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Ciências Econômicas ·

Economia Política

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Introdução Tratase de um estudo de caso sobre a criação de uma unidade de conservação ambiental em uma área ocupada por comunidades tradicionais No contexto do caso há um conflito entre a permanência da comunidade e a necessidade de proteção ecológica para a área o que implica dilemas éticos e um contexto complexo para a tomada de decisão em políticas públicas O caso traz como questões de fundo a autonomia relativa do Estado o papel dos burocratas nas decisões públicas e a importância de não desvincular a proteção ao meio ambiente da questão social O caso é indicado para estudantes de administração pública políticas públicas gestão ambiental e áreas afins O caso Algumas comunidades caiçaras estabeleceram moradia há algumas décadas na região de um maciço de montanhas localizado em Macondo município litorâneo O local é famoso por suas praias de águas calmas e grande biodiversidade Inclusive a paisagem é habitada por espécies endêmicas de potencial uso medicinal além de manter uma expressiva população de palmito juçara O município de Macondo possui um núcleo urbano com cerca de 42 mil habitantes que concentra quase 92 de sua população total Seus habitantes possuem profundo apreço pelo sossego e pelas belezas naturais do lugar Entretanto boa parte da sua população é jovem e sofre com a pouca oferta de trabalho e perspectiva Uma famosa empresa siderúrgica Asterix possui um projeto de construção de um núcleo produtivo no local dada a grande E se a nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano 2014 Contém nota pedagógica O documento foi originalmente elaborado para a disciplina Estudo de Caso Aprofundado Mestrado Profissional em Administração Pública EBAPE FGVministrada pela professora e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental Elisabete Ferrarezi 2 2 E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano área territorial com baixíssima densidade de ocupação abundância de recursos hídricos disponíveis e estratégia logística de distribuição da produção Esse fato tem dividido opiniões e acirrado ânimos na cidade Ambientalistas têm se posicionado duramente contra a instalação da siderúrgica Mas grande parte da população vê o projeto como uma forma de conseguir um emprego ou gerar renda a partir do comércio e das oportunidades de bons negócios que virão junto com o empreendimento Uma siderúrgica seria capaz de trazer o tão sonhado dinamismo econômico para a região Recentemente uma reportagem veiculada em um jornal televisivo de abrangência nacional sensibilizou a opinião pública para o desleixo das autoridades quanto à crescente degradação ambiental que vem sendo presenciada nos últimos anos no local Estamos correndo o risco de perder espécies de propriedades capazes de curar doenças graves disse o biólogo e pesquisador da renomada Universidade Estadual de São Francisco de Assis Em resposta pressionado o Secretário Estadual do Meio Ambiente Aquiles disse em entrevista Sabemos que o maciço montanhoso com a riqueza de sua flora e fauna não pode esperar Após anos de total negligência nossa gestão vem estudando a possibilidade de criação de uma unidade de proteção ambiental para proteger todo esse precioso patrimônio Imediatamente o Secretário Aquiles acionou o Prefeito Hermes para tratar da necessidade de ser discutido um plano estratégico de proteção ambiental na região o mais rápido possível Ressaltou que isso seria coordenado pelo Instituto Socioambiental de Florestas e Recursos Hídricos Sofreh competente entre outras coisas para administrar as unidades de proteção ambiental do estado O Prefeito Hermes não esperava receber aquela notícia logo no final de seu expediente na Prefeitura e muito menos no último ano de seu mandato Ao colocar o telefone no gancho de queixo caído pensou ele vai atrapalhar a vinda da siderúrgica Precisamos ter o suficiente de área livre de qualquer restrição que possa atrapalhar a vinda do progresso Bateu com o punho na mesa O presidente do Instituto Sofreh também não esperava receber uma ligação naquela hora e muito menos com aquela solicitação Lembrou se da analista ambiental Ariadne que havia elaborado um estudo sobre as espécies endêmicas da região Ariadne foi chamada pelo presidente e convidada para se tornar gestora do núcleo estratégico de planejamento da região sudeste do estado Inclusive o presidente deixou claro que iria também coordenar a criação de uma unidade de proteção ambiental no maciço montanhoso que fica localizado nessa região Ariadne via como bastante conservadora a política do órgão em que trabalhava Estava ciente de que seus desafios não seriam poucos Sabia 3 3 Veja mais casos em httpcasotecaenapgovbr E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano também que chefe não convida ordena Teve pouco tempo para pensar mesmo assim respondeu que aceitava o convite com muita alegria Afinal ponderou para si a criação dessa unidade é importante e tem um papelchave na proteção ambiental da região que está sendo tão ameaçada Seria também uma oportunidade de pôr em prática algumas ideias que surgiram ao longo de suas pesquisas Uma equipe muito competente foi montada para apoiar Ariadne na criação da unidade de proteção composta por Marcos o engenheiro ambiental Sandro o biólogo Heitor sociólogo e Nadir antropóloga Os trabalhos foram iniciados com o levantamento das comunidades locais catalogação de espécies importantes e descrição dos aspectos geográficos da região Ao final dessa fase do trabalho gerouse um relatório de diagnóstico da região delimitando qual era a área que deveria ser protegida Ariadne apresentou esses resultados em um seminário aberto para a população gestores públicos inclusive o Prefeito representantes de organizações não governamentais e outros interessados Na apresentação houve grande sensibilização quanto à importância da biodiversidade que a região oferecia Foram mostradas alarmantes evidências de rápida e crescente degradação ambiental Também foi informado que o Sofreh estava realizando um projeto de tornar a região uma unidade de conservação ambiental Durante a reunião Ariadne e sua equipe foram duramente questionadas quanto aos efeitos e consequências da criação dessa unidade Empresários locais ficaram tensos com a notícia pois receavam que esse projeto impedisse a vinda da siderúrgica que traria mais empregos e renda além de aumentar a receita fiscal do município o que poderia ser refletido em mais e melhores políticas públicas para a população O Prefeito Hermes suava frio Ele como várias pessoas na cidade havia comprado terrenos na região e arredores na esperança de vendêlos muito mais caros com o aumento da procura depois de lançado o projeto de instalação da siderúrgica Um empresário local pediu a palavra para dizer que a degradação toda era por causa da população mal instruída que vivia sujando e fazendo queimadas na mata A Lei de crimes ambientais já existe não é necessário inventar mais nada Basta aplicar com essa gente e a floresta fica em pé disse o empresário Pedro presidente da ONG SOS Mangue Seco levantouse de sua cadeira e com a voz empostada falou O que está acabando com a floresta são as madeireiras que derrubam o que veem pela frente e ameaçam a comunidade caso as empeçam Semana passada o morador José Bonifácio denunciou três 4 4 E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano madeireiras que desmatavam lá perto da comunidade Riacho Amargo A comunidade caiçara é a que tem mais interesse de preservar o meio ambiente porque eles dependem dele para viver e estão conscientes disso O Prefeito Hermes logo em seguida falou Olha o que nós temos que ver é que proteger o meio ambiente é bom para todos Mas isso não pode impedir que o progresso chegue até nós O que nós queremos é que uma área seja protegida sim guardando tudo que tem de bom na natureza Mas não pode ser toda a área apresentada porque a cidade precisa se expandir e crescer Se precisar tirar da área os moradores para preservar a prefeitura pode oferecer às famílias casas em outro lugar Desde que haja compensações para cidade inteira Muito bateboca aconteceu depois da fala do Prefeito Moradores da região que estavam presentes reclamaram que não queriam sair de lá de jeito nenhum Lá nasceram e cresceram Sabem plantar e pescar e gostam da vida assim Pedro falou novamente só que dessa vez sobre o potencial turístico da região que é muito pouco valorizado como forma de renda para a cidade Empresários e outros participantes argumentavam que a proteção dessa área nessas proporções iria prejudicar o desenvolvimento da cidade Ariadne e sua equipe encerraram a reunião que foi muito desgastante Entretanto foi importante para eles terem uma noção do que estava de fato acontecendo na cidade A partir de então Ariadne solicitou a iniciação de estudos propositivos para incidência da legislação de proteção ambiental Várias discussões foram feitas entre a equipe Heitor e Nadir fizeram um mapa das comunidades na região e Marcos consolidouo junto com as informações que tinha quanto a incidências de espécies endêmicas ou importantes nascentes de água e perfil do solo e terreno Após inúmeras rodadas de discussão com a população local e demais interessados Ariadne definiu uma proposta de divisão da área em três glebas Uma seria enquadrada na categoria de Parque Estadual Cova do Tatu e as outras duas seriam categorizadas como Reserva de Uso Sustentável Cada ponto corderosa no mapa significa uma comunidade identificada Ficando assim a proposta 5 5 Veja mais casos em httpcasotecaenapgovbr E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano O biólogo Marcos não aceitava que a gleba na cor laranja fosse definida como Reserva de Desenvolvimento Sustentável categoria que permite a permanência das comunidades caiçaras já residentes na área Nos seus estudos mostrou que na região localizavase a nascente de um rio importante para toda a área protegida além de haver a presença de espécies endêmicas Mas Ariadne avaliava que um plano de manejo sustentável junto com a fiscalização e educação ambiental eram suficientes para manter as espécies preservadas sem a necessidade de expulsar a comunidade local A relutância de Marcos resultou em várias brigas entre a equipe Sandro o biólogo evitava se posicionar mas era simpático aos argumentos de Marcos Heitor sempre batia boca com Marcos Nadir sabia que estava em maioria com Heitor e Ariadne e se poupava do desnecessário desgaste Marcos avaliava que não era possível uma relação de preservação com a população local Argumentava que a cultura caiçara passou por um processo de esfacelamento haja vista que os caiçaras não mais em suas terras originais e mesclados numa relação de força desigual com os novos habitantes e veranistas instalados na região adaptam seus usos e costumes a formas de sobrevivência e relações de troca pautadas pelas demandas que surgem no contexto mercadológico que se estabeleceu Para Marcos a perpetuação dos saberes tradicionais e do universo simbólico não mais existia É apenas um recurso retórico para permanência das comunidades nas áreas de proteção ambiental Ariadne mesmo ressaltando a importância de não mitificar as comunidades tradicionais caiçaras como agentes que têm uma relação de harmonia plena com a floresta defendia que sua ordem social práticas rudimentares de produção economia voltada para subsistência e saberes desenvolvidos e passados entre gerações as fazem detentoras de um grande potencial de incorporação de um modelo sustentável Marcos percebendo o rumo que as coisas tomavam solicitou o afastamento da equipe Mas manteve sua proposta e a levou para apresentação ao Presidente do Sofreh Anteriormente o Presidente do Instituto Sofreh havia almoçado com o Governador Durante o almoço o governador falou entre outros assuntos que havia um projeto de instalação de um polo siderúrgico no município de Macombo inclusive a empresa Asterix pretendia em breve montar uma base Estamos falando de mais de 5 mil empregos na região para começo de conversa estamos por um triz para fechar logo isso com a empresa e o município Gostaria que não houvesse atrasos no processo de licenciamento ambiental disse o Governador Esse projeto irá impactar positivamente todos os municípios da região 6 6 E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano O Presidente do Sofreh receoso para atender a pressão do Governador ficou a par do que se tratava o projeto e solicitou que a área de licenciamentos realizasse estudos preliminares sobre o impacto de grandes empreendimentos sobre a região onde estaria o complexo Quando o presidente recebeu Ariadne e sua equipe para apresentação dos resultados obtidos já sabia que parte da área que seria protegida era a área de terras do município que seria doada para a instalação da siderúrgica e futuramente também para o complexo Inclusive chamou a equipe que estava trabalhando no licenciamento ambiental Ariadne e sua equipe estavam cientes dos trabalhos da outra equipe no licenciamento O Presidente do Sofreh durante a apresentação chamou a atenção para as regiões destacadas em violeta e laranja no mapa onde se pretende instalar o complexo siderúrgico O coordenador da equipe que estava trabalhando no licenciamento argumentou que a região violeta já está muito degradada Efetivamente a área sofreu um desmatamento expressivo e está bastante ocupada por comunidades caiçaras e posseiros inclusive possui uma estrada de terra com pequenos estabelecimentos comerciais Já a área destacada em laranja possui a nascente do mais importante rio da região e portanto defendese uma proteção ambiental mais rigorosa em que não se enquadram atividades de manejo Uma grande discussão se estabeleceu entre os técnicos das duas equipes Ariadne e sua equipe reconheciam os dados ambientais presentes na região violeta mas entendiam a região como uma importante área de amortecimento para as demais áreas delimitadas estas mais preservadas além de possuir um rio de onde as comunidades caiçaras tiram seu sustento com a atividade da pesca artesanal Apesar de haver muitas divergências entre as equipes ambas concordavam que a poluição que seria gerada com o complexo siderúrgico iria comprometer toda região a ser preservada O complexo siderúrgico poderá gerar uma poluição grave no rio Tavares que corta a maior parte da área a ser protegida Nada durante a reunião foi decidido muito embora o Presidente do instituto Sofreh tenha parabenizado o trabalho da equipe de Ariadne Na semana seguinte o Presidente do instituto Sofreh chama Ariadne em seu gabinete para falar sobre a demarcação da área a ser protegida Alega que segundo os relatórios técnicos específicos sobre as condições ambientais da região violeta não há presença significativa de espécies endêmicas a área foi bastante degradada e possui núcleos de urbanização Também mostrou um relatório elaborado por Marcos técnico que resolveu sair da equipe de Ariadne que indicava que a área 7 7 Veja mais casos em httpcasotecaenapgovbr E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano laranja seria mais bem enquadrada na categoria de parque estadual dado sua importância ecológica e cênica o que provocaria a remoção das comunidades que ali viviam Ariadne ressaltou que esse trabalho é fruto dos conhecimentos técnicos de sua equipe bem como de inúmeras rodadas de debates participativos com a comunidade local para ouvir e considerar as suas necessidades e demandas Ariadne afirmou que mais de 30 famílias vivem na região marcada com a cor violeta muitas delas dependem de atividades pesqueiras e extrativistas para subsistência a crescente urbanização é uma ameaça a essas famílias e ao que restou da floresta na área A vegetação pode e deve ser recuperada na região O Presidente do Sofreh havia participado de reunião junto com o Secretario Estadual de Desenvolvimento Econômico o Prefeito Hermes os prefeitos dos municípios da região e a empresa Asterix Naquela ocasião tomou conhecimento que a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico estava desenvolvendo um projeto de instalação de um complexo siderúrgico na região O projeto ainda não foi lançado mas sabese que muitas negociações estão acontecendo para viabilizar a instalação do complexo na região O Presidente do Instituto Sofreh disse à Ariadne Precisamos agir rápido e implantar a unidade antes da instalação do complexo se queremos proteger efetivamente o que resta da floresta Peço que veja diante das informações prestadas nos relatórios que mencionei se há possibilidade de a área destacada em violeta ser excluída da proteção ambiental e de a área laranja se juntar à área em bege para criação de uma única unidade de conservação na categoria de parque estadual É uma categoria mais rigorosa mas torna mais evidente a sua importância ecológica para conseguir fazer frente aos poderosos interesses sobre a região Após a reunião Ariadne chamou a sua equipe para relatar o posicionamento do presidente A equipe ficou assoberbada Isso é chantagem disse Sandro Heitor falou O presidente está muito preocupado em criar a unidade de conservação antes do lançamento do projeto de instalação do complexo senão a imagem dele vai para a lama Os ambientalistas irão fazer panelaço na porta do Instituto Nadir ponderou nós também temos a mesma preocupação do presidente Ariadne pediu que sua equipe considerasse os relatórios mencionados pelo presidente em seus trabalhos e revisse a demarcação conforme as novas conclusões Todos os membros de sua equipe discordaram e pediram a saída do projeto Uma nova equipe foi alocada e com base nos estudos da equipe anterior e com os relatórios uma nova demarcação foi definida Ficando a nova demarcação assim 8 8 E se nossa vida vira parque Elaborado por Flávia Vastano A proposta foi apresentada para os representantes locais A maioria passou a apoiar a proposta exceto as comunidades das regiões laranja e violeta mas eram uma minoria inexpressiva Suas demandas não foram levadas em consideração O projeto da unidade de conservação seguiu todos os trâmites legais para criação O decreto estadual de criação da unidade foi publicado Após alguns meses a população das regiões violeta e laranja recebeu a ordem de despejo Os anos se passaram O complexo siderúrgico foi instalado no município de Macondo Muitas empresas do mesmo ramo produtivo foram atraídas Macondo e os municípios dos arredores ganharam o tão sonhado dinamismo econômico Alguns exmoradores das comunidades caiçaras construíram novamente suas casas na floresta que virou parque morando de forma muito precária e perigosa pois sendo a unidade um parque manejar os recursos naturais é crime Outros passaram a viver na periferia da região urbana da cidade Um dia Ariadne viu a sorridente Dona Paula antiga moradora de uma extinta comunidade com quem teve muitas conversas durante os trabalhos Ela passou a morar na periferia da cidade em uma casinha com esgoto a céu aberto passando na porta Ela contou que se sentia bastante infeliz Lá eu era rica porque nada me faltava Aqui eu sou pobre Lá eu plantava caçava comia e fazia reza e festa de reis com os amigos Todo mundo era igual Aqui não é assim Ariadne despediuse e ficou ruminando essa verdade dentro de si