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Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo - Marisa Lajolo
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Uma galinha Clarice Lispector Era uma galinha de domingo Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã Parecia calma Desde sábado encolherase num canto da cozinha Não olhava para ninguém ninguém olhava para ela Mesmo quando a escolheram apalpando sua intimidade com indiferença não souberam dizer se era gorda ou magra Nunca se adivinharia nela um anseio Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo inchar o peito e em dois ou três lances alcançar a murada do terraço Um instante ainda vacilou o tempo da cozinheira dar um grito e em breve estava no terraço do vizinho de onde em outro vôo desajeitado alcançou um telhado Lá ficou em adorno deslocado hesitando ora num ora noutro pé A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé O dono da casa lembrandose da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta hesitante e trêmula escolhia com urgência outro rumo A perseguição tornouse mais intensa De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça O rapaz porém era um caçador adormecido E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado Sozinha no mundo sem pai nem mãe ela corria arfava muda concentrada Às vezes na fuga pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento E então parecia tão livre Estúpida tímida e livre Não vitoriosa como seria um galo em fuga Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser A galinha é um ser É verdade que não se poderia contar com ela para nada Nem ela própria contava consigo como o galo crê na sua crista Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma Afinal numa das vezes em que parou para gozar sua fuga o rapaz alcançoua Entre gritos e penas ela foi presa Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência Ainda tonta sacudiuse um pouco em cacarejos roucos e indecisos Foi então que aconteceu De pura afobação a galinha pôs um ovo Surpreendida exausta Talvez fosse prematuro Mas logo depois nascida que fora para a maternidade pare cia uma velha mãe habituada Sentouse sobre o ovo e assim ficou respirando abotoando e desabotoando os olhos Seu coração tão pequeno num prato solevava e abaixava as penas enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida Mal porém conseguiu desvencilharse do acontecimento despregouse do chão e saiu aos gritos Mamãe mamãe não mate mais a galinha ela pôs um ovo Ela quer o nosso bem Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente Esquentando seu filho esta não era nem suave nem arisca nem alegre nem triste não era nada era uma galinha O que não sugeria nenhum sentimento especial O pai a mãe e a filha olhavam já há algum tempo sem propriamente um pensamento qualquer Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha O pai afinal decidiuse com certa brusquidão Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida Eu também jurou a menina com ardor A mãe cansada deu de ombros Inconsciente da vida que lhe fora entregue a galinha passou a morar com a família A menina de volta do colégio jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha O pai de vez em quando ainda se lembrava E dizer que a obriguei a correr naquele estado A galinha tornarase a rainha da casa Todos menos ela o sabiam Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos usando suas duas capacidades a de apatia e a do sobressalto Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam têla esquecido enchiase de uma pequena coragem resquícios da grande fuga e circulava pelo ladrilho o corpo avançando atrás da cabeça pausado como num campo embora a pequena cabeça a traísse mexendose rápida e vibrátil com o velho susto de sua espécie já mecanizado Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e se fosse dado às fêmeas cantar ela não cantaria mas ficaria muito mais contente Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse Na fuga no descanso quando deu à luz ou bicando milho era uma cabeça de galinha a mesma que fora desenhada no começo dos séculos Até que um dia mataramna comeramna e passaramse anos IN LISPECTOR Clarice Laços de família contos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1983 pág 33 36 O conto intitulado Uma galinha de Clarice Lispector se trata de uma evidente crítica às relações familiares mediante o papel social auferido às mulheres na sociedade moderna Essa percepção fica evidente conforme é estabelecido um paralelo entre as características da mulher e da galinha no cerne da narrativa Algumas das principais menções que possibilitam evidenciar essa questão é que Não olhava para ninguém Ninguém olhava para ela como uma demonstração da invisibilidade das mulheres bem como a menção de que Nunca se adivinharia nela um anseio o que demonstra a subordinação e a ausência de vontade própria que eram inferidas ao papel das mulheres Isso além da ressalva à algumas características da galinha como Estúpida tímida e livre Não vitoriosa como seria um galo em fuga Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser A galinha é um ser É verdade que não se poderia contar com ela para nada Nem ela própria contava consigo como o galo crê na sua crista Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma LISPECTOR 1983 p 34 De fato a metáfora se constitui a partir de sua potencialidade crítica em relação ao que era recorrente no período moderno visto que o papel da mulher era restrito à maternidade e ao lar Logo o conto apresenta uma metáfora eficaz para o entendimento das relações familiares e de como as mulheres eram subordinadas e inferiorizadas em relação aos homens Assim a narrativa é imbuída de uma crítica em relação ao papel das mulheres e toda a indiferença com a qual eram enxergadas restritas à satisfação dos desejos e vontades de seus maridos além de terem suas funções sociais restritas à família subsumidas à maternidade e a outros aspectos inerentes à tradição familiar Cabe acrescentar que a narrativa é assertiva ao destacar que as mulheres eram enxergadas como um mero um instrumento de procriação tal qual as galinhas Como sabemos o único momento de maior visibilidade para as mulheres no qual ganhavam algum destaque e cuidados especiais era quando se casavam e ficavam grávidas No conto a evidência disso é a notoriedade que a galinha ganha ao botar um ovo ainda que sob pressão o que acaba despertando algum senso de maternidade nas pessoas que a tornam a rainha da casa até que caia novamente no esquecimento O ato de chocar o ovo por exemplo é uma evidente metáfora da gravidez uma realização enxergada como um momento de suma importância pela sociedade da época já que asseguraria o ciclo de gerações familiares e o cumprimento de uma demanda social e cultural primordial aos olhos da sociedade O conto intitulado Uma galinha de Clarice Lispector se trata de uma evidente crítica às relações familiares mediante o papel social auferido às mulheres na sociedade moderna Essa percepção fica evidente conforme é estabelecido um paralelo entre as características da mulher e da galinha no cerne da narrativa Algumas das principais menções que possibilitam evidenciar essa questão é que Não olhava para ninguém Ninguém olhava para ela como uma demonstração da invisibilidade das mulheres bem como a menção de que Nunca se adivinharia nela um anseio o que demonstra a subordinação e a ausência de vontade própria que eram inferidas ao papel das mulheres Isso além da ressalva à algumas características da galinha como Estúpida tímida e livre Não vitoriosa como seria um galo em fuga Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser A galinha é um ser É verdade que não se poderia contar com ela para nada Nem ela própria contava consigo como o galo crê na sua crista Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma LISPECTOR 1983 p 34 De fato a metáfora se constitui a partir de sua potencialidade crítica em relação ao que era recorrente no período moderno visto que o papel da mulher era restrito à maternidade e ao lar Logo o conto apresenta uma metáfora eficaz para o entendimento das relações familiares e de como as mulheres eram subordinadas e inferiorizadas em relação aos homens Assim a narrativa é imbuída de uma crítica em relação ao papel das mulheres e toda a indiferença com a qual eram enxergadas restritas à satisfação dos desejos e vontades de seus maridos além de terem suas funções sociais restritas à família subsumidas à maternidade e a outros aspectos inerentes à tradição familiar Cabe acrescentar que a narrativa é assertiva ao destacar que as mulheres eram enxergadas como um mero um instrumento de procriação tal qual as galinhas Como sabemos o único momento de maior visibilidade para as mulheres no qual ganhavam algum destaque e cuidados especiais era quando se casavam e ficavam grávidas No conto a evidência disso é a notoriedade que a galinha ganha ao botar um ovo ainda que sob pressão o que acaba despertando algum senso de maternidade nas pessoas que a tornam a rainha da casa até que caia novamente no esquecimento O ato de chocar o ovo por exemplo é uma evidente metáfora da gravidez uma realização enxergada como um momento de suma importância pela sociedade da época já que asseguraria o ciclo de gerações familiares e o cumprimento de uma demanda social e cultural primordial aos olhos da sociedade
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telhado onde esta hesitante e trêmula escolhia com urgência outro rumo A perseguição tornouse mais intensa De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça O rapaz porém era um caçador adormecido E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado Sozinha no mundo sem pai nem mãe ela corria arfava muda concentrada Às vezes na fuga pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento E então parecia tão livre Estúpida tímida e livre Não vitoriosa como seria um galo em fuga Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser A galinha é um ser É verdade que não se poderia contar com ela para nada Nem ela própria contava consigo como o galo crê na sua crista Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma Afinal numa das vezes em que parou para gozar sua fuga o rapaz alcançoua Entre gritos e penas ela foi presa Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência Ainda tonta sacudiuse um pouco em cacarejos roucos e indecisos Foi então que aconteceu De pura afobação a galinha pôs um ovo Surpreendida exausta Talvez fosse prematuro Mas logo depois nascida que fora para a maternidade pare cia uma velha mãe habituada Sentouse sobre o ovo e assim ficou respirando abotoando e desabotoando os olhos Seu coração tão pequeno num prato solevava e abaixava as penas enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida Mal porém conseguiu desvencilharse do acontecimento despregouse do chão e saiu aos gritos Mamãe mamãe não mate mais a galinha ela pôs um ovo Ela quer o nosso bem Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem 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pequena coragem resquícios da grande fuga e circulava pelo ladrilho o corpo avançando atrás da cabeça pausado como num campo embora a pequena cabeça a traísse mexendose rápida e vibrátil com o velho susto de sua espécie já mecanizado Uma vez ou outra sempre mais raramente lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado prestes a anunciar Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e se fosse dado às fêmeas cantar ela não cantaria mas ficaria muito mais contente Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse Na fuga no descanso quando deu à luz ou bicando milho era uma cabeça de galinha a mesma que fora desenhada no começo dos séculos Até que um dia mataramna comeramna e passaramse anos IN LISPECTOR Clarice Laços de família contos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1983 pág 33 36 O conto intitulado Uma galinha de Clarice Lispector se trata de uma evidente crítica às relações familiares mediante o papel social auferido às mulheres na sociedade moderna Essa percepção fica evidente conforme é estabelecido um paralelo entre as características da mulher e da galinha no cerne da narrativa Algumas das principais menções que possibilitam evidenciar essa questão é que Não olhava para ninguém Ninguém olhava para ela como uma demonstração da invisibilidade das mulheres bem como a menção de que Nunca se adivinharia nela um anseio o que demonstra a subordinação e a ausência de vontade própria que eram inferidas ao papel das mulheres Isso além da ressalva à algumas características da galinha como Estúpida tímida e livre Não vitoriosa como seria um galo em fuga Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser A galinha é um ser É verdade que não se poderia contar com ela para nada Nem ela própria contava consigo como o galo crê na sua crista Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma LISPECTOR 1983 p 34 De fato a metáfora se constitui a partir de sua potencialidade crítica em relação ao que era recorrente no período moderno visto que o papel da mulher era restrito à maternidade e ao lar Logo o conto apresenta uma metáfora eficaz para o entendimento das relações familiares e de como as mulheres eram subordinadas e inferiorizadas em relação aos homens Assim a narrativa é imbuída de uma crítica em relação ao papel das mulheres e toda a indiferença com a qual eram enxergadas restritas à satisfação dos desejos e vontades de seus maridos além de terem suas funções sociais restritas à família subsumidas à maternidade e a outros aspectos inerentes à tradição familiar Cabe acrescentar que a narrativa é assertiva ao destacar que as mulheres eram enxergadas como um mero um instrumento de procriação tal qual as galinhas Como sabemos o único momento de maior visibilidade para as mulheres no qual ganhavam algum destaque e cuidados especiais era quando se casavam e ficavam grávidas No conto a evidência disso é a 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que Nunca se adivinharia nela um anseio o que demonstra a subordinação e a ausência de vontade própria que eram inferidas ao papel das mulheres Isso além da ressalva à algumas características da galinha como Estúpida tímida e livre Não vitoriosa como seria um galo em fuga Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser A galinha é um ser É verdade que não se poderia contar com ela para nada Nem ela própria contava consigo como o galo crê na sua crista Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma LISPECTOR 1983 p 34 De fato a metáfora se constitui a partir de sua potencialidade crítica em relação ao que era recorrente no período moderno visto que o papel da mulher era restrito à maternidade e ao lar Logo o conto apresenta uma metáfora eficaz para o entendimento das relações familiares e de como as mulheres eram subordinadas e inferiorizadas em relação aos homens Assim a narrativa é imbuída de uma 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