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Texto de pré-visualização

Michel Foucault I 1 I Em Defesa da Sociedade A politica P a contintrado daguerra por outros mcios Martins Fontes 284 EM DEFESA DA SOCIEDADE encontrarh na histbria e na plenitude do presente o momento em que o universal se expressa em sua verdade vocs vem que essa filosofia eu nto dig0 que C preparada digo que ji fimciona no interior do discurso hist6rico Houve uma auto dialetizaqto do discurso histbrico que foi feita independen temente de qualquer transferencia explicita ou de qualquer utilizagiio explicita de uma filosofia dial6tica para o discur so histbrico Mas a utilizaqto pela burguesia de urn discurso histbrico a modificaglo pela burguesia dos elementos fun darnentais da inteligibilidade histbrica que ela havia recolhido do s6culo XVIII foi ao mesmo tempo uma autodialetiza qto do discurso historico E vocCs compreendem corno a partir dai entre discurso da histbria e discurso da filosofia puderam estabelecerse relaqaes No fundo a filosofia da histbria nto existia no sCculo XVIII senlo como especulaqlo sobre a lei geral da hist6ria A partir do sCculo XIX come ga algo novo e creio eu fundamental A histbria e a filoso fia vto formular esta questto em comum o que no presen te traz consigo o universal 0 que no presente C a verdade do universal Essa C a questiio da histhria essa 6 igualmen te a questto da filosofia Nasceu a dial6tica AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 Do poder de soberania ao poder sobre a vida Fazer viver e deixar morrer Do homemcorpo ao homemespd cie nascimento do biopoder Campos de aplicao do bio poder A populapio Da morte e da morte de Franco em especial Articula6es da disciplina e da regularnentao a cidade operciria a sexualidade a norma Biopoder e ra cism Fun6es e h a s de aplicagcio do racismo 0 nazis mo 0 socialismo Cumpre pois tentar terminar fechar um pouco o que eu disse este ano Eu havia tentado expor um pouquinho o problema da guerra encarada como gabarito de inteligibili dade dos processos historicos Parecerame que essa guerra fora concebida inicial e praticamente durante todo o stculo XVIII ainda como guerra das ragas Era um pouco essa his toria da guerra das ragas que eu queria reconstituir E tentei da 6ltima vez mostrarlhes como a propria n o l o de guerra fora finalmente eliminada da anhlise histbrica pel0 principio da universalidade nacional Eu gostaria agora de lhes mos trar como o tema da raga vai ntio desaparecer mas ser reto mado em algo muito diferente que C o racismo de Estado E entlo 6 o nascimento do racismo de Estado que eu gos taria de lhes narrar um pouquinho hoje p e l menos de situar o problema para voc6s Pareceme que um dos fen8menos hndamentais do sC culo XIX foi C o que se poderia denominar a assunqto da Manuscrito a frase prossegue depois de nacional na kpoca da EM DEFESA DA SOCZEDADE vida pelo poder se vocCs preferirem uma tomada de poder sobre o homem enquanto ser vivo uma esp6cie de estatiza qBo do biol6gico ou pel0 menos uma certa inclinagzo que conduz ao que se poderia chamar de estatizagio do biol6gi co Creio que para compreender o que se passou podemos nos referir ao que era a teoria cldssica da soberania que em 6ltima analise serviunos de pano de fundo de quadro para todas essas andlises sobre a guerra as raqas etc Na teoria cldssica da soberania vocQ sabem que o direito de vida e de morte era um de seus atributos hndamentais Ora o direito de vida e de morte C um direito que C estranho estra nho j i no nivel te6rico com efeito o que C ter direito de vida e de morte Em certo sentido dizer que o soberano tem direito de vida e de morte significa no fundo que ele pode fazer morrer e deixar viver em todo caso que a vida e a morte niio siio desses feniimenos naturais imediatos de cer to mod0 originais ou radicais que se localizariam fora do campo do poder politico Quando se vai urn pouco mais alCm e se vocCs quiserem at6 o paradoxo isto quer dizer no fundo que em relago ao poder o sddito nBo 6 de pleno direito nem vivo nem morto Ele 6 do ponto de vista da vida e da morte neutro e C simplesmente por causa do soberano que o s6dito tem direito de estar vivo ou tem direito eventual mente de estar morto Em todo caso a vida e a morte dos sdditos s6 se tornam direitos pel0 efeito da vontade sobera na Ai esti se vocCs quiserem o paradoxo te6rico Para d o x te6rico que deve se completar evidentemente por uma especie de desequilibrio prhtico Que quer dizer de fato direito de vida e de morte NBo C claro que o sobera no pode fazer viver como pode fazer morrer 0 direito de vida e de morte s6 se exerce de urna forma desequilibrada e sempre do lado da morte 0 efeito do poder soberano sobre l a vida so se exerce a partir do momento em que o soberano I pode matar Em dtima analise o direito de matar C que detCm I AULA DE 17 DE MARGO DE 1976 efetivamente em si a propria essCncia desse direito de vida e de morte C porque o soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a vida E essencialmente um direito de es pada NBo ha pois simetria real nesse direito de vida e de morte NBo C o direito de fazer morrer ou de fazer viver NBo C tampouco o direito de deixar viver e de deixar morrer E o direito de fazer morrer ou de deixar viver 0 que C claro introduz uma dissimetria flagrante E eu creio que justarnente uma das mais macias trans formaq6es do direito politico do s6culo XIX consistiu nBo digo exatamente em substituir mas em completar esse velho direito de soberania fazer morrer ou deixar viver com outro direito novo que niio vai apagar o primeiro mas vai pe netrilo perpassilo modificilo e que vai ser urn direito ou melhor um poder exatamente inverso poder de fazer viver e de deixar morrer 0 direito de soberania C portan to o de fazer morrer ou de deixar viver E depois este novo direito C que se instala o direito de fazer viver e de deixar morrer Essa transformagio C claro nb se deu de repente Pode se seguila na teoria do direito mas ai serei extremamente rdpido Voc2s ja vCem nos juristas do skculo XVII e sobre tudo do sCculo XVIII formulada essa questio a prop6sito do direito de vida e de morte Quando os juristas dizem quan do se contrata no plano do contrato social ou seja quando os individuos se rednem para constituir um soberano para delegar a um soberano um poder absoluto sobre eles por que o fazem Eles o fazem porque estBo premidos pel0 peri go ou pela necessidade Eles o fazem porconseguinte para proteger a vida E para poder viver que constituem um so berano E nesta medida a vida pode efetivamente entrar nos direitos do soberano Niio e a vida que C hndadora do direito do soberano E nBo pode o soberano reclamar efeti vamente de seus sdditos o direito de exercer sobre eles o 288 EM DEFESA DA SOCZEDADE poder de vida e de morte ou seja pura e sirnplesmente o po der de matlos NLo deve a vida ficar fora do contrato na medida em que ela C que foi o motivo primordial inicial e fundamental do contrato Tudo isso C urna discussio de fi losofia politica que se pode deixar de ladomas que mostra bem como o problema da vida comeqa a problematizarse no campo do pensamento politico da anhlise do poder poli tico De fato o nivel em que eu gostaria de seguir a trans forrnaqb nLo C o nivel da teoria politica mas antes o nivel dos mecanismos das tdcnicas das tecnologias de oder En tiio ai topamos com coisas familiares C que nos sCculos XVII e XVIII viramse aparecer tCcnicas de poder que erarn essencialmente centradas no corpo no corpo individual Eram todos aqueles procedimentos pelos quais se assegurava a dis tribuiqlo espacial dos corpos individuais sua separaqLo seu alinhamento sua colocaqLo em sCrie e em vigilfincia e a organizaqlo em torno desses corpos individuais de todo um campo de visibilidade Eram tambCm as tCcnicas pelas quais se incumbiam desses corpos tentavam aumenrarlhes a forqa 6til atraves do exercicio do treinamento etc Eram igualmente tCcnicas de racionalizaqiio e de economia estrita de um poder que devia se exercer da maneira menos onero sa possivel mediante todo um sistema de vigilfincia de hie rarquias de inspeqdes de escrituraqdes de relat6rios toda essa tecnologia que podemos chamar de tecnologia disci plinar do trabalho Ela se instala ja no fmal do sCculo XVII e no decorrer do sCculo XVIIII Ora durante a segunda metade do sCculo XVIII eu creio que se v aparecer algo de novo que C urna outra tecnolo gia de poder nlo disciplinar dessa feita Uma tecnologia de poder que nlo exclui a primeira que nLo exclui a tCcnica 1 Sobre a quest50 da tecnologia disciplinar ver SurveiNer etpunir op cit disciplinar mas que a embute que a integra que a modifica parcialmente e que sobretudo vai utilizala implantandose de certo mod0 nela e incrustandose efetivamente graqas a essa tCcnica disciplinar prCvia Essa nova tCcnica nlo supri me a tCcnica disciplinar simplesmente porque C de outro nivel esta noutra escala tem outra superficie de suporte e C auxiliada por instrumentos totalmente diferentes Ao que essa nova tkcnica de poder niio disciplinar se aplica C diferentemente da disciplina que se dirige ao corpo a vida dos homens ou ainda se vocss preferirem ela se dirige nlo ao homemcorpo mas ao homem vivo ao ho mem ser vivo no limite se votes quiserem ao homemespk cie Mais precisamente eu diria isto a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multi plicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados treinados utilizados eventualmente pu nidos E depois a nova tecnologia que se instala se dirige A multiplicidade dos homens nb na medida em que eles se resumem em corpos mas na medida em que ela forma ao contririo urna massa global afetada por processos de con junto que sHo pr6prios da vida que d o processos como o nascimento a morte a produqb a doenqa etc Logo depois de urna prirneira tomada de poder sobre o corpo que se fez consoante o mod0 da individualizaqlo temos urna segunda tomada de poder que por sua vez nLo 6 individualizante mas que C massificante se vocCs quiserem que se faz em dire niio do homemcorpo mas do homemespkcie Depois da anh tomopolitica do corpo humano instaurada no decorrer do sCculo XVIII vemos aparecer no fim do mesmo sCculo algo que ja nLo C urna anhtomopolitica do corpo humano mas que eu chamaria de urna biopolitica da espCcie humana De que se trata nessa nova tecnologia do poder nessa biopolitica nesse biopoder que esth se instalando Eu lhes dizia em duas palavras agora hh pouco tratase de um con 290 EM DEFESA DA SOCIEDADE junto de processos como a proporqiio dos nascimentos e dos bbitos a taxa de reproduqiio a fecundidade de uma popula qHo etc Siio esses processos de natalidade de mortalidade de longevidade que justamente na segunda metade do sC culo XVIII juntamente com uma porqiio de problemas eco nbmicos e politicos 0s quais niio retomo agora constitui ram acho eu os primeiros objetos de saber e os primeiros alvos de controle dessa biopolitica E nesse momento em todo caso que se lana miio da mediqiio estatistica desses fen6menos com as primeiras demografias E a observaqiio dos procedimentos mais ou menos espontineos mais ou menos combinados que eram efetivamente postos em exe cuqiio na populaqiio no tocante A natalidade em surna se vo ces preferirem o mapeamento dos fenbmenos de controle dos nascimentos tais como eram praticados no sCculo XVIII Isso foi tambCm o esboqo de urna politica de natalidade ou em todo caso de esquemas de intervenqiio nesses fen6me nos globais da natalidade Nessa biopolitica niio se trata sim plesmente do problema da fecundidade Tratase tambkm do problema da morbidade niio mais simplesmente como justamente fora o caso at6 entiio no nivel daquelas famosas epidemias cujo perigo havia atormentado tanto os poderes politicos desde as profundezas da Idade MCdia aquelas fa mosas epidemias que eram dramas temporarios da morte multiplicada da morte tornada irninente para todos Niio C de epidemias que se trata naquele momento mas de algo diferente no final do sCculo XVIII gvosso modo aquilo que se poderia chamar de endernias ou seja a forma a natureza a extensio a duraqiio a intensidade das doenqas reinantes numa populaiio Doenqas mais ou menos dificeis de extir par e que niio siio encaradas como as epidemias a titulo de causas de morte mais freqiiente mas como fatores perma nentes e C assim que as tratam de subtraqiio das forqas diminuiqiio do tempo de trabalho baixa de energias custos econ6micos tanto por causa da produqiio niio realizada quan AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 29 1 to dostratamentos que podem custar Em suma a doenqa como fen6meno de populaqiio niio mais como a morte que se abate brutalmente sobre a vida C a epidemia mas como a morte permanente que se introduz sorrateiramente na vida a corrbi perpetuamente a diminui e a enfraquece Siio esses fen6menos que se comeqa a levar em conta no final do stculo XVIII e que trazem a introduqiio de uma me dicina que vai ter agora a h i o maior da higiene phblica com organismos de coordenaqio dos tratamentos mkdicos de centralizaqiio da informaqiio de normalizaqiio do saber e que adquire tambCm o aspecto de campanha de aprendizado da hgiene e de medicalizaqiio da populaqb Portanto pro blemas da reproduqlo da natalidade problema da morbida de tambCm 0 outro campo de intervenqiio da biopolitica vai ser todo um conjunto de fenbmenos dos quais uns siio univer sais e outros d o acidentais mas que de urna parte nunca siio inteiramente compreensiveis mesmo que sejam aciden tais e que acmetam tambkm conseqii2ncias analogas de in capacidade de p6r individuos fora de circuito de neutraliza qiio etc Sera o problema muito importante ja no inicio do s6ulo XU na hora da industrializaqb da velhice do indi viduo que cai em consequencia para fora do campo de capa cidade de atividade E da outra parte os acidentes as enfer midades as anomalias diversas E C em relaqiio a estes fen6 menos que essa biopolitica vai introduzir niio somente insti tuiq6es de assistencia que existem faz muito tempo mas mecanismos muito mais sutis economicamente muito mais racionais do que a grande assistencia a urn sb tempo maciqa e lacunar que era essencialmente vinculada A Igreja Vamos ter mecanismos mais sutis mais racionais de seguros de poupanqa individual e coletiva de seguridade etc 2 Sobre todas essas questiies vet o Curso no College de France anos 19731974 Le pouvoir psychiatrique no prelo 292 EM DEFESA DA SOCIEDADE Enflm ultimo dorninio enumero os principais em todo caso os que apareceram no final do sCculo XVIII e no inicio do XIX haverh muitos outros depois a preocupaqiio com as relaqiies entre a espCcie humana os seres humanos enquanto espCcie enquanto seres vivos e seu meio seu meio de exis t6ncia sejam os efeitos brutos do meio geogrhfico climh tico hidrogrhfico os problemas por exemplo dos pdntanos das epidemias ligadas A existencia dos pdntanos durante to da a primeira metade do sCculo XIX E igualmente o pro blema desse meio na medida em que niio C um meio natural e em que repercute na populaqiio um meio que foi criado por ela Serh essencialmente o problema da cidade Eu lhes assinalo aqui simplesmente alguns dos pontos a partir dos quais se constituiu essa biopolitica algumas de suas prhticas e as primeiras das suas Areas de intervenqgo de saber e de poder ao mesmo tempo C da natalidade da morbidade das incapacidades biologicas diversas dos efeitos do meio C disso tudo que a biopolitica vai extrair seu saber e definir o campo de interveniio de seu poder Ora em tudo isso eu creio que hh certo numero de coi sag que siio importantes A primeira seria esta o aparecimen to de um elemento eu ia dizer de uma personagem novo que no fundo nem a teoria do direito nem a prhtica discipli nar conhecem A teoria do direito no fundo so conhecia o individuo e a sociedade o individuo contratante e o corpo social que fora constituido pel0 contrato voluntiirio ou im plicit dos individuos As disciplinas lidavam praticamente com o individuo e com seu corpo N8o C exatamente com a sociedade que se lida nessa nova tecnologia de poder ou en fim com o corpo social tal como o definem os juristas n8o C tampouco com o individuocorpo E um novo corpo corpo m6ltipl0 corpo com inumeras cabepas se niio infinito pelo menos necessariamente numerhvel E a noqiio de popula piio A biopolitica lida com a populaq20 e a populaIo como problema politico como problema a urn so tempo cien tifico e politico como problema biologic0 e como problema de poder acho que aparece nesse momento Segundo o que C importante tambCm afora o apareci mento desse elemento que C a populaqiio C a natureza dos fenbmenos que siio levados em consideraiio VocCs estiio vendo que siio fen6menos coletivos que so aparecem corn seus efeitos econ8micos e politicos que so se tornam perti nentes no nivel da massa Siio fen6menos aleatorios e im previsiveis se os tomarmos neles mesmos individualmente mas que apresentam no plano coletivo constantes que C fh cil ou em todo caso possivel estabelecer E enfim s8o fe n6menos que se desenvolvem essencialmente na duraqgo que devem ser considerados nurn certo limite de tempo rela tivamente longo siio fenamenos de drie A biopolitica vai se dirigir em suma aos acontecimentos aleatorios que ocor rem numa populaqio considerada em sua duraqiio A partir dai terceira coisa acho eu importante essa tecnologia de poder essa biopolitica vai implantar mecanis mos que tem certo numero de fimqiies muito diferentes das funqiies que eram as dos mecanismos disciplinares Nos me canismos irnplantados pela biopolitica vai se tratar sobretudo C claro de previsiies de estimativas estatisticas de medi qiies globais vai se tratar igualmente nio de modificar tal fenameno em especial n8o tanto tal individuo na medida em que C individuo mas essencialmente de intervir no nivel daquilo que siio as determinapiies desses fen8menos gerais desses fenamenos no que eles tem de global Vai ser preciso modificar baixar a morbidade vai ser preciso encom pridar a vida vai ser preciso estimular a natalidade E trata se sobretudo de estabelecer mecanismos reguladores que nessa populapiio global com seu campo aleatorio v8o poder fixar um equilibrio manter uma mCdia estabelecer uma es pCcie de homeostase assegurar compensaqiies em suma 294 EM DEFESA DA SOCIEDADE AULA DE 17 DE MARGO DE 1976 295 de instalar mecanismos de previdtncia em torno desse alea tdrio que C inerente a uma populaqiio de seres vivos de oti mizar se vocCs preferirem um estado de vida mecanismos como vocts vtem como os mecanismos disciplinares des tinados em suma a maximizar forqas e a extrailas mas que passam por caminhos inteiramente diferentes Pois ai niio se trata diferentemente das disciplinas de um treinamento in dividual realizado por um trabalho no prdprio corpo Niio se trata absolutamente de ficar ligado a um corpo individual como faz a disciplina Niio se trata por conseguinte em abso luto de considerar o individuo no nivel do detalhe mas pelo contrhrio mediante mecanismos globais de agir de tal ma neira que se obtenham estados globais de equilibrio de re gularidade em resurno de levar em conta a vida os processos biol6gicos do homemespCcie e de assegurar sobre eles niio uma disciplina mas uma regulamentaqiio3 AquCm portanto do grande poder absoluto drambtico sombrio que era o poder da soberania e que consistia em po der fazer morrer eis que aparece agora com essa tecnologia do biopoder com essa tecnologia do poder sobre a popula qiio enquanto tal sobre o homem enquanto ser vivo urn poder continuo cientifico que C o poder de fazer viver A soberania fazia morrer e deixava viver E eis que agora aparece um poder que eu chamaria de regulamentaqiio e que consiste ao contrario em fazer viver e em deixar morrer Eu creio que a manifestaqio desse poder aparece con cretamente nessa farnosa desqualificaqgo progressiva da mor te na qual os socidlogos e os historiadores se debruqaram com tanta freqiitncia Todo o mundo sabe sobretudo desdc 3 Michel Foucault voltad a todos esses mecanismos sobretudo IIO Curso no College de France anos 19771978 Sicuritb terrifoire el porclr lion e 19781979 Naissance de la biopolitique no prelo certo n h e r o de estudos recentes que a grande ritualizaqio publica da morte desapareceu ou em todo caso foise apa gando progressivamente desde o fim do sCculo XVIII at6 agora A tal ponto que agora a morte deixando de ser m a daquelas cerim6nias brilhantes da qual participavam os in dividuos a familia o grupo quase a sociedade inteira tor nouse ao contrhrio aquilo que se esconde ela se tornou a coisa mais privada e mais vergonhosa e no limite C menos o sex0 do que a morte que hoje 6 objeto do tabu Ora eu creio que a rado por que de fato a morte tornouse assim essa coisa que se esconde niio esth numa espCcie de deslo camento da andstia ou de modificaqio dos mecanismos re pressivos Esth numa transformaqio das tecnologias de poder 0 que outrora conferia brilho e isto at6 o final do sCculo XVIII h morte o que lhe impunha sua ritualizaqiio tiio ele vada era o fato de ser a manifestaqzo de uma passagem de um poder para outro A morte era o momento em que se pas sava de um poder que era o do soberano aqui na terra para aquele outro poder que era o do soberano do alCm Passava se de uma instiincia de julgamento para outra passavase de um direito civil ou publico de vida e de morte para um di reito que era o da vida eterna ou da danaqb eterna Passa gem de um poder para outro A morte era igualmente m a transmissiio do poder do moribundo poder que se transmi tia para aqueles que sobreviviam ultimas palavras 6ltimas recomendaqties ultimas vontades testamentos etc Todos esses fenamenos de poder C que eram assim ritualizados Ora agora que o poder 6 cada vez menos o direito de fazer morrer e cada vez mais o direito de intervir para fazer viver e na maneira de viver e no como da vida a partir do momento em que portanto o poder intervCm sobretudo nesse nivel para aurnentar a vida para controlar seus aci dentes suas eventualidades suas deficisncias dai por dian tc a morte como termo da vida C evidentemente o termo o 296 EM DEFESA DA SOCIEDADE limite a extremidade do poder Ela esth do lado de fora em relagio ao poder C o que cai fora de seu dominio e sobre o que o poder s6 terh dorninio de mod0 geral global estatis tico Isso sobre o que o poder tem dominio nio C a morte C a mortalidade E nessa medida C normal que a morte agora passe para o ambit0 do privado e do que hh de mais privado Enquanto no direito de soberania a morte era o ponto em que mais brilhava da forma mais manifesta o absoluto poder do soberano agora a morte vai ser ao contrhrio o momen to em que o individuo escapa a qualquer poder volta a si mesmo e se ensimesma de certo modo em sua parte mais privada 0 poder jh nio conhece a morte No sentido estrito o poder deixa a morte de lado Para simbolizar tudo isso tomemos se votes quiserem a morte de Franco que 6 um evento apesar de tudo muito muito interessante pelos valores simb6licos que faz atuar urna vez que morria aquele que tinha exercido o direito so berano de vida e de morte com a selvageria que vocCs co nhecem o mais sanguinirio de todos os ditadores que havia feito reinar de mod0 absoluto durante quarenta anos o di reito soberano de vida e de morte e que na hora que ele mesmo vai morrer entra nessa espCcie de novo campo do poder sobre a vida que consiste nio sb em organizar a vidil nio s6 em fazer viver mas em suma em fazer o individuo viver mesmo alCm de sua morte E mediante um poder quc nio C simplesmente proeza cientifica mas efetivamentc exercicio desse biopoder politico que foi introduzido no s6 culo XIX fazse 60 bem as pessoas viverem que se conscgllc fazClas viver no mesmo momento em que elas devcriri biologicamente estar mortas ha muito tempo Foi assim CIIII aquele que havia exercido o poder absoluto de vida e dc mo te sobre centenas de milhares de pessoas aquele rncsric caiu sob o impact0 de um poder que organizava t8o I C I I I II vida que olhava t5o pouco a morte que ele nem sequur 111 AULA DE I7 DE MARC0 DE 1976 297 cebeu que ja estava morto e que o faziam viver ap6s sua mor te Eu creio que o choque entre esses dois sistemas de po der o da soberania sobre a morte e o da regulamentagio da vida achase simbolizado nesse pequeno e alegre evento Eu gostaria agora de retomar a comparaqio entre a tec nologia regulamentadora da vida e a tecnologia disciplinar do corpo de que eu lhes falava agora hi pouco Temos portanto desde o seculo XVIII ou em todo caso desde o fim do sC culo XVIII duas tecnologias de poder que siio introduzidas com certa defasagem cronol6gica e que sio sobrepostas Uma tCcnica que C pois disciplinar C centrada no corpo produz efeitos individualizantes manipula o corpo como fo co de forgas que C precis0 tornar 6teis e d6ceis ao mesmo tempo E de outro lado temos urna tecnologia que por sua vez C centrada nio no corpo mas na vida uma tecnologia que agrupa os efeitos de massas prbprios de uma populagio que procura controlar a sCrie de eventos fortuitos que podem ocorrer numa massa viva urna tecnologia que procura con trolar eventualmente modificar a probabilidade desses even tos em todo caso em compensar seus efeitos E uma tecno logia que visa portanto nio o treinamento individual mas pel0 equilibrio global algo como urna home6stase a segu ranga do conjunto em relagb aos seus perigos internos Logo urna tecnologia de treinamento oposta a ou distinta de ama tecnologia de previdencia uma tecnologa disciplinar que se distingue de uma tecnologia previdencihria ou regulamenta dora urna tecnologia que C mesmo em ambos os casos tec nologia do corpo mas num caso tratase de uma tecnologia em que o corpo 6 individualizado como organism0 dotado de capacidades e no outro de urna tecnologia em que os cor pos s b recolocados nos processos biol6gicos de conjunto Poderiamos dizer isto tudo sucedeu como se o poder que tinha como modalidade como esquema organizador a soberania tivesse ficado inoperante para reger o corpo eco 298 EM DEFESA DA SOCIEDADE nbmico e politico de urna sociedade em via a urn s6 tempo de explosb demografica e de industrializagHo De mod0 que B velha mecdnica do poder de soberania escapavam muitas coisas tanto por baixo quanto por cima no nivel do detalhe e no nivel da massa Foi para recuperar o detalhe que se deu uma prirneira acomodaqiio acomodao dos mecanismos de poder sobre o corpo individual com vigildncia e treina mento isso foi a disciplina E claro essa foi a acomodagiio mais facil mais camoda de realizar E por isso que ela se realizou mais cedo ja no sCculo XVII inicio do skculo XVIII em nivel local em formas intuitivas empiricas fra cionadas e no dmbito limitado de instituiaes como a esco la o hospital o quartel a oficina etc E depois vocCs tCm em seguida no final do sCculo XVIII urna segunda acomo dagiio sobre os fenamenos globais sobre os fenamenos de populagiio com os processos biol6gicos ou biosociol6gi cos das massas hurnanas Acomodaqiio muito mais dificil pois C claro ela implicava 6rgZos complexos de coordena 20 e de centralizaggo Temos pois duas series a strie corpo organism0 disciplina instituiqaes e a sCrie populagZo processos bio logicos mecanismos regulamentadores Estado Um conjunto orghico institucional a organodisciplina da ins tituigZo se vocs quiserem e de outro lado um conjunto biolbgico e estatal a bioregulamentagzo pel0 Estado NZo quero fazer essa oposiqiio entre Estado e instituiqiio atuar no absoluto porque as disciplinas sempre tendem de fato a ultrapassar o dmbito institucional e local em que sZo con sideradas E depois elas adquirem facilmente urna dimensso estatal em certos aparelhos como a policia por exemplo que C a um s6 tempo urn aparelho de disciplina e um apare Manuscrito no lugar de regulamentadores previdenciArios AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 299 lho de Estado o que prova que a disciplina nem sempre C institucional E da mesma forma essas grandes regulaaes globais que proliferaram ao longo do sCculo XIX nos as en contramos C claro no nivel estatal mas tambCm abaixo do nivel estatal com toda urna sCrie de institui5es subestatais como as instituigaes mkdicas as caixas de auxilio os segu ros etc Essa t a primeira observaiio que eu queria fazer Por outro lado esses dois conjuntos de mecanismos um disciplinar o outro regulamentador nZo estb no mes mo nivel Isso lhes permite precisamente nZo se excluirem e poderem articularse urn com o outro Podese mesmo di zer que na maioria dos casos os mecanismos disciplinares de poder e os mecanismos regulamentadores de poder os mecanismos disciplinares do corpo e os mecanismos regu lamentadores da populaqZo siio articulados urn com o outro Urn ou dois exemplos examinem se quiserem o problema da cidade ou mais precisamente essa disposigio espacial pen sada concebida que C a cidademodelo a cidade artificial a cidade de realidade ut6pica tal como nHo s6 a sonharam mas a constituiram efetivamente no sCculo XIX Examinem algo como a cidade operaria A cidade opehria tal como existe no sCculo XIX o que C Vtse muito bem como ela articula de certo mod0 perpendicularmente mecanismos dis ciplinares de controle sobre o corpo sobre os corpos por sua quadricula pel0 recorte mesmo da cidade pela locali zag20 das familias cada urna numa casa e dos individuos cada um num cbmodo Recorte per individuos em visibi lidade normalizapZo dos comportamentos espkcie de con trole policial espontdneo que se exerce assim pela pr6pria disposiqgo espacial da cidade toda urna sCrie de mecanis mos disciplinares que C fhcil encontrar na cidade operaria E depois vocCs tCm toda uma sCrie de mecanismos que s k ao contrio mecanismos regulamentadores que incidem so bre a populaqiio enquanto tal e que permitem que induzem EM DEFESA DA SOCIEDADE comportamentos de poupanqa por exemplo que sgo vincu lados ao hhbitat it locapgo do hhbitat e eventualmente A sua compra Sistemas de segurosaude ou de segurovelhice re gras de higiene que garantem a longevidade 6tima da popu lapgo pressdes que a propria organiza20 da cidade exerce sobre a sexualidade portanto sobre a procriapgo as pressaes que se exercem sobre a higiene das familias os cuidados dispensados As crianqas a escolaridade etc Logo vocss tEm mecanismos disciplinares e mecanismos regulamentadores Considerem urn outro dominio enfim ngo inteiramen te outro considerem noutro eixo algo como a sexualidade No fundo por que a sexualidade se tornou no skculo XIX um campo cuja importiincia estratkgica foi capital Eu creio que se a sexualidade foi importante foi por urna porqgo de razaes mas em especial houve estas de um lado a sexuali dade enquanto comportamento exatamente corporal depende de urn controle disciplinar individualizante em forma de vigilancia permanente e os famosos controles por exem plo da masturbapio que foram exercidos sobre as crianpas desde o fim do s6culo XVIII ate o sCculo XX e isto no meio familiar no meio escolar etc representam exatamente esse lado de controle disciplinar da sexualidade e depois por outro lado a sexualidade se insere e adquire efeito por seus efeitos procriadores em processos biol6gicos amplos que concernem n b mais ao corpo do individuo mas a esse ele mento a essa unidade mfiltipla constituida pela populapiio A sexualidade esth exatamente na encruzilhada do corpo e da populaplo Portanto ela depende da disciplina mas de pende tambtm da regulamentaqiio A extrema valorizapiio mkdica da sexualidade no stcu lo XIX teve assim creio seu principio nessa posipgo privi legiada da sexualidade entre organism0 e populap50 entre corpo e fen6menos globais Dai tamb6m a idtia mtdica se gundo a qua1 a sexualidade quando C indisciplinada e irre AULA DE 17 DE MARGO DE 1976 301 gular tem sempre duas ordens de efeitos um sobre o corpo sobre o corpo indisciplinado que t imediatamente punido por todas as doenpas individuais que o devasso sexual atrai sobre si Uma crianqa que se masturba demais serh muito doente a vida toda punipgo disciplinar no plano do corpo Mas ao mesrno tempo urna sexualidade devassa perverti da etc tern efeitos no plano da populapgo urna vez que se supae que aquele que foi devasso sexualmente tem urna hereditariedade uma descendsncia que ela tambkm vai ser perturbada e isso durante geragaes e gerapaes na setima ge rapgo na sktima da dtima E a teoria da degenerescEncia4 a sexualidade na medida em que esth no foco de doenpas individuais e urna vez que esti por outro lado no nucleo da degenerescsncia representa exatamente esse ponto de arti culapHo do disciplinar e do regulamentador do corpo e da populaqb E vocs compreendem entiio nessas condip6es por que e como urn saber ttcnico como a medicina ou me lhor o conjunto constituido por medicina e higiene vai ser no skculo XIX um elemento nio o mais importante mas aquele cuja importiincia serh considerkel dado o vinculo que estabelece entre as influencias cientificas sobre os pro cessos biol6gicos e orginicos isto 6 sobre a populapiio e 4 M Foucault se refere aqui a teoria elaborada na Franqa em rneados do sCculo XIX pelos alienistas em especial por BA Morel Trait6 des dig6nkrescences physiques intellecluelles et morales de lesptce humaine Paris 1857 Trait6 des maladies mentales Paris 1870 por V Magnan Lepns cliniques sur les maladies mentales Paris 1893 e por M Legrain V Magnan Les d6g6nir6ss tat mental et syndromes hpisodiques Paris 1895 Essa teoria da degenerescsncia fundamentada no principio da trans missibilidade da tara chamada hereditaria foi o nccleo do saber mtdico sobre a loucura e a anormalidade na segunda metade do sCculo XIX Muito cedo adotada pela medicina legal ela teve efeitos considerhveis sobre as dou trinas e as priticas eugenicas e nlo deixou de influenciar toda urna literama toda uma criminologia e toda urna antropologia 302 EM DEFESA DA SOCIEDADE sobre o corpo e ao mesmo tempo na medida em que a me dicina vai ser urna ttcnica politica de intervenqiio com efei tos de poder proprios A medicina C um saberpoder que inci de ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a populaqiio so bre o organism0 e sobre os processos biol6gicos e que vai portanto ter efeitos disciplinares e efeitos regulamentadores De urna forma mais geral ainda podese dizer que o elemento que vai circular entre o disciplinar e o regulamen tador que vai se aplicar da mesma forma ao corpo e populao que permite a um s6 tempo controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleat6rios de urna multiplicidade biol6gica esse elemento que circula entre um e outro 6 a norma A norma C o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar quanto a urna po pulaqiio que se quer regulamentar A sociedade de normali zaqiio niio C pois nessas condiqaes urna espCcie de socie dade disciplinar generalizada cujas instituigaes disciplinares teriam se alastrado e finalmente recoberto todo o espaqo essa n5o 6 acho eu seniio urna primeira interpretaqiio e in suficiente da idCia de sociedade de normalizaqiio A socie dade de normalizaqiio 15 urna sociedade em que se cruzam conforme urna articulaqiio ortogonal a norma da disciplina e a norma da regulamentaqiio Dizer que o poder no seculo XIX tomou posse da vida dizer pel0 menos que o poder no stculo XIX incumbiuse da vida C dizer que ele conse guiu cobrir toda a superficie que se estende do orgbico ao biol6gic0 do corpo A populaq20 mediante o jogo duplo das tecnologias de disciplina de urna parte e das tecnologias de regulamentaqiio de outra Portanto estamos num poder que se incumbiu tanto do corpo quanto da vida ou que se incumbiu se vocCs preferi rem da vida em geral com o p610 do corpo e o p610 da po pulaqiio Biopoder por conseguinte do qua1 logo podemos localizar os paradoxos que aparecem no pr6prio limite de AULADE 17DEMARCODE 1976 303 seu exercicio Paradoxos que aparecem de um lado com o poder atbmico que niio C meramente o poder de matar se gundo os direitos que s5o concedidos a todo soberano mi lhaes e centenas de milhaes de homens afinal de contas isso C tradicional Mas o que faz que o poder atbmico seja para o funcionarnento do poder politico atual urna espCcie de paradox0 dificil de contornar se niio totalmente incon tornhvel C que no poder de fabricar e de utilizar a bomba atarnica temos a entrada em cena de um poder de soberania que mata mas igualmente de um poder que C o de matar a pr6pria vida De sorte que nesse poder atemico o poder que se exerce se exerce de tal forma que 6 capaz de suprimir a vida E de suprimirse em conseqiiencia como poder de as segurar a vida Ou ele C soberano e utiliza a bomba atemica mas por isso niio pode ser poder biopoder poder de assegurar a vida como ele o C desde o sCculo XIX Ou noutro limite voces tm o excesso ao contrhrio niio mais do direito sobe ran0 sobre o biopoder mas o excesso do biopoder sobre o direito soberano Esse excesso do biopoder aparece quando a possibilidade 6 tCcnica e politicamente dada ao homem niio s6 de organizar a vida mas de fazer a vida proliferar de fabricar algo vivo de fabricar algo monstruoso de fabricar no limite virus incontroliveis e universalmente destrui dores Extendo formidhvel do biopoder que em contraste com o que eu dizia agora hh pouco sobre o poder atemico vai ultrapassar toda a soberania humana Desculpemme esses longos percursos a respeito do biopoder mas eu creio que C contra esse pano de fundo que se pode encontrar o problema que eu havia tentado expor Entiio nessa tecnologia de poder que tem como objeto e como objetivo a vida e que me parece um dos traqos fun damentais da tecnologia do poder desde o stculo XIX como vai se exercer o direito de matar e a funIo do assassinio se C verdade que o poder de soberania recua cada vez mais e que ao contrhrio avanGa cada vez mais o biopoder disciplinar ou regulamentador Como um poder como este pode matar se t verdade que se trata essencialmente de aumentar a vida de prolongar sua duraLo de multiplicar suas possibilidades de desviar seus acidentes ou entLo de compensar suas defi ci6ncias Como nessas condiqles 6 possivel para urn poder politico matar reclamar a morte pedir a morte mandar ma tar dar a ordem de matar expor A morte nlo s6 seus inimi gos mas mesmo seus pr6prios cidadLos Como esse poder que tern essencialmente o objetivo de fazer viver pode dei xar morrer Como exercer o poder da morte como exercer a funiio da morte num sistema politico centrado no biopoder E ai creio eu que intervtm o racismo N5o quero de mod0 algum dizer que o racismo foi inventado nessa epoca Ele existia hh muito tempo Mas eu acho que hncionava de outro modo 0 que inseriu o racismo nos mecanismos do Estado foi mesmo a emergencia desse biopoder Foi nesse momento que o racismo se inseriu como mecanismo funda mental do poder tal como se exerce nos Estados modernos e que faz com que quase nLo haja funcionamento moderno do Estado que em certo momento em certo limite e em certas condiqtjes niio passe pelo racismo Corn efeito que C o racismo E primeiro o meio de intmduzir afinal nesse dominio da vida de que o poder se incumbiu um corte o corte entre o que deve viver e o aue 1 deve morrer No continuo biol6gico ha esptcie humana o aparecimento das raqas a distinqb das ragas a hierarquia das raGas a qualificalo de certas raqas como boas e de outras ao contrhrio como inferiores tudo isso vai ser urna manei ra de fragrnentar esse campo do biol6gico de que o poder se incumbiu urna maneira de defasar no interior da populaq50 uns grupos em relagiio aos outros Em resumo de estabelecer urna cesura que serh do tip0 biol6gico no interior de um do minio considerado como sendo precisamente um dominio biolbgico Isso vai permitir ao poder tratar urna populaqLo como urna mistura de raqas ou mais exatamente tratar a es pbcie subdividir a espkcie de que ele se incurnbiu em sub grupos que ser60 precisamente ragas Essa 6 a primeira fun 950 do racismo fragmentar fazer cesuras no interior desse continuo biolhgico a que se dirige o biopoder De outro lado o racismo tera sua segunda funqiio terh como papel permitir urna relaq6o positiva se votes quise rem do tipo quanto mais voce matar mais vocE farl mor rer ou quanto mais voce deixar morrer mais por isso mesmo vocE viver2 Eu diria que essa r e l a b se voc2 quer viver 6 preciso que voc2 faqa morrer 6 preciso que voc2 pos sa matar afinal MO foi o racismo nem o Estado moderno que inventou E a relagiio guerreira para viver 6 preciso que voce massacre seus inirnigos Mas o racismo faz jus tamente funcionar faz atuar essa relazo de tipo guerreiro se voce quer viver 6 preciso que o outro morra de urna maneira que 6 inteiramente nova e que precisamente e compativel com o exercicio do biopoder De urna parte de fato o racismo vai permitir estabelecer entre a minha vida e a morte do outro uma relacgo que n60 k urna relaggo mili tar e guemira de enfientamento mas urna relapPo do tipo biol6gico quanto mais as especies inferiores tenderem a de saparecer quanto mais os individuos anormais forem elimi nados menos degenerados haverl em relac60 a espkcie mais eu niio enquanto individuo mas enquanto espkcie vive rei mais forte serei mais vigoroso serei mais poderei pro liferar A morte do outro nLo C simplesmente a minha vida na medida em que seria minha seguranga pessoal a morte do outro a morte da raqa ruim da raga inferior ou do dege nerado ou do anormal t o que vai deixar a vida em geral mais sadia mais sadia e mais pura Portanto relaqiio n5o militar guerreira ou politica mas relatiio biolhgica E se esse mecanismo pode atuar e por 3 06 EMDEFESA DA SOCZEDADE que os inimigos que se trata de suprimir nHo sHo os adver sbrios no sentido politico do termo sgo os perigos externos ou internos em relaggo A populagiio e para a populagiio Em outras palavras tirar a vida o imperativo da morte s6 C admissivel no sistema de biopoder se tende nZo A vit6ria sobre os adversirios politicos mas A eliminaggo do perigo biol6gico e ao fortalecimento diretamente ligado a essa eli minaggo da prdpria espkcie ou da raqa A raga o racismo e a condiqiio de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalizaq20 Quando vocb ti2m uma sociedade de nor malizago quando vocs tem um poder que 6 ao menos em toda a sua superficie e em primeira instdncia em primeira linha um biopoder pois bem o racismo C indispenshvel como condiggo para poder tirar a vida de alguCm para po der tirar a vida dos outros A funqlo assassina do Estado s6 pode ser assegurada desde que o Estado funcione no mod0 do biopoder pel0 racismo Vocb compreendem em conseqiiencia a importincia eu ia dizer a importincia vital do racismo no exercicio de urn poder assim e a condiglo para que se possa exercer o di reito de matar Se o poder de normalizagiio quer exercer o velho direito soberano de matar ele tem de passar pel0 ra cism E se inversamente um poder de soberania ou seja um poder que tem direito de vida e de morte quer hncionar com os instrumentos com os mecanismos com a tecnolo gia da normalizagiio ele tambCm tem de passar pelo racis mo E claro por tirar a vida n8o entendo simplesmente o assassinio direto mas tambCm tudo o que pode ser assassi nio indireto o fato de expor i morte de multiplicar para al guns o risco de morte ou pura e simplesmente a morte po litica a expuls80 a rejeiggo etc A partir dai eu creio que se pode compreender certo n6mero de coisas Podese compreender primeiro o vinculo que rapidamente eu ia dizer imediatamente se estabele AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 307 ceu entre a teoria bioldgica do skculo XIX e o discurso do poder No fundo o evolucionismo entendido num sentido lato ou seja nlo tanto a pr6pria teoria de Darwin quanto o conjunto o pacote de suas noq6es corno hierarquia das espCcies sobre a irvore comum da evoluglo luta pela vida en tre as espbcies selegb que elimina os menos adaptados tornouse com toda a naturalidade em alguns anos do sC culo XIX niio simplesmente uma maneira de transcrever em termos biol6gicos o discurso politico nlo simplesmente urna maneira de ocultar um discurso politico sob uma ves timenta cientifica mas realmente m a maneira de pensar as relagbes da colonizaggo a necessidade das guerras a crimi nalidade os fen6menos da loucura e da doenga mental a hist6ria das sociedades com suas diferentes classes etc Em outras palavras cada vez que houve enfrentamento conde nagb A morte luta risco de morte foi na forma do evolucio nismo que se foi forgado literalmente a pensa10s E podese compreender tambbm por que o racismo se desenvolve nessas sociedades modernas que funcionam ba seadas no mod0 do biopoder compreendese por que o racis mo vai irromper em certo n6mero de pontos privilegiados que slo precisamente os pontos em que o direito i morte C necessariamente requerido 0 racismo vai se desenvolver prirno com a colonizaglo ou seja com o genocidiocoloni zador Quando for precis0 matar pessoas matar populag6es matar civilizagces como se poderb fazelo se se funcionar no mod0 do biopoder AtravCs dos temas do evolucionis mo mediante um racismo A guerra Como 6 possivel nHo s6 travar a guerra contra os adversbrios mas tambkm expor os prbprios cidadiios A guerra fazer que sejam mortos aos milhaes corno aconte ceu justarnente desde o sCculo XIX desde a segunda metade do stculo XIX senlo precisamente ativando o tema do ra cism Na guerra vai se tratar de duas coisas dai em diante 308 EM DEFESA DA SOCIEDADE destruir niio simplesmente o adverslrio politico mas a raqa adversa essa espCcie de perigo biol6gico representado para a raqa que somos pelos que estiio a nossa fiente E claro essa C apenas de certo modo uma extrapolaqiio biol6gica do tema do inimigo politico No entanto mais ainda a guerra isto C absolutamente novo vai se mostrar no final do sCculo XIX como urna maneira niio simplesmente de forta lecer a pr6pria raqa eliminando a raGa adversa conforme os temas da seleqlo e da luta pela vida mas igualmente de regenerar a pr6pria raqa Quanto mais numerosos forem os que morrerem entre n6s mais pura serl a raGa a que perten cemos Vocs ttm ai em todo caso um racismo da guerra novo no final do sCculo XIX e que era acho eu necessitado pel0 fato de que um biopoder quando queria fazer a guerra como poderia articular tanto a vontade de destruir o adver shrio quanto o risco que assumia de matar aqueles mesmos cuja vida ele devia por definiqiio proteger organizar mul tiplicar Poderiamos dizer a mesma coisa a prop6sito da I criminalidade Se a criminalidade foi pensada em termos de racism0 foi igualmente a partir do momento em que era 1 precis0 tornar possivel num mecanismo de biopoder a con denaqiio a morte de um criminoso ou seu isolamento Mes ma coisa com a loucura mesma coisa com as anomalias diversas Em linhas gerais o racismo acho eu assegura a fun qlo de morte na economia do biopoder segundo o principio I de que a morte dos outros 6 o fortalecimento biolbgico da pr6pria pessoana medida em que ela C membro de uma raqa ou de urna populaqiio na medida em que se C elemento numa pluralidade unithria e viva Vocts estlo vendo que ai estamos no fundo muito longe de um racismo que seria simples e tradicionalmente desprezo ou 6dio das raqas umas pelas outras TambCm estamos muito longe de um racismo que seria uma espCcie de operaqiio ideol6gica pela qua1 os Estados ou urna classe tentaria desviar para um advershrio mitico hostilidades que estariam voltadas para eles ou agi tariam o corpo social Eu creio que C muito mais profundo do que urna velha tradiqiio muito mais profimdo do que urna nova ideologia C outra coisa A especificidade do racismo moderno o que faz sua especificidade nlo esth ligado a mentalidades a ideologias a mentiras do poder Esta ligado A tCcnica do poder a tecnologia do poder Esti ligado a isto que nos coloca longe da guerra das racas e dessa inteligibi lidade da histbria num mecanismo que permite ao biopoder exercerse Portanto o racismo C ligado ao funcionamento de um Estado que C obrigado a utilizar a raqa a elirninaqiio das raqas e a purificaqiio da raqa para exercer seu poder sobe rano A justaposiqb ou melhor o funcionamento atravCs do biopoder do velho poder soberano do direito de morte implica o funcionamento a introduqgo e a ativaqlo do ra cism E t ai creio eu que efetivamente ele se enraiza Vocts compreendem entb nessas condiqijes como e por que os Estados mais assassjnos siio ao mesmo tempo forqosamente os mais racistas E claro ai temos de tomar o exemplo do nazismo Afinal de contas o nazismo C de fato o desenvolvimento at6 o paroxismo dos mecanismos de poder novos que haviam sido introduzidos desde o sCculo XVIII Niio h i Estado mais disciplinar claro do que o regime na zista tampouco ha Estado onde as regulamentaq6es biol6 gicas sejam adotadas de urna maneira mais densa e mais insistente Poder disciplinar biopoder tudo isso percorreu sustentou a muque a sociedade nazista assunqiio do biol6 gico da procriaqo da hereditariedade assunqlo tambCm da doenqa dos acidentes Niio ha sociedade a um s6 tempo mais disciplinar e mais previdencihria do que a que foi im plantada ou em todo caso projetada pelos nazistas 0 con trole das eventualidades pr6prias dos processos biol6gicos era um dos objetivos imediatos do regime 310 EM DEFESA DA SOCIEDADE Mas ao mesmo tempo que se tinha essa sociedade universalmente previdencihia universalmente segurado ra universalmente regulamentadora e disciplinar atravks dessa sociedade desencadeamento mais completo do poder assassino ou seja do velho poder soberano de matar Esse poder de matar que perpassa todo o corpo social da socie dade nazista se manifesta antes de tudo porque o poder de matar o poder de vida e de morte C dado nlo simplesmente ao Estado mas a toda urna strie de individuos a urna quan tidade considerivel de pessoas sejam os SA os SS etc No limite todos tCm o direito de vida e de morte sobre o seu vizinho no Estado nazista ainda que fosse pelo com portamento de dencncia que permite efetivamente supri mir ou fazer suprimirem aquele que esti a seu lado Portanto desencadeamento do poder assassino e do po der soberano atravCs de todo o corpo social Igualmente pel0 fato de a guerra ser explicitamente posta como um objetivo politico e niio meramente no hndo como um objetivo po litico para obter certo nknero de meios mas como urna es pCcie de fase 6ltima e decisiva de todos os processos politi cos a politica deve resultar na guerra e a guerra deve ser a fase final e decisiva que vai coroar o conjunto Em conse qiiCncia niio 6 simplesmente a destruiiio das outras raCas que C o objetivo do regime nazista A destruiiio das outras raCas C urna das faces do projeto sendo a outra face expor sua pr6pria raqa ao perigo absoluto e universal da morte 0 risco de morrer a exposiqiio A destruiiio total C um dos principios inseridos entre os deveres fundamentais da obe diCncia nazista e entre os objetivos essenciais da politica E preciso que se chegue a urn ponto tal que a populaqiio intei ra seja exposta Q morte Apenas essa exposiqiio universal de toda a populaiio Q morte poderh efetivamente constituila como raCa superior e regenerila definitivamente perante as raqas que tiverem sido totalmente exterminadas ou que se riio definitivamente sujeitadas AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 311 Temse pois na sociedade nazista esta coisa apesar de tudo extraordinhria C urna sociedade que generalizou abso lutamente o biopoder mas que generalizou ao mesmo tempo o direito soberano de matar 0 s dois mecanismos o clhssi co arcaico que dava ao Estado direito de vida e de morte sobre seus cidadiios e o novo mecanismo organizado em torno da disciplina da regulamentaqiio em suma o novo me canismo de biopoder vm exatamente a coincidir De sor te que se pode dizer isto o Estado nazista tornou absoluta mente coextensivos o campo de urna vida que ele organiza protege garante cultiva biologicamente e ao mesmo tem po o direito soberano de matar quem quer que seja niio s6 os outros mas os seus pr6prios Houve entre os nazistas urna coincidencia de um biopoder generalizado com urna ditadura a um s6 tempo absoluta e retransmitida atravCs de todo o corpo social pela formidavel jungiio do direito de ma tar e da exposiiio A morte Temos um Estado absolutamen te racista um Estado absolutamente assassino e um Estado absolutamente suicida Estado racista Estado assassino Es tad0 suicida Isso se sobrepde necessariamente e resultou C claro ao mesmo tempo na soluqiio final pela qxal se quis elirninar atravks dos judeus todas as outras raGas das quais os judeus eram a um s6 tempo o simbolo e a manifestaqiio dos anos 19421943 e depois no telegrama 71 pel0 qual em abril de 1945 Hitler dava ordem de destruir as condiq6es de vida do pr6prio povo alemiio5 5 Hitler j6 em 19 de marso tomara disposiBes para a destruiHo da infraestrutura logistics e dos equipamentos industriais da Alemanha Tais disposiqBes estlo enunciadas em dois decretos de 30 de marqo e de 7 de abril Sobre esses decretos cf A Speer Erinnenmngen Berlim Propylaen Verlag 1969 trad fr Au cceur du TroisiGme Reich Paris Fayard 1971 Foucault certamente leu a obra de J Fest Hitler FrankfurtlBerlimNiena Verlag Ullstein 1973 trad fr Paris Gallimard 1973 312 EM DEFESA DA SOCIEDADE Soluiio final para as outras raCas suicidio absoluto da raGa alemii Era a isso que levava essa mecdnica inscrita no funcionamento do Estado moderno Apenas o nazismo C claro levou at6 o paroxismo o jog0 entre o direito sobera no de matar e os mecanismos do biopoder Mas tal jog0 esti efetivamente inscrito no funcionamento de todos os Esta dos De todos os Estados modernos de todos os Estados capitalistas Pois bem nLo C certo Eu creio que justamente mas essa seria urna outra demonstraiio o Estado socia lista o socialismo C ti70 marcado de racismo quanto o fun cionamento do Estado moderno do Estado capitalista Em face do racismo de Estado que se formou nas condities de que lhes falei constituiuse um socialracism0 que niio es perou a formaiio dos Estados socialistas para aparecer 0 socialismo foi logo de saida no sCculo XIX um racismo E seja Fourier no inicio do sCculo sejam os anarquistas no final do sCculo passando por todas as formas de socialis mo vocCs sempre vCem neles um componente de racismo Ai C muito dificil para mim falar disso Falar disso de qualquer jeito C fazer urna afinnaiio que niio admite rtplica Demonstrilo para vocCs implicaria o que eu queria fazer urna outra bateria de aulas no fim Em todo caso eu gosta ria simplesmente de dizer isto de um mod0 geral parece me ai C um pouco urna conversa informal que o socialis mo na medida em que niio apresenta em primeira instsncia os problemas econ6micos ou juridicos do tip0 de propriedade ou do mod0 de produiio na medida em que em conse quCncia o problema da mechica do poder dos mecanismos 6 De Ch Fourier ver sobretudo a esse respeito Thiorie des quatre mouvements et des destinies ginirales Leipzig byon 1808 Le nouveau mon de industriel et sociitaire Paris 1829 La fazcsse industrie morcelie ripug nante mensongire Paris 18362 vol AULA DE 17 DE UARCO DE 1976 313 do poder niio 6 apresentado e analisado por ele o socia lism pois niio pode deixar de reativar de reinvestir esses mesmos mecanismos de poder que vimos constituiremse atravb do Estado capitalista ou do Estado industrial Em todo caso urna coisa 6 certa 6 que o tema do biopoder desen volvido no fim do sCculo XVIII e durante todo o sCculo XIX nLo so nio foi criticado pel0 socialismo mas tambtm de fato foi retomado por ele desenvolvido reimplantado modifi cad0 em certos pontos mas de mod0 algum reexaminado em suas bases e em seus modos de funcionamento A idCia em suma de que a sociedade ou o Estado ou o que deve subs tituir o Estado tem essencialmente a funqiio de incumbirse da vida de organizbla de multiplicila de compensar suas eventualidades de percorrer e delimitar suas chances e pos sibilidades biologicas pareceme que isso foi retomado tal qua1 pel0 socialismo Com as consequencias que isso tem urna vez que nos encontramos num Estado socialista que deve exercer o direito de matar ou o direito de eliminar ou o direito de desqualificar E C assim que inevitavelmente vocCs vio encontrar o racismo nIo o racismo propriamen te Ctnico mas o racismo de tip0 evolucionista o racismo biologic0 funcionando plenamente nos Estados socialistas tipo UniLo SoviCtica a prop6sito dos doentes mentais dos criminosos dos adverskios politicos etc Isso 6 tudo quan to ao Estado 0 que me parece interessante tambCm e que faz tempo me C problematico C que mais uma vez nZo C sirnplesmente no plano do Estado socialista que se encontra esse mesmo funcionamento do racismo mas tamb6m nas diferentes for mas de anilise ou de projeto socialista ao longo de todo o stculo XIX e pareceme em torno do seguinte cada vez que um socialismo insistiu no fundo sobretudo na transfor mag50 das condigties econ6micas como principio de trans 3 14 EM DEFESA DA SOCIEDADE formaqlo e de passagem do Estado capitalista para o Estado socialista em outras palavras cada vez que ele buscou o principio da transforrnaqlo no plano dos processos econ6 micos ele nio necessitou pel0 menos imediatamente de racismo Em compensaqlo em todos os momentos em que o socialismo foi obrigado a insistir no problema da luta da luta contra o inimigo da eliminaqlo do advershio no proprio interior da sociedade capitalista quando se tratou por con seguinte de pensar o enfrentamento fisico com o advershrio de classe na sociedade capitalista o racismo ressurgiu por que foi a dnica maneira para um pensamento socialista que apesar de tudo era muito ligado aos temas do biopoder de pensar a razlo de matar o advershrio Quando se trata sim plesmente de eliminhlo economicamente de fazblo perder seus privilkgios nlo se necessita de racismo Mas quando se trata de pensar que se vai ficar frente a frente com ele e que vai ser preciso brigar fisicamente com ele arriscar a propria vida e procurar mathlo foi preciso racismo Em conseqiiencia cada vez que votes vCem esses so cialismos formas de socialismo momentos de socialismo que acentuam esse problema da luta votes tem o racismo E assim que as formas de socialismo mais racistas foram claro o blanquismo a Comuna e foi a anarquia muito mais do que a socialdemocracia muito mais do que a Segunda Internacional e muito mais do que o pr6prio mamismo 0 racismo socialista s6 foi liquidado na Europa no fim do sk culo XM de urna parte pela dominaglo de uma socialdemo cracia e temos mesmo de dizer de urn reformism0 ligado a essa socialdemocracia e da outra por certo nmero de processos como o caso Dreyfus na Franga Mas antes do caso Dreyfus todos os socialistas enfim os socialistas em sua extrema maioria eram fundamentalmente racistas E eu creio que eram racistas na medida em que e terminarei nes AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 te ponto nlo reavaliaram ou admitiram se voces preferi I rem como sendo 6bvio esses mecanismos de biopoder que I I o desenvolvimento da sociedade e do Estado desde o skculo I I XVIII havia introduzido Como se pode fazer um biopoder I I funcionar e ao mesmo tempo exercer os direitos da guerra os direitos do assassinio e da funqb da morte senb passan do pel0 racismo Era esse o problema e eu acho que conti nua a ser esse o problema

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Michel Foucault I 1 I Em Defesa da Sociedade A politica P a contintrado daguerra por outros mcios Martins Fontes 284 EM DEFESA DA SOCIEDADE encontrarh na histbria e na plenitude do presente o momento em que o universal se expressa em sua verdade vocs vem que essa filosofia eu nto dig0 que C preparada digo que ji fimciona no interior do discurso hist6rico Houve uma auto dialetizaqto do discurso histbrico que foi feita independen temente de qualquer transferencia explicita ou de qualquer utilizagiio explicita de uma filosofia dial6tica para o discur so histbrico Mas a utilizaqto pela burguesia de urn discurso histbrico a modificaglo pela burguesia dos elementos fun darnentais da inteligibilidade histbrica que ela havia recolhido do s6culo XVIII foi ao mesmo tempo uma autodialetiza qto do discurso historico E vocCs compreendem corno a partir dai entre discurso da histbria e discurso da filosofia puderam estabelecerse relaqaes No fundo a filosofia da histbria nto existia no sCculo XVIII senlo como especulaqlo sobre a lei geral da hist6ria A partir do sCculo XIX come ga algo novo e creio eu fundamental A histbria e a filoso fia vto formular esta questto em comum o que no presen te traz consigo o universal 0 que no presente C a verdade do universal Essa C a questiio da histhria essa 6 igualmen te a questto da filosofia Nasceu a dial6tica AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 Do poder de soberania ao poder sobre a vida Fazer viver e deixar morrer Do homemcorpo ao homemespd cie nascimento do biopoder Campos de aplicao do bio poder A populapio Da morte e da morte de Franco em especial Articula6es da disciplina e da regularnentao a cidade operciria a sexualidade a norma Biopoder e ra cism Fun6es e h a s de aplicagcio do racismo 0 nazis mo 0 socialismo Cumpre pois tentar terminar fechar um pouco o que eu disse este ano Eu havia tentado expor um pouquinho o problema da guerra encarada como gabarito de inteligibili dade dos processos historicos Parecerame que essa guerra fora concebida inicial e praticamente durante todo o stculo XVIII ainda como guerra das ragas Era um pouco essa his toria da guerra das ragas que eu queria reconstituir E tentei da 6ltima vez mostrarlhes como a propria n o l o de guerra fora finalmente eliminada da anhlise histbrica pel0 principio da universalidade nacional Eu gostaria agora de lhes mos trar como o tema da raga vai ntio desaparecer mas ser reto mado em algo muito diferente que C o racismo de Estado E entlo 6 o nascimento do racismo de Estado que eu gos taria de lhes narrar um pouquinho hoje p e l menos de situar o problema para voc6s Pareceme que um dos fen8menos hndamentais do sC culo XIX foi C o que se poderia denominar a assunqto da Manuscrito a frase prossegue depois de nacional na kpoca da EM DEFESA DA SOCZEDADE vida pelo poder se vocCs preferirem uma tomada de poder sobre o homem enquanto ser vivo uma esp6cie de estatiza qBo do biol6gico ou pel0 menos uma certa inclinagzo que conduz ao que se poderia chamar de estatizagio do biol6gi co Creio que para compreender o que se passou podemos nos referir ao que era a teoria cldssica da soberania que em 6ltima analise serviunos de pano de fundo de quadro para todas essas andlises sobre a guerra as raqas etc Na teoria cldssica da soberania vocQ sabem que o direito de vida e de morte era um de seus atributos hndamentais Ora o direito de vida e de morte C um direito que C estranho estra nho j i no nivel te6rico com efeito o que C ter direito de vida e de morte Em certo sentido dizer que o soberano tem direito de vida e de morte significa no fundo que ele pode fazer morrer e deixar viver em todo caso que a vida e a morte niio siio desses feniimenos naturais imediatos de cer to mod0 originais ou radicais que se localizariam fora do campo do poder politico Quando se vai urn pouco mais alCm e se vocCs quiserem at6 o paradoxo isto quer dizer no fundo que em relago ao poder o sddito nBo 6 de pleno direito nem vivo nem morto Ele 6 do ponto de vista da vida e da morte neutro e C simplesmente por causa do soberano que o s6dito tem direito de estar vivo ou tem direito eventual mente de estar morto Em todo caso a vida e a morte dos sdditos s6 se tornam direitos pel0 efeito da vontade sobera na Ai esti se vocCs quiserem o paradoxo te6rico Para d o x te6rico que deve se completar evidentemente por uma especie de desequilibrio prhtico Que quer dizer de fato direito de vida e de morte NBo C claro que o sobera no pode fazer viver como pode fazer morrer 0 direito de vida e de morte s6 se exerce de urna forma desequilibrada e sempre do lado da morte 0 efeito do poder soberano sobre l a vida so se exerce a partir do momento em que o soberano I pode matar Em dtima analise o direito de matar C que detCm I AULA DE 17 DE MARGO DE 1976 efetivamente em si a propria essCncia desse direito de vida e de morte C porque o soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a vida E essencialmente um direito de es pada NBo ha pois simetria real nesse direito de vida e de morte NBo C o direito de fazer morrer ou de fazer viver NBo C tampouco o direito de deixar viver e de deixar morrer E o direito de fazer morrer ou de deixar viver 0 que C claro introduz uma dissimetria flagrante E eu creio que justarnente uma das mais macias trans formaq6es do direito politico do s6culo XIX consistiu nBo digo exatamente em substituir mas em completar esse velho direito de soberania fazer morrer ou deixar viver com outro direito novo que niio vai apagar o primeiro mas vai pe netrilo perpassilo modificilo e que vai ser urn direito ou melhor um poder exatamente inverso poder de fazer viver e de deixar morrer 0 direito de soberania C portan to o de fazer morrer ou de deixar viver E depois este novo direito C que se instala o direito de fazer viver e de deixar morrer Essa transformagio C claro nb se deu de repente Pode se seguila na teoria do direito mas ai serei extremamente rdpido Voc2s ja vCem nos juristas do skculo XVII e sobre tudo do sCculo XVIII formulada essa questio a prop6sito do direito de vida e de morte Quando os juristas dizem quan do se contrata no plano do contrato social ou seja quando os individuos se rednem para constituir um soberano para delegar a um soberano um poder absoluto sobre eles por que o fazem Eles o fazem porque estBo premidos pel0 peri go ou pela necessidade Eles o fazem porconseguinte para proteger a vida E para poder viver que constituem um so berano E nesta medida a vida pode efetivamente entrar nos direitos do soberano Niio e a vida que C hndadora do direito do soberano E nBo pode o soberano reclamar efeti vamente de seus sdditos o direito de exercer sobre eles o 288 EM DEFESA DA SOCZEDADE poder de vida e de morte ou seja pura e sirnplesmente o po der de matlos NLo deve a vida ficar fora do contrato na medida em que ela C que foi o motivo primordial inicial e fundamental do contrato Tudo isso C urna discussio de fi losofia politica que se pode deixar de ladomas que mostra bem como o problema da vida comeqa a problematizarse no campo do pensamento politico da anhlise do poder poli tico De fato o nivel em que eu gostaria de seguir a trans forrnaqb nLo C o nivel da teoria politica mas antes o nivel dos mecanismos das tdcnicas das tecnologias de oder En tiio ai topamos com coisas familiares C que nos sCculos XVII e XVIII viramse aparecer tCcnicas de poder que erarn essencialmente centradas no corpo no corpo individual Eram todos aqueles procedimentos pelos quais se assegurava a dis tribuiqlo espacial dos corpos individuais sua separaqLo seu alinhamento sua colocaqLo em sCrie e em vigilfincia e a organizaqlo em torno desses corpos individuais de todo um campo de visibilidade Eram tambCm as tCcnicas pelas quais se incumbiam desses corpos tentavam aumenrarlhes a forqa 6til atraves do exercicio do treinamento etc Eram igualmente tCcnicas de racionalizaqiio e de economia estrita de um poder que devia se exercer da maneira menos onero sa possivel mediante todo um sistema de vigilfincia de hie rarquias de inspeqdes de escrituraqdes de relat6rios toda essa tecnologia que podemos chamar de tecnologia disci plinar do trabalho Ela se instala ja no fmal do sCculo XVII e no decorrer do sCculo XVIIII Ora durante a segunda metade do sCculo XVIII eu creio que se v aparecer algo de novo que C urna outra tecnolo gia de poder nlo disciplinar dessa feita Uma tecnologia de poder que nlo exclui a primeira que nLo exclui a tCcnica 1 Sobre a quest50 da tecnologia disciplinar ver SurveiNer etpunir op cit disciplinar mas que a embute que a integra que a modifica parcialmente e que sobretudo vai utilizala implantandose de certo mod0 nela e incrustandose efetivamente graqas a essa tCcnica disciplinar prCvia Essa nova tCcnica nlo supri me a tCcnica disciplinar simplesmente porque C de outro nivel esta noutra escala tem outra superficie de suporte e C auxiliada por instrumentos totalmente diferentes Ao que essa nova tkcnica de poder niio disciplinar se aplica C diferentemente da disciplina que se dirige ao corpo a vida dos homens ou ainda se vocss preferirem ela se dirige nlo ao homemcorpo mas ao homem vivo ao ho mem ser vivo no limite se votes quiserem ao homemespk cie Mais precisamente eu diria isto a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multi plicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados treinados utilizados eventualmente pu nidos E depois a nova tecnologia que se instala se dirige A multiplicidade dos homens nb na medida em que eles se resumem em corpos mas na medida em que ela forma ao contririo urna massa global afetada por processos de con junto que sHo pr6prios da vida que d o processos como o nascimento a morte a produqb a doenqa etc Logo depois de urna prirneira tomada de poder sobre o corpo que se fez consoante o mod0 da individualizaqlo temos urna segunda tomada de poder que por sua vez nLo 6 individualizante mas que C massificante se vocCs quiserem que se faz em dire niio do homemcorpo mas do homemespkcie Depois da anh tomopolitica do corpo humano instaurada no decorrer do sCculo XVIII vemos aparecer no fim do mesmo sCculo algo que ja nLo C urna anhtomopolitica do corpo humano mas que eu chamaria de urna biopolitica da espCcie humana De que se trata nessa nova tecnologia do poder nessa biopolitica nesse biopoder que esth se instalando Eu lhes dizia em duas palavras agora hh pouco tratase de um con 290 EM DEFESA DA SOCIEDADE junto de processos como a proporqiio dos nascimentos e dos bbitos a taxa de reproduqiio a fecundidade de uma popula qHo etc Siio esses processos de natalidade de mortalidade de longevidade que justamente na segunda metade do sC culo XVIII juntamente com uma porqiio de problemas eco nbmicos e politicos 0s quais niio retomo agora constitui ram acho eu os primeiros objetos de saber e os primeiros alvos de controle dessa biopolitica E nesse momento em todo caso que se lana miio da mediqiio estatistica desses fen6menos com as primeiras demografias E a observaqiio dos procedimentos mais ou menos espontineos mais ou menos combinados que eram efetivamente postos em exe cuqiio na populaqiio no tocante A natalidade em surna se vo ces preferirem o mapeamento dos fenbmenos de controle dos nascimentos tais como eram praticados no sCculo XVIII Isso foi tambCm o esboqo de urna politica de natalidade ou em todo caso de esquemas de intervenqiio nesses fen6me nos globais da natalidade Nessa biopolitica niio se trata sim plesmente do problema da fecundidade Tratase tambkm do problema da morbidade niio mais simplesmente como justamente fora o caso at6 entiio no nivel daquelas famosas epidemias cujo perigo havia atormentado tanto os poderes politicos desde as profundezas da Idade MCdia aquelas fa mosas epidemias que eram dramas temporarios da morte multiplicada da morte tornada irninente para todos Niio C de epidemias que se trata naquele momento mas de algo diferente no final do sCculo XVIII gvosso modo aquilo que se poderia chamar de endernias ou seja a forma a natureza a extensio a duraqiio a intensidade das doenqas reinantes numa populaiio Doenqas mais ou menos dificeis de extir par e que niio siio encaradas como as epidemias a titulo de causas de morte mais freqiiente mas como fatores perma nentes e C assim que as tratam de subtraqiio das forqas diminuiqiio do tempo de trabalho baixa de energias custos econ6micos tanto por causa da produqiio niio realizada quan AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 29 1 to dostratamentos que podem custar Em suma a doenqa como fen6meno de populaqiio niio mais como a morte que se abate brutalmente sobre a vida C a epidemia mas como a morte permanente que se introduz sorrateiramente na vida a corrbi perpetuamente a diminui e a enfraquece Siio esses fen6menos que se comeqa a levar em conta no final do stculo XVIII e que trazem a introduqiio de uma me dicina que vai ter agora a h i o maior da higiene phblica com organismos de coordenaqio dos tratamentos mkdicos de centralizaqiio da informaqiio de normalizaqiio do saber e que adquire tambCm o aspecto de campanha de aprendizado da hgiene e de medicalizaqiio da populaqb Portanto pro blemas da reproduqlo da natalidade problema da morbida de tambCm 0 outro campo de intervenqiio da biopolitica vai ser todo um conjunto de fenbmenos dos quais uns siio univer sais e outros d o acidentais mas que de urna parte nunca siio inteiramente compreensiveis mesmo que sejam aciden tais e que acmetam tambkm conseqii2ncias analogas de in capacidade de p6r individuos fora de circuito de neutraliza qiio etc Sera o problema muito importante ja no inicio do s6ulo XU na hora da industrializaqb da velhice do indi viduo que cai em consequencia para fora do campo de capa cidade de atividade E da outra parte os acidentes as enfer midades as anomalias diversas E C em relaqiio a estes fen6 menos que essa biopolitica vai introduzir niio somente insti tuiq6es de assistencia que existem faz muito tempo mas mecanismos muito mais sutis economicamente muito mais racionais do que a grande assistencia a urn sb tempo maciqa e lacunar que era essencialmente vinculada A Igreja Vamos ter mecanismos mais sutis mais racionais de seguros de poupanqa individual e coletiva de seguridade etc 2 Sobre todas essas questiies vet o Curso no College de France anos 19731974 Le pouvoir psychiatrique no prelo 292 EM DEFESA DA SOCIEDADE Enflm ultimo dorninio enumero os principais em todo caso os que apareceram no final do sCculo XVIII e no inicio do XIX haverh muitos outros depois a preocupaqiio com as relaqiies entre a espCcie humana os seres humanos enquanto espCcie enquanto seres vivos e seu meio seu meio de exis t6ncia sejam os efeitos brutos do meio geogrhfico climh tico hidrogrhfico os problemas por exemplo dos pdntanos das epidemias ligadas A existencia dos pdntanos durante to da a primeira metade do sCculo XIX E igualmente o pro blema desse meio na medida em que niio C um meio natural e em que repercute na populaqiio um meio que foi criado por ela Serh essencialmente o problema da cidade Eu lhes assinalo aqui simplesmente alguns dos pontos a partir dos quais se constituiu essa biopolitica algumas de suas prhticas e as primeiras das suas Areas de intervenqgo de saber e de poder ao mesmo tempo C da natalidade da morbidade das incapacidades biologicas diversas dos efeitos do meio C disso tudo que a biopolitica vai extrair seu saber e definir o campo de interveniio de seu poder Ora em tudo isso eu creio que hh certo numero de coi sag que siio importantes A primeira seria esta o aparecimen to de um elemento eu ia dizer de uma personagem novo que no fundo nem a teoria do direito nem a prhtica discipli nar conhecem A teoria do direito no fundo so conhecia o individuo e a sociedade o individuo contratante e o corpo social que fora constituido pel0 contrato voluntiirio ou im plicit dos individuos As disciplinas lidavam praticamente com o individuo e com seu corpo N8o C exatamente com a sociedade que se lida nessa nova tecnologia de poder ou en fim com o corpo social tal como o definem os juristas n8o C tampouco com o individuocorpo E um novo corpo corpo m6ltipl0 corpo com inumeras cabepas se niio infinito pelo menos necessariamente numerhvel E a noqiio de popula piio A biopolitica lida com a populaq20 e a populaIo como problema politico como problema a urn so tempo cien tifico e politico como problema biologic0 e como problema de poder acho que aparece nesse momento Segundo o que C importante tambCm afora o apareci mento desse elemento que C a populaqiio C a natureza dos fenbmenos que siio levados em consideraiio VocCs estiio vendo que siio fen6menos coletivos que so aparecem corn seus efeitos econ8micos e politicos que so se tornam perti nentes no nivel da massa Siio fen6menos aleatorios e im previsiveis se os tomarmos neles mesmos individualmente mas que apresentam no plano coletivo constantes que C fh cil ou em todo caso possivel estabelecer E enfim s8o fe n6menos que se desenvolvem essencialmente na duraqgo que devem ser considerados nurn certo limite de tempo rela tivamente longo siio fenamenos de drie A biopolitica vai se dirigir em suma aos acontecimentos aleatorios que ocor rem numa populaqio considerada em sua duraqiio A partir dai terceira coisa acho eu importante essa tecnologia de poder essa biopolitica vai implantar mecanis mos que tem certo numero de fimqiies muito diferentes das funqiies que eram as dos mecanismos disciplinares Nos me canismos irnplantados pela biopolitica vai se tratar sobretudo C claro de previsiies de estimativas estatisticas de medi qiies globais vai se tratar igualmente nio de modificar tal fenameno em especial n8o tanto tal individuo na medida em que C individuo mas essencialmente de intervir no nivel daquilo que siio as determinapiies desses fen8menos gerais desses fenamenos no que eles tem de global Vai ser preciso modificar baixar a morbidade vai ser preciso encom pridar a vida vai ser preciso estimular a natalidade E trata se sobretudo de estabelecer mecanismos reguladores que nessa populapiio global com seu campo aleatorio v8o poder fixar um equilibrio manter uma mCdia estabelecer uma es pCcie de homeostase assegurar compensaqiies em suma 294 EM DEFESA DA SOCIEDADE AULA DE 17 DE MARGO DE 1976 295 de instalar mecanismos de previdtncia em torno desse alea tdrio que C inerente a uma populaqiio de seres vivos de oti mizar se vocCs preferirem um estado de vida mecanismos como vocts vtem como os mecanismos disciplinares des tinados em suma a maximizar forqas e a extrailas mas que passam por caminhos inteiramente diferentes Pois ai niio se trata diferentemente das disciplinas de um treinamento in dividual realizado por um trabalho no prdprio corpo Niio se trata absolutamente de ficar ligado a um corpo individual como faz a disciplina Niio se trata por conseguinte em abso luto de considerar o individuo no nivel do detalhe mas pelo contrhrio mediante mecanismos globais de agir de tal ma neira que se obtenham estados globais de equilibrio de re gularidade em resurno de levar em conta a vida os processos biol6gicos do homemespCcie e de assegurar sobre eles niio uma disciplina mas uma regulamentaqiio3 AquCm portanto do grande poder absoluto drambtico sombrio que era o poder da soberania e que consistia em po der fazer morrer eis que aparece agora com essa tecnologia do biopoder com essa tecnologia do poder sobre a popula qiio enquanto tal sobre o homem enquanto ser vivo urn poder continuo cientifico que C o poder de fazer viver A soberania fazia morrer e deixava viver E eis que agora aparece um poder que eu chamaria de regulamentaqiio e que consiste ao contrario em fazer viver e em deixar morrer Eu creio que a manifestaqio desse poder aparece con cretamente nessa farnosa desqualificaqgo progressiva da mor te na qual os socidlogos e os historiadores se debruqaram com tanta freqiitncia Todo o mundo sabe sobretudo desdc 3 Michel Foucault voltad a todos esses mecanismos sobretudo IIO Curso no College de France anos 19771978 Sicuritb terrifoire el porclr lion e 19781979 Naissance de la biopolitique no prelo certo n h e r o de estudos recentes que a grande ritualizaqio publica da morte desapareceu ou em todo caso foise apa gando progressivamente desde o fim do sCculo XVIII at6 agora A tal ponto que agora a morte deixando de ser m a daquelas cerim6nias brilhantes da qual participavam os in dividuos a familia o grupo quase a sociedade inteira tor nouse ao contrhrio aquilo que se esconde ela se tornou a coisa mais privada e mais vergonhosa e no limite C menos o sex0 do que a morte que hoje 6 objeto do tabu Ora eu creio que a rado por que de fato a morte tornouse assim essa coisa que se esconde niio esth numa espCcie de deslo camento da andstia ou de modificaqio dos mecanismos re pressivos Esth numa transformaqio das tecnologias de poder 0 que outrora conferia brilho e isto at6 o final do sCculo XVIII h morte o que lhe impunha sua ritualizaqiio tiio ele vada era o fato de ser a manifestaqzo de uma passagem de um poder para outro A morte era o momento em que se pas sava de um poder que era o do soberano aqui na terra para aquele outro poder que era o do soberano do alCm Passava se de uma instiincia de julgamento para outra passavase de um direito civil ou publico de vida e de morte para um di reito que era o da vida eterna ou da danaqb eterna Passa gem de um poder para outro A morte era igualmente m a transmissiio do poder do moribundo poder que se transmi tia para aqueles que sobreviviam ultimas palavras 6ltimas recomendaqties ultimas vontades testamentos etc Todos esses fenamenos de poder C que eram assim ritualizados Ora agora que o poder 6 cada vez menos o direito de fazer morrer e cada vez mais o direito de intervir para fazer viver e na maneira de viver e no como da vida a partir do momento em que portanto o poder intervCm sobretudo nesse nivel para aurnentar a vida para controlar seus aci dentes suas eventualidades suas deficisncias dai por dian tc a morte como termo da vida C evidentemente o termo o 296 EM DEFESA DA SOCIEDADE limite a extremidade do poder Ela esth do lado de fora em relagio ao poder C o que cai fora de seu dominio e sobre o que o poder s6 terh dorninio de mod0 geral global estatis tico Isso sobre o que o poder tem dominio nio C a morte C a mortalidade E nessa medida C normal que a morte agora passe para o ambit0 do privado e do que hh de mais privado Enquanto no direito de soberania a morte era o ponto em que mais brilhava da forma mais manifesta o absoluto poder do soberano agora a morte vai ser ao contrhrio o momen to em que o individuo escapa a qualquer poder volta a si mesmo e se ensimesma de certo modo em sua parte mais privada 0 poder jh nio conhece a morte No sentido estrito o poder deixa a morte de lado Para simbolizar tudo isso tomemos se votes quiserem a morte de Franco que 6 um evento apesar de tudo muito muito interessante pelos valores simb6licos que faz atuar urna vez que morria aquele que tinha exercido o direito so berano de vida e de morte com a selvageria que vocCs co nhecem o mais sanguinirio de todos os ditadores que havia feito reinar de mod0 absoluto durante quarenta anos o di reito soberano de vida e de morte e que na hora que ele mesmo vai morrer entra nessa espCcie de novo campo do poder sobre a vida que consiste nio sb em organizar a vidil nio s6 em fazer viver mas em suma em fazer o individuo viver mesmo alCm de sua morte E mediante um poder quc nio C simplesmente proeza cientifica mas efetivamentc exercicio desse biopoder politico que foi introduzido no s6 culo XIX fazse 60 bem as pessoas viverem que se conscgllc fazClas viver no mesmo momento em que elas devcriri biologicamente estar mortas ha muito tempo Foi assim CIIII aquele que havia exercido o poder absoluto de vida e dc mo te sobre centenas de milhares de pessoas aquele rncsric caiu sob o impact0 de um poder que organizava t8o I C I I I II vida que olhava t5o pouco a morte que ele nem sequur 111 AULA DE I7 DE MARC0 DE 1976 297 cebeu que ja estava morto e que o faziam viver ap6s sua mor te Eu creio que o choque entre esses dois sistemas de po der o da soberania sobre a morte e o da regulamentagio da vida achase simbolizado nesse pequeno e alegre evento Eu gostaria agora de retomar a comparaqio entre a tec nologia regulamentadora da vida e a tecnologia disciplinar do corpo de que eu lhes falava agora hi pouco Temos portanto desde o seculo XVIII ou em todo caso desde o fim do sC culo XVIII duas tecnologias de poder que siio introduzidas com certa defasagem cronol6gica e que sio sobrepostas Uma tCcnica que C pois disciplinar C centrada no corpo produz efeitos individualizantes manipula o corpo como fo co de forgas que C precis0 tornar 6teis e d6ceis ao mesmo tempo E de outro lado temos urna tecnologia que por sua vez C centrada nio no corpo mas na vida uma tecnologia que agrupa os efeitos de massas prbprios de uma populagio que procura controlar a sCrie de eventos fortuitos que podem ocorrer numa massa viva urna tecnologia que procura con trolar eventualmente modificar a probabilidade desses even tos em todo caso em compensar seus efeitos E uma tecno logia que visa portanto nio o treinamento individual mas pel0 equilibrio global algo como urna home6stase a segu ranga do conjunto em relagb aos seus perigos internos Logo urna tecnologia de treinamento oposta a ou distinta de ama tecnologia de previdencia uma tecnologa disciplinar que se distingue de uma tecnologia previdencihria ou regulamenta dora urna tecnologia que C mesmo em ambos os casos tec nologia do corpo mas num caso tratase de uma tecnologia em que o corpo 6 individualizado como organism0 dotado de capacidades e no outro de urna tecnologia em que os cor pos s b recolocados nos processos biol6gicos de conjunto Poderiamos dizer isto tudo sucedeu como se o poder que tinha como modalidade como esquema organizador a soberania tivesse ficado inoperante para reger o corpo eco 298 EM DEFESA DA SOCIEDADE nbmico e politico de urna sociedade em via a urn s6 tempo de explosb demografica e de industrializagHo De mod0 que B velha mecdnica do poder de soberania escapavam muitas coisas tanto por baixo quanto por cima no nivel do detalhe e no nivel da massa Foi para recuperar o detalhe que se deu uma prirneira acomodaqiio acomodao dos mecanismos de poder sobre o corpo individual com vigildncia e treina mento isso foi a disciplina E claro essa foi a acomodagiio mais facil mais camoda de realizar E por isso que ela se realizou mais cedo ja no sCculo XVII inicio do skculo XVIII em nivel local em formas intuitivas empiricas fra cionadas e no dmbito limitado de instituiaes como a esco la o hospital o quartel a oficina etc E depois vocCs tCm em seguida no final do sCculo XVIII urna segunda acomo dagiio sobre os fenamenos globais sobre os fenamenos de populagiio com os processos biol6gicos ou biosociol6gi cos das massas hurnanas Acomodaqiio muito mais dificil pois C claro ela implicava 6rgZos complexos de coordena 20 e de centralizaggo Temos pois duas series a strie corpo organism0 disciplina instituiqaes e a sCrie populagZo processos bio logicos mecanismos regulamentadores Estado Um conjunto orghico institucional a organodisciplina da ins tituigZo se vocs quiserem e de outro lado um conjunto biolbgico e estatal a bioregulamentagzo pel0 Estado NZo quero fazer essa oposiqiio entre Estado e instituiqiio atuar no absoluto porque as disciplinas sempre tendem de fato a ultrapassar o dmbito institucional e local em que sZo con sideradas E depois elas adquirem facilmente urna dimensso estatal em certos aparelhos como a policia por exemplo que C a um s6 tempo urn aparelho de disciplina e um apare Manuscrito no lugar de regulamentadores previdenciArios AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 299 lho de Estado o que prova que a disciplina nem sempre C institucional E da mesma forma essas grandes regulaaes globais que proliferaram ao longo do sCculo XIX nos as en contramos C claro no nivel estatal mas tambCm abaixo do nivel estatal com toda urna sCrie de institui5es subestatais como as instituigaes mkdicas as caixas de auxilio os segu ros etc Essa t a primeira observaiio que eu queria fazer Por outro lado esses dois conjuntos de mecanismos um disciplinar o outro regulamentador nZo estb no mes mo nivel Isso lhes permite precisamente nZo se excluirem e poderem articularse urn com o outro Podese mesmo di zer que na maioria dos casos os mecanismos disciplinares de poder e os mecanismos regulamentadores de poder os mecanismos disciplinares do corpo e os mecanismos regu lamentadores da populaqZo siio articulados urn com o outro Urn ou dois exemplos examinem se quiserem o problema da cidade ou mais precisamente essa disposigio espacial pen sada concebida que C a cidademodelo a cidade artificial a cidade de realidade ut6pica tal como nHo s6 a sonharam mas a constituiram efetivamente no sCculo XIX Examinem algo como a cidade operaria A cidade opehria tal como existe no sCculo XIX o que C Vtse muito bem como ela articula de certo mod0 perpendicularmente mecanismos dis ciplinares de controle sobre o corpo sobre os corpos por sua quadricula pel0 recorte mesmo da cidade pela locali zag20 das familias cada urna numa casa e dos individuos cada um num cbmodo Recorte per individuos em visibi lidade normalizapZo dos comportamentos espkcie de con trole policial espontdneo que se exerce assim pela pr6pria disposiqgo espacial da cidade toda urna sCrie de mecanis mos disciplinares que C fhcil encontrar na cidade operaria E depois vocCs tCm toda uma sCrie de mecanismos que s k ao contrio mecanismos regulamentadores que incidem so bre a populaqiio enquanto tal e que permitem que induzem EM DEFESA DA SOCIEDADE comportamentos de poupanqa por exemplo que sgo vincu lados ao hhbitat it locapgo do hhbitat e eventualmente A sua compra Sistemas de segurosaude ou de segurovelhice re gras de higiene que garantem a longevidade 6tima da popu lapgo pressdes que a propria organiza20 da cidade exerce sobre a sexualidade portanto sobre a procriapgo as pressaes que se exercem sobre a higiene das familias os cuidados dispensados As crianqas a escolaridade etc Logo vocss tEm mecanismos disciplinares e mecanismos regulamentadores Considerem urn outro dominio enfim ngo inteiramen te outro considerem noutro eixo algo como a sexualidade No fundo por que a sexualidade se tornou no skculo XIX um campo cuja importiincia estratkgica foi capital Eu creio que se a sexualidade foi importante foi por urna porqgo de razaes mas em especial houve estas de um lado a sexuali dade enquanto comportamento exatamente corporal depende de urn controle disciplinar individualizante em forma de vigilancia permanente e os famosos controles por exem plo da masturbapio que foram exercidos sobre as crianpas desde o fim do s6culo XVIII ate o sCculo XX e isto no meio familiar no meio escolar etc representam exatamente esse lado de controle disciplinar da sexualidade e depois por outro lado a sexualidade se insere e adquire efeito por seus efeitos procriadores em processos biol6gicos amplos que concernem n b mais ao corpo do individuo mas a esse ele mento a essa unidade mfiltipla constituida pela populapiio A sexualidade esth exatamente na encruzilhada do corpo e da populaplo Portanto ela depende da disciplina mas de pende tambtm da regulamentaqiio A extrema valorizapiio mkdica da sexualidade no stcu lo XIX teve assim creio seu principio nessa posipgo privi legiada da sexualidade entre organism0 e populap50 entre corpo e fen6menos globais Dai tamb6m a idtia mtdica se gundo a qua1 a sexualidade quando C indisciplinada e irre AULA DE 17 DE MARGO DE 1976 301 gular tem sempre duas ordens de efeitos um sobre o corpo sobre o corpo indisciplinado que t imediatamente punido por todas as doenpas individuais que o devasso sexual atrai sobre si Uma crianqa que se masturba demais serh muito doente a vida toda punipgo disciplinar no plano do corpo Mas ao mesrno tempo urna sexualidade devassa perverti da etc tern efeitos no plano da populapgo urna vez que se supae que aquele que foi devasso sexualmente tem urna hereditariedade uma descendsncia que ela tambkm vai ser perturbada e isso durante geragaes e gerapaes na setima ge rapgo na sktima da dtima E a teoria da degenerescEncia4 a sexualidade na medida em que esth no foco de doenpas individuais e urna vez que esti por outro lado no nucleo da degenerescsncia representa exatamente esse ponto de arti culapHo do disciplinar e do regulamentador do corpo e da populaqb E vocs compreendem entiio nessas condip6es por que e como urn saber ttcnico como a medicina ou me lhor o conjunto constituido por medicina e higiene vai ser no skculo XIX um elemento nio o mais importante mas aquele cuja importiincia serh considerkel dado o vinculo que estabelece entre as influencias cientificas sobre os pro cessos biol6gicos e orginicos isto 6 sobre a populapiio e 4 M Foucault se refere aqui a teoria elaborada na Franqa em rneados do sCculo XIX pelos alienistas em especial por BA Morel Trait6 des dig6nkrescences physiques intellecluelles et morales de lesptce humaine Paris 1857 Trait6 des maladies mentales Paris 1870 por V Magnan Lepns cliniques sur les maladies mentales Paris 1893 e por M Legrain V Magnan Les d6g6nir6ss tat mental et syndromes hpisodiques Paris 1895 Essa teoria da degenerescsncia fundamentada no principio da trans missibilidade da tara chamada hereditaria foi o nccleo do saber mtdico sobre a loucura e a anormalidade na segunda metade do sCculo XIX Muito cedo adotada pela medicina legal ela teve efeitos considerhveis sobre as dou trinas e as priticas eugenicas e nlo deixou de influenciar toda urna literama toda uma criminologia e toda urna antropologia 302 EM DEFESA DA SOCIEDADE sobre o corpo e ao mesmo tempo na medida em que a me dicina vai ser urna ttcnica politica de intervenqiio com efei tos de poder proprios A medicina C um saberpoder que inci de ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a populaqiio so bre o organism0 e sobre os processos biol6gicos e que vai portanto ter efeitos disciplinares e efeitos regulamentadores De urna forma mais geral ainda podese dizer que o elemento que vai circular entre o disciplinar e o regulamen tador que vai se aplicar da mesma forma ao corpo e populao que permite a um s6 tempo controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleat6rios de urna multiplicidade biol6gica esse elemento que circula entre um e outro 6 a norma A norma C o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar quanto a urna po pulaqiio que se quer regulamentar A sociedade de normali zaqiio niio C pois nessas condiqaes urna espCcie de socie dade disciplinar generalizada cujas instituigaes disciplinares teriam se alastrado e finalmente recoberto todo o espaqo essa n5o 6 acho eu seniio urna primeira interpretaqiio e in suficiente da idCia de sociedade de normalizaqiio A socie dade de normalizaqiio 15 urna sociedade em que se cruzam conforme urna articulaqiio ortogonal a norma da disciplina e a norma da regulamentaqiio Dizer que o poder no seculo XIX tomou posse da vida dizer pel0 menos que o poder no stculo XIX incumbiuse da vida C dizer que ele conse guiu cobrir toda a superficie que se estende do orgbico ao biol6gic0 do corpo A populaq20 mediante o jogo duplo das tecnologias de disciplina de urna parte e das tecnologias de regulamentaqiio de outra Portanto estamos num poder que se incumbiu tanto do corpo quanto da vida ou que se incumbiu se vocCs preferi rem da vida em geral com o p610 do corpo e o p610 da po pulaqiio Biopoder por conseguinte do qua1 logo podemos localizar os paradoxos que aparecem no pr6prio limite de AULADE 17DEMARCODE 1976 303 seu exercicio Paradoxos que aparecem de um lado com o poder atbmico que niio C meramente o poder de matar se gundo os direitos que s5o concedidos a todo soberano mi lhaes e centenas de milhaes de homens afinal de contas isso C tradicional Mas o que faz que o poder atbmico seja para o funcionarnento do poder politico atual urna espCcie de paradox0 dificil de contornar se niio totalmente incon tornhvel C que no poder de fabricar e de utilizar a bomba atarnica temos a entrada em cena de um poder de soberania que mata mas igualmente de um poder que C o de matar a pr6pria vida De sorte que nesse poder atemico o poder que se exerce se exerce de tal forma que 6 capaz de suprimir a vida E de suprimirse em conseqiiencia como poder de as segurar a vida Ou ele C soberano e utiliza a bomba atemica mas por isso niio pode ser poder biopoder poder de assegurar a vida como ele o C desde o sCculo XIX Ou noutro limite voces tm o excesso ao contrhrio niio mais do direito sobe ran0 sobre o biopoder mas o excesso do biopoder sobre o direito soberano Esse excesso do biopoder aparece quando a possibilidade 6 tCcnica e politicamente dada ao homem niio s6 de organizar a vida mas de fazer a vida proliferar de fabricar algo vivo de fabricar algo monstruoso de fabricar no limite virus incontroliveis e universalmente destrui dores Extendo formidhvel do biopoder que em contraste com o que eu dizia agora hh pouco sobre o poder atemico vai ultrapassar toda a soberania humana Desculpemme esses longos percursos a respeito do biopoder mas eu creio que C contra esse pano de fundo que se pode encontrar o problema que eu havia tentado expor Entiio nessa tecnologia de poder que tem como objeto e como objetivo a vida e que me parece um dos traqos fun damentais da tecnologia do poder desde o stculo XIX como vai se exercer o direito de matar e a funIo do assassinio se C verdade que o poder de soberania recua cada vez mais e que ao contrhrio avanGa cada vez mais o biopoder disciplinar ou regulamentador Como um poder como este pode matar se t verdade que se trata essencialmente de aumentar a vida de prolongar sua duraLo de multiplicar suas possibilidades de desviar seus acidentes ou entLo de compensar suas defi ci6ncias Como nessas condiqles 6 possivel para urn poder politico matar reclamar a morte pedir a morte mandar ma tar dar a ordem de matar expor A morte nlo s6 seus inimi gos mas mesmo seus pr6prios cidadLos Como esse poder que tern essencialmente o objetivo de fazer viver pode dei xar morrer Como exercer o poder da morte como exercer a funiio da morte num sistema politico centrado no biopoder E ai creio eu que intervtm o racismo N5o quero de mod0 algum dizer que o racismo foi inventado nessa epoca Ele existia hh muito tempo Mas eu acho que hncionava de outro modo 0 que inseriu o racismo nos mecanismos do Estado foi mesmo a emergencia desse biopoder Foi nesse momento que o racismo se inseriu como mecanismo funda mental do poder tal como se exerce nos Estados modernos e que faz com que quase nLo haja funcionamento moderno do Estado que em certo momento em certo limite e em certas condiqtjes niio passe pelo racismo Corn efeito que C o racismo E primeiro o meio de intmduzir afinal nesse dominio da vida de que o poder se incumbiu um corte o corte entre o que deve viver e o aue 1 deve morrer No continuo biol6gico ha esptcie humana o aparecimento das raqas a distinqb das ragas a hierarquia das raGas a qualificalo de certas raqas como boas e de outras ao contrhrio como inferiores tudo isso vai ser urna manei ra de fragrnentar esse campo do biol6gico de que o poder se incumbiu urna maneira de defasar no interior da populaq50 uns grupos em relagiio aos outros Em resumo de estabelecer urna cesura que serh do tip0 biol6gico no interior de um do minio considerado como sendo precisamente um dominio biolbgico Isso vai permitir ao poder tratar urna populaqLo como urna mistura de raqas ou mais exatamente tratar a es pbcie subdividir a espkcie de que ele se incurnbiu em sub grupos que ser60 precisamente ragas Essa 6 a primeira fun 950 do racismo fragmentar fazer cesuras no interior desse continuo biolhgico a que se dirige o biopoder De outro lado o racismo tera sua segunda funqiio terh como papel permitir urna relaq6o positiva se votes quise rem do tipo quanto mais voce matar mais vocE farl mor rer ou quanto mais voce deixar morrer mais por isso mesmo vocE viver2 Eu diria que essa r e l a b se voc2 quer viver 6 preciso que voc2 faqa morrer 6 preciso que voc2 pos sa matar afinal MO foi o racismo nem o Estado moderno que inventou E a relagiio guerreira para viver 6 preciso que voce massacre seus inirnigos Mas o racismo faz jus tamente funcionar faz atuar essa relazo de tipo guerreiro se voce quer viver 6 preciso que o outro morra de urna maneira que 6 inteiramente nova e que precisamente e compativel com o exercicio do biopoder De urna parte de fato o racismo vai permitir estabelecer entre a minha vida e a morte do outro uma relacgo que n60 k urna relaggo mili tar e guemira de enfientamento mas urna relapPo do tipo biol6gico quanto mais as especies inferiores tenderem a de saparecer quanto mais os individuos anormais forem elimi nados menos degenerados haverl em relac60 a espkcie mais eu niio enquanto individuo mas enquanto espkcie vive rei mais forte serei mais vigoroso serei mais poderei pro liferar A morte do outro nLo C simplesmente a minha vida na medida em que seria minha seguranga pessoal a morte do outro a morte da raqa ruim da raga inferior ou do dege nerado ou do anormal t o que vai deixar a vida em geral mais sadia mais sadia e mais pura Portanto relaqiio n5o militar guerreira ou politica mas relatiio biolhgica E se esse mecanismo pode atuar e por 3 06 EMDEFESA DA SOCZEDADE que os inimigos que se trata de suprimir nHo sHo os adver sbrios no sentido politico do termo sgo os perigos externos ou internos em relaggo A populagiio e para a populagiio Em outras palavras tirar a vida o imperativo da morte s6 C admissivel no sistema de biopoder se tende nZo A vit6ria sobre os adversirios politicos mas A eliminaggo do perigo biol6gico e ao fortalecimento diretamente ligado a essa eli minaggo da prdpria espkcie ou da raqa A raga o racismo e a condiqiio de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalizaq20 Quando vocb ti2m uma sociedade de nor malizago quando vocs tem um poder que 6 ao menos em toda a sua superficie e em primeira instdncia em primeira linha um biopoder pois bem o racismo C indispenshvel como condiggo para poder tirar a vida de alguCm para po der tirar a vida dos outros A funqlo assassina do Estado s6 pode ser assegurada desde que o Estado funcione no mod0 do biopoder pel0 racismo Vocb compreendem em conseqiiencia a importincia eu ia dizer a importincia vital do racismo no exercicio de urn poder assim e a condiglo para que se possa exercer o di reito de matar Se o poder de normalizagiio quer exercer o velho direito soberano de matar ele tem de passar pel0 ra cism E se inversamente um poder de soberania ou seja um poder que tem direito de vida e de morte quer hncionar com os instrumentos com os mecanismos com a tecnolo gia da normalizagiio ele tambCm tem de passar pelo racis mo E claro por tirar a vida n8o entendo simplesmente o assassinio direto mas tambCm tudo o que pode ser assassi nio indireto o fato de expor i morte de multiplicar para al guns o risco de morte ou pura e simplesmente a morte po litica a expuls80 a rejeiggo etc A partir dai eu creio que se pode compreender certo n6mero de coisas Podese compreender primeiro o vinculo que rapidamente eu ia dizer imediatamente se estabele AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 307 ceu entre a teoria bioldgica do skculo XIX e o discurso do poder No fundo o evolucionismo entendido num sentido lato ou seja nlo tanto a pr6pria teoria de Darwin quanto o conjunto o pacote de suas noq6es corno hierarquia das espCcies sobre a irvore comum da evoluglo luta pela vida en tre as espbcies selegb que elimina os menos adaptados tornouse com toda a naturalidade em alguns anos do sC culo XIX niio simplesmente uma maneira de transcrever em termos biol6gicos o discurso politico nlo simplesmente urna maneira de ocultar um discurso politico sob uma ves timenta cientifica mas realmente m a maneira de pensar as relagbes da colonizaggo a necessidade das guerras a crimi nalidade os fen6menos da loucura e da doenga mental a hist6ria das sociedades com suas diferentes classes etc Em outras palavras cada vez que houve enfrentamento conde nagb A morte luta risco de morte foi na forma do evolucio nismo que se foi forgado literalmente a pensa10s E podese compreender tambbm por que o racismo se desenvolve nessas sociedades modernas que funcionam ba seadas no mod0 do biopoder compreendese por que o racis mo vai irromper em certo n6mero de pontos privilegiados que slo precisamente os pontos em que o direito i morte C necessariamente requerido 0 racismo vai se desenvolver prirno com a colonizaglo ou seja com o genocidiocoloni zador Quando for precis0 matar pessoas matar populag6es matar civilizagces como se poderb fazelo se se funcionar no mod0 do biopoder AtravCs dos temas do evolucionis mo mediante um racismo A guerra Como 6 possivel nHo s6 travar a guerra contra os adversbrios mas tambkm expor os prbprios cidadiios A guerra fazer que sejam mortos aos milhaes corno aconte ceu justarnente desde o sCculo XIX desde a segunda metade do stculo XIX senlo precisamente ativando o tema do ra cism Na guerra vai se tratar de duas coisas dai em diante 308 EM DEFESA DA SOCIEDADE destruir niio simplesmente o adverslrio politico mas a raqa adversa essa espCcie de perigo biol6gico representado para a raqa que somos pelos que estiio a nossa fiente E claro essa C apenas de certo modo uma extrapolaqiio biol6gica do tema do inimigo politico No entanto mais ainda a guerra isto C absolutamente novo vai se mostrar no final do sCculo XIX como urna maneira niio simplesmente de forta lecer a pr6pria raqa eliminando a raGa adversa conforme os temas da seleqlo e da luta pela vida mas igualmente de regenerar a pr6pria raqa Quanto mais numerosos forem os que morrerem entre n6s mais pura serl a raGa a que perten cemos Vocs ttm ai em todo caso um racismo da guerra novo no final do sCculo XIX e que era acho eu necessitado pel0 fato de que um biopoder quando queria fazer a guerra como poderia articular tanto a vontade de destruir o adver shrio quanto o risco que assumia de matar aqueles mesmos cuja vida ele devia por definiqiio proteger organizar mul tiplicar Poderiamos dizer a mesma coisa a prop6sito da I criminalidade Se a criminalidade foi pensada em termos de racism0 foi igualmente a partir do momento em que era 1 precis0 tornar possivel num mecanismo de biopoder a con denaqiio a morte de um criminoso ou seu isolamento Mes ma coisa com a loucura mesma coisa com as anomalias diversas Em linhas gerais o racismo acho eu assegura a fun qlo de morte na economia do biopoder segundo o principio I de que a morte dos outros 6 o fortalecimento biolbgico da pr6pria pessoana medida em que ela C membro de uma raqa ou de urna populaqiio na medida em que se C elemento numa pluralidade unithria e viva Vocts estlo vendo que ai estamos no fundo muito longe de um racismo que seria simples e tradicionalmente desprezo ou 6dio das raqas umas pelas outras TambCm estamos muito longe de um racismo que seria uma espCcie de operaqiio ideol6gica pela qua1 os Estados ou urna classe tentaria desviar para um advershrio mitico hostilidades que estariam voltadas para eles ou agi tariam o corpo social Eu creio que C muito mais profundo do que urna velha tradiqiio muito mais profimdo do que urna nova ideologia C outra coisa A especificidade do racismo moderno o que faz sua especificidade nlo esth ligado a mentalidades a ideologias a mentiras do poder Esta ligado A tCcnica do poder a tecnologia do poder Esti ligado a isto que nos coloca longe da guerra das racas e dessa inteligibi lidade da histbria num mecanismo que permite ao biopoder exercerse Portanto o racismo C ligado ao funcionamento de um Estado que C obrigado a utilizar a raqa a elirninaqiio das raqas e a purificaqiio da raqa para exercer seu poder sobe rano A justaposiqb ou melhor o funcionamento atravCs do biopoder do velho poder soberano do direito de morte implica o funcionamento a introduqgo e a ativaqlo do ra cism E t ai creio eu que efetivamente ele se enraiza Vocts compreendem entb nessas condiqijes como e por que os Estados mais assassjnos siio ao mesmo tempo forqosamente os mais racistas E claro ai temos de tomar o exemplo do nazismo Afinal de contas o nazismo C de fato o desenvolvimento at6 o paroxismo dos mecanismos de poder novos que haviam sido introduzidos desde o sCculo XVIII Niio h i Estado mais disciplinar claro do que o regime na zista tampouco ha Estado onde as regulamentaq6es biol6 gicas sejam adotadas de urna maneira mais densa e mais insistente Poder disciplinar biopoder tudo isso percorreu sustentou a muque a sociedade nazista assunqiio do biol6 gico da procriaqo da hereditariedade assunqlo tambCm da doenqa dos acidentes Niio ha sociedade a um s6 tempo mais disciplinar e mais previdencihria do que a que foi im plantada ou em todo caso projetada pelos nazistas 0 con trole das eventualidades pr6prias dos processos biol6gicos era um dos objetivos imediatos do regime 310 EM DEFESA DA SOCIEDADE Mas ao mesmo tempo que se tinha essa sociedade universalmente previdencihia universalmente segurado ra universalmente regulamentadora e disciplinar atravks dessa sociedade desencadeamento mais completo do poder assassino ou seja do velho poder soberano de matar Esse poder de matar que perpassa todo o corpo social da socie dade nazista se manifesta antes de tudo porque o poder de matar o poder de vida e de morte C dado nlo simplesmente ao Estado mas a toda urna strie de individuos a urna quan tidade considerivel de pessoas sejam os SA os SS etc No limite todos tCm o direito de vida e de morte sobre o seu vizinho no Estado nazista ainda que fosse pelo com portamento de dencncia que permite efetivamente supri mir ou fazer suprimirem aquele que esti a seu lado Portanto desencadeamento do poder assassino e do po der soberano atravCs de todo o corpo social Igualmente pel0 fato de a guerra ser explicitamente posta como um objetivo politico e niio meramente no hndo como um objetivo po litico para obter certo nknero de meios mas como urna es pCcie de fase 6ltima e decisiva de todos os processos politi cos a politica deve resultar na guerra e a guerra deve ser a fase final e decisiva que vai coroar o conjunto Em conse qiiCncia niio 6 simplesmente a destruiiio das outras raCas que C o objetivo do regime nazista A destruiiio das outras raCas C urna das faces do projeto sendo a outra face expor sua pr6pria raqa ao perigo absoluto e universal da morte 0 risco de morrer a exposiqiio A destruiiio total C um dos principios inseridos entre os deveres fundamentais da obe diCncia nazista e entre os objetivos essenciais da politica E preciso que se chegue a urn ponto tal que a populaqiio intei ra seja exposta Q morte Apenas essa exposiqiio universal de toda a populaiio Q morte poderh efetivamente constituila como raCa superior e regenerila definitivamente perante as raqas que tiverem sido totalmente exterminadas ou que se riio definitivamente sujeitadas AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 311 Temse pois na sociedade nazista esta coisa apesar de tudo extraordinhria C urna sociedade que generalizou abso lutamente o biopoder mas que generalizou ao mesmo tempo o direito soberano de matar 0 s dois mecanismos o clhssi co arcaico que dava ao Estado direito de vida e de morte sobre seus cidadiios e o novo mecanismo organizado em torno da disciplina da regulamentaqiio em suma o novo me canismo de biopoder vm exatamente a coincidir De sor te que se pode dizer isto o Estado nazista tornou absoluta mente coextensivos o campo de urna vida que ele organiza protege garante cultiva biologicamente e ao mesmo tem po o direito soberano de matar quem quer que seja niio s6 os outros mas os seus pr6prios Houve entre os nazistas urna coincidencia de um biopoder generalizado com urna ditadura a um s6 tempo absoluta e retransmitida atravCs de todo o corpo social pela formidavel jungiio do direito de ma tar e da exposiiio A morte Temos um Estado absolutamen te racista um Estado absolutamente assassino e um Estado absolutamente suicida Estado racista Estado assassino Es tad0 suicida Isso se sobrepde necessariamente e resultou C claro ao mesmo tempo na soluqiio final pela qxal se quis elirninar atravks dos judeus todas as outras raGas das quais os judeus eram a um s6 tempo o simbolo e a manifestaqiio dos anos 19421943 e depois no telegrama 71 pel0 qual em abril de 1945 Hitler dava ordem de destruir as condiq6es de vida do pr6prio povo alemiio5 5 Hitler j6 em 19 de marso tomara disposiBes para a destruiHo da infraestrutura logistics e dos equipamentos industriais da Alemanha Tais disposiqBes estlo enunciadas em dois decretos de 30 de marqo e de 7 de abril Sobre esses decretos cf A Speer Erinnenmngen Berlim Propylaen Verlag 1969 trad fr Au cceur du TroisiGme Reich Paris Fayard 1971 Foucault certamente leu a obra de J Fest Hitler FrankfurtlBerlimNiena Verlag Ullstein 1973 trad fr Paris Gallimard 1973 312 EM DEFESA DA SOCIEDADE Soluiio final para as outras raCas suicidio absoluto da raGa alemii Era a isso que levava essa mecdnica inscrita no funcionamento do Estado moderno Apenas o nazismo C claro levou at6 o paroxismo o jog0 entre o direito sobera no de matar e os mecanismos do biopoder Mas tal jog0 esti efetivamente inscrito no funcionamento de todos os Esta dos De todos os Estados modernos de todos os Estados capitalistas Pois bem nLo C certo Eu creio que justamente mas essa seria urna outra demonstraiio o Estado socia lista o socialismo C ti70 marcado de racismo quanto o fun cionamento do Estado moderno do Estado capitalista Em face do racismo de Estado que se formou nas condities de que lhes falei constituiuse um socialracism0 que niio es perou a formaiio dos Estados socialistas para aparecer 0 socialismo foi logo de saida no sCculo XIX um racismo E seja Fourier no inicio do sCculo sejam os anarquistas no final do sCculo passando por todas as formas de socialis mo vocCs sempre vCem neles um componente de racismo Ai C muito dificil para mim falar disso Falar disso de qualquer jeito C fazer urna afinnaiio que niio admite rtplica Demonstrilo para vocCs implicaria o que eu queria fazer urna outra bateria de aulas no fim Em todo caso eu gosta ria simplesmente de dizer isto de um mod0 geral parece me ai C um pouco urna conversa informal que o socialis mo na medida em que niio apresenta em primeira instsncia os problemas econ6micos ou juridicos do tip0 de propriedade ou do mod0 de produiio na medida em que em conse quCncia o problema da mechica do poder dos mecanismos 6 De Ch Fourier ver sobretudo a esse respeito Thiorie des quatre mouvements et des destinies ginirales Leipzig byon 1808 Le nouveau mon de industriel et sociitaire Paris 1829 La fazcsse industrie morcelie ripug nante mensongire Paris 18362 vol AULA DE 17 DE UARCO DE 1976 313 do poder niio 6 apresentado e analisado por ele o socia lism pois niio pode deixar de reativar de reinvestir esses mesmos mecanismos de poder que vimos constituiremse atravb do Estado capitalista ou do Estado industrial Em todo caso urna coisa 6 certa 6 que o tema do biopoder desen volvido no fim do sCculo XVIII e durante todo o sCculo XIX nLo so nio foi criticado pel0 socialismo mas tambtm de fato foi retomado por ele desenvolvido reimplantado modifi cad0 em certos pontos mas de mod0 algum reexaminado em suas bases e em seus modos de funcionamento A idCia em suma de que a sociedade ou o Estado ou o que deve subs tituir o Estado tem essencialmente a funqiio de incumbirse da vida de organizbla de multiplicila de compensar suas eventualidades de percorrer e delimitar suas chances e pos sibilidades biologicas pareceme que isso foi retomado tal qua1 pel0 socialismo Com as consequencias que isso tem urna vez que nos encontramos num Estado socialista que deve exercer o direito de matar ou o direito de eliminar ou o direito de desqualificar E C assim que inevitavelmente vocCs vio encontrar o racismo nIo o racismo propriamen te Ctnico mas o racismo de tip0 evolucionista o racismo biologic0 funcionando plenamente nos Estados socialistas tipo UniLo SoviCtica a prop6sito dos doentes mentais dos criminosos dos adverskios politicos etc Isso 6 tudo quan to ao Estado 0 que me parece interessante tambCm e que faz tempo me C problematico C que mais uma vez nZo C sirnplesmente no plano do Estado socialista que se encontra esse mesmo funcionamento do racismo mas tamb6m nas diferentes for mas de anilise ou de projeto socialista ao longo de todo o stculo XIX e pareceme em torno do seguinte cada vez que um socialismo insistiu no fundo sobretudo na transfor mag50 das condigties econ6micas como principio de trans 3 14 EM DEFESA DA SOCIEDADE formaqlo e de passagem do Estado capitalista para o Estado socialista em outras palavras cada vez que ele buscou o principio da transforrnaqlo no plano dos processos econ6 micos ele nio necessitou pel0 menos imediatamente de racismo Em compensaqlo em todos os momentos em que o socialismo foi obrigado a insistir no problema da luta da luta contra o inimigo da eliminaqlo do advershio no proprio interior da sociedade capitalista quando se tratou por con seguinte de pensar o enfrentamento fisico com o advershrio de classe na sociedade capitalista o racismo ressurgiu por que foi a dnica maneira para um pensamento socialista que apesar de tudo era muito ligado aos temas do biopoder de pensar a razlo de matar o advershrio Quando se trata sim plesmente de eliminhlo economicamente de fazblo perder seus privilkgios nlo se necessita de racismo Mas quando se trata de pensar que se vai ficar frente a frente com ele e que vai ser preciso brigar fisicamente com ele arriscar a propria vida e procurar mathlo foi preciso racismo Em conseqiiencia cada vez que votes vCem esses so cialismos formas de socialismo momentos de socialismo que acentuam esse problema da luta votes tem o racismo E assim que as formas de socialismo mais racistas foram claro o blanquismo a Comuna e foi a anarquia muito mais do que a socialdemocracia muito mais do que a Segunda Internacional e muito mais do que o pr6prio mamismo 0 racismo socialista s6 foi liquidado na Europa no fim do sk culo XM de urna parte pela dominaglo de uma socialdemo cracia e temos mesmo de dizer de urn reformism0 ligado a essa socialdemocracia e da outra por certo nmero de processos como o caso Dreyfus na Franga Mas antes do caso Dreyfus todos os socialistas enfim os socialistas em sua extrema maioria eram fundamentalmente racistas E eu creio que eram racistas na medida em que e terminarei nes AULA DE 17 DE MARC0 DE 1976 te ponto nlo reavaliaram ou admitiram se voces preferi I rem como sendo 6bvio esses mecanismos de biopoder que I I o desenvolvimento da sociedade e do Estado desde o skculo I I XVIII havia introduzido Como se pode fazer um biopoder I I funcionar e ao mesmo tempo exercer os direitos da guerra os direitos do assassinio e da funqb da morte senb passan do pel0 racismo Era esse o problema e eu acho que conti nua a ser esse o problema

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