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Literatura mediação literária e formação docente Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo UFSJ A realidade que a literatura aspira compreender é simplesmente a experiência humana Tzvetan Todorov 2009 Neste capítulo discutiremos a formação do leitor de textos literários especialmente o professor da educação básica e os processos de mediação aí implicados Iniciaremos nossas reflexões apresentando alguns condicionantes econômicos sociais e políticos incidentes sobre a formação do leitor no Brasil especialmente o professor Taisi condicionantes impactam a disponibilidade o acesso e a apropriação Kalman 2004 de textos literários Até 2015 existiam 6057 bibliotecas públicas municipais distritais estaduais e federais nos 26 estados e no Distrito Federal1 O Decreto n 75592011 institui o PNLL Plano Nacional do Livro e da Leitura com o objetivo de ampliar o acesso ao livro Porém do total de 5570 municípios brasileiros 112 não contam com bibliotecas públicas² e não há informações consolidadas acerca do funcionamento das bibliotecas existentes Segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil³ o país tem em torno de 83 milhões de não leitores de livros Instituto PróLivro 2016 p 22 Dados do IBGE indicam haver livrarias em ape ¹ Disponível em httpsnbpculturagovbrbibliotecaspublicas ² Disponível em httpscuttlyKjl9Iqy ³ Retratos da Leitura no Brasil 4 ed 2016 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 45 nas 177 dos municípios em 75 deles não há banca de jornal e em apenas 138 há algum tipo de associação literária Quanto às bibliotecas escolares dados do INEP indicam que 55 das escolas não possuem biblioteca ou sala de leitura e há grande disparidade entre as regiões do país Enquanto na região Sul 776 das escolas públicas têm biblioteca no Norte e no Nordeste respectivamente apenas 267 e 304 contam com o equipamento No Sudeste esse índice é de 711 e no CentroOeste 636 Brasil 2011 Esses dados indicam a disponibilidade e o desigual acesso ao livro seja na escola ou fora dela condição básica para a formação de leitores É só diante desse quadro social e político que as questões sobre mediação de leitura e formação do professorleitor podem ser discutidas 1 Literatura e mediação alguns pressupostos Entre os vários conceitos de literatura em disputa tomamos como referência a formulação de Antonio Candido por a considerarmos abrangente e adequada para pensar os processos de formação do leitor especialmente os que ocorrem no interior da escola Chamarei de literatura todas as criações de toque poético ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade em todos os tipos de cultura desde o que chamamos folclore lenda chiste até as formas mais complexas da produção escrita das grandes civilizações Candido 1995155 Do nosso ponto de vista esse conceito abarca diferentes manifestações da linguagem literária tanto em prosa quanto em verso não excluindo nenhuma criação de toque poético e ficcional possibilitando uma diversificação curricular e consequentemente uma maior abrangência de elementos que contribuam para a formação do leitor seja na relação com textos escritos seja com textos de característica oral Nesse sentido podemos considerar que essas linguagens literárias nas suas diferentes complexidades podem ser objeto de leitura e reflexão por meio de processos de mediação que tomem como ponto de partida os textos e linguagens mais próximos dos leitores em formação Se a literatura nos ajuda a viver se ela é mais densa e eloquente que a vida cotidiana mas não radicalmente diferente se amplia o nosso universo incitanos a imaginar outras maneiras de concebêlo como pensa Todorov 2009 22 devemos reivindicála como um direito incompressível no sentido atribuído por Candido 1995 e lutar para que todos tenham acesso a esse bem simbólico e cultural de forma igualitária Além das funções acima incluímos as reflexões de Calvino 2008 quando ele atribui à literatura a função de comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso não embotando mas antes exaltando a diferença segundo a vocação própria da linguagem escrita p 58 Ou seja além de contribuir para a ampliação das formas de conceber a vida e o universo a literatura incide sobre algo que nos constitui a diversidade humana suas diferentes formas de ser contribuindo assim para nos enxergarmos na diversidade em nossas diferentes formas de humanidade Assim é que devemos reivindicar que a literatura ocupe um lugar central nos processos de formação na escola e fora dela por meio de processos e formas de mediação dialógicos que incluam o debate e a conversa acerca da obra como princípio fundante Na escola ou fora dela a experiência estética na qual se inclui a leitura literária precisa ser mais reconhecida e valorizada como modo de humanizar as relações enrijecidas pela absolutização das mercadorias Paulino 2004 60 Questionando e criticando as práticas em torno do ensino de literatura Todorov 2009 2831 afirma na escola não aprendemos acerca do que falam as obras mas sim do que falam os críticos Devemos estudar os métodos de análise ilustrados com a ajuda de diversas obras Ou estudarmos obras consideradas como essenciais utilizando os mais variados métodos Para trilhar esse caminho pode ser útil ao aluno aprender os fatos da história literária ou alguns princípios resultantes desta análise estru tural Entretanto em nenhum caso o estudo desses meios de acesso pode substituir o sentido da obra que é o seu fim Isso implica discutir formas de mediação que coloquem o texto a obra literária no centro do processo de escolarização possibilitando o seu acesso pela mediação dialógica e apostando na construção de sentidos pelo leitor nos seus processos de signficação Essa perspectiva de mediação é defendida por Michèle Petit 2008 segundo a qual o papel do mediador é estabelecer pontes entre o leitor e a obra Esse mediador pode ser um professor um bibliotecário ou às vezes um livreiro um assistente social ou um animador voluntário de alguma associação ou até um amigo ou alguém com quem cruzamos p 210 na escola ou fora dela A antropóloga esclarece Não se trata de modo algum de aprisionar o leitor mas sim de lhe apresentar pontes ou permitir que ele mesmo construa as suas p 171 Por que se torna crucial discutir o papel do mediador na formação de leitores Porque concordando com Petit 200815 o gosto pela leitura não pode surgir da simples proximidade material com os livros Um conhecimento um patrimônio cultural uma biblioteca podem se tornar letra morta se ninguém lhes der vida Se a pessoa se sente pouco à vontade em aventurarse na cultura letrada devido à sua origem social ao seu distanciamento dos lugares do saber a dimensão do encontro com um mediador das trocas das palavras verdadeiras é essencial Ou seja não basta formular e implementar políticas que incidam sobre a disponibilidade de livros é preciso criar processos de formação e de mediação que possibilitem o acesso e a apropriação das obras pelos leitores Como formar professores e alunos leitores de textos literários As reflexões de Paulino 2004 nos ajudam a pensar os processos e as estratégias que devem ser desencadeados quando se tem como objetivo a formação do leitor de literatura A formação de um leitor literário significa a formação de um leitor que saiba escolher suas leituras que aprecie construções e significações verbais de cunho artístico que faça disso parte de seus fazeres e prazeres Esse leitor tem de saber usar estratégias de leitura adequadas aos textos literários aceitando o pacto ficcional proposto com reconhecimento de marcas linguísticas de subjetividade intertextualidade interdiscursividade recuperando a criação de linguagem realizada em aspectos fonológicos sintáticos semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção Paulino 2004 p 56 Tais processos devem portanto priorizar a formação do gosto pela autonomia de escolha do que se quer ler tendo como critério as construções próprias da linguagem artística e atentando para o leque de possibilidades indicadas por Candido 1995 A pesquisa de Petit 2008 indica que a leitura em particular a leitura de livros pode ajudar os jovens e diríamos os leitores em geral a serem mais autônomos e não apenas objetos de discursos repressivos ou paternalistas p 19 2 Literatura e formação docente O professor da educação básica é um leitor Embora existam ainda os que defendem que esse profissional não lê é importante discutir os pressupostos que reafirmam que tanto o professor quanto qualquer sujeito que vive numa sociedade grafocêntrica desenvolve práticas de leitura As pesquisas antropológicas sobre letramento como as de Street 1984 2014 e Barton e Hamilton 2000 lançam luz sobre as práticas de leitura que fogem ao padrão hegemônico padrão que considera leitor apenas quem lê livros e que norteia por exemplo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil São abundantes as pesquisas que atestam a diversidade de práticas de leitura nas sociedades grafocêntricas indicando que os sujeitos vivem imersos de alguma forma em contextos da cultura escrita tendo o seu cotidiano permeado por textos impressos e digitais Em geral pesquisas estatísticas que tentam mapear o perfil do leitor no Brasil partem do pressuposto de que ler é um verbo intransitivo sem a necessidade de questionar o objeto da leitura Ler ao contrário é um verbo transitivo Soares 2005 lemos diferentes gê Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 49 neros textuais de diferentes formas inclusive o livro literário que é apenas uma entre as tantas variedades de livros existentes Portanto não se pode atestar que o Brasil tem milhões de não leitores quando se parte dessa mais ampla acepção de leitura No entanto o foco de nossas preocupações é a leitura de livros literários por parte do professor Nesse ponto as pesquisas indicam que essa prática de leitura ainda é bastante restrita no país com resultados desanimadores A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil indica De maneira geral os professores possuem o mesmo comportamento da população leiga quanto aos hábitos frequência e interesses de leitura Ou seja os docentes não se diferenciam daqueles que estão desobrigados profissionalmente de conviver com os livros e textos Failla 2012 apud Stephani 2014 p 37 Cabenos então perguntar por que grande parte dos professores da educação básica não lê textos literários Para responder a essa pergunta é fundamental compreendermos alguns elementos condicionantes que caracterizam a profissão docente no país além dos apresentados na introdução deste texto Em pesquisa recente que buscou mapear o perfil sociocultural econômico e pedagógico dos professores da Rede Municipal de Recife Macedo 2019 nos deparamos com dados que reafirmam alguns dos resultados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil Quando perguntamos o que esses professores leem nos referindo a textos literários em prosa ou verso encontramos que 46 afirmam não ler romance poesia e contos embora uma discreta maioria 54 indique esse tipo de leitura Diante desses dados a pergunta que se coloca é como um professor da educação básica nos anos iniciais pode ser mediador de leitura se ele não lê poesia romance ou conto É possível ser mediador sem o contato com as obras que formam o leitor Não estamos falando de ensino de literatura simplesmente mas de um processo decisivo que pode marcar a relação do leitor com os livros positiva ou negativamente É consenso que para alguém poder ajudar a despertar o gosto pela leitura é preciso que ele mesmo seja um leitor ou tenha uma relação de intimidade com os livros No entanto precisamos questionar por que 46 dos professores das escolas municipais de Recife não se veem como leitores de literatura Podemos pensar no peso exercido pelas condições de trabalho atrelado às condições de acesso ao livro e à leitura literária além dos processos de formação desde a educação básica até a graduação A maioria dos professores atuantes em escolas públicas não só de Recife como de todo o país trabalha em dois turnos sobrando quase tempo nenhum para se dedicarem à leitura literária Considerando que a maioria é de mulheres essas professoras como sabemos enfrentam dois turnos de trabalho e mais uma jornada de serviços domésticos O fator tempo é decisivo na leitura literária que pela sua especificidade necessita do tempo adequado para que a fruição possa ocorrer diferentemente de leituras mais pragmáticas no cotidiano como por exemplo uma notícia de jornal uma página na internet receitas de bolo manuais de instrução uma lista de compras um email etc No que se refere aos sujeitos que podem ter influenciado o gosto pela leitura assim como na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o gráfico abaixo indica a mãe como a pessoa que mais influenciou o gosto pela leitura dos professores Em segundo lugar vem um pro 50 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo Leitura de romance conto e poesia Leit ores de romance conto e poesia Não leitores de romance conto e poesia 51 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE fessor em terceiro lugar o pai em quarto outro parente Chama a atenção a quantidade significativa de professores que afirmam não terem sido objeto de influência de ninguém no gosto pela leitura Esses resultados indicam a importância da mediação de leitura na família mas também na escola Indicam ainda que para muitos professores faltou um sujeito mediador na sua formação leitora Pessoa que mais influenciou no gosto pela literatura 120 100 80 60 40 20 0 pr o fes sor mè pai ider religiosan늣ca paÝente algun am não responderam Em relação à formação sabemos que a leitura literária não faz parte dos currículos dos cursos de pedagogia nem das licenciaturas Os cursos ignoram a dimensão estética da formação docente a partir da leitura literária O que se ensina nesses cursos é quando muito formas e estratégias de mediação de leitura sem contudo permitir que os professores leiam ou tenham acesso à leitura de obras literárias escolhidas por eles ou indicadas pelo curso Da mesma forma os cursos de formação continuada quando ocorrem investem nas pedagogias para o trabalho com o livro literário infantojuvenil sem que os professores tenham acesso a esses livros As políticas de leitura voltadas à escola até o ano de 2014 quando o PNBE Programa Nacional da Biblioteca Escolar foi suspenso fizeram chegar bons livros literários ao espaço escolar contudo não foram incluídas obras literárias destinadas ao professor Além disso as que chegam ficam muitas vezes estocadas na biblioteca da escola ou salas de leitura sem que os alunos tenham acesso a elas Em síntese o que se percebe é que uma vez graduado o professor é alçado à condição de mediador de leitura literária e é cobrado por isso e muito frequentemente responsabilizado de forma injusta pelo fracasso dos índices de leitura do país 52 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo 3 Um exemplo de mediação diferenciada no espaço escolar De forma sucinta relatamos aqui dados de uma pesquisa já concluída conduzida por Nathaly Ramos Silva 2018 sobre uma professora da educação básica anos finais que indica uma forma alternativa de trabalho com o livro literário nos processos de escolarização Tratase de uma professora que busca se aproximar do gosto de leitura dos alunos tomando suas experiências como ponto de partida A professora trabalha em dois turnos na Rede Estadual de Pernambuco é formada em Letras pela UFPE e tem como projeto pessoal ler em média doze livros por ano Todos os livros que ela lê são postados na sua página do Instagram como forma de compartilhar suas leituras e estimular seus alunos a lerem Ela reconhece que conta com pouco tempo disponível mesmo assim investe na leitura de livros no tempo que lhe resta quando não está trabalhando Usa esse mesmo argumento com os alunos rechaçando aqueles que afirmam não terem tempo suficiente para ler Afirma que seu gosto pela leitura não surgiu na infância ou adolescência Não tem lembrança de idas à biblioteca ou de leituras feitas em casa nesse período da vida tampouco de ter sido influenciada pelos pais ou por alguém próximo Atribui seu gosto pela leitura aos anos que passou na universidade no curso de Letras devido à leitura de textos para debate nas aulas Como estratégia de mediação literária a professora criou um clube de leitura numa das escolas onde atua As reuniões ocorrem semanalmente das 12h30min às 13h30min qualquer aluno pode participar e as obras lidas são escolhidas pelos alunos e também sugeridas por ela É comum em seu discurso a afirmação de que o clube não é aula mas um momento de conversa com quem gosta 53 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE de ler livros quem gosta de leitura reconhecendo a importância de compartilhar as dificuldades dos alunos com algum texto como por exemplo os contos de Machado de Assis que ela indicou para leitura A maior parte das obras lidas ou sugeridas são livros que remetem a alguma série ou que compõem o grupo dos bestsellers destinados aos jovens Esses livros também fazem parte do gosto da docente que afirma não gostar de ler textos clássicos ou canônicos Nas reuniões do clube os alunos têm a oportunidade de socializar os livros que estão lendo ou de discutir alguma obra lida por todos Observase que a mediação estabelecida pela docente prima pelo diálogo com a obra e não com textos avulsos instigando os alunos a emitirem sua opinião sobre os livros lidos compartilharem suas experiências de leitura e assim influenciarem a escolha de leitura dos colegas Isto é no clube todos exercem simultaneamente o papel de leitor e de mediador nos moldes discutidos por Michèle Petit 2008 A escola não conta com bibliotecária a biblioteca fica fechada Porém a professora tem a chave para fazer as reuniões do clube nesse espaço Ela também pode usar o acervo desatualizado em relação ao gosto de leitura dos alunos mas com alguns exemplares de clássicos da literatura brasileira Uma das experiências do clube foi a leitura de um conto de Machado de Assis que evidenciou segundo as observações e a fala da professora um grande desafio de leitura Os alunos desacostumados da linguagem machadiana enfrentaram grande dificuldade na leitura e compreensão do texto A justificativa da professora para a escolha do conto foi o fato de haver exemplares suficientes para todos os participantes Porém não apenas os alunos tiveram dificuldades a própria professora compartilhou com o grupo suas dificuldades de compreensão do texto Por outro lado durante a reunião ela apresentou sua interpretação da obra e construiu com os alunos uma compreensão compartilhada de sentidos Observamos assim que o leque de leituras do clube é amplo não se restringe apenas aos livros de que os alunos gostam e que há um esforço da docente em possibilitar o acesso mediado a textos mais desafiadores como os clássicos Nesse sentido podemos considerar que essa prática trabalha com uma visão mais ampla de literatura tendo como referência e ponto de partida as experiências de leitura dos alunos a fim de ampliálas papel atribuído à escola Com essa experiência podemos especular sobre a possibilidade de as aulas de leitura não serem focadas na análise da estrutura dos textos literários avulsos ou mesmo dos que constam nos livros didáticos embora isso possa ocorrer mas fundamentalmente no contato permanente com obras autênticas e integrais Ou ainda a possibilidade de as aulas de leitura terem como base as experiências e gostos de leitura dos alunos Para isso o professor precisa conhecer as experiências de leitura da turma Isso implica uma relação mais dialógica entre professor e alunos para que eles possam se sentir estimulados a relatar suas leituras numa relação de confiança formação cooperação e reciprocidade Por outro lado concordamos com Paulino Chegar a ler um bom autor um premiado autor para jovens não basta para penetrar no campo restrito dos leitores contumazes ligados de fato à literatura bem informados capazes de distanciarse das propostas de consumo da literatura como mercadoria apenas 2004 p 59 Porém dadas as condições de trabalho as peculiaridades da cultura escolar e a formação do professor percebemos que a escola a cada dia se torna um espaço que afugenta o livro literário das suas práticas seja pela forma como o currículo está estabelecido sem priorizar o texto literário seja pela inexistência de um projeto de leitura ligado às bibliotecas ou salas de leitura na escola 4 O caminho se faz caminhando São muitos os desafios a enfrentar no que se refere à formação do leitor de textos literários no Brasil Um país com muitas deficiências tanto nas políticas do livro e da leitura quanto na for 54 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo esforço da docente em possibilitar o acesso mediado a textos mais desafiadores como os clássicos Nesse sentido podemos considerar que essa prática trabalha com uma visão mais ampla de literatura tendo como referência e ponto de partida as experiências de leitura dos alunos a fim de ampliálas papel atribuído à escola Com essa experiência podemos especular sobre a possibilidade de as aulas de leitura não serem focadas na análise da estrutura dos textos literários avulsos ou mesmo dos que constam nos livros didáticos embora isso possa ocorrer mas fundamentalmente no contato permanente com obras autênticas e integrais Ou ainda a possibilidade de as aulas de leitura terem como base as experiências e gostos de leitura dos alunos Para isso o professor precisa conhecer as experiências de leitura da turma Isso implica uma relação mais dialógica entre professor e alunos para que eles possam se sentir estimulados a relatar suas leituras numa relação de confiança formação cooperação e reciprocidade Por outro lado concordamos com Paulino Chegar a ler um bom autor um premiado autor para jovens não basta para penetrar no campo restrito dos leitores contumazes ligados de fato à literatura bem informados capazes de distanciarse das propostas de consumo da literatura como mercadoria apenas 2004 p 59 Porém dadas as condições de trabalho as peculiaridades da cultura escolar e a formação do professor percebemos que a escola a cada dia se torna um espaço que afugenta o livro literário das suas práticas seja pela forma como o currículo está estabelecido sem priorizar o texto literário seja pela inexistência de um projeto de leitura ligado às bibliotecas ou salas de leitura na escola 4 O caminho se faz caminhando São muitos os desafios a enfrentar no que se refere à formação do leitor de textos literários no Brasil Um país com muitas deficiências tanto nas políticas do livro e da leitura quanto na for 54 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 55 mação dos mediadores Um país com distribuição extremamente desigual de equipamentos de acesso ao livro uma concentração enorme de bibliotecas escolares nas regiões Sul e Sudeste 112 municípios que não contam com bibliotecas e cerca de 63 de municípios sem nenhuma livraria Um país onde houve a interrupção de políticas fundamentais de acesso ao livro e à leitura como o PNBE suspenso em 2014 e onde não há políticas de formação de professores como leitores de textos literários Somase a isso o fato de a grande maioria dos professores da educação básica trabalhar em dois turnos Entretanto apesar dos dados desanimadores é fundamental tomar essa realidade como ponto de partida para reivindicarmos a formulação e implementação de políticas públicas realmente concentradas na formação do leitor de literatura e no leitor de textos em geral direito humano inalienável Em meio a isso vimos surgir experiências alentadoras como a aqui relatada ainda que individual de docentes que exercem no escasso tempo e sob condições adversas uma prática alternativa e criativa de mediação de leitura Essa é uma pauta política Não se consegue atingir o objetivo de democratização do acesso ao livro e à leitura sem luta travada coletivamente em todas as instâncias da cadeia de formação do leitor instituições públicas educativas escolas nossos representantes no congresso nacional a universidade e aqueles que trabalham na formação direta de leitores Para que os brasileiros de todas as idades classes etnias e gêneros tenham acesso ao livro e ao direito à literatura participando de eventos literários para que nossas escolas contem com bibliotecas abertas com acervo atualizado e de qualidade para que os interesses de leitura dos professores e dos alunos sejam contemplados para que a formação do professor contemple a dimensão estética precisamos que essa pauta seja de todos nós que realizamos pesquisas e formamos leitores todos nós cidadãos desse país conscientes de nossos direitos Referências BARTON D HAMILTON M Literacy Practices In BARTON et al Situated Literacies London Routledge 2000 BRASIL Avaliação de bibliotecas escolares no Brasil Brasília 2011 CANDIDO A El derecho a la literatura In Ensaios y comentários Campinas Editora da UNICAMP São Paulo Fondo de Cultura Econômica de México 1995 CALVINO I Seis propostas para o próximo milênio São Paulo Companhia das Letras 2008 KALMAN J Saber lo que es la letra uma experiência de lectoescritura com mujeres de mixquic México D F Siglo XXI Editores e S A de C V 2004 INSTITUTO PRÓLIVRO Retratos da Leitura no Brasil 4 Rio de Janeiro 2016 MACEDO M do S A N Perfil sociocultural dos professores do 1º ao 5º ano da Rede Municipal de Recife In Revista Cocar v 13 n 26 maiago 2019 p 358375 PAULINO M G Formação de leitores a questão dos cânones literários In Revista Portuguesa de Educação v 17 n 1 Braga Portugal 2004 p 4762 PETIT M Os jovens e a leitura uma nova perspectiva Trad Celina Olga Souza São Paulo Editora 34 2008 SILVA N C R A mediação de práticas de leitura de livros literários na escola uma perspectiva etnográfica Dissertação Mestrado em Educação Recife Universidade Federal de Pernambuco 2018 SOARES M Ler verbo transitivo In Leituras literárias discursos transitivos Belo Horizonte Autêntica 2005 p 2934 STEPHANI A D Os professores de leitura a realidade brasileira e o papel da universidade In Anais do Seminário de Ensino Pesquisa e Extensão Universidade Estadual de Goiás 2014 STREET B V Literacy in Theory and Practice Cambridge Cambridge University Press 1984 STREET B V Letramentos sociais abordagens críticas do letramento no desenvolvimento na etnografia e na educação Trad Marcos Bagno São Paulo Parábola Editorial 2014 TODOROV T A literatura em perigo Rio de janeiro Difel 2009 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 56 57 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo Como você avalia a Literatura na formação do aluno de Ensino Básico Após a leitura do texto de Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo é notável que a Literatura deve ser estudada em todos os níveis de ensino principalmente nas séries iniciais Na educação básica o que se percebe hoje é que são poucos os alunos que se interessam pela Literatura assim o professor precisa ter em sua formação a capacidade de criar e aplicar estratégias para atrair a atenção dos seus alunos para o universo dos livros Nas séries finais percebese que os alunos aprendem sobre obras a partir de resumos ou críticas quando deveriam lêlas e tirar suas próprias conclusões Uma das principais funções da leitura e despertar o pensamento crítico a individualidade compartilhar conhecimentos assim na formação dos discentes ela se torna crucial
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do funcionamento das bibliotecas existentes Segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil³ o país tem em torno de 83 milhões de não leitores de livros Instituto PróLivro 2016 p 22 Dados do IBGE indicam haver livrarias em ape ¹ Disponível em httpsnbpculturagovbrbibliotecaspublicas ² Disponível em httpscuttlyKjl9Iqy ³ Retratos da Leitura no Brasil 4 ed 2016 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 45 nas 177 dos municípios em 75 deles não há banca de jornal e em apenas 138 há algum tipo de associação literária Quanto às bibliotecas escolares dados do INEP indicam que 55 das escolas não possuem biblioteca ou sala de leitura e há grande disparidade entre as regiões do país Enquanto na região Sul 776 das escolas públicas têm biblioteca no Norte e no Nordeste respectivamente apenas 267 e 304 contam com o equipamento No Sudeste esse índice é de 711 e no CentroOeste 636 Brasil 2011 Esses dados indicam a disponibilidade e o desigual acesso ao livro seja na escola ou fora dela condição básica para a formação de leitores É só diante desse quadro social e político que as questões sobre mediação de leitura e formação do professorleitor podem ser discutidas 1 Literatura e mediação alguns pressupostos Entre os vários conceitos de literatura em disputa tomamos como referência a formulação de Antonio Candido por a considerarmos abrangente e adequada para pensar os processos de formação do leitor especialmente os que ocorrem no interior da escola Chamarei de literatura todas as criações de toque poético ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade em todos os tipos de cultura desde o que chamamos folclore lenda chiste até as formas mais complexas da produção escrita das grandes civilizações Candido 1995155 Do nosso ponto de vista esse conceito abarca diferentes manifestações da linguagem literária tanto em prosa quanto em verso não excluindo nenhuma criação de toque poético e ficcional possibilitando uma diversificação curricular e consequentemente uma maior abrangência de elementos que contribuam para a formação do leitor seja na relação com textos escritos seja com textos de característica oral Nesse sentido podemos considerar que essas linguagens literárias nas suas diferentes complexidades podem ser objeto de leitura e reflexão por meio de processos de mediação que tomem como ponto de partida os textos e linguagens mais próximos dos leitores em formação Se a literatura nos ajuda a viver se ela é mais densa e eloquente que a vida cotidiana mas não radicalmente diferente se amplia o nosso universo incitanos a imaginar outras maneiras de concebêlo como pensa Todorov 2009 22 devemos reivindicála como um direito incompressível no sentido atribuído por Candido 1995 e lutar para que todos tenham acesso a esse bem simbólico e cultural de forma igualitária Além das funções acima incluímos as reflexões de Calvino 2008 quando ele atribui à literatura a função de comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso não embotando mas antes exaltando a diferença segundo a vocação própria da linguagem escrita p 58 Ou seja além de contribuir para a ampliação das formas de conceber a vida e o universo a literatura incide sobre algo que nos constitui a diversidade humana suas diferentes formas de ser contribuindo assim para nos enxergarmos na diversidade em nossas diferentes formas de humanidade Assim é que devemos reivindicar que a literatura ocupe um lugar central nos processos de formação na escola e fora dela por meio de processos e formas de mediação dialógicos que incluam o debate e a conversa acerca da obra como princípio fundante Na escola ou fora dela a experiência estética na qual se inclui a leitura literária precisa ser mais reconhecida e valorizada como modo de humanizar as relações enrijecidas pela absolutização das mercadorias Paulino 2004 60 Questionando e criticando as práticas em torno do ensino de literatura Todorov 2009 2831 afirma na escola não aprendemos acerca do que falam as obras mas sim do que falam os críticos Devemos estudar os métodos de análise ilustrados com a ajuda de diversas obras Ou estudarmos obras consideradas como essenciais utilizando os mais variados métodos Para trilhar esse caminho pode ser útil ao aluno aprender os fatos da história literária ou alguns princípios resultantes desta análise estru tural Entretanto em nenhum caso o estudo desses meios de acesso pode substituir o sentido da obra que é o seu fim Isso implica discutir formas de mediação que coloquem o texto a obra literária no centro do processo de escolarização possibilitando o seu acesso pela mediação dialógica e apostando na construção de sentidos pelo leitor nos seus processos de signficação Essa perspectiva de mediação é defendida por Michèle Petit 2008 segundo a qual o papel do mediador é estabelecer pontes entre o leitor e a obra Esse mediador pode ser um professor um bibliotecário ou às vezes um livreiro um assistente social ou um animador voluntário de alguma associação ou até um amigo ou alguém com quem cruzamos p 210 na escola ou fora dela A antropóloga esclarece Não se trata de modo algum de aprisionar o leitor mas sim de lhe apresentar pontes ou permitir que ele mesmo construa as suas p 171 Por que se torna crucial discutir o papel do mediador na formação de leitores Porque concordando com Petit 200815 o gosto pela leitura não pode surgir da simples proximidade material com os livros Um conhecimento um patrimônio cultural uma biblioteca podem se tornar letra morta se ninguém lhes der vida Se a pessoa se sente pouco à vontade em aventurarse na cultura letrada devido à sua origem social ao seu distanciamento dos lugares do saber a dimensão do encontro com um mediador das trocas das palavras verdadeiras é essencial Ou seja não basta formular e implementar políticas que incidam sobre a disponibilidade de livros é preciso criar processos de formação e de mediação que possibilitem o acesso e a apropriação das obras pelos leitores Como formar professores e alunos leitores de textos literários As reflexões de Paulino 2004 nos ajudam a pensar os processos e as estratégias que devem ser desencadeados quando se tem como objetivo a formação do leitor de literatura A formação de um leitor literário significa a formação de um leitor que saiba escolher suas leituras que aprecie construções e significações verbais de cunho artístico que faça disso parte de seus fazeres e prazeres Esse leitor tem de saber usar estratégias de leitura adequadas aos textos literários aceitando o pacto ficcional proposto com reconhecimento de marcas linguísticas de subjetividade intertextualidade interdiscursividade recuperando a criação de linguagem realizada em aspectos fonológicos sintáticos semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção Paulino 2004 p 56 Tais processos devem portanto priorizar a formação do gosto pela autonomia de escolha do que se quer ler tendo como critério as construções próprias da linguagem artística e atentando para o leque de possibilidades indicadas por Candido 1995 A pesquisa de Petit 2008 indica que a leitura em particular a leitura de livros pode ajudar os jovens e diríamos os leitores em geral a serem mais autônomos e não apenas objetos de discursos repressivos ou paternalistas p 19 2 Literatura e formação docente O professor da educação básica é um leitor Embora existam ainda os que defendem que esse profissional não lê é importante discutir os pressupostos que reafirmam que tanto o professor quanto qualquer sujeito que vive numa sociedade grafocêntrica desenvolve práticas de leitura As pesquisas antropológicas sobre letramento como as de Street 1984 2014 e Barton e Hamilton 2000 lançam luz sobre as práticas de leitura que fogem ao padrão hegemônico padrão que considera leitor apenas quem lê livros e que norteia por exemplo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil São abundantes as pesquisas que atestam a diversidade de práticas de leitura nas sociedades grafocêntricas indicando que os sujeitos vivem imersos de alguma forma em contextos da cultura escrita tendo o seu cotidiano permeado por textos impressos e digitais Em geral pesquisas estatísticas que tentam mapear o perfil do leitor no Brasil partem do pressuposto de que ler é um verbo intransitivo sem a necessidade de questionar o objeto da leitura Ler ao contrário é um verbo transitivo Soares 2005 lemos diferentes gê Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 49 neros textuais de diferentes formas inclusive o livro literário que é apenas uma entre as tantas variedades de livros existentes Portanto não se pode atestar que o Brasil tem milhões de não leitores quando se parte dessa mais ampla acepção de leitura No entanto o foco de nossas preocupações é a leitura de livros literários por parte do professor Nesse ponto as pesquisas indicam que essa prática de leitura ainda é bastante restrita no país com resultados desanimadores A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil indica De maneira geral os professores possuem o mesmo comportamento da população leiga quanto aos hábitos frequência e interesses de leitura Ou seja os docentes não se diferenciam daqueles que estão desobrigados profissionalmente de conviver com os livros e textos Failla 2012 apud Stephani 2014 p 37 Cabenos então perguntar por que grande parte dos professores da educação básica não lê textos literários Para responder a essa pergunta é fundamental compreendermos alguns elementos condicionantes que caracterizam a profissão docente no país além dos apresentados na introdução deste texto Em pesquisa recente que buscou mapear o perfil sociocultural econômico e pedagógico dos professores da Rede Municipal de Recife Macedo 2019 nos deparamos com dados que reafirmam alguns dos resultados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil Quando perguntamos o que esses professores leem nos referindo a textos literários em prosa ou verso encontramos que 46 afirmam não ler romance poesia e contos embora uma discreta maioria 54 indique esse tipo de leitura Diante desses dados a pergunta que se coloca é como um professor da educação básica nos anos iniciais pode ser mediador de leitura se ele não lê poesia romance ou conto É possível ser mediador sem o contato com as obras que formam o leitor Não estamos falando de ensino de literatura simplesmente mas de um processo decisivo que pode marcar a relação do leitor com os livros positiva ou negativamente É consenso que para alguém poder ajudar a despertar o gosto pela leitura é preciso que ele mesmo seja um leitor ou tenha uma relação de intimidade com os livros No entanto precisamos questionar por que 46 dos professores das escolas municipais de Recife não se veem como leitores de literatura Podemos pensar no peso exercido pelas condições de trabalho atrelado às condições de acesso ao livro e à leitura literária além dos processos de formação desde a educação básica até a graduação A maioria dos professores atuantes em escolas públicas não só de Recife como de todo o país trabalha em dois turnos sobrando quase tempo nenhum para se dedicarem à leitura literária Considerando que a maioria é de mulheres essas professoras como sabemos enfrentam dois turnos de trabalho e mais uma jornada de serviços domésticos O fator tempo é decisivo na leitura literária que pela sua especificidade necessita do tempo adequado para que a fruição possa ocorrer diferentemente de leituras mais pragmáticas no cotidiano como por exemplo uma notícia de jornal uma página na internet receitas de bolo manuais de instrução uma lista de compras um email etc No que se refere aos sujeitos que podem ter influenciado o gosto pela leitura assim como na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil o gráfico abaixo indica a mãe como a pessoa que mais influenciou o gosto pela leitura dos professores Em segundo lugar vem um pro 50 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo Leitura de romance conto e poesia Leit ores de romance conto e poesia Não leitores de romance conto e poesia 51 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE fessor em terceiro lugar o pai em quarto outro parente Chama a atenção a quantidade significativa de professores que afirmam não terem sido objeto de influência de ninguém no gosto pela leitura Esses resultados indicam a importância da mediação de leitura na família mas também na escola Indicam ainda que para muitos professores faltou um sujeito mediador na sua formação leitora Pessoa que mais influenciou no gosto pela literatura 120 100 80 60 40 20 0 pr o fes sor mè pai ider religiosan늣ca paÝente algun am não responderam Em relação à formação sabemos que a leitura literária não faz parte dos currículos dos cursos de pedagogia nem das licenciaturas Os cursos ignoram a dimensão estética da formação docente a partir da leitura literária O que se ensina nesses cursos é quando muito formas e estratégias de mediação de leitura sem contudo permitir que os professores leiam ou tenham acesso à leitura de obras literárias escolhidas por eles ou indicadas pelo curso Da mesma forma os cursos de formação continuada quando ocorrem investem nas pedagogias para o trabalho com o livro literário infantojuvenil sem que os professores tenham acesso a esses livros As políticas de leitura voltadas à escola até o ano de 2014 quando o PNBE Programa Nacional da Biblioteca Escolar foi suspenso fizeram chegar bons livros literários ao espaço escolar contudo não foram incluídas obras literárias destinadas ao professor Além disso as que chegam ficam muitas vezes estocadas na biblioteca da escola ou salas de leitura sem que os alunos tenham acesso a elas Em síntese o que se percebe é que uma vez graduado o professor é alçado à condição de mediador de leitura literária e é cobrado por isso e muito frequentemente responsabilizado de forma injusta pelo fracasso dos índices de leitura do país 52 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo 3 Um exemplo de mediação diferenciada no espaço escolar De forma sucinta relatamos aqui dados de uma pesquisa já concluída conduzida por Nathaly Ramos Silva 2018 sobre uma professora da educação básica anos finais que indica uma forma alternativa de trabalho com o livro literário nos processos de escolarização Tratase de uma professora que busca se aproximar do gosto de leitura dos alunos tomando suas experiências como ponto de partida A professora trabalha em dois turnos na Rede Estadual de Pernambuco é formada em Letras pela UFPE e tem como projeto pessoal ler em média doze livros por ano Todos os livros que ela lê são postados na sua página do Instagram como forma de compartilhar suas leituras e estimular seus alunos a lerem Ela reconhece que conta com pouco tempo disponível mesmo assim investe na leitura de livros no tempo que lhe resta quando não está trabalhando Usa esse mesmo argumento com os alunos rechaçando aqueles que afirmam não terem tempo suficiente para ler Afirma que seu gosto pela leitura não surgiu na infância ou adolescência Não tem lembrança de idas à biblioteca ou de leituras feitas em casa nesse período da vida tampouco de ter sido influenciada pelos pais ou por alguém próximo Atribui seu gosto pela leitura aos anos que passou na universidade no curso de Letras devido à leitura de textos para debate nas aulas Como estratégia de mediação literária a professora criou um clube de leitura numa das escolas onde atua As reuniões ocorrem semanalmente das 12h30min às 13h30min qualquer aluno pode participar e as obras lidas são escolhidas pelos alunos e também sugeridas por ela É comum em seu discurso a afirmação de que o clube não é aula mas um momento de conversa com quem gosta 53 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE de ler livros quem gosta de leitura reconhecendo a importância de compartilhar as dificuldades dos alunos com algum texto como por exemplo os contos de Machado de Assis que ela indicou para leitura A maior parte das obras lidas ou sugeridas são livros que remetem a alguma série ou que compõem o grupo dos bestsellers destinados aos jovens Esses livros também fazem parte do gosto da docente que afirma não gostar de ler textos clássicos ou canônicos Nas reuniões do clube os alunos têm a oportunidade de socializar os livros que estão lendo ou de discutir alguma obra lida por todos Observase que a mediação estabelecida pela docente prima pelo diálogo com a obra e não com textos avulsos instigando os alunos a emitirem sua opinião sobre os livros lidos compartilharem suas experiências de leitura e assim influenciarem a escolha de leitura dos colegas Isto é no clube todos exercem simultaneamente o papel de leitor e de mediador nos moldes discutidos por Michèle Petit 2008 A escola não conta com bibliotecária a biblioteca fica fechada Porém a professora tem a chave para fazer as reuniões do clube nesse espaço Ela também pode usar o acervo desatualizado em relação ao gosto de leitura dos alunos mas com alguns exemplares de clássicos da literatura brasileira Uma das experiências do clube foi a leitura de um conto de Machado de Assis que evidenciou segundo as observações e a fala da professora um grande desafio de leitura Os alunos desacostumados da linguagem machadiana enfrentaram grande dificuldade na leitura e compreensão do texto A justificativa da professora para a escolha do conto foi o fato de haver exemplares suficientes para todos os participantes Porém não apenas os alunos tiveram dificuldades a própria professora compartilhou com o grupo suas dificuldades de compreensão do texto Por outro lado durante a reunião ela apresentou sua interpretação da obra e construiu com os alunos uma compreensão compartilhada de sentidos Observamos assim que o leque de leituras do clube é amplo não se restringe apenas aos livros de que os alunos gostam e que há um esforço da docente em possibilitar o acesso mediado a textos mais desafiadores como os clássicos Nesse sentido podemos considerar que essa prática trabalha com uma visão mais ampla de literatura tendo como referência e ponto de partida as experiências de leitura dos alunos a fim de ampliálas papel atribuído à escola Com essa experiência podemos especular sobre a possibilidade de as aulas de leitura não serem focadas na análise da estrutura dos textos literários avulsos ou mesmo dos que constam nos livros didáticos embora isso possa ocorrer mas fundamentalmente no contato permanente com obras autênticas e integrais Ou ainda a possibilidade de as aulas de leitura terem como base as experiências e gostos de leitura dos alunos Para isso o professor precisa conhecer as experiências de leitura da turma Isso implica uma relação mais dialógica entre professor e alunos para que eles possam se sentir estimulados a relatar suas leituras numa relação de confiança formação cooperação e reciprocidade Por outro lado concordamos com Paulino Chegar a ler um bom autor um premiado autor para jovens não basta para penetrar no campo restrito dos leitores contumazes ligados de fato à literatura bem informados capazes de distanciarse das propostas de consumo da literatura como mercadoria apenas 2004 p 59 Porém dadas as condições de trabalho as peculiaridades da cultura escolar e a formação do professor percebemos que a escola a cada dia se torna um espaço que afugenta o livro literário das suas práticas seja pela forma como o currículo está estabelecido sem priorizar o texto literário seja pela inexistência de um projeto de leitura ligado às bibliotecas ou salas de leitura na escola 4 O caminho se faz caminhando São muitos os desafios a enfrentar no que se refere à formação do leitor de textos literários no Brasil Um país com muitas deficiências tanto nas políticas do livro e da leitura quanto na for 54 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo esforço da docente em possibilitar o acesso mediado a textos mais desafiadores como os clássicos Nesse sentido podemos considerar que essa prática trabalha com uma visão mais ampla de literatura tendo como referência e ponto de partida as experiências de leitura dos alunos a fim de ampliálas papel atribuído à escola Com essa experiência podemos especular sobre a possibilidade de as aulas de leitura não serem focadas na análise da estrutura dos textos literários avulsos ou mesmo dos que constam nos livros didáticos embora isso possa ocorrer mas fundamentalmente no contato permanente com obras autênticas e integrais Ou ainda a possibilidade de as aulas de leitura terem como base as experiências e gostos de leitura dos alunos Para isso o professor precisa conhecer as experiências de leitura da turma Isso implica uma relação mais dialógica entre professor e alunos para que eles possam se sentir estimulados a relatar suas leituras numa relação de confiança formação cooperação e reciprocidade Por outro lado concordamos com Paulino Chegar a ler um bom autor um premiado autor para jovens não basta para penetrar no campo restrito dos leitores contumazes ligados de fato à literatura bem informados capazes de distanciarse das propostas de consumo da literatura como mercadoria apenas 2004 p 59 Porém dadas as condições de trabalho as peculiaridades da cultura escolar e a formação do professor percebemos que a escola a cada dia se torna um espaço que afugenta o livro literário das suas práticas seja pela forma como o currículo está estabelecido sem priorizar o texto literário seja pela inexistência de um projeto de leitura ligado às bibliotecas ou salas de leitura na escola 4 O caminho se faz caminhando São muitos os desafios a enfrentar no que se refere à formação do leitor de textos literários no Brasil Um país com muitas deficiências tanto nas políticas do livro e da leitura quanto na for 54 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 55 mação dos mediadores Um país com distribuição extremamente desigual de equipamentos de acesso ao livro uma concentração enorme de bibliotecas escolares nas regiões Sul e Sudeste 112 municípios que não contam com bibliotecas e cerca de 63 de municípios sem nenhuma livraria Um país onde houve a interrupção de políticas fundamentais de acesso ao livro e à leitura como o PNBE suspenso em 2014 e onde não há políticas de formação de professores como leitores de textos literários Somase a isso o fato de a grande maioria dos professores da educação básica trabalhar em dois turnos Entretanto apesar dos dados desanimadores é fundamental tomar essa realidade como ponto de partida para reivindicarmos a formulação e implementação de políticas públicas realmente concentradas na formação do leitor de literatura e no leitor de textos em geral direito humano inalienável Em meio a isso vimos surgir experiências alentadoras como a aqui relatada ainda que individual de docentes que exercem no escasso tempo e sob condições adversas uma prática alternativa e criativa de mediação de leitura Essa é uma pauta política Não se consegue atingir o objetivo de democratização do acesso ao livro e à leitura sem luta travada coletivamente em todas as instâncias da cadeia de formação do leitor instituições públicas educativas escolas nossos representantes no congresso nacional a universidade e aqueles que trabalham na formação direta de leitores Para que os brasileiros de todas as idades classes etnias e gêneros tenham acesso ao livro e ao direito à literatura participando de eventos literários para que nossas escolas contem com bibliotecas abertas com acervo atualizado e de qualidade para que os interesses de leitura dos professores e dos alunos sejam contemplados para que a formação do professor contemple a dimensão estética precisamos que essa pauta seja de todos nós que realizamos pesquisas e formamos leitores todos nós cidadãos desse país conscientes de nossos direitos Referências BARTON D HAMILTON M Literacy Practices In BARTON et al Situated Literacies London Routledge 2000 BRASIL Avaliação de bibliotecas escolares no Brasil Brasília 2011 CANDIDO A El derecho a la literatura In Ensaios y comentários Campinas Editora da UNICAMP São Paulo Fondo de Cultura Econômica de México 1995 CALVINO I Seis propostas para o próximo milênio São Paulo Companhia das Letras 2008 KALMAN J Saber lo que es la letra uma experiência de lectoescritura com mujeres de mixquic México D F Siglo XXI Editores e S A de C V 2004 INSTITUTO PRÓLIVRO Retratos da Leitura no Brasil 4 Rio de Janeiro 2016 MACEDO M do S A N Perfil sociocultural dos professores do 1º ao 5º ano da Rede Municipal de Recife In Revista Cocar v 13 n 26 maiago 2019 p 358375 PAULINO M G Formação de leitores a questão dos cânones literários In Revista Portuguesa de Educação v 17 n 1 Braga Portugal 2004 p 4762 PETIT M Os jovens e a leitura uma nova perspectiva Trad Celina Olga Souza São Paulo Editora 34 2008 SILVA N C R A mediação de práticas de leitura de livros literários na escola uma perspectiva etnográfica Dissertação Mestrado em Educação Recife Universidade Federal de Pernambuco 2018 SOARES M Ler verbo transitivo In Leituras literárias discursos transitivos Belo Horizonte Autêntica 2005 p 2934 STEPHANI A D Os professores de leitura a realidade brasileira e o papel da universidade In Anais do Seminário de Ensino Pesquisa e Extensão Universidade Estadual de Goiás 2014 STREET B V Literacy in Theory and Practice Cambridge Cambridge University Press 1984 STREET B V Letramentos sociais abordagens críticas do letramento no desenvolvimento na etnografia e na educação Trad Marcos Bagno São Paulo Parábola Editorial 2014 TODOROV T A literatura em perigo Rio de janeiro Difel 2009 Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo LITERATURA MEDIAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DOCENTE 56 57 A FUNÇÃO DA LITERATURA NA ESCOLA Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo Como você avalia a Literatura na formação do aluno de Ensino Básico Após a leitura do texto de Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo é notável que a Literatura deve ser estudada em todos os níveis de ensino principalmente nas séries iniciais Na educação básica o que se percebe hoje é que são poucos os alunos que se interessam pela Literatura assim o professor precisa ter em sua formação a capacidade de criar e aplicar estratégias para atrair a atenção dos seus alunos para o universo dos livros Nas séries finais percebese que os alunos aprendem sobre obras a partir de resumos ou críticas quando deveriam lêlas e tirar suas próprias conclusões Uma das principais funções da leitura e despertar o pensamento crítico a individualidade compartilhar conhecimentos assim na formação dos discentes ela se torna crucial