·
Psicologia ·
Psicanálise
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Capítulo 5\nTODO DESEJO DE SABER E DESEJO DE SABER SOBRE O DESEJO Quando se assume o ponto de vista de um bebê, pode-se i-maginar, grosseiramente, o que se passa com ele: ouvi aqui u-na sonoridade que causa uma experiência e é assim registada, apenas como marca de prazer. Vê ali uma cena que lhe entra o-lho a dentro, acompanhada de um impacto de prazer. Registra um gesto que é puro gesto, não tem sentido algum – aliás co-mo todas as experiências referidas – a não ser como exper-iência de prazer.\nEsse acervo precisa se organizar, ao menos para a cri-an-ça dele poder se servir. O bebê organiza montando com seus elementos um cendário. Uma montagem teatral, que põe em movi-mento uma personagem – o próprio sujeito – em diferentes situações e em diferentes relações com os objetos \"catalogados\" nesse acervo. Dessa encenação, registirada inde-levemente no inconsciente – pode-se dizer que ela é o in-consciente –, a Psicanálise lacaniana costuma dar o nome de fantasma, e a kleiniana, o nome de fantasia; ambas apoiadas em um texto de Freud, \"Bate-se numa Criança\"(1).\nO objeto da pulsão pode ser \"qualquer um, e sobre isso já se insistiu um bocado. Mas isto não significa, como diz Piera Aulagnier, que seja qualquer um para o sujeito. Isto porque a busca dos objetos pelo mundo afora será sempre orientada por uma experiência iniciadora do prazer”, afirma Piera Aulagnier(2).\nMas por que esse sujeito não saber o que viviu em seu amado? Por que, em outras palavras, seu fantasma permanece inconsciente? Por que as experiências de prazer permanecem não-sabidas?\nA resposta é que há algo nelas que não pode ser sabido, como diz Piera Aulagnier, sob pena de se esborçar o fantasma. E preciso negar aquele que já se sabe tão logo tais expe-riências de prazer começam a ser vividas e repetidas; ou se-já, \"a presença do objeto de prazer só pode ser transitória, e ele faltará no tempo seguinte ao da satisfação, que é deste tempo morto para o prazer que se nutre o desejo\"(3). Até a-qui, Piera não está dizendo nada diferente do que disseram Lacan, Clavreul, Masotta e Silvestre, já citados neste traba-lho. Ela, contudo, introduz a dimensão do fantasma para re-forçar a ideia de um desejo de nada saber.\nHá, portanto, um primeiro saber, que precisa ser negado. Mas, além disso, ele é, também, um saber insatisfatório, pois embora se trate de um conhecimento sobre o prazer, falta-lhe o complemento, ou seja, o conhecimento sobre o desejo. Dito Ou \"naquela mulher\"? Embora \"não saibam\", sabem-no bem. Estar-rão apenas \"reconhecendo\" aquele antigo gesto, aquela voz. \"A escolha do objeto pulsional parece ter sido induzida por a-quilo que, no inconsciente, permanece como traço indelével dos diferentes objetos encontrados pelo sujeito na ocasião de uma experiência iniciadora do prazer”, afirma Piera Aulagnier(2).\nMas por que esse sujeito não saber o que viveu em seu amado? Por que, em outras palavras, seu fantasma permanece inconsciente? Por que as experiências de prazer permanecem não-sabidas?\nA resposta é que há algo nelas que não pode ser sabido, como diz Piera Aulagnier, sob pena de se esborçar o fantasma. É preciso negar aquele que já se sabe tão logo tais expe-riências de prazer começam a ser vividas e repetidas; ou se-já, \"a presença do objeto de prazer só pode ser transitória, e ele faltará no tempo seguinte ao da satisfação, que é deste tempo morto para o prazer que se nutre o desejo\"(3). Até a-qui, Piera não está dizendo nada diferente do que disseram Lacan, Clavreul, Masotta e Silvestre, já citados neste traba-lho. Ela, contudo, introduz a dimensão do fantasma para re-forçar a ideia de um desejo de nada saber.\nHá, portanto, um primeiro saber, que precisa ser negado. Mas, além disso, ele é, também, um saber insatisfatório, pois embora se trate de um conhecimento sobre o prazer, falta-lhe o complemento, ou seja, o conhecimento sobre o desejo. Dito em outras palavras, há um saber negado, ao lado de um não-sabido: nega-se o prazer e se desconhece o desejo.\n\nNeste ponto do raciocínio de Piera, surge, porém, uma reflexão que é aparentemente discordante da de outros lacanianos. Na medida em que esse primeiro saber não pode bem operar, seja porque nega, seja porque é insuficiente, é necessário o surgimento de um novo desejo de saber.\n\nPor que é insuficiente esse primeiro saber, no que diz respeito, em especial, ao desejo? Como já foi dito anteriormente, o \"enigma\" diz respeito ao desejo do outro, que a mãe representa diante de seu filho.\n\nUma criança é e precisa ser o resultado do desejo parental, pois é apenas como alguém desejado pelos pais que seu ser pode ter um sentido e uma razão para existir. É isso que uma criança rapidamente ouvirá na fala, nos gestos e carinhos de sua mãe em particular, e saberá que ela é, para a mãe, objeto de desejo. Mas rapidamente também, saberá que há algo af que não vai bem. Pois se o desejo parental pré-existia ao seu nascimento, então não é a ele que desejam, e sim a algo que o transcende, algo que está além dele e antes dele.\n\nBuscar saber, então, sobre a causa do desejo é, por essa razão, fundamental para um sujeito que queira encontrar as coordenadas responsáveIs por seu \"advento\". Desejar saber sobre o que causou o desejo do Outro (representado pelos pais) é a razão pela qual surge o desejo de saber.\n\nEscreve Piera Aulagnier: \"Todo desejo de saber se reve- la, desde o início, como a busca de um saber sobre o desejo, e, mais precisamente, sobre o desejo do Outro.\n\nA psicanalista francesa entende não somente que haja um desejo de saber, como o situa como um desejo de saber sobre o desejo do Outro.\n\nNão se pense, porém, que desejar saber sobre o desejo do Outro é um movimento \"altruísta\", desinteressado, fruto de uma fascinação que esse Outro nos impõe. A estrutura do sujeito inconsciente é sempre narcísica, e o destino da pulsão é o do retorno ao próprio eu. Buscar o desejo do Outro não é outra coisa senão ir atrás de saber o que causa o desejo do próprio sujeito.\n\nOu seja, \"investigar\" sobre o Outro e admitir que foi ele, com sua recusa de amor, quem causou, é responsável, pelo surgimento do sujeito como ser desejante. Isto é o que Freud diz quando afirma que, em toda investigação sexual, a pergunta é: de onde viemos e para onde vamos. Traduzido nos termos lacanianos, a indagação fundamental se transforma em \"como foi que advinhei como ser desejante, e para onde me levará esse desejo?\" Além disso, do ponto de vista dos que seguem Lacan, essa pergunta só pode ser dirigida ao outro, o responsá-vel, a causa desse advento.\n\nAulagnier prossegue: \"Que o sujeito se pergunte a respeito do que causou o seu nascimento, quer se pergunte a respeito do que é a causa do desejo materno, quer tente conhecer o que é a causa da ordem do mundo e do agenciamento do real que o rodeia, é sempre a mesma questão a que encontramos na orla de sua caminhada: conhecer qual o primeiro Desejo, que primeiro Outro Desejante justifica e torna razoável a aparente desrazão do mundo.\n\nAo colocar no mesmo plano o desejo de saber sobre o desejo materno e o desejo de saber sobre a ordem do mundo, não estaria Piera Aulagnier incorrendo em uma imprecisão? Embora tenham ambos a mesma origem — o desejo de conhecer o primeiro Desejo — teriam ambos o mesmo natureza? Perguntando de outra maneira: como é que, para Piera, é possível passar do primeiro desejo, do qual não se quer saber, para o desejo de saber sobre a ordem do mundo?\n\nAinda que a autora possa ter incorrido efetivamente numa impressão na frase citada, ao colocar como sendo ambos os desejos de mesma ordem, há referência, no texto que está sendo comentado, a um \"operador\" que pode deslindar essa confusão. Piera refere-se a uma demanda de saber. Embora não lhe dê ênfase, esse é o conceito que permite, de fato, fazer a ponte que está sendo buscada.\n\nÉ justamente porque não pode haver desejo de saber sobre o inconsciente que pode surgir, em seu lugar, uma demanda de saberes constitutivos. O desejo não é enunciável, mas uma demanda o é, e o faz veiculando esse desejo. A noção de demanda é, então, o nosso x, a ponte que permite a passagem de um desejo de nada saber sobre o desejo inconsciente para um movimento de querer saber tudo sobre a ordem do mundo. Não é à demanda de saber que Lacan se referia, ao afirmar que não há desejo de saber. A demanda, essa sim, existe, e é encontrável na análise de Freud a respeito da ânsia de saber de Leonardo da Vinci -- ou na criança que pergunta sobre os fenômenos do mundo que a rodeiam.\n\n\"Toda demanda de saber é demanda de domínio sobre o campo do real no qual outro parece se mover tão à vontade, seguro de nele reencontrar os objetos de seu desejo\". continua Aulagnier(6). Mas para o \"sujeito\", o primeiro encontro com esse campo do real é, ao contrário, um encontro com o que se furta a ele, resiste a ele. Esse campo não se deixa jamais reduzir àquilo que o sujeito espera conhecer -- o que levará esse sujeito a adquirir mais e mais saber.\n\nNote-se agora que a referência a uma demanda de dominância aponta diretamente para a fórmula freudiana da pulsão de saber, que a inclui entre seus ingredientes. Eis porque é possível afirmar, finalmente, que a pulsão de saber freudiana, por vezes referida como desejo de saber, é, na verdade, demanda de saber. Sem essa interpolação conceitual, talvez não fosse mesmo possível conciliar, ainda no interior do texto freudiano, um movimento de recalque - desejo de nada saber- com um movimento em que algo se sublima em busca de conhecimento.\n\nAinda assim, seria possível objetar o seguinte: se o desejo de nada saber é produto do recalque, como é possível surgir uma demanda de saber que advém, segundo Freud, de uma .102. sublimação? Recalque e sublimação, já se disse no capítulo 3 deste trabalho, não são antinômicos, detinos diversos da pulsão? \n\nO próprio Freud responderia: \"Parte da pulsão de investigação se sublima em pulsão de saber\"(7). Há, portanto, uma espécie de divisão do falo, que se dá entre o recalque e a sublimação.\n\nNovamente o texto de Piera Aulagnier servirá como apoio para esclarecer como isso se dá.\n\nRetome-se, ainda e sempre, a aurora dos tempos de um sujeito. Ali se verá um pequeno ser confrontando com o horror da mãe castrada, que o obriga a saber que seu saber era falso. Que o obriga a encarar esse outro desejante como um ser para quem falta algo.\n\nEsse outro -- a mãe -- depende, por sua vez, de um outro para a realização, ainda que parcial, de seu desejo: o pai. Como disse Clavreul, é agora o pai o suposto detentor do saber sobre o desejo da mãe. Ele sabe o que o sujeito gostaria de entender, de conhecer: o enigma do desejo da mãe, antes tão inquestionável - é a mim que ela quer -- e agora tão desconhecido -- não é a mim, é um lugar que apresentita, e sobre o qual meu pai pode ter algo a dizer, mas o quê? \n\nEntão, a resposta que o sujeito obtém diante de sua demanda de saber é o Nome-do-Pai, a Lei do Pai, o \"não tocarás nesta mulher\"(8). Pedindo, ouve um não. Eis a face \"castradora\" da Lei que o pai veicula. Eis a ação do recalque .103. sobre as investigações sexuais infantis. Eis o que produz um desejo de nada saber.\n\nA interdição do saber, porém, não pode ser integralmente aceita, pois se corre o risco de cair em uma apatia muito parecida com o primeiro destino da investigação sexual descrito por Freud em \"Leonardo\": a inibição intelectual, um nada-saber que contamina toda a atividade ulterior do sujeito. (Os destinos da investigação sexual infantil serão detalhados no capítulo 8 deste trabalho). Torna-se necessário, portanto, um movimento transgressivo, que venha a subverter, de algum modo, a radicalidade do não da interdição. Torna-se necessário uma transgressão do saber do pai, na medida em que à introdução da lei, por ele veiculada, diz não ao saber. \"Não provarás do fruto proibido\", diz, diz. Como a aceitação absoluta dessa interdição pode ser mortal, Adão e Eva desobedecem, transgridem, e são obrigados a \"vestir suas vergonhas\". \n\nInicia-se a cultura, os homens são obrigados a investigar, a saber (agora o outro saber), para edificar a cultura. \"Todo desejo de saber carrega consigo, por seus fundamentos incessantes, uma interdição e uma ameaça\", diz Maud Manonni(9). Saber é, então, transgredir a interdição.\n\nParte é recalçada, parte é sublimada. Portanto, a operação que permite a transgressão da interdição não é outra senão a sublimação. Deve existir, graças à sublimação, uma espécie de conciliação entre o não da interdição de conhecer a mãe e o sim transgressivo que busca outros objetos de conhe... .104. ci mento. 'Pode-se dizer que o saber, mesmo o mais sublimado, é o que permite ao sujeito aceitar o inaceitável da castração, colocando o entrejogo de seu saber no ponto preciso em que transgressão e aceitação jogam uma partida que não se conclui nunca. Transgressão, porque o sujeito poderá realizar esse alvo do desejo, que é o de não encontrar fronteiras para o seu campo de ação, o que quer que ele saiba, e seja qual for a infinitude de seu desejo de conhecer [de sua demanda de saber]. não faltará jamais um objeto sobre o qual perguntar, nem um último véu a levantar. A falta de saber não faltará jamais para o seu desejo'(10).\n Pode-se agora acompanhar o fecho da reflexão de Piera Aulagnier, uma vez que já se tem em mente as distinções entre desejo e demanda, além da explicitação do lugar da transgressão e da submissão na passagem de um ao outro.\n Ao saber que sua mãe é castrada, desejante, o sujeito saberá também a quem ela deseja -- e que certamente não é ele. Assim, ao mesmo tempo em que saberá qual é o objeto de desejo da mãe, saberá também que a perdeu. ou seja, saberá que a mãe é desejante e desejada pelo pai (o que é, como diz Piera, a fórmula mesma da interdição).'No momento em que se satisfaz sua demanda de saber, o desejo se acha confrontado com a verdade do saber: o que é sabido está perdido para o desejo'(11)'\n e sobre essa perda do objeto para o desejo que se apagará o saber, excluído agora, mas apenas para prosseguir geran-
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Dessa encenação, registirada inde-levemente no inconsciente – pode-se dizer que ela é o in-consciente –, a Psicanálise lacaniana costuma dar o nome de fantasma, e a kleiniana, o nome de fantasia; ambas apoiadas em um texto de Freud, \"Bate-se numa Criança\"(1).\nO objeto da pulsão pode ser \"qualquer um, e sobre isso já se insistiu um bocado. Mas isto não significa, como diz Piera Aulagnier, que seja qualquer um para o sujeito. Isto porque a busca dos objetos pelo mundo afora será sempre orientada por uma experiência iniciadora do prazer”, afirma Piera Aulagnier(2).\nMas por que esse sujeito não saber o que viviu em seu amado? Por que, em outras palavras, seu fantasma permanece inconsciente? Por que as experiências de prazer permanecem não-sabidas?\nA resposta é que há algo nelas que não pode ser sabido, como diz Piera Aulagnier, sob pena de se esborçar o fantasma. E preciso negar aquele que já se sabe tão logo tais expe-riências de prazer começam a ser vividas e repetidas; ou se-já, \"a presença do objeto de prazer só pode ser transitória, e ele faltará no tempo seguinte ao da satisfação, que é deste tempo morto para o prazer que se nutre o desejo\"(3). Até a-qui, Piera não está dizendo nada diferente do que disseram Lacan, Clavreul, Masotta e Silvestre, já citados neste traba-lho. Ela, contudo, introduz a dimensão do fantasma para re-forçar a ideia de um desejo de nada saber.\nHá, portanto, um primeiro saber, que precisa ser negado. Mas, além disso, ele é, também, um saber insatisfatório, pois embora se trate de um conhecimento sobre o prazer, falta-lhe o complemento, ou seja, o conhecimento sobre o desejo. Dito Ou \"naquela mulher\"? Embora \"não saibam\", sabem-no bem. Estar-rão apenas \"reconhecendo\" aquele antigo gesto, aquela voz. \"A escolha do objeto pulsional parece ter sido induzida por a-quilo que, no inconsciente, permanece como traço indelével dos diferentes objetos encontrados pelo sujeito na ocasião de uma experiência iniciadora do prazer”, afirma Piera Aulagnier(2).\nMas por que esse sujeito não saber o que viveu em seu amado? Por que, em outras palavras, seu fantasma permanece inconsciente? Por que as experiências de prazer permanecem não-sabidas?\nA resposta é que há algo nelas que não pode ser sabido, como diz Piera Aulagnier, sob pena de se esborçar o fantasma. É preciso negar aquele que já se sabe tão logo tais expe-riências de prazer começam a ser vividas e repetidas; ou se-já, \"a presença do objeto de prazer só pode ser transitória, e ele faltará no tempo seguinte ao da satisfação, que é deste tempo morto para o prazer que se nutre o desejo\"(3). Até a-qui, Piera não está dizendo nada diferente do que disseram Lacan, Clavreul, Masotta e Silvestre, já citados neste traba-lho. Ela, contudo, introduz a dimensão do fantasma para re-forçar a ideia de um desejo de nada saber.\nHá, portanto, um primeiro saber, que precisa ser negado. Mas, além disso, ele é, também, um saber insatisfatório, pois embora se trate de um conhecimento sobre o prazer, falta-lhe o complemento, ou seja, o conhecimento sobre o desejo. Dito em outras palavras, há um saber negado, ao lado de um não-sabido: nega-se o prazer e se desconhece o desejo.\n\nNeste ponto do raciocínio de Piera, surge, porém, uma reflexão que é aparentemente discordante da de outros lacanianos. Na medida em que esse primeiro saber não pode bem operar, seja porque nega, seja porque é insuficiente, é necessário o surgimento de um novo desejo de saber.\n\nPor que é insuficiente esse primeiro saber, no que diz respeito, em especial, ao desejo? Como já foi dito anteriormente, o \"enigma\" diz respeito ao desejo do outro, que a mãe representa diante de seu filho.\n\nUma criança é e precisa ser o resultado do desejo parental, pois é apenas como alguém desejado pelos pais que seu ser pode ter um sentido e uma razão para existir. É isso que uma criança rapidamente ouvirá na fala, nos gestos e carinhos de sua mãe em particular, e saberá que ela é, para a mãe, objeto de desejo. Mas rapidamente também, saberá que há algo af que não vai bem. Pois se o desejo parental pré-existia ao seu nascimento, então não é a ele que desejam, e sim a algo que o transcende, algo que está além dele e antes dele.\n\nBuscar saber, então, sobre a causa do desejo é, por essa razão, fundamental para um sujeito que queira encontrar as coordenadas responsáveIs por seu \"advento\". 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Isto é o que Freud diz quando afirma que, em toda investigação sexual, a pergunta é: de onde viemos e para onde vamos. Traduzido nos termos lacanianos, a indagação fundamental se transforma em \"como foi que advinhei como ser desejante, e para onde me levará esse desejo?\" Além disso, do ponto de vista dos que seguem Lacan, essa pergunta só pode ser dirigida ao outro, o responsá-vel, a causa desse advento.\n\nAulagnier prossegue: \"Que o sujeito se pergunte a respeito do que causou o seu nascimento, quer se pergunte a respeito do que é a causa do desejo materno, quer tente conhecer o que é a causa da ordem do mundo e do agenciamento do real que o rodeia, é sempre a mesma questão a que encontramos na orla de sua caminhada: conhecer qual o primeiro Desejo, que primeiro Outro Desejante justifica e torna razoável a aparente desrazão do mundo.\n\nAo colocar no mesmo plano o desejo de saber sobre o desejo materno e o desejo de saber sobre a ordem do mundo, não estaria Piera Aulagnier incorrendo em uma imprecisão? 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Ele sabe o que o sujeito gostaria de entender, de conhecer: o enigma do desejo da mãe, antes tão inquestionável - é a mim que ela quer -- e agora tão desconhecido -- não é a mim, é um lugar que apresentita, e sobre o qual meu pai pode ter algo a dizer, mas o quê? \n\nEntão, a resposta que o sujeito obtém diante de sua demanda de saber é o Nome-do-Pai, a Lei do Pai, o \"não tocarás nesta mulher\"(8). Pedindo, ouve um não. Eis a face \"castradora\" da Lei que o pai veicula. Eis a ação do recalque .103. sobre as investigações sexuais infantis. Eis o que produz um desejo de nada saber.\n\nA interdição do saber, porém, não pode ser integralmente aceita, pois se corre o risco de cair em uma apatia muito parecida com o primeiro destino da investigação sexual descrito por Freud em \"Leonardo\": a inibição intelectual, um nada-saber que contamina toda a atividade ulterior do sujeito. (Os destinos da investigação sexual infantil serão detalhados no capítulo 8 deste trabalho). Torna-se necessário, portanto, um movimento transgressivo, que venha a subverter, de algum modo, a radicalidade do não da interdição. Torna-se necessário uma transgressão do saber do pai, na medida em que à introdução da lei, por ele veiculada, diz não ao saber. \"Não provarás do fruto proibido\", diz, diz. Como a aceitação absoluta dessa interdição pode ser mortal, Adão e Eva desobedecem, transgridem, e são obrigados a \"vestir suas vergonhas\". \n\nInicia-se a cultura, os homens são obrigados a investigar, a saber (agora o outro saber), para edificar a cultura. \"Todo desejo de saber carrega consigo, por seus fundamentos incessantes, uma interdição e uma ameaça\", diz Maud Manonni(9). Saber é, então, transgredir a interdição.\n\nParte é recalçada, parte é sublimada. Portanto, a operação que permite a transgressão da interdição não é outra senão a sublimação. Deve existir, graças à sublimação, uma espécie de conciliação entre o não da interdição de conhecer a mãe e o sim transgressivo que busca outros objetos de conhe... .104. ci mento. 'Pode-se dizer que o saber, mesmo o mais sublimado, é o que permite ao sujeito aceitar o inaceitável da castração, colocando o entrejogo de seu saber no ponto preciso em que transgressão e aceitação jogam uma partida que não se conclui nunca. Transgressão, porque o sujeito poderá realizar esse alvo do desejo, que é o de não encontrar fronteiras para o seu campo de ação, o que quer que ele saiba, e seja qual for a infinitude de seu desejo de conhecer [de sua demanda de saber]. não faltará jamais um objeto sobre o qual perguntar, nem um último véu a levantar. A falta de saber não faltará jamais para o seu desejo'(10).\n Pode-se agora acompanhar o fecho da reflexão de Piera Aulagnier, uma vez que já se tem em mente as distinções entre desejo e demanda, além da explicitação do lugar da transgressão e da submissão na passagem de um ao outro.\n Ao saber que sua mãe é castrada, desejante, o sujeito saberá também a quem ela deseja -- e que certamente não é ele. Assim, ao mesmo tempo em que saberá qual é o objeto de desejo da mãe, saberá também que a perdeu. ou seja, saberá que a mãe é desejante e desejada pelo pai (o que é, como diz Piera, a fórmula mesma da interdição).'No momento em que se satisfaz sua demanda de saber, o desejo se acha confrontado com a verdade do saber: o que é sabido está perdido para o desejo'(11)'\n e sobre essa perda do objeto para o desejo que se apagará o saber, excluído agora, mas apenas para prosseguir geran-