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Psicologia ·

Teoria Geral do Direito Civil

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86 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 GLOBALIZAÇÃO SOBERANIA NACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL Napoleão Miranda DIREITO INTERNACIONAL RESUMO Analisa o conceito de soberania e sua relação com a existência do EstadoNação em uma perspectiva clássica e contemporânea com o fim de mostrar como seu exercício permanente elevase em condição essencial para a sustentação interna da autoridade estatal e também para as relações externas de cada país Avalia os conceitos de globalização e o contexto internacional após o 11 de setembro de 2001 que limitam exercício da soberania nacional na atualidade Nesse sentido examina também o conflito entre a prática da soberania e uma ordem internacional fundada ora nas relações de força entre os Estados ora nos mecanismos jurídicos internacionais utilizados para regular e restringir o exercício da soberania das nações Por fim desenvolve esses conceitos no contexto brasileiro enfatizando os aspectos jurídicoconstitucionais PALAVRASCHAVE Soberania EstadoNação globalização Direito Internacional Direito Internacional Público 11 de setembro de 2001 Constituição Federal de 1988 Brasil Supremo Tribunal Federal 87 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 INTRODUÇÃO C onsiderada por alguns uma questão já superada no mun do moderno e globalizado no qual as fronteiras e a capacidade de ação autônoma do Estado estariam sendo contínua e cotidianamente su plantadas pela dinâmica das relações internacionais no plano econômico tecnológico e mesmo jurídico1 a so berania como conceito e ação práti ca do EstadoNação parece no en tanto resistir bravamente à sua mor te prematuramente anunciada apesar da necessidade de adaptações teó ricopráticas em relação aos fenôme nos por ela representados Se é fato que a capacidade dos Estados contemporâneos de regular o fluxo de pessoas capitais conhe cimento e tecnologia encontrase bas tante relativizada em especial naque les países integrados de forma subal terna ao mercado capitalista mundial também é verdade que tal atributo não foi de todo perdido havendo mesmo fortes movimentos de resistência política e cultural no sentido de res gatar a soberania dos diferentes paí ses vale dizer em grande parte não só sua identidade como nação mas também sua faculdade de ação autô noma no cenário internacional e isso independentemente das característi cas históricas do seu surgimento e afirmação no cenário internacional ou seja como afirma Habermas from nation to state ou from state to nation2 Uma das principais áreas de manifestação desse revival da noção de soberania é aquela em que se dá o exercício do que pode ser definido em termos conceituais como sobe rania jurídica dos Estados isto é a sua capacidade de em uma ordem internacional crescentemente marcada por tratados convenções e instrumen tos jurídicos internacionais das mais variadas ordens que regulam as re lações entre os países e as subme tem a um padrão normativo com pre tensões universais aplicar a legisla ção daí decorrente no plano nacional interno considerando suas próprias tradições culturais sociais e jurídicas Isso significa na realidade que a capacidade regulatória desses instru mentos e dos organismos institu cionais criados para vigiar a sua apli cação é sempre mediada pelo exer cício soberano de uma adequação necessária aos parâmetros nacionais de manifestação da cultura jurídica e social das diferentes nações embo ra essa capacidade varie de forma significativa em função das caracte rísticas da sua inserção específica na ordem internacional Tal assertiva se aplica de for ma bastante apropriada ao Brasil país que nas duas últimas décadas de pois da ruína nos anos 1990 do sécu lo passado da ordem mundial cons truída em torno do confronto dos blo cos comunista e capitalista procura exercer de forma incisiva o preceito da soberania como fundamento de sua presença no cenário internacional O propósito do presente texto nesse sentido é o de explorar alguns fatores relacionados com o exercício da soberania como condição de exis tência do EstadoNação no mundo globalizado Nossa hipótese é a de que longe de ser um resquício de uma época histórica já superada pela dinâmica do capitalismo contempo râneo a soberania e a luta por mantê la ou conquistála como bem nos mostra por exemplo a luta palestina pela constituição de sua nação inde pendente tende a se perpetuar como condição da permanência e autonomia dos Estados no concerto das nações Nessa perspectiva ape sar da crescente fluidez das frontei ras físicogeográficas e culturais que separam os povos a noção de que a sobrevivência e a perpetuação da sua identidade cultural dependem do exer cício da soberania parece estarse tornando um dos pontos principais de referência nas relações bilaterais e multilaterais entre os diferentes Esta dos Como exemplo dessa tendência analisaremos o caso do Brasil no que tange à noção de soberania jurídica para melhor exemplificar a hipótese sobre a qual se construirá este texto 1 A SOBERANIA COMO FUNDAMENTO E ATRIBUTO DO ESTADONAÇÃO O conceito de soberania tem já uma longa trajetória no âmbito da teoria política e na Filosofia do Direito ocidentais Concebida como um dos pilares da moderna concepção de EstadoNação a soberania vem sen do definida de diferentes formas no percurso histórico entre o século XVI e o presente As primeiras formulações mo dernas do conceito surgidas no final do século XVI juntamente com o pró prio conceito de Estado tiveram como propósito sublinhar o poder estatal sujeito único e exclusivo da política não submetido a nenhum outro poder Os primeiros autores dedicados ao tema Jean Bodin e Thomas Hobbes colocaram maior ênfase respectiva mente no monopólio do poder legislativo do Estado o poder de fazer e desfazer as leis de um lado e no monopólio do uso da força ou da coerção física o poder de impor determinados comportamentos aos membros da sociedade de outro Essa ênfase respondia a condições históricas particulares luta pela au tonomia política do Estado moderno contra o Papado e a ingerência da Igreja nos assuntos seculares bem como o perigo de esfacelamento so cial provocado pelas guerras religio sas na Inglaterra as quais deman davam uma nova forma de conceber os mecanismos responsáveis pela criação e manutenção da coesão po lítica na sociedade Nesse sentido a soberania pode ser definida como o poder de mando em última instância numa so ciedade política ela pretende ser a racionalização jurídica do poder no sentido de transformação da força ou capacidade de coerção em poder legítimo isto é do poder de fato em poder de direito 3 Revestese então de dupla face na sua face interna a soberania representa a capacidade de manter a paz entre os componen tes da sociedade de forma a permi tir ao Estado garantir a ordem social e realizar o enfrentamento com outros Estados no cenário internacional Des sa forma ela se manifesta em uma posição de supremacia em relação às demais forças sociais presentes na arena política Na sua face exter na por sua vez ela se pauta por re lações de equilíbrio sempre instá vel e questionável entre os diferen tes Estados equilíbrio este que tem na guerra um poderoso instrumento o qual se encontra hoje racionalizado pela via dos tratados de Direito Inter nacional os quais colocam os Esta dos em posição de igualdade formal no contexto de uma ordem jurídica internacional Uma definição complementar à exposta acima nos é oferecida por Hermann Heller em seu estudo clás sico sobre o tema quando afirma que a soberania consiste na capacidade tanto jurídica quanto real de decidir de maneira definitiva e eficaz todo conflito que altere a unidade da coo peração social territorial inclusive contra o direito positivo se necessá rio além da capacidade de impor a decisão a todos não só aos mem bros do Estado mas em princípio a todos os habitantes do território 4 Dessa forma os poderes as sociados à soberania nos planos in terno e externo podem ser definidos 88 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 como a capacidade de decidir acer ca da guerra e da paz nomear os chefes militares e os magistrados emitir moeda definir eou suspender os impostos conceder indultos e anistia julgar em última instância e usar de forma legítima a violência física para manter a ordem interna e defender o território nacional Internamente como propôs Hobbes na perspectiva de uma so berania absoluta na qual o soberano encontrase em uma situação supra legem isto é acima da lei os limi tes à soberania dependem única e exclusivamente dos limites da pró pria imaginação humana5 Essa pers pectiva será no entanto profunda mente modificada nos séculos seguin tes em especial no século XVIII com a entrada em cena por um lado das proposições de Rousseau o qual iria definir a soberania como a expressão da vontade geral do povo e não mais como atributo exclusivo do Es tado ou do soberano e de outro tam bém com o conflito opondo as pro postas acerca da manutenção da unitariedade do poder soberano do Estado e aquelas que defendiam a constituição de um balanço no Poder Republicano em torno dos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário Sendo essa a perspectiva que irá tor narse vencedora o Poder Legislativo passará a ser considerado o mais importante dos poderes políticos por expressar como queria Rousseau a vontade geral do país por meio da eleição de seus representantes no Parlamento6 Essa visão da sobera nia irá inaugurar uma longa e fértil tra jetória teórica e política no mundo ocidental contando com representan tes importantes no mundo contempo râneo como Jürgen Habermas cuja definição e análise da soberania será explorada mais à frente neste artigo Essa mudança no sentido atri buído à soberania tem no entanto um alcance mais voltado para a or dem interna do país pois no âmbito externo o EstadoNação apresenta se sempre como entidade indivisa frente aos demais membros da co munidade internacional No contexto da comunidade das nações a sobe rania se configura ao menos desde a paz de Westfalia em 1648 como uma potestade ou poder que há de ser confirmado pelo reconhecimento de outros Estados Na comunidade internacional reconhecer a soberania de um Estado significa renunciar a in tervir nos assuntos internos do mes mo admitindo que já existe aí um poder supremo legítimo A relação entre Estados soberanos assim reco nhecidos é de igual para igual e em nenhum caso hierárquica Assim tan to o direito constitucional como o di reito internacional reafirmam a visão de Jean Bodin da soberania como o poder absoluto e perpétuo da repú blica7 A soberania portanto é sem pre um processo e um fenômeno relacional pois depende necessa riamente do seu reconhecimento por parte dos demais EstadosNação pre sentes na esfera internacional Podemos dessa forma explo rar pelo menos três dimensões do exercício da soberania pelos Estados nacionais Em primeiro lugar a soberania econômica entendida como a capa cidade de cada Estado de definir de forma autônoma os instrumentos ne cessários à administração da ativida de econômica de cada país com destaque para a emissão e fixação do valor da moeda as regras para o intercâmbio comercial com outros países e a fixação de impostos e ta xas aduaneiras Em segundo lugar a sobera nia propriamente política definida como a faculdade de cada país de definir seu regime político os meca nismos da alternância de poder e seu sistema eleitoral no plano interno assim como a faculdade de atuar como membro autônomo e livre de pressões ilegítimas no concerto inter nacional das nações Em terceiro lugar a soberania jurídica relativa à capacidade de cada EstadoNação de celebrar de forma livre acordos e tratados inter nacionais os quais servem de parâmetros para a definição das re gras de convivência entre as diferen tes nações sem que isso implique ferir as suas soberanias jurídica e política internas conferindolhes por outro lado legitimidade internacional Dessa forma a soberania pode ser definida em uma palavra como a in dependência de cada país em rela ção a qualquer poder externo que impeça ou limite a autonomia do Es tado no plano externo ainda quando demande reconhecimento mútuo para ser validada Fica claro assim que uma das grandes questões envolvendo o tema da soberania remete ao delicado equilíbrio a ser conseguido e manti do no que tange à necessidade de construção de uma ordem internacio nal legítima que respeite o exercício da soberania próprio a cada Estado ao mesmo tempo em que é capaz de criar mecanismos regulatórios das suas relações sem colocar em che que a soberania dos Estadosmem bros 11 SOBERANIA E GLOBALIZAÇÃO CONFLITOS E CONFLUÊNCIAS Outro fator determinante da redefinição do conceito e da prática da soberania em escala internacional atualmente é o fenômeno da globa lização Para muitos autores a globalização em especial no seu as pecto econômico simplesmente rom peu com toda capacidade de sobe rania dos Estados na gestão por exemplo dos fluxos financeiros da ordem de US 1 trilhãodia entre os diferentes EstadosNação sendo tal vez a face mais visível desse fenô meno o qual tem também outras facetas muito importantes algumas positivas e outras nem tanto A globalização traduzse hoje em uma crescente interdependência econômica das nações materializa No âmbito da circulação de informações por outro lado a globalização também se mostrou profundamente perturbadora da ordem social interna na medida em que disponibilizou em escala mundial o acesso a informações de todo tipo via internet e TV a cabo ou via satélite que contribuem para colocar em movimento o que se tornou progressivamente conhecido como a sociedade civil global contraponto e instrumento de luta e pressão interna e externa em relação ao Estado nacional 89 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 da no fluxo do comércio do capital de pessoas e tecnologia entre elas Esse intercâmbio universal segundo David Held é facilitado por tipos di ferentes de infraestrutura física como os transportes ou o sistema bancário normativa como as regras do comércio e simbólica a exem plo do inglês usado como língua fran ca que criam as precondições para formas regularizadas e relativamen te duradouras da interligação global8 O sociólogo inglês Anthony Giddens por sua vez define a globalização como o adensamento em todo o mundo de relações que têm por con seqüência efeitos recíprocos desen cadeados por acontecimentos tanto locais quanto muito distantes9 Como resultado desse processo a globa lização se manifesta como uma mu dança significativa no alcance espa cial da ação e da organização sociais que passa para uma escala interre gional e intercontinental10 implican do profundas mudanças na ordem social interna de cada país sem que no entanto o plano local regional ou nacional da interação social perca necessariamente e de forma definiti va a sua importância visàvis o pla no internacional No âmbito da circulação de informações por outro lado a globa lização também se mostrou profunda mente perturbadora da ordem social interna na medida em que dispo nibilizou em escala mundial o aces so a informações de todo tipo via internet e TV a cabo ou via satélite que contribuem para colocar em mo vimento o que se tornou progressiva mente conhecido como a sociedade civil global contraponto e instrumen to de luta e pressão interna e externa em relação ao Estado nacional Por sua vez no que tange aos impactos sociais da globalização é cada vez mais evidente a preca rização e a exclusão social em que se encontram milhões de pessoas em todo o mundo como resultado das profundas transformações econômi cas e tecnológicas que afetaram a produção de bens e serviços em es cala mundial Para autores como Zygmund Baumann por exemplo as conseqüências humanas da globa lização traduzidas no desenrai zamento de populações inteiras de suas comunidades e países na cres cente pobreza material na destruição ambiental nos conflitos étnicos e na migração sulnorte entre outros fenô menos contribuem para colocar em cheque os decantados benefícios do fenômeno quando avaliado por uma lógica distinta àquela do êxito econô mico11 Outros fenômenos como o narcotráfico e o crime organizado em escala mundial estimulados pelas facilidades do comércio internacional também podem ser colocados na categoria dos impactos sociais nega tivos propiciados pela globalização A globalização representa por tanto um desafio significativo para o exercício da soberania dos Estados no contexto internacional Esses de safios que não são triviais levaram alguns autores a falar em crise da soberania12 questionando não so mente a utilidade do conceito para captar e explicar as características atuais do fenômeno como também quem seria o sujeito da soberania HermannJosef Blanke por exemplo ao analisar a questão da soberania em face das transforma ções resultantes do processo de constituição da União Européia afir ma que a soberania externa para fa lar com Jean Bodin em sua obra Le civile et la République referese ao poder de ser a última máxima instân cia nas relações internacionais que não admite outro poder mundano e profano exceto os Estados mesmos Todavia esta soberania externa se eli mina cada dia mais devido à cres cente interdependência dos Estados à perda do significado das fronteiras do Estado e finalmente pela consti tuição de uma rede sempre mais den sa de dependências transnacionais e de relações negociadoras A sobera nia interna isto é a supremacia do Estado em todos os assuntos internos transformouse em uma ilusão pela descentralização de competências e pela multiplicidade dos órgãos com capacidade de decisão é o caso por exemplo da Comunidade Européia um dos centros titulares de direitos e deveres frente aos Estados membros e seus cidadãos dispondo de com petências tão amplas que parece ade quado falar de um sistema da jurisdi ção dividida e repartida13 Outras duas posições teóricas que se contrapõem no que tange ao destino da soberania no novo contexto internacional merecem ser também analisadas De um lado aquela de fendida por Ulrich Beck já mencio nada que se posiciona pelo caráter anacrônico da noção de soberania em razão de sua dificuldade de resolver adequadamente os problemas envol vendo as relações entre os diferen tes Estados Para lidar com essa nova realidade ele propõe a adoção de uma nova perspectiva o cosmo politismo Por outro lado há a visão de Jürgen Habermas para quem a soberania entendida como procedi mentos de política deliberativa tem necessariamente o EstadoNação como referência para o seu exercí cio14 Para Beck o cosmopolitismo deve ser visto como um novo paradig ma para compreender a ordem inter nacional na sua totalidade15 Nesse sentido Beck sugere uma série de passos necessários para viabilizar sua visão de uma democracia cosmopo lita Primeiro a ordem global se concretiza em níveis múltiplos de poder onde se incluem os corpos o bemestar a cultura as organizações de voluntários a economia as insti tuições internacionais e a violência organizada O espaço possível da democracia cosmopolita surge des tas diferentes redes um equilíbrio de poder pluridimensional entre as na ções as organizações e os homens Segundo todos os grupos e organizações reclamam uma relativa autonomia que se manifesta em de terminados direitos e deveres Estes exemplos do que é permitido e do que é oferecido devem estar vincula dos aos fundamentos do direito de mocrático cosmopolita que deve ser aplicado a cada campo de ação do socialdo econômico e do político Terceiro estes direitos funda mentais estão legitimados e garanti dos pelos parlamentos e tribunais transnacionais e localmente interrela cionados segundo o modelo do Parlamento Europeu e do Tribunal de Justiça Europeu os quais poderiam ser estabelecidos também em espa ços transnacionais da América do Sul da Ásia e da África Quarto Os Estados nacionais cedem parte de seu poder e sobera nia a instituições e organizações transnacionais e desenvolvem uma nova autocompreensão que serve de eixo de comunicação e coordenação para instituições transnacionais Quinto Os indivíduos podem tornarse membros de distintos espa ços de poder nacionais e transna cionais e deste modo exercer os di reitos de cogestão e autogestão desde o âmbito local até o âmbito global Sexto Subvenção cívica para todos independentemente de se a pessoa participa em trabalhos indus triais domésticos ou públicos na so ciedade civil isto garante o exercício da liberdade política16 A perspectiva que se abre a partir dessas proposições se aplica 90 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 das implica na verdade uma pro funda mudança na capacidade do EstadoNação de gerir a vida social interna a qual estaria sob a égide também de instituições transna cionais e de indivíduos com um raio de ação que ultrapassaria as frontei ras nacionais para incidir sobre dife rentes esferas de poder nacional con figurando um espaço de exercício da soberania totalmente distinto daque le historicamente vigente Habermas por sua vez tem uma longa trajetória de análise da nova realidade nacional e transnacional aberta pelo processo de construção da União Européia mas trafega em uma vertente distinta da análise teó rica a qual embora reconheça a con tribuição do ideário cosmopolita para o desenvolvimento de uma visão eu ropéia transnacional ainda toma o EstadoNação como referência obri gatória da política internacional dei xando o conceito de soberania à aná lise das relações entre os países nesta arena Seu entendimento não desco nhece o que ele define como a cres cente privação de poder do Estado nacional nem o seu impacto sobre a soberania embora dê ênfase a três processos que afetam a capacidade de ação soberana do Estado a a perda da capacidade de controle es tatal b os crescentes déficits de legitimação no processo decisório e c a progressiva incapacidade de dar provas com efeito legitimador de ações de comando e de organização Para o autor em relação ao ponto a a perda de autonomia significa entre outras coisas que o Estado isolado não é mais suficientemente capaz com suas próprias forças de defen der seus cidadãos contra efeitos ex ternos de decisões de outros atores ou contra os efeitos em cadeia de tais processos que têm origem fora de suas fronteiras Tratase por um lado de transposições espontâneas de fronteira como ônus ambientais cri me organizado riscos de segurança da alta tecnologia tráfico de armas epidemias etc e por outro de con seqüências calculadas mas a serem suportadas por políticas de outros Estados de cujo advento os envolvi dos não tomaram parte pensese por exemplo nos riscos dos reatores atômicos construídos para além das fronteiras e que não correspondem aos padrões de segurança do próprio governo17 Dessa forma Habermas iden tifica dois planos distintos de relativi zação da soberania de um lado o transcendência da soberania nacional sem cair nos perigos de um cosmo politismo abstrato e utópico Neste contexto transnacional Habermas modela o patriotismo constitucional para estender à Europa um sentido de identidade partilhada que deve ser posta se uma ação política e efetiva coordenada é objetivada19 Na perspectiva habermasiana portanto a soberania apesar de limi tada pelas novas circunstâncias da inserção internacional dos Estados continuaria sendo um fator necessá rio para a atuação nacional e transna cional dos EstadosNação 12 O MUNDO PÓS 11 DE SETEMBRO DE 2001 O FOCO NA SEGURANÇA INTERNACIONAL A queda das Twin Towers em Nova Iorque em conseqüência dos ataques terroristas perpetrados pela Al Qaeda inaugura uma nova fase das relações internacionais na qual o tema da segurança em escala mun dial expresso na luta contra o terro rismo se tornará um dos principais eixos das relações entre os países ensejando a formulação de políticas e alinhamentos que terminam por co locar constrangimentos ao exercício da soberania à liberdade e à autode terminação dos Estados nacionais As duas guerras que se segui ram aos atentados opondo os EUA e seus aliados ao Afeganistão reduto dos talibãs e ao Iraque de Saddam Hussein mostram até que ponto os interesses legítimos por segurança podem se confundir e servir de su porte a ações militares que não têm respaldo significativo na comunidade internacional fato expresso pela re cusa da ONU em dar apoio institu cional e político a tais ações plano interno sujeito à crescente desterritorialização e à desnacio nalização da atividade econômica e dos fluxos de capitais de tal manei ra que a política nacional perde pro gressivamente o domínio sobre as condições de produção sob as quais surgem os lucros e receitas tribu táveis Esse processo faz com que hoje como ontem a política estatal ainda se limite a adequar a socieda de da forma o mais indulgente pos sível aos imperativos sistêmicos e efeitos secundários de uma dinâmi ca econômica global que se mostra amplamente desvinculada das con dições políticas circundantes De ou tro lado o autor vai defender a tese de que antes de terse extinguido o Estado nacional teria sido supras sumido seja por instituições de ca ráter transnacional seja por uma so ciedade civil com capacidade de atuação global18 A reflexão habermasiana no entanto embora crítica das fragilida des atuais do Estado nacional bus ca delimitar um possível caminho capaz de incorporar em um mesmo movimento a realidade do caráter cada vez mais transnacional da atual ordem mundial com a necessidade de resgatar os procedimentos democrá ticos que conferem legitimidade ao Estado Nesse sentido como afir mam Robert Fine e Will Smith numa fase das dificuldades ele procura re conciliar o cosmopolitismo com de mocracia Habermas direciona sua atenção para intermediar instituições e procura aplicar a idéia do patriotis mo constitucional em um dos poucos exemplos genuínos de comunidade política transnacional a União Euro péia Tal movimento o capacita a re ter a idéia de que as condições con temporâneas necessitam de uma A globalização representa um desafio significativo para o exercício da soberania dos Estados no contexto internacional Esses desafios que não são triviais levaram alguns autores a falar em crise da soberania questionando não somente a utilidade do conceito para captar e explicar as características atuais do fenômeno como também quem seria o sujeito da soberania 91 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 Nesse contexto estaríamos assistindo de acordo com Erhard Dernninger à passagem de um paradigma centrado no lema da liber dade igualdade fraternidade herda do da Revolução Francesa para um novo paradigma cujo lema estrutu rador o autor define como sendo de segurança diversidade solidarieda de20 O tema da segurança portanto passa assim a ter uma centralidade desconhecida até então ainda que atenuado pelas temáticas da diversi dade e da solidariedade testemu nhos da necessidade de se reconhe cer a validade das múltiplas manifes tações da cultura humana no âmbito internacional A atualização das duas últimas temáticas do novo paradigma no entanto tem sido objeto de uma me nor atenção por parte dos diversos Estados nacionais apesar da pres são nesse sentido exercida pelos movimentos sociais e pelas organi zações que compõem a sociedade civil em escala global O desrespeito aos direitos humanos exemplificado pelas condições de confinamento dos presos na base americana de Guanta namo e as recentes denúncias de violações à Convenção de Genebra no que tange ao tratamento dispen sado aos prisioneiros de guerra no Iraque o mais novo escândalo a cercar a administração do Presidente George Bush mostram de forma inegável o quanto a temática da se gurança tem ocupado o centro da atenção mundial Se fatores do contexto político econômico internacional contribuem para condicionar o exercício da so berania fatores de caráter jurídico também desempenham um papel importante nesse sentido em uma comunidade mundial cada vez mais integrada em diversas áreas Dentre tais fatores condicionantes cabe ci tar o Direito Internacional objeto de nossas considerações a seguir 2 SOBERANIA E DIREITO INTERNACIONAL A HARMONIZAÇÃO DO PLANO JURÍDICO NACIONAL COM O PLANO JURÍDICO INTERNACIONAL De acordo com o desenvolvi mento anterior os limites à soberania do Estado no plano internacional e mesmo nacional são decorrentes de circunstâncias que com freqüência escapam à capacidade de interven ção de cada país considerado indi vidualmente e também são o resul tado do exercício da soberania dos Estados que compõem a ordem in ternacional reconhecida como legíti ma por todos que dela participam desde que fundada no Direito Inter nacional e não na imposição dos in teresses dos países mais fortes eco nômica ou militarmente Dessa forma se o aspecto interno da soberania implica que o povo se outorga a sua própria ordem jurídica sem que ninguém lhe diga como ela deve ser que os homens livres decidem a sua forma de gover no e nomeiam aqueles que vão dirigir os órgãos da estrutura política de acordo com as leis que são a expres são da vontade popular o aspec to externo implica a liberdade de to das as nações a igualdade entre to dos os povos O aspecto externo sig nifica que um povo independente e supremo se apresenta no consórcio universal de nações e estabelece re lações com seus pares é o mesmo princípio que rege a vida interna da nação só que projetado para o ex terior do Estado 21 Sem dúvida a existência de uma sociedade internacional e con seqüentemente de obrigações vincul antes para o Estado não é incompa tível em princípio com a soberania deste Tal compatibilidade é resulta do do princípio de que os compro missos internacionais do Estado de rivam do consentimento deste mes mo Estado22 Ambas as proposições têm como fundamento o fato de que mesmo o Estado nacional soberano mantém relações e vínculos variados com outros Estados soberanos na arena internacional vendose na ne cessidade de estabelecer e respeitar obrigações mútuas nos diversos pla nos de relacionamento internacional econômico cultural político social humanitário científico tecnológico militar diplomático etc a que estão sujeitos Esses relacionamentos são na sua grande maioria regulamenta dos pelo Direito Internacional público ou privado o qual obriga os estados signatários a respeitar suas diretrizes sob pena de sanções diversas por parte da comunidade internacional Retomando as idéias de Hermann Heller podemos dizer por tanto que para chegar a reconciliar a existência de um Estado soberano com a presença de um direito inter nacional que regule as relações entre Estados é preciso dar um conteúdo adequado à soberania do Estado Isto se consegue com a utilização da idéia de uma comunidade internacional e a partir da função que o Estado de senvolve nesta comunidade Para Heller a eficiência do direito interna cional está fundada na vontade co mum dos Estados e na validade dos princípios éticojurídicos Os Estados atualizam ou tornam positivos os princípios jurídicos os quais no seu conjunto formam os preceitos do di reito internacional E são os sujeitos desta ordem jurídica livres sobera nos e juridicamente iguais que for mulam o direito internacional Como todo direito também o direito inter nacional é produto de uma comuni dade de cultura e interesses que ne nhum político pode criar de maneira artificial A soberania é então a ca pacidade de tornar positivos os pre ceitos supremos obrigatórios para a comunidade Sua essência é em suma a positivação no interior do Estado de princípios ou preceitos jurídicos supremos determinantes da comunidade Dizer que um Estado é soberano significa que ele é a unida de universal de decisão em um terri tório eficaz no interior e no exterior23 Nesse sentido os tratados in ternacionais livremente formulados e reconhecidos pelos Estados não im plicam uma afronta à sua soberania na medida em que a vontade sobera na do Estado se faz presente na for mulação eou no momento de sua assinatura O Estado assumiria des ta forma suas obrigações internacio nais de forma voluntária submeten dose ao Direito Internacional em fun ção da sua vontade soberana própria No entanto o exercício dessa vonta de soberana está sujeito às determi nações constitucionais de cada país de um lado e à aprovaçãoreferendo dos acordos e tratados internacionais por parte do Parlamento nacional de outro Essa compreensão do proces so por meio do qual os Estados con traem compromissos internacionais vem sendo alterada em função dos três processos distintos mas que mantêm entre si relações de mútua determinação analisados acima a formulação de uma nova concepção da ordem internacional o processo de globalização ou mundialização ao qual estão sujeitos todos os países e a nova configuração das relações internacionais criadas pelos eventos do 11 de setembro de 2001 nos Esta dos Unidos fortemente marcadas a partir de então pelo tema da segu rança em escala mundial Como bem analisa Paulo Márcio Cruz com o fim da União So viética a nova ordem internacional interpreta que determinados princí pios acolhidos nos estatutos de or 92 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 ganizações internacionais são vincul antes inclusive para aqueles países que estejam fora de dita organização O Estado membro ou não das Na ções Unidas que não cumpra as re gras estabelecidas no concerto inter nacional estará exposto a sanções por parte da comunidade internacio nal A consciência da existência de uma ordem internacional com normas situadas acima dos ordenamentos internos dos Estados está traduzida no fato de que muitos estados admi tem de forma expressa e direta a primazia destas normas Um bom exemplo é o que consta no art 25 da Lei Fundamental de Bonn da República Federal da Alemanha que trata do Direito Inter nacional Público como parte integran te do Direito Federal as regras ge rais do direito internacional público fazem parte integrante do direito fe deral Prevalecem sobre as leis na cionais e produzem diretamente di reitos e deveres para os habitantes do território federal 24 No seu estudo sobre A Evolu ção da Ordem Pública no Direito Inter nacional Privado Jacob Dolinger cha ma a atenção para o fato de que pelo menos no tocante à doutrina jurídica tal possibilidade já estava prevista embora por outras razões ao afirmar que Hans Kelsen que deu ao monismo jurídico sua expressão científica defi nitiva advogava a primazia do direito internacional sobre o direito interno por motivos de ordem prática a primazia do direito interno acarretaria o despe daçamento do direito e conseqüente mente sua negação 25 De modo como esse processo está ocorrendo em particular pela vinculação crescente dos Estados aos organismos internacionais com poder de ingerência sobre a defini ção de políticas públicas internas estaria se produzindo na prática uma limitação à soberania dos Esta dos exigindo portanto uma rede finição do alcance da soberania dos Estados no plano internacional de forma a dar conta da nova realidade O exemplo mais significativo desse fenômeno parecenos é aquele rela tivo ao longo processo de constitui ção da União Européia o qual há mais de uma década desde o Tratado de Maastrich em 1991 com a constitui ção do Banco Central Europeu res ponsável pela formulação de uma política monetária única na zona de abrangência do euro vem confor mando um amplo conjunto de instru mentos jurídicos políticos e econô micos que demandam dos Estados que a eles aderem uma limitação embora não eliminação da sua so berania para de forma autônoma definir os diversos mecanismos de gestão da ordem pública nacional Abram Chayes professor da Universidade de Harvard publicou recentemente um livro chamado The New Sovereignty no qual afirma a soberania não pode mais consistir na liberdade dos Estados de atuar in dependentemente e de forma isola da à luz do seu interesse específico e próprio A soberania hoje consiste sim numa cooperação internacional em prol de finalidades comuns Um novo conceito de soberania diz o autor aponta a existência de um Es tado nãoisolado mas membro da comunidade e do sistema internacio nal Os Estados conclui expressam e realizam a sua soberania partici pando da comunidade internacional ou seja participar do sistema inter nacional é sobretudo um ato de so berania por excelência Prenunciase desse modo o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava os seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição domésti ca decorrente da sua soberania 26 Talvez em nenhuma outra área as pressões exercidas sobre a sobe rania dos Estados nacionais oriundas de elementos de caráter jurispru dencial se façam sentir com maior força do que no campo dos direitos humanos Como bem afirma Paulo Márcio Cruz é exatamente no que diz respeito aos Direitos Humanos que o Estado Nacional vem mostrando no táveis indícios de exaustão diante da globalização e das normas jurídicas internacionais O reconhecimento e a garantia de um conjunto de direitos do homem considerados como fun damentais foi elemento caracteri zador do próprio Estado Moderno desde sua origem Apesar deste fato a história tem mostrado que este re conhecimento estatalnacional não pôde evitar em muitas ocasiões e em muitos e diferentes países que fos sem desrespeitados direitos conside rados inerentes à dignidade humana Nesse sentido a adoção da Declara ção Universal dos Direitos Humanos o Pacto Internacional de Direitos Eco nômicos Sociais e Culturais e o Pac to Internacional de Direitos Civis e Políticos tiveram uma inegável repercussão na cultura e na prática jurídica dos Estados configurando um condicionante importante para a soberania jurídica nacional dos paí ses que conformam a comunidade internacional 3 A SOBERANIA INTERNACIONAL NO CASO BRASILEIRO Este percurso teóricohistórico pelo conceito de soberania e pelas condições de seu exercício no mun do contemporâneo globalizado nos ajuda a compreender também os condicionantes que se colocam ao exercício da soberania no caso brasi leiro O princípio da soberania está claramente destacado como um dos fundamentos da República Federati va do Brasil autodefinida como um Estado democrático de Direito no art 1º da Constituição Brasileira de 1988 além de estar presente em vários ou tros artigos da Carta Magna27 Por sua vez o art 4º afirma que a República Federativa do Brasil regese nas suas relações internacionais pelos seguin tes princípios I independência nacional II prevalência dos direitos humanos No que diz respeito à soberania jurídica o Brasil aplica de forma bastante criteriosa o conceito de soberania Existe já uma ampla jurisprudência brasileira em relação aos elementos constitutivos da ordem jurídica internacional no sentido de por um lado reconhecer a validade por exemplo de sentenças judiciais proferidas por Cortes estrangeiras ao mesmo tempo em que se procura atualizar o exercício da soberania brasileira no âmbito judicial 93 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 III autodeterminação dos po vos IV nãointervenção V igualdade entre os Esta dos VI defesa da paz VII solução pacífica dos con flitos VIII repúdio ao terrorismo e ao racismo IX cooperação entre os po vos para o progresso da humanida de X concessão de asilo polí tico Parágrafo único A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política social e cultural dos povos da América Lati na visando à formação de uma co munidade latinoamericana de na ções 28 Além da menção evidente aos temas que fazem parte da definição clássica de soberania tal como ex posto nos incs I a VII fica clara a intenção dos constituintes de repudiar algumas das principais mazelas con temporâneas expressa no inc VIII relativo ao terrorismo e ao racismo Por outro lado merece destaque o internacionalismo da Constituição de 1988 ao propor como um dos objeti vos da ação internacional do Estado brasileiro a criação de uma comuni dade latinoamericana de nações espelhando talvez o começo das discussões em torno da unificação européia incipientes por então Cabe enfatizar o contexto no qual foi elaborada a Constituição de 1988 fruto de uma Assembléia Cons tituinte resultado de uma ampla mobilização de forças políticas de espectro ideológico variado na luta contra a ditadura militar que por 20 anos limitou o exercício dos direitos civis e políticos no Brasil além de desrespeitar rotineiramente os direi tos humanos O resultado dessa luta encontrase claramente manifesto em vários de seus artigos fundamentais expressando a sintonia do legislador com a vanguarda do pensamento social e político de fins da década de 80 no que tange à defesa dos direi tos humanos da cidadania e da de mocracia internamente e ao fim da política de blocos da guerra fria opon do Estados Unidos e União Soviéti ca É preciso lembrar que o Brasil foi um dos mais ativos membros do gru po de países nãoalinhados que con formaram o bloco do Terceiro Mundo reunindo então mais de 70 países A noção de soberania nacional nesse contexto foi bastante enfati zada constituindose em um impor tante elemento da política externa bra sileira Com as limitações próprias de um país com o grau de desenvolvi mento econômico e social do Brasil podese dizer que as relações exte riores dos sucessivos governos des de o fim da ditadura em 1985 com matrizes ideológicas bem distintas de liberais e socialdemocratas à atual orientação supostamente mais à es querda do espectro político brasileiro estiveram sempre pautadas pelo respeito à soberania e à autodetermi nação dos povos Por outro lado o país também exerce um importante papel no plano regional quanto à busca de soluções para os conflitos diversos que têm marcado a realida de latinoamericana nas últimas dé cadas No que diz respeito à sobera nia jurídica por sua vez o Brasil apli ca de forma bastante criteriosa o con ceito de soberania Existe já uma ampla jurisprudência brasileira em relação aos elementos constitutivos da ordem jurídica internacional no sentido de por um lado reconhecer a validade por exemplo de senten ças judiciais proferidas por Cortes estrangeiras ao mesmo tempo em que se procura atualizar o exercício da soberania brasileira no âmbito ju dicial No caso específico do Direito Internacional Privado como bem o afirma Ricardo Perlingeiro da Silva a cooperação jurídica internacional deve ser compreendida como um intercâm bio amplo entre Estados soberanos de atos públicos legislativos ad ministrativos e judiciais destinado à segurança e estabilidade das rela ções transnacionais A denominada cooperação interjurisdicional típica entre tribunais de Estados diversos alcança os atos judiciais jurisdicionais propriamente ditos e os atos judiciais não decisórios os de mera comuni cação processual citação notificação e intimação e os de instrução probatória A cláusula genérica da ordem pública que externa os princípios fun damentais do estado nacional é con siderada um obstáculo natural à efi cácia interna dos atos públicos es trangeiros rotulada de ordem públi ca internacional porque do interesse do direito internacional Ao contrário dos demais atos públicos estrangeiros os atos judi ciais jurisdicionais devem se sujeitar a um controle jurisdicional interno para que não haja risco de decisões imutáveis e coercitivas estrangeiras incompatíveis com a ordem pública nacional Portanto o reconhecimento da decisão judicial estrangeira pelo poder judiciário interno é condição sine qua non para que seja garantido o res peito à soberania nacional no proces so de cooperação interjurisdicional 29 Dessa forma a carta rogatória estrangeira e a homologação de sen tenças estrangeiras no Brasil com petência exclusiva do Supremo Tribu nal Federal apresentamse como con dição necessária para a validação e o reconhecimento de tais sentenças pelo sistema jurídico nacional sendo homologadas normalmente somen te aquelas sentenças que não ofen dam a soberania nacional a ordem pública e os bons costumes30 Ainda quando os dois últimos critérios se jam de difícil precisão conceitual eles se mostram em geral importantes instrumentos para a avaliação das sentenças estrangeiras constituindo se em uma espécie de última ins tância de argumentação para o proferimento do veredicto do STF sen síveis que são às mudanças sociais e às interpretações do juiz responsá vel pelo julgamento As características dessa estru tura de validação de sentenças es trangeiras no entanto podem repre sentar obstáculos processuais impor tantes em termos da celeridade de sua avaliação Assim a competência privativa do STF inibe o legislador nacional e o próprio estado brasileiro a incorporar tratados que contenham regras inerentes ao sistema de reco nhecimento automático de decisões estrangeiras constantes do direito comunitário europeu do direito inter no alemão e mais recentemente do direito interno italiano31 No caso do Direito Internacio nal Público por sua vez o exercício da soberania nacional se manifesta na necessidade de ratificação pelo Parlamento Brasileiro dos tratados in ternacionais firmados pelo Poder Exe cutivo Nesse caso o Brasil embora signatário de tratados internacionais e de convenções com caráter vin culante em termos jurídicos como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Interna cional não se viu ainda provoca do a firmar sua posição soberana em relação à aplicação desses instru mentos jurídicos internacionais o que limita o alcance de nossa análise nes se plano ainda que a soberania polí tica e jurídica do país seja consigna da na Constituição como um dos parâmetros fundamentais de sua ob servância 94 R CEJ Brasília n 27 p 8694 outdez 2004 4 CONCLUSÃO Falar do fim da soberania como atributo do Estado Nacional parece nos portanto na linha de Habermas algo precipitado Sem dúvida com as transformações na ordem econômica sociopolítica e tecnológica mundial além dos acontecimentos históricos recentes é evidente o processo de relativização da soberania sem que se perceba no entanto no horizonte histórico imediato o seu desapareci mento Encontramonos ainda longe de uma ordem políticojurídica inter nacional em que o EstadoNação seja suplantado definitivamente por algu ma instância supranacional que cum pra com todas as suas funções inter nas e externas tornando obsoleta e desnecessária a formação histórica que ocupou o cenário internacional nos últimos 500 anos A própria trajetória recente de construção da União Européia com o risco de veto à Constituição Européia por parte da Espanha e da Polônia mostra na nossa opinião que o Es tadoNação e com ele o atributo da soberania são ainda uma referência fundamental na relação entre os Es tadosmembros da comunidade inter nacional Por sua vez como demonstra do pela análise do caso recente do Brasil a noção de soberania política e jurídica é um importante componen te das relações do Estado brasileiro com a ordem jurídica internacional apesar da sua ampla adesão aos tra tados e convenções oriundos do Di reito Internacional e dos acordos po líticos firmados pelo Brasil com os diferentes países Ainda que as condições histó ricas do seu exercício tenham se mo dificado profundamente no curso dos últimos 100 anos exigindo a elabora ção de uma nova perspectiva concei tual sobre o fenômeno e novos instru mentos jurídicos e políticos para afiançála a soberania parecenos continua sendo um importante referen cial para o funcionamento interno e externo dos EstadosNação neste começo de século Sem dúvida dela muito ainda se ouvirá falar NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Ver por exemplo de Ulrich Beck o artigo Democracia cosmopolita no qual o sociólogo alemão desenvolve sua teoria da crescente relativização do papel e da noção de soberania tradicionais do Estado Nação em razão da constituição de uma sociedade civil global e do rol desempe nhado pelas instituições da ONU Demo cracia cosmopolita Disponível em http wwwredfilosoficadebeck2002html 2 HABERMAS Jürgen O Estado nacional europeu sobre o passado e o futuro da soberania e da nacionalidade In A Inclusão do outro São Paulo Loyola 2002 3 CRUZ Paulo Márcio Soberania Estado globalização e crise Disponível em wwwcejurpsunivalibrmestrado artigos 4 HELLER Hermann La Soberanía Cidade do México Ediciones Fondo de Cultura Económica 1995 5 HOBBES Thomas Leviatán Rio de Janeiro Abril 1979 Coleção Os Pensa dores 6 Alguns autores propuseram a substituição do conceito de soberania por uma noção mais exata capaz de superar seu caráter indemonstrável como afirma Duguit Entre os autores que fizeram essa opção está Rousseau que propõe seja o conceito substituído pelo de independência pelo qual entende a exclusividade da compe tência a autonomia e sua plenitude como os três elementos básicos da noção de independência ROUSSEAU Ch Droit Interna tional Public Paris Sirey 1953 7 GOMÉZ Pedro Francês El Concepto de soberanía Disponível em wwwugres pfgfp2fp25html 8 HELD David et al An Introduction to the globalization debate Cambridge England Polity Press 2000 9 GIDDENS Anthony As Conseqüências da modernidade São Paulo UNESP 1991 10 HELD et al op cit 11 BAUMANN Zygmund Globalização as conseqüências humanas Rio de Janeiro sn 2001 FORESTIER Viviane O Horror econômico São Paulo UNESP 1997 12 GOMÉZ opcit 13 BLANKE HermannJosef Projeto de Constituição da União Européia soberania princípios fundamentais e ordem pública internacional Defesa dos interesses difusos na Corte Interamericana de Direitos Humanos texto publicado no v 7 da Série Cadernos do Grupo de Pesquisa Efetivi dade da Jurisdição GPEJ Niterói 2003 14 Agradeço aqui as sugestões do Prof José Ribas Vieira acerca da análise desenvolvida por Ulrich Bech em relação à soberania 15 BECK Ulrich Pouvoir et contrepouvoir à lère de la mondialisation Paris Alto Bubier 2003 In VIEIRA José Ribas A Jurisdição supranacional dos direitos fundamentais no projeto da Constituição Européia 2004 mimeo 16 BECK Democracia opcit 17 HABERMAS Jürgen Soberanía Dispo nível em wwwracenucaieufrjbr journalhhabermas1doc 18 HABERMAS Jürgen A inclusão do outro op cit 19 FINE Robert SMITH Will Jürgen Habermass theory of cosmopolitanism In Constellations v 10 n 4 2003 citado por VIEIRA José Ribas op cit 20 DERNNINGER Erhard Segurança diver sidade solidariedade ao invés de liberdade igualdade fraternidade Revista Brasileira de Estudos Políticos n 88 dez 2003 citado por VIEIRA opcit 21 CASTRO Paulo Fernández de Soberania y Derecho Intenacional Disponível em wwwambitojuridicocombraj dconst0029htm 22 CRUZ op cit 23 Idem 24 Idem 25 DOLINGER Jacob A Evolução da ordem pública no Direito Internacional Privado Rio de Janeiro UERJ 1979 26 Citado por PIOVESAN Flávia Princípio da complementariedade e soberania Disponível em wwwcjfgovbrrevista numero11PainelVI2htm 27 Os outros fundamentos desta ordem democrática são a cidadania a dignidade da pessoa humana os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político 28 Brasil Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil 6 ed Rio de Janeiro DPA Editora 2000 29 SILVA Ricardo Perlingeiro Mendes da Reconhecimento de decisão judicial estrangeira no Brasil Rio de Janeiro 2004 mimeo 30 ARAÚJO Nádia de Direito Internacional Privado teoria e prática brasileira São Paulo Renovar 2003 31 SILVA opcit Artigo recebido em 1562004 ABSTRACT Napoleão Miranda é Doutor em Socio logia CoordenadorGeral do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Sociologia e Direito da Universidade Fe deral Fluminense The author analyses the concept of sovereignty and its relation with the existence of the NationState both from a classical and a contemporary perspective in order to show how its permanent exercise presents itself as an essential condition for an internal support of the state authority as well as for each countrys foreign relations He assesses the globalization concepts and the international context after September 11th 2001 that limit the practice of sovereignty on current days In this sense he also examines the conflict between this practice and an international order based on both power relations among the states and international juridical mechanisms used for ruling and restraining the exercise of each nations sovereignty At last he develops these concepts within the Brazilian context emphasizing their juridical and constitutional aspects KEYWORDS Sovereignty Nation State globalization International Law Public International Law September 11th 2001 1988 Brazilian Constitution Brazil Brazilian Supreme Court O artigo intitulado Globalizaçãosoberania nacional e direito internacional de Napoleão Miranda nos traz o conceito de soberania relacionada à existência do EstadoNação reforçando a sustentação da autoridade interna estatal e as relações externas existentes com outros países Relacionando diretamente a questão dos conceitos de soberania ligados a globalização e limitação quanto ao exercício da soberania nacional Durante a escrita do artigo o autor explora fatores que estão relacionados com o exercício da soberania que é percebida como uma condição da existência EstadoNação em mundo globalizado conduzindo que o empenho em preservar ou então o de conquistar essa soberania propende na conservação de uma necessidade para estabilidade e autonomia dos Estados em conformidade com as nações já que tanto a sobrevivência como a continuação da identidade cultural necessitará da prática do exercício da soberania que vem tornandose uma das principais questões referenciais compatíveis as relações em diferentes Estados As ideias correlacionadas ao conceito de soberania no final do século XVI ressaltaram o poder estatal como sujeito único da política e dos demais poderesOs primeiros autores dedicados ao tema Jean Bodin e Thomas Hobbes colocaram maior ênfase sobre dois movimentos existentes na luta pela autonomia política do Estado moderno em um lado o monopólio do poder legislativo do Estado e de outro lado o monopólio do uso da força A partir daí entendese a soberania como o poder de mando em última instância numa sociedade Consequentemente este poder apresenta duas faces na face interna ocorre o concebimento da capacidade em conservar a paz entre os diversos componentes da sociedade e assim garantir a ordem social manifestando posição de superioridade quanto às outras forças sociais existentes Já na face externa a regulação é feita mediante as relações de equilíbrio com os demais Estados com posição de igualdade formal com relação à ordem jurídica internacional Nesse contexto a perspectiva ou ideia de Hobbes quanto ao conceito de soberania absoluta começa sofrer alterações principalmente a partir do século XVIII quando surgem as teorias de Rousseau que define a soberania como algo relacionado à vontade geral do povo Frente ao campo de comunicação das nações essa soberania se constitui como um poder que se afirma por meio do reconhecimento de outros Estados e da interferência existente nos assuntos internos mostrando a existência de um poder supremo legítimo Quanto ao exercício da soberania dos Estados nacionais Miranda cita três principais dimensões A primeira consiste na soberania econômica onde se traz a necessidade de cada Estado em definir de maneira independente os instrumentos que utilizará para conduzir sua atividade econômica em segundo lugar fica a soberania política é concebida como a capacidade de cada Estado em definir e escolher o seu regime político e capacidade de atuação como componente autônomo A terceira soberania se caracteriza pela competência dos Estados em celebrar acordos e tratados internacionais que são utilizados como bases para definir os preceitos de convivência entre os Estados sem ferir suas soberanias jurídicas e internas garantindo legitimidade internacional Percebese então que um dos pontos relacionados à soberania está relacionado à busca pelo equilíbrio internacional onde o exercício de cada Estado seja respeitado regulamentando assim suas relações internacionais Desse modo a globalização se configura como uma mudança significativa da organização social de cada Estado permitindo o aumento da circulação de informações modificando a ordem social interna trazendo consigo grandes impactos sociais transformações tanto econômicas como tecnológicas que influenciam na produção de bens e serviços tornando mais visível a exclusão social das pessoas em todo mundo Neste contexto a globalização mostrase como um desafio importante para o exercício da soberania dos Estados num contexto internacional Os fatores políticos econômicos internacionais fatores jurídicos colaboram para o exercício da soberania dentre os fatores está o direito internacional O desenvolvimento anterior os limites à soberania do Estado no plano internacional e mesmo nacional são decorrentes de circunstâncias que com frequência escapam à capacidade de intervenção de cada país considerado individualmente e também são o resultado do exercício da soberania dos Estados que compõem a ordem internacional reconhecida como legítima por todos que dela participam desde que fundada no Direito Internacional e não na imposição dos interesses dos países mais fortes econômica ou militarmente O princípio da soberania está claramente destacado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil auto definindose como um Estado democrático de Direito no art 1º da Constituição Brasileira de 1988 além de estar presente em vários outros artigos da Carta Magna Extension of Way OSPF Protocol Features O artigo intitulado Globalizaçãosoberania nacional e direito internacional de Napoleão Miranda nos traz o conceito de soberania relacionada à existência do EstadoNação reforçando a sustentação da autoridade interna estatal e as relações externas existentes com outros países Relacionando diretamente a questão dos conceitos de soberania ligados a globalização e limitação quanto ao exercício da soberania nacional Durante a escrita do artigo o autor explora fatores que estão relacionados com o exercício da soberania que é percebida como uma condição da existência EstadoNação em mundo globalizado conduzindo que o empenho em preservar ou então o de conquistar essa soberania propende na conservação de uma necessidade para estabilidade e autonomia dos Estados em conformidade com as nações já que tanto a sobrevivência como a continuação da identidade cultural necessitará da prática do exercício da soberania que vem tornandose uma das principais questões referenciais compatíveis as relações em diferentes Estados As ideias correlacionadas ao conceito de soberania no final do século XVI ressaltaram o poder estatal como sujeito único da política e dos demais poderesOs primeiros autores dedicados ao tema Jean Bodin e Thomas Hobbes colocaram maior ênfase sobre dois movimentos existentes na luta pela autonomia política do Estado moderno em um lado o monopólio do poder legislativo do Estado e de outro lado o monopólio do uso da força A partir daí entendese a soberania como o poder de mando em última instância numa sociedade Consequentemente este poder apresenta duas faces na face interna ocorre o concebimento da capacidade em conservar a paz entre os diversos componentes da sociedade e assim garantir a ordem social manifestando posição de superioridade quanto às outras forças sociais existentes Já na face externa a regulação é feita mediante as relações de equilíbrio com os demais Estados com posição de igualdade formal com relação à ordem jurídica internacional Nesse contexto a perspectiva ou ideia de Hobbes quanto ao conceito de soberania absoluta começa sofrer alterações principalmente a partir do século XVIII quando surgem as teorias de Rousseau que define a soberania como algo relacionado à vontade geral do povo Frente ao campo de comunicação das nações essa soberania se constitui como um poder que se afirma por meio do reconhecimento de outros Estados e da interferência existente nos assuntos internos mostrando a existência de um poder supremo legítimo Quanto ao exercício da soberania dos Estados nacionais Miranda cita três principais dimensões A primeira consiste na soberania econômica onde se traz a necessidade de cada Estado em definir de maneira independente os instrumentos que utilizará para conduzir sua atividade econômica em segundo lugar fica a soberania política é concebida como a capacidade de cada Estado em definir e escolher o seu regime político e capacidade de atuação como componente autônomo A terceira soberania se caracteriza pela competência dos Estados em celebrar acordos e tratados internacionais que são utilizados como bases para definir os preceitos de convivência entre os Estados sem ferir suas soberanias jurídicas e internas garantindo legitimidade internacional Percebese então que um dos pontos relacionados à soberania está relacionado à busca pelo equilíbrio internacional onde o exercício de cada Estado seja respeitado regulamentando assim suas relações internacionais Desse modo a globalização se configura como uma mudança significativa da organização social de cada Estado permitindo o aumento da circulação de informações modificando a ordem social interna trazendo consigo grandes impactos sociais transformações tanto econômicas como tecnológicas que influenciam na produção de bens e serviços tornando mais visível a exclusão social das pessoas em todo mundo Neste contexto a globalização mostrase como um desafio importante para o exercício da soberania dos Estados num contexto internacional Os fatores políticos econômicos internacionais fatores jurídicos colaboram para o exercício da soberania dentre os fatores está o direito internacional O desenvolvimento anterior os limites à soberania do Estado no plano internacional e mesmo nacional são decorrentes de circunstâncias que com frequência escapam à capacidade de intervenção de cada país considerado individualmente e também são o resultado do exercício da soberania dos Estados que compõem a ordem internacional reconhecida como legítima por todos que dela participam desde que fundada no Direito Internacional e não na imposição dos interesses dos países mais fortes econômica ou militarmente O princípio da soberania está claramente destacado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil auto definindose como um Estado democrático de Direito no art 1º da Constituição Brasileira de 1988 além de estar presente em vários outros artigos da Carta Magna Routing Information Protocol RIP Overview