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Ao revés do avesso Leitura e formação Luiz Percival Leme Britto AO REVÉS DO AVESSO LEITURA E FORMAÇÃO edição brasileira Editora Pulo do Gato 2015 Luiz Percival Leme Britto coordenação pulo do gato Márcia Leite e Leonardo Chianca direção editorial Márcia Leite revisão Claudia Maietta projeto gráfico Mayumi Okuyama diagramação Miguel Estêvão impressão PifferPrint A edição deste livro respeitou o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa CIDBrasil Catalogação na publicação B878a Brito Luiz Percival Leme Ao revés do avesso Leitura e formação Luiz Percival Leme Britto 1 ed São Paulo Pulo do Gato 2015 144 p 17 cm Inclui bibliografia e índice ISBN 9788564974876 1 Livros e leitura 2 Leitura Estudo e ensino 3 Leitores Reação crítica 4 Cidadania I Título 1528075 cdd 80195 cdu 8209 índices para catálogo sistemático 1 Livros e leitura 028 2 Literatura na formação de leitores 809 1ª edição 2ª impressão janeiro 2020 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Pulo do Gato Rua General Jardim 482 conj 22 cep 01223010 São Paulo SP Brasil tel 55 11 3214 0228 wwweditorapulodogatocombr gatoletadoeditorapulodogatocombr Num dos capítulos finais de É isto um hommem romance memorialístico em que o escritor italiano Primo Levi conta sobre sua experiência em Auschwitz o narrador questiona a legitimidade e a potência da língua para dizer da vida na exceção Assim como nossa fome não é apenas a sensação de quem deixou de almoçar nossa maneira de termos frio mereceria uma denominação específica Dizemos fome dizemos cansaço medo e dor dizemos inverno mas tratase de outras coisas Aquelas são palavras livres criadas usadas por homens livres que viviam entre alegrias e tristezas em suas casas A fome o cansaço o medo e a dor que nós leitores comuns alcançamos referemse à primeira vista à sensação de quem ainda não comeu trabalhou muito sentiuse inseguro diante de uma situação incomum ou foi machucado física ou psicologicamente Para o que se passou nos campos de concentração essas palavras parecem insuficientes ao escritor Muito se tem falado e escrito sobre leitura e formação de leitores no Brasil nas últimas décadas Entre ações governamentais e iniciativas da sociedade civil organizada ou não são incontáveis os projetos para a promoção da leitura Os discursos sobre a importância de ler especialmente livros de literatura assemelhamse a mantras e gritos de guerra repetidos exaustiva e impensadamente em repartições públicas instituições privadas jornais revistas e mais recentemente nas redes sociais Como as palavras listadas por Primo Levi incapazes de dizer algo sequer próximo da realidade de um campo de concentração tantos programas e discursos têm se mostrado ainda insuficientes num país como o Brasil apesar de algumas conquistas De braços dados com a desconfiança em pesquisas que insistem em mostrar algo distinto do que vejo no dia a dia eu me pergunto por que nossa situação é tão precária Essa inquietação me acompanha há alguns anos e ainda não consegui encontrar um reposta teórica que seja eu me alegro por encontrar interlocutores como partilhar as angústias as frustrações os sonhos e os pequenos caminhos que nos ajudam a resistir ao anúncio de um sombrio fim da história O professor Luiz Percival que me chegou pelo querido e saudoso amigo Bartolomeu Campos de Queirós está entre essas pessoas Se analisados em seu conjunto os textos que fazem este livro escritos em diferentes momentos ao longo de quase duas décadas podem ser considerados um resumo do pensamento do autor Lidos individualmente eles validam e reiteram teorias que se refutaram em alguma medida mas que ainda hoje confirmam seu vigor e lucidez São muitas as provocações e contribuições que o professor Percival como é chamado pelos alunos e amigos faz aos professores bibliotecários e pesquisadores desses tema Sem acatar os discursos prontos e incessantes sobre a leitura e sua pedagógica problematiza questiona e critica a visão de mundo que faz do ato de ler uma mercadoria Mas educador que é escuta discute revê posições e com rigor e generosidade reconhece as contradições que por serem inerentes aos seres humanos estão também e especialmente em suas ideias Este livro assim como a coleção da qual faz parte é um presente para os educadores brasileiros Seus textos são um convite para pensar a leitura a literatura o leitor a escola e a biblioteca para além do senso comum Eles têm no horizonte a formação de um leitor marcado por sua subjetividade mas não desclocado de suas condições objetivas que mais que ler compreenda o que significa participar da cultura escrita Dito de outra maneira o leitor postulado por Luiz Percival é o sujeito que como base no conhecimento e nas narrativas construídas e registradas pela letra ao longo do tempo e do espaço conheça e compreenda a história e o seu próprio tempo com suas disputas e conflitos e especialmente que se rebela contra a naturalização das desigualdades sociais Isso implica numa radical alteração das estruturas sociais vigentes Um projeto para a formação de leitores nessa perspectiva exige a reordenação de toda a política educacional no país desde seu financiamento até e principalmente sua sustentação conceitual e filosófica Rejeitando o senso comum e os discursos festivos e alienados em torno da leitura e seus solitários poderes o autor abre espaço para o dissenso para que na lembrança da morte e num olhar menos ingênuo para as estruturas do cotidiano possamos voltar a ele menos frágeis e submissos Porque leitor sem adjetivos Percival desobriga a leitura de salvar o mundo como esperam e propagandeiam consciente ou inconscientemente muitos No entanto acredita a ela especialmente à literária a potência de encontrar palavras e narrativas para nomear dizer e elaborar o passado o presente e a promessa do futuro para que nada nem mesmo o pior dos horrores ou a maior das solidões o que ainda não tem nome como no relato de Primo Levi possa escapar à história Para o bem e para o mal pelo avesso pelo direito e por um terceiro lado deverá da fantasia individual e coletiva dos seres humanos O malestar na leitura Um dia desses conversava com uma jovem senhora sobre a vida moderna e as formas de ser na cultura Diziame ela quando observei que a literatura tratava não do simples e divertido mas sim do difícil de viver que eu me preocupava demais com as coisas e ficava inventando o que não existe e sofria por nada Viver é fácil basta não complicar com elaboradas desproporcionalidades E completou você parece que gosta de sofrer Essa interpelação me põe verdadeiramente em xeque Desconcentrame Quem me dizia isso é uma pessoa de vida intensa espírito curioso informada das coisas do mundo leitora do que quer aqui e ali de literatura enfim uma pessoa que se sabe e sabe e pode ser nos tempos atuais Será possível que alguém assim não sofra Não creio Em O malestar na civilização Freud postula que o sofrimento teria três fontes básicas o próprio corpo condenado ao declínio e à dissolução o mundo externo com suas forças poderosíssimas e a relação mesma com as demais pessoas esta quiçá a mais dolorosa Em seguida enumera métodos pelos quais os homens se esforçam em obter a felicidade e manter a distância o sofrer Argumenta observa que extraordinários progressos que alcançou a humanidade nas ciências naturais e em sua aplicação técnica não elevaram o nível de satisfação prazerosa que se esperam da vida não as fizeram se sentir mais felizes Não pretendo nem saberia se quisesse avançar uma análise psicanalítica da ordem cultural Interessame destacar para além da ideia das causas da infelicidade dois aspectos da proposta de Freud necessários para entender a mentira da jovem senhora O primeiro é que o progresso social e o estabelecimento de condições de vida mais aprazíveis para aqueles que alcançam isso num mundo de iniquidades extremas pode oferecer conforto e bemestar mas não traz felicidade nem resolve o drama de existir que supõe definir e morrer e o segundo é que a sociedade e nela as pessoas continuamente realiza tentativas de driblar a ansiedade consequente da ameaça do sofrimento e do sofrimento objetivo Creio que a afirmação de uma vida limpa e de superficíe sustentada por um certo pragmatismo existencial fundado por um princípio de fazer e de prazeres práticos em que predominam a adequação ao real aparente a diversão e o entretenimento ligeiros a convivência fácil e descomprometida o trabalho apenas o necessário para a sustentação desse modo de vida é uma classes formas de tentar enganar a morte Tratase sem dúvida de uma estratégia que independentemente de motivação psíquica ajustase perfeitamente à ordem produtiva e ideológica contemporânea de fato nasce dela A expressão como eu sempre digo é em si mesma a repetição do como sempre se diz as opiniões pessoais multiplicadas nas redes sociais e nos posts na web como originais e únicas apenas repercutem as mesmas culturais impregnadas na cotidianidade A indústria cultural tornase a régua absoluta de participação cultural e política Tresdizia o jagunço Riobaldo em sua narrativaconfissão que viver é perigoso por demais Em suas diferentes formas de ver o vasto mundo do sertão tratava de asuntar explicação do inexplicável que é isso de viver impreciso inexato atrapalhado Que é esse descuidado prosseguido E pôe Viver é muito perigoso Querer o bem com demais força de incerto jeito pode já estar sendo se querendo o mal por principiá A vida é difícil explicar se há o quê também para quem da cidade O bem acomodado pequeno burguês Antoine Roquentin em sua angústia imprecisa nauseante diante da presença das coisas do ser e do nada escreve em seu diário que todo ente nasce sem razão se prolonga por fraqueza e morre por acaso as coisas são simplesmente elas não desejavam existir só não podiam evitálo E se a vida é assim ruim de entender tampouco é de se compreender a inexata e incerta morte de cada um Narra a crônica que Quincas Berro Dágua o antes bem ajustado funcionário público e zeloso pai de família Joaquim Soares da Cunha na hora de morrer a morte sua deixouse levar pela imensidão das águas e dizendo a quem ouvisse Maria Quitéria seu amor largo sua frase derreadiera cada qual cuide de seu enterro o impossível não há Confirma Jorge Amado cronista da história de Quincas que essa foi a morte que ele desejou e quis a outra a morte bemcomportada de enterro em Campo Santo com acompanhamento de familiares e colegas de repartição ele a abandonou em mãos da filha e do irmão por mesquinha e indigna Outro diapasão Bartolomeu Campos de Queirós põe um velho ele mesmo em conversa miúda com um menino ele mesmo em suas reminiscências a vasculhar e tentar compreender desde as duas perspectivas a do começo e a do fim da vida o semsentido do tempo Ele está sempre acordado viajando e vigiando tudo Sabemos que ele existe porque modifica todas as coisas O tempo troca a roupa do mundo Ele muda a história desvia águas come estrelas mastiga reinos amadurece frutos apodrece sementes Nada fica fora do tempo Moramos dentro dele e impedidos de abraçálo O tempo foge para não ser amado Quem ama fica O tempo foge O acontecer que não dói a lida diária esquecida de si a vida cativante corpo vaso de prazeres a gente ansia por ela desesperadamente Mas não tem não há como O problema não é simplesmente viver o problema é saberse vivo e saber o tempo todo que algo nos rouba a vida e o corpo em que ela se faz O problema é saber a morte imperturbável e não saber para que ou por que a vida tem de ser como é Assim terminam as angustiadas Especulações em tomo da palavra homem de Carlos Drummond de Andrade Para que serve o homem para estampar flores para ter contos Para servir o homem Para criar Deus Sabe Deus do homem E sabe o demônio Como que o homem ser destino fonte Que milagre é o homem Que sonho que sombra Mas existe o homem Os inevitáveis atritos a harmonia termina quando a ordem divina intumescida se faz totalidade demaisada e se encrenca com a licenciosidade estética ou com a força da razão confrontandoas e desejando sufocálas a palavra é total e emudece o espírito ressalta as dores em lugares tão recônditos que elas parecem já não ser a moral que emana da fé já não condiz nem com o desejo da arte nem com a sinceridade da filosofia A arte e fé porque admitem ser sem que se explique como são ou por que são como são se indispoêm com a coerência estrita da indagação metafísica sempre insatisfeita com o dizer que não indaga como ele se fez e fé e filosofia se afastam da arte quando recusam aceitar o ilimitado a propensão à criação e a invenção de vidas inexistentes e inexistíveis A ordem econômica e segundo seu modelo em grande parte também a organização econômica continuam obrigando a maioria das pessoas a depender de situações dadas em relação às quais são impotentes bem como a se manter numa situação de nãoemancipação Se as pessoas querem viver nada resta senão se adaptar à situação existente se conformar precisam abrir mão daquela subjetividade autônoma que remete à medida em que abdicam seu próprio eu Desvendar os teias do deslumbramento implicaria um doloroso esforço de conhecimento que é travado pela própria situação da vida não destacando a cultura cultural intimista como totalidade Mas isso é e não é Não pode ser mesmo sendo em plena aparência e em poder construído A dor recalçada no cárcere mais recôndito da alma insubordinse e agride o silêncio A memória da morte teima em mostrarse O incômodo E a criança morta na mesma praia em que um dia remoto aportou Ulisses para além da denúncia da segregração compunge aturde convoca as musas abre as portas do Hades e reinstaura a pergunta que coisa é homem A liberdade a autonomia a crítica e a criatividade na formação do leitor Proponhome neste texto avançar a análise de quatro desses atributos que frequentemente acompanham de maneira mais ou menos clara os modelos e as representações de leitor ideal e que subjazem aos programas de formação e promoção de leitura liberdade autonomia crítica criatividade aprofundamentos e sistematizações do conhecimento e tem de ser o lugar do pensamento despedido descontextualizado livre das determinações e demandas imediatas da vida começa o lugar enfim em que a pessoa reconhecendose no mundo e olhando para o que cerca imagine o que está para além do aqui e do agora Assim além das leituras que em função das formas de participação das pessoas nas diversas esferas de sociabilidade imediata se fazem e aprendem na vida prática há formas de ler mais densas articuladas com o que chamamos de pensamento especulativo isto é aquele que trata na explicação feliz de Antônio Houaiss indagar sobre as coisas o mundo a vida buscando Ao contrário disso como sustenta Saviani a educação escolar verdadeiramente popular emancipadora formativa terâ como eixo conteúdos e métodos que estimularão a atividade e a iniciativa dos alunos em abrir mão porém da iniciativa do professor favorecendo o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura historicamente acumulada levarão em conta os interesses dos alunos os ritmos de aprendizagem mas sem perder de vista a sistematização dos conhecimentos sua ordenação e graduação para efeitos do processo de transmissãoassimilaçâo dos conteúdos cognitivos A negativa aos modelos liberais centrados em concepções relativistas do conhecimento não implica a adoção de parâmetros tradicionais de ensino os quais devem igualmente ser alvo de crítica e reconsideração em especial no que tangem a superação científica e aos valores ideológicos que comportam Mas assumir tais limitações e equívocos dos modelos tradicionais não significa a adoção de uma perspectiva que negando o conhecimento valorize o ajuste do aluno ao atual sistema produtivo em que imperam a exploração o egoísmo e a competição Uma educação que corresponda às necessidades isto é para fazer a análise objetiva de um problema escapando a esquemas predeterminados dogmas preconceitos etc a pessoa necessita de um quadro teóricoconceitual e um conjunto de princípios bem estabelecidos Caso contrário a crítica se confunde com predileções e interesses não contribuindo nem para o desenvolvimento do sujeito nem para a expansão do conhecimento E evidente que a crítica pura e totalmente objetiva é uma miragem o lugar que ocupamos na história e na sociedade sempre implicará a subjetividade inerente ao ponto de vista e também é evidente que não há um momento apropriado e perfeito para que alguém se possa dizer estou pronto para a crítica nós fazemos críticas à medida que na interação com pessoas e outras ideias aprendemos e realizamos a crítica Larrosa observa que esses gestos constituintes da experiência nos tempos que correm geralmente estão sendo estimulados por nós mesmos É evidente que momentos de experiência coisas situações e serões que podem ser mais ou menos abordados e trazidos para afirmação da liberdade e da autonomia nos fogem mas é preciso um desejo de interrupção O desafio maior na formação do leitor está exatamente em produzir um ambiente e um movimento em que confrontandose com objetos estranhos ou estranhando os objetos conhecidos possamos progressivamente ampliar a crítica a liberdade e a criatividade em nossas ações e escolhas A cada momento há uma dimensão possível de liberdade crítica e criatividade que na interlocução ativa em que cada uma se apresenta como é e propõe o que ser se expande e permitem novos movimentos Fazer escolhas agora é muito mais difícil e muito mais necessário Theodor Adorno com notável amargura e desencanto termina seu ensaio sobre a semiformação sustentando que a única possibilidade de sobreviver àquilo que resta a cultura é a autorreflexão crítica sobre a semiformação em que necessariamente se convert eu Uma educação que assuma o desejo de formar não pode prenderse nem dos determinismos pragmáticos que conformam a vida até limitando as possibilidades da experiência nem se pautar numa vaga ideia de que nascemos prontos Essa educação tem de ter atitude fazendose propositiva sem ser autoridade reconhecendo em cada participante suas potencialidades e limitações As razões do direito à literatura Para que serve a literatura Para nada E para tudo A literatura não presta para nada A poesia o romance o conto a crônica as narrativas fantásticas e de cotidiano as histórias e fatos que não aconteceram e que podiam ou podem acontecer a literatura não forma nem conforma os espíritos não salva nem consola não ensina nem estimula Enfim não se presta muito para coisas práticas e aplicadas Não produz realidades mensuráveis e negociáveis A literatura presta para tudo O texto literário é um convite a uma ação desinteressada gratuita uma ação que não espera que dela resulte lucro ou benefício E simples porse em movimento para sentirse em função de um tempo suspenso na história em um tempo em que a pessoa se faz somar para si ser um tempo de indagação e contemplação de êxtase e sofrimento de amor e angústia de alívio e esperança caso tudo o que uma só vez e para sempre Nela a gente se forma e se conforma perdese e salvase se consola e se estimula aprende e ensina a viver em realidades incomensuráveis ainda que realmente intangíveis Terá havido um momento da história em que os seres humanos puderam dedicarse a elucubrações desinteressadas Tinham de despender quase todas as suas energias na produção da vida material na garantia da sobrevivência Era um tempo em que a busca de conhecer o mundo estaria diretamente relacionada à urgência da sobrevivência Os homens e as mulheres precisavam agir sobre o meio dominálo no limite de suas capacidades e criar espaços e modos para produzir sua existência Haveria sobre todo raciocínio uma absoluta determinação pragmática Uma vez garantidas as condições de sobrevivência e dominado o território o conhecimento pode se desprender do imediato ganhando caráter especulativo indagando os fundamentos da existência Por que as coisas são como são e também um viés contemplativo As coisas Que tristes são as coisas considerandose em ênfase Nesse sentido seu espírito pode se desprender das necessidades imediatas e especular sobre si e sobre os outros imaginar outras vidas confrontar destinos a uma forte introversão a um descontentamento com o mundo tal como ele é a um esquecerse das horas e dos dias fixando o olhar sobre a imobilidade das palavras mudas Essa é a fantasia de que falava de forma tão intensa Bartolomeu Campos de Queirós a fantasia de poder mentir e mentirse e cortar tardes e mundos fantásticos e sofrer a dor e a alegria de ser outra sempre sendo o mesmo Leitores de quê Leitores para quê da vida social econômica política e cultural ao invés de se tomar um modelo abstrato e idealizado de leitor como sujeito culto e curioso de cultura a Ainda segundo o indicador 73 da população adulta brasileira encontramse neste nível ou acima dele os 27 restantes são analfabetos plenos ou tais argumentos fazer a apologia da sociedade capitalista e da cultura brasileiras nem defender a educação aligeirada para o ajustamento ao mercad fundamentalistas as quais são dinâmicas e se comunicam de muitas e diferentes formas 1 a esfera da quotidianidade a qual corresponde às práticas da vida diária o pensamento de senso comum e as formas gerais de ser e consumir 2 a esfera da aplicabilidade técnica a que se vinculam por exemplo os protocolos de produção e comportamento a tecnologia e as leis de convivência social 3 a esfera do pensamento especulativo ao qual se associam a ciência a alta cultura a filosofia o universo legislativo etc O saber cotidiano próprio da esfera da quotidianidade resulta de se sustentar por saberes práticos adquiridos assistematicamente nas relações imediatas ele depende do automatismo é refletido e contextualizado apoiandose em crenças hábitos e valores constituídos Isto não significa que nesta esfera não se imponha a necessidade do alfabeto e da educação escolar De fato o cotidiano contemporâneo não se sustenta apenas em aprendizagens diretas pressupondo também o senso comum complexo produzido em outras esferas e que se realiza numa relação verticalizada Desta forma é um saber transmitido e adquirido por relações assimétricas formais ou semiformais escola agremiação religiosa atenção à saúde emprego polícia etc Assim ele estipula os formatos de participação de produçãoconsumo e de divulgaçãoafirmação dos valores hegemônicos O senso comum complexo orienta as formas de comportamento e de avaliação da vida em sociedade Observando os textos e gêneros comuns a cada esfera observase que os textos da esfera do cotidiano são fortemente contextualizados têm formação e linguagem que buscam permitir a apreensão imediata do conteúdo léxico e sintaxe próximas do falar cotidiano estão referenciados em conhecimentos partilhados e se organizam em gêneros próprios da vida comum cartas receitas bilhetes narrativas notícias simples de assuntos conhecidos No que tange aos textos da esfera da aplicabilidade técnica esses são mais frequentemente assertivos definitivos e objetivos com caráter instrumental e aplicado referenciados na atividade com que se relacionam têm a presença constante de jargão da área correspondente o que para além da precisão informativa cria valor e identidade e se oferecem em gêneros instrucionais e expositivos Finalmente os textos próprios da esfera do pensamento especulativo circulam em gêneros específicos distantes da vida comum tratado tese ensaio editorial romance têm a autoreferência e a descontextualização com sintaxe e léxico apartados das formas de falar cotidianas traçando às vezes um corte conceitual e epistêmologico preciso Contemplando as produções que se realizam nas ciências na literatura na filosofia produções intelectuais humanas mais organizadas e circulando em espaços específicos esses textos demandam aprendizado intencional tenso e sistemático Mas é preciso cuidar para não se submeter ao queixume ingênuo de que a gente não lê na verdade a leitura numa dimensão fundamental da vida está interditada para a grande maioria das pessoas E não será nenhum verbo milagroso que mudará essa realidade não é por uma falta genérica de interesse ou de gosto que a gente não lê é por condição E tampouco se mudará a realidade com a propaganda da leitura gostosa e agradável Ler na direção sugerida neste texto pode ser algo muito exigente difícil e incômodo em todos os sentidos que a palavra pode adquirir O prazer de ler deve vir do desenvolvimento da consciência e da capacidade de estudar de pensar o mundo sistematicamente de fantasiar e fabular sem simplesmente consumir a fantasia industrial Por fim me repito nessa perspectiva a leitura e seu ensino enquanto forma de ser e estar na história de indagar e de querer fazêla deve ser compreendida como posicionamento político diante do mundo E a ignorância do caráter político do ato de ler como acontece em tantas bemintencionadas ações de promoção de leitura e de estudo sobre o que é ler não anula esse componente político porque esse espaço de estudo mas conduz a mitificação da leitura e ao pragmatismo pedagógico Somente reconhecendo a historicidade do conhecimento e da leitura é que avançaremos uma política de formação que afastandose do pragmatismo produtivista quanto se iniciaram os movimentos próleitura Naquele momento em que a sociedade vivia sob o poder da ditadura militar lutavase pela liberdade de expressão e a propaganda da leitura qualquer que fosse revestese de valor político de contestação ímpar e de contrainformação O que estava em questão era o combate à censura a defesa da liberdade e portanto no que tange à leitura direito de ler sem censura assim como no que diz respeito à educação a palavra de ordem era poder aprender e pensar sem limites Com a conquista da democracia política mesmo que em marcos institucionais precários e nos limites da ordem burguesa e o restabelecimento da sociedade de direito por um lado e a multiplicação de produtos impressos e o desenvolvimento das pesquisas na área da leitura por outro colocamse novos temas para aqueles que desejam uma sociedade solidária e justa a tarefa que temos agora além da insistência no valor da leitura está na democratização do acesso aos bens culturais que se expressam pela leitura E isso exige a formação de um leitor capaz de encontrando a autoria do texto que se dá a ler evitar as armadilhas ideológicas nele contidas e posicionarse criticamente diante de outro tomando a palavra e tornandoa sua produzindo sua contrapalavra Para que servem programas e campanhas de promoção da leitura Programas de promoção da leitura existem porque se crê que as pessoas leem pouco e que ler é um comportamento que vale a pena ser estimulado Não pretendo aqui discutir tais pressupostos ainda que valha a advertência de que são demasiadamente genéricos e imprecisos Objetivamente pouco se sabe o que e como se lê em sociedades complexas e nunca se explicitam os valores subjacentes à ideia de ler é bom exclusivamente e discriminador da sociedade capitalista remete a uma visão de sociedade em que o sucesso ou o insucesso são sempre creditados aos sujeitos particulares Como a leitura se faz em função da manipulação de sistemas específicos de referência e de interpretação sistemas constituídos histórica e socialmente é razoável supor que em certa dimensão ela vem sendo cuja propriedade dos segmentos sociais que dispõem de condições socioeconômicas privilegiadas Neste sentido o sujeito que tenha por meio de sua condição econômica acesso aos bens de cultura socialmente valorizados pode ser leitor mesmo que não tenha o hábito de ler Com isso não negamos a importância do domínio das formas de expressão escrita na formação dos sujeitos Ao contrário insistimos na tese de que a concepção crítica da leitura passa pela denúncia da desigualdade social e das formas de escamoteação ideológica desta desigualdade Descontextualizada e limitada a práticas individuais a ideia de que por meio da leitura podese ascender socialmente não apenas é falsa como principalmente acaba por reforçar o preconceito político e social contra os segmentos sociais marginalizados Pobre quando lê lê coisas sem importância diriam os leitores elitistas Em contraposição à visão domesticadora da leitura é preciso postular o leitor crítico como o faz Ezequiel Theodoro da Silva numa sociedade como a nossa onde se assiste a reprodução eterna das crises e à naturalização da tragédia e da barbárie a presença de leitores críticos é uma necessidade imediata de modo que os processos de leitura e os processos de ensino da leitura possam estar vinculados a um projeto de transformação social Não é fácil bem o sabemos a formação do leitor crítico O modo de produção e consumo capitalista fundamentase num espírito competitivo e antissocial próprio da acumulação desenfreada do capital e do poder A indústria do entretenimento pasteuriza os valores transformando tudo inclusive as artes em mercadoria A globalização mais do que aproximar os povos e as culturas tem reforçado a lógica perversa da exclusão e a negação das saídas coletivas do ser social a crítica da própria sociedade em que está inserido O leitor crítico seria então aquele que na leitura se afirma e se reconhece como parte do processo de produção de sentido Ele não toma impunemente a palavra alheia e a reproduz mas sim mesmo quando concorda com o autor do texto dirige a ele texto autor sua contraposição assumindo conscientemente para si o que foi enunciado por outro Caso contrário ele se desfaz como sujeito se alia ao que é do conhecimento João Wanderley Geraldi observa que um leitor que não oferece as palavras lidas as suas contraposições recusa a experiência de leitura É preciso vir carregado de palavras para o diálogo com o texto E essas palavras que carregamos multiplicam as possibilidades de compreensões do texto e do mundo porque são palavras que sendo nossas são de outros e estão dispostas a receber hospedar e modificarse face às novas palavras que o texto nos traz O excluído de fato da leitura não é o sujeito que sabe ler e não gosta de romance mas o mesmo sujeito que no Brasil atual não tem terra não tem emprego não tem habitação A quinta história e as outras Sobre leitura e construção de sentidos Dizse que as possibilidades da leitura literária assim como as galerias da biblioteca de Babel e a memória de Funes são infinitas Há aí para além do truísmo do inusitado de cada momento da existência evidente exagero De fato essa concepção talvez pela dificuldade de estabelecer um sentido exato para novo tem estimulado muita confusão teórica e metodológica dizse sem muito cuidado para suas implicações que qualquer leitura interpretaçãointeligência é legítima e possível que o leitor é quem constrói o significado do texto que o sentido primeiro do texto se perde em sua origem e que os sentidoslimítrofes são os que sobrepõem a história e outras ideias desse jaez Tento explorar neste artigo de uma perspectiva da lingüística mas também com um olhar pedagógico possibilidades e limites da interpretação na leitura de textos literários Busco acima de tudo encontrar o equilíbrio De coisa trata A Quinta História de Clarice Lispector Chamase também Leibnitz e a transcendência do amor na Polinésia e começa assim queixeime de baratas Não há mais informação a menos que se saiba dessa e se vê às histórias anteriores em busca de um princípio São várias histórias todas com o mesmo básico uma mulher se vê às voltas com baratas em seu apartamento e por sugestão de uma vizinha avia uma receita caseira para matálas O gesto repetitivo de matar baratas desencadeará um processo psíquico de características neuróticas Como isso não explica nada vem a pergunta que história é esta que são muitas e a mesma Tratase de acabar com as baratas está bem Mas de uma palavra dita sem compromisso à altura que permitisse sua adição pela vizinha desta palavra brotará um turbilhão de outras Baratas se as há há que se queixar delas se há o incómodo que elas causam há a necessidade de livrarse delas matandoas E o gesto consciencioso e laborioso de preparar o veneno faz o gesto transformarse em desejo de matar assassino e se há crime há culpa e o castigo na forma do eterno retorno uma batalha de baratas subirá todas as noites pelos canos e invadirá os espaços internos da casa A solução é a expiação do pecado a deetezização a higiene moderna salvadora Neste momento já fiz minhas as baratas e impossibilitada de amar objeto tão asqueroso viajo para bem longe a terra idílica de um amor sem culpas onde mulheres andam nuas a Polinésia na busca da transcendência amorosa Viagem interna livresca metafísica Leibnitz promotor do interno retorno a quinta história é a primeira mesma Volto ao ponto inicial pronta para recomeçar E para evitar a loucura ou a morte é preciso como Sherazade fazer da história o infinito Por isso a história embora única seriam mil e uma se eu me una noites mes dessem Agora a história retoma a realidade do discurso de onde nunca saiu verdadeiramente o texto instala o espaço da subjetividade é processo de significações lugar de sentidos A significação não está na palavra nem na alma do falante assim como não está na alma do interlocutor Ela pertence a uma palavra enquanto traço de união entre interlocutores isto é só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva De maneira esquemática temse Texto Autor Leitor Significação Desta forma o triângulo original é reinterpretado nos seguintes moldes Texto em produção Autor Imagem de Leitor Reparese que o texto também passa a ser virtual ele não existe está sendo feito é processo Texto em leitura Imagem Autor Imagem de Leitor Outra vez o texto é virtual só existindo enquanto impressão a leitura está sendo feita é processo João Wanderley Geraldi em comunicação pessoal chamoume a atenção para outros níveis de significação que a leitura permite a partir das relações que os vértices do triângulo interlocutivo mantêm com outros triângulos são tais expansões que permitem as múltiplas possibilidades de produção de sentido dentro de um campo aparentemente limitado Autor Leitor intermediário escola amigo família Texto Leitore Essa observação amplia enormemente a ideia de leitura como um processo em que vários sujeitos estão inseridos cada qual com sua história sua experiência suas projeções e expectativas A imagem final é a de vários triângulos articulados autores histórias leitores textos momentos padrões intertextos etc O que este esquema revela é que sim são praticamente ilimitadas as possibilidades de significação do texto especialmente no caso de textos abertos como são os literários uma vez que os emaranhados discursivos se farão sempre por caminhos insusitados Conforme Umberto Eco em sua conhecidíssima Obra Aberta Assim as possibilidades de leitura de uma obra literária se estabelecem na e com a História e com as aprendizagens de leitura de cada leitor e das comunidades de leitores O leitor se assume como sujeito da leitura e simultaneamente reconhece o outro o autor os demais leitores a cultura e seus sentidos nos sentidos que produz Aprender a ler para além da decifração necessária ao trato com a escrita é também aprender na cultura os jogos e as determinações que fazem os textos O leque do I Ching Sobre os limites de leitura e interpretação Proponhamos neste texto uma análise do I Ching o livro das mutações levando em consideração uma teoria da leitura que reconheça que a produção última do sentido passa tanto pela forma em que o texto se apresenta como pela ação intelectiva do leitor Uma teoria mais acabada da leitura implica vários aspectos que não serão considerados tais como aqueles aportados por uma teoria de língua e uma teoria do conhecimento Para nosso propósito assumimos que uma língua não é um sistema fechado apresentandose sempre em movimento e que o processo de produção de sentido passa pelo tipo de interação que locutor e interlocutor estabelecem em função do contexto e suas referências ao mundo A leitura é uma expressão desse processo com a particularidade de que para o texto escrito os momentos de produção e de recepção a fala do locutorautora e a audiência do interlocutorleitor estão espacialmente separados dando a impressão de que o texto é independente Na leitura leitor autor são personagens de um processo intersubjetivo em que por características específicas destacase a materialidade da interlucação o texto escrito diferentemente do oral tem autonomia e perenidade Essa característica permite que a cada momento um dos polos do processo fica elidido tendo reduzido o poder de controle É essa situação que oferece a ilusão de que o leitor é pleno senhor do texto e que cabe a ele e somente a ele dar sentido ao texto Mas não é assim se fosse bastaria um único texto pleno e absoluto capaz de absorver todos os sentidos e interpretações Uma interessante ímpasse se revela aqui O I Ching está organizado em três livros cada qual com duas partes No primeiro livro o texto encontramse os 64 hexagramas que compõem o universo do I Ching e que se deve consultar por meio de processos particulares ligados ao acaso como explicaremos adiante No segundo livro o material está a discussão sobre dos trigramas e o grande tratado que fundamenta a sabedoria do livro e que teria sido escrito provavelmente por Confúcio e Lao Tsé Finalmente no terceiro livro os comentários repetemse os hexagramas do primeiro livro com comentários adicionais É interessante ressaltar que o I Ching não tem autoria definida Reputase a Confúcio e Lao Tsé a autoria de certas passagens mas a tradição da obra o constante acréscimo de comentários e seu caráter oracular e sapiencial garantemlhe um nobre anonimato Será neste ambiente que se realizará a pergunta a qual também é regida por normas precisas o resultado da consulta depende da formulação da pergunta Assim põese no consulente a responsabilidade do sucesso do processo O oráculo não erra A pergunta deve ser clara não ter mais de um significado visado e não ser do tipo simnão já que o I Ching não oferece informações específicas desta natureza ou que informem datas e lugares O que vem dele são reflexões sobre a vida e sua relação com o universo ou preceitos éticos Gustavo Alberto Corrêa Pinto que assina o prefácio à edição brasileira assim explica esta questão Ao lado da intenção correta supõese a forma correta isso significa estarmos aptos a dar expressão de modo claro inequívoco sintético e preciso ao que procuramos A pergunta formulada de modo ambíguo ou vago evidencia uma visão turva e confusa do que se busca e resulta na incapacidade de se reconhecer aquilo que não se sabe ser o objeto da busca Isso não significa que desde logo o consulente saiba que sua pergunta não é boa ao contrário ela pode parecer exata conforme o que deve ser e quando não recebe resposta efetiva que o consulente saberá de sua confusão se dá dificuldade de perceber o problema Daí resulta que apenas quem tem a pergunta clara está apto a encontrar respostas adequadas e também se demonstra que nem todos podem consultar o oráculo Por que a exclusão Ocorre que o I Ching livro sagrado que é não falha e há uma falha essa tem de ser do consulente que não soube elaborar a pergunta ou mais ainda não trilhou os caminhos do autoconhecimento A resposta de fato deve já estar na mente daquele que pergunta cabendo ao I Ching fazer com que tal ocorra sua manifestação Cabe ressaltar que diferente do que se verifica em outros sistemas oraculares cujos assuntos da ordem do senso comum são pressupostos no modelo e os comentários independem da pessoa na consulta ao I Ching a pergunta mais que seu ritual é fundamental Sem ela o texto tornase vazio ou demasiado restritivo ou ainda um quase nonsense A grandiosidade tem sucesso É favorável empreender algo em assuntos menores Hexagrama 22 a frase não diz nada o sentido é vago e indefinido Feita a pergunta passa o consulente a jogar as moedinhas ou varetas método mais complexo de cuja combinação resulta a indicação de leitura de um dos 64 hexagramas e nesse momento que intervém o acaso escolhendo pela sorte qual deve ser o reflexo E a entrada o fascínio do livro que sempre responde adequadamente a pergunta corretamente formulada realizado o ritual que conduz à leitura do hexagrama chegase finalmente a ele Ali estará a resposta há que procurála Que outro convite à interpretação pode ser maior Contudo o livro não é um objeto estático Se por um lado a tradição do I Ching nos coloca como únicos responsáveis pelo significado da resposta por outro não há como deixar de notar a materialidade e a forma do livro A escrita com todo o seu peso e aqui como a força que lhe empresta o anonimato mítico as palavras falam por si está presente O texto deslocado de seu ambiente original daquele que o gerou e o mediativizou inicialmente reinsecrevese numa cultura que faz do verbo a carne e revela a palavra grafada a dito como lei E nessa cultura urbana industrial e de massa em que vejam formas alternativas de comportamento o I Ching ganha um novo contexto de leitura Que sentido terá o escândalo da sua sintaxe a leveza das imagens o jogo de antíteses oxímoros e metáforas Alguns autores atuais de leitura têm sustentado que a produção de sentidos está a cargo do leitor com base nas diretrizes e referências da cultura refaz o texto Borges explorou magistralmente essa imagem em Pierre Menard autor do Quixote Paradoxalmente o livro do I Ching parece ser o exemplo e o contraexemplo dessa ideia Na medida em que permite ser recontextualizado soprando do Oriente a aura mística as imagens sugestivas os ritos e perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas e na medida em que o papel da interpretação está mais na subjetividade do consulente a possibilidade de a resposta certa encaixarse é grande Tomese como contraponto a leitura de uma notícia cujo campo semântico e sistema de referência históricosocial são muito mais restritivos Noutro nível estão os jogos de figuração semânticas e sintáticas que integram o texto Composto basicamente de alegorias metáforas e metonímias proposicionalmente se pode dizer pois que os comentários interpretam as figuras com novas figuras seu discurso ambíguo e sustentado em expressões genéricas remete o leitor para uma realidade muito apartada daquela que vive imediatamente pedindolhe que faça o papel de intérprete Poderseia argumentar que as metáforas teriam outros sentidos na milenar cultura oriental mas mesmo que isso servisse de argumento a favor da ideia de que é o leitor socializado em seus valores que dá sentido ao texto isso também evidencia que é a organização textual deliberadamente indefinida que abre possibilidades de leituras genéricas sem lugar e sem tempo Cabe atentar para dois aspectos que embora não essenciais são muito significativos a remetendo para lugares e relações remotas o texto adaptase bem ao espírito nostálgico e fantasista do leitor urbano tomemse de exemplo as imagens recorrentes de montanha água vento lago quietude repouso b algumas imagens podem ser lidas mais ou menos literal ou figurativamente dependendo da pergunta que se faz pai mãe homem superior líder podem ser aquilo que imediatamente referem ou a representação de um papel social ou psicológico Não tema A partida rumo ao sul traz boa fortuna Hexagrama 46 julgamento Dificuldade sucesso perseverança fortuna ascensão Todos esses termos são expressões vagas que podem ser preenchi dos de acordo com a disposição anímica do leitor Uma compreensão bastante difundida deste hexagrama entre leitores do I Ching sugere que ele está advertindo as pessoas que brincam com o livro ou de sacramentado dele ou ainda insistem em fazer perguntas mal formuladas neste caso o que se diz na segunda parte deve ser tomado literalmente sendo a primeira um exemplo disto 18 KU TRABALHO SOBRE O QUE SE DETERIOROU Acima KÊN A QUIETUDE MONTANHA Abaixo SUN A SUAVIDADE VENTO JULGAMENTO TRABALHO SOBRE O QUE SE DETERIOROU tem sublime sucesso É favorável atravessar a grande água Antes do ponto de partida três dias depois do ponto de partida três dias trabalhar sobre o que se deteriorou pode ter dois sentidos absolutamente antagônicos a recuperação ou o abandono do deteriorado isto é podese investir na reconstrução do que se deteriorou ou sobre suas ruínas construir algo novo Essa dupla perspectiva é reforçada pela igualmente duplicada possibilidade de interpretação da segunda frase do julgamento é favorável atravessar a grande água Podese bem entender por atravessar a realização de movimento de abandono do deteriorado de superação de criação de novas situações e podese pelo contrário entender que se trata de fazer o enfrentamento necessário das dificuldades para superálas e recuperar o que se deteriorou Assim aquele que quer abandonar seu casamento encontra tanta motivação para fazer isso como aquele que quer mantêlo apesar das dificuldades o jovem revolucionário pode ver aí tanto o estímulo para a grande marcha como a sugestão para a redefinição de rumo de vida e o enfrentamento das dificuldades que advirão com o abandono da causa o trabalhador encontra condições de permanecer no emprego ou de sair dele para buscar algo melhor o doente verá o fim de uma etapa ou se consolará com a metamorfose na vida Tomemos agora um trecho que apresenta as características descritas na seção anterior O homem não deve recuar amedrontado diante do trabalho e do perigo simbolizados pela travessia da grande água e sim é a manifestação complexa de uma filosofia e de uma sabedoria milenar Quisemos isto sim inquirindo sobre os processos de leitura que se fazem com ele e por ele identificar estratégias discursivotextuais de forma a dar ao texto uma forma aberta E há que observar que mesmo num caso como este prevalece a advertência de Umberto Eco de que abertura não significa absolutamente indefinição da comunicação infinitas possibilidades da forma liberdade da fruição e mais que as obras literárias convidam à liberdade de interpretação porque propõem um discurso com muitos planos de leitura defrontandonos com a ambiguidade da linguagem e da vida Para intervir nesse jogo em que cada geração lê as obras literárias de um modo diferente é preciso ter profundo respeito por aquilo que chamo a intenção do texto Um terceiro subentendido no discurso de formação de leitor o de maior apelo e ao mesmo tempo o mais complicado de todos é a sugestão de que ser leitor é sempre e necessariamente algo positivo caso contrário não se justificaria o enorme esforço que se tem empreendido no incentivo de tal comportamento Ideias como essas têm servido de fundamento e estimulado a programas de incentivo à leitura e justificado as mais variadas campanhas de promoção da leitura elas são motivo de livros e de preocupação pedagógica e desafortunadamente resultam de e em um aparente e perigoso consenso Por isso contrariando o consenso trato neste texto de pôr em questão algumas dessas crenças subjacentes ao debate político e pedagógico em torno da leitura fazendo uma clínica negativa do que se tem entendido por promoção de leitura por meio disto que chamei de Máximas impermantes A LEITURA NÃO É BOA NEM MÁ LEITURA É LEITURA Que coisa é essa de ser leitor Tratase de uma categoria em que se inclui determinado tipo de pessoa assim como ocorre com consumidor dono motorista passageiro espectador usuário assinante pedestre assegurado cliente eleitor Tais atributos são por assim dizer alguns dos muitos modos de ser que se incorporam à condição de cada necessidades de cada um Não há nenhum valor ético ou moral necessariamente associado ao exercício da leitura ela se presta a muitas finalidades e é realizada por pessoas de todas as índoles de qualquer ideologia E assim como não faz sentido dizer que alguém por ser cliente leitor usuário ou assegurado tornase melhor ou pior mais ou menos crítico também não faz sentido afirmar que uma pessoa tornase melhor ou pior mais ou menos crítica por ser mais ou menos leitora ou ser leitora disto ou daquilo A LEITURA NÃO SALVA NEM CONDENA A LEITURA É O leitor porque leitor destacase da vida medíocre e se eleva à condição de um ser valioso que sabe de si e do mundo que viaja e conhece lugares imagináveis palavras extraordinárias A leitura é o alimento do espírito instiga a fantasia provoca a curiosidade aguça o raciocínio Esta representação apenas aparentemente exagerada brota do discurso redentor salvífico que vincula a leitura a um processo civilizatório tornando o leitor uma pessoa boa solidária respeitosa de si e dos outros criativa Crianças de rua se leitores serão melhores um método socializador pessoas hospitalizadas experimentando leitura sofrerão menos um lenitivo pessoas com sofrimento psíquico se organizam mentalmente pela leitura uma terapêutica jovens inseguros e arredios se descobrem uma pedagogia tímidos se relacionam com mais desenvoltura um disparador O leitor porque leitor destacase da vida medíocre e se eleva à condição de um ser valioso que sabe de si e do mundo que viaja e conhece lugares imagináveis palavras extraordinárias A leitura é o alimento do espírito instiga a fantasia provoca a curiosidade aguça o raciocínio Esta representação apenas aparentemente exagerada brota do discurso redentor salvífico que vincula a leitura a um processo civilizatório tornando o leitor uma pessoa boa solidária respeitosa de si e dos outros criativa Crianças de rua se leitores serão melhores um método socializador pessoas hospitalizadas experimentando leitura sofrerão menos um lenitivo pessoas com sofrimento psíquico se organizam mentalmente pela leitura uma terapêutica jovens inseguros e arredios se descobrem uma pedagogia tímidos se relacionam com mais desenvoltura um disparador Sim é possível que uma experiência estética intensa pela força da arte desencadeie processos psíquicos variados inclusive de bemestar e organização Sim é possível que o texto funcione como mediador de relações e contribua para que um pedagogo se aproxime de crianças difíceis Sim é possível que um jovem se descubra lendo uma história desafiadora provocadora de emoções difíceis de dizer e se supere de muitas formas A leitura é o alimento do espírito instiga a fantasia provoca a curiosidade aguça o raciocínio Esta representação apenas aparentemente exagerada brota do discurso redentor salvífico que vincula a leitura a um processo civilizatório tornando o leitor uma pessoa boa solidária respeitosa de si e dos outros criativa Crianças de rua se leitores serão melhores um método socializador pessoas hospitalizadas experimentando leitura sofrerão menos um lenitivo pessoas com sofrimento psíquico se organizam mentalmente pela leitura uma terapêutica jovens inseguros e arredios se descobrem uma pedagogia tímidos se relacionam com mais desenvoltura um disparador A leitura é o prazer que se pode sentir e provocar O interesse que nada disso é exatamente falso Sim é possível que uma experiência estética intensa pela força da arte desencadeie processos psíquicos variados inclusive de bemestar e organização escalar a montanha como sofreu para prepararse física e intelectualmente para a tarefa Ler é difícil Ler coisas interessantes e que transcendem o prosaico cotidiano é mais difícil Ler arte e percebêla é mais difícil E é isso que faz da leitura um gesto encantador TODA ESCOLHA É SÓ UMA ESCOLHA POSSÍVEL NENHUM LEITOR É LIVRE Um dos pilares da pedagogia moderna está na assumpção do protagonismo do sujeito no processo de aprendizagem Mais que ensinar as pessoas aprendem assumese atualmente Esta tese cara à educação contemporânea tem como correlato corrompido a ideia de que não se ensina e que basta deixar o aprendiz livre num ambiente de aprendizagem que ele se desenvolverá naturalmente Este erro nasce da concepção liberal de sujeito que supõe a iminência da personalidade e naturalidade de capacidade e tendências intelectuais e psicológicas Contudo nenhuma pessoa nasce feita nem o que é humano está previsto em sua biologia A humanidade é um produto da história e não da natureza e assim também cada indivíduo em sua singularidade é fruto da complexa relação que se estabelece entre ele e o mundo entre ele e os outros mais próximos desde a mais terna infância o livro aberto o velho com a criança no colo e o livro aberto na mão o intelectual diante de enormes fileiras de livros sisudos São imagens recorrentes em iconografias de leitura Imagens de algo que reconforta diverte instrui instiga a imaginação Imagens que reproduzem um modo de ler apropriado É interessante perceber objetos que combinam com ler se criança almofada se mulher sofá se homem óculos e caneta Interessantemente ao lado desse clichê de leitor bemcomportado reside seu antipoda a imagem do maravilhoso maldito o escritor que deixa morrer a amada mas salva seu manuscrito do naufrágio que passa a noite em claro debruçado sobre sua obra sacrificando a saúde que experimenta radicalmente a vida e morre ainda jovem de cirrose hepática ou de overdose que se suicida num quarto sórdido de Paris As duas imagens se sobrepõem para construir o mito da superioridade do leitor de um lado o gênio indomável do artista do outro a fruição pacífica e bemcomportada do pequeno burguês PODER LER É UM DIREITO LER É EXERCÊLO Aqui reside a questão central A escrita e a leitura sempre foram e continuam sendo instrumentos de poder e nesse sentido sempre estiveram e continuam estando articuladas aos processos sociais de produção do conhecimento e de apropriação dos bens econômicos éticos morais ou sociais para pôr em questão certas diversões macabras Divertirse é muito bom e não tem por que suprimir a leitura não seja um bom divertimento Mas enquanto divertimento ela não é diferente de qualquer outra forma de entretenimento prazer por prazer tanto faz ler ou ver Ela não forma ou transforma ninguém não produz nenhuma mudança na sociedade nem conduz a outros hábitos De qualquer modo não se pode esquecer que na sociedade industrial moderna a indústria do entretenimento é uma das maiores do mundo movimentando somas fantásticas de dinheiro Nesse sentido o livro ou revista é uma mercadoria como outra qualquer como um brinquedo um doce ou uma peça de vestuário e cabe aos empresários do setor promover seus produtos LER NÃO É FÁCIL NEM CHATO LER É DIFÍCIL Dizem que ler é chato E paradoxalmente dizem que é gostoso Como é isso O jovem dizem não gosta de ler porque o obrigam a isso e mais obrigamno a ler o que não quer que não tem interesse uma literatura antiga cansativa descritiva com um vocabulário raro uma sintaxe não falam da sintaxe mas podiam dizer retórica uns assuntos tediosos Machado de Assis Camões Alencar Eça de Queirós Graciliano Lima Barreto para citar apenas alguns maus exemplos da literatura Sem direito à escolha e sem interesse pelo que se lhe apresenta o jovem insistem não se faz leitor Daí que para que as pessoas se tornem leitoras é preciso oferecerlhes textos de seu interesse escritos numa linguagem que agrade e atraia ora faça com que a pessoa entenda logo o assunto e queira continuar lendo gostando de ler Há aí uma perversa lógica circular eu gosto porque sei eu sei por que gosto de empobrecimento intelectual e estético travestida de uma pedagogia do gostoso O que uma pessoa sabe resulta das experiências sociais e afetivas que vivenciou é também assim como o que gosta e como o que sente e como o que interessa Nenhuma dessas propriedades do humano interesse curiosidade gosto conhecimento é inata ou imanente nenhuma nasce com a pessoa nem lhe é transmitida por genética Aprender a gostar de ler como estudar esculpir analisar de indagar é um processo dinâmico intenso e muito difícil Exige determinação esforço perseverança disciplina Haverá satisfação prazer em função da percepção do domínio da coisa da sensação de realização e do reconhecimento E por mais que seja autoajuda vejome tentado a dizer que isso é o mesmo que acontece com o prazer do alpinista no topo do mundo antes disso ele sofreu para
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Ao revés do avesso Leitura e formação Luiz Percival Leme Britto AO REVÉS DO AVESSO LEITURA E FORMAÇÃO edição brasileira Editora Pulo do Gato 2015 Luiz Percival Leme Britto coordenação pulo do gato Márcia Leite e Leonardo Chianca direção editorial Márcia Leite revisão Claudia Maietta projeto gráfico Mayumi Okuyama diagramação Miguel Estêvão impressão PifferPrint A edição deste livro respeitou o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa CIDBrasil Catalogação na publicação B878a Brito Luiz Percival Leme Ao revés do avesso Leitura e formação Luiz Percival Leme Britto 1 ed São Paulo Pulo do Gato 2015 144 p 17 cm Inclui bibliografia e índice ISBN 9788564974876 1 Livros e leitura 2 Leitura Estudo e ensino 3 Leitores Reação crítica 4 Cidadania I Título 1528075 cdd 80195 cdu 8209 índices para catálogo sistemático 1 Livros e leitura 028 2 Literatura na formação de leitores 809 1ª edição 2ª impressão janeiro 2020 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Pulo do Gato Rua General Jardim 482 conj 22 cep 01223010 São Paulo SP Brasil tel 55 11 3214 0228 wwweditorapulodogatocombr gatoletadoeditorapulodogatocombr Num dos capítulos finais de É isto um hommem romance memorialístico em que o escritor italiano Primo Levi conta sobre sua experiência em Auschwitz o narrador questiona a legitimidade e a potência da língua para dizer da vida na exceção Assim como nossa fome não é apenas a sensação de quem deixou de almoçar nossa maneira de termos frio mereceria uma denominação específica Dizemos fome dizemos cansaço medo e dor dizemos inverno mas tratase de outras coisas Aquelas são palavras livres criadas usadas por homens livres que viviam entre alegrias e tristezas em suas casas A fome o cansaço o medo e a dor que nós leitores comuns alcançamos referemse à primeira vista à sensação de quem ainda não comeu trabalhou muito sentiuse inseguro diante de uma situação incomum ou foi machucado física ou psicologicamente Para o que se passou nos campos de concentração essas palavras parecem insuficientes ao escritor Muito se tem falado e escrito sobre leitura e formação de leitores no Brasil nas últimas décadas Entre ações governamentais e iniciativas da sociedade civil organizada ou não são incontáveis os projetos para a promoção da leitura Os discursos sobre a importância de ler especialmente livros de literatura assemelhamse a mantras e gritos de guerra repetidos exaustiva e impensadamente em repartições públicas instituições privadas jornais revistas e mais recentemente nas redes sociais Como as palavras listadas por Primo Levi incapazes de dizer algo sequer próximo da realidade de um campo de concentração tantos programas e discursos têm se mostrado ainda insuficientes num país como o Brasil apesar de algumas conquistas De braços dados com a desconfiança em pesquisas que insistem em mostrar algo distinto do que vejo no dia a dia eu me pergunto por que nossa situação é tão precária Essa inquietação me acompanha há alguns anos e ainda não consegui encontrar um reposta teórica que seja eu me alegro por encontrar interlocutores como partilhar as angústias as frustrações os sonhos e os pequenos caminhos que nos ajudam a resistir ao anúncio de um sombrio fim da história O professor Luiz Percival que me chegou pelo querido e saudoso amigo Bartolomeu Campos de Queirós está entre essas pessoas Se analisados em seu conjunto os textos que fazem este livro escritos em diferentes momentos ao longo de quase duas décadas podem ser considerados um resumo do pensamento do autor Lidos individualmente eles validam e reiteram teorias que se refutaram em alguma medida mas que ainda hoje confirmam seu vigor e lucidez São muitas as provocações e contribuições que o professor Percival como é chamado pelos alunos e amigos faz aos professores bibliotecários e pesquisadores desses tema Sem acatar os discursos prontos e incessantes sobre a leitura e sua pedagógica problematiza questiona e critica a visão de mundo que faz do ato de ler uma mercadoria Mas educador que é escuta discute revê posições e com rigor e generosidade reconhece as contradições que por serem inerentes aos seres humanos estão também e especialmente em suas ideias Este livro assim como a coleção da qual faz parte é um presente para os educadores brasileiros Seus textos são um convite para pensar a leitura a literatura o leitor a escola e a biblioteca para além do senso comum Eles têm no horizonte a formação de um leitor marcado por sua subjetividade mas não desclocado de suas condições objetivas que mais que ler compreenda o que significa participar da cultura escrita Dito de outra maneira o leitor postulado por Luiz Percival é o sujeito que como base no conhecimento e nas narrativas construídas e registradas pela letra ao longo do tempo e do espaço conheça e compreenda a história e o seu próprio tempo com suas disputas e conflitos e especialmente que se rebela contra a naturalização das desigualdades sociais Isso implica numa radical alteração das estruturas sociais vigentes Um projeto para a formação de leitores nessa perspectiva exige a reordenação de toda a política educacional no país desde seu financiamento até e principalmente sua sustentação conceitual e filosófica Rejeitando o senso comum e os discursos festivos e alienados em torno da leitura e seus solitários poderes o autor abre espaço para o dissenso para que na lembrança da morte e num olhar menos ingênuo para as estruturas do cotidiano possamos voltar a ele menos frágeis e submissos Porque leitor sem adjetivos Percival desobriga a leitura de salvar o mundo como esperam e propagandeiam consciente ou inconscientemente muitos No entanto acredita a ela especialmente à literária a potência de encontrar palavras e narrativas para nomear dizer e elaborar o passado o presente e a promessa do futuro para que nada nem mesmo o pior dos horrores ou a maior das solidões o que ainda não tem nome como no relato de Primo Levi possa escapar à história Para o bem e para o mal pelo avesso pelo direito e por um terceiro lado deverá da fantasia individual e coletiva dos seres humanos O malestar na leitura Um dia desses conversava com uma jovem senhora sobre a vida moderna e as formas de ser na cultura Diziame ela quando observei que a literatura tratava não do simples e divertido mas sim do difícil de viver que eu me preocupava demais com as coisas e ficava inventando o que não existe e sofria por nada Viver é fácil basta não complicar com elaboradas desproporcionalidades E completou você parece que gosta de sofrer Essa interpelação me põe verdadeiramente em xeque Desconcentrame Quem me dizia isso é uma pessoa de vida intensa espírito curioso informada das coisas do mundo leitora do que quer aqui e ali de literatura enfim uma pessoa que se sabe e sabe e pode ser nos tempos atuais Será possível que alguém assim não sofra Não creio Em O malestar na civilização Freud postula que o sofrimento teria três fontes básicas o próprio corpo condenado ao declínio e à dissolução o mundo externo com suas forças poderosíssimas e a relação mesma com as demais pessoas esta quiçá a mais dolorosa Em seguida enumera métodos pelos quais os homens se esforçam em obter a felicidade e manter a distância o sofrer Argumenta observa que extraordinários progressos que alcançou a humanidade nas ciências naturais e em sua aplicação técnica não elevaram o nível de satisfação prazerosa que se esperam da vida não as fizeram se sentir mais felizes Não pretendo nem saberia se quisesse avançar uma análise psicanalítica da ordem cultural Interessame destacar para além da ideia das causas da infelicidade dois aspectos da proposta de Freud necessários para entender a mentira da jovem senhora O primeiro é que o progresso social e o estabelecimento de condições de vida mais aprazíveis para aqueles que alcançam isso num mundo de iniquidades extremas pode oferecer conforto e bemestar mas não traz felicidade nem resolve o drama de existir que supõe definir e morrer e o segundo é que a sociedade e nela as pessoas continuamente realiza tentativas de driblar a ansiedade consequente da ameaça do sofrimento e do sofrimento objetivo Creio que a afirmação de uma vida limpa e de superficíe sustentada por um certo pragmatismo existencial fundado por um princípio de fazer e de prazeres práticos em que predominam a adequação ao real aparente a diversão e o entretenimento ligeiros a convivência fácil e descomprometida o trabalho apenas o necessário para a sustentação desse modo de vida é uma classes formas de tentar enganar a morte Tratase sem dúvida de uma estratégia que independentemente de motivação psíquica ajustase perfeitamente à ordem produtiva e ideológica contemporânea de fato nasce dela A expressão como eu sempre digo é em si mesma a repetição do como sempre se diz as opiniões pessoais multiplicadas nas redes sociais e nos posts na web como originais e únicas apenas repercutem as mesmas culturais impregnadas na cotidianidade A indústria cultural tornase a régua absoluta de participação cultural e política Tresdizia o jagunço Riobaldo em sua narrativaconfissão que viver é perigoso por demais Em suas diferentes formas de ver o vasto mundo do sertão tratava de asuntar explicação do inexplicável que é isso de viver impreciso inexato atrapalhado Que é esse descuidado prosseguido E pôe Viver é muito perigoso Querer o bem com demais força de incerto jeito pode já estar sendo se querendo o mal por principiá A vida é difícil explicar se há o quê também para quem da cidade O bem acomodado pequeno burguês Antoine Roquentin em sua angústia imprecisa nauseante diante da presença das coisas do ser e do nada escreve em seu diário que todo ente nasce sem razão se prolonga por fraqueza e morre por acaso as coisas são simplesmente elas não desejavam existir só não podiam evitálo E se a vida é assim ruim de entender tampouco é de se compreender a inexata e incerta morte de cada um Narra a crônica que Quincas Berro Dágua o antes bem ajustado funcionário público e zeloso pai de família Joaquim Soares da Cunha na hora de morrer a morte sua deixouse levar pela imensidão das águas e dizendo a quem ouvisse Maria Quitéria seu amor largo sua frase derreadiera cada qual cuide de seu enterro o impossível não há Confirma Jorge Amado cronista da história de Quincas que essa foi a morte que ele desejou e quis a outra a morte bemcomportada de enterro em Campo Santo com acompanhamento de familiares e colegas de repartição ele a abandonou em mãos da filha e do irmão por mesquinha e indigna Outro diapasão Bartolomeu Campos de Queirós põe um velho ele mesmo em conversa miúda com um menino ele mesmo em suas reminiscências a vasculhar e tentar compreender desde as duas perspectivas a do começo e a do fim da vida o semsentido do tempo Ele está sempre acordado viajando e vigiando tudo Sabemos que ele existe porque modifica todas as coisas O tempo troca a roupa do mundo Ele muda a história desvia águas come estrelas mastiga reinos amadurece frutos apodrece sementes Nada fica fora do tempo Moramos dentro dele e impedidos de abraçálo O tempo foge para não ser amado Quem ama fica O tempo foge O acontecer que não dói a lida diária esquecida de si a vida cativante corpo vaso de prazeres a gente ansia por ela desesperadamente Mas não tem não há como O problema não é simplesmente viver o problema é saberse vivo e saber o tempo todo que algo nos rouba a vida e o corpo em que ela se faz O problema é saber a morte imperturbável e não saber para que ou por que a vida tem de ser como é Assim terminam as angustiadas Especulações em tomo da palavra homem de Carlos Drummond de Andrade Para que serve o homem para estampar flores para ter contos Para servir o homem Para criar Deus Sabe Deus do homem E sabe o demônio Como que o homem ser destino fonte Que milagre é o homem Que sonho que sombra Mas existe o homem Os inevitáveis atritos a harmonia termina quando a ordem divina intumescida se faz totalidade demaisada e se encrenca com a licenciosidade estética ou com a força da razão confrontandoas e desejando sufocálas a palavra é total e emudece o espírito ressalta as dores em lugares tão recônditos que elas parecem já não ser a moral que emana da fé já não condiz nem com o desejo da arte nem com a sinceridade da filosofia A arte e fé porque admitem ser sem que se explique como são ou por que são como são se indispoêm com a coerência estrita da indagação metafísica sempre insatisfeita com o dizer que não indaga como ele se fez e fé e filosofia se afastam da arte quando recusam aceitar o ilimitado a propensão à criação e a invenção de vidas inexistentes e inexistíveis A ordem econômica e segundo seu modelo em grande parte também a organização econômica continuam obrigando a maioria das pessoas a depender de situações dadas em relação às quais são impotentes bem como a se manter numa situação de nãoemancipação Se as pessoas querem viver nada resta senão se adaptar à situação existente se conformar precisam abrir mão daquela subjetividade autônoma que remete à medida em que abdicam seu próprio eu Desvendar os teias do deslumbramento implicaria um doloroso esforço de conhecimento que é travado pela própria situação da vida não destacando a cultura cultural intimista como totalidade Mas isso é e não é Não pode ser mesmo sendo em plena aparência e em poder construído A dor recalçada no cárcere mais recôndito da alma insubordinse e agride o silêncio A memória da morte teima em mostrarse O incômodo E a criança morta na mesma praia em que um dia remoto aportou Ulisses para além da denúncia da segregração compunge aturde convoca as musas abre as portas do Hades e reinstaura a pergunta que coisa é homem A liberdade a autonomia a crítica e a criatividade na formação do leitor Proponhome neste texto avançar a análise de quatro desses atributos que frequentemente acompanham de maneira mais ou menos clara os modelos e as representações de leitor ideal e que subjazem aos programas de formação e promoção de leitura liberdade autonomia crítica criatividade aprofundamentos e sistematizações do conhecimento e tem de ser o lugar do pensamento despedido descontextualizado livre das determinações e demandas imediatas da vida começa o lugar enfim em que a pessoa reconhecendose no mundo e olhando para o que cerca imagine o que está para além do aqui e do agora Assim além das leituras que em função das formas de participação das pessoas nas diversas esferas de sociabilidade imediata se fazem e aprendem na vida prática há formas de ler mais densas articuladas com o que chamamos de pensamento especulativo isto é aquele que trata na explicação feliz de Antônio Houaiss indagar sobre as coisas o mundo a vida buscando Ao contrário disso como sustenta Saviani a educação escolar verdadeiramente popular emancipadora formativa terâ como eixo conteúdos e métodos que estimularão a atividade e a iniciativa dos alunos em abrir mão porém da iniciativa do professor favorecendo o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura historicamente acumulada levarão em conta os interesses dos alunos os ritmos de aprendizagem mas sem perder de vista a sistematização dos conhecimentos sua ordenação e graduação para efeitos do processo de transmissãoassimilaçâo dos conteúdos cognitivos A negativa aos modelos liberais centrados em concepções relativistas do conhecimento não implica a adoção de parâmetros tradicionais de ensino os quais devem igualmente ser alvo de crítica e reconsideração em especial no que tangem a superação científica e aos valores ideológicos que comportam Mas assumir tais limitações e equívocos dos modelos tradicionais não significa a adoção de uma perspectiva que negando o conhecimento valorize o ajuste do aluno ao atual sistema produtivo em que imperam a exploração o egoísmo e a competição Uma educação que corresponda às necessidades isto é para fazer a análise objetiva de um problema escapando a esquemas predeterminados dogmas preconceitos etc a pessoa necessita de um quadro teóricoconceitual e um conjunto de princípios bem estabelecidos Caso contrário a crítica se confunde com predileções e interesses não contribuindo nem para o desenvolvimento do sujeito nem para a expansão do conhecimento E evidente que a crítica pura e totalmente objetiva é uma miragem o lugar que ocupamos na história e na sociedade sempre implicará a subjetividade inerente ao ponto de vista e também é evidente que não há um momento apropriado e perfeito para que alguém se possa dizer estou pronto para a crítica nós fazemos críticas à medida que na interação com pessoas e outras ideias aprendemos e realizamos a crítica Larrosa observa que esses gestos constituintes da experiência nos tempos que correm geralmente estão sendo estimulados por nós mesmos É evidente que momentos de experiência coisas situações e serões que podem ser mais ou menos abordados e trazidos para afirmação da liberdade e da autonomia nos fogem mas é preciso um desejo de interrupção O desafio maior na formação do leitor está exatamente em produzir um ambiente e um movimento em que confrontandose com objetos estranhos ou estranhando os objetos conhecidos possamos progressivamente ampliar a crítica a liberdade e a criatividade em nossas ações e escolhas A cada momento há uma dimensão possível de liberdade crítica e criatividade que na interlocução ativa em que cada uma se apresenta como é e propõe o que ser se expande e permitem novos movimentos Fazer escolhas agora é muito mais difícil e muito mais necessário Theodor Adorno com notável amargura e desencanto termina seu ensaio sobre a semiformação sustentando que a única possibilidade de sobreviver àquilo que resta a cultura é a autorreflexão crítica sobre a semiformação em que necessariamente se convert eu Uma educação que assuma o desejo de formar não pode prenderse nem dos determinismos pragmáticos que conformam a vida até limitando as possibilidades da experiência nem se pautar numa vaga ideia de que nascemos prontos Essa educação tem de ter atitude fazendose propositiva sem ser autoridade reconhecendo em cada participante suas potencialidades e limitações As razões do direito à literatura Para que serve a literatura Para nada E para tudo A literatura não presta para nada A poesia o romance o conto a crônica as narrativas fantásticas e de cotidiano as histórias e fatos que não aconteceram e que podiam ou podem acontecer a literatura não forma nem conforma os espíritos não salva nem consola não ensina nem estimula Enfim não se presta muito para coisas práticas e aplicadas Não produz realidades mensuráveis e negociáveis A literatura presta para tudo O texto literário é um convite a uma ação desinteressada gratuita uma ação que não espera que dela resulte lucro ou benefício E simples porse em movimento para sentirse em função de um tempo suspenso na história em um tempo em que a pessoa se faz somar para si ser um tempo de indagação e contemplação de êxtase e sofrimento de amor e angústia de alívio e esperança caso tudo o que uma só vez e para sempre Nela a gente se forma e se conforma perdese e salvase se consola e se estimula aprende e ensina a viver em realidades incomensuráveis ainda que realmente intangíveis Terá havido um momento da história em que os seres humanos puderam dedicarse a elucubrações desinteressadas Tinham de despender quase todas as suas energias na produção da vida material na garantia da sobrevivência Era um tempo em que a busca de conhecer o mundo estaria diretamente relacionada à urgência da sobrevivência Os homens e as mulheres precisavam agir sobre o meio dominálo no limite de suas capacidades e criar espaços e modos para produzir sua existência Haveria sobre todo raciocínio uma absoluta determinação pragmática Uma vez garantidas as condições de sobrevivência e dominado o território o conhecimento pode se desprender do imediato ganhando caráter especulativo indagando os fundamentos da existência Por que as coisas são como são e também um viés contemplativo As coisas Que tristes são as coisas considerandose em ênfase Nesse sentido seu espírito pode se desprender das necessidades imediatas e especular sobre si e sobre os outros imaginar outras vidas confrontar destinos a uma forte introversão a um descontentamento com o mundo tal como ele é a um esquecerse das horas e dos dias fixando o olhar sobre a imobilidade das palavras mudas Essa é a fantasia de que falava de forma tão intensa Bartolomeu Campos de Queirós a fantasia de poder mentir e mentirse e cortar tardes e mundos fantásticos e sofrer a dor e a alegria de ser outra sempre sendo o mesmo Leitores de quê Leitores para quê da vida social econômica política e cultural ao invés de se tomar um modelo abstrato e idealizado de leitor como sujeito culto e curioso de cultura a Ainda segundo o indicador 73 da população adulta brasileira encontramse neste nível ou acima dele os 27 restantes são analfabetos plenos ou tais argumentos fazer a apologia da sociedade capitalista e da cultura brasileiras nem defender a educação aligeirada para o ajustamento ao mercad fundamentalistas as quais são dinâmicas e se comunicam de muitas e diferentes formas 1 a esfera da quotidianidade a qual corresponde às práticas da vida diária o pensamento de senso comum e as formas gerais de ser e consumir 2 a esfera da aplicabilidade técnica a que se vinculam por exemplo os protocolos de produção e comportamento a tecnologia e as leis de convivência social 3 a esfera do pensamento especulativo ao qual se associam a ciência a alta cultura a filosofia o universo legislativo etc O saber cotidiano próprio da esfera da quotidianidade resulta de se sustentar por saberes práticos adquiridos assistematicamente nas relações imediatas ele depende do automatismo é refletido e contextualizado apoiandose em crenças hábitos e valores constituídos Isto não significa que nesta esfera não se imponha a necessidade do alfabeto e da educação escolar De fato o cotidiano contemporâneo não se sustenta apenas em aprendizagens diretas pressupondo também o senso comum complexo produzido em outras esferas e que se realiza numa relação verticalizada Desta forma é um saber transmitido e adquirido por relações assimétricas formais ou semiformais escola agremiação religiosa atenção à saúde emprego polícia etc Assim ele estipula os formatos de participação de produçãoconsumo e de divulgaçãoafirmação dos valores hegemônicos O senso comum complexo orienta as formas de comportamento e de avaliação da vida em sociedade Observando os textos e gêneros comuns a cada esfera observase que os textos da esfera do cotidiano são fortemente contextualizados têm formação e linguagem que buscam permitir a apreensão imediata do conteúdo léxico e sintaxe próximas do falar cotidiano estão referenciados em conhecimentos partilhados e se organizam em gêneros próprios da vida comum cartas receitas bilhetes narrativas notícias simples de assuntos conhecidos No que tange aos textos da esfera da aplicabilidade técnica esses são mais frequentemente assertivos definitivos e objetivos com caráter instrumental e aplicado referenciados na atividade com que se relacionam têm a presença constante de jargão da área correspondente o que para além da precisão informativa cria valor e identidade e se oferecem em gêneros instrucionais e expositivos Finalmente os textos próprios da esfera do pensamento especulativo circulam em gêneros específicos distantes da vida comum tratado tese ensaio editorial romance têm a autoreferência e a descontextualização com sintaxe e léxico apartados das formas de falar cotidianas traçando às vezes um corte conceitual e epistêmologico preciso Contemplando as produções que se realizam nas ciências na literatura na filosofia produções intelectuais humanas mais organizadas e circulando em espaços específicos esses textos demandam aprendizado intencional tenso e sistemático Mas é preciso cuidar para não se submeter ao queixume ingênuo de que a gente não lê na verdade a leitura numa dimensão fundamental da vida está interditada para a grande maioria das pessoas E não será nenhum verbo milagroso que mudará essa realidade não é por uma falta genérica de interesse ou de gosto que a gente não lê é por condição E tampouco se mudará a realidade com a propaganda da leitura gostosa e agradável Ler na direção sugerida neste texto pode ser algo muito exigente difícil e incômodo em todos os sentidos que a palavra pode adquirir O prazer de ler deve vir do desenvolvimento da consciência e da capacidade de estudar de pensar o mundo sistematicamente de fantasiar e fabular sem simplesmente consumir a fantasia industrial Por fim me repito nessa perspectiva a leitura e seu ensino enquanto forma de ser e estar na história de indagar e de querer fazêla deve ser compreendida como posicionamento político diante do mundo E a ignorância do caráter político do ato de ler como acontece em tantas bemintencionadas ações de promoção de leitura e de estudo sobre o que é ler não anula esse componente político porque esse espaço de estudo mas conduz a mitificação da leitura e ao pragmatismo pedagógico Somente reconhecendo a historicidade do conhecimento e da leitura é que avançaremos uma política de formação que afastandose do pragmatismo produtivista quanto se iniciaram os movimentos próleitura Naquele momento em que a sociedade vivia sob o poder da ditadura militar lutavase pela liberdade de expressão e a propaganda da leitura qualquer que fosse revestese de valor político de contestação ímpar e de contrainformação O que estava em questão era o combate à censura a defesa da liberdade e portanto no que tange à leitura direito de ler sem censura assim como no que diz respeito à educação a palavra de ordem era poder aprender e pensar sem limites Com a conquista da democracia política mesmo que em marcos institucionais precários e nos limites da ordem burguesa e o restabelecimento da sociedade de direito por um lado e a multiplicação de produtos impressos e o desenvolvimento das pesquisas na área da leitura por outro colocamse novos temas para aqueles que desejam uma sociedade solidária e justa a tarefa que temos agora além da insistência no valor da leitura está na democratização do acesso aos bens culturais que se expressam pela leitura E isso exige a formação de um leitor capaz de encontrando a autoria do texto que se dá a ler evitar as armadilhas ideológicas nele contidas e posicionarse criticamente diante de outro tomando a palavra e tornandoa sua produzindo sua contrapalavra Para que servem programas e campanhas de promoção da leitura Programas de promoção da leitura existem porque se crê que as pessoas leem pouco e que ler é um comportamento que vale a pena ser estimulado Não pretendo aqui discutir tais pressupostos ainda que valha a advertência de que são demasiadamente genéricos e imprecisos Objetivamente pouco se sabe o que e como se lê em sociedades complexas e nunca se explicitam os valores subjacentes à ideia de ler é bom exclusivamente e discriminador da sociedade capitalista remete a uma visão de sociedade em que o sucesso ou o insucesso são sempre creditados aos sujeitos particulares Como a leitura se faz em função da manipulação de sistemas específicos de referência e de interpretação sistemas constituídos histórica e socialmente é razoável supor que em certa dimensão ela vem sendo cuja propriedade dos segmentos sociais que dispõem de condições socioeconômicas privilegiadas Neste sentido o sujeito que tenha por meio de sua condição econômica acesso aos bens de cultura socialmente valorizados pode ser leitor mesmo que não tenha o hábito de ler Com isso não negamos a importância do domínio das formas de expressão escrita na formação dos sujeitos Ao contrário insistimos na tese de que a concepção crítica da leitura passa pela denúncia da desigualdade social e das formas de escamoteação ideológica desta desigualdade Descontextualizada e limitada a práticas individuais a ideia de que por meio da leitura podese ascender socialmente não apenas é falsa como principalmente acaba por reforçar o preconceito político e social contra os segmentos sociais marginalizados Pobre quando lê lê coisas sem importância diriam os leitores elitistas Em contraposição à visão domesticadora da leitura é preciso postular o leitor crítico como o faz Ezequiel Theodoro da Silva numa sociedade como a nossa onde se assiste a reprodução eterna das crises e à naturalização da tragédia e da barbárie a presença de leitores críticos é uma necessidade imediata de modo que os processos de leitura e os processos de ensino da leitura possam estar vinculados a um projeto de transformação social Não é fácil bem o sabemos a formação do leitor crítico O modo de produção e consumo capitalista fundamentase num espírito competitivo e antissocial próprio da acumulação desenfreada do capital e do poder A indústria do entretenimento pasteuriza os valores transformando tudo inclusive as artes em mercadoria A globalização mais do que aproximar os povos e as culturas tem reforçado a lógica perversa da exclusão e a negação das saídas coletivas do ser social a crítica da própria sociedade em que está inserido O leitor crítico seria então aquele que na leitura se afirma e se reconhece como parte do processo de produção de sentido Ele não toma impunemente a palavra alheia e a reproduz mas sim mesmo quando concorda com o autor do texto dirige a ele texto autor sua contraposição assumindo conscientemente para si o que foi enunciado por outro Caso contrário ele se desfaz como sujeito se alia ao que é do conhecimento João Wanderley Geraldi observa que um leitor que não oferece as palavras lidas as suas contraposições recusa a experiência de leitura É preciso vir carregado de palavras para o diálogo com o texto E essas palavras que carregamos multiplicam as possibilidades de compreensões do texto e do mundo porque são palavras que sendo nossas são de outros e estão dispostas a receber hospedar e modificarse face às novas palavras que o texto nos traz O excluído de fato da leitura não é o sujeito que sabe ler e não gosta de romance mas o mesmo sujeito que no Brasil atual não tem terra não tem emprego não tem habitação A quinta história e as outras Sobre leitura e construção de sentidos Dizse que as possibilidades da leitura literária assim como as galerias da biblioteca de Babel e a memória de Funes são infinitas Há aí para além do truísmo do inusitado de cada momento da existência evidente exagero De fato essa concepção talvez pela dificuldade de estabelecer um sentido exato para novo tem estimulado muita confusão teórica e metodológica dizse sem muito cuidado para suas implicações que qualquer leitura interpretaçãointeligência é legítima e possível que o leitor é quem constrói o significado do texto que o sentido primeiro do texto se perde em sua origem e que os sentidoslimítrofes são os que sobrepõem a história e outras ideias desse jaez Tento explorar neste artigo de uma perspectiva da lingüística mas também com um olhar pedagógico possibilidades e limites da interpretação na leitura de textos literários Busco acima de tudo encontrar o equilíbrio De coisa trata A Quinta História de Clarice Lispector Chamase também Leibnitz e a transcendência do amor na Polinésia e começa assim queixeime de baratas Não há mais informação a menos que se saiba dessa e se vê às histórias anteriores em busca de um princípio São várias histórias todas com o mesmo básico uma mulher se vê às voltas com baratas em seu apartamento e por sugestão de uma vizinha avia uma receita caseira para matálas O gesto repetitivo de matar baratas desencadeará um processo psíquico de características neuróticas Como isso não explica nada vem a pergunta que história é esta que são muitas e a mesma Tratase de acabar com as baratas está bem Mas de uma palavra dita sem compromisso à altura que permitisse sua adição pela vizinha desta palavra brotará um turbilhão de outras Baratas se as há há que se queixar delas se há o incómodo que elas causam há a necessidade de livrarse delas matandoas E o gesto consciencioso e laborioso de preparar o veneno faz o gesto transformarse em desejo de matar assassino e se há crime há culpa e o castigo na forma do eterno retorno uma batalha de baratas subirá todas as noites pelos canos e invadirá os espaços internos da casa A solução é a expiação do pecado a deetezização a higiene moderna salvadora Neste momento já fiz minhas as baratas e impossibilitada de amar objeto tão asqueroso viajo para bem longe a terra idílica de um amor sem culpas onde mulheres andam nuas a Polinésia na busca da transcendência amorosa Viagem interna livresca metafísica Leibnitz promotor do interno retorno a quinta história é a primeira mesma Volto ao ponto inicial pronta para recomeçar E para evitar a loucura ou a morte é preciso como Sherazade fazer da história o infinito Por isso a história embora única seriam mil e uma se eu me una noites mes dessem Agora a história retoma a realidade do discurso de onde nunca saiu verdadeiramente o texto instala o espaço da subjetividade é processo de significações lugar de sentidos A significação não está na palavra nem na alma do falante assim como não está na alma do interlocutor Ela pertence a uma palavra enquanto traço de união entre interlocutores isto é só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva De maneira esquemática temse Texto Autor Leitor Significação Desta forma o triângulo original é reinterpretado nos seguintes moldes Texto em produção Autor Imagem de Leitor Reparese que o texto também passa a ser virtual ele não existe está sendo feito é processo Texto em leitura Imagem Autor Imagem de Leitor Outra vez o texto é virtual só existindo enquanto impressão a leitura está sendo feita é processo João Wanderley Geraldi em comunicação pessoal chamoume a atenção para outros níveis de significação que a leitura permite a partir das relações que os vértices do triângulo interlocutivo mantêm com outros triângulos são tais expansões que permitem as múltiplas possibilidades de produção de sentido dentro de um campo aparentemente limitado Autor Leitor intermediário escola amigo família Texto Leitore Essa observação amplia enormemente a ideia de leitura como um processo em que vários sujeitos estão inseridos cada qual com sua história sua experiência suas projeções e expectativas A imagem final é a de vários triângulos articulados autores histórias leitores textos momentos padrões intertextos etc O que este esquema revela é que sim são praticamente ilimitadas as possibilidades de significação do texto especialmente no caso de textos abertos como são os literários uma vez que os emaranhados discursivos se farão sempre por caminhos insusitados Conforme Umberto Eco em sua conhecidíssima Obra Aberta Assim as possibilidades de leitura de uma obra literária se estabelecem na e com a História e com as aprendizagens de leitura de cada leitor e das comunidades de leitores O leitor se assume como sujeito da leitura e simultaneamente reconhece o outro o autor os demais leitores a cultura e seus sentidos nos sentidos que produz Aprender a ler para além da decifração necessária ao trato com a escrita é também aprender na cultura os jogos e as determinações que fazem os textos O leque do I Ching Sobre os limites de leitura e interpretação Proponhamos neste texto uma análise do I Ching o livro das mutações levando em consideração uma teoria da leitura que reconheça que a produção última do sentido passa tanto pela forma em que o texto se apresenta como pela ação intelectiva do leitor Uma teoria mais acabada da leitura implica vários aspectos que não serão considerados tais como aqueles aportados por uma teoria de língua e uma teoria do conhecimento Para nosso propósito assumimos que uma língua não é um sistema fechado apresentandose sempre em movimento e que o processo de produção de sentido passa pelo tipo de interação que locutor e interlocutor estabelecem em função do contexto e suas referências ao mundo A leitura é uma expressão desse processo com a particularidade de que para o texto escrito os momentos de produção e de recepção a fala do locutorautora e a audiência do interlocutorleitor estão espacialmente separados dando a impressão de que o texto é independente Na leitura leitor autor são personagens de um processo intersubjetivo em que por características específicas destacase a materialidade da interlucação o texto escrito diferentemente do oral tem autonomia e perenidade Essa característica permite que a cada momento um dos polos do processo fica elidido tendo reduzido o poder de controle É essa situação que oferece a ilusão de que o leitor é pleno senhor do texto e que cabe a ele e somente a ele dar sentido ao texto Mas não é assim se fosse bastaria um único texto pleno e absoluto capaz de absorver todos os sentidos e interpretações Uma interessante ímpasse se revela aqui O I Ching está organizado em três livros cada qual com duas partes No primeiro livro o texto encontramse os 64 hexagramas que compõem o universo do I Ching e que se deve consultar por meio de processos particulares ligados ao acaso como explicaremos adiante No segundo livro o material está a discussão sobre dos trigramas e o grande tratado que fundamenta a sabedoria do livro e que teria sido escrito provavelmente por Confúcio e Lao Tsé Finalmente no terceiro livro os comentários repetemse os hexagramas do primeiro livro com comentários adicionais É interessante ressaltar que o I Ching não tem autoria definida Reputase a Confúcio e Lao Tsé a autoria de certas passagens mas a tradição da obra o constante acréscimo de comentários e seu caráter oracular e sapiencial garantemlhe um nobre anonimato Será neste ambiente que se realizará a pergunta a qual também é regida por normas precisas o resultado da consulta depende da formulação da pergunta Assim põese no consulente a responsabilidade do sucesso do processo O oráculo não erra A pergunta deve ser clara não ter mais de um significado visado e não ser do tipo simnão já que o I Ching não oferece informações específicas desta natureza ou que informem datas e lugares O que vem dele são reflexões sobre a vida e sua relação com o universo ou preceitos éticos Gustavo Alberto Corrêa Pinto que assina o prefácio à edição brasileira assim explica esta questão Ao lado da intenção correta supõese a forma correta isso significa estarmos aptos a dar expressão de modo claro inequívoco sintético e preciso ao que procuramos A pergunta formulada de modo ambíguo ou vago evidencia uma visão turva e confusa do que se busca e resulta na incapacidade de se reconhecer aquilo que não se sabe ser o objeto da busca Isso não significa que desde logo o consulente saiba que sua pergunta não é boa ao contrário ela pode parecer exata conforme o que deve ser e quando não recebe resposta efetiva que o consulente saberá de sua confusão se dá dificuldade de perceber o problema Daí resulta que apenas quem tem a pergunta clara está apto a encontrar respostas adequadas e também se demonstra que nem todos podem consultar o oráculo Por que a exclusão Ocorre que o I Ching livro sagrado que é não falha e há uma falha essa tem de ser do consulente que não soube elaborar a pergunta ou mais ainda não trilhou os caminhos do autoconhecimento A resposta de fato deve já estar na mente daquele que pergunta cabendo ao I Ching fazer com que tal ocorra sua manifestação Cabe ressaltar que diferente do que se verifica em outros sistemas oraculares cujos assuntos da ordem do senso comum são pressupostos no modelo e os comentários independem da pessoa na consulta ao I Ching a pergunta mais que seu ritual é fundamental Sem ela o texto tornase vazio ou demasiado restritivo ou ainda um quase nonsense A grandiosidade tem sucesso É favorável empreender algo em assuntos menores Hexagrama 22 a frase não diz nada o sentido é vago e indefinido Feita a pergunta passa o consulente a jogar as moedinhas ou varetas método mais complexo de cuja combinação resulta a indicação de leitura de um dos 64 hexagramas e nesse momento que intervém o acaso escolhendo pela sorte qual deve ser o reflexo E a entrada o fascínio do livro que sempre responde adequadamente a pergunta corretamente formulada realizado o ritual que conduz à leitura do hexagrama chegase finalmente a ele Ali estará a resposta há que procurála Que outro convite à interpretação pode ser maior Contudo o livro não é um objeto estático Se por um lado a tradição do I Ching nos coloca como únicos responsáveis pelo significado da resposta por outro não há como deixar de notar a materialidade e a forma do livro A escrita com todo o seu peso e aqui como a força que lhe empresta o anonimato mítico as palavras falam por si está presente O texto deslocado de seu ambiente original daquele que o gerou e o mediativizou inicialmente reinsecrevese numa cultura que faz do verbo a carne e revela a palavra grafada a dito como lei E nessa cultura urbana industrial e de massa em que vejam formas alternativas de comportamento o I Ching ganha um novo contexto de leitura Que sentido terá o escândalo da sua sintaxe a leveza das imagens o jogo de antíteses oxímoros e metáforas Alguns autores atuais de leitura têm sustentado que a produção de sentidos está a cargo do leitor com base nas diretrizes e referências da cultura refaz o texto Borges explorou magistralmente essa imagem em Pierre Menard autor do Quixote Paradoxalmente o livro do I Ching parece ser o exemplo e o contraexemplo dessa ideia Na medida em que permite ser recontextualizado soprando do Oriente a aura mística as imagens sugestivas os ritos e perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas ele reforça as perspectivas subjetivistas e relativistas e na medida em que o papel da interpretação está mais na subjetividade do consulente a possibilidade de a resposta certa encaixarse é grande Tomese como contraponto a leitura de uma notícia cujo campo semântico e sistema de referência históricosocial são muito mais restritivos Noutro nível estão os jogos de figuração semânticas e sintáticas que integram o texto Composto basicamente de alegorias metáforas e metonímias proposicionalmente se pode dizer pois que os comentários interpretam as figuras com novas figuras seu discurso ambíguo e sustentado em expressões genéricas remete o leitor para uma realidade muito apartada daquela que vive imediatamente pedindolhe que faça o papel de intérprete Poderseia argumentar que as metáforas teriam outros sentidos na milenar cultura oriental mas mesmo que isso servisse de argumento a favor da ideia de que é o leitor socializado em seus valores que dá sentido ao texto isso também evidencia que é a organização textual deliberadamente indefinida que abre possibilidades de leituras genéricas sem lugar e sem tempo Cabe atentar para dois aspectos que embora não essenciais são muito significativos a remetendo para lugares e relações remotas o texto adaptase bem ao espírito nostálgico e fantasista do leitor urbano tomemse de exemplo as imagens recorrentes de montanha água vento lago quietude repouso b algumas imagens podem ser lidas mais ou menos literal ou figurativamente dependendo da pergunta que se faz pai mãe homem superior líder podem ser aquilo que imediatamente referem ou a representação de um papel social ou psicológico Não tema A partida rumo ao sul traz boa fortuna Hexagrama 46 julgamento Dificuldade sucesso perseverança fortuna ascensão Todos esses termos são expressões vagas que podem ser preenchi dos de acordo com a disposição anímica do leitor Uma compreensão bastante difundida deste hexagrama entre leitores do I Ching sugere que ele está advertindo as pessoas que brincam com o livro ou de sacramentado dele ou ainda insistem em fazer perguntas mal formuladas neste caso o que se diz na segunda parte deve ser tomado literalmente sendo a primeira um exemplo disto 18 KU TRABALHO SOBRE O QUE SE DETERIOROU Acima KÊN A QUIETUDE MONTANHA Abaixo SUN A SUAVIDADE VENTO JULGAMENTO TRABALHO SOBRE O QUE SE DETERIOROU tem sublime sucesso É favorável atravessar a grande água Antes do ponto de partida três dias depois do ponto de partida três dias trabalhar sobre o que se deteriorou pode ter dois sentidos absolutamente antagônicos a recuperação ou o abandono do deteriorado isto é podese investir na reconstrução do que se deteriorou ou sobre suas ruínas construir algo novo Essa dupla perspectiva é reforçada pela igualmente duplicada possibilidade de interpretação da segunda frase do julgamento é favorável atravessar a grande água Podese bem entender por atravessar a realização de movimento de abandono do deteriorado de superação de criação de novas situações e podese pelo contrário entender que se trata de fazer o enfrentamento necessário das dificuldades para superálas e recuperar o que se deteriorou Assim aquele que quer abandonar seu casamento encontra tanta motivação para fazer isso como aquele que quer mantêlo apesar das dificuldades o jovem revolucionário pode ver aí tanto o estímulo para a grande marcha como a sugestão para a redefinição de rumo de vida e o enfrentamento das dificuldades que advirão com o abandono da causa o trabalhador encontra condições de permanecer no emprego ou de sair dele para buscar algo melhor o doente verá o fim de uma etapa ou se consolará com a metamorfose na vida Tomemos agora um trecho que apresenta as características descritas na seção anterior O homem não deve recuar amedrontado diante do trabalho e do perigo simbolizados pela travessia da grande água e sim é a manifestação complexa de uma filosofia e de uma sabedoria milenar Quisemos isto sim inquirindo sobre os processos de leitura que se fazem com ele e por ele identificar estratégias discursivotextuais de forma a dar ao texto uma forma aberta E há que observar que mesmo num caso como este prevalece a advertência de Umberto Eco de que abertura não significa absolutamente indefinição da comunicação infinitas possibilidades da forma liberdade da fruição e mais que as obras literárias convidam à liberdade de interpretação porque propõem um discurso com muitos planos de leitura defrontandonos com a ambiguidade da linguagem e da vida Para intervir nesse jogo em que cada geração lê as obras literárias de um modo diferente é preciso ter profundo respeito por aquilo que chamo a intenção do texto Um terceiro subentendido no discurso de formação de leitor o de maior apelo e ao mesmo tempo o mais complicado de todos é a sugestão de que ser leitor é sempre e necessariamente algo positivo caso contrário não se justificaria o enorme esforço que se tem empreendido no incentivo de tal comportamento Ideias como essas têm servido de fundamento e estimulado a programas de incentivo à leitura e justificado as mais variadas campanhas de promoção da leitura elas são motivo de livros e de preocupação pedagógica e desafortunadamente resultam de e em um aparente e perigoso consenso Por isso contrariando o consenso trato neste texto de pôr em questão algumas dessas crenças subjacentes ao debate político e pedagógico em torno da leitura fazendo uma clínica negativa do que se tem entendido por promoção de leitura por meio disto que chamei de Máximas impermantes A LEITURA NÃO É BOA NEM MÁ LEITURA É LEITURA Que coisa é essa de ser leitor Tratase de uma categoria em que se inclui determinado tipo de pessoa assim como ocorre com consumidor dono motorista passageiro espectador usuário assinante pedestre assegurado cliente eleitor Tais atributos são por assim dizer alguns dos muitos modos de ser que se incorporam à condição de cada necessidades de cada um Não há nenhum valor ético ou moral necessariamente associado ao exercício da leitura ela se presta a muitas finalidades e é realizada por pessoas de todas as índoles de qualquer ideologia E assim como não faz sentido dizer que alguém por ser cliente leitor usuário ou assegurado tornase melhor ou pior mais ou menos crítico também não faz sentido afirmar que uma pessoa tornase melhor ou pior mais ou menos crítica por ser mais ou menos leitora ou ser leitora disto ou daquilo A LEITURA NÃO SALVA NEM CONDENA A LEITURA É O leitor porque leitor destacase da vida medíocre e se eleva à condição de um ser valioso que sabe de si e do mundo que viaja e conhece lugares imagináveis palavras extraordinárias A leitura é o alimento do espírito instiga a fantasia provoca a curiosidade aguça o raciocínio Esta representação apenas aparentemente exagerada brota do discurso redentor salvífico que vincula a leitura a um processo civilizatório tornando o leitor uma pessoa boa solidária respeitosa de si e dos outros criativa Crianças de rua se leitores serão melhores um método socializador pessoas hospitalizadas experimentando leitura sofrerão menos um lenitivo pessoas com sofrimento psíquico se organizam mentalmente pela leitura uma terapêutica jovens inseguros e arredios se descobrem uma pedagogia tímidos se relacionam com mais desenvoltura um disparador O leitor porque leitor destacase da vida medíocre e se eleva à condição de um ser valioso que sabe de si e do mundo que viaja e conhece lugares imagináveis palavras extraordinárias A leitura é o alimento do espírito instiga a fantasia provoca a curiosidade aguça o raciocínio Esta representação apenas aparentemente exagerada brota do discurso redentor salvífico que vincula a leitura a um processo civilizatório tornando o leitor uma pessoa boa solidária respeitosa de si e dos outros criativa Crianças de rua se leitores serão melhores um método socializador pessoas hospitalizadas experimentando leitura sofrerão menos um lenitivo pessoas com sofrimento psíquico se organizam mentalmente pela leitura uma terapêutica jovens inseguros e arredios se descobrem uma pedagogia tímidos se relacionam com mais desenvoltura um disparador Sim é possível que uma experiência estética intensa pela força da arte desencadeie processos psíquicos variados inclusive de bemestar e organização Sim é possível que o texto funcione como mediador de relações e contribua para que um pedagogo se aproxime de crianças difíceis Sim é possível que um jovem se descubra lendo uma história desafiadora provocadora de emoções difíceis de dizer e se supere de muitas formas A leitura é o alimento do espírito instiga a fantasia provoca a curiosidade aguça o raciocínio Esta representação apenas aparentemente exagerada brota do discurso redentor salvífico que vincula a leitura a um processo civilizatório tornando o leitor uma pessoa boa solidária respeitosa de si e dos outros criativa Crianças de rua se leitores serão melhores um método socializador pessoas hospitalizadas experimentando leitura sofrerão menos um lenitivo pessoas com sofrimento psíquico se organizam mentalmente pela leitura uma terapêutica jovens inseguros e arredios se descobrem uma pedagogia tímidos se relacionam com mais desenvoltura um disparador A leitura é o prazer que se pode sentir e provocar O interesse que nada disso é exatamente falso Sim é possível que uma experiência estética intensa pela força da arte desencadeie processos psíquicos variados inclusive de bemestar e organização escalar a montanha como sofreu para prepararse física e intelectualmente para a tarefa Ler é difícil Ler coisas interessantes e que transcendem o prosaico cotidiano é mais difícil Ler arte e percebêla é mais difícil E é isso que faz da leitura um gesto encantador TODA ESCOLHA É SÓ UMA ESCOLHA POSSÍVEL NENHUM LEITOR É LIVRE Um dos pilares da pedagogia moderna está na assumpção do protagonismo do sujeito no processo de aprendizagem Mais que ensinar as pessoas aprendem assumese atualmente Esta tese cara à educação contemporânea tem como correlato corrompido a ideia de que não se ensina e que basta deixar o aprendiz livre num ambiente de aprendizagem que ele se desenvolverá naturalmente Este erro nasce da concepção liberal de sujeito que supõe a iminência da personalidade e naturalidade de capacidade e tendências intelectuais e psicológicas Contudo nenhuma pessoa nasce feita nem o que é humano está previsto em sua biologia A humanidade é um produto da história e não da natureza e assim também cada indivíduo em sua singularidade é fruto da complexa relação que se estabelece entre ele e o mundo entre ele e os outros mais próximos desde a mais terna infância o livro aberto o velho com a criança no colo e o livro aberto na mão o intelectual diante de enormes fileiras de livros sisudos São imagens recorrentes em iconografias de leitura Imagens de algo que reconforta diverte instrui instiga a imaginação Imagens que reproduzem um modo de ler apropriado É interessante perceber objetos que combinam com ler se criança almofada se mulher sofá se homem óculos e caneta Interessantemente ao lado desse clichê de leitor bemcomportado reside seu antipoda a imagem do maravilhoso maldito o escritor que deixa morrer a amada mas salva seu manuscrito do naufrágio que passa a noite em claro debruçado sobre sua obra sacrificando a saúde que experimenta radicalmente a vida e morre ainda jovem de cirrose hepática ou de overdose que se suicida num quarto sórdido de Paris As duas imagens se sobrepõem para construir o mito da superioridade do leitor de um lado o gênio indomável do artista do outro a fruição pacífica e bemcomportada do pequeno burguês PODER LER É UM DIREITO LER É EXERCÊLO Aqui reside a questão central A escrita e a leitura sempre foram e continuam sendo instrumentos de poder e nesse sentido sempre estiveram e continuam estando articuladas aos processos sociais de produção do conhecimento e de apropriação dos bens econômicos éticos morais ou sociais para pôr em questão certas diversões macabras Divertirse é muito bom e não tem por que suprimir a leitura não seja um bom divertimento Mas enquanto divertimento ela não é diferente de qualquer outra forma de entretenimento prazer por prazer tanto faz ler ou ver Ela não forma ou transforma ninguém não produz nenhuma mudança na sociedade nem conduz a outros hábitos De qualquer modo não se pode esquecer que na sociedade industrial moderna a indústria do entretenimento é uma das maiores do mundo movimentando somas fantásticas de dinheiro Nesse sentido o livro ou revista é uma mercadoria como outra qualquer como um brinquedo um doce ou uma peça de vestuário e cabe aos empresários do setor promover seus produtos LER NÃO É FÁCIL NEM CHATO LER É DIFÍCIL Dizem que ler é chato E paradoxalmente dizem que é gostoso Como é isso O jovem dizem não gosta de ler porque o obrigam a isso e mais obrigamno a ler o que não quer que não tem interesse uma literatura antiga cansativa descritiva com um vocabulário raro uma sintaxe não falam da sintaxe mas podiam dizer retórica uns assuntos tediosos Machado de Assis Camões Alencar Eça de Queirós Graciliano Lima Barreto para citar apenas alguns maus exemplos da literatura Sem direito à escolha e sem interesse pelo que se lhe apresenta o jovem insistem não se faz leitor Daí que para que as pessoas se tornem leitoras é preciso oferecerlhes textos de seu interesse escritos numa linguagem que agrade e atraia ora faça com que a pessoa entenda logo o assunto e queira continuar lendo gostando de ler Há aí uma perversa lógica circular eu gosto porque sei eu sei por que gosto de empobrecimento intelectual e estético travestida de uma pedagogia do gostoso O que uma pessoa sabe resulta das experiências sociais e afetivas que vivenciou é também assim como o que gosta e como o que sente e como o que interessa Nenhuma dessas propriedades do humano interesse curiosidade gosto conhecimento é inata ou imanente nenhuma nasce com a pessoa nem lhe é transmitida por genética Aprender a gostar de ler como estudar esculpir analisar de indagar é um processo dinâmico intenso e muito difícil Exige determinação esforço perseverança disciplina Haverá satisfação prazer em função da percepção do domínio da coisa da sensação de realização e do reconhecimento E por mais que seja autoajuda vejome tentado a dizer que isso é o mesmo que acontece com o prazer do alpinista no topo do mundo antes disso ele sofreu para