·
Psicologia ·
Psicanálise
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Capítulo 4\nDESEJO E SABER EM FREUD E EM LACAN\n No início desta pesquisa, registrou-se uma certa impre- cisão terminológica nos textos de Freud: ora aparecem esfo- ços de se definir uma pulsão de saber, ora surgem expressões como desejo de saber, menos rigorosas em seu uso.\nO mais curioso é que os conceitos de pulsão e de desejo aparecem, de certo modo, como duas vertentes do pensamento freudiano que pouco se entrecruzam. Octave Manonni observa que se pode, de fato, dividir os textos de Freud em torno de esses dois grandes diviseores de águas. De um lado, reúnem-se a \"Interpretação dos Sonhos\" e \"Psicopatologia da Vida Cotidiana\", cujo êixo é a noção de desejo, e de outro, os \"Três Ensaios\", \"A Pulsão e seus Destinos\", \"O Ego e o Id\" e \"Além do Princípio do Prazer\", organizados em torno da discussão sobre a pulsão.\n\"O desejo e a pulsão são sempre organizados por Freud como estando em duas cenas separadas: as obras onde figura u- ma das palavras não contém a outra. É uma regra quase sem ex- ceção, e as raras exceções têm o sabor de negligências (1). O desejo (Wunsch) aponta para uma experiência passada, um ob- jeto perdido, uma falta. Mas nas considerações em torno da pulsão (Trieb), não há uma preocupação com a sua \"impossível realização\", com uma dimensão imaginária. Ela tão somente busca um alvo, embora seu objeto não seja propriamente nati- ral.\nPortanto, falar em desejo de saber implica introduzir, em seu bojo, essa dimensão de fantasia, de insatisfação, que a precisa referência a uma pulsão não abarca. Há, pode-se di- zer assim, um ganho de sentido quando se elege a expressão \"desejo de saber\".\nEsse \"enriquecimento\" da noção, no entanto, exige que se leve em conta o que é o desejo para Freud. E pelo fato de ter sido, essa uma expressão que ganhou força na obra de J. Lacan e de seus seguidores, o seu exame poderá ajudar a entender o que se ganha quando se fala em desejo de saber, e se abandona a expressão \"pulsão de saber\".\n\nA definição freudiana de desejo\nPara Freud, o desejo se explica a partir do que ele cha- ma de primeira experiência de satisfação.\nQuando experimenta, pela primeira vez, o apelo de uma necessidade, um bebê não terá, ainda, nenhum registro a res- peito do objeto que poderá vir a satisfazê-lo. Quando a mãe lhe apresenta tal objeto, sua necessidade será então sati- feita sem que tenha havido uma representação psíquica desse objeto. A pulsão não terá sido, nessa primeira vez, e apenas nessa primeira vez, mediada por uma representação.\nUma vez atravessada essa primeira experiência de sati- sfação, ela deixará no bebê uma marca mnésica, associada ao prazer experimentado quando a tensão, provocada pela necessi dade, foi reduzida. Ao ser novamente despertada, a necessidade não será mais a mesma: carregará consigo, em seu novo ressurgimento, aquela marca mnésica, que ficou associada à pulsão. Agora, essa marca mnésica servirá para orientar o bebê em sua busca pelo objeto de satisfação. Essa marca ou imagem mnésica poderá, inclusive, funcionar como uma antecipação da satisfação a ser trazida pelo objeto. \"A imagem mnésica funciona então no aparelho psíquico como uma representação antecipada da satisfação vinculada com o dinamismo do processo pulsional. Com este sentido pre císio se pode falar de desejo em Psicanálise\", diz Joel Dor (2). Ou seja, quando essa imagem é reavivada pela reparação da pulsão, ela é chamada de desejo. Dito pelo próprio Freud: \"Quando aparece a necessidade (Freud aqui se refere à sua reaparicão), e graças à relação estabelecida (entre imagem e necessidade), desencadeia-se a um impulso psíquico que inves tirá novamente a imagem mnésica dessa percepção (do objeto de satisfação) na memória e voltará a provocar a mesma percep- ção; em outras palavras, reconstituirá a situação da primeira satisfação. Este movimento é o que chamamos de desejo.\" (3). Também no \"Projeto de uma Psicologia para Neurologistas\" Freud discute a construção da primeira experiência de sati sfação e sua relação com a emergência do desejo. Na seção a e lada dedicada, ele identifica o desejo como um estado de urgên- .78* cia, nos seguintes termos: \"Com o estabelecimento do estado de emergência ou de desejo, o investimento passa também às recordações, reativando-as, e provê que o primeiro a expe rimentar essa ativação desiderativa seja a imagem mnésica do objeto\". (4) Assim, o desejo, para Freud, consiste nesse movimento cujo modelo é a primeira experiência de satisfação. Todo ele é voltado para a sua reconstituição, para aquele momento, praticamente mítico, em que não houve mediação entre a neces sidade e sua satisfação, momento em que não foi necessária a intermediação da demanda, ou de uma busca pelo objeto. Mas é possível perceber, a partir dessa \"definição\" freudiana de desejo, uma vinculação com a de pulsão. Se ambas foram trati das de forma algo isolada por Freud, é preciso, de outro la do, estabelecer seu cruzamento, uma vez que o desejo se ba seja em um processo pulsional. A imagem mnésica reaparece movida por um impulso, que surge já representado (como toda pulsão). Se é a pulsão que \"empurra\" o sujeito e que o faz ir buscar um objeto na reali dade, é o desejo que orienta a busca desse objeto pulsional. Lacan retoma as nocões de desejo e de pulsão freudianas e, de certa forma, propõe uma leitura que as amplia, sem que se perca a originalidade inicial. O desejo \"lacaniano\" .79. A noção de desejo se estabelece, para Lacan, de modo relati vo, isto é, não se separa das nocões de demanda e de ne cessidade. A necessidade é um dado biológico, e somente um objeto tomado em sua plena realidade pode satisfazê-la. Ou seja, a fome, tomada em sua realidade biológica, só pode ser satis feita com alimento. O objeto da necessidade é único, ao con trário do da pulsão, nascida por apoio sobre uma função ló gica, que é absolutamente labil (sobre a labilidade do ob jeto da pulsão, muito ainda será dito mais adiante, neste ca pítulo). Portanto, não há imaginação, fantasia, pensamento, que possa satisfazer a necessidade, que exige um objeto aqui e agora. Mas, no mundo humano, esta ordem das necessidades é atra vessada pelo fenômeno da linguagem. E o que ocorre com a ne cessidade, quando esta se vê obrigada a ser representada por uma palavra? Para Lacan, a necessidade atravessada pela lin guagem transforma-se em demanda. “Examinemos então os efeitos dessa presença [do significante]”, escreve Lacan. “Eles são de início os efeitos de um desvio de necessidades do homem pelo fato de que ele fala, nesse sentido de que, assim que suas necessidades são submetidas à demanda, elas retornam a ele alienadas” (5). Pelo fato de ser marcada pela linguagem, a demanda uni versaliza o que era antes algo particular. “Tenho fome” é um .80. dito que não só identifica a fome de quem o proferiu a todas as fomes de todos os outros; mas também uniformiza, torna-se melhante, o que antes era único. Ou seja, toda demanda universaliza e, portanto, aliena o falante na linguagem. Além disso, toda demanda é demanda dirigida a alguém que possa satisfazê-la. \"A mediação da linguagem é inseparável da mediação do outro (...). A satisfação de pretensas necessidades pela intervenção do outro a quem se dirige a demanda torna-se, como sublinha Lacan, sinal do amor. e é ele que é visado na demanda\" (6). Ou seja, a mediação de um outro dá a demanda um caráter rue a necessidade não possui; fica marcada por um apelo dirigido a alguém que, ao escutar o apelo, reconhece-o, tornando digno de ser atendido. Em outras palavras, aquele que escuta e dá uma demanda torna-se demandante digno de ser atendido e, portanto, digno de ser amado. Antes que a demanda tivesse sido estabelecida, houve um momento mítico em que uma criança viveu uma experiência de satisfação sem que ela houvesse pedido coisa alguma. Houve um gozo sem a mediação da demanda, e aquele foi um instante proporcionado pela mãe que satisfez a primeira necessidade da criança. Como ressalta Alain Juranville: \"De fato, o caráter deste gozo provém de sua imediata em relação à primeira experiência de satisfação, a qual, precisamente, não foi mediada por uma demanda. Desta forma, a partir da segunda experiência de satisfação, a mediação da demanda confronta a criança com a ordem da perda. Algo faltou, com efeito, pela diferença .81. que se estabelece entre o que se dá à criança, imediatamente, sem mediação psíquica, e aquilo que lhe é dado de forma mediada, como se devesse ser pedido\" (7). Quanto mais se desdobram as demandas, em sua capacidade de deslocar-se e de passar de um a outro, e outro, e ainda outro objeto, mais se acentua essa distância entre a primeira satisfação e o que se obtém por intermédio da demanda. Aumenta o vazio inevitavelmente deixado por esse primeiro objeto, cujo reencontro estará sendo permanentemente buscado e nunca alcançado. Esse vazio, esta falta, será, para Lacan, inconsciente e constitutivo. Por essa razão, aquilo que se pede ao outro é que ele venha a preencher, através de um objeto que supostamente satisfaça, o vazio que se abriu em cada um de nós. Este objeto, que faz, o-vazio que se abriu em cada um de nós. A falta acidental e, supostamente satisfaça, virá com a marca do amor. A falta acidental refere-se ao desejo. A demanda apenas dissimula o desejo, que está na base de toda demanda. Mas é a falta, ou seja, o desejo, que explica o fato de que haja demanda. Através das sucessivas demandas, o desejo se organiza, se estrutura, como desejo de um objeto impossível, objeto que, imaginaríamos, as demandas buscam e pensam encontrar. Mas a impossibilidade desse encontro fará com que o desejo se mantenha sempre em busca de um objeto eternamente faltante. Esse objeto é, em última análise, a causa do desejo, ou seja, aquilo que o fez nascer. .82. Note-se que há dois desejos na pena de Lacan: o desejo plural, que pode perfeitamente ser aproximado do termo de, e o desejo inconsciente, que não é transitivo. Nisso Lacan e Freud estão em perfeita consonância. A definição lacaniana de saber Também o saber tem dupla entrada no texto lacaniano. Há um saber que se refere ao conhecimento, e também pode ser usado no plural: os saberes acumulados pelos cientistas. Mas há um outro tipo de saber, assim descrito por Michel Silvestre: \"O inconsciente pode ser definido como o lugar onde são guardadas em reserva as determinações do sujeito (...). O inconsciente é, pois, o lugar de um saber. Um saber que designa o conjunto das determinações que regem a vida de um sujeito -- um saber, porém, que escapa ao sujeito (...). G um saber que escapa ao sujeito no sentido de que ele o ignora. E, evidentemente, uma ignorância ambígua, pois incide sobre tudo o que constituiu o tecido, do próprio ser do sujeito; o que ele esqueceu de sua história, dos acontecimentos por ele vividos, dos pensamentos e sentimentos que o constituíram e que ainda o constituem. É uma ignorância ativa, uma rejeição, o que ele prefere não saber\" (8). A referência a Lacan obriga a que se produza um desloca. .83. mento no sentido até aqui utilizado da palavra saber. Não se trata mais dos saberes constituídos, mas do saber inconsciente. De todo modo, há uma ponte entre as duas acepções, que precisa ser buscada, caso se queira levar as contribuições lacanianas a respeito do saber inconsciente ao entendimento do que seja a produção de saberes constituídos pela via da E- ducação.\n\nHá uma decorrência direta desta visão do que seja o sa- ber para o tema deste trabalho: se o desejo não tem objeto, e o sujeito prefere nada saber, então não se pode falar em de- sejo de saber.\n\nO próprio Lacan avisa: \"o inconsciente é o efeito do fa- to de que o ser, falando, goze e, acrescento, não queira sa- ber de mais nada. Acrescento que isto quer dizer - não saber de coisa alguma. Para abater logo uma carta que poderia fazer vocês esperarem um pouco - não há desejo de saber, esse famo- so Wissentrieb que Freud aponta em algum lugar\"(9)\n\nEssa afirmação de Lacan tira o fôlego de todo pesquisa- dor que esteja rastreando o conceito em questão. Não é nada fá- cil deparar-se com um autor que nega a existência mesma do objeto da pesquisa!\n\nAinda bem que Lacan não pode ser tomado ao pé da letra. é ele próprio quem \"recomenda\" a preservação, em todo discur- so, da dimensão do equívoco, do duplo sentido, da afirmação que se nega, da negação que se afirma.\n\nA afirmação de Lacan desafia o pesquisador a desejar sa- ber por que não há desejo de saber.\n\nDe fato, o saber inconsciente se choca com o desejo inconsciente, opõe-se a ele. Porém, o desejo e o saber in- conscientes estão presentes de modo estruturante na consti- tuição do sujeito do inconsciente, na medida em que esse sa- ber está implicado, é móvel, pode-se dizer, da castração.\n\nO próximo passo deverá ser, então, o de estudar o lugar do saber e do desejo na operação de castração.\n\nSaber e desejo na operação de castração\n\nSabe-se que o complexo de Édipo é um complexo nuclear, que ocupa um lugar de fundamento na teoria psicanalítica. Sa- be-se, também, que no centro do Édipo está o complexo de cas- tração. Nas palavras de Masotta, o Édipo é o fundamento da Psicanálise, e o complexo de castração, ou questão fálica, seu fundamento. A castração é, portanto, fundamento do fun- damento da teoria psicanalítica (10) Não é, portanto, a toa que Lacan dedicará tanta atenção ao estudo do conceito de falo.\n\nA posição de uma criança frente à castração é decisiva para o seu destino de \"sujeito sexuado\". Depois de atravé- sa-la, a criança estará constituída como neurótica, psicanalí- tica ou perversa.\n\nHá, para Freud, um momento decisivo na vida de cada um de nós: o momento da descoberta da diferença sexual anatômi- ca. Até esse momento, meninos e meninas acreditavam que todos os seres, até os inanimados, possuíam um pênis.\n\nPara Lacan, a descoberta da castração é, em verdade, a descoberta da castração da mãe. E claro que um menino sentirá a ameaça abater-se sobre a sua cabeça, e a menina terá de se haver com a inveja do pênis. Mas o importante, o decisivo, é a constatação de que a mãe está \"castrada\" (11).\n\nJean Clavreul observa ser inequívo o fato de que o des- cobrimento dessa ausência na mãe se produz sobre um fundo de presença de pênis no menino (12). Semelhante descobrimento traz em seu bojo o tema da castração, pois mostra que o que é pode não ser. Freud sempre designou, prosaicamente, a castração, como núcleo verdadeiro do complexo de castração, a aquisição do sa- ber sobre esta ausência. De modo que, além da ameaça de que este descobrimento é virtualmente portador, há outra coisa referente a um descobrimento sobre o mesmo saber: ou seja, que o saber é enganoso. A criança descobre que sua posição subjetiva anterior repousava principalmente sobre um saber errôneo. Desta forma, essa criança deve aprender que convém deixar um lugar para um \"não saber\" cuja importânica, a par- tir daí, é primordial, posto que recobre o campo de seus in- vestimentos libidinais. Vê-se aí a referência a um saber en- volvido na descoberta da diferença sexual anatômica.\n\nMas o que faz com que uma criança perceba a diferença se- xual? Um acontecimento fortuito, uma percepção imposta pela realidade, o nascimento de um irmãozinho? Não, pois não se pode fazer depender tão importante descoberta de algo episódi- co, como já se discutiu anteriormente. Era preciso que essa criança estivesse imbuída do desejo de ver, da pulsão de ver. Eis af um modo de entender a presença da pulsão de ver assinalada por Freud nos \"Três Ensaios\".\n\n\"É difícil saber\", observa Clavreul, \"se o primeiro movimento é o de desejar ver e saber, ou se, constatada a diferença, essa criança pode se dar conta de que quis ver e saber. Mas não importa, pois o decisivo aí é a constatação de que, se quis ver, é porque não sabia, era ignorante de algo. Havia uma ausência, uma carência, uma falta causando um desejo nesse caso o desejo de ver\" (13).\n\nAssim, o descobrimento da criança no que se refere à ausência de pênis leva-a, normalmente, a atravessar o complexo de castração, a reconhecer a \"carência de saber\" como causa do desejo de ver que a levou a descobrir. Deste modo, conclui Clavreul, \"o desejo de ver e de saber não é estruturalmente distinto do desejo sexual\" (14).\n\nEsta última observação descarateriza, ainda uma vez, o desejo de saber, e matiza a afirmação de Lacan - de que não havia desejo de saber. Ou seja, o desejo que emerge da operação de castração é um desejo de ver ou de saber, que se transforma em em desejo de nada saber. À distinção, desta perspectiva, torna-se deneccessária, pois a estrutura do desejo se tece sempre com a problemática do saber inconsciente. Uma outra maneira de dizer tudo isto, que sintetiza a visão de Lacan a respeito da castração e do desejo inconsciente, foi formulada por Joel Dor (15). Uma criança percebe que o desejo da mãe sofre da mesma falta que o seu, e graças a isso pode constituir-se como objeto susceptível de preencher essa falta, ocupando o lugar de falto de sua mãe e negando com isso que haja falta para ambas.\n\nInversamente, reconhecer a falta na mãe como algo impossível de preencher demonstra que a criança aceita a falta e, portanto, seu próprio desejo, na medida em que ele emerge justamente com a falta. Este reconhecimento se encontra no princípio mesmo da postura falica que se desdobra durante a dialética edípica, depois da qual a criança abandona a posição de objeto de desejo do Outro [representado pela mãe] em favor da sujeito desejante.\n\nMas não estaria tudo isto em desacordo com a ideia de Freud de que a criança deseja saber algo sobre as origens, o que desencaixaria toda a sua \"edipização\"?\nO que Masotta diz é que as perguntas não se dirigem, verdadeiramente, à sexualidade. Pois é justamente sobre essas questões tão cruciais para a constituição de uma criança que ela não perguntará. Ora, e como ficam então as linhas que Freud escreveu sobre a investigação sexual infantil?\nNas conferências que proferiu em Vigo, Espanha, em 1976, Masotta pergunta, fazendo eco a uma indagação freudiana: por que a sexualidade precisa ser recalca-dada? O que há no sexual que o torna passível de repressão? E ele responde: o sujeito nada quer saber (e por isso recalca) sobre a estrutura mesma da pulsão, pois se aceitá-la, terá também de admitir que seu objeto é labíl, indefinível e portanto inalcançável. Também por isso, um sujeito nada vai querer saber a respeito da falta, como já disse Clavreul. Ou, nas palavras de Masotta: não se quer saber a respeito do \"corte\" no real, rachaduras, buracos, feridas; ou seja, sobre a castração (16).\n\nMasotta entende o saber como algo que se refere ao saber sobre a falta e sobre a castração. É um saber sobre o qual nada se quer saber, sendo portanto recalçado. Trata-se de entender o saber de um modo que não colide, segundo ele, com a descrição feita por Freud a respeito da investigação sexual infantil. \"A criança, que é um investigador incansável de coisas sexuais, nada quer saber sobre aquilo mesmo que motiva sua investigação: a diferença dos sexos\" (17). Não quer saber que estava enganado a respeito da premissa universal do pênis. E o mais importante é que o saber se vê freado, impedido, recalçado porque desejava saber sobre um objeto que a pulsão não pode determinar qual seja.\nEssa interpretação não está assim tão longe de Freud como parece. É preciso lembrar que, em \"Teorias sexuais infantis\", Freud aponta para o fato de que, diante do conflito entre o que pensa ser e o que é dito pelos adultos a respeito de nossas origens, acontece um movimento de recalque, instintuidor do inconsciente. Trata-se de uma observação ainda em ṕrica, mas que vai ao encontro da de Masotta, se for enten- dido que Freud fala aí de um choque entre desejos: o da criança e o do Outro Simbólico, representado pelos pais reais. Ou, dito de outra maneira, o choque se dá entre o de- sejo de saber sobre o objeto da pulsão e uma recusa dos pais em falar dele (porque também não sabem). Por isso, a investi- gação sexual é recalcar, embora as perguntas em torno de questões sexuais possam até mesmo prosseguir. Pois há dois níveis quando se fala em sexual: um é relativo às perguntas objetivas sobre procriação, anatomia, e até sobre relações sexuais; e outro, bem diferente, articulado como as interroga- ções sobre o sujeito que está implicado em realidades como as da castração, do desejo inconsciente, da diferença, dos sexos e todos eles problemas registrados no plano inconsciente. é desses últimos que Masotta diz nada quererem saber as crian- ças. Além disso, deve-se lembrar o que Freud disse a respeito das investigações sexuais infantis no texto sobre Leonardo: \"A ânsia de saber de uma criança é testemunhada por seu per- guntar incansável, que parecerá enigmático ao adulto enquanto ele não perceber que todas essas perguntas não passam de ro- deus em torno de uma questão central que, no entanto, jamais será diretamente proferida(...) Mas, como sua própria constitu- ição sexual não está apta para a procriação, sua investi- gação sobre a origem das crianças tem que fracassar necessariamente\" (18) 90. Embora Freud esteja se referindo mais especialmente à pergunta sobre a origem dos bebês, é importante que já há- ja uma referência a algo nodular que não pode ser proferido. que não pode ser alcançado pelo exercício intelectual, pelo acúmulo de saberes, ainda que saberes sexuais. Tal investi- gação está fadada ao fracasso e, por isso mesmo, em \"constante exercício. Pois o obscuro objeto do desejo será sempre procurado, e jamais encontrado. Ou, então, será reencontrado, mas sempre de modo insatisfatório, incompleto, uma vez que algo sempre estará sendo ocultado, mascarado, em benefício do prô- prio desejo do sujeito de não saber. Por isso, embora reencon- trado, o movimento terminará não cessará, e o sujeito se ar- rastará de um lado ao outro, e outro, e outro, sempre imaginando ter encontrado, ainda que tenha encontrado coisa alguma. Pode parecer estranho que uma teoria sobre o desejo de saber, algo considerado tão positivo, produtivo, impulsiona- dor, tenha suas origens em uma primeira investigação inevitavelmente fadada ao fracasso e traga em seu bojo um desejo de nada saber. Por essas razões, há, na leitura lacaniana do desejo de saber, uma cisão que separa desejo e saber. A investigação sexual infantil não vem jamais esclare- cer, \"dar luzes\" a uma pobre criança confrontada com um enig- ma insolúvel: o do desejo da mãe. Ao contrário, vem \"atrapalhar\", criando ficções como a teoria sexual infantil em que todos têm pênis. A separação entre saber e desejo se 91. faz, então, a partir de um certo momento, necessária. Mas por que esse enigma é insolúvel? Masotta já dizia que os pais não podem responder sobre a procedência das crianças, porque nada sabem sobre isso. Para maior precisão, pode-se invocar Michel Silvestre: \"Que pai, melhor que o de Hans, poderia ter a pretensão de dar uma significação ao de- sejo da mãe? Que pai poderia aspirar a uma tal segurança quando para ele mesmo este desejo é um enigma?\" (19) Diante das formulações de Lacan e seguidores sobre o de- sejo de nada saber, pode parecer que os esforços deste trabalh o serão inúteis. Ao instituir um Wisenstirb, teria Freud caído em contradição, como afirmou Lacan? O desejo de saber de Leonardo, embora dirigido à natureza, à ciência, não teria a dever de desejo inconsciente, já que esse nada querer saber? A ânsia de conhecimento terá de ser alijada do terreno da Psicanálise, que não poderá mais esclarecer a respeito do seu funcionamento? Assim talvez ficassem as coisas, não fosse o caminho a- berto por Piera Aulagnier, para quem todo desejo de saber é um desejo de saber sobre o desejo. Sob sua pena, que é incl- usive fiel à de Lacan, ressurge um desejo transitivo. Rea- bre-se a pesquisa.
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Capítulo 4\nDESEJO E SABER EM FREUD E EM LACAN\n No início desta pesquisa, registrou-se uma certa impre- cisão terminológica nos textos de Freud: ora aparecem esfo- ços de se definir uma pulsão de saber, ora surgem expressões como desejo de saber, menos rigorosas em seu uso.\nO mais curioso é que os conceitos de pulsão e de desejo aparecem, de certo modo, como duas vertentes do pensamento freudiano que pouco se entrecruzam. Octave Manonni observa que se pode, de fato, dividir os textos de Freud em torno de esses dois grandes diviseores de águas. De um lado, reúnem-se a \"Interpretação dos Sonhos\" e \"Psicopatologia da Vida Cotidiana\", cujo êixo é a noção de desejo, e de outro, os \"Três Ensaios\", \"A Pulsão e seus Destinos\", \"O Ego e o Id\" e \"Além do Princípio do Prazer\", organizados em torno da discussão sobre a pulsão.\n\"O desejo e a pulsão são sempre organizados por Freud como estando em duas cenas separadas: as obras onde figura u- ma das palavras não contém a outra. É uma regra quase sem ex- ceção, e as raras exceções têm o sabor de negligências (1). O desejo (Wunsch) aponta para uma experiência passada, um ob- jeto perdido, uma falta. Mas nas considerações em torno da pulsão (Trieb), não há uma preocupação com a sua \"impossível realização\", com uma dimensão imaginária. Ela tão somente busca um alvo, embora seu objeto não seja propriamente nati- ral.\nPortanto, falar em desejo de saber implica introduzir, em seu bojo, essa dimensão de fantasia, de insatisfação, que a precisa referência a uma pulsão não abarca. Há, pode-se di- zer assim, um ganho de sentido quando se elege a expressão \"desejo de saber\".\nEsse \"enriquecimento\" da noção, no entanto, exige que se leve em conta o que é o desejo para Freud. E pelo fato de ter sido, essa uma expressão que ganhou força na obra de J. Lacan e de seus seguidores, o seu exame poderá ajudar a entender o que se ganha quando se fala em desejo de saber, e se abandona a expressão \"pulsão de saber\".\n\nA definição freudiana de desejo\nPara Freud, o desejo se explica a partir do que ele cha- ma de primeira experiência de satisfação.\nQuando experimenta, pela primeira vez, o apelo de uma necessidade, um bebê não terá, ainda, nenhum registro a res- peito do objeto que poderá vir a satisfazê-lo. Quando a mãe lhe apresenta tal objeto, sua necessidade será então sati- feita sem que tenha havido uma representação psíquica desse objeto. A pulsão não terá sido, nessa primeira vez, e apenas nessa primeira vez, mediada por uma representação.\nUma vez atravessada essa primeira experiência de sati- sfação, ela deixará no bebê uma marca mnésica, associada ao prazer experimentado quando a tensão, provocada pela necessi dade, foi reduzida. Ao ser novamente despertada, a necessidade não será mais a mesma: carregará consigo, em seu novo ressurgimento, aquela marca mnésica, que ficou associada à pulsão. Agora, essa marca mnésica servirá para orientar o bebê em sua busca pelo objeto de satisfação. Essa marca ou imagem mnésica poderá, inclusive, funcionar como uma antecipação da satisfação a ser trazida pelo objeto. \"A imagem mnésica funciona então no aparelho psíquico como uma representação antecipada da satisfação vinculada com o dinamismo do processo pulsional. Com este sentido pre císio se pode falar de desejo em Psicanálise\", diz Joel Dor (2). Ou seja, quando essa imagem é reavivada pela reparação da pulsão, ela é chamada de desejo. Dito pelo próprio Freud: \"Quando aparece a necessidade (Freud aqui se refere à sua reaparicão), e graças à relação estabelecida (entre imagem e necessidade), desencadeia-se a um impulso psíquico que inves tirá novamente a imagem mnésica dessa percepção (do objeto de satisfação) na memória e voltará a provocar a mesma percep- ção; em outras palavras, reconstituirá a situação da primeira satisfação. Este movimento é o que chamamos de desejo.\" (3). Também no \"Projeto de uma Psicologia para Neurologistas\" Freud discute a construção da primeira experiência de sati sfação e sua relação com a emergência do desejo. Na seção a e lada dedicada, ele identifica o desejo como um estado de urgên- .78* cia, nos seguintes termos: \"Com o estabelecimento do estado de emergência ou de desejo, o investimento passa também às recordações, reativando-as, e provê que o primeiro a expe rimentar essa ativação desiderativa seja a imagem mnésica do objeto\". (4) Assim, o desejo, para Freud, consiste nesse movimento cujo modelo é a primeira experiência de satisfação. Todo ele é voltado para a sua reconstituição, para aquele momento, praticamente mítico, em que não houve mediação entre a neces sidade e sua satisfação, momento em que não foi necessária a intermediação da demanda, ou de uma busca pelo objeto. Mas é possível perceber, a partir dessa \"definição\" freudiana de desejo, uma vinculação com a de pulsão. Se ambas foram trati das de forma algo isolada por Freud, é preciso, de outro la do, estabelecer seu cruzamento, uma vez que o desejo se ba seja em um processo pulsional. A imagem mnésica reaparece movida por um impulso, que surge já representado (como toda pulsão). Se é a pulsão que \"empurra\" o sujeito e que o faz ir buscar um objeto na reali dade, é o desejo que orienta a busca desse objeto pulsional. Lacan retoma as nocões de desejo e de pulsão freudianas e, de certa forma, propõe uma leitura que as amplia, sem que se perca a originalidade inicial. O desejo \"lacaniano\" .79. A noção de desejo se estabelece, para Lacan, de modo relati vo, isto é, não se separa das nocões de demanda e de ne cessidade. A necessidade é um dado biológico, e somente um objeto tomado em sua plena realidade pode satisfazê-la. Ou seja, a fome, tomada em sua realidade biológica, só pode ser satis feita com alimento. O objeto da necessidade é único, ao con trário do da pulsão, nascida por apoio sobre uma função ló gica, que é absolutamente labil (sobre a labilidade do ob jeto da pulsão, muito ainda será dito mais adiante, neste ca pítulo). Portanto, não há imaginação, fantasia, pensamento, que possa satisfazer a necessidade, que exige um objeto aqui e agora. Mas, no mundo humano, esta ordem das necessidades é atra vessada pelo fenômeno da linguagem. E o que ocorre com a ne cessidade, quando esta se vê obrigada a ser representada por uma palavra? Para Lacan, a necessidade atravessada pela lin guagem transforma-se em demanda. “Examinemos então os efeitos dessa presença [do significante]”, escreve Lacan. “Eles são de início os efeitos de um desvio de necessidades do homem pelo fato de que ele fala, nesse sentido de que, assim que suas necessidades são submetidas à demanda, elas retornam a ele alienadas” (5). Pelo fato de ser marcada pela linguagem, a demanda uni versaliza o que era antes algo particular. “Tenho fome” é um .80. dito que não só identifica a fome de quem o proferiu a todas as fomes de todos os outros; mas também uniformiza, torna-se melhante, o que antes era único. Ou seja, toda demanda universaliza e, portanto, aliena o falante na linguagem. Além disso, toda demanda é demanda dirigida a alguém que possa satisfazê-la. \"A mediação da linguagem é inseparável da mediação do outro (...). A satisfação de pretensas necessidades pela intervenção do outro a quem se dirige a demanda torna-se, como sublinha Lacan, sinal do amor. e é ele que é visado na demanda\" (6). Ou seja, a mediação de um outro dá a demanda um caráter rue a necessidade não possui; fica marcada por um apelo dirigido a alguém que, ao escutar o apelo, reconhece-o, tornando digno de ser atendido. Em outras palavras, aquele que escuta e dá uma demanda torna-se demandante digno de ser atendido e, portanto, digno de ser amado. Antes que a demanda tivesse sido estabelecida, houve um momento mítico em que uma criança viveu uma experiência de satisfação sem que ela houvesse pedido coisa alguma. Houve um gozo sem a mediação da demanda, e aquele foi um instante proporcionado pela mãe que satisfez a primeira necessidade da criança. Como ressalta Alain Juranville: \"De fato, o caráter deste gozo provém de sua imediata em relação à primeira experiência de satisfação, a qual, precisamente, não foi mediada por uma demanda. Desta forma, a partir da segunda experiência de satisfação, a mediação da demanda confronta a criança com a ordem da perda. Algo faltou, com efeito, pela diferença .81. que se estabelece entre o que se dá à criança, imediatamente, sem mediação psíquica, e aquilo que lhe é dado de forma mediada, como se devesse ser pedido\" (7). Quanto mais se desdobram as demandas, em sua capacidade de deslocar-se e de passar de um a outro, e outro, e ainda outro objeto, mais se acentua essa distância entre a primeira satisfação e o que se obtém por intermédio da demanda. Aumenta o vazio inevitavelmente deixado por esse primeiro objeto, cujo reencontro estará sendo permanentemente buscado e nunca alcançado. Esse vazio, esta falta, será, para Lacan, inconsciente e constitutivo. Por essa razão, aquilo que se pede ao outro é que ele venha a preencher, através de um objeto que supostamente satisfaça, o vazio que se abriu em cada um de nós. Este objeto, que faz, o-vazio que se abriu em cada um de nós. A falta acidental e, supostamente satisfaça, virá com a marca do amor. A falta acidental refere-se ao desejo. A demanda apenas dissimula o desejo, que está na base de toda demanda. Mas é a falta, ou seja, o desejo, que explica o fato de que haja demanda. Através das sucessivas demandas, o desejo se organiza, se estrutura, como desejo de um objeto impossível, objeto que, imaginaríamos, as demandas buscam e pensam encontrar. Mas a impossibilidade desse encontro fará com que o desejo se mantenha sempre em busca de um objeto eternamente faltante. Esse objeto é, em última análise, a causa do desejo, ou seja, aquilo que o fez nascer. .82. Note-se que há dois desejos na pena de Lacan: o desejo plural, que pode perfeitamente ser aproximado do termo de, e o desejo inconsciente, que não é transitivo. Nisso Lacan e Freud estão em perfeita consonância. A definição lacaniana de saber Também o saber tem dupla entrada no texto lacaniano. Há um saber que se refere ao conhecimento, e também pode ser usado no plural: os saberes acumulados pelos cientistas. Mas há um outro tipo de saber, assim descrito por Michel Silvestre: \"O inconsciente pode ser definido como o lugar onde são guardadas em reserva as determinações do sujeito (...). O inconsciente é, pois, o lugar de um saber. Um saber que designa o conjunto das determinações que regem a vida de um sujeito -- um saber, porém, que escapa ao sujeito (...). G um saber que escapa ao sujeito no sentido de que ele o ignora. E, evidentemente, uma ignorância ambígua, pois incide sobre tudo o que constituiu o tecido, do próprio ser do sujeito; o que ele esqueceu de sua história, dos acontecimentos por ele vividos, dos pensamentos e sentimentos que o constituíram e que ainda o constituem. É uma ignorância ativa, uma rejeição, o que ele prefere não saber\" (8). A referência a Lacan obriga a que se produza um desloca. .83. mento no sentido até aqui utilizado da palavra saber. Não se trata mais dos saberes constituídos, mas do saber inconsciente. De todo modo, há uma ponte entre as duas acepções, que precisa ser buscada, caso se queira levar as contribuições lacanianas a respeito do saber inconsciente ao entendimento do que seja a produção de saberes constituídos pela via da E- ducação.\n\nHá uma decorrência direta desta visão do que seja o sa- ber para o tema deste trabalho: se o desejo não tem objeto, e o sujeito prefere nada saber, então não se pode falar em de- sejo de saber.\n\nO próprio Lacan avisa: \"o inconsciente é o efeito do fa- to de que o ser, falando, goze e, acrescento, não queira sa- ber de mais nada. Acrescento que isto quer dizer - não saber de coisa alguma. Para abater logo uma carta que poderia fazer vocês esperarem um pouco - não há desejo de saber, esse famo- so Wissentrieb que Freud aponta em algum lugar\"(9)\n\nEssa afirmação de Lacan tira o fôlego de todo pesquisa- dor que esteja rastreando o conceito em questão. Não é nada fá- cil deparar-se com um autor que nega a existência mesma do objeto da pesquisa!\n\nAinda bem que Lacan não pode ser tomado ao pé da letra. é ele próprio quem \"recomenda\" a preservação, em todo discur- so, da dimensão do equívoco, do duplo sentido, da afirmação que se nega, da negação que se afirma.\n\nA afirmação de Lacan desafia o pesquisador a desejar sa- ber por que não há desejo de saber.\n\nDe fato, o saber inconsciente se choca com o desejo inconsciente, opõe-se a ele. Porém, o desejo e o saber in- conscientes estão presentes de modo estruturante na consti- tuição do sujeito do inconsciente, na medida em que esse sa- ber está implicado, é móvel, pode-se dizer, da castração.\n\nO próximo passo deverá ser, então, o de estudar o lugar do saber e do desejo na operação de castração.\n\nSaber e desejo na operação de castração\n\nSabe-se que o complexo de Édipo é um complexo nuclear, que ocupa um lugar de fundamento na teoria psicanalítica. Sa- be-se, também, que no centro do Édipo está o complexo de cas- tração. Nas palavras de Masotta, o Édipo é o fundamento da Psicanálise, e o complexo de castração, ou questão fálica, seu fundamento. A castração é, portanto, fundamento do fun- damento da teoria psicanalítica (10) Não é, portanto, a toa que Lacan dedicará tanta atenção ao estudo do conceito de falo.\n\nA posição de uma criança frente à castração é decisiva para o seu destino de \"sujeito sexuado\". Depois de atravé- sa-la, a criança estará constituída como neurótica, psicanalí- tica ou perversa.\n\nHá, para Freud, um momento decisivo na vida de cada um de nós: o momento da descoberta da diferença sexual anatômi- ca. Até esse momento, meninos e meninas acreditavam que todos os seres, até os inanimados, possuíam um pênis.\n\nPara Lacan, a descoberta da castração é, em verdade, a descoberta da castração da mãe. E claro que um menino sentirá a ameaça abater-se sobre a sua cabeça, e a menina terá de se haver com a inveja do pênis. Mas o importante, o decisivo, é a constatação de que a mãe está \"castrada\" (11).\n\nJean Clavreul observa ser inequívo o fato de que o des- cobrimento dessa ausência na mãe se produz sobre um fundo de presença de pênis no menino (12). Semelhante descobrimento traz em seu bojo o tema da castração, pois mostra que o que é pode não ser. Freud sempre designou, prosaicamente, a castração, como núcleo verdadeiro do complexo de castração, a aquisição do sa- ber sobre esta ausência. De modo que, além da ameaça de que este descobrimento é virtualmente portador, há outra coisa referente a um descobrimento sobre o mesmo saber: ou seja, que o saber é enganoso. A criança descobre que sua posição subjetiva anterior repousava principalmente sobre um saber errôneo. Desta forma, essa criança deve aprender que convém deixar um lugar para um \"não saber\" cuja importânica, a par- tir daí, é primordial, posto que recobre o campo de seus in- vestimentos libidinais. Vê-se aí a referência a um saber en- volvido na descoberta da diferença sexual anatômica.\n\nMas o que faz com que uma criança perceba a diferença se- xual? Um acontecimento fortuito, uma percepção imposta pela realidade, o nascimento de um irmãozinho? Não, pois não se pode fazer depender tão importante descoberta de algo episódi- co, como já se discutiu anteriormente. Era preciso que essa criança estivesse imbuída do desejo de ver, da pulsão de ver. Eis af um modo de entender a presença da pulsão de ver assinalada por Freud nos \"Três Ensaios\".\n\n\"É difícil saber\", observa Clavreul, \"se o primeiro movimento é o de desejar ver e saber, ou se, constatada a diferença, essa criança pode se dar conta de que quis ver e saber. Mas não importa, pois o decisivo aí é a constatação de que, se quis ver, é porque não sabia, era ignorante de algo. Havia uma ausência, uma carência, uma falta causando um desejo nesse caso o desejo de ver\" (13).\n\nAssim, o descobrimento da criança no que se refere à ausência de pênis leva-a, normalmente, a atravessar o complexo de castração, a reconhecer a \"carência de saber\" como causa do desejo de ver que a levou a descobrir. Deste modo, conclui Clavreul, \"o desejo de ver e de saber não é estruturalmente distinto do desejo sexual\" (14).\n\nEsta última observação descarateriza, ainda uma vez, o desejo de saber, e matiza a afirmação de Lacan - de que não havia desejo de saber. Ou seja, o desejo que emerge da operação de castração é um desejo de ver ou de saber, que se transforma em em desejo de nada saber. À distinção, desta perspectiva, torna-se deneccessária, pois a estrutura do desejo se tece sempre com a problemática do saber inconsciente. Uma outra maneira de dizer tudo isto, que sintetiza a visão de Lacan a respeito da castração e do desejo inconsciente, foi formulada por Joel Dor (15). Uma criança percebe que o desejo da mãe sofre da mesma falta que o seu, e graças a isso pode constituir-se como objeto susceptível de preencher essa falta, ocupando o lugar de falto de sua mãe e negando com isso que haja falta para ambas.\n\nInversamente, reconhecer a falta na mãe como algo impossível de preencher demonstra que a criança aceita a falta e, portanto, seu próprio desejo, na medida em que ele emerge justamente com a falta. Este reconhecimento se encontra no princípio mesmo da postura falica que se desdobra durante a dialética edípica, depois da qual a criança abandona a posição de objeto de desejo do Outro [representado pela mãe] em favor da sujeito desejante.\n\nMas não estaria tudo isto em desacordo com a ideia de Freud de que a criança deseja saber algo sobre as origens, o que desencaixaria toda a sua \"edipização\"?\nO que Masotta diz é que as perguntas não se dirigem, verdadeiramente, à sexualidade. Pois é justamente sobre essas questões tão cruciais para a constituição de uma criança que ela não perguntará. Ora, e como ficam então as linhas que Freud escreveu sobre a investigação sexual infantil?\nNas conferências que proferiu em Vigo, Espanha, em 1976, Masotta pergunta, fazendo eco a uma indagação freudiana: por que a sexualidade precisa ser recalca-dada? O que há no sexual que o torna passível de repressão? E ele responde: o sujeito nada quer saber (e por isso recalca) sobre a estrutura mesma da pulsão, pois se aceitá-la, terá também de admitir que seu objeto é labíl, indefinível e portanto inalcançável. Também por isso, um sujeito nada vai querer saber a respeito da falta, como já disse Clavreul. Ou, nas palavras de Masotta: não se quer saber a respeito do \"corte\" no real, rachaduras, buracos, feridas; ou seja, sobre a castração (16).\n\nMasotta entende o saber como algo que se refere ao saber sobre a falta e sobre a castração. É um saber sobre o qual nada se quer saber, sendo portanto recalçado. Trata-se de entender o saber de um modo que não colide, segundo ele, com a descrição feita por Freud a respeito da investigação sexual infantil. \"A criança, que é um investigador incansável de coisas sexuais, nada quer saber sobre aquilo mesmo que motiva sua investigação: a diferença dos sexos\" (17). Não quer saber que estava enganado a respeito da premissa universal do pênis. E o mais importante é que o saber se vê freado, impedido, recalçado porque desejava saber sobre um objeto que a pulsão não pode determinar qual seja.\nEssa interpretação não está assim tão longe de Freud como parece. É preciso lembrar que, em \"Teorias sexuais infantis\", Freud aponta para o fato de que, diante do conflito entre o que pensa ser e o que é dito pelos adultos a respeito de nossas origens, acontece um movimento de recalque, instintuidor do inconsciente. Trata-se de uma observação ainda em ṕrica, mas que vai ao encontro da de Masotta, se for enten- dido que Freud fala aí de um choque entre desejos: o da criança e o do Outro Simbólico, representado pelos pais reais. Ou, dito de outra maneira, o choque se dá entre o de- sejo de saber sobre o objeto da pulsão e uma recusa dos pais em falar dele (porque também não sabem). Por isso, a investi- gação sexual é recalcar, embora as perguntas em torno de questões sexuais possam até mesmo prosseguir. Pois há dois níveis quando se fala em sexual: um é relativo às perguntas objetivas sobre procriação, anatomia, e até sobre relações sexuais; e outro, bem diferente, articulado como as interroga- ções sobre o sujeito que está implicado em realidades como as da castração, do desejo inconsciente, da diferença, dos sexos e todos eles problemas registrados no plano inconsciente. é desses últimos que Masotta diz nada quererem saber as crian- ças. Além disso, deve-se lembrar o que Freud disse a respeito das investigações sexuais infantis no texto sobre Leonardo: \"A ânsia de saber de uma criança é testemunhada por seu per- guntar incansável, que parecerá enigmático ao adulto enquanto ele não perceber que todas essas perguntas não passam de ro- deus em torno de uma questão central que, no entanto, jamais será diretamente proferida(...) Mas, como sua própria constitu- ição sexual não está apta para a procriação, sua investi- gação sobre a origem das crianças tem que fracassar necessariamente\" (18) 90. Embora Freud esteja se referindo mais especialmente à pergunta sobre a origem dos bebês, é importante que já há- ja uma referência a algo nodular que não pode ser proferido. que não pode ser alcançado pelo exercício intelectual, pelo acúmulo de saberes, ainda que saberes sexuais. Tal investi- gação está fadada ao fracasso e, por isso mesmo, em \"constante exercício. Pois o obscuro objeto do desejo será sempre procurado, e jamais encontrado. Ou, então, será reencontrado, mas sempre de modo insatisfatório, incompleto, uma vez que algo sempre estará sendo ocultado, mascarado, em benefício do prô- prio desejo do sujeito de não saber. Por isso, embora reencon- trado, o movimento terminará não cessará, e o sujeito se ar- rastará de um lado ao outro, e outro, e outro, sempre imaginando ter encontrado, ainda que tenha encontrado coisa alguma. Pode parecer estranho que uma teoria sobre o desejo de saber, algo considerado tão positivo, produtivo, impulsiona- dor, tenha suas origens em uma primeira investigação inevitavelmente fadada ao fracasso e traga em seu bojo um desejo de nada saber. Por essas razões, há, na leitura lacaniana do desejo de saber, uma cisão que separa desejo e saber. A investigação sexual infantil não vem jamais esclare- cer, \"dar luzes\" a uma pobre criança confrontada com um enig- ma insolúvel: o do desejo da mãe. Ao contrário, vem \"atrapalhar\", criando ficções como a teoria sexual infantil em que todos têm pênis. A separação entre saber e desejo se 91. faz, então, a partir de um certo momento, necessária. Mas por que esse enigma é insolúvel? Masotta já dizia que os pais não podem responder sobre a procedência das crianças, porque nada sabem sobre isso. Para maior precisão, pode-se invocar Michel Silvestre: \"Que pai, melhor que o de Hans, poderia ter a pretensão de dar uma significação ao de- sejo da mãe? Que pai poderia aspirar a uma tal segurança quando para ele mesmo este desejo é um enigma?\" (19) Diante das formulações de Lacan e seguidores sobre o de- sejo de nada saber, pode parecer que os esforços deste trabalh o serão inúteis. Ao instituir um Wisenstirb, teria Freud caído em contradição, como afirmou Lacan? O desejo de saber de Leonardo, embora dirigido à natureza, à ciência, não teria a dever de desejo inconsciente, já que esse nada querer saber? A ânsia de conhecimento terá de ser alijada do terreno da Psicanálise, que não poderá mais esclarecer a respeito do seu funcionamento? Assim talvez ficassem as coisas, não fosse o caminho a- berto por Piera Aulagnier, para quem todo desejo de saber é um desejo de saber sobre o desejo. Sob sua pena, que é incl- usive fiel à de Lacan, ressurge um desejo transitivo. Rea- bre-se a pesquisa.