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Estudos Feministas Florianópolis 223 320 setembrodezembro2014 965 Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez Copyright 2014 by Revista Estudos Feministas Cláudia Pons Cardoso UNEB Universidade do Estado da Bahia Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Neste artigo exploro o pensamento de Lélia Gonzalez intelectual negra brasileira defensora de um feminismo afrolatinoamericano comprometido com a recuperação dos processos de resistência e insurgência aos poderes estabelecidos ainda em sua maioria ocultos mas que historicamente foram levados a termo por mulheres negras e indígenas contra o colonialismo e podem servir de fonte de inspiração para ações políticas feministas descolonizadoras Palavraschave Palavraschave Palavraschave Palavraschave Palavraschave racismo mulheres negras feminismo negro pensamento de mulheres negras Mas o que a Lélia sabia Sabia conceituar e formular a contradição específica de ser mulher negra a questão de como a desigualdade o racismo e a discriminação produziam a nossa realidade de exclusão e diferenciavam a nossa inserção social em relação à das mulheres brancas E a Lélia tinha uma coisa maravilhosa ela conseguia positivar todas aquelas coisas com as quais nós éramos estigmatizadas1 Lélia Gonzalez2 intelectual e feminista negra brasileira nos anos de 1980 refletiu atentamente sobre a realidade de exclusão das mulheres na sociedade brasileira principalmente das negras e indígenas Ela foi pioneira nas críticas ao feminismo hegemônico e nas reflexões acerca das diferentes trajetórias de resistência das mulheres ao patriarcado evidenciando com isso as histórias das mulheres negras e indígenas no Brasil na América Latina e no Caribe O seu pensamento inaugura também a proposição de descolonização do saber e da produção de conhecimento e atuando como forasteira de dentro outsider within como define Patrícia Hill Collins3 questiona a insuficiência das categorias analíticas das Ciências Sociais para explicar por exemplo a realidade das mulheres negras Diante disso diz 1 Sueli CARNEIRO citada por ALBERTI PEREIRA 2007 p 183184 2 Lélia Gonzalez foi tema de diversos estudos entre eles os de Raquel BARRETO 2005 Elizabeth VIANA 2006 e Alex RATTS e Flávia RIOS 2010 3 A autora define outsider within como posição social ou espaços de fronteira ocupados por grupos com poder desigual Na Academi a por exemplo esse lugar permite às pesquisadoras negras constatar a partir de fatos de suas próprias ex periências anomalias materializa das na omissão ou observações distorcidas dos mesmos fatos socia is e embora Collins se refira à So ciologia podese pensar como prática política a ser desenvolvida em todas as áreas do conhecimen to Patricia Hill COLLINS 1986 966 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO 4 Lélia GONZALEZ 1983 p 225 O fato é que enquanto mulher negra sentimos a neces sidade de aprofundar a reflexão ao invés de continuar mos na repetição e reprodução dos modelos que nos eram oferecidos pelo esforço de investigação das ciências sociais Os textos só nos falavam da mulher negra numa perspectiva sócioeconômica que elucidava uma série de problemas propostos pelas relações raciais Mas ficava e ficará sempre um resto que desafiava as explicações4 Muitas feministas negras mulheres de cor chicanas como Gloria Anzaldúa5 vêm atuando como forasteiras de dentro outsider whithin reinventando definições delimitando lugares sociais para melhor se posicionarem como forma de realizarem a autodefinição Anzaldúa por exemplo toma suas próprias experiências vividas como cidadã norteamericana descendente de mexicanos criada em uma região fronteiriça entre o México e os EUA lésbica feminista para investigar a opressão de gênero patriarcal das duas sociedades Suas experiências são as lentes pelas quais enxerga e analisa o mundo Sua narrativa é subversiva no estilo na medida em que confronta a produção de conhecimento do paradigma dominante através do texto autobiográfico é também subversiva na linguagem pois recorre ao inglês ao espanhol e suas variações regionais e a expressões do nahuatl língua falada pelos astecas préinvasão para registrar suas ideias Com isso recusa tanto o espanhol simbolizando a cultura machista mexicana quanto o inglês imposto pela cultura norteamericana dominante ensinado nas escolas nos EUA como prática de exclusão imperialista pois poda qualquer traço cultural mexicano Adota portanto a linguagem híbrida denotativa de um discurso polifônico proferido por múltiplas vozes e representativa de uma nova identidade mestiza que emerge do contexto sociopolítico e cultural estabelecido na fronteira entre México e Estados Unidos Ao se referir à linguagem da nova mestiza diz Anzaldúa o espanhol chicano é uma língua fronteiriça que se desenvolveu naturalmente Mudança evolución enriquecimiento de palabras nuevas por invención o adopción tem criado variantes do espanhol chicano uma nova linguagem Un lenguaje que corresponde a un modo de vivir O espanhol chicano não é incorreto é uma língua viva6 Lélia Gonzalez também confronta o paradigma domi nante e em alguns textos recorre a uma linguagem considera da fora do modelo estabelecido para a produção textual acadêmica ou seja sem obediência às exigências e às regras da gramática normativa mas que no entanto reflete o legado linguístico de culturas escravizadas Assim a autora por vezes 5 Glória ANZALDÚA 2000 2005 e 2009 6 ANZALDÚA 2009 p 307 grifos da autora Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 967 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ mistura enreda o português com elementos linguísticos africa nos em uma tentativa política de evidenciar o preconceito racial existente na própria definição da língua materna brasi leira Como resultado do enredamento sublinha Gonzalez temse aquilo que chamo de pretoguês e que nada mais é do que marca de africanização do português falado no Brasil é facilmente constatável sobretudo no espanhol da região caribenha O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo além da ausência de certas consoantes como o l ou o r por exemplo apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação histórico cultural do continente como um todo e isto sem falar nos dialetos crioulos do Caribe7 Ainda sobre o português africanizado continua a autora É engraçado como eles sociedade branca elitista gozam a gente quando a gente diz que é Framengo Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado E de repente ignoram que a presença desse r no lugar do l nada mais é do que a marca lingüística de um idioma africano no qual o l inexiste Afinal quem é o ignorante Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira que corta os erres dos infinitivos verbais que condensa você em cê o está em tá e por aí afora Não sacam que tão falando pretuguês8 E por falar em pretuguês é importante ressaltar que o objeto parcial por excelência da cultura brasileira é a bunda esse termo provém do quimbundo que por sua vez e juntamente com o abundo provém de um tronco lingüístico bantu que casualmente se chama bunda E dizem que significante não marca Marca bobeira quem pensa assim De repente bunda é língua é linguagem é sentido é coisa De repente é desbundante perceber que o discurso da consciência o discurso do poder dominante quer fazer a gente acreditar que a gente é tudo brasileiro e de ascendência européia muito civilizado etc e tal E culminando pinta este orgulho besta de dizer que a gente é uma democracia racial Só que quando a negrada diz que não é caem de pau em cima da gente xingando a gente de racista Contraditório né Na verdade para além de outras razões reagem dessa forma porque a gente põe o dedo na ferida deles a gente diz que o rei tá pelado E o corpo do rei é preto e o rei é escravo9 O pensamento de Lélia Gonzalez foi construído a partir do contato com homens e mulheres de outras localidades 7 GONZALEZ 1988a p 70 8 A palavra aparece nos textos da autora grafada de dois modos pretuguês e pretoguês ver GONZALEZ 1983 1988a 9 GONZALEZ 1983 p 238 grifos da autora 968 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO como dizem os autores Alex Ratts e Flávia Rios na obra Lélia Gonzalez contatos que possibilitaram deslocamentos e abri ram horizontes teóricos e políticos Gonzalez foi uma intelec tual diaspórica com um pensamento erigido por meio de trocas afetivas e culturais ao longo do chamado Atlântico Negro com intelectuais amigos e ativistas da América do Norte Caribe e África Atlântica10 Desse diálogo com várias os autorases realizava a política de tradução de teorias para desenvolver um pensamento globalizado e transnacio nal voltado não só para explicar como se formou nas Américas uma matriz de dominação sustentada pelo racismo mas principalmente para intervir e transformar essa realidade a partir de sua compreensão A política de tradução de teorias como explica Sonia Alvarez explora como discursos e práticas feministas viajam por uma variedade de lugares e direções e acabam se tornando paradigmas interpretativos para a leitura escrita de questões de classe gênero sexualidade migração saúde cidadania política e circulação de identidades e textos11 A tradução de teorias é uma metáfora para descrever como o deslocamento das ideias está profundamente imerso em questões mais amplas de globalização A política é cons truída através do tráfico de teorias e práticas feministas atra vessando fronteiras geopolíticas e disciplinares É o ir e vir de insights dos feminismos de latinas de mulheres de cor e do feminismo póscolonial do norte das Américas para as nossas análises de teorias práticas culturas e políticas do Sul e viceversa Podese entendêla também como uma simbologia de transgressão das imposições e regras da colo nialidade do poder12 com suas fronteiras fortemente erigi das mantendo afastados dos países do norte imigrantes in desejados os não brancos do Sul A política de tradução trafica sonhos rejeitando intencionalmente a existência das fronteiras com o objetivo político e teórico de elaborar episte mologias e alianças políticas feministas antirracistas e pós coloniaispósocidentais13 Tendo como referência e influência as ideias de Frantz Fanon14 Lélia Gonzalez procurou similaridades nos diversos contextos da diáspora negra de forma a desenvolver explicações em comum para abordar o racismo bem como recuperar as estratégias de resistência e luta das mulheres negras e indígenas visando seu registro como protagonistas e sujeitos históricos Um dos principais traços do pensamento de Fanon que identifico na obra de Lélia diz respeito à abordagem dos danos psicológicos causados pela relação de dominaçãoexploração entre colonizador e colonizado 12 Definindo colonialidade como uma matriz mundial de domina ção patrón mundial de domina ción dentro do modelo capitalis ta fundada pela classificação racial e étnica da humanidade Aníbal Quijano diz que a matriz de poder colonial é um princípio organizador e afeta as múltiplas dimensões da vida social desde a sexualidade a autoridade as relações de gênero instituições o trabalho as organizações polí ticas estendendose à subjetivida de e às estruturas de conhecimen to Aníbal QUIJANO 1992 13 ALVAREZ 2009 p 744 14 Frantz FANON 19251961 teve uma forte influência entre os intelectuais contemporâneos a Lélia Gonzalez 10 RATTS e RIOS 2010 p 128 11 Sonia ALVAREZ 2009 p 743 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 969 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ Segundo Frantz Fanon15 o colonialismo produziu a chamada inferioridade do colonizado que uma vez derrotado e dominado acaba por aceitar e internalizar essa ideia O colonizador se sustenta no racismo para estruturar a coloni zação e justificar sua intervenção pois através da difusão ideológica da suposta superioridade do colonizador sua ação é vista como benefício e não como violência o que resultou na alienação colonial na construção mítica do colo nizador e do colonizado o primeiro retratado como herdeiro legítimo de valores civilizatórios universalistas e o segundo como selvagem e primitivo despossuído de legado mere cedor de ser transmitido As ideias de Fanon sobre racismo assimilação e alienação foram importantes para as reflexões de Lélia Gonzalez acerca da chamada democracia racial brasileira um dos principais alvos das ações e críticas do movimento negro nos anos 1980 através da denúncia do quanto era falaciosa tal democracia resumindose na verdade em um dos mais eficazes mitos de dominação16 Segundo Lélia Gonzalez o racismo pode apresentar taticamente duas formas para manter a exploraçãoopres são o racismo aberto e o racismo disfarçado A primeira forma é encontrada principalmente nos países de origem anglosaxônica e a segunda predomina nas sociedades de origem latina No racismo disfarçado prevalecem as teo rias da miscigenação da assimilação e da democracia ra cial e essa forma de se manifestar afirma ao pensar o Brasil impede a consciência objetiva desse racismo sem disfarces e o conhecimento direto de suas práticas cruéis pois a cren ça historicamente construída sobre a miscigenação criou o mito da inexistência do racismo em nosso país17 No racismo latinoamericano continua Lélia Gonzalez a alienação é alimentada através da ideologia do branqueamento cuja eficácia está nos efeitos que produz o desejo de embranquecer de limpar o sangue como se diz no Brasil é internalizado com a simultânea negação da própria raça da própria cultura18 Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos diferentes feminismos diferentes feminismos diferentes feminismos diferentes feminismos diferentes feminismos Amefricanidade categoria cunhada por Lélia Gonzalez nos anos de 1980 que se insere na perspectiva póscolonial surge no contexto traçado tanto pela diáspora negra quanto pelo extermínio da população indígena das Américas e recupera as histórias de resistência e luta dos povos colonizados contra as violências geradas pela colonialidade do poder A partir das resistências como mecanismos estratégicos de visibilidade da história desses 18 GONZALEZ 1988a p 73 17 GONZALEZ 1988a p 7274 16 GONZALEZ 1988b p 137 15 FANON 2008 970 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO grupos tem por objetivo pensar desde dentro as culturas indígenas e africanas e assim afastarse cada vez mais de interpretações centradas na visão de mundo do pensamento moderno europeu Na verdade a proposta de Lélia Gonzalez é epistemológica pois do ponto de vista da amefricanidade propõe a abordagem interligada do racismo colonialismo imperialismo e seus efeitos19 Identifico no pensamento de Lélia aproximação com a colonialidade do poder de Aníbal Quijano e a colonialidade de gênero de María Lugones revelando a atualidade de suas ideias20 Estruturada em abordagem mais holística Lélia Gonzalez pensa as mulheres negras da diáspora e aponta para algumas questões que se pode tomar como formadoras de um feminismo negro aqui retomadas visando contribuir para o debate inclusive do feminismo latinoamericano Inicio pelo destaque concedido ao contexto histórico cultural das Américas Segundo Lélia Gonzalez21 a presença da latinidade no Novo Mundo foi inexistente a preponde rância se deu com elementos ameríndios e africanos e por isto defendia uma Améfrica Ladina Para a autora todos os brasileiros são ladinoamefricanos e não somente os negros a negação da presença afroameríndia seria decorrente do racismo Como instrumento metodológico para interpretar o processo de formação das sociedades americanas Gonzalez se utiliza de uma categoria explicativa oriunda da Psicanálise denegação assinalando enquanto denegação dessa ladinoamefricanidade o racismo se volta justamente contra aqueles que do ponto de vista étnico são os testemunhos vivos da mesma tentando tirálos de cena apagálos do mapa22 Ao expor como a classificação racial foi a estrutura de sustentação do colonialismo clássico e das sociedades que vieram a formar a chamada América Latina retoma a história e o modelo rigidamente hierarquizado das socieda des ibéricas onde tudo e todos tinham seu lugar determi nado para descrever como as sociedades americanas se pensaram a partir das ideologias de classificação social racial e sexual23 dizendo Embora pertençamos a diferentes sociedades do continente sabemos que o sistema de dominação é o mesmo em todas elas ou seja o racismo essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação cuja presença é uma constante em todos os níveis de pensamento assim com parte e parcela das mais diferentes instituições dessas sociedades o racismo estabelece uma hierarquia racial e cultural que opõe a superioridade branca ocidental à inferioridade negroafricana A África é o continente 22 GONZALEZ 1988c p 23 19 GONZALEZ 1988a p 71 20 QUIJANO 1992 Para María Lugones fazse necessário explicar as raízes do sistema binário de gê nero que Quijano deixa incólume e para isso propõe o sistema mo dernocolonial de gênero uma lente através da qual continua teorizando a lógica opressiva da modernidade colonial e que permite perceber a imposição colonial e a extensão e profundi dade histórica de seu alcance destrutivo uma abordagem de gênero para entender como o cor po o sexo e o próprio gênero fo ram construídos racializadamente María LUGONES 2008 p 77 A imposição das opressões de gênero racializada e capitalista constituem a colonialidade de gênero LUGONES 2011 21 GONZALEZ 1988a 1988c 23 GONZALEZ 1988a p 73 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 971 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ obscuro sem uma história própria Hegel por isso a Razão é branca enquanto a Emoção é negra Assim dada a sua natureza subhumana a exploração só cioeconômica dos amefricanos por todo o continen te é considerada natural24 Criticando a ciência moderna como padrão exclusivo para a produção do conhecimento vê a hierarquização de saberes como produto da classificação racial da população uma vez que o modelo valorizado e universal é branco Disto decorre que a explicação epistemológica eurocêntrica conferiu ao pensamento moderno ocidental a exclusividade do conhecimento válido estruturandoo como dominante e inviabilizando assim outras experiências do conhecimento Segundo a autora o racismo se constituiu como a ciência da superioridade eurocristã branca e patriarcal na medida em que se estruturava o modelo ariano de explicação25 Como proposta contrahegemônica ao modelo exclusivo racista colonialista apresenta a amefricanidade As implicações políticas e culturais da categoria de Amefricanidade Amefricanity são de fato democrá ticas exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial lingüístico e ideológico abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta A AMÉRICA Para além do seu caráter puramente geográfico a categoria de Amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural adaptação resistência reinterpretação e criação de novas formas que é afrocentrada Seu valor metodológico a meu ver está no fato de permitir a possibilidade de resgatar uma unidade específica historicamente forjada no interior de diferentes sociedades que se formaram numa determinada parte do mundo26 A amefricanidade se refere à experiência comum de mulheres e homens negros na diáspora e à experiência de mulheres e homens indígenas contra a dominação colonial Por isso afirma Lélia Gonzalez floresceu e se estruturou no decorrer dos séculos que marcaram a nossa presença no continente27 A grande dificuldade está em falar sobre caracte rísticas comuns compartilhadas por formações políticas tão diferentes e ao mesmo tempo reivindicar a particularidade a especificidade histórica sem parecer estar enredada na contradição ou em explicações essencialistas Para Avtar Brah isso é possível desde que o viés essencialista do universalismo seja excluído isto é desde que ele seja entendido como produto histórico como característica comum derivada de uma experiência histórica variável e como tal sujeita a 27 GONZALEZ 1988a p 79 24 GONZALEZ 1988a p 77 25 GONZALEZ 1988a p 71 26 GONZALEZ 1988a p 7677 972 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO mudança histórica Assim se reconhece as características comuns através da acumulação de experiências similares mas não idênticas em diferentes contextos28 Eu identifico a historicidade das experiências referida por Avtar Brah na amefricanidade categoria com dinâmica histórica própria fornecida pelos diferentes contextos históricos que a constituem A categoria portanto tem força epistêmica pois pretende outra forma de pensar de produzir conhecimen to a partir dos subalternos dos excluídos dos marginalizados Desloca mulheres e homens negrasos e indígenas da margem para o centro da investigação fazendoasos sujeitos do co nhecimento ao resgatar suas experiências no enfrentamento do racismo e do sexismo Conforme Lélia Gonzalez na época escravista a ame fricanidade já estava presente nas revoltas na elaboração de estratégias de resistência cultural no desenvolvimento de formas alternativas de organização social livre bem como nas sociedades americanas anteriores à colonização29 Assim ao propor categorias próprias para pensar a história dasos afroameríndiasos aposta no desprendimento do conhecimento europeu e aponta para a descolonização do pensamento através da desconstrução das estruturas de poder que mantêm a colonialidade do saber usando categorias fundadas a partir da cultura negra A autora desenvolveu inúmeros escritos acerca da situação de exclusão e discriminação a que estavam subme tidas as mulheres negras tanto no contexto brasileiro quanto no cenário latinoamericano defendendo a articulação entre as categorias de raça classe sexo e poder para desmas carar as estruturas de dominação de uma sociedade30 Embora não tenha aprofundado o tema Gonzalez chamou a atenção para a importância de se entender os efeitos resultantes da articulação dessas estruturas de poder na definição do lugar social dos sujeitos na sociedade principalmente das mulheres pois tal articulação faz com que as não brancas sejam as mulheres mais oprimidas e exploradas de uma região de capitalismo patriarcalracista dependente31 Nesse sentido diz o racismo articulado com o sexismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular A ideia de gênero como a entendemos atualmente também não aparece nos escritos de Lélia Gonzalez Para falar das relações de assimetria provenientes da hierarqui zação a partir da percepção das diferenças sexuais ela re corre à noção de sexo e sexismo partindo de uma compreen são em que as diferenças biológicas estão presentes uma compreensão que porém também se constrói imbricada com o social e cultural Como afirma Luiza Bairros sexismo e racismo seriam variações de um mesmo tema mais geral que 28 Avtar BRAH 2011 p 120 29 GONZALEZ 1988a p 79 30 GONZALEZ 1988b p 138 31 GONZALEZ 1988b p 137 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 973 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ tem nas diferenças biológicas reais ou imaginadas o ponto de partida para o estabelecimento de ideologias de dominação32 Lélia Gonzalez à luz das ideias de Simone de Beauvoir comenta quando esta Simone de Beauvoir afirma que a gente não nasce mulher mas que a gente se torna costumo retomar essa linha de pensamento no sentido da questão racial a gente nasce preta mulata parda marrom roxinha etc mas tornarse negra é uma conquista Se a gente não nasce mulher é porque a gente nasce fêmea de acordo com a tradição ideológica supracitada afinal essa tradição tem muito a ver com os valores ocidentais33 O tornarse negra anuncia um processo social de construção de identidades de resistência política pois reside na recusa de se deixar definir pelo olhar do outro e no rompimento com o embranquecimento significa a autode finição a valorização e a recuperação da história e do legado cultural negro traduzindo um posicionamento político de estar no mundo para exercer o papel de protagonista de um devir histórico comprometido com o enfrentamento do racismo Diferentemente de Frantz Fanon as referências à Beauvoir estão longe de revelar uma forte influência teórica no pensamento de Lélia Gonzalez até mesmo porque a mulher de Beauvoir é branca Lélia Gonzalez recusa a generalização e resgata a mulher amefricana34 Nessa linha conclui se não se nasce mulher mas se torna também é verdade que o processo de construção social e cultural não será o mesmo para todas as mulheres pois outros fatores como o racismo redefinem as trajetórias dos sujeitos em questão Para mostrar como as mulheres desempenharam papéis tão importantes quanto os homens em diferentes sociedades não europeias entre elas indígenas e africanas recorre a exemplos históricos Como sabemos nas sociedades africanas em sua maioria desde a antiguidade até a chegada dos islames e dos europeus judaicocristãos o lugar da mulher não era de subordinação o da discriminação Do Egito antigo aos reinos dos ashanti ou dos yorubá as mulheres desempenharam papéis sociais tão importantes quanto os homens35 Segundo Lélia Gonzalez a opressão racial e a social fazem da mulher negra o foco por excelência de sua perversão e esquecer isso é negar toda uma história feita de resistências e de lutas em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral36 Na verdade a autora contrapõe o sujeito 32 Luiza BAIRROS 2006 p 55 33 GONZALEZ 1988d p 2 34 Para Simone de Beauvoir a domi nância masculina se deve em muito à própria incapacidade de transcendência da mulher à sua falta de projeto no mundo Assim a mulher em sua livre escolha se faz e se torna o que é Os homens têm negado a transcendência à mulher através da natureza da história de crenças e mitos im pondolhe um destino de passivi dade e esta ao renderse à cor tesia à boa vida se enreda na máfé dos homens que a querem dependente Assim ela também age com máfé penhorando sua liberdade em troca dos benefícios decorrentes da boa vida Ver Simone de BEAUVOIR 1980 v 2 35 GONZALEZ 1988d p 2 36 GONZALEZ 1988d p 2 974 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO mulher produto da construção hegemônica do sistema modernocolonial de gênero apontado por Lugones37 com as amefricanas subordinadas por uma latinidade que torna legítima sua inferiorização38 Ao fazer isto coloca as amefricanas como sujeito do feminismo o qual defende É inegável que o feminismo como teoria e prática tem desempenhado um papel fundamental em nos sas lutas e conquistas na medida em que ao apresen tar novas perguntas não só estimulou a formação de grupos e redes mas desenvolveu a busca de uma nova forma de ser mulher Ao centralizar sua análise em torno do conceito de capitalismo patriarcal ou patriarcado capitalista evidenciou as bases materiais e simbólicas da opressão das mulheres o que constitui uma contribuição de crucial importância para o encaminhamento de nossas lutas como movimento39 Contudo para Lélia Gonzalez o capitalismo patriar cal não consegue explicar as construções de gênero refe rentes às amefricanas às mulheres negras às indígenas àquelas que estão nas margens pois falta incluir outro tipo de discriminação tão grave como aquela sofrida pela mulher a de caráter racial40 No seu pensamento racismo e sexismo são apresentados como eixos estruturantes de opressão e exploração e o redimensionamento do sexismo pela raça faz submergir as desigualdades de gênero que colocam as mulheres negras em uma dimensão das relações sociais diferente das mulheres brancas Diz ainda que as mulheres negras nas sociedades americanas têm sua hu manidade negada são vistas como corpos animalizados são burros de carga do sexo de que as mulatas brasileiras são um modelo expressão das relações patriarcais ra cistas Desse modo se constata como a super explora ção sócioeconômica se faz aliada à super exploração sexual das mulheres amefricanas41 Lélia Gonzalez antecipa o debate atual sobre a uni versalidade da categoria mulher e as relações de gênero decorrentes desta concepção ao defender a existência de uma dimensão de discriminação de violência e de ex clusão invisível às abordagens de gênero desvinculadas de raçaetnia Tal dimensão é identificável somente se hou ver a investigação capaz de invalidar o universalismo da modernidade ocidental e de colocar em evidência a parti cularidade a especificidade exposta pela intersecção de gênero e raçaetnia o deslocamento sugerido por Lugones42 com condições de descortinar o que foi escondido nos porões do patriarcado universal 41 GONZALEZ 1988b p 139 37 LUGONES 2008 38 GONZALEZ 1988b p 134 39 GONZALEZ 1988b p 134 40 GONZALEZ 1988b p 134 42 LUGONES 2008 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 975 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A opressão o processo de exclusão e a violência im postos pelo racismo são diferentes para homens e mulheres isto é o racismo gendrado produz experiências particulares às mulheres dos grupos racialmente submetidos Segundo Avtar Brah o racismo codifica distinções de gênero embora pareça subsumilas O processo de subsunção é importante para impor uma unidade imaginada e imaginária ao grupo racializado43 Os estereótipos referentes às mulheres negras repre sentam as distinções de gênero codificadas pelo racismo através de diferentes discursos e a sua historicidade é passível de ser apreendida pela investigação Lélia Gonzalez propõe a investigação desses estereótipos negativos para visibilizar o impacto da violência dessas representações negativas sobre a vida de nós mulheres negras As representações negativas das mulheres negras na sociedade brasileira são decorrentes da articulação entre o racismo e o sexismo e se manifestaram de diversas formas44 Para analisar as representações das mulheres negras costumeiramente veiculadas na sociedade Lélia Gonzalez45 parte de três noções todas atribuições de um mesmo sujeito a mulata a doméstica e a mãe preta As mulheres negras de modo geral são enquadradas em uma dessas categorias dependendo a classificação somente da situação em que somos vistas assevera a autora Segundo Lélia Gonzalez o engendramento das atri buições mulata e doméstica teria ocorrido como deri vação da mucama denominação usual no período escravis ta originada do quimbundo mukama amásia escrava No contexto brasileiro foi oficialmente redefinida passando a ser conceituada no dicionário por escrava negra moça e de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família e que por vezes era amadeleite46 Ao buscar a origem etimológica da pala vra a autora procura desvelar o que a história oficial ocultou através da redefinição com o intuito de fazer esquecer e tornar invisível quando do registro da história da sociedade brasileira ou seja a exploração sexual das mulheres negras Cabe ressaltar que no mesmo dicionário citado por Gonzalez o Dicionário Aurélio consta a seguinte definição para a expressão de estimação dizse de um bem animal ou coisa47 Em relação à doméstica Gonzalez chama a atenção para a permanência das atribuições vinculadas ao período escravista e ao exercício de funções vinculadas à casa gran de incluindo a exposição à violência sexual A doméstica re presentaria a mucama permitida a da prestação de bens e 43 BRAH 2011 p 188 47 Aurélio FERREIRA 1986 p 722 Grifo meu 46 GONZALEZ 1983 p 229 44 Edward SAID 1990 em sua obra Orientalismo o Oriente como invenção do Ocidente aborda a construção das mulheres não brancas como a outra a exótica 45 GONZALEZ 1983 976 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO serviços e em função disso reside no lado oposto da exal tação porque está no cotidiano Cotidiano que vê as mulhe res negras completa Lélia Gonzalez independentemente da classe social e profissão como empregadas domésticas48 A mulata acolhe dois significados o tradicional resul tante da mestiçagem e outro atualizado pela exploração econômica no qual representa mercadoria produto de exportação Segundo a autora a percepção da mulata como invenção do português nos remete à instituição da raça negra como objeto pelo colonizador Nesse caso a mulata é crioula ou seja negra nascida no Brasil não importando as construções baseadas nos diferentes tons de pele49 Portanto a invenção da mulata objetifica os negros de modo geral e a mulher negra de modo particular A mãe preta representa o esperado da mulher negra pela sociedade branca e classe média resignação passivi dade diante das situações de violência e opressão A figura simpática amorosa e inofensiva da mãe preta realiza a aceitação sem resistência do poder instituído da escravidão dissimulando inclusive os horrores do período escravista para as mulheres negras escravizadas eou libertas A função desse estereótipo reside em negar o agenciamento das mulheres negras ou seja a sua existência histórica Lélia Gonzalez ultrapassa a mera positivação do estereótipo e recupera outra face pois desloca as mulheres negras do plano estigmatizado de exemplo extraordinário de amor e dedicação totais como querem os brancos ou de traidora da raça como querem alguns negros muito apressados em seu julgamento 50 para o lugar de destaque no processo de formação da cultura brasileira Recupera a mãe preta como sujeito político mostrando como ela desenvolveu as suas formas de resistência cuja importância foi fundamental na formação dos valores e das crenças do nosso povo Conscientemente ou não ela passou para o brasileiro branco as categorias das culturas negroafricanas de que era representante Foi por aí que ela africanizou o português falado no Brasil transformandoo em pretuguês e conseqüen temente a cultura brasileira51 Lélia Gonzalez ao valorizar a resistência desenvolvida pela mãe preta no período escravista muitas vezes realiza da através da negociação assegurando com a ação sua sobrevivência a de sua prole e a de seus parceiros eviden cia o movimento do sujeito resistindo à objetificação que lhe é imposta Dito em outras palavras a autora ilumina as estraté gias desenvolvidas pelas mulheres negras escravizadas para enfrentar o processo de dominaçãoexploração que procu rava mantêlas como outroescravoobjeto 48 GONZALEZ 1983 p 230 49 GONZALEZ 1983 p 239 50 GONZALEZ 1983 p 235 51 GONZALEZ apud BAIRROS 2006 p 54 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 977 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ Segundo Stuart Hall no ensaio El espectáculo del Otro o estereótipo como prática significante é central para a representação da diferença racial O estereótipo tem a capacidade de desenvolver estratégias para estabelecer a divisão ditando o que pode ser considerado o normal e o aceitável e o anormal e o inaceitável Então exclui ou expulsa tudo o que não se encaixa que é diferente52 Para ocorrer o processo de estereotipação fazse necessária sublinha o autor a existência de uma profunda clivagem social asse gurando grandes desigualdades de poder Poder entendido a partir de uma concepção mais ampla incluindo não só a exploração econômica mas também a coerção cultural e simbólica A representação se caracteriza pelo poder de marcar assinalar e classificar um grupo a partir da diferença esta construída e essencializada pelo estereótipo Nesse contexto é que a representação da mulata pode ser entendida construção absolutamente essencializada fixada a partir de detalhes anatômicos do corpo da mulher negra os quais passam a representála através do estereótipo ao qual será reduzida Mulata é corpo apenas mas não qualquer corpo o conjunto que a caracteriza é formado por seios e bunda grandes e uma habilidade natural para mexer sensualmente e eroticamente os quadris em movimentos ritmados anunciando o convite para o sexo Essas carac terísticas são exclusivas das mulatas da gente negra mu lheres brancas conforme a representação social não sabem rebolar naturalmente muito menos os homens brancos Em função disso a mulata possui os ingredientes para corpo rificar a sexualidade livre de normas e controle sociais O estereótipo da mulata por conseguinte reduz a mulher negra a um conjunto exagerado e ao mesmo tempo simplificado de características que foram estrategicamente marcadas como diferenças inatas Ainda segundo Stuart Hall a substituição de uma parte pelo todo de uma coisa um objeto um órgão uma porção do corpo por um sujeito é o efeito de uma prática de representação muito importante o fetichismo que é a estratégia pela qual a fascinação ou o desejo se realizam mas também são negados ele licencia o voyeurismo não regulado impulsionado por uma busca não reconhecida do prazer ilícito e um desejo que não pode ser satisfeito53 Sobre o fetiche analisa Lélia Gonzalez os atributos da mulata podem ser admirados somente em um espaço determinado e permitido para sua exibição o Carnaval A mulata foi convertida em um objeto para ser consumido pelo olhar do homem branco daí porque continua a autora o 53 HALL 2010 p 437438 grifos do autor 52 Stuart HALL 2010 p 430 978 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO endeusamento carnavalesco da mulata acaba no cotidia no no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica É por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressivi dade54 a mulata desperta o desejo livremente manifesto somente no Carnaval porque tal sentimento se apresenta acobertado pelo espetáculo mas no dia a dia nas relações de trabalho e afetivas o desejo dá passagem para a rejeição a discriminação o expurgo do outro racializado e inferiorizado55 Esses estereótipos que inferiorizam as mulheres negras foram e ainda são amplamente ratificados através de dife rentes práticas de representação da literatura da pintura e da música etc A mulata a mucama a mãe preta a empregada do méstica são representações racializadas resultantes de cons truções racializadas de gênero Diante disso necessitase de leituras acerca da construção de estereótipos atentas à raça gênero e sexualidade capazes desvendar a constituição dessas representações Patricia Hill Collins56 referindose aos estereótipos de mulheres negras como imagens de controle controlling images uma vez que procuram fomentar uma definição das mulheres negras como outro objetificado desumanizado diz que a função de desumanização serve para justificar o controle dos grupos As imagens de controle são designadas para mascarar o racismo o sexismo a pobreza e outras injustiças sociais fazendoos parecer natural normal e parte inevitável do cotidiano sendo assim fundamentais para a manutenção das desigualdades sociais As mulheres em sua totalidade são representadas por imagens estereotipadas porém de formas diferentes As imagens de controle são criadas para justificar a exploração econômica e garantir a subordinação das mulheres negras mas também para assegurar a manutenção das opressões de gênero e regular a sexualidade das mulheres sejam negras ou brancas Por isso a importância de se compreender as construções racializadas de gênero pois como afirma Patricia Hill Collins57 elas funcionam para mascarar relações sociais que afetam todas as mulheres Os estereótipos portanto têm cumprido historicamente a função de rebaixar uma parcela da humanidade transformando particularidades em marcas naturalizadas essencializadas em justificativas para as diferenciações sociais para o controle e a dominação daquelases que foram assinaladasos pelas representações negativas PPPPPor um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano Lélia Gonzalez58 em Por um feminismo afrolatinoa mericano expressa mais detalhadamente sua visão de 54 GONZALEZ 1983 p 228 55 Para aprofundar essa discussão ver Silvana BISPO 2011 56 COLLINS 2000 57 COLLINS 2000 58 GONZALEZ 1988b Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 979 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ feminismo atento ao racismo gendrado Muitas de suas con siderações ainda hoje integram os debates de mulheres latinoamericanas e caribenhas que têm como proposta pensar o feminismo desde o Sul um feminismo descolonizado que atenda e inclua as mulheres que estão atuando desde as margens com o intuito de construir modelos alternativos de sociedade A autora tece duras críticas à invisibilidade de raça na maioria dos estudos feministas latinoamericanos com destaque para o Brasil considerando a forte presença negra e indígena Dizendo que o feminismo latinoamericano per de muito de sua força ao fazer abstração de um dado da realidade da maior importância o caráter multirracial e pluri cultural das sociedades da região59 defende a perspectiva antirracismo como elemento intrínseco aos princípios feminis tas pois se o sexismo o racismo e o classismo colocam as mulheres negras no mais baixo nível de opressão nenhum movimento de mulheres pode ser considerado realmente feminista se não tiver por premissa o enfrentamento destas estruturas O movimento de mulheres negras brasileiro colocou raça em evidência revelando o racismo e as desigualdades raciais como determinantes no processo de opressão discrimi nação e exclusão da população negra de modo geral e em especial das mulheres negras quando o racismo vem articulado com o sexismo Esta atuação das mulheres negras obriga o movimento feminista branco e hegemônico a incluir raça em suas abordagens mas no entanto a inclusão está longe de significar uma mudança epistêmica pois raça continua sendo tratada tangencialmente Poucos são os estudos no Brasil que abordam a intersecção de gênero e raçaetnia as representações de gênero racializadas e os efeitos sobre a vida das mulheres nas mais diferentes áreas como saúde mercado de trabalho sexualidades relações afetivas etc Estudos de gênero que encobrem a realidade das mulheres negras e das indígenas ainda são maioria e assim é extremamente atual a crítica feita por Lélia Gonzalez há mais de vinte anos no texto Mulher negra60 como se pode constatar a seguir Apesar das poucas e honrosas exceções para entender a situação da mulher negra poderíamos dizer que a dependência cultural é uma das características do movimento de mulheres em nosso país As intelectuais e ativistas tendem a reproduzir a postura do feminismo europeu e norteamericano ao minimizar ou até mesmo deixar de reconhecer a especificidade da natureza da experiência do patriarcalismo por parte de mulheres negras indígenas e de países antes colonizados61 60 Este texto foi originalmente publicado na Revista Ipeafro Afrodiáspora n 67 p 94106 1986 Consultar GONZALEZ 2008 p 29 59 GONZALEZ 1988b p 135 61 GONZALEZ 2008 p 36 980 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO Lélia também elaborou pesadas críticas aos homens negros militantes do movimento negro parceiros políticos na luta contra o racismo mas nem por isso imunes ao sexismo Como sublinha María Lugones62 a subordinação de gênero foi o preço negociado pelos homens colonizados com seus colonizadores em troca da manutenção do poder em seu espaço social Historicamente este trato não se caracteriza como traição mas como uma resposta à coerção em todas as dimensões da organização social A questão afirma Lugones é porque ainda hoje a cumplicidade que impede o surgimento de laços fortes entre homens e mulheres subordinados para enfrentar os diferentes processos de dominaçãoexploração se mantém Lélia Gonzalez já apontava para esta mesma direção pois conforme salienta as mulheres negras militantes sempre discutiram seu cotidiano marcado pela discriminação racial e pelo sexismo dos homens brancos e negros e principalmente reconheciam o sexismo dos últimos devido ao caráter mais acentuado do machismo negro uma vez que este se articula com mecanismos compensatórios que são efeito direto da opressão racial63 As consequências do processo de construção das masculinidades racializadas particularmente do homem ne gro para as mulheres dos grupos racialmente discriminados também é discutida por Luiza Bairros para quem os supostos privilégios da condição masculina dificilmente poderão ser desfrutados em sua plenitude por homens negros em uma sociedade racista Por isso os poucos espaços que se oferecem para a expressão plena de pessoas negras também é palco para o exercício de um sexismo que não poderia manifestar se em outras esferas da vida social especialmente aquelas dominadas por homens brancos64 Ocorre um reforço do sexismo da parte dos homens negros pela ilusão de compensar os efeitos devastadores do racismo afastando alianças para o enfrentamento das desigualdades de gênero pois como estão presos na armadilha do antagonismo entre homens e mulheres acreditam que estas últimas desejam acabar com os seus pretensos privilégios afirma Bairros65 A construção de gênero do homem negro ocorre portanto reconfigurada por raça que fornece uma dimensão que dificulta o enquadramento total deste sujeito na catego ria homem considerando a atuação definida pela socieda de dominante Basta ver os dados referentes ao mercado de trabalho que mostram em muitas situações o homem negro em posição de desvantagem econômica em relação à mulher branca Assim a reafirmação e o exercício de sua 62 LUGONES 2008 63 GONZALEZ 2008 p 38 64 BAIRROS 1995 p 461 65 BAIRROS 1995 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 981 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ masculinidade na perspectiva da sociedade ocidental bran ca em última instância ocorrerão pela opressão da mulher negra Sobre a forma como os homens negros experienciam gênero diz Bairros A percepção de que o homem deve ser por exemplo o principal provedor do sustento da família o ocupante das posições mais valorizadas do mercado de trabalho o atleta sexual o iniciador das relações amorosas o agressivo não significa que a condição masculina seja de superioridade incontestável Essas mesmas imagens cruzadas com o racismo recon figuram totalmente a forma como os homens negros vivenciam gênero Assim o negro desempregado ou ganhando um salário minguado é visto como o pregui çoso o fracassado o incapaz O atleta sexual é perce bido como um estuprador em potencial o agressivo tornase o alvo preferido da brutalidade policial66 Apesar de tecer críticas ao sexismo dos homens ne gros Lélia Gonzalez defende que a experiência histórico cultural comum com a escravidão no passado e o racismo na atualidade forneceram um plano mais igualitário possi bilitando o desenvolvimento das relações entre mulheres e homens negros militantes Segundo Alex Ratts e Flavia Rios Lélia Gonzalez defen dia um feminismo formado em meio às lutas de mulheres ne gras pois este traria um tipo de solidariedade com os homens negros já que eles também compartilhavam com elas alguma forma de opressão o que mostra ressaltam os autores que a visão política de Lélia Gonzalez não abria espaço para o sectarismo67 Podese inferir que esta visão política de Lélia Gonzalez influenciou sua aproximação com as ideias de Alice Walker em especial com a categoria womanism Para Lélia Gonzalez Alice Walker através da categoria expõe sua crítica à noção de feminismo contrapondolhe uma outra a de mulherismo womanism e sem descartar as importantes contribuições do feminismo para o movimento de mulheres como um todo continua a autora brasileira Walker amplia e aprofunda a reflexão feminista ao colocar a questão que eu traduziria por mulheridade68 A categoria womanism foi elaborada pela escritora negra estadunidense Alice Walker na obra In search of our mothers gardens womanist prose uma coletânea de ensaios69 Na perspectiva da autora o womanism apresenta novas exigências e perspectivas diferentes para o feminismo obrigandoo a expandir seus horizontes teóricos e práticos A womanist é então uma feminista negra comprome tida com a sobrevivência e a integridade de toda a comuni 68 GONZALEZ 1988d p 2 69 Alice WALKER 1984 67 RATTS e RIOS 2010 p 112 66 BAIRROS 1995 p 461 982 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO dade negra homens e mulheres pois sua sobrevivência está diretamente vinculada à sobrevivência do grupo Concepção que vai ao encontro do que defende Lélia Gonzalez principalmente no que diz respeito à perspectiva de incluir homens negros e de valorização da comunidade negra como sublinham Ratts e Rios70 Já em relação ao movimento de mulheres brancas as contradições e ambiguidades sempre foram muitas impedin do a formação de alianças uma vez que geralmente se es quece da questão racial diz Gonzalez71 que reconhece a importância do feminismo como teoria e prática para as lutas e conquistas das mulheres pois ao apresentar novos questio namentos induzia a formação de grupos e redes e principal mente desenvolveu a busca de uma nova forma de ser mu lher mas critica o esquecimento do racismo por parte das feministas brancas considerandoo um reflexo de uma visão de mundo eurocêntrica e neocolonialista da realidade72 Em acordo com o que foi destacado por Lélia Gonzalez no tocante ao movimento de mulheres Brenny Mendoza afirma que ignorar a historicidade e colonialidade de gênero também cega as mulheres brancas do Ocidente as quais têm dificuldades para reconhecer a intersecção de raça e gênero e a sua própria cumplicidade nos processos de colonização e dominação capitalista73 Assim a crítica de Gonzalez ao feminismo hegemônico continua pertinente Quanto à diversidade sexual não encontrei nos textos trabalhados referência à lesbianidade somente em relação à homossexualidade Embora não tenha se detido nesse de bate a autora sublinha a sua importância manifestando o seu contentamento com as conquistas obtidas dentro do movi mento negro por nós mulheres e nossos companheiros homos sexuais pois conquistamos o direito a discutir em Congresso nossas especificidades74 A categoria lesbianidade nos anos 1980 ainda não integrava a linguagem dos movimentos sociais somente homossexual masculino e feminino Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas As mulheres negras e indígenas na perspectiva ofere cida por Lélia Gonzalez intervêm ativamente na condução de seus destinos e deixam como legado para as que vêm depois a experiência do enfrentamento do racismo e do sexismo o que significa que a luta contra essas opressões apresenta um longo caminho já trilhado Assim sendo a categoria amefricanidade por ela cunhada mais do que indicar a experiência comum com a escravidão a domina ção e a exploração da colonialidade tem na resistência sua centralidade 70 RATTS e RIOS 2010 71 GONZALEZ 2008 p 37 72 GONZALEZ 1988b p 135 74 GONZALEZ 2008 p 39 73 Brenny MENDOZA 2010 p 23 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 983 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ Seguindo essa premissa Gonzalez traz a história de Nanny mulher negra escravizada líder maroon75 na luta anticolonialista da Jamaica do século XVIII para melhor apreendermos a importância das mulheres nas lutas das comunidades amefricanas de ontem e de hoje76 Nanny é apresentada pela historiografia jamaicana de muitas formas desde mito mártir líder militar até figura mística misteriosa todavia sua importância para aquela sociedade é inquestio nável Embora a história de Nanny seja de grande interesse minha intenção aqui é apresentar as análises de Lélia Gonzalez sobre as histórias místicas que cercam a líder jamai cana centrandome em três interpretações que remetem como pretendo mostrar a uma concepção de feminismo Para melhor entendimento da análise de Gonzalez77 apresento resumidamente as três histórias a primeira conta que os ingleses destruíram as provisões dos maroons a fim de derrotálos pela fome e que alguns dias antes da rendição Nanny recebeu em sonho sementes mágicas para plantar e salvar seu povo da fome na segunda a líder enganou os inimigos colocando em seu caminho um caldeirão mágico com conteúdo fervente mas sem fogo para mantêlo assim Aqueles que olhavam em seu interior eram engolidos e na terceira diante do exército inimigo Nanny se virou e atraiu as balas das armas para o meio de suas nádegas vencendo o exército inglês Lélia Gonzalez faz as seguintes interpretações dessas histórias A primeira história simbolicamente remeteria ao papel da mulher que assegura a regeneração e a continuida de de uma sociedade que sob condições adversas se encontra numa luta constante pela sobrevivência A segunda apontaria para a perspicácia feminina no desenvolvimento de táticas absolutamente inespera das para o inimigo cuja fonte está no saber do próprio grupo Já a terceira a nosso ver simbolizaria a profunda radicalidade de uma posição anticolonialista O signifi cado de seu gesto implica uma rejeição de tal ordem que põe por terra o conjunto de valores instituições e práticas do colonizador E este supondose superior é quem fica literalmente desbundado em face de tanta contundência78 As lentes através das quais Lélia Gonzalez interpreta as histórias de Nanny todas retratando as condições adversas sob as quais vivem as mulheres negras e indígenas permitem lhe enxergar as questões semelhantes e recorrentes que confrontam as mulheres negras no contexto da diáspora e que são impeditivas ao pleno acesso a bens e serviços de qualidade e ao direito a vida digna 77 GONZALEZ 1988c 78 GONZALEZ 1988c p 25 75 Segundo GONZALEZ 1988c p 24 os termos marronage francês e maroon society inglês provêm do espanhol cimarrón todos signifi cando o mesmo que quilombo 76 GONZALEZ 1988c p 24 984 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO Lélia Gonzalez recorreu à categoria amefricanas as herdeiras de uma outra cultura ancestral cuja dinâmica histórica revela a diferença pelo viés das desigualdades raciais79 como possibilidade de reflexão epistemológica para fazer emergir diversas tradições de resistência às relações patriarcais a partir das experiências das mulheres negras e indígenas da América da América Latina Caribe e Brasil Porém são processos de resistência e insurgência aos poderes estabelecidos na maioria das vezes ainda ocultos que somente investigações comprometidas com a descolo nização do feminismo podem tirar do esquecimento histórico Lélia Gonzalez influenciou mulheres e homens de sua geração assim como até hoje seu pensamento inspira a organização dos movimentos de mulheres negras Seu pensa mento aponta para a valorização de saberes subalternos visando contribuir para a descolonização do feminismo pois tais saberes podem provocar a elaboração de teorias feminis tas que dialoguem mais proximamente com as mulheres negras lésbicas brancas pobres e indígenas teorias cúmpli ces da ação política nascidas de experiências particulares A valorização e o resgate de saberes produzidos pelas mulheres negras e indígenas representa por si só uma prática política de descolonização do saber na medida em que se redefine a orientação do vetor da concepção ocidental de mundo para as concepções filosóficas das sociedades africanas e indígenas totalmente excluídas do chamado conhecimento hegemônico Além do que buscar fundamen tação em elementosvaloresprincípios que constituem tais saberes gera profundos cortes com o paradigma ocidental moderno e faz emergir novas propostas epistemológicas Referências Referências Referências Referências Referências ALBERTI Verena PEREIRA Amilcar Araújo História do movimento negro no Brasil depoimentos ao CPDOC Rio de Janeiro Pallas CPDOCFGV 2007 ALVAREZ Sonia E Construindo uma política feminista translocal da tradução Revista Estudos Feministas Florianópolis v 17 n 3 p 743753 setdez 2009 ANZALDÚA Gloria E Falando em línguas uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo Revistas Estudos Feministas Florianópolis v 8 n 1 p 229236 1 sem 2000 ANZALDÚA Gloria E La conciencia de La Mestiza rumo a uma nova consciência Revista Estudos Feministas Florianópolis v 13 n 3 p 704719 setdez 2005 ANZALDÚA Gloria E Como domar uma língua selvagem Tradução Joana Plaza Pinto e Karla Cristina dos Santos Revisão da Tradução Viviane Veras Cadernos de Letras 79 GONZALEZ 1988 p 2 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 985 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ da UFF Dossiê Difusão da Língua Portuguesa n 39 p 297309 2009 BAIRROS Luiza Nossos feminismos revisitados Revista Estudos Feministas v 3 n 2 p 458463 2 sem 1995 BAIRROS Luiza Lembrando Lélia Gonzalez In WERNECK Jurema MENDONÇA Maisa WHITE Evelyn Org O livro da saúde das mulheres negras nossos passos vêm de longe Rio de Janeiro Pallas Criola Global Exchange 2006 p 4261 BARRETO Raquel de Andrade Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzáles 2005 Rio de Janeiro 128f Dissertação Mestrado em História Social da Cultura Centro de Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2005 BEAUVOIR Simone de O segundo sexo Rio de Janeiro Nova Fronteira 1980 BISPO Silvana Santos Feminismos em debate reflexões sobre a organização do movimento de mulheres negras em Salvador 19781997 2011 Salvador 198f Dissertação Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres Gênero e Feminismo Universidade Federal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Salvador 2011 BRAH Avtar Cartografías de la diáspora identidades en cuestión Madrid Traficantes de Sueños 2011 COLLINS Patricia Hill Learning from the outsider within the sociological significance of black feminist thought Social Problems v 33 n 6 p 1432 OctDec 1986 COLLINS Patricia Hill Black feminist thought knowledge consciousness and the politics of empowerment New YorkLondon Routledge 2000 FERREIRA Aurélio B de Hollanda Novo Dicionário da Língua Portuguesa 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 FANON Frantz Pele negra máscaras brancas Salvador Edufba 2008 GONZALEZ Lélia Racismo e sexismo na cultura brasileira In SILVA L A et al Movimentos sociais urbanos minorias e outros estudos Ciências Sociais Hoje Brasília ANPOCS n 2 p 223244 1983 GONZALEZ Lélia A categoria políticocultural de amefricanidade Tempo Brasileiro Rio de Janeiro n 92 93 p 6982 janjun 1988a GONZALEZ Lélia Por um feminismo afrolatinoamericano Revista Isis Internacional Santiago v 9 p 133141 1988b GONZALEZ Lélia Nanny Humanidades Brasília v 17 ano IV p 2325 1988c 986 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO GONZALEZ Lélia A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social Raça e Classe Brasília ano 2 n 5 p 2 novdez 1988d GONZALEZ Lélia Mulher negra In NASCIMENTO Elisa Larkin Org Guerreiras de natureza mulher negra religiosidade e ambiente São Paulo Selo Negro 2008 p 2947 HALL Stuart El espectáculo del Otro In RESTREPO Eduardo WALSH Catherine VICH Víctor Ed Sin garantías trayectorias y problemáticas en estudios culturales Colombia Peru Equador IESCP IEP UASB Envión 2010 p 419446 LUGONES María Colonialidad y género Tabula Rasa Bogotá Colombia n 9 p 73101 juldic 2008 LUGONES María Hacia um feminismo descolonial La Man zana de la Discordia Barcelona Universidad Nacional v 6 n 2 p 105119 juldez 2011 MENDOZA Brenny La epistemología del sur la colonialidad del género y el feminismo latinoamericano In MIÑOSO Yuderkys Espinosa Coord Aproximaciones críticas a las prácticas teóricopolíticas del feminismo latinoamerica no Buenos Aires En la Frontera 2010 p 1936 QUIJANO Aníbal Colonialidade e modernidaderacionali dade Tradução Wanderson Flor do Nascimento In BONILLO Heraclio Comp Los conquistados Bogotá Tercer Mundo FLACSO 1992 p 437449 RATTS Alex RIOS Flavia Lélia Gonzalez São Paulo Selo Negro 2010 Coleção Retratos do Brasil Negro SAID Edward W Orientalismo o Oriente como invenção do Ocidente São Paulo Cia das Letras 1990 VIANA Elizabeth do Espírito Santo Relações raciais gênero e movimentos sociais o pensamento de Lélia Gonzalez 19701990 2006 247f Dissertação Mestrado em História Comparada Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2006 WALKER Alice In search of our mothers gardens womanist prose New York HarvestHBJ Book 1984 Amefricanizing the Amefricanizing the Amefricanizing the Amefricanizing the Amefricanizing the FFFFFeminism eminism eminism eminism eminism THE T THE T THE T THE T THE Thought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract In this article I explore the thought of Lélia Gonzalez Brazilian Black intellectual defender of a Afrolatinoamerican feminism committed to the recovery processes of resistance and insurgency powers established most of the time still hidden which historically were brought to term by Black and Native brazilian women against colonialism and can serve as inspiration for feminist political action decolonizing Key Words Key Words Key Words Key Words Key Words Racism Black Women Black Feminism Thought of Black Women
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Estudos Feministas Florianópolis 223 320 setembrodezembro2014 965 Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o Amefricanizando o feminismo o pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez pensamento de Lélia Gonzalez Copyright 2014 by Revista Estudos Feministas Cláudia Pons Cardoso UNEB Universidade do Estado da Bahia Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Neste artigo exploro o pensamento de Lélia Gonzalez intelectual negra brasileira defensora de um feminismo afrolatinoamericano comprometido com a recuperação dos processos de resistência e insurgência aos poderes estabelecidos ainda em sua maioria ocultos mas que historicamente foram levados a termo por mulheres negras e indígenas contra o colonialismo e podem servir de fonte de inspiração para ações políticas feministas descolonizadoras Palavraschave Palavraschave Palavraschave Palavraschave Palavraschave racismo mulheres negras feminismo negro pensamento de mulheres negras Mas o que a Lélia sabia Sabia conceituar e formular a contradição específica de ser mulher negra a questão de como a desigualdade o racismo e a discriminação produziam a nossa realidade de exclusão e diferenciavam a nossa inserção social em relação à das mulheres brancas E a Lélia tinha uma coisa maravilhosa ela conseguia positivar todas aquelas coisas com as quais nós éramos estigmatizadas1 Lélia Gonzalez2 intelectual e feminista negra brasileira nos anos de 1980 refletiu atentamente sobre a realidade de exclusão das mulheres na sociedade brasileira principalmente das negras e indígenas Ela foi pioneira nas críticas ao feminismo hegemônico e nas reflexões acerca das diferentes trajetórias de resistência das mulheres ao patriarcado evidenciando com isso as histórias das mulheres negras e indígenas no Brasil na América Latina e no Caribe O seu pensamento inaugura também a proposição de descolonização do saber e da produção de conhecimento e atuando como forasteira de dentro outsider within como define Patrícia Hill Collins3 questiona a insuficiência das categorias analíticas das Ciências Sociais para explicar por exemplo a realidade das mulheres negras Diante disso diz 1 Sueli CARNEIRO citada por ALBERTI PEREIRA 2007 p 183184 2 Lélia Gonzalez foi tema de diversos estudos entre eles os de Raquel BARRETO 2005 Elizabeth VIANA 2006 e Alex RATTS e Flávia RIOS 2010 3 A autora define outsider within como posição social ou espaços de fronteira ocupados por grupos com poder desigual Na Academi a por exemplo esse lugar permite às pesquisadoras negras constatar a partir de fatos de suas próprias ex periências anomalias materializa das na omissão ou observações distorcidas dos mesmos fatos socia is e embora Collins se refira à So ciologia podese pensar como prática política a ser desenvolvida em todas as áreas do conhecimen to Patricia Hill COLLINS 1986 966 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO 4 Lélia GONZALEZ 1983 p 225 O fato é que enquanto mulher negra sentimos a neces sidade de aprofundar a reflexão ao invés de continuar mos na repetição e reprodução dos modelos que nos eram oferecidos pelo esforço de investigação das ciências sociais Os textos só nos falavam da mulher negra numa perspectiva sócioeconômica que elucidava uma série de problemas propostos pelas relações raciais Mas ficava e ficará sempre um resto que desafiava as explicações4 Muitas feministas negras mulheres de cor chicanas como Gloria Anzaldúa5 vêm atuando como forasteiras de dentro outsider whithin reinventando definições delimitando lugares sociais para melhor se posicionarem como forma de realizarem a autodefinição Anzaldúa por exemplo toma suas próprias experiências vividas como cidadã norteamericana descendente de mexicanos criada em uma região fronteiriça entre o México e os EUA lésbica feminista para investigar a opressão de gênero patriarcal das duas sociedades Suas experiências são as lentes pelas quais enxerga e analisa o mundo Sua narrativa é subversiva no estilo na medida em que confronta a produção de conhecimento do paradigma dominante através do texto autobiográfico é também subversiva na linguagem pois recorre ao inglês ao espanhol e suas variações regionais e a expressões do nahuatl língua falada pelos astecas préinvasão para registrar suas ideias Com isso recusa tanto o espanhol simbolizando a cultura machista mexicana quanto o inglês imposto pela cultura norteamericana dominante ensinado nas escolas nos EUA como prática de exclusão imperialista pois poda qualquer traço cultural mexicano Adota portanto a linguagem híbrida denotativa de um discurso polifônico proferido por múltiplas vozes e representativa de uma nova identidade mestiza que emerge do contexto sociopolítico e cultural estabelecido na fronteira entre México e Estados Unidos Ao se referir à linguagem da nova mestiza diz Anzaldúa o espanhol chicano é uma língua fronteiriça que se desenvolveu naturalmente Mudança evolución enriquecimiento de palabras nuevas por invención o adopción tem criado variantes do espanhol chicano uma nova linguagem Un lenguaje que corresponde a un modo de vivir O espanhol chicano não é incorreto é uma língua viva6 Lélia Gonzalez também confronta o paradigma domi nante e em alguns textos recorre a uma linguagem considera da fora do modelo estabelecido para a produção textual acadêmica ou seja sem obediência às exigências e às regras da gramática normativa mas que no entanto reflete o legado linguístico de culturas escravizadas Assim a autora por vezes 5 Glória ANZALDÚA 2000 2005 e 2009 6 ANZALDÚA 2009 p 307 grifos da autora Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 967 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ mistura enreda o português com elementos linguísticos africa nos em uma tentativa política de evidenciar o preconceito racial existente na própria definição da língua materna brasi leira Como resultado do enredamento sublinha Gonzalez temse aquilo que chamo de pretoguês e que nada mais é do que marca de africanização do português falado no Brasil é facilmente constatável sobretudo no espanhol da região caribenha O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo além da ausência de certas consoantes como o l ou o r por exemplo apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação histórico cultural do continente como um todo e isto sem falar nos dialetos crioulos do Caribe7 Ainda sobre o português africanizado continua a autora É engraçado como eles sociedade branca elitista gozam a gente quando a gente diz que é Framengo Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala errado E de repente ignoram que a presença desse r no lugar do l nada mais é do que a marca lingüística de um idioma africano no qual o l inexiste Afinal quem é o ignorante Ao mesmo tempo acham o maior barato a fala dita brasileira que corta os erres dos infinitivos verbais que condensa você em cê o está em tá e por aí afora Não sacam que tão falando pretuguês8 E por falar em pretuguês é importante ressaltar que o objeto parcial por excelência da cultura brasileira é a bunda esse termo provém do quimbundo que por sua vez e juntamente com o abundo provém de um tronco lingüístico bantu que casualmente se chama bunda E dizem que significante não marca Marca bobeira quem pensa assim De repente bunda é língua é linguagem é sentido é coisa De repente é desbundante perceber que o discurso da consciência o discurso do poder dominante quer fazer a gente acreditar que a gente é tudo brasileiro e de ascendência européia muito civilizado etc e tal E culminando pinta este orgulho besta de dizer que a gente é uma democracia racial Só que quando a negrada diz que não é caem de pau em cima da gente xingando a gente de racista Contraditório né Na verdade para além de outras razões reagem dessa forma porque a gente põe o dedo na ferida deles a gente diz que o rei tá pelado E o corpo do rei é preto e o rei é escravo9 O pensamento de Lélia Gonzalez foi construído a partir do contato com homens e mulheres de outras localidades 7 GONZALEZ 1988a p 70 8 A palavra aparece nos textos da autora grafada de dois modos pretuguês e pretoguês ver GONZALEZ 1983 1988a 9 GONZALEZ 1983 p 238 grifos da autora 968 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO como dizem os autores Alex Ratts e Flávia Rios na obra Lélia Gonzalez contatos que possibilitaram deslocamentos e abri ram horizontes teóricos e políticos Gonzalez foi uma intelec tual diaspórica com um pensamento erigido por meio de trocas afetivas e culturais ao longo do chamado Atlântico Negro com intelectuais amigos e ativistas da América do Norte Caribe e África Atlântica10 Desse diálogo com várias os autorases realizava a política de tradução de teorias para desenvolver um pensamento globalizado e transnacio nal voltado não só para explicar como se formou nas Américas uma matriz de dominação sustentada pelo racismo mas principalmente para intervir e transformar essa realidade a partir de sua compreensão A política de tradução de teorias como explica Sonia Alvarez explora como discursos e práticas feministas viajam por uma variedade de lugares e direções e acabam se tornando paradigmas interpretativos para a leitura escrita de questões de classe gênero sexualidade migração saúde cidadania política e circulação de identidades e textos11 A tradução de teorias é uma metáfora para descrever como o deslocamento das ideias está profundamente imerso em questões mais amplas de globalização A política é cons truída através do tráfico de teorias e práticas feministas atra vessando fronteiras geopolíticas e disciplinares É o ir e vir de insights dos feminismos de latinas de mulheres de cor e do feminismo póscolonial do norte das Américas para as nossas análises de teorias práticas culturas e políticas do Sul e viceversa Podese entendêla também como uma simbologia de transgressão das imposições e regras da colo nialidade do poder12 com suas fronteiras fortemente erigi das mantendo afastados dos países do norte imigrantes in desejados os não brancos do Sul A política de tradução trafica sonhos rejeitando intencionalmente a existência das fronteiras com o objetivo político e teórico de elaborar episte mologias e alianças políticas feministas antirracistas e pós coloniaispósocidentais13 Tendo como referência e influência as ideias de Frantz Fanon14 Lélia Gonzalez procurou similaridades nos diversos contextos da diáspora negra de forma a desenvolver explicações em comum para abordar o racismo bem como recuperar as estratégias de resistência e luta das mulheres negras e indígenas visando seu registro como protagonistas e sujeitos históricos Um dos principais traços do pensamento de Fanon que identifico na obra de Lélia diz respeito à abordagem dos danos psicológicos causados pela relação de dominaçãoexploração entre colonizador e colonizado 12 Definindo colonialidade como uma matriz mundial de domina ção patrón mundial de domina ción dentro do modelo capitalis ta fundada pela classificação racial e étnica da humanidade Aníbal Quijano diz que a matriz de poder colonial é um princípio organizador e afeta as múltiplas dimensões da vida social desde a sexualidade a autoridade as relações de gênero instituições o trabalho as organizações polí ticas estendendose à subjetivida de e às estruturas de conhecimen to Aníbal QUIJANO 1992 13 ALVAREZ 2009 p 744 14 Frantz FANON 19251961 teve uma forte influência entre os intelectuais contemporâneos a Lélia Gonzalez 10 RATTS e RIOS 2010 p 128 11 Sonia ALVAREZ 2009 p 743 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 969 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ Segundo Frantz Fanon15 o colonialismo produziu a chamada inferioridade do colonizado que uma vez derrotado e dominado acaba por aceitar e internalizar essa ideia O colonizador se sustenta no racismo para estruturar a coloni zação e justificar sua intervenção pois através da difusão ideológica da suposta superioridade do colonizador sua ação é vista como benefício e não como violência o que resultou na alienação colonial na construção mítica do colo nizador e do colonizado o primeiro retratado como herdeiro legítimo de valores civilizatórios universalistas e o segundo como selvagem e primitivo despossuído de legado mere cedor de ser transmitido As ideias de Fanon sobre racismo assimilação e alienação foram importantes para as reflexões de Lélia Gonzalez acerca da chamada democracia racial brasileira um dos principais alvos das ações e críticas do movimento negro nos anos 1980 através da denúncia do quanto era falaciosa tal democracia resumindose na verdade em um dos mais eficazes mitos de dominação16 Segundo Lélia Gonzalez o racismo pode apresentar taticamente duas formas para manter a exploraçãoopres são o racismo aberto e o racismo disfarçado A primeira forma é encontrada principalmente nos países de origem anglosaxônica e a segunda predomina nas sociedades de origem latina No racismo disfarçado prevalecem as teo rias da miscigenação da assimilação e da democracia ra cial e essa forma de se manifestar afirma ao pensar o Brasil impede a consciência objetiva desse racismo sem disfarces e o conhecimento direto de suas práticas cruéis pois a cren ça historicamente construída sobre a miscigenação criou o mito da inexistência do racismo em nosso país17 No racismo latinoamericano continua Lélia Gonzalez a alienação é alimentada através da ideologia do branqueamento cuja eficácia está nos efeitos que produz o desejo de embranquecer de limpar o sangue como se diz no Brasil é internalizado com a simultânea negação da própria raça da própria cultura18 Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos Mulheres e amefricanas sujeitos dos diferentes feminismos diferentes feminismos diferentes feminismos diferentes feminismos diferentes feminismos Amefricanidade categoria cunhada por Lélia Gonzalez nos anos de 1980 que se insere na perspectiva póscolonial surge no contexto traçado tanto pela diáspora negra quanto pelo extermínio da população indígena das Américas e recupera as histórias de resistência e luta dos povos colonizados contra as violências geradas pela colonialidade do poder A partir das resistências como mecanismos estratégicos de visibilidade da história desses 18 GONZALEZ 1988a p 73 17 GONZALEZ 1988a p 7274 16 GONZALEZ 1988b p 137 15 FANON 2008 970 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO grupos tem por objetivo pensar desde dentro as culturas indígenas e africanas e assim afastarse cada vez mais de interpretações centradas na visão de mundo do pensamento moderno europeu Na verdade a proposta de Lélia Gonzalez é epistemológica pois do ponto de vista da amefricanidade propõe a abordagem interligada do racismo colonialismo imperialismo e seus efeitos19 Identifico no pensamento de Lélia aproximação com a colonialidade do poder de Aníbal Quijano e a colonialidade de gênero de María Lugones revelando a atualidade de suas ideias20 Estruturada em abordagem mais holística Lélia Gonzalez pensa as mulheres negras da diáspora e aponta para algumas questões que se pode tomar como formadoras de um feminismo negro aqui retomadas visando contribuir para o debate inclusive do feminismo latinoamericano Inicio pelo destaque concedido ao contexto histórico cultural das Américas Segundo Lélia Gonzalez21 a presença da latinidade no Novo Mundo foi inexistente a preponde rância se deu com elementos ameríndios e africanos e por isto defendia uma Améfrica Ladina Para a autora todos os brasileiros são ladinoamefricanos e não somente os negros a negação da presença afroameríndia seria decorrente do racismo Como instrumento metodológico para interpretar o processo de formação das sociedades americanas Gonzalez se utiliza de uma categoria explicativa oriunda da Psicanálise denegação assinalando enquanto denegação dessa ladinoamefricanidade o racismo se volta justamente contra aqueles que do ponto de vista étnico são os testemunhos vivos da mesma tentando tirálos de cena apagálos do mapa22 Ao expor como a classificação racial foi a estrutura de sustentação do colonialismo clássico e das sociedades que vieram a formar a chamada América Latina retoma a história e o modelo rigidamente hierarquizado das socieda des ibéricas onde tudo e todos tinham seu lugar determi nado para descrever como as sociedades americanas se pensaram a partir das ideologias de classificação social racial e sexual23 dizendo Embora pertençamos a diferentes sociedades do continente sabemos que o sistema de dominação é o mesmo em todas elas ou seja o racismo essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação cuja presença é uma constante em todos os níveis de pensamento assim com parte e parcela das mais diferentes instituições dessas sociedades o racismo estabelece uma hierarquia racial e cultural que opõe a superioridade branca ocidental à inferioridade negroafricana A África é o continente 22 GONZALEZ 1988c p 23 19 GONZALEZ 1988a p 71 20 QUIJANO 1992 Para María Lugones fazse necessário explicar as raízes do sistema binário de gê nero que Quijano deixa incólume e para isso propõe o sistema mo dernocolonial de gênero uma lente através da qual continua teorizando a lógica opressiva da modernidade colonial e que permite perceber a imposição colonial e a extensão e profundi dade histórica de seu alcance destrutivo uma abordagem de gênero para entender como o cor po o sexo e o próprio gênero fo ram construídos racializadamente María LUGONES 2008 p 77 A imposição das opressões de gênero racializada e capitalista constituem a colonialidade de gênero LUGONES 2011 21 GONZALEZ 1988a 1988c 23 GONZALEZ 1988a p 73 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 971 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ obscuro sem uma história própria Hegel por isso a Razão é branca enquanto a Emoção é negra Assim dada a sua natureza subhumana a exploração só cioeconômica dos amefricanos por todo o continen te é considerada natural24 Criticando a ciência moderna como padrão exclusivo para a produção do conhecimento vê a hierarquização de saberes como produto da classificação racial da população uma vez que o modelo valorizado e universal é branco Disto decorre que a explicação epistemológica eurocêntrica conferiu ao pensamento moderno ocidental a exclusividade do conhecimento válido estruturandoo como dominante e inviabilizando assim outras experiências do conhecimento Segundo a autora o racismo se constituiu como a ciência da superioridade eurocristã branca e patriarcal na medida em que se estruturava o modelo ariano de explicação25 Como proposta contrahegemônica ao modelo exclusivo racista colonialista apresenta a amefricanidade As implicações políticas e culturais da categoria de Amefricanidade Amefricanity são de fato democrá ticas exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial lingüístico e ideológico abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta A AMÉRICA Para além do seu caráter puramente geográfico a categoria de Amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural adaptação resistência reinterpretação e criação de novas formas que é afrocentrada Seu valor metodológico a meu ver está no fato de permitir a possibilidade de resgatar uma unidade específica historicamente forjada no interior de diferentes sociedades que se formaram numa determinada parte do mundo26 A amefricanidade se refere à experiência comum de mulheres e homens negros na diáspora e à experiência de mulheres e homens indígenas contra a dominação colonial Por isso afirma Lélia Gonzalez floresceu e se estruturou no decorrer dos séculos que marcaram a nossa presença no continente27 A grande dificuldade está em falar sobre caracte rísticas comuns compartilhadas por formações políticas tão diferentes e ao mesmo tempo reivindicar a particularidade a especificidade histórica sem parecer estar enredada na contradição ou em explicações essencialistas Para Avtar Brah isso é possível desde que o viés essencialista do universalismo seja excluído isto é desde que ele seja entendido como produto histórico como característica comum derivada de uma experiência histórica variável e como tal sujeita a 27 GONZALEZ 1988a p 79 24 GONZALEZ 1988a p 77 25 GONZALEZ 1988a p 71 26 GONZALEZ 1988a p 7677 972 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO mudança histórica Assim se reconhece as características comuns através da acumulação de experiências similares mas não idênticas em diferentes contextos28 Eu identifico a historicidade das experiências referida por Avtar Brah na amefricanidade categoria com dinâmica histórica própria fornecida pelos diferentes contextos históricos que a constituem A categoria portanto tem força epistêmica pois pretende outra forma de pensar de produzir conhecimen to a partir dos subalternos dos excluídos dos marginalizados Desloca mulheres e homens negrasos e indígenas da margem para o centro da investigação fazendoasos sujeitos do co nhecimento ao resgatar suas experiências no enfrentamento do racismo e do sexismo Conforme Lélia Gonzalez na época escravista a ame fricanidade já estava presente nas revoltas na elaboração de estratégias de resistência cultural no desenvolvimento de formas alternativas de organização social livre bem como nas sociedades americanas anteriores à colonização29 Assim ao propor categorias próprias para pensar a história dasos afroameríndiasos aposta no desprendimento do conhecimento europeu e aponta para a descolonização do pensamento através da desconstrução das estruturas de poder que mantêm a colonialidade do saber usando categorias fundadas a partir da cultura negra A autora desenvolveu inúmeros escritos acerca da situação de exclusão e discriminação a que estavam subme tidas as mulheres negras tanto no contexto brasileiro quanto no cenário latinoamericano defendendo a articulação entre as categorias de raça classe sexo e poder para desmas carar as estruturas de dominação de uma sociedade30 Embora não tenha aprofundado o tema Gonzalez chamou a atenção para a importância de se entender os efeitos resultantes da articulação dessas estruturas de poder na definição do lugar social dos sujeitos na sociedade principalmente das mulheres pois tal articulação faz com que as não brancas sejam as mulheres mais oprimidas e exploradas de uma região de capitalismo patriarcalracista dependente31 Nesse sentido diz o racismo articulado com o sexismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra em particular A ideia de gênero como a entendemos atualmente também não aparece nos escritos de Lélia Gonzalez Para falar das relações de assimetria provenientes da hierarqui zação a partir da percepção das diferenças sexuais ela re corre à noção de sexo e sexismo partindo de uma compreen são em que as diferenças biológicas estão presentes uma compreensão que porém também se constrói imbricada com o social e cultural Como afirma Luiza Bairros sexismo e racismo seriam variações de um mesmo tema mais geral que 28 Avtar BRAH 2011 p 120 29 GONZALEZ 1988a p 79 30 GONZALEZ 1988b p 138 31 GONZALEZ 1988b p 137 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 973 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ tem nas diferenças biológicas reais ou imaginadas o ponto de partida para o estabelecimento de ideologias de dominação32 Lélia Gonzalez à luz das ideias de Simone de Beauvoir comenta quando esta Simone de Beauvoir afirma que a gente não nasce mulher mas que a gente se torna costumo retomar essa linha de pensamento no sentido da questão racial a gente nasce preta mulata parda marrom roxinha etc mas tornarse negra é uma conquista Se a gente não nasce mulher é porque a gente nasce fêmea de acordo com a tradição ideológica supracitada afinal essa tradição tem muito a ver com os valores ocidentais33 O tornarse negra anuncia um processo social de construção de identidades de resistência política pois reside na recusa de se deixar definir pelo olhar do outro e no rompimento com o embranquecimento significa a autode finição a valorização e a recuperação da história e do legado cultural negro traduzindo um posicionamento político de estar no mundo para exercer o papel de protagonista de um devir histórico comprometido com o enfrentamento do racismo Diferentemente de Frantz Fanon as referências à Beauvoir estão longe de revelar uma forte influência teórica no pensamento de Lélia Gonzalez até mesmo porque a mulher de Beauvoir é branca Lélia Gonzalez recusa a generalização e resgata a mulher amefricana34 Nessa linha conclui se não se nasce mulher mas se torna também é verdade que o processo de construção social e cultural não será o mesmo para todas as mulheres pois outros fatores como o racismo redefinem as trajetórias dos sujeitos em questão Para mostrar como as mulheres desempenharam papéis tão importantes quanto os homens em diferentes sociedades não europeias entre elas indígenas e africanas recorre a exemplos históricos Como sabemos nas sociedades africanas em sua maioria desde a antiguidade até a chegada dos islames e dos europeus judaicocristãos o lugar da mulher não era de subordinação o da discriminação Do Egito antigo aos reinos dos ashanti ou dos yorubá as mulheres desempenharam papéis sociais tão importantes quanto os homens35 Segundo Lélia Gonzalez a opressão racial e a social fazem da mulher negra o foco por excelência de sua perversão e esquecer isso é negar toda uma história feita de resistências e de lutas em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral36 Na verdade a autora contrapõe o sujeito 32 Luiza BAIRROS 2006 p 55 33 GONZALEZ 1988d p 2 34 Para Simone de Beauvoir a domi nância masculina se deve em muito à própria incapacidade de transcendência da mulher à sua falta de projeto no mundo Assim a mulher em sua livre escolha se faz e se torna o que é Os homens têm negado a transcendência à mulher através da natureza da história de crenças e mitos im pondolhe um destino de passivi dade e esta ao renderse à cor tesia à boa vida se enreda na máfé dos homens que a querem dependente Assim ela também age com máfé penhorando sua liberdade em troca dos benefícios decorrentes da boa vida Ver Simone de BEAUVOIR 1980 v 2 35 GONZALEZ 1988d p 2 36 GONZALEZ 1988d p 2 974 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO mulher produto da construção hegemônica do sistema modernocolonial de gênero apontado por Lugones37 com as amefricanas subordinadas por uma latinidade que torna legítima sua inferiorização38 Ao fazer isto coloca as amefricanas como sujeito do feminismo o qual defende É inegável que o feminismo como teoria e prática tem desempenhado um papel fundamental em nos sas lutas e conquistas na medida em que ao apresen tar novas perguntas não só estimulou a formação de grupos e redes mas desenvolveu a busca de uma nova forma de ser mulher Ao centralizar sua análise em torno do conceito de capitalismo patriarcal ou patriarcado capitalista evidenciou as bases materiais e simbólicas da opressão das mulheres o que constitui uma contribuição de crucial importância para o encaminhamento de nossas lutas como movimento39 Contudo para Lélia Gonzalez o capitalismo patriar cal não consegue explicar as construções de gênero refe rentes às amefricanas às mulheres negras às indígenas àquelas que estão nas margens pois falta incluir outro tipo de discriminação tão grave como aquela sofrida pela mulher a de caráter racial40 No seu pensamento racismo e sexismo são apresentados como eixos estruturantes de opressão e exploração e o redimensionamento do sexismo pela raça faz submergir as desigualdades de gênero que colocam as mulheres negras em uma dimensão das relações sociais diferente das mulheres brancas Diz ainda que as mulheres negras nas sociedades americanas têm sua hu manidade negada são vistas como corpos animalizados são burros de carga do sexo de que as mulatas brasileiras são um modelo expressão das relações patriarcais ra cistas Desse modo se constata como a super explora ção sócioeconômica se faz aliada à super exploração sexual das mulheres amefricanas41 Lélia Gonzalez antecipa o debate atual sobre a uni versalidade da categoria mulher e as relações de gênero decorrentes desta concepção ao defender a existência de uma dimensão de discriminação de violência e de ex clusão invisível às abordagens de gênero desvinculadas de raçaetnia Tal dimensão é identificável somente se hou ver a investigação capaz de invalidar o universalismo da modernidade ocidental e de colocar em evidência a parti cularidade a especificidade exposta pela intersecção de gênero e raçaetnia o deslocamento sugerido por Lugones42 com condições de descortinar o que foi escondido nos porões do patriarcado universal 41 GONZALEZ 1988b p 139 37 LUGONES 2008 38 GONZALEZ 1988b p 134 39 GONZALEZ 1988b p 134 40 GONZALEZ 1988b p 134 42 LUGONES 2008 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 975 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A objetificação das mulheres negras A opressão o processo de exclusão e a violência im postos pelo racismo são diferentes para homens e mulheres isto é o racismo gendrado produz experiências particulares às mulheres dos grupos racialmente submetidos Segundo Avtar Brah o racismo codifica distinções de gênero embora pareça subsumilas O processo de subsunção é importante para impor uma unidade imaginada e imaginária ao grupo racializado43 Os estereótipos referentes às mulheres negras repre sentam as distinções de gênero codificadas pelo racismo através de diferentes discursos e a sua historicidade é passível de ser apreendida pela investigação Lélia Gonzalez propõe a investigação desses estereótipos negativos para visibilizar o impacto da violência dessas representações negativas sobre a vida de nós mulheres negras As representações negativas das mulheres negras na sociedade brasileira são decorrentes da articulação entre o racismo e o sexismo e se manifestaram de diversas formas44 Para analisar as representações das mulheres negras costumeiramente veiculadas na sociedade Lélia Gonzalez45 parte de três noções todas atribuições de um mesmo sujeito a mulata a doméstica e a mãe preta As mulheres negras de modo geral são enquadradas em uma dessas categorias dependendo a classificação somente da situação em que somos vistas assevera a autora Segundo Lélia Gonzalez o engendramento das atri buições mulata e doméstica teria ocorrido como deri vação da mucama denominação usual no período escravis ta originada do quimbundo mukama amásia escrava No contexto brasileiro foi oficialmente redefinida passando a ser conceituada no dicionário por escrava negra moça e de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família e que por vezes era amadeleite46 Ao buscar a origem etimológica da pala vra a autora procura desvelar o que a história oficial ocultou através da redefinição com o intuito de fazer esquecer e tornar invisível quando do registro da história da sociedade brasileira ou seja a exploração sexual das mulheres negras Cabe ressaltar que no mesmo dicionário citado por Gonzalez o Dicionário Aurélio consta a seguinte definição para a expressão de estimação dizse de um bem animal ou coisa47 Em relação à doméstica Gonzalez chama a atenção para a permanência das atribuições vinculadas ao período escravista e ao exercício de funções vinculadas à casa gran de incluindo a exposição à violência sexual A doméstica re presentaria a mucama permitida a da prestação de bens e 43 BRAH 2011 p 188 47 Aurélio FERREIRA 1986 p 722 Grifo meu 46 GONZALEZ 1983 p 229 44 Edward SAID 1990 em sua obra Orientalismo o Oriente como invenção do Ocidente aborda a construção das mulheres não brancas como a outra a exótica 45 GONZALEZ 1983 976 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO serviços e em função disso reside no lado oposto da exal tação porque está no cotidiano Cotidiano que vê as mulhe res negras completa Lélia Gonzalez independentemente da classe social e profissão como empregadas domésticas48 A mulata acolhe dois significados o tradicional resul tante da mestiçagem e outro atualizado pela exploração econômica no qual representa mercadoria produto de exportação Segundo a autora a percepção da mulata como invenção do português nos remete à instituição da raça negra como objeto pelo colonizador Nesse caso a mulata é crioula ou seja negra nascida no Brasil não importando as construções baseadas nos diferentes tons de pele49 Portanto a invenção da mulata objetifica os negros de modo geral e a mulher negra de modo particular A mãe preta representa o esperado da mulher negra pela sociedade branca e classe média resignação passivi dade diante das situações de violência e opressão A figura simpática amorosa e inofensiva da mãe preta realiza a aceitação sem resistência do poder instituído da escravidão dissimulando inclusive os horrores do período escravista para as mulheres negras escravizadas eou libertas A função desse estereótipo reside em negar o agenciamento das mulheres negras ou seja a sua existência histórica Lélia Gonzalez ultrapassa a mera positivação do estereótipo e recupera outra face pois desloca as mulheres negras do plano estigmatizado de exemplo extraordinário de amor e dedicação totais como querem os brancos ou de traidora da raça como querem alguns negros muito apressados em seu julgamento 50 para o lugar de destaque no processo de formação da cultura brasileira Recupera a mãe preta como sujeito político mostrando como ela desenvolveu as suas formas de resistência cuja importância foi fundamental na formação dos valores e das crenças do nosso povo Conscientemente ou não ela passou para o brasileiro branco as categorias das culturas negroafricanas de que era representante Foi por aí que ela africanizou o português falado no Brasil transformandoo em pretuguês e conseqüen temente a cultura brasileira51 Lélia Gonzalez ao valorizar a resistência desenvolvida pela mãe preta no período escravista muitas vezes realiza da através da negociação assegurando com a ação sua sobrevivência a de sua prole e a de seus parceiros eviden cia o movimento do sujeito resistindo à objetificação que lhe é imposta Dito em outras palavras a autora ilumina as estraté gias desenvolvidas pelas mulheres negras escravizadas para enfrentar o processo de dominaçãoexploração que procu rava mantêlas como outroescravoobjeto 48 GONZALEZ 1983 p 230 49 GONZALEZ 1983 p 239 50 GONZALEZ 1983 p 235 51 GONZALEZ apud BAIRROS 2006 p 54 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 977 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ Segundo Stuart Hall no ensaio El espectáculo del Otro o estereótipo como prática significante é central para a representação da diferença racial O estereótipo tem a capacidade de desenvolver estratégias para estabelecer a divisão ditando o que pode ser considerado o normal e o aceitável e o anormal e o inaceitável Então exclui ou expulsa tudo o que não se encaixa que é diferente52 Para ocorrer o processo de estereotipação fazse necessária sublinha o autor a existência de uma profunda clivagem social asse gurando grandes desigualdades de poder Poder entendido a partir de uma concepção mais ampla incluindo não só a exploração econômica mas também a coerção cultural e simbólica A representação se caracteriza pelo poder de marcar assinalar e classificar um grupo a partir da diferença esta construída e essencializada pelo estereótipo Nesse contexto é que a representação da mulata pode ser entendida construção absolutamente essencializada fixada a partir de detalhes anatômicos do corpo da mulher negra os quais passam a representála através do estereótipo ao qual será reduzida Mulata é corpo apenas mas não qualquer corpo o conjunto que a caracteriza é formado por seios e bunda grandes e uma habilidade natural para mexer sensualmente e eroticamente os quadris em movimentos ritmados anunciando o convite para o sexo Essas carac terísticas são exclusivas das mulatas da gente negra mu lheres brancas conforme a representação social não sabem rebolar naturalmente muito menos os homens brancos Em função disso a mulata possui os ingredientes para corpo rificar a sexualidade livre de normas e controle sociais O estereótipo da mulata por conseguinte reduz a mulher negra a um conjunto exagerado e ao mesmo tempo simplificado de características que foram estrategicamente marcadas como diferenças inatas Ainda segundo Stuart Hall a substituição de uma parte pelo todo de uma coisa um objeto um órgão uma porção do corpo por um sujeito é o efeito de uma prática de representação muito importante o fetichismo que é a estratégia pela qual a fascinação ou o desejo se realizam mas também são negados ele licencia o voyeurismo não regulado impulsionado por uma busca não reconhecida do prazer ilícito e um desejo que não pode ser satisfeito53 Sobre o fetiche analisa Lélia Gonzalez os atributos da mulata podem ser admirados somente em um espaço determinado e permitido para sua exibição o Carnaval A mulata foi convertida em um objeto para ser consumido pelo olhar do homem branco daí porque continua a autora o 53 HALL 2010 p 437438 grifos do autor 52 Stuart HALL 2010 p 430 978 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO endeusamento carnavalesco da mulata acaba no cotidia no no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica É por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressivi dade54 a mulata desperta o desejo livremente manifesto somente no Carnaval porque tal sentimento se apresenta acobertado pelo espetáculo mas no dia a dia nas relações de trabalho e afetivas o desejo dá passagem para a rejeição a discriminação o expurgo do outro racializado e inferiorizado55 Esses estereótipos que inferiorizam as mulheres negras foram e ainda são amplamente ratificados através de dife rentes práticas de representação da literatura da pintura e da música etc A mulata a mucama a mãe preta a empregada do méstica são representações racializadas resultantes de cons truções racializadas de gênero Diante disso necessitase de leituras acerca da construção de estereótipos atentas à raça gênero e sexualidade capazes desvendar a constituição dessas representações Patricia Hill Collins56 referindose aos estereótipos de mulheres negras como imagens de controle controlling images uma vez que procuram fomentar uma definição das mulheres negras como outro objetificado desumanizado diz que a função de desumanização serve para justificar o controle dos grupos As imagens de controle são designadas para mascarar o racismo o sexismo a pobreza e outras injustiças sociais fazendoos parecer natural normal e parte inevitável do cotidiano sendo assim fundamentais para a manutenção das desigualdades sociais As mulheres em sua totalidade são representadas por imagens estereotipadas porém de formas diferentes As imagens de controle são criadas para justificar a exploração econômica e garantir a subordinação das mulheres negras mas também para assegurar a manutenção das opressões de gênero e regular a sexualidade das mulheres sejam negras ou brancas Por isso a importância de se compreender as construções racializadas de gênero pois como afirma Patricia Hill Collins57 elas funcionam para mascarar relações sociais que afetam todas as mulheres Os estereótipos portanto têm cumprido historicamente a função de rebaixar uma parcela da humanidade transformando particularidades em marcas naturalizadas essencializadas em justificativas para as diferenciações sociais para o controle e a dominação daquelases que foram assinaladasos pelas representações negativas PPPPPor um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano or um feminismo afrolatinoamericano Lélia Gonzalez58 em Por um feminismo afrolatinoa mericano expressa mais detalhadamente sua visão de 54 GONZALEZ 1983 p 228 55 Para aprofundar essa discussão ver Silvana BISPO 2011 56 COLLINS 2000 57 COLLINS 2000 58 GONZALEZ 1988b Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 979 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ feminismo atento ao racismo gendrado Muitas de suas con siderações ainda hoje integram os debates de mulheres latinoamericanas e caribenhas que têm como proposta pensar o feminismo desde o Sul um feminismo descolonizado que atenda e inclua as mulheres que estão atuando desde as margens com o intuito de construir modelos alternativos de sociedade A autora tece duras críticas à invisibilidade de raça na maioria dos estudos feministas latinoamericanos com destaque para o Brasil considerando a forte presença negra e indígena Dizendo que o feminismo latinoamericano per de muito de sua força ao fazer abstração de um dado da realidade da maior importância o caráter multirracial e pluri cultural das sociedades da região59 defende a perspectiva antirracismo como elemento intrínseco aos princípios feminis tas pois se o sexismo o racismo e o classismo colocam as mulheres negras no mais baixo nível de opressão nenhum movimento de mulheres pode ser considerado realmente feminista se não tiver por premissa o enfrentamento destas estruturas O movimento de mulheres negras brasileiro colocou raça em evidência revelando o racismo e as desigualdades raciais como determinantes no processo de opressão discrimi nação e exclusão da população negra de modo geral e em especial das mulheres negras quando o racismo vem articulado com o sexismo Esta atuação das mulheres negras obriga o movimento feminista branco e hegemônico a incluir raça em suas abordagens mas no entanto a inclusão está longe de significar uma mudança epistêmica pois raça continua sendo tratada tangencialmente Poucos são os estudos no Brasil que abordam a intersecção de gênero e raçaetnia as representações de gênero racializadas e os efeitos sobre a vida das mulheres nas mais diferentes áreas como saúde mercado de trabalho sexualidades relações afetivas etc Estudos de gênero que encobrem a realidade das mulheres negras e das indígenas ainda são maioria e assim é extremamente atual a crítica feita por Lélia Gonzalez há mais de vinte anos no texto Mulher negra60 como se pode constatar a seguir Apesar das poucas e honrosas exceções para entender a situação da mulher negra poderíamos dizer que a dependência cultural é uma das características do movimento de mulheres em nosso país As intelectuais e ativistas tendem a reproduzir a postura do feminismo europeu e norteamericano ao minimizar ou até mesmo deixar de reconhecer a especificidade da natureza da experiência do patriarcalismo por parte de mulheres negras indígenas e de países antes colonizados61 60 Este texto foi originalmente publicado na Revista Ipeafro Afrodiáspora n 67 p 94106 1986 Consultar GONZALEZ 2008 p 29 59 GONZALEZ 1988b p 135 61 GONZALEZ 2008 p 36 980 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO Lélia também elaborou pesadas críticas aos homens negros militantes do movimento negro parceiros políticos na luta contra o racismo mas nem por isso imunes ao sexismo Como sublinha María Lugones62 a subordinação de gênero foi o preço negociado pelos homens colonizados com seus colonizadores em troca da manutenção do poder em seu espaço social Historicamente este trato não se caracteriza como traição mas como uma resposta à coerção em todas as dimensões da organização social A questão afirma Lugones é porque ainda hoje a cumplicidade que impede o surgimento de laços fortes entre homens e mulheres subordinados para enfrentar os diferentes processos de dominaçãoexploração se mantém Lélia Gonzalez já apontava para esta mesma direção pois conforme salienta as mulheres negras militantes sempre discutiram seu cotidiano marcado pela discriminação racial e pelo sexismo dos homens brancos e negros e principalmente reconheciam o sexismo dos últimos devido ao caráter mais acentuado do machismo negro uma vez que este se articula com mecanismos compensatórios que são efeito direto da opressão racial63 As consequências do processo de construção das masculinidades racializadas particularmente do homem ne gro para as mulheres dos grupos racialmente discriminados também é discutida por Luiza Bairros para quem os supostos privilégios da condição masculina dificilmente poderão ser desfrutados em sua plenitude por homens negros em uma sociedade racista Por isso os poucos espaços que se oferecem para a expressão plena de pessoas negras também é palco para o exercício de um sexismo que não poderia manifestar se em outras esferas da vida social especialmente aquelas dominadas por homens brancos64 Ocorre um reforço do sexismo da parte dos homens negros pela ilusão de compensar os efeitos devastadores do racismo afastando alianças para o enfrentamento das desigualdades de gênero pois como estão presos na armadilha do antagonismo entre homens e mulheres acreditam que estas últimas desejam acabar com os seus pretensos privilégios afirma Bairros65 A construção de gênero do homem negro ocorre portanto reconfigurada por raça que fornece uma dimensão que dificulta o enquadramento total deste sujeito na catego ria homem considerando a atuação definida pela socieda de dominante Basta ver os dados referentes ao mercado de trabalho que mostram em muitas situações o homem negro em posição de desvantagem econômica em relação à mulher branca Assim a reafirmação e o exercício de sua 62 LUGONES 2008 63 GONZALEZ 2008 p 38 64 BAIRROS 1995 p 461 65 BAIRROS 1995 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 981 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ masculinidade na perspectiva da sociedade ocidental bran ca em última instância ocorrerão pela opressão da mulher negra Sobre a forma como os homens negros experienciam gênero diz Bairros A percepção de que o homem deve ser por exemplo o principal provedor do sustento da família o ocupante das posições mais valorizadas do mercado de trabalho o atleta sexual o iniciador das relações amorosas o agressivo não significa que a condição masculina seja de superioridade incontestável Essas mesmas imagens cruzadas com o racismo recon figuram totalmente a forma como os homens negros vivenciam gênero Assim o negro desempregado ou ganhando um salário minguado é visto como o pregui çoso o fracassado o incapaz O atleta sexual é perce bido como um estuprador em potencial o agressivo tornase o alvo preferido da brutalidade policial66 Apesar de tecer críticas ao sexismo dos homens ne gros Lélia Gonzalez defende que a experiência histórico cultural comum com a escravidão no passado e o racismo na atualidade forneceram um plano mais igualitário possi bilitando o desenvolvimento das relações entre mulheres e homens negros militantes Segundo Alex Ratts e Flavia Rios Lélia Gonzalez defen dia um feminismo formado em meio às lutas de mulheres ne gras pois este traria um tipo de solidariedade com os homens negros já que eles também compartilhavam com elas alguma forma de opressão o que mostra ressaltam os autores que a visão política de Lélia Gonzalez não abria espaço para o sectarismo67 Podese inferir que esta visão política de Lélia Gonzalez influenciou sua aproximação com as ideias de Alice Walker em especial com a categoria womanism Para Lélia Gonzalez Alice Walker através da categoria expõe sua crítica à noção de feminismo contrapondolhe uma outra a de mulherismo womanism e sem descartar as importantes contribuições do feminismo para o movimento de mulheres como um todo continua a autora brasileira Walker amplia e aprofunda a reflexão feminista ao colocar a questão que eu traduziria por mulheridade68 A categoria womanism foi elaborada pela escritora negra estadunidense Alice Walker na obra In search of our mothers gardens womanist prose uma coletânea de ensaios69 Na perspectiva da autora o womanism apresenta novas exigências e perspectivas diferentes para o feminismo obrigandoo a expandir seus horizontes teóricos e práticos A womanist é então uma feminista negra comprome tida com a sobrevivência e a integridade de toda a comuni 68 GONZALEZ 1988d p 2 69 Alice WALKER 1984 67 RATTS e RIOS 2010 p 112 66 BAIRROS 1995 p 461 982 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO dade negra homens e mulheres pois sua sobrevivência está diretamente vinculada à sobrevivência do grupo Concepção que vai ao encontro do que defende Lélia Gonzalez principalmente no que diz respeito à perspectiva de incluir homens negros e de valorização da comunidade negra como sublinham Ratts e Rios70 Já em relação ao movimento de mulheres brancas as contradições e ambiguidades sempre foram muitas impedin do a formação de alianças uma vez que geralmente se es quece da questão racial diz Gonzalez71 que reconhece a importância do feminismo como teoria e prática para as lutas e conquistas das mulheres pois ao apresentar novos questio namentos induzia a formação de grupos e redes e principal mente desenvolveu a busca de uma nova forma de ser mu lher mas critica o esquecimento do racismo por parte das feministas brancas considerandoo um reflexo de uma visão de mundo eurocêntrica e neocolonialista da realidade72 Em acordo com o que foi destacado por Lélia Gonzalez no tocante ao movimento de mulheres Brenny Mendoza afirma que ignorar a historicidade e colonialidade de gênero também cega as mulheres brancas do Ocidente as quais têm dificuldades para reconhecer a intersecção de raça e gênero e a sua própria cumplicidade nos processos de colonização e dominação capitalista73 Assim a crítica de Gonzalez ao feminismo hegemônico continua pertinente Quanto à diversidade sexual não encontrei nos textos trabalhados referência à lesbianidade somente em relação à homossexualidade Embora não tenha se detido nesse de bate a autora sublinha a sua importância manifestando o seu contentamento com as conquistas obtidas dentro do movi mento negro por nós mulheres e nossos companheiros homos sexuais pois conquistamos o direito a discutir em Congresso nossas especificidades74 A categoria lesbianidade nos anos 1980 ainda não integrava a linguagem dos movimentos sociais somente homossexual masculino e feminino Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo Resistência e insurgência protagonismo de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas de mulheres negras e indígenas As mulheres negras e indígenas na perspectiva ofere cida por Lélia Gonzalez intervêm ativamente na condução de seus destinos e deixam como legado para as que vêm depois a experiência do enfrentamento do racismo e do sexismo o que significa que a luta contra essas opressões apresenta um longo caminho já trilhado Assim sendo a categoria amefricanidade por ela cunhada mais do que indicar a experiência comum com a escravidão a domina ção e a exploração da colonialidade tem na resistência sua centralidade 70 RATTS e RIOS 2010 71 GONZALEZ 2008 p 37 72 GONZALEZ 1988b p 135 74 GONZALEZ 2008 p 39 73 Brenny MENDOZA 2010 p 23 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 983 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ Seguindo essa premissa Gonzalez traz a história de Nanny mulher negra escravizada líder maroon75 na luta anticolonialista da Jamaica do século XVIII para melhor apreendermos a importância das mulheres nas lutas das comunidades amefricanas de ontem e de hoje76 Nanny é apresentada pela historiografia jamaicana de muitas formas desde mito mártir líder militar até figura mística misteriosa todavia sua importância para aquela sociedade é inquestio nável Embora a história de Nanny seja de grande interesse minha intenção aqui é apresentar as análises de Lélia Gonzalez sobre as histórias místicas que cercam a líder jamai cana centrandome em três interpretações que remetem como pretendo mostrar a uma concepção de feminismo Para melhor entendimento da análise de Gonzalez77 apresento resumidamente as três histórias a primeira conta que os ingleses destruíram as provisões dos maroons a fim de derrotálos pela fome e que alguns dias antes da rendição Nanny recebeu em sonho sementes mágicas para plantar e salvar seu povo da fome na segunda a líder enganou os inimigos colocando em seu caminho um caldeirão mágico com conteúdo fervente mas sem fogo para mantêlo assim Aqueles que olhavam em seu interior eram engolidos e na terceira diante do exército inimigo Nanny se virou e atraiu as balas das armas para o meio de suas nádegas vencendo o exército inglês Lélia Gonzalez faz as seguintes interpretações dessas histórias A primeira história simbolicamente remeteria ao papel da mulher que assegura a regeneração e a continuida de de uma sociedade que sob condições adversas se encontra numa luta constante pela sobrevivência A segunda apontaria para a perspicácia feminina no desenvolvimento de táticas absolutamente inespera das para o inimigo cuja fonte está no saber do próprio grupo Já a terceira a nosso ver simbolizaria a profunda radicalidade de uma posição anticolonialista O signifi cado de seu gesto implica uma rejeição de tal ordem que põe por terra o conjunto de valores instituições e práticas do colonizador E este supondose superior é quem fica literalmente desbundado em face de tanta contundência78 As lentes através das quais Lélia Gonzalez interpreta as histórias de Nanny todas retratando as condições adversas sob as quais vivem as mulheres negras e indígenas permitem lhe enxergar as questões semelhantes e recorrentes que confrontam as mulheres negras no contexto da diáspora e que são impeditivas ao pleno acesso a bens e serviços de qualidade e ao direito a vida digna 77 GONZALEZ 1988c 78 GONZALEZ 1988c p 25 75 Segundo GONZALEZ 1988c p 24 os termos marronage francês e maroon society inglês provêm do espanhol cimarrón todos signifi cando o mesmo que quilombo 76 GONZALEZ 1988c p 24 984 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO Lélia Gonzalez recorreu à categoria amefricanas as herdeiras de uma outra cultura ancestral cuja dinâmica histórica revela a diferença pelo viés das desigualdades raciais79 como possibilidade de reflexão epistemológica para fazer emergir diversas tradições de resistência às relações patriarcais a partir das experiências das mulheres negras e indígenas da América da América Latina Caribe e Brasil Porém são processos de resistência e insurgência aos poderes estabelecidos na maioria das vezes ainda ocultos que somente investigações comprometidas com a descolo nização do feminismo podem tirar do esquecimento histórico Lélia Gonzalez influenciou mulheres e homens de sua geração assim como até hoje seu pensamento inspira a organização dos movimentos de mulheres negras Seu pensa mento aponta para a valorização de saberes subalternos visando contribuir para a descolonização do feminismo pois tais saberes podem provocar a elaboração de teorias feminis tas que dialoguem mais proximamente com as mulheres negras lésbicas brancas pobres e indígenas teorias cúmpli ces da ação política nascidas de experiências particulares A valorização e o resgate de saberes produzidos pelas mulheres negras e indígenas representa por si só uma prática política de descolonização do saber na medida em que se redefine a orientação do vetor da concepção ocidental de mundo para as concepções filosóficas das sociedades africanas e indígenas totalmente excluídas do chamado conhecimento hegemônico Além do que buscar fundamen tação em elementosvaloresprincípios que constituem tais saberes gera profundos cortes com o paradigma ocidental moderno e faz emergir novas propostas epistemológicas Referências Referências Referências Referências Referências ALBERTI Verena PEREIRA Amilcar Araújo História do movimento negro no Brasil depoimentos ao CPDOC Rio de Janeiro Pallas CPDOCFGV 2007 ALVAREZ Sonia E Construindo uma política feminista translocal da tradução Revista Estudos Feministas Florianópolis v 17 n 3 p 743753 setdez 2009 ANZALDÚA Gloria E Falando em línguas uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo Revistas Estudos Feministas Florianópolis v 8 n 1 p 229236 1 sem 2000 ANZALDÚA Gloria E La conciencia de La Mestiza rumo a uma nova consciência Revista Estudos Feministas Florianópolis v 13 n 3 p 704719 setdez 2005 ANZALDÚA Gloria E Como domar uma língua selvagem Tradução Joana Plaza Pinto e Karla Cristina dos Santos Revisão da Tradução Viviane Veras Cadernos de Letras 79 GONZALEZ 1988 p 2 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 985 AMEFRICANIZANDO O FEMINISMO O PENSAMENTO DE LÉLIA GONZALEZ da UFF Dossiê Difusão da Língua Portuguesa n 39 p 297309 2009 BAIRROS Luiza Nossos feminismos revisitados Revista Estudos Feministas v 3 n 2 p 458463 2 sem 1995 BAIRROS Luiza Lembrando Lélia Gonzalez In WERNECK Jurema MENDONÇA Maisa WHITE Evelyn Org O livro da saúde das mulheres negras nossos passos vêm de longe Rio de Janeiro Pallas Criola Global Exchange 2006 p 4261 BARRETO Raquel de Andrade Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzáles 2005 Rio de Janeiro 128f Dissertação Mestrado em História Social da Cultura Centro de Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2005 BEAUVOIR Simone de O segundo sexo Rio de Janeiro Nova Fronteira 1980 BISPO Silvana Santos Feminismos em debate reflexões sobre a organização do movimento de mulheres negras em Salvador 19781997 2011 Salvador 198f Dissertação Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres Gênero e Feminismo Universidade Federal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Salvador 2011 BRAH Avtar Cartografías de la diáspora identidades en cuestión Madrid Traficantes de Sueños 2011 COLLINS Patricia Hill Learning from the outsider within the sociological significance of black feminist thought Social Problems v 33 n 6 p 1432 OctDec 1986 COLLINS Patricia Hill Black feminist thought knowledge consciousness and the politics of empowerment New YorkLondon Routledge 2000 FERREIRA Aurélio B de Hollanda Novo Dicionário da Língua Portuguesa 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 FANON Frantz Pele negra máscaras brancas Salvador Edufba 2008 GONZALEZ Lélia Racismo e sexismo na cultura brasileira In SILVA L A et al Movimentos sociais urbanos minorias e outros estudos Ciências Sociais Hoje Brasília ANPOCS n 2 p 223244 1983 GONZALEZ Lélia A categoria políticocultural de amefricanidade Tempo Brasileiro Rio de Janeiro n 92 93 p 6982 janjun 1988a GONZALEZ Lélia Por um feminismo afrolatinoamericano Revista Isis Internacional Santiago v 9 p 133141 1988b GONZALEZ Lélia Nanny Humanidades Brasília v 17 ano IV p 2325 1988c 986 Estudos Feministas Florianópolis 223 965986 setembrodezembro2014 CLÁUDIA PONS CARDOSO GONZALEZ Lélia A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social Raça e Classe Brasília ano 2 n 5 p 2 novdez 1988d GONZALEZ Lélia Mulher negra In NASCIMENTO Elisa Larkin Org Guerreiras de natureza mulher negra religiosidade e ambiente São Paulo Selo Negro 2008 p 2947 HALL Stuart El espectáculo del Otro In RESTREPO Eduardo WALSH Catherine VICH Víctor Ed Sin garantías trayectorias y problemáticas en estudios culturales Colombia Peru Equador IESCP IEP UASB Envión 2010 p 419446 LUGONES María Colonialidad y género Tabula Rasa Bogotá Colombia n 9 p 73101 juldic 2008 LUGONES María Hacia um feminismo descolonial La Man zana de la Discordia Barcelona Universidad Nacional v 6 n 2 p 105119 juldez 2011 MENDOZA Brenny La epistemología del sur la colonialidad del género y el feminismo latinoamericano In MIÑOSO Yuderkys Espinosa Coord Aproximaciones críticas a las prácticas teóricopolíticas del feminismo latinoamerica no Buenos Aires En la Frontera 2010 p 1936 QUIJANO Aníbal Colonialidade e modernidaderacionali dade Tradução Wanderson Flor do Nascimento In BONILLO Heraclio Comp Los conquistados Bogotá Tercer Mundo FLACSO 1992 p 437449 RATTS Alex RIOS Flavia Lélia Gonzalez São Paulo Selo Negro 2010 Coleção Retratos do Brasil Negro SAID Edward W Orientalismo o Oriente como invenção do Ocidente São Paulo Cia das Letras 1990 VIANA Elizabeth do Espírito Santo Relações raciais gênero e movimentos sociais o pensamento de Lélia Gonzalez 19701990 2006 247f Dissertação Mestrado em História Comparada Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2006 WALKER Alice In search of our mothers gardens womanist prose New York HarvestHBJ Book 1984 Amefricanizing the Amefricanizing the Amefricanizing the Amefricanizing the Amefricanizing the FFFFFeminism eminism eminism eminism eminism THE T THE T THE T THE T THE Thought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez hought of Lélia Gonzalez Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract In this article I explore the thought of Lélia Gonzalez Brazilian Black intellectual defender of a Afrolatinoamerican feminism committed to the recovery processes of resistance and insurgency powers established most of the time still hidden which historically were brought to term by Black and Native brazilian women against colonialism and can serve as inspiration for feminist political action decolonizing Key Words Key Words Key Words Key Words Key Words Racism Black Women Black Feminism Thought of Black Women