substância das coisas Se ele chegou a reproduzir tudo o que pertence a essa substância sua imagem será bela mas se deixar alguma coisa fora ou se acrescentar algo não pertinente sua imagem não será bela Nesse aspecto o gramático é um artífice de nomes portanto um legislador que pode ser bom ou mau Crat 142 b SS Esse é o primeiro con ceito de G formulado e é normativo porque segundo ele o gramático não descreve mas prescreve é um le gislador Foi só com Humboldt que surgiu um novo conceito de G no famoso texto Sobre a diversidade da constituição da linguagem humana 1836 a partir do qual a G começou a ser concebida com uma disciplina não normativa mas descritiva sendo seu objetivo inves tigar na língua as uniformidades que constituem regras ou leis ABBAGANANO 1998 p 490 12 Isomorfismo lógico ideia segundo a qual uma propo sição e o estado de coisas possível que ela afigura pos suem em comum uma estrutura lógica definida 13 Linguagem Em geral o uso de signos intersubjetivos que possibilitam a comunicação Por uso entendese 1º possibilidade de escolha instituição mutação correção dos signos 2º possibilidade de combinação de tais signos de maneiras limitadas e repetíveis Este segundo aspec to diz respeito às estruturas sintáticas da L enquanto o primeiro se refere ao dicionário da L A moderna ciên cia da L tem cada vez mais insistido na importância das estruturas lingüísticas ou seja das possibilidades de combinações delimitadas pela L Elementos como Só crates homem é e todos não etc são todos pa lavras isto é signos intersubjetivos mas só podem fazer parte de um discurso com uma função determinada só 21 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo podem combinarse com outros signos em modos limi tados e reconhecíveis ABBAGNANO 1998 p 615 14 Lógica clássica está praticamente fundada nas obras de Aristóteles cujo grupo de textos reunidos no Organon constitui o primeiro estudo amplo dessa disciplina falta a palavra para designála No início de Analíticos o traba lho mais estritamente lógico dessa coleção Aristóteles define sem dar nome a disciplina que se prepara para investigar como ciência da demonstração e do saber de monstrativo Na pr I 24 a 10 ss mas num texto não muito claro Seus objetos são relacionados na seqüência do trecho a proposição como enunciado apofântico in serido num discurso demonstrativo seu termos sujeito e predicado e o silogismo ABBAGNANO 1998 p 624 15 Lógica simbólica representando os termos com símbo los genéricos p ex letras do alfabeto a b c x y z X Y Z e semelhantes e as operações lógicas com símbo los vários geralmente tomados de empréstimo da arit mética etc é possível tentar desenvolver uma doutrina matemática do discurso ABBAGNANO 1998 p 627 16 Logos A doutrina do L como substância ou causa do mundo foi defendida pela primeira vez por Heráclito Os homens são obtusos com relação ao ser do L tanto antes quanto depois que ouviram falar dele e não pare cem conhecêlo ainda que tudo aconteça segundo o L Fr 1 Diels O L é concebido por Heráclito como sen do a própria lei cósmica Esta concepção foi tomada pelos estóicos que viram na razão o princípio ativo do mundo que anima organiza e guia seu princípio passi vo que é a matéria O princípio ativo diziam é o L que está na matéria é Deus ele é eterno e através da matéria é artífice de todas as coisas DIÓG L VII 134 ABBAGNANO 1998 p 630 17 Metáfora Transferência de significado Aristóteles diz A M consiste em dar a uma coisa um nome que perten ce a outra coisa transferência que pode realizarse do gênero para a espécie da espécie para o gênero de uma espécie para outra ou com base numa analogia Poet Filosofia da Linguagem 22 21 1457 b 7 A noção de M algumas vezes foi emprega da para determinar a natureza da linguagem em geral Como instrumento lingüístico hoje sua definição não é diferente da de Aristóteles Quanto à mítica dos povos primitivos que é substancialmente a identificação da ex pressão metafórica com o objeto cf Cassirer Language and Myth 1946 ABBAGNANO 1998 p 667 18 Mito é uma tentativa ingênua de explicação do mundo Quando não há uma explicação racional sobre os seus fenômenos recorrese aos mitos como forma de expli cálos pois qualquer explicação mesmo a mitológica é melhor do que a falta de explicação diante do desconhe cido O traço fundamental do mito é que este se utiliza de representações sobrenaturais deuses forças gigan tes monstros etc para explicar fenômenos 19 Nominalismo Atitude filosófica que nenhuma subs tância metafísica se esconde por trás das palavras as pretensas essências não são nada além de palavras ou signos que representam coisas sempre singulares Con tradiz desse modo o realismo de tipo platônico e o con ceitualismo DUROZOI ROUSSEL 1993 p 344 20 Pragmatismo A princípio empregado pelo americano Peirce o termo designa uma doutrina que se desenvolveu no final do século XIX e obteve um grande sucesso nos Estados Unidos O antiintelectualismo que anima os defensores do pragmatismo inspirase principalmente na atitude de Nietzsche para o qual não existe outro critério da verdade além do sentimento de crescimento de poder De acordo com os pragmatistas o critério da verdade reside no valor prático no sucesso e na eficácia Assim são as aplicações práticas que constituem a verdade de uma lei de uma teoria científica da mesma forma é o poder de reconforto da qual é capaz que faz a verdade um religião Em suma são idéias que valem a pena de acordo com W James DUROZOI ROUSSEL 1993 p 376 21 Primeiro Wittgenstein nesse caso referese à restrição do campo de discussão Significa que a discussão ficará 23 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo em torno das teses contidas na obra Tractatus logico philosophicus 22 Realismo Designa globalmente na metafísica qual quer doutrina que afirma a existência do ser indepen dente do conhecimento que o pensamento dele pode adquirir Denominase realismo ontológico a tese platô nica segundo a qual as idéias são mais reais do que as coisas sensíveis que só constituem cópias degradadas delas na Idade Média essa forma particular de idealis mo resulta no realismo dos Universais que admite que permanece fora do espírito alguma coisa que correspon de aos conceitos universais DUROZOI ROUSSEL 1993 p 400401 23 Semiótica termo usado inicialmente para indicar a ciên cia dos sintomas em medicina cf GALENO Op ed Kün XIV 689 foi proposto por Locke para indicar a doutrina dos signos correspondente à lógica tradicional Ensaio IV 21 4 depois empregado por Lambert como título da terceira parte de seu Novo Organon 1764 Na filosofia contemporânea E Morris utilizou o conceito de S como teoria da semiose mais do que signo dividindo a S em três partes que correspondem às três dimensões da semiose semântica que considera a relação dos signos com os objetos a que se referem pragmática que con sidera a relação dos signos com os intérpretes sintática que considera a relação formal dos símbolos entre si ABBAGNANO 1998 p 870 24 Sensedata dados sensíveis recolhidos pelos sentidos 25 Significado Termo introduzido em Lingüística por F de Saussure para designar em sua aliança com o signi ficante o que se chama tradicionalmente de conceito tal como é enunciado pelo signo ou palavra A relação do significado é arbitrária em cada língua DUROZOI ROUSSEL 1993 p 434 26 Signo Percepção que determina uma informação que concerne qualquer coisa de não diretamente percebida ou perceptível por exemplo a sirene como sinal de incêndio Gesto ou atitude que comunica um desejo ou uma ordem Vínculo entre uma significação e Filosofia da Linguagem 24 um elemento fônico ou gráfico de comunicação DUROZOI ROUSSEL 1993 p 434 27 Símbolo É inicialmente um sinal de reconhecimento formado pelas duas metades de um objeto quebrado que se aproximam Daí mais geralmente um signo que designa outra coisa além dele próprio em virtude de uma analogia natural ou por decisão convencional São desse modo de ordem simbólica o uso da balança para evocar a justiça mas igualmente a linguagem em seu conjunto ou os sinais abstratos da matemática DUROZOI ROUSSEL 1993 p 436 28 Solipsismo neste contexto o termo solipsismo remete somente a possibilidade da existência apenas do Eu car tesiano e seus conteúdos literalmente o Eu sozinho 29 Teoria pictorial teoria que admite que as proposições da linguagem possam ser comparadas com figuras no sentido literal da palavra 30 Teoria semântica teoria que propõe investigar a nature za do significado 31 Valor de verdade possibilidade de uma proposição ser verdadeira ou falsa 32 Verdade gr ὰλήθεια lat Veritas in Truh fr Vérité al Wahrheit it Verità Validade ou eficácia dos procedimen tos cognoscitivos Em geral entendese por V a qualidade em virtude da qual um processo cognoscitivo qualquer tornase eficaz ou obtém êxito Essa caracterização pode ser aplicada tanto às concepções segundo as quais o co nhecimento é um processo mental quanto às que o con sideram um processo lingüístico ou semiótico Ademais tem a vantagem de prescindir da distinção entre definição de V e critério de V ABBAGANANO 1998 p 994 Esquema dos Conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o 25 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino Com base na teoria de aprendizagem significativa entendese que por meio da organização das ideias e dos princípios em esque mas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu conhecimen to de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos concei tos devem ser potencialmente significativos para o aluno uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog nitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento Filosofia da Linguagem 26 por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgs bredutoolsmapasconceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 Figura 1 Esquema dos Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo Filosofia da Linguagem Como você pode observar esse Esquema dá a você como dissemos anteriormente uma visão geral dos conceitos mais im portantes deste estudo Ao seguilo você poderá transitar entre um e outro conceito deste CRC e descobrir o caminho para cons 27 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo truir o seu processo de ensinoaprendizagem O Esquema dos Conceitoschave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual por meio de suas ferramentas interativas bem como àqueles relacionados às atividades didáticopedagógicas realizadas presen cialmente no polo Lembrese de que você aluno EaD deve valerse da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados as quais podem ser de múltipla escolha abertas objetivas ou abertas dissertativas Responder discutir e comentar essas questões bem como relacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento Assim mediante a re solução de questões pertinentes ao assunto tratado você estará se preparando para a avaliação final que será dissertativa Além disso essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis sional Você encontrará ainda no final de cada unidade um gabari to que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões autoavaliativas de múltipla escolha As questões de múltipla escolha são as que têm como respos ta apenas uma alternativa correta Por sua vez entendemse por questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada inalterada Já as questões abertas dissertativas obtêm por res posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado por isso normalmente não há nada relacionado a elas no item Gabarito Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma Filosofia da Linguagem 28 Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares Figuras ilustrações quadros Neste material instrucional as ilustrações fazem parte inte grante dos conteúdos ou seja elas não são meramente ilustra tivas pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con teúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apu rada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao com partilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno do curso de Graduação na modalidade EaD necessita de uma formação conceitual sólida e consistente Para isso você contará com a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Sugeri mos pois que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas poderão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas 29 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas questões au toavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua forma ção Indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedi mentos serão importantes para o seu amadurecimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 1 EAD Introdução à Filosofia da Linguagem 1 OBJETIVOS Conhecer a problemática fundamental da Filosofia da Lin guagem Compreender a importância da linguagem para todas as esferas da atividade humana em geral e também a liga ção íntima entre a linguagem e a especulação filosófica em particular Investigar sobre a natureza a formação e a essência da linguagem 2 CONTEÚDO Sobre a natureza da linguagem Texto complementar 32 Filosofia da Linguagem 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Não deixe de sanar suas dúvidas Entre em contato com seu tutor pelas diversas ferramentas disponíveis e não se esqueça é você quem faz a diferença 2 Não deixe de consultar as definições básicas dos princi pais conceitos do CRC Para isso consulte regularmente o Tópico Glossário de Conceitos 3 Procure ler os livros indicados nas referências bibliográ ficas Aprofunde seus estudos 4 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de Humberto Eco Humberto Eco Pensador comunicador e escritor italiano considerado como um dos intelectuais mais relevantes da Europa na se gunda metade do século 20 e começo do 21 o mundo do teatro da televisão da banalização midiática da cultura popular e outros aspectos serviram de argumento a textos como Apocalípticos e integrados ante la cultura de ma sas El superhombre de masas Retórica e ideología en la novela popular etc A comunicação incluído o despertar da internet está não só em sua obra escrita mas também em sua permanente presença pública em conferências arti gos periódicos intervenções acadêmicas INFOAMÉRICA 2011 tradução nossa 4 SOBRE A NATUREZA DA LINGUAGEM O problema da natureza da formação e da essência da lin guagem da sua estrutura do seu funcionamento e do seu papel decisivo para realização das atividades sociopolíticas culturais e comunicativas atrai a curiosidade do homem desde a antiguida de remota Naturalmente no início esse interesse em torno do fenômeno linguístico possui um caráter espontâneo e confuso do ponto de vista de uma ciência Mas justamente assim decorre o Figura 1 Humberto Eco 33 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem complexo processo de penetração do homem na sua relação mais íntima mais profunda e mais complexa a ligação mútua entre lin guagem e pensamento linguagem e consciência Num sentido retrospectivo podese dizer que a especulação sobre os problemas da linguagem data desde os séculos 5º e 6º aC Como principais protagonistas dessa especulação podemos apontar os sacerdotes da reflexão filosófica Platão e Aristóteles e um século mais tarde Crisipo Mais adiante na aurora da Ida de Média deparamonos como Porfírio e Boécio os introdutores daquela discussão sobre os universais que dominará por completo o período medieval em que a sua principal problemática gira em tono da linguagem Temos de deixar claro todavia que a formação de uma me todologia científica sobre os problemas da linguagem na antigui dade estava intimamente ligada com a formação das diversas rami ficações da ciência e sobretudo com os problemas da Heurística principalmente Filosofia Matemática Lógica e em partes Linguís tica Entretanto visto de maneira mais rigorosa o problema da natureza da linguagem da sua estrutura e do seu funcionamento que desempenham um papel imprescindível nas relações científi cas e sociocomunicativas chega ao seu verdadeiro status apenas a partir do século 18 Uma das principais razões da valorização da análise da linguagem são as crises profundas que assediam a con cepção teórica ligada às descobertas dos paradoxos na Filosofia na Lógica e nas determinações lógicas da Matemática no final do século 19 Procurase em razão disso a configuração de uma nova concepção científica sobre a natureza da linguagem enfatizando se os dois modos da linguagem a natural e a científica e claro a relação entre ambas Os problemas referentes à formação e ao desenvolvimento das concepções contemporâneas da linguagem possuem uma pré história não tão remota que se caracteriza com a sua tendência fenomenológica Para explicitarmos melhor essa tendência feno 34 Filosofia da Linguagem menológica da linguagem faremos uma citação livre referente a algumas concepções desse tipo Segundo Humboldt in HEIDERMANN 2006 a linguagem é um órgão originado do pensamento A atividade intelectual puramente espiritual profundamente interna e passando sem rastros mediante o som da fala materializase e tornase aces sível para a percepção sensível Justamente por isso a atividade do pensamento e a linguagem formam uma unidade inseparável Para Humbold a linguagem aparece como manifestação externa da vida interna dos povos A linguagem do povo afirma o filósofo é o seu espírito e este por sua vez é a sua linguagem A lingua gem por si mesma retrata a atividade ininterrupta do espírito que cada vez mais tende a transformar o som em expressão do pensamento Outro pensador em destaque que brilhantemente definiu semelhante disposição sobre a linguagem é Marx Para ele o es pírito desde o começo é marcado pela maldição de ser carrega do com a matéria que se expressa em camadas moventes de ar sons com uma palavra em linguagem A linguagem é o prático que existe e é utilizado por todos nós Dito de outra maneira a linguagem é a realidade concreta do pensamento O discurso é a manifestação empírica do pensamento Apesar de serem corretas essas concepções sobre a lingua gem elas apenas giram em torno da linguagem natural isto é gi ram em torno da tradição comunicativa da linguagem e esta não é a única versão de linguagem em geral Aliás do que estamos falando O desenvolvimento intensivo do conhecimento científico da modernidade até nossos dias possibilitou cada vez mais o desen volvimento de novas ciências e de novas teorias Paralelamente com esse surto de ciências e teorias surge a necessidade cada vez mais presente da construção de correspondentes formas de lin guagem que recebe nome de linguagem científica especializada 35 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem Inicialmente essa nova linguagem foi construída à base da lingua gem natural todavia aos poucos ela abandonou a naturalidade definitivamente por causa da introdução de equivalentes signos linguísticos que contemplam a especificidade da ciência ou teoria científica Surgem assim as linguagens científicas motivadas e es timuladas pelas ciências dedutivoformais Delas originamse por sua vez as linguagens formais da ciência Hoje em dia portanto a análise sobre a linguagem deve to mar como referência essa tripla dimensão da linguagem natural científica e formal Então podemos perguntar onde devemos procurar a fundamentação e a motivação de uma tipologia da ca tegoria linguagem em geral O método tradicional ou fenome nológico que analisamos anteriormente é bastante carente de potencial heurístico e construtivo e portanto incapaz de dar uma resposta à questão antes colocada Uma proposta positiva para essa questão pode nos levar à Lógica Semiótica Temos de desta car todavia numa relação íntima com a adequadamente orien tada isto é bem definida em relação ontoepistemólogica deno minada aqui de doutrina filosófica que determina o panorama da lógica contemporânea em geral Assim entendida ela com certa aproximação reproduz e representa a quintessência ou a recons trução puramente abstrata da complexa e atual arquitetura do Lo gos em geral Vale aqui perguntarmos em que se fundamenta o grande potencial heurístico da semiótica entendida como teoria geral dos signos e dos sistemas de signos no que diz respeito à questão da natureza da linguagem e dos signos linguísticos A principal noção da categoria da semiótica é o signo O pro cesso mediante o qual algo funciona como signo é denominado semiosis relação de designação ou nomeação Charles Moriz em sua obra Fundamentos da teoria dos signos afirma que ainda en tre os antigos gregos visando à semiótica dos megáricoestoicos havia clara distinção entre quatro aspectos principais no semiosis 36 Filosofia da Linguagem 1 Portador de signo 2 Designado objeto designado 3 Interpretado a imagem mental do designado 4 Intérprete sujeito que utiliza o signo A partir dessa distinção não será difícil esclarecer o caráter relacional do signo isto é que o significado do signo é justamente a informação fixada pelo designado que é possível por meio do sujeito em relação na semiosis e que por assim dizer se prende ao portador do signo Como resultado disso o signo assume o esta tuto de expressão sintética da unidade dos principais aspectos da semiosis e com isso tornase o fator principal de cada ato comu nicativo Em outras palavras o signo objetivado o nome adquire o poder de representar ou substituir o objeto representado no ato da comunicação Esta por sua vez se realiza somente por meio de um sistema rigorosamente organizado de signos de acordo com determinadas regras Tais regras são seguintes 1 Regras sintáticas formais para a formação de cons tructos de signos 2 Regras semânticas conteúdo para a significabilidade dos signos e de constructos de signos 3 Regras pragmáticas para a utilização dos signos e dos constructos de signos Agora podemos descrever de modo mais exato e mais bre ve a erística do método semiótico na concepção da natureza e do funcionamento da linguagem em geral Antes de tudo temos de deixar bem claro que cada linguagem possui o caráter de de terminado sistema de signos Simultaneamente devemos desta car que nem toda aglomeração de signos possui a qualidade de linguagem Um aspecto fundamental dessa explicação possui a noção de interpretação Por essa noção podemos fazer a dife renciação entre dois grupos de signos interpretados aqueles que possuem sentido e não interpretados ou seja aqueles que não possuem sentido Grosso modo tratase por um lado de sistemas de signos com sentido e estrutura semânticos e por ou 37 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem tro de sistemas de signos sem sentido semântico Para que haja estrutura de linguagem cada sistema de signos deve atender às seguintes exigências 1 Ser construído de acordo com os principais componen tes da relação semiosis 2 Possuir sentido 3 Ter diferenciação entre as dimensões sintáticas semân ticas e pragmáticas dos signos 4 Essas dimensões devem operar simultaneamente em sincronia 5 O sistema de signos deve ser capaz de revelar efeitos informativos e comunicativos ou seja de realizar a exi gência de universalidade 6 Deve haver clara diferenciação entre linguagem natural linguagem científica e linguagem formal Mas essa dife renciação expõe um problema esses diferentes modos de linguagem satisfazem às exigências anteriormente estabelecidas de universalidade do sistema linguístico A resposta para essa questão pode ser breve mas a sua argumentação bastante longa Todavia podemos dizer que apenas a linguagem natural possui uma estrutura universal Essa universalidade se determina pela sua es trutura e funcionamento polissemânticos Ao contrário a linguagem artificial científica e formal caracterizase por sua estrutura monossemântica Em outras palavras ela não tem caráter universal Mas da peculiaridade dos seus caracteres derivam alguns aspectos importantes para as relações funcionais de cada uma delas Pela força do seu caráter monossemântico a linguagem ar tificial expressa a sua rigorosa e não contraditória determinação ou definição lógica Inversamente a linguagem natural não cede a essa rigorosidade lógica Ainda mais ela já é por si mesma lo gicamente contraditória e esse seu caráter deriva da sua nature za polissemântica Em compensação ela é linguagem universal A natureza universal da linguagem natural significa ainda que nela sejam traduzíveis todas as outras linguagens 38 Filosofia da Linguagem A formação da linguagem natural caracterizase como es pontânea e não planejada ela é produto de um processo histórico natural na sua qualidade de sistema comunicativo e informativo Ela serve como meio universal de codificação acumulação e vei culação de informação semiótica Como uma realidade empírica a linguagem natural realizase como uma atividade oral específica Na sua qualidade de realidade concreta do pensamento huma no a linguagem natural realiza o ato de modelação semiótica da comunicação intersubjetiva e da relação do homem com o meio ambiente Cabe destacar que essa linguagem é bastante variável e flexível nas suas expressões linguísticas embora conserve e de senvolva as principais formas de memorização e acumulação da experiência sociocultural da humanidade e também a transmis são dessa experiência Em conclusão podemos afirmar que em decorrência de uma história milenária de formação e desenvolvimento o estudo sobre a origem da linguagem fica cada vez mais atual e mais pre sente nas discussões filosóficas sobre a linguagem O texto complementar que se segue tem o propósito não apenas de enriquecer a nossa discussão sobre a importância da linguagem mas também de destacar o importante vínculo entre o ser o objeto privilegiado da especulação filosófica e o modo da sua revelação pela linguagem Propomos para tal fim a intro dução do livro Semiótica e a filosofia da linguagem de Humberto Eco 5 TEXTO COMPLEMENTAR Semiótica e Filosofia da Linguagem Interrogarse sobre as relações entre semiótica e filosofia da linguagem requer antes de mais nada uma distinção entre semióticas específicas e semiótica geral Uma semiótica específica é uma gramática de um determinado sistema de signos Há gramáticas de linguagem gestual dos surdosmudos americanos gramáticas do inglês e gramáticas dos sinais de trânsito 39 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem Tomo o termo gramática no seu sentido mais lato a ponto de incluir ao lado de uma sintática e uma semântica também uma série de regras pragmáticas Não pretendo interrogarme neste momento sobre a possibilidade e os limites de uma ciência humana mas pareceme que as semióticas específicas mais maduras podem aspirar a um estatuto científico incluindose aí a capacidade de prever os comportamentos semióticos médios e a possibilidade de enunciar hipóteses falsificáveis É óbvio que estamos diante de um campo muito vasto de fenômenos semióticos e que existem sensíveis diferenças entre um sistema fonológico que se organizou por sucessivas acomodações estruturais e que é realizado pelos fa lantes de acordo com uma competência não explicitada e um sistema de sinais imposto por convenção explícita e cujas regras de competência são claras para seus executores As mesmas diferenças entretanto poderiam ser encontradas no continuum das ciências naturais e todos nós sabemos o quanto a capacidade de predizer da física é diferente daquela da meteorologia como já dizia Stuart Mill Estou falando de semióticas específicas e não de semiótica aplicada a semiótica aplicada representa um campo de limites vagos e neste caso falaria de práticas interpretativodescritivas como acontece com a crítica literária de cunho ou de inspiração semiótica para a qual creio eu é necessário colocar problemas não de caráter científico mas de persuasão retórica de utilidade para fins de compreen são de um texto de capacidade de tornar o discurso sobre um determinado texto intersubjetivamente controlável De 1978 em diante haviase estabelecido um debate cordial entre mim e Emilio Garroni desde Ricognizione della semiotica de sua autoria até sua recente parti cipação no livro de entrevistas organizado por Marin Mincu La semiotica letteraria in Italia no qual podia parecer que ambas as posições eram muito rígidas De um lado Garroni que desconfiando das várias aventuras das semióticas específicas conclamava ao dever de uma fundação filosófica de outro eu que convidava aos riscos da exploração empírica adiando para mais tarde o problema filosófico Segundo o que estou afirmando a oposição devia parecer mais nuançada Estou convencido de que às semióticas específicas devem colocarse as mesmas ques tões epistemológicas internas isto é reconhecer e denunciar as próprias metafísi cas implícitas visto que por exemplo não podemos delinear em qualquer sistema ou texto traços pertinentes sem colocarmos o problema epistemológico de uma definição de pertinência Mas este é um problema comum a toda ciência e não creio que seja irresponsável afirmar que às vezes uma investigação científica pode avançar muito nas próprias explorações sem interrogarse sobre os próprios fundamentos filosóficos A interrogação poderá ser colocada justamente pelo fi lósofo ou pelo cientista mesmo ao filosofar sobre o próprio procedimento mas não são raros os casos de investigações filosoficamente ingênuas que todavia revelaram fenômenos e projetos de leis que outros depois sistematizaram de forma mais rigorosa O caso de uma semiótica geral é diferente A meu ver ela é de natureza filosófica porque não estuda um determinado sistema mas estabelece categorias gerais à luz das quais sistemas diferentes podem ser comparados E para uma semiótica geral o discurso filosófico não é nem aconselhável nem urgente é simplesmente constitutivo Como proceder nesta interrogação filosófica Há pelo menos dois caminhos Um é o que tem sido tradicionalmente trilhado pelas filosofias da linguagem e não vou dizer por causa disto que atualmente em muitas universidades americanas 40 Filosofia da Linguagem chamase filosofia da linguagem que frequentemente é mera embora útil exer citação sobre um sistema semiótico específico por exemplo a urna semântica formal dos valores da verdade a tentativa de deduzir de alguma forma um sis tema da semiótica ou seja a construção de uma filosofia do homem como animal simbólico O outro poderia ser caracterizado como uma arqueologia dos conceitos semió ticos Não vou recorrer a Foucault mas seguir o modelo de arqueologia proposto por Aristóteles em A metafísica Uma vez estabelecido que é necessário localizar antes um objeto da filosofia e que este objeto é o ser vaise verificar depois o que disseram a seu respeito os que o antecederam Todos falaram do mesmo modo E se não o fizeram por que este objeto de um saber antigo sempre diferente foi de algum modo sentido sempre como o mesmo Se Aristóteles tivesse tido que se comportar como alguns filósofos da linguagem a solução teria sido muito simples Estes filósofos percebem justamente que é di ferente falar do significado de uma palavra de um fenômeno atmosférico de uma experiência perceptiva e decidem que todos estes problemas serão enfrentados separadamente e por disciplinas diferentes O filósofo da linguagem portanto se ocupará das frases possivelmente só das bem formuladas e deixará ao psicólogo da percepção a pergunta de por que alguns riscos numa folha de papel me lem bram um coelho Assim fica salvo o critério de especialização indispensável para evitar conflitos na distribuição dos cargos acadêmicos e na divisão das verbas públicas e privadas Aristóteles fez o contrário não só ao inspecionar os discursos filosóficos do passa do mas ao entrar no cerne dos próprios usos lingüísticos percebendo que o ser é expresso de muitos modos Mas decide que logo por isto vale a pena interrogar se se não nos podemos colocar do ponto de vista da identidade profunda que regula estas discrepâncias E onde o filósofo encontra a identidade profunda visto que na superfície ela não aparece Finge talvez encontrála como Parmênides mas de fato a estabelece Estabelece as próprias condições do discurso que permite enfrentar fenômenos diferentes de um ponto de vista unitário Vejase o ato de coragem filosófica e semiótica que torna possível A metafísica O que é o ser visto que é expresso de muitos modos É exatamente o que é ex presso de muitos modos Ao repensar esta solução todo o pensamento ocidental baseiase num arbítrio Mas que belo arbítrio O filósofo pode provar o que estabelece Não se for no sentido do cientista O filósofo tenta estabelecer um conceito que permite interpretar de modo global uma série de fenômenos e que possibilita aos outros fundamentar as próprias interpre tações parciais O filósofo não descobre a substância estabelece seu conceito No dia em que o cientista descobre que com a dialética substânciaacidente não consegue mais explicar os novos fenômenos que localiza não falsifica uma hi pótese científica simplesmente muda os conceitos epistemológicos recusa uma metafísica influente 3 Ora o que uma semiótica geral estabelece pode depender de uma decisão te orética ou de uma releitura dos usos lingüísticos das origens Fazer progredir o pensamento não significa necessariamente rejeitar o passado às vezes signifi 41 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem ca revisitálo não apenas para entender o que efetivamente foi dito mas o que poderia ter sido dito ou pelo menos o que se pode dizer atualmente talvez só atualmente ao reler tudo o que havia sido dito antes E assim creio devese fazer com o conceito central de todo pensamento da se miose isto é o conceito de signo Antes de mais nada devese dizer que a semiótica contemporânea parece tomada de angústia diante de uma alternativa O próprio conceito fundamental é o signo ou a semiose Não é uma diferença pequena e no fim a alternativa repropõe a escolha entre pensamento do έργον érgon e pensamento da ενέργεια enérgeia Relendo a história do nascimento do pensamento semiótico deste século digamos do estruturalismo genebrês aos anos sessenta parece que no início a semiótica se apresenta como pensamento do signo depois cada vez mais o conceito entra em crise dissolvese e o interesse deslocase para a geração de textos para a sua interpretação e para a variação das interpretações para as pulsões produtivas para o próprio prazer da semiose Vamos dizer desde já que este livro procura superar a alternativa voltando exa tamente às origens do conceito de signo para mostrar como a alternativa surgiu muito tarde e por uma série de fatores que serão discutidos no primeiro capítulo Em poucas palavras e para não repetir o que iremos dizer em seguida tratase de redescobrir que a idéia primeira de signo não estava baseada na igualdade na correlação fixa estabelecida pelo código na equivalência entre a expressão e conteúdo e sim na inferência na interpretação na dinâmica da semiose O signo das origens não corresponde ao modelo a b mas ao modelo se a então Remetendome às afirmações de Peirce é verdade que a semiose é uma ac ção ou influência a qual é ou implica uma cooperação de três sujeitos o signo seu objeto e seu interpretante de modo que esta influência relativa não pode de forma alguma resolverse em ações entre duplas CP 5484 Esta definição de semiose no entanto opõese à de signo só se esquecermos que quando neste contexto Peirce fala de signo não o entende em absoluto como entidade biplanar mas como expressão como representamen e por objeto não entende apenas o objeto dinâmico ou seja aquele a que o signo se refere mas também o objeto imediato aquele que o signo expressa ou seja seu significado O signo portan to acontece só quando uma expressão é imediatamente envolvida numa relação triádica na qual o terceiro termo o interpretante gera automaticamente uma nova interpretação e assim até o infinito Por isto para Peirce o signo não é apenas alguma coisa que está no lugar de alguma outra coisa ou seja está sempre mas só sob alguma relação ou capacidade Na realidade o signo é aquilo que sempre nos faz conhecer algo a mais CP 8332 É neste sentido que nos capítulos deste livro podemos encontrar o objeto sig no central em toda especulação semiótica do passado mas indissoluvelmente ligado ao processo de interpretação 4 Neste ponto uma semiótica geral e aqui temos que assumir a responsabilidade de afirmar que eIa se propõe como a forma mais madura de uma filosofia da lin guagem como o foi para Cassirer Husserl ou Wittgenstein tem precisamente o dever de elaborar categorias que lhe permitam ver um único problema lá onde as aparências encorajam a ver muitos e irredutíveis problemas 42 Filosofia da Linguagem À objeção comum dos filósofos da linguagem que sofrem de miopia e alguns de les são citados neste livro mas segundo o critério econômico da parte pelo todo de que uma nuvem não significa do mesmo modo como significa uma palavra responderemos que uma semiótica geral não parte absolutamente da convicção de que os dois fenômenos são da mesma natureza A revisitação histórica do pro blema ao contrário nos dirá exatamente que foram necessários muitos séculos de Platão a Santo Agostinho para ousar afirmar sem rodeios que uma nuvem a qual sob a espécie do índice significa a chuva e uma palavra a qual sob a espécie do símbolo significa a própria definição podiam ser reconduzidas à categoria mais ampla de signo O problema está exatamente em entender por que chegamos neste ponto e por que como veremos sempre nos afastamos nova mente dele numa dialética contínua de aproximações totalizadoras e fugas parti cularizadoras É banal dizer que uma nuvem é diferente de uma palavra Mesmo uma criança sabe disto É menos banal perguntarse nem que seja apenas a partir de alguns usos lingüísticos comuns irredutíveis ou de algumas obstinadas e seculares reite rações teóricas o que é que poderia estabelecer parentesco entre elas ECO 1991 p 914 6 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade ou seja da Filosofia da Linguagem como disciplina filo sófica da problemática envolvida entre a linguagem e o discurso filosófico etc A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões procure revisar os conteúdos estuda dos para sanar as suas dúvidas Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade Lembrese de que na Edu cação a Distância a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa compartilhe portanto as suas desco bertas com os seus colegas Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 43 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem 1 Quais as questões que determinam o conteúdo da Filosofia da Linguagem a A análise da Filosofia da Linguagem gira em torno de I Discurso metafísico as referências às noções abstratas e universais às categorias à correspondência entre coisa e palavra II Lógica declarações proposições premissas e as noções de validade e não validade III Epistemologia sobre a fundamentação de juízos que não provêm da experiência ou seja juízos a priori b A análise da Filosofia da Linguagem gira em torno de I A possibilidade de uma experiência possível II Epistemologia sobre a fundamentação de juízos que não provêm da experiência juízos a priori III Lógica declarações proposições premissas e as noções de valida de e não validade c A análise da Filosofia da Linguagem gira em torno de I Discurso metafísico as referências às noções abstratas e universais às categorias à correspondência entre coisa e palavra II Epistemologia sobre a fundamentação de juízos que não provêm da experiência juízos a priori d A análise da Filosofia da Linguagem gira em torno de I Discurso metafísico as referências às noções abstratas e universais às categorias à correspondência entre coisa e palavra II A possibilidade de uma experiência possível III Lógica declarações proposições premissas e as noções de valida de e não validade 2 Qual o entendimento de Russel de linguagem perfeita Assinale a alterna tiva correta a Segundo Russel a linguagem perfeita é aquela que acessa as coisas por meio de experiência mística b Segundo Russel a linguagem perfeita consiste na correspondência exata entre símbolos linguísticos e coisas ou situações reais simbolizados por eles c Segundo Russel a linguagem perfeita é aquela que usa como meio de expressar ideias as metáforas pois são estas que levam a uma ideia au têntica referente ao objeto significado d Segundo Russel a linguagem perfeita é aquela que revela as coisas em sua essência 3 No que consiste a ideia básica do atomismo lógico Identifique a alternativa correta a A ideia básica do atomista lógico consiste na hipótese de que a lingua gem perfeita poderá auxiliar na descoberta da natureza das relações 44 Filosofia da Linguagem existentes na realidade entre os fatos que as compõem e seus enuncia dos linguísticos adequados b A ideia básica do atomista lógico consiste na hipótese de que a lingua gem perfeita poderá auxiliar na descoberta da natureza das relações existentes na realidade entre as palavras que as compõem e seus enun ciados linguísticos adequados c A ideia básica do atomista lógico consiste na hipótese de que a lingua gem perfeita poderá revelar a natureza das relações ocultas entre os fa tos e suas condições d A ideia básica do atomista lógico consiste na hipótese de que a lingua gem perfeita poderá auxiliar na descoberta da natureza dos pressupos tos metafísicos 4 Segundo Humboldt a linguagem aparece como manifestação externa da vida interna dos povos A linguagem do povo afirma o filósofo é o seu espírito e este por sua vez é a sua linguagem Qual a tendência dessa afir mação Assinale a alternativa correta a Tendência do atomismo lógico b Tendência ontológica c Tendência fenomenológica d Tendência do senso comum e Tendência sociológica 5 O desenvolvimento intensivo do conhecimento científico da modernidade até nossos dias determinou o desenvolvimento de cada vez mais novas ciên cias e novas teorias Paralelamente com esse surto de ciências e teorias sur ge a necessidade cada vez mais presente de construção de correspondentes formas de linguagem que recebe o nome de linguagem científica especia lizada Inicialmente essa nova linguagem se constrói à base da linguagem natural todavia aos poucos ela abandona a naturalidade definitivamente por causa da introdução de equivalentes signos linguísticos que contemplam a especificidade da ciência ou teoria científica Surgem assim as linguagem científicas motivadas e estimuladas pelas ciências dedutivoformais Delas originamse por sua vez as linguagens formais da ciência Qual o caráter e a aplicação da linguagem natural Assinale a alternativa correta a Apenas a linguagem natural possui estrutura universal Essa universali dade se determina por sua estrutura e funcionamento polissemânticos A linguagem natural não cede à rigorosidade lógica Ainda mais ela já é por si mesma logicamente contraditória e esse seu caráter deriva da sua natureza polissemântica Em compensação disso ela é linguagem universal A natureza universal da linguagem natural significa ainda que nela sejam traduzíveis todas as outras linguagens b Apenas a linguagem natural possui estrutura universal Essa universali dade se determina pela sua estrutura e funcionamento monossemânti cos A linguagem natural é base da rigorosidade lógica Ainda mais ela já é por si mesma logicamente contraditória e esse seu caráter deriva da sua natureza monossemântica A natureza universal da linguagem natu ral significa ainda que nela sejam traduzíveis todas as outras linguagens 45 Claretiano Centro Universitário U1 Introdução à Filosofia da Linguagem c Apenas a linguagem natural não possui universalidade porque ela se de termina pela sua estrutura e funcionamento monossemânticos A lingua gem natural é base da expressão simbólica Ainda mais ela já é por si mesma logicamente contraditória e esse seu caráter deriva da sua natu reza monossemântica A monossemântica da linguagem natural significa que nela sejam traduzíveis todas as outras linguagens d Apenas a linguagem natural não possui universalidade porque ela se de termina pela sua estrutura e funcionamento polissemânticos A lingua gem natural é base da expressão simbólica Ainda mais ela já é por si mesma logicamente contraditória e esse seu caráter deriva da sua na tureza polissemântica A natureza polissemântica da linguagem natural significa ainda que nela sejam traduzíveis todas as outras linguagens Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 a 2 b 3 a 4 c 5 a 7 CONSIDERAÇÕES Como você pôde acompanhar os problemas que a Filoso fia da Linguagem enfrenta estão em íntima relação com aspectos fundamentais da Filosofia como a Metafísica a Lógica e a Teoria do Conhecimento No entanto na contemporaneidade essa disci plina vem adquirindo um campo de especulação próprio que em seu próprio desenvolvimento abre caminho para novas especula ções filosóficas que ainda não haviam sido tratadas na história da Filosofia ou se foram tratadas não foram pela mesma perspecti va De maneira geral nesta unidade você pôde vislumbrar quais são os principais problemas da Filosofia da Linguagem como por exemplo a pretensão da linguagem natural ou científica em ex pressar de maneira correta o mundo ao nosso redor 46 Filosofia da Linguagem Esperamos que você tenha captado o sentido desta nova dis ciplina filosófica e que as questões levantadas nesta primeira uni dade tenham suscitado o desejo de aprofundar seus estudos sobre a linguagem na perspectiva filosófica Bom estudo 8 EREFERÊNCIAS ALSTON W P O que é filosofia da Linguagem Disponível em httpwwwcfhufsc brwfilalstonhtm Acesso em 11 nov 2010 INFOAMÉRICA Humberto Eco perfil biográfico e acadêmico Disponível em http wwwinfoamericaorgteoriaeco1htm Acesso em 1 mar 2011 Lista de Figuras Figura 1 Humbero Eco Disponível em httpwwwrochesteredunewsphotoshires hi218jpg Acesso em 01 mar 2011 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES Metafísica Bauru Edipro 2006 ECO H Semiótica e a filosofia da linguagem São Paulo Ática 1991 HUMBOLDT W von Sobre a natureza da língua em geral Tradução de Paulo Oliveira In HEIDERMANN Werner WEININGER Markus J Orgs Wilhem von Humboldt Linguagem Literatura Bildung Florianópolis UFSC 2006 p 219 Carta a Schiller Sobre língua e poesia Tradução de Izabela Maria Furtado Kestler In HEIDERMANN Werner WEININGER Markus J Orgs Wilhem von Humboldt Linguagem Literatura Bildung Florianópolis UFSC 2006 p 180197 KRASTANOV S Nietzsche pathos artístico versus consciência moral Jundiaí Paco 2011 NIETZSCHE F Acerca da verdade e da mentira Tradução de Heloísa de Graça Burati São Paulo Rideel 2005 EAD Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem 2 1 OBJETIVOS Compreender a importância da linguagem para a configu ração do pensamento e do discurso filosófico Analisar a passagem do mito ao logos isto é o surgimen to da Filosofia como um problema fundamental diante da linguagem Estudar as reflexões sobre a linguagem na fase inicial do pensamento filosófico a partir do diálogo Crátilo 2 CONTEÚDOS Introdução Surgimento do logos O problema da linguagem em Platão Texto complementar Filosofia da Linguagem 48 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Para melhor compreender o conteúdo desta unidade é importante que você leia o diálogo Crátilo de Platão Não deixe de pesquisar e aprofundar seus estudos 2 Ao iniciar seus estudos é importante que você este ja familiarizado com os principais conceitos deste CRC Portanto não deixe de pesquisar em bons dicionários de Filosofia e principalmente no Tópico Glossário de Con ceitos nas Orientações para o estudo 3 Você pode expandir seus horizontes de compreensão destes conteúdos Basta pesquisar em sites livros revis tas e demais fontes Pesquise sempre 4 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de Platão Platão 427 347 a C Foi um filósofo grego nascido em Atenas na Grécia e pro fundo admirador de seu mestre Sócrates o principal per sonagem de sua obra que vem majoritariamente na forma de diálogos filosóficos DUCLÓS 2011 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade você terá a oportunidade de se familiarizar com os problemas em torno da linguagem em sua fase inicial Com efeito o processo de gradativa passagem da representação mito lógica à conceitual coincide com a passagem do mito ao logos e Figura 1 Platão 49 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem anuncia o surgimento da Filosofia Em seguida você tomará con tato com a posição platônica sobre a linguagem a partir do diálogo Crátilo Enfim perceberá que os problemas vinculados à lingua gem acompanham a especulação filosófica desde o seu nascimen to 5 O SURGIMENTO DO LOGOS A verdadeira história do logos incorporado na linguagem coincide perfeitamente com aquele evento marcante conhecido como surgimento da Filosofia ou seja quando gradativamente o mito cede lugar ao logos e a representação mitológica à repre sentação conceitual Essa é a época em que a linguagem começa a configurar mais definitivamente a vida dos homens da sociedade da econo mia da política e do direito As palavras como expressões do logos cada vez mais se materializam como ordem e domínio como meio de comunicação e transmissão de saberes e experiências Para ex plicitar devidamente esse fenômeno cultural embasado no logos faremos uma breve análise das duas visões dominantes no mundo antigo a visão mitológica e sua expressão metafórica e a visão filosófica e a sua expressão conceitual Até o século 6º aC a visão mitológica dominou por completo a consciência humana As tentativas dos homens de explicar o mun do que os circunda e os fenômenos da natureza cujos efeitos ele so fre resultam em criações de mitos É bem verdade que a explicação mitológica é precária e ingênua todavia é uma explicação e é bem melhor do que a falta de explicação Os primeiros protagonistas des se anseio por respostas são Homero e Hesíodo Os poetas contado res de fábulas constroem uma mundividência mitológica habitada por deuses monstros heróis e simples mortais A principal ferramenta dessa construção é a metáfora Seja oralmente transmitida seja por meio da escrita a metáfora é uma Filosofia da Linguagem 50 expressão figurativa da linguagem Ela apresenta uma fonte ines gotável de interpretações Por um lado esse caráter da metáfora exerce um poder mágico sobre a imaginação e estimula a criação artística por outro ela não tem o poder de construir ordenar e classificar o mundo em estruturas rígidas tal como faz o conceito por meio do logos que reside nele Como nota JeanPierre Vernant 1990 p 441 O pensamento racional tem um registro civil conhecese a sua data e seu lugar de nascimento Foi no século VI antes da nossa era nas cidades gregas da Ásia Menor que surgiu uma forma de reflexão nova inteiramente positiva sobre a natureza Não podemos compreender como a linguagem metafórica que é sujeita às mais diversas interpretações e perspectivas pôde governar o mundo tal como o faz o conceito por tanto tempo Uma lei por exemplo que deve vigorar para todos do mesmo modo portanto não pode ser expressa por metáforas mas so mente pela linguagem rigorosa do conceito É nesse sentido que se pode entender a passagem do mito ao logos da metáfora ao conceito Pelo poder de suscitar várias interpretações a metáfora possibilita o caos ao contrário do o conceito que pelo seu po der de designar e significar inequivocamente as coisas engendra em sua utilização a ordem cosmos Vemos então a importância da linguagem e sua função na compreensão e no domínio sobre o mundo A passagem da metáfora ao conceito anuncia a com preensão racional do mundo e do universo e marca o nascimento da Filosofia A partir daí a linguagem conceitual e seu artífice a razão tornamse os protagonistas de toda construção cultural econômica política e pedagógica do mundo ocidental Platão assume a posição de líder dessa empreitada racional Em seu diálogo Crátilo o filósofo dedica uma atenção especial aos problemas da linguagem com os quais você entrará em contato no tópico a seguir 51 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem 6 O PROBLEMA DA LINGUAGEM EM PLATÃO Como ressaltamos no tópico anterior Platão foi um dos pri meiros filósofos que dedicaram uma atenção especial ao proble ma da linguagem Como já foi dito é em seu diálogo Crátilo que ele nos coloca a par do problema da linguagem e da possibilidade de retratar o conhecimento e representar o mundo pelo logos Pla tão mostranos a natureza ambígua da linguagem Por um lado as palavras denotam tanto as imagens das coisas como também as coisas mesmas isto é as suas ideias Por outro lado como você deve recordar de seus estudos sobre Platão na teoria das ideias as imagens pertencem ao fluxo eterno sombras e portanto não podem ser objeto de conhecimento verdadeiro MONTENEGRO 2007 Em outras palavras a verdade não se associaria a tais coisas Ela só se aplicaria às coisas mesmas ou seja às ideias somente essas são verdadeiras Disso resulta que as mesmas palavras que significam simultaneamente as imagens e as ideias as primeiras não verdadeiras e as segundas verdadeiras não podem engen drar um critério legítimo e seguro que possa tornar clara a distin ção entre verdade e não verdade Isso em contrapartida daria ao relativismo empregado pelos sofistas um forte argumento contra a legitimidade do conhecimento Mas essa não é única aporia que se pode observar no diálogo se os nomes significam as coisas e é por meio deles que temos acesso a elas então como o criador das palavras o nomoteta dispunha dos nomes para denominar as coisas antes do seu conhecimento Segundo Montenegro 2007 tentando resolver essa apo ria Platão pela boca de Sócrates lança mão da existência de ou tros entes modelares que possam mostrar o que entre o fluxo e a permanência é verdadeiro antes da utilização da linguagem Essa posição introduzida por Sócrates afirma a possibilidade de o co nhecimento preceder a linguagem Mas assim o conhecimento deixaria de ser expressão do logos E se esse for o caso não seria isso um reconhecimento do caráter místico do conhecimento Filosofia da Linguagem 52 Antes de julgarmos precipitadamente devemos recorrer por meio da teoria das ideias de Platão à ligação íntima entre as ideias e a alma imortal por meio da qual se acessam as verdades eternas No diálogo Crátilo essa relação não é explicitamente tratada todavia é possível identificar nesse diálogo alguns momentos indicativos que nos levam a essa conclusão No decorrer da obra podemos observar uma parte dedicada à origem das palavras isto é à sua etimologia A análise etimológica destaca não apenas a concepção platônica de linguagem mas também a possibilidade de uma adequação entre coisa e palavra Esta por sua vez remete à relação entre as ideias e a alma Para retratarmos melhor essas relações subjacentes do diálogo faremos uma breve retomada do que se passa no diálogo Inicialmente vale relembrar que a obra especula a legitimi dade das palavras Hermógenes o interlocutor de Sócrates pro põe a tese segundo a qual os nomes são produtos de convenções Crátilo por sua vez afirma que os nomes significam as coisas mas estas nada mais são do que fluxo permanente Sócrates tenta re conciliar essa discussão que oscila entre o relativismo de Hermó genes e o mobilismo de Crátilo Sócrates nesse caso adota uma posição intermediária conforme a qual os nomes retratam as coi sas mas não as imagens das coisas imersas no fluxo permanente e sim as coisas mesmas a saber as ideias Mas essa tese sustentada por Sócrates também não satisfaz uma vez que os nomes são compostos por letras que não possuem um sig nificado próprio independente dos nomes que compõem Isso significa que a linguagem não será capaz de retratar inteiramente as coisas que significam muito menos as suas essências Sem a linguagem tornarse ia incomunicável o conhecimento e portanto o próprio processo peda gógico que necessariamente se utiliza da linguagem Para sair dessa armadilha Sócrates aponta para a natureza ambígua dos nomes Por um lado cabe ao nomoteta produzir os nomes de cada coisa e por outro cabe ao dialético a maestria de mostrar e conduzir à utilização legítima de tais nomes 53 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem A análise etimológica das palavras que Platão propõe no Crá tilo ressalta os seguintes pontos indicados por Sócrates como ob jeções a Hermógenes 1 Se existe essa arbitrariedade no ato de formação da lin guagem então certamente surgiria uma bagunça tal que não seria possível distinguir se uma palavra se refere a homem ou a cavalo 2 A diversidade dos nomes referentes a um mesmo objeto realmente existe mas se desse fato se pensa de modo universal então tudo seria sido misturado e as noções opostas como bem e mal não poderiam ser distingui das Segundo Sócrates o nome respectivamente a lin guagem é uma arma que serve de comunicação e dis tinção entre as coisas 3 A criação dos nomes ocorre a partir do nomoteta que cria os nomes conforme o modelo a ideia 4 A compreensão dos nomes tal como a compreensão da natureza das armas para a realização de determinadas ações requer conhecimento Tal conhecimento cabe à dialética Eis porque a atribuição de nomes que ocorre não de modo arbitrário mas de acordo com a natureza objetiva das coisas é resultado da aplicação da dialética 5 Rejeitando as opiniões sofísticas e adotando a visão ho mérica os interlocutores do diálogo dividem os nomes em dois grupos divinos e humanos Os primeiros cor respondem perfeitamente ao seu objeto enquanto os segundos somente em algum grau 6 Os nomes dados pelos homens podem ser legítimos ou ilegítimos todavia a ilegitimidade dos nomes não depende do caráter imperfeito da coisa uma vez que este não se pode denominar legitimamente Do mesmo modo a ilegitimidade dos nomes não depende da sua sonoridade 7 A legitimidade dos nomes depende da legitimidade da interpretação do objeto interpretado Tal interpretação é chamada por Sócrates de sabedoria e o seu resultado espécie Filosofia da Linguagem 54 8 Eis porque a legitimidade dos nomes não se reduz a uma simples imitação sonora Apesar de as palavras imitarem as coisas tal imitação é completamente específica não como se dá na música ou na pintura por exemplo pois o nome de cada coisa explicita a essência dessa coisa Imitar a voz dos carneiros ou das galinhas não é como denominar as suas vozes uma vez que para a denomi nação é necessário não apenas a imitação mas a imita ção consciente da essência A análise etimológica passa a examinar os nomes ela con forme Sócrates defende no diálogo não é arbitrária mas tende a ressaltar a força do nome de conservar a essência da coisa designa da Entre outros nomes Sócrates analisa a etimologia dos nomes divinos Assim por exemplo caso o nome de Hermes signifique aquele que preside os discursos o nome do seu filho Pan tam bém deveria ter guardado algo de comum Nesse caso Sócrates esforçase para mostrar que o deus Pan todas as coisas teria algo a ver com os discursos uma vez que To pan significa discursos O significado de Pan remete a um hybris conflito entre homem e bode que segundo a interpretação de Sócrates remete aos dis cursos mistos verdadeiros e falsos Com essa interpretação Só crates parece recuperar a importância da tese convencionalista de Hermógenes Outra análise etimológica que no diálogo assume importân cia primordial pelas implicações que dela derivam é a dos nomes de Hades e Apolo Segundo Sócrates esses nomes foram in vertidos Sendo assim Hades não significaria invisível mas re meteria ao anseio de se alcançar após a morte quando a alma se liberta da sua prisão corporal o modelo ideal de homem Essa posição encontrada no diálogo Fédon parece ganhar corpo tam bém no diálogo Crátilo ao se fazer a analogia entre o Hades e o filósofo que anseia a morte como libertação da alma imortal Apolo por sua vez cujo nome tomado em sua raiz etimológi ca applimúo destruir é invertido por Sócrates em catarse ou 55 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem purificação que liberta Essa ideia é defendida por Dixsaut 2003 que estabelece uma ligação íntima nesse caso entre Crátilo e Fé don que consiste na inversão da ideia da morte por meio da qual o filósofo se libera do sensível do mutável e do ilusório O aban dono da φύσις phýsis pela morte anuncia a vida verdadeira que o filósofo por meio da dialética já encarnava ainda em sua vida sensível As etimologias de alma psyché e corpo soma também são submetidas a exame O sentido tradicional de alma como aquilo que refrigera o corpo é substituído por Sócrates por natureza do corpo que vive e circula O corpo soma por sua vez é reduzido a sema prisão A análise etimológica operada no diálogo não para por aí Ela se estende longamente no decorrer do diálogo Examinamse palavras como phýsis phronesis episteme nôus noesis sophia etc Uma importância muito significativa cabe às inter pretações das palavras mobilidade e fluxo o que certamente comprovaria a tese de Crátilo Logo em seguida essa tese é obje tada por Sócrates afirmando que vários nomes podem significar uma mesma coisa Para sustentar essa ideia Sócrates recorre à tese convencionalista de Hermógenes que mesmo não sendo uma das melhores possui um significado considerável e importante Referente à relação entre conhecimento e a linguagem Só crates propõe que seria melhor buscar o conhecimento das coisas por meio delas e não por intermédio da linguagem Essa posição porém como vimos anteriormente coloca a linguagem em uma posição desfavorável e com ela a própria atividade filosófica uma vez que o discurso é a principal ferramenta do filósofo Todavia essa não é a posição final do diálogo A parte dedicada às etimologias fornecenos algumas saídas das dificuldades por meio da dialética A arte da dialética mostra que é possível romper com a confusão dos nomes e utilizálos le gitimamente Se o conhecimento consiste na atividade da alma de Filosofia da Linguagem 56 fixar registrar e reconhecer nas coisas a sua essência os nomes como representantes do logos imitam essa fixação e imobilizam por assim dizer o fluxo Nesse sentido a linguagem reitera aquilo que a alma em sua atividade cognoscente registra Assim a lin guagem na mão do dialético aquele que deve indicar o uso legí timo da linguagem proporcionaria o conhecimento das essências das coisas afastandose do seu caráter fluído E é nesse sentido que a linguagem acessa a verdade Essa atividade da linguagem que se desenvolve por meio da dialética tem como tarefa primor dial o ensinamento Pois a essência que a alma reconhece e re gistra das coisas só pode ser relatada pela linguagem Esse relato porém nada mais é do que a reminiscência do que a alma já tinha contemplado no mundo ideal Justamente por isso o relato deve ser desenvolvido pela dialética que se configura entre o mestre e o discípulo Todas as dificuldades e aporias em torno da linguagem que o diálogo revela tratam portanto de ressaltar a atividade peculiar do filósofo enquanto dialético de separar ordenar ensinar e utili zar a linguagem em sua função de logos em sua função de traduzir a essência das coisas contemplada antes pela alma 7 TEXTO COMPLEMENTAR A fim de que você possa aprofundar seu conhecimento sobre os problemas da linguagem no diálogo Crátilo de Platão apresen tamos a seguir um artigo a respeito da posição platônica sobre a linguagem Linguagem e realidade uma análise do Crátilo de Platão Este artigo visa esclarecer a concepção da linguagem particularmente do nome que Platão apresenta em seu diálogo Crátilo Entretanto julgamos que uma de suas características mais importantes ou seja seu estilo paródico talvez ainda não tenha sido suficientemente explicitada Essa característica estilística por sua vez tem profundas implicações para a correta leitura do texto e a clara compreensão do pensamento lingüístico platônico antes 57 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem do diálogo O Sofista Sem essa clareza o texto pode levar como de fato levou a interpretações diferentes e até mesmo contraditórias de seu conteúdo Podese estabelecer no Crátilo uma primeira análise em duas partes de acordo com o interlocutor de Sócrates São dois Hermógenes um discípulo seu e Crátilo pensador de vertente heraclitiana O primeiro participa com Sócrates na maior par te do diálogo Crat 383a427d e o segundo apenas no quarto final Crat 427d 440e É possível também subdividir a parte inicial em três seções Primeiramente temos uma introdução Crat 383a384e onde Hermógenes expõe a Sócrates resumidamente as posições que se confrontam quanto à questão do fundamento da linguagem Em resumo para Crátilo cada coisa tem por natureza um nome apropriado e que não se trata da denominação que alguns homens convencionaram darlhes Crat 383a o que está de acordo com a teoria na turalista dos nomes segundo a qual as palavras têm sentido certo e sempre o mesmo Para Hermógenes ao contrário os nomes das coisas são estabelecidos por convenção humana Essa questão tomou em geral o nome de controvérsia physisnomos ou physisthesis Colocado diante dessas duas posições Sócrates aceita examinálas Começa primeiramente pela tese admitida por Hermógenes e a parte 384e387d do diálogo será a sua crítica uma vez que a sua conseqüência mais imediata seria a total impossibilidade de conhecimento através da linguagem devido ao seu ca ráter completamente arbitrário dando nesse caso razão aos sofistas para os quais basta falar para dizer a verdade Sócrates procura reduzir essa arbitrariedade primeiramente ressaltando o caráter coletivo da convenção que se opõe ao particular subjetivo Em seguida já que Hermógenes como seu discípulo fiel aceita que a relação entre Linguagem e Mundo possa ser verdadeira ou falsa e que portanto os nomes enquanto par tes de proposições verdadeiras devem ser necessariamente verdadeiros limita a convenção a convencionar o verdadeiro Esta conclusão favorece o afastamento de Sócrates na obra de posições sofísticas Finalmente como Hermógenes ainda resiste Sócrates critica a tese de Protágoras da nãoexistência nas próprias coisas de uma essência de algum modo permanen te sendo a verdade o real a opinião de cada um segundo as coisas lhe pareçam Para Protágoras não há essência só aparência não há verdade absoluta todo o conhecimento é pessoal e particular Refuta também a tese de Eutidemo segundo a qual as coisas são semelhantes e sempre para todo o mundo Crat 386a Para Sócrates as coisas devem ser em si mesmas de essência permanente não estão em relação conosco nem na nossa dependência nem podem ser desloca das em todos os sentidos por nossa fantasia porém existem por si mesmas de acordo com sua essência natural Crat 386de Assim o Mundo sejam os objetos sejam as ações tem uma organização per manente A diferença necessária entre o bom e o mau o judicioso e o insensato a razão e a semrazão diferença esta herdada por Platão do socratismo puro implica nisso Da mesma forma que a natureza de um corte depende da natureza do objeto cortante e da natureza do objeto cortado o dizer humano deve procurar recortar o Mundo segundo a natureza desse mesmo Mundo Toda técnica humana techne se apóia na physis e age conforme sua própria natureza Filosofia da Linguagem 58 Exemplificando se uma tesoura corta uma folha de papel é porque a folha é cor tável isso faz parte de sua natureza O Mundo também se é recortado pela linguagem o é devido a sua natureza da qual faz parte ser recortável assim ou dizendo o mesmo de outro modo conjuntizável assim já que o que existe é uma única operação separarreunir Mas isso não significa que o seja de qualquer ma neira O Mundo não admite qualquer sentido Neste século as análises semânticas de línguas de povos indígenas com concep ções radicalmente diferentes das categorias européias tradicionais favoreceram a noção de um certo relativismo de base lingüística para o qual não haveria um Mundo mas sim vários tantos quantas fossem as estruturas lingüísticas existen tes O exemplo da diversidade de organização do campo semântico das cores foi repetido várias vezes como um paradigma incontestável De fato temos línguas em que o que nós discernimos pelos nomes de amarelo e verde são represen tados por apenas um nome Ou ao contrário o que nós chamamos de azul seja claro ou escuro para certas línguas tem dois nomes diferentes e não são encara das como sendo a mesma cor Mas o que é esquecido nesses casos é que se são apresentadas várias organizações possíveis é porque há um substrato físico que as permite mas não a todas as organizações ou recortes Assim por exemplo não há línguas que agrupem sob um mesmo nome o branco e o preto É o continuum físico real do espectro luminoso que orienta a diversidade de pos sibilidades de se dar nomes às cores Para Platão da mesma forma essa ordem fundamental do Mundo impõe um limite à arbitrariedade da linguagem Essa arbitrariedade só se manifesta no que chamaría mos hoje de significante do signo lingüístico O onoma geralmente traduzido por nome em Platão antes do diálogo O Sofista é instrumento para informar a respeito das coi sas e para separálas de acordo com sua natureza pois só enquanto de alguma forma ligada ao Mundo a linguagem sendo uma techne poderá operar sobre ele Quem tem o conhecimento para julgar a adequação dos nomes criados é o dia lético que os usa para interrogar e responder A justeza orthotes do instrumento só patentearseá no contato com o Mundo para o qual e a partir do qual foi feito Esse o motivo de Platão criticar a teoria convencionalista na sua versão mais radi cal pois dessa forma estaria excluída por sua total arbitrariedade qualquer utiliza ção filosófica da linguagem Privarmonos disso isto é do discurso com efeito seria desde logo perda suprema privarnos da filosofia Sof 260a Na terceira parte do diálogo Crátilo 387d427a Hermógenes apresenta uma certa resistência à crítica de Sócrates e pede uma demonstração da natural exatidão dos nomes Sócrates corrige essa formulação dizendo que os nomes não são exatos mas que têm uma certa correção physei te tina orthoteta echon Crat 391ab Assim concluindo que há algo de certo no que Crátilo diz ou seja que os nomes das coisas derivam da sua natureza e que nem todo homem é demiurgo de no mes perguntase que orthotes que justeza é esta a dos nomes Paradoxalmente o que Sócrates irá demonstrar nessa parte central do diálogo pela aplicação da posição de Crátilo a aproximadamente 140 nomes é que o mé todo etimológico é apenas uma engenhosidade humana com um caráter muitas vezes derrisório O que mais propriamente faz é parodiar o método etimológico expondo suas falhas e levantando conexões com doutrinas filosóficas certamente criticáveis para Platão Essa exposição clara do método levandoo até o seu fun damento que é como veremos a imitação da essência das coisas por meio de 59 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem sons e sílabas assumida pelo próprio Sócrates e que ocupa uma grande parte do diálogo é fundamental para problematizar o naturalismo lingüístico Ao que pare ce Crátilo assim como Heráclito é um tanto obscuro na expressão bem no início do diálogo Hermógenes pedira a Sócrates para interpretar o oráculo de Crátilo Sem essa exposição esse desvelamento do procedimento etimológico não seria possível criticálo de uma maneira completa Assim Sócrates começa mandando Hermógenes procurar um sofista para apren der com ele a exatidão dos nomes mas como seu discípulo não tem dinheiro para pagar as aulas indicalhe o exame de Homero como se este fosse uma espécie de sofista dos pobres Nos poemas homéricos distingüemse nomes dados por deu ses e dados por homens como no caso do rio Xanto Escamandro ou diferentes nomes dados ao mesmo referente como por exemplo AstianaxEscamandrio para o filho de Heitor Nesse exame etimológico Sócrates propõe o princípio diretor de que é certo dar o mesmo nome ao pai e ao filho Novo sinal de que durante essa parte do diálogo as coisas não são como parecem o que não impediu alguns comentaristas da obra de tomarem a sério as palavras de Platão é o pequeno aviso que Sócrates dá a Hermógenes e indiretamente o autor desse diálogo dá aos seus leitores Mas acautelate para que eu não faça alguma tramóia contigo Ao dizer isto e neste contexto de que o gerador e o ge rado devem ter o mesmo nome Sócrates brinca com o nome de Hermógenes o qual logo no início do diálogo confessouse intrigado porque Crátilo lhe havia dito que conforme a sua teoria os nomes Sócrates e Crátilo que por sinal têm em comum a palavra kratos poder força eram naturais mas o de Hermógenes não Como Crátilo guardasse para si o sentido irônico dessa afirmação Hermógenes pede a ajuda de Sócrates que diz tratarse de uma brincadeira de Crátilo talvez com isso queira insinuar que desejarias ser rico porém nunca chegas a adquirir fortuna por não ser de fato filho de Hermes como seu nome sugeriria e muda de assunto O sentido no entanto parece ser outro De fato Hermes é por excelência o fornecedor de bens mas outra característica sua é ser como o chama Mircea Eliade um trickster isto é um trapaceiro um velhaco caracterizado por sua as túcia É nesse sentido que Hermógenes não é Hermógenes pois é ao contrário ingênuo Será entretanto o próprio Sócrates que assumirá temporariamente esse parentesco com Hermes Hermógenes terá um papel útil a partir daqui no diálogo que visa sobretudo Crá tilo diríamos um inocente útil no confronto agônico entre duas forças Útil porque acompanhará e concordará com Sócrates em qualquer ponto fazendo o movimento dialético fluir mesmo sendo previamente avisado de que será des viado do caminho correto Platão enfatiza o caráter excepcional dessa incursão etimológica Hermógenes será finalmente útil no final do diálogo como exemplo vivo e presente de que o método etimológico é falho É através do próprio ser do seu interlocutor seja sua docilidade seja sua insubmissão seja o seu próprio nome que Sócrates conduz o método dialético Essa tramóia de Sócrates assumindo aqui uma postura que critica não é simples não se dá pela simples dicção do falso no lugar do verdadeiro Há na verdade uma mescla Por entre as 140 etimologias encontramse críticas a Heráclito cuja doutrina Platão aprendeu do próprio Crátilo na juventude Mas mesmo no caráter falho desse método alguma verdade se manifesta Assim desde a primeira eti Filosofia da Linguagem 60 mologia que associa theoi deuses a thein correr é o mobilismo heraclitiano que entra em cena Esse mobilismo não é negado por Platão de uma forma total já que em O Sofista o movimento é considerado como um dos gêneros fundamentais mas juntamente com o repouso Caso contrário nenhum conhecimento verdadeiro seria possível já que o Mundo seria apenas um fluxo permanente onde nenhum objeto estabilizarseia o suficiente para ser conhecido ou mesmo denominado O que Platão evidencia nessas etimologias é a incongruência do método já que um mesmo onoma pode por natureza nos levar à idéia do movimento e do repouso como a palavra episteme por exemplo sendo que para Platão esses dois gêneros podem estar em comunhão com os seres mas não entre si pois isto significaria o aniquilamen to de ambos Já para Heráclito ao contrário justamente o fato de episteme levar tanto ao repouso como ao movimento seria uma evidência de que os nomes existem por natureza pois manisfestarseia nesse nome o princípio da unidade dos opostos Voltando ao texto Sócrates começa a aplicar o princípio de que cada ser deve receber o nome do gênero a que pertence para que seja correto justo Sendo assim começa a escalar uma linha genealógica ascendente evidentemente patrilinear que vai de filho a pai de heróis a deuses apresentando o sentido etimológico de cada nome próprio Orestes caráter feroz e selvagem asperezas das montanhas Agamêmnon admirável em persistência Atreu obstinado intemerato funesto Pélops só vê o que se encontra próximo Tântalo o mais infeliz dos homens Zeus causa da vida Cronos pureza limpidez de entendimento Urano que olha para cima Hermógenes mostrase admirado por essa ascensão ao mundo divino que o méto do proporciona Sócrates diz ser um conhecimento que caiu sobre ele não se sabe de onde como uma espécie de inspiração provavelmente influência da conversa pela manhã com o advinho Eutífron Diz ele É bem possível que seu entusiasmo não somente me tivesse deixado os ouvidos cheios com sua sabedoria como tam bém apoderouse de minha alma e em seguida aproveitemos neste resto de dia essa influência para concluirmos o que falta dizer sobre os nomes Essa referência a Eutífron só pode ser interpretada como pura ironia socrática já que no diálogo homônimo ele é apresentado como um fanático religioso que considerava ser piedoso acusar o próprio pai do assassinato de um escravo es cravo este que era assassino por sua vez sem contar o fato de o pai de Eutífron têlo matado por descuido A aproximação do método etimológico com a inspiração divinatória evidencia a falsa postura de Sócrates e o caráter insuficiente da teoria naturalista dos nomes Quanto à influência de Eutífron ela será transitória como podemos observar logo em seguida mas amanhã caso estejas de acordo expul semola por meio de esconjuros e purifiquemonos se por ventura encontrarmos alguém que entenda de purificação quer seja sacerdote ou sofista Como os nomes de heróis e de homens em geral propiciam o engano a inves tigação recairá sobre nomes relacionados com as coisas eternas aei ontá e a 61 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem natureza Assim dada a explicação etimológica é prolifera e ao mesmo tempo de cepcionante Muitos nomes são explicados pelo recurso ao sensível Assim theoi de thein por ter observado que todos eles se movem perpetuamente em seu curso Aqui os deuses theoi são associados aos astros que percorrem thein o céu Outros têm quatro significados possíveis como o nome do deus Apolo e outros ainda são mesmo humorísticos como selene lua que derivaria de selae noneoaeia termo forjado ao que parece por Platão composto de selas luz neos nova enos precedente e aei sempre Hermógenes chega a dizer que lhe soa este nome como um ditirambo tipo de verso que é usado algumas vezes em invec tivas cômicas E quando não é mais possível lançar mão de nenhuma explicação melhor utilizase o expediente de que é uma expressão bárbara Notese que esta primeira etapa do método que procura uma definição no onoma tal nome Zeus vale por um logos Crat 396a só é possível devido ao ca ráter tipológico sintético do grego no qual os morfemas componentes em alguns casos são facilmente identificáveis Todas essas derivações são entremeadas com repetidas expressões de ironia por parte de Sócrates como estas há bastante probabilidade se não tomar cuidado de hoje mesmo vir a ficar mais sábio do que seria razoável descobri meu caro um colmeal de sabedoria como são excelentes os cavalos de Eutífton que o conduzem pelo método etimológico penso que me adiantei bastante no terreno da sabedoria vesti a pele do leão como o herói Héracles que também tinha traços cômicos Todas essas expressões devem nos acautelar sobre a firmeza da defesa que Platão faz do método etimológico que trata de expor Como já dissemos antes a maior parte das etimologias é explicada por termos de movimento e suas nuances Contra esse mobilismo de fundo heraclitiano Platão se coloca claramente na seguinte passagem onde diz em uma bela com paração com forte ironia parece que os homens de antigamente quando estabeleceram os nomes se encontravam em situação idêntica a da maioria dos sábios do nosso tempo os quais à força de andar à roda para investigar a natureza das coisas acabam tomados de vertigem acreditando que são as próprias coisas que giram e que tudo o mais ao redor deles é pelo mesmo teor Não atribuem a culpa dessa maneira de pensar ao que se passa em seu íntimo mas imaginam que decorre das próprias coisas que nada é estável e permanente e que tudo passa e se movimenta e se encontra em permanente estado de modificação e geração Crat 411bc Desse modo uma série de termos do vocabulário do conhecimento encontra tam bém uma origem etimológica no movimento O mais curioso dentre esses talvez seja noesis a prestigiada ação intelectual que Platão explica etimologicamente por neou hesis ou seja nada mais nada menos que desejo de novidade Mas o verdadeiro limite da investigação etimológica encontrase nos nomes primi tivos já que não são compostos de outras palavras e portanto nem explicáveis por nenhum outro nome Para estudar o seu exato significado devese empregar algum método novo no qual os nomes primitivos serão a mimesis vocal da coisa imitada A partir desse momento o nome não será visto mais como instrumento natural mas como imagem mais ou menos imperfeita de um eidos de uma For ma E Platão lança mão de novas comparações do mesmo modo que o pintor reproduziu uma figura por meio da pintura aqui também criaremos a linguagem por meio da arte do nome ou do falar Filosofia da Linguagem 62 Todo o problema reside agora em verificar se as palavras primitivas foram forma das como convém pois se elas são o fundamento das derivadas toda a investi gação poderá ficar comprometida com um erro aqui como ficará patenteado mais tarde Ao final dessa parte Sócrates parece retornar a si mesmo e acaba por dizer Afiguramse sobremodo impertinentes e ridículas as reflexões que tenho formula do acerca dos nomes primitivos Crat 426b A quarta e última parte do Crátilo 427d440e começa com Sócrates não se res ponsabilizando por nada que dissera enquanto que Crátilo parece ter se deliciado com tantas etimologias em certa medida fantasiosas Desse modo Platão fará aqui uma crítica explícita da teoria naturalista a partir de uma revisão geral de tudo o que foi dito pois não há nada pior do que enganar alguém a si próprio Crat 428d São portanto retomadas as teses da teoria naturalista para melhor refutálas São elas 1 a correta aplicação dos nomes consiste em mostrar como é constituída a coisa Tanto a criação dos nomes primitivos como a dos derivados implica em erros de julgamento o que introduz a falsidade entre as palavras Como os nomes não são uma reprodução exata uma verdadeira duplicação mas a sua natureza é a de apresentar semelhanças parciais e modificáveis já que a representação não deixa de ser representação por acréscimo ou subtração pois o que ela representa é um typos um conjunto de traços fundamentais há uma necessidade de encontrarse um critério de verdade para as imagens ou representações que podem ser ou fal sas ou verdadeiras Não como dizia Hermógenes nem falsas nem verdadeiras e também não como em Crátilo para o qual eram sempre verdadeiras Assim para Platão um objeto seria bem nomeado se todos os traços essenciais estivessem presentes no onoma Como nos nomes ocorrem também letras desse melhantes que transmitem outro sentido a comunicação só é possível desde que haja também um certo grau de convenção já que por ela a representação se firma tanto no semelhante quanto no dessemelhante A convenção é um expediente ine vitável que completa a relação parcialmente natural com a coisa nomeada 2 a enunciação dos nomes tem por finalidade a instrução sendo seu único mé todo verdadeiro Isso para Platão não poderia ser de forma alguma verdadeiro primeiro porque como vimos os nomes podem ter embutidos em si um elemento convencional arbitrário em segundo lugar porque se houve um erro inicial na denominação todo o desenvolvi mento posterior ficará comprometido e em terceiro se é afirmado que só é possível conhecer as coisas pelos nomes como os primeiros fazedores de nomes conhece ram as coisas uma vez que os nomes primitivos não tinham ainda sido fixados Uma possível explicação sobrehumana divina é rapidamente descartada Neste diálogo Platão considera suficiente chegarse à conclusão de que não é por meio de seus nomes que devemos procurar conhecer ou estudar as coisas mas de preferência por meio delas mesmas O conhecimento direto do auto da própria coisa é anterior e superior a seus nomes No entanto essa conclusão não exclui de forma total por si só qualquer utilização dialética da linguagem No final de sua vida na Carta VII distingue Platão três elementos intermediários entre este auto tão fundamental e o seu conhecimento a episteme que reside na alma a psyche São eles o onoma o logos e o eidolon ou seja o nome a definição e a imagem Se é inegável que os elementos mais impor 63 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem tantes são o objeto real e conhecível to auto e o conhecimento psíquico lie epis teme e que nome definição e imagem apresentam variabilidade e contradição é sem dúvida por meio do penoso contato com esses elementos auxiliares em certas condições favoráveis que pode o filósofo alçarse até o inteligível A imper feição dos onomata enquanto participantes da natureza da mimesis não permite o seu desvinculamento da questão da verdade como defende a tese convencio nalista nem o seu vínculo necessário com o eidos a Forma enquanto instrumento de uma techne técnica justa que o identifica plenamente com a physis e o torna o único método verdadeiro de conhecimento segundo a tese naturalista Concluindo a posição de Platão nessa controvérsia contrapõese assim a uma os cilação entre dois extremos que as teorias gregas da linguagem manifestam ou uma extrema confiança em que o nome diz a verdade Heráclito e as primeiras tragédias ou uma extrema desconfiança em que os nomes são nada mais do que nomes Par mênides Demócrito e sofistas identificando linguagem opinião e verdade Para Platão o discurso é de natureza híbrida verdadeira e falsa ao mesmo tem po Crat 408c como Pan não por acaso filho de Hermes o que nele há de verdadeiro é macio e divino e reside no alto com os deuses por outro lado o que há de falso mora em baixo com a multidão dos homens Na visão platônica da palavra na sua função de representação do inteligível mesmo que um tanto de gradada as duas teses contrárias convergem e são superadas tendo ambas algo do verdadeiro eidos do onoma Desse modo a linguagem enquanto instrumento tem o seu papel no aprimora mento do intelecto e é um meio na busca do conhecimento da essência nesse ir e vir entre onoma logos eidolon e to auto mas devido a sua imperfeição enquanto imitação é ao mesmo tempo um obstáculo à intuição pura das Formas Eternas pela alma imortal que não admitiria nenhuma mediação Em geral as interpretações dos historiadores da Lingüística sobre o Crátilo apresentam uma abordagem ingênua em relação ao texto Sem dar ouvidos aos avisos que Platão tantas vezes como vimos acima coloca na boca de Sócrates levam a sério seu longo exercício etimológico que nada mais é do que a desmontagem desse método e con cluem que o autor ao final não toma qualquer partido na controvérsia physisnomos Discordamos portanto que este diálogo em particular tenha um caráter aporéti co como os primeiros de simples negação de teses opostas demonstrando sim plesmente a sua imperfeição Há algo positivo sendo enunciado os nomes são simultaneamente por natureza e por convenção Sendo os nomes nessa fase do pensamento lingüístico de Platão a essência do dizer da linguagem esse é o pressuposto necessário implicado pelo dogma platônico de que o conhecimento humano é possível e de que a linguagem tem propriedades que permitem ao mes mo tempo a enunciação do verdadeiro e do falso PIQUÉ 1996 p 139157 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade Filosofia da Linguagem 64 1 Qual o evento que determina o surgimento do logos Assinale a alternativa correta a O surgimento do logos na linguagem por meio do qual esta adquire ca ráter rigoroso e exato começa a partir dos ciclos épicos b O surgimento do logos incorporado na linguagem coincide perfeitamen te com aquele evento marcante conhecido como surgimento da Filoso fia ou seja quando gradativamente o mito cede lugar ao logos e a re presentação mitológica ao termo Essa é a época em que a linguagem começa a configurar mais definitivamente a vida dos homens da socie dade da economia da política e do direito c O surgimento do logos na linguagem por meio do qual esta adquire ca ráter rigoroso e universal começa a partir da construção dualista da on tologia platônica d O surgimento do logos na linguagem por meio do qual esta adquire ca ráter rigoroso e universal começa a partir dos tratados lógicos de Aris tóteles 2 Como podemos definir a metáfora Assinale a alternativa correta a A metáfora é uma expressão figurativa da linguagem Ela apresenta uma fonte inesgotável de interpretações b A metáfora é uma expressão figurativa da linguagem cuja função é orde nar e classificar o mundo em estruturas rígidas c A metáfora é uma expressão figurativa da linguagem cuja função é orde nar e classificar o mundo em estruturas universais d A metáfora é uma expressão figurativa da linguagem cuja função consis te em interpretação do mundo em estruturas universais 3 Em que sentido a linguagem se torna problema na Filosofia de Platão Assi nale a alternativa correta a Platão mostranos a natureza ambígua da linguagem por um lado as palavras são tanto conceitos como também metáforas Por outro lado as metáforas são interpretações e figuras da linguagem diferentes para cada indivíduo Nesse caso não será possível nem a comunicação ade quada nem a verdade b Platão mostranos a natureza ambígua da linguagem uma vez que as palavras se confundem com as coisas Conforme sabemos na teoria das ideias as coisas pertencem ao físico e portanto não se podem conhecer verdadeiramente A verdade só é aplicada às ideias Somente essas são verdadeiras Disso resulta que as mesmas palavras sendo criações físi cas não podem expressar a verdade em si c Platão mostranos a natureza ambígua da linguagem as palavras deno tam tanto figuras de linguagens como também figuras de coisas Mas entre ambas figuras de linguagem e figuras de coisas existe um abismo ontológico e portanto as palavras são contraditórias e incapazes de ex pressar ambas as coisas d Platão mostranos a natureza ambígua da linguagem as palavras denotam tanto as imagens das coisas como também suas ideias Todavia as ima 65 Claretiano Centro Universitário U2 Primeiros Problemas Filosóficos Sobre a Linguagem gens pertencem ao fluxo e portanto não se podem conhecer verdadeira mente Em outras palavras a verdade não se associaria a tais coisas Esta só é aplicada às ideias Somente elas são verdadeiras Disso resulta que as mesmas palavras que significam simultaneamente as imagens e as ideias as primeiras não verdadeiras e as segundas verdadeiras não se podem nortear por um critério legítimo que possa fazer clara distinção entre a verdade e a não verdade Isso em contrapartida daria ao relativismo dos sofistas forte argumento contra a legitimidade do conhecimento 4 Todas as dificuldades e aporias em torno da linguagem que o diálogo Crátilo revela tratam de ressaltar qual aspecto da atividade do filosofo a Atividade dialética isto é de separar ordenar ensinar e utilizar a lin guagem em sua função de logos ou seja em sua função de traduzir a essência das coisas contemplada antes pela alma b Atividade moral isto é estabelecer e conservar os conceitos que nor teiam as regras morais c Atividade política pois a linguagem é meio de comunicação de ideias políticas Com efeito sem a linguagem a política tão importante para a sociedade grega se torna impossível d Atividade retórica isto é o domínio da arte de falar bem Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 b 2 a 3 d 4 a 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade você pôde acompanhar como a questão lin guística acompanha a Filosofia desde seu nascimento na Grécia Antiga no século 6º aC Viu também que com Platão a investi gação racional da qual ele é o grande defensor naquele período exigiu uma profunda investigação sobre a natureza da linguagem e sua capacidade de comunicar a verdade expressa pelo logos em seu diálogo Crátilo Filosofia da Linguagem 66 Esperamos que você tenha compreendido como a lingua gem se configurou como um problema fundamental para a Filo sofia desde seus primórdios e que este estudo tenha contribuído com sua formação filosófica 10 EREFERÊNCIAS DUCLÓS M Platão bigrafia e pensamentos Disponível em httpwwwconsciencia orgplataoshtml Acesso em 1 mar 2011 Lista de figuras Figura 1 Platão disponível em httpwwwconscienciaorgplataoshtml Acesso em 1 mar 2011 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIXAUT M La Natura Filosofica saggio sui dialoghi di Platone Napoli Lofredo 2003 KRASTANOV S Nietzsche pathos artístico versus consciência moral Jundiaí Paco 2011 MONTENEGRO M A P Linguagem e conhecimento no Crátilo de Platão Kriterion Belo Horizonte n 116 p 367377 dez 2007 PLATÃO Crátilo Lisboa Instituto Piaget 2002 PIQUÉ J F Linguagem e realidade uma análise do Crátilo de Platão Letras Curitiba n 46 p 139157 1996 VERNANT JP A formação do pensamento positivo na Grécia Arcaica In Mito e Pensamento entre os Gregos Rio de Janeiro Paz e Terra 1990 EAD Ontologia e Linguagem na Idade Média 3 1 OBJETIVOS Estudar o problema da linguagem durante a Idade Média a partir da discussão dos universais Compreender os argumentos das partes antagônicas des sa discussão realistas e nominalistas Analisar as soluções teóricas dos pensadores mais fluen tes dessa discussão tais como Porfírio Boécio Abelardo e William de Occam entre os outros Entender a importância da discussão sobre a linguagem e suas implicações ontoteológicas 2 CONTEÚDOS O problema da linguagem e a discussão medieval dos uni versais Boécio e o problema dos universais Filosofia da Linguagem 68 Realismo versus nominalismo e a posição de Abelardo Conceitualismo de Abelardo Nominalismo extremo de William de Occam Texto complementar 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Faça uma revisão de seus estudos sobre o problema dos universais principalmente sobre as posições de Porfírio Boécio e Willian de Occam também conhecido como Guilherme de Occam Para isso recomendamos que pesquise a obra de Etienne Gilson A Filosofia na Idade Média a referência completa consta no Tópico Referên cias Bibliográficas 2 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de Aristóteles Aristóteles 384322 aC Foi um filósofo grego nascido na cidade de Estagira na Calcídica Macedônia distante 320 quilômetros de Atenas Essa cidade foi por muito tempo colonizada pelos jônicos e em virtude disto ali se falava um dialeto jônico O nome do pai de Aristóteles era Nicômaco um médico Aristóte les foi criado junto com um grupo de médicos amigos de seu pai Nicômaco chegou a servir a corte macedônica a serviço do rei Amintas pai de Felipe futuro rei Na sua juventude teria jogado fora seu patrimônio e aos dezoito anos foi para Atenas a fim de aperfeiçoar sua espirituali dade e lá ingressou na Academia onde se tornou discípu lo de Platão o que marcaria profundamente sua biografia DUCLÓS 2011 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior vimos como foram tratadas as questões que giram em torno da linguagem na Antiguidade dando ênfase Figura 1 Aristóteles 69 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média à concepção platônica exposta no diálogo Crátilo Nesta unidade você aprofundará seus conhecimentos sobre a principal discussão intelectual que se estende durante toda a Idade Média conhecida como a questão dos universais Essa discussão além de contribuir bastante com a especulação filosófica sobre a linguagem destaca também a importante relação entre o domínio lógico e o domínio ontológico junto às suas implicações epistemológicas e teológicas No escopo desta unidade colocamse as concepções filosóficas dos realistas e dos nominalistas 5 O PROBLEMA DA LINGUAGEM E A QUESTÃO DOS UNIVERSAIS O problema vinculado à linguagem durante a Idade Média podese resumir na discussão medieval dos universais Essa dis cussão iniciada por Boécio a partir dos seus comentários sobre a obra Isagoge de Porfírio domina por completo o cenário da espe culação filosófica ao longo de toda a época medieval Essa discus são possui não apenas implicações lógicas metafísicas e episte mológicas mas também implicações teológicas Justamente por isso essa discussão assume papel de principal protagonista nos debates intelectuais da época Porfírio na sua introdução às Categorias de Aristóteles Isagoge levanta a seguinte interrogação referente aos predicados Antes de mais no que tange aos gêneros e às espécies acerca da questão de saber 1 se são realidades subsistentes em si mesmas ou se consistem apenas em simples conceitos mentais 2 ou ad mitindo que sejam realidades subsistentes se são corpóreas ou in corpóreas e 3 neste último caso se são separadas ou se existem nas coisas sensíveis e dependem delas PORFÍRIO apud SANTOS 2011 p 17 Desse trecho podemse extrair três questões fundamentais no que se refere aos termos gerais ou universais a saber Filosofia da Linguagem 70 1 Os gêneros e as espécies isto é os universais são entes realmente existentes ou são apenas nomes e concep ções do intelecto 2 Caso sejam entes reais são corporais ou incorporais 3 Caso sejam incorporais estão dentro ou fora das coisas A primeira questão como se pode observar coloca duas al ternativas 1 os universais são entes reais 2 são apenas nomes e noções do intelecto Como você pode perceber a segunda questão parte do pres suposto de que os universais são entes reais Nesse caso tratase de saber se são corporais ou incorporais A terceira questão colocada por Porfírio especula sobre o lu gar dos universais a saber se eles estão fora das coisas ante rem ou dentro das coisas in re Esse problema envolve a velha discus são entre Platão e Aristóteles Conforme a teoria das ideais de Platão os universais são transcendentes às coisas sensíveis e existem independentemente delas fora do tempo e do espaço ante rem Com isso Platão afir ma o status ontológico dos universais Aristóteles por sua vez diferentemente do seu mestre consi dera os universais como imanentes às coisas sensíveis in re Sendo assim os universais são sujeitos às mudanças espaçotemporais Vale observar que a posição aristotélica oscila entre o status lógico e onto lógico dos universais Para que você possa compreender melhor a natureza dos universais tais como Aristóteles os concebeu vale retomar alguns aspectos importantes da sua obra Categorias tais como a distin ção entre substância primeira e substância segunda Substância primeira segundo Aristóteles é substância no sentido pleno da palavra Com essa noção o filósofo designa o indivíduo concreto que é produto da união da matéria e forma Como tal a substância 71 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média primeira é o suporte de toda predicação mas ela não se predica a nada Sócrates por exemplo é uma substância primeira A ela podem ser predicadas várias características tais como homem ra cional etc A substância segunda no entendimento de Aristóteles está contida in re na substância primeira como predicado Esse tipo de substância se predica a vários sujeitos ou substâncias primeiras Homem assim como mortal e racional é substância segun da que se aplica a Sócrates Platão Aristóteles enfim a todos os homens Por essa razão a substância segunda é universal Feitas essas explicações sobre a natureza dos universais vale observar que eles implicam dois aspectos lógico e ontológico O aspecto lógico caracterizase pela predicabilidade ao passo que o aspecto ontológico se caracteriza pela comunidade Aristóteles define o universal como sendo o que é apto por natureza a ser predicado de vários De Interpretatione 7 17b Mas essa defini ção se refere ao seu aspecto lógico isto é de ser predicado a várias coisas Em sua obra Metafísica Aristóteles afirma Há coisas universais e coisas particulares e denomino universal isso cuja natureza é a de ser afirmada de vários sujeitos e de particular o que não pode tal por exemplo homem é um termo universal e Cálias um termo singular VIII 13 1038b O universal como se pode observar constitui a natureza co mum e como tal é imanente a muitos seres Esse é seu aspecto ontológico de comunidade Com isso podese concluir que quando Aristóteles se refere aos universais ele os pensa em duplo sentido como concepções do intelecto palavras e como coisas Mas esse duplo sentido dos universais engendra várias dificuldades entre os quais cabe desta car a seguinte existem palavras singulares cuja função é signifi car algo determinado Mas algo determinado pode ser significado por meio de nomes próprios como Sócrates por exemplo Em contrapartida existem termos gerais cuja função é serem predi Filosofia da Linguagem 72 cados de várias coisas Se as palavras como afirma Aristóteles são exteriorizações das noções que se encontram na mente en tão os termos gerais são símbolos externos das noções geradas no intelecto Mas será que existe uma realidade para além do intelecto um res universale que corresponde aos termos gerais tais como o nome Sócrates corresponde ao indivíduo Sócrates isto é pode mos apontar esse res universale tal como podemos apontar Sócra tes quando ouvimos o seu nome Em outras palavras existe algo como racionalidade no mundo tal como existe um Sócrates Além dessa dificuldade Aristóteles envolvenos em outra problemática Ela consiste no seguinte se há coisas universais como elas se predicam a várias outras coisas Isso significa que existem coisas universais predicáveis às próprias coisas Nesse caso a noção de predicação deve sofrer uma alteração significa tiva que passa do domínio lógico para o domínio ontológico Em outras palavras será possível fazer do universal um objeto da on tologia Essa herança aristotélica sobre os problemas em torno dos universais dominou por completo as especulações medievais Bo écio foi o primeiro a retomar a velha discussão a partir dos seus comentários sobre as Categorias de Aristóteles Para tentar resolver essa difícil aporia Boécio parte do as pecto comunidade dos universais Justamente essa noção per mite a Boécio tratar os universais em sua dimensão ontológica Isso significa que se os indivíduos de uma espécie como por exemplo os homens possuem algo em comum mediante o qual se definem como tais então esse algo em comum deve estar contido simul taneamente em todos os indivíduos da mesma espécie É isso que torna possíveis as proposições Sócrates é homem Platão é ho mem Aristóteles é homem etc Mais do que na Antiguidade na Idade Média o problema dos universais é crucial do ponto de vista ontológico uma vez que 73 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média ele também envolve problemas teológicos tais como a da natu reza dupla de Cristo o pecado original ou seja dogmas que caso os universais não possuíssem a dimensão ontológica ficariam sem sentido e deixariam na incerteza os dogmas fundamentais que sustentam a religião cristã O que seria do dogma do pecado original se os universais não existissem realmente O que seria de Cristo se não existisse nele ao mesmo tempo a natureza humana e divina Eis porque a questão dos universais na Idade Média e a sua adesão à dimensão ontológica é fundamental Mas que tipo de universais deve existir como entidades reais ou como ideias platônicas Vejamos o exemplo a seguir Figura 2 Concepção de substância aristotélica Veja que na Figura 2 a substância segunda é sempre um predi cado animal racional homem grego e filósofo Entretanto qual desses predicados é essencial a Sócrates Por exemplo dizemos que ser filósofo é essencial a Sócrates ou Sócrates poderia não ser filósofo E no caso do predicado animal será que Sócrates poderia não ser animal E racional E homem E grego Algumas dessas características parecem mais essenciais que outras Ser animal racional e homem parece que é mais essen cial a Sócrates do que ser filósofo e grego Nesse sentido para os cristãos realistas por exemplo animal racional e homem fariam parte da essência de Sócrates enquanto filósofo e grego seriam apenas acidentes os quais Sócrates poderia não ser Filosofia da Linguagem 74 O problema na questão dos predicados que caracteriza a questão dos universais fica evidente a partir do momento em que se faz necessário distinguir aqueles predicados que se referem a um ser ontológico como as ideias de Platão e aqueles que se re ferem apenas a acidentes da substância primeira como aquelas características que pertencem a um determinado contexto como por exemplo ser filósofo Vamos verificar como os filósofos medievais encararam es ses paradoxos da linguagem Boécio e o problema dos universais Como você pôde acompanhar Boécio é o primeiro pensador no contexto medieval que retoma com todo vigor o problema dos universais A primeira questão formulada por Porfírio a saber se os universais são entes reais ou somente nomes Boécio não vacila a responder que os universais são entes reais Negar isso confor me ele destituiria o pensamento e a linguagem de objetos reais o que não apenas deixaria sem sentido os universais como tam bém desestruturaria por completo o nosso pensamento Na segunda questão levantada por Porfírio caso os univer sais sejam entes reais são corporais ou incorporais Boécio res ponde que os universais devido ao seu aspecto de comunidade isto é de serem comuns a vários entes não podem ser corporais e portanto são incorporais A terceira questão que coloca no escopo o topos ou o lugar dos universais ou seja se eles estão fora das coisas ante rem ou dentro das coisas in re retomando assim a velha discussão en tre Platão e Aristóteles Boécio parece inclinar ao peripatetismo Segundo ele realmente existentes são os objetos concretos nos quais estão contidos os universais Evidentemente segundo o fi lósofo os universais não se podem separar realmente dos objetos concretos sem destruílos mas podemos sim mentalmente por meio de abstração acessar os universais Nesse caso os universais 75 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média assumem para Boécio a importância de essências reais imanen tes aos objetos concretos permanecendo assim de acordo com a posição aristotélica Todavia essa posição de Boécio não é a única Ela deriva se gundo ele do fato de que se trata da análise e de comentários da obra Categorias de Aristóteles Isso é comprovado pelo livro V da sua obra Consolação da Filosofia Nessa obra encontramos uma concepção puramente platônica sobre os universais De acordo com essa concepção os universais nada mais são do que as ideias de Deus que enquanto tais existem realmente fora das coisas e são conforme isso transcendentes ao mundo criado Com essa nova posição Boécio praticamente deixa a ques tão dos universais em aberto Realismo versus nominalismo e a posição de Abelardo O forte crescimento da dialética e da lógica durante o século 11 coloca em destaque o problema dos universais A discussão vale lembrar gira acerca do lugar da sua existência ou seja são eles puras formações mentais palavras e termos ou são coisas realmente existentes Aqueles para os quais os universais são apenas nomes como você deve lembrar de seus estudos de História da Filosofia Medieval são chamados de nominalistas Já aqueles que afirmam a existência real dos universais são denominados realistas Para esses últimos os universais para terem sentido devem existir re almente pois se a verdade como ensina Aristóteles é adequação do conhecimento com a coisa então a verdade seria aquela que indica algo realmente existente Portanto os termos gerais exis tem realmente fora do nosso pensamento como substâncias reais diante das quais os indivíduos possuem somente uma existência acidental Filosofia da Linguagem 76 Na sua disputa acirrada com Guilherme de Champeaux Abe lardo obrigou seu mestre a mudar de posição com relação a seu re alismo extremo Segundo Abelardo se existe realmente uma subs tância humana então ela deveria estar presente inteiramente em Sócrates e também em Platão Disso resulta que por substância ambos são idênticos o que é realmente absurdo Por sua vez o nominalismo extremo reconhece como real mente existente apenas o indivíduo ou a coisa concreta enquanto os universais são reduzidos apenas a nomes ou melhor a emis sões de voz meras produções sonoras Defensor dessa posição era o outro mestre de Abelardo Roscelino Este negava qualquer realidade dos termos gerais reduzindoos a puros nomes Para ele o universal não significava nenhum ente real As palavras são apenas materialidade sonora flatus vocis e elas significam as coi sas a que se referem Não há portanto nenhuma realidade que subjaz por trás dos universais A discussão dos universais é essencialmente teórica todavia como vimos anteriormente ela envolve implicações teológicas Caso sejam realmente existentes somente os indivíduos e os ter mos gerais são somente nomes vazios então a cristandade teria problemas para manter o dogma da trindade divina da natureza dupla de Cristo do pecado original etc O conceitualismo de Abelardo Segundo Abelardo os termos gerais não podem ser coisas res porque a sua função lógica é serem predicados da proposi ção isto é que se referem a muitas coisas individuais Portanto os universais são palavras ou nomes Colocandose na posição do nominalismo Abelardo todavia distinguese completamente do verbalismo de Roscelino afirmando que tais nomes não são sim plesmente palavras mas noções portadoras de significado lógi co Tais noções constituem o conteúdo do nosso pensamento Elas se formam pela abstração 77 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média A teoria da abstração de Abelardo inclui necessariamente a presença de algo geral na realidade Nesse caso é possível a abs tração de uma qualidade de muitos diferentes objetos justamente porque tal qualidade se encontra realmente neles Com isso Abe lardo aproximase da posição aristotélica segundo a qual o geral é a forma imanente nas coisas Em outras palavras o conceitualismo de Abelardo requer uma ontologia imanentista de tipo peripatético Todavia em sua doutrina ontológica Abelardo segue não Aristóteles mas Platão segundo o qual as ideias gerais são trans cendentes às coisas sensíveis Esse impacto entre uma lógica do tipo peripatético e uma ontologia do tipo platônica Abelardo tenta reconciliar a partir da sua teoria do status O status segundo Abelardo é a determinação da própria coisa assim como é a forma aristotélica Todavia o lugar real do status é o intelecto de Deus Assim o status praticamente assume a característica de ideia de Deus da coisa concreta existente po rém fora da coisa A partir da teoria do status fica claro que é possível formar mentalmente a noção geral de muitos objetos diferentes justa mente porque eles têm um status igual estão num degrau da hierarquia do ser A noção universal de homem por exemplo é possível porque Deus ordenou todos os homens em um degrau ontológico O nominalismo extremo de William de Occam A discussão sobre os universais após Abelardo é retomada por William de Occam Este se coloca em plena defesa do nomi nalismo Segundo Occam os universais não possuem existência real A existência dos universais segundo ele leva inevitavelmen te ao absurdo pois se o universal existisse ele deveria ser tratado como particular e nesse caso ele deveria ser uno Mas não se pode explicar como poderá estar presente em muitas coisas sen do uno Essas considerações levam Occam à conclusão de que os Filosofia da Linguagem 78 universais não possuem realidade fora do intelecto Sendo assim Occam interrogase sobre a realidade do universal no interior do intelecto Para o nominalista os universais não passam de criações mentais cujas funções consistem em significar ou seja constituir as proposições por meio das quais as ciências operam As proposições são compostas por termos que cumprem a função de substituir os objetos suppositio Segundo Occam exis tem três tipos de suppositio Suppositio materialis quando o termo significa a palavra que o constitui Por exemplo homem é uma palavra Nesse caso a palavra homem é considerada em sua pró pria materialidade Suppositio personalis nesse caso o termo exerce a fun ção de significar coisas reais Por exemplo o homem canta O termo homem nesse caso designa uma pes soa individual Suppositio simplex o termo significa algo comum Por exemplo o homem é uma espécie Aqui o homem não significa um indivíduo mas uma comunidade Ate agora a questão dos universais era do poder da lógica A metafísica segundo Occam começa quando se coloca a questão o que corresponde como realidade a esse universal e o que o ter mo de uma proposição designa num caso de suppositio simplex Como vimos os adeptos do realismo insistiram na existência dos universais como entes reais ao passo que os adeptos do no minalismo insistiram que os universais não passam de nomes ou concepções do intelecto A posição de Occam a esse respeito é bastante categórica O que existe na realidade isto é para além do pensamento segundo o filosofo é apenas a coisa particular Nesse caso evidentemente os universais que se referem a várias coisas particulares não pos suem existência real fora do pensamento 79 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média Em contrapartida os indivíduos enquanto objetos do conhe cimento podem ser classificados por meio dos universais gêneros e espécies Sendo assim podemos concluir que para Occam os universais são apenas substitutos das coisas no discurso e como tais não existem na realidade Com essa sua posição Occam atesta a sua adesão integral ao nominalismo Realmente a Idade Média por meio das discussões sobre os universais contribuiu imensamente sobre a especulação filosófica sobre a linguagem 6 TEXTO COMPLEMENTAR O texto a seguir tem o propósito não apenas de enriquecer o seu estudo sobre a Filosofia da Linguagem mas também de enfati zar a sua importância no contexto filosófico da Idade Média Os universais A Idade Média parte de uma posição extrema o realismo e termina na outra so lução extrema e oposta o nominalismo O nominalismo é decerto antigo quase tanto quanto o realismo e a história de ambos apresenta várias complicações e distintos matizes mas a linha geral do processo histórico é a que acabamos de indicar O realismo que está em pleno vigor até o século XII afirma que os univer sais são res coisas A forma extrema do realismo considera que estão presentes em todos os indivíduos que neles se incluem e portanto não há uma diferença essencial entre eles diferem apenas por seus acidentes são anteriores às coi sas individuais ante rem Em essência haveria apenas um homem e a distinção entre os indivíduos seria puramente acidental Isso corresponde à negação da existência individual e beira perigosamente o panteísmo Por outro lado a solução realista era de grande simplicidade e além disso prestavase à interpretação de vários dogmas por exemplo o do pecado original se em essência existe apenas um único homem o pecado de Adão afeta naturalmente a essência humana e portanto todos os homens posteriores O realismo está representado por Santo Anselmo e em forma extrema por Guilherme de Champeaux séculos XIXII Mas logo surgem adversários da tese realista A partir do século XI aparece o que se chamou nominalismo principalmente com Roscelino de Compiègne O que existe são os indivíduos não existe nada na natureza que seja universal este exis te apenas na mente como algo posterior às coisas post rem e sua expressão é a palavra Roscelino chega a uma pura interpretação verbalista dos universais nada mais são senão sopros da voz flatus vocis Mas essa teoria é também muito Filosofia da Linguagem 80 perigosa se o realismo exagerado ameaçava levar ao panteísmo o nominalismo aplicado à Trindade nos conduz ao triteísmo se existem três pessoas existem três deuses A encarnação também se torna de difícil compreensão dentro das idéias de Roscelino As duas primeiras soluções são portanto imperfeitas e não resolvem a questão Um longo e paciente trabalho mental desenvolvido por uma parcela não desprezível de judeus e árabes leva a fórmulas mais maduras e sutis no século XIII especialmente em Santo Tomás O século XIII traz para o problema dos universais soluções próprias tratase de um realismo moderado Reconhecese que a verdadeira substância é o indivíduo como afirmava Aristóteles a quem invocam Santo Alberto Magno e Santo Tomás O indivíduo é a substância primeira próte ousía Mas não se trata tampouco de um nominalismo o indivíduo é verdadeira realidade mas é indivíduo de uma es pécie e surge dela por individuação portanto para explicar a realidade individual fazse necessário um princípio de individuação principium individuationis Santo Tomás diz que os universais são formaliter produtos do espírito mas fundamenta liter estão fundados no real extramental Os universais considerados formalmen te ou seja enquanto tais são produtos da mente não existem aí sem mais nem menos são algo que a mente faz mas têm um fundamento in re na realidade O universal tem uma existência mas não como uma coisa separada e sim como um momento das coisas não é res como queriam os realistas extremados mas tampouco é uma palavra é in re Tratase agora de encontrar um princípio de individuação Ou seja o que é que faz com que este seja este e nãoaquele outro Santo Tomás diz que um indivíduo é apenas matéria signata quantitate A matéria quantificada é portanto o princípio de individuação uma certa quantidade de matéria é o que individualiza a forma universal que a informa Mas não esqueçamos que há uma hierarquia dos entes que vai da matériaprima ao ato puro Deus A matériaprima não pode existir atualmente porque é pura possibilidade mas a matéria informada pode ser forma ou matéria conforme a consideremos por exemplo a madeira é uma certa forma mas matéria de uma mesa há portanto uma série de formas hierárquicas num mesmo ente e há formas essenciais e formas acidentais Esse princípio de indi viduação coloca para Santo Tomás um grave problema e os anjos Os anjos não têm matéria como é possível neles a individuação De nenhum modo segundo a solução tomista Santo Tomás diz que os anjos não são indivíduos mas espécies a unidade angélica não é individual mas específica e cada espécie se esgota em cada anjo No período final da Idade Média o problema dos universais sofre uma evolução profunda Já em mãos de João Duns Escoto o grande franciscano inglês e sobre tudo nas de Guilherme de Ockham voltase à formulação nominalista da questão Duns Escoto faz muitas distinções a distinctio realis a distinctio formalis e a dis tinctio formalis a parte rei A distinção real é a existente entre as várias coisas por exemplo entre um elefante e uma mesa a distinção de razão é a que eu estabeleço ao considerar a coisa em seus diversos aspectos e pode ser efetiva ou puramente nominal é efetiva se distingo por exemplo um jarro como reci piente de água ou como objeto de adorno a distinção nominal não corresponde à realidade da coisa apenas à sua mera denominação A distinctio formalis a parte rei é também formal mas não a parte intellectus e sim a parte rei isto é não se trata de coisas numericamente distintas mas não é o pensamento quem coloca a distinção e sim a própria coisa Assim para Duns Escoto um homem tem várias formas uma forma humana ou humanitas mas além desta uma forma que o 81 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média distingue dos demais homens isso é uma distinção formal a parte rei o que Duns Escoto denomina com um termo próprio haecceitas ou hecceidade A haeccei tas consiste em ser haec res esta coisa Em Pedro e em Paulo está toda a essên cia humana mas em Pedro há uma formalitas a mais que é a petreidade e em Paulo apaulidade Esse é o princípio da individuação em Duns Escoto que não é apenas material como na metafísica tomista mas também formal A posição de Duns Escoto abre caminho para o nominalismo A partir de então e em especial no século XIV vão se multiplicar as distinções e vaise afirmar cada vez mais a existência dos indivíduos Já em Duns Escoto sem excluir a forma es pecífica são formalitates Ockham dá um passo a mais e nega totalmente a exis tência dos universais na natureza São exclusivamente criações do espírito da mente são termos daí o nome de terminismo dado também a essa linha E os termos são simplesmente signos das coisas substituem na mente a multiplicidade das coisas Não são convenções mas signos naturais As coisas são conheci das mediante seus conceitos e esses são universais para conhecer um indivíduo preciso do universal da idéia quando com Ockham os universais passam a ser entendidos como meros signos o conhecimento passa a ser simbólico Ockham é o artífice de uma grande renúncia o homem vai renunciar a ter coisas e se resig nará a ficar só com seus símbolos Será isso que tornará possível o conhecimento simbólico matemático e a física moderna que nasce nas escolas nominalistas so bretudo de Paris A física aristotélica e a medieval queriam conhecer o movimento as causas mesmas a física moderna se contenta com signos matemáticos de tudo isso segundo Galileu o livro da natureza está escrito com signos matemáticos te remos uma física que mede variações de movimento mas renuncia a saber o que o movimento é Vemos como a dialética interna do problema dos universais assim como a da criação leva o homem do século XV a voltar os olhos para o mundo e fazer uma ciência da natureza A terceira grande questão da filosofia medieval o problema da razão centrará definitivamente o homem nesse novo tema que é o mundo MARÍAS 2004 p 143147 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Referente à discussão dos universais no que diz respeito aos gêneros e às espécies podemos definir a sua problemática assim a A questão é saber se os universais são realidades em si mesmas ou ape nas simples concepções do intelecto e admitindo que sejam realidades substanciais se são corpóreas ou incorpóreas se enfim são separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes b A questão é saber se os universais são realidades em si mesmas ou ape nas simples concepções do intelecto e admitindo que sejam simples concepções do intelecto se são corpóreas ou incorpóreas se enfim são separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes Filosofia da Linguagem 82 c A questão é saber se os universais são realidades em si mesmas ou ape nas simples concepções do intelecto e admitindo que sejam simples concepções do intelecto se são corpóreas ou incorpóreas se enfim são separadas ou se apenas subsistem no intelecto humano d A questão é saber se os universais são abstrações concretas ou apenas simples concepções do intelecto e admitindo que sejam abstrações concretas se são corpóreas ou incorpóreas se enfim são separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes 2 O que afirma o nominalismo extremo Assinale a alternativa correta a Os universais são termos gerais b Os universais são coisas abstratas c Os universais são apenas nomes d Os universais são termos universais Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 a 2 c 8 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade você teve a oportunidade de conhecer como o problema da linguagem suscitou grande interesse por parte dos filósofos e teólogos medievais A discussão sobre os gêneros e as espécies ou melhor sobre os universais foi a grande questão das discussões filosóficas da Idade Média Apesar de não se tratar de uma Filosofia da Linguagem como a entendemos contemporane amente temos de estar atentos para o fato de que é a linguagem que como pano de fundo de uma discussão ontoteológica faz sur gir as grandes questões que causaram perplexidade aos espíritos mais eruditos do período medieval Assim a proposta foi conhecer o problema da linguagem du rante a Idade Média a partir da discussão dos universais Para isso tivemos de compreender os argumentos das partes antagônicas 83 Claretiano Centro Universitário U3 Ontologia e Linguagem na Idade Média dessa discussão a saber realistas e nominalistas além de analisar as soluções teóricas dos pensadores mais fluentes dessa discussão tais como Porfírio Boécio Abelardo e William de Occam Dessa forma foi possível entender a importância da discussão sobre a linguagem e suas implicações ontoteológicas no período medieval Esperamos que você tenha aproveitado bem os conteúdos aqui apresentados Na próxima unidade você irá conhecer os pro blemas que a linguagem suscitou durante a época moderna Para isso o estudo proposto gira em torno de dois grandes filósofos o inglês John Locke e o francês JeanJaques Rousseau Vamos lá 9 EREFERÊNCIAS DUCLÓS M Aristóteles biografia e pensamentos Disponível em httpwww conscienciaorgaristotelesshtml Acesso em 1 mar 2011 MARÍAS J Os grandes temas da Idade Média I Os universais Disponível em http sumateologicawordpresscom20100414osgrandestemasdaidademediaios universais Acesso em 12 jan 2011 SANTOS B S Antologia de textos Disponível em httpwwwbentosilvasantoscom cmsindexphpDepdeFilosofiaProjetosdePesquisa Acesso em 23 fev 2011 Lista de Figuras Figura 1 Aristóteles Disponível em httpwwwconscienciaorgaristotelesshtml Acesso em 1 mar 2011 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES Categorías De interpretatione Editado por Alfonso García Suárez Madrid Tecnos 1999 Metafísica Belo Horizonte Loyola 2002 3v GILSON E A Filosofia na Idade Média São Paulo Martins Fontes 2001 KRASTANOV S Nietzsche pathos artístico versus consciência moral Jundiaí Paco 2011 MARÍAS J História da Filosofia São Paulo Martins Fontes 2004 EAD Linguagem em Locke e Rousseau 4 1 OBJETIVOS Compreender as preocupações dos filósofos modernos em especial de Locke em busca de uma linguagem legítima e adequada Conhecer a crítica russeauniana sobre a linguagem con ceitual e as suas implicações para a vida humana 2 CONTEÚDOS Locke e a Filosofia da Linguagem Rousseau e a linguagem romântica Texto complementar 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia da Linguagem 86 1 Para aprofundar seus estudos não deixe de pesquisar as obras a seguir LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano São Paulo Abril 1973 Os Pensadores ROUSSEAU JeanJacques Ensaio sobre o entendi mento das línguas 2 ed São Paulo Abril Cultural 1978 Os Pensadores 2 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser in teressante conhecer um pouco da biografia dos pensa dores cujo pensamento norteia o estudo desta unidade Para saber mais acesse os sites indicados John Locke 1632 1704 Locke aponta duas fontes para o conhecimento empírico ele é derivado da experiência sensível ou da reflexão As idéias estão no intelecto e no mundo objetivo existe algo que tem o poder de fazer o intelecto entendêlas como tal Um corpo tem qualidades primárias como a exten são a solidez a figura E secundárias como a cor o odor e o sabor As secundárias são variações das primárias são subjetivas parecem como são para os sentidos As idéias simples forçam uma passividade por parte do su jeito que pode operar sob diversos modos sob os dados dos sentidos e sob a reflexão formando assim as idéias complexas As idéias se conservam depois de percebi das DUCLÓS 2011 JeanJaques Rousseau 1712 1778 Nasceu em 28071712 em Genebra Suíça numa famí lia de origem francesa e protestante À medida que triunfava de seus contraditores Rousseau sentia firmar sua convicção de que a inadaptação permanente de que sofria não vinha de uma fraqueza pessoal de um vício de constituição mas de uma lenta corrupção das socieda des Traça um quadro acrescido de um histórico das so ciedades humanas demonstrando que as desigualdades são frutos da civilização Suas convicções são ditadas por um sentimento profundo pois cita as inúmeras misérias que encontrava em sua vida aventurosa PIROLA 2011 Figura 1 John Locke Figura 2 JeanJaques Rousseau 87 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior você teve a oportunidade de estudar as principais concepções dos realistas e nominalistas que configuram a grandiosa discussão dos universais Nesta unidade você estudará algumas concepções sobre a linguagem a partir da modernidade entre as quais cabe destaque as concepções de Locke e Rousseau A modernidade em busca de uma rigorosidade científica influen ciada pelo significativo progresso das ciências modernas coloca o problema da linguagem como um dos aspectos fundamentais desse anseio de rigor Todavia entre a busca desenfreada de ri gor linguístico encontramse posições opostas tal como é a de Rousseau que inclina a um retorno ao romantismo linguístico que possa acessar as paixões dos ouvintes 5 LOCKE E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM A especulação sobre a linguagem na modernidade teve sua origem com a obra fundamental de Locke Ensaio acerca do en tendimento humano de 1690 em que o empirista inglês vincula o estudo sobre os signos linguísticos em relação à sua epistemolo gia Segundo Coxito 1995 diferentemente dos escolásticos para os quais a linguagem se associava sobretudo com a lógica e a gra mática para Locke a linguagem apresenta um problema episte mológico uma vez que por meio dela é que o conhecimento vem à tona e se comunica Nesse sentido Locke afirma Existe uma tão intima relação entre idéias e palavras e as nossas idéias abstratas e as palavras gerais tem uma relação tão constante entre si que é impossível falar clara e distintamente sobre o nosso conhecimento todo ele constituído por proposições sem consi derar em primeiro lugar a natureza o uso e a significação da lingua gem apud COXITO 1995 A partir desse trecho fica evidente a necessidade de uma análise pormenorizada sobre os signos linguísticos a fim de tornar mais compreensível a sua concepção epistemológica Filosofia da Linguagem 88 Inicialmente você deve notar que a especulação de Locke sobre a linguagem visa antes de tudo fixar a utilização legítima da linguagem uma vez que é por meio dela que o nosso conhecimen to se comunica A respeito da função comunicativa da linguagem Locke afirma Visto que Deus criou o homem para viver em sociedade e a socie dade humana não pode subsistir se os homens não expressarem claramente entre si o que pensam foi necessário instituir um meio pelo qual as percepções da mente saíssem por assim dizer do seu domicilio e se manifestassem aos outros Por via disso Deus não pôde encontrar outra coisa mais adequada e excelente do que unir os nossos pensamentos à linguagem humana de modo que ouvi da esta pudéssemos perceber com clareza o que os outros conce bem no seu espírito apud COXITO 1995 p 285 O trecho citado não deixa dúvidas da importância da análise da linguagem para a constituição não somente do fenômeno social e moral mas também das questões diretamente relacionadas à ciência Em sua análise sobre a linguagem Locke aponta para sua ori gem convencionalista ou seja aponta para o fato de que os signos linguísticos são constituídos arbitrariamente a fim de designar as coisas Caso contrário afirma Locke existiria apenas uma única linguagem para todos os homens apud COXITO 1995 p 286 A origem convencionalista da linguagem por sua vez mostra que os signos linguísticos não possuem origem natural ou seja não há uma relação natural entre signo e objeto significado Não há portanto uma correspondência necessária entre lógico lin guístico e ontológico Caso não exista tal correspondência os no mes que designam as coisas por convenções não serão capaz de se pronunciarem sobre as essências das coisas significadas e portan to serão incapazes de se referir sobre o conhecimento destas Todavia apesar de não haver uma correspondência exata e necessária entre o objeto e a palavra que o significa para Locke as palavras exteriorizam as ideias que se encontram no espírito no ato comunicativo Diz ele as palavras na sua significação pri 89 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau mária ou imediata estão apenas no lugar das idéias presentes no espírito de quem as usa apud COXITO 1995 p 290 Mas vale observar as palavras correspondem às ideias que o indivíduo for ma na sua relação com objetos de tal modo que para diferentes indivíduos haverá diferentes ideias Segundo Locke a palavra ouro por exemplo corresponde rá para à ideia de amarelo e para outro à ideia de peso malea bilidade etc Isso significa que a ideia formada pela experiência não possui um caráter objetivo e universalmente válido mas subjetivo e relativo Nesse caso as palavras estabelecidas por convenções aplicamse às ideias particulares formadas pela experiência sub jetiva o que significa que não pode haver uma correspondência exata entre o sinal linguístico e a ideia É o que Locke nos diz é evidente que qualquer pessoa pode aplicar tal palavra apenas а sua própria idéia não podendo fazer com que ela esteja como sinal no lugar duma idéia complexa diferente da que efetiva mente possui apud COXITO 1995 p 291 Esse trecho evidentemente destaca o fato de que uma e mes ma palavra pode significar ideias diferentes para diferentes indiví duos Se as palavras significam ideias então não se pode utilizar as palavras sem ter ideias que correspondam a elas A ideia nesse caso deve ser compreendida na sua conotação empírica como o conteúdo da consciência ou como material do conhecimento A concepção da linguagem exposta por Locke certamente re cusa o nexo necessário entre a linguagem e a realidade com efei to a linguagem não será capaz de espelhar a natureza das coisas ou seja da realidade A posição de Locke assim entendida aparece como contra ponto da concepção escolástica da linguagem na sua versão re alista que afirmava a identidade entre universal e essencial Em outras palavras para a tradição escolástica definir uma coisa por meio dos universais é dizer a sua essência Para essa tradição as propriedades peculiares de cada objeto não são essenciais e o Filosofia da Linguagem 90 conhecimento se dá como adequação da mente com a essência necessariamente ideal da espécie Com o empirismo porém essa concepção metafísica é colocada à prova uma vez que a experiên cia do mundo objetivo ocorre a partir de coisas concretas e não de suas espécies ideais Isso significa que a essência da coisa não se pode mais identificar com a sua definição pois o escopo do empirismo não é a espécie da coisa mas a coisa mesma junto às suas peculiaridades Com Locke temos uma redução da essência metafísica tal como é sustentada pelos realistas a essência físi ca que compreende a constituição concreta da coisa Com isso o empirista inglês recusa a concepção metafísica do conhecimento da essência e firma o primado da experiência que toma contato direto com a coisa concreta Justamente por isso Locke enfatiza as definições nomina listas e recusa as definições realistas Podese concluir disso que devido ao caráter subjetivo da experiência e da definição nominal derivante dela o caráter objetivo do conhecimento é colocado na incerteza As ideias que temos das coisas dependem exclusiva mente da nossa experiência Nesse caso a linguagem que utili zamos para significar as coisas depende de nossa capacidade de experimentar e conhecer Ao que parece para Locke não há cor respondência entre a essência da coisa metafisicamente pensada e a ideia que dela se forma para ser exteriorizada em seguida pela linguagem Com efeito não há uma relação necessária entre coisa e palavra Caso assim seja o filósofo aponta para o caráter precário e deficiente da linguagem no ato comunicativo Diz ele a esse respeito as palavras não desempenham adequadamente esse objectivo quer no discurso civil quer no filosófico todas as vezes que uma palavra não provoca no ouvinte a mesma ideia em cujo lugar está no espírito de quem fala LOCKE apud COXITO 1995 p 295 Todavia nota Locke as diferentes palavras possuem diferen tes graus de perfeição ao significar as coisas Assim por exemplo as palavras que significam substâncias materiais são mais exatas 91 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau do que aquelas que significam atos ou estados morais devido ao seu caráter não experimental Palavras como justiça honra etc pa recem ter sido arbitrariamente introduzidas uma vez que não ofe recem um análogo na experiência De acordo com essa sua con cepção epistemológica conforme a qual as ideias mais certas são as simples fica claro que as palavras que correspondem às ideias simples estão menos sujeitas à confusão De qualquer modo Locke procura meios para superar as li mitações da linguagem Em razão disso ele apela para a intersub jetividade que possibilita que as ideias sejam compartilhadas no ato de comunicação estabelecendo o uso legítimo da linguagem Para tal fim o filósofo vêse obrigado a conciliar duas questões contraditórias a saber a da subjetividade sempre da experiência sempre relativa e a da comunicação afirmando que o nexo entre palavra e ideia está em conexão constante Essa posição implica uma concepção psicologista de comu nicação ao supor que as ideias que se expressam por meio das palavras se pensam identificadas no espírito de quem as transmite e de quem as recebe acreditandose que no discurso substituem as coisas tais como elas são Mas essa posição implica por sua vez uma retomada da posição realista sobre as noções gerais caso elas sejam idênticas no espírito de quem as comunica e de quem as recebe por um lado e por outro caso representem as coisas tais como elas são isto é como essências metafísicas Em favor da construção e transmissão dos resultados da ciência experimental e da ciência moral Locke insiste na signifi cação constante defendendo assim a concepção universalista das ideias Para remediar o caráter subjetivo das significações e possibilitar o ato comunicativo Locke introduz algumas regras A primeira regra estabelece que o uso legítimo das palavras requer que haja uma significação determinada ou seja requerse conhe cimento sobre as ideias correspondentes das palavras Mas essa correspondência ainda não constitui a legitimidade da comunica Filosofia da Linguagem 92 ção intersubjetiva uma vez que o transmissor pode possuir para as mesmas palavras ideias diferentes das do receptor Essa regra vista por outro ângulo serve para preservar a co municação do abuso das palavras que fogem da vigência empírica A metafísica por vezes servese de noções abstratas que não se re ferem às ideias no pensamento e portanto não tem um análogo na experiência Exemplos dessas significações metafísicas que não têm correspondentes na experiência são palavras tais como enteléquia matéria forma ideias eternas espécies inteligíveis etc Para corrigir a falha da primeira regra Locke adota várias outras cujo critério consiste na valorização do uso das palavras in concrecto isto é as palavras são vinculadas diretamente à situa ção real em razão da qual se usam Locke ainda estabelece uma distinção entre o uso comum da linguagem tal como se dá na comunicação ordinária e no uso filosófi co No primeiro caso temos uma linguagem eficiente instituída pelas convenções Apenas no uso filosófico da linguagem é que se pode fa lar de noções precisas por meio de proposições corretas Em ambos os casos Locke aponta para função descritiva das palavras Nesse caso tratase de descobrir as características mais sig nificativas das coisas ou seja que são iguais para todos e que por sua vez permitiriam a adequação das ideias do transmissor e do receptor Essa adequação segundo Locke depende da observação experimental que deve fixar as qualidades que melhor determi nam uma natureza de tal modo que não possa ocorrer qualquer confusão Essa é para Locke a função do uso filosófico da lingua gem Em razão disso o filósofo propõe a elaboração de dicionários nos quais se fixam as características mais exatas das coisas inves tigadas Diz ele um vocabulário construído deste modo ensinaria talvez com mais facilidade e em menos tempo a verdadeira significação de numerosos termos e fixaria no espírito dos homens idéias mais verdadeiras de numerosas coisas do que fazem vastos e laboriosos comentá rios de críticos muito instruídos apud COXITO 1995 p 304 93 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau Evidentemente como já foi dito o objetivo de Locke resume se na construção de uma linguagem exata e legítima do ponto de vista empírico e experimental ou seja do ponto de vista científico que estabelece vínculos constantes entre palavras ideias e coisas significadas Dessa exigência de uma linguagem rigorosa que retra ta a realidade existente deriva a sua condenação à retórica A esse respeito ele afirma Confesso que nos discursos em que procuramos acima de tudo agra dar ou divertir e não instruir e aperfeiçoar o juízo raramente podem considerarse como uma falta essa espécie de ornamentos proporcio nados pelas figuras Mas se pretendermos falar das coisas como elas são é necessário reconhecer que excetuando a ordem e a elegância toda a arte da retórica todos esses empregos artificiais e figurados das palavras segundo as regras que a eloqüência inventou não servem para outra coisa senão para insinuar falsas idéias mover as paixões e por conseqüência viciar os nossos juízos de maneira que são efetiva mente perfeitos embustes Por essa razão é preciso evitálos absoluta mente em todos os discursos que se proponham informar ou instruir E não podemos considerálos senão como grandes defeitos ou na lin guagem ou nas pessoas que se servem deles onde quer que a verdade e o conhecimento estejam em causa apud COXITO 1995 p 307 As palavras de Locke não deixam dúvida a respeito da sua reprova à linguagem figurada da retórica Mas justamente aqui o filósofo empirista distanciase de seu empirismo pois a linguagem figurada é mais próxima e mais adequada às percepções sensíveis das quais as ideias derivam 6 ROUSSEAU E A LINGUAGEM ROMÂNTICA Rousseau apresentanos uma concepção evolucionista sobre a linguagem cujo desenvolvimento vai das necessidades naturais de comunicar sentimentos emoções dores pedir socorro etc até a necessidade de expressar conceitos e ideias abstratas Sendo as sim o grito segundo Rousseau é a primeira forma de expressão linguística ou prélinguística O grito constitui para o filósofo um fenômeno instintivo que desaparece com o surgimento da vida comunal em que a ne Filosofia da Linguagem 94 cessidade de comunicação força a criação de uma linguagem mais sofisticada Essa nova linguagem afirma Rousseau surge quando as ideias dos homens começaram a estenderse e a multiplicarse e se estabeleceu entre eles uma comunicação mais íntima procuraram sinais mais numerosos e uma língua mais ex tensa multiplicaram as inflexões de voz e juntaramlhes gestos que por sua natureza são mais expressivos e cujo sentido depende menos de uma determinação anterior ROUSSEAU 1999 p 71 A principal obra de Rousseau que especula a linguagem é En saio sobre a origem das línguas de 1781 Nessa obra o autor pro põese a mostrar a origem e a gênese da linguagem e o seu vínculo íntimo com o pensamento em oposição às linguagens modernas Como vimos para Rousseau o surgimento da língua resulta como produto das paixões que ele chama de necessidades morais e possui a mesma sonoridade que a música ROUSSEAU 1978 p 117 Nesse sentido Bento Prado Jr 1998 p 61 salienta que para Rousseau a língua e a música possuem a mesma raiz e a mes ma genealogia Ao que parece o pensador de Genebra adota a música como modelo de línguas uma originalidade sem par que vai na contramão das concepções lógicoformais e gramaticais so bre a linguagem Diferentemente dos racionalistas modernos entre os quais cabe menção a Leibniz para os quais a linguagem deve espelhar as ideias da razão como correspondência direta entre coisa e palavra para Rousseau essa linguagem que carrega o selo da modernidade engendra mais indiferença e empobrece a comunicação porque perdeu o elo sensível com a vida e a natureza Perdeu ainda a sua musicalidade Portanto podemos dizer que o pensador genebri no propõe o retorno à linguagem musical que acessa diretamente as almas das pessoas Nesse sentido lemos o seguinte trecho de Rousseau Toda a natureza pode estar adormecida mas aquele que a contem pla não dorme e a arte do músico consiste em substituir a imagem insensível do objeto a dos movimentos que sua presença excita no coração do contemplador Ela não somente agitará o mar animará 95 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau as chamas de um incêndio fará correr os regatos cair a chuva e engrossar as torrentes mas pintará o horror de um deserto me donho enegrecerá os muros de uma prisão subterrânea acalma rá a tempestade tornará o ar tranqüilo e sereno e da orquestra derramará um frescor novo sobre o arvoredo Ele não representará diretamente essas coisas mas excitará na alma os mesmos senti mentos que experimentamos ao vêlas 1978 p 66 Vimos portanto que diferentemente da linguagem direta e do discurso rigoroso a linguagem musical é capaz de acessar e comunicar sentimentos e paixões tocando a alma do interlocutor A esse respeito Rousseau afirma A melodia ao imitar as inflexões da voz exprime os lamentos os gritos de dor ou de alegria as ameaças os gemidos todos os sinais vocais das paixões são de sua alçada 1978 p 169 A passagem da linguagem musical para a linguagem discur siva isto é para a linguagem ordenada e regrada ocorre segundo Rousseau por meio de um processo de ordenação e normatização da linguagem oriundo dos acontecimentos históricos que influem na vida social Essas mudanças segundo o autor causaram uma ruptura definitiva embora estivessem até então intimamente li gadas entre melodia e palavra por meio da escrita em que o pa thos musical da linguagem se perdeu e com ele a capacidade de acessar as paixões A escrita dito de outra maneira mortificou e silenciou a sonoridade expressiva da linguagem falada impondo a esta uma estrutura e uma logicidade que segundo o filósofo são puras ilusões uma vez que o signo linguístico não é capaz de expressar a coisa significada em sua verdade ontológica Vale ob servar que a crítica que Rousseau dirige à linguagem correta põe em suspense também a questão da verdade do ponto de vista epistemológico isto é a capacidade da linguagem de comunicar a verdade Todavia não se trata de ceticismo como se pode pensar a partir da ruptura operada por Rousseau entre coisa e palavra mas antes de um deslocamento da questão da verdade para o campo da retórica retórica não como persuasão mas como elo quência que suscita determinados afetos no ouvinte capazes de Filosofia da Linguagem 96 tocar a sua alma e suscitar suas emoções Nesse sentindo Bento Prado Jr ressalta que Pelo fato de relativizar na linguagem a relação vertical do signo com a coisa significada e a relação horizontal da transmissão da informação definindo o bom uso da língua como a ação indireta de uma alma sobre uma outra através dos movimentos dos senti mentos e das paixões Rousseau dá uma definição essencialmente retórica da linguagem 1998 p 87 Com base no trecho citado podese extrair a ideia de que não é mais a adequação entre palavra e coisa que deve dominar o con ceito da verdade mas o poder retórico da linguagem de despertar determinadas emoções e paixões no ouvinte em rito oratório Com essa sua posição crítica ao discurso moderno que como vimos perdeu o vínculo com a sua musicalidade aquela que na sua base retórica é capaz de suscitar emoções e paixões no ou vinte Rousseau parece ter indicado a arma daquela crítica total sobre a verdade e sobre o conceito que a enuncia que se iniciam com Nietzsche Mas antes de analisarmos a concepção nietzschiana da lin guagem é interessante que você enriqueça o seu estudo sobre as reflexões de Rousseau sobre a linguagem lendo no tópico a seguir o artigo A linguagem em Rousseau sua origem e sua finalidade como expressão da liberdade humana escrito por Bruno Viana Campos 2011 7 TEXTO COMPLEMENTAR A linguagem em Rousseau A capacidade racional do homem é o principal elemento que o diferencia dos de mais animais A linguagem que é uma das dimensões da racionalidade desenvol veuse e se aprimorou ao longo do processo evolutivo humano Por isso inúmeros estudos foram feitos sobre ela tendo como enforque sua origem seu desenvol vimento e sua relação com a sociedade Alguns autores se destacaram nessas reflexões como por exemplo o filósofo JeanJacques Rousseau 17121778 em seu livro Ensaio sobre a origem das línguas 1759 97 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau Rousseau relata na referida obra que é a linguagem que diferencia os homens dos animais 1 Ela além de ser expressão do pensamento humano pode dividirse ba sicamente em duas formas através dos gestos artes pictóricas símbolos gesticula ções etc ou da articulação de diferentes sons a voz Ambos os gestos e os sons podem ser detectados também nos animais mas estes seguem uma determinação natural pois a linguagem dentro de uma espécie aparentemente não muda Os homens por outro lado desenvolveram o que Rousseau chama de linguagem de convenção 2 gestos e palavras que embora sirva muitas vezes de empe cilho para a sua comunicação possibilita que haja progresso na língua já que a mesma não está delimitada pela predeterminação natural mas é desenvolvida e aprimorada ao longo dos tempos Por conseguinte Rousseau passou a especular sobre o motivo pelo qual o homem desenvolveu a sua linguagem de convenção já que ela é unicamente dele Com efeito tanto os animais quanto os homens possuem praticamente as mes mas necessidades físicas Por isso estas não poderiam ser a causa determinante da linguagem de convenção Rousseau contudo apresenta uma faculdade que é de certa forma própria do homem os sentimentos 3 Estes possibilitaram o desenvolvimento daquela linguagem pois as primeiras línguas certamente tinham o intuito de falarem de sentimentos como os usados no ato de expulsar um intruso de repelir uma injusta acusação ou seja de expressar os anseios de qualquer con vívio social As necessidades físicas repeliam os homens fome frio sede etc mas os sentimentos os reuniam pois era necessário um convívio social para supe rar as dificuldades da natureza 4 Além disso Rousseau observava uma diferença entre as línguas do hemisfério norte e as do sul estas eram pronunciadas por homens que não enfrentavam co mumente as dificuldades da natureza e por causa disso elas teriam uma sonorida de macia melodiosa calma e amigável já os homens que habitavam o hemisfério norte enfrentavam pesadas intempéries naturais frio gelo rigorosos invernos e por isso tinham uma linguagem mais áspera e maior necessidade de convívio so cial Consequentemente as línguas do norte tenderiam a se desenvolverem mais eficazmente para serem mais exatas e atenderem as exigências da comunicação que aumentavam de acordo com a expansão do convívio social 5 Do mesmo modo Rousseau acreditava que no princípio da humanidade foi ne cessário que o homem reconhecesse o seu semelhante para ter sentimentos de empatia e criar vínculos afetivos que fossem além dos familiares 6 Por isso quando os homens tiveram consciência dos seus semelhantes puderam racio cinar sobre o convívio social o outro com os mesmos sentimentos que eu e se associarem para superarem as adversidades da natureza 7 Foi desse modo enfim que a língua falada se desenvolveu até ser inventada a língua escrita criada para facilitar a comunicação tornandoa mais objetiva e clara aperfeiçoamento da gramática e da lógica pois se fala de sentimentos mas se escrevem idéias Observase ainda que tanto a escrita quanto a fala estão em constante mudança já que ambas têm o escopo de atender à comunicação que é dinâmica 8 Tendo em vista toda a trajetória feita pela linguagem Rousseau conclui que o progresso dessa se deu sobretudo de acordo com as necessidades ligadas aos sentimentos do homem 9 além da mesma nascer com a liberdade dos homens em se expressarem visto que os mesmos eram livres para se comunicarem Não obstante Rousseau no último capítulo da referida obra decidiu analisar qual a relação entre a linguagem sociedade e governo Filosofia da Linguagem 98 De fato segundo Rousseau num estado tirânico não há espaço para a liberdade A linguagem que se originou na forma de um instrumento para a livre comunicação foi substituída pela força repressiva e pela corrupção O homem se tornou alienado e sua língua passa a ser apenas sussurro dos sofás 10 e estranha para si e para os seus próprios concidadãos Nos estados despóticos a única linguagem que prevalece é a repressiva e alienante uma vez que o discurso que pode ser dito é o sermão ou melhor os discursos autoritá rios Desse modo um orador pode proclamar a sua fala durante horas mas a maioria das pessoas ali presentes não sabe a respeito do que foi dito pois as suas palavras eram vazias de conteúdo não expressavam o verdadeiro sentimento que havia no povo reprimido a ânsia por liberdade Por isso quando as línguas são ditas de forma li vre multidões ouvem atentamente os oradores Porém em um contexto de repressão as palavras dos déspotas se tornam infrutíferas e inaudíveis pelo povo 11 Portanto Rousseau encontra uma relação entre costumes e atitudes de um povo com a sua respectiva língua relação essa que se origina na condição livre do homem A linguagem expressa enfim a liberdade se o homem for reprimido de forma autoritária a sua linguagem será vazia monótona própria de alguém que tem medo de exprimir a sua opinião por outro lado se o homem tiver condições de se expressar sem receios ele certamente terá uma linguagem aberta e eloqüente própria do ser humano livre e responsável pelo seu pensar e seu agir 12 Referências REALE Giovanni ANTISERI Dario História da Filosofia vol II de Spinoza a Kant São Paulo Paulus 2005 ROUSSEAU JeanJacques Ensaio sobre o entendimento das línguas 2ed São Paulo Abril Cultural 1978 Os Pensadores 1 Cf ROUSSEAU 1978 p 159 2 Cf ROUSSEAU 1978 p 163 3 Cf ROUSSEAU 1978 p 163 4 Cf ROUSSEAU 1978 p 180 5 Cf ROUSSEAU 1978 p 184185 6 No início da humanidade a organização social se limitava ao círculo fami liar Não havia a idéia de nação ou tribo formada por diferentes famíliasCf ROUSSEAU1978 p 183 7 Cf ROUSSEAU 1978 p 181 8 Houve uma passagem do homem caçador para pastor e deste para agricultor deixou de ser nômade Ao mesmo tempo o homem desenvolveu sua capacidade de comunicação passando de uma linguagem simplesmente sonora para uma mais complexa perpassando pela criação de uma linguagem escrita e lógica Da relação entre diferentes povos as línguas primitivas se fundiram com o objetivo de se aprimorarem e se tornarem mais claras e abrangentes dentro de um círculo social Cf ROUSSEAU 1978 p 170171 9 Cf ROUSSEAU 1978 p 198 10 Cf ROUSSEAU 1978 p 199 99 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau 11 Cf ROUSSEAU 1978 p 199 12 Tal reflexão de Rousseau deixa transparecer os ideais de liberdade sobretudo social que se difundiam largamente na época da Ilustração e posteriormente CAMPOS 2011 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Qual das afirmações que se seguem é de Locke Assinale a alternativa cor reta a Não existe íntima relação entre ideias e palavras As nossas ideias abstra tas e as palavras gerais não tem relação entre si e não é impossível falar clara e distintamente sobre o nosso conhecimento todo ele constituído por proposições sem considerar em primeiro lugar a natureza o uso e a significação da linguagem b Existe uma tão íntima relação entre ideias e palavras As nossas ideias abstratas e as palavras gerais tem uma relação tão constante entre si que é impossível falar clara e distintamente sobre o nosso conhecimen to todo ele constituído por proposições sem considerar em primeiro lugar a natureza o uso e a significação da linguagem c Existe uma correspondência fictícia entre ideias e palavras As nossas ideias abstratas e as palavras gerais tem uma relação tão inconstante entre si que é impossível falar clara e distintamente sobre a nossa cons ciência toda ela constituída por ideias simples sem considerar em primeiro lugar a natureza o uso e a significação da linguagem d Existe uma tão íntima relação entre ideias e palavra As nossas ideias abstratas e as palavras gerais tem uma relação tão constante entre si que é impossível falar clara e distintamente sobre o nosso conhecimento todo ele constituído por ideias complexas sem considerar em primeiro lugar a natureza o uso e a significação da linguagem 2 Rousseau apresentanos uma concepção evolucionista sobre a linguagem conforme a qual a O desenvolvimento da linguagem vai das necessidades teóricas às neces sidades tecnológicas b O desenvolvimento da linguagem vai das necessidades de acordo entre as pessoas para acabar com a guerra de todos contra todos c O desenvolvimento da linguagem vai das necessidades de sobrevivências às necessidades de entretenimento d O desenvolvimento da linguagem vai das necessidades naturais de co municar sentimentos emoções dores e pedir socorro até a necessidade de expressar conceitos e ideias abstratas Filosofia da Linguagem 100 Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 b 2 d 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade foi proposto um estudo sobre os problemas da linguagem na modernidade em que foi uma preocupação cons tante dos filósofos a busca por uma linguagem científica Nesse sentido você pôde compreender as preocupações dos filósofos modernos em especial de Locke em busca de uma linguagem le gítima e adequada Além de conhecer a questão da linguagem de Locke conheceu também a crítica rousseauniana sobre a lingua gem conceitual e as suas implicações para a vida humana Na próxima unidade você irá conhecer a crítica de Nietzsche à linguagem conceitual e o retorno à linguagem poética que a compre ensão heideggeriana da metafísica tradicional suscitou Acompanhe 10 EREFERÊNCIAS CAMPOS B V A linguagem em Rousseau sua origem e sua finalidade como expressão da liberdade humana Disponível em httppensamentoextemporaneowordpress com20090620alinguagememrousseausuaorigemesuafinalidadecomo expressaodaliberdadehumana Acesso em 4 fev 2011 DUCLÓS M John Locke biografia e pensamentos Disponível em httpwww conscienciaorglockeshtml Acesso em 2 mar 2011 PIROLA da G R um pouco de JeanJaques Rousseau Disponível em httpwww unicampbrjmarquescursosrousseau2001mgrphtm Acesso em 2 mar 2011 Lista de figuras Figura 1 John Locke Disponível em httpwwwconstitutionorgimgjohnlockejpg Acesso em 2 mar 2011 Figura 2 JeanJaques Rousseau Disponível em httpfacultyisiorgmediaimages originalsJeanJacquesRousseaujpg Acesso em 2 mar 2011 101 Claretiano Centro Universitário U4 Linguagem em Locke e Rousseau 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS COXITO A A Luis A Vernei e J Locke linguagem e comunicação Revista Filosófica de Coimbra Coimbra n 8 p 283312 2005 LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano São Paulo Abril 1973 Os Pensadores PRADO JR B A retórica de Rousseau Organização de Franklin de Matos São Paulo Cosac Naify 2008 ROUSSEAU JJ Ensaio sobre o entendimento das línguas 2 ed São Paulo Abril Cultural 1978 Os Pensadores Discurso sobre a origem da desigualdade Discurso sobre as ciências e as artes Tradução de Lourdes Santos Machado São Paulo Nova Cultural 1999 v 2 Os Pensadores EAD Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger 5 1 OBJETIVOS Compreender como a Filosofia contemporânea a partir de Nietzsche e Heidegger se configura como crítica total da me tafísica tradicional e entender como o problema da lingua gem assume uma importância fundamental nessa crítica Estudar a relação entre metáfora e conceito e a sua impli cação para Filosofia ocidental Compreender que o novo discurso filosófico a partir da arte da música e da poesia se constitui como contrapon to ao discurso metafísico inaugurando assim um novo projeto e desafio diante do pensamento filosófico 2 CONTEÚDOS Nietzsche e a crítica da metafísica a partir da linguagem Linguagem e poesia Heidegger Filosofia da Linguagem 104 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Com relação à análise de Nietzsche sobre a linguagem assista ao vídeo O essencial de Nietzsche do profes sor Paulo Ghiraldelli Jr Disponível em httpwww youtubecomwatchvNT01YEihoXE Acesso em 24 mar 2011 Assista também ao vídeo do Café Filosófico da TV Cultura disponível na internet do Prof Oswal do Giacóia Jr e da Profª Viviane Mosé Disponível em httpwwwyoutubecomwatchvXGvAc42K9Q featureBFlistPLAD82553316B97A14index1 Acesso em 24 mar 2011 2 Sobre Heidegger recomendamos que assista ao vídeo do Ministério da Educação Ciência e Tecnologia da Ar gentina sobre Heidegger Encuentro 1 Heidegger Ser y Tiempo Por qué Heidegger es el filósofo más impor tante del Siglo XX Programa Filosofía Aquí Ahora 2ª Temporada realizado por José Pablo Feinmann no Canal Encuentro del Ministerio de Educación Ciencia y Tecnología da Argentina Disponível em httpwww youtubecomwatchvxWX1jneb3Kw Acesso em 24 mar 2011 3 Existem ainda outros vídeos interessantes sobre Heidegger e Nietzsche Procure aqueles de professores renomados Não deixe de pesquisar em todas as mídias possíveis pois existem informações confiáveis nelas Cabe a você filtrar as fontes confiáveis 4 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia dos pensado res cujo pensamento norteia o estudo deste CRC Para saber mais acesse os sites indicados 105 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Friedrich Nietzsche 1844 1900 O nome de Nietzsche é talvez hoje para nós no ocidente o nome de alguém que com as possíveis exceções de Freud e de um modo diferente Kierkegaard foi único no tratamento da Filosofia e da vida da ciência e da Fi losofia da vida com seu nome e em seu nome Ele talvez tenha sido único a pôr seu nome seus nomes e suas biografias na linha correndo assim todos os riscos a que isso leva para ele para eles para suas vidas seus nomes e seu futuro e particularmente para o futuro político do que ele deixou para ser assinado DERRIDA apud HADDOCKLOBO 2011 p 17 Martin Heidegger 1889 1976 Foi o último a conferir à Filosofia um papel exclusivo na interpretação crítica do presente e da própria história ocidental colocandose assim na esteira de Hegel e Nietzsche Por outro lado entretanto ao pensar grande ele também se expôs ao risco de errar na mesma propor ção se ele foi capaz de enxergar a violência metafísica implicada nos dilemas tecnológicos do presente também houve momentos em que seu pensamento foi acometido por uma peculiar cegueira como no caso de seu breve envolvimento com o movimento nacionalsocialista DU ARTE 2001 p 187 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior você tomou conhecimento sobre os anseios modernos de uma linguagem legítima e exata a partir de Locke Viu também a concepção oposta a esse anseio que rein troduz o romantismo da linguagem a partir de Rousseau Nesta unidade você terá a oportunidade de estudar a po sição crítica referente à linguagem metafísica e científica a partir de Nietzsche e Heidegger Com Nietzsche você apreenderá que há um vínculo estreito entre conceito verdade e moral por um lado e entre metáfora e arte por outro Heidegger por sua vez com sua crítica à metafísica mostrará que nem a linguagem lógica Figura 1 Friedrich Nietsche Figura 2 Martin Heidegger Filosofia da Linguagem 106 nem a linguagem metafísica serão capazes de dar conta da princi pal questão filosófica a pergunta pelo sentido do ser Apenas por meio da arte e da poesia é que a Filosofia ocidental pode reapren der a interrogarse ontologicamente No tópico a seguir você estudará a crítica que Nietzsche desferiu à metafísica tradicional utilizando uma reflexão minuciosa sobre a linguagem Seu conteúdo foi extraído e adaptado da tese de doutoramento do autor deste material intitulada Nietzsche pathos artístico versus consciência moral 5 NIETZSCHE E A CRÍTICA DA METAFÍSICA A PARTIR DA LINGUAGEM Com Nietzsche começa uma nova forma de analisar a lin guagem que deriva da sua crítica radical dos pressupostos ontote ológicos Em seu ensaio escrito em 1873 intitulado Sobre a verda de e a mentira no sentido extramoral o filósofo tenta rastrear por via linguística o surgimento do niilismo e seu sustentáculo mais poderoso o impulso à verdade e suas implicações para a vida efetiva do homem A análise sobre o impulso à verdade Trieb zur Warheit terá a importância de tema central do ensaio A originalidade de Nietzsche consiste na tentativa de detec tar a partir da análise filológica um anseio metafísicomoral que constrói seus artefatos teóricos por meio da linguagem conceitual Como supostos representantes da verdade os conceitos cumprem função regulativa e constitutiva devendo resgatar e conduzir o homem para além das contradições de uma vida efetiva ordenar e conservar o mundo de acordo com o critério segurança Tal critério conforme o filósofo nada mais é do que um mecanismo de fuga da contingência existencial fuga da terrível transitorieda de que a efetividade da vida necessariamente implica por meio de convencimentos metafísicos configurados a partir da forçada passagem do lógico para o ontológico ensaiada desde os primei 107 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger ros filósofos metafísicos Essa passagem por sua vez anuncia o reinado da razão da concepção teórica norteada pela soberba lei da não contradição que tenta imobilizar o movimento impondo lhe as correntes da fixidez A partir dos conceitos esses artifícios humanos a vontade de conservação encontra sua realização re duzindo ao mínimo os riscos na vida tendo como preço segundo Nietzsche a própria vida Podemos verificar como Nietzsche entende essa passagem claramente a partir do momento em que ocorre inversão da oposi ção consciência crítica e instintos criativos para a consciência criati va e instintos críticos Diz Nietzsche em O nascimento da tragédia Enquanto em todos os homens produtivos o instinto é exatamen te uma força afirmativa e criadora e a consciência uma força crítica e desanimadora em Sócrates é o instinto que se revela crítico e a razão que se manifesta criadora 2003 p 115 Com essa inversão o intelecto aliado ao critério da não contradição adquire o poder de se legislar sobre o que realmente existe e o que é ilusão A crença de uma vida isenta de movimento isto é de uma vida eterna e segura que deve dar esperança a um ser em constante transformação mostra que por trás do otimis mo teórico se esconde uma razão infinitamente mais poderosa a saber uma razão moral O próprio título da obra Sobre a verdade e a mentira no sen tido extramoral já nos coloca diante de uma perspectiva inédita Tratase de submeter as noções da verdade e mentira a um exame extramoral De imediato engendrase a pergunta sobre o valor de tais noções se desvinculadas do sentido moral Nesse caso a dis cussão sobre a posição em que Nietzsche se coloca ao falar sobre tais noções para além do sentido moral parece imprescindível Segundo Nietzsche 1991 pensar extramoralmente ob viamente requer o abandono da posição em que se pensa mo ralmente O discurso moral que começa com Sócrates indepen dentemente das suas variações ao longo do tempo revela certos Filosofia da Linguagem 108 anseios metafísicos expressos em termos de imutabilidade felici dade imperturbabilidade dignidade e negação da vida A verdade nesse caso não concretiza uma aspiração puramente intelectual mas serve primordialmente à vontade de conservação com efeito revelase como meio de se escapar da transitoriedade como fun damento imóvel para o refúgio em meio à turbulência da vida Como você pôde acompanhar Nietzsche acusa Sócrates de ser o primeiro protagonista desse anseio metafísico que oculta por detrás dos seus disfarces conceituais uma poderosa razão mo ral que em última instância tende a imobilizar a vida A posição que Nietzsche assume para falar desses anseios metafísicos é a po sição da arte Com ela Nietzsche opera um deslocamento de uma a outra dimensão em que se valoriza a metáfora em detrimento do conceito Segundo Maria Cristina Franco Ferraz o ensaio nietzschiano visa a uma reabilitação da metáfora contra o processo de forma ção de conceitos subjacente à vontade de verdade Nietzsche valoriza a metáfora em detrimento do conceito como uma estratégia para solapar a vontade de verdade própria ao ho mem especialmente ao homem moderno bem como a atribuição a um caráter supostamente metafísico histórico ao próprio conhe cimento FERRAZ 2008 p 3738 Mas essa estratégia de valorizar a metáfora em detrimen to do conceito não é apenas mera inversão da concepção teórica cuja finalidade é destruir os pressupostos metafísicos e o conheci mento que os constrói Ela antes de tudo valoriza o poder criati vo do homem enfatizando o seu caráter essencialmente artístico de irradiar perspectivas Esse poder criador que origina inclusive toda atividade teórica força a verdade antes pensada como valor por si de se reconhecer na sua verdadeira face na invenção As primeiras palavras do ensaio nietzschiano são bastante significati vas a esse respeito No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de inumeráveis sistemas solares houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventaram o conhecimento Este foi o 109 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal mas foi apenas um minuto Depois de alguns suspiros da natureza o planeta congelouse e os animais inteligentes tiveram de morrer NIETZSCHE 1991 p 53 O tom irônico a partir do qual o autor enuncia um conhe cimento inventado referência à frase animais inteligentes inventaram o conhecimento põe em xeque qualquer pretensão de verdade Deslocado para além do sentido moral Nietzsche vê o conhecimento e a sua meta suprema a verdade como inven ções que enquanto esquecidas como tais romperam laços com a sua origem artística tornandose servidores dos pressupostos metafísicos justamente por esse esquecimento chega o ho mem ao sentimento da verdade NIETZSCHE 1991 p 57 O conceito comunica a verdade por meio da linguagem con ceitual mas ele segundo Nietzsche não passa de metáfora oriun da do poder artístico no interior do indivíduo por uma tensão to talmente arbitrária e não causal entre interno e externo que só por um esquecimento passa a valer objetivamente A análise da relação metáfora conceito e da sua gênese idiomática operada por Nietzsche revela não apenas os meca nismos da fixação da linguagem e sua função comunicativa mas primordialmente o seu significado para a construção da dimen são moral Mas essa busca pela origem da linguagem para além do sentido moral só será possível pelo abandono desse sentido Abandono em que inversamente a toda concepção teórica se va loriza a metáfora em detrimento do conceito Conforme Sarah Kofman 1983 Nietzsche contra toda tra dição metafísica atesta a preeminência da metáfora sobre o con ceito Para Aristóteles especula Kofman reiterando a definição aristotélica a metáfora é o transporte para alguma coisa de um nome que designa outra transporte do gênero à espécie ou da espécie ao gênero ou da es pécie para a espécie ou segundo a relação de analogia KOFMAN 1983 p 27 Filosofia da Linguagem 110 Disso podese concluir que Aristóteles pensa a metáfora como sendo derivante do conceito uma espécie de veículo fi gurativo servindo de apoio à compreensão do texto Por conse quência os conceitos devem preceder a metáfora uma vez que ela realiza o trânsito entre eles As noções de gênero e espécie pensadas em sua universalidade conceitual e portanto como con ceitos termos carregados com determinado sentido lógico são produtos como Nietzsche vai dizer de uma forçada igualização do que não é igual referência à frase de Nietzsche igualização do não igual Gleichsetzen dês Nichtgleichen o que comprova contra Aristóteles que tais universais se formam posteriormente ao não igual ao individual à metáfora a partir da qual ele designa as coisas de acordo com sua própria estimulação nervosa Só depois por uma generalização nasce o conceito Nietzsche portanto inverte a posição aristotélica Para ele não há dúvida que a metáfora origina o conceito mais ainda o conceito não passa de metáfora gasta sem carne e osso um fantasma uniforme e rígido sem vitalidade alguma A esse respeito o filósofo afirma como se na natureza além das folhas houvesse algo que fosse folha uma espécie de folha primordial segundo a qual todas as folhas fossem tecidas desenhadas recortadas coloridas frisadas pintadas mas por mãos inábeis de tal modo que nenhum exem plar tivesse saído correto e fidedigno como cópia fiel da forma pri mordial NIETZSCHE 1991 p 56 gifo nosso O certo tom irônico não deixa dúvida de que Nietzsche re prova qualquer tipo de essencialidade que transcenda os produtos naturais e que seja sua causa ou essência O ensaio nietzschiano começa com uma fábula que revela em tom irônico a visão nietzschiana sobre a pretendida verdade Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um semnúmero de sistemas solares havia uma vez um astro em que animais inteligentes inventaram o conhecimento NIETZSCHE 1991 p 53 111 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Nesse trecho Nietzsche coloca em clara oposição a ideia da dimensão infinita do universo por um lado e a dimensão tempo ral e fugidia da realidade humana por outro como se quisesse mostrar a incomensurabilidade entre ambas as dimensões como se quisesse frisar o caráter transitório de quaisquer pretensões an tropomórficas como a do conhecimento expresso por meio da linguagem conceitual Ao caráter temporário de uma invenção uma vez num as tro Nietzsche apõe a grandeza infinita do universo cintilante Para Nietzsche um conhecimento inventado conduz diretamente a uma verdade inventada visto que esta naturalmente deve ser meta suprema daquele Mas que verdade seria uma verdade inventada A possível especulação sobre a questão daria outra cono tação que exclui automaticamente a concepção teórica sobre a questão da verdade Nesse ponto Nietzsche não nega a verdade uma vez que ela aparece como fator constitutivo do artefato mo ral apenas a reduz à invenção o que equivale dizer que ela não corresponde mais à sua essência epistemológica Revelase nesse caso como algo oposto a si mesmo Não seria a verdade nesse caso um produto do poder criativo e inventivo do homem que almeja a partir dela se conservar trans cendendo a vida Não seria nesse caso um fenômeno essencial mente moral Tudo se passa como se o intelecto empreendesse a grandiosa construção piramidal de artefatos metafísicos cuja missão suprema é com apoio da onipotente verdade imobilizar o devir Analisando mais de perto o ensaio revelanos talvez o primeiro questionamento acerca do impulso da verdade De onde neste mundo viria nesta constelação o impulso à verdade NIETZSCHE 1991 p 54 Esse instinto teórico por assim dizer surge como meio de se obter paz e segurança meio de fortalecer a crença de que se há verdade há também esperança de se escapar da transitoriedade No trecho a seguir Nietzsche revela claramente essa tendência que reduz a vida em sentido de segurança Filosofia da Linguagem 112 Enquanto o indivíduo em contraposição a outros indivíduos quer conservarse ele usa o intelecto em um estado natural das coisas no mais das vezes somente para a representação mas porque o homem ao mesmo tempo por necessidade e tédio quer existir socialmente e em rebanho ele precisa de um acordo de paz e se esforça para pelo menos a máxima bellum omniumcontra omnes desapareça do seu mundo Esse tratado de paz traz consigo algo que parece ser o primeiro passo para alcançar aquele enigmático impulso à verdade NIETZSCHE 1991 p 54 A citação não deixa dúvida de que a origem do impulso à ver dade surge como anseio de conservação tanto em dimensão indi vidual como também em dimensão social Nesse caso o impulso à verdade aparece como meio para realização de um anseio maior o de conservação Para tal fim é necessário que se evitem os efeitos nocivos de uma guerra de todos contra todos É necessário portan to que as coisas recebam nomes fixos a fim de se evitar qualquer ar bitrariedade Surge assim o contraste entre a verdade e a mentira Agora com efeito é fixado aquilo que doravante deve ser a verdade isto é é descoberta uma designação uniformemente valida e obriga tória das coisas e a legislação da linguagem dá também as primeiras leis da verdade pois surge aqui pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira NIETZSCHE 1991 p 54 Percebese que só depois de se constituir a designação vá lida e obrigatória surge o contraste entre verdade e mentira Por tanto a imposição de que se trata aqui evidentemente de cunho moral uma vez que pressupõe uma obrigatoriedade para todos revela que o impulso à verdade só pode resultar após o suposto acordo o que em última análise quer dizer que o impulso de verdade cumpre primordialmente uma exigência moral Certamente Nietzsche não condena a designação das coisas que permite a comunicação mas a intenção que se oculta por trás dessa designação A linguagem fixa o sentido rigoroso das palavras por meio dos conceitos a ponto de imobilizar qualquer perspecti va diferente principalmente no âmbito teórico em que a verdade reside e reina soberanamente A verdade outorga os nomes das coisas impedindo qualquer interpretação forçando o indivíduo a 113 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger reconhecer que o ser da coisa está em seu nome É o que Lebrun sublinha em sua obra O avesso da dialética Nomear não é impor imperiosamente uma marca à coisa sensível é declarar que o ser dessa coisa está em seu nome é futilizar seu conteúdo imediato e assim abdicar a condição de sujeito singu lar para não ser mais que um si universal que um representante do logos LEBRUN 1988 p 72 Nesse caso a linguagem domina e condiciona os indivíduos obrigaos a renunciar a seu siindividual em prol de um siimpesso al e social obrigaos a participar do rebanho Não será difícil enxergar essa tendência lógicoformal a par tir do percurso da concepção teórica a representação mitológica a metáfora cede lugar ao logos termo portador de determinado sig nificado e ela por sua vez no terreno da ciência vira signo restrin gindo por completo a possibilidade de interpretação Aos olhos de Nietzsche essa pretensão teórica de imobilizar o devir por meio de palavras ou signos portadores de determinado significado fixo reve la a verdadeira intenção moral forjada pela tradição de não permitir que o impulso criativo rasgue a teia da conservação O impulso criativo deve ser banido do sistema uma vez que toda criação pressupõe destruição por oferecer novas condições que rom pem com a ordem estabelecida Nesse caso o criador será reduzido a criminoso e mentiroso por metaforizar isto é por utilizar as palavras fixas de maneira não convencional isto é de maneira indevida A men tira portanto do ponto de vista moral será o uso ilegítimo e não tradi cional da linguagem em contraste com a correlação estabelecida pela tradição e engendrada pelo impulso de verdade que no fundo revela uma poderosa vontade de conservação O mentiroso transgride esse ímpeto de conservação e é por isso que é odiado não pelo engano mas pelas consequências impactantes que do engano derivam o rompi mento da teia das verdades que embasa o sentido da segurança Os homens nisso não procuram tanto evitar serem enganados quanto serem prejudicados pelo engano o que odeiam mesmo nesse nível no fundo não é a ilusão mas as conseqüências nocivas hostis de certas espécies de ilusões É também em um sentido res Filosofia da Linguagem 114 trito semelhante que o homem quer somente a verdade deseja as conseqüências da verdade que são agradáveis e conservam a vida NIETZSCHE 1991 p 55 Nietzsche novamente destaca neste trecho que a oposição verdade x mentira não possui tanto uma conotação epistemoló gica mas sim uma conotação moral À verdade não se opõe o erro como se deve esperar de uma atitude epistemológica mas a mentira o que possibilita a avaliação no eixo bem x mal Retomando a relação metáfora conceito vimos que a so breposição do conceito sobre a metáfora operada pela concepção teórica a partir de Aristóteles visa estabelecer um sentido rigoro so que deve nortear a linguagem figurada da metáfora A essa altu ra a metáfora segue a trajetória prescrita pelo conceito sempre se referindo a ele Nesse caso a metáfora é reduzida em explicação figurativa sem autonomia própria e sem poder de interpretação ela apenas elucida o sentido pretendido pelo conceito A valorização da metáfora que Nietzsche opera nesse en saio é um convite para nos aventurarmos no caminho avesso da concepção teórica para além do discurso filosófico conceitual ou seja o caminho que conduz do logos ao mito o reino das metáfo ras e da produção artística ou para dizer de modo mais acertado do conceito à metáfora Nesse caminho é possível desvelar a origem da produção artística as possibilidades de uma imaginação criativa de irradiar metáforas Para entendermos melhor essa posição nietzschiana vale remeter a um escrito anterior a Sobre a verdade e a mentira o Curso de retórica Nesse escrito podemos encontrar subsídios dessa crítica radical sobre a concepção da verdade não apenas como um produto epistemológico mas antes como um produto moral Vale observar que a crítica nietzschiana sobre a verdade se configura em dois aspectos 1 Crítica da verdade enquanto adequação entre coisa e in telecto 115 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger 2 Crítica da verdade enquanto produto de convenções Para fundamentar essa dupla crítica Nietzsche recorre no Curso de retórica à definição aristotélica de retórica segundo a qual a retórica é a força Kraft de considerar teoricamen te o que em cada caso é o mais conveniente para persuadir NIETZSCHE 2001 Parece que a força retórica consiste no impacto que a pa lavra pode provocar no ouvinte de modo tal que o discurso mais sedutor soa mais verdadeiro E o que é mais sedutor do que a con servação Portanto o que importa não é a verdade mas o que impressiona e o que é eficaz para uma determinada espécie de viventes Evidentemente para Nietzsche a formação da lingua gem remete a esse poder retórico poético e antropológico Nesse sentido a linguagem é uma criação do gênio criador do homem Nietzsche não condena esse artefato antropológico mas pelo con trário admirao como produto do gênio construtor que fabrica a partir de si mesmo igual à aranha sua teia antropomórfica de conceitos Todavia o problema para Nietzsche surge quando as metá foras gastas quando tomadas a sério abandonam por meio de esquecimento a sua origem artística e enredam o homem igual a uma mosca em suas teias morais de tal modo que a sua imagi nação geradora de imagens se encontre imobilizada nas redes da verdade Partindo da definição aristotélica Nietzsche conclui que a re tórica é uma ocupação teórica um estudo regrado e ordenado que visa ao alcance de um telos determinado uma arte que tende em cada caso à concretização de persuasão não se tratando portan to de um dom natural ou talento nato do orador Uma vez que a finalidade da retórica é a persuasão o seu estudo será centrado nos mecanismos que suscitam determinadas paixões e sentimen tos e que devem auxiliar na persuasão Filosofia da Linguagem 116 O domínio da arte retórica requer uma instrução e portan to possui caráter necessariamente consciente Para Nietzsche toda linguagem é retórica porém seus tijolinhos conceituais as palavras surgem por um processo inconsciente Disso podemos concluir que a finalidade da retórica a persuasão não se encontra na sua origem produção de figuras da linguagem mas configura se só mais tarde como artifício teórico Segundo Nietzsche cada palavra é um tropo Sendo assim ela apenas enfatiza uma caracte rística que se destaca na imagem da coisa e isso conforme meca nismos puramente subjetivos A palavra surge segundo Nietzsche a partir da afiguração de um estímulo nervoso em sons NIETZSCHE 1991 p 55 frisan do que se trata de um ato completamente subjetivo um estímu lo nervoso primeiramente transposto em uma imagem Primeira metáfora A imagem por sua vez modelada em um som Segunda metáfora NIETZSCHE 1991 p 55 Nesse caso a questão é sa ber como essa apresentação sonora de um estímulo nervoso que se forma no interior da subjetividade humana adquire status de conceito universal Com efeito ele não serve apenas ao sujeito e à sua experiência individual da qual deriva originariamente mas estendese a todo gênero humano Nos escritos póstumos do período 18721875 podemos ob servar que Nietzsche considera dois modos de pensar por imagens por meio da imaginação e por conceitos por meio da razão O pri meiro modo fundamental e básico é ao mesmo tempo origem e suporte do segundo Ao conceito corresponde primeiramente a imagem as imagens são pensamentos originais isto é as superfí cies das coisas concentradas no espelho do olho NIETZSCHE 2007 p 29 Disso se pode concluir que para Nietzsche todo pensamen to nasce com as metáforas e só mais tarde configurase o pensa mento racional por conceitos Ao pensar já se deve ter aquilo que se procura graças à imaginação a reflexão só pode julgar depois NIETZSCHE 2007 63 p 32 Isso significa que o pensamento ra cional só se efetiva a partir da matéria advinda das imagens 117 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Todavia a imagem é imagem para o sujeito Sendo assim como ela passa a ser um conceito Como ela se transforma em portador de um significado universalmente válido A imaginação diz Nietzsche consiste em ver rapidamente as se melhanças A reflexão avalia em seguida conceito a conceito e veri fica A semelhança deve ser substituída pela causalidade NIETZSCHE 2007 60 p 31 Mas essa substituição é totalmente arbitrária uma vez que entre duas esferas absolutamente distintas como entre sujeito e objeto não existe nenhuma causalidade nenhuma correção nenhu ma expressão mas quando muito uma relação estética para o que em todo o caso é necessária uma esfera intermediária e um po der intermediário livremente poético e inventivo NIETZSCHE 2005 p 17 Caso não haja uma relação causal entre os dois polos do conhe cimento então o conceito não passa de uma criação arbitrária que por meio do esquecimento do homem enquanto sujeito criador por meio da renúncia à sua natureza poética e inventiva a validez univer sal do conceito vem à tona Mas para que serve essa universalidade e que função ela cumpre Ordenar classificar calcular e dominar a vida conforme o critério da segurança revela a intenção mais íntima do impulso ao conceito impulso ao conceito alude impulso à verdade uma vez que o conceito enuncia a verdade O seu artífice é o intelec to que desdobra suas forças mestras no disfarce NIETZSCHE 1991 p 53 e cuja missão suprema é produzir a consciência moral Pressupondo que toda linguagem é retórica e composta por tropos Nietzsche recusa a possibilidade de uma linguagem exata e pura isto é uma linguagem natural que retrate as coisas Isso não é possível porque o homem não apreende coisas apenas estí mulos nervosos provocados por tais coisas Seus nomes portanto nada mais são do que produtos dessa irritação nervosa logo algo puramente subjetivo e arbitrário embora a diferença entre os es tímulos nervosos subjetivos e as suas causas coisas seja insupe rável O estímulo nervoso exteriorizase a partir de uma imagem sonora e portanto não é cabível atribuir a ela uma correspondên Filosofia da Linguagem 118 cia à causa que a produziu Esses argumentos em favor da nomeação arbitrária das coisas implica consequentemente outra consideração sendo a produção da palavra decorrente da esfera subjetiva não seria portanto pos sível a tradução exata para outra esfera igualmente subjetiva como se dá na comunicação Caso entre as duas esferas subjetivas haja acordo não será este um produto da verdade mas da persuasão que ocorre por um ato de imposição Mas a persuasão a essa altura revela outra face a retórica como arte de persuasão deve ensinar os passos a partir dos quais o orador suscite as mesmas emoções e paixões no ouvinte para que este seja persuadido É um mecanismo então que impõe ao ouvinte renunciar a sua subjetividade no ato de persuasão renunciar portanto a seu poder criador de metáfo ras como ressaltamos anteriormente Tudo se passa como se no ato de persuasão um criador de metáforas impusesse a outro cria dor de metáforas renunciar à sua aptidão artística e pronunciar as metáforas conforme o sentido imposto na persuasão Isso tudo con forme a força retórica Mas o que levou o homem teórico segundo Nietzsche a rotular a retórica como uso ilegítimo da linguagem e contrapor a ela um discurso puro foi o trabalho teórico e a profunda convicção de que a adequação entre res e intelectus pode advir so mente por uma atitude epistemológica Encontrase na concepção antiga da linguagem uma diferen ciação de discurso puro resultante da atitude teórica pela qual se crê que se comunicam as coisas mesmas e de discurso retórico entendido em termos de linguagem ilegítima Seria interessante ob servar como se instaurou segundo Nietzsche a diferenciação entre puro e retórico uma vez que para ele toda linguagem é retórica Na Retórica Nietzsche explica a origem da linguagem nos seguintes termos a linguagem é criação individual um artefato que se im põe à coletividade por um ato de persuasão ou por coibição Estes poucos criadores de linguagem quando não conseguem impor as suas figuras retóricas à maioria apelam contra ela ao uso e falam de barbarismo NIETZSCHE 1992 p 300 tradução nossa 119 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Assim restringese a possibilidade de novas criações linguís ticas a partir da censura que o mais antigo o legítimo exer ce sobre o novo Discurso puro então será o discurso corrente e tradicional aquele que não surpreende o puro se define como não surpreendente Podemos identificar nesse trecho que a preocupação com a conservação do sistema vigente está intima mente ligada com a linguagem e sua função conservadora Nesse caso destacamse dois aspectos fundamentais que configuram o sistema como uma unidade fechada e impenetrável isto é o im pulso artístico criador de tropos por um lado e a conservação desses tropos por outro A conservação ocorre na medida em que o sentido pretendido pelo criador for imposto à coletividade e usado por ela em casos semelhantes Desse modo configurase a concepção da verdade Vale observar que tanto na versão correspondente da ver dade como também na versão convencional o esquecimento de sempenha um papel fundamental Somente por esquecimento pode o homem alguma vez chegar a supor que possui uma verda de NIETZSCHE 1991 p 55 Em ambas as versões o esque cimento realiza a desconsideração do individual e do efetivo em prol do universal permitindo assim o surgimento do conceito Toda palavra tornase logo conceito justamente quando não deve servir como recordação para a vivência primitiva completamente individualizada e única à qual deve seu surgimento mas ao mesmo tempo tem de convir a um sem número de casos mais ou menos semelhantes isto é tomados rigorosamente nunca iguais portan to a casos claramente desiguais Todo conceito nasce por igualação do não igual NIETZSCHE 1991 p 56 A verdade como adequação e a verdade como convenção surgem dessa igualação do não igual No primeiro caso como ge neralização de casos relativamente semelhantes no segundo caso porém tratase de uma objetivação do sujeito é claro a partir do esquecimento É importante destacar que a crítica radical sobre a verdade não tange tanto à versão epistemológica entendida como adequa Filosofia da Linguagem 120 ção caso contrário a crítica seria apenas cética que argumenta contra a possibilidade do conhecimento o que para Nietzsche é apenas consequência mas à desmistificação do acordo comum e à descoberta do seu caráter coercitivo Com efeito se a pergunta pela verdade se refere sobretudo à correspondência e esta por sua vez é forçada e imposta justamente essa imposição desloca o questionamento para o âmbito moral Na comunicação a linguagem ganha legitimidade e com isso a possibilidade da concepção da verdade como adequação A gênese da linguagem vista por esse ângulo segue as seguintes etapas o criador cria figuras de linguagem que ele impõe a partir de uma força retórica à coletividade Essa imposição torna possí vel a legitimação do discurso assinalado nesse caso como puro Apenas nessa altura já é possível surgir a correspondência entre coisa e palavra isto é é possível a verdade como adequação a veracidade e a metáfora produziu a propensão para a verdade Assim um fenômeno moral esteticamente generalizado dá o im pulso intelectual NIETZSCHE 1922 p 49 tradução nossa Com base nesse trecho podemos concluir que a crítica à adequação não é o pressuposto mas a consequência de uma críti ca mais radical e fundamental ou seja a crítica extramoral Retomando Sobre a verdade e a mentira observase que Nietzsche considera dois tipos de metáforas que em última análi se revelam duas tendências de vida a racional e a intuitiva A pri meira tendência dáse na transformação da metáfora em conceito promovida pela concepção teórica desde o momento em que o mito passa ao logos a metáfora ao conceito uma tendência que busca fixar rigorosamente o sentido restringindo a possibilidade interpretativa uma vez que a verdade não pode ser múltipla Com efeito tratase de congelar as possíveis perspectivas que a metáfo ra engendra evaporando toda a sua imagem figurada engendrada pelo poder artístico Isso se torna possível graças à tradição e à repetição em que a verdade aos poucos se cria e se solidifica 121 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Que então é verdade pergunta Nietzsche um batalhão imó vel de metáforas metonímias e antropomorfismos enfim uma soma de relações humanas que foram enfatizadas poética e reto ricamente transpostas enfeitadas e que depois de um longo uso parecem a um povo sólidas canônicas e obrigatórias as verdades são ilusões das quais se esqueceu que o são metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal não mais como moedas NIETZSCHE 1991 p 57 Para Nietzsche não há duvida a verdade aparece junto à configuração das relações humanas quando a moral entra em cena Então segundo o filósofo as designações das coisas inven tadas pelos criadores foram intensificadas pela força retórica e ao serem impostas à coletividade engendraram o uso tradicional dessas invenções chamadas pela tradição de verdades O proces so da formação da verdade acompanha o processo de formação do sentido moral A verdade deve fixar o que deve valer para a conservação do sistema vigente Nesse caso as verdades que o sistema propaga nada mais são do que códigos morais que garan tem o sistema uma espécie de guardiãs que não permitem que o criador penetre no sistema uma vez que criar é ao mesmo tempo destruir Todavia existe outra tendência afirma Nietzsche mais original e básica o impulso de formação de metáforas esse impulso à formação de metáforas esse impulso funda mental do homem que não se pode deixar de levar em conta nem por um instante porque com isso o homem mesmo não seria leva do em conta quando se constrói para ele a partir das suas criatu ras liquefeitas os conceitos um novo mundo regular e rígido como uma fortaleza nem por isso na verdade ele é subjugado e mal é refreado Ele procura um novo território para sua atuação e um ou tro leito de rio e o encontra no mito e em geral na arte NIETZSCHE 1991 p 5859 A tradução de Zwingburg com praça forte feita por Rubens Ro drigues Torres Filho em Os Pensadores foi substituída pela for taleza pensando que assim se traduz mais fielmente o sentido pretendido Filosofia da Linguagem 122 Não há dúvida de que para Nietzsche o impulso criativo de formação de metáforas é um aspecto fundamental e básico do ho mem sem o qual ele não seria levado em conta e apesar de ser refreado pelos seus próprios produtos os conceitos esse impulso não é de modo algum extinto A sua irrupção poética e inventiva necessita de novo âmbito e encontrao na arte Texto complementar Devido ao fato de que a nossa análise sobre a crítica nietzs chiana da linguagem conceitual gira em torno do ensaio Sobre ver dade e mentira num sentido extramoral achamos indispensável para o seu estudo mais consistente a inserção dessa breve obra na íntegra Para que você tenha acesso às notas de rodapé desse texto con firao na íntegra no site disponível em httpoperigodobelofiles wordpresscom200803nietzscheverdadeementirapdf Aces so em 13 jan 2011 Sobre a verdade e a mentira no sentido extramoral Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de inumeráveis siste mas solares houve uma vez um planeta no qual os animais inteligentes inventa ram o conhecimento Este foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal mas foi apenas um minuto Depois de alguns suspiros da natureza o planeta congelouse e os animais inteligentes tiveram de morrer Esta é a fábula que se poderia inventar sem com isso chegar a iluminar suficiente mente o aspecto lamentável frágil e fugidio o aspecto vão e arbitrário dessa exce ção que constitui o intelecto humano no seio da natureza Eternidades passaram sem que ele existisse e se ele desaparecesse novamente nada se teria passado pois não há para tal intelecto uma missão que ultrapasse o quadro de uma vida humana Ao contrário ele é humano e somente seu possuidor e criador o trata com tanta paixão como se ele fosse o eixo em torno do qual girasse o mundo Se pudéssemos entender a mosca perceberíamos que ela navega no ar animada por essa mesma paixão e sentindo em si que voar é o centro do mundo Nada há de tão desprezível e de tão insignificante na natureza que não transborde como um odre ao menor sopro dessa força do conhecer e assim como todo carregador quer também ter o seu admirador o homem mais arrogante o filósofo imagina ter também os olhos do universo focalizados como um telescópio sobre suas obras 123 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger e seus pensamentos É admirável que o intelecto seja responsável por esta situação ele a quem todavia não foi dado senão servir precisamente como auxiliar dos seres mais desfavoreci dos mas vulneráveis e mais efêmeros a fim de mantêlos na vida pelo espaço de um minuto existência da qual eles teriam todo o direito de fugir tão rapidamente como o filho de Lessing não fosse esta ajuda recebida Este orgulho ligado ao conhecimento e à percepção névoa que cega o olhar e os sentidos do homem enganaos sobre o valor da existência exatamente quando vem acompanhada da avaliação mais lisonjeira possível com relação ao conhecimento O seu efeito mais comum é a ilusão mas seus efeitos mais particulares implicam também qualquer coisa da mesma ordem O intelecto enquanto meio de conservação do indivíduo desenvolve o essencial de suas forças na dissimulação pois esta é o meio de conservação dos indivíduos mais fracos e menos robustos na medida em que lhe é impossível enfrentar uma luta pela existência munidos de chifres ou das poderosas mandíbulas dos animais carnívoros É no homem que esta arte da dissimulação atinge o seu ponto culmi nante a ilusão a lisonja a mentira e o engano a calúnia a ostentação o fato de desviar a vida por um brilho emprestado e de usar máscaras o véu da convenção o fato de brincar de comediante diante dos outros e de si mesmo em suma o gracejo perpétuo que em todo lugar goza unicamente com o amor da vaidade são nele a tal ponto a regra e a lei que quase nada é mais inconcebível do que o aparecimento nos homens de um instinto de verdade honesto e puro Eles estão profundamente mergulhados nas ilusões e nos sonhos seu olhar somente desliza sobre a superfície das coisas e vê apenas as formas sua percepção não leva de maneira nenhuma à verdade mas se limita a receber as excitações e a andar como que às cegas no dorso das coisas Além disso durante a vida toda o ho mem se deixa enganar à noite pelos sonhos sem que jamais o seu sentido moral procure impedilo disso embora deva haver homens que por força da vontade tiveram sucesso em se livrar do ronco Mas o que sabe o homem na verdade de si mesmo E ainda seria ele sequer capaz de se perceber a si próprio totalmente de boafé como se estivesse exposto numa vitrine iluminada A natureza não lhe dissimula a maior parte das coisas mesmo no que concerne a seu próprio corpo a fim de mantêlo prisioneiro de uma consciência soberba e enganadora afastado das tortuosidades dos intestinos afastado do curso precipitado do sangue nas veias e do complexo jogo de vibrações das fibras Ela atirou fora a chave e infeliz da curiosidade fatal que chegar um dia a entrever por uma fresta o que há fora desta cela que é a consciência e aquilo sobre o que ela está assentada e desco brir então que o homem repousa a despeito da sua ignorância sobre um fundo impiedoso ávido insaciável e mortífero agarrado a seus sonhos assim como ao dorso de um tigre Nessas condições haveria no mundo um lugar de onde pudes se surgir o instinto de verdade No estado de natureza na medida em que o indivíduo quer conservarse diante dos outros indivíduos ele não utiliza sua inteligência o mais das vezes senão com fins de dissimulação Mas na medida em que o homem ao mesmo tempo por necessidade e por tédio quer viver em sociedade e no rebanho necessário lhe é concluir a paz e de acordo com este tratado fazer de modo tal que pelo menos o aspecto mais brutal do bellum omnium contra omnes desapareça do seu mundo Ora este tratado de paz fornece algo como um primeiro passo em vista de tal enig mático instinto de verdade De fato aquilo que daqui em diante deve ser a verda de é então fixado quer dizer é descoberta uma designação uniformemente válida Filosofia da Linguagem 124 e obrigatória das coisas e a legislação da linguagem vai agora fornecer também as primeiras leis da verdade pois nesta ocasião e pela primeira vez aparece uma oposição entre verdade e mentira O mentiroso utiliza as designações pertinentes as palavras para fazer parecer real o que é irreal ele diz por exemplo eu sou rico ainda que para qualificar sua condição fosse justamente a palavra pobre a designação mais correta Ele mede as convenções estabelecidas operando subs tituições arbitrárias ou mesmo invertendo os nomes Se age assim de maneira interessada e demasiadamente prejudicial a sociedade não lhe dará mais crédito e por causa disso o excluirá Nesse caso os homens fogem menos da mentira do que do prejuízo provocado por uma mentira Fundamentalmente não detestam tanto as ilusões mas as consequências deploráveis e nefastas de certos tipos de ilusão É apenas nesse sentido restrito que o homem quer a verdade Deseja os resultados favoráveis da verdade aqueles que conservam a vida mas é indiferen te diante do conhecimento puro e sem consequência e é mesmo hostil para com as verdades que podem ser prejudiciais e destrutivas Mas por outro lado o que são as convenções da linguagem São produtos eventuais do conhecimento e do sentido da verdade Coincidem as coisas e suas designações É a linguagem a expressão adequada de toda e qualquer realidade Somente graças à sua capacidade de esquecimento é que o homem pode chegar a imaginar que possui uma verdade no grau que nós queremos justamente indicar Se ele recusa contentarse com uma verdade na forma de tautologia quer dizer como cascas vazias ele tomará eternamente ilusões por verdades O que é uma palavra A transposição sonora de uma excitação nervosa Mas concluir a partir de uma excitação nervosa uma causa primeira exterior a nós isso é já até onde chega uma aplicação falsa e injustificável do princípio da razão Se a verdade tivesse sido o único fator determinante na gênese da linguagem e se o ponto de vista da certeza o fosse quanto às designações como teríamos então o direito de dizer por exem plo que esta pedra é dura como se conhecêssemos o sentido de duro de outro modo que não fosse apenas uma excitação totalmente subjetiva Classificamos as coisas segundo os gêneros designamos larbre como masculino e a planta como feminino que transposições arbitrárias A que ponto estamos afastados do cânone da certeza Falamos de uma serpente a designação alcança somente o fato de se contorcer o que poderia convir igualmente ao verme Que delimitações arbitrárias que parcialidade é preferir ora uma ora outra propriedade de uma coisa As diferen tes línguas quando comparadas mostram que as palavras nunca alcançam a ver dade nem uma expressão adequada se fosse assim não haveria efetivamente um número tão grande de línguas A coisa em si como sendo precisamente a verdade pura e sem conseqüência enquanto objeto para aquele que cria uma linguagem permanece totalmente incompreensível e absolutamente indigna de seus esforços Esta designa somente as relações entre os homens e as coisas e para exprimilas ela pede o auxílio das metáforas mais audaciosas Transpor uma excitação nervo sa numa imagem Primeira metáfora A imagem por sua vez é transformada num som Segunda metáfora A cada vez um salto completo de uma esfera para outra completamente diferente e nova Imaginemos um homem que seja totalmente surdo e que jamais tenha percebido o som e a música da mesma maneira que ele sem dúvida se espanta com as figuras acústicas de Chladni feitas de areia e descobre sua causa na vibração das cordas jurará então por esta descoberta que não poderá ignorar daí por diante o que os homens chamam de som assim como ocorre com todos nós no que concerne à linguagem Acreditamos possuir algum saber sobre as coisas propriamente quando falamos de árvores cores neve e flores mas não temos entretanto aí mais do que metáforas das coisas as quais não correspondem 125 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger absolutamente às entidades originais Assim como o som enquanto figura de areia também o x enigmático da coisa em si é primeiramente captada como excitação nervosa depois como imagem afinal como som articulado A gênese da linguagem não segue em todos os casos uma via lógica e o conjunto de materiais que é por conseguinte aquilo sobre o que e com a ajuda de quem o homem da verdade o pesquisador o filósofo trabalha e constrói se não provém de Sírius jamais provém em todo caso da essência das coisas Pensemos ainda uma vez particularmente na formação dos conceitos toda pala vra se torna imediatamente conceito não na medida em que ela tem necessaria mente de dar de algum modo a idéia da experiência original única e absolutamente singular a que deve o seu surgimento mas quando lhe é necessário aplicarse si multaneamente a um semnúmero de casos mais ou menos semelhantes ou seja a casos que jamais são idênticos estritamente falando portanto a casos totalmen te diferentes Todo conceito surge da postulação da identidade do nãoidêntico Assim como é evidente que uma folha não é nunca completamente idêntica à outra é também bastante evidente que o conceito de folha foi formado a partir do abandono arbitrário destas características particulares e do esquecimento daquilo que diferencia um objeto de outro O conceito faz nascer a idéia de que haveria na natureza independentemente das folhas particulares algo como a folha algo como uma forma primordial segundo a qual todas as folhas teriam sido tecidas desenhadas cortadas coloridas pregueadas pintadas mas por mãos tão inábeis que nenhum exemplar teria saído tão adequado ou fiel de modo a ser uma cópia em conformidade com o original Dizemos de um homem que ele é honesto per guntamos a nós mesmos porque ele agiu hoje tão honestamente Respondemos geralmente que foi por causa da sua honestidade Honestidade Isto significa nova mente dizer que a folha é a causa das folhas Não sabemos mesmo absolutamente nada de uma qualidade essencial chamada honestidade no entanto conhecemos inumeráveis ações individualizadas e por conseguinte dessemelhantes mas que postulamos como idênticas ao deixarmos de lado o que as torna diferentes assim designamos as ações honestas a partir das quais afinal formulamos uma qualitas occulta com o termo a honestidade A omissão do particular e do real nos dá o conceito assim como nos dá a forma contrariamente ao que revela a natureza que não conhece formas ou conceitos e portanto nenhum gênero mas somente um x para nós inacessível e indefinível Pois a oposição que introduzimos entre o indivíduo e a espécie é também antropomórfica e não provém da essência das coisas mesmo quando ousamos dizer que esta opo sição não corresponde à essência das coisas pois isto seria de fato uma afirmação dogmática e enquanto tal tão indemonstrável quanto a afirmação contrária O que é portanto a verdade Uma multidão móvel de metáforas metonímias e antropomorfismos em resumo uma soma de relações humanas que foram realça das transpostas e ornamentadas pela poesia e pela retórica e que depois de um longo uso pareceram estáveis canônicas e obrigatórias aos olhos de um povo as verdades são ilusões das quais se esqueceu que são metáforas gastas que per deram a sua força sensível moeda que perdeu sua efígie e que não é considerada mais como tal mas apenas como metal Não sabemos ainda todavia de onde provém o instinto de verdade pois até agora só temos falado do constrangimento que a sociedade impõe como condição da existência é necessário ser verídico quer dizer empregar metáforas usuais por tanto nos termos da moral só temos falado da obrigação de mentir segundo uma Filosofia da Linguagem 126 convenção estabelecida mentir como rebanho e num estilo obrigatório para todos Na verdade o homem esquece que é assim que se passam as coisas Ele men te portanto inconscientemente tal como indicamos conformandose a costumes seculares e é mesmo por intermédio dessa inconsciência desse esquecimento que ele chega ao sentimento da verdade Ao experimentar o sentimento de estar obrigado a designar uma coisa como vermelha outra como fria uma terceira como muda ele é seduzido por um impulso moral que o orienta para a verdade e em oposição ao mentiroso a que ninguém dá crédito e que todos excluem o homem é persuadido da dignidade da confiança e da utilidade da verdade Enquanto ser racional deve agora submeter seu comportamento ao poder das abstrações não suporta mais ser levado pelas impressões súbitas e pelas intuições mas genera liza em primeiro lugar todas as impressões em conceitos mais frios e mais exan gües a fim de atrelar neles a condução da sua vida e do seu agir Tudo o que eleva o homem acima do animal depende dessa capacidade de fazer desaparecer as metáforas intuitivas num esquema ou em outras palavras dissolver uma imagem num conceito Sob o domínio desses esquemas é possível ser bem sucedido em relação àquilo que jamais se alcançaria submetido às primeiras impressões intuiti vas edificar uma pirâmide lógica ordenada segundo divisões e graus instaurar um novo mundo de leis privilégios subordinações e delimitações que se opõe desde logo ao outro mundo o mundo intuitivo das primeiras impressões como sendo aquele melhor estabelecido mais geral melhor conhecido mais humano e por esta razão como uma instância reguladora e imperativa Enquanto toda metáfora da intuição é particular e sem igual escapando sempre portanto à qualquer clas sificação o grande edifício dos conceitos apresenta a estrita regularidade de um columbário romano edifício de onde emana aquele rigor e frieza da lógica que são próprios das matemáticas Aquele que estivesse impregnado desta frieza hesitaria em crer que mesmo o conceito duro como o osso e cúbico como um dado e como ele intercambiável acabasse por ser somente o resíduo de uma metáfora e que a ilusão própria a uma transposição estética de uma excitação nervosa em imagens se não era a mãe era entretanto a avó de tal conceito Mas nesse jogo de dados dos conceitos chamase verdade o fato de se utilizar cada dado segun do a sua designação de computar exatamente seus pontos de formular rubricas corretas e de jamais pecar contra o ordenamento das divisões ou contra a série ordenada das classificações Assim como os romanos e os etruscos dividiram o céu segundo linhas matemáticas estritas e destinaram este espaço assim delimita do para templum de um deus assim também todo povo possui um céu conceitual semelhante a que está adstrito a exigência da verdade significa então para ele que todo conceito a exemplo de um deus somente deve ser procurado na sua própria esfera Bem poderíamos a respeito disso admirar o homem pelo fato de ser ele um poderoso gênio da arquitetura ele conseguiu erigir uma catedral conceitual infinitamente complicada sobre fundações movediças de qualquer maneira sobre água corrente Na verdade para encontrar um ponto de apoio em tais fundações precisase de uma construção semelhante às teias de aranha tão fina que possa seguir a corrente da onda que a empurra tão resistente que não se deixe despe daçar à mercê dos ventos Enquanto gênio da arquitetura o homem supera em muito a abelha esta constrói com a cera que recolhe da natureza o homem o faz com a matéria bem mais frágil dos conceitos que é obrigado a fabricar com seus próprios meios Nisso o homem é bem digno de ser admirado mas não por seu instinto de verdade ou pelo conhecimento puro das coisas Se alguém esconde algo atrás de uma moita e depois a procura exatamente nesse lugar acabando por encontrála aí não há nenhum motivo para a glorificação dessa procura e dessa descoberta Mas é todavia isso o que ocorre com a procura e a descoberta da 127 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger verdade no domínio que concerne à razão Quando dou a definição de mamífero e quando depois de ter examinado um camelo declaro eis aqui um mamífero isto é certamente uma verdade que vem à luz mas o seu valor é limitado quero dizer com isso que ela é em tudo uma definição antropomórfica e que não contém qualquer coisa que seja verdade em si real e universal independentemente do homem Aquele que se põe à busca de tais verdades no fundo procura somente a metamorfose do mundo no homem luta para alcançar uma compreensão do mundo enquanto coisa humana e conquista no melhor dos casos o sentimento de uma assimilação Semelhante a um astrólogo aos olhos de quem as estrelas estão a serviço dos homens e relacionadas com sua felicidade ou infelicidade um tal pesquisador considera o mundo inteiro como estando ligado aos homens como o eco sempre deformado de uma voz primordial do homem como a cópia multipli cada e diversificada de uma imagem primordial do homem Seu método consiste no seguinte considerar o homem como medida de todas as coisas porém assim fazendo parte do erro que consiste em acreditar que as coisas lhe seriam dadas imediatamente enquanto puros objetos Ele esquece portanto que as metáforas originais da intuição são já metáforas e as toma pelas coisas mesmas Foi somente o esquecimento desse mundo primitivo das metáforas foi apenas a cristalização e a esclerose de um mar de imagens que surgiu originariamente como uma torrente escaldante da capacidade original da imaginação humana foi unica mente a crença invencível em que este sol esta janela esta mesa são verdades em si em suma foi exclusivamente pelo fato de que o homem esqueceu que ele próprio é um sujeito e certamente um sujeito atuante criador e artista foi isto que lhe permitiu viver beneficiado com alguma paz com alguma segurança e com alguma lógica Se ele pudesse por um instante transpor os muros desta crença que o aprisio na adquiriria imediatamente a consciência de si Já lhe custa bastante reconhecer até que ponto o inseto ou o pássaro percebem o mundo de uma maneira totalmente diferente do homem e confessar que a questão de saber qual das duas percepções é a mais justa é completamente absurda já que para respondêla precisaria em primeiro lugar que se as medisse segundo o critério da percepção justa quer dizer segundo um critério do qual não se dispõe Mas me parece sobretudo que a percep ção justa que significaria a expressão adequada de um objeto num sujeito é um absurdo pleno de contradições pois entre duas esferas absolutamente distintas como são o sujeito e o objeto não há qualquer laço de causalidade qualquer exati dão qualquer expressão possíveis mas antes de mais nada uma relação estética quer dizer no sentido que dou uma transposição aproximativa uma tradução bal buciante numa língua totalmente estranha Contudo isto exigiria em todo caso uma esfera intermediária e uma força auxiliar onde a criação e a descoberta pudessem operar livremente A palavra fenômeno esconde muitas seduções eis porque eu evito empregála o mais que posso pois não é verdade que a essência das coisas se manifeste no mundo empírico Um pintor que fosse maneta e quisesse exprimir pelo canto o quadro que ele projeta pintar dirá sempre mais passando de uma es fera a outra do que revela o mundo empírico sobre a essência das coisas A própria relação entre uma excitação nervosa e a imagem produzida não é em si nada de necessário mas se precisamente esta mesma imagem for reproduzida milhões de vezes e se inúmeras gerações de homens deixamna de herança enfim sobretudo se ela aparece ao conjunto da humanidade sempre nas mesmas circunstâncias ela acaba por adquirir para o homem a mesma significação como se ela fosse a única imagem necessária e como se esta relação entre a excitação nervosa de origem e a imagem produzida fosse uma relação de estrita causalidade Assim também um sonho eternamente repetido seria experimentado e julgado como absolutamente Filosofia da Linguagem 128 real Mas a cristalização e a esclerose de uma metáfora não daria nenhuma garantia quanto à necessidade e à legitimidade exclusiva desta metáfora Todo homem familiarizado com tais considerações experimentou evidentemente uma desconfiança profunda a respeito de todo idealismo desse tipo a cada vez que se mostrou claramente persuadido pela lógica pela universalidade e pela infa libilidade eternas das leis da natureza e disso tirou a seguinte conclusão aí tudo é certo elaborado infinito regrado desprovido de falha até onde pode levar o nosso olhar graças ao telescópio apontado para as alturas do mundo e graças ao mi croscópio dirigido para as suas profundezas A ciência terá sempre material para explorar com êxito este poço e tudo quanto ela puder encontrar concordará sem se contradizer Quão pouco se assemelha isto a um produto da imaginação pois se assim o fosse seria todavia necessário que algo da ilusão e da irrealidade que lhe são próprias se revelasse Ao contrário é preciso dizer primeiramente o seguinte se tivéssemos em cada parte nossa uma percepção sensível de natureza diferen te poderíamos perceber ora como um pássaro ora como um verme de terra ora como uma planta ou se um de nós percebesse uma excitação visual como ver melha se outro a percebesse como azul ou se para um terceiro fosse uma exci tação auditiva ninguém diria que a natureza é regida por leis mas contrariamente a conceberíamos somente como uma construção altamente subjetiva Assim o que é então para nós uma lei da natureza Ela não nos é conhecida em si mas apenas nos seus efeitos ou seja nas suas relações com outras leis da natureza que por sua vez somente são conhecidas enquanto relações Portanto todas as relações nada fazem senão remeterse umas às outras e nos são absolutamente incompreensíveis quanto à sua essência Unicamente o que aí colocamos o tem po e o espaço quer dizer as relações de sucessão e os números nos é realmente conhecido Mas tudo o que precisamente nos surpreende nas leis da natureza que reclama nossa análise e que poderia nos levar à desconfiança do idealismo reside de fato e unicamente no rigor matemático unicamente na inviolabilidade das re presentações do tempo e do espaço e não em outro lugar Ora produzimolas em nós e projetamolas fora de nós segundo a mesma necessidade que leva a abelha a tecer sua teia Se somos obrigados a conceber todas as coisas apenas sob tais formas então não há nada de admirável em captar sob estas mesmas formas o que verdadeiramente procuramos nas coisas De fato todas elas necessariamente se referem às leis do número e o número é justamente o que há de mais surpre endente nas coisas Toda presença das leis que se nos impõe sobre o curso dos astros e sobre os processos químicos coincide no fundo com aquelas proprieda des que acrescentamos às coisas para assim darmonos respeito a nós mesmos Disso resulta sem dúvida nenhuma que esta criação artística de metáforas que marca em nós a origem de toda percepção pressupõe já aquelas formas nas quais por via de conseqüência ela se efetua É apenas a persistência invariável dessas formas originais que explica a possibilidade que permite assim construir um edifício conceitual apoiado novamente sobre as próprias metáforas Este edifício é com efeito uma réplica das relações de tempo espaço e número reconstruído sobre a base das metáforas NIETZSCHE 2010 Depois de ter acompanhado os problemas referentes à lin guagem na filosofia de Nietzsche você irá acompanhar no tópico a seguir como o ilustre filósofo alemão Heidegger encontrou na linguagem poética uma forma mais adequada de linguagem em 129 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger outras palavras como a linguagem poética assume na filosofia de Heidegger o estatuto de linguagem autêntica 6 HEIDEGGER A LINGUAGEM E A POESIA Heidegger é um dos filósofos modernos que mais dedicou uma atenção especial sobre o problema da linguagem em vista do seu alcance ontológicofundamental Ele se perguntava se seria possível por meio da linguagem alcançar a dimensão ontológi ca uma vez que a sua conotação universal diverge da disposição fundamental de sentimento da situação originária em que o ser se desvela Ou então perguntava que tipo de linguagem é capaz de desvelar o ser uma vez que a linguagem é a mansão do ser e o homem tem acesso ao ser por meio da linguagem A seguir você irá conhecer algumas das contribuições de Heidegger para resol ver esses dilemas O discurso filosófico metafísico e o esquecimento do ser Por um lado Heidegger acusa o discurso filosófico da tra dição metafísica pelo fato de este ter velado por meio dos con ceitos o sentido do ser Se a Filosofia essencialmente surge como pergunta pelo sentido do ser então nela essencialmente se oculta a possibilidade da sua resposta Uma dessas possibilidades foi a da razão Esta se configurou como uma espécie de enteléquia que tendeu ininterruptamente para a realização das suas potências Na direção da sua realização a metafísica tradicional para Heidegger revelase como história do esquecimento do ser Mas por que a concepção teórica com a sua linguagem lógicoformal não foi ca paz segundo Heidegger de desvelar o ser A resposta heidegge riana faz referência a três aspectos fundamentais da concepção teórica que levaram ao esquecimento do ser a razão o conceito e a verdade Filosofia da Linguagem 130 Esses aspectos foram impotentes para manter em aberto a pergunta pelo sentido do ser Pois movidos por uma tendência de finidora eles tentaram definir aquilo que naturalmente prescinde de definição embora seja a base fundamental de toda definição O onipotente conceito segundo Heidegger não foi capaz de definir o Ser pois o conceito de Ser diznos o filósofo é in definível Mas por que é que o conceito é incapaz de definir o ser Se nos atentarmos à palavra definição constataremos que ela remete a fim ou limites Nesse caso o conceito define isto é põe limites descreve algo Todavia essa definição operada pelo conceito referente a um ente qualquer do mundo opera num âm bito no qual cada coisa ou ente se destaca Se esse âmbito é a base de toda definição evidentemente ele prescinde de definição tal como o olho que vê mas que não consegue verse a si mesmo Esse âmbito absolutamente fundador e condição própria de toda definição conceitual que a antecede e a torna possível é o próprio ser Eis porque a concepção teórica falhou na tarefa de definir o ser pois o conceito fecha ao tentar definir o ser Para entendermos melhor essa posição anticonceitual de Heidegger vale observar qual o seu entendimento do ser Em Ser e tempo Heidegger compreende a noção de Ser em três aspectos Ser é conceito mais universal uma compreensão do ser já está sempre incluída em tudo que se apreende no ente A universalidade do ser porém não é a do gê nero A universalidade do ser trans cende toda universalidade genérica HEIDEGGER 2000 p 2846 A partir dessa constatação vêse que existe uma clara distin ção entre o ser e o ente Não é legítimo segundo o filósofo que o ser se confunda com o ente Justamente essa confusão consti tui aquele erro ontológico que Heidegger denomina de esqueci mento do ser E esse esquecimento se origina da impotência da linguagem em definir o ser O conceito de ser é indefinível Essa é a conclusão tirada da má xima universalidade De fato o ser não pode ser concebido como ente o ser não pode ser determi nado acrescentandolhe um ente Não se pode derivar o ser no sentido de uma defini ção a 131 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger partir de conceitos superiores nem explicálo através de conceitos inferiores Daí podese apenas concluir que o ser não é um ente Por isso o modo de determinação do ente legítimo dentro de cer tos limites como a definição da lógica tradicional que tem seus fundamentos na antiga ontologia não pode ser aplicado ao ser HEIDEGGER 2000 p 29 A partir desse trecho evidenciase que a definição do ente requer necessariamente o âmbito do ser como seu horizonte con ceitual Justamente como tal a conclusão de Heidegger julgao in definível Todavia nem por isso ele deve ser abandonado Cabe ao filósofo manterse nesse horizonte conceitual e ser a clareira do ser Nesse sentido para Heidegger surge a necessidade de colo car em pauta novamente a pergunta pelo sentido do ser O ser é o conceito evidente por si mesmo Em todo conhecimen to proposição ou comportamento com o ente e em todo relacio namento consigo mesmo fazse uso do ser e nesse uso compre endese a palavra sem mais Todo mundo compreende o céu é azul eu sou feliz Mas a essa compreensão comum demonstra apenas a incompreensão Revela que um enigma já está sempre inserido a priori em todo aterse e ser para o ente como ente Esse fato de vivermos sempre numa compreensão do ser e o sentido do ser estar ao mesmo tempo envolto em obscuridade demonstra a necessidade de se repetir a questão sobre o sentido do ser HEIDEGGER 2000 p 2930 Por um lado Heidegger atribui ao filósofo a tarefa de man ter o sentido do ser mas por outro denuncia a impotência do conceito e do discurso filosófico de desvelar o ser Nesse caso evi dentemente o filósofo requer troca das ferramentas vigentes da Filosofia com efeito troca a linguagem conceitual pela linguagem metafórica que ao contrário do conceito não fecha mas abre para múltiplos sentidos não permitindo assim a sua definição Para o acesso ao ser Heidegger elege a linguagem poética por meio da qual numa disposição fundamental de humor pathos o homem se conecta ao ser Filosofia da Linguagem 132 A poesia como linguagem autêntica A interpretação também se origina da preocupação diante das possibilidades do dasein Seraí O projeto por meio do qual tentamos antecipar o futuro requer a interpretação e esta toma forma de linguagem mediante a qual atribuímos sentidos e sig nificados às nossas possibilidades Mas segun do Heidegger nem toda linguagem é autêntica Somente é autêntica aquela que aces sa e diz respei to às possibilidades próprias de dasein Linguagem autêntica seria a da poesia da arte e até mesmo a do silêncio pois ele segundo o filósofo faria parte da expressão mais autên tica do ser O critério heideggeriano de linguagem autêntica deriva da sua possibilidade de acessar o dasein de falar apenas a ele Tal possibili dade é vista na linguagem poética por exemplo porque ao utilizar a expressão metafórica atenta aos possíveis sentidos não os fecha como a linguagem científica Assim várias pessoas podem ler a mes ma poesia mas as experiências de cada um com tais versos serão to talmente únicas o que não ocorre com a linguagem científica que fixa por meio dos conceitos e dos números significados rigorosos Uma frase poética do tipo O sol mergulhou no mar não diz nada para os cientistas sendo uma frase sem sentido pois o sentido e o significado não se correspondem Contudo para alguém que teve ou melhor que pressentiu que terá no futuro uma de cepção amo rosa a frase poética é perfeitamente compreensível Na década de 1950 isto é após a virada Heidegger colo cou a especulação sobre linguagem no primeiro plano explicitan do a seguinte dúvida existe algo que está por trás em ou aci ma da linguagem algo para além dos seus limites Essa questão assim colocada torna possível a compreensão de que a nossa pró pria presença ocorre não no mundo mas na linguagem Mas esse lugar utópico permanece ele mesmo improvável seus topos temporais não permitem uma fixação inequívoca determinação 133 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger rigorosa ou qualquer tipo de unidade A linguagem é o caráter de escrita e antes de toda fala ela já está presente como texto Mas ele é de tal natureza que antes de ser escrito não teria existido como original no pensamento texto não original não concebido apenas desejado Texto que se escreve no momento da sua leitura e que não possui ser fora dessa leitura Todavia a compreensão não é algo que ocorre no âmbito abstrato para além dos símbolos linguísticos A linguagem não se pode fixar em uma unidade de símbolos porém ela é um ges to corporal Isso significa que a escrita se realiza em e sobre a linguagem Ela a linguagem é um além e aquém aquilo que vai para além do nome testemunhando que ele permanece A escrita é sempre para depois meta O que vem depois da escrita é postscriptum o signo Nada há mais misterioso do que um signo que não remete para além de si enquanto signo do nada todavia sem conteúdo porque é somente referência Desde a época dos antigos gregos o homem é aquele que se define no âmbito do ser por meio da linguagem isto é do logos O fato é que o homem fala mas apenas por meio da linguagem é possível comunicar algo e portanto dizer O homem é aquele que fala e enquanto fala ele diz A linguagem também fala Mas o que a linguagem diz Em sua fala a linguagem se cala Em outras palavras a fala da linguagem revelase como imersa nos caminhos do silêncio Nessa fala está ausente a personalização da voz o que nela ressoa é apenas o som Desde o início da nossa interrogação somos envolvidos com a ambiguidade da linguagem pois para falar sobre a linguagem é preciso utilizar ela mesma Tratase grosso modo daquelas ca racterísticas da linguagem que a determinam como horizonte As palavras não têm uma importância própria são apenas rugas na superfície do discurso Filosofia da Linguagem 134 Como é de praxe daremos a você caro aluno a oportu nidade de aprofundar o seu estudo sobre a concepção heideg geriana da linguagem em que Heidegger introduz um novo pa radigma no discurso filosófico que é capaz de acessar o ser por meio da poesia a partir do artigo de Chimena M S de Barros intitulado A poesia na filosofia heideggeriana uma breve inves tigação rumo a crítica Texto complementar A poesia na filosofia heideggeriana uma breve investigação rumo à crítica I INSTAURAÇÃO DA TRADIÇÃO O INÍCIO DA RELAÇÃO POESIA E FILOSOFIA Poesia e Filosofia uma relação de amor e ódio laços que ora se apertam ora se afrouxam Nos cursos de Letras o estudo da literatura iniciase com a historinha do filósofo grego que expulsou os poetas de sua República Ideal É nas palavras de Platão que a relação tem sua origem seus argumentos o discurso da poesia é fantasioso não obedece à lógica do pensamento não instrui e a poesia está em demasia afastada da Verdade a Verdade de Platão o conceito verdade que habita o Mundo das Idéias e ao qual apenas os sábios têm acesso Para o filósofo grego a poesia afastase da Verdade com efeito o poeta é alguém sem uma grandiosa função na sociedade No final do Fedro Platão provoca falar a Homero e a qualquer outro autor de poesias que se desti nam ou não a ser cantadas Devemos dizerlhes o seguinte se eles estão certos de possuir a verdade e capazes de a defender se podem com as suas palavras ir além dos seus escritos não devem chamarse retóricos que devem tomar a sua denominação da ciên cia a que se dedicam 1954 261 E diante da curiosa indagação de seu discípulo continua Chamálos sábios Fe dro me parece excessivo e só aplicável a um deus mas o nome de filósofo ou um epíteto semelhante lhes caberia melhor e seria mais apropriado Platão 1954 261 grifo nosso Assim o pensador lutou com as armas que tinha suas proposições eram adequadas ao pensamento filosófico da época e os filósofos ganhavam o estatuto de semideuses a filosofia de semidevoção e a poesia de grande inútil A poesia foi ainda abordada em diversas reflexões de todos os tempos como arte que é esteve sempre entre as preocupações de filósofos por diferentes aborda gens e diversos motivos Milênios depois da condenação de Platão a situação inverteuse A verdade como clareira e ocultação do ente acontece na medida em que se poetiza Heidegger 1990 58 itálico nosso sentenciou o filósofo alemão Martin Heidegger em A Origem da Obra de Arte Outro tempo outra visão de mun do junta novamente a idéia de poesia à de verdade e à filosofia Evidentemente tratase de uma nova verdade um novo modo de pensála que está em uma refle 135 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger xão moderna que se pretende afastada da metafísica e retoma questões antigas com uma abordagem bastante diferente Em seu pensamento sobre o ser e o ente Heidegger passou pela verdade e che gou à obra de arte e à poesia Toda a arte é na sua essência poesia 1990 58 itálico do autor Ora visto como um existencialista denominação por ele re negada ora como um fenomenologista e sempre como um representante nato da hermenêutica o filósofo conduziu suas reflexões ontológicas para o universo da linguagem não sem antes ter passado por uma revisão da tradição e o que podemos ver como uma precursora desconstrução dela em Ser e Tempo Na concepção do filósofo alemão a herança de Platão renegada ou reafirmada é transmitida erroneamente a tradição é uma das formas do ser perderse de si porquanto ela transmite o esquecimento do que ela própria fora primeiro Heidegger então vai propor uma filosofia futura que irá olhar adiante para seu passado e regojizarse em sua infindável novidade Rée 1999 22 A herança aqui citada não diz respeito apenas ao pensamento sobre a poesia e os poetas é uma visão que fundou a filosofia e que tratou os temas a que Heidegger dedicouse em toda a sua obra o problema do ser seu sentido sua verdade A partir dele o filósofo segue com sua reflexão utilizando uma linguagem caracte rizada como obscura por muitos estudiosos Suas considerações sobre o ser en contram na língua alemã o meio de expressão ideal pela opção que ela oferece na formação de palavras assim para um pensamento novo uma nova visão do ser e da metafísica o filósofo cria neologismos ou usa palavras gregas empregadas em um novo sentido Tal qual um poeta Heidegger faz da linguagem o acontecimento fundamental de sua obra II O PENSAMENTO HEIDEGGERIANO DO DASEIN À VERDADE Para chegar à poesia Martin Heidegger antes correu seu pensamento pelo ser pelos conceitos mundo e terra pela verdade e pela obra de arte Mas tais con ceitos não são para o filósofo o que foram para a tradição filosófica metafísica Para ele a herança metafísica estaria chegando ao fim em seu textoO fim da filo sofia ele iguala filosofia à metafísica e ambas ao platonismo Filosofia é metafísi ca Esta pensa o ente em sua totalidade o mundo o homem Deus sob o ponto de vista do ser sob o ponto de vista da recíproca imbricação do ser Heidegger 1979b 71 Ainda segundo Heidegger o filósofo deveria partir da existência huma na para formular suas reflexões e não fazer pressuposições sobre sua natureza ou trabalhar com conceitos abstratos Heidegger acha que as pressuposições formadas por séculos de metafísica distanciaram a filosofia do verdadeiro conhe cimento do ser Chauí 1979 viii Começando pelo ser devemos apontar sua bordagem até o aparecimento da fi losofia heideggeriana em que essa visão metafísica vai se desfazendo Em seu lugar um ser existencial mais que isso um ser não idealizado um ser no mundo do mundo e com o mundo não o homem mas um ser que habita o homem o Dasein Antes de Heidegger a questão do ser tinha uma valoração subjetiva em confronto com uma objetiva O ser era então visto como uma personalidade uma individua lidade independente do outro o qual seria uma projeção do eu Filosofia da Linguagem 136 O ser era o eu o eu tornavase um rei das pressuposições filosóficas a medida de todas as coisas O filósofo alemão refutou a coroação do eu e procurou o ser essencial que não é o eu nem o outro mas somos nós e nós não somos de fato eus cartesianos autoencerrados e autocentrados mas aberturas receptivas volta das para o mundo Rée 1999 45 O ser heideggeriano só pode ser encontrado pelo Dasein e no Dasein ou ser aí O Dasein é o ente que compreende o ser o que significa entendêlo em sua existência e entender a existência como possibilidade sua de ser ou de não ser si mesmo com a qual está concernido Nunes 2002 12 Por Dasein devemos entender nós mesmos quando estamos à procura do ser mas não nos enganemos nós mesmos significa a existência humana o homem enquanto tentado a revelarse a si mesmo não uma consciência subjetiva um raciocínio ou um corpo humano mas como Daseins não somos nada além de nossas compreensões e incompreensões do mundo e do lugar que nele ocupa mos e de nossas mais ou menos claras compreensões e incompreensões dessas próprias compreensões e assim por diante interminavelmente Rée 1999 16 Apenas partindo do seraí Dasein é que nos é possível chegar à descoberta do ser visto que o primeiro compreende o segundo Mas o seraí não é uma entida de virtual um exemplo do ser que só existe para ilustrar a filosofia heideggeriana ele é o ser vinculado ao mundo E mundo para o filósofo não é o que sempre entendemos como tal Universo globo terrestre espaço ele abrange muito é geografia sociedade economia e principalmente história Afonso de Castro estudioso da poesia de Manoel de Barros analisou a obra do poeta à luz da filosofia de Heidegger no livro A Poética de Manoel de Barros Sua definição do mundo heideggeriano pareceunos bastante adequada e elucidativa Castro escreveu que mundo para Heidegger é a totalidade em que o ser humano está imerso Ele préexiste a qualquer noção de sujeito objeto O mundo é algo pressuposto já dado O mundo sendo algo já dado englobante está sempre presente e resiste a qualquer tentativa de objetivação O mundo dáse a perceber somente junto com as entidades que surgem nele A compreensão ocorre através do mundo Segundo Heidegger mundo e compreen são são partes inseparáveis da constituição do Dasein 1992 85 O mundo é com o Dasein quando Afonso de Castro aponta que o mundo permite a compreensão quer dizer que ele se abre no Dasein por isso não há uma objetiva ção mas uma figuralidade do mundo ele acontece como Ao contrário da filosofia platônica em que o mundo existia antes como essência na filosofia heidegge riana o mundo existe sempre sendo e acontecendo Quando dissemos que o ser não é tratado como uma subjetividade abrimos já uma fenda para falar do seraí e do mundo o ser no mundo é um sercom pois sua totalidade só se dá na convivência com outros seres O Dasein não é o homem sozinho e para entendermos o ser devemos enxergálo no mundo compartilhado Mas enquanto o ser se revela no sercom como um ser no mundo ele principia o seu encobrimento a sua ocultação pois a relação com os outros leva o homem à vida cotidiana que por sua vez o leva à inautenticidade É importante que entendamos a inautenticidade para que cheguemos à verdade à obra de arte e à poesia Ela é o homem afastado de tornarse si mesmo e de reco 137 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger nhecer o ser primordial dentro de si Na sua vivência cotidiana o homem acostu mase com o mundo e vive em um profundo estado de esquecimento Ele encobre o Dasein tornandoo oculto e não se dá conta do seu esquecimento procura ser autêntico e dono de si na trivialidade da vida O esquecimento promovido pela vida cotidiana é o mesmo proporcionado pela tradição filosófica ele não deixa que o ser e o ente sejam o que eles realmente são Heidegger fala dele em A Origem da Obra de Arte O que nos parece natural é unicamente o habitual do há mui to adquirido que fez esquecer o inabitual donde provém Este inabitual todavia surpreendeu um dia o homem como algo de estranho e levou o pensamento ao espanto Heidegger 1990 17 E a respeito da força que o cotidiano tem em trazer o esquecimento e a ocultação do ser do ente o filósofo escreve em Sobre a essência da verdade O homem se limita à realidade corrente e passível de ser dominada mesmo ali onde se decide o que é fundamental E se ele se decide alargar transformar se apropriar e as segurar o caráter revelado do ente nos domínios mais variados de sua atividade ele contudo procura as diretivas para tal nos estreitos limites de seus projetos e necessidades correntes Heidegger 1979c 142 É também de Sobre a essência da verdade que tiramos as considerações do filó sofo alemão a respeito da verdade do ser e do ente Os filósofos gregos deixaram uma herança de pensamento sobre a verdade desde Platão que a considerava imutável e eterna como parte da essência do ser e Aristóteles que a pensou como uma correspondência entre juízos e objetos Sendo pensada assim na relação sujeito objeto a verdade segundo Heidegger perdeu seu sentido original Ele vai pensála enquanto relacionada à existência do ser A concepção de verdade heideggerina inverte as idéias tradicionais de adequa tio da enunciação não é porque um enunciado está adequado ao ente que ele é uma verdade mas o ente já trazia essa verdade ela já se encontrava em seu comportamento Assim a verdade tem uma estrutura de evento a verdade para Heidegger acontece O acontecimento da verdade dáse no deixarser do ente que por sua vez só é possível pela liberdade Heidegger vai dizer que a essência da verdade é a liberdade pois ela permite que cada ente seja o ente que é e que assim a verdade aconteça e usa então a palavra grega alétheia que tem seu sentido mais puro em desvelamento para definir a verdade A liberdade assim compreendida como deixarser do ente realiza e efetua a essência da verdade sob a forma do desvelamento do ente A verdade não é uma característica de uma proposição conforme enunciada por um sujeito relativamente a u objeto e que então vale não se sabe em que âmbito a verdade é o desvelamento do ente ao qual se realiza uma abertura Heidegger 1979c 139 O Dasein velado esquecido e escondido só pode existir como abertura É a verdade acontecendo entre o ente e o seraí que abre a clareira em que os dois podem acon tecer e se revelar A clareira segundo Heidegeer é essa abertura do Dasein ao ser Como já dissemos o Dasein caiu no esquecimento e na inautenticidade e só através do acontecimento da verdade é que ele volta à sua origem ou seja ao seu ser Todas as reflexões sobre a verdade como desvelamento do ser e do ente Heide gger vai retomar em A origem da obra de arte texto que aliado a Hölderlin y la esencia de la poesía nos oferecerá o verdadeiro caminho de nosso trabalho aquele que nos levará à questão da poesia na filosofia heideggeriana Filosofia da Linguagem 138 III A OBRA DE ARTE UM CAMINHO PARA A POESIA Na mesma linha de pensamento em que a filosofia tradicionalmente enxergou a questão do ser a partir da dicotomia sujeitoobjeto com a prevalência do primeiro sobre o segundo a estética tratou permanentemente a obra de arte como o objeto da prática de uma subjetividade Por outro lado assim como Heidegger repensou toda a tradição do pensamento filosófico ele iniciou uma reflexão diferente a res peito da obra de arte tratandoa como um ente Mais uma vez o filósofo alemão nega a metafísica mudando um de seus pressu postos a obra surge através da atividade do artista Logo no início do texto A ori gem da obra de arte o pensador afirma essa proposição mas ao mesmo tempo a inverte O artista é a origem da obra A obra é a origem do artista Nenhum é sem o outro Heidegger 1990 11 Atentemos para o verbo Nenhum é sem o outro novamente o ser está em foco o ser obra da obra e o ser artista do artista sobre os quais Heidegger vai discorrer para que possamos tentar conhecêlos Para chegar ao conceito de obra de arte passamos pelos de coisa e apetrecho e pela distinção desses elementos A coisa repousa em si tem características pró prias cor cheiro forma e é matéria o apetrecho é a versão utilitária da coisa ele é construído pelo homem e seu caráter é principalmente utilitário Segundo Heidegger na ânsia pelo conhecimento de tudo o homem sempre con fundiu obra de arte coisa e apetrecho sem atentar para o ser obra da obra A confusão deuse porque a obra possui um pouco de cada um dos outros dois assim como a coisa ela repousa em si e assim como o apetrecho ela é feita pelo homem mas ela não é simples matéria como a coisa mesma e sobretudo não é utilitária como o apetrecho ao menos não deve ser além do que criar uma obra não é o mesmo que manufaturar algo A grande obra de arte é essa autosuficiente e não utilitária e foi pensando a seu respeito que Heidegger colocou suas refle xões rejeitando a definição de arte como coisa definição da Estética Segundo o filósofo a grande obra copia qualquer coisa pois ela não é uma re produção de entes mas a reprodução de suas essências O ente é o tangível a realidade palpável o ser é um algo outro que não pode ser reduzido ao ente A obra de arte permite que o ser do ente se desvele conseqüentemente ela permi te a alétheia A obra de arte é um dos modos da verdade acontecer nas palavras de Heidegger A obra abre à sua maneira o ser do ente Na obra de arte a verdade do ente pôsse em obra na obra A arte é o pôrseemobra da verdade 1990 30 Todos os elementos que compõem a obra de arte são eles mesmos ela deixa que eles sejam assim por isso a obra é o lugar do acontecer da verdade ela é revelação nela mundo e terra se instauram A terra heideggeriana é o que os gregos chamavam de physis ela é natureza onde o homem instalouse e instalou seu mundo A terra é mistério o mundo tenta lhe dar lógica e é aí que ocorre seu velamento Cotidianamente a terra só acon tece como dissimulação como conseqüência da lógica e da historicidade do ser no mundo O utilitarismo faz com que a terra seja desvalorizada assim o caráter utilitário do apetrecho não deixa que ela se mostre como realmente é Na obra de arte a questão é diferente A obra traz a terra à luz nela os materiais brilham a cor utilizada pelo pintor a palavra do poeta tudo volta ao seu ser original a obra deixa que eles venham ao aberto Segundo Heidegger A obra deixa que a terra seja terra 1990 36 itálico do autor 139 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Entretanto a obra também revela o mundo que é em sua essência diferente de terra E apesar das diferenças mundo e terra precisam um do outro são insepará veis na opinião de Heidegger A terra guarda o mundo mas este a oculta Na re lação dos dois o filósofo vê um combate uma necessidade de autoafirmação de ambos A obra de arte realiza o combate entre mundo e terra por isso ela repousa em si mesma Ela esconde algo de outro esse outro é o combate entre mundo e terra que está em obra e que só se mostra porque a obra é autosubsistente A unidade entre mundo e terra acontece através do combate e assim no desvela mento e na ocultação no combate a verdade inserese em obra Afonso de Castro ao explicar o método hermenêutico heideggeriano de análise poética em seu livro A Poética de Manoel de Barros resume a concepção do filó sofo a respeito da obra de arte da seguinte forma Para Heidegger uma obra de arte quando se impõe por sua gran deza fala e quando isso ocorre instaura um mundo E neste ato de dizer acontece a verdade como desocultação Heidegger considera toda arte como intrinsecamente poética como um meio de forçar o ser dos seres a desocultarse e como um meio de trans formar a verdade num acontecimento histórico concreto Para ele a situação poética apresentase como tensão intrínseca entre a terra e o mundo A terra é a mãe inexaurível o fundamento primordial de tudo A obra de arte é a concretização numa forma dessa tensão terra mundo trazendoa para essa luta para o domínio dos seres CASTRO 1992 89 grifo nosso Além de confirmar algumas considerações expostas até agora a afirmação de Afon so de Castro adiantounos o ponto da filosofia de Heidegger aonde queríamos che gar Heidegger considera toda arte como intrinsecamente poética Finalmente reto mamos a primeira citação heideggeriana desse trabalho A verdade como clareira e ocultação do ente acontece na medida em que se poetiza Heidegger 1990 58 ou seja só quando há poesia é que a obra de arte é ela mesma e a verdade acontece O filósofo não pensa apenas na poesia da literatura Qualquer obra de arte es cultura música pintura pode ser poética pois ao fazer erigir mundo e terra ao abrir o acontecimento da verdade ela é um evento inaugural Para Heidegger esse é o sentido de Poesia evento inaugural e o filósofo distingue em seu texto a poesialiteratura da Poesiaevento inaugural pelo uso da maiúscula na segunda Ao tentar interpretar uma obra de arte o homem pode recuperar o evento original ele tem a possibilidade de desocultála Mas como a poesia literária tem em seu âmago a linguagem ela é duplamente poética pois segundo o filósofo A própria linguagem é Poesia em seu sentido essencial Heidegger 1990 58 A LINGUAGEM Por que a própria linguagem é Poesia Aqui nos deparamos com um outro ele mento importante da filosofia heideggeriana e por isso teremos que nos dedicar a ele a relação entre o ser e a linguagem Ela é o início a possibilidade maior de algo ser e existir ela mostra algo através dela o ser se manifesta Nas palavras do próprio Heidegger A linguagem não é apenas e não é em primeiro lugar uma expressão oral e escrita do que importa comunicar Não transporta apenas em palavras e frases o patente e o latente visado como tal mas a linguagem é o que primeiro traz ao aberto o ente enquanto ente Heidegger 1990 59 Filosofia da Linguagem 140 As ciências e a tecnologia não manifestam a linguagem em seu sentido mais puro pois suas falas são impregnadas de um raciocínio lógico baseado no objeto já o falar cotidiano é um ato do ser com do inautêntico fruto do esquecimento não é a linguagem a que Heidegger se referiu é o discurso Samuel Ramos em seu prólogo à Arte y Poesía ao retomar as idéias de Heidegger escreveu Con la palabra se puede llegar a lo más puro y lo más oculto así como también a lo ambiguo y lo común 1958 24 portanto para o filósofo alemão a linguagem que é essencialmente poesia está nessa possibilidade da palavra de ser pura e oculta Também na filosofia heideggeriana a linguagem não tem a obrigação mimética que tinha na filosofia de Platão muito pelo contrário a linguagem tratada por Heidegger está afastada de qualquer concepção mimética Platão em A República condenou a poesia e a pintura ou seja as artes em geral exatamente pelo seu afastamento da verdade concluindo que ela não cumpre o seu papel de mimesis Para o filósofo grego a poesia era portadora de uma má linguagem enquanto a boa linguagem só o dizer filosófico sabia comportar Através da filosofia heideggeriana compreendemos que não há uma boa ou uma má linguagem mas uma linguagem que não está a serviço do pensamento e é fundadora a Poesia com p maiúsculo o evento original que as obras de arte revelam e que está na criação do poeta e pode também estar na filosofia desde que ela não esteja apegada ao pensamento metafísico Parmênides que segundo Heidegger foi o primeiro grego a meditar sobre o ser e o ente poderia ter chegado à Poesia Mas toda a tradição que se formou posteriormente sempre a metafísica delimitou a filosofia ao logos e esqueceuse do ser mesmo que pensando sobre ele Dissemos que a Poesia pode ser filosofia e isso acontece à medida que nela encontramos a palavra original pura e oculta como devem ser as palavras poéticas A própria filosofia heideggeriana se constrói dessa maneira ao tentar dizer o ser do ente ela traz uma linguagem obscura e enormemente valorizada pelo filósofo que tem o pensamento originado dessa linguagem Em Que é isto a filosofia ele aponta e relação entre a verdadeira philosophía e a linguagem Philosophía é a correspondência propriamente exercida que fala na medida em que é dócil ao apelo do ser do ente O corresponder escuta a voz do apelo Heidegger 1979a 20 Enquanto correspondência a philosophía é um falar isso explica a inversão da idéia de que a linguagem veio do pensamento o que Heidegger ainda explicita posteriormente Este coresponder é um falar Está a serviço da linguagem O que isto significa é de difícil compreensão para nós hoje pois nossa representação comum da linguagem passou por um estranho pro cesso de transformações Como conseqüência disso a linguagem aparece como um instrumento de expressão De acordo com isso temse por mais acertado dizer que a linguagem está a serviço do pensamento em vez de o pensamento como corespondência está a serviço da linguagem 1979a 23 Na fenomenologia da linguagem heideggeriana a linguagem fala ela compreen de a consciência e o homem e porque é Poesia a linguagem permite a realiza ção do Dasein e a ocorrência da verdade como acontecimento O poético então é a própria possibilidade da linguagem dessa linguagem que possibilita o ser e o existir Só através da linguagem o mundo é compreendido ela deixa que as coisas sejam Mas atentemos para o fato de que a compreensão do mundo pela lingua 141 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger gem não é possibilitada pelo científico ou pelo usual que acabam embaciando a verdadeira linguagem original a Poesia IV O ENCONTRO COM A POESIA UMA NOVA POSSIBILIDADE PARA ANÁLI SE DE POEMAS Pensemos então na poesia do poema aquela a que Heidegger dedicouse em Hölderlin y la esencia de la poesia há uma armadilha perigosa em que podemos cair quando falamos do sentido de Poesia para Heidegger como fundação prin cípio evento original pois não foi ele o primeiro a refletir sobre a poesia nessas condições Fácil é para um estudante de literatura que não esteja atento à filoso fia ligar imediatamente o pensamento de Heidegger ao de Vico o filósofo italiano da Idade Média que também vê na poesia um princípio de Algo Muito há de comum nos dois pensamentos eles podem ser comparados sem problema mas é preciso sempre estar atento para a diferença fundamental entre os dois filósofos a metafísica Para o pensador italiano houve uma época em que os deuses eram o centro de tudo e o homem selvagem e primitivo vivia com medo da fúria divina Vico chamou esse tempo de Idade Divina Os homens da Idade Divina irracionais foram os fundadores da humanidade e todas as suas idéias nasciam da imaginação A imaginação revelou o poder de criação dos homens chamados de poetas pelo pensador medieval que retomou os gregos poeta em grego quer dizer criador Mas a poesia inaugurada por esses homens foi vista por Vico como uma sabedoria uma forma de relação entre aqueles seres primitivos e as coisas do mundo o que ele chamou de sabedoria poética Ainda que o filósofo tenha proposto que a origem da linguagem está no irracional no obscuro e no primitivo o que Heidegger também pensa ele vai abordoua ao modo metafísico como a conseqüência da dicotomia sujeitoobjeto Temos portanto que a sabedoria poética precisou começar de uma metafísica Vico 1979 75 Devemos então saber diferenciar o conceito de Poesia em Heidegger daquele de Vico que fora inúmeras vezes utilizado pelos estudos literários Por tudo que já colocamos a respeito da filosofia heideggeriana é importante deixar claro que a Poesia em Heidegger é muito mais do que uma possibilidade de nomeação é a instauração do ser pela fala ou linguagem Poetizar es el dar nombre original a los dioses Pero a la palabra poética no le tocaria su fuerza nominativa si los dioses mismos no nos dieran el habla Heidegger 1958 111 grifo nosso Além disso o pensador alemão criticava a questão do ser na filosofia medieval pois ela partia de uma visão religiosa onde a dicotomia Deus homem corresponderia a sujeito objeto e no lugar de uma ontologia haveria então uma onteologia segundo Heidegger O ser heideggeriano habita a linguagem poética Só a Poesia é capaz de trazer novamente o mistério da terra e sobretudo a procura do ser que ficara esquecido por culpa da inautenticidade ou da lógica metafísica ao tentar explicálo pois a Po esia não se origina do habitual do cotidiano do constante ela é um trazer à luz 1990 61 nas palavras do próprio Heidegger A Poesia traz o novo ao homem com efeito ela permite o acontecimento da alétheia Ao deixar a linguagem brilhar vir à luz e resplandecer a poesia permite que a terra se revele pois no poema o seu uso não está a serviço de um utilitarismo ela não é a matéria de um equipamento chamado comunicação A linguagem no poema Filosofia da Linguagem 142 é o poetizar de si mesma No texto Hölderlin y la esencia de la poesia Heidegger ainda nos mostra que a poesia erige um mundo La poesia no es un adorno que acompaña la existencia humana ni sólo una pa sajera exaltación ni un acaloramiento y diversión La poesía es el fundamento que soporta la historia y por ello no es tampoco una manifestación de la cultura y menos aún la mera expresión del alma de La cultura 1958 108 Como fundamento da história a poesia cria um mundo tratada desse modo ela se afasta das definições estéticas que a vêem como o expoente de uma cultura pois tal visão inverte a definição heideggeriana produto de uma cultura a poesia seria então conseqüência do mundo Mundo e terra revelamse na poesia por meio da linguagem e só no olhar atento sobre cada palavra de um poema é que podemos descobrir o ser profundo e es quecido de cada ente Na análise que Heidegger faz sobe a obra de Höderlin cada palavra uma a uma traz à luz uma verdade o olhar sobre cada palavra desoculta algo que só tendo em mente a filosofia heideggeriana elementos como Dasein mundo terra e alétheia seríamos capazes de pensar Segundo Afonso de Castro há três etapas a serem cumpridas na análise de um poema ao modo heideggeriano a primeira constitui a procura de um sentido atra vés do edifício das palavras tal sentido revelaria o ser do poema a segunda etapa é a de verificação da área que o poema abriu 1992 89 acontecimento que o autor não explica de maneira abrangente mas pensamos ser essa área o lugar onde o mundo se revela finalmente a análise proposta busca aquilo que está mais escondido no poema a origem do que se oculta e se desoculta em todo o poema Para uma análise como essa o conhecimento da filosofia heidegerriana é impres cindível assim como é importante que se tenha em mente o papel da linguagem nessa corrente de pensamento Outra corrente de pensamento sobre a literatura O estruturalismo também viu no trabalho com a linguagem o caminho para se es tudar um poema porém a linguagem focada nos trabalhos estruturalistas não tem o mesmo sentido que a heideggeriana Neles a linguagem é uma matéria o rigor científico e a obediência à lógica devem ser o meio de analisála Não por acaso em grande parte desses trabalhos gráficos e tabelas são utilizados Pensar a lin guagem para Heidegger é livrarse de conceitos pré estabelecidos e deixar que novas verdades aconteçam É por isso que o método de análise proposto pelo filó sofo alemão é como um filosofar nele poetar e filosofar se confundem enquanto a linguagem é ao mesmo tempo no pensamento tradicional sujeito e o objeto da análise em uma fusão em que não existem sujeito e objeto não há metafísica e a compreensão existencial tem a possibilidade maior de acontecer Enfim com o pensamento de Martin Heidegger poesia e filosofia travam uma re lação em que são quase indissociáveis uma precisa da outra A poesia pensada pelo filósofo não poderia ser visitada pelos Estudos Literários sem o conhecimento da ontologia do Dasein e todos os elementos que a envolvem Usando tal reflexão a análise literária ganha muito pois ela pede um pensamento apurado sobre as palavras no poema e sua relação com a existência do poético Em uma análise heideggeriana ao edificarmos as palavras do poema estamos procurando a palavra original aquela que se desdobrou em todas as metáforas do 143 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger texto e impulsionou a criação poética que é o ponto de partida e de chegada do poeta a palavra que possibilitou a existência da obra de arte e que será a revela ção da verdade A filosofia também se enriqueceu com a abordagem heideggeria na da poesia pois o filósofo iluminou a importância da linguagem para se pensar no homem suas reflexões abriram caminho para outros pensamentos encarando a existência do ser vinculada com sua capacidade de linguagem A nova tradição criada por Heidegger é a que mais aproxima poesia e filosofia e ambas são traba lhadas como Poesia Tendo desconstruído a tradição filosófica com seu pensamento Heidegger des construiu também o momento primeiro em que se pensou em poesia aquele em que Platão condenou os poetas e suas obras o filósofo alemão voltou à questão para lhe dar novo enfoque encarála de uma maneira mais justa e ao avesso do modo platônico Para Heidegger a poesia não está afastada da verdade mas tam bém não está em seu âmago ela está antes é antes possibilita a verdade Enquanto o grego definia o pensamento filosófico como um bem para alma e pensava na filosofia como uma prática da boa linguagem em detrimento da poesia o filósofo alemão séculos depois veio vingar a palavra poética e para demonstrálo nada mais será preciso do que essas palavras retiradas de Que é isto a filosofia Mas pelo fato de a poesia em comparação com o pensamento estar de modo diverso e privilegiado a serviço da linguagem nosso encontro que medita sobre a filosofia é necessariamente levado a discutir a relação entre pensar e poetar Entre ambos pensar e poetar impera um oculto parentesco porque ambos a serviço da linguagem intervêm por ela e por ela se sacrificam Entre ambos entretanto se abre ao mesmo tempo um abismo pois moram nas montanhas mais separadas Heidegger 1979a 23 aspas do autor Fonte Barros 2005 p 216 Após essa exposição dos problemas que Heidegger e Nietzsche encontram na linguagem conceitual é recomendável que você procure fazer as questões autoavaliativas do tópico a se guir Caso sinta dificuldades na resolução dos exercícios propostos retome os conteúdos estudados para que o conteúdo seja com preendido da maneira mais consistente e clara possível 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Leia a frase Enquanto o indivíduo em contraposição a outros indivíduos quer conservarse ele usa o intelecto em um estado natural das coisas Filosofia da Linguagem 144 no mais das vezes somente para a representação mas porque o homem ao mesmo tempo por necessidade e tédio quer existir socialmente e em rebanho ele precisa de um acordo de paz e se esforça para pelo menos a máxima bellum omnium contra omnes desapareça do seu mundo Esse tratado de paz traz consigo algo que parece ser o primeiro passo para alcançar aquele enigmático impulso à verdade NIETZSCHE 1991 p 54 A frase em extraída do ensaio nietzschiano Sobre a verdade e mentira num sentido extra moral descobre que a A origem do impulso à verdade surge como anseio de conservação tan to em dimensão individual como também em dimensão social Nesse caso o impulso à verdade aparece como meio para realização de um anseio maior o de conservação Para tal fim é necessário que se evitem os efeitos nocivos de uma guerra de todos contra todos É necessário portanto que as coisas recebam nomes fixos a fim de se evitar qualquer arbitrariedade Surge assim o contraste entre a verdade e a mentira b A origem do impulso à verdade surge como anseio de saber teórico tanto em dimensão individual como também em dimensão social Nesse caso o impul so à verdade aparece como meio de progresso no conhecimento científico c A citação não deixa dúvida de que a origem do impulso à verdade surge como anseio de saber prático tanto em dimensão individual como tam bém em dimensão social Nesse caso o impulso à verdade aparece como meio para realização completa da natureza humana em aspecto moral d A citação não deixa dúvida de que a origem do impulso à verdade sur ge como anseio de poder político tanto em dimensão individual como também em dimensão social Nesse caso o impulso à verdade aparece como meio para realização completa do ideal político 2 Segundo Heidegger que tipo de linguagem é capaz de desvelar o sentido do ser e por quê Assinale a alternativa correta a A linguagem científica é capaz de acessar a verdade do ser porque é a única em que o sentido corresponde perfeitamente ao significado b A linguagem cotidiana é mais próxima ao sentido do ser por que o ser se desvela na ocupação cotidiana c A linguagem poética é capaz de acessar a verdade do ser porque ao utilizar a expressão metafórica atentase aos possíveis sentidos não os fecha como a linguagem científica e assim desvelaos Somente a linguagem poética é autêntica pois fala para cada indivíduo de modo próprio e singular d A linguagem poética é capaz de acessar a verdade do ser porque ao utili zar a expressão conceitual atentase aos possíveis sentidos não os fecha como a linguagem científica e assim desvelaos Somente a linguagem poética é autêntica pois fala para cada indivíduo de modo universal 145 Claretiano Centro Universitário Filosofia e Linguagem em Nietzsche e Heidegger Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 a 2 c 8 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade você conheceu as posições dos filósofos con temporâneos Nietzsche e Heidegger sobre a linguagem Há algo comum na análise desses filósofos sobre a linguagem uma vez que ambos criticam a linguagem conceitual como forma de apresenta ção da verdade e veem na metáfora na linguagem poética e no mito presente também presente no pensamento présocrático uma experiência linguística mais autêntica à condição do homem Nesse sentido foi preciso compreender como a Filosofia contem porânea a partir de Nietzsche e Heidegger se configura como crí tica total da metafísica tradicional e como nessa crítica o problema da linguagem assume uma importância fundamental Na próxima unidade você irá estudar os problemas que a linguagem suscitou aos lógicos contemporâneos Vamos lá 9 EREFERÊNCIAS DUARTE A Rüdiger Safranski 2000 Heidegger um mestre da Alemanha entre o bem e o mal Natureza Humana São Paulo janjun 2001 Disponível em httppepsic homologbvsaludorgpdfnhv3n1v3n1a07pdf Acesso em 3 mar 2011 HADDOCKLOBO R Otobiografias de Nietzsche em Derrida Disponível em http revistaitacaorgversoesvers1309827pdf Acesso em 3 mar 2011 NIETZSCHE F Sobre a verdade e a mentira num sentido extramoral Disponível em httpoperigodobelofileswordpresscom200803nietzscheverdadeementira pdf Acesso em 13 jan 2011 Lista de figuras Figura 1 Friedrcih Nietzsche Disponível em httpstaticnewworldencyclopedia org223Nietzsche1882jpg Acesso em 3 mar 2011 Filosofia da Linguagem 146 Figura 2 Martin Heidegger Disponível em httpstaticnewworldencyclopedia org666Heideggerjpeg Acesso em 3 mar 2011 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES De interpretation Tradução de J Tricot Paris Vrin 1969 v 1 BARROS C M S A poesia na filosofia heideggeriana uma breve investigação ruma à crítica Terra roxa e outras terras Revista de Estudos Literários Londrina v 5 p 216 2005 FERAZ M C Da valorização estratégica da metáfora em Nietzsche In Nove variações sobre temas nietzschianos Rio de Janeiro Relume Dumará 2002 HEIDEGGER M Arte y Poesía Buenos Aires Fondo de Cultura Econômica 1979 Que é Isto a Filosofia Conferências e escritos filosóficos São Paulo Abril Cultural 1979 O fim da Filosofia e a tarefa do pensamento Conferências e escritos filosóficos São Paulo Abril Cultural 1979 Sobre a essência da verdade Conferências e escritos filosóficos São Paulo Abril Cultural 1990 A origem da obra de arte Tradução de Maria da Conceição Costa Lisboa Edições 70 2005 Ser e tempo Petrópolis Vozes 2000 v 1 KOFMAN S Nietzsche et la métaphore Paris Galilée 1983 KRASTANOV S Nietzsche pathos artístico versus consciência moral Jundiaí Paco 2011 LEBRUN G O avesso da dialética São Paulo Cia das Letras 1988 NIETZSCHE F Acerca da verdade e da mentira Tradução de Heloísa de Graça Burati São Paulo Rideel 2005 Der Letzte Philosoph In Vorarbeiten zu einer Schrift ueber den Philosophen 187273 1872 Munique Musarion 1922 v 6 Sobre a verdade e a mentira São Paulo Nova Cultural 1991 Os Pensadores O Livro do Filósofo 5 ed São Paulo Escala 2007 Grandes Obras do Pensamento Universal Curso de Retórica Tradução de Telma Lessa da Fonseca São Paulo Discurso 2001 Gesammelte Werke Munique Mussarion 1922 v 5 O nascimento da tragedia ou helenismo e pessimismo 2 ed Sao Paulo Companhia das Letras 2003 OBRAS DE NIETZSCHE REDYSON D Sobre o conceito de verdade em martin heidegger Studia Diversa CCAE João Pessoa v 1 n 1 out 2007 p 622 EAD A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico 6 1 OBJETIVOS Compreender a importância da linguagem para a análise filosófica Compreender as teorias contemporâneas sobre o significado Aplicar o método de análise da linguagem em uma ques tão clássica da Filosofia 2 CONTEÚDOS A linguagem como problema filosófico Frege e a questão semântica Russell e a teoria do atomismo lógico Wittgenstein linguagem como figuração e como instru mento Gilbert Ryle e linguagem como forma de dissolver pseu doproblemas filosóficos Filosofia da Linguagem 148 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitoschave para o estudo de todas as unidades deste CRC Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho 2 Há na internet vídeos muito interessantes sobre os au tores que você irá conhecer nesta unidade Indicamos os do Prof Paulo Ghiraldelli sobre Wittgenstein Russell é um dos poucos grandes filósofos a que podemos assistir em vídeos e a internet contém algumas de suas entre vistas Pesquise leia artigos e assista a vídeos que sejam confiáveis Na Educação à Distância é sempre você que constrói o seu conhecimento 3 Antes de iniciar o estudo desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia dos pensado res cujo pensamento norteia o estudo deste CRC Para saber mais acesse os sites indicados Gottlob Frege Nasceu a 8 de novembro de 1848 em Wismar Merklenberg Schwerin actualmente Alemanha Estudou na Universidade de Jena 18691871 e na Universidade de Gottingen 1871 1873 dedicandose à Matemática à Física e à Química Ensinou na Universidade de Jena no departamento de Ma temática onde permaneceu o resto da sua vida profissional Inicialmente ensinava qualquer ramo da matemática mas as suas publicações eram fundamentalmente no campo da lógica Os seus estudos em Filosofia da Lógica Filosofia da Mate mática e Filosofia da Linguagem fazem de Frege um dos maiores matemáticos lógicos e filósofos de sempre Frege queria mostrar que a aritmética era idêntica à lógica e podese dizer que recriou a disciplina da lógica ao construir o primeiro cálculo de predicados Um cálculo de predicados é um sistema formal constituído por duas componentes a linguagem formal e a lógica disponível em httpwwweducfculptdocentes opomboseminariofregerusselbiografiafregehtm Acesso em 15 mar 2011 Figura 1 Gottlob Frege 149 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico Bertrand Russell A vida de Bertrand Russell abrange um período enorme quase um século estendendose da Inglaterra Vitoriana à era Espacial Como o próprio Bertrand Russell costumava dizer ele é uma espécie de relíquia vitoriana Mas não é nossa intenção considerálo como tal nesta página O fascínio que Russell exerceu sobre o público dependeu de numerosos factores Para além da sua longevidade há muitas outras facetas que o tornam único Grande matemático e filósofo apóstolo da paz e discutida figura política Bertrand Russel alcançou um enorme prestígio mundial Era o nonagenário que cativava os mais novos e inspirava os mais velhos o aristocrata que desprezava a Câmara dos Lordes e se arriscava a ser preso o anar quista por temperamento que desafiava o poder constituído o ateu que traçou armas contra o dogma religioso e a moral convencional o matemático e lógico cujas equa ções destronaram Euclides o filósofo que procurou tornar a filosofia acessível aos leigos finalmente o galardoado com o Prémio Nobel da Literatura cuja elegância de estilo agudeza de ironia e destreza mental remontam a uma época em que se cultivava a arte de conversar e de escrever cartas disponível em httpwwweduc fculptdocentesopomboseminariorussellindexhtm Acesso em 15 mar 2011 Ludwig Wittgenstein Jovem prodígio austríaco mudase para a Inglaterra para estudar Após passar pela faculdade de Engenharia decide dedicarse à Filosofia Em Cambridge conhece o filósofo Bertrand Russell que admirado com as teorias originais do jovem o proclama o mais talentoso pensador de sua geração Depois de lutar como voluntário na Primeira Guerra Mundial Ludwig retorna a Cambridge agora como professor disponível em httpwww dignoworgpostmeninode15anosfarC3A1 faculdadedematemC3A1ticanauniversidadede cambridge22979454698html Acesso em 15 mar 2011 Gilbert Ryle Gilbert Ryle é conhecido principalmente pela sua crítica do dualismo cartesiano es tabelecido por René Descartes e Christian Von Wolff é o sistema filosófico que admi te como explicação primeira do mundo e da vida a existência de dois princípios de duas substâncias ou duas realidades irredutíveis entre si inconciliáveis incapazes de síntese final ou de recíproca subordinação Ryle mostra que a tarefa da Filosofia seria trazer a clarificação Existem expressões enganadoras Os enigmas filosóficos surgem quando a substituição de termos não resulta em um absurdo óbvio neces sitando de uma análise Seus estudos vão chegar à análise dos conceitos mentais combatendo o mito cartesiano consiste em aceitar apenas aquilo que é certo e irre Figura 2 Bertand Russell Figura 3 Ludwig Wittgenstein Filosofia da Linguagem 150 futável e consequentemente eliminar todo o conhecimento inseguro ou sujeito à con trovérsia do fantasma da máquina expressão a qual Ryle cunhou a frase the ghost in the machine Para o filósofo há mais de uma forma de descrever as coisas não se pode impor apenas uma descrição disponível em httpfilosofandoalinguagem blogspotcom201003gilbertrylehtml Acesso em 15 mar 2011 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE O papel da Filosofia da Linguagem no âmbito próprio da Filo sofia pode ser duplamente caracterizado a Filosofia da Linguagem auxilia nas questões em torno das áreas clássica da Filosofia como por exemplo a Teoria do Conhecimento a Ética e a Lógica bem como oferece um tratamento filosófico às questões relacionadas à própria natureza da linguagem investigando questões como o problema do significado os critérios de significatividade entre outras questões Nesta unidade vamos nos concentrar em analisar a Filosofia da Linguagem como área que deseja pensar os problemas advin dos da própria ordem linguística Admitindo que a linguagem se apresente como fundamento para toda a produtividade humana seja sob a forma verbalizada ou artística está presente a carga sim bólica que justifica o estudo da linguagem por parte da Filosofia A investigação dessa carga simbólica pode ser pensada portanto como a estrutura necessária para a construção de todo conheci mento humano requerendo uma análise filosófica apropriada Você iniciará seu percurso conhecendo as teses centrais acer ca da linguagem do alemão Gottlob Frege 18481925 em seguida conhecerá a Filosofia do atomismo lógico de Bertrand Russell 1872 1970 depois analisará a teoria pictorial da linguagem presente na primeira Filosofia do austríaco Ludwig Wittgenstein 18891951 por fim aprenderá como a análise da linguagem pode ser emprega da para dissolver clássicas questões filosóficas Acompanhe 5 FREGE E A QUESTÃO SEMÂNTICA O início das discussões em Filosofia da Linguagem pode ser datado no começo do século 20 com o matemático lógico e filó 151 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico sofo Frege que foi um grande expoente da Filosofia da Linguagem em seu sentido ideal e que ganhou muito destaque na era contem porânea sobretudo por suas discussões em torno da Lógica Frege é considerado o sistematizador da moderna Lógica Matemática que refletindo os fundamentos da aritmética tenta encadeálos na Lógica Ele foi muito admirado e estudado por pen sadores como Russell e Wittgenstein que procuraram cada um à sua maneira responder às questões legadas por Frege acerca da linguagem natural e de sua relação com as linguagens formais Uma das principais contribuições de Frege para o estudo da lin guagem consiste em sua tentativa de elaborar uma teoria semântica É importante inicialmente pensar como a palavra significado é uti lizada em sua teoria Para compreender a natureza do significado e consequen temente da noção de identidade Frege expõe uma teoria que es tabelece a discussão sobre o que ele chama de sentido e sobre o que chama de referência Podemos perceber que a teoria desse estudioso se baseia na possibilidade da diferenciação dentre o sig nificado sentido e a sua respectiva referência linguística Frege começa analisando as chamadas identidades do tipo AA Mas o que significa afirmar isso Em última instância quem afir ma AA não está afirmando A Onde encontramos identidades dessa natureza Para ele somente no campo da Lógica e portanto da lin guagem formal seria possível assumir uma identidade dessa forma A questão é que a linguagem natural carrega uma série de iden tidades que não podem ser reduzidas ao formalismo anterior Como poderíamos interpretar expressões do tipo energia é igual ao inten so movimento das moléculas Temos nesse caso uma afirmação de identidade mas não se trata de AA mas sim de algo como AB Frege perguntase que tipo de identidade é essa que afirma AB Como podemos explicar tal relação que não é meramente tautológica Para elucidar essa questão é que ele desenvolve sua Filosofia da Linguagem 152 distinção entre sentido e referência Acompanhe seu raciocínio Segundo Frege a expressão A estrela da manhã é a estrela da tarde é um típico caso de AB A fim de compreender tal afir mação devemos explicitar que tipo de relação o lógicomatemáti co alemão vislumbra nessa expressão Para Frege existe uma identidade entre as expressões es trela da manhã e estrela da tarde que é garantida pelo obje to Ou seja a expressão estrela da manhã referese ao plane ta Vênus assim como a expressão estrela da tarde se refere ao mesmo planeta Dessa forma a identidade dessas expressões está garantida pelo referente no caso o planeta Vênus Resta a questão as expressões estrela da manhã e estrela da tarde possuem o mesmo significado A resposta é não afinal alguém poderia conhecer o planeta Vênus como aquela estrela que brilha todas as manhãs sem associála ao brilho da estrela da tarde ou viceversa Quando essa pessoa obtém tal informação não se trata de algo como AA e sim A estrela da manhã AB estrela da tarde A ou identidade é garantida pelo referente planeta Vênus Assim você já está apto a conhecer as principais definições dadas por Frege A designação de um objeto singular pode também consistir em várias palavras ou sinais Para sermos breves chamaremos cada uma destas designações de nome próprio toda designação desse gênero 2009 p 132 Dado o entendimento do que é um nome próprio chegase à conclusão de que para Frege as descrições definidas que são as combinações de palavras ou sinais também são nomes próprios vis to que se referem a apenas um objeto Nesse sentido é importante conhecer o significado dos principais conceitos utilizados por Frege Por sinal Frege entende qualquer nome combinação de palavras ou letra Por referência aquilo que pelo sinal é designado ou seja aquilo a que o sinal se refere 153 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico Por sentido do sinal o modo de apresentação do objeto A distinção elaborada por Frege entre sentido e referência é resultado da análise das expressões de identidade da forma AA e AB Você consegue perceber que Frege está questionando sobre que identidade o conjunto de tal expressão afirma Tal questão pode ser abastecida por meio de duas perspectivas pela própria relação de identidade entre os objetos pela própria relação para com o nome dos objetos Nesse caso podese facilmente identificar que os presen tes objetos se referem ao mesmo objeto em uma linguagem ma temática temos a seguinte expressão BC Tratase assim de uma relação expressiva ou seja de um objeto identificado consigo mesmo Porém é importante pensar que essa expressão pode tor narse problemática quando a pessoa desconhece o referente do respectivo objeto ou seja se a afirmação é dada da seguinte ma neira a estrela da manhã é Vênus esta pode ser incompreendi da pelo desconhecimento de seu respectivo receptor Ainda mais problemático seria afirmar que a estrela da manhã é a estrela da tarde que pela sua incompreensão demonstraria contradição Diante da relação de identidade entre os nomes dos objetos refletese diretamente uma relação iminente de sinais idênticos mas com formas e estruturas diferentes a saída portanto encon trase no sentido ou seja no modo de se dar do objeto Assim podemos pensar na seguinte expressão a estrela da manhã in dicando um objeto o planeta Vênus Paralelamente à forma podese pensar que a estrela da tarde indica o planeta que pode ser visto também nesse período do dia Essa segunda referência é o planeta Vênus indica a pró pria nominação significada pelo ser humano a saber a estrela que também brilha à tarde Desse modo é importante notar que refle tidos isoladamente esses termos ganham em sua particularidade Filosofia da Linguagem 154 ou em referência relacional Dentro dessa temática é importante informar que Frege não tratou somente da distinção entre o sentido e a referência dos no mes mas estendeu sua reflexão para o universo da Lógica em que reflete sobre os elementos constituintes da linguagem a saber os próprios predicados e as frases expressivas Frege entende que o sentido de uma frase se deve modifi car quando as suas partes são substituídas por outras partes com sentido diverso Em consonância a essa realidade é importante elencar que embora modificados devem ainda adquirir a mesma referência Assim podemos pensar a expressão a estrela da ma nhã é a estrela da tarde como a ser subentendida pelo próprio pensamento que é expresso ou seja a ideia que é admitida como verdade ao seu significado indicativo Para bem entender essa reflexão é importante elencar que quando Frege se utiliza da palavra pensamento quer afirmar essa palavra como referente preposição ou enunciado Conse quentemente é o pensamento o grande portador da verdade e da mentira isso porque quando indicamos uma determinada expres são como verdadeira ou falsa na verdade não indicamos inicial mente a frase ou a sua referência mas o seu próprio sentido isto é o pensamento que indica desse modo a presente análise dessa expressão passa sobre o campo do sentido para o campo objetivo no que tange à sua referência Para você aprofundar seu estudo sobre o problema semânti co em Frege leia atentamente o texto do Professor Abílio Rodri gues Filho exposto no tópico a seguir Texto Complementar Frege e a filosofia da linguagem 1 Introdução Não resta dúvida de que Frege contribuiu imensamente para a filosofia da lingua 155 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico gem tal como ela foi feita no século XX e ainda hoje Isso entretanto não torna Frege um filósofo da linguagem no sentido de alguém preocupado em resolver problemas relativos à estrutura e ao funcionamento da linguagem em geral Para Frege ser considerado um filósofo da linguagem é necessário que os problemas que ocuparam e ocupam aqueles que fazem o que chamamos de filosofia da lin guagem sejam os mesmos problemas que ocuparam Frege A filosofia da linguagem agrupa um tipo de investigação filosófica que vai desde investigações acerca da linguagem propriamente dita até investigações filosóficas em geral que utilizam a análise da linguagem como ferramenta Mas o ponto a ser enfatizado aqui é que o problema do significado é sempre central para a filosofia da linguagem E esse problema ou inclui a linguagem natural como um todo ou procura delimitar e formalizar um fragmento da linguagem natural com o objetivo de eliminar problemas como vagueza e ambiguidade Em ambas as alternativas está em questão de que modo a linguagem que usamos para falar do mundo se conecta com o mundo E é precisamente esse o ponto que estava fora dos interesses de Frege A distinção de Frege entre o sentido e a referência tema do artigo Sobre o sentido e a referência SSR de 1892 é considerada uma importante contribuição para uma teoria do significado em sentido amplo que inclui a linguagem natural É certo que um semnúmero de importantes investigações acerca do funcionamento da linguagem foram motivadas pela distinção sentidoreferência Mas será que essa era a intenção de Frege Vou argumentar aqui que a resposta a essa pergunta é negativa Pretendo mostrar que os interesses de Frege eram muito diferentes da queles que motivaram as investigações sobre a linguagem realizadas sobretudo no decorrer do século XX Mais especificamente Frege não estava interessado no funcionamento da linguagem natural e no modo pelo qual as expressões linguís ticas se conectam com o mundo Em outras palavras Frege não tinha o menor interesse em construir uma teoria semântica aplicável à linguagem natural Por essa razão Frege não foi um filósofo da linguagem Mas se isso é verdade por que há quem considere Frege um filósofo da lingua gem SSR contém de fato importantes análises da linguagem natural Mas se lermos SSR tendo em perspectiva o seu lugar na obra de Frege como um todo percebemos que as análises ali apresentadas antes de terem a estrutura e o fun cionamento da linguagem como foco têm antes o objetivo de justificar modifica ções na linguagem formal de Frege a ser utilizada na realização do projeto ao qual Frege dedicou praticamente toda a sua carreira acadêmica a saber provar que a aritmética é um ramo da lógica Mais especificamente em SSR Frege tinha dois problemas a resolver o funcionamento do signo de identidade de conteúdo e o va lor semântico de sentenças Tanto o problema da identidade que abre SSR como também a tese de que a referência de uma sentença é o seu valor de verdade têm origem em problemas técnicos da linguagem formal que Frege apresentou na obra Conceitografia CG de 1879 Meu objetivo aqui é mostrar como os problemas do signo da identidade de con teúdo e da noção de conteúdo conceitual tais como foram apresentados em CG determinaram as alterações na linguagem formal de Frege motivando a introdução da distinção entre o sentido e a referência o abandono do signo de identidade de conteúdo da noção de conteúdo conceitual e sobretudo a tese segundo a qual a referência de uma sentença é o seu valor de verdade Esse objetivo será alcançado por meio de uma análise do caminho que começa em 1879 na CG e termina na Filosofia da Linguagem 156 distinção sentidoreferência tendo como pano de fundo o projeto de Frege como um todo Veremos como os problemas que Frege trata em SSR têm origem em 1879 Este texto se divide em três partes principais Na seção 2 apresentarei brevemen te o projeto de Frege e as suas principais obras relacionadas à realização desse projeto Na seção 3 veremos os problemas da noção de conteúdo conceitual que na CG cumpria o papel do valor semântico de sentenças e do signo de identidade de conteúdo Na seção 4 dedicada ao artigo SSR veremos como esses proble mas determinaram uma nova leitura do signo da identidade e também a tese de que a referência de uma sentença é o seu valor de verdade 2 O Projeto de Frege Frege foi um matemático que dedicou praticamente toda a sua obra à realização de um projeto provar que a aritmética é um ramo da lógica isto é provar que os axiomas da aritmética podem ser obtidos a partir de um conjunto de axiomas de finições e regras de inferência de caráter estritamente lógico Estava em questão portanto a justificativa das proposições da aritmética O projeto de Frege tinha um caráter epistemológico e pode ser compreendido como uma tentativa de aperfeiço ar as teses kantianas acerca da justificação do conhecimento matemático Para Kant verdades matemáticas tanto da aritmética quanto da geometria eram a priori posto que são universais e necessárias mas eram também sintéticas pois contrariamente às proposições da lógica dependeriam de um recurso à intuição Frege concordava com Kant no que diz respeito à geometria que esta depende do recurso à intuição do espaço mas discordava em relação à aritmética Para Fre ge a aritmética é constituída por proposições analíticas no sentido anteriormente exposto de proposições que podem ser obtidas por meios estritamente lógicos e sem nenhum recurso a qualquer tipo de intuição Provar essa tese denominada logicismo foi o objetivo principal de Frege até meados de 1906 Frege fracassou Em 1902 quando o segundo volume da obra Leis básicas da aritmética LBA em que Frege apresentava o que seria a prova da tese logicista estava para ser im presso Frege recebeu uma carta de Russell mostrando que um de seus axiomas dava origem a uma contradição o chamado paradoxo de Russell Grosso modo o sistema de Frege permitia que se definisse um conjunto a partir da propriedade ser um conjunto que não pertence a si mesmo isto é um conjunto R x x x É fácil perceber que R R se e somente se R R O sistema de Frege portanto era inconsistente e nele poderseia provar qualquer coisa como por exemplo 0 1 ou 2 2 5 Frege publicou em 1903 o segundo volume de LBA com um aden do em que tentava sem sucesso evitar a contradição Por volta de 1906 Frege abandonou de vez a tese logicista As principais obras de Frege de 1879 a 1903 foram todas designadas com o obje tivo de provar a tese logicista Para a execução de seu projeto Frege precisava de uma linguagem formal capaz de explicitar todos os passos realizados nas provas com precisão e sem ambiguidade Frege apresentou sua linguagem formal em um pequeno livro de 1879 já mencionado aqui denominado Conceitografia CG Ao criar tal linguagem ele criou nada menos do que a lógica moderna Na CG considerada por muitos a mais importante obra de lógica desde Aristóteles encon tramos um sistema completo de lógica proposicional e de predicados essencial mente o mesmo que encontramos nos livros modernos de lógica Apesar disso a obra CG foi praticamente ignorada pelos contemporâneos de Frege 157 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico Em 1884 Frege lançou Fundamentos da aritmética FA 1980 em que são apre sentados de maneira informal os argumentos em defesa da tese logicista Ao con trário de CG FA não é um livro predominantemente técnico mas sim de caráter explicitamente filosófico Entretanto embora em FA encontremos indicações me todológicas que vão ao encontro do modo de se fazer filosofia característico da filosofia da linguagem contemporânea FA trata de um problema que pertence à filosofia da matemática Entre 1891 e 1892 Frege lançou três artigos Função e conceito FC Sobre o sentido e a referência SSR e Sobre o conceito e o objeto SCO Esses textos não são predominantemente técnicos Pelo contrário são considerados junto com FA os textos de Frege de caráter mais filosófico Neles encontramos importantes reflexões sobre a linguagem Mas o ponto que precisa ser enfatizado aqui é que a função principal desses textos no projeto de Frege especialmente FC e SSR é consertar a linguagem formal de Frege evitando os problemas da CG já mencio nados e também apresentar de modo informal na forma de elucidações noções centrais necessárias para a realização do seu projeto Tais elucidações não per tencem à teoria propriamente dita mas têm caráter propedêutico Nelas Frege frequentemente faz uso de exemplos da linguagem natural como na apresentação da distinção sentidoreferência Entretanto o ponto de tais explicações informais não é uma análise da linguagem natural mas sim explicar de fora do sistema noções técnicas do sistema de Frege Em 1893 logo após a publicação desses artigos mencionados Frege lançou o primeiro volume das Leis básicas da aritmética LBA 1964 obra que deveria ser o ponto culminante de toda uma carreira acadêmica Mais uma vez o livro não foi muito bem recebido pelos contemporâneos de Frege o que atrasou a publicação do segundo volume lançado dez anos depois em 1903 Mas como já foi mencio nado o sistema de LBA era inconsistente e o projeto de Frege fracassou É importante aqui observar que o projeto de Frege era sem dúvida um projeto filo sófico não apenas por ter um caráter epistemológico mas também por se colocar em uma postura crítica e em relação aos fundamentos da aritmética Entretanto tratase claramente de uma investigação restrita à filosofia da matemática RODRI GUES FILHO 2011 Como você pôde perceber Frege foi um pioneiro nas questões da Filosofia da Linguagem Entretanto algumas de suas teses eram controversas Coube a outros filósofos como Russell por exemplo que estudaremos a seguir procurar resolver os problemas que as teses desse filósofo apresentavam Vamos conhecêlos 6 RUSSELL E A TEORIA DO ATOMISMO LÓGICO Um dos pensadores que mais foram influenciados pelas ideias de Frege foi Bertrand Russell pensador que deu à Filoso fia da Linguagem uma contribuição inestimável especialmente no Filosofia da Linguagem 158 tocante à teoria da descrição Russell destaca duas espécies de conhecimento a saber aqueles conhecimentos adquiridos por fa miliaridade e aqueles adquiridos por descrição É importante pen sar que ambas as formas de conhecimento estão inteiramente en trelaçadas pois o conhecimento por familiaridade é uma condição necessária para o desenvolvimento do conhecimento descritivo Russell denominou o conhecimento por familiaridade como aquele que adquirimos quando somos imediatamente expostos a um objeto Esse tipo de conhecimento pode ser compreendido quando imediatamente somos expostos ao contato sensorial de um objeto e nos defrontamos com categorias como cor forma e odor Russell denomina também esse conhecimento de sensedata É interessante notar que quando nomeamos um objeto re tiramos toda a espessura do conhecimento por familiaridade para um conhecimento específico e elaborado o conhecimento por descrição Esse último é plausível de discussão no que se refere à sua veracidade ou à sua falsidade já o conhecimento por familia ridade não admite valor de verdade isso porque seus dados são imediatos e portanto logo memorizados pelo intelecto humano Porém o conhecimento por descrição é desenvolvido pelas próprias aderências recebidas por um conhecimento primário por familiaridade sua constituição permite ao sujeito estabelecer va lores e juízos que são expressos por meio de frases e conceitos Russell nesse aspecto segue pontos relevantes do empirismo pois caracteriza essas categorias como construções lógicas que se riam meras ficções simbólicas que outrora foram estruturadas em um encadeamento de entidades por familiaridade Russell passa a propor todo um conjunto metafísico acerca da linguagem e do mundo mais especificamente de suas próprias rela ções e denominou essa teoria como atomismo lógico Segundo essa definição todos os nossos juízos formulados em forma de sentenças devem se apresentar como sentenças atômicas que por sua vez se referem aos elementos simples da realidade Esses elementos últi 159 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico mos seriam aquilo que delimitamos ser um conhecimento por fami liaridade pois remontam à compreensão simples dos objetos Segundo Russell nosso intelecto seria moldado de forma a tratar inicialmente dos elementos básicos que constitui o mundo ou os próprios objetos Desse modo relembramos todas as cate gorias básicas que o constituem a saber a sua cor a espessura e assim por diante características essas que podem designar um fato atômico A compreensão que Russell faz acerca do significado é di ferente da que Frege admitia Para Russell o significado é justa mente aquilo a que ele se refere de outro modo a palavra lápis significa justamente aquele objeto usado para escrever ou pintar Assim a dedução final da significação segundo o filósofo é a de que os nomes somente adquirem significados porque se referem para determinados objetos que a nós se relacionam diretamente por familiaridade Consequentemente a ideia de que os nomes possuem sig nificado justamente por indicar um determinado objeto específico traz em sua etimologia inúmeras dificuldades a saber se ao de limitar um nome se supõe que um objeto existe o seu significado pode ser apreendido por familiaridade Entretanto contrariamen te e se o objeto referido por essa nominação não existe Como exemplo podemos elencar o caso da mula sem cabe ça Podemos ser levados à atração de não considerar palavras des se tipo como sendo nomes específicos podendo ela ser substituída pela expressão de criatura pertencente ao folclore brasileiro Para Russell todo conhecimento que adquirimos a partir da formulação de um nome próprio já não o é mais um conhecimento de familiaridade mas sim um conhecimento por descrição em seu próprio contexto a palavra Kaiser pode significar imperador como também está relacionada a uma marca de cerveja ou a um grande jogador da seleção de futebol da Alemanha que disputou as copas de 70 e 74 portanto é uma atribuição de sensedata Filosofia da Linguagem 160 Contudo todas as reflexões ainda não são suficientemente capazes de expressar toda a dificuldade de querer preencher a fra gilidade da teoria de Russell isso porque envolve a mesma proble mática da existência que se repete como no exemplo o atual rei da França é calvo como atualmente não existe rei da França o enunciado parece ser falso pois o objeto referido não existe desse modo o enunciado de que ele é calvo não deveria ter significado algum Mas mesmo assim Russel afirma que é significativo Russell questionouse muito sobre essa proposição pois afi nal como é possível que tal significação aconteça A partir desses questionamentos ele desenvolveu toda a base da teoria da descri ção que consiste na seguinte tese Para que a proposição o atual rei da França é calvo se torne compreensível dentro de uma analise lógica é preciso remover o rei da França da posição de sujeito Desse modo o enunciado o atual rei da França é calvo pas sa a ser constituído de três outros significados a saber O enunciado de existência no caso o atual rei da França O enunciado de unicidade uma única coisa o atual rei da França O predicativo do enunciado esta coisa a que se refere é calva Desse modo o que constitui tal expressão é a existência de algo que necessariamente pode não ser o atual rei da França Assim podemos nos questionar diante dessa reflexão é real mente existente um nome Essa pergunta talvez o próprio Russell te nha feito a si pois em seu próprio sentido lógico a palavra nome somente poderá ser real na medida em que ele se posiciona como um pronome demonstrativo como é o caso do uso temático do isso e do aquilo em que o falante direciona para um determinado objeto pelo qual quer demonstrar em uma determinada situação 161 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico Seguindo os passos de nosso questionamento é interessan te notar que o pronome demonstrativo isso de forma alguma poderia ser aplicado a qualquer objeto físico pois tornase espe cialmente compreensível que quando utilizado ele pode não es pecificar um objeto que esteja presente no momento em que é referenciado desse modo o nome ficará no vácuo deixando de ter sua função É por esse motivo que Russell caracteriza o uso do pronome ao sensedata em que o falante no momento real reconhece o objeto pela familiaridade Conforme é de se esperar surge outra questão referente à linguagem como então podemos proferir as expressões além da subjetividade Como no processo dinâmico das palavras podemos saber que várias pessoas estão se referindo a um mesmo objeto refletido e associado em sensedata Texto Complementar Para que você se aprofunde em seus estudos não deixe de ler o texto a seguir A teoria das descrições Frases descritivas Há dois tipos de frases descritivas 1 as descrições indefinidas que são expres sões da forma uma assim e assim e 2 as descrições definidas que são ex pressões da forma oa assim e assim sempre no singular À primeira categoria pertencem expressões como um aluno de filosofia uma menina bonita en quanto que à segunda pertencem o mestre de Platão Teoria das Descrições o atual rei da França o maior número primo Uma exposição informal do assunto é feita por Russell no capítulo 16 de seu livro Introdução à Filosofia Matemática Como vimos anteriormente sentenças como O atual rei da França é careca nos trazem problemas pois aparentemente ao asseverála estamos nos comprome tendo com a existência do atual rei da França que sabemos não existir Segundo Russell a forma gramatical de enunciados como O atual rei da França é careca nos engana e sua forma lógica é na verdade outra Para ele enunciados como o atual rei da França a montanha de ouro o quadrado redondo são descri ções definidas e nem sempre podem ser tomados como nomes de entidades as descrições definidas não são logicamente equivalentes a nomes próprios Estes designam objetos existentes como Sócrates Julio Cesar Henri Poinca ré aquelas descrevem entidades Nomes aplicados a entidades não existentes como Pégaso Sací Pererê para ele na verdade não são nomes mas descrições Filosofia da Linguagem 162 abreviadas Certas expressões nomes no entanto podem eventualmente ser usadas como descrições como veremos Frases descritivas como o autor de Methods of Logic para Russell devem ser parafraseadas de modo que as referências designativas desapareçam Inicialmen te ele encontra um modo de Teoria das Descrições escrever a forma lógica de o F introduzindo um operador em símbolos escreve ιxFx sendo ι é o operador de descrição ou descritor A expressão acima se lê o único x tal que Fx e é na verdade uma representação simbólica para a frase seguinte escrita na linguagem da lógica de primeira ordem com igualdade Existe um único x que tem a propriedade F Por meio desse artifício ou seja vertendo a descrição para uma expressão da linguagem da lógica usual Russell consegue eliminar a descrição por meio de uma definição contextual como veremos depois Explique mos um pouco o que se passa Russell introduz então o símbolo ι chamado descritor ou operador de descrição Assim coisas como x é o autor de Methods of Logic ficam assim ιxx é o autor de Methods of Logic que se lê o único x tal que x é autor de Methods of Logic Ou seja se Fx diz que x é o autor de Methods of Logic então ιxFx expressa o único objeto que é o autor de Methods of Logic A descrição definida importante dizer indica um único objeto que tem a propriedade F se existe esse objeto no caso tratase de W V Quine Se há mais de um ou se não existe tal objeto para Russell a descrição é falsa e já veremos porque Formalmente o descritor funciona do seguinte modo ele é um operador que liga uma variável a uma fórmula para formar um termo é um vbto Em inglês varia ble binding term operator Ou seja se considerarmos uma linguagem de primeira ordem da qual F é um predicado unário então Fx é uma fórmula e ιxFx é um termo que designa o único objeto que satisfaz F se existir Caso não exista um objeto que tenha a propriedade F ou se há mais de um há algumas alternativas como simplesmente postular que nenhum objeto é designado por ιxFx ou fazer com que todas as descrições definidas impróprias denotem o mesmo objeto es colhido arbitrariamente como sugeriu Frege ou ainda atribuímos a cada uma delas um objeto não necessariamente o mesmo A solução de Russell no entanto é considerar que nesses casos a descrição é falsa Isso se deve ao fato de que a descrição o autor de Methods of Logic deve ser parafraseada em algo como existe um x que é o autor de Methods of Logic e para todo y se y é autor de Methods of Logic então y é idêntico a x Em símbolos se denotarmos por Mx o predicado x é o autor de Methods ofLogic temos xMx y My yx Assim se não há nenhum autor de Methods of Logic ou se há mais de um como ocorre com os Principia Mathematica a descrição é falsa Na teoria de Russell uma descrição definida não tem sentido por si mesma mas unicamente dentro de um contexto Um nome por outro lado denota ou designa um particular indivíduo e uso adequado do ε podemos mostrar que a sentença que expressa o chamado Axioma da Escolha em teorias de conjuntos como Zer meloFraenkel da qual falaremos oportunamente pode ser demonstrada como 163 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico teorema dessa teoria No entanto tal proposição é independente dos demais axio mas supostos consistentes como mais tarde se demonstrou Assim o uso do ε confina a matemática a determinados desenvolvimentos somente consoantes com o Axioma da Escolha impedindo a consideração de vários outros campos da matemática atual Teoria das Descrições significa esse indivíduo ou seja para Russell um nome tem um significado a saber o próprio objeto que designa Ele mudou de idéia por um tempo mas depois voltou a sustentar essa posição que assumiremos Uma descrição definida no entanto não é um nome algo que denota diretamente um objeto Pensemos na frase Hilbert é careca A palavra nome próprio Hilbert designa um particular indivíduo e tem uma função lógica diferente da descrição o grande matemático alemão que escreveu Grundlagen der Geometrie que descreve Hilbert Suponha entretanto que alguém descubra que não foi Hilbert quem escreveu os Grundlagen mas outra pessoa Neste caso a descrição e o nome não mencionariam o mesmo indivíduo Logo eles não têm a mesma função lógica Com efeito tomemos a expressão Hilbert o grande matemático alemão que escreveu Grundlagen der Geometrie Neste caso o nome Hilbert é como diz Russell um objeto simples significando o indivíduo que nomeia no caso Hilbert designando esse indivíduo diretamente Quando as descrições são usadas como nomes elas podem ser intersubstituídas de forma a se preservar as regras da lógica clássica No entanto quando usa das não como nomes mas como descrições estrito senso é outra Para entender isso lembremos que as propriedades fundamentais postulados da identidade ou igualdade simbolizada por são os seguintes Refl Lei Reflexiva da Identidade ou Princípio da Identidade xxx Informalmente Todo objeto é idêntico a ele mesmo Subst Lei da Substitutividade ou Princípio da Indiscernibilidade dos Idênticos xyxy Ax Ay onde Ax é uma fórmula que tem x como variável livre Ay é a fórmula que resulta de Ax pela substituição de x por y em algumas das ocorrências livres de x sen do y uma variável distinta de x Informalmente Subst diz que coisas iguais podem ser substituídas em qualquer contexto aqui fórmula preservandose a verdade ou salva veritate como dizia Leibniz A lei Subst é por muitos chamada de Lei de Leibniz Por exemplo em 235 podemos substituir 2 por 11 salva veritate obtendo 1135 Será que isso vale quando há descrições envolvidas Para ver isso vamos usar um exemplo do próprio Russell Sabemos hoje que o novelista escocês Sir Walter Scott também autor de Ivanhoé Rob Roy e de uma vasta obra era o autor das novelas Waverley mas este fato não era conhecido à época em que George IV era o rei a Inglaterra de 1820 a 1830 Então se Sir Walter e Scott que são nomes da mesma pessoa são usa das como nomes isto é fazendo referência direta ao célebre novelista escocês a lei Subst pode ser usada Assim usando a partícula é no sentido de identidade mais abaixo veremos o seu uso como existência então Scott é Scott Filosofia da Linguagem 164 é a mesma proposição que Scott é Sir Walter Isso se deve ao fato de que os nomes para Russell denotam entidades existentes em algum momento do espaçotempo assim para ele Pégaso não é um nome mas como veremos uma descrição disfarçada Em uma expressão contendo uma descrição se substituirmos um nome por uma descrição mesmo que ela des creva o mesmo objeto nomeado pelo nome obtemos uma proposição diferente da original O exemplo de Russell é tomarmos Scott é Scott e substituirmos o autor de Waverley na segunda ocorrência do nome obtendo Scott é o autor de Waverley que não é equivalente à anterior posto que agora a descrição por hipótese não está sendo usada como um nome de Sir Walter mas descrevendo o autor das famosas novelas Com efeito suponha que fosse descoberto que o autor de Waverley não é Scott mas o Sr X distinto de Scott Neste caso a segunda proposição seria falsa ao passo que a primeira é como diz Russell um truísmo trivial Como diz o próprio Russell Uma proposição contendo uma descrição não é idêntica ao que aquela proposição se torna quando o nome é substituído até mes mo se o nome nomeia o mesmo objeto que a descrição descreve Scott é o autor de averley é obviamente uma proposição dife rente de Scott é Scott a primeira é um fato na história literária e a segunda é um truísmo trivial E se colocarmos qualquer outro que não Scott no lugar de o autor de Waverley nossa proposição se torna falsa portanto não mais sendo certamente a mesma pro posição Russell Introdução à Filosofia Matemática Rio Zahar 1974 pp1667 Constatamos então que Scott é Scott e Scott é o autor de Waverley são proposições distintas não somente no seu aspecto sintático A primeira é um fato lógico uma tauto logia ao passo que a segunda não é trivial mas uma descoberta histórica mais abaixo voltaremos a essas questões Russell explicou este fato e a maioria dos filósofos mas não todos aceita a solução de Russell que pode ser colocada na forma seguinte 1 Scott é Scott e isso é um fato trivial 2 Scott é o autor de Waverley é um feito da história da literatura 3 Se colocarmos qualquer outra pessoa no lugar de o autor de Waverley na sentença 2 a proposição se torna falsa O mundo das ficções Seriam então criaturas como Pégaso Sherlock Homes e o Sací Pererê criaturas da ficção que existiriam unicamente nesses contextos Se os enunciados acer ca de objetos fictícios não têm valorverdade porque esses objetos não existem como podem ter sentido Podemos simplesmente dizer que eles não têm critérios de aceitabilidade por nós e que asserção são distintas de suas condições de verdade Mas neste caso como saber se as leis da lógica clássica permanecem válidas Com efeito em um enunciado da forma AB se a e b não têm valor de 165 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico verdade como dizer que AB tem um Da mesma forma se A não tem valor de verdade como pode A ter um Assim alguns filósofos defendem que a lógica dos objetos fictícios deve ser não clássica ver mais abaixo Um terceiro tipo de análise é possível A expressão denotar aquilo que não existe tem pelo menos dois sentidos 1 significa não ter qualquer referência e não deno tar nada e 2 denotar uma entidade não existente Se optarmos por 2 podemos relegar todo o discurso sobre entidades fictícias como dependentes de um opera dor dentro da ficção como apontado por Engel no seu artigo supra citado Des se modo podemos dizer dentro da ficção O Saci Pererê é um moleque que pula em uma perna só Esses enunciados podem então ser verdadeiros ou falsos mas somente dentro da ficção Porém se interpretarmos o mundo das ficções como sendo efetivamente um mundo de entidades voltamos a uma espécie de concep ção meinonguiana A mesma estratégia é adotada quanto aos objetos possíveis dizemos que certos enunciados são verdadeiros em certos mundos possíveis mas não em outros o que nos reporta a considerar as modalidades necessário e pos sível e a semântica dos mundos possíveis de Saul Kripke Porém seria unicamente a referência a em um mundo possível suficiente para nos fazer aceitar enunciados cujos sujeitos são unicamente possíveis A semân tica da lógica modal de Kripke fornece condições de verdade para enunciados envolvendo as modalidades necessário e possível mas não resolve o proble ma ontológico acerca da natureza dos objetos possíveis Mesmo quando filósofos como David Lewis sustentam que existem os mundos possíveis contendo os ob jetos possíveis e que eles são tão reais como é o mundo real relativamente aos objetos reais mostrase aí uma nova volta aos objetos não existentes de Meinong KRAUSE 2011 p 2436 Como você pôde verificar a Filosofia da Linguagem lida com problemas não só lógicos mas também ontológicos Nesse senti do ela se preocupa não só com o valor de verdade de uma propo sição mas com a existência em um mundo real daquilo que está se afirmando como no exemplo do atual rei da frança é calvo No tópico a seguir você irá conhecer as propostas do grande e importantíssimo filósofo Ludwig Wittgenstein Vamos lá 7 WITTGENSTEIN LINGUAGEM COMO FIGURAÇÃO E COMO INSTRUMENTO Ludwig Wittgenstein é conhecido como um dos maiores filo sófos do século 20 Ele nasceu na cidade de Viena e veio a falecer na cidade de Cambridge onde desenvolveu grande parte de suas teses acerca da linguagem Sua trajetória intelectual pode ser di Filosofia da Linguagem 166 vidida em duas fases distintas A primeira foi marcada pela obra Tractatus LógicoPhilosophicus 1921 em que podemos notar grande influência de Frege e Russell O segundo período vivido por Wittgenstein foi curiosamente elaborado após um grande intervalo pois o pensador abandonou os escritos e as reflexões filosóficas para se dedicar às dimensões que ele mesmo considerava serem realmente úteis essa dimensão se referia a ser mestre de escolas interioranas e aprendiz de jardinagem Para lelamente a esse tempo a segunda fase caracterizase pela descrição da linguagem ordinária ou seja aquelas situações nas quais expres samos nossas experiências vontades desejos A principal obra desse período é a póstuma Investigações Filosóficas 1953 No Tractatus LógicoPhilosophicus Wittgenstein procura re fletir sobre a linguagem representativa e factual Ele pretende ex plicar questões fundamentais 1 Como passamos a compreender o mundo por meio da linguagem 2 Como a linguagem se torna significativa 3 Como o pensamento se relaciona com a linguagem Ao elencar tais questões Wittgenstein acreditava ter identi ficado toda a busca relevante dentro da história da Filosofia desde o seu nascimento Em sua perspectiva o conjunto de respostas a essas questões resolveria os principais problemas filosóficos Partindo da linguagem como ponto central de suas reflexões o primeiro Wittgenstein elaborou uma perspectiva da linguagem e do mundo que foi por ele chamada de teoria pictorial da frase De acordo com essa teoria somente podemos elaborar conexões pe las frases declarativas que por si são concebidas imediatamente por figurações e quadros acerca do contexto expressado Desse modo essas figurações podem muito bem ser resumidas a um mo delo da realidade que é sobreposto ao crivo da linguagem Wittgenstein adquiriu essa imagem acerca da linguagem no ano de 1914 depois de ter visto em uma revista da época o relato 167 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico de um acidente de trânsito em que estava impressa uma imagem em miniatura acompanhada por expressões linguísticas para descre ver a cena A partir daí ele teria cogitado que as frases da linguagem poderiam ser pensadas como representações da realidade Entretanto essa ideia da frase como sendo uma represen tação intuitiva da realidade está associada à linguagem natural como possibilidade figurativa Essa concepção da linguagem como figuração foi devidamente explicada por Erik Stenius que chamou a atenção para a necessidade de existir uma correspondência ou certo isomorfismo estrutural que obedece a uma certa estrutura lógica de regras e convenções pois somente assim é possível a relação figurante e a figuração Para ilustrar tal relação podemos pensar no que está em jogo quando afirmamos que um determinado livro está sobre a mesa De acordo com a teoria pictorial proposta por Wittgenstein não se faz necessário que exista uma figura que demonstre um livro sobre a mesa mas seguese somente a importância de afir mar a expressão biunívoca dentre a relação existente entre livro e mesa e sua própria condição a saber estar sobre a mesa A estrutura pictorial não é expressa nos sinais mas no con teúdo ou seja naquilo que deduzimos ou pensamos essa mobi lidade do pensamento é desenvolvida no que Wittgenstein deno minou de frase elementar como sendo a reflexão do pensamento e manifestada por meio das expressões explícitas e analisadas Consequentemente a maioria das pessoas não percebe que a fal ta de percepção das frases determinam a falta de análise de sua conjuntura Assim é importante pensar que não é a frase ordinária uma representação da realidade mas deve esta se espelhar na realida de e deduzir o que realmente é pensado por meio dela seja pela sua forma lógica seja pela sua possibilidade lógica de assegurar a semelhança dentre as sentenças Filosofia da Linguagem 168 Consequentemente Wittgenstein não chegou a demonstrar especificamente como isso acontece ou seja de que maneira as expressões ordinárias podem ser analisadas em deduções elemen tares cuja lógica assegura em qualquer situação que estas se afi guram Para bem compreender essa reflexão e a relação entre as frases naturais e as frases elementares ficanos a evidência de que a frase deve sempre ter uma figuração portanto ela passa a ser suplementada pela própria linguagem natural e ao ser analisada especifica os elementos fundamentais para que assim possa ser suficientemente capaz de refletir pictoricamente o mundo Com base nessa dedução encontramos uma autêntica meta física da linguagem pois as expressões de linguagem natural quan do analisadas como parte constitutiva das expressões elementares passam a significar representar e refletir o mundo real Já as frases elementares e suas nominações especificam objetos simples crian do uma relação de correspondência que constitui uma condição fundamental para que possam ser consideradas verdadeiras Desse modo quando analisadas as expressões verbais pas sam automaticamente a revelar nominalmente os objetos e o mun do com toda a sua expressividade simbólica Sendo analisadas as frases linguísticas passam a se constituir de nomes configuramse assim os objetos que significados passam a tocar a realidade Em uma frase não elementar quando constituída verdadei ra estruturase sobre a sua análise uma estruturação combinativa entre a própria configuração elementar dessa última compreen dese o próprio modelo de algo realmente existente Porém já as frases falsas constituemse como parte das expressões elementa res ao contrário das verdadeiras as falsas apenas indicam uma possível combinação lógica que não apresenta fatos da realidade Diante desses dados é interessante constatar que a teoria pictorial complementa sua evolução para com a teoria do significa do Assim concluise que o significado de um signo ou de um res 169 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico pectivo nome deve sempre direcionar para a complexidade de um objeto simples Desse modo se um nome tem significado o objeto consequentemente a ser nomeado deve existir em sua essência Para Wittgenstein os limites da linguagem significativa po dem ser compreendidos por meio dos próprios limites que são conectados às frases elementares de modo simples esses limites correspondem ao próprio limite da realidade do mundo tal como refletimos É interessante notar até aqui que todo o processo da lingua gem deve constituir dentre a combinação do objeto real para com o nome ou expressão a ser indicada deste modo para que exista certa consonância fazse preciso uma estabilidade lógica dentre as relações é por este motivo que a lógica é tratada no Tractatus LogicoPhilosophicus Paralelamente tudo o que seja necessário para que se estabeleça dentre o objeto e a fala constitui em uma estrutura lógica dentre o compartilhamento de ambos esta estru turação Wittgenstein denominou de forma lógica ou seja toda figura tem relações compartilhadas como uma mesma forma lógi ca tem para com a realidade pois é somente obedecendo a tais regras que pode haver o processo de representação Anos mais tarde do término do Tratado Wittgenstein voltan do para a cidade de Cambridge no ano de 1929 concluiu que todo o esforço estruturado em sua obra a saber de edificar uma lin guagem referente ao mundo a partir de uma óptica dos elementos atômicos é falha A falha se localiza justamente pelo descaso para como a própria linguagem funcional O fato é que o filósofo havia criado uma teoria metafísica sobre a linguagem deixando de levar em consideração seu funcionamento ordinário Por essa razão é que Wittgenstein vê a linguagem como ne bulosa constituída de inúmeras sublinguagens que podem estar supostamente relacionadas entre si Para uma apropriada compre ensão é necessário se lançar nesta diversidade Filosofia da Linguagem 170 Wittgenstein tem como proposição o fato de que toda lin guagem tem como problema central a sua própria significação ou seja o simples fato ou processo de como esta mesma e determi nada proposição adquiriu um determinado significado Vejamos o que o Prof José Oscar de Almeida Marques tem a nos informar sobre a proposta de Ludwig Wittgenstein Em minha interpretação de como no Tractatus as proposições ad quirem seu sentido procurei criticar a introdução do pensamento como algo que estabelece a conexão entre os elementos do signo proposicional e os aspectos da realidade a que eles se referem in sistindo em que o significado de um signo está determinado ex clusivamente pelas regras sintáticas que governam seu emprego na linguagem e que nenhuma associação factual com o objeto é necessária e nem mesmo possível Isto levame para finalizar a uma observação sobre tentativas recentes de avançar nesta linha de raciocínio até o ponto de expurgar do Tractatus a própria noção de uma realidade extralingüística Nessa concepção o significado dos nomes se esgota totalmente no interior da própria linguagem e não se supõe que eles estejam no lugar de alguma coisa que sejam representantes de entidades exteriores à linguagem Por engenhosa que possa ser na medida em que consegue dar conta de muitas questões ainda problemáticas na interpretação do Tractatus essa posição não me parece sustentável e não deve ser tomada como uma conseqüência do que estou propondo aqui O principal problema é como dar conta nesse caso da questão da verdade de uma proposição que Wittgenstein insiste ser deter minada pela comparação com a realidade isto é por referência a uma instância nãolingüística É verdade que o desvendamento da essência da proposição foi considerado por Wittgenstein na passa gem datada de janeiro de 1915 que citei no início como constituin do toda a sua tarefa mas é relevante notar que ele complementa imediatamente essa afirmação dizendo que essa tarefa se identifica à de especificar a essência de todos os fatos dos quais a proposição é uma figura a essência de todo o ser E ainda que poucos meses depois ele tenha registrado em seus cadernos de notas as seguintes palavras O grande problema em torno do qual gira tudo o que es crevo é Há uma ordem a priori no mundo e se houver qual é ela MARQUES 2011 P 1011 Outro importante autor da Filosofia da Linguagem é Gilbert Ryle Vamos conhecer suas propostas no tópico a seguir 171 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico 8 GILBERT RYLE E LINGUAGEM COMO FORMA DE DISSOLVER PSEUDOPROBLEMAS FILOSÓFICOS O filósofo analítico Gilbert Ryle 19001976 em seu trabalho The Concept of Mind 1949 fez uso da linguagem como forma de dis solver um clássico problema filosófico dualismo mentecorpo Ryle procura por meio de uma análise dos argumentos empregados por Descartes nas Meditações empreender a dissolução do dualismo o que não implica uma postura eliminativista dos estados mentais Ryle não negará os fenômenos mentais apenas como ele avisa no prefácio de The Concept of Mind determinará a exata ge ografia lógica das proposições desses fenômenos Em outros ter mos ele pretende por meio de uma severa análise da linguagem demonstrar que o problema mentecorpo é um pseudoproblema resultado de confusões lógicolinguísticas que Descartes e os car tesianos cometeram Essa tentativa de dissolver o problema mentecorpo por meio de uma severa análise da linguagem é muitas vezes conheci da como behaviorismo lógico Ryle entretanto recusa insistente mente tal classificação para a sua análise Ele afirma que não pretende apresentar um novo conceito de mente mas apenas caracterizálo precisamente Para ele o senso comum sabe muito bem manejar esse conceito as confusões con ceituais ocorrem apenas no domínio filosófico da análise Foram os filósofos que cometeram deslizes terminológicos e acabaram obscurecendo esse conceito Ciente de estar indo contra toda uma tradição filosófica ele adverte Talvez os conforte saber que as posições contra as quais mostro mais calor são posições de que eu próprio fui vítima Só secundaria mente espero ajudar outros teóricos a reconhecer a nossa doença e a beneficiarse da minha receita RYLE 1949 p 9 Sabendo que sua tentativa será recebida com muitas restri ções e preconceitos Ryle procura deixar claro o ponto contra o qual ele se volta assumindo que muitas vezes esboça a teoria Filosofia da Linguagem 172 cartesiana com certos exageros Tais exageros têm como finalida de chamar a atenção para os pontos confusos da doutrina carte siana a ser combatida Dada a grande aceitação da Filosofia cartesiana Ryle cha maa de Doutrina Oficial e resumea na hipótese que todo ser humano possui uma mente e um corpo ambos de naturezas dis tintas e características particulares que podem ser resumidas por meio das seguintes proposições 1 Todo corpo existe no espaço e no tempo As mentes apenas no tempo 2 O corpo é constituído por matéria a mente por consciência ou funções da consciência 3 O corpo por ser algo material é sujeito às leis físicas porém as mentes sendo imateriais não sofrem tal sujeição 4 Os acontecimentos corporais são observáveis por todos por isso carregam o estatuto de serem públicos Os acontecimentos mentais ocorreram na própria mente e por isso são chamados privados RYLE 1949 p 1112 Esses quatros pontos sintetizam grosso modo a caracterização que a Doutrina Oficial apresenta segundo Ryle acerca da natureza da mente e do corpo Tal caracterização irá legar ao ser humano a exis tência de dois mundos o primeiro é o mundo físico habitado pelos corpos e do qual temos apenas um conhecimento parcial o segundo é o mundo mental em que a mente se situa e que graças à consciência autoconsciência e introspecção pode ser passível de conhecimento A consciência a autoconsciência e a introspecção nos re velamnos segundo a doutrina cartesiana tudo o que ocorre no mundo mental ou interior Porém devemos saber que a expres são mundo mental diz respeito apenas ao mundo mental de cada indivíduo A introspecção permite ao ser humano ter acesso apenas ao seu próprio mundo mental Para os críticos a doutrina cartesiana levanos à seguinte situação nenhum ser humano pode conhecer o que se passa no interior da mente do outro No limite a consequência do solipsismo que se instaura na doutrina cartesiana leva a um resultado antiintuitivo nenhum 173 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico comentário a respeito do comportamento de outrem é completa mente seguro Contudo afirma Ryle Pelo fato de que todos nós fazemos diariamente comentários ou damos palpites a respeito do que se passa na mente das pessoas é que resolvi refletir acerca da geografia lógica dos conceitos de com portamento mental buscando assim demonstrar que a geografia lógica praticada oficialmente está incorreta 1949 p 13 O caráter antiintuitivo de que se reveste a Doutrina Oficial leva Ryle a examinar seus fundamentos Para ele esta se assenta sobre um falso princípio o qual provém de um erro de gênero es pecial chamado de erro categorial O erro categorial por sua vez consiste em considerar fatos da vida mental como pertencentes a uma determinada categoria lógica quando na verdade perten cem à outra A intenção de Ryle não é como já afirmamos negar a existência de fenômenos mentais e sim demonstrar que a pos tulação de uma entidade abstrata como sede desses fatos decorre de um engano lógico A argumentação de Ryle será voltada à descoberta de erros categoriais na Doutrina Oficial para então retificálos Para ele a origem desse erro está na tentativa que Descartes e os cartesianos fizeram para explicar a mente e os fenômenos mentais em uma linguagem extraída das ciências naturais Ryle sugere que Descartes talvez tivesse raciocinado da se guinte maneira se os fenômenos físicos e fisiológicos são descri tos por uma linguagem científica precisa e exclusiva da Física e da Fisiologia os fenômenos mentais também deveriam ser descritos por uma linguagem que fosse igualmente precisa e científica mas que em contrapartida fosse adequada para explicar unicamente os fenômenos que ocorrem na substância mental Guiados por esse raciocínio os cartesianos segundo Ryle formularam uma linguagem paramecânica para descrever a men te ou seja a mente sendo algo imaterial privado e não sujeito às leis físicas deveria ser descrita por uma linguagem que fosse a negação da descrição dos fenômenos físicos Por exemplo os cor Filosofia da Linguagem 174 pos ocupam lugar no espaço a mente não ocupa lugar no espaço e assim por diante Tal esforço segundo Ryle criou a seguinte situação o corpo humano tal como qualquer outra parte da matéria é um campo de causas e efeitos também a mente deve ser um outro campo de causas e efeitos ainda que Deus seja louvado causas e efeitos não mecânicos 1949 p 1819 Para dissolver essa situação sobre a qual se estrutura a Dou trina Oficial Ryle procura caracterizar os estados mentais sem cair no idealismo isto é sem afirmar que só existem os fenômenos mentais Porém ele procura evitar também o materialismo ou seja afirmar que os estados mentais devem ser reduzidos aos ce rebrais Ambas as tentativas materialista e idealista segundo Ryle são respostas a uma pergunta inadequada Tanto o idealismo diz Ryle ao negar a relevância do físico na caracterização do mental como o materialismo ao tentar reduzir o mental ao físico no fundo aceitam que existe o problema da re lação dualista entre mente e corpo Na sua concepção é o proble ma que deve ser rejeitado na sua formulação mesma Ele insiste que não há problema algum em afirmar que existem mentes e que existem corpos O problema está em sustentar que a mente e o corpo são substâncias distintas que possuem formas diferentes de existência A análise de Ryle enfocará os estados mentais por meio prin cipalmente da ação Sua proposta consiste em explorar uma par cela do conhecimento que a tradição filosófica relega a um segun do plano qual seja o saber como fazer algo O olhar atento ao saber como pode revelar muito sobre os fenômenos mentais Negando o postulado cartesiano segundo o qual a atuação inteligente pressupõe a observância de regras e a aplicação de normas metodológicas ele procura demonstrar que o atributo inteligente deve ser dado às pessoas que aplicam critérios de re levância prática para a condução da própria ação e não para quem 175 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico teoriza antes de agir Será no próprio processo de fazer algo que podemos notar os critérios que possibilitam a atuação inteligente Como exemplos desses critérios podemos citar a crítica que uma determinada pessoa faz ao nosso trabalho a atenção na prática de alguma tare fa a prática de retirar do erro uma lição para cada vez agir melhor etc Fazse necessário ressaltar que Ryle não vê nesses critérios regras que precederiam a ação e sim atualizações de estados disposicionais do organismo A grande contribuição de Ryle ao estudo dos estados mentais parece ser a sua insistência em chamar a atenção para a importân cia das disposições ou formas de agir Porém foi dessa insistência que surgiram as mais fortes objeções à sua teoria se o ser humano age por disposições podemos dizer que seu comportamento será muitas vezes determinado Basta apenas saber como será a atu alização e será possível em princípio prever o comportamento Quanto a essa crítica Ryle responde que as disposições humanas são disposições complexas que possuem muitas formas de atua lização Ter uma disposição complexa não é o mesmo que afirmar uma lei Ter uma disposição é Não estar em um estado particular ou sofrer uma mudança particu lar é estar sujeito ou ter a possibilidade de estar em um estado par ticular ou de sofrer uma mudança particular RYLE 1949 p 42 A pretensão de Ryle ao criticar o dualismo cartesiano foi retificar o conceito de mente presente nessa doutrina e mostrar que ao falar dessa substância não estamos nos referindo a uma entidade fantasma que comanda nosso corpo mas sim a uma disposição físicobiológica Para fixarmos melhor as teses apresentadas nesta unidade elaboramos uma série de atividades que destacam as ideias cen trais de cada autor para que você possa conhecer com mais pro fundidade os temas concernentes à Filosofia da Linguagem apre sentados Filosofia da Linguagem 176 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Frege é considerado o sistematizador da moderna lógica matemática Ao re fletir sobre os fundamentos da aritmética ele tenta encadeálos à lógica Ele foi muito admirado e estudado por pensadores como Russell e Wittgenstein que procuraram cada um à sua maneira responder às questões legadas por Frege acerca da linguagem natural e de sua relação com as linguagens for mais Uma das principais contribuições de Frege para o estudo da linguagem consiste em sua tentativa de elaborar uma teoria semântica Queremos sa ber quais as categorias fundamentais que são apresentadas por Frege para lidar com o problema semântico a Objeto e referente b Sentido e referente c Mundo e signo d Signo e significado 2 A compreensão que Russell faz acerca do significado é diferente da que Fre ge admitia Para Russell o significado é justamente aquilo a que ele se refe re De outro modo o significado de um termo está relacionado em última instância ao objeto a que o termo se refere Para que essa teoria semântica funcione Russel elabora a chamada Filosofia do a Idealismo Semântico b Reducionismo Semântico c Formalismo Semântico d Atomismo Lógico 3 Segundo alguns críticos a teoria da linguagem presente na primeira filoso fia de Wittgenstein pressupõe uma autêntica metafísica da linguagem pois as expressões de linguagem natural quando analisadas como parte consti tutiva das expressões elementares passam a significar representar e refletir o mundo real Para bem compreender essa relação entre as expressões da linguagem natural e o mundo Wittgenstein propõe uma a Teoria matemática da linguagem b Teoria referencial da linguagem c Teoria pictorial da linguagem d Teoria ordinária da linguagem 4 O filósofo Ryle em seu trabalho The Concept of Mind fez uso da linguagem como forma de dissolver um clássico problema filosófico dualismo mente corpo Ele procura por intermédio de uma análise dos argumentos empre gados por Descartes nas Meditações empreender a dissolução do dualismo Sua pretensão com essa estratégia é a Estabelecer uma teoria funcionalista acerca do mental b Propor uma teoria eliminativista 177 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico c Estabelecer a correta geografia lógica dos conceitos sobre a mente e os estados mentais d Fundamentar filosoficamente o idealismo como perspectiva apropriada em Filosofia da mente 5 A grande contribuição de Ryle ao estudo dos estados mentais parece ser a sua insistência em chamar a atenção para a importância das disposições ou formas de agir Porém uma forte objeção pode ser feita quando associamos a conduta humana a estados disposicionais Se o comportamento humano é resultado de atualizações disposicionais então nossa conduta pode ser descrita como a Determinada b Indeterminada c Aleatória d Causal Gabarito Confira a seguir as respostas corretas para as questões au toavaliativas propostas 1 b 2 d 3 c 4 c 5 a 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa percurso sobre a relação entre a linguagem e a Filo sofia ou da linguagem como problema filosófico termina com as contribuições dos autores estudados nesta unidade Neste percur so pudemos analisar a linguagem desde sua relação com o nas cimento do pensamento filosófico como passagem do mito ao logos até a reflexão semântica e a tentativa dos filósofos do sécu lo 20 em se utilizar da linguagem para resolver pseudoproblemas filosóficos Você pôde conhecer de que maneira a reflexão sobre a lin Filosofia da Linguagem 178 guagem que se inicia com Platão têm uma íntima relação com a preocupação de essa linguagem o discurso racional significar cor retamente o mundo Essa preocupação no período medieval se torna uma preocupação de ordem teológica e na modernidade com Locke um problema do conhecimento humano Analisando as propostas de Nietzsche e Heidegger você pôde fazer um contraponto entre a linguagem conceitual e discur siva e a linguagem metafórica e poética como expressão fidedigna em relação ao Ser Esperamos que você tenha gostado das reflexões aqui apre sentadas e que os conteúdos deste Caderno de Referência de Con teúdo tenham despertado em você o interesse de aplicar suas re flexões filosóficas nos problemas da linguagem Desejamos a você um bom curso e boa sorte 11 EREFERÊNCIAS KRAUSE D Tópicos em ontologia analítica Disponível em httpwwwcfhufsc brdkrausepgcursos2010TopicosLaTeXRostopdf Acesso em 4 fev 2011 MARQUES J O A Pensar o sentido de uma proposição Disponível em httpwww unicampbrjmarquespesqPensarosentidodeumaproposicaopdf Acesso em 4 fev 2011 RODRIGUES FILHO A Frege e a filosofia da linguagem Disponível em httpwwwufsj edubrportal2repositorioFilevertentesVertentes33abiliorodriguespdf Acesso em 4 fev 2011 Lista de figuras Figura 1 Gottlob Frege Disponível em httpwwwnyuedugsasdeptphilocourses language04 Acesso em 15 mar 2011 Figura 2 Bertand Russell Disponível em httpwwweducfculptdocentesopombo seminariorussellindexhtm Acesso em 15 mar 2011 Figura 3 Ludwig Wittgenstein Disponível em httpwwwufpibreticaepistemologia materiasindexmostrarid4100 Acesso em 15 mar 2011 179 Claretiano Centro Universitário A Filosofia da Linguagem e o Problema Semântico 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALCOFORADO P Introdução In Lógica e Filosofia da linguagem São Paulo Universidade de São Paulo 2009 FREGE G Sobre o sentido e a Referência In Lógica e Filosofia da linguagem São Paulo Universidade de São Paulo 2009 Função e conceito In Lógica e Filosofia da linguagem São Paulo Universidade de São Paulo 2009 GRAYLING A C Wittgenstein São Paulo Loyola 2002 PINTO P R M Iniciação ao silêncio análise do Tractatus de Wittgenstein São Paulo Loyola 1998 RUSSELL B Lógica e conhecimento São Paulo Abril cultural 1978 Os Pensadores Os Problemas da Filosofia Lisboa Edições 70 2008 RYLE G The concept of mind Chicago The University of Chicago Press 1949 THORNTON T Wittgenstein sobre linguagem e pensamento São Paulo Loyola 2007 WITTGENSTEIN L Tractatus lógicophiloshopicus Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1999